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UNIVERSIDADE TUIUTI DO PARANÁ JULIANA VASCONCELLOS DE ANDRADE RESPONSABILIDADE CIVIL NA CIRURGIA PLÁSTICA ESTÉTICA CURITIBA 2013

RESPONSABILIDADE CIVIL NA CIRURGIA …tcconline.utp.br/wp-content/uploads/2014/03/...TERMO DE APROVAÇÃO JULIANA VASCONCELLOS DE ANDRADE RESPONSABILIDADE CIVIL NA CIRURGIA PLÁSTICA

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UNIVERSIDADE TUIUTI DO PARANÁ

JULIANA VASCONCELLOS DE ANDRADE

RESPONSABILIDADE CIVIL NA CIRURGIA PLÁSTICA ESTÉTICA

CURITIBA

2013

JULIANA VASCONCELLOS DE ANDRADE

RESPONSABILIDADE CIVIL NA CIRURGIA PLÁSTICA ESTÉTICA

Monografia apresentada à Faculdade de Ciências Jurídicas da Universidade Tuiuti do Paraná, como requisito para obtenção de grau de Bacharel em Direito. Orientador: Professor Dr. Marcelo Nogueira Artigas.

CURITIBA

2013

TERMO DE APROVAÇÃO

JULIANA VASCONCELLOS DE ANDRADE

RESPONSABILIDADE CIVIL NA CIRURGIA PLÁSTICA ESTÉTICA

Esta monografia foi julgada e aprovada para obtenção do título de Bacharel no Curso de Bacharelado em Direito da Universidade Tuiuti do Paraná.

Curitiba, ______de ________________________ de 2013.

___________________

Curso de Ciências Jurídicas da Universidade Tuiuti do Paraná

________________________________ Orientador: Professor Dr. Marcelo Nogueira Artigas

Universidade Tuiuti do Paraná

Prof. ________________________________

Prof. ________________________________

Aos meus pais Jabay e Vera Lúcia, que são exemplo de vida e de perseverança, pelo carinho e apoio dado nos momentos difíceis e pela confiança depositada em todas as escolhas que fiz.

AGRADECIMENTOS

A Deus, por sempre me ajudar a suportar todas as dificuldades e permitir meu

crescimento, me iluminando todos os dias.

Ao meu orientador professor Dr. Marcelo Nogueira Artigas, por todas as explicações

e auxilio durante a pesquisa, bem como por toda atenção e dedicação na realização

do presente trabalho.

A minha família, principalmente ao meu irmão Neylor, pelo apoio e compreensão nos

momentos de ausência, aos amigos e pessoas queridas, pelo carinho.

RESUMO

Trata-se de análise da responsabilidade Civil em Cirurgias Plásticas estéticas. O estudo se fez necessário em razão do crescimento deste tipo de prática nas clínicas e hospitais, trazendo discussões doutrinárias e jurisprudenciais sobre o tema. Através da doutrina analisando diversos autores e decisões do cenário jurídico brasileiro, pode-se definir conceitos básicos de responsabilidade civil e aqueles específicos da atividade cirúrgica estética, delimitando uma classificação na sua aplicabilidade. Com o estudo destes conceitos foi possível observar que a responsabilidade civil médica possui características próprias frente a responsabilidade civil comum, em razão da complexibilidade desta atividade, da mesma forma que a responsabilidade civil em cirurgias estéticas trás um tratamento diferenciado em relação a outros modos de responsabilização médica. PALAVRAS CHAVE: Responsabilidade Civil. Classificação. Responsabilidade Civil Médica. Responsabilidade Civil na Cirurgia Plástica Estética. Conceitos. Posicionamento jurisprudencial. Entendimento doutrinário.

SUMÁRIO

1 INTRODUÇÃO ....................................................................................................... 07

2 ELEMENTOS DA RESPONSABILIDADE CIVIL ................................................... 09

2.1 CONCEITO E DEFINIÇÃO .................................................................................. 09

2.2 PRESSUPOSTOS DA RESPONSABILIDADE CIVIL .......................................... 11

3.2.1 Ação ou omissão .......................................................................................... 11

3.2.2 Culpa ou dolo ............................................................................................... 11

3.2.3 Dano ............................................................................................................. 13

3.2.4 Nexo de causalidade .................................................................................... 14

2.3 MODALIDADES .................................................................................................. 12

2.3.1 Responsabilidade civil objetiva e subjetiva ................................................... 15

3.3.2 Responsabilidade contratual e extracontratual ............................................ 17

2.3.3 Responsabilidade civil e penal .................................................................... 18

3 RESPONSABILIDADE CIVIL DO MÉDICO ........................................................... 20

3.1 HISTÓRICO E CONSIDERAÇÕES INICIAIS ...................................................... 20

3.2. DEVERES DO MÉDICO ..................................................................................... 23

3.2.1 Culpa Médica ............................................................................................... 23

3.2.2 Dano médico ............................................................................................... 25

3.3. OBRIGAÇÕES DO MÉDICO .............................................................................. 26

3.2.1 Obrigação de resultado ................................................................................ 26

3.2.2 Obrigação de meio ....................................................................................... 27

3.4. EXCLUDENTES DE RESPONSABILIDADE ...................................................... 28

3.4.1 Caso fortuito ................................................................................................. 29

3.4.2 Força Maior .................................................................................................. 29

3.4.3 Culpa exclusiva da vítima ............................................................................. 30

3.4.4 Fatos de terceiros ......................................................................................... 31

3.4.5 Fatos das coisas .......................................................................................... 31

4 RESPONSABILIDADE CIVIL EM CIRURGIA PLASTICA ESTÉTICA .................. 33

4.1 DO DANO ESTÉTICO ......................................................................................... 33

4.1.1 Da cumulação do dano estético e do dano moral ........................................ 34

3.2. DA OBRIGAÇÃO DE RESULTADO NA CIRURGIA PLÁSTICA ESTÉTICA ...... 36

5 CONCLUSÃO ........................................................................................................ 41

REFERÊNCIAS ......................................................................................................... 43

7

INTRODUÇÃO

A responsabilidade civil é um instituto muito amplo dentro do Direito Civil,

trazendo diversas características específicas para os tipos de relação jurídica

existentes. Ela pode ser criada através de um vínculo contratual, com o

descumprimento de uma obrigação dele inerente, ou extracontratual, no caso de

descumprimento de uma norma legal.

Dentro das várias formas de responsabilidade, insere-se a responsabilidade

médica, englobando toda a atividade a ela relacionada, através do vínculo médico-

paciente, hospital-paciente etc. Esta responsabilidade sofreu diversas modificações

ao longo da historia, conforme a figura do médico foi inserida na sociedade e assim,

aos poucos, foi tomando a forma e conceito tal como conhecemos nos dias de hoje.

Além das classificações gerais referentes à responsabilidade civil, o instituto

da Responsabilidade Médica trouxe consigo normas próprias que permitem

classificar e aplicar de maneira mais eficaz as formas de cumprimento da atividade

médica, garantindo uma base jurídica cada vez maior para tutelá-la.

Com isso, foi possível ao longo do tempo aprimorar a relação jurídica

existente no espaço médico, garantindo uma maior segurança e proteção ao

paciente, ao submeter-se a qualquer procedimento, visto que, juntamente com as

normas jurídicas, vieram normas éticas para proteger o exercício desta profissão,

garantindo cada vez mais a eficiência e proteção da vida e integridade física dos

pacientes de um modo geral.

Dentre as várias ramificações da responsabilidade médica, aponta-se como

foco principal, a responsabilidade civil por cirurgia plástica estética, trazendo as

formas utilizadas para tutela de tal procedimento, em razão de suas especificidades

e divergência em relação às demais cirurgias.

A Cirurgia Plástica estética apresenta características próprias em razão da

modificação do objetivo pela qual é realizada, não existindo qualquer enfermidade

anterior pela qual ela se faça necessária, mas sim, uma necessidade íntima de

modificar detalhes físicos que trazem desconforto ao paciente, fazendo com que da

mesma forma, o Direito tenha a necessidade de garantir sua proteção de maneira

diferenciada das demais.

8

Através do presente trabalho pretende-se trazer as características do instituto

da cirurgia plástica, levantando as controvérsias a respeito do tema, mostrando

posicionamentos doutrinários e jurisprudenciais que questionam determinados

conceitos e definições dentro do cenário médico, buscando assim uma análise da

forma como a cirurgia plástica estética é tutelada pelo Direito na atualidade.

9

2. ELEMENTOS DA RESPONSABILIDADE CIVIL

2.1. CONCEITO E DEFINIÇÃO

A responsabilidade civil é um conceito que surge através dos elementos da

relação humana, sendo intrinsecamente ligada às obrigações, tutelando a ausência

de ação quando a lei assim exige, ou então com a demonstração de dano por uma

das partes da relação jurídica.

Este elemento protege relações interpessoais dos danos causados por

outrem, de modo que toda vez que uma das partes tiver prejuízo ou dano de outra

natureza, a responsabilidade civil aparece exigindo a solução para este desequilíbrio

gerado, através da sua reparação direta ou indireta.

Através do ato ilícito é que fica configurada a aplicabilidade da

responsabilidade civil, tendo em vista que esta só surgirá através de condutas

praticadas em contrariedade ao Direito, e desta forma, gerando uma obrigação de

ressarcimento deste não cumprimento.1

O código civil brasileiro prevê o instituto da responsabilidade civil em seu IX

capítulo, trazendo no artigo 927 a definição geral de que “aquele que, por ato ilícito

(arts. 186 e 187), causar dano a outrem, fica obrigado a repará-lo”.

Complementando esta previsão legal, os artigos 186 e 187 apresentam a seguinte

redação:

Art. 186. Aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligência ou imprudência, violar direito e causar dano a outrem, ainda que exclusivamente moral, comete ato ilícito. Art. 187. Também comete ato ilícito o titular de um direito que, ao exercê-lo, excede manifestamente os limites impostos pelo seu fim econômico ou social, pela boa-fé ou pelos bons costumes.

A doutrina também traz conceitos que definem o tema, baseados nas

definições legais apresentadas, conforme o posicionamento de Maria Helena Diniz:

A responsabilidade civil cinge-se, portanto, a reparação do dano causado a outrem, desfazendo tanto possíveis seus efeitos, restituindo o prejudicado ao statu quo ante. A responsabilidade civil constitui uma relação obrigacional que

1 STOCO, Rui. Tratado de responsabilidade civil: doutrina e jurisprudência : com comentários ao Código Civil. 8. ed. rev., atual. e ampl. São Paulo: Ed. Revista dos Tribunais, 2011, pág. 150.

10

tem por objetivo a prestação de ressarcimento. Tal obrigação de ressarcir o prejuízo causado pode originar - se: a) da inexecução de contrato; e b) da lesão a direito subjetivo, sem que preexista entre lesado e lesante qualquer relação jurídica que a possibilidade.2

Rui Stoco também apresenta um conceito para o tema baseado na

reparação de prejuízos, da seguinte forma:

Toda vez que alguém sofrer um detrimento qualquer, que for ofendido física ou moralmente, que for desrespeitado em seus direitos, que não obtiver tanto quanto foi avençado, certamente lançará mão da responsabilidade civil para ver-se ressarcido. A responsabilidade civil é, portanto, a retratação de um conflito.3

O autor ainda destaca, em outra obra, a importância da relação da

responsabilidade civil com o comportamento humano reprovado pelo ordenamento

jurídico:

O elemento primário de todo ilícito é uma conduta humana e voluntária no mundo exterior. Esse ilícito, como atentado a um bem juridicamente protegido, interessa à ordem normativa do Direito justamente porque produz um dano. Não há responsabilidade sem resultado danoso. Mas a lesão do bem jurídico cuja existência se verificará no plano normativo da culpa está condicionada à existência, no plano naturalístico da conduta, de uma ação ou omissão que constitui a base do resultado lesivo. Não há responsabilidade civil sem determinado comportamento humano contrário à ordem jurídica.4

A conduta formada por uma ação ou omissão que ofenda um bem ou direito

de outra pessoa trazendo-lhe um dano, somada à consciência plena daquele que

pratica o ato, através de dolo ou culpa é o núcleo de todo o conceito de

responsabilidade civil do ordenamento jurídico brasileiro, acarretando na obrigação

daquele que causou a lesão em recompor o patrimônio lesado da forma mais

eficiente, bem como responder por outras sanções previstas para sua ação.5

Dentro dessas definições, surgem modalidades de responsabilidade civil e

formas como ela é exigida nas relações jurídicas, bem como classificações

doutrinárias que definem sua forma de aplicação e facilitam a identificação da forma

como ocorrerá a correção do efeito danoso.

2 DINIZ, Maria Helena. Curso de Direito civil Brasileiro: Responsabilidade Civil. Responsabilidade Civil. 17°ed. São Paulo: Saraiva, 2003, Vol. 7, pag. 06-07. 3 STOCO, Rui. Tratado de Responsabilidade Civil..In_____Revista dos Tribunais,7 ed. São Paulo:

2007. p. 112. Atualizada em: 14 junh.2009.Disponível em http://www.rt.com.br. Acesso em 16 junh.2013. 4 STOCO, Rui. Tratado de responsabilidade civil: doutrina e jurisprudência : com comentários ao

Código Civil. Op. Cit. Pág. 153 5 Ibidem, pág. 151.

11

2.2. PRESSUPOSTOS DA RESPONSABILIDADE CIVIL

2.2.1. Ação ou omissão.

Toda relação entre a responsabilidade e o dano surge através de uma

conduta humana, a qual resulta em um dever de ressarcimento por parte do agente

causador. Esta conduta pode ser realizada através de uma ação, que contraria o

ordenamento jurídico e atinge e prejudica outra pessoa, ou através de uma omissão,

pela qual o agente deixa de praticar um ato quando tinha o dever de praticá-lo de

modo a causar da mesma forma um dano e gerando a responsabilização por esta

ausência de ação.

Considerando as hipóteses existentes de fazer ou não fazer, que criam a

obrigação de reparar o dano, possui a ação (fazer), um caráter de voluntariedade

demonstrado através do artigo 186 do Código Civil Brasileiro. Este não se confunde

com a vontade propriamente dita do agente em realizar a ação, a qual está inserida

na seara da culpa e do dolo. A voluntariedade diz respeito a um ato sem vícios, mas

não engloba intenção de praticar o dano, podendo o ato ser voluntário, mas em uma

segunda análise mesmo voluntário pode ser doloso ou culposo, de acordo com a

análise subjetiva da ação praticada.6

Já no conceito de não fazer, está introduzido o conceito negativo da omissão,

através do qual o Direito obriga a realização de um ato para que determinado

resultado não ocorra, e o agente, tendo esta consciência, deixa de fazê-lo, causando

um prejuízo ao bem jurídico tutelado. Neste caso, a inércia é que prejudicará um

bem jurídico ou um direito, e assim da mesma forma insere-se o instituto da

responsabilidade civil para equilibrar esta relação.7

2.2.2. Culpa e dolo

A classificação da conduta do agente de acordo com a sua intenção de

causar ou não o dano pode se desdobrar nos conceitos de dolo e culpa, que

recebem diferenciação semelhante à encontrada na responsabilidade penal.

6 STOCO, Rui. Tratado de responsabilidade civil: doutrina e jurisprudência : com comentários ao Código Civil. Op. Cit. pág. 153. 7 Ibidem, pág. 154.

12

A culpa trata-se de uma ação que infringe as normas legais mas é praticada

sem a intenção de que a mesma aconteça. Ela é praticada através da violação de

um dever de cuidado, mas não traz consigo qualquer intenção na realização do

resultado.

Pode-se configurar a culpa através de três tipos de ação, quais sejam:

imprudência, negligência ou imperícia. Em qualquer uma delas, não há uma vontade

direta de praticar o ato, mas sim, uma falha na conduta que leva a realização do

evento danoso. Desta forma, faz com que o agente seja responsabilizado, pois

mesmo que não pudesse prever a ação, sua falha acabou causando um prejuízo a

outrem.8

Segundo Sergio Cavalieri Filho9, “(...)pode-se conceituar a culpa como

conduta voluntária contrária ao dever de cuidado imposto pelo Direito, com a

produção de um efeito danoso involuntário, porém previsto ou previsível.”,

caracterizando-se através de uma conduta involuntária que gera um resultado

involuntário, uma previsão ou previsibilidade do ato e seu efeito e a ausência do

dever de cuidado através de uma de suas três formas (negligência, imprudência ou

imperícia).

Já o dolo, segundo o autor, traz como características de sua conceituação a

previsibilidade da conduta danosa e a vontade livre de praticar o ato, tendo

consciência de que este infringe uma norma legal. O ato praticado pelo agente é

intencionalmente voltado à pratica do ilícito, de modo que sua conduta já é iniciada

na ilicitude.

Desta forma, é possível diferenciar os dois conceitos da seguinte forma:

Tanto no dolo como na culpa há conduta voluntária do agente, só que no primeiro caso a conduta já nasce ilícita, porquanto a vontade se dirige à concretização de um resultado antijurídico – o dolo abrange a conduta e o efeito lesivo dele resultante - , enquanto que no segundo a conduta nasce lícita, tornando-se ilícita na medida em que desvia dos padrões socialmente adequados. O juízo de desvalor no dolo incide sobre a conduta, ilícita desde sua origem; na culpa, incide apenas sobre o resultado. 10

8 DINIZ, Maria Helena. Op. Cit., pág. 41. 9CAVALIERI FILHO, Sergio. Programa de responsabilidade civil. 7. ed. rev. e ampl. São Paulo: Atlas, 2007., pág. 34 10

Ibidem. Pág. 30-31.

13

2.2.3. Dano

O dano pode ser classificado como o núcleo da Responsabilidade Civil, já que

sem ele, não haveria qualquer dever de indenizar ou ressarcir e assim configurar

este instituto. Pode existir responsabilidade sem culpa, quando for objetiva, mas em

nenhum caso ela vem desacompanhada do dano pois este é seu elemento

essencial. Da mesma forma, não é possível configurar a responsabilidade civil sem

um delito material, como pode acontecer na esfera penal. Se o dano é aquele que

irá gerar o dever de indenizar, não há como aplicar uma mera conduta a este caso.11

Este dever de indenizar o dano causado está previsto na Constituição Federal

brasileira, prevendo a indenização nos casos de dano moral ou material:

Art. 5°todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito á vida, a igualdade, a segurança e a propriedade, nos termos seguintes: X – são invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas, assegurado o direito a indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação.

O dano material, ou patrimonial, afeta diretamente bens da vítima

mensuráveis em dinheiro. Podem ser eles integrantes do seu patrimônio, quando o

dano acontece diretamente, bem como podem ser considerados de forma indireta,

quando a lesão de um bem personalíssimo acaba gerando um dano material

decorrente. Esta forma de dano é indenizada pecuniariamente ou através da

retomada do bem lesado ao seu status quo, com sua reparação por exemplo.12

Este tipo de dano pode ser classificado como emergente ou lucro cessante,

sendo que no primeiro importa na diminuição do patrimônio, enquanto o segundo

configura-se com a perda de um lucro ou ganho que iria obter futuramente.

Silvio de Salvo Venosa traz a seguinte conceituação em relação a eles :

O dano emergente, aquele que mais se realça a primeira vista, o chamado dano positivo, traduz uma diminuição de patrimônio, uma perda por parte da vítima: aquilo que efetivamente perdeu. Geralmente, na pratica, é o dano mais facilmente avaliável, porque depende exclusivamente de dados concretos. Em um abalroamento de veiculo, por exemplo, o valor do dano emergente é o custo para repor a coisa no estado anterior. Será o valor do veículo, se a perda for total. O lucro cessante traduz-se na dicção legal, o

11

CAVALIERI FILHO, Sérgio. Op. Cit. pág. 70-71 12

Ibidem, pág. 71-72

14

que a vítima razoalvelmente deixou de lucrar. Trata-se de uma projeção contábil nem sempre muito fácil de ser avaliada. Nessa hipótese, deve ser considerado o que a vítima teria recebido se não tivesse ocorrido o dano.13

A outra forma de indenização prevista na Constituição Federal e no Código

Civil é o dano moral, pelo qual o bem lesionado não é passível de estimativa de

valor pecuniário e nem pode voltar ao seu estado anterior. Trata-se de situações

ligadas ao íntimo da vítima, relacionadas à honra, liberdade, privacidade, intimidade

e ao nome, as quais enquadram-se no conceito de direito à dignidade.14

Neste segundo tipo de dano, a indenização pe cuniária não possui o condão

de ressarcir o dano causado, tendo em vista que não é material mas sim um prejuízo

causado em razão da ofensa de um direito personalíssimo. Sendo assim, a

indenização pecuniária tem o objetivo de apenas amenizar o mal causado à vítima,

como uma forma de compensação e conforto em razão do prejuízo moral ou ético

que esta veio a sofrer.15

2.2.4. Nexo de Causalidade

O nexo causal é o responsável por interligar a conduta realizada ao dano

gerado por ela, de forma a criar um vínculo entre eles que dará origem ao dever de

indenizar. Tal conceito é trazido por Silvio de Salvo Venosa da seguinte forma:

O conceito de nexo causal, nexo etiológico ou relação de causalidade deriva das leis naturais. É o liame que une a conduta do agente ao dano. É por meio do exame da relação causal que se conclui quem foi o causador do dano. Trata-se de elemento indispensável. A responsabilidade objetiva dispensa a culpa, mas nunca dispensará o nexo causal. Se a vítima, que experimentou um dano, não identificar o nexo causal que leva o ato danoso ao responsável, não há como ser ressarcida. Nem sempre é fácil, no caso concreto, estabelecer a relação de causa e efeito.16

Este elemento é fundamental, pois, ainda que a conduta ilícita do agente

tenha sido praticada, ela deve acima de tudo ter relação com o dano causado à

vítima, pois do contrário não será possível responsabilizá-lo. É o que se chama de

relação causa e efeito, e sem ela não há responsabilidade civil, já que embora a

13

VENOSA, Silvio de Salvo. Direito civil: responsabilidade civil. 12. ed. São Paulo: Atlas, 2012.Pág. 42 14

CAVALIERI FILHO, Sérgio. IOp. Cit., pág.76 15

Ibidem, pág.78 16

VENOSA, Silvio de Salvo. Op. Cit. Pág. 53

15

culpa seja um critério dispensável nos casos de responsabilidade objetiva, o nexo

causal se retirado da análise do caso concreto faz com que se perca a

fundamentação para que exista o dever de indenizar por parte do causador do

dano.17

Neste contexto, Maria Helena Diniz destaca a importância desta relação entre

o ato e o dano:

Tal nexo representa, portanto, uma relação necessária entre o evento danoso e a ação que o produziu, de tal sorte que esta é considerada como sua causa. Todavia, não será necessário que o dano resulte apenas imediatamente do fato que o produziu. Bastará que se verifique que o dano não ocorreria se o fato não tivesse acontecido. Este poderá não ser a causa imediata, mas se for condição para a produção do dano, o agente responderá pela conseqüência.18

Ainda que o ato não seja o responsável direto pelo dano, mas tenha ligação

com o resultado danoso, de forma que este só ocorreu em razão daquele, é possível

fazer a comprovação do nexo causal e desta forma gerar a responsabilidade do

autor.

Na prática, a comprovação desta relação não é algo fácil de ser estabelecido

em razão dos seus critérios subjetivos, pois dependerá das provas e análise do caso

concreto para que fique configurada. Ainda assim, a impossibilidade de verificação

do nexo causal impede qualquer tipo de aplicação de dever de ressarcimento ao

agente causador do dano, pois sem ele a própria estrutura da Responsabilização

Civil encontra-se prejudicada, impedindo a aplicação da norma legal.

2.3. MODALIDADES

2.3.1 Responsabilidade Civil Objetiva e Subjetiva

Dentro da classificação dos conceitos de responsabilidade civil, encontram-se

as duas formas através das quais o agente tem a obrigação de reparar o dano

causado, seja objetivamente ou subjetivamente.

17

CAVALIERI FILHO, Sérgio. Op. Cit. pág. 46. 18

DINIZ, Maria Helena. Op. Cit. Pág. 41.

16

No primeiro caso, não é analisada a forma como o dano ocorreu, pouco

importando se o agente teve culpa ou não no evento danoso, já que a situação em

que ele se encontra faz com que responda pelo prejuízo, ainda que não tenha

contribuído para ele. Tal responsabilização é elencada no artigo 927, parágrafo

único, do Código Civil da seguinte forma:

Art. 927. Aquele que, por ato ilícito (arts. 186 e 187), causar dano a outrem, fica obrigado a repará-lo. Parágrafo único. Haverá obrigação de reparar o dano, independentemente de culpa, nos casos especificados em lei, ou quando a atividade normalmente desenvolvida pelo autor do dano implicar, por sua natureza, risco para os direitos de outrem.

Neste caso, a natureza da ação executada pelo autor ou a posição em que

ele se encontra faz com que o mesmo responda pelos danos ainda que não tenha

contribuído para ele, assumindo o risco da ação.19

Segundo o conceito trazido por Sílvio de Salvo Venosa20:

A explicação dessa teoria justifica-se também sob o título risco profissional. O dever de indenizar decorre de uma atividade laborativa. É o rótulo que explica a responsabilidade objetiva nos acidentes do trabalho. Outros lembram do risco excepcional: o dever de indenizar surge de atividade que acarreta excepcional risco, como é o caso da transmissão de energia elétrica, exploração de energia nuclear, transporte de explosivos etc. Sob a denominação risco criado, o agente deve indenizar quando, em razão de sua atividade ou profissão, cria um perigo. Esse, aliás, deve ser o denominador para o juiz definir a atividade de risco no caso concreto segundo o art. 927, parágrafo único, qual seja, a criação de um perigo para terceiros em geral.

Já na responsabilidade civil subjetiva, deve ser comprovada a culpa do autor

para o resultado danoso, de modo que este só pode ser responsabilizado se ficar

comprovado o dolo ou culpa na ação executada, conforme previsão do art. 186 e

927 caput do Código Civil, configurando a culpa em sentido amplo, conforme explica

Silvio Rodrigues21:

Em rigor não se pode afirmar serem, espécies diversas de responsabilidade, mas sim maneiras diferentes de encarar a obrigação de

19 VENOSA, Silvio de Salvo. Op. Cit. Pág. 17 20 Ibidem, p.17-18. 21

RODRIGUES, Silvio. Direito Civil: Responsabilidade Civil. vol. 4. 19° ed. São Paulo:Saraiva, 2002, p.11.

17

reparar o dano. Realmente se diz ser subjetiva a responsabilidade quando se inspira na idéia de culpa.(...). dentro da concepção tradicional a responsabilidade do agente causador do dano só se configura se agiu culposa ou dolosamente. De modo que a prova da culpa do agente causador do dano é indispensável para que surja o dever de indenizar. A responsabilidade, no caso, é subjetiva, pois depende do comportamento do sujeito.

O Código Civil brasileiro traz como regra a responsabilidade Civil subjetiva,

mas da mesma forma prevê casos onde pode ser aplicada objetivamente, de acordo

com o caso concreto e ganhando uma aplicação maior no Direito do Consumidor,

onde a situação de fragilidade do consumidor pode trazer a reparação do dano

considerando apenas seu resultado, sem analisar a culpa daquele que é

responsável pelo ressarcimento.

2.3.2. Responsabilidade Contratual e Extracontratual

O vínculo que é gerado pela responsabilidade Civil pode surgir de duas

maneiras diversas para que crie o dever de indenizar. Através de uma relação prévia

existente entre as partes, com uma obrigação previa para uma delas e a qual não foi

cumprida, ou através da prática de um ato ilícito, onde as partes não tinham

qualquer relação anterior, sendo o dever de reparar o dano criado através de um ato

contrário ao direito que levou a um prejuízo.

A responsabilidade Civil contratual é tratada no Código Civil através dos

artigos 389 a 407 e 932, 933, 936 a 938, enquanto a extracontratual, ou aquiliana,

pode ser encontrada nos artigos 186, 188 e 927.

Em ambos os casos, há a violação de um dever de cuidado, seja estabelecido

pelo contrato anteriormente firmado ou por uma exigência legal pré-existente. A

responsabilidade civil contratual decorre de uma vontade das partes que não foi

cumprida, estabelecida previamente, já a responsabilidade civil extracontratual é

gerada após o descumprimento de uma norma legal, comprovada a capacidade do

agente e responsabilidade em cumpri-la.22

22

CAVALIERI FILHO, Sérgio. Op. Cit. Pág. 38.

18

2.3.3. Responsabilidade Civil e Responsabilidade Penal

Tanto no campo penal como no civil, a responsabilidade está relacionada a

um ato ilícito praticado. A distinção entre elas encontra parâmetros no grau de

gravidade do dano praticado e sua natureza, de modo que o ilícito penal tem um

dano social maior, que não atinge apenas a esfera particular, e desta forma, é

penalizado de forma mais incisiva, enquanto o ilícito civil está mais relacionado ao

prejuízo particular ocasionado pelo ato.

Enquanto a responsabilidade penal prevê a recomposição da ordem social,

tendo em vista a lesão de um bem jurídico tutelado pela sociedade, na

responsabilidade civil, o indenizado é o particular, através do dano material ou moral

causado em razão da ação ou omissão daquele que o ocasionou, restaurando seu

direito violado.23

Os dois tipos de responsabilidade também trazem diferenciação no modo da

punição ou reparação. Segundo Sílvio de Salvo Venosa24:

Para o crime ou delito, o ordenamento estrutura as modalidades de punição exclusivamente pessoais do delinquente; a mais grave delas em nosso ordenamento é a pena privativa de liberdade. Para o ilícito civil, embora se possam equacionar modalidades de reparação em espécie, o denominador comum será sempre, a final, a indenização em dinheiro, como lenitivo mais aproximado que existe no Direito para reparar ou minorar um mal causado, seja ele de índole patrimonial ou exclusivamente moral, como atualmente permite expressamente a Constituição. (...) A responsabilidade civil pressupõe um equilíbrio entre dois patrimônios que deve ser restabelecido.

O artigo 935 do Código Civil prevê a independência entre essas

responsabilidades, destacando o artigo 935 que “a responsabilidade civil é

independente da criminal, não se podendo questionar mais sobre a existência do

fato, ou sobre quem seja o seu autor, quando estas questões se acharem decididas

no juízo criminal.”. Ainda que a decisão definida no juízo cível não interfira na

criminal, o contrário ocorre, verificando-se o fato e a autoria do ilícito.25

Sendo assim, não existe uma diferença conceitual entre o ilícito penal e o civil

pois ambos importam na violação de um dever jurídico. O que vai qualificar e

diferenciar as duas formas de responsabilidade é o seu grau, quando mais graves

23 DINIZ, Maria Helena. Op. Cit. Pág. 24. 24 VENOSA, Silvio de Salvo. Op. Cit. Pág 21. 25 DINIZ, Maria Helena. Op. Cit. pág. 25.

19

entram na esfera penal, e quando mais brandas, de alcance particular, serão

tuteladas pela responsabilidade civil.26

26 CAVALIERI FILHO, Sérgio. Op. Cit., pág.14

20

3. RESPONSABILIDADE CIVIL DO MÉDICO

3.1 HISTÓRICO E CONSIDERAÇÕES INICIAIS

A medicina em grande parte dos casos esteve relacionada diretamente com o

sucesso profissional daqueles que exercem tal atividade, de modo que a

responsabilidade sobre os atos praticados demonstra a forma concreta como a

figura do médico é vista pela sociedade.

Antigamente, muito mais que uma profissão, o médico era responsável pela

cura da população e qualquer atitude que resultasse em algo diverso daquilo que o

paciente necessitava para se recuperar da doença ou lesão era rigorosamente

punido.

O primeiro registro encontrado que trata da responsabilidade médica é o

código de Hammurabi, no qual existiam penas para os casos de lesões corporais ou

morte praticadas por médicos na sua atividade, aplicando a pena de Talião para

casos de insucesso nas intervenções cirúrgicas, como uma forma de evitar novos

erros.27

Já no Egito a situação era diversa. Os médicos ocupavam uma posição

elevada dentro da sociedade, de modo que, possuíam um livro com regras a serem

seguidas e ainda que a intervenção resultasse na morte do paciente, sendo elas

seguidas, os médicos não eram responsabilizados de nenhuma forma. Porém, caso

ficasse provado que de alguma forma não houve o cumprimento de todas elas,

independente do que resultasse para a doença, o médico era punido com a morte,

em razão da importância que tinham e da confiança depositada sobre eles.28

A posição social do médico em Roma já era muito diferente da encontrada no

Egito. Os médicos possuíam um status servil, de modo que cada uma das grandes

famílias da época possuíam-no em casa, juntamente com os demais servos que

ficavam ao dispor de seus membros familiares. Desta forma, o médico era como um

prestador de serviços e estava submetido à eficiência dos seus serviços, passando a

ser tutelados pela Lei Aquília, conforme destaca Hildegard Taggesell Giostri:

27 GIOSTRI, Hildegard Taggesell. Erro médico: à luz da jurisprudência comentada. 2. ed. rev., atual. e ampl. Curitiba - Trade turístico: Juruá, 2004. Pág. 24 28 KFOURI NETO, Miguel. Responsabilidade civil do médico. 6. ed. rev., atual. e ampl. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais Ltda, c2007. Pág. 53

21

Admitia-se, então, ser a relação médico-paciente uma forma de arrendamento de serviços, um contrato consensual. Quando, posteriormente, surgiu a lei de Aquília, vieram com ela os primeiros rudimentos da responsabilidade médica, prevendo a pena de morte ou a deportação do médico culpado pelo cometimento de um erro profissional.29

A Lex Aquilia trouxe os primeiros traços do conceito de culpa que basearam

os artigos 186 e 927 do Código Civil brasileiro e do antigo artigo 159, determinando

a reparação do dano toda vez que ficar comprovada a culpa e o dano causado a

vítima. 30

Ainda, a Idade Média também tratou com bastante rigor da responsabilização

médica, prevendo diversas penas, como a indenização em razão da morte do

paciente, reduzindo o número de profissionais nesta época.31

Até esta época, a medicina era exercida pelos mais diversos tipos de

pessoas, desde sacerdotes até barbeiros, sendo que somente no ano de 1335, o Rei

da França, Jean I, restringiu tal atividade a uma formação universitária específica.

Mais tarde foi também o Direito Francês que começou a definir de maneira mais

efetiva as primeiras normas de responsabilidade médica, transformando os serviços

médicos em uma relação contratual como é tratado atualmente. Em um primeiro

momento não distinguiam a idéia de responsabilidade penal e civil, gerando em

ambos os casos uma pena, o que posteriormente foi substituído pela idéia de

culpa.32

A França também trouxe a base jurisprudencial sobre o tema, construindo

entendimentos em relação a possibilidade de reparação do erro médico além de

incluir o instituto da perda de uma chance, de modo a responsabilizar o profissional

que tenha deixado de modificar apenas um fato que se tornou danoso ao paciente,

respondendo assim de forma atenuada, ou considerando presunções agravadas

sobre o nexo de causalidade, conforme o exemplo trazido por Miguel Kfouri Neto:

29 GIOSTRI, Hildegard Taggesell. Erro médico: à luz da jurisprudência comentada. Op. Cit. Pág. 25 30 ROCHA, Cleonice Rodrigues Casarin da. A responsabilidade decorrente do contrato de serviços médicos. Editora Forense. Rio de Janeiro. 2005. Pág. 12 31 SOUZA, Neri Tadeu Camara. Responsabilidade civil e penal do médico. 2. ed. Campinas, SP: LZN, 2006.Pág. 14 32 GIOSTRI, Hildegard Taggesell. Erro médico: à luz da jurisprudência comentada. Op. Cit. pág. 28

22

O primeiro julgado, em França, que inaugura a jurisprudência sobre a perda de uma chance, é da 1ª. Câmara Cível da Corte de Cassação, reapreciando caso julgado pela Corte de Apelação de Paris, de 17.07.1964. O fato ocorreu em 1957. Houve uma erro de diagnóstico, que redundou em tratamento inadequado. Entendeu-se em 1ª. Instância que, entre o erro do médico e as graves conseqüências (invalidez) do menor, ao se podia estabelecer de modo preciso o nexo de causalidade. A Corte de Cassação assentou: “Presunções suficientemente graves, precisas e harmônicas podem conduzir à responsabilização”. Tal entendimento foi acatado a partir da avaliação de o médico haver perdido uma chance de agir de modo diverso, e condenou-o à indenização de 65.000 francos.33

O médico passou ao longo da história de uma forma de curandeiro, servo,

chegando ao status de prestador de serviços, o qual foi cada vez mais reforçado em

razão da sociedade de consumo existente na atualidade, mudando as formas de

prestação dos seus serviços e responsabilização na sua atividade.

Tutelado por diversos institutos, como o Código Civil e o Código de Ética da

profissão, o médico cada vez mais deve ter no exercício da sua profissão o dever de

cuidado e boa execução das atividades profissionais, conforme destaca Rui Stoco:

(...) o médico tem o dever de agir com diligência e cuidado no exercício de sua profissão, exigível de acordo com o estado da ciência e as regras consagradas pela prática médica, dever esse consubstanciado em um Código de Ética, ao qual deve respeito e obrigação. Portanto, essa exigência e cuidado devem ser estabelecidos segundo o atual estágio da ciência e as regras consagradas pela prática médica. São deveres estabelecidos no referido Código de Ética (Res. CFM 1.931\2009), ao qual todos os médicos devem respeito e obediência. Aliás, a legislação a respeito é fracionária e confusa, pois rege a matéria, basicamente, a Lei 3.268, de 30.09.1957, dispondo apenas sobre os Conselhos de Medicina, regulamentada pelo Decreto 44.045, de 19.07.1958, modificado pelo decreto 6.821 de 14.04.2009 e pela lei 11.000, de 15.12.2004 e consubstanciado nas leis 6.828, de 29.10.1980 e lei 9.784, de 29.01.1999.34

A responsabilidade médica no Brasil pode ser exigida nas esferas penal,

administrativa, civil e disciplinar. Na responsabilização civil, considera-se como regra

a responsabilidade subjetiva, isto é, deve ficar comprovada a culpa do médico na

ação que veio a gerar o dano, existindo algumas previsões de responsabilidade

objetiva no art. 14 do Código de Defesa do Consumidor e art. 37 §6º da Constituição

Federal, em relação à responsabilização de instituições prestadoras de serviço.35

33 KFOURI NETO, Miguel. Op. Cit. Pág. 57 34 STOCO, Rui. Tratado de responsabilidade civil: doutrina e jurisprudência : com comentários ao Código Civil. Op. Cit. Pág. 623. 35 SOUZA, Neri Tadeu Camara. Pág. 37.

23

Assim como em outros países, e com influência francesa, a responsabilidade

médica no Brasil tem caráter contratual segundo entendimento unânime da doutrina,

trazendo algumas exceções onde pode ser aplicada a responsabilidade

extracontratual. Além disso, já existe entendimento firmado de que se trata de

responsabilidade de meio, e não de fim, visto que a medicina possui diversos fatores

que interferem nos resultados finais, muitas vezes externos à atividade do médico, e

assim, não se poderia falar em vincular tal prática a um resultado final que muitas

vezes não é alcançado em razão das mais inúmeras influências, devendo assim o

médico garantir a correta execução da sua atividade, minimizando as possibilidades

de insucesso.

3.2. DEVERES DO MÉDICO

3.2.1. Culpa Médica

Considerando os conceitos já definidos da responsabilidade civil e o

tratamento adotado pelo sistema brasileiro para a aplicabilidade na responsabilidade

médica, verifica-se que ela é enquadrada como subjetiva, isto é, via de regra o

médico só tem o dever de indenizar se ficar comprovada sua contribuição para o

efeito danoso através da culpa, não podendo esta ser presumida. Neste sentido

destaca Neri Tadeu Camara Souza:

Mas não se pode falar em responsabilização do médico se não se provar a culpa. Esta, mesmo que levíssima, pois, que, em se falando de vida humana, não se admite culpa levíssima ou pequena, tem que estar presente no agir do médico, sem o que qualquer insucesso em um atendimento médico tem que ser debitado ao infortúnio. (...) A responsabilidade civil do médico tem recebido da jurisprudência um tratamento diferenciado, sendo necessário que a culpa do médico seja provada pelo autor da ação de responsabilidade civil contra este profissional.36

Assim, diferente do que ocorre nas demais relações contratuais, neste caso

não há que se falar em culpa presumida, devendo o autor da ação comprovar a

culpa e o nexo causal deste com o dano causado pela ação praticada do médico.

36 SOUZA, Neri Tadeu Camara. Op. Cit. Pág. 30.

24

Além disso, é necessária a consciência livre do médico para realizar o ato, sob pena

de não ficar comprovada tal autoria.37

A doutrina traz uma diferenciação entre a culpa comum e a culpa médica, que

seria um tipo especial de culpa, gerada pelo não cumprimento de uma obrigação

inerente à profissão, quando se deixa de cumprir os parâmetros da atividade

médica. Porém, na aplicação prática elas se confundem, fazendo com que a

aplicabilidade seja a mesma, resultando no mesmo dever de ressarcimento.38

Com isso, é possível delimitar as três formas pelas quais a culpa é

identificada: a imprudência, negligência ou imperícia. Todas elas são praticadas

através de uma inobservância de preceitos que deveriam ser seguidos delimitando

sua conduta.

A falta de habilidade na prática de determinados atos é abarcada pela

imperícia, a qual ainda possui certa resistência para aplicação na área médica por

parte da doutrina, já que a princípio, tal atividade é garantida através de diploma e

experiência, as quais excluiriam a aplicabilidade deste tipo de culpa, porém, em

razão da amplitude de tal profissão, onde os profissionais possuem diversas

especializações, pode ser considerada a ausência de habilidade técnica em

determinada especialidade para sua aplicação.

Nas palavras de Hildegrand Taggesell Giostri:

Entendemos que, hodiernamente, ao se sentir incapacitado frente a um quadro clínico ou cirúrgico, seja por problemas pessoais, seja por falta de equipamentos ou condições técnicas, o médico deverá encaminhar o cliente para outro colega – habilitado como ele, porém melhor qualificado técnicamente -, ao menos na especialidade que se faz necessária para resolver o problema do momento. Em não agindo assim e advindo dano para o paciente, sem dúvida, terá ele incorrido em uma conduta culposa à qual convencionou-se chamar imperícia.

39

Com isso, é possível aplicar este tipo de culpa para os casos onde o

médico sabe não ter uma habilidade técnica específica para praticar um ato e

mesmo assim o realiza, vindo a causar um dano ao paciente.

O segundo tipo de culpa é denominado imprudência, quando o agente

causador do dano não prevê a atividade para ser realizada de maneira condizente

37 Idem. 38 GIOSTRI, Hildegard Taggesell. Erro médico: à luz da jurisprudência comentada. Op. Cit. pág. 38. 39 GIOSTRI, Hildegard Taggesell. Erro médico: à luz da jurisprudência comentada. Op. Cit. pág. 40

25

com os cuidados necessários. Na responsabilização médica essa imprudência pode

ser gerada através de uma má análise do diagnóstico do paciente, ou uma conduta

apressada do mesmo, sem a cautela exigida, gerando com isso o dano ao

paciente.40

O última classificação de culpa é a modalidade negligência. Neste caso, o

médico deixa de aplicar práticas usuais para desenvolvimento de um bom

procedimento, que seriam aplicadas em qualquer outro caso. Aqui há uma ausência

de ação que gera o dano. A negligência é o tipo de culpa mais grave dentre os três,

pois aqui há um desleixo por parte do médico, podendo sua ação ser considerada

como um erro grosseiro, visto que qualquer outro profissional no seu lugar agiria de

forma diferente.41

Em qualquer um dos três casos deve ficar configurado o vinculo do ato com

a atividade do médico para que esse seja responsabilizado, não cabendo em

qualquer um deles, como já destacado, a presunção de responsabilidade.

3.2.2. Dano médico

Além do elemento culpa, outro fator a ser considerado na conduta do médico

é o dano causado. Diferente da responsabilidade civil comum, na responsabilidade

civil do médico, é considerado o dano ainda que ele não seja grande, visto que em

razão da atividade profissional realizada, muitas vezes por menor que seja a lesão,

ela pode ser prejudicial para a vítima de outras formas.

Para uma melhor identificação do dano causado, as instituições médico-legais

seguem alguns itens para qualificá-lo e quantificar o tamanho da lesão e assim da

indenização devida. Tais itens são semelhantes aos utilizados nos casos de conduta

dolosa e são enumerados da seguinte forma: 1) se o dano resultou incapacidade

temporária; 2)Durante a incapacidade, qual foi a dor física e conseqüências geradas

pela lesão e até mesmo transtornos morais que a vítima tenha sofrido; 3) Se resultou

incapacidade permanente; 4)Se resultou prejuízo estético; 5) Se houve prejuízo para

afirmação pessoal da vítima; 6) Se gerará prejuízos futuros; 7) Se resultou a perda

40 Idem. 41 GIOSTRI, Hildegard Taggesell. Erro médico: à luz da jurisprudência comentada. Op. Cit. pág. 41

26

de uma chance, como até mesmo a cura ou sobrevivência se fosse adotada outra

conduta.42

Com isso é possível definir de forma mais assertiva os parâmetros para

relacionar a conduta do agente com o dano causado e da mesma forma, o nexo de

causalidade existente, para que se torne possível a responsabilização do médico.

3.3. OBRIGAÇÕES DO MÉDICO

Sendo a relação médica considerada um contrato, a ele estão vinculadas

normas obrigacionais que devem ser cumpridas. Desta forma, existe no Direito das

Obrigações dois tipos delas: as obrigações de meio e as obrigações de resultado, as

quais devem ser analisadas no instituto da responsabilidade civil do médico.

3.3.1. Obrigações de resultado

Na obrigação de resultado, busca-se um objetivo definido com a realização do

ato, isto é, o contrato é firmado para um fim definido, e caso este não se realize, a

relação obrigacional não é cumprida e assim há o inadimplemento.

Porém, na prática, a identificação simples e objetiva dos casos que têm

resultado a ser cumprido não é tão simples. Nas palavras de Hildegard Taggesell

Giostri, deve ser analisada a obrigação de meio e a obrigação de resultado

relacionadas entre si, em razão da complexidade da atividade médica.43

A autora traz duas classes de obrigações de resultado que ajudam na análise

dos casos práticos:

As primeiras – as ordinárias – dizem respeito ás coisas infungíveis, podendo-se mencionar entre elas a obrigação de entregar a coisa vendida; a obrigação de restituir a coisa guardada ou arrendada; a obrigação dos hoteleiros pelos pertences dos seus hóspedes e a dos transportadores frente às coisas e pessoas transportadas. As segundas – as absolutas – beneficiam de tal maneira o credor que nem o caso fortuito, nem a força maior alterariam a garantia absoluta da qual goza aquele. Nela se inserem as coisas fungíveis, o que se exemplifica com a obrigação de dar coisas genéricas, como o pagamento de dívidas em dinheiro e aqueles casos mencionados em lei e, ainda, aqueles que, em razão do princípio da autonomia da vontade, tenham as partes excluído o

42 FRANÇA, Genival Veloso de. Direito médico. 10. ed. rev., atual. e ampl. Rio de Janeiro: Forense, 2010.Pag. 257. 43 GIOSTRI, Hildegard Taggesell. Responsabilidade médica: as obrigações de meio e de resultado: avaliação, uso e adequação. Curitiba: Juruá, 2001. Pág. 146.

27

caso fortuito e a força maior como causa de exoneração de responsabilidade.44

Além dessa classificação das obrigações de resultado, deve-se considerar

ainda a possibilidade de encontrar em uma mesma relação, juntamente com ela

obrigações de meio, principalmente no que diz respeito ao contrato médico, pois

este inclui em muitos casos não só o trabalho profissional do médico, mas também a

infra-estrutura de clínicas ou hospitais e outros serviços relacionados que devem ser

levados em conta para análise da responsabilidade.

3.3.2. Obrigações de meio

Nesta modalidade de obrigação, é levada em conta a forma como é realizado

o ato, sem a necessidade de obtenção obrigatória do resultado. Devem ser

utilizados todos os meios disponíveis e acessíveis para a sua realização mas, se o

objetivo esperado não se realiza, não há que se falar em inadimplemento, visto que

o resultado era apenas uma conseqüência da obrigação, mas este não poderia ser

exigido como parte integrante da relação contratual firmada.

Aqui, o importante é a boa execução do ato a ser praticado pelo devedor

através dos meios disponibilizados de modo a corresponder às necessidades e

expectativas do credor, sendo que desta forma, a obrigação será dada como

cumprida ao ser comprovada a realização de todos os meios de forma eficiente.45

Grande parte da doutrina defende a relação médica como uma obrigação de

meio, tendo em vista a complexidade da atividade, através da qual nem sempre os

resultados podem ser previsíveis, além de que o médico não pode trabalhar apenas

com o objetivo de resultado, já que tratam-se de vidas, as quais são subjetivas e

trazem características biológicas próprias.

Este é o posicionamento adotado também no Superior Tribunal de Justiça:

ADMINISTRATIVO. RESPONSABILIDADE CIVIL. OBRIGAÇÃO DE MEIO, E NÃO DE RESULTADO. ERRO MÉDICO. REEXAME DE PROVAS. SUMULA 07/STJ. 1. O Superior Tribunal de Justiça entende que a relação entre médico e paciente é de meio, e não de fim (exceto nas cirurgias plásticas embelezadoras), o que torna imprescindível para a responsabilização do profissional a demonstração de ele ter agido com

44 Ibidem. Pág 145. 45 GIOSTRI, Hildegard Taggesell. Responsabilidade médica: as obrigações de meio e de resultado: avaliação, uso e adequação. Op. Cit. Pág. 148.

28

culpa e existir o nexo de causalidade entre a sua conduta e o dano causado – responsabilidade subjetiva, portanto. 2. Todavia, o acórdão recorrido entendeu que houve responsabilidade da União mediante ter ocorrido erro médico, por meio de seu agente, pericialmente comprovado, o que afasta qualquer dúvida sobre a sua responsabilidade em ressarcir os danos materiais e compensar o dano moral. O valor arbitrado pela sentença proferida pelo juízo singular em R$10.000,00 (dez mil reais) foi majorado – em razão da gravidade do dano sofrido, que acarretou a incapacidade parcial e permanente do autor, com a perda de parte dos movimentos da perna esquerda, conforme o Tribunal de origem – para R$ 25.000,00 (vinte e cinco mil reais). 3. Resta nítido que a convicção formada pelo Tribunal de origem decorreu dos elementos existentes nos autos. Rever a decisão recorrida importaria necessariamente no reexame de provas, o que é defeso nesta fase recursal, nos termos da Súmula 07/STJ.(...). Agravo regimental não provido. (AgRg no Ag 1269116 / RJ, Rel. Ministro Castro Meira, SEGUNDA TURMA, julgado em 06.04.2010, DJe de 14.04.2010)

Na atividade médica o que deve ser considerada é a dedicação do médico em

realizar um bom trabalho cumprindo todas as normas às quais está vinculado. Se ele

utiliza todos os meios disponíveis e toda a técnica adquirida para prestar uma boa

assistência médica cumpriu sua obrigação, do contrário pode ser responsabilizado

caso fique comprovada sua culpa.46

Nesta linha, explica Genival Veloso de França:

A obrigação do médico é de meio porque o objeto do seu contrato é a própria assistência ao seu paciente, quando se compromete empregar todos os recursos ao seu alcance, sem no entanto poder garantir sempre um sucesso. Só pode ser considerado culpado se ele procedeu sem os devidos cuidados, agindo com insensatez, descaso, impulsividade ou falta de observância às regras técnicas. Não poderá ser culpado se chegar à conclusão de que todo o empenho foi inútil em face da inexorabilidade do caso, quando o especialista agiu de acordo com a “lei da arte”, ou seja, se os meios empregados eram de uso atual e sem contraindicações. Punir-se, em tais circunstâncias, alegando obstinadamente uma “obrigação de resultado” não seria apenas um absurdo. Seria uma injustiça.47

O médico está passível ao cometimento de erros e sua responsabilização

quando comprovada a culpa, porém não é possível agregar a sua atividade uma

obrigação de resultado em razão de todas as minúcias e especificidades que

englobam toda a atividade médica.

3.4 EXCLUDENTES DE RESPONSABILIDADE

46

FRANÇA, Genival Veloso de. Op. Cit. Pág. 230 47

Idem.

29

Assim como nos demais casos de responsabilidade civil, na responsabilidade

civil médica caso fiquem configurados elementos no curso da atuação que eximam o

médico do dano ocorrido, este não responderá pelos prejuízos causados. São as

formas de excludentes de ilicitude da responsabilidade civil, quais sejam: caso

fortuito, força maior, culpa exclusiva da vítima, fato de terceiros e fato das coisas.

3.4.1. Caso Fortuito

O caso fortuito se insere toda vez que há um ato através do qual existe uma

impossibilidade do agente prever ou evitar determinado resultado que venha a

causar um dano a outrem. O médico vê diante de si uma situação que foge do seu

controle, ainda que tenha utilizado todos os meios possíveis para executar com

sucesso sua atividade.48

Podem ser considerados aqui os casos onde o paciente apresenta reação a

algum medicamento, sem que esta pudesse ser conhecida antes através de algum

exame ou algo do gênero. Da mesma forma quando são utilizados métodos usuais e

o paciente responde de forma inesperada ao tratamento, possui uma reação diversa,

ou responde de forma diferente a uma cirurgia.

Em todos os casos, não pode haver qualquer indício de que o médico poderia

ter agido de maneira diferente, seja realizando exames, utilizando outras técnicas,

etc. Só ficará configurado o caso fortuito se provada a impossibilidade de uma

conduta por parte do profissional, que geralmente só é apurada através de perícias

minuciosas.49

3.4.2. Força Maior

A força maior traz efeitos semelhantes ao do caso fortuito em relação a

evitabilidade, visto que em ambos os casos não é possível evitar o dano tornando a

conduta do médico totalmente isenta de qualquer responsabilização.

48 GIOSTRI, Hildegard Taggesell. Responsabilidade médica: as obrigações de meio e de resultado: avaliação, uso e adequação Op. Cit. Pág 199. 49 ROCHA, Cleonice Rodrigues Casarin da. Op. Cit. Pág. 387

30

A diferença no caso da força maior é que ela pode ser prevista, porém,

mesmo com esta previsão não é possível evitá-la, conforme destaca Hildegard

Taggeseli Giostri:

A força maior, em sentido genérico, constitui-se em um poder ou uma razão mais forte do que aquela que atua, sendo decorrente da qualidade de irresistibilidade de um determinado fato que, por sua potencialidade exacerbada, vem impedir a realização, ou modificar o cumprimento de uma obrigação, à qual estava adstrito o devedor.50

Sendo assim, mesmo que o médico possa prever o fato, o que não acontece

no caso fortuito, ele não tem como impedir que o mesmo ocorra, pois vai além de

sua vontade ou força, como no caso da falha de um aparelho, a qual possa ser

percebida anteriormente pelo médico, mas este não possui o conhecimento para

impedir o prejuízo antes que ele aconteça. Sendo assim, não há como

responsabilizá-lo pelo fato já que não contribuiu para tal efeito.

3.4.3. Culpa exclusiva da vítima

A culpa exclusiva da vítima no caso da responsabilidade civil médica diz

respeito a fato que o próprio paciente tenha praticado e que gerou o dano a ele

mesmo. Nesses casos estão incluídos procedimentos que o próprio médico indica

para recuperação ou continuidade do tratamento e que não são seguidas por ele,

causando a regressão na sua recuperação e outros danos vindos exclusivamente da

sua atitude.

Nesses casos, não há que se falar em atribuir tal responsabilidade ao médico,

pois não teve qualquer tipo de influência no dano causado. Porém, pode ser que,

juntamente com a conduta errada da vítima, o médico também tenha contribuído

para o efeito danoso, e desta forma este irá responder de forma concorrente pela

sua parcela de culpa, conforme destaca Cleonice Rodrigues Casarin da Rocha:

O fato da vítima concorrente se diferencia da exclusiva porque nesse caso a conduta inadequada é adotada por ambas as partes, ou seja, o médico e o paciente concorreram com uma parcela de culpa, ambos deram causa ao prejuízo, porém, por atos independentes, sendo assim, cada um responderá

50 GIOSTRI, Hildegard Taggesell. Responsabilidade médica: as obrigações de meio e de resultado: avaliação, uso e adequação. Op. Cit. Pág. 199

31

pelo dano de acordo com a sua parcela de responsabilidade no evento danoso.51

Aqui não há qualquer exclusão de responsabilidade do médico, mas sim uma

minimização da culpa, de acordo com o grau de sua interferência nela, levando em

consideração também a contribuição do paciente.

3.4.4. Fato de Terceiros

Pode ser também que uma terceira pessoa, alheia à relação jurídica médico-

paciente seja a causadora do dano, o que da mesma forma irá retirar do médico o

vínculo e responsabilidade de indenizar. Nesse caso também não deve existir

qualquer tipo de relação do médico com a atitude do terceiro, sob pena da

responsabilização pelo fato recair sobre ele.52

No caso do fato de terceiro, pode ser encaixada a falta de previsibilidade

encontrada no caso fortuito, de modo que não há qualquer possibilidade de o

médico ter conhecimento do ato a ser praticado por essa pessoa, como por exemplo

falhas em medicamentos, de responsabilidade do fornecedor ou aparelhos que

tenham manutenção falha pelos responsáveis. Até mesmo por isso, este terceiro

deve ser completamente alheio e sem vínculos com médico da relação jurídica, não

englobando membro do corpo médico sob a supervisão dele, para que não exista

qualquer tipo de dúvidas em relação a esta falta de previsibilidade.53

3.4.5. Fato das coisas

Ainda existe uma outra excludente que pode ser utilizada para retirar a

responsabilização da pessoa do médico, relacionada a instrumentos ou demais

aparelhos utilizados na atividade médica. Em relação a este tipo de excludente, a

doutrina é divida, pois alguns acreditam que o médico deve ser responsável pelo

manuseio dele e não há que se falar em excludente, e outros defendem a

possibilidade de aplicar uma excludente dependendo do caso concreto.

51 ROCHA, Cleonice Rodrigues Casarin da. Op. Cit. Pág. 389. 52 ROCHA, Cleonice Rodrigues Casarin da. Op. Cit. Pág. 391. 53 Idem.

32

Hildegard Taggeseli Giostri traz uma diferenciação básica entre as duas

possibilidades, quando o dano é causado pelo médico com intermédio no aparelho

ou quando este dano vem do próprio aparelho, sendo que o médico não tem

qualquer interferência no ato. Para o autor, no primeiro caso o médico tem a

responsabilidade de fazer o bom uso dos utensílios que lhes são disponibilizados, e

nesse caso o dano estaria ligado à falta de cuidado e habilidade para realização do

ato. Já no segundo caso, a responsabilidade está ligada ao fabricante do aparelho,

ou outra pessoa responsável pela sua colocação em mercado, e assim, o médico

isenta-se de qualquer tipo de dever de indenizar.54

Assim, a excludente por fato das coisas é diretamente relacionada ao modo

como esses aparelhos são utilizados, se sob responsabilidade manuseio e cuidado

do médico, não é aplicada, mas se for de um hospital ou seu funcionamento não

esteja ligado à atividade médica, comprovando a falta de relação do médico com o

fato danoso, este não responde pelos danos gerados.

54 GIOSTRI, Hildegard Taggesell. Responsabilidade médica: as obrigações de meio e de resultado: avaliação, uso e adequação. Op. Cit. Pág. 204

33

4. RESPONSABILIDADE CIVIL EM CIRURGIA PLASTICA ESTÉTICA

4.1 DO DANO ESTÉTICO

A cirurgia plástica trata de um ramo da medicina que realiza cirurgias

reparadoras e estéticas, com o intuito de corrigir defeitos congênitos ou adquiridos

através da reparação ou reposição física corporal do paciente, ou com o intuito de

aperfeiçoar o físico do paciente para melhora da sua auto-estima e qualidade de

vida com o próprio corpo.55

Embora apresente esta distinção, ambas as cirurgias na verdade podem

ser consideradas como reparadoras, pois até mesmo na estética, há uma

característica corporal que incomoda o paciente, levando o mesmo a realizá-la e

assim, existe um viés terapêutico em ambas. Porém na segunda, esta finalidade

está mais ligada a motivos pessoais do paciente, que devem ser analisados de

maneira muito cautelosa pelo médico, conforme destaca Genival Veloso de França:

(...) não se pode esquecer que esta forma de cirurgia deve estar alicerçada na justa necessidade das pessoas atendidas e dentro das normas reguladas pelos ditames éticos e legais. Não esquecer também que ao indicar uma cirurgia plástica ela seja pelo menos indispensável. Não é por outra razão que alguns tribunais neste e noutros climas têm se mostrado mais rigorosos quando esta intervenção tem o caráter apenas estético ou de embelezamento, pois o sentido terapêutico propriamente dito, que comanda todos os atos médicos curativos e recuperadores, nesta situação está diluído num conjunto de motivos de ordem pessoal. Ipso facto, recomenda-se uma decisão que leve em conta as circunstâncias e a necessidade de cada caso.56

Assim, se a cirurgia for realizada sem qualquer cuidado ou análise quanto a

sua aplicabilidade pelo corpo médico, o profissional responsável estará vinculado no

âmbito da responsabilidade civil e poderá até mesmo responder de acordo com o

art. 132 do código penal, que prevê a responsabilização por expor a vida e saúde de

outrem a perigo direto e iminente.

Analisando as situações onde tais padrões profissionais não são seguidos,

grande parte das indenizações recorrentes nesta área da medicina está ligada a

danos estéticos ocorridos nos procedimento cirúrgicos. O dano estético trata-se de

55 GIOSTRI, Hildegard Taggesell. Erro médico: à luz da jurisprudência comentada. Op. Cit. Pág. 111. 56 FRANÇA, Genival Veloso de. Pág. 267

34

uma modificação física no paciente que agride sua auto-estima e prejudica sua

imagem perante as outras pessoas, sem que este dano seja necessariamente

visível, bastando que a vítima dele saiba de sua existência de modo que suas

atitudes comportamentais e psicológicas sejam afetadas.57

Assim, o dano estético não pode ser avaliado e mensurado apenas pelo

tamanho do prejuízo físico gerado, mas sim, levando em consideração todas as

alterações físicas e psicológicas causadas ao paciente, bem como demais prejuízos

que possa causar, interferindo no bom andamento de seu cotidiano.

Em alguns casos há a possibilidade de que seja definido um tratamento

para reparação do dano, a fim de recuperar o status quo do paciente, fazendo com

que, caso este aceite submeter-se a nova cirurgia, seja recuperada a lesão e assim,

dispensada a indenização em razão dela, visto que houve sucesso na correção da

alteração causada.

Nesse sentido, Neri Tadeu Camara Souza:

Para se caracterizar o dano estético a alteração tem que ser definitiva, permanente, pois em não o sendo caracterizar-se-ia o enriquecimento ilícito por parte do beneficiário da indenização, posto que, além do ressarcimento poderia ter, posteriormente, corrigida a deformidade que lhe afligia. Sempre, se tendo em mente que ninguém pode ser obrigado a submeter-se à uma cirurgia, mesmo que seja para corrigir um dano estético.58

O dano estético é uma ofensa ao direito de personalidade, como o dano

moral, e assim devem ser considerados no momento de análise indenizatória todos

os aspectos pessoais da vítima, como extensão do dano, possibilidade de

reparação, características pessoais da vítima, prejuízos decorrentes desse dano,

etc., a fim de restabelecer a situação anterior.59

4.1.1 Da cumulação do dano estético e do dano moral

A doutrina diferencia o dano estético do dano moral considerando o

primeiro como uma lesão à beleza física do paciente, prejudicando suas

características físicas e até mesmo pessoais em razão da modificação de seu

57 SOUZA, Neri Tadeu Camara. Op. Cit. Pág. 55 58 Ibidem pág. 57. 59 KFOURI NETO, Miguel. Op. Cit. Pág. 116.

35

estado físico. Já o segundo representa um dano não patrimonial ligado à moral do

ofendido, de forma que venha a sofrer um prejuízo afetivo e sentimental em relação

ao fato danoso.

Embora o dano estético esteja imbutido no conceito de dano moral, ambos

não são avaliados em conjunto, possuindo indenização autônoma, como ocorre com

o dano moral e o dano material no entendimento firmado pela súmula 37 do Superior

Tribunal de Justiça. Sendo assim, poderia ser cumulada a indenização por dano

estético, em razão de um dano à beleza fisica da pessoa e demais prejuizos

trazidos, e ainda ser estabelecida uma indenização por dano moral em razão do

sofrimento e desgostos causados por tal fato. Neste caso, a indenização pelo dano

moral deve ser strictu sensu, para que caracterize um fato autônomo ao do dano

estético.60

Outra parte da doutrina porém, acredita que a cumulatividade de

indenizações nesse caso caracterizaria bis in idem, já que o dano estético integra o

dano moral, devendo ser apurado o quantum somente em relação segundo,

englobando nele o dano estético.

Para suprir esta lacuna, o Superior Tribunal de Justiça publicou a súmula

387, a qual prevé que “É lícita a cumulação das indenizações de dano estético e

dano moral.”, firmando entendimento neste sentido, conforme o seguinte julgado da

corte:

ADMINISTRATIVO E PROCESSUAL CIVIL. RESPONSABILIDADE CIVIL DO ESTADO. DISPAROS EM VIA PÚBLICA EFETUADOS EM PERSEGUIÇÃO POLICIAL. "BALA PERDIDA" QUE ATINGIU ADOLESCENTE. DANOS ESTÉTICOS. JULGAMENTO EXTRA PETITA . NÃO OCORRÊNCIA. NEXO DE CAUSALIDADE. PROVA TESTEMUNHAL E CIRCUNSTÂNCIAS DO CASO CONCRETO. PERÍCIA TÉCNICA INEXISTENTE. VENIRE CONTRA FACTUM PRÓPRIO. INADMISSÍVEL. ALTERAÇÃO DO ACÓRDÃO. IMPOSSIBILIDADE. REEXAME FÁTICO-PROBATÓRIO. SÚMULA 07/STJ. VALOR DA INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS E ESTÉTICOS. RAZOABILIDADE. 1. Cuida-se, na origem, de ação de indenização proposta pela ora recorrida em face do Estado do Espírito Santo, em decorrência de evento ocorrido em 15 de abril de 1982, que a deixou gravemente ferida após confronto entre policiais civis daquele Estado e um fugitivo. (...) 7. A indenização por danos morais e estéticos deve ser proporcional ao dano causado, fixada com razoabilidade de forma que não se torne fonte indevida de lucro e, por outro lado, não desampare a vítima. 8. In casu, a autora, com apenas 14 anos à época dos fatos, teve interrompido prematuramente o curso natural da vida. Dura realidade, não só para a vítima, mas para toda a família que foi privada da convivência, dos momentos de alegria e realizações da adolescente. 9. Segundo o acórdão recorrido, a recorrida "precisa de

60 SOUZA, Neri Tadeu Camara. Op. Cit. Pág. 57

36

tratamentos permanentes de neurologia, neurocirurgia, psicologia, fonoaudiologia, fisioterapia, oftalmologia, endocrinologia, cirurgias plásticas e cirurgias diversas", e, ainda, que "possui fragmentos metálicos de projétil de arma de fogo no cérebro". 10. Razoável o montante arbitrado pelo Tribunal de Justiça do Estado do Espírito Santo, em 400 (quatrocentos) e 100 (cem) salários mínimos a título de danos morais e de danos estéticos, respectivamente. Precedentes. 11. Recurso especial conhecido em parte e não provido. (Resp. Nº 1.236.412 - ES (2011/0030046-2), Rel. MINISTRO CASTRO MEIRA, Segunda Turma, julgado em 02.02.2012. - DJe: 17.02.2012).

Sendo assim, é possivel a cumulatividade do dano moral e do dano

estético, desde que um não contenha características do outro, indenizando

elementos distintos da responsabilidade.

4.2 DA OBRIGAÇÃO DE RESULTADO NA CIRURGIA PLÁSTICA ESTÉTICA

A responsabilidade do médico em geral é definida como obrigação de

meio, tendo em vista que trata-se de um contrato embasado na assistência que será

prestada ao paciente, sem a garantia de qualquer objetivo definido. Sendo assim,

encaixa-se na espécie de responsabilidade subjetiva, devendo ser comprovada a

culpa do médico para que exista a responsabilização do mesmo. Além disso, caso o

resultado não seja alcançado, não há qualquer tipo de ônus, desde de que tenham

sido cumpridas todas as normas durante a execução da atividade.

Porém, na responsabilidade do médico na cirurgia plástica, em cirurgias

estéticas, o cenário se modifica em razão das finalidades deste procedimento. Aqui,

o dano causado é considerado mais grave em razão da sua natureza, sendo o

resultado previsível pelo médico que o realiza. Nesse caso o paciente possui uma

expectativa em relação ao contrato firmado e não há que se falar em comprovação

da culpa subjetiva, tornando se uma obrigação de resultado. Deste modo, muitos

autores que defendem esta linha acreditam que a responsabilidade é objetiva e

caberia ao médico comprovar que não existe o nexo de causalidade entre sua

conduta e o dano causado.61

Miguel Kfouri Neto argumenta sobre este entendimento em sua obra:

Embora os estudiosos se inclinem a enquadrar cirurgia plástica com finalidade preponderantemente estética no figurino das obrigações de meios, os tribunais ainda se mostram refratários à evolução doutrinária.

61KFOURI NETO, Miguel. Op. Cit. Pág. 191.

37

Afirma-se, por exemplo, que, para outros médicos, o resultado pode ser uma incógnita; para os cirurgiões plásticos, nas intervenções embelezadoras, deverá ser uma certeza. Chega-se mesmo a reconhecer a existência da responsabilidade sem culpa – ou objetiva – do cirurgião plástico, o que é evidente equívico. A caracterização da responsabilidade, em cirurgias estéticas, também exige a análise do fator subjetivo de atribuição – a culpa. Ocorre, entretanto – como afirmamos linhas atrás - , que o ônus da prova se inverte: incumbirá ao médico, para se eximir da responsabilidade, demonstrar claramente culpa exclusiva da vítima (se concorrente, proporcionalizar-se-à a indenização), caso fortuito ou qualquer outra causa que aniquile o nexo causal.62

Analisando tal posicionamento, percebe-se que esta forma de

responsabilidade distingue-se completamente da aplicada aos demais ramos da

medicina, por trazer o entendimento de que aquele que firma contrato para cirurgia

plástica visando procedimentos estéticos tem em mente um resultado a ser atingido

pelo cirurgião, e assim, modifica-se completamente a forma de aplicabilidade do

instituto de responsabilidade civil.

O Superior Tribunal de Justiça possui entendimento consolidado sobre o

assunto nas suas turmas, defendendo tal teoria, conforme demonstram os seguintes

acórdãos:

CIVIL. RESPONSABILIDADE CIVIL. ERRO MÉDICO. CIRURGIA PLÁSTICA ESTÉTICA E REPARADORA. NATUREZA OBRIGACIONAL MISTA. RESPONSABILIDADE SUBJETIVA DOS PROFISSIONAIS LIBERAIS (CDC, ART. 14, § 4º). IMPROCEDÊNCIA DO PEDIDO REPARATÓRIO. RECURSO ESPECIAL PROVIDO. 1. Pela valoração do contexto fático extraído do v. aresto recorrido, constata-se que na cirurgia plástica a que se submeteu a autora havia finalidade não apenas estética, mas também reparadora, de natureza terapêutica, sobressaindo, assim, a natureza mista da intervenção. 2. A relação entre médico e paciente é contratual e encerra, de modo geral, obrigação de meio, salvo em casos de cirurgias plásticas de natureza exclusivamente estética. 3. "Nas cirurgias de natureza mista - estética e reparadora -, a responsabilidade do médico não pode ser generalizada, devendo ser analisada de forma fracionada, sendo de resultado em relação à sua parcela estética e de meio em relação à sua parcela reparadora"(grifo nosso) (REsp 1.097.955/MG, Rel. Ministra NANCY ANDRIGHI, TERCEIRA TURMA, julgado em 27/9/2011, DJe de 3/10/2011). 4. Recurso especial provido. (REsp 819008 / PR, Rel. Ministro Raul Araújo, QUARTA TURMA, julgado em 04.10.2012, DJe de 29.10.2012) PROCESSO CIVIL E CIVIL. RESPONSABILIDADE CIVIL. MÉDICO. CIRURGIA DE NATUREZA MISTA - ESTÉTICA E REPARADORA. LIMITES. PETIÇÃO INICIAL. PEDIDO. INTERPRETAÇÃO. LIMITES. 1. A relação médico-paciente encerra obrigação de meio, e não de resultado, salvo na hipótese de cirurgias estéticas. Precedentes. 2. Nas cirurgias de natureza mista - estética e reparadora -, a responsabilidade do médico

62 Ibidem. Pág. 197.

38

não pode ser generalizada, devendo ser analisada de forma fracionada, sendo de resultado em relação à sua parcela estética e de meio em relação à sua parcela reparadora. 3. O pedido deve ser extraído da interpretação lógico-sistemática da petição inicial, a partir da análise de todo o seu conteúdo. Precedentes. 4. A decisão que interpreta de forma ampla o pedido formulado pelas partes não viola os arts. 128 e 460 do CPC, pois o pedido é o que se pretende com a instauração da ação. Precedentes. 5. O valor fixado a título de danos morais somente comporta revisão nesta sede nas hipóteses em que se mostrar ínfimo ou exagerado. Precedentes. 6. Recurso especial não provido. (REsp 1.097.955/MG, Rel. Ministra NANCY ANDRIGHI, TERCEIRA TURMA, julgado em 27/9/2011, DJe de 3/10/2011) CIVIL. PROCESSUAL CIVIL. RECURSO ESPECIAL.RESPONSABILIDADE CIVIL. NULIDADE DOS ACÓRDÃOS PROFERIDOS EM SEDE DE EMBARGOS DE DECLARAÇÃO NÃO CONFIGURADA. CIRURGIA PLÁSTICA ESTÉTICA. OBRIGAÇÃO DE RESULTADO. DANO COMPROVADO. PRESUNÇÃO DE CULPA DO MÉDICO NÃO AFASTADA. PRECEDENTES. 1. Não há falar em nulidade de acórdão exarado em sede de embargos de declaração que, nos estreitos limites em que proposta a controvérsia, assevera inexistente omissão do aresto embargado, acerca da especificação da modalidade culposa imputada ao demandado, porquanto assentado na tese de que presumida a culpa do cirurgião plástico em decorrência do insucesso de cirurgia plástica meramente estética. 2. A obrigação assumida pelo médico, normalmente, é obrigação de meios, posto que objeto do contrato estabelecido com o paciente não é a cura assegurada, mas sim o compromisso do profissional no sentido de um prestação de cuidados precisos e em consonância com a ciência médica na busca pela cura. 3. Apesar de abalizada doutrina em sentido contrário, este Superior Tribunal de Justiça tem entendido que a situação é distinta, todavia, quando o médico se compromete com o paciente a alcançar um determinado resultado, o que ocorre no caso da cirurgia plástica meramente estética. Nesta hipótese, segundo o entendimento nesta Corte Superior, o que se tem é uma obrigação de resultados e não de meios. 4. No caso das obrigações de meio, à vítima incumbe, mais do que demonstrar o dano, provar que este decorreu de culpa por parte do médico. Já nas obrigações de resultado, como a que serviu de origem à controvérsia, basta que a vítima demonstre, como fez, o dano (que o médico não alcançou o resultado prometido e contratado) para que a culpa se presuma, havendo, destarte, a inversão do ônus da prova. 5. Não se priva, assim, o médico da possibilidade de demonstrar, pelos meios de prova admissíveis, que o evento danoso tenha decorrido, por exemplo, de motivo de força maior, caso fortuito ou mesmo de culpa exclusiva da "vítima" (paciente).6. Recurso especial a que se nega provimento. (REsp 236708 / MG, Rel. Ministro CARLOS FERNANDO MATHIAS (JUIZ FEDERAL CONVOCADO DO TRF 1ª REGIÃO), QUARTA TURMA, julgado em 10.02.2009, DJe de 18.05.2009)

Em contrapartida a este entendimento, uma grande parte da doutrina critica

essa forma de classificação obrigacional da cirurgia plástica estética, argumentando

que, apesar de todas as suas características específicas, é mais um ramo da

medicina e assim, não deve ser tratada de forma diversa, tendo em vista que o

médico de cirurgia plástica não tem obrigação diferente de outros cirurgiões pois o

ato cirúrgico sempre traz incertezas que não podem ser previamente delimitadas,

39

que irão depender de condições naturais do próprio paciente, trazendo da mesma

forma riscos na obtenção do resultado.63

Conforme Cleonice Rodrigues Casarin da Rocha, o correto seria classificar tal

obrigação como de meios, devendo ter um dever de obrigação por parte do médico,

informando sobre todos os possíveis riscos que podem decorrer da cirurgia, sem

criar assim expectativas em relação ao resultado, já que o seu objeto é o mesmo de

outros atos cirúrgicos, o corpo humano, e assim, devem ser observados todos os

cuidados de qualquer outra cirurgia, sem focar exclusivamente no resultado a ser

alcançado.64

Outro ponto a ser destacado neste entendimento é que, o resultado

considerado satisfatório para o cirurgião, que conhece todos os métodos e

características pessoais do paciente, pode não ser entendido da mesma forma pelo

último, deixando o médico em uma situação de vulnerabilidade e dependente da

satisfação do contratante. Assim é o fundamento trazido por Hildegard Taggeseli

Giostri:

Quando se lê com atenção a definição do que seja uma obrigação de resultado, é que se percebe a total inadequação entre esta e o campo de atividade daqueles profissionais, já que pleno do elemento álea. Bem assim, o que se pode ser considerado bom resultado pelo médico – conhecedor das restrições e limitações impostas pela fisiologia diversa de cada organismo – pode ser tido como aquém do esperado pelo paciente, que antevia uma resultante outra e, essa, algumas vezes, é construída sobre arroubos quiméricos e sonhos fantasiosos impossíveis ou, pelo menos, impossíveis para o estágio atual da medicina e ou para as condições físicas daquele corpo.65

A doutrina que defende este posicionamento concorda que a atividade do

cirurgião plástico é de natureza mais ampla que a de outros cirurgiões, de modo que

não deve ficar adstrita apenas à idéia de obrigações de meio, tento em vista que o

paciente que o procura está, a princípio, em plenas condições físicas, e visa

alcançar um objetivo previamente traçado em seu íntimo. Porém, resumir tal

atividade a uma obrigação de resultado torna sua configuração muito frágil, abrindo

brechas para fraudes e responsabilizações duvidosas, já que neste caso o médico é

63 ROCHA, Cleonice Rodrigues Casarin da. Op. Cit. Pág. 247 64 Ibidem Pág. 254 65 GIOSTRI, Hildegard Taggesell. Erro médico: à luz da jurisprudência comentada. Op. Cit. Pág. 116

40

quem deve provar algumas das excludentes de nexo causal para que não seja

responsabilizado.66

66 GIOSTRI, Hildegard Taggesell. Erro médico: à luz da jurisprudência comentada. Op. Cit. Pág. 119

41

CONCLUSÃO

Os diversos modos de identificação da responsabilidade civil nos permitem

delimitar as formas de aplicação desta, além de definir em qual espécie irá se

encaixar facilitando assim a análise pelo judiciário.

A responsabilidade médica pode ser encarada igualmente, tendo em vista

que, através das várias formas de classificação há uma delimitação de até onde vai

o agir do médico e a partir de qual momento sua conduta passa a prejudicar o

paciente, recebendo a tutela da responsabilidade civil.

Via de regra, por se tratar de uma obrigação de meio, a responsabilidade civil

médica é verificada de maneira minuciosa, já que para configurar a

responsabilização do médico, deverá ser provado o nexo causal entre a sua conduta

e o dano causado, levando a uma verificação precisa e detalhada do fato. Isto traz

uma segurança na aplicabilidade da norma legal para gerar a indenização nos casos

onde fica comprovada.

Observa-se que na responsabilidade civil por cirurgia plástica estética nota-se

que esta segurança fica de certa forma fragilizada em razão da forma como vem

sendo aplicada. Quando se trata de cirurgia plástica estética, não é aplicável o

conceito de obrigação de meios como nos demais ramos da responsabilidade civil

médica. Com a obrigação de meios, a comprovação de culpa é subjetiva, de modo

que o médico só responderá aos casos onde ficar comprovada a culpa de sua

conduta com o dano causado.

Porém, na cirurgia plástica estética, é aplicável o conceito de obrigação de

resultado, através do qual, é o médico que deve provar alguma das excludentes de

responsabilidade, para que veja-se isento de indenizar o paciente. Isso se dá pois a

doutrina acredita que no caso puramente estético, deve ser previsto o resultado

como certo, tendo em vista que o paciente possuía integridade física antes de

submeter-se ao procedimento.

Trata-se de uma forma rigorosa de aplicar a norma, até mesmo em razão da

necessidade de tutelar com mais cuidado este tipo de cirurgia cada vez mais comum

e solicitado em clínicas e hospitais.

Apesar disso, outra parte da doutrina critica esta diferença de tratamento em

relação aos demais tipos cirúrgicos, vez que possuem a mesma natureza. Para eles,

42

esta classificação diferenciada neste tipo de cirurgia afronta as normas jurídicas,

prejudicando a atividade médica, pois, mesmo na cirurgia estética, não há a

possibilidade de se garantir um resultado efetivo, pois cada pessoa possui um

organismo diferente e passível de mudanças não previsíveis durante o ato cirúrgico.

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REFERÊNCIAS

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