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Responsabilidade do Produtor
Progressiva Responsabilização ou Redução de Responsabilidade?
Direito do Consumo, 2009/2010, Jorge Botelho Moniz, n.º 2022
Índice
I. Introdução à problemática;
II. Decreto-lei n.º 383/89, de 6 de Novembro;
III. Decreto-lei n.º 67/2003, de 8 de Abril;
IV. Anteprojecto de Código do Consumidor, de Março de 2006;
V. Considerações finais.
I. Introdução à problemática
Evolução histórico-legislativa
Introdução à problemática
Meio século, despertar do movimento consumerista;
O direito vigente colocava os lesados entre dois muros de irresponsabilidade: do distribuidor [ignorava o vício causador do dano]; do fabricante [protegido pela privity of contract];
EUA, em 1963, onde pela primeira vez se baseou a responsabilidade (directa) do produtor na stric liability in tort;
Na Europa, Directiva 85/374/CEE, sobre responsabilidade decorrente de produtos defeituosos.
Introdução à problemática
Uniformização do direito material: de modo a prevenir os acidentes e
a ressarcir os prejuízos não evitados.
Neste contexto: I. Responsabilidade por produtos
defeituosos; II. Transposição para o
ordenamento jurídico português; III. Inclusão dos produtos agrícolas
primários, não transformados; IV. Transposição para o
ordenamento jurídico português; V. Responsabilidade directa do
produtor; VI. Relativo às garantias exercidas
sobre os bens de consumo.
I. Directiva 85/374/CEE
V. Decreto-lei n.º 67/2003
VI. Decreto-lei n.º 84/2008
II. Decreto-lei n.º 383/89
III. Directiva 1999/34/CE
IV. Decreto-leinº 131/2001
II. Decreto-lei n.º 383/89, de 6 de Novembro
A. O ProdutorB. O princípio geral da responsabilidade objectivaC. Noção de defeitoD. Responsabilidade solidária E. Limite máximo da responsabilidadeF. Causas de exclusão ou redução da responsabilidade
A. O Produtor
Produtor real: “fabricante do produto acabado, de uma parte componente ou de
matéria-prima”
Produtor aparente: “quem se apresente como tal pela aposição no produto do seu nome,
marca ou outro sinal distintivo”.
Produtor presumido: importador na União Europeia
“aquele que, na Comunidade Económica Europeia e no exercício da sua actividade comercial, importe do exterior da mesma produtos para venda.”
fornecedor de produto anónimo “qualquer fornecedor de produto cujo produtor comunitário ou importador não
esteja identificado”.
B. O princípio geral da responsabilidade objectiva
O artigo 1º. do Decreto-Lei n.º 383/89 prevê: «O produtor é responsável,
independentemente de culpa, pelos danos causados por defeitos dos produtos que põe em circulação.»
Produtor é directamente responsável perante o lesado: quer este tenha adquirido o
produto no âmbito de um contrato; quer seja um simples utilizador.
“Tendo o automóvel, estacionado numa garagem, ardido sem se fazer, a prova da causa do incêndio, improcede a acção de indemnização pelos danos sofridos” (Acórdão da Relação de Coimbra, de 8 de Abril de 1997).
A culpa não constitui um pressuposto responsabilidade: «cabe ao lesado a prova do dano,
do defeito e do nexo causal entre o defeito e o dano» (artigo 4º).
C. Noção de defeito
A responsabilidade objectiva do produtor não é a sua conduta deficiente, mas o defeito do produto que pôs em circulação.
Nos termos do artigo 4.º: «1. Um produto é defeituoso quando não oferece a segurança que legitimamente
se pode contar (…).»
A coisa é defeituosa se tiver um vício ou se for desconforme atendendo ao que foi acordado.
Vícios e desconformidades constituem defeito da coisa.
D. Responsabilidade solidária
De acordo com o artigo 6º, n.º 1: «Se várias pessoas forem
responsáveis pelos danos, é solidária a sua responsabilidade.»
O lesado pode intentar uma acção de indemnização contra qualquer um dos responsáveis… demandando, por exemplo, o que
estiver em melhores condições económicas.
Acórdão da Relação de Évora, de 7 de Março de 2008: “A denunciante veio a chamar uma
segunda arguida não fosse a segunda ré considerada produtora e/ou não se encontrassem salvaguardadas as situações de defeito de fabrico no contrato celebrado entre as rés.”
Nem a Directiva nem o diploma nacional lhe atribuem qualquer garantia de solvência dos produtores.
E. Limite máximo da responsabilidade Dispõe o artigo 9.º do decreto-lei n.º 383/89:
“1. No caso de morte ou lesão de várias pessoas causada por produtos idênticos que apresentem o mesmo defeito, o ressarcimento total não pode ultrapassar o montante de 10 milhões de escudos (…)”
Danos pessoais em série resultantes de produtos do mesmo tipo, conformes ao mesmo design: Ex: medicamentos ou automóveis.
Fabricados em séries mal concebidas, correspondem à definição de produtos idênticos, que apresentam o mesmo defeito.
F. Causas de exclusão ou redução da responsabilidade
1. A não colocação em circulação do produto (art. 5.º, al. a)).
2. Inexistência do defeito no momento da colocação em circulação (art. 5.º, al. b)).
3. Produção fora do âmbito da actividade profissional e sem objectivo económico (art. 5.º, al. c)).
4. Defeito devido à conformidade do produto com normas imperativas (art. 5.º, al. d)).
5. Defeito não cognoscível em face do estado da ciência e da técnica (art. 5.º, al. e)).
6. Ausência de defeito da parte componente (art. 5.º, al. f)).
7. Concurso de facto culposo do lesado (art. 7.º, n.º1).
8. Concurso de facto de terceiro (art. 7.º, n.º2).
9. O caso de força maior (CALVÃO DA SILVA, Responsabilidade Civil do Produtor)
10. Inderrogabilidade (art. 10.º).
11. Prescrição (art. 11.º). 12. Caducidade (art. 12.º).
III. Decreto-lei n.º 67/2003, de 8 de Abril (art. 6.º)
A. Noção de produtorB. Noção de representante do produtorC. Acção directa do consumidor contra o produtor ou
seu representante D. Presunção de imputabilidade da coisa ao produtor
Decreto-lei n.º 67/2003…
Directiva n.º 1999/44/CE Decreto-lei n.º 67/2003.
Principais inovações: a adopção expressa da noção de conformidade com o contrato; responsabilização directa do produtor perante o consumidor – pela
reparação ou substituição de coisa defeituosa.
«(…) estender ao domínio da qualidade a responsabilidade do produtor por defeitos de segurança.» *
* CALVÃO DA SILVA, João, Venda de Bens de Consumo: Decreto-lei n.º 67/2003: Directiva 1999/44/CEE: comentário, 2ª edição, Coimbra: Almedina 2004, pág. 9.
A. Noção de Produtor (n.º4)
A. Produtor real;
B. Produtor presumido;
C. Produtor aparente.
Noção de produtor
O produtor real: «fabricante de um bem de consumo».
Considera-se ainda produtor (aparente): “qualquer outra pessoa que se apresente como produtor; através da indicação do
seu nome, marca ou outro sinal identificador do produto”.
Considera-se também produtor (presumido): “o importador do bem de consumo no território da Comunidade”.
Semelhante ao previsto no decreto n.º 383/89
Este n.º 4.º, seria revogado pelo decreto-lei n.º 84/2008.
B. Noção de representante do produtor (n.º5)
Revogado pelo decreto-lei n.º 84/2008
Noção de representante do produtor «(…) qualquer pessoa singular
ou colectiva que actue na qualidade de distribuidor comercial do produtor e/ou centro autorizado de serviço pós-venda (…)»
Racionalização e fraccionamento de riscos.
Onde exista contrato de distribuição celebrado entre o produtor e o distribuidor-intermediáro, este é considerado representante do produtor para efeitos da responsabilidade solidária perante o consumidor.
De fora ficam: “vendedores independentes que
actuem apenas na qualidade de retalhistas”.
C. Acção directa do consumidor contra o produtor ou seu representante (nºs 1 e 3)
A. Âmbito subjectivo da acção directa;
B. Âmbito objectivo da acção directa.
Acção directa do consumidor contra o produtor ou seu representante
«O consumidor pode intentar a acção directa só contra o produtor, só contra o seu representante ou contra
ambos.» *
* CALVÃO DA SILVA, João, Venda de Bens de Consumo: Decreto-lei n.º 67/2003: Directiva 1999/44/CEE: comentário, 2ª edição, Coimbra: Almedina 2004, pág. 98.
Âmbito subjectivo da acção directa A acção directa é tão-somente facultada ao consumidor-adquirente
final contra o produtor (n.º1) ou seu representante (n.º3).
O consumidor/comprador final pode propor a acção contra o produtor/vendedor inicial… caso prefira não actuar contra o seu vendedor imediato.
Se a falta de conformidade da coisa tem origem num anel da cadeia distributiva o consumidor final já não pode intentar a acção directa contra o produtor.
Âmbito objectivo da acção directa «A acção directa confina-se à reparação ou substituição da coisa
defeituosa.» *
O consumidor só pode propor acção de reparação ou substituição contra o produtor ou seu representante, sendo da livre escolha do demandado reparar ou substituir a coisa defeituosa (n.º1).
DL n.º 84/2008: prazo limite de 30 dias para a realização das operações de reparação ou de
substituição de um bem móvel; um prazo de dois ou de cinco anos de garantia para o bem, substituto, de um
bem desconforme.
* CALVÃO DA SILVA, João, Venda de Bens de Consumo: Decreto-lei n.º 67/2003: Directiva 1999/44/CEE: comentário, 2ª edição, Coimbra: Almedina 2004, pág. 101.
D. Presunção de imputabilidade da coisa ao produtor
(n.º2) A não colocação em circulação da coisa; A produção fora do âmbito da actividade
profissional, sem fim lucrativo; Caducidade.
Presunção de imputabilidade da coisa ao produtor – alíneas a) e c) O produtor poder alegar e provar não se tratar de defeito de origem:
Inexistência da falta de conformidade no momento em que pôs a coisa em circulação;
Falta de conformidade devida, por exemplo, às declarações do (re) vendedor sobre a coisa e (modo de) sua utilização, ou à má utilização da coisa.
O «defeito é só do produto final.» *
* CALVÃO DA SILVA, João, Venda de Bens de Consumo: Decreto-lei n.º 67/2003: Directiva 1999/44/CEE: comentário, 2ª edição, Coimbra: Almedina 2004, pág. 110.
Caducidade – alínea e)
N.º 2, al. e): «terem decorrido mais de dez anos sobre a colocação da coisa em circulação.»
Artigo 12.º do Decreto-lei n.º 383/89: «decorridos dez anos sobre a data em que o produtor pôs o produto causador do
dano, caduca o direito ao ressarcimento, salvo se estiver pendente acção intentada pelo lesado.»
A parte final, não constante na alínea e) aplica-se igualmente: «se, a acção for tempestiva, o direito à reposição da conformidade pela
substituição ou reparação da coisa não caduca.» *
DL n.º 84/2008: prazo de dois e de três anos a contar da data da denúncia, para a caducidade
dos direitos dos consumidores.
* CALVÃO DA SILVA, João, Responsabilidade Civil do Produtor, 2001, cit., n.º142.
IV. Anteprojecto de Código do Consumidor, de Março de 2006
Duplicata do DL n.º 383/89
Anteprojecto de Código do Consumidor Diplomas integralmente
revogados com o Anteprojecto: DL n.º 383/89 e DL n.º 67/2003.
Divergências com o DL 67/2003: Exclusão de responsabilidades do
produtor mais abrangente; Não referência à possibilidade de
reparação ou substituição da coisa defeituosa.
Consumidores fragilizados, tendo em conta as vicissitudes da responsabilização do produtor… «O ACC constitui um retrocesso na
tutela dos direitos e interesses dos consumidores.» *
prescrição
produtor
produto
defeito
exclusão de
responsa-bilidade
Responsa-bilidade solidária
caducidade
Responsa-bilidade
objectiva do produtor
ACC =
DL n.º 383/89
* In Anteprojecto do Código do Consumidor: a posição da DECO, 07.11.2006.
V. Considerações Finais
Solução de compromisso
Padrão de convergência
Responsabilização do produtor
1. Independentemente de culpa, pelos danos causados por defeitos
dos produtos que põe em circulação
2. Não oferece a segurança com
que legitimamente se pode contar
3. Responsabilidade directa por
falta de qualidade e segurança do produto
Produtor Vs. Consumidor
Defesa ao Produtor a) Protecção demasiada à hipotética vítima
b) Elevada dificuldade na prova das causas de exclusão de responsabilidade
Defesa ao Consumidor a) Elevado peso dos encargos da prova pelo lesado
b) Excessiva amplitude dos fenómenos de exoneração de responsabilidade e das restrições dos danos ressarcíveis
O balanço acerca das virtualidades das Directivas e dos consequentes Decretos é muito desequilibrado.
As soluções encontradas pelos cultores de direito em torno desta «confusa área do direito, de não fácil matéria, difícil e complexa, uma autêntica torre de babel»* não estão isentas de críticas ou de conclusões firmes.
* CALVÃO DA SILVA, João, Responsabilidade Civil do Produtor, 2001, pág. 161.
Solução de Compromisso
Interesses divergentes de consumidores, distribuidores (grossistas e retalhistas), produtores e seguradoras…
Se tal fosse ultrapassado, o resultado seria: «o princípio da responsabilidade de cada uma das entidades componentes da
cadeia de distribuição, pela desconformidade dos bens de consumo, aferida cumulativamente por padrões de segurança e por padrões de qualidade.» *
Aquilo que a lei tem procurado promover através de soluções de compromisso
Fomentando uma maior responsabilidade civil de quem consome, mas também de quem para estes produz.
* FERREIRA DE ALMEIDA, Carlos, Direito do Consumo; Coimbra: Almedina, 2005, págs. 186 e seguintes.
Fim
Jorge Botelho Moniz, n.º 2022