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UNIVERSIDADE DO ESTADO DO RIO GRANDE DO NORTE
CAMPUS AVANÇADO DE PAU DOS FERROS
PROGRAMA DE PÓS–GRADUAÇÃO EM LETRAS (PPGL)
DOUTORADO EM LETRAS
KÉLVYA FREITAS ABREU
RELAÇÕES DIALÓGICAS NO GÊNERO RELATÓRIO DE
ESTÁGIO EM COMUNIDADES DE PRÁTICA DO ENSINO
MÉDIO INTEGRADO
PAU DOS FERROS
2021
1
KÉLVYA FREITAS ABREU
RELAÇÕES DIALÓGICAS NO GÊNERO RELATÓRIO DE ESTÁGIO
EM COMUNIDADES DE PRÁTICA DO ENSINO MÉDIO INTEGRADO
Tese apresentada ao curso de Doutorado do
Programa de Pós-graduação em Letras da
Universidade do Estado do Rio Grande do
Norte, como requisito para obtenção do título de
Doutora em Letras.
Área de concentração: Estudos do Discurso e do
Texto.
Linha de pesquisa: Texto e construção de
sentidos.
ORIENTADORA: Profa. Dra. Maria do
Socorro Maia Fernandes Barbosa
Pau dos Ferros
2021
2
3
A tese “Relações dialógicas no gênero relatório de estágio em
comunidades de prática do Ensino Médio Integrado”, de autoria de
Kélvya Freitas Abreu, foi submetida à Banca Examinadora,
constituída pelo PPGL/UERN, como requisito necessário à obtenção do
grau de Doutora em Letras, outorgado pela Universidade do Estado do
Rio Grande do Norte (UERN).
Tese defendida e aprovada em 01 de julho de 2021.
BANCA EXAMINADORA
Prof.ª Dra. Maria do Socorro Maia Fernandes Barbosa (Presidente)
Universidade do Estado do Rio Grande do Norte
Prof.ª Dra. Regina Celi Mendes Pereira da Silva (Examinadora Externa)
Universidade Federal da Paraíba
Prof. Dr. José Ribamar Lopes Batista Júnior (Examinador Externo)
Universidade Federal do Piauí (UFPI)
Prof. Dr. José Cezinaldo Rocha Bessa (Examinador Interno)
Universidade do Estado do Rio Grande do Norte
Prof. Dr. Francisco Vieira da Silva (Examinador Interno)
Universidade Federal Rural do Semi-Árido / Universidade do Estado do Rio Grande do Norte
Prof. Dr. Raimundo Nonato Moura Furtado (Suplente Externo)
Universidade Federal do Ceará
Profa. Dra. Rosângela Alves dos Santos Bernardino (Suplente Interna)
Universidade do Estado do Rio Grande do Norte
4
Aos meus Franciscos,
Kelsen e Davi.
5
AGRADECIMENTOS
“Nosso discurso, isto é, todos os nossos enunciados (inclusive as obras criadas) é
pleno de palavras dos outros, de um grau vário de alteridade ou de assimilabilidade,
de um grau vário de aperceptabilidade e de relevância. Essas palavras dos outros
trazem consigo a sua expressão, o seu tom valorativo que assimilamos, reelaboramos
e reacentuamos” (BAKHTIN, 2016, p. 54).
Logo, esta tese não é um produto só meu! Seguindo a verdadeira essência bakhtiniana, reflito e
agradeço por ela ser o resultado das minhas vivências que ressoam inúmeras relações
dialógicas. Meu profundo gesto de gratidão a todos que em mim refletem e refratam suas
infinitas vozes...
A voz da fortaleza! Deus, obrigada por ter sido meu lugar de energia e de refúgio, por ter me
amparado e dado forças na caminhada para conquistar mais um sonho em minha vida.
A voz do amor, do aconchego, da prioridade e da confiança! Meus Franciscos, Kelsen (meu
esposo) e Davi (meu filho), obrigada por terem compreendido e me ensinado o que significa ter
resiliência, por entenderem minhas ausências, bem como me instruído a saber “frear” e viver
momentos com e para vocês, além de perseverarem com os incentivos de ter uma esposa e uma
mamãe doutora.
A voz do estímulo e da paciência! Antônio (pai), Melka (irmã), Maria Eduarda (sobrinha),
Raimunda (vó), minha família, obrigada! Em especial, Neirce, minha mãe, que esteve comigo
mais que presencialmente dando apoio para a execução da tese, meu agradecimento eterno em
cuidar do Davi, em escutar meus textos, em me acalmar quando tudo parecia um cenário turvo.
A voz da sabedoria, da confiança e da tranquilidade! Profª Drª Maria do Socorro Maia
Fernandes Barbosa, minha orientadora, obrigada por ter me acolhido como uma excelente mãe
acadêmica! Por sempre cuidar, incentivar e nortear os passos. Ganhei uma amiga para vida!
A voz da contribuição, do guiar, do instruir! Professores das bancas de qualificação e defesa;
Regina, Cezinaldo, Ribamar, Vieira, Nonato, Rosângela e Luciane, obrigada pelas valiosas
contribuições nas diversas etapas da construção desta tese, auxiliando a revisão dos caminhos
e de ampliação de horizontes.
6
A voz da inquietação! Professor Dr. Ivanaldo de Oliveira dos Santos Filho (in memoriam),
obrigada por ter me instigado o pensamento e me impulsionar a acreditar que de fato já tinha
uma tese! Suas palavras ecoaram em mim e ainda se fazem presentes.
A voz da formação/capacitação humana e profissional! UERN-CAPF, em especial, o PPGL
(as pessoas que o constituem), obrigada por ser a instituição que me formou e me capacitou
nesse período, que me possibilitou ter acesso ao estudo sem ter que percorrer lugares mais
longínquos, que me ensinou e me levou a refletir e aprofundar o meu lado mais humano ao
fortalecer o significado de parcerias, amizades e solidariedade. Além dos professores e dos
técnicos, ressalto a figura de Zailton em nome dos demais, levo comigo outros amigos para a
vida que embarcaram nessa viagem de desenvolvimento acadêmico.
A voz da amizade e de se fazer lar! Obrigada, Edson e Will pelo real significado de ser e fazer
partilha, moradia! Obrigada, Lendl, Socorro, Jucy (Cícera), Marcos, Gleiber, pelas trocas, pelas
caronas, pelas risadas, pelos desesperos, pelas leituras, pelas parcerias, por tudo o que significa
se construir academicamente: grata!
A voz do amadurecimento, da partilha, da aprendizagem do outro para com o Outro! Obrigada,
Evandro, Dalvinha, Letícia, Cícero, Ana Maria, Ivoneide, Fátima, Paulo Henrique e Cecília por
fazerem a caminhada acadêmica ser mais leve e rica de conhecimento! Nós que compomos uma
parte do Grupo de Estudos do Discurso (GRED/UERN) tivemos a sorte de nos encontrarmos
de maneira tão especial! Meu eterno reconhecimento sobre o quanto aprendi com vocês! Além
de vocês, agradeço ao grupo de leituras e estudos Bakhtinianos (Ilcilene, Anny, Nara, Gessica,
Joseilda, Jilsemar, Jailson, Natanael, Orlando, Cezinaldo e demais integrantes) que tão bem me
recepcionou após a qualificação e guiou o olhar para cotejar os textos, evoluindo como
pesquisadora e ser humano.
A voz da parceria, da torcida e do carinho! Obrigada, amigos que extrapolam os muros de uma
academia e que entendem o distanciamento, mas se fazem sempre presentes: Ramon, Gabriela,
Mário, Rodrigo, Dani, Ana Alice, Rodrigo, Amanda, Luiz, Rita, Tiago (in memoriam),
Alissana, Patrícia, Nivaneide, Lucineudo, Sara e Nonato! Bem como aqueles que estavam mais
próximos, agradeço por ouvir, por acolher, por apoiar e incentivar: Adriana Figueiredo,
Eriverton, Adriana Bispo, Alice, Orlando, Leila, Junio, Dally, Handherson e André. E aquela
que ressignifica a atenção, o cuidado e a amizade, Luciana Silva, gratidão!
A voz da ajuda, da colaboração, do #SouIFSalgueiro! Obrigada, Instituto Federal de Educação,
Ciência e Tecnologia do Sertão Pernambucano que me possibilitou cursar boa parte do
doutorado integralmente afastada. Principalmente, agradeço ao Campus Salgueiro e as pessoas
que o fazem. Elas foram essenciais no incentivo e no guiar por caminhos para encontrar os
7
dados de forma mais tranquila: Greiciane, Débora, Jackson, Fernanda, Michele, Josenildo,
Rônero, Robert, Ernando, Naira, minha gratidão!
A voz da união, do ser pesquisador! Obrigada, Grupo de Estudos e Pesquisas em Práticas
Educacionais Tecnológicas (GEPET)! Por cada pessoa que ali passou ou está, as contribuições
foram e são valiosas para o crescimento de ser rede de pesquisa na busca em dar retorno à
sociedade!
A voz do pertencimento, do companheirismo, da admiração! Obrigada, Coordenação Geral dos
Cursos Técnicos Integrados ao Ensino Médio, vulga “Pepeu”! Vocês me impulsionaram a
sonhar e viver esse sonho, além disso vibraram por cada conquista minha. Patrícia, Leonardo,
Cíntia, Adeisa, Gláucia, Juciel, Jardiene, Márcia, Marli, Pedro, Tarcísio, Frido e Scorpion,
espero que se vejam nessa tese, pois muito das relações dialógicas vislumbradas nos dados
trazem, ecoam as vozes da educação que vocês deram aos nossos menin@s!
A voz da transformação, do desassossego, da sede por saber, do educar-se! Obrigada,
inúmeros/as estudantes que tive e que terei a oportunidade de (com)partilhar o conhecimento,
o medo, o espírito investigativo, as etapas de crescimento e conquistas, por muitas vezes, a
amizade! Na figura de Everaldo, Helga e Rafaela, a vocês que já passaram pelo meu caminhar
docente e que auxiliaram nas reflexões contidas neste estudo, que eu possa continuar me
congratulando cada vez mais em cada sucesso alcançado nosso.
8
Há muito tempo que eu saí de casa
Há muito tempo que eu caí na estrada
Há muito tempo que eu estou na vida
Foi assim que eu quis, e assim eu sou feliz
[...]
E aprendi que se depende sempre
De tanta, muita, diferente gente
Toda pessoa sempre é as marcas
Das lições diárias de outras tantas pessoas
E é tão bonito quando a gente entende
Que a gente é tanta gente onde quer que a gente
vá
E é tão bonito quando a gente sente
Que nunca está sozinho por mais que pense estar
(Gonzaguinha)
9
RESUMO
ABREU, Kélvya Freitas. Relações dialógicas no gênero relatório de estágio em comunidades
de prática do Ensino Médio Integrado. 2021. 421 p. Tese (Pós-Graduação em Letras).
Universidade do Estado do Rio Grande do Norte, Pau dos Ferros/RN, 2021.
O lugar de qualificação e formação profissional de discentes de Ensino Médio Integrado (EMI)
revela particularidades sobre um espaço de construção de saberes múltiplos, onde, ademais de
uma formação propedêutica, vivencia-se o elo da academia com a dinâmica do mundo do
trabalho. Deste modo, buscamos, nesta pesquisa, analisar as relações dialógicas na sua
dimensão interdiscursiva nos relatórios de estágio dos cursos de EMI de Agropecuária e de
Edificações do Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Sertão Pernambucano
– Campus Salgueiro, que se revela como um dos elos que constituem as suas respectivas
comunidades de prática na construção do letramento acadêmico-profissional, em um recorte
temporal entre 2016 e 2018. Para isso, nossa investigação descritiva de base interpretativista
teve como aporte teórico a Análise Dialógica do Discurso (ADD – BRAIT, 2005, 2014a, 2014b,
2015; SOBRAL, 2009; SOBRAL; GIACOMELLI, 2019; PAULA, 2013; RODRIGUES;
ACOSTA PEREIRA, 2019; PAULA; STAFUZZA, 2010a, 2010b, 2013, 2019) pautada nas
concepções do Círculo de Bakhtin (BAKHTIN, 2011, 2015, 2016a, 2019a, 2019b; BAKHTIN;
VOLOCHÍNOV, 2019; MEDVIÉDEV, 2016; VOLOCHÍNOV, 2013a, 2013b, 2018, 2019);
associando-se ainda aos Novos Estudos do Letramento em sua vertente crítica e sociocultural
dos estudos dos letramentos acadêmicos (BARTON; HAMILTON; IVANIC, 2005;
CASSANY, 2006; ROJO, 2009; STREET, 1984, 2010, 2014; MAYBIN, 2005; LEA; STREET,
1998, 2014; LILLIS; CURRY, 2006), coadunando com os conceitos de comunidades de prática
(LAVE; WENGER, 2008; WENGER, 1998, 2010; SNYDER; WENGER, 2010). Assim, em
nosso percurso investigativo adotamos três grandes etapas: 1. A análise do entorno, das
condições de produção do gênero e as forças centrípetas presentes nos direcionamentos da
escrita do relatório de estágio; 2. As relações dialógicas na dimensão interdiscursiva (o já-dito)
existentes nesse gênero e que caracterizam o enunciado de uma dada comunidade de prática
(CP); e, 3. A constituição da CP por meio do domínio, do empreendimento e do repertório
indiciados no discurso dos sujeitos estudantes-estagiários e que demarcam seus respectivos
letramentos acadêmicos-profissionais neste contexto singular. Como resultado, foi-nos possível
delinear algumas particularidades, como por exemplo: os documentos institucionais, como um
dos interlocutores mediadores dos letramentos, buscam por meio de uma voz de autoridade
(força verboideológica) criar efeitos sobre a prática dos discentes, visando construir um perfil
profissional, assim como, tentam uniformizar a escrita desse público, partindo da compreensão
que essa se dá de forma homogênea diante de grupos distintos (modelo de habilidades de estudo
e de socialização acadêmica); os grupos investigados respondem a esses interlocutores
mediadores dos letramentos, sobretudo na adequação à estrutura composicional do gênero
solicitado (ecos das vozes institucionais), porém, outros diálogos são travados e configuram as
singularidades dos grupos, quer seja nas formas marcadas do projeto de dizer, nas formas de
inserção do discurso “alheio” como palavra “minha” ou ainda pela relação interdiscursiva
(diálogo com o conhecimento acadêmico e profissional; concordância com discursos alheios;
relação de questionamento do agir profissional e da teoria existente; relação com outros saberes
e competências; e reconhecimento das marcas acadêmicas e profissionais na formação); e,
concluímos que, por meio dos enunciados concretos e seu uso social, as CP se (re)conhecem e
10
legitimam suas práticas cotidianas através dos seus respectivos campos de atuação, terrenos de
assuntos compartilhados, propósitos e envolvimentos dos sujeitos que as integram. Isso nos
confirma que a materialidade textual e discursiva no gênero relatório nos possibilitou conceber
como as relações dialógicas acabam por refletir e refratar as respectivas comunidades de
práticas diante de letramentos específicos como os dos cursos de Agropecuária e de Edificações.
Palavras-chave: Relações dialógicas; comunidades de prática; letramentos acadêmicos-
profissionais; relatório de estágio; ensino médio integrado.
11
RESUMEN
ABREU, Kélvya Freitas. Relaciones dialógicas en el género de reporte de pasantías en
comunidades de práctica de Bachillerato Integrado. 2021. 421 p. Tesis (Posgrado en Letras).
Universidad Estatal de Rio Grande do Norte, Pau dos Ferros / RN, 2021.
El lugar de calificación y formación profesional de los estudiantes de Enseñanza Mediana
Integrada (EMI) revela particularidades sobre un espacio para la construcción de saberes
múltiples, donde, además de una formación propedéutica, se experimenta el vínculo entre la
academia y la dinámica del mundo laboral. De esta manera, buscamos, en esta investigación,
analizar las relaciones dialógicas en su dimensión interdiscursiva en los relatórios de estudiantes
aprendizes de los cursos EMI de Agropecuária y Edificación del Instituto Federal de Educação,
Ciência e Tecnologia do Sertão Pernambucano – Campus Salgueiro, que se revela como uno
de los vínculos que constituyen sus respectivas comunidades de práctica en la construcción de
la literacidad académico-profesional, bajo un análisis en un período de tiempo de 2016 a 2018.
Así, nuestra investigación decriptiva e interpretativa, tuvo como sustento teórico el Análisis del
Discurso Dialógico (ADD BRAIT, 2005, 2014a, 2014b, 2015; SOBRAL, 2009; SOBRAL;
GIACOMELLI, 2019; PAULA, 2013; RODRIGUES; ACOSTA PEREIRA, 2019; PAULA;
STAFUZZA, 2010a, 2010b, 2013, 2019) basado en los conceptos del Círculo de Bajtín
(BAKHTIN, 2011, 2015, 2016a , 2019a, 2019b; BAKHTIN; VOLOCHÍNOV, 2019;
MEDVIÉDEV, 2016; VOLOCHÍNOV, 2013a, 2013b, 2018, 2019); asociándose con los
Nuevos Estudios de Literacidad en su aspecto crítico y sociocultural de los estudios de
literacidad académica (BARTON; HAMILTON; IVANIC, 2005; CASSANY, 2006; ROJO,
2009; STREET, 1984, 2010, 2014; MAYBIN, 2005; LEA; STREET, 1998, 2014; LILLIS;
CURRY, 2006), en línea con los conceptos de comunidades de práctica (LAVE; WENGER,
2008; WENGER, 1998, 2010; SNYDER; WENGER, 2010). Por tanto, en nuestra trayectoria
investigativa, adoptamos tres grandes etapas: 1. El análisis del entorno, las condiciones de
producción del género y las fuerzas centrípetas presentes en las direcciones de redacción del
informe de prácticas; 2. Las relaciones dialógicas en la dimensión interdiscursiva (como ya se
dijo) existentes en este género y que caracterizan el enunciado de una determinada comunidad
de práctica (CP); y, 3. La constitución del CP a través del dominio, el emprendimiento y el
repertorio señalados en el discurso de los estudiantes-pasantes y que demarcan sus respectivas
literacidades académico-profesionales en este contexto singular. Como resultado, fue posible
delinear algunas particularidades, tales como: los documentos institucionales como uno de los
interlocutores mediadores de las literacidades buscan generar efectos sobre qué y cómo hacer
en la práctica de los estudiantes a través de una voz de autoridad, con el objetivo de construir
un perfil profesional, así como, intentan estandarizar la redacción de esta audiencia, partiendo
de la comprensión de que esto ocurre de manera homogénea ante diferentes grupos (modelo de
habilidades de estudio y socialización académica); los grupos investigados responden a estos
interlocutores que median las literacidades, especialmente en adaptarse a la estructura
compositiva del género solicitado (ecos de voces institucionales), sin embargo, se realizan otros
diálogos y configuran las particularidades de los grupos, ya sea en el marcado formas del
proyecto. decir, en las formas de inserción del discurso “ajeno” como palabra “mía” o por la
relación interdiscursiva (diálogo con saberes académicos y profesionales; acuerdo con otros
discursos; relación de cuestionamiento entre la acción profesional y la teoría existente; relación
con otros conocimientos y habilidades, y reconocimiento de las marcas académicas y
12
profesionales en formación); y, concluimos que, a través de enunciados concretos y sus usos
sociales, las CP (re)conocen y legitiman sus prácticas cotidianas a través de sus respectivos
campos de acción, terrenos de sujetos compartidos, propósitos e implicación de los sujetos que
las integran. Esto confirma que la materialidad textual y discursiva del género de relatório nos
ha permitido concebir cómo las relaciones dialógicas terminan reflejando y refractando las
respectivas comunidades de prácticas frente a literacidades específicas como las de los cursos
de Agropecuária y Edificación.
Palabras-clave: Relaciones dialógicas; comunidades de práticas; literacidad académica-
profesionales; relatório de pasantía; enseñanza mediana integrada.
13
ABSTRACT
ABREU, Kélvya Freitas. Dialogical relationships in the internship report genre in Communities
of Practice of Integrated High School. 2021. 421 p. Thesis (Post-Graduation in Modern
Languages). State University of Rio Grande do Norte, Pau dos Ferros / RN, 2021.
The place of qualification and professional training of Integrated High School students reveals
particularities about a space for the construction of multiple knowledges, where, in addition to
propaedeutic training, students experience the link between academia and the dynamics of the
world of work. Thus, this research aims to analyze the dialogical relationships in their
interdiscursive dimension in the internship reports of the Integrated High School courses of
Agriculture and Buildings of the Salgueiro Campus of the Federal Institute of Education,
Science and Technology of the Sertão Pernambucano which reveals itself as one of the links
that constitute their respective communities of practice in the construction of academic-
professional literacy, in a time frame between 2016 and 2018. Therefore, this thesis represents
a descriptive study with an interpretive basis, whose orientation follows the Dialogical Analysis
of Discourses ( DAD BRAIT, 2005, 2014a, 2014b, 2015; SOBRAL, 2009; SOBRAL;
GIACOMELLI, 2019; PAULA, 2013; RODRIGUES; ACOSTA PEREIRA, 2019; PAULA;
STAFUZZA, 2010a, 2010b, 2013, 2019) based on the concepts of the Bakhtin Circle,
(BAKHTIN, 2011, 2015, 2016a, 2019a, 2019b; BAKHTIN; VOLOCHÍNOV, 2019;
MEDVIÉDEV, 2016; VOLOCHÍNOV, 2013a, 2013b, 2018, 2019); associating itself with the
New Literacy Studies in its critical and sociocultural aspect of academic literacy studies in line
with the concepts of communities of practice. (BARTON; HAMILTON; IVANIC, 2005;
CASSANY, 2006; ROJO, 2009; STREET, 1984, 2010, 2014; MAYBIN, 2005; LEA; STREET,
1998, 2014; LILLIS; CURRY, 2006), coadunando com os conceitos de comunidades de prática
(LAVE; WENGER, 2008; WENGER, 1998, 2010; SNYDER; WENGER, 2010). Therefore,
this investigative path covers three major stages: 1. The analysis of the environment, the
conditions about the production of the genre and the centripetal forces existing in the directions
of writing the internship report; 2. The dialogical relationships in the interdiscursive dimension
(as already said) that exists in this genre and which characterizes the statement of certain
community of practice; and, 3. The constitution of the Community of Practice through the
domain, the enterprise and the repertoire indicated in the discourse of the student-trainee
subjects which demarcates their respective academic-professional literacies in this singular
context. As a result, it is possible to outline some particularities, such as: for example,
institutional documents, as one of the mediating interlocutors of literacies, in order to create
effects on the practice of students through a voice of authority (ideological-verbal power), in
order to build a professional profile, as well as, the Institute aims to standardize the writing of
its students. It starts from the understanding that it happens in a homogeneous way ahead
different groups (model of study skills and academic socialization); the analyzed groups
answers to these interlocutors mediating the literacies, especially in adapting to the
compositional structure of the requested genre (echoes of institutional voices). However, other
dialogues are held and configure the singularities of the groups, whether in the marked forms
of the project of saying, in the forms of insertion of the "alien" discourse as a word "mine" or
by the interdiscursive relationship (dialogue with academic and professional knowledge;
agreement with other discourses; questioning relationships between professional action and
existing theory; relationships with other knowledges and skills, and (re) knowledge of academic
14
and professional brands in training); and, we conclude that, through concrete statements and
their social use, PCs (re)know and legitimize their daily practices through their respective fields
of action, terrains of shared subjects, purposes and involvement of the subjects that integrate
them. This confirms that the textual and discursive materiality in the report genre allowed us to
conceive how the dialogical relationships end up reflecting and refracting the respective
communities of practices in the face of specific literacies such as those in the Agriculture and
Buildings courses.
Keywords: Dialogical relationships; communities of practice; academic-professional
literacies; internship report; integrated high school.
15
LISTA DE QUADROS
Quadro 1 – “Dizer ao outro no já-dito”, segundo Authier-Revuz (2011). ............................................ 73
Quadro 2 – Estrutura do relatório por Marconi e Lakatos (2017). ...................................................... 103
Quadro 3 – Levantamento dos documentos oficiais norteadores da escrita do gênero relatório no IF
Sertão/PE – Campus Salgueiro presentes no ano de 2016 a 2018. ..................................................... 151
Quadro 4 – Exemplificação quadro de Documento Norteador – “interlocutor mediador dos
letramentos”. ....................................................................................................................................... 151
Quadro 5 – Distribuição dos cursos nos Campi. ................................................................................. 153
Quadro 6 – Análise dialógica dos relatórios de estágio na escrita acadêmica-profissional. ............... 160
Quadro 7 – Exemplos de respaldos jurídicos na NCELE. .................................................................. 176
Quadro 8 – Lei 11.788/08 na NCELE: destaque sobre as implicações pedagógicas da Lei. .............. 178
Quadro 9 – Lei 11.788/08 na NCELE: destaque para o teor normativo centralizador do documento. 180
Quadro 10 – Trechos retirados do texto-fonte de forma igual ou parcial. .......................................... 184
Quadro 11 – Exemplos de respaldo legais dos PCC de Agropecuária e de Edificações correlacionados
ao texto-fonte. ..................................................................................................................................... 192
Quadro 12 – Exemplos de respaldos jurídicos nos PPC de Agropecuária e de Edificações. .............. 194
Quadro 13 – Matriz curricular dos cursos EMI de Agropecuária e de Edificações. ........................... 204
Quadro 14 – Perfil profissional esperado dos cursos de Agropecuária e de Edificações. ................... 208
Quadro 15 – Exemplos de respaldos jurídicos no RE. ........................................................................ 213
Quadro 16 – RE: destaque para o caráter normativo-prescritivo do documento. ................................ 214
Quadro 17 – RE: A normatização e as implicações de ordem pedagógica. ........................................ 218
Quadro 18 – Direcionamentos sobre a produção escrita no estágio – RE. .......................................... 220
Quadro 19 – Exemplo de forças centrípetas no ME. ........................................................................... 227
Quadro 20 – Direcionamentos sobre as ações dos estudantes-estagiários. ......................................... 230
Quadro 21 – Estrutura do trabalho acadêmico proposto pelo GETA (trabalhos acadêmicos e relatório
de estágio). .......................................................................................................................................... 235
Quadro 22 – Exemplo de forças centrípetas no GETA. ...................................................................... 239
Quadro 23 – Exemplo de forças centrípetas no MRCT. ..................................................................... 245
Quadro 24 – Títulos presentes nas capas dos relatórios de estágio de discentes do EMI de
Agropecuária. ...................................................................................................................................... 260
Quadro 25 – Títulos presentes nas folhas de rosto dos relatórios de estágio de discentes do EMI de
Agropecuária. ...................................................................................................................................... 260
Quadro 26 – Folha de rosto: objetivos do relatório. ............................................................................ 262
Quadro 27 – Agradecimentos – foco na estrutura. .............................................................................. 268
Quadro 28 – Apresentação dos setores: locus do estágio. ................................................................... 275
Quadro 29 – Empresas concedentes do estágio e atividades desenvolvidas pelos discentes-estagiários
das CP de Agropecuária e de Edificações. .......................................................................................... 276
Quadro 30 – Introduções da CP de Edificações: a obrigatoriedade do relatório. ................................ 280
Quadro 31 – Necessidade de profissionais qualificados segundo a CP de Edificações. ..................... 281
Quadro 32 – Temáticas presentes nos relatórios da CP de Agropecuária e de Edificações. ............... 283
Quadro 33 – Seção de conclusão nas CP de Agropecuária e de Edificações. ..................................... 291
16
Quadro 34 – Variação de números de páginas nos relatórios de estágio. ........................................... 302
Quadro 35 – As formas marcadas do projeto de dizer: exemplos da inserção do sujeito no enunciado –
CP de Agropecuária. ........................................................................................................................... 307
Quadro 37 – As formas marcadas do projeto de dizer: exemplos da inserção do sujeito no enunciado –
CP de Edificações. .............................................................................................................................. 309
Quadro 37 – As formas de inserção do discurso “alheio” como palavra “minha”: reprodução literal do
dizer. .................................................................................................................................................... 314
Quadro 38 – As formas de inserção do discurso “alheio” como palavra “minha”: reprodução literal do
dizer sem presença de marcação topográfica. ..................................................................................... 318
Quadro 39 – As formas de inserção do discurso “alheio” como palavra “minha”: incorporação do
dizer. .................................................................................................................................................... 322
Quadro 40 – As formas de inserção do discurso “alheio” como palavra “minha”: incorporação do dizer
entre relatórios de estágio – CP de Agropecuária. .............................................................................. 326
Quadro 41 – As formas de inserção do discurso “alheio” como palavra “minha”: incorporação do dizer
entre relatórios de estágio – CP de Edificações. ................................................................................. 332
Quadro 42 – As formas de inserção do discurso “alheio” como palavra “minha”: a evocação/alusão do
dizer. .................................................................................................................................................... 337
Quadro 43 – As formas de inserção do discurso “alheio” como palavra “minha”: reformulação do
dizer. .................................................................................................................................................... 342
Quadro 44 – Diálogo com o conhecimento acadêmico e profissional – CP de Agropecuária. ........... 348
Quadro 45 – Diálogo com o conhecimento acadêmico e profissional – CP de Edificações. .............. 351
Quadro 46 – Concordância e discordância com discursos alheios. ..................................................... 355
Quadro 47 – Relação de questionamento do agir profissional e da teoria existente. .......................... 359
Quadro 48 – Relação com outros saberes e competências. ................................................................. 363
Quadro 49 – Reconhecimento das marcas acadêmicas e profissionais na formação – CP de
Agropecuária. ...................................................................................................................................... 369
Quadro 50 – Reconhecimento das marcas acadêmicas e profissionais na formação – CP de
Edificações. ......................................................................................................................................... 372
Quadro 51 – Caracterização de uma Comunidade de Prática. ............................................................ 378
Quadro 52 – CP de Agropecuária: REDO2 – AGRO 01, 2016. ......................................................... 379
Quadro 53 – CP de Agropecuária: o domínio, o empreendimento e o repertório em outros relatórios.
............................................................................................................................................................. 383
Quadro 54 – CP de Edificações: REDO5 – EDIF 01, 2016. ............................................................... 386
Quadro 55 – CP de Edificações: o domínio, o empreendimento e o repertório em outros relatórios. 388
17
LISTA DE ILUSTRAÇÕES
Figura 1 – ADD: principais características. .......................................................................................... 53
Figura 2 – Relações entre os elementos da situação de comunicação, as práticas de linguagem e
gêneros do discurso – Rojo (2013). ....................................................................................................... 89
Figura 3 – Estrutura do relatório. ........................................................................................................ 102
Figura 4 – Níveis de análise de práticas de letramentos por Maybin (2005). ..................................... 119
Figura 5 – Componentes de uma teoria social da aprendizagem: ideias iniciais de Wenger (1998). . 137
Figura 6 – Características das Comunidades de Prática. ..................................................................... 142
Figura 7 – Página principal do sítio eletrônico do Repositório Institucional do IF Sertão/PE: RELEIA.
............................................................................................................................................................. 152
Figura 8 – Síntese do percurso metodológico utilizado. ..................................................................... 165
Figura 9 – Parte do sumário da Nova Cartilha Esclarecedora sobre a Lei do Estágio. ....................... 175
Figura 10 – Seção de perguntas e respostas da NCELE. ..................................................................... 183
Figura 11 – Sumário do PPC dos cursos de EMI em Agropecuária (A) e em Edificações (B) do
Campus Salgueiro. .............................................................................................................................. 190
Figura 12 – PPC de Agropecuária: ementas das disciplinas Introdução à Agricultura e Matemática. 197
Figura 13 – PPC de Edificações: ementas das disciplinas de Língua Portuguesa e Desenho Técnico e
Arquitetura. ......................................................................................................................................... 198
Figura 14 – Indício do repertório partilhado – gêneros de cada campo de atuação: PPC de
Agropecuária e de Edificações. ........................................................................................................... 210
Figura 15 – Texto introdutório do ME. ............................................................................................... 224
Figura 16 – Exemplo do projeto gráfico utilizado no ME................................................................... 225
Figura 17 – Exemplo do projeto gráfico do GETA. ........................................................................... 233
Figura 18 – Modelo de relatório para os cursos técnicos do IF Sertão/PE – Campus Salgueiro (Capa e
contracapa). ......................................................................................................................................... 242
Figura 19 – Folha de aprovação e agradecimentos no MRCT. ........................................................... 244
Figura 20 – Exemplos de folha de aprovação do curso de Edificações. ............................................. 252
Figura 21 – Folha de aprovação/agradecimento REDO4 – AGRO 02, 2018. .................................... 254
Figura 22 – Exemplos de capas do curso de Agropecuária. ................................................................ 256
Figura 23 – Exemplos de capas do curso de Edificações. ................................................................... 258
Figura 24 – Exemplos dos modelos de sumários propostos A – GETA e B – MRCT........................ 264
Figura 25 – Exemplos de sumários CP de Agropecuária. ................................................................... 265
Figura 26 – Exemplos de sumários CP de Edificações. ...................................................................... 266
Figura 27 – Lista de figuras CP de Edificações. ................................................................................. 267
Figura 28 – Exemplos da seção identificação do estágio. ................................................................... 274
Figura 29 – Exemplos da seção de atividades desenvolvidas CP de Agropecuária: ecos de vozes
institucionais. ...................................................................................................................................... 286
Figura 30 – Exemplos de recursos verbo-visuais utilizados nas CP de Agropecuária e de Edificações.
............................................................................................................................................................. 289
Figura 31 – Exemplos da seção de referências da CP de Agropecuária e de Edificações. ................. 295
Figura 32 – Exemplos da seção de anexos da CP de Agropecuária e de Edificações. ........................ 298
Figura 33 – Repertório partilhado – gêneros da CP de Agropecuária. ................................................ 385
18
Figura 34 – Repertório partilhado – gêneros da CP de Edificações. ................................................... 390
19
LISTA DE TABELAS
Tabela 1 – Distribuição da quantidade de relatórios por ano/curso. ................................................... 154
Tabela 2 – Distribuição da quantidade de diplomados, quantidade de relatórios analisados por
ano/curso. ............................................................................................................................................ 155
Tabela 3 – Distribuição da quantidade de bolsas ofertadas entre 2016 a 2018. .................................. 169
Tabela 4 – Distribuição da quantidade de discentes bolsistas de iniciação científica (PIBIC-Jr.) ou de
iniciação de projetos e bolsas de extensão (PIBEX-Técnico) em porcentagem. ................................ 170
Tabela 5 – Materialidade textual-discursiva dos relatórios: elementos pré-textuais. .......................... 251
Tabela 6 – Materialidade textual-discursiva dos relatórios: elementos textuais. ................................ 271
Tabela 7 – Ocorrência de recursos verbo-visuais na seção de atividades desenvolvidas. ................... 287
Tabela 8 – Materialidade textual-discursiva dos relatórios: elementos pós-textuais. ......................... 293
20
LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS
ABNT Associação Brasileira de Normas Técnicas
ADD Análise dialógica do discurso
BNCC Base Nacional Comum Curricular
CDIF Concepções e Diretrizes dos IF
CEB Câmara de Educação Básica
CEFET – Petrolina Centro Federal de Educação Tecnológica de Petrolina
CNE Conselho Nacional de Educação
CONIF Conselho Nacional das Instituições da Rede Federal de Educação
Profissional, Científica e Tecnológica
CP Comunidades de prática
DCENEM Diretrizes Curriculares Nacionais do Ensino Médio
DD Discurso direto
DI Discurso indireto
DIL Discurso indireto livre
EBTT Ensino Básico Técnico Tecnológico
EMI Ensino Médio Integrado
ENEM Exame Nacional do Ensino Médio
ETFPE Escola Técnica Federal de Pernambuco
GEPET Grupo de estudos e pesquisas em práticas educacionais tecnológicas
GETA Guia de elaboração dos trabalhos de conclusão de curso para os cursos
técnicos e superior do Instituto Federal de Educação, Ciência e
Tecnologia do Sertão Pernambucano
GRED Grupo de estudos do discurso
IF Institutos Federais de Educação, Ciência e Tecnologia
IF SERTÃO/PE Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Sertão
Pernambucano
ISD Interacionismo sócio-discursivo
JID Jornada de Iniciação à Docência
21
JINCE Jornada de Iniciação Científica e Extensão
LE Língua estrangeira
LDBEN Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional
ME Manual do estagiário
MEC Ministério da Educação
MFL Marxismo e filosofia da linguagem
MRCT Modelo de relatório dos cursos técnicos
NBR Norma brasileira
NCELE Nova Cartilha Esclarecedora sobre a Lei do estágio
NLS New Literacy Studies / Novos estudos do letramento
PCN Parâmetros Curriculares Nacionais
PCN em debate Parâmetros Curriculares Nacionais em Debate
PDI Plano de Desenvolvimento Institucional
PIBIC-Jr. Programa Institucional de Bolsas de Iniciação Científica – Júnior
PIBEX-Técnico Programa Institucional de Projetos e Bolsas de Extensão – Técnico
PNLD Programa Nacional do Livro Didático
PPC Projeto Pedagógico do Curso
PPD Problemas da poética em Dostoiévski
OCNEM Orientações Curriculares Nacionais do Ensino Médio
RE Regulamento de estágio
RD Relações dialógicas
RDO Representação do discurso outro
RELEIA Repositório de leituras abertas
SETEC Secretaria de Educação Profissional e Tecnológica
TCC Trabalho de conclusão de curso
22
SUMÁRIO
1. INTRODUÇÃO: UM SER(TÃO) DE VOZES ..................................................................... 24
2. AS FORMAS DO RELEVO: FUNDAMENTOS CONSTITUTIVOS DA LINGUAGEM
NA PERSPECTIVA BAKHTINIANA .............................................................................................. 38
2.1 O ESTUDO DO SOLO: O CÍRCULO DE BAKHTIN E O NASCITURO DE UMA
PROPOSIÇÃO TEÓRICA ....................................................................................................... 38
2.1.1 As propriedades e a delimitação do campo: a Análise Dialógica do Discurso ......... 48
2.2 ENTRE AS VEGETAÇÕES EXISTENTES E A NATUREZA CONSTITUTIVA: A
DIALOGICIDADE DO ENUNCIADO ................................................................................... 57
2.2.1 A diversidade da composição: Relações dialógicas e as dimensões interdiscursivas
.......... ........................................................................................................................................ 63
2.3 AERANDO A TERRA: GÊNEROS DO DISCURSO ...................................................... 77
2.3.1 O conjunto de plantas nativas: reflexões sobre a esfera de circulação e o gênero
relatório de estágio.................................................................................................................. 90
2.3.1.1 A Semente: O Relatório de Estágio .............................................................................. 96
2.3.1.1.1 Em busca de um olhar microscópico: a estrutura ................................................... 101
3. A FERTILIDADE DO TERRENO: LETRAMENTO(S) E SEUS CONCEITOS .......... 107
3.1 UM NOVO RAMO: OS NOVOS ESTUDOS DO LETRAMENTO .............................. 107
3.1.1 Nós e entrenós: aproximações entre a ADD e os NLS .............................................. 116
3.2 NA FLORAÇÃO: LETRAMENTOS ACADÊMICOS E PROFISSIONAIS ................. 122
3.3 DANDO FRUTOS: COMUNIDADES DE PRÁTICAS ................................................. 133
4. A ARQUITETURA DA PAISAGEM: A CONSTRUÇÃO DE UM PERCURSO .................. 144
4.1 COMPREENDENDO O CONTEXTO DA PESQUISA ................................................. 146
4.1.1 Contextualização e descrição do Corpus ................................................................... 149
4.1.2 No trilhar das relações dialógicas: categorias e procedimentos de análise ............ 158
5. ERGUENDO A OBRA: AS RELAÇÕES DIALÓGICAS EM DETERMINADAS
COMUNIDADES DE PRÁTICA E A CONSTITUIÇÃO DE UM LETRAMENTO
ACADÊMICO-PROFISSIONAL SINGULAR .............................................................................. 166
5.1 LEVANTAMENTO LOCAL – O CONTEXTO DE PRODUÇÃO: AS DIMENSÕES
INTERDISCURSIVAS DE MEDIAÇÃO DOS LETRAMENTOS COMO PRÁTICAS
INSTITUCIONALIZADAS NA CONFECÇÃO DOS RELATÓRIOS ................................ 167
5.1.1 As Vozes Institucionais: dois cursos distintos e um único direcionamento? .......... 172
5.1.1.1 Nova Cartilha Esclarecedora sobre a Lei do estágio (NCELE).................................. 173
5.1.1.2 Projetos Pedagógicos dos Cursos (PPC): Agropecuária e Edificações ...................... 188
5.1.1.3 Regulamento de estágio (RE) ..................................................................................... 212
5.1.1.4 Manual do estagiário (ME) ......................................................................................... 222
5.1.1.5 Guia de elaboração dos trabalhos de conclusão de curso para os cursos técnicos e
superior do Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Sertão Pernambucano
(GETA) ................................................................................................................................... 232
23
5.1.1.6 Modelo de relatório dos cursos técnicos (MRCT)...................................................... 241
5.2 O PROJETO EXECUTIVO – AS RELAÇÕES DIALÓGICAS NA DIMENSÃO
INTERDISCURSIVA EM COMUNIDADES DE PRÁTICAS DE AGROPECUÁRIA E DE
EDIFICAÇÕES NO RELATÓRIO DE ESTÁGIO ............................................................... 248
5.2.1 A materialidade macrotextual-discursiva nos relatórios: ecos das vozes
institucionais? ....................................................................................................................... 249
5.2.1.1 Elementos pré-textuais ............................................................................................... 251
5.2.1.2 Elementos textuais ...................................................................................................... 271
5.2.1.3 Elementos pós-textuais ............................................................................................... 293
5.2.2 A dimensão interdiscursiva nas relações dialógicas de comunidades de prática
específicas: o fio discursivo .................................................................................................. 303
5.2.2.1 As formas marcadas do projeto de dizer .................................................................... 304
5.2.2.2 As formas de inserção do discurso "alheio" como palavra "minha" .......................... 312
5.2.2.2.1 Reprodução literal do dizer ..................................................................................... 314
5.2.2.2.2 Incorporação do dizer ............................................................................................. 320
5.2.2.2.3 Evocação/alusão do dizer ........................................................................................ 335
5.2.2.2.4 Reformulação do dizer ............................................................................................ 341
5.2.2.3 A dimensão interdiscursiva por meio das RD ............................................................ 346
5.2.2.3.1 Diálogo com o conhecimento acadêmico e profissional ......................................... 347
5.2.2.3.2 Concordância com discursos alheios ...................................................................... 354
5.2.2.3.3 Relação de questionamento do agir profissional e da teoria existente ................... 358
5.2.2.3.4 Relação com outros saberes e competências .......................................................... 362
5.2.2.3.5 Reconhecimento das marcas acadêmicas e profissionais na formação .................. 367
5.3 PROJETOS COMPLEMENTARES – AS COMUNIDADES DE PRÁTICA DOS
CURSOS DE AGROPECUÁRIA E DE EDIFICAÇÕES: O DOMÍNIO, O
EMPREENDIMENTO E O REPERTÓRIO PARTILHADO ............................................... 376
6. (IN)ACABAMENTOS: REFLEXÕES SOBRE A CONSTRUÇÃO PROPOSTA ................. 392
REFERÊNCIAS .................................................................................................................................. 402
APÊNDICE ........................................................................................................................................ 415
24
1. INTRODUÇÃO: UM SER(TÃO) DE VOZES
Um dos primados do círculo de Bakhtin é saber se colocar na escuta, compreender e
captar as vozes que nos rodeiam, alcançar e refinar nossos sentidos ao nosso contexto, deixando
aflorar o reconhecimento de um processo alteritário, cuja reflexão nos lembra que só nos
constituímos enquanto sujeitos devido a relação do outro para comigo. Tal primado reformula
o nosso centro de valor que tanto valoriza o eu para pensarmos em um mundo essencialmente
dialógico e completado para e pelo outro.
Assim, nosso dizer, nosso projeto enunciativo é sempre voltado, direcionado a alguém,
e, de igual modo, solicita uma resposta, sendo uma “[...] influência profunda do discurso
responsivo antecipável.” (BAKHTIN, 2015, p. 52 – grifos do autor). Não diferentemente, diante
dessa provocação inicial, ressaltamos a nossa responsabilidade ética e enfatizamos que o nosso
projeto de dizer que por ora se inicia não se finda nesta tese, mas se constitui como mais um
elo na cadeia do diálogo inconcluso, não acabado, sobre a temática explorada, a saber: relações
dialógicas, letramentos, comunidades de práticas e Ensino Médio Integrado em uma instituição
pública federal.
Na realidade, provocamos esta reflexão sobre o processo de amadurecimento em nossa
autoconsciência sobre os aspectos ideológicos que permeiam a vida, nossas relações, nossa
linguagem, mais especificamente, aproximamo-nos desse processo de escutar, de (re)conhecer
o nosso contexto de atuação, de compreender as singularidades dentro da Rede Federal de
Educação Profissional e Tecnológica no Brasil, em um recorte peculiar, dadas as dimensões das
instituições que a compõem, pois assim como salienta Bakhtin (2018, p. 87), “[...] o discurso
sobre o mundo se funde com o discurso confessional sobre si mesmo [...]”.
Portanto, a presente investigação se funde ao olhar da mulher nordestina, da esposa, da
mãe, da pesquisadora de linguagens, da docente de língua espanhola, da educadora, da colega
de trabalho, da integrante do grupo de pesquisa da rede, da servidora de carreira do ensino
básico técnico tecnológico do Instituto Federal de Educação, Ciência, e Tecnologia do Sertão
Pernambucano1. Em todas as faces que nos constituem em nossa singularidade na relação do
eu para mim, o eu para o outro e o outro para mim, há forte presença da compreensão e vivência
da importância da rede profissionalizante federal em sua estrutura e escopo como um marco
educacional para que diversos sujeitos possam ter “[...] efetivo acesso às conquistas científicas
1 Ao longo da tese vamos apresentado esta instituição e nos aproximando das peculiaridades que as caracteriza.
25
e tecnológicas [...]” (SOUZA, 2013, p. 61), indo mais além do que centrar forças somente em
uma formação específica e direcionada à dimensão técnica ou profissional de sujeitos.
Deste modo, reforçamos que essa Rede já nos é centenária (o ano de 2019 marca os 110
anos da Rede Federal de Educação Profissional e Tecnológica no Brasil), mas nos parece
urgente, como sugerem alguns autores, Almeida Filho (2008), Príncipe (2017) e Leite (2020),
por exemplo, estudarmos esse contexto de formação múltipla e assim buscarmos compreender
e colaborar com estudos sobre as particularidades e identidades que emergem no
reconhecimento das características da experiência em um Instituto Federal (IF). Além de
entedermos a importância dessa Rede no contexto educacional no país, especialmente pós 2016,
quando vivemos um cenário no qual questionam o valor da ciência, da pesquisa, da educação
para o desenvolvimento da nação.
Não devemos esquecer, a princípio, que segundo o perfil exposto no site do Conselho
Nacional das Instituições da Rede Federal de Educação Profissional, Científica e Tecnológica
(CONIF, BRASIL, 2019)2, todo esse trilhar que se iniciou em 1909, teve como marco as
primeiras “Escolas de Aprendizes Artífices, uma em cada unidade da federação constituída à
época” (BRASIL, s/n). Desse período de um pouco mais de um século, de acordo com o portal
do Ministério da Educação (MEC), passaram-se de 19 escolas de aprendizes artífices para “661
escolas espalhadas por 578 municípios do país”3 (BRASIL, 2019, s/n). Porém, cabe
salientarmos que somente em 29 de dezembro de 2008 surgiu a rede dos Institutos Federais de
Educação, Ciência e Tecnologia (IF), como a conhecemos na contemporaneidade, através da
Lei 11.892.
É nesta linha de raciocínio, que com a reformulação da rede, em 2008, e por meio de
uma política de expansão e interiorização do ensino e de qualificação, o perfil de transformação,
atribuído a esse modelo de instituição, visa a ofertar uma educação pública e de qualidade nos
quatro cantos do nosso Brasil. Um exemplo dessa visão, cuja finalidade fora atender à
necessidade regional por meio de formação profissional, científica e tecnológica, nasceu a Rede
Federal de Educação no Sertão Pernambucano4, surgindo com o propósito de fortalecer setores
que precisavam de apoio, como a Agroindústria e Agropecuária. Isto é, as relações com traços
2 Disponível em: http://110anos.redefederal.org.br/#historico Acessado em: 15 de junho de 2019. 3 Disponível em: http://portal.mec.gov.br/component/content/article/209-noticias/564834057/78121-rede-federal-
completa-110-anos-com-661-escolas-no-pais?Itemid=164 Acessado em: 22 de novembro de 2019. 4 O Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Sertão Pernambucano atualmente é formado por sete
Campi: Petrolina, Petrolina Zona Rural, Floresta, Salgueiro, Ouricuri, Serra Talhada e Santa Maria da Boa Vista.
Os cursos disponíveis em cada Instituição podem ser consultados no site: www.ifsertao-pe.edu.br
26
econômicos, políticos e sociais da região nortearam as escolhas dos cursos a serem efetivados
nas proximidades do Rio São Francisco e, mais precisamente, no Sertão de Pernambuco.
Desta maneira, é na conjunção desses dois eixos mais amplos - educação e formação
profissional - que a presente tese demarca seu lugar. Uma vez que ao propiciar aos educandos
uma formação técnica, mas também a formação básica a nível do ensino médio, o papel da
escola como agência de letramentos obtém destaque (ABREU; IRINEU, 2015a; ABREU;
IRINEU, 2015b; ROJO, 2009): “[...] pois a instituição deve possibilitar meios para que o ato
de apreender e usar seus conhecimentos no âmbito social ganhem sentido” (ABREU; IRINEU,
2015a, p. 73).
Logo, é o Sertão Pernambucano, mais precisamente os discursos presentes nos relatórios
de estágio de discentes do Ensino Médio Integrado (EMI) do IF Sertão/PE nosso “locus” de
pesquisa, repleto e ressignificado pela oportunidade de se ter acesso à educação profissional
pública e de qualidade. Repleto, pois no meio do Sertão há sete campi espalhados ensejando
este acesso e ressignificado porque para a comunidade há a chance de mudar a história de vida
de tantos sujeitos por meio da educação.
A instituição proporciona, então a possibilidade de um agricultor/a, de um/a
costureiro/a, de um/a professor/a, de um/a policial, de um/a engenheiro/a, de tantos outros
pais/profissionais que colaboram/atuam nessa engrenagem da nossa sociedade de ter seus filhos
próximos dos seus lares, capacitando-se, formando-se, especializando-se em algo. Para tanto,
antes era necessário migrar para grandes centros e sendo destinado somente a uma parcela da
população com um dado poder aquisitivo ter essa formação.
Diante do exposto, refletindo sobre a nossa responsividade, somos impelidos, como
diria Bakhtin, à existência do não-álibi, do inescapável chamado a pesquisar esse contexto que,
de certo modo, toca o nosso campo de atuação5. Ao longo dos anos de sala de aula, como
docente de língua espanhola dos cursos de EMI do Campus Salgueiro e como orientadora de
projetos do Programa Institucional de Bolsas de Iniciação Científica – Júnior (PIBIC-Jr) e do
Programa Institucional de Projetos e Bolsas de Extensão – Técnico (PIBEX-Téc.), algumas
percepções (ou provocações) surgiram sobre as práticas de leitura e de escrita, quer seja em
língua materna quer seja em língua estrangeira, tais como: é preciso refletirmos sobre a
5 Reforçamos que o início de nossa atuação na rede profissionalizante fora posterior o nosso trabalho acadêmico
de mestrado. Naquela ocasião, pesquisamos as “Concepções de leitura e de texto subjacentes às provas de
vestibular: constatações e implicações para o ensino da língua espanhola”, temática esse que toca
tangencialmente o assunto dos letramentos e que fomos fortalecendo e desenvolvendo estudos ao longo dos
últimos anos. De todo modo, em nossa prática docente sempre tivemos a curiosidade para o viés discursivo e seus
efeitos de sentidos, associados a práticas de letramentos no universo escolar, acadêmico e atualmente, profissional.
27
linguagem e seus efeitos, as relações de poder implicadas nos contextos de uso, especialmente,
nas etapas formativas dos sujeitos já no EMI; é necessário problematizarmos a crença que
discentes não consomem e produzem textos e, consequentemente, revermos as posturas dos
mediadores dos letramentos (em todas as disciplinas e não somente ao responsabilizar as áreas
de linguagens) ao direcionarem como um “problema” sem solução as dificuldades na escrita
dos discentes; faz-nos imprescindível um olhar mais acurado para os letramentos que emergem
nesse cenário, em especial, correlacionando as arenas travadas na cultura do escrito (BUNZEN,
2014; STREET, 2003, 2014) entre sujeitos cuja experiência formativa pode validar ou não o
dizer dos discentes/aprendizes.
Aliados a essas inquietações que surgiram com o passar dos anos na nossa atuação em
um campus de IF, observamos ainda lacunas na literatura da área, pois ao investigarmos a
temática, encontramos pesquisas feitas com temas tangenciais ao que ora é apresentado como
tripé deste estudo, mas não na confluência desses três eixos: letramentos, educação profissional
e análise dialógica do discurso (ADD).
Neste viés, enfatizamos nossa busca inicial no site do Banco de Teses e Dissertações da
Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (BTD – CAPES)6, delimitando
nossas revisões com as seguintes expressões: “letramentos” AND “educação profissional”;
“letramentos” AND “análise dialógica do discurso”; “educação profissional” AND “análise
dialógica do discurso”. Informamos que a escolha da busca em duplas de termos-chave se deu
desta forma, pois o site possui um sistema de busca simples (SILVA, 2020), não havendo a
opção para rastrearmos por meio da opção da ferramenta da pesquisa avançada.
Deste modo, os operadores booleanos de busca acabavam por admitir poucas inserções,
destinando somente ao uso de aspas (para refinar palavras semelhantes), do operador “AND”
(restringindo a amostra e os resultados da junção das expressões), e do operador “*” (cuja
finalidade seja substituir letras). Assim, sublinhamos que ao inserirmos as três expressões de
forma intercalada com o operador AND não encontramos qualquer resultado; ao passo que na
pesquisa em dupla das expressões, encontramos7, respectivamente, nove (oito dissertações e
uma tese), nove (oito dissertações e uma tese) e uma tese – sendo o trabalho mais antigo datado
do ano de 2011 e a metade do conjunto dos achados das pesquisas de 2016 até o recorte do ano
de 2020.
Tais resultados iniciais demonstram a atualidade e a necessidade de compreensão deste
campo, especialmente sob a confluência e a direção proposta por esta tese, uma vez que a única
6 A consulta no Banco de Teses e Dissertações (BTD) da CAPES foi realizada em 25/09/2020. 7 Ver apêndice A os títulos dos trabalhos com seus respetivos autores.
28
investigação que toca a ADD e a educação profissional tinha como escopo investigar as
representações dadas por quatro docentes de língua inglesa a transformações vivenciadas no
âmbito da rede federal (FERREIRA, 2016).
Diante deste cenário, conseguimos depreender a necessidade de nosso estudo, pois os
trabalhos não direcionam sua força acadêmica para o que tentamos aprofundar ainda nessa
relação, o gênero relatório de estágio como uma etapa acadêmica8, o contexto do EMI nos IF,
as comunidades de práticas que deste cenário emergem, entre outros pontos, por exemplo.
Assim sendo, ao ampliarmos nossa pesquisa sobre o tema em outros espaços além do
BTD da Capes, entendemos que investigações que tomam o gênero relatório de estágio como
pano de fundo é rico e vasto especialmente no campo de formação de professores. Entre estes
trabalhos, a produção do professor e pesquisador Wagner Rodrigues Silva traz uma relevante
contribuição ao perceber o espaço de formação do sujeito, destes alunos-mestre (SILVA,
2013)9, em contextos vários de capacitação docente (licenciaturas de geografia, de história, de
matemática, de letras-inglês, dentre outros).
Nessas investigações de Silva e seus coautores (SILVA; FAJARDO-TURBIN, 2011;
SILVA, 2013; OLIVEIRA; SILVA, 2011; SILVA; MELO, 2008), em especial, temos a
linguística aplicada associada a outras perspectivas teóricas, tais como: o interacionismo
discursivo (ISD), a pragmática, a linguística sistêmico-funcional, e a própria confluência dos
fundamentos pedagógicos e educacionais que essa etapa e contexto solicitam, revelando
possibilidades inter, pluri, transdisciplinares para conceber o objeto, o fenômeno a ser estudado.
Outras pesquisas abordam o contexto do estágio ou o relatório de estágio em si, mas
novamente na perspectiva de formação docente (ARAÚJO, 2013; REICHMANN, 2012, 2016;
BESSA; BERNADINO, 2011; GUEDES-PINTO, 2016; VALEZI et. al, 2018, entre outros).
Contudo, encontramos pontos salutares para nossa reflexão sobre o gênero e o nosso contexto
peculiar do EMI, tais como: o relatório como um instrumento avaliativo; o relatório como
gênero híbrido; o relatório e suas marcas enunciativas; o relatório em sua estrutura e sua forma
composicional; o relatório e suas marcas linguísticas que demarcam cursos distintos, por
exemplo10.
8 Aprofundaremos as discussões em seções posteriores sobre a inserção do termo acadêmico relacionado à esfera
de circulação do gênero relatório mesmo que seja no EMI. 9 Silva (2013) alcunha esse termo aos professores em formação inicial das licenciaturas, pois ainda não são
docentes em exercício, mas também não são somente os alunos nessa etapa formativa. Para Reichmann (2016), o
estudante-estagiário se encontra justamente em um “entrelugar”, transitando por esferas distintas em uma zona de
fronteira entre os lugares profissionais e acadêmicos. 10 Na seção 2.3 desta tese, faremos uma maior reflexão sobre essas características.
29
Nesta perspectiva, compreendemos que os estudos que permeiam a educação
profissional possuem uma lacuna por não explorar o contexto de produção do relatório de
estágio, sobretudo, no EMI, pois as investigações vislumbradas direcionam o viés da análise
deste gênero com seu contexto de produção e de recepção somente a um dado público, tal como
os docentes em formação. Na realidade, defendemos que há a necessidade de uma análise maior
sobre o contexto de produção escrita nos IF, conforme direcionam as pesquisas de Príncipe
(2017), Giorgi e Almeida (2018) e Leite (2020).
Príncipe (2017), por exemplo, em sua tese, propôs investigar o cenário da etapa final de
formação dos sujeitos do EMI, porém destinou o escopo ao gênero monografia, objetivando:
“[...] discutir, a partir de uma perspectiva dialógica de linguagem, a escrita acadêmica [...]”
(PRÍNCIPE, 2017, p. 07). Deste modo, apesar da aproximação de uma abordagem dialógica de
viés bakhtiniano na análise dos dados, a autora direcionou a construção das pontes teóricas e
metodológicas aos Novos Estudos do Letramento (New Literacies Study – NLS), mais
precisamente, à base etnográfica dos estudos dos Letramentos Acadêmicos. Como resultados,
foi possível encontrar “[...] conflitos de vozes gerados em meio a relações de poder e aspectos
ocultos do letramento (STREET, 2009), os quais subsidiam discussões e reflexões sobre a
escrita da monografia e seu ensino, no curso técnico integrado ao médio” (PRÍNCIPE, 2017, p.
07).
Sob este viés, Príncipe nos desperta a refletir diretamente sobre os eventos de
letramentos que atravessam as práticas na cultura do escrito dos sujeitos de EMI e suas relações
com vozes de “autoridade” dada aos docentes e/ou orientadores nesses contextos ou mesmo
amparados quiçá por normativas institucionais. Reforçamos que a pesquisadora enfatiza ainda
os modelos de letramentos, visando a compreensão dos contextos e as vivências na experiência
de ser e se tornar agente produtor e consumidor daquela linguagem, daquele dado gênero,
compreendendo as relações de poder envoltas e que são constitutivas das instituições e seus
atores (documentos institucionais, orientadores, docentes, entre outros).
Tais achados em um contexto próximo do que nos propomos na tese, de igual modo,
traz-nos elucubrações para pensar o que pode ou não deve ser dito, como deve ser dito na
produção escrita e etapa final formativa, em relações de forças, relações de descentralização e
separação enunciativas, conforme já sinalizava Bakhtin (2015) ao conceber as forças centrípetas
e centrífugas na centralização verboideológica dos enunciados.
Outro estudo pertinente ao que nos propomos na tese é o de Giorgi e Almeida (2018),
cuja finalidade da pesquisa fora investigar as práticas de letramento na iniciação científica e
tecnológica de discentes de EMI. Os autores se detiveram na análise do gênero resumo
30
acadêmico, sendo possível ainda conceber os grupos sociais que emergiram nesta conjuntura.
Giorgi e Almeida (2018, p. 105): “[...] apontam a relevância da iniciação científica e, mais
especificamente da produção de textos como o resumo acadêmico, para o letramento dos
discentes e sua inserção em uma comunidade de pesquisadores.”. Assim, ancorados na proposta
de gênero discursivo proposto pelo Círculo de Bakhtin, os estudiosos construíram pontes com
os estudos dos letramentos para entender os movimentos discursivos dos sujeitos em seu projeto
de dizer no resumo e como isso “comprova” a inserção, a participação, em grupos acadêmicos
e científicos.
Com Leite (2020, p. 11), cujo objetivo fora “[...] analisar os significados e as
implicações formativas das práticas de letramento acadêmico vivenciadas por alunos de ensino
médio participantes de projetos de iniciação científica [...]” de um IF, a pesquisa teve um fôlego
maior, pois o autor buscou recuperar as experiências destes discentes em diversas práticas, a
saber: a participação de grupos de estudos e pesquisas, as atividades cotidianas relacionadas
aos estudos, os artefatos utilizados, os ambientes das realizações das atividades, dentre outras.
Além disto, Leite (2020) propôs investigar duas áreas distintas do conhecimento
(Ciências Agrárias e Linguística, Letras e Artes), pautando-se, especialmente, nos conceitos de
comunidade de prática (LAVE; WENGER, 2008; WENGER, 1998), letramentos acadêmicos
(LEA; STREET, 1988, 2014), “[...] conjuntos e sistemas de gêneros (BAZERMAN, 1994,
2006, 2015; DEVITT, 1991, 2006) e capacidades e operações de linguagem mobilizadas
na produção de textos como os artigos (BRONCKART, 1999, 2006; SCHNEUWLY; DOLZ,
2004) [...]” (LEITE, 2020, p. 11). Como resultado, o autor entendeu que os discentes que
integram os projetos de iniciação científica “[...] participam de práticas de letramento
acadêmico de determinada comunidade, nas quais atuam perifericamente e adquirem
conhecimentos sobre o fazer científico, convenções, gêneros, valores, conceitos e
epistemologia” (LEITE, 2020, p. 12).
Portanto, ressaltamos que tais trabalhos demarcam a necessidade de explorarmos este
contexto da cultura do escrito, trazendo a ADD como empreendimento teórico-metodológico
associado aos Novos Estudos dos Letramentos. As pesquisas de Príncipe (2017), Giorgi e
Almeida (2018) e Leite (2020) colaboram em nossa reflexão para investigarmos os letramentos
que caracterizam ou indiciam as comunidades de práticas em cenários como de um IF, inclusive
para pensarmos como estes letramentos, por meio das vozes que ecoam entre os discursos
existentes, demarcam e constituem os sujeitos desse lugar.
Por outro lado, investigações como as de Fuza, possuem como pano de fundo outro
contexto (o universo acadêmico-universitário) sobre o qual o propósito fora “[...] compreender
31
como se constituem os discursos escritos nas práticas de letramento-acadêmico científicas [...]”
(FUZA, 2015, p. 08). De fato, a escrita acadêmica não é homogênea, mas possui relações com
outras vozes; e de Sanches (2009) que teve como intuito “[...] observar como se dá a
constituição dialógica no gênero discursivo artigo científico em sua relação com enunciadores
anteriores, pautando-se na teoria dialógica do discurso [...]” (SANCHES, 2009, p. 05),
tangenciam nossa proposta, mas tocam em um ponto que nos é salutar: as relações dialógicas
(RD) como traço constitutivo do discurso.
Desta maneira, as pesquisadoras definiram algumas RD características dos seus objetos
de estudo, no caso de Sanches (2009), que encontrou seis tipos de relações, a saber: 1) marca
de novidade; 2) confirmação e concordância; 3) diálogo com o conhecimento científico
consensual; 4) referenciação bibliográfica com apagamento dos limites discursivos; 5)
enunciados “colcha de retalhos”; 6) discordância em relação a enunciados alheios.
Por sua vez, Fuza (2017, p. 210) sistematizou “sete tipos de relações dialógicas, a saber:
diálogo com o conhecimento científico consensual; relação de pergunta e resposta;
concordância com discursos alheios; discordância dos discursos alheios; marca de novidade;
inserção na comunidade científica; relação de questionamento da teoria existente”.
Tais categorias em torno das RD nos são peculiares, principalmente, ao pensarmos em
nosso objetivo maior: analisar as relações dialógicas na sua dimensão interdiscursiva nos
relatórios de estágio dos cursos de EMI de Agropecuária e de Edificações que constituem as
suas respectivas comunidades de prática na construção do letramento acadêmico-profissional.
Contudo, observamos que o espaço de formação acadêmica e profissional, somados a
letramentos, e, em especial, a análise discursiva do gênero relatório de estágio em IF,
apresentam-se tímidos com relação a nossa proposta de pesquisa de tese.
Nesta lacuna de compreensão das particularidades destas RD presentes no gênero
relatório de estágio e as singularidades das comunidades de práticas é que entendemos a
necessidade de nosso estudo. Não temos a pretensão de construir uma análise linguística ou
psicológica dos sujeitos, mas sim de conferir uma reflexão sobre os discursos presentes no
relatório de estágio que trazem e recuperam vozes de esferas sociais distintas e “assumem
papéis específicos na interação” (MELO, 2010, p. 260), na dimensão interdiscursiva. No caso
em específico, o contexto do EMI, fomos impelidos a pensar e a colaborar com pesquisas e
estudos que tomam como escopo este cenário.
Como consequência, associamos que no estágio curricular obrigatório, mais
especificamente no “produto final” – o relatório de estágio, destes discentes, encontramos
vozes, conexões com enunciados anteriores que evidenciam os letramentos vivenciados em sua
32
formação, sendo um território para investigar como o sujeito estagiário, futuro profissional,
reflete e refrata as RD que o constituem discursivamente. Isto significa que os discursos
escolares, acadêmicos e profissionais presentes no gênero relatório estão permeados por outras
vozes que constituem o próprio sujeito, constituem o seu próprio dizer.
Neste diálogo infinito de constituição do sujeito, bem como ao investigarmos as RD,
criamos pontes com o conceito de comunidades de prática (CP), conforme a proposta de
Wenger (1998). A autora nos lembra acerca desta noção como, a princípio, um fenômeno
particular, sendo posteriormente ampliado para a noção de grupos, uma vez que se compreende
que a participação dos sujeitos traz impactos no entendimento sobre o próprio processo de
aprendizado.
Nesse contexto se destacam: 1. Os indivíduos (“[...] a aprendizagem é uma questão de
engajamento e contribuição para as práticas de suas comunidades [...]” – tradução nossa)11; 2.
A comunidade (“[...] isso significa que o aprendizado é uma questão de refinar sua prática e
garantir novas gerações de membros [...]” – tradução nossa)12; 3. As organizações (“[...]
significa que a aprendizagem é uma questão de sustentar as comunidades interconectadas da
prática através da qual uma organização sabe o que sabe e, portanto, torna-se eficaz e valiosa
como uma organização [...]” – tradução nossa)13.
Desta maneira, a noção de comunidade de prática se torna relevante para nosso estudo,
uma vez que o estágio, locus da experiência, se transforma em um espaço/em um momento
desta constituição do aprendizado na perspectiva de reformular o próprio aprendizado;
redirecionando o olhar não mais para o conteúdo em sala de aula, mas para a vivência, para o
futuro espaço laboral. Segundo Wenger (1998), devemos lembrar que o sentido dado à prática
é sempre social, uma vez que a atuação em um dado cenário, não se dá apenas por fazê-la, mas
sim para vivenciá-la, dando significado e sustentando estruturas existentes em uma prática
igualmente social.
Em outras palavras, esta tese busca a compreensão deste contexto social de inserção de
sujeitos por meio do seu discurso, bem como investiga como se revelam as RD postas por
indivíduos históricos e sociais associados a suas práticas de letramentos vivenciados por
comunidades de prática de cursos específicos. Consequentemente, nosso questionamento
11 No original: “[...] it means that learning is an issue of engaging in and contributing to the practices of their
communities [...]”. 12 No original: “[...] it means that learning is an issue of refining their practice and ensuring new generations of
members [...]”. 13 No original: “[...] it means that learning is an issue of sustaining the interconnected communities of practice
through which an organization knows what it knows and thus becomes effective and valuable as an
organization [...]”.
33
central é: Como as relações dialógicas em sua dimensão interdiscursiva nos relatórios de estágio
de EMI dos cursos de agropecuária e de edificações se revelam como um dos elos que
constituem as respectivas comunidades de prática na construção do letramento acadêmico-
profissional?
Ademais, outros questionamentos encaminham a presente pesquisa, tais como:
1. Como se dá o contexto de produção do gênero em seu viés normativo/orientador nos
direcionamentos dos discursos em documentos oficiais/institucionais que orientam/prescrevem
por meio das forças centrípetas a escrita do relatório de estágio para os cursos de Agropecuária
e de Edificações?
2. Quais relações dialógicas com o já-dito podemos estabelecer nos discursos de sujeitos
estudantes-estagiários no gênero relatório de estágio que sinalizam as especificidades das
comunidades de prática dos cursos de Agropecuária e de Edificações?
3. Como os enunciados em sua dimensão interdiscursiva de sujeitos estudantes-
estagiários indiciam suas comunidades de práticas na constituição do letramento acadêmico-
profissional de seu respectivo grupo por meio do domínio, do empreendimento e do repertório
partilhado?
Isto posto, costuramos a teia discursiva ou mesmo a arquitetura desta tese apoiada na
“ligação entre língua e o curso da comunicação verbal concreta, social e historicamente situada,
fora da qual não se pode compreendê-la” (BRAIT; PISTORI, 2012, p. 389): não se pode
compreender o gênero, não se pode compreender as RD, não se pode compreender as vozes que
reverberam no discurso destes discentes. Em síntese, nos sustentamos nos âmbitos teórico e
metodológico, por um lado, na Análise Dialógica do Discurso (ADD), e, por outro, nos Novos
Estudos do Letramento, aprofundando o contexto de comunidades de prática e letramentos
acadêmicos e profissionais.
Em relação à ADD, tomamos como ponto de partida o que enfatiza Volóchinov14
(2018), pois o olhar metodológico surge do entendimento de que a língua e seus enunciados –
neste caso, o gênero - devem: 1. Compreender as “[...] formas e tipos de interação discursiva
em sua relação com as condições concretas [...]” (VOLÓCHINOV, 2018, p. 220) do(s)
enunciado(s); 2. Investigar como o(s) enunciado(s) em sua diversidade “[...] em relação estreita
com a interação da qual são parte, isto é, os gêneros dos discursos verbais [...]”
(VOLÓCHINOV, 2018, p. 220), os próprios elementos da linguagem, como isto adquire
14 Ao longo desta investigação o nome de Volóchinov pode aparecer grafado de distintas maneira, pois decidimos
adotar a grafia de como se encontra no texto fonte e não alterá-lo numa tentativa de padronização para este estudo.
34
dimensões ideológicas na interação verbal; e por fim, 3. Analisar como as formas da língua se
moldam nos enunciados.
Portanto, a atenção dada ao nosso objeto de análise parte da ideia de concebermos
inicialmente as condições concretas de realização do discurso. Mais precisamente, como
documentos oficiais, normativas, templates, vozes dos interlocutores do letramento ou vozes
dos mediadores dos letramentos (CURRY; LILIS, 2016; FUZA, 2016) guiam, ecoam e se fazem
presentes no fio discursivo do dizer do estudante-estagiário15 (forças centrípetas), para,
posteriormente, compreendermos o gênero relatório e as RD que caracterizaram uma dada
comunidade de prática. Finalmente, é possível definir estas comunidades por meio das
proximidades e distanciamentos que as configuram no campo da materialidade linguística.
Dito isto, chegamos a tal recorte e a estes pontos que se encontram subjacentes e
“entrecosturam” a teia discursiva proposta por esta tese, que nasce das leituras e vivências da
professora e pesquisadora do Ensino Básico Técnico e Tecnológico da rede profissionalizante
federal. Decerto, este trabalho surge da tentativa de compreender como se constroem as práticas
específicas de tal lugar no espaço acadêmico e profissional, bem como se constrói o relatório
de estágio, etapa final da formação técnica no nível do EMI, buscando compreender o
relacionamento entre as RD na escrita de estudantes-estagiários.
Portanto, o objetivo principal deste trabalho é analisar as relações dialógicas na sua
dimensão interdiscursiva nos relatórios de estágio dos cursos de EMI de Agropecuária e de
Edificações que se revelam como um dos elos que constituem as suas respectivas comunidades
de prática na construção do letramento acadêmico-profissional. Além disso, delineamos como
objetivos específicos:
• Descrever e analisar o contexto de produção do gênero relatório de estágio de EMI dos
cursos de Agropecuária e de Edificações, correlacionando a forças centrípetas no discurso de
documentos institucionais que norteiam a escrita desse gênero como uma das vozes que
integram a mediação do letramento;
• Identificar relações dialógicas em sua dimensão interdiscursiva nos relatórios de estágio
dos cursos de Agropecuária e de Edificações EMI como enunciados de comunidades de prática
singulares;
• Caracterizar o letramento acadêmico-profissional por meio da dimensão do já-dito no
discurso de discentes-estagiários que indicia a respectiva comunidade de prática (domínio,
empreendimento e repertório partilhado) dos grupos investigados.
15 Ao longo do trabalho denominamos estudante-estagiário, discente-estagiário e aluno-estagiário como maneira
similar de tratar o mesmo sujeito discursivo.
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Assim, buscamos a compreensão e o preenchimento de possíveis lacunas existentes nas
pesquisas que envolvam a relação deste tripé, a saber: o gênero relatório como projeto de dizer
do futuro profissional (sujeito estudante-estagiário) de EMI; os estudos dos letramentos e as
pontes com a ADD; e, o ensino técnico profissionalizante de nível médio na educação básica
por meio das comunidades de práticas dos cursos escolhidos como recorte da pesquisa.
Diante disto, apresentamos como se construiu nosso percurso investigativo sobre o que
nos propomos a pesquisar, em especial, este cenário dos cursos de EMI do IF Sertão/PE, à luz
teórica da abordagem do Novos Estudos sobre o Letramento, principalmente em sua vertente
crítica e sociocultural (BARTON; HAMILTON; IVANIC, 2005; CASSANY, 2006; ROJO,
2009, STREET 1984, 2010, 2014), somada à vertente teórica dos Letramentos Acadêmicos
(LEA; STREET, 1998; LILLIS, 1999; 2008) e das comunidades de prática (LAVE; WENGER,
1998; WENGER; WENGER, 2015; WENGER, et al., 2002); associados ainda aos estudos
bakhtinianos sobre RD, vozes, interlocutores e gênero, em especial (BAKHTIN, 2011, 2015,
2016a, 2018, 2019a, 2019b; BAKHTIN; VOLOCHÍNOV, 2019; MEDVIÉDEV, 2016;
VOLOCHÍNOV, 2013a, 2013b, 2018, 2019; BRAIT, 2012, 2014a, 2014b; SOBRAL, 2009;
PAULA, 2013).
Nas seções relacionadas “As formas do relevo: fundamentos constitutivos da linguagem
na perspectiva bakhtiniana” e “A fertilidade do terreno: letramento(s) e seus conceitos”,
expomos a conjunção desses fundamentos teóricos que respaldam o propósito dessa tese e dão
norte para o viés metodológico e a configuração de nossas análises. Assim, na seção 2,
construímos e (re)apresentamos a ADD16 criando pontes com o que fora vinculado pelo Círculo
de Bakhtin e seus pesquisadores/debatedores/comentadores. O propósito maior reside na
compreensão do dialogismo como elemento constituinte do discurso, bem como surgem as
vozes sociais segundo o Círculo e como podemos captar a essência dos gêneros do discurso,
especialmente, tomando o gênero relatório de estágio.
Na seção posterior, o escopo está em moldarmos a compreensão em torno do que seria
Letramento(s) e como os Novos Estudos do Letramento (New Literacy Studies) possibilitam
elos na compreensão específica dos letramentos acadêmicos e profissionais, objeto desta tese,
bem como a sua associação com a ADD. Como consequência, discorremos sobre comunidades
de prática construídas por sujeitos, uma vez que os enunciados se realizam por meio dos
inúmeros gêneros discursivos que cada campo da atividade humana é capaz de desenvolver e
16 Reapresentamos, pois, consideramos que há um público/leitor que já conhece os propósitos da Análise Dialógica
do Discurso (ADD); enquanto outros têm apenas o contato introdutório.
36
vivenciar. Assim, esses enunciados concretos se relacionam a culturas particulares que um dado
grupo acaba por conhecer, legitimar e as põem em uso nas suas práticas cotidianas por
intermédio destes mesmos gêneros.
Na quarta seção, “A arquitetura da paisagem: a construção de um percurso”,
retomamos a contextualização do IF Sertão/PE para, então, descrever nosso corpus. Neste
sentido, após descrevermos a natureza de nosso estudo e salientarmos os critérios que foram
adotados para a seleção do objeto, expomos os procedimentos necessários para a confecção da
categorização e da sistematização dos dados levantados na pesquisa.
Na seção seguinte, apresentamos a análise e os resultados do corpus coletado. Optamos
na compreensão do todo que seriam as “Relações dialógicas no gênero relatório de estágio em
comunidades de prática do Ensino Médio Integrado dos cursos de Agropecuária e de
Edificações”. Seguindo esta proposta, no Levantamento local – O contexto de produção: As
dimensões interdiscursivas de mediação dos letramentos como práticas institucionalizadas na
confecção dos relatórios: contemplamos o relatório de estágio em uma situação concreta de
publicação e de circulação - neste caso, tomando a esfera de circulação e de recepção desse
gênero. Por sua vez, O projeto executivo – As relações dialógicas na dimensão interdiscursiva
em comunidades de práticas de Agropecuária e de Edificações no relatório de estágio:
analisamos o gênero relatório compreendendo suas especificidades e as relações dialógicas
(dimensão do já-dito) presentes que configuram suas respectivas comunidades de prática; e, por
último, Projetos complementares – As comunidades de prática dos cursos de agropecuária e
de edificações: em foco o domínio, o empreendimento e o repertório partilhado. Buscamos, na
confluência dos resultados encontrados, vislumbrar como se constituíram os enunciados das
comunidades de prática investigadas em suas atividades de escrita acadêmico-profissional e
assim caracterizar a prática de letramentos em torno do domínio, empreendimento e repertório
partilhado.
Por fim, lançamos os “(In)Acabamentos: reflexões sobre a construção proposta” de
nossa investigação, refletindo como as RD caracterizam cada comunidade de prática.
Entendemos ainda que, ao estudar esses grupos, o dialogismo presente no gênero relatório de
estágio dos cursos de Agropecuária e de Edificações, nunca podem e devem ser vistos como
encerrados ou fechados em si mesmos, uma vez que as RD são construídas e delimitadas por
um processo de escuta, do recorte do ponto de vista, de modo responsável e ético por parte da
pesquisadora. De fato, cada época, cada circunstância e cada realização enunciativa são únicas,
conforme nos lembra o Círculo de Bakhtin.
37
Assim, esperamos ao entrelaçar teorias para compreender um dado objeto, colaborarmos
para que mais estudos se solidifiquem e passem a preencher lacunas encontradas como as
expostas nesta tese, remontando o diálogo sem fim, infinito, perpassando as vozes do passado
que “se cruzam com vozes do presente e fazem seus ecos se propagarem no sentido do futuro”
(BEZERRA, 2018, p. 12).
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1. AS FORMAS DO RELEVO: FUNDAMENTOS CONSTITUTIVOS DA
LINGUAGEM NA PERSPECTIVA BAKHTINIANA
Em nossas reflexões, postas na introdução desta investigação, revelamos caminhos que
demarcam a episteme de nossa tese ao defendermos a nossa singularidade, o nosso processo
alteritário, a constituição de si diante do outro, a nossa responsividade e o processo de escuta
ao depreender a linguagem, no seu caráter discursivo, como essencialmente social, histórica e
marcada pela não neutralidade. Nesse horizonte, nosso processo de compreensão das vozes que
nos permeiam indicia nossa filiação teórica na perspectiva bakhtiniana e do Círculo, cuja
compreensão parte de que todo discurso é dialógico por natureza.
Sob este ponto de vista, nossa seção teórica inaugural apresenta “As formas do relevo”,
o conhecimento do terreno no qual ancoramos nosso projeto enunciativo de pesquisa, pois
refletimos sobre os fundamentos constitutivos da linguagem, remontando a Bakhtin e ao
Círculo. À vista disso, apresentamos, o conceito de dialogismo associando a relações dialógicas
(RD), a vozes, a interlocutores, à dimensão interdiscursiva e à própria compreensão de gêneros
do discurso – conceitos valiosos para a essência de nossa investigação.
Além de pontuarmos a compreensão de como esses conceitos basilares norteiam a
Análise Dialógica do Discurso (ADD) como proposta teórica e metodológica. Neste percurso,
destacamos, de igual modo, a dimensão transdisciplinar da tese ao criamos pontes com os
Novos Estudos do Letramento ou New Literacy Studies (NLS), em especial, na proposta das
comunidades de prática.
2.1 O ESTUDO DO SOLO: O CÍRCULO DE BAKHTIN E O NASCITURO DE UMA
PROPOSIÇÃO TEÓRICA
As reflexões apresentadas e debatidas pelo Círculo de Bakhtin, especialmente nas
décadas de 1920 e 1930, demonstram a sua atualidade ao despertar nos pesquisadores das áreas
das Ciências Humanas, em pleno século XIX, uma forte influência em como compreender a
linguagem como um fenômeno social, concreto e ideológico; como um ato vivo e dialógico,
circunscrito no tempo e no espaço, reverberando toda sua carga histórica; como uma atividade
discursiva entre sujeitos singulares que ocupam posições valorativas em processos de
alteridade; como arquitetônica que estrutura os discursos por meio dos mais variados gêneros
nos campos da atividade humana; entre outros pontos que compreendem a linguagem como
enunciado discursivo.
39
Isto posto, defendemos que os pilares bakhtinianos revelam aos estudiosos da linguagem
como o enunciado pode ser complexo e multifacetado por meio dos discursos que circulam em
distintas esferas do campo da comunicação humana. Assim, inerente à própria compreensão do
enunciado se relacionam temas, tais como: a noção de signo ideológico, de gêneros discursivos,
de dialogismo, de alteridade, de autoria, de cronotopia, de cultura, de exotopia, de forças
centrípetas e forças centrífugas, de horizonte social, de responsividade, por exemplo.
Tais provocações, ao pensarmos a linguagem na proposição bakhtiniana ou do Círculo,
surgem ou foram incentivadas por intermédio de um agrupamento de estudiosos (intelectuais,
artistas, filósofos, cientistas, jornalistas, dentre outros pensadores) que se reunia na Rússia e
refletia os fenômenos da linguagem buscando romper com paradigmas racionalistas e
positivistas que deixavam à margem o contexto, a historicidade e as relações de poder envoltos
em situações de uso da língua (MEDVIÉDEV, 2016).
Sob esta óptica, avultamos que o Círculo não formalizou uma teoria dialógica do
discurso no sentido acadêmico como outras teorias que possuem seu status consolidado dentro
do mundo científico ou como entendemos na contemporaneidade e a utilizamos no Brasil por
intermédio da Análise Dialógica do Discurso (ADD), mas o grupo abriu caminhos para uma
compreensão ou uma proposição “metalinguística” ao se acercar das questões de linguagem no
que “[...] diz respeito a uma concepção de linguagem, de construção e produção de sentidos
necessariamente apoiadas nas relações discursivas empreendidas por sujeitos historicamente
situados.” (BRAIT, 2014b, p. 10), sobretudo ao pensarmos em um caminho metodológico de
análise enunciativa de discursos (BRAIT; CAMPOS, 2009; GRILLO, 2018; GRILLO;
AMÉRICO, 2019; FARACO, 2009).
Bakhtin, Volóchinov, Medviédev, Kanaev, Kagan, Pumpianskii, Yudina, Vaguinov,
Sollertinsk e Zubakin são os principais nomes dessa coletividade de estudiosos reconhecidos
como membros do Círculo de Bakhtin. Assim, a alcunha para filosofias ou abordagens ditas
bakhtinianas ou do Círculo, como conhecemos na literatura da área, surge por ter Mikhail
Mikhailovitch Bakhtin como principal expoente do grupo, uma vez que o pesquisador teve uma
produção em torno de questões sobre a filosofia da linguagem até meados de 1970. Desta forma,
a obra de Bakhtin teve uma maior amplitude e divulgação se comparada aos demais pensadores
que, em sua maioria, faleceram ainda jovens, vítimas de enfermidades ou de perseguições
políticas na Rússia czarista17. Contudo, o espírito do grupo construído no início do século XX
17 Destacamos ainda que os três primeiros nomes (Bakhtin, Volóchinov e Medviédev) tiveram maior notoriedade
dentro do chamado “Círculo de Bakhtin” e compreendemos a polêmica existente em torno da autoria dos textos
dos integrantes do grupo. Porém, informamos que não é nosso objetivo contestar ou ainda defender a disputa da
40
permeia todos os escritos de seus integrantes e seguem a confluência ao se conceber a língua18
“[...] em sua integridade concreta e viva [...]” (BAKHTIN, 2018, p. 207).
Diante disso, pontuamos que o Círculo critica, em especial, duas tendências postas e
vivenciadas à época: o subjetivismo idealista e o objetivismo abstrato (BAKHTIN, 2015). Na
primeira delas, segundo Volóchinov (2018, p. 148), o “[...] psiquismo individual representa a
fonte da língua [...]”, pois por esse viés, a língua é tomada como “[...] ato discursivo individual
e criativo [...]” que a sustenta. Portanto, a finalidade da língua é tão somente a expressão do
pensamento. Wilhelm Humboldt, um dos principais defensores desta corrente, entendia que o
psiquismo era constituinte da língua e que o seu desenvolvimento se dava por meio de leis
psicológicas e de forma individual, através de atos de fala (VOLÓCHINOV, 2018). Assim, “A
linguagem é compreendida como representação (espelho) do mundo e do pensamento, sendo
que os seus conteúdos ideológicos podem ser deduzidos das condições do psiquismo
individual” (RUIZ, 2017, p. 42). A crítica a esta perspectiva surge porque no subjetivismo
idealista a língua é tida como um produto acabado, no qual somente expressa o interior do
sujeito e como fenômeno linguístico: caberia ao pesquisador somente constatar, descrever e
classificar uma língua pronta, hermética (VOLÓCHINOV, 2018; BAKHTIN, 2015, 2018,
2019a), dada como verdade absoluta e individual.
Em relação ao objetivismo abstrato, a lente do psiquismo individual sai e o foco recai
na língua como algo sistemático, abstrato e organizado por suas formas linguísticas, pautando-
se em uma abordagem estruturalista, tal como a saussuriana. Estamos diante, nesse segundo
momento, da imanência da língua, do escopo no sistema linguístico por meio de suas formas
fonéticas, gramaticais e até mesmo lexicais (MEDVIÉDEV, 2016; BAKHTIN, 2019a;
VOLÓCHINOV, 2018). À vista disso, o objetivismo abstrato recorre ao entendimento que no
uso da língua existem elementos idênticos, reiteráveis, por meio das unidades linguísticas,
tornando a compreensão mútua dos sujeitos ao vislumbrar esses elementos dentro de um
autoria de cada texto, mas sim compreendermos que independentemente disso as ideias e conceitos gravitavam
entre seus integrantes e foram socializadas para o grande público. Desse modo, informamos que identificamos os
autores nas citações conforme exposto a autoria na obra que fora retirada o trecho. Lembramos ainda que Faraco
(2009), Brait (2016), Fiorin (2017), Grillo (2016), Grillo e Américo (2019), como tantos outros pesquisadores,
trazem reflexões sobre a disputa das assinaturas dos integrantes do Círculo, objeto esse que não é foco de nossa
tese. 18 Sublinhamos que para o Círculo de Bakhtin existem diferenças no entendimento entre língua e linguagem. Essas
não aparecem de maneira tão transparente nas obras de forma a especificar as distinções, mas no conjunto dos
materiais do círculo é possível depreender que a língua deve ser compreendida como à materialidade verbal da
própria linguagem humana, o objeto no qual o sistema linguístico-ideológico se constitui para referenciar,
representar o mundo e refratar esse mesmo mundo. Ao passo que a linguagem leva consigo valores, expressividade,
correlacionando-se ao enunciado concreto, aos contextos sociais, aos horizontes sociais partilhados entre os
sujeitos (GEGe, 2009).
41
sistema. Neste ínterim, a língua é defendida como uma combinação de elementos apartados de
sua realidade social, é tida como langue, e inclusive mesmo que considere a parole (contexto
de uso do falante em sociedade como faculdade), as noções são insuficientes para as
implicações direcionadas pelos estudos bakhtinianos ao refletirem sobre o sujeito de linguagem,
de discurso (SOBRAL; GIACOMELLI, 2019). Surge então a crítica do Círculo ao objetivismo
abstrato em torno da língua, principalmente aos estudos estruturalistas que compreendiam a
língua como “um objeto abstrato ideal, que se consagra a ela como sistema sincrônico
homogêneo e rejeita” (STELLA, 2014, p. 14) as demais formas de manifestações de uso, de
interação da língua.
De acordo com Volóchinov, em Marxismo e Filosofia da Linguagem (MFL – 2018), a
reflexão sobre a língua deve se dar por meio de sua enunciação, de sua realização real, que se
encontra permanentemente associada a condições de produção, de recepção e de circulação
dentro de estruturas sociais vigentes. Por isso, o Círculo de Bakhtin não objetivava negar as
proposições das duas correntes: inclusive em seus escritos, os autores exploraram os avanços e
as limitações dessas abordagens, mas sempre partiam do entendimento que priorizar um
direcionamento em detrimento do outro seria apartar, de igual modo, a um elemento
essencialmente importante e esquecido por ambas propostas: o componente social
(MEDVIÉDEV, 2016; BAKHTIN, 2015). Este é o fundamento que dá vida aos textos, revela
a concretude discursiva das ações e das intenções dos sujeitos/dos interlocutores, de seus
enunciados. Como sinaliza Volóchinov (2019, p.117): “[...] a palavra é completada diretamente
pela própria vida e não pode ser separada dela sem que o seu sentido seja perdido.” Assim, a
palavra não pode ser concebida como autossuficiente, os sentidos são construídos sócio-
historicamente em um dado tempo e espaço por sujeitos discursivos, passando a ser entendida
como produto da criação ideológica, pois a palavra, o signo, como objeto material é parte de
uma realidade que rodeia o próprio homem (VOLÓCHINOV, 2018; MEDVIÉDEV, 2016;
BAKHTIN, 2015).
Segundo Medviédev:
As concepções de mundo, as crenças e mesmo os instáveis estados de espírito
ideológicos também não existem no interior, nas cabeças, nas ‘almas’ das pessoas.
Eles tornam-se realidade ideológica somente quando realizados nas palavras, nas
ações, na roupa, nas maneiras, nas organizações das pessoas e dos objetos, em uma
palavra, em algum material em forma de um signo determinado. Por meio desse
material, eles tornam-se parte da realidade que circunda o homem. (MEDVIÉDEV,
2016, p. 48 – 49).
42
Para o autor, o componente social e ativo por meio da materialidade histórica implicada
do objeto denota o sentido e o valor deste em cada contexto utilizado por sujeitos/locutores
reais, em situações também reais. Medviédev ressalta que esta realidade ideológica por meio
de um objeto materializado como a palavra é o momento da realização do horizonte ideológico
de um sujeito discursivo e complementa que independente da significação da palavra, essa,
“[...] antes de mais nada, está materialmente presente como palavra falada, escrita, impressa,
sussurrada no ouvido, pensada no discurso interior, isto é, ela é sempre parte objetiva e presente
do meio social do homem.” (MEDVIÉDEV, 2016, p. 50).
Em outros termos, nosso enunciado é prenhe de outras vozes com os quais dialogamos
e, de igual modo, encontramos relação com nosso universo discursivo, com nossa esfera de
atividade, por isso partilhamos e construímos os sentidos em cada contexto, sendo único o
momento da realização dessa realidade ideológica. Conforme pontua Bakhtin (2015, p. 69):
“[...] cada palavra exala um contexto e os contextos em que leva sua vida socialmente tensa;
todas as palavras são povoadas de intenções.”
Diante dessa perspectiva, o signo não deve ser concebido como apenas uma parte de
uma dada realidade social, mas carrega consigo o reflexo e a refração de uma outra que
possibilita modificá-la, alterá-la, ser idêntica, captá-la por meio de um ponto de vista próprio
(VOLÓCHINOV, 2018, p. 93), estando submetido a parâmetros de uma avaliação ideológica,
de um campo valorativo de inserção do sujeito/do locutor, do seu lugar social.
Assim como Volóchinov (2018, p. 106), entendemos que não nos deve interessar tão
somente a pureza semiótica da palavra, mas sim a ubiquidade social dessa, pois os fios
ideológicos estão presentes nas mais diversas áreas da comunicação social e se realizam por
intermédio de seu objeto, a saber: a própria palavra. Dessa maneira, a avaliação social presente
na realização da palavra nada mais é que um produto da criação ideológica sendo partes
constituintes da realidade que permeia o contexto situacional do homem, como pontuava
Medviédev (2016, p. 48).
Salientamos ainda que, para Volóchinov (2013a, 2013b), os contextos de inserção da
palavra como enunciado, como entidade discursiva e viva, como “[...] unidades reais do fluxo
da linguagem. [...]” (VOLÓCHINOV, 2018, p. 221), espelham por meio da ideologia do
cotidiano um “oceano instável e mutável”, já que temos por um lado a mutabilidade e por outro
a estabilidade como forças que tentam centralizar a língua por meio de uma unidade
verboideológica (BAKHTIN, 2015). Logo, integrados a ideologias cotidianas e oficiais
encontramos uma retroalimentação de sistemas ideológicos contínuos sobre o que na língua se
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normatiza, se regulariza e o que é aberto ao novo, se descentraliza, aproximando-se a um
heterodiscurso, a uma diversidade de vozes existentes socialmente (grupos sociais).
Assim, na ideologia do cotidiano está “[...] o universo do discurso interior e exterior,
não ordenado nem fixado, que concebe todo nosso ato, ação e estado ‘consciente’. [...]”
(VOLÓCHINOV, 2018, p. 213), relacionado a uma ligação mais orgânica, mais viva do uso da
língua, dos enunciados. Na ideologia oficial, certos enunciados se cristalizam partindo da
ideologia do cotidiano. Neste sentido, esbarramos em sistemas mais consolidados que tratam
de guiar a moral, as Leis e os costumes, tais como: a ciência, a arte, a filosofia, as teorias
políticas, entre outros, de modo a reforçar a influência e o tom desses sistemas ideológicos.
Tais provocações sobre pensar a língua por meio do enunciado, das implicações
ideológicas do signo em uma dada situação em uma abordagem enunciativa-discursiva,
convidam-nos a refletirmos, de igual modo, sobre o caráter dialógico do enunciado, pois o
acabamento discursivo passa a ser compreendido quando a comunicação discursiva, em seu
viés dialógico, está associada ao manejo da linguagem dentro de grupos sociais e as relações de
poder ali implicadas. Reforçamos, a princípio, que o agir comunicativo ou comunicação
discursiva, para nossa reflexão, não se relaciona à transmissão ou troca de mensagens entre
sujeitos em uma abordagem estrutural idealizada (como exposto na proposta por Roman
Jakobson entre emissor e receptor da linguagem) ou quiçá relacionada a troca de turnos de fala
de maneira empírica; mas, compreendemos, fundamentados na proposta do Círculo, como
trocas enunciativas potencializadas pela palavra em contextos situados social e historicamente
entre interlocutores discursivos, reverberando o emaranhado da cadeia enunciativa de diálogos
com já-ditos ou com o devir, caráter esse próprio do enunciado.
Portanto, destacamos que não se trata mais de compreender a palavra como signo
isolado, mas como enunciado que ganha sentido nas suas relações sociais e históricas, como
vimos salientando desde o início desta seção. Não se trata de compreender um enunciado
buscando um rigor científico em esquartejar uma oração, uma frase, mas sim de entendê-lo
como dotado de sentidos, de significados, que busca sempre uma compreensão responsiva ativa
do sujeito (BAKHTIN, 2016c), vivenciando a linguagem em seu viés discursivo.
Assim, a originalidade e a atualidade das proposições do Círculo de Bakhtin se encontra
na defesa que a comunicação verbal não pode e nem deve ser explorada abstraindo a língua de
seu contexto, de sua carga histórica e das relações existentes entre os sujeitos do discurso, os
interlocutores que ali estão inseridos, pois “A língua vive e se forma no plano histórico
justamente aqui, na comunicação discursiva concreta, e não no sistema abstrato das formas
44
da língua nem no psiquismo individual dos falantes.” (VOLÓCHINOV, 2018, p. 220 – grifos
do autor).
É nesta reflexão sobre o enfrentamento dos fenômenos da linguagem que o Círculo de
Bakhtin propõe o seu estudo por meio de uma disciplina denominada metalinguística ou
translinguística19. Segundo Bakhtin (2018, p. 207):
[...] a língua em sua integridade concreta e viva e não a língua como objeto específico
da linguística, obtido por meio de uma abstração absolutamente legítima e necessária
de alguns aspectos da vida concreta do discurso. Mas são justamente esses aspectos,
abstraídos pela linguística, os que têm importância primordial para os nossos fins. Por
este motivo as nossas análises subsequentes não são linguísticas no sentido rigoroso
do termo. Podem ser situadas na metalinguística, subentendendo-a como um estudo –
ainda não-constituído em disciplinas particulares definidas – daqueles aspectos da
vida do discurso que ultrapassam – de modo absolutamente legítimo – os limites da
linguística. As pesquisas metalinguísticas, evidentemente, não podem ignorar a
linguística e devem aplicar os seus resultados. A linguística e a metalinguística
estudam um mesmo fenômeno concreto, muito complexo e multifacético – o discurso,
mas estudam sob diferentes aspectos e diferentes ângulos de visão. Devem completar-
se mutuamente e não fundir-se. Na prática, os limites entre elas são violados com
muita frequência.
Para o filósofo, o objetivo da metalinguística seria transpassar o que até então era
estudado pela linguística da época e trazer outras reflexões, uma vez que ambas direcionam o
esforço acadêmico para um mesmo “fenômeno concreto”, porém sob distintas percepções e sob
distintos projetos de escuta do objeto. Bakhtin acentua que a ideia é que ambas as áreas se
somem, possam colaborar no olhar do próprio objeto, não se unir de todo, mas se constituir com
uma face de uma mesma moeda.
Dito de outro modo, é preciso nos apoiarmos no material linguístico para
compreendermos também o enunciado, as camadas do extralinguístico, em especial, dando
sentido as relações dialógicas (RD) constitutivas do discurso no enunciado. Destacamos
também que essas RD são consideradas um fenômeno “quase universal”, pois atravessa,
permeia, toda a linguagem humana e suas relações, suas realizações da vida humana
(BAKHTIN, 2018, p. 47).
19 Compreendemos que o termo pode ganhar conotações ambíguas, por isso em alguns estudos adotam o termo
translinguística (BRAIT, 2015, FIORIN, 2014). Fiorin (2014) diz que: “[...] Esse problema de denominação é uma
prova da correção das teses bakhtinianas sobre o problema da distinção entre as unidades potenciais do sistema
(objeto da Linguística) e as unidades reais de comunicação (objeto da translinguística). Do ponto de vista do
sistema, meta (prefixo grego) e trans (prefixo latino) são equivalentes; no entanto, eles são completamente distintos
no funcionamento discursivo. De qualquer forma, o que Bakhtin pretendia era constituir uma ciência que fosse
além da Linguística, pois trataria de analisar o funcionamento real da linguagem e não apenas o sistema virtual
que possibilita esse funcionamento.” (p. 192). No entanto, Bezerra (2018) enfatiza que o uso do termo
“translinguística” se trata de uma tradução inadequada de Kristeva, sobretudo ao tentar reduzir/minimizar o
pensamento de Bakhtin a uma corrente linguística.
45
Bakhtin nos lembra que as RD dos enunciados são extralinguísticas e ao mesmo tempo
são materializadas no discurso e não podem ser desvinculadas da língua como “fenômeno
integral concreto” (BAKHTIN, 2018, p. 209). Assim, as RD são definidas como “irredutíveis
às relações lógicas ou às concreto-semânticas, que por si mesmas carecem de momento
dialógico. Devem personificar-se na linguagem, tornar-se enunciados, converter-se em
posições de diferentes sujeitos” (BAKHTIN, 2018, p. 209) por meio da linguagem, tornar-se
discurso e que, por fim, possam surgir no emaranhado da cadeia enunciativa de autores
distintos.
Corroboramos ainda que na definição da metalinguística e seu objeto de estudo, o
enunciado, Bakhtin aprofunda este objeto ao afirmar que a dimensão extralinguística é essencial
para essa ciência como projeto de análise da linguagem (BRAIT, 2014b). Segundo Volóchinov
(2018, p. 221), para estudar o enunciado não se pode retirá-lo do “fluxo histórico”, pois ele “[...]
em sua totalidade se realiza apenas no fluxo da comunicação discursiva. A totalidade é
determinada pelas fronteiras que se encontram na linha de contato desse enunciado com meio
extraverbal e verbal (isto é, com outros enunciados)”. Neste sentido, evidenciamos que o
enunciado não é a frase, o objeto linguístico do sistema, pois frases não entram em RD
(SOBRAL; GIACOMELLI, 2016): antes de tudo, o enunciado é um elo de tridimensionalidade,
segundo Bezerra (2016), que integra passado, presente e futuro no “[...] processo de
comunicação como um fenômeno da cultura perene em sua substancialidade e aberto como
forma de existência e comunicação entre os homens no devir histórico e na unidade aberta de
cultura e história” (BEZERRA, 2016, p.153).
Em síntese, para o Círculo de Bakhtin, tais enunciados se constituem sempre a partir de
outros enunciados, por isso esta rede, esta cadeia enunciativa, esta relação dialógica existente,
uma vez que o discurso “[...] num clima do já dito, [...] é ao mesmo tempo determinado pelo
ainda não dito, mas que pode ser forçado e antecipado pelo discurso responsivo. Assim acontece
em qualquer diálogo vivo.” (BAKHTIN, 2015, p. 52 – 53). Logo, o discurso é dialógico por
natureza, pois “O discurso surge no diálogo como sua réplica viva, forma-se na interação
dinâmica com o discurso do outro no objeto [...]” (BAKHTIN, 2015, p. 52).
Neste processo, ao enunciar, o “falante”, o locutor, o sujeito discursivo, espera uma
compreensão responsiva do “ouvinte”, do “interlocutor”, em um movimento contínuo de
interação (VOLOCHÍNOV, 2013a, BAKHTIN, 2015). O sujeito de linguagem visa sempre um
outro:
46
[...] O falante procura orientar sua palavra – e o horizonte que a determina – no
horizonte do outro que a interpreta, e entra em relações dialógicas com elementos
deste horizonte. O falante abre caminho para o horizonte alheio do ouvinte, constrói
sua enunciação em território alheio, no campo aperceptivo do ouvinte. (BAKHTIN,
2015, p. 56).
Conforme vislumbramos nas palavras de Bakhtin, no enunciado sempre escutamos ao
menos duas vozes, aquele que enuncia, por um lado, e, por outro, o seu interlocutor, seu
auditório social. Diante disso, o sujeito “falante” (traduzimos por aquele que enuncia
independentemente se verbaliza oralmente ou não o discurso, mas que demarca sua relação, sua
posição no todo discursivo), que tece seu projeto de dizer, orienta o seu projeto enunciativo por
meio da palavra, do objeto, considerando o outro, o seu possível interlocutor, “O elemento
lógico-objetal da palavra torna-se o palco do encontro de interlocutores, a arena da formação
dos seus pontos de vista e apreciações. [...]” (BAKHTIN, 2016b, p. 123).
Não diferentemente, o enunciado carrega valores, traz e expressa um posicionamento
axiológico do sujeito e da sua relação para com o outro, para com seu interlocutor. Por isso, o
enunciado ser um campo, uma arena onde horizontes sociais e valores são colocados. Nesta
construção o eu e o outro são considerados universos de valores, pois conforme Bakhtin “[...]
Ser significar ser para o outro e, através dele, para si. O homem não tem um território interior
soberano, está todo e sempre na fronteira, olhando para dentro de si ele olha o outro nos olhos
ou com os olhos do outro.” (BAKHTIN, 2018, p. 323 – grifos do autor).
Diante do exposto, a revolução bakhtiana reside, segundo Ponzio (2016), e coadunamos
com o autor, em mudar o escopo de uma identidade una e cartesiana do sujeito vislumbrada
pelo discurso para o processo alteritário de constituição do sujeito nesse mesmo discurso, uma
vez que para Bakhtin eu não existo sem o outro, eu não me torno quem eu sou sem o outro, eu
preciso do outro para me encontrar, para ver o outro em mim, em uma percepção recíproca, em
um processo alteritário e responsivo do ser, do existir (BAKHTIN, 2018).
Segundo Bakhtin, ao compreendermos o significado de determinada palavra em uma
dada situação, não entendemos tão somente o significado ali expresso, mas de igual modo
“ocupamos” em relação a essa palavra uma posição responsiva. Nesta posição, podemos
demonstrar acordo ou desarcordo, divergência ou convergência, simpatia ou antipatia,
aproximação ou afastamento, aliança ou embate, revelando que há uma entonação expressiva
que pertence ao enunciado e não à palavra (BAKHTIN, 2016a, p. 50). Por este motivo, é preciso
considerarmos a posição social que o locutor/o sujeito ocupa, bem como o ouvinte/o
interlocutor e o campo aperceptivo desse, pois é nesse horizonte social partilhado que se
colocam as relações dialógicas dos sujeitos: o “falante” constrói seu processo de enunciação
47
em “território alheio”, no campo aperceptivo do “ouvinte” para que haja a interlocução
(BAKHTIN, 2015, p. 56). Bakhtin complementa:
Todo enunciado (minimamente responsivo) tem conhecimento sobre o objeto como o
têm outros enunciados sobre o mesmo objeto (acordo e desacordo), orienta-se de certo
modo entre esses enunciados alheios. Essa orientação pode manifestar-se de forma
direta no enunciado (exposição de opiniões alheias, citações e referências, polêmica
etc.). Mas também pode não haver esse reflexo: neste caso, sempre existem
harmônicos dialógicos, ainda que seja difícil de captá-los. [...] (BAKHTIN, 2016d, p.
148 – 149).
E diante desta atitude responsiva nos deparamos com mais um postulado bakhtiniano: a
noção de que todo enunciado parte de um já dito: “[...] Cada enunciado é um elo na corrente
complexamente organizada de outros enunciados [...]” (BAKHTIN, 2016a, p. 26). Neste viés,
desmitifica-se a ideia do Adão mítico ao proferir um enunciado, pois “[...] todo falante é por si
mesmo um respondente em maior ou menor grau: porque ele não é o primeiro falante, o
primeiro a ter violado o eterno silêncio do universo [...]” (BAKHTIN, 2016a, p. 26), mas usa
de enunciados antecedentes já postos dentro dessa cadeia discursiva. Contudo, a circunstância
da realização é que torna nova a enunciação, pois essa é rica em intencionalidades e relações
de poder, algo que só é concebido em um dado espaço/tempo.
Nesse contexto, o Círculo de Bakhtin reforça que a orientação dialógica do discurso é
um fenômeno próprio, inerente, ao próprio discurso. Não há escapatória: as construções de
sentidos presentes no discurso, no enunciado, sempre se encontram com a palavra do outro e
vive com ela uma interação tensa (BAKHTIN, 2015). Desse modo, valendo-nos de que todo
enunciado responde a outro e é endereçado a um interlocutor, as RD possíveis devem ser
estudadas até para (re)conhecermos os espaços de poder, de como as ideologias se manifestam,
desde as esferas primárias a secundários, por exemplo.
Assim, eis um dos pontos que sustentam nosso olhar investigativo nesta tese: buscar
estudar as RD em contextos outros que também se estabeleçam essas relações de poder (como
aportam os NLS) por meio da linguagem, do discurso; ou ainda, estabelecer pontes de como as
RD indiciam os grupos sociais presentes em um dado cenário. Isto pontuamos, não no sentido
de criarmos generalizações ou tentarmos recuperar as identidades que emergem dos grupos,
mas diante do nosso contexto específico, o EMI por meio da materialidade discursiva presente
no gênero relatório de estágio, compreendermos o manejo com esses outros enunciados e
entendermos o grupo em sua singularidade no tempo e no espaço.
Em síntese, nesta seção observamos que a partir da compreensão de que todo enunciado
é dialógico por excelência, o Círculo de Bakhtin tece e entrecostura uma arquitetura entre vários
48
conceitos em torno da linguagem ao captar o interno e o externo, o eu e o outro, minha história
e o contexto social, o texto como unidade de sentido (gênero do discurso) e suas relações para
com as posições dialógicas e valorativas entre os interlocutores. Nesta relação, os enunciados
são as unidades reais da comunicação que se tornam únicas no momento da enunciação, são
irrepetíveis, possuem acento, entonação (BAKHTIN, 2005, 2016a, 2019a; 2019b; BEZERRA,
2016; BRAIT; PISTORI, 2012; BRAIT, 2015; FIORIN, 2017), e se constituem por meio de
outros enunciados.
Nas próximas seções e subseções, aprofundaremos o que é salutar para nosso projeto de
dizer, reafirmando que não esgotamos e nem temos a pretensão de sistematizar ou compilar as
possibilidades das construções dos conceitos do Círculo de Bakhtin, pois temos a noção da
complexidade, sobretudo filosófica, das finalidades implicadas em tais conceitos. Mas é na
exposição dos conceitos fundantes da compreensão da linguagem e de pontos cruciais para a
proposição teórica-metodológica que nosso olhar é direcionado. Nesta linha, antes de
adentrarmos a reflexão teórica de alguns conceitos, propomos demarcar nossa filiação à Análise
Dialógica do Discurso como uma proposta metalinguística ancorada nos preceitos bakhtinianos.
2.1.1 As propriedades e a delimitação do campo: a Análise Dialógica do Discurso
Os conceitos elaborados pelo Círculo de Bakhtin impulsionaram depois de 1970/80
(período em que esses materiais foram mais amplamente difundidos não somente no ocidente,
mas no mundo) uma atenção para o “matiz dialógico” da linguagem (RODRIGUES; ACOSTA
PEREIRA, 2019; PAULA, 2020), obtendo um prestígio especial junto das áreas das Ciências
Humanas. Sob esta lógica, reforçamos que o Círculo não era uma escola e nem tinha uma
intenção dogmática cujo objetivo fosse impor suas concepções por meio de uma padronização
acadêmica sobre os fenômenos da linguagem (PONZIO, 2019), muito menos propor
formalmente uma teoria ou uma análise do discurso como ciência do saber (BRAIT, 2014b).
Assim, concepção dialógica, abordagem dialógica, perspectiva dialógica, arquitetônica
dialógica, dentre outros termos e expressões, designam uma aproximação e filiação teórica e
metodológica seguindo os constructos bakhtinianos. Nestes termos, a Análise Dialógica do
Discurso (ADD) não foi proposta por Bakhtin e nem pelos demais integrantes do Círculo, mas
trata-se de uma particularidade de nossa cultura acadêmica, de uma formalização científica
brasileira, por meio de uma proposição feita pela pesquisadora, crítica, ensaísta, professora Beth
49
Brait.20 A ADD foi ainda abraçada por muitos outros estudiosos da linguagem (SOBRAL, 2009;
SOBRAL; GIACOMELLI, 2016, 2019; PAULA, 2013; RODRIGUES; ACOSTA PEREIRA,
2019; PAULA; STAFUZZA, 2010a, 2010b, 2013, 2019; ALVES, 2019; dentre outros), que
encontraram nos escritos bakhtinianos possibilidades e caminhos sobre refletir acerca do caráter
dialógico da linguagem, de modo a ampliar a “Metalinguística” como consequência deste
estudo.
Neste direcionamento, destacamos que a ADD não deve ser encarada como uma
proposta teórica-metodológica fechada, acabada, mas que lança luz bem mais em construção
de pontes, no confronto, no contraste e na busca de similaridades entre outras
abordagens/teorias que somam a um delineamento do pensamento bakhtiniano sobre um estudo
enunciativo-discursivo da linguagem. Diante disto, sublinhamos a necessidade de pensar a
Análise do Discurso no Brasil de forma plural e como traço identitário do nosso fazer científico
(pesquisadores brasileiros), assim como expõe Paula (2013, 2020). Em nossos estudos, temos
como características colocarmos em embates e/ou em aproximações variadas perspectivas de
investigações discursivas por meio de uma “[...] diversidade de influências e amplitude de
abordagens [...]” (PAULA, 2013, p. 241).
Brait (2014b) nos relembra e sustenta que mesmo criando pontes para refletirmos sobre
a linguagem com outras disciplinas, a ADD se ampara sobretudo no conjunto das obras de
Bakhtin e do Círculo, motivando a sua gênese. Neste sentido, a pesquisadora (BRAIT, 2014b,
p. 21) propõe que para a demarcação do nascituro de uma teoria dialógica ou uma análise
dialógica, só foi (e continua sendo) possível após a revisitação dos aspectos nucleares das obras
de Bakhtin e do Círculo, por isso a proposta ser atual, uma vez que muitos desses materiais
(textos, artigos, ensaios, capítulos de livros, obras compiladas, por exemplo) só está sendo
possível o acesso de forma bem mais recente21.
Assim, após o avanço nos estudos sobre o grupo e as concepções bakhtinianas, muito
tem se (re)descoberto sobre as autorias dos escritos, bem como as publicações de traduções dos
originais russos com seus textos emolduradores, os quais guiam nossas leituras e interpretações
sobre os escritos nem sempre transparentes ou de fácil compreensão (BRAIT; GRILLO, 2020;
PAULA, 2020)22.
20 Para maiores informações acessar o lattes da estudiosa: http://lattes.cnpq.br/7028238588180059 21 Sinalizamos que as primeiras obras que chegaram ao Brasil por volta de 1980 eram, por muitas vezes, traduções
não do texto original (russo), mas de publicações das versões em espanhol, em inglês, em italiano e em francês. 22 Destacamos que as obras do Círculo chegaram ao grande público não de uma forma cronológica e nem de
maneira coesa em seus escritos. Os tradutores podem ter tencionado os conceitos a direcionamentos outros do que
originalmente se pensava, justamente por não possuírem, em sua maioria, uma leitura do conjunto, do todo, das
proposições bakhtinianas, sobretudo nos primeiros contatos com os materiais, isso ainda entre as décadas de 1970
50
De igual modo, para Brait, propor a existência de uma teoria ou uma análise dialógica
nos escritos do Círculo também foi preciso refazer o percurso de pensamento, iluminando os
conceitos basilares que norteiam a proposta, associando a vozes, aos interlocutores presentes
nesses materiais. Ou seja, revisitar os autores e o arcabouço que Bakhtin e o Círculo buscaram
para construir a própria proposta do grupo. Como consequência, reviver essas sendas trouxe
ecos nos estudos da linguagem, nos estudos da enunciação, nos estudos do discurso, que até
então estavam especialmente centralizadas na Linguística e na Teoria Literária, entrelaçando
assim a proposição macro do pensamento bakhtiniano numa perspectiva transdisciplinar ao
conceber o fenômeno, o objeto e o contexto da linguagem para as Ciências Humanas e Sociais
como um todo.
Portanto, a ADD, como uma “teoria dialógica do discurso”, trata de compreender “[...]
a indissolúvel relação existente entre língua, linguagens, história e sujeitos. [...]” (BRAIT, 2015,
p. 84) convidando seus pesquisadores a entenderem os estudos da linguagem como espaços de
produção de conhecimento de forma engajada, responsável e ética, conforme os
direcionamentos próprios dos postulados bakhtinianos ao propor uma reponsabilidade ativa
sobre o projeto de dizer (PAULA, 2013, p. 250). Brait (2015, p. 84) complementa que é:
[...] Essa condição substantiva, presente nos estudos denominados bakhtinianos, que
contam com a reflexão dos demais pensadores que compõem o Círculo, exige que os
estudos da linguagem se ofereçam como lugares de produção de conhecimento
comprometido e responsável. A concepção de linguagem, de construção e produção
de sentidos está necessariamente apoiada nas relações discursivas empreendidas por
sujeitos historicamente situados, o que significa dizer que os estudos da linguagem
são concebidos como formulações em que o conhecimento é produzido e recebido em
contextos históricos e culturais específicos, os quais exigem do pesquisador,
necessariamente, uma ética que tem na linguagem, e em suas implicações nas
atividades humanas, seu objetivo primeiro. (grifos da autora e negritos nossos).
Em outras palavras, a autora sinaliza o nosso compromisso em fazer pesquisa ao
observamos, escutarmos e captarmos as relações dialógicas presentes nos enunciados. Desta
maneira, podemos cotejá-los com outros textos, outras abordagens, outros discursos e partir
para uma compreensão do todo, do objeto concreto em situações contextuais específicas, nos
quais posicionamentos axiológicos e valorativos se encontram implicados.
a 1990, por exemplo. Segundo Paula (2020), trata-se de um contato conta-a-gota dos originais, levando a
interpretações reducionistas sobre o pensamento do Círculo, para isso a autora sugere a divisão de três grandes
momentos do contato com esses materiais: o primeiro entre os anos de 1970 a 1990, como traduções de traduções
e acesso a pequenos fragmentos; o segundo entre os anos 2000 a 2010, cujo acesso é definido pela abertura dos
arquivos, começo das traduções diretas e a constituição da ADD; e, o terceiro e atual momento, após o ano de
2010, o acesso a traduções diretas e com comentários críticos, uma consolidação de uma voz brasileira bakhitniana
e associação com estudos contemporâneos.
51
Reforçamos, assim, a proposição de “relações dialógicas” ou “relações discursivas”,
conforme destacado no trecho anteriormente, como objeto da metalinguística proposta por
Bakhtin e que ampara a ADD ao defender “[...] caminhos teóricos, metodológicos e analíticos
para desvendar a articulação constitutiva do que há de interno/externo na linguagem. [...]”
(BRAIT, 2012, p. 23). Sob esta ótica, a ADD parte do pressuposto, segundo Bakhtin (2018, p.
209), que “[...] Essas relações se situam no campo do discurso, pois este é por natureza dialógico
e, por isto, tais relações devem ser estudadas pela metalinguística, que ultrapassa os limites da
linguística e possui objeto autônomo e metas próprias”.
Logo, assim como exposto na seção anterior, os moldes do estudo da linguagem não
devem valer somente do aparato linguístico ou gramatical do sistema da língua, mas precisamos
compreender o enunciado em sua completude: contexto/exterioridade aliado ao interno, ao
objeto da enunciação. Lembramos que o extralinguístico ou situação extraverbal não incide
sobre o enunciado com uma força automática, “mecânica”, mas a “[...] situação integra o
enunciado como uma parte necessária da sua composição semântica. [...]” (VOLÓCHINOV,
2019, p. 120), sendo possível compreendê-la sob duas óticas: uma sob o viés do
verbalizado/realizado e a outra sobre o subentendido, mas de um horizonte social partilhado
entre os interlocutores.
Sucintamente, esse embrião do pensamento bakhtiniano enfatiza como devemos
conceber a linguagem ao não tomar um ponto de vista interno ou externo como um em
detrimento do outro, mas na construção do dialógico, na integração dos dois polos. A título de
maior entendimento, é importante enfatizarmos que ao propor como base que todo enunciado
é dialógico, o Círculo de Bakhtin cria relações inúmeras com outros pontos valiosos para o
projeto de estudos da linguagem. Dessa forma, pautados em Brait (2014b), é importante
refletirmos que:
a) Há conceitos que são próximos, mas não sinônimos, não são “intercambiáveis”, tais
como: alteridade, dialogismo, polifonia ao se associar à heterogeneidade, interdiscursividade e
intertextualidade, respectivamente. E que, a depender da filiação teórica, podem ganhar outras
conotações. Um exemplo é o termo heterogeneidade, que possui outra leitura segundo a
abordagem de Authier-Revuz.
b) Há formas e graus da dimensão dialógica da linguagem, que, a depender da filiação
teórica, houve outros desdobramentos em trabalhos da área da argumentação, persuasão, por
exemplo, ao interligar o pensamento bakhtiniano sobre perspectiva enunciativa, explicitação e
posicionamento das vozes.
52
c) E há a reflexão da interação como relacionada à enunciação, “[...] às formas de produção
e de circulação dos textos e discursos [...] ” (BRAIT, 2014b, p. 29).
Evidenciamos que conceitos formulados como interdiscurso, intertextos,
interdiscursivo, interdiscursividade e, até mesmo intertextualidade, não são encontrados nas
obras do Círculo. Citando caso análogo, Júlia Kristeva, na década de 1970, após ler e construir
apresentação da obra Problemas da poética de Dostoiévski (PPD), iniciou um percurso intenso
sobre o que denominou intertextualidade, partindo das ideias de Bakhtin.
Para a autora, a princípio, um texto se configura como um mosaico de outros textos:
assim o discurso, sinônimo de texto para a estudiosa, revela um entrecruzamento de outros
discursos, de outros textos (FIORIN, 2014). Contudo, frisamos que o conceito de
intertextualidade não é proposto pelo pensamento bakhtiniano e ainda, que para o Círculo de
Bakhtin, texto e discurso são proposições distintas.
Segundo Fiorin (2014), problemas de tradução colaboraram para a ocorrência de
equívocos sobre a real finalidade do pensamento bakhtiniano ao refletir, por exemplo, sobre as
RD e sobre seu caráter extralinguístico somado a uma base lógica e concreta como a
materialidade linguística textual. Bezerra (2018) realça ainda que a adaptação feita por
estudiosos ao contexto acadêmico e científico de seu país pode também direcionar a
interpretações errôneas, como no caso de Kristeva que afirmou usar Bakhtin sob a égide de uma
perspectiva estruturalista e psicanalista. Ratificamos que não temos a pretensão de debater o
que há de “erro” ou não nas abordagens, nas epistemes, mas precisamos sinalizar que
independentemente dos caminhos, a obra do círculo “influenciou” outras propostas e que essas
possuíram desdobramentos na área da análise do discurso diferente da então proposta
direcionada pela ADD.
Outro caso de forte influência a seguir os postulados Bakhtinianos especialmente sobre
as formas do discurso citado, enfatizando a heterogeneidade dos enunciados como constitutiva
dos discursos, marcados, sobretudo, pelo princípio da alteridade é a proposta de Authier-Revuz
(1999, 2011). A pesquisadora alia Bakhtin a Lacan a fim de aprofundar essa perspectiva e assim
trazer a distinção entre heterogeneidade mostrada (marcada ou não marcada) e heterogeneidade
constitutiva, por exemplo. Reforçamos, como nos recorda Brait, que se tratam de propostas, de
(re)leituras da proposição inicial dos textos de Bakhtin e do Círculo, nos quais podem se
aproximar aos conceitos expostos pela ADD, mas que não são iguais e que ganham outras
conotações e sentidos ao se aproximarem de uma análise do discurso de linha francesa, por
exemplo.
53
Diante desta realidade, fortalecemos que para o entendimento de uma análise do
discurso ancorada especialmente na ADD faz-nos necessário partir de algumas definições
norteadoras, tais como: o enunciado não é o mesmo que frase, mas é a unidade de análise da
ADD; os enunciados são usados por sujeitos/locutores no processo da interação, sendo o
alicerce das relações dialógicas. Ao utilizarem os enunciados, os locutores o fazem recorrendo
a signos, que, por sua vez, são sempre ideológicos; e, por fim, nessa interação ao usarem de
signos nos enunciados, utilizam segundo os gêneros do discurso (SOBRAL; GIACOMELLI,
2016). Além desses pontos, destacamos que o contexto e a carga histórica existente perpassando
a situação da produção do enunciado, de igual modo, deve ser considerada. Já Brait (2015) diz
que, e coadunamos com seu parecer, é preciso sinalizarmos alguns aspectos que delimitam a
episteme da ADD segundo essa perspectiva, pois é na base do Círculo que se sustenta o aporte
metodológico (ver figura 1).
Figura 1 – ADD: principais características.
Fonte: Adaptado de Brait (2015, p. 85).
Ao propor um estudo metalinguístico da linguagem que rompe com o foco
sensivelmente no linguístico, apesar de se apoiar nele em uma de suas faces, a dimensão
extralinguística, contextual, social e histórica dos sujeitos de linguagem é potencializada pela
possibilidade dialógica entre teoria e método. E, na ADD entendemos que é necessário “[...]
reconhecer que hoje se está diante de um conhecimento mais aprofundado deste pensamento
1. Um enunciado ou um conjunto de enunciados se define pela multiplicidade
de discursos que o constituem. Por sua vez, esses se alteram ou até mesmo subvertem suas
relações devido à esfera de circulação;
2. As RD são o escopo da metalinguística. Ou seja, são tidos como objeto de
uma disciplina interdisciplinar e se trata do
gérmen da ADD;
3. O pressuposto teórico-metodológico da ADD entende que as RD são
configuradas por meio de um ponto de vista;
4. As RD nunca estão prontas ou acabadas em um
determinado objeto de pesquisa, mas são
construídas sempre por um ponto de vista;
5. É preciso conceber sempre o papel das
linguagens e dos sujeitos na produção, na construção e na recepção dos sentidos;
6. O gênero é entendido como assinatura de um
sujeito, quer seja individual ou coletivo, mas que estimula discursos históricos, sociais e
culturais para constitui-lo e constituir-se.
54
[bakhtiniano] que, nascido no âmbito da filosofia da linguagem, funda-se numa ética e numa
estética que não podem ser reduzidas a categorias fechadas, prontas para serem aplicadas [...] ”
(BRAIT, 2006, p. 48).
Em tal caso, a Figura 1, adaptada de Brait (2015), sinaliza ainda outras características
essenciais nos quais os trabalhos, as investigações que pretendem se apoiar na ADD como
aporte teórico-metodológico devem considerar, tais como:
1. Não existe um único discurso presente em um gênero discursivo, mas sim um
compilado, um emaranhado de vozes, de relações dialógicas, no qual o contexto de
circulação e de produção em sua esfera de atividade humana possui uma força
verboideológica que guia, influencia ou altera o objeto final que é a própria
materialidade textual, o próprio texto ou o conjunto dele;
2. As RD são o gérmen, o norte de estudo da ADD, pois ao reconhecer uma reflexão
integrada sobre o enunciado e seu âmago dialógico, é possível recuperar pontos
como: referencialidade, expressividade e endereçabilidade, bem como a
exauribilidade do objeto e do sentido construído sócio-historicamente, o projeto de
discurso e o acabamento do gênero (SOBRAL; GIACOMELLI, 2016);
3. O enfoque dado pelo pesquisador tem a presença implicada de sua responsabilidade
no vir a ser no mundo e todos os efeitos ali possíveis;
4. As RD não são categorias a priori e nunca podem ser vistas como fechadas em si
mesmas, cada contexto, cada novo olhar de um dado pesquisador, outras pontes e
outras leituras são possíveis;
5. O contexto e os sujeitos com sua carga histórica devem ser considerados para uma
abordagem holística que busque recuperar os sentidos construídos; e,
6. A noção de texto é tensionada como a assinatura de uma singularidade de um “eu”
no mundo, mesmo que se trate de um texto coletivo, pois são evocados discursos
que constituem os próprios sujeitos nessa singularidade em um dado tempo e espaço.
Portanto, sendo o sujeito histórico e social, aliado à noção da linguagem como
constitutiva desse sujeito, do seu projeto de dizer e de agir, é que a ADD demarca
seu espaço como aparato teórico e metodológico.
Em outras palavras, compreendemos que o viés teórico da ADD se ancora nas acepções
do Círculo de Bakhtin, no pensamento bakhtiniano, e para isso, recorre dos vestígios
apresentados pelo grupo ao se pensar no aspecto metodológico de igual maneira.
Consequentemente, Brait (2006, 2012, 2014b, 2015) nos convida a rever obras como MFL e
55
PPD, pois, mesmo aparentemente, estas se distanciando para áreas distintas (a primeira
relacionada à filosofia da linguagem e a segunda destinada a um público da literatura, de início),
sabemos que é no todo que as obras se complementam. No caso, “[...] esses trabalhos sinalizam
uma possibilidade dialógica de teoria e método, dimensão que, sem estar formalizada num
único texto ou numa única obra, pode ser apreendida e reorganizada, hoje, em diferentes
campos de construção do conhecimento.” (BRAIT, 2006, p. 49).
Assim, o direcionamento existente, tanto em MFL como em PPD, faz-se presente em
uma ordenação metodológica para estudo da língua, seguindo a perspectiva da metalinguística.
A proposição seria repensarmos as aproximações e os distanciamentos dados entre a linguística
e o constructo apresentado para a metalinguística, sobretudo, ao pensarmos o fenômeno como
complexo, multifacetado e ao manejarmos o discurso é desviado o foco dado até então ao objeto
estritamente linguístico para contemplarmos as relações dialógicas no enunciado. Diante dessa
reflexão, retomamos Volóchinov que enfatiza as RD, lembrando que:
[...] A língua vive e se forma no plano histórico justamente aqui, na comunicação
discursiva concreta, e não no sistema linguístico abstrato das formas da língua nem
no psiquismo individual dos falantes.
Disso decorre que a ordem metodologicamente fundamentada para o estudo da língua
deve ser o seguinte: 1) formas e os tipos de interação discursiva em sua relação com
as condições concretas; 2) formas dos enunciados ou discursos verbais singulares em
relação estreita com a interação da qual são parte, isto é, os gêneros dos discursos
verbais determinados pela interação discursiva na vida e na criação ideológica; 3)
partindo disso, revisão das formas da língua em sua concepção linguística habitual.
(VOLOCHÍNOV, 2018, p. 220 – grifos do autor).
Seguindo esta linha de pensamento, a construção metodológica em torno da linguagem
sustenta nessas três etapas em um olhar mais amplo sobre o objeto de estudo, o discurso, as
relações ali postas, bem como para o fator extralinguístico presente no discurso. Uma vez que
segundo um viés metodológico é preciso recuperarmos as condições concretas de realizações
de textos reais, situações reais, verificando como “[...] o discurso verbal impresso participa de
uma espécie de discussão ideológica em grande escala: responde, refuta ou confirma algo,
antecipa respostas e críticas possíveis, busca apoio e assim por diante.”23 (VOLÓCHINOV,
2018, p. 219), e, por fim, analisarmos como as formas da língua se moldam nos enunciados.
Em relação ao trabalho metodológico da ADD, Brait (2014b) salienta que ao trabalhar
com textos, com discursos, associando a outras disciplinas do saber (em especial, das Ciências
Humanas) e criando esse espaço para a metalinguística, há:
23 Acrescentaríamos outras formas variadas de comunicação, como textos multimodais, textos orais, textos verbo-
visuais, por exemplo.
56
[...] a possibilidade de esmiuçar campos semânticos, descrever e analisar micro e
macro-organizações sintáticas, reconhecer, recuperar e interpretar marcas e
articulações enunciativas que caracterizam o(s) discurso(s) e indicam sua
heterogeneidade constitutiva, assim como a dos sujeitos aí instalados. E mais ainda:
ultrapassando a necessária análise dessa ‘materialidade linguística’, reconhecer o
gênero a que pertencem os textos e os gêneros que nele se articulam, descobrir a
tradição das atividades em que esses discursos se inserem e, a partir desse diálogo
com o objeto de análise, chegar ao inusitado de sua forma de ser discursivamente, à
sua maneira de participar ativamente de esferas de produção, circulação e recepção,
encontrando sua identidade nas relações dialógicas estabelecidas com outros
discursos, com outros sujeitos. (BRAIT, 2014b, p. 13 – 14).
Diante deste cenário, a ADD enaltece os postulados bakhtinianos ao aclará-los como
uma proposta viável em unificar teoria e método. Para o pesquisador, a compreensão deve ser
que, além das materialidades expostas pelo já-dito, é possível captar a historicidade dos
processos enunciativos, as relações ali implicadas, o inacabamento do sujeito que se constitui
na interação com o seu interlocutor, bem como vislumbrar os elos com o devir. Para Brait
(2014b), a ADD não é aplicação de conceitos já pré-estabelecidos, mas uma forma de
compreender e “[...] deixar que os discursos revelem sua forma de produzir sentido, a partir de
vista dialógico, num embate.” (BRAIT, 2014b, p. 24).
Assim sendo, outras publicações, por intermédio dos debatedores/dos comentadores das
obras, e investigações científicas que usam a ADD como pano de fundo (artigos, dissertações,
teses) começam a fortalecer a produtividade no cenário brasileiro (BRAIT, 2012, 2014a, 2014b;
SANCHES, 2009; SOBRAL, 2009; FUZA, 2015; BESSA, 2016, entre outros). Nossa tese se
ancora nos pressupostos teóricos-metodológicos da ADD e visa a colaborar com as
investigações da área, pois ao pensarmos em nosso corpus, nossa proposta de pesquisa, e, ao
associarmos o enunciado a práticas de letramentos vivenciadas por sujeitos de um dado campo
de atividade, de uma dada esfera discursiva, por meio de uma determinada comunidade de
prática, elos nos são indiciados sobre as relações existentes nos já-ditos, as vozes que
entrecortam o projeto enunciativo dos sujeitos estudantes-estagiários e que os constituem
enquanto grupo.
Dito isto, propomos no próximo tópico aprofundar os conceitos exatamente seguindo a
trilha dos conceitos avultados pelo círculo segundo os moldes da ADD. Buscamos explorar
como alguns deles se emaranham na teia de constituição do enunciado, do ser dialógico, das
relações dialógicas na cadeia enunciativa de sujeitos históricos e sociais, por exemplo.
57
2.2 ENTRE AS VEGETAÇÕES EXISTENTES E A NATUREZA CONSTITUTIVA:
A DIALOGICIDADE DO ENUNCIADO
Convém destacarmos, a princípio, que o constructo proposto pelo Círculo de Bakhtin se
norteia sobretudo pela natureza dialógica da linguagem, do enunciado como materialidade
concreta, histórica e social: o homem, sujeito do discurso, participa ativamente do diálogo da
vida, uma vez que este sujeito questiona, escuta, contesta, refuta e, inevitavelmente, implica-se
na palavra. Essa palavra, esse signo ideológico, por sua vez, segundo Bakhtin (2018, p. 329),
“[...] entra no tecido dialógico da vida humana, no simpósio universal”, pois é na comunicação,
na interação posta entre sujeitos, que o homem se revela para si e para os outros.
Neste ínterim, retomamos que não se trata de pensarmos o diálogo como o contato entre
duas ou mais pessoas por meio de uma conversa, em uma espécie de troca de turnos de falas ou
ainda de pensar um diálogo remoto por meio de uma narrativa textual, conforme expusemos
em seção anterior desta tese. Porém, a essência reside em refletirmos que a linguagem não está
solta em um vazio, ela é preenchida pelo contexto social, histórico, cultural e, especialmente,
ideológico de uma dada situação concreta, no momento da enunciação (BAKHTIN, 2018;
VOLOCHÍNOV, 2013a, 2013b, 2019; MEDVIÉDEV, 2016). Neste momento, encontramos,
de igual modo, implicado o posicionamento axiológico dos sujeitos da enunciação, o horizonte
social partilhado entre os interlocutores, o conhecimento e a compreensão daquela situação por
seus integrantes (reais ou presumidos). Assim como nos diz Medviédev (2016, p. 185):
No enunciado, cada elemento da língua tomado como material obedece às exigências
da avaliação social. Apenas aquele elemento da língua que é capaz de satisfazer suas
exigências pode entrar no enunciado. A palavra torna-se um material do enunciado
apenas como expressão da avaliação social. Por isso, a palavra entra no enunciado não
a partir do dicionário, mas a partir da vida, passando de um enunciado a outros. A
palavra passa de uma totalidade para outra sem esquecer o seu caminho. Ela entra no
enunciado como uma palavra da comunicação, saturada de tarefas concretas dessa
comunicação: históricas e imediatas.
Diante desta afirmação, compreendemos que os enunciados valoram sempre algo: não
se materializam somente pelos seus aspectos linguísticos, mas por envolver muitos aspectos
nos subtendidos dessa materialidade é, singularmente, no contexto que esses se apoiam para
que seja efetivado o seu real sentido24. Além disso, Medviédev sinaliza que nenhuma palavra
seria essencialmente nova ou neutra, apesar da palavra recuperar os diversos significados que
24 Para Medviédev (2016, p. 191): “[...] A avaliação social organiza tanto a própria visão e compreensão do
acontecimento transmitido – pois só vemos e compreendemos aquilo que, de uma maneira ou outra, toca-nos,
interessa-nos – quanto as formas de sua transmissão: a disposição do material, as digressões, os retornos ao
passado, as repetições etc., tudo isso é atravessado pela mesma lógica da avaliação social.”.
58
lhe foi possível acumular ao longo do tempo na sua existência básica: esta palavra somente
adquire sentido, como ato enunciativo, quando passa a ser produto do contexto histórico e social
que revela um sentido específico em um dado momento.
Em relação à avaliação social, Volóchinov (2019, p. 117) defende que, em conjunto com
a palavra, esta intersecciona e reflete a própria situação extraverbal do enunciado, pois as
opiniões e o tom valorativo presentes acabam por se fundir e tornarem a palavra como uma
unidade indivisível do próprio enunciado. Sob esse prisma, pontos como referencialidade,
expressividade e endereçabilidade devem ser compreendidas como constituintes do enunciado.
Tais características demarcam como o enunciado nos ancora ao objeto, a concretude de algo, a
referência do ser no mundo (referencialidade); como valoramos, avaliamos socialmente esse
objeto, essa referência (expressividade); e, como nos dirigimos sempre a alguém
(endereçabilidade), quer seja de fato um interlocutor real, presente no momento da enunciação,
quer seja um interlocutor pensado, direcionado como um público ou um auditório não presente
no ato enunciativo, ou ainda, quer seja o interlocutor, cujo endereçamento seja a si mesmo –
(BAKHTIN, 2015; VOLÓCHINOV, 2019; SOBRAL; GIACOMELLI, 2016; ALVES, 2019).
Por isso, se pensarmos ainda no todo orgânico do enunciado, partindo da noção de que
todo o enunciado possui uma natureza dialógica que direciona sempre para uma atitude
responsiva por parte do interlocutor e assim temos a sua potência de resposta, devemos
considerar que existem três elementos primordiais, tais como: a exauribilidade semântico-
objetal; o projeto de discurso ou vontade de discurso por parte do sujeito discursivo; e, as formas
típicas composicionais e de acabamento do gênero (BAKHTIN, 2016a).
O primeiro destes elementos se relaciona a uma possível conclusibilidade do enunciado,
pois o objeto é inexaurível em si, porém ao ganhar sentido, ao se tornar tema, ele possui um
certo grau de conclusibilidade por parte do autor, do locutor, do sujeito de discurso.
Inevitavelmente, a exauribilidade relacionada ao objeto e ao sentido se encontra interligada ao
projeto discursivo do locutor, a sua intenção discursiva. Bakhtin enfatiza que com esta intenção
é que podemos comensurar a própria conclusibilidade do objeto, uma vez que: “[...] Essa
intenção determina tanto a própria escolha do objeto (em certas condições de comunicação
discursiva, a relação necessária com os enunciados antecedentes), quanto os seus limites e a sua
exauribilidade semântico-objetal. [...]” (BAKHTIN, 2016a, p. 37). Por outro lado, relacionada
aos dois elementos anteriores, a vontade discursiva só se efetiva nos próprios enunciados ou
mais precisamente nos gêneros do discurso. Desse modo, esse projeto de dizer se adequa a
forma, a estrutura composicional, demarcando o tema e o estilo a ser utilizado em um
determinado gênero.
59
Neste delineamento de proposta, a natureza constitutiva dialógica do enunciado
possibilita estabelecer e incorporar as relações existentes entre o “eu” e o “outro” nos processos
discursivos, vislumbrando também como essas relações são capazes de fundar a constituição
do próprio sujeito sócio-historicamente situado (BRAIT, 2005, p. 95). Segundo Brait (2012c),
uma das possibilidades de investigação que o pensamento do círculo propõe é aprofundar essa
alteridade constitutiva presente nas RD.
Assim, Bakhtin reforça que não há como refletir em um ângulo dialógico sob o prisma
da linguística pura, justamente porque as RD são do campo do discurso. A linguística
compreende as formas composicionais do discurso com suas: “[...] particularidades sintáticas
léxico-semânticas. Mas ela as estuda enquanto fenômeno puramente linguístico, ou seja, no
plano da língua, e não pode abordar, em hipótese alguma, a especificidade das relações
dialógicas entre as réplicas [...]” (BAKHTIN, 2018, p. 209).
Em outras palavras, observar o enunciado como diálogo, é observá-lo por meio das RD,
no qual o contexto extraverbal do enunciado reforça sua característica (VOLÓCHINOV, 2019).
Porém, ratificamos que não são esquecidos os elementos linguísticos – apenas na proposta do
Círculo de Bakhtin, o foco não deve centrar-se unicamente nesse eixo.
Em suma, os enunciados devem ser entendidos como unidades reais da comunicação.
Isto é, não devemos confundi-los com elementos repetíveis, reiteráveis da comunicação. Para
exemplificar, Bakhtin em PPD traz as seguintes passagens: “A vida é boa” e “A vida não é
boa”. O autor nos lembra que pela forma lógica um juízo nega o outro, mas pela relação
concreto-semântica esses dois juízos não discutem entre si. Logo, para que se tornem discurso
e, consequentemente, RD: “[...] Esses dois juízos devem materializar-se para que possa surgir
relação dialógica entre eles ou tratamento dialógico deles [...]” (BAKHTIN, 2018, p. 210).
Não diferentemente, Bakhtin traz outro modelo para reflexão com: “A vida é boa” e “A
vida é boa”. Conforme observamos, são dois juízos iguais em seu interior, por meio de
elementos reiteráveis da comunicação, referindo-se a um único juízo que está materializado por
duas vezes teoricamente iguais. Ou seja, as expressões não se tornam enunciados e não
expressam o dialogismo, caso não haja realização concreta, materialidade, pois se encontram
no mundo das abstrações. Somente se fossem proferidas por sujeitos do discurso, em um dado
tempo e espaço, aí sim teríamos as RD, o dialogismo constituído.
A título de exemplificação, vejamos a expressão “Me deixe!” enunciada por um dado
sujeito. Analisada de forma isolada, a sentença é considerada como vazia de qualquer sentido,
mesmo que recuperemos a entoação expressiva utilizada, poderíamos resgatar em parte o “vazio
semântico” da expressão, mas ainda assim não conseguiríamos recobrar o sentido e o
60
significado posto em uma dada situação (VOLÓCHINOV, 2019; BAKHTIN, 2016a). A
depender da situação extraverbal, a expressão pode ser interpretada com uma resposta a uma
situação de raiva, na qual o sujeito solicita o afastamento da outra pessoa; pode ainda ser uma
ordem, quer seja para uma separação entre parceiros/amantes visando ao distanciamento, quer
seja para entrega de algum produto; e pode ainda ter uma tonalidade de tom jocoso, para que se
pare de brincar sobre algum assunto, dentre inúmeros outros sentidos possíveis.
Diante disto, entendemos que o enunciado necessita da parte verbalizada, mas se apoia
também no material extralinguístico para recuperar os subtendidos. Assim, as RD nos
enunciados só se mostram em dadas situações e numa cadeia de textos de um dado campo. Para
Bakhtin (2016a, p. 62), “[...] o enunciado é um elo na cadeia da comunicação discursiva e não
pode ser separado dos elos precedentes que o determinam tanto de fora quanto de dentro,
gerando nele atitudes responsivas diretas e ressonâncias dialógicas.”
Portanto, é justamente nas relações de sentidos criadas entre no mínimo dois enunciados
que se constitui o pilar dialógico. Na entrecostura dos conceitos, o ponto de partida é que todo
enunciado é dialógico por natureza e que sempre se ouvem nele pelo menos duas vozes, uma
delas expõe o autor e sua posição responsiva, sempre dirigida ao outro, a um interlocutor, a um
terceiro (ALVES, SOUZA, 2013; FUZA, 2015) e outra que recorre a um já-dito. Deste modo,
o Círculo de Bakhtin nos embasa a criarmos pontes com o nosso objetivo, uma vez que
esperamos visualizar as RD na sua dimensão interdiscursiva nos relatórios de estágio de
discentes de EMI que constituem o seu próprio discurso enquanto grupo, enquanto
comunidades de prática, de áreas de formações distintas.
Logo, Bakhtin (2016d) traz ainda as seguintes reflexões que são pertinentes para nosso
ponto de vista ao pensarmos sobre o manejo das vozes, dessas RD:
[...] Que formas de relação com o ouvinte-leitor-interlocutor e com o discurso do outro
existem no enunciado? Como classificá-las?
Cabe, antes de tudo, enfocar <...> o seguinte fenômeno. O interlocutor-ouvinte-leitor
é a segunda pessoa a quem o enunciado está dirigido, endereçado, a quem eu respondo
ou cuja resposta antecipo. Mas uma terceira pessoa, cujo enunciado menciono, pessoa
essa que eu cito, com quem polemizo e concordo, também se torna segunda pessoa
uma vez que entro em relações dialógicas com ela, ou seja, torna-se sujeito de uma
relação dialógica. O falante e seu discurso não podem ser simplesmente um objeto de
discurso, visto que me refiro a eles e para mim eles se tornam um parceiro dialógico.
Ademais, o ouvinte e o discurso do outro podem ter uma forma coletiva,
generalizadora [...] (BAKHTIN, 2016d, p. 136 – 137).
Se lançarmos nosso olhar para o texto, ou melhor, a um gênero, como o relatório de
estágio, enquanto objeto de estudo, compreendemos de igual forma que a natureza da escrita, a
61
vida do texto, segundo Bakhtin (2016b, p. 76): “[...] sempre se desenvolve na fronteira de duas
consciências, de dois sujeitos”. Revelando, assim, a potência que o interlocutor possui ao
influenciar nas escolhas linguísticas, composicionais e estilísticas do sujeito, na construção do
projeto de dizer (BESSA, 2018).
Bezerra (2016, p. 165) nos lembra que essas proposições em torno do texto, segundo os
pilares Bakhtinianos, “[...] ao considerar o texto um enunciado voltado para o tripé pergunta-
resposta-pergunta do outro, ele criou de fato uma textologia na qual o texto é enfocado como
um organismo vivo e um diálogo entre os sujeitos que o articulam. [...]”. Em síntese, o próprio
autor/sujeito do discurso no seu processo de construção, de interação com a linguagem, tem a
relação com o texto/produto (objeto de reflexão), inicialmente idealizado, bem como com o
autor que direciona questionamentos pensando no seu interlocutor presumido/receptor e que
afeta diretamente naquele texto/produto em sua real confecção. Assim, “[...] É um encontro de
dois textos – do texto pronto e do texto a ser criado, que reage; consequentemente, é o encontro
de dois sujeitos, de dois autores.” (BAKHTIN, 2016b, p. 76), cujo olhar direciona a um terceiro,
ao interlocutor, ao outro.
Seguindo esta linha de pensamento, as formas do discurso tomadas como palavras
minhas, as formas como manejo a palavra outra em meu discurso também ganham vulto em
nossa tese. Como debatemos, o enunciado como um projeto discursivo sempre objetiva uma
reação-resposta ativa (responsividade) por parte do interlocutor, quer seja por meio de uma
reação instantânea ou não, quer seja por meio de uma resposta verbal ou não, exteriorizando ou
internalizando esse efeito; quiçá ainda tendo um efeito mais tardio.
Segundo Volóchinov (2019), o ouvinte ou o interlocutor nunca pode ser reduzido ao
próprio autor nesse processo, mas demarca um lugar insubstituível no acabamento do todo
enunciativo, uma vez que sua posição orienta o próprio estilo do enunciado. Por isso, Bakhtin
destaca que os interlocutores são considerados os parceiros do diálogo (2016a, p. 29), pois se
refletirmos “Há influência do ouvinte-interlocutor no discurso. No diálogo atua um ouvinte real,
cujas réplicas são dadas e determinam as réplicas-respostas.” (BAKHTIN, 2016d, p. 133). O
filósofo ainda destaca que:
[...] Todo enunciado tem sempre um destinatário (de índole variada, graus variados de
proximidade, de concretude, de compreensibilidade etc.), cuja compreensão
responsiva o autor da obra discursiva procura e antecipa. Ele é o segundo (mais uma
vez não em sentido aritmético). Contudo, além desse destinatário (segundo), o autor
do enunciado propõe, com maior ou menor consciência, um supradestinatário superior
(o terceiro), cuja compreensão responsiva, absolutamente justa ele pressupõe que na
distância metafísica, quer no distante tempo histórico. ‘Um destinatário como
escapatória’. Em diferentes épocas e sob diferentes concepções de mundo, esse
62
supradestinatário e sua compreensão responsiva idealmente verdadeira ganha
diferente expressões ideológicas concretas (Deus, a verdade absoluta, o julgamento
da consciência humana imparcial, o povo, o julgamento da história etc.) [...]
(BAKHTIN, 2016b, p. 104).
Nesta relação do endereçamento do dizer implicado, direcionado a um interlocutor, o
papel do outro na materialidade discursiva demarca o enunciado do sujeito locutor de tal forma
que aquele se reflete de forma obrigatória no próprio enunciado deste. Logo, o campo
aperceptivo considera sempre o papel do outro no discurso: Bakhtin evidencia que a pessoa
com quem o sujeito do discurso responde e antecipa a resposta pode ser considerado o
“interlocutor-ouvinte-leitor” real, do momento da enunciação; pode ser a pessoa de quem se
menciona, cita, polemiza, concorda, e, mesmo sendo terceira pessoa, essa se torna uma segunda
pois o sujeito/locutor entra em RD com ela; ademais, este outro no fio dialógico pode ser um
grupo, uma entidade, uma coletividade, por exemplo.
Nestes dois últimos casos, estamos diante do auditório social que é socialmente
determinado pelo contexto, por uma atmosfera, onde se interligam julgamentos, críticas,
apreços, considerações no projeto de dizer para um dado interlocutor presumido. Ao passo que
o conceito de supradestinatário traz o outro como um conjunto de valores impregnados
socialmente, demarcando “expressões ideológicas concretas”. Frisamos que, segundo Bakhtin,
todo diálogo parte de uma compreensão responsiva do outro presente ou ausente, mas como
parte integrante e constitutiva do enunciado, a palavra precisa ser escutada.
Em nosso caso, temos a hipótese de que o sujeito discente de EMI orienta seu discurso,
sua produção escrita, exposta por meio do gênero relatório de estágio, tendo como prováveis
interlocutores: o supervisor, o orientador de estágio, o avaliador do relatório, os colegas de
turma, por exemplo. Pontuamos que este outro sujeito presente no fio discursivo, no projeto
enunciativo pode ser a própria instituição, visto que a mesma se faz presente também diante
daqueles interlocutores por intermédio de seus documentos norteadores, atravessando, por meio
de suas forças centrípetas o dizer ou a estrutura da forma composicional desse dizer, refletindo
assim em outras questões, tais como o próprio estilo, por exemplo.
Conforme defendemos, os enunciados são tomados como dialógicos em nosso ponto de
partida, sendo possível vislumbrar essa alteridade constitutiva (BRAIT, 2012c), de acordo com
a evocação de Bakhtin (2018, p. 225): “[...] A maneira individual pela qual o homem constrói
seu discurso é determinada consideravelmente pela sua capacidade inata de sentir a palavra do
outro e os meios de reagir diante dela.”. Na próxima subseção, buscamos compreender estas
63
RD ao criarmos pontes com outras abordagens, de modo a aprofundarmos o olhar teórico sobre
as dimensões interdiscursivas relacionadas ao já-dito.
2.2.1 A diversidade da composição: Relações dialógicas e as dimensões
interdiscursivas
Em nossa reflexão respaldada pelas proposições do Círculo de Bakhtin, intentamos
costurar as linhas que demostram a complexidade dos conceitos, enfatizando que é no conjunto
destes que, como pesquisadores, entendemos a própria linguagem. Observamos, desta maneira,
a maestria posta por tais pensadores na busca pela compreensão dos fenômenos da linguagem
segundo um viés essencialmente dialógico, cujas RD revelam “o outro discursivo, ideológico e
interacional” presentes nos enunciados (BRAIT, 2012c, 2014b). Assim, destacamos que nas
RD, a perspectiva que se ampara é uma teoria da enunciação, nos quais pontos como sentido,
sua construção e as possibilidades de efeitos desse sentido são vislumbrados por meio das
formas de presença do interlocutor por meio do fio discursivo (BRAIT, 2014b, p. 23).
Mas como recuperar essas relações dialógicas existentes por meio da materialidade
discursiva? Como resgatar a voz do outro no fio discursivo? Como retomar a dimensão com o
já-dito presente no enunciado? Defendemos ser necessário para nossa tese compreendermos as
formas de inserção da palavra do outro ou do discurso “alheio” como discurso próprio, como
palavra minha25, pois, em algum momento essas palavras se libertam e passam ter “minha voz”
(BAKHTIN, 2015). Além disso, precisamos examinar como esse elemento do contexto
extralinguístico, do horizonte social e ideológico partilhado, entre os interlocutores demarca o
seu lugar no discurso.
Sob esta ótica, Volóchinov (2018, p. 246) entende a necessidade de estudarmos e
ampliarmos as investigações sobre a inserção da palavra do outro na palavra minha/palavra
própria, visto que a “excepcional importância” dada ao viés metodológico foi pouco trabalhada
com relação a esses fenômenos. A questão seria entendê-los segundo uma abordagem
sociológica ou metalinguística, conforme expusemos anteriormente.
Diante disto, somos impelidos a construir um diálogo, uma reflexão, um debate mais
aprofundado sobre essas marcas de presença, sobre as formas de transmissão do discurso alheio.
Para tal, recorremos, além das proposições fornecidas pelo próprio Círculo ao investigar o
fenômeno do discurso citado/discurso reportado/discurso alheio/da palavra outra como palavra
25 Enfatizamos, assim como Bessa (2016, p. 192) ao falarmos de palavra “própria”, “minha”, estamos nos
centrando na perspectiva da experiência discursiva do falante/do locutor/do sujeito.
64
minha em abordagens enunciativo-discursivas26, o elo capaz de reforçar nosso propósito de
tese, no intuito de construirmos pontes que possam acrescentar nas reflexões sobre as formas
de descrição da presença do outro no fio discursivo e compreender as RD existentes (BRAIT,
2014b; BESSA, 2016).
Brait (2012c, p. 88) exalta que [...] o objetivo é sugerir que um dos eixos do pensamento
bakhtiniano está na busca das formas e dos graus de representação da heterogeneidade
constitutiva do sujeito e da linguagem [...]”. Estamos, portanto, diante de uma perspectiva da
alteridade constitutiva presente no enunciado, no qual o sujeito sempre endereça o seu dizer ao
outro, recuperando os dizeres desse interlocutor, partindo do pressuposto que não há discurso
essencialmente novo. Rodrigues nos lembra que:
Os enunciados já-ditos e os enunciados pré-figurados (reação-resposta antecipada do
outro) ‘determinam’ a construção do enunciado, tornando-o como já-dito, uma
unidade multiplanar, sulcado por esses enunciados. Assim, se os enunciados, pelo seu
papel e lugar, representam unidades concretas e únicas da comunicação discursiva,
por outro, pela sua natureza dialógica (o dialogismo é constitutivo), não podem deixar
de se tocar nessa cadeia, estando vinculado uns aos outros por relações dialógicas, que
são relações de sentido. (RODRIGUES, 2005, p. 160).
Seguindo esta linha de pensamento, reforçamos a necessidade de aprofundarmos os
conceitos em torno dessa alteridade constitutiva e/ou heterogeneidade enunciativa que, por um
lado, parte da noção que o discurso é constituído sempre pelo discurso do outro, do discurso
“alheio”, e que, por outro, sempre recupera o meio do já-dito como produto da língua
(AUTHIER-REVUZ, 2011). Conforme pontua Bessa (2018), a definição destes diálogos e a
construção destas pontes se justificam porque certas dimensões presentes nas RD, tal como as
dimensões interlocutiva e interdiscursiva, são pouco exploradas em estudos que se ancoram em
perspectivas bakhtinianas, especialmente, em contextos específicos, tais como os estudos dos
gêneros que circulam no discurso da esfera científica. Em nosso caso, acrescentaríamos ainda
essa lacuna em estudos que investigam as esferas escolares, acadêmicas e profissionais, por
exemplo.
Em relação às obras do Círculo, observamos que o debate sobre as marcas enunciativas
da presença do outro no discurso se dão especialmente por meio do discurso direto ou indireto,
sendo o discurso indireto livre o mais instigante, visto que “[...] neste caso, há um contexto
26 Para esse estudo utilizaremos como sinônimos os termos discurso reportado, palavra alheia, discurso alheio,
discurso do outro, discurso citado, por exemplo. Sabemos que cada perspectiva teórica ancora seu projeto de dizer
sob a escolha de um desses termos, não temos pretensão de explorar ou remontar qual termos é utilizado por cada
corrente para este projeto de tese, quiçá faremos em estudos posteriores.
65
verbal, uma inter-relação entre palavras imediatamente intencionais e entre suas unidades de
base de sentido, as enunciações [...]” (PONZIO, 2019, p. 12). Segundo, Ponzio (2019), não que
nas outras formas de discurso não exista a tonalidade valorativa presente, mas esta tonalidade
se apresenta de forma mais acentuada e nítida sob o aspecto do discurso indireto livre. Por isso
devemos ampliar os estudos, as investigações, as pesquisas sobre esse fenômeno, tomando
como ponto de partida alguns questionamentos, tais como:
[...] Como é percebido o discurso alheio? Como vive o enunciado alheio na
consciência concreta intradiscursiva daquele que percebe? Como o enunciado alheio
é transformado ativamente na consciência do ouvinte? E como o discurso posterior do
próprio ouvinte é orientado em relação ao discurso alheio? (VOLÓCHINOV, 2018,
p. 252).
E ainda, cabe-nos refletir que:
- Podemos encontrar um documento objetivo dessa percepção nas formas de
transmissão do discurso alheio. Esse documento, se soubermos lê-lo, nos fala não
sobre o caráter ocasional e instável dos processos subjetivo-psicológicos que ocorrem
na ‘alma’ daquele que percebe, mas sobre as tendências sociais estáveis da percepção
ativa do discurso alheio que se estratificam nas formas da língua. O mecanismo desse
processo não está na alma individual, mas na sociedade que seleciona e gramaticaliza
(ou seja, insere na estrutura gramatical da língua) apenas os aspectos da percepção
ativa e avaliativa do enunciado alheio que são socialmente pertinentes e constantes e,
por conseguinte, baseiam-se na própria existência econômica de uma sociedade
falante. (VOLÓCHINOV, 2018, p. 52).
Diante destes apontamentos, ao tentarmos provocar os questionamentos apresentados e
as prováveis reflexões posteriores, tomamos o entendimento de Volóchinov (2018) que abre
caminhos para compreendermos que o discurso alheio, discurso reportado ou ainda os discursos
dos outros que tomamos como nossos enunciados, na realidade, tratam do discurso sobre o
discurso, a enunciação sobre outra enunciação. Assim, o discurso reportado que recupera o
dizer do outro de algum modo, também o faz de modo a valorar a palavra do interlocutor
(FARACO, 2009), resgatando, no caso, a estratificação socioaxiológica ou a percepção ativa
intradiscursiva no próprio enunciado, como evidencia Volóchinov (2018).
Mais especificamente, no contexto dos escritos do Círculo, ao buscarmos um aparato
teórico-metodológico para nossas análises sobre a inserção da palavra alheia e suas formas,
encontramos indícios na parte III de MFL, na qual aborda a “Exposição do problema do
‘discurso alheio’”, as formas direta, indireta e indiretamente livre presentes no fio dialógico,
sob um viés de análise da língua russa. Em PPD, também encontramos elos das RD em um
olhar mais detalhado do “discurso do ponto de vista de suas relações com o discurso do outro”
66
(BRAIT, 2012c, p. 90), especialmente sobre a orientação de um discurso bivocal (estilização,
narração, paródia, polêmica interna velada, confissão, réplica, diálogo velado, entre outros –
BAKHTIN, 2018). Por sua vez, a obra Teoria do Romance I27, traz no capítulo intitulado
“Heterodiscurso no romance” a inserção e a organização das formas composicionais de
múltiplas vozes sociais no romance (discurso do outro em forma dissimulada, discurso difuso
do outro, construção híbrida, construção pseudo-objetiva, discurso bivocal, por exemplo –
BAKHTIN, 2015).
Dentre tais divisões, a proposta presente em MFL é a que apresenta maior reflexão nos
estudos de partida bakhtinianos. Neste caso, Volóchinov e Bakhtin ressaltam que os discursos
direto, indireto e indireto livre são apenas formas/padrões de transmissão do discurso
reportado/alheio presentes na língua, na materialidade do sistema, mas não a percepção, o tom
valorativo, que só é possível recuperar por elementos extralinguísticos. Em outras palavras, as
formas sofrem influência direta desses elementos: “A língua não reflete oscilações subjetivo-
psicológicas, mas inter-relações sociais estáveis dos falantes. [...]” (VOLÓCHINOV, 2018, p.
253).
Logo, a inter-relação entre os dois discursos deveria ser o objeto de estudo, pois estão
imbricadas a relação das formas de transmissão do discurso como uma tendência sempre uma
resposta ao outro, demarcando por meio da língua os limites precisos de inserção da palavra
outra e ainda preservando o que o círculo ressalta: as questões de alteridade e autoria. Isto posto,
segundo o Círculo, temos que considerar duas formas de transmissão em especial: a do discurso
transmitido (discurso alheio) por um lado, e por outro, a forma do discurso transmissor (discurso
autoral). Neste último, os contornos são mais imprecisos de recuperar a palavra alheia, uma vez
que se incorpora no discurso do sujeito e se impregna de suas intencionalidades e seu
posicionamento verboideológico.
Nestas condições, Volóchinov nos convida ainda à reflexão de que, mesmo diante de
um discurso alheio, é possível ocorrer o que o autor denomina de “grau de percepção autoritária
da palavra”, acoplada a questões de ideologia e dogmatismo. Assim, ao ser proferida como
dogma, a percepção valorativa do campo social passa a aceitar certos matizes entre dicotomias
existentes, tais como: o bem e o mal, o certo e o errado, a verdade e a mentira,
27 O título original do material é conhecido como Questões de Literatura e de Estética – a teoria do Romance.
Contudo, a editora 34, em publicações mais atualizadas e com traduções diretas dos originais russos, recompilou
muitas das obras do Círculo e as fez fragmentando, unificando escritos, textos, artigos, entre outros, sob uma nova
titulação em alguns casos.
67
descaracterizando, despersonificando o viés da palavra alheia e tornando mais difícil a
recuperação no fio discursivo essas marcas da palavra outra.
Destacamos que para o Círculo, de igual modo, entende-se que dentro da modalidade
do discurso transmitido se encontra o “estilo linear” e o “estilo pictórico” que colaboram nessas
formas de transmissão. No primeiro deles, é preciso delimitar bem os contornos da palavra outra
no processo autoral. Ao passo que a relação mútua de orientação de um discurso autoral em
confluência com o discurso alheio/reportado pode no estilo pictórico levar “[...] à decomposição
da integridade e do fechamento do discurso alheio, à sua dissolução e ao apagamento das suas
fronteiras. [...]” (VOLÓCHINOV, 2018, p. 258) ao incorporar o discurso do outro.
Neste último caso, a recuperação destas marcas no fio discursivo representa tarefa
complexa. Volóchinov destaca, justamente, que no estilo pictórico podemos encontrar tipos
variados dessa encarnação do dizer do outro sobre a palavra própria, tais como: por meio das
entonações, da ironia, do destaque dado ou ao relativo desdém/desprezo sobre o discurso alheio,
destacando a perda da força entre as fronteiras discursivas; ou ainda, por meio da “dominante
discursiva” que é repassada ao discurso alheio (contextos narrativos, no qual o narrador
substitui o autor em dados momentos, transformando a produção autoral e sua consciência como
um processo subjetivo de uma tomada de consciência de si, de autoconhecimento).
Em síntese, no discurso transmissor (discurso autoral) temos modelos mistos de
transmissão do discurso do outro: o discurso quase indireto, discurso indireto livre, discurso
direto e indireto (discurso direto difuso; formas analítico-verbais do discurso indireto, ...); e
ainda, dentro do discurso direto é possível encontrarmos: discurso direto preparado, discurso
direto reificado, discurso direto retórico (associado ao tipo linear), discurso direto substituído,
por exemplo.
Destacamos o discurso direto retórico, uma vez que, segundo Volóchinov (2018), as
fronteiras do discurso alheio são nítidas devido à sua própria episteme, ao não explorar as
liberdades autorais sob o discurso relatado. No que tange a reflexão sobre o discurso indireto,
em especial, em MFL é debatido como essa interferência discursiva é capaz de escutar
diferentemente o enunciado reportado, percebendo-o de forma ativa, e, por fim, atualizando-o
em sua forma de enunciação ao incorporar sua própria tonalidade se comparado aos demais
modelos (VOLÓCHINOV, 2018, p. 270).
Enfatizamos, portanto, que o escopo de tais divisões chamava atenção para a palavra
literária, sobretudo, nas relações presentes entre autor e herói; autor-criador, autor-pessoa e seus
personagens. Porém, isto não minimiza ou inviabiliza o tratamento do discurso em torno da
palavra alheia para outros contextos. Como diria Bessa (2016, p. 188), o primado bakhtiniano:
68
“[...] sobre discurso citado ilumina a compreensão de todo e qualquer tipo de enunciado, da
prosa artística à prosa extra-artística, posto que, em qualquer que seja a situação, este sempre
está orientado para as palavras do outro, reage a essas palavras, [...]” em uma relação dialogal
viva e tensa.
Desta forma, esboçamos as principais categorias das formas de transmissão da palavra
alheia segundo o Círculo de Bakhtin. Ressaltamos que não tivemos o objetivo de revisitar tais
categorias de forma extenuante, por meio de exemplos, uma vez que as próprias obras
encarregam-se desta tarefa, mas queremos trazer luz e pontes para as principais formas, visando
nosso objeto de estudo em um gênero específico, como o relatório de estágio.
Quanto à criação de pontes com outros estudos, pautamos esta entrecostura em
perspectivas que bebessem do Círculo nas suas proposições, mesmo que tal atividade não fosse
o núcleo de sua episteme, mas que fosse possível estabelecer esses elos. Diante disto,
entendemos ser salutar trazermos outra proposta para olharmos o mesmo fenômeno em
específico. No caso, defendemos que a proposta teórico-metodológica de Authier-Revuz
demonstra como a alteridade cruza a própria constituição discursiva do enunciado, por meio
dos índices da presença do outro no dizer – heterogeneidade interlocutiva (AUTHIER-REVUZ,
1998, 2008, 2011; BARBOSA, 2008; BRAIT, 2012c; BESSA, 2016), bem como a existência
da “anterioridade em todo dizer” – heterogeneidade interdiscursiva.
Nosso objetivo se ancora em abordamos um olhar sobre a alteridade discursiva no fio
dialógico, enaltecendo tal ponto e costurando as propostas, mas de forma que se compreenda o
nascituro de cada eixo. Deste modo, informamos que não temos pretensão de correlacionar o
aparato teórico de Authier-Revuz em sua totalidade, segundo fizemos com os pilares
bakhtinianos, e, de igual modo, não temos a pretensão de segui-la como norte e fundamento
teórico para o projeto que construímos com a presente tese. Nosso diálogo visa primordialmente
o estabelecimento de contatos com seu quadro analítico sobre as formas de trazer o outro no
discurso, ou seja, as possibilidades de vislumbrarmos o discurso sob o prisma do já-dito.
Na realidade, destacamos que a autora desenvolveu seus estudos em distintas
materialidades textuais nas mais diversas esferas, diferentemente do proposto inicialmente por
Bakhtin e o Círculo (cujos exemplos se situaram sobretudo em trechos de obras literárias),
buscando no fio discursivo as formas além do discurso citado das formas direta, indireta ou
indireta-livre. Neste sentido, Authier-Revuz apresenta um quadro com maior amplitude das
formas do discurso reportado ou ainda das variadas formas da presença do dizer do outro neste
fio discursivo que, constantemente, não se apresentam claramente nítidas ou demarcadas como
nas três divisões iniciais propostas pelo Círculo (BESSA, 2016; ORLANDI, 1998).
69
Assim, Authier-Revuz lança os desdobramentos de seus estudos segundo uma
linguística da enunciação, abordando as formas de heterogeneidade enunciativa. A
pesquisadora articula outras áreas do saber para a compreensão destas formas, além de amparar-
se, ademais dos postulados bakhtinianos, na psicanálise, em seu viés lacaniano de Freud e na
própria linguística, nos constructos da análise do discurso de linha francesa (BRAIT, 2012c;
ORLANDI, 1998). De acordo com Orlandi (1998), Authier-Revuz esmiúça em seu labor o
tratamento do funcionamento do simbólico, da representação, pressupondo o discurso na
construção dos sentidos presentes em dados contextos/cenários.
É sob esse viés que, segundo Authier-Revuz, o duplo dialogismo (o já-dito presente nos
discursos e o endereçamento a um interlocutor) existente no enunciado comprova o que
denomina de heterogeneidade constitutiva de todo discurso, posto que este: “[...] escapa larga
e inevitavelmente ao enunciador e não se manifesta no fio discursivo por marcas linguísticas.
[...]” (AUTHIER-REVUZ, 1999, p. 10), restando somente a uma abordagem discursiva e
enunciativa do contexto imbricado para aclarar ou recuperar o discurso alheio no discurso
próprio.
Logo, Authier-Revuz entende que a heterogeneidade pode ser constitutiva ou mostrada.
Na heterogeneidade constitutiva se entrelaça a inevitável condição da presença do outro no ato
discursivo, trata-se de uma exterioridade relacionada ao interno, ao sujeito, onde há o embate
do interdiscurso com o inconsciente, sendo mais difícil recuperar tais elementos nas camadas
linguísticas do enunciado. Já a heterogeneidade mostrada/revelada, o processo alteritário, o
encontro com as vozes do outro no processo discursivo, apresenta-se de forma mais visível por
meio da inscrição do outro como fala minha (AUTHIER-REVUZ, 1999, 2008, 2011;
BARBOSA, 2008). Em sua proposta, a relação com o discurso alheio é também apresentada
nos termos do dialogismo, conforme o primado bakhtiniano. Por este motivo, a pesquisadora
apresenta dois heterogêneos enunciativos: o interdiscursivo e o interlocutivo, os quais não
devem se dissociar na análise.
Deste modo, no dialogismo interdiscursivo “constitutivo”, para Authier-Revuz, não
devemos reduzi-lo ao plano do representado, ou ainda, de um discurso monológico, uma vez
que o dialogismo ali observado pressupõe as outras vozes presentes no fio discursivo algo
inerente ao próprio discurso. Da mesma maneira, o dialogismo interlocutivo sempre direciona
o seu projeto enunciativo endereçado a alguém, a um terceiro. Conforme expõe a pesquisadora:
Reconheceu-se, pois, para o dizer, uma dupla heterogeneidade enunciativa, produzida
pela alteridade discursiva: colocada como condição de existência do dizer no plano
constitutivo – não há dizer que não seja atravessado, e constituído, pelo discurso outro
70
do já-dito, de um lado, daquele a quem nos dirigimos, por outro lado – e, no plano
representado, como objeto possível de uma representação reflexiva em pontos do
dizer – os dizeres podem (se) dar a reconhecer os encontros que eles fazem com os
dizeres outros, no caminho, próprio deles, de sua progressão. (AUTHIER-REVUZ,
2011, p. 10).
Isto posto, encontramos em Authier-Revuz a questão da alteridade se estabelecendo em
dois planos distintos, mas que se complementam: por um lado a alteridade representada e, por
outro, a alteridade constitutiva. Nos heterogêneos representados, há uma forte relação com a
observação linguística, ao passo que, nos heterogêneos constitutivos, o apoio vem do sentido,
do sujeito, de elementos outros, muito além da materialidade linguística. Em outras palavras,
na alteridade representada, há a possibilidade pelas formas observáveis da língua recuperar as
emergências do discurso vislumbrado especialmente pelo interdiscurso e a interlocução
(AUTHIER-REVUZ, 2011).
Por sua vez, na alteridade constitutiva, a relação da construção dos sentidos se
constituem por intermédio dos fatos compartilhados pelo e com o interlocutor em uma dada
situação. A pesquisadora esclarece que o fato discursivo é especialmente perpassado por essas
heterogeneidades, a “questão da articulação no coração do dizer do um, do outro-a-quem-ele-
se-dirige com outro do já-dito” (AUTHIER-REVUZ, 2011, p. 7), em um processo de
complementação das dimensões: por um lado, da dimensão interdiscursiva e, por outro, da
dimensão interlocutiva.
Neste ínterim, interessa-nos recuperar aquelas emergências no discurso em relação ao
discurso alheio que carrega em si o outro no já-dito. Authier-Revuz (1998) nos lembra,
inicialmente, que um discurso relatado ou, como na atualidade a autora denomina, uma
Representação do Discurso Outro (RDO) não pode ser sintetizada em apenas uma frase ou
enunciado, mas a compreensão deve ser que esta representa, especialmente, um ato de
enunciação. Assim, um ato de enunciação é abarcado por um par de interlocutores, uma
situação, com tempo e com espaço específicos, além de dados informacionais cujo contexto
passa a fornecer ao ato.
Diante disto, a pesquisadora pontua a limitação dada pela gramática ao associar os
modos de RDO a tão somente os discursos direto (DD), indireto (DI) indireto livre (DIL). Uma
vez que tais modelos não podem ser vistos:
Como se seguissem planos sintáticos e semânticos de forma idênticas ou
padronizadas;
Como se usando determinados recursos morfossintáticos fosse possível ser fiel
ou recuperar o discurso do outro de forma simplista;
71
Ou, ainda, como se houvesse apenas estas únicas formas de RDO.
Sob este viés, Authier-Revuz sinaliza três posições fundamentais e iniciais ao
pensarmos o fenômeno da RDO: discurso relatado versus modalização em discurso segundo;
signo-padrão versus signo autônimo; explícito versus interpretativo.
Na posição discurso relatado versus modalização em discurso segundo, encontramos o
objeto da enunciação nas linhas, em um primeiro momento, nos moldes do DD e DI, pois o
enunciador toma o seu projeto de dizer como um objeto no ato de enunciação. E na modalização
em discurso segundo, o enunciador modaliza o seu próprio dizer direcionado a outro discurso.
Este último fenômeno ainda pode recair sobre a) o conteúdo da afirmação ou b) o emprego de
uma palavra, por exemplo:
a) João fez um longo passeio, de acordo com x28.
b) João espaireceu longamente, como diria x.
Relativamente à distinção entre signo-padrão versus signo autônimo, Authier-Revuz
(1998) distingue que, naquele, sua estrutura semiótica é regular e designa, nomeia, referindo-
se a um elemento do mundo. Já o signo autônimo, trata-se da “[...] possibilidade de usar os
signos para remeter a eles próprios [...]” (AUTHIER-REVUZ, 1998, p. 137), reforçando o seu
caráter metalinguístico. A autora sinaliza ainda que na RDO de viés autonímico, o signo não
possui sinônimos e também ocupa na frase a função de substantivo, pois pode ter o status de
sujeito, objeto direto, sintagma nominal, dentre outros.
No par explícito versus interpretativo, Authier-Revuz empreende nossa atenção a RDO
ao acentuar a oposição de um discurso que deixa marcas de maneira mais visível e outro em
que há a necessidade de um trabalho interpretação, de compreensão, de entendimento da
incorporação do discurso do outro. Para tal, a autora salienta:
Formas marcadas, unívocas
o Discurso Direto
João disse: “Eu estou desesperado!”
Discurso Indireto
o João disse que estava de acordo.
Modalização em discurso segundo, sobre o conteúdo
o João fez, segundo Maria, um longo passeio.
28 Os exemplos foram extraídos dos textos da própria autora: Authier-Revuz (1998).
72
Modalização em discurso segundo, sobre as palavras
o A villa de João, como ele chama seu quartinho, está em mau estado.
Formas marcadas que exigem trabalho interpretativo
o Representada por marcas topográficas (aspas, itálicos, negritos, entonação) que
revelam uma modalização autonímica, mas “[...] que deve ser interpretada como
referência a um outro discurso.” (AUTHIER-REVUZ, 1998, p. 143 – grifos da
autora).
A “villa” de João está em mau estado.
Formas puramente interpretativas
o Discurso direto livre
Eu vi Maria há pouco. Estou farto, vou pedir demissão!29
o Discurso indireto livre
Eu vi Maria há pouco. Ela está farta, vai pedir demissão!
o As citações escondidas, alusões e reminiscências
Neste último caso, das formas puramente interpretativas, Authier-Revuz destaca a
possibilidade de que os elementos não sejam vislumbrados de forma tão transparente na
materialidade discursiva, mas que é possível recuperar “ecos” de um outro dizer, como uma
“[...] presença constitutiva de um outro lugar discursivo no discurso [...]” (AUTHIER-REVUZ,
1998, p. 145), ou seja, o já-dito. Este não se traduz nem como uma alusão em si e nem uma
forma de citação escondida, mas recupera traços, reminiscências do discurso já posto.
Ainda sobre o DD e o DI, Authier-Revuz (1998) demarca a reflexão em torno de uma
dualidade existente como “[...] dois modos radicalmente distintos de representação de um outro
de enunciação [...]” (AUTHIER-REVUZ, 1998, p. 150): de um lado, a heterogeneidade
presente do DD e, do outro, a unidade/homogeneidade do DI. A autora compreende que no DD
há uma estrutura heterogênea de apresentação na língua do discurso do outro, enquanto no DI,
tal estrutura se apresenta como resultado de uma estrutura homogênea que segue uma sintaxe
regular da língua ao trazer o outro para o discurso.
Assim, estes modos podem ser recuperados em diversos planos, tais como: no estatuto
semiótico; na estrutura sintática; na modalidade de enunciação; no quadro de indicações
dêiticas; na designação por descrições definidas; nos elementos expressivos, exclamativos; e
29 Sublinhado nosso, para destacar o trecho onde há a ambiguidade, sendo possível recuperar pelo esforço
interpretativo a marca do dizer do outro no discurso.
73
avaliativos e “modos de dizer”. Nessa infinitude de classificações em torno da RDO, Authier-
Revuz destaca que:
Se foi no plano de seu valor em língua, isto é, da maneira mais abstrata e geral, que
tentei o inventário, sumário, das formas e operações de base que estruturam o domínio
da RDO, não foi por indiferença à riqueza inesgotável dos funcionamentos e dos
efeitos de sentidos tais que se pode, concretamente, reencontrá-los em discurso, mas,
ao contrário, porque penso que é, partindo das formas de língua, em sua rigidez e sua
pobreza abstrata, que se pode tratar disso, pela atualização de trajetos interpretativos.
(AUTHIER-REVUZ, 2008, p. 114).
A produtividade de Authier-Revuz no campo enunciativo a respeito da RDO presente
no fio discursivo representa algo inegável. Conforme pontuamos, não é nosso objetivo
recuperarmos todas as formas de citação ou de incorporação do discurso do outro, do discurso
alheio, como discurso próprio. Na realidade, o objetivo é criarmos essas pontes e
compreendermos a abrangência dos estudos para muito além da simples representação de DD,
DI, e DIL. Para nossos objetivos, avultamos ainda a dimensão interlocutiva em torno de uma
dupla articulação em torno da objetividade da linguagem, que para Authier-Revuz parte do
pressuposto imbricado quer seja do aspecto interlocutivo presente no enunciado, quer seja pela
compreensão do carácter interdiscursivo desse mesmo enunciado.
Assim sendo, no que concerne ao eixo no qual nos propomos uma aproximação por
meio de um diálogo maior, separamos e salientamos as dimensões: interlocutiva e
interdiscursiva, que seguem a perspectiva do já-dito implicado no processo, sempre dando
maior relevo a essa última dimensão (interdiscursiva). Para a pesquisadora devemos analisá-lo
sob a seguinte perspectiva:
Quadro 1 – “Dizer ao outro no já-dito”, segundo Authier-Revuz (2011).
EIXO 1
Por trás da
interlocução,
representada, o
interdiscurso,
conforme se
apresentam
No interior da troca dialogal com teor de temporalidade imediata ou
distante e ainda por meio de uma memória co-construída nessa interação
(intradiscursiva): “como você acaba de dizer”, “como você disse há
pouco”, “como você disse na sua última carta”
No interior da troca dialogal recupera uma memória co-construída de base
interdiscursiva: “como (eu sei) que você diz em outro lugar que não em
nossa troca”
Tomo emprestadas
palavras que eu penso
(sei, creio, presumo,
...) serem as suas
Exemplo: Como você tem o hábito (o costume)
de dizer; como você gosta de dizer; o que você
chamaria; entre outros
Eu digo palavras que
não são as suas
Exemplo: Como (sei que) você não diz; como o
senhor não diria; sei bem que o senhor não usa
essa palavra; entre outros
74
Através de dois
heterogêneos:
o um
representado,
convocando o
outro
Por trás do
interdiscurso
representado, o
endereço
interlocutivo
Como diz Ext (em que
Ext inclui R)30
Exemplo: “[...] ou ela morreu em estado de graça
como vocês dizem [...]” (Trecho de Madame
Bovary sob análise de Authier-Revuz, 2011, p.
13). Recupera assim uma dupla ocorrência:
de um lado a um exterior relacionado a instância
religiosa (igreja, esclesiástica), e por outro lado,
o efeito estilístico da personagem para dizer o
que queria dizer utilizando de uma outra voz,
uma voz de “autoridade
Como diz Ext (em que
Ext exlui R)
Possui o mesmo viés no exemplo anterior, porém
incluindo uma perspectiva de negativa
EIXO 2
Através do
risco
interlocutivo
do
interdiscurso
não marcado
O
interdiscursivo
não marcado:
um risco
interlocutivo
escolhido pelo
locutor
Acidentes
interlocutivos de um
interdiscurso não
compartilhado
A troca interrompida por falta de memória
compartilhada (grifos da autora)
A troca desviada em mal-entendido
Desequilíbrios
interlocutivos de um
interdiscurso não
compartilhado
A troca crispada
por falta de
memória
compartilhada
Presença de marcação
topográfica, tais como:
negrito, itálico, aspas, por
exemplo, mas que causa
um vazio interpretativo
apesar de inserir o dizer do
outro, a compreensão se
torna falha, pela falta de
ancoragem na memória
partilhada entre os sujeitos
discursivos
Embora não traga a
marcação topográfica ou
outra marcação de
presença, causa na
compreensão discursiva
estranheza ao recuperar
certos discursos
A troca truncada
por falta de
memória
compartilhada
Não há a sensação de
estranheza como no item
anterior, o já-dito está
presente, mas passa
desapercebido. É como se
o trio: locutor, interlocutor
e já-dito se transformasse
em um duo, cuja
interpretação não estivesse
tão clara a presença do
interdiscurso
Da alusão intencional à alusividade do dizer
O interdiscurso
não marcado:
um risco
O interlocutor recupera no dizer do locutor um já-dito particular que se
relaciona a um terceiro, a uma outra voz
O interlocutor acolhe o dizer do locutor, mas o deslegitima acusando-o de
plágio ou questionando sua fonte do dizer
30 Na codificação apresentada pela autora, Ext designa a qualquer fonte discursiva, quer seja individual quer seja
coletiva. R seria o interlocutor ou o co-enunciador presente no fio discursivo (AUTHIER-REVUZ, 2011).
75
interlocutivo
sofrido pelo
locutor
A visão de uma “recitação-ensaio” mecânico, forma papagaiesca de
recuperar o dizer do outro
A visão de um conformismo, no qual se absorve o dizer do outro,
minimizando a uma representação e não confrotando os valores ali
presentes
Fonte: Adaptado de Authier-Revuz (2011).
Segundo esta linha de pensamento, o primeiro eixo (Quadro 1) acopla a interlocução
representada no interdiscurso e o interdiscurso representado no qual há a presença do
endereçamento interlocutivo. Neste quadro sintético, encontramos exemplos de uma
interlocução mais imediata, no qual o sujeito enuncia em função daquele a quem se dirige; bem
como, recuperando por meio do já-dito uma função interdiscursiva, no qual se articulam pontos
da memória discursiva dos sujeitos: o “[...] outro do já-dito emprestado hic et nunc ao
interlocutor [...]” (AUTHIER-REVUZ, 2011, p. 10).
Assim, na dimensão interlocutiva que se relaciona com o exterior interdiscursivo é
possível encontrar certas imagens que o locutor/o enunciador faz do outro discursivo, do seu
interlocutor. O sujeito enunciador pode se aproximar do dizer do outro, recuperá-lo de forma
mais polida, mais afetuosa, enaltecendo o outro ao retomar com suas palavras recorrentes ou
modalizar uma introdução polêmica. Este sujeito pode ainda, ao trazer a figura inversa, a
negativa, a produção de um distanciamento do discurso que o outro não evocaria ou jamais
diria. Authier-Revuz ressalta também esta possibilidade com o uso das aspas ao introduzir o
discurso alheio, especialmente, em textos da esfera científica. Outro exemplo desse efeito de
sentido se relaciona quando se utiliza o “nós” sob o olhar exclusivo, por exemplo a expressão:
“como se diz entre nós”.
Diante deste cenário, Authier-Revuz evidencia o caráter mais estreito entre as duas
dimensões de alteridade interdiscursiva e de endereçamento interlocutivo, pois não há discurso
que não seja endereçado, assim como o dizer é, por um viés constitutivo, atravessado e
determinado pelo outro, pelo pensamento do dizer do outro, do destinatário (AUTHIER-
REVUZ, 2011, p. 9).
No segundo eixo (Quadro 1), temos as subdivisões entre o interdiscurso não marcado -
de um lado por um risco interlocutivo escolhido pelo enunciador, e, de outro lado, por um risco
sofrido por esse enunciador:
À falta de representação reflexiva pelo enunciador de um ou de outro dos
heterogêneos, é um espaço de risco que se abre para o dizer em pontos em
que se unem – sem apoio de uma marcação metaenunciativa – os dois
76
heterogêneos nos quais ele se produz: risco que – escolhido pelo enunciador
para seu dizer (1) ou sofrido pelo enunciador no seu dizer (2) – se deve à
conjunção interlocutiva, em um ponto, de duas memórias interdiscursivas distintas.
(AUTHIER-REVUZ, 2011, p. 13).
Portanto, no eixo do risco interlocutivo do interdiscurso não marcado, compreendemos
a importância da memória partilhada no entendimento do fio discursivo da presença do outro
no já-dito. Em resumo, a construção estabelecida entre as memórias interdiscursivas distintas
dos sujeitos discursivos é posta à prova para a criação do sentido, uma vez que é preciso
articular o endereçamento interlocutivo do ato enunciativo com sua exterioridade
interdiscursiva, no qual reside o sentido. Tal sumarização posta por Authier-Revuz nos fornece
caminhos para pensarmos como se constrói o discurso do estudante-estagiário ao recuperar o
outro no já-dito ou os discursos produzidos nesse já-dito, por meio de formas marcadas ou não-
marcadas no fio discursivo. Além de vermos como isso é manejado por intermédio de um
gênero relatório de estágio, no qual o grupo de estagiários deve produzir ao final de sua etapa
formativa.
Realçamos, assim como a autora sinalizou, mesmo que haja este inventário das
possibilidades, cada experiência de análise da linguagem pode levar a trajetos interpretativos
outros, mas que existem certas nuances que se assemelham por muitas das vezes neste
emaranhado dialógico. Dito isto, as divisões apresentadas por Authier-Revuz não se tratam de
categorias estanques sobre a RDO ou formas do discurso citado/reportado no qual recuperam o
outro e seus discursos no já-dito, mas são caminhos que nos levam a refletir sobre as formas de
presença do outro no fio discursivo. Conforme pontua Brait (2012c, p. 92), a reflexão sobre
esse fenômeno deve ser encarada como “[...] um ato de comunicação que toma por objeto um
outro ato de comunicação entre interlocutores, fazendo aparecer fenômenos enunciativos-
discursivos que permitem estudá-lo sob uma nova perspectiva e, ainda, estender essa
perspectiva a outros fenômenos semelhantes. [...]”.
Nesta correlação e reflexão sobre o enunciado como essência dialógica, reforçamos que
a língua só realiza por meio dos enunciados: quando é analisada ou estudada como tendência
de normatização ou prescrição da língua, tomando como pontos somente extratos linguísticos,
é que se adquire assim um viés monológico. Mas a língua é viva! (BAKHTIN, 2016a, 2016b,
2016d). Assim, seus enunciados se realizam na língua, quer seja por meios orais e/ou escritos,
e “refletem as condições específicas e as finalidades de cada referido campo não só por seu
conteúdo (temático) e pelo estilo da linguagem [...], mas, acima de tudo, por sua construção
77
composicional” (BAKHTIN, 2016a, p. 11 – 12). Ou seja, se realizam por meio dos gêneros dos
discursos.
Na próxima seção, refletimos sobre o constructo em torno da definição de gêneros,
seguindo as concepções do Círculo de Bakhtin, além de aproximarmos a reflexão sobre o
contexto específico de circulação do gênero relatório de estágio.
2.3 AERANDO A TERRA: GÊNEROS DO DISCURSO
Evidenciamos que, para nossa filiação segundo a ADD, em uma compreensão dita
bakhtiniana, é inevitável o entendimento da implicação do uso da linguagem em determinadas
esferas da atividade humana, pois a língua se materializa por meio de gêneros discursivos nas
formas de enunciados concretos e únicos em dados contextos e situações, considerando
aspectos de estabilidade e mudança dos enunciados relacionados ao tempo e ao espaço
discursivo (cronotopo).
Neste caso, nossa percepção se ampara no dialogismo presente na ação comunicativa,
assim as relações postas entre os mais diversos grupos sociais organizados deixam ressoar suas
inúmeras vozes por intermédio dos enunciados, impregnados de valores e posicionamentos
axiológicos em uma cultura responsiva por parte dos sujeitos (PAJEÚ, 2014). Logo, os gêneros
como “formas relativamente estáveis do enunciado” recuperam em sua materialidade as RD,
inscrevendo-se em contextos históricos e sociais específicos que demarcam as ideologias
existentes. Diante deste cenário, os gêneros do discurso:
[...] refletem as condições específicas e as finalidades de cada referido campo não só
por seu conteúdo (temático) e pelo estilo da linguagem, ou seja, pela seleção dos
recursos lexicais, fraseológicos e gramaticais da língua, mas, acima de tudo, por sua
construção composicional. (BAKHTIN, 2016a, p. 11 – 12).
Em outras palavras, os enunciados se realizam nos gêneros do discurso ou nos inúmeros
gêneros discursivos que cada campo da atividade humana é capaz de desenvolver e vivenciar.
Por sua vez, enunciados concretos se relacionam a culturas particulares que um dado grupo
chega a conhecer, legitimar e as põem em uso nas suas práticas cotidianas por intermédio desses
mesmos gêneros. Comprovando, assim, que os gêneros discursivos como possibilidade de
transparecer as visões de mundo – como artefatos culturais, como produtos históricos e sociais
– são extremamente complexos, dinâmicos e multifacetados, justamente pelos projetos
discursivos que os entrecortam.
78
Na obra: Os gêneros do discurso, Bakhtin (2016a) apresenta, em duas seções definidas
por “1. O problema e sua definição” e “2. O enunciado como unidade da comunicação
discursiva. Diferença entre essa unidade e as unidades da língua (palavras e orações)”, uma
abordagem sócio-discursiva na compreensão do gênero, essencialmente, discursivo. O autor
propõe e enfatiza concebermos os discursos como materialidades que não são neutras, nos quais
os sujeitos estão postos sempre em relações dialógicas para com o outro (interlocutor), por meio
de uma atitude responsiva e de alteridade: do outro constitutivo do discurso próprio, conforme
expusemos ao longo destas últimas seções.
Outro ponto chave sobre o conceito de gênero que Bakhtin (2019b) destaca diz respeito
à relativa estabilidade dos enunciados. Neste quesito, reforçamos que não estamos diante de
marcas estritamente linguísticas ou composicionais do gênero que não sofrem mudanças da
linguagem e da exterioridade. Pelo contrário: por se relacionar justamente com a vida, o gênero
possui dimensões constituintes onde o movimento dialógico se implica nos enunciados,
fornecendo elementos que demonstram o vínculo com o interno e o externo (materialidade
linguística versus elementos sociais e culturais do entorno). Desta forma, as particularidades de
tais elementos remontam a uma dada tradição na qual o gênero está inserido, pois:
Percebe-se que, no percurso que vai do dialogismo ao gênero, há uma mesma
concepção: a diferença e a semelhança, a mudança e a estabilidade, se acham em
tensão permanente, no aqui e agora e ao longo do tempo, já que, para o Círculo no
mundo humano o ‘absolutamente novo’ é tão inconcebível quanto o ‘absolutamente
mesmo’. O ‘absolutamente novo’ pressuporia sujeitos que conhecessem tudo o que
existe para então criá-lo ou identificá-lo; o ‘absolutamente mesmo’ pressuporia a total
imutabilidade do mundo humano, a própria indistinção. Logo, a articulação entre o
repetível e o irrepetível, a atividade em geral e os atos específicos dessa atividade,
presentes na concepção do ato, percorrem toda a obra do Círculo – do dialogismo ao
gênero (SOBRAL, 2009, p. 118).
Se associarmos à dinâmica atual das novas formas de comunicação, percebemos que o
gênero possui elementos de manutenção, de conservação, além de se abrir para o novo, em uma
espécie de círculo contínuo de retroalimentação. Podemos exemplificar o que ocorre com o
gênero carta, que, a princípio, fornece-nos indícios de ser o gênero no qual o correio eletrônico
se ancora ou que possui certas similaridades, quer seja em sua forma composicional, quer seja
em seu estilo ou mesmo por seu conteúdo temático. Porém se trata de um novo contexto, um
novo suporte, um novo espaço de interação e correlação discursiva, sendo, portanto, carta e e-
mail, gêneros distintos na sua finalidade e endereçamento.
Neste sentido, Bakhtin nos lembra que o gênero é sempre e paradoxalmente novo e
velho ao mesmo tempo, uma vez que este “renasce” e se “renova” a cada movimento dialógico
79
com a vida. Por isso, “[...] O gênero vive do presente, mas sempre recorda o seu passado, o seu
começo. É o representante da memória criativa no processo de desenvolvimento [...]. É
precisamente por isso que tem a capacidade de assegurar a unidade e a continuidade desse
desenvolvimento.” (BAKHTIN, 2018, p. 121 – grifos do autor).
Conforme Bakhtin (2016a), a atividade humana, tão complexa e multifacetada, nos leva
a criar determinados repertórios de gêneros do discurso em cada campo, demonstrando uma
heterogeneidade nas inúmeras possibilidades de realizações desses gêneros, orais ou escritos.
Deste modo, salientamos que não se trata de compreendermos os gêneros tão somente como na
“Antiguidade” sob um viés artístico-literário ou retórico ou até mesmo sob o ponto de vista de
uma linguística geral por meio de um objetivismo abstrato ao fragmentar o gênero em unidades
linguísticas de significação. Entretanto, devemos captar a diferença e a essência observadas
entre gêneros primários e secundários em sua forma/em seu contexto de realização (produção
e recepção), estrutura composicional e tema, pois:
A diferença entre os gêneros (ideológicos) primário e secundário é imensa e essencial,
e é por isso mesmo que a natureza do enunciado deve ser descoberta e definida por
meio da análise de ambas as modalidades; apenas sob essa condição a definição pode
vir a ser adequada à natureza complexa e profunda do enunciado (e abranger as suas
facetas mais importantes) [...] A própria relação mútua dos gêneros primários e
secundários, bem como o processo de formação histórica dos últimos, lançam luz
sobre a natureza do enunciado (e antes de tudo sobre o complexo problema da relação
de reciprocidade entre linguagem e ideologia, linguagem e visão de mundo)
(BAKHTIN, 2016a, p. 15 – 16).
De acordo com o filósofo, investigar a natureza do enunciado e a diversidade de
realizações de gêneros discursivos nos mais variados campos da atividade humana nos faz
essencial, pois ao tomá-lo como indiferente a suas singularidades, temos o enunciado concreto
em um formalismo a um nível de abstração demasiada, deformando “[...] a historicidade da
investigação [...]”, debilitando “[...] as relações da língua com a vida [...]” (BAKHTIN, 2016a,
p. 16).
Portanto, o enunciado ganha relevo na proposta bakhtiniana, pois a língua é estudada
sob o viés como enunciado vivo, enunciado concreto, que se realiza em diversas e distintas
esferas: desde uma conversa particular/privada no seio do acolhimento familiar (gêneros
primários) até uma defesa no tribunal de justiça no qual existem certos “padrões”, forças
coercitivas de como, do que, para quem falar ou defender (gêneros secundários), por exemplo.
Assim, o gênero não focaliza somente a estrutura: para além de sua composição formal
(apesar de compreendermos que essas particularidades são essenciais), estão envoltas as
relações dos papéis dos sujeitos discursivos no contexto de produção, de circulação e de
80
recepção do gênero. Papéis implicados na compreensão do gênero, do enunciado, como a
referenciabilidade, a expressividade e o endereçamento do próprio enunciado (consoante
expusemos em seções anteriores) são essenciais. Deste modo, na organização textual, a forma
como se estabilizam e caracterizam um dado gênero, encontra indissociável elementos externos,
elevando o micro textual a uma relação com os aspectos macro textuais nos quais se
correlacionam ao discurso (BAWARSHI; JO REIFF, 2013).
Dito isto, o conceito de gênero discursivo, segundo Bakhtin e o Círculo, fazem-nos ter
outro elemento para sustentar nosso olhar sobre como as comunidades – neste caso, os grupos
observados (discentes do curso de Agropecuária e Edificações), desenvolvem um dado gênero
discursivo e revelam o repertório empreendido por meio do relatório de estágio e sua forma
composicional, estilo e conteúdo em uma dada esfera de atuação (pontos que merecem destaque
na compreensão da arquitetônica do gênero).
Neste sentido, convém destacarmos como o Círculo de Bakhtin concebe cada uma das
dimensões que caracterizam o gênero. No que diz respeito à noção de esfera discursiva,
partimos do entendimento de que sua definição compreende um nível particular das coerções
sociais, econômicas, políticas e culturais, de acordo com a lógica particular de cada contexto.
Tal caráter situado da linguagem e de suas práticas reforçam como situações específicas da
comunicação, da interação humana, por meio dos enunciados se definem pela atividade dos
campos de circulação dos discursos, tais como vislumbramos em esferas particulares, a saber:
a religiosa, a literária, a profissional, a acadêmica, a familiar, a escolar, a científica, a artística,
entre outras (VOLÓCHINOV, 2018, 2019; BAKHTIN, 2015; ROJO, 2013). Conforme nos diz
Volóchinov (2018, p. 94 – grifos do autor):
No interior do próprio campo dos signos, isto é, no interior da esfera ideológica, há
profundas diferenças, pois fazem dela a imagem artística, o símbolo religioso, a
fórmula científica, a norma jurídica e assim por diante. Cada campo da criação
ideológica possui seu próprio modo de se orientar na realidade, e a refrata a seu modo.
Cada campo possui sua função específica na unidade da vida social. Entretanto, o
caráter sígnico é um traço comum a todos os fenômenos ideológicos.
Segundo este objetivo de uma abordagem metalinguística das questões da linguagem, a
esfera da comunicação discursiva permeia toda a obra do Círculo, apresentando-se como mais
um aspecto fundamental na definição e constituição dos gêneros. Desta maneira, a noção de
esfera se interliga à comunicação discursiva sendo compreendida também como esfera da
criatividade ideológica, esfera da atividade humana, esfera da comunicação social, esfera da
utilização da língua, ou ainda, esfera ideológica (GRILLO, 2014, p. 133).
81
Neste universo, a esfera remete à construção dos modos de circulação de um gênero
discursivo ou um conjunto destes, correlacionado ao contexto de produção e de recepção. Deste
modo, ao alterarmos a esfera comunicativa, modificamos, alteramos ou subvertemos toda a
relação discursiva ali presente e implicada que fazem constituir o próprio texto, o próprio
gênero (BRAIT, 2009; VOLÓCHINOV, 2018).
Tal reflexão sobre a esfera também é pertinente ao nosso contexto, uma vez que o gênero
relatório de estágio circula em um dado campo de atuação humana, cujo contexto de produção
e de recepção são do mesmo modo específicos. Não se trata de uma simples atividade da esfera
escolar, nem um relatório de uma vivência da esfera profissional/laboral de atuação, muito
menos um gênero que circunda na esfera estritamente acadêmica, pois o cenário posto é do
contexto do EMI, o qual possui certas particularidades (como veremos ao longo desta
investigação). Logo, além da esfera, enfatizamos que outras dimensões são essenciais ao
gênero, tais como: conteúdo temático, forma composicional e estilo.
Em relação ao conteúdo temático, unidade temática ou tema, reconhecemos ser uma das
dimensões que caracterizam o gênero como parte dos elementos semânticos da língua. Assim
como Medviédev (2016) ressalta, nossa compreensão deve tomar como base o entendimento
que tema não pode ser reduzido a sinônimo de assunto. Na realidade, estamos diante da
dimensão do que é comunicável através do próprio gênero, dos enunciados, correlacionado
sobre o que objeto discorre. Ou seja, é na busca pela compreensão dos efeitos de sentidos, da
acentuação valorativa expressa, do local social e histórico do projeto de dizer e do
compartilhamento dos sujeitos discursivos de um horizonte verboideológico nos quais ressoam
as RD, que encontramos, de fato, o conteúdo temático do gênero.
Neste trilhar, sinalizamos o caráter basilar do tema na constituição dos gêneros, pois
interior e exterior presentes são convergentes no enunciado. Trata-se de uma dupla orientação,
na qual a primeira se destina à exterioridade subjacente aos gêneros, aos
receptores/interlocutores e a condições de produção e recepção – ao horizonte verboideológico,
ao enunciado como totalidade para as condições de sua realização; a segunda, destinada à
interioridade, encontra-se tematicamente direcionada à vida e seus acontecimentos
(MEDVIÉDEV, 2016).
Neste sentido, o tema encontra relação com a esfera de circulação do gênero, pois o
conteúdo temático nos indica um caminho para a aderência presente na materialidade linguística
do enunciado. Conforme explicita Medviédev (2016, p. 196), o tema está direcionado para “[...]
o todo do enunciado como apresentação discursiva. O que domina o tema é justamente esse
82
todo e suas formas, irredutíveis a quaisquer formas linguísticas [...]”. Além disso, a unidade
temática é orientada por uma realidade partilhada que circunda os sujeitos do discurso.
Brait e Pistori (2012, p. 384) refletem a respeito desta questão e destacam algumas
características do conteúdo temático como um dos sustentáculos constituintes do gênero
discursivo:
(i) o conjunto dos significados dos elementos verbais da obra é um dos recursos para
dominar o tema, mas não o tema em si mesmo; (ii) constitui-se com a ajuda dos
elementos semânticos da língua; (iii) não é uma palavra isolada que está orientada
para o tema, mas o enunciado inteiro como atuação discursiva; (iv) advém do
enunciado completo/obra completa enquanto ato sócio-histórico determinado, sendo,
portanto, inseparável tanto da situação da enunciação como dos elementos
linguísticos; (v) não pode ser introduzido no enunciado e encerrado.
Nesta linha de percepção, o gênero em seu contexto de uso (produção, circulação e
recepção) não pode se distanciar de seu aspecto temático, no qual elementos como auditório ou
endereçabilidade, posições valorativas, atitudes responsivas estão implicadas no conjunto do
todo e associado a uma dada esfera ideológica. Como observamos, ao buscarmos explicar os
conceitos, estes sempre remontam à interligação com outro constructo proposto pelo Círculo
de Bakhtin, sendo impossível analisá-lo sob um único viés. Assim, nossa “divisão” se torna
meramente de cunho didático, pois os conceitos estão correlacionados em seu âmago e em sua
essência dialógica na compreensão da linguagem.
Por sua vez, a dimensão da forma composicional se vincula à forma arquitetônica e está
intimamente relacionada ao projeto enunciativo do sujeito discursivo, bem como ao conjunto
de certas regularidades enunciativas que um grupo social vivencia. Isto posto, podemos afirmar
que a forma composicional integra a estruturação dos elementos comunicativos e discursivos
associados à dimensão semântica dos enunciados na qual apresenta uma organização
relativamente estável. Inclusive, sinalizamos que não estamos diante de um artefato, no sentido
de sua rigidez, pois os gêneros como “enunciados relativamente estáveis” podem se abrir para
alterações inclusive formais, de acabamentos em sua estrutura, a depender dos projetos
enunciativos e do estilo empreendidos por sujeitos discursivos (BAKHTIN, 2015, 2016a;
SOBRAL, 2009).
Sob este viés, é necessário evidenciarmos e explorarmos as diferenças entre forma
composicional e forma arquitetônica, pois a segunda engloba a primeira, embora representem
apontamentos distintos em sua significação. Neste sentido, o enfrentamento do gênero não deve
se limitar à forma em seus aspectos externos e que transparecem certa autonomia, um padrão,
um modelo no qual sempre funciona o encaixe dos enunciados, mas é essencialmente salutar
83
compreendermos este aspecto segundo seu próprio plano. A questão é partir do entendimento
que o interno e o externo não são planos distintos, mas complementares, e como as demais
dimensões que caracterizam o gênero (as posições valorativas, as condições de uso da
linguagem e as interdependências) devem ser consideradas no processo (BRAIT; PISTORI,
2012).
Assim sendo, a forma composicional se interliga em especial à construção linguística
em sua materialidade, ao passo que a forma arquitetônica, que abarca a forma composicional,
por si, possui imbricada relação existente entre o eu para o outro – o outro para mim: “[...] o
acabamento só pode vir do exterior, através do olhar do outro [...]” (TODOROV, 2011, p. 26).
Ou seja, a forma arquitetônica se relaciona ao processo alteritário de inserção do interlocutor.
Conforme remonta o Círculo de Bakhtin a pluralidade de vozes faz ecoar no projeto
enunciativo do locutor, do sujeito discursivo, a recordação do já-dito ou o que há por vir na
cadeia enunciativa, por meio de entrecruzamentos de valores ideológicos, considerando o todo
arquitetônico do gênero, em uma construção situada da linguagem (BAKHTIN, 2016a, 2015;
FARACO, 2009; SOBRAL, 2009).
Bakhtin (2016a, 2015, 2018) reitera por diversas vezes em suas obras e crítica à
idealização posta sobre a função comunicativa, viés dialógico discursivo da linguagem, ao não
trazê-la para vivência real, considerando por muitas vezes no estudo da língua o lugar do
“outro” como um “[...] papel de ouvinte que apenas compreende passivamente o falante [...]”
(BAKHTIN, 2016a, p. 23). Para Bakhtin (2016a, p. 25):
[...] Toda compreensão da fala viva, do enunciado vivo é de natureza ativamente
responsiva (embora o grau desse ativismo seja bastante diverso); toda compreensão é
prenhe de resposta, e nessa ou naquela forma a gera obrigatoriamente: o ouvinte se
torna falante. A compreensão passiva do significado do discurso ouvido é apenas um
momento abstrato da compreensão ativamente responsiva real e plena, que se atualiza
na subsequente resposta real e em voz alta.
Logo, o filósofo desaprova e condena a visão deturpada de um processo complexo e
ativo do viés dialógico da linguagem, enaltecendo, consequentemente, um dos principais
postulados de sua proposta sócio-discursiva da linguagem, a saber: a atitude responsiva.
Devemos compreender a forma arquitetônica como o todo influenciado pelo olhar do outro,
pelo excedente de visão, pelo outro que constitui o próprio sujeito discursivo, que deixa indícios
inclusive na estrutura composicional do gênero, não sendo somente a força linguística e sua
estrutura, mas, especialmente, o processo alteritário e a atitude responsiva caminhando como
84
um traço essencial para a realização do gênero discursivo, em uma confluência do interno e o
externo da língua.
No tocante à dimensão do estilo, o Círculo de Bakhtin remonta à estilística, neste ponto,
no intuito principalmente de avultar que “[...] todo estilo está indissoluvelmente ligado ao
enunciado e às formas típicas de enunciados, ou seja, aos gêneros do discurso [...]” (BAKHTIN,
2016a, p. 17). Muito embora enfatizamos que, segundo Bakhtin, a estilística como ciência no
início do século XX tratava dos fenômenos relacionados ao estilo segundo uma classificação
abstrata, não considerando a natureza do gênero e nem a realidade de produção, de circulação
e de recepção desses gêneros discursivos por campos de atividades, além de não se aterem a
alterações ao longo da história nos distintos estilos de linguagem, bem como desconsiderava o
papel do sujeito discursivo e sua autoria.
Sendo assim, o estilo era por muitos considerado uma etapa individual de criação, de
autoria, uma marca tão somente do sujeito enunciativo (BAKHTIN, 2015; MEDVIÉDEV,
2016; FARACO, 2009). Contudo, segundo a ADD, todo gênero, quer seja primário ou
secundário, traz a individualidade de quem o produz, mas somado a isso, o estilo contém traços
que evidenciam a pluralidade de vozes e as escolhas enunciativas do sujeito do discurso.
Portanto, encontramos uma mudança na episteme estilística e, diríamos, enunciativa, pois se
altera o pensar sobre o estilo como algo da ordem do uno, do sujeito individual, para o estilo
perpassado pela voz do outro, aliando a vontade enunciativa do sujeito discursivo.
Bakhtin (2015) chama atenção justamente para o fato de que é na natureza
heterodiscursiva que há a constituição do estilo, e, não na centralidade da língua como força
impositiva e normativa. Destacamos que é por meio das RD, na relação o outro para mim, o eu
para o outro e o eu para mim, nesse emaranhado, que o estilo se faz presente. Como expõe
Volóchinov (2019), são as forças vivas presentes nesta relação que direcionam e determinam a
forma e o estilo do poeta (do escritor, do autor ou do sujeito discursivo), pois o que influencia
e orienta o estilo presente no gênero é o “grau de proximidades entre eles”, entre o autor, a
personagem e seu auditório/seu interlocutor.
[...] O estilo do poeta não nasce do estilo do seu discurso interior incontrolável, este
último é o produto de toda a sua vida social. ‘O estilo é o homem’, mas podemos falar
que o estilo é, pelo menos, dois homens, mais precisamente, o homem e seu grupo
social na pessoa do seu representante autorizado, ou seja, o ouvinte que é um
participante constante do discurso interior e exterior do homem.” (VOLÓCHINOV,
2019, p. 142 – 143 – grifos do autor).
85
Neste sentido, reforçamos que a inserção do horizonte espacial e social partilhado entre
os sujeitos do discurso delineia o estilo do enunciado, para que o interlocutor possa recuperar
os ditos e os não-ditos da cadeia enunciativa por intermédio do gênero. Como diz Volóchinov
(2019, p. 142): “o estilo é o homem”. Assim, é nesta heterogeneidade constitutiva, com elos de
uma heterogeneidade marcada ou não, que o sujeito discursivo instaura sua intencionalidade
discursiva na produção de sentidos envolta sempre pelo seu campo aperceptivo, na expectativa
da receptividade de seu provável interlocutor31.
Em síntese, na escolha, na intencionalidade, na vontade discursiva, no estilo do sujeito,
há, de igual forma, a opção do objeto do discurso, a forma que é dada, como é dito socialmente,
até mesmo orientando qual gênero será utilizado ou proferido em um dado discurso. Segundo
Bakhtin, neste consentimento, o estilo se interliga além da própria esfera a elementos como a
considerações semântico-objetais (ordem do conteúdo temático), a situações concretas dessa
comunicação discursiva, ao grupo social (auditório, interlocutores), para: “[...] Em seguida, a
intenção discursiva do falante, com toda a sua individualidade e subjetividade, é aplicada e
adaptada ao gênero escolhido, constitui-se e desenvolve-se em determinada forma de gênero.”
(BAKHTIN, 2016a, p. 38).
Neste sentido, frisamos que, apesar da série de elementos que incidem no estilo, isto não
significa dizer que este não possua abertura para a criatividade, para a inventividade. Pelo
contrário: é na confluência dos fatores como estabilidade e mudança essenciais ao gênero,
conforme defende o Círculo de Bakhtin, que o estilo possui sua flexibilidade. Diante disto,
Bakhtin ressalta que os gêneros são realizados inicialmente centrando-se nas “peculiaridades
estilístico-composicionais” do sujeito, posteriormente o que determina essa composição e estilo
será o teor valorativo dado ao conteúdo e ao sentido do enunciado naquela certa circunstância.
Em suma, “[...] só o contato do significado linguístico com a realidade concreta, só o
contato da língua com a realidade, contato que se dá no enunciado, gera a centelha da expressão;
esta não existe nem no sistema da língua nem na realidade objetiva existente fora de nós [...]”
(BAKHTIN, 2016a, p. 51). Conforme o autor, a emoção, os sentimentos, o juízo de valor, por
exemplo, somente surgem no uso, no momento de realização concreta da comunicação
discursiva e aí incidem pontos como estilo, forma composicional e conteúdo temático,
configurando o gênero discursivo.
31 Enfatizamos que esses nuances do estilo podem ser captados de igual modo pelas marcas linguístico-
enunciativas (segundo apresentamos na seção anterior), através de recursos lexicais, sintáticos, gramaticais
deixados pelo sujeito discursivo, mas não só por essas marcas como propõe a abordagem bakhtiniana.
86
Contudo, cumpre-nos destacar outro ponto sobre a temática e a produtividade de estudos
e de pesquisas em torno do conceito de gêneros, especialmente promovidos em nosso contexto
brasileiro, a princípio pelas reflexões de Bakhtin e do Círculo e que certamente foram a de
maior alcance, mas não foram as únicas. Nesta linha de raciocínio, o domínio de uma definição
que parte de uma abordagem sociológica da linguagem ganhou desdobramentos e ancoragens
em outras perspectivas teóricas distintas do propósito fundante do Círculo, especialmente,
associando-se, segundo Meurer et al. (2005), a abordagens sócio-discursivas.
Merecem destaques ainda, a linguística textual em uma perspectiva pragmático-textual
com Jean-Michel Adam; as abordagens sociorretóricas (John Swales com o modelo CARS –
Create a Research Space – e a base sociorretórica; Miller e Bazerman com a noção de gênero
como ação social), ou ainda, a abordagens sócio-semióticas (Ruqayia Hasan com estrutura
potencial do gênero); a abordagem teleológica de gêneros textuais com Martin; Roger Fowler,
gênero segundo uma perspectiva crítica; Gunther Kress com o viés discursivo-semiótico do
gênero como recurso representacional; e Fairclough, seguindo gêneros textuais conforme a
análise crítica do discurso).
Por isso, Bawarshi e Jo Reiff (2013) discorrem que a fecundidade no nosso cenário
brasileiro sobre o conceito muito se interliga às “[...] implicações analíticas e pedagógicas dos
gêneros de maneira a revelá-los como variáveis significativas na aquisição do letramento. [...]”
(p. 15). O gênero, nessa ótica, teria um viés pedagógico, de “didatização”, sobretudo na sua
produção e recepção, cuja escola seria a principal agência desses letramentos (ROJO, 2009;
ABREU et.al. 2010)32. Destacamos que esta aproximação com o universo da esfera escolar é
apenas um dos desdobramentos do “modismo” em torno do conceito de gênero33.
Para Abreu (2011), o conceito ganhou vulto diante da inserção e da ampla circulação do
termo em documentos oficiais, tais como: Parâmetros Curriculares Nacionais (PCN, BRASIL,
1998); Parâmetros Curriculares Nacionais em Debate (PCN em debate, BRASIL, 2004);
Orientações Curriculares Nacionais do Ensino Médio (OCNEM, BRASIL, 2006); Base
Nacional Comum Curricular (BNCC, BRASIL, 2017), e até mesmo nos direcionamentos do
Programa Nacional do Livro Didático (PNLD) dos últimos anos.
32 Letramentos por ora compreendidos como as relações em torno de práticas sociais de leitura e de escrita, que
estão envoltas por relações ideológicas e de poder, em determinados contextos sociais, históricos e culturais
(STREET, 2014; BARTON; HAMILTON; IVANIC, 2005; ABREU; IRINEU, 2015; ABREU et.al. 2014).
Ampliaremos o debate na próxima seção. 33 Marcuschi (2008) em sua obra: Produção textual, análise de gêneros e compreensão, lembra-nos que o conceito
de gênero não é novo, mas virou “moda”. O autor faz essa afirmação devido aos inúmeros desdobramentos
(quantidade de produções científicas, eventos e congressos que vem tratando sobre a temática) na academia, na
escola, nos direcionamentos educacionais que colocaram o “gênero” como destaque nas práticas educacionais
brasileiras.
87
Nestes documentos, encontram-se presentes, e bem demarcados, diversos conceitos de
base bakhtiniana, como por exemplo, alteridade, relações dialógicas, ideologia/signo
ideológico, contexto sócio-histórico-cultural. Entretanto, a sugestão do trabalho com o texto
por meio dos gêneros aparece sem maior profundidade de sua episteme, quiçá pelo teor e
objetividade presentes e característicos da produção destes documentos.
Abreu (2011) problematiza que as bases teóricas e metodológicas explicitadas sobre o
conceito de gênero em alguns desses documentos, especialmente os anteriores a 2006, incorrem
em erros de compreensão e interpretação, associando até mesmo a sequências tipológicas
textuais como sinônimo de gêneros, por simplesmente usarem textos reais para trabalhar tais
conceitos. Em relação às OCNEM e à BNCC, o manejo com o texto é defendido
prioritariamente por meio de abordagens sócio-discursivas, tais como: o interacionismo sócio-
discursivo e acepções bakhtinianas sobre gênero do discurso (ABREU; BARBOSA, 2019).
De acordo com Brait e Pistori (2012, p. 372 – grifos das autoras), para os docentes que
estão no chão da escola: “Esse enfrentamento [...] não é simples, [...] exige o reconhecimento
de que, em suas múltiplas filiações, a concepção de gênero implica dimensões teóricas e
metodológicas, cujas consequências para a compreensão de textos e discursos não podem ser
ignoradas.”. Por sua vez, terminologias que não se apresentam de forma transparente ou em
dados momentos tomam um termo como sinônimo de outro possuem em sua base teorias de
origens distintas, sendo exemplificadas em palavras como: gênero, gênero textual, tipologia
textual, gênero do discurso, gêneros escolares, dentre outras.
Desta maneira, revelam-nos um sem-fim de caminhos e aparatos teóricos-
metodológicos que cada trilhar direciona e aproxima a uma perspectiva epistemológica em sua
raiz. Neste ínterim, Rojo (2005) e Bezerra (2017), retomando as reflexões de Bhatia (2009, p.
160), sugerem que essa busca de definição ocorre porque “[...] quanto mais popular um conceito
se torna, mais variações de interpretação, orientação e estruturação são encontradas na literatura
existente’.” (BEZERRA, 2017, p. 13). Na realidade, são nuances contemporâneas que surgem
em torno da definição do conceito de gênero.
Apesar desta realidade, há uma verdadeira enxurrada dos termos implicados nos
documentos governamentais, mesmo não se apresentando de forma transparente ao público ao
qual se destina (diretores, coordenadores, docentes, sobretudo). Assim, embora o conceito de
gênero incorrer em uma mistura nem sempre clara sobre suas delimitações entre campos
teóricos e áreas (ROJO, 2005; ABREU, 2012), o que encontramos em todos esses documentos
é o desejo de educar para uma formação cidadã por meio da cultura do escrito, em uma
perspectiva do letramento (BAWARSHI; JO REIFF, 2013).
88
Segundo Rojo (2013), essa correlação entre gêneros e letramentos é algo quase
inevitável. Visto que o pressuposto de um sujeito letrado, que compreende e produz uma relação
peculiar com a cultura do escrito, considera o fato de este indivíduo ser letrado justamente em
um determinado gênero. Desta maneira, o sujeito letrado é capaz de dominar e fazer uso social
de um determinado gênero, compreendendo suas finalidades, sua estrutura usual e seu contexto
social implicado.
Neste ponto, sinalizamos um dos problemas de compreensão da obra do Círculo, e,
quiçá, nossa maior crítica ao projeto de minimização do trabalho com gênero nas escolas ao
associar a uma “didatização” para o letramento: o esquecimento dos outros elementos que
constituem o próprio gênero (ver Figura 2). Conforme nos lembra Medviédev (2016, p. 196):
“Cada gênero é capaz de dominar somente determinados aspectos da realidade, ele possui
certos princípios de seleção, determinadas formas de visão e de compreensão dessa realidade,
certos graus na extensão de sua apreensão e na profundidade de penetração nela”. Assim, é
interessante ressaltarmos que a quantidade de gêneros vivenciados no contexto escolar não é
garantia da qualidade e do efetivo letramento dos sujeitos.
Acerca desta compreensão errônea das potencialidades do gênero, nossa crítica parte da
projeção dada em abordar o gênero sobretudo na sua forma composicional e mais
especificamente na conjunção de aliar o estudo da língua/da gramática por meio de situações
forçadas em um suposto letramento do gênero. Reduzindo, assim, o tratamento desse como já
sinalizava Bakhtin (2016, p. 92): “Quando o enunciado é tomado para fins de análise linguística,
sua natureza dialógica é repensada, é tomada no sistema da língua (como sua realização) e não
no grande diálogo da comunicação discursiva.”.
Rojo (1998, 2004, 2005, 2013) propõe (re)pensarmos o primado bakhtiniano (Figura 2),
em torno do conceito de gênero, atualizando alguns pontos. Tal atualização se faz necessária
para não incorremos na “enxurrada” de termos para os profissionais da educação, caso estes
indivíduos pensem estar efetivamente abordando uma perspectiva enunciativa dialógica tão
somente por adotarem os estudos dos gêneros e não repliquem essas confusões terminológicas.
Nesta linha de raciocínio, Rojo (2013) nos traz uma percepção das práticas de
linguagem, das práticas comunicativas vislumbradas nos enunciados, compreendendo, por um
lado, como tais práticas se correlacionam aos gêneros e, por outro, como se interligam à situação
comunicativa. Na realidade, práticas de linguagem, gêneros e a própria situação comunicativa
não podem se apartar em um estudo adequado dos gêneros.
Isto posto, questões sobre a esfera de circulação desses discursos, o cronotopo, as
relações sociais entre os participantes e o conteúdo temático perpassado pela apreciação
89
valorativa do sujeito discursivo, ganha outro elemento essencial no século XXI quando se
utiliza as Tecnologias Digitais de Informação e Comunicação (TDIC’s), tais como: as mídias
cibernéticas e suas tecnologias.
Figura 2 – Relações entre os elementos da situação de comunicação, as práticas de linguagem e gêneros do
discurso – Rojo (2013).
Fonte: Adaptado de Rojo (2013, p. 30).
Nesta proposta de reflexão sobre as relações entre os elementos da situação de
comunicação, as práticas de linguagem e os próprios gêneros do discurso, Rojo (2013) revela
como a proposta bakhtiniana pode ser atualizada frente a novos desafios sobre letrar no século
XXI. A autora afirma estarmos diante do “[...] texto contemporâneo, multissemiótico ou
multimodal, envolvendo diversas linguagens, mídias e tecnologias [...]” (ROJO, 2013, p. 19) e
esta realidade nos mostra ser possível quando da compreensão situada da linguagem e das
relações implicadas no funcionamento das esferas ou campos de circulação dos discursos.
Portanto, a escola, enquanto principal agência de letramentos, deve primar em suas
práticas de linguagem por uma educação linguística e crítica dos sujeitos por intermédio dos
gêneros. Ainda neste sentido, o ambiente escolar deveria primar pela produção, circulação e
recepção dos enunciados concretos e vivos da atividade humana. Deste modo, no contato com
90
os gêneros da esfera escolar, os discentes também teriam a possibilidade de refletir sobre a
própria linguagem e seus efeitos de sentidos.
Acerca disto, Bakhtin (2019a, p. 43) afirma que: “[...] O destino posterior das
capacidades criativas de um jovem depende em muito da linguagem com a qual ele se forma
no ensino médio [...]”. Consequentemente, ao compreendermos que um enunciado, cuja
realização se dá por intermédio de gêneros e que possui como elemento fundante um projeto de
discurso, de dizer, que se deixa revelar as intencionalidades do sujeito discursivo ao esperar
uma ação igualmente responsiva do seu “ouvinte” / “leitor” / “interlocutor”, revela a dinâmica
de vozes postas na cadeia enunciativa discursiva desse contexto.
Para isto, nossa proposta de análise é pautada em uma abordagem dialógica da
linguagem somada à compreensão das comunidades de prática – consequentemente, do estudo
do gênero relatório de estágio, pois defendemos a síntese feita por Medviédev (2016, p. 193):
“[...] O significado construtivo de cada elemento só pode ser compreendido na relação com o
gênero. [...]”. Prosseguimos, então, para o tópico seguinte, para nossa reflexão sobre gêneros,
lançando um olhar para o todo, para o gênero relatório de estágio, para sua esfera de circulação
e produção de um contexto singular entre a esfera escolar, a acadêmica e a profissional.
2.3.1 O conjunto de plantas nativas: reflexões sobre a esfera de circulação e o
gênero relatório de estágio
Nossa discussão, ao recuperarmos as nuances da receptividade do conceito de gênero,
assim como alguns desdobramentos no âmbito escolar, no final da seção anterior, se refere ao
tomarmos como base que toda atividade humana se encontra permeada, envolta por discursos
nos mais distintos cenários. E, essas atividades, organizadas por intermédio da nossa relação,
homem-mundo, dão-se de forma implicada por meio da produção, recepção e movimento dos
gêneros na sociedade como um todo.
Diante disso, Bakhtin entende que a esfera de circulação do gênero exerce influência
direta na escolha do mesmo gênero e da expressividade ali presentes. Conforme sinalizamos, a
esfera, por sua vez, é um campo de atividade no qual a refração se apresenta entre três eixos:
na relação semântica com o objeto enunciado, na relação com o conteúdo temático expresso, e
na particular relação com a alteridade e a responsividade entre os co-enunciadores (BAKHTIN,
2015, 2016a; SANCHES, 2009).
Neste sentido, inúmeras adjetivações destinadas a esferas da atividade humana se
somam e surgem após o aprofundamento de seus campos, na busca de (re)conhecer as
91
particularidades dos quais os sujeitos discursivos compartilham naquele espaço de (re)produção
de distintos gêneros, tais como: cotidiana, jornalística, publicitária, jurídica, política, sindical,
laboral, artística, literária, científica, acadêmica, escolar, dentre outros meios (ROJO, s/d)34. No
caso, tomamos a reflexão sobre as esferas escolar, acadêmica e profissional a fim de
apreendermos as peculiaridades do gênero relatório de estágio.
Sob esta ótica, pautados em diversos autores que investigam práticas de letramento ou
mesmo gêneros que circulam nestes espaços (BESSA, 2016; CASSANY, 2004; CASSANY;
LÓPEZ-FERRERO, 2010; DALMAGRO, 2007; FUZA, 2015; MARINHO, 2010a, 2010b;
MOTTA-ROTH, HENDGES, 2010; ROJO, 2001, 2005, 2008, 2009; SEVERINO, 2005;
SILVA; FAJARDO-TURBIN, 2011; SILVA, 2013; OLIVEIRA; SILVA, 2011; SILVA;
MELO, 2008; SWALES, 1990), compreendemos que existem singularidades em cada campo
de atuação da atividade humana e que um mesmo gênero pode “flutuar” entre esferas distintas.
Assim sendo, no que diz respeito à esfera escolar, Rojo (2001, 2008), inicialmente,
chama atenção e problematiza para o fato de que as práticas de letramentos foram e continuam
sendo ressignificadas especialmente após a década de 1990 e isso influenciaria na construção
ou nas características do campo de atuação sobre as práticas de linguagens a nível da educação
básica, por exemplo.
Tais ressignificações, nas práticas escolares, justificam-se por conta de fatores sociais e
políticos, sobretudo, destacando-se: a confecção de documentos governamentais, cuja proposta
possui viés emancipatório, cidadão e de engajamento discursivo (ABREU, 2011); as alterações
nas políticas de ampliação da oferta e de incentivo à permanência na escola, na tentativa de
aumentar o grau de escolaridade em nosso país, tendo como efeito a entrada de um público
plural; e, ainda neste sentido, podemos citar o advento das tecnologias da informação, por meio
das múltiplas semioses e as respectivas formas de consumo e produção das linguagens dos
sujeitos inseridos neste contexto, bem como o avanço dos estudos linguísticos, sociais e
culturais em ambiente acadêmico.
Deste modo, o universo educacional, diante desse cenário de mudanças, é redesenhado
em uma tentativa de rompimento com uma estrutura tradicional do ensino e da produção dos
gêneros (neste caso, de uma abordagem mais centrada nos aspectos linguísticos-textuais), cujo
foco recaía, no contexto das aulas de língua, no estudo de sequências tipológicas textuais sem
34 O texto de Rojo onde há a classificação das esferas das atividades humana se encontra no glossário do CEALE
(Centro de Alfabetização, Leitura e Escrita). Disponível em:
http://www.ceale.fae.ufmg.br/app/webroot/glossarioceale/verbetes/esferas-ou-campos-de-atividade-humana
Acessado em: 05 abr. 2020
92
uma finalidade real e significativa nas salas de aula, como é possível por meio da proposta
bakhtiniana sobre os gêneros do discurso. Logo, na atualidade, há o incentivo em pensarmos o
ensino de línguas no contexto escolar direcionando a “[...] possibilitar que seus alunos possam
participar das várias práticas sociais que se utilizam da leitura e da escrita (letramentos) na vida
da cidade, de maneira ética, crítica e democrática. [...]” (ROJO, 2008, p. 587).
Portanto, a esfera escolar, por intermédio de sua instituição, destaca-se como a principal
agência dos letramentos, justamente por promover práticas planejadas em torno da aquisição
da cultura do escrito, além de selecionar e demarcar quais dessas práticas associadas à dimensão
desse escrito serão privilegiadas no contato dos discentes com a linguagem (ROJO, 2001,
2008). Gêneros como aulas, anotações, resumos, seminários, resenhas, ensaios, relatos,
exercícios, questionários, dentre outros, caracterizam tal esfera. Porém, assim como evidencia
Rojo (2008), existem também outros gêneros que circulam usualmente em outras esferas e que
estão sendo “escolarizados”, como os das esferas literária, jornalística, publicitária, e,
especialmente, científica35. Porém, destacamos que, no contexto escolar, encontra-se
fortemente presente o caráter do tratamento didático na aprendizagem do gênero diante do
contexto educacional.
Assim, a própria esfera escolar demarca o caráter híbrido de seus gêneros, pelo fato de
sua prioridade primeira, a saber: a própria transmissão dos saberes escolares (BAKHTIN, 2015;
ROJO, 2008). Neste campo são vivenciados gêneros como contos, crônicas, poemas da usual
esfera literária; notícias, reportagens, entrevistas, normalmente da esfera jornalística; artigos,
relatos, experimentos, frequentemente associados à esfera científica. Assim, destacam-se
pontos como esfera de produção e esfera de circulação, pois um determinado gênero não seria
destinado a um único campo da atividade humana, mas pode ser adaptado, replicado, reutilizado
em distintos contextos.
Neste sentido, a esfera escolar revela mais acentuadamente a peculiaridade híbrida de
circulação e recepção dos gêneros de forma a não minimizá-los e caracterizá-los como algo
estanque e sob um único domínio, mas encara os gêneros como algo complexo e multifacetado
- como é a própria linguagem (ROJO, 2008). Logo, diante deste cenário, o objetivo é criar
possibilidades de refletir o próprio conhecimento pelo uso dos gêneros discursivos reforçando
o caráter da aprendizagem significativa dos sujeitos.
35 Nesse último caso, realçamos que a dimensão do científico é experimentado na educação básica no intuito dos
discentes apreenderem conhecimentos e conseguirem dar prosseguimento aos seus estudos, conforme postula a
própria LDB (BRASIL, 1996).
93
Portanto, a reflexão sobre a esfera escolar nos é valiosa, pois estamos traçando um elo
para compreendermos e olharmos nosso objeto de análise de forma mais holística: o discurso
presente no gênero relatório de estágio. Nosso objetivo não é reduzir o relatório a uma simples
análise, sob um viés estritamente linguístico, mas visamos entender que esse gênero extrapola
os elementos formais de sua produção. Implicam-se, então, a este gênero: a esfera de circulação,
o contexto de produção, os sujeitos discursivos e seus interlocutores, bem como as dimensões
que recorrem o já-ditos e que demarcam uma determinada comunidade de prática. Em outras
palavras, no gênero relatório de estágio, há um sujeito discursivo que direciona seu projeto de
dizer e esse discurso circula em um dado campo do saber. No caso específico, o contexto é do
EMI que possui algumas particularidades que extrapolam o viés da esfera escolar
tradicionalmente configurada.
Leite e Barbosa (2020) defendem que ainda no EMI os discentes possuem, para além
do que é considerado na esfera escolar, o contato com práticas formativas de outras esferas, tais
como a acadêmica e a científica. Para os autores, tais práticas ocorrem, quer seja por atividades
de ensino, quer seja por atividades de iniciação científica, ou ainda, quer seja por atividades
extensionistas.
Estas reconfiguram a dinâmica da associação das práticas de leitura e de escrita dos
alunos, como da esfera escolar; uma vez que “[...] Nessas situações, portanto, os alunos teriam
a oportunidade de interagir com conhecimentos científicos, métodos de pesquisa e gêneros
textuais da esfera acadêmica, os quais poderiam configurar práticas de letramento acadêmico.”
(LEITE; BARBOSA, 2020, p. 235). Salientamos que, ademais da reflexão exposta por Leite e
Barbosa (2020), acrescentamos as práticas formativas de atividades “profissionais” ampliando
o leque sobre qual esfera de atuação e como “classificar” o campo dos gêneros que circulam
neste espaço.
Entretanto, compreendemos que, em nossa ânsia de enquadramentos em suas
respectivas classificações, podemos incorrer em erros no intuito de minimizar, defender
bandeiras ou ainda rechaçar os espaços de produção e de consumo da linguagem. Sinalizamos,
portanto, a necessidade de conhecermos o cenário e aprofundarmos os estudos, pois sabemos
que existem questionamentos, tais como: Podemos considerar a produção desse público como
acadêmica/científica? Podemos afirmar que a produção escrita dos discentes nesse contexto
seria profissional? Ou estamos diante de processos de didatização dessas outras esferas pela
esfera escolar?
Neste ponto, Fischer (2007) ressalta que existe na academia um certo “discurso da crise”
ou “do déficit do letramento” (GEE, 1999). A autora, pautada em Gee (1999) e Soares (2002),
94
aborda a rotulação existente a alunos ingressantes na universidade: “[...] como incompetentes e
incapazes de participar de práticas letradas nessa esfera social [...]” (FISCHER, 2007, p. 11),
pois se parte do pressuposto ou de uma crença que os alunos já saiam da educação básica
“letrados” para atuarem a qualquer dinâmica do escrito dentro da universidade. Além de termos
ainda uma outra prática usual na academia e pelos órgãos que administram a produção científica
do país em não reconhecer as práticas de letramentos acadêmicos da educação básica em dados
momentos (ABREU, 2020; BATISTA JÚNIOR, 2020)36.
Entendemos que certamente, haverá entre pesquisadores, investigadores e estudiosos
um olhar diferenciado a esse público, tomando como ponto de partida que esses não participam
de práticas acadêmicas, científicas e/ou profissionais em sua formação. Mas, assim como
Fischer (2007, p. 11), defendemos que os alunos devem ser “[...] compreendidos como sujeitos
reais, que têm experiências prévias de letramento [...]”, uma vez que partimos do pressuposto
que, de fato, as práticas de linguagens na educação básica profissional pertencem a outra ordem
se comparadas aos demais contextos da esfera escolar “regular”.
Sob esta ótica, podemos considerar a produção acadêmica e profissional desses sujeitos,
mesmo que embrionária37, pois os alunos do EMI possuem uma formação técnica, acadêmica
e profissional diferenciada. Segundo Abreu (2020), Príncipe (2017, 2020), Leite (2020), Giorgi
e Almeida (2018), esses discentes participam dessas práticas no contexto da educação pública
profissionalizante federal, contando com apoio de especialistas, mestres e doutores que
incentivam a participação dos estudantes em projetos por meio de bolsas ou voluntariado, tais
como: de pesquisa, de extensão e de inovação. Ademais, este público participa de constantes
práticas correlacionadas a eventos acadêmicos-científicos destinados a essa modalidade de
ensino, como: semanas temáticas, feiras, mostras técnicas, encontros, congressos, simpósios,
dentre outros38.
Para Príncipe (2017) e Leite (2020), o que discutimos além das práticas de linguagem
do público da educação básica é a sua própria identidade. Ou seja, a identidade do ensino médio,
em particular a do integrado, que se distancia de sua função primordial aliada à dimensão
36 Até a data de defesa desta tese, as produções de docentes-doutores não eram contabilizadas no coleta Capes,
caso essas tivessem como parceria discentes da educação básica. Em 2020, um grupo de docentes da educação
profissional enviou uma carta aberta solicitando alterações nos critérios de análise, já que as produções e
publicações em parceria são de relevância no agir científico a âmbito nacional (publicações em revistas com qualis
A, participações em eventos/congressos/simpósios, publicações em livros, entre outros), porém não houve retorno. 37 Nossa tese pode contribuir com as investigações sobre o assunto de forma tangencial, uma vez que nos foi
possível analisar as comunidades de prática dos cursos de EMI de Agropecuária e de Edificações, e, assim,
vislumbrar como ocorrem as experiências prévias de letramento por meio de uma participação periférica dos
sujeitos e suas narrativas através do gênero relatório de estágio. 38 Todos os anos a rede participa de diversos eventos, como: a Semana Nacional de Ciência e Tecnologia, O
Congresso Norte Nordeste de Pesquisa e Inovação dos Institutos Federais, a Rede Tec, entre outros.
95
propedêutica e que por muitos anos era oposta à formação profissional. Por ora, esta identidade
ganha outros contornos, deixando o trabalho e a pesquisa estruturar o próprio ensino médio:
“[...] esta é a novidade no Brasil, porque temos uma tradição academicista, bacharelesca e
escravocrata, que separa trabalho intelectual e manual. O trabalho, a ciência e a cultura devem
ser os eixos constituintes de todo e qualquer ensino médio ‘ofertado’. [...]” (LEITE, 2020, p.
30).
Neste ponto, outros indícios demarcam a singularidade do EMI ao se distanciar da esfera
escolar “regular” ou “tipicamente” caracterizada, como nos é possível afirmar por meio do
incentivo presente na Resolução do Conselho Nacional de Educação (CEB). A resolução define
as Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação Básica Profissional de Nível Médio, nº
06/2012, ao informar que o EMI deve em seus princípios norteadores:
Visar a formação integral dos discentes;
Ter no trabalho seu princípio educativo, aliando “sua integração com a ciência,
a tecnologia e a cultura como base da proposta político-pedagógica e do desenvolvimento
curricular” (BRASIL, 2012);
Assumir e primar a pesquisa como um princípio pedagógico;
Compreender a indissociabilidade entre educação e prática social;
Tratar de forma contextualizada, flexível e interdisciplinar as estratégias
educacionais que sejam incentivadora da compreensão de significados que unam e integram
teoria e prática profissional, somado ao uso das tecnologias de cada curso; e,
Potencializar a “identidade dos perfis profissionais de conclusão de curso, que
contemplem conhecimentos, competências e saberes profissionais requeridos pela natureza do
trabalho, pelo desenvolvimento tecnológico e pelas demandas sociais, econômicas e
ambientais” (BRASIL, 2012).
Para além destes trechos que destacamos do referido documento normativo e que
guiam a confecção de outros documentos institucionais dos Institutos Federais, percebemos os
indícios de um locus de aprendizagem e, consequentemente, de práticas de linguagens
diferenciadas que partem de um princípio cuja base é fazer da pesquisa, do ensino e do mundo
do trabalho a confluência da identidade desses sujeitos. Como expõe Caetano e Manganeli
(2020, p. 175): “[...] Como princípio educativo, a pesquisa é uma ação do pensamento inserida
na totalidade social cuja construção do sentido é emancipatória. [...]”. E o contexto do EMI
96
segue o pressuposto em aliar a educação propedêutica à profissional, perpassando o viés da
pesquisa por meio do caráter acadêmico-científico.
Assim, coadunamos com a problematização de Cassany e López-Ferrero, pois em todos
os campos ou esferas de atuação da atividade humana existem “ [...] instituições e organismos
que orientam a maneira de usar essas práticas, com tradições, hábitos, normas e modelos que
fixam em variados graus a estrutura dos textos, sua função, as regras que devem adotar seus
interlocutores, o poder que esses adquirem, etc” (CASSANY; LÓPEZ-FERRERO, 2010, p. 2
– 3 – tradução nossa)39.
Nesta linha de pensamento, defendemos que os gêneros produzidos por discentes de
EMI se encontram, portanto, no limbo da esfera profissional e acadêmica, pois em sua formação
(espaço institucionalizado de transmissão de conhecimento, conhecimento sistemático, não se
limitando somente ao espaço universitário) os estudantes têm contato com gêneros, vivências e
práticas profissionais e acadêmicas (MONTYN; MAZZUCHINO, 2017). No caso específico
do gênero relatório de estágio no EMI, entendemos, de igual modo, que se encontra submerso
em um processo de produção e de circulação do conhecimento, além da exposição de suas
experiências, pois ao recuperar a vivência profissional e relatá-las, o discente deve respaldar
suas ações ancorado em outra vivência, de igual relevância, a acadêmica, para justificar seus
atos.
Em suma, o relatório de estágio por meio de sua estrutura composicional e propósitos
comunicativos revela os elos dialógicos vivenciados pelas práticas (FUZA, 2016). Neste viés,
entendemos e denominamos essa zona fronteiriça do campo de ação social de um grupo
específico como uma esfera acadêmico-profissional.
2.3.1.1 A Semente: O Relatório de Estágio
O gênero relatório de estágio nos resultados de nossas investigações sempre esteve
muito fortemente associado à formação de professores (GALVÃO, RODRIGUES, 2008;
BESSA, BERNARDINO, 2011; REICHMANN, 2012; ALVES, SOUZA, 2013; GUEDES-
PINTO, 2016; SILVA; FAJARDO-TURBIN, 2011; SILVA, 2013; OLIVEIRA; SILVA, 2011;
SILVA; MELO, 2008; entre outros), não sendo, por muitas vezes, o foco de análise o gênero
em sua completude, mas o teor textual por meio das narrativas expressas em seu conteúdo.
39 No original: “[...] instituciones y organismos que ordenan la manera de usar esas prácticas, con tradiciones,
hábitos, normas y modelos que fijan en grados variados la estructura de los textos, su función, los roles que adoptan
sus interlocutores, el poder que adquieren, etc.”
97
Deste modo, após nossa reflexão em torno das peculiaridades do gênero discursivo
(item 2.3 desta tese), nossa percepção é que o gênero relatório de estágio merece mais atenção,
sobretudo, se pensamos em práticas em contextos distintos (o EMI, por exemplo) do que é
usualmente investigado (a universidade). Diante desta constatação, a análise deve se centrar e
revelar as relações dialógicas entre os interlocutores e o enunciador, bem como descortinar
como se articula a forma arquitetônica do gênero relatório de estágio sob tais condições.
Em nosso entendimento, o gênero relatório, assim como outros gêneros, deve ser
concebido como um excedente de visão por parte do enunciador, uma vez que, ao vivenciar sua
experiência laboral por meio do estágio, no “produto final”, através do relatório, o sujeito tende
a se distanciar e a narrar suas experiências sob a égide das forças centrípetas.
Dito isto, destacamos que, para Bakhtin (2015), as forças centrípetas e centrífugas
imperam na orientação da nossa linguagem, estabelecendo as zonas de conflitos, revelando, de
igual modo, as relações dialógicas por meio da autoria e/ou estilo exposto pelo sujeito
discursivo. Tais forças, por um lado orientam o discurso para a formalidade, para a
normatividade, evitando espaços de digressões, inventividade e inovações, reforçando o gênero
como uma certa “camisa de força” (forças centrípetas); por outro, orientam o discurso para o
externo, para as possibilidades discursivas e enunciativas (forças centrífugas).
Como vemos, estamos diante da unidade e da heterogeneidade da língua, “[...]
evidenciando o constitutivo movimento entre unificação, centralização das ideologias verbais,
orientação a unidade e plurilinguismo real [...]” (BRAIT; PISTORI, 2012, p. 380). Diante desta
realidade, reforçamos o papel do destinatário/do interlocutor, visto que este ocupa uma
determinada posição, exercendo sobre o sujeito discursivo – neste caso, o estagiário – suas
coerções, “[...] construindo seu ponto de vista, suas crenças, por meio do contato com tantos
outros enunciados [...]” (SANCHES, 2009, p. 59).
Rememoremos que: “Um traço essencial (constitutivo) do enunciado é a possibilidade
de seu direcionamento a alguém, de seu endereçamento [...]” (BAKHTIN, 2016a, p. 62 – grifos
do autor). Assim, o enunciado tem um autor e sempre se destina a alguém, estabelecendo por
intermédio do enunciado uma espécie de tríade discursiva: o objeto de discurso – aquilo do que
se fala; o objeto representando – como se fala, marcas de autoria; e, o objeto endereçado – para
quem se fala. Para o Círculo de Bakhtin, o papel do destinatário é elemento fundante do projeto
98
de dizer, uma vez que este pode ser um “participante-interlocutor direto” ou pode ser “um outro
totalmente indefinido”40.
Ademais, destacamos que no endereçamento da produção discursiva por meio do gênero
relatório sempre ecoam vozes de coerção se pensarmos em uma possível liberdade textual.
Neste sentido, Bakhtin reforça que em alguns gêneros - por intermédio das forças centrípetas
no horizonte verboideológico partilhado entre locutor e interlocutor - há uma tendência a se
construir certas amarras que minimizariam “a entonação” e o “gesto” no projeto de dizer do
sujeito discursivo (BAKHTIN, 2019a). Sob este aspecto, podem ser citados: textos de ordem
científica, de ordem jurídica, de ordem eclesiástica, por exemplo. Assim, seguindo o primado
bakhtiniano e defendido pelo próprio Círculo, mesmo diante dessas forças, as marcas
enunciativas dos sujeitos estão presentes, seja em maior ou em menor grau de exposição.
Em síntese, Bakhtin expõe que cada gênero em seu campo de comunicação discursiva
orienta o ideal ou a concepção típica de destinatário que o gênero exige. No caso do gênero
relatório, os destinatários/interlocutores podem ser os demais colegas de sala de aula, o
orientador, o supervisor, o coordenador do estágio, um público distante (mas que tenha interesse
na temática, pois podem ter acesso ao texto pelas plataformas digitais), dentre outros. Faz
interessante pontuarmos que cada um destes é capaz de influenciar na produção escrita do
sujeito discursivo.
Deste modo, cumpre-nos evidenciar que, em relação às características composicionais
do gênero relatório, encontramos especialmente o caráter prescritivo e normativo sobre o que
se deve escrever e como escrever. Basta centrarmos nossa lupa para a série de manuais ou
tutoriais na internet sobre como dominar a escrita deste gênero ou outros de esferas distintas.
[...] Diferentemente da proposta de Bakhtin, a norma e os manuais entendem
normatização como uniformização de padrões a serem seguidos, sendo que, quanto
menos houver possibilidade de adequações ou mudanças, melhor. Basta atentar-se
para as seguintes afirmações: ‘A consolidação de um padrão aceito por todos deverá
evitar orientações conflitantes a orientandos inseguros, possibilitando maior
qualidade no registro de observações científicas, técnicas e culturais’ (Sá et al., 1994,
p. 15). Percebe-se o conflito de perspectivas: para Bakhtin, os gêneros apresentam
enunciados típicos, mas não rígidos, sujeitos a adequações. Para a norma e os manuais,
a normatização é um padrão rígido a ser seguido. (SANCHES, 2009, p. 43 – 44).
Pontuamos que as discrepâncias ocorrem justamente quando pensamos na
flexibilidade inerente aos gêneros do discurso e a normatividade/padronização exigida nesses
40 Segundo Bakhtin: “A condição de parceiro do diálogo é ocupada pelo público, pelos críticos, pelos cientistas
especialistas, os descendentes, o povo, etc. As várias concepções de ouvintes aos quais se destina o enunciado.”
(2016d, p. 138).
99
manuais que tendem a guiar a produção escrita, especialmente, de alguns gêneros da esfera
acadêmico-científica. Determinados “modelos” para um jovem aprendiz ou um jovem produtor
de textos podem, a princípio, apresentarem-se como guias que, aparentemente, resolverão por
meio de uma receita o seu propósito comunicativo - que seria produzir um determinado gênero.
Como salienta Sanches (2009), no espaço para a flexibilidade, a mutabilidade, inerente ao
próprio gênero, para além da superfície de sua estrutura textual, estão imbricadas questões
como: projeto enunciativo, campo aperceptivo, interlocutores que medeiam as práticas de
letramentos em contextos específicos, posicionamentos axiológicos, entre outros fatores como
já discorremos ao longo dessa seção.
Ainda sobre as forças que incidem no gênero relatório de estágio, podemos visualizar
que os embates de uma arena dialógica (relações de poder entre locutor e interlocutor) e as RD
presentes como um todo revelam também na ordem de nível macro efeitos associados a
orientações composicionais do gênero. Em outras palavras, as orientações, por intermédio de
documentos institucionais ou normativas a nível de notações técnicas sobre a estrutura de um
dado gênero, inegavelmente, acarretarão adequações com relação ao estilo e ao própria tema,
visando sempre estar de acordo com aqueles que dentro de uma dada comunidade atestam como
válido o discurso proferido naquele gênero.
Ou seja, revelam-se relações de poder (NLS) em uma via de mão dupla, no sentido da
produção escrita discursiva a nível micro (na dinâmica de grupos intradiscursivos) e ao acessar
ao nível macro na adequação do gênero e suas “formalidades”. Conforme evidenciam Valezi et
al. (2018, p. 244), os relatórios possuem como propósito comunicativo participar justamente de
uma “[...] exigência acadêmica. Sua função sociocomunicativa é semiotizar, por meio de
estruturas linguísticas descritivas e narrativas, os resultados ou as ações desenvolvidas após
uma atividade de trabalho relacionada às práticas linguageiras acadêmicas [...]”41.
Como uma ação de linguagem vivenciada a nível de formação, de capacitação dos
sujeitos, o relatório possui ainda uma função avaliativa por parte de um dos interlocutores,
demonstrando como este aspecto também pode moldar o projeto enunciativo dos estagiários.
Neste ponto, cabe-nos reforçar que o gênero relatório deve ser também compreendido como um
Trabalho de Conclusão de Curso (TCC), uma vez que é solicitado geralmente ao final dessa
etapa de ensino42, incidindo mais forças no projeto enunciativo do locutor pelo olhar avaliativo
41 Neste sentido, acrescentaríamos um destaque para as sequências injutivas presentes na descrição do agir em
atividades em torno das práticas linguageiras profissionais. 42 Segundo o Regulamento de estágio do IF Sertão/PE: “O estágio faz parte do Projeto de cada curso e visa ao
desenvolvimento de competências próprias da atividade profissional e à contextualização curricular, objetivando
a formação do educando para a vida cidadã e para o trabalho” (BRASIL, 2015, p. 02) e informa no art.46: “Cada
100
de seu interlocutor imediato e mediador do letramento, nas figuras como as do orientador e do
supervisor do estágio (PRÍNCIPE, 2017; VALEZI et al., 2018).
Porém, reforçamos que, segundo Bakhtin (2018, p. 220), “[...] onde não há uma forma
adequada à expressão imediata das ideias do autor tem-se de recorrer à refração dessas ideias
no discurso de um outro [...]”. Ou seja, na busca de se revelar, de dizer, de narrar, de descrever
suas vivências e/ou experiências há espaço para rupturas e marcas das relações dialógicas entre
já-ditos presentes no gênero em tela.
Volóchinov (2018) enfatiza que o sujeito discursivo, no papel de autor do seu projeto
enunciativo, integra em sua composição outra forma de enunciar, (re)elaborando outras formas
sintáticas, estilísticas e composicionais para integrar ao campo de atividade de linguagem e, ao
mesmo tempo, deixar sua marca, sua singularidade. Neste processo narrativo, o autor/sujeito
discursivo recupera no discurso do outro, através de um processo alteritário, a representação
necessária para refletir e refratar os discursos daquela determinada esfera de atuação discursiva.
Em síntese, o gênero relatório de estágio apresenta a preponderância das sequências
descritiva e narrativa, porém o aprendiz analisa ainda as suas próprias ações por meio das
experiências apresentardas. Este sujeito discursivo se transforma em outro para que, desta
maneira, se represente sua relação homem-mundo, com vistas a aprovação de um terceiro, em
especial, o orientador, o supervisor, o docente do estágio, por exemplo.
Exprimir a si mesmo significa fazer de si mesmo objeto para o outro e para si mesmo
(a ‘realidade da consciência’). Este é o primeiro grau de objetivação. Mas também é
possível exprimir minha relação comigo enquanto objeto (o segundo estágio da
objetivação). Neste caso, minha própria palavra se torna provida de objeto e recebe
uma segunda voz – a minha própria. Mas essa segunda voz já não lança sombra (de si
mesma), porquanto exprime uma relação pura e toda a carne objetivadora,
materializadora da palavra, foi cedida à primeira voz. (BAKHTIN, 2016b, p. 82)43.
Bakhtin expõe como é possível por meio da relação com o enunciado a revelação do
próprio objeto, a relação com o campo aperceptivo e os co-enunciadores, além de demonstrar
as marcas enunciativas desse sujeito que cria sua identidade na relação eu-outro. Em nosso
caso, o relatório de estágio possui várias forças que incidem no projeto de dizer, no entanto,
conforme salienta o primado bakhtiniano, em qualquer discurso encontramos RD, pois o
discurso concreto é vivo. Considerando estas coerções existentes na adequação discursiva do
Projeto de curso estabelecerá sistemática para avaliação e para aprovação do aluno em estágio, considerando nota
atribuída pela concedente, avaliação do relatório de estágio e autoavaliação do aluno.” (BRASIL, 2015, p. 21). 43 Estaríamos diante de máscaras que o discente estagiário traz para adequar sua escrita, seu projeto de dizer? São
algumas reflexões que podem ser melhor aprofundadas em estudos posteriores.
101
enunciador, passamos a uma reflexão sobre como alguns materiais validados nacionalmente
compreendem a estrutura formal do gênero relatório de estágio.
2.3.1.1.1 Em busca de um olhar microscópico: a estrutura
No Brasil, a Associação Brasileira de Normas Técnicas (ABNT) norteia as formas como
determinados textos sejam produzidos, na tentativa de padronizá-los. Assim, trazemos, nesta
subseção, em destaque a Norma Brasileira – NBR 10719 (ABNT, BRASIL, 2011)44 e as
definições sobre o gênero relatório por Marconi e Lakatos (2017), quiçá a bibliografia mais
utilizada em nosso país como referência para aparatos metodológicos45. Outros documentos que
norteiam a escrita do gênero para nosso contexto serão abordados quando da análise de nosso
corpus (ver seção 5).
Inicialmente, revelamos que cada instituição adequa as normas sugeridas pela ABNT
para a confecção do gênero relatório de estágio. No caso da NBR 10719/2011, há as
recomendações sobre a confecção do relatório técnico e/ou científico, mas não para o relatório
de estágio46. Em Marconi e Lakatos (2017) de igual forma, a orientação é destinada ao relatório
técnico. Porém, enfatizamos que a diferença essencial entre aquele para esse se encontra: “[...]
enquanto o relatório de estágio descreve e analisa o agir do próprio autor do relatório [...]”
(VALEZI et.al., 2018), o relatório técnico e/ou científico apresenta o resultado de outras
atividades que advenham de uma expertise profissional especialmente acadêmicas-científicas.
Assim, realçamos que a própria NBR 10719/2011 abre margem para que ocorram as
adequações a outros tipos de relatórios, mesmo não sendo o escopo de direcionamento para
esses outros relatórios (administrativos, de atividades, entre outros): “[...] Nesse caso, os
documentos devem sujeitar-se, tanto quanto possível, ao disposto nesta Norma.” (ABNT,
BRASIL, 2011, p. 1). Ainda segundo a NBR 10719/2011, o gênero relatório é entendido como
um “[...] documento que descreve formalmente o progresso ou resultado de pesquisa científica
44 Segundo o site da Associação: “A ABNT é o Foro Nacional de Normalização por reconhecimento da sociedade
brasileira desde a sua fundação, em 28 de setembro de 1940, e confirmado pelo governo federal por meio de
diversos instrumentos legais. [...] A ABNT é responsável pela elaboração das Normas Brasileiras (ABNT NBR),
elaboradas por seus Comitês Brasileiros (ABNT/CB), Organismos de Normalização Setorial (ABNT/ONS) e
Comissões de Estudo Especiais (ABNT/CEE).” Disponível em: http://www.abnt.org.br/abnt/conheca-a-abnt
Acesso em: 01 abr. 2020. 45 Partilhamos do conhecimento de inúmeros outros manuais de metodologia científica no país e com igual rigor
técnico, a título de exemplificação trouxemos um recorte direcionado à produção de Marconi e Lakatos (2017). 46 Podemos ainda exemplificar que reconhecemos outros exemplares de relatórios que não são contemplados
nessas normativas ou manuais, tais como: relatório de observação, relatório de estágio de regência, relatório
escolar, relatório administrativo, relatório científico, relatório crítico, relatório de viagem, relatório de prestação
de contas, entre outros.
102
e/ou técnica [...]” (BRASIL, 2011, p. 3). Por sua vez, a obra de Marconi e Lakatos apenas
apresenta os direcionamentos para a estrutura do relatório, não havendo uma definição mais
clara sobre sua compreensão e finalidades em contextos distintos.
Nesta linha de raciocínio, a estrutura usual do relatório (Figura 3) por meio do viés mais
técnico em torno de sua forma composicional, segundo a NBR 10719/2011, possui uma parte
externa e interna. Esta primeira, sendo opcional, e a segunda, constando elementos de teor
obrigatório na produção escrita, tais como: elementos pré-textuais, textuais e pós-textuais (na
divisão desses elementos pode ocorrer de existir elementos optativos e obrigatórios, por
exemplo). Relembramos que não é pretensão do documento fornecer orientações sobre o
conteúdo temático, o estilo, e sua forma composicional aliada à forma arquitetônica, como
esboçamos e refletimos em seções anteriores ao longo dessa tese; os objetivos presentes nesse
documento se centram em mostrar as características da estrutura e enfatizar a necessidade do
uso da língua vernacular, tomando como registro a norma-padrão da língua portuguesa.
Figura 3 – Estrutura do relatório.
Fonte: Retirado da NBR 10719/2011 (ABNT, 2011, p. 04).
Acerca deste último ponto, reforçamos que, além da estrutura esquemática da forma
composicional textual, na ABNT, por exemplo, apesar de não ser seu objetivo, encontramos o
103
registro NBR 10520/200247. Este registo põe, mesmo que de forma embrionária, o pensar a
palavra alheia e como referenciá-la. Neste sentido, é suficiente perceber as orientações sobre as
formas de citar esta palavra alheia e dar créditos à voz do outro por meio das seguintes formas:
citação de citação, citação direta, citação indireta, notas de referências, notas de rodapé, notas
explicativas.
No entanto, convém avultarmos que tais formas apenas orientam a inserção de aspas,
recuos, dados dos autores somado ao ano e página da origem da citação. Assim, não há reflexão
sobre os aspectos semânticos-enunciativos do manejo com a palavra do outro. Inclusive,
conforme destacamos, este não é o objetivo de tais normas, cujo teor é puramente técnico sobre
a estrutura do relatório de estágio.
Por outro lado, a obra de Marconi e Lakatos (2017) apresenta outra divisão (Quadro 2),
não decompondo o texto em elementos pré-textuais, textuais e pós-textuais. As autoras trazem
outros direcionamentos, por vez, mais relacionados ao próprio relatório técnico e/ou de
pesquisa. Assim, exploram cada parte que compõe esse texto, mas novamente sem maiores
aprofundamentos. Do mesmo modo que os propósitos da ABNT, sinalizamos que Marconi e
Lakatos não analisam o “relatório” sob viés de práticas discursivas, tal como propomos analisar
segundo a noção de gênero do discursivo numa perpectiva da ADD. Na realidade, as autoras
trazem o texto como um trabalho técnico de análise de sua estrutura.
Este encaminhamento nos revela a urgência de investigarmos o gênero relatório,
especialmente numa perspectiva como propomos em nossa tese, pensando em uma vertente de
linguagem que extrapole a técnica e que comungue a respeito da reflexão sobre as condições
concretas de realização, compreendendo os efeitos de sentidos e as relações de poder implicadas
no gênero relatório.
Quadro 2 – Estrutura do relatório por Marconi e Lakatos (2017).
ELEMENTOS QUE COMPÕEM O RELATÓRIO OBSERVAÇÕES
Apresentação Capa Entidade
Título (e subtítulo,
se houver)
Coordenador(es)
Local e data
Para Marconi e Lakatos, o relatório se assimila a um
projeto, precisando fazer pequenas alterações nas
seções que compõe o relatório, uma vez que no
relatório ocorrerá o relato dos resultados alcançados
pelo projeto inicial.
Página
de rosto Entidade
47 NBR 10520/2002 possui como título: Informação e documentação – citações em documentos – Apresentação.
Disponível em: http://www2.uesb.br/biblioteca/wp-content/uploads/2016/05/NBR-10520-
CITA%C3%87%C3%95ES.pdf Acesso em: 18 nov. 2020.
104
Título (e subtítulo,
se houver)
Coordenador(es)
Equipe técnica
Local e data
Sinopse (abstract) Marconi e Lakatos informam que esta seção deve ser
produzida em no máximo uma página. Sugerem
ainda que quando da composição textual, essa deva
ser escrita por último.
Sumário As auroras dizem que se trata de elencar as partes
que compõe o relatório.
Introdução Objetivo Tema
Delimitação do
tema
Objetivo geral
Objetivos
específicos
As estudiosas pouco esclarecem sobre a composição
da seção introdução, já que aludem que essa abrange
objetivo, justificativa e objeto; devendo conter as
suas respetivas subseções.
Justificativa
Objeto Problema
Hipótese básica
Hipóteses
secundárias
Variáveis
Revisão da bibliografia Marconi e Lakatos comparam novamente essa seção
com o que fora estabelecido na confecção do
“projeto” inicial. As autoras esclarecem que no
relatório, a seção de “revisão da bibliografia” deve
constar as novas obras e trabalhos que tenham sido
objeto de estudo e auxiliaram em algum momento a
atividade executada.
Metodologia Método de abordagem As autoras remontam a explicação dada para a
confecção do projeto, recuperando e salientando
descrever somente os passos que foram adotados e
tentando responder a perguntas, tais como: como?
Com quê? Onde? Quando?
Método de procedimento
Técnicas
Delimitação do universo
Tipo de amostragem
Embasamento
teórico
Teoria de base As escritoras abordam assim como estabelecido na
confecção do “projeto”, nessa seção, deve-se traçar
um apanhado da literatura da área. Definição dos termos
Apresentação dos dados e sua análise Nessa etapa, Marconi e Lakatos informam que será
preciso para melhor demonstrar os resultados inserir
outros elementos, tais como tabelas, quadros,
gráficos, entre outros. Para assim, trazer as
evidências finais.
Interpretação dos resultados As autoras ressaltam que essa é a parte mais
importante do relatório, pois haverá a reflexão dos
105
resultados e as evidências que confiram ou refutam
as hipóteses iniciais apresentadas no “projeto”.
Conclusões Segundo as autoras, ao redigir essa seção é
necessário ser preciso e categórico, enfatizando as
ações pertinentes ao trabalho.
Recomendações e Sugestões Para Marconi e Lakatos, é nesta seção que se
exploram as possibilidades de ampliação de estudos
e trabalhos outros, pois acaba revelando as lacunas
do que fora vivenciado.
Apêndices Tabelas Segundo as autoras, este ponto é composto pelo
material produzido pelo próprio pesquisador ou
sujeito do relatório. Quadros
Gráficos
Outras ilustrações
Instrumento(s) de pesquisa
Anexos Para Markoni e Lakatos, são os elementos
produzidos pelo o autor do relatório e que
possibilitam esclarecer algumas dúvidas que
ocorrem ao longo do texto.
Bibliografia Nesta seção, segundo as autoras, todas as obras
apresentadas são retomadas e listadas.
Fonte: Adaptado de Marconi e Lakatos (2017, p. 249 a 254).
Conforme observamos, se fizéssemos um estudo mais amplo entre os manuais e
apresentássemos, encontraríamos a pressuposição de que o leitor já possui algum contato prévio
com aquele texto ou ainda que domina outros textos que ali circulam e estão correlacionados,
buscando-o apenas para tomá-lo como um receituário e assim chegar a “fórmula mágica” e
“correta” da escrita (que sabemos inexistente, conforme expusemos ao longo desta tese). Em
síntese, realçamos que, para o nosso estudo, tomamos o gênero relatório de estágio,
compreendendo os objetivos comunicacionais e contextos sociais específicos que delineiam a
forma em sua estrutura e a própria linguagem presentes nesse gênero, não atendo somente aos
aspectos como expostos nesses manuais ou pela ABNT.
Em nossa percepção, para além do reconhecimento do gênero em si (estrutura
composicional, estilo e conteúdo temático), é pertinente e salutar compreendermos, de igual
modo, como o gênero relatório em sua arquitetônica revela sua peculiaridade em captar por
meio de outros gêneros aspectos essenciais para uma organização heterodiscursiva do todo e
que singulariza a ele próprio. Isto significa que os gêneros intercalados48 presentes e
48 Bakhtin aborda a questão dos gêneros intercalados como uma das formas basilares e substanciais de recuperar
a organização e a orquestração de vozes e outros gêneros por meio de um único gênero, no caso o romance. Bakhtin
diz sobre isso que nessa organização do heterodiscurso presente do gênero: “[...] existe um grupo especial de
gêneros que desempenham no romance o mais importante papel construtivo e às vezes determinam por si sós e de
106
introduzidos no gênero relatório captam em cada de seus contextos formas “[...] verbo-
semânticas de assimilação de diversos aspectos da realidade [...]” (BAKHTIN, 2015, p. 109) e
colaboram na entrecostura das RD entre os já-ditos, seja na forma constitutiva ou na forma
interlocutiva.
Na nossa conjuntura, associando o dizer do discente-estagiário sobre sua relação entre
a teoria e a prática, ao discorrer sobre suas experiências, leituras e práticas de manejo com o
conhecimento, entedemos que temos um levantamento de quais gêneros circundam suas
“experiências prévias de letramento” (FISCHER, 2007, p. 11). Em outras palavras, tais gêneros
emergem e (com)provam, de igual forma, os vestígios/indícios de letramentos exigidos na sua
formação. Neste ponto adentramos em nosso aporte teórico na seção que segue: aprofundar o
nosso olhar teórico (re) conhecendo a abordagem dos estudos dos letramentos.
forma direta a construção do todo romanesco, criando variedades peculiares de gênero de romance. São eles: a
confissão, o diário, a descrição de viagens, a biografia, a carta e alguns outros gêneros. Todos esses gêneros podem
não só integrar o romance como sua construção essencial, mas também definir a forma do romance como um todo
(romance-confissão, romance-diário, romance-cartas, etc.). Cada um desses gêneros tem suas formas verbo-
semânticas de assimilação de diversos aspectos da realidade. O romance usa esses gêneros exatamente como
formas elaboradas de assimilação verbal da realidade.” (BAKHTIN, 2015, p. 108 – 109).
107
2. A FERTILIDADE DO TERRENO: LETRAMENTO(S) E SEUS
CONCEITOS
Nossa reflexão nesta seção teórica é preparar o terreno, buscando colher os elementos
que criam elos com a proposta da ADD e os letramentos, em uma dimensão transdisciplinar ao
investigarmos nosso objeto de estudo: as relações dialógicas presentes no gênero relatório de
estágio que constituem as comunidades de prática de grupos singulares do EMI dos cursos de
Agropecuária e de Edificações.
Neste sentido, nosso escopo parte em (re)visitarmos o conceito em torno da proposta do
letramento, e refletirmos sobre seus desdobramentos diante das concepções de letramento(s) –
em sua pluralidade: letramentos múltiplos versus multiletramentos; prática(s) e evento(s) de
letramentos; agências e modelo(s) de letramentos; letramentos críticos; e, como nos propomos
a pensar, a zona fronteiriça que demarca o campo de atuação da linguagem nos EMI:
letramentos acadêmico-profissionais.
Aliado a esses pontos, propomos um olhar ao constructo sobre comunidades de prática
em contextos específicos de aprendizagem tal qual se apresenta neste estudo. Deste modo,
buscamos na construção desse grande diálogo somar: a perspectiva dialógica bakhtiniana, os
Novos Estudos do Letramento (STREET, 1984, 2010, 2014; BARTON; HAMILTON;
IVANIC, 2005; BARTON; HAMILTON, 2012; MAYBIN, 2005), especialmente em sua
vertente crítica e sociocultural (CASSANY, 2006; SOARES, 2005; MARINHO, 2010a, 2010b;
ROJO, 1998, 2009, 2012), alicerçando ainda esse trilhar com a abordagem dos Letramentos
Acadêmicos (LEA; STREET, 1998, 2014; LEA, 2004; LILLIS; CURRY, 2006; FIAD 2016a,
2016b) com a noção de comunidade de prática (LAVE; WENGER, 1998; WENGER;
WENGER, 2015; WENGER; McDEMOTT; SNYDER, 2002), para nortear as definições
propostas especialmente para esta tese.
3.1 UM NOVO RAMO: OS NOVOS ESTUDOS DO LETRAMENTO
Lembramos, de início, que a produtividade e os desdobramentos sobre a temática dos
letramentos, em especial, no contexto brasileiro, demarca a característica de pensarmos as
relações com a cultura do escrito, levando em consideração alguns aspectos que se associam
desde o processo de alfabetização (leitura e interpretação do código linguístico) até processos
interpretativos e cognitivos que demandam capacidades mais acuradas do que simplesmente a
codificação e a decifração dessa materialidade linguística.
108
Acerca deste ponto, o manejo com a linguagem associada a particularidades da escrita
ganha relevo ao tomarmos como marco a publicação de Mary Kato em nosso país, No mundo
da escrita, na década de 1980. Este marco introduz o termo letramento mais próximo daquela
segunda abordagem ao compreendermos os fenômenos da linguagem de forma complexa e
multifacetada, considerando que as práticas de leitura e de escrita não são homogêneas ou
lineares, mas que os sentidos são co-construídos nas relações presentes entre os sujeitos e
envoltas em situações de poder.
Tal mudança de perspectiva, ao ecoar novas formas de compreender a leitura e a escrita
para além da materialidade linguística, tem na escola sua principal ancoragem. Porém, a
profusão terminológica e os conceitos imbricados que aproximam e distanciam uma abordagem
centrada mais no viés da alfabetização da outra voltada ao letramento como sinônimo de
práticas sociais discursivas situadas não chegaram de forma tão transparente nesse espaço
institucional. Logo, o conceito sobre o termo acabou se tornando “[...] uma palavra
semanticamente saturada, uma palavra que significa diferentes coisas para diferentes pessoas
de diferentes contextos culturais e acadêmicos, para diferentes pesquisadores para diferentes
professores.” (SOARES, 2010, p. 56).
Esta ampla significação do termo diante desse contexto acaba confundindo, de acordo
com Abreu et al. (2010), sobretudo, os atores educacionais (docentes, técnicos em educação,
diretores, coordenadores, entre outros), bem como até pesquisadores iniciantes e/ou em
formação devido a “enxurrada” das definições sobre o que seria letramento, visto que essa era
até mesmo uma das orientações presentes em documentos governamentais que a prescreviam
na vivência escolar. E, assim como o conceito de gênero, as definições chegam ao “chão da
escola” de forma, por vezes, em um viés simplista e não elaborado de toda a complexidade que
há ao vivenciar a proposta de letramento como algo significativo em seus eventos singulares
que demarcam as práticas e as relações sociais dentro da escola, por exemplo.
Ainda assim, compreendemos que, atualmente (passados quarenta anos da introdução
do termo em nosso contexto), muito se tem avançado sobre o estudo da temática (ABREU,
2018; SOARES, 2010; MARINHO, 2010a, 2010b, 2010c; FIAD, 2016a, 2016b; ROJO, 2009,
2012, 2013; entre outros) e apesar das conotações polissêmicas surgidas anteriormente com a
tradução do termo “literacy”49 sobre a definição de letramentos ainda persistirem em alguns
49 Segundo Soares (2005, p. 17): “Etimologicamente, a palavra literacy vem do latim littera (letra), com o sufixo
– cy, que denota qualidade, condição, estado, fato de ser [...] a condição de ser literate, e literate é definido como
‘educated; especially able to read and write’, educado, especialmente, capaz de ler e escrever. Ou seja: literacy é
o estado ou condição que assume aquele que aprende a ler e escrever”. Reforçamos, portanto, assim como Soares
(2005), que se apropriar da escrita é diferente de aplicar o código. Nesse caso o sujeito adquire a tecnologia do
109
casos, o entendimento macro, que essas são essencialmente práticas sociais ideológicas que
perpassam as formas de comunicação humana através da relação com a escrita, vem se
solidificando e se tornando um consenso na academia e na escola.
Reforçamos que, assim como salienta Marinho (2010b), leva-se tempo,
amadurecimento acadêmico, empreendimento por meio de políticas educacionais para que
certas práticas ganhem novos rumos. Em outras palavras, a busca em torno de uma definição
sobre as práticas sociais da escrita em sociedade nasce e cresce com as demandas da própria
sociedade e do amadurecimento das investigações na academia ao estudarmos dados fenômenos
que tenham a linguagem, a comunicação, a interação humana como base.
Defendemos, portanto, a definição de letramento sob as lentes da abordagem dos Novos
Estudos do Letramento ou New Literacy Studies (NLS)50. Para isso, destacamos que, segundo
Oliveira (2010), Kleiman e Assis (2016) e Leite (2020), a denominação deveria ser traduzida
para somente “estudos de letramento” no contexto brasileiro, uma vez que os estudos ancorados
nessa perspectiva já partem do pressuposto de que os letramentos:
[...] como práticas sociais, necessitam ser melhor entendidos nos seus contextos
sociais e históricos; são fruto de relações de poder; servem a propósitos sociais na
construção e troca de significados; formatam e são formatados pela cultura; sofrem
interferência de posições ideológicas, podendo estas serem explícitas e implícitas; são
dinâmicos à medida que são determinados por injunções de natureza econômica
(globalização), tecnológica (recursos da mídia e da internet), política (políticas
públicas de educação) e histórica (certas práticas valorizadas numa determinada época
que perdem o seu valor noutro tempo). (OLIVEIRA, 2010, p. 329).
Neste ponto, conforme salientou Oliveira (2010), os NLS englobam fatores que
extrapolam os elementos linguísticos, dialogando com o externo, com o contexto, com o social.
Brian Street, um dos principais pesquisadores da temática, defende e alcunha essa perspectiva
segundo o viés do letramento como prática social. Assim sendo, destacamos que os NLS
surgiram no Reino Unido com intuito de romper com estudos, investigações, modelos e
programas de letramentos, vigentes na década de 1980 – 1990 (quiçá modelos presentes na
atualidade ainda), nos quais apartavam o contexto social tão importante para a relação com a
cultura do escrito (STREET, 2014; BARTON; HAMILTON; IVANIC, 2005).
Na realidade, a proposta que se revela é de um grande movimento no âmbito das ciências
sociais, no início da década de 1980, que tenta se apartar dos modelos excessivamente
escrito ao codificar e decodificar a língua, diferentemente na apropriação, pois se faz uso dessa como propriedade
e consciência, revelando os efeitos de sentidos existentes na língua e seus códigos. 50 Para esse estudo vamos adotar NLS para se referir aos três termos similares: New Literacy Studies, Novos
Estudos do Letramento ou Estudos do Letramento.
110
psicológicos e cognitivos individuais, passando a centrar-se nos aspectos sociais e culturais do
uso da linguagem, além de sinalizar o papel constitutivo da própria linguagem dentro de nosso
seio/vida social (GEE, 2005; MAYBIN, 2005, p. 195).
Diante disto, cabe-nos sinalizar que, em sua episteme, a proposta nasce da necessidade
em romper com ideias estruturalistas e cognitivistas a fim de direcionar para uma construção
discursiva do conhecimento e da subjetividade – por um lado, seguindo Foucault, e por outro,
a noção de intertextualidade de Bakhtin, segundo Maybin (2005)51.
Bunzen (2014) atesta ainda outras correlações, mas especificamente, dos
desdobramentos dos NLS em solo brasileiro. Para o autor, os trabalhos buscam, de igual modo,
elos com a sociologia da educação por meio de Pierre Bourdieu e Bernard Lahire; com a “nova
história” através das obras de Roger Chartier, Anne Marie-Chartier, Jean Hébrard e Philippe
Ariès; na linguística com “[...] questionamentos sobre a concepção de aprendizagem da escrita
como algo essencialmente escolar, universal e neutro (Freire, 1975; Soares, 1998; Kleiman,
1995) [...]” (BUNZEN, 2014, p. 08), além de autores com Tfouni, Kleiman e Signorini
(linguística aplicada).
Em síntese, os NLS, após a virada pós-estruturalista, trazem em seus estudos o reflexo
de ideias construtivistas e sociais sobre como as atividades individuais são moldadas e dadas
na criação de sentidos pelos contextos sociais e culturais nas quais ocorrem. Revelando ainda
como essas atividades, por sua vez, são constitutivas de estruturas sociais e processos culturais
maiores.
Neste berço, a proposta dos NLS reflete como as barreiras teóricas podem beber de
diversas fontes e assim caracterizar uma abordagem multi, pluri, inter e, finalmente,
transdisciplinar52, uma vez que, além das áreas da antropologia, da etnografia, da educação, no
universo da linguística, os NLS atraem leituras para sua episteme de diversas correntes da
análise do discurso: Foucault sobre a construção discursiva do conhecimento e da subjetividade;
Bakhtin sobre intertextualidade; Bordieu com a noção de habitus; Análise Crítica dos Discursos
com as relações de poder nos discursos; por exemplo (MAYBIN, 2005).
51 Como expusemos ao longo dessa tese, Bakhtin não trouxe o termo intertextualidade em suas obras, apesar de
encontrarmos indícios sobre o primado da alteridade constitutiva dos discursos. 52 Defendemos, assim como Celani (1998), que a compreensão singular em uma postura multi, pluri e
interdisciplinar apenas observa um objeto em uma situação de integração. Quando pensamos em uma abordagem
transdisciplinar estamos indo além do que somente “[...] a justaposição de ramos do saber [...]” (CELANI, 1998,
p. 132), “[...] Novos espaços de conhecimentos são gerados, passando-se, assim, da interação das disciplinas à
interação dos conceitos, e, daí, à interação das metodologias. A transdisciplinaridade se realiza em uma
problemática transversal, através e além e se dissolve em seu objeto (Faure, 1992) [...]” (CELANI, 1998, p. 133
– grifos da autora).
111
Neste sentido, coadunamos com as palavras de Bunzen: “[...] Criou-se, assim, um
grande desafio para os pesquisadores brasileiros: compreender a escrita não apenas do ponto de
vista (psico)linguístico, mas também histórico, antropológico e cultural, levando em
consideração as relações de poder.” (BUNZEN, 2014, p. 08). Estas pontes com o contexto
sociocultural é o elo que unifica sobretudo as abordagens enunciativas e pragmáticas, por um
lado, especialmente centrada nas acepções do Círculo de Bakhtin, e, por outro lado, pelo viés
da análise do discurso de linha francesa (MARINHO, 2010c).
Em nosso contexto, nosso diálogo para esta tese, norteamo-nos pela construção e
aproximações com a ADD, mais especificamente. Deste modo, enfatizamos que os NLS trazem
uma nova tradição ao pensar a essência do letramento e sua natureza, pois antes essa se centrava
na aquisição de habilidades para o uso na relação com a escrita, pautando-se ainda por
abordagens dominantes sobre o manejo com o texto e esquecendo-se do letramento como
prática essencialmente social (STREET, 2003, p. 77). Isto implica, atualmente, reconhecermos
a existência de múltiplos letramentos que variam em tempo e espaço, estando imbricadas as
relações de poder. A questão seria, portanto, sinalizarmos quais letramentos são dominantes e
quais são marginalizados nas mais variadas esferas (STREET, 2003).
Diante deste cenário, Barton, Hamilton e Ivanic (2005, p. 01 – tradução nossa) definem
que os NLS partem do pressuposto que: “Os letramentos são situados. Todos os usos da
linguagem escrita podem ser vistos como localizados em sua relação tempo e espaço.
Igualmente, toda a atividade de letramento é indicativa de se inserir mais amplamente em
práticas sociais [...]”53. Para tal, essas práticas estão correlacionadas às instituições sociais e as
implicações das relações de poder que as sustentam.
Dito isto, os NLS nos possibilitam sinalizar para a heterogeneidade das práticas sociais
de leitura e de escrita por meio do uso da língua/linguagem em geral em sociedades letradas
sob a ótica que essas práticas são sociais, histórica e culturalmente situadas, envoltas por
relações ideológicas e de poder, demonstrando que os discursos não são neutros.
Assim, compreendemos ainda que o uso do termo letramento com “s”, deve ser grafada
no plural, pois vivemos em uma sociedade plural e linguisticamente multifacetada, assim, não
devemos pensar em letramento como algo único e pontual, mas vivenciamos essas práticas por
meio dos multiletramentos (ROJO, 2009). Outra reflexão é que, segundo Street (2014), trazer
o termo Letramento com L maiúsculo e no singular é justamente apartar o caráter múltiplo das
práticas letradas, seria designá-lo como algo único e neutro.
53 No original: “Literacies are situated. All uses of written language can be seen as located in particular times and
places. Equally, all literate activity is indicative of broadersocial practices [...]”.
112
Seguindo esta linha de pensamento, reforçamos que ao tomarmos a concepção de
multiletramentos, devemos sinalizar que esta concepção se distingue da de letramentos
múltiplos. Esta última se refere à multiplicidade e à diversidade das práticas de letramentos que
ocorrem em nossa sociedade, ao passo que os multiletramentos retrata “[...] a multiplicidade
cultural e a semiótica, especificamente, os distintos modos de representação presentes na
constituição dos textos [...]” (BAPTISTA, 2016, p. 67).
Para Leite (2020, p. 61), o conceito de multiletramentos está relacionado: “[...] por um
lado, a diferentes canais, códigos ou sistemas semióticos de comunicação e de mídia e, por
outro, à crescente diversidade cultural e linguística em termos de globalização, migração,
mudanças no mercado e multiculturalismo.” Logo, é a partir da constatação de que existem
letramentos múltiplos (profusão de inúmeras formas e exemplos de práticas de letramentos em
variados espaços) e multiletramentos, este último possibilita a formação crítica de sujeitos, no
qual o escopo se direciona para a natureza social da leitura e da escrita, valendo-se de sua
multiplicidade de ocorrências, mas sob o viés de perspectivas transculturais de interpretação –
STREET, 2014) que apontamos o papel da escola enquanto facilitadora de bens culturais a seus
aprendizes, ou ainda, como agência de letramentos (ABREU, 2018). Neste tocante, Rojo (2009,
p.101) afirma que:
[...] um dos objetivos principais da escola é justamente possibilitar que seus alunos
possam participar das várias práticas sociais que se utilizam da leitura e da escrita
(letramentos) na vida da cidade, de maneira ética, crítica e democrática. Para fazê-lo,
é preciso que a educação linguística leve em conta, de maneira ética e democrática,
os multiletramentos ou letramentos múltiplos, os letramentos semióticos e os
letramentos críticos e protagonistas.
Cabe à escola, como agência de letramentos, possibilitar essa educação linguística ao
fortalecer a formação do aprendiz em pleno século XXI, ao partir do pressuposto que
capacitamos, nesse contexto, um alunado multicultural. Por sua vez, o público discente
consome e produz linguagens de forma rápida e de alcance global com o borbulhar de inserções
tecnológicas em nosso cotidiano e tem na escola a possibilidade de vivenciar projetos de futuro,
segundo uma “pedagogia dos letramentos”, sob os caminhos: de uma diversidade produtiva, de
um pluralismo cívico e de (re)conhecimento de identidades multifacetadas por meio da relação
com a cultura do escrito (ROJO, 2013).
Avultamos que, no cenário brasileiro, sobretudo após a publicação e divulgação desta
abordagem em documentos governamentais (ABREU, 2012), há a sugestão em reformular
paradigmas educacionais que centrassem o sentido na imanência do texto e que acabassem
113
dissociando o sujeito de práticas reais comunicativas da linguagem, incentivando a perspectiva
dos letramentos na escola. A proposta seria conceber educar os aprendizes por meio de uma
educação linguística (OCNEM, BRASIL, 2006), em busca de uma formação cidadã54. Assim,
a própria BNCC (BRASIL, 2017) enaltece tais pontos e espera mudanças no cenário
educacional.
Acerca deste estímulo, para uma educação linguística, temos a possibilidade de
incentivarmos no contexto educacional o engajamento discursivo dos discentes em processos
de produção e de interpretação para além das linhas textuais (CASSANY, 2006; ABREU,
2011). Rojo (2005, p. 207) aponta esta possibilidade ao unificarmos o trabalho dos gêneros
discursivos em uma proposta do letramento ao explorarmos “[...] as características das situações
de enunciação [...]”. Contudo, Street (2003, 2014), ao trazer e defender o propósito dos NLS
para a natureza social dessas práticas de letramentos em eventos específicos, lembra-nos e
critica intensamente a perspectiva autônoma do letramento muito vivenciada entre os muros
escolares, pois, de acordo com o autor, a mesma favorece “[...] uma forma particular de
letramento sobre as muitas variedades que a pesquisa agora mostra existirem mundo afora. [...]”
(STREET, 2014, p. 13).
Neste ponto, destacamos a associação com o modelo autônomo do letramento, pois para
Street, a palavra modelo designa a forma deliberada para se “[...] referir a perspectivas
conceituais que padronizam noções sobre como é o mundo [...]” (STREET, 2010, p. 36). De
acordo com o autor, há dois modelos contrapostos neste contexto: o modelo autônomo versus
o modelo ideológico do letramento. No primeiro deles, o entendimento parte de uma concepção
“[...] centrada no sujeito e nas capacidades de usar apenas o texto escrito [...] As instituições, o
texto, os sujeitos são tratados de forma homogênea, independentemente do contexto social [...]”
(BUNZEN, 2014, p. 9). Sob esta perspectiva, os alunos são tábulas rasas, não trazem
conhecimento para ser partilhado, estão e “participam” da escola somente para absorver,
escutar, mas não para interagir. Assim, como Paulo Freire, Street se refere a essa visão bancária
da educação como aquela: “[...] que pensa os alunos como vasos vazios e que vamos
derramando nosso conhecimento em seus espaços vazios. [...]” (STREET, 2010, p. 47). Deste
modo, Street defende, assim como nosso patrono, a escuta, a compreensão que “[...] Esses
54 Tomamos a compreensão de formação cidadã assim como formulado por Abreu (2011, p. 23 – 24): “[...]
conjunto de ações possibilitadas no ambiente educacional: o acesso ao conhecimento, a constituição do sujeito
(valores e atitudes); o agir e o posicionar-se no mundo de forma consciente e crítica; o contato com outras formas
de interação através da linguagem; a oportunidade de debater e de compreender as desigualdades, relações de
poder, na sociedade como um todo; entre outros.”.
114
alunos estão engajados em uma sociedade, em uma cultura em que a escrita pode ocupar grande
espaço. [...]” (STREET, 2010, p. 49). Para Bunzen (2014, p. 09 – destaques do autor):
[...] O maior esforço, então, consiste em avaliar o que os sujeitos sabem sobre alguns
textos escritos com raras preocupações sobre como as pessoas os usam e o que
fazem com eles em diferentes contextos históricos e culturais. No entanto, as
discussões propostas por Street (1984, 38-39) mostraram que os sujeitos estão imersos
em um ‘armazém de conceitos, convenções e práticas’, ou seja, vivemos práticas
sociais concretas em que diversas ideologias e relações de poder atuam em
determinadas condições, especialmente se levarmos em consideração culturas locais,
questões de identidade e as relações entre os grupos sociais. Assim, em oposição ao
modelo autônomo do letramento, Street defende um ‘modelo ideológico’ para
compreender o letramento em termos de práticas concretas e sociais. Ou seja, as
práticas letradas são produtos da cultura, da história e dos discursos.
Portanto, a escola como principal agência do letramento (ROJO, 2009, 2012) deveria se
abrir para outras possibilidades de formação e assim acompanhar o progresso, sobretudo
tecnológico, que influencia as novas formas de comunicação, de interação social, inclusive
remodelando a cultura escrita. Para Street, pautar-se segundo uma Pedagogia dos letramentos,
é preciso ir muito mais além do operacionalizar técnicas sobre a função da linguagem, é
necessário auxiliar os discentes “[...] a adquirir consciência da natureza social e
ideologicamente construída das formas específicas que habitamos e que usamos em
determinados momentos.” (STREET, 2014, p. 23).
Deste modo, a questão se torna bem mais complexa: educar para a cidadania, educar
sob o viés de um engajamento discursivo, engajamento crítico, significando problematizar esses
espaços de domínio de poder. O desafio em uma educação que rompa com o paradigma
bancário é necessário para transformar o sujeito em seu locus de formação, no caso a própria
escola (ABREU, 2018).
Outras noções basilares para os NLS são as concepções sobre eventos e práticas de
letramentos que se associam ao contexto de consumo, de produção e de recepção sobre a cultura
do escrito e são noções distintas, mas que se complementam. Assim sendo, nos eventos de
letramento55 temos a singularidade como característica, descrevendo uma situação particular de
interação mediada por meio do texto escrito (MARINHO, 2010c, p. 78); ao passo que nas
práticas de letramentos encontramos aspectos que nos revelam padrões nesses eventos,
associando ao conjunto dessas regularidades (STREET, 2010). Enfatizamos que nas práticas há
um elo com a concepção cultural sobre a dinâmica com o escrito. De acordo com Barton e
55 Heath (1986) foi o pesquisador quem alcunhou o conceito de eventos de letramento pautado na área da
sociolinguística (com Hymes), mais precisamente, na teoria que investiga os eventos de fala.
115
Hamilton (2005, p. 08), integrantes do grupo sobre os NLS conjuntamente com Street, a
distinção entre eventos e práticas de letramento deve ser tomada da seguinte forma:
O letramento é melhor compreendido como um conjunto de práticas sociais;
estas podem ser inferidas de eventos que são mediados por textos escritos.
Existem diferentes letramentos associados a diferentes domínios da vida.
As práticas de letramento são moldadas por instituições sociais e relações de
poder, e alguns letramentos são mais dominantes, visíveis e influentes do que outros.
As práticas de letramento são intencionais e inseridas em objetivos sociais e
práticas culturais mais amplas.
O letramento é historicamente situado.
As práticas de letramento mudam, e as novas são frequentemente adquiridas
através de processos de aprendizagem informal e de atribuição de sentido – (grifos
dos autores, tradução nossa)56.
Neste sentido, as regras que se encontram subjacentes a um determinado evento se
dilatam às práticas de letramento, ao contexto social, histórico e cultural dos grupos nos quais
ocorrem esses próprios eventos (MARINHO, 2010c, p. 79). Além disso, Street (2010, 2014)
salienta que para além de compreendermos as práticas como regularidades dos eventos de
letramentos, estas trazem implicações para políticas educacionais, sinalizam caminhos,
possibilidades de investimentos, e, mais ainda, status nas relações de poder sobre o que
devemos produzir e o que devemos consumir dentro da escola, da academia, dos mais variados
espaços de formação ou espaços institucionalizados (FISCHER, 2007). Porém, ressaltamos a
reflexão posta por Street (2010), sobretudo ao associarmos a nossa proposta de compreensão
da esfera acadêmico-profissional e que denominamos letramentos acadêmico-profissionais de
discentes-estagiários de EMI:
[...] Quando se têm práticas de letramento social, há subcategorias dessas práticas:
práticas de letramentos acadêmicas, práticas de letramentos comerciais, práticas de
letramento religiosas e talvez práticas de letramento digitais. Minha preocupação é
que se proliferem tipos demais de práticas de letramento. Em alguns casos, elas estão
vinculadas à tecnologia em lugar das práticas sociais. Letramento de computação,
letramento tecnológico são exemplos de terminologias usadas para descrever
determinadas máquinas: televisão, computadores, celulares. O perigo é ir longe
demais nessa direção tecnológica e começar a esquecer o componente social, como se
a tecnologia isoladamente fosse o fator a determinar a natureza do letramento:
letramento de internet, letramento de computação. Nessa nomenclatura, parece que é
56 No original: “• Literacy is best understood as a set of social practices; these can be inferred from events which
are mediated by written texts.
• There are different literacies associated with different domains of life.
• Literacy practices are patterned by social institutions and power relationship, and some literacies are more
dominant, visible and influential than others.
• Literacy practices are purposeful and embedded in broader social goals and cultural practices.
• Literacy is historically situated.
• Literacy practices change and new ones are frequently acquired through processes of informal learning
and sense making.”
116
o computador como máquina que determinou o letramento em vez das práticas sociais
que determinaram como usamos o computador. [...] É sempre o contrário: as práticas
sociais determinam como usamos a tecnologia. (STREET, 2010, p. 44 – 45).
Neste sentido, o nosso escopo deve recair sobre os usos sociais da linguagem, da
interação que se faz naquele contexto com os usos sociais da escrita. Esta é a nossa bússola
quando nomeamos letramentos acadêmico-profissionais para os discursos que deixam revelar
esses letramentos em contextos específicos que o uso social do escrito esteja presente, tal como
nos relatórios de estágio. Posto isto, na subseção a seguir, refletimos sobre as proximidades
entre as duas correntes que sustentam nosso aparato teórico: a ADD e os NLS.
3.1.1 Nós e entrenós: aproximações entre a ADD e os NLS
Os NLS partem do pressuposto da vivência com a cultura do escrito em uma intrínseca
relação com o domínio dos gêneros discursivos em contextos específicos, haja vista que a
definição de sujeito letrado se orienta na acepção daquele sujeito que compreende, consome e
produz um determinado gênero diante de determinadas circunstâncias sociais, históricas e
culturais. Isso potencializa no contexto de aprendizagem (desde a escolar, perpassando a
universitária, laboral ou demais cenários onde a aprendizagem possa ocorrer) os aprendizes
“[...] a apreenderem conceitos, apresentarem e construírem informações novas, compararem
pontos de vista, argumentarem, levando-o, de igual modo, a autonomia de construir seu
processo de aprendizagem [...] ” (ABREU, 2012, p. 44), tudo isso por meio da relação com o
texto.
Tais características, em adotar a abordagem dos letramentos com uma visão para as
práticas sociais ideológicas presentes nessas vivências com o texto escrito ou com distintos
gêneros discursivos, fornecem-nos pistas como podemos dialogar com os estudos da ADD, cujo
objetivo seja educar para uma formação cidadã. Ademais, nos NLS a relação com a linguagem
não deve ser tida, em seus efeitos de sentidos e intencionalidades discursivas, como algo neutro,
mas sempre consideradas envoltas em relações de poder.
Este é um fato próximo do que defende a ADD, visto que, segundo essa perspectiva
teórica, todo discurso é ideológico, sendo o material social criado pelo homem nas suas relações
que dão existência ao próprio “material sígnico” específico, rico em valorações, posições
ideológicas (VOLÓCHINOV, 2018, p. 96). Realçamos ainda que, para além destes elos, o
próprio nascituro dos NLS remonta a Bakhtin, associando a noção de intertextualidade, e que
117
tomamos para essa nossa tese como sinônimo de dialogismo ao nos ancorarmos em uma
proposta bakhtiniana e do Círculo.
Neste ponto, em relação à noção de intertextualidade relacionada a Bakhtin de acordo
com os “fundadores” dos NLS, optamos por refletirmos e abrimos um parêntese nessa
associação, pois, defendemos que essa ponte foi erroneamente destinada às ideias do Círculo,
quer seja por questões de traduções, quer seja por confusões teóricas nos desdobramentos feitos
por Kristeva (FIORIN, 2014; BEZERRA, 2018), por exemplo. Assim, coadunamos com
estudiosos e comentadores da obra do Círculo (BRAIT, 2012, 2014a, 2014b; SOBRAL, 2009;
PAULA, 2013; entre tantos outros), que o que há de definidor nos escritos do Círculo de
Bakhtin é a noção de dialogismo, passo esse constitutivo da própria linguagem e definidor dos
discursos, das formas como se manejam os enunciados nas mais variadas atividades humanas,
em contextos sociais e temporais específicos.
O dialogismo, em outras palavras, entende que a realidade se apresenta para o homem
semioticamente, pois os discursos não se relacionam diretamente com o objeto/as coisas, mas
a outros discursos que se relacionam diretamente a esses de forma semiotizada
(VOLÓCHINOV, 2018; FIORIN, 2014). Esta é a distinção que tomamos como norte ao
pensarmos nos NLS, a compreensão para intertextualidade é por nós reconfigurada segundo as
ideias do Círculo de Bakhtin, visto que não houve essa definição, mas nos orientamos a pensar
no dialogismo como elo fundante das práticas comunicativas, consequentemente, de
letramentos, segundo a essência bakhtiniana.
Sinalizamos, ainda, que os NLS acabam revelando caminhos e possibilidades de se
estudar a escrita ou as relações ali postas que envolvem a cultura do escrito como base para
ampliarmos as reflexões teóricas e metodológicas no campo das ciências humanas, sob um viés
transdisciplinar (BUNZEN, 2014). De acordo com este viés, a noção de letramento como
prática social e a associação com os contextos ali imersos direcionam os trabalhos e sua
compreensão na construção de pontes com outras abordagens. Conforme sinaliza Street (2003),
os NLS têm, sobretudo, um compromisso crítico com uma teoria social, já que “[...] o quadro
no qual a pesquisa sobre letramento é conduzida ainda está sendo reconfigurado para incorporar
questões complexas como poder, identidade e agência” (STREET, 2014, p. 14).
Destacamos, portanto, que a ADD demarca seu compromisso ético, de igual modo, com
a responsabilidade e a responsividade em um processo alteritário de se (re)conhecer como
sujeito diante da relação com o outro, com o seu interlocutor, valendo-se do contexto para
compreender as RD que implicam valores e ideologias presentes nos enunciados discursivos,
por exemplo. E, diferentemente do que propõe os NLS, ao associar questões de identidade,
118
representações e ideologias ao indivíduo por meio dos letramentos, a ADD parte do pressuposto
que a identidade do sujeito surge da alteridade, pois o sujeito único e singular é permeado por
inúmeras RD com outros: “[...] o lugar da alteridade é onde a identidade pode se constituir.”
(MIOTELLO, 2018a, p. 23).
Diante deste contexto, temos uma mudança de eixo de valor na constituição do sujeito,
mudamos de uma visão egocêntrica, pautada no “eu”, na identidade “una”, para uma noção de
relações de alteridade, perpassando que é no processo interativo, interacionais, constitutivos da
relação do eu com o outro que se constrói a identidade do sujeito (MIOTELLO, 2018b).
Entretanto, sinalizamos que os NLS são abertos ao diálogo e vivem um período de um pouco
mais de trinta anos (no Brasil, se tomarmos como marco a obra de Kleiman em 1995; e quarenta
se remontarmos ao surgimento dessa abordagem no Reino Unido) de intenso debate que busca
somar estudos, teorias e a experiência vivenciada por vários investigadores no rastro ainda de
estabelecer caminhos mais robustos e cada vez mais menos insular ou isolados (STREET, 2003,
2014).
Seguindo este raciocínio, pesquisarmos os eventos e as práticas de letramentos significa
revelarmos como os usuários se dinamizam através dessa cultura do escrito, e, como esses
manuseiam, produzem e consomem as linguagens ali postas em dados contextos. O próprio
Street (2003, 2014) salienta que os NLS não têm a pretensão de ser uma teoria com uma
metodologia fechada, hermética, pois bem sabe que os currículos (se tomarmos a esfera escolar
como caso análogo), as bases pedagógicas de dados projetos escolares priorizam o conteúdo a
ser ministrado e que nem sempre possibilita associar aos NLS.
Este cenário faz com que os sujeitos educacionais tomem medidas e atitudes que
busquem adequações ao seu local de trabalho, a pressões que, por muitas vezes, não se abrem
para pensar contextos culturais híbridos de aprendizagem, relacionando assim a escolas apenas
como depósito do saber e não como espaço produtor, consumidor e divulgador do conhecimento
(STREET, 2003, p. 84).
Street enfatiza, portanto, que o contexto é o fator que orienta os NLS e suas aplicações,
pois cada situação tem sua particularidade e não podemos pensar que uma mesma proposta de
trabalho, de letramento, teria sucesso em qualquer espaço de forma unânime. Isto posto,
resgatamos o que Maybin nos diz sobre a importância de investigarmos os letramentos numa
perspectiva discursiva, pois:
Sugiro que a tomada de ideias seja mais complexa sobre discurso e intertextualidade
nesses estudos de letramento, permitindo aos pesquisadores conceituar mais
claramente o papel fundamental do letramento e das práticas na articulação dos
119
vínculos entre a experiência cotidiana das pessoas, instituições e estruturas sociais
mais amplas. É também possível permitir que eles explorem questões de poder,
através do exame da relação de contextos entre micro e macronível. (MAYBIN, 2005,
p. 195 – tradução nossa) 57.
Maybin complementa que os eventos de letramentos trazem uma riqueza tanto com
relação aos significados individuais, bem como sociais. Daí, a noção de práticas, em um
contexto macro, fornece um arcabouço conceitual e metodológico para compreendermos essas
inter-relações partindo de três níveis de análise, conforme exposto na Figura 4. Neste ponto, as
singularidades expressas nos eventos de letramentos demarcam vínculos com a proposta
bakhtiniana ao entendermos o sujeito, pois é no mundo vivido enquanto singularidade, como
experiência única, que cada sujeito se encontra e participa do mundo social.
Figura 4 – Níveis de análise de práticas de letramentos por Maybin (2005)58.
Fonte: Maybin (2005, p. 196).
Conforme nos diz Ponzio (2010, p. 21), nessa vivência única, “[...] a vida é transformada
em objeto e situa a identidade sexual, étnica, nacional, profissional, de status social, em um
setor determinado do trabalho, da cultura, da geografia política, etc.”. Por isso, Maybin (2005)
traz a título de exemplificação a reflexão de Hamilton sobre como podem ocorrer essas análises,
pois os componentes que caracterizam os eventos de letramentos postulam distintos aspectos
57 No original: I shall suggest that the taking on of more complex ideas about discourse and intertextuality in these
studies of literacy enables the researchers to more clearly conceptualise the pivotal role of literacy practices in
articulating the links between individual people’s everyday experience, and wider social institutions and structures.
It also enables them to explore issues of power, through examining the relationship between micro—and macro-
level contexts. 58 Tradução nossa e no original: “(a) individual activities, understandings and identities; (b) social events and the
interactions they envolve; (c) broader social and institutional structures”.
Atividades individuais, compreensões e
identidades
Eventos sociais e interações que envolvem
Estruturas sociais e institucionais mais amplas
120
da prática social que a correlaciona (MAYBIN, 2005, p. 198), corroborando a reflexão posta
por Ponzio.
Deste modo, quando as pessoas, por exemplo, interagem com uma fotografia exposta
em um jornal, há por trás toda a relação de participantes “invisíveis” que “[...] estiveram
envolvidos na produção, circulação e regulação do texto. Esses participantes invisíveis estão
associados a coleções particulares de sistemas de crenças, julgamentos de valor e relações de
produção, e todos estes também têm uma influência sobre como os textos [...]” (MAYBIN,
2005, p. 198 – 199 – tradução nossa)59 são manejados e como passam ganhar significados
outros.
Neste quesito, Maybin nos diz ainda que: “[...] Em um sentido bakhtiniano, a
reprodução e o enquadramento das imagens configura relações intertextual e significados
potenciais de forma semelhante às conotações de gêneros e registros que são invocados pela
reprodução de uma voz particular [...]” (MAYBIN, 2005, p. 199 – tradução nossa)60. No
entanto, compreendemos que mais que isso, amparados em reflexões bakhtinianas e do Círculo,
visualizamos como essas relações refletem e refratam posições axiológicas, relações dialógicas
com outras vozes, demonstrando a essência do dialogismo.
Maybin enfatiza também que recuperar os discursos produzidos em um nível local
proporciona ao pesquisador correlações com estruturas sociais mais amplas: “[...] como os
discursos carregam potenciais particulares para o posicionamento dos indivíduos e sua
subjetividade, sua articulação nas atividades locais também está atrelada a negociações e lutas
em torno do sentido das pessoas de sua própria identidade. [...] (MAYBIN, 2005, p. 200 –
tradução nossa)61.
Logo, Maybin pontua a necessidade de pensarmos em um termo que melhor designe
essa relação do micro com o macro e vice e versa. Para a autora, devemos pensar mais além da
intertextualidade, da intercontextualidade ou ainda da interdiscursividade, apesar de
compreender a importância teórica desses vocábulos. Diante disso, coadunamos com a
pesquisadora, pois a dinâmica que se entrelaça nas atividades cotidianas de letramentos dos
59 No original: “[...] who are interacting with the text in a newspaper photograph, there are also the invisible
participants who were involved in the text’s production, circulation and regulation. These invisible participants
are associated with particular collections of belief systems, value judgements and relations of production, and all
these also have a bearing on how the texts are used [...]”. 60 No original: “[...]Bakhtinian sense, the reproduction and framing of images sets up intertextual relationships and
potential meanings in a similar way to the connotations of genres and registers that are invoked by the reproduction
of a particular voice [...]”. 61 No original: “[...]The articulation of these discourses at a local level therefore provides a key linkage with
broader social structures. In addition, because discourses carry particular potentials for the positioning of
individuals and their subjectivity, their articulation in local activities is also tied up with negotiations and struggles
around people’s sense of their own identity. [...]”.
121
sujeitos representam algo maior, mais além, pois estamos pensando em instâncias
ideológicas/esferas ideológicas nos quais são negociados sentidos, construção da identidade por
meio de processos alteritários, relações sociais e a própria consolidação de estruturas
institucionais (nos lembrando assim a relação dos gêneros primários e secundários que se
retroalimentam diante do mundo ideológico, conforme expusemos na seção anterior).
Tais vínculos podem ser direcionados e reforçados como o que é proposto por Maybin
(2005), na Figura 4, a título de exemplificação: 1. Os dimensionamentos relacionados a
circulação e produção de gêneros primários e secundários; 2. As práticas discursivas que
refletem e refratam relações dialógicas; e, 3. As materialidades textuais discursivas. Não
diferente, esses espaços se deixam revelar pelas marcas do discurso as esferas ideológicas que
se materializam por sua vez nos mais diversos gêneros, por isso podemos vislumbrar as
características que demarcam os grupos investigados através da materialidade discursiva
presente em um dado gênero, se tomarmos como ponte o nosso contexto: o gênero relatório de
estágio.
Portanto, costuramos mais esse ponto em nosso projeto, pois essa noção de relações nos
discursos, nos gêneros discursos, que essa “sociedade letrada” tem contato, nos dá o arremate
para somarmos a ADD e os NLS. Volochínov (2013a, p. 141 – grifos do autor) sinalizava que
a linguagem presente nos gêneros “[...] É o produto da atividade humana coletiva e reflete em
todos os seus elementos tanto a organização econômica como a sociopolítica que a gerou”. Em
síntese, a própria linguagem coopera de forma a criar os grupos, as divisões de classes e os
patrimônios da sociedade. Para Bakhtin (2016a, p. 41):
Muitas pessoas que dominam magnificamente uma língua sentem amiúde total
impotência em alguns campos da comunicação, justo porque não dominam na prática
as formas do gênero desses campos. Com frequência, uma pessoa que tem pleno
domínio do discurso em diferentes campos da comunicação cultural – sabe ler um
relatório, desenvolver uma discussão científica, fala muito bem sobre questões sociais
– em uma conversa mundana cala ou intervém de forma muito desajeitada. Aqui não
se trata de pobreza vocabular nem de estilo tomado de maneira abstrata; tudo se
resume a uma inabilidade para dominar o repertório dos gêneros da conversa
mundana, à falta de um suficiente acervo de noções sobre um enunciado inteiro que
ajudem a moldar de forma rápida e descontraída o seu discurso nas formas estilístico-
composicionais definidas, a uma inabilidade para tomar a palavra a tempo, começar
corretamente e terminar corretamente (nesses gêneros, a composição é muito
simples).
Logo, o domínio de um repertório de gêneros correlacionamos aos letramentos do
sujeito e que imbricados a eles, mais além do que a apropriação do código linguístico, estão
outros fatores: como a competência partilhada entre seus membros (definição proposta pelos
NLS) ou horizonte social partilhado (definição proposta pelo viés bakhtiniano); o
122
pertencimento a um determinado grupo social (comunidade) e o reconhecimento das tradições
do gênero partilhado; e, a própria prática, o uso, as relações do gênero na vida dos sujeitos.
Diante disto, na subseção posterior aprofundamos nosso estudo, buscando
contribuirmos com determinadas lacunas anteriormente sinalizadas ao longo desta
investigação. No caso, adentramos no debate sobre os letramentos acadêmicos e profissionais,
para em seguida, vislumbrarmos a reflexão sobre comunidades de práticas e comunidades
discursivas.
3.2 NA FLORAÇÃO: LETRAMENTOS ACADÊMICOS E PROFISSIONAIS
Em nosso percurso investigativo, além da ADD, tomamos como norte os NLS como
uma visão que parte do pressuposto de que o letramento deve ser estudado como uma prática
social em uma perspectiva transcultural (STREET, 2014). Neste cenário, compreendemos o
distanciamento necessário em pensarmos a visão dominante do letramento, cujo tratamento o
faz como uma habilidade “neutra” ou até mesmo por meio de uma simples “técnica”, mas que,
por outro lado, partíssemos da compreensão dos letramentos como práticas ideológicas envoltas
em relações de poder, nos quais reverberam significados e práticas culturais singulares.
Assim, o contexto real de uso social da leitura e da escrita é o grande pilar dos estudos
sobre letramentos. Ao abordamos esses estudos, trouxemos à baila a noção de multiletramentos,
visto que em suas práticas, por meio de letramentos múltiplos, os tons valorativos, os papéis
sociais elencados pelos participantes e os textos que esses sujeitos produzem e consomem
partem, de igual forma, do pertencimento a um grupo, a um domínio, a uma esfera de produção
e de circulação. Como exemplo, podemos citar o letramento escolar, o letramento profissional,
o letramento matemático, o letramento religioso, o letramento acadêmico, entre tantos, que
conferem aos seus usuários em seus contextos particulares a forma de como se ocorre a cultura
escrita naquele espaço (OLIVEIRA E PAIVA, 2019; SOARES, 2010; VIANNA et al., 2016).
Sob esta ótica, centramo-nos, nesta seção, em ampliarmos o debate sobre o domínio dos
letramentos acadêmicos e profissionais, pois compreendemos, como discutimos na seção
anterior, a esfera escolar no contexto do EMI possui particularidades outras que são distintas
da usualmente “configurada”. A princípio, partimos da constatação de que discentes de EMI
produzem, consomem e vivenciam experiências relacionadas a uma determinada cultura
acadêmica já no Ensino Médio (LEITE, 2020; BATISTA JÚNIOR, 2020). Em nosso caso,
entendemos ainda que esse público participa ainda de uma outra cultura, a saber: a profissional.
E, em ambas, mesmo que de forma embrionária, encontramos presentes além da formação
123
técnica e acadêmica, a prática profissional gestada quando do estágio vivenciado pelos
discentes.
Portanto, nossa proposição, inicialmente, trata de refletirmos estas culturas e domínios,
introduzindo e problematizando os letramentos acadêmicos para posteriormente adentrarmos
na discussão dos letramentos profissionais. Justificamos tal ordenação na apresentação da
reflexão, pois entendemos que os letramentos profissionais foram vivenciados sobretudo pela
ótica do letramento acadêmico, estando inserido em um dinâmica no qual a avaliação escolar
permeia seus eventos e consequentemente suas práticas.
Neste percurso, evidenciamos, o que Leite (2020, p. 71) pontua, pois na literatura e
diríamos em um senso comum, “[...] o adjetivo ‘acadêmico’ restringiria seu alcance ao contexto
da academia, logo, do ensino superior, de tal sorte que para a educação básica caberia outro
termo: alfabetização científica ou letramento científico.”. Isto posto, o letramento científico se
associaria ao contexto educacional, pois o entende como prerrogativa do acesso, no sentido de
formação do discente como cidadão, uma vez que que o alunado vivencia constructos teóricos
por meio de textos, tais como o de divulgação científica, segundo essa linha do letramento
científico. Para Fuza (2015), como as práticas são dinâmicas no contexto educacional e as
fronteiras um tanto fluidas, o melhor termo seria letramento acadêmico-científico para práticas
que consideram o contato com gêneros, a saber: resumos, resenhas, experimentos, artigos, entre
outros.
Em nosso contexto, sinalizamo-los somente como letramentos acadêmicos, pois
ancorados em Lea e Street (2014), entendemos que “Embora o termo ‘letramentos acadêmicos’
tenha sido originalmente desenvolvido visando ao estudo de letramentos em nível superior, o
conceito também se aplica ao período da pré-escola ao ensino médio [...]” (LEA; STREET,
2014, p. 477). Diante disso, reforçamos, pautados em Barton e Hamilton (2012), que é preciso
preparar a universidade para se abrir para as produções existentes com seus inúmeros
letramentos fora de seus muros. Inclusive, a própria universidade reclama um letramento
acadêmico quando o aluno adentra ao ensino superior, como se na escola “regular” o discente
tivesse tido contato com os diversos gêneros característicos desse campo de atividade humana
(BATISTA JÚNIOR, 2020). Na realidade, a escrita acadêmica, em especial, possui um
tratamento diferenciado, quer seja do processo educacional, quer seja a nível acadêmico-
científico (LEA; STREET, 1998, 2014; LEITE, 2020; PRÍNCIPE, 2017, PASQUOTTE-
VIEIRA, 2016; FIAD, 2016b).
Assim, é preciso desmistificarmos os letramentos acadêmicos que tomam por base o
modelo dominante do “déficit” (se discentes escrevem bem ou mal, se sabem ou não escrever)
124
ou modelo dominante de uma crença nos quais os discentes deveriam já vir “prontos” da
educação básica ao adentrarem na Universidade. Para Fiad (2016), o discurso do déficit carrega
em si essa crença e ainda a expectativa de professores e outros atores, mediadores dos
letramentos, de que quanto maior a escolaridade por parte dos alunos (anos em sala de aula) há
a crença de que esses estariam “[...] aptos a escreverem o que quer que lhes seja solicitado ou
cobrado [...]” (FIAD, 2016, p. 210). Deste modo, quando as expectativas não são alcançadas,
se cria e fortalece a crença de que os discentes são incapacitados e, consequentemente, não
sabem ler e escrever em contextos acadêmicos, por exemplo.
Em nossa reflexão, partimos da compreensão que a abordagem dos estudos dos
letramentos entende o papel da leitura e da escrita em uma sociedade contemporânea, captando-
as como práticas sociais que se moldam de acordo com o contexto, com a cultura e com o
próprio gênero. Assim, “[...] As práticas de letramento de disciplinas acadêmicas podem ser
entendidas como práticas sociais variadas associadas a diferentes comunidades [...]” (LEA;
STREET, 2014, p. 477). Neste trajeto, defendemos que os letramentos acadêmicos também
possibilitam identificar traços de correlação com outros pontos muito além de temas,
disciplinas, e, gêneros. Do mesmo modo, conforme sinalizam Lea e Street (1998; 2014), é
possível visualizarmos como os discursos institucionais ou interlocutores dos letramentos
demarcam seus lugares nessas práticas e nessas relações.
Para Lea (2004), as investigações que tomam os letramentos acadêmicos como norte se
pautam na compreensão de que as práticas são culturais e sociais, dependem especialmente do
contexto particular nos quais ocorrem, mas que na esfera acadêmica tendem “[...] a construir
esses quadros através de pesquisas sobre o contexto particular do ensino superior e as lacunas
aparentes entre o entendimento dos tutores e dos alunos sobre a escrita para avaliação” (LEA,
2004, p. 740) – (tradução nossa)62.
Para isso, dentro de uma abordagem que se pauta na cultura do escrito, Lea e Street
(2014) defendem a existência de três perspectivas ou modelos: (a) modelo de habilidades de
estudo, (b) modelo de socialização acadêmica e (c) modelo de letramentos acadêmicos.
Evidenciamos que no primeiro modelo se fomenta a crença de que aprender as habilidades
linguísticas faz do sujeito aprendiz um excelente produtor de texto em qualquer situação,
esquecendo assim as particularidades de contexto, de circulação, de produção e de compreensão
de um dado gênero. A escrita toma o texto como enformado para um significado imanente,
próprio e único, desconsiderando “[...] completamente as especificidades das disciplinas quanto
62 No original: “[...] has been concerned to build on these frameworks through research into the particular contexts
of higher education and the apparent gaps between tutors’ and students’understanding of writing for assessment.”.
125
a suas formas de produzir e divulgar conhecimento [...] (LEITE, 2020, p. 74). Neste modelo de
habilidade, deparamo-nos com uma relação direta ao modelo autônomo do letramento, uma vez
que concebe a existência de letramento, mas destoa e nega a existência de particularidades que
moldam essa produção escrita.
No segundo modelo, da socialização acadêmica, realçamos que os docentes buscam
inserir os discentes em uma dada cultura acadêmica ao dominar as práticas comunicativas
daquele dado contexto. Contudo, fazem-no compreendendo a cultura escrita de uma maneira
homogênea e como se o processo fosse tomado de forma transparente. Deste modo, partem da
noção de que distintas áreas do saber utilizam gêneros e discursos que lhe são particulares, e
visam incentivar a aculturação dos discentes. Ou seja, nega o sujeito e suas histórias, e,
consequentemente o seu grupo, em busca de adaptá-lo(s) a uma cultura dominante que dita
quem pode dizer e fazer, além de validar os discursos ali presentes.
Conforme Lea e Street (2014, p. 479), os: “[...] Estudantes adquirem modos de falar,
escrever, pensar e interagir em práticas de letramento que caracterizavam membros de
comunidade disciplinar ou temática. [...]”. Princípe (2017) complementa que, nesse segundo
modelo de socialização acadêmica, o tratamento dispensado ao gênero e consequentemente aos
discursos reproduzidos por grupos/culturas distintas são tomadas: “[...] como relativamente
estáveis de forma que se possa pensar que o domínio de um montante de regras e normas de um
discurso acadêmico específico torne os alunos aptos a se inserirem em todas as práticas de
letramento da academia [...]” (PRÍNCIPE, 2017, p. 73).
Assim, no terceiro modelo, o qual defendemos: os letramentos acadêmicos, há o
entendimento que centrar “forças” somente em aspectos formais (caráter imanente do texto) ou
mesmo em modelos textuais que circulam em uma dada comunidade não representa a garantia
da participação ativa dos discentes nesses espaços institucionais. A relação presente para este
terceiro modelo seria a conexão com a produção de sentido, a identidade, o poder e a autoridade,
estando em “[...] primeiro plano a natureza institucional daquilo que conta como conhecimento
em qualquer contexto acadêmico específico [...] (LEA; STREET, 2014, p. 479).
A diferença entre esta estrutura e o modelo de socialização acadêmica reside em
considerarmos os contextos de forma mais complexos e multifacetados, objetivando
observarmos como o processo de aquisição ou da cultura escrita nesses cenários são dinâmicos,
situados e que envolvem relações de poder entre sujeitos, instituições e identidades sociais, que
em nosso caso, nascem das relações de alteridade com os demais interlocutores: “[...] tanto em
nível universitário quanto em nível fundamental e médio, os modelos de habilidades e de
socialização acadêmica têm guiado o desenvolvimento de currículos, de práticas didáticas bem
126
como de pesquisas” (LEA; STREET, 2014, p. 479), mas é preciso instigarmos nestes mesmos
espaços a percepção que o terceiro modelo nos traz.
Logo, o modelo dos letramentos acadêmicos63 se filia ainda ao modelo ideológico do
letramento, conforme proposto por Street (2010, 2014). Depreendemos assim que há uma
variedade de letramentos acadêmicos destinados para cada disciplina do saber, na qual, segundo
a necessidade dos discentes, transita por esse emaranhado e, assim, este público constrói suas
concepções e identidades (processos alteritários) ao se engajarem discursivamente em um dado
campo. Desse modo, no modelo dos letramentos acadêmicos, temos como pressuposto que as
disciplinas possuem nuances próprias e que cada contexto de aprendizagem nas relações postas
entre professor/a e discentes também elaboram novos cenários, como sinaliza Lea e Street
(1998, s/p – tradução nossa):
[...] Uma abordagem dos letramentos acadêmicos vê as instituições nas quais as
práticas acadêmicas ocorrem como constituídas em (e como locais de) discurso e
poder. Ela vê as exigências de letramento do currículo como envolvendo uma
variedade de práticas comunicativas, incluindo gêneros, campos e disciplinas. Do
ponto de vista do aluno, uma característica dominante das práticas acadêmicas de
letramento é o requisito de mudar as práticas entre um cenário e outro, implantar um
repertório de práticas linguísticas apropriadas para cada cenário e lidar com os
significados e identidades sociais que cada um evoca. Essa ênfase nas identidades e
nos significados sociais chama a atenção para conflitos afetivos e ideológicos
profundos na mudança e no uso do repertório linguístico. […]64.
Em outras palavras, estudantes de EMI de Agropecuária e de Edificações terão em
comum disciplinas de Língua Portuguesa e de Desenho e Topografia; terão ainda disciplinas
distintas a cada curso, mas quiçá poderiam ocorrer aproximações em seus eventos de
letramento, tais como: associação e cooperativismo em Agropecuária e orientação de estágio
em Edificações. Tais disciplinas apresentam particularidades com a dinâmica da cultura escrita
63 Segundo Lea e Street (2014, p. 480): “[...] O modelo de socialização acadêmica é associado ao crescimento do
construtivismo e da aprendizagem situada na qualidade de quadros organizadores tanto quanto ao trabalho de
campo da Sociolinguística, Análise do Discurso e Teoria dos Gêneros [...]”, e complementam: “[...] O modelo de
letramentos acadêmicos é infuenciado pela linguística crítica e social (Candlin, Hyland, 1999; Fairclough, 1992)
e por críticas recentes oriundas da teoria sociocultural (Bloome et al., 2005; Lewis et al., 2007), que dão ênfase a
uma teoria da aprendizagem que coloque, em primeiro plano, poder, identidade e agenciamento como papel da
linguagem no processo de aprendizagem” (LEA; STREET, 2014, p. 481). Essas aproximações teóricas nos
mostram como os NLS buscam beber de variadas fontes para compreender as relações postas de poder nas variadas
práticas de letramento. Não obstante, podemos de forma similar romper essas barreiras e criarmos pontes
transdisciplinares ao aproximarmos nossa proposta em unificarmos a ADD e NLS para estudar nosso corpus. 64 No original: “[...]An academic literacies approach views the institutions in which academic practices take place
as constituted in, and as sites of, discourse and power. It sees the literacy demands of the curriculum as involving
a variety of communicative practices, including genres, fields and disciplines. From the student point of view a
dominant feature of academic literacy practices is the requirement to switch practices between one setting and
another, to deploy a repertoire of linguistic practices appropriate to each setting, and to handle the social meanings
and identities that each evokes. This emphasis on identities and social meanings draws attention to deep affective
and ideological conflicts in such switching and use of the linguistic repertoire. […]”
127
destinada a cada uma delas, exigindo que cada grupo (Agropecuária e Edificações) lide com
diferentes formas de formação/orientação distintas para sua inserção na mesma comunidade a
qual pertença.
Assim, reforçamos que estes modelos (modelo de habilidades de estudo, modelo de
socialização acadêmica e modelo de letramentos acadêmicos) não se excluem, mas se
complementam: são sobrepostos em dados momentos, quer seja em sua aplicação, quer seja a
nível teórico (LEA; STREET, 2014). Ratificamos que na construção e na execução dessas
práticas de letramento por meio desses modelos, não tratamos em pensá-los especificamente no
viés pedagógico, uma vez que cada contexto de pesquisa e de vivência se tornam plurais, mas
fortalecemos a essência em compreendermos as particularidades existentes e como essas sofrem
determinadas “coerções de normas institucionais” ou ainda das relações que subjazem
“subjetividades e institucionalidades” complexas entre os sujeitos educacionais (LEITE, 2020,
p. 77).
Segundo Lea e Street (1998, 2014), a defesa está no processo de apropriação da escrita
por parte do discente de forma consciente e crítica, fazendo-o interagir com o seu agir e fazer
acadêmico, ao validar o saber diante de uma comunidade de prática ou um contexto disciplinar
singular, compreendendo as relações de poder envoltas nesse processo. Desse modo, assim
como Fiad (2016), entendemos que uma abordagem dialógica segundo o quadro do modelo dos
letramentos acadêmicos seria uma das propostas no âmbito desta busca de construção de
alternativas tanto a nível teórico quanto prático para os modelos.
Assim sendo, a diversidade de experiências cotidianas faz com que docentes e
pesquisadores se atentem que há uma diversidade presente nas práticas de escrita e que, por sua
vez, “[...] exigem competências múltiplas para além da simples obediência ao registro forma.
[...]”, com o passar do tempo e do amadurecimento acadêmico há uma sensibilização para o
fato de que se inserir no grupo social validado, só se torna possível quando nos apropriamos
dos gêneros que ali circulam, bem como de nossa compreensão da dinâmica ali posta, estando
sujeito inevitavelmente a “[...] regras de interação e juízo de valor [...]” (VIEIRA; FARACO,
2019, p. 95) daquele cenário particular.
Nisto, Curry e Lillis (2016), convidam-nos a refletir que, por exemplo, cogitarmos no
processo de escrita acadêmica o ato de publicar, socializar as informações postas em uma dada
produção, trata-se inevitavelmente de uma prática social que modifica as relações postas nessa
escrita, uma vez que outros agentes nortearão certamente essa escrita. Salientamos que esses
agentes têm o nome, segundo Lillis e Curry (2006), de mediadores do letramento ou literacy
brokers. Nesta empreitada, o foco das autoras era a compreensão da influência desses
128
mediadores em suas pesquisas sobre a produção escrita em inglês para publicações de alto
impacto, seja por produtores de inglês como língua materna, seja por produtores de inglês como
segunda língua.
Neste sentido, as pesquisadoras entendem que estes mediadores seriam editores de
revistas, revisores, pares acadêmicos, amigos e colegas que dominassem a linguagem proferida
em um dado gênero, que de algum modo “[...] ajudam no acesso a fontes, no conhecimento de
‘conversas’ atuais das disciplinas e periódicos acadêmicos [...]” (CURRY; LILLIS, 2016, p.
38), auxiliam ainda na conscientização da publicação ao oferecer assistência.
Bessa (2016), Motta-Roth e Hendges (2010), outros tantos pesquisadores, que estudam
a escrita acadêmica, lembram-nos que no caso específico de uma publicação, por exemplo, além
do orientador, seremos interpelados por questões como normas editoriais (quantidade de
páginas, formatação, exigência de publicação em língua materna e/ou estrangeira, dentre
outros), os avaliadores (avaliação a cegas, por pares), o público etc. Ou seja, estamos diante de
interlocutores, de terceiros, na perspectiva bakhtiniana, e/ou mediadores dos letramentos,
segundo os NLS.
No caso de Curry e Lillis, que investigam a escrita acadêmica sobre pesquisadores que
utilizam a língua inglesa como meio de difusão do conhecimento, elas tratam ainda os
mediadores dos letramentos sob duas perspectivas, de um lado os mediadores acadêmicos do
letramento (conforme expusemos) e os mediadores linguísticos do letramento. A este último, é
compreendido o papel dos tradutores ou que possuem uma força relacionada a correções da e
para a língua-alvo. Em nosso estudo, deteremos-nos na primeira categoria para a reflexão
proposta por esta tese - ou seja, aprofundamos o debate sobre os mediadores dos letramentos.
Ainda de acordo com Curry e Lillis (2016), a partir do momento em que há práticas
sociais da escrita cuja orientação seja para publicar algo, inevitavelmente, instauram-se relações
de poder, sobretudo, se pensarmos em contextos educacionais onde há dinâmicas de poder
institucionalizadas. As autoras ainda sinalizam que tais relações de poder institucionais são
visíveis especialmente quando se consegue recuperar das instituições seus objetivos e como
conseguem atingi-los. Deste modo, números como quantidades de formandos, quantidade de
publicações, quantitativo de pesquisas, número de atividades extensionistas, significam
estratégias frente a um mundo competitivo que atendem a esta demanda de produtividade.
Em nosso contexto, a escrita do relatório de estágio, por exemplo, se trata de uma prática
de escrita acadêmica que remonta a sua prática profissional: de um lado teremos a vivência e a
expertise posta no estágio e, de outro, o produto que narra essa experiência. Logo, o discente
deverá respaldar sua escrita em estudos da área, fazer anotações, esboços, revisões, dentre
129
outros inúmeros passos que demonstram as relações postas nesse contexto social específico. E
que, por fim, será publicizado, avaliado e dada uma notação que o aprova ou não naquela
disciplina do saber65.
Mais especificamente, no cenário da escrita de relatório de estágio, defendemos se tratar,
portanto, de espaços sociais e de relações específicas de poder, visto que outros sujeitos se
inserem além do aluno-estagiário para validar e aprovar esse “dizer”, tais como: o supervisor
do estágio, o orientador do estágio, o coordenador do setor de estágio, as normativas que
regulam a sua escrita, entre outras vozes que validarão se o objetivo fora alcançado.
O sujeito discursivo em meio às práticas letradas acadêmicas é construído, por um
lado, por suas escolhas e, ao mesmo tempo, por essas relações que determinam
o que pode e como pode ser dito para os múltiplos interlocutores com os quais
o diálogo é estabelecido, mas, principalmente, aqueles que, na hierarquia das
relações acadêmico-institucionais, estabelecem a regra do jogo, sejam eles os
professores de disciplinas, os orientadores e avaliadores de projetos escritos de
pesquisas nos mais diferentes graus, os pareceristas e editores de publicações, entre
outros (PASQUOTTE-VIEIRA, 2014, p. 71 – 72).
Para Lillis e Curry (2006) e Curry e Lillis (2016), essa tendência de mediar pode forçar
a transformação do resultado da produção escrita em um discurso monológico ou monolíngue,
pois, em seus estudos, as pesquisadoras observaram um número significativo destes mediadores
como “corretores do letramento”. Tais mediadores, por sua vez, se envolvem de forma direta
“[...] na produção de tais textos, influenciam os textos de formas diferentes e importantes. [...]”
(LILLIS, CURRY, 2006, p. 03 – tradução nossa)66. Segundo Pasquotte-Vieira, este tipo de
perspectiva monológica ocorre quando a linguagem passa a ser vista “[...] como comunicação
a ser recepcionada: o endereçamento não seria para a responsividade, mas para a recepção
do enunciado da autoridade.” (PASQUOTTE-VIEIRA, 2016, p. 186) – (destaques da autora).
Conforme expõem Lillis e Curry (2006), a compreensão da perspectiva monológica
deve ser mais aprofundada, instigando-nos a ampliar estudos e investigações para verificar se
o fenômeno realmente se consolidaria para esse apagamento de vozes e a existência da
prevalência de uma única voz. Reforçamos que, a nosso ver, há implícito nessa interlocução
com os mediadores dos letramentos uma “negociação dialógica” (PASQUOTTE-VIEIRA,
2014, 2016). Assim, o texto não seria um produto monológico, pois essa negociação deve
65 Lillis (2008), segundo Fiad (2016b) e Pasquotte-Vieira (2016), convida-nos a refletir sobre a “história do texto”
pautada na metodologia de Ivanic sobre “conversas em torno do texto”. Isso nos potencializa a pensarmos que o
produto final que é o texto teve um transcurso de outras fontes e de diálogos outros até que se chegasse naquela
versão. Assim, e-mails, anotações, diários, pareceres, orientações, interações entre alunos e colegas, tudo isso
sinalizam os vários diálogos presentes em um texto acadêmico. 66 No original: “[...]in the production of such texts, influence the texts in diferent and important ways. [...]”.
130
ocorrer voltando o escopo para “[...] a construção de sentidos como fundamentais à integração
dos sujeitos aos contextos situados de produção escrita, interlocuções e relações de poder [...]”
(PASQUOTTE-VIEIRA, 2016, p. 166). Por meio de práticas de letramento acadêmico que
visem uma negociação dialógica e não “autoritária”, como pontua Bakhtin (2015), é possível
vislumbrarmos “[...] um processo dinâmico, permanentemente aberto e constantemente
redefinido e renegociado em meio aos interlocutores, às relações de poder e ao contexto em que
se inserem [...]” (PASQUOTTE-VIEIRA, 2014, p. 05).
Neste ponto, as noções de forças centrípetas e centrífugas, debatidas nesta tese, integram
as relações dialógicas com os interlocutores/mediadores dos letramentos, inclusive de como
perceber os indícios dos discursos autoritários e internamente persuasivos que o sujeito recupera
no fio discursivo (LILLIS, 2003). Portanto, a noção de dialógico deve ser compreendida como
algo transparente na proposta que segue também os NLS, pois o discurso acadêmico e
profissional, em sua relação com a produção e compreensão intermediada pela cultura do
escrito, sempre responde e recupera outros discursos (LILLIS, 2003; FUZA, 2016).
Segundo Fuza (2016), responder a essas vozes de interlocutores mais próximos ou a
outras vozes distantes, tais como o de discursos oficiais, estamos diante de um interlocutor
“superior” dentro desse processo comunicativo e interacional dos discursos. Para a autora, que
sustenta sua proposta sob uma ótica baktiniana, a expressão “interlocutor superior” diz respeito
a “[...] uma instância superior que rege a produção dos discursos, como um modelo de
comunidade a que o enunciador pertença ou os próprios discursos dos documentos oficiais que
determinam, por exemplo, condutas dos sujeitos.” (FUZA, 2016, p. 66).
Entretanto, a título de construção de pontes entre os conceitos, propomos nesta tese a
denominação de interlocutores mediadores dos letramentos, quando pensarmos no outro
presente no fio discursivo que mantém correlação direta com o horizonte social partilhado com
o sujeito discursivo. Enfatizamos que não adotamos o termo “superior”, pois seguindo a
essência bakhtiniana, os efeitos de sentidos dados ao termo poderiam explorar certas relações
de poder e de hierarquia que criticamos ao longo desta seção.
Se adentrarmos nas discussões sobre os letramentos profissionais, teremos a mesma
postura desses interlocutores ou mediadores, mas em associação a outros contextos. Em síntese,
as relações de poder e o endereçamento da produção discursiva sempre é mediada e pensada no
outro, no interlocutor. No caso do estudante estagiário, este possui o contato com o gênero
profissional, o qual se constitui como uma espécie de “corpo intermediário” entre os sujeitos
daquele contexto. Nesta relação, por um lado, está a situação social e, por outro, o próprio objeto
de trabalho que acolhe o sujeito e seu interlocutor (REICHMANN, 2012, 2016).
131
Nos letramentos direcionados ao contexto profissional, a dinâmica de apreensão e
“domínio” dos gêneros que circundam esta esfera específica mostra-se distinta nos ambientes
formais e institucionalizados de aprendizagem como a escola ou a universidade. O contato com
a cultura do escrito se dá especialmente pela imersão ou pela participação ativa na comunidade
profissional (BAWARSHI; JO REIFF, 2013). Ou seja, estamos diante de duas situações em
relação aos letramentos profissionais presentes no gênero como o relatório de estágio: uma que
remete à esfera real de atuação desse campo correlacionado à formação profissional e outra ao
campo do contexto formativo, tal qual a formação acadêmica/escolar67.
De todo modo, inserir-se no domínio do trabalho em um mundo competitivo significa
buscar “[...] estratégias efetivas para interagir, ganhar acesso à informação e dela fazer uso para
solucionar problemas ligados ao funcionamento e produtividade [...]” (OLIVEIRA, 2010, p.
331) de uma dada organização, instituição e/ou empresa. Surge, assim, a necessidade de “novos
letramentos”, capacitação e formação continuada para jovens profissionais ou para quem já atua
no mercado. Os letramentos vivenciados no universo profissional da atualidade apontam para
a necessidade de agir e interagir especialmente na “era do conhecimento”: “[...] cujo tom recai
nas ideias dos indivíduos ou na sua capacidade para pensar e criar, o que exige o
desenvolvimento de várias competências do ponto de vista profissional. [...]” (OLIVEIRA,
2010, p. 331). Salientamos que tais práticas são mediadas pelo escrito, o contexto de atuação,
as demandas ali exigidas, recuperam ainda um letramento escolar mínimo para que o sujeito
consiga atuar de forma efetiva nas ações de linguagens e as práticas vivenciadas.
Desta forma, em uma espécie de ciclo contínuo, para responder a tais necessidades,
voltamos à agência de letramentos que é a escola ou a universidade, por exemplo, no sentido
de formar para, conforme sinalizava a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional
(LDBEN, BRASIL, 1996): consolidação e aperfeiçoamento dos conhecimentos adquiridos que
possibilitem os prosseguimentos nos estudos, bem como para se filiar ao mundo do trabalho e
à sua prática social.
Logo, em relação ao segundo ponto que nos diz respeito, alguns autores sinalizam que
o estágio curricular compete estar dentro de uma “suposta classificação” segundo os
letramentos acadêmicos, pois é na academia que há o locus desse aprendizado, e, que por mais
que estejam formando, capacitando os sujeitos, esses vivenciam eventos e práticas que a
academia comanda, gerencia e agencia. Principalmente, interligando essa formação ao universo
67 Para Reichmann, o estágio é considerado um entrelugar devido a essa dupla particularidade do contexto
estudantil (academia e atuação profissional). Para nossa percepção, sustentada pelo viés bakhtiniano, estamos
diante de uma etapa singular de vivência desses sujeitos.
132
da academia que visa a avaliar, a observar etapas formativas e de aprendizado, habilitando ou
não uma dada pessoa a prosseguir nos estudos.
Kleiman e Reichmann (2012) refletem que gêneros como relatórios de estágio, projeto
ou um plano de aula (no que se refere à formação docente), poderiam adquirir ressignificação
no processo de interlocução entre sujeitos, como por exemplo, docentes, orientadores e alunos.
As autoras pontuam que, ao longo do tempo, os gêneros vêm adquirindo formas ritualizadas e
que se destinam a aspectos meramente avaliativos, não direcionando a pontencialidades que
esses gêneros e seus eventos e práticas poderiam se tornar como instrumentos mediadores entre
práticas de letramentos acadêmicos e profissionais.
Ainda para Kleiman e Reichmann (2012, p. 161): “[...] o estágio não se configura como
um espaço de participação social em eventos de letramento acadêmico-profissional, que
articulem novas relações teórico-práticas, um espaço diferente, portanto, das disciplinas em que
a nota é o elemento motivador do fazer do aluno (cf. BUENO, 2007).”. Nesse sentido,
observamos as relações de poder impostas nesse modelo de pensar a escrita somente para a
aprovação em algo e não como espaço de potencialidades formativas.
Sob este ponto de vista, segundo a abordagem dos NLS, “[...] o estágio é uma prática
letrada acadêmica que, como toda prática social, reflete, reforça e transforma os valores
culturais e ideológicos da esfera em que essa prática se desenvolve [...]” (KLEIMAN;
REICHMANN, 2012, p. 160), estando o estudante-estagiário se encontrando justamente nessa
fronteira, em uma espécie de entrelugar:
[...] transita pela primeira vez por esferas diversas que se entrelaçam no estágio, a
saber, a esfera acadêmica, a escolar e a profissional; nessa linha de raciocínio, o
estágio pode ser entendido como uma zona de fronteira, ou ainda, um entrelugar
socioprofissional que permite letramentos híbridos, pois o estagiário ‘pode participar
de situações de trabalho significativas – que se configuram por meio de eventos de
letramento profissional – ainda orientados pela instância formadora a que pertence o
estagiário, o que, portanto, também as configura como eventos de letramentos
acadêmico’ (Kleiman e Reichmann, 2012, p. 157-8).” (REICHMANN, 2016, p.
369)68.
Deste modo, enfatizamos que nossa compreensão é que estamos diante de letramentos
acadêmicos-profissionais, nos quais emergem letramentos híbridos, uma vez que nosso
entendimento é que no estágio o estudante participa de “situações significativas” sobre o
trabalho, ao passo que a instituição orienta, norteia, guia esse processo de formação
profissional. Reforçamos que tais letramentos híbridos são característicos da essência da
68 Reichmann pesquisa sobre o professor estagiário, ou seja, o professor em formação. Porém os apontamentos
feitos pela autora nos fazem criar elos com o próprio estudante-estagiário de nosso contexto.
133
disciplina de estágio e que, consequentemente, se materializa no discurso escrito: o relatório de
estágio. Assim, a vivência na disciplina de estágio auxilia na criação, e, acrescentaríamos
consumo, dos mais variados gêneros “[...] que funcionam na interface das esferas acadêmica e
profissional (escolar), os textos produzidos aportam significados e conteúdos específicos
relacionando essas esferas, e funcionam, nesse respeito, como os gêneros já estabilizados, de
temas mais estáveis ou previsíveis.” (KLEIMAN; REICHMANN, 2012, p. 167).
Em síntese, o fio discursivo presente nos relatórios de estágios nos possibilita enxergar
a RD ali presentes, quer seja nas relações que se referem à palavra própria e à palavra outra,
quer seja na conjunção de inúmeros gêneros (gêneros intercalados, segundo Bakhtin) que
revelam as características das comunidades de práticas de cada grupo investigado; quer seja a
própria compreensão do objeto narrado o letramento acadêmico-profissional vivenciado diante
da área de atuação.
3.3 DANDO FRUTOS: COMUNIDADES DE PRÁTICAS
Conforme nosso percurso reflexivo, Street (2014, p. 37) diz que os letramentos são
intrinsicamente sociais e neles os participantes conseguem recuperar, compreender e produzir
mensagens codificadas por meio da língua de distintas formas por meio de uma
“autoconsciência linguística e política” que compartilham estes mesmos sujeitos nos grupos
sociais nos quais se inserem. Sob o viés bakhtiniano, recuperamos os já-ditos e os locais sociais
implicados no discurso desses sujeitos é possível por, justamente, se tratarem de discursos
sociais produzidos em uma cadeia enunciativa no qual visualizamos inúmeras vozes (já
produzidas em contextos outros), cujo horizonte espacial e semântico compartilhado pelos
sujeitos abarcam os subtendidos do enunciado no momento da enunciação. Assim sendo, nossa
compreensão, quer seja a um nível micro, quer seja a nível macro das ideologias presentes nos
variados campos perpassa em (re)conhecermos as características dos grupos que as consomem,
as produzem e partilham esses sentidos em contextos de eventos e de práticas letradas.
Em relação à nossa conjuntura de pesquisa, reforçamos o pensamento de Fuza (2016),
pois a abordagem dos NLS, mais especificamente dos Letramentos Acadêmicos em união com
uma abordagem dialógica de linguagem (ADD), possibilita-nos vislumbrar o enunciado como
resultado de um processo de interlocução, no qual estão imbricados tensões e conflitos das RD
dos e entre os próprios sujeitos discursivos. Nesta ótica, se pensamos a proposição adotada
pelos NLS ao contexto de ensino e de aprendizagem é deslocado o foco das atividades de leitura
e de escrita como sinônimo de habilidades prioritariamente cognitivas, autônomas e individuais
134
(LEITE, 2020), para um viés social e histórico implicado nessas atividades, enfatizando o
caráter situado das práticas sociais que as envolvem por meio da inclusão do interlocutor de
forma interacional, discursiva e ideológica (BRAIT, 2012c).
Neste ponto, avultamos que a noção de redes de trabalho/networks nos revela caminhos
de como ocorrem as interações entre os sujeitos correlacionados nessas práticas de contextos
específicos de aprendizagem (BARTON; HAMILTON, 2012). Tomamos, portanto, a noção de
comunidades de prática (LAVE; WENGER, 2008; WENGER, 1998, 2010; SNYDER;
WENGER, 2010) para a compreensão da participação social em redes de estudos, de trabalhos,
de grupos como “condição fundamental para a aprendizagem” (LEITE, 2020, p. 65).
Deste modo, cumpre-nos destacar que o conceito sobre “comunidades” fora debatido
em diversas áreas, em especial, na antropologia. Para nosso estudo, apoiamo-nos na definição
dada por Lave e Wenger (2008) sobre comunidades de prática (CP), uma vez que estes
estudiosos construíram todo um aparato teórico partindo inicialmente de estudos sobre a
aprendizagem de artes e ofícios como um modelo possível de aprendizagem. Ao final, estes
antropólogos verificaram que a expressão comunidade de prática se relacionava a atuação de
um currículo especialmente integrado ao estudante e que isso poderia ser pensando em outras
áreas e contextos. Logo, defendemos que,
[...] o conceito de comunidade apresenta inúmeras formas de compreensão, mas todas
concordam que, para que essas existam, há um sentimento de pertencimento à
comunidade, por parte dos membros que a compõem, como base psicológica, que
inclui a identidade do membro e da comunidade, sentindo o compromisso de fazer
parte dela e compartilhando um espaço comum (Pons, et ál. 1996).” (GARZÓN, 2020,
p. 03 – tradução nossa)69.
Isto nos implica afirmar que tal perspectiva encontra pontos de intercessão com nosso
cenário investigativo: os letramentos acadêmicos e profissionais de estudantes de EMI que
revelam as RD com outras vozes por meio do relatório de estágio. Uma vez que nas CP o
pertencimento, o horizonte partilhado e a importância do outro no processo de aquisição do
conhecimento, da ação, do compromisso dado a uma determinada atividade revela como o ato
de aprender perpassa a constituição alteritária do sujeito e, consequentemente, a constituição da
sua identidade. Elementos como história, identidade, pluralidade, autonomia, participação,
69 No original: “[...]el concepto de comunidad presenta muchas formas de comprensión, pero que todas confluyen
en que, para que éstas existan se requiere que haya un sentimiento de pertenencia a la comunidad, por parte de los
miembros que la conforman, como fundamento psicológico, que incluye la identidad del miembro y de la
comunidad, sintiendo el compromiso de formar parte de ella y compartiendo un espacio común (Pons, et ál. 1996).
135
mutualidade, integração, futuro, tecnologia e aprendizagem são constituintes da própria CP
(SCHWIER, 2002; COSTA, 2007).
Conforme observado, estes componentes que permeiam e caracterizam uma ou várias
CP possuem como condição própria do ser humano: a aprendizagem, a qual deve ser
compreendida como algo puramente social e situada, necessitando sempre da interação e
interlocução com o outro nesse processo (WENGER, 1998). Logo, o conceito sobre CP pode
ser definido como: “[...] grupos de pessoas que compartilham uma preocupação ou paixão por
algo a qual se dedicam e aprendem como fazê-lo à medida que interagem regularmente.”
(WENGER; WENGER, 2015, p. 01 – tradução nossa)70.
Para os autores, o aprendizado do grupo é o que justifica a criação da comunidade ou
ainda por meio da prática e a necessidade de interação para o resultado de uma dada atividade
é que pode surgir a própria comunidade. Assim, no contexto educacional ou acadêmico, Wenger
(1998) propõe repensarmos o lugar do aprendizado na escola71 como algo essencialmente
social, coletivo e colaborativo. O autor problematiza que muito do que vem sendo discutido
sobre a aprendizagem escolar foca na individualidade do processo da aquisição do saber e
tomam uma proposta filiada a um viés bancário, como já pontuamos em outros momentos da
tese.
Por este motivo, Lave e Wenger, no início dos anos de 1990, defenderam e tentaram
romper com essa abordagem tradicional da aprendizagem (abstração excessiva cuja figura do
docente é o único a ter e partilhar conhecimento) e constatam a possibilidade da prática ganhar
um espaço importante no ambiente formativo, mais precisamente em espaços formativos que
têm a formação profissional como foco (BROFMAN, 2011). Neste sentido, os autores propõem
que a prática seja tomada como espinha dorsal para entender o cotidiano laboral, oferecendo
orientações e ajuda adequada ao trabalhador no seu próprio locus de atuação (BRONFMAN,
2011, p. 57). Este direcionamento em compreender a CP no ambiente profissional toma como
ponto de partida os interesses que partilham esses sujeitos, além de visualizar como tais
membros descrevem ou reportam suas atividades, além de como esperam um ambiente
colaborativo que beneficie seu aprendizado e seu próprio desempenho profissional (COSTA,
2007).
70 No original: “[...]grupos de personas que comparten una preocupación o una pasión por algo a lo que se dedican
y aprenden cómo hacerlo mejor en tanto que interactúan regularmente.”. 71 Incluiríamos de igual forma espaços institucionalizados de formação e capacitação, tais como: Institutos,
Universidades, Cursos livres, entre outros.
136
Ao ouvir os sujeitos ou aprendizes das CP, damos vozes a estes que, por muitas vezes,
são invisíveis na constituição dos currículos formativos, quer seja de instrução profissional
(diríamos também acadêmica), quer seja de capacitação continuada. Diante disto, Wenger
assinala que por meio de uma teoria social da aprendizagem pautada nos seguintes pontos,
podemos guiar nosso olhar para os sujeitos das CP lembrando que:
1. Somos seres sociais;
2. O conhecimento é uma questão de competência associado a ideias de valores;
3. Saber significa se relacionar, engajar-se ativamente no mundo; e,
4. Construir o significado, experimentar o mundo e manejar o aprendizado é o que se
espera nessa perspectiva.
Segundo o pesquisador, em uma teoria social da aprendizagem é preciso integrar estes
componentes necessários à própria participação social, o caráter situado destas práticas, no
processo de aprendizagem e de construção do conhecimento (WENGER, 1998). Somente com
tais considerações seria possível entendermos as relações ali implicadas no processo de
aprendizagem, pois este percurso envolve pontos de pertencimento, de saber fazer, de
negociações, de experienciar, ou seja, de relações entre sujeitos que envolvem, de igual modo,
relações de poder subjacentes.
Em relação à aprendizagem, seguindo o viés de uma teoria social da aprendizagem, para
que essa ocorra em uma CP, alguns elementos devem ser considerados ainda em uma relação
contextual (Figura 5). Nessa linha, Wenger (1998) sintetiza que os componentes para esse
aprendizado seriam: a prática que retoma os recursos sociais e históricos partilhados pelo grupo
e sustentam o engajamento mútuo em uma dada ação; o significado que diz respeito a nossa
capacidade quer seja individual ou coletiva de construir o mundo por meio dos sentidos; a
comunidade que trata as configurações sociais em que nossos empreendimentos são definidos
como dignos de pertencimento; e, a identidade que é relacionada à compreensão de nossa
história, nosso percurso pessoal e como nos tornamos sujeitos pertencentes, filiados a
comunidades particulares.
Neste contexto, estas noções de como devemos nos aproximar da compreensão da
aprendizagem e como esses quesitos caracterizam a constituição de um dado grupo respaldam
nossa compreensão ao entendermos que no gênero relatório de estágio encontramos no projeto
discursivo do sujeito a possibilidade de recuperarmos a complexidade do resultado das
vivências acadêmicas e profissionais dos aprendizes.
137
De fato, esse processo se dá por meio da prática, do significado, da identidade e da
inserção na própria comunidade. Assim, as CP partem de que aprendizagem é um fenômeno
social e que ocorre sempre de forma situada (WENGER; McDEMOTT; SNYDER, 2002).
Figura 5 – Componentes de uma teoria social da aprendizagem: ideias iniciais de Wenger (1998).
Fonte: Wenger (1998, p. 05) – (tradução nossa)72.
Segundo ensinamento de Bronfman (2011), ninguém aprende nada sozinho, só é
possível aprender uma nova prática vivenciando-a, estando e sendo orientado por alguém com
mais experiência. O autor complementa que:
[...] Em particular, quando se quer aprender práticas profissionais, ninguém aprende
fora de comunidades profissionais ou de pessoas especializadas. Ninguém aprende a
ser advogado, médico, pesquisador científico, ou bancário. Então é preciso criar
espaços de aprendizagem onde se possa ter acesso a profissionais mais especializados
em um dado domínio, no lugar de separar a prática cotidiana das pessoas e transferir
somente abstrações dessa prática. (BRONFMAN, 2011, p. 57 – tradução nossa).73
72 No original: Practice – learning as doing; Community – learning as belonging; Identity – learning as becoming;
Meaning – learning as experience. 73 No original: “[...] En particular, cuando se quieren aprender prácticas profesionales, nadie aprende fuera de una
comunidad de profesionales, de gente del oficio. Nadie aprende a ser abogado, médico, investigador científico, o
profesional de la banca, fuera de una comunidad de abogados, médicos, investigadores científicos, o profesionales
de la banca. Por lo tanto hay que crear entornos de aprendizaje donde se pueda tener acceso a profesionales más
experimentados en un dominio determinado, en vez de separar de la práctica cotidiana a las personas que se forman
y transferirles sólo abstracciones de dicha práctica.
138
Esta percepção acontece no entendimento de que a aprendizagem ocorre de forma
situada, o que nos ampara ao pensarmos na situação da vivência dos estagiários em suas CP. O
processo de aprendizagem de forma situada se aparta de uma aprendizagem no qual somente se
contempla o que o discente poderá vivenciar, mas posto em situações problemas nos quais
ocorrem de fato no universo profissional. Assim, o estudante-estagiário se vê diante de
situações que terá que recuperar seus conhecimentos, interagir com outros sujeitos, planejar
ações e assim executar, remontando e experimentando assim as RD por meio do discurso e de
seus letramentos. Para Bronfman (2011, p. 57 – tradução nossa): “[...] em uma situação concreta
é que se encontra os recursos necessários: atua, manipula a máquina ou o programa, ou seja,
trabalha com a situação em si, e que recebe um feedback. E assim que ele progride, raciocinando
e interagindo com a situação [...]”74. De fato, é no envolvimento com a prática que a
aprendizagem se torna significativa.
Nesta linha de pensamento, Wenger e Lave (2008) propõem a noção de participação
periférica legitimada no processo de aprendizagem e consequentemente de pertencimento a
uma dada comunidade de prática, já que um currículo que vise o real aprendizado deve se pautar
em oportunidades reais de engajamento na própria prática. Sinalizamos que esse conceito de
participação periférica legitimada possui como base o aporte teórico de Vygostky sobre a zona
de desenvolvimento proximal e o caráter mediador do “n+1”. Em outras palavras, isso diz
respeito à forma como um mediador da aprendizagem pode auxiliar aprendizes iniciantes a
apreender algo ou algum saber.
Por sua vez, Wenger e Lave (2008) debatem sobre a importância da figura do mediador
da aprendizagem (interlocutor mediador dos letramentos) e dizem que o saber é partilhado
seguindo a compreensão de que a CP é uma condição indispensável para a construção do
conhecimento, pois “[...] fornece o suporte interpretativo necessário para fazer sentido de sua
herança. Assim, a participação na prática cultural em que qualquer conhecimento existe [...]”
se torna um “[...] princípio epistemológico da aprendizagem. A estrutura social dessa prática,
suas relações de poder e suas condições de legitimidade definem possibilidades para
aprendizagem (ou seja, para participação periférica legítima)” (WENGER; LAVE, 2008, p. 98
– tradução nossa).75
74 No original: “[...] en la situación concreta que encuentra los recursos necesarios: actúa, manipula la máquina o
el programa, o sea, trabaja con la situación misma, la que a su vez le da un feedback. Y se progresa así, razonando
en interacción con la situación [...]”. 75 No original: “[...]A community of practice is an intrinsic condition for the existence of knowledge, not least
because it provides the interpretive support necessary for making sense of its heritage. Thus, participation in the
cultural practice in which any knowledge exists is an epistemological principle of learning. The social structure of
139
Esta participação periférica legitimada indicia a filiação inicial e parcial dos discentes
ou jovens aprendizes naquela dada prática, garantindo a oportunidade de se engajarem na
cultura de uma comunidade específica (LEITE, 2020). Para Leite (2020), no processo de
participação em uma dada prática, o aprendiz pode se envolver de uma forma crescente ou não.
Além disso, os integrantes que se encontram nesse limbo da participação periférica legitimada
podem ter uma menor atuação ou participação, tais como: menor responsabilidades diante das
atividades, menor possibilidade de errar, menor possibilidade de se sentirem pressionados por
produção, devido ao grau de autonomia e de “liberdade” autorizada pela supervisão próxima
ou assistencial do interlocutor mediador dos letramentos. Para Wenger, McDemott e Snyder
(2002), e Wenger e Lave (2008), o ponto importante é legitimar a participação mesmo que
periférica desses sujeitos, demonstrando assim as questões de poder implicadas nesse processo
das CP.
Isto posto, reforçamos que justamente as CP se caracterizam em três dimensões:
relacionadas à sua definição, ao seu funcionamento e às capacidades que são capazes de
desenvolver. Wenger (1998) entende que na definição de uma CP encontramos uma ação
conjunta, contínua e acordada entre os seus membros de forma a ser dialogado e renegociado
os sentidos e a aprendizagem. Com relação ao funcionamento, o engajamento dos membros
fortalece os elos e a própria identidade, sendo na construção alteritária a essência da construção
dos sentidos postos nas atividades76. E na relação das capacidades desenvolvidas, na CP, é
possível visualizarmos o repertório partilhado entre os sujeitos, “[...] os quais se destacam
hábitos, sensibilidades, artefactos, linguagem própria, estilos, etc.” (COSTA, 2007, p. 89).
Neste sentido, conforme assinala Wenger (1998), não podemos afirmar que
participamos de uma única CP. Na realidade, estamos diante de várias, simultaneamente ou ao
longo da vida, uma vez que o pertencimento é dinâmico e pode fazer que estas se alterem com
o passar do tempo. Sob este aspecto, chamamos a atenção para a observação feita por Wenger,
McDemott e Snyder (2002): a formação das CP não necessariamente precisa ser de grupos
institucionalizados, mas podem representar um agrupamento de pessoas que partilham
preocupações, problemas ou entusiasmo sobre um dado tema e na interação aprofundam os
conhecimentos na área e para o próprio grupo.
this practice, its powerrelations, and its conditions for legitimacy define possibilities for learning (i.e. ,for
legitimate peripheral participation). 76 A compreensão da categoria identidade como vínculo com a construção alteritária do sujeito, trata-se de uma
proposta nossa de reflexão em torno de nosso contexto de pesquisa. Destacamos que não foi algo tratado por
Wenger ou outros estudiosos das CP recuperados nesta tese.
140
Assim sendo, os autores exemplificam sobre um grupo de pesquisa que visa debater a
cura de alguma doença; engenheiros cujo objetivo seja comparar projetos sobre loops; pais e
mães da escolinha de futebol que criam estratégias para aprimorar os resultados dos filhos;
membros de gangues que partilham as suas artimanhas; entre outros e distintos grupos. Assim,
esses revelam em seus encontros o valor das interações, a forma como compartilham
informações, insights e conselhos, além de vivenciarem o pertencimento e o crescimento de
aprenderem em conjunto.
[...] Esse valor não é meramente instrumental para o seu trabalho. Também se
acumula na satisfação pessoal de conhecer colegas que entendem as perspectivas uns
dos outros e de pertencer a um grupo interessante de pessoas. Com o tempo, eles
desenvolvem uma perspectiva única sobre seu tema, bem como um corpo de
conhecimentos, práticas e abordagens comuns. Eles também desenvolvem relações
pessoais e formas estabelecidas de interagir. Eles podem até desenvolver um senso
comum de identidade. Eles se tornam uma comunidade de prática (WENGER,
McDEMOTT, SNYDER, 2002, p. 04 – 05 – tradução e destaques nossos)77.
Portanto, as CP deixam-nos marcas, vestígios de pertencimento e traços de valores. Tais
grupos partilham interesses e aprofundam as temáticas em suas trocas comunicativas em
contextos históricos e sociais específicos revelando por um lado que não precisam ser uma
coletividade institucionalizada para ser uma CP. Assim, valores perpassam a essência do sujeito
e sob essa ótica, a compreensão que tomamos como aporte de nosso estudo sobre as CP se
alinham ao pensamento bakhtiniano, pois “[...] viver significa ocupar uma posição axiológica
em cada momento da vida, significa firmar-se axiologicamente. [...]” (BAKHTIN, 2011, p.
174).
Nesta construção do enunciado como palavra viva, essencialmente carregada de
significados e valores de um sujeito demarcado social e historicamente em tempo e espaço,
compreendemos que o horizonte no qual se ancora a enunciação demarca de igual forma os
grupos sociais de base e como esses partilham conhecimentos, valores e ideologias. Conforme
expõe Volóchinov (2019, p. 121 – grifos do autor): “[...] Na medida em que se ampliam esse
horizonte geral e o grupo social correspondente, os aspectos subtendidos do enunciado se
tornam cada vez mais constantes.”
77 No original: “[...] This value is not merely instrumental for their work. It also accrues in the personal satisfaction
of knowing colleagues who understand each other’s perspectives and of belonging to an interesting group of
people. Over time, they develop a unique perspective on their topic as well as a body of common knowledge,
practices, and approaches. They also develop personal relationships and established ways of interacting. They may
even develop a common sense of identity. They become a community of practice.”.
141
Se pensamos em uma “comunidade de prática” ou características que um dado grupo
tem ao usar a linguagem, é diante de situações típicas da comunicação discursiva que se
concentram também os temas típicos, os significados típicos e consequentemente circunstâncias
típicas nos quais partilham os sujeitos do discurso. Enfatizando, assim, o que já assinalamos
sobre a força do contexto extraverbal da enunciação que seriam: um horizonte espacial
compartilhado, o conhecimento e a compreensão comum de uma situação e a valoração
compartilhada (VOLÓCHINOV, 2019).
Retomando a nossa discussão sobre CP, Bronfman (2011, p. 54) propõe a reflexão que
estas se desenvolvem principalmente em torno daquilo do que seja importante para seus
integrantes: “[...] Como consequência, os temas que discutem nas CP, e sua prática em comum,
refletem o entendimento dos membros da CP sobre o que é realmente importante para eles (o
que pode ser diferente do que os seus chefes pensam que seria importante) [...]” (tradução
nossa)78. E, ao investigarmos CP, temos que considerar se vamos defini-las como uma auto-
organização (no sentido macro) ou se construímos um recorte diante de estruturas de relações
dentro de uma CP distintas (no sentido micro).
Sobre este aspecto e a título de exemplificação, é como se tivéssemos, de um lado macro,
o curso de Agropecuária e os membros que fazem parte desse grupo em uma dimensão mais
global, tais como: professores, alunos, técnicos administrativos, a instituição, entre outros. E de
outro, em um direcionamento mais particular, um recorte mais específico, estudando o grupo
de discentes, por exemplo. Definirmos esses direcionamentos ao nos aproximarmos das CP
também reconfiguram os objetivos e as relações postas em cada nível social.
Outro ponto salutar ao refletirmos sobre CP está relacionado às suas dimensões básicas,
como evidenciam autores como Snyder e Wenger (2010) e Wenger e Wenger (2015), a saber:
o domínio, a comunidade e a prática (Figura 6). Reforçamos que a efetividade da CP como um
sistema ou uma ação de aprendizagem social está intimamente correlacionada essas três
dimensões que são consideradas estruturais (SNYDER; WENDER, 2010).
Portanto, chegamos à compreensão que em uma ou em várias CP é possível
recuperarmos o domínio de conhecimento – terreno comum de assuntos, tópicos e propósitos,
pois cada comunidade se define pelo “domínio” que ocupa, que se especializa. Desta maneira,
estas ainda são definidas pelo empreendimento do conjunto de pessoas naquela comunidade –
relações interpessoais, senso de pertencimento e formas de aprendizado, na qualidade dos
78 No original: “[...] Como consecuencia, los temas que se discuten en las CP, y su práctica común, reflejan el
entendimiento de los miembros de la CP sobre lo que realmente es importante para ellos (lo cual suele ser diferente
de lo que sus jefes piensan que es importante) [...]”.
142
elementos que os unem enquanto grupo; e, a prática por meio do repertório compartilhado,
conhecimento comum partilhado por meio dos gêneros discursivos, por exemplo, ou ainda por
meio de “[...] ferramentas, estruturas, métodos e histórias – bem como atividades relacionadas
à aprendizagem e inovação.” (SNYDER; WENGER, 2010, p. 110 – tradução nossa)79.
Figura 6 – Características das Comunidades de Prática.
Fonte: Adaptado de Wenger e Wenger (2015).
Cumpre-nos destacar ainda alguns mitos sobre as CP, pois, segundo Wenger e Wenger
(2015, p. 07 – 08) após a ampliação e o estudo sobre o conceito proposto inicialmente por Lave
e Wenger (2008) muito se tem debatido e ganhado outros contornos à proposta inicial de
compreensão das CP. Logo, é falso dizer que:
1. As CP sempre se auto organizam de forma harmoniosa e efetiva.
Na verdade, muitas destas precisam de auxílio para que entre seus membros sejam
cultivados os valores, o pertencimento e o compromisso;
2. Não há líderes em uma verdadeira comunidade de prática.
79 No original: “Elements of a practice include its repertoire of tools, frameworks, methods, and stories – as well
as activities related to learning and innovation”.
Comunidades de Prática
Domínio
Uma CP possui uma identidade definida por um âmbito ou domínio em comum. Sendo a adesão
um compromisso diante desse domínio e a competência partilhada distingue seus membros.
Ou seja, o valor é posto em uma competência coletiva.
Comunidade ou empreendimento
Ao objetivar um interesse, os membros de uma comunidade se comprometem e se envolvem em
atividades, discussões, buscam auxiliar esses mesmos membros. Eles compartilham
informações, conhecimentos, constroem relacionamentos e interagem entre si.
Prática ou repertório partilhado
Em uma CP não é apenas compartilhado interesses em comum, mas os seus membros são profissionais ou pessoas que se dedicam a uma prática específica, desenvolvendo um repertório
compartilhado de recursos: experiências, histórias, ferramentas, formas de lidar com
problemas recorrentes, entre outros.
143
Na realidade, em muitas CP é preciso tomar decisões, calcular estratégias e nem todos
os membros podem estar à frente deste processo. Deste modo, surgem figuras líderes, tais como:
coordenadores, administradores, monitores etc.
3. As CP verdadeiras são informais.
As CP são muito mais formais em espaços organizacionais e institucionais.
4. É difícil medir o impacto das CP.
Portanto, o nosso próprio estudo demarca a possibilidade de vislumbrarmos como essas
CP trazem impactos na vida dos estudantes-estagiários. Em outros contextos, isso indica
verificarmos os impactos e os valores dados entre os membros da própria CP. Em síntese, nas
CP é possível vislumbrarmos a satisfação do sujeito em se apropriar dos conhecimentos e
partilhá-los, em aprimorar o saber sobre um dado assunto, em desenvolver múltiplas formas de
interação e consequentemente de desenvolvimento interpessoal entre os membros,
(re)configurando sua própria identidade como um integrante ativo ou periférico de um dado
grupo (WENGER; MCDEMOTT; SNYDER, 2002), além de deixarem captar os valores sociais
dos sujeitos implicados nessas relações.
Diante disto, adentramos em nosso aporte metodológico que visa congregar tais pontes
teóricas, costurá-las em um viés de sistematização procedimental da análise do nosso contexto
na seção a seguir.
144
4. A ARQUITETURA DA PAISAGEM: A CONSTRUÇÃO DE UM PERCURSO
Finalizada a etapa de construção e fundamentação de nosso arcabouço teórico, tratamos,
na presente seção, da constituição metodológica que nos auxiliou a delinear, a (re)conhecer e a
refletir sobre as relações dialógicas em sua dimensão interdiscursiva existentes nos relatórios
de sujeitos estudantes-estagiários de duas distintas comunidades de práticas, tais como os cursos
do EMI de Agropecuária e de Edificações, que sinalizam os respectivos letramentos
acadêmicos-profissionais por meio do fio discursivo.
Nosso escopo recai, portanto, em um projeto de escuta dos corpus, especialmente do
que estes revelam em suas respectivas singularidades e “recorrências” enquanto grupos sociais
situados historicamente em um dado período e em um dado contexto. Assim sendo, reforçamos
que não é nosso propósito simplesmente “aplicar” uma teoria como a ADD, buscando pensar
na dimensão interdiscursiva como um dos indícios da constituição de uma determinada
comunidade de prática em um contexto específico de circulação, de produção e de consumo de
um gênero, tal como o relatório de estágio; até mesmo porque esse seria um objeto de estudo
impensado inicialmente pela proposta do Círculo.
Na realidade, compreendemos, assim como Brait (2014b), que a finalidade em estudos
que se amparam em um viés dialógico sobre o discurso, tal como esta nossa tese, reside em não
aplicar os conceitos com o intuito de alcançar um determinado dizer/discurso, mas abraçar estes
discursos na interpretação, na escuta, revelando como estes próprios direcionam a produção do
sentido, sobretudo, ao se partir de uma ancoragem dialógica, de embate, de concordância, de
processo interlocutivo nas relações eu-outro.
Neste viés, nosso propósito reside em criarmos pontes transdisciplinares sobre essa
questão, interligando a ADD e os NLS, mais precisamente, no constructo das CP. Desse modo,
sinalizamos que nossa tese nos guia por uma pesquisa de cunho descritivo-interpretativista
somado a uma análise dialógica dos discursos para o estudo do nosso corpus, uma vez que
buscamos, a priori, cotejar, escutar, diagnosticar, sempre procurando observar, descrever,
analisar e interpretar o que os sentidos revelavam. Como pontua Cervo (2007), a pesquisa que
se traduz como uma pesquisa descritiva:
[...] procura descobrir, com a maior precisão possível, a frequência com que o
fenômeno ocorre, sua relação e conexão com outros, sua natureza e suas
características. Busca conhecer as diversas situações e relações que ocorrem na vida
social, política, econômica e demais aspectos do comportamento humano, tanto do
indivíduo tomado isoladamente como de grupos e comunidade mais complexas
(CERVO, 2007, p. 61).
145
Assim, cotejamos, a princípio, outros textos (documentos) além do que simplesmente
o processo de escuta em torno do gênero relatório de estágio. Em nosso recorte, postulamos que
alguns documentos se interligam, de certa maneira, diretamente com o entorno e com o contexto
de produção do gênero relatório, a saber: a Nova Cartilha Esclarecedora sobre a Lei do estágio,
o Projeto Pedagógico do Curso (PPC) – Agropecuária e Edificações, o Regulamento do estágio,
o Guia de elaboração dos trabalhos acadêmicos, o Manual do estagiário e o Modelo de Relatório
dos Cursos Técnicos. Conforme exposto nas seções teóricas, esses documentos normatizam e
orientam as ações do estudante-estagiário em seu projeto enunciativo, sendo considerados
exemplos de uma linha das vozes dos “interlocutores mediadores dos letramentos”, nos quais
os sujeitos possuem “contato” e tentam “dialogar”.
Deste modo, construímos tal análise por meio do cotejo dos documentos institucionais
e do aprofundamento desse estudo por intermédio dos relatórios de estágio, buscando
compreender como se constroem ou reverberam os elos com vozes de autoridade no projeto de
dizer dos discentes diante da produção desse gênero (documentos institucionais e/ou sujeitos
que demandam alguma hierarquia no processo de aprendizagem – orientadores, supervisores,
docentes, entre outros). Além disto, também refletimos sobre como as distintas vozes se
materializam na dimensão interdiscursiva nesse processo enunciativo (vozes que ecoam os
letramentos acadêmicos e profissionais das próprias e distintas comunidades de prática –
Cassany, 2006; Rojo, 2012; Curry, Lillis, 2016; Fuza, 2015, 2016, 2017).
Enfatizamos que nosso processo de escuta e de interpretação dos dados remonta o que
Medviédev (2016) sinalizava, pois é possível pensarmos em uma pesquisa por meio de uma
análise qualitativa de viés sociológico, demarcando e reconhecendo os contextos e suas
singularidades, não apenas quantificando e compreendendo que esses “números” seriam uma
realidade fiel, fechada e estagnada. Relembramos ainda o que provoca Lemke (2010, p. 464),
pois temos a tendência para, em nossas pesquisas construirmos “[...] significados
fundamentalmente de duas formas complementares: (1) classificando as coisas em categorias
mutuamente exclusivas e (2) distinguindo variações de graus (ao invés de variação de tipo) ao
longo de vários contínuos de diferença [...]”. Assim, sabemos que em recortes metodológicos
corremos o risco de reduzirmos o olhar do fenômeno na tentativa de classificá-lo.
Neste sentido, Rojo (2013) também reflete o cuidado que devemos ter enquanto
pesquisadores ao não criarmos isomorfismo diante de situações de semioses e, diríamos, de
singularidades diversas. Por isso, enfatizamos que os resultados, apresentados posteriormente,
são na realidade um recorte no processo de manejo com os sentidos por parte da presente autora,
146
não significando que as categorias expostas possam ser “aplicadas” a qualquer contexto de
análise. Defendemos que é sempre preciso partir do contexto, do histórico, do fato temporal e
sobretudo do componente social para consolidar o estudo segundo os “moldes” da ADD.
Isto posto, destacamos que, nas seções posteriores, contextualizamos e descrevemos
primeiramente o nosso cenário de pesquisa que toma como pano de fundo a rede técnica federal.
Em seguida, apresentamos como trabalhamos com o nosso corpus: contexto de produção e o
discurso presente no relatório de estágio de estudantes-estagiários do EMI, dentro do recorte
longitudinal proposto. Posteriormente, explicitamos os procedimentos de geração de dados. E,
por fim, na seção seguinte, expomos os resultados de nossas análises e discussões.
4.1 COMPREENDENDO O CONTEXTO DA PESQUISA
Segundo expusemos em nossa seção de Introdução, a rede federal de educação
tecnológica nos é valiosa devido à proximidade de nossa atuação, bem como pelos propósitos
das instituições ao levarem educação pública e de qualidade aos mais diversos cantos do Brasil.
Assim, após algumas vivências e inquietações que surgiram no agir educacional naquele campo
de atuação, aprofundamos-nos em estudos e investigações sobre o tema e esta tese se torna mais
um fruto desta proximidade.
Em nosso caso, o Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Sertão
Pernambucano – IF Sertão/PE, conforme seu Plano de Desenvolvimento Institucional (PDI
2019 – 2023), se configura como uma “autarquia Federal, detentora de autonomia
administrativa, patrimonial, financeira, didático pedagógica e disciplinar” (BRASIL, 2019, p.
14), vinculada ao Ministério da Educação (MEC) e sob a supervisão da Secretaria de Educação
Profissional e Tecnológica (SETEC), possui ainda Estatuto próprio e regimentos que balizam
suas ações. Desse modo, o IF Sertão/PE se caracteriza como uma “[...] instituição de educação
superior, básica e profissional, pluricurricular e multiCampi [...]” (BRASIL, 2019, p. 14).
Exatamente na oferta de educação profissional e tecnológica por meio de diferentes
modalidades de ensino (educação básica, educação de jovens e adultos, educação técnica,
educação superior e pós-graduação) que a instituição visa a “[...] melhorar a ação sistêmica da
educação, interiorizar e socializar o conhecimento, popularizar a ciência e a tecnologia,
desenvolvendo os arranjos produtivos sociais e culturais locais, com foco na redução das
desigualdades sociais interregional e intrarregional.” (BRASIL, 2019, p. 14).
Assim, a propósito da oferta e das modalidades de ensino nos IF, enfatizamos que na
rede técnica e profissional há a possibilidade da oferta com relação ao nível médio da educação
147
básica seguindo as seguintes modalidades: integrada, concomitante e subsequente. A primeira
se destaca por aliar de modo articulado a base da formação propedêutica proposta para o ensino
médio à formação técnica, formação especializada de uma dada área profissional, sendo de
responsabilidade do próprio Instituto a sua oferta. a oferta concomitante, o aluno cursa a
formação de base direcionada ao ensino médio “regular” em outros espaços (outras
instituições/escolas), mas possui sua matrícula na rede para a formação técnica/capacitação
profissional de modo simultâneo. Ao passo que na modalidade subsequente, o discente que
tenha concluído o ensino médio busca a formação técnica profissional em uma das instituições
da rede (BRASIL, 2012, 2019; LEITE e BARBOSA, 2020).
Neste sentido, sinalizamos que, mais especificamente o IF Sertão/PE, em relação à
educação básica, divide a oferta de seus cursos nas modalidades integrada e subsequente
(BRASIL, 2019). Logo, a oferta de cursos profissionalizantes no interior de Pernambuco para
o público jovem se adequa ao escopo institucional, pois a instituição traz a possibilidade de
transformação, tornando viável uma formação acadêmica e profissional para discentes dos mais
variados grupos sociais, independente de raça/cor ou de poder aquisitivo.
Conforme destaca Lima (2019), e coadunamos com a pesquisadora, o processo de
interiorização e de expansão da rede é um dos grandes ganhos na política de oferta educacional
do nosso país. Porém, como aponta a autora, a interiorização e expansão por meio dessa nova
entidade, organização, que são os Institutos Federais, acabaram por demarcar questões de
ordem de identidade, de compreensão por parte dos atores que estão envoltos nesse cenário
sobre os objetivos, as finalidades e o escopo do ensino, por exemplo80.
Destacamos, portanto, que são novas posturas, sobretudo, em fortificar elos aptos a
trazer a essência do ensino médio aos arranjos socioeconômicos locais, criando pontes na
formação do sujeito através de propostas pluri, multi, inter e transdisciplinares. Ou seja, ao
educador e aos aprendizes é oportunizado repensar a aquisição mecânica dos conhecimentos
para somente servir de mão de obra local, direcionando suas finalidades educativas para
vivenciar o que propõe a LDBEN (BRASIL, 1996) em seu artigo 35:
I - a consolidação e o aprofundamento dos conhecimentos adquiridos no ensino
fundamental, possibilitando o prosseguimento de estudos;
II - a preparação básica para o trabalho e a cidadania do educando, para continuar
aprendendo, de modo a ser capaz de se adaptar com flexibilidade a novas condições
de ocupação ou aperfeiçoamento posteriores;
80 Lima problematiza e diz que além do aumento das unidades “[...] aumento considerável de professores, contribui
para a ausência de condições para acompanhar, discutir e formar esses profissionais sobre as práticas educativas
ideais para uma instituição de ensino com propostas específicas como o Instituto.” (LIMA, 2019, p. 08 – 09).
148
III - o aprimoramento do educando como pessoa humana, incluindo a formação ética
e o desenvolvimento da autonomia intelectual e do pensamento crítico;
IV - a compreensão dos fundamentos científico-tecnológicos dos processos
produtivos, relacionando a teoria com a prática, no ensino de cada disciplina. –
(grifos nossos).
Estes traços (re)configuram a perspectiva de formação dos discentes do ensino médio,
pois além de capacitá-los na aquisição dos conhecimentos para que possam prosseguir nos
estudos, o viés humanístico se encontra presente no desenvolvimento alinhado à prática laboral,
assim como no incentivo de práticas acadêmicas, científicas e tecnológicas.
No que diz respeito à educação profissional, ademais das características apontadas pela
LDBEN, mais precisamente no EMI, o elo se fortifica ao pensarmos na dinâmica correlacionada
ao mercado de trabalho, avultando currículos contextualizados que adotem princípios
pedagógicos em um viés de construção de identidade, da formação cidadã, de respeito à
diversidade, de incentivo à autonomia em uma essência interdisciplinar das matérias
(TAVARES et al., 2016).
Diante deste cenário, nas Diretrizes Curriculares Nacionais do Ensino Médio (DCNEM)
há um destaque para o público do Ensino Médio e a necessidade de (re)pensarmos esse sujeito
e as vozes que ecoam no seu universo, pois, “[...] a juventude como condição sóciohistórico-
cultural de uma categoria de sujeitos [...]” (TAVARES et al., 2016, p. 174) é vista em uma
dimensão plural e não estando correlacionado somente a questões biológicas ou de faixa etária
desse público. Na realidade, esses jovens são atravessados social e culturalmente e é dever da
escola, da instituição receptora, compreendê-los como sujeitos com valores, identidades,
ideologias, interesses e necessidades particulares.
Em nosso cenário, o IF Sertão/PE, este espaço que acolhe os jovens e prepara-os para o
mundo do trabalho, conjugando a formação cidadã, nasceu associado à sua criação, em 1983,
por intermédio do Campus Avançado da Escola Técnica Federal de Pernambuco (ETFPE), em
Petrolina – PE. Posteriormente, o ETFPE se transformou em Escola Agrotécnica Federal Dom
Avelar Brandão Vilela, já com objetivos de atender ao público juvenil da época (2º grau e com
os seguintes cursos: Edificações, Saneamento, Eletrotécnica e Refrigeração). Somente em
1999, surgiu o Centro Federal de Educação Tecnológica de Petrolina (CEFET – Petrolina).
Evidenciamos, desse modo, que até então o projeto de expansão e interiorização da
educação profissional dentro do Sertão de Pernambuco ainda era tímido. Sendo somente em
2001 que essas primeiras sendas desbravaram para o interior: o denominado CEFET – Petrolina
ganhou um outro Campus, o Campus Floresta.
149
Por conseguinte, por meio da Lei de criação dos Institutos Federais (Lei 11.892/2008)
a transformação para IF Sertão/PE ganhou fôlego, traçando caminhos para levar educação a
lugares mais longínquos. Assim, de 2008 até o presente momento (2021), surgiram e se
consolidaram os seguintes campi: Petrolina Industrial, Petrolina Zona Rural, Floresta, Ouricuri,
Salgueiro, Santa Maria da Boa Vista e Serra Talhada. Conforme expusemos, essa instituição
possui como missão: “Promover a educação profissional, científica e tecnológica, por meio do
ensino, pesquisa, inovação e extensão, para a formação cidadã e o desenvolvimento
sustentável” (BRASIL, 2019, p. 25).
Sob esta ótica, Abreu (2018) aborda a necessidade de investigarmos e estudarmos as
práticas de letramentos (dominantes e vernaculares) em distintos espaços de aprendizagem, em
nosso caso, a formação em uma rede profissionalizante. A autora ainda pontua que este se trata
de um passo para a escuta, a escuta da voz do estudante ao compreendermos, em especial, seu
locus bem como as múltiplas culturas que perpassam a constituição desse aprendiz. Lembramos
que na história educacional, por muitos anos, o aluno fora historicamente silenciado, porém
com o avanço de abordagens sociais no campo educacional, as lentes, e sobretudo o processo
de escuta para esse público, ganharam novos significados. Na atualidade, ao aproximarmos dos
discentes, tratamos de percebê-los essencialmente como sujeitos produtores e consumidores de
linguagem, reconstruindo nosso processo de escuta e de acolhimento para com estes sujeitos.
Nesse sentido, a palavra/o discurso investigado presente nos relatórios tomados para
análise, não pode e nem deve ser compreendida/o como neutra/o, mas como uma “[...] arena
onde se confrontam aos valores sociais contraditórios [...]” (YAGUELLO, 2010, p. 14). Os
indícios dessas relações, dessas construções histórico-sociais marcam e constituem os
indivíduos e a suas histórias enquanto discentes e futuros profissionais de um grupo social
instaurado em um dado tempo e espaço, revelando o seu repertório próprio na comunicação
socioideológica (VOLÓCHINOV, 2018).
4.1.1 Contextualização e descrição do Corpus
Após a reflexão sobre a importância do IF Sertão/PE, retomando, em especial, seu
percurso histórico, exploramos nesta subseção a apresentação de como articulamos a coleta dos
dados metodologicamente, visando a atendermos os objetivos iniciais desta tese. Reforçamos,
a princípio, que, em nosso projeto de escuta, nosso entendimento parte de uma abordagem mais
abrangente do entorno, uma vez que posteriormente seguimos para as singularidades reveladas
no fio discursivo. Relembramos ainda, que seguimos nosso arcabouço teórico-metodológico
150
ancorados na ADD, visando uma análise metalinguística dos enunciados, entrelaçando aos NLS
na vertente dos Letramentos Acadêmicos sob a perspectiva sociocultural, além de
aprofundarmos nessa relação o conhecimento sobre comunidades de prática específicas. Desta
forma, a pesquisa possui três grandes etapas:
1. A descrição e a análise do contexto de produção do gênero relatório de estágio
do EMI dos cursos de Agropecuária e de Edificações, buscando, em especial, cotejar os
documentos institucionais que norteiam a produção escrita desse gênero. Reconhecendo o
endereçamento, as forças centrípetas e os modelos de escrita81 solicitados/existentes e
direcionados a duas distintas comunidades de prática como uma das vozes dos interlocutores
mediadores dos letramentos que formam parte da dimensão interdiscursiva;
2. A identificação das relações dialógicas presentes no fio discursivo do gênero
relatório de estágio dos cursos investigados com relação a dimensão do já-dito; e,
3. A caracterização por meio do discurso dos grupos em tela sobre a constituição
de suas respectivas comunidades de prática (domínio, empreendimento e repertório partilhado).
Nesta linha de pensamento, buscamos inicialmente construir um levantamento dos
documentos oficiais norteadores da escrita do gênero relatório no IF Sertão/PE após consulta
ao site da instituição82. Como resultado, encontramos documentos ou legislações de ordem de
uma macro esfera, tais como: Lei de diretrizes e Bases – ênfase na educação profissional de
nível médio; Base Nacional Comum Curricular; Diretrizes Curriculares Nacionais para a
Educação Profissional Técnica de Nível Médio; Resolução CNE/CEB nº. 06/2012 – Diretrizes
Curriculares Nacionais para a Educação Profissional Técnica de Nível Médio; e, Lei
11.788/2008 – Lei do estagiário. Porém, optamos por um recorte de proximidade desses
materiais correlacionando aos documentos segundo uma “micro” esfera, pois esses possuíam
uma relação mais direta com a escrita final dos estudantes-estagiários, servindo como um “guia”
para esse público, principalmente dois documentos que se atentam para estrutura composicional
do gênero relatório de estágio (Quadro 3):
81 Modelos, assim como proposto por Lea e Street (1998), divididos em: modelo das habilidades, modelo da
socialização acadêmica e modelo do letramento acadêmico. 82 www.ifsertao-pe.edu.br
151
Quadro 3 – Levantamento dos documentos oficiais norteadores da escrita do gênero relatório no IF Sertão/PE –
Campus Salgueiro presentes no ano de 2016 a 2018.
DOCUMENTOS SITE CÓDIGO/SIGLA83
Nova Cartilha Esclarecedora da Lei do
Estágio
https://www.confef.org.br/arquivos/cartilha-
mte-estagio.pdf
NCELE
Projeto Pedagógico do Curso https://www.ifsertao-
pe.edu.br/index.php/medio-integrado
PPC
Regulamento de estágio https://www.ifsertao-pe.edu.br/images/Pro-
Reitorias/Proext/Estagio/_REGULAMENT
O.pdf
RE
Manual do Estagiário https://www.ifsertao-pe.edu.br/images/Pro-
Reitorias/Proext/Estagio/Manual%20do%20
Estagirio.pdf
ME
Guia de elaboração dos trabalhos de
conclusão de curso para os cursos
técnicos e superior do Instituto Federal
de Educação, Ciência e Tecnologia do
Sertão Pernambucano
https://www.ifsertao-
pe.edu.br/novosite/images/Campus_Salgueir
o/3-Outros/2016/Biblioteca/Guia-de-
elaborao-dos-trabalhos-acadmicos-
IFSPE.pdf
GETA
Modelo de relatório dos cursos
técnicos
https://www.ifsertao-
pe.edu.br/novosite/index.php/sal-biblioteca
MRCT
Fonte: Elaborado para este trabalho (2021).
Assim, em nosso processo de escuta, seguindo uma análise interpretativa/qualitativa, ao
nos aproximarmos dos seis documentos, demonstramos, por meio de quadros, os excertos
referentes aos direcionamentos que norteiam ou estabelecem diretrizes: por um lado sobre o
perfil dos discentes e sobre quais letramentos devem ter contato; e por outro, para a forma
composicional do gênero, revelando-nos indícios dos efeitos de seu endereçamento, das forças
centrípetas e dos modelos de escrita diante do relatório.
Seguindo esta lógica, os quadros esboçavam os recortes que fizemos dos fragmentos
que guiavam os discentes com relação à estrutura composicional do gênero, bem como sobre o
que esperavam do conteúdo e dos propósitos existentes no texto solicitado como etapa final da
formação discente – futuro profissional (Quadro 4).
Quadro 4 – Exemplificação quadro de Documento Norteador – “interlocutor mediador dos letramentos”.
Documento Norteador Trecho
MRCT
Devem ser indicadas, além das vivências, as referências bibliográficas,
webgráficas, etc, utilizadas no decorrer de cada uma das atividades
desenvolvidas. Não insira nada gratuitamente, porém não deixe de inserir
referências que serviram para o desenvolvimento de cada uma das atividades
(leis, códigos, manuais, artigos, livros, sites, etc) – (BRASIL, 2016b [?], p. 8).
Fonte: Elaborado para este trabalho (2021).
83 Ressaltamos que com intuito de dinamizar a escrita e análise dos dados documentos usaremos a codificação/sigla
exposta no quadro 3.
152
Outro ponto de destaque para nossa coleta diz respeito ao acesso e à catalogação do
nosso corpus principal (locus das relações dialógicas), a saber: os relatórios de estágio de
estudantes-estagiários do EMI. Relembramos que os relatórios são de livre acesso para toda
comunidade por se tratarem de documentos, a exemplo de trabalhos de conclusão de cursos
(PRÍNCIPE, 2017), que são necessários à comprovação para a diplomação. Por isso, esses
documentos (relatórios de estágios) estão em página pública, em site84 específico da instituição
(Figura 7), por meio do Repositório de Leituras Abertas (RELEIA).
Figura 7 – Página principal do sítio eletrônico do Repositório Institucional do IF Sertão/PE: RELEIA.
Fonte: Brasil (2020a).
Salientamos que, antes de 2019, esses documentos de domínio público seguiam uma
normativa interna que direcionava os estudantes para a necessidade da entrega de uma cópia
em CD do relatório de estágio na biblioteca do Campus. Porém, os alunos do EMI, por muitas
vezes, entregavam o texto de forma impressa na coordenação de extensão do Campus, mais
especificamente, direcionando ao setor de estágio. Somente a partir do ano de 2019, todos os
discentes foram orientados a entregarem ao setor da biblioteca o material para que houvesse
este direcionamento ao repositório virtual da instituição.
Deste modo, com o intuito especial de “Registrar, organizar e preservar a memória
acadêmico-científica da instituição” (BRASIL, 2020a), uma vez que alguns materiais acabavam
desaparecendo, sendo extraviados, por não existir um espaço para arquivo de todos os
84 http://releia.ifsertao-pe.edu.br/jspui/
153
documentos produzidos ao longo dos anos, surgiu, em 2019, o RELEIA do IF Sertão/PE.
Tratando-se de “[...] um ambiente digital utilizado para o registro e a disseminação da produção
acadêmico-científica realizada por sua comunidade” (BRASIL, 2020a, s/n). Assim, por meio
do RELEIA, a instituição consolidou um espaço digital mais seguro para a preservação desses
materiais, iniciando um processo de recuperação/catalogação das publicações anteriores.
Diante da possibilidade de coletarmos os relatórios de estágio da instituição por meio
do repositório, partimos para as escolhas do refinamento do corpus a ser analisado. Por isso,
optamos por selecionar os três cursos que fossem representativos na comunidade do IF
Sertão/PE, ou seja, que tivessem maior recorrência de oferta dentro dessa instituição. Conforme
visualizamos no Quadro 5, os cursos de maior representatividade são: os cursos de
Agropecuária (cinco campi), Edificações (quatro campi) e Informática (quatro campi).
Quadro 5 – Distribuição dos cursos nos Campi.
CAMPUS/
CURSOS
Agropecuária Edificações Eletrônica Informática Química Logística Refrigeração
e
climatização
Floresta X X
Petrolina
Industrial
X X X X
Petrolina Zona
Rural
X
Ouricuri X X X
Salgueiro X X X
Santa Maria
Da Boa Vista
X X
Serra Talhada X X
Total de
ofertas
5 4 1 4 1 1 1
Fonte: Elaborado para este trabalho (2021).
Diante dos resultados obtidos, aproximamo-nos dos cursos presentes no Campus
Salgueiro e no Campus Ouricuri como os campi que possuíam a oferta dos três cursos com
maior “recorrência” na instituição. Porém, sinalizamos que efetuamos outro recorte diante da
informação que, em 2016, o Campus Salgueiro construiu normativa interna para a confecção
de trabalhos de conclusão/técnicos, inclusive sendo o Campus a direcionar essas orientações
por meio de uma normativa antes mesmo que a própria instituição, o IF Sertão/PE. Este dado
nos é importante, pois consideramos mais um documento norteador/ mediador de interlocução
no letramento dos discentes estudantes-estagiários, por isso, optamos por investigarmos os
relatórios daquele Campus.
154
Uma vez justificado o recorte dentre quais campi e quais cursos, traçamos mais um
refinamento direcionando a um recorte temporal para a seleção e delimitação do corpus,
tomando por base os anos de 2016, 2017 e 2018. Esclarecemos nossa escolha por três marcos:
o primeiro deles ser, respectivamente, a terceira, a quarta e a quinta turma que cursaram o
estágio, não se tratando das primeiras produções que os interlocutores mediadores dos
letramentos teriam contato e orientariam. Ou seja, esses interlocutores mediadores dos
letramentos (interlocutores reais/sujeitos orientadores) já haviam consolidado certa prática,
certa tradição, em relação à forma de orientar, direcionar caminhos.
O segundo marco se trata da publicação interna no Campus Salgueiro: o Guia de
elaboração dos trabalhos de conclusão de curso para os cursos técnicos e superior do Instituto
Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Sertão Pernambucano (GETA), no ano de 2016.
Sob este viés, estamos diante de mais um vetor presente no “produto final” que é o relatório,
pois o GETA, produzido pelo Campus Salgueiro, apresentava uma normativa interna com
relação a confecção de relatórios, tendo seção específica destinada a orientações para discentes
que cumpririam o estágio.
O terceiro marco foi a criação da plataforma de acesso aos relatórios de estágio por meio
do RELEIA, em 2019: desta forma, os dados puderam ser acessados e coletados. Para esta tese,
coletamos dados dos anos que já se encontravam disponíveis até novembro de 2019,
consequentemente, estariam na base os relatórios de estudantes-estagiários que o fizeram até
2018 (uma vez que o ano letivo de 2019 não havia sido concluído ainda).
Em síntese, o recorte temporal estabelecido para a pesquisa de três anos, visa de igual
forma, dar maior credibilidade aos dados revelados, bem como delinear as respectivas
comunidades de prática no que tange ao domínio, empreendimento e repertório indiciados nos
quais emergem do relatório. Logo, apresentamos, na Tabela 1, o quantitativo de relatórios por
ano e por curso, após esse refinamento do corpus.
Tabela 1 – Distribuição da quantidade de relatórios por ano/curso.
ANO/QUANTIDADE AGROPECUÁRIA EDIFICAÇÕES INFORMÁTICA
2016 04 04 0
2017 10 15 07
2018 06 13 05
Total 19 32 12
Soma total de relatórios 64
Fonte: Elaborado para este trabalho (2021).
155
Dito isso, apresentamos mais outro recorte para a tese, já que caso tomássemos os três
cursos: Agropecuária, Edificações e Informática (Tabela 1), teríamos um total de 64 relatórios
a serem analisados, por isso estabelecemos alguns critérios para que esse quantitativo
diminuísse:
1. No curso de Informática não foi possível localizarmos os relatórios relativos ao
ano de 2016 no RELEIA, então optamos por excluir esse curso de nossas análises. Essa
exclusão não afetou nossos objetivos iniciais em correlacionarmos as relações dialógicas que
demarcariam as características de comunidades de práticas distintas. Assim, os cursos de
Agropecuária e Edificações atenderam a essa proposta por serem cursos de eixos diferentes,
uma de Ciências Agrárias e outra correlacionadas a Engenharias;
2. Outro exemplar que conseguimos relativo ao ano de 2017, na área de
Edificações, não foi considerado, em virtude de o aluno em questão ainda se encontrar com
matrícula efetiva em 2019. Lembramos ainda, que tomamos para análise somente os relatórios
de discentes que foram diplomados dentro de nosso recorte temporal;
3. Outro ponto de delimitação é que analisaríamos um total de 71 relatórios, mas
devido ao recorte de diplomados dentro do período longitudinal proposto, chegamos a um
número de 51 relatórios (Tabela 2)85.
Tabela 2 – Distribuição da quantidade de diplomados, quantidade de relatórios analisados por ano/curso.
ANO/QUANTIDADE AGROPECUÁRIA EDIFICAÇÕES
Diplomados Estágios realizados
de forma regular
Diplomados Estágios realizados
de forma regular
2016 12 04 15 04
2017 10 10 15 15
2018 06 05 13 13
Total 28 19 43 32
Soma total de relatórios
Analisados 51
Fonte: Elaborado para este trabalho (2021).
Cumpre-nos sinalizar que normalmente os discentes cursam estágio em um ano, porém
continuam matriculados no sistema em anos subsequentes, pois alguns alunos apresentam
pendências em outras disciplinas. Deste modo, conforme a situação relatada no item 2, temos
85 Enfatizamos ainda que até o ano de 2019, muitos destes relatórios permaneciam arquivados de forma impressa
prioritariamente no setor de estágio ou mesmo nas coordenações dos cursos, quando deveriam estar alocados e de
fácil acesso na biblioteca do Campus. Deste modo, alguns dos materiais não foram disponibilizados no RELEIA,
pois houve a possibilidade da ação do tempo ou outras variáveis terem extraviado essa parte do acervo (no caso
oito relatórios).
156
12 alunos que vieram a se diplomar no período de nossas análises, mas que efetivamente
cursaram seus estágios em anos anteriores. Reforçamos que um de nossos requisitos para
inserção e análise é o estágio e a diplomação ocorrerem de forma regular, sem atrasos
acadêmicos.
Devemos ainda considerar que, estamos dando um destaque ao entorno e em especial
ao seu contexto de produção, justamente porque optamos por não construirmos uma pesquisa
etnográfica ou simplesmente “aplicar” uma teoria. Na realidade, estamos ancorados em uma
abordagem dialógica da linguagem que compreende a relação eu-outro, a constituição alteritária
nas práticas interlocutivas/interdiscursivas e como isso é possível recuperar as vozes, as RD,
no processo de escuta do fio discursivo (ver seção 2). Neste sentido é que exploramos mais
outro recorte no quantitativo dos dados, buscando nos aproximarmos das singularidades dos
sujeitos nas relações interdiscursivas.
Isto posto, optamos por analisar os relatórios dos orientadores (docentes) que estavam
“presentes”, tendo orientação de forma consecutiva ao longo dos três anos de nosso recorte
temporal e que também tivessem maior titulação acadêmica. Lembramos que, segundo a
Plataforma Nilo Peçanha (Plataforma que sistematiza os dados de mais 650 unidades da Rede
Federal de Educação Profissional e Tecnológica)86, no ano de 2018 (recorte final do nosso
objeto de estudo), o Campus Salgueiro possuía 74 docentes. Destes, 12 eram professores
temporários, 62 efetivos com vínculo de dedicação exclusiva ao IF Sertão/PE. Do quadro de 62
docentes efetivos, na época, três (03) eram somente graduados, sete (07) eram especialistas, 43
eram mestres e 9 eram doutores, perfazendo um total de docentes com capacitação em pós-
graduação de mais de 95,16% no Campus.
Portanto, avultamos que estes dados demonstram a formação acadêmica de um grupo o
qual se consolida como mais uma voz entre os “interlocutores mediadores dos letramentos” dos
discentes. Esclarecemos e entendemos que não conseguimos recuperar todas as vozes
envolvidas neste processo: dos demais docentes que colaboraram para a formação e a
capacitação dos estudantes-estagiários, sinalizando as influências diretas da titularidade na
produção do gênero. Neste contexto, sinalizamos de forma mais próxima os próprios
orientadores do estágio, mas compreendemos a importância deste grupo de profissionais nas
etapas formativas do público investigado.
Assim, ao aprofundarmos o nosso recorte, pontuamos a titularidade dos próprios
orientadores como mais um marco que traz implicações para o processo de produção escrita.
86 https://www.plataformanilopecanha.mec.gov.br/
157
Neste caso, as informações com relação a essa formação nos foi possível recuperar por meio
dos nomes constantes no próprio relatório (professor/a orientador/a) e, consequentemente,
pesquisa na plataforma Lattes. Recordamos que estas informações são de caráter público e nos
auxiliaram na compreensão das relações além das vozes institucionais, mas também de como
esses interlocutores mediadores dos letramentos que conservam uma certa “expertise” na escrita
acadêmica poderiam direcionar e/ou nortear a produção escrita de seus orientandos, apesar de
estarmos analisando uma etapa final como o relatório de estágio. Ainda assim, enfatizamos
como nos lembra Bakhtin (2016c, p. 122): “[...] A relação com o interlocutor determina o
discurso tanto quanto a relação com o objeto (com a realidade). A relação com o interlocutor e
com o seu discurso é um elemento determinante do discurso, do diálogo, fora do qual é
impossível compreender uma réplica. [...]”.
Por isso, em nosso estudo, com o intuito de preservarmos a face dos docentes
orientadores do estágio, codificamos os nomes seguindo a distribuição para o curso de
Agropecuária DO – AGRO 01, DO – AGRO 02, em ordem numérica sucessiva, bem como para
o curso de Edificações DO – EDIF 01, DO – EDIF 02, etc. No qual DO – AGRO significa:
docente orientador Agropecuária, 01 – primeiro docente retirado em ordem alfabética; e DO –
EDIF significa: docente orientador Edificações, 01 – primeiro docente codificado retirado em
ordem alfabética. Desse modo, o apêndice B indica a presença do orientador por ano, sua
respectiva titulação e a quantidade de discentes estagiários sob sua orientação, de igual modo,
por ano.
Seguindo nosso delineamento, observamos que em Agropecuária somente DO – AGRO
02 e DO – AGRO 04 estavam presentes nos três anos e esses possuíam como maior titulação o
fato de serem mestres, como não há uma regularidade nas orientações dos docentes doutores,
optamos por seguir o que propomos inicialmente: ter orientações em todos os anos do recorte
longitudinal do estudo e maior titularidade. Em relação ao curso de Edificações constatamos
que os DO – EDIF 01, DO – EDIF 02, DO – EDIF 03 E DO – EDIF 05 possuíam presença nos
três anos de recorte do estudo, porém nos centramos nos relatórios orientados por DO – EDIF
02 e DO – EDIF 05, pois esses possuíam uma maior titulação ou formação dentro do período.
Em síntese, com esse recorte tomado, chegamos ao total de 26 relatórios analisados, 13 de cada
curso, estando distribuídos por ano e curso conforme exposto no apêndice C.
Enfatizamos ainda que, mesmo que os documentos, no caso os relatórios de estágio
fossem de domínio público, adotamos também uma postura ética em codificar os relatórios para
assegurarmos a não exposição dos sujeitos. Diante disso, os relatórios de estágio foram
enumerados sequencialmente de acordo com a disposição cronológica e alfabética, além de
158
serem marcados com a sigla do curso no qual fora extraído aquele gênero correlacionando ao
docente-orientador, por exemplo: REDO2 – AGRO 01, 2016 (RE: relatório; DO2 – docente
orientador 02; AGRO: relatório do curso de Agropecuária; 01 – primeiro relatório retirado em
ordem alfabética; 2016 – ano de publicação).
Chegamos a uma síntese que consegue, por um lado, referendar as características de
uma comunidade de prática, pois estamos diante de números expressivos se comparado ao
grupo no todo (Tabela 01); e, também apresentamos uma linearidade temporal com o mesmo
interlocutor (sujeito-orientador), com um mesmo mediador da “aprendizagem” (mesmo
sabendo que os contextos situacionais mudam ao longo do tempo). Por outro lado, estamos
diante de um grupo singular no qual nos é possível recuperar, escutar os dados de uma forma
particular, com maior atenção ao projeto discursivo, evidenciando as RD na dimensão
interdiscursiva presente no relatório de estágio. Reforçamos que temos ainda como escopo
construirmos um diálogo somado a outros critérios para análise como serão expostos no tópico
a seguir. Nele demonstramos como elencamos os procedimentos para categorização dos dados
segundo as categorias de análise propostas, explicitando o objetivo de cada uma delas.
4.1.2 No trilhar das relações dialógicas: categorias e procedimentos de análise
Em continuidade com nosso projeto responsivo de escuta dos sentidos presentes no
corpus, compreendemos e defendemos que o diálogo dos NLS, sob o viés dos Letramentos
Acadêmicos, com a perspectiva dialógica da linguagem, possibilitou-nos tratar o enunciado sob
o viés interdiscursivo ao revelar as relações dialógicas existentes e que sinalizavam os
letramentos acadêmicos e profissionais de comunidades de prática ímpares.
Assim sendo, propomos observar, descrever e interpretar nosso corpus, especialmente,
utilizando-nos do método dialógico de análise da linguagem sinalizado pelo Círculo de Bakhtin.
Lembramos que esta proposição teórico-analítica parte inicialmente da compreensão sobre as
condições concretas de realização dos enunciados; para em seguida, investigar o gênero,
compreendendo suas especificidades e as relações dialógicas presentes; e, por último, buscar
no sistema linguístico como os recursos são utilizados para caracterizar e constituírem os
próprios enunciados.
Em nosso contexto, tomamos os efeitos de sentidos por meio do fio discursivo e sua
materialidade nos relatórios de estágio de discentes do EMI dos cursos de Agropecuária e de
Edificações que auxiliam, como um dos elos, na constituição de suas respectivas comunidades
159
de prática. Assim, através deste respaldo teórico, criamos categorias que nos auxiliaram no
processo de interpretação dos corpus nas seguintes etapas:
1ª etapa: O contexto de produção: as dimensões interdiscursivas de mediação dos
letramentos como práticas institucionalizadas na confecção dos relatórios;
2ª etapa: as relações dialógicas na dimensão com o já-dito em comunidades de práticas
de Agropecuária e de Edificações no relatório de estágio;
3ª etapa: as comunidades de prática dos cursos de Agropecuária e de Edificações: em
foco o domínio, o empreendimento e o repertório partilhado.
Isto posto, reforçamos que, na etapa 1, analisamos os seis (06) documentos que
conseguimos correlacionar como elo de teor prescritivo (forças centrípetas) na produção do
gênero relatório de estágio (Quadro 3). Deste modo, em nosso processo de cotejar outros
elementos sobre o entorno e que influenciaram no projeto enunciativo dos estudantes-
estagiários, denominamos estas vozes institucionais como um dos exemplos de interlocutores
mediadores dos letramentos que mesmo distante fisicamente se fez/faz presente no fio
discursivo do grupo investigado. Neste sentido, na etapa 1, elencamos como categorias
correlacionadas a essas vozes institucionais mediadoras dos letramentos, os seguintes eixos: o
endereçamento; as forças centrípetas; e, o modelo de letramento.
Rememoremos Street (2014), ao afirmar que uma visão homogênea da escrita acaba por
revelar as relações de poder impostas, pois por se tratar de um gênero acadêmico, parte-se, do
pressuposto que há uma única forma de escrever, que há um modo correto de fazer, tornando
algo mecânico e padronizado. Assim sendo, destacamos que essas vozes presentes por meio das
relações dialógicas, que tenham sido conteúdo de análise, foram identificadas, sistematizadas e
agrupadas para uma maior organização em quadros e tabelas de acordo com as categorias de
análises propostas para esse estudo. Inclusive, em alguns momentos, quantificamos as
ocorrências na tentativa de explicar certos “fenômenos” que particularizavam os grupos.
Ressaltamos que este cenário não minimiza nossa responsabilidade em
compreendermos o sujeito único e singular, mas nossa proposição por ora assumiu uma
compilação das recorrências desses mesmos sujeitos e que sinalizam o domínio, o
empreendimento e o repertório das comunidades de prática investigadas. Nesta linha,
sublinhamos que para ampliarmos a análise proposta especialmente da segunda etapa de nossa
investigação, revisitamos as reflexões de Bakhtin (2016b) sobre como o próprio enunciado é
enformado por elementos extralinguísticos (essencialmente) dialógicos, correlacionados
160
sempre a outros enunciados (cadeia discursiva), e, que, por sua vez, esses elementos adentram
o enunciado também por dentro, na materialidade linguística.
Por este motivo, “Do ponto de vista dos objetivos extralinguísticos do enunciado, o
conjunto linguístico é apenas um meio [...]” (BAKHTIN, 2016b, p. 80). Logo, nossa
compreensão é que na análise linguística conseguimos, a princípio, recuperar os indícios das
relações dialógicas, em especial, na dimensão interdiscursiva. Ou seja, é na identificação e
consequente descrição das formas linguísticas (a materialidade), que conseguimos indiciar a
voz do outro como palavra própria (BESSA, 2016).
Neste caso, a palavra é do sujeito estudante-estagiário, que revisita outros discursos,
outros dizeres e constrói sua própria singularidade. Assim, vislumbramos ainda as relações que
nos permitem identificar como este sujeito discursivo antecipa respostas de seus possíveis
interlocutores e consolida seu projeto enunciativo em diálogo, em relações dialógicas com e
para com o outro87.
Dito isto, apoiamo-nos, além dos NLS (em sua vertente dos Letramentos Acadêmicos)
e da ADD, em estudos tais como de Authier-Revuz (1998, 1999, 2008, 2011), Sanches (2009),
Fuza (2015, 2016, 2017) e Bessa (2016) para alargamos os direcionamentos em nosso contexto
de investigação sobre as categorias, pois partimos do pressuposto que estamos diante de uma
esfera acadêmico-profissional de circulação dos discursos, ao passo que estes estudiosos
centraram seus trabalhos na esfera acadêmico-científica.
Sob este ponto de vista, para contemplarmos a segunda etapa de nossa pesquisa,
utilizamos a classificação exposta no Quadro 6 para a organização dos dados coletados.
Sucintamente, essas estão divididas em dois grandes blocos: 1. A materialidade macrotextual-
discursiva nos relatórios: ecos das vozes institucionais?, e, 2. A dimensão interdiscursiva nas
relações dialógicas de comunidades de prática específicas: o fio discursivo.
Quadro 6 – Análise dialógica dos relatórios de estágio na escrita acadêmica-profissional.
A MATERIALIDADE MACROTEXTUAL-DISCURSIVA NOS RELATÓRIOS: ECOS DAS VOZES
INSTITUCIONAIS?
Elementos pré-textuais Elementos textuais Elementos pós-textuais
A DIMENSÃO INTERDISCURSIVA NAS RELAÇÕES DIALÓGICAS DE COMUNIDADES DE
PRÁTICA ESPECÍFICAS: O FIO DISCURSIVO
As formas marcadas do
projeto de dizer
Marcas de primeira ou terceira pessoa reveladas nos usos de pronomes pessoais,
desinências verbais e pronomes possessivos
Reprodução literal do dizer
Incorporação do dizer
87 Sinalizamos que esses dois movimentos foram investigados de certa forma separadamente, mas compreendemos
que são duas dimensões que se correlacionam e são imbricadas.
161
As formas de inserção
do discurso "alheio"
como palavra "minha"
Evocação/alusão do dizer
Reformulação do dizer
A dimensão
interdiscursiva por
meio das RD
Diálogo com o conhecimento acadêmico e profissional
Concordância e a discordância com discursos alheios
Relação de questionamento do agir profissional e da teoria existente
Relação com outros saberes e competências
(Re)conhecimento das marcas acadêmicas e profissionais na formação
Fonte: Adaptado de Sanches (2009), Fuza (2015), Bessa (2016).
Diante desta realidade, reforçamos que, no item “A materialidade macrotextual-
discursiva nos relatórios: ecos das vozes institucionais?”, correlacionamos a estrutura
composicional e o tema presente do gênero relatório de estágio aos direcionamentos propostos
por um dos interlocutores mediadores dos letramentos, a saber: as vozes institucionais
(documentais). Investigamos se os relatórios apresentaram os elementos pré-textuais, textuais
e pós-textuais solicitados por esses documentos e que, de certa forma, demarcavam o lugar de
adequação à comunidade de prática daquele espaço institucionalizado de formação e de
aprendizagem que é o estágio no IF Sertão/PE.
Na verdade, observamos se esse público seguia os mesmos direcionamentos postulados
pelos documentos ou se iniciavam um processo de constituição e (re)configuração própria de
cada campo de atuação da atividade humana desses cursos. Ou seja, reconhecendo como se
reverbera a resposta ao endereçamento, às forças e aos modelos propostos por aqueles
documentos institucionais.
Em relação ao item “A dimensão interdiscursiva nas relações dialógicas de comunidades
de prática específicas: o fio discursivo”, recuperamos na forma, na materialidade linguística,
inicialmente, as “formas marcadas do projeto de dizer”, pois evidenciamos o engajamento do
sujeito estudante-estagiário por meio das formas marcadas de sua inserção no texto quer seja
de aproximação ou distanciamento. Correlacionamos, de igual modo, a vozes institucionais dos
documentos que buscam “homogeneizar” o dizer do discente, buscando por um momento impor
um certo distanciamento na escrita, característicos de gêneros da esfera acadêmico-científica
por meio da não implicação ou demonstração explícita do sujeito, e, por outros, solicitando o
protagonismo desses alunos ao narrarem suas experiências.
No item “As formas de inserção do discurso "alheio" como palavra "minha", buscamos
a presença marcada do outro como palavra própria, revelando como o interlocutor constitui o
próprio dizer do discente estudante-estagiário. Conforme salientava Bakhtin (2016c, p. 121):
"[...] Todo discurso do outro citado (ainda que seja uma simples citação) pressupõe uma relação
162
dialógica com ele (mesmo que seja de concordância, de confirmação).” Nesta óptica, a inserção
da palavra outra foi analisada sob estas perspectivas: a reprodução literal do dizer, a
incorporação do dizer, a evocação/alusão do dizer e a reformulação do dizer.
Respaldamo-nos nestas categorias tomando de empréstimo alguns conceitos de Bessa
(2016) e Authier-Revuz (1998, 2011), pois as adaptamos para nosso contexto investigativo ao
aliarmos em nossa compreensão responsiva e de escuta dos dados as reflexões do Círculo de
Bakhtin. Assim, destacamos que na “reprodução literal” retomamos as citações cujos
movimentos se inserem segundo o discurso direto e a modalização em discurso, seja do
conteúdo ou da palavra (AUTHIER-REVUZ, 1998; BESSA, 2016).
Na “incorporação do dizer”, visualizamos o apagamento autoral (sem menção ao dizer
fonte) e este é tomado como discurso próprio.88 Na evocação/alusão do dizer (AUTHIER-
REVUZ, 1998; BESSA, 2016), o sujeito ao citar a palavra do outro resume o conteúdo ou faz
uma alusão a esse dizer por meio da evocação (uma palavra, uma expressão, por exemplo) e na
“reformulação do dizer”, as citações que exigem um maior esforço na reelaboração do conteúdo
sendo visível por meio do discurso indireto ou da modalização em discurso segundo sobre o
conteúdo (AUTHIER-REVUZ, 1998; BESSA, 2016).
No tocante “A dimensão interdiscursiva por meio das RD”, partimos da compreensão e
da interpretação de como a linguagem deixa transparecer a ação humana, como revela as
relações dialógicas, como recuperamos os inúmeros outros e seus discursos para nos
constituirmos enquanto sujeitos (identidade construída pela alteridade). Deste modo, as RD nos
revelam proximidades e afastamentos, bem como já nos indiciam pertencimentos ao domínio,
ao empreendimento e ao repertório das comunidades de prática. Segundo enfatiza Bakhtin
(2016a, p.53): “[...] Todavia, as palavras podem entrar no nosso discurso a partir de enunciados
individuais alheios, mantendo em menor ou maior grau os tons e ecos desses enunciados
individuais.”. E complementa:
[...] Por isso pode-se dizer que qualquer palavra existe para o falante em três aspectos:
como palavra da língua neutra e não pertencente a ninguém; como palavra alheia dos
outros, cheia de ecos de outros enunciados; e, por último, como a minha palavra,
porque, uma vez que eu opero com ela em uma situação determinada, com uma
intenção discursiva determinada, ela já está compenetrada da minha expressão.
(BAKHTIN, 2016a, p. 53).
Isto posto, as categorias elencadas para esta etapa revelam como o sujeito discursivo
opera o seu projeto enunciativo vislumbrando o encontro com o outro no próprio
88 Não classificamos essa categoria como plágio, pois ao longo das análises refletimos como essa incorporação é
construída nos relatórios, demarcando a singularidade das respectivas CP.
163
enunciado/objeto que é o relatório de estágio e assim estabelece um já-dito nos discursos
vivenciados pelas particularidades daquela dada CP. Logo, sistematizamos as RD segundo
nosso projeto de escuta e que consideramos como categorias89:
Diálogo com o conhecimento acadêmico e profissional – tratamos da relação
com o diálogo, com os interlocutores mediadores dos letramentos (documentos, orientadores,
supervisores, por exemplo), bem como o conhecimento científico e/ou profissional que é tido
como uma verdade absoluta. Ao desmembrarmos em acadêmico e profissional, visualizamos
as relações postas entre os conhecimentos tácitos e consensuais presentes nesse e naquele
universo;
Concordância com discursos alheios – recuperamos os posicionamentos, os
enunciados que acatam o que é socialmente aceito pelos pares, pela academia, pelo universo
científico ou até mesmo pelo campo profissional;
Relação de questionamento do agir profissional e da teoria existente – tratamos
da relação de questionamento ou indagação do agir laboral ou da teoria que embasa algumas
informações, assim o sujeito tenta refutá-la por meio de novos dados ou ainda critica o que está
posto, demarcando um juízo de valor;
Relação com outros saberes e competências – o sujeito dá voz a outros saberes
que não são institucionalizados ou que surjam de alguma expertise, valorando os sujeitos locais,
os saberes populares ou práticas singulares do agir profissional, por exemplo;
(Re)conhecimento das marcas acadêmicas e profissionais na formação –
recuperamos as vozes, as RD de gratidão, de agradecimento ou não, do que fora vivenciado na
formação dos sujeitos estudantes-estagiários.
Portanto, defendemos, assim como Bakhtin (2016a), a relação valorativa do sujeito do
dizer com o objeto do seu próprio discurso. Este demarca e designa suas escolhas com relação
aos recursos que são utilizados, quer sejam eles lexicais, gramaticais ou ainda composicionais
do enunciado. Desse modo, estamos diante da ideia da cadeia de comunicação discursiva
compreendendo como o enunciado é “pleno de ecos e ressonâncias de outros enunciados”
(BAKHTIN, 2016a, p. 57). Por isso, enfatizamos a necessidade de ampliarmos os estudos sobre
as formas de atitudes responsivas que acabam por preencher o enunciado, pois para Bakhtin
(2016a, p. 59):
89 Sinalizamos que a princípio tomamos como base os estudos de Sanches (2009) e Fuza (2015, 2016, 2017), mas
com o aprofundamento da escuta de nossos dados, emergiram as presentes categorias elencadas para esta tese.
164
[...] O enunciado é pleno de tonalidades dialógicas, e sem levá-las em conta é
impossível entender até o fim o estilo de um enunciado. Porque a nossa própria ideia
– seja filosófica, científica, artística – nasce e se forma no processo de interação e luta
com os pensamentos dos outros, e isso não pode deixar de encontrar seu reflexo
também nas formas de expressão verbalizada do nosso pensamento.
Em suma, pontuamos o que Bakhtin enfoca, pois é possível percebermos a relação
dialógica no discurso, quer seja pela inserção da voz do outro direta ou indiretamente ou pelas
vozes que ressoam das vivências adquiridas pelo sujeito por meio do emaranhado discursivo
destas experiências, pontos cotejados nesta fase da pesquisa.
Já em nossa terceira e última etapa, chegamos à “conclusão” de como se inserem os
sujeitos dentro dos letramentos acadêmico-profissionais de cada CP compreendidos pelas RD
investigadas. Reforçamos que a CP se configura mediante três características e que foram
exploradas do seguinte modo: 1. Domínio do conhecimento (refletindo sobre o campo de
atuação, os terrenos de assuntos em comum, os propósitos partilhados); 2. Empreendimento
(vislumbrando a inserção na comunidade, por meio do envolvimento e sendo de pertencimento,
a troca de conhecimentos, visando construir saberes); 3. Repertório (reconhecendo a prática
específica de um grupo, pela prática compartilhada: experiências, histórias, ferramentas,
gêneros discursivos).
Com isso, delimitamos as particularidades dos grupos de Agropecuária e Edificações,
refletindo como pontuava Volóchinov (2019, p. 119) sobre as práticas de linguagens entre os
grupos presentes nos enunciados: “[...] seja qual for, ele sempre conecta os participantes da
situação, como coparticipantes que conhecem, compreendem e avaliam a situação do mesmo
modo [...]”. Dito isto, evidenciamos o horizonte social, espacial e semântico que estes grupos
partilham pelo próprio discurso, destacando como locus do estágio possibilita a inserção e
legitimação de futuros profissionais tais como os estudantes-estagiários de cursos de EMI
segundo uma CP.
Portanto, segundo a visão holística deste fenômeno, somamos diversos fatores para
investigarmos: as forças centrípetas, sobretudo, de uma das vozes dos interlocutores mediadores
dos letramentos, os documentos institucionais; as relações dialógicas presentes no fio
discursivo da materialidade genérica, bem como a constituição das respectivas comunidades de
práticas indiciadas pelo discurso presente no relatório de estágio com suas aproximação e
distanciamentos. Tudo isso para atingirmos nosso objetivo, conforme expomos na Figura 8.
165
Figura 8 – Síntese do percurso metodológico utilizado.
Fonte: Elaborado para este trabalho (2021).
De todo modo, informamos e enfatizamos que os enunciados foram analisados
qualitativamente e exemplificados na seção posterior por meio de quadros e/ou tabelas.
Esperamos, através de nossa escuta/interpretação de um contexto específico da educação
profissional, contribuir com discussões teórico-metodológicas que considerem as práticas
acadêmicas e profissionais dos sujeitos alunos de EMI, bem como as alianças possíveis entre
os NLS, em seu viés do Letramento Acadêmico, e a perspectiva dialógica, a ADD.
Analisar as RD na sua dimensão
interdiscursiva
nos relatórios de estágio
dos cursos de EMI de
Agropecuária e de
Edificações que se
revelam como um dos
elos que constituem as
suas respectivas
CP na construção do
letramento acadêmico-profissional
Levantamento dos documentos
oficiais norteadores da
escrita do gênero relatório no IF
Sertão-PE / Campus
Salgueiro
Seis documentos
(interlocutores mediadores dos
letramentos)
Análise dialógica dos relatórios de estágio na
escrita acadêmica e profissional
26 relatórios
(interlocutores mediadores dos letramentos e
ADD)
A materialidade macrotextual-
discursiva
A dimensão interdiscursiva
nas relações dialógicas de
comunidades de prática
específicas: o fio discursivo
As formas marcadas do projeto de dizer
As formas de inserção do discurso
"alheio" como palavra "minha"
A dimensão interdiscursiva por
meio das RDA inserção na comunidade acadêmico-profissional
Domínio de conhecimento
Empreendimento
Repertório
166
5. ERGUENDO A OBRA: AS RELAÇÕES DIALÓGICAS EM
DETERMINADAS COMUNIDADES DE PRÁTICA E A CONSTITUIÇÃO DE UM
LETRAMENTO ACADÊMICO-PROFISSIONAL SINGULAR
Os diálogos engendrados no interior das mais variadas esferas de circulação guardam
dinâmicas peculiares entre seus pares (sujeitos discursivos), podendo ainda sofrer grande
influência de forças verboideológicas dos grupos sociais ali presentes com maior poder dentro
desses espaços, conforme expusemos e refletimos nas seções teóricas de nossa tese (FUZA,
2016; BAKHTIN, 2018; VOLÓCHINOV, 2018).
Nosso objetivo, nesta seção, é compreendermos, como nos lembra Bakhtin (2016b, p.
101), que em cada palavra, cada signo ideológico, é possível recuperarmos em nosso processo
de escuta, “[...] vozes às vezes infinitamente distantes, anônimas, quase impessoais (as vozes
dos matizes lexicais, dos estilos, etc.), quase imperceptíveis, e vozes próximas, que soam
concomitantemente.”.
Nesta linha, tomando o nosso contexto de pesquisa, esse diálogo, por meio das vozes
presentes no enunciado, transparece as relações com enunciados anteriores e seus respectivos
letramentos, reforçando a constituição de grupos sociais específicos, tais como as comunidades
de práticas investigadas do EMI de Agropecuária e de Edificações. Buscamos, nas seções que
seguem, compreender, a princípio, como os discursos oficiais em suas orientações acadêmicas,
científicas, tecnológicas e laborais exercem forças verboideológicas sobre os discursos dos
sujeitos dos grupos sociais investigados, cumprindo por um lado o papel de interlocutor, de
mediador dos letramentos, nesse campo de atuação das CP investigadas. Em seguida,
apresentamos as reflexões sobre as RD na sua dimensão interdiscursiva e como essas nos
forneceram indícios para compreender um dos elos que constituem as CP em tela. Por fim,
refletiremos sobre as similaridades e distanciamentos dos grupos.
Em suma, nosso propósito é sistematizado ao traçarmos essas linhas construindo um
levantamento local: ao analizarmos o contexto prévio da confecção do relatório, o seu entorno
de produção; revelando o projeto executivo: ao identificarmos nos relatórios, o discurso
presente na materialidade textual com seus efeitos de sentidos; e, caracterizando os projetos
complementares: ao caracterizarmos as CP de cada grupo investigado.
167
5.1 LEVANTAMENTO LOCAL – O CONTEXTO DE PRODUÇÃO: AS
DIMENSÕES INTERDISCURSIVAS DE MEDIAÇÃO DOS LETRAMENTOS COMO
PRÁTICAS INSTITUCIONALIZADAS NA CONFECÇÃO DOS RELATÓRIOS
Em nosso objetivo de tese, buscamos analisar especialmente as RD presentes nos
relatórios de estágio de discentes-estagiários do EMI de uma instituição pública federal da rede
profissionalizante. Porém, cumpre tecermos algumas considerações sobre o contexto de
produção desse gênero e evocarmos alguns pontos que consideramos importante para
somarmos ao cotejamento dos documentos institucionais como um dos interlocutores
mediadores dos letramentos.
Ou seja, devemos compreender que os sujeitos implicados na produção do gênero
relatório possuem uma carga social, cultural, acadêmica, ideológica, que os inscrevem em um
dado tempo e espaço, pois a materialidade textual-discursiva vem impregnada e carregada de
valores sócio-históricos sobretudo ao revisitar o horizonte social partilhado, bem como ao tomar
a história social de quem são e de onde “vem” esses sujeitos discursivos (ALVES, 2019). Como
consequência, tais fatores também orientam o projeto de dizer destes sujeitos.
Diante desta realidade, inicialmente reforçamos que buscamos alguns dados de
divulgação pública por meio da própria instituição para (re)conhecermos estes sujeitos e sua
carga histórica e social, não no sentido de discorrermos as particularidades de cada sujeito, pois
não construímos uma pesquisa etnográfica com compilações de entrevistas, de questionários ou
aproximações na relação pesquisador e sujeitos investigados.
Na realidade, nossa aproximação é com essa relação macro que evidencia e
“caracteriza” esses próprios sujeitos. Por isso, destacamos essencialmente o contexto
socioeconômico dos discentes que pertenciam ao EMI do Campus Salgueiro, em especial, nos
anos de 2017 e 2018, visto que não conseguimos recuperar os dados de 2016, pois houve
atualização nas páginas de domínio público, constando somente os dados de 2017 em diante90.
Assim, apesar de não termos os dados referentes ao ano de 2016, salientamos que
conseguimos evidenciar que o Campus Salgueiro possui a característica de ter como discentes
um público de uma faixa de renda familiar considerada carente. Dentre os alunos matriculados
no EMI, a maioria tinha a renda concentrada em até um salário-mínimo, respectivamente nos
90 O acesso a essas informações data de junho de 2020, momentos pós-qualificação desta pesquisa. Após esse
período, não conseguimos localizar dados públicos referentes ao ano de 2016 nem no site da Plataforma Nilo
Peçanha e nem por intermédio do site institucional do IF Sertão/PE. Lembramos que optamos por ter acesso aos
dados por meio de divulgações de ordem pública, evitando assim o contato direto com os sujeitos da pesquisa
(quer seja os discentes, orientadores, coordenadores e/ou a própria instituição na figura de seus servidores).
168
cursos de Agropecuária e de Edificações, em 2017, somando um total de: 91,67% e 98, 62%;
e, em 2018: 89,15% e 90% (ver apêndice D). Estes números nos revelam a importância da
inclusão educacional para esse público de uma faixa etária desprovida de renda, cuja família
certamente não teria condições de arcar financeiramente com os estudos, caso fosse preciso se
deslocar para outras cidades.
Neste sentido, reforçamos que um dos princípios presentes na própria constituição
brasileira é de dar igualdade de condições tanto para o acesso quanto para a permanência na
escola (artigo 206 – BRASIL, 1988). Assim, o Programa Nacional de Assistência Estudantil
(PNAES), presente na rede profissional e tecnológica, visa a assistir e institucionalizar dotação
orçamentária para tal finalidade, voltando suas ações para grupos sociais estudantis específicos.
Lembramos que são considerados discentes pertencentes a esse grupo aqueles que “[...] sejam:
oriundos de escola pública, famílias em situação de vulnerabilidade socioeconômica, pessoas
com necessidades educacionais específicas de aprendizagem, pessoas com deficiência.”
(BRASIL, 2015a, p. 04 – grifos nossos).
Deste modo, aos discentes que encontram dificuldades, em especial, em relação à sua
permanência nos estudos no IF Sertão/PE por questões econômicas91, determinados editais92
são oportunizados por meio de um auxílio financeiro. Tais ações:
[...] contribuem para concretizar o direito à educação, a Política de Assistência
Estudantil do IF SERTÃO-PE busca proporcionar a todo o corpo discente uma
formação voltada para o desenvolvimento integral do ser humano. Nesse sentido,
todos os estudantes regularmente matriculados nos cursos ofertados pelo IF
SERTÃO-PE serão público-alvo dos Programas Universais contidos na Política de
Assistência Estudantil deste Instituto (exceto alimentação, material escolar básico e
ajuda de custo). Os Programas Específicos serão destinados apenas aos estudantes dos
cursos presenciais. As ações de assistência ao estudante serão conduzidas por equipes
multiprofissionais, objetivando um melhor entendimento das demandas apresentadas
e a elaboração de respostas mais eficazes. (BRASIL, 2015a, p. 04 – 05).
Frisamos também que este público, de maioria masculina (2017: 66,6% e 69,7%; 2018:
61,9% e 64,5%)93, é constituído por grupos de classificação racial diversa (negros, pardos,
indígenas, brancos, entre outros). Assim sendo, estes sujeitos sociais vivenciam a
democratização do acesso ao ensino ao encontrarem a viabilidade de se formar, de se capacitar
91 O campus Salgueiro é localizado na Zona Rural da cidade e depende do transporte público gratuito ofertado
pelas prefeituras circunvizinhas para que discentes possam chegar ao seu ambiente formativo. Observamos a
necessidade dessa rede de apoio com relação ao público estudantil, de maioria carente, para de fato oportunizar o
acesso à sua formação. 92 https://www.ifsertao-pe.edu.br/index.php/sal-editais 93 Chamamos atenção ao fato que esses dados revelam questões sobre o acesso à educação por parte do público
feminino em cursos técnicos, podendo ser objeto de estudos posteriores a baixa procura ou a própria oportunidade
de acesso, por exemplo.
169
e de se ter acesso à educação de uma maneira diferenciada, pois como afirmam Leite e Barbosa
(2020, p. 235), os IF: “[...] adotam como basilar a formação dos alunos mediante ações de
ensino, de pesquisa e de extensão, assim como fazem as universidades.”.
Nesse sentido, os IF possibilitam aos estudantes este contato para além do ensino, por
meio de práticas de pesquisa, de inovação e de extensão, como também a probabilidade de
colaborar com o viés socioeconômico desses discentes. Para além do aparato técnico,
conteudístico, científico e humanístico, os discentes participam destes espaços de capacitação
com a oportunidade de serem bolsistas, quer seja de iniciação científica, quer seja de nível
técnico por meio da extensão.
Por esse motivo, avultamos que as bolsas de iniciação científica de nível médio
(Programa Institucional de Bolsas de Iniciação Científica – Júnior – PIBIC-Jr.) e as bolsas de
extensão nível técnico (Programa Institucional de Projetos e Bolsas de Extensão – PIBEX
Técnico) colaboram para as políticas de acesso e de permanência dos discentes, bem como na
introdução de suas respectivas práticas de letramentos na esfera acadêmica e científica.
Tabela 3 – Distribuição da quantidade de bolsas ofertadas entre 2016 a 2018.
ANO MODALIDADE EDITAL94 QUANTIDADE DE BOLSAS
AMPLA CONCORRÊNCIA
NO IF SERTÃO/PE
QUANTIDADE DE
BOLSAS CAMPUS
SALGUEIRO
2016 PIBIC – JR. Edital nº33/2015 -- 15
Edital nº16/2016 -- 15
Edital nº33/2016 04 --
PIBEX - Técnico Edital nº25/2015 -- 12
2017 PIBIC – JR. Edital nº19/2017 -- 17
Edital nº 44/2017 21 --
PIBEX - Técnico Edital nº12/2016 -- 12
2018 PIBIC – JR. Edital nº 16/2018 -- 11
PIBEX - Técnico Edital nº 15/2018 -- 06
Edital nº 32/2018 15 --
TOTAL95 40 88
Fonte: Elaborado para este trabalho (2021).
Conforme sintetizamos na Tabela 3, observamos que 88 (oitenta e oito) discentes de
EMI no Campus Salgueiro tiveram bolsas asseguradas em editais específicos da pesquisa e da
extensão, além de terem a oportunidade de concorrer a outras 40 (quarenta) bolsas de ampla
concorrência ao longo do recorte proposto para essa tese. Ao participarem desses editais, os
94 Alguns editais iniciavam sua execução em um ano e finalizavam em outro. Isso ocorria em virtude dos atrasos
dos calendários letivos. Somente sendo regularizado a partir do ano de 2019 (o edital e projeto ser vivenciado
dentro de um mesmo ano). 95 O quantitativo de bolsas teve um declínio na oferta já como resultado do impacto das restrições orçamentárias
vivenciadas ao longo dos anos desta pesquisa.
170
discentes são iniciados em certos eventos e práticas de letramentos, tais como: confecção de
projetos para submissão; construção de relatórios sobre o andamento e resultados dos projetos
(parciais e finais); confecção, submissão e publicação de resumos para eventos, trabalhos
completos e inclusive artigos científicos para revistas; participação em congressos, seminários,
colóquios, entre outras atividades.
Estes pontos nos indiciam, antes mesmo de uma análise dos documentos institucionais
que orientam a escrita do gênero relatório de estágio, o contato dos discentes com gêneros do
“universo acadêmico” ao participarem de eventos que se consolidaram em práticas de
letramentos ao longo da vivência em um IF. A título de exemplificação, dentre os relatórios
investigados e seus respectivos autores, temos o percentual de 46,15% para o curso de
Agropecuária e 84,6% para o de Edificações de discentes que foram bolsistas de pesquisa ou
de extensão ao longo do seu processo formativo no Campus Salgueiro, conforme Tabela 4.
Essa quantificação demonstra que estes sujeitos tiveram formas de contato com
gêneros da esfera acadêmico-científica ainda na educação básica, ao participarem de atividades
de orientação, de entrega de fichamentos, de resumos, de relatórios, além da confecção e
execução de projetos, dentre outras ações.
Tabela 4 – Distribuição da quantidade de discentes bolsistas de iniciação científica (PIBIC-Jr.) ou de iniciação de
projetos e bolsas de extensão (PIBEX-Técnico)96 em porcentagem.
ANO AGROPECUÁRIA EDIFICAÇÕES
2016 50% 66,6%
2017 50% 87,5%
2018 33,4% 50%
Grupo total 46,15% 84,6%
Fonte: Elaborado para este trabalho (2021).
Estes dados coletados corroboram com as defesas postas por Leite (2020), Leite e
Barbosa (2020), Batista Júnior (2020), Abreu (2020) e tantos outros autores que comungam
com a ideia de que os discentes da educação básica da rede pública federal possuem um
“diferencial” em sua formação, pois em suas experiências prévias formativas há o contato com
variados eventos de letramentos, dialogando com novas formas com a cultura do escrito, antes
associado somente à esfera da universidade.
Outros exemplos bem pontuais, dentre os inúmeros eventos e práticas de letramentos,
que usualmente estariam direcionados ao universo acadêmico do ensino superior e que
96 Informações coletadas por meio dos resultados dos editais ou informações no lattes, bem como de lista disponível
pelos setores de pesquisa e de extensão do Campus Salgueiro no site institucional.
171
discentes da educação básica possuem contato já no EMI no IFSertão/PE são a JINCE e a
Revista Semiárido De Visu. A primeira se trata de jornada acadêmica itinerante promovida pelo
IFSertão/PE nos campi. Reforçamos que tal Jornada de Iniciação Científica e Extensão (JINCE)
e a Jornada de Iniciação à Docência (JID) atualmente se realizam de forma unificada e em 2020
completou sua décima quinta realização.
Portanto, atividades correlacionadas ao ensino, pesquisa e extensão são difundidas e
apresentadas nesta jornada por meio de comunicações orais, simpósios, mesas-redondas,
apresentações culturais, além de cumprirem todo um ritual acadêmico de submissão de resumos
para aprovação dos trabalhos. Posteriormente, há a arguição dos avaliadores quando das
apresentações durante o evento, para, finalmente, os trabalhos serem submetidos aos anais da
Jornada. Desta maneira, os discentes participam ativamente de cenários de iniciação a uma
cultura acadêmica institucionalizada.
Por sua vez, outra forma de letramento peculiar que os discentes possuem contato diz
respeito à publicação em revistas e no caso do IF Sertão/PE, há o incentivo à participação e à
difusão científica por meio de artigos de discentes da educação básica com pares acadêmicos
de maior titularidade no periódico institucional: Revista Semiárido De Visu97. Tal periódico
tem como escopo lançar e disseminar em seus trabalhos “[...] artigos científicos, artigos de
revisão, comunicações científicas e notas técnicas”, podendo ser submetidos trabalhos nas
seguintes áreas do conhecimento “[...] Ciências Exatas e da Terra, Engenharias, Ciências
Agrárias, Ciências Biológicas, Ciências da Saúde, Ciências Sociais Aplicadas, Ciências
Humanas e Linguística, Letras e Arte.” (BRASIL, 2020b)98.
Todas estas iniciativas correlacionadas à cultura do escrito são reconhecidas
institucionalmente ainda nos Projetos Pedagógicos de Curso (PPC): por terem a oportunidade
de vivenciar atividades de monitoria, de pesquisa, de extensão ou de voluntariado nessas
frentes, os discentes possuem uma chancela para diminuir em até 50% a carga horária total do
estágio curricular supervisionado. Para a instituição, quando os estudantes já possuem essa
experiência prévia, eles aprendem as competências próprias da atividade profissional somadas
à contextualização curricular (BRASIL, 2008b).
Em nossa compreensão, além de correlacionar ao viés laboral em conjunto com o
aprendizado propedêutico, essas atividades (monitoria, voluntariado, pesquisa e extensão, por
97 A Revista Semiárido De Visu possui indexação nas seguintes bases: Google acadêmico; Portal de Periódicos da
Capes; Diadorim; IBICT/SEER; Sumários.org; Livre (Periódicos de Acesso Livre); LatinRev; Latindex, por
exemplo. Além de possuir a seguinte classificação qualis, segundo o quadriênio 2013-2016, Medicina veterinária:
B4, Ciências Agrárias I, Educação, Farmácia e Zootecnia/Recursos Pesqueiros: B5; e, Biotecnologia: C. 98 https://periodicos.ifsertao-pe.edu.br/ojs2/index.php/semiaridodevisu/index
172
exemplo) oportunizam a estes grupos sociais a vivência do agir acadêmico-científico. Assim,
podem pensar de igual modo em suas comunidades para além do desenvolvimento local ou
regional, mas em projeto de ressignificação a nível nacional, navegando em direções contrárias
que põem em “cheque”, em pleno século XXI, a credibilidade de ser e de se fazer pesquisa em
nosso país.
Em síntese, temos um determinado contexto que devemos considerar em nossa análise,
em nosso processo de escuta das RD no fio discursivo. Neste cenário de recorte de um espaço
social, geográfico e histórico dos cursos do EMI do campus apresentado, tomamos o locus de
nossa pesquisa em uma de suas etapas e essas informações já nos indiciam alguns pontos,
sobretudo, com relação aos eventos e as práticas de letramentos que os discentes possuem
contato em sua formação prévia e continuada. Por um lado, discentes de uma faixa social
carente, cujo histórico remete de igual modo a vivência em escolas públicas na sua formação e
que possuem na escola a sua principal agência de letramentos; por outro lado, a formação em
uma instituição pública que possibilita a estes discentes contatos com outros eventos e práticas
de letramentos que, pelo “senso comum”, só teriam na universidade, além de oportunizar os
primeiros passos na formação de uma carreira profissional.
5.1.1 As Vozes Institucionais: dois cursos distintos e um único direcionamento?
Em nosso processo de escuta, partimos da compreensão que o dialogismo presente nos
enunciados sempre envolve tensão, como diriam Sobral e Giacomelli (2019), especialmente,
por encontrar ali implicado valores sociais, históricos e ideológicos. Neste ponto de partida,
outro entendimento nosso é que as relações postas não são e nem podem ser neutras, uma vez
que existem sujeitos sociais ou entidades sociais que por seu local de fala possuem maior força
sobre o dizer dos demais, travando pontos de embates, de concordâncias e discordâncias nas
relações entre o eu e o outro.
Neste desenvolvimento, defendemos, em nossa seção teórica da tese, pontos como as
características do enunciado, o endereçamento implicado, o papel locutivo e interlocutivo por
meio dos discursos, além das forças verboideológicas de centralização e descentralização
presentes nos projetos enunciativos dos sujeitos. Mais especificamente em nosso cenário,
destacamos e apresentamos neste tópico como os documentos, normas, regulamentos ou
modelos institucionais podem se apresentar como um dos exemplos de mediadores dos
letramentos.
173
Na realidade, ao tomarmos um conjunto de documentos como um dos interlocutores
mediadores dos letramentos, destacamos as forças centrípetas que atuam sobre o discurso do
estudante-estagiário. Além disto, ao observarmos e ao escutarmos nosso objeto de forma mais
particular, levantamos tangencialmente pontos com relação ao endereçamento e aos modelos
de letramentos solicitados por esses interlocutores.
Logo, enfatizamos que o cotejamento visualizado é direcionado aos documentos que de
algum modo “influenciam” de forma mais próxima os discursos presentes no relatório de
estágio. Estes ainda “respondem” a outras normativas em que se interligam ao projeto
enunciativo proposto para orientar, guiar, traçar direcionamentos, normatizar, regulamentar
certas ações e procedimentos correlacionados ao estágio e/ou a produção escrita do relatório de
estágio. Ao longo de nossas análises, traremos estes “discursos outros” institucionalizados
quando possível recuperar os ecos, os já-ditos de outros documentos.
Nesta linha, reforçamos que optamos em nosso recorte pelos seguintes documentos: a
Nova Cartilha Esclarecedora sobre a Lei do estágio (NCELE); os Projetos Pedagógicos do
Curso (PPC) de Agropecuária e de Edificações; o Regulamento de estágio (RE); o Manual do
estagiário (ME); o Guia de elaboração dos trabalhos de conclusão de curso para os cursos
técnicos e superior do Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Sertão
Pernambucano (GETA) e o Modelo de relatório dos cursos técnicos (MRCT).
Sabemos que, além deste recorte, existem inúmeros interlocutores mediadores dos
letramentos no processo da composição textual (influenciando o “produto final” que é o
relatório de estágio em si) e que esses possuem status distintos, com forças igualmente distintas.
No entanto, como informamos, fizemos um recorte, um cotejamento com relação a um dos
interlocutores. Assim, nosso foco é desvelar um dos elos da cadeia dialógica como foco de
tensão do processo de produção do enunciado ao trazer o escopo para esses documentos (FUZA,
2016; SOBRAL; GIACOMELLI, 2019).
5.1.1.1 Nova Cartilha Esclarecedora sobre a Lei do estágio (NCELE)
Conforme expusemos ao longo desta tese, tomamos como um dos interlocutores
mediadores dos letramentos os documentos institucionais e seus efeitos, sobretudo,
correlacionado a forças regularizadoras e normatizadoras frente ao discurso presente no
relatório de estágio. Assim, defendemos que no gênero relatório em seu fio discursivo
recuperamos respostas a estes interlocutores interventores no projeto enunciativo dos
174
estudantes-estagiários de EMI de cursos distintos, tais como o de Agropecuária e de
Edificações.
Deste modo, em nosso processo reflexivo sobre a análise do corpus, tomamos como
recorte inicial uma publicação do ano de 2010 referente à cartilha da Lei do estágio, intitulada:
“Nova Cartilha Esclarecedora sobre a Lei do estágio”. Nossa escolha referente a esta edição se
ancora por ser uma publicação promovida pelo Ministério do Trabalho e Emprego, tendo sua
distribuição sob a responsabilidade de diversos grupos. Estes responsáveis são: a Secretaria de
Políticas Públicas de Emprego, o Departamento de Políticas de Trabalho e Emprego para a
Juventude, e, a Coordenação-Geral de Preparação e Intermediação de Mão-de-Obra-Infantil.
Todos estes setores possuem forte presença nos direcionamentos sobre o fato de o estágio não
se configurar vínculo empregatício, mas sim uma etapa formativa do educando.
Somado a isto, outro ponto que justifica nossa escolha se deve por ser uma publicação
mais atual e próxima das datas do recorte longitudinal desta tese. Apesar de não constar no site
institucional do IFSertão/PE o link para essa Cartilha, os documentos normativos propostos por
essa instituição investigada fazem menção às legislações expressas de igual modo como exposto
no texto da NCELE. Ademais, encontramos vínculos de estratégia similar utilizada para o
esclarecimento das incertezas sobre o estágio se compararmos ao documento: “Manual do
Estagiário do IFSertão/PE”. Em outras palavras, encontramos ecos dialógicos no emaranhado
de documentos que incidem sobre o projeto de dizer dos grupos investigados.
Isto posto, adentramos nossas análises por intermédio da Cartilha, avultando a própria
escolha lexical do título desse documento: “Nova Cartilha Esclarecedora”. Lembramos que,
conforme Bakhtin (2018), a palavra isolada em si nada tem a dizer, mas compreendida como
um elemento da enunciação, por meio de sua carga axiológica implicada, os efeitos semânticos
são e serão outros. Assim, a própria palavra “cartilha” nos remonta a algo a ser ensinado,
designando um processo de didatização do conteúdo ali transposto, revelando-nos ainda que a
própria matéria presente no texto é uma reformulação de um dizer anterior. Nessa compilação
de ideias, a cartilha não objetiva aprofundar assuntos, mas trazer conceitos iniciais sobre o tema
proposto e transparecer para o seu público que o material será elucidativo para tirar dúvidas,
por exemplo.
Além disso, as palavras “Nova” e “Esclarecedora” direcionam nossa compreensão para
o fato de apresentar uma edição atualizada e que ao mesmo tempo tenha o objetivo de tornar
muito mais compreensível/inteligível o teor do documento para o seu público, para o leitor da
cartilha. Enfatizamos ainda, que com relação ao termo “Esclarecedora” as possibilidades
semânticas se ampliam em virtude de sinalizar que o presente texto possui a característica de
175
elucidar as dificuldades interpretativas do documento fonte (a Lei 11.788/08). Faz-nos
necessário também elucidar a função de provocar no seu interlocutor a sensação de
credibilidade diante de outras publicações, uma vez que a presente edição possui o “segredo de
desvendar” os caminhos turvos da compreensão textual da Lei. A própria impressão da Cartilha
propunha justamente tornar mais instrutivo o que se objetivava por intermédio da Lei
nº11.788/08, inclusive é a Lei que abre a Cartilha (Figura 9).
Figura 9 – Parte do sumário da Nova Cartilha Esclarecedora sobre a Lei do Estágio.
Fonte: BRASIL (2010a).
Neste sentido, vislumbramos uma estratégia discursiva em aproximar o provável
interlocutor (discentes, orientadores, supervisores, setores administrativos de instituições que
possuem a responsabilidade de atuarem com as demandas do estágio, dentre outros) com o
possível papel de tira-dúvidas do documento, atraindo-o, convocando-o à leitura para que tenha
segurança em suas ações quando da necessidade do estágio.
A título de exemplificação, temos, no sumário do documento, indícios de como a “Nova
Cartilha” busca promover o esclarecimento da Lei: inicialmente, seria apresentar em um único
documento a própria Lei e, em seguida, dialogar sobre supostos questionamentos que possam
176
existir por parte do seu público, consolidando e demarcando sua proposição inicial do título:
“Nova” e “Esclarecedora”.
Neste ponto, lançamos uma atenção maior, pois como salienta Medviédev (2016),
apesar de nos apoiarmos em elementos linguísticos, no caso nas escolhas lexicais neste
momento, por exemplo, nossa análise não é tão somente linguística. Destacamos justamente a
estratégia utilizada e presente na NCELE, as intencionalidades ali expostas que nos convocam
a escutar como esse documento retoma a própria Lei e busca dialogar por meio de perguntas e
respostas com esse outro enunciado, criando situações de indagações que seriam recorrentes
quiçá por seu público-alvo.
Portanto, há na Cartilha estratégias discursivas sobre o endereçamento ao inserir em seu
horizonte aperceptivo um interlocutor presumido que escuta, que busca o documento como um
guia, como uma introdução ao tema e a vê como algo capaz de sanar suas dúvidas, pois a própria
cartilha antevê a insegurança sobre o assunto e dialoga sobre. Além disso, observamos que o
documento analisado comunga com um diálogo maior de vozes, por um lado recuperando a voz
do público a quem responde e, por outro, recuperando as vozes de amparo, de sustentação do
dizer. Para alcançar seu objetivo e responder de algum modo ao seu público, há na cartilha a
voz como no formato da Lei, de caráter “inquestionável”, de teor hierárquico e jurídico de
respaldo. Então, a NCELE cita e se apoia em legislações para explicar e explorar o que
caracteriza, o que define, o que pode ou não pode ser feito no estágio, por exemplo.
Nesta linha, a abertura do documento traz, na íntegra, a própria legislação e nos faz
revisitar alguns pontos, pois esses serão retomados em outros documentos até se chegar na
síntese “exigida” como o modelo do relatório de estágio.
Sinalizamos que a principal destas forças é a centrípeta, fundamentada por meio de um
projeto jurídico, pautando-se em Leis, decretos e/ou normativas que cumpririam, segundo
Bakhtin (2015), a execução de um sistema normativo-centralizador. Logo, o respaldo jurídico
presente na parte introdutória da NCELE, materializada por meio da retomada da Lei 11.788/08
na íntegra, também busca dialogar com outras legislações especialmente sobre determinações
trabalhistas somadas ao contexto educacional para formalizar a compreensão do estágio, tal
como observamos no Quadro 7:
Quadro 7 – Exemplos de respaldos jurídicos na NCELE.
INTERLOCUTOR MEDIADOR DO LETRAMENTO
NCELE
“Dispõe sobre o estágio de estudantes; altera a redação do art. 428 da Consolidação das Leis do Trabalho –
CLT, aprovada pelo Decreto-Lei no 5.452, de 1º de maio de 1943, e a Lei no 9.394, de 20 de dezembro de 1996;
177
revoga as Leis nos 6.494, de 7 de dezembro de 1977, e 8.859, de 23 de março de 1994, o parágrafo único do
art. 82 da Lei no 9.394, de 20 de dezembro de 1996, e o art. 6º da Medida Provisória no 2.164-41, de 24 de
agosto de 2001; e dá outras providências.” (BRASIL, 2010a, p. 07 – grifos nossos).
“O PRESIDENTE DA REPÚBLICA Faço saber que o Congresso Nacional decreta e eu sanciono a seguinte
Lei:” (BRASIL, 2010a, p. 07 – grifos nossos).
“Art. 19. O art. 428 da Consolidação das Leis do Trabalho – CLT, aprovada pelo Decreto-Lei no 5.452, de 1º
de maio de 1943, passa a vigorar com as seguintes alterações:” (BRASIL, 2010a, p. 15 – grifos nossos).
“Art. 20. O art. 82 da Lei no 9.394, de 20 de dezembro de 1996, passa a vigorar com a seguinte redação:”
(BRASIL, 2010a, p. 16 – grifos nossos).
“Art. 21. Esta Lei entra em vigor na data de sua publicação.” (BRASIL, 2010a, p. 16 – grifos nossos).
“Art. 22. Revogam-se as Leis nos 6.494, de 7 de dezembro de 1977, e 8.859, de 23 de março de 1994, o parágrafo
único do art. 82 da Lei no 9.394, de 20 de dezembro de 1996, e o art. 6º da Medida Provisória no 2.164-41, de
24 de agosto de 2001.” (BRASIL, 2010a, p. 16 – grifos nossos).
Fonte: Nova Cartilha Esclarecedora sobre a Lei do estágio (2010a).
Nossos destaques nos trechos dizem respeito como o poder de uma Lei que “Dispõe
sobre o estágio de estudantes” formaliza direcionamentos, traz implicações nas ações, nos
contratos, na formalidade do estágio, até mesmo em pensar em sua associação com a cultura do
escrito, já que a Lei sinaliza para a necessidade da escrita de relatórios (ver Quadro 8). Na parte
introdutória, ao recuperarmos a Lei 11.788/08, encontramos indícios nas escolhas das palavras
presentes sobre a relação do “faça-se cumprir o que segue”, como vemos no léxico ou
expressões como em “Dispõe”, “Faço saber”, “decreta”, “sanciono” e “entra em vigor”,
tornando-nos clara a relação de poder do chefe de estado, como a figura do Presidente da
República designado à época, para que se cumpra o que ali está disposto.
Ademais, na Lei há o resgate do que fora atualizado ao informar que “altera a redação
do art. 428 da Constituição das Leis do Trabalho – CLT” e a Lei 9.394/96, e, “revoga” ainda
as Leis 6.494, 8.859, o parágrafo da Lei 9.394/96 e o artigo 6º da Medida Provisória 2.141-
41/01; para que assim ocorram “outras providências”, a saber a publicação da própria Lei
11.788/0899. Assim, a Lei do estágio recupera vozes advindos de Leis trabalhistas, tal como
CLT, e de Leis educacionais, como a LDBEN, para caracterizar o “entrelugar” desses sujeitos-
estagiários, tal como pontuava Reichmann (2012, 2016).
Diante disto, na NCELE a Lei é apresentada na íntegra com sua distribuição em seis
capítulos que tratam de definir, classificar e demonstrar as relações de estágio possíveis;
distribuindo ainda os deveres que são de responsabilidade da instituição de ensino, da parte
concedente (empresa ou instituição que acolhe o estágio) e do estagiário; para, por fim, discorrer
como ocorrerá a fiscalização dessa atividade e as disposições gerais sobre a Lei em tela.
99 A parte introdutória da Lei ao associar outras legislações também nos indicia como esses documentos de igual
modo recuperam outras vozes que quiçá possam indicar avanços ou retrocessos no campo de atuação a depender
da política educacional ou trabalhista adotada à época, por exemplo. Não temos como objetivo adentrar nesse
debate, mas expomos a possibilidade de investigação para futuros trabalhos.
178
Nos quadros 8 e 9, recuperamos excertos sobre como são abordados os direcionamentos
ao público-leitor (interlocutor presumido) sobre a Lei na NCELE, especialmente, na busca de
descrever e de classificar as peculiaridades do estágio, assim como de normatizar certas ações
e obrigações por parte dos sujeitos e instituições que de fato colocarão o estágio para ser
vivenciado. Estes trechos ora sinalizam aspectos educacionais com implicações formativas e
pedagógicas; ora visam destacar a formação profissional; ou, ora reforçam o teor
prescritivo/normativo da Lei, conforme observamos a seguir.
Quadro 8 – Lei 11.788/08 na NCELE: destaque sobre as implicações pedagógicas da Lei.
INTERLOCUTOR MEDIADOR DO LETRAMENTO
NCELE
“§ 1º O estágio faz parte do projeto pedagógico do curso, além de integrar o itinerário formativo do educando”
(BRASIL, 2010a, p. 07 – grifos nossos).
“§ 1º O estágio, como ato educativo escolar supervisionado, deverá ter acompanhamento efetivo pelo professor
orientador da instituição de ensino e por supervisor da parte concedente, comprovado por vistos nos relatórios
referidos no inciso IV do caput do art. 7º desta Lei e por menção de aprovação final.” (BRASIL, 2010a, p. 07
– grifos nossos).
“III – indicar professor orientador, da área a ser desenvolvida no estágio, como responsável pelo
acompanhamento e avaliação das atividades do estagiário;” (BRASIL, 2010a, p. 10 – grifos nossos).
“IV – exigir do educando a apresentação periódica, em prazo não superior a 6 (seis) meses, de relatório das
atividades;” (BRASIL, 2010a, p. 10 – grifos nossos).
“VI – elaborar normas complementares e instrumentos de avaliação dos estágios de seus educandos;”
(BRASIL, 2010a, p. 10 – grifos nossos).
“Parágrafo único. O plano de atividades do estagiário, elaborado em acordo das 3 (três) partes a que se refere o
inciso II do caput do art. 3º desta Lei, será incorporado ao termo de compromisso por meio de aditivos à medida
que for avaliado, progressivamente, o desempenho do estudante” (BRASIL, 2010a, p. 10 – grifos nossos).
“III – indicar funcionário de seu quadro de pessoal, com formação ou experiência profissional na área de
conhecimento desenvolvida no curso do estagiário, para orientar e supervisionar até 10 (dez) estagiários
simultaneamente;” (BRASIL, 2010a, p. 11 – grifos nossos).
“Art. 82. Os sistemas de ensino estabelecerão as normas de realização de estágio em sua jurisdição, observada
a lei federal sobre a matéria.” (BRASIL, 2010a, p. 16 – grifos nossos).
Fonte: Nova Cartilha Esclarecedora sobre a Lei do estágio (2010a).
No § 1º do artigo 1º, a Lei aprofunda a característica primeira do estágio, a saber: ser
um ato educativo escolar supervisionado. Assim, como um ato formativo de base educacional,
o estágio é parte integrante dos Projetos Pedagógicos dos Cursos (PPC) nos quais possam
ofertá-lo. Relembramos que somente instituições de ensino superior, de educação profissional,
de ensino médio ou ainda da educação especial e de anos finais da educação básica na
modalidade da educação de jovens e adultos podem oferecer estágio como um de seus
componentes curriculares (BRASIL, 2008b).
No tocante à exigência de fazer parte do PPC de um dado curso, o estágio deve ter
destaque ao compor as disciplinas que fazem o discente integralizar sua formação. Diante disso,
é preciso estar expresso que somente com o estágio obrigatório é possível a aprovação e a
179
obtenção do diploma (BRASIL, 2008b), uma vez que o estágio não-obrigatório se caracteriza
como uma atividade opcional, podendo ter o acréscimo a carga horária regular e obrigatória,
mas não substituí-lo (BRASIL, 2010a, p. 08).
Reforçamos ainda que, ao mesmo tempo, como um componente curricular obrigatório,
o estágio conserva algumas peculiaridades, conforme exposto pela Lei 11.788/08, a saber:
O acompanhamento das atividades dos estagiários por parte de um docente
orientador da instituição educacional, além de um supervisor correlacionado à empresa ou
instituição onde ocorrerá o estágio – “acompanhamento efetivo pelo professor orientador da
instituição de ensino e por supervisor da parte concedente”, “indicar professor orientador”,
“indicar funcionário de seu quadro de pessoal, com formação ou experiência profissional na
área de conhecimento desenvolvida no curso do estagiário, para orientar e supervisionar até
10 (dez) estagiários simultaneamente”;
A exigência da confecção de relatórios das atividades exercidas de forma
constante – “comprovado por vistos nos relatórios”, “– exigir do educando a apresentação
periódica, em prazo não superior a 6 (seis) meses, de relatório das atividades;”;
A forte presença de que atividade do estágio se trata de um percurso avaliativo
– “menção de aprovação final.”, “acompanhamento e avaliação das atividades do estagiário”,
“exigir do educando a apresentação periódica [...] de relatório das atividades”; “elaborar
normas complementares e instrumentos de avaliação dos estágios de seus educandos”, “à
medida que for avaliado, progressivamente, o desempenho do estudante”; e,
A adequação às normas da Lei e das institucionalizadas pela esfera educacional.
– “elaborar normas complementares e instrumentos de avaliação dos estágios de seus
educandos”, “Os sistemas de ensino estabelecerão as normas de realização de estágio em sua
jurisdição, observada a lei federal sobre a matéria”.
Nesta linha, destacamos dois eixos que defendemos ter implicações pedagógicas, ter
associação a forças centrípetas com efeito no projeto discursivo do discente e ter o início de
uma caracterização do empreendimento das comunidades que surgem em dados contextos.
Esses dois eixos são: por um lado, a figura dos interlocutores mediadores do letramento (Leis,
documentos, normativas e orientadores, supervisores, coordenadores) e, por outro, a força do
processo avaliativo sobretudo pela entrega de relatórios periódicos, associando à cultura do
escrito como uma etapa de formação e de comprovação do saber adquirido.
180
Com essa reflexão, entendemos que o discurso ali presente demarca como as ações e a
própria escrita por meio do gênero relatório de estágio buscam se adequar a normativas e/ou
legislações postas como “padrão” a ser seguido. Além disto, a mesma transparece a experiência
do discente-estagiário em seu locus de trabalho ao demonstrar na sua narrativa como interage
com os demais interlocutores mediadores dos letramentos. Esses sujeitos que, de igual modo,
são responsáveis pela partilha de informações, de conhecimentos, de construção de saberes.
Logo, em nosso processo de cotejamento, sentimos a necessidade de lançar o processo
de escuta entrelaçado nesses documentos, pois a relação com o “poder normativo”, o do “faça-
se cumprir”, sobretudo, associado à nota, à aprovação e, consequentemente, à aquisição do
diploma, pairam como vozes por “detrás das linhas”100.
Este processo faz ainda com que reverberem as relações de poder entre os sujeitos, em
nosso contexto, dos orientadores e supervisores diante dos discentes, por exemplo. Os indícios
sobre o teor normativo e centralizador sobre o que dizer e o que fazer ancoram as próprias
práticas e, por consequência, o discurso (re)produzido por orientadores e estudantes. Esta força
é amparada pela própria Lei “maior”, conforme observamos no Quadro 09.
Quadro 9 – Lei 11.788/08 na NCELE: destaque para o teor normativo centralizador do documento.
INTERLOCUTOR MEDIADOR DO LETRAMENTO
NCELE
“§ 1º O estágio, como ato educativo escolar supervisionado, deverá ter acompanhamento efetivo pelo professor
orientador da instituição de ensino e por supervisor da parte concedente, comprovado por vistos nos relatórios
referidos no inciso IV do caput do art. 7º desta Lei e por menção de aprovação final.” (BRASIL, 2010a, p. 07
– grifos e destaques nossos).
“§ 2º O descumprimento de qualquer dos incisos deste artigo ou de qualquer obrigação contida no termo de
compromisso caracteriza vínculo de emprego do educando com a parte concedente do estágio para todos os fins
da legislação trabalhista e previdenciária.” (BRASIL, 2010a, p. 08 – grifos e destaques nossos).
“Art. 7º São obrigações das instituições de ensino, em relação aos estágios de seus educandos:
I – celebrar termo de compromisso com o educando ou com seu representante ou assistente legal, quando ele
for absoluta ou relativamente incapaz, e com a parte concedente, indicando as condições de adequação do
estágio à proposta pedagógica do curso, à etapa e modalidade da formação escolar do estudante e ao horário
e calendário escolar;
II – avaliar as instalações da parte concedente do estágio e sua adequação à formação cultural e profissional
do educando;
III – indicar professor orientador, da área a ser desenvolvida no estágio, como responsável pelo
acompanhamento e avaliação das atividades do estagiário;
IV – exigir do educando a apresentação periódica, em prazo não superior a 6 (seis) meses, de relatório das
atividades;
V – zelar pelo cumprimento do termo de compromisso, reorientando o estagiário para outro local em caso de
descumprimento de suas normas;
VI – elaborar normas complementares e instrumentos de avaliação dos estágios de seus educandos;
100 Metáfora utilizada por Cassany (2006) ao pensarmos no processo interpretativo textual. O movimento de
compreensão por “detrás das linhas” indica a necessidade de compreendermos as intencionalidades do autor, os
efeitos de sentidos, além de partirmos do entendimento do contexto de produção e de recepção do texto analisado.
Essa compreensão tem um viés sociocultural aflorado e somado à proposta de que nenhum discurso é neutro,
sempre estamos envoltos em relações de poder.
181
VII – comunicar à parte concedente do estágio, no início do período letivo, as datas de realização de avaliações
escolares ou acadêmicas.” (BRASIL, 2010a, p. 10 – 11 – grifos e destaques nossos).
“Art. 9º As pessoas jurídicas de direito privado e os órgãos da administração pública direta, autárquica e
fundacional de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, bem como
profissionais liberais de nível superior devidamente registrados em seus respectivos conselhos de fiscalização
profissional, podem oferecer estágio, observadas as seguintes obrigações:
I – celebrar termo de compromisso com a instituição de ensino e o educando, zelando por seu cumprimento;
II – ofertar instalações que tenham condições de proporcionar ao educando atividades de aprendizagem social,
profissional e cultural;
III – indicar funcionário de seu quadro de pessoal, com formação ou experiência profissional na área de
conhecimento desenvolvida no curso do estagiário, para orientar e supervisionar até 10 (dez) estagiários
simultaneamente;
IV – contratar em favor do estagiário seguro contra acidentes pessoais, cuja apólice seja compatível com
valores de mercado, conforme fique estabelecido no termo de compromisso;
V – por ocasião do desligamento do estagiário, entregar termo de realização do estágio com indicação resumida
das atividades desenvolvidas, dos períodos e da avaliação de desempenho;
VI – manter à disposição da fiscalização documentos que comprovem a relação de estágio;
VII – enviar à instituição de ensino, com periodicidade mínima de 6 (seis) meses, relatório de atividades, com
vista obrigatória ao estagiário.[...].” (BRASIL, 2010a, p. 11 – 12 – grifos e destaques nossos).
“Art. 10. A jornada de atividade em estágio será definida de comum acordo entre a instituição de ensino, a parte
concedente e o aluno estagiário ou seu representante legal, devendo constar do termo de compromisso ser
compatível com as atividades escolares e não ultrapassar” (BRASIL, 2010a, p. 12 – grifos e destaques nossos).
“Art. 11. A duração do estágio, na mesma parte concedente, não poderá exceder 2 (dois) anos, exceto quando
se tratar de estagiário portador de deficiência.” (BRASIL, 2010a, p.13 – grifos e destaques nossos).
“Art. 12. O estagiário poderá receber bolsa ou outra forma de contraprestação que venha a ser acordada, sendo
compulsória a sua concessão, bem como a do auxíliotransporte, na hipótese de estágio não obrigatório.
[...].
§ 2º Poderá o educando inscrever-se e contribuir como segurado facultativo do Regime Geral de Previdência
Social.” (BRASIL, 2010a, p. 13 – grifos e destaques nossos).
“Art. 13. É assegurado ao estagiário, sempre que o estágio tenha duração igual ou superior a 1 (um) ano,
período de recesso de 30 (trinta) dias, a ser gozado preferencialmente durante suas férias escolares.” (BRASIL,
2010a, p. 13 – grifos e destaques nossos).
“Art. 14. Aplica-se ao estagiário a legislação relacionada à saúde e segurança no trabalho, sendo sua
implementação de responsabilidade da parte concedente do estágio.” (BRASIL, 2010a, p. 13 – grifos e
destaques nossos).
“Art. 16. O termo de compromisso deverá ser firmado pelo estagiário ou com seu representante ou assistente
legal e pelos representantes legais da parte concedente e da instituição de ensino, vedada a atuação dos agentes
de integração a que se refere o art. 5º desta Lei como representante de qualquer das partes. (BRASIL, 2010a, p.
14 – grifos e destaques nossos).
“§ 5º Fica assegurado às pessoas portadoras de deficiência o percentual de 10% (dez por cento) das vagas
oferecidas pela parte concedente do estágio. (BRASIL, 2010a, p. 15 – grifos e destaques nossos).
“Art. 19. O art. 428 da Consolidação das Leis do Trabalho – CLT, aprovada pelo Decreto-Lei no 5.452, de 1º
de maio de 1943, passa a vigorar com as seguintes alterações:
“Art. 428. ......................................................................
§ 1º A validade do contrato de aprendizagem pressupõe anotação na Carteira de Trabalho e Previdência Social,
matrícula e freqüência do aprendiz na escola, caso não haja concluído o ensino médio, e inscrição em
programa de aprendizagem desenvolvido sob orientação de entidade qualificada em formação
técnicoprofissional metódica.
......................................................................
§ 3º O contrato de aprendizagem não poderá ser estipulado por mais de 2 (dois) anos, exceto quando se tratar
de aprendiz portador de deficiência.” (BRASIL, 2010a, p. 15 – grifos e destaques nossos)101.
“Art. 82. Os sistemas de ensino estabelecerão as normas de realização de estágio em sua jurisdição, observada
a lei federal sobre a matéria.” (BRASIL, 2010a, p. 16 – grifos e destaques nossos).
Fonte: Nova Cartilha Esclarecedora sobre a Lei do estágio (2010a).
101 Optamos por deixar a escrita fiel com a do original, por isso permanecem erros de grafia e de digitação.
182
Diante dos nossos destaques nos excertos, percebemos a reiteração de algumas
responsabilidades e deveres entre os sujeitos implicados no estágio: a instituição de ensino, a
concedente do estágio (empresa ou instituição) e o discente. Nesta relação, as forças no intuito
de cumprir o que é solicitado são demarcadas por meio de termos ou expressões, tais como:
“deverá ter”, “são obrigações das instituições de ensino”, “devendo constar”, “deverá ser
firmado”, “Os sistemas de ensino estabelecerão as normas”, “observada a lei federal”, entre
outros.
Por esta ótica, destacamos, a princípio, a designação motivada pelo termo “deverá”
aliado a uma ação, indicando-nos o caráter da exigência da adequação do estágio e,
consequentemente, suas práticas, somadas a obrigações que compete a cada parte – sujeitos
implicados no estágio. Assim, sinalizamos ainda que mesmo que a instituição educacional
estabeleça normas particulares à sua realidade, estas devem “observar” à Lei. Em outras
palavras, o papel da ordem, da imposição, da exigência, deve perpassar os demais documentos
governamentais ou institucionais que porventura se desdobrem da Lei 11.788/08.
Outro ponto que salientamos é como são direcionados os deveres e os direitos dos
alunos. No primeiro caso, não há um artigo, inciso ou parágrafo que designe de forma explícita
que caberá aos discentes a entrega de relatórios ou quais “punições” ocorrerão em caso de
descumprimento da Lei, a título de exemplificação. Na realidade, esta compreensão surge
tangencialmente nas descrições das funções e dos acompanhamentos dos orientadores e dos
supervisores, pois consta a informação de que estes interlocutores mediadores dos letramentos
apoiarão e auxiliarão os discentes e tomarão como parte desse suporte os relatórios apresentados
sobre as atividades desenvolvidas.
Concomitantemente a isto, as sanções estabelecidas na Lei direcionam que o
“descumprimento de qualquer dos incisos deste artigo ou de qualquer obrigação contida no
termo de compromisso” (BRASIL, 2010a, p. 08). Assim, somente se transforma a relação
estabelecida entre discente e empresa, pois o regime de trabalho passaria após a quebra do
“contrato” para uma configuração de vínculo empregatício segundo às Leis da CLT,
comprovando a linha tênue das relações nesse espaço singular: em um momento é uma etapa
educacional e em outra já pode se tornar o próprio trabalho.
Rememoramos que expressões como “não poderá exceder”, “O estagiário poderá
receber”, “contratar em favor do estagiário”, “Poderá o educando inscrever-se”, “é
assegurado”, “Aplica-se ao estagiário” ou “fica assegurado” dão o respaldo jurídico aos
discentes sobre os seus direitos nessa etapa formativa. As obrigações ou a parte que compete
aos discentes de forma mais pormenorizada serão detalhadas nos PPC de cada curso. Diante
183
deste cenário, concluímos que na NCELE, ao revisitar a Lei 11.788/08, não direciona para
singularidades desses cursos, mas sim para a busca do que seria regular para a totalidade deles.
Reforçamos que chegamos a esta conclusão, pois na seção do NCELE sobre “perguntas
e respostas”, a Cartilha rememora a legislação tentando “elucidar” alguma possível dúvida
diante da recuperação da Lei, conforme exposto na parte introdutória do documento, mas não
direciona os questionamentos a prováveis particularidades de cursos. Temos, novamente,
dentro do próprio documento a generalização para as CP, transparecendo como procedimentos
e ações direcionados ao estágio, a princípio, sejam similares entre todos os cursos.
Figura 10 – Seção de perguntas e respostas da NCELE.
Fonte: Nova Cartilha Esclarecedora sobre a Lei do estágio (2010a, p. 17).
Em relação a esta estratégia utilizada em criar questionamentos, especificamente, a
NCELE se aproxima do provável interlocutor, segundo nossa compreensão em torno do
dialogismo interlocutivo102, sob duas óticas: ao antecipar as prováveis perguntas de seu público,
102 Ou, na acepção de Authier-Revuz (1999), o duplo dialogismo. Para a autora encontramos nos enunciados o já-
dito presente nos discursos e ao mesmo tempo o endereçamento a um dado interlocutor, comprovando a sua
proposição da heterogeneidade constitutiva dos discursos.
184
demarcando a existência de um outro no qual o discurso estabelece um diálogo; e, ao recuperar
os já-ditos de outros discursos quer de forma integral ou parcial. Como nosso objetivo nesse
cotejo dos documentos é vislumbrar o endereçamento, as forças centrípetas existentes e quais
modelos de letramentos são exaltados, reforçamos essa relação com o outro no discurso.
Nessa linha, Bakhtin (2015) já nos sinalizava que todo falante busca orientar sua palavra
sob a condição do horizonte social que o determina, bem como diante do horizonte de um outro
que o interpreta: “[...] Todo enunciado é pleno de ecos e ressonâncias de outros enunciados com
os quais está ligado pela identidade da esfera de comunicação discursiva. [...]” (BAKHTIN,
2016a, p. 57). Diante disso, observamos como o campo aperceptivo do “ouvinte” é capaz de
implicar-se no dizer do falante, e, assim, supor quais perguntas poderiam surgir após a leitura
da Lei.
Neste sentido, na NCELE, encontram-se sistematizados 70 (setenta) perguntas, 30
(trinta) dessas possuem uma resposta literal, tal qual retirada da Lei 11.788/08 (Lei do estágio)
ou da Lei 9.394/96 (Lei de diretrizes e bases da educação nacional). A título de exemplificação,
na Figura 10, a pergunta 01 para trazer a definição do estágio acoplou em sua resposta o artigo
1º e seu parágrafo 1º da Lei do estágio, enquanto nas respostas das perguntas 02 a 05, a Cartilha
recupera excertos pontuais, mas integrais dessa mesma Lei. Essa prática é algo frequente ao
longo da seção de “perguntas e respostas”, já que em outras 24 (vinte e quatro) perguntas,
encontramos respostas parcialmente iguais ou com alguma reformulação do dizer, tal como
expomos no Quadro 10.
Dentre a quantidade de recorrências (24), fizemos um recorte de seis exemplos
esboçando como a recuperação do texto original é construído ao longo da NCELE. Reforçamos
que não temos a pretensão de construir uma análise mais aprofundada sobre como a
incorporação dos dizeres presentes em legislações, normativas, decretos, manuais, entre outros,
interagem entre si; mas destacamos esse fenômeno, pois se tomamos em nosso delineamento
que esses documentos de algum modo se configuram como um dos interlocutores mediadores
dos letramentos sobre o que e como dizer, entendemos que estes também podem ser
“referências” para os discentes no processo de escrita, sobretudo, ao tê-los como modelos e/ou
diretrizes de como reportar a palavra do outro na produção textual.
Quadro 10 – Trechos retirados do texto-fonte de forma igual ou parcial.
INTERLOCUTOR MEDIADOR DO
LETRAMENTO
NCELE
TEXTO-FONTE
Pergunta: 9. O que é educação superior? “Art. 43. A educação superior tem por finalidade:
185
“É aquela, que dentre outras, tem por finalidade
formar diplomados nas diferentes áreas de
conhecimento, aptos para a inserção em setores
profissionais e para a participação no
desenvolvimento da sociedade brasileira, e
colaborar na sua formação contínua (inciso II, do
art. 43 da Lei 9.394/96).” (BRASIL, 2010a, p. 18 –
grifos nossos).
[...]
II - formar diplomados nas diferentes áreas de
conhecimento, aptos para a inserção em setores
profissionais e para a participação no
desenvolvimento da sociedade brasileira, e colaborar
na sua formação contínua;” (BRASIL, 1996 – grifos
nossos).
Pergunta: 11. O que é educação profissional e
tecnológica?
“Art. 39. A educação profissional e tecnológica, no
cumprimento dos objetivos da educação nacional,
integra-se aos diferentes níveis e modalidades de
educação e às dimensões do trabalho, da ciência e da
tecnologia.
[...]
Art. 40. A educação profissional será desenvolvida em
articulação com o ensino regular ou por diferentes
estratégias de educação continuada, em instituições
especializadas ou no ambiente de trabalho.”
(BRASIL, 1996 – grifos e destaques nossos).
“É aquela que, no cumprimento dos objetivos da
educação nacional, intera-se aos diferentes níveis e
modalidades de educação e às dimensões do
trabalho, da ciência e da tecnologia e desenvolvida
em articulação com o ensino regular ou por
diferentes estratégias de educação continuada, em
instituições especializadas ou no ambiente de
trabalho (art. 39 e 40 da Lei 9.394/96).” (BRASIL,
2010a, p. 19 – grifos e destaques nossos).
21. Pode ser concedido estágio a estudantes
estrangeiros?
“Art. 4º A realização de estágios, nos termos desta Lei,
aplica-se aos estudantes estrangeiros regularmente
matriculados em cursos superiores no País,
autorizados ou reconhecidos, observado o prazo do
visto temporário de estudante, na forma da legislação
aplicável.” (BRASIL, 2008b – grifos e destaques
nossos).
“Sim. Segundo a legislação vigente, os estudantes
estrangeiros regularmente matriculados em cursos
superiores no Brasil, autorizados ou reconhecidos,
podem se candidatar ao estágio, desde que o prazo
do visto temporário de estudante seja compatível
com o período previsto para o desenvolvimento das
atividades (art. 4º da Lei nº 11.788/2008).”
(BRASIL, 2010a, p. 21 - – grifos e destaques
nossos).
23. O estágio é uma relação de emprego? “Art. 3º O estágio, tanto na hipótese do § 1º do art. 2º
desta Lei quanto na prevista no § 2º do mesmo
dispositivo, não cria vínculo empregatício de
qualquer natureza, observados os seguintes requisitos
[...]
Art. 15. A manutenção de estagiários em
desconformidade com esta Lei caracteriza vínculo de
emprego do educando com a parte concedente do
estágio para todos os fins da legislação trabalhista e
previdenciária.” (BRASIL, 2008b – grifos nossos).
“Não. O estágio não caracteriza vínculo de emprego
de qualquer natureza, desde que observados os
requisitos legais, não sendo devidos encargos
sociais, trabalhistas e previdenciários (art. 3º e 15
da Lei nº 11.788/2008).” (BRASIL, 2010a, p. 21 –
grifos e destaques nossos).
25. O estágio deve ter acompanhamento efetivo pelo
professor orientador da instituição de ensino e pelo
supervisor da parte concedente?
“§ 1º O estágio, como ato educativo escolar
supervisionado, deverá ter acompanhamento efetivo
pelo professor orientador da instituição de ensino e
por supervisor da parte concedente, comprovado por
vistos nos relatórios referidos no inciso IV do caput do
art. 7º desta Lei e por menção de aprovação final.”
(BRASIL, 2008b – grifos nossos).
“Sim. O estágio como ato educativo escolar
supervisionado deve ter acompanhamento efetivo
pelo professor orientador da instituição de ensino e
pelo supervisor da parte concedente, comprovado
por vistos nos relatórios de atividades (em prazo não
superior a seis meses) e por menção de aprovação
final (§ 1º do art. 3º da Lei 11.788/2008).” (BRASIL,
2010a, p. 21 – grifos e destaques nossos).
38. A celebração de convênio de concessão de
estágio entre a instituição de ensino e a parte
concedente dispensa a celebração do Termo de
Compromisso de Estágio?
“Parágrafo único. A celebração de convênio de
concessão de estágio entre a instituição de ensino e a
parte concedente não dispensa a celebração do termo
de compromisso de que trata o inciso II do caput do
art. 3º desta Lei.” (BRASIL, 2008b – grifos nossos). “Não. A celebração de convênio de concessão de
estágio entre a instituição de ensino e a parte
concedente não dispensa a celebração do Termo de
Compromisso de Estágio (parágrafo único do art. 8º
186
da Lei 11.788/2008).” (BRASIL, 2010a, p. 25 –
grifos nossos).
Fonte: Adaptado para este trabalho (2021).
Realçamos que, ao retomarmos o discurso do outro na forma de uma citação, lembramos
que o discurso citante deveria “[...] conservar o conteúdo e ao menos rudimentos da integridade
linguística e da autonomia estrutural do discurso do outrem [...]” (BESSA, 2016, p. 195), para
que seja ao menos possível recuperar a compreensão do dizer-fonte103. Por isso, quando se dá
a recuperação do dizer do outro, há a necessidade de (re)construirmos o enunciado por ordem
de questões sintáticas, estilísticas e inclusive composicionais, objetivando aclarar as fronteiras
da incorporação da palavra do outro como palavra própria. Assim, não se trata somente da
inserção da autoria ao final do trecho, com datação e paginação, pois ao acrescentarmos uma
vírgula, uma palavra, uma expressão, já alteramos o texto de origem, deixando nossas marcas
enunciativas. Porém, no caso da NCELE, as respostas presentes possuem pouco ou nenhum dos
movimentos sintáticos, estilísticos ou quiçá composicionais em uma maior elaboração: o que
de fato identificamos é um discurso de incorporação quase similar ao discurso-fonte.
Nos seis exemplos, a reformulação diante de uma reprodução literal é feita por pequenos
movimentos, às vezes, somente com a inserção de um “sim” ou de um “não” ao princípio da
resposta como nas perguntas 25 e 38. Nestas amostras, observamos que após a inclusão de uma
negativa ou afirmação há a recuperação integral dos trechos das Leis que tomam como base.
Em outros exemplos, vemos a incorporação de termos sinônimos, tal como exposto nas
perguntas 11, 21, 23, 25. Desse modo, “intera-se” equipara-se à “integra-se”, “no país” é
substituído por “no Brasil”, a expressão “caracteriza vínculo de emprego de” equivaleria ao
original “não cria vínculo empregatício”, e “deveria” é apresentado como “deve ter”.
Ainda seguindo esta análise, em outras respostas, há inserção de pequenas expressões
ou trechos na tentativa de criar meios para que o texto se torne compreensível, mas que ainda
assim são pequenas as inserções para logo em seguida vir a retomada transcrita tal qual o
discurso-fonte. Estas pequenas modificações estão nas contestações apresentadas nas perguntas
9, 11, 21 e 23, como apresentamos: “É aquela, que dentre outras”, “É aquela que”, “Segundo
a legislação vigente [...] podem se candidatar ao estágio, desde que [...] seja compatível com
o período previsto para o desenvolvimento das atividades”, “desde que observados [...] não
sendo devidos encargos sociais”.
103 Enfatizamos que “fonte” aqui não significa discurso ou dizer primeiro, tal qual a metáfora do “Adão mítico”,
mas trata-se de enunciado proferido em dadas circunstâncias, sendo reconhecidas e disseminadas pela sociedade.
187
Nesse sentido, na questão 25, destacamos a expressão “de atividades”, no qual não há o
registro no original dessa maneira, mas a expressão sintetiza o que está evidente no todo
conforme exposto no artigo da Lei 11.788/08, assim há uma recuperação implícita do que já
fora colocado em outros espaços pela própria legislação. Neste quesito, relembramos o
pensamento de Bakhtin (2018, p. 236): “[...] A repetição das palavras se deve ao empenho de
reforçar-lhes a aceitabilidade ou dar-lhes um novo matiz tendo em vista a possível reação do
interlocutor”.
Logo, o reforço utilizado ou a recuperação quase que na íntegra da Lei como estratégia,
nesse contexto, não visa a criar matizes de sentido outros pelos autores do documento, mas nos
deixa transparecer que não há escapatória do cumprimento de algo posto em Lei, indiciando a
“aceitabilidade” do rigor da Lei no qual o sujeito está submetido.
Por outro lado, em 16 (dezesseis) dos questionamentos presentes na NCELE, há o
direcionamento para algum tipo de resposta que não fosse cópia integral ou parcial da própria
Lei, uma vez que o encaminhamento é para soluções de possíveis dúvidas sobre termos: tal
como a explicação do que seria uma instituição de ensino; o que são atividades de extensão ou
de iniciação científica; o que seria direito ao descanso e como gozá-lo, por exemplo (respostas
a perguntas 9, 18, 20 e 41). Assim, há a introdução para esse público, talvez leigo, sobre o
universo no qual se deparará quando da execução do estágio.
Em síntese, observamos o teor normativo e prescritivo da Lei, recuperada pela NCELE,
somada ainda a orientações sobre os trâmites burocráticos que estão envoltos na etapa
educacional supervisionada. Com isso, conseguimos recuperar os prováveis interlocutores da
cartilha, as vozes impositivas existentes e os direcionamentos aos sujeitos do estágio (discente-
estagiário, a instituição de ensino e a parte concedente); porém, não destacamos qual modelo
de letramento o documento como um todo defende.
Diante deste último ponto, sinalizamos que precisaríamos de mais elementos que
abordassem a confecção da sinalização da cultura do escrito, mas apenas encontramos os
primeiros passos em associar o gênero relatório como um instrumento de avaliação. Neste
processo de cotejamento, compreendemos que “[...] o próprio texto enquanto enunciado aponta
para fora de seus limites [...]” (RUFO; SIANI, 2017, p. 90), e, que sua compreensão só é
possível com o contato com outros enunciados. Deste modo, passamos à análise dos projetos
de pedagógicos de cursos (PPC) como mais um elemento dessa cadeia discursiva que tem efeito
no gênero relatório de estágio de estudantes-estagiários de EMI.
188
5.1.1.2 Projetos Pedagógicos dos Cursos (PPC): Agropecuária e Edificações
Segundo reflete Alves (2019, p. 167), um dado enunciado sempre “[...] responde a um
enunciado anterior ou a uma realidade concreta, como também projeta novos enunciados que
serão responsivos a ele, numa cadeia discursiva em que ele será um elo.”. Não diferentemente,
os documentos governamentais ou institucionais que tomamos como recorte também
respondem e incentivam a resposta de discursos, comprovando o movimento essencialmente
dialógico das interações da linguagem humana, conforme defende o Círculo de Bakhtin.
Um exemplo destas reminiscências dialógicas, encontramos no próprio projeto
pedagógico de curso (PPC), uma vez que na NCELE, influenciada pela exigência prevista na
Lei 11.788/08, já havia menção das responsabilidades e dos desdobramentos que cabem àquele
documento na tentativa de aprofundar as peculiaridades de cada área do saber. Temos, portanto,
um primeiro passo para sairmos das generalizações (como visualizamos na NCELE) para
adentrarmos nas particularidades que compõem os cursos, e, consequentemente, os grupos
sociais que os integram.
Ainda sob este viés, nos PPC encontramos os perfis almejados dos formandos, a
caracterização das ementas com seus respectivos conteúdos formativos, os objetivos e as
finalidades esperados de cada curso. Então se estabelece, de maneira simples, o início da
caracterização do domínio da comunidade de prática no qual o sujeito se integra para criar sua
identidade institucional diante da formação almejada.
Neste cenário, as competências mínimas direcionadas aos membros são postas no PPC
para que, de fato, ocorra a integração e a definição das especialidades que as compõem enquanto
grupos sociais. Diante disso, reforçamos que nosso escopo recai sobre os PPC dos cursos de
EMI de Agropecuária (BRASIL, 2010b) e de Edificações (BRASIL, 2011) do Campus
Salgueiro104, considerando essas relações e visando a entender como as forças centrípetas, o
endereçamento e os modelos de letramentos são exigidos para integrar a CP de cada respectivo
curso, associados, especialmente, ao gênero relatório de estágio.
Com este objetivo, nossa reflexão partiu da construção de uma análise conjunta dos dois
PPC, indicando as similaridades e os distanciamentos, tendo como norte sempre as possíveis
particularidades dos efeitos desses interlocutores mediadores dos letramentos na escrita final
do estágio. Por isso, destacamos, a princípio, que os dois PPC apresentam desenvolvimentos
104 Em 2019 houve a atualização de todos os PPC do Campus Salgueiro, entrando em vigência somente no ano
posterior. Portanto, destacamos que nosso foco recai nos PPC de 2010 e 2011 por se tratarem dos planos vigentes
quando do período de nosso recorte temporal dos relatórios analisados, bem como pontuamos que esses colaboram
para a nossa escuta diante dos relatórios que compõem o nosso corpus.
189
distintos sobre a exposição do que lhes compete como essencial para o andamento de cada
curso, conforme observamos já nos sumários presentes na Figura 11.
Porém, em ambos PPC há a ênfase sobre a visão estratégica do IF Sertão/PE ao recuperar
trechos que estão no Plano de Desenvolvimento Institucional (PDI), como a missão, a visão e
os valores da instituição. Neste ponto, destacamos que o IF Sertão/PE, de maneira geral, visa
integrar a promoção do desenvolvimento sustentável, cujo escopo recaia na confluência da
ciência e da tecnologia (BRASIL, 2010b), tendo nos PPC a reiteração dessa característica para
além da formação para o mundo do trabalho.
Assim, a instituição afirma formar e capacitar os sujeitos por meio do ensino, da
pesquisa e da extensão, conforme se expressam nos trechos do PPC de Agropecuária: “Ser uma
instituição de excelência em todos os níveis e modalidades de ensino, articulados com a
pesquisa e extensão, comprometida com a transformação social, fundamentada na ética e na
cidadania." (BRASIL, 2010b, p. 03 – grifos nossos); e, nos de Edificações, ao enfatizar que
visa a:
[...] Promover o desenvolvimento regional sustentável, com foco na ciência e na
tecnologia, por meio do ensino, pesquisa e extensão, formando pessoas capazes de
transformar a sociedade.’ Para tanto, prima pela excelência acadêmica através de
cursos e programas que proporcionam múltiplas formas da produção do
conhecimento científico e tecnológico com vistas ao desenvolvimento do cidadão e
sua inserção no mercado de trabalho. (BRASIL, 2011, p. 07 – 08 – grifos nossos).
Isto posto, nossos destaques dizem respeito aos primeiros indícios sobre a cultura do
escrito enfatizado por ambos PPC ao recuperarem a missão institucional, uma vez que há
implicitamente na articulação dada ao EMI para seus cursos a ampliação de suas práticas
educativas para além da visão conteudística. Estes movimentos de articulação e ampliação
ganham destaque quando se prima por agregar valores ao estabelecer o direcionamento para a
comunidade, além de construir e vivenciar espaços de contato com o agir científico,
perpassando a formação cidadã, aliada à formação ética e ainda compreendendo o seu objetivo
final de capacitar para o mercado de trabalho. Consequentemente, os eventos de letramentos
vivenciados por esses sujeitos na sua formação acadêmica de maneira singular, de igual modo,
configurarão sua relação enquanto CP, em uma espécie de retroalimentação e reconfiguração
daquela dada esfera de atividade humana.
Ainda informamos que há em ambos os documentos citados a ênfase da construção da
identidade dos sujeitos discentes, futuros profissionais, por meio da orientação do parecer
vigente da época e sua respectiva resolução (Parecer CNE/CEB nº 16/99 e Resolução CNE/CEB
190
nº 04/99), somados a outros direcionamentos legais (LDBEN, Lei do estágio, Lei de formação
dos IF, entre outros). Assim, é enfatizado a etapa formativa de um Curso Técnico Integrado ao
Ensino Médio pautados por determinados valores105, a saber: a ética da identidade, a política da
igualdade e a estética da sensibilidade106. À vista disso, e congregando as quatro premissas
sinalizadas pela Unesco como componentes estruturais da educação em uma sociedade
contemporânea (aprender a conhecer, aprender a fazer, aprender a viver, e aprender a ser),
encontramos nos PPC a defesa do princípio formativo estabelecido para o estudante do EMI
(BRASIL, 2010b, 2011).
Figura 11 – Sumário do PPC dos cursos de EMI em Agropecuária (A) e em Edificações (B) do Campus
Salgueiro.
A B
Fonte: Brasil (2010b, p. 06; 2011, p. 05).
105 Segundo o que há exposto nos PPC investigados esses valores também se associam à prática administrativa
tanto como à pedagógica da instituição. 106 Os direcionamentos sobre esses três eixos indicam que segundo a ética da identidade o escopo é (re) construir
identidades sensíveis em torno de valores igualitários; na política da igualdade há a reflexão sobre os princípios
de constituição cidadã, tal como o respeito aos direitos humanos, por exemplo; e para a estética da sensibilidade o
objetivo é promover espaços de incentivo à criatividade, à curiosidade e ao mesmo tempo a empatia.
191
Na realidade, ao refletirmos sobre o endereçamento e o estabelecimento de forças sobre
o que é esperado dos sujeitos que integram o ambiente formativo do EMI, o PPC, assim como
vislumbramos na NCELE, tal movimento remonta a um emaranhado de vozes sociais, nos quais
citamos ao menos por um lado, a voz jurídica, a voz do cumprimento legal, com sua força
centrípeta se fazendo presente. Por outro lado, há a voz do respaldo das ações, demarcando esta
mesma força de modo contínuo sobre os sujeitos que integram esse espaço educacional e que
buscam este material como um norte a ser seguido e executado. Logo, encontramos, ainda nos
sumários, certas pistas sobre o teor normativo presente em ambos PPC ao informar ao seu
interlocutor sobre a organização do documento (Figura 11).
Enfatizamos que a própria confecção do PPC nasce como uma “exigência” normativa
para que os cursos funcionem107, comprovando e respondendo à sociedade quais as finalidades
educativas daquele dado curso; a constituição de seus respectivos programas, com os
componentes curriculares; os critérios de avaliação e de aproveitamento organizados pelos
estabelecimentos educativos; a composição do corpo docente; as instalações da instituição,
dentre outros pontos. Diante disto, os PPC apresentam as características essenciais para o seu
pleno funcionamento e respondem a demandas legais e institucionais.
Portanto, reforçamos que no caso do sumário do PPC do curso de Agropecuária temos
indícios da forte necessidade de adequação às exigências regulamentadoras, especialmente ao
trazer, em destaque, a seção de “fundamentos legais” e o anexo da organização didática108 da
instituição vigente quando da publicação daquele PPC em 2010. Ao passo que o sumário
apresentado pelo PPC de Edificações, mesmo adequado às condições legais, demonstra caráter
mais sintético e mais cuidadoso em relação à escrita acadêmica ou documental, especialmente,
ao unificar temas em seções específicas. Esta característica pode ser observada também quando
o documento informa as referências, bem como traz em seus anexos documentos que os
discentes não encontrariam em outros espaços ou documentos institucionais da época, tal como
o “plano de estágio”, por exemplo.
Nesta caracterização de requisitos legais, em ambos os PPC, logo após a capa e antes
do sumário, há a referência aos seus respectivos dados cadastrais. Nesta seção são encontrados
dados, tais como: a razão social da instituição, o nome fantasia, o CNPJ (Cadastro Nacional da
107 Como preconiza a LDBEN (BRASIL, 1996), as instituições de ensino elaborarão seus projetos pedagógicos
(art. 14) e a educação técnica de nível médio deverão se guiar por seus respectivos projetos pedagógicos (art. 36B). 108 Esta organização didática poderia apenas ser mencionada, uma vez que passa por atualizações constantes e que
inclusive no PPC não consta qual versão é adotada, pois somente aparece o tracejado com relação a numeração da
resolução e da data que aprova tal organização.
192
Pessoa Jurídica). O documento explica ainda sobre a esfera administrativa à qual pertence o
curso, o endereço e o telefone do Campus, o endereço do site, o nome efetivo do curso, a área
profissional de atuação do egresso, a carga horária estabelecida para o curso e o órgão que
aprovou sua execução. Por isso, há a informação no PPC de EMI Agropecuária sobre sua carga
horária total ser de 4.180 horas, dessas 3.780 se relacionam aos componentes que integram a
grade curricular e 400 horas destinadas ao estágio.
Diferentemente, no PPC de Edificações, há nessa seção a informação da carga horária
total do curso de 3.780 horas, não contemplando o somatório com a carga horária destinada ao
estágio, estando somente esse dado presente na seção referente ao estágio ao informar o
indicativo das 400 horas destinada a essa atividade e somada à carga horária total do curso.
Ainda no âmbito desta adequação do gênero projeto pedagógico de curso à
regulamentação em torno de legislações, encontramos inúmeras passagens que ancoram as
ações do programa proposto na tentativa de demonstrar a voz da credibilidade, a voz da
autoridade, a voz jurídica, interferindo na construção pedagógica de um planejamento
formativo. Assim, destacamos inicialmente no Quadro 11 excertos que são similares em ambos
os PPC e que resgatam de forma implícita ou explícita a voz da adequação ao requisito legal
para a constituição do curso. Porém, este mesmo sistema esquece das particularidades que
envolvem estes mesmos cursos ao tomarem como iguais os direcionamentos109.
Quadro 11 – Exemplos de respaldo legais dos PCC de Agropecuária e de Edificações correlacionados ao texto-
fonte.
INTERLOCUTOR
MEDIADOR DO
LETRAMENTO
TRECHO NO PPC TEXTO – FONTE
“No que se refere à oferta de um Curso
Técnico Integrado, entendemos que o
Ensino Médio, como etapa final da
Educação Básica concorre para a
construção da entidade do aluno. Tem a
característica da terminalidade, o que
significa assegurar a todos os cidadãos,
a oportunidade de consolidar e
aprofundar “os conhecimentos
“A Lei de Diretrizes e Bases da Educação
Nacional explicita que o Ensino Médio é
a ‘etapa final da educação básica’
(Art.36), o que concorre para a
construção de sua identidade. O Ensino
Médio passa a ter a característica da
terminalidade, o que significa assegurar
a todos os cidadãos a oportunidade de
consolidar e aprofundar os
109 No recorte estabelecido, encontramos a recuperação da voz do outro, mas sem a devida referência ao discurso
fonte. Lembramos que não temos a pretensão de fazer uma análise extenuante de todos os exemplos presentes em
torno deste fenômeno sobre a incorporação do dizer presentes em normativas, legislações ou documentos
institucionais, tal como o próprio PPC. Entretanto, sinalizamos, assim como presente na NCELE, que encontramos
a seguinte recorrência: por alguns momentos há a sinalização do dizer fonte, quer seja com uso de aspas ou com o
uso entre parênteses da autoria; já em outros trechos do documento, não há a indicação da origem do dizer,
remontando a um completo apagamento das fronteiras desse discurso-fonte. Isto nos aponta que nos trechos
exemplificados temos dois pontos que merecem destaque: um é a recorrência do dizer com a repetição de trechos
similares para ambos os PPC e o outro é a recorrência desse mesmo dizer em ambos PPC que apagam a origem
do dizer-fonte.
193
PPC DE
AGROPECUÁRIA
E
EDIFICAÇÕES
adquiridos no Ensino Fundamental”; a
formação da pessoa de forma a
desenvolver os seus valores e as
competências necessárias à integração
de seu projeto individual ao projeto da
sociedade em que se situa; o
aprimoramento do educando como
pessoa humana, incluindo a formação
ética e o desenvolvimento da autonomia
intelectual e do pensamento crítico; a
preparação e orientação básica para a
sua integração ao mundo do trabalho,
com as competências que garantam seu
aprimoramento profissional e permitam
acompanhar as mudanças que
caracterizam a produção no nosso
tempo; o desenvolvimento das
competências para continuar
aprendendo, de forma autônoma e
crítica, em níveis mais complexos de
estudos.” (BRASIL, 2010b, p. 08;
BRASIL, 2011, p. 06 – 07 – grifos
nossos).
conhecimentos adquiridos no Ensino
Fundamental; aprimorar o educando
como pessoa humana; possibilitar o
prosseguimento de estudos; garantir a
preparação básica para o trabalho e a
cidadania; dotar o educando dos
instrumentos que o permitam ‘continuar
aprendendo’, tendo em vista o
desenvolvimento da compreensão dos
‘fundamentos científicos e tecnológicos
dos processos produtivos’ (Art.35, incisos
I a IV).
[...]
• a formação da pessoa, de maneira a
desenvolver valores e competências
necessárias à integração de seu projeto
individual ao projeto da sociedade em
que se situa;
• o aprimoramento do educando como
pessoa humana, incluindo a formação
ética e o desenvolvimento da autonomia
intelectual e do pensamento crítico;
• a preparação e orientação básica para
a sua integração ao mundo do trabalho,
com as competências que garantam seu
aprimoramento profissional e permitam
acompanhar as mudanças que
caracterizam a produção no nosso tempo;
• o desenvolvimento das competências
para continuar aprendendo, de forma
autônoma e crítica, em níveis mais
complexos de estudos.” (BRASIL, 2000,
p. 09 – 10 – grifos nossos).
“Estágio é ato educativo escolar
supervisionado, desenvolvido no
ambiente de trabalho, que visa à
preparação para o mercado de trabalho e
a contextualização curricular,
objetivando o desenvolvimento do
educando para a vida cidadã e para o
trabalho. O estágio poderá ser
obrigatório ou não obrigatório
atendendo ao estabelecido na Lei
11.7788 de 25 de setembro de 2008”
(BRASIL, 2010b, p. 101; BRASIL, 2011,
p. 53 – grifos nossos).
“Art. 1º Estágio é ato educativo escolar
supervisionado, desenvolvido no
ambiente de trabalho, que visa à
preparação para o trabalho produtivo de
educandos [...]
§ 2º O estágio visa ao aprendizado de
competências próprias da atividade
profissional e à contextualização
curricular, objetivando o
desenvolvimento do educando para a vida
cidadã e para o trabalho.
Art. 2º O estágio poderá ser obrigatório
ou não-obrigatório, conforme
determinação das diretrizes curriculares
da etapa, modalidade e área de ensino e do
projeto pedagógico do curso.” (BRASIL,
2008 – grifos nossos).
Fonte: Elaborado para este trabalho (2021).
Deste modo, no primeiro exemplo, encontramos o mesmo erro de digitação presente,
em uma espécie de “copia e cola” entre os dois PPC, quando o termo deveria ser “identidade”,
ela se apresenta por: “a construção da entidade do aluno”. Além disto, todo o parágrafo relativo
194
ao primeiro exemplo em destaque remonta ao trecho dos Parâmetros Curriculares Nacionais do
Ensino Médio (BRASIL, 2000), mas que no PPC não trouxe menção do dizer original.
Em relação ao segundo recorte, vemos o mesmo “erro” de digitação para ambos PPC ao
trazer o número da Lei com um “sete” a mais: “11.7788”, quando deveria ser: 11.788. Nessa
mesma amostra, visualizamos a (re)construção dos trechos originais da Lei do estágio por meio
de uma montagem das passagens que a compõe, tal como a recuperação do art.1º, o segundo
parágrafo desse artigo e o art. 2º da Lei do estágio.
Este tipo de construção, sobretudo, correlacionado a trechos similares em ambos PPC é
algo recorrente, principalmente em seções que sinalizam as justificativas dos referidos cursos,
a relação do enfrentamento pedagógico frente aos valores propostos que tangenciam o próprio
currículo e, em especial, a seção que designa o estágio destes cursos. Porém, selecionamos
apenas dois exemplos que contemplasse esse diálogo com o aparato legislativo, seguindo esta
ótica de escrita: a que compreende como uniforme os direcionamentos e as ações entre os
cursos; e, que não demonstra o cuidado para referenciar o dizer do outro, a incorporação da
palavra outra.
Reiteramos que defendemos a tese de que estes documentos são considerados um
importante interlocutor mediador dos letramentos dos sujeitos-estagiários e que além de guiar
e normatizar, representa um exemplo para a produção escrita deste e de outros públicos que
interagem com esse PPC. Reforçamos ainda, que além deste tipo de exemplo, a inserção do
respaldo ou da ancoragem da adequação legal se encontra presente em outros momentos com
movimentos de sinalização do dizer fonte, tal como apresentamos no Quadro 12.
Quadro 12 – Exemplos de respaldos jurídicos nos PPC de Agropecuária e de Edificações.
INTERLOCUTOR
MEDIADOR DO
LETRAMENTO
EXCERTO
PPC
AGROPECUÁRIA
“Orientando-se na legislação básica sobre educação e educação
profissional, o IF SERTÃO-PE Campus Salgueiro elabora este projeto para
oferecer a Educação Profissional Técnica de Nível Médio Integrado em
Agropecuária, destinado aos jovens da região circunvizinha dos estados do
Ceará e Pernambuco. [...]
LEI Nº 9.394, DE 20 DE DEZEMBRO DE 1999, que estabelece as Diretrizes
e bases da educação nacional.
LEI Nº 11.892, DE 29 DE DEZEMBRO DE 2008. Institui a Rede Federal de
Educação Profissional, Científica e Tecnológica, cria os Institutos Federais
de Educação, Ciência e Tecnologia, e dá outras providências.
LEI Nº 11.788, DE 25 DE SETEMBRO DE 2008 - Dispõe sobre o estágio de
estudantes; altera a redação do art. 428 da Consolidação das Leis do
Trabalho – CLT, aprovada pelo Decreto-Lei no 5.452, de 1o de maio de
1943, e a Lei no 9.394, de 20 de dezembro de 1996; revogam as Leis nos
6.494, de 7 de dezembro de 1977, e 8.859, de 23 de março de 1994, o
parágrafo único do art. 82 da Lei no 9.394, de 20 de dezembro de 1996, e o
195
art. 6º da Medida Provisória no 2.164-41, de 24 de agosto de 2001; e dá
outras providências.
LEI Nº 10.639, DE 9 DE JANEIRO DE 2003. Altera a Lei no 9.394, de 20 de
dezembro de 1996, que estabelece as diretrizes e bases da educação
nacional, para incluir no currículo oficial da Rede de Ensino a
obrigatoriedade da temática "História e Cultura AfroBrasileira", e dá outras
providências. [...]” (BRASIL, 2010b, p. 10 – grifos nossos).
“Por ser um curso de Educação Profissional Técnica de Nível Médio
Integrado em Agropecuária, organizado por áreas do conhecimento da base
nacional comum, conforme PCNEM e fundamentado pela Resolução
CNE/CEB nº 04/99, o perfil de conclusão fica especificado da seguinte
forma: [...]” (BRASIL, 2010b, p. 13 – grifos nossos).
“Foram observadas, também, na organização pedagógica e curricular deste
plano de curso as Diretrizes Curriculares Nacionais do Ensino Médio –
DCNEM, instituídas pela Resolução n º 03 de 26 de junho de 1998, que se
constituem num conjunto de definições doutrinárias sobre princípios,
fundamentos e procedimentos necessários a sua execução.” (BRASIL,
2010b, p. 14 – 15 – grifos nossos).
“Conforme determina a Lei 9.394/96, Seção I, Artigo 26, o Ensino Médio
oferecido pelo IF SERTÃO-PE, é composto por uma Base Nacional Comum,
complementada por uma Parte Diversificada, exigida pelas características
regionais e locais da sociedade, da cultura, da economia e da clientela.
O currículo atende a Lei nº 10. 639, de 9 de janeiro de 2003, que altera a
LDB incluindo a obrigatoriedade de inserção no currículo da temática “
“História e Cultura AfroBrasileira”, devendo ser ministrada, em especial, nas
áreas de Educação Artística e de Literatura e História Brasileiras.
Além dos conhecimentos técnicos e tecnológicos voltados para o curso de
Agropecuária, o currículo do Ensino Médio obedece, ainda, às seguintes
finalidades instituídas no Art. 35 da atual LDB:
[...]
Este plano de curso está de acordo, também, com a Resolução n º 04 de
dezembro de 1999 da Câmara de Educação Básica do Conselho Nacional de
Educação, que apresenta os outros princípios norteadores da Educação
Profissional de Nível Técnico, além dos já enunciados no artigo 3.º da LDB,
sendo eles: [...]” (BRASIL, 2010b, p. 15 – grifos nossos).
EDIFICAÇÕES
“Base Legal:
• Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional - Lei Federal nº 9394/96
• Decreto Federal n.o 2208/97
• Parecer CNE-CEB 16/99
• Resolução CNE-CEB n.o 04/99.
• Referenciais curriculares da Educação Profissional de Nível Técnico na
Área Profissional de Edificações.” (BRASIL, 2011, p. 04 – grifos nossos).
“Em primeiro lugar destaca-se que o perfil de saída do aluno do Ensino
Médio está diretamente relacionado às finalidades desse ensino, conforme
determina as Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB, Lei nº 9.394),
no seu Art. 35:
[...]
Já o parágrafo primeiro do artigo 36 da referida Lei afirma: [...]” (BRASIL,
2011, p. 10 – grifos nossos).
“A organização curricular, consubstanciada no plano de curso, é prerrogativa
e responsabilidade de cada escola (Art. 8o da Resolução CNE/CEB nº. 4/99).
Respaldado na referida Lei, o IF Sertão - PE entende e aponta para uma
estrutura curricular da Educação Profissional Técnica de Nível Médio
elaborada de modo a integrar a formação profissional ao ensino médio.
O currículo do Ensino Médio será estruturado com base nas diretrizes da
LDB (Lei nº 9.394/96): [...]” (BRASIL, 2011, p. 13 – 14 – grifos nossos).
“Considerando, portanto, essa concepção de educação profissional
consagrada pela LDB e em sintonia com as Diretrizes Curriculares
196
Nacionais já definidas por este Colegiado (Parecer CNE/CEB nº 16/99), o
IF Sertão - PE define: [...]” (BRASIL, 2011, p. 14 – grifos nossos).
Fonte: Brasil (2010b, 2011).
Diante disto, nossos grifos sinalizam como os PPC respondem e reforçam as forças da
superestrutura em torno de um modelo educacional hegemônico que tende a regulamentar as
ações dos sujeitos que vivenciam aquela esfera da atividade humana (PAULA, 2021a). Por isso,
destacam-se expressões como: “estabelecido na Lei 11.7788”, “Orientando-se na legislação
básica sobre educação e educação profissional, o IF SERTÃO-PE Campus Salgueiro elabora
este projeto”, “fundamentado pela Resolução CNE/CEB nº 04/99”, “Foram observadas,
também, na organização pedagógica e curricular deste plano de curso as Diretrizes
Curriculares Nacionais do Ensino Médio – DCNEM, instituídas pela Resolução n º 03 de 26
de junho de 1998.”
Ainda neste sentido, merecem destaque outros excertos deste documento, tais como:
“Conforme determina a Lei 9.394/96, Seção I, Artigo 26, o Ensino Médio oferecido pelo IF
SERTÃO-PE, é composto por uma Base Nacional Comum, complementada por uma Parte
Diversificada”, “Respaldado na referida Lei”, “consagrada pela LDB e em sintonia com as
Diretrizes Curriculares Nacionais já definidas por este Colegiado (Parecer CNE/CEB nº
16/99), o IF Sertão - PE define”, trazem a relação clara da imposição de um dado valor, de um
dado norte a ser seguido e respaldado nas práticas educacionais.
Encontramos nestas normativas, decretos e resoluções que são mencionados ao longo
dos dois PPC, propostas educacionais que possuíam como sugestão o trabalho tal como
apresentado sobretudo nos Parâmetros Curriculares Nacionais (PCN, BRASIL) de 1998 e 2000.
Deste modo, guiou-se a confecção do currículo segundo os eixos de "Representação e
Comunicação", "Investigação e Compreensão", e "Contextualização Sociocultural” em torno
dos conteúdos, somados ainda aos temas transversais propostos pelos próprios PCN (Ética,
Orientação Sexual, Meio Ambiente, Saúde, Pluralidade Cultural, Trabalho e Consumo).
Entretanto, destacamos que depois da publicação PCN em debate (BRASIL, 2004) houve uma
sugestão de reformulação, sobretudo associada a questões de competências e habilidades, uma
vez que a maneira que tais quesitos foram interpostos nos documentos anteriores (uso das
expressões do PCN de 1998 e 2000) comprometia o aparato teórico-metodológico dos estudos
nos quais os próprios documentos se ancoravam (ABREU; BARBOSA, 2019). Portanto,
quando da análise das ementas, encontramos os resquícios do modelo proposto dos primeiros
PCN aliados a solicitações atuais, como vemos nas Figura 12 e 13.
197
Figura 12 – PPC de Agropecuária: ementas das disciplinas Introdução à Agricultura e Matemática.
Fonte: Brasil (2010b).
198
Figura 13 – PPC de Edificações: ementas das disciplinas de Língua Portuguesa e Desenho Técnico e Arquitetura.
199
Fonte: Brasil (2011).
200
Nos exemplos presentes na Figura 12, recortamos na sequência proposta pelo PPC do
EMI de Agropecuária uma disciplina do eixo profissional e outra do núcleo comum de modo
aleatório. Assim, nessa linha de efeitos e de ecos dessas normativas e exigências legais, a
disciplina de “Introdução à Agricultura”, assim como as demais que compõe esse eixo (ver
grade em Quadro 13 disciplinas que integram a modalidade profissional do currículo), não
trazem as orientações prévias correlacionadas a uma fundamentação sobre o viés da
“Representação e Comunicação”, “Investigação e Compreensão”, e, “Contextualização
Sociocultural”, tal como ocorre em todas as disciplinas que compõem o seguimento de
disciplinas correlacionadas ao “núcleo comum”.
Por este motivo, a disciplina de Matemática, além da proposição dividida em
competências, habilidades e bases tecnológicas (partes presentes em todas as disciplinas do
curso) apresenta uma seção à parte para designar o que se espera daqueles eixos estabelecidos
conforme os PCN dos anos 2000.
No entanto, ao trazer nas ementas o viés das competências e habilidades, notamos a
discrepância entre estas adequações e atualizações, necessitando um melhor amadurecimento
das propostas teóricas e metodológicas presentes em determinados documentos
governamentais. Tal característica evidencia ao seu público leitor de maior expertise acadêmica
(professores, supervisores, orientadores, pesquisadores, entre outros) o eco “papagaiesco” que
pode existir em somente transcrever e alinhavar várias propostas normativas ou orientadoras na
tentativa de apenas se adequar à Lei110.
Em relação ao exemplo da Figura 13, a confusão nos revela ser um pouco maior, pois
além de remontar a adequações aos PCN dos anos 2000 e posterior conformidade a ideias
propostas de eixos como competências e habilidades, há na parte direcionada ao núcleo comum
uma forte presença das proposições dadas ao Exame Nacional do Ensino Médio – ENEM, por
meio da matriz de referência desse exame111. Inclusive, no próprio PPC de Edificações, há a
seguinte informação: “[...] aprender do referencial teórico do Enem – Exame Nacional do
Ensino Médio, os objetivos desta proposta curricular [...]” (BRASIL, 2011, p. 09).
Neste caso, pontuamos que o ENEM não pode ser considerado um respaldo teórico, pois
a finalidade do exame e de sua matriz não integram um arcabouço de maior estudo e pesquisas:
110 Recordamos que esses PPC passaram por atualizações ao longo do ano de 2019. Não temos como escopo
construir um comparativo entre os PPC do período do recorte de nossa pesquisa com os atuais, muito menos não
temos a pretensão de verificarmos se ainda permanecem esses problemas de compilação e recorte de legislações,
propostas teóricas e metodológicas, quiçá possam ser aprofundados em trabalhos futuros. 111 https://download.inep.gov.br/download/enem/matriz_referencia.pdf . Nesse guia há a descrição das habilidades
e competências exigidas e correlacionadas a cada eixo tecnológico do ENEM.
201
apenas se assumem como um certame, cujo escopo recai em avaliar os conteúdos apreendidos
pelos estudantes no ensino médio. Porém, é inegável o efeito retroativo desses exames de larga
escala na dinâmica de sala de aula e inclusive na confecção dos currículos (ABREU, 2011), tal
como exposto no próprio PPC do EMI de Edificações.
A este respeito, Abreu (2011) nos lembra que por detrás das linhas expostas nas questões
dessas provas (ENEM, vestibulares, entre outros), há toda uma relação teórica, metodológica e
avaliativa implicada e respaldada em outras proposições teórica-metodológicas sobre o que
avaliar, quem avaliar, e, como avaliar, carregando naquelas perguntas direcionamentos sobre o
que o órgão responsável pelo exame espera da formação dos discentes. Deste modo, o ENEM
não é produtor de teorias e metodologias, mas sim, uma espécie de replicador de embasamentos
teóricos já existentes.
Posto isto, ratificamos que o foco formativo do curso de Edificações não é minimizado
a esse viés: apenas encontramos referências um pouco contraditórias em momentos pontuais do
PPC ao se (re)pensar a constituição das disciplinas do núcleo comum. Nos demais momentos,
encontramos o reforço sobre as finalidades do curso em preparar e capacitar os profissionais de
Edificações, tal como se apresenta a seguir:
[...] desempenhar funções técnicas ou gerenciais, de autonomia e responsabilidade de
acordo com a legislação vigente, ou seja, preparando o profissional para auxiliar
engenheiros, arquitetos ou tecnólogos em atividades de projeto, planejamento e
execução de obras de acordo com os procedimentos legais, propondo alternativas do
uso de técnicas e materiais de construção, elaborando o planejamento e orçamento
necessário à escolha da melhor solução a ser adotada na ocupação do solo, tendo por
premissa o respeito e a preservação ambiental. (BRASIL, 2011, p. 09 – 10).
Tal proposição em torno do perfil profissional acaba por caracterizar e definir o que se
espera dos discentes quando de sua entrada bem como de seu perfil de egresso. Por isso, os PPC
reforçam a marca de sua finalidade institucional em formar indivíduos para o mercado de
trabalho, mas que para além disso possam ter uma formação mais holística e integrada ao
ensino, à pesquisa e à extensão conforme citamos anteriormente. No caso, para os discentes de
Agropecuária é esperado, ademais desses pontos, que eles sejam “[...] profissionais qualificados
com aptidão para atuarem nos setores animal, vegetal e agroindustrial.” (BRASIL, 2010b, p.
09).
Portanto, enfatizamos certas exigências em torno do futuro profissional, do futuro
tecnólogo, em construir seu perfil e se adequar de fato às características que as compõem.
Assim, estes pontos confirmam a proposta de Wenger (1998) sobre as CP, bem como sinalizam
no fio discursivo as relações dialógicas existentes entre contexto, entre sujeitos e papéis, entre
202
valores pedagógicos e sociais implicados, por exemplo. Em outras palavras, em nosso cotejo
por meio dos dois PPC, encontramos a premissa ou os requisitos que fazem com que os sujeitos
integrem aquele dado grupo, sobretudo, ao tentarem cumprir papéis sociais bem definidos, com
critérios estabelecidos, e, com contratos de práticas que explicitam a sua função naquele espaço.
Aliás, a formação da identidade desses sujeitos é conclamada nos dois PPC de forma recorrente:
Ao retomar os objetivos e finalidades do próprio ensino médio (a construção da
identidade do aluno);
Ao revisitar o fundamento pedagógico educacional proposto ao primar pela
“política da igualdade” e a “ética da identidade”, compreendendo que o discente está em um
momento de reflexão sobre os processos de desigualdade que o perpassa como sujeito
implicado no mundo e como isso faz que ele construa suas identidades ao estabelecer valores
nas suas relações;
Ao tratar a identidade como perfil associado especialmente ao teor de mercado,
ou seja, buscando alcançar o perfil do profissional egresso daquele dado curso;
Ou ainda, ao expor nas ementas de diferentes disciplinas dos cursos o que se
espera dessa identidade:
“Compreender os elementos cognitivos, afetivos, sociais e culturais que
constituem a identidade própria e a dos outros” (BRASIL, 2010b, p. 61 – grifos
nossos),
“Construir a identidade social e política, de modo a viabilizar o exercício da
cidadania plena, no contexto do estado de direito, atuando para que haja,
efetivamente, uma reciprocidade de direitos e deveres entre o poder público e
o cidadão e também entre os diferentes grupos.” (BRASIL, 2010b, p. 66 –
grifos nossos),
“Construir a identidade pessoal e social na dimensão histórica, a partir do
reconhecimento do papel do indivíduo nos processos históricos
simultaneamente como sujeito e como produto dos mesmos” (BRASIL, 2010b,
p. 33 – grifos nossos),
“Compreender e usar a língua portuguesa como língua materna, geradora de
significação e integradora da organização de mundo e da própria identidade”
(BRASIL, 2011, p. 23 – grifos nossos).
203
Em síntese, podemos inicialmente refletir que a identidade apresentada nos PPC nos
remonta a (re)construção de um sujeito uno, cartesiano, que pensa na sua própria edificação,
em uma consolidação de uma “identidade” pessoal. Porém, em ambos os documentos
encontramos direcionamentos para que o sujeito em formação seja (re)conhecido por meio de
sua “dimensão histórica”, que seja contemplado na relação eu/outro, que compreenda os valores
existentes nas relações sociais, por exemplo. Diante disto, reconhecemos que encontramos nos
PPC indícios de processos alteritários, apesar dos termos não apresentarem a palavra nestes
moldes.
Ou seja, visualizamos uma miscelânea sobre a episteme nestes PPC e que,
consequentemente, possuem ecos nas suas respectivas finalidades educacionais/formativas
(PAULA, 2021b), quiçá reflexo inclusive da confusão posta nos PCN publicados à época,
quando o trabalho com o gênero, com a formação cidadã, com a educação linguística que
parecia ainda turvos em dados momentos. Ainda assim, sinalizamos que o convite exposto
nesses documentos evidencia uma construção identitária próxima das definições propostas pelo
Círculo de Bakhtin, pois a identidade sob o viés da alteridade é construída a partir do outro e
da relação estabelecida com este outro, em adição ao mundo que o cerca.
Lembramos que, nesta percepção de construção identitária, o discurso é parte
constituinte, pois “[...] as pessoas precisam assumir, acionar, ou até mesmo aprender, para
interagir nas instituições, comunidades discursivas ou grupos sociais dos quais fazem ou
pretendem fazer parte [...] (OLIVEIRA, 2020, p. 166) interagindo por meio da linguagem. Tais
relações mediadas ainda pelas práticas de letramentos se entrelaçam o campo valorativo, o
posicionamento axiológico e as ideologias frente e para o outro, revelando assim a própria
identidade do sujeito.
Desta forma, encontramos no ambiente educacional os termos estabelecidos para os
indivíduos que o integram (estabelecendo as formas de engajamento sobretudo pelo viés
avaliativo para os discentes, por exemplo), para a própria comunidade que a engloba (definindo
as formas de aprendizagem ao reaplicar tais práticas a um dado grupo e garantindo a inserção
de novos membros que se adequem a essas formas de aprendizagem), e, para a organização,
visto que a aprendizagem vivenciada nesse espaço ampara e interconecta este grupo no âmbito
da mesma instituição (WENGER, 1998).
Neste sentido, outro ponto de destaque é a própria configuração da grade curricular
articulada com suas respectivas ementas, uma vez que ao serem impulsionados sobre o que
estudar e quais conteúdos vislumbrarem, os estudantes vivenciam no seu ambiente de
capacitação a construção de sentidos relacionados às suas respectivas práticas de letramentos,
204
reforçando ainda mais a noção das CP. A seguir, o Quadro 13 expõe os eixos destinados ao
núcleo comum e a diversidade: conforme observamos, estes aspectos são similares para ambos
os cursos de EMI (mesmas disciplinas e de igual carga horária), direcionando somente ao eixo
profissional as particularidades dos respectivos cursos (disciplinas distintas).
Quadro 13 – Matriz curricular dos cursos EMI de Agropecuária e de Edificações.
MATRIZ
CURRICULAR
AGROPECUÁRIA
CARGA
HORÁRIA
EDIFICAÇÕES
CARGA
HORÁRIA
NÚCLEO
COMUM
Língua Portuguesa 330 Língua Portuguesa 330
Matemática 330 Matemática 330
Língua Inglesa 180 Língua Inglesa 180
Educação Física 180 Educação Física 180
Física 270 Física 270
Química 240 Química 240
Biologia 180 Biologia 180
Geografia 180 Geografia 180
História 180 História 180
Artes 60 Artes 60
Sociologia 120 Sociologia 120
Filosofia 120 Filosofia 120
DIVERSIDADE
Informática 60 Informática 60
Língua Espanhola 120 Língua Espanhola 120
Segurança do Trabalho 30 Segurança do Trabalho 30
FORMAÇÃO
PROFISSIONAL
Introdução à Agricultura 30 Desenho Técnico e de
Arquitetura
120
Introdução à Zootecnia 30 Desenho Urbanístico 60
Gestão Ambiental 30 Materiais de Construção 90
Produção de Não Ruminantes 120 Mecânica dos Solos 90
Apicultura 30 Tecnologia da Construção 120
Higiene e Sanidade Animal 30 Topografia 120
Desenho e Topografia 60 Instalações Hidrossanitárias 60
Solos e Fertilidade 60 Instalações Elétricas 60
Conservação do Solo 30 Organização, Normas e
Legislação
30
Administração de Negócios
Agropecuários I
30 Sociedade, Meio Ambiente e
Desenvolvimento
60
Administração de Negócios
Agropecuários II
30 Planejamento e Controle de
Obras
90
Alimentos e Alimentação 60 Computação Gráfica 90
Forragicultura 30 Desenho de Estrutura 60
Mecanização Agrícola 60 Orientação para Estágio 30
Construções e Instalações
Rurais
60 Resistência dos Materiais 120
Grandes Culturas 60
Horticultura I e II 90
Desenvolvimento Vegetal 30
Produção de Ruminantes 90
Associação e Cooperativismo 30
Tecnologia de Produtos de
Origem Agropecuário
90
Irrigação e Drenagem 60
Fitossanidade 60
205
TOTAL 3.780 hs 3.780 hs
Fonte: Brasil (2010b, 2011).
Diante deste levantamento, ressaltamos que as disciplinas do entorno propedêutico nas
ementas quando não são iguais em sua totalidade, possuem similaridades entre os conteúdos,
revelando-nos que, mesmo sendo cursos de áreas de saberes diferentes, o tratamento formativo
da educação deveria ser priorizado, tal como a proposta para o ensino médio regular112. Muito
embora, destacamos que nestes mesmos PPC há a defesa em desenvolver um projeto de curso
“[...] integrado, articulado, interativo, contextualizado e interdisciplinar.” (PPC de
Agropecuária, BRASIL, 2010b, p. 14), ou seja, caracterizando a estrutura curricular segundo a
“[...] Educação Profissional Técnica de Nível Médio elaborada de modo a integrar a formação
profissional ao ensino médio.” (PPC de Edificações, BRASIL, 2011, p. 13).
Esta integração em se pensar as particularidades formativas dos cursos, na realidade é
expressa especialmente quando da caracterização do eixo de formação profissional. Porém,
encontramos somente na ementa direcionada à disciplina de língua portuguesa um cuidado
guiado à escrita profissional ou à articulação com a proposta do curso ao sistematizar gêneros
que os discentes teriam contato no estágio ou no ambiente profissional.
De fato, no PPC de Agropecuária na base tecnológica do 3º ano há a menção do
trabalho com “Normas de Elaboração do Relatório Técnico em Agropecuária” (BRASIL,
2010b, p. 81), e, no PPC de Edificações, há na base tecnológica do 4º ano uma sinalização sobre
a produção textual segundo: “Descrição técnica; relatório técnico; currículo; ofício [...]”
(BRASIL, 2011, p. 24), por exemplo.
Como nosso foco recai sobre o estágio, sinalizamos que, da forma como são
apresentadas as grades curriculares dos dois cursos não há a informação destinada ao estágio.
Inclusive, a carga horária total exposta nas respectivas grades contempla somente as 3.780hs
de cada curso, quando deveria ser somado ainda as 400hs relativas ao estágio. Reforçamos que
somente a grade do curso de EMI de Edificações apresenta uma disciplina direcionada para
112 Não temos como objetivo analisar as ementas de cada disciplina, mas alguns pontos devem ser destacados, pois
encontramos em ambos os PPC: ementas sem a descrição das competências e habilidades exigidas, apenas as bases
tecnológicas (o mesmo que conteúdo programático); ementas com a mesma caracterização para as seções de
competências e habilidades; ementas com a descrição das competências e características trabalhadas de igual modo
em séries distintas, quando deveria haver uma espécie de progressão da aprendizagem e suas respectivas
competências e habilidades; ênfase em conteúdos gramaticais especialmente nas disciplinas de línguas
estrangeiras; por exemplo. Além de ementas de disciplinas que não constam na grade (PPC de Edificações com
Materiais de construção II e Tecnologia da Construção II); e, nomes das disciplinas nas ementas distintas ao que
é exposto na grade curricular (PPC de Edificações com Organização e Normas e Informática Aplicada). Como
documento norteador das práticas formativas institucionalizadas o cuidado e atenção deveriam ser maiores com
relação à escrita. Lembramos que os documentos analisados perduraram à frente desses cursos por quase dez anos
e com certeza tiveram efeitos didáticos distintos diante dessas incompletudes.
206
essa etapa formativa como um momento prévio do estágio através da matéria: “Orientação para
estágio”. Contudo, não há no PPC a descrição da ementa desse curso. Essas incompletudes na
condução das ementas, da exposição da grade curricular ou até mesmo no processo
argumentativo e de apresentação dos PPC como um todo, revela-nos uma condução sobre a
cultura do escrito pautada em dados momentos por um modelo de habilidades de estudo e por
outros de acordo com o modelo de socialização acadêmica.
Chegamos a esta conclusão, pois ao trazerem disciplinas que compõem o eixo formativo
dos discentes, estes documentos não explicitam qual seria o seu conteúdo, como seria a
abordagem metodológica e os critérios avaliativos daquela matéria. Assim, estamos nivelando
ou informando ao nosso interlocutor que os processos seriam similares entre todas as disciplinas
(seções sobre metodologia e avaliação dos PPC). Associando, então, a um modelo de habilidade
de estudo que enaltece a inexistência de particularidades que permeiam a vivência da cultura
do escrito, no qual a formação dos discentes para qualquer disciplina teriam um mesmo norte e
padrão.
Em outros excertos dos dois PPC, há o reforço de um modelo de socialização acadêmica,
visto que encontramos a ênfase posta sobre o perfil conjecturado do discente como membro de
uma dada cultura disciplinar. Logo, “[...] Assume-se, de certa forma, que a academia é uma
cultura homogênea na qual as normas e práticas devem ser aprendidas, possibilitando o acesso
aos setores da instituição.” (FUZA, 2016, p. 76). Em nosso caso, refletimos que esta cultura
não se limita somente ao universo da instituição, mas visa ensinar aos discentes certos padrões
que são socialmente aceitáveis inclusive em outros espaços institucionalizados como o próprio
trabalho.
Por isso, o estágio, como uma atividade escolar supervisionada a se desenvolver em
ambientes laborais (BRASIL, 2008b), possui como escopo preparar e capacitar os discentes do
ensino regular para o trabalho produtivo. Tal atividade, de igual modo, recupera toda a
formação construída ao longo do processo de capacitação e como componente curricular
integrado ao projeto pedagógico do curso (PPC), incorpora o seu próprio “[...] itinerário
formativo” (BRASIL, 2008b).
Assim, defendemos que este espaço de vivência (e posterior narrativa por intermédio do
relatório de estágio) incrementa movimento das forças centrípetas, bem como contraria esses
movimentos impositivos cujos interlocutores mediadores dos letramentos tentam imprimir no
discurso dos sujeitos estudantes-estagiários. Ratificamos que esta etapa de capacitação é
direcionada sobretudo aos discentes de EMI do IF Sertão/PE que estão na finalização do curso,
207
conforme observamos em ambos os PPC: “[...] Será realizado após conclusão do 3º. ano113 com
carga horária de 400 horas.” (BRASIL, 2010b, p. 101; BRASIL, 2011, p. 53).
Isto posto, ressaltamos que, em relação ao endereçamento e às relações de forças para
com os discentes, em ambos os PPC, o estágio possui uma seção em particular a fim de explorar
suas características. No caso do curso de Agropecuária, temos informações pautadas na Lei do
estágio, tais como: a definição do estágio, a classificação do estágio em obrigatório e não
obrigatório, a caracterização das concedentes do estágio, a informação da necessidade de
orientadores, por exemplo.
Diferentemente da seção apresentada no PPC de Agropecuária que contempla em cinco
parágrafos essas informações sobre o estágio, no PPC de Edificações, além do conteúdo exposto
como em Agropecuária, encontramos um maior aprofundamento sobre o tema ao enfatizar que
o estágio “deverá ter” o acompanhamento de professor orientador somado a um supervisor da
instituição concedente. Neste sentido, há também a indicação de, por se tratar de um
componente curricular, este deve ser igualmente “orientado e supervisionado por um professor
especialmente designado pela instituição” (BRASIL, 2011, p. 53).
Este documento visa a contribuir com a experiência e formação profissional do aluno
ao especificar os objetivos e informar sobre a escolha do local do estágio, ao direcionar os
deveres do estagiário e inteirá-lo sobre como será o processo avaliativo sobre seu desempenho
(fichas de acompanhamento, participação em reuniões mensais com o supervisor, relatórios);
ao instruir que há a possibilidade de cursar estágios em outras modalidades além do estágio
profissional obrigatório. Nesta categoria, podem ser classificados: estágio profissional não
obrigatório, estágio sociocultural ou de iniciação científica, estágio profissional, sociocultural
ou de iniciação científica, estágio civil. Inclui-se neste rol a participação do estudante em
empreendimentos ou projetos de interesse social ou cultural da comunidade, projetos de
prestação de serviço civil, em sistemas estaduais ou municipais de defesa civil, prestação de
serviços voluntários de relevante caráter social etc. (BRASIL 2011, p. 54).
Neste sentido, as descrições dos papéis em ambos os PPC são sempre permeadas por
expressões como “poderá ser”, “poderão conceder”, “poderão ter”, “deverá ter”, “deverá
elaborar”, “será orientado”, “O IF Sertão-PE cuidará.” Termos como estes correlacionam as
responsabilidades dos sujeitos (IF Sertão/PE, instituição concedente e estagiário) a um objetivo
final: a obtenção do diploma por parte dos alunos.
113 O Ensino Médio Integrado no Campus Salgueiro até o ano de 2019 era dividido em quatro anos e em um
único turno (manhã ou tarde), somente após a atualização dos PPC que houve a alteração para três anos,
destinando alguns dias da semana para o formato de ensino integral (manhã e tarde).
208
Assim, encontramos nesta seção dos dois PPC uma atenuação do dizer frente a valores
impositivos direcionados, especialmente, aos discentes. Porém, visualizamos no Quadro 14
sobre a exigência do perfil do egresso, um tom mais forte sobre as características que devem
ser minimamente próprias a este sujeito, pois há a indicação que esse seja “capaz de” executar
algumas tarefas, ações inerentes ao perfil profissional almejado pela instituição educacional.
Quadro 14 – Perfil profissional esperado dos cursos de Agropecuária e de Edificações.
INTERLOCUTOR
MEDIADOR DO
LETRAMENTO
TRECHO
PPC DE
AGROPECUÁRIA
• Analisar as características econômicas, sociais e ambientais, identificando as
atividades peculiares das áreas a serem implementadas.
• Planejar, organizar e monitorar: (a) a exploração e manejo do solo de acordo com
suas características; (b) as alternativas de otimização dos fatores climáticos e seus
efeitos no crescimento e desenvolvimento das plantas e dos animais; (c) a propagação
em cultivos abertos ou protegidos, em viveiros e em casas de vegetação; (d) a obtenção
e o preparo da produção animal; (e) o processo de aquisição, preparo, conservação e
armazenamento da matéria prima e dos produtos agroindustriais; (f) os programas de
nutrição e manejo alimentar em projetos zootécnicos; e (g) a produção de mudas
(viveiros) e sementes.
• Identificar os processos simbióticos, de absorção, de translocação e os efeitos
alelopáticos entre solo e planta, planejando ações referentes aos tratos das culturas.
• Selecionar e aplicar métodos de erradicação e controle de pragas, doenças e plantas
daninhas, responsabilizando-se pela emissão de receitas de produtos agrotóxicos.
• Planejar e acompanhar a colheita e a pós-colheita.
• Identificar famílias de organismos e microorganismos, diferenciando os benéficos ou
maléficos.
• Aplicar métodos e programas de reprodução animal e de melhoramento genético.
• Elaborar, aplicar e monitorar programas profiláticos, higiênicos e sanitários na
produção animal e agroindustrial.
• Implantar e gerenciar sistemas de controle de qualidade na produção agropecuária.
• Identificar e aplicar técnicas mercadológicas para distribuição e comercialização de
produtos.
• Projetar e aplicar inovações nos processos de montagem, monitoramento e gestão de
empreendimentos.
• Elaborar relatórios e projetos topográficos e de impacto ambiental.
• Elaborar laudos, perícias, pareceres, relatórios e projetos, inclusive de incorporação
de novas tecnologias. (BRASIL, 2010b, p. 13 – 14 – grifos nossos).
PPC DE
EDIFICAÇÕES114
• Aplicar normas, métodos, técnicas e procedimentos estabelecidos visando à qualidade
e produtividade dos processos construtivos e de segurança dos trabalhadores;
• Analisar interfaces das plantas e especificações de um projeto, integrando-as de forma
sistêmica, detectando inconsistências, superposições e incompatibilidades de execução;
• Propor alternativas de uso de materiais, de técnicas e de fluxos de circulação de
materiais, pessoas e equipamentos, tanto em escritórios quanto em canteiros de obras,
visando à melhoria contínua dos processos de construção;
• Elaborar projetos arquitetônicos, estruturais e de instalações hidráulicas e elétricas,
com respectivos detalhamentos, cálculos e desenho para edificações, nos termos e
limites regulamentares;
• Supervisionar a execução de projetos, coordenando equipes de trabalho;
114 Avultamos que somente o PPC de Edificações amplia a descrição desse perfil profissional de conclusão,
acrescentando o que se espera do aprendiz também em relação a áreas de Linguagens, Códigos e suas Tecnologias;
Ciências da Natureza, Matemática e suas Tecnologias; e, Ciências Humanas e Tecnologias. Porém, os
direcionamentos são similares ao que era proposto para cada área segundo a matriz de referência do ENEM.
209
• Elaborar cronogramas e orçamentos, orientando, acompanhando e controlando as
etapas da Construção;
• Controlar a qualidade dos materiais, de acordo com as normas técnicas;
• Coordenar o manuseio, o preparo e o armazenamento dos materiais e equipamentos;
• Preparar processos para aprovação de projetos de edificações em órgãos públicos;
• Executar e auxiliar trabalhos de levantamentos topográficos, locações e demarcações
de terrenos;
• Acompanhar a execução de sondagens e realizar suas medições;
• Realizar ensaios tecnológicos de laboratório e de campo;
• Elaborar representação gráfica de projetos (BRASIL, 2011, p. 12 – 13 – grifos
nossos).
Fonte: Brasil (2010b, 2011).
Além disso, destacamos que em ambos os PPC encontramos o direcionamento da
cultura do escrito em associação à vivência do estágio, pois essa “[...] deverá ter
acompanhamento efetivo pelo professor orientador e por supervisor da parte concedente,
comprovado por vistos nos relatórios das atividades desenvolvidas, com apresentação
periódica, em prazo não superior a 6 (seis) meses” (BRASIL, 2010b, p. 102; BRASIL, 2011, p.
53 – grifos nossos). Além de, como se expõe no PPC de Edificações: “O estagiário deverá
elaborar relatório das atividades realizadas, obedecendo às normas estabelecidas para a
produção desse tipo de texto, sendo acompanhado, nessa tarefa, pelo professor supervisor”
(BRASIL, 2011, p. 53 – 54 – grifos nossos).
Logo, o relatório será o instrumento, este gênero que transparece a “prestação de
contas”, a narrativa das atividades desenvolvidas, a comprovação do ser “capaz de” formalizado
por outra forma de linguagem. Este também marca a conclusão do aprendizado vivenciado pelas
primeiras experiências de trabalho, perpassado, sobretudo, pela constante pressão em
demonstrar algo objetivo, coeso e coerente segundo a etapa avaliativa que determina a
conclusão e a diplomação desse nível educacional desses discentes.
Observamos, no Quadro 14, o direcionamento proposto por um dos interlocutores
mediadores dos letramentos, por intermédio do PPC, ao remontar as características nos quais o
discente, futuro profissional, deve “ser capaz de ...” para finalizar o seu referido curso. Diante
desta imposição, destacamos a sequência das ações esperadas, em especial, as que, de certo
modo, definem o repertório partilhado dentro de uma dada CP e que singularizam os discentes
do EMI segundo a configuração do perfil profissional. Por isso, este perfil almejado nos indicia
por um lado os eventos e as práticas de letramentos cujos estudantes-estagiários tiveram ou
terão contato em sua etapa formativa e na experiência vivida que é o estágio; e, por outro, define
as relações verboideológicas daquele campo de atuação de grupos sociais.
Na sequência, verbos que solicitam planejamento, levantamento e criação são evocados
por meio dos seguintes termos no PPC de Agropecuária: “planejar”, “selecionar”, “elaborar”,
210
“projetar”; e em Edificações temos: “propor”, “elaborar”, “preparar”. Outros termos que
devem ser característicos aos egressos dos cursos e que indicam análise, monitoramento, teor
de observação ou até mesmo investigação, respectivamente nos PPC de Agropecuária e de
Edificações, são manifestados em: “analisar”, “monitorar”, “acompanhar”, “gerenciar”;
“analisar”, “supervisionar”, “auxiliar”, “acompanhar”. Por sua vez, em relação à ideia de
protagonismo, de gestão das ações, de orientação das atividades, temos no PPC de
Agropecuária, verbos como: “organizar”, “identificar”, “aplicar”, “implantar”; no PPC de
Edificações: “aplicar”, “supervisionar”, “controlar”, “coordenar”, “executar” e “realizar”.
Portanto, encontramos nesses verbos, nessas palavras, nesses signos, os vestígios sobre
o teor normativo e centralizador presente inclusive na confecção da matriz curricular, nas
atividades a serem executadas no ambiente formativo e quiçá nas linhas dos campos de atuação
do estágio dos discentes, formalizado, em especial, pela força do “deverá ser capaz de”
apresentado ao aluno e aos sujeitos que integram o processo educacional dos discentes
(professores, técnicos educacionais, orientadores, coordenadores, família, entre outros). Assim,
os direcionamentos propostos à seção dedicada ao “perfil profissional de conclusão” em ambos
os PPC nos revelam ainda o repertório a ser partilhado entre os grupos sociais de cada curso, a
saber:
Figura 14 – Indício do repertório partilhado – gêneros de cada campo de atuação: PPC de Agropecuária e de
Edificações.
Fonte: Brasil (2010b, 2011).
PPC de Agropecuária
•Receitas
•Métodos
•Programas (profiláticos, higiênicos e sanitários)
•Sistemas de controle
•Relatórios
•Projetos topográficos
•Laudos
•Perícias
PPC de Edificações
•Plantas
•Projeto (arquitetônicos, estruturais, instalações
hidráulicas e elétricas)
•Cronogramas
•Orçamentos
•Normas Técnicas
•Levantamentos topográficos
•Ensaios tecnológicos (laboratório e de campo)
•Representação gráfica de projetos
211
Como a seção destinada ao perfil dos futuros profissionais é apresentada antes mesmo
da estrutura curricular com suas respectivas ementas (ver o sumário dos PPC na Figura 11),
esta acaba por sinalizar pistas ao interlocutor, ao leitor do PPC, sobre o universo dos gêneros
discursivos com os quais terão contato no itinerário formativo e até mesmo quais serão
priorizados quando do estágio. Isto ocorre porque se espera que os discentes “sejam capazes
de” propor, confeccionar, manejar e executar estes gêneros, (re)afirmando o repertório a ser
partilhado dentro de cada referida CP.
Desta forma, enfatizamos que, mesmo que alguns gêneros se aproximem, seja por sua
nomenclatura, seja por sua estrutura composicional, como estamos diante de contextos
distintos, tal como sinalizamos ao longo dessa seção (proximidades e distanciamentos nos PPC
de Agropecuária e de Edificações), devemos primar sempre pelas finalidades e a situação para
o uso de um dado gênero. Segundo Bakhtin (2018, p. 121): “O gênero vive do presente” e para
Medviédev (2016, p. 197), o gênero materializa a realidade efetiva da palavra e seu sentido. Ou
seja, é por meio do sentido, do traço semântico em um dado contexto social que a palavra se
transforma em enunciado, em discurso, e ganha outras conotações pelos grupos sociais que as
utilizam. Por este motivo, não podemos pensar que o gênero projeto, por meio de sua criação
e/ou execução, possa ser tomado como igual para os dois cursos, visto que o mesmo responde
a contextos específicos de interação do agir comunicativo, com propósitos, de igual modo,
particulares.
Ainda neste sentido, a confecção de projetos topográficos, a título de exemplificação,
também não pode ser tomado como igual para os dois cursos, pois as finalidades nos cursos
direcionam a caminhos um pouco distintas: em Agropecuária, o escopo recai sobre o estudo
dos impactos ambientais do solo para plantação ou pastagem; em Edificações, o objetivo é
analisar o solo e seus impactos ambientais, mas com o intuito da construção, verificando como
o aspecto dessa análise impacta nos procedimentos de obras de engenharia (BRASIL, 2011, p.
43).
Em síntese, os PPC como um dos interlocutores mediadores dos letramentos de
estudantes-estagiários sinalizam para um eco das vozes presentes no relatório de estágio,
sobretudo por seu endereçamento a esse mesmo público, sobre as forças que integram sobre a
capacitação da aprendizagem desses discentes, bem como sobre o alicerce dos modelos de
letramentos nos quais a instituição acredita ser viável nessa etapa formativa. Diante disto, o
discurso de discentes dos dois cursos investigados nos possibilita encontrar por meio do
emaranhado do fio discursivo as pistas que incidem sobre os embates, as vivências dos sujeitos,
as práticas letradas existentes em sua formação.
212
Neste sentido, “[...] o processo vivido por aquele que escreve a respeito de sua própria
experiência, que neste caso se refere à reflexão dos estudantes sobre o estágio, inscreve-se e
deixa marcas nessa produção escrita.” (GUEDES-PINTO, 2016, p. 353). Por este motivo, em
nossa busca da história do texto, de nosso cotejamento, adentramos na análise de mais um
interlocutor mediador dos letramentos no próximo subtópico.
5.1.1.3 Regulamento de estágio (RE)
Rufo e Siani (2017, p. 89) afirmam que “[...] a compreensão profunda de um dado texto
se dá no seu contato com outros textos, sendo o cotejamento um encontro dialógico do
enunciado primeiro com outros enunciados, buscando a reconstituição da cadeia discursiva.”.
Em nosso percurso, apresentamos mais um interlocutor mediador dos letramentos que integra
os ecos dialógicos nos relatórios de estágios de discentes do EMI dos cursos de Agropecuária
e de Edificações, a saber: o Regulamento de estágio do IF Sertão/PE.
Inicialmente, destacamos que o significado do termo “Regulamento” conforme se
expressa em dicionários, já nos revela caminhos sobre as forças centrípetas diante dos projetos
discursivos e consequentemente as ações de grupos sociais nos quais são direcionados essa
palavra. Assim, a título de exemplificação, o dicionário Michaelis on-line informa que podemos
compreendê-la como:
1 Ato ou efeito de estabelecer regras; 2 Estatuto ou instrução que estabelece o que
deve ser feito ou cumprido; 3 Conjunto de normas que regem o procedimento de
militares; 4 Regimento que determina o que deve ser executado; 5 JUR Disposição
governamental que apresenta normas para pôr em execução uma lei ou decreto.
(MICHAELIS, 2021, s/p)115.
Em todos estes processos de sinonímia, encontramos a posição impositiva de norma,
de regra, de rigor no ato de cumprir algo, de agir de tal forma segundo um aparato legal, tal
qual uma Lei, um decreto, um regimento, um regulamento. Deste modo, o RE do IFSertão/PE,
um documento cuja publicação data do ano de 2015, visa estabelecer as finalidades; as regras
básicas desse componente curricular; os papéis dos sujeitos que o integram (estagiário,
instituição de ensino, a concedente de estágio); a formalização institucionalizada por meio do
Termo de Compromisso; as formas de acompanhamento dessa etapa formativa (o IF, o
orientador e o supervisor); as orientações sobre a confecção de relatórios e sobre o processo
115 Fonte: https://michaelis.uol.com.br/ Acesso em: 09 mar. 21.
213
avaliativo; além de guiar sobre possíveis irregularidades e punições quando da realização do
estágio.
Neste ínterim, nossa reflexão sobre este documento assume duas vertentes, pois por
um lado o RE se ancora por intermédio do respaldo legal para justificar a forma de administrar
o próprio estágio e assim se resguardar diante das ações envolvidas nesse processo. Por outro
lado, o RE detém o “poder” para referendar certas particularidades que são direcionadas
somente aos cursos do IFSertão/PE, tal como visualizamos por intermédio do Art. 52 do RE:
“Este Regulamento passa a ser utilizado pelo IF SERTÃO-PE, enquanto Instituição de Ensino,
como instrumento legal que estabelece regras para a efetivação do estágio de seus estudantes.”
(BRASIL, 2015b, p. 23). Diante desta realidade, selecionamos outros trechos que esboçam essa
voz da legalidade institucional e/ou governamental.
Quadro 15 – Exemplos de respaldos jurídicos no RE.
INTERLOCUTOR MEDIADOR DO LETRAMENTO
RE
“Art. 1º Este documento regulamenta, em todos os níveis e modalidades de ensino, o estágio no IF SERTÃO-
PE, enquanto Instituição de Ensino, com base na Lei Nº 11.788, de 25 de setembro de 2008, e suas alterações,
na Resolução CNE/CEB Nº 1, de 21 de janeiro de 2004, na Resolução CNE/CNE Nº 2, de 04 abril de 2005, e
suas alterações, e na Resolução CNE/CP 2, de 19 de fevereiro de 2002.” (BRASIL, 2015b, p. 01 – grifos nossos).
“Art. 4º O estágio poderá ser obrigatório ou não obrigatório, conforme fique estabelecido no Projeto de cada
curso, desde que seja respeitada a legislação vigente, inclusive a Resolução Nº 26/2013, do Conselho Superior
do IF SERTÃO-PE.” (BRASIL, 2015b, p. 02 – grifos nossos).
“Art. 21 Estudantes amparados pela Lei 6202/75 e pelo Decreto 1044/69 deverão, após ter auferido seus direitos,
cumprir a carga horária obrigatória do estágio, submetendo-se às respectivas avaliações, em período letivo
normal.” (BRASIL, 2015b, p. 08 – grifos nossos)116.
“Art. 29 O IF SERTÃO-PE poderá ser considerado concedente de estágio quando tiver condições de
proporcionar ao educando atividades que possibilitem aprendizagens social, profissional, científica e cultural,
considerando o que dispõem a Lei 11.788/2008, este Regulamento e a Orientação Normativa Nº 4/2014, da
Secretaria de Gestão Pública do Ministério do Planejamento, Orçamento e Gestão.” (BRASIL, 2015b, p. 13 –
grifos nossos).
“Art. 37 O acompanhamento do estágio se dará através da Instituição de Ensino e da concedente, nos termos do
Art. 3º da Lei 11.788/2008 e do Art. 11 deste Regulamento.” (BRASIL, 2015b, p. 17 – grifos nossos).
“Art. 51 A manutenção de estagiários em desconformidade com a Lei 11.788/2008 caracteriza vínculo
empregatício do educando com a parte concedente do estágio, para todos os fins da legislação trabalhista e
previdenciária.” (BRASIL, 2015b, p. 22 – grifos nossos).
Fonte: Regulamento de estágio (BRASIL, 2015b).
116 A referência à Lei trata sobre o direito de mulheres grávidas da licença maternidade correlacionada aos estudos,
e, ao decreto é correlacionado à questão de direitos quando de possíveis enfermidades por parte dos sujeitos
estagiários. Cumpre-nos destacar que há no regulamento a sensibilidade para práticas inclusivas, como podemos
exemplificar por intermédio do Art.12 que direciona aos alunos com necessidades específicas: “[...] terão direito,
conforme legislação vigente, a serviços de apoio de profissionais da educação inclusiva, como também de
profissionais da área objeto do estágio.[...] Parágrafo Único – O IF SERTÃO-PE deverá ofertar, considerando a
necessidade de cada estudante, serviços de profissionais da educação inclusiva, tais como, tradutor-intérprete da
Língua Brasileira de Sinais (Libras) e de leitura labial, ledor, transcritor e/ou guia-intérprete, para o
acompanhamento do estagiário, inclusive quando da realização de atividades na concedente, caso seja necessário.”
(BRASIL, 2015b, p. 05).
214
Portanto, a égide da voz da autoridade (respaldo jurídico) se faz presente quando temos
trechos como os que abrem o RE: “Este documento regulamenta, em todos os níveis e
modalidades de ensino, o estágio no IF SERTÃO-PE”; uma vez que essa voz direciona e
formaliza implicações sobre a agência vivenciada pelos sujeitos (interlocutores desse discurso
– endereçamento) que formam parte do estágio.
Somados a isto, expressões como: “fique estabelecido”, “respeitada a legislação
vigente”, “considerando o que dispõem”, “nos termos” e “em desconformidade” indicam a
relação clara do poder dado de um lado ao chefe do executivo, o Presidente da República, e de
outro lado, não somente a figura do Reitor, mas do grupo que formaliza e institucionaliza a voz
do IFSertão/PE, a saber: o Conselho Superior.
Logo, esta “voz de autoridade” se ancora ainda por meio de outros documentos legais,
tais como: Leis, resoluções, decretos, PPC, orientações normativas, segundo destacamos no
Quadro 15, por exemplo. Em outras palavras, o teor normativo centralizador, tal qual expressa
Bakhtin por meio das forças verboideológicas, presente no RE é concretizado ainda pela própria
característica desse gênero, por meio de seu estilo, conteúdo temático e forma composicional.
Deste modo, as divisões de assuntos por capítulos, subdivididos em artigos, parágrafos e incisos
designando o que compete como dever de cada uma das partes, de seus interlocutores reais,
sujeitos que integram o estágio, é algo característico desse gênero discursivo. Por isso,
recuperamos trechos sobre como são direcionadas as ações, as definições dos deveres e dos
direitos desses sujeitos, visando a prescrever e a normatizar as atividades inerentes ao estágio.
Reforçamos que, assim como encontramos na NCELE e nos PPC, os trechos, ora
demarcam as implicações sobre um viés educacional, ora sobre um viés profissional, mas em
ambos está permeado “cumpra-se” segundo o aparato legal. Neste sentido, recuperamos no
Quadro 16, especialmente, trechos que são ampliados se comparados àqueles documentos, pois
há o desenvolvimento de particularidades e singularidades aos desdobramentos para com o
público do IF Sertão/PE; muito embora, por muitas vezes, haja a reprodução ou a recuperação
literal ou parcial da Lei 11.788/08 (Lei do estágio)117.
Quadro 16 – RE: destaque para o caráter normativo-prescritivo do documento.
INTERLOCUTOR MEDIADOR DO LETRAMENTO
RE
117 Como parece ser uma prática recorrente da incorporação do dizer do outro, no caso, do teor proposto em uma
Lei e replicado ou desdobrado em outros documentos, optamos a partir dessa subseção por apenas indicar por meio
de nota de rodapé a que texto/trecho o discurso presente faz menção ou se correlaciona. Sendo, quiçá, objeto de
futuras análises essa “reprodução do dizer” incorporado como voz própria por parte dos detentores de uma voz da
autoridade.
215
“Art. 5º O estágio obrigatório e/ou não obrigatório deverá constar no Projeto de cada Curso para o qual ele
seja elencado como atividade escolar a ser desenvolvida pelo estudante.
§ 1º Cada Projeto de Curso estabelecerá, respeitada a legislação vigente, as regras para realização de estágio
de seus estudantes.
§ 2º Deverão constar no Projeto de Curso, no mínimo, as seguintes informações:
I – finalidades e objetivos do estágio para o curso em questão;
II – carga horária mínima do estágio, atentando, inclusive, para a Resolução CNE/CP 2, de 19 de fevereiro de
2002, que trata dos cursos de Licenciatura;
III – espaço curricular em que o estudante poderá iniciar o estágio obrigatório e/ou o estágio não obrigatório;
IV – atividades que poderão ser executadas pelo estudante durante o estágio;
V – casos em que pode ocorrer aproveitamento de horas como estágio;
VI – carga horária de aproveitamento de horas como estágio, por cada caso em que houver essa possibilidade,
conforme Art. 40 deste Regulamento;
VII – regras para aproveitamento total ou parcial de atividades como estágio, conforme disposto no Art. 40
deste Regulamento;
VIII – espaço de tempo em que foram realizadas atividades passíveis de aproveitamento como estágio, se for o
caso;
IX – sistemática de orientação e de avaliação do estágio;
IX – nota mínima para aprovação no estágio;
X – valor de nota atribuído para cada instrumento de avaliação;
XI – procedimentos para recuperação de nota de estágio;
XII – prazo máximo para conclusão do estágio;
XIII – sanções ao aluno que não cumprir o prazo máximo para conclusão de estágio.
§ 3º Recomenda-se que os cursos de uma mesma modalidade adotem, em seus Projetos, procedimentos
uniformes no que se refere a estágio.” (BRASIL, 2015b, p. 02 – 03 – grifos e destaques nossos).
“Art. 7º O aluno só poderá iniciar estágio após atender aos requisitos mínimos estabelecidos no Projeto do
Curso ao qual está vinculado.” (BRASIL, 2015b, p. 03 – grifos nossos).
“Art. 9º Todos os estágios devem ser obrigatoriamente protocolizados e documentados na Coordenação de
Estágios e Egressos de cada Campus do IF SERTÃO-PE, ou setor equivalente, em conformidade com o que
estabelece a legislação vigente e cada Projeto de Curso.” (BRASIL, 2015b, p. 03 – grifos nossos).
“Art. 25 Caberá ao IF SERTÃO-PE, através de cada Campus:
I – manter à disposição dos estudantes setor responsável pela execução dos trâmites formais inerentes ao
estágio;
II – contratar, em favor do estagiário, seguro contra acidentes pessoais, cuja apólice seja compatível com
valores de mercado, nos casos de estágio obrigatório em que a concedente não arcar com essa responsabilidade;
III – celebrar Termo de Compromisso com o educando ou com seu representante ou assistente legal, quando
ele for absoluta ou relativamente incapaz, e com a parte concedente, indicando as condições de adequação do
estágio à proposta pedagógica do curso, à etapa e à modalidade da formação escolar do estudante, ao horário
e ao calendário escolar118;
IV – zelar pelo cumprimento do Termo de Compromisso;
V – assegurar a legalidade do processo de estágio;
VI – assegurar a estudantes com necessidades educacionais específicas condições para realização de estágio.”
(BRASIL, 2015b, p. 09 – grifos e destaques nossos).
“Art. 26 Caberá à Coordenação de Estágios e Egressos, ou setor equivalente, de cada Campus:
I – prospectar vagas de estágio para os estudantes do IF SERTÃO-PE;
II – cadastrar oportunidades de estágio e alunos aptos à realização dessa atividade escolar;
III – obter, das entidades concedentes, informações acerca do perfil do estagiário pretendido e das atividades
que serão a ele atribuídas;
IV – divulgar oportunidades de estágio;
V – colaborar com o processo de seleção de estagiários;
VI – averiguar, antes do início do estágio, se o estudante está assegurado contra acidentes pessoais e registrar
o número da apólice e o nome da seguradora no Termo de Compromisso;
VII – redigir e preencher documentos relativos a estágio que sejam de sua competência;
VIII – ajustar as condições do estágio às necessidades educacionais do estudante;
IX – informar ao estagiário e à concedente que só pode haver início de estágio quando todos os documentos
forem assinados pelas partes;
X – fornecer os seguintes documentos ao estagiário:
a) manual do estagiário;
118 Trecho similar ao Art.7º da Lei 11.788/08 – Lei do Estágio.
216
b) documento de encaminhamento de estagiário;
c) Termo de Compromisso, assinado pelas partes;
d) Plano de Desenvolvimento de Estágio, assinado pelas partes;
e) ficha de frequência e de atividades executadas;
f) ficha de Autoavaliação do estagiário.
XI – entregar à entidade concedente, os documentos abaixo:
a) Termo de Compromisso, assinado pelas partes;
b) comprovante da regularidade da situação escolar do estagiário;
c) calendário escolar;
d) Plano de Desenvolvimento de Estágio, assinado pelas partes;
e) ficha de Avaliação do Estagiário, a ser preenchida pelo supervisor ao término do estágio.
XII – viabilizar o deslocamento dos professores orientadores à concedente para acompanhamento das atividades
desenvolvidas pelo estagiário;
XIII – encaminhar o estagiário para outra concedente, quando se fizer necessário;
XIV – exigir do estagiário a entrega de documentos;
XV – receber, protocolizar e repassar relatórios aos professores avaliadores;
XVI – informar aos professores que o prazo para devolução de relatório de estágio, devidamente corrigido, é
de 20 dias corridos, contados a partir da data de recebimento;
XVII – informar ao estagiário seu rendimento, ao término do estágio;
XVIII – encaminhar estudante para execução de novas atividades quando o mesmo não for aprovado no estágio,
em conformidade com o que estiver estabelecido no Projeto do Curso a que o estagiário é vinculado;
XIX – encaminhar Boletim de Estágio à Secretaria de Controle Acadêmico, quando o estagiário finalizar suas
atividades;
XX – manter atualizadas todas as informações e documentações referentes a estágio, enquanto Instituição de
Ensino. (BRASIL, 2015b, p. 10 – 11 – grifos nossos).
“I – celebrar Convênio de Estágio com a instituição de ensino119;
II – celebrar Termo de Compromisso com o educando, com interveniência do IF SERTÃO-PE;
III – zelar pelo cumprimento do Termo de Compromisso;
IV – ofertar instalações que tenham condições de proporcionar ao educando atividades de aprendizagem social,
profissional e cultural;
V – indicar funcionário de seu quadro de pessoal, com formação ou experiência profissional na área do curso
do estagiário, para acompanhar e supervisionar até 10 (dez) estagiários simultaneamente;
VI – contratar, em favor do estagiário, seguro contra acidentes pessoais, cuja apólice seja compatível com
valores de mercado, conforme fique estabelecido no Termo de Compromisso;
VII – entregar termo de realização do estágio com indicação resumida das atividades desenvolvidas, dos
períodos e da avaliação de desempenho do estudante, por ocasião do término ou suspensão do estágio;
VIII – manter à disposição da fiscalização documentos que comprovem a relação de estágio;
IX – enviar à instituição de ensino, com periodicidade mínima de 6 (seis) meses, relatório de atividades, com
vistas obrigatória ao estagiário.” (BRASIL, 2015b, p. 12 – 13 – grifos nossos).
“Art. 35 O estudante só poderá iniciar estágio após a formalização do ato junto à Coordenação de Estágios e
Egressos de cada Campus, ou setor equivalente, em consonância com o que dispõe cada Projeto de Curso.
[...]
Art. 36 A formalização do estágio ocorre mediante assinatura do Termo de Compromisso pela parte concedente
e pelo estagiário, com interveniência obrigatória do IF SERTÃO- PE.
§1º O estagiário e a parte concedente deverão ser informados de que o estágio só poderá se iniciar quando os
documentos elaborados pela Coordenação de Estágios e Egressos de cada Campus, ou setor equivalente, forem
assinados por todas as partes envolvidas.
§2º A celebração do Termo de Compromisso depende, obrigatoriamente, da prévia existência de Convênio de
Estágio assinado pela entidade concedente e pelo IF SERTÃO-PE.” (BRASIL, 2015b, p. 15 – grifos nossos).
Fonte: Regulamento de estágio (BRASIL, 2015b).
Assim sendo, destacamos o caráter normativo-prescritivo do RE como uma das forças
centrípetas e definidoras de papéis dentro de uma CP. Conforme visualizamos nos requisitos
“mínimos” para a execução dessa etapa formativa, é sinalizado ao discente e enfatizado em
119 Trechos similares e com ampliações se comparado ao Art.9º da Lei 11.788/08 – Lei do Estágio.
217
mais de um artigo ou parágrafo que ele “só poderá iniciar” este componente curricular se
“obrigatoriamente” (força de execução de uma ação) atender a todas questões burocráticas,
diante do que é previsto tanto pela legislação vigente, quanto pelos PPC de cada curso.
Relativamente a esse último ponto, avultamos que o próprio RE insere maior quantidade de
conteúdo e definições sobre o que se espera dos sujeitos que integram o estágio frente aos PPC
(ver Art. 5 presente no Quadro 16).
Deste modo, uma de nossas reflexões é que as indicações presentes no RE só estarão de
forma mais clara nos PPC quando da reformulação desses documentos, pois esses datavam de
2010 (Agropecuária) e 2011 (Edificações), respectivamente, enquanto o RE é referente a 2015.
Logo, este é um documento mais atual e voltado para a progressão de avanço de bases legais
que regulamentam o sistema educacional, conforme observamos, inclusive, nas comparações
das Leis e resoluções evocadas nos Quadros 12 e 15, por exemplo.
Desta maneira, em todos os cenários vemos a forte presença da legislação, da força
impositiva de amparo sobre a cobrança das competências de cada sujeito. Por isso, a atribuição
de ações, tanto para com a instituição, como para a empresa concedente do estágio, é ampliada
segundo as singularidades vivenciadas no contexto do IF Sertão/PE, conforme vislumbramos
nos Artigos 25, 26 e 28 presentes no Quadro 16. Em tais pontos, há o direcionamento sobre as
responsabilidades, as atribuições do que “deve ser feito” ou “deve ser cumprido” por meio de
uma característica do estilo do próprio gênero: o teor normativo centralizador da linguagem.
Neste caso, este teor surge como uma constante: basta observarmos o uso de verbos no infinitivo
na busca de exprimir um tom de ordem ou de solicitação: “manter”, “contratar”, “celebrar”,
“zelar”, “assegurar”, “averiguar”, “prospectar”, “divulgar”, “informar”, “fornecer”,
“entregar”, “encaminhar” e “exigir”, entre outros.
E, assim, conforme exposto na NCELE, o uso do léxico referente aos papéis da
instituição (nível macro) ou de um setor específico, tal como o setor de estágio (nível micro),
definem o “poder” dado a estes outros interlocutores mediadores dos letramentos para a própria
execução e fiscalização do estágio. Ao passo que, para a concedente, termos como “celebrar”,
“zelar”, “ofertar”, “indicar”, “contratar”, “entregar”, “manter” e “enviar” seriam atividades
inerentes quando da iniciativa de ser uma empresa que acolhe o estudante estagiário para
“proporcionar ao educando atividades de aprendizagem social, profissional e cultural”
(BRASIL, 2015b, p. 12).
Reforçamos que, nestes deveres mínimos sobre a empresa concedente, não recai o peso
da exigência legal, tal como na escolha discursiva ao direcionar as responsabilidades sobre a
instituição, cuja ancoragem se encontra no respaldo de estar em conformidade como
218
“estabelecido no Projeto do Curso” ou “à proposta pedagógica do curso”; demonstrando e
situando o papel educacional e formativo dado a esse setor.
Destacamos que encontramos apenas na descrição das competências dadas ao
supervisor do estágio (membro da empresa concedente) sendas que direcionam para uma
responsabilidade documental associada como uma obrigatoriedade frente à instituição
educacional (ver Quadro 17). Ainda assim, não há para a empresa concedente no projeto
enunciativo do RE o reforço em relação ao cumprimento ou adequação legal – este referente
estaria em outras seções do documento, como um todo. Conforme sinalizamos, na análise da
NCELE, entendemos que esta atenuação do dizer ou o apagamento da repetição da base legal
torna-se atrativa para a empresa concedente quando da realização de um contrato entre IF e
discente, por exemplo, pois essa não possui a obrigação da oferta, mas oferece a disponibilidade
do serviço.
Quadro 17 – RE: A normatização e as implicações de ordem pedagógica.
INTERLOCUTOR MEDIADOR DO LETRAMENTO
RE
“Parágrafo Único – O estágio faz parte do Projeto de cada curso e visa ao desenvolvimento de competências
próprias da atividade profissional e à contextualização curricular, objetivando a formação do educando para
a vida cidadã e para o trabalho.” (BRASIL, 2015b, p. 02 – grifos nossos)120.
“Art. 3º O estágio em cursos ofertados pelo IF SERTÃO-PE tem como objetivos:
I – relacionar os conteúdos e contextos para ressignificar as aprendizagens;
II – integrar vivência e prática profissional ao longo do curso;
III – possibilitar a prática de atividades que contemplem aspectos sociais, profissionais, científicos e culturais;
IV – favorecer a vivência de situações reais de vida e de trabalho;
V – estimular a interação com o mundo do trabalho;
VI – favorecer a transição da vida estudantil para o mundo do trabalho;
VII – contextualizar conhecimentos advindos dos ambientes de trabalho para retroalimentação dos cursos.”
(BRASIL, 2015b, p. 02 – grifos nossos).
“Art. 11 O estágio, como ato educativo, deverá ser devidamente acompanhado por orientador e por
supervisor121.
§ 1º Entende-se por orientador professor vinculado ao IF SERTÃO-PE que atue na área em que se realizará o
estágio.
§ 2º Entende-se por supervisor funcionário da concedente que tenha formação ou experiência profissional na
área de conhecimento em que se realizará o estágio.” (BRASIL, 2015b, p. 05 – grifos nossos).
“Art. 23 O IF SERTÃO-PE, enquanto Instituição de Ensino, disponibilizará serviços para formalização,
acompanhamento e avaliação de estágio de seus estudantes.” (BRASIL, 2015b, p. 09 – grifos nossos).
“Art. 38 Compete ao professor orientador de estágio:
I – identificar oportunidades de estágio e informar à Coordenação de Estágios e Egressos, ou setor equivalente,
para que a mesma providencie os documentos necessários à efetivação do estágio;
II – avaliar as instalações da parte concedente do estágio e sua adequação à formação cultural e profissional do
educando;
III – aprovar o Plano de Desenvolvimento do Estágio;
IV – assegurar a compatibilidade das atividades desenvolvidas no estágio com as previstas no Projeto de curso;
V – acompanhar e avaliar as atividades desenvolvidas pelo estagiário;
VI – exigir do educando apresentação periódica, em prazo não superior a 6 (seis) meses, de relatório das
atividades desenvolvidas no estágio;
120 Trecho similar aos parágrafos 1º e 2º do Art.1º da Lei 11.788/08 – Lei do Estágio. 121 Trecho similar ao parágrafo 1º do Art.3º da Lei 11.788/08 – Lei do Estágio.
219
VII – corrigir o Relatório de Estágio e atribuir-lhe nota;
VIII – devolver, no prazo estipulado, Relatório de Estágio corrigido;
IX – colaborar na elaboração de normas complementares e de instrumentos de avaliação dos estágios de seus
educandos.” (BRASIL, 2015b, p. 17 – grifos nossos).
“Art. 39 Caberá ao supervisor de estágio:
I – elaborar o Plano de Desenvolvimento de Estágio, a partir do modelo proposto pela Instituição, e de comum
acordo com o estagiário;
II – acompanhar e auxiliar o estagiário durante a execução das atividades do estágio, assegurando-lhe
recursos físicos e materiais;
III – manter-se em contato com o orientador de estágio;
IV – orientar e estimular o desenvolvimento de aspectos profissionais e comportamentais nos estagiários, no
que se refere à qualidade do trabalho e das relações humanas;
V – avaliar o desempenho do estagiário, através de Ficha de Avaliação do Estagiário, fornecida pela Instituição
de Ensino.” (BRASIL, 2015b, p. 18 – grifos nossos).
“Art. 46 Cada Projeto de curso estabelecerá sistemática para avaliação e para aprovação do aluno em estágio,
considerando nota atribuída pela concedente, avaliação do relatório de estágio e autoavaliação do aluno.
Art. 47 O Relatório de Estágio deverá ser avaliado por professor da área em que se desenvolveu o estágio,
preferencialmente pelo professor orientador.” (BRASIL, 2015b, p. 21 – grifos nossos).
Fonte: Regulamento de estágio (BRASIL, 2015b).
Outro ponto de destaque está relacionado aos direcionamentos que possuem uma
implicação pedagógica dessa regulamentação, pois nos deparamos com as comunidades de
aprendizagem sendo tecidas, descritas, conforme o pensamento institucional. Este processo
abrange ações como: compreender as finalidades do estágio, definir quem são os sujeitos
inseridos, os papéis e as atribuições dadas a estes, além de estipular como será o processo
avaliativo, que, consequentemente, traz implicações nas atividades desenvolvidas nesta etapa
formativa.
Neste espaço, o estágio integra as “competências próprias da atividade profissional [...]
à contextualização curricular”. Desta forma, como itinerário curricular obrigatório, o estágio
incorpora na etapa final do curso os conteúdos apreendidos em um processo de ressignificação,
além de incluir o letramento escolar, o letramento acadêmico e o letramento profissional no
exercício da prática, da vivência da atividade em situações reais, correlacionando ao mundo do
trabalho e aprimorando o desejo macro que é presente na LDBEN (BRASIL, 1996). Neste
contexto, insere-se também a formação cidadã, a possibilidade de prosseguimento nos estudos
e a inserção para o mundo do trabalho.
Destacamos que este processo não é executado de forma solitária pelo discente, uma
vez que este precisa de um outro sujeito de maior expertise para que possa com ele apreender,
executar e partilhar o conhecimento neste contexto: o da formação no âmbito de trabalho122,
transformando a sua atividade em uma prática periférica legitimada pelos seus respectivos pares
122 Essa etapa formativa só pode ser realizada após os discentes terem cumprido 16 anos de idade (BRASIL, 2015b,
p. 06).
220
(WENGER; LAVE, 2008; LEITE, 2020). Logo, as figuras do orientador e do supervisor, com
suas atribuições presentes no RE, indicam-nos como pode ocorrer esse processo de
aprendizagem entre os membros de uma dada comunidade, pois o objetivo comum é o
aprendizado em situações reais em um ambiente laboral.
Neste sentido, determinados termos como “acompanhar”, “avaliar”, “exigir”,
“corrigir”, “colaborar”, “auxiliar”, “orientar”, “estimular” explicitam a relação entre os
sujeitos do estágio, agora representado em sujeitos reais (orientador, supervisor e estagiário) e
não mais institucionais (figuras por muitas vezes abstratas – o IF Sertão, a empresa concedente,
o setor de estágio, por exemplo). Tais atribuições dadas ao orientador e ao supervisor nos indicia
que o discente durante o período do estágio participa como membro de uma comunidade de
prática, cujas ações são legitimadas pelos pares com maior know-how, além de revelar as
relações de poder implicadas neste processo.
Estes atores, também interlocutores mediadores dos letramentos destes discentes,
possuem o poder da supervisão, da exigência, da cobrança e da avaliação. Sobre este último
ponto, por diversas vezes no RE encontramos a ênfase sobre a condição obrigatória que envolve
o discente, a saber: o ato avaliativo. Assim, o discente somente pode se diplomar quando de sua
aprovação neste componente curricular: estágio curricular obrigatório. Por isso, há no RE um
direcionamento sobre a cultura do escrito atrelado à confecção do gênero relatório sempre
enfatizando que este se torna um instrumento importante para a observação e para um dado
parecer final de aprovado ou reprovado no estágio.
Portanto, ademais da supervisão dos dois atores que legitimam a participação periférica
destes sujeitos em um dado espaço de formação profissional, o instrumento avaliativo mais
solicitado para análise e diagnóstico da aprendizagem é a entrega de relatórios. Assim,
encontramos ecos da cultura do escrito sendo demarcada, pois lembramos que, ao participar de
uma CP, o sujeito discente-estagiário, de igual modo, insere-se em uma espécie de cultura que
perpassa a linguagem por meio de reflexões de ordem metalinguística sobre a narrativa de suas
ações, observando ainda as escolhas do que ressaltar para “convencer” ou “persuadir” o
interlocutor mediador dos letramentos que detém o poder da aprovação nessa disciplina.
Quadro 18 – Direcionamentos sobre a produção escrita no estágio – RE.
INTERLOCUTOR MEDIADOR DO LETRAMENTO
RE
“§2º Os documentos de estágio deverão ser redigidos em Língua Portuguesa e na língua oficial do país em que
se realizará essa atividade curricular.” (BRASIL, 2015b, p. 14 – grifos nossos).
“Art. 22 O aluno que venha a estagiar em mais de uma empresa deverá apresentar, de cada uma delas, todos os
documentos de estágio necessários à conclusão desse processo educativo.
221
Parágrafo Único – O Relatório de Estágio deverá ser um só e contemplar as atividades realizadas em todos os
entes concedentes.” (BRASIL, 2015b, p. 08 – grifos nossos).
“Art. 44 Após conclusão das horas de estágio, o estudante deverá apresentar ao IF SERTÃO-PE relatório
consubstanciado de suas atividades, o qual terá as seguintes finalidades:
a) informar que conteúdos vivenciados teoricamente foram praticados pelo aluno por ocasião do estágio;
b) dar ciência sobre habilidades e competências desenvolvidas e dificuldades encontradas pelo estagiário;
c) informar sobre inovações do mundo produtivo, para retroalimentação das estruturas curriculares de cursos
da Instituição;
d) possibilitar a atualização, por parte da Coordenação de Estágio e Egressos, ou setor equivalente, de modelos
de documentos referentes a estágio;
e) possibilitar que o estudante conclua o processo de estágio.” (BRASIL, 2015b, p. 20 – 21 – grifos e destaques
nossos).
“Art. 48 O estudante que não entregar o Relatório de Estágio Obrigatório, no prazo estabelecido no Art. 45
deste Regulamento, deverá apresentar, à Coordenação de Estágios e Egressos, ou setor equivalente,
requerimento para que o relatório seja corrigido.
§1º O requerimento deverá conter identificação do aluno e justificativa plausível para a não entrega do relatório
no prazo estabelecido.
§2º O requerimento apresentado pelo aluno será encaminhado para análise e parecer da Coordenação do Curso
a que o estudante estiver vinculado.
Art. 49 O não cumprimento das normas estabelecidas neste Regulamento, pelo professor orientador, será
relatado e documentado pela Coordenação de Estágios e Egressos, ou setor equivalente, e encaminhado à
Diretoria de Ensino, para providências.” (BRASIL, 2015b, p. 22 – grifos nossos).
Fonte: Regulamento de estágio (BRASIL, 2015b).
Além disto, entendemos que o gênero relatório de estágio nos remonta enfaticamente a
esta responsabilidade e compromisso enunciativo, no qual os discentes trazem na sua
materialidade textual o fio discursivo: incorporando vozes de inúmeras relações dialógicas,
manejando assim o já-dito e tecendo seu projeto de dizer ao revelar suas experiências, vivências
acadêmicas e profissionais.
Relativamente à confecção deste gênero, encontramos no RE os primeiros passos sobre
a exigência desta produção: 1. Ao indicar que a escrita deve primar pela Língua Portuguesa, e,
em caso de estágio feito em outros países, o documento também deverá ser apresentado na
versão do idioma do local; e, 2. Ao requerer em seu conteúdo informações que deverão ser
obrigatórias, tais como: o relatório será único, mesmo com a atuação em distintas empresas
concedentes para o locus do estágio; o assunto deve indicar como os “conteúdos vivenciados
teoricamente” em sala de aula foram postos na prática da atividade laboral; explicitar quais
habilidades e competências foram adquiridas, além de relatar as dificuldades encontradas; e,
por fim, “informar sobre inovações do mundo produtivo, para retroalimentação das estruturas
curriculares de cursos da Instituição”.
Tais exigências sobre a confecção do relatório são tratadas no RE como requisito
mínimo para qualquer curso, sem informação de particularidades sobre a escrita de determinada
CP, cujos grupos sociais são distintos, segundo vemos em nosso recorte a respeito dos cursos
de Agropecuária e de Edificações, por exemplo. Neste cenário, o modelo de letramento
222
indiciado no RE direciona para um modelo prioritariamente de socialização acadêmica, pois,
diferentemente do modelo de habilidades de estudo, não há no RE orientações prescritivas e
normativas sob o viés sobretudo linguístico ou de “habilidades individuais e cognitivistas”
(PRÍNCIPE, 2017, p. 72).
Essas habilidades deveriam visar o sucesso da produção escrita dos discentes, mas há
rastros de uma abordagem tida como transparente ao repassar os conteúdos solicitados de forma
a supor um discurso disciplinar, cujo domínio dessas regras básicas traria o sucesso na
reprodução do gênero (LEA; STREET, 2014), sem pensar nas adequações existentes quando
do uso do gênero por grupos sociais distintos. Como um dos interlocutores mediadores dos
letramentos dos estudantes-estagiários, o RE sinaliza para um processo de aculturação dos
discentes. Na realidade, este documento não expõe tais singularidades: aliás, depreendemos que
o PPC de cada curso é o documento que deveria cumprir esse papel sobre o que é proposto em
torno de letramentos singulares de cada CP. Conforme observamos, os próprios PPC deverão
se adequar ao que é solicitado no RE, pois as informações contidas nestes ampliam notadamente
o conteúdo presente naquele documento.
Em síntese, o RE como mais um interlocutor mediador dos letramentos integra por meio
de sua força centrípeta o projeto enunciativo dos discentes, pois inúmeras forças são projetadas
e endereçadas a este público sobre o que fazer, como fazer e, especialmente, sobre o que dizer.
Como consequência, os discentes-estagiários, jovens produtores de discursos acadêmicos e
profissionais, tomam como norte estes documentos que os guiam como voz de respaldo, como
voz de autoridade, como voz que ancora o poder direcionado aos atores sobre o processo
avaliativo, permeando, assim, o projeto de dizer no relatório de estágio, estando as tensões e os
embates entre vozes presentes, já que os discentes não são seres essencialmente passivos e
dialogam com esses e outros discursos, construindo seu próprio estilo, sua autoria, frente a esses
direcionamentos como veremos mais adiante em outras análises.
5.1.1.4 Manual do estagiário (ME)
O Manual do estagiário (ME) proposto pelo IF Sertão/PE é um material contemporâneo
ao RE, sendo sua publicação também datada do ano de 2015. Neste sentido, a produção daquele
documento transparece uma estratégia da instituição ao somar na divulgação das finalidades do
estágio e ainda sanar possíveis dúvidas na execução dessa etapa formativa. Assim, este
documento se apresenta como um compilador de informações importantes que os discentes
223
precisariam saber, trazendo uma linguagem mais prática e concisa se comparada a densidade
expressa nos outros documentos que são mais complexos e extensos.
Por este motivo, compreendemos que o ME se trata de um documento de transição
dentre o recorte proposto por esta tese para cotejamento, uma vez que diferentemente dos
documentos anteriores, o manual segue um propósito discursivo – não pelo viés dogmático de
apresentar dicas ou orientações prescritivas, mas ao propor um diálogo de tira-dúvidas sobre o
processo de vivência educacional do estágio, sobretudo, buscando uma aproximação de um
interlocutor específico.
Nesta linha de pensamento, reforçamos que, se comparado à proposta presente na
NCELE, há no ME um endereçamento explícito, conforme observamos no texto introdutório
do documento (Figura 15), aos alunos da instituição. Não obstante, assim como aquele e outros
documentos anteriormente apresentados neste cotejamento sobre a história do texto (contexto
de produção prévia do gênero relatório de estágio) e as forças e modelos de letramentos que
incidem no discurso de discentes-estagiários, destacamos que o ME, de igual modo, não propõe
tratar as particularidades das prováveis dúvidas que possam existir frente a cursos distintos, por
exemplo.
Na realidade, esta publicação, com vigência ainda atual na instituição neste ano de 2021,
objetiva nortear o aluno-estagiário supondo responder dúvidas que seriam recorrentes na
vivência dessa atividade independente do curso. Diante desse ponto, entendemos, mais uma
vez, que os documentos sinalizam a uma uniformidade comum aos cursos e, consequentemente,
aos sujeitos, ao não explorarem por meio de guias ou manuais um diálogo mais próximo com
cada curso e com suas peculiaridades. Logo, nossa compreensão é que os documentos são
construídos para uniformizar essa etapa formativa, partindo da pressuposição que todos os
cursos possuem direcionamentos semelhantes.
Em relação ao ME, esse apresenta a sua finalidade e justifica a sua confecção para o
público estudantil no intuito de mantê-los informados sobre a atividade escolar que é o estágio,
esclarecendo ainda que esta etapa representa um marco no processo de aprendizagem dos
discentes, pois é um “momento privilegiado na vida” dos mesmos, pois estes sairão dos muros
escolares e dos laboratórios para uma real prática ao contribuir com o “Mundo Produtivo”.
224
Figura 15 – Texto introdutório do ME.
Fonte: Manual do estagiário (BRASIL, 2015c).
Entretanto, em oposição ao trato impositivo apresentado nos documentos anteriores, há
no endereçamento proposto no ME um chamado ao diálogo, uma vez que a autora, presidente
da comissão e responsável pelo material apresentado pelo IF Sertão/PE, informa que
“elaboramos” o manual pensando em “você” (estudantes). Conforme observamos, o texto
introdutório do ME possui forte convocação de resposta, de implicação do outro no fio
discursivo ao inserir o aluno. Ou seja, encontramos o convite pela aderência ao projeto
discursivo presente no manual, cujo escopo seja trazer de maneira “simples e direta” perguntas
sobre o estágio, pressupondo que tais questionamentos seriam de igual modo as dúvidas que
esse público teria.
225
Figura 16 – Exemplo do projeto gráfico utilizado no ME.
Fonte: Manual do estagiário (BRASIL, 2015c).
226
Logo, conseguimos recuperar na parte inicial do manual indícios que visassem nesse
grande diálogo a interação com seu público, que demonstrassem a responsabilidade da própria
instituição ou que estabelecessem os espaços nos quais os discentes pudessem recorrer no
sentido de ampará-los em outras possíveis dúvidas, como podemos observar nos seguintes
trechos: “deixá-lo informado”, “você terá acesso”, “elaboramos o presente Manual”, “Para
auxiliar os discentes [...] o IF Sertão-PE coloca à disposição”, “Coordenação de Estágios [...]
Coordenações de Curso”, por exemplo.
Desta forma, a característica do ME já vislumbrada no início do material e, como
essência do todo, é a quebra da rigidez e do distanciamento para com seu público leitor. Se
comparado aos documentos anteriores, pois mesmo apresentando, em 32 perguntas, as
respostas que, de certo modo, são encontradas na leitura mais atenta da Lei 11.788/08, dos PPC
ou do RE, há, no manual, a tentativa de proximidade com o público discente, traço
especialmente observado no projeto gráfico adotado pelo ME.
Esta estratégia visa a aproximação do público estudantil (Figura 16), sobretudo, ao
apresentar um jogo visual: 1. Por meio de imagens de alunos da própria instituição em situações
de atividades laborais práticas123 ou por desenhos que representam esse cenário; 2. Por meio do
uso de cores cujo objetivo seja traduzir um design mais clean, inovador e atual; e, 3. Ainda por
meio da utilização de muitos ícones que se associam à temática apresentada124.
Destacamos que estas estratégias utilizadas na busca de proximidade com o interlocutor
se dá, especialmente, sob duas vertentes: uma, ao inseri-lo de forma explícita no projeto
enunciativo, demarcando o diálogo estabelecido para com este público mediante fatores
anteriormente elencados; e, outra, ao resgatar os já-ditos por meio da incorporação parcial ou
integral do dizer de fontes que respaldam as ações nessa etapa formativa e que são postas na
construção do ME ao repassar informações de destaque na compilação proposta aos discentes.
Em síntese, o ME, como um dos documentos institucionais, estabelece em seus
propósitos e objetivos enunciativos também ao recuperar, por meio da força centrípeta presente,
as vozes (como a do respaldo jurídico, a do teor normativo centralizador, o das implicações
pedagógicas, por exemplo) de forma mais atenuada, enfatizando por meio de uma linguagem
123 Mesmo sendo um documento público, optamos por não apresentar as imagens dos sujeitos presentes no ME. 124 O documento segue uma tendência da corrente intitulada de “flat design”, cujo estilo minimalista tem um
objetivo de propor multifuncionalidades em diversas plataformas ou na confecção de materiais, ao tentar transmitir
a mensagem justamente pelo visual, contribuindo quer seja no percurso de navegação, quer seja na leitura de um
texto, tornando ainda a linguagem mais acessível e menos rebuscada. Para maiores informações, sugerimos visitar
a página: https://heygeek.club/flat-design/
227
mais clara e sintética o que é esperado para esse público. Em consequência deste projeto de
atenuação e de síntese nas informações, no ME não há formas reiteradas do que seria normativo
ou prescritivo segundo um aparato legal, se compararmos aos documentos já analisados nesta
tese. A construção argumentativa presente no manual sempre reforça e dá maior peso às ações
que estão vinculadas ao PPC de cada curso, para somente, em outros momentos, aliar ao que
preconiza a Lei 11.788/08 (Quadro 19).
Quadro 19 – Exemplo de forças centrípetas no ME.
INTERLOCUTOR MEDIADOR DO LETRAMENTO
ME
“Estágio é o ato educativo escolar supervisionado, desenvolvido no ambiente de trabalho, que visa à preparação
para o trabalho produtivo de estudantes. O estágio integra o itinerário formativo do estudante e faz parte do
Projeto pedagógico do curso (art. 1º e seu § 1º da Lei 11.788/2008), por isso pode ou não ser remunerado pela
empresa concedente, sendo compulsória a concessão de bolsa ou de outra forma de contraprestação, inclusive
de auxílio transporte, no caso de estágio não obrigatório.” (BRASIL, 2015c, p. 07 – grifos nossos)125.
“O estágio é regulamentado pela Lei 11.788, de 25 de Setembro de 2008. Além dessa Lei, temos os seguintes
documentos que regulamentam essa prática educativa e são referências para a elaboração desse Manual:
I – Orientação Normativa Nº 7, de 30 de Outubro de 2008, da Secretaria de Recursos Humanos do Ministério
do Planejamento, Orçamento e Gestão – que estabelece orientação sobre a aceitação de estagiários no âmbito
da Administração Pública Federal direta, autárquica e fundacional;
II – Resolução CNE/CEB Nº 1, de 21 de Janeiro de 2004 – que estabelece Diretrizes Nacionais para a
organização e realização de Estágio de alunos da Educação Profissional e do Ensino Médio, inclusive nas
modalidades de Educação Especial e de Educação de Jovens e Adultos;
III – Resolução CNE/CEB Nº 2, de 04 de Abril de 2005 – que modifica a redação do § 3º do artigo 5º da
Resolução CNE/CEB Nº 01/2004, até nova manifestação sobro estágio supervisionado pelo Conselho Nacional
de Educação;
IV – Resolução CNE/CP Nº 2, de 19 de Fevereiro de 2002 – que institui a duração e a carga horária dos cursos
de licenciatura, de graduação plena, de formação de professores da Educação Básica em nível superior;
V – Resolução Nº 12/2015, de 14 de Maio de 2015, do IF SERTÃO-PE – que trata das Normas de Estágio para
os Cursos do Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Sertão Pernambucano.” (BRASIL, 2015c,
p. 09 – grifos nossos).
“DE QUEM É A OBRIGAÇÃO DE CONSEGUIR VAGAS DE ESTÁGIO?
As oportunidades de estágio devem ser identificadas pelos professores, pelas Coordenações de Curso, pela
Coordenação de Estágios e Egressos de cada Campus, ou setor equivalente, e por alunos. (Regulamento de
Estágio do IF SERTÃO-PE)” .” (BRASIL, 2015c, p. 11 – grifos nossos).
“Assim como o período de realização de estágio, a carga horária mínima dele também é definida no Projeto de
cada curso. Verifique, no anexo II, o que está definido para seu curso. Fique atento para a carga horária
apresentada na tabela, pois ela é a mínima e deverá ser cumprida integralmente.” (BRASIL, 2015c, p. 12 –
grifos nossos)126.
“QUEM É RESPONSÁVEL PELO ACOMPANHAMENTO DO ESTÁGIO?
O estágio como ato educativo deverá ser efetivamente acompanhado pela Instituição de Ensino, através de
professor orientador, e pela Concedente, através de supervisor. Dessa forma, cabe a cada um dos envolvidos
nesse processo, as seguintes atividades:
1. PROFESSOR ORIENTADOR
[...]
2. SUPERVISOR DE ESTÁGIO
[...]”(BRASIL, 2015c, p. 17 – grifos nossos).
“É POSSÍVEL APROVEITAR HORAS COMO ESTÁGIO? EM QUE CASOS?
125 Trecho parcialmente igual ao Art.1º da Lei 11.788/08 – Lei do Estágio. 126 Informamos que os anexos citados ao longo do ME não estão presentes no documento e nem nas páginas
institucionais vinculando como anexo desse texto.
228
Sim, mas somente quando no Projeto do Curso for prevista a equiparação de atividades profissionais, de
monitoria, de iniciação científica e/ou de extensão com o estágio.
Dessa forma, os alunos que já exercem atividades profissionais compatíveis com as que serão vivenciadas por
ocasião do estágio e aqueles que tenham realizado atividades práticas de extensão, de iniciação científica e de
monitoria vinculadas ao curso em que é matriculado, poderão solicitar o aproveitamento de parte dessas
atividades como estágio, respeitando-se sempre o que consta no Projeto de cada curso.
É importante ressaltar que só são passíveis de aproveitamento como horas de estágio obrigatório atividades que
o estudante tenha realizado a partir de seu ingresso no curso ofertado pelo IF Sertão-PE.” (BRASIL, 2015c, p.
18 – grifos nossos).
“É PERMITIDO ESTAGIAR EM EMPRESAS DE PARENTES?
O estagiário poderá desenvolver suas atividades de estágio em empresas e/ou instituições dirigidas por parentes,
inclusive de 1º grau. Recomenda-se, no entanto, que não exista nenhum grau de parentesco com o responsável
(supervisor) pelo acompanhamento do estagiário na empresa.” (BRASIL, 2015c, p. 19 – grifos nossos).
“É POSSÍVEL OBTER O DIPLOMA DE CONCLUSÃO DE CURSO SEM TER FEITO O ESTÁGIO
OBRIGATÓRIO?
Não. A carga horária do estágio obrigatório é requisito para aprovação e obtenção de diploma.” (BRASIL,
2015c, p. 21 – grifos nossos).
Fonte: Manual de estagiário (BRASIL, 2015c).
Assim, os trechos que se associam a um aparato legal são inseridos no projeto
enunciativo por meio de parênteses, notas ou referências explícitas, tais como visualizamos em:
“(art. 1º e seu § 1º da Lei 11.788/2008)”, “definida no Projeto de cada curso” ou “quando no
Projeto do Curso”, por exemplo. Muito embora saibamos que implicitamente o manual se
ancora nessa base legal, pois quando da pergunta: “Quais são os fundamentos legais do
estágio?” (BRASIL, 2015c, p. 09), há na resposta que a legislação compilada respalda e
“regulamenta” a prática educativa do estágio, bem como é tomada como referência para a
confecção do manual, demarcando a voz da legalidade, do respaldo jurídico presente no
documento.
Outro ponto importante diz respeito a esta linha de forças e de endereçamento presentes
no ME, pois, assim como encontramos no Quadro 19, há a descrição das atividades e
competências, tal como previstas no RE da instituição e de igual modo na Lei do estágio, dada
aos orientadores e aos supervisores ao definir os seus respectivos papéis. Neste quesito,
enfatizamos que se traz para o público discente as incumbências destes, que também são, de
certa forma, avaliadores do estágio. Nessa etapa, não se recuperam as atribuições e as formas
de dizer sobre esses sujeitos, pois já o fizeram em outros documentos.
Neste sentido, ratificamos apenas que o ME recupera a íntegra exposta no RE. Portanto,
não vemos a necessidade de problematizar o peso dado à instituição, uma vez que, para o
supervisor, agente da empresa concedente, as competências são mais convidativas e menos
impositivas, conforme refletimos anteriormente. Porém, avultamos como tal atribuição de
características, do dever de cada sujeito, é reiterada em vários documentos, isto demonstra e
indica algo sobre as configurações em torno da CP sustentadas nos discursos presentes em
229
documentos institucionais, legislação e normas, por exemplo. Tais materiais atestam a
validação da incorporação dos membros em um dado grupo caso “cumpram” as condições
mínimas de atuação em determinado campo de atividade.
Nesta perspectiva, destacamos ainda uma pergunta que não está contemplada nos
documentos anteriores analisados, mas trata-se de um realce a questões éticas no estágio, mais
especificamente, sobre a possibilidade de estagiar em empresas de parentes. Essa indagação se
configura como um dado novo aos discentes que possuirão uma orientação sobre como agir em
tal situação, evitando ter certos “privilégios” quando das etapas avaliativas.
Assim sendo, o supervisor do estágio não pode ter vínculos de parentesco com o
estagiário, uma vez que ele é quem, de forma mais próxima, atua nas orientações das vivências
profissionais, tendo papel importante quando da narrativa ao professor orientador, bem como
quando da confecção da “Ficha de Avaliação do Estagiário”, influenciando, ainda, na nota final
do discente quando somada ao relatório de atividades apresentado.
Diante deste cenário, cumpre-nos sinalizar que tal validação muito se associa ao viés
avaliativo e ao poder dado ao interlocutor mediador dos letramentos (quer seja por meio de
documentos, quer seja por meio dos membros que compõem o grupo). Logo, o estágio é
relembrado no manual como uma etapa “obrigatória”, cujas ações estarão sob a submissão e o
peso de uma nota, refletindo ainda na aprovação final do curso, uma vez que os discentes só
podem ser diplomados após conclusão do estágio, e, consequentemente, entrega do relatório
acerca desta experiência de estágio.
Recordamos também que para o discente há a possibilidade de diminuição na carga
horária destinada ao estágio, caso seja comprovada a participação em atividades tais como a
pesquisa, a extensão e/ou a monitoria, validando assim certas práticas em torno da cultura do
escrito e de letramentos acadêmicos que auxiliariam na “expertise” profissional conforme
expusemos ao longo desta tese.
Ainda assim, salientamos o poder da instituição no “reconhecimento” de tais práticas,
pois, no caso do IF Sertão/PE, somente é considerada e validada a possibilidade de
aproveitamento destas atividades caso tenham sido vivenciadas dentro da própria instituição.
Reconhecemos, portanto, que há questões de poder envolvidas nesta validação em torno das
práticas de letramentos nos quais os estudantes possam ter passado em sua vida acadêmica e
inclusive profissional: quem atesta o quê? Quem anula a formação? Quais os impactos em
possíveis casos de não reconhecimento?
230
Lembramos que o IF Sertão/PE apresenta para a comunidade um regulamento em um
viés normativo único, não manifestando as particularidades entre cursos e modalidades127.
Assim, um discente que tenha participado de projetos em outros espaços formativos não teriam
o mesmo “direito” quando do “abatimento” de horas. Compreendemos que temos um dizer
“superior”, de uma força com implicações na construção e na formação acadêmica dos
discentes, no qual atesta suas experiências e reconfigura sua posição dentro de uma própria CP.
Outro ponto que frisamos no ME é a “recomendação” sobre como agir no ambiente
laboral (Quadro 20), pois nos deixa transparecer que ao seguir as orientações ali presentes a
integração como membro dentro daquela dada CP seria aceita de uma forma mais “fácil” pelos
demais pares. Verbos como “Cuide”, “Seja”, “Cumprimente”, “Colabore”, “Chame”, “Preste”,
“Apresente”, “Zele”, “Procure”, “Aceite”, “Obedeça” e “Evite” são acompanhados das ações
esperadas diante desse “guia” sugestivo presente no documento. Consequentemente, neste
recorte, vemos como os verbos no imperativo sinalizam essa voz institucional da expertise
indicando um conselho ou uma sugestão direcionada aos discentes-estagiários ao buscar tornar
o caminho de “aceitação” e êxito na esfera profissional.
Quadro 20 – Direcionamentos sobre as ações dos estudantes-estagiários.
INTERLOCUTOR MEDIADOR DO LETRAMENTO
ME
“O Estágio não é apenas um meio de formar bons profissionais, ele permite ao estudante as seguintes vantagens:
I – Entrar em contato com o ambiente de trabalho em que irá exercer, depois de formado, sua profissão;
II – Vivenciar conhecimentos adquiridos;
III – Participar, antes de terminar o curso, de tarefas que auxiliarão na sua formação profissional.” (BRASIL,
2015c, p. 07 – grifos nossos).
“COMO SE COMPORTAR NO AMBIENTE DE ESTÁGIO?
Ao apresentar-se para o estágio e durante o mesmo é recomendado que:
I – Cuide sempre de sua aparência pessoal, sendo discreto na forma de vestir-se;
II – Seja cordial;
III – Cumprimente diariamente seus superiores e colegas;
IV – Colabore com as pessoas com as quais se relaciona na empresa;
V – Chame as pessoas pelo nome, converse com elas olhando nos olhos;
VI – Preste atenção no que estão falando e, em caso de dúvidas, pergunte;
VII – Apresente sugestões, quando solicitado, no que diz respeito à execução das atividades;
VIII – Zele pelos equipamentos da empresa;
IX – Procure aperfeiçoar sua forma de comunicação e postura corporal;
X – Procure cumprir as atividades que lhe foram delegadas e avise, em tempo hábil, caso haja impossibilidade
de realização delas;
XI – Aceite críticas, pense a respeito e tire proveito dos ensinamentos;
XII – Obedeça aos horários e às normas da empresa;
XIII – Evite gírias no ambiente de trabalho.” (BRASIL, 2015c, p. 16 – grifos nossos).
“O QUE FAZER APÓS REALIZAR O ESTÁGIO NA CONCEDENTE?
127 Como delineamos e vamos defendendo ao longo da tese, entendemos a necessidade de existir documentos que
se aproximem mais da realidade de cada curso e, assim, compreendam as particularidades inerentes de cada cultura
do escrito de grupos sociais distintos.
231
Ao concluir as atividades práticas na concedente, o aluno deverá dirigir-se à Coordenação de Estágios e
Egressos, ou setor equivalente, para entregar Ficha de frequência, sem rasuras e assinada pelo supervisor, e
Ficha de Autoavaliação, devidamente preenchida.
Feito isso, o aluno terá três meses para, sob acompanhamento do professor que orientou o estágio, elaborar o
relatório e entregá-lo à Coordenação de Estágios e Egressos, ou setor equivalente, que o encaminhará para
correção.
Após a correção do relatório, a Coordenação de Estágios e Egressos, ou setor equivalente, o devolve ao
estagiário para os ajustes finais. Para isso, o aluno terá o prazo máximo de três meses.
Confirmada a realização dos ajustes, a Coordenação de Estágios e Egressos, ou setor equivalente, dará o estágio
como concluído, emitirá Boletim de Estágio e o encaminhará à Secretaria de Controle Acadêmico.” (BRASIL,
2015c, p. 21 – 22 – grifos nossos).
“PRAZOS MÁXIMOS PARA ENTREGA DO RELATÓRIO
1ª versão – Três meses após a conclusão das atividades na concedente - ____ / ____ / ______
Versão Final – Três meses após o recebimento da 1ª versão corrigida - ____ / ____ / _______” (BRASIL, 2015c,
p. 22 – grifos nossos).
Fonte: Manual de estagiário (BRASIL, 2015c).
Reforçamos ainda, que, segundo o ME, o estágio deve ser considerado uma etapa
formativa rica em vantagens para os alunos, cabendo ao discente demonstrar, na prática, no
ambiente laboral a confluência do saber apreendido em sala de aula. Em outras palavras, há no
ME certa atenuação dos enfrentamentos acerca dos papéis implicados e direcionados no estágio
aos estudantes se integrarem em uma CP, quando, na realidade, há uma verdadeira relação de
poder existente e associada especialmente ao viés avaliativo desse momento. Assim, o próprio
contexto possibilita a aprendizagem, mas apresenta pano de fundo com um peso enorme por
conta da nota, da aprovação, do fazer e do agir “correto”.
Dito isto, encontramos também a cobrança para além da ação e da experiência no
ambiente de trabalho, mas que essa seja feita por meio de comprovações escritas,
especialmente, por intermédio do relatório. Este lembrete da produção textual é revisitado ao
longo do ME (no quadro destacamos somente as perguntas finais presentes no documento). De
fato, este orienta ao alunado sobre o passo-a-passo do que deve ser feito com relação à entrega
e a prazos, mas não há a orientação sobre como deve ser feito o texto, sobre a produção do que
deve conter e ser priorizado no documento.
Em suma, encontramos nos quatro primeiros documentos de nosso cotejo (NCELE,
PPC, RE e ME) a indicação da necessidade do relatório de estágio, deste “produto final” das
experiências vivenciadas sob a égide das responsabilidades que competem aos papéis
assumidos pelos membros que compõem o estágio, identificando o que deve ser feito, o que
deve ser demonstrado para ser considerado apto a ser aprovado pelos pares de maior expertise.
Logo, encontramos de maneira pontual, nos PPC e no RE, traços de orientações sobre o
que seria “obrigatório” constar na produção textual, porém os direcionamentos estarão mais
fortemente presentes nos documentos que refletimos a seguir: o Guia de elaboração dos
232
trabalhos de conclusão de curso para os cursos técnicos e superior do Instituto Federal de
Educação, Ciência e Tecnologia do Sertão Pernambucano (GETA) e o Modelo de relatório dos
cursos técnicos (MRCT).
5.1.1.5 Guia de elaboração dos trabalhos de conclusão de curso para os cursos técnicos
e superior do Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Sertão Pernambucano
(GETA)
Segundo Bakhtin (2019a), a linguagem adotada por manuais tende à uniformidade e à
impessoalidade, influenciando na liberdade estilística da produção textual de muitos autores ao
seguirem os manuais como “padrões” aceitos amplamente pela comunidade nos quais se
integram. Nesta linha, além da voz do padrão, das forças de teor normativo centralizador,
evidenciamos nos documentos analisados a voz avaliativa, a voz do poder institucionalizado
dos interlocutores mediadores dos letramentos dentro de um dado contexto de aprendizagem,
tal qual é a especificidade do estágio.
Nosso destaque se volta, então, para o Guia de elaboração dos trabalhos de conclusão
de curso para os cursos técnicos e superior do Instituto Federal de Educação, Ciência e
Tecnologia do Sertão Pernambucano (GETA). Este material, produzido no ano de 2016 por
intermédio de uma comissão local do Campus Salgueiro, tinha como objetivo apresentar à
comunidade diretrizes em torno da produção dos trabalhos acadêmicos executados naquela
unidade do IF Sertão/PE, tais como: “teses, dissertações, monografias e relatórios de estágio”
(BRASIL, 2016a, p. 02)128.
Deste modo, mesmo apresentando instruções sobre “procedimentos de normalização”
dos trabalhos, o documento demonstra na seção de apresentação uma inicial abertura para
adequações segundo as necessidades e particularidades dos cursos, bem como das adaptações
quando das orientações postas pelos docentes-orientadores daquelas produções. Isto nos revela
que, embora se apresente um viés instrucional sobre o teor técnico da estrutura a ser utilizada
por esses gêneros, a parte introdutória do GETA nos deixa transparecer que não se trata de algo
128 Destacamos que embora o título do Guia pareça abrangente a todo o IF Sertão/PE, na realidade o documento é
direcionado somente ao Campus Salgueiro. Além disso, no ano de sua publicação não havia ainda produção
acadêmica a nível de dissertações e teses, ponto esse também contraditório com relação à referência dada no título,
já que não há menção à “pós-graduação”, estando somente na parte introdutória a indicação da produção acadêmica
desse nível educacional. Reforçamos que essas produções, a nível de pós-graduação no Campus, só tiveram início
a partir de 2018 com a implantação do Programa de Pós-Graduação em Educação Profissional e Tecnológica –
ProfEPT, e, em 2019, com o Doutorado Interinstitucional do Programa de Pós-Graduação em Letras (DINTER)
com parceria da Universidade do Estado do Rio Grande do Norte. Porém, lembramos que esses programas
possuem diretrizes específicas sobre a escrita de dissertação e teses, estando o GETA apenas como um material de
apoio para esse público.
233
impositivo e fechado, devido à necessidade de se compreender as singularidades existentes nos
contextos que fazem com que esta mesma estrutura seja repensada, reformulada e adaptada
segundo o uso de um dado grupo social, de uma determinada CP (Figura 17).
Figura 17 – Exemplo do projeto gráfico do GETA.
Fonte: Guia de elaboração dos trabalhos de conclusão de curso para os cursos técnicos e superior do Instituto
Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Sertão Pernambucano (BRASIL, 2016a).
Reforçamos que tal orientação é fortemente presente na seção introdutória do GETA,
mas quando do desenvolvimento do guia, reconhecemos excertos que reiteram as forças
normativas e impositivas que atestam o que fazer e como fazer para que o trabalho esteja
adequado sobretudo à estrutura composicional dos gêneros elencados pelo documento. Além
disso, destacamos que o GETA, assim como no ME, apresenta como estratégia discursiva de
proximidade um projeto gráfico atrativo para com seu provável público, a saber: “os alunos do
curso técnico médio integrado, dos cursos subsequentes, dos cursos superior de tecnologia e
de licenciatura, além de outros cursos que queiram fazer uso deste documento” (BRASIL,
2016a, p. 02).
234
Nesta proximidade por meio do visual, o design adotado segue a paleta de cores
instituída pelo Manual de Aplicação da Marca institucional129, cujo propósito é criar uma
identidade da própria rede. Assim, as cores verde e vermelha são evocadas em distintas
totalidades, usando linhas e formas geométricas na criação das imagens, apresentando uma
fonte de maior tamanho na qual as compilações das informações se tornam mais atrativas e
menos cansativas ao leitor. Sinalizamos que, mesmo buscando essa aproximação por meio da
adesão dos estudantes para que tomem o guia como um documento de base, sobretudo, na
produção textual, na parte introdutória do GETA, a convocação do interlocutor é feita de
maneira distinta do ME.
Neste último documento, encontramos palavras direcionadas explicitamente aos
discentes (você, vocês) e de inserção em um trabalho em conjunto (busquemos), ao passo que
no GETA, mesmo presente no fio discursivo, há um distanciamento tal como característica do
estilo acadêmico (uso da terceira pessoa do singular ou índice de indeterminação do sujeito).
Desta maneira, há uma tonalidade de inserção do público estudantil, mas não de forma tão
acolhedora como na proposta do ME, que deixa transparecer tal proximidade de forma mais
latente. No caso do GETA, o alunado é incluído como parte interessada do documento por meio
de sinônimos da representação de sua categoria, por exemplo: “o estudante”, “os alunos”,
“pelos discentes”.
Dito isto, lembramos que o GETA possui como proposta guiar, instruir e regulamentar
certos procedimentos sobre a escrita do seu público-alvo, buscando gerar “um trabalho com
qualidade reconhecido em diversas esferas da pesquisa científica nacional” (BRASIL, 2016a,
p. 02). Logo, o documento retoma, como voz de respaldo para a credibilidade do teor do guia,
a norma da ABNT 14724/2011. De forma distinta dos documentos cotejados nesta tese, no
GETA não é recuperado outras Leis, normativas ou regulamentos, mas é sinalizado uma norma
socialmente validada e aceita por variados grupos sociais de cunho acadêmico e científico,
como as proposições formalizadas e atestadas pela Associação Brasileira de Normas Técnicas
(ABNT).
Assim, realçamos que, no GETA, a indicação tomada para a confecção estrutural dos
trabalhos é a NBR 14724/2011, destinado a tratar dos trabalhos de conclusão de curso. Ao
mesmo tempo, o guia recorre ao longo do documento a trechos de outras normas amparadas na
129 Para maiores informações acessar o site: https://www.ifsertao-pe.edu.br/images/IF_Sertao-PE/Identidade-
visual/manual_2015_3v.pdf
235
ABNT, tais como: NBR 6029 (orientação para o uso de tabelas)130, NBR 6023 (direcionamentos
sobre a inclusão de referências)131 e a NBR 6027 (sobre a elaboração de sumários).
Diferentemente do que expusemos, em nossa seção teórica, ao recordarmos a NBR 10719/2011
(confecção de relatórios), no GETA há o direcionamento para que “monografias, relatórios de
estágio, dissertações, teses” (BRASIL, 2016a, p. 03) sejam considerados trabalhos acadêmicos,
não apresentando maiores reflexões ou desdobramentos deste enquadramento e nem
recuperando aquela NBR para explorar o gênero relatório.
Na realidade, encontramos, no GETA, a ênfase na proposta de modelos que visassem a
nortear a escrita dos trabalhos acadêmicos e científicos da instituição, estando divididos essas
orientações nas seguintes seções: 1. Estrutura do trabalho acadêmico; 2. Regras gerais de
apresentação dos trabalhos acadêmicos; 3. Ilustrações, tabelas, notas de rodapé, siglas e
abreviaturas, equações e fórmulas; 4. Citações; 5. Referências; 6. Descrição da estrutura dos
trabalhos científicos; 7. Estrutura da monografia (cursos de licenciatura); 8. Relatórios (cursos
tecnológicos); 9. Relatórios de estágio (cursos técnico médio integrado e subsequente); 10.
Entrega final dos trabalhos de conclusão de curso.
Neste sentido, destacamos, a princípio, a “estrutura do trabalho acadêmico”, sugerida
no GETA, ao indicar quais elementos são obrigatórios e quais são opcionais na disposição dos
conteúdos a serem abordados. Enfatizamos que o próprio GETA apresenta duas estruturas
distintas – uma mais geral e outra mais específica, destinada à composição do relatório de
estágio, tal como observamos no Quadro 21.
Quadro 21 – Estrutura do trabalho acadêmico proposto pelo GETA (trabalhos acadêmicos e relatório de estágio).
ESTRUTURA DO TRABALHO ACADÊMICO ESTRUTURA DOS RELATÓRIOS DE ESTÁGIO
(CURSOS TÉCNICO MÉDIO INTEGRADO E
SUBSEQUENTE)
PARTE
EXTERNA
Capa (obrigatório) Elementos
pré-textuais
Capa (obrigatório)
Lombada (opcional) Folha de rosto (obrigatório)
PARTE
INTERNA
Elementos
pré-
textuais
Folha de rosto
(obrigatório)
Agradecimentos (opcional)
Errata (opcional) Lista de ilustrações (opcional)
Folha de aprovação
(obrigatório)
Lista de tabelas (opcional)
Dedicatória (opcional) Lista de gráficos (opcional)
Agradecimentos
(opcional)
Lista de abreviaturas e siglas
(opcional)
Epígrafe (opcional) Lista de símbolos (opcional)
130 O objetivo maior dessa NBR é caracterizar os princípios gerais sobre a forma de incluir elementos em livros ou
folhetos. 131 De forma geral a NBR 6023 estabelece ainda a ordenação das referências, as formas de transcrição e
apresentação de informações retiradas do original, assim como busca orientar a compilação de referências a serem
utilizadas quando produção de bibliografias, resumos, resenhas, entre outros.
236
Resumo na língua
vernácula (obrigatório)
Sumário (obrigatório)
Resumo em língua
estrangeira
(obrigatório)
Lista de ilustrações
(opcional)
Lista de tabelas
(opcional)
Lista de abreviaturas e
siglas (opcional)
Lista de símbolos
(opcional)
Sumário (obrigatório)
Elementos
textuais
Introdução Elementos
textuais
(todos
obrigatórios)
Introdução
Desenvolvimento Identificação do campo de estágio
Conclusão Apresentação da instituição
Atividades desenvolvidas
Conclusão
Elementos
pós-
textuais
Referências
(obrigatório) Elementos
pós-textuais
Referências (obrigatório)
Glossário (opcional) Apêndice (opcional)
Apêndice (opcional) Anexos (opcional)
Anexo (opcional)
Índice (opcional)
Fonte: Adaptado do Guia de elaboração dos trabalhos de conclusão de curso para os cursos técnicos e superior
do Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Sertão Pernambucano (BRASIL, 2016a).
Nesta abordagem, observamos elementos distintos com relação à composição estrutural
do relatório em comparação à forma geral destinada aos trabalhos acadêmicos propostos pelo
próprio guia. Segundo este documento, o diferencial se encontra na inserção das seguintes
seções para o relatório de estágio: lista de gráficos, identificação do campo do estágio,
apresentação da instituição e atividades desenvolvidas. Assim, as seções de identificação do
estágio e a apresentação da instituição são sinalizados como elementos obrigatórios, cujos
títulos devem permanecer como solicitado. Por sua vez, o direcionamento em torno das
atividades desenvolvidas muito se assemelha à seção de desenvolvimento, segundo o modelo
geral proposto inicialmente, tanto que na explicação do que deve conter nessa etapa do trabalho
o direcionamento é único: “Parte principal do texto, que contém a exposição ordenada e
pormenorizada do assunto. Divide-se em seções e subseções, que variam em função da
abordagem do tema e do método [...]” (BRASIL, 2016a, p. 19).
Consequentemente, é informado que o título dado para o desenvolvimento é apenas
ilustrativo (exemplificação), pois a designação dessa descrição deve representar o que
realmente é refletido na seção. Diante disto, compreendemos que a presença de tais elementos
nos indiciam o repertório, o empreendimento e o domínio vivenciado pelos estudantes-
estagiários por meio do discurso no relatório de estágio. Uma vez que pressupomos que, ao
237
narrar a experiência de trabalho, o discente discorrerá sobre o locus, identificando-o,
apresentando-o e relatando a bagagem apreendida, visto que são elementos “obrigatórios” nesta
produção textual.
Outro ponto de diferencial entre os modelos propostos e que singulariza o relatório de
estágio neste cenário é a inserção da seção lista de gráficos como elemento opcional.
Lembramos que esta seção se imbrica a particularidades sobre o campo de atuação do discente,
pois o ele poderia retratar sua experiência recuperando alguns gráficos que fossem utilizados
quando da experiência laboral.
Reforçamos ainda que o GETA apresenta por meio de imagens (teor didático) a
disposição desses elementos (pré-textuais, textuais e pós-textuais) na sequência esperada
quando da composição dos trabalhos acadêmicos. Além de destacar outras “regras gerais” sobre
o tamanho, o tipo do papel e da fonte que são aceitos na produção acadêmica, bem como a
descrição da configuração das margens, do espaçamento entre linhas, da forma de paginação,
da organização das seções e de como devem ser formatados os títulos sem indicativos
numéricos. Em outras palavras, visualizamos, no guia, a sistematização de uma produção
fortemente correlacionada à estrutura textual.
Contudo, assim como Fuza (2016, p. 69), entendemos que a escrita acadêmica nestes
espaços sob regras de manuais e/ou cursos de escrita não deveria entendê-la: “[...] como fruto
de habilidades pessoais do sujeito ou resultante de um processo de socialização acadêmica
(LEA; STREET, 1998; 2006), no qual o sujeito aprende um modelo e isso o capacita a
reproduzi-lo em qualquer outra situação em que o texto seja solicitado.”, mas necessitamos
pensar a própria escrita, com seu contexto de produção, de circulação e de recepção de
discursos, entendendo as relações postas pelos grupos sociais que usam, partilham e atestam o
dizer que ali circula.
Assim, sinalizamos que a sugestão prevista nestes guias deveria retirar o escopo da
rigidez textual para a compreensão de um contexto implicado, de um endereçamento existente,
com finalidades específicas e com autoria presente, no qual forma e conteúdo se “[...] fundem
intimamente [...]” (BAKHTIN, 2017, p. 65) em um projeto de dizer, em um todo arquitetônico.
Nesse sentido, compreendemos que, na parte introdutória do GETA, houve uma
pequena abertura para as possibilidades de adequação da estrutura ao contexto. No entanto, ao
longo do guia isto não foi mais reforçado, deixando incidir no leitor do documento que os
modelos elencados ali seriam os únicos e os “corretos” dentro da comunidade do IF Sertão/PE.
Assim sendo, não há um aprofundamento, no GETA, por exemplo, quando da reflexão sobre
um possível projeto enunciativo no qual recorre a outras vozes para construir o processo
238
argumentativo, narrativo ou mesmo descritivo no trabalho acadêmico e/ou científico132. Para o
guia, a recuperação do dizer, o manejo com outras vozes, reduz-se as formas de citar (direta e
indireta), partindo da compreensão que esse movimento nada mais é que a “[...] menção de uma
informação extraída de outra fonte [...]” (BRASIL, 2016a, p. 10).
Estas indicações sobre as formas de citar, a princípio, são reveladas no GETA quando
do tratamento do tamanho da fonte (aspecto estrutural): “[...] as citações com mais de três
linhas, as notas de rodapé, as legendas de ilustrações e tabelas que deverão obrigatoriamente
ser digitadas em fonte tamanho 10.” (BRASIL, 2016a, p. 05). Então, somente em seção
específica posterior relatar sobre as formas de recuperar o dizer do outro: seção 04 – citações.
Ressalte-se que, nesta última parte, são apresentadas somente as seguintes formas:
citações diretas e indiretas. Na primeira delas é enfatizada que a citação deve estar entre aspas
duplas, sobretudo, quando há menções no próprio texto se até três linhas. E, quando há uma
citação longa, é preciso efetuar o recuo de 4cm da margem esquerda, colocar a fonte em
tamanho 10, sem aspas e apresentar o corpo do texto justificado (BRASIL, 2016a, p. 11).
Em relação à citação indireta, o guia se revela reducionista: apenas orienta e define esta
forma de recuperar o dizer do outro como: “[...] a construção de um texto baseado na ideia de
um autor consultado. [...]” (BRASIL, 2016a, p. 11)133. Compreendemos que, enquanto guia,
não houve ou há espaço para maiores desdobramentos sobre os efeitos e as formas de incorporar
outras vozes, refletindo assim sobre as formas de citar.
Conforme expusemos em nosso aparato teórico, existem inúmeras formas de inserção
da palavra alheia, não minimizando somente a polarização presente no guia entre citação direta
e indireta. Neste quesito, coadunamos com o pensamento de Valezi et al. (2018, p. 253 – 254),
pois:
Essa orientação dada pela norma apenas indica um plano organizacional dos
conteúdos que devem ser apresentados no relatório. No entanto, não são apresentadas,
por esse instrumento prescritivo, orientações relacionadas às características
linguísticas para que o agente produtor desse gênero desenvolva os conteúdos de
forma a apresentá-los coerentemente ao que se espera desse gênero. Mesmo que sejam
dadas algumas prescrições quanto à linguagem do gênero na literatura que orienta a
produção científica, como objetividade, precisão, clareza e coerência, elas não são
suficientes, pois quais escolhas linguísticas devem ser levadas em consideração para
que um texto apresente tais características?
132 Não encontramos, no GETA, indícios e direcionamentos para o viés profissional como nos demais documentos.
Reiteramos que apontar apenas os elementos obrigatórios de informação sobre a identificação do estágio e da
empresa nos relatórios seria reduzir as reflexões sobre contexto, sujeitos e historicidade implicados nesse processo
de caracterização do campo de atividade. 133 Além disso, é enfatizado que para ambas as formas (direta e indireta) é preciso informar o sobrenome do autor,
ano e quando necessário a indicação da página.
239
Vemos então que [...], assim como a própria ABNT, salientam a estrutura
organizacional do texto, ou a função a que ele se destina, no entanto não há um
trabalho, nos manuais científicos, de escrita efetiva do gênero em questão [...].
Logo, a produção do gênero relatório não se limita apenas aos aspectos da forma e muito
menos a pequenos movimentos “linguísticos”. Nesta produção, existe uma série de elementos
que colaboram com a narrativa sobre as experiências vividas, as relações presentes entre os
sujeitos e as aprendizagens construídas nesses espaços. Deste modo, recuperar a voz por meio
da citação é apenas uma delas, pois como nos lembra Bakhtin (2017, p. 68 – 69): “[...] essas
‘palavras alheias’ são reelaboradas dialogicamente em ‘palavras minhas-alheias’ com o auxílio
de outras palavras alheias (não ouvidas anteriormente) e em seguida nas minhas palavras (por
assim dizer, com a perda das aspas), já de índole criadora [...]”.
Ou seja, a incorporação e/ou evocação do dizer do outro são ecos presentes na cadeia
discursiva ideológica, uma vez que todo discurso é dialógico, todo discurso encontra o outro
em seu fio por meio de um já-dito e um devir. Reforçamos ainda que, como estamos esboçando
um dos elementos que incidem no projeto enunciativo deste discente (os interlocutores
mediadores dos letramentos), como o GETA, tal como um modelo sugerido pela instituição,
esse documento traz sua voz de autoridade diante do alunado por meio das forças centrípetas.
Estas, presentes nas orientações postas, sempre são acompanhados de termos ou sequências
injustivas, tais como: “deverão obrigatoriamente”, “obrigatório”, “deve vir”, “deve ser”, “não
insira”, “não deixe”, “Finalize”, entre outros.
Quadro 22 – Exemplo de forças centrípetas no GETA.
INTERLOCUTOR MEDIADOR DO LETRAMENTO
GETA
“Ilustrações: O título da ilustração deve vir na parte superior da figura, em tamanho 12 e precedido por numeral
arábico conforme sua sequencia no texto. Deve ser formatada em espaço simples e a fonte deve vir na parte
inferior da ilustração, tamanho 10, espaço simples. Em caso de autoria própria, usa-se conforme o exemplo:
Elaborado pelo autor. Lembre-se que todas as fontes, da autoria de outrem, devem constar na lista de
referências.” (BRASIL, 2016a, p. 08 – grifos nossos e negrito da obra)134.
“Tabelas: De acordo com o IBGE e a NBR 6029, as tabelas apresentam dados estatísticos; já os quadros contem
informações de texto agrupadas em colunas. O título da tabela deve vir na parte superior em tamanho 12 e
precedido por numeral arábico conforme sua sequencia no texto. Deve ser formatada em espaço simples e a
fonte deve vir na parte inferior, tamanho 10, espaço simples.” (BRASIL, 2016a, p. 08 – grifos nossos e negrito
da obra).
“Devem ser apresentadas no final do trabalho. Sua disposição deve ser em ordem alfabética considerando-se o
último sobrenome do autor, encabeçadas pelo título “referências” (BRASIL, 2016a, p. 12 – grifos nossos).
“CAPA: Elemento obrigatório para proteção externa e sobre o qual se imprimem informações que ajudam na
identificação do trabalho. As informações devem ser apresentadas na seguinte ordem: 1) Nome da Instituição
(obrigatório) 2) Nome do autor, 3) Título, 4) Subtítulo (se houver, deve ser evidenciada sua subordinação ao
134 As transcrições feitas estão tal qual o original, por isso não efetuamos correções de teor linguístico e/ou
ortográfico.
240
título principal, precedido de dois pontos), 5) Local (cidade) da instituição onde deve ser apresentado, 6) Ano
do depósito (entrega).” (BRASIL, 2016a, p. 16 – grifos nossos e negrito da obra).
“ATIVIDADES DESENVOLVIDAS: Elemento obrigatório para os relatórios (TÉCNICO MÉDIO
INTEGRADO, TÉCNICO SUBSEQUENTE, CURSOS TECNOLÓGICOS) em que deve contar todas as
atividades que foram desenvolvidas pelo aluno. Devem ser indicadas, além das vivências, as referências
bibliográficas, utilizadas no decorrer de cada uma das atividades desenvolvidas. Não insira nada gratuitamente,
porém, não deixe de inserir referências que serviram para o desenvolvimento de cada uma das atividades (leis,
códigos, manuais, artigos, livros, sites, etc)” (BRASIL, 2016a, p. 19 – grifos nossos e negrito da obra).
“CONCLUSÃO: Elemento obrigatório para todos os trabalhos acadêmicos. A conclusão consiste em uma
análise crítica do assunto tratado no trabalho acadêmico.
Nos relatórios de estágio devem-se destacar a contribuição para a formação profissional do estagiário. Devem
aparecer, na conclusão, as críticas, positivas ou negativas, devendo ser sempre construtivas. Finalize com o
que foi feito, por que foi feito, como foi feito e a aprendizagem obtida no estágio como um todo. Aqui a reflexão
é sobre o estágio no todo, e não em cada uma das atividades. É a oportunidade que o estagiário tem de dar sua
opinião sobre a validade do estágio orientado ou supervisionado, a importância do estágio para sua vida
profissional, se a teoria aprendida no decorrer do curso contribuiu na realização do estágio” (BRASIL, 2016a,
p. 20 – grifos nossos e negrito da obra).
Fonte: Guia de elaboração dos trabalhos de conclusão de curso para os cursos técnicos e superior do Instituto
Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Sertão Pernambucano (BRASIL, 2016a).
Para o recorte presente no Quadro 22, pontuamos excertos das ilustrações, tabelas, notas
de rodapé, siglas e abreviaturas, equações e fórmulas (seção 03 – GETA), bem como da
estrutura dos trabalhos científicos (seção 06 – GETA). Tais elementos são relevantes por sua
recorrência nos relatórios da nossa análise (ver seção 5.2.1 desta tese). Portanto, o ato de dever
“cumprir”, de dever “fazer”, permeado pela obrigatoriedade da atividade é perpassado em todas
as seções ou descrições do que se espera no modelo indicado ao aluno. Desta forma, além destes
aspectos das forças centrípetas entre o que deve ser produzido em conformidade para se adequar
a estrutura solicitada, há presente o tom impositivo da ordenação por meio de expressões que
incorporam verbos no imperativo, tais como: “Lembre-se”, “Não insira”, “não deixe”,
“Finalize”.
Nesta linha, o GETA tenta se aproximar do seu interlocutor, o discente, ao endereçar
explicitamente a diretriz que ele deve tomar para que obtenha bons resultados. Recordamos que
no guia há seção sobre a condução da entrega final desses trabalhos, no qual cabe ao discente
entregar “[...] 1 (um) CD contendo o arquivo do trabalho de conclusão do curso em PDF”
(BRASIL, 2016a, p. 25). Ressaltamos que essa entrega valida e comprova a finalização de todas
as etapas avaliativas no qual o discente passou após terminar o estágio e só assim ele poderá
estar “[...] apto a receber o diploma de conclusão do curso.” (BRASIL, 2016a, p. 25).
Neste ponto, evidenciamos, mais uma vez, mesmo que tangencialmente, a voz avaliativa
e de poder por aqueles que atestaram e validaram a conformidade da produção escrita segundo
o norte dado pelo GETA e/ou demais documentos institucionais. Pontuamos que “[...] um dos
elos da cadeia dialógica é constituído pelos discursos oficiais que dialogam entre si [...]”
(FUZA, 2016, p. 95). Como efeito, estes também constituem os próprios relatórios de estágio
241
que, de algum modo, tomaram como espelho esta série de sugestões, de orientações, de
recomendações, de modelos sobre o que fazer, como fazer, quando fazer. Por isso, entendemos
que o GETA possui uma finalidade direcionada, sobretudo, à formatação da estrutura textual,
não diferentemente do nosso último recorte para contextualização e cotejo do texto que
tomamos como escopo para analisar os relatórios, o template sugerido pela instituição.
5.1.1.6 Modelo de relatório dos cursos técnicos (MRCT)
De acordo com Bakhtin (2017, p. 67), “Um texto só tem vida contatando com outro
texto (contexto).” Nesta nosso processo de escuta, buscamos as condições de produção em torno
do cenário proposto nesta tese que norteiam por meio de forças discursivas a cultura do escrito
sobre o gênero relatório de estágio. Assim, adentramos em um material que se torna, a princípio,
mais “prático” segundo os encaminhamentos dados aos discentes, a saber: o Modelo de relatório
dos cursos técnicos (MRCT). Trouxemos o adjetivo “prático”, pois entendemos que o MRCT,
como um “template”, visa a se apresentar como um exemplar no qual os elementos sinalizados
espelham o que é desejado conter naquele dado gênero.
Neste ponto, é enfatizado, sobretudo, a formatação que seria mais aceita pelos pares
acadêmicos. Assim, este modelo ainda vigente na instituição, mas com data de publicação
incerta135, traz aos discentes uma espécie de “molde”, cujo preenchimento com o “conteúdo”
faria ter em “mãos” o relatório finalizado (ver Figura 18)136.
Na realidade, como um modelo de gênero, o MRCT não transmite por meio de uma
seção específica (tal qual uma apresentação e/ou introdução, por exemplo) o escopo pretendido
e nem cria um diálogo mais explícito com seu provável interlocutor na exposição do que é
esperado sobre esse exemplar. Aliás, parte-se, de início, de um pressuposto em torno de um
interlocutor presumido que recorre a este material para colaborar no processo da produção
escrita, segundo o exemplo fornecido pela instituição. Assim sendo, pontuamos que o MRCT
traz a sugestão de modelo a ser seguido respaldado por uma voz de autoridade, de rigor
normativo, ao recuperar normas técnicas da ABNT (NBR 6023 – inclusão de referências; NBR
15287 – elaboração de projetos de pesquisa137) e o GETA do Campus Salgueiro. Este último é
135 Compreendemos se tratar de documento posterior a publicação do GETA – 2016, já que há a forte presença de
entrelaçamento com esse documento institucional (ver Quadro 22). 136 Neste viés, destacamos que o MRCT, como um documento geral, destinado a toda comunidade dos cursos
técnicos (médio integrado e subsequente) do IF Sertão/PE – Campus Salgueiro, não apresenta as particularidades
em torno dos cursos que usariam esse template. 137 O documento retoma a sugestão dada nessa norma sobre a formatação dos apêndices somente.
242
citado diversas vezes, especialmente, nos finais de cada seção, para informar que caso haja
dúvida, o discente deverá recorrer àquele material.
Diante disto, evidenciamos como o modelo prioriza, de início, a estrutura e a formatação
dos elementos obrigatórios e opcionais seguindo a proposição já fornecida pelo próprio GETA.
Neste direcionamento, o MRCT traz destaques visuais na cor vermelha como indicativo dos
possíveis espaços para adequações e/ou inserções por parte do estudante-estagiário de acordo
com seu respectivo contexto de atuação. Por sua vez, a permanência dos demais elementos na
cor preta, sinaliza ao interlocutor a obrigatoriedade, a não possibilidade de alterações, a não
abertura para questões de estilo e de autoria singular pelos discentes138, devendo os discentes
seguiram um estilo guiado por esse “molde”, seguindo essas prescrições.
Figura 18 – Modelo de relatório para os cursos técnicos do IF Sertão/PE – Campus Salgueiro (Capa e
contracapa).
Fonte: Modelo de relatório dos cursos técnicos (BRASIL, 2016b [?]).
138 Reiteramos que entendemos e defendemos que toda e qualquer produção traz marcas de autoria e de estilo dos
sujeitos, mesmo diante de projetos enunciativos que tentam se adequar e responder a “padrões” estabelecidos.
243
Enfatizamos, segundo nossa observação, que, neste exemplar, divulgado no site
institucional (abas do setor de estágio e da biblioteca) do Campus Salgueiro, nos é indiciado o
modelo de letramento adotado pela instituição, sendo muito distante da proposta feita por Lea
e Street em torno de uma compreensão segundo o modelo dos letramentos acadêmicos, pois ao
priorizar templates a instituição pode deixar transparecer a compreensão que bastaria completar
estes espaços para o sucesso na produção escrita. Deste modo, não são observadas implicações
com relação ao conteúdo expresso, ao contexto, ao horizonte social, aos posicionamentos, à
inserção na CP, dentre outros pontos tão importantes quanto a estrutura.
Entendemos ainda, que o MRCT foi criado com escopo de auxiliar o discente sobre a
confecção e a adoção da estrutura de um gênero no qual a exposição e o contato em seu percurso
formativo tenham se dado por meio de poucas experiências em torno desta produção. Nossa
reflexão se ancora nas indicações presentes especialmente nos PPC de ambos os cursos, visto
que se visualiza a sugestão educacional com relação à reflexão sobre este gênero somente em
momento pontual, por intermédio de uma disciplina tal como a de língua portuguesa ou
somente, no caso do curso de Edificações, com uma disciplina dedicada ao estágio, no qual se
supõe a vivência desta prática em torno da produção escrita. Contudo, não podemos afirmar
categoricamente que os discentes tenham tido pouco contato com o referido gênero, uma vez
que não fizemos uma pesquisa diretamente com os docentes (pesquisa de campo) das
disciplinas em tela.
Ainda em nossas reflexões sobre o MRCT, conseguimos visualizar a presença de um
elemento novo, se compararmos com as seções indicadas a compor o relatório de estágio
segundo o GETA: a folha de aprovação (Figura 19). Este elemento não está presente na sugestão
de formatação proposta pelo guia, mas é algo importante para nossa reflexão, sobre as forças
que incidem no projeto de dizer dos discentes. De fato, a existência dessa página nos indicia a
presença da voz avaliativa, da sombra que permeia o aluno quando da construção do seu projeto
de dizer, na confecção do relatório. Inclusive, na sugestão fornecida pelo MRCT no exemplo
de agradecimentos, as figuras desses interlocutores mediadores dos letramentos são evocadas,
tais como: o professor orientador e os professores participantes da banca (o próprio orientador
e o avaliador externo, no caso o supervisor do estágio na empresa concedente).
Assim, a voz avaliativa de ênfase sobre o lugar do estágio curricular como uma etapa
formativa educacional e que possui poder para “obtenção do título de”, torna-se um elemento
importante sobre o horizonte social partilhado entre os sujeitos que integram o estágio. A
mesma possui força também sobre as escolhas discursivas do que abordar no relatório, sobre o
244
endereçamento que indiciará o projeto discursivo do estudante-estagiário, pois este constrói o
relatório guiado para uma “banca examinadora” e, consequentemente, visando ser “Aprovado
em”. Neste quesito, lembramos que a etapa avaliativa não deve ser tomada como algo ruim,
mas como algo inerente ao percurso formativo do estudante, defendemos, justamente,
compreender esse momento como etapa salutar para o aprendizado, no qual é oportunizado
possibilidades de criações de aprimoramento e desenvolvimento de competências do alunado
(ABREU, 2011)139.
Figura 19 – Folha de aprovação e agradecimentos no MRCT.
Fonte: Modelo de relatório dos cursos técnicos (BRASIL, 2016b [?]).
De todo modo, reiteramos que o MRCT apresenta um enrijecimento na sua proposição
ao confirmar a presença do teor normativo, prescritivo e avaliativo influenciando o projeto
139 Assim como, pontuamos que, de igual modo, as forças centrípetas não podem ser vistas como vilãs no processo
discursivo da linguagem. Na realidade, ela é constituinte dessa mesma linguagem, onde ocorre tensionamentos e
lutas.
245
enunciativo dos estudantes. Em diversos momentos, além dos elementos apresentados,
encontramos o guiar desse processo narrativo para o poder de síntese, por exemplo: “Aborda o
assunto de maneira generalizada e breve, entre uma e duas páginas” (BRASIL, 2016b [?], p.
04 – grifos do autor), “redigidos de forma resumida até a metade da próxima página” (BRASIL,
2016b [?], p. 05), “O desenvolvimento tem por objetivo expor, de maneira clara, objetiva [...]
Não insira nada gratuitamente” (BRASIL, 2016b [?], p. 06). Ou seja, neste recorte já
observamos uma indicação de limitação sobre a introdução, sobre a apresentação da instituição
e sobre o próprio desenvolvimento.
Conforme refletem Abreu e Barbosa (2020), a prática de delimitar por meio da exigência
da objetividade ou mesmo da quantificação de páginas para cada seção é prejudicial ao projeto
de dizer ou ao todo arquitetônico (PAULA, 2021b), uma vez que ao produtor do texto serão
demandadas outras estratégias discursivas para compilar pensamentos e reflexões que
mereceriam aprofundamento, mas por conta da delimitação não são revelados em maiores
desdobramentos. Em nosso caso, compreendemos que este fator prejudica o projeto de dizer
dos estudantes, bem como a reflexão que une a narrativa das ações e a construção argumentativa
do uso da aprendizagem em favor das práticas laborais, pois se tratam de jovens produtores
neste contexto específico.
Nesta linha de fatores ou elementos que incidem na produção e no discurso dos
discentes, destacamos outros pontos no MRCT que dizem respeito a estas forças e à maneira
como a produção escrita é direcionada. De fato, encontramos neste modelo, mesmo que de
forma breve, orientações sobre o conteúdo a ser exposto acerca do que “foi feito”, “por que foi
feito”, “como foi feito” e na indicação da explanação sobre “qual aprendizagem com a
atividade” foi desenvolvida.
Quadro 23 – Exemplo de forças centrípetas no MRCT.
INTERLOCUTOR MEDIADOR DO LETRAMENTO
MRCT
“A introdução é importante para orientar aquele que vai ler o relatório. Deve conter informações de quem
fez o relatório, o que contém, como e por que foi feito o estágio. Aborda o assunto de maneira generalizada
e breve, entre uma e duas páginas. É a primeira página que apresenta numeração impressa e seu número
deve ser o total de páginas anteriores, com exceção da capa.
Por tratar-se de relatório (relato pessoal), em todo o relatório é usada a 1ª pessoa do singular explicitando,
claramente, o que você fez e o que você aprendeu. Lembre-se que esse relato será a base da avaliação de seu
desempenho no estágio curricular obrigatório supervisionado.” (BRASIL, 2016b [?], p. 04 – negrito do autor
e grifos nossos).
“Deve conter um texto que apresente a empresa/instituição em que o estágio foi realizado, abordando
informações sobre um breve histórico da organização, caracterização do segmento de mercado,
infraestrutura do local de trabalho e principais atividades realizadas no setor, redigidos de forma resumida
até a metade da próxima página.
246
O texto deve ser digitado obedecendo às regras do Guia de Elaboração dos Trabalhos de Conclusão de Curso
do IF Sertão PE.” (BRASIL, 2016b [?], p. 05 – grifos nossos).
“O desenvolvimento tem por objetivo expor, de maneira clara, objetiva e com detalhes fundamentais, as idéias
principais das tarefas realizadas no estágio, analisando-as e ressaltando os pormenores mais importantes.
Cada atividade desenvolvida no estágio se constituirá de um subtítulo (ver Sumário) no qual o estagiário
relatará:
O que foi feito;
Por que foi feito;
Como foi feito;
A aprendizagem com essa atividade.
Devem ser indicadas, além das vivências, as referências bibliográficas, webgráficas, etc, utilizadas no
decorrer de cada uma das atividades desenvolvidas. Não insira nada gratuitamente, porem não deixe de
inserir referências que serviram para o desenvolvimento de cada uma das atividades (leis, códigos, manuais,
artigos, livros, sites, etc).140
Para elaborar as referências corretamente confiram o Guia de Elaboração dos Trabalhos de Conclusão de
Curso do IF Sertão PE” (BRASIL, 2016b [?], p. 06 – grifos nossos).
“A conclusão consiste em uma análise crítica do estágio em termos de contribuição para a formação
profissional do estagiário. Devem aparecer, na conclusão, as críticas, positivas ou negativas, devendo ser
sempre construtivas.
Finalize com o que foi feito, por que foi feito, como foi feito e a aprendizagem obtida no estágio como um
todo. Aqui a reflexão é sobre o estágio no todo, e não em cada uma das atividades, como no desenvolvimento.
É a oportunidade que o estagiário tem de dar sua opinião sobre a validade do estágio orientado ou
supervisionado, a importância do mesmo para sua vida profissional, se a teoria aprendida no decorrer do
curso contribuiu, pesou na realização do estágio141.” (BRASIL, 2016b [?], p. 07 – grifos nossos).
“A referência é elemento obrigatório em qualquer trabalho acadêmico, pois nela consta a relação dos autores
e obras consultadas por ocasião no decorrer das atividades desenvolvidas, e na redação do relatório,
seguindo as normas da ABNT NBR 6023.
Para elaborar as referências corretamente confiram o Guia de Elaboração dos Trabalhos de Conclusão de
Curso do IF Sertão PE.” (BRASIL, 2016b [?], p. 08 – grifos nossos).
“Conjunto de material ilustrativo ou complementar ao texto, produzido pelo aluno, tais como gráficos,
tabelas, diagramas, fluxogramas, fotografias, tabelas de cálculos, símbolos, descrição de equipamentos,
modelos de formulários e questionários, plantas ou qualquer outro material produzido. É um elemento
opcional.
O material ilustrativo deve aparecer somente quando necessário à compreensão e esclarecimento do texto,
sem qualquer finalidade decorativa ou de propaganda. Se for em número reduzido e indispensável ao
entendimento do texto, pode ser usado junto à parte a que se refere. Quando em maior quantidade, para não
sobrecarregar o texto, é colocado como apêndice.
Os elementos que formarão o apêndice não podem deixar de ser referenciados no texto do relatório. Exemplo:
Ver apêndice I, Fig. 1.
O(s) apêndice(s) é (são) identificado(s) por letras maiúsculas consecutivas, travessão e pelos respectivos
títulos. Excepcionalmente, utilizam-se letras maiúsculas dobradas na identificação dos apêndices, quando
esgotadas as letras do alfabeto142 (Ver ABNT NBR15287).” (BRASIL, 2016b [?], p. 09 – grifos nossos).
Fonte: Modelo de relatório dos cursos técnicos (BRASIL, 2016b [?]).
Neste sentido, o modelo proposto revisita a voz da autoridade, a voz avaliativa, a voz
do “cumpra-se” ao informar ao aluno que este deve convencer/persuadir seu interlocutor: neste
caso, muitas vezes, o próprio orientador que é um dos membros da banca examinadora. De fato,
tal convencimento deve ser ancorado em uma habilidade de poder de síntese e de adequação ao
que é proposto no MRCT. Isto visualizamos nos direcionamentos da introdução do trabalho,
140 Parágrafo similar ao que há proposto no GETA sobre a descrição das “atividades desenvolvidas”. 141 Parágrafo similar ao que há proposto no GETA sobre a “conclusão” dos relatórios de estágio. 142 Trecho similar ao que é encontrado na ABNT NBR 15287.
247
pois essa escrita: “é importante para orientar aquele que vai ler o relatório”, e, “Lembre-se
que esse relato será a base da avaliação de seu desempenho no estágio curricular obrigatório
supervisionado”.
Assim sendo, para que o discente efetue sua escrita segundo os padrões solicitados, este
é guiado para um “dever fazer”, cuja inserção das informações postas pelo MRCT são
elementos obrigatórios no êxito da aprovação, conforme vemos nas expressões/sequências
injuntivas: “Deve conter”, “Devem ser”, “Não insira”, “não deixe de inserir”, “Devem
aparecer”, “devendo ser”, “Finalize”, “deve aparecer”, “não podem deixar”, por exemplo.
Além disso, outro quesito é posto em destaque pelo MRCT, a saber: a forma de inserção
da voz do aluno no texto, na relação do estilo adotado, uma vez que ao aluno é orientado que
“Por tratar-se de relatório (relato pessoal), em todo o relatório é usada a 1ª pessoa do
singular”. Refletimos que, nesta prescrição de como utilizar a linguagem, o MRCT valida mais
uma vez a voz de autoridade, demarcando a escolha das marcas enunciativas destes sujeitos no
processo narrativo, descritivo e/ou argumentativo sobre a experiência do estágio. Diante desta
questão, frisamos o que dizia Bakhtin (2019a, p. 41) sobre a tendência de manuais, guias,
roteiros a apresentarem uma linguagem “uniformizada”. Com efeito, esta característica faz com
que discentes tentem repetir ou se adequar a estes padrões, esquecendo de sua “personalidade”,
“cor” e “expressividade”. De fato, os alunos, muitas vezes, produzem textos cujos sentidos e
efeitos não ganham outros desdobramentos, sendo a produção feita e direcionada, em nosso
contexto, para a nota e arquivamento nos setores do IF, por muitas vezes.
Deste modo, o relato da “contribuição para a formação profissional”, para a
constituição da própria participação periférica legitimada em meio aos pares com maior
expertise, só encontra espaço, segundo o MRCT, na seção de conclusão. Nesta parte do
trabalho, de acordo com o modelo apresentado, é onde o sujeito pode se inserir de fato, por
meio de julgamentos, críticas e sugestões acerca da experiência no universo do trabalho143.
Em suma, visualizamos as forças/os modelos sobre o que dizer e como dizer,
demonstrando que existem certas posturas a serem seguidas na produção deste gênero diante
deste contexto, no qual os interlocutores mediadores dos letramentos validam este dizer. Na
realidade, compreendemos que, assim como aponta Bakhtin, fenômenos tais como ordens,
exigências, proibições, mandamentos, entre outros, são elementos constitutivos de uma
“realidade extracontextual” (BAKHTIN, 2017, p. 70). Neste universo, o tom dos enunciados se
143 Esta é a “oportunidade” de dar a real voz ao estagiário, para que o mesmo se sinta à vontade em expor o que de
fato contribuiu em sua experiência e na sua formação. Porém, precisamos destacar que tal exposição, segundo o
MRCT, deve ser sempre amparada pelo viés “construtivo” do comentário.
248
faz fortemente presente sustentando a própria superestrutura do viés ideológico da linguagem.
Entretanto, conforme destacamos em nosso cotejo, estas marcas participam e se integram em
realidades próximas de acordo com as relações, os embates discursivos e ideológicos, as
configurações do que esperam em dadas comunidades de práticas segundo este cenário.
Diante disso, nossa proposta, neste ponto da tese, é descrevermos e analisarmos como
as relações dialógicas em sua dimensão interdiscursiva se encontram nos relatórios de estágio
de EMI dos cursos de Agropecuária e de Edificações, engendrando as comunidades de práticas
de cursos distintos, uma vez que inúmeras forças incidem e medeiam a cultura do escrito diante
destes contextos.
5.2 O PROJETO EXECUTIVO – AS RELAÇÕES DIALÓGICAS NA DIMENSÃO
INTERDISCURSIVA EM COMUNIDADES DE PRÁTICAS DE AGROPECUÁRIA E DE
EDIFICAÇÕES NO RELATÓRIO DE ESTÁGIO
Ao recuperarmos as relações que nos indiciam os documentos institucionais como um
dos interlocutores mediadores dos letramentos dos estudantes de EMI, partimos da
compreensão que, no cotejo, revelamos a “voz de autoridade” existente para com e sobre os
sujeitos que integram os processos da vivência dessa etapa formativa que é o estágio. Como um
“supradestinatário”, a instituição orienta os papéis destes sujeitos, bem como formaliza a cultura
do escrito, pois “[...] vigia as produções a partir de seus próprios membros, daqueles que
aprenderam os modos de dizer [...]” (FRANÇA, 2020, p. 475).
Neste quesito, deparamos com “relações autoritárias,” que tendem a nos colocar
“assimetricamente” diante de nosso interlocutor no processo de interlocução (MIOTELLO,
2018c, p. 66) sobre o nosso projeto de dizer. Estas relações ainda tendem a uniformizar certos
enunciados, tal como o direcionamento em torno da forma composicional e temática do gênero
relatório. Assim, entendemos que os discentes são capazes de dialogar com todas estas
imposições, bem como construir seu percurso discursivo por meio de marcas enunciativas que
os singularizam e os fazem integrar sua respectiva CP.
Logo, partimos da compreensão que, embora tomando um mesmo objeto de forma única
e estável, tal como o modelo proposto sobre o relatório de estágio segundo o IF Sertão/PE, este
mesmo objeto é ressignificado, pois é perpassado pela singularidade, pelos valores atribuídos,
pelo estilo adotado, pelos sentidos construídos por parte de seus produtores. Assim sendo,
entendemos que a escrita do relatório tende a ser constantemente direcionada ao “outro.”, pois
estão entrelaçados: a relação o eu-para-o-outro, como o outro me vê e me avalia (já que estamos
249
em um processo educacional, formativo e avaliativo como bem enfatizado pelos documentos
institucionais de nosso recorte); porém, esse mesmo sujeito, não pode "ser forçado ou tolhido"
na sua autorrevelação (BAKHTIN, 2017, p. 59).
Desta maneira, o discente como um jovem produtor de textos, do que, por ora,
denominamos de uma esfera como a acadêmico-profissional, busca se integrar à etapa de
capacitação e produz o seu relatório deixando rastros em torno da dimensão interdiscursiva, dos
letramentos vividos, por exemplo. Assim, o estudante-estagiário recupera outras vozes para
amparar a descrição das suas ações e/ou atividades, criando estratégias discursivas para
apresentar melhor o seu aprendizado neste cenário. Por isso, estes sujeitos retroalimentam por
meio de suas singularidades o seu próprio mundo social diante da sua CP, eles criam projeções
de novos diálogos a partir da cultura e da identidade instaurada como veremos a seguir, ao
descrevermos e analisarmos os relatórios de estágio dos cursos de Agropecuária e de
Edificações do EMI – Campus Salgueiro.
Ratificamos que nosso escopo recai, inicialmente, na análise da estrutura do gênero
relatório, revisitando e traçando paralelos com as forças centrípetas postas pelos documentos
institucionais. Nestes ecos dialógicos, podemos transitar de uma análise da forma
composicional para uma forma arquitetônica, as quais compreendem o endereçamento, o estilo
e a cadeia das relações evocadas pelos sujeitos nesse dado contexto.
Desta forma, temos ainda, um segundo momento de análise por meio da reflexão em
torno da dimensão interdiscursiva que colabora na própria constituição da CP. Neste ponto,
revisitamos o fio discursivo identificando: as formas de inserção do discurso "alheio" como
palavra "minha"; as formas marcadas do projeto de dizer; e, a relação interdiscursiva reveladas
pelas RD.
5.2.1 A materialidade macrotextual-discursiva nos relatórios: ecos das vozes
institucionais?
Segundo Sobral (2009), quando pensamos em “forma” vinculada ao gênero, devemos
compreendê-la, por um lado, sob o viés da materialidade do texto por meio da sua forma
composicional e, por outro, pelo viés da superfície discursiva. Esta última se atrela à própria
organização do conteúdo vislumbrado pela materialidade verbal, imbricada pelas relações entre
autoria, conteúdo temático e endereçamento. Assim, quando seguimos essa linha, não nos
deparamos somente com a forma estrutural do gênero, mas com a forma arquitetônica deste
gênero.
250
Para o autor, e coadunamos com ele, “[...] a forma composicional cria um dado texto e
a forma arquitetônica uma dada forma de interlocução, de relação entre autor e ouvinte, locutor
e interlocutor. [...]” (SOBRAL, 2009, p. 68 – 69). A título de exemplificação, se tomarmos o
nosso contexto de pesquisa, defendemos que o gênero relatório cumpre um papel de
responsividade ativa por meio do alto grau de resposta por parte dos sujeitos estudantes-
estagiários, uma vez que estes são convocados a, inevitavelmente, “produzir” um relato sobre
“[...] o que você fez e o que você aprendeu [...]” (BRASIL, 2016b [?], p. 04 – grifos do autor),
perpassado por um tensionamento que é a pressão da aprovação (forças avaliativas).
Aos discentes são feitas exigências em torno de uma “adequação” discursiva, de uma
escrita como “amarras”, de um apagamento enunciativo que tende a resumir a escrita a um
modelo de letramento pautado na estrutura, enquanto seres respondentes, essencialmente
dialógicos144. Assim, é na forma arquitetônica do gênero que conseguimos encontrar as
particularidades dessa escrita, quer seja de ordem linguística, quer seja de ordem discursiva ao
implicar o outro neste dizer, ao construir relações dialógicas com já-ditos e com o porvir.
Neste sentido, propusemos inicialmente refletirmos sobre a forma estrutural do gênero
e os efeitos das forças centrípetas no projeto de dizer destes discentes estagiários. A fim de não
esquecermos do projeto arquitetônico em sua integralidade, vamos aprofundando as análises
quando das relações dialógicas no fio discursivo por meio da presença do outro no enunciado e
compreendendo a constituição das CP dos grupos investigados: Agropecuária e Edificações.
Portanto, pautados no viés dialógico para nossa reflexão, partimos da compreensão que na
forma arquitetônica encontramos o espaço para a dispersão, para a construção da resistência
por meio de forças centrífugas frente à imposição verboideológica de confecção deste gênero
em específico.
Lembramos que, segundo o GETA e o MRCT, as partes que integram a estrutura formal
do gênero relatório de estágio, no contexto do IF Sertão/PE – Campus Salgueiro, são: os
elementos pré-textuais (Capa, folha de rosto, folha de aprovação, agradecimentos, lista de
ilustrações, lista de tabelas, lista de gráficos), os textuais (Introdução, identificação do campo
de estágio, apresentação da instituição, atividades desenvolvidas, conclusão) e os pós-textuais
(Referências, apêndice, anexos). Nesta configuração, tais itens são considerados elementos
obrigatórios e/ou opcionais145 quando da produção escrita por parte do discente. Assim,
enfatizamos que a nossa análise que por ora apresentamos por meio de uma divisão por seções
144 Essas amarras não conseguem tolher toda criação, liberdade, forma de dizer dos sujeitos discursivos. 145 Ao longo de nossas análises informaremos quais são esses para não incorrer em repetições, já que nas análises
do GETA e do MRCT já abordamos tal tema também.
251
do gênero relatório, é apenas um tratamento didático, pois entendemos que estas seções
compõem e caracterizam o todo, conforme expusemos na reflexão sobre este gênero na parte
teórica da tese.
5.2.1.1 Elementos pré-textuais
Em relação ao primeiro eixo da materialidade textual discursiva dos relatórios,
destacamos inicialmente os elementos pré-textuais. De acordo com os resultados expostos na
Tabela 5, estes demonstram forte adequação por parte dos discentes, especialmente, quando da
obrigatoriedade da presença de tais elementos que compõem a estrutura do gênero relatório de
estágio. Isto se deu segundo as prescrições dadas pelos interlocutores mediadores dos
letramentos que expusemos em nossa contextualização sobre a história do texto.
Compreendemos, assim, que o “ajustamento” diante de uma forma e/ou modelo segundo as
proposições dadas por estes interlocutores nos dão indícios das respostas por parte dos
discentes, comprovando um diálogo com os encaminhamentos fornecidos por tais documentos,
manuais ou guias.
Tabela 5 – Materialidade textual-discursiva dos relatórios: elementos pré-textuais.
CURSO AGROPECUÁRIA EDIFICAÇÕES
ANO 2016 2017 2018 2016 2017 2018
1.1 Elementos
pré-textuais
(obrigatórios)
Capa 100% 100% 100% 100% 100% 100%
Folha de rosto 100% 100% 100% 100% 100% 100%
Folha de aprovação 0% 25% 33,3% 100% 100% 100%
Sumário 100% 100% 100% 100% 100% 100%
1.2 Elementos
pré-textuais (não
obrigatórios)
Agradecimentos 50% 25% 66,6% 0% 37,5% 100%
Lista de ilustrações 0% 0% 0% 100% 62,5% 0%
Lista de tabelas 0% 0% 0% 0% 0% 0%
Lista de gráficos 0% 0% 0% 0% 0% 0%
Lista de abreviaturas e
siglas
0% 0% 0% 0% 0% 0%
Lista de símbolos 0% 0% 0% 0% 0% 0%
Fonte: Elaborado para este trabalho (2021).
Deste modo, dentre os elementos “obrigatórios”, sinalizamos que capa, folha de rosto e
sumário estão presentes em todos os vinte e seis relatórios analisados (treze de Agropecuária e
treze de Edificações). Porém, a “folha de aprovação” não possui a mesma aderência entre os
252
cursos. Na CP146 do curso de Edificações, por exemplo, os treze discentes a inseriram,
“obedecendo” às solicitações de obrigatoriedade desse item.
Ressaltamos que a estrutura de formatação deste elemento, em dados momentos, segue
modelos distintos: um associado a um padrão criado e utilizado pelo grupo, e outro, associado
ao MRCT. Neste quesito, os orientandos dos dois docentes usam ambos os modelos. Entretanto,
observamos que há uma alteração com o passar do tempo de uma formatação peculiar presente
nos anos do recorte inicial dos nossos dados (relatórios dos anos de 2016 e princípio de 2017)
para um modelo conforme proposto pelo MRCT (relatórios de 2017 e 2018). Nosso
entendimento é que este último documento, o MRCT, possui o poder institucional sobre a
cultura do escrito neste contexto ao alterar certas práticas de uso comum entre os membros
daquela CP, pois já existia uma prática validada entre orientadores e orientandos que
caracterizavam a dinâmica da confecção dessa seção “folha de aprovação” para o grupo de
Edificações.
Figura 20 – Exemplos de folha de aprovação do curso de Edificações147.
Fonte: REDO2 – EDIF 04, 2017 e REDO5 – EDIF 01, 2017.
146 A partir dessa seção de análise já afirmaremos que ambos os cursos são CP, pois os próprios documentos
institucionais cotejados já nos deram subsídios para respaldarmos essa afirmação, bem como ao decorrer de nossa
reflexão investigativa vemos que isso se consolida. 147 Inserimos tarjas pretas nas identificações dos alunos, dos orientadores e/ou dos supervisores presentes ao longo
do relatório, pois já efetuamos uma codificação visando a preservação da face desses sujeitos.
253
Na Figura 20, recuperamos duas folhas de aprovação de um mesmo ano, 2017.
Entretanto, visualizamos a “transição” de um modelo a outro. Conforme observamos, o teor do
conteúdo é bastante similar: a alteração entre um e outro é a formatação e a localização de dados
elementos. No exemplar utilizado pela CP de Edificações antes da implementação posta pelo
MRCT, a folha de aprovação trazia a identificação da instituição, o título da seção, o nome da
aluna, o propósito do relatório (centralizado), assinatura e nome do orientador, e, por fim a
informação da aprovação pela coordenação com data especificada.
Por sua vez, o modelo indicado pelo interlocutor mediador dos letramentos traz um
“enxugamento” das informações: nome do aluno centralizado, título do relatório, o propósito
do texto (alinhado à direita), informação da aprovação (alinhado à esquerda), informações da
banca examinadora com as assinaturas, local e data. Assim, entendemos que tais alterações
ainda que de “ordem” mínima, indiciam-nos os outros movimentos do caráter impositivo e dos
efeitos na escrita dos discentes148.
Em relação à folha de aprovação, no caso do curso de Agropecuária, essa não apresenta
recorrência no uso pelos seus membros. Pelo recorte longitudinal proposto para esta tese,
observamos que a presença de tal elemento vem aumentando com o passar do tempo, mas ainda
assim precisaríamos observar se essa prática se consolidou tal como no curso de Edificações,
cuja presença já é comum entre esses membros antes mesmo de certas publicações
institucionais. Uma de nossas reflexões para com a CP de Agropecuária é que, com relação ao
ano de 2016, os discentes poderiam ter tido contato apenas com o GETA e não com MRCT, no
qual a data de publicação é indefinida, mas certamente posterior ao guia devido a referências
daquele neste documento.
Relembramos que nos encaminhamentos fornecidos pelo GETA não há a menção à
folha de aprovação como parte obrigatória e constituinte do gênero relatório. Assim, nos demais
anos e pós-publicação do MRCT, vemos a presença tímida de tal componente característico do
gênero com a CP do curso de Agropecuária. Logo, não podemos correlacionar também a
ausência desta folha de aprovação à figura do orientador como um dos interlocutores
mediadores dos letramentos. Os dois exemplos de inserção deste elemento no ano de 2017, na
148 Conforme temos refletido ao longo de nossa análise, os documentos institucionais buscam “padronizar” a
escrita de discentes de independente do curso, talvez o façam pensando em uma identidade institucional macro,
mas acaba esquecendo as singularidades existentes entre grupos ou ainda não deixam claro o posicionamento para
outras formas peculiares do uso deste gênero. A título de exemplificação, no âmbito da CP de Edificações, o grupo
já possuía uma certa prática de letramento em torno da estrutura do gênero relatório de estágio, mas ao longo dos
anos precisou se “adequar” e fazer parte da dinâmica institucional solicitada, tal qual o modelo do MRCT ou do
GETA.
254
CP de Agropecuária, eram de orientadores diferentes (REDO2 e RED04). Por sua vez, a
amostra de 2018 é inserida pela orientanda do DO4 – assim, os demais relatórios que não trazem
a folha de aprovação possuem as orientações divididas entre estes dois docentes-orientadores,
cujo impacto não nos dá indícios de uma suposta influência destes sujeitos neste quesito.
De igual modo, outro ponto de destaque é que os exemplares dos estudantes-estagiários
do curso de Agropecuária que inseriram a folha de aprovação no relatório, foram todos bolsistas
(PIBIC-Jr. ou PIBEX-Técnico). Entretanto, não podemos afirmar que a condição da vivência e
do contato com outras práticas de letramentos sobre a cultura do escrito fariam os discentes
atentarem para a obrigatoriedade deste elemento, uma vez que outros três discentes que também
haviam sido bolsistas não inseriram a folha de aprovação em seus respectivos relatórios, por
exemplo.
Figura 21 – Folha de aprovação/agradecimento REDO4 – AGRO 02, 2018.
Fonte: REDO4 – AGRO 02, 2018.
255
Neste ponto, evidenciamos que entre os relatórios da CP de Agropecuária que trazem
este elemento, dois seguem o que é proposto pelo MRCT e um apresenta uma formatação tanto
quanto peculiar: na mesma página, traz as assinaturas da banca examinadora somada aos
agradecimentos. Contabilizamos tal materialidade como exemplo de inserção da folha de
aprovação, pois REDO4 – AGRO 02, 2018 evoca a figura da banca avaliativa do trabalho,
mesmo não utilizando os elementos formais e estruturais solicitados para esta seção. Conforme
salientam Paula e Paglione (2020, p. 39) “[...] os gêneros não são uma fórmula composta apenas
por traços estruturais, mas sim por um projeto discursivo de dizer [...]”, desse modo “[...] não é
por ter um traço modificado que o enunciado deixa de pertencer a um determinado gênero”.
Pontuamos que estes discentes estão vivenciando uma esfera de produção acadêmica e
profissional, cuja base é o aprendizado/a etapa formativa. No momento de construção do
conhecimento, de inicialização nestes espaços, caberia à figura do orientador e/ou supervisor
atentar para o fato da “adequação” à estrutura composicional do gênero, à cultura instaurada
pelos pares que validam este dizer. No caso da discente em tela, mesmo com sua vivência como
bolsista, transparece-nos que não houve o “cuidado” com as distinções das seções que compõem
a tradição deste gênero. Assim, ainda nos cabe refletir sobre alguns pontos: será que esta
estudante sabia “manejar” as finalidades destas seções? Bem como sabia das formatações destes
itens? Ou este foi um erro de impressão que modificou e alterou o texto para o leitor?
Estes são questionamentos que nos surgem ao pensarmos como em um relatório
avaliado, a união de certas seções passou despercebida. Porém, conforme expusemos ao
revisitar Paula e Paglione (2020), entendemos que o elemento folha de aprovação está presente
neste caso.
Podemos perceber também que as indicações postas pelos documentos institucionais
guiam minimamente a produção escrita destes discentes e se consolidam como um dos
interlocutores mediadores dos letramentos, mesmo que, em dados momentos, a força centrípeta
influencie na uniformidade dessa escrita, tal como observamos nos exemplares propostos pelo
GETA e pelo MRCT. Em uma análise mais acurada das demais partes que compõem os
elementos pré-textuais, temos mais indícios destas forças.
Desta forma, encontramos particularidades na produção escrita de cada um, pois os
discentes-estagiários seguem uma formatação distinta, sobretudo, quando da inserção do
cabeçalho nestes relatórios. Ressaltamos que, segundo o GETA, a capa é um elemento pré-
textual obrigatório, a qual deve exibir informações que auxiliam o “leitor” na identificação do
seu trabalho. Na capa devem constar: nome da instituição, nome do autor, título, subtítulo
256
(quando houver), local (cidade) e ano de depósito. Porém, este guia não apresenta um modelo
de capa, tal exemplo só é visto no MRCT (Figura 18). O template proposto por esse documento,
certamente chegou às mãos dos discentes e dos orientadores somente em momentos posteriores
da produção dos relatórios.
Figura 22 – Exemplos de capas do curso de Agropecuária.
257
Fonte: REDO2 – AGRO 01, 2016, REDO4 – AGRO 04, 2017 e REDO4 – AGRO 06, 2017149.
Depreendemos que a ausência de um “exemplar”, especialmente, diante dos anos
iniciais do nosso recorte longitudinal, fez com que a CP de Agropecuária não tivesse um
“padrão” com relação à capa de acordo com os exemplos expostos na Figura 22.
Nestes três exemplos, o cabeçalho seguiu caminhos distintos: em REDO2 – AGRO 01,
2016, temos o recorte do ícone de apresentação da instituição somada ao nome do Campus de
origem, tal como a logo oficial do IF Sertão/PE até meados de 2016.
Por sua vez, em REDO4 – AGRO 04, 2017, não há a inserção de um ícone, mas o
preenchimento das informações segundo os elementos indicados pelo GETA e embora distinto
149 Reforçamos que em nosso momento prévio de contextualização do estágio no IF Sertão/PE – Campus Salgueiro,
pontuamos que os discentes poderiam cursar o estágio quando finalizado o 3º ano do ensino médio e esses
possuíam prazos para a entrega final desse relatório. Desse modo, destacamos que mesmo o discente tenha
finalizado o estágio ainda em um ano “X”, ele pode ter sido diplomado somente no ano seguinte (quer seja por
pendências em outras disciplinas – retenção escolar, quer seja pelo calendário com ajustes, quer seja somente pelo
atraso na entrega final do relatório), por isso, às vezes encontramos a codificação de 2017 e a na capa há a
informação da data de 2016 (ano quando cursou o estágio).
258
da formatação do template exposto pelo MRCT, há o conteúdo expresso como na indicação
desse documento – dados como a vinculação à coordenação e ao curso. Já em REDO4 – AGRO
06, 2017, há a mescla destes últimos modelos, a inserção da logo oficial atual do IF Sertão/PE
com as informações referentes a qual coordenação e curso o discente está vinculado150.
Assim como nestes três exemplos, somente outro relatório traz essa particularidade com
relação à capa, o relatório REDO4 – AGRO 01, 2016, que adota o mesmo estilo de REDO2 –
AGRO 01, 2016. Os demais relatórios da CP do curso de Agropecuária seguem o modelo
proposto pelo MRCT.
Figura 23 – Exemplos de capas do curso de Edificações.
150 Como tivemos acesso aos relatórios por meio do repositório institucional (Releia), não conseguimos afirmar se
os alunos entregaram uma versão colorida dos relatórios, já que nesse espaço fora disponibilizado somente uma
versão digital em preto e branco, enquanto alguns exemplares foram apresentados em versões coloridas de
visualização.
259
Fonte: REDO2 – EDIF 01, 2016, REDO2 – EDIF 01, 2017 e REDO2 – EDIF 04, 2017.
Em relação à CP de Edificações, observarmos uma regularidade que nos evidencia o
repertório partilhado naquele grupo social: apesar de não seguir o modelo adotado como oficial
pela instituição, os relatórios referentes ao ano de 2016 (100%) e 2017 (62,5%) apresentaram
um outro formato para a capa, dando destaque ao design presente no cabeçalho. Neste,
visualizamos do lado esquerdo a logo da instituição vigente à época e, em sua continuidade,
direcionado ao lado direito há um quadro verde esfumaçando para uma coloração mais forte.
Tal recuperação de elementos se soma à própria identidade macro das cores dos IF (verde e
vermelho).
Neste sentido, entendemos que a CP do curso EMI de Edificações, antes dos efeitos de
uma padronização hierarquicamente institucionalizada, tal como o MRCT (os demais
relatórios, especialmente dos anos mais atuais, seguem esse documento), havia criado uma
identidade visual em seus relatórios, diferentemente da CP de Agropecuária na qual não havia
essa “regularidade”. Assim, a adesão a um projeto gráfico pelos membros de uma CP, tal como
encontramos na CP de Edificações, demarcava a atuação e filiação de seus membros como um
repertório a ser partilhado diante de uma determinada prática em torno do letramento proposto
para a escrita do relatório.
260
Nesta linha em torno das singularidades dos sujeitos e dos grupos que estes integram,
vislumbramos, ainda na capa, outro ponto de especial importância: o título. Segundo Abreu
(2011, p. 101), tal elemento traz ao leitor, ao interlocutor, “[...] vínculos com informações
textuais e extratextuais [...]”, pois é pelo título que se dá o primeiro contato com o texto,
ativando relações prévias de um dado conteúdo temático, bem como a nível textual remonta a
“[...] síntese da ideia a ser exposta [...]”. Logo, quanto maior informação o leitor/interlocutor
tiver, melhor será a sua construção de sentidos sobre o que é esperado daquele texto.
Em nosso contexto, diagnosticamos uma característica peculiar sobre os títulos nas
produções da CP do curso de Agropecuária, pois diferentemente da CP de Edificações, que
torna padrão o título ao identificar o trabalho sobre quatro frentes, a saber: “Relatório de estágio
curricular de habilitação profissional em técnico em edificações”, “Relatório de estágio
curricular obrigatório de habilitação profissional em técnico de edificações” (grifos nossos),
“Relatório de estágio” e “Relatório”, pouco ou nada fornece ao leitor/interlocutor informações
sobre a qual área de atuação o discente realizou o estágio. Deste modo, faz-nos necessário
iniciar a leitura da seção de desenvolvimento das atividades para recorrer a tal tema.
Por sua vez, em Agropecuária, dos treze relatórios analisados, temos oito exemplares
que recuperam a funcionalidade do título, conforme reportado por Abreu (2011), além da
recorrência mais usual, tais como: “Relatório de estágio curricular de habilitação profissional
em técnico em agropecuária” ou “Relatório curricular de habilitação profissional em técnico
em agropecuária”.
Na realidade, do total dos oito relatórios da CP de Agropecuária, quatro trazem o título
na capa, enquanto outros quatro trazem este item na folha de rosto. De todo modo, observamos
a marca do jovem produtor de texto nesta esfera de atuação ao evocar o título e apresentar ao
seu interlocutor o teor de seu relatório, como expresso no Quadro 24 e Quadro 25.
Quadro 24 – Títulos presentes nas capas dos relatórios de estágio de discentes do EMI de Agropecuária.
DISCENTE TÍTULO
REDO2 – AGRO 01, 2017 Auxiliar técnico na defesa e fiscalização animal
REDO2 – AGRO 02, 2017 Sanidade animal
REDO4 – AGRO 02, 2017 Controle de doenças e trânsito animal
REDO2 – AGRO 01, 2018 Fiscalização sanitária e controle de entrada e saída de animais na feira de
animais de Parnamirim
Fonte: Elaborado para este trabalho (2021).
Quadro 25 – Títulos presentes nas folhas de rosto dos relatórios de estágio de discentes do EMI de Agropecuária.
DISCENTE TÍTULO
261
REDO2 – AGRO 01, 2016 Manejo Produtivo da Bovinocultura leiteira, Caprinovinocultura e Suinocultura
no IF Sertão/PE campus Petrolina Zona Rural
REDO4 – AGRO 01, 2016 Defesa e Fiscalização Agropecuária no sertão de pernambuco151
REDO4 – AGRO 06, 2017 Comercialização de produtos fármacos no sertão central de pernambucano
REDO4 – AGRO 02, 2018 Manejo da Caprinovinocultura, Suinocultura, Avicultura, Bovinocultura Leiteira
e Agricultura Convencional do IF Sertão-PE campus Petrolina Zona Rural
Fonte: Elaborado para este trabalho (2021).
Diante destes títulos, ressaltamos que os discentes deixam transparecer o locus de
atuação e da “adequação” ao perfil pretendido de egressos do curso, conforme exposto e
esperado pelo PPC de Agropecuária, sobretudo, ao almejar a formação de sujeitos para o
mercado de trabalho “[...] para atuarem nos setores animais, vegetal e agroindustrial” (BRASIL,
2010b, p. 09). Assim, todos os oito títulos nos trazem caminhos para uma atuação segundo o
perfil esperado pelo curso, estando de acordo com áreas próximas da Zootecnia, da Nutrição e
Produção de Ruminantes, da Produção Animal, por exemplo.
Se pensarmos nos aspectos formais do texto, o teor do título não é expresso nas
explicações nem do GETA e nem do MRCT, estando a cargo dos discentes e seus respectivos
orientadores a construção deste elemento. Conforme observamos, a CP de Agropecuária vem
criando ao longo dos anos uma cultura de inserção do título como uma antecipação do conteúdo
a ser exposto ao seu interlocutor, estabelecendo um diálogo para com o outro nestas entrelinhas.
Reforçamos, de igual modo, que os demais títulos apresentados pela CP de Agropecuária e pela
CP de Edificações reiteram o próprio gênero em si ao designá-los como título. De acordo com
o exposto, estes jovens produtores da escrita acadêmico-profissional criam, entre forças
impositivas sobre a mesma escrita, meios que indiciam a uma singularidade, a um estilo e a
uma autoria, tal como vemos na presença destes títulos por meio de sua originalidade ou da
reiteração do gênero.
Em nossa análise, cumpre-nos estabelecer outro ponto, dentre os elementos pré-textuais
obrigatórios, que nos indicia ser uma faceta em torno do diálogo com o interlocutor real no qual
o discente direciona o seu dizer: o professor orientador, a coordenação do curso, a coordenação
de extensão e/ou a instituição. Tal observação é possível ainda no endereçamento previsto na
folha de rosto do relatório, pois a presença desta voz avaliativa e da condição de que o relatório
representa uma etapa de aprovação para obtenção do diploma está presente. Esta característica
pode ser recuperada na exposição dos objetivos do relatório por parte dos próprios alunos, como
vemos no Quadro 26.
151 Buscamos respeitar a escrita integral dos sujeitos, por isso em dados momentos podem ocorrer erros de ordem
linguístico-textual nos exemplos.
262
Conforme exposto, para o GETA as partes que devem integrar esta seção são: nome do
autor, título, subtítulo (quando houver), natureza do trabalho, objetivo, nome da instituição o
qual o trabalho é submetido, área de concentração, nome do orientador e do coorientador
(quando houver), cidade e ano de depósito (BRASIL, 2016a). Por sua vez, no MRCT, a
orientação da composição é similar, estando a ênfase somente quando do objetivo do relatório
para que o discente informe a quem ele apresenta o documento: à coordenação do seu respectivo
curso técnico médio integrado.
Quadro 26 – Folha de rosto: objetivos do relatório.
DISCENTE OBJETIVO
REDO2 – AGRO 01, 2016 Relatório de estágio curricular obrigatório apresentado à Coordenação de
Extensão do Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Sertão
Pernambucano, Campus Salgueiro, como parte das exigências para conclusão
do curso Técnico em Agropecuária. (destaques nossos)
REDO4 – AGRO 01, 2016 Relatório de estágio curricular obrigatório apresentado à coordenação de
extensão do instituto federal de educação, ciência e tecnologia do sertão
pernambucano, campus salgueiro, como parte das exigências para conclusão do
curso técnico em agropecuária. (destaques nossos)
REDO2 – AGRO 01, 2018 Relatório de Estágio Supervisionado apresentado ao curso Técnico Médio
Integrado em Agropecuária do IF Sertão PE – Campus Salgueiro, como
requisito parcial para obtenção do título de Técnico em Agropecuária.
(destaques nossos)
REDO5 – EDIF 01, 2016 Relatório com as atividades desenvolvidas no estágio curricular de habilitação
profissional apresentado ao Instituto Federal de Educação, Ciência e
Tecnologia do Sertão Pernambucano no Campus Salgueiro, como requisito
para a conclusão e obtenção do diploma do curso Técnico em Edificações.
(destaques nossos)
REDO5 – EDIF 02, 2017 Relatório com as atividades desenvolvidas no estágio curricular de habilitação
profissional apresentado ao Instituto Federal de Educação, Ciência e
Tecnologia do Sertão Pernambucano no Campus Salgueiro, como requisito
para a conclusão e obtenção do diploma do curso Técnico em Edificações.
(destaques nossos)
REDO2 – EDIF 01, 2018 Relatório de Estágio Supervisionado apresentado ao curso Técnico Médio
Integrado em Edificações do IF Sertão PE – Campus Salgueiro, como requisito
parcial para obtenção do título de Técnico em Edificações. (destaques nossos)
Fonte: Elaborado para este trabalho (2021).
Pontuamos que, em ambos os cursos, a folha de rosto está presente em 100% das
ocorrências. Neste quesito, observamos, nos relatórios, especialmente dos anos iniciais de nosso
recorte, um direcionamento um tanto quanto distinto da solicitação exposta pelo MRCT, no
qual o endereçamento deveria ser à sua coordenação de origem. Logo, dois discentes da CP de
Agropecuária apresentaram, em 2016, o relatório à Coordenação de Extensão do Campus.
Somente nos anos seguintes houve o endereçamento exclusivamente à coordenação de
Agropecuária. Ao passo que, na CP de Edificações, além dos dois exemplos presentes no
263
quadro anterior que endereçam seu relatório ao IF Sertão/PE, temos a mesma recorrência em
outros seis relatórios152, restando somente cinco que seguiram a proposição dada pelo MRCT.
Por ora pontuamos que, independentemente deste direcionamento à coordenação de
extensão, à instituição ou à coordenação tal qual como exposto pelo template, o discente inicia
sua escrita entendendo estar em uma situação de avaliação, de julgamento por parte dos seus
interlocutores, pois o relatório é construído: “como parte das exigências para conclusão”, “como
requisito parcial para obtenção do título” ou “como requisito para a conclusão e obtenção do
diploma”.
Consequentemente, a inserção deste sujeito perante este horizonte semântico,
ideológico, social, determina o seu estilo diante do seu projeto de dizer, revelando embates que
podem passar despercebidos entre as relações de poder institucionalizadas, uma vez que
compartilham com seus interlocutores ditos e não-ditos segundo a sua própria CP.
Neste sentido, outro elemento dentre os pré-textuais obrigatórios é o sumário. Tal
elemento visa sistematizar e enumerar as divisões do trabalho em seções principais,
secundárias, terciárias, entre outras, seguidas por sua respectiva paginação. Assim sendo, esta
seção que compõe o relatório possui amparo em outras normativas além dos documentos
institucionais, tal como a ABNT. Talvez, por este motivo, seria um dos elementos que poderia
ter a “forma” mais engessada entre os relatórios investigados: porém, foi o elemento que
apresentou maior variedade na formatação em ambos os cursos. Frisamos, inclusive, que os
próprios documentos institucionais não apresentaram uma estruturação homogênea e isso pode
ser um dos fatores que desencadeou distintas formas de apresentação dos sumários nos
relatórios investigados (ver Figura 24).
No GETA, por exemplo, encontramos uma descrição das seções que compõem o
sumário compreendendo que em uma seção primária, os elementos deveriam seguir uma
formatação de caixa alta e com negrito. Neste sentido, na seção secundária, a formatação
seguiria em caixa alta, mas sem o negrito; quando houvesse uma seção terciária, a letra deveria
ser minúscula e em negrito; e, em uma seção quaternária deveria ser minúscula e sem negrito.
Estas indicações se mantêm no MRCT, entretanto, a seção terciária é apresentada
somente em minúscula e sem o negrito da fonte. Assim, a inexperiência por parte do alunado
sobre esta prática de letramento específica em torno de uma cultura do escrito se soma a essas
exemplificações distintas. Temos como resultado, de igual modo, sumários diferentes,
152 Sinalizamos ainda que desses relatórios que não seguiram a orientação do MRCT ao endereçar ao referido
curso, esses mesmos relatórios também não inseriram na folha de rosto informações sobre o supervisor e nem o
período de estágio, conforme solicitado por aquele documento.
264
independentemente da vivência em outras práticas da cultura acadêmica, tal como os discentes
que foram bolsistas e que, certamente, tiveram contato com “regras” segundo ABNT.
Figura 24 – Exemplos dos modelos de sumários propostos A – GETA e B – MRCT.
A B
Fonte: GETA (BRASIL, 2016a) e MRCT (BRASIL, 2016b [?]).
Portanto, questões correlacionadas à formatação e a inadequação das proposições dadas
pelo GETA ou pelo MRCT são recorrentes entre os dois cursos. Dentre as principais
ocorrências encontramos sumários que não trazem a indicação do título da seção (não
apresentam o nome sumário), não fazem o alinhamento do título das seções (não estão os
tópicos alinhados à esquerda), ou, ainda, não há o alinhamento com relação à numeração da
página; na digitação das seções que compõe o sumário, fontes se encontram majoritariamente
em caixa alta com negrito ou a fonte em caixa alta, mas sem o negrito; erros na digitação da
páginas; entre outros pontos (ver Figura 25 e Figura 26).
Por outro lado, encontramos movimentos que buscam a adequação da proposta seguindo
as proposições dadas por aqueles documentos institucionais, por exemplo: os discentes dão o
realce entre as seções (uso de negrito, uso de caixa alta e minúscula para distinguir seções
principais das secundárias) e/ou apresentam um “adentramento” com relação ao uso das
margens, objetivando avultar a diferença entre as seções e subseções.
Além disso, encontramos exemplos de relatórios que seguiram o sumário, tal como
exposto pelo MRCT, recuperando a escrita proposta por esse template por meio dos seguintes
itens: o que foi feito, por que foi feito, como foi feito e qual a aprendizagem da atividade. Nesta
ótica, os ecos das vozes institucionais se fazem presentes na escrita e direcionam, não somente
a forma, mas também o conteúdo a ser desenvolvido por estes alunos.
265
Figura 25 – Exemplos de sumários CP de Agropecuária.
REDO4 – AGRO 01, 2016 REDO2 – AGRO 01, 2017
REDO4 – AGRO 03, 2017
REDO4 – AGRO 02, 2018
Fonte: REDO4 – AGRO 01, 2016, REDO2 – AGRO 01, 2017, REDO4 – AGRO 03, 2017 e REDO4 – AGRO
02, 2018.
266
Figura 26 – Exemplos de sumários CP de Edificações.
REDO5 – EDIF 01, 2016 REDO2 – EDIF 03, 2017
REDO5 – EDIF 01, 2018
Fonte: REDO5 – EDIF 01, 2016, REDO2 – EDIF 03, 2017 e REDO5 – EDIF 01, 2018.
Conforme constatamos, no breve recorte apresentado por estes sete relatórios (quatro da
CP de Agropecuária e três de Edificações)153, não houve uma homogeneidade, um “padrão”, na
confecção do sumário quanto à formatação. Porém, cada discente, à sua maneira, cumpriu com
a finalidade deste elemento ao apresentar ao seu interlocutor as partes que compõem o seu
relatório, revelando como está estruturado o seu projeto de dizer, sobre a narrativa de suas ações
deste momento peculiar da sua formação acadêmica e profissional. Neste viés, visualizamos
como o diálogo vai sendo travado até mesmo pela adequação de uma superficialidade e/ou
153 Não apresentaremos todos os sumários como recorte de imagem/figura, pois esses podem ser visualizados pelo
link exposto em nossa seção de metodologia.
267
materialidade linguística por parte do aluno para com o seu interlocutor, e, de igual maneira,
esse interlocutor observa as respostas ao chamado dessa “obrigatoriedade”.
Figura 27 – Lista de figuras CP de Edificações.
Fonte: REDO2 – EDIF 01, 2016 e REDO2 – EDIF 04, 2017
Dito isto, enfatizamos que encontramos movimentos similares quando da análise dos
elementos opcionais pré-textuais. Por exemplo, a lista de ilustrações, como uma espécie de
sumário, também não seguiu o “padrão” adotado pela instituição, conforme conseguimos
observar nos relatórios investigados. Lembramos que segundo o GETA, “[...] a lista deve ser
elaborada de acordo com a ordem em que os elementos surgem no texto, com cada item
acompanhado do respectivo número da página [...]” (BRASIL, 2016a, p.17) e deve se
apresentar da seguinte maneira: FIGURA 1 – título da ilustração somada ao número da página.
Porém, a CP de Edificações, como único curso que elencou um certo tipo de
sumarização das imagens, diferentemente da proposta do GETA, trouxe a lista de ilustrações
sempre após o sumário e, não anteriormente, conforme sugestão daquele documento. Além
disso, em todos os títulos das imagens, o nome figura e sua descrição vinham grafados em letra
minúscula (com ou sem negrito) acompanhada de sua respectiva paginação, enquanto o GETA
sinalizava que o nome “FIGURA” deveria vir em caixa alta.
Tivemos apenas uma amostra, REDO2 – EDIF 04, 2017, dentre os oito relatórios dos
discentes-estagiários que apresentaram essa seção na CP de Edificações: este inseriu apenas a
informação com o título “figura” com sua sucessiva numeração, mas sem trazer um título que
designaria a imagem no processo de sumarização. Enfatizamos que a CP de Agropecuária
268
apresenta em seus relatórios imagens, gravuras, figuras, tabelas. Entretanto, os discentes não
incluíram tais elementos como uma sumarização prévia ao seu interlocutor, tal como o objetivo
da lista de ilustrações.
Segundo nossa reflexão e processo de escuta desses dados, as práticas de letramentos,
sobretudo na CP de Edificações, apresentam uma organização diante do repertório partilhado
de seus membros, revelando o domínio e o empreendimento entre seus pares, uma vez que não
se tratam de formulações isoladas, mas práticas recorrentes e com um certo grau de
sistematicidade em torno da estrutura do gênero relatório de estágio. Quiçá, isso seja espelho
de se ter uma disciplina específica para a vivência do estágio, pois talvez neste espaço formativo
no manejo com o gênero fossem abordados e adotados certos critérios que os singularizam
enquanto grupo, uma vez que em outros cursos do EMI não há essa disciplina na grade
curricular. Contudo, lembramos que não é porque não se tem uma disciplina formalizada que
os grupos não possam traçar suas particularidades, tal qual estamos observando também diante
da CP de Agropecuária, por exemplo.
Ainda neste sentido, observamos que com relação à estrutura formal do gênero, a CP de
Edificações traça uma identidade visual e remonta à organização dos elementos por meio de
uma hierarquia sem descaracterizar o próprio gênero.
Isto posto, ainda nos elementos pré-textuais, e que são opcionais, evidenciamos a seção
de agradecimento, pois esta se encontra presente entre os relatórios de ambos os cursos. Assim,
o tópico de agradecimento possui como escopo dirigir palavras de gratidão a pessoas que
contribuíram de alguma forma para a etapa formativa dos discentes, apresentando-nos a
possibilidade de visualizarmos a voz do alunado para com o outro, do reconhecimento de como
ele vê o outro para si, sendo o “agradecimento” uma espécie de reflexo e refração do outro pela
parte de quem enuncia, por quem se sente contemplado de alguma maneira pelo diálogo travado
na vida.
Desta forma, entendemos que esta seção traz a “liberdade” em formular o dizer do
“muito obrigado” por parte dos estudantes-estagiários. Porém, destacamos que dois relatórios
da CP de Agropecuária e dois da CP de Edificações tomaram como norte a proposição dada
pelo MRCT, tal qual visualizamos no Quadro 27.
Quadro 27 – Agradecimentos – foco na estrutura.
MRCT Ao Prof. Xxxxx Xxxxx Xxxxx, pela excelente orientação.
Aos professores participantes da banca examinadora Xxxxx Xxxxx Xxxxx e
Xxxxx Xxxxx Xxxxx pelo tempo, pelas valiosas colaborações e sugestões.
Aos colegas da turma, pelas reflexões, críticas e sugestões recebidas.
269
REDO2 – AGRO 02, 2017 Ao Prof. XXX, pela excelente orientação. Aos Médicos Veterinários e
proprietários da Farma Vet, XXX e XXX por terem cedido o espaço para
realização do meu estágio e pelos conhecimentos acrescentados na minha
formação. Aos colegas da turma, pelas reflexões, críticas e sugestões
recebidas. (grifos nossos)
REDO2 – AGRO 01, 2018 Agradeço primeiramente a Deus pela conquista e a minha mãe por me dar
força e apoio durante toda essa jornada vivida.
Ao Prof. XXX, pela excelente orientação e aos demais professores pela troca
de aprendizado durante todo período do curso e pelas valiosas colaborações e
sugestões.
Aos colegas da turma, pelas reflexões, críticas e sugestões recebidas. (grifos
nossos)
REDO2 – EDIF 01, 2018 Ao Prof. XXX, pela excelente orientação.
Aos colegas da turma, pelas reflexões, críticas e sugestões recebidas, a minha
família e a Deus por sempre me manter firme em meus objetivos. (grifos nossos)
REDO5 – EDIF 01, 2018 Ao Prof.XXX, pela excelente orientação.
Aos professores participantes da banca examinadora pelo tempo, pelos
colegas de estágio pelas valiosas colaborações e sugestões.
Aos familiares em geral pela força, motivação e a insistência. Aos colegas da
turma, pelas reflexões, críticas e sugestões recebidas. (grifos nossos)
Fonte: Elaborado para este trabalho (2021).
Frisamos que a CP de Agropecuária sempre teve ao longo do nosso recorte longitudinal
proposto a evocação desta seção, enquanto a CP de Edificações veio apresentando e ampliando
ao longo desse tempo esse “reconhecimento” por parte de seus membros, de seus alunos. Deste
modo, dez relatórios, dentre os vinte e seis investigados, apresentam a seção de
“agradecimentos.” Deste quantitativo de dez relatórios, temos quatro no total que quando da
exposição da gratidão recuperam de forma integral e/ou parcial alguns trechos, tal e qual
proposto pelo MRCT.
Conforme observamos no quadro anterior, estes jovens produtores fazem pequenos
movimentos em torno de uma reprodução literal do dizer154, tomando o exemplo dado pelo
template institucional. De maneira distinta das reflexões postas em Bessa (2016) e Authier-
Revuz (1998), tal reprodução não se dá no nível da paráfrase e nem da reprodução integral ao
tomar a palavra do outro para si, pois, na realidade, entendemos estarmos diante de um outro
cenário de reprodução do dizer fonte: o template proposto pelo MRCT é criado justamente para
que o outro incorpore o texto já “pronto” e/ou “finalizado”.
Logo, ao ser incorporado pelo enunciador, o discente-estagiário toma este modelo para
apenas preenchê-lo ou tê-lo como parâmetro na construção do projeto de dizer, mesmo diante
de casos como a seção de agradecimento, que, a nosso ver, não causaria grande impacto sobre
o viés avaliativo, sobre o resultado deste dizer. Na realidade, entendemos que o aluno busca
154 Informamos que a análise sobre essa dimensão interdiscursiva nas relações dialógicas será abordada na próxima
seção da tese.
270
este modelo, não por uma manifestação de preguiça (ECO, 2007, p. 171) ou de plágio (cópia
integral de um texto de origem sem menção de sua autoria), mas por entender as relações de
poder presentes, no qual o julgo de uma provável “reprovação” paira neste contexto. Por isso,
defendemos como evidencia Bakhtin (2016b, p. 76):
A singularidade natural (por exemplo, as impressões digitais) e a unicidade
significante (semiótica) do texto. Só é possível a reprodução mecânica das impressões
digitais (em qualquer número de exemplares); é possível, evidentemente, a mesma
reprodução mecânica do texto (por exemplo, a cópia), mas a reprodução do texto pelo
sujeito (a retomada dele, a repetição da leitura, uma nova execução, uma citação) é
um acontecimento novo e singular na vida do texto [...].
Tratamos, portanto, de um novo enunciado na vida, de uma nova relação social e
histórica entre os sujeitos ao ressignificar o mesmo texto e criar relações novas. Deste modo,
destacamos que REDO2 – AGRO 02, 2017, por exemplo, utiliza as frases inicial e final do
modelo e insere as informações que julga ser pertinentes a fim de pontuar a gratidão nesta etapa,
em especial, para com aqueles que contribuíram com o aspecto formativo profissional. Em
REDO2 – AGRO 01, 2018, encontramos estratégia similar ao reforçar a figura de
agradecimento do docente e da turma, mas este discente nos indicia outros pontos de sua
singularidade, apesar da adaptação de um texto “já pronto”, ele recorre a marcas de sua
espiritualidade ao render graças a Deus, bem como ao seu pilar afetivo diante da figura materna
e adapta o “texto pronto” do MRCT para sua realidade.
Em relação aos exemplos de Edificações, REDO2 – EDIF 01, 2018, de igual modo,
recorre à frase inicial e final do modelo proposto e insere assim como o discente do curso de
Agropecuária, a figura da família e de Deus, demarcando suas crenças e reconhecimento para
quem, de fato, o ajudou nesta etapa. Por sua vez, REDO5 – EDIF 01, 2018 traz o texto quase
em sua integralidade, mas antes de agradecer à turma, ele retribui o reconhecimento aos seus
familiares.
Em síntese, observamos que, ainda que se apresente um modelo sobre o dizer, estes
discentes que seguiram o documento como norte, conseguiram criar outros elos sobre sua
intenção enunciativa, revelando valores que lhes são essenciais, como a família e a religião.
Ainda assim, pontuamos que, quando da recuperação da figura dos colegas de classe, os quatro
exemplos buscaram a frase de forma integral como o exposto pelo MRCT. Entendemos que,
como jovens produtores de textos, falar com o público mais próximo e em um grau de
formalidade, como solicitado nesta esfera de atuação, faz com que eles busquem o texto já
institucionalizado, preservando também sua face diante dos colegas de sala, pois a emoção que
271
revelaria a amizade e o companheirismo construído não teria “espaço” na estrutura
composicional do gênero relatório.
De todo modo, já nessa primeira etapa dos elementos pré-textuais, vimos que em dados
momentos caberia ao sujeito produtor do relatório cumprir com certas normas ou regras. Porém,
conforme sinaliza Bakhtin (2015, p. 42), é na “[...] comunhão ativa de cada enunciado no
heterodiscurso vivo [...]” que o sujeito enunciador busca escapar das amarras, apesar de existir
certas determinações de “feição linguística” ou da forte presença de um “sistema normativo-
centralizador”, o sujeito no seu projeto enunciativo encontra seu estilo e abre espaços para a
criação do novo, revelando o embate entre as forças centrípetas e centrífugas em torno de um
projeto enunciativo.
No caso dos elementos pré-textuais que, a princípio, teriam uma construção clara e sem
muitos subterfúgios para uma confecção distinta em torno de uma cultura do escrito instaurada
pelos interlocutores mediadores dos letramentos, evidenciamos indícios de singularidades
destes grupos sobre as práticas letradas que os caracterizam enquanto CP distintas, além de
visualizar o próprio diálogo com o interlocutor também é travado. Desta forma,
inevitavelmente, nos demais elementos que compõem a estrutura do gênero em tela,
encontramos e reafirmamos tais singularidades.
5.2.1.2 Elementos textuais
No que concerne à dinâmica proposta pelos documentos institucionais, as seções,
segundo os elementos textuais que caracterizam o gênero relatório de estágio nessa etapa,
seriam apresentadas seguindo esta ordem: introdução, identificação do campo de estágio,
apresentação da instituição, atividades desenvolvidas e conclusões. A título de exemplificação,
a Tabela 6 revela como a presença desses elementos foi “seguida” pelos discentes em sua
totalidade.
Tabela 6 – Materialidade textual-discursiva dos relatórios: elementos textuais.
CURSO AGROPECUÁRIA EDIFICAÇÕES
ANO 2016 2017 2018 2016 2017 2018
Introdução 100% 100% 100% 100% 100% 100%
Identificação do campo de estágio 100% 100% 100% 100% 100% 100%
Apresentação da instituição 100% 100% 100% 100% 100% 100%
Atividades desenvolvidas 100% 100% 100% 100% 100% 100%
Conclusão 100% 100% 100% 100% 100% 100%
Fonte: Elaborado para este trabalho (2021).
272
Desse modo, encontramo-nos diante de elementos obrigatórios que compõem essa etapa
textual. Avultamos que, segundo os interlocutores mediadores dos letramentos tais elementos
seguem uma certa progressão textual para as seções. Assim, a primeira etapa indicaria uma
contextualização inicial do trabalho. Em seguida, deveria ser destacado o campo de atuação e a
empresa na qual ocorreu o estágio. Posteriormente, o relatório deveria descrever o
desenvolvimento das ações vivenciadas pelos sujeitos discentes. Por fim, o material deveria
listar os efeitos positivos do aprendizado nessa etapa formativa do estudante.
Nesse contexto, podemos observar que a estruturação apresentada nos relatórios teve
uma dinâmica diferenciada, especialmente na CP de Edificações (anos de 2016 e 2017) e em
três exemplares da CP de Agropecuária. Nesses casos, tivemos a presença, na CP de
Edificações, da introdução somente após a inserção do campo de atuação e da descrição da
empresa locus do estágio. Por sua vez, os três relatórios do curso de Agropecuária trouxeram
uma seção, cujo título denominava-se “apresentação.”. Essa seção continha informações do
campo de atuação, contextualização do estágio e sobre a empresa concedente, para, finalmente,
introduzir o leitor no desenvolvimento do relatório.
Neste ponto, destacamos, portanto, que em nosso processo de escuta em torno dessas
singularidades, optamos por reunir a análise desses elementos textuais em três grandes blocos.
O primeiro encontra-se correlacionado a essa parte introdutória, contexto em que se somaria o
campo de atuação e a identificação da empresa. Posteriormente, abrimos espaço para uma
reflexão que envolve o desenvolvimento do relatório. E, finalmente, expomos uma última etapa
atrelada à conclusão apresentada pelos discentes-estagiários. Entendemos que os discentes
cumprem com uma certa organização retórica do relatório, porém, esses sujeitos criam
dinâmicas na construção da escrita que não descaracterizam o gênero, mas o fazem com certo
grau de liberdade. Assim, a variação observada pode se dar diante das disposições desses
elementos, como na criação de títulos para essas seções de forma a não seguir a prescrição dada
pelos documentos institucionais, por exemplo. Essas rupturas nos trazem mais indícios de como
esses jovens produtores desses campos específicos de atuação deixam suas marcas de autoria,
de estilo e de dispersão frente a uma forte cultura do escrito instaurada.
Isto posto, lembramos que os documentos institucionais como interlocutores
mediadores dos letramentos não apenas orientam quais elementos textuais devem estar
presentes no gênero relatório, mas, de igual modo, evidenciam o conteúdo a ser exposto em
273
cada uma das seções. Nesse sentido, o GETA155 orienta que a introdução, enquanto seção de
exposição inicial do trabalho, deve apresentar a temática e a construção de como está
organizado o texto. Por outro lado, no MRCT, a exigência parte da constatação de que esse
elemento é “importante” na compreensão de quem lê o relatório, pois é necessário constar “[...]
informações de quem fez o relatório, o que contém, como e por que foi feito o estágio [...]”
(BRASIL, 2016b [?], p. 04). Nessa linha de raciocínio, as orientações ganham contornos
distintos: em um documento há um entendimento mais formal e acadêmico sobre a elaboração
do relatório; no outro, há a particularidade da etapa da descrição de atividades laborais sob o
viés avaliativo dessa escrita.
Assim, no MRCT há a solicitação dessa aproximação ao universo do agir profissional
antes mesmo do desenvolvimento da narrativa sobre as atividades156, pois o documento solicita
a identificação do campo de atuação e a apresentação da empresa. Neste sentido, inicialmente
é necessário informar nome, endereço, telefone, página virtual e endereço eletrônico da empresa
concedente. Há ainda a exigência da exposição de outras informações e referências, como: datas
de início e de término do estágio, setor escolhido e cargas horárias semanal e total, além da
identificação do supervisor do estágio (Figura 28). Desse modo, os discentes atendem à
“convocação” da obrigatoriedade dessas informações e inserem os dados solicitados no
relatório.
Destacamos a importância dessa etapa, uma vez que, diante do elemento correlacionado
à carga horária total do estágio, ainda nos é possível inferir sobre a participação dos discentes
em atividades de iniciação científica, monitoria ou mesmo em atividades extensionistas.
Ressaltamos isso, pois a carga horária total do estágio deveria ser de 400 horas. Assim, quando
há oportunidades de aproveitamento de horas, o discente deve comprovar a participação nessas
atividades, visto que: “[...] Os alunos que exercem atividades de extensão, de monitorias e de
iniciação científica poderão ter redução da carga horária do estágio obrigatório, até 50% da
carga horária total do estágio (400 horas).” (BRASIL, 2010b, p. 101; BRASIL, 2011, p. 53).
Por isso, nos exemplos da Figura 28, temos REDO5 – EDIF 03, 2017 que vivenciou as 200
155 Mesmo não apresentando um direcionamento explícito sobre o gênero relatório, o GETA o trata como uma
escrita homogênea dentro da produção da esfera acadêmica. Assim, para esse interlocutor mediador dos
letramentos, a introdução seguiria a mesma forma composicional para um artigo, para uma monografia, para um
relatório, por exemplo. 156 Por sua vez, no GETA, há apenas menção a identificação da instituição sem a necessidade de um
aprofundamento textual: “[...] Elemento obrigatório para os relatórios (TÉCNICO MÉDIO INTEGRADO,
TÉCNICO SUBSEQUENTE, CURSOS TECNOLÓGICOS) em que deve constar o nome completo da instituição
ou empresa. Deve-se incluir a data de início, a data de término, a carga horária semanal, carga horária total, e o
supervisor do estágio.” (BRASIL, 2016a, p. 19).
274
horas de estágio. A este aluno possivelmente foi permitido o aproveitamento das demais horas
restantes devido à sua condição de bolsista PIBIC – Jr.
Figura 28 – Exemplos da seção identificação do estágio.
Fonte: REDO4 – AGRO 05, 2017 e REDO5 – EDIF 03, 2017.
No que diz respeito à apresentação da instituição, a orientação do MRCT pontua a
necessidade de que tal identificação ocorra de forma resumida: “[...] um breve histórico da
organização, caracterização do segmento de mercado, infraestrutura do local de trabalho e
principais atividades realizadas no setor. [...] (BRASIL, 2016b, [?], p. 05). Neste quesito,
observamos que ambas CP discorrem sobre a empresa concedente, quer seja por meio de um
texto breve e sintético, de no máximo uma lauda, quer seja intercalando informações na
narrativa sobre o tema do estágio por meio de uma contextualização a nível global para o local,
mas sempre apresentando a instituição locus do estágio, de forma a se manter um diálogo sobre
o campo de atuação desenvolvido na empresa (Quadro 28).
Desse modo, encontramos, na seção de apresentação da instituição, desde finalidades,
descrição da estrutura física, composição empregatícia, designação dos responsáveis e endereço
completo das empresas. Todos esses elementos nos reafirmam os indícios sobre o domínio de
conhecimento vivenciado pelas respectivas CP.
275
Assim, além do campo de atuação, visualizamos que foram expostas informações sobre
a possibilidade de unificação da pesquisa e da extensão no espaço de trabalho (REDO2 – AGRO
01, 2016), de participação ativa na execução de programas de proteção de saúde animal e
vegetal (REDO4 – AGRO 01, 2016), de criação de vínculos entre outros membros que auxiliam
na administração de produtos fármacos e agropecuários (veterinários proprietários e orientador
– REDO2 – AGRO 02, 2017) ou quando da fiscalização de obras públicas (engenheiros,
técnicos e arquitetos – REDO2 – EDIF 02, 2016 e REDO5 – EDIF 01, 2018), por exemplo.
Quadro 28 – Apresentação dos setores: locus do estágio.
REDO2 – AGRO 01, 2016 [...] O campus também se destaca na produção de projetos de iniciação
científica e extensão, estes projetos são importantes para a região, pois são
responsáveis por inovar os mecanismos de produção agrária na região do vale
do São Francisco. (p. 05)
A estrutura física da fazenda do Campus é composta por seis unidades
zootécnicas (Bovinocultura, Caprinovinocultura, Apicultura, Suinocultura,
Piscicultura e Avicultura); Fábrica de Ração; Setor Agrícola (Hortaliças,
Mangueiras, Goiabeiras, Videiras, Eucaliptos, capineiras, canavial).
[...]
O estágio aconteceu nos setores de zootecnia do campus Zona Rural (Setor de
caprinovinocultura, bovinocultura e suinocultura) e contou com a cooperação
de estagiários, funcionários efetivos e terceirizados do campus. (p. 06)
REDO4 – AGRO 01, 2016 As principais atividades realizadas pela Adagro são planejar elaborar,
coordenar e executar programa de promoção e proteção da saúde animal e
vegetal e a educação zoofitossanitária, constituindo-se na autoridade estadual
de sanidade agropecuária; [...] (p. 05)
REDO2 – AGRO 02, 2017 O estágio supervisionado de Técnico em Agropecuária foi realizado na
empresa de produtos fármacos e agropecuários, Farma Vet, situada na cidade
de Salgueiro-PE, na Av. Otaviano Leitinho, 255, centro, supervisionado pelos
veterinários proprietários XXX e XXX. O estágio ocorreu no turno da tarde
entre o período de dois de janeiro de dois mil e dezessete à 15 de março de dois
mil e dezessete totalizando 200 horas. O estágio teve como orientador o
professor de Zootecnia M.Sc. XXX. (p. 08)
REDO2 – EDIF 02, 2016 A secretaria de desenvolvimento urbano e obras, conta com a participação de
três engenheiros (a) civis, um engenheiro elétrico, quatro técnicos em
edificações, e dois arquitetos (a) para o melhor desenvolvimento das atividades
a serem executadas e o cumprimento das normas estabelecidas.
Este setor é responsável por executar atividades de construção e reforma de
obras públicas municipais, bem como na elaboração de projetos do mesmo,
promover a construção, pavimentação, reforma de estradas e vias urbanas,
também é de competência dessa secretaria planejar o desenvolvimento
urbanístico do município, pela fiscalização do cumprimento das normas a
respeito do uso e ocupação do solo urbano, promover a construção de jardins
públicos e praças, tendo em vista a estética urbana e a preservação do meio
ambiente. (p. 07)
REDO5 – EDIF 01, 2018 A finalidade da Secretaria de Obra é fiscalizar construções que estão em
andamento ou em reformas, tanto obras publicas quanto privadas na cidade e
em seu município, assim como, analisar projetos residenciais e comerciais em
torno do próprio.
O órgão fiscalizador fica sob responsabilidade de fiscalizar as obras em
construção das duas creches, localizadas nos bairros do Planalto e Cohab,
postos de saúde, hospitais, escolas, quadras, pavimentação e calçamento de
ruas, construção de praças publicas e outras.
276
A instituição é composta por três engenheiros, seis técnicos em edificações,
dois arquitetos, três estagiários e o secretário de obras e supervisor,
engenheiro XXX. (p. 06 – 07)
Fonte: Elaborado para este trabalho (2021).
De igual modo, tal gama de informações nos apresentam o ambiente de trabalho por
meio dos objetivos, valores e missão dessas instituições, além de nos transparecer a composição
dos membros que as constituem – que, na realidade, são o que consideramos ser outros
interlocutores mediadores dos letramentos nesse contexto de aprendizagem. Diante desses
exemplos, vislumbramos, na CP do curso de Agropecuária, a possibilidade de inovação nos
mecanismos de produção agrária na região do vale do São Francisco ou ainda a possibilidade
de atuação em uma instituição designada como “autoridade de sanidade agropecuária”, a
ADAGRO. Por outro lado, na CP de Edificações, é possibilitado ao estudante acompanhar o
planejamento do desenvolvimento urbanístico de uma cidade, além de atividades como a
fiscalização do uso da ocupação do solo e os efeitos socioambientais dessa utilização.
Logo, as exigências feitas em torno da adequação ao gênero relatório com seus
respectivos elementos introdutórios nos possibilitam (re)conhecer a temática do estágio, além
de identificar, por exemplo, se o aluno cumpriu essa etapa em um única empresa e/ou
instituição157. Ademais, é possível sinalizar se esse discente desempenhou uma única ou
múltiplas funções diante do perfil profissional almejado pelo curso (vide PPC de ambas CP).
Neste contexto, foi elaborado o Quadro 29.
Quadro 29 – Empresas concedentes do estágio e atividades desenvolvidas pelos discentes-estagiários das CP de
Agropecuária e de Edificações.
CP DE AGROPECUÁRIA
EMPRESA CONCEDENTE
CAMPO DE
ATUAÇÃO/DESENVOLVIMENTO
DAS ATIVIDADES
REDO2 – AGRO 01, 2016 Instituto Federal de Educação,
Ciência e Tecnologia do Sertão
Pernambucano – Campus Zona
Rural
Manejo produtivo (Bovinocultura
Leiteira, Caprinovinocultura,
Suinocultura)
REDO4 – AGRO 01, 2016 Agência de Defesa e Fiscalização
Agropecuária de Pernambuco –
Adagro
Fiscalização agropecuária
(acompanhamento de campanhas de
vacinação e atualização de rebanhos)
REDO2 – AGRO 01, 2017 Agência de Defesa e Fiscalização
Agropecuária de Pernambuco –
Adagro
Fiscalização agropecuária
(acompanhamento de campanhas de
vacinação e atualização de rebanhos)
REDO2 – AGRO 02, 2017 Farma Vet Comercialização de produtos fármacos
(vacinação, orientação e
acompanhamento em procedimentos
cirúrgicos)
157 Lembramos que segundo o RE, em seu art.22: “Parágrafo Único – O Relatório de Estágio deverá ser um só e
contemplar as atividades realizadas em todos os entes concedentes.” (BRASIL, 2015b, p. 08).
277
REDO4 – AGRO 01, 2017 Farma Vet Comercialização de produtos fármacos
(vacinação, orientação e
acompanhamento em procedimentos
cirúrgicos)
REDO4 – AGRO 02, 2017 Agência de Defesa e Fiscalização
Agropecuária de Pernambuco –
Adagro
Fiscalização agropecuária
(acompanhamento de campanhas de
vacinação e atualização de rebanhos)
REDO4 – AGRO 03, 2017 Secretária de Agricultura e Meio
Ambiente da Prefeitura Municipal
de Penaforte
Extensão Rural e fiscalização
agropecuária (acompanhamento de
campanhas de vacinação, de políticas
assistenciais ao pequeno produtor e
visitas a plantações de frutas e hortaliças)
REDO4 – AGRO 04, 2017 Secretária de Agricultura e Meio
Ambiente da Prefeitura Municipal
de Penaforte
Extensão Rural e fiscalização
agropecuária (acompanhamento de
campanhas de vacinação, de políticas
assistenciais ao pequeno produtor e
visitas a plantações de frutas e hortaliças)
REDO4 – AGRO 05, 2017 Secretária de Agricultura e Meio
Ambiente da Prefeitura Municipal
de Penaforte
Extensão Rural e fiscalização
agropecuária (acompanhamento de
campanhas de vacinação, de políticas
assistenciais ao pequeno produtor e
visitas a plantações de frutas e hortaliças)
REDO4 – AGRO 06, 2017 Farma Vet Comercialização de produtos fármacos e
Sanidade animal (vacinação, orientação e
acompanhamento em procedimentos
cirúrgicos)
REDO2 – AGRO 01, 2018 Agência de Defesa e Fiscalização
Agropecuária de Pernambuco –
Adagro
Fiscalização sanitária e inspeção de
animais
REDO4 – AGRO 01, 2018 Instituto Federal de Educação,
Ciência e Tecnologia do Sertão
Pernambucano – Campus
Salgueiro
Técnicas de manejo sustentáveis
(produtividade de rebanhos, impacto
ambiental e custos de produção) e
divulgação do curso de Técnico em
Agropecuária
REDO4 – AGRO 02, 2018 Instituto Federal de Educação,
Ciência e Tecnologia do Sertão
Pernambucano – Campus Zona
Rural
Manejo produtivo (Avicultura,
Bovinocultura Leiteira,
Caprinovinocultura, Suinocultura e Horta
Convencional)
CP DE EDIFICAÇÕES
EMPRESA CONCEDENTE
CAMPO DE
ATUAÇÃO/DESENVOLVIMENTO
DAS ATIVIDADES
REDO2 – EDIF 01, 2016 Empresa privada – Construtora
Pitombeira LTDA.
Concepção de projetos arquitetônicos;
fiscalização, controle e execução de obras
públicas
REDO2 – EDIF 02, 2016 Secretaria de Obras da Prefeitura
Municipal de Salgueiro
Fiscalização, controle, execução e
reformas em obras públicas; análise e
correção de projetos; elaboração de
planilhas orçamentárias
REDO5 – EDIF 01, 2016 Empresa privada – Pavcon:
Construções e Serviços
Fiscalização de obras; elaboração de
planilhas orçamentárias e cotação de
preços
REDO2 – EDIF 01, 2017 Secretaria de Desenvolvimento
Urbano e Obras da Prefeitura
Municipal de Salgueiro
Fiscalização, controle, execução e
reformas em obras públicas; análise e
correção de projetos; elaboração de
planilhas orçamentárias; projetos
arquitetônicos
REDO2 – EDIF 02, 2017 Secretaria de Infraestrutura e
Obras da Prefeitura Municipal de
Serrita
Fiscalização, controle, execução e
reformas em obras públicas
278
REDO2 – EDIF 03, 2017 Secretaria de Obras da Prefeitura
Municipal de Penaforte
Fiscalização, controle, execução e
reformas em obras públicas
REDO2 – EDIF 04, 2017 Secretaria de Infraestrutura da
Prefeitura Municipal de Cabrobó
Fiscalização de obras; análise e correção
de projetos; análise de planilhas
orçamentárias
REDO5 – EDIF 01, 2017 Instituto Federal de Educação,
Ciência e Tecnologia do Sertão
Pernambucano – Campus
Salgueiro
Levantamento topográfico
planialtimétrico; análise laboratoriais;
fichamento de Normas Técnicas
REDO5 – EDIF 02, 2017 Secretaria de Desenvolvimento
Urbano e Obras da Prefeitura
Municipal de Salgueiro
Fiscalização de obras públicas
REDO5 – EDIF 03, 2017 Instituto Federal de Educação,
Ciência e Tecnologia do Sertão
Pernambucano – Campus
Salgueiro
Levantamento topográfico
planialtimétrico; análise laboratoriais;
fiscalização e controle (organização) do
laboratório
REDO5 – EDIF 04, 2017 Pessoa física privada – Marcos
Tarcísio Sá de Vasconcelos
(Arquitetura)
Levantamento em obra; desenvolvimento
de projetos (plantas arquitetônicas);
acompanhamento em obras privadas
REDO2 – EDIF 01, 2018 Empresa privada – Pavcon:
Construções e Serviços
Fiscalização de obras (Medições de
sapatas, espessura do acabamento,
diâmetro dos pilares, concretagem de
peças, entrada e saída de materiais do
canteiro)
REDO5 – EDIF 01, 2018 Secretaria de Desenvolvimento
Urbano e Obras da Prefeitura
Municipal de Salgueiro
Supervisão e fiscalização de obras
públicas; análise e correção de projetos
Fonte: Elaborado para este trabalho (2021).
Em nosso recorte, destacamos que os discentes efetuaram seus respectivos estágios em
um único locus de atuação, mas em todos os casos, os alunos-estagiários desempenharam
múltiplas funções nas empresas concedentes. Assim, na CP de Agropecuária, temos as
seguintes instituições receptoras: Adagro, Farma Vet e Secretaria de Agricultura e Meio
Ambiente da Prefeitura de Penaforte158.
Em relação à CP de Edificações, destacaram-se os convênios firmados com as empresas
privadas Pitombeira e Pavcon, além de Marcos Tarcísio Sá de Vasconcelos, profissional
autônomo do segmento de arquitetura. Ademais, merecem destaque as parcerias consolidadas
com as secretarias de obras e urbanismo de Salgueiro e municípios circunvizinhos, a exemplo
de Cabrobó, Serrita e Penaforte. Além dessas empresas concedentes, o próprio IF Sertão/PE
(Campus Zona Rural e Salgueiro) se destacou na condição de instituição receptora de ambas
CP159.
158 Penaforte é um município cearense, logo, não se encontra sob a jurisdição do estado de Pernambuco. Entretanto,
a cidade é acolhida pelo IF Sertão/PE, visto que se limita geograficamente com o município de Salgueiro. Como
consequência, o Campus possui um número expressivo de alunos oriundos daquela cidade. 159 Reforçamos que, de acordo com o RE, em seu art. 29, o IF pode ser concedente de estágio desde que tenha “[...]
condições de proporcionar ao educando atividades que possibilitem aprendizagens social, profissional, científica
e cultural, considerando o que dispõem a Lei 11.788/2008, [...]” (BRASIL, 2015b, p. 13).
279
Isto posto, enfatizamos ainda outro ponto importante diante dessas características
indiciadas nesses elementos textuais, a saber: a figura do orientador do estágio. Sinalizamos
esse ponto, pois ao tomarmos como recorte a titularidade desses interlocutores mediadores dos
letramentos para a síntese dos relatórios analisados, acabamos, inevitavelmente, reconhecendo
a possível área de atuação desse estágio por parte dos estudantes. Assim, o discente recorre ao
orientador segundo sua “expertise”, sua área de atuação e formação, no sentido de orientá-lo
sobre aquela área do saber; além de ser obrigação da instituição designar professor-orientador
da área de atuação do estágio dos discentes, conforme expresso na NCELE e no RE (BRASIL,
2010a, p. 10; BRASIL, 2015b, p. 05).
Logo, ao observamos a descrição das atividades desenvolvidas pelos estudantes-
estagiários, identificamos em nosso recorte, na CP de Agropecuária, o foco em um dado campo
de atuação. Esse fator pode consolidar um perfil profissional um pouco mais distante das outras
áreas de atuação que o próprio PPC do curso sinalizava como possibilidades. Dentre essas
possibilidades encontram-se o manejo com irrigação, drenagem, solo e fertilidade, apicultura,
gestão ambiental voltada à agricultura e horticulturas, por exemplo. Dessa forma, os discentes
do recorte acompanham a área de concentração de seus orientadores e seguem o eixo de
sanidade animal, manejo produtivo, projetos zootécnicos, monitoramento de programas
profiláticos e de higiene sanitária160.
Por sua vez, na CP de Edificações, segundo o recorte obtido e a formação dos docentes-
orientadores, podemos observar um campo de atuação correlacionado à elaboração de projetos
arquitetônicos, bem como o gerenciamento de projetos e infraestrutura urbana. Neste cenário,
torna-se possível abarcar os eixos do plano de estágio presente no PPC desse curso, quais sejam:
1. Área de Pesquisa e Desenvolvimento – atuação em laboratórios de pesquisa e
desenvolvimento das empresas de construção civil; 2. Área de Planejamento, Projeto e
organização; 3. Área de Execução e Assistência; e, 4. Controle – inspeção de materiais
(BRASIL, 2011, p. 59).
Em síntese, refletimos sobre a maneira como esses pontos se interligam e definem
também a inserção dos membros em uma dada CP pelos assuntos que partilham. Na realidade,
compreendemos que, por estarmos inseridos em um contexto específico de aprendizagem e
diante de uma etapa avaliativa desse processo, o projeto de dizer dos discentes é permeado pelo
diálogo constante com o seu interlocutor principal: o orientador. É interessante ressaltarmos o
160 Provocamos a seguinte reflexão: caso tivéssemos outro docente com formação acadêmica de maior titularidade
no outro eixo de formação apresentada, certamente teríamos exemplos de perfis profissionais mais plurais,
conforme a proposta de capacitação apresentada pelo curso de EMI de Agropecuária.
280
interesse dos alunos em demonstrarem a vivência e o reconhecimento da aptidão adquirida nas
atividades que o caracterizam com um determinado perfil profissional.
Nessa ótica, encontramos outra particularidade na seção introdutória desses relatórios,
sobretudo na CP de Edificações, pois esse grupo tende enfatizar a obrigatoriedade e a finalidade
da escrita dos relatórios. Por outro lado, na CP de Agropecuária, a referência da exigência da
produção textual surge tímida na seção do desenvolvimento (um único relatório) ou quando da
seção de conclusão (dois relatórios).
Quadro 30 – Introduções da CP de Edificações: a obrigatoriedade do relatório.
REDO2 – EDIF 01, 2016 O trabalho em questão tem por função informar os trabalhos executados pelo
aluno de forma prática em um determinado período de tempo, fazendo utilizar
conhecimentos adquiridos na sala de aula no meio profissional e relatando a
troca de experiência adquiridas durante o período de estágio. (p. 08 –
destaques nossos)
REDO5 – EDIF 01, 2016 Este relatório tem por finalidade, apresentar e ilustrar as atividades
desenvolvidas no estágio curricular, de modo a utilizar o conhecimento
adquirido em sala de aula e, consequentemente, praticada no dia a dia no
ramo da Construção Civil. [...] (p. 08 – destaques nosssos)
REDO2 – EDIF 02, 2017 Este relatório tem como objetivo apresentar as atividades desenvolvidas
durante o Estágio Curricular Obrigatório necessário para a conclusão do
Curso Técnico em Edificações, na qual as atividades foram realizadas, na
Secretária de Infraestrutura e obras da Prefeitura Municipal de Serrita. (p. 08
– destaques nossos)
REDO5 – EDIF 03, 2017 Portanto, o trabalho apresentado tem como objetivo descrever e relatar, bem
como mostrar sua importância, as atividades desenvolvidas ao longo do
período de estágio curricular obrigatório do curso de Técnico em Edificações,
no laboratório de construção do Instituto Federal de Educação, Ciência e
Tecnologia do Sertão Pernambucano – Campus Salgueiro. (p. 04 – destaques
nossos)
REDO5 – EDIF 04, 2017 O presente relatório tem como finalidade de descrever as principais atividades
executadas no período de estágio, como requisito para concluir o curso
técnico em edificações integrado ao médio, pelo IF Sertão-PE – Campus
Salgueiro. Durante esse período foram desenvolvidas atividades no escritório
de arquitetura, supervisionado e concedido pelo Engº Civil XXX. (p. 04 –
destaques nossos)
REDO5 – EDIF 01, 2018 Este relatório tem por finalidade prioritária, apresentar e descrever as
atividades desenvolvidas no estágio curricular, de modo a utilizar o
conhecimento adquirido em sala de aula e, conseqüentemente, praticada no
dia a dia no ramo da construção civil. Todas as informações contidas nele
foram vivenciadas no canteiro de obras e nos locais visitados a fim de serem
desenvolvidos os conhecimentos obtidos no curso de nível Técnico em
Edificações. (p. 05 – destaques nossos)
Fonte: Elaborado para este trabalho (2021).
Reforçamos que essa característica na CP de Edificações ressalta o entendimento do
gênero relatório na condição de etapa avaliativa da narrativa ali presente, pois a necessidade da
escrita é permeada para além da comprovação das atividades por uma avaliação cujos efeitos
perduram até a consequente diplomação do estudante. Nesse embate de forças e relações de
281
poder do contexto instauradas nessa produção, os discentes buscam reforçar que “o trabalho
apresentado tem como objetivo descrever e relatar, bem como mostrar sua importância, as
atividades desenvolvidas ao longo do período de estágio curricular obrigatório” (REDO5 –
EDIF 03, 2017). Outro relatório observado destacou sua condição de “requisito para concluir o
curso técnico em Edificações integrado ao médio, pelo IF Sertão-PE – Campus Salgueiro”
(REDO5 – EDIF 04, 2017).
Elaborados dessa maneira, os relatórios discentes são aptos a responder tanto aos seus
interlocutores imediatos (docentes orientadores e supervisores), quanto aos demais
interlocutores mediadores dos letramentos que orientam a cultura desse escrito. Aos primeiros,
os estudantes demonstram seu conhecimento científico, bem como os efeitos da escrita do
relatório (comprovação das atividades desenvolvidas, viés avaliativo, prestação de contas). Aos
demais, os discentes apresentam a parte introdutória do gênero, que deve conter dados sobre o
motivo e a maneira como foi feito o estágio (MRCT).
Nessa construção, os próprios discentes costumam sinalizar o objetivo de aliar o
conhecimento adquirido ao longo do tempo para essa etapa formativa, assim como tendem “[...]
relacionar os conteúdos e contextos para ressignificar as aprendizagens [...]”, tal como exposto
pelo RE (BRASIL, 2015b, p. 02). Ou seja, encontramos ecos dialógicos não somente na relação
da estrutura composicional desse gênero, mas diante de uma arquitetônica, de um projeto de
dizer, que visa a responder a vários discursos, em especial, os que são institucionalizados.
Portanto, avultamos que os alunos recuperam e constroem sua escrita revisitando já ditos e
reconhecendo novos sentidos para essas experiências, práticas e conhecimentos, conforme a
particularidade de uma CP (SNYDER; WENGER, 2010; WENGER; WENGER, 2015).
Neste ponto, visualizamos mais um aspecto presente na CP de Edificações,
especialmente nos últimos anos do recorte observado. Tal característica diz respeito à ênfase
dada ao reconhecimento da necessidade de profissionais qualificados para a região. Este fator
justificaria a oportunidade de formação e capacitação ofertada pelo IF Sertão/PE (Quadro 31).
Quadro 31 – Necessidade de profissionais qualificados segundo a CP de Edificações.
REDO2 – EDIF 04, 2017 Entrelaçando, assim, os conhecimentos obtidos em obras com os obtidos em
sala de aula e pela instituição de ensino, Instituto Federal de Educação,
Ciência e Tecnologia do Sertão de Pernambuco – Campus Salgueiro,
localizado na BR 232, Km 508, que disponibiliza o curso técnico em
edificações, para assim trazer mão de obra especializada para a região que
cresce cada vez mais nessa área da construção Civil. (p. 07 – destaques nossos)
REDO5 – EDIF 01, 2017 Nesse contexto, é perceptível a necessidade de profissionais qualificados para
ensaios laboratoriais, tendo em vista a aprendizagem dos diferentes ensaios de
laboratório que testemunham a observância de parâmetros excepcionais,
estabelecendo registros para garantia da qualidade, atendando-se que, para
282
cada material existem ensaios laboratoriais, sendo esses definidos por normas
brasileiras e internacionais. (p. 04 – destaques nossos)
REDO5 – EDIF 03, 2017 A cidade de Salgueiro, localizada no sertão central de Pernambuco, é uma das
principais cidades em desenvolvimento do estado, com isso é perceptível o
aumento de sua população, e consequentemente a necessidade de profissionais
qualificados na área da construção civil. (p. 04 – destaques nossos)
REDO2 – EDIF 01, 2018 A construção civil é uma indústria em constante desenvolvimento e que cada
vez mais traz técnicas e produtos novos ao mundo. Para suprir essa
necessidade faz-se necessário mais profissionais habilitados e prontos para
qualquer tipo de serviço. Sabendo disso, é notório a importância que o IF tem
a contribuir com esse mercado que traz tecnologia e desenvolvimento a todos.
(p. 06 – destaques nossos)
Fonte: Elaborado para este trabalho (2021).
Em termos comparativos, a CP de Agropecuária retoma essa importância de forma mais
direta somente na conclusão de seus trabalhos; por outro lado, no contexto da CP de
Edificações, é possível observarmos o destaque para esse papel de relevância ainda na
construção inicial do relatório sobre o significado social, econômico e político de transformação
na sociedade acerca da instalação de um centro formativo de acesso democrático e gratuito no
interior do país.
Assim, o realce institucional conferido por essa última CP cria vínculos inclusive com
a própria missão institucional do IF Sertão/PE, a saber: “Promover a educação profissional,
científica e tecnológica, por meio do ensino, pesquisa, inovação e extensão, para a formação
cidadã e o desenvolvimento sustentável” (BRASIL, 2019, p. 23). Nesse ínterim, ressalta-se
também a visão da instituição, que consiste em “Consolidar-se como uma instituição pública
de qualidade, buscando a excelência e o reconhecimento pela sociedade como agente de
transformação.” (BRASIL, 2019, p. 23). Indiciando-nos afirmar, assim, que o corpo discente
da unidade costuma reconhecer o mérito e os efeitos sociais promovidos pela instituição de
ensino.
De maneira semelhante, ao explorarmos a seção sobre a narrativa do desenvolvimento
das atividades diante dos relatórios investigados, sobressai a importância da necessidade de
profissionais qualificados na referida unidade. Esse apontamento se consolida, sobretudo, a
partir das críticas estudantis direcionadas a certas práticas laborais em desconformidade com o
aparato técnico-científico apreendido em sala de aula, isso tanto no âmbito da CP de
Agropecuária como no cenário da CP de Edificações161.
Além disso, podemos observar temas tangenciais na etapa da elaboração dos relatórios
acerca da descrição das atividades, mas que também demonstram a peculiaridade da vivência
161 Aprofundamos o debate na seção em que analisamos a dimensão interdiscursiva por meio das RD.
283
laboral. Isto ainda nos evidencia como o conhecimento adquirido no contexto de formação
escolar e acadêmica pode colaborar com o crescimento da comunidade e, consequentemente,
de toda a sociedade.
Dessa maneira, encontramos o debate acerca de tópicos como questões sobre
desigualdades sociais (construção ilegal, acessibilidade), responsabilidade ética na fiscalização
e execução de obras públicas, além de marcas das políticas educacionais e aspectos culturais na
sociedade em que estão inseridos. Neste rol ainda se destacam assuntos como violência contra
animais e impactos econômicos diante da atual crise política que o país enfrenta. Logo,
ressaltamos que estas são apenas algumas temáticas elencadas pelos discentes em suas reflexões
sobre o agir profissional.
Quadro 32 – Temáticas presentes nos relatórios da CP de Agropecuária e de Edificações.
RELATÓRIO EXCERTOS
REDO2 –
AGRO 01,
2016
Atualmente, o campus oferece cursos nas modalidades Médio Integrado (Agropecuária),
Subsequente (Agricultura, Agroindústria e Zootecnia), Subsequente EaD (Logística,
Manutenção e Suporte em Informática e Segurança do Trabalho), Proeja (Agroindústria),
Superior (Bacharelado em Agronomia e Tecnologia em Viticultura e Enologia) e Pós-
Graduação (Fruticultura no Semiárido e Processamento de Alimentos de Origem Animal),
além dos cursos de Formação Inicial e Continuada (FIC). Também atende ao Programa
de Educação na Reforma Agrária (Pronera), Programa Nacional de Acesso ao Ensino
Técnico e Emprego (Pronatec), Mulheres Mil e Programa de Hortas Comunitárias. [...] (p.
05 – destaques nosssos)
No período em que estagiamos, o setor não estava em seu auge de produção. Tínhamos
apenas seis vacas produzindo, sob más condições de alimentação, devido à crise financeira
que o campus passava por isso a compra de insumos era dificultada [...] (p. 09 – destaques
nossos)
Entre os animais confinados existia controle de cobertura, pois os cabritos machos só
ficavam naquela instalação até atingir a puberdade, que é o início da atividade reprodutiva
nos machos e nas fêmeas. Caso o animal ainda fosse de interesse de algum experimento ele
seria castrado e deixado no aprisco, caso não fosse, ele seria castrado e solto na área de
caatinga, mas se o animal fosse de interesse reprodutivo, seria transferido para o bodário.
(p. 19 – 20 – destaques nossos)
“[...] O outro procedimento é feito utilizando um alicate conhecido como Burdizzo. Este
procedimento consiste no esmagamento do cordão espermático e do conjunto de veias e
artérias que nutrem o testículo, com o passar do tempo o testículo do animal definha e o torna
estéril; ilustração 8. A prática de castração por liga era bastante utilizada, mas foi proibida
e aos poucos está sendo extinta, pois é um procedimento bastante cruento e faz com que o
animal sinta dores e desconforto por vários dias seguidos.” (p. 20 – destaques s nossos)
REDO4 –
AGRO 03,
2017
Devido á extrema pobreza no Brasil o governo federal concedeu o programa (PBSM) ao
município de Penaforte-ce. Durante o período de estagio foram realizadas atividades no
escritório, verificando uma lista com cada nome dos participantes vendo se os produtores
estão participando de forma consecutiva nos últimos anos. Se estiverem regular conforme os
critérios faz a seleção das pessoas são colocadas numa planilha e lança no sistema assim os
produtores continuam encaixado no programa que também pode ser hora de plantar que é
distribuição das sementes podendo escolher qual cultura quer plantar sendo duas escolhas
feijão ou milho. (p. 08 – destaques nossos)
REDO4 –
AGRO 02,
2018
[...] No estágio pude notar o quanto que a atividade merece de conhecimento técnico, merece
mas atenção das pessoas que trabalha nessas área no campus, vendo as situações das baias
que são precárias, onde os reprodutores consegue atravessar o cercado das baias pulando,
os comedouros baixo demais e os animais acaba defecando e urinando dentro misturando
assim com a sua própria alimentação, de modo em geral a instalação precisa ser mudada.
284
Falta abatedouros especializados em caprinos e ovinos, com isso os abates clandestinos
surgem e isso não favorece que a qualidade do produto seja beneficiada. A Suinocultura é
uma atividade que se desenvolve bem nas condições da região semiárida. Porém é uma
atividade que merece profissionais capacitados para conduzir todos os processos
produtivos, o que acarreta numa maior qualidade do produto e por consequência um bom
resultado financeiro. No estágio pude perceber que as instalações principalmente na
maternidade não é uma das melhores (p. 14 – destaques nossos)
REDO2 –
EDIF 04,
2017
Por fim, houve ainda o acompanhamento da realização do aterro da obra, ocorrido com
material de empréstimo e as negociações feitas para desocupar o terreno, pois esse
apresentava um total de 21 casas construídas ilegalmente e não apresentando condições de
moradia digna aos residentes. Por tanto, presenciou-se o acordo entre a prefeitura e a
comunidade do local. (p. 11 – destaques nossos)
Para a limpeza do terreno foram realizados: capina, limpeza, roçado, destocamento, queima
e remoção, respectivamente. Usando-se de mão-de-obra e maquinário necessário para a
realização do serviço. Devido a questões de legislações ambientais, foram preservadas duas
árvores presente no terreno.” (p. 16 – destaques nossos)
REDO5 –
EDIF 02,
2017
Os banheiros da creche têm uma estrutura totalmente voltada para atender as necessidades
de todos os tipos de crianças desde as pequenas ate as maiores, os chuveiros e pias tem a
altura reduzida, pode ser observado na figura 9, que os registros fechamento estão em
alturas diferentes da usual, e o piso é de um material não escorregadio para evitar
acidentes. (p. 13 – destaques nossos)
REDO5 –
EDIF 01,
2018
Outro problema bem nítido nesta construção foi o salto de etapas importantes, como o reboco
ser antes da coberta, como mostra a (Figura 03) e (Figura 3.1).
Essas atividades são feitas em prol da melhoria da obra, e, é uma obrigação da prefeitura
fiscalizar estas obras publicas, dando responsabilidade para os técnicos que fizeram esse
acompanhamento fiscalizador.” (p. 09 – destaques nossos)
Fonte: Elaborado para este trabalho (2021).
Destacamos neste ponto uma característica pertinente a essa produção textual
discursiva, uma vez que os relatórios investigados revelaram salvaguardar a memória do
desenvolvimento social, histórico, em torno do patrimônio arquitetônico e natural da cidade ou
de cidades circunvizinhas, bem como há uma inclinação ao resgate de uma cultura sobre um
saber-fazer das raízes da produtividade animal, por exemplo.
É evidente que os discentes não fazem uma ponderação aprofundada sobre os temas
expostos no Quadro 32. Isto nos indicia porque, para que se discorra sobre as atividades
desenvolvidas, segundo o GETA e o MRCT, é preciso informar “[...] de maneira clara, objetiva
e com detalhes fundamentais, as ideias principais das tarefas realizadas no estágio, analisando-
as e ressaltando os pormenores mais importantes. [...]” (BRASIL, 2016b [?], p. 06). Assim
sendo, enfatizamos que os estudantes-estagiários trazem essas informações em uma discussão
não vertical. Entretanto, a abordagem de tais assuntos torna evidente que a experiência do
estágio é extremamente pertinente para a formação de sujeitos mais críticos e eticamente
compromissados com os problemas locais que surgem quando cidadãos que integram a
engrenagem do funcionamento social de uma comunidade.
Além disso, o engessamento proposto pelos modelos de escrita como no relatório de
estágio nos faz ter como refletir que os discentes se preocupam muito mais com a narrativa da
285
descrição do ato do que em explorar certos temas, pois quiçá não se sintam com “expertise”
para debater ou que temem fugir, não se adequar, da proposta do gênero. Salientamos que a
produção escrita neste contexto de estágio amplifica a voz da avaliação: assim, o aluno busca
meios para se “afastar” de uma possível reprovação.
Nesse sentido, há uma busca em se adequar ao que é proposto, especialmente pelo
GETA e pelo MRCT, ao seguir o que indicam para a seção das atividades desenvolvidas. A
título de exemplo: é preciso criar um subtítulo e, assim, explicitar sobre o que foi feito, por que
foi feito, como foi feito e a aprendizagem que houve com essa atividade. Além disso, é
necessário que haja um poder de síntese da descrição das vivências associada a referências “[...]
que serviram para o desenvolvimento de cada uma das atividades (leis, códigos, manuais,
artigos, livros, sites, etc.).” (BRASIL, 2016a, p. 19; BRASIL, 2016b [?], p. 06).
Enquanto breve exemplificação, temos, na CP de Agropecuária, esses ecos no
desenvolvimento de dois relatórios que optaram por seguir a sugestão fornecida pelo template
do MRCT (Figura 29). Ainda assim, isso não significa dizer que esse cerceamento na liberdade
textual e na produção não ocorra de outras formas. De fato, o nosso próprio percurso de escuta
do corpus revelou como esses ecos se fazem presentes e como são construídas essas RD diante
de CP específicas. Este contexto, salientamos que perpassa movimentos de adesão do que é
imposto, mas ao mesmo tempo (re)constrói novos sentidos e novas formas no projeto de dizer
que revelam essa dispersão, o movimento centrífugo.
Conforme enfatizam Sobral e Giacomelli (2016, p. 1088), essa também é uma
singularidade dos gêneros discursivos. Nesse sentido, os autores afirmam que “[...] na qualidade
de dispositivos relativamente estáveis, os gêneros conservam certos aspectos, mas sempre se
alteram a cada uso, porque os locutores, coenunciadores e contextos se alteram.”.
Desse modo, em REDO2 – AGRO 01, 2017, observamos que, mesmo respondendo às
perguntas: o que foi feito, por que foi feito, como foi feito e qual aprendizagem teve com as
atividades vivenciadas, as respostas fornecidas apresentaram caráter sintético e sem maiores
aprofundamentos sobre o progresso profissional e acadêmico. Porém, em REDO4 – AGRO 02,
2018, mesmo observando a sugestão do MRCT, a discente demonstrou tendência a refletir um
pouco mais sobre sua prática e explorar os conhecimentos apreendidos ao longo de sua
formação acadêmica e profissional. Logo, sua narrativa e ponderação sobre as práticas
vivenciadas no locus de atuação demonstram a maneira como os conhecimentos dialogam entre
si. Assim sendo, observamos como cada sujeito interage na sua produção textual discursiva ao
considerar o projeto de dizer, os interlocutores e o contexto, por exemplo.
286
Figura 29 – Exemplos da seção de atividades desenvolvidas CP de Agropecuária: ecos de vozes institucionais.
Fonte: REDO4 – AGRO 02, 2018 e REDO2 – AGRO 01, 2017.
Não diferentemente, reforçamos que os demais relatórios, tanto da CP de Agropecuária
como na CP de Edificações, respondem, de algum modo, ao proposto pelo GETA e pelo MRCT.
O fato se dá porque esses sujeitos-estagiários produzem suas respectivas narrativas recuperando
as atividades desenvolvidas, justificando-as e apresentando o aprendizado ocorrido, embora não
o façam tal e qual a sugestão fornecida pelo template. Isso nos traz como indício que, mesmo
287
tendo uma espécie de manual, os discentes-estagiários optam por criar seu próprio estilo em
descrever suas vivências.
Dessa maneira, nesse projeto de dizer, os sujeitos estagiários criam suas estratégias
discursivas em apresentar ao seu interlocutor essas vivências. Para tanto, outro elemento salutar,
que também colabora em caracterizar as ferramentas utilizadas pelas respectivas CP na seção
de desenvolvimento, diz respeito à utilização de recursos verbo-visuais (Tabela 7).
Tabela 7 – Ocorrência de recursos verbo-visuais na seção de atividades desenvolvidas.
CURSO AGROPECUÁRIA EDIFICAÇÕES
ANO 2016 2017 2018 2016 2017 2018
Recursos verbo-visuais (gráficos, tabelas e/ou imagens) 100% 25% 0% 100% 100% 100%
Fonte: Elaborado para este trabalho (2021).
Assim, destacamos o fenômeno de que os sujeitos estagiários costumam utilizar tais
elementos verbo-visuais na composição de seus respectivos projetos enunciativos. Isto acontece
mesmo diante de direcionamentos não tão claros nos documentos institucionais sobre como
recuperá-los ao longo do desenvolvimento do trabalho. Segundo o GETA, as informações sobre
esses recursos são direcionadas em seção específica intitulada: “Ilustrações, tabelas, notas de
rodapé, siglas e abreviaturas, equações e fórmulas”. Entretanto, a indicação reflete uma
preocupação institucional sobre a formatação segundo normas técnicas e não sobre como usar
esse elemento textual na construção discursiva.
De fato, as orientações se resumem a definir como os títulos desses elementos devem
vir dispostos (parte superior da figura), com descrição do tamanho da fonte (tamanho 12),
sempre precedido por numeral arábico, seguindo uma sequência conforme se apresenta no texto
(BRASIL, 2016a, p. 08). Neste ponto, o documento não orienta ao seu interlocutor se tal
elemento deve ser exposto ao longo da produção escrita, ou ainda acerca da compilação dos
elementos pós-textuais (apêndice e anexos), por exemplo.
Ainda assim, ao utilizar esses recursos verbo-visuais, os discentes da CP de
Agropecuária costumam fazê-lo, especialmente, por meio de gráficos, tabelas e imagens
(fotografias, mapas). Deste modo, seguem os direcionamentos dos interlocutores mediadores
dos letramentos institucionais no que tange à formatação e disposição desses elementos.
Somente no relatório do discente REDO4 – AGRO 01, 2017 é que encontramos uma
apresentação destoante da recomendação institucional de apresentar a origem das imagens
utilizadas em seu relatório.
288
Por sua vez, na CP de Edificações, a recuperação desses recursos é utilizada por todos
os estudantes mediante a utilização de figuras (fotos, plantas baixas e de cortes, planilhas) e/ou
tabelas que respaldam as ações e os dados recolhidos durante a experiência laboral. Assim, é
interessante ressaltarmos que, de forma distinta da CP de Agropecuária, quase 46,15% do total
dos relatórios investigados da CP de Edificações, sobretudo os produzidos entre os anos de
2016 e 2017, não indicaram a origem de seus dados diante desses elementos.
Ressaltamos que por se tratarem de jovens produtores nessa esfera de produção, caberia
o suporte dos demais interlocutores mediadores do letramento. Nesse caso, a figura do
orientador deveria introduzi-los nesse contexto sobre a cultura do escrito. Esse papel poderia
ter sido desempenhado ainda pelo docente da disciplina de estágio (o curso de Edificações
possui essa matéria na grade curricular), que quiçá poderia fornecer em seus momentos de aula
como se configura a dinâmica e as particularidades dessa escrita.
Sinalizamos ainda que, dentre esses relatórios que não remontaram às fontes do recurso
verbo-visual apresentado, somente um não se relaciona ao orientador identificado como DO2
(CP de Edificações). Portanto, os demais discentes foram orientandos desse interlocutor de
maior titularidade e de vivência acadêmica, demonstrando que a expertise nesse contexto pode
deixar passar despercebidas questões de ordem da estrutura, mas que afeta o projeto de dizer.
Pontuamos isso, pois ao não dar os devidos créditos à autoria, pode-se incorrer em indícios de
plágio. Logo, como o discente se encontra ainda em um contexto de aprendizagem, esse seria
o momento para o reconhecimento que certas práticas são consideradas más condutas e que
ferem a uma conduta ética no contexto acadêmico. (KROKOSCZ, 2011; BESSA, 2014).
Assim, a figura do orientador como um dos interlocutores mediadores do letramento
poderia colaborar nesse processo educacional ajudando a implementar o que Bessa (2014)
denomina de “integridade e ética na pesquisa na formação do pesquisador.”. Entretanto, neste
momento, apenas provocaremos a reflexão sobre a integridade e ética na formação do jovem
produtor de textos acadêmicos-profissionais. Ademais, enfatizamos que muitos desses recursos
que não referenciam a origem do dizer são produzidos pelos próprios discentes. Isto nos indica,
dessa forma, muito mais a necessidade de um norte em relação à cultura instaurada sobre a
configuração desse escrito, do que propriamente a atribuição do dizer do outro como próprio.
289
Figura 30 – Exemplos de recursos verbo-visuais utilizados nas CP de Agropecuária e de Edificações.
REDO2 – AGRO 01, 2016
290
REDO5 – EDIF 02, 2017 REDO5 – EDIF 02, 2017
Fonte: REDO2 – AGRO 01, 2016, REDO5 – EDIF 02, 2017 e REDO5 – EDIF 02, 2017.
.
De todo modo, destacamos que os discentes costumam utilizar recursos verbo-visuais
como marcas de hibridismos constitutivos do contexto contemporâneo diante da produção
escrita (MELO; ROJO, 2019)162, colaborando com a inserção desses elementos na arquitetônica
do gênero por meio dos efeitos de sentidos criados por eles ao pensarem nos interlocutores
(imediato ou presumido). Logo, essas imagens, gráficos, tabelas, planilhas e mapas, por
exemplo, integram o projeto enunciativo em torno das atividades desenvolvidas como parte
essencial da produção escrita, remontando a uma estética peculiar dessas respectivas CP:
enquanto todos os discentes da CP de Edificações recorrem dos recursos verbo-visuais,
especialmente, na seção de desenvolvimento das atividades; na CP de Agropecuária,
encontramos exemplos de forma mais moderada tanto no desenvolvimento como nos anexos.
Para Street (2014), esses elementos verbo-visuais são, na realidade, elementos
paralinguísticos presentes na escrita que servem em alguma medida para somar aos efeitos de
162 Revelando ainda o que Bakhtin (2018) diz sobre a possibilidade de RD entre matérias sígnicas de outras ordens.
291
sentidos produzidos pelo autor. Logo, elementos como gestos, expressões faciais, a entonação
da fala, o recurso tipográfico utilizado na letra, na cor da tinta, os signos editoriais, “tudo isso
veicula significado para além dos recursos lexicais e sintáticos” (STREET, 2014, p. 21).
Isto posto, adentramos no último elemento obrigatório dos elementos textuais: a
conclusão, que possui como peculiaridade a emissão de uma opinião por meio de uma “[...]
análise crítica do estágio em termos de contribuição para a formação profissional do estagiário
[...]” (BRASIL, 2016b [?], p. 07). Nesse tópico, o estudante possui a liberdade de tecer críticas
positivas ou negativas, segundo esses interlocutores mediadores dos letramentos institucionais,
mas deve obedecer a um teor sempre construtivo.
Dessa forma, em ambas CP, a conclusão é recuperada de forma breve e remonta ao
indicado pelos documentos institucionais. Dentre as recomendações, estão: ser sintético,
esboçar uma análise do todo, correlacionar o que aprendeu em sala com os conhecimentos
adquiridos na experiência de trabalho. Ainda assim, encontramos certas peculiaridades nessa
escrita, conforme exposto no recorte do Quadro 33. Isso se sobressai quando os alunos reforçam
a necessidade de profissional qualificado para suprirem as demandas da região (REDO2 –
AGRO 01, 2016; REDO5 – EDIF 01, 2018), ponto enfatizado na CP de Edificações ainda nas
introduções dos relatórios; quando informam sobre as dificuldades encontradas e elencam como
essas foram superadas (REDO4 – AGRO 01, 2018; REDO2 – EDIF 01, 2018; REDO5 – EDIF
01, 2018); ou quando reconhecem de que maneira essa etapa formativa conseguiu contemplar
os conhecimentos apreendidos em sala de aula (REDO5 – EDIF 01, 2018), por exemplo.
Quadro 33 – Seção de conclusão nas CP de Agropecuária e de Edificações.
REDO2 – AGRO 01, 2016 Para uma atividade atingir índices satisfatórios, é de grande importância que
haja uma pessoa bem treinada e qualificada trabalhando nos processos de
produção seja de qualidade e que acarrete em uma margem de lucro positiva e
que agrade ao bolso do produtor. [...] (p. 39 – destaques nossos)
REDO4 – AGRO 01, 2018 Nas falhas que envolvem manejo reprodutivo, encontramos animais machos
não cadastrados misturados com fêmeas, o que favorece um não manejo
reprodutivo levando o rebanho até vários casos de consanguinidade, Porém
essa era nossa dificuldade porque em meio a um único rebanho tinha vários
donos e esses eram soltos em um pasto. Para tentar corrigir essa falha de
manejo orientamos aos produtores fazerem a castração dos machos que não
interessam a eles e selecionarem um único reprodutor. Para castração
utilizamos o método por alicate tipo Burdizzo e castração cirúrgica, explicamos
todos os benefícios da castração aos produtores. Nas falhas nutricional
encontramos animais com escore corporal muito baixo entre 1 e 2, orientamos
sempre que possível fazer uma suplementação mineral e vitamínica em todo o
rebanho e complementar a alimentação do rebanho com concetrados. Foi
indicado também fazer estoque de feno e silo para as épocas de seca, de
preferência com pastagem nativa já que não possuem plantação de forragem.
(p. 10 – destaques nossos)
REDO2 – EDIF 01, 2018 [...] Entretanto, ocorreram algumas experiências inesperadas em obra, por se
tratar de um local relativamente violento o bairro da Cohab vez ou outra
292
ouvíamos barulho de tiros, levando assim a um ambiente em obra cada vez
mais apreensivo e cauteloso.
Ocorreu também o atraso constante na entrega de materiais que algumas vezes
deixaram os trabalhadores sem equipamento para trabalhar, ainda assim as
experiências positivas foram maiores e apesar de tudo Deus me deu forças
para continuar e passar por todas as dificuldades. (p. 17 – destaques nossos).
REDO5 – EDIF 01, 2018 Este estágio foi proporcionado por um imenso aprendizado durante o tempo
que se realizou o acompanhamento das obras, apresentadas pela adversidade
de problemas e situações imprevisíveis durante as obras, como: uma chuva
inesperada, ausência de trabalhadores por conta de pagamento, atraso de
materiais, serviços não realizados como deveriam, incompatibilidade com
projetos, erros nas edificação e etc. Com esses problemas e situações
enfrentados e com a teoria vista durante o curso objetive a preparação para
realizar a tarefa de um Técnico em edificações e enfrentar o mercado de
trabalho. Alem de tudo, obtive a oportunidade de trocar experiências didáticas
e praticas com os componentes daquele órgão, acrescentando assim o meu
conhecimento e aumentando minha experiência na área. (p. 15 – destaques
nossos)
Fonte: Elaborado para este trabalho (2021).
Dentre os excertos recuperados, avultamos a síntese de REDO4 – AGRO 01, 2018. No
tópico de conclusão, a discente continuou a narrar as atividades desenvolvidas, rompendo com
os direcionamentos dos documentos institucionais que regulamentam sobre o que deve ser dito
acerca do conteúdo a ser exposto nesta seção. Neste ponto, destacamos novamente a figura do
orientador, que poderia ter auxiliado a essa jovem produtora de textos acadêmicos-profissionais
sobre a peculiaridade da seção de conclusão. Assim, mesmo retomando as falhas encontradas
durante o estágio sobre algumas técnicas, a aluna poderia ter conduzido a escrita de outra forma.
A estudante poderia, por exemplo, seguir a própria proposição presente no MRCT: “[...] Aqui
a reflexão é sobre o estágio no todo, e não em cada uma das atividades, como no
desenvolvimento. [...]” (BRASIL, 2016b [?], p. 07 – destaques nossos).
Outro exemplo peculiar é o do REDO2 – EDIF 01, 2018, pois o discente sintetizou a
sua experiência e deixou transparecer a questão da violência social de forma tangencial em seu
relato. O aluno pontuou que o bairro do seu locus de trabalho era considerado “violento” e ao
ouvir “barulhos de tiros” o ambiente se tornava “apreensivo e cauteloso”. Ademais, em sua
seção de agradecimentos, o estudante remontou a marcas de espiritualidade ao fazer menção a
“Deus” (Quadro 27). No tópico de conclusão, esse mesmo sujeito reiterou o agradecimento,
quiçá por todo esse tensionamento vivido pelo medo de ser mais um alvo dessa violência
contemporânea.
De toda forma, a narrativa das falhas e ou dificuldades encontradas em determinadas
situações (REDO4 – AGRO 01, 2018; REDO2 – EDIF 01, 2018; REDO5 – EDIF 01, 2018) é
algo recorrente para além dos relatórios citados e revela a dinâmica do estágio ao inserir os
293
futuros profissionais nesse espaço de tomada de decisão. Dessa maneira, suas respectivas
participações (periféricas) são legitimadas por pares de maior técnica ou saber. Assim, por
estarem inseridos em um ambiente formativo, as incertezas e as inseguranças são constantes e
permeadas pelo receio de errar, mas o desejo de aprendizado demonstrado por esses discentes-
estagiários tende a superar esses desafios.
Diante disso, recuperemos ainda que uma das finalidades da seção de conclusão é que
o aluno possa construir críticas (sejam positivas ou negativas), visto que os estudantes podem
correlacionar a aprendizagem de sua etapa formativa na construção do referido tópico. Assim,
enfatizamos que todos os discentes recobrem essas marcas, mas aprofundaremos a análise
quando de nossa escuta e reflexão sobre o “(Re)conhecimento das marcas acadêmicas e
profissionais na formação” (ver item 5.2.2.3.5 desta tese). De fato, tais características aparecem
de sobremaneira destacadas na seção de conclusão dos relatórios de ambas CP. Para tanto,
abordamos no subtópico a seguir a análise dos elementos pós-textuais: referências, apêndices e
anexos na condição de possíveis ecos dos direcionamentos institucionais.
5.2.1.3 Elementos pós-textuais
Em referência aos elementos pós-textuais, temos somente as referências enquanto
elemento essencial: assim, os apêndices e anexos são seções opcionais no relatório de estágio.
Cumpre-nos salientar que, segundo o GETA, as referências seriam consideradas elementos
opcionais a princípio, mas quando da confecção de relatórios que possuam citações, essa seção
deve passar a ser obrigatória, seguindo especialmente a ABNT – NBR 6023:2002. Por outro
lado, o MRCT não abre margens para dúvida da obrigatoriedade desse elemento e já insere a
informação ao lado do título, designando-o como presença indispensável. Com isso, expomos,
por meio da Tabela 8, a síntese de como as CP de Agropecuária e Edificações se adequam ao
solicitado por esses interlocutores mediadores dos letramentos.
Tabela 8 – Materialidade textual-discursiva dos relatórios: elementos pós-textuais.
CURSO AGROPECUÁRIA EDIFICAÇÕES
ANO 2016 2017 2018 2016 2017 2018
1.1 Elementos pós-textuais
(obrigatórios)
Referências 100% 100% 100% 0% 50% 25%
1.2 Elementos pós-textuais (não
obrigatórios)
Apêndice 0% 0% 0% 0% 0% 0%
Anexos 100% 12,5% 33,3% 0% 25% 50%
Fonte: Elaborado para este trabalho (2021).
294
Nesse sentido, visualizamos que a CP de Agropecuária demonstrou tendência a se
adequar às solicitações institucionais, bem como a uma cultura acadêmica em referenciar o que
foi citado ou evocado ao longo do texto. Sobre esse aspecto, observamos que os 13 (treze)
discentes utilizaram as referências como elemento constituinte do relatório. Por outro lado, na
CP de Edificações foi possível observarmos essas referências ao longo dos anos de forma
pontual. Entretanto, na análise dos resultados dessa CP, é difícil afirmar que se trata de uma
tendência desse grupo a ausência de referência às fontes utilizadas. Ainda assim, dentre os
relatórios investigados que trouxeram esse elemento, encontramos as seguintes
particularidades:
Os trabalhos citados ao longo dos relatórios não se encontram de forma unânime
nas referências;
Há menção a obras, a leis e/ou a autores compilados nas referências, mas esses
não são citados ao longo do relatório. Talvez sejam considerados leituras complementares que
colaboraram na construção do raciocínio da narrativa;
Alguns títulos das obras não possuem o destaque segundo as normas da ABNT
(negrito ou itálico nos títulos);
Os trabalhos não estão dispostos em ordem alfabética nas referências, assim
como proposto pela ABNT;
Referências utilizadas em gráficos, imagens, tabelas e/ou outros recursos não são
recuperados nesta etapa dos elementos pós-textuais.
Assim, reforçamos que, por estarmos diante de grupos de CP distintas, mas que possuem
como membros jovens iniciantes na cultura do escrito, contexto no qual se soma o viés
acadêmico e profissional, compreendemos que há uma tentativa em se adequar a essas
solicitações. Neste sentido, há um esforço para recuperar essas vozes de autoridade que
ancoram o projeto enunciativo, tal como solicitado por alguns dos interlocutores mediadores
dos letramentos e, provavelmente, por seus interlocutores imediatos, tais como os orientadores.
Além disso, frisamos que a CP de Agropecuária demonstrou trazer mais referências em seus
relatórios: com isso, as particularidades elencadas anteriormente se fizeram mais presentes. Por
sua vez, na CP de Edificações, as referências foram sintéticas e somente as utilizadas ao longo
do relatório foram especialmente evocadas.
Diante disso, recuperamos o pensamento de Fuza (2015) ao debater sobre esta seção em
artigos científicos. Neste aspecto, a pesquisadora compreende que, ao trazer as referências dos
295
trabalhos utilizados, de um lado, estamos diante de um grande diálogo entre as normas como
um meio de padronização; de outro, estamos ampliando o entendimento sobre um dado
fenômeno ou teoria dentro de uma dada comunidade acadêmica. Isto acontece porque “ao
receber o artigo e analisá-lo, pode[mos] buscar respostas e novos estudos sobre o tema nas
referências elencadas pelo autor do texto, permitindo o diálogo constante da ciência dentro da
comunidade acadêmica” (FUZA, 2015, p. 253). Em nossa compreensão, a seção de referências
do gênero relatório, de igual modo, procura criar esse grande diálogo, de modo a responder à
cultura do escrito provocada. Tal resposta se dá, por um lado, pelos interlocutores mediadores
dos letramentos de caráter institucional, e, por outro, constituindo um movimento próprio com
os discursos acadêmicos e científicos experienciados em sua formação. Esta oportunidade,
consequentemente, também é capaz de auxiliar o estudante na pesquisa de futuros relatórios
e/ou trabalhos acadêmicos.
Figura 31 – Exemplos da seção de referências da CP de Agropecuária e de Edificações.
REDO4 – AGRO 01, 2016
296
REDO4 – AGRO 02, 2018
REDO2 – EDIF 02, 2017
REDO2 – EDIF 01, 2018
Fonte: REDO4 – AGRO 01, 2016; REDO4 – AGRO 02, 2018; REDO2 – EDIF 02, 2017 e REDO2 – EDIF 01,
2018.
297
Portanto, na procura desta síntese em elencar as referências “[...] que serviram para o
desenvolvimento de cada uma das atividades (leis, códigos, manuais, artigos, livros, sites, etc)”
(BRASIL, 2016a, p. 19), encontramos outras formas de refletirmos sobre as RD existentes nessa
seção. Tal fato se dá porque essas não se resumem a diálogos explícitos, de acordo com o
exposto em nossa reflexão de ordem teórica (formas do discurso: DD, DI e DIL). Na realidade,
em nosso contexto, os discentes recuperam outras vozes para construir um diálogo com sua
prática, seja por meio do acordo, do respaldo, da alusão, ou mesmo da crítica, conforme
veremos em seção posterior. De fato, percebemos que os estudantes buscam estabelecer
fundamentos sobre como a “teoria” pode ser incorporada em uma prática profissional. Ademais,
esses sujeitos deixam transparecer na compilação das referências esse mesmo diálogo de ordem
macro em uma dada comunidade, quer seja acadêmica quer seja profissional, por exemplo.
Isto posto, destacamos um outro elemento que esteve presente segundo a constituição
dos elementos pós-textuais, a saber: o anexo. Ressaltamos que segundo o GETA, essa seção é
destinada ao: “Texto ou documento não elaborado pelo autor, que serve de fundamentação,
comprovação e ilustração. [...]” (BRASIL, 2016a, p. 21 – destaques nossos) e de teor opcional,
enquanto no MRCT as indicações sobre esse elemento são de ordem da formatação. Este último
impõe aspectos de composição do documento, como por exemplo, que as letras devem ser
maiúsculas, sendo consecutivas de acordo com a apresentação das imagens, dos documentos
ou o que seja incorporado por essa seção).
Entretanto, apesar do esclarecimento, encontramos características típicas do elemento
“apêndice” em nosso corpus, apesar de o título da seção ser denominado como “anexo”. De
acordo com o próprio MRCT, o apêndice é dedicado ao “Conjunto de material ilustrativo ou
completar ao texto, produzido pelo aluno, tais como gráficos, tabelas, diagramas, fluxogramas,
fotografias, tabelas de cálculos, símbolos, descrição de equipamentos, modelos de formulários
e questionários, plantas ou qualquer outro material produzido.” (BRASIL, 2016b [?], p. 09 –
destaques nossos).
Desse modo, sublinhamos que a ocorrência de materiais (produzidos ou não pelos
próprios alunos-estagiários) foi intitulada por ambas CP com o título de anexo. Mais uma vez,
nossa compreensão parte de que estamos diante de jovens produtores desse contexto específico
da cultura do escrito que é instaurada. Portanto, cabe aos demais interlocutores mediadores dos
letramentos explorar as diferenças e funcionalidades dessa estrutura já estabelecida no seio
daquela CP. Pontuamos isso, pois a NBR, proposta pela ABNT, tende a padronizar essas seções
a fim de facilitar o conhecimento e a partilha entre os coenunciadores para se alcançar a
298
finalidade dessa etapa, caracterizando, assim, a dinâmica desse letramento acadêmico
específico.
Figura 32 – Exemplos da seção de anexos da CP de Agropecuária e de Edificações.
REDO2 – AGRO 01, 2016
299
REDO4 – AGRO 06, 2017
REDO5 – EDIF 01, 2018
300
REDO5 – EDIF 04, 2017
REDO5 – EDIF 03, 2017
Fonte: REDO2 – AGRO 01, 2016; REDO4 – AGRO 06, 2017; REDO5 – EDIF 03, 2017; REDO5 – EDIF 01,
2018 e REDO5 – EDIF 04, 2017.
301
Ainda assim, salientamos que apenas a CP de Agropecuária apresentou ocorrência dessa
seção ao longo dos anos, destacando-se com o uso de fotografias nos “anexos”. Esses itens
foram utilizados para comprovar as atividades exercidas (inclusive com fotos dos discentes em
atuação), para mostrar o locus do estágio (as condições de trabalho) ou para apresentar quais
remédios foram indicados ou “administrados” quando da comercialização dos produtos
fármacos. Por outro lado, a CP de Edificações consolidou tal particularidade somente a partir
dos últimos dois anos dentro do recorte proposto por esta tese. Dessa forma, fotografias, tabelas
e memorial descritivo foram alguns materiais disponibilizados nessa seção. De maneira
semelhante à CP de Agropecuária, na CP de Edificações, o “anexo” serviu para comprovar as
experiências e a atuação dos discentes: ao anexar fotos deles próprios, os estudantes-estagiários
buscaram mostrar os lugares onde atuaram no estágio, bem como os problemas encontrados,
com suas respetivas soluções, por exemplo.
Assim sendo, destacamos que os discentes de ambas as CP tenderam a trazer o título
para a ilustração, mas não informaram ao seu interlocutor a origem daquela imagem, daquele
dado. Da mesma maneira, o fizeram ao longo da seção de desenvolvimento ao não retomarem
as referências dos recursos verbo-visuais utilizados. Compreendemos que os estudantes-
estagiários costumam fazer menção a fotos, especialmente, retiradas ou produzidas por eles
mesmos em seu campo de atuação, porém deixam subtentido essa informação, conforme
podemos notar nos recortes da Figura 32 da CP de Agropecuária. Nesse caso, as imagens
recuperam os locais de atuação, procedimentos vivenciados e remédios manejados pelos
alunos-estagiários.
Por outro lado, em REDO5 – EDIF 01, 2018, por exemplo, houve a inserção de um
título o qual remontava à atividade executada e ainda atribuição à fonte, no caso, a autoria
própria. Entretanto, diferentemente dos demais relatórios que sinalizaram na seção de
desenvolvimento das atividades a necessidade de visitar os anexos para complementar o dito
naquele espaço, o aluno-estagiário não utilizou essa estratégia de coesão interna do texto.
Assim, o anexo veio como elemento “solto”, mas retomou todo o dito naquela outra seção de
maneira implícita.
A título de exemplificação, o respectivo memorial descritivo, presente na Figura 32,
foi mencionado na seção de desenvolvimento informando ao interlocutor sobre sua presença
em outra seção específica. Conforme o anexo: “[...] assim foi elaborado o levantado em um
memorial descritivo para apreciação do proprietário, como estudo preliminar do mínimo que
seria necessário na reforma da casa, mantendo o padrão de dependências já construídas. No
302
Anexo A encontra-se o memorial elaborado.” (REDO5 – EDIF 04, 2017, p. 25). Logo, essa
construção interna de coesão e coerência textual é recuperada nos outros relatórios quando da
indicação da leitura da seção de anexos.
Outro ponto que merece nosso destaque diz respeito à quantidade total de páginas para
a confecção do relatório, pois esse quantitativo não é estipulado por qualquer documento
institucional. Apenas no MRCT encontramos informações sobre a brevidade do conteúdo a ser
expresso, sinalizando mais especificamente que seções como a introdução e a apresentação da
empresa não deveriam passar de uma página e meia. Porém, não há um indicativo tal como
artigos científicos possuem quando das diretrizes da publicação, indicando de 15 a 20 páginas,
por exemplo.
Quadro 34 – Variação de números de páginas nos relatórios de estágio.
CP DE AGROPECUÁRIA TOTAL DE
PÁGINAS
CP DE EDIFICAÇÕES TOTAL DE
PÁGINAS
REDO2 – AGRO 01, 2016 50 REDO2 – EDIF 01, 2016 17
REDO4 – AGRO 01, 2016 13 REDO2 – EDIF 02, 2016 16
REDO2 – AGRO 01, 2017 09 REDO5 – EDIF 01, 2016 20
REDO2 – AGRO 02, 2017 16 REDO2 – EDIF 01, 2017 15
REDO4 – AGRO 01, 2017 20 REDO2 – EDIF 02, 2017 19
REDO4 – AGRO 02, 2017 12 REDO2 – EDIF 03, 2017 16
REDO4 – AGRO 03, 2017 12 REDO2 – EDIF 04, 2017 20
REDO4 – AGRO 04, 2017 12 REDO5 – EDIF 01, 2017 21
REDO4 – AGRO 05, 2017 13 REDO5 – EDIF 02, 2017 18
REDO4 – AGRO 06, 2017 13 REDO5 – EDIF 03, 2017 19
REDO2 – AGRO 01, 2018 10 REDO5 – EDIF 04, 2017 31
REDO4 – AGRO 01, 2018 11 REDO2 – EDIF 01, 2018 18
REDO4 – AGRO 02, 2018 19 REDO5 – EDIF 01, 2018 17
Fonte: Elaborado para este trabalho (2021).
Desse modo, independentemente de orientações sobre a forma suscinta da escrita,
deparamo-nos com projetos de dizer singulares. De fato, a própria irregularidade no número de
páginas atesta isso por um lado (Quadro 34) e, por outro, como foi trabalhado cada seção dentro
do gênero relatório. Em suma, os relatórios de ambas as CP apresentam suas especificidades
diante dos modelos propostos pelos interlocutores mediadores dos letramentos. Isso demonstra
o embate de forças verboideológicas desde a estrutura composicional, perpassando, inclusive,
a produção do projeto de dizer de grupos de áreas de saberes distintos, cujo tensionamento tende
a tratar os letramentos segundo a vertente de habilidades de estudo e/ou de socialização
acadêmica.
Muito embora, como nos lembram Bessa e Bernardino (2011, p. 2070), “[...] a
enunciação encontra na palavra a expressão de um movimento dialógico que assenta locutor e
303
interlocutor num território comum, e encontra nas situações imediatas e nos contextos sociais
mais amplos a determinação de sua estrutura, de seus estilos e formas”. E foi isso que
encontramos ao analisarmos esse aspecto correlacionado à estrutura composicional do gênero,
pois os discentes não descaracterizam esse enunciado, mas demonstraram criar respostas e
singularidades na sua composição.
Neste sentido, Bakhtin (2019b) ressalta que estamos diante de contextos inacabados
que se perdem em uma imutabilidade semântica do próprio objeto. Nesse cenário, o discurso
com seu sentido e seus efeitos se renovam diante de cada novo contexto e de seu auditório.
Portanto, conseguimos visualizar como os discentes travaram os embates com vozes
institucionais sobre a configuração do próprio gênero relatório. Além disso, é possível
concebermos como esses ecos se fazem/se fizeram presentes, não somente à nível da estrutura
composicional, mas em uma arquitetônica do gênero.
Adiante, buscamos aprofundar as análises das RD sobre a perspectiva do fio
discursivo. Assim, reforçamos que a divisão que apresentamos é puramente de ordem didática
e visa a uma melhor organização de nossas análises. Entretanto, tais análises são e devem ser
concebidas e entendidas no todo, no grande simpósio dialógico da vida.
5.2.2 A dimensão interdiscursiva nas relações dialógicas de comunidades de prática
específicas: o fio discursivo
Em continuidade ao nosso processo de escuta, passamos à compreensão da proposição
bakhtiniana do estudo do texto sob o viés dialógico. Tal entendimento ainda é permeado
segundo as reflexões sobre os letramentos em sua vertente sociocultural. De fato, além dos
elementos linguísticos presentes textualmente, há um todo que o integra, a saber: o próprio
enunciado à sua essência discursiva e dialógica.
Nesse cenário, diante de projetos enunciativos de sujeitos particulares, encontramos o
ângulo dialógico. Na realidade, este não é firmado tão somente pela estrutura linguística
(forma), segundo um objetivismo abstrato (ver subseção 2.1), mas pela existência de relações
dialógicas ancoradas no campo do discurso (BAKHTIN, 2018). Nessa “estilística sociológica”,
forma e conteúdo são “[...] indivisos no discurso concebido como fenômeno social – social em
todos os campos de sua vida e em todos os seus elementos, da imagem sonora às camadas
semânticas abstratas.” (BAKHTIN, 2015, p. 21). Portanto, é no contexto das relações concretas,
nas relações sociais e históricas que se desenvolvem entre sujeitos singulares que rompemos
304
com paradigmas que tendem, por meio de suas abstrações, a trazer verdades inquestionáveis,
as quais incentivam a elaboração de modelos únicos de produção de sentido.
Em nosso caso, revisitamos essas reflexões, visto que estamos diante de contextos
peculiares de formação de sujeitos, cuja exigência parte da produção escrita por meio do gênero
relatório de estágio para sua consequente diplomação. Assim, esse contexto social e histórico
surge atrelado a outras particularidades: endereçamento, posicionamentos axiológicos,
identidade, alteridade, entonação, relações de poder, entre outros. Todos esses são elementos
essenciais para o projeto de escuta e compreensão das RD ali presentes. Assim como nos lembra
Brait (2012, p. 10), o enunciado concreto abarca: “[...] a discursos que o constituem, a autoria
individual ou coletiva, a destinatários próximos reais ou imaginados, a esferas de produção,
circulação e recepção, interação.”
Buscamos, portanto, na presente subseção, analisar/escutar como esse projeto de dizer
nos relatórios de estágio das CP de Agropecuária e de Edificações se deixam revelar no fio
discursivo: as marcas do projeto enunciativo pelos sujeitos dos grupos investigados seguindo
uma adequação ao modelo “proposto” pela cultura acadêmica na escrita do gênero relatório ou
adotando um determinado estilo singular em resposta ao que é “imposto”; as formas de inserção
do discurso "alheio" como palavra "minha" (reprodução literal do dizer, incorporação do dizer,
evocação/alusão do dizer, reformulação do dizer), colaborando no entendimento sobre como
esse grupo de jovens produtores interage com a sua própria área do saber e campo de atuação;
e, a dimensão interdiscursiva por meio das RD.
5.2.2.1 As formas marcadas do projeto de dizer
De acordo com os interlocutores mediadores dos letramentos-institucionais, o gênero
relatório deve vir escrito especialmente em primeira pessoa, visto que se trata de um relato
pessoal sobre as experiências desenvolvidas e apreendidas no estágio curricular obrigatório
(BRASIL, 2016b [?]). Contudo, segundo alguns modelos de letramentos, a cultura do escrito
tem uma forte presença em padronizar a produção do gênero relatório tal como proposto aos
gêneros que compõem a esfera acadêmico-científica (este universo visa a uniformizar os
discursos presentes ao buscar uma suposta neutralidade e objetividade).
Relembremos as indicações da NBR 10719/2011 (citada na seção 2.3.1.1.1 desta tese)
ao tratar sobre o relatório técnico e/ou científico. Neste, há um encaminhamento para seguir a
uniformidade exposta segundo a NBR 6028/2003 (sobre confecção de resumos), ditando que a
linguagem “Deve-se usar o verbo na voz ativa e na terceira pessoa do singular”. Essa produção,
305
segundo Cortes (2009, p. 03), reafirma a ancoragem em pressupostos de uma racionalidade
universal pautada em uma concepção logocêntrica da linguagem. Assim, o discurso científico
“[...] apresenta as coisas como que adquirindo vida e falando por si só, assumindo, assim, um
caráter de neutralidade e de inquestionabilidade [...].”
Em outras palavras, esse discurso não deve abrir margens para interpretações ou
subjetividades, pois carrega consigo a verdade da própria realidade, revelando-se como
elemento imparcial. Acerca do tema, Bakhtin (2010) compreende que esse distanciamento
imposto na linguagem e de bases racionalistas tende a polarizar o racional frente ao singular,
ao individual, pois, segundo o autor:
[...] A posição do terceiro é plenamente justificada onde um indivíduo pode colocar-
se no lugar do outro, onde o homem é perfeitamente substituível, e isso só é possível
e justificável em situações e na solução de questões em que não se faz necessária a
personalidade integral e ímpar do homem, isto é, onde o homem, por assim dizer, se
especializa, exprimindo apenas uma parte de sua personalidade separada do todo,
onde ele não atua como eu mesmo mas “como engenheiro”, “como físico”, etc. [...]
(BAKHTIN, 2017, p. 38 – 39).
Entretanto, conforme defendemos ao longo de nossa pesquisa, e pautados no viés
bakhtiniano sobre a essência dialógica da linguagem, partimos do entendimento de que não há
discurso neutro. Isto se dá pelo fato de sempre nos encontrarmos diante de discursos implicados
e repletos de vozes sociais. Portanto, os discursos são ricos em respostas e incentivam a cadeia
do diálogo, tanto com o já-dito como o porvir.
Para Fuza (2015), com quem coadunamos, na realidade, é possível a existência de
estratégias formais no texto que busquem criar efeitos de sentidos nos quais o enunciador
transpareça como “um mero observador”, pois esse coloca o objeto do discurso como sujeito
da ação. Ainda assim, esses efeitos de sentidos criados pelo sujeito do discurso são também
uma marca de estilo e de autoria, pois a “[...] partir do momento em que se aborda um dado
objeto, fala-se dele, já significa que o sujeito assumiu uma certa atitude sobre ele.” (FUZA,
2015, p. 275), assumiu, portanto, uma atitude valorativa frente a esse objeto: como
consequência, esses valores seguem imbricados de ideologia, de relações dialógicas entre os
mais variados discursos. Por sua vez, Bakhtin (2010, p. 85) defende que a palavra e/ou o
enunciado: “[...] não tem a ver com o objeto inteiramente dado: pelo simples fato de que eu
comecei a falar dele, já entrei em uma relação que não é indiferente, mas interessado-afetiva, e
por isso a palavra não somente denota o objeto como de algum modo presente, mas expressa
também sua entonação [...]”.
306
Em nossa percepção, estamos diante de uma forte cultura do escrito instaurada. Assim,
ainda que em outras situações (distintas do agir científico), onde se confundem as esferas de
atuação da atividade humana, teremos a presença de tais fenômenos que buscam tratar a escrita
acadêmica como apartada da subjetividade, do estilo, de marcas de autoria singulares. Porém,
como estamos observando em nossas análises, a enunciação concreta dos sujeitos discursivos
investigados revela como ocorrem essas tensões entre forças centrípetas e centrífugas no uso
da linguagem. Esses movimentos, por sua vez, são responsáveis por criar efeitos distintos de
sentidos por meio do projeto de dizer.
Seguindo essa linha de raciocínio, o sujeito expressa no enunciado concreto o seu dizer
mediante o ponto de vista do outro ou “[...] da perspectiva da minha coletividade. [pois] A
palavra é uma ponte que liga o eu ao outro. Ela apoia uma das extremidades em mim e a outra
no interlocutor. [...]”. (VOLÓCHINOV, 2018, p. 205). Deste modo, o narrador, o sujeito
discursivo, em nosso contexto, o discente-estagiário, nunca será “puramente objetificado”,
porque para esse sujeito-autor importa a maneira “de ver e representar” sua própria história
(BAKHTIN, 2018), entendendo que em seu horizonte social há um outro com que ele interage,
responde, dialoga e conduz o seu próprio dizer.
Dito isso, apresentamos nos quadros 35 e 36, um dos fios discursivos em torno das
formas marcadas do projeto de dizer (marcas de primeira ou terceira pessoa reveladas nos usos
de pronomes pessoais, desinências verbais e pronomes possessivos) que singularizam os grupos
sociais das CP investigadas. Pontuamos que buscamos demonstrar a recorrência de
determinados fenômenos ao longo dos anos segundo o recorte longitudinal proposto para nossa
tese.
Assim sendo, dentre os exemplos elencados da CP de Agropecuária, enfatizamos que
os discentes-estagiários costumam utilizar a primeira pessoa do singular, especialmente, nas
seções de agradecimentos, introdução e conclusão. Por outro lado, nas demais seções é
recorrente o uso da primeira pessoa do plural ou da terceira pessoa do singular. Essas
particularidades observadas no discurso desses sujeitos revelam a alteridade constituinte do seu
dizer. É pertinente pontuarmos que, nessas seções que possuem uma certa abertura para se
mostrarem como sujeitos autorais, conforme indicações dos próprios interlocutores mediadores
dos letramentos institucionais (GETA e MRCT), os alunos-estagiários costumam recuperara
sua voz de maneira mais evidente. Entretanto, quando do desenvolvimento das tarefas
executadas, a referida voz de viés acadêmico-científico é incorporada por meio da
demonstração de certo distanciamento e “seriedade” para com a análise. Reafirmamos que,
mesmo diante de uma possível busca de neutralidade na forma enunciativa, essa voz sempre
307
tem um “autor” e é por meio do fio discursivo que encontramos o seu “criador”, de modo a
fundir forma e conteúdo, conforme lição de Bakhtin (2017; 2018).
Quadro 35 – As formas marcadas do projeto de dizer: exemplos da inserção do sujeito no enunciado – CP de
Agropecuária.
RELATÓRIO SEÇÃO DO RELATÓRIO163 / EXCERTOS
REDO2 –
AGRO 01,
2016
Agradecimentos
Gostaria de agradecer primeiramente a Deus por ter me proporcionado experiências
maravilhosas nesses quatro anos de curso, por ter me concedido muita saúde e paciência
esses anos todos e a minha família, que é o pilar principal de minha existência. [...] (p. 03 –
destaques nossos)
Desenvolvimento
O leite é um alimento essencial na dieta de qualquer mamífero, e a partir dele podemos fazer
vários derivados, como queijos, iogurtes, nata, entre outros alimentos que compõem a dieta
dos seres humanos. No local em que o estágio se concretizou não é diferente. O setor de
bovinocultura é responsável por abastecer todo dia o laboratório de processamento de leite,
após processado, o alimento é servido no refeitório para os alunos internos da instituição.
No período em que estagiamos, o setor não estava em seu auge de produção. Tínhamos
apenas seis vacas produzindo [...] (p. 09 – destaques nossos)
No setor de bovinocultura, na tentativa de induzir o cio das vacas, fizemos um procedimento
utilizando o hormônio Prostaglandina, este hormônio que em seus mecanismos de ação
consistem em induzir a regressão prematura do corpo lúteo, interrompendo a fase
progesterônica do ciclo estral e permitindo o início de um novo ciclo (GONZÁLEZ et al.,
2008) [...] (p. 12 – destaques nossos)
REDO2 –
AGRO 02,
2017
Agradecimentos
Ao Prof.XXX, pela excelente orientação. Aos Médicos Veterinários e proprietários da Farma
Vet, XXX e XXX por terem cedido o espaço para realização do meu estágio e pelos
conhecimentos acrescentados na minha formação. [...] (p. 04 – destaques nossos)
Atividades desenvolvidas
No estágio, tive um maior contato com atendimento ao público na parte de produtos
fármacos, onde observava a fala do cliente quanto aos sintomas que o animal apresentava e
as orientações que os médicos veterinários faziam, para assim, no caso de uma
recomendação simples conseguir orientar o produtor. (p. 09 – destaques nossos)
REDO4 –
AGRO 01,
2017
Introdução
Durante o período do estágio, pude observar que os produtores rurais têm certa dificuldade
por morar no semiárido. [...]
Olhando por outro lado, fica explícito o déficit de cuidados com os rebanhos, em que
podemos levantar as seguintes hipóteses: [...]
Durante o estágio curricular, percebeu-se em contato com os produtores rurais, a
importância de acompanhar os rebanhos [...] (p. 01 – destaques nossos)
REDO4 –
AGRO 03,
2017
Atividades desenvolvidas
Durante o estagio realizamos visitas na madalla podendo ver que é um projeto que trabalha
com pecuária, agricultura tento assistência técnica para que possa ter um manejo adequado
e tendo uma boa produtividade. [...] (p. 11 – destaques nossos)
Conclusão
O estágio mostrou-me a importância para o enriquecimento de conhecimentos,
possibilitando uma visão mais ampla da importância da profissão de Técnico em
Agropecuária. Dando oportunidade de conhecermos a vida dos pequenos agricultores
rurais, e seus meios de produção e técnicas utilizadas. Podendo mostrar técnicas eficazes de
criação de animais e plantações que podem elevar a produção, sem causar tantas percas e
gerando renda. Com isso pode-se mudar a realidade do Nordeste brasileiro, aplicando
técnicas de convivência com a seca, e melhorando a produção agrícola e pecuária. (p. 11 –
destaques nossos)
Conclusão
163 Os títulos das seções foram recuperados tal qual foram mencionados nos relatórios de origem
308
REDO2 –
AGRO 01,
2018
Durante meu período de estágio na ADAGRO, pude observar algumas dificuldades no que
diz respeito à necessidade do aumento do quadro de funcionários, que contribuiria para um
serviço mais abrangente. Porém, o mesmo foi de total importância para o meu
amadurecimento profissional/pessoal,[...] (p. 11 – destaques nossos)
Fonte: Elaborado para este trabalho (2021).
Desse modo, o estudante-estagiário, identificado como REDO4 – AGRO 01, 2017,
trouxe na seção de atividades desenvolvidas uma mescla do uso da forma de se revelar no dizer.
Isto ocasionou, portanto, uma “hibridização164” do papel estabelecido como jovem produtor
dessa esfera de atuação. Em sua escrita, o aluno fez uso da primeira pessoa do singular “eu”:
“pude”, da primeira pessoal do plural “nós”: “podemos” e um “ele” associado a não pessoa:
“percebeu-se” (índice de indeterminação do sujeito). Assim, todos esses elementos recuperados
também pelas desinências dos verbos conjugados estavam presentes em uma mesma seção do
relatório. Por sua vez, em REDO4 – AGRO 03, 2017, de igual modo, visualizamos o uso da
primeira pessoa do plural ao longo do desenvolvimento do seu trabalho. Contudo, na seção de
conclusão, o discente-estagiário utilizou a primeira pessoa do singular, como em “mostrou-me”,
e do plural, como em “conhecermos” e ainda a terceira pessoa do singular, a exemplo de “pode-
se”. Em ambos os casos, entendemos que a modalização utilizada tenta esconder o enunciador,
mas pelo próprio contexto narrativo, compreendemos se tratar do estagiário, o autor da ação.
De todo modo, destacamos que essa hibridização do papel estabelecido é recorrente nos
trabalhos investigados da CP de Agropecuária, embora tenha sido mais usual os discentes o
fazerem em seções distintas. Neste sentido, REDO2 – AGRO 01, 2016, por exemplo, utilizou,
na seção de agradecimentos, de verbo e pronomes possessivos referentes à primeira pessoa do
singular: “Gostaria”, “me”, “minha”. Por outro lado, no desenvolvimento, o discente
incorporou uma voz de grupo ou quiçá de apagamento (que atenua o foco sobre a pessoa –
FUZA, 2015) ao utilizar marcas da primeira pessoa do plural: “podemos”, “estagiamos”,
“Tínhamos”, “fizemos”. Fenômeno similar ocorreu no relatório REDO2 – AGRO 01, 2018: o
discente-estagiário produziu, na sua introdução, um certo “afastamento” sobre o objeto a ser
narrado. Entretanto, na seção de conclusão, ele se revelou e se mostrou enquanto sujeito autor
daquela experiência ao usar da primeira pessoa do singular.
Por seu turno, o relatório da aluna REDO2 – AGRO 02, 2017 demonstrou a seguinte
particularidade: o uso de um único papel, ou seja, a discente narrou sua experiência conforme
164 Termo utilizado por Fuza (2015) quando ocorre a mescla de papéis, ora evocando a inserção de si nos
enunciados, ora propondo um distanciamento. Porém, reforçamos que em ambos os casos o sujeito-autor está
presente, apenas em dados momentos ele se apresenta por meio do “eu” – sujeito da ação/foco, do “nós” inclusivo
e/ou com uma voz acadêmica, tal qual a sugestão de uso da 3ª pessoa do singular.
309
solicitação dos interlocutores mediadores dos letramentos institucionais, a saber: produzir em
primeira pessoa do singular. Desse modo, em sua escolha sobre a forma de como dizer e como
se instaurar no discurso presente no relatório, a discente privilegiou o seu próprio dizer,
transformando-se em a principal figura enunciadora do relatório.
Não diferentemente, a CP de Edificações possui movimentos similares à CP de
Agropecuária: ao mesmo tempo que se revela no fio discursivo enquanto personagem do dizer,
também é possível observamos o distanciamento evocado ao tentar objetificar essa narrativa.
Assim, REDO5 – EDIF 01, 2016 e REDO2 – EDIF 01, 2018 se denominam como o
“estagiário” e REDO2 – EDIF 04, 2017 como a “aluna”, buscando criar esse certo
distanciamento conforme as orientações de uma cultura do escrito que privilegia o racional, a
não presença da subjetividade nas produções escritas.
Quadro 36 – As formas marcadas do projeto de dizer: exemplos da inserção do sujeito no enunciado – CP de
Edificações.
RELATÓRIO SEÇÃO DO RELATÓRIO / EXCERTOS
REDO5 –
EDIF 01,
2016
Introdução
O estágio supervisionado tem por objetivo proporcionar ao estagiário treinamento prático,
aperfeiçoamento técnico, cultural, científico e de relacionamento humano, como
complementação da minha formação profissional no ambiente de trabalho. (p. 08 –
destaques nossos)
Atividades desenvolvidas
[...] Outro fato, foi a única obra residencial que o estagiário acompanhou pela empresa. (p.
17 – destaques nossos)
REDO2 –
EDIF 04,
2017
Atividades desenvolvidas
Iniciou-se as atividades pelo estudo do projeto arquitetônico da referida obra, obtendo a
compreensão da construção e suas locações. (p. 09 – destaques nossos)
Conclusão
As experiências adquiridas e vividas durante o período de estagio foi de grande importância
para o crescimento profissional e pessoal da aluna. [...] (p. 20 – destaques nossos)
REDO5 –
EDIF 01,
2017
Atividades desenvolvidas
O ensaio para a determinação de índice de forma pelo método de paquímetro foi um dos
ensaios executados durante o período de estágio. [...] (p. 07 – destaques nossos)
Durante o período vigente do estágio, foram realizados métodos de levantamento topográfico
altimétrico, a fim de se obter as alturas relativas de uma superfície para geração de curvas
de nível e construção de perfis topográficos, objetivando a mensuração de áreas e
conhecimento geral do terreno por meios de instrumentos adequados. (p. 11 – destaques
nossos)
Das condições exigidas para a execução do levantamento topográfico, compatibilizamos
medidas angulares, medidas lineares, medidas de desníveis e as respectivas tolerâncias em
função dos erros, selecionando métodos, processos e instrumentos para a obtenção dos
resultados compatíveis com a destinação do levantamento. (p.12 – destaques nossos)
Com o intuito de informatizar e profissionalizar ainda mais, durante o período de estágio
teve-se a realização de diferentes fichamentos técnicos acerca de algumas NBRs, tendo em
foco, as normas que mais são utilizadas devido os ensaios para grupos de pesquisas e aulas
práticas.[...] (p. 15 – destaques nossos)
Os fichamentos foram de grande importância pois foi preciso dedicação para realizar a
leitura e compreensão de cada metodologia e procedimento dos diferentes ensaios, tentando
manter o mais padrão possível, fazendo também com que me aprimorasse cientificamente, já
que aprendi o modo correto e padronizado de realizar diferentes ensaios, o que hoje em dia
310
é de grande auxílio para um laboratório da área de construção civil. (p. 17 – destaques
nossos)
REDO2 –
EDIF 01,
2018
Introdução
O estágio é parte fundamental do curso de Edificações, pois o mesmo possibilita uma
oportunidade de vivenciarmos algo essencial para o curso, a parte prática daquilo que
estudamos. (p. 06 – destaques nossos)
Atividades desenvolvidas
Seguir o que foi descrito no projeto é uma das atividades mais rigorosas dentro do ramo da
construção civil já que esta é quem garante que o produto será igual ao exigido pelo cliente,
tive a oportunidade de garantir que a obra fosse executada tal qual descrito no projeto e
sempre dentre os critérios das normas e mantendo o controle de qualidade da construção
apreendido durante o curso de Edificações. (p. 09 – destaques nossos)
Também foi atribuído ao estagiário a responsabilidade de anotar o horário de chegada dos
funcionários, até o período matutino que encerravam suas atividades, de 07h00 às 11h00 [...]
(p. 10 – destaques nossos)
[...] Por meio de uma prancheta, anotei o horário do recebimento do material e após o seu
descarrego contei se a quantidade que chegou foi a mesma que foi comprada [...] (p. 15 –
destaques nossos)
Fonte: Elaborado para este trabalho (2021).
Sinalizamos que os discentes se revelam e nos indiciam certa dificuldade na manutenção
da coesão e coerência interna do texto, especialmente de como se apresentam dentro do
relatório. Esses conhecimentos, salientamos que dizem respeito, em especial, aos letramentos,
à aquisição e ao domínio da própria língua, pois esses são elementos basilares para enfim
trabalhar os efeitos de sentidos por meio da linguagem. Para Volóchinov (2019), é árduo esse
processo de produção escrita, pois ao refletir sobre o próprio discurso, o autor se encontra diante
de duas possibilidades distintas: o produtor da escrita pode utilizar uma norma-padrão
(entendida como a linguagem adotada por seu grupo social) ou se revestir de uma máscara para
compor um perfil de narrador escolarizado, culto, com uma linguagem rebuscada. Em ambos
os casos, os caminhos para o jovem escritor se apresentam como laboriosos, pois além de
escolher as palavras, é necessário que este possua conhecimento sobre o manejo e a disposição
dessas, segundo a forma de narrar.
Assim, REDO5 – EDIF 01, 2016 inseriu, na introdução de sua narrativa, o pronome
“minha”. Entretanto, no decorrer de sua exposição demonstrou optar por certo “afastamento”,
pois nomeou a si próprio em todas as ocasiões como o “estagiário”, bem como descreveu suas
próprias ações em voz ativa na terceira pessoa do singular, como grafou em “acompanhou”. O
mesmo ocorreu em relação aos exemplos expostos nos relatórios de REDO5 – EDIF 01, 2017
e REDO2 – EDIF 01, 2018. No primeiro caso, ao expor as atividades desenvolvidas, ora o
discente-estagiário fez uso da primeira pessoa do singular (me aprimorasse), ora do plural
(compatibilizamos). Depois, seu foco recaiu sobre o objeto da ação e o estudante passou a
utilizar a terceira pessoa do singular (foi) ou utilizou a voz passiva (foram realizados, teve-se).
311
No segundo exemplo, o aluno fez uso da primeira pessoa do plural na introdução do trabalho e
incorporou no seu dizer um senso de coletividade por remontar às vivências de seu grupo
(vivenciarmos, estudarmos). No entanto, ao narrar as atividades desenvolvidas, o discente-
estagiário não manteve a concordância inicial com relação às formas de marcação de sua
inserção do texto. Esta evidência se deu devido à utilização da primeira pessoa do singular (tive,
anotei, contei). Por outro lado, em outros momentos, o estudante personificou a figura do
estagiário ao utilizar também a voz passiva (foi atribuído).
No recorte apresentado, REDO2 – EDIF 04, 2017 manteve esse “distanciamento” em
todo o seu relatório, demonstrando uma certa coerência interna quando da sua implicação do
dizer: ou seja, se revestiu de uma máscara, tal como exposto por Volóchinov (2019). De todo
modo, ressaltamos que se tratam de jovens produtores de um contexto peculiar sobre a dinâmica
do escrito, como estamos denominando acadêmico-profissional.
Portanto, refletimos que manejar essas vozes e papéis de como se revelar no discurso e,
consequentemente, manter uma concordância textual interna significa tarefa difícil até mesmo
para pesquisadores e estudiosos de longa expertise, imagine para esses jovens produtores nesse
contexto formativo que vê a língua torna-se: “[...] uma massa pesada e árdua de manejar, a
partir da qual é tão difícil construir uma frase leve, bonita e, o mais importante, que transmita
com precisão as intenções do autor. [...]” (VOLÓCHINOV, 2019, p. 236).
Logo, essa etapa de capacitação e de iniciação a um modelo de escrita permeia também
ecos de outras vozes formativas de letramentos anteriores, pois talvez o uso recorrente da
terceira pessoa do singular ou da voz passiva que, a princípio, designaria a ausência ou a um
apagamento/afastamento do sujeito discursivo, podem ser reflexo de uma cultura acadêmica-
científico (FUZA, 2015) vivenciada por esses estudantes e/ou solicitada por seus interlocutores
mediadores dos letramentos imediatos: os orientadores165. Relembramos ainda que muitos
desses alunos possuem contato com essa experiência acadêmica no seu contexto formativo
(foram bolsistas, monitores, participaram já de congressos, simpósios, jornadas, entre outros).
Este fator pode ser traduzido para essa etapa com uma certa confusão de finalidades e propósitos
enunciativos do gênero em tela. Assim, a relação social existente entre os sujeitos, as
personagens de uma narrativa e os interlocutores do discurso acaba por determinar também o
estilo adotado pelos autores, produtores do discurso (BRAIT, 2017; BAKHTIN, 2017; 2018).
Em suma, compreendemos como esses indícios em nível linguístico prontamente nos
revelam os efeitos de sentidos provocados por esses sujeitos discursivos singulares. Isto
165 Tais orientadores estavam experimentando ou haviam vivenciado há pouco uma cultura acadêmica-científica
segundo sua respectiva formação: mestrado e/ou doutorado.
312
acontece porque a instância reveladora que é a língua, é por nós “[...] entendida como um lugar
de exposição e constituição de identidades e de sujeitos [...]” (BRAIT, 2012c, p. 92). Segundo
Bakhtin (2018, p. 208): “[...] quanto mais coisificada a personagem, tanto mais acentuadamente
se manifesta a fisionomia da sua linguagem. [...]”. Por este motivo, refletimos que não é pelo
fator estritamente linguístico dado à forma de auto enunciar-se no texto que deve ser enfatizado
em uma análise metalinguística sobre um dado fenômeno de linguagem, mas pelo ângulo
dialógico, pelas relações que são formadas e estabelecidas em promover essas “características
do discurso”.
Desse modo, reforçamos que estamos somando uma abordagem dialógica com a
perspectiva dos NLS, sob a configuração dos letramentos acadêmicos associados a determinada
CP. Além dessa forma de implicar-se no texto, ampliamos o debate na seção 5.3 sobre como
essas marcas designam ainda pertencimento a grupos, a associações ou outras instituições
reveladas na nomeação. De fato, tal associação pode se dar na sinalização ou na demarcação de
engajamento, correlacionado ao empreendimento dos grupos investigados: Agropecuária e
Edificações, por exemplo.
5.2.2.2 As formas de inserção do discurso "alheio" como palavra "minha"
Compreendermos o fenômeno das formas de inserção da presença do outro no discurso
significa refletirmos sobre “[...] o discurso sobre o discurso, o enunciado sobre o enunciado.”
(VOLÓCHINOV, 2018, p. 249). Esse fenômeno acontece porque vivemos em um mundo
repleto e povoado por palavras dos outros (BAKHTIN, 2017). Assim, a todo momento somos
impelidos a nossa existência do não-álibi, a sermos sujeitos responsivos e respondentes,
constituindo-nos alteritariamente por intermédio dessas mesmas palavras.
Desse modo, nossa orientação discursiva, intenções e projeto de dizer perpassam o
contato com outras vozes que nos constituem e nos laçam a travar um diálogo. Este movimento
dialógico pode ser dar no sentido de responder, repudiar, concordar, lutar, tensionar, incorporar
e revisitar palavras de um já-dito. Ou seja, nessa confluência dialógica, “fundimos inteiramente
a nossa voz” (BAKHTIN, 2018, p. 223) com as palavras dos outros. Neste sentido, por vezes
acentuamos nossas próprias palavras buscando a ancoragem segundo esses dizeres; em outros
momentos, revestimos essas palavras de nossas intenções – inclusive, podemos visualizar
movimentos cujas fronteiras da autoria se apagam, por exemplo.
Em relação ao nosso contexto de pesquisa ao buscarmos as RD no gênero relatório de
estágio, inevitavelmente, as formas de presença do outro no fio discursivo constituem e
313
caracterizam o próprio gênero, pois o contexto avaliativo e de adequação do sujeito a um
discurso institucionalizado sobre a produção desse gênero exercem uma força reguladora que
impele os estudantes a buscarem respaldos em vozes de autoridade, conforme exposto no GETA
e no MRCT:
Devem ser indicadas, além das vivências, as referências bibliográficas, webgráficas,
etc, utilizadas no decorrer de cada uma das atividades desenvolvidas. Não insira nada
gratuitamente, porém não deixe de inserir referências que serviram para o
desenvolvimento de cada uma das atividades (leis, códigos, manuais, artigos,
livros, sites, etc) – (BRASIL, 2016a, p. 06; BRASIL, 2016b [?], p. 8 – destaques
nossos).
Como consequência, o contexto transmissor do discurso alheio possui uma orientação
social diante do grupo de cada CP (Agropecuária e Edificações), estabelecendo uma forma
mútua sobre a comunicação verboideológica desses sujeitos. Assim, o discurso construído no
relatório de estágio considera esse grupo/auditório social, esses interlocutores mediadores dos
letramentos como um horizonte social partilhado. Essa perspectiva orienta a escrita dos
discentes sobre como transmitir, recuperar ou ainda incorporar o dizer das palavras alheias
(BAKHTIN, 2018; VOLÓCHINOV, 2018).
Logo, os discentes o fazem, pois se trata de “[...] um caso de inter-relação dialógica
entre palavras diretamente significativas dentro de um contexto. [...]” (BAKHTIN, 2018, p.
215), já que esse cenário implicado no dizer estabelece o manejo com o discurso dos outros
buscando refutar, confirmar e/ou complementar algo, sobretudo, na narrativa das atividades
desenvolvidas. Segundo Brait (2012c, p. 94) é justamente por meio de uma narrativa de
orientação dialógica que encontramos as “minúcias estilístico-discursivas, no enunciado
concreto”. Portanto, as formas de presença ou ausência que são diluídas, incorporadas ou
marcadas vão estabelecendo a própria voz autoral dos discentes-estagiários nas CP
investigadas; e ao investigarmos esses modos de dizer podemos promover uma reflexão sobre
as formas de compreensão do processo formativo desses sujeitos, indicando ações futuras sobre
como abordar o manejo com o discurso do outro em suas práticas (GUEDES-PINTO, 2016).
Isso posto, ressaltamos que, em nossa análise sobre esses processos das formas de
presença do outro no fio discursivo, optamos partir da proposta construída por Bessa (2016) em
sua investigação sobre a construção autoral na escrita de jovens pesquisadores na esfera
acadêmico-científico. Segundo o autor, o movimento interpretativo de um grupo investigado
tende a manejar o dizer do outro por meio de formas distintas de citar esse discurso por meio
de um contínuo. Este movimento acontece ao se seguir um eixo da reprodução literal do dizer,
314
perpassando pela condensação do dizer até se chegar a reformulação do dizer de forma mais
recorrente.
Contudo, sinalizamos que nosso contexto perpassa outra realidade e outra esfera de
atuação da atividade humana, especialmente, com sujeitos distintos daqueles (jovens
pesquisadores mestres, como na pesquisa de Bessa – 2016). Por este motivo, adaptamos essas
categorias para nossa compreensão e assim construímos uma nova interpretação, segundo os
nossos dados, ao entrelaçarmos ainda alguns pontos sobre a representação do discurso outro
(RDO), tal como proposto por Authier-Revuz (2011), como apresentamos a seguir.
5.2.2.2.1 Reprodução literal do dizer
Destacamos, a princípio, as formas de inserção do discurso “alheio” como palavra
“minha” no eixo reprodução literal do dizer. Nessa modalidade encontramos as formas de citar
segundo o conteúdo do dizer recuperado por meio de uma maior precisão e/ou fidelidade do
dizer-fonte. Nessa perspectiva, o sujeito tende a não se comprometer diante de um esforço de
reelaboração do dizer frente ao discurso do outro, pois se utiliza do discurso citado direto, do
discurso citado com que, ou de “[...] alguns dos casos de modalização em discurso segundo
sobre o conteúdo e de modalização em discurso segundo sobre as palavras.” (BESSA, 2016, p.
231).
À vista disso, pontuamos que, em nosso contexto de análise, os estudantes-estagiários
de ambas as CP quase não recorreram a esse uso da reprodução literal do dizer, quiçá pela
característica do gênero em sua forma composicional e estilo, já que estamos diante,
especialmente, de uma narrativa das atividades; ou ainda, talvez, pela “maturidade”, segundo a
cultura do escrito estabelecida no viés formativo desses estudantes, para com as possibilidades
do gênero relatório e suas respectivas formas de citar.
Assim, do total de 26 relatórios, sendo 13 de cada CP, somente 02 de Agropecuária e
04 de Edificações utilizaram a reprodução literal do dizer para recuperar e sinalizar no fio
discursivo o dizer do outro. Destamos que isto se deu, de modo especial, em partes específicas
do relatório, como as seções da introdução e do desenvolvimento das atividades.
Quadro 37 – As formas de inserção do discurso “alheio” como palavra “minha”: reprodução literal do dizer.
RELATÓRIO SEÇÃO DO RELATÓRIO / EXCERTOS
REDO4 –
AGRO 01,
2016
Introdução
[...] Para que a certificação permaneça valendo, é necessário que, pelo menos, 90% dos
rebanhos sejam vacinados. “O certificado permite comercializar em todo o país e inclusive
315
no exterior. Caso perca a certificação, volta a barreira sanitária e os criadores poderão
vender apenas dentro do estado”. (G1, 2015) (p. 05)
REDO4 –
AGRO 01,
2017
Atividades desenvolvidas
É por certa ausência que houve a iniciativa de expor isso no relatório. Houve caso de um
produtor rural comparecer à farmácia, desesperado com uma criação “Ela está com um
caroço enorme e pode até ser um tumor doutor” disse o proprietário ao médico veterinário
e ao passar todos os sintomas, logo foi identificado que a situação, não era tão “grave” como
imaginava. [...] (p. 09)
REDO5 –
EDIF 01,
2017
Atividades desenvolvidas
Segundo a ABNT – NBR 13133 diz que “o levantamento topográfico é um conjunto de
métodos e processos que, através de medições de ângulos horizontais e verticais, de
distâncias horizontais, verticais e inclinadas, com instrumental adequado à exatidão
pretendida, primordialmente, implanta e materializa pontos de apoio no terreno determinado
suas coordenadas topográficas. A estes pontos se relacionam os pontos de detalhes visando
à sua exata representação planimétrica numa escala predeterminada e à sua representação
altimétrica por intermédio de curvas de nível, com equidistância também predeterminada
e/ou pontos cotados” (p. 11)
REDO5 –
EDIF 04,
2017
Atividades desenvolvidas
3.3.5 Cortes
A NBR 6492 (1992) define ser o “plano secante vertical que divide a edificação em duas
partes, seja no sentido longitudinal, seja no transversal”, indica-se a direção que será feito
o detalhamento do corte e deve ser cotado as alturas. (p. 13)
Atividades desenvolvidas
3.3.6 Fachadas
Eles permitem que o leitor veja o resultado final da construção vistas de fora. A NBR 6492
(1992) conceitua sendo a “representação gráfica de planos externos da edificação”, e “os
cortes transversais e longitudinais podem ser marcados nas fachadas”. (p. 14)
REDO5 –
EDIF 03,
2017
Introdução
“§ 1º Os técnicos de 2º grau das áreas de Arquitetura e de Engenharia Civil, na modalidade
de Edificações, poderão projetar e dirigir edificações de até 80m2 de área construída, que
não constituam conjuntos residenciais, bem como realizar reformas, desde que não
impliquem em estruturas de concreto armado ou metálica, e exercer a atividade de desenhista
de sua especialidade.” (DECRETO Nº 90.922, 1985). (p. 04)
REDO5 –
EDIF 01,
2018
Atividades desenvolvidas
Depois de analisarmos alguns projetos, constatamos certos erros visíveis nas plantas citadas
acima, e, demos o seguinte parecer.
“A localização do prédio em seu lote deve estar presente na planta de locação e coberta. Os
recuos laterais, frontais, e posteriores devem estar representados. Consta no projeto em
questão apenas a planta de coberta. Retificar”;
“Na planta de coberta deve-se indicar o tipo de telha e as devidas inclinações das águas de
coberta. Deve-se incluir a representação de norte.”
“Os três lavabos estão com larguras inferiores ao mínimo permitido de 1,20m.” [...] (p. 13)
Fonte: Elaborado para este trabalho (2021).
Dentre as particularidades visualizadas, encontramos na CP de Agropecuária, no
relatório produzido pela estudante sob o código REDO4 – AGRO 01, 2016, por exemplo, a
característica de recuperar esse outro em seu dizer. Entretanto, a estudante não fez uso de
elementos coesivos ou que reportassem a um elemento modalizador “segundo outra fonte”
(BESSA, 2016, p. 232). Isso demonstra, como pontua Authier-Revuz (1998), que a utilização
do discurso direto não é simples, nem objetivo e nem fiel, pois existem inúmeras formas de
recuperá-lo e criar sentidos nas maneiras de inseri-lo no discurso. Na realidade, vemos, neste
316
excerto, uma forma marcada que exige um trabalho puramente interpretativo do discurso direto
evocado (ver reflexão sobre o par: explícito versus interpretativo na seção 2.2.1 desta tese).
Assim, na análise do relatório em questão, a discente-estagiária buscou somar esse dizer
ao seu percurso de apresentação sobre a certificação dada aos rebanhos vacinados. Logo, a
estudante estabeleceu uma concordância com uma voz de autoridade que forneceu respaldo na
argumentação sobre a importância da certificação na comercialização dos produtos. Nesse caso,
a aluna-estagiária pesquisou em um jornal de ampla circulação (G1) os efeitos da não vacinação
e a consequente não certificação para o produtor, estabelecendo para seu interlocutor que ela
(re)conhece os efeitos que podem ser ocasionados no campo de atuação do seu labor.
Movimento similar na introdução do relatório foi feito por REDO5 – EDIF 03, 2017,
pois o discente não promoveu qualquer estratégia discursiva capaz de modalizar a entrada do
discurso de respaldo recuperado. De fato, o Decreto nº 90.922, 1985 foi citado pelo estudante
em um parágrafo específico no corpo textual. Assim, por meio de um trabalho puramente
interpretativo da forma de citação evocada (AUTHIER-REVUZ, 1998), compreendemos que o
estudante-estagiário buscou essa voz para estabelecer com ela um diálogo sobre a importância
da qualificação profissional de técnicos de Edificações e sobre o campo de atuação desse sujeito
especialista, no qual, em pouco tempo, ele mesmo estaria apto a atuar como membro desse
grupo de expertise, segundo o próprio Decreto exposto. Porém, sublinhamos que essa
compreensão só nos é possível pela inferência construída a respeito do conteúdo exposto, uma
vez que os desdobramentos e/ou comentários possíveis sobre a recuperação desse dizer não foi
feito pelo discente. Em nosso entendimento, essa seria uma característica presente em ambas
as CP, em relação ao desenvolvimento dos argumentos, pois os sujeitos-estagiários não
costuram e nem ampliam a reflexão sobre os discursos evocados.
Por outro lado, conforme sinaliza Authier-Revuz (2011, p. 07), estamos diante de “fatos
enunciativos”, apresentados essencialmente pelas “heterogeneidades”, que mesclam as
dimensões interlocutivas e interdiscursivas no coração do dizer. Dessa forma, os discentes nos
indiciam que esses heterogêneos estão presentes, por um lado, recuperando uma alteridade
representada (o jornal e o decreto) e, por outro, pela alteridade constitutiva. Essa relação se dá
pelo “fato” perante ao interlocutor a quem dirijo o meu dizer (os orientadores do estágio, a título
de exemplificação). Logo, a compreensão instaurada entre os sujeitos se dá por intermédio
dessa relação: “Por trás da interlocução, representada, o interdiscurso”, pois estamos diante de
uma dada esfera e campo de atuação, cujos discursos circulam entre seus membros e possuem
ecos dialógicos para aqueles que as integram.
317
Assim, no relatório de REDO4 – AGRO 01, 2017, temos uma amostra da reprodução
literal que retomou formas marcadas explícitas do dizer em modalização do discurso segundo
sobre o conteúdo exposto pelo proprietário e retomado pelo discente-estagiário. Enfatizamos
que, mesmo diante da falta de pontuação ou de elementos que sinalizariam uma coesão textual
mais adequada a um processo de textualização, conseguimos visualizar como o aluno recuperou
o dizer, uma vez que demonstrou preocupação com uma dada situação no seu local de trabalho.
Dessa forma, o aluno evocou esse discurso para respaldar a forma que conseguiu contornar
determinadas situações que poderiam transparecer sem solução, mas que, ao final, não
representariam algo tão “grave” (signo autonímico) e de difícil resolução. Nesse ponto, ainda
indicamos que as aspas utilizadas na palavra “grave” recordam a um “já-dito”. Tal marca, de
igual modo, alude à referência feita pelo estudante ao seu interlocutor como algo já reconhecido
e que poderia indicar um estado preocupante ou crítico do animal que estava sob tratamento,
por exemplo.
De maneira análoga, o excerto de REDO5 – EDIF 01, 2018, ao expor as situações
vivenciadas e ao descrever como agiu diante de determinados desafios, recuperou trechos
criados por ele próprio em outra situação discursiva, a saber: a confecção de parecer/laudo
técnico. O discente retomou o tema, por meio do discurso direto, suas ações, utilizando-se do
discurso relatado no sentido estrito e que o conteúdo ali expresso é que demonstrava a correção
dos erros visíveis constatados diante das falhas apresentadas nas plantas dos projetos. Contudo,
essas partes recuperadas não foram expostas com detalhes por meio de uma problematização.
Por sua vez, nos excertos de REDO5 – EDIF 01, 2017 e REDO5 – EDIF 04, 2017, os
discentes-estagiários utilizaram a modalização em discurso segundo sobre o conteúdo. Naquele
contexto, os estudantes buscaram apresentar definições de melhor respaldo sobre os termos
“levantamento topográfico”, “cortes” e “fachadas”. Reforçamos que essas atividades foram
apresentadas como vivenciadas em suas respectivas experiências de estágio. Logo, a
recuperação da voz de respaldo tende a somar a um conhecimento que dialoga com o saber
acadêmico aliado ao profissional, por exemplo. Em nosso entendimento, o ato de recuperação
dessas vozes de “autoridade” remonta ao que Bakhtin (2015) aborda sobre o discurso autoritário
frente ao discurso interiormente persuasivo, pois esses jovens produtores das CP investigadas
quando retomam o dizer do outro no fio discursivo por meio do discurso direto e suas outras
formas possíveis (modalização em discurso segundo sobre o conteúdo ou a palavra), eles o
fazem sem modificar a estrutura ou a moldura do discurso e as apresentam como uma verdade
e que não haveria sequer a necessidade para debatê-la.
318
De modo semelhante, encontramos ainda em quatro relatórios (dois de cada CP) a
reprodução literal do dizer como cópia fiel do dizer fonte. Essa reprodução não continha a
presença de marcação tipográfica (negrito, itálico, aspas, por exemplo), mas possuía a
informação da autoria, do dizer da voz de autoridade, conforme expresso no Quadro 38.
Quadro 38 – As formas de inserção do discurso “alheio” como palavra “minha”: reprodução literal do dizer sem
presença de marcação topográfica.
RELATÓRIO SEÇÃO DO RELATÓRIO / EXCERTOS TEXTO-FONTE
REDO2 –
AGRO 01,
2016
Atividades desenvolvidas Nesse contexto, a caprino e a ovinocultura,
especialmente na zona semiárida,
constituem atividades que desempenham
importante função socioeconômica, como
eventual geradora de renda (venda de
animais, de carne e de peles) e como fonte
de proteína de alta qualidade (carne e
leite) para a alimentação de agricultores
de base familiar que predominantemente
as exploram. Estima-se que a atividade
esteja presente, em maior ou menor
escala, em mais de um milhão de
estabelecimentos rurais na região.
(MOREIRA; FILHO, 2011, p. 50 –
destaques nossos)
Segundo Moreira & filho (2011), a
Caprinovinocultura, especialmente na zona
semiárida, constituem atividades que
desempenham importante função
socioeconômica, como eventual geradora de
renda (venda de animais, de carne e de peles)
e como fonte de proteína de alta qualidade
(carne e leite) para a alimentação de
agricultores de base familiar que
predominantemente as exploram. Estima-se
que a atividade esteja presente em maior ou
menor escala, em mais de um milhão de
estabelecimentos rurais da região. (p. 18 –
destaques nossos)
REDO5 –
EDIF 01,
2017
Atividades desenvolvidas É o índice que permite avaliar a qualidade
de um agregado graúdo em relação à
forma dos grãos, considerando que os
agregados com grãos de forma cúbica tida
como forma ótima para agregados
britados, terão índice próximo de 1; os
grãos lamelares apresentarão valores bem
mais altos, sendo considerado aceitável o
limite de 3. O índice se baseia na medida
da relação entre o comprimento e a
espessura dos grãos do agregado.
(GUERRA, 2008, s/p. – destaques
nossos)166
É o índice que permite avaliar a qualidade de
um agregado graúdo em relação à forma dos
grãos, considerando que os agregados com
grãos de forma cúbica tida como forma ótima
para agregados britados, terão índice
próximo de 1; os grãos lamelares
apresentarão valores bem mais altos, sendo
considerado aceitável o limite de 3. O índice
se baseia na medida da relação entre o
comprimento e a espessura dos grãos de
agregado (GUERRA, 2008). (p. 07 – destaques
nossos)
REDO5 –
EDIF 03,
2017
Atividades desenvolvidas 1.12 Levantamento topográfico
Conjunto de métodos e processos que,
através de medições de ângulos
horizontais e verticais, de distâncias
horizontais, verticais e inclinadas, com
instrumental adequado à exatidão
pretendida, primordialmente, implanta e
materializa pontos de apoio no terreno
determinando suas coordenadas
topográficas. A estes pontos se relacionam
os pontos de detalhes visando à sua exata
representação planimétrica numa escala
predeterminada e à sua representação
altimétrica por intermédio de curvas de
nível, com equidistância também
De acordo com a NBR 13133, o levantamento
topográfico é um conjunto de métodos e
processos que, através de medições de
ângulos horizontais e verticais, de distâncias
horizontais, verticais e inclinadas, com
instrumental adequado à exatidão
pretendida, primordialmente, implanta e
materializa pontos de apoio no terreno
determinando suas coordenadas
topográficas. A estes pontos se relacionam os
pontos de detalhes visando à sua exata
representação planimétrica numa escala
predeterminada e à sua representação
altimétrica por intermédio de curvas de nível,
com equidistância também predeterminada
166 http://www.clubedoconcreto.com.br/2013/07/passo-passo-indice-de-forma-de-agregado.html
319
e/ou pontos cotados. (p. 06 – destaques
nossos)
predeterminada e/ou pontos cotados. (NBR
13133, p. 03 – destaques nossos)
Fonte: Elaborado para este trabalho (2021).
Realçamos que esse movimento foi observado especialmente na seção de
desenvolvimento das atividades, como vemos nos destaques dos excertos. Assim, os discentes
recuperaram esse dizer tal e qual o original. Essa recuperação se deu por meio da construção de
pequenos movimentos discursivos, conforme a modalização em discurso segundo (Segundo...,
De acordo com...) ou quando apenas mencionaram a autoria do dizer fonte ao final do trecho
recortado. Assim, como nos atesta Volóchinov (2018, p. 262): “[...] Quanto mais intensa for a
sensação de superioridade hierárquica da palavra alheia, tanto mais nítidas serão suas fronteiras
e menos penetrável ela será pelas tendências comentadoras e responsivas. [...]”. Este pode ser
o motivo de os discentes não refletirem sobre a retomada desses discursos, pois tomam esses
dizeres/esses discursos como palavra de autoridade e os reproduzem sem grandes
questionamentos.
Desse modo, a recuperação desses dizeres nos evidenciam as relações de poder
existentes na escrita desse gênero, já que os discentes respondem a uma solicitação de acordo
com as orientações do RE, do PPC, do GETA e do MRCT, buscando ancorar seu projeto
discursivo por meio de discursos proferidos em jornais, leis, normas técnicas (NBR), estudos
científicos, entre outros. Neste contexto, muitas vezes, não há espaço para problematização e
questionamentos por parte dos estudantes.
Ainda destacamos um ponto comum a todos os excertos que sinalizaram verbalmente
trechos que instauram a forma da presença alheia no fio discursivo: nenhum deles seguiu
totalmente as orientações expressas pela ABNT. Assim, foram omitidas informações essenciais
como autoria, ano e paginação em determinadas citações. Na realidade, encontramos, assim
como os poucos exemplos que evocaram a reprodução literal do dizer, pequenas sinalizações,
especialmente, em torno da autoria do dizer quando da reprodução literal do dizer.
Entretanto, nos demais movimentos elencados para esta tese, tais como: incorporação,
reformulação e alusão do dizer, essa autoria, paginação e ano foram esquecidas em muitos casos
por ambas as CP. De fato, essas referências omitidas seriam capazes de nortear o leitor sobre
as informações presentes, além de construir um perfil ético do produtor de textos desse campo
de atuação. Portanto, por se tratarem de jovens produtores nesse contexto, novamente,
sinalizamos a figura do orientador como um dos principais interlocutores mediadores dos
320
letramentos poderia guiar melhor sobre essas informações salutares em propostas de cunho
acadêmico.
5.2.2.2.2 Incorporação do dizer
Denominamos o eixo “incorporação do dizer” como aquele movimento no qual o
discente-estagiário recupera “palavras alheias” como suas. Nesse contexto, é natural que ocorra
um processo paulatino de esquecimento sobre a autoria ao tornar a palavra “anônima”
(BAKHTIN, 2017). Diante disso, destacamos que em nossa projeção inicial da análise, o eixo
incorporação do dizer não estava em nossos planos, de modo que não pensávamos sobre a
necessidade de incluir nesta pesquisa tal categoria. Contudo, devido ao nosso processo de
escuta, aprofundamento e contato com os relatórios de estágio, visualizamos certa “recorrência”
desse fenômeno nas CP de Agropecuária e de Edificações (nove e quatro, respectivamente) com
esse tipo de movimento, que a princípio poderiam ser considerados “plágio”.
Recuperamos essa última afirmação, pois Eco (2007) entende que quando há
incorporação do dizer do outro, de uma voz alheia, podemos estar diante de movimentos de:
paráfrase honesta, de falsa paráfrase (plágio) e/ou de paráfrase quase textual. Segundo o autor,
na primeira delas, evocaríamos a forma de citação indireta, na qual há uma real reformulação
do dizer fonte, mas sempre indicando a origem da autoria. Por outro lado, na falsa paráfrase,
ocorreria a citação indireta, mas por meio de uma reprodução literal das palavras do dizer
original, sem uso de aspas ou indicação dessa origem. Neste caso, o sujeito toma como suas as
palavras alheias, caracterizando, assim, o plágio, conforme propõe Eco. Por fim, na paráfrase
quase-textual, que evita o plágio, o sujeito reelaboraria o enunciado por meio de uma paráfrase
e ainda recuperaria o dizer por meio de citações diretas, por exemplo.
Diante dessa classificação, a nossa proposta sobre a incorporação do dizer, de início,
estaria associada ao que Eco denominaria de falsa paráfrase ou plágio. Porém, problematizamos
alguns pontos antes de simplesmente classificarmos os exemplos dos excertos expostos nessa
subseção como “plágio”, uma vez que: se cada enunciado é novo, é algo individual, único e
singular e o sentido é co-construído no evento de sua execução (BAKHTIN, 2011); se estamos
diante de um contexto formativo e educacional em que os sujeitos-estagiários que apresentam
os seus dizeres por intermédio do gênero relatório de estágio são jovens produtores de texto
segundo uma esfera acadêmico-profissional; partimos do entendimento que, por um lado,
estamos diante de uma cultura instaurada e que revela também ecos das práticas de letramentos
vivenciadas inclusive na escola da educação básica; e, por outro lado, estamos diante de uma
321
oportunidade de rever formas de incorporar os sujeitos na cultura do escrito, visando
problematizar nesse espaço formativo os efeitos dessa reprodução fiel sem menção ao dizer
fonte, principalmente, porque os movimentos visualizados (Quadros 39 e 40) se destinam a
trechos específicos em determinadas seções do relatório, mas não o todo textual.
Enfatizamos que, desse modo, entendemos que quando há a omissão sobre a origem da
fonte do dizer, o produtor de texto pode fazê-lo de forma deliberada (consciente) ou quiçá pelo
desconhecimento em torno das “[...] convenções que regem o funcionamento da escrita do texto
[...]” (BESSA, 2016, p. 260). De qualquer modo, em ambas as situações, os movimentos podem
se dar em partes pontuais ou em trechos mais longos, quer seja por meio da reprodução literal,
quer seja por intermédio de pequenas reformulações.
A respeito do tema, Krokoscz (2011) nos lembra que há toda uma legislação pertinente
aos efeitos sobre a incorporação do dizer de forma literal sem menção da autoria (Lei 9.610/98
– Lei dos direitos autorais). Isto se daria, sobretudo, porque na atualidade, “[...] Pesquisar
tornou-se muito fácil e instantâneo. Usando um computador e a internet como fonte de
informação, é possível copiar e colar qualquer conhecimento com apenas alguns cliques. [...]”
(KROKOSCZ, 2011, p. 747). Porém, coadunamos com Krokoscz (2011) e Bessa (2014), é
necessário desmistificarmos o plágio “como um problema isolado do aluno” (KROKOSCZ,
2011, p. 752), mas que esse fenômeno requer um conjunto de ações e medidas por parte das
instituições educacionais, especialmente, sobre o enfrentamento do plágio com ações
preventivas, diagnósticas e corretivas. Assim, as estratégias de informação e capacitação
representariam as principais frentes que deveriam ser tomadas por esse locus formativo ao
buscar promover uma cultura de integridade e ética acadêmica.
Em síntese, compreendemos a existência do plágio enquanto fenômeno recorrente,
sobretudo na atualidade. Obviamente, não estamos defendendo a sua admissão, seja de forma
deliberada ou não. Contudo, propomo-nos a observar a singularidade expressa na escrita de
alunos que cursam os anos finais da educação básica. Neste aspecto, sugerimos a instauração
de uma urgente reflexão sobre a incorporação do dizer por nossos pares, desenvolvendo uma
maior atenção sobre esse fenômeno, de modo a se firmar um compromisso ético
acadêmico/institucional em nossa prática educacional.
Esta espécie de chamamento à responsabilidade deve ocorrer pelo não direcionamento
das culpabilidades somente em dados momentos aos discentes ou, em outros, aos sujeitos que
integram o contexto educacional de diversas disciplinas que direcionam a construção do saber
em torno da produção escrita, como, por exemplo, professores de língua portuguesa, de
322
metodologia científica, de relatório de estágio; mas que seja pensada e repensada por todos os
sujeitos que formam esse contexto de aprendizagem.
Nesse sentido, avultamos que se estamos em contexto peculiar de atuação que envolve
a esfera acadêmica-profissional ainda na educação básica, temos a oportunidade de iniciar um
trabalho sobre o manejo de vozes na produção escrita de gêneros que compõem esse espaço de
forma consciente e ética. Conforme nos lembra Marinho (2010c, p. 78), “[...] O letramento é
uma prática social, não simplesmente uma habilidade técnica e neutra. Trata-se de uma prática
sustentada por princípios epistemológicos socialmente construídos.”. De fato, essa prática se
alimenta de seus eventos – assim, poderíamos vivenciar esses eventos e torná-los práticas com
outros desdobramentos.
Dito isso, adentramos em nossas análises segundo o eixo de incorporação do dizer sob
duas frentes: na primeira delas, destacamos que os discentes buscaram recuperar vozes de
autoridade externas (artigos científicos, documentos institucionais, notas técnicas, entre outros)
e as tomaram como sua voz. Na outra, os discentes fazem uso do dizer de seus pares, pois se
utilizam de um mesmo trecho ou passagem usado anteriormente por outro colega do estágio,
segundo determinadas condições.
Selecionamos, assim, para a primeira ocorrência, cinco trechos que destacam as
particularidades desse fenômeno (Quadro 39), que ocorre principalmente nas seções da
apresentação da empresa concedente de estágio e das atividades desenvolvidas no relatório.
Quadro 39 – As formas de inserção do discurso “alheio” como palavra “minha”: incorporação do dizer.
RELATÓRIO SEÇÃO DO RELATÓRIO / EXCERTOS TEXTO-FONTE
REDO4 –
AGRO 01,
2016
Atividades desenvolvidas A Febre Aftosa é responsável por
expressiva diminuição da produtividade
dos rebanhos de mamíferos bi-ungulados,
principalmente bovinos, com significativo
impacto na segurança alimentar pela
redução da oferta de proteínas de origem
animal (HATSCHBACH, 2010).
(TRECENTI, 2013, p. 03 – destaques
nossos)
A febre aftosa representa uma importante
ameaça para o bem estar da população,
devido ao seu impacto sobre a economia
nacional de diversos países, onde o
comércio com o exterior e estabilidade
depende diretamente da confiabilidade dos
alimentos de origem animal, que devem
ser oriundos de animais isentos desta
enfermidade, demonstrando a estreita
relação que existe entre saúde pública, o
ambiente e o bem estar socioeconômico
A Febre Aftosa é responsável por expressiva
diminuição da produtividade dos rebanhos de
mamíferos bi-ungulados, principalmente
bovinos, com significativo impacto na
segurança alimentar pela redução da oferta
de proteínas de origem animal
(HATSCHBACH, 2010).
A febre aftosa representa uma importante
ameaça para o bem estar da população,
devido ao seu impacto sobre a economia
nacional de diversos países, onde o comércio
com o exterior e estabilidade depende
diretamente da confiabilidade dos alimentos
de origem animal, que devem ser oriundos de
animais isentos desta enfermidade,
demonstrando a estreita relação que existe
entre saúde pública, o ambiente e o bem estar
socioeconômico (PITUCO,2012). (p. 06 –
destaques nosso)
323
(PITUCO,2012). (TRECENTI, 2013, p. 04
– destaques nossos)
REDO4 –
AGRO 02,
2017
Atividades desenvolvidas Produzida por um vírus da família
Picornavirus, gênero Aphtovirus, que
acomete animais biungulados domésticos e
selvagens, como bovinos, suínos,
bubalinos, ovinos e caprinos. É
caracterizada por vesículas, também
denominadas aftas, erosões e úlceras na
mucosa oral, epitélio lingual, nasal,
mamário, além de lesões características na
região coronária dos cascos e nos espaços
interdigitais. (BORTOT; ZAPPA, 2013, p.
04 – destaques nossos)
Caracterizadas por vesículas, também
denominadas aftas (ao que se deve a
denominação da enfermidade), erosões e
úlceras na mucosa oral, epitélio lingual,
nasal, mamário, além de lesões na região
coronária dos cascos e nos espaços
interdigitais. A mesma não tem cura, quando
identificado um caso é obrigatório o sacrifício
dos animais nos focos de ocorrência e em um
raio de segurança de aproximadamente 10 km.
(p.07 – destaques nossos)
REDO4 –
AGRO 01,
2018
Apresentação da instituição O IF SERTÃO-PE é uma instituição de
educação superior, básica e profissional,
pluricurricular e multicampi,
especializada na oferta de educação
profissional nas diferentes modalidades de
ensino, com base na conjugação de
conhecimentos técnicos e tecnológicos
com as suas práticas pedagógicas, que visa
melhorar a ação sistêmica da educação,
interiorizar e socializar o conhecimento,
popularizar a ciência e a tecnologia,
desenvolvendo os arranjos produtivos
sociais e culturais locais, com foco na
redução das desigualdades sociais inter e
intrarregional. (PPC – Agropecuária,
BRASIL, 2010b, p. 07 – destaques nossos)
O IF SERTÃO-PE é uma instituição de
educação superior, básica e profissional,
pluricurricular e multicampi, especializada
na oferta de educação profissional nas
diferentes modalidades de ensino, com base
na conjugação de conhecimentos técnicos e
tecnológicos com as suas práticas
pedagógicas, que visa melhorar a ação
sistêmica da educação, interiorizar e
socializar o conhecimento, popularizar a
ciência e a tecnologia, desenvolvendo os
arranjos produtivos sociais e culturais locais,
com foco na redução das desigualdades
sociais inter e intrarregional. (p. 07 –
destaques nossos)
REDO5 –
EDIF 01,
2016
Atividades desenvolvidas O SEOBRA é um software desenvolvido
pela 682 Soluções, na plataforma WEB
para auxiliar os profissionais, órgãos
públicos e empresas da área de
Engenharia que elaboram, analisam e
gerenciam, orçamentos, montados com
base nos insumos e serviços de tabelas
oficiais de governo, tais como: SINAPI,
SICRO (DNIT), SEINFRA (CE), SIURB
(SP), FDE (SP), CPOS (SP), ORSE (SE),
DEOSP (RO), IOPES (ES), SCO (RJ),
EMOP (RJ), SEDOP (PA) e AGETOP
(GO), além disso pode criar seus próprios
insumos e composições [...]. (Página
inicial Software SEOBRA – destaques
nossos)
O SEOBRA é um software desenvolvido pela
682 Soluções, na plataforma WEB para
auxiliar os profissionais, órgãos públicos e
empresas da área de Engenharia que
elaboram, analisam e gerenciam,
orçamentos, montados com base nos insumos
e serviços de tabelas oficiais de governo, tais
como:SINAPI, SICRO (DNIT), SEINFRA
(CE), SIURB (SP), FDE (SP), CPOS (SP),
ORSE (SE), DEOSP (RO), IOPES (ES), SCO
(RJ), EMOP (RJ), SEDOP (PA) e AGETOP
(GO), além disso pode criar seus próprios
insumos e composições. Durante o estágio
utilizamos a tabela do SEINFRA (CE). (p. 09 –
destaques nossos)
REDO5 –
EDIF 01,
2017
Atividades desenvolvidas Índice de forma do agregado: Média da
relação entre o comprimento e a espessura
dos grãos do agregado, ponderada pela
quantidade de grãos de cada fração
granulométrica que o compõe.
Comprimento de um grão: Maior dimensão
possível de ser medida em qualquer
direção do grão.
Espessura de um grão: Menor distância
possível entre planos paralelos entre si em
qualquer direção do grão.
(NBR 7809:2006 – destaques nossos)
O índice de forma do agregado é a média entre
o comprimento e a espessura dos grãos do
agregado, ponderada pela quantidade de
grãos de cada fração granulométrica que o
compõe. Esse comprimento será a maior
dimensão possível de ser medida em qualquer
direção do grão, diferentemente da espessura,
sendo essa a menor distância possível entre
planos paralelos entre si em qualquer direção
do grão. (p. 07 – destaques nossos)
Fonte: Elaborado para este trabalho (2021).
324
Tomamos como exemplo o relatório de REDO4 – AGRO 01, 2016, em que a discente,
mesmo recuperando, inicialmente, a autoria do que estaria definindo por febre aftosa e sobre os
desdobramentos da não vacinação ao utilizar como voz de respaldo Hatschbach (2010) e Pituco
(2012). Entretanto, na realidade, a aluna buscou em em outro texto essas afirmações, a saber:
“Febre aftosa – revisão de literatura” de Trecenti (2013)167. Logo, a estagiária não fez
referência a esse último texto, de modo a construir uma breve “colagem” de trechos daquele
material.
Conforme destacamos nos excertos, o primeiro parágrafo utilizado pela discente foi
retirado integralmente de um parágrafo da página 03 do artigo de Trecenti. Por sua vez, o
segundo parágrafo exposto no trecho do relatório foi, de igual modo, retirado de outro parágrafo
da página 04 do referido artigo. Nesse sentido, entendemos que a aluna buscou nessa voz de
autoridade ou em um já-dito, aceito como voz de expertise, a contextualização do tema de sua
atividade desenvolvida. Portanto, podemos pontuar que a estudante demonstrou em sua
produção certa dependência desse dizer fonte e isto nos revela a necessidade de um maior
amadurecimento sobre as formas de citar ou ainda de um trabalho educacional sobre essa prática
de letramento. Tal ausência de maturidade e reflexão sobre esse processo de “aculturação” em
torno de práticas de “colagem” demonstra a dificuldade da discente em desenvolver o conteúdo
com suas palavras próprias (BESSA, 2016).
De modo semelhante, o estudante-estagiário identificado como REDO4 – AGRO 01,
2018, ao apresentar a instituição locus de seu estágio, recuperou o texto introdutório do PPC de
seu curso sobre a caracterização do IF Sertão/PE. Contudo, o discente não citou o material como
dizer de origem: apenas reproduziu o trecho de forma integral, de modo a incorporá-lo como
palavra própria ao trazer essa informação ao seu interlocutor.
Por outro lado, nos relatórios de REDO4 – AGRO 02, 2017, REDO5 – EDIF 01, 2016
e REDO5 – EDIF 01, 2017, encontramos pequenos movimentos que reformulam o dizer fonte,
mas sem qualquer indicação sobre a autoria original desse dizer. Assim, no primeiro relatório,
o discente buscou explicar as características da febre aftosa. Desse modo, ao reproduzir as
palavras de Bortot e Zappa (2013)168, o fez de maneira a inserir informações adicionais. Tais
dados ampliaram o entendimento para com seu interlocutor “ao que se deve a denominação da
enfermidade”, por exemplo. No restante de sua reflexão, o estudante-estagiário explanou sobre
167 http://faef.revista.inf.br/imagens_arquivos/arquivos_destaque/eAHOKgOKxibxZcy_2013-8-13-17-4-22.pdf 168 http://faef.revista.inf.br/imagens_arquivos/arquivos_destaque/cQyqLX2hvW9LHur_2013-6-21-15-44-53.pdf
325
os efeitos da doença: contudo, ao não mencionar a origem daquele dizer, incorporou-o na
condição de elaboração própria.
No relatório de REDO5 – EDIF 01, 2016, o discente-estagiário reproduziu as
informações contidas na página inicial do software – SEOBRA e acrescentou somente a
informação de que “Durante o estágio utilizamos a tabela SEINFRA (CE)”, mas não mencionou
que o trecho foi copiado de uma imagem feita de recorte do software apresentado no próprio
relatório. Ou seja, a informação sintetizada e expressa pelo aluno estava contida na imagem
selecionada para compor seu relatório, duplicando, assim, o conteúdo expresso. Portanto,
encontramos, mais uma vez, uma incorporação do dizer sem maiores reflexões sobre a autoria
dessa inserção. Tal fato pode ser responsável pelo esquecimento total de fronteiras topográficas
para citar o dizer de origem, pois o mesmo ocorre em REDO5 – EDIF 01, 2017 que mesclou
em seu texto definições propostas pela NBR sobre “o índice de forma do agregado” como
construção própria, mas sem sinalizar a origem do dizer.
Tais formulações nos revelam como as fronteiras são “esquecidas” por esses jovens
produtores e que os singularizam pelo estilo e a forma como como costumam manejar sua
própria voz autoral diante da incorporação do dizer alheio, já que esses movimentos refletem e
refratam contextos sociais micro e macro de contexto históricos, especialmente, da vivência
escolar sobre a cultura do escrito.
Sinalizamos, ainda, que esses movimentos foram igualmente observados entre discentes
que haviam sido bolsistas (quatro da CP de Agropecuária e três de Edificações)169, revelando,
portanto, a importância de construirmos espaços de formação continuada sobre as formas de
inserção da palavra outra. Na realidade, acionamos a figura do orientador como aquele que
poderia também nortear sobre a cultura ética envolvida nas formas de citar e recuperar outras
fontes de forma imediata, uma vez que pensar em processos formativos demandaria também
uma reformulação do currículo (questões de implementação a longo prazo)170. Reforçamos que,
assim como Bakhtin (2017), entendemos que a palavra do outro deve ser compreendida como
qualquer palavra de outra pessoa. Isto significa que, seja escrita ou não no seu idioma ou mesmo
que não seja de autoria própria, deve ser nosso compromisso ético citá-las.
Diante disso, ainda sinalizamos outra particularidade do fenômeno de incorporação do
dizer no qual se fundem vozes entre os próprios membros de cada CP. Nesse cenário, como
169 Lembramos que estamos contabilizando no todo: incorporação do dizer que busca o respaldo em uma voz de
autoridade e outra que visa se apoiar nos dizeres construídos entre os colegas de sala. 170 Talvez trabalhos posteriores poderiam versar sobre este contexto mais imediato de um dos interlocutores
mediadores dos letramentos: verificar como os orientadores entendem e estimulam as formas de citar, de
incorporação do dizer do outro em produções escritas.
326
estamos diante do discurso e não dos sujeitos desse discurso, alguns questionamentos nos
inquietam sobre a real autoria do relatório, perante a análise de determinados trechos, tais como:
Quem construiu o dizer fonte daquele excerto? Trata-se de um texto padrão fornecido pela
empresa concedente do estágio quando da apresentação da instituição? Ou trata-se de um texto
coletivo por terem estagiado no mesmo local e períodos próximos? Ou ainda se trata de uma
indicação do orientador fornecer texto-padrão sobre a apresentação da empresa? São
questionamentos que fizemos quando de nossa análise, pois encontramos textos similares entre
os estudantes-estagiários face, principalmente, a seções como a introdução e a apresentação da
instituição. Outros exemplos da incorporação do dizer nas seções de desenvolvimento das
atividades e conclusão representaram exemplos isolados.
Portanto, destacamos que, na análise de um total de 26 relatórios, encontramos na CP
de Agropecuária, sete exemplares de discentes-estagiários que apresentaram a incorporação do
dizer de algum outro colega. Por outro lado, na CP de Edificações, encontramos somente três
relatórios na mesma situação. A título de exemplificação, recuperamos nos Quadros 40 e 41,
três excertos referentes a cada CP, uma vez que no curso de Agropecuária os movimentos eram
similares entre os relatórios, conforme exposto na reflexão da análise a seguir.
Quadro 40 – As formas de inserção do discurso “alheio” como palavra “minha”: incorporação do dizer entre
relatórios de estágio – CP de Agropecuária.
RELATÓRIO SEÇÃO DO RELATÓRIO / EXCERTOS TEXTO-FONTE
REDO2 –
AGRO 01,
2017
Introdução Introdução
As principais atividades desenvolvidas pela
Adagro são planejar, elaborar, coordenar e
executar programa de promoção e proteção da
saúde animal e vegetal e a educação
zoofitossanitária, consistindo-se na
autoridade estadual de sanidade
agropecuária; Fiscalizar e inspecionar as
pessoas físicas e jurídicas de direito público e
privado, que manipulem, beneficie,
classifiquem, armazenem, transportem ou
comercializem produtos e derivados
agropecuários e insumos do setor primário;
Em 2014, Pernambuco foi um dos estados
brasileiros a receber o certificado
internacional de área livre de febre aftosa.
Para que a certificação permaneça valendo, é
necessário que, pelo menos, 90% dos rebanhos
sejam vacinados.
Durante o período de estagio atuei, na área
de fiscalização e acompanhamento cadastral
dos dados de registro da campanha referente
ao combate a febre aftosa que acomete aos
Bovinos e Bubalinos, no mesmo foi realizado
praticas de vacina, entrega de vacinas e
fiscalização assistida de produtores
As principais atividades desenvolvidas pela
Adagro são planejar, elaborar, coordenar
e executar programa de promoção e
proteção da saúde animal e vegetal e a
educação zoofitossanitária, constituindo-
se na autoridade estadual de sanidade
agropecuária; Fiscalizar e inspecionar as
pessoas físicas e jurídicas de direito
público e privado, que manipulem,
beneficiem, classifiquem, armazenem,
transportem ou comercializem produtos e
derivados agropecuários e insumos do
setor primário;
Em 2014, Pernambuco foi um dos estados
brasileiros a receber o certificado
internacional de área livre de febre aftosa.
Para que a certificação permaneça
valendo, é necessário que, pelo menos, 90%
dos rebanhos sejam vacinados. “O
certificado permite comercializar em todo
o país e inclusive no exterior. Caso perca
a certificação, volta a barreira sanitária e
os criadores poderão vender apenas dentro
do estado”. (G1, 2015)
327
inadimplentes das campanhas anteriores.
Pude também aprender como funciona todo o
processo de atualização dos criadores da
cidade, onde toda e qualquer mudança no
rebanho deve ser registrada no seu cadastro.
Ao decorrer do estágio, tiveram também
algumas visitas a feiras e exposições de
animais na região, sendo elas com o objetivo
de auxiliar de alguma forma, ou apenas para
observar como funciona cada um desses
segmentos.
Uma das funções da Adagro é buscar
diminuir a todo custo à incidência de doenças
animais na região onde atua, tendo isso como
base, foi aplicada uma prática de vacinação
contra a brucelose, uma das principais
doenças bovinas, e também foi mostrado como
é feita a coleta de sangue em equinos, para
exames de Mormo e AIE (Anemia Infecciosa
Equina). Os objetivos do estágio aqui citado, foi à
execução de atividades realizadas com relação
à fiscalização agropecuária de acordo com as
leis instituídas pelo nosso país, colocando em
prática o que foi visto em sala de aula na
teoria. (p. 04 – destaques nossos)
Durante o período de estagio atuei, na área
de fiscalização e acompanhamento
cadastral dos dados de registro da
campanha referente ao combate a febte
aftosa que acomete aos Bovinos, no mesmo
foi realizado praticas de vacina, entrega de
vacinas e fiscalização assistida de
produtores inadimplentes das campanhas
anteriores. Pude também aprender como
funciona todo o processo de atualização
dos criadores da cidade, onde toda e
qualquer mudança no rebanho deve ser
registrada no seu cadastro.
Ao decorrer do estágio, tiveram também
algumas visitas a feiras e exposições de
animais na região, sendo elas com o
objetivo de auxiliar de alguma forma, ou
apenas para observar como funciona cada
um desses segmentos.
Uma das funções da Adagro é buscar
diminuir a todo custo à incidência de
doenças animais na região onde atua,
tendo isso como base, foi aplicada uma
prática de vacinação contra a brucelose,
uma das principais doenças bovinas, e
também foi mostrado como é feita a coleta
de sangue em equinos, para exames de
Mormo e AIE.
Os objetivos do estágio aqui citado, foi a
execução de atividades realizadas com
relação à fiscalização agropecuária de
acordo com as leis instituídas pelo nosso
país, colocando em prática o que foi visto
em sala de aula na teoria. (REDO4 –
AGRO 01, 2016, p. 05 – destaques nossos)
REDO4 –
AGRO 06,
2017
Apresentação da instituição Apresentação da instituição
O estágio supervisionado de Técnico em
Agropecuária foi realizado na empresa de
produtos fármacos e agropecuário, Farmavet,
situada na cidade de Salgueiro-PE, na Av.
Otaviano Leitinho, 255, centro,
supervisionado pelos veterinários e
proprietários XXX e XXX. O estágio ocorreu
no turno da tarde entre o período de nove de
maio de dois mil e dezesseis à12 de setembro
de dois mil e dezesseis onde totalizei
quatrocentas horas. Tendo como orientador
de estagio o Professor de Zootecnia M.Sc.
XXX.
A sede da empresa está localizada no
município de Salgueiro, na porção central de
Pernambuco, tendo uma localização
estratégica do ponto de vista logístico,
Salgueiro é um município cortado pelas BR’s
232 e 116 que liga a cidade as grandes
metrópoles brasileiras.
A Farma Vet tem 4 anos que trabalha com
produtos fármacos e agropecuários, onde os
médicos veterinários XXX e XXX atendem
O estágio supervisionado de Técnico em
Agropecuária foi realizado na empresa de
produtos fármacos e agropecuários,
Farma Vet, situada na cidade de
Salgueiro-PE, na Av. Otaviano Leitinho,
255, centro, supervisionado pelos
veterinários proprietários XXX e XXX. O
estágio ocorreu no turno da tarde entre o
período de dois de janeiro de dois mil e
dezessete à 15 de março de dois mil e
dezessete totalizando 200 horas. O estágio
teve como orientador o professor de
Zootecnia M.Sc. XXX.
A sede da empresa está localizada no
município de Salgueiro, na porção central
de Pernambuco, tendo uma localização
estratégica do ponto de vista logístico,
Salgueiro é um município cortado pelas
BR’s 232 e 116 que liga a cidade as
grandes metrópoles brasileiras, como
Recife, Fortaleza e Teresina.
A Farma Vet atende a quatro anos na
região, atuando com produtos fármacos e
agropecuários, tendo a sua frente os
328
toda a população de salgueiro e
circunvizinhança. (p. 02 – destaques nossos)
médicos veterinários XXX e XXX. (REDO2
– AGRO 02, 2017, p. 08 – destaques
nossos)
Apresentação da instituição
O estágio supervisionado de Técnico em
Agropecuária foi realizado na empresa de
produtos fármacos e agropecuário, Farma
Vet, situada na cidade de Salgueiro-PE, na
Av. Otávio Leitinho, 255, centro,
supervisionado pela veterinária XXX. O
estágio ocorreu no turno da tarde entre o
período de 03 de outubro a 14 de dezembro
de 2016, totalizando 200 horas. Tendo
como orientador de estágio o professor
zootécnico XXX.
A sede da empresa está localizada no
município de Salgueiro, na porção central
de Pernambuco, tendo uma localização
estratégica do ponto de vista logístico.
Salgueiro é um município cortado pelas a
BR’s 232 e 116 que liga ás grandes
metrópoles brasileiras.
A Farma Vet tem quatro anos que trabalha
com produtos fármacos e agropecuários,
em que os médicos veterinários XXX e XXX
atendem toda a população de Salgueiro e
circunvizinhança. (REDO4 – AGRO 01,
2017, p. 04 – destaques nossos)
REDO4 –
AGRO 02,
2018
Introdução Introdução
[...]
A Caprinovinocultura é uma atividade de
produção que possui grande importância na
região nordestina. A região possui o maior
rebanho caprino do Brasil com
aproximadamente 91,4% do rebanho nacional
em seu território, deste o estado de
Pernambuco concentra cerca de 16,9% do
rebanho regional e é o segundo maior
produtor nacional. Falando em ovinos, o
Nordeste possui 57,18% do rebanho nacional.
Pernambuco é o quinto maior produtor de
ovinos do país, possuidor de 7,7% das cabeças
de ovinos do país (IBGE, 2008).
A carne suína é a mais consumida do mundo,
sendo um alimento de excelente qualidade. Em
critérios de importação, o Japão, Federação
Russa e México, lideram este quesito. Entre os
exportadores a União Europeia lidera este
segmento, sendo seguido pelos Estados
Unidos, Canadá e Brasil (FERREIRA, R.A,
2012).
O início da agricultura está ligado a uma
série de transformações no conceito de
produzir. A agricultura passou por várias
revoluções agrícolas, que visavam diminuir
as restrições do meio ambiente e necessidade
de trabalho (ASSIS & ROMEIRO, 2002). A
agricultura moderna, a partir dos anos 50,
priorizou um modelo tecnológico com base no
uso intensivo da mecanização, adubos
[...]
A Caprinovinocultura é uma atividade de
produção que possui grande importância
na região nordestina. A região possui o
maior rebanho caprino do Brasil com
aproximadamente 91,4% do rebanho
nacional em seu território, deste o estado
de Pernambuco concentra cerca de 16,9%
do rebanho regional e é o segundo maior
produtor nacional. Falando em ovinos, o
Nordeste possui 57,18% do rebanho
nacional. Pernambuco é o quinto maior
produtor de ovinos do país, possuidor de
7,7% das cabeças de ovinos do país (IBGE,
2008).
A carne suína é a mais consumida do
mundo, sendo um alimento de excelente
qualidade. Em critérios de importação, o
Japão, Federação Russa e México, lideram
este quesito. Entre os exportadores a União
Europeia lidera este segmento, sendo
seguido pelos Estados Unidos, Canadá e
Brasil (FERREIRA, 2012).
Essas três atividade de produção
zootécnicas são de grande importância
pata o agronegócio brasileiro, também são
muito importantes pata a manutenção da
produção do capital nas regiões
brasileiras. [...] (REDO2 – AGRO 01,
2016, p. 07)
329
minerais de alta solubilidade e agrotóxicos,
denominado de revolução verde
(KAMIYAMA et al., 2011), período no qual, a
agricultura se desenvolveu expressivamente
causando, via de regra, impactos ao meio
ambiente (BARBOZA et al., 2012)
Essas três atividade de produção zootécnicas
são de grande importância pata o agronegócio
brasileiro, também são muito importantes pata
a manutenção da produção do capital nas
regiões brasileiras. [...] (p. 04 – 05 – destaques
nossos)
Fonte: Elaborado para este trabalho (2021).
No relatório elaborado de REDO2 – AGRO 01, 2017, por exemplo, encontramos
algumas particularidades sobre o que de início poderia ser considerado “cópia” integral de
seções específicas de outro relatório, produzido pelo aluno-estagiário REDO4 – AGRO 01,
2016. Porém, sinalizamos que ambos estagiaram na mesma instituição, embora em cidades
distintas. Assim, enquanto REDO2 – AGRO 01, 2017 executou suas atividades no município
de Salgueiro, entre 01 de abril e 11 de dezembro de 2015, a estudante-estagiária, identificada
como REDO4 – AGRO 01, 2016, cumpriu seu estágio na cidade de Cabrobó, no período de 05
de maio a 20 de outubro de 2015. Além disso, pontuamos que o discente sob a identificação
REDO2 – AGRO 01, 2017 finalizou e submeteu seu relatório para avaliação apenas no ano de
2017 devido a pendências em outras disciplinas, mas a estagiária concluiu e “entregou” seu
material no ano de 2016. Diante disso, avultamos que, mesmo estagiando em períodos
próximos, numa mesma instituição (embora em localidades distintas), tais alunos foram
acompanhados por orientadores diferentes e apresentaram a introdução, bem como a conclusão
de seus relatórios de maneira similar.
Em nosso destaque, retomamos a introdução presente em ambos os relatórios: mesmo
ao visualizar a recuperação quase integral de um texto pelo outro, encontramos singularidades,
conforme exposto pelos destaques nos excertos. Nesse contexto, informamos que o relatório de
REDO2 – AGRO 01, 2017 apresentou recuo nos parágrafos da introdução, enquanto a discente
REDO4 – AGRO 01, 2016 não obedeceu a essa formatação. Ademais, o estagiário apresentou
no primeiro parágrafo pequenos erros de concordância (“consistindo-se” e “beneficie”) se
comparado com o texto da aluna citada. O primeiro relatório ainda acrescentou informações
sobre a infecção da febre aftosa (“Bubalinos”), além de destacar o significado da sigla (AIE –
Anemia Infecciosa Equina) e acrescentou um acento de crase no último parágrafo.
Conforme nos lembra Bakhtin (2016b), estamos diante de um novo acontecimento do
texto, de modo a estabelecer uma relação inédita com o que já foi dito. Assim, mesmo que de
330
forma rudimentar, o fenômeno imprime particularidades do sujeito-estagiário frente aquele
discurso de “origem”, pois esses pequenos movimentos já nos indiciam isto.
Contudo, neste ponto, entendemos a impossibilidade de se afirmar que o dizer de origem
partiu de um ou de outro discente; ou, se foi um trabalho em conjunto de escrita e que ambos
decidiram tomar esse texto como padrão; ou se estudantes tenham utilizado como guia uma
espécie de template, assim como proposto pelo MRCT, já que, em outras seções, os discentes
revelavam a sua narrativa autoral sem essa incorporação do dizer, exceto na conclusão, no qual
a repetição mecânica costumou ocorrer novamente entre os relatórios; ou ainda se foi uma
simples cópia, segundo uma tradição “escolar”, de se reproduzir literalmente um conteúdo sem
reflexão sobre os efeitos disso.
Movimento similar é encontrado no trabalho de REDO4 – AGRO 02, 2018 e novamente
na seção de introdução dos relatórios171. Neste caso, temos discentes de orientadores distintos
e anos de estágio também diferentes: assim, REDO4 – AGRO 02, 2018 estagiou entre maio a
julho de 2017 e submeteu o relatório para avaliação em 2018. Por sua vez, REDO2 – AGRO
01, 2016 cumpriu a etapa do estágio entre julho e agosto de 2015 e a entrega do relatório data
de 2016. Entretanto, um ponto peculiar que nos sobressai é que tal incorporação do dizer entre
os pares/membros de uma mesma CP ocorre especialmente entre os discentes-estagiários que
cumpriram o seu estágio no mesmo local. Neste caso, os estudantes REDO4 – AGRO 02, 2018
e REDO2 – AGRO 01, 2016 realizaram seus respectivos estágios no Campus Petrolina Zona
Rural do IF Sertão/PE, embora em períodos diferentes.
Nesse sentido, REDO4 – AGRO 02, 2018 visou contextualizar a produção pecuária e
agrícola no país até se aproximar do seu contexto de atuação, estrutura narrativa análoga à
exposição desenvolvida no relatório de REDO2 – AGRO 01, 2016. Embora tenha inserido um
parágrafo a mais nesse processo de reflexão sobre o tema, encontramos a recuperação desse
dizer ao respaldar essa contextualização, porém a discente reproduziu o texto como se fosse
autoral. Mais uma vez, destacamos que não sabemos se este material pode ser encontrado como
um texto “pronto”, divulgado para e entre os discentes. Diante disso, provocamos a reflexão
que cabe uma atenção sobre como o alunado busca essa voz de respaldo e a incorpora como
própria. De igual forma, sinalizamos a importância de um trabalho conjunto também da
instituição para com os orientadores, buscando que esses dialoguem sobre esse processo de
171 Esse mesmo relatório também trouxe trechos sobre a apresentação da empresa de forma similar ao REDO2 –
AGRO 01, 2016. Mas por questões de recorte e não ficar muito extenso nossas análises, apenas sinalizamos essa
ocorrência neste rodapé.
331
produção escrita, evitando esses ecos dialógicos capazes de entretecer ruídos sobre a real autoria
do texto.
Por outro lado, em REDO4 – AGRO 06, 2017 e em outros relatórios (REDO2 – AGRO
01, 2017, REDO4 – AGRO 01, 2017, REDO4 – AGRO 02, 2017, REDO4 – AGRO 03, 2017
e REDO4 – AGRO 04, 2017) encontramos uma incorporação do dizer com reformulações
pontuais ou a incorporação de forma integral, especialmente, na seção de apresentação das
empresas conveniadas à instituição de ensino. O fenômeno ocorreu, novamente, nos relatórios
nos quais os discentes estagiaram em um mesmo local, mesmo que em períodos diferentes
(FarmaVet, Adagro e/ou Secretária de Agricultura). Assim, como nos casos visualizados dizem
respeito, em sua maioria, ao orientador REDO4, entendemos que a apresentação da instituição
pode ser retirada de um exemplo de template, situação na qual caberia ao discente fazer
pequenos ajustes172. Assim, sublinhamos e colocamos em negrito os trechos que sinalizamos
no excerto de REDO4 – AGRO 06, 2017.
Conforme observamos, os discentes entre si alteram somente o ano/período do estágio,
a quantidade de horas dedicadas a essa experiência (fato esse que nos evidencia se os alunos
foram bolsistas ou não - portanto, se estes cumpriram 200 horas ou 400 horas de estágio); a
forma de apresentar o orientador (“Tendo como orientador de estagio o Professor de Zootecnia
M.Sc. XXX”, “O estágio teve como orientador o professor de Zootecnia M.Sc. XXX”, “Tendo
como orientador de estágio o professor zootécnico XXX”) e o grupo de profissionais que
integram a empresa concedente do estágio (“A Farma Vet tem 4 anos que trabalha com
produtos fármacos e agropecuários, onde os médicos veterinários XXX e XXX atendem toda a
população de salgueiro e circunvizinhança”, “A Farma Vet atende a quatro anos na região,
atuando com produtos fármacos e agropecuários, tendo a sua frente os médicos veterinários
XXX e XXX”) ou ainda acrescentam determinadas informações características sobre a região de
Salgueiro (“liga a cidade as grandes metrópoles brasileiras, como Recife, Fortaleza e
Teresina”).
De maneira similar, encontramos na CP de Edificações dois casos (REDO5 – EDIF 01,
2016 e REDO5 – EDIF 01, 2018) também na seção de introdução, com a tentativa de explicitar
os objetivos do estágio incorporando o dizer um do outro. Já em relação ao REDO2 – EDIF 01,
2017, essa reprodução literal do dizer de um enunciado presente em outro relatório, é
172 Conforme já pontuamos, para um processo de cotejamento mais respaldado, seria interessante escutarmos esses
interlocutores mediadores dos letramentos mais imediatos (os orientadores), visando a confirmar ou a refutar certos
achados. Diante disso, entendemos a potencialidade de ampliação da presente tese em trabalhos outros.
332
vislumbrado por meio de trechos de porções maiores e/ou integrais de três seções do relatório:
apresentação da empresa, introdução e conclusão.
Quadro 41 – As formas de inserção do discurso “alheio” como palavra “minha”: incorporação do dizer entre
relatórios de estágio – CP de Edificações.
RELATÓRIO SEÇÃO DO RELATÓRIO / EXCERTOS SEÇÃO DO RELATÓRIO / EXCERTOS
REDO5 –
EDIF 01,
2016
Introdução Introdução
O estágio teve como objetivo aplicar, na
construção civil, os conceitos teóricos
aprendidos, verificar até que ponto esses
conceitos são realizáveis na prática,
desenvolver a tomada de iniciativas para a
resolução de problemas do cotidiano de
uma obra e o relacionamento com
engenheiros e operários da construção. (p.
08 – destaques nossos)
O estágio teve como objetivo aplicar, na
construção civil, os conceitos teóricos
aprendidos, verificar até que ponto esses
conceitos são realizáveis na prática,
desenvolver a tomada de iniciativas para a
resolução de problemas do cotidiano de uma
obra e o relacionamento com engenheiros e
operários da construção. (REDO5 – EDIF
02, 2017, p. 08 – destaques nossos)
REDO2 –
EDIF 01,
2017173
Apresentação da empresa Apresentação da empresa
. O estágio foi realizado na Prefeitura Municipal de Salgueiro (PMS) Na Secretaria de desenvolvimento urbano e obras. Localizada na Rua Maria Nogueiria Sampaio 233 Nossa Senhora das Graças- CEP 56000-000- Salgueiro PE. A secretaria de desenvolvimento urbano e
obras, conta com a participação de três
engenheiros (a) civis, um engenheiro
elétrico, quatro técnicos em edificações, e
dois arquitetos (a) para o melhor
desenvolvimento das atividades a serem
executadas e o cumprimento das normas
estabelecidas. [...] (p. 02 – destaques nossos)
O estágio foi realizado na Prefeitura
Municipal de Salgueiro (PMS) Na
Secretaria de desenvolvimento urbano e
obras. Localizada na Rua Maria Nogueira
Sampaio 233 Nossa Senhora das Graças-
CEP 56000-000- Salgueiro PE.
A secretaria de desenvolvimento urbano e
obras, conta com a participação de três
engenheiros (a) civis, um engenheiro
elétrico, quatro técnicos em edificações, e
dois arquitetos (a) para o melhor
desenvolvimento das atividades a serem
executadas e o cumprimento das normas
estabelecidas. [...] (REDO2 – EDIF 02,
2016, p. 07 – destaques nossos)
Introdução Introdução
As atividades desenvolvidas ocorreram
no período de 18/04/2016 à 29/06/2016
supervisionado pela diretora XXX.Durante
o período do estágio, foram realizadas
atividades de fiscalização, visitas em
construções e reformas de obras públicas,
reforma de escolas municipais, como nas
escolas Dom Malan, entre outras, além de
acompanhamento dasvias públicas que
passaram pelo processo de pavimentação na
cidade. (p. 03 – destaques nossos)
As atividades desenvolvidas ocorreram
no período de 28/09/2015 à 04/12/2015
supervisionado pela diretora XXX. Durante
o período do estágio, foram realizadas
atividades de fiscalização, visitas em
construções e reformas de obras públicas,
reforma de escolas municipais, como nas
escolas Dom Malan, Maria Neu, entre
outras, além de acompanhamento das vias
públicas que passaram pelo processo de
pavimentação na cidade. (REDO2 – EDIF
02, 2016, p. 08 – destaques nossos)
Conclusão Conclusão
O estágio é de suma importância para o
desenvolvimento do estudante, existindo
oportunidade de adquirir
conhecimentospráticos, vivenciar
experiências profissionais, echance para o
estagiário de praticarconhecimentos
O estágio é de suma importância para o
desenvolvimento do estudante, existindo
oportunidade de adquirir conhecimentos
práticos, vivenciar experiências
profissionais, e chance para o estagiário de
praticar conhecimentos adquiridos em sala
173 Neste caso específico, optamos por não transcrever toda a seção, mas partes que já nos indiciariam a
incorporação do dizer entre os relatórios. Encontramos reproduções pontuais nos demais excertos do Quadro 41,
conforme ocorre nos relatórios. Neste caso, somente REDO2 – EDIF 01, 2017 demonstrou reprodução integral de
seções: apresentação da empresa, introdução e conclusão.
333
adquiridos em sala de aula. (p. 10 –
destaques nossos)
de aula. (REDO2 – EDIF 02, 2016, p. 16 –
destaques nossos)
REDO5 –
EDIF 01,
2018
Introdução Introdução
O estágio supervisionado tem por objetivo
proporcionar ao estagiário treinamento
prático, experiência na área,
aperfeiçoamento técnico, cultural,
científico e de relacionamento humano,
como complementação da minha formação
profissional no ambiente de trabalho. (p. 05
– destaque nossos)
O estágio supervisionado tem por objetivo
proporcionar ao estagiário treinamento
prático, aperfeiçoamento técnico, cultural,
científico e de relacionamento humano,
como complementação da minha formação
profissional no ambiente de trabalho.
Importante elencar que esse é o momento no
qual o estagiário tem a oportunidade de
conhecer a política da empresa, estabelecer
contatos e transitar entre setores, assim como
relacionamento entre o canteiro de obras e o
escritório. (REDO5 – EDIF 01, 2016, p. 08 –
destaques nossos)
Conclusão Conclusão
O estágio é de suma importância para o
desenvolvimento do estudante, existindo
oportunidade de adquirir
conhecimentospráticos, vivenciar
experiências profissionais, echance para o
estagiário de praticarconhecimentos
adquiridos em sala de aula. (p. 10 –
destaques nossos)
O estágio é de suma importância para o
desenvolvimento do estudante, existindo
oportunidade de adquirir conhecimentos
práticos, vivenciar experiências
profissionais, e chance para o estagiário de
praticar conhecimentos adquiridos em sala
de aula. (REDO2 – EDIF 02, 2016, p. 16 –
destaques nossos)
REDO5 –
EDIF 01,
2018
Introdução Introdução
O estágio supervisionado tem por objetivo
proporcionar ao estagiário treinamento
prático, experiência na área,
aperfeiçoamento técnico, cultural,
científico e de relacionamento humano,
como complementação da minha formação
profissional no ambiente de trabalho. (p. 05
– destaques nossos)
O estágio supervisionado tem por objetivo
proporcionar ao estagiário treinamento
prático, aperfeiçoamento técnico, cultural,
científico e de relacionamento humano,
como complementação da minha formação
profissional no ambiente de trabalho.
Importante elencar que esse é o momento no
qual o estagiário tem a oportunidade de
conhecer a política da empresa, estabelecer
contatos e transitar entre setores, assim como
relacionamento entre o canteiro de obras e o
escritório. (REDO5 – EDIF 01, 2016, p. 08 –
destaques nossos)
Fonte: Elaborado para este trabalho (2021).
Dessa forma, realçamos que os excertos em evidência de REDO5 – EDIF 01, 2016 e
REDO5 – EDIF 01, 2018, elaboraram uma reprodução “fiel”, respectivamente, de REDO5 –
EDIF 02, 2017 e REDO5 – EDIF 01, 2016. Essas reproduções recuperavam trechos sobre o
objetivo e a importância do estágio para formação dos profissionais da “construção civil”.
Assim, em REDO5 – EDIF 01, 2016, destacamos que o período de estágio foi executado
entre março e abril de 2016. Por sua vez, no relatório em que encontramos o paralelo de uma
“cópia”, o discente o fez entre abril a setembro de 2015, tendo recebido seu diploma somente
334
em 2017174, devido a pendências em outras matérias. Outro ponto em comum entre esses dois
relatórios, além dos trechos similares, é o fato de terem o mesmo orientador. Nesse contexto,
compreendemos que o texto pode ter origem em algum template ou manual compartilhado
quiçá por esse orientador, solicitando que, na seção de introdução do estágio, os discentes
enalteçam a necessidade de profissionais qualificados na região na qual estão inseridos.
Tomamos isso como um norte, pois o mesmo ocorreu no excerto de REDO5 – EDIF 01, 2018
ao recuperar trechos de REDO5 – EDIF 01, 2016, sob orientação do mesmo professor.
Em relação a esse último caso, REDO5 – EDIF 01, 2018, lembramos que o discente
buscou o trecho presente do outro relatório e construiu, por meio de um pequeno movimento
de reformulação, um acréscimo sobre o objetivo do estágio ao informar que visa a: “experiência
na área”. De todo modo, conforme sinalizado ao longo dos resultados dessa tese, a CP de
Edificações possui características peculiares sobre a estrutura do gênero relatório e de alguns
movimentos que se repetem entre seus pares. Por este motivo, supomos a existência de algum
documento que sirva como norte sobre essa escrita por parte dos membros que a integram.
Como não fizemos entrevistas, coletas de informações com os sujeitos, compreendemos a
lacuna de nossos dados, porém isso não inviabiliza a nossa análise discursiva sobre as RD em
CP distintas.
No que diz respeito aos excertos exemplificados de REDO2 – EDIF 01, 2017,
reforçamos que esse discente teve o mesmo locus de estágio de REDO2 – EDIF 02, 2016, e
ambos tiveram o mesmo orientador, mas em períodos distintos (o primeiro, de abril a junho de
2016 e a segunda, de setembro a dezembro de 2015). Neste caso, o discente-estagiário
incorporou o dizer da colega em três partes do seu relatório (Quadro 41): na introdução, na
apresentação da empresa e na conclusão. Apontamos que compreendemos que tais seções
possuem uma certa prototipicidade com relação ao conteúdo do gênero: talvez por esse motivo,
o orientador tenha aprovado o relatório do modo que se encontra. Entretanto, entendemos que
caberia o trabalho de maior atenção para que se evitasse a reprodução de porções muito extensas
de um outro texto, de uma outra autoria.
Apesar disso, da ocorrência desse fato enunciativo, deparamo-nos com um enunciado
novo e recontextualizado em sua realização, pois mesmo apresentando similaridades no aspecto
textual, encontramos singularidades em ambos os relatórios analisados. Assim, no que tange à
grafia/fonte utilizada, o trabalho de REDO2 – EDIF 01, 2017 apresentou no primeiro parágrafo
174 Informamos que ambos os relatórios foram entregues em 2016. REDO5 – EDIF 02, 2017 em abril de 2016 e
REDO5 – EDIF 01, 2016 em julho de 2016. Conseguimos esses dados por intermédio do conteúdo exposto nos
próprios relatórios.
335
uma fonte distinta da utilizada no outro relatório. Há também um distanciamento quanto ao
esmero em relação à formatação e ao alinhamento dos parágrafos: REDO2 – EDIF 01, 2017
não fez recuo de margens dos parágrafos, mas em REDO2 – EDIF 02, 2016 é visível a
preocupação com a estética do documento, seguindo os padrões de formatação. Ainda
visualizamos nesse contexto, alguns erros de escrita e/ou digitação (“. O”, “XXX.Durante”,
“dasvias”, “conhecimentospráticos”, “echance”, “praticarconhecimentos”). Esses fatos nos
revelam como a nova forma de enunciar deixa escapar as dificuldades em torno do letramento
digital daquele discente. Cumpre-nos ainda destacar que esse mesmo estudante-estagiário, nas
demais seções de seu relatório, produziu sua narrativa fornecendo pistas de suas marcas
autorais. Não que a incorporação do dizer não represente um exemplo dessas marcas, mas esse
aluno realmente desenvolveu uma reflexão sobre sua ação de maneira a não recorrer a uma
provável cópia de algum outro colega de sala.
Diante desse cenário, revisitamos as palavras de Volóchinov (2018, p. 249), pois o
filósofo outrora alertava que: “[...] o enunciado alheio não é apenas o tema do discurso: ele
pode, por assim dizer, entrar em pessoa no discurso e na construção sintática como seu elemento
construtivo específico. [...]”. Isto nos evidencia determinadas nuances significativas de como o
dizer do outro pode ter formas de presença no fio discursivo de maneiras singulares e a
incorporação do dizer pode ser uma delas.
5.2.2.2.3 Evocação/alusão do dizer
Adentramos, então, em outra forma de presença do discurso alheio como palavra
própria no fio discursivo recorrente entre os membros das CP investigadas, a saber: a evocação
ou a alusão do dizer. Neste movimento, segundo Authier-Revuz (2007, p. 09), estamos diante
de um fato linguajeiro, no qual, na cena enunciativa, as heterogeneidades, as discursividades e
os sentidos construídos por seus sujeitos se dão através de palavras vindas e/ou recuperadas
pelo “exterior”. Nesta etapa, relembramos, que segundo a autora e como pontua a própria ADD,
todo dizer é voltado ou endereçado a uma exterioridade discursiva. Logo, o horizonte social
partilhado entre seus membros ajuda a distinguir se estamos diante de um “risco escolhido”
pelo autor ou um “risco de estar submisso à” essa exterioridade que nos indica a “alusividade”
do dizer. Esse último é algo constituinte desse próprio dizer, pois o sentido empregado seria
algo anteriormente estabelecido.
Desse modo, destacamos que buscamos essa ponte com a teoria enunciativa de
Authier-Revuz para compreendermos como a evocação ou a alusão do dizer, enquanto
336
movimento discursivo, é capaz de despertar as palavras de um outro dizer e conservar um certo
sentido original que é recolocado no fio discursivo, visando, de sobremaneira, a
intencionalidade do sujeito, de seu projeto de dizer. Ou seja, por intermédio da alusão é possível
percebermos movimentos que o enunciador faz e deixa ressoar palavras de outros dizeres, sua
interpelação, sua intencionalidade discursiva, moldando de forma a se construir um diálogo
com esse já-dito. Assim, conforme a pesquisadora:
De modo mais preciso, a alusão, assim compreendida como empréstimo, retomada
não explícita de segmentos em sua linearidade, faz parte da modalidade autonímica:
essa configuração enunciativa complexa corresponde ao desdobramento —
metaenunciativo — de um dizer que, em um determinado ponto, faz, ao mesmo
tempo, uso das palavras para falar de “coisas”, e um retorno, em menção, sobre essas
palavras tomadas como objetos. Nesses pontos específicos, o dizer é representado
como não funcionando naturalmente: o signo, em lugar de preencher neste dizer sua
função mediadora de forma “transparente”, através do apagamento de si mesmo,
interpõe-se como real, presença, corpo encontrado no percurso do dizer e ali se impõe
como seu objeto; a enunciação, em lugar de se realizar “simplesmente” no
esquecimento que acompanha as evidências inquestionáveis, se redobra em uma auto-
representação opacificante dela mesma. (AUTHIER-REVUZ, 2007, p. 12 – grifos da
autora).
Por seu turno, Botcharov e Gogotichvílli (2019, p. 73) complementam informando que:
quando estamos diante de uma reflexão metodológica de base dialógica, devemos partir
justamente dessa “tridimensionalidade da língua” (p.73), pois ela não pode ser considerada
apenas meio de comunicação, uma vez que, além disso, significa um meio de representação,
bem como um objeto dessa mesma representação. Por conseguinte, a reflexão de Authier-Revuz
(1998, 2011, 2017) sobre uma “autorepresentação” da palavra enquanto signo é possível pela
forma como o sujeito maneja esse discurso e transforma esse já-dito em objeto da enunciação.
Em nosso contexto, na realidade, a evocação/alusão do dizer se confunde com a própria
característica da definição de uma CP, visto que um dos critérios de inclusão nessa comunidade
diz respeito ao empreendimento e ao repertório partilhado. Neste quesito, fatores tais como
conhecimento compartido, recursos utilizados no agir ou na linguagem, a forma de se envolver
entre seus pares, são aptos a nos sinalizar como os membros de uma comunidade se integram
em um determinado grupo. Sendo assim, certos dizeres, socialmente evocados pelos membros
de uma comunidade, demarcam sua respectiva singularidade diante de outros grupos, por
exemplo.
Dito isso, por uma questão de recorte, trouxemos alguns exemplos pontuais que nos
indiciam como essa categoria é amplamente utilizada pelos membros de ambas CP (Quadro
42). Pontuamos que, em nossa compreensão, tal fenômeno se faz presente de forma recorrente
337
em decorrência da essência da linguagem por meio de elementos, tais como: a referencialidade,
a exauribilidade e a discursividade constitutiva.
De fato, isso nos indica como as lembranças nos são preenchidas por esses ecos
dialógicos e sobre as possibilidades antecipadas de interpretação de determinados contextos
que aparentemente nos são distantes, pois a linguagem sempre parte de algo anteriormente
enunciado. Nesse sentido, Bakhtin nos deixou a lição de que “[...] Nas lembranças levamos em
conta até os acontecimentos posteriores (no âmbito passado), ou seja, percebemos e
interpretamos o lembrado no contexto de um passado inacabado. [...]” (BAKHTIN, 2017, p.
64).
Como a evocação ou a alusão se trata de um fenômeno essencialmente relacional entre
sujeito-autor/enunciador e interlocutores em sua interpretação, por vezes, essa pode não ser
recuperada, de modo a ocasionar desequilíbrios interlocutivos de um interdiscurso não
compartilhado. Assim, Authier-Revuz (2011) propõe que este fato se dá, especialmente, por
falta de memória compartilhada entre os sujeitos discursivos. Além disso, quando da realização
do fato alusivo, entendemo-lo como parte integrante da modalidade autonímica, pois palavras,
expressões ou trechos maiores que remetem a esse outro dizer podem vir por meio de uma
marcação topográfica (aspas, negrito, itálico, dentre outros recursos) ou por meio de fugas
metaenunciativas (por assim dizer; é possível dizer; X nos dois sentidos da palavra; X, é o caso
de dizê-lo; entre outros exemplos).
Em nosso contexto, conseguimos recuperar, portanto, alusões por parte dos discentes-
estagiários em seus respectivos fios discursivos que nos remetem a já-ditos. Por sua vez, esses
sintetizam o campo de atuação, os termos técnicos e a experiências formativas, por exemplo.
Assim sendo, apresentamos, no Quadro 42, alguns excertos, nos quais os discentes-estagiários
remeteram a algum fato alusivo.
Quadro 42 – As formas de inserção do discurso “alheio” como palavra “minha”: a evocação/alusão do dizer.
RELATÓRIO EXCERTOS
REDO2 –
AGRO 01,
2016
Fonte: FAO, 2009. (p. 08 – destaques do autor e sublinhado nosso)
[...] Com o passar dos dias, o hormônio contido no material introduzido na vagina seria
absorvido pelo corpo do animal e em seguida o animal passaria a apresentar os sinais de
cio. Para notar os sinais de cio e o momento propício para inseminar é muito importante
que exista uma mão de obra treinada e que reconheça os sinais de cio. [...] (p. 12 –
destaques nossos)
No setor de Caprinovinocultura em que passamos uma parte do estágio, encontramos um
rebanho de cerca de 310 cabeças de caprinos e ovinos, sendo que tinham animais das raças
caprinas Anglo Nubiano, Boer, Repartida, Sannen, Toggerburg, Parda Alpina e alguns
exemplares de Moxotó, além dos SRD. Entre os ovinos encontramos Dorper, Santa Inês e
Morada Nova. [...] (p. 19 – destaques nossos)
338
REDO4 –
AGRO 02,
2017
A aftosa é uma enfermidade infectocontagiosa aguda com potencial de transmissibilidade
extremamente alto entre os animais susceptíveis, seu agente etiológico é: RNA vírus –
Família Picomavirdae – Gênero Aphtovirus. [...] (p. 07 – destaques nossos)
REDO4 –
AGRO 02,
2018
Manejo sanitário das baias, alimentação das cabras, bodes, e ovelhas a base de capim e
ração balanceada, e dos cabritos enjeitados a base de leite de vaca. Projeto de implantação
de plantas forrageiras (moringa e gliricidia). Coleta de Ovos por Grama (OPG), tatuagem
com números, e limpeza da orelha de uma cabra. (p. 09 – destaques nossos)
REDO2 –
EDIF 01, 2016
O trabalho em questão tem por função informar os trabalhos executados pelo aluno de
forma prática em um determinado período de tempo, fazendo utilizar conhecimentos
adquiridos na sala de aula no meio profissional e relatando a troca de experiência
adquiridas durante o período de estágio. (p. 08 – destaques nossos)
REDO2 –
EDIF 02, 2016
[...] Essa obra contou com a assistência e fiscalização de profissionais do setor de
planejamento de obras da prefeitura, um técnico em edificações e uma engenheira civil,
contribuindo para melhor execução e assistência junto com os colaboradores. É de
conhecimento que a manutenção de um canteiro organizado resulta em limpeza e em
redução de desperdícios de materiais, ações como manter o canteiro limpo, organizando
corretamente os materiais, transportarem-nos com cuidado, e utilizando corretamente os
equipamentos de segurança individual (EPI) tem um valor significativo, no custo e até
mesmo na segurança de todos. (p. 15 – destaques nossos)
REDO5 –
EDIF 01, 2016
A obra do piso para posto de combustíveis foi realizada no Posto Itamaraty em Salgueiro-
PE, próximo a BR-116. A construção em questão, seria a de um piso padrão para postos de
combustíveis, com a aplicação de “ilhas” para a locação das bombas (Figura 7). (p. 14 –
destaques nossos)
REDO5 –
EDIF 01, 2017
Para a elevação da qualidade geral da construção civil é imprescindível a existência de
memoriais de especificações, ensaios laboratoriais, desempenho dos elementos construtivos
e engajamento com a parte burocrática e teórica dos serviços que antecedem a construção,
visando garantir compras mais acertadas e precisas, obtendo-se um resultado com
qualidade mais elevada [...] (p. 04 – destaques nossos)
REDO5 –
EDIF 03, 2017
Essa foi uma das últimas atividades realizadas no período vigente do estágio. Como foi
mencionado o laboratório de construção é bastante utilizado para pesquisas científicas e
aulas práticas, e essas atividades causam uma certa “bagunça” e desorganização no local.
Na maioria das vezes, os alunos pesquisadores não tem tempo ou consciência para realizar
a limpeza e organização dos equipamentos e materiais utilizados por eles. (p. 13 – destaques
nossos)
REDO2 –
EDIF 01, 2018
A figura 05 apresenta a etapa anterior ao início da execução da alvenaria, ou seja, o com
esquadrejamento da mesma. A linha vista na figura 05 diz que a alvenaria deverá seguir
reta a ela e também demarca o limite da parede. Já na etapa da construção da alvenaria
era verificado se as juntas respeitavam os padrões normatizados de 1 cm para junta
horizontal e 2 cm para junta vertical, garantindo que a alvenaria estivesse dentro dos
padrões além de garantir o alinhamento correto da alvenaria respeitando a distribuição de
cargas nela exercidas. (p. 12 – destaques nossos)
Fonte: Elaborado para este trabalho (2021).
Diante da temática, no escrito de REDO2 – AGRO 01, 2016, salientamos duas marcas
de evocação a um já-dito. Ambas estavam correlacionadas ao vocabulário/ao repertório de
signos utilizados pelo universo da CP de Agropecuária (“FAO” e “SRD”). Nessa linha,
avultamos que o discente não explorou o significado dessas siglas, mesmo diante de uma
situação acadêmica como a produção do relatório de estágio, em que as normas técnicas
solicitariam dele a explicação dessas. Logo, ao construir essa alusão, o estudante-estagiário
partiu do pressuposto de que essas siglas representam “palavras” incorporadas ao léxico dos
sujeitos de seu grupo social. Consequentemente, segundo o entendimento deste aluno, o
339
significado das siglas citadas seria algo de fácil compreensão no horizonte perceptivo de seu
interlocutor.
Conforme Authier-Revuz (2011), nestes casos, estamos diante de alusões de hiper-
seletividade, algo que ocorre quando o autor privilegia um pequeno grupo ou uma comunidade
ao indicar esse fato alusivo mesclado com sua intencionalidade discursiva. Isto posto,
informamos que FAO é a sigla da Organização para Alimentação e Agricultura das Nações
Unidas, termo esse traduzido do inglês: “Food and Agriculture Organization (FAO) of the
United Nations”. Por sua vez, SRD é a sigla utilizada para a definição de “sem raça definida”,
termo que pode se referir a animais de diversas espécies e portes. Nesse contexto, os
interlocutores não pertencentes a esse grupo social certamente encontram maiores dificuldades
em recuperar essa evocação. Portanto, a ausência do significado das siglas nesse caso pode
ocasionar uma forma truncada de interação, pois é possível que a memória acerca desse
interdiscurso não seja resgatada de forma tão transparente.
De maneira similar, REDO4 – AGRO 02, 2017 faz a evocação da sigla “RNA” que
remete a questões de origem genética das células. Assim, a molécula de RNA se refere ao ácido
ribonucleico, uma molécula de importância na síntese de proteínas. Entendemos que esses
movimentos de alusões intencionais visam comprovar para o interlocutor a forma de
administrar os conteúdos apreendidos. Tal evocação ainda nos pode indicar que o estudante
domina o cotidiano de uma tarefa laboral, sobretudo, quando da narrativa dessas ações.
Nesse sentido, a expressão “Ovos por Grama (OPG)”, utilizado por REDO4 – AGRO
02, 2018, remonta a um conhecimento partilhado entre os membros dessa CP, pois na descrição
das atividades o interlocutor que (re)conhece esse campo de atuação entende que essa
designação é uma técnica veterinária para contagem de ovos por grama nas fezes dos animais.
A técnica é utilizada para identificar causas para verminoses que afligem os animais de criação,
por exemplo. A síntese dessa técnica por meio da alusão por meio da expressão “Ovos por
grama”, só é inteiramente completa na sua interpretação, quando se supera o limite linguístico
e segue para os elementos externos e contextuais do grupo. Conforme lição de Authier-Revuz
(2017, p. 27 – grifos da autora):
A alusão que “abre” no texto a brecha da resposta necessária de um interlocutor
desprovido do saber apropriado é, de certa forma, uma estratégia de fechamento de
qualquer interação possível, destinada a ser compreendida apenas por uma
comunidade adequada, justamente ali onde o empréstimo marcado, confinando o dizer
num implante exterior especificado no interior do dito, vai corresponder à auto-
suficiência de um dizer sem pré-requisitos quanto ao destinatário.
340
No âmbito da CP de Edificações, observamos evocações a um já-dito partilhado entre
interlocutores de forma mais ampla. Assim, mesmo que um sujeito não faça parte desse grupo
social, os sentidos podem ser facilmente reconhecidos. Isto se dá porque, nestes casos, estamos
envoltos em uma situação de alusão mais amplas e capazes de retomar os já-ditos mais afastados
que possuem ecos dialógicos em distintas esferas de atuação (AUTHIER-REVUZ, 2011). Por
isso, trechos como: “sala de aula”, “é de conhecimento”, “parte burocrática e teórica” de
REDO2 – EDIF 01, 2016, REDO2 – EDIF 02, 2016 e REDO5 – EDIF 01, 2017,
respectivamente; visam a sintetizar por meio dessas expressões um cenário muito além do que
a compreensão literal poderia fazer desses elementos.
Nesse sentido, o termo “sala de aula” recupera todo o conhecimento travado e
vivenciado em um locus real, cujo espaço dessa construção ganha um novo significado, bem
como diferentes implicações para o sujeito discursivo e, consequentemente, para com o seu
interlocutor, comprovando que esse lugar/espaço social tem uma importância ímpar na
construção/formação do sujeito para além de seus muros.
Por sua vez, no uso da declaração “é de conhecimento”, temos uma espécie de expressão
cristalizada que constrói sua “auto-representação” enquanto objeto enunciativo. Isto acontece
porque o fato elucidado em seguida representa algo comum, partilhado entre os pares que
compõem aquele universo. Ou seja, constrói-se uma espécie de percurso sistemático de
“retornos reflexivos” (AUTHIER-REVUZ, 2017, p. 12). Assim, dizer “é de conhecimento”,
pressupõe que os sujeitos que integram a CP de Edificações possuem uma compreensão sobre
as formas de manutenção de um canteiro, por exemplo. E, de igual modo, encapsular a
expressão “parte burocrática e teórica” recupera uma memória partilhada, um horizonte social
e de valores que nos indiciam a alusão sobre como é imprescindível quando da construção de
uma obra ter em mente que essas não caminham distante da prática, mas são partes integrantes
inclusive para a efetivação de um projeto ético e sem problemas de execução.
Diante disso, as alusões provocadas por REDO5 – EDIF 01, 2016 e REDO2 – EDIF 01,
2018 revisitam a esses padrões que norteiam a prática profissional, ao estabelecerem parâmetros
de segurança para a execução de uma obra. Desse modo, “piso padrão”, “padrões
normatizados” e “dentro dos padrões”, resgatam a voz do rigor da segurança e da
confiabilidade estabelecida na ação vivenciada pelo discente para com o seu interlocutor. Nesse
processo, vamos compreendendo como a alusão colabora na produção autoral dos sujeitos ao
vislumbrar seu auditório social e, assim, conseguir a aprovação do relatório.
Outras evocações que utilizam marcas topográficas, como “ilhas”, em REDO5 – EDIF
01, 2016 e “bagunça”, em REDO5 – EDIF 03, 2017, revelam-nos, no primeiro caso, o
341
reconhecimento de um termo técnico para o cumprimento da obra de acordo com suas
particularidades. Já, no segundo caso, a referência remete-nos à forma que socialmente é
compreendida a “falta de organização” que seria possível causar efeitos até mesmo de ordem
grave no cenário descrito, a saber: o uso de um laboratório. Ademais, esta última alusão carrega
forte carga valorativa sobre as atividades desenvolvidas nesse espaço e como consequência
valora seus atores, pelo não compromisso em “cuidar” desse local.
Em síntese, os sujeitos de ambas as CP utilizaram marcas alusivas ou de evocação por
meio de formas de modalização autonímica. O fenômeno se deu, de certo modo, por uma
espécie de empréstimo, pois o sujeito enunciou, mas o fez por meio de um já-dito de uma
correlação entre seus pares. Isso nos demonstra a tríade exposta por Bakhtin (2019a): o
enunciador, o interlocutor e o enunciado em si como objeto da enunciação. Esse último nos
fornece pistas do projeto de dizer de um direcionado a outro e que evoca discursos preexistentes.
Portanto, parafraseando Fuza (2015, p. 274), o sujeito-estagiário autor “[...] realiza escolhas
linguísticas considerando os efeitos de sentido que deseja criar.[...]”.
5.2.2.2.4 Reformulação do dizer
No eixo reformulação do dizer, encontramos movimentos de acentos e cores por meio
do sujeito enunciador ao reorganizar a voz do outro segundo a sua própria perspectiva de seu
projeto enunciativo. Neste contexto, segundo nos evidencia Volóchinov (2018, p. 258): “[...] A
língua elabora um meio de introdução sutil e flexível da resposta e do comentário autoral ao
discurso alheio. [...]”. Logo, essa voz se inclina a uma “[...] decomposição da integridade e do
fechamento do discurso alheio, à sua dissolução e ao apagamento das suas fronteiras. [...]”.
Tal movimento dialógico torna as formas de presença do outro um pouco mais
elaboradas e tênues pelo sujeito autor, pois esse precisa empreender também um certo esforço
interpretativo sobre o conteúdo expresso pelo já-dito. Sintaticamente, o discurso segue uma
linearidade, uma organização homogênea: ou seja, o discurso citado indireto e casos de
modalização em discurso segundo sobre o conteúdo são característicos desta etapa.
Sobre este aspecto, Volóchinov (2018, p. 270) nos provoca a pensar que, nessa forma
de realização do discurso indireto, temos inevitavelmente uma escuta de maneira distinta do
enunciado alheio. Isso ocorre porque o sujeito o percebe de forma ativa e o atualiza ao transmitir
essa palavra impregnada por outros aspectos e tons próprios. Por outro lado, como fato
interpretativo do discurso alheio, partimos do pressuposto, assim como Bessa (2016, p. 242),
de que esse movimento do sujeito-autor teria uma maior liberdade ao reescrever “[...] as ideias
342
do outro, sintetizá-las, avaliá-las e manipulá-las, apresentando as palavras expressas pelo outro
sob o filtro de sua compreensão. [...]”.
Entretanto, na condição de jovens produtores, neste contexto enunciativo de nosso
estudo, os alunos-estagiários nos deixam transparecer somente pequenos movimentos
interpretativos, sem maiores profundidades na reflexão desse dizer recuperado. Na realidade,
essa característica, presente em ambas as CP, parece-nos apenas responder àquela
obrigatoriedade exposta no GETA e no MRCT. Tal incumbência, refere-se à inserção de um
diálogo sobre o conhecimento acadêmico adquirido ao longo da sua formação e que se some às
vivências do estágio.
Em outras palavras, os discentes costumam se inclinar a responder a essa
“obrigatoriedade” ao informar ao seu interlocutor que fez tal reflexão pautada em uma voz de
respaldo. Entretanto, essa resposta nos transferece ser tão somente para “cumprir” um “ritual”
acadêmico, sobretudo, para definir termos ou técnicas. Nessa linha de pensamento, o discurso
indireto por meio da modalização em segundo sobre o conteúdo é algo recorrente entre os
relatórios investigados, conforme exposto em nosso breve recorte por meio do Quadro 43.
Quadro 43 – As formas de inserção do discurso “alheio” como palavra “minha”: reformulação do dizer.
RELATÓRIO SEÇÃO DO RELATÓRIO / EXCERTOS
REDO2 –
AGRO 01,
2016
Apresentação
[...] Petrolina está inserida na Rede Integrada de Desenvolvimento do Polo Petrolina/Juazeiro
(RIDE), o que beneficia o aumento da oferta de emprego, renda e diversificação da produção
local. Em relação aos demais municípios do estado, Petrolina é o maior produtor de manda, o
maior produtor de uva, o maior produtor de goiaba, o 3º maior produtor de banana e 7º maior
produtor de coco (Censo Demográfico, 2010). [...] (p. 05 – destaques nossos)
Introdução
A produção agrícola e pecuária Brasileira é responsável por 26% do PIB (Produto Interno
Bruto), além disso, responde por cerca de 36% das exportações Brasileiras, gerando cerca de
40 milhões de empregos. Na pecuária, os avanços tecnológicos, especialmente em genética,
nutrição, manejo e sanidade, foram o principal determinante para o aumento da produtividade
animal.
Os contínuos ganhos de produtividade na pecuária contribuíram significativamente para o
aumento da produção (11%) e exportação (18%) brasileira de carnes, no período de 2005 a
2010. Nesse mesmo período, registra-se o aumento da produção (20,8%) e da exportação (30%)
de carne de aves, além da exportação de carne de suínos (21%) (MAPA, 2012).
[...]
A carne suína é a mais consumida do mundo, sendo um alimento de excelente qualidade. Em
critérios de importação, o Japão, Federação Russa e México, lideram este quesito. Entre os
exportadores a União Europeia lidera este segmento, sendo seguido pelos Estados Unidos,
Canadá e Brasil (FERREIRA, 2012). (p. 07 – destaques nossos)
Atividades desenvolvidas
Segundo dados do IBGE (2009), a região que mais produziu leite no Brasil no ano de 2007 foi
à região sudeste que respondeu por 37,5% da produção nacional (9,8 bilhões de litros), seguida
pela Região Sul com 28,7% (7,5 bilhões), o centro oeste produziu 14,5% (3,8 bilhões), a região
Nordeste produziu 12,7% (3,3 bilhões) e o Norte produziu 6,6% (1,7 Bilhões de litros). (p. 09 –
destaques nossos)
Atividades desenvolvidas
343
Segundo Silva (2006), o ciclo estral da vaca é composto por quatro fases distintas, são eles:
Proestro – Período no qual ocorre a maturação folicular, com duração de três dias, estro –
período do cio em que ocorre ruptura do folículo e a liberação do óvulo, ou seja, ovulação que
ocorre de 10 a 14 horas após o término do cio, cuja duração média é de 18 horas, podendo
variar de 12 a 36 horas; metaestro – período em que o folículo vazio se transforma em uma
estrutura conhecida como “corpo amarelo”, cuja duração é de 8 a 10 dias, e anestro ou diestro
– período de inatividade dos órgãos sexuais cuja duração é de 8 a 10 dias. (p. 12 – destaques
do autor e grifos nossos)
REDO4 –
AGRO 04,
2017
Atividades desenvolvidas
Segundo (Adolfo Brito, 2016) a Declaração de Aptidão ao Pronaf (DAP) é o passaporte para
que agricultores e agricultoras familiares tenham acesso às políticas públicas do Governo
Federal. Com o odocumento, é possível ter acesso a mais de 15 políticas públicas, dentre elas
o crédito rural do Programa Nacional de Fortalecimento da Agricultura Familiar (Pronaf), a
Politica Nacional de Assistência Técnica e Extensão Rural entre outros[...] (p. 07 – destaques
nossos)
REDO4 –
AGRO 06,
2017
Atividades desenvolvidas
Segundo (Berckmans, 2004) a pecuária de precisão, no contexto dos ecossistemas pastoris, é
a forma moderna de gerenciar os sistemas de produção animal a pasto. Consiste na mediação
de diferentes parâmetros dos animais, a modelagem desses dados para selecionar a informação
que quer, e o uso desses modelos em tempo real visando o monitoramento e o controle de
animais e rebanhos. (p. 06 – destaques nossos)
REDO2 –
EDIF 03,
2017
Atividades desenvolvidas
A fossa séptica foi feita de acordo com as determinações do projeto. Sua construção começa
com o procedimento de escavação, compactação e nivelamento do fundo com uma camada de
cinco centímetros de concreto magro, sobre o concreto magro é feito uma laje de concreto. A
figura 07 a seguir demonstrar a construção do tanque séptico (fossa).
Suas paredes são foras feitas com bloco cerâmico. Foram obedecidos todos os parâmetros para
a construção, estabelecidos de acordo com as normas NBR 7229 e 13969 que regem as regras.
As figuras 07 e 08 apresentam as alvenarias e a construção da laje de cobertura do tanque
séptico respectivamente. (p. 12 – 13 – destaques nossos)
REDO5 –
EDIF 03,
2017
Atividades desenvolvidas
A NBR 9779 prescreve o método para determinação da absorção de água, através da ascensão
capilar, de argamassa e concreto endurecidos.
O ensaio consiste em colocar corpos de prova de concreto ou argamassa mergulhados em uma
camada de 5 mm de água acima da sua face inferior (ver figura 5), e a partir daí determinar a
massa observando a reação do corpo de prova em contato com a água, com 3h, 6h, 24h, 48h e
72h, mantendo a camada de água constante a (5 +/- 1) mm, em cada horário. O
acompanhamento do ensaio foi realizado a partir desta etapa de pesagens, onde realizei as
pesagens nos devidos horários com o auxílio da técnica de laboratório. (p. 11 – destaques
nossos)
REDO5 –
EDIF 04,
2017
Atividades desenvolvidas
3.3.3 Planta de Locação
“Planta que compreende o projeto como um todo, contendo, além do projeto de arquitetura, as
informações necessárias dos projetos complementares”, NBR 6493 (1992). Ou seja, locar a
construção dentro do terreno, no caso do presente trabalho a planta de locação é feita na planta
de situação, como ser visto na Figura 20 do projeto que será apresentado, localizado em
Serrita-PE. (p. 13 – destaques nossos)
Fonte: Elaborado para este trabalho (2021).
Dito isso, REDO2 – AGRO 01, 2016, por exemplo, ao construir seu percurso discursivo
para apresentar a região onde desenvolveu seu estágio, expôs o entorno da cidade de Petrolina.
Para tanto, recuperou uma voz socialmente aceita que garantiu respaldo sobre as informações
sintetizadas e compartilhadas, a saber: o censo demográfico de 2010. Nisso, visualizamos de
que forma o produtor desse enunciado reelaborou os dados estatísticos para caracterizar a
344
importância de Petrolina para região. Da mesma forma, avultamos que, em outras seções de seu
relatório, o referido discente-estagiário utilizou a mesma estratégia discursiva. Entretanto, para
o nosso recorte, destacamos somente esse movimento na seção de introdução e de atividades
desenvolvidas.
Assim, nessas seções, o estagiário buscou outra voz de respaldo: o MAPA – Ministério
da Agricultura, Pecuária e Abastecimento, reelaborando os dados estatísticos propostos por tal
instituição e evidenciando a importância da “produção agrícola e pecuária” no Brasil. Neste
tópico, o aluno também referenciou o IBGE – Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística por
meio de uma listagem, em uma espécie de “ranking” composto pelos dados expostos.
Entendemos que, mesmo se tratando de uma reelaboração da linguagem, o discente manteve
uma concordância com esses dizeres. Da mesma maneira o estudante o fez ao citar “Ferreira,
2012” como o autor de uma de uma informação compartilhada sobre a importação da carne
suína ou quando traz por meio de uma clara modalização autonímica do discurso segundo a
partir do dizer: “Segundo Silva”, ao elencar as características do ciclo estral da vaca.
Entretanto, na citação em “Ferreira, 2012”, não há uma profundidade ou reflexão sobre
esse dizer. Por outro lado, ao reformular o dizer de “Silva (2006)”, o estagiário visou explicar
as características de cada fase do ciclo proposto pelo autor a que fez referência, mas utilizou
para isto suas próprias palavras. O uso do “ou seja” como uma marca metaenunciativa e, ainda,
a imagem utilizada como fonte de Silva (2006), logo após essa explicação por parte do discente,
revela-nos essa peculiaridade de reformular esse dizer, mesmo que sob a forma de
concordância.
Nesse contexto, REDO4 – AGRO 04, 2017 e REDO4 – AGRO 06, 2017, também por
meio da modalização em discurso segundo sobre o conteúdo, buscaram explicar,
respectivamente, os efeitos sobre a obtenção do DAF e a definição sobre o que seria pecuária
de precisão. Assim, o DAF, ou Declaração de Aptidão ao Programa Nacional de Fortalecimento
da Agricultura Familiar (Pronaf), segundo o estudante, “é o passaporte para que agricultores
e agricultoras familiares tenham acesso às políticas públicas do Governo Federal”. Por sua
vez, o outro aluno escreveu sobre a pecuária de precisão que essa “é a forma moderna de
gerenciar os sistemas de produção animal a pasto”. Assim, para além disso, os discentes
buscaram desenvolver, ainda que de forma rudimentar, os desdobramentos dessas definições
recuperadas pelo dizer do outro.
Por outro lado, nos excertos em destaque, os relatórios analisados da CP de Edificações
demonstraram tendência a explorar essa reformulação do dizer, explicando na prática como isso
pode ser executado. Ou seja, ao indicar a fonte do seu dizer, os discentes travaram um diálogo
345
de concordância: entretanto, o fizeram pensando em como adaptar o que havia sido dito por
essa voz de autoridade de modo a garantir certo respaldo para o seu contexto de vivência
profissional.
O estudante identificado como REDO2 – EDIF 03, 2017, por exemplo, utilizou a
modalização autonímica em discurso segundo sobre o conteúdo, pois as regras que “regem”
aquela ação, asseguraram-lhe nas tomadas decisivas diante de sua execução. Nesse sentido, as
“NBR 7229 e 13969” tratam, respectivamente, de projeto, construção e operação de sistemas
de tanques sépticos, além de tanques sépticos como unidades de tratamento complementar e
disposição final dos efluentes líquidos, são recuperadas para demonstrar que a narrativa
coaduna com essas bases legais. Porém, é neste quesito que entra a reelaboração desse dizer.
Assim, neste aspecto, entra a relaboração desse dizer, pois o discente o faz segundo sua
perspectiva e sua experiência que não foge daquele dizer fonte.
De forma análoga, REDO5 – EDIF 03, 2017 explorou a NBR 9779 (argamassa e
concreto endurecido) para explicar o método de absorção da água em determinados contextos
laboratoriais. Com efeito, essa voz de respaldo foi recuperada e reformulada para explicar a
técnica utilizada. No caso, o discente explicitou valores diferenciados, mas possíveis de
execução segundo proposto por aquela NBR. Assim, o estudante prosseguiu com a narrativa,
dizendo ao interlocutor como foi possível construir o ensaio, seguindo o já-dito.
Por sua vez, a aluna identificada como REDO5 – EDIF 04, 2017 utilizou uma citação
direta da NBR 6493 (1992) e buscou exemplificar com suas palavras a explicação técnica sobre
o que seria uma planta de locação. De forma semelhante à utilizada por REDO2 – AGRO 01,
2016, a estagiária fez uso da marca metaenunciativa “ou seja” para sintetizar sua definição
sobre “locar a construção dentro do terreno.” Além disso, a fim de enriquecer sua explicação,
a discente-estagiária ainda anexou ao relatório uma imagem de seu acervo pessoal para
demonstrar a execução dessa técnica.
Isto posto, destacamos que nosso propósito em observar as características de
recuperação do outro no fio discursivo muito se alinha em compreendermos esse jovem
produtor de texto segundo um contexto peculiar. Dessa maneira, a esfera acadêmico-
profissional, guarda-nos uma singularidade tanto de reacentuação quanto de valoração do seu
dizer, pois esse contexto pode apontar, por exemplo, de que forma o autor demarca o seu estilo
e a sua voz autoral, além de como se comporta frente a imposições sobre como dizer e como
narrar a sua própria experiência. Mais ainda, essas RD vislumbradas nos mostram e nos
indiciam um dos elos que retoma a própria constituição dos grupos frente as suas CP. Neste
aspecto, Bakhtin (2018, p. 237) afirma que: “[...] o discurso do herói sobre si mesmo se constrói
346
sob a influência direta do discurso do outro sobre ele”. Logo, a compreensão sobre as formas
de presença desse outro também se manifestam no fio discursivo de modo a singularizar os
próprios grupos investigados.
5.2.2.3 A dimensão interdiscursiva por meio das RD
Para Bakhtin (2018, p. 209), “[...] Toda a vida da linguagem, seja qual for o seu campo
de emprego (a linguagem cotidiana, a prática, a científica, a artística etc.), está impregnada de
relações dialógicas. [...]”. Nesse sentido, as RD são estudadas segundo o seu campo do discurso
e isso não significa negar os aspectos linguísticos que auxiliam a compreensão desse naquele
fenômeno, mas precisamos somar esses aspectos e saber que nessas relações se encontram
posições de sujeitos, valores implicados e ideologias, por exemplo, já que tratamos do discurso.
Assim, ao longo de nossa reflexão, percebemos que nem sempre é possível
recuperarmos a presença do outro no fio discursivo por meio de formas de inserção da voz
alheia, tal e qual o discurso direto, o indireto ou o indireto livre. Ademais, para além dessas
formas, existem outros fenômenos que se associam de um lado a esse viés mais explícito e,
outro, que tende a forma de diálogos mais profundos e complexos (SANCHES, 2009). Nesse
sentido, Brait (2012c, p. 94) aponta que nas minúcias estilísticos-discursivas do enunciado é
que nos é possível recuperar os “[...] aspectos que marcam a presença/ausência e a entonação
de cada uma das vozes, as consciências em conflito, a tensão, os planos de diluição/demarcação
de fronteiras.”.
Dito isso, ressaltamos que, como fenômenos quase universais, as RD “[...] penetram
toda a linguagem humana e todas as relações e manifestações da vida humana [...]” (BAKHTIN,
2018, p. 47). Dessa forma, não há um discurso como à ideia de um Adão mítico, uma vez que
estamos sempre ouvindo e respondendo a outras vozes (próximas ou distantes). Logo, nessa
inegável constituição do enunciado, que convoca, por um lado, o outro nesse fio discursivo,
alteridade constitutiva; por outro lado, estamos também reverberando uma interdiscursividade
instaurada por meio de uma presença de já-ditos que ecoam nesse âmago dialógico (AUTHIER-
REVUZ, 2008, 2011, 2017).
Ademais, reforçamos que em nossa constituição identitária, como ressalta o primado
bakhtiniano, somos seres responsivos e respondentes. Desse modo, diante do nosso contexto
específico de análise, os discentes são e foram chamados a produzir o gênero relatório de estágio
como uma grande resposta ao seu próprio contexto formativo. Assim sendo, destacamos que as
fronteiras das RD, nem sempre nítidas, e que as interpretações selecionadas para análise
347
representam também um ponto de vista da pesquisadora sobre esse fenômeno ao conceber o
papel das linguagens e dos sujeitos na construção dos sentidos em um contexto específico.
Nesse papel sobre a dimensão interdiscursiva, o recorte oferecido segue um olhar mais atento
sobre as pontes possíveis entre os discentes das duas CP (Agropecuária e Edificações). Com
efeito, essas ligações revelam por meio do discurso os letramentos vivenciados pelos discentes,
em especial, compreendendo uma ponte com os letramentos acadêmicos-profissionais.
Isto posto, detalhamos as cinco RD que conseguimos recuperar em nosso processo de
escuta do corpus, segundo ainda o campo de produção e recepção do gênero relatório de estágio
por meio dos sujeitos ali implicados (discentes de EMI de cursos diferentes)175, a saber: o
diálogo com o conhecimento acadêmico e profissional; a concordância com discursos alheios;
a relação de questionamento do agir profissional e da teoria existente; a relação com outros
saberes e competências; e o (re)conhecimento das marcas acadêmicas e profissionais na
formação.
5.2.2.3.1 Diálogo com o conhecimento acadêmico e profissional
Neste ponto, tomamos como norte o entendimento de que nas RD com o conhecimento
acadêmico e profissional os discentes dialogam com seus interlocutores mediadores dos
letramentos ou acionam outros discursos acerca do saber científico e/ou do âmbito laboral de
modo a reconhecê-los como vozes de verdades absolutas, intactas ou inquestionáveis. Nessa
relação, o diálogo é travado e tomado como um conhecimento consensual pelos membros de
uma determinada CP. Assim, ocorre a tendência à generalização de assuntos, bem como à
utilização de certas referências abrangentes quando da contextualização da atividade a ser
executada ou ainda a possibilidade de “ausência de referências bibliográficas explícitas”
(FUZA, 2017, p. 211) sobre um dado assunto.
Diante dessas características, informamos que esse tipo de RD foi uma das mais
recorrentes, uma vez que esteve presente em todos os relatórios de estágios investigados. Tal
recorrência foi observada, especialmente, nas seções de introdução e das atividades
desenvolvidas. A título de exemplificação, os Quadros 44 e 45 reproduzem alguns excertos da
seção das atividades desenvolvidas, cujas ocorrências seguiram essas particularidades em torno
de generalizações e de um aparente acordo tácito entre seus membros.
175 De maneira distinta dos trabalhos de Sanches (2009) e Fuza (2015) – trabalhos que investigaram o gênero artigo
científico, efetuamos um outro trabalho de escuta diante do nosso corpus com adaptações nas RD que
evidenciamos em nosso contexto.
348
Em REDO2 – AGRO 01, 2016, o discente partilhou a compreender a dinâmica de seu
grupo social e trouxe uma espécie de receita de “sucesso produtivo”, pois “para qualquer ramo
de produção” seria suficiente o domínio sobre as três formas de manejo (sanitário, reprodutivo
e nutricional) para que se atingisse “a expectativa criada pelos órgãos de controle”. Com isso,
o sujeito-estagiário remeteu a uma generalização correlacionada tanto ao conhecimento
acadêmico sobre essas formas de manejo pecuário, quanto à sua vivência no mundo do
trabalho/campo profissional.
Acerca do último ponto, o aluno buscou demonstrar ao seu interlocutor mediador dos
letramentos mais próximo, o orientador, sua compreensão sobre as exigências legais
enfrentadas pelos produtores na criação de animais. Nessa mesma linha de pensamento, as
generalizações que tenderam a afirmar os conhecimentos tácitos e consensuais desse grupo
também estiveram presentes no relatório em questão. Tal presença se deu quando o discente-
estagiário recuperou o contexto dos sinais de cio no animal e as formas de melhor adequação
para a inseminação desse, por exemplo.
Portanto, assim como no trecho demonstrado anteriormente, no qual o uso do verbo
“ser” somado a um adjetivo qualificativo de relevância (é essencial) foi utilizado, esse mesmo
movimento foi concebido ao dizer que “é muito importante” existir “uma mão de obra treinada
e que reconheça os sinais de cio”. Porém, não há um desenvolvimento sobre o que o aluno-
estagiário entenderia por “mão de obra treinada”. A observação não parecia propor uma maior
reflexão, mas apenas transmitir essa generalização como uma verdade anteriormente
estabelecida entre seus pares.
Quadro 44 – Diálogo com o conhecimento acadêmico e profissional – CP de Agropecuária.
RELATÓRIO SEÇÃO DO RELATÓRIO / EXCERTOS
REDO2 –
AGRO 01,
2016
Atividades desenvolvidas
Para qualquer ramo de produção pecuária obter sucesso produtivo, é essencial que as três
formas de manejo sejam conciliadas e bem executadas dentro do plantel, são eles, manejo
sanitário, manejo reprodutivo e manejo nutricional, assim a produção cresce de forma que
gere um bom lucro ao produtor e o alimento produzido e o alimento produzido seja de boa
qualidade, atingindo a expectativa criada pelos órgãos de controle. (p. 10 – destaques
nossos)
Atividades desenvolvidas
[...] Com o passar dos dias, o hormônio contido no material introduzido na vagina seria
absorvido pelo corpo do animal e em seguida o animal passaria a apresentar os sinais de
cio. Para notar os sinais de cio e o momento propício para inseminar é muito importante
que exista uma mão de obra treinada e que reconheça os sinais de cio. Neste caso havia
uma falha no setor de bovinocultura, pois o trabalhador responsável pelo setor se dividia
entre o curral e a instalação de trituração de volumoso, isso impedia que o trabalhador
estivesse em contato co os animais em uma boa parte do tempo. Após isso, as vacas foram
direcionadas para o contentor de animais de grande porte, para serem submetidas ao
procedimento de inseminação artificial, ilustração 3. (p. 12 – destaques nossos)
Atividades desenvolvidas
349
REDO2 –
AGRO 01,
2017
3.2.4 Qual o aprendizado desenvolvido com a atividade?
Temos que cumprir a legislação estadual de inspeção sanitária animal. Caso contrário
será aplicado às devidas punições. (p. 07 – destaques nossos)
REDO2 –
AGRO 02,
2017
Atividades desenvolvidas
A dosagem é feita da seguinte forma:
Para bovinos e ovinos: aplicar por meio de injeção subcutânea na dose de 1mL para cada
50 kg de peso vivo, o que proporciona a administração de 200 µg/Kg de peso vivo de
Ivermectina MERIAL.
Em ovinos, no tratamento da sarna psoróptica, recomenda-se administrar duas doses com
intervalo de 7 dias. [...] (p. 12 – destaques nossos)
REDO4 –
AGRO 06,
2017
Atividades desenvolvidas
Os números apontam que (United NationsSteifeldet al. 2006) a pecuária sob pastejo ocupa
26% da superfície terrestre, e que a pecuária tem levado a degradação de 20% das
pastagens e terras de pastagens (73% dos pastos em áreas secas). Independentemente da
produção de gado produzir impactos maiores ou piores que outros setores, o fato é que a
pecuária gera enormes benefícios para os seres humanos, mas também tem
consequências negativas sobre a terra. Assim, é necessário melhorar os sistemas pecuários
para minimizar impactos ambientais, mantendo alta produtividade, qualidade e eficiência
energética. (p. 06 – destaques nossos)
Atividades desenvolvidas
A dosagem de medicamentos tem que ser adequada nem mais e nem menos, se
desobedecer as instruções o seu animal terá alguns problemas como não conseguindo se
curar ou levando a morte, alguns produtores ainda são dos tempo antigo onde o remédio
para aquela doença não sao os de uma farmácia veterinária, mais os que te ensinaram a
fazer retirados da natureza. (p. 07 – destaques nossos)
REDO4 –
AGRO 02,
2018
Atividades desenvolvidas
Antes da implantação foram feito pesquisa sobre as duas forrageiras, clima, cuidados com
as plantas, irrigação e principalmente o valor nutricional de cada uma para suprir a
necessidade dos animais, por quanto tempo levaria para começar a dar como alimento.
Fazendo toda preparação de uma área desativada do campus perto do setor de
caprinovinocultura. A OPG foi retirado no mínimo duas gramas de fezes de cada matriz,
colocado num recipiente plástico com a identificação do animal (característica física,
número e raça), depois levada ao laboratório para que o médico veterinário analisasse e
em seguida dos resultados aplicação da vermifugação. Para a tatuagem nos animais é bem
parecida com a tatuagem humana, foi feita na orelha esquerda de cada animal (matrizes
e reprodutores), colocando uma tinta permanente própria para tatuagem na região da
orelha e depois vindo com o número numa máquina própria para essa função e apertando
na região da tinta na orelha. Depois da orelha amputada precisava fazer a limpeza todos
os dias limpando com o algodão molhado com água, em seguida passando pomada para
infecção e mata bicheira. (p. 09 – 10 – destaques nossos)
Fonte: Elaborado para este trabalho (2021).
REDO2 – AGRO 01, 2017, de forma análoga, recuperou uma voz de autoridade,
especialmente, quando da atuação laboral: “a legislação estadual de inspeção sanitária
animal”. Entretanto, além de não explorar os efeitos dessa normativa, o discente-estagiário não
mencionou as referências utilizadas. Nesse sentido, o autor do relatório pressupôs que seu leitor
também partilhasse do conhecimento do documento legal citado. Neste caso, ele pressupõe que
o interlocutor conheceria também as “devidas punições” do descumprimento daquele aspecto
legal, indiciando-nos como certos conhecimentos foram/são pré-estabelecidos entres os sujeitos
que compõem determinada área do saber.
350
Dito isto, ressaltamos uma singularidade digna de reflexão inserida no relatório de
REDO2 – AGRO 02, 2017: ao dizer que “A dosagem é feita da seguinte forma”, a aluna tratou,
por um lado, de um conhecimento acadêmico, e, por outro, o profissional. Porém, ratificamos
que essa discente-estagiária não tem o “poder” ou a formação específica para receitar os
remédios, visto que tal situação seria possível somente após sua graduação na área veterinária,
por exemplo. Dessa forma, ao recuperar o dizer de maneira genérica e sem trazer maiores
referências, a estudante-estagiária dedicou-se a explorar alguns dados da bula do remédio
selecionado para exemplificar a forma de administrá-lo (Ivermectina MERIAL). Para
chegarmos a essa compreensão foi preciso retomarmos o início da seção e entendermos que a
autora expôs características do medicamento e as formas de uso com que teve contato na
experiência do estágio.
Outro ponto que destacamos diz respeito à continuidade, pois a estagiária utilizou a voz
passiva para aconselhar sobre essa forma de administrar esse remédio, em “recomenda-se”.
Assim, como nos lembra Sanches (2009) e Fuza (2017), o uso da voz passiva ou índice de
indeterminação do sujeito é uma característica dessa relação, especialmente, consensual com a
academia.
Em outro exemplo, temos também essas generalizações, uma vez que REDO4 – AGRO
06, 2017, no primeiro trecho, não expôs uma referência explícita da origem da informação
fornecida. Neste caso, ocorreu uma personificação sobre o que dizem os dados, por meio da
expressão “Os números apontam que”. Em continuidade, o discente-estagiário não refletiu
sobre sua compreensão em torno dos benefícios que a pecuária oferece para o ser humano,
tampouco suas consequências negativas. De todo modo, o estudante partiu do pressuposto de
que seus interlocutores (reais ou presumidos) compreenderiam prontamente sua ideia.
Dessa mesma maneira, o discente demonstrou tendência a generalizar e demonstrar
indecisão sobre suas afirmações. Isto nos transpareceu quando o discente afirmou “nem mais e
nem menos”, quando poderia apenas dizer sobre seguir a dosagem indicada. Em seguida, o
estudante afirmou que se “desobedecer” a indicação da dosagem, o animal poderia não se curar
ou morrer. Contudo, sob o ponto de vista semântico, a afirmação carece de um maior
esclarecimento sobre essas diferenças. Assim sendo, o discente recuperou um diálogo com o
conhecimento acadêmico associado à prática profissional, pois supôs que muitos criadores são
avessos, por vezes, à utilização das substâncias prescritas por médicos veterinários (REDO4 –
AGRO 06, 2017).
No último exemplo de nosso recorte dessa CP, encontramos no relatório de REDO4 –
AGRO 02, 2018 uma generalização que busca a comparar a “tatuagem”, feita em humanos,
351
com um procedimento realizado em animais. Desse modo, a discente-estagiária formulou sua
comparação visando contemplar não somente os interlocutores que conhecem essa técnica, mas
buscou se aproximar de outros leitores possíveis de seu estudo. Diante desse contexto, a
estudante teceu uma comparação um tanto grosseira a fim de facilitar a compreensão de seu
leitor.
Reforçamos que, diferentemente dos trabalhos de Sanches (2009) e Fuza (2015), nos
quais essas generalizações e a adequação do estudo partem das peculiaridades segundo a
característica do gênero artigo científico, as autoras informam que o ato de generalizar tende a
não considerar a marcação de pessoalidade, apagar a figura do sujeito, sobretudo, “[...] ao
utilizar voz passiva, verbos com partícula apassivadora “se”, verbos no infinitivo que não
permitem determinar a pessoa do discurso.” (FUZA, 2017, p. 212). Contudo, em nosso
contexto, nos relatórios investigados de ambas as CP, o que sobressai é a personificação de
objetos e/ou de ações, revelando, assim, uma certa marca estilística sobre enunciar-se ou ainda
sobre criar certas afirmações.
Nessa ótica, destacamos que, na CP de Edificações, por exemplo, temos outra
peculiaridade em torno dessas generalizações. Neste caso, os discentes costumam explicar
termos e técnicas com suas próprias palavras, transparecendo o diálogo como conhecimento
adquirido e de verdade absoluta entre seus membros. Por isso, nos relatórios de REDO5 – EDIF
01, 2016, REDO2 – EDIF 03, 2017, REDO5 – EDIF 03, 2017 e REDO5 – EDIF 04, 2017
encontramos as definições trazidas por esses sujeitos-estagiários sobre o que seria muro de
arrimo, pisos intertravados, poligonal topográfica e AutoCad, respectivamente. Diante disso, os
exemplos retirados desses relatórios, de forma distinta dos excertos expostos na CP de
Agropecuária, buscaram desenvolver a explicação sobre aquele termo recuperado,
demonstrando tanto um diálogo com o conhecimento acadêmico, como o profissional, mas sem
trazer as referências sobre a origem daquele assunto.
Quadro 45 – Diálogo com o conhecimento acadêmico e profissional – CP de Edificações.
RELATÓRIO SEÇÃO DO RELATÓRIO / EXCERTOS
REDO5 –
EDIF 01, 2016
Atividades desenvolvidas
O terreno da obra tinha grande declive, por isso foi necessário aplicar a estrutura do muro
de arrimo, com função de conter o aterro até o nivelamento. O muro de arrimo é um tipo
específico de muro que serve para suportar as cargas provenientes do aterro, além de isolar
o terreno, nesta obra o muro foi feito em alvenaria, com a presença de vigas e pilares. (p.
12 – destaques nossos)
REDO2 –
EDIF 02, 2017
Atividades desenvolvidas
Em obras públicas, a fiscalização assume papel fundamental e social, pois deve garantir
que os gastos dos recursos públicos destinados à obra seja baseado em princípios de
economicidade, eficiência e eficácia. [...] (p. 14 – destaques nossos)
352
REDO2 –
EDIF 03, 2017
Atividades desenvolvidas
Os pisos intertravados são materiais que simplesmente substituem os paralelepípedos
graníticos em obras de pavimentação. Os blocos utilizados foram produzidos na obra
utilizando traços pré-estabelecidos. Esses tipos de pavimentos apresentam várias vantagens
em sua utilização como, por exemplo, a baixa complexidade de execução e menor custo,
além de promoverem maior aderência dos materiais convencionais, aumentando a
segurança, principalmente em dias chuvosos tendo uma melhor característica de infiltração
da agua nos setores urbano.
As desvantagens mais conhecidas da utilização desse tipo de revestimento é que eles
proporcionam desconforto aos usuários, devido ás trepidações promovidas pelas
irregularidades da superfície. A figura 03 apresenta o registro da aplicação do coxão de
areia para assentamento das pedras Inter travadas. (p. 10 – destaques nossos)
REDO5 –
EDIF 01, 2017
Atividades desenvolvidas
Para a realização do devido ensaio, foram apenas necessários: o conjunto de peneiras das
séries normal e intermediária e o paquímetro com resolução de 0,1 mm aferido;
Então, para a separação do material para a realização do ensaio, atentou-se para as
exigências da Norma MERCOSUL 26 e 27, tendo em vista a empregabilidade da tabela,
que pré-determina o diâmetro de acordo com a massa da amostra separada anteriormente,
como pode ser observado na tabela 1. (p. 08 – destaques nossos)
REDO5 –
EDIF 03, 2017
Atividades desenvolvidas
A poligonal topográfica é um procedimento de apoio ao levantamento topográfico, que
tem como objetivo o transporte de coordenadas de pontos de apoio conhecidos,
determinando assim as coordenadas dos pontos que compõem a figura geométrica da área.
Com base nos dados obtidos a partir da poligonal aberta, foi gerada a planta topográfica.
(p. 08 – destaques nossos)
REDO5 –
EDIF 04, 2017
Atividades desenvolvidas
O AutoCAD produto licenciado da AutoDesk, um software de tecnologia de Desenho
Assistido por Computadores (CAD), é uma ferramenta disseminada no âmbito de
desenvolvimento de projetos, e é muito importante saber usá-lo para um técnico em
edificações. [...]
Para executar comandos no programa é algo simples, quando têm-se conhecimento prévio
de seus principais comandos, esses são Line (L), Rectangle (REC), Circle (C), Arc, Mirror
(MI), Copy (CP), Dimension, Dist (D), Move (M), Trim (T) Text e Option (OP), saber
configurar Layers e Plot (imprimir), esses podem ser utilizados também com o acesso a
barra de tarefas na parte superior, porém para se produzir alguma arte é crucial o
conhecimento preliminar em desenho técnico, voltando-se para a área em desenho
arquitetônico. (p. 06 – 07 – destaques nossos)
REDO2 –
EDIF 01, 2018
Atividades desenvolvidas
Seguir o que foi descrito no projeto é uma das atividades mais rigorosas dentro do ramo
da construção civil já que esta é quem garante que o produto será igual ao exigido pelo
cliente, tive a oportunidade de garantir que a obra fosse executada tal qual descrito no
projeto e sempre dentre os critérios das normas e mantendo o controle de qualidade da
construção apreendido durante o curso de Edificações. (p. 09 – destaques nossos)
Fonte: Elaborado para este trabalho (2021).
Prosseguindo a análise, observamos que, em REDO2 – EDIF 02, 2017, temos um
exemplo de como esse diálogo com o conhecimento acadêmico é tomado de forma reconhecida
entre os membros. Assim, ao abordar sobre “os gastos dos recursos públicos destinados à obra”
deve se pautar em “princípios de economicidade, eficiência e eficácia”, o discente-estagiário
não mencionou a origem do dizer sobre esse pilar. Na realidade, o estudante apenas recuperou
uma verdade que circula e é de conhecimento tácito entre seu grupo social.
353
De maneira análoga, em REDO2 – EDIF 03, 2017, além de trazer sua compreensão
sobre o que seria o conceito de piso intertravado, no desenvolvimento de sua exposição, o
estagiário traz a seguinte afirmação: “As desvantagens mais conhecidas da utilização desse tipo
de revestimento é”. Ao remontar a expressão “mais conhecidas”, o aluno também inseriu a voz
de seu grupo social, visto que as desvantagens mais famosas certamente só serão conhecidas
por eles e não por qualquer outra pessoa de outro grupo.
Por sua vez, em REDO5 – EDIF 01, 2017, o discente “apagou” a figura do sujeito e
utilizou a voz passiva para informar que “atentou-se para as exigências da Norma MERCOSUL
26 e 27”. Contudo, o estudante não explicou o que essa norma explora, demonstrando
novamente uma generalização sobre um fato como dado para os seus membros. Sua intenção
era, provavelmente, evocar uma voz de autoridade com o auxílio de uma norma para respaldar
o seu dizer, mesmo que de maneira rudimentar na forma de citar essa referência.
Outro exemplo interessante foi notado no relatório da aluna sob o código REDO5 –
EDIF 04, 2017. Ao explicar o que é a ferramenta do AutoCad, a discente-estagiária informou
que o “programa é algo simples, quando têm-se conhecimento prévio de seus principais
comandos”. Neste quesito, além de trazer uma generalização, percebemos ainda uma emissão
de juízo de valor segundo o conhecimento acadêmico e profissional, pois seria “algo simples”.
Contudo, em seguida, houve uma modalização quando a autora atenuou aquela afirmação ao
acrescentar a seguinte explicação “quando têm-se conhecimento prévio”. Dessa forma, a aluna-
estagiária descreveu os principais comandos e partilhou com seus interlocutores o saber
acadêmico adquirido em sua formação que colaborou na sua atuação profissional.
Nessa mesma linha de raciocínio, REDO2 – EDIF 01, 2018 imputou uma afirmação
ampla sobre a relação de projetos arquitetônicos, execução e a construção civil: “Seguir o que
foi descrito no projeto é uma das atividades mais rigorosas dentro do ramo da construção
civil”. Porém, logo após essa afirmação, sem maiores referências, o estudante explorou o viés
de como seguiu os pontos planejados dentro de seu estágio. Entretanto, essa explanação não
ocorreu com o intuito de elucidar as demais “atividades mais rigorosas” de sua área de atuação,
indiciando-nos que os membros de seu grupo de CP compreendem e partilham esse
conhecimento acoplado em tal afirmação.
Em síntese, diante desses movimentos de conhecimentos “nucleares”, conseguimos
perceber como certas informações são expostas e como essas são (re)conhecidas entre seus
membros. Com efeito, os assuntos seriam passíveis de uma maior discussão e profundidade
pelos estagiários, mas geralmente esses autores o fazem sob o poder da síntese. Tal fenômeno
se dá, sobretudo, por outra sombra que paira neste contexto: o viés avaliativo. Esse último que
354
provoca, quiçá, um cerceamento sobre e como dizer. Sob outro aspecto, essa mesma síntese
pode nos fornecer pistas sobre o conhecimento exposto como algo consensual e tácito entre
esses membros, sem necessidade de maiores esclarecimentos.
Sobre essa temática, Sanches (2009, p, 154) reflete que: “Essa generalização é o que
permite ao interlocutor responder ao enunciado, o que podemos chamar de ‘acabamento
inacabado’ do enunciado”. Para Bakhtin (2019b), essa ausência de acabamento abre margens
para as diversas formas de como o sentido e o significado podem ser renovados segundo o
contínuo desenrolar do contexto, ou, pela interação de seus membros. Isso nos evidencia como
o discurso já nos sinaliza como se peculiarizam as CP investigadas, além de nos revelar a
dinâmica da compreensão responsiva entre esses mesmos sujeitos.
5.2.2.3.2 Concordância com discursos alheios
O eixo de concordância com discursos alheios abarca as relações de aceitação dos
dizeres evocados e tomados como respaldo, quer seja do âmbito profissional, quer seja
acadêmico. Neste quesito, essa RD interdiscursiva muito se assemelha à categoria exposta neste
trabalho sobre as formas de presença do discurso do outro no fio discursivo. Contudo,
destacamos a maneira de elaboração dos efeitos de sentidos sobre essa recuperação do dizer.
Mais especificamente, retomamos o pensamento de Bakhtin (2011, p. 331) ao entendermos que
as RD não podem ser interpretadas a todo momento “[...] em termos simplificados e unilaterais,
reduzindo-as a uma contradição, luta, discussão, desacordo. [...]”. Na realidade, para o filósofo,
com quem coadunamos, o simples ato de concordar pode ser uma das formas mais importantes
de RD: isto se deve às variedades e matizes que o ato pode se apresentar.
Logo, entendemos que a relação de concordância com essas outras vozes é algo comum,
sobretudo, entre os jovens produtores dessa esfera de atuação que estamos investigando. Isso,
por outro lado, revela-nos também a dificuldade enfrentada por esses sujeitos no
desenvolvimento de um embate de maior profundidade em contradizer o já-dito, pois o desafio
aumenta, principalmente, quando se está diante de uma voz aceita pelos pares (academicamente
ou profissionalmente) no seu locus de atuação176. Além disso, ao retomar essa voz de
credibilidade por meio de marcas de referências bibliográficas ou outras formas de expor o
176 Nesta linha, destacamos que a existência de uma ocorrência do movimento de discordância, por parte desses
jovens produtores, tenderia a transparecer uma contestação sutil a um dado ou a uma ironia ao discurso ali
recuperado, além de não construir uma oposição mais drástica ou madura sobre o enunciado posto, segundo Fuza
(2017). Em nosso contexto, não encontramos nem mesmo essas características primárias de discordância, quiçá
por ser o primeiro contato desses sujeitos da educação básica com a cultura do escrito estabelecida.
355
outro no fio discursivo, nesse contexto, é possível ao jovem produtor apagar certos limites do
discurso e incorporar o dizer do outro como seu (SANCHES, 2009)177.
Quadro 46 – Concordância e discordância com discursos alheios.
RELATÓRIO SEÇÃO DO RELATÓRIO / EXCERTOS
REDO2 –
AGRO 01,
2016
Atividades desenvolvidas
Para realização de manejo reprodutivo no setor, a inseminação artificial foi um dos
mecanismos que nós utilizados. A IA é um método de reprodução que consiste na deposição
do sêmen, através de instrumentos especiais, no local mais adequado do sistema genital
feminino (SILVA, 2006).
Segundo Hafez (2004) é a técnica singular mais importante desenvolvida para o
melhoramento genético dos animais, já que poucos reprodutores selecionados produzem
sêmen suficiente para inseminar milhares de fêmeas anualmente.
Dentre as vantagens da IA, Torres et al. destaca a padronização do rebanho, o controle de
doenças sexualmente transmissíveis, a organização do trabalho na fazenda, a diminuição
do curso de reposição de touros, etc. Outra vantagem são os programas de cruzamento
industrial com touros de raças altamente precoces e com alto ganho de peso, mas pouco
adaptadas às condições tropicais e, ainda, o uso de sêmen de touros mesmo após a sua
morte. Mas o principal benefício desta técnica é o melhoramento genético por meio do uso
de touros provados para obtenção de crias com maior potencial de produção e reprodução.
(p. 11 – destaques nossos)
REDO2 –
AGRO 02,
2017
Atividades desenvolvidas
Entende-se por manejo sanitário, um conjunto de medidas cuja finalidade é proporcionar
aos animais ótimas condições de saúde. Os componentes do manejo sanitário buscam
evitar, eliminar ou reduzir ao máximo a incidência de doenças no rebanho, para que
obtenha um maior aproveitamento do material genético e consequente aumento da
produção e produtividade (EMBRATER, 1981; DOMINGUES & LANGONI, 2001). Estes
autores citam ainda que os procedimentos relacionados à sanidade dos animais podem
ser divididos basicamente em dois tipos de procedimentos: [...] (p. 09 – destaques nossos)
REDO4 –
AGRO 01,
2018
Introdução
[...] No manejo reprodutivo implantamos nas propriedades assistidas a utilização de rufiões
caprinos e ovinos, para os programas de cobertura natural, pois o rufião, além de indicar
o estado de receptividade sexual das cabras e ovelhas, estimula o aparecimento do estro,
suas manifestações externas e a ovulação (SHELTON, 1960). (p. 05 – destaques nossos)
REDO2 –
EDIF 03, 2017
Atividades desenvolvidas
Suas paredes são foras feitas com bloco cerâmico. Foram obedecidos todos os parâmetros
para a construção, estabelecidos de acordo com as normas NBR 7229 e 13969 que regem
as regras. As figuras 07 e 08 apresentam as alvenarias e a construção da laje de cobertura
do tanque séptico respectivamente. (p. 13 – destaques nossos)
REDO5 –
EDIF 01, 2017
Atividades desenvolvidas
Na elaboração do presente relatório, foram observadas as seguintes publicações: Norma
ABNT NBR 13.133 – “Execução de levantamento topográfico”, de 1994, tal norma foca
as condições necessárias para a execução de levantamento topográfico destinado a obter
[...]
Das condições exigidas para a execução do levantamento topográfico, compatibilizamos
medidas angulares, medidas lineares, medidas de desníveis e as respectivas tolerâncias em
função dos erros, selecionando métodos, processos e instrumentos para a obtenção dos
resultados compatíveis com a destinação do levantamento. (p. 11 – 12 – destaques nossos)
REDO5 –
EDIF 03, 2017
Atividades desenvolvidas
O procedimento laboratorial foi realizado seguindo à risca a NBR 9779 – Argamassa e
concreto endurecidos – Determinação da absorção de água por capilaridade, com a
supervisão da técnica de laboratório, XXX. (p. 10 – destaques nossos)
Atividades desenvolvidas
177 Visualizamos essas possibilidades quando analisamos a reprodução literal e a incorporação do dizer nas análises
de nosso estudo (ver seção 5.2.2.2).
356
Após isto, foram realizados os rompimentos dos corpos-de-prova, por compressão
diametral (ver figura 6), conforme a NBR 7222, de modo a permitir a anotação da
distribuição de água no seu interior, por meio de medições da altura alcançada pela água
no corpo-de-prova (ver figura 7). (p. 11 – destaques nossos)
REDO5 –
EDIF 01, 2018
Atividades desenvolvidas
“As instalações hidráulicas e hidrossanitárias devem seguir as normas da NBR 5626
atendendo a parte de simbologia ou indicação das peças sanitárias, etc.”. (p. 13 – destaques
nossos)
Fonte: Elaborado para este trabalho (2021).
Assim, destacamos que, para o recorte proposto no Quadro 46, trouxemos três excertos
da CP de Agropecuária e quatro da CP de Edificações. Como na RD da subseção anterior, esse
é um movimento recorrente entre todos os relatórios de estágio investigados e possui a
ocorrência em várias seções. Todavia, o fenômeno possui maior destaque em seções de
introdução e na apresentação da empresa e atividades desenvolvidas.
De início, tomamos o exemplo de REDO2 – AGRO 01, 2016, no qual o discente revisita
três autores para abordar sua reflexão em torno da técnica de manejo reprodutivo: “(SILVA,
2006)”, “Hafez (2004)” e “Torres et al.”. Desse modo, na recuperação do primeiro trabalho nos
foi possível observar os apagamentos das fronteiras desse dizer por intermédio de uma
reformulação. Nossa compreensão é que há a busca pela definição em torno da inseminação
artificial (IA), uma vez que o aluno direcionou a autoria para Silva ao final da exposição. De
igual maneira, ao dizer expressões como: “Segundo Hafez (2004)” e “Torres et al. destaca”, as
expressões “Segundo Fulano” ou “Cicrano afirma, diz, destaca”, essas recuperações de vozes
de respaldo e tendem a figurar sem maior profundidade no diálogo. Isso demonstra uma
concordância pacífica entre o sujeito-autor-estagiário e as vozes recuperadas para amparar o
seu dizer.
Em REDO2 – AGRO 02, 2017, mesmo apresentando problemas de ordem sintática e
coesiva no texto, a discente-estagiária, a princípio, empregou as definições apresentadas por
duas referências “EMBRATER, 1981; DOMINGUES & LANGONI, 2001” ao tratar sobre o
manejo sanitário. Em seguida, a aluna se utilizou de movimento semelhante a REDO2 – AGRO
01, 2016 ao reconstruir, com suas palavras, o dito por esses autores e referendar esse dizer
ancorados nele. Além disso, a estudante recuperou a referência (Estes autores) e ainda explanou
a credibilidade do dado citado, pois são esses indivíduos que afirmam algo e não a própria
estudante, transferindo a carga de responsabilidade do dizer para essa voz de apoio.
Encontramos, de forma análoga, em REDO4 – AGRO 01, 2018, tal movimento ao tentar
expor sobre as técnicas de manejo produtivo implantadas por seu grupo de trabalho. Assim, no
excerto, o discente sustentou essa ação, retomando uma literatura mais antiga sobre “o estado
357
de receptividade sexual das cabras e ovelhas” por intermédio de “(SHELTON, 1960)”. Desse
modo, revisitar essas vozes da academia e que apresentam certo “know-how”, indicia-nos a
tentativa de adequação ao já-dito entre os estudiosos da área por parte desses jovens produtores.
Ademais, quando são expostas essas vozes de autoridade, há um movimento de apagamento
das fronteiras do dizer original, fato esse recorrente na CP de Agropecuária, sobretudo, nos
casos dos excertos destacados para essa categoria. Portanto, percebemos a inclusão da
reformulação do dizer com a indicação da autoria da fonte ou do pensamento.
Nesse quesito, ainda sinalizamos outra peculiaridade entre os grupos: enquanto a CP de
Agropecuária apresentou tendência a buscar as vozes de respaldo em uma diversidade de fontes
(como leis, artigos, anuários, dados estatísticos – IBGE, MAPA, livros acadêmicos), a CP de
Edificações centrou sua voz de autoridade especialmente em notas técnicas/normativas ou leis
da área da construção civil. Logo, nesse contexto, observamos a utilização de poucos exemplos
de outras vozes na correlação das atividades executadas no estágio para o respaldo técnico-
profissional que deve ser demostrado por esses estudantes.
Nesse sentido, quatro exemplos utilizados como recorte, REDO2 – EDIF 03, 2017,
REDO5 – EDIF 01, 2017, REDO5 – EDIF 03, 2017 e REDO5 – EDIF 01, 2018, demonstraram
concordar com as vozes das normas técnicas para amparar suas ações. Nessa linha, ao informar
ao seu interlocutor, real ou presumido, seguir tal NBR, os discentes aparentaram aquiescência
sobre as regras adotadas por sua comunidade profissional.
Desse modo, em REDO2 – EDIF 03, 2017, o discente-estagiário recorreu à “NBR 7229
e 13969” para informar que havia seguido os parâmetros da construção em alvenaria. Em
REDO5 – EDIF 01, 2017, a norma indicada foi a “ABNT NBR 13.133 – ‘Execução de
levantamento topográfico’, de 1994”, informando-nos que foi observada tal publicação para
seguir como norte para o estudo topográfico. Por sua vez, em REDO5 – EDIF 03, 2017, o aluno
utilizou duas NBR para demonstrar seguir em “conformidade” segundo essas normas na
execução dos procedimentos laboratoriais: “NBR 9779” e “NBR 7222”. Finalmente, em REDO5
– EDIF 01, 2018, o estudante-estagiário buscou amparo na “NBR 5626” para abordar sobre as
instalações hidráulicas e hidrossanitárias.
Em síntese, observamos que, no que tange a esses “aceites”, há a marca de concordância
imposta por essa cultura ou grupo social de maior expertise, haja vista o uso de verbos ou
locuções que nos indicam essa adequação, tais como: “estabelecidos”, “regem”, “foram
observadas”, “exigidas”, “seguindo”, “devem seguir”. Assim, essas marcas linguísticas nos
sinalizam como a concordância é dada por uma voz que respalda, tanto academicamente como
profissionalmente esse grupo de Edificações.
358
Diante desse contexto, entendemos que os discentes-estagiários se encontram na busca
em atender as expectativas imediatas da instituição, do curso, dos interlocutores mediadores
dos letramentos e assim se deparam com o desafio, como pontua Oliveira (2020, p. 167 – 168),
de produzir e de consumir uma infinidade de gêneros que circulam neste contexto nos quais
estão inseridos, “[...] o que acarreta a necessidade de aprender novas linguagens sociais ou
práticas de letramento específicas e oficializadas pelo domínio acadêmico (FISCHER, 2008),
bem como recorrer às vozes dos membros legitimados desse domínio, para, então, produzir
seus enunciados”. Revelando-nos, portanto, aspectos dessa concordância excessiva diante dos
dizeres outros e que não pontua uma problematização mais profunda.
5.2.2.3.3 Relação de questionamento do agir profissional e da teoria existente
No movimento de questionamento do agir profissional e da teoria existente, entendemos
que os discentes-estagiários buscam interpelar o já-dito como forma de refutar o que já existe
por meio de novos dados ou ainda construir uma crítica sobre o que está posto, asseverando um
juízo valorativo. Nessa linha de raciocínio, são postos em destaque a ironia ou até mesmo a
descrição analítica de determinados “problemas” encontrados pelos discentes-estagiários no
âmbito da teoria recuperada ou de suas respectivas práticas profissionais.
Acerca do tema, Oliveira reflete sobre a inserção de discentes na escrita acadêmica e
nos diz que os alunos nesse novo contexto de produção costumam vivenciar conflitos na
tentativa de se engajar em uma atividade comunicativa. Para a autora, essa é uma atividade “[...]
na qual precisam assumir uma identidade e subjetividade constituída pelo discurso acadêmico,
ao mesmo tempo em que recorrem a outras identidades e valores adquiridos em outros discursos
[...]” (OLIVEIRA, 2020, p. 169). De igual maneira, compreendemos que esses desafios estão
presentes diante dos sujeitos-estagiários das CP investigadas. Assim, ao se revelarem e
demonstrarem os valores implicados no dizer, esses estudantes também nos demonstram suas
constituições identitárias perpassadas sempre pela constituição alteritária, no qual o que dizer e
como dizer estão nessa linha, nesse horizonte.
Contudo, de maneira distinta das duas últimas RD, esse foi um movimento pouco
comum entre os relatórios de ambas as CP, sendo o de menor ocorrência. Esse fato nos reafirma
como para esse público do EMI é difícil tecer o seu dizer e inserir determinadas cargas
valorativas, pois quiçá acreditam que ao construir esses juízos podem ser compreendidos de
maneira errônea e o plano de aprovação, intuito maior da escrita do gênero relatório, não ser
almejado. De todo modo, conseguimos recuperar alguns desses exemplos no Quadro 47.
359
Isto posto, ressaltamos uma peculiaridade em torno dessa carga valorativa,
especialmente, quando de críticas a certas ações ou cenário na vivência do estágio: na CP de
Agropecuária, por exemplo, essas ocorrerem diante de instituições públicas. Assim, naqueles
relatórios cujos discentes efetuaram essa etapa formativa em uma empresa privada, não
encontramos indícios de uma carga valorativa ou de um questionamento das ações
desenvolvidas, muito menos de um olhar mais acurado sobre a teoria evocada.
Com efeito, encontramos em dois relatórios da CP de Agropecuária indícios de uma
leve crítica sobre as condições de trabalho enfrentadas pelos alunos, mostrando ainda como os
discentes conseguiram “burlar” tais dificuldades (REDO2 – AGRO 01, 2016 e REDO4 –
AGRO 02, 2018) quando da realização do estágio no IF-Sertão. Logo, REDO2 – AGRO 01,
2016 denunciou as “más condições de alimentação” dos animais, as formas de instalação das
ordenhas das vacas que “deixava a desejar” e as formas do “manejo sanitário praticado [que]
era muito falho”, ocasionando um alto índice mortalidade dos bichos. Ademais, acerca dos
índices de valores somados à descrição do problema, o discente refletiu em seu relatório sobre
enfrentamento da situação, além de criar uma maior reflexão sobre possíveis soluções para a
problemática apontada.
Quadro 47 – Relação de questionamento do agir profissional e da teoria existente.
RELATÓRIO SEÇÃO DO RELATÓRIO / EXCERTOS
REDO2 –
AGRO 01,
2016
Atividades desenvolvidas
No período em que estagiamos, o setor não estava em seu auge de produção. Tínhamos
apenas seis vacas produzindo, sob más condições de alimentação, devido à crise financeira
que o campus passava por isso a compra de insumos era dificultada [...] (p. 09 – destaques
nossos)
Atividades desenvolvidas
No setor de produção de bovinocultura leiteira percebemos que o manejo alimentar era
falho por causa da situação financeira do Instituto que estava sendo afetada pela atual
crise financeira que o país passa, com isso, não vinha verba para efetuar a compra de
insumos para serem processados na fábrica de ração e serem convertidos em concentrados.
No entanto, a alimentação do rebanho bovino era feita a base de Capim Elefante e Leucena.
O sistema de criação no setor é o semi-intensivo. Neste sistema os animais passam parte do
tempo em pastagens cultivadas, sendo que recolhíamos mais tarde para a instalação
zootécnica, em que recebem suplementação alimentar. Porém, neste caso, faziamos a
suplementação alimentar próprio pasto, pois após a ordenha todas as vacas lactantes eram
levadas para uma área de Leucena, em que pastavam por no máximo duas horas. A Leucena
era a única suplementação proteica para as vacas e bezerros. (p. 14 – destaques nossos)
Atividades desenvolvidas
Percebemos que a instalação de ordenha em muitos dos casos deixava a desejar, ilustração
7. A mesma tem capacidade para ocupar quatro vacas, duas de cada lado, porém só havia
uma única ordenhadeira funcionando para ordenhar as seis vacas lactantes, isso fazia com
que o tempo total de ordenha aumentasse. [...]. (p. 17 – destaques nossos)
Atividades desenvolvidas
[...] No setor de Caprinovinocultura, vimos que o manejo sanitário praticado era muito
falho. O índice de mortalidade no rebanho era muito grande. Em sistemas de produção de
caprinos e ovinos o índice de mortalidade aceitável é de 5%. Em 10 dias que ficamos neste
360
setor, notamos que por dia 1 animal falecia; de três filhotes nascidos no aprisco todos
morreram, as possíveis causas da morte desses filhotes foi a quantidade de colostro
administrada aos mesmos, as cabras não produziram uma quantidade suficiente de
colostro, mas os filhotes também corriam o risco de contaminação por bactérias presentes
no ambiente; esta suposição é valida pois outros animais adultos morreram nesta mesma
época por suspeita de Artrite Encefalite Caprina (CAE) e de Tétano; ilustração 16. (p. 25
– destaques nossos)
REDO4 –
AGRO 02,
2018
Atividades desenvolvidas
[...] No estágio pude notar o quanto que a atividade merece de conhecimento técnico,
merece mas atenção das pessoas que trabalha nessas área no campus, vendo as situações
das baias que são precárias, onde os reprodutores consegue atravessar o cercado das baias
pulando, os comedouros baixo demais e os animais acaba defecando e urinando dentro
misturando assim com a sua própria alimentação, de modo em geral a instalação precisa
ser mudada. Falta abatedouros especializados em caprinos e ovinos, com isso os abates
clandestinos surgem e isso não favorece que a qualidade do produto seja beneficiada. A
Suinocultura é uma atividade que se desenvolve bem nas condições da região semiárida.
Porém é uma atividade que merece profissionais capacitados para conduzir todos os
processos produtivos, o que acarreta numa maior qualidade do produto e por consequência
um bom resultado financeiro. No estágio pude perceber que as instalações principalmente
na maternidade não é uma das melhores (p. 14 – destaques nossos)
REDO5 –
EDIF 01, 2016
Introdução
O estágio teve como objetivo aplicar, na construção civil, os conceitos teóricos aprendidos,
verificar até que ponto esses conceitos são realizáveis na prática, desenvolver a tomada de
iniciativas para a resolução de problemas do cotidiano de uma obra e o relacionamento
com engenheiros e operários da construção. (p. 08 – destaques nossos)
REDO5 –
EDIF 01, 2017
Atividades desenvolvidas
Está processo de levantamento toográfico é extremamente positivo, pois dá subsídios para
por em discussão e comprovação da teoria da aula exposta em classe. Pois tem como
principais aspectos positivos, avaliar o aprendizado teórico em prática, além da
convivência em grupo que será de suma importância no mercado de trabalho, aprimorando
conhecimentos e difudindo experiências. (p. 14 – destaques nossos)
REDO5 –
EDIF 02, 2017
Atividades desenvolvidas
Um fato importante observado não só nessa obra, mas em todas as outras foi o uso de
equipamentos de proteção individual – EPI’S (figuras 1 e 2) e o armazenamento de
materiais de construção (figuras 3 e 4). Foi possível avaliar por meio dos conhecimentos
teóricos a conformidade dessas duas partes, tão indispensáveis para a segurança e o total
aproveitamento de material e Mao de obra.
A ausência de EPI acarreta vários riscos para o trabalhador e se mostrou muito frequente
nas obras observadas. Se uns utilizavam outros não, e quando utilizavam, não era de
maneira correta e segura, a forma correta seria que esses trabalhadores estivessem
utilizando luvas, capacetes, botas e fardamento padrão. (p. 09 – destaques nossos)
Atividades desenvolvidas
A creche (Nossa Senhora do Perpétuo Socorro) é um edifício que irá receber os mais
diversos tipos de crianças não só do bairro, mas de toda a cidade por isso é muito
importante que todas as etapas da obra de reforma sejam executadas da melhor forma
possível, mas não foi o que foi observado sua reforma possibilitou a análise de varias
etapas como piso, forro, reestruturação dos banheiros para atender as necessidades de
todos os tipos de crianças
Mas o fato, mas presente era a não utilização dos EPI’S, como pode ser observado na figura
8, que estavam a disposição como luvas e capacetes, esse trabalhador esta totalmente
desprotegido pelo fato de não utilizar capacetes, luvas, óculos de proteção, protetor
auricular, botas e fardamento padrao. (p. 13 – destaques nossos)
Fonte: Elaborado para este trabalho (2021).
De maneira um pouco similar, REDO4 – AGRO 02, 2018 questionou/denunciou essa
condição vivenciada pela instituição de estágio. De fato, a discente, no relatório em questão,
361
destacou que “merece mas atenção das pessoas que trabalha nessas área no campus, vendo as
situações das baias que são precárias”. A estudante ainda teceu uma breve crítica sobre “as
instalações principalmente na maternidade não é uma das melhores” e apontou a necessidade
de “abatedouros especializados” na região. Porém, não aprofundou essa observação ou propôs
soluções, tal como feito por REDO2 – AGRO 01, 2016.
Ainda assim, destacamos que tais considerações foram feitas justamente pelos dois
discentes que tiveram maior produção quanto ao volume de páginas dos relatórios, 50 e 19,
respectivamente. Com isso, supomos que também houve maior aprofundamento sobre a
reflexão de seu agir. Entretanto, este ato de não mensurar tanto a objetividade ou o poder de
síntese como proposto pelo GETA e MRCT, revela-nos como os discentes vão conseguindo
retratar melhor suas condições de trabalho aliados aos conhecimentos acadêmicos. Ou seja, os
alunos acabam deixando escapar mais sua voz autoral, no quesito de emissão de valores.
Pontuamos que não estamos dizendo que os demais relatórios não tenham uma voz autoral ou
estilo, mas estamos ponderando sobre a limitação do dizer que pode afetar o desenrolar do
pensamento quando há uma limitação de páginas, por exemplo.
De maneira distinta, na CP de Edificações, encontramos exemplos tanto em torno de
uma relação de questionamento do agir profissional como da teoria existente, mesmo que não
seja de forma mais explícita ou tão diretiva. Por isso, REDO5 – EDIF 01, 2016 se dispôs a
pensar o próprio estágio como um momento para questionar, debater, “verificar até que ponto
esses conceitos são realizáveis na prática”. Dessa forma, o aluno tornou implícita a indagação
sobre os conhecimentos adquiridos (teorias) para o agir profissional.
Nesse contexto, o estudante, identificado como REDO5 – EDIF 01, 2017, dedicou-se à
questão da teoria em torno do levantamento topográfico. O discente objetivou, portanto, “por
em discussão e comprovação da teoria da aula exposta em classe”, indagando sobre como esses
conhecimentos são associados à prática, colocando em embate duas linhas de conhecimento: o
saber teórico e a experiência prática.
Já em REDO5 – EDIF 02, 2017, a preocupação residiu em tecer uma observação sobre
o não uso de equipamentos de proteção individual (EPIs). Assim, o aluno-estagiário registrou
a crítica de que o não uso dos materiais “se mostrou muito frequente nas obras observadas”.
Além disso, o estudante esboçou uma pequena crítica pela não execução da obra de uma
reforma, pois essas deveriam ser “executadas da melhor forma possível, mas não foi o que foi
observado sua reforma possibilitou a análise de varias etapas”.
Em suma, mesmo que de forma tímida, vemos em alguns exemplos na CP de
Edificações a proposta de indagar o uso da teoria (forma geral) na prática profissional. Por outro
362
lado, nas amostras da CP de Agropecuária, encontramos uma crítica um pouco mais
contundente, sobretudo, pelos usos de adjetivos ou por reflexões mais aprimoradas sobre os
problemas presentes no agir laboral.
Assim, Miotello (2018c, p. 42) nos lembra que ao atribuirmos juízo de valores ou
quando olhamos o mundo sob nosso jeito particular de observação, por meio da nossa
enunciação, “[...] aquela palavra que eu uso, eu não ponho para fora apenas uma palavra; eu
ponho para fora um signo carregado de ideologia, do meu jeito de ver o mundo, com as minhas
ideias, com os meus pontos de vista, com as minhas assinaturas; isso é a minha ética aparecendo
no meu discurso. [...]”. E em nosso contexto, vemos o início desses movimentos por jovens
produtores dessas respectivas CP.
5.2.2.3.4 Relação com outros saberes e competências
Nesta dimensão interdiscursiva, os alunos-estagiários costumam enaltecer certos
sujeitos ao travarem um diálogo com eles por meio dos saberes partilhados que, a princípio,
não são formalizados de acordo com um processo educacional institucionalizado. Logo, os
estudantes-estagiários recuperam, para além do que é vivenciado nas agências de letramentos
(escola, o instituto ou uma universidade, por exemplo), avultar o campo de atuação desse
contexto particular. Por isso, valoram esses parceiros de aprendizagem que fazem emergir
saberes populares ou práticas singulares sobre o agir laboral. Como consequência, os discentes
reconhecem a evidente contribuição em torno da troca de saberes e/ou competências com esses
sujeitos locais de maior expertise.
Nessa linha, em busca de travar esse diálogo de enaltecer e de assentir o que aprendeu
com esses outros membros, os estudantes-estagiários se utilizam no seu fio discursivo de certos
recursos estilístico-composicionais que colaboram no processo de descrever esse aprendizado
e essas relações com essa sapiência (FUZA, 2015), seja por meio de verbos e/ou expressões
avaliativas, valorando essa etapa que é o estágio.
Na realidade, destacamos que em algumas seções dos relatórios tal como os
agradecimentos, a introdução e a conclusão, especialmente, os sujeitos retomam um certo viés
biográfico de suas ações e assim enaltecem essas vivências e as trocas de relação com o outro
que integrou esse processo. Conforme nos lembra Bakhtin (2011, p. 139): “[...] O valor
biográfico pode organizar não só a narração sobre a vida do outro, mas também o vivenciamento
da própria vida e a narração sobre a minha própria vida, pode ser forma de conscientização,
visão e enunciação da minha própria vida.”. Em outras palavras, o discente tende a se aproximar
363
do seu interlocutor, real ou presumido, e, para isso assume sua voz como própria para se
autoenunciar como um aprendiz desta etapa singular de formação que é o estágio, enfatizando,
especialmente, como ele aprende nesse processo com o outro por meio de uma alteridade
constitutiva.
Assim, salientamos o que pontuam Miotello e Moura (2014, p. 197), pois: “[...] Toda
relação é uma relação de poder, entre dois ou mais, que mexe, que tira do lugar, que desloca,
que constitui [...]”. Tal dinâmica provoca nossa relação eu-outro, que nos faz estabelecer RD e
nos revela discursivamente, mostrando nossa essência dialógica de incompletude e de
constituição alteritária.
Quadro 48 – Relação com outros saberes e competências.
RELATÓRIO SEÇÃO DO RELATÓRIO / EXCERTOS
REDO2 –
AGRO 01,
2016
Atividades desenvolvidas
Até o momento do estágio não presenciamos nenhum parto no setor de bovinocultura, mas
segundo informações colhidas o manejo sanitário da vaca gestante e da cria é feito
conforme a seguir no pré-parto:
- As vacas gestantes são submetidas à secagem e são separadas das outras em um piquete
maternidade com em média 60 dias antes do parto.
- Nesse período, as vacas são submetidas a uma alimentação bem balanceada, com volumoso
e concentrado. Isso será recompensado nas formas de bom desenvolvimento fetal, bom
desempenho produtivo e retorno mais rápido ao cio.
- Faltando em média 15 dias para o parto, a vaca é submetida a um rigoroso sistema de
higiene. Nesse sistema, as vacas todo dia são banhadas e a região da vagina é bem lavada
com sabão líquido neutro. [...] (p.16 – destaques nossos)
REDO4 –
AGRO 01,
2016
Conclusão
O estágio curricular cumprido na empresa ADAGRO,me propôs momentos impares de
maior aproveitamento,onde vivenciei práticas,tirei duvidas,tive conhecimentos extras,troca
de experiências com criadores e profissionais da agropecuária,ou seja, tudo fez com que os
conhecimentos fossem expandidos mais além da sala de aula,ainda sim proporcionou
momentos de maior aproveitamento para vida profissional assim como uma melhor forma
de comunicação para com os produtores. [...] (p. 10 – destaques nossos)
REDO2 –
AGRO 02,
2017
Introdução
O objetivo do estágio foi colocar em prática os assuntos teóricos vistos em sala de aula. Foi
possível ampliar meu conhecimento em relação as doenças que acometem os animais, os
agentes causais, sintomas e medicamentos para o tratamento das mesmas. Além da
experiência adquirida com os medicamentos também tive a oportunidade de trabalhar no
atendimento aos clientes, onde aprendi a maneira certa de me portar no atendimento as
pessoas em relação ao tratamento adequado que os clientes merecem. Caso eu venha atuar
no mercado de trabalho no âmbito da comercialização, já terei uma facilidade maior quanto
ao atendimento aos clientes. (p. 06 – destaques nossos)
Conclusão
Além da prática com os medicamentos em saber identificar os mesmos oferecendo-os aos
clientes, tive a oportunidade de ganhar experiência na parte de atendimento, isso me ajudou
na comunicação com as pessoas, na forma de tratamento com os clientes, pois eles se
sentiam mais bem acolhidos e bem recebidos no estabelecimento, tendo mais conforto e
satisfação ao adquirir seu produto. (p. 16 – destaques nossos)
REDO4 –
AGRO 01,
2017
Introdução
Os produtos farmacêuticos veterinários têm sua grande importância na vida do animal,
podendo impedir doenças e as suas transições. Foram estudados medicamentos específicos
para cada doença e sintoma, e assim adquirindo, mais conhecimentos na área na qual
pretende atuar.
364
Logo no início, o estágio foi um pouco tenso devido a inexperiência profissional. Erros
aconteceram, mas imediatamente foram corrigidos pelos funcionários que
supervisionavam as atividades. Com o passar do tempo, a confiança foi se aproximando,
deixando tudo mais prático e fácil (p. 01 – 02 – destaques nossos)
Atividades desenvolvidas
No decorrer da campanha efetuou-se o auxílio do médico veterinário, tendo a oportunidade
de vacinar os animais. O medo de dar algo errado era intenso. Pois não tinha experiência,
mas aquele era o objetivo no momento: superar o medo. (p. 06 – destaques nossos)
Atividades desenvolvidas
Sempre houve a curiosidade de aprofundar-me mais desse conteúdo o qual foi abordado.
Durante esse período de estágio curricular, houve essa oportunidade de conversar com os
produtores rurais, além das pesquisas que foram necessárias para responder dúvidas
vindas dos mesmos, as quais aos poucas foram sendo esclarecidas, e com isso verificou-se
o maior domínio do conteúdo. (p. 07 – destaques nossos)
REDO4 –
AGRO 04,
2017
Conclusão
Durante o estágio aprende-se muito sobre a vida do homem no campo, suas principais
dificuldades, seu trabalho árduo na produção, no cultivo da terra ou na criação de animais.
Cria-se uma experiência maior sobre trabalho que estará por vim quando vai se trabalhar
como técnico ou qualquer atividade no campo. [...]. (p. 11 – destaques nossos)
REDO4 –
AGRO 05,
2017
Conclusão
O estagio teve como principal objetivo aplicando técnicas de convivência com a seca, e
melhorando a produção agrícola e Pecuária. Com isso, pode-se dizer que o estágio
curricular foi de grande importância, pois, a convivência com certas situações e pessoas
permitiu buscar mais informações e ampliar o aprendizado. (p. 12 – destaques nossos)
REDO2 –
EDIF 01,
2016
Conclusão
Existiram oportunidades de lidar com adversidades, próprias do cotidiano de obras, e
consequentemente procurar soluções práticas e rápidas para as mesmas. O estágio
supervisionado permitiu ter acesso a conhecimentos que não estão presentes na sala de
aula, resultando em constante incentivo a criatividade do estagiário. (p. 17 – destaques
nossos)
REDO5 –
EDIF 01,
2016
Atividades desenvolvidas
O software foi de extrema importância durante o estágio, pois facilitou na elaboração de
orçamentos (Figuras 2 e 3), agilizou os processos e a entrega dos mesmos, e permitiu que
o estagiário dominasse uma ferramenta nova e até então desconhecida. (p. 10 – destaques
nossos)
REDO2 –
EDIF 03,
2017
Conclusão
Foi possível também, conviver com várias pessoas que atuam na área, como mestre de
obras, e também o engenheiro responsável pela obra que estava sempre à disposição para
ajudar no que fosse necessário, para que aproveitarmos o máximo no estágio. (p. 15 –
destaques nossos)
REDO5 –
EDIF 02,
2017
Conclusão
Praticar, trabalhar, pesquisar e ao mesmo tempo estudar e aprender foi de grande
relevância para que em meio às reviravoltas típicas desse complexo ambiente pudéssemos
agir conjuntamente de forma correta e proveitosa. (p. 18 – destaques nossos)
REDO5 –
EDIF 01,
2018
Atividades desenvolvidas
A atividade exposta teve como responsáveis dois técnicos que ficaram sob a supervisão do
posto de saúde. Com o auxilio dos técnicos, foram realizadas as atividades com sucesso e
um bom desempenho. [...] (p. 07 – destaques nossos)
Atividades desenvolvidas
As atividades descritas foram com a ajuda dos técnicos que deram suporte e tiraram
duvidas existente. (p. 09 – destaques nossos)
Conclusão
Cabe ressaltar que, a convivência com os funcionários da prefeitura foi bastante
enriquecedora tanto de forma técnica como social, e isso nos ajudou a desenvolver os
serviços de forma gentil e harmônica entre estagiários e servidores públicos, dando a
sensação de um dever cumprido. (p. 15 – destaques nossos)
Fonte: Elaborado para este trabalho (2021).
365
Em REDO2 – AGRO 01, 2016 temos o reconhecimento de que, mesmo não tendo
observado um parto no setor de bovinocultura da instituição concedente de estágio, o aluno-
estagiário conseguiu colher informações sobre o manejo sanitário da vaca gestante, deixando-
nos implícito que esses dados foram repassados ao estudante pelo grupo que compõe aquele
setor. Assim sendo, o discente propôs-se a discorrer sobre a prática no pré-parto, conforme
exposto no recorte do excerto no Quadro 48.
Reforçamos que REDO4 – AGRO 01, 2016 externalizou para os seus interlocutores que
o estágio lhe possibilitou “momentos ímpares”, no qual lhe foi possível vivenciar práticas, de
modo a ampliar seus conhecimentos. A estudante ressaltou que isso foi possível graças a outros
sujeitos responsáveis por essa ampliação do conhecimento, a saber: “criadores e profissionais
da agropecuária” e “produtores”. Como destacamos desde o início de nossa análise, uma
palavra, uma expressão, uma centelha capaz de gerar efeitos de sentidos, revela-nos essa carga
axiológica implicada no dizer desses discentes-estagiários. Por esse motivo, o emprego de
expressões como: “tudo fez com que”, “fossem expandidos”, “além da sala”, “maior
aproveitamento”, “melhor forma de comunicação”, indicia-nos sobre a importância dada pela
aluna ao processo de formação, de aprendizagem com o outro para, assim, se constituir como
uma futura profissional.
De forma análoga, REDO2 – AGRO 02, 2017 nos forneceu pistas dessa relação de
saberes e competências partilhadas entre os sujeitos, cenário capaz de modificá-la enquanto
pessoa (troca de experiência e inserção na cultura desse grupo). Deste modo, a discente destacou
que “Foi possível ampliar meu conhecimento em relação as doenças que acometem os animais,
os agentes causais, sintomas e medicamentos para o tratamento das mesma”. Além disso, a
aluna-estagiária enfatizou que aprendeu como se “portar” no cenário de vendas de produtos
farmacológicos. Compreendemos este ponto como uma espécie de resposta ao que sinalizava o
ME (2015c), que dedica uma seção de orientação sobre como “agir” ou como se “portar” no
locus do estágio.
Assim sendo, reforçamos que essa participação periférica legitimada e indiciada nos
discursos desses sujeitos-estagiários nos revelam a importância da parceria de uma determinada
filiação inicial e/ou parcial em uma dada empresa. Por meio dessa associação, os alunos
encontram oportunidade de vivenciar uma dada atividade que possibilita a garantia de acesso
ao “[...] engajamento nas práticas e na cultura de determinada comunidade [...]” (LEITE, 2020,
p. 67). Assim, o sujeito aprendiz constrói seu espaço legitimado pelos pares que compõem essa
comunidade de prática de maior saber. Portanto, a ampliação de responsabilidades, a confiança
depositada, e, consequentemente, o envolvimento desses alunos são reconhecidos nesses
366
espaços formativos como motor propulsor para terem determinada característica/identidade
enquanto futuros profissionais.
Ainda sublinhamos que a figura desses interlocutores mediadores dos letramentos no
campo de atuação dos estagiários é de inegável importância é por isso que há o reconhecimento
pelos discentes. Assim, além de criadores, produtores, em REDO4 – AGRO 01, 2017, aparecem
também a imagem dos funcionários e do médico veterinário. Esse último esteve presente em
quase todos os relatórios de estágio da CP de Agropecuária, como sujeito que intermedia esse
processo da aprendizagem na supervisão dessa atividade curricular obrigatória, além de
impulsionar e encorajar os discentes-estagiários em tomadas de ação como uma característica
dessa participação periférica legitimada: “efetuou-se o auxílio do médico veterinário, tendo a
oportunidade de vacinar os animais. O medo de dar algo errado era intenso. Pois não tinha
experiência, mas aquele era o objetivo no momento: superar o medo” (REDO4 – AGRO 01,
2017).
Outro reconhecimento apontado nos relatórios, que avultamos nos excertos de REDO4
– AGRO 04, 2017 e REDO4 – AGRO 05, 2017, diz respeito ao fato de aprender com a escuta
do que o outro tem a dizer, pois “aprende-se muito sobre a vida do homem no campo” e “a
convivência com certas situações e pessoas permitiu buscar mais informações e ampliar o
aprendizado”. Esses relatos carregam importância, especialmente, para que se repensem as
técnicas de convivência com a seca, com o sertão, com a região na qual esses indivíduos estão
inseridos. Isso nos indica também o papel social dessa formação e o retorno de profissionais
que pensam mais no próximo, capazes de ouvir os problemas e trazer soluções para as situações
enfrentadas.
Logo, de maneira semelhante, a CP de Edificações remete a questões sobre a
necessidade de se repensar as práticas “impostas” e as “adversidades encontradas” no estágio
e nas relações do cotidiano das obras, por exemplo (REDO2 – EDIF 01, 2016). Outro relatório
da mesma área propõe que softwares distintos dos explorados em sala de aula podem ser úteis
na construção de orçamentos (REDO5 – EDIF 01, 2016). Ou ainda nesse cenário, um terceiro
estudante ponderou sobre a convivência com outras pessoas na esfera de atuação profissional
(mestre de obras, engenheiros, técnicos, funcionários), pois a experiência é capaz de
proporcionar trocas para que se aproveite ao “máximo” do estágio (REDO2 – EDIF 03, 2017 e
REDO5 – EDIF 01, 2018). Outro apontamento discente, que merece nosso destaque, referiu-se
à possibilidade de se aliar pesquisa, academia e prática no mundo do trabalho (REDO5 – EDIF
02, 2017).
367
Assim, Miotello (2018, p. 35 – 36) apresenta que: “[...] Os processos de alteridade se
dão comigo apesar de mim, não é porque eu quero não. Eu vivo naquele processo interativo,
real, e aquilo bate em mim e me constitui de uma forma ou de outra (2018, p. 35 – 36). Neste
quesito, compreendemos o motivo pelo qual REDO2 – EDIF 01, 2016 ressaltou que “O estágio
supervisionado permitiu ter acesso a conhecimentos que não estão presentes na sala de aula,
resultando em constante incentivo a criatividade do estagiário”. Ou seja, o estudante indicou
que se reconstruiu a todo momento diante das dificuldades. Para tanto, não exitou buscar a ajuda
desse outro que colabora, que orienta, que possui um “olhar amoroso”, assim como o primado
bakhtiniano defende.
Nesse mesmo trilhar, REDO2 – EDIF 03, 2017 e REDO5 – EDIF 01, 2018 destacaram
a mesma matéria. O primeiro estudante ressaltou a importância de: “conviver com várias
pessoas que atuam na área, como mestre de obras, e também o engenheiro responsável pela
obra que estava sempre à disposição para ajudar no que fosse necessário, para que
aproveitarmos o máximo no estágio”. Por sua vez, o segundo aluno registrou que “Com o
auxilio dos técnicos, foram realizadas as atividades com sucesso e um bom desempenho”. De
fato, tais relatos demarcam essa particularidade da participação periférica legitimada pelos
pares de maior “know-how”.
Sucintamente, esse reconhecimento na relação de saberes e competências no estágio que
destacamos é algo em comum em ambas CP. Nesse contexto, os discentes empenham-se em
dar créditos sobre seus aprendizados por meio dessas singularidades expressas. Desse modo,
em todos os relatórios, recuperamos essa dimensão interdiscursiva quiçá por mais de um
exemplo nas seções que compõem o gênero relatório de estágio. Contudo, por questão de
recorte, apresentamos somente alguns excertos capazes de elucidar as particularidades desses
grupos.
Ainda assim, sinalizamos que este quesito poderia ter sido mais aprofundado pelos
discentes-estagiários, sobretudo, ao buscarem lançar luzes sobre os saberes locais, pois isso
também nos indicaria como o grupo participaria do domínio e do repertório da CP ali proposto.
Por conseguinte, tal movimento revelaria mais profundamente questões de identidade e da
narrativa sobre práticas específicas às quais se dedicam determinados profissionais.
5.2.2.3.5 Reconhecimento das marcas acadêmicas e profissionais na formação
A dimensão interdiscursiva sobre as marcas acadêmicas e profissionais na formação
pode, a princípio, se confundir com a RD sobre saberes e competências da subseção anterior.
368
Porém, realçamos que, na presente relação, buscamos visualizar a voz da gratidão, a voz da
superação dos desafios encontrados na etapa formativa que por ora se encerra, além de
identificarmos como esse conhecimento vivenciado ao longo da formação acadêmica auxiliou
os discentes com relação à sua experiência profissional. Como consequência, evidenciamos que
são recuperados, nos excertos, nomes de disciplinas que marcaram as respectivas CP, bem como
a imagem dos interlocutores mediadores dos letramentos que contribuíram nesse contexto de
capacitação. Nesse rol figuram sujeitos como: os professores, os técnicos de determinados
setores, os supervisores, por exemplo. Ademais, destacaram-se as manifestações dos estudantes
sobre o que esperavam da diplomação, seja em Agropecuária ou em Edificações.
Nessa linha, retomamos e ressaltamos que o sujeito não se constitui identitariamente ou,
diríamos, ideologicamente somente pela ação discursiva. Nesse aspecto, Miotello (2014, p.
171) aponta que é por meio de “[...] todas as atividades humanas, mesmo as mediadas pelo
discurso [...]” que encontramos os espaços, os contextos, os cenários específicos para
constituição de uma subjetividade. Consequentemente, elaboramos nesse movimento a
constituição de sentidos que nos tocam e nos modificam. Assim, para nossa pesquisa,
compreendemos que a configuração de cada CP nos indica como o pertencimento a esses grupos
também colabora para a constituição dos sentidos vivenciados entre eles. Por conseguinte, por
meio do fio discursivo, os discentes-estagiários nos demonstram que aquela experiência da
troca, do aprendizado, de um contexto peculiar da atividade humana conferiu importância
significativa em sua trajetória.
Destacamos que depreendemos ainda que o gênero relatório de estágio tem essa
potência em deixar-se revelar e mostrar-se como sujeito singular, em uma espécie de
intercâmbios de papéis axiológicos. Nesse contexto, alguns aspectos estão imbricados nesses
papéis, tais como: a posição do aluno que cumpre/responde a uma “tarefa” puramente mecânica;
a posição de integrante de uma determinada cultura do escrito instaurada diante de uma etapa
formativa; a posição de narrador das experiências vividas; a posição autobiográfica e ressoante
de valores e sentimentos; a posição de um sujeito que se relaciona com seu próprio futuro,
demonstrando os efeitos dessa vivência que o marcou; entre outros fatores que sinalizamos ao
longo desta tese. Por isso, avultamos as palavras de Pajeú (2014, p. 277) que nos diz que o texto
não é como uma coisa qualquer acabada e concreta, fechada e limitada, mas é nesse escrito que
algo é carregado e valorado, demonstrando o “[...] momento particular e irrepetível dos sujeitos
que os contornam [...]”.
Portanto, como um ato responsável e ético que nos remete a essa alteridade constitutiva,
nos Quadros 49 e 50, exploramos alguns excertos sobre como os discentes da CP de
369
Agropecuária e de Edificações, respectivamente, reconhecem as marcas deixadas pelo outro ou
por outros discursos na sua formação acadêmica e profissional por meio de menções ou citações
expressas. Frisamos que em todos os relatórios de ambas as CP encontramos essas marcas. Tais
vestígios estiveram presentes na parte introdutória dos relatórios, como na seção de
agradecimentos, no desenvolvimento do trabalho, ou ainda, na conclusão. Contudo, essa marca
discursiva obteve maior destaque nos agradecimentos e conclusões dos relatórios.
Assim sendo, tecemos um recorte a fim de escutarmos as singularidades e as cargas
valorativas de quatro sujeitos da CP de Agropecuária e cinco da CP de Edificações. Ressaltemos
que nesse último foram colhidas mais informações, visto que os discentes se voltam a
reconhecer com mais afinco as práticas acadêmicas-científicas, tal qual expomos como uma
marca peculiar do contexto formativo dos IF. Pontuamos que essas amostras possuem
orientadores diversos e advêm de períodos distintos dentro de nosso recorte temporal.
Quadro 49 – Reconhecimento das marcas acadêmicas e profissionais na formação – CP de Agropecuária.
RELATÓRIO SEÇÃO DO RELATÓRIO / EXCERTOS
REDO2 –
AGRO 01,
2016
Agradecimentos
Gostaria de agradecer primeiramente a Deus por ter me proporcionado experiências
maravilhosas nesses quatro anos de curso, por ter me concedido muita saúde e paciência
esses anos todos e a minha família, que é o pilar principal de minha existência. O estágio foi
fundamental para minha experiência profissional e os agradecimentos aos coparticipes
dessa etapa de minha vida vão para a grande técnica em zootecnia do campus zona rural XXX, a estagiária de veterinária XXX que nos transmitiu seu conhecimento em algumas
práticas, o técnico em Agropecuária XXX, ao veterinário XXX, ao coordenador de extensão
do campus zona rural XXX e a todos os funcionários terceirizados do campus que nos
ajudaram muito. Alguns funcionários do campus Salgueiro também merecem meus
sinceros agradecimentos, o grande professor XXX pelo empenho em nos enviar a Petrolina
e pelos concelhos dados, a XXX por sempre me incentivar a seguir em frente e pelo
conhecimento aprendido com ele ao longo do tempo em que fui seu bolsista, ao ex-
coordenador de extensão do campus XXX e a XXX, por me orientar nesse estágio e em uma
grande parte da minha formação. Uma homenagem especial vai para o professor XXX que
me supervisionou nesse estágio e nos deixa de uma forma inesperada. Gostaria de agradecer
também a meus amigos XXX e XXX, pois durante essa jornada de trabalho estávamos sempre
juntos, um ajudando ao outro. A todos os meus colegas e amigos que convivi durante esses
quatro anos de curso e a todos os professores e técnicos administrativos que contribuíram
de forma direta ou indireta para minha formação acadêmica. Obrigado por tudo. (p. 03 –
destaques nossos)
Conclusão
Este estágio somando com os quatro anos que passei ao lado de colegas e professores, aliado
aos anos que passei desenvolvendo projetos de extensão, proporcionou muitos
conhecimentos e experiências nessas áreas de produção pecuária e isso me torna um
profissional preparado para atuar na área de agropecuária promovendo o desenvolvimento
agrário da região em que poderei atuar. [...] (p. 40 – destaques nossos)
REDO2 –
AGRO 02,
2017
Conclusão
Tive a oportunidade de aprender muitas coisas nesse estágio, aprofundando meus
conhecimentos em relação aos produtos fármacos. Com o conhecimento adquirido em sala
de aula sobre sanidade animal, ficou bem mais fácil associar o medicamento a doença.
Proporcionou também conhecimento sobre as principais doenças que acometem os animais
na região. (p. 16 – destaques nossos)
Atividades desenvolvidas
370
REDO4 –
AGRO 01,
2017
Não houve dificuldade em compreender o que estava sendo falado no momento, devido está
cursando a disciplina de Produção de Ruminantes e estudando as principais enfermidades
de pequenos ruminantes, isso de acordo com o planejamento de aula. (p. 10 – destaques
nossos)
Atividades desenvolvidas
Nas aulas práticas no Instituto Federal campus Salgueiro, já havia presenciado
procedimentos relacionados à castração de caprinos e a retirada da linfadenite, essas
operações exigem cuidados precisos comparado com uma cesária, não tendo a intenção de
desfavorecer o trabalho realizado, pois cada um deles tem sua influência no rebanho. (p. 12
– destaques nossos)
REDO2 –
AGRO 01,
2018
Conclusão
Em virtude dos fatos mencionados, quando praticante ou somente observante das atividades
citadas, junto com o conhecimento adquirido no decorrer do curso, posso afirmar que me
foi proporcionado uma gama de conhecimentos, que com certeza contribuirão para minha
vida como Técnico em Agropecuária. (p. 11 – destaques nossos)
Fonte: Elaborado para este trabalho (2021).
Essa voz de gratidão expressa por REDO2 – AGRO 01, 2016, com o qual dialogou,
ecoou não só as marcas da etapa formativa (acadêmica e profissional), mas o discente-estagiário
recuperou aspectos de sua espiritualidade ao reconhecer “Deus” como aquele que lhe
proporcionou “experiências maravilhosas nesses quatro anos de curso”. Ao iniciar com essa
imagem, o estudante nos revela o seu lugar de fala e a fé subtendida nesse processo de formação.
De fato, para esse aluno, é mais forte e necessário agradecer primeiramente a “Deus”, para em
seguida informar que “O estágio foi fundamental para minha experiência profissional e os
agradecimentos aos coparticipes dessa etapa de minha vida vão para”. O autor ainda destacou
a importância daqueles “que contribuíram de forma direta ou indireta para minha formação
acadêmica” na conclusão dessa etapa. Neste ponto, a carga valorativa é evidente por meio do
uso de adjetivos ou expressões que reforçam a importância de diferentes sujeitos, como: a
funcionária técnica em zootecnia, a estagiária, o técnico em Agropecuária, o veterinário e o
coordenador de extensão (todos do Campus que fora locus do estágio). Ademais, o relatório
ainda homenageou os funcionários do Campus Salgueiro (terceirizados, professor, ex-
coordenador de extensão, professor supervisor), amigos e colegas, por meio dos termos "a
grande técnica”, “o grande professor”, “homenagem especial”, por exemplo.
Desse modo, o discente reconheceu que seu conhecimento havia sido apreendido não
somente na etapa do estágio, essa que lhe “proporcionou muitos conhecimentos e experiências
nessas áreas de produção pecuária”. Para além disso, o discente-estagiário reforçou sua
vivência acadêmica/formativa, em especial, sua experiência enquanto pesquisador-
extensionista ao dizer que: “conhecimento aprendido com ele ao longo do tempo em que fui seu
bolsista” e “passei desenvolvendo projetos de extensão”.
371
Nesse encontro consigo por meio do outro, o discente-estagiário reconheceu sua
incompletude e a necessidade de compreender que havia um futuro pela frente a ser seguido:
“isso me torna um profissional preparado para atuar na área de agropecuária promovendo o
desenvolvimento agrário da região em que poderei atuar” (grifos nossos). Ou seja, o sujeito
demonstra consciência sobre o que se tornou, bem como a respeito das mudanças que enfrentou.
Nesse sentido, o estudante ainda pontuou não ser mais a mesma pessoa se comparado ao
indivíduo que era à época de sua admissão no IF Sertão/PE. Além do mais, o aluno sinalizou
que poderia futuramente atuar na sua área de formação e promover os valores propostos pela
instituição de ensino, assim como proposto no PPC do curso: "Promover o desenvolvimento
regional sustentável, com foco na ciência e na tecnologia, por meio do ensino, pesquisa e
extensão, formando pessoas capazes de transformar a sociedade" (BRASIL, 2010b, p. 03) e
“Ser uma instituição de excelência em todos os níveis e modalidades de ensino, articulados com
a pesquisa e extensão, comprometida com a transformação social, fundamentada na ética e na
cidadania" (BRASIL, 2010b, p. 03).
Por sua vez, REDO2 – AGRO 02, 2017 elaborou uma síntese a fim de condensar o
reconhecimento do aprendizado no contexto do estágio, uma vez que a estudante-estagiária teve
“a oportunidade de aprender muitas coisas”. Essa generalização visa, possivelmente, imprimir
uma relação do todo, da vivência das 200 horas como um aprendizado contínuo. Assim, a aluna
pontuou que a disciplina de Sanidade Animal foi uma das responsáveis por ajudá-la no
diagnóstico de algumas enfermidades e na associação de alguns medicamentos. Neste contexto,
a discente não evidenciou o nome do/a docente, mas ressaltou a disciplina como um todo,
agregando o conjunto do aprendizado vivenciado naquele contexto. De forma similar, REDO4
– AGRO 01, 2017 exaltou a presença da voz formativa como fator que colaborou e implicou
diretamente na sua ação profissional. Assim, o estudante demonstrou que “Não houve
dificuldade em compreender o que estava sendo falado no momento, devido está cursando a
disciplina de Produção de Ruminantes” e que “Nas aulas práticas no Instituto Federal campus
Salgueiro, já havia presenciado procedimentos relacionados à castração de caprinos e a
retirada da linfadenite”. Em outras palavras, o discente-estagiário nomeou a disciplina que
colaborou com sua atividade (Produção de Ruminantes), além de sublinhar a importância das
“aulas práticas”. Neste caso, lembramos que as aulas práticas possibilitam vivenciar
determinados cenários os quais os alunos poderão se deparar quando formados. Nesse sentido,
a experiência cumpre o objetivo dessas aulas: a prática, conforme a própria nomenclatura
indica. Logo, diferentemente dos demais excertos, REDO4 – AGRO 01, 2017 resgatou essa
372
voz de gratidão com o saber apreendido na seção das atividades desenvolvidas do relatório e
não nas seções onde prototipicamente estariam esses reconhecimentos.
Em REDO2 – AGRO 01, 2018, o estudante-estagiário resumiu esse reconhecimento do
“conhecimento adquirido no decorrer do curso” dizendo que “posso afirmar que me foi
proporcionado uma gama de conhecimentos, que com certeza contribuirão para minha vida
como Técnico em Agropecuária”. Nessa afirmativa, o aluno ratificou a importância desta etapa
formativa e como isso pode modificar o seu porvir, o seu futuro enquanto Técnico em
Agropecuária. Além disso, ele recuperou o status da participação periférica legitimada dessa
etapa educacional, quando afirmou que “quando praticante ou somente observante das
atividades citadas”, assim ele reitera o aprendizado com a experiência e como cresceu
profissionalmente.
Por outro lado, em relação à CP de Edificações, também encontramos esses movimentos
de gratidão, identificação com os pares, além de congratulação com a etapa concluída e
experimentada. Dessa forma, em REDO2 – EDIF 02, 2017, a discente destacou que o estágio
representa esse momento de “agregar conhecimento prático aos conceitos teóricos vistos
durante todo o período do curso”. Ou seja, assim como a discente de Agropecuária (REDO2 –
AGRO 02, 2017), a estagiária encapsulou toda a carga de vivência e conhecimentos adquiridos
no período do curso como algo que pode ser visto na prática profissional. Além disso, a
estudante indicou que seu grupo social, os alunos, possuem “valores estudantis” que foram
modificados. Segundo a autora do relatório, essa modificação ocorreu na relação do eu para o
outro, o outro para mim e, finalmente, do eu para mim, nessa reconstituição identitária que se
somou aos valores “profissionais”. Por se tratar de uma etapa, a discente demonstrou
consciência “desse ciclo” e do seu desenvolvimento por intermédio das “relações interpessoais”
desse contexto.
Quadro 50 – Reconhecimento das marcas acadêmicas e profissionais na formação – CP de Edificações.
RELATÓRIO SEÇÃO DO RELATÓRIO / EXCERTOS
REDO2 –
EDIF 02,
2017
Conclusão
No período de estágio foi possível agregar conhecimento prático aos conceitos teóricos
vistos durante todo o período do curso, tomando e agregando os valores estudantis e dos
profissionais que fizeram parte desse ciclo, para que o indivíduo possa desenvolver suas
relações interpessoais tendo o contato com profissionais da sua área de formação
acadêmica, no setor de trabalho na qual irá exercer, em que adquirir uma visão mais ampla
de contato em obras e trabalhos em equipes no escritório e obra. (p. 18 – destaques nossos)
REDO5 –
EDIF 01,
2017
Agradecimentos
Com a finalização desta nova etapa, não posso deixar de agradecer a algumas pessoas que,
de forma direta ou indireta, auxiliaram-me nesse processo. Em primeiro lugar, agradeço a
orientação do Prof. XXX, que me disponibilizou-se para a tal tarefa, ofertando experiências
373
próprias e conselhos enriquecedores, que claramente contribuiu para a elaboração do
presente relatório e continuará contribuindo futuramente.
Aqui presto também o meu agradecimento aos professores e ex-orientadores, XXX e XXX,
qeu acreditaram no meu potencial e me auxiliaram em diversas vezes, fazendo com que
assim, crescesse de forma profissional e pessoal, agregando conhecimentos científicos que
foram cruciais para o meu desenvolvimento.
Por fim, mas não menos importante, agradeço à minha supervisora XXX, por auxiliar-me
nas mais diversas vezes, me apoiando e ajudando na conclusão dessa etapa
importantíssima. (p. 02 – destaques nossos)
REDO5 –
EDIF 03,
2017
Atividades desenvolvidas
A atividade descrita foi de extrema importância, pois como estagiário, pude relembrar e
discutir o conhecimento teórico e prático obtido em aulas de topografia do curso técnico, o
que me poderá me servir futuramente na atuação profissional. (p. 10 – destaques nossos)
Conclusão
Assim, como técnico em edificações chegarei no mercado de trabalho com uma boa
desenvoltura, e com ótimo alicerce prático, bem como teórico.
Em síntese, posso destacar um papel importantíssimo que o estágio teve para min, a
confirmação de um espírito pesquisador e curioso, que pude notar neste período dentro do
Instituto Federal – Campus Salgueiro, como estagiário. (p.15 – destaques nossos)
REDO5 –
EDIF 04,
2017
Agradecimentos
[...] A partir da escola os conhecimentos técnicos podem ser obtidos, com o auxílio de
professores, para nossa excelência profissional. Nessa jornada de períodos, destacam-se
pessoas, seja pela profissionalidade, seja pelos conselhos, ou pela amizade, e são em
momentos decisivos da nossa vida que os escolhemos para caminhar conosco. Sendo assim,
agradeço ao meu orientador Prof. Msc. XXX por ter desempenhado essa função, aceitado
meu convite e tirado minhas dúvidas quando requeri.
Há tamanho reconhecimento quando a toda a ajuda recebida de meus companheiros de
trabalho XXX e XXX, e meu colega de turma XXX, esses tiveram toda atenção e empenho
em auxiliar-me quando careci, obrigada pelo tempo disponibilizado, pelas valiosas
colaborações e sugestões.
Obter conhecimento de nada valeria se esses não pudessem ser aplicados e transformados
em benefícios pessoais e para a sociedade, a teoria com a prática são o conjunto ideal do
sucesso. Gratifico meu supervisor de estágio o Engº XXX e a Design de Interiores XXX que
me oportunizaram a estagiar no ramo arquitetônico e mostrar meu potencial.
Aos professores Msc. XXX, Msc. XXX por mostrar-me, principalmente, o valor da pesquisa
científica e de minha área, Msc. XXX, XXX e Msc. XXX, por todos eles serem também
responsáveis pela profissional que me tornei, por toda a dedicação e exemplo dado de
responsabilidade, ética, companheirismo, altruísmo e escutaram-me e aconselharem-me
quando precisei. Ao XXX e meus amigos XXX e XXX pela contribuição fundamental em
conhecimentos técnicos na área de informática e todo cuidado tido comigo.
Por fim, minha mais sincera gratidão a toda a família IF Sertão – PE – Campus Salgueiro
que é formada de servidores, alunos e terceirizados, pois, sem nenhum deles a realidade de
uma escola federal jamais seria possível. E a vivida lembrança de minha querida mãe,
motivando-me a nunca desistir. (p. 02 – destaques nossos)
Conclusão
O ambiente de trabalho traz ao alunado uma nova visão, de maturidade, compromisso, que
muitos não têm, está numa escola técnica federal é ter a oportunidade de crescer mais
rapidamente, de carregar uma experiência diferenciada de muitos, que ainda não se
inseriram nesse meio.
[...]
Para as visitas em obras foi essencial a teoria usufruída com as disciplinas Tecnologia das
Construções, Matérias de Construção, Segurança do Trabalho e Topografia. No
desenvolvimento de projetos as orientações por Instalações Hidrossanitárias, Instalações
Elétricas, Topografia, leitura de projetos em Desenho de Estruturas e Resistência dos
Matérias.
Por fim, primordialmente, para empenha-se nesse ramo, as matérias vistas no curso Técnico
em Edificações Desenho Técnico e Desenho Assistido por Computadores são
indispensáveis, as visitas técnicas feitas pela instituição e os projetos de pesquisas
desenvolvidos, foram de grande contribuição. (p. 27 – 28 – destaques nossos)
Atividades desenvolvidas
374
REDO5 –
EDIF 01,
2018
[...] Com o conhecimento adquirido em sala de aula ficou bem mais claro, na prática, o
uso a importância e a finalidade dos impermeabilizantes. (p. 07 – destaques nossos)
Atividades desenvolvidas
Foi uma atividade bem enriquecedora e fixadora para a minha formação na área, pois os
levantamentos feitos após a medição condiz com assuntos de matérias que necessitaram do
mesmo calculo durante o curso, por exemplo a matéria técnica Planejamento e Controle de
Obras (PCO) vistas nos anos anteriores. (p. 11 – destaques nossos)
Fonte: Elaborado para este trabalho (2021).
Assim, a valoração e o reconhecimento de que o resultado do relatório de estágio se
constitui por outras vozes foram enfatizados também no relatório de REDO5 – EDIF 01, 2017.
Nesse contexto, o discente ressaltou que não poderia deixar de agradecer o apoio que “de forma
direta ou indireta”, recebeu “nesse processo”. Neste ponto, o aluno ressaltou a figura do
professor orientador, de outros professores e ex-orientadores que passaram nesta etapa
formativa, além da supervisora do estágio. Segundo o estagiário, todos esses o apoiaram ou
ofertaram, sobretudo, nas dificuldades: “experiências próprias e conselhos enriquecedores”,
“acreditaram no meu potencial e me auxiliaram em diversas vezes, fazendo com que assim,
crescesse de forma profissional e pessoal, agregando conhecimentos científicos que foram
cruciais para o meu desenvolvimento”. Esse fio discursivo que visualizamos os efeitos de
sentidos nos indicia sobre os letramentos vivenciados não somente por REDO5 – EDIF 01,
2017, mas por outros discentes que tiveram a oportunidade de vivenciar o IF para além dos
“muros escolares” regulares, pois a esses estudantes é oportunizado o contato com práticas
acadêmicas ainda na educação básica. Deste modo, esses são inseridos em outras culturas do
escrito preconizadas como óbvias e adquiridas por outros sujeitos apenas quando ingressam no
ensino superior (BATISTA JÚNIOR, 2020).
Nesse sentido, o relatório de REDO5 – EDIF 03, 2017 enaltece a instituição de ensino
e a possibilidade de proporcionar tal contato com o mundo do trabalho e da academia. Para o
estudante, a oportunidade teve “um papel importantíssimo” (campo valorativo acentuado), pois
representou “a confirmação de um espírito pesquisador e curioso, que pude notar neste período
dentro do Instituto Federal – Campus Salgueiro, como estagiário”. Esse discente também
reconheceu que “discutir o conhecimento teórico e prático obtido em aulas de topografia do
curso técnico, [possibilitou] o que me poderá me servir futuramente na atuação profissional”.
Nessa cadeia enunciativa que estabelece elos com o passado, com o presente e com o futuro, o
estudante expôs como estabeleceu vínculos com o conhecimento apreendido. Assim, o aluno
citou com destaque a disciplina de Topografia e de que maneira o conteúdo estudado havia o
auxiliado e poderia ajudá-lo ainda mais no futuro.
375
De maneira similar, REDO5 – EDIF 01, 2018 afirmou que “Com o conhecimento
adquirido em sala de aula ficou bem mais claro, na prática, o uso a importância e a finalidade
dos impermeabilizantes” ou “os levantamentos feitos após a medição condiz com assuntos de
matérias que necessitaram do mesmo calculo durante o curso, por exemplo a matéria técnica
Planejamento e Controle de Obras (PCO) vistas nos anos anteriores”. Nesse viés, o estudante
associou os conteúdos que cumprem seus objetivos educacionais e o propósito do curso
profissionalizante de Técnico de Edificações com o campo de trabalho, futuro espaço de
atuação desses sujeitos-estagiários.
Por fim, analisemos os excertos de REDO5 – EDIF 04, 2017, uma vez que entendemos
que a discente se mostrou capaz de sintetizar e expressar o escopo dessa RD de reconhecimento
das marcas acadêmicas e profissionais na formação. Reforçamos que a estudante-estagiária
anunciou com uma voz própria, singular e peculiar a sua relação de gratidão com a oportunidade
de se transformar em Técnica em Edificações. Para isso, ela revisitou momentos da sua
capacitação que precederam o próprio estágio, avultando que no ambiente escolar foi possível
obter os conhecimentos para o sucesso dessa etapa. Assim, a estudante evocou sujeitos que
estiveram ao longo desse processo e do estágio em si. Segundo a aluna-estagiária, esses sujeitos
auxiliaram-na no percurso (“professores”, “pessoas”, “orientador”, “companheiros de
trabalho”, “colega de turma”, “supervisor de estágio”, “Design de Interiores”, “amigos”,
“família IF Sertão-PE”), modificando-a de tal forma que o que transparece é o sentimento de
se sentir agraciada e contemplada pela essência da formação, já que frisou que: “Obter
conhecimento de nada valeria se esses não pudessem ser aplicados e transformados em
benefícios pessoais e para a sociedade, a teoria com a prática são o conjunto ideal do
sucesso.”.
Além disso, a estudante engrandeceu a particularidade de estudar na rede técnica
federal, enfatizando que a constituição dessa instituição se faz, principalmente, pelas pessoas
que a integram. Assim a discente expressou “minha mais sincera gratidão a toda a família IF
Sertão – PE – Campus Salgueiro que é formada de servidores, alunos e terceirizados, pois,
sem nenhum deles a realidade de uma escola federal jamais seria possível”. Ainda nesse
aspecto, a aluna pontuou que “está numa escola técnica federal é ter a oportunidade de crescer
mais rapidamente, de carregar uma experiência diferenciada de muitos, que ainda não se
inseriram nesse meio”. Não diferentemente, ao reconhecer a importância desse espaço
formativo, a estudante ainda especificou quais disciplinas da área técnica mais haviam
colaborado com sua atuação quando do estágio. A lista contemplou diversas áreas do
conhecimento, tais como: Tecnologia das Construções, Materiais de Construção, Segurança do
376
Trabalho e Topografia, Instalações Hidrossanitárias, Instalações Elétricas, Topografia,
Desenho de Estruturas e Resistência dos Matérias, Desenho Técnico e Desenho Assistido por
Computadores. Isso nos mostra o diálogo responsivo daqueles documentos institucionais com
o processo de capacitação e formação que se instaura para o aprendizado dessa CP em
particular.
Em suma, como nos lembra Bakhtin (2017, 2018), as relações dialógicas não são
correlacionadas tão somente ao nível linguístico do enunciado, mas sim por serem produzidas
via discurso e estarem-no âmago desse, é que se revela o choque dialógico de no mínimo duas
vozes. Como consequência, essas nos indiciam muito mais do que possa existir na superfície
linguística. De fato, esse entendimento nos permite transparecer realidades históricas e sociais,
valores e posições ideológicas, luta e consenso, uma vez que os signos ocupam posições
semânticas, além de carregarem sentidos co-construídos em determinado tempo e espaço.
Portanto, essas mesmas relações demonstram como somos seres dialógicos e nos constituímos
dialogicamente, pois é pelo outro que nos inteiramos e nos formamos identitariamente; é pelo
olhar do outro que é possível travarmos o acordo e o desacordo, o reconhecimento ou o a ojeriza
com o já-dito; é por meio dessas relações que um indivíduo demonstra a capacidade de enxergar
a si próprio como integrante ou não de uma determinada CP. Como nos lembra Bakhtin (2018,
p. 323): “[...] Eu não posso passar sem o outro, não posso me tornar eu mesmo sem o outro; eu
devo encontrar a mim mesmo no outro, encontrar o outro em mim (no reflexo recíproco, na
percepção recíproca [...]”.
5.3 PROJETOS COMPLEMENTARES – AS COMUNIDADES DE PRÁTICA DOS
CURSOS DE AGROPECUÁRIA E DE EDIFICAÇÕES: O DOMÍNIO, O
EMPREENDIMENTO E O REPERTÓRIO PARTILHADO
Segundo Wenger e Wenger (2015), o conceito de comunidade de prática (CP), conforme
associamos ao viés dos NLS, foi denominado de forma mais recente, porém enquanto fenômeno
ou como ação/condição humana, esse deve ser considerado como algo mais antigo, uma vez
que as pessoas desde sempre tendem a se formarem e se “comprometem a participar de um
processo de aprendizagem coletivo de acordo com um domínio ou âmbito partilhado de esforço
humano” (tradução nossa)178. Como exemplo de formar parte, podemos citar: uma tribo, uma
178 No original: “se forman por personas que se comprometen a participar en un proceso de aprendizaje colectivo
dentro de un domínio o ámbito compartido de esfuerzo humano.”.
377
banda, um grupo de empresários, uma comunidade religiosa, um time esportivo, entre tantas
outras maneiras de integração coletiva com finalidades e interesses em comum.
Ainda de acordo com Wenger e Wenger (2015), essa ideia de seres sociais é o
pressuposto inicial de uma CP. Logo, sinalozamos que como estamos compreendendo as CP
em contextos singulares de aprendizagem, avultamos que nessas a prática de um determinado
grupo social organizado tende a partilhar práticas que lhes são comuns e recorrentes. Ademais,
nessa participação, os membros costumam desenvolver determinados conhecimentos no
sentido tanto de executá-los como ampliá-los por intermédio de tarefas específicas, cumprindo
assim determinados papéis nessa engrenagem (WENGER; WENGER, 2015; NAVARRO,
2013).
Dessa forma, como analisamos nas dimensões interdiscursivas e no diálogo travado nos
documentos institucionais (como um dos interlocutores mediadores dos letramentos),
percebemos que o estágio, ou melhor, o relatório de estágio, revela-nos como essas CP foram
e são constituídas enquanto grupos sociais distintos. Esse contexto ainda nos possibilita a
observação das peculiaridades quanto o que compõe uma própria comunidade: o domínio, o
empreendimento e o repertório. Neste quesito, destacamos como cada um desses componentes
que, a princípio, seriam condições de constituição das CP podem ser entendidos e vislumbrados
pelas pontes visíveis na materialidade discursiva dos discentes-estagiários.
Em nossa concepção, estamos diante de traços de uma comunidade discursiva179 ao
pensarmos nas CP investigadas, especialmente, quando as observamos com as lentes da
abordagem dialógica do discurso ao compreendermos a linguagem posta, neste contexto,
perpassada por questões ideológicas e de poder. Sublinhamos que a nossa proposta é construir
pontes e elos entre a ADD e o NLS nos pilares de determinadas noções. Essas noções integram
sujeito, enunciado, dialogismo, gênero, componente histórico-social, perspectiva axiológica e
ideológica, entre tantos outros pontos que debatemos ao longo desta tese. Assim, nosso contexto
investigativo singular dos sujeitos de EMI que estão no princípio de suas jornadas acadêmicas
e profissionais é que compreendemos a necessidade de entendê-los como membros de uma CP
peculiar.
Nessa comunhão, destacamos que Wenger e Wenger (2015) entendem que o domínio,
o empreendimento e o repertório vivenciado por uma determinada CP podem ser
179 Swales (1990) propõe a noção de comunidade discursiva como conjunto de objetivos públicos comuns que
instaura ações retóricas compatíveis com o uso de um determinado gênero em uma dada situação comunicativa
pelos membros dessa comunidade. Em nossa acepção, estamos definindo essa expressão por outro ângulo
discursivo de base téorica-metodológica distinta de Swales.
378
compreendidos, respectivamente, como: as marcas de interesse dos membros, somada as
destrezas e/ou habilidades que os caracterizam; as metas de aprendizagem estabelecidas entre
os pares, buscando “refletir de forma conjunta, se relacionar e gerar novas ideias” (GARZÓN,
2020, p. 09 – tradução nossa)180, ou seja, entorno de um comprometimento partilhado; e, a
atuação dos participantes ao agirem em comunhão: reconhecendo entre si como integrantes,
demonstrando competências, experiências e soluções para os problemas de forma a conviver
entre grupo por meio das práticas, recursos e ferramentas utilizadas.
Quadro 51 – Caracterização de uma Comunidade de Prática.
COMUNIDADE DE PRÁTICA
Domínio do
conhecimento
Campo de atuação
Terreno comum de assuntos
Propósitos partilhados
Empreendimento Inserção na comunidade
Envolvimento/Senso de pertencimento
Troca de conhecimentos com vistas a construção de relações
Relações interpessoais
Repertório Prática específica profissional
Prática compartilhada Experiências/Histórias
Ferramentas/Estruturas
Gêneros discursivos vivenciados
Fonte: Adaptado de Wenger e Wenger (2015).
Assim, propomos pensar a CP segundo a organização que montamos no Quadro 51.
Enfatizamos que esse material deve ser considerado algo de cunho meramente didático, pois
essas características possuem uma linha muito tênue entre elas. De fato, tais demarcações não
são estanques, mas se somam e se correlacionam na busca dessa constituição. Portanto, frisamos
pensar essa composição das CP de Agropecuária e de Edificações sob o prisma do enunciado,
do teor do discurso, como estamos costurando ao longo de nossa tese.
Para isso, de início, reforçamos que, desde a análise dos documentos institucionais,
vemos como são estabelecidas e demarcadas certas particularidades dos grupos em tela
(subseção 5.1.1 da tese), já que em dados momentos esses interlocutores os compreendem como
grupo social homogêneo, tratando-os de maneira uniforme, tanto nas diretrizes do processo
educacional quanto nas orientações sobre a forma composicional do gênero relatório de estágio.
Somente nos PPC de cada curso podemos notar um direcionamento mais explícito sobre o perfil
dos membros das respectivas CP, bem como sobre o domínio na dimensão, especialmente, do
terreno de assuntos partilhados (subseção 5.1.1.2).
180 No original: “[...] reflexionar conjuntamente, relacionarse y generar nuevas ideias.”
379
Por outro lado, em resposta, a CP, já em funcionamento, é revelada por meio do discurso
dos discentes-estagiários a partir da criação de traços próprios na confecção do relatório. Tal
delineamento também se dá ao enunciarem de uma determinada forma as seções que compõem
esse gênero ou ao evocarem o outro no fio do discurso, ou ainda ao travarem um diálogo
singular com o já-dito, por exemplo. Elucidamos que esses pontos foram debatidos ao longo da
seção de análise desta nossa investigação: assim, nosso objetivo na presente etapa é apenas
reafirmar essas características que peculiarizam as CP analisadas em torno desse letramento
acadêmico-profissional. Para tal, apresentamos alguns excertos que não foram trabalhados nas
demais seções e que nos revelam como o domínio, o empreendimento e o repertório se fazem
presentes nesses grupos. A título de exemplificação, construímos uma análise mais aprofundada
de um relatório que compõe cada CP. Em seguida, dispomos em um quadro sintético quais
singularidades são expressas nos demais relatórios diante das amostras recortadas, visando
caracterizarmos em qual componente da CP os discentes fizeram uso e reafirmaram sua filiação
nesse e não em outro grupo.
Evidenciamos, de início, que, na CP de Agropecuária, as particularidades são
vislumbradas pelo próprio dizer, pela narrativa da experiência do estágio dos discentes-
estagiários. Logo, em REDO2 – AGRO 01, 2016 encontramos tais características por meio das
discussões travadas, pela descrição das formas de aprendizagem vivenciadas, pela forma de
dizer e demonstrar uma certa “expertise” sobre o conteúdo ou assunto abordado no estágio,
pelas formas de pertencimento ao grupo (as denominações aos membros que a compõe) ou
ainda pela forma que é repassada a história da dedicação sobre a prática experienciada na
situação do estágio.
Quadro 52 – CP de Agropecuária: REDO2 – AGRO 01, 2016.
RELATÓRIO EXCERTOS
REDO2 –
AGRO 01,
2016
Assim como os outros manejos, a reprodução tem enorme importância na Bovicultura
leiteira. Um manejo reprodutivo eficiente, seguido por um manejo nutricional e sanitário
adequado, é responsável direto para obtenção de uma elevada produtividade e uma maior
qualidade na produção, conseguindo assim, mais rentabilidade no produto final.
[...]
A inseminação artificial exerce uma importância muito grande na reprodução animal, mas
um fator determinante que atrapalha a eficiência da mesma é a detecção do cio das vacas.
Durante o estágio, tivemos a oportunidade de fazermos alguns ensaios de inseminação
artificial em peças do sistema reprodutor da vaca conservada em formol e no próprio
animal; Ilustração 2. (p. 11 – destaques nossos)
Como fonte de suplementação proteica (banco de proteína) utilizávamos um piquete com
Leucena (Leucaena leucocephala). Durante a época de estiagem, os pastos perdem a
capacidade produtiva e os índices de nutrientes e proteínas caem progressivamente. Sabendo
que na utilização dos alimentos pelos ruminantes, para que o rúmen mantenha suas
atividades normais é necessária uma dieta com pelo menos 7% de proteína bruta e os pastos
nativos não tem a capacidade de suprir essa necessidade para a atividade metabólica do
380
rúmen, a Leucena servirá exclusivamente para suprir essa carência. Porém, a leucina
apresenta uma limitação, pois contém uma substância denominada mimosina (aminoácido)
que causa a queda dos pelos, quando ministrada acima de 50% da dieta de forma contínua,
por períodos longos, especialmente a não ruminantes ou ruminantes ainda não adaptados.
[...] (p. 14 – 15 – destaques nossos)
- Caso a vaca não faça a limpeza do bezerro, é orientado que o trabalhador ou o técnico que
acompanha o parto façam a limpeza das narinas do bezerro com papel toalha, limpando todo
o resto de liquido plancentário, se o bezerro estiver dificuldade em respirar é orientado fazer
uma massagem cardíaca no mesmo. (p. 16 – destaques nossos)
Durante o período que passamos no setor fomos responsáveis por fazer ordenha e higienizar
a sala de ordenha. Antes de começarmos, sempre esquentávamos um balde de 10 litros com
água para desinfetar o maquinário de ordenha. Logo após, deslocávamos as vacas do curral
até o local da ordenha para fazermos o pré-dipping, que incluía a lavagem das tetas com
água corrente, secagem, teste da caneca de fundo preto, imersão do teto em iodo 5% e
secagem. Após concluirmos a ordenha o essencial seria fazermos o pós-dipping, porém por
orientação técnica que nos acompanhava não fazíamos, pois logo após a ordenha o bezerro
iria se amamentar com o que sobrasse de leite e o iodo poderia contaminar o leite que o
bezerro iria ingerir, ela também nos informou que a saliva do bezerro funciona como
desinfetante e chega a matar alguns microrganisamos que possam contaminar o teto.
Quando acabávamos a ordenha, levávamos as vacas e os bezerros para um piquete com
leucina, então não corria o risco das vacas deitarem-se, pois estavam ocupadas se
alimentando. (p. 17 – 18 – destaques nossos)
[...] O método cirúrgico consiste na retirada total dos testículos do animal, este procedimento
deve ser feito somente pelo médico veterinário. Este procedimento é o mais seguro, porém o
mais caro. O outro procedimento é feito utilizando um alicate conhecido como Burdizzo.
[...]
Nos animais que estavam no semi extensivo o manejo reprodutivo praticamente não existia,
pois não tinha controle de cobertura e nem controle de nascimento. Os animais não estavam
sob a observação do trabalhador e nem do técnico responsável [...] (p. 20 – destaques
nossos)
Este mesmo animal dias após a sua morte passou por um procedimento de necropsia. A
necropsia é indicada que faça em no máximo 24 horas após a morte, pois a atividade
bacteriana pode modificar a situação inicial do cadáver pós-morte, veja ilustração 20. Na
necropsia não achamos nada que expressasse muita responsabilidade para acarretar na
morte do animal, porém ainda encontramos alguns nódulos nos pulmões do animal, estes
nódulos são fortes indicativos de que o animal estava infectado por Corynebacterium
pseudotuberculosis, bactéria causadora da Linfadenite casesoa; ilustração 21. Também
encontramos alguns Helmintos no sistema delgado no animal, isso representa um forte
indício de verminose. (p. 26 – destaques nossos).
A fêmea doente deve ser imediatamente isolada do rebanho. O tratamento deve começar pela
higienização dos locais de ordenha, lavagem com água e sabão dos antebraços, mãos e
cortes das unhas do ordenhador, limpeza do úbere com solução desinfetante, secagem com
papel toalha, uma para cada teta e imersão das mesmas, após a ordenha, em solução
desinfetante. Silva et.al. (2011), considera que o produtor deve ter os seguintes cuidados com
os animais doentes: (p. 29 – destaques nossos)
[...] Além disso, o nível de conhecimento técnico dos agricultores na produção é muito baixo
e a tecnologia aplicada na produção dos pequenos produtores é escassa e ineficiente. (p. 32
– destaques nossos)
Aqueles animais machos que não tem interesse de reprodução na pocilga eram submetidos
ao procedimento de castração cirúrgica. Chegamos a acompanhar e auxiliar em uma dessas
cirurgias. O suíno castrado era acompanhado diariamente por nós, que fazíamos a lavagem
do local da cirurgia com água e sabão neutro e aplicação de antibiótico local (Terra Cortril)
e repelente para impedir a contaminação por bicheira. A cirurgia foi feita de uma foram em
que o médico veterinário fez dois cortes no saco escrotal, verficar ilustração 31, e a
cicatrização total demorou o dobro do tempo normal, pois aconteceu um processo
inflamatório, devido a isso uma atenção especial foi dada a este animal para impedir uma
piora no estado de saúde do animal. (p. 34 – 35 – destaques nossos)
Fonte: Elaborado para este trabalho (2021).
381
Dito isso, o domínio é recuperado quando o aluno busca demonstrar controle e
conhecimento para os seus pares, interagindo de forma a se inserir enquanto membro sabedor
de um dado fato, quer seja acadêmico, quer seja de ordem profissional. Nesse sentido, merecem
destaque os excertos: “Como fonte de suplementação proteica (banco de proteína) utilizávamos
um piquete com Leucena (Leucaena leucocephala)”, “Sabendo que na utilização dos alimentos
pelos ruminantes, para que o rúmen mantenha suas atividades normais é necessária uma dieta
com pelo menos 7% de proteína bruta”. Somem-se a estes, trechos como: “Durante o período
que passamos no setor fomos responsáveis por fazer ordenha e higienizar a sala de ordenha”,
“A necropsia é indicada que faça em no máximo 24 horas após a morte”, “Na necropsia não
achamos nada que expressasse muita responsabilidade para acarretar na morte do animal”.
Tais passagens nos sinalizam como o aluno-estagiário costuma buscar o diálogo com o
conhecimento que circula, em seu grupo social, sobre as formas do manejo nutricional e
sanitário do animal. Assim, mostrando-se capaz de demonstrar, por meio da apropriação dos
fatos o conhecimento daquela cultura, no qual há uma certa identidade e valor posto sobre a
especialização. Nesse sentido, o estudante demarca o domínio para o seu interlocutor (membro
real daquela situação imediata) e partilha as responsabilidades que o ofício ou a comunidade
exigem (GARZÓN, 2020), indiciando-nos como esses mesmos membros o autorizaram a
formar parte desse processo: “fomos responsáveis”, como uma voz autorizativa do que o aluno
poderia fazer.
Em relação ao empreendimento, que envolve uma construção com o relacionamento e
com as formas de aprendizagem em uma dada CP, vemos a partilha de informações, a discussão
técnica, o envolvimento crítico sobre determinados problemas e a busca de soluções. Assim
sendo, o discente-estagiário debateu sobre as formas do manejo reprodutivo serem mais
eficazes, além de ter enfatizado que teve a oportunidade de se inserir em uma determinada ação,
ajudando as tarefas que são designadas ao membro de sua CP: “Um manejo reprodutivo
eficiente, seguido por um manejo nutricional e sanitário adequado, é responsável direto para
obtenção de uma elevada produtividade e uma maior qualidade na produção, conseguindo
assim, mais rentabilidade no produto final” e “Chegamos a acompanhar e auxiliar em uma
dessas cirurgias. O suíno castrado era acompanhado diariamente por nós, que fazíamos a
lavagem do local da cirurgia com água e sabão neutro e aplicação de antibiótico local”. Além
disso, o estudante sinalizou as relações interpessoais que foram construídas com os diversos
membros que integram ou permeiam a sua CP, a saber: “trabalhador”, “técnico”, “médico
382
veterinário”, “técnico responsável”, “ordenhador”, “produtor”, “agricultores”, “pequenos
produtores”.
Como relações que são orientadas, a inserção nessa comunidade normalmente se dá
porque o “[...] êxito na interação e diálogo consolidam a vida na comunidade, criando vínculos
que geram resultados para essa e seus membros.” (GARZÓN, 2020, p. 04 – tradução nossa181),
tal como observamos no seguinte excerto: “Durante o estágio, tivemos a oportunidade de
fazermos alguns ensaios de inseminação artificial em peças do sistema reprodutor da vaca
conservada em formol e no próprio animal”.
No repertório, aspectos como a dedicação a uma prática específica, delimitada sobretudo
por algum membro de maior expertise, as experiências debatidas, as ferramentas utilizadas, a
história/o vivido e as formas de lidar com as adversidades também nos indiciam a inserção do
sujeito nessa CP. Por isso, REDO2 – AGRO 01, 2016 inseriu essas marcas ao narrar seu
aprendizado, como: “Antes de começarmos, sempre esquentávamos”, “Logo após,
deslocávamos”, “Após concluirmos a ordenha o essencial seria fazermos”, “Quando
acabávamos a ordenha, levávamos”, “O tratamento deve começar pela higienização dos locais
de ordenha” e tantos outros exemplos.
De forma análoga, ao recuperar indicações dos instrumentos, dos gêneros do discurso,
dos termos técnicos socializados nessa CP, estamos diante do repertório utilizado pelos
discentes. Dito isso, nos excertos do Quadro 53, encontramos termos técnicos que, por exemplo,
indicam-nos a inserção naquela comunidade específica, como: “Piquete”, “resto de liquido
plancentário”, “maquinário de ordenha”, “curral”, “pré-dipping”, “pós-dipping”, “alicate
Burdizzo” e “pocilga”.
Conforme evidencia Volóchinov (2019), o léxico utilizado por grupos socialmente
organizados representa a própria forma de expressão social sob três lentes: o sujeito do discurso
(o autor), o interlocutor (o leitor, o ouvinte, os interlocutores mediadores dos letramentos), e o
objeto daquela realidade social. Neste nosso contexto, estamos diante ainda do que Bakhtin
(2018) denomina de jargões profissionais. Portanto, em nosso entendimento, esses aspectos
integram e singularizam o repertório da CP de Agropecuária.
No Quadro 53, retomamos outros exemplos dessas particularidades em torno do
domínio, do empreendimento e do repertório por intermédio de demais passagens de outros
relatórios que caracterizam essas práticas da CP de Agropecuária.
181 No original: “Se logra interacción y diálogo consolidan la vida de la comunidad, creando vínculos que generan
resultados para ésta y sus membros.”
383
Quadro 53 – CP de Agropecuária: o domínio, o empreendimento e o repertório em outros relatórios.
RELATÓRIO EXCERTOS
REDO2 –
AGRO 02,
2017
Vieira (2008), destaca que quando há animais doentes, existe queda da produção e
produtividade, gastos com medicamentos, consequentemente prejuízo econômico e
diminuição da lucratividade da fazenda. A principal causa é o manejo sanitário deficiente na
propriedade.
Daí a importância de saber fazer um manejo adequado, utilizando as medidas corretas para
desenvolver as atividades de produção, medicamentos corretos e eficazes no tratamento das
doenças, preocupando-se com a sanidade do animal para posteriormente haver um bom
retorno em lucros. (p. 10 – destaques nossos)
Uma vacina muito procurada principalmente pelas pessoas que criam suínos é a suiven,
esta é utilizada contra uma doença chamada salmonela ou paratifo dos leitões, que causa
pneumonia popularmente conhecida como batedeira. (p. 13 – destaques nossos)
Reflexão: No primeiro excerto, a discente busca demonstrar o conhecimento debatido na área
ao retomar uma voz de autoridade e promove, assim, uma breve explanação sobre a sanidade
animal, visando entrar no quesito competência coletiva pela forma de especialização
manifestada.
No segundo, ela continua asseverando esse domínio ao refletir sobre o uso de uma vacina
utilizada para acabar com algumas doenças comum em suínos. Além disso, a estudante-
estagiária demonstra um certo empreendimento ao compreender as formas populares de como
a doença é conhecida, construindo assim relacionamentos entre os saberes
técnicos/acadêmicos com a vivência profissional.
REDO4 –
AGRO 01,
2017
A aftosa é uma enfermidade causada pelo vírus, não há transmissores é vinculado pelo ar,
água e alimento, apesar de ser sensível ao ar e a luz, altamente contagiosa que ataca todos
os animais de casco fendido (bovinos, suínos, ovinos e caprinos) lembrando que a vacinação
para os caprinos e ovinos só é necessária quando surge caso na região, onde não é do nosso
interesse no momento.
A doença apresenta feridas na boca, testas e cascos, além de falta de apetite, ranger de
dentes. O animal baba, mastigando e engolindo vagarosamente devido ás feridas
encontradas na boca do mesmo.
Em relação ao tratamento dessa enfermidade, não tem cura. O que pode ser feito é tratar
as feridas com pomadas e evitar infecções secundárias, ou seja, inflamações que surgem
depois da aftosa, não sendo viável, pois quando identificado essa patologia em determinado
sítio, todos os animais, obrigatoriamente, serão sacrificados. (p. 05 – destaques nossos)
Para Técnicos em Agropecuária, Zootecnistas e Veterinários, é simples entender a
importância da cura do umbigo de um animal. Já quando se fala em proprietários rurais,
isso não se trata mais de um caso tão óbvio como aparenta ser, não tendo o intuito de
desvalorizar o conhecimento do homem do campo, pois devemos admirar todo seu
aprendizado. [...]
Apesar de ser uma coisa simples, ou não, às vezes, aqueles que deveriam ter um maior
desempenho acabam não tendo o conhecimento suficiente. Por esse e vários outros motivos,
deve-se dar a importância a formações de profissionais da área, onde cabe, não deixar
dúvidas, aqueles que por sua vez têm um contato superior com o campo. (p. 10 – 11 –
destaques nossos)
Reflexão: O estudante-estagiário visa a estabelecer um diálogo com o conhecimento sobre a
doença em tela (a aftosa), informando a seus interlocutores as características dessa
enfermidade (domínio dentro de uma CP), além de no seu empreendimento ajudar os pares,
atentando-os para certas soluções, demonstrando por outro lado o repertório adquirido para
solucionar esses problemas. Além disso, o aluno explora os termos-técnicos da área ou a
designação dos membros que pertencem a essa CP.
No segundo excerto, ele revela ainda uma certa áurea de superioridade na sua formação diante
de conhecimentos “natos” vindos de outros grupos sociais que tocam de certo modo a sua
própria CP, mas não tem tanta “credibilidade” entre os pares, justamente pelo valor posto no
domínio da expertise.
REDO4 –
AGRO 02,
2017
Caracterizadas por vesículas, também denominadas aftas (ao que se deve a denominação
da enfermidade), erosões e úlceras na mucosa oral, epitélio lingual, nasal, mamário, além
de lesões na região coronária dos cascos e nos espaços interdigitais. A mesma não tem cura,
quando identificado um caso é obrigatório o sacrifício dos animais nos focos de ocorrência
e em um raio de segurança de aproximadamente 10 km. (p. 07 – destaques nossos)
384
[...] Os indivíduos mais expostos são os que lidam com animais, tais como veterinários,
criadores, tratadores e trabalhadores de frigorifico. [...] (p. 08 – destaques nossos)
Reflexão: O discente se utiliza dos termos técnicos da área para tanto demonstrar o
envolvimento e o empreendimento dentro desse contexto de aprendizagem, bem como
sinaliza os membros que integram seu campo de atuação.
REDO4 –
AGRO 06,
2017
No decorrer do estágio auxiliei o medico veterinário XXX em vários casos e adquiri um
conhecimento maior na parte de doenças e cirurgias. O mal triste que é causado por um
carrapato onde o animal fica sem apetite, triste, sem força e sem fazer necessidades.
Com o decorre do tempo e presenciando alguns casos de cirurgia como descorna cesariana,
amputação e castração. Na farmavet onde ganhei um melhor conhecimento na parte de
mercado de trabalho como em funções de medicamentos e experiência em alguns casos de
cirurgia: [...] (p. 03 – destaques nossos)
Reflexão: A ajuda entre os pares e o processo da participação periférica legitimada é vista na
narrativa do discente. Os sujeitos constroem relacionamentos e formas de aprendizagem
mútua ao partilharem informações e interagirem entre si. Além disso, o discente revela termos
técnicos utilizados na sua ação profissional nessa etapa formativa.
REDO4 –
AGRO 01,
2018
As atividades do estágio viraram orientar produtores quando à introdução de técnicas de
manejo sustentáveis que aumentem a produtividade dos rebanhos, diminuam o impacto
ambiental e os custos de produção da caprinovinocultura de corte ou leite. Também
apresentar aos produtores, alternativas viáveis para aumento da produção a níveis que
garantam o abastecimento do mercado consumidor local e regional, gerando renda ao
produtor e melhoria da qualidade da carne, ou leite, com consequente obtenção de melhor
preço final do produto. Outras atividades/objetivos do estágio foram:
*Proporcionar uma interação do Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia Sertão
Pernambucano, seus discentes e docentes com a comunidade rural da região. Cumprindo o
papel social que motivou a interiorização da educação no país e possibilitando a prática
agrícola aos alunos do Curso Técnico em Agropecuária *Apresentar a comunidade rural, as bases do ensino tecnológico, desta forma atraindo
produtores rurais, jovens e adultos, para comporem o quadro discente do Curso Técnico em
Agropecuária.
*Geração de dados que servirão como base para pesquisas e produções técnicas na área
zootécnica e veterinária (indissociabilidade entre ensino, pesquisa e extensão).
*Participação em feiras e eventos agropecuários para divulgação das ações do projeto, bem
como, divulgar o Curso Técnico em Agropecuária.
*Deixar em cada rebanho um Rufião, para que haja uma melhora considerável no manejo
reprodutivo do plantel.
*Fazer diagnóstico precoce gestacional, e indicar o melhor forma de manejo das fêmeas
gestantes. (p. 07 – 08 – destaques nossos)
Reflexão: O discente-estagiário destaca, especialmente, o retorno social da etapa formativa
que vivencia, para isso ele demarca o repertório utilizado para se dedicar a essa prática
específica de colaborar com a produtividade dos rebanhos da região. Além disso, mesmo
usando de verbos no infinitivo como ações de um projeto, de um vir a ser executado, ele
discorre sobre as experiências ao utilizar de métodos e ferramentas que busquem consolidar
a reputação da CP no qual ele integra.
Fonte: Elaborado para este trabalho (2021).
De acordo com lição de Bronfman (2011), existem em qualquer comunidade níveis
diferentes de participação e inserção. Essa peculiaridade está atrelada à necessidade de
aceitação do novo membro em acessar os distintos nivelamentos que a própria CP o convida:
nesse sentido, refletimos sobre a participação periférica legitimada. Logo, podemos entender
que alguns sujeitos costumam demonstrar maior ou menor forma de engajamento por meio de
seus discursos. Na realidade, enquanto grupo do curso de Agropecuária, vemos que não é
somente o fato de ser aluno daquele curso que torna o sujeito membro daquela CP. De acordo
385
com estudo de Garzón (2020), é necessário que haja esse compromisso mútuo segundo um
contexto específico de aprendizagem; uma empresa que também possua senso de
responsabilidade, abertura para trocar experiências e, de fato, proporcionar aprendizagens
significativas; além de dispor de repertório de experiências compartilhado entre seus membros.
Figura 33 – Repertório partilhado – gêneros da CP de Agropecuária.
Fonte: Elaborado para este trabalho (2021).
Neste contexto, a Figura 33 sintetiza os gêneros desse repertório vivenciado na CP de
Agropecuária. Deparamo-nos, assim, com um número maior e distinto de elementos se
comparados à Figura 14, quando refletíamos sobre os gêneros indiciado já no PPC desse curso.
Naquele documento institucional, havia uma leve indicação do que eles poderiam encontrar
quando da atuação profissional. De fato, esse resultado só nos confirmou o que defende Oliveira
(2010, p. 330), o letramento e suas práticas sempre são mediados por textos, “[...] naturalmente
ter consciência de que o uso de determinados textos depende do sistema de atividades no qual
as pessoas estão inseridas, noutros termos, depende dos papéis que as pessoas exercem e do que
elas necessitam fazer por meio desses textos [...]” em certas condições e contextos, semelhante
ao que acontece quando nos deparamos com as singularidades da CP de Agropecuária, que
atuam próximas das áreas de zootecnia, da nutrição e produção de ruminantes, da produção
animal.
Em relação à CP de Edificações, essas particularidades se distanciam do grupo da CP
de Agropecuária, tanto pela área do saber (enquanto essa última se “enquadra” no grande eixo
CP de Agropecuária
•Projeto
•Gráficos
•Tabelas
•Cadastro
•Relatórios (estrutural, abates, vacinação)
•Declaração - vacinação
•Receituário
•Bulas
•Nota Fiscal
•Via de infração
•Consulta
•Cartaz
•Guia (Trânsito animal)
•Extrato
•Formulário
•Entrevista
386
das Ciências Agrárias, aquela pertence à área das Engenharias), quanto pelas singularidades
expressas no discurso que as caracterizam. Nessa ótica, destacamos o relatório de REDO5 –
EDIF 01, 2016 para debatermos os traços do domínio, do empreendimento e do repertório,
quando consideramos próprios da CP de Edificações.
Quadro 54 – CP de Edificações: REDO5 – EDIF 01, 2016.
RELATÓRIO EXCERTOS
REDO5 –
EDIF 01,
2016
Importante elencar que esse é o momento no qual o estagiário tem a oportunidade de
conhecer a política da empresa, estabelecer contatos e transitar entre setores, assim como
relacionamento entre o canteiro de obras e o escritório. (p. 08 – destaques nossos)
[...] A ferramenta é uma novidade, o que levou o estagiário a aprender mais sobre o
programa e se familiarizar com o mesmo, pois nunca havia tido contato com o software.
(p. 09 – destaques nossos)
Característica dessa obra foi a utilização de compactadores de solo (Figura 5), já que era
um terreno que ia receber grandes cargas era necessário que o aterro tivesse bem
compactado, utilizando a máquina a cada 35 cm de aterro recebido. Esta obra, viria a
receber treliças espaçadas a cada 50 cm, além de receber uma tela soldada nervurada, com
a intenção de provocar maior atrito e sustentação. O camada de 30 cm de concreto
(especificada no projeto) se uniria às telas e treliças. (p. 12 – destaques nossos)
O piso recebeu lona em toda sua extensão, Treliças espaçadas uniformente e Tela soldada
nervurada 4.2. A camada de concreto foi de 15 cm (especificada no projeto). O piso de
concreto Polido viria a receber também o perfil tipo “U” Galvanizado, ao seu redor, com a
função de após pronto, escoar água e outros materiais (Figuras 8 e 9). (p. 14 – destaques
nossos )
A missão do estagiário na obra foi garantir o bom funcionamento do ambiente de trabalho,
o cumprimento dos prazos diários, a solução de pequenos problemas, o auxilio técnico aos
profissionais, e o repasse de dados e fatos da obra ao engenheiro, arquiteto e gerente
administrativo. (p. 17 – destaques nossos)
Além do conhecimento técnico, o estágio propicia ao estagiário uma série de outras
experiências, como liderança de grupo, e a própria gestão e administração da obra. (p. 20
– destaques nossos)
Fonte: Elaborado para este trabalho (2021).
Deste modo, o que diz respeito ao domínio, o estudante buscou demonstrar a
competência coletiva e especializada para com seus interlocutores mediadores dos letramentos
(supervisor, orientador, avaliador do relatório do estágio). Assim, visualizamos que o discente
possui consciência sobre a identidade institucional da empresa concedente do estágio, pois por
intermédio disso ele também pode criar pontes e fazer com que os demais membros integrantes
da CP formalizada pudessem olhá-lo de maneira singular. De fato, acerca desse contexto, o
aluno afirmou que o “estagiário tem a oportunidade de conhecer a política da empresa,
estabelecer contatos e transitar entre setores, assim como relacionamento entre o canteiro de
obras e o escritório”.
Na realidade, a compreensão sobre os valores implicados na exigência do perfil, bem
como de uma identidade profissional, pode oportunizar ao discente-estagiário meios de uma
387
maior inserção dentro do próprio local de trabalho. Assim, ao “ganhar” a confiança, ao
demonstrar esse domínio aos integrantes dessa CP, a participação periférica do discente é
legitimada pelos pares de maior “know-how” e assim lhe são atribuídas mais tarefas de
confiança, pois ele passa a ter uma “missão”: “garantir o bom funcionamento do ambiente de
trabalho, o cumprimento dos prazos diários, a solução de pequenos problemas, o auxilio
técnico aos profissionais, e o repasse de dados e fatos da obra ao engenheiro, arquiteto e
gerente administrativo”.
Neste último exemplo, destacamos, segundo Wenger e Wenger (2015), que em uma CP
sempre precisamos de um líder ou uma espécie de moderador capaz de integrar os demais
membros segundo a dedicação de uma prática específica e assim possa ocorrer o aprendizado.
Geralmente, esses indivíduos em posição de liderança impulsionam os demais, compartilham
conhecimentos adquiridos e dão novas ideias (GARZÓN, 2020), servindo como um guia. Como
consequência, esse papel é normalmente associado ao sujeito de maior saber ou poder dentro
da organização de uma dada CP. Neste caso, especificamente, mesmo sob a supervisão de
pessoas com um maior conhecimento e responsabilidades no local de trabalho, o discente teve
a oportunidade de sentir a função de líder e experimentar as incumbências do cargo.
De fato, o aluno-estagiário, encarou isso de maneira positiva e sintetizou a situação
como algo que agregou para além do conhecimento técnico: “o estágio propicia ao estagiário
uma série de outras experiências, como liderança de grupo, e a própria gestão e administração
da obra”. O discente ainda reconheceu também os membros que integram essa CP ao nomear
os sujeitos que pertencem a esse grupo social, como por exemplo: “estagiário”, “técnico”,
“engenheiro”, “arquiteto”, “gerente administrativo”. Desse modo, além desse léxico próprio
que nomeia os partícipes dessa comunidade, outros termos de teor técnico ancoram o repertório
vivenciado por esse estudante, tais como: “canteiro de obras”, “compactadores de solo”,
“aterro”, “treliças espaçadas”, “tela soldada nervurada”, “concreto”, “piso”, “concreto
Polido”, “U Galvanizado”, entre outros.
Reforçamos que isso nos revela a prática profissional específica de um dado campo de
atuação, proporcionando-nos o entendimento do envolvimento por parte do discente-estagiário
nessa CP, uma vez que foi oportunizado ao estudante o acesso a outros espaços de
aprendizagem distintos da sala de aula: “A ferramenta é uma novidade, o que levou o estagiário
a aprender mais sobre o programa e se familiarizar com o mesmo, pois nunca havia tido
contato com o software” (destaques nossos).
De maneira similar, encontramos movimentos em outros relatórios que fazem partilhar
o pertencimento, o domínio, a comunidade e o repertório dos discentes-estagiários, tanto em
388
integrar uma CP formalizada (no sentido de já existir previamente) quanto em como contribuir
para as práticas existentes dentro dessa comunidade. Ou seja, os alunos vivenciam a CP e
contribuem com essa própria comunidade.
Quadro 55 – CP de Edificações: o domínio, o empreendimento e o repertório em outros relatórios.
RELATÓRIO EXCERTOS
REDO2 –
EDIF 01,
2016
O seu quadro de funcionários é composto por dois engenheiros, um arquiteto, dois técnicos
em edificações, além de colaboradores do setor administrativos e de manutenção.
Parte de seus colaboradores estão na sede da empresa, sendo responsáveis por
desenvolvimentos de trabalhos relacionados a projetos, licitações e medições de obras. A
maioria dos colaboradores compõe a mão-de-obra operacional, sendo lotados em campo,
atuando no setor de construção civil com obras públicas. (p. 07 – destaques nossos)
Reflexão: A discente-estagiária destaca a comunidade por intermédio dos membros que as
compõe, além de sinalizar os papéis ou responsabilidades que lhes competiram quando da
atuação das atividades.
REDO2 –
EDIF 02,
2016
O procedimento para o recapeamento é divido em várias etapas, sendo elas a ordem de
limpeza da rua, a aplicação do óleo ligante, a aplicação do asfalto, e compactação de
acabamento. Na primeira etapa o operador faz a limpeza das ruas que serão asfaltadas
utilizando vassoura de aço mecânica para retirada dos pedregulhos e terra. Em seguida
ocorre à aplicação do óleo ligante sobre o chão, este é aplicado manualmente pelo operário,
conforme figura 07. Após a aplicação do ligante, o asfalto é aplicado, em camadas sobre o
chão, observar a figura 08. (p. 12 – 13 – destaques nossos)
Reflexão: A estudante destaca ao interlocutor o domínio do conhecimento sobre as etapas que
compõe o processo de recapeamento de ruas e estradas. Neste ponto, estabelece a narrativa
dos procedimentos demonstrando as ferramentas e métodos que são utilizados nesse
repertório sobre o procedimento da tarefa. Termos que designam os membros e termos
técnicos também são evocados nessa narrativa.
REDO5 –
EDIF 01,
2017
A função do fichamento é colocar à disposição do pesquisador e/ou aluno, de forma
organizada e seletiva, um conjunto de informações de normas já consultadas,
imprescindíveis para a elaboração de trabalhos acadêmicos e no caso, ensaios
laboratoriais.
Para a realização do fichamento foi necessário a leitura e consequentemente a
compreensão das normas, já que o fichamento deveria ser sucinto e de fácil compreensão
facilitando o manuseio de alguns equipamentos e ferramentas, bem como a elaboração de
determinados ensaios. (p. 16 – destaques nossos)
Reflexão: No excerto destacado, o aluno-estagiário busca demonstrar a dedicação a uma
prática recorrente segundo o repertório partilhado na CP de seu estágio. Por outro lado,
também sinaliza o empreendimento, pois o objetivo de fichar textos tinha o intuito de
colaborar com os demais membros da CP, em um processo de ajuda, de partilha de
informações e conhecimentos, especialmente, para práticas acadêmicas e laboratoriais que
eram executadas no laboratório da instituição concedente do estágio.
REDO5 –
EDIF 02,
2017
O processo de concretagem da laje acontece da seguinte forma:
Depois de realizadas a verificações pré-concretagem o primeiro passo é assegurar a montagem das instalações necessárias para os sistemas hidráulicos e elétricos
(tubulações e eletro dutos), como pode ser observado na figura 6;
O concreto então deve ser lançado sobre toda a estrutura de laje e logo após deve ser
adensado. Sua espessura deve ser de 4 a 5 cm e o concreto deve cobrir todas as tubulações
e eletro dutos da estrutura (Figura 7); [...] (p. 11 – 12 – destaques nossos)
Reflexão: Como em outros excertos, o discente busca demonstrar uma certa competência
sobre o saber-fazer do processo de concretagem de uma laje, revelando a especialização que
o sujeito deve compreender e assim perpassar para os demais pares o domínio desse saber.
Somado a isso, temos a narrativa desse como fazer e seu respectivo passo-a-passo,
informando como o repertório desse grupo utiliza de formas e métodos específicos na
aprendizagem de tal ação.
389
REDO5 –
EDIF 03,
2017
O laboratório é composto por ferramentas, materiais e equipamentos, utilizados em aulas
práticas e em projetos de caráter científico. O mesmo é bastante utilizado para realização de
ensaios técnicos destinados a projetos de pesquisa, por meio dos dois grupos de pesquisa da
área da construção civil existentes na instituição, o Grupo de Inovações Tecnológicas na
Engenharia Civil (ITEC) e o Grupo de Materiais Não-Convencionais, estes compostos por
alunos bolsistas, voluntários e professores do curso de edificações, do IF Sertão – PE. O
laboratório de edificações, e a instituição como um todo tem papel importantíssimo na
região, por compartilhar de certo modo, informações sobre inovações tecnológicas e sociais
para a população. (p. 06 – destaques nossos)
Para a realização do levantamento foram utilizados equipamentos específicos para tal
procedimento, tais como: Teodolito, nível óptico, cardeneta de campo, piquetes, trena e mira
falante. (p. 07 – destaques nossos)
O ensaio realizado era parte do projeto, análise da absorção de concretos com resíduos de
construção e demolição em substituição ao agregado graúdo, que tinha como orientador
responsável o professor XXX, e como bolsista orientando, o aluno XXX, e voluntário XXX,
ambos alunos do curso de técnico em edificações da instituição. (p. 10 – destaques nossos)
Reflexão: O discente-estagiário enfatiza além da estrutura física organizacional da instituição
concedente do estágio, as ações de pesquisas desenvolvidas nesse espaço, as vivências em
torno da pesquisa e a promoção do agir científico e acadêmico. Revela, assim, a identidade
construída pelo domínio do saber do grupo e do retorno formativo possibilitadas por essas
ações já na educação básica. Os termos técnicos utilizados na área e a descrição de práticas
específicas que indiciam tanto o empreendimento como o repertório partilhado são
vislumbrados nos excertos.
REDO2–
EDIF 01,
2018
A primeira etapa a qual iniciei o estágio foi a de alvenaria de pedra argamassada (muro de
contenção) [...] (p. 09 – destaques nossos)
Também foi atribuído ao estagiário a responsabilidade de anotar o horário de chegada dos
funcionários, até o período matutino que encerravam suas atividades, de 07h00 às 11h00.
Além desta, também a tarefa de anotar o recebimento do aterro, registrando a quantidade
de carradas de caminhões deixadas por período de manhã na obra, para ver se condizem
com o estabelecido no acordo anteriormente feito. As informações eram repassadas para o
supervisor realizar o pagamento do serviço contratado. [...] (p. 10 – destaques nossos)
Além da alvenaria também foi fiscalizado a armação de ferragens, observando se o
empregado estava respeitando a distância entre os estribos estabelecida no projeto e também
observei se o mesmo fazia a amarração de ferragens de modo a evitar futuros deslocamento
de ferragens. [...](p. 13 – destaques nossos)
Durante o estágio foi possível atuar na parte de fiscalização de obras, parte essencial para
uma execução feita de maneira correta e que possa a vir poupar tempo e consequentemente
dinheiro do empregador mantendo a qualidade da obra. (p. 17 – destaques nossos)
Reflexão: O aluno demarca o empreendimento dado diante dos membros da CP pelo
envolvimento por intermédio das funções que lhe são atribuídas. Neste quesito, ele revela
como constrói os relacionamentos pelo “poder” de liderança que lhe é dado e assim demonstra
fiscalizar as atividades dos demais, mas correlacionado a uma participação periférica
legitimada, já que ele reporta sempre ao seu supervisor as ocorrências das ações. Além disso,
ele recupera uma série de termos técnicos que designam as ferramentas utilizadas quando da
dedicação da prática, no qual ele fiscalizava obras.
Fonte: Elaborado para este trabalho (2021).
Em suma, a CP de Edificações também nos evidencia possuir sua singularidade diante
do repertório que foi construído entre os membros, de forma conjunta e na prática, que integram
o estágio. Dessa forma, os relatórios analisados nos elucidam os ecos dos gêneros vivenciados
nessa etapa educacional e nos impulsionam a pensar quais gêneros são utilizados na prática
profissional desse campo do saber.
390
Figura 34 – Repertório partilhado – gêneros da CP de Edificações.
Fonte: Elaborado para este trabalho (2021).
Quanto ao processo educacional, estamos acostumados a estudar os gêneros no campo
escolar por meio de determinadas práticas, tradições, hábitos e inclusive como normas (se
pensamos na obediência do cumprimento dos planos de cursos) ou modelos. Contudo,
deveríamos refletir, assim como nos lembram Cassany e López Ferrero (2010), que os gêneros
cumprem papéis sociais. Assim sendo, os gêneros possuem um contexto de produção, adquirem
poder quando em seu uso, estão endereçados, entre outros pontos já debatidos nesta tese. Logo,
avultamos essa reflexão, pois os gêneros elencados pelos discentes da CP de Edificações muito
se assemelham à proposição do PPC de seu curso. Isso indica que o documento se encontra um
pouco mais alinhado com o que é esperado ao discente no seu campo de atuação.
Neste sentido, Valezi et al. (2018) destacam que a produção desenvolvida por cursos
técnicos e tecnológicos e cursos profissionalizantes de EMI dos IF, por exemplo, trazem uma
nova dinâmica correlacionada a práticas discursivas. Tal dinâmica, em especial, busca atender
à demanda do mercado, não destinando somente certas competências sobre ler e escrever a
grupos de intelectuais, mas: “[...] hoje, com as novas exigências de um mercado de trabalho que
não cessa de se renovar e demandar um processo de qualificação permanente, cada vez mais as
habilidades de leitura, interpretação e produção de textos são exigidas também dos técnicos.”
(VALEZI et al., 2018, p. 248).
CP de Edificações
•Projeto (arquitetônicos, estruturais, instalações hidráulicas e elétricas)
•Plantas residenciais
•Planilhas orçamentárias
•Processos licitatórios
•Memorial descritivo
•Tabelas
•Termo emergencial
•Carta-convite
•Lista
•Notas técnicas
•Ensaios laboratoriais
•Levantamento topográfico
•Notificação de obras
•Planta topográfica
•Fichamento
•Legenda
•Parecer
391
Por isso, entendemos a importância de nosso estudo e o lugar que ele ocupa como uma
resposta responsiva nossa, enquanto professora e pesquisadora que trabalha na rede, e a
potencialidade que há em (re)pensarmos esses espaços formativos. Assim, analisar os relatórios
de estágio nos possibilitou, por intermédio da dimensão interdiscursiva, (re)conhecermos as CP
dos cursos de EMI de Agropecuária e de Edificações, além de compreendermos a singularidade
do letramento acadêmico-profissional do público investigado. Conforme lição de Wenger e
Wenger (2015), os sujeitos membros de uma CP sempre buscam o seu aprendizado para:
solucionar problemas, buscar informações, reutilizar recursos, coordenar e encontrar sinergias,
construir argumentos, potencializar a confiança, discutir formas de desenvolvimento,
documentar e propor a vivência de projetos, organizar encontros, mapear o conhecimento e
identificar lacunas. Em outras palavras, por meio da CP, nos constituímos e o discurso
representa a ponte, o elo entre o “[...] lugar do encontro ético entre eu e o outro. [...]”, nos quais
“[...] as interações são absolutamente obrigatórias, elas são necessárias, a voz do outro precisa
aparecer na minha própria voz. [...]” (MIOTELLO, 2018c, p. 45).
392
6. (IN)ACABAMENTOS: REFLEXÕES SOBRE A CONSTRUÇÃO PROPOSTA
As formas da relação dialógica com o enunciado do
outro, as formas do reflexo do ouvinte e de seu discurso
são extremamente diversificadas, mas quase não foram
objeto de nenhum estudo (quase nada acrescentamos à
retórica antiga). O estudo dessas formas é uma
importante tarefa que se coloca perante nossa ciência.
(BAKHTIN, 2019e, p. 148).
O aprendizado a cada dia renova-se, cada busca pelo
aperfeiçoamento é uma gotícula dentre o mar científico
que integra-se ao profissional. [...] (REDO5 – EDIF 04,
2017, p. 27)
Na presente seção, refletimos sobre algumas considerações em torno de nosso objeto de
estudo, não como algo acabado, mas, seguindo o viés Bakhtiniano, por meio da sua
incompletude e da possibilidade de ampliação de movimentos dialógicos inter, pluri e
transdisciplinares sobre os achados. Neste sentido, destacamos, a princípio, o que nos lembra
Bakhtin (2011, 2018) sobre a necessidade de estudarmos e ocuparmos os espaços sobre as RD,
segundo o prisma de pesquisas discursivas dialógicas. Por isso, justificamos nossa tese ao nos
ancorarmos em uma vertente meta ou translinguística para o nosso projeto de escuta.
Como consequência, o nosso processo de análise acerca do discurso dos discentes-
estagiários partiu da dimensão interdiscursiva (já-dito) nos seus em uma situação singular. Isto
nos possibilitou compreender as RD existentes e como essas também colaboraram para revelar
um dos elos que constituíam duas comunidades de práticas distintas: a CP de Agropecuária e a
CP de Edificações.
Neste ponto, frisamos que entendemos como singular o contexto de produção desses
discentes devido à oportunidade de atuarem no mundo vivido, experimentando a “vivência
única, que cada um se encontra quando conhece, pensa, atua e decide” (PONZIO, 2010, p. 21).
Além disso, o próprio contexto peculiar da cultura do escrito instaurado ainda na educação
básica, por meio de uma inserção acadêmico-profissional nas práticas de letramentos, traz a
peculiaridade das RD desses sujeitos. Conforme nos lembra REDO5 – EDIF 04, 2017, esse
espaço de formação e constituição dos discentes, tal como o que ocorre nos IF, são sempre
interpelados pelas relações que nos constituem, que nos alteram, que nos modificam. Isto
demonstra o real contexto de aprendizagem, pois “eu” descubro, “sou” instigada, pela figura do
outro.
Assim sendo, destacamos que nossas reflexões em torno de nosso corpus foram
construídas sob um dado ponto de vista, sob a nossa responsabilidade, sob o nosso não-álibi,
393
acerca do fenômeno que nos instigava. Nesse propósito, ao nos colocarmos nessa escuta dos
dizeres de sujeitos do EMI, cuja importância para nossa atuação reverbera de maneira
particular, compreendemos, de igual modo, o retorno desta tese para o IF Sertão/PE, nossa
instituição, sobre repensar o contexto formativo e a própria estrutura curricular do estágio. Além
disso, entendemos nossa contribuição para os estudos que possuem a teia que buscamos
costurar: a abordagem dialógica dos discursos, a educação profissional e os letramentos nessa
esfera de atuação da atividade humana.
Diante dessa compreensão, ancoramos-nos na Análise Dialógica dos Discursos (ADD),
segundo as ideias do Círculo de Bakhtin (BAKHTIN, 2011, 2015, 2016a, 2018, 2019a, 2019b;
BAKHTIN; VOLOCHÍNOV, 2019; MEDVIÉDEV, 2016; VOLOCHÍNOV, 2013a, 2013b,
2018, 2019; e demais debatedores/comentadores das obras), construindo pontes com os Novos
Estudos sobre os Letramentos, principalmente em sua vertente crítica e sociocultural
(BARTON; HAMILTON; IVANIC, 2005; CASSANY, 2006; ROJO, 2009, STREET 1984,
2010, 2014). Todos esses somados à vertente teórica dos Letramentos Acadêmicos (LEA;
STREET, 1998; LILLIS, 1999; 2008) e das comunidades de prática (LAVE; WENGER, 1998;
WENGER; WENGER, 2015; WENGER, et al., 2002) na análise dos relatórios de estágio das
CP em discussão.
Portanto, com base nesse aparato teórico-metodológico, foi-nos possível responder
nossa questão geral: Como as relações dialógicas em sua dimensão interdiscursiva nos
relatórios de estágio de EMI dos cursos de agropecuária e de edificações se revelam como um
dos elos que constituem as respectivas comunidades de prática na construção do letramento
acadêmico-profissional?
Assim, nossa primeira reflexão buscou compreender o contexto de produção e
circulação do gênero relatório de estágio, associando a vozes de um dos interlocutores
mediadores dos letramentos, como por exemplo: os documentos institucionais. Esses que
exercem certo “poder” sobre a cultura do escrito dos discentes de EMI por meio das forças
centrípetas instauradas, conforme o resultado de nossa análise.
Logo, nesses documentos encontramos vozes de respaldos jurídicos com implicações
de ordem pedagógicas ao estabelecer o teor normativo-centralizador das ações dos sujeitos, do
perfil profissional destes, além de nos indiciar de antemão o repertório a ser partilhado (PPC)
pelos discentes quando da realização do estágio. Para mais, encontramos ainda um dos pontos
cruciais e que ecoam na própria produção escrita dos discentes, como por exemplo: o caráter
normativo-prescritivo sobre a estrutura do trabalho acadêmico em torno da estrutura
composicional do relatório do estágio.
394
Assim, destacamos que ancoramos nosso estudo em um conjunto de textos normativos:
Nova Cartilha Esclarecedora sobre a Lei do estágio, Projeto Pedagógico do Curso, Regulamento
de estágio, Manual do Estagiário, Guia de elaboração dos trabalhos de conclusão de curso para
os cursos técnicos e superior do Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Sertão
Pernambucano e Modelo de relatório dos cursos técnicos. Todos esses documentos foram
analisados pelo método do cotejo, como “uma chave de leitura” (RUFO; SIANI, 2017, p. 91),
tratando-se de um recorte dos textos em que conseguimos perceber ecos no agir do discente-
estagiário ou nos diálogos estabelecidos com os outros interlocutores mediadores dos
letramentos, a saber: orientadores e supervisores do estágio, por meio do discurso dos discentes
nos relatórios de estágio por exemplo.
Neste último ponto, lembramos que o estudante-estagiário, por participar desse ato
formativo de sua capacitação educacional e profissional tem como direito, segundo a Lei do
estágio, ao acompanhamento de um professor orientador (direcionado pelo IF) e um supervisor
associado à empresa concedente onde ocorre o estágio. Além disso, esse acompanhamento deve
ser assistido por meio de relatórios entregues pelos discentes a esses interlocutores mediadores
dos letramentos imediatos, tal qual a orientação presente na Lei do estagiário (BRASIL, 2008b).
Essa obrigatoriedade nos revela como a cultura do escrito ainda é forte e presente em atividades
de experiências como a do ambiente do trabalho, sobretudo no sentido de comprovar o que fora
vivenciado.
Portanto, é neste contexto de produção que o gênero relatório de estágio é solicitado,
como produto de comprovação e consequente aprovação para diplomação dos sujeitos-
estagiários, pesando assim, ainda, nessa voz avaliativa que orienta, que endereça a forma de
construir esse dizer nesse contexto educacional.
Dito isso, sublinhamos que, nesse processo de escuta e de cotejo dos documentos
institucionais, pontos correlacionados ao endereçamento e aos modelos de letramentos
propostos por esses interlocutores ganham relevo. Nesse contexto, os direcionamentos nem
sempre são/foram explícitos aos estudantes-estagiários (marcas discursivas a esse sujeito). Na
realidade, na maioria das vezes, o diálogo proposto se resumia a um “cumpra-se”, segundo uma
voz de respaldo jurídico para todos os atores do processo. Assim, o fator abrange tanto a
instituição educacional quanto o aluno - entretanto, para empresa concedente do estágio há uma
atenuação na forma do dizer sobre essas obrigatoriedades.
No que concerne aos modelos de letramentos propostos por esses interlocutores
mediadores dessa prática, por muitas vezes, tais documentos concebem a cultura do escrito
segundo o modelo de habilidade de estudo. Em poucos deles, conseguimos recuperar o modelo
395
de socialização acadêmica e em nenhum deles o modelo de letramentos acadêmicos estava
presente, tal qual a proposição de Lea e Street (1998).
Acerca disto, refletimos que, ao priorizar aqueles dois primeiros modelos, a instituição
visa apartar os discentes da realidade social e reflexiva da linguagem em uso, permeadas por
campos valorativos, por relações de poder, ou seja, pelo viés ideológico. Neste quesito, os
documentos orientaram o seu público para um processo de aculturação da escrita, pois
transparecia que bastaria seguir o modelo proposto, independentemente de contexto de atuação
(cursos distintos), finalidades diferentes e sujeitos outros, que o “resultado” deveria ser o
mesmo. Neste ponto, de fato compreendemos que, para uma visão holística sobre o fenômeno,
seria pertinente, em outros estudos, o cotejo com os sujeitos que compõem essas CP,
especialmente, orientadores, supervisores e os próprios discentes, visando reafirmar se esses
modelos propostos institucionalmente são os que são validados no contexto educacional na
prática.
Dessa forma, reforçamos que construir documentos institucionais ou, ainda, segui-los
sem maiores reformulações significa destoar dos avanços acadêmicos-científicos, bem como
não seguir as atuais propostas sobre um engajamento discursivo. Ademais, nessas últimas
propostas sobressaem o papel identitário diante de contextos formativos, a reflexão em torno
de relações de poder, de ideologia, e a própria particularidade vivenciada nos cursos. Em suma,
entendemos que a escrita do relatório do estágio representa um ato educacional próprio e
característico dessa etapa de capacitação e que esse, além de responder ao que é proposto por
esses documentos, acaba travando um maior diálogo com um outro desses documentos
institucionais. Em nosso contexto investigativo, essa aproximação maior se deu com o PPC de
cada curso, do mesmo modo com o GETA e o MRCT, que forneceram “modelos” de escrita.
Isto posto, adentramos na segunda etapa de pesquisa. Na realidade, recuperamos a
materialidade macrotextual-discursiva nos relatórios visando observarmos esses ecos das vozes
dos interlocutores mediadores dos letramentos institucionais (forças centrípetas x forças
centrífugas). Além disso, debatemos a dimensão interdiscursiva nas relações dialógicas de
comunidades de práticas como a CP de Agropecuária e de Edificações por intermédio do fio
discursivo.
Logo, avultamos que o gênero relatório costuma sofrer coerções de várias ordens (forças
centrípetas através dos interlocutores mediadores dos letramentos institucionais) para que a
escrita seja construída de uma dada maneira. Apesar disso, os discentes-estagiários
conseguiram contornar tais coerções e imprimiram “seu momento dialógico” ao singularizarem
essa produção segundo a sua respectiva CP.
396
Nesse sentido, mesmo apresentando os elementos obrigatórios solicitados para a
estrutura do gênero relatório, as CP investigadas apresentaram peculiaridades. Esses aspectos
normalmente sobressaíam quanto à capa (a CP de Edificações possuiu um template próprio),
ao título do relatório (CP de Agropecuária apresentou título para designar as atividades ou área
de atuação do estágio), e ao sumário (CP de Edificações determinou uma inversão dos
elementos – apresentação/introdução, apresentação da empresa, agradecimento. Por sua vez, a
CP de Agropecuária costumou seguir o modelo proposto pela instituição), se pensarmos na
estrutura.
Em relação ao desenvolvimento textual, ambas as CP enfatizaram a obrigatoriedade do
relatório, demonstrando que os estudantes possuíam a noção dessa etapa e os objetivos que
cumpre tal gênero nesse cenário específico: o viés avaliativo. Como consequência, acreditamos
que as coerções, as relações de poder ali presentes também cercearam o que esse público queria
e teria a dizer. Nesse ponto, lembramos que o processo avaliativo não deveria e nem deve ser
considerado como algo “ruim”, mas algo inerente ao processo educativo. Assim, para que não
ocorram “estereótipos” sobre essa etapa, entendemos que estabelecer parâmetros nos critérios
avaliativos, criar uma cultura dialógica sobre a escrita, sobre o que se espera, sobre a
característica do gênero, são pontos que ganham destaque em uma perspectiva que vise romper
com tal modelo (visão negativa). Nessa linha, entendemos ainda que ter um tratamento mais
didático, com disciplinas específicas, sobre esse cenário peculiar, seja também um meio de
repensarmos a escrita como somente elemento obrigatório e que o sentido seja a notação.
Outro ponto, em nossos achados, é que ambas as CP reforçaram a necessidade de
profissionais capacitados, por isso, a prática do estágio, o próprio curso ser salutar para suprir
essa lacuna. E como uma característica especialmente da CP de Edificações (grupo que
apresentou maior número de ocorrências), os discentes-estagiários buscaram uma sustentação
em recursos verbo-visuais (imagens, gráficos, tabelas) ao discorrerem sobre as suas respectivas
atividades desenvolvidas, de modo a complementar a narrativa, o fio discursivo, o projeto de
dizer.
No que tange à dimensão interdiscursiva presente nas CP investigadas, visualizamos as
formas marcadas do projeto de dizer (marcas pessoais ou impessoais – uso da primeira pessoa
do singular ou do plural ou terceira do singular/índice de indeterminação do sujeito), as formas
de inserção do discurso "alheio" como palavra "minha" e a dimensão interdiscursiva por meio
das RD.
Assim, no primeiro eixo, conseguimos visualizar que os discentes-estagiários, enquanto
jovens produtores desse contexto de produção acadêmico-profissional, possuíam uma certa
397
dificuldade em manter a coesão referencial interna para autoenunciar-se. Assim, foi-nos
possível encontrar em um mesmo relatório, independente da seção, o uso da primeira pessoa do
plural, da primeira do singular e do tratamento objetificado ao usar da passiva para falar de si.
Esses movimentos foram recorrentes nas duas CP e nos sinalizaram as vozes formativas
de letramentos escolares anteriores, além de nos demonstrar a necessidade da compreensão
desse contexto de produção, não somente como a entrega do relatório, produto acabado. Mas
que a oportunidade de rever esse mesmo documento pode representar um momento rico em
aprendizagem em torno da cultura do escrito que o contexto solicita. Conforme destacamos na
tese, essas marcas do nível linguístico também potencializa os efeitos de sentidos (BAKHTIN,
2018). Esta, inclusive, se torna uma instância reveladora da “constituição de identidades e de
sujeitos” (BRAIT, 2012c, p. 92).
Em nossa reflexão, entendemos ainda que os discentes-estagiários buscaram fazer uso
de uma linguagem impessoal, seguindo a característica de gêneros que circulam na esfera
acadêmica. Entretanto, foi possível observarmos que os estudantes não se apropriaram ainda
das potencialidades do gênero relatório de estágio, segundo o seu próprio contexto, o qual
permite o uso da primeira pessoa do singular. Dessa maneira, não encontramos qualquer
relatório que tivesse utilizado as marcas de uso pessoal uniformemente em todo o relatório (de
maneira regular em todas as seções). Mas conseguimos visualizar em ambas as CP o uso da
primeira pessoa do singular e do plural nas seções de agradecimento e conclusão.
Em continuidade, as formas de presença do outro no fio discursivo foram debatidas
sobre quatro frentes de ocorrências: a reprodução literal do dizer, a incorporação do dizer, a
evocação/alusão do dizer, a reformulação do dizer. Assim, em ambas as CP, quando da
reprodução literal do dizer, os discentes-estagiários construíram pequenos movimentos
discursivos. Isso ocorreu, sobretudo, diante da utilização da modalização em discurso segundo
ou perante a associação da autoria do dizer original. Contudo, as reflexões postas em torno
desse “dizer-fonte” foram minúsculas ou quase inexistentes: apenas recuperavam esse dizer
para demonstrar que houve um diálogo com uma voz de autoridade. Por conseguinte, as
fronteiras da marcação topográfica (as aspas) eram utilizadas. Entretanto, geralmente, essa
utilização não indicava o ano ou a página desse dizer de origem, demonstrando o não
reconhecimento da cultura sobre o escrito, segundo os critérios da ABNT, por exemplo, apesar
de esta norma técnica ser utilizada pelas duas CP.
Na incorporação do dizer, observamos movimentos de resquícios de letramentos
escolares sobre uma prática usual em torno de apropriar-se do dizer do outro, ocorrendo o
apagamento da indicação dessa autoria. Neste ponto, reforçamos que fizemos e tecemos uma
398
ponderação na tese: os textos analisados partiram de jovens produtores. Quanto a esses
estudantes, cujo primeiro contato com a dinâmica da cultura do escrito certamente ocorreu nesta
etapa da educação básica, entendemos que caberia uma reflexão formativa e de capacitação.
Essa iniciativa de conscientização deveria se dar em torno dos efeitos do plágio, sobretudo, nos
momentos que antecedem a produção do relatório, revelando-nos outra vez a necessidade de
um trabalho didático-pedagógico sobre essa produção escrita.
Portanto, diante de nosso corpus, frisamos que não compreendemos o movimento de
incorporação do dizer como plágio, mesmo podendo ocorrer em outros contextos e situações.
Assim, em nosso cenário, visualizamos pequenos movimentos que tendiam a apagar essas
fronteiras do dizer de respaldo ou inclusive ao recuperarem trechos de outros relatórios, tal
como ocorre de forma mais recorrente na CP de Agropecuária.
Reforçamos que nas circunstâncias de nossa observação de trechos similares entre os
relatórios, isto ocorreu mais notadamente na descrição sobre a empresa concedente ou na
introdução que contextualiza esse locus de atuação. Assim, refletimos que esses seriam textos-
padrões fornecidos pela empresa de estágio ou que o docente-orientador construiu em conjunto
com os alunos esse texto, uma vez que esses alunos cumpriram estágio nos mesmos lugares em
períodos próximos. Porém, como ponderamos ao longo de nosso estudo, seria pertinente em
estudos posteriores um projeto de escuta macro, especialmente, sobre os sujeitos que compõem
uma dada CP, por exemplo.
No que diz respeito à evocação ou alusão do dizer, sinalizamos que os discentes das CP
investigadas tenderam a utilizar termos da área, além de partilharem informações que somente
poderiam ser recuperados pelos seus membros, algumas vezes. Desse modo, entendemos que
esse movimento se confundia com a própria característica da definição de uma CP, já que um
dos critérios de inclusão nessa comunidade apontava para o empreendimento e repertório
partilhado, pois a forma de partilhar recursos ou formas de linguagem preconizava o
envolvimento dos pares que integravam aquela CP.
No movimento de reformulação do dizer entendemos que o fato interpretativo estava no
foco, pois os discentes-estagiários buscavam, na sua respectiva CP, recuperar a voz de respaldo
e travar com suas palavras o que o dizer original tentaria explicar. Nesse contexto, o discurso
indireto por meio da modalização em segundo sobre o conteúdo era algo recorrente entre os
relatórios investigados. A CP de Agropecuária, por exemplo, dialogou sobremaneira com textos
acadêmicos, artigos e jornais; por outro lado, a CP de Edificações costumava recuperar de forma
frequente notas técnicas, a exemplo da NBR.
399
Por sua vez, na dimensão interdiscursiva, que explora outras RD possíveis e presentes
no relatório de estágio, encontramos cinco movimentos. São estes: o diálogo com o
conhecimento acadêmico e profissional; a concordância com discursos alheios; a relação de
questionamento do agir profissional e da teoria existente; a relação com outros saberes e
competências, além do (re)conhecimento das marcas acadêmicas e profissionais na formação.
Essas RD sinalizaram, de igual modo, a forma como esses sujeitos de EMI de CP distintas
interagiram com o já-dito e reelaboraram/ ressignificaram esse contexto educacional que alia o
conhecimento acadêmico e a prática profissional.
Para tal, assim, como postula Bakhtin (2011), mesmo em gêneros cuja tendência seja a
uniformidade, o sujeito costuma se revelar ao mostrar seu posicionamento axiológico,
evidenciando, assim, as fugas por meio das forças centrífugas. Ou seja, mesmo na busca de uma
suposta monologização sugerida quiçá por aqueles documentos institucionais. Reforçamos que
é impossível pensar isso, mesmo diante de textos de cunho acadêmico, pois estamos sempre
diante de uma alteridade constitutiva e de uma dimensão interdiscursiva instaurada,
recuperando o já-enunciado por alguém. É por isso que as RD encontradas demonstraram como
as CP travavam o diálogo por meio da concordância ou não, da crítica, da aplicação da teoria
na prática, do desdém, da admiração, da gratidão, impregnando os relatórios pelos aspectos
valorativos e entonacionais dos sujeitos-estagiários.
De fato, esses jovens produtores, no contexto acadêmico-profissional, buscaram nas
suas narrativas explorar muito mais a questão do âmbito laboral, não dispensando uma maior
reflexão de embate com vozes de maior respaldo. Na realidade, o que nos transpareceu foi o
sentimento de reconhecimento e agradecimento pela oportunidade de aprender, participar e
compor espaços cuja participação periférica fosse legitimada. Reafirmando, assim, o que nos
lembra Brait (2017), pois a linguagem como material e como criação sempre revela a sua
natureza social justamente por estar orientada para o outro. Nesse sentido, o relatório de estágio
nasce como resposta ao chamado do outro (o orientador, o supervisor, a instituição educacional,
o sistema educacional) e vem impregnado de vozes outras.
Logo, no que concerne ao nosso último questionamento, salientamos que ao longo da
análise das demais categorias delineávamos o domínio, o empreendimento e o repertório de
ambas as CP. Nesse processo de caracterização, por um dos elos dialógicos, observamos que a
CP de Agropecuária, por exemplo, recuperou a sua especialidade demarcando as áreas de
Zootecnia, Nutrição e Produção de Ruminantes, além da Produção Animal. Para isso, os
discentes-estagiários organizaram a discussão em torno desses temas, de modo a possibilitar o
auxílio a outros membros dessa CP ao interagir e aprender com eles. De maneira distinta da CP
400
de Edificações, a CP de Agropecuária demonstrou ainda a característica de narrar em detalhes
sobre a forma de se dedicar à prática de uma determinada tarefa e/ou atividade, utilizando
marcadores discursivos de progressão textual (em primeiro lugar, em seguida, para depois, ...).
Por sua vez, a CP de Edificações evidenciou total alinhamento aos pré-requisitos das
normas técnicas da área de atuação, tais como: Projetos Arquitetônicos, Gerenciamento de
Projetos e Infraestrutura Urbana. Cumpre-nos evidenciar que os sujeitos das duas CP
sinalizavam no seu discurso como eram agraciados pelos pares de maior expertise para que
pudessem ter uma participação mais efetiva em suas atividades. Tal atuação poderia se dar na
fiscalização de obras (CP de Edificações) ou em procedimentos cirúrgicos (CP de
Agropecuária), por exemplo. Sendo isso outro ponto que comprovou a peculiaridade de uma
CP: a forma como o aprendizado era tomado como escopo e potencializado pelos demais
membros.
Além disso, encontramos nas respectivas CP uma infinidade de gêneros que nos
comprovaram o repertório partilhado pelos integrantes dessas. A título de exemplo, citamos
alguns gêneros presentes na CP de Agropecuária, como projetos, gráficos, relatórios,
receituário, via de infração, formulário, entre outros. Por outro lado, na CP de Edificações,
tivemos: projetos (arquitetônicos, estruturais, instalações hidráulicas e elétricas), plantas
(residenciais e topográfica), planilhas orçamentárias, memorial descritivo, ensaios
laboratoriais, notas técnicas etc.
Do mesmo modo como debatem Wenger e Wenger (2015), refletimos que para além da
definição ou a caracterização de uma CP, foi possível reconhecermos como essas se
estruturavam, como se organizavam, delineando, de igual modo, quem eram seus membros e
como esses se relacionavam. Assim, diante desses dados, podemos potencializar uma melhor
reflexão sobre a prática nesses contextos e a própria aprendizagem ali contida.
Em síntese, para nosso estudo, entendemos que, para uma análise dialógica dos
relatórios de estágio de uma dada comunidade de prática, sempre devemos ter um olhar mais
amplo sobre o “produto”, por exemplo, ao:
Compreendermos o contexto de produção e de recepção do gênero;
Conhecermos os interlocutores mediadores dos letramentos;
Entendermos a materialidade textual-discursiva dos relatórios;
Percebermos o estilo por meio das marcas enunciativas no projeto de dizer na
escrita acadêmica-profissional;
401
Verificarmos o acabamento discursivo presentes nas RD de distintas
comunidades de práticas; e assim,
Vislumbrarmos o domínio, o empreendimento e o repertório utilizado por aquele
grupo.
Na realidade, se pensarmos nestes resultados/nessas reflexões, entendemos que estamos
travando apenas um momento do diálogo que defendemos ser “inacabado”, pois por se tratar
de um trabalho acadêmico-científico, estamos sempre abertos para ampliarmos os horizontes,
revermos posturas e/ou afirmações, escutar pontos não respondidos.
Conforme o ensinamento de Medviédev, essa é a pura essência de um trabalho
científico: “[...] onde acaba um, continua outro. A ciência é uma unidade que nunca pode ser
finalizada. [...] em todos os campos da criação ideológica é possível somente um acabamento
composicional do enunciado, porém, não é possível um acabamento temático autêntico dele
[...]” (MEDVIÉDEV, 2016p. 194). Ou ainda como nos lembra Bakhtin (2018, p. 191 – grifos
do autor): “[...] no mundo ainda não ocorreu nada definitivo, a última palavra do mundo e
sobre o mundo ainda não foi pronunciada, o mundo é aberto e livre, tudo ainda está por vir e
sempre estará por vir”.
É isso que esperamos contribuir com nossa investigação, pois sabemos que nosso estudo
pode instigar demais pesquisas sobre sujeitos (interlocutores mediadores dos letramentos) nesse
contexto específico do EMI nos IF; potencializar investigações sobre a condição de sujeitos
aprendizes que tateiam na escrita de determinados gêneros (cultura do mistério) e recorrem a
busca de templates; repensar a escrita de documentos institucionais nos IF ou em outras redes
profissionalizantes, visando entender as peculiaridades dos cursos; estimular trabalhos sobre o
papel do estágio em outros contextos de capacitação (como o da Educação Básica) para além
da formação docente; entre outros pontos.
Em síntese, nosso projeto de escuta nos impele, neste momento, a promovermos o
debate (diálogos) em nosso locus de atuação e assim estimularmos rever posturas, ações e a
própria cultura do escrito em nossos IF, esperando contribuir ainda com a nossa identidade
como membros dessa CP que integra a Rede Federal.
402
REFERÊNCIAS
ABREU, K. F. Concepções de leitura e de texto subjacentes às provas de vestibular: constatações e implicações
para o ensino da língua espanhola. Dissertação (Mestrado em Linguística). Universidade Federal do Ceará.
Fortaleza, 2011.
ABREU, K. F. Práticas de letramento(s) na escola: reflexões sobre a formação do aluno do ensino médio.
Diálogo das Letras, v. 01, p. 42 – 60, 2012.
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415
APÊNDICE
Apêndice A – Títulos dos trabalhos encontrados na consulta ao Banco de Teses e Dissertações
da CAPES
RESULTADOS COM AS EXPRESSÕES “LETRAMENTOS” AND “EDUCAÇÃO PROFISSIONAL”
ANO DISSERTAÇÃO/TESE - TÍTULO AUTORIA
2011 DISSERTAÇÃO REFLEXÕES SOBRE AVALIAÇÃO E SELEÇÃO
DE MATERIAIS DIDÁTICOS CONVENCIONAIS E
INTEGRATIVOS DAS TDIC PARA ENSINO DE
LÍNGUA INGLESA NO PROEJA
REPOLÊS, M. C. P.
2013 DISSERTAÇÃO RESSIGNIFICANDO O ENSINO DE INGLÊS
INSTRUMENTAL EM CONTEXTO
PROFISSIONAL DE NÍVEL MÉDIO: UMA
PROPOSTA BASEADA EM SEQUÊNCIA
DIDÁTICA
SOUZA, S. A.
2014 DISSERTAÇÃO LETRAMENTOS E PRÁTICAS PEDAGÓGICAS NA
EDUCAÇÃO PROFISSIONAL: UM ESTUDO DE
CASO DE FORMAÇÃO CONTINUADA PARA AS
MÍDIAS PARA OS PROFESSORES DO SENAI/SC
CRAVO, A. C.
2015 DISSERTAÇÃO MULTILETRAMENTOS E USOS DAS TDIC: UM
ESTUDO DE CASO DO IFMG CAMPUS OURO
PRETO - MG
DIAS, D. R.
2015 DISSERTAÇÃO A PRODUÇÃO DE NARRATIVAS DIGITAIS NO
ENSINO MÉDIO INTEGRADO À EDUCAÇÃO
PROFISSIONAL
PACHECO, D. S. F.
2015 TESE OS LETRAMENTOS E AS IDENTIDADES NOS
DISCURSOS DOS SUJEITOS DA EDUCAÇÃO DE
JOVENS E ADULTOS (PROEJA)
CARVALHO, E. T. P.
2017 DISSERTAÇÃO LETRAMENTOS CRÍTICOS, ENSINO DE LÍNGUA
INGLESA E FORMAÇÃO INTEGRAL NO CURSO
TÉCNICO EM AGROPECUÁRIA INTEGRADO AO
ENSINO MÉDIO
FEITOZA, V. D. S.
2017 DISSERTAÇÃO LETRAMENTOS ACADÊMICOS NA EDUCAÇÃO
PROFISSIONAL E TECNOLÓGICA: PRÁTICAS DE
DOCENTES COM TECNOLOGIAS DIGITAIS
MENDES, M. A.
2019 DISSERTAÇÃO ENSINO DE LÍNGUA PORTUGUESA NO PROEJA:
UMA PROPOSTA DE ENSINO DO RELATÓRIO
DE AULA PRÁTICA
PINTO, M. M. D. S.
RESULTADOS COM AS EXPRESSÕES “LETRAMENTOS” AND “ANÁLISE DIALÓGICA DO
DISCURSO”
ANO DISSERTAÇÃO/TESE - TÍTULO AUTORIA
2014 DISSERTAÇÃO REDAÇÕES DO ENEM/2012: RÉPLICAS ATIVAS
NAS MÚLTIPLAS VOZES
POLACHINI, N. R. S.
2015 DISSERTAÇÃO PRATICA DOCENTE E EMERSÃO DO SUJEITO-
AUTOR: INDÍCIOS DE AUTORIA EM TEXTOS DE
OPINIÃO PRODUZIDOS POR ALUNOS DO 9º
ANO
BARROS, A. C. A.
2015 DISSERTAÇÃO OFICINA DE (RE) ESCRITA E REVISÃO DE
TEXTOS NO ENSINO FUNDAMENTAL
LIMA, M. J. M.
2016 DISSERTAÇÃO A CHARGE EM SALA DE AULA: REFLEXO E
REFRAÇÃO ÉTNICAS
SANTOS, L. P. S.
416
2016 DISSERTAÇÃO O GÊNERO DISCURSIVO CORDEL: O PROCESSO
DE AUTORIA DA ESCRITA DOS ALUNOS DO 9º
ANO DO ENSINO FUNDAMENTA
CARVALHO, L. L. G.
2017 TESE UMA ANÁLISE BAKHTINIANA SOBRE A
RESPONSIVIDADE EM PRÁTICAS DE
LETRAMENTO NA ASSOCIAÇÃO DE
CATADORES DE MATERIAIS RECICLÁVEIS
BOM JESUS SUL, DE LIMOEIRO DO NORTE,
CEARÁ
ALVES, B. F.
2017 DISSERTAÇÃO OS DISCURSOS SOBRE A IDENTIDADE DOS
SUJEITOS TRANS EM TEXTOS ONLINE:
NEUTRALIZAÇÃO, ENQUADRAMENTO E
RELAÇÕES DIALÓGICAS
GUILHERME, M. L.
F.
2017 DISSERTAÇÃO OS DISCURSOS SOBRE A IDENTIDADE
DOCENTE EM ESPAÇOS DE ESCRITAS ON-LINE:
VALORAÇÃO E REENUNCIAÇÃO DISCURSIVA
RUCINSKI, V. R. D.
2018 DISSERTAÇÃO COMO NÃO ADORMECER: A CONSTRUÇÃO DE
IDENTIDADE DE GÊNERO NA INFÂNCIA A
PARTIR DA ANÁLISE DISCURSIVA DO CONTO
A BELA ADORMECIDA E SUAS VERSÕES
PRADOS, J. M. F.
RESULTADOS COM AS EXPRESSÕES “EDUCAÇÃO PROFISSIONAL” AND “ANÁLISE
DIALÓGICA DO DISCURSO”
ANO DISSERTAÇÃO/TESE - TÍTULO AUTORIA
2016 TESE DISCURSOS CONSTITUTIVOS E
CONSTITUINTES SOBRE A LÍNGUA INGLESA
NOS INSTITUTOS FEDERAIS DE EDUCAÇÃO,
CIÊNCIA E TECNOLOGIA: UM ESTUDO DE
CASO NO TRIÂNGULO MINEIRO
FERREIRA, E. P.
Fonte: Elaborado para este trabalho (2021).
417
Apêndice B – Distribuição dos docentes orientadores por titulação e quantidade de discentes
sob sua supervisão
ANO AGROPECUÁRIA EDIFICAÇÕES
Docente
Orientador
Titulação
Quantidade
de
orientandos
de estágio
Docente
Orientador
Titulação
Quantidade
de
orientandos
de estágio
2016
DO – AGRO 01 Doutorado -- DO – EDIF 01 Especialista 1
DO – AGRO 02 Mestrado 1 DO – EDIF 02 Doutorando 2
DO – AGRO 03 Mestrado 2 DO – EDIF 03 Mestre 1
DO – AGRO 04 Mestrado 1 DO – EDIF 04 Mestre --
DO – AGRO 05 Doutorado -- DO – EDIF 05 Mestre 1
DO – AGRO 06 Doutorado -- DO – EDIF 06 Especialista --
DO – EDIF 07 Mestranda --
DO – EDIF 08 Especialista --
2017
DO – AGRO 01 Doutorado -- DO – EDIF 01 Especialista 1
DO – AGRO 02 Mestrado 2 DO – EDIF 02 Doutorando 4
DO – AGRO 03 Mestrado 1 DO – EDIF 03 Mestre 2
DO – AGRO 04 Mestrado 6 DO – EDIF 04 Doutorando 1
DO – AGRO 05 Doutorado 1 DO – EDIF 05 Mestre 4
DO – AGRO 06 Doutorado -- DO – EDIF 06 Especialista 3
DO – EDIF 07 Mestre --
DO – EDIF 08 Especialista --
2018
DO – AGRO 01 Doutorado 1 DO – EDIF 01 Mestranda 2
DO – AGRO 02 Mestrado 1 DO – EDIF 02 Doutorando 1
DO – AGRO 03 Mestrado -- DO – EDIF 03 Mestre 5
DO – AGRO 04 Mestrado 2 DO – EDIF 04 Doutorando --
DO – AGRO 05 Doutorado -- DO – EDIF 05 Doutorando 1
DO – AGRO 06 Doutorado 1 DO – EDIF 06 Especialista --
DO – EDIF 07 Mestre 1
DO – EDIF 08 Especialista 3
Fonte: Elaborado para este trabalho (2021).
418
Apêndice C – Distribuição dos relatórios analisados por ano e sua respectiva codificação.
ANO/
QUANTIDADE
AGROPECUÁRIA
CODIFICAÇÃO DO
RELATÓRIO
ACESSO EM
2016
REDO2 – AGRO 01,
2016
https://releia.ifsertao-
pe.edu.br/jspui/handle/123456789/244
REDO4 – AGRO 01,
2016
https://releia.ifsertao-
pe.edu.br/jspui/handle/123456789/241
Sub – total 02
2017
REDO2 – AGRO 01,
2017
https://releia.ifsertao-
pe.edu.br/jspui/handle/123456789/234
REDO2 – AGRO 02,
2017
https://releia.ifsertao-
pe.edu.br/jspui/handle/123456789/236
REDO4 – AGRO 01,
2017
https://releia.ifsertao-
pe.edu.br/jspui/handle/123456789/233
REDO4 – AGRO 02,
2017
https://releia.ifsertao-
pe.edu.br/jspui/handle/123456789/230
REDO4 – AGRO 03,
2017
https://releia.ifsertao-
pe.edu.br/jspui/handle/123456789/232
REDO4 – AGRO 04,
2017
https://releia.ifsertao-
pe.edu.br/jspui/handle/123456789/237
REDO4 – AGRO 05,
2017
https://releia.ifsertao-
pe.edu.br/jspui/handle/123456789/231
REDO4 – AGRO 06,
2017
https://releia.ifsertao-
pe.edu.br/jspui/handle/123456789/239
Sub – total 08
2018
REDO2 – AGRO 01,
2018
https://releia.ifsertao-pe.edu.br/
REDO4 – AGRO 01,
2018
https://releia.ifsertao-pe.edu.br/
REDO4 – AGRO 02,
2018
https://releia.ifsertao-
pe.edu.br/jspui/handle/123456789/235
Sub – total 03
Total de relatórios analisados 13
ANO/
QUANTIDADE
EDIFICAÇÕES
CODIFICAÇÃO DO
RELATÓRIO
ACESSO EM
419
2016
REDO2 – EDIF 01, 2016 https://releia.ifsertao-
pe.edu.br/jspui/handle/123456789/250
REDO2 – EDIF 02, 2016 https://releia.ifsertao-
pe.edu.br/jspui/handle/123456789/245
REDO5 – EDIF 01, 2016 https://releia.ifsertao-
pe.edu.br/jspui/handle/123456789/251
Sub – total 03
2017
REDO2 – EDIF 01, 2017 https://releia.ifsertao-
pe.edu.br/jspui/handle/123456789/246
REDO2 – EDIF 02, 2017 https://releia.ifsertao-
pe.edu.br/jspui/handle/123456789/256
REDO2 – EDIF 03, 2017 https://releia.ifsertao-
pe.edu.br/jspui/handle/123456789/252
REDO2 – EDIF 04, 2017 https://releia.ifsertao-
pe.edu.br/jspui/handle/123456789/264
REDO5 – EDIF 01, 2017 https://releia.ifsertao-pe.edu.br
REDO5 – EDIF 02, 2017 https://releia.ifsertao-
pe.edu.br/jspui/handle/123456789/247
REDO5 – EDIF 03, 2017 https://releia.ifsertao-
pe.edu.br/jspui/handle/123456789/265
REDO5 – EDIF 04, 2017 https://releia.ifsertao-
pe.edu.br/jspui/handle/123456789/266
Sub – total 08
2018
REDO2 – EDIF 01, 2018 https://releia.ifsertao-pe.edu.br/
REDO5 – EDIF 01, 2018 https://releia.ifsertao-
pe.edu.br/jspui/handle/123456789/260
Sub – total 02
Total de relatórios analisados 13
Fonte: Elaborado para este trabalho (2021).
420
Apêndice D – Dados extraídos da Plataforma Nilo Peçanha – Perfil dos cursos de
Agropecuária e de Edificações do Campus Salgueiro: classificação racial, renda e sexo.
ANO/CURSO
AGROPECUÁRIA
2017
Renda182
%
Raça
%
Sexo
%
< 0,5 1,04% Amarela 1,04% Masculino 66,6%
0,5 < 1 90,63% Branca 9,38% Feminino 33,4%
1 < 1,5 3,13% Indígena 3,13%
1 < 2,5 1,04% Parda 55, 21%
Não declarada 4,17% Preta 29, 17%
Não declarada 2,08%
2018
Renda
%
Raça
%
Sexo
%
< 0,5 8,43% Amarela 2,27% Masculino 61,9%
0,5 < 1 80,72% Branca 7,95% Feminino 38,1%
1 < 1,5 8,43% Indígena 4,55%
1 < 2,5 2,41% Parda 61,36%
Não declarada 9,78% Preta 23,86%
Não declarada 4,35%
2019183
Renda
%
Raça
%
Sexo
%
< 0,5 20,65% Amarela 1,90% Masculino 61,29%
0,5 < 1 59,78% Branca 13,3% Feminino 38,71%
1 < 1,5 10,87% Indígena 11,43%
1 < 2,5 5,43% Parda 63,81%
> 3,5 3,26% Preta 9,52%
Não declarada 13,21% Não declarada 0,94%
ANO/CURSO
EDIFICAÇÕES
2017
Renda
%
Raça
%
Sexo
%
< 0,5 6,21% Amarela 0,69% Masculino 69,7%
0,5 < 1 92,41% Branca 13,10% Feminino 30,3%
1 < 1,5 0,69% Indígena -
1 < 2,5 0,69% Parda 51, 03%
Preta 33,79%
Não declarada 1,38%
2018
Renda
%
Raça
%
Sexo
%
< 0,5 11,67% Amarela - Masculino 64,5%
0,5 < 1 78,33% Branca 15,83% Feminino 35,5%
1 < 1,5 3,33% Indígena 1,67%
1,5 < 2,5 4,17% Parda 58,33%
2,5 < 3,5 0,83% Preta 24,17%
182 As referências com os sinais de maior ou menor levam em consideração o salário mínimo vigente da época. 183 Trouxemos ainda o ano de 2019 com o intuito de revelarmos a característica do Campus Salgueiro em ter
discentes matriculados em situação de vulnerabilidade socioeconômica ao longo dos anos.
421
> 3,5 1,67% Não declarada 3,23%
Não declarada 3,23%
2019
Renda
%
Raça
%
Sexo
%
< 0,5 13,73% Amarela - Masculino 59,7%
0,5 < 1 49,02% Branca 17,16% Feminino 40,3%
1 < 1,5 13,73% Indígena -
1,5 < 2,5 17,65% Parda 67,91%
2,5 < 3,5 1,96% Preta 14,93%
> 3,5 3,92% Não declarada 23,88%
Fonte: Compilado para este trabalho (2021).