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Relações Internacionais - Teoria e História - Módulo I
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MDULO I - CONCEITOS ELEMENTARES E CORRENTES
TERICAS DAS RELAES INTERNACIONAIS
Unidade 1 - As Relaes Internacionais no Mundo Contemporneo: Dilemas e
Perspectivas
Unidade 2 - Conceitos Fundamentais
Unidade 3 - Correntes Tericas das Relaes Internacionais
Unidade 4 - O Realismo
Unidade 1 - As Relaes Internacionais no Mundo
Contemporneo: Dilemas e Perspectivas
Ao final desta Unidade inicial, o aluno dever estar apto a:
identificar os principais pontos da agenda de relaes internacionais
contemporneas;
estabelecer o conceito e as caractersticas da Globalizao;
estabelecer a importncia das relaes internacionais para o Brasil;
assinalar a evoluo histrica e a importncia de Relaes Internacionais
como disciplina acadmica.
Em um curso de educao a distncia por meio da Internet, o estudante tem
um papel central no estabelecimento de uma relao de qualidade com o
contedo proposto. Portanto, procure organizar-se para ter o melhor
aproveitamento possvel do curso.
Pg. 2 - As Relaes Internacionais no mundo contemporneo
Antes de iniciar os estudos desta unidade, assista ao primeiro vdeo
educacional da srie: Conexo Mundo ("Aldeia Global - Mundo Digital"),
disponvel na pgina do ILB.
Conexo Mundo uma srie de 20 programas sobre relaes internacionais
que oferece informaes necessrias compreenso dos novos processos de
intercmbio entre as naes. Os programas enfocam toda a histria das
relaes entre os povos, os tratados e polticas para a nova ordem
internacional e procuram desvendar conceitos como o de globalizao,
blocos econmicos etc.
As ltimas dcadas do sculo XX foram marcadas pela intensificao das
relaes entre os povos, de uma maneira como nunca experimentada
anteriormente. Cada vez mais, as distncias esto menores, tempo e espao
perdem o significado que tinham para nossos pais e avs, e as pessoas de
diferentes locais do globo tomam conscincia de que a menor distncia entre
dois pontos uma tecla.
O sculo XXI chegou trazendo grandes conquistas: o mundo est menor,
globalizado, interligado fsica e eletronicamente; pode-se tomar caf em Londres
e almoar em Washington; as fronteiras perdem sua importncia; o sistema
internacional v-se cada vez mais integrado; a tecnologia alcana milhes de
pessoas, e no h limite ao conhecimento humano. O ltimo sculo do segundo
milnio presenciou uma evoluo tecnolgica inimaginvel!
Pg. 3 - O Processo de Globalizao
O termo globalizao pode ser entendido como fenmeno de acelerao e
intensificao de mecanismos, processos e atividades, com vista promoo de
uma interdependncia global e, em ltima escala, integrao econmica e
poltica em mbito mundial. Trata-se de conceito revolucionrio, envolvendo
aspectos sociais, econmicos, culturais e polticos. Registre-se, ademais, que
essa apenas uma das vrias conceituaes do fenmeno, o qual no recente,
mas se acelerou a partir da segunda metade do sculo XX.
Um dos aspectos mais importantes da globalizao envolve a ideia crescente do
mundo sem fronteiras. Isso perceptvel em termos como aldeia global e
economia global. Poucos lugares do mundo esto a mais de dez dias de
viagem, e a comunicao atravs das fronteiras praticamente instantnea.
Em nossos dias, com as economias interligadas, blocos se formam, com
consequncias que ultrapassam os benefcios econmicos, pois as conquistas
sociais e polticas de um membro do bloco logo devero chegar aos territrios
de todos os outros. Princpios como a democracia e a prevalncia dos direitos
humanos podem ser defendidos e argudos em troca de benefcios econmicos.
Cite-se, por exemplo, o caso de pases como Grcia, Portugal e Espanha, que,
para serem aceitos na ento Comunidade Europeia, tiveram que promover
importantes mudanas econmicas, sociais e polticas. O mesmo se aplica
Turquia, que aspira a tornar-se parte da moderna Europa.
No caso do Mercado Comum do Sul (MERCOSUL), h a chamada "clusula
democrtica", a qual estabelece que apenas pases sob regimes democrticos
podem participar do bloco. Essa clusula evita as alternativas autoritrias em
alguns pases do Mercosul, em momentos de crise institucional.
Assim, o atual processo de globalizao envolve a integrao econmica
mundial em diversos nveis, com a reduo das distncias em virtude do
desenvolvimento de mecanismos de produo e distribuio de bens em escala
global, e do fortalecimento dos meios de comunicao. Nesse contexto, novos
atores, como as organizaes no governamentais, as empresas transnacionais,
a opinio pblica e a mdia, ganham destaque ao influenciarem a conduta dos
Estados.
Uma leitura essencial sobre o tema o artigo de Paulo Roberto de Almeida,
Contra a Antiglobalizao.
Pg. 4 - Dilemas da Globalizao
Entretanto, a globalizao tambm marcada por problemas em escala mundial.
Nesse sentido, h a criminalidade, que ultrapassa as fronteiras dos Estados, com
organizaes criminosas exercendo suas atividades ilcitas no mbito
internacional. Crimes como o narcotrfico, o trfico de armas, o trfico de
pessoas e de animais e a pirataria, todos esses h muito no so problemas
exclusivos de um ou outro pas, mas questes globais que devem ser encaradas
sistemicamente. E a base do crime organizado a lavagem de dinheiro, que
movimenta cerca de um trilho de dlares por ano no mundo, ou 4% do Produto
Interno Bruto (PIB) mundial, segundo a Organizao das Naes Unidas (ONU).
Assim, ao lado das grandes conquistas, h novos e grandes desafios: parte
significativa da populao mundial ainda permanece no sculo XIX. Naes ricas
e prsperas convivem com Estados que comportam milhes de miserveis.
Alguns locais do globo ainda no saram da Idade Mdia! Novas e antigas
doenas afligem milhes. Cite-se, ainda, a parte significativa da raa humana
que sofre com a fome, a pobreza, as guerras. A sociedade internacional
presencia crises econmicas, polticas, culturais e sociais. E o destino da
humanidade permanece uma grande incgnita.
Pg. 5 - Meio Ambiente, Direitos Humanos, Conflitos Internacionacionais
Outro importante tema de relaes internacionais neste mundo globalizado
envolve os problemas ambientais. Cada vez mais a humanidade toma
conscincia de que o meio ambiente no pode ser tratado como assunto interno
dos Estados e que os danos ambientais ultrapassam as fronteiras. A terra um
corpo nico e seus recursos so patrimnio de todos os seres humanos e das
futuras geraes. Da que os males causados ao meio ambiente afetam toda a
humanidade.
Convm registrar que, para Relaes Internacionais como disciplina acadmica
ou rea do conhecimento, empregaremos iniciais maisculas, enquanto que,
quando nos referirmos ao objeto de estudo, usaremos o termo em minsculas.
No ltimo quartel do sculo XX, a proteo ao meio ambiente passou a ser uma
das grandes preocupaes da comunidade internacional, no s na esfera de
governo, mas tambm entre todos os habitantes do planeta. A Conferncia do
Rio de Janeiro de 1992 exerceu essa salutar influncia, e multiplicaram-se nas
ltimas dcadas os tratados sobre todos os aspectos ambientais, tanto assim
que se calcula em mais de mil os tratados internacionais assinados sobre o tema.
Tambm a proteo aos direitos humanos um assunto em voga, sobretudo
quando notcias de violaes a esses direitos nos chegam de todas as partes do
planeta. No moderno sistema internacional, agresses contra uma pessoa
devem ser consideradas crimes contra toda a raa humana. O intenso trabalho
das cortes internacionais de direitos humanos na Europa e no continente
americano refletem essa nova realidade.
Ademais, medida que nos aproximamos uns dos outros, surgem tambm os
conflitos, outro componente marcante da agenda internacional desde sempre. E
no extremo dos conflitos, temos a guerra, sob suas diferentes formas. Nesse
sentido, o sculo XX foi marcado por uma grande quantidade de guerras por todo
o globo, inclusive com dois conflitos que envolveram praticamente toda a
sociedade internacional.
De fato, uma das grandes certezas do sculo XXI que nele ainda
presenciaremos o fenmeno da guerra. Entretanto, alguns cogitam mesmo que
a guerra, neste sculo, no ser mais entre pases, mas entre civilizaes
(HUNTINGTON, 1998).
Pg. 6 - Importncia do conhecimento de Relaes Internacionais
Eis, portanto, o grande paradoxo global: ao lado de grandes conquistas, grandes
desafios! E nesse contexto que se percebe a necessidade de conhecimento
das relaes internacionais. Atualmente, quem no estiver informado sobre o
que ocorre no mundo poder ver-se bastante limitado, pessoal e
profissionalmente.
Hoje, a sociedade internacional est to interligada, to integrada em um
processo de globalizao, que situaes ocorridas na China podem afetar a ns,
brasileiros, do outro lado do planeta. Da que o problema do outro passa a ser
tambm um problema nosso, e o bem-estar de cada homem passa a significar o
bem-estar de toda a humanidade. Nesse contexto, se voc no parte da
soluo, parte do problema!
Assista aula proferida pelo Professor Doutor Joanisval Brito Gonalves, por
ocasio de curso presencial ministrado no ILB. Aqui
Aumente o som de seu equipamento e bons estudos!
O Brasil e as Relaes Internacionacionais
Como quinto maior pas do globo em populao e dimenso territorial, e estando
entre as maiores economias do planeta, com condies e pretenses de se
tornar uma grande potncia, o Brasil no pode se furtar a ter um papel de
destaque nas relaes internacionais. As transformaes e acontecimentos no
mundo globalizado faro cada vez mais parte de nosso dia a dia, em uma
tendncia praticamente irreversvel.
Estamos estrategicamente localizados, temos fronteiras com praticamente todos
os pases sul-americanos, e com o Atlntico, principal via para a Europa e a
frica. Ademais, somos uma nao tida como pacfica e respeitadora do direito
internacional e com incontestveis atributos de liderana regional. Finalmente,
no devemos desconsiderar nossas maiores riquezas: os recursos naturais e um
povo multitnico, empreendedor e, nos dizeres de Gilberto Freyre, com suas
peculiares caractersticas antropofgicas.
Pouco significativa diante de suas potencialidades a atuao brasileira no
cenrio internacional. Apenas nas ltimas dcadas do sculo XX que o Brasil
comeou a se fazer mais presente. Isso coincide com o surgimento e o
desenvolvimento dos primeiros cursos de Relaes Internacionais no Pas e com
o aumento do interesse nas questes internacionais por parte de diversos
setores da nossa sociedade.
premente a necessidade de que os brasileiros tenham algum conhecimento de
Relaes Internacionais. Na Administrao Pblica, essa demanda mais
evidente. No Poder Legislativo, fundamental que aqueles que assessoram os
legisladores conheam as principais linhas da poltica internacional to bem
quanto conhecem a poltica interna brasileira. Afinal, poltica interna e poltica
externa esto estreitamente relacionadas: as aes daquela afetaro e sero
afetadas por esta e vice-versa.
Um stio interessante para o estudante e o profissional de Relaes
Internacionais o Inforel, que traz cobertura atualizada das questes gerais da
rea e tambm de defesa nacional, alm de artigos com anlises interessantes.
Pg. 7 - As Relaes Internacionais e a Constituio Brasileira
A importncia das relaes internacionais tambm pode ser percebida na
maneira como o tema tratado na Constituio Federal. A Carta Magna, j em
seu Ttulo I, referente aos Princpios Fundamentais, estabelece, no art. 4, os
princpios que regem as relaes internacionais do Brasil:
independncia nacional;
prevalncia dos direitos humanos;
autodeterminao dos povos;
no interveno;
igualdade entre os Estados;
defesa da paz;
soluo pacfica dos conflitos;
repdio ao terrorismo e ao racismo;
cooperao entre os povos para o progresso da humanidade;
concesso de asilo poltico.
Ainda no que concerne Lei Maior, tambm os direitos e garantias fundamentais
esto intimamente relacionados s experincias vivenciadas pela comunidade
das naes ao longo de sua histria. Foi graas s revolues em pases como
a Inglaterra, a Frana, os EUA e a Rssia, e difuso desses princpios para
alm de suas fronteiras, que o mundo moldou uma cultura de direitos
fundamentais que hoje so inquestionveis em todo o planeta. E a violao a
esses direitos gera repulsa da comunidade internacional.
A Constituio de 1988 inovou ao elencar, de forma sistemtica, os princpios
que regem nossas relaes internacionais. Para maior aprofundamento,
sugerimos a leitura do artigo 'Os princpios das relaes internacionais e os 25
anos da Constituio Federal', do Professor Alexandre Pereira da Silva,
disponvel na Biblioteca deste curso, em 'Textos complementares'.
Vereshchetin (1996), por exemplo, v no que chama de fator direitos humanos
um dos principais meios de retomada de uma cultura mnima de proteo
internacional no ps-Guerra. O relacionamento entre Estado e indivduo, que
tradicionalmente foi objeto de preocupao de leis internas, no mais pode ser
considerado uma questo puramente domstica dos pases.
A Constituio da Rssia de 1993, por exemplo, trouxe como princpio a
incorporao das normas internacionais ao sistema jurdico interno e a
prevalncia dos acordos internacionais dos quais a Federao Russa faa parte,
caso estes estabeleam regras que difiram daquelas estipuladas em lei interna.
Isso tem se mostrado uma tendncia constitucional em vrios pases. Quando
no h dispositivos legais expressos, as cortes constitucionais tm dado o rumo
da interpretao.
Na dcada de 1990, as cortes constitucionais da Hungria e da Polnia, por
exemplo, decidiram que a Constituio e as normas internas deveriam ser
interpretadas de tal forma que as normas internacionais geralmente aceitas
tivessem fora efetiva.
H, portanto, em todo o planeta, sinais de uma crescente interdependncia at
mesmo no campo jurdico, e o Tribunal Penal Internacional nada mais que uma
expresso e consequncia disso.
Pg. 8 - O Poder Legislativo e as Relaes Internacionais
As relaes internacionais do Brasil passam efetivamente pelo Poder Legislativo.
Em nosso sistema jurdico-poltico, quaisquer tratados que o Brasil celebre com
outras naes ou com organizaes internacionais devem necessariamente
passar pelo aval do Congresso Nacional antes de serem ratificados.
O art. 49 da Constituio Federal de 1988 claro ao estabelecer, logo nos dois
primeiros incisos, as competncias exclusivas do Congresso Nacional:
Art. 49. da competncia exclusiva do Congresso Nacional:
I - resolver definitivamente sobre tratados, acordos ou atos internacionais que
acarretem encargos ou compromissos gravosos ao patrimnio nacional;
II - autorizar o Presidente da Repblica a declarar guerra, a celebrar a paz, a
permitir que foras estrangeiras transitem pelo territrio nacional ou nele
permaneam temporariamente, ressalvados os casos previstos em lei
complementar;
(...)
E o Senado Federal, por sua vez, tem atribuies mais especficas, pois a Casa
Legislativa que avalia e aprova nossos embaixadores, autoridades mximas das
misses diplomticas brasileiras, designados para representar o Pas no
Exterior. Compete tambm ao Senado autorizar as operaes externas de
natureza financeira dos Estados, do Distrito Federal e dos Municpios.
Cada Casa Legislativa possui comisses encarregadas dos temas de relaes
exteriores e defesa nacional. No Senado Federal, por exemplo, a Comisso de
Relaes Exteriores e Defesa Nacional (CRE), composta por 19 membros
titulares e 19 suplentes, competente para tratar das questes que envolvam as
relaes internacionais do Pas.
A legislao brasileira evidencia a importncia do Poder Legislativo nos destinos
das relaes internacionais. E quanto mais o Brasil busque integrar-se na
comunidade das naes e ocupar o seu devido papel de destaque, mais
importante se faz o conhecimento, na esfera do Legislativo, dos principais temas
da rea.
Pg. 9 - O Estudo das Relaes Internacionais
Antes de concluirmos a primeira Unidade, convm apresentar algumas
consideraes gerais sobre o estudo das relaes internacionais como
disciplina, as reas de atuao do profissional da rea e a realidade brasileira.
O estudo de Relaes Internacionais envolve conhecimentos gerais de Direito,
Economia, Administrao, Histria, Filosofia, Sociologia, Antropologia,
Estatstica e, sobretudo, de questes internacionais contemporneas.
O interesse por temas de relaes internacionais aumentou mais ainda aps os
atentados terroristas de 11 de setembro de 2001. Ao assistirmos queles
dramticos acontecimentos em tempo real, alguns vus foram retirados, e aos
poucos tomamos conscincia de que as distncias fsicas se estreitavam ao
mesmo tempo em que as distncias culturais e sociais aumentavam. O
terrorismo passa tambm a ser uma questo global, que afeta pases nos
hemisfrios Norte e Sul, no Ocidente e no Oriente.
No campo profissional, as relaes internacionais so aplicveis em diversas
reas. No Brasil, h profissionais dessa rea atuando em vrios setores da
Administrao Pblica e da iniciativa privada.
Em termos de carreira, uma das mais conhecidas a diplomacia. O diplomata
o legtimo representante do Governo e da nao junto a outros povos e
organizaes internacionais. Para se tornar um diplomata no Brasil, necessrio
o ingresso na carreira por meio de concurso pblico, promovido pelo Instituto Rio
Branco (IRBr) do Ministrio das Relaes Exteriores. Aprovado no concurso, e,
submetido a um perodo de treinamento no IRBr, o diplomata inicia uma carreira
como Terceiro Secretrio, podendo chegar a Embaixador.
Palcio do Itamaraty
Fonte:www.inforel.org
No servio pblico, alm da Chancelaria, o profissional de relaes
internacionais tem diante si alternativas de trabalho nos vrios rgos da
Administrao Federal, Estadual e Municipal. Afinal, sempre h uma assessoria
internacional em cada ministrio, secretaria, autarquia e empresas pblicas. E
o perfil do internacionalista se destaca. Constata-se a presena de profissionais
de relaes internacionais nas principais carreiras de Estado.
Na iniciativa privada, outro leque de alternativas se abre aos que possuem
formao na rea. Alm das grandes corporaes multinacionais e
transnacionais, as empresas brasileiras de mdio e grande porte j percebem a
necessidade de atuarem em uma economia globalizada. Assim, em um mundo
cada vez mais integrado econmica e financeiramente, as empresas precisam
de profissionais que as auxiliem a se integrarem e a permanecerem no sistema
internacional. Aquelas que desconsideram essa percepo frequentemente
acabam por sucumbir.
Alm disso, h a possibilidade de trabalho nas centenas de Organizaes
Internacionais e Organizaes No Governamentais que atuam no globo: ONU,
OEA, OIT, OMC, OPEP, UNESCO, FAO, Greenpeace, WWF e outras. Braslia
tem representao da maior parte dos organismos internacionais dos quais o
Brasil membro e, com isso, o mercado do profissional de relaes
internacionais se amplia na capital federal.
Pg. 10 - Relaes Internacionais como disciplina independente
At o incio do sculo XX, as relaes internacionais no eram estudadas como
disciplina independente. O estudo do tema estava sempre sob o manto de outras
cincias, como o Direito, a Economia, a Sociologia e a Cincia Poltica.
medida que a sociedade internacional tornava-se mais complexa e as relaes
entre os Estados mais diversificadas, relaes estas que envolviam conflito e
cooperao, e que muitas vezes culminavam em situaes que interferiam
diretamente no cotidiano das pessoas e na poltica interna das naes,
percebeu-se a crescente necessidade de teorias que explicassem a conduta dos
atores em um cenrio internacional. Essas teorias e seu estudo deveriam
constituir uma nova rea do conhecimento, independente e com autonomia para
gerar suas prprias percepes da realidade. Da o aparecimento das primeiras
ctedras de Relaes Internacionais pelo mundo.
Os cursos de Relaes Internacionais surgiram na primeira metade do sculo
XX, nas principais universidades europeias e norte-americanas. Foram
constitudos com o objetivo de produzir conhecimento que explicasse como se
desenvolviam as relaes entre os Estados. Naquele contexto, as perguntas que
impulsionariam o estudo estavam intimamente relacionadas ao grande trauma
da Primeira Guerra Mundial (1914-1918), conflito sem precedentes at ento,
que envolvera diversas naes do globo e causara pesadas perdas, sobretudo
no territrio europeu. Assim, os temas centrais eram:
O que havia conduzido o mundo a uma situao de conflito to drstica?
O que leva os Estados guerra?
possvel se evitar o conflito entre os povos?
Como agem os atores internacionais e quais foras que interferem na
conduta desses entes?
Claro que, no decorrer do sculo XX, o estudo de Relaes Internacionais
diversificava-se medida que os laos entre os povos tornavam-se mais
complexos e novos temas, como cooperao, desenvolvimento, integrao, paz,
direitos humanos e globalizao, vinham baila. Atualmente, a disciplina
ampla e alcana as mais diferentes reas de estudo, e evolui medida que
tambm evolui a complexidade da sociedade internacional. De fato, hoje h
cursos de Relaes Internacionais nas principais universidades do mundo e
profissionais da rea atuando nos mais variados segmentos dos setores pblico
e privado.
O primeiro curso de Relaes Internacionais no Brasil foi institudo na
Universidade de Braslia, na dcada de 1970, fazendo da capital da Repblica o
referencial brasileiro em estudos internacionais. At meados da dcada de 1990,
havia apenas dois cursos de Relaes Internacionais no Brasil na Universidade
de Braslia e na Universidade Estcio de S (Rio de Janeiro). Hoje, so dezenas
de instituies que oferecem a graduao em Relaes Internacionais por todo
o Pas. Trata-se, portanto, de carreira de grata expanso. Mesmo assim, a
contribuio brasileira para as relaes internacionais ainda muito incipiente,
sobretudo para um pas que tem potencial para se tornar uma grande potncia
entre seus pares.
Feitas essas primeiras consideraes acerca do tema de nosso curso, realize as
atividades propostas e, em seguida, passemos s teorias e aos principais
conceitos utilizados pelos profissionais e estudiosos das Relaes
Internacionais.
Unidade 2 - Conceitos Fundamentais
Ao final desta unidade, o aluno dever ser capaz de identificar e definir os
seguintes conceitos fundamentais de relaes internacionais:
Sociedade Internacional;
Atores;
Foras Profundas;
Sistema Internacional;
Potncia;
Hegemonia.
Lembre-se sempre dos objetivos estabelecidos, que devem servir de guias
para o estudo do contedo e para a autoavaliao do cursista. Tenha um bom
aproveitamento!
Pg. 2 - Conceitos Fundamentais
Essencial para o desenvolvimento de nosso curso a compreenso de conceitos
fundamentais de Relaes Internacionais. Nesse sentido, seria complicado
tentar iniciar qualquer anlise de Relaes Internacionais sem as noes desses
conceitos. Dentre eles ressaltamos:
Sociedade Internacional;
Atores;
Foras Profundas;
Sistema Internacional;
Potncia;
Hegemonia.
Antes de iniciar o estudo desta unidade, sugerimos que assista atentamente
aos dois vdeos seguintes do Conexo Mundo,
Conceitos Fundamentais de Relaes Internacionais, disponveis no stio do
ILB.
A seguir, vamos procurar identificar os elementos mais importantes desses
conceitos.
Sociedade Internacional
Um dos primeiros aspectos com o qual se depara aquele que inicia o estudo de
Relaes Internacionais refere-se temtica que envolve a Sociedade
Internacional.
Como definir Sociedade Internacional? Quais os elementos constitutivos desse
conceito?
A ideia de Sociedade Internacional termo cunhado por Hugo Grcio no sculo
XVII permite direcionar a ateno para a atuao padronizada dos Estados.
Apesar da ausncia de uma autoridade central no cenrio internacional, os
Estados exibem padres de atuao que esto sujeitos a, e constitudos por,
restries de diversas naturezas histricas, sistmicas, legais e morais, entre
outras.
Num primeiro momento, podemos relacionar Sociedade Internacional evoluo
histrica das relaes entre os grupos, povos e, mais tarde, Estados-naes
organizados em mbito espacial determinado. Podemos identificar a evoluo
da Sociedade Internacional a partir das relaes entre os grupos primitivos da
Antiguidade, passando pelos reinos e imprios e chegando Idade
Contempornea, com a ascenso do Estado nacional e soberano nos sculos
XVIII e XIX e o seu declnio, no sculo XX, frente a um sistema cada vez mais
globalizado e interdependente.
Pg. 3 - Sociedade Internacional
Podemos falar em Sociedade Internacional antes mesmo da formao dos
Estados nacionais, que s se deu, nos moldes como os concebemos hoje
(compostos de povo, territrio e soberania), h dois sculos. Mesmo que no
houvesse conscincia dos povos a esse respeito, no h como negar a
existncia de fato de uma Sociedade Internacional na Antiguidade. Afinal, a
partir do momento em que surgem os primeiros grupos independentes e
diferenciados, exercendo relaes polticas, culturais ou comerciais entre si, tem-
se uma Sociedade Internacional embrionria. Das tribos passaram-se aos
reinos, s cidades-estados e aos imprios, e estes, vistos em um contexto macro
e nas relaes entre si, formavam a Sociedade Internacional do mundo antigo.
Claro que o primeiro modelo de Sociedade Internacional, inserido em um
Sistema Internacional da Antiguidade, refletia mais um conjunto de sociedades
regionais localizadas, muitas vezes sem qualquer contato entre si e at sem
conscincia da existncia umas das outras. Era uma poca em que as foras
naturais limitavam a comunicao entre Oriente e Ocidente, e a Sociedade
Internacional do sistema grego mantinha pouco contato com a Sociedade
Internacional do extremo oriente na qual o imprio dinstico chins era o
principal ator.
Somente com as grandes navegaes e o expansionismo europeu pelo planeta
que se estrutura uma Sociedade Internacional global. Assim, desde o sculo
XVI, o mundo vai-se tornando cada vez mais integrado, seja pela fora da
economia e do comrcio, seja pela fora dos canhes e das conquistas coloniais
europeias. Paul Kennedy, em sua obra j clssica Ascenso e Queda das
Grandes Potncias, analisa, com clareza, como o extremo oeste do continente
euro-asitico, conhecido como Europa, com uma diversidade de povos e reinos
autnomos e marcado por conflitos regionais e fratricidas, consegue expandir-
se pelo mundo e, em pouco mais de dois sculos, tornar-se o centro de uma
sociedade global, subjugando foras tradicionais como a China e o Imprio
Otomano.
O termo internacional foi utilizado pela primeira vez em 1780, pelo filsofo
ingls Jeremias Bentham, em sua obra Princpios de Moral e Legislao. Essa
a poca do apogeu dos Estados nacionais, com o incio do declnio do
absolutismo no continente europeu. Era um perodo em que a ideia de nao
ainda estava muito ligada figura do soberano. A Sociedade Internacional
representava, para os europeus, a Cristandade, com seus paradigmas e
princpios seculares. O Estado soberano era o principal ator internacional.
Foi com a Revoluo Francesa que o conceito de nao deixou de ter carter
puramente simblico e passou a relacionar-se diretamente questo da
soberania. Esta passou a residir essencialmente na nao, onde o sdito tornou-
se cidado e as relaes entre os Estados, at ento simbolizados e conduzidos
pelos monarcas, estenderam-se s relaes entre os povos. O sculo XX
esclarece essa nova perspectiva: as relaes entre naes no so
necessariamente relaes entre os Estados, muito pelo contrrio.
Pg. 4 - Sociedade Internacional
No h dvida de que essa Sociedade Internacional dinmica e tem sua
evoluo diretamente relacionada evoluo dos grupos, povos, reinos,
Estados, Imprios e naes, enfim, de todos os atores que a compem ou a
compuseram e das foras que influenciam a sua atuao.
Qual , ento, o conceito de sociedade internacional?
A resposta para essa pergunta percebida de maneira diferenciada pelos
tericos das Relaes Internacionais, que podem ser reunidos em trs grandes
grupos (CERVERA, 1991).
Para os tericos do primeiro grupo, simplesmente impossvel definir Sociedade
Internacional. Limitam-se, assim, ao estudo dos componentes da Sociedade
Internacional e evoluo das relaes entre eles.
Os tericos do segundo grupo dedicam-se a analisar a Sociedade Internacional
em contraposio a outros grupos sociais. Por essa tica, a pergunta que se
busca responder Como a Sociedade Internacional? irrelevante, portanto,
para esses autores, a formulao de um conceito terico para Sociedade
Internacional. De qualquer maneira, eles no deixam de apresentar sua definio
de Sociedade Internacional, mas apenas para instrumentalizar suas explicaes,
como veremos adiante.
O terceiro grupo, majoritrio, afirma no s ser possvel, mas tambm
necessrio, proceder definio do termo Sociedade Internacional, para que
se possa tratar com mais propriedade o estudo dos fenmenos internacionais e
das relaes que se desenvolvem em seu meio. Uma vez que concordamos com
essa percepo, apresentaremos nosso conceito de Sociedade Internacional.
Antes, porm, vejamos alguns conceitos de autores renomados.
Colliard (1978) afirma que Sociedade Internacional o conjunto de seres
humanos que vivem sobre a terra. Percebemos uma definio genrica e
abrangente, que pe completamente de lado as estruturas em que os seres
humanos esto agrupados, como as naes ou os Estados nacionais. Para o
autor, o conceito de Sociedade Internacional confunde-se com o de
humanidade. Chega-se a perceber mesmo uma concepo idealista, pois a
Sociedade Internacional teria em primeiro plano o indivduo, independentemente
de suas origens e do grupo ou povo a que pertence.
Hedley Bull (2002), com base em uma anlise sistmica, definiu Sociedade
Internacional como um grupo de comunidades polticas independentes que no
formam um sistema simples.
Juan Carlos Pereira (2001) apresenta uma definio mais precisa e completa:
um mbito espacial e global em que se desenvolve um amplo conjunto de
relaes entre grupos humanos diferenciados, territorialmente ou
geograficamente organizados e com poder de deciso. O autor acredita que a
Sociedade Internacional estaria evoluindo para uma Comunidade Internacional.
Rafael Calduch Cervera (1991) define Sociedade Internacional como aquela
sociedade global (macrossociedade) que compreende os grupos com um poder
social autnomo, entre os quais se destacam os Estados, que mantm entre si
relaes recprocas, intensas, duradouras e desiguais sobre as quais
assentada certa ordem comum.
Por fim, cabe apresentar nossa prpria conceituao de Sociedade
Internacional, que baseada na corrente historiogrfica, pela qual buscamos
reunir elementos que consideramos essenciais para a compreenso do termo e
de sua evoluo desde a Antiguidade. A nosso ver, Sociedade Internacional
pode ser definida como o conjunto de entes que interagem de maneira sistmica
em uma esfera internacional sob a influncia de foras profundas.
Desmembremos esse conceito para melhor compreenso.
Pg. 5 - Ator Internacional
A primeira parte de nosso conceito de Sociedade Internacional trata de um
conjunto de entes. Esses entes nada mais so do que os Atores internacionais.
Ator internacional toda autoridade, organizao, grupo ou pessoa que
representa ou pode vir a representar um papel de destaque na Sociedade
Internacional. A percepo desses atores varia conforme o tempo e a corrente
terica que os identifica, mas podemos destacar aqueles que, na atualidade,
podem ser considerados os mais importantes: os Estados nacionais, os atores
governamentais interestatais (as organizaes internacionais), os atores no
governamentais interestatais (i.e., organizaes no governamentais e
empresas multi- e transnacionais, entre outros) e os indivduos.
No so todas as pessoas, grupos ou organizaes que podem ser identificados
como Ator Internacional. Para nossa classificao, necessrio que a atuao
desses entes tenha destaque em escala global. Por exemplo, uma associao
estabelecida dentro de determinado pas e voltada em suas atividades e
interesses prioritariamente ao mbito interno daquele pas no um Ator
internacional.
No obstante, qualquer grupo, organizao ou indivduo pode vir a tornar-se Ator
internacional. Grandes empresas transnacionais de hoje foram, no passado,
pequenas organizaes comerciais, algumas de natureza familiar, que atuavam
exclusivamente no interior de seu pas de origem, no sendo poca Atores
internacionais. medida que essas empresas cresceram, expandiram-se para
alm das fronteiras de seus Estados de origem e comearam a atuar e influir na
Sociedade Internacional, tornaram-se Atores internacionais.
Pg. 6 - Sistema Internacional
O segundo aspecto de nosso conceito de Sociedade Internacional refere-se
atuao sistmica na esfera internacional. Adotamos uma abordagem sistmica,
em que o aspecto relacional importante. Sistema pode ser conceituado como
conjunto de elementos e instituies entre os quais se possa encontrar alguma
relao ou, ainda, conjunto ordenado de meios de ao ou de ideias, tendente
a um resultado. A abordagem sistmica em relaes internacionais v o
conjunto de inter-relaes entre os Atores internacionais como sujeito a padres
e normas enfim, a foras profundas , que remetem ao conjunto mais amplo,
o sistema internacional como um todo.
As primeiras consideraes a respeito do modelo sistmico para explicar as
Relaes Internacionais tomaram por base referncias da Biologia e da Qumica.
Nesse sentido, pode-se associar a noo de sistema ao corpo humano, no qual
vrios subsistemas circulatrio, nervoso etc. so compostos de rgos que
se relacionam e dependem uns dos outros. A ideia de sistema, portanto, est
relacionada a um ordenamento nas relaes entre componentes e
interdependncia entre esses componentes.
Raymond Aron, em sua obra clssica Paz e Guerra entre as Naes, recorreu
ao conceito de sistema para evocar a dinmica das relaes internacionais.
Assim, a Sociedade Internacional tem caractersticas suficientemente estveis
para que possamos perceb-la como um sistema onde os Atores conduzem suas
relaes dentro de certos padres.
Cabe aqui, tambm, apresentar um conceito de Sistema Internacional, de acordo
com Frederic S. Pearson e J. Martin Rochester (2000, p. 641):
Sistema Internacional. Conjunto de relaes em mbito mundial nas reas
poltica, econmica, social e tecnolgica, em torno do qual ocorrem as relaes
internacionais em um dado momento.
H ainda autores que separam as noes de Sociedade Internacional e de
Sistema Internacional para identificar certos perodos histricos. Por exemplo,
Sociedade Internacional teria como substrato a ideia de concerto e harmonia
internacional, que alguns defendem corresponder, por exemplo, Europa do
ps-1815. Em contrapartida, Sistema Internacional traduziria a existncia de
vrios polos de poder que interagem entre si e no necessariamente se
harmonizam no todo, o que alguns autores defendem corresponder ao mundo
ps-1945.
Pg. 7 - Foras Profundas
Finalmente, de acordo com a nossa concepo de Sociedade Internacional, o
terceiro elemento fundamental so as foras profundas. A ideia de foras
profundas origina-se da corrente historiogrfica das Relaes Internacionais
cujos principais expoentes foram Pierre Renouvin e Jean-Baptiste Duroselle. De
acordo com esses historiadores, as foras profundas nada mais seriam que
determinados fatores que influenciariam as aes das coletividades.
As condies geogrficas, os movimentos demogrficos, os interesses
econmicos e financeiros, os traos da mentalidade coletiva, as grandes
correntes sentimentais todas essas foras profundas formaram o quadro das
relaes entre os grupos humanos e, em grande parte, lhes determinaram o
carter. O homem de Estado, nas suas decises ou nos seus projetos, no pode
negligenci-las; sofre-lhes a influncia e obrigado a constatar os limites que
elas impem sua ao. Todavia, quando ele possui quer dons intelectuais, quer
firmeza de carter, quer temperamento que o levam a transpor aqueles limites,
pode tentar modificar o jogo de semelhantes foras e utiliz-las para seus
prprios fins.
Juan Carlos Pereira denomina tais foras profundas de fatores condicionantes
(PEREIRA, 2001, p. 44). Identifica alguns desses fatores: fator geogrfico, fator
demogrfico, fator econmico, fator tecnolgico, fator ideolgico/sistema de
valores, fator poltico-jurdico e fator militar-estratgico.
Portanto, a Sociedade Internacional composta de entes Estados,
organizaes internacionais, organizaes no governamentais, empresas
transnacionais, indivduos, entre outros que so influenciados pelas foras
profundas fatores geogrficos, demogrficos, migratrios, polticos,
econmicos e financeiros, ideolgicos, religiosos, tecnolgicos etc. em suas
aes sistmicas na esfera internacional.
Uma leitura complementar recomendada a do texto sobre Rio Branco e as
Foras Profundas, de Arno Wehling:
Viso de Rio Branco o homem de estado e os fundamentos de sua poltica.
Alm do clssico Histoire des Rlations Internationales, obra-mestra da
historiografia francesa das relaes internacionais, caberia destacar dois livros
de
Renouvin e Duroselle j traduzidos para o portugus: Introduo Histria das
Relaes Internacionais publicada em 1967 pela Difuso Europeia do Livro,
de
So Paulo e Todo Imprio Perecer um dos ltimos grandes trabalhos de
Duroselle, lanado no Brasil em 2000.
Pg. 8 - Potncia
Alm dos conceitos j tratados, cabem, neste curso introdutrio, algumas
observaes ainda que sem aprofundamento a respeito de outros conceitos
essenciais para viabilizar nosso entendimento dos temas tratados no decorrer
das prximas unidades. Passemos a eles.
Potncia
O Sistema Internacional composto por uma diversidade de atores. Nesse
contexto, o Estado ocupa papel de destaque, mas existem diferenas marcantes
entre os Estados na esfera internacional e o grau de influncia (poder) que eles
exercem. Assim, importante para a compreenso das relaes internacionais
a ideia de Potncia e das diferentes gradaes dessa classificao.
H inmeras definies para Potncia.
Segundo Martin Wight (2002), Potncia um Estado moderno e soberano em
seu aspecto externo, e quase pode ser definido como a lealdade mxima em
defesa da qual os homens hoje iro lutar.
Rafael Calduch Cervera (1991), por sua vez, cita o conceito de Potncia
Internacional segundo C. M. Smouts, ou seja, como aquele Estado mais ou
menos poderoso segundo sua capacidade de controlar as regras do jogo em um
ou mais mbitos-chaves da disputa internacional e segundo sua habilidade de
relacionar tais mbitos para alcanar uma vantagem.
Ao tratar da capacidade dos Estados de influenciarem a Sociedade
Internacional, Martin Wight relaciona Potncias Dominantes, Grandes Potncias,
Potncias Mundiais e Potncias Menores. Potncias Dominantes e Potncias
Mundiais seriam subdivises do gnero Grande Potncia, uma vez que ambas
as categorias se referem a Estados com interesses globais e capacidade de
influncia significativa no Sistema Internacional. Em ltima anlise, a
diferenciao poderia ser restringida a Grandes Potncias e Potncias Menores.
Wight define Potncia Dominante como aquela capaz de medir foras contra
todos os rivais juntos. E cita exemplos ao longo dos sculos, como Atenas,
poca das Guerras do Peloponeso, o Imprio Romano, a Espanha de Carlos V
e de Filipe II, a Frana de Lus XIV, a Gr-Bretanha no sculo XIX e os EUA no
sculo XX.
Outro termo muito utilizado e cujas caractersticas vo alm da Potncia
Dominante, conforme definida por Wight, o de Superpotncia. Esse termo,
cunhado com o advento da Guerra Fria, designava exclusivamente URSS e
EUA. Esses pases, em virtude de suas capacidades nucleares com poder de
destruio global , inmeras vezes associadas ao poderio militar convencional
e influncia poltico-ideolgica mundial, tinham status nico na comunidade
das naes.
Gounelle (1992) indica quatro caractersticas das Superpotncias:
tm capacidade de intervir em qualquer parte do globo;
dispem de amplo arsenal, capaz de causar danos diferenciados dos
armamentos convencionais e composto tanto de armas nucleares quanto de
outros meios de destruio em massa;
assumem a liderana de uma aliana militar (os EUA da OTAN e a URSS do
Pacto de Varsvia);
pretendem oferecer um modelo universal de sociedade.
Convm lembrar que a ideia de Superpotncia ultrapassa em muito o poderio
exclusivamente militar. De fato, a capacidade de destruio massiva do planeta
o elemento central do conceito de Superpotncia, mas o aspecto de liderana
de um bloco de naes e de pretenses de estabelecimento de uma sociedade
universal em seus moldes poltico-econmico-ideolgico-sociais no pode ser
desconsiderado.
Pg. 9 - Potncia
Atualmente, com o colapso da URSS, restou, no planeta, apenas uma
Superpotncia: os EUA. Alguns autores vislumbram a possibilidade de a China
vir a ocupar, na segunda metade do sculo XXI, o lugar da URSS. Entretanto,
ainda no h que se falar na China como Superpotncia, uma vez que esta, alm
de no dispor de arsenais nucleares capazes de fazer frente ao poderio de
Estados como EUA e Rssia, no tem pretenses nem condies de projetar
um modelo scio-poltico-cultural-ideolgico seu para o mundo. A Rssia, por
sua vez, apesar de dispor de arsenais nucleares com capacidade de destruio
massiva do planeta, no pode ser chamada de Superpotncia, exatamente
porque tambm no tem condies de aspirar a qualquer pretenso hegemnica
no sistema internacional, como fazia a URSS. Assim, os EUA, considerados os
vencedores da Guerra Fria, so hoje o nico Estado com as caractersticas
bsicas da superpotncia, e, de fato, essa nao tem-se tornado to poderosa
que j se cunha o conceito de Hiperpotncia, algo sem precedentes na Histria.
A Hiperpotncia dispe de um aparato blico superior ao das demais Potncias
juntas. Esse aparato no se resume ao acervo das armas de destruio em
massa, mas inclui armamento convencional significativo e capacidade de
operao militar em mais de um teatro no globo. Ademais, trata-se de uma
Economia de peso diante do sistema, sua influncia na poltica internacional
marcante e, ainda, consegue projetar seu modelo scio-cultural e poltico para
outras regies do planeta.
Assim, os EUA no encontram, no incio do sculo XXI, adversrios militares
altura, e so a Grande Potncia econmica e a liderana mundial. Do ponto de
vista econmico, por exemplo, apenas a coalizo das grandes economias
europeias pode fazer frente aos EUA, o mesmo se podendo dizer das economias
asiticas. A projeo de poder dos norte-americanos no mundo no encontra
precedentes, e alguns analistas j comeam a analisar a poltica externa
estadunidense como uma poltica de imprio. De qualquer maneira, o conceito
de Hiperpotncia ainda encontra-se em desenvolvimento.
O conceito de Wight para Potncia Dominante tem grande proximidade com a
ideia de hegemon, ou seja, uma potncia to poderosa que seria necessria uma
coalizo de todas as demais naes para cont-la. A concepo de hegemon
ultrapassa a esfera exclusivamente poltico-militar, de modo que o Estado que
detm esse ttulo influencia a Sociedade Internacional em esferas diversas,
como a cultura, a estrutura social interna, a Economia e at o Direito. Alm disso,
essa influncia do hegemon no ocorre necessariamente de maneira impositiva.
De fato, a hegemonia, como veremos a seguir, envolve um misto de coero e
consenso. Finalmente, convm lembrar que o hegemon continua influenciando
a Sociedade Internacional mesmo aps perder esse status.
Interessante observar que a hegemonia dos EUA hoje mantida mais por outros
meios o que alguns autores chamam de soft power (poder suave) , como a
presena marcante na compilao e divulgao de notcias e diverses, na
produo de bens de consumo, nas inmeras formas de cultura popular e sua
identificao com a liberdade poltica e de mercado, do que propriamente por
meio do hard power (poder militar).
Alm da potncia hegemnica, h outros atores estatais com capacidade
significativa de influncia na Sociedade Internacional. Esses so as Grandes
Potncias, as quais, inclusive, disputam a hegemonia entre si e aspiram tornar-
se a potncia dominante, chegando, muitas vezes, a alcanar esse objetivo. De
fato, as relaes internacionais seriam um grande tabuleiro onde essas
Potncias disputariam poder em um jogo de influncia. Como exemplos atuais
de Grandes Potncias teramos China, Frana, Rssia, Alemanha, Japo e Gr-
Bretanha.
As potncias menores constituem a maioria. Seu grau de influncia no sistema
varia significativamente. Nesse grupo, poderiam ser relacionadas desde as
Potncias Mundiais menores como Espanha e ndia at as Potncias
Regionais Argentina e Egito, por exemplo. Vale destacar que uma Potncia
Menor hoje pode vir a tornar-se uma Grande Potncia e at a Potncia
Dominante. Os EUA so um bom exemplo disso.
Pg. 10 - Potncia
Max Gounelle (1992) comenta que, medida que dispe de capacidade de
influenciar de maneira significativa os outros entes da Sociedade Internacional
em prol de seus interesses particulares, um Estado pode ser classificado como
Microestado, Potncia Local, Potncia Mdia, Grande Potncia ou
Superpotncia.
Os microestados so aquelas pequenas soberanias que persistem em nossos
dias e que, em sua maioria, tiveram origem na formao histrica dos Estados
nacionais europeus ou no processo de descolonizao. Encontram-se
constantemente sob amplo grau de dependncia frente a uma Potncia e
integram-se a grupos de Estados organizados no seio de organizaes
internacionais. Conviria exemplificar nessa categoria pases como o Principado
de Mnaco e a Repblica de San Marino, diversos Estados-arquiplagos no
Pacfico ou at algumas Repblicas da Amrica Central e Caribe. Apesar de
minimamente influentes na Sociedade Internacional, esses entes ganham fora
quando se associam e se fazem representar em organismos internacionais onde
tenham poder de voto igual ao de outros Estados.
As Potncias Locais so as mais numerosas. Participantes das atividades
comuns da vida internacional, esses entes tm como objetivos principais sua
prpria sobrevivncia e a defesa de sua soberania territorial. De maneira geral,
no tm grandes pretenses internacionais de projeo de poder e acabam
tambm associados s Grandes Potncias ou a Potncias Regionais. Como
exemplos para essa categoria, temos pases como Bolvia, Paraguai, Camboja,
Albnia e Moambique.
So classificados como Potncia Regional ou Potncia Mdia aqueles Estados
aptos a representarem certo papel de destaque em grandes reas geopolticas.
Egito, Sria, Nigria, Brasil, Argentina e Ir so exemplos de Potncias Regionais
ou Mdias. Esses pases exercem influncia em virtude de suas aptides de
liderana sob certos limites geogrficos, fundadas em seus potenciais materiais
ou demogrficos, sua envergadura ideolgicas ou seu peso militar, econmico e
at social.
Gounelle, no entanto, diferencia Potncias Regionais de Potncias Mdias ao
afirmar que estas ltimas tm ambies mundiais restritas s suas prprias
capacidades. Tais pretenses poderiam ser limitadas a domnios especficos
(nuclear, cultural, econmico, diplomtico). A Frana, a Alemanha, a China e o
Japo estariam nessa categoria. De fato, o que Gounelle relaciona como
Potncias Mdias seria o que se costuma chamar mais apropriadamente de
Grandes Potncias, ou seja, Potncias com interesses globais e capacidade de
influenciar a Sociedade Internacional em diferentes domnios. Ao chamar
Potncias como China e Gr-Bretanha de Potncias Mdias, Gounelle o faz
comparando-as s Superpotncias poca, URSS e EUA.
Pg. 11 - Hegemonia
Tomamos como base para o conceito de Hegemonia a obra International
Relations: the Key Concepts, de Martin Griffiths e Terry OCallaghan (London:
Routledge, 2002).
Hegemonia, em grego, significa liderana. Em sentido amplo, portanto, em
Relaes Internacionais, o hegemon o lder ou o Estado lder de um grupo
de naes.
Para que os conceitos de hegemonia e de hegemon sejam aplicveis, presume-
se que haja uma certa ordem na Sociedade Internacional. Da que, apesar de
ser o Estado mais poderoso no cenrio internacional, o hegemon s pode
exercer sua liderana (hegemonia) se houver relaes de poder entre entes em
um meio internacional.
Hegemonia consiste, ento, no exerccio de uma liderana ou comando em uma
sociedade, com base em recursos de poder. Esses recursos fundamentam-se
em dois aspectos: coero e consenso. Assim, toda relao de poder tem por
base os graus de coero e consenso exercidos por um ente ou mais de um
sobre os demais. medida que alterada essa relao, muda tambm a
liderana no grupo.
Para o exerccio da hegemonia, o hegemon deve ter capacidade de atuar nas
esferas de consenso e coero. Uma relao que se baseie apenas na coero
por meio de recursos de fora militar ou econmica no pode ser
verdadeiramente hegemnica, da mesma maneira que impossvel a liderana
da comunidade internacional com fulcro apenas no consenso dos demais atores.
As relaes internacionais tm sido marcadas pela disputa, por parte das
Potncias, da hegemonia na Sociedade Internacional. Essa hegemonia, alm de
poltica, pode ser militar, econmica, cultural ou ideolgica. Pode ser regional ou
global. Um Estado que seja a Potncia hegemnica em uma dessas reas muito
provavelmente o ser na maioria das outras. claro que tal liderana pode ter
diferentes gradaes e que uma grande Potncia econmica em nossos dias
pode no ter o mesmo poder de influncia cultural ou at militar no cenrio
internacional.
A Sociedade Internacional ser sempre marcada por um hegemon, cujo
interesse manter o status quo do sistema, diante de outras Potncias que no
pouparo esforos para se tornar o hegemon. De acordo com a teoria da
estabilidade hegemnica, o hegemon tem que ter capacidade de garantir a
ordem do sistema, ordem que deve ser percebida pelos demais entes da
comunidade como positiva a seus interesses. Para isso, o hegemon deveria
dispor de alguns atributos: liderana em um setor econmico ou tecnolgico e
poder poltico baseado no poder militar. Podemos acrescentar a esses atributos
a capacidade de obter consenso sobre sua liderana.
Pg. 12 - Hegemonia
Para Robert Gilpin, a estabilidade internacional depende da existncia de uma
hegemonia, que tenha tanto capacidade quanto vontade de fornecer bens
pblicos internacionais, como lei, ordem e moeda estvel. Conforme didtica
explicao de Griffiths (2004, p. 26-27):
(...) os mercados no podem crescer em produo e distribuio de bens e
servios se no houver um Estado que fornea certos pr-requisitos. Por
definio, os mercados dependem da transferncia, por meio de um mecanismo
de preo eficiente, de bens e servios que possam ser comprados e vendidos
entre os principais agentes particulares que permutam direitos de posse. Mas os
mercados dependem do Estado para lhes dar, por coero, regulamentos, taxas
e certos bens pblicos que eles sozinhos no podem gerar. Isto inclui uma
infraestrutura legal de direitos e leis de propriedade para fazer contratos, uma
infraestrutura coerciva que assegure a obedincia lei, alm de um meio de
permuta estvel (dinheiro) que assegure um padro de avaliao dos bens e
servios. Dentro das fronteiras territoriais do Estado, os governos fornecem tais
bens. claro que, internacionalmente, no existe Estado no mundo capaz de
multiplicar sua proviso em escala global. Baseando-se na obra de Charles
Kindleberger e na anlise de E. H. Carr sobre o papel da Gr-Bretanha na
economia internacional no sculo XIX, Gilpin argumenta que a estabilidade e a
liberalizao da permuta internacional dependem da existncia de uma
hegemonia, que tenha tanto capacidade quanto vontade de fornecer bens
pblicos internacionais, como lei, ordem e uma moeda estvel para o comrcio
financeiro.
Em termos gerais, essa a Teoria da Estabilidade Hegemnica.
uma teoria importante e voltaremos a ela na Unidade 4, ao tratarmos do
debate terico travado entre neorrealistas e neoliberais.
As Potncias hegemnicas so as Grandes Potncias na concepo de Wight,
e o hegemon nada mais que a Potncia Dominante. A hegemonia poltico-
ideolgica no planeta, por exemplo, era disputada pelas Superpotncias no
contexto da Guerra Fria, mas a URSS dificilmente poderia ser caracterizada
como ameaa hegemonia econmica dos EUA.
Deve-se esclarecer, todavia, que, durante a maior parte da Guerra Fria,
imaginava-se que a Unio Sovitica se tornaria uma grande potncia
econmica.
Isso especialmente vlido para os anos 30: enquanto as economias
ocidentais agonizavam por causa da crise de 1929, a economia sovitica
crescia a taxas espantosamente altas.
Pg. 13 - Hegemonia
Complementando os estudos sobre o conceito de Hegemonia, atente para
esta aula do Professor Joanisval. Aqui .
Essas observaes introdutrias so suficientes e fundamentais para a
compreenso das unidades seguintes e para a discusso dos temas tratados
neste curso.
Artigo interessante para concluir os estudos desta Unidade o texto de Joo
Marques de Almeida, sobre Hegemonia Americana e Multilateralismo.
Unidade 3 - Correntes tericas das Relaes Internacionais
Ao final da unidade, o aluno dever ser capaz de:
indicar e caracterizar as principais correntes tericas das Relaes
Internacionais no Sculo XX;
identificar os principais debates tericos da disciplina
Pg. 2 - Teorias de Relaes Internacionais
O objeto material de qualquer cincia se define pela parcela de realidade que se
pretende conhecer mediante a formao de teorias e a utilizao de um mtodo
cientfico (CERVERA, 1991). A teorizao sobre as Relaes Internacionais
surgiu quando se buscou explicar a existncia e as condutas dos entes
internacionais. na Grcia Antiga, com a obra de Tucdides, Histria da Guerra
do Peloponeso, que se tem a primeira manifestao embrionria de uma teoria
de Relaes Internacionais.
H algo que as cincias naturais e as cincias sociais, conforme Karl Popper,
certamente tm em comum: a necessidade da teoria para se desenvolverem.
Nas palavras de Tomassini (1989, p. 55):
"A cincia exige algo mais do que fatos e descries de fatos. Exige uma
explicao de por que ocorreram, que efeitos causaram e algumas predies
(ou, no caso das cincias sociais, conjecturas) sobre seu comportamento
provvel no futuro, uma mescla de causalidade, teleologia e prospeco. No
campo das cincias sociais, como em outras cincias, a teoria chamada a
ministrar essas explicaes, pondo ordem ao mundo heterogneo e muitas
vezes incompreensvel dos fatos isolados, e a arriscar algumas predies."
A Teoria do Equilbrio de Poder
Comeamos por essa teoria por uma razo simples: para muitos estudiosos da
poltica internacional, a Teoria do Equilbrio de Poder, tambm conhecida como
Teoria do Balano de Poder, o que mais prximo existe de uma teoria poltica
das relaes internacionais. Arnold Toynbee, conhecido historiador, chegou
mesmo a dizer que tal teoria constitua uma lei da Histria.
Na era moderna, com o surgimento e desenvolvimento do Estado-nao,
multiplicaram-se tambm as teorizaes a respeito das relaes internacionais.
Em um contexto de anarquia internacional e de conflito entre os Estados, as
prticas dos agentes e dos atores na Sociedade Internacional levaram
formulao de uma teoria que pode ser considerada a precursora da anlise
convencional realista das relaes internacionais, a Teoria do Equilbrio de
Poder.
A Teoria do Equilbrio de Poder percebe o cenrio internacional em uma situao
de equilbrio, no qual o poder distribudo entre os diversos Estados. Quando
um Estado comea a se destacar e a buscar aumentar seu poder frente aos
demais, h uma perturbao no equilbrio, e faz-se necessria uma coalizo das
Potncias para conter o Estado pretensioso e restaurar a ordem. Assim,
pressupondo o Estado como um ator racional, a teoria defende que o balano ou
o equilbrio de poder a escolha prefervel e, portanto, a tendncia do sistema
internacional. A Teoria orientou as relaes internacionais nos quatro sculos
compreendidos entre a Guerra dos Trinta Anos (1618-1648) e a Primeira Guerra
Mundial (1914-1918). Foi til para justificar as condutas dos Estados e aes de
governantes em um contexto anrquico e conflituoso, como ser visto nas
Unidades 2 e 3 do mdulo seguinte deste nosso curso.
Alguns autores distinguem entre o equilbrio de poder como uma poltica (esforo
deliberado para prevenir predominncia, hegemonia) e como um padro da
poltica internacional (em que a interao entre os Estados tende a limitar ou
frear a busca por hegemonia e, como resultado, resulta num equilbrio geral).
Com o fim da Primeira Guerra Mundial e as consequentes mudanas no cenrio
internacional e no equilbrio de foras, em virtude dos traumas causados pelo
conflito e do desenvolvimento do discurso pacifista junto opinio pblica
internacional, a Teoria do Equilbrio de Poder foi questionada. Sob o argumento
de que essa doutrina no poderia perdurar em um sistema em que a guerra
deveria ser evitada a qualquer custo, o imediato ps-guerra foi marcado por
novas concepes sobre as relaes internacionais, baseadas em uma nova
corrente terica, a qual se fundamentava no Direito Internacional, na soluo
pacfica das controvrsias e na busca de uma estrutura supranacional que
garantisse a paz: o Idealismo das Relaes Internacionais.
Foi, portanto, na primeira metade do sculo XX que os primeiros tericos de
Relaes Internacionais comearam a desenvolver suas explicaes sobre o
tema em um contexto de disciplina autnoma. Claro que, em virtude de um objeto
de estudo to complexo, diversas foram as correntes tericas institudas nas
ltimas dcadas. Como no este um curso de teoria, pretendemos apresentar
apenas as linhas gerais das correntes mais reconhecidas.
Pg. 3 - A fase idealista
O Idealismo, como ficou conhecida a primeira grande corrente terica de
Relaes Internacionais, surge em um contexto do final de um conflito muito
marcante, a Primeira Guerra Mundial, e reflete a crescente preocupao
daqueles que ento comeavam a teorizar sobre as relaes internacionais:
Como se poderia buscar a paz na Sociedade Internacional, ou melhor,
como evitar o conflito, sobretudo blico, entre os Estados?
No que se refere ao contexto internacional, lembra Arenal (1984), o clima nunca
poderia ter sido mais favorvel ao Idealismo. A Grande Guerra havia
demonstrado a fragilidade da tradicional diplomacia europeia como meio para
assegurar a ordem e a paz internacional. As enormes perdas humanas e
materiais produzidas pelo conflito foram responsveis, tambm, pelo advento de
uma opinio comum universal segundo a qual a guerra deveria ser erradicada
como instrumento de poltica dos Estados. Pregava-se, ademais, o
estabelecimento de um modelo de segurana coletiva capaz de evitar novas
contendas.
Assim, sob os auspcios do discurso idealista e moralizante do presidente
estadunidense Woodrow Wilson, foi criada a Sociedade (ou Liga) das Naes
(SDN), com o objetivo de ser a organizao central de um sistema de segurana
coletiva e um frum em que os Estados pudessem resolver suas contendas de
maneira pacfica. A SDN, portanto, contribua para acentuar o otimismo frente ao
futuro da Sociedade Internacional e estabelecia os fundamentos de um sistema
dirigido para preservar a paz. Nesse contexto, a teoria internacional dominante
se orientava pelos caminhos do Idealismo, dos projetos de organizao
internacional, do estabelecimento de mecanismos tendentes soluo pacfica
e de propostas de desarmamento. Importncia significativa foi dada pelos
idealistas ao Direito Internacional e s instituies jurdico-normativas que
garantissem a ordem nas relaes entre os Estados: ganhava fora o
institucionalismo nas relaes internacionais.
Anarquia internacional no significa desordem, mas, sim, ausncia de um
governo central superior aos Estados (que so soberanos e s prestam contas
a si mesmos e a outros Atores do sistema). Anarquia , portanto, ausncia de
governo.
O Idealismo partia do princpio de que as relaes internacionais encontram-se
em estado de natureza, ou seja, de anarquia internacional. As naes devem
buscar, destarte, superar essa anarquia e estabelecer um contrato social em
mbito internacional que ordene as relaes entre os povos. Os Estados,
acreditavam os idealistas, deveriam portar-se de acordo com os mesmos
princpios morais que guiam a conduta do indivduo. Para estimular ou obrigar
esses Estados a seguir tais princpios, seria fundamental que se
institucionalizasse, em escala mundial, o interesse comum de todos os povos em
alcanar a paz e a prosperidade. O estudo de Relaes Internacionais, como
disciplina autnoma, mostrou-se como uma cincia da paz.
Pg. 4 - A fase idealista
O Realismo e o Idealismo encerram, na verdade, duas vises de mundo opostas,
em que o ponto de partida a dicotomia anarquia x ordem. Apesar de Tucdides,
com Histria da Guerra do Peloponeso, antes mesmo de surgirem os conceitos
de soberania e a tese do estado de natureza, j ter iniciado a moldar uma
concepo anrquica do mundo, com Thomas Hobbes, em Leviat, e, em
seguida, com John Locke, em O Estado de Guerra (Captulo III da obra Segundo
Tratado do Governo Civil), em que se explora, pela primeira vez, o estado de
natureza anrquico a respeito das relaes internacionais.
Segundo Lijphart (1982), as noes de soberania e de anarquia internacional
inspiraram trs teorias interligadas: a do governo mundial, a do equilbrio de
poder (ou balano do poder) e a da segurana coletiva.
Segundo a teoria do governo mundial, dado que a anarquia responsvel pela
tenso internacional, necessrio celebrar um contrato social internacional para
instituir um governo mundial soberano e nico, para pr fim anarquia.
A teoria do equilbrio de poder, ao contrrio, defende que a luta pelo poder entre
os Estados soberanos tende a gerar um equilbrio, o qual no alimenta uma
tenso perptua, mas cria uma ordem internacional.
Para a teoria da segurana coletiva, o melhor seria que os Estados se
empenhassem em tomar medidas coletivas contra todo agressor, o que acabaria
atenuando a anarquia internacional.
Todas essas teorias aceitam a tese de que a anarquia reina entre os Estados
soberanos. Segundo Inis L. Claude, citado por Lijphart, essas trs teorias
correspondem a estgios sucessivos de uma progresso em direo a uma
centralizao cada vez mais repleta de autoridade e poder (no sentido balano
de poder > segurana coletiva > governo mundial). O mundo nunca passou do
segundo estgio, o qual foi, na verdade, o foco da maior parte dos autores
idealistas.
Historicamente, no desenvolvimento do sistema de Estados da Europa,
soberania normalmente associada aos trabalhos de Jean Bodin e Thomas
Hobbes, nos quais significava o direito de exercer poder irrestrito. Todavia, a
histria do sistema de Estados modernos, do sculo XVII em diante, uma
tentativa de se distanciar da rigidez dessa concepo original em busca da ideia
de igualdade formal.
Para as Relaes Internacionais, particularmente importante a viso
construda por Hugo Grcio sobre a sociedade internacional a partir da teoria do
contrato. Grcio, considerado o pai do Direito Internacional, defendeu ser o
direito um conjunto de normas ditadas pela razo e sugeridas pelo appetitus
societatis. A base da doutrina de Grcio a solidariedade, ou potencial
solidariedade, entre os Estados em relao aplicao da lei internacional, e
procura estabelecer uma ordem mundial restringindo os direitos dos Estados de
irem para a guerra por motivaes polticas e promover a ideia de que a fora s
pode ser legitimamente usada em nome dos objetivos e anseios da comunidade
internacional como um todo.
Grcio, como se observa, apresenta uma hiptese inversa do equilbrio de
poder. Para ele, existe um fundamento comum de normas morais e jurdicas, e
o mundo uma sociedade composta de Estados onde reina um consenso
normativo suficientemente amplo e intimidador para que a noo de estado de
natureza e de anarquia internacional no seja aplicvel. A tese de Grcio parte
da noo de anarquia, mas a minimiza para efeitos de teorizao,
desconsiderando a relao necessria entre anarquia e guerra, relao esta
reduzida a mera hiptese (e no a um dado ou premissa, como fazem os
realistas).
Pg. 5 - A fase idealista
A teoria e a prtica das relaes internacionais desde a Primeira Guerra Mundial,
principalmente com o Pacto da Liga das Naes (o Pacto de Paris), a Carta da
Organizao das Naes Unidas (ONU) e a Carta do Tribunal Internacional de
Nuremberg, derivam da frmula grociana, que concebe a sociedade
internacional de forma ordenada, fruto da analogia com a alegoria da sociedade
domstica usada pelos tericos do contrato social dos sculos XVII e XVIII.
Edward Hallett Carr, autor do clssico Vinte Anos de Crise: 1919-1939, cuja
primeira edio foi lanada logo aps o desencadeamento da Segunda Guerra
Mundial, em 1939, analisa a dicotomia entre uma perspectiva utpica e a prtica
realista dos Estados e ilustra bem a maneira como os idealistas viam as relaes
internacionais e os argumentos que utilizavam ao tratarem das interaes entre
os povos:
O aspecto teleolgico da cincia da poltica internacional tem estado evidente
desde o princpio. Surgiu de uma grande e desastrosa guerra; e o objetivo-
mestre que inspirou os pioneiros da nova cincia foi o de evitar a recidiva dessa
doena do corpo internacional. O desejo passional de evitar a guerra determinou
todo o curso e direo iniciais do estudo. Como outras cincias na infncia, a
cincia poltica internacional tem sido marcada e francamente utpica. Ela se
encontra no estgio inicial, no qual o desejo prevalece sobre o pensamento, a
generalizao sobre a observao, e poucas tentativas so efetuadas de uma
anlise crtica dos fatos existentes e dos meios disponveis. Neste estgio, a
ateno est concentrada quase exclusivamente no fim a ser alcanado.
Carr cita, ainda, o discurso do Presidente Wilson que refletia o pensamento
idealista geral e que continha a resposta de Wilson: se no funcionar, teremos
que faz-lo funcionar!, quando indagado se aquele modelo moralizante e
pacifista funcionaria e esclarece:
"O advogado de um plano para uma fora de polcia internacional, ou para a
segurana coletiva, ou de algum outro projeto para uma ordem internacional,
geralmente responde crtica, no com um argumento destinado a mostrar como
e por que ele pensa que seu plano funcionaria, mas sim, ou com uma declarao
de que ele tem que ser posto a funcionar porque as consequncias de sua
ausncia de funcionamento seriam desastrosas, ou com a demanda por alguma
panaceia alternativa."
Aps a Primeira Guerra Mundial, a Liga das Naes foi um esforo especfico da
poltica internacional de substituir o princpio do equilbrio de poder pelo princpio
da segurana coletiva. Tal princpio, que sustentou a criao daquela
Organizao, foi elaborado para remover a necessidade de equilbrio ou
balano. Para os realistas, essa sua remoo no perodo entreguerras teria sido
justamente a causa da Segunda Guerra Mundial. Como resultado, o sistema
internacional ps-1945 deixou de ser explicado em termos do princpio idealista
da segurana coletiva, e noes de bipolaridade e multipolaridade, tpicas das
anlises de balano de poder, o substituram. Chegou-se mesmo, nos perodos
mais quentes da Guerra Fria, em se falar de balano de terror.
Para reforar e ilustrar os conceitos acima, assista ao vdeo.
Pg. 6 - A fase realista
A dcada de 1930, entretanto, caracterizada por uma crescente instabilidade
internacional, consequncia de comoes polticas, econmicas e ideolgicas,
internas e internacionais, e pelo fracasso do sistema da Sociedade das Naes
e da poltica de apaziguamento das democracias europeias, marca a decadncia
da perspectiva idealista para a teoria das Relaes Internacionais. Nesse
perodo, tem-se o debate entre o Idealismo e uma nova corrente que ganhava
fora, o Realismo Poltico.
Os acontecimentos internacionais novamente foram essenciais para a mudana
no aporte terico. O Realismo representou, em um primeiro momento, a reao
dos especialistas s insuficincias tericas e prticas dos idealistas, no contexto
de convulses internacionais dos anos trinta e da prpria Segunda Guerra
Mundial. Para os realistas, o apelo opinio pblica e razo humanista,
preconizada pelos idealistas, mostrou-se incapaz de prevenir a guerra, fazendo-
se necessrio retomar as ideias de segurana nacional e de fora militar como
suportes da diplomacia. Apenas por meio de um poder efetivo, acreditavam, os
Estados poderiam assegurar a paz internacional e a soluo pacfica das
controvrsias. Carr assinalava que o significado ltimo da crise internacional era
"o colapso da total estrutura do utopismo baseado no conceito de harmonia de
interesses".
A pragmtica nova gerao de estudiosos do ps-Segunda Guerra Mundial
baseava-se no pensamento clssico maquiavlico e hobbesiano e via na defesa
dos interesses nacionais, em relao a poder, o grande eixo da conduta dos
Estados soberanos no meio internacional. O Realismo encontrou maior respaldo
nos EUA. Desse pas, a doutrina realista difundiu-se pelo globo, tornando-se a
corrente terica mais relevante para explicar as Relaes Internacionais.
Abordaremos essa corrente com mais detalhes a seguir e tambm em unidade
prpria.
Atualmente, cerca de 90% da produo acadmica dos EUA em Relaes
Internacionais tm por fundamento a corrente realista.
Pg. 7 - Behavioristas e ps-behavioristas
A terceira fase da Teoria das Relaes Internacionais desenvolveu-se tambm
nos EUA como resposta aos excessos do Realismo. Trata-se de uma
aproximao com a vertente behaviorista da Sociologia. Essa corrente ficou
conhecida como behaviorista ou cientfica. Para Arenal (1984, p.82):
No incio dos anos cinquenta, alguns especialistas norte-americanos em poltica
de segurana nacional repensam os postulados do realismo poltico, com base
no carter impreciso e intuitivo dos mesmos para a anlise da realidade
internacional, e buscam um enfoque de carter cientfico capaz de dar resposta
complexidade das Relaes Internacionais. O impacto dos mtodos de
pesquisa e os modelos das cincias fsico-naturais so notados com fora nas
pesquisas que comeam a pr em marcha. A partir desse momento, uma onda
de cientificismo, que trata de desenvolver uma cincia das Relaes
Internacionais, com base na aplicao de mtodos quantitativo-matemticos,
invade as Relaes Internacionais, impondo-se o que se denominou perspectiva
behaviorista ou conducista.
Para os behavioristas, o objetivo das Relaes Internacionais o
comportamento dos atores. O estudo desse objeto deve atentar para parmetros
que envolvam fases como a coleta e a elaborao de dados, o tratamento
quantitativo desses dados e, finalmente, a produo de modelos dentro do rigor
cientfico das cincias exatas. Para os behavioristas, os estudos devem estar
sempre voltados para os casos concretos, a partir dos quais uma linguagem
cientfica das cincias sociais deve ser elaborada com base em dados empricos,
rejeitando-se anlises provenientes do Direito, da Histria ou da Filosofia. Entre
os vrios enfoques da corrente behaviorista, convm destacar a Teoria da
Tomada de Decises, a Teoria Sistmica das Relaes Internacionais e a Teoria
dos Jogos. Os autores cientficos mais renomados so Morton Kaplan, David
Singer e G. T. Allison.
O desenvolvimento da corrente cientfica gerou um grande debate nos anos
sessenta entre os tradicionalistas filosfico-intuitivos (idealistas e realistas) e os
cientficos (behavioristas).
Finalmente, Arenal identifica uma quarta fase, motivada pelo que David Easton
(1969) chamou de nova revoluo da cincia poltica, e que se convencionou
chamar de ps-behaviorismo. Essa nova revoluo ter-se-ia produzido devido a
uma profunda insatisfao com a pesquisa poltica e os ensinamentos
behavioristas, sobretudo por quererem converter o estudo da poltica em uma
cincia segundo o modelo fsico-natural. As bandeiras levantadas pelos ps-
behavioristas so ao e relevncia. O novo movimento, sem abandonar o
enfoque cientfico do behaviorismo, dirige sua ateno conduta humana
enquanto tal e aos problemas reais do mundo, s motivaes e aos valores
subjacentes a toda conduta. Busca-se uma pesquisa com nfase ao caso
concreto, dando ateno a um objeto de anlise que difere dos objetos das
cincias exatas. O ps-behaviorismo constituiu, portanto, a sntese do debate
entre as concepes tradicionalistas e as cientficas.
Pg. 8 - Realismo, Pluralismo e Globalismo
Atualmente, a doutrina reconhece trs grandes correntes tericas das Relaes
Internacionais: o Realismo, o Pluralismo e o Globalismo. So tambm chamados
de paradigmas tericos, dado que as variadas teorias que existem na disciplina
podem ser encaixadas em uma dessas trs correntes. O Realismo trabalha mais
com os conceitos de poder e equilbrio de poder, o Globalismo com dependncia,
e o Pluralismo, por sua vez, com os conceitos de processo de tomada de deciso
e transnacionalismo.
Vamos abord-las brevemente a seguir.
Assistindo ao vdeo abaixo, ainda com o Professor Joanisval, um dos
conteudistas deste curso, voc ter uma viso introdutria do surgimento do
Realismo. Aqui.
Realismo
O Realismo tem algumas proposies bsicas.
Primeiro, o Estado o ator principal no meio internacional, e o estudo das
relaes internacionais foca essa unidade poltica. Atores no estatais, como as
empresas multinacionais, so menos relevantes para a anlise, e as
organizaes internacionais, como a ONU ou a OTAN, no possuem existncia
autnoma ou independente, porque so compostas de Estados, as verdadeiras
unidades soberanas, independentes e autnomas, que determinam o
comportamento dessas organizaes internacionais.
O Conselho de Segurana da ONU, por exemplo, que era uma forma de
gerncia do poder na viso realista, foi paralisado, durante a Guerra Fria, pelo
veto os interesses de poder da URSS e dos EUA iam em sentidos opostos e,
por consequncia, impediam a organizao de funcionar. No ps-Guerra Fria,
apesar da superao das rivalidades dentro do Conselho, a Organizao ainda
no funcionava automaticamente, dependendo, em cada circunstncia, do
interesse dos Estados para atuar. Realistas citam, por exemplo, o contraste
entre a ao rpida na Guerra do Golfo e a inrcia diante da crise iugoslava.
Segundo, os Estados so atores unitrios. So unitrios porque quaisquer
diferenas de viso entre os lderes polticos ou burocracias dentro do Estado
so, no final das contas, resolvidas, para que o Estado fale uma s voz.
Terceiro, os Estados so atores racionais. Isso porque, dados certos objetivos,
trabalham com alternativas viveis para alcan-los, luz de suas capacidades,
por meio de uma anlise de custo-benefcio. Os realistas reconhecem a
existncia de problemas como falta ou rudo de informao, incerteza, pr-
julgamento e erros de percepo, mas, contudo, pressupem que os tomadores
de deciso no medem esforos para alcanar a melhor deciso possvel.
Finalmente, para os realistas, a segurana nacional a questo de maior
importncia para a agenda de poltica exterior de qualquer Estado. Questes
polticas e militares dominam a agenda e so chamadas de alta poltica (high
politics). Os Estados atuam para maximizar o interesse nacional. Em outras
palavras, os Estados tentam maximizar a probabilidade de atingirem qualquer
objetivo que tenham estabelecido, o que inclui preocupaes de alta poltica
relativas sobrevivncia do Estado (segurana) assim como os objetivos de
baixa poltica ligados a esse campo, como comrcio, finanas, cmbio e bem-
estar.
A guerra responsiva dos EUA contra o Afeganisto, aps os ataques terroristas
de 11 de setembro de 2001, e sua guerra preventiva contra o Iraque, em 2003,
evidenciam o conflito alta poltica x baixa poltica, pois, durante os quatro anos
do Governo Bush, os democratas o criticaram constantemente por ter
abandonado as questes de economia domstica em nome da segurana
nacional. At mesmo o direito interno foi suspenso nos EUA: vm sendo negados
a vrios suspeitos, estrangeiros e nacionais, direitos garantidos
constitucionalmente, em ampla afronta ao princpio do devido processo legal
(due process of law), conquista de mais de dois sculos da sociedade norte-
americana.
Pg. 9 - Pluralismo
Assista aula introdutria, gravada no curso presencial no ILB, sobre
Pluralismo. Vamos l!
Os anos de 1980 e 1990 deram fora corrente terica conhecida como
Pluralismo, que veio para desafiar as proposies do Realismo. Nessa corrente
normalmente se enquadram os neoliberais.
O Pluralismo baseado em quatro proposies bsicas.
Primeiro, atores no estatais so importantes na poltica internacional.
Organizaes internacionais, por exemplo, podem tornar-se, em algumas
questes, atores independentes, ao contrrio do que defendem os realistas. Elas
so mais do que simples fruns em que Estados competem e cooperam uns com
os outros. O corpo de funcionrios de uma organizao internacional pode reter
um grau expressivo de poder ao determinar os termos de uma agenda, assim
como ao fornecer informaes sobre em quais representantes de Estado
baseiam suas demandas (como acontece com o FMI em relao aos pases que
pedem emprstimos alm de suas cotas, e, por consequncia, precisam seguir
o receiturio do consenso de Washington).
Similarmente, organizaes no governamentais, como a WWF, e corporaes
multinacionais, como a Petrobras, a IBM, a Sony, a General Motors, a Exxon, o
Citicorp, entre vrias outras, tambm desempenham papis importantes na
poltica mundial. Atualmente, lembram os pluralistas, at mesmo na rea
comercial as ONGs tm sido chamadas a atuar.
Para os pluralistas, tambm no se poderia negar o impacto de atores no
estatais, como grupos terroristas (como a Al Qaeda), comerciantes de armas da
mfia russa, movimentos guerrilheiros, como as FARC colombianas etc.
Segundo, para os pluralistas, o Estado no um ator unitrio. O Estado
composto de indivduos, grupos de interesse e burocracias que competem entre
si. Apesar de as decises serem noticiadas como decises de tal pas,
geralmente mais correto se falar em deciso feita por uma coalizo
governamental particular, uma agncia burocrtica do Executivo ou mesmo um
nico indivduo. A deciso no tomada por uma entidade abstrata chamada
Brasil, China ou EUA, mas por uma combinao de atores por trs da
definio da poltica externa.
Diferentes organizaes podem apresentar perspectivas distintas em
determinada questo de poltica externa. Competio, formao de coalizes e
compromissos eventualmente resultaro numa deciso que ser anunciada
como uma deciso do pas. Essa deciso estatal pode ser o resultado de
lobbies levado a efeito por atores no governamentais (como o lobby dos
fazendeiros norte-americanos contra o fim dos subsdios agrcolas, das
empresas multinacionais, de grupos de interesse, ou mesmo de um ente amorfo,
a opinio pblica). Assim, para os pluralistas, o Estado no pode ser visto como
um ator unitrio, uma vez que tal rtulo perderia de vista a multiplicidade de
atores que formam e compem a entidade chamada de Estado-nao.
Terceiro, os pluralistas desafiam a suposio realista de que o Estado um ator
racional. Dada a viso pluralista e fragmentada do Estado, pressupe-se, ao
contrrio, o choque de interesses, a barganha e a necessidade de compromisso
que nem sempre levam a um processo de tomada de deciso racional.
Por fim, para os pluralistas, a agenda da poltica internacional extensa. Embora
a segurana nacional seja importante, os pluralistas tambm se preocupam com
um nmero variado de questes econmicas, sociais, energticas e ecolgicas
que tm surgido com o aumento da interdependncia entre os pases e as
sociedades nos sculos XX e XXI. Alguns pluralistas, por exemplo, enfatizam o
comrcio e as questes monetrias e energticas, as quais estariam no topo da
agenda internacional. Outros dedicam-se soluo do problema demogrfico e
da fome no Terceiro Mundo. Outros, ainda, focam a poluio e a degradao do
meio ambiente. Nesse sentido, os pluralistas rejeitam a dicotomia entre alta
poltica (high politics) e baixa poltica (low politics) dos realistas.
Pg. 10 - Globalismo
Para introduzir o conceito de Globalismo, assista ao vdeo e, em seguida, leia
atentamente o texto que se segue!
Historicamente, o Globalismo se relaciona com o surgimento do Terceiro Mundo
na poltica mundial. Nesse sentido, representa uma viso ignorada e
desprestigiada da realidade internacional. Para eles, a hierarquia, como uma
caracterstica chave, mais importante do que a anarquia, dada a desigualdade
na distribuio do poder dentro do sistema.
Vimos que os realistas organizam seus estudos em torno da questo bsica de
como a estabilidade pode ser mantida num macroambiente anrquico. Os
pluralistas se perguntam como mudanas pacficas podem ser promovidas num
mundo que crescentemente interdependente poltica, militar, social e
economicamente. Os globalistas, por sua vez, se concentram na questo de por
que tantos pases do Terceiro Mundo na Amrica Latina, na frica e na sia no
tm conseguido se desenvolver. Para muitos globalistas, mais ligados linha
marxista, essa questo faz parte de um campo maior de anlise: o
desenvolvimento do capitalismo no mundo.
Os globalistas so guiados por quatro proposies.
Primeiro, necessrio entender o contexto global em que Estados e outros
atores interagem. Os globalistas argumentam que para explicar o
comportamento em qualquer nvel de anlise o individual, o burocrtico, o
societrio e o estatal , necessrio, antes, entender a estrutura geral do
sistema global no qual esses comportamentos se manifestam. Assim como os
realistas, globalistas acreditam que o ponto de partida da anlise o sistema
internacional. Numa extenso mais larga, o comportamento de atores individuais
explicado por um sistema que fornece limitaes e oportunidades.
Segundo, os globalistas realam a importncia da anlise histrica na
compreenso do sistema internacional. Apenas rastreando a evoluo histrica
do sistema possvel entender sua e