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RDA | Ano VI | Nº 12 | 294p | Mai 11 Revista de Direito da ADVOCEF Associação Nacional dos Advogados da Caixa Econômica Federal

Revista de Direito da ADVOCEF · Paranaense - UNIPAR. Especialista em Direito Tributário pela Universidade da Amazonia. Pós-graduanda em Gestão Pública pela ... na defesa do Sistema

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RDA | Ano VI | Nº 12 | 294p | Mai 11

Revista de Direitoda ADVOCEFAssociação Nacional dos Advogados

da Caixa Econômica Federal

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Capa: Marcelo TorrecillasEditoração Eletrônica: José Roberto Vazquez ElmoRevisão: Simone Diefenbach BorgesTiragem: 2.200 exemplaresPeriodicidade: semestralImpressão: Gráfica Editora PallottiSolicita-se Permuta

Revista de Direito da ADVOCEF. Porto Alegre, ADVOCEF, v.1, n.12, 2011

SemestralISSN: 1808-5822

1. Advogado. 2. Direito. 3. Legislação. 4. Banco. I. Associação Nacional dosAdvogados da Caixa Econômica Federal. II. Título.

343.03343.8103

ADVOCEFAssociação Nacional dos Advogados da Caixa Econômica Federal

SBS, Quadra 2, Bloco Q, Lote 3, Sala 1410, Edifício João CarlosSaad, CEP 70070-120, Fones (61) 3224-3020 e [email protected]

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DIRETORIA EXECUTIVA DA ADVOCEF

PresidenteCarlos Alberto Regueira de Castro e Silva (Recife)

Vice-PresidenteAnna Claudia de Vasconcellos (Florianópolis)

1º TesoureiroIsabella Gomes Machado(Brasília)

2º TesoureiroEstanislau Luciano de Oliveira (Brasília)

1º SecretárioLuciano Caixeta Amâncio (Brasília)

2º SecretárioJair Oliveira Figueiredo Mendes (Salvador)

Diretor de Articulação e Relacionamento InstitucionalJúlio Vitor Greve (Brasília)

Diretor de Comunicação, Relacionamento Interno e EventosRoberto Maia (Porto Alegre)

Diretor de Honorários AdvocatíciosÁlvaro Sérgio Weiler Junior (Porto Alegre)

Diretor de Negociação ColetivaMarcelo Dutra Victor (Belo Horizonte)

Diretor de PrerrogativasPedro Jorge Santana Pereira (Recife)

Diretor JurídicoFernando da Silva Abs da Cruz (Porto Alegre)

Diretora SocialElenise Peruzzo dos Santos (Porto Alegre)

CONSELHO EXECUTIVO DA REVISTA

Altair Rodrigues de PaulaPatrícia Raquel Caires Jost GuadanhimRoberto Maia

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Membros EfetivosAlfredo Ambrósio Neto (Goiânia)Davi Duarte (Porto Alegre)Elton Nobre de Oliveira (Rio de Janeiro)Juliana Varella Barca de Miranda Porto (Brasília)Renato Luiz Harmi Hino (Curitiba)Membros SuplentesAntônio Xavier de Moraes Primo (Recife)Fábio Romero de Souza Rangel (João Pessoa)Jayme de Azevedo Lima (Curitiba)

CONSELHO DELIBERATIVO

Membros EfetivosAdonias Melo de Cordeiro (Fortaleza)Daniele Cristina Alaniz Macedo (São Paulo)Rogério Rubim de Miranda Magalhães (Belo Horizonte)Membro SuplenteMelissa Santos Pinheiro Vassoler Silva (Porto Velho)

CONSELHO FISCAL

CONSELHO EDITORIAL DA REVISTA

Alaim Giovani Fortes StefanelloDoutorando em Direito Socioambiental pela PUC/PR. Mestre emDireito Ambiental pela UEA/AM. Especialista em Direito Civil eProcesso Civil pela FADIVALE/MG.

Davi DuarteEspecialista em Direito Público pelo Centro de Estudos Fortium/Faculdade Projeção/DF

Iliane Rosa PagliariniMestre em Direito Processual e Cidadania pela UniversidadeParanaense - UNIPAR. Especialista em Direito Tributário pelaUniversidade da Amazonia. Pós-graduanda em Gestão Pública pelaUniversidade Estadual de Maringá.

Bruno Queiroz OliveiraMestre em Direito Público pela Universidade Federal do Ceará.Especialista em Direito Penal e Processo Penal pela UniversidadeEstácio de Sá/RJ. Professor do Curso de Direito da FaculdadeChristus e da Escola Superior do Ministério Público no Ceará.

João Pedro SilvestrinPós-graduado em Direito e Economia e da Empresa pela FundaçãoGetúlio Vargas e Especialista em Direito do Trabalho, DireitoProcessual do Trabalho e Direito Previdenciário - UNISC

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SUMÁRIO

APRESENTAÇÃO ....................................................................................... 7

MENSAGEM ............................................................................................ 9

PARTE 1 – ARTIGOS

Os limites da negociação coletiva no Direito do TrabalhoRayner d’Almeida Rodrigues ................................................ 13

A (im)penhorabilidade do salárioGryecos Attom Valente Loureiro ........................................... 23

Fundamentos da imunidade tributária recíproca e suaaplicação às empresas públicas federais –posicionamento do Supremo Tribunal Federal

Lenymara Carvalho ................................................................. 57

Os Termos de Ajustamento de Conduta firmados peloMinistério Público como um instrumento eficaz na tutelado meio ambiente

Aldo Lins e Silva Pires ............................................................. 75

Ativismo judicial: efetivação de normas constitucionaisou ameaça ao princípio da separação dos Poderes?

Lucas Ventura Carvalho Dias................................................ 109

O controle judicial do princípio da eficiênciaadministrativa

Rogério Spanhe da Silva ...................................................... 149

A dimensão da verdade na ciência do direito: umdiálogo pós-moderno entre a metodologia da pesquisajurídica e a hermenêutica filosófica

Ciro de Lopes e Barbuda ..................................................... 183

A influência dos preconceitos no processo deinterpretação e aplicação da norma jurídica

Vinicius Cardona Franca eNadialice Francischini de Souza .......................................... 219

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SUMÁRIO

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PARTE 2 – JURISPRUDÊNCIA

Tribunal Superior do TrabalhoRecurso ordinário em ação rescisória. Irregularidadena citação. Cerceamento de defesa. Princípiosconstitucionais ....................................................................... 237

Superior Tribunal de JustiçaInformações processuais via internet. Caráter oficial.Lei n. 11.419/2006. Prestígio à eficácia e confiabilidadedas informações prestadas pela internet. Erro ou falha dosistema. Justa causa identificável. Conjuntura legislativae jurisprudencial. Melhoria da prestação jurisdicional.Art. 5º, Inciso LVXXII, da Constituição ................................ 243

Superior Tribunal de JustiçaPenal. Advogado. Exercício profissional. Defesa da classe.Trancamendo da ação penal ............................................... 251

Superior Tribunal de JustiçaSFH. Recurso Repetitivo. Prévio reajuste e posterior amorti-zação. Legalidade ................................................................. 259

Superior Tribunal de JustiçaDeterminação judicial de bloqueio de saldo bancário.Cumprimento parcial. Penhora. Ilegalidade. Banco comoterceiro estranho à lide ........................................................ 269

Superior Tribunal de JustiçaBem de família. Oferecimento em garantia hipotecária.Benefício da entidade familiar. Renúncia àimpenhorabilidade............................................................... 275

Superior Tribunal de JustiçaAção de conhecimento. Fase instrutória. Caderneta depoupança. Exibição incidental de extratos. Multa.Descabimento ........................................................................ 281

PARTE 3 – NORMAS EDITORIAIS DE PUBLICAÇÃO .......................... 289

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APRESENTAÇÃO

A primeira edição da Revista de Direito da ADVOCEF, lançadaem agosto de 2005, foi a concretização de um sonho dos advoga-dos da Caixa e de sua entidade associativa.

O projeto está sendo fortalecido a cada periódico lançado,permitindo, dessa forma, que o diálogo jurídico seja realizado deforma consciente e amplificada.

Nesse espírito democrático, e passados seis anos do primeironúmero, registramos com orgulho o lançamento desta 12ª Revistade Direito.

A edição que ora entregamos à análise de um largo e selecio-nado público leitor reflete o amadurecimento de sua linha editori-al, que prestigia a diversidade temática, trazendo artigos científi-cos escritos por profissionais da área jurídica das mais variadas for-mações e exercentes da advocacia pública em todas as regiões denosso país.

Este volume traz assuntos que irão despertar o interesse dosleitores, abordando desde temas de fundo doutrinário puro atéuma extensa e diversificada coletânea de trabalhos de cunho prá-tico e de aplicação atual a muitos Operadores do Direito.

Registramos nossos agradecimentos a todos os colaboradoresda publicação, desejando que esta edição contribua para o conhe-cimento, a reflexão e a dialética jurídica de todos os leitores.

Conselho editorial da Revista de Direito da ADVOCEF

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MENSAGEM

O momento vivenciado pela ADVOCEF é festivo e merece o nos-so olhar mais reflexivo.

A Revista de Direito da ADVOCEF apresenta aos leitores o seu12º volume, com a qualidade que lhe é peculiar e o reconhecimen-to de significativa parcela da comunidade jurídica. A distribuiçãogratuita para muitas Universidades, bem como aos integrantes doPoder Judiciário, Tribunais Superiores e muitas instituições de ensi-no, garante a repercussão positiva e institucional para toda a cate-goria.

A Caixa Econômica Federal comemora em 2011 seus 150 anosde conquistas detendo, atualmente, a qualidade de principal agen-te das políticas públicas do Brasil, acumulando um número cadavez maior de desafios e consolidando-se como patrimônio indispo-nível do povo brasileiro.

Os advogados da Caixa, nessa mesma senda, atuam em ques-tões cruciais para as políticas estatais, a exemplo do Programa Mi-nha Casa Minha Vida, na análise dos contratos relativos ao PAC,na defesa do Sistema Financeiro da Habitação e do FGTS, dentreoutros assuntos e matérias que transformam significativamente avida dos brasileiros.

O reconhecimento do trabalho desempenhado por todos osadvogados e advogadas da Caixa Econômica Federal ganhou cor-po, recentemente, com a nomeação do associado Antonio CarlosFerreira como Ministro do Superior Tribunal de Justiça, ocupandouma das vagas destinadas à Advocacia no Quinto Constitucional, oque constitui motivo de orgulho para toda a categoria.

Eis o bom exemplo do quanto, juntos, somos capazes de realizar.

Diretoria Executiva da ADVOCEF

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PARTE 1

ARTIGOS

PARTE 1

ARTIGOS

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OS LIMITES DA NEGOCIAÇÃO COLETIVA NO DIREITO DO TRABALHO

Os limites da negociação coletivano Direito do Trabalho

Rayner d’Almeida RodriguesAdvogado da CAIXA em Minas Gerais

Pós-graduando em Direito do Trabalho e DireitoProcessual do Trabalho pela Universidade

de Santa Cruz do Sul

RESUMO

O presente trabalho, na forma de revisão bibliográfica, temcomo objetivo apresentar critérios para os limites de negociaçãocoletiva, de forma a se tornar um instrumento útil para asempresas que pretendem evitar a formação de passivos ocultostrabalhistas. Traz um escorço histórico sobre a origem danegociação coletiva, as formas de negociação nos diversos países,sua classificação quanto à liberdade das partes negociantes, umaapresentação de Direito Comparado com as formas de negociaçãonos Estados Unidos da América e as diversas correntes queregulam a possibilidade de redução de direitos trabalhistas pelavia negocial, bem como suas restrições.

Palavras-chave: Direito do Trabalho. Negociação coletiva.Limites.

ABSTRACT

This work, in the form of literature review, aims to present criteriafor the limits of collective bargaining in order to become a useful toolfor companies seeking to avoid the formation of hidden liabilities labor.It brings a historical sketch of the origin of collective bargaining, theforms of negotiation in different countries, their order on the freedomof negotiating parties, a presentation of law compared with the formsof negotiation in the United States of America and the different currentsthat regulate possibility of reducing workers’ rights throughnegotiations, as well as its restrictions.

Keywords: Labor Law. Collective Bargaining. Limits.

Introdução

Atualmente, as empresas passam por dificuldades no momen-to de se proceder a uma negociação coletiva, em razão da insegu-rança jurídica decorrente da possibilidade de anulação judicial decláusulas de convenção ou acordo coletivo do trabalho.

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RAYNER D’ALMEIDA RODRIGUES ARTIGO

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Isso decorre da intervenção do Estado nas relações de traba-lho, prática comum no Brasil, porém rara no Direito estrangeiro.Se, por um lado, a atuação do Estado traz uma pseudoproteção aotrabalhador, há também uma certa resistência às negociações, di-ante da fragilidade jurídica de seus efeitos.

Diante do exposto, o objetivo do presente trabalho é apre-sentar os limites da negociação coletiva e suas limitações legais econstitucionais, bem como realizar uma comparação entre o direi-to coletivo do trabalho no Direito estrangeiro para, ao final, esta-belecer os critérios objetivos para redução de direitos trabalhistasmediante pacto coletivo.

1 Histórico e definição da negociação coletiva

A negociação coletiva é assim conceituada por Lopes (2000):

É o processo de autocomposição de interesses específi-cos dos atores sociais, em que os legítimos representan-tes dos trabalhadores e empregadores buscam enten-dimento para concluir contratos coletivos, convençõescoletivas ou acordos coletivos, nos quais são fixadas con-dições de trabalho que têm aplicação cogente sobre oscontratos individuais, bem como condições que obriga-rão os próprios signatários do instrumento.

A origem da negociação coletiva remonta aos movimentosoperários ocorridos no final do século XIX e início do século XX(BARBOSA, 2006, p. 63), época do auge da revolução industrial eafloramento do capitalismo, em que surgiram os movimentos pormelhores salários e condições de trabalho, culminando na necessi-dade de entendimentos entre empregados e empregadores.

Trata-se, portanto, de uma criação histórica que, posteriormen-te, passou a ser reconhecida pelo Estado, já que os primeiros acor-dos coletivos de trabalho sequer possuíam validade jurídica. Desta-ca-se que “os primeiros países a regulamentarem legalmente asconvenções coletivas foram a Holanda (1919) e a Suíça (1921)” (OLI-VEIRA, 1996 apud BARBOSA, 2006, p. 63).

Com efeito, a negociação coletiva estabeleceu-se como únicaforma de regulamentar a relação de trabalho com o dinamismonecessário para esta atividade, já que a atividade estatal legislativajamais se desenvolveu com a velocidade desejada para acompa-nhar as relações sociais.

Nesse contexto, a forma estatal de reconhecimento das nego-ciações coletivas foi estabelecida de diferentes formas, de acordocom o caráter originário do capitalismo ou do grau de liberdadedemocrática adotado pelo Estado. Surgiram, conforme classifica-

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OS LIMITES DA NEGOCIAÇÃO COLETIVA NO DIREITO DO TRABALHO

ção de Delgado (2008), os modelos da Normatização AutônomaPrivatística, Normatização Privatística Subordinada e JuristrabalhistaAutoritário.

Nos países de capitalismo originário, assim entendidos comoaqueles onde se iniciou o processo de adoção do sistema capitalis-ta hoje existente, predominou o sistema da Normatização Autôno-ma Privatística. Nesse sistema, o conflito e a negociação são condu-zidos exclusivamente entre as partes litigantes, sem qualquer inter-ferência estatal. É o modelo vigente na Inglaterra e nos EstadosUnidos da América.

Nos países de capitalismo não originário, porém com liberda-de democrática, estabeleceu-se o modelo da NormatizaçãoPrivatística Subordinada. Nesse sistema, o conflito, bem como a suasolução, por meio de negociação coletiva, “faz-se mediante umadinâmica em que o peso básico é conferido pelos particulares, massegundo um processo heteronomamente conduzido pelo Estado”(DELGADO, 2008, p. 1374).

Nos países de regime autoritário, estabeleceu-se o ModeloJuristrabalhista Autoritário, no qual a noção de conflito é repudia-da pelo Estado, que se estabelece como único ente regulamentadordas normas trabalhistas.

À exceção deste último modelo, os demais foram aplicadospelo Estado como forma de estimular a negociação coletiva comoprincipal forma de entendimento entre empregadores e empre-gados na construção das normas trabalhistas, vindo a complemen-tar a atividade legislativa ou até mesmo a servir como base àsfuturas leis, ocasião em que os entendimentos coletivos são es-tendidos, de forma cogente, a todas as relações trabalhistas noâmbito nacional.

Atualmente, sem dúvida, a negociação coletiva é amplamentereconhecida pela sua importância na solução dos conflitos traba-lhistas, tanto que, ao tempo em que passou a ser estimulada pelaOrganização Internacional do Trabalho, desaconselhou-se a parti-cipação do Estado no seu âmbito de atuação.

2 A negociação coletiva no Direito Comparado: Brasil x EUA

Conforme já discorrido, os Estados Unidos da América adota-ram o sistema da Normatização Autônoma Privatística, no qual oprocesso de negociação coletiva é conduzido exclusivamente pelaspartes, com pouca ou nenhuma intervenção estatal.

Keith S. Rosean, diretor do programa Foreign Graduate Law,da Faculdade de Direito da Universidade de Miami, explica a ne-gociação estadunidense da seguinte forma:

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RAYNER D’ALMEIDA RODRIGUES ARTIGO

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Normalmente o governo fica fora da negociação. Sóquando há um interesse público, vamos dizer uma ame-aça de greve em todas as companhias de aviação, entãoo governo tem a habilidade de interferir, fazendo pro-postas de mediação num período de 60 dias, para evitara greve e dar mais tempo para o processo convencionalchegar a um acordo. Se não chegar ao acordo atravésde mediação, o que é muito comum é ir para o juízoarbitral, usado nas negociações trabalhistas. E sempreacabam lá, porque há poucos recursos numa decisão dejuízo arbitral. Somente se houver alegação de fraudeou suborno do juiz arbitral, é que se pode recorrer àJustiça (ROSEAN, 1997).

Segundo o modelo norte-americano, a negociação coletivapode ser classificada como ampla e ilimitada, com poderes paraalterar de forma indistinta as normas que regem as relações de tra-balho.

De acordo com o supracitado autor, as partes da relação traba-lhista norte-americana prestigiam a negociação coletiva porentendê-la como benéfica não só à relação de trabalho mas tam-bém à própria sobrevivência da empresa. Assim, as greves se tor-nam raras, já que as partes, uma vez antevendo a impossibilidadede autocomposição, resolvem solucionar o conflito através da arbi-tragem, evitando a paralisação da linha de produção e a assunçãode prejuízos à empresa.

Prossegue o referido autor estabelecendo um comparativoentre o instituto da arbitragem, amplamente utilizado em seu país,e a judicialização dos conflitos, tal qual ocorre no Brasil. Apesardas vantagens e desvantagens, conclui que a arbitragem é umamelhor opção, basicamente, pela possibilidade de prévia ciênciado árbitro, o qual, geralmente, é uma pessoa com profundo co-nhecimento sobre a matéria e o ramo de atuação da empresa.

3 A negociação coletiva no Brasil

Ao contrário do sistema americano, o Brasil adota atualmen-te o sistema da Normatização Privatística Subordinada, no qual oprocesso de negociação coletiva, apesar de ser dirimido pelas par-tes, deve seguir um procedimento previamente definido pelo Es-tado.

Aliado ao modelo de negociação coletiva, existe ainda um sis-tema de judicialização de conflitos, através da atividade normativado órgão jurisdicional. Entretanto, tal sistema não será objeto des-te estudo, já que se apresenta em declínio, principalmente após aprofunda e recente alteração sofrida com a Emenda Constitucionalnº 45.

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OS LIMITES DA NEGOCIAÇÃO COLETIVA NO DIREITO DO TRABALHO

Com efeito, a experiência de se deixar a negociação ao crité-rio exclusivo das partes somente se mostrou favorável nos países decapitalismo originário, tal qual Inglaterra e Estados Unidos, onde oDireito do Trabalho se formou em um mercado econômico do tipoliberal (DELGADO, 2008).

Portanto, a negociação coletiva pátria se desenvolve com for-te atuação estatal, a qual lhe delimita formas e, sobretudo, limitesa serem observados, em obediência ao princípio da adequaçãosetorial negociada, assim definido por Delgado (2008, p. 1322):

Pelo princípio da adequação setorial negociada as normasautônomas juscoletivas construídas para incidirem sobrecerta comunidade econômico-profissional podem preva-lecer sobre o padrão geral heterônomo justrabalhista des-de que respeitados certos critérios objetivamente fixados.São dois esses critérios autorizativos: a) quando as normasautônomas juscoletivas implementam um padrão setorialde direitos superior ao padrão geral oriundo da legislaçãoheterônoma aplicável; b) quando as normas autônomasjuscoletivas transacionam setorialmente parcelasjustrabalhistas de indisponibilidade apenas relativa (e nãode indisponibilidade absoluta).

4 A anulação de cláusulas da negociação coletiva e o passivooculto trabalhista

Diante do modelo da Normatização Privatística Subordinadae em obediência ao princípio da adequação setorial negociada,surge o grande impasse da negociação coletiva: como definir comclareza o limite de atuação, de forma a permitir que a negociaçãotraga segurança jurídica às partes, e evitar a formação dos temidospassivos ocultos trabalhistas?

Esse problema foi recentemente identificado por Julio Bernardodo Carmo, juiz do TRT/3ª Região, integrante da 4ª Turma e da 2ªSDI daquele sodalício, que, em recente artigo, discorreu:

Que empregador, de sã consciência, ressaltou o juiz Pre-sidente, vai outorgar vantagens ao trabalhador se aJustiça do Trabalho, mesmo chancelada a conduta pa-tronal pelo sindicato de classe em acordo ou convençãocoletiva, acaba por nulificar a cláusula e exigir os direi-tos legalmente previstos? (CARMO, 2006, p. 2 )

Diante do problema acima exposto, percebe-se que, muito maisque assegurar direitos ao trabalhador, a clara distinção do limite danegociação coletiva é fundamental para a própria existência desseinstituto, já que, havendo qualquer possibilidade de anulação decláusulas acordadas, a negociação é praticamente inviabilizada.

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RAYNER D’ALMEIDA RODRIGUES ARTIGO

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É pacífico que, em se tratando de norma coletiva que instituivantagens ao trabalhador, esta prevalece sobre qualquer outra.Entretanto, a negociação coletiva pressupõe concessões mútuasentre as partes. Por tal razão, a concessão, pelo empregador, dedeterminada vantagem vem, via de regra, acompanhada de umaredução de direitos ao trabalhador.

Assim, pela teoria do conglobamento, o pacto coletivo deveser analisado de maneira ampla, de forma a auferir se o conjuntode vantagens consagradas ao trabalhador se mostrou superior àsdesvantagens estabelecidas no mesmo instrumento. A nulificaçãoapenas parcial do pacto coletivo, negando vigência às cláusulasrestritivas de direito, mas mantendo a vigência das cláusulasconcessivas, acaba por trazer prejuízos incomensuráveis ao em-pregador, desestimulando a essência da autocomposição.

5 A negociação coletiva e a redução de direitos trabalhistas

A redução do passivo oculto trabalhista e a plena validadedos acordos e convenções coletivas passam pela questão mais tor-mentosa sobre a sua validade: a possibilidade de redução de direi-tos trabalhistas por meio da convenção coletiva.

Claudio Armando Couce de Menezes, juiz vice-presidente doTRT/17ª Região, defende que a redução de direitos do trabalhadorsomente pode ocorrer nos espaços expressamente determinados pelaConstituição Federal (art. 7º, VI, XIII e XIV) e complementa:

Essa visão tutelar não é exclusiva do nosso direito, comopoderia afirmar alguém mais apressado e entusiasma-do pelos “novos paradigmas” trazidos pela pós-modernidade. Na Espanha, por exemplo, o controle dalegalidade de uma cláusula coletiva por ilegalidade temlugar quando ocorre ofensa aos mandamentos que ve-dam as estipulações in peius a propósito do conteúdonormativo mínimo da LET (art. 3, 3) e a disposição dedireitos intangíveis, inderrogáveis (art. 4) (MENEZES,2009).

Essa posição, apesar de parecer uma pseudoproteção ao tra-balhador, representa um verdadeiro engessamento da negociaçãocoletiva, já que a impossibilidade de concessões por parte da re-presentação obreira inviabiliza a adoção de concessões recíprocas,verdadeira essência da autocomposição.

Nascimento (2003, p. 585), ao contrário, defende que a dire-triz constitucional garante ampla vigência da negociação coletiva,ressalvados apenas os direitos previstos na própria Constituição, quenão podem ser retirados pelo pacto coletivo. Aduz que a matriz

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OS LIMITES DA NEGOCIAÇÃO COLETIVA NO DIREITO DO TRABALHO

constitucional “permite o uso da negociação coletiva também comoinstrumento de superação de crises da empresa”.

Entretanto, tal entendimento se mostra essencialmente libe-ral, deixando o trabalhador à margem de uma mínima proteçãoestatal.

Carmo (2006, p. 5-6), por sua vez, ao discorrer sobre a ne-cessidade de um saldo positivo de direitos concedidos aos traba-lhadores sobre os direitos deles retirados, defende que estes úl-timos somente poderão existir se a empresa ou categoria econô-mica comprovar que “atravessa momento de crise, precisandominimizar direitos trabalhistas como forma de adequar suaplanilha de encargos sociais e vencer a adversidade”.Complementa que a possibilidade de a negociação coletiva reti-rar direitos sociais mínimos representaria “uma injusta e incon-dicional vitória do primado do capitalismo selvagem sobre o tra-balho condigno”.

Apesar da lógica e coerente preocupação estampada na opi-nião ora reproduzida, esta traz uma grande insegurança jurídica,já que não propõe critérios objetivos para estabelecer qual o al-cance da expressão “momentos de crise”.

Delgado (2008, p. 1323), entretanto, traz critérios objetivospara estabelecer os limites da negociação. Esse autor defende que,malgrado o saldo positivo da autocomposição (analisada de for-ma conglobante), “não prevalece a adequação setorial negocia-da se concernente a direitos revestidos de indisponibilidade ab-soluta (e não indisponibilidade relativa), os quais não podem sertransacionados”.

Assim, são reputadas indisponíveis as normas que estabelecemum patamar civilizatório mínimo: três grupos de direitos que sãotaxados como indisponíveis, os quais serão analisados nos tópicosadiante.

5.1 Direitos indisponíveis estipulados nas normasconstitucionais

A Constituição Federal trouxe em seu bojo uma gama de di-reitos sociais impassíveis de serem afastados por negociação coleti-va, exceto nas hipóteses expressamente ressalvadas no seu própriotexto.

Nesse diapasão, a negociação é permitida para redução salari-al (art. 7º, VI) e ajuste da jornada de trabalho (art. 7º, XIII e XIV).Nas demais disposições constitucionais, não se faz possível reduçãode direitos pela via negocial, já que a lei maior não faz ressalva.Nesse sentido, discorre Lopes (2000):

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RAYNER D’ALMEIDA RODRIGUES ARTIGO

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A autonomia privada coletiva não possui densidadesuficiente, por exemplo, para legitimar a discrimina-ção de uma parcela de trabalhadores (art. 5º, “caput”e inciso I e art. 7º, incisos XXX, XXXI, XXXII e XXXIV, daCF); para permitir a contratação de trabalhadoresmenores de 16 anos como empregados (art. 7º, incisoXXXIII); para impor obrigações pecuniárias aos traba-lhadores não associados da entidade sindical, comoforma de interferir na liberdade de sindicalização (art.8º, inciso V); para impor obrigações a terceiros alheiosaos limites da negociação e à representação das enti-dades convenentes; para abolir as garantias de em-prego das gestantes e membros da CIPA (art. 10, II,“a” e “b” do ADCT); para limitar o acesso de trabalha-dores e empregadores ao judiciário (art. 5º, incisoXXXV); para atingir o piso constitucional dos direitossociais, salvo na hipótese de flexibilização (art. 7º,“caput” e inciso VI); para restringir o direito à vida, àsaúde, à liberdade, inclusive a sindical, à segurança, aoexercício profissional e a outras garantias e direitosfundamentais.

No concernente à possibilidade de redução salarial, há que seconfrontar com a norma constitucional que garante o patamarremuneratório mínimo, chegando-se à conclusão de que a redu-ção não pode decair abaixo do salário-mínimo. Isso porque, ao seadmitir de modo contrário, “haveria uma incoerência na Constitui-ção, que consagra o princípio do trabalho protegido por um rolmínimo de direitos, para, logo em seguida, dizer que esse mínimonão é o piso, mas sim, outro que decorrer da negociação coletiva”(LOPES, 2000).

A negociação também é permitida para ajuste da jornada detrabalho, já que estabeleceu as jornadas diária e semanal em 8horas e 44 horas, respectivamente, porém, permitiu a redução e acompensação de jornada mediante acordo ou convenção coletiva.

5.2 Direitos indisponíveis estipulados em tratados deconvenções internacionais

As normas que estipulam um patamar civilizatório mínimo,constante de tratados e convenções internacionais vigorantesno plano interno brasileiro, são recepcionadas com força denormas constitucionais, conforme art. 5º, § 2º da ConstituiçãoFederal.

Assim, a negociação coletiva também sofre limitações de atua-ção decorrentes de direitos estabelecidos nesses tratados e conven-ções internacionais.

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OS LIMITES DA NEGOCIAÇÃO COLETIVA NO DIREITO DO TRABALHO

5.3 Direitos indisponíveis estipulados em normasinfraconstitucionais que asseguram patamares decidadania ao trabalhador

Neste rol, se encontram as normas que estabelecem proteção àsaúde e à segurança do trabalhador e servem como tutela de umdireito fundamental indisponível, sendo assim insuscetíveis de su-pressão por negociação coletiva. São decorrentes, também, da pró-pria Constituição Federal, que elevou a dignidade da pessoa hu-mana como um dos princípios basilares do Estado.

Isso porque, conforme discorre Lopes (2000), essas normas tra-zem a proteção à própria vida do trabalhador, direito inalienávelinsuscetível de negociação. Complementa o autor:

Estão nesta mesma situação as normas de proteção àsaúde e segurança do trabalhador (meio ambiente dotrabalho), pois tutelam em última análise a vida e asaúde do cidadão trabalhador, logo, são inalienáveis enão podem ser objeto de flexibilização.

Conclusão

Por todo o exposto, fica claro que o modelo negocial adota-do no sistema jurídico brasileiro apresenta uma grande interfe-rência do Estado, o qual limita a vontade das partes. Apesar derepresentar uma limitação de vontade das partes contratantes, nãoexistente em países de capitalismo originário; o intervencionismoserve como medida de proteção da parte hipossuficiente, impe-dindo a submissão do trabalhador ao livre anseio do sistema ca-pitalista.

Atuar em desacordo com os limites impostos pelo Estado ànegociação coletiva ensejará a formação de um indesejável passi-vo trabalhista, já que o trabalhador poderá, no futuro, requerer aanulação do acordo e pleitear direitos trabalhistas não previstospelo empregador.

Para definição do limite, a empresa deverá observar, em pri-meiro lugar, o denominado saldo positivo da composição, desta-cando-a no instrumento negociado. Em seguida, é necessário auferirse o acordado não está a ferir as disposições constitucionais, dispo-sições de tratados ou convenções internacionais ou normasassecuratórias de patamares mínimos de cidadania do trabalhador.Superados esses crivos, restarão minimizados os riscos de anulaçãofutura do acordo.

Por fim, há que se esclarecer que, apesar das limitações, a ne-gociação coletiva representa a forma mais segura de instituição dealterações no contrato de trabalho, já que tem como escopo o tra-

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RAYNER D’ALMEIDA RODRIGUES ARTIGO

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tamento isonômico entre a representação classista e a representa-ção obreira.

Referências

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A (IM)PENHORABILIDADE DO SALÁRIO

A (im)penhorabilidade do salário

Gryecos Attom Valente LoureiroAdvogado da CAIXA no Rio de Janeiro

Especialista em Direito EmpresarialMBA pela Fundação Getúlio Vargas/RJEspecialista em Direito Processual Civil

Pós-graduado pela Universidade deSanta Cruz do Sul

RESUMO

O presente estudo visa a discutir alguns dogmas processuaisque envolvem a relação de cobrança de dívidas, iniciando com umabreve análise dos antecedentes históricos, fixando o olhar dentrode uma perspectiva civil constitucional e pontuando an passant algunsaspectos de hermenêutica constitucional, sem descurar, entretanto,da evolução do direito positivo a propósito da situação em tela. Oponto central do estudo reside na aparente antinomia pragmáticada norma processual que estabelece a impenhorabilidade do saláriofrente à norma processual que possibilita a chamada penhora on-line. Para tanto, utiliza-se a metodologia de pesquisa bibliográficaque consiste, basicamente, na leitura, fichamento e comparaçãodas teorias dos principais autores do Direito que tratam desseproblema. Partindo-se do pressuposto de que os interesses emconflito – o direito de cobrar coercitivamente a dívida frente aodireito de livre disposição do patrimônio próprio – devem coexistir eprestigiar os princípios constitucionais de segurança jurídica edignidade da pessoa, bem como considerando os principais aspectosatinentes à literatura em foco, “a (im)penhorabilidade do salário”é um tema que se apresenta como de grande relevância para todooperador do direito, até porque, salário, crédito e dívida sãoelementos corriqueiros na lide forense.

Palavras-chave: Penhora on-line. Impenhorabilidade dosalário. Execução.

ABSTRACT

This study aims to address some procedural dogmas thatinvolve the collection of debts, starting with a brief analysis of thehistorical background, fixing his gaze within a constitutional andcivil perspective scoring an passant some aspects of constitutionalhermeneutics, without neglecting, however, the evolution ofpositive law concerning the situation in question. The focus of thispaper lies in the apparent antinomy pragmatic procedural rulethat establishes the salary front unseizability procedural rule that

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GRYECOS ATTOM VALENTE LOUREIRO ARTIGO

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allows the call attachment online. We also use the methodologyof literature that basically consists in reading, filing and comparethe theories of the principal authors of the law dealing with thisproblem. Starting from the assumption that the conflicting interests- the right to coercively collect the debt against the right to freedisposal of its own assets - must coexist and prestige to theconstitutional principles of legal security and dignity, as well asconsidering the main aspects pertinent literature into focus, "the(un)seizability wage" is a theme that presents itself as highlyrelevant to every operator of law, because, salary, credit and debtare commonplace elements in forensic proceedings.

Keywords: Attachment online. Unseizability salary.Enforcement.

Introdução

O direito do credor de pleitear ao Estado-juiz que coercitiva-mente cobre dívida vencida e impaga remonta a priscas eras. Aevolução do direito move a discussão para o âmbito exclusivamen-te contratual – patrimonial por excelência. Nesse contexto, o cre-dor passa a depender da ação coercitiva estatal para buscar a satis-fação de seu crédito mediante a expropriação forçada dopatrimônio do devedor, gerando diversas implicações processuais.

Com o advento da Lei nº 11.382/2006 (vigência em 21/01/2007),o sistema processual pátrio foi brindado com a possibilidade dojuiz, através de modernos sistemas de transmissão de dados, identi-ficar e bloquear contas bancárias que revelassem existência de di-nheiro de propriedade do devedor. Ocorre que o mesmo texto le-gal fez alterações nas regras de impenhorabilidade, mantendo agarantia da preservação integral dos salários.

A manutenção do instituto da apelidada penhora on-line,portanto, estará umbilicalmente ligada à capacidade de se poderanalisar e diferenciar o saldo disponível em uma mesma conta ban-cária, possibilitando saber quanto representaria salário e quantoteria sido incorporado ao patrimônio do devedor.

1 Primeiras regras e antinomias aparentes na legislação

A evolução da relação negocial creditícia fez nascer a necessi-dade de criação de meios que garantissem ao credor o recebimen-to do objeto do mútuo, ainda que houvesse recusa do devedor,bem como meios de proteção do devedor para se escudar contraeventuais abusos do credor.

Não se almeja, dentro dos modestos objetivos deste estudo,aprofundar o exame histórico da evolução processual, tampouco

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A (IM)PENHORABILIDADE DO SALÁRIO

esgotar o tema, mas tão somente referenciar e contextualizar oobjeto da pesquisa com seus antecedentes legislativos.

Dentro dessa perspectiva, a evolução processual será aborda-da através da análise de pouco mais de um par de textos legais queconsideramos referências emblemáticas do período iniciado após oGolpe Militar de 64, passando pela edição do então novel CPC de1973, com enfoque na relevância dada, ou sua ausência, aos direi-tos individuais.

Objetivando demonstrar que nesta relação de débito e créditonão há vilão nem mocinho e a higidez do sistema processual, bemcomo sua interpretação/aplicação pelos tribunais, é medida que seimpõe, contraporemos os dois olhares antagônicos acerca do tema.

O período compreendido entre o final da década de 60 e oinício da década seguinte foi pródigo no prestígio ao credor, comose pode perceber da produção legislativa da época. Amiúde, po-demos lembrar as disposições introduzidas pelo Decreto-Lei nº 911de 1º de outubro de 1969, que em seu artigo 4º permitia ao credorfiduciário intentar ação de depósito caso o bem alienado não fos-se encontrado na posse do devedor fiduciante. Posteriormente, aLei nº 6.071/1974 apertou ainda mais o cerco e permitiu que o cre-dor convertesse a própria ação de busca e apreensão em ação dedepósito.

O objetivo da norma, claramente confessado, era possibilitarque o devedor fosse levado à prisão pela dívida em análise, nosmoldes previstos para o depositário infiel.

Veja-se que a ultima ratio prevista para a conduta do deposi-tário infiel tem relação direta com a quebra da confiança, que écaracterística ínsita ao próprio contrato de depósito. A relaçãocontratual, nessa hipótese, é claramente norteada pelo vínculo defidúcia entre os contratantes e sua quebra, pela relevância, mere-ceria o encarceramento do inadimplente.

Muito diferente, convenhamos, se apresentava a situação docontratante de mútuo feneratício, que ofertava determinado bemcomo garantia da operação celebrada. O devedor fiduciante nun-ca deteve bem alheio sob sua guarda.

Note-se que o contexto histórico internacional apontava parasolução completamente diversa para essa espécie de conflito, semque o legislador pátrio se abalasse em seu ímpeto autoritário.

De fato, no dia 22 de novembro do mesmo ano de 1969 (vi-gência em 18 de julho de 1978), editava-se a Convenção America-na de Direitos Humanos, conhecida por Pacto de San José da CostaRica, da qual o Brasil foi signatário. Tal tratado expressamente proi-bia a prisão por dívida – em seu art. 7º, item 7 – à exceção da decaráter alimentar.

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GRYECOS ATTOM VALENTE LOUREIRO ARTIGO

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Como vimos acima, o tratado internacional não só não foi ca-paz de orientar a alteração, ainda que em parte, do DL 911/69,como também foi imcapaz de obstar o seu recrudescimento em 1974.

A jurisprudência optou pelo enfoque positivista da querela,mesmo após a ratificação formal do tratado pelo Brasil, através doDecreto nº 678 de 6 de novembro de 1992, divergindo as mais altasCortes deste país por mais de uma década.

O Superior Tribunal de Justiça (STJ) manteve jurisprudênciaremansosa no sentido de declarar a ilegalidade da prisão do deve-dor fiduciário, ao passo que o Supremo Tribunal Federal (STF) man-teve firme seu entendimento contrário – corporificado no verbetede nº 6191 de sua súmula de jurisprudência, até o julgamento doHC 92566-9/SP, ocorrido em sessão plenária de 3.12.2008, ocasiãoem que foi proclamada a sua expressa revogação.

O conflito entre os entendimentos do STJ e STF, este últimoinclusive já tendo editado verbete de sua súmula, gerou diversasdecisões conflitantes, sobremaneira quando consideramos os seve-ros requisitos processuais de admissibilidade para a apreciação domérito das questões alçadas àquelas Cortes. Hoje a questão estáplenamente pacificada, tendo o STJ, inclusive, editado muito re-centemente o verbete de nº 419 de sua súmula de jurisprudência,que sucintamente estabelece que “descabe a prisão civil do depo-sitário judicial infiel”.

Ousamos divergir das iluminadas mentes que compõem o STJ,na medida em que o absurdo da norma, e mesmo sua antinomiacom o tratado internacional, residia na possibilidade de conversãoda ação de busca e apreensão – DL 911/69 – em ação de depósito.Com a atual jurisprudência, mesmo a ação de depósito, que teriapor fundamento de proposição o contrato de depósito típico, cujaconfiança entre as partes é elemento característico da avença, nãopoderá ter no encarceramento do devedor sua última ratio.

Melhor seria, ousamos sugerir, que somente a primeira hipó-tese fosse obstaculizada pela jurisprudência de nosso areópagosuperior.

Outro texto de grande prestígio aos credores pode ser encon-trado na Lei nº 5.741 de 1º de dezembro de 1971, que estabelece,no parágrafo 2º de seu artigo 4º, a possibilidade de desocupaçãodo imóvel penhorado antes do término do processo de execução eainda que haja embargos de devedor pendentes de julgamento.

O que mais impressiona nessa severa disposição é o fato deque o texto legal em análise é específico para a cobrança de dívi-

1 A prisão do depositário judicial pode ser decretada no próprio processo emque se constituiu o encargo, independentemente da propositura de ação dedepósito.

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A (IM)PENHORABILIDADE DO SALÁRIO

das de contratos de mútuo vinculados ao Sistema Financeiro daHabitação (SFH).

Tendo em vista a especificidade do tema, não há relevantemanifestação jurisprudencial no âmbito do STJ. Há, entretanto,manifestação a contrario sensu da lavra de Sua Ex.a o Ministro AriPargendler, que por ocasião do julgamento do agravo regimentalno agravo 135415/PR, em sessão de 19/5/1997, manteve decisãoliminar que proibia o ajuizamento de ação executiva, especifica-mente pela possibilidade de imediata imissão na posse do imóvel,inserta no referido art. 4º, § 2º, Lei nº 5.741/71.

Ademais, a possibilidade de executar extrajudicialmente asdívidas do SFH subtraiu da comunidade jurídica a possibilidade dediscutir diversos institutos típicos de direito processual que hojeacabam sendo revisitados, muitas vezes com ares de novidade, emque pesem suas décadas de introdução no sistema processual pátrio.

Apesar da existência dessas e de várias outras normas – aindavigentes – de cunho claramente protetivo ao direito do credor, aedição da Lei Federal nº 5.869, de 11 de janeiro de 1973, vem tra-zer um novo ar à relação conflituosa em estudo, prestigiando, jáàquela época, o devido processo legal e assegurando o direito àampla defesa em diversas oportunidades.

Fazendo uma breve exemplificação, chamamos a atenção paraduas disposições do então novel Código de Processo Civil:

Art. 649. São absolutamente impenhoráveis:IV - os vencimentos dos magistrados, dos professores edos funcionários públicos, o soldo e os salários, salvo parapagamento de prestação alimentícia; [redação original,alterada pela Lei nº 11.382/2006]Art. 739. [...]§ 1º Os embargos serão sempre recebidos com efeitosuspensivo. [redação da Lei nº 8.953/1994, alterada pelaLei nº 11.382/2006]

A transcrição da antiga redação do art. 649, IV, visa a deixarevidente que desde a entrada em vigor do CPC de 1973 os saláriossão objeto de proteção legal, não havendo nenhuma manifesta-ção jurisprudencial em sentido contrário que mereça destaque ouanálise mais aprofundada.

Vemos, portanto, que o mesmo sistema processual codificadoe aditado pela legislação específica garantia a proteção absolutado salário do devedor, mas permitia, por exemplo, que este fosserecolhido ao cárcere pelo inadimplemento de obrigação garanti-da por alienação fiduciária.

Parece uma antinomia entre normas. A jurisprudência, entre-tanto, nunca foi específica nesse sentido.

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GRYECOS ATTOM VALENTE LOUREIRO ARTIGO

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Já no que se refere ao comando garantidor da suspensão doprocesso de execução, enquanto pendente ação autônoma deembargos, entretanto, o dissenso foi mais acentuado.

A jurisprudência permaneceu vacilante durante um bom tem-po, diante da coexistência de normas ora protetivas ao direito docredor de reaver seu crédito, ora asseguradoras do direito do deve-dor de não sofrer abusos.

Retornando à lei de execução hipotecária, poderemos identi-ficar claramente a aparente antinomia entre as normas vigentes àépoca e o conflito jurisprudencial que se seguiu, desta feita quan-to ao disposto em seu art. 5º, in verbis:

Art . 5º O executado poderá opor embargos no prazode 10 (dez) dias contados da penhora que serão recebi-dos com efeito suspensivo, desde que alegue e prove:I - que depositou, por inteiro a importância reclamadana inicial.II - que pagou a dívida, apresentando desde logo a pro-va da quitação.[...]§ 2º Os demais fundamentos de embargos, previstos noart. 1.010 do Código de Processo Civil, incisos I e III, nãosuspendem a execução.

Ficamos diante, portanto, de uma norma específica, editadaem 1971, que praticamente excluía a possibilidade de atribuiçãode efeito suspensivo aos embargos de devedor, em detrimento danorma geral, advinda em 1973, que expressamente utilizava o vo-cábulo “sempre”, ao tratar da atribuição de efeito suspensivo aessa espécie de ação autônoma.

Prevaleceria o critério da especialidade? A regra geral, ao serposterior e inovar no ordenamento com nova codificação proces-sual e procedimental, prevaleceria? Qual o intuito do legisladorem utilizar a palavra “sempre” no texto da regra geral?

A jurisprudência do STJ permaneceu divergente desde a suacriação, até que a Primeira Seção, julgando Embargos de Diver-gência no Recurso Especial 390.880/PR (2003/0053053-7), pela penade Sua Ex.a o Ministro Herman Benjamin, em sessão de julgamentode 8/11/2006, sepultou a controvérsia.

A divergência foi suscitada entre o julgado da Primeira Turma(Ministro relator Francisco Falcão) sobre o caso e o paradigma da Se-gunda Turma (Ministra relatora Eliana Calmon – REsp 177.921/PR).

A Primeira Turma havia assentado entendimento no sentidode que o critério de hermenêutica deveria privilegiar a interpreta-ção sistemática, devendo a lei anterior, por conseguinte, se harmo-nizar com a regra geral do CPC. Os embargos teriam efeitosuspensivo, portanto.

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A (IM)PENHORABILIDADE DO SALÁRIO

A Segunda Turma, por seu turno, prestigiava o princípio daespecialidade, remetendo o conflito, inclusive, para a regra de so-lução prevista na LICC – art. 2º, § 2º. Os embargos não teriam efeitosuspensivo, de regra, portanto.

No voto de Sua Ex.a o Ministro Herman Benjamin, há remissãoà apreciação do tema pela Corte Especial por ocasião do julga-mento do EREsp 390.197/PR, de relatoria do Ex.mo Ministro José Del-gado, no qual se firmou o entendimento de que o acréscimo trazi-do ao artigo 739, do CPC – decorrente da inclusão do § 1º – nãoafastaria a regra inserta na lei especial (Lei 5.741/71, art. 5º, incisosI e II), que prevê explicitamente a hipótese de suspensividade daExecução, por ocasião do ajuizamento de Embargos, somentequando alegado e provado o efetivo depósito integral daimportância reclamada na inicial, bem como o resgate dadívida com a comprovação da quitação.

A ementa do julgado da Corte Especial é de utilidade ímparpara o nosso estudo, pelas razões expostas acima e conforme ve-mos no voto de Sua Ex.a o Ministro José Delgado:

PROCESSUAL CIVIL. EMBARGOS DE DEVEDOR. EXECU-ÇÃO HIPOTECÁRIA. LEI N° 5.741/71. EFEITO.SUSPENSIVIDADE. INADMISSÃO.1. A regra do art. 739, § 1º, do CPC, redação da Lei nº8.953, de 13.12.94, não altera o alcance da Lei nº5.741/71.2. Os embargos do devedor em execução hipotecáriaregida pela Lei 5.741, de 1971, só serão suspensos nasduas hipóteses previstas no art. 5º, da Lei 5.741, de 1971,com a redação que lhe deu a Lei nº 6.014, de 27.12.73(BRASIL, 2005).

A ementa do julgado passa a ter utilidade ímpar para o nossoestudo quando começa a enumerar a divergência então existentenaquela Corte de Justiça, o que nos dá a exata dimensão do dissensoàquela época, conforme o que segue:

3. Jurisprudência do STJ, em mesmo período, variável:a) Decisões entendendo que após a edição da Lei8.953, de 1994, os embargos do devedor opostosà execução aparelhada com base na Lei nº 5.741,de 1971, têm efeito suspensivo, independentemen-te de pagamento ou depósito: REsp 260.327; REsp144.822; REsp 191.124; REsp 294.050; REsp 89.638; REsp168.572; AgRg no REsp 463.484; REsp 475.713; AgRg noREsp 522.591; AgRg no REsp 541551; AgRg no REsp354.774; REsp 468.440; REsp 354.268; REsp 407.667; REsp260326; REsp 128129. (g.n.)b) Em sentido contrário, isto é, pela aplicação, emtese, da Lei nº 5.741, de 1971, salvo as duas hipó-

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GRYECOS ATTOM VALENTE LOUREIRO ARTIGO

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teses previstas em seu art. 5º: REsp 467.464; REsp467.463; REsp 186.548; REsp 196.297; REsp 180.978;REsp 167.588; REsp 133.100. (g.n.) (BRASIL, 2005, grifosnossos).

O STJ conclui o raciocínio, batendo o martelo, pondo fim àdiscussão e firmando posicionamento único, no sentido de que nãohaverá suspensividade aos embargos de devedor opostos em facede execuções regidas pelo rito da Lei Federal nº 5.741/1971, à ex-ceção do disposto em seu art. 5º, conforme abaixo:

4. Decisão da Corte Especial (03.08.2005) firmando oposicionamento no sentido de que, em se tratando deembargos de devedor em situações regidas pela Lei nº5.741/71, não há suspensividade, salvo nas hipótesesveiculadas no art. 5º da mesma lei.5. Embargos da Caixa Econômica Federal conhecidos eacolhidos (BRASIL, 2005).

Fica assegurado o entendimento, portanto, no sentido de quetodo e qualquer devedor poderia discutir a dívida que lhe é exe-cutada judicialmente, com a tranquilidade de poder contar com asuspensão do processo executivo, exceto o devedor de imóvel fi-nanciado com recursos do SFH, que poderá ser imediatamente com-pelido a desocupar sua habitação.

Repetimos, ante a relevância do paradoxo: qualquer deve-dor poderia sobrestar o processo de execução enquanto discutis-se sua dívida, à exceção dos adquirentes de imóveis financiadospelo SFH.

Com a recente alteração do CPC, pela Lei Federal nº 11.382/2006, a disciplina dos embargos de devedor e seu atributo desuspensividade ganhou novos contornos, reflexos e consequências.

A análise da questão, sob a nova dicção da norma, aindanão chegou aos tribunais de modo relevante ou de modo quenos permitisse demonstrar qual seria o atual entendimento pre-dominante.

Considerando os contornos da mudança, não nos surpreen-derá se toda a matéria for revisitada, inclusive com conclusão diver-sa pelas mais altas Cortes de Justiça, ainda que a questão de fundo– lei especial versus lei geral – permaneça a mesma.

O tema se revestirá de contornos ainda mais absurdos quandoconsiderarmos a proteção ao bem de família, presente desde oCódigo Civil de 1916 e robustecida com a Lei Federal nº 8.009/90,que veremos amiúde logo mais.

A aparente ausência de coerência neste entendimento reforçaa crítica dos que sustentam inexistir um sistema processual pátrio

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coeso e plenamente articulado. As leis processuais, assim como todoo restante do ordenamento, sustentam os críticos, seriam casuísticase gerariam antinomias como a ora citada.

Talvez o problema não esteja tanto na falta de sistematiza-ção efetiva do Código Procedimental com as diversas leis esparsas,mas sim na falta de conjugação com o direito material em si. Oprofessor Fredie Didier Jr., com sua didática marcante, nos chamaa atenção para essa necessidade, conforme podemos conferir aseguir:

As regras processuais são criadas para atender às ca-racterísticas/peculiaridades da situação jurídica subs-tancial a ser deduzida no ato postulatório. Assim, im-possível e imprestável qualquer estudo do processo ci-vil que se faça sem o devido confronto com as regrasde direito material, que sempre devem ser analisadaspara que se saiba em que medida o legislador proces-sual delas sofreu influência. A inquestionável autono-mia do Direito Processual não pressupõe a sua neutra-lidade em relação ao Direito Material. Ao contrário,há entre eles um vínculo indiscutível, eis que se inte-gram na tarefa de criação das normas jurídicas (geraisou individuais, abstratas ou concretas) (DIDIER JR., 2008,p. 23-24).

Parece-nos evidente que o sistema processual, seja o codifica-do ou o presente na legislação esparsa, tem normas que ora possi-bilitam grande invasão no patrimônio do devedor, ora o prote-gem com a mesma voracidade.

Como se sugerirá alhures, somente a interpretação sistemáti-ca, via ponderação de interesses, sem exclusão ou negativa de vi-gência da norma subjugada, é capaz de conferir coerência aoamálgama de normas e textos que compõem o braço processual darelação entre credor e devedor.

Voltando o foco para o olhar do legislador, é inegável que ojogo vira definitivamente em prol do devedor a partir da ediçãoda constituição cidadã, cujo expresso asseguramento dos direitosfundamentais, junto ao inequívoco enfoque à manutenção da dig-nidade da pessoa humana, passou a orientar não só a atuação dolegislador infraconstitucional, como também, e principalmente, doPoder Judiciário.

Por outro lado, se é verdade que a jurisprudência dos Tribu-nais Superiores reflete o melhor e mais abalizado pensamento doPoder Judiciário, mais verdade é que essa luz emanada do PlanaltoCentral nem sempre se espraia pelos milhares de gabinetes de ma-gistrados, que cotidianamente se debruçam sobre os casos concre-tos que lhes são apresentados.

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A criação desses escudos de proteção, para ambas as partes emconflito, evoluiu de forma praticamente autônoma, havendo gran-de descompasso entre os sistemas legais, notadamente no direitobrasileiro, nos sendo possível identificar, já neste apertado estudo,períodos nos quais os credores gozaram de grande proteção legale outros nos quais a situação se inverteu.

A letra fria da lei, como de hábito, nunca alcançou o objetivode sepultar a questão, muito menos o de pacificar os interesses emconflito.

Esse papel deveria caber ao Poder Judiciário, que, entretanto,também nunca o desempenhou de forma adequada, na medidaem que suas manifestações sempre variaram intensamente, haven-do interpretações de diversos gêneros, números, graus e matizes,desagradando ora a um, ora a outro. Mesmo quando um TribunalSuperior se manifesta exaustivamente sobre um tema controverti-do, não é garantia de que seu entendimento será compartilhado eutilizado pelos magistrados singulares e Tribunais Estaduais/Regio-nais.

Portanto, se é fato que o credor sempre gozou de proteçãolegal para exercer seu direito de crédito, utilizando-se da ação co-ercitiva estatal para compelir o devedor a honrar seu compromisso,também é evidente que o moderno direito processual oferece pro-teção ao devedor contra métodos abusivos de cobrança, sobrema-neira quando se considera a importância do princípio da dignida-de da pessoa humana dentro da dogmática constitucional.

2 Conflito de normas constitucionais. Interesse individual xinteresse coletivo

O presente estudo almeja deixar evidente o conflito, aindaque aparente, entre duas normas constitucionais inspiradoras decomandos legislativos inferiores.

Não olvidamos ser consenso doutrinário a impossibilidade deuma norma constitucional ser inconstitucional. A discussão acercado tema remete à teoria pura do direito constitucional, escapan-do, portanto, ao objetivo do presente estudo.

A análise será direcionada, nessa perspectiva, partindo da pre-missa de que as normas constitucionais não podem ser declaradasinconstitucionais, tolito quaestio.

Apenas para saciar a curiosidade daqueles que flertam com odireito constitucional, bem como para colocar uma pitada de salna discussão, temperando e aguçando o interesse pelo tema, tra-zemos breve excerto do prefácio do eminente jurista Otto Bachof,por ocasião da tradução portuguesa de 1977, de sua mais celebra-

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da obra, apresentada ainda nos idos de 1955, durante o períodochamado de pós-guerra. Vejamos a argúcia do mestre alemão:

O Tribunal Constitucional Federal, do mesmo modo queoutros tribunais alemães, reconheceu em várias deci-sões a existência de direito “suprapositivo”, obrigandotambém o legislador constituinte. Considera-se ele com-petente para aferir por esse direito o direito escrito.Também uma norma constitucional pode ser nula, sedesrespeitar em medida insuportável os postulados fun-damentais da justiça.É certo que o Tribunal também declarou que a probabi-lidade de um legislador democrático e livre ultrapassaralgures estes limites é tão pequena que a possibilidadeteórica de ocorrerem num Estado-de-direito normasconstitucionais originárias inconstitucionais quase equi-vale a uma impossibilidade prática (BVerfGE I, 18; 3,225) (BACHOF, 1994, p. 3-4).

O professor Bachof, entretanto, encerra suas consideraçõesdeixando evidente sua preocupação com a possibilidade de re-torno ao sistema nazista, que imperou na Alemanha no final daprimeira metade do século XX e, em que pese ter manchado todaa história da humanidade, guardava compatibilidade com o sis-tema constitucional alemão da época. Vejamos as palavras domestre:

Isto corrobora a afirmação acima feita de que o proble-ma das normas constitucionais inconstitucionais se põemenos em períodos de uma vida constitucional normaldo que em períodos de mudança política radical.Deixe-se todavia em suspenso a questão de saber se apossibilidade de um legislador democrático ultrapassaros limites indicados é, na verdade, tão pequena como oTribunal Constitucional Federal crê. Em qualquer caso, ofenômeno (só na aparência paradoxal) de normas cons-titucionais inconstitucionais não deverá ser esquecido,como advertência permanente de que a onipotência doEstado tem limites (BACHOF, 1994, p. 4).

No caso em estudo, o conflito residiria, em nosso sentir, entreo princípio da dignidade da pessoa humana, esculpido na CartaMagna – in casu garantidor da impenhorabilidade do salário – e oprincípio constitucional da garantia de proteção ao ato jurídicoperfeito – in casu garantidor da penhora sobre quantia deposita-da em instituição financeira ou de crédito –, ambos normas proces-suais adiante analisadas amiúde.

Por sua vez, o controle de constitucionalidade da normainfraconstitucional está presente em diversas legislações estrangei-ras, como corolário do princípio da hierarquia das leis, cunhado

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por Kelsen, protegendo a inteligência e objetivos do poder consti-tuinte originário.

Cappelletti (1992, p. 47-48) nos lembra o leading case sobre amatéria, que transcrevemos a seguir:

É famosa, a este respeito, a sentença da Supreme Court(redigida por seu Chief Justice, John Marshall) na causaMarbury versus Madison de 1803 [...] É de todo eviden-te – diz-se com precisão naquela sentença – que ou aConstituição prepondera sobre os atos legislativos quecom ela contrastam ou o poder legislativo pode mudara Constituição através de lei ordinária. Não há meiotermo entre estas duas alternativas. Ou a Constituiçãoé uma lei fundamental, superior e não mutável pelosmeios ordinários, ou ela é colocada no mesmo nível dosatos legislativos ordinários e, como estes, pode ser alte-rada ao gosto do poder legislativo. Se é correta a pri-meira alternativa, então é preciso concluir que um atolegislativo contrário à Constituição não é lei; se é corre-ta, ao contrário, a segunda alternativa, então quer di-zer que as constituições escritas outra coisa não são queabsurdas tentativas de limitar um poder que é, por na-tureza, ilimitável.

Não se pretende, é bom que se adiante, identificarinconstitucionalidade entre quaisquer das normas processuais enun-ciadas. O que se pretende é remeter as normas processuais à suamatriz constitucional, enfrentando a aparente incompatibilidadeentre ambas com esse olhar.

De todo modo, a atual doutrina constitucional permite queuma determinada norma tenha sua interpretação estabelecida peloTribunal Constitucional, de molde a se adequar ao ordenamentomatriz, sem que haja supressão de seu texto.

Sobre a técnica hermenêutica denominada interpretaçãoconforme a Constituição, o professor Alexandre de Moraes trazluz e simplifica o tema, não raras vezes tormentoso:

A supremacia das normas constitucionais no ordena-mento jurídico e a presunção de constitucionalidade dasleis e atos normativos editados pelo poder público com-petente exigem que, na função hermenêutica de inter-pretação do ordenamento jurídico, seja sempre conce-dida preferência ao sentido da norma que seja adequa-do à Constituição Federal. Assim sendo, no caso de nor-mas com várias significações possíveis, deverá ser en-contrada a significação que apresente conformidadecom as normas constitucionais, evitando sua declaraçãode inconstitucionalidade e conseqüente retirada doordenamento jurídico (MORAES, 2001, p. 43-44, grifodo autor).

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E na sequência, citando o grande mestre português J.J.Canotilho, o professor Moraes esclarece a regra de interpretaçãoconforme a Constituição amiúde:

Extremamente importante ressaltar que a interpreta-ção conforme a constituição somente será possível quan-do a norma apresentar vários significados, uns compatí-veis com as normas constitucionais e outros não, ou, nodizer de Canotilho, “a interpretação conforme a consti-tuição só é legítima quando existe um espaço de deci-são (= espaço de interpretação) aberto a várias propos-tas interpretativas, umas em conformidade com a cons-tituição e que devem ser preferidas, e outras emdesconformidade com ela” (MORAES, 2001, p. 44, grifosdo autor).

Fixado o conceito, nada melhor do que estabelecer suas pre-missas de utilização. Nesse particular, o professor Moraes deixaevidente que o juiz não poderá se arvorar da condição de legis-lador positivo, concluindo que a inteligência do método se fixana possibilidade de preservação de textos normativos que admi-tam conclusão compatível com o arquétipo estabelecido na cons-tituição:

Portanto, não terá cabimento interpretação conforme aconstituição quando contrariar texto expresso de lei, quenão permita qualquer interpretação em conformidadecom a constituição, pois o Poder Judiciário não poderá,substituindo-se ao Poder Legislativo (leis) ou Executivo(medidas provisórias), atuar como legislador positivo, deforma a criar um novo texto legal. Nessas hipóteses, oJudiciário deverá declarar a inconstitucionalidade da leiou do ato normativo incompatível com a constituição.A manutenção, portanto, dessa regra interpretativa épossibilitar a manutenção no ordenamento jurídico dasleis e atos normativos editados pelo poder competenteque guardem valor interpretativo compatível com otexto constitucional (MORAES, 2001, p. 44, grifos doautor).

De outro flanco, a análise do conflito aparente entre normasconstitucionais passa, inexoravelmente, pela teoria da ponderaçãode interesses, que se dedica a encontrar alternativa hermenêuticapara a solução do problema, na medida em que uma norma cons-titucional não pode ser derrogada por outra de mesma hierarquia.

Para melhor compreensão do tema, faz-se necessária uma bre-ve abordagem dos princípios e das normas, na medida em que es-tabelecer com precisão a diferença entre os institutos é de relevân-cia ímpar para se atingir o objetivo proposto com este estudo.

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O professor Daniel Sarmento, em sua obra A Ponderação deInteresses na Constituição Federal, discorre com muita propriedadesobre as diferenças entre princípios e regras, inclusive se socorren-do dos ensinamentos da mais autorizada literatura jurídica estran-geira, conforme passamos a transcrever:

De modo semelhante, leciona Ronald Dworkin que aprincipal distinção entre os princípios e as regras é decaráter lógico e diz respeito aos respectivos mecanis-mos de aplicação. As regras, segundo o citado Profes-sor, incidem sob a forma do “tudo ou nada” (all ornothing), o que não sucede com os princípios. Em outraspalavras, presentes os seus pressupostos fáticos, ou aregra é aplicada ao caso a ela subsumido ou é conside-rada inválida para o mesmo. Na dicção de Dworkin, seos fatos que a regra estipula estão presentes, então oua regra é inválida, e nesse caso o comando que ela esta-belece tem de ser aplicado, ou ela é inválida, e nessecaso ela não contribui em nada para a decisão do caso.Já os princípios jurídicos atuam de maneira diversa, pois,presentes as condições de fato enunciadas como neces-sárias à sua incidência, daí não decorre necessariamen-te a sua aplicação ao caso concreto (SARMENTO, 2002,p. 44-45).

Concluindo o raciocínio, o professor Sarmento utiliza a expres-são “dimensão de peso” para elucidar a essência dos princípios,que bem caracteriza a forma como devemos analisar e valores oinstituto, senão vejamos:

Isto ocorre porque, ao contrário das regras, os princípi-os são dotados de uma dimensão de peso. Tal caracte-rística revela-se quando dois princípios diferentesincidem sobre determinado caso concreto, entrandoem colisão. Nesta hipótese, o conflito é solucionadolevando em consideração o peso relativo assumido porcada princípio dentro das circunstâncias concretas pre-sentes no caso, a fim de que se possa precisar em quemedida cada um cederá espaço ao outro (SARMENTO,2002, p. 45).

Note-se que podemos perceber que o professor Sarmento dádimensão e consequência prática completamente diferentes quan-do o conflito for de regras ou de princípios. O trecho citado prepa-ra o terreno para sua conclusão, que admite inclusive soluções di-versas para casos concretos diversos, ainda que avaliados sob a óti-ca dos mesmos princípios em conflito. Vejamos:

Em outras palavras, se é verdade que, como coroláriodo postulado da coerência interna, o ordenamento jurí-

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dico não tolera antinomias entre as suas regras, istonão sucede no plano dos princípios. Princípios jurídicospodem sinalizar soluções diametralmente opostas paradeterminados casos concretos, sem que tal fato denotequalquer inconsistência sistêmica na ordem jurídica(SARMENTO, 2002, p, 45).

O conflito que se pretende enaltecer neste trabalho pode serconsiderado como de maior hierarquia, na medida em que defrontadois princípios de direito fundamental de matriz constitucional.

O art. 5º da Constituição deixa evidente em seu inciso XXXVIque “a lei não prejudicará o direito adquirido, o ato jurídicoperfeito e a coisa julgada”, enaltecendo a instituição do EstadoDemocrático de Direito, do respeito aos contratos e das relaçõesestabelecidas em conformidade com a legislação pátria.

Ocorre que pouco antes, logo no art. 1º de nossa tábuaaxiológica fundamental, resta inserto no inciso III que “a dignida-de da pessoa humana” é um dos fundamentos da República Fede-rativa do Brasil e princípio fundamental inserto em nossa Consti-tuição.

O próprio professor Sarmento, que é defensor intransigentedos direitos individuais e indisfarçadamente sustenta a prevalênciado princípio da dignidade da pessoa humana sobre os demais prin-cípios fundamentais, se rende à necessidade de preservação de umnúcleo essencial dos diretos que estiverem em conflito. Nas pala-vras do próprio mestre:

Um limite que a doutrina impõe à ponderação de in-teresses é o respeito ao núcleo essencial dos direitosfundamentais. Considera-se que existe um conteúdomínimo destes direitos, que não pode ser amputado,seja pelo legislador, seja pelo aplicador do Direito.Assim, o núcleo essencial traduz o “limite dos limi-tes”, ao demarcar um reduto inexpugnável, protegi-do de qualquer espécie de restrição (SARMENTO,2002, p. 111).

Nessa perspectiva, não há como fechar os olhos para a necessi-dade de aplicação do princípio da ponderação de interesses parasolucionar os conflitos entre normas constitucionais, com a efetivagarantia de preservação de parte do direito em conflito, caso serevista da proteção hierárquica de que gozam os direitos funda-mentais.

Essa técnica hermenêutica também deve se espraiar para o con-flito inserto na legislação infraconstitucional quando claramenteinspirada na norma constitucional, como sói acontecer no caso emestudo.

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Todavia, como “ponderar” duas normas constitucionais? Hátécnica para a adequação da necessária coexistência entre os tex-tos normativos de matriz constitucional?

A melhor doutrina nacional e alienígena nos ensina que parao exercício dessa ponderação de interesses será necessário se valerdos princípios da razoabilidade e da proporcionalidade.

O professor Luís Roberto Barroso nos ensina com maestria osaspectos de relevo para a adequada compreensão desses princípi-os. Acompanhemos o raciocínio do mestre:

Nos últimos anos, há no Brasil uma novidade nahermenêutica jurídica, sobretudo na interpretação cons-titucional: o desenvolvimento e a difusão do princípioda razoabilidade.[...] Cabe aqui observar que parte da doutrina, sobretu-do a de origem alemã, costuma referir-se ao princípioda proporcionalidade, conceito em linhas gerais fungívelcom o da razoabilidade (BARROSO, 2001, p. 153-154,grifo do autor).

Logo a seguir, o professor esmiúça o tema e o esgota com umadidática incrível, conforme se verifica nas próximas linhas:

É razoável o que seja conforme à razão, supondo equi-líbrio, moderação e harmonia; o que não seja arbitrárioou caprichoso; o que corresponda ao senso comum, aosvalores vigentes em dado momento ou lugar.[...] Ao produzir normas jurídicas, o Estado normalmen-te atuará em face de circunstâncias concretas, e se des-tinará à realização de determinados fins a serem atin-gidos pelo emprego de determinados meios. Assim te-mos os fatores invariavelmente presentes em toda açãorelevante para a criação do direito: os motivos (circuns-tâncias de fato), os fins e os meios... A razoabilidade é,precisamente, a adequação de sentido que deve haverentre tais elementos (BARROSO, 2001, p. 153, grifos doautor).

Estabelecido o conceito de razoabilidade, torna-se imperiosocompreender os aspectos de razoabilidade interna erazoabilidade externa, para que se tenha em mente o exato al-cance do instituto. Além disso, a visualização do chamado princí-pio da proporcionalidade, por guardar grande semelhança como conceito de razoabilidade, reclama uma conceituação própria,conforme o professor Barroso teve grande êxito em formular:

Deve ela aferir-se, em primeiro lugar, dentro da lei. É achamada razoabilidade interna, que diz com a exis-tência de uma relação racional e proporcional entre seusmotivos, meios e fins. [...] De outra parte, havendo a

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razoabilidade interna da norma é preciso verificar suarazoabilidade externa, isto é: sua adequação aos mei-os e fins admitidos e preconizados pelo texto constituci-onal. [...] Além da adequação entre o meio empregadoe o fim perseguido, a idéia de razoabilidade compõe-seainda de mais dois elementos. De um lado, a necessida-de ou exigibilidade da medida, que impõe verificar ainexistência de meio menos gravoso para a consecuçãodos fins visados [...] Neste caso, a razoabilidade se ex-pressa através do princípio da vedação do excesso. Porfim, a razoabilidade deve embutir, ainda, a idéia deproporcionalidade em sentido estrito, que é a pondera-ção entre o ônus imposto e o benefício trazido, paraconstatar se a medida é legítima (BARROSO, 2001, p.153, grifos do autor).

Como se pode perceber, as normas deverão ser analisadas poraspectos de razoabilidade interna, externa e da proporcionalidadeem sentido estrito, sempre com foco nos motivos, nos fins e nosmeios para o alcance do direito violado.

Cada vez mais, verifica-se a tendência da tradicional doutrinacivilista para o enfoque constitucional da matéria. A busca pelapreservação dos direitos fundamentais, pela preservação dos valo-res mais caros à sociedade integralmente considerada, culmina porentrar em rota de colisão com a multiplicidade de normasinfraconstitucionais atuais. Muitas vezes, essas normas são editadassem nenhum compromisso com os dogmas das relações privadasinsculpidos em nosso Código Civil, demandando a utilização, comopreservação do equilíbrio sistêmico, dos paradigmas constitucio-nais.

Não podemos descurar que eles, os paradigmas constitucio-nais, são como porto seguro para a coerência do sistema legal, seconstituindo, inegavelmente, como o principal norte para ahermenêutica infraconstitucional.

Por ocasião de sua conferência na Faculdade de Direito daUniversidade de Coimbra, o professor doutor Gustavo Tepedinonos deu a exata noção desse enfoque constitucional, conformepodemos verificar no excerto seguinte:

O debate acerca da incidência das normas constitucio-nais nas relações de direito civil pode ser analisado sobpelo menos dois diferentes aspectos: do ponto de vistada evolução histórica, a partir da mudança do papeldesempenhado pelo código civil no sistema de fontes; edo ponto de vista dogmático, verificando-se de que for-ma a incidência das normas constitucionais interfere nosinstitutos de direito civil e na teoria da interpretação.Que as normas constitucionais, e particularmente o rolde direitos e garantias individuais, possuem direta efi-

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cácia nas relações de direito civil parece pouco a poucoconstituir um consenso para a melhor doutrina, anima-da, sobretudo pelos debates doutrinários desenvolvi-dos na Alemanha, na Itália e em Portugal, nos últimos30 anos [...] (TEPEDINO, 2006, p. 21).

Ocorre que mesmo o professor Tepedino, do alto de suareferenciada cátedra, não tem segurança para afirmar em que in-tensidade que a, em suas palavras, constitucionalização do di-reito civil pode ser identificada e seu estudo aprofundado, inverbis:

A intensidade e os limites de tal incidência é que aindanão se podem considerar objeto de consenso doutriná-rio, permanecendo nebuloso, por isso mesmo, o exatosentido técnico emprestado à chamada constitucio-nalização do direito civil, questões cujo desenlace requeruma apreciação, ainda que sintética, do contexto históri-co em que se insere o debate (TEPEDINO, 2006, p. 23).

Ao nos propormos a desenvolver o presente trabalho, quería-mos isolar os preceitos constitucionais que inspiram as normas apa-rentemente antagônicas, de molde a estabelecer o paradigma cons-titucional que sustente as relações contratuais – privilegiando odireito do credor – bem como o que dá base à preservação da dig-nidade humana – preservando o devedor. Com isso, esperamoscontemporizar os sistemas e conjugar as normas, ponderando osinteresses em conflito.

É precisamente este o enfoque que se pretende alcançar como presente estudo. Não resta dúvida de que o credor não detém opoder de invadir, coercitiva e ilimitadamente, o patrimônio dodevedor e de se imiscuir em sua esfera de disponibilidade. Quantoa isso não há dissenso.

Ultimamente, a estrada não parece ser de mão dupla, entre-tanto, quando se analisa o direito do devedor a se escusar de efe-tuar o pagamento do débito. No tema ora na ribalta, o direitosubjetivo do devedor de proteger o seu salário, garantindo a ma-nutenção de sua dignidade e, em última análise, os próprios ali-mentos de sua família, não pode ser confundido com a negativade validade da autorização legal para se proceder à penhora derecursos que estejam disponíveis em suas contas bancárias.

Nessa esteira de raciocínio, o professor Pietro Perlingieri nosapresenta a análise do direito subjetivo, mantendo o olhar na pers-pectiva constitucional da análise do direito civil, dando claroenfoque na mitigação do direito subjetivo como individual e ab-soluto. O foco central passa a ser a coletividade, como manifesta-ção do princípio da solidariedade. Vejamos o raciocínio do mestre:

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No ordenamento moderno, o interesse é tutelado se, eenquanto for conforme não apenas ao interesse do ti-tular, mas também àquele da coletividade. Na maiorparte das hipóteses, o interesse faz nascer uma situa-ção subjetiva complexa, composta tanto de poderesquanto de deveres, obrigações, ônus. É nesta perspecti-va que se coloca a crise do direito subjetivo Este nasceupara exprimir um interesse individual e egoísta, enquan-to que a noção de situação subjetiva complexa configu-ra a função de solidariedade presente ao nível constitu-cional (PERLINGIERI, 2002, p. 121-122).

Prosseguindo na análise do tema e estabelecendo as premis-sas de sua construção intelectual, o professor Perlingieri torna-seainda mais enfático:

São facilmente criticáveis aquelas concepções que, parasalvar a noção de direito subjetivo, identificam, no po-der da vontade que se exprime em forma arbitrária eabsoluta, o princípio; e, nos limites, a exceção.[...] O enfoque não é correto. No vigente ordenamentonão existe um direito subjetivo – propriedade privada,crédito, usufruto – ilimitado, atribuído ao exclusivo inte-resse do sujeito, de modo tal que possa ser configuradocomo entidade pré-dada, isto é, preexistente aoordenamento e que deva ser levada em consideraçãoenquanto conceito, ou noção, transmitido de geração emgeração. O que existe é um interesse juridicamente tute-lado, uma situação jurídica que já em si mesma encerralimitações para o titular (PERLINGIERI, 2002, p. 121-122).

Importante parte de seu raciocínio se verifica na fixação doslimites externos à efetivação do direito subjetivo. Com efeito, oprofessor faz um interessante contraponto entre a tutela do direitoindividual frente ao interesse do coletivo, conforme podemos veri-ficar amiúde:

Os chamados limites externos, de um ponto de vistalógico, não seguem a existência do princípio (direito sub-jetivo), mas nascem junto com ele e constituem seu as-pecto qualitativo. O ordenamento tutela um interessesomente enquanto atender àquelas razões, tambémde natureza coletiva, garantidas com a técnica das limi-tações e dos vínculos. Os limites, que se definem exter-nos ao direito, na realidade não modificam o interessepelo externo, mas contribuem à identificação da suaessência, da sua função (PERLINGIERI, 2002, p. 122).

Na sequência, o mestre italiano joga uma pá de cal no assun-to, reforçando a ideia e deixando inequívoca sua análise acerca doocaso do direito subjetivo, in verbis:

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As situações subjetivas sofrem uma intrínseca limita-ção pelo conteúdo das cláusulas gerais e especialmen-te daquela de ordem pública, de lealdade, de diligên-cia e de boa-fé, que se tornaram expressões gerais doprincípio da solidariedade. O ordenamento reconhecea propriedade de um bem, a titularidade de um crédi-to, somente enquanto o direito for exercido em con-formidade com as regras; se assim não acontecer, ointeresse não será nem reconhecido e nem tutelado(PERLINGIERI, 2002, p. 122).

Note-se que o professor ibérico não descura de tratarisonomicamente eventuais litigantes. A mitigação do direito subje-tivo em prol da garantia da efetividade do princípio da solidarie-dade valeria, perfeitamente, tanto para o devedor como para ocredor.

A inteligência do mestre salto aos olhos, na medida em queele consegue atualizar o pensamento civilista sem ser tendenciosoquanto ao enfoque em tal ou qual pretensão. O que se prestigia éo interesse social, é o princípio da solidariedade, é a higidez dosistema legal inspirado e parametrizado pela dogmática constituci-onal.

Palestrando durante o VI Ciclo de Conferências sobre o Direitoda Crise Econômica, promovido pela Escola da Magistratura do Es-tado do Rio de Janeiro, o doutor Gustavo Tepedino nos chama aatenção para a necessidade de sempre se buscar o norte, o funda-mento de validade da norma, no seio da constituição. Nas palavrasdo professor:

Somente os valores constitucionais, no meio à diversi-dade de normas emanadas a cada dia, fruto de circuns-tâncias e lógicas setoriais variadas e contraditórias, po-dem oferecer ao magistrado e ao advogado os indis-pensáveis parâmetros de sistematicidade. É preciso,para tanto, assumir a Constituição Federal não já comoCarta política, definidora de princípios voltados somen-te para o legislador, mas como norma jurídica, direta-mente aplicável às relações de direito privado(TEPEDINO, 2004, p. 81).

Prosseguindo na exposição de seu raciocínio, o conferencistapassa a analisar os efeitos sobre a execução contratual, os riscosda insolvência e do inadimplemento, e sobre a onerosidade dopagamento nas relações privadas, dentro do contexto de crise eco-nômica:

A segunda ordem de efeitos apontada diz respeito di-retamente à disciplina contratual e, em seu âmbito, aosdois riscos que, basicamente, o direito, e em particular o

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direito contratual, tenta debelar. A rigor, não seria exa-gero dizer que toda a disciplina do direito privado seestrutura para debelar dois riscos: o da insolvência e odo inadimplemento. Não haveria sistema de trocas erelações comerciais se tais perigos não fossemminimizados pela ordem jurídica que, por isso mesmo,procura estabelecer mecanismos de proteção do crédi-to e dos contratantes. Contra o risco da insolvência tem-se o sistema de garantias, fidejussórias e reais. Já parafazer face ao eventual inadimplemento, estabelecem-se as cláusulas penais, moratória e compensatória, vi-sando a dissuadir o contratante faltoso (TEPEDINO, 2004,p. 81).

Veja-se que, mesmo quando a preocupação com a preserva-ção dos direitos humanos é o tema central do discurso, não há comodescurar da necessidade de se revestir o credor de meios e alterna-tivas tanto para a garantia da preservação de seu crédito quantopara a sua efetiva recuperação.

A argúcia do professor carioca reside em compreender, preci-samente, a ampla ineficiência do sistema atual. Nem o credor sereveste de tutelas de crédito hábeis a lhe garantir recuperação co-ercitiva, nem o devedor está plenamente seguro face a eventuaisabusos, conforme se verifica abaixo:

Pois bem: no momento de crise econômica, os expedi-entes que normalmente serviam à tutela do crédito seapresentam insuficientes. Os efeitos da crise na execu-ção dos contratos são notados particularmente na exa-cerbação dos riscos apontados e na intensificação dosmecanismos de proteção colocados em funcionamentopelo Estado, muitas das vezes em sacrifício de princípiosconstitucionais indisponíveis (TEPEDINO, 2004, p. 81).

Não podemos fechar os olhos, convenhamos, para o fato deque aqueles que se entrincheiram na louvável e perene luta pelapreservação do caráter humanístico nas relações privadas – aliás,como evidente na expressa menção acima sobre a suposta exacer-bação dos riscos apontados e na intensificação dos mecanis-mos de proteção – não raras vezes pecam por não apresentar al-ternativa viável para o legítimo exercício do direito de cobrança eignoram a maciça inadimplência que se verifica no sistema de cré-dito brasileiro.

Por seu turno, também não é difícil identificar discursos sus-tentando que os grandes lucros das instituições financeiras e decrédito mitigam a alegação de elevada inadimplência, descurando,todavia, do reflexo nefasto originado pela conduta doinadimplente, que se espraia por toda a sociedade.

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Ao permitir que o inadimplente esteja inserido no seio da so-ciedade ostentando a “impunidade” ante sua inadimplência, ali-menta-se um claro desequilíbrio nas relações privadas e gera-se umsentimento de insegurança do cidadão comum nas instituições, namedida em que este tem que honrar seus compromissos, geralmen-te a duras penas do trabalho e da privação de supérfluos.

Esse cidadão hipotético, ao perceber que o sistema não ofere-ce meios ao credor para a efetiva invasão do patrimônio doinadimplente, passa a repensar, mesmo em perspectiva filosófica,qual conduta seria a mais razoável diante do quadro. Financiar os“grandes lucros dos bancos” em detrimento de privações pessoaisou gozar do crédito ilimitadamente, se sujeitando a mera limita-ção temporal para contratar (“nome sujo”)?

Ademais, nos parece contemporizar um erro com outro. Ora,se os lucros são desmedidos, pois que haja controle estatal sobre aatividade, seja na vertente regulatória, seja mesmo pela via tribu-tária de viés extrafiscal. O que não é possível, data venia, é prestigiarum grupo isolado da sociedade com as benesses da moratóriajurisdicional.

Com efeito, há hoje no Brasil, inegavelmente, um seleto gru-po de centenas de milhares de nacionais que, por circunstânciasjustificáveis ou não, goza do “direito de não pagar suas dívidas”,tendo garantido pela lei – e, como muitos propagam, pela própriaconstituição – o direito de inadimplência, escudados na míope in-terpretação do princípio da dignidade da pessoa humana.

As garantias são inúmeras e desproporcionais ao inadimplente.Vejamos o próprio caso da proteção ao bem de família, outra nor-ma (Lei Federal nº 8.009/90) de inegável correlação com o princí-pio fundamental mencionado.

É evidente que o conceito – proteção do único imóvelresidencial – detém grande relevância social ao garantir a únicamoradia da família. Isso é inegável. A norma é adequada, entre-tanto? Parece-nos que não.

A garantia limita-se a proteger a única moradia, seja elasuntuosa ou não. O devedor pode ostentar imóvel no valor decentenas de milhares de reais – e até superar a casa do milhão,como já tivemos a oportunidade de presenciar nos anos de lideforense – sem que haja instrumento para lhe obrigar a adquiriruma moradia mais modesta, preservando sua dignidade e hon-rando suas dívidas com a utilização do “troco” na mudança deresidência.

Em havendo mais de um imóvel, existe a opção por exigir que agarantia recaia sobre o de menor valor, o que, a bem da verdade,pode gerar ainda mais injustiça. Imaginemos a hipótese do devedor

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que tenha dois imóveis, um modesto, avaliado em sessenta mil reais,e outro médio, avaliado em duzentos mil reais. Esse devedor, queostenta patrimônio imobiliário total de duzentos e sessenta mil re-ais, terá que entregar para pagamento de suas dívidas o bem deduzentos mil reais, assistindo à supressão de aproximadamente oi-tenta por cento de seu patrimônio. Caso esse mesmo devedor,entretanto, tivesse um único imóvel no valor de trezentos e cinquentamil reais, não precisaria honrar nenhuma de suas dívidas. Isso pareceferir o princípio da isonomia, e pensamos assim o ser.

O quadro se reveste de ainda mais injustiça quando conside-ramos que pela inadimplência do segundo, todos nós, inclusive eue você, que me dá a honra de ler este breve estudo, temos asmalsinadas “taxas de risco” calculadas levando em consideração aconduta leviana do devedor contumaz.

Qual seria então a melhor conduta para prestigiar o princípioda solidariedade, para beneficiar a sociedade como um todo? Pro-teger o patrimônio e a integralidade dos depósitos bancários dosegundo devedor, ocasionando o crédito mais caro para a socieda-de em geral, ou devassar a integralidade de seu patrimônio, hon-rando, ainda que em parte, suas dívidas, garantindo-lhe, obvia-mente, a manutenção de uma moradia modesta e de rendimentossuficientes às suas despesas de subsistência?

Indubitavelmente, nos parece que a segunda hipótese seja aque melhor prestigie o interesse da sociedade como um todo.

Acreditamos que proteger ilimitadamente o inadimplente é darnegativa de validade ao princípio da solidariedade, tão em voga noâmbito do direito civil em sua atual perspectiva constitucional.

Fere-se a sociedade em geral, pois quem paga a conta dainadimplência não são os credores. O reflexo da inadimplência é orepasse, através de altas taxas de juros, para toda a sociedadeadimplente. Sociedade esta que sofre para honrar seus compromis-sos e obter um dos créditos mais caros do mundo.

A “conta”, como se diz popularmente, sempre sobra para aclasse média, verdadeiro motor deste país, que não usufrui dosbenefícios concedidos aos que vivem na linha de pobreza e nemdos incentivos concedidos ao setor produtivo.

Sobra-nos, infelizmente, o ônus de honrar a conta dainadimplência alheia, via elevadíssimas taxas de juros. A situaçãofica ainda pior, quando verificamos uma tendência doutrinária ejurisprudencial a referendar esse círculo vicioso.

Um dos diversos fatores gênese da inadimplência, inegavel-mente, é a ineficiência dos meios de cobrança disponibilizados aoscredores. Na lide forense, é consenso que o processo de cobrança,seja pelo rito comum, pelo rito monitório, e mesmo pelo rito exe-

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cutivo, não tem quase nenhuma efetividade quanto à excussãoforçada do patrimônio do devedor.

A maioria absoluta dos processos de cobrança que chegam abom termo o consegue mediante transação das partes, através demútuas concessões, sem que haja nenhuma esperança, pela partecredora, ou temor, pela parte devedora, de que o Estado-juiz lo-grará êxito em invadir o patrimônio particular para saldar a dívidainadimplida.

E, quando o legislador concede ao credor meios mais contun-dentes para a constrição do patrimônio do devedor inadimplente,não são raras as vozes que bradam em defesa de direitos humanosexclusivos e egoístas, descuidando completamente da saúde doorganismo social integralmente considerado.

Diante desse quadro, pintado com as fortes tintas dopragmatismo, faz-se necessária a interpretação e aplicação da leiprocessual com foco na preservação do princípio da solidariedade,resguardando as garantias individuais, preservando o núcleo durodos direitos contrapostos e tratando isonomicamente os interessesem conflito.

3 A necessidade de mitigação do dogma daimpenhorabilidade do salário

A Lei nº 11.382/2006, ao reformar o Digesto Procedimental,estabeleceu duas regras processuais aparentemente inconciliáveis,tornando mesmo inexequível uma delas se analisada com olharestritamente pragmático.

As regras em conflito estão expressas nos arts. 649, IV, e 655-A,ambos do CPC, cuja transcrição é de rigor:

Art. 649. São absolutamente impenhoráveis:IV - os vencimentos, subsídios, soldos, salários, remune-rações, proventos de aposentadoria, pensões, pecúliose montepios; as quantias recebidas por liberalidade deterceiro e destinadas ao sustento do devedor e sua fa-mília, os ganhos de trabalhador autônomo e os honorá-rios de profissional liberal, observado o disposto no § 3o

deste artigo;[...]Art. 655-A. Para possibilitar a penhora de dinheiro emdepósito ou aplicação financeira, o juiz, a requerimentodo exeqüente, requisitará à autoridade supervisora dosistema bancário, preferencialmente por meio eletrô-nico, informações sobre a existência de ativos em nomedo executado, podendo no mesmo ato determinar suaindisponibilidade, até o valor indicado na execução.

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Considerando a miríade de hipóteses descritas no inciso IV,acima, doravante passaremos a tratar todas elas sob a alcunha de“salário”, como expressão representativa geral.

Em análise amiúde e dentro da perspectiva constitucional ob-servada anteriormente, podemos classificar a regra deimpenhorabilidade como expressão do princípio fundamentalque protege a dignidade da pessoa humana, na medida em queconfere proteção ao salário, que é elemento essencial para a vidaem qualquer sociedade capitalista.

Usando o mesmo exercício mental, podemos classificar a re-gra invasiva da intimidade bancária, mais conhecida como pe-nhora on-line, como manifestação do princípio fundamental degarantia da proteção ao ato jurídico perfeito, aqui consideradosob a ótica da preservação da segurança das relações jurídicas.

A solução desse conflito através do método da ponderaçãode interesses, tal como tratado anteriormente, nos parece ser aúnica solução viável, preservando ambos os conteúdos normativosinfraconstitucionais transcritos.

Sob outro enfoque, precisamos considerar que, ainda que asolução, para o conflito de normas constitucionais, seja individu-al e encontrada mediante análise de cada caso concreto, não po-deremos perder de vista que essa análise é pano de fundo aceleuma maior.

Não restam dúvidas de que o caso concreto será dirimido àluz da legislação infraconstitucional, aliás, acima transcrita. Não épretensão deste trabalho, já dissemos, negar validade às referidasdisposições legislativas menores.

O que se pretende demonstrar é que as regras, ainda que re-velem aparente antinomia, podem e devem conviver harmoniosa-mente, na medida em que são inspiradas por princípios fundamen-tais de matriz constitucional, que se digladiam constantemente numeterno embate de forças, sem que nunca haja vitória absoluta dequalquer deles, havendo prevalência momentânea e pontual deacordo com as circunstâncias peculiares do caso concreto.

Dessa forma, sustenta-se que os artigos 649 e 655-A do CPCnão são monólitos intransponíveis. Não encerram questões estan-ques, não são irremediavelmente antagônicos e sempre deverãoser aplicados com profunda cognição do caso concreto.

A Lei 11.382/2006, atriz principal de nosso estudo, original-mente elaborada pelo Congresso Nacional, estabelecia limites paraalgumas das regras protetivas da impenhorabilidade.

Pode-se notar da redação original do § 3º do art. 649 doCPC, bem como a do parágrafo único do art. 650, fazendo o §3ºreferência expressa ao mandamento contido no inciso IV, do pró-

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prio art. 649, que a proteção ao salário encontrava limitação quan-titativa, conforme se verifica abaixo:

“§ 3o Na hipótese do inciso IV do caput deste artigo, seráconsiderado penhorável até 40% (quarenta por cento)do total recebido mensalmente acima de 20 (vinte) salá-rios mínimos, calculados após efetuados os descontos deimposto de renda retido na fonte, contribuiçãoprevidenciária oficial e outros descontos compulsórios.”“Parágrafo único. Também pode ser penhorado o imó-vel considerado bem de família, se de valor superior a1000 (mil) salários mínimos, caso em que, apurado o va-lor em dinheiro, a quantia até aquele limite será entre-gue ao executado, sob cláusula de impenhorabilidade.”

De destaque o fato de o parágrafo único apresentar limitaçãoao único imóvel residencial, também chamado “bem de família”,conforme já abordado anteriormente, e, a par de só tocartangencialmente na matéria ora tratada, ser de suma relevânciapara a reflexão sobre o pensamento do Congresso Nacional na-quele instante.

Entretanto, o Presidente da República entendeu por bem ve-tar a regra legal acima, através da Mensagem nº 1.047/2006, o ten-do feito com os seguintes argumentos:

O Projeto de Lei quebra o dogma da impenhorabilidadeabsoluta de todas as verbas de natureza alimentar, aomesmo tempo em que corrige discriminação contra ostrabalhadores não empregados ao instituirimpenhorabilidade dos ganhos de autônomos e de pro-fissionais liberais. Na sistemática do Projeto de Lei, aimpenhorabilidade é absoluta apenas até vinte saláriosmínimos líquidos. Acima desse valor, quarenta por cen-to poderá ser penhorado.A proposta parece razoável porque é difícil defenderque um rendimento líquido de vinte vezes o salário mí-nimo vigente no País seja considerado como integral-mente de natureza alimentar. Contudo, pode ser con-traposto que a tradição jurídica brasileira é no sentidoda impenhorabilidade, absoluta e ilimitada, de remu-neração. Dentro desse quadro, entendeu-se pela con-veniência de opor veto ao dispositivo para que a ques-tão volte a ser debatida pela comunidade jurídica e pelasociedade em geral.

Em que pese Sua Ex.a ter reconhecido a razoabilidade da pro-posta de limitação, entendeu-se pela conveniência de opor vetoao dispositivo para que a questão voltasse a ser debatida pela co-munidade jurídica e pela sociedade em geral. Na mesma Mensa-gem, o Sr. Presidente da República desperdiçou outra grande opor-

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tunidade de inovação do sistema, ao não permitir a criação de umlimite financeiro para o enquadramento de imóveis na condiçãode bem de família. Vejamos a justificativa presidencial:

Na mesma linha, o Projeto de Lei quebrou o dogma daimpenhorabilidade absoluta do bem de família, ao per-mitir que seja alienado o de valor superior a mil saláriosmínimos, ‘caso em que, apurado o valor em dinheiro, aquantia até aquele limite será entregue ao executado,sob cláusula de impenhorabilidade’. Apesar de razoá-vel, a proposta quebra a tradição surgida com a Lei no

8.009, de 1990, que ‘dispõe sobre a impenhorabilidadedo bem de família’, no sentido da impenhorabilidade dobem de família independentemente do valor. Novamen-te, avaliou-se que o vulto da controvérsia em torno damatéria torna conveniente a reabertura do debate arespeito mediante o veto ao dispositivo.

A análise recebe contornos ainda mais curiosos quando nosdeparamos com a regra do inciso X, que claramente determina que“até o limite de 40 (quarenta) salários mínimos a quantia deposita-da em caderneta de poupança” será impenhorável.

A inteligência do veto quer fazer crer que será razoável limitara proteção da poupança a um valor reduzido, que não se presta acomprar sequer um carro popular novo, mas, em contrapartida,também será razoável garantir proteção ilimitada ao salário, aindaque represente vultosa quantia.

Vale lembrar que a ação coercitiva do Estado, através do Po-der Judiciário, deve estar preparada para resolver todo tipo de si-tuação concreta. Daí a necessidade de a lei ser geral e abstrata.

A proteção dos pequenos devedores, das pessoas que momen-taneamente estejam atravessando dificuldades financeiras, é me-dida humanitária e se amolda perfeitamente à necessidade deprestigiar o princípio da dignidade da pessoa humana.

Por outro lado, não restam dúvidas de que há devedores reso-lutos, maus pagadores contumazes, que ostentam alto padrão devida e usufruem de pomposos rendimentos, agora protegidos ili-mitadamente pela regra aqui questionada.

Importante lembrar que este estudo não se arvora contra legemou tem a pretensão de sustentar a penhorabilidade absoluta desalários, ignorando por completo o louvável caráter humanísticoque encerra o princípio fundamental da dignidade da pessoa.

O objetivo é apresentar alternativa razoável para a convivên-cia do instituto da penhora on-line, com a preservação daimpenhorabilidade do salário, tal como esclarecido alhures.

Desse gancho pode-se extrair que o projeto de lei elaboradopelo Congresso Nacional era coerente e harmonioso quando esti-

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pulava limites, tendo sido descaracterizado com o veto presidenci-al acima, que possibilitou a coexistência de disposições aparente-mente antagônicas.

Não pretendemos fazer juízo de valor acerca dos limites apre-sentados na redação original, mas sim quanto ao espírito da nor-ma. Limitar a quantia do “salário impenhorável” e fixar parâmetropara a caracterização de “bem familia” era, e ainda é, providênciaoportuna e necessária e prestigiaria o princípio da solidariedade.Não foi dessa vez, contudo. Valendo pontuar a perda da oportuni-dade em avançarmos positivamente no campo legal.

O pensamento levado ao extremo nos conduz a um aparentebeco sem saída, pois o devedor sempre terá a faculdade de vir aosautos afirmar que a quantia penhorada em sua conta bancária éproveniente de seu salário e possuirá, inclusive, documentos há-beis à prova de suas alegações.

Aliás, é justamente essa a providência que vem sendo tomadahodiernamente pelos devedores nos processos de cobrança, logran-do grande êxito em negar validade ao mandamento processualque instituiu a penhora on-line.

A afirmação parece contundente, mas a prática forense nosforça a concluir que a negativa de vigência que tem sido aplicadapelos Tribunais ao art. 655-A do CPC advém de um silogismo pue-ril: se todo o dinheiro recebido como remuneração é, em re-gra, depositado em conta bancária, toda penhora on-line ofen-deria a regra do art. 649 do CPC.

É evidente que o silogismo em questão nunca será utilizadopara fundamentar uma decisão judicial ante sua pobreza técnica,que é absolutamente incompatível com a inteligência dos magis-trados pátrios.

A implicação pragmática das decisões com que nos deparamoscomumente, entretanto, nos leva a essa conclusão, que nos chegarepleta de preocupação com os rumos da evolução do entendimen-to jurisdicional, ainda sem manifestação relevante de nosso STJ.

A bem da verdade, o que se infere das decisões em massa quesão catapultadas para fora dos gabinetes dos julgadores é que háuma clara opção por aplicar o dispositivo legal proibitivo da pe-nhora sobre os salários, com nítida escolha da interpretação literal,em detrimento da teleológica e mesmo da sistemática, que seriambem mais recomendáveis por todos os compêndios de hermenêutica.

Nessa perspectiva, nos resta nos socorrermos do novel Princí-pio da Cooperação, que sem afastar a posição de tertium genusdo juiz, e sem sugerir que este assuma o condenável papel de le-gislador positivo, labore na busca de garantir a almejada efetividadedo processo.

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Discorrendo sobre o Princípio da Cooperação, novamente tra-zemos à baila a narrativa do professor Fredie Didier Jr., que podetrazer luz ao debate:

Atualmente, prestigia-se no direito estrangeiro – maisprecisamente na Alemanha, França e em Portugal –, ejá com alguma repercussão na doutrina brasileira, o cha-mado princípio da cooperação, que orienta o magistra-do a tomar uma posição de agente-colaborador do pro-cesso, de participante ativo do contraditório e não maisa de um mero fiscal de regras.Essa participação não se resumiria à ampliação dos seuspoderes instrutórios ou de efetivação das decisões judi-ciais (arts. 131 e 461, e 461, §5º, CPC).[...] Encara-se o processo como o produto de atividadecooperativa: cada qual com as suas funções, mas todoscom o objetivo comum, que é a prolação do ato final(decisão do magistrado sobre o objeto litigioso) (DIDIERJR., 2008, p. 58-59).

Em outras palavras, mas com o mesmo conteúdo doutrinário,o professor Carlos Alberto Álvaro de Oliveira nos dá mostras de seuconhecimento sobre o assunto, deixando clara a necessidade departicipação ativa do magistrado na solução do conflito de interes-ses. Nas palavras do mestre:

Semelhante cooperação, além disso, mais ainda se justi-fica pela complexidade da vida atual, mormente por-que a interpretação da regula iuris, no mundo moder-no, só pode nascer de uma compreensão integrada en-tre o sujeito e a norma, geralmente não unívoca, comforte carga de subjetividade. Entendimento contráriopadeceria de vício dogmático e positivista. Exatamenteem face dessa realidade, cada vez mais presente na ricae conturbada sociedade de nossos tempos, em perma-nente mudança, ostenta-se inadequada a investigaçãosolitária do órgão judicial. Ainda mais que o monólogoapouca necessariamente a perspectiva do observador eem contrapartida o diálogo, recomendado pelo méto-do dialético, amplia o quadro de análise, constrange àcomparação, atenua o perigo de opiniões preconcebi-das e favorece a formação de um juízo mais aberto eponderado (OLIVEIRA, 1999, p. 139).

Da análise dessa nova perspectiva que se propõe, concluímosque ao julgador incumbirá não só avaliar e sopesar isonomicamenteos interesses em conflito, como também deverá mesmo se imiscuirnas entranhas do processo, para que possa compreender plena-mente as vicissitudes de cada caso concreto, de molde a se municiarde elementos para solucionar adequadamente os conflitos dessanatureza que lhe forem apresentados.

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Outra questão que aquece o pensamento, pontuamos, é a li-mitação temporal do salário. Por quanto tempo a quantia de-positada – originalmente oriunda de remuneração pelo labor –deveria ostentar o status de “salário”?

Como estabelecido no início deste capítulo, partimos do prin-cípio de que todo dinheiro que ingressa no patrimônio do “ho-mem médio” advém de seu labor, sendo aqui tratado generica-mente como “salário”.

Ousamos sustentar que o status de “impenhorável” deva gra-var o numerário por período nunca superior a trinta dias, tendoem vista a praxe remuneratória que graça pela maioria absolutados segmentos da sociedade e das relações de trabalho.

Sendo assim, caberia ao devedor provar que o dinheiro pe-nhorado teria sido recebido no decorrer do trintídio imediatamen-te antecedente, sob pena de ser descaracterizada a classificação“salarial” que lhe conferiria escudo intransponível contra asinvestidas credoras.

A incumbência do devedor em provar a adequação do dinheiroao disposto no art. 649, IV, CPC, já está expressa no § 2º do art. 655-A, CPC, valendo a conclusão acima como interpretação sistemáticados institutos.

Comungando desse mesmo entendimento, encontramos pru-dente análise jurisdicional do tema em comento, da pena de umprofícuo magistrado federal do Tribunal Regional Federal da Se-gunda Região, julgando ação monitória perante a Terceira VaraFederal de Volta Redonda.

Inicialmente, o magistrado elabora um breve relatório sobre oprocesso, estabelecendo as premissas que estão em discussão in casu,especificamente quanto à caracterização da quantia que foi en-contrada na conta da devedora como sendo salarial ou não. Diz apena de Sua Ex.a o juiz federal Valter Shuenquener de Araújo:

Efetivada a penhora on line (fls. 69/70), a parte ré impug-nou a execução (fls. 72/74), sob o fundamento de que apenhora teria recaído sobre o bem impenhorável, eis queos valores constantes da conta penhorada seriam prove-nientes de proventos de aposentadoria.[...] Fundamenta a parte impugnante sua insatisfação nofato de que a penhora on line teria recaído sob bemimpenhorável, razão pela qual a impugnação há que seradmitida nos termos do art. 475-L, III, do CPC.No entanto, no mérito, não assiste razão à parteimpugnante, já que os documentos apresentados nas fls.76/81 indicam, de fato, ser a mesma titular de um bene-fício previdenciário de Aposentadoria concedida pelo INSS[...] e que houve bloqueio judicial na conta bancária emque a Executada recebe seus proventos (BRASIL, 2009).

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A (IM)PENHORABILIDADE DO SALÁRIO

No mérito, ao valorar o conjunto probatório dos autos, o juizconclui que, apesar de o numerário advir de benefícioprevidenciário, as circunstâncias fáticas não autorizariam a ma-nutenção do status de impenhorabilidade originalmente conferi-do à quantia bloqueada. Vejamos as palavras do juiz federal:

Entretanto, referidos documentos, por si só, não demons-tram que o valor bloqueado a fls. 69 teria caráter alimen-tar, haja vista que o caráter alimentar não decorre sim-plesmente do fato de o valor ser oriundo do pagamentode salários, proventos de aposentadoria ou pensão.Verba de caráter alimentar é aquela necessária ao aten-dimento das necessidades essenciais à sobrevivência dodestinatário.Desta forma, os valores recebidos a título de salários,proventos de aposentadoria ou pensão embora sejampresumidos, em princípio, como de natureza alimentar,podem perder referida característica, por exemplo, casonão sejam absorvidos pelos custos originados das neces-sidades essenciais do destinatário, ocasionando “sobrasde dinheiro” que serão aproveitadas em aplicações fi-nanceiras, poupanças ou até mesmo mantidas em de-pósito em conta-corrente (BRASIL, 2009).

Ao final, o magistrado demonstra profunda sapiência na apli-cação da lei ao caso concreto, na medida em que extrai do texto danorma seu real significado, aplicando a parte que deixa inequívo-ca a titularidade do onus probandi quanto à natureza salarial docrédito identificado na conta do devedor:

Destarte, para demonstrar a natureza salarial do valorbloqueado a fls. 69 não basta à parte executada compro-var que os valores que percebe são oriundos de paga-mentos de pensão e/ou aposentadoria, devendo, outros-sim, demonstrar, efetivamente, que o numerário bloque-ado não diz respeito às tais “sobras de dinheiro” nãoabsorvidas, no mês, por seus custos de manutenção nor-mais.Cabe destacar, ademais, que, segundo consta do artigo655-A, §2º do Código de Processo Civil (com redaçãodeterminada pela Lei nº 11.382/2006), cabe ao execu-tado comprovar nos autos a impenhorabilidade dos va-lores bloqueados (BRASIL, 2009).

Como se percebe da mera leitura da decisão acima, o juiz op-tou pela prudente análise pormenorizada do caso concreto, evi-tando soluções pré-moldadas e convicções preconcebidas acercado conflito de interesse específico que lhe foi apresentado.

Analisando aquilo com que a doutrina processual maisavalizada pode contribuir para o estudo em foco, é de se reconhe-

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cer que os aspectos processuais que envolvem a controvérsia sãomuito mais amplos do que pode parecer à primeira vista.

O processo, analisado como procedere, como o que deve an-dar para frente, como o meio para o alcance do direito subjetivovilipendiado, traz várias lições que, como diria o professor CaioMário da Silva Pereira, calçam “como luva bem ajustada” a hipóte-se em foco.

Dentre essas lições, chama atenção a inteligência do professorAlexandre Câmara, que, citando Chiovenda, assim discorreu sobreo Princípio da Efetividade da Execução Forçada:

Trata-se de mera aplicação, in executivis, do princípio daefetividade do processo, já tantas vezes estudado peladoutrina. Este princípio pode ser resumido numa fraseque tem servido de slogan ao moderno Direito Proces-sual: “O processo deve dar, quanto for possível pratica-mente, a quem tenha um direito, tudo aquilo e exata-mente aquilo que ele tenha direito de conseguir” (CÂ-MARA, 2004, p. 152).

Com essas sábias palavras, fica evidente que as normas proces-suais em estudo podem coexistir e não apresentam antinomia en-tre si, desde que o aplicador do direito as interprete sistematica-mente com o ordenamento processual.

Os princípios da solidariedade, da dignidade da pessoa e daproteção ao ato jurídico perfeito podem perfeitamente ser conju-gados, prestigiando e validando plenamente as normas processu-ais estudadas.

Incumbe ao Poder Judiciário, guardião maior da aplicação dalei, dar aplicação equidistante dos comandos legais estudados, con-tribuindo ativamente para o almejado alcance da efetividade doprocesso, com o que alcançaremos o primado de um Poder Judiciá-rio ágil, célere e sobremaneira justo.

Conclusão

Capital, investimento, financiamento e trabalho são conceitosmuito antigos – até mesmo formulados em palavras arcaicas – e repre-sentam o grande motor da atividade econômica da raça humana.

A regulação jurídica dessas relações, sobremaneira e mais es-pecificamente a relação de crédito e débito, na sua vertente co-brança e pagamento, é atividade estatal de per se, que suplanta arelação privada, sem descurar da preservação do princípio da auto-nomia da vontade.

Cabe ao Direito Processual Civil o fornecimento dos meios, dainstrumentalidade, para que a relação de cobrança se ultime, pos-

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A (IM)PENHORABILIDADE DO SALÁRIO

sibilitando ao credor reaver coercitivamente o capital emprestadoem face do devedor inadimplente.

Em contrapartida, também ao Direito Processual Civil incumbi-rá prover meios ao devedor de não sofrer abusos desmedidos, pre-servando-lhe a dignidade nos termos da Constituição.

A atual perspectiva constitucional do direito civil nos remete ànecessidade de preservação da sociedade como organismo com-plexo e interligado, buscando a higidez do sistema processual atra-vés da manutenção do foco na fonte inspiradora de todo oordenamento jurídico – a Constituição Federal.

O princípio da solidariedade, portanto, exsurge como melhornorte para a interpretação e aplicação prática dos demais princípi-os constitucionais, garantindo a preservação da dignidade da pes-soa humana, sem descurar da preservação do princípio da isonomia.

A ponderação de interesses nos permite valorar as normas consti-tucionais através de critérios de razoabilidade e de proporcionalidade,possibilitando resolver o conflito aparente de normas constitucionaissem que haja negativa de validade do texto constitucional.

A preservação de um conteúdo mínimo do direito afastado,pela necessidade de corrigir injustiça, ante pontual e momentâneaprevalência de outra norma constitucional, garante a higidez dosistema e preserva a Constituição Federal como a verdadeira mani-festação do poder constituinte originário.

A conjugação entre as normas processuais que possibilitam agarantia da proteção do salário frente à possibilidade de penhorade crédito diretamente em conta bancária pode ser realizada semque haja antinomia entre as disposições do CPC.

Em outras palavras, a lei deve tanto permitir que o devedordeposite seu salário em conta bancária, quanto que o credor possapenhorar o numerário nela depositado. Os limites serão semprefixados pelo julgador, que deverá avaliar as circunstâncias do casoconcreto.

A dignidade da pessoa humana e a garantia do ato jurídicoperfeito são os fundamentos de validade das normas processuaisesculpidas nos arts. 649 e 655-A do CPC, cuja momentâneaprevalência de uma ou outra só poderá ser aferida mediante aná-lise jurisdicional do caso concreto.

A mesma situação de direito que em um caso proíba a penho-ra de quantia depositada em conta bancária poderá autorizá-laalhures, mediante circunstâncias específicas e pontuais analisadaspelo julgador, ainda que se trate de quantia originalmente prove-niente de salários.

O crédito oriundo de salário deverá ostentar essa qualidadepelo período máximo de trinta dias, lapso temporal adequado e

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compatível com um ciclo completo na vida econômica do homemmédio.

A análise aprofundada do caso concreto será sempre realiza-da tendo por norte o princípio da cooperação, com vistas a permi-tir que o magistrado tenha atuação marcada pela colaboração nabusca da melhor solução para o litígio.

DIDIER JR., Fredie. Curso de direitoprocessual civil. Teoria geral do pro-cesso e processo de conhecimento. 9.ed. São Paulo. JusPodium, 2008. v. 1.

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FUNDAMENTOS DA IMUNIDADE TRIBUTÁRIA RECÍPROCA E SUA APLICAÇÃO ÀS EMPRESAS PÚBLICAS FEDERAIS

Fundamentos da imunidade tributáriarecíproca e sua aplicação às empresaspúblicas federais – posicionamento do

Supremo Tribunal Federal

Lenymara CarvalhoAdvogada da CAIXA em Brasília

Pós-graduada em Direito Tributário pelaUniversidade de Brasília

Pós-graduada em Direito Público pela Faculdade deCiências Jurídicas do Planalto Central

RESUMO

Este trabalho tem como objetivo traçar os fundamentos dainterpretação das normas constitucionais atribuída pelo SupremoTribunal Federal quanto à extensão da imunidade tributáriarecíproca às empresas públicas. Analisando os métodos deinterpretação e detalhadamente, o instituto da imunidadetributária recíproca e o ente empresa pública, busca-secompreender como, diante de uma interpretação sistemática dasnormas, se pode alcançar uma interpretação que se afasta dotexto literal da Constituição, mas alcança a sua real finalidade,concretizando e dando efetividade aos seus comandos.

Palavras-chave: Empresa pública. Imunidade tributáriarecíproca. Supremo Tribunal Federal. Interpretação.

ABSTRACT

This paper aims to outline the fundamentals of constitutionalinterpretation given by the Supreme Court regarding the extentof reciprocal tax immunity to public companies. Analyzing themethods of interpretation and detail, the Institute of reciprocaltax immunity and being a public company, we seek to understandhow the face of a systematic interpretation of the rules can achievean interpretation that differs from the literal text of theConstitution, but it reaches its true purpose, realizing and givingeffectiveness to their commands.

Keywords: Public company. Reciprocal tax immunity. SupremeCourt. Interpretation.

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Introdução

O Supremo Tribunal Federal é levado diariamente a resolverquestões que demandam a utilização das mais diversas formas deinterpretação, ocorrendo de tempos em tempos mudanças nas con-clusões dos seus julgamentos, principalmente no que tange a umade suas finalidades precípuas, qual seja, a aplicação e defesa dasnormas constitucionais.

Uma dessas situações tem sido enfrentada já há algum tempopelo Supremo, com ênfase nos últimos anos, em razão da extensãoda interpretação firmada.

O nosso sistema tributário prevê como uma limitação ao poderde tributar dos entes políticos a impossibilidade de um ente tribu-tar o outro, impondo a proibição de se instituir impostos sobre de-terminadas atividades das pessoas políticas. Tal limitação é estendi-da às autarquias e fundações públicas pela própria Constituição,em razão da especial atuação de tais entidades junto aos entesestatais.

Ocorre que existem outras pessoas jurídicas de direito privadoque atuam também ao lado do Estado, realizando atividade pú-blica, e não se justifica a imposição de tributos a elas, apesar daomissão da Constituição nesse sentido.

É diante dessa realidade que o Supremo Tribunal Federal (STF),interpretando em conjunto os dispositivos constitucionais, tem es-tendido a imunidade tributária recíproca também às empresas pú-blicas que atuam ao lado do Estado, prestando serviços públicos,em regime de exclusividade, ou seja, quando realizam um serviçopróprio do Estado que a elas foi delegado, mas que não deixa deser público em razão de ser exercido por ente de natureza privada.

Tal posicionamento tem como ponto de partida a interpreta-ção das normas constitucionais, por diversos métodos, levando emconsideração os aspectos históricos, as finalidades e a conjugaçãodos dispositivos constitucionais.

Na primeira seção deste artigo, exporemos as principais carac-terísticas das empresas públicas, suas funções e espécies e, na se-gunda, o instituto da imunidade tributária recíproca, seus funda-mentos e a sua aplicação no direito brasileiro.

Ainda demonstraremos, diante das características das empre-sas públicas, as razões para que também sejam alcançadas pela li-mitação constitucional tributária da imunidade recíproca.

Finalizando, apresentaremos crítica positiva à atuação do STF,que, interpretando os dispositivos constitucionais e analisando aessência de cada tipo de empresa pública, conclui por estender aimunidade tributária recíproca a algumas delas, diante de circuns-

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FUNDAMENTOS DA IMUNIDADE TRIBUTÁRIA RECÍPROCA E SUA APLICAÇÃO ÀS EMPRESAS PÚBLICAS FEDERAIS

tâncias específicas que serão detalhadamente expostas no presen-te trabalho.

1 Conceito e características das empresas públicas

O Estado, para execução de suas atividades administrativas, éorganizado por meio de unidades interiores, os seus órgãos, e depessoas jurídicas criadas para auxiliá-lo. Assim, ele poderá desenvol-ver as atividades por si ou por meio de outros sujeitos. A cada unida-de é atribuída uma competência com a finalidade de realizar taisatividades administrativas. Essas competências são constitucionalmen-te previstas a encargo do Estado, que, se as realiza por si próprio, asmantêm centralizadas, mas, como se vê, podem ser transferidas aoutras pessoas, quando se tem a chamada “descentralização”.

Na centralização, portanto, o Estado atua diretamente pormeio de seus órgãos, unidades sem personalidade jurídica que com-põem a administração pública direta. Assim nos ensina Gasparine(2005, p. 301):

Diz-se que a prestação ou a execução dos serviços públi-cos é centralizada quando a atividade, sobre integrar oaparelho administrativo do Estado, é realizada por meiode órgãos que o compõem, em seu próprio nome e sobsua inteira responsabilidade. O serviço vai da Adminis-tração Pública, que o executa e explora, ao administra-do, seu beneficiário último, sem passar por interpostapessoa.

De modo diverso, na descentralização, o Estado atua indireta-mente, já que o faz por meio de outras pessoas, que podem ounão constituir parte da administração. Mais uma vez o mestreGasparine (2005, p. 301) é bastante claro:

A prestação de serviços públicos é descentralizada namedida em que a atividade administrativa (titularidadee execução) ou a sua mera execução é atribuída a outraentidade, distinta da Administração Pública, para que arealize. Desloca-se a atividade, ou tão-só o seu exercí-cio, da Administração Pública central para pessoa jurídi-ca, esta privada, pública ou governamental. O serviçovai da Administração Pública, seu titular, ao administra-do, seu beneficiário último, através de uma interpostapessoa jurídica, esta privada, pública ou governamen-tal, que o executa e explora.

Temos nesse caso a administração pública indireta, que é oconjunto de pessoas administrativas que têm por objeto desempe-nhar as atividades de forma descentralizada.

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Conclui-se, portanto, que o Estado pode atuar de forma dire-ta, quando exerce ele próprio a atividade administrativa, ou deforma indireta, quando transfere as competências para outras pes-soas. Sendo esses responsáveis parte do próprio Estado, e criadoscom a finalidade de receber competências administrativas, temos aadministração pública indireta.

A administração pública indireta se compõe pelas entidadesdenominadas autarquias, fundações públicas, sociedades de eco-nomia mista e empresas públicas.

As autarquias e fundações públicas possuem personalidadejurídica de direito público, titularizam interesses públicos e sãodotadas exclusivamente de capacidade administrativa. São criadaspara a prestação de serviços públicos, cuja a titularidade e a execu-ção a elas são trespassadas.

As sociedades de economia mista e as empresas públicas pos-suem personalidade jurídica de direito privado e delas se vale 0Estado para possibilitar a execução de alguma atividade de seuinteresse com maior flexibilidade, para prestação de serviços públi-cos ou para a exploração de atividades econômicas. O Estado atanto foi compelido a criar tais entidades, como afirma Mello (2008,p. 88), com a finalidade de ganhar mais eficiência ou, em certoscasos, pela natureza peculiar da atividade que não secompatibilizava com outro meio de ação.

Neste trabalho, vamos nos ater à figura da empresa pública.De acordo com o conceito legal exposto no Decreto-Lei nº 200/

67, empresa pública é:

a entidade dotada de personalidade jurídica de direitoprivado, com patrimônio próprio e capital exclusivo daUnião, criada por lei para exploração de atividade eco-nômica que o Governo seja levado a exercer por forçada contingência ou de conveniência administrativa, po-dendo revestir-se de qualquer das formas admitidas emdireito.

Esse conceito traduz as principais características das empresaspúblicas. É, em primeiro lugar, um instrumento de ação do Estadoe, apesar de ter personalidade jurídica de direito privado, possuiinteresses além dos meramente privados.

Elemento de extrema relevância é a natureza jurídica atribuí-da a elas, pessoas jurídicas de direito privado, como as empresasparticulares. No entanto, como se trata de entidades criadas com ofim de auxiliar o Estado, atuar ao lado do Estado, tal regime tam-bém lhes atribui características de direito público, dando origema um regime híbrido, pois o direito privado é parcialmentederrogado pelo direito público. Isso porque a natureza jurídica é

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FUNDAMENTOS DA IMUNIDADE TRIBUTÁRIA RECÍPROCA E SUA APLICAÇÃO ÀS EMPRESAS PÚBLICAS FEDERAIS

mero elemento, contraposto à especial finalidade de criação daempresa pública, que é ser um sujeito auxiliar do Estado.

Resta claro, diante dos fins pelos quais são criadas, que empre-sas públicas podem ser destinadas à exploração de atividade eco-nômica ou à execução de serviços públicos.

A Constituição dispõe em momentos diversos sobre tais for-mas, aquelas que exploram atividade econômica, em razão de ex-trema relevância, pois competem às empresas privadas (artigo 173)e àquelas que prestam serviços públicos, que são atividades peculi-ares ao Estado (artigo 175).

A exploração de atividade econômica, em princípio, competeàs empresas privadas e, excepcionalmente, em razão de relevâncianacional, será atribuída ao Estado.

Já as que prestam serviços públicos ou coordenam a execuçãode obras públicas exercem atividades claramente pertinentes aoEstado, que, para um melhor gerenciamento, transfere tais ativida-des às empresas públicas criadas para atender a essa finalidade.

Vê-se que, no primeiro caso, as empresas públicas possuementão uma natureza jurídica híbrida, já que se sujeitam aos princí-pios do direito administrativo, mas ao mesmo tempo atuam emconcorrência às empresas privadas.

É por essa constatação que a Constituição da República, nopróprio artigo 173, veda a concessão de privilégios às empresaspúblicas que não sejam extensivos às empresas privadas. Porém,tal limitação abarca somente aquelas empresas públicas que ex-plorem atividade econômica. Esta é a precisa lição de Mello (2008,p. 191):

No primeiro caso, é compreensível que o regime jurídicode tais pessoas seja o mais próximo possível daqueleaplicável à generalidade das pessoas de Direito Priva-do. Seja pela natureza do objeto de sua ação, seja paraprevenir que desfrutem de situação vantajosa em rela-ção às empresas privadas – às quais cabe a senhoria nocampo econômico –, compreende-se que estejam, emsuas atuações, submetidas a uma disciplina bastanteavizinhada da que regula as entidades particulares defins empresariais.

Já as empresas públicas prestadoras de serviços públicos pos-suem peculiaridades especiais, uma vez que são uma continuaçãodas pessoas políticas, criadas especialmente para atender às ne-cessidades públicas. Por isso, “é natural que sofram o influxo maisacentuado de princípios e regras de Direito Público, ajustados,portanto, ao resguardo do interesse desta índole” (MELLO, 2008,p. 192).

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2 A imunidade tributária recíproca como limitação ao poderde tributar

O artigo 150 da Constituição da República dispõe acerca daslimitações ao poder de tributar do Estado. Entre essas limitações,temos as chamadas imunidades, ou seja, regras que denegam aprópria competência tributária, inibindo o seu exercício em rela-ção a certas hipóteses.

Segundo conceito longamente trabalhado por Costa (2006,p. 52), imunidade tributária é

a exoneração fixada constitucionalmente, traduzida emnorma expressa impeditiva da atribuição de competên-cia tributária ou extraível, necessariamente, de um oumais princípios constitucionais, que confere direito pú-blico subjetivo a certas pessoas, nos termos por ela deli-mitados, de não se sujeitarem à tributação.

As imunidades exteriorizam vedação absoluta ao poder de tri-butar, nos limites traçados pela Constituição. Não haverá ocorrên-cia do fato gerador, não haverá nascimento de obrigação nem docrédito tributário.

Na precisa lição do ilustre Martins (1998, p. 32):

A imunidade, portanto, descortina fenômeno de natu-reza constitucional que retira do poder tributante o di-reito de tributar, sendo, pois, instrumento de políticanacional que transcende os limites fenomênicos da tri-butação ordinária.[...]Há um interesse nacional superior a retirar do campoda tributação, pessoas, fatos considerados de relevo.

Para o nosso estudo, é importante nos debruçarmos sobre aimunidade tributária recíproca do artigo 150, VI, a:

Art. 150 – Sem prejuízo de outras garantias ao contri-buinte, é vedado à União, aos Estados, ao Distrito Fede-ral e aos Municípios:[...]VI – instituir impostos sobre:a) patrimônio, renda ou serviços, uns dos outros;

A imunidade tributária recíproca constitui instrumento que oconstituinte considerou fundamental para manter a democracia,por isso é a mais antiga exoneração constitucional tributária, sur-gindo com a primeira Constituição republicana, que adotou a for-ma federativa de Estado (1891), sendo contemplada por todas asdemais Constituições que tivemos. Visa a impedir que os entes

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FUNDAMENTOS DA IMUNIDADE TRIBUTÁRIA RECÍPROCA E SUA APLICAÇÃO ÀS EMPRESAS PÚBLICAS FEDERAIS

políticos tenham seu patrimônio, renda e serviços tributados pormeio de impostos. É, portanto, decorrência da forma federativade Estado.

A federação é a soberania externa de um Estado, formado pelaunião de diversos entes. No federalismo coexistem as três soberani-as: a federal, a dos estados-membros e a dos municípios, com cons-tituições próprias. Nascem sempre de um pacto que une os povosfísica, moral e economicamente.

Dentro dessa forma de Estado, a isonomia entre os entes queo compõem é base estrutural, não podendo um se sobrepor aooutro, devendo conviver em harmonia.

A federação determina uma autonomia recíproca entre a União,os estados-membros e os municípios; impositiva é a isonomia entreas pessoas políticas e dessa reciprocidade deflui a vedação da tri-butação, também recíproca, em matéria de impostos que lhes to-quem o patrimônio, a renda e os serviços, norma de cunho consti-tucional.

Dessa maneira, a proibição de um ente tributar o outro se tra-duz em princípio garantidor da federação, numa verdadeira pro-jeção concretizadora desse postulado constitucional, e por issomesmo é considerado cláusula pétrea, não podendo ser ofendidopor modificação legislativa (artigo 60, § 4º da Constituição da Re-pública).

A imunidade tributária recíproca visa a resguardar aincolumidade do regime federativo, evitando que as unidadesfederadas interfiram, pela via da tributação, na área de competên-cia e autonomia uma das outras, e sendo indispensável à preserva-ção institucional dessas unidades.

Como se percebe, o princípio do Estado federado toma rele-vância maior, ou, como destaca o mestre Aliomar Baleeiro, se reves-te de dupla importância, pois diz respeito não só ao aspecto políti-co, mas também ao financeiro. Comenta o ilustre autor:

[...] ao conferir maior renda tributária a Estados, Distri-to Federal e Municípios, quer pela participação de umente estatal no produto da arrecadação de outro, querpela participação em fundos de redistribuição, quer pelaatribuição mais lata de competência tributária, a Cons-tituição dotou-os de maior autonomia política, legislativae financeira. Sem dúvida, especialmente o crescer daautonomia político-jurídica do Estado federal é que con-figura o fruto e reflexo de um ser democrático de direi-to (BALEEIRO, 2000, p. 124).

Outro fundamento da imunidade tributária é a supremaciado interesse público sobre o privado, beneficiando o patrimônio,

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a renda e os serviços de cada pessoa política como instrumen-talidades para o exercício de suas funções públicas. Destaca-se comisso que as pessoas políticas não realizam gastos privados, e simgastos públicos, decorrentes de suas funções constitucionais, quenão são representativos de capacidade contributiva.

As atividades estatais próprias, como instrumento degovernabilidade, não vislumbram nenhum objetivo de lucro. OEstado deve dispor de receitas exatas que possibilitem a coberturade despesas dos serviços a seu cargo. Deve, enfim, manter o equilí-brio entre suas receitas e despesas, que é o objetivo da políticafinanceira.

Essa ausência de capacidade contributiva das pessoas políticastraduz fundamento e pilar mestre da imunidade tributária recípro-ca, pois seus recursos se destinam à prestação de serviços públicosque lhes incumbem.

O papel dos entes da federação na estrutura administrativapátria é administrar a coisa pública em um nível de organizaçãopróprio, e, dessa maneira, exercer as respectivas atividadessociopolíticas. Tal imunidade, portanto, visa a beneficiar as pessoaspolíticas quando da sua atuação típica, ou seja, quando executamatividades públicas.

Misabel Abreu Machado Derzi, ao atualizar a obra jurídica deAliomar Baleeiro, traça um paralelo entre os princípios do federa-lismo, da igualdade e da ausência de capacidade contributiva:

[...] a imunidade recíproca, assentada apenas na ausên-cia de capacidade contributiva, fica empobrecida em suaimportância prevalecente e em seus distintos desdo-bramentos. A imunidade responde a dois princípios cons-titucionais igualmente intangíveis, por meio de emen-da constitucional: ao princípio federal e ao princípio daigualdade (que, no Direito Tributário, deve ser exami-nado predominantemente segundo o critério da capa-cidade econômica). Quer se examine o tema sob umângulo – o da isonomia política dos entes da Federação–, quer sob outro – o da inexistência de capacidade eco-nômica – a imunidade intragovernamental não podeser reduzida por modificação posterior que altere o Tex-to Constitucional originário. Na Constituição brasileira,a imunidade recíproca não se fundamenta em um ououtro, mas ao contrário, no duplo princípio, no federal ena ausência de capacidade econômica, amboslimitadores da faculdade de emendar ou de revisar aCarta, própria do Poder Legislativo. (BALEEIRO, 2000, p.126).

Agora, diante das características básicas das empresas públicase da limitação constitucional da imunidade tributária recíproca,

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FUNDAMENTOS DA IMUNIDADE TRIBUTÁRIA RECÍPROCA E SUA APLICAÇÃO ÀS EMPRESAS PÚBLICAS FEDERAIS

cumpre verificar se, como extensão do Estado, a essas entidades seestende referido benefício de ser imune à tributação do seupatrimônio, renda e serviços.

3 Possibilidade de extensão da imunidade tributária recíprocaàs empresas públicas e considerações sobre a visão firmadapelo STF

Pelo texto constitucional, tranquila é a constatação de que osentes políticos, representados pela administração pública direta,são alvo da imunidade tributária recíproca, benefício estendido àsautarquias e fundações, entidades da administração pública indi-reta, mas com personalidade jurídica de direito público:

§ 2º - A vedação do inciso VI, “a”, é extensiva àsautarquias e às fundações instituídas e mantidas peloPoder Público, no que se refere ao patrimônio, à rendae aos serviços, vinculados a suas finalidades essenciaisou às delas decorrentes.

Porém, apesar da clareza da norma acima e, ainda, da regra dis-posta exatamente no parágrafo seguinte, há situações em que as em-presas públicas também poderão ser alcançadas por tal imunidade.

§ 3º - As vedações do inciso VI, “a”, e do parágrafoanterior não se aplicam ao patrimônio, à renda e aosserviços, relacionados com exploração de atividades eco-nômicas regidas pelas normas aplicáveis a empreendi-mentos privados, ou em que haja contraprestação oupagamento de preços ou tarifas pelo usuário, nem exo-nera o promitente comprador da obrigação de pagarimposto relativamente ao bem imóvel.

Tal constatação se iniciou em estudos doutrinários e chegouaos tribunais, que, com base em critérios hermenêuticos, alcança-ram o entendimento de serem também as empresas públicas alvoda limitação ao poder de tributar, consubstanciada na imunidadetributária recíproca.

No artigo 173 da Constituição, situa-se a empresa pública ex-ploradora de atividade econômica. Quando o Estado desenvolveatividade própria de particular ou quando com este concorre di-retamente, o ordenamento jurídico aplicado aos entes públicos e pri-vados será o mesmo, conforme determina o parágrafo segundo: “§ 2º- As empresas públicas e as sociedades de economia mista não pode-rão gozar de privilégios fiscais não extensivos às do setor privado”.

Contudo, o próprio artigo 173 ressalva a existência de outrassituações que também devem estar previstas constitucionalmente.

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Essas situações se consubstanciam nas hipóteses de haver relevanteinteresse coletivo e refletem naquelas atividades cuja atuação éexercida monopolisticamente pelo Estado. Essas atividades estãoprevistas no artigo 177 da Constituição.

Em outra face, temos as empresas públicas criadas com o fimde prestar serviços públicos. Sobre tais serviços dispõe o artigo 175da Constituição: “Art. 175. Incumbe ao Poder Público, na forma dalei, diretamente ou sob regime de concessão ou permissão, sempreatravés de licitação, a prestação de serviços públicos”.

Quando prestam serviço público, as empresas públicas man-têm a condição de pessoas administrativas, que agem em nome doEstado, para a consecução de um bem comum. Não objetivam alucratividade, embora de sua atividade até possa advir certo lucro,mas esse não é o seu desiderato. São, como afirma brilhantementeCarrazza (2007, p. 694), “a longa manus das pessoas políticas que,por meio de lei, as criam e lhes apontam os objetivos públicos aalcançar”.

O que se depreende da leitura do artigo 175 da Constituiçãoé que há um campo que é reservado apenas à atuação estatal, nãopodendo a iniciativa privada se imiscuir.

Assim, excepcionalmente, o Estado pode intervir no campo queé reservado à livre iniciativa, por meio das suas empresas públicas esociedades de economia mista, o que se reflete nas situações acimaprevistas. Nesses casos, tais entidades se submetem ao regime jurí-dico tributário próprio das empresas privadas, como dispõe o arti-go 173 da Carta Magna.

Já quando a empresa pública recebe a incumbência de reali-zar serviço público ou atividade decorrente do poder de polícia,não há concorrência com empresas privadas, não se sujeitando àregra do artigo 173, mas à regra do artigo 175. É, portanto, instru-mento próprio do Estado, se confundindo com ele e sendo tãopúblico quanto. Presta serviço público que jamais poderia ser pres-tado ou realizado por empresa privada, com exceção dos casos deconcessão e permissão.

Como muito bem conclui Carrazza (2007, p. 697):

Podemos, pois, dizer que, neste caso, as sociedades deeconomia mista e as empresas públicas, pelas atribui-ções delegadas de poder público que exercitam, são,tão-só quanto à forma, pessoas de direito privado. Quan-to ao fundo são instrumentos do Estado, para a presta-ção de serviços públicos ou a prática de atos de polícia.Acabam fazendo as vezes das autarquias, embora –damo-nos pressa em proclamar – com elas não se con-fundam.

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FUNDAMENTOS DA IMUNIDADE TRIBUTÁRIA RECÍPROCA E SUA APLICAÇÃO ÀS EMPRESAS PÚBLICAS FEDERAIS

Como se depreende da leitura da norma contida no artigo150, parágrafo 3º, da Constituição da República, restou excluídado alcance da norma imunizante a exploração de atividade eco-nômica regida pelo direito privado ou em que haja pagamento depreços ou tarifas pelo usuário:

§ 3º – As vedações do inciso VI, a, e do parágrafo anteri-or não se aplicam ao patrimônio, renda e aos serviços,relacionados com exploração de atividades econômicasregidas pelas normas aplicáveis a empreendimentosprivados, ou em que haja contraprestação ou pagamen-to de preços ou tarifas pelo usuário, nem exonera opromitente comprador da obrigação de pagar impostorelativamente ao bem imóvel.

Quanto às empresas públicas prestadores de serviços públicos,apesar de possuírem personalidade jurídica de direito privado, suaatividade é de direito público, por isso possui, entre outras prerro-gativas, o direito à imunidade fiscal.

Assim explica Costa (2006, p. 144):

O raciocínio resume-se no seguinte: se o serviço públicofor prestado diretamente pela pessoa política estará,indubitavelmente, imune à tributação por via de impos-tos. Ora, a mera delegação da execução desse serviçopúblico, pela pessoa que é titular da competência paraprestá-lo à coletividade, por meio de lei, a uma empre-sa por ela instituída – empresa pública ou sociedade deeconomia mista –, que se torna delegatária do serviço,não pode, portanto, alterar o regime jurídico – inclusivetributário – que incide sobre a mesma.A descentralização administrativa, como expedientedestinado a garantir maior eficiência na prestação deserviços públicos (art. 37, caput, da CF), não tem o con-dão de alterar o tratamento a eles dispensado,consagrador da exoneração tributária concernente aimpostos.

Já quanto às entidades exploradoras de atividade econômica,para a maioria da doutrina, a imunidade não as alcança em razãoda lógica da atividade exercida, bem como da expressa disposiçãoconstitucional contida no artigo 150, parágrafo 3º, e do artigo 173,parágrafo 2º.

É essa a conclusão a que chega Costa (2006, p. 144):

Com efeito, não há que se falar no cabimento da imu-nidade em hipótese alguma em que hajacontraprestação ou pagamento de preços ou tarifaspelo usuário. Quando isso ocorre o que se tem é a ex-ploração de atividade econômica pelo Estado – e, en-

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tão, deve ele sujeitar-se ao mesmo regime jurídicoaplicável à iniciativa privada.

Conforme já delineado neste artigo, a Constituição permite aexistência de duas formas de empresas públicas exploradoras deatividade econômica. Aquelas que atuam em concorrência com osetor privado e aquelas que exercem atividades tão relevantes parao Estado e para a sociedade que somente elas podem exercê-las,atuando de forma monopolística.

Assim, quando a empresa pública explora atividade econômi-ca em concorrência com o setor privado, há aplicação imediata docomando do artigo 173. No entanto, se não há concorrência comempresas privadas, ou seja, quando há prestação de serviço públi-co exclusivo do Estado, em regime de monopólio, não se aplicaesse dispositivo constitucional, mas diretamente o artigo 150 daConstituição.

Essa é exatamente a interpretação utilizada no voto do Minis-tro Carlos Velloso no leading case acerca da matéria:

É que a disposição inscrita no art. 173, caput, da Cons-tituição, contém ressalva: ‘ressalvados os casos previs-tos nesta Constituição, a exploração de atividade eco-nômica pelo Estado só será permitida quando necessá-ria aos imperativos da segurança nacional ou a rele-vante interesse coletivo; conforme definidos em lei’.Quer dizer, o artigo 173 da CF está cuidando da hipóte-se em que o Estado esteja na condição de agente em-presarial, isto é, esteja explorando diretamente ativi-dade econômica em concorrência com a iniciativa pri-vada. Os parágrafos, então do citado art. 173, apli-cam-se com observância do comando constado do caput.Se não houver concorrência – existindo monopólio, CF,art. 177 – não haverá aplicação no §1º do mencionadoart. 173. É que, conforme linhas atrás registrado, oque quer a Constituição é que o Estado-empresárionão tenha privilégios em relação aos particulares. Sehouver monopólio, não há concorrência; não havendoconcorrência desaparece a finalidade do disposto no§1º do art. 173 (BRASIL, 2004).

Ensina Carrazza (2007, p. 126): “quando a pessoa política de-sempenha atividades tipicamente privadas o princípio da imunida-de recíproca não a beneficia. Ele só a alcança quando desempe-nha suas funções típicas (atividades públicas, isto é, estatais propri-amente ditas)”.

A imunidade também não beneficia as pessoas políticas en-quanto exercem atividades econômicas, mediante contraprestaçãoou recebimento de preços ou tarifas, conforme determina o pará-grafo terceiro do artigo 150 da Constituição da República.

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FUNDAMENTOS DA IMUNIDADE TRIBUTÁRIA RECÍPROCA E SUA APLICAÇÃO ÀS EMPRESAS PÚBLICAS FEDERAIS

Mais uma vez, Carrazza (2007, p. 126) nos explica de formaclara:

De fato, não havendo repasse, aos usuários, dos custosdos serviços públicos que os beneficiam, qualquer im-posto que a pessoa política suportasse (pela obtençãodos meios necessários à prestação destes mesmos ser-viços públicos) acabaria incidindo sobre sua renda oucapital (patrimônio), afrontando a letra e o espírito doart. 150, VI, a, da CF.

Portanto, quando as empresas públicas e as sociedades de eco-nomia mista intervêm no domínio econômico, devem se portar comoempresas privadas, inclusive no que concerne à tributação.

Com tais observações, resta clara a conclusão de que as empre-sas públicas quando atuam como extensão do Estado, ou seja, quan-do realizam a prestação de serviço público ou exploram atividadeeconômica sob o regime de monopólio, sem concorrência com asempresas privadas, podem, sim, ser uma entidade alvo da imunida-de tributária recíproca, assim como as autarquias e fundações pú-blicas.

Tendo em vista a conjugação dos elementos acima, verifica-seque na realidade não poderia ser outra a interpretação do Supre-mo Tribunal Federal.

Para o Direito, ciência totalmente interpretativa e atreladanecessariamente à realidade social, não há uma única resposta cor-reta e verdadeira para o caso jurídico, ainda que o intérprete este-ja, através dos princípios, vinculado pelo sistema jurídico.

Muito bem conclui Kelsen (1979 apud GRAU, 2006, p. 108),sobre o tema, pois não há uma única resposta correta, mas uma,sim, terá que ser aplicada ao caso concreto para a sua solução:

A interpretação de uma lei não deve necessariamenteconduzir a uma única solução como sendo a única corre-ta, mas possivelmente a várias soluções que – na medi-da em que apenas sejam aferidas pela lei a aplicar –têm igual valor, se bem que apenas uma delas se tornedireito positivo no acto do órgão aplicador do direito –no ato do tribunal, especialmente.

Foi esse o caminho trilhado pelo Supremo Tribunal Federal.Havia clara necessidade de se interpretar a norma com o fim deatender os reais escopos da Constituição, os seus reais propósitos.Apesar de se poder chegar a várias soluções, a mais certa foi a ado-tada, pois a empresa pública que atua ao lado do Estado, prestan-do um serviço que a ele compete tão somente, sem qualquer inge-rência do setor privado é continuação do próprio Estado.

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O intérprete não está alheio ao contexto social, à realidadefática. Essa falsa neutralidade política do intérprete só existe noslivros. No discurso do direito, ela se dissolve sempre.

Deve-se ter muito cuidado com a questão da interpretação enesse caso temos um exemplo clássico disso. A interpretação danorma não se restringe à chamada “vontade do legislador”, espe-cialmente quando se interpreta a Constituição, pois a aplicação desuas normas está condicionada pelo contexto, na medida em queopera em condições sociais e historicamente caracterizadas. Isso é oque ocorre no presente caso. Necessário se basear na funcionalida-de das empresas públicas, criadas para fins determinados de auxí-lio ao Estado.

A interpretação tem significado decisivo para a consolidação epreservação da força normativa da Constituição. A interpretaçãoadequada é aquela que consegue concretizar o sentido da propo-sição normativa dentro das condições reais dominantes numa de-terminada situação.

A análise conjugada das normas constitucionais, com base noscritérios anteriormente definidos – histórico, teleológico e sistemá-tico –, não deixa dúvida da interpretação extensiva que se deveatribuir à regra da imunidade tributária recíproca do artigo 150,VI, da Constituição.

Ainda que haja conflito entre normas expressas da Constitui-ção, diante de uma interpretação de todo o sistema, chega-se àconclusão de que tal conflito não existe, havendo, sim, umacomplementação entre as disposições.

O parágrafo segundo do artigo 173 deve se vincular tão so-mente ao seu caput e, portanto, ser aplicável apenas no caso de aempresa pública explorar atividade econômica em regime de con-corrência. Aliás, essa é a tese defendida por Costa (2006, p. 143):

A norma deixa claro que é o regime jurídico aplicado àatividade o fator determinante do cabimento de talexclusão, que ocorrerá se o regime for de Direito Priva-do. É a hipótese de exploração de atividade econômicapor empresas públicas, sociedades de economia mista esuas subsidiárias, porque, consoante o regime de Direi-to Privado, a tributação dessas empresas deve se darem atenção aos princípios da capacidade contributiva(art. 145, 1) e da livre concorrência (art. 170, IV), sujei-tando-se as mesmas à disciplina normativa própria dasempresas privadas, inclusive quanto aos direitos e obri-gações civis, comerciais, trabalhistas e tributários, nãopodendo gozar de privilégios não extensivos às do setorprivado (art. 173, 1, II e 2).Nessa situação, existe, portanto, capacidade econômicagravável, o que afasta o cabimento da intributabilidade.

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FUNDAMENTOS DA IMUNIDADE TRIBUTÁRIA RECÍPROCA E SUA APLICAÇÃO ÀS EMPRESAS PÚBLICAS FEDERAIS

A posição pela extensão da imunidade recíproca às prestadorasde serviços públicos, reafirmada em vários casos, expressa uma mu-dança na interpretação atribuída à Constituição que não pode seater tão somente à literalidade do texto, sob pena de não concre-tizar os escopos constitucionais e não dar a real efetividade ao seutexto, às suas normas.

A tese firmada nos julgados do Supremo Tribunal Federal acercada matéria teve como fundamento a prestação de serviço de formaobrigatória e exclusiva pelas empresas públicas, ou seja, no regimede monopólio. E o serviço sob a égide do artigo 175 (monopólio)equipara-se à pessoa política.

O serviço público é indisponível, a empresa estatal delegatáriapresta-o, nos termos da lei, para atender, conforme determina aConstituição, ao interesse público. Trata-se de um ônus, não deuma faculdade.

Esse, como delineado até agora, é o principal argumento, poisuma empresa pública, criada com o fim de prestar serviço públicoobrigatório e exclusivo do Estado, é a representação do próprioEstado; não poderia ser outro o entendimento, já que não há qual-quer justificativa para não se estender a imunidade a tal entidade.

Pelo texto constitucional, quando o Estado explora atividadeeconômica, submete-se ao regime jurídico das empresas privadas,inclusive quanto às obrigações tributárias e trabalhistas. Porém,pode o Estado realizar os serviços públicos que são de sua atribui-ção, por mandamento constitucional, através de empresas públi-cas, e, aqui, incide o regime jurídico administrativo, e não as nor-mas de direito privado.

Ressalta-se que o que é imune são os serviços públicos, e não aempresa prestadora. Essa é a conclusão de Carrazza (2004, p. 93),“os serviços públicos são imunes aos impostos, quer enquanto pres-tados pelas pessoas políticas que têm competência administrativapara tanto, quer por empresas estatais delegatárias”.

Se uma empresa pública ou sociedade de economia mista prestaum serviço público, atua como órgão da administração indireta, enão desenvolve atividade econômica própria das empresas priva-das. Donde se conclui que se submete ao regime jurídico de direitopúblico, pois é na condição de poder público que atua.

Conclui brilhantemente Carrazza (2007, p. 143):

Remarque-se que a circunstância de estas pessoas te-rem personalidade de direito privado não impede querecebam especial proteção tributária, justamente parapossibilitar a prestação de serviços públicos ou a práticade atos de polícia.Em suma, a empresa estatal delegatária de serviço pú-blico juridicamente é Administração Pública, faz Admi-

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nistração Pública e tem os atributos (positivos ou nega-tivos) da Administração Pública. Desfruta, pois, do regi-me protetor que a Constituição Federal reservou aosbens e dinheiros públicos, inclusive no pertinente à imu-nidade tributária.

Essa mutação constitucional, a alteração de sentido da normasem mudança do seu enunciado, exemplificada no presente casopela interpretação extensiva do texto constitucional, é característi-ca fundamental para a conservação da efetividade e da legitimida-de da Constituição brasileira.

Conclusão

Concluiu-se, diante das considerações apresentadas, que aimunidade tributária recíproca tem como finalidade, além de res-guardar o sistema federativo, preservar os entes políticos que, narealidade, não possuem capacidade contributiva, devendo seusrecursos serem revertidos para o atendimento das finalidades cons-titucionais.

Em decorrência desse entendimento, vislumbrou corretamente oSTF que tal limitação não pode ficar restrita àquelas entidades dispos-tas expressamente na Constituição, devendo, sim, ser estendida àsempresas públicas prestadoras de serviço público de forma exclusiva,mesmo que possuam personalidade jurídica de direito privado.

Vê-se claramente que o serviço prestado não deixa de ser pú-blico só porque transferida a sua execução a uma entidade de di-reito privado, devendo a imunidade segui-lo.

Assim, diante de uma interpretação sistemática das normasconstitucionais, dos aspectos históricos de instituição da imunida-de tributária recíproca e das finalidades de tais comandos, o STFalterou a interpretação a ser atribuída à Constituição para esten-der a imunidade tributária recíproca às empresas públicas que pres-tam serviços públicos sob a forma de serviços privativos, exclusivos,próprios ou monopolizados, pois seu regime é semelhante ou mes-mo próprio da administração direta.

Portanto, a exceção da regra da imunidade recíproca deve selimitar àquelas empresas públicas que concorram diretamente comas empresas particulares, devendo ser contempladas pelo benefí-cio constitucional somente aquelas que prestam serviço público emregime de monopólio, sem qualquer concorrência com outra pes-soa jurídica.

Dessa maneira, andou bem o STF ao realizar uma interpretaçãosistemática das normas constitucionais, estendendo a imunidade tri-butária recíproca às empresas públicas no que concerne ao seu

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FUNDAMENTOS DA IMUNIDADE TRIBUTÁRIA RECÍPROCA E SUA APLICAÇÃO ÀS EMPRESAS PÚBLICAS FEDERAIS

patrimônio, renda e serviços vinculados às suas finalidades essenciaisquando prestam serviços públicos próprios de maneira exclusiva, semconcorrer com as empresas privadas, pois, atuando em tais circuns-tâncias, continuam prestando um serviço que não perde a sua natu-reza e essência de público, de responsabilidade do Estado.

Referências

BALEEIRO, Aliomar. Direito Tributá-rio Brasileiro. 11. ed., atualiz. Rio deJaneiro: Forense, 2000.

BRASIL. Supremo Tribunal Federal.Recurso Extraordinário nº 407.099-RS.Recorrente: Empresa Brasileira deCorreios e Telégrafos. Recorrido: Mu-nicípio de São Borja. Relator: MinistroCarlos Velloso. Brasília, 22 de junhode 2004. DJ 6/8/2004.

CARRAZZA, Roque Antônio. A imu-nidade tributária das empresas es-tatais delegatárias de serviços pú-blicos. São Paulo: Malheiros Editores,2004.

. Curso de Direito Consti-tucional Tributário. 25. ed. São Pau-lo: Malheiros Editores, 2007.

COSTA, Regina Helena. ImunidadesTributárias. Teoria e análise da juris-prudência do STF. 2. ed. São Paulo:Malheiros Editores, 2006.

GASPARINE, Diógenes. Direito Ad-ministrativo. 10. ed. São Paulo: Sa-raiva, 2005.

GRAU, Eros Roberto. Ensaio e discur-so sobre a interpretação/aplicaçãodo direito. 4. ed. São Paulo:Malheiros Editores, 2006.

MARTINS, Ives Gandra da Silva(Coord.). Imunidades Tributárias.São Paulo: Revista dos Tribunais, 1998.

MELLO, Celso Antônio Bandeira de.Curso de Direito Administrativo.25. ed. São Paulo: Malheiros Edito-res, 2008.

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OS T.A.C.'S FIRMADOS PELO MINISTÉRIO PÚBLICO COMO UM INSTRUMENTO EFICAZ NA TUTELA DO MEIO AMBIENTE

Os Termos de Ajustamento de Condutafirmados pelo Ministério Público como

um instrumento eficaz na tutela domeio ambiente

Aldo Lins e Silva PiresAdvogado da CAIXA em Pernambuco

Especialista em Direito Ambiental e Urbanístico pelaFaculdade Salesiana do Recife

RESUMO

O processo de conscientização da humanidade em relação àpreservação do meio ambiente caminha a passos curtos, tendoem vista o atual nível de degradação já existente. O Brasil, aindamuito atrás dos avanços obtidos na Europa, precursora dessaconscientização, vem avançando, através da incansável luta dosórgãos ambientais, que não contam com uma estrutura mínimapara a sua atuação. Porém, o Ministério Público, ente independente,vem surgindo como um grande aliado nessa luta. Entre os meiosprocessuais de que dispõe o Parquet, para a tutela desse tãoimportante bem, temos a figura do Termo de Ajustamento deConduta. Neste trabalho, temos como objetivo demonstrar aeficácia desse instrumento, especificamente na área ambiental,através de análise doutrinária e jurisprudencial.

Palavras-chave: Termo de Ajustamento de Conduta. TutelaAmbiental. Eficácia. Ministério Público.

RESUMO

El proceso de conciencia de la humanidad en relación con laconservación del medio ambiente camina con pasos pequeños,dado el actual nivel de degradación que ya existe. Brasil es todavíamuy por detrás de los avances logrados en Europa, el precursor deesta toma de conciencia, está avanzando, a través de la luchaincansable de los organismos ambientales, que no tienen unaestructura mínima para su desempeño. Pero el Ministério Público,que se mantiene independiente, se está convirtiendo en unimportante aliado en esta lucha. Entre los recursos disponiblespara el Parquet, para la protección del medio ambiente tenemosla figura de los “Términos de Ajuste de Conducta”. En este trabajo,nuestro objetivo es demostrar la eficacia de este instrumento,específicamente en el área ambiental, a través del análisis doctrinaly jurisprudencial.

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ALDO LINS E SILVA PIRES ARTIGO

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Palabras claves: Término de Ajuste de Conducta. ProtecciónAmbiental. Eficacia. Ministério Público.

Introdução

A tutela ambiental passa por um processo ainda lento deconscientização e efetividade, apesar dos inúmeros avanços obser-vados neste novo milênio, seja pelo surgimento de uma legislaçãobastante avançada, seja pelos esforços de alguns órgãos que lutamarduamente em favor da proteção da natureza.

O Estado, em sua acepção ampla, ainda carece de um maiordesenvolvimento nas questões que envolvem os direitos de tercei-ra geração, porquanto a sociedade em geral ainda adota uma pos-tura individualista e essa mudança de paradigma é um processolento de educação e aprendizado constantes (LÔBO, 2005).

Nessas “batalhas” travadas contra os sujeitos poluidores, umaliado que surge cada vez mais forte e engajado na defesa dosinteresses difusos e coletivos é a figura do Ministério Público, umente independente que atua na fiscalização e aplicação correta dalei.

Entre os meios processuais de proteção ao meio ambiente dis-postos ao Parquet, tais quais a Ação Popular, a Ação Civil Pública, oMandado de Injunção etc., destacam-se as figuras do Termo deAjustamento de Conduta, previsto no § 6° do artigo 5° da Lei7.347/85, bem como do Compromisso de Ajustamento de Con-duta, previsto no artigo 79-A da Lei 9.605/98 (Lei dos CrimesAmbientais), que foi acrescido pela Medida Provisória n° 2.163-41/01, como instrumentos com força de título extrajudicial que vêmdemonstrando satisfatórios resultados nesse contexto ora analisa-do.

1 O Ministério Público e a defesa dos direitos difusos ecoletivos1

O Ministério Público vem se firmando cada vez mais como ins-tituição respeitada, velando pela aplicação correta da lei, salva-guardando os direitos difusos, coletivos e individuais homogêneos– aqueles ditos interesses transindividuais, metaindividuais, ou co-letivos lato sensu –, praticando justiça em prol da cidadania, nosseus diversos ramos de atuação.2

1 Para maiores informações sobre esse tema, vide Mazzilli (2007).2 Nossa Carta Magna, em seu art. 127, atribui ao Ministério Público a defesa da

ordem jurídica, do regime democrático e dos interesses sociais e individuais indis-poníveis.

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OS T.A.C.'S FIRMADOS PELO MINISTÉRIO PÚBLICO COMO UM INSTRUMENTO EFICAZ NA TUTELA DO MEIO AMBIENTE

Milaré (2001 apud SAROLDI, 2005, p. 57) ensina que os pro-blemas operacionais do Estado continuaram impossibilitando suaeficiência na fiscalização ambiental, “transferindo para a esferajudicial a parte mais relevante da tarefa de firmar na consciênciada sociedade o poder coercitivo das normas ambientais. E foi justa-mente neste processo que o Ministério Público passou a desempe-nhar um papel decisivo.”

Especificamente, neste trabalho, iremos ressaltar a sua atua-ção no âmbito da defesa do meio ambiente. É de atribuição doPromotor de Justiça do Meio Ambiente a defesa dos direitos difusosrelacionados aos bens ambientais, artísticos, históricos, estéticos,turísticos e paisagísticos.3

Cabe-nos distinguir os vocábulos interesse e direito. Assim éque o primeiro “traduz uma vontade, um desejo”, enquanto osegundo “implica sua incorporação ao sistema jurídico” (SOUZA,2005, p. 13), ou seja, o interesse é uma relação de desejo, a neces-sidade de um titular ou algum bem; e o direito, por seu turno, iráestabelecer quais interesses serão acolhidos pela norma jurídica,devendo o legislador repelir os que sejam incompatíveis com o in-teresse comum da sociedade.4

Entretanto, vale salientar que interesses e direitos têm o mes-mo sentido para o Código de Defesa do Consumidor5 – instrumen-to processual que foi essencial à proteção dos direitos e interessesdifusos – e podem ser entendidos como interesses que transcen-dem à esfera individual, personalizada, sem se constituírem, neces-sariamente, em interesses públicos.

Antes dos adventos dos instrumentos processuais de defesa dosdireitos difusos, o direito tradicionalmente tutelava apenas interes-ses titularizados por pessoa certa, fosse ela física ou jurídica. A tutelacoletiva só se viabiliza pelo reconhecimento de que há interessescapazes de defesa, ainda que não identificados seus titulares.

O Ministério Público deverá tutelar os interesses denominadosprimários, aqueles entendidos como os que provêm da necessida-de e conveniência da sociedade, em detrimento dos interesses de-nominados secundários, assim entendidos aqueles que provêm danecessidade e conveniência do Estado, o qual será defendido pelopróprio ente público, salvo quando for comum o interesse públicoprimário.3 Essas atribuições estão previstas no art. 295, VI da Lei Orgânica Estadual do Minis-

tério Público de São Paulo, a título exemplificativo neste trabalho.4 A título de esclarecimento, assim como são encontrados os termos interesse e

direito em normas que tratam desse assunto, sem distinção entre os significados,adotar-se-á a mesma forma, sem distinção dos mencionados vocábulos, nestetrabalho.

5 Art. 81 CDC.

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ALDO LINS E SILVA PIRES ARTIGO

78 Revista de Direito da ADVOCEF – Ano VI – Nº 12 – Mai 11

1.1 Interesses ou direitos difusos

Os direitos difusos são aqueles denominados pelo Código deDefesa do Consumidor (CDC) como os direitos “transindividuais,de natureza indivisível, de que sejam titulares pessoasindeterminadas e ligadas por circunstâncias de fato”.6

Em outras palavras, segundo Souza (2005, p. 5): “podemosconceituar interesses difusos como aqueles pertencentes a um nú-mero indeterminável de pessoas titulares de um objeto indivisível,as quais estão ligadas entre si por um vínculo fático”.

Acerca da definição acima transcrita, vale observarmos algunspontos. Em primeiro lugar, os titulares são indeterminados, maspodem ser estimados. A circunstância de os titulares residirem emárea específica, ou que o interesse não seja comum a todos, nãoretira a característica de um interesse difuso.

Quanto à indivisibilidade do interesse, este não pode ser par-tilhado, fracionado, ou seja, é titularizado por todos na mesmaintensidade, “pertence a todos e a ninguém ao mesmo tempo”(SOUZA, 2005, p. 6). O fato deverá afetar a todos, e não somentealguns indivíduos.

Já em relação à vinculação ou à condição de sujeito do direito,pode ter subjacente uma condição jurídica, mas ela não é funda-mental. A condição jurídica de titular decorre de mera circunstância.

Como exemplos de direitos difusos, temos a defesa contra apublicidade enganosa – previsto no CDC – e a poluição ambiental.Nesse caso observamos a indeterminação dos sujeitos atingidos, aindivisibilidade do bem tutelado e o vínculo fático entre os titula-res do direito.

1.2 Interesses ou direitos coletivos

Os direitos coletivos são aqueles denominados pelo CDC comoos direitos “transindividuais, de natureza indivisível de que sejatitular grupo, categoria ou classe de pessoas ligadas entre si oucom a parte contrária por uma relação jurídica base”7, ou seja, “sãoaqueles pertencentes a um número determinável de pessoas, inte-grantes de um grupo, categoria ou classe, titulares de um objetodivisível, as quais estão ligadas entre si ou com a parte contráriapor um vínculo jurídico” (SOUZA, 2005, p. 7).

Em relação à indivisibilidade do direito, valem as mesmas ob-servações feitas no item anterior. Já em relação à titularidade, de-vemos tecer algumas considerações.

6 Art. 81, parágrafo único, I, CDC.7 Art. 81, parágrafo único, II, CDC.

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O grupo, classe ou categoria é formado a partir de uma rela-ção organizacional (ex.: associados de um clube) ou jurídica queindepende e é preexistente a qualquer lesão. Como exemplos,poderíamos citar o caso de um consórcio, um grupo de alunos deuma instituição de ensino, ou clientes de um banco, que tenhamsofrido com o aumento abusivo de uma prestação ou mensalida-de. O reconhecimento da ilegalidade comum a todos os contratosé exemplo de defesa de interesses coletivos.

1.3 Interesses ou direitos individuais homogêneos

Os direitos coletivos são aqueles denominados pelo CDC comoos direitos “decorrentes de origem comum”, definidos por Souza(2005, p. 10) como

aqueles que dizem respeito a um número determinávelde pessoas, titulares de objetos divisíveis e que estãoligadas entre si por um vínculo fático, decorrente daorigem comum das lesões.

De pronto, podemos observar que essa categoria de direitospossui em comum com os direitos difusos o fato do vínculo fáticode mesma origem; e com os direitos coletivos o fato de os titularesserem determinados. Porém, como grande diferenciação temos adivisibilidade do objeto (que na categoria dos direitos difusos ecoletivos é sempre indivisível), o que trará consequências diversasdaqueles. Além disso, o fato de serem individuais importa que po-dem ser tutelados, individualmente, pelo próprio interessado.

Os direitos individuais homogêneos não são de naturezatransindividual propriamente dita, mas são equiparados aos di-reitos difusos e coletivos por opção do legislador para facilitaçãodo acesso ao Poder Judiciário, evitando, destarte, a repetição deações idênticas, bem como julgamentos diversos de uma mesmacausa.

Também como fator de diferenciação está o fato de que o gru-po de pessoas titulares não é preexistente. A relação jurídica podeser existente; no entanto, o interesse é homogêneo porque temem comum as lesões que se repetem, sendo os lesados identifica-dos a partir delas.

Importante indagação é a seguinte: qual o fator que autorizao Ministério Público a defender coletivamente interesses individu-ais? A resposta está justamente na origem comum das lesões sofri-das. O pedido formulado na ação é que permite a identificação dointeresse ofendido, pois da mesma situação fática pode decorrer oreconhecimento de mais de um interesse.

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Como exemplos, podemos citar os casos de vítimas de um aci-dente aéreo, ou a restituição de um pagamento realizado a maiorpor um grupo de consumidores. Decorrem de uma mesma lesão,porém são direitos individuais, que poderão ser pleiteados indivi-dual ou coletivamente.

1.4 Meios processuais de atuação na defesa dos interesses oudireitos difusos e coletivos e individuais homogêneos emmatéria ambiental

A função desempenhada pelo Ministério Público é exercidaatravés de instrumentos processuais conferidos pela lei, que são desuma importância. Entre eles podemos citar a Ação Direta deInconstitucionalidade, a Ação Declaratória de Constitucionalidade,a Ação Direta de Inconstitucional por Omissão, o Mandado deInjunção, o Mandado de Segurança Coletivo, a Ação Civil Pública,o Inquérito Civil, a Recomendação Ministerial e o Termo de Ajusta-mento de Conduta. Entre os mencionados instrumentos, passare-mos a analisar os mais específicos ao propósito deste trabalho, nãosendo objetivo nosso discorrer profundamente a respeito deles.8

1.4.1 Ação Civil Pública – ACP

Podemos definir a Ação Civil Pública como o instrumento pro-cessual de natureza civil utilizado para a defesa de naturezatransindividual. Não é uma ação privativa9 do Ministério Público(como a Ação Penal Pública), mas de qualquer legitimado constan-te de importante dispositivo da Lei da Ação Civil Pública (LACP)que ora transcrevemos:10

Art. 5o Têm legitimidade para propor a ação principal ea ação cautelar:I - o Ministério Público;II - a Defensoria Pública;III - a União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípi-os;IV - a autarquia, empresa pública, fundação ou socieda-de de economia mista;V - a associação que, concomitantemente:a) esteja constituída há pelo menos 1 (um) ano nos ter-mos da lei civil;

8 Ver item 2.2 deste trabalho.9 A Constituição Federal (CF), em seu art. 129, § 1°, proíbe expressamente a legiti-

midade privativa do Ministério Público. Não pode o legislador estabelecer, por-tanto, referida exclusividade.

10 Mencionado dispositivo sofreu recente alteração, tendo a sua redação definidapela Lei 11.448/2007.

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b) inclua, entre suas finalidades institucionais, a prote-ção ao meio ambiente, ao consumidor, à ordem econô-mica, à livre concorrência ou ao patrimônio artístico,estético, histórico, turístico e paisagístico.

No Brasil, a legitimidade ativa decorre de disposição legal esempre será concorrente e disjuntiva. É concorrente porque sem-pre haverá mais de um legitimado; é disjuntiva porque a ação deum legitimado não prejudicará o direito dos demais entes, tendoem vista a possibilidade do litisconsórcio ativo.

Admiti-se o litisconsórcio11 nas ações coletivas, inclusive entreos Ministérios Públicos12, conforme estabelece o § 5° do art. 5° daLACP. Nesse caso, o litisconsórcio será sempre facultativo e unitário.

Em relação à legitimidade passiva, a ACP pode ser promovi-da em face de qualquer pessoa, física ou jurídica. Vale observarque órgãos públicos não figuram no polo passivo, pois não pos-suem personalidade jurídica, não praticam atos em nome próprio,pois estes são imputáveis, em regra, à pessoa jurídica que inte-gram.

A ACP pode contemplar qualquer pretensão ou pedido, des-de que compatível, e segue subsidiariamente as regras do processocivil.

Deve-se aplicar à ACP o Princípio da Integração das Normas,ou seja, ela também deve ser amoldada aos preceitos processuaisdo Código de Defesa do Consumidor.

Em suma, tendo em vista a seara da proteção ao meio ambien-te, podemos afirmar que a ACP tem três objetivos básicos, a saber:a prevenção, a reparação e o ressarcimento dos danos causados ainteresses metaindividuais, através das obrigações de fazer, não fazere indenizar, previstas na LACP.

1.4.2 Inquéritos Civis – IC

É o procedimento de natureza jurídica administrativa, privati-vo do Ministério Público e destinado à obtenção de informaçõesnecessárias para o ajuizamento da ACP, bem como para ofirmamento de Termos de Ajustamento e expedições de Recomen-dações Ministeriais.

11 Vale ressaltar que esta posição não é unânime. Há autores que negam olitisconsórcio entre os Ministérios Públicos, porquanto dispositivo semelhanteprevisto no CDC fora vetado pelo Poder Executivo.

12 Entre as inúmeras funções institucionais do Ministério Público, previstas na CF,temos em seu art. 129, III: “promover o inquérito civil e a ação civil pública, para aproteção do patrimônio público e social, do meio ambiente e de outros interessesdifusos e coletivos”.

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Conforme Mazzilli (1999 apud AKAOUI, 2003, p. 58),

é uma investigação administrativa prévia a cargo doMinistério Público, que se destina basicamente a co-lher elementos de convicção para que o próprio órgãoministerial possa identificar se ocorre circunstância queenseje eventual propositura de ação civil pública oucoletiva.

O IC tem fundamento constitucional, estando entre as funçõesinstitucionais13 do Ministério Público promovê-lo. Porém, desde oadvento da LACP, em 1985, o legislador já previu o mencionadoinstrumento em seu art. 8°, § 1°: “O Ministério Público poderá ins-taurar, sob sua presidência, inquérito civil”. Vale salientar que a LeiComplementar 75/93 (Lei Orgânica do Ministério Público da União)e a Lei 8.625/93 (Lei Orgânica Nacional do Ministério Público) esta-belecem regras aplicadas ao referido instrumento.

É instaurado por decisão do próprio Promotor de Justiça, porrepresentação de qualquer pessoa, por determinação do Procura-dor-Geral de Justiça ou do Conselho Superior do Ministério Públi-co. É realizado através de portaria ou por despacho fundamenta-do pelo órgão de execução do Parquet14 com as atribuições para aAção Civil Pública.

Entre as principais características do IC, temos:• Dispensabilidade – pois o IC não é obrigatório ou não se

constitui pré-requisito para a ACP. Esta pode ser ajuizada sem queo IC tenha sido instaurado;

• Inquisitoriedade – é um procedimento inquisitivo ou nãocontraditório, porque não tem a natureza de processo administra-tivo, mas de mero procedimento. Não há a bilateralidade própriados processos, como também não há partes, e dele não decorremobrigações ou sanções. É mera sucessão de atos que objetivam aapuração do fato e a eventual propositura de ação. Não há ampladefesa, nem contraditório. O investigado tem direito de acesso aoIC, podendo peticionar ao Ministério Público, mas não pode acom-panhar a produção de provas ou exigir provas específicas.

• Informalidade, Oficialidade Mitigada ou Impulso Oficial – éinformal, pois não há rito preestabelecido, preordenado, a suces-são de atos é determinada de acordo com a necessidade da inves-tigação. O impulso oficial decorre da desnecessidade de provoca-

13 Vale ressaltar que a Lei Orgânica do Ministério Público da União classifica talinstrumento como um instrumento de atuação deste órgão, e não como a suafunção institucional.

14 O Promotor de Justiça Natural é o órgão de execução que na forma da lei detématribuições para atuar em juízo ou fora dele.

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ção, seja para a sua instauração ou para a sua condução. Ainformalidade é do procedimento e não dos atos por ele pratica-dos, que devem obediência aos requisitos ou condições de valida-de comuns a qualquer ato administrativo;

• Publicidade – É decorrência lógica do princípio aplicado atodo procedimento administrativo. A publicidade garante a qual-quer pessoa o conhecimento e acesso ao conteúdo do IC. O direitode petição e vistas dos autos por aquele que detenha legítimo in-teresse. A publicidade é regra; não há IC de natureza secreta, maspode ocorrer a decretação do sigilo, o qual não atinge a existênciado IC, alcançando apenas o seu conteúdo.

1.4.3 Recomendações Ministeriais

Entre os vários instrumentos de atuação do Ministério Público,temos o instituto da Recomendação, previsto na Lei Complemen-tar nº 75/1993, o qual dispõe sobre a organização, as atribuições eo estatuto do Ministério Público da União:

Art. 6º - Compete ao Ministério Público da União:[...]XX - expedir recomendações, visando à melhoria dosserviços públicos e de relevância pública, bem como aorespeito, aos interesses, direitos e bens cuja defesa lhecabe promover, fixando prazo razoável para a adoçãodas providências cabíveis.

De acordo com Gomes (2003, p. 37, grifo nosso):

quando o Estado se revela omisso, e a omissão é ilícita,dado que deveria agir, é perfeitamente possível que oMinistério Público, ainda que não eleito por voto popu-lar, intervenha, invocando o controle jurisdicional, oumesmo por veículo extraprocessual, como a recomen-dação, para, respectivamente, obrigar o agente esta-tal à ação ou indicar-lhe o caminho legal para suprir aomissão, sob pena de responsabilização, porque agentepolítico constitucionalmente qualificado para tanto, pelopróprio titular soberano do poder político estatal.

É um instrumento pelo qual o Promotor irá advertir órgãospúblicos, concessionários e permissionários de serviço público eentidades que exerçam função delegada estatal a fazer, ou deixarde fazer alguma coisa, quando os referidos entes estiverem proce-dendo de forma incorreta ou encontrarem-se omissos em relação asua atuação e seu inerente Poder de Polícia.

É instrumento que muitas vezes serve de orientação à pró-pria Administração Pública e costuma ser obedecido por seus res-

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ponsáveis15, uma vez que o não acatamento das recomendaçõespoderá ocasionar responsabilização do seu agente, com oajuizamento pelo Ministério Público das ações cíveis, penais e ad-ministrativas quando for o caso.

1.4.4 Termos de Ajustamento de Conduta

Este instrumento, objeto de estudo do presente trabalho, serádetalhado na próxima seção.

2 Termo de Ajustamento de Conduta – TAC

2.1 Conceito e objeto

De acordo com Mazzilli (2003, p. 571),

O TAC é um instrumento legal destinado a colher docausador do dano ao meio ambiente, entre outros inte-resses difusos e coletivos, um título executivo de obriga-ção de fazer e não fazer, mediante o qual, o responsá-vel pelo dano assume o dever de adequar a sua condutaàs exigências legais, sob pena de sanções fixadas no pró-prio termo.

Define ainda o ilustre autor que o compromisso de ajustamen-to de conduta é uma “garantia mínima em prol da coletividade”(MAZZILLI, 2003, p. 25).

Importante definição também é dada por Freitas (2005, p. 88),ao considerar o TAC um “instrumento peculiar do Estado moder-no”, conceituando-o como “o ato jurídico pelo qual a pessoa (físi-ca ou jurídica) assume o compromisso de eliminar a ofensa quecausou a um bem difuso ou coletivo”.

O compromisso é de ajustamento da conduta às exigências le-gais, ou seja, o autor do dano aceita adequar a sua conduta aoque exige a lei. Dessa forma, o poluidor – tomador do compromis-so – deverá promover a recuperação do meio ambiente degradado(esse é o intuito principal do TAC e pedido obrigatório da ACP),levando-o ao status quo ante; porém, na maioria das vezes, é qua-se impossível se chegar à reconstituição do ambiente por comple-to. Além da recuperação do bem ambiental, deverá cessar de ime-diato a atividade lesiva e delituosa, bem como proceder a ações

15 No caso da Promotoria de Meio Ambiente da Comarca de Jaboatão dos Guararapes,Região Metropolitana do Recife, as previsões legais em caso de não observância eacatamento da recomendação estão inseridas no próprio instrumento, cientificandoo administrador público das eventuais sanções que porventura possam recairsobre ele.

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mitigadoras e, se for o caso, assumir a obrigação de pagar certaquantia em dinheiro a título compensatório nos casos em que adegradação ambiental tornou-se irreversível, dinheiro este que serádestinado ao fundo de defesa de direitos difusos previsto na LACP,o que será estudado mais adiante.

2.2 Previsão legal

Com o avanço legislativo, relativamente à matéria de defesados interesses transindividuais, ocorrido na década de 80 (a partirda entrada em vigor da Lei 6.938/81, a qual trazia a possibilidadede o Ministério Público interpor uma ação civil para a reparação dedanos causados ao meio ambiente, previsão esta encontrada noart. 14 da referida Lei, bem como, em 1985, com a criação da Lei daAção Civil Pública, Lei n° 7.347/85), tivemos a criação de importan-tes instrumentos processuais para a defesa do meio ambiente, taiscomo o inquérito civil e a ação civil pública, instrumentos já anali-sados anteriormente neste trabalho.

Posteriormente, em 13/07/1990, tivemos a publicação do Esta-tuto da Criança e do Adolescente – Lei n° 8.069/90, que, em seuart. 211, criou a figura do compromisso de ajustamento de condu-ta. Porém, tal compromisso era restrito a esse estatuto e não abran-gia a tutela dos direitos difusos e coletivos.

Contudo, meses após o advento do mencionado estatuto, en-trou em vigor, no dia 11/09/1990, o Código de Defesa do Consumi-dor (CDC) – Lei 8.078/1990, outro importantíssimo diploma que veioa consolidar ainda mais a proteção dos direitos difusos e coletivos.

O CDC, em seu art. 113, adicionou à LACP os §§ 4°, 5° e 6° aoart. 5° da LF 7.347/85. Em relação àquele último parágrafo, o mes-mo instituiu o Termo de Ajustamento de Conduta, recebendo aseguinte redação:

Os órgãos públicos legitimados poderão tomar dos inte-ressados compromisso de ajustamento de sua condutaàs exigências legais, mediante cominações, que teráeficácia de título executivo extrajudicial.

Importante destacar, porém, que mencionado dispositivo emmomento algum fora vetado, porquanto alguns doutrinadores àépoca levantaram essa questão. Em relação à controvérsia, o Supe-rior Tribunal de Justiça já se pronunciou acerca da controvérsia noREsp 222582/MG a seguir transcrito:

Processo Civil. Ação Civil Pública. Compromisso deacertamento de conduta. Vigência do § 6º, do art. 5º, daLei 7.374/85, com a redação dada pelo art. 113, do CDC.

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1. A referência ao veto ao art. 113, quando vetados osartigos 82, § 3º, e 92, parágrafo único, do CDC, não teveo condão de afetar a vigência do § 6º, do art. 5º, da Lei7.374/85, com a redação dada pelo art. 113, do CDC,pois inviável a existência de veto implícito.

Por fim, vale salientar que a figura do TAC está plenamente deacordo com o art. 585, inciso VIII, do CPC, considerando-o comoum título executivo extrajudicial, pelo fato de o § 6° da LACP atri-buir-lhe expressamente força executiva.

Vale observar, contudo, que, quando o TAC é firmado no pe-ríodo em que a ACP já está em curso, a sua homologação em juízoo torna um título executivo judicial.

2.3 Natureza jurídica

Muito se discute acerca da natureza jurídica do TAC, sem quese chegue a um consenso. Como já explanado anteriormente, osdireitos difusos e coletivos não podem ser transacionados, tendo-se em vista que são indisponíveis. Porém, alguns doutrinadores veemno TAC um regime jurídico típico do direito civil, entendendo,destarte, que o mesmo tem natureza de transação (FINK, 2005 apudAKAOUI, 2003).

Vejamos: o Código Civil, em seu art. 840, dispõe que “é lícitoaos interessados prevenirem ou terminarem o litígio mediante con-cessões mútuas” e, em complemento, no seu art. seguinte, temosque “só quanto a direitos patrimoniais de caráter privado se per-mite a transação”. Decerto, portanto, que a matéria concernente àtutela do meio ambiente não se trata do direito elencado nessesartigos, não sendo objeto de transação. Outro ponto a ser obser-vado é que, nos direitos disponíveis, o direito material pertence àspartes que podem transacionar, enquanto no TAC, por se tratar dedireitos indisponíveis, estes não são de titularidade dos legitima-dos ativos, e sim de toda a coletividade (MOTAURI, 2005).

Por outro lado, esta é a tese que coadunamos: temos o TACcomo uma espécie do gênero acordo. A transação também é es-pécie do gênero acordo, porém, distinta do TAC, aquela compo-sição implica concessões mútuas, pelo fato de tratar acerca de di-reitos disponíveis, enquanto no TAC não há em que se falar emconcessões mútuas, pelo fato de se tratar de direitos indisponí-veis. É o que Akaoui (2003, p. 71) denomina de “acordo em sen-tido estrito”.

Machado (2007, p. 375) diz que o vocábulo “acordo” seria omais apropriado ao TAC, em detrimento do termo “transação”, poiseste, como já visto aqui, seria utilizado quando se tratasse de direi-

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tos disponíveis. Desse modo, o “ajustamento” não teria o significa-do de transigir o cumprimento das obrigações legais. Ao Ministérioé vedado fazer concessões diante de “interesses sociais e individu-ais indisponíveis”.16

Por fim, vale salientar que a Lei de Improbidade Administra-tiva, Lei n° 8.429/1992, não admite qualquer tipo de transação,acordo ou conciliação, nesses termos, demonstrando assim a natu-reza jurídica diversa de cada instituto.

2.4 Legitimidade

A LACP, em seu art. 5°, § 6°, dispõe que “os órgãos públicoslegitimados poderão tomar dos interessados compromisso de ajus-tamento de conduta” (grifo nosso). O caput do mesmo art. definequais os órgãos legitimados para proporem a ação principal e acautelar, de certo que estes também terão a legitimidade para fir-mar o TAC.

Em recente Lei (Lei n° 11.448, publicada no dia 15/01/07), foiintroduzida na LACP, no rol dos legitimados, a Defensoria Pública.Dessa forma, o art. 5° ficou com a seguinte redação:

Art. 5o Têm legitimidade para propor a ação principal ea ação cautelar:I - o Ministério Público;II - a Defensoria Pública;III - a União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios;IV - a autarquia, empresa pública, fundação ou socieda-de de economia mista;V - a associação que, concomitantemente:a) esteja constituída há pelo menos 1 (um) ano nos ter-mos da lei civil;b) inclua, entre suas finalidades institucionais, a prote-ção ao meio ambiente, ao consumidor, à ordem econô-mica, à livre concorrência ou ao patrimônio artístico,estético, histórico, turístico e paisagístico.

Vale salientar, entretanto, que as associações civis não podemfirmar TAC, pois não pertencem à Administração Pública (a Lei men-ciona “órgãos públicos”), embora detenham legitimidade para oajuizamento de ACP (FREITAS, 2005). Outro argumento é trazidopor Akaoui (2003), no sentido de que tais entidades não estãoobrigadas ao Princípio Constitucional da Publicidade do art. 37 daCF, enquanto os órgãos públicos estão. Isso traria mais segurança eefetividade ao TAC, já que o mesmo lida com direitos difusos ecoletivos.

16 Art. 127, caput, da CF.

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Da mesma forma, é de se destacar também que não podemtomar compromisso as fundações de natureza privada, os sindica-tos e quaisquer entidades privadas que explorem atividades eco-nômicas, pelo mesmo motivo apresentado no parágrafo anterior.

Com relação aos entes da Administração Pública Indireta – asautarquias, fundações de direito público, empresas públicas e soci-edades de economia mista –, ainda restam discussões doutrinárias.

Com relação às autarquias e fundações, a doutrina é quaseunânime quanto à legitimidade desses entes. Em sentido não unâ-nime, destaque-se o eminente Mazzilli (2005 apud AKAOUI, 2003,p. 75), o qual enquadra os mencionados entes entre aqueles “legi-timados sobre os quais é questionável possam tomar esses compro-missos”, pois, na sua concepção, referidas pessoas não são “propri-amente órgãos estatais, e sim pessoas jurídicas distintas do Estado”.Da mesma forma leciona Rodrigues (2005 apud Freitas, 2005, p.96-97), quando enfatiza que a essência desses entes não os legiti-ma a acordar em sede de direitos transindividuais.

Negando-lhes a legitimidade para firmar o TAC, o InstitutoBrasileiro do Meio Ambiente – IBAMA não poderia firmar acordos,o que pode ser compreendido como um grande retrocesso à defe-sa do meio ambiente e uma afronta à Lei 9.605/98, pois esta trazexpressamente, em seu artigo 79-A, a legitimidade dos órgãos per-tencentes ao SISNAMA. Adiante, será mais bem discutida a legali-dade do mencionado art., o qual foi introduzido através de medi-da provisória reeditada por várias vezes. Porém, não nos restamdúvidas acerca da legitimidade das autarquias e fundações públi-cas, por terem natureza jurídica de direito público.

Discussão mais acirrada surge em relação às empresas públicase sociedades de economia mista. Na visão de Mazzilli (1999 apudAKAOUI, 2003), referidos entes não poderiam firmar TAC, porquantonão são órgãos públicos. Nessa mesma linha de raciocínio, encon-tra-se Rodrigues (2002 apud AKAOUI, 2003), ao negar-lhes legiti-midade.

Em sentido oposto, admitindo sem restrições a legitimidadedesses entes, Burle Filho e Martins Júnior (1996 apud AKAOUI, 2003)entendem que, por força do art. 173, § 1° da CF, o fato de o Estadocriar e gerir o funcionamento desses entes traria legitimidade aosmesmos.

Porém, há aqueles que distinguem as empresas públicas e so-ciedades de economia mista exploradoras de atividade econômicadaquelas prestadoras de serviços públicos. Essa, aliás, é a posiçãodefendida por Akaoui (2003), ao mencionar que aquelas primeirasnão teriam legitimidade por estarem mais próximas das pessoas dedireito privado e não serem criadas com o intuito de atuar dentro

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das atribuições conferidas ao Estado. A contrario sensu, as entida-des que tiverem como finalidade a prestação de serviços públicosestariam legitimadas a firmar acordos extrajudiciais em matéria dedireitos difusos e coletivos.

2.5 Necessidade de homologação perante o ConselhoSuperior do Ministério Público

Outro ponto importante a ser discutido é no sentido da neces-sidade de homologação perante o Conselho Superior do Ministé-rio Público (CSMP) como condição de validade do TAC.

A discussão doutrinária surge a partir da redação do art. 9° daLACP e seus respectivos parágrafos, ao prever que o arquivamentodo inquérito civil deve ser, necessariamente, revisado pelo órgãosuperior do Ministério Público.

Há, na doutrina, três correntes: a primeira diz respeito ànecessariedade de homologação do TAC pelo CSMP como condi-ção de sua eficácia; a segunda, em sentido diametralmente opos-to, considera que o TAC, ao ser celebrado, já possui força executivaimediata, independentemente de avaliação do referido Conselho;e, por último, a terceira corrente considera que tal homologaçãopoderá ser regulamentada nas leis orgânicas dos Ministérios Públi-cos, bem como dos seus regimentos internos.

Em relação à primeira corrente, esta se fundamenta no art. 9°da LACP e seus parágrafos, ao prever que a promoção de arquiva-mento será submetida a exame e deliberação do CSMP.

Em prol daqueles que defendem essa teoria, está a possibili-dade de eventuais correções do TAC firmado, assegurando, destarte,uma maior segurança no resguardo dos direitos difusos ora tutela-dos, uma vez que o tomador do ajuste poderá cometer algumafalha ou irregularidade, o que poderá ser corrigido por um órgãocolegiado (AKAOUI, 2003).

Como ponto negativo, vemos, na prática, que o lapso tempo-ral entre a assinatura do TAC e a sua homologação poderá demo-rar meses, tendo-se em vista o volume de processos que chegam aoCSMP, além dos trâmites burocráticos. Portanto, essa procrastinaçãopoderia levar à ineficiência da proteção aos interesses tutelados,crítica esta apontada pela segunda corrente.

Outro argumento usado pela segunda corrente diz respeitoao caput do art. 9° da LACP, pelo qual o Ministério Público promo-verá o arquivamento dos autos do inquérito civil ou das peças in-formativas, uma vez convencido da inexistência de fundamentopara a propositura da ação civil, após esgotadas todas as diligênci-as. Portanto, a contrario sensu, se o Parquet firmar o TAC, isso quer

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dizer que o mesmo se convenceu de que a outra parte cometeualgum dano ao meio ambiente, não sendo necessária, então, ahomologação do CSMP, uma vez que, pela norma, este só deveriaproceder à revisão se tivesse ocorrido o arquivamento dos autos deinquérito civil ou das peças informativas.17

Por fim, e esta é a posição defendida por Vieira (2002 apudAKAOUI, 2003), a terceira corrente baseia-se na ideia de que seriapossível a regulamentação da matéria através das leis orgânicas doMinistério Público, ou de seus regulamentos, “uma vez que se tra-ta de definição e limites de atribuições dos órgãos da Instituição”.Porém, tal posicionamento não nos parece correto, ocorrendo, nocaso em tela, uma ilegalidade das normas mencionadas, haja vistanão haver previsão legal em âmbito federal nesse sentido.

2.6 Principais requisitos formais

O TAC, por constituir um título executivo extrajudicial, deacordo com o art. 585, VII, combinado com o § 6° do art. 5° daLACP, deve atender a certos requisitos que irão condicionar asua validade e eficácia no momento de uma execução perante oJudiciário.

Desse modo, e para garantir a liquidez, certeza e exigibilidadeao título executivo, condições estas indispensáveis à sua execução,previstas no art. 586 do CPC, alguns pontos devem constar expres-samente no TAC, sob pena de este ser afastado em âmbito judicial:

• Qualificação das partes – as partes envolvidas – pessoa jurídi-ca ou física, que cometeu o ilícito ambiental e os órgãos partici-pantes – devem ser qualificadas minuciosamente (nome completo,nacionalidade, estado civil, profissão, número de documento deidentidade/CPF e domicílio). Em relação às pessoas jurídicas de di-reito privado, o representante deverá ser o seu proprietário, sócio-gerente ou alguém que possua poderes de direção, consoante oart. 12, VI do CPC. Os órgãos também deverão estar devidamenterepresentados pelas autoridades que chefiam as respectivas insti-tuições ou, caso contrário, por funcionários devidamente habilita-dos através de procuração com poderes especiais.18 Nesse ponto,observamos a questão da legitimidade processual, tendo em vistaque, uma vez ajuizado um processo executivo, poderá este nãoobter sucesso por conta da ilegitimidade de alguma das partes.

• Objeto – deve ser descrito resumidamente, objetivamente,demonstrando qual é a finalidade do TAC, fixando o lugar do dano

17 Essa é a posição predominante entre os Conselhos Superiores.18 Na prática, isso é o que acontece na maioria dos TAC firmados no Ministério

Público de Pernambuco.

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e estabelecendo que o poluidor irá se adequar às obrigaçõesestabelecidas no referido instrumento.

• Descrição da situação lesiva – o órgão tomador do ajuste de-verá descrever minuciosamente o dano ambiental. Nesse ponto,lembra Akaoui (2003), o órgão tomador também deverá inserir,expressamente, que o poluidor ajustante admite a ocorrência dofato lesivo. Isso evitará que, em sede de execução, o executado emsede de embargos do devedor discuta acerca da materialidade dofato.

• Fixação das obrigações – é de máxima importância que se-jam fixadas todas as obrigações – de não fazer, traduzindo-se naimediata paralisação da atividade ilícita, seja ela atual ou iminen-te; de fazer, sendo estas relacionadas à recuperação do ambientedegradado; e de dar, consistindo na indenização acerca dos danosirreparáveis –, todas bem detalhadas, incluindo os prazos, o modode execução e o lugar, fatores estes que garantem a certeza eliquidez do título. Importante salientar, em relação aos prazos, queestes poderão ser alterados através de aditamentos ao TAC, even-tualmente, se por motivos extraordinários não foi possível a reali-zação de alguma das obrigações. Vale ressaltar que taladimplemento só será possível se não houver culpa stricto sensupor parte do infrator (MILARÉ; SETZER; CASTANHO, 2005).

• Sanções em caso de inadimplemento – outro ponto funda-mental do TAC, previsto inclusive na LACP, é o estabelecimento decominações para o caso do não cumprimento das obrigações assu-midas pelo infrator. Tais sanções independem das infrações penaise administrativas que por ventura venham a ocorrer. ConformeNascimento (2006), vale destacar também que essas cominaçõesdevem ser gravosas o bastante para compelir o poluidor a executaras obrigações assumidas, “não tendo a multa fixada caráter com-pensatório, e sim cominatório, pois nas obrigações de fazer ou nãofazer normalmente mais interessa o cumprimento da obrigação pelopróprio devedor que o correspondente econômico”, de acordo coma Súmula 23 do CSMP/SP.

• Acompanhamento – a execução das medidas deve ser acom-panhada pelos órgãos ambientais competentes, não restringindoem hipótese alguma o Poder de Polícia inerente desses órgãos, nemimpedindo a sua atuação.

• O TAC como título executivo extrajudicial – deverá constar,apesar de não ser estritamente obrigatório (pois esse instrumentopor si só já representa um título executivo extrajudicial), que ainexecução, mesmo que parcial, de qualquer de suas cláusulas acar-retará sua execução judicial, independentemente das demais nor-mais penais, cíveis e administrativas.

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• O foro de eleição – deverá ser o do local do dano por forçado art. 2° da LACP, “cujo juízo terá competência funcional paraprocessar e julgar a causa”.

A respeito do item “Qualificação das partes”, surge na doutri-na discussão acerca da necessidade da assinatura de duas testemu-nhas para a validade do Termo. Apesar da predominância de en-tendimento doutrinário e jurisprudencial em sentido de que nãohá essa necessidade, tal dúvida é levantada ante a análise do art.585, inc. II do CPC. Contudo, esclarece Nery Júnior e Andrade Nery(2003, p. 1323, grifo nosso):

A norma atribui eficácia executiva ao compromisso deajustamento de conduta, podendo aparelhar execuçãopor quantia certa e/ou execução específica de obrigaçãode fazer ou não fazer (CPC 585 VII). É dispensável ocomparecimento de testemunhas a esse compromisso,sendo suficiente que dele conste as assinaturas dos inte-ressados e da entidade legitimada para que se caracteri-ze como título executivo extrajudicial. Nesse sentido: STJ,4ª T., REsp 213947, rel. Min. Ruy Rosado de Aguiar.

Apesar de ser pacífico na doutrina e na jurisprudência quenão há a necessidade da assinatura de duas testemunhas, Akaoui(2003) expõe que os órgãos públicos, sempre que possível, devembuscar a assinatura de duas testemunhas, para que não haja absur-das alegações posteriores, tal como a coação, entre outras.

Outro ponto discutido na doutrina é acerca da necessidade daintervenção do Ministério Público como custos legis nos TAC firma-dos por outros órgãos legitimados. Akaoui (2003) defende a ideiade que o Ministério Público deverá estar presente, ainda que comoanuente do compromisso, por força do § 1° do art. 5° da LACP, oqual determina que, se o Ministério Público não atuar como partena ACP, deverá intervir obrigatoriamente como fiscal da lei. Issotraria uma maior segurança à coletividade nos resguardos dos seusinteresses.

Porém, há autores que defendem a independência dos órgãospara firmarem TAC, não havendo a necessidade de o MinistérioPúblico intervir no ajustamento de conduta (PROENÇA, 2001 apudAKAOUI, 2003; CARVALHO FILHO, 1995 apud FREITAS, 2005). Tam-bém há uma corrente que justifica a não intervenção ministerial,tendo em vista que o TAC não faz coisa julgada material, o quenão impediria que o órgão tomador viesse a exigir novas obriga-ções posteriormente, o que não ocorreria no caso de ação judicial,por força do art. 474 do CPC.

A respeito da indicação da destinação das quantias em dinheiro,esta deverá obedecer ao que dispõe o art. 13 da LACP:

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Havendo condenação em dinheiro, a indenização pelodano causado reverterá a um fundo gerido por um Con-selho Federal ou por Conselhos Estaduais de que partici-parão necessariamente o Ministério Público e represen-tantes da comunidade, sendo seus recursos destinadosà reconstituição dos bens lesados.

Como dito anteriormente, entre as cominações previstas, es-tão as indenizações em dinheiro e as multas pecuniárias em razãodo descumprimento das obrigações assumidas pelo poluidor. Estasquantias devem ter destinação específica e serão obrigatoriamenteaplicadas na reconstituição dos bens degradados. Essa determina-ção é prevista expressamente no caso de obtenção de condena-ções pecuniárias em sede de ACP, mas é pacífico o entendimentode que tal previsão se estenda aos TAC (AKAOUI, 2001; MILARÉ;SETZER; CASTANHO, 2005).

A explicação para tal fundamento baseia-se nos seguintes ar-gumentos:

• O TAC foi incluso na LACP, posteriormente, através do CDC,e, àquele tempo, o legislador não se ateve em atualizar a redaçãodo art. 13 da LACP;

• Tanto o TAC quanto a ACP têm origem numa lesão a umbem de interesse difuso e ambos têm como objetivo a recuperaçãointegral do dano causado;

• E, por fim, deve haver uma interpretação sistemática da lei,inter-relacionando os seus instrumentos (MILARÉ; SETZER; CASTA-NHO, 2005).

A nível federal, tivemos a regulamentação do fundo que tratao art. 13 da LACP, através do Decreto 1.306/94, e, posteriormente,tivemos a edição da Lei 9.008/95, que cria o Conselho Federal deque trata o mencionado dispositivo.

Dita lei, publicada em 1995, dispõe que o Fundo de Defesa deDireitos é composto pelas receitas:

• das condenações judiciais de que tratam os arts. 11 e 13 daLACP;

• das multas e indenizações decorrentes da violação aos inte-resses não individuais dos consumidores e dos portadores de defi-ciência;

• das multas aplicadas pelo Conselho Administrativo de Defe-sa Econômica;

• dos rendimentos auferidos com a aplicação dos recursos doFundo;

• de doações de pessoas físicas ou jurídicas, nacionais ou es-trangeiras;

• de outras receitas que vierem a ser destinadas pelo Fundo.

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Sobre a destinação desses valores, precipuamente devem seraplicados na recuperação do bem lesado, ressarcindo a sociedadepelos danos causados. Porém, há casos em que tal restituição aoestado anterior não é possível, circunstância em que a indenizaçãoequivalente deverá ser revertida em algum benefício voltado aomeio ambiente.

Milaré, Setzer e Castanho (2005) tecem duras críticas ao § 3°do art. 1° da Lei 9.008/95. Referido dispositivo autoriza que taisverbas possam ser aplicadas na modernização administrativa deórgãos públicos. A sua aplicação diversa estaria desvirtuando a menslegis da LACP, além de não estar conforme a CF, notadamente emrelação à obrigatoriedade de licitação para adquirir bens e/ou ser-viços (art. 37, XXI), além de que o aparelhamento dos órgãos pú-blicos é dever do Estado. Portanto, a sociedade sairia prejudicadaem relação à reparação do meio ambiente e tal fundo acabaria porarcar com responsabilidades distintas da sua.

Tal aplicação, que, aliás, vem ocorrendo na prática, já foi alvode pronunciamento de sua ilegalidade pelo Tribunal de Contas daUnião (TCU) em relação à conversão de multas no fornecimento debens e serviços procedida pela gerência do IBAMA do Paraná.19

Contudo, nada obsta que, no caso de não poder ser feita arecuperação do bem lesado, o TAC preveja outras compensaçõesque sejam revertidas em benefício do meio ambiente e da coletivi-dade, tais qual a criação de parques e áreas verdes, o refloresta-mento em pontos diversos, o fomento de programas de educaçãoambiental, entre outras.

Por fim, a todo TAC é necessário que se dê publicidade, poiscomo um ato administrativo deve obedecer aos princípios geraiscontidos na nossa Carta Magna (art. 37), entre eles o da Publicida-de, sendo este fundamental para que a sociedade, bem como osdemais órgãos e entidades voltados à proteção do meio ambiente,possa tomar conhecimento do TAC e fiscalizá-lo, resguardando as-sim os direitos pertencentes a toda a coletividade.

Importante ensinamento nesse sentido é trazido por Moraes(1998, p. 285):

A publicidade se faz pela inserção do ato no Diário Ofi-cial ou por edital afixado no lugar próprio para divulga-ção de atos públicos, para conhecimento do público emgeral e, conseqüentemente, início da produção de seusefeitos, pois somente a publicidade evita os dissaboresexistentes em processos arbitrariamente sigilosos, per-mitindo-se os competentes recursos administrativos eas ações judiciais próprias.

19 Ac. 275/2004 – Plenário – Proc. 003.788/2003-6. Disponível em: http://contas.tcu.gov.br. Acesso em: 3 set. 2007.

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Vale salientar que a falta de publicidade ao TAC, assim comonos demais atos da administração, pode, inclusive, gerar ato deimprobidade administrativa, de acordo com o art. 11, inc. IV da Lei8.429/92 – LIA (“negar publicidade aos atos oficiais”), pelo fato deo administrador agir ou omitir-se de modo a ferir um dos princípiosconstitucionais (AKAOUI, 2003).

2.7 Efeitos decorrentes

Em primeiro lugar, trazemos à baila a discussão acerca da pos-sibilidade do ajuizamento de uma ACP quando se tem um TACfirmado por um dos entes legitimados.

A corrente majoritária é no sentido de que, uma vez firmado oTAC, isso impedirá a propositura de uma ACP em relação às cláusu-las avençadas. Tal corrente baseia-se no fato de que o TAC é umtítulo executivo extrajudicial; faltaria interesse de agir em se tra-tando de uma ACP que tivesse o mesmo fim, devendo esta ser ex-tinta sem julgamento do mérito, com base no art. 267, inc. VI doCPC (Akaoui, 2003).

Câmara (2007) salienta que o interesse de agir será verificadoquando estiverem presentes dois elementos, a saber, a “necessi-dade da tutela jurisdicional” e a “adequação do provimento plei-teado”, sendo certo que não estaria presente ao caso em comentoa necessidade de se ajuizar uma ACP, tendo-se em vista que o títuloexecutivo poderá ser exigido em juízo com o mesmo fim.

A mesma consequência haverá em se tratando de ACP já emcurso, ocorrendo, destarte, carência superveniente e a consequenteextinção do feito sem a resolução do mérito.

Vale salientar que a eventual execução do TAC poderá ser efe-tuada por qualquer legitimado, mesmo que este não tenha figura-do no ajustamento de conduta, pois o interesse da coletividadedeve ser posto em primeiro plano, devendo, portanto, os legitima-dos previstos no art. 5° da LACP procederem à execução do títuloem caso de descumprimento por parte do poluidor, resguardando,dessa forma, o direito da coletividade (AKAOUI, 2003).

Como exceção, entendemos cabível o ajuizamento da ACPquando for necessária a reparação ou supressão de cláusula quenão esteja de acordo com o interesse difuso ou coletivo. Se o entelegitimado entender que tal termo é nulo, a ação cabível será aanulatória e não a rescisória, pois se anula o ato jurídico, e não asentença judicial.

Como segundo efeito decorrente, temos que a celebração doTAC não exime o poluidor das demais responsabilidades origina-das pelo dano ambiental. A CF em seu art. 225, § 3° estabelece

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uma tríplice responsabilidade ambiental, autônomas entre si. Por-tanto, ao se firmar um TAC, este abrangerá somente a responsabi-lidade civil do agente, mas não excluirá as eventuais infrações pe-nais e administrativas.

Por fim, o TAC irradia efeitos intra partes, diferentemente daACP, que possui efeitos erga omnes. O ente que firmar o ajusta-mento deverá incluir cláusula que contenha previsão expressa deeventual transferência de obrigações ao sucessor acaso o empreen-dimento seja alienado.

2.8 Descumprimento do TAC

O TAC, como visto anteriormente, é uma espécie do gêneroacordo e, assim sendo, poderá ser invalidado, rescindindo, revisa-do ou executado, a depender do caso em concreto.

Primeiramente, no caso da invalidação, também chamada deanulação, esta coaduna-se com a ideia de invalidade do ato. Estefica eivado de vícios na sua origem, pois está em desconformidadecom a lei. Portanto, seus efeitos operam ex tunc, ou seja, a partirdo firmamento do TAC (DI PIETRO, 2001).

Com base na autotutela da Administração Pública, esta pode-rá anular os seus próprios atos quando eivados de vícios que ostornem ilegais.20 A anulação também poderá ser feita a partir daapreciação do Poder Judiciário, por qualquer interessado, atravésde ações ordinárias e especiais, bem como dos remédios constituci-onais cabíveis.

Uma vez firmado o TAC, o tomador das obrigações poderárescindi-lo, como nos atos jurídicos em geral, através da devida açãoanulatória.

Há vezes, porém, que o descumprimento de alguma obriga-ção foge à órbita de atuação do órgão tomador do compromisso eo compromissado. Desta feita, tem-se observado na prática a revi-são de algum ajustamento, através de aditamentos, tendo-se emvista que tal acontecimento ocorreu por vontade alheia docompromissado (ex. caso fortuito, força maior, fatos que depen-dam de terceiros). Verificando-se que não houve desídia ou má-fé,é plenamente possível e viável a revisão das cláusulas com o esta-belecimento de novas cláusulas.

Por fim, caso ocorra o descumprimento de alguma obriga-ção, por culpa exclusiva do infrator, os órgãos públicos legitima-dos, inclusive aqueles que não participaram diretamente do TAC,deverão ajuizar a devida ação executória para compelir o poluidora realizar o acordado, devendo, nesse momento, serem cobrados20 Ver Súmulas 346 e 473 do Supremo Tribunal Federal.

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os dias de multa pelo atraso, mais as eventuais sanções para o casode descumprimento, fora a obrigação de fazer ou deixar de fazeralgo.

Em relação à competência em sede de execução da tutelacoletiva, não há norma expressa que determine tal atribuição, sal-vo em se tratando de direitos individuais homogêneos, o que nãose aplica no caso em tela, pois o meio ambiente, como visto noscapítulos iniciais, está no âmbito dos direitos difusos.

Akaoui (2003), por sua vez, defende a aplicação integrativaentre o CDC e a LACP, respectivamente em seus arts. 98, § 2°, inc. II(CDC) e art. 2° (LACP), sendo, destarte, o juízo competente aqueleonde foi ajuizada a ação condenatória, aplicando-se também essaregra ao título executivo extrajudicial ora em estudo.

Como já visto, a legitimidade para a execução do título pode-rá ser feita por qualquer legitimado (art. 5° da LACP), inclusive se oente não fez parte do ajustamento de conduta, pois o que se temem vista é o resguardo do interesse da coletividade. Akaoui (2003)vai mais longe: defende que as associações civis (apesar de nãopoderem firmar TAC) detêm legitimidade para a execução do títu-lo, pois estariam legitimadas a propor ACP, bem como executar ostítulos judiciais provenientes dessa ação. Ademais, deve-se levar emconta que os direitos ora tutelados são difusos, sendo, dessa forma,indivisíveis e indisponíveis. Mais uma vez, é ressaltado que o inte-resse social deverá prevalecer.

Vale destacar que, quando o ministério Público intervém noajustamento, deverá, obrigatoriamente, propor a execução do TACse descumprida alguma obrigação constante do mesmo. Tal enten-dimento dá-se por conta da obrigatoriedade da propositura daACP pelo Parquet quando estejam presentes os requisitos para tal.Conforme Akaoui (2003, p. 167), “a execução do compromisso deajustamento de conduta, que por ele tenha sido firmado, tambémé obrigatória, posto que esse título substitui a sentençacondenatória que deixou de ser obtida em face da possibilidadede obtenção das mesmas obrigações de maneira acordada”.

Por fim, o mencionado autor defende que o ente legitimadoque for omisso, dolosa ou culposamente, poderá vir a responderpelo crime previsto no art. 68 da Lei 9.605/9821, bem como tal inér-cia poderá configurar ato de improbidade administrativa que atentecontra os princípios da Administração Pública, no caso específico,retardando ou deixando de praticar, indevidamente, ato de ofício.

21 “Art. 68. Deixar, aquele que tiver o dever legal ou contratual de fazê-lo, de cumprirobrigação de relevante interesse ambiental:

Pena - detenção, de um a três anos, e multa.”

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2.9 Principais vantagens da celebração do TAC

De Mio (2005 apud DE MIO; FERREIRA FILHO; CAMPOS, 2005,p. 94) elaborou didática tabela, na qual são abordadas as princi-pais vantagens da celebração do TAC em detrimento de se buscar atutela dos bens difusos por via judicial (ACP):

Inegável, pois, as vantagens trazidas pelo Termo de Ajusta-mento de Conduta, principalmente no tocante à celeridade quetal procedimento proporciona. Já os processos judiciais, porquantoa Justiça encontra-se abarrotada de processos, demoram vários anose, por muitas vezes, não chegam a uma solução eficaz, pois o danojá havia chegado a proporções em que não mais poderia haveruma alternativa de recompor o status quo ante que se pretendia.Akaoui (2003, p. 105) resume essa ideia da seguinte forma:

obtendo-se o ajustamento da conduta do degradadordo meio ambiente ou daquele que está na iminência dedegradá-lo, rapidamente, evita-se a conhecida morosi-dade que os processos judiciais têm sofrido, permitindo-se uma mais eficiente proteção ambiental.

AspectoAvaliado

Ganhar-ganhar.

Sem intervenção doPoder Judiciário;Com negociação prévia.

Inquérito civil.

TAC.

Construção de consenso.

Comprometimento,conscientização; Agilida-de; Custos menoselevados; Pequenaresistência na resoluçãodo conflito; Possibilidadede antecipação; Eficiên-cia comprovada.

Complexidade do tema.

Paradigma

Resolução doConflito

Instrumento deresolução do conflito

Resultado

Tipo de solução

Características

Em comum

Ganhar-perder.

Com intervenção do PoderJudiciário;Sem negociação prévia.

Ação e processo judicial.

Sentença judicial.

Imposta pelo juiz.

Desencorajamento,sofrimento; Morosidade;Custos mais elevados;Grande resistência naresolução do conflito; Semantecipação ao dano;Ineficiência comprovada.

Complexidade do tema.

Alternativa (IC e TAC)Tradicional (IC e ACP)

Abordagens para Resoluçãode Conflitos Ambientais

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OS T.A.C.'S FIRMADOS PELO MINISTÉRIO PÚBLICO COMO UM INSTRUMENTO EFICAZ NA TUTELA DO MEIO AMBIENTE

Importante observação é trazida por Mateo (1998 apudFREITAS, 2005, p. 86):

A defesa do meio ambiente e da natureza exigefreqüentemente contar com instrumentos processu-ais que possibilitem uma intervenção judicial ágil e pre-ventiva, que a implique na ampliação da receptividadedo direito a novos valores assumidos pelas sociedadesmodernas.

Em relação à eficácia dos TAC, estes obtêm sucesso por diver-sos motivos. Um deles é que são negociados com a presença docausador do dano e com a anuência deste, podendo o empreen-dedor saber exatamente os impactos financeiros que irá sofrer e,deste modo, planejar a melhor forma de execução das ações aserem realizadas, bem como de eventuais pagamentos de com-pensações ambientais.

Fink (2001 apud AKAOUI, 2003, p. 107) aponta as seguintesvantagens ao empreendedor: “consciência da realização do pos-sível; assunção voluntária e consciente da obrigação; aprendiza-do ambiental; preservação da imagem e da marca da empresa;custos; prazos”, entre outras.

2.10 Termo de Ajustamento de Conduta Preliminar

O Termo de Ajustamento de Conduta Preliminar (TACp) sur-giu a partir de casos práticos observados no Ministério Público doEstado de São Paulo. Muitas vezes, havia o interesse deste emtomar o compromisso do poluidor, sem, contudo, encerrar as in-vestigações. Tal instrumento foi regularizado institucionalmenteatravés da Súmula n° 20 do Conselho Superior do referido Parquetestadual. Tal instrumento possui natureza acautelatória, não seafastando do TAC previsto na LACP, constituindo também um tí-tulo executivo extrajudicial.

O TACp poderá igualmente ser firmado pelos demais órgãoslegitimados do TAC, através de seus processos administrativos in-ternos, e terá como objeto a viabilidade de obter de forma maisrápida e acautelatória medidas que visem à tutela do bemambiental, sem que haja o encerramento das investigações preli-minares pelo ente.

Por fim, segundo Akaoui (2003), o ajustamento preliminarensejaria a carência superveniente de uma ACP já ajuizada, totalou parcialmente e impediria a propositura de nova ACP que tra-tasse das mesmas cláusulas avençadas no termo.

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2.11 Compromisso de Ajustamento de Conduta – CAC (Lei9.605/98)

Neste ponto, traremos à discussão o Compromisso de Ajusta-mento previsto na Lei dos Crimes Ambientais (Lei 9.605/98), temapouco discutido pela doutrina e muitas vezes confundido com oTAC previsto na LACP.

2.11.1 Conceito

É o instrumento previsto na Lei dos Crimes Ambientais, seme-lhante ao TAC previsto na LACP, constituindo-se em título executi-vo extrajudicial, porém com algumas peculiaridades que serão abor-dadas mais à frente.

2.11.2 Previsão legal

O CAC foi inserido na Lei 9.605/98, primeiramente, a partir daMedida Provisória n° 1.710/98, com a inclusão do art. 79-A. Ao lon-go do tempo, a referida Medida Provisória foi reeditada diversasvezes. Até a conclusão deste trabalho, a atual redação dada aomencionado art. é a seguinte:22

Art. 79-A. Para o cumprimento do disposto nesta Lei, osórgãos ambientais integrantes do SISNAMA, responsá-veis pela execução de programas e projetos e pelo con-trole e fiscalização dos estabelecimentos e das ativida-des suscetíveis de degradarem a qualidade ambiental,ficam autorizados a celebrar, com força de título executi-vo extrajudicial, termo de compromisso com pessoas físi-cas ou jurídicas responsáveis pela construção, instalação,ampliação e funcionamento de estabelecimentos e ativi-dades utilizadores de recursos ambientais, consideradosefetiva ou potencialmente poluidores.§ 1o O termo de compromisso a que se refere este artigodestinar-se-á, exclusivamente, a permitir que as pessoasfísicas e jurídicas mencionadas no caput possam promo-ver as necessárias correções de suas atividades, para oatendimento das exigências impostas pelas autoridadesambientais competentes, sendo obrigatório que o res-pectivo instrumento disponha sobre:I - o nome, a qualificação e o endereço das partescompromissadas e dos respectivos representantes legais;II - o prazo de vigência do compromisso, que, em funçãoda complexidade das obrigações nele fixadas, poderávariar entre o mínimo de noventa dias e o máximo detrês anos, com possibilidade de prorrogação por igualperíodo;

22 Redação dada pela Medida Provisória n° 2.163-41 de 23/08/2001.

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III - a descrição detalhada de seu objeto, o valor do inves-timento previsto e o cronograma físico de execução e deimplantação das obras e serviços exigidos, com metastrimestrais a serem atingidas;IV - as multas que podem ser aplicadas à pessoa física oujurídica compromissada e os casos de rescisão, em decor-rência do não-cumprimento das obrigações nele pactua-das;V - o valor da multa de que trata o inciso IV não poderá sersuperior ao valor do investimento previsto;VI - o foro competente para dirimir litígios entre as partes.§ 2o No tocante aos empreendimentos em curso até o dia30 de março de 1998, envolvendo construção, instalação,ampliação e funcionamento de estabelecimentos e ativi-dades utilizadores de recursos ambientais, consideradosefetiva ou potencialmente poluidores, a assinatura do ter-mo de compromisso deverá ser requerida pelas pessoasfísicas e jurídicas interessadas, até o dia 31 de dezembrode 1998, mediante requerimento escrito protocolizadojunto aos órgãos competentes do SISNAMA, devendo serfirmado pelo dirigente máximo do estabelecimento.§ 3o Da data da protocolização do requerimento previs-to no § 2o e enquanto perdurar a vigência do correspon-dente termo de compromisso, ficarão suspensas, em re-lação aos fatos que deram causa à celebração do instru-mento, a aplicação de sanções administrativas contra apessoa física ou jurídica que o houver firmado.§ 4o A celebração do termo de compromisso de que tra-ta este artigo não impede a execução de eventuais mul-tas aplicadas antes da protocolização do requerimento.§ 5o Considera-se rescindido de pleno direito o termo decompromisso, quando descumprida qualquer de suas clá-usulas, ressalvado o caso fortuito ou de força maior.§ 6o O termo de compromisso deverá ser firmado ematé noventa dias, contados da protocolização do reque-rimento.§ 7o O requerimento de celebração do termo de compro-misso deverá conter as informações necessárias à verifi-cação da sua viabilidade técnica e jurídica, sob pena deindeferimento do plano.§ 8o Sob pena de ineficácia, os termos de compromissodeverão ser publicados no órgão oficial competente,mediante extrato.

O Decreto 3.179/99 regulamenta a matéria. Destaque-se o seuart. 60, o qual recebe inúmeras críticas23 quanto à sua aplicabilidade,23 Os doutrinadores afirmam que tal medida incentiva o empreendedor a poluir, uma

vez que este poderá, posteriormente, obter imensa redução do valor da multa,considerada por uns como uma verdadeira anistia da pena pecuniária sofrida. Seriacomo se houvesse, em um exemplo esdrúxulo, uma redução prevista para quemcometesse um homicídio – o caráter sancionatório da pena desapareceria quaseque por completo, e o homicida não iria levar em conta uma futura sanção determi-nada pelo Estado, aumentando, destarte, o número de homicídios.

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porquanto prevê uma redução de 90% do valor da multa aplicadase cumpridas integralmente as obrigações assumidas pelo infratorno CAC:

Art. 60. As multas previstas neste Decreto podem ter asua exigibilidade suspensa, quando o infrator, por ter-mo de compromisso aprovado pela autoridade compe-tente, obrigar-se à adoção de medidas específicas, parafazer cessar ou corrigir a degradação ambiental.§ 1o A correção do dano de que trata este artigo seráfeita mediante a apresentação de projeto técnico dereparação do dano.§ 2o A autoridade competente pode dispensar o infra-tor de apresentação de projeto técnico, na hipótese emque a reparação não o exigir.§ 3o Cumpridas integralmente as obrigações assumidaspelo infrator, a multa será reduzida em noventa porcento do valor atualizado, monetariamente.§ 4o Na hipótese de interrupção do cumprimento dasobrigações de cessar e corrigir a degradação ambiental,quer seja por decisão da autoridade ambiental ou porculpa do infrator, o valor da multa atualizado monetari-amente será proporcional ao dano não reparado.§ 5o Os valores apurados nos §§ 3o e 4o serão recolhidosno prazo de cinco dias do recebimento da notificação.

2.11.3 Apontamentos e críticas ao art. 79-A da Lei 9.605/98

A princípio, verificamos de plano uma diferença em relaçãoao TAC: a questão da legitimidade – o caput do art. 79-A dispõeque os órgãos ambientais integrantes do SISNAMA “responsáveispela execução de programas e projetos e pelo controle e fiscaliza-ção dos estabelecimentos e das atividades suscetíveis de degrada-rem a qualidade ambiental” podem firmar o CAC. Dessa forma,observa-se que não há a legitimação do Ministério Público. Entre-tanto, tal órgão tem o poder-dever de fiscalizar esses compromis-sos, tendo em vista suas atribuições legais e o interesse público, oqual deverá estar sempre em primeiro plano.

Entre os legitimados, a lei refere-se, a nível federal, ao IBAMAe, a níveis estaduais e municipais, às Secretarias Estaduais e Munici-pais, respectivamente, dentro de suas atribuições voltadas à prote-ção do meio ambiente.

Outro ponto a ser questionado é o concernente àconstitucionalidade da Medida Provisória supracitada. Como sabi-do, a CF, em seu art. 62, caput, traz os requisitos necessários a estemodelo normativo, quais sejam, a relevância e a urgência da provi-dência de competência atribuída ao Presidente da República.

Neste ponto, importante destacar a ilustre lição do mestre Mello(2004, p. 120):

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Com efeito, as características assinaladas revelam queas medidas provisórias não são uma alternativa abertaao Executivo para obter a regulação de matérias quedesdenhe submeter ao Legislativo pelo procedimentonormal, ou seja, valendo-se do poder de iniciativa dasleis que lhe confere o art. 61[...].[...] Por serem, como visto, excepcionais, efêmeras, pre-cárias, suscetíveis de perder a eficácia desde o início ecabíveis apenas ante questões relevantes que deman-dem urgente suprimento, é óbvio que só podem serexpedidas quando (a) situação muito grave reclame pro-vidências imediatas, que tenham que ser tomadasincontinenti [sic], pena de perecimento do interesse pú-blico que devem suprir, e (b) a natureza da medida sejacompatível com a fragilidade inerente ao seu caráterefêmero e precário.

Muitos doutrinadores apoiam a ideia da inconstitucionalidadedessa norma e a criticam, bem como diversos entes24, sendo, inclusi-ve, tema de carta aberta ao ex-Presidente da República, Dr.Fernando Henrique Cardoso, intitulada “A Saúde dos Brasileiros eo Meio Ambiente em Primeiro Lugar”, a qual expõe:

3 – De maneira absolutamente injustificável, a MedidaProvisória presenteia duplamente os poluidores. Primei-ro, com uma ‘moratória’ que pode ir até o ano 2008, anoem que a legislação ambiental estará valendo para to-dos. Segundo, com uma ampla e generosa ‘anistia’ detodas as sanções – em especial as pecuniárias – aplicadascontra as empresas que, com a Medida Provisória, nãomais podem ser ‘executadas’. Tanto uma como a outralevam à completa desmoralização do sistema legal deproteção ambiental no nosso País, punindo, ademais, demodo cruel, as empresas que cumpriram suas obrigaçõesambientais, instalando equipamentos antipoluição e pa-gando eventuais multas lavradas (BRASIL, 1998, p. 249).

Porém, em sentido diverso, há doutrinadores que opinam pelocontrário. Agrelli (1999) entende que os requisitos ensejadores daMedida Provisória estariam presentes, uma vez que, com a vigênciada Lei dos Crimes Ambientais, era urgente e relevante que o go-verno adotasse uma medida que viabilizasse às pessoas físicas e ju-rídicas de todo o país se ajustar à nova legislação, tendo em vistatodo o comprometimento socioeconômico que uma omissão po-deria causar na sociedade. Em que pese essa opinião isolada, essanão deve ser a ideia adotada.24 Entre os referidos entes, assinaram o documento: Associação Brasileira do Minis-

tério Público do Meio Ambiente, Associação dos Magistrados Brasileiros, Conse-lho Nacional dos Procuradores da República e Confederação Nacional do Ministé-rio Público.

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Encontra-se, no STF, a ADin 2083, ajuizada pelo Partido dosTrabalhadores, Partido Verde e Conselho Federal da Ordem dosAdvogados do Brasil.25 Em sede de medida cautelar, foi dado oseguinte voto pelo Ministro Moreira Alves:

De outra parte, o mesmo não ocorre com alguns dosfundamentos da argüição de inconstitucionalidade des-sa norma com relação aos empreendimentos e às ativi-dades novos, e, portanto, não abarcados por esse trata-mento de transição para ajustamento à Lei 9.605/98,que se me afiguram relevantes, tendo em vista, princi-palmente os fins a que visa o artigo 225 da Constituiçãoe o princípio constitucional do devido processo legal emsentido material (que é o concernente à proporcio-nalidade e razoabilidade da norma), uma vez que, quan-to a este, a admissão desse termo de compromisso éutilizável, sem limitação, a qualquer tipo de infraçãoainda que gravíssima, como a que dará margem à de-molição da obra ou a que dará ensejo à suspensão totaldas atividades.

Em 03/08/2000 o Tribunal decidiu a referida cautelar, por una-nimidade, da seguinte maneira:

Decisão: O Tribunal, por unanimidade, conheceu, emparte, da ação e, nessa parte, por maioria, deferiu par-cialmente a medida cautelar para, dando ao atonormativo atacado - hoje Medida Provisória nº 1949-25, de 26 de junho de 2000 - interpretação conforme àConstituição, suspender, ex nunc e até final do julga-mento desta ação, a eficácia dele fora dos limites danorma de transição e, portanto, no tocante à sua aplica-ção aos empreendimentos e atividades que não existi-am anteriormente à entrada em vigor da Lei nº 9.605,de 12 de fevereiro de 1998, vencido, em parte, o SenhorMinistro Marco Aurélio, que concedia integralmente acautelar. Votou o Presidente. Ausente, justificadamente,o Senhor Ministro Celso de Mello. Plenário, 03.8.2000.

Por fim, em relação ao CAC, este, de acordo com o § 3° do art.79-A, irá suspender aplicação de sanções administrativas contra apessoa física ou jurídica que o houver firmado. Alguns advogados,em sede de habeas corpus, têm levantado o argumento de que,uma vez suspendendo a aplicação dessas sanções em sede adminis-trativa, estaria também extinguindo a punibilidade do agente eimpedindo a propositura da ação criminal, tendo, inclusive, a 3ª

25 Tal ADin encontra-se conclusa ao relator desde a data de 12/03/2007 em consultarealizada no site do STF, às 23h52 do dia 20/09/2007 (http://www.stf.gov.br/por-tal/processo/verProcessoAndamento.asp?numero=2083&classe=ADI&origem=AP&recurso=0&tipoJulgamento=M).

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Câmara Criminal do Tribunal de Justiça de Minas Gerais decidido afavor dessa tese, manifestando-se no sentido de que o “ajustamentode conduta perante o Ministério Público, visando regularizar a si-tuação, configura ausência de justa causa à ação penal”.26

Porém, tal argumentação é completamente desprovida defundamentação, porque, nessa decisão ímpar, o ajustamento foirealizado pelo Ministério Público, o que, por si só, já descarta oCAC previsto no art. 79-A, porquanto os órgãos legitimados sãoaqueles que compõem o SISNAMA, o que o Parquet não o perfaz.

Segundo, há de se destacar na independência e entre as ins-tâncias administrativa, cível e penal. Tal dispositivo menciona ape-nas a primeira destas, ou seja, a administrativa.

Terceiro, porque não se pode transacionar acerca de crimesambientais senão nos casos expressos em que a Lei 9.099/95 deter-mina – pena máxima não superior a dois anos. Afora esse caso, nãopoderá o mesmo ser objeto de transação penal. De tal modo é ocaso da suspensão condicional da pena, prevista no art. 77 do Có-digo Penal, aplicada nos casos em que a execução da pena nãoseja superior a dois anos.27

Quarto, porque, como sabido, tal artigo foi incluso atravésde Medida Provisória, e tal instrumento não pode versar, entreoutros assuntos, “sobre matéria relativa a direito penal”, conformevedação expressa do art. 62, § 1°, “b” da CF.

A boa jurisprudência vem se manifestando da seguinte ma-neira:28

[...] os fatos têm existência jurídico-penal própria, inde-pendente de suas repercussões cíveis, onde as medidaslegais de retificação ou recuperação das característicasambientais da área afetada têm fundamentos própri-os e independentes das conseqüências de ordem penalaplicáveis.

No mesmo sentido:29

[...] o fato de o indiciado ter firmado compromisso como Ministério Público e a FATMA para a regularização doloteamento às normas ambientais, evidentemente re-alizado na esfera administrativa, apesar de relevante,não justifica o trancamento da ação penal. Outros ele-

26 Habeas corpus n° 1.0000.04.410063-4/000(1).27 Tal artigo elenca outros requisitos necessários à suspensão condicional da pena,

mas não vem ao caso discuti-los neste trabalho.28 Habeas corpus 423.283.3/6-00, da 4ª Câmara Criminal do Tribunal de Justiça de

São Paulo.29 Inquérito 99.021.393-5, da 2ª Câmara Criminal do Tribunal de Justiça de Santa

Catarina.

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ALDO LINS E SILVA PIRES ARTIGO

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mentos dos autos podem autorizar a acusação e, comose sabe, em decorrência da separação dos Poderes, asjurisdições administrativa e criminal são autônomas edistintas.

Portanto, a Jurisprudência corrobora que não há a extinçãoda punibilidade do agente, quando este firma um ajustamento deconduta, bem como confirma que as instâncias cível, penal e admi-nistrativa são independentes entre si.

Conclusão

O meio ambiente vem sofrendo degradações exorbitantes e,se não houver uma efetiva conscientização e educação dos povos,além de vontade política, as próximas gerações estarão fadadas ater uma péssima qualidade de vida, chegando ao extremo de oglobo entrar num verdadeiro colapso.

No presente trabalho, foi realizada uma abordagem acer-ca da tutela dos direitos denominados de “terceira geração”,aqueles assim considerados levando-se em conta a suatransindividualidade, em que o direito não pertence a um indi-víduo, ou a um Estado, isoladamente, e sim a toda a coletivida-de. Especificamente, este direito difuso resguardado foi oconcernente ao meio ambiente.

Entre os meios processuais utilizados visando à tutelaambiental (Ação Direta de Inconstitucionalidade, Ação Declaratóriade Constitucionalidade, Ação Direta de Inconstitucional por Omis-são, Mandado de Injunção, Mandado de Segurança Coletivo, AçãoCivil Pública, Inquérito Civil e Recomendação Ministerial), foi obje-tivo deste trabalho analisar a eficácia dos Termos de Ajustamentode Conduta (TAC), instrumento de atuação extrajudicial, com forçade título executivo, previsto pelo § 6° do art. 5° da Lei 7.347/85 –Lei da Ação Civil Pública (LACP) –, parágrafo este incluso na referi-da lei através do art. 113 do Código de Defesa do Consumidor noinício da década de 90.

Foram analisados os principais aspectos desse instrumento, vi-sando a demonstrar que o TAC, quando realizado almejando aoseu verdadeiro fim – qual seja, compelir o empreendedor a fazerou deixar de fazer algo prejudicial ao meio ambiente, bem comoreparar as lesões já ocasionadas –, tem obtido uma relevanteefetividade, tendo-se em vista as suas características peculiares, en-tre elas, se constituir um modo célere, o que o diferencia dos pro-cedimentos judiciais comuns, que podem durar mais de uma déca-da, sem que se haja uma solução definitiva, além de terem eleva-dos custos aos cofres públicos.

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Além do TAC previsto na LACP, também foi explanada a figurado Compromisso de Ajustamento de Conduta (CAC), previsto noart. 79-A da Lei 9.605/98 – Lei dos Crimes Ambientais –, artigo esteinserido através de Medida Provisória, o que gerou, decerto, inú-meras críticas por parte da doutrina.

Também foi exposto o trabalho do Ministério Público, enteindependente, que atua na tutela dos direitos difusos e na corretaaplicação da lei.

O ideal, entretanto, seria uma maior fiscalização para que nãohouvesse o dano ambiental, pois, apesar de toda a compensação(que ainda é irrisória, incapaz e insuficiente de reparar a degrada-ção ambiental ocorrida), a natureza não voltará ao status quo ante,situação esta que ocorre na maioria dos danos causados ao meioambiente.

É fundamental a educação e a conscientização de que o bemjurídico protegido – no caso em tela, o meio ambiente – é um bemindisponível de interesse coletivo e a sua preservação é o meio maisadequado para que se alcance o fim desejado: o respeito à vida.

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ALDO LINS E SILVA PIRES ARTIGO

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ATIVISMO JUDICIAL: EFETIVAÇÃO DE NORMAS CONSTITUCIONAIS OU AMEAÇA AO PRINCÍPIO DA SEPARAÇÃO DOS PODERES?

Ativismo judicial: efetivação denormas constitucionais ou ameaça

ao princípio da separaçãodos Poderes?

Lucas Ventura Carvalho DiasAdvogado da CAIXA em Pernambuco

Pós-graduado em Direito Público pela FaculdadeMaurício de Nassau

RESUMO

O presente trabalho tem o intuito de estudar a doutrina doativismo judicial, para concluir se o instituto se revela como umaferramenta de efetivação de normas constitucionais ou como umaameaça ao princípio da separação dos Poderes. Atualmente, oJudiciário, em virtude da inércia de outros Poderes da República, vemadotando cada vez mais uma postura de viés ativista, procurandosuprir a omissão do Legislativo e do Executivo. Daí a necessidade deum estudo sobre o tema, porquanto existe a ameaça de, com a posturaativista do Poder Judiciário, haver a invasão das competências própriasdos demais Poderes, gerando, assim, uma violação ao princípio daseparação dos Poderes. Assim, este trabalho estuda o institutotrazendo seu conceito e os posicionamentos que enxergam noativismo judicial a efetivação de normas constitucionais, assim comoos que veem no instituto uma ameaça à separação dos Poderes. Emseguida, são apresentadas as conclusões obtidas.

Palavras-chave: Ativismo judicial. Separação. Poderes.Normas constitucionais.

ABSTRACT

The present work intents to study the doctrine of "judiciaryactivism", to conclude if the institute reveals itself as a tool ofeffectuation of the Constitutional rules, or as a threat to the principleof separation of powers. Nowadays the so called Judiciary System,due to the inertia of the other Powers of the Republic, adopts moreand more an activist behavior, trying to supply the omission of theLegislature an Executive Powers. Therefore, it comes the necessity ofstudying the theme, for there is a menace of, with the activist behaviorof the Judiciary System, existing the invasion of competences thatare proper to the other Powers. Hence, this study analyzes theinstitute, bringing its concept, the doctrine and the legal decisionsthat see in the "judiciary activism" the effectuation of

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LUCAS VENTURA CARVALHO DIAS ARTIGO

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Constitutional rules, as well as the ones who believe that theinstitute is a threat to Montesquieu's Separation of Powers(tripartite system). Finally comes the conclusion.

Keywords: Judiciary activism. Separation. Powers.Constitutional rules.

Introdução

A Constituição Federal de 1988, em seu artigo 2º, traz o princí-pio da separação dos Poderes, afirmando: "Art. 2º São Poderes daUnião, independentes e harmônicos entre si, o Legislativo, o Exe-cutivo e o Judiciário". Cada Poder da República, portanto, exerceuma atribuição típica, sendo a do Judiciário decidir as questõeslevadas a juízo, não podendo se afastar dessa atribuição, confor-me artigo 5º, inciso XXXV, da Carta Magna.

Quanto à independência, significa que cada Poder não podese subordinar aos demais. Já por harmonia deve-se entender quecada um dos Poderes não deve ingressar na esfera de competênciatípica dos demais, salvo as exceções já previstas no texto da Consti-tuição.

O presente trabalho tem por escopo realizar uma breve análi-se do ativismo judicial no Brasil, a partir do seguinte questio-namento: o instituto revela-se principalmente como uma forma deefetivação de direitos fundamentais ou representa uma ameaça aoprincípio constitucional da separação dos Poderes?

Justifica-se a elaboração de um estudo sobre o assunto, pois,após anos de entendimento contrário, o Supremo Tribunal Fede-ral (STF), em 2008, ao julgar os Mandados de Injunção 670, 708 e712, decidiu pela efetivação imediata de uma norma constitucio-nal de eficácia limitada (SILVA, 1998 apud LENZA, 2010, p. 177-183), qual seja, o direito de greve dos servidores públicos. Atéaquele momento, o STF entendia que o Judiciário não poderiasuprir a omissão legislativa sobre determinada matéria, sob penade invasão de competência, mesmo que isso significasse a nãoefetivação de um direito fundamental constitucionalmente ga-rantido.

Ademais, a corte parece cada vez mais inclinada a adotar atese do ativismo judicial com o intuito de efetivar direitos funda-mentais. Com efeito, o mais novo Ministro do Tribunal, José Antô-nio Dias Toffoli, afirmou, em entrevista concedida ao jornal O Glo-bo, que a corte deve atuar em casos de omissão (TOFFOLI..., 2009).Na mesma linha é o posicionamento de Gilmar Mendes, expressono MI 670 e citado pelo magistrado e doutrinador em seu Curso deDireito Constitucional.

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ATIVISMO JUDICIAL: EFETIVAÇÃO DE NORMAS CONSTITUCIONAIS OU AMEAÇA AO PRINCÍPIO DA SEPARAÇÃO DOS PODERES?

Dessa forma, buscar-se-á, nas páginas que se seguem, definir oque é ativismo judicial, trazendo, na primeira seção, seu conceito apartir da doutrina.

Em seguida, a partir das opiniões de doutrinadores e opera-dores do direito, será realizada na segunda seção uma análise doinstituto sob o ponto de vista do ativismo judicial como forma deefetivação das normas constitucionais nos casos de inércia doLegislativo e do Executivo.

Posteriormente, será analisado na terceira seção se o institu-to representa uma ameaça ao princípio da separação dos Pode-res, tendo em vista que, ao efetivar um direito que depende delegislação ou políticas públicas para tanto, o Judiciário ingressanuma seara que seria, originalmente, dos Poderes Legislativo eExecutivo.

Por fim, serão apresentadas as conclusões obtidas com os estu-dos realizados, procurando-se trazer um posicionamento adequa-do à luz dos pensamentos divergentes analisados.

1 Ativismo judicial - conceito

Para que se entenda o que é ativismo judicial, tomem-se, deinício, as lições do professor Elival da Silva Ramos, que em seu livroAtivismo judicial: parâmetros dogmáticos aborda o instituto, deinício, nos seguintes termos:

Ao se fazer menção ao ativismo judicial, o que se está areferir é a ultrapassagem das linhas demarcatórias dafunção jurisdicional, em detrimento principalmente dafunção legislativa, mas, também, da função administra-tiva e, até mesmo, da função de governo. Não se tratado exercício desabrido da legiferação (ou de outra fun-ção não jurisdicional), que, aliás, em circunstâncias bemdelimitadas, pode vir a ser deferido pela própria Consti-tuição aos órgãos superiores do aparelho judiciário, esim da descaracterização da função típica do Poder Ju-diciário, com incursão insidiosa sobre o núcleo essencialde funções constitucionalmente atribuídas a outros po-deres (RAMOS, 2010, p. 116-117).

Ou seja, deixa claro o mestre que, ao praticar o que se chamade ativismo judicial, o Judiciário extrapola as suas atribuições típi-cas, ingressando na órbita que seria de outro poder, nesse caso, oLegislativo.

Observa-se, desde logo, o tom crítico adotado pelo autor quan-to ao tema, ao classificar como insidiosa a incursão do Judiciáriosobre o núcleo essencial de funções atribuídas pela Carta Magna aoutros Poderes da república.

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Em seguida, na já citada obra, o autor ensina que por ativismojudicial:

[...] deve-se entender o exercício da função jurisdicionalpara além dos limites impostos pelo próprioordenamento que incumbe, institucionalmente, ao Po-der Judiciário fazer atuar, resolvendo litígios de feiçõessubjetivas (conflitos de interesse) e controvérsias jurídi-cas de natureza objetiva (conflitos normativos) (RAMOS,2010, p. 129).

Novamente, sobressai o caráter extremamente crítico das liçõesdo doutrinador sobre a matéria.

Em estudo sobre o tema, Coelho (2010) cita um conceito deLeal, segundo o qual ativismo judicial está associado "à ideia deexorbitância de competência por parte do Poder Judiciário, razãopor que - adverte - chamar-se de ativista a um tribunal implica atri-buir-lhe algo de negativo na sua conduta institucional" (LEAL, 2010,p. 24 apud COELHO, 2010).

Observa-se, novamente, um conceito que coloca uma pechasobre o ativismo judicial, pois enxerga o instituto como umaextrapolação da competência originária do Poder Judiciário.

Delgado (2008 apud CARVALHO, 2009), por sua vez, formula oseguinte conceito: "[...] postura a ser adotada pelo magistrado queo leve ao reconhecimento da sua atividade como elemento funda-mental para o eficaz e efetivo exercício da atividade jurisdicional".

Aqui já é possível denotar uma conceituação de viés positivosobre o tema, sem o caráter negativista dos autores citados anteri-ormente, pois vê o ativismo como elemento fundamental para queseja eficaz o exercício da atividade jurisdicional.

Já Gomes (2009) conceitua ativismo judicial como:

uma espécie de intromissão indevida do Judiciário nafunção legislativa, ou seja, ocorre ativismo judicial quan-do o juiz "cria" uma norma nova, usurpando a tarefa dolegislador, quando o juiz inventa uma norma não con-templada nem na lei, nem dos tratados, nem na Consti-tuição.

Em seguida, arremata: "O ativismo judicial [...] ocorre quandoo juiz inventa uma norma, quando cria um direito não contempla-do de modo explícito em qualquer lugar, quando inova oordenamento jurídico" (GOMES, 2009).

Novamente, tem-se uma definição que coloca o ativismo judi-cial como uma forma de usurpação da função legislativa pelo Judi-ciário, ou seja, o objeto do presente estudo é visto como umaextrapolação, pelos magistrados, de suas atribuições.

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ATIVISMO JUDICIAL: EFETIVAÇÃO DE NORMAS CONSTITUCIONAIS OU AMEAÇA AO PRINCÍPIO DA SEPARAÇÃO DOS PODERES?

Luiz Roberto Barroso, em entrevista concedida a Ito (2009),conceitua o ativismo diferenciando-o do conceito de judicializaçãonos seguintes termos: "Já o ativismo, ao contrário da judicialização,não é fato, diz Barroso, mas atitude. Acontece quando há um défi-cit de outros Poderes e o Judiciário aplica princípios a situaçõesnão previstas em leis".

Nota-se, assim, que o autor reconhece o ativismo como umaatuação do Judiciário que vai além do que está escrito nas leis,classificando a postura mais como uma questão de "atitude" domagistrado.

Ante os conceitos demonstrados nas linhas pretéritas, fica claroque ocorre ativismo judicial quando o Judiciário, em atribuiçãoque não lhe é típica, busca efetivar algum direito quando a leiainda não o fez, invadindo, em tese, competência do PoderLegislativo e fazendo isso, em regra, quando há inércia deste.

Já demonstrado o que se entende por ativismo judicial, passa-se, agora, a analisar duas vertentes do instituto: a) como uma for-ma de efetivação de direitos fundamentais e, portanto, uma con-tribuição positiva do Judiciário para o Estado; e b) como umaextrapolação da atividade jurisdicional que traz reflexos negativospara o equilíbrio dos Poderes na República.

2 Ativismo judicial: modernização da jurisdição e efetivaçãode direitos constitucionalmente garantidos

A Constituição da Federação brasileira, de 1988, bastante ex-tensa e garantista, em virtude do contexto político-social em quefoi editada (após a ditadura militar), positivou uma enorme quan-tidade de direitos básicos para os brasileiros; todavia, em muitoscasos, não dispôs sobre os métodos de efetivá-los.

Com efeito, ao ler o texto da Constituição brasileira, algumdesavisado poderia acreditar estar vivendo num país desenvolvi-do, em que se garante à população saúde, educação, moradia,cultura, dignidade, entre diversos outros direitos individuais e soci-ais. Infelizmente, tais direitos, considerados fundamentais,insuscetíveis de alteração por emenda ao Texto Magno, ainda nãosão acessíveis a uma grande parte da população.

Diante desse quadro, não se pode negar que o ativismo judi-cial traz um novo horizonte de possibilidades. Direitos que perma-neciam ineficazes em virtude da inércia do legislador ou do admi-nistrador agora encontram no Judiciário uma forma deconcretização.

Trata-se de um neoconstitucionalismo, que busca, nas pala-vras de Lenza (2010, p. 55):

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não mais apenas se atrelar [...] à idéia de limitação dopoder político, mas, acima de tudo, buscar a eficácia daConstituição, deixando o texto de ter um caráter mera-mente retórico e passando a ser mais efetivo, especial-mente diante da expectativa de concretização dos di-reitos fundamentais.

Foi exatamente o que fez o STF, em 2008, ao garantir a utiliza-ção da lei geral de greve aos servidores públicos estatutários.

A Constituição brasileira, em seu artigo 37, inciso VII, garanteaos servidores públicos direito de greve; todavia, afirma que esteserá exercido "nos termos e nos limites definidos em lei específica".

Ocorre que, atualmente, passados mais de vinte e um anosda promulgação da Constituição cidadã, nunca foi editada a "leiespecífica" citada no artigo 37. Ou seja, o legislador queda-seinerte há mais de vinte anos, sem qualquer justificativa plausívelpara tanto.

Contudo, a Constituição, pensando na hipótese, previu umremédio que poderia trazer a solução do problema: o mandadode injunção. Dispõe o art. 5º, inciso LXXI, da CF/88: "conceder-se-ámandado de injunção sempre que a falta de normaregulamentadora torne inviável o exercício dos direitos e liberda-des constitucionais e das prerrogativas inerentes à nacionalidade,à soberania e à cidadania".

Ou seja, em tese, havia uma ferramenta excepcional, constitu-cionalmente garantida, para que fossem efetivados direitos funda-mentais inacessíveis em virtude da falta de norma regulamentadorado seu exercício.

Todavia, o STF, no Mandado de Injunção nº 20, firmou posi-ção no sentido de que o direito de greve dos servidores públicossomente poderia ser exercido após a edição da lei especial citadano texto constitucional, sob alegação de que a norma que garan-tia o referido direito era de eficácia limitada, conforme a classifica-ção proposta por Silva (2005).

O acórdão teve a ementa abaixo transcrita:

EMENTA: MANDADO DE INJUNÇÃO COLETIVO - DIREI-TO DE GREVE DO SERVIDOR PÚBLICO CIVIL - EVOLU-ÇÃO DESSE DIREITO NO CONSTITUCIONALISMO BRASI-LEIRO - MODELOS NORMATIVOS NO DIREITO COMPA-RADO - PRERROGATIVA JURÍDICA ASSEGURADA PELACONSTITUIÇÃO (ART. 37, VII) - IMPOSSIBILIDADE DE SEUEXERCÍCIO ANTES DA EDIÇÃO DE LEI COMPLEMENTAR- OMISSÃO LEGISLATIVA - HIPÓTESE DE SUA CONFIGU-RAÇÃO - RECONHECIMENTO DO ESTADO DE MORA DOCONGRESSO NACIONAL - IMPETRAÇÃO POR ENTIDA-DE DE CLASSE - ADMISSIBILIDADE - WRIT CONCEDIDO.DIREITO DE GREVE NO SERVIÇO PÚBLICO: O preceito

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ATIVISMO JUDICIAL: EFETIVAÇÃO DE NORMAS CONSTITUCIONAIS OU AMEAÇA AO PRINCÍPIO DA SEPARAÇÃO DOS PODERES?

constitucional que reconheceu o direito de greve ao ser-vidor público civil constitui norma de eficácia meramen-te limitada, desprovida, em conseqüência, de auto-aplicabilidade, razão pela qual, para atuar plenamente,depende da edição da lei complementar exigida pelopróprio texto da Constituição. A mera outorga constitu-cional do direito de greve ao servidor público civil nãobasta - ante a ausência de auto-aplicabilidade da nor-ma constante do art. 37, VII, da Constituição - para justi-ficar o seu imediato exercício. O exercício do direito pú-blico subjetivo de greve outorgado aos servidores civissó se revelará possível depois da edição da lei comple-mentar reclamada pela Carta Política. A lei complemen-tar referida - que vai definir os termos e os limites doexercício do direito de greve no serviço público - consti-tui requisito de aplicabilidade e de operatividade danorma inscrita no art. 37, VII, do texto constitucional.Essa situação de lacuna técnica, precisamente porinviabilizar o exercício do direito de greve, justifica autilização e o deferimento do mandado de injunção. Ainércia estatal configura-se, objetivamente, quando oexcessivo e irrazoável retardamento na efetivação daprestação legislativa - não obstante a ausência, na Cons-tituição, de prazo pré-fixado para a edição da necessá-ria norma regulamentadora - vem a comprometer e anulificar a situação subjetiva de vantagem criada pelotexto constitucional em favor dos seus beneficiários.MANDADO DE INJUNÇÃO COLETIVO: A jurisprudênciado Supremo Tribunal Federal firmou-se no sentido deadmitir a utilização, pelos organismos sindicais e pelasentidades de classe, do mandado de injunção coletivo,com a finalidade de viabilizar, em favor dos membrosou associados dessas instituições, o exercício de direitosassegurados pela Constituição. Precedentes e doutrina(BRASIL, 1996).

Assim, embora reconhecida a mora legislativa e concedido oMandado de Injunção, com a notificação do Poder Legislativo quan-to à sua mora, entendeu a suprema corte que não poderia, substi-tuindo-se ao legislador, efetivar o direito de greve dos servidorespúblicos.

Como bem lembra Mendes (2009, p. 1265), o posicionamentoda corte se manteve no julgamento dos MI 485 e 585. Arremata oautor informando que "nas diversas oportunidades em que o tri-bunal se manifestou sobre a matéria, tem-se reconhecido unica-mente a necessidade de se editar a reclamada legislação, sem ad-mitir uma concretização direta da norma constitucional".

Ressalva-se, entretanto, que, já no julgamento do Mandadode Injunção nº 20, o Ministro Carlos Velloso, em posicionamentonotoriamente vanguardista para o direito brasileiro, entendia quedevia ser aplicada, aos servidores públicos civis, a lei geral de greve

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(Lei 7.783/1989), que seria a norma do caso concreto, para efetivar odireito fundamental não exercido em virtude a injustificável moralegislativa.

Foram estes os argumentos que utilizou em seu voto:

A Casa conhece o meu pensamento a respeito do man-dado de injunção. Estamos diante de um caso em que écabível esta medida. Sustento que devemos emprestarao mandado de injunção a máxima eficácia. Reporto-me aos votos que tenho proferido nesta Casa, a respei-to do tema, em que sustento que, julgada procedente ainjunção, deve o Supremo Tribunal Federal elaborar anorma para o caso concreto, vale dizer, a norma queviabilizará o exercício do direito. Reporto-me, por exem-plo, aos votos que proferi nos MMII 369-DF, 219-DF, 384-RJ, 429-DJ, 95-RR, 124-SP, 278-MG.Assim, Sr. Presidente, passo a fazer aquilo que a Consti-tuição determina que eu faça, como juiz: elaborar anorma para o caso concreto, a norma que viabilizará, naforma do disposto no art. 5º, LXXI, da Lei Maior, o exer-cício do direito de greve do servidor público.A norma para o caso concreto será a lei de greve dostrabalhadores, a Lei 7.783, de 28.06.1989. É dizer, de-termino que seja aplicada, no caso concreto, a lei quedispõe sobre o exercício do direito de greve dos traba-lhadores em geral, que define as atividades essenciais eque regula o atendimento das necessidades inadiáveisda comunidade.Sei que na Lei 7.783 está disposto que ela não se aplica-rá aos servidores públicos. Todavia, como devo fixar anorma para o caso concreto, penso que devo e possoestender aos servidores públicos a norma já existente,que dispõe a respeito do direito de greve (BRASIL, 1996).

Posicionamento idêntico foi defendido no julgamento do MI631/MS, relator Ministro Ilmar Galvão, como de forma pertinenteobserva Mendes (2009, p. 1265).

A corte, entretanto, somente adotou o mesmo posicionamentoem 25 de outubro de 2007, quando, julgando os Mandados deInjunção 670 (Ministro relator Ilmar Galvão), 708 (Ministro relatorGilmar Mendes) e 712 (Ministro relator Eros Grau), determinou quese aplicasse aos servidores públicos civis a Lei 7.783/1989.

Segundo Mendes (2009, p. 1273), o Tribunal,

afastando-se da orientação inicialmente perfilhada nosentido de estar limitada à declaração da existência damora legislativa para a edição de normaregulamentadora específica, passou, sem assumir com-promisso com o exercício de uma típica função legislativa,a aceitar a possibilidade de uma regulação provisóriapelo próprio judiciário.

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ATIVISMO JUDICIAL: EFETIVAÇÃO DE NORMAS CONSTITUCIONAIS OU AMEAÇA AO PRINCÍPIO DA SEPARAÇÃO DOS PODERES?

Foram os seguintes os fundamentos do voto do então presi-dente da Corte Máxima de Justiça brasileira:

O direito de greve dos servidores públicos tem sido ob-jeto de sucessivas dilações desde 1988. A Emenda Cons-titucional nº 19/1998 retirou o caráter complementarda lei regulamentadora, a qual passou a demandar,unicamente, lei ordinária e específica para a matéria.Não obstante subsistam as resistências, é bem possívelque as partes envolvidas na questão partam de premis-sas que favoreçam o estado de omissão ou de inércialegislativa.A representação de servidores não vê com bons olhos aregulamentação do tema, porque visa a disciplinar umaseara que hoje está submetida a um tipo de lei da selva.Os representantes governamentais entendem que aregulamentação acabaria por criar o direito de grevedos servidores públicos. Essas visões parcialmente coin-cidentes têm contribuído para que as greves no âmbitodo serviço público se realizem sem qualquer controlejurídico, dando ensejo a negociações heterodoxas, ou aausências que comprometem a própria prestação doserviço público, sem qualquer base legal.Mencionem-se, a propósito, episódios mais recentes re-lativos à greve dos servidores do Judiciário do Estado deSão Paulo e à greve dos peritos do Instituto Nacional deSeguridade Social (INSS), que trouxeram prejuízosirreparáveis a parcela significativa da população depen-dente desses serviços públicos.A não regulação do direito de greve acabou por propici-ar um quadro de selvageria com sérias conseqüênciaspara o Estado de Direito. Estou a lembrar que Estadode Direito é aquele no qual não existem soberanos.Nesse quadro, não vejo mais como justificar a inércialegislativa e a inoperância das decisões desta Corte.Comungo das preocupações quanto à não assunção peloTribunal de um protagonismo legislativo. Entretanto,parece-me que a não-atuação no presente momento jáse configuraria quase como uma espécie de 'omissãojudicial'.[...]Nesse contexto, é de se concluir que não se pode consi-derar simplesmente que a satisfação do exercício dodireito de greve pelos servidores públicos civis deva fi-car a bel-prazer do juízo de oportunidade e conveniên-cia do Poder Legislativo.Estamos diante de uma situação jurídica que, desde apromulgação da Carta Federal de 1988 (ou seja, há maisde 17 anos), remanesce sem qualquer alteração. Isto é,mesmo com as modificações implementadas pela emen-da n. 19/1998 quanto à exigência de lei ordinária espe-cífica, o direito de greve dos servidores públicos aindanão recebeu o tratamento legislativo minimamente

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satisfatório para garantir o exercício dessa prerrogati-va em consonância com imperativos constitucionais.Por essa razão, não estou a defender aqui a assunçãodo papel de legislador positivo pelo Supremo TribunalFederal.Pelo contrário, enfatizo tão-somente que, tendo em vistaas imperiosas balizas constitucionais que demandam aconcretização do direito de greve a todos os trabalha-dores, este Tribunal não pode se abster de reconhecerque, assim como se estabelece o controle judicial sobrea atividade do legislador, é possível atuar também noscasos de inatividade ou omissão do Legislativo (BRASIL,2009, grifos do autor).

Impende ressaltar que, apesar de atuar no vazio legislativo,determinando a aplicação da lei geral de greve dos trabalhadoresda iniciativa privada aos servidores públicos, o Ministro edoutrinador deixa claro que, na sua opinião, o STF não estaria as-sumindo a posição de legislador positivo.

Assim, com essa viragem jurisprudencial, o STF adotou posturaque se enquadra como ativismo judicial, concretizando, com isso, odireito de greve dos servidores públicos civis, que se viam tolhidosde seu exercício em virtude da inércia do Legislativo.

Portanto, verifica-se na postura ativista do Tribunal Constitucio-nal um elemento importante para garantir direitos que não veem aluz do dia em virtude de interesses muitas vezes escusos (como fazquestão de citar Mendes em sua decisão referida anteriormente).Sabe-se lá quanto tempo levaria para que se efetivasse o direito degreve dos servidores públicos civis se outra tivesse sido a postura doSTF no julgamento dos Mandados de Injunção 670, 708 e 712.

Aliás, é importante o alerta dado por Campos (2009, p. 5):

Se à reiterada omissão legislativa inconstitucional, sesomasse uma também reiterada "omissão judicial", tudoestaria perdido para a força normativa da Constituição,que se encontraria desprotegida diante da inércia dospoderes constituídos, pondo-se em risco a efetividadenão apenas do dispositivo constitucional não regulado,mas da constituição como um todo.

Cabe indagar, todavia, se é possível ao órgão judicial assumiressa postura, na qual, de certa forma, substitui-se ao legislador.

Segundo Medeiros (1999 apud MENDES, 2009, p. 1267-1268):

A atribuição de uma função positiva ao juiz constitucio-nal harmoniza-se, desde logo, com a tendência hodiernapara a acentuação da importância e da criatividade dafunção jurisdicional: as decisões modificativas integram-se, coerentemente, no movimento de valorização domomento jurisprudencial do direito.

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ATIVISMO JUDICIAL: EFETIVAÇÃO DE NORMAS CONSTITUCIONAIS OU AMEAÇA AO PRINCÍPIO DA SEPARAÇÃO DOS PODERES?

O alargamento dos poderes normativos do TribunalConstitucional constitui, outrossim, uma resposta à cri-se das instituições democráticas.

Denota-se que o autor se mostra favorável à postura ativistada Corte Suprema de Justiça, enxergando aí uma resposta à crisedas instituições democráticas, que vêm se mostrando inaptas a aten-der os anseios da sociedade de ver tornarem-se realidade os direi-tos prometidos nas Cartas Constitucionais modernas, sendo um ex-celente exemplo a própria Constituição Federal do Brasil.

Em tese, portanto, o ativismo seria, na verdade, uma etapada atuação do Poder Judiciário já prevista constitucionalmente.O papel do Judiciário contemporâneo seria justamente garantir ocumprimento da constituição, devendo adotar uma posturaativista.

Em linha semelhante de argumentação, são valiosos osensinamentos de Streck (2003, p. 685, grifo do autor):

A democratização social, fruto das políticas do WelfareState, o advento da democracia no segundo pós-guerrae a redemocratização de países que saíram de regimesautoritários/ditatoriais trazem a lume constituições cujostextos positivam direitos fundamentais e sociais. Esseconjunto de fatores redefine a relação entre os pode-res do Estado, passando o judiciário (ou os tribunais cons-titucionais) a fazer parte da arena política [...]

Mais adiante, complementa o autor:

[...] surgindo o Judiciário (e suas variantes de justiça cons-titucional, nos países que adotaram a fórmula de tribu-nais ad hoc) como uma alternativa para o resgate daspromessas da modernidade, onde o acesso à justiça as-sume um papel de fundamental importância, por meiodo deslocamento da esfera de tensão, até então calca-da nos procedimentos políticos, para os procedimentosjudiciais (STRECK, 2003, p. 685).

Assim, entende Streck que ao Judiciário cabe um papel no ce-nário político, agindo por meio do ativismo para concretizar direi-tos adormecidos e cumprir as chamadas "promessas damodernidade", tão presentes, por exemplo, na Constituição doBrasil de 1988.

Os juízes, portanto, não seriam mais meros aplicadores da lei.Seriam seres políticos, encarregados de dar cumprimento à Consti-tuição, mesmo que isso signifique ingressar na arena específica dosoutros Poderes da República.

O estudioso entende, ainda, o seguinte:

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O Poder Judiciário (entendido como justiça constitucio-nal) deve ter uma nova inserção no âmbito das relaçõesdos poderes de Estado, levando-o a transcender as fun-ções dos checks and balances, mediante uma atuaçãoque leve em conta a perspectiva de que os valores cons-titucionais têm precedência mesmo contra textoslegislativos produzidos por maiorias parlamentares(que, a toda evidência, devem obediência à constitui-ção) (STRECK, 2003, p. 703-704).

Ou seja, na visão do autor, para a concretização dos valoresconstitucionais é possível até mesmo ir contra texto de lei. Na práti-ca, como o texto legal deve obediência à Constituição, se falha emcumpri-la, cabe ao Judiciário corrigir essa distorção. Continuandosuas lições, explica o doutrinador, citando Krell:

[...] onde o processo político (Legislativo, Executivo) fa-lha ou se omite na implementação de políticas públicase dos objetivos sociais nela implicados, cabe ao PoderJudiciário tomar uma atitude ativa na realização dessesfins sociais através da correição de prestações dos servi-ços sociais básicos (STRECK, 2003, p. 704, grifo do autor).

Assim, nesse pensar, o Judiciário poderia até mesmo atuar naformulação de políticas públicas, ingressando na esfera de compe-tência do Executivo.

Tratando do tema, Krell (2002, p. 88, grifo do autor) argu-menta:

Torna-se cada vez mais evidente que o vetusto princípioda Separação dos Poderes, idealizado por Montesquieuno século XVIII, está produzindo, com sua grande forçasimbólica, um efeito paralisante às reivindicações decunho social e precisa ser submetido a uma nova leitura,para poder continuar servindo ao seu escopo original degarantir Direitos Fundamentais contra o arbítrio e, hojetambém, a omissão estatal.

Na mesma linha de Streck, portanto, entende Krell que odogma da separação dos Poderes precisa ser revisto, atualizado, deforma que não sirva como instrumento de engessamento do con-trole das políticas públicas, mas atenda ao seu papel fundamental,que é garantir os direitos fundamentais dos indivíduos.

Nesse sentido, o que se chama de ativismo judicial não seriamais do que uma releitura do princípio da separação dos Poderes,modernizado de forma a continuar cumprindo sua função precípuade proteger as pessoas contra o arbítrio, que, atualmente, manifes-ta-se não apenas por ação, mas também por omissão.

Continuando o seu raciocínio, Krell (2002, p. 90) explica:

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ATIVISMO JUDICIAL: EFETIVAÇÃO DE NORMAS CONSTITUCIONAIS OU AMEAÇA AO PRINCÍPIO DA SEPARAÇÃO DOS PODERES?

[...] não parece lícito invocar regras abstratas e ortodo-xas sobre a Separação dos Poderes, nem "pensar nasubsistência radical daquilo que no passado sugeriraMontesquieu", para, como isso, desprezar a realidadepresente e renunciar a soluções práticas de utilidadegeral.

Para que essas "soluções práticas de ordem geral" ganhem aluz do dia, a solução é rever a separação dos Poderes, com o Judi-ciário agindo de forma mais política e fazendo cumprir o que osoutros Poderes não conseguiram ou, pior, sequer pretenderam.

Continuando, o Krell (2002, p. 97-98) afirma concordar com atese da defesa de:

Um novo tipo de Poder Judiciário e de compreensão danorma Constitucional, com juízes "ativistas", vinculadosàs diretivas e às diretrizes materiais da constituição,voltados para a plena realização dos seus comandos nãoapenas apegados aos esquemas da racionalidade for-mal e, por isso, muitas vezes simples guardiões do statusquo. Torna-se necessária, portanto, uma "mudança deparadigmas" na percepção de sua própria posição e fun-ção no moderno Estado Social de Direito.

Portanto, o que se denota da leitura do texto citado é que oautor se mostra favorável aos juízes políticos, ativistas, que buscama plena realização da Constituição. Ressalta a necessidade de umamudança de paradigmas na interpretação do papel do Poder Judi-ciário. Como observado em linhas pretéritas, parte dessa mudançade paradigma consiste numa reavaliação do sistema da separaçãodos Poderes do Estado.

Sem dúvida, a tese ganha força quando se observa o decididopelo STF nos Mandados de Injunção 670, 708 e 712. A mudança depostura do Judiciário fez com que um direito que há vinte e umanos não encontrava concretização de maneira adequada pudesseser exercido, inobstante a nefasta inércia do legislador.

Adiante em suas lições, Krell (2002, p. 98, grifo do autor) de-fende:

Esse tipo de ativismo judicial seria capaz, diante de cadasituação e sem seguir receitas uniformes, de superarmuitos dos óbices e representar uma "alavancadinamizadora" para a realização dos direitos sociaispostergados ou até "impossíveis", como tantas vezesdenominamos aqueles que não são desfrutáveis pormuitas pessoas sumidas na marginalidade" e os quais"podam a Democracia de um dos seus essenciais con-teúdos".

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Fica claro que, como Streck, Krell enxerga no ativismo judicialuma alternativa para o cumprimento das promessas constitucionais,para que se dê efetividade ao Texto Magno, que, em virtude dainércia das demais esferas de Poder, traz um grande rol de direitosque vêm se tornando letra morta.

Não se pode deixar de dar certa razão ao autor, mormentequando se observa a jurisprudência recente do STF, notadamenteno caso do direito de greve dos servidores públicos. Não fosse adecisão de viés ativista da Suprema Corte, um direito previsto hámais de vinte anos encontrar-se-ia numa espécie de limbo jurídico,como, aliás, ainda encontram-se diversas normas daquelas consi-deradas de "eficácia limitada", na clássica conceituação de Silva(1998 apud LENZA, 2010).

Sem olvidar o risco que representa o ativismo, matéria que serádiscutida mais adiante no presente trabalho, o fato é que o direitode greve dos servidores públicos somente ganhou efetividade etratamento jurídico adequado ante a postura proativa do STF, queousou mudar o seu posicionamento há anos consolidado.

Aliás, ao que parece, a tendência futura da corte é trazer maisdecisões de índole ativista, como deixou claro o recentementeempossado Ministro do STF, José Antônio Dias Toffoli, em entrevis-ta concedida ao jornal O Globo e reproduzida no portal jurídicoConsultor Jurídico. Com efeito, quando perguntado se é papel doSTF legislar quando o Congresso é omisso, assim respondeu o Mi-nistro:

A Constituição diz que, quando não há regulamentaçãode um direito previsto na própria Constituição, o Judici-ário pode atuar. Quando se deparou com uma ação so-bre o direito de greve do servidor público pela primeiravez, salvo engano em 1993, o Supremo não regulamen-tou. Imaginava-se que o Congresso levaria no máximodez anos para regulamentar. Agora, a Constituição játem mais de 20 anos. Não me impressiona o fato de queo Supremo está avançando em certas situações que sãode competência do Congresso Nacional, por conta dotempo passado. É uma coisa lógica (TOFFOLI..., 2009).

Ou seja, deixa claro o novo magistrado que, na sua opinião, oSupremo não apenas pode, mas tem o dever de atuar na omissãodo Poder Legislativo. Portanto, o STF ganhou mais um membrodefensor da doutrina do ativismo judicial.

Ora, se o Legislativo, passados mais de vinte anos, não cumpreo seu dever, seria aceitável a manutenção dessa situação sob o ar-gumento de que postura diversa quebraria o equilíbrio dos Pode-res do Estado? E como fica esse mesmo Estado se um de seus Pode-res constituídos faz tabula rasa da Carta que rege a nação?

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ATIVISMO JUDICIAL: EFETIVAÇÃO DE NORMAS CONSTITUCIONAIS OU AMEAÇA AO PRINCÍPIO DA SEPARAÇÃO DOS PODERES?

Outro grande nome do direito brasileiro a defender a doutri-na do ativismo é Maria Berenice Dias, citada em artigo de GláuciaMilício:

[...] se a tarefa fosse simplesmente aplicar a letra daConstituição, não precisaria de juiz. A Constituição traçanormas, mas cabe ao julgador buscar uma solução maisjusta [...]. "A nossa Deusa da Justiça não pode ser cega.Já temos um legislador covarde, que não consegue apro-var certas leis. Com isso, o Judiciário tem de suprir essalacuna. Ele não pode fechar os olhos para realidade"(MILÍCIO, 2009).

Observe-se que, como outros autores já citados, a doutrinadoraentende que a postura ativista do Judiciário, na verdade, não éuma opção: é antes um dever de agir. O Judiciário deve suprir alacuna deixada por outro Poder e dar concretude à norma consti-tucional.

Outra opinião de relevo favorável - embora com reservas - aoativismo judicial no direito brasileiro é de Luis Roberto Barroso,cuja opinião foi reproduzida por Marina Ito, em matéria no portalConsultor Jurídico:

O ativismo judicial se expande quando outros Poderes seretraem. Nesse sentido, o ativismo tem um ponto positi-vo: atende às demandas sociais não atendidas por ins-tâncias políticas. Mas apresenta um aspecto negativo aorevelar que as instituições constitucionalmente compe-tentes não funcionam satisfatoriamente (ITO, 2009).

De fato, a conclusão é bastante interessante e, sem dúvida,merece reflexões. Pois, se parece certo que o ativismo judicial vemcumprindo um papel de atender anseios sociais quando outras es-feras de poder não conseguiram fazê-lo, não se pode olvidar queisso representa uma deficiência dessas mesmas esferas, que não vêmcumprindo o seu papel constitucionalmente outorgado.

Portanto, o ideal seria que não houvesse ativismo, mas, tra-tando-se da realidade brasileira, o instituto parece ser um mal ne-cessário, enquanto os Poderes constituídos insistem em não cum-prir a sua nobre missão.

Ainda sobre o tema da possibilidade de atuação judicial antea inércia do legislador, merecem transcrição as lições de Carlos Ale-xandre de Azevedo Campos, em seu artigo Limites e possibilidadesdo protagonismo judicial:

Com efeito, é o Poder Legislativo o titular da prioridadeno cumprimento da função de densificação normativados significados constitucionais, de exercer a política

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constitucional; por outro lado, essa reserva político-cons-titucional do Poder Legislativo não pode ser entendidacomo um poder ilimitado, cujo não exercício possa re-presentar uma paralisia legítima da força normativa daConstituição e, em especial, dos significados constitucio-nais pendentes de regulação (CAMPOS, 2009, p. 6, grifodo autor).

Interessante a posição do autor, que enxerga na inação dolegislador um exercício de poder; afinal, se incumbe ao legisladora tarefa de tornar realidade através de sua atividade os preceitosconstitucionais, também lhe compete não fazer coisa alguma. Semdúvida, a inércia do legislador, seja a que interesses sirva, se mostracomo um grande poder, mas, defende o doutrinador, há que selimitá-lo, sob pena de haver uma paralisação da forma normativada Constituição, pasmem, garantida constitucionalmente!

Por essa razão, afirma o autor:

[...] o mero reconhecimento da mora legislativa e a ciên-cia ao Poder omisso para o suprimento da lacuna repre-sentam muito pouco em termos de atuação em nomeda força normativa da Constituição e dos direitos fun-damentais; na verdade, o que se espera é o imediatosuprimento da omissão e o afastamento de suas conse-qüências indesejadas (CAMPOS, 2009, p. 6).

Assim, o ativismo judicial pode ser uma ferramenta poderosapara evitar uma "ditadura da inércia" por parte do PoderLegislativo, que, ao não cumprir sua função constitucionalmenteprevista, acaba por, na verdade, agir em contrariedade à Constitui-ção. O silêncio do Legislativo é bastante eloquente e demonstra avontade da classe política e de seus financiadores quanto à efetivaconcretização de direitos básicos da população brasileira.

Como ressaltado pelo autor, o que se espera é que o proble-ma das lacunas normativas e dos direitos garantidos apenas nopapel seja resolvido de imediato. Uma Constituição só merece serchamada de cidadã se atende aos anseios de seus cidadãos!

Já bastante citado no presente trabalho, Campos (2009, p. 6)considera que a mudança de posição do STF no julgamento dos MI670, 708 e 712 foi "um passo decisivo para o aperfeiçoamento edotação de eficácia ao sistema de controle de constitucionalidadedas omissões legislativas, sendo fixada a idéia da atuação do STFcomo autêntico legislador positivo em hipóteses excepcionais dereiterada e inconstitucional omissão legislativa".

O autor complementa o seu raciocínio afirmando:

Faz-se necessária a afirmação da idéia, em favor daprópria constituição, de que a reserva de poder legislativo

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representa, em muitas hipóteses, um verdadeiro deverde legislar, de forma que o seu não cumprimento reite-rado permitirá, como alternativa para assegurar a su-premacia do Texto Constitucional, ao STF proferir sen-tenças aditivas voltadas ao suprimento das lacunasinconstitucionais (CAMPOS, 2009, p. 6, grifo do autor).

Portanto, fica clara a posição de Campos no sentido de quequando não cumprido, pelo Legislativo, o seu dever de legislar,haverá espaço e até mesmo uma certa obrigação do Poder Judiciá-rio de preencher essa lacuna, para que se garanta efetividade aotexto constitucional. Por isso, arremata dizendo: "O Poder Judiciá-rio, notadamente o STF, deve substituir o Poder Legislativo e for-mular, sempre a partir do próprio sistema normativo, a normafaltante que impede a eficácia normativa da Constituição" (CAM-POS, 2009, p. 6).

Corrobora essa opinião o decano do STF, Ministro Celso deMello, que, na ocasião da posse do Ministro Gilmar Ferreira Men-des, presidente da corte entre abril de 2008 e abril de 2010, afir-mou em discurso reproduzido em matéria de Daniel Roncaglia:

A prática da jurisdição, quando provocada por aquelesatingidos pelo arbítrio, pela violência e pelo abuso, nãopode ser considerada - ao contrário do que muitos erro-neamente supõem e afirmam - um gesto de indevidainterferência desta Suprema Corte na esfera orgânicados demais Poderes da República (MELLO apudRONCAGLIA, 2008, p. 5).

Em seguida, continuando seu raciocínio, disse Mello (apudRoncaglia, 2008, p. 5):

Práticas de ativismo judicial, Senhor Presidente, embo-ra moderadamente desempenhadas por esta Corte emmomentos excepcionais, tornam-se uma necessidadeinstitucional, quando os órgãos do Poder Público se omi-tem ou retardam, excessivamente, o cumprimento deobrigações a que estão sujeitos por expressa determi-nação do próprio estatuto constitucional, ainda mais sese tiver presente que o Poder Judiciário, tratando-se decomportamentos estatais ofensivos à Constituição, nãopode se reduzir a uma posição de pura passividade.

Posteriormente, justificou as razões pelas quais a postura ativistado Tribunal não violaria a Constituição:

Como sabemos, o sistema constitucional brasileiro, aoconsagrar o princípio da limitação de poderes, teve porobjetivo instituir modelo destinado a impedir a forma-ção de instâncias hegemônicas de poder no âmbito do

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Estado, em ordem a neutralizar, no plano político-jurídi-co, a possibilidade de dominação institucional de qual-quer dos Poderes da República (ou daqueles que os inte-gram) sobre os demais órgãos e agentes da soberanianacional.É imperioso assinalar, em face da alta missão de que seacha investido o Supremo Tribunal Federal, que os des-vios jurídico-constitucionais eventualmente praticadospor qualquer instância de poder - mesmo quando surgi-dos no contexto de processos políticos - não se mostramimunes à fiscalização judicial desta Suprema Corte, comose a autoridade e a força normativa da Constituição edas leis da República pudessem, absurdamente, ser neu-tralizadas por meros juízos de conveniência ou de opor-tunidade, não importando o grau hierárquico do agen-te público ou a fonte institucional de que tenha emana-do o ato transgressor de direitos e garantias assegura-dos pela própria Lei Fundamental do Estado.O que se mostra importante reconhecer e reafirmar,Senhor Presidente, é que nenhum Poder da Repúblicatem legitimidade para desrespeitar a Constituição oupara ferir direitos públicos e privados de seus cidadãos.Isso significa, na fórmula política do regime democráti-co, que nenhum dos Poderes da República está acima daConstituição e das leis. Nenhum órgão do Estado - situe-se ele no Poder Judiciário, no Poder Executivo ou noPoder Legislativo - é imune ao império das leis e à forçahierárquico-normativa da Constituição.Constitui função do Poder Judiciário preservar e fazerrespeitar os valores consagrados em nosso sistema jurí-dico, especialmente aqueles proclamados em nossa Cons-tituição, em ordem a viabilizar os direitos reconhecidosaos cidadãos, tais como o direito de exigir que o Estadoseja dirigido por administradores íntegros, por legisla-dores probos e por juízes incorruptíveis, pois o direito aogoverno honesto traduz uma prerrogativa insuprimívelda cidadania.É preciso, pois, reafirmar a soberania da Constituição,proclamando-lhe a superioridade sobre todos os atosdo Poder Público e sobre todas as instituições do Esta-do, o que permite reconhecer, no contexto do EstadoDemocrático de Direito, a plena legitimidade da atua-ção do Poder Judiciário na restauração da ordem jurí-dica lesada e, em particular, a intervenção do SupremoTribunal Federal [...] (MELLO apud RONCAGLIA, 2008,p. 6).

Assim, na visão de Mello, se não se pode descumprir a Consti-tuição por ação, o mesmo vale para as hipóteses de omissão. Se-gundo o Ministro, a separação dos Poderes busca, justamente, fa-zer com que nenhuma instância de poder tenha hegemonia sobreas demais, o que, de certa forma, ocorreria caso o Poder Legislativo,

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por meio da sua inércia, impedisse outros órgãos de dar cumpri-mento à Constituição.

Portanto, entendendo que a omissão também é uma formade desvio de conduta, Mello deixa claro que deve ser objeto deapreciação do Judiciário, pois nenhum Poder da República podedesrespeitar a Constituição, de forma ativa ou passiva.

Diante disso, para o eminente Ministro, para que se garanta asupremacia da Constituição, o Judiciário deve agir. Com isso, se for-talece a postura ativista do STF.

Aliás, é interessante a transcrição de trechos de entrevista con-cedida a Márcio Chaer pelo Ministro:

É importante ressaltar que, hoje, o Supremo desempe-nha um papel relevantíssimo no contexto de nosso pro-cesso institucional, estimulando-o, muitas vezes, à prá-tica de ativismo judicial, notadamente naimplementação concretizadora de políticas públicas de-finidas pela própria Constituição que são lamentavel-mente descumpridas, por injustificável inércia, pelosórgãos estatais competentes. O Supremo tem uma cla-ra e nítida visão do processo constitucional. Isso lhe dáuma consciência maior e uma percepção mais expressi-va do seu verdadeiro papel no desempenho da jurisdi-ção constitucional (MELLO apud CHAER, 2006, p. 2).

Em seguida, demonstrando bastante conhecimento da corte esobre os seus rumos, afirma o Ministro:

O ativismo judicial é um fenômeno mais recente na ex-periência jurisprudencial do Supremo Tribunal Federal.E porque é um fenômeno mais recente, ele ainda sofrealgumas resistências culturais, ou, até mesmo, ideológi-cas. Tenho a impressão, no entanto, de que, com a novacomposição da Corte, delineia-se orientação tendentea sugerir, no plano da nossa experiência jurisprudencial,uma cautelosa prática de ativismo judicial destinada aconferir efetividade às cláusulas constitucionais, que,embora impondo ao Estado a execução de políticas pú-blicas, vêm a ser frustradas pela absoluta inércia - pro-fundamente lesiva aos direitos dos cidadãos - manifes-tada pelos órgãos competentes do Poder Público (MELLOapud CHAER, 2006, p. 2).

Com efeito, como já demonstrado em linhas pretéritas nestetrabalho, o STF vem adotando uma linha de ação ativista,notadamente a partir do mandato de Gilmar Ferreira Mendes napresidência da corte. Não se olvide, ainda, da também já citadaentrevista de Toffoli, na qual afirmou enxergar a necessidade dapostura ativista da corte máxima de Justiça do Brasil.

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Tratando do tema, Coelho (2010, p. 83, grifos do autor) chegaà conclusão de que

[...] tudo isso ocorre de maneira necessária, não apenasem decorrência da insuprimível distância entre a gene-ralidade/abstração das normas e a especificidade/concretude das situações da vida, mas também em ra-zão das constantes alterações no prisma histórico-socialde aplicação do direito, transformações que ampliamaquela distância, suscitando problemas de justiça mate-rial, que o juiz do caso está obrigado a resolver pronta-mente, até porque não pode aguardar - reitere-se -, assempre demoradas respostas do legislador.Nessa perspectiva, não seria exagerado dizermos que,ao fim e ao cabo, a tão combatida criação judicial dodireito é apenas um completamento - de resto absolu-tamente indispensável - do trabalho do legislador, cujasopções normativas, ainda que fossem proféticas, jamaisconseguiriam aprisionar nas malhas da lei toda a com-plexidade social. Numa palavra, para realizar material-mente o direito e possibilitar que se dê a cada um o queé seu, o legislador não prescinde, antes precisa, da par-ticipação do juiz [...].

Diante de todo o exposto, observa-se no ativismo judicial, decerta forma, uma evolução do direito. Para os que defendem atese, o juiz, ao tomar uma postura ativista, não faz mais do que asua obrigação. A Constituição existe para ter efetividade, e, se oórgão investido no poder de efetivá-la não o faz, por pura inérciaque atende a interesses bastante distantes daqueles que motiva-ram a elaboração da Carta, cabe ao Judiciário agir.

Isso, dizem os defensores da tese, não significa invasão da es-fera de competência do Poder Legislativo: é, antes, o cumprimentoda função constitucional na qual foi investido o Poder Judiciário.O que não se pode admitir é que o Legislativo faça da omissãouma ação. É omisso porque não quer ver dado direito realizado.Como bem explicou Mendes, no seu voto no MI 670, já citado, odireito de greve do servidor público ainda não foi regulamentadopor medo de que, assim, na verdade, se esteja criando o referidodireito.

Esse tipo de postura do Legislativo acaba gerando uma redu-ção da força normativa da Constituição e, de certa forma, desmo-raliza a Lei Maior. Se a Carta Cidadã criou grande gama de direi-tos, não foi para que se tornassem letra morta, mas sim para aten-der ao anseio da população brasileira, que quer e merece ver seudireito a saúde, educação, cultura, meio ambiente e todos os ou-tros ali previstos, especialmente a dignidade da pessoa humana,realizados.

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Nessa linha de compreensão, o ativismo judicial representa umpasso adiante na interpretação do direito, se mostrando como umapoderosa ferramenta para o atendimento dos anseios de uma soci-edade que, apesar de ser regida por um texto que lhe garantemais direitos talvez que qualquer outro no mundo, não vê essesmesmos direitos ganharem a luz do dia.

Com a postura ativista do Judiciário, mormente do STF, abre-seum novo horizonte de possibilidades para a efetivação dos direitosfundamentais da pessoa humana no Brasil.

Não se pode olvidar, todavia, da advertência de Luiz RobertoBarroso, em entrevista concedida a Ito (2009), que lembra acerta-damente que, se de um lado o ativismo judicial consegue cumpriro papel de tornar realidade mandamentos constitucionais que seencontravam ineficazes ante a inércia do Legislativo, por outro lado,a necessidade de que o Judiciário tenha essa postura demonstra afalência das instituições democráticas previstas na Constituição.

Ademais, é preciso lembrar que nem toda a doutrina, nem to-dos os operadores do direito enxergam o ativismo judicial da formaacima demonstrada, havendo os que considerem a prática uma vio-lência contra o princípio da separação dos Poderes e o sistema defreios e contrapesos criado pelo constituinte. É justamente sobre es-sas opiniões que o presente trabalho passa, neste momento, a tratar.

3 O ativismo judicial como ameaça ao princípio da separaçãodos Poderes - invasão de competência própria de outrosPoderes constituídos

Procurou-se demonstrar, nas linhas pretéritas, a visão dos queenxergam no ativismo judicial uma nova forma de ver a justiça,uma verdadeira modernização da jurisdição, que avança na tenta-tiva de dar efetividade aos direitos da pessoa humana previstos naCarta constitucional de 1988.

Todavia, nem todos compartilham desse entendimento.Antes de demonstrar as opiniões contrárias ao ativismo judici-

al, faz-se mister tratar, inicialmente, da questão da separação dosPoderes no ordenamento jurídico brasileiro.

A matéria é tão importante que é colocada no Título I da Cons-tituição Federal, mais precisamente no artigo 2º, nos seguintes ter-mos: "São Poderes da União, independentes e harmônicos entre si,o Legislativo, o Executivo e o Judiciário".

Conforme ensina Silva (2005, p. 108-109, grifos do autor):

A divisão de poderes consiste em confiar cada uma dasfunções governamentais (legislativa, executiva ejurisdicional) a órgãos diferentes [...] fundamenta-se,

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pois, em dois elementos: (a) especialização funcional,significando que cada órgão é especializado no exercí-cio de uma função; assim, às assembléias (Congresso,Câmaras, Parlamento) se atribui a função Legislativa;ao Executivo, a função executiva; ao Judiciário, a fun-ção jurisdicional; (b) independência orgânica, signifi-cando que, além da especialização funcional, é neces-sário que cada órgão seja efetivamente independentedos outros, o que postula ausência de meios de subor-dinação.

Posteriormente, tratando da questão da harmonia entre osPoderes, ensina o célebre constitucionalista:

[...] os trabalhos do Legislativo e do Executivo, especial-mente, mas também do Judiciário, só se desenvolverãoa bom termo se esses órgãos se subordinarem ao prin-cípio da harmonia, que não significa nem o domínio deum pelo outro nem a usurpação de atribuições, mas averificação de que, entre eles, há de haver conscientecolaboração e controle recíproco (que, aliás, integra omecanismo), para evitar distorções e desmandos. A de-sarmonia, porém, se dá sempre que se acrescem atri-buições, faculdades e prerrogativas de um em detri-mento de outro (SILVA, 2005, p. 108-109).

Importante a ressalva feita pelo mestre de que haverá desar-monia quando se acrescem atribuições, faculdades e prerrogativasde um Poder em detrimento de outro. Será que não se encaixa aí oativismo judicial?

No mesmo tema da separação dos Poderes, ensina Lenza (2010,p. 400):

[...] as atribuições asseguradas não poderão ser delega-das de um Poder (órgão) a outro. Trata-se do princípioda indelegabilidade de atribuições. Um órgão só pode-rá exercer atribuições de outro, ou da natureza típicade outro, quando houver expressa previsão (e aí sur-gem as funções atípicas) e, diretamente, quando hou-ver delegação por parte do poder constituinte originá-rio, como, por exemplo, ocorre com as leis delegadas doart. 68, cuja atribuição é delegada pelo Legislativo aoexecutivo.

Como ressalta o autor, as atribuições de um Poder não pode-rão ser delegadas a outro, salvo expressa autorização na Constitui-ção. Nesse contexto, parece tormentoso legitimar o ativismo judici-al, já que, em tese, representa o exercício da função legislativa peloJudiciário.

É de se trazer à baila, ainda, a lição de Moraes (2008, p. 407):

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Não existirá, pois, um Estado democrático de direito,sem que haja poderes de Estado e Instituições, indepen-dentes e harmônicos entre si, bem como previsão dedireitos fundamentais e instrumentos que possibilitema fiscalização e perpetuidade desses requisitos. Todosestes temas são de tal modo ligados que a derrocada deum, fatalmente, acarretará a supressão dos demais, como retorno do arbítrio e da ditadura.

Lembrando as lições de Silva (2005) já citadas, existe desarmoniase um Poder começa a exercer atribuições de outro. E, se sem harmo-nia entre Poderes não pode haver Estado Democrático de Direito,para onde, então, o ativismo judicial conduzirá o Estado brasileiro?

Elival da Silva Ramos, autor de obra que já pode ser conside-rada de referência sobre o tema, deixa claro em sua classificação deativismo judicial que este representa um "exercício da funçãojurisdicional além dos limites impostos pelo próprio ordenamentojurídico que incumbe, institucionalmente, ao Poder Judiciário fa-zer atuar" (RAMOS, 2010, p. 308).

Ou seja, para o autor, o ativismo representa, sim, desarmoniaentre os Poderes. Comungando esse entendimento com as liçõesdos outros doutrinadores citados na presente seção, o ativismo podeser visto, de certa forma, como uma ameaça ao equilíbrio dos Po-deres do Estado.

São interessantes sobre o tema as lições de Coelho (2009,p. 80-81, grifos do autor):

Nesse contexto de ativismo judicial, alguns juristas maisenfáticos chegam a anunciar, entre nós, um sensíveldeslocamento do centro das decisões politicamente re-levantes do Legislativo e do Executivo - por eles reputa-dos inertes -, em direção ao Poder Judiciário, porqueacreditam que a nova magistratura estaria disposta aresgatar as promessas de emancipação social inseridasna Constituição de 1988. [...]Intérpretes finais da Constituição e Juízes últimos desua própria autoridade, as modernas cortes constitucio-nais - de resto com ampla aceitação nas sociedades de-mocráticas - acabaram se transformando em quartopoder, gabinete na sombra, variante do poder legislativo,legislador complementar, parlamento de notáveis, le-gislador positivo, juiz soberano, contracapitão, instân-cia suprema de revisão ou, ainda, em verdadeira consti-tuinte de plantão, confirmando, assim, as célebres pala-vras de Charles Hughes - então Governador do Estadode Nova York e, depois, membro da Suprema Corte dosEstados Unidos - quando afirmou que os americanosviviam sob uma Constituição, mas que essa Carta Políti-ca era aquilo que os juízes diziam que ela o era.

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Parece ser essa uma das principais preocupações em relação aos"Juízes políticos", ou ativistas: as cortes constitucionais acabam setornando juízes delas próprias. A Constituição existe e tem validade,mas o que nela está escrito é o que o Judiciário disser que está escri-to. Mas a que autoridade se vinculam os juízes das cortes constituci-onais? A quem se submetem os Ministros do STF em nosso país? E senesse dizer da Constituição, nessa criação judicial do direito pelospolíticos do Judiciário, se criar uma norma que não é o que os repre-sentantes legítimos do povo votaram e transformaram em Constitui-ção? Quem poderá deter esses "constituintes de plantão"?

Aliás, importante lembrar a advertência de Habermas citadopor Streck, para quem a politização do Judiciário não seria um fe-nômeno a ser encarado de forma positiva. Segundo Streck (2003,p. 687), Habermas:

Critica, assim, a idéia de concretização dos valores mate-riais constitucionais, aludindo que 'ao deixar-se conduzirpela idéia da realização de valores materiais, dados pre-liminarmente no direito constitucional, o tribunal consti-tucional transforma-se numa instância autoritária'.

Com efeito, esse é um dos maiores - senão o maior - medosque decorrem do ativismo judicial: ao concentrar-se muito poderna mão de apenas um dos Poderes do Estado, há o risco de que ouso inadequado daquele acabe levando ao autoritarismo - com operigo de estarem os Ministros da Suprema Corte sujeitos, como jámencionado anteriormente, somente à própria autoridade.

No Brasil, não faltam vozes, também, a criticar o ativismo.Na matéria intitulada Ativismo judicial estica limites da justiça,

Milício (2009) cita alguns exemplos de atuações "ativistas" de juízes:

Recentemente, um juiz da cidade de Taperoão (PB) de-terminou toque de recolher às 21h para menores de 12anos. Em Conceição de Coité (BA), um juiz condenou umhomem por furto, mas não mandou para cadeia. A pena,neste caso, foi arrumar um emprego. Na Paraíba, o to-que de recolher imposto teve como base os altos índicesde violência na região. Na Bahia, o juiz agraciou o acusa-do por entender que ele passou a infância e adolescên-cia lançado à sorte, esquecido pelo Estado.

Como se pode observar, os juízes estão agindo, em muitos ca-sos, como verdadeiros legisladores, atuando além do espectro deinterpretação da norma, para criá-la conforme o caso concreto. Ficaa pergunta: qual o limite para tal "criatividade"?

Aliás, as posturas acima citadas ilustram bem a preocupaçãode Luiz Flávio Gomes, citado em Milício (2009). Para ele:

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O ativismo praticado pelas instâncias inferiores, em apa-ro aos desfavorecidos, é tão preocupante quanto aopraticado pelo STF. O juiz não tem legitimidade demo-crática do povo para inventar regras [...]. Se a norma éinconstitucional, cabe ao juiz declará-la inconstitucional.Se esse juiz resolve flexibilizar demais seus entendimen-tos, deixa valerem suas ideologias. Seja de direita ouesquerda, essas posições deslegitimam o Judiciário. Viraum deus nos acuda. Todo mundo interpreta a sua ma-neira (GOMES apud MILÍCIO, 2009).

Um ponto relevante sobre o tema é levantado por Luiz FlávioGomes. Quando o juiz, que não foi eleito pelo povo, passa a "le-gislar", a sua ideologia acaba transparecendo nos seus atos. Naprática, o Poder Judiciário se tornaria palanque de ideologias pes-soais, podendo haver interferências de preferências políticas, reli-giosas, afetando a imparcialidade do julgador. É claro que ummagistrado não é um autômato e suas crenças de uma forma ou deoutra influenciarão seu julgamento. Mas daí a ele criar leis comessas crenças, sem debate, sem legitimação popular e sem um pro-cesso legislativo, há uma enorme distância.

Appio (2009, p. 3) explica que o ativismo nada mais é do que"uma ferramenta através da qual se expressam ideologias, nãopossuindo um conteúdo verdadeiro, mas antes permitindo que odebate político se dê, de forma exclusiva e irrecorrível, dentro doSupremo e não no Congresso Nacional".

Bastante válida a crítica. Afinal, no processo legislativo há de-bates, emendas a projetos, casas revisoras, possibilidade de vetopresidencial. No STF, uma vez feita a lei pelos Ministros, estará cria-da, de forma irrecorrível, com efeitos contra todos. Onze juízes in-dicados farão as vezes de 513 deputados e 81 senadores votadospor mais de uma centena de milhões de brasileiros.

Franco (2009, p. 1) deixa clara a sua preocupação, quandoafirma, no que chama de um "dilema shakespeareano":

Se, contra o legislador, pode-se vetar a lei; se, contra oExecutivo, pode-se coibir arbitrariedades; o que se po-derá fazer contra o Judiciário quando, a pretexto dejulgar, extrapola os limites da separação dos Poderes,criando, disfarçadamente, normas jurídicas de eficáciaabstrata?Quem, senão o próprio Judiciário, pode impedir sua atu-ação como legislador positivo?

Eis, de fato, o "dilema shakespeareano" do tema. Quem vaidar limites à atuação do Judiciário, quando, a pretexto de ser ativista,estiver usurpando atribuições de outro Poder constituído?

Mais adiante, explica o mesmo autor:

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Como se vê, as decisões do STF têm sempre muita im-portância no contexto geral do direito. Já se sabe, ade-mais, que o STF, em processos objetivos, não pode legis-lar positivamente, podendo, quando muito, assim ofazê-lo de modo negativo, quando decide ou quandofundamenta os motivos determinantes em decisão, porexemplo, de ação direta de inconstitucionalidade de leiou de atos normativos.É claro que, em tais processos ditos objetivos, a decisãodefinitiva do STF terá eficácia erga omnes e efeitosvinculantes.Entretanto, nos processos de natureza subjetiva, taleficácia e tal efeito não podem ocorrer. Por quê?Porque, em primeiro lugar, a própria Constituição Fede-ral pontua, no inciso II do artigo 5o, que ninguém seráobrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senãoem virtude de lei.Ora, em virtude de lei não é a mesma coisa que emvirtude de decisão judicial. Eis a essência do princípio dalegalidade que difere do princípio da reserva legal (FRAN-CO, 2009, p. 2).

Eis aqui uma crítica extremamente forte ao ativismo judicial.A Constituição é clara ao determinar que "ninguém será obriga-do a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude delei". E é óbvio que, por lei, a Constituição não quis dizer a "nor-ma do caso concreto", como se chama a decisão ativista. Quis di-zer, sim, a lei, seja ela de que espécie for, criada pelo PoderLegislativo, pelos legítimos representantes do povo eleitos peloprocesso democrático.

Jurisprudência não é lei. Logo, não teria, em tese, legitimaçãoconstitucional um dever de agir criado por decisão judicial e nãoamparado em uma lei do Estado.

Outro problema surge quando o Judiciário, sob pretexto dedar efetividade à Constituição, acaba por formular políticas públi-cas, usurpando atribuições dos Poderes Executivo e Judiciário. Comoadverte Rands (2008):

O problema surge quando, à guisa de preservar a Cons-tituição ou de interpretá-la, o juiz extrapola seus pode-res e passa a formular políticas públicas (ou cancelá-las),às vezes impondo suas preferências pessoais. O ativismojudicial, um fenômeno há muito discutido aqui e alhu-res, pode ser definido como o ato de "ignorar o plenosignificado da Constituição em favor da visão pessoal dojuiz" (Kermit Roosevelt 3º, "The Mith of JudicialActivism", 2006). Ou como a substituição dos PoderesExecutivo e Legislativo pelo Judiciário na formulação eexecução de políticas públicas.Pode significar a alienação da soberania popular, ex-pressa através dos mandatários eleitos pelo sufrágio

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universal, transferindo-a a um corpo técnico não eleito.Um recente best-seller sobre esse debate nos EstadosUnidos (Mark Levin, "Men in Black: How the SupremeCourt is Destroying America", 2005) alega que algunsjuízes 'têm abusado do seu mandato constitucional aoimpor suas crenças e preconceitos pessoais ao restanteda sociedade. E, assim, têm elaborado a lei, mais do queinterpretado-a'.

Com efeito, como já exaustivamente debatido, o ativismo poderepresentar um perigo ao Estado Democrático de Direito na medi-da em que, sob alegação de cumprir a Constituição, juízes acabempor impor seus sistemas de crenças ao resto da sociedade. Teme-seque chegue o momento em que, como citado por Rands, os juízesmais legislem do que julguem.

Ao fim, adverte o Deputado Federal:

No Brasil, esse debate se torna necessário para o pró-prio fortalecimento da legitimidade do Judiciário. Mui-tas das ações que lhe têm sido submetidas buscam pro-nunciamentos que, em verdade, são da responsabilida-de dos outros Poderes. E, com isso, desvia-se o Judiciáriodas suas reais atribuições, em desserviço ao seu augustopapel de garantidor do Estado Democrático de Direito(RANDS, 2008).

De fato, ao exercer atribuições de outro Poder, o Judiciáriodesvia-se da sua nobre missão constitucional. Como lembra Olivei-ra (2009, p. 2), "o Poder Judiciário é órgão singular da soberaniaestatal, mas não está sozinho na tarefa de realizar os valores dademocracia. Neste sentido, toda norma deve ser emanada do Po-der Legiferante".

Ora, parece até arrogante pensar que o Judiciário é o arautoda esperança da população de ver concretizados os valores cons-titucionais. Nesse contexto, faz sentido a crítica de Oliveira (2009,p. 2), para quem:

A necessidade de justiça não pode ter como fundamen-to uma atuação e uma postura ativista do Poder Judici-ário. Enquanto este estiver obrigado a cumprir sua fun-ção jurisdicional, deve ser orientado pela separação dospoderes e sua atuação só será eficaz se houver harmo-nia entre os órgãos soberanos dos poderes do Estado,pois cada um deles tem a sua independência, não exer-cendo domínio sobre outro. A Constituição não deixaexpresso que o Supremo poderá fixar datas para o Po-der Legislativo.

Sem dúvida, não obstante não se possa negar que tem havidoresultados positivos para a sociedade com algumas posturas ativistas

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do STF, há uma grande dificuldade em encontrar legitimidade naação do Tribunal, quando sua decisão cumpre o dever de outroPoder. Em tese, seria cumprir a Constituição violando-a. Uma con-tradição em termos.

Na prática, o ativismo pode redundar em desarmonia entre osPoderes e acabar por descumprir a Constituição, perdendo, assim,sua validade como forma de efetivação da Carta Magna.

Nesse sentido, para Oliveira (2009, p. 4):

Toda inércia inconstitucional dever ser suprida respei-tando-se a separação dos poderes, porque a própriaConstituição determina os meios processuais, não ca-bendo ao Poder Judiciário formular políticas públicasque constituem encargos jurídicos dos poderes públicos.A intervenção para satisfação dos direitos constitucio-nais não pode partir de uma ofensa à harmonia entreos poderes, pois as formas de utilização dahermenêutica constitucional devem estar dentro doslimites constitucionais.

O autor reafirma: "a retração do Poder legislativo não pode serargumento para extrair o máximo das potencialidades da Carta Re-publicana, criando o ativismo judicial" (OLIVEIRA, 2009, p. 3).

Ou seja, seria preciso encontrar uma forma de dar efetividadeà Constituição sem que, para isso, houvesse interferência do Judici-ário na esfera de atribuições do Legislativo ou do Executivo.

Flávio Dino também entende que o STF vem exacerbando assuas atribuições. O autor falou para a revista Época, em matériareproduzida no portal Consultor Jurídico:

Flávio Dino defende que o Supremo tem ido além desua atribuição. De acordo com o deputado, hoje o STFtem a composição mais ativista de sua história. Por isso,é natural que os ministros discutam políticas públicas,como a utilização de células embrionárias em pesquisacientífica. "Mas é inquietante que 11 ministros trans-formem essa discussão num arbitramento judicial acer-ca do momento em que a vida começa. Há votos queparecem leis, normatizando o futuro com múltiplos pa-rágrafos, incisos e alíneas, entretanto com um gravedefeito: não são frutos de um processo legislativo", afir-ma o deputado federal."Quando o órgão de cúpula lidera os excessos, este é osinal que chega a toda a estrutura do Judiciário, dandomargem à multiplicação de excessos. Quando, por exem-plo, o Tribunal Superior Eleitoral edita uma 'lei' sobrefidelidade partidária, juízes eleitorais espalhados peloBrasil são estimulados a editar normas locais para o pro-cesso eleitoral, provocando confusão e insegurança jurí-dica", defende.

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Para Dino, "há que se encontrar um meio-termo, noqual o Judiciário tenha protagonismo, porém deixe umamargem livre para o exercício razoável da política e va-lorize as opções legislativas ou governamentais. Nas cir-cunstâncias de hoje, começam a se evidenciar os malesdo ativismo sem limites (FLÁVIO DINO..., 2008).

Como já exaustivamente citado ao longo do presente traba-lho, um dos grandes problemas do ativismo judicial é a falta deuma forma de limitação da atuação do Judiciário.

A partir do momento em que os órgãos julgadores, sob pre-texto de ativismo judicial e concretização das promessas constituci-onais, começam a assumir intensamente a função legislativa, há orisco de um duplo prejuízo: haverá usurpação da função legislativae, consequentemente, o Judiciário estará se distanciando de suafunção básica, que é julgar, e não fazer política, legislar ou criarpolíticas públicas.

Sobre a matéria, traz-se novamente a opinião de Ramos (2010),talvez o mais ferrenho opositor da doutrina do ativismo judicial noBrasil, tendo escrito tese em que critica o instituto.

Inicialmente, veja-se o que diz Dworkin (apud Ramos, 2010,p. 135-136):

O ativismo é uma forma virulenta de pragmatismo jurí-dico. Um juiz ativista ignoraria o texto da Constituição,a história de sua promulgação, as decisões anterioresda Suprema Corte que buscaram interpretá-la e as du-radouras tradições de nossa cultura política. O ativistaignoraria tudo isso para impor a outros poderes do Es-tado o seu próprio ponto de vista sobre o que a justiçaexige. O direito como integridade condena o ativismo equalquer prática de jurisdição constitucional que lhe es-teja próxima. [...] A alternativa ao passivismo não é umativismo tosco, atrelado apenas ao senso de justiça deum juiz, mas um julgamento muito mais apurado ediscriminatório, caso por caso, que dá lugar a muitasvirtudes políticas mas, ao contrário tanto do ativismoquanto do passivismo, não cede espaço algum à tirania.

Novamente, surge a crítica ao ativismo no prisma de que o Juizativista tenta impor a sua visão de mundo, seu ponto de vista, cor-rendo-se o risco de desbordar-se numa tirania judicial.

Por isso é que o ativismo judicial pode acabar por se tornaruma séria ameaça ao sistema de checks and balances, gerando opredomínio do Judiciário sobre os outros Poderes constituídos.

Vale citar, aqui, a lição de Ramos (2010, p. 139), para quem:

No caso de textos normativos veiculadores de conceitosindeterminados, a incursão do Poder Judiciário na zona

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de significação dúbia, conquanto não se possa afirmardesbordante do dispositivo de base, pode importar emobstaculização do exercício de discricionariedadelegislativa ou administrativa assentada no princípio daseparação dos Poderes, princípio esse que resultaria,afinal, violado.

Observe-se que o autor afirma textualmente que o ativismojudicial gera violação à separação dos Poderes. Ou seja, a posturajudicial ativista violaria o art. 2º da Constituição Federal de 1988.Assim, como já afirmado, a pretexto de cumprir a Constituição, oJudiciário, na verdade, estaria violando-a.

Mais adiante, afirma o Ramos (2010, p. 141-142):

Se, por meio de exercício ativista, se distorce, de algummodo, o sentido do dispositivo constitucional aplicado(por interpretação descolada dos limites textuais, poratribuição de efeitos com ele incompatíveis ou que de-vessem ser sopesados por outro poder etc.), está o ór-gão judiciário deformando a obra do próprio Poder Cons-tituinte originário e perpetrando autêntica mutaçãoconstitucional, prática essa cuja gravidade fala por si só.Se o caso envolve o cerceamento da atividade de outroPoder, fundada na discricionariedade decorrente denorma constitucional de princípio ou veiculadora de con-ceito indeterminado de cunho valorativo, a par da in-terferência na função constituinte, haverá a interfe-rência indevida na função correspondente à atividadecerceada (administrativa, legislativa, chefia de Estadoetc.). É de se ressaltar, portanto, que o ativismo judicialem sede de controle de constitucionalidade pode agre-dir o direito vigente sob dois prismas diversos: pela de-formação da normatividade constitucional e pela de-formação, simultaneamente ou não, do direitoinfracons-titucional objeto de fiscalização, nessa últimaalternativa mediante, por exemplo, a indevida declara-ção de constitucionalidade ou de inconstitucionalidadede dispositivo legal ou de variante exegética a partirdele construída.

A advertência posta acima não é simples e não pode ser igno-rada. As posturas ativistas podem acabar por deformar a Constitui-ção, extraindo dela o que não quis dizer o constituinte, além deexistir a possibilidade de invasão de competência de Poderes mui-to mais qualificados (ao menos em tese), para exercer as atribui-ções constitucionalmente outorgadas. Ou seja, ao afirmar cumpriros desejos emanados da Constituição, o Judiciário acabaria porafrontá-la duplamente!

Mais adiante em sua obra, tratando da decisão do STF acer-ca da fidelidade partidária, Ramos (2010, p. 250) afirma catego-

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ricamente que "a afirmação de um princípio constitucional nãopode servir de pretexto argumentativo ao Poder Judiciário paraimpor normatização que ultrapasse os lindes de sua competên-cia, antes executória do que criadora de normas disciplinadorasde conduta".

E, continuando suas críticas ao Tribunal, afirma:

A atuação do Supremo Tribunal Federal para além doslimites que o sistema constitucional brasileiro impõe àfunção jurisdicional fica ainda mais nítida quando seexaminam as conseqüências extraídas da tese principalda perda de mandato por desfiliação partidária. Se doprincípio da representação proporcional, conjugado como do monopólio partidário das candidaturas, decorre aperda de mandato por desfiliação, deveria ter o STF selimitado a constatar a ocorrência, determinando à Pre-sidência da Câmara a convocação de suplentes filiadosaos partidos que faziam jus às vagas que, dessa forma,tivessem sido abertas. Todavia, desde o exame da ma-téria do âmbito do Tribunal Superior Eleitoral, perce-beu-se que a atribuição de efeitos meramentedeclaratórios à decisão sobre a perda de mandato pordesligamento do partido de origem seria extremamen-te insatisfatória, podendo, inclusive, provocar injustiçasgritantes em casos de infidelidade programática pro-movida pela cúpula partidária ou de seguições internasde outro matiz. Nunca é demais lembrar que a discipli-na da matéria sobre a Constituição de 67/69 (EC n. 11/78) contemplava uma exceção à perda de mandato dosparlamentares que viessem a se desligar do partido peloqual se elegeram, que era a participação na fundaçãode uma nova legenda. Incitado pelas decisões de nossaCorte Constitucional, o TSE, sob abrigo formal do pre-ceito do inciso XVIII, do artigo 23, do Código Eleitoral,editou a resolução 26.610, de 25-10-2007, disciplinandoo processo de perda de cargo eletivo, bem como de jus-tificação de filiação partidária. A partir dessa resoluçãoe em função dela: firmou-se o caráter constitutivo dadecisão sobre a perda de mandato em caso de troca delegenda (art. 1º, caput); atribuiu-se a competênciadecisória ao TSE, no caso de mandatos federais, e aosTribunais Regionais, nos demais casos (art. 2º); assegu-rou-se a ampla defesa aos interessados, mediante com-pleta regulação do procedimento judicial; estabeleceu-se um elenco fechado de justas causas, hábeis a elidir aperda de mandato (art. 1º, § 1º). Não é preciso muitoesforço para perceber que a Justiça Eleitoral, escoradano teor das decisões do Supremo de 4 de outubro de2007, construiu inteiramente um instituto (a perda demandato por desfiliação partidária), indo muito alémda força prescritiva do princípio da representação parti-dária proporcional (RAMOS, 2010, p. 253-254).

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Observa-se, no caso, que o Judiciário criou normas e até mes-mo um processo de perda de mandato, agindo como legisladorpositivo. Nesse caso, parece claríssimo o ingresso na esfera de atri-buições de outro Poder do Estado. E, dessa forma, como fica o dis-posto no art. 2º da Constituição Federal de 1988?

Para legitimar-se o ativismo judicial, é preciso encontrar umaresposta convincente para esse questionamento.

Continuando, Ramos (2010, p. 264-266) trata do caso do Mu-nicípio de Santo André, que, em várias ações que chegaram ao STF,foi condenado a praticar certas políticas públicas garantidas na CartaMagna por normas de caráter programático, às quais o STF deueficácia imediata (e, de certa forma, praticou políticas públicas):

Em algumas decisões, sempre tendo no pólo passivo oMunicípio de Santo André, o Supremo Tribunal Federalatribuiu eficácia plena à norma do artigo 208, inciso IV,da Constituição, que estabelece o dever do Poder Públi-co de assegurar educação infantil, em creche e pré-es-cola, às crianças até cinco anos de idade, obrigação essaque recai, precipuamente, sobre os Municípios, por for-ça do disposto no § 2º, do artigo 211, da Lei Maior.Ao assim proceder, reconheceu a Corte, ao menos impli-citamente, que se estava diante de norma de eficácialimitada e de natureza programática, cuja efetivaimplementação, mais do que de integração legislativa,dependeria da execução de políticas públicas adequadas,a cargo dos Poderes Legislativo e Executivo, afirmandocaber ao Poder Judiciário, contudo, um poder de controledo cumprimento dessas tarefas demandadas pela Cons-tituição, inclusive com a possibilidade de prolação de de-cisões impositivas de medidas destinadas a assegurar afruição do direito subjetivo proclamado. Em outros ter-mos, no entendimento sufragado nesses julgados, a omis-são das providências legislativas e administrativas recla-madas ao Poder Público para a concretização de normasassecuratórias de direitos fundamentais sociais, de cu-nho prestacional, autorizaria ao Poder Judiciário aconvolá-las em normas de eficácia plena e aplicabilidadeimediata, o que daria amparo a decisões condenatóriasem face da entidade federativa omissa.[...]Não é dado ao Poder Judiciário definir, discriciona-riamente, o nível de eficácia de norma constitucional,em sede de direitos fundamentais ou não. Se a análisedos elementos interpretativos pertinentes, com desta-que, na espécie, para os de ordem sistemática, históricae teleológica, bem como, secundariamente, para os da-dos extraídos da realidade material, indica a naturezaprogramática da norma-matriz, não é lícito à Corte Cons-titucional, sob o argumento da fundamentalidade dodireito nela expresso, conjugado com referências gené-

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ricas ao princípio da força normativa, ignorar a opçãoprescritiva adotada, inequivocamente, pela Constitui-ção, a qual torna dependente de providênciasintegrativas de amplo espectro (que vão da formulaçãode políticas públicas adequadas à sua cabal execução,abrangente de medidas legislativas, administrativas -normativas e não normativas - e orçamentárias) aimplementação efetiva do direito contemplado.

De fato, cria-se um grande problema quando, sob o argumen-to de dar efetividade a preceitos constitucionais, o Judiciário acabapor formular políticas públicas, área que definitivamente não é desua competência.

Em matéria de Lourenço Canuto, da Agência Brasil, publicadaem 7 de maio de 2009, o Ministro da Saúde, José Gomes Temporão,afirma que o orçamento da saúde é prejudicado pela grande quan-tidade de decisões judiciais sobre a matéria:

O orçamento da saúde no país vem sendo prejudicadopelas medidas judiciais para fornecimento gratuito demedicamentos não registrados na Agência Nacional deVigilância Sanitária (Anvisa) e pelas autorizações de pro-cedimentos médicos igualmente não catalogados no Sis-tema Único de Saúde (SUS). A avaliação é do ministroda Saúde, José Gomes Temporão, que participou hoje(7) de audiência pública no Conselho Nacional de Justiça(CNJ). Ele questionou a aptidão da Justiça para tomaressas decisões, alegando que a área da Saúde adota osmedicamentos e os procedimentos médicos de acordocom a eficácia e a viabilidade reconhecidos [sic] mundi-almente. Temporão disse que o ministério se compro-mete a oferecer assessoria técnica aos juízes para auxi-liar nas decisões judiciais e prometeu que a pasta tam-bém vai trabalhar para atualizar os protocolos clínicosligados aos novos medicamentos e tratamentos. O mi-nistro defendeu que deve ser evitado "o casuísmo quepossa colocar em risco a saúde das pessoas", no caso dosmedicamentos que não têm eficácia comprovada. A viajudicial, segundo Temporão, deve ser utilizada em casosde omissão do gestor, "mas não pode quebrar a ética ea experiência médica". Segundo o ministro, o cumpri-mento de ordens judiciais pode tornar as autoridadesde saúde "cúmplices de experiências que colocam emrisco a saúde dos pacientes". Para ele, é necessário queexista evidência científica em relação ao uso de medica-mento ou com relação a cirurgias não convencionais.Oministro da Saúde destaca que devem ser adotados"apenas medicamentos que tenham efeito colateralreversível". O registro de produtos na Anvisa, segundolembrou, não significa que eles devam ser incorporadosno dia a dia do SUS (CANUTO, 2009).

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O artigo intitulado O impacto das decisões judiciais na saúdetambém critica o posicionamento judicial, nos seguintes termos:

Além disso, a prática da judicialização da saúdedespolitiza o debate em torno do acesso igualitário àsaúde porque o restringe ao poder judiciário e, final-mente, desequilibra todo e qualquer orçamento públi-co ou privado, porque a ordem judicial deve ser imedia-tamente cumprida sem aguardar que verba específicaseja destinada àquela finalidade (CARLINI ADVOGADOSASSOCIADOS LTDA, 2009).

Na prática, o Judiciário, ao "efetivar" o direito dos cidadãosque o procuram, pode, ao mesmo tempo, tornar o direito inacessí-vel a diversos outros brasileiros, que verão as verbas destinadas deforma geral à população sendo gastas para atender a um caso es-pecífico, desequilibrando orçamentos públicos e dificultando odesempenho da gestão de serviços públicos.

No artigo intitulado A Justiça e o Direito à Saúde, Carlos ZamithJunior explica:

O aumento do número de ações judiciais que pleiteiamo custeio de medicamentos pela União e pelos Estadostêm [sic] preocupado as secretarias de Saúde, que bus-cam estratégias para conter a demanda. Isto porque,muitas vezes, o cumprimento de decisões judiciais fazcom que o orçamento da Saúde seja bloqueado. No Es-tado de São Paulo, R$ 400 milhões foram gastos emações judiciais no ano passado para atender a 30 milpacientes (ZAMITH JUNIOR, 2008).

Portanto, o Estado de São Paulo gastou a quantia de R$ 400milhões, um número significativo, para atendimento de demandaspontuais, dinheiro este que, se destinado ao orçamento da saúdesem a interferência judicial, talvez alcançasse uma abrangênciamuito maior.

Longe de ser simples, a questão vem trazendo sérios proble-mas orçamentários ao governo, como mostra Abreu (2010):

Nos últimos cinco anos, o governo federal desembolsouR$ 191 milhões, segundo dados da Advocacia-Geral daUnião (AGU), com o cumprimento de decisões judiciaisque o determinaram a pagar tratamentos não contem-plados pelo Sistema Único de Saúde (SUS).Em 2005, a União gastou R$ 2,4 milhões em ações judi-ciais para aquisição de remédios. O número contrastacom os R$ 95,3 milhões empenhados em 2009 para omesmo fim, o que mostra um aumento de 40 vezes nasdespesas do governo decorrentes de sentenças favorá-veis ao cidadão. A tendência, a partir do entendimento

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firmado pelo STF, de que o Poder Executivo deve arcarcom os custos médicos de quem comprovar não ter ren-da para bancar o tratamento, é que o rombo no orça-mento destinado à saúde aumente de forma ainda maisclara.[...]Ao Correio, a secretária-geral de Contencioso da AGU,Grace Mendonça, alegou que o pagamento dos medica-mentos de alto custo gera um "desequilíbrio em todo osistema de saúde". Ela, porém, ponderou que "a posi-ção da União é a de jamais deixar de reconhecer o seudever constitucional de assegurar o direito de acesso àsaúde ao cidadão"."Os recursos estatais para a efetivação deste direitosocial são finitos, de modo que a judicializaçãoindiscriminada no fornecimento de medicamentos àpopulação representa sério risco à desestruturação porcompleto da própria política pública que se busca salva-guardar", destaca trecho da defesa apresentada pelaUnião em processo julgado no STF na última quarta-feira.

Como se observa, a formulação de políticas públicas pelo Judi-ciário, em decisões de viés ativista, acaba por gerar desequilíbrioorçamentário e dificultar a execução da gestão dessas mesmas polí-ticas públicas pelo Poder competente.

Outro problema é que direitos de caráter geral e abrangênciauniversal acabam sendo concedidos individualmente, em detrimen-to dos demais beneficiários do serviço que, muitas vezes, não têmmeios de ingressar judicialmente ou até nem sabem dessa possibili-dade.

Portanto, é preciso que haja ponderação sobre os supostosbenefícios trazidos pelo ativismo em contraste com as consequênciasdessa postura pelo Poder Judiciário, pois, como demonstrado, pormais nobres que sejam as intenções, a invasão de competênciaspode gerar desordem na gestão das políticas públicas às quais seestaria dando efetividade.

Outrossim, o risco de violação ao artigo 2º da Constituição Fe-deral não pode ser olvidado, porquanto traria uma verdadeira"ditadura do Judiciário", que concentraria em suas mãos o poderde julgar, legislar e, ainda, executar as suas decisões. Tal situaçãocolocaria em risco a República e o Estado Democrático de Direito.

Ao Judiciário cabe um papel extremamente nobre, de fiscali-zação dos demais Poderes constituídos, devendo agir sempre queprovocado, mesmo porque a jurisdição é inafastável a quem a pro-cura, nos termos do artigo 5º, inciso XXXV, da Constituição Federal.Todavia, o Judiciário não é legislador (não tipicamente), tampoucoadministrador público (novamente, falamos de atribuições típicas).

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Portanto, é preciso ter cuidado ao se decidir, para que não invadaa competência de outras esferas de Poder, abalando, assim, o siste-ma constitucional de checks and balances.

Destarte, é preciso que haja bom senso do Judiciário, para quenão viole frontalmente a Constituição Federal, sob o pretexto deestar-lhe dando efetividade. Todas as normas constitucionais de-vem ser cumpridas, não podendo o julgador escolher ignorar al-gumas em prol de outras.

Conclusão

Após os estudos postos nas linhas pretéritas, chega-se à con-clusão de que ocorre ativismo judicial quando o Judiciário, atuan-do de forma atípica, ingressa numa seara que seria a princípio dolegislador, criando às vezes uma "norma do caso concreto", com ointuito de efetivar direitos previstos na Constituição, mas que seencontram sem efetividade em virtude da inércia do Legislativo oudo Executivo.

Enquanto alguns enxergam no ativismo um verdadeiro deverde agir do Judiciário, tratando-se, na verdade, de uma releitura doprincípio da separação dos Poderes, outros entendem se tratar deuma ameaça a esse mesmo princípio, porquanto não seria dado aum Poder atuar na esfera de competências dada a outro pela Cons-tituição.

Fato é que, no que depender do STF, o ativismo judicial veiopara ficar, tendo a corte, atualmente, uma composição que pareceser altamente favorável ao instituto, já tendo demonstrado isso nasdecisões sobre o direito de greve do servidor público e sobre afidelidade partidária, para citar dois exemplos.

Se causa uma ameaça à separação dos Poderes, não se podenegar também que o ativismo é uma arma poderosa para se lutarcontra a inércia do Legislativo e do Executivo, que, atendendo ainteresses que não se coadunam com as ideias que levaram à cria-ção da Carta Magna, vêm reiteradamente descumprindo seus res-pectivos deveres de agir, fazendo com que muitos direitos garanti-dos na Lei Maior nunca vejam a luz do dia.

É preciso, todavia, haver muito cuidado, pois a Constituição éclara ao determinar que "ninguém será obrigado a fazer ou deixarde fazer alguma coisa senão em virtude de lei" e, claro, decisãojudicial não pode ser considerada lei. Outrossim, ainda não se sabeao certo quais seriam os limites da atuação do Judiciário no exercí-cio do ativismo, tampouco como se poderia limitar os seus poderes.

Talvez, no estágio atual do instituto no Brasil, mais pondera-da seja a opinião de Luiz Roberto Barroso, que, em entrevista con-

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cedida a Ito (2009), sabiamente, reconhece no ativismo judicial umaforma de garantir direitos mantidos à margem da sociedade; noentanto, adverte que o instituto não prova senão a ineficácia dosPoderes constituídos, fazendo com que a Constituição perca forçanormativa.

Resta, agora, acompanhar o desenvolvimento do instituto, parasaber se ele vai se consolidar como garantidor de direitos funda-mentais ou ser rechaçado por atentar contra o dogma da separa-ção dos Poderes. O que se espera, na verdade, é que cada Podercumpra o papel dado pela Constituição, para que a discussão oratravada se torne inócua pelo cumprimento das promessas existen-tes na nossa Carta Cidadã.

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O CONTROLE JUDICIAL DO PRINCÍPIO DA EFICIÊNCIA ADMINISTRATIVA

O controle judicialdo princípio da eficiência

administrativa

Rogério Spanhe da SilvaAdvogado da CAIXA no Rio Grande do Sul

Especialista em Direito da Empresa e da Economiapela Fundação Getúlio Vargas

Especialista em Direito Público pela Universidade deBrasília

RESUMO

O estudo ora apresentado visa auxiliar na correta definiçãodo princípio da eficiência, procurando fixar as bases para umentendimento constitucionalmente adequado e a viabilidade deseu uso nos mecanismos de controle judicial dos atosadministrativos. Posteriormente, a partir da análise dejurisprudência do Superior Tribunal de Justiça, se verifica como aaludida corte vem aplicando o princípio da eficiência no controledos atos da Administração Pública, a partir da crítica dos discursosde aplicação de decisões tomadas como referência.

Palavras-chave: Princípio da eficiência. Direito Administrativo.Discurso de aplicação. Controle judicial.

ABSTRACT

The study presented here aims to assist in the correctdefinition of the principle of efficiency, seeking to lay thegroundwork for a constitutionally adequate understanding andfeasibility of its use in the mechanisms of judicial review ofadministrative acts. Subsequently, from analysis of thejurisprudence of the Superior Court, it appears as alluded courthas applied the principle of efficiency in controlling the acts ofgovernment, from the critical discourses of implementation ofdecisions taken as a reference.

Keywords: Principle of efficiency. Administrative law. Speechapplication. Judicial review.

Introdução

Este trabalho visa estabelecer premissas para o entendimentoconstitucionalmente adequado do princípio da eficiência, sua uti-

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lização no controle judicial dos atos administrativos e a verificaçãode seu uso no discurso de aplicação em decisões do Superior Tribu-nal de Justiça (STJ).

A doutrina do Direito Administrativo tem expressado, de for-ma crescente, considerável preocupação com o exercício e controledos atos administrativos pelo Judiciário, ou seja, até que ponto eem que medida poderá o Judiciário exercer efetivo controle dosatos da administração sem que isso implique invasão de um Poderem relação a outro.

Se levarmos em conta o paradigma do Estado Democráticode Direito e, em decorrência, a crescente participação dos cida-dãos em relação aos atos da administração, é possível constatarque a preocupação com o controle dos atos administrativos, emtermos jurídico-políticos, guarda direta relação com os conceitos,valores e princípios consagrados pela nossa atual Carta Política,tais como o princípio da moralidade, da publicidade, da legali-dade e, principalmente, da eficiência – do qual nos ocuparemos –, no claro intuito de traçar os fundamentos para a sólida edificaçãode um Estado Democrático de Direito, da necessidade de umaAdministração Pública voltada para o satisfatório atendimento dosinteresses de toda a comunidade, de uma sociedade participativa,com elevado grau de consciência de sua cidadania, o que, emdecorrência, acarreta um número cada vez maior de demandasjudiciais que visam, de alguma forma, interferir em atos da Admi-nistração Pública.

O objetivo geral deste trabalho, portanto, é procurar definiradequadamente o princípio da eficiência administrativa e seu res-pectivo controle judicial, encarando-o de forma deontológica elevando em conta toda a complexidade da tarefa posta ao aplicadordo Direito.

A hipótese proposta, e que se procurou confirmar, é a de queo princípio da eficiência, agora positivado no artigo 37 da Cons-tituição Federal a partir da Emenda Constitucional nº 19/1998,não pode tão somente ser interpretado como a utilização máxi-ma dos recursos disponíveis. Tal conceituação não satisfaz, pornão possuir a necessária abrangência, visto que a AdministraçãoPública deverá operar em todos os seus níveis com efetiva eficiên-cia, o serviço prestado deverá ser medido não somente em razãodo ponto de vista quantitativo e economicidade, com amaximização da utilização dos recursos disponíveis, mas tambémem face da eficácia, tempestividade e qualidade do produto oudos serviços entregues à comunidade, que da mesma forma deve-rá atender a critérios qualitativos e de conveniência, procurandosempre ir ao encontro dos reais anseios de todos os segmentos da

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O CONTROLE JUDICIAL DO PRINCÍPIO DA EFICIÊNCIA ADMINISTRATIVA

sociedade, considerando-se todos os princípios envolvidos e asvariantes fáticas e legais, dentro das diretrizes do Estado Demo-crático de Direito e em face da diversidade de uma sociedade plu-ral e igualitária, sendo este o aspecto fundamental de seu contro-le pelo Judiciário.

Gabardo (2002, p. 97, grifo nosso) sinaliza no mesmo sentido:

[...] quando se entende que a eficiência deve abranger aanálise dos meios e resultados, não significa que somentedevem ser considerados a celeridade, a prestabilidade,a racionalidade e a economicidade, ou quaisquer doscritérios metajurídicos propostos pela doutrina especi-alizada. A sua natureza abrangente manifesta-se cla-ramente quando se considera que não pode ser eficien-te um ato que afronte outro princípio, devido à possibi-lidade de anulação do mesmo. O que não implica que,em casos específicos, seja possível identificar açõesadministrativas formalmente corretas que nãocoadunam com a eficiência e, por esse motivo,devem ser reformadas.

Nesse diapasão, o conceito de eficiência deverá ser interpretadocomo mais do que apenas um componente da própria legalidade doato, se apresentando viável e necessário o seu controle judicial.

Não se trata de defender a intromissão do Judiciário na fun-ção do administrador, mas sim de verificar se suas decisões aten-dem, efetivamente, os mandamentos constitucionais, em que, porexemplo, poderão ser examinados todos os interesses e argumen-tos das partes envolvidas, como preleciona Günther (2004), já quea eficiência, em várias situações, não será obtida pelo singelo aten-dimento de determinado preceito legal, e sim a partir da aplicaçãosistemática de todos os princípios e normas que compõem oordenamento jurídico considerado em sua integridade.

Importante ressaltar que integridade não significa opção pe-los direitos individuais ou pelos direitos coletivos; a ideia de inte-gridade repudia tal separação. Direito como integridade traduzum conceito de unicidade e, em decorrência disso, a interpretaçãode todos os preceitos e princípios que compõem o ordenamentojurídico deve ser efetivada com vistas à manutenção da coerênciainterna que lhe sustente a unidade.

1 A eficiência administrativa como princípio constitucional –premissas para uma compreensão constitucionalmenteadequada

Na sociedade dos dias de hoje, a Administração Pública aindacontinua cumprindo uma atividade fundamental, como sem dúvi-

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da comprovam as medidas governamentais adotadas ao redor domundo em face da recente crise global.

Segundo Santos (1998, p 15, grifo nosso),

A crítica da burocracia não nasceu com a proposta doEstado-empresário e há de certamente subsistir de-pois desta ter deixado a ribalta. O que há de específi-co na crítica atual é a recusa em reconhecer que mui-tos dos defeitos da burocracia resultaram de decisõesque visavam atingir objetivos políticos democráticos,tais como a neutralização de poderes fáticos, aequidade, a probidade, e a previsibilidade das deci-sões e dos decisores, a acessibilidade e a independên-cia dos serviços, etc., etc. O não reconhecimento des-tes objetivos dispensa a crítica de se posicionar pe-rante eles e, conseqüentemente, de investigar a ca-pacidade da gestão empresarial para os realizar nes-tas condições, a crítica da burocracia, em vez de incidirna análise dos mecanismos que desviaram a adminis-tração pública desses objetivos, corre o risco de trans-formar estes últimos em custos de transação que épreciso minimizar ou mesmo eliminar em nome daeficiência, arvorada em critério último ou único degestão do Estado.Ficam assim por responder questões que, do pon-to de vista da concepção que aqui perfilho, sãofundamentais: como compatibilizar eficiência comequidade e democracia?

Sem dúvida é cogente se reconhecer que o Estado é impres-cindível, já que é o único ente capaz de, atuando de forma geral ecom grande abrangência, contrapor e regrar os interesses privadosem relação aos interesses sociais, inclusive com a necessária inter-venção no domínio econômico. Foi o que se verificou recentemen-te na crise originada nos Estados Unidos, onde muitas empresasque eram verdadeiros exemplos do capitalismo na sua essência maispura foram estatizadas, evitando-se, assim, a perda em cadeia demilhões de empregos e o colapso de toda a economia, com refle-xos de magnitude planetária.

Nessas circunstâncias, ganha especial relevância o estudo dospreceitos contidos no artigo 37 da Constituição Federal em facedos princípios do Direito Administrativo, mormente o princípio daeficiência.

A eficiência se constitui em muito mais que um componenteda própria legalidade. Em que pese ter se tornado obrigação cons-titucionalmente imposta, haja vista a positivação insculpida no ar-tigo 37 de nossa Carta Política, a eficiência, muito antes e sempre,se constituiu em obrigação e decorrência lógica de toda atividadee serviços prestados pela Administração Pública.

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O CONTROLE JUDICIAL DO PRINCÍPIO DA EFICIÊNCIA ADMINISTRATIVA

Em face de tais premissas, é possível formular hipótese de defi-nição a partir da qual será possível verificar se um ato administrati-vo estará atendendo ao princípio da eficiência administrativa.

Isso posto, é inequívoca a importância da atuação do PoderJudiciário, notadamente de nossos tribunais, em fazer observar oprincípio constitucional de que se cuida, auxiliando na exata defi-nição de seu conceito e amplitude de sua aplicação.

Oportuno se mostra referir as finalidades buscadas com asmodificações introduzidas pela Emenda Constitucional nº 19, de1998, que estabeleceu as premissas do que se denominou de Esta-do gerencial ou social-democrático, que passa a adotar procedi-mentos que viabilizam e valorizam prioritariamente os resultados.

Sem dúvida que ao colocar o princípio da eficiência no caputdo artigo 37 da Constituição Federal, através da EC 19/98, houveclara intenção do legislador em proceder a uma reforma do Estado.

O princípio da eficiência passou, a partir da EC 19/98, agoracom expressa determinação constitucional, a nortear todos os pro-cedimentos da Administração Pública.

A positivação explícita do princípio da eficiência no texto cons-titucional resultou do intento de realizar a reforma gerencial doEstado, visando ao sepultamento da administração burocrática eformalista.

A referida reforma teve por objetivo melhorar a organizaçãodo Estado, a capacitação de seus servidores e o equilíbrio de suasfinanças, com uma gestão mais moderna e eficaz, viabilizando umarelação mais harmoniosa com a sociedade e possibilitando a toma-da de decisões mais rápidas e adequadas, o que resultaria na pres-tação de serviços públicos com maior eficiência.

Como bem expõe Borges (2007, p. 4, grifo nosso), ao se referir,por exemplo, aos balizamentos em licitações:

Ganha grande relevo o atendimento do princípio legalda busca da seleção da proposta mais vantajosa para aAdministração. Privilegia-se a busca da qualidade,tornando inteiramente obsoleta a consagrada escravi-dão à tirania do menor preço, que tanto inviabiliza oatendimento eficiente das verdadeiras necessidades dointeresse público. É a era em que, como muitos já sus-tentavam antes, o dogma do menor preço deverá cadavez mais ceder passo à busca do melhor preço.

Em razão da concepção que entende o Estado Democráticode Direito como um processo histórico, e como tal sempre com avan-ços e retrocessos, é que vamos encontrar o princípio da eficiência,devidamente consagrado e positivado no artigo 37 da Constitui-ção Federal.

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Em que pesem as tentativas de alterações ditas neoliberais, évisível a permanente e até crescente intervenção estatal em todasas áreas de governança e de atividades econômico-sociais, o quemotiva uma também crescente preocupação do Direito Administra-tivo moderno com o estudo e desenvolvimento dos mecanismos decontrole dos aludidos poderes, intervencionistas ou não.

O propósito dessa ótica do Direito Administrativo visa contra-por a maior liberdade conferida ao administrador público, no exer-cício de sua atividade, em face das crescentes exigências impostaspela complexidade da vida moderna e da mentalidade inerenteao Estado Democrático de Direito e da própria cobrança de parteda sociedade, cujas necessidades se mostram em crescente grau decomplexidade e em relação com o exercício de uma cidadania cadavez mais atuante.

Quer nos parecer irrefutável que a doutrina administrativa fazum grande esforço para afirmar o caráter instrumental dos aludi-dos poderes conferidos ao administrador público, destacando a suanatureza finalística, ou seja, o seu impositivo atrelamento à reali-zação de fins públicos de acordo com os preceitos legais de regên-cia, que, entretanto, deverão ser harmonizados em face de todo oordenamento jurídico tomado em sua completude.

O encargo de proceder à aludida harmonização entre a previ-são legal que embasa o ato administrativo e sua efetiva incidênciae aplicação em relação a casos concretos compete ao Judiciário,que, para tanto, deverá considerar todas as variantes, peculiarida-des e argumentos apresentados.

Dessa forma, mediante a análise de casos concretos e suas pe-culiaridades é que se torna possível aferir se determinado ato ad-ministrativo, mesmo tendo o administrador observado formalmen-te as leis que orientam sua conduta, poderá ou não estar atuandocom eficiência. Para tanto, se mostra crucial a distinção entre o dis-curso de justificação aplicado quando da elaboração das leis e odiscurso de aplicação que deverá ser utilizado pelo julgador.

Segundo o modelo de discurso de aplicação concebido porGünther, o discurso jurídico possui dois níveis, o discurso de justifi-cação e o discurso de aplicação. De acordo com tal proposição, ajustificação e a aplicação de normas compreendem finalidades dis-tintas, tanto para princípios como para normas.

O discurso de justificação se opera quando da elaboração denormas válidas, orientadas pelo princípio universalista, ou seja, quevisa levar em conta o interesse de todo um universo, de todos quepoderão ser atingidos ou afetados pela norma; portanto, tal dis-curso se realiza durante o debate de confecção da norma, sobretu-do na justificação de uma norma moral.

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O CONTROLE JUDICIAL DO PRINCÍPIO DA EFICIÊNCIA ADMINISTRATIVA

A legitimidade do discurso de justificação, concebido de talforma, decorre da obrigatoriedade de se considerar, ou se procurarconsiderar, todos os interesses dos que serão, de alguma forma,afetados pela norma.

A justificação de uma norma, como referido, é orientada pelaprevisão de possíveis situações genéricas e típicas, procurando seantever todas as variáveis admissíveis, que, entretanto, somente semostram viáveis na medida em que for possível estabelecer umageneralização, sem levar em conta possíveis aspectos particulares eidiossincrasias de cada caso.

Sabidamente não é possível e útil antever todos os efeitos econsequências, diretas e indiretas, decorrentes da aplicação de de-terminada norma abstrata e universal, mesmo que tivéssemos con-dições para tanto.

Restaria ainda, como bem observa Günther, saber quais seriamos interesses dos integrantes do universo visado pela norma em umprocesso de justificação, já que os interesses dos particulares, dosindivíduos, são notoriamente mutuáveis, variando de acordo comas condições sociais e históricas.

Em que pese a impossibilidade, acima exposta, em se prevertodas as possibilidades genéricas na feitura da norma, não há porque ser rejeitado o princípio que orienta o discurso de justificação,visto que a consideração de todos os interesses envolvidos deverána melhor possibilidade possível ser satisfeita.

Dessa forma, segundo Günter, o discurso de justificação, quandoda elaboração da norma, observaria o critério de universalização emsua modalidade fraca, vale dizer, quando os efeitos e consequênciascolaterais podem ser acatados por todos em idênticas circunstâncias,de acordo com os interesses individuais de cada um. O discurso dejustificação, dessa maneira, num primeiro momento, atenderia ao cri-tério de universalização em sua modalidade ou versão fraca.

Conforme Günther (2004, p. 67), “uma norma é válida se asconseqüências e os efeitos colaterais de sua observância puderemser aceitos por todos, sob as mesmas circunstâncias, conforme osinteresses de cada um, individualmente”.

O assentimento referido diz respeito a todos os interessadosem relação à previsão ou antecipação das possíveis consequências,dentro de determinados limites de tempo e de conhecimento.

Em momento posterior, segundo a teoria proposta por Günter,a versão “fraca” do princípio de universalização (discurso de justi-ficação), utilizado quando da confecção da norma valida, é com-pensada pelo discurso de aplicação.

Cumpre ressaltar que a aplicação de normas válidas, em facede casos particulares e específicos, é uma espécie de discurso, que

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deverá observar a ética do discurso, devendo também ser aplicadoo princípio da consistência da fundamentação, que não poderá sercontraditória, da veracidade e da paridade da participação dossujeitos do discurso, já que a finalidade do discurso de aplicação,que cuida de casos concretos e específicos, é assegurar que preva-leça o melhor argumento. Dessa forma, a todos deverá ser assegu-rado o direito de expor e defender suas razões.

Como se constata, o discurso de aplicação é concebido comocomplemento à norma válida, com a análise de situações e efeitosnão previstos ou levados em conta quando da elaboração da nor-ma, ou seja, pelo discurso de justificação, já que somente em facedas especificidades de cada caso concreto é que se torna possívelaferir todos os prováveis efeitos da norma.

A lei, no processo legislativo, procura descrever realidades ten-do como norte condições supostamente idênticas e previsíveis, oque não assegura sua incidência em qualquer condição. Assim, aaplicação de uma norma válida deverá ser complementada peladescrição específica do caso em exame, cujas peculiaridades nãoforam antecipadamente previstas pela descrição da lei, o que seconsubstancia no discurso de aplicação.

As concepções relativas aos princípios jurídicos, através dos tem-pos, não lhes atribuíam o significado e importância que atualmen-te os mesmos assumem, principalmente nas contemporâneas Cons-tituições.

De acordo com o jusnaturalismo, os princípios eram tidos deforma abstrata, quase sem normatividade, com a prevalência intrín-seca de uma concepção valorativa de justiça. Posteriormente, com osurgimento da Escola Histórica do Direito, a ideia abstrata dojusnaturalismo deu lugar à preponderância do positivismo, ou seja,os princípios deveriam estar expressos na lei e dela emergiriam.

Os princípios, no jusnaturalismo, eram retratados em forma deaxiomas jurídicos ou normas estabelecidas pela razão, se constitu-indo em elementos informadores de um Direito ideal, decorrentesde um arcabouço de verdades absolutas oriundas da lei divina ehumana.

Posteriormente, segundo a teoria positivista, os princípios eramconcebidos como fonte normativa subsidiária: tinham como objetivogarantir o primado da lei. Não eram considerados hierarquicamentesuperiores a norma, já que dela eram oriundos. Corresponderiam aosprincípios que informam o direito positivo e lhe emprestam funda-mento. Tais princípios se originam de abstrações genéricas do própriodireito positivado, isto é, transformado em lei, e nela estariam conti-dos. Dessa forma, não derivariam de um ideal de justiça imanente aodireito natural, mas sim da própria lei.

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O CONTROLE JUDICIAL DO PRINCÍPIO DA EFICIÊNCIA ADMINISTRATIVA

A corrente pós-positivista da teoria dos princípios, adotadapelos grandes movimentos constituintes da segunda metade doséculo passado, possui como característica principal nas novas cons-tituições a hegemonia axiológica dos princípios, que informariame legitimariam todo o ordenamento jurídico.

Bonavides (1997, p.228), com a costumeira propriedade, resu-me a referida transformação:

[...] a normatividade dos princípios percorreu três fasesdistintas: a jusnaturalista, a positivista e a pós-positivista.Na primeira, os princípios estavam fora do direito, em umcampo metafísico, associados à dimensão ético-valorativainspiradora do direito. Na fase positivista, os princípios in-gressaram nos códigos e leis como fonte normativa subsi-diária com a função de garantir a inteireza e coesão dosistema. Por fim, a fase pós-positivista atual, na qual osprincípios constitucionais têm um papel fundamental, con-sagra os princípios não apenas como direito, mas como“pedestal normativo sobre o qual assenta todo o edifíciojurídico dos novos sistemas constitucionais”.

Importante frisar que os princípios não visam tipificar condu-tas e procedimentos e, em decorrência disso, não produzem estabi-lidade na expectativa dos cidadãos; a exemplo das regras, por ou-tro lado, os princípios atuam como estabilizadores de expectativasem momento subsequente, já que o seu significado e a sua cargadeontológica são sedimentados, seja pela Administração Pública,seja pela jurisdição, pelo acervo de decisões aplicadas a casos con-cretos que estabelecem precedentes.

Cumpre também ressaltar que os princípios, diferentementedas regras, são normas que não pretendem regular as condições desua aplicação.

A importância dos princípios jurídicos no quadro jurídico atu-al estabelece um rol de questões relacionadas à problemática davinculação da Administração Pública à lei.

Bem ressalta, nesse sentido, Gibson (2008), para quem a dou-trina, nos tempos atuais, vem admitindo que o operador do Direi-to, mais do que a singela observância dos balizamentos legais, deveter como norte que as normas que perfazem um ordenamento ju-rídico não se esgotam exclusivamente no texto da lei, mas se es-praiam em espécies normativas não necessariamente positivadas erepresentam um padrão de coerência do Direito, assegurando-lhea necessária integridade e coerência.

Dworkin estabelece as premissas de tal orientação ao ressaltara importância de uma ideia quanto à aplicação dos princípios deintegridade do ordenamento jurídico e sua aceitação pela socie-dade:

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Podemos sentir que o que estamos fazendo é correto,mas, enquanto não identificamos os princípios queestamos seguindo, não podemos estar certos que elessão suficientes, ou se os estamos aplicando consistente-mente. [...] Porém não é qualquer princípio que podeser invocado para justificar a mudança; caso contrário,nenhuma regra estaria a salvo. É preciso que existamalguns princípios mais importantes que outros. Esse cri-tério não pode depender das preferências pessoais dojuiz, selecionadas em meio a um mar de padrõesextrajurídicos respeitáveis, cada um deles podendo ser,em princípio, elegível (DWORKIN, 2002, p. 25). Eles in-cluem também a doutrina do precedente, outro conjun-to de princípios que reflete a eqüidade e a eficiênciaque derivam da consistência (DWORKIN, 2002, p. 60).[...] uma sociedade política que aceita a integridade comovirtude política se transforma, desse modo, em umaforma especial de comunidade, especial num sentidoque promove sua autoridade moral para assumir emobilizar monopólio de força coercitiva. [...] A integri-dade protege contra a parcialidade, a fraude ou outrasformas de corrupção oficial, por exemplo. [...] Se aspessoas aceitam que não são governadas apenaspor regras explícitas, estabelecidas por decisõespolíticas tomadas no passado, mas por quaisqueroutras regras que decorrem dos princípios queestas decisões pressupõem, então o conjunto de nor-mas públicas reconhecidas pode expandir-se e contrair-se organicamente, à medida que as pessoas se tornemmais sofisticadas em perceber e explorar aquilo que estesprincípios exigem sob novas circunstâncias, sem a neces-sidade de um detalhamento da legislação ou da juris-prudência de cada um dos possíveis pontos de conflito(DWORKIN, 2003, p. 229, grifo nosso).

A partir de tais premissas, é possível afirmar que todas as práti-cas jurídicas, como pressuposto de sua validade e legitimidade,devem ser submetidas a críticas, sendo que seu poder coercitivosomente deverá sobreviver durante o período pelo qual forem con-sideradas legítimas.

Oportuno ressaltar a lição de Habermas (1997, p.189-190):

O projeto de realização do direito, que se refere às con-dições de funcionamento de nossa sociedade, portantode uma sociedade que surgiu em determinadas circuns-tâncias históricas, não pode ser meramente formal. To-davia divergindo do paradigma liberal e do Estado soci-al, este paradigma do direito não antecipa mais um ide-al de sociedade, nem uma determinada visão de vidaboa ou de uma determinada opção política. Pois ele éformal no sentido de que apenas formula as condiçõesnecessárias segundo as quais os sujeitos do direito po-dem, enquanto cidadãos, entender-se entre si para des-

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cobrir os seus problemas e o modo de solucioná-los. [...]A legitimidade do direito apóia-se, em última instância,num arranjo comunicativo: enquanto participantes dediscursos racionais, os parceiros do direito devem poderexaminar se uma norma controvertida encontra ou po-deria encontrar o assentimento de todos os possíveisatingidos.

Dessa forma, para os fins acima expostos, e em grau notoria-mente crescente, os princípios constitucionais são consideradoscomo nucleares no ordenamento jurídico, tidos como aptos a har-monizar ou mesmo afastar a aplicação de normas em face de ca-sos específicos; onde todos os aspectos e argumentos deverão serlevados em conta, viabilizando a real aferição da validade e legi-timidade da aplicação da norma e, em decorrência, o agir do ad-ministrador.

A importância dos princípios, portanto, é assegurar que ocor-ra efetiva conformação entre a decisão tomada pelo administradorpúblico e a materialização da finalidade para a qual a referidadecisão se destina, visando, dessa forma, a que o ato administrati-vo seja capaz de satisfazer da melhor forma possível os interessesda coletividade para a qual se destina, considerada em toda a suadiversidade.

A fim de melhor fixarmos um referencial doutrinário, é impor-tante referir como alguns autores consagrados se posicionam emrelação ao princípio da eficiência.

De acordo com Mello (2002, p. 104), o princípio da eficiência“mais parece um adorno agregado ao art. 37, que não pode serconcebido senão na intimidade do princípio da legalidade [...] éuma faceta de um princípio mais amplo, já superiormente tratado,de há muito, no Direito italiano: o princípio da boa administra-ção”.

Di Pietro (2000, p. 83) estabelece as seguintes consideraçõesacerca do princípio de que se cuida.

O princípio da eficiência apresenta, na realidade, doisaspectos: pode ser considerado em relação ao modo deatuação do agente público, do qual se espera o melhordesempenho possível de suas atribuições, para lograros melhores resultados; e em relação ao modo de orga-nizar, estruturar, disciplinar a Administração Pública,também com o mesmo objetivo de alcançar os melho-res resultados na prestação do serviço público.Trata-se de idéia muito presente entre os objetivos daReforma do Estado. No Plano Diretor da Reforma doEstado, elaborado em 1995, expressamente se afirmaque “reformar o Estado significa melhorar não apenasa organização e o pessoal do Estado, mas também suas

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finanças e todo o seu sistema institucional-legal, de for-ma a permitir que o mesmo tenha uma relação harmo-niosa e positiva com a sociedade civil.

Custódio Filho (1999, p. 214), por sua vez, define o princípioda eficiência da seguinte forma:

[...] indentifica-se no princípio constitucional da eficiên-cia três idéias: prestabilidade, presteza eeconomicidade. Prestabilidade, pois o atendimento pres-tado pela Administração Pública deve ser útil ao cida-dão. Presteza porque os agentes públicos devem aten-der o cidadão com rapidez. Economicidade porquanto asatisfação do cidadão deve ser alcançada do modo me-nos oneroso possível ao Erário público. Tais característi-cas dizem respeito quer aos procedimentos (presteza,economicidade), quer aos resultados (prestabilidade),centrados na relação Administração Pública/cidadão.

Em síntese, é possível verificar que o conteúdo jurídico de umtermo nem sempre corresponde a sua exata definição vocabular,como encontramos nos dicionários, como facilmente constatou-senos entendimentos doutrinários acima expostos, cujas variantes sãonotórias.

Contudo, é inegável que em todos os conceitos encontra-se pre-sente a ideia de ser atingido o melhor resultado possível, seja apenasvinculando tal finalidade à economicidade do serviço prestado, ouseja, com menor custo ou otimização dos gastos, seja evoluindo, pos-teriormente, para a busca da efetiva satisfação das necessidades docidadão, o que resultaria numa relação harmoniosa com a sociedade,que dessa forma receberia atendimento para os seus anseios.

A nosso sentir, a melhor definição de eficiência significaria pro-duzir um efeito com eficácia, sendo que eficácia define aquilo queproduz o efeito desejado, que atinge o resultado almejado, que seportou com eficiência, ao que se poderia agregar, com a necessáriaqualidade além de economicidade, ou seja, com menor custo possí-vel, e presteza, com a devida rapidez e, ao que podemos ainda acres-centar, com respeito ao direito de todas as partes envolvidas.

Nesse sentido, a atividade dos órgãos e entidades públicas,para o pleno atendimento do princípio da eficiência, deverá sereficaz, em outras palavras, gerar o efeito desejado, buscar o me-lhor resultado para atendimento das demandas da coletividade,devendo esta ser considerada em sua totalidade, maiorias e mino-rias, devendo, para tanto, também serem considerados os interes-ses particulares.

Sendo impossível para o legislador, portanto, num discurso dejustificação, prever para certos casos concretos a melhor solução,

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de forma a enumerar todas as possíveis soluções exaustivamen-te, haja vista a constante mutabilidade da vida moderna e suasmultifacetadas variantes, a norma confere ao administrador pú-blico uma margem de liberdade, a fim de que seja possível, emface das alternativas disponíveis, a escolha da solução que semostre mais eficiente, ou seja, a que melhor satisfaça o conceitode eficiência, vale dizer, a que melhor atenda às necessidadespúblicas, ou a que, por outro lado, esteja de alguma forma, semjustificativa plausível, onerando o administrado.

A norma dota o administrador público de poderes especi-ais, dentro dos parâmetros normativamente fixados, com certaliberdade decisória ou não, visando sempre à solução mais efi-caz, que supostamente melhor atenda ao interesse público en-volvido.

Diante do exposto, e tendo como norte o princípio da efici-ência, é possível ao Judiciário verificar, em relação ao caso con-creto, se o administrador, em suas decisões, mesmo a partir daaplicação inequívoca da lei, está ou não sendo eficiente, ou seja,não está atingindo a finalidade da norma e melhor atendendoàs necessidades da sociedade, ou se está injustificadamente atin-gindo ou tolhendo interesses privados.

Conforme entendimento de Custódio Filho (1999, 214, gri-fo nosso), o princípio da eficiência poderia assim ser definido:

Observando estes dois aspectos (interno e externo)da eficiência na Administração Pública, então, poder-se-ia enunciar o conteúdo jurídico do princípio da efi-ciência nos seguintes termos: a Administração Pú-blica deve atender o cidadão na exata medidada necessidade deste, com agilidade, medianteadequada organização interna e ótimo aprovei-tamento dos recursos disponíveis,.

No mesmo sentido, assevera Cardozo (apud MORAES, 1999,p. 166, grifo nosso):

Ser eficiente, portanto, exige primeiro da adminis-tração pública o aproveitamento máximo de tudoaquilo que a coletividade possui, em todos os níveis,ao longo da realização de suas atividades. Significaracionalidade e aproveitamento máximo daspotencialidades existentes, mas não só. Em seusentido jurídico, a expressão, que consideramoscorreta, também deve abarcar a idéia de eficáciada prestação, ou de resultados da atividade rea-lizada. Uma atuação estatal só será juridicamen-te eficiente quando seu resultado quantitativoe qualitativo for satisfatório, levando-se em con-

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ta o universo possível de atendimento das ne-cessidades existentes e os meios disponíveis.

Para exemplificar, poderíamos imaginar o caso de um serviçode saúde que no emprego máximo das verbas alocadas presta aten-dimento a um significativo número de pessoas de uma comunida-de, de forma que todos são atendidos no mesmo dia. Em termosquantitativos, seria possível afirmar que o referido serviço de saúdeatende ao princípio da eficiência, porém, se o atendimento for ela-borado de maneira ríspida, atabalhoada, sem atenção, com ausên-cia de especialistas, ou seja, sem qualidade, é óbvio que o serviçonão estará sendo eficiente, já que sem a forma e eficácia necessári-as. Na mesma toada, o exemplo de uma escola que matricula gran-de número de alunos, mas não cumpre minimamente o currículoque lhe é estabelecido.

Entendemos que o conceito de eficiência também poderá seraferido em face própria da aplicação das normas, tanto pela Admi-nistração, como pelo próprio Judiciário.

É consagrado o ditado que afirma que justiça tardia é injusti-ça, é clamor nacional que o há muito tempo o Judiciário não estáentregando o seu "produto" no tempo e quantidade necessários,por outro lado, num presente recente, com marcante atuação doCNJ - Conselho Nacional de Justiça, nota-se um grande esforço paraa regularização de tal situação, como por exemplo o estabeleci-mento de metas de sentenças para processos até determinado ano,constata-se, entretanto, inúmeras sentenças e recursos exarados apartir de modelos pré-concebidos, superficiais, sem o exame de to-dos os elementos discutidos, sem a necessária fundamentação, emtotal contraposição, por exemplo, à doutrina de Ronald Dworkin,que ensina que cada caso deve ser analisado em todas as suasnuances e particularidades, onde todos os argumentos são mere-cedores da máxima atenção e consideração de parte do julgador.

De qualquer forma, em ambas as situações, a eficiência não semostra presente, antes pela ausência da produção necessária, pelalentidão, após pela ausência de qualidade, pois é indubitável quesentenças padronizadas não examinam as possíveis peculiaridadesde cada caso e todos os argumentos manejados, única forma de serobtida a melhor solução possível.

Assim, frisando o conceito acima exposto, é possível afirmarque o princípio da eficiência somente é atendido quando estive-ram presentes tanto o aspecto quantitativo quanto o qualitativona utilização máxima dos recursos disponibilizados e, mais, quan-do todas as possibilidades e variantes forem consideradas dentrode um conceito de equidade e real democracia.

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2 O controle judicial da eficiência administrativa, análise dejurisprudência do STJ

Mesmo em face dos conceitos que orientam o Estado Demo-crático de Direito, que contempla entre seus fundamentos o con-trole jurisdicional dos atos públicos, e como tal também os atosadministrativos, a doutrina sempre apresentou certa resistência aocontrole dos atos administrativos pelo Judiciário, o que represen-taria, na prática, a invasão de um Poder em relação ao outro, emtotal desvirtuamento da tripartição dos Poderes.

O mérito dos atos administrativos seria de única e exclusivacompetência do administrador, haja vista sua legitimidade políti-ca, já que no Executivo e no Legislativo se encontravam os mem-bros eleitos pelo povo, real titular da soberania da nação.

Assim, o Judiciário, sendo um poder sem legitimidade demo-crática, não poderia alterar ou invalidar atos oriundos dos outrosdois Poderes – cujos membros eram sufragados –, mormente doPoder Executivo, onde se encontrava preponderantemente toda aatividade administrativa.

O Judiciário, por sua vez, interpretava o princípio da legalida-de segundo critérios estritamente formais, isto é, submissão às leisera tida como a mera e exclusiva observância das formalidadesnormativas quando da realização dos atos administrativos; o atoestaria em desacordo com o princípio da legalidade quando nãoobservasse as formalidades prescritas ou no caso de seu conteúdoser explicitamente contrário à lei, o que representa estrita prepon-derância do discurso de justificação, ou seja, sendo observadas asprescrições legais, o ato não poderia ser revisto.

Aos poucos o modelo do Estado liberal clássico foi sendo cadavez mais substituído pelo Estado intervencionista, onde se verifi-cou a proliferação de órgãos e empresas estatais de toda ordem.Essa modificação de atuação do Estado acarretou novos e revigo-rados poderes às autoridades administrativas.

Para compensar essa nova forma de atuação dos entes estatais,foi necessário um reforço no acervo dos mecanismos jurídicos de con-trole da atividade administrativa e, também, da atividade do próprioPoder Judiciário, cujo pleno desempenho passou a ser consideradocomo fundamental à consolidação do Estado Democrático de Direito.

Diante de tais circunstâncias, novos instrumentos e meios decontrole externo da atividade administrativa foram concebidos; aoPoder Judiciário foram atribuídas competências até entãoinexistentes.

Os atos administrativos passaram a ser avaliados não apenas se-gundo seu aspecto formal, estrita observância das regras de regên-

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cia, limites de emprenho e despesa, etc., também começaram a seranalisados em face de outros elementos até então não consideradose tidos como relevantes, entre os quais, a eficiência na realização eobjetivos alcançados pelo ato em face de casos concretos, o que re-presenta efetiva utilização de um discurso de aplicação, em que to-das as variantes não previstas pela lei passaram a ser consideradas.

Carvalho Netto (1998, p. 39, grifo do autor) com propriedadepreleciona:

A sensibilidade do juiz para as especificidades do casoconcreto que tem diante de si é fundamental, portanto,para que possa encontrar a norma adequada a produ-zir justiça naquela situação específica. É precisamente adiferença entre os discursos legislativos de justificação,regidos pelas exigências de universalidade e abstração,e os discursos judiciais e executivos de aplicação, regidospelas exigências de respeito às especificidades e àconcretude de cada caso, ao densificarem as normasgerais e abstratas na produção das normas individuais econcretas, que fornece o substrato que Klaus Güntherdenomina senso de adequabilidade, que, no EstadoDemocrático de Direito, é de se exigir do concretizadorao tomar suas decisões.

Nessa linha de evolução, nesse cada vez maior estreitamentoentre legalidade e legitimidade, vale dizer, entre legalidade for-mal e material, entre o exercício dos atos de Administração Públicae a efetiva satisfação dos anseios e interesse dos administrados nomundo real dos fatos, é que surge com inegável e notória impor-tância o princípio da eficiência, que deverá ser entendido em seureal significado, que em muito ultrapassa os estreitos conceitos deeconomicidade ou de relação custo-benefício, como já vimos.

Nesse sentido, assevera Aragão (2005, p. 1-2, grifo nosso):

O Direito Público do Estado contemporâneo visa satis-fazer determinadas necessidades sociais, sendo vincu-lado ao atendimento eficiente dos fins sociais e fáticosaos quais se destina.A eficiência não pode ser entendida apenas comomaximização do lucro, mas sim como melhor exercíciodas missões de interesse coletivo que incumbe ao Esta-do, que deve obter a melhor realização prática possíveldas finalidades do ordenamento jurídico, com os meno-res ônus possíveis, tanto para o próprio Estado, especi-almente de índole financeira, como para as liberdadesdos cidadãos.Os resultados práticos da aplicação das normasjurídicas não constituem preocupação apenas so-ciológica, mas, muito pelo contrário, são elemen-tos essenciais para determinar como, a partir des-

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O CONTROLE JUDICIAL DO PRINCÍPIO DA EFICIÊNCIA ADMINISTRATIVA

tes dados empíricos, devam ser interpretadas (oureinterpretadas), legitimando a sua aplicação.

A Administração Pública, em todas as suas esferas de atuação,deverá buscar a realização do bem comum, exercerá as suas atri-buições de forma neutra, imparcial e transparente, na estrita ob-servância dos preceitos legais e princípios constitucionais, entre osquais o da eficiência, como expressamente preceitua o artigo 37 daConstituição Federal.

Dworkin (2002, p. 36) ensina: “Denomino “princípio” um pa-drão que deve ser observado, não porque vá promover ou assegu-rar uma situação econômica, política ou social considerada desejá-vel, mas porque é uma exigência de justiça ou equidade ou algu-ma outra dimensão da moralidade”.

Os princípios, em regra, são equiparados a valores positivadosno ordenamento jurídico, entretanto, essa ideia não é imune aproblemas, já que coloca a sua aplicação como se fosse uma esco-lha entre valores concorrentes.

Se considerarmos que a suposta escolha se opera dentro deum Estado Democrático de Direito, multicultural e pluralista, ondetodos devem ser considerados iguais em face do ordenamento jurí-dico e como tal uniformemente obrigados, ao se igualar princípioe valores, restaria o problema de se escolher qual deverá ser o valorpreponderante.

Dessa forma, a noção de equiparação entre princípios e valo-res não se justifica em razão do caráter universal e deontológicodo direito, caso contrário seria admitir a inserção de um compo-nente de grande variação e sem viabilidade de controle por critéri-os racionais. Por tais motivos é de se repelir o arbítrio, cuja basecontém a ideia de princípio equiparada a valor.

Com assento em tais conceitos é que ao operador do direito seimpõe o dever de apresentar, em relação a casos concretos, deci-sões devidamente embasadas em termos racionais e aferíveis à luzde todo o ordenamento tomado em sua completude.

A tradicional teoria do Direito Administrativo preceitua queos atos de Administração Pública não são passíveis de controle peloJudiciário, no que tange ao mérito de suas decisões, sendo essacondição decorrente da discricionariedade do administrador atri-buída pela lei. A determinação dos aspectos de conveniência eoportunidade estaria, dessa forma, fora das possibilidades de con-trole pelo Judiciário.

Essa teoria, anteriormente consagrada, vem sendovigorosamente questionada por decisões judiciais que, com baseem princípios constitucionais, revisam, anulam ou mesmo determi-nam a realização de determinado ato administrativo.

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Nesse diapasão, ensina Cademartori (2001, p. 181, grifo do autor):

[...] considerando um segundo nível da discriciona-riedade, ou seja, no seu campo de aplicação concreta,entende-se que implementada a medida, caso seu des-tinatário alegue lesão a direitos, o ato administrativoserá levado à via judicial devendo aqui ser amplamenteanalisado pelo julgador. Portanto, o juiz não somentepode como deve apreciar – não se confunda com a subs-tituição das decisões – na sua inteireza, quaisquer atosoriundos do Poder Público, tendo como parâmetros asgarantias constitucionais e os direitos fundamentais cujadiretriz política estará referida à primazia do adminis-trado frente à Administração.

Dessa forma, o problema que se coloca é como deve ser exerci-do o controle judicial do princípio da eficiência administrativa.

Tomando-se como parâmetro decisões do STJ, esse controleestá sendo feito adequadamente, em consonância com as premis-sas expostas?

Pela jurisprudência que possui como embasamento o princí-pio da eficiência não foi possível constatar uma inclinação. Sejapositivista, isto é, com fundamentos calcados unicamente na nor-ma ou dela decorrentes, ou utilitarista, ou mesmo como mote derealização de um objetivo social, verifica-se a notória intenção de,sobretudo, se fazer justiça ao caso concreto. Constata-se claramen-te que as decisões se amparam na análise específica do caso emexame, com embasamento em um princípio, ou conjunto de prin-cípios, e em face de todo o ordenamento jurídico considerado emsua integridade que orienta ou inclina o desfecho do caso paradeterminado sentido.

Segundo essa ótica, colacionamos a jurisprudência abaixo,exemplo de tendência amplamente majoritária.

Aqui transcrevemos as ementas de acórdãos e posteriormenteé feita análise de votos que demonstram de forma exemplar osentendimentos adotados.

TRIBUTÁRIO - PROCESSO CIVIL - PROCESSO ADMINIS-TRATIVO FISCAL FEDERAL - PEDIDO DE RESTITUIÇÃO -PRAZO PARA ENCERRAMENTO - ANALOGIA - APLICA-ÇÃO DA LEI 9.784/99 - POSSIBILIDADE - NORMA GERAL- DEMORA INJUSTIFICADA.1. A conclusão de processo administrativo fiscal em pra-zo razoável é corolário do princípio da eficiência, damoralidade e da razoabilidade da Administração pú-blica.2. Viável o recurso à analogia quando a inexistência denorma jurídica válida fixando prazo razoável para a con-clusão de processo administrativo impede a concre-

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tização do princípio da eficiência administrativa, com re-flexos inarredáveis na livre disponibilidade do patrimônio.3. A fixação de prazo razoável para a conclusão de pro-cesso administrativo fiscal não implica em ofensa aoprincípio da separação dos Poderes, pois não está o Po-der Judiciário apreciando o mérito administrativo, nemcriando direito novo, apenas interpretando sistemati-camente o ordenamento jurídico.4. Mora injustificada porque os pedidos administrativosde ressarcimento de créditos foram protocolados entre10-12-2004 e 10-08-2006, há mais de 3 (três) anos, semsolução ou indicação de motivação razoável.5. Recurso especial não provido. (REsp 1091042 / SC RE-CURSO ESPECIAL 2008/0210353-3 Relator(a) MinistraELIANA CALMON (1114) Órgão Julgador T2 - SEGUN-DA TURMA Data do Julgamento 06/08/2009 Data daPublicação/Fonte DJe 21/08/2009 )TRIBUTÁRIO – PRAZO RAZOÁVEL PARA APRECIAÇÃODE PROCESSO ADMINISTRATIVO FISCAL – APLICAÇÃOSUBSIDIÁRIA DO ART. 49 DA LEI N. 9.784/99. POSSIBILI-DADE – PRECEDENTES.1. O STJ, em homenagem aos princípios da eficiência emoralidade previstos na Constituição Federal, tem ad-mitido, na falta de previsão legal, a possibilidade de seestabelecer prazo para o encerramento da instruçãodo processo administrativo quando sua apreciação semostrar morosa e injustificada. Precedentes.2. Não está o Poder Judiciário apreciando o mérito ad-ministrativo, apenas dando interpretação sistemáticaao ordenamento jurídico, daí não se há falar em ofensaao princípio da separação de poderes.Agravo regimental improvido.AcórdãoVistos, relatados e discutidos os autos em que são par-tes as acima indicadas, acordam os Ministros da Segun-da Turma do Superior Tribunal de Justiça: “A Turma, porunanimidade, negou provimento ao agravo regimen-tal, nos termos do voto do(a) Sr(a). Ministro(a)-Relator(a).” Os Srs. Ministros Herman Benjamin, MauroCampbell Marques, Eliana Calmon e Castro Meira vota-ram com o Sr. Ministro Relator. (Processo AgRg no REsp1143129 / ES AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO ES-PECIAL 2009/0105890-0 Relator(a) Ministro HUMBERTOMARTINS (1130) Órgão Julgador T2 - SEGUNDA TUR-MA Data do Julgamento 17/11/2009 Data da Publica-ção/Fonte DJe 25/11/2009 RDDT vol. 173 p. 206.)

Pelos embasamentos utilizados, se verifica com meridiana niti-dez a amplitude do conceito de eficiência empregado, pois, se oprocesso administrativo deve ser utilizado no interesse de toda acomunidade, deverá ser implementado em prazo razoável, de for-ma a atender eficazmente a sociedade sem penalizar injustifi-cadamente o cidadão, o que também seria contrário aos princípios

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da ética e da moralidade, ou seja, o devido equilíbrio entre o inte-resse público e o particular, já que os fins não devem ser atingidosde qualquer forma, mas respeitando-se princípios de razoabilidadee eficiência, com a primazia dos direitos do administrado frente àAdministração.

Dessa forma, a decisão não poder ser respaldada apenas e ex-clusivamente na regra que incide sobre o caso concreto numa apli-cação eminentemente positivista, isto é, a partir de uma mera veri-ficação formal de atendimento dos preceitos legais, mas tambémse levando em conta todos os princípios e regras aplicáveis e cir-cunstâncias específicas de cada caso, examinando-se com efetivaatenção as alegações de todas as partes envolvidas, o que se cons-titui em efetiva aplicação sistemática do ordenamento jurídico con-siderado em sua integralidade, exemplo de discurso de aplicaçãoconforme concebido nos ensinamentos de Klaus Günther.

Para demonstrar mais detalhadamente isso, tomaram-se as ju-risprudências abaixo, juntamente com o voto dos respectivos Mi-nistros relatores, que pela sua clareza e objetividade, demonstramtudo o que até aqui foi dito e melhor comprovam, a nosso ver, aorientação até então adotada pelo STJ.

ADMINISTRATIVO. RECURSO ESPECIAL. MANDADO DESEGURANÇA. AUTORIZAÇÃO PARA FUNCIONAMENTODE RÁDIO COMUNITÁRIA. INÉRCIA DA ADMINISTRA-ÇÃO PÚBLICA. ABUSO DO PODER DISCRICIONÁRIO. RE-CURSO ESPECIAL NÃO-PROVIDO.1. É entendimento pacífico nesta Corte que a autoriza-ção do Poder Executivo é indispensável para o regularfuncionamento de emissora de radiodifusão, consoan-te o disposto nas Leis 4.117/62 e 9.612/98 e no Decreto2.615/98.2. Entretanto, em obediência aos princípios da eficiênciae razoabilidade, merece confirmação o acórdão que jul-ga procedente pedido para que a Anatel se abstenha deimpedir o funcionamento provisório dos serviços de radi-odifusão, até que seja decidido o pleito administrativo darecorrida que, tendo cumprido as formalidades legaisexigidas, espera há mais de dois anos e meio, sem quetenha obtido uma simples resposta da Administração.3. Recurso especial não-provido.AcórdãoVistos, relatados e discutidos os autos em que são par-tes as acima indicadas, acordam os Ministros da Primei-ra Turma do Superior Tribunal de Justiça, por unanimi-dade, negar provimento ao recurso especial, nos ter-mos do voto do Sr. Ministro Relator. Os Srs. MinistrosFrancisco Falcão, Luiz Fux e Denise Arruda (Presidenta)votaram com o Sr. Ministro Relator. Impedido o Sr. Mi-nistro Teori Albino Zavascki. (REsp 1062390 / RS RECUR-

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SO ESPECIAL 2008/0116413-6 Relator(a) Ministro BE-NEDITO GONÇALVES (1142) Órgão Julgador T1 - PRI-MEIRA TURMA Data do Julgamento 18/11/2008 Datada Publicação/Fonte DJe 26/11/2008).RELATÓRIOO SENHOR MINISTRO BENEDITO GONÇALVES(Relator): Trata-se recurso especial interposto pelaagência Nacional de Telecomunicações - Anatel, comfundamento no artigo 105, inciso III, alínea “c”, da Cons-tituição Federal, contra acórdão proferido pelo TribunalRegional Federal da 4ª Região, assim ementado (fl. 124):ADMINISTRATIVO. CONCESSÃO DE SERVIÇO DE RADIO-DIFUSÃO. 1. Em princípio, não pode o Judiciário chancelara instalação de uma rádio sem a aferição dos aspectostécnicos de funcionamento, sob pena de restar despre-zada a legislação infraconstitucional - Lei 9.612/98, arts.2º, 6º, 9º, 10 e 24, normas que se referem especifica-mente às rádios comunitárias, sem abrir mão do con-trole estatal quanto ao funcionamento. 2. A legisla-ção regente da matéria não fixa prazo determina-do para a instrução e conclusão do procedimentoadministrativo respectivo, o que não significa,entretanto, possa a autoridade postergar a suaprática indefinidamente, frustrando o exercício dodireito. 3. O transcurso de mais de nove meses revela-se demasiado, a despeito da demanda de outras enti-dades interessadas no serviço, bem como do excessivonúmero de processos submetidos à apreciação daANATEL, sendo o prazo decorrido mais do que suficien-te ao implemento das providências pertinentes [...] Paratanto, aduziu que protocolou junto ao Ministério dasComunicações pedido de autorização para funcio-namento da rádio comunitária e que a agênciareguladora, além de permanecer omissa quanto àanálise de tal requerimento, procedeu à autuaçãoda Associação e determinou a interrupção de suasatividades.A segurança foi denegada em primeiro graude jurisdição, por se entender que o Poder Judiciárionão pode substituir o Poder Executivo, a quem cabe oexame da conveniência e oportunidade da prática doato administrativo, qual seja, a concessão de autoriza-ção para funcionamento de rádio comunitária. A apela-ção, ofertada pela Associação, por sua vez, foi provida,ao fundamento de que, embora necessária a outorgalegal para o funcionamento dos serviços de radiodifu-são comunitária, tendo a recorrida buscado as vias ade-quadas para o atendimento de tal requisito legal, otranscurso de mais de nove meses sem o devidojulgamento do pleito mostra-se demasiado, o que ensejaa admissão, excepcionalmente, da continuidade das ati-vidades da impetrante (fls. 121/124). No presente re-curso especial, sustenta a recorrente que o acórdão im-pugnado, ao autorizar o funcionamento de rádio comu-nitária que não possui outorga administrativa, divergiu

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do entendimento esposado pelo Superior Tribunal deJustiça no julgamento do REsp 440.674/RN, assimementado: ADMINISTRATIVO. EMISSORA DE RÁDIO.AUTORIZAÇÃO PARA FUNCIONAMENTO. IMPRESCIN-DIBILIDADE. LEI 9.612/98. 1. Os serviços de radiodifusãosonora e de imagens, ainda que de baixa potência esem fins lucrativos, não podem prescindir, para sua ex-ploração, da autorização do Poder Público. [...]1. É entendimento pacífico nesta Corte que a autoriza-ção do Poder Executivo é indispensável para o regularfuncionamento de emissora de radiodifusão, consoan-te o disposto nas Leis 4.117/62 e 9.612/98 e no Decreto2.615/98. 2. Entretanto, em obediência aos princí-pios da eficiência e razoabilidade, merece confir-mação o acórdão que julga procedente pedido paraque a Anatel se abstenha de impedir o funciona-mento provisório dos serviços de radiodifusão, atéque seja decidido o pleito administrativo da re-corrida que, tendo cumprido as formalidades le-gais exigidas, espera há mais de dois anos e meio,sem que tenha obtido uma simples resposta daAdministração. 3. Recurso especial não-provido.VOTOO SENHOR MINISTRO BENEDITO GONÇALVES(Relator): Primeiramente, há que se deixar regis-trado o entendimento pacífico nesta Corte no sen-tido de que a autorização do Poder Executivo éindispensável para o regular funcionamento deemissora de radiodifusão, consoante o dispostonas Leis 4.117/62 e 9.612/98 e no Decreto 2.615/98.Não há dúvidas de que os serviços de radiodifusão sono-ra e de sons e imagens dependem de outorga e renova-ção de concessão, permissão e autorização do PoderExecutivo. Por outro lado, o que se discute nos autos é apossibilidade de manutenção em funcionamento de rá-dio comunitária cuja autorização para funcionamentofora requerida, mas ainda não outorgada pelo Ministé-rio das Comunicações. Refere-se, então, à falta de atu-ação do Poder Executivo, demorando a atender a solici-tação de autorização para funcionamento de rádio co-munitária, o que viola o direito fundamental de liberda-de de expressão e acesso à informação, garantido peloartigo 5º, IX e XIV, da Constituição da República, expon-do os interessados a uma espera abusiva que nãodeve ser tolerada e que, por isso, está sujeita aocontrole do Judiciário, a quem incumbe a preser-vação dos direitos e a efetiva observância da leiem cada caso concreto. [...] Já tendo transcorridoprazo razoável para que houvesse um pronuncia-mento acerca da providência aguardada, tem-seque a atitude da Administração contraria o princí-pio da eficiência, que, no caso em apreço, impli-ca, necessariamente, atentar-se para um criteriosoexame dos processos de autorização de execução

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de serviços de radiodifusão comunitária aliado àobservância de prazo razoável para a prolação dealguma resposta ao requerente. A propósito, confi-ra-se a seguinte lição doutrinária: Quando não houverprazo legal, regulamentar ou regimental para a deci-são, deve-se aguardar por um tempo razoável a mani-festação da autoridade ou do órgão competente, ultra-passado o qual o silêncio da Administração converte-seem abuso de poder, corrigível pela via judicial adequa-da, que tanto pode ser ação ordinária, medida cautelar,mandado de injunção ou mandado de segurança. Emtal hipótese não cabe ao Judiciário praticar o ato omiti-do pela Administração mas, sim, impor sua prática, oudesde logo suprir seus efeitos, para restaurar ou ampa-rar o direito do postulante, violado pelo silêncio admi-nistrativo. O silêncio não é ato administrativo; éconduta omissiva da Administração que, quandoofende direito individual ou coletivo dos admi-nistrados ou de seus servidores, sujeita-se a cor-reção judicial e a reparação decorrente de sua inércia.[...] Desta forma, evidenciada a afronta aos princí-pios da eficiência e da razoabilidade, é forçoso opronunciamento contrário à pretensão de refor-ma do decisório impugnado, cujo entendimentonão implicou indevida ingerência do Poder Judici-ário, que não concedeu autorização para o funcio-namento; apenas impediu que as atividades darádio comunitária fossem perturbadas enquantonão for examinado o pedido de autorização, res-tabelecendo, assim, a legalidade que deve permear todoo proceder administrativo. Com efeito, esta Corte, nojulgamento de hipóteses análogas, firmou entendimen-to de que a demora na apreciação do pedido de autori-zação para funcionamento de rádio comunitária admi-te excepcional interferência do Judiciário para possibili-tar o prosseguimento de suas atividades, em razão dosprincípios da legalidade, da moralidade, da eficiência,da impessoalidade e da finalidade. Nesse sentido confi-ram-se os seguintes julgados:ADMINISTRATIVO – SERVIÇO DE RADIODIFUSÃO – OU-TORGA DE RÁDIO COMUNITÁRIA: LEI 9.612/98 E DE-CRETO 2.615/98.1. A Lei 9.612/98 criou um novo sistema de radiodifu-são, facilitou a concessão, mas não dispensou a autori-zação prévia, que é obrigatória.2. Déficit na estrutura administrativa, com excessivademora na apreciação dos pedidos de autorização,ensejando o excepcional consentimento judicial para ofuncionamento.3. Exame da legalidade no moderno direcionamento, quenão pode ser entendido como submissão absoluta à lei.4. Recurso especial improvido (REsp 549.253/RS, Rel. Mi-nistra Eliana Calmon, Segunda Turma, julgado em 11/11/2003, DJ 15/12/2003, grifos nossos).

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RECURSOS ESPECIAIS. ADMINISTRATIVO. EMPRESA DERADIODIFUSÃO. BAIXA POTÊNCIA E FINALIDADE NÃO-COMERCIAL. LEIS 9.612/98 E 4.117/62, DECRETO 2.615/98. PEDIDO DE AUTORIZAÇÃO PARA FUNCIONAMEN-TO. AUSÊNCIA DE EXAME. PARTICULARIDADE DO CASOCONCRETO. INCIDÊNCIA DO PRINCÍPIO DA EFICIÊNCIA.1. Consoante inscrito nas Leis 9.612/98, 4.117/62 e De-creto 2.615/98, é necessária a outorga legal do PoderExecutivo para o funcionamento dos denominados Ser-viços de Radiodifusão Comunitários.2. [...]3. Incumbe à Administração, sem prejuízo da precisaobservância das normas vigentes, a consideração darazoabilidade e proporcionalidade de suas decisões, emconformidade com a manifesta e pronta aplicação, doprincípio da eficiência.4. Recursos especiais da UNIÃO e da ANATEL desprovi-dos (REsp 579.020/AL, Rel. Ministro José Delgado, Pri-meira Turma, julgado em 17/11/2005, DJ 5/12/2005)

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ADMINISTRATIVO. RÁDIO COMUNITÁRIA. PROCESSOADMINISTRATIVO. PEDIDO DE AUTORIZAÇÃO. MORADA ADMINISTRAÇÃO. ESPERA DE CINCO ANOS DA RÁ-DIO REQUERENTE. VIOLAÇÃO DOS PRINCÍPIOS DA EFI-CIÊNCIA E DA RAZOABILIDADE. INEXISTÊNCIA.VULNERAÇÃO DOS ARTIGOS 165, 458, I, II, II E 535, II DOCÓDIGO DE PROCESSO CIVIL. AUSÊNCIA DE INGERÊN-CIA DO PODER JUDICIÁRIO NA SEARA DO PODER EXE-CUTIVO. RECURSO ESPECIAL CONHECIDO PELAALEGATIVA DE VIOLAÇÃO DOS ARTIGOS 2º DA LEI9612/98 E 70 DA LEI 4.117/62 EM FACE DA AUSÊNCIADE PREQUESTIONAMENTO DOS DEMAIS ARTIGOSELENCADOS PELAS RECORRENTES. DESPROVIMENTO.1. Cuida-se de recursos especiais (fls. 367/397 e 438/452) interpostos, respectivamente, pela AGÊNCIA NA-CIONAL DE TELECOMUNICAÇÕES - ANATEL e pelaUNIÃO, ambos com fulcro na alínea “a”, sendo o daANATEL baseado também na letra “c” do art. 105, III,da Constituição Federal de 1988, em face de acórdãoproferido pelo TRF da 4ª Região, assim ementado (fl.-333-v) “ADMINISTRATIVO. RÁDIO COMUNITÁRIA. FUN-CIONAMENTO. PROCESSO ADMINISTRATIVO. OMISSÃODO PODER PÚBLICO. RAZOABILIDADE. APREENSÃO.POLÍCIA FEDERAL. INTERFERÊNCIA.1. O conteúdo da sentença apelada não implicaem invasão da competência do Poder Executivopelo Judiciário, posto não conceder autorizaçãopara o funcionamento, mas apenas impede que ofuncionamento da Rádio Comunitária seja pertur-bada enquanto não for examinado o pedido de

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autorização. 2. O cidadão tem direito a receber umtratamento adequado por parte do Ministério dasComunicações, que deve responder as postulaçõesfeitas. Não o tendo feito no prazo da lei que regeos procedimentos administrativos, está a desres-peitar o devido processo legal e a razoabilidade.3. [...]4. [...]5. Apelações cíveis da ANATEL e remessa de ofícioimprovidas. Apelação cível da União Federal parcialmen-te provida.”2. Recursos especiais apreciados conjuntamente já queambas as recorrentes requerem a anulação do acórdãopor violação do artigo 535, II, (omissão), sendo que aUnião aduz, ainda, afronta aos artigos 165 e 458 e incisospor ausência de fundamentação e, no mérito, o provi-mento para determinar a reforma do acórdão.Não existe afronta aos artigos 165, 458, I, II, III e 535, IIdo Código de Processo Civil quando o decisório combati-do resolve a lide enfrentando as questões relevantesao deslinde da controvérsia. O fato de não emitir pro-nunciamento acerca de todos os dispositivos legais sus-citados pelas partes não é motivo para decretar nula adecisão.3. Merece confirmação o acórdão que julga procedentepedido para que a União e a ANATEL se abstenham deimpedir o funcionamento provisório dos serviços de ra-diodifusão, até que seja decidido o pleito administrati-vo da recorrida que, tendo cumprido as formalidadeslegais exigidas, espera já há cinco anos, sem que tenhaobtido uma simples resposta da Administração.4. A Lei 9.784/99 foi promulgada justamente para in-troduzir no nosso ordenamento jurídico o instituto daMora Administrativa como forma de reprimir o arbítrioadministrativo, pois não obstante a discricionariedadeque reveste o ato da autorização, não se pode conceberque o cidadão fique sujeito a uma espera abusiva quenão deve ser tolerada e que está sujeita, sim, ao contro-le do Judiciário a quem incumbe a preservação dos di-reitos, posto que visa a efetiva observância da lei emcada caso concreto.5. O Poder Concedente deve observar prazos razoáveispara instrução e conclusão dos processos de outorga deautorização para funcionamento, não podendo estesprolongar-se por tempo indeterminado, sob pena deviolação dos princípios da eficiência e da razoabilidade.6. Recursos parcialmente conhecidos e desprovidos (REsp690.811/RS, Rel. Ministro José Delgado, Primeira Tur-ma, julgado em 28/6/2005, DJ 19/12/2005).Portanto, merece confirmação o acórdão que julga pro-cedente pedido para que a Anatel se abstenha de im-pedir o funcionamento provisório dos serviços de radio-difusão, até que seja decidido o pleito administrativo darecorrida, que, tendo cumprido as formalidades legais

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exigidas, espera há mais de dois anos e meio, sem quetenha obtido uma simples resposta da Administração.Ante o exposto, nego provimento ao recurso especial. Écomo voto. (grifo nosso).

Pela análise do voto que orienta o acórdão acima, é possívelverificar que há a preocupação em preservar a ideia de não inva-são de competência de um Poder em relação a outro, pois a apre-ciação da questão não se refere ao mérito do ato administrativo,mas diz respeito à forma como as normas deverão se interpretadase aplicadas de maneira a não causar prejuízos, ou melhor, atenderaos interesses da coletividade, levando-se em conta asespecificidades de cada processo. Como, por exemplo, no exami-nado caso da rádio comunitária, que na ausência de uma respostaformal, solicitada ao órgão regulador já há dois anos, não deveriater suspensas suas atividades.

Textualmente é definido que o cidadão tem direito a receberum tratamento adequado e eficiente por parte da AdministraçãoPública, no caso o Ministério das Comunicações, cujo tratamentonão adequado restou configurado na ausência de resposta àspostulações da requerente. Dessa forma, tendo transcorrido prazorazoável para que houvesse um pronunciamento acerca da provi-dência aguardada, restou entendido que a atitude da Administra-ção contraria o princípio da eficiência ante a notória ausência depresteza.

Também restou consignado no voto do eminente Ministro relatorque o silêncio não é ato administrativo; é conduta omissiva da Admi-nistração que, quando ofende direito individual ou coletivo dos ad-ministrados ou de seus servidores, se sujeita à correção judicial, e, ain-da, que o exame da legalidade no moderno direcionamento nãopode ser entendido como submissão absoluta à lei.

Verifica-se que o julgador utilizou para respaldar sua decisãonão somente a lei que editada para regular o caso em exame, mastambém princípios que informam todo ordenamento jurídico consi-derado em sua integridade, não somente o da eficiência, mas tam-bém o princípio da razoabilidade, a proteção ao regular exercíciode um direito, do devido processo legal; numa clara e correta utili-zação de um discurso de aplicação, suprindo a lacuna da lei que nãoestabeleceu prazo para a análise dos requerimentos da espécie, jáque o legislador não previu a necessidade de fixar prazo para a pres-tação a que o administrado tem direito, tampouco os prejuízos quepoderiam advir de uma espera por tempo indefinido.

A decisão de que se cuida aplicou com a devida propriedadeo princípio da eficiência, já que a demora por um prazo muitoalém do razoável demonstrava a total ineficiência do ente admi-

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nistrativo, sendo que esse comportamento estava causando injustoe indevido dano ao administrado. Foi mitigada, dessa forma, emface das especificidades do caso concreto, a incidência danormatização que regula a autorização para operacionalização derádios comunitárias, sendo permitido o funcionamento provisórioda rádio envolvida até que o seu pedido seja devidamente analisa-do, afastando o direito da administração de autuar e interromper ofuncionamento provisório do aludido veículo de comunicação.

O citado acórdão é exemplo bem definido de um discurso deaplicação: o legislador estipulou a competência e regras para aautorização de funcionamento de rádios comunitárias, autorizan-do a administração a suspender o funcionamento das rádios quenão atendessem as prescrições legais. Não previu, entretanto, a ine-ficiência da administração em analisar os requerimentos estipula-dos pela própria legislação em tempo razoável, o que acarretavaabusivo prazo de espera de parte do administrado.

Nota-se claramente que o interesse do administrado foi devi-damente prestigiado, ante a total ausência de presteza e eficiênciado ente administrativo, o que acarretou a autorização para funcio-namento provisório da emissora comunitária, em que pese a omis-são do regramento específico.

No mesmo sentido, vale transcrever os excertos do voto da Ex.ma

Sra. Ministra Laurita Vaz, relatora do Mandado de Segurança nº9.420 – DF (2003/0221400-7), não apenas pela propriedade, mastambém pelos argumentos doutrinários em que se apoia.

MANDADO DE SEGURANÇA Nº 9.420 - DF (2003/0221400-7)EMENTAADMINISTRATIVO. MANDADO DE SEGURANÇA. ANIS-TIA POLÍTICA. ATO OMISSIVO DO MINISTRO DE ESTADOANTE À AUSÊNCIA DE EDIÇÃO DA PORTARIA PREVISTANO § 2º DO ART. 3º DA LEI 10.559/2002. PRAZO DESESSENTA DIAS. PRECEDENTE DO STJ. CONCESSÃO DAORDEM1. [...]2. Nada impede que o Ministro da Justiça venha a re-querer novos esclarecimentos da própria Comissão deAnistia ou consultar outros órgãos de assessoramentoque estejam ao seu alcance para solucionar questõesque envolvam aspectos de oportunidade ou certificar-se a respeito de possíveis divergências jurídicas.3. Entretanto, em face do princípio da eficiência(art. 37, caput, da Constituição Federal), não sepode permitir que a Administração Pública pos-tergue, indefinidamente, a conclusão de procedi-mento administrativo, sendo necessário resgatar adevida celeridade, característica de processos urgentes,ajuizados com a finalidade de reparar injustiça outrora

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perpetrada. Na hipótese, já decorrido tempo suficientepara o cumprimento das providências pertinentes – qua-se dois anos do parecer da Comissão de Anistia –, tem-se como razoável a fixação do prazo de 60 (sessenta)dias para que o Ministro de Estado da Justiça profiradecisão final no Processo Administrativo, como enten-der de direito. Precedente desta Corte.4. Ordem parcialmente concedida. (grifo nosso).

Excerto do voto da relatora, Ex.ma Sra. Ministra Laurita Vaz:

“Art. 12. Fica criada, no âmbito do Ministério da Justiça,a Comissão de Anistia, com a finalidade de examinar osrequerimentos referidos no art. 10 desta Lei e assesso-rar o respectivo Ministro de Estado em suas decisões.”Desse modo, nada impede que o Ministro da Justiçavenha a requerer novos esclarecimentos da própria Co-missão de Anistia ou consultar outros órgãos que este-jam ao seu alcance para solucionar questões que envol-vam aspectos de oportunidade ou certificar-se a respei-to de possíveis divergências jurídicas.Entretanto, em face do princípio da eficiência (art. 37,caput, da Constituição Federal), não se pode permitirque a Administração Pública postergue, indefinidamen-te, a conclusão de procedimento administrativo, sendonecessário resgatar a devida celeridade, característicade processos urgentes ajuizados com a finalidade dereparar injustiças outrora perpetradas.[...]

Louvo-me, ainda, dos substanciosos fundamentos de-senvolvidos pelo Ministro Paulo Medina no voto condu-tor do MS 7.765/DF que, mutatis mutandis, revela-seaplicável à espécie, litteris:“A Administração Pública e, conseqüentemente,os seus agentes, desimportante o seu nível hierár-quico, estão adstritos, por expressa disposiçãoconstitucional (art. 37, caput), à observância de de-terminados princípios, dentre os quais se destacao princípio da eficiência, inserido no dispositivo emvirtude da alteração procedida pela Emenda Constituci-onal n. 19/98.A atividade administrativa, dessa forma, deve desen-volver-se no sentido de dar pleno atendimento ou satis-fação às necessidades a que visa suprir, em momentooportuno e de forma adequada. Impõe-se aos agen-tes administrativos, em outras palavras, o cumpri-mento estrito do “dever de boa administração”.No caso em apreço, a eficiência da atividade adminis-trativa implica, necessariamente, criteriosa análise dosprocessos de autorização de execução de serviços deradiodifusão comunitária conjugada com a observânciade prazo razoável para a emanação do ato pretendido(autorização).

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O CONTROLE JUDICIAL DO PRINCÍPIO DA EFICIÊNCIA ADMINISTRATIVA

A legislação regente da matéria não fixa prazo deter-minado para a instrução e conclusão do procedimentoadministrativo em questão, o que não significa, entre-tanto, possa a autoridade postergar a sua prática in-definidamente, frustrando o exercício do direito.Salienta Hely Lopes Meirelles, Direito AdministrativoBrasileiro, 19ª edição, p. 98:“Quando não houver prazo legal, regulamentarou regimental para a decisão, deve-se aguardarpor um tempo razoável a manifestação da auto-ridade ou do órgão competente, ultrapassado oqual o silêncio da Administração converte-se emabuso de poder, corrigível pela via judicial ade-quada, que tanto pode ser ação ordinária, medidacautelar, mandado de injunção ou mandado de segu-rança. Nesse caso, não cabe ao Poder Judiciáriopraticar o ato omitido pela Administração, mas,sim, impor sua prática, ou desde logo suprir seusefeitos, para restaurar ou amparar o direito dopostulante, violado pelo silêncio administrativo”.Agride o princípio da eficiência, de maneirainquestionável, a demora injustificável tanto doprocessamento do requerimento quanto da aprecia-ção do pedido pela autoridade coatora, decorridos qua-se 04 (quatro) anos do protocolo do pleito. A justificara desídia, despiciendas as alegações da autoridadecoatora acerca da existência de outras entidades inte-ressadas no serviço, bem como do excessivo númerode processos submetidos a sua apreciação, sendo o pra-zo decorrido mais do que suficiente ao implementodas providências pertinentes.Geraldo Ataliba, em seu República e Constituição, obrade referência obrigatória, alerta para o papeldeterminante dos princípios constitucionais comocondicionantes da interpretação e eficácia das demaisregras e para a gravidade da violação a estes impingida.Apoiado em lição de Celso Antônio Bandeira de Mello,consignou o autor:“Princípio é, pois, por definição, mandamento nuclearde um sistema, verdadeiro alicerce dele, disposição fun-damental que se irradia sobre diferentes normas, com-pondo-lhes o espírito e servindo de critério para suaexata compreensão e inteligência, precisamente por-que define a lógica e a racionalidade do sistemanormativo, conferindo-lhe a tônica que lhe dá sentidoharmônico”(...) “qualquer disposição, qualquer regra jurídica(...) para ser constitucional, necessita estar afi-nada com o princípio (...) realizar seu espírito,atender à sua direção estimativa, coincidir comseu sentido axiológico, expressar seu conteúdo.Não se pode entender corretamente uma normaconstitucional sem atenção aos princípios con-sagrados na Constituição e não se pode tolerar uma

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lei que fira um princípio adotado na Carta Magna. Vio-lar um princípio é muito mais grave que transgre-dir uma norma. A desatenção ao princípio implicaofensa não apenas a um específico mandamentoobrigatório, mas a todo o sistema de comandos. Éa mais grave forma de ilegalidade ou incons-titucionalidade, conforme o escalão do princípioviolado, porque representa insurgência contra todoo sistema, subversão de seus valores fundamen-tais, contumélia irremissível a seu arcabouço lógi-co e corrosão de sua estrutura mestra.”(Ataliba, República e Constituição, Malheiros Editores,1998, p. 34/35).Patenteado o desrespeito ao princípio da eficiência pelaautoridade coatora, sem justificativa plausível,impositivo se torna o pronunciamento judicial favorávelà pretensão da impetrante, sendo certo que o “contro-le dos atos administrativos pelo Poder Judiciário estávinculado a perseguir a atuação do agente público emcampo de obediência aos princípios da legalidade, damoralidade, da eficiência , da impessoalidade, da fina-lidade e, em algumas situações, o controle do mé-rito” (REsp 169.876/SP, Rel. Min. José Delgado, DJ de21.09.98, grifos nossos).

Pelos excertos do voto acima transcritos, afere-se com facilida-de que o princípio da eficiência é colocado de forma extremamen-te apropriada e em total consonância com os demais princípios cons-titucionais. Resta expressamente consignado que a AdministraçãoPública, por quaisquer de seus níveis hierárquicos, está obrigatori-amente vinculada a determinados princípios, entre eles com desta-que o princípio da eficiência, o que impõe aos agentes administra-tivos o dever da boa administração, cuja obrigação é se desenvol-ver de modo a dar pleno atendimento ou satisfação às necessida-des dos administrados, isto é, em momento oportuno e de formaadequada.

Pelos fundamentos utilizados no voto em exame, resta cabal-mente admitido que o Poder Judiciário tem, mais que a possibili-dade, o dever de exercer o controle dos atos administrativos, a fimde que o agente público paute sua atuação sempre em observân-cia aos princípios constitucionais, entre os quais se ressalta o daeficiência. Sendo aceito inclusive, em algumas situações, o controledo mérito, resta consignado que não é o caso de atribuir ao PoderJudiciário a prática do ato em substituição à Administração, massim impor a sua realização, ou suprir seus efeitos, restaurando odireito do administrado.

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O CONTROLE JUDICIAL DO PRINCÍPIO DA EFICIÊNCIA ADMINISTRATIVA

Conclusão

Considerando os conceitos acima expostos e a partir da análi-se da jurisprudência colacionada, é possível concluir que o STJ sevale de uma interpretação sistêmica em relação aos princípios cons-titucionais; o mesmo também ocorre em relação ao princípio daeficiência numa efetiva utilização do discurso de aplicação, em quetodos os aspectos e nuances de cada caso são devidamente analisa-dos, sem se ater exclusivamente ao exame formal das regras, ouseja, sem a adoção de uma visão positivista, em que todos os direi-tos e até os princípios decorreriam da própria norma, mas sim coma utilização de todos os princípios aplicáveis ao caso concreto e emface da necessidade de harmonização em relação a todo oordenamento jurídico.

Foi possível verificar a utilização da teoria da adequabilidadenormativa, segundo a concepção de Klaus Günter, restando cons-tatado que a norma adequada será definida após a análise dasnormas prima facie aplicáveis ao caso concreto, mas também, e prin-cipalmente, após o exame de todas as idiossincrasias de cada caso.

Com meridiana clareza foi possível verificar que o conceito ju-rídico do princípio da eficiência não é considerado como mera re-lação de custo e benefício, mas também como o princípio que devenortear todos os atos da boa administração, como, por exemplo,presteza e efetividade. Não identificamos que as decisões tambémrepresentem inclinação para uma interpretação de orientaçãoutilitarista ou mesmo a persecução de um objetivo socialmente fi-xado, senão a clara e insofismável intenção de fazer justiça.

Resta confirmada a constatação de que se mostra totalmenteinsuficiente a premissa de que somente a legalidade seria o bas-tante para dentro de si mesma guardar a noção de legitimidadedos atos administrativos, sem que houvesse a necessidade deexaminá-los à luz de outros elementos e princípios jurídicos ou nãoe em face das peculiaridades de cada caso concreto.

Apenas para gizar, reputamos conveniente a advertência feitapor Dworkin (2002, p. 36), que a nosso ver é devidamente espelhadanas decisões do STJ:

A distinção pode ruir se interpretarmos um princípiocomo a expressão de objetivo social (isto é, o objetivo deuma sociedade na qual nenhum homem beneficia-se deseu próprio delito) ou interpretarmos uma política comoexpressando um princípio (isto é, o princípio de que oobjetivo que a contém é meritório) ou, ainda, se adotar-mos a tese utilitarista segundo a qual os princípios dejustiça são declarações disfarçadas de objetivos (asse-gurar a maior felicidade para o maior número).

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Isso posto, constata-se que o conceito jurídico de eficiêncianão se prende unicamente ao seu caráter econômico, atingir osfins com a maximização dos recursos disponíveis e menor custo, sem-pre também deverá estar agregado o atendimento de formasatisfatória dos fins almejados, ou seja, deverá sempre ser conside-rado o conceito de qualidade e presteza, sem que isso implique,por outro lado, um sacrifício indevido, desnecessário ou desmesu-rado de interesses particulares.

Como no caso das rádios comunitárias, é notório que à socie-dade interessa o devido regramento de tal atividade, até mesmocomo medida de segurança, contudo, também resta inegável queà administração não poderá ser dado o direito de prorrogar inde-finidamente o atendimento da demanda que lhe é requerida, pre-judicando injustificadamente interesses particulares.

Como asseveram Cruz e Gibson (2006), o atendimento ao in-teresse coletivo, por si só, não garante que este foi efetivamenteatendido com os atos administrativos concretamente considerados.É inegável que o interesse público está intrinsecamente vinculadoao respeito aos interesses privados, isto é, o atendimento aos inte-resses públicos está necessária e diretamente ligado à consideraçãodos interesses individuais, também residindo nesse aspecto a verifi-cação do respeito ao princípio da eficiência.

Por derradeiro, verifica-se, sobretudo, o resgate de valores, adiferenciação qualitativa entre princípios e regras, o que a nossover muito se aproxima dos argumentos propostos por Dworkin (2002ou 2003?), a colocação dos direitos fundamentais como a questãocentral e o notório estreitamento entre Direito e Ética.

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O CONTROLE JUDICIAL DO PRINCÍPIO DA EFICIÊNCIA ADMINISTRATIVA

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A DIMENSÃO DA VERDADE NA CIÊNCIA DO DIREITO

A dimensão da verdade na ciência dodireito: um diálogo pós-moderno entrea metodologia da pesquisa jurídica e a

hermenêutica filosófica

Ciro de Lopes e BarbudaAdvogado da CAIXA na Bahia

Mestrando em Direito Privado e Econômico pelaUniversidade Federal da Bahia

“O segredo da Verdade é o seguinte: não existem fa-tos, só existem histórias.”João Ubaldo Ribeiro, “Viva o povo brasileiro”

RESUMO

Este artigo revisitará os principais métodos existentes nopensamento científico moderno, a fim de demonstrar aincompletude deles, que, ao tentarem buscar, a qualquer custo, oideal de verdade científica, acabam por revelar apenas uma facedo fenômeno do conhecimento. Nesse sentido, a hermenêuticafilosófica, tal como concebida por Gadamer, por não preconizarum método, mas sim uma ontologia da compreensão, mostra-secomo um propósito mais maduro que o das metodologias. Na erade relativismos que a contemporaneidade consagrou, essa visadafilosófica sobre o conhecimento científico pode conter, portanto,um projeto mais construtivo para o desenvolvimento da ciênciajurídica, reclamada a resolver problemas pós-modernos.

Palavras-chave: Verdade e Direito. Metodologia jurídica.Hermenêutica filosófica. Pós-modernidade.

RESUME

Cet article va revoir les principales méthodes existantes dansla pensée scientifique moderne, pour démontrer leurincomplétude, car, quand ils essaient d’obtenir, à tout prix, l’idéalde la vérité scientifique, se révèlent d’un seul côté du phénomènede la connaissance. En ce sens, l’herméneutique philosophique,telle que conçue par Gadamer, pourquoi ne recommand pas uneseule méthode, mais d’une ontologie de la compréhension, semontre comme un objectif plus mûr que celle des méthodologies.À l’ère du relativisme que la contemporainité a consagré, cettevision philosophique sur la connaissance scientifique peut contenir,

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par conséquent, une approche plus constructive pour ledéveloppement de la science juridique, qui est réclamé pourrésoudre problèmes post-modernes.

Mots-clés: La vérité et du droit. Méthodologie juridique.Herméneutique philosophique. Post-modernité.

Introdução

O presente artigo pretende questionar a importânciaepistemológica da verdade para o conhecimento científico em ge-ral e, particularmente, para o saber jurídico, à luz da hermenêuticafilosófica de Hans-Georg Gadamer.

Preambularmente, porém, se passarão em revista os principaismétodos científicos que, ao longo da história, propugnaram pelabusca da verdade na ciência.

Em seguida, serão expostos os principais fundamentos dahermenêutica gadameriana, que, com base nas experiências da arte,da história e das ciências do espírito, relativiza o “meio” dametodologia científica para se alcançar o “fim” da verdade cientí-fica.

À guisa de conclusão, serão debatidas, com fulcro nas obser-vações realizadas ao longo do trabalho, as perspectivas para ametodologia da ciência jurídica no vigente contexto de transiçãopara a pós-modernidade.

1 As disputas dos métodos científicos pela verdade

Neste tópico, serão vistas, em brevíssimas linhas, as principaismetodologias do pensamento científico ocidental. Ressalve-se que,como o conceito ainda em voga de “ciência” somente surgiu apartir do cartesianismo – imiscuído no contexto de RenascimentoCientífico e Comercial que substituiu o modo de produção feudalpelo capitalista e a medievalidade pela modernidade –, somenteserão explorados, no presente estudo, os métodos científicos daídecorrentes.

Por isso, foram propositadamente omitidos os pensadores daAntiguidade e do Classicismo greco-romano, não porque as suasobras sejam irrelevantes, mas sim porque tal empreitada, além dedesbordar os intuitos epistemológicos deste artigo, exigiria um es-forço filosófico e uma pesquisa acadêmica muito mais abrangentesdo que aqueles que deram suporte a este trabalho.

Assim, as metodologias ora descortinadas partem, essencial-mente, da ciência moderna, chegando – quem sabe – a um novoparadigma científico que alguns têm apelidado de pós-moderno.

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A DIMENSÃO DA VERDADE NA CIÊNCIA DO DIREITO

Alerte-se, além disso, que, como serão revistas numerosas obrasde vários autores, o que, por si só, exigiria uma monografia especí-fica para cada tema, certamente a presente análise será rasteira eperfunctória, consagrando apenas as ideias centrais de cadaepistemólogo.

Porém, como este artigo centra-se no “antimétodo”gadameriano, que será objeto da terceira seção, a abordagem su-perficial de tantos pensadores não trará prejuízo à tese ora defen-dida, uma vez que a explicitação das metodologias científicas exis-tentes apenas serve de ilustração para a exposição das teses deGadamer.

Como se verá, o traço comum a todos esses pensadores é adefesa de um método para a consecução da verdade científica.

1.1 O método racional-dedutivo de René Descartes

O raciocínio metodológico cartesiano baseia-se no ceticismo ena dedução. É cético porque tem por premissa a dúvida frente aqualquer objeto científico, e dedutivo porque infere as leis maisgerais a partir dos fenômenos mais específicos observados, dividin-do o ente mais complexo em partes mais simples, a fim de as conhe-cer em particular e, ao final, recompor o todo pela soma das partes.

Descartes (2008, p. 254) estabeleceu quatro preceitos para aobtenção da verdade na pesquisa científica:

O primeiro era o de jamais aceitar algo como verdadei-ro sem saber com evidência que seja tal; isto é, evitarcom cuidado a precipitação e a prevenção, e nada maisincluir em meus juízos além do que se apresente tãoclara e tão distintamente ao meu espírito que eu nãotenha nenhuma ocasião de pô-lo em dúvida.O segundo, o de dividir cada dificuldade examinada emtantas partes quantas puder e for necessário para me-lhor resolvê-las. O terceiro, conduzir pela ordem os meuspensamentos, começando pelos objetos mais simples emais fáceis de se conhecer, para subir aos poucos, comopor degraus, até o conhecimento dos mais compostos esupondo até haver certa ordem entre os que não seprecedem naturalmente uns aos outros.E o último, fazer em toda parte enumerações tão com-pletas e revisões tão gerais, que me assegure [sic] denada omitir.

O grande mérito da epistemologia cartesiana, e pelo qual lheé atribuída a paternidade da ciência moderna, é o deslocamentodo eixo de explicação universal, que sai da teologia cristã para oprimado da razão. O cogito ergo sum (“penso, logo existo”)cartesiano (DESCARTES, 2008, p.36) representa verdadeira ruptura

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com a milenar ascensão da Igreja Católica Apostólica Romana so-bre o conhecimento humano e a proposta de um novo caminho,pautado pela racionalidade.

Nada obstante, Descartes (2008, p. 106) acaba por contradizer asua própria teoria, aceitando aprioristicamente e excluindo do cam-po de incidência da dúvida a existência divina, que é encarada comopressuposto da existência e da verdade de todas as outras coisas,

[…] pois é da natureza do infinito que eu que sou finitoe limitado não o possa compreender; e basta que euentenda bem isto e julgue que todas as coisas que con-cebo claramente e nas quais sei haver alguma perfei-ção, e, talvez, também uma infinidade de outras queignoro, estão em Deus formal ou eminentemente, paraque a idéia que dele tenho seja a mais verdadeira, amais clara e a mais distinta de todas as que estão nomeu espírito.

Como Descartes não põe em dúvida a existência de Deus, épossível imaginar que o método cartesiano pode conduzir o pes-quisador à construção de deuses, à medida que, em sua pesquisa,ele deixe de enfrentar determinados pontos, por considerá-los ver-dadeiros de per si, isentos de dúvida e, portanto, impassíveis denegação. Tais questões, destarte, podem ser “endeusadas” pelocientista que se valha da metodologia cartesiana, ao excluí-las desua investigação científica, por considerar que a adesão do auditó-rio a elas configura-se prévia e incontrovertidamente.

Além disso, outra interpretação possível para a criação de “deu-ses” na metodologia científica refere-se à própria supervalorizaçãoda verdade. Entendida como fundamento de si mesma, assim comoa existência de Deus, a verdade acaba por converter-se na bússolaobsessora dos cientistas, que se deixam de pôr a simples pergunta:“e existe uma só verdade?”

Tal paradoxo no pensamento do filósofo francês é, contudo,compreensível, devido ao conturbado momento histórico em quese insere a sua obra. Em pleno século XVII, caso o seu Discurso fossede encontro aos dogmas religiosos vigentes, a Inquisição não so-mente o condenaria ao Índex como, provavelmente, executaria oseu autor. Assim, esse deslize teórico não macula o grande contributoprestado pelo método cartesiano ao desenvolvimento da ciência,movida pela dúvida e pela razão.

1.2 O método empirista de Francis Bacon

Assim como os filósofos também britânicos John Locke, DavidHume e George Berkeley, Francis Bacon é precursor do empirismo

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A DIMENSÃO DA VERDADE NA CIÊNCIA DO DIREITO

na filosofia da ciência. A verdade, segundo essa doutrina, é acessí-vel através da experiência.

Por conseguinte, em contraposição a Descartes, Bacon postulaum método indutivo. Concebido no âmbito das ciências naturais,o raciocínio indutivo propugna a experimentação dos fenômenosnaturais, a fim de obter suas causas específicas a partir das causasmais gerais, presentes na natureza, percorrendo, portanto, o cami-nho inverso do raciocínio dedutivo (que vai das leis mais específi-cas para as mais gerais).

Segundo o método indutivo baconiano, após apormenorização do fato sob estudo, deve-se enquadrá-lo em trêsespécies de modelo conformador, que Bacon denomina de tábuas.A primeira é a tábua de essência e de presença, em que a formasob exame deve ser enquadrada dentre as instâncias em que tam-bém se faz presente; a segunda é a tábua de desvio, declinação ouausência, na qual se catalogam as instâncias em que a forma estáausente; e a última é a tábua de graus ou de comparação, em quese verificam as variações da presença da forma (BACON, 1997, p.111-120).

O filósofo inglês identifica, ainda, quatro tipos de noções fal-sas que “bloqueiam a mente humana”, consistindo em obstáculospara a finalidade científica, os quais ele denomina de ídolos. Nessesentido, haveria ídolos da tribo (inerentes à própria natureza indi-vidual do homem ou à espécie humana), ídolos da caverna (fun-dados na “caverna platônica” que cada indivíduo constrói para serseu autouniverso), ídolos do foro (provenientes do comércio e doconsórcio entre os homens, é dizer, dos erros de comunicação queemergem na convivência social) e ídolos do teatro (oriundos dasdoutrinas filosóficas e das regras viciosas da demonstração). Taisóbices somente seriam neutralizados, na ótica baconiana, atravésda indução (BACON, 1997, p. 40-41).

Todavia, tais condicionantes individuais e sociais, ao contráriodo que defende Bacon, não podem nem devem ser afastadas dapesquisa científica, que, em vez de se desnaturar por conta delas,justamente por isso se enriquece.

1.3 O método transcendental de Immanuel Kant

Kant realizou, no plano da epistemologia científica, uma sín-tese entre o racionalismo dedutivo de Descartes e o empirismoindutivo de Bacon. Para representar esses dois eixos metodológicos,o filósofo de Königsberg criou dois sistemas, o da razão pura,edificado sob a ideia de liberdade, em que se situam os conceitos apriori, formas ideais transcendentais pelas quais a razão especulativa

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assimila os objetos do mundo, independentemente da experiên-cia; e o da razão prática, baseado na ideia de causalidade, que seocupa dos princípios da determinação da vontade, denominadosprincípios práticos, os quais, se subjetivos, convertem-se em máxi-mas (orientadoras da vontade individual) e, se objetivos, em leispráticas (orientadoras da vontade geral) (KANT, 2008, p. 27).

Pressupondo que a felicidade é o objetivo orientador da von-tade de todos os seres racionais, Kant infere que as máximas indivi-duais devem tender a tornar-se leis práticas universais, obedecen-do à lei fundamental da razão prática, que se resume no seguinteimperativo categórico e transcendental: “age de tal forma que amáxima de tua vontade possa valer sempre como princípio de umalegislação universal” (KANT, 2008, p. 40).

Ademais, ao debruçar-se sobre o juízo da razão prática, acercada definição de bem e mal, que é determinada pela lei moral, ofilósofo assevera:

Os conceitos do bem e do mal [Gut und Böse] deter-minam primeiramente um objeto [Objekt] para a von-tade. Mas, em si mesmos, esses conceitos estão sub-metidos a uma regra prática da razão, que, como ra-zão pura, determina a vontade a priori em relação aoseu objeto [Gegenstand]. Por conseguinte, se umaação que nos é possível na sensibilidade constitui ounão um caso submetido a essa regra, isso depende dafaculdade de julgar prática, por meio da qual o quefoi enunciado na regra universalmente (in abstracto)é aplicado a uma ação in concreto (KANT, 2008, p. 77,grifos do autor).

Nessa toada, as ações humanas, cuja valoração positiva ounegativa decorre de juízo eminentemente prático, devem orien-tar-se moralmente também para a universalidade. A metodologiada razão pura prática consiste, destarte, no processo de adequaçãoda vontade humana à lei moral, “para tornar subjetivamente prá-tica a razão objetivamente prática” (KANT, 2008, p. 161, grifo doautor).

1.4 O método fenomenológico de Edmund Husserl

A fenomenologia é conceituada por Husserl, um de seus pre-cursores, como “ciência da essência do conhecimento” ou “doutri-na universal das essências” (HUSSERL, 1990, p. 20). Nesse particular,é possível detectar a aproximação entre Kant e Husserl, no que tan-ge à elaboração de uma crítica da razão, que em ambos opera umatarefa transcendental, de conhecimento do fenômeno, embora sobperspectivas diferentes.

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A DIMENSÃO DA VERDADE NA CIÊNCIA DO DIREITO

Heidegger (2008, p. 65) entende, por seu turno, que

O termo “fenomenologia” nem evoca o objeto de suaspesquisas nem caracteriza o seu conteúdo qüididativo.A palavra se refere exclusivamente ao modo como sedemonstra e se trata o que nesta ciência deve ser trata-do. Ciência “dos” fenômenos significa: apreender osobjetos de tal maneira que se deve tratar de tudo queestá em discussão, numa demonstração e procedimen-to diretos (grifos do autor).

A fenomenologia, destarte, afigura-se como um método. Ométodo fenomenológico nada mais é que um “caminho” para a“volta às coisas mesmas”, para a retomada da consciência, quandoos objetos desvelam-se em sua íntima e verdadeira constituição, oque se traduz na expressão “redução fenomenológica”:

Diante da “crise da razão gnosiológica” do seu tempo,que vinha solapando qualquer pretensão de se dar se-guimento a uma ciência da “constituição” do conheci-mento puro (a priori), Husserl restaura a atitudetranscendental como “retorno às coisas mesmas”, pro-vocando, assim, profundas mudanças no horizonte te-órico do fazer filosófico do século XX. Reclamando,renovadamente, uma nova tarefa para a Filosofia doSujeito, precisamente aquela capaz de superar oamadorismo empírico ou o transcendentalismo ingê-nuo (ou realista) das épocas anteriores, Husserl proje-ta para a Filosofia a possibilidade de desfazer-se dos“tormentos da obscuridade”, e isto através do méto-do fenomenológico (ou redução fenomenológica)levado às suas extremas conseqüências, a saber: o re-torno à consciência (GALEFFI, 2000, p. 19, grifos doautor).

A filosofia husserliana, como já dito, tem uma metafenomenológica, que não deixa de ser, também, uma metaontológica, por visar à descoberta da essência do ser. Tal intentoimplica um mergulho “no que se apresenta”, dada a origem gregado termo phainomenon, e o método pelo qual se realiza tal excursoé a redução fenomenológica, entendida como um retorno à cons-ciência. Por conseguinte, a apreensão do ente “cognoscendo” tam-bém importa na apreensão do próprio “ser no mundo” do sujeito;todo conhecimento é, logo, autoconhecimento.

Muito significativa é a concepção de “verdade” em Husserl(2006, p. 154), que a equipara a uma ficção fenomenal que ali-menta o método fenomenológico:

Assim, para quem gosta de expressões paradoxais eentende a plurivocidade do sentido, pode-se realmente

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dizer, com estrita verdade, que a “ficção” constitui oelemento vital da fenomenologia, bem como de todasas ciências eidéticas, que a ficção é a fonte da qual oconhecimento das “verdades eternas” tira seu alimen-to (grifos do autor).

Isso posto, conclui-se que também a fenomenologia alimentao ideal de verdade, entretanto, já não se trata de uma verdadefechada e dogmática, mas uma verdade ficcional, porquanto re-duzida fenomenologicamente no “ser em si”, apreendido simul-taneamente ao “ser no mundo” humano, temporalmente limi-tado.

1.5 O método ontológico de Martin Heidegger

A preocupação central da filosofia heideggeriana é o proble-ma do sentido do ser. A indagação dessa questão dá ensejo à espe-culação metafísica, pois a definição do ser tem como consectáriológico a definição do não ser, é dizer, a definição do nada.

O nada, questão metafísica primordial, manifesta-se, de acor-do com Heidegger, pela angústia. “‘Estamos suspensos’ na angús-tia. Melhor dito: a angústia nos suspende porque ela põe em fugao ente em sua totalidade” (HEIDEGGER, 2005, p. 237). A angústiaheideggeriana é o sentimento humano que decorre da nadificaçãodo ente humano, cuja vocação é para o ser, mas que, ao imergir nonada, perde o sentido de sua existência.

Por outro lado, é somente através do nadificar do nada que oser humano pode chegar a encontrar o seu sentido existencial. Afi-nal, a nadificação é um processo de autoconhecimento – posto queo homem toma consciência de sua condição de nada – que somen-te se supera pela negação desse “nada”, que então reconduz osentido do ser em direção a “algo”. Esse “algo” Heidegger deno-mina de cuidado. Não brotando o cuidado a partir da angústia, aohomem só restaria a permanência da negação de sua existênciapelo caminho do suicídio (HEIDEGGER, 2005, p. 246 et seq.).

Conceito fundamental para a ontologia heideggeriana é oDasein, normalmente traduzido para o português como “ser-aí”ou “pre-sença”:

[…] Elaborar a questão do ser significa, portanto, tor-nar transparente um ente – o que questiona – em seuser. Como modo de ser de um ente, o questionamentodessa questão se acha essencialmente determinadopelo que nela se questiona – pelo ser. Esse que cada umde nós somos e que, entre outras, possui em seu ser apossibilidade de questionar, nós o designamos com otermo pre-sença (HEIDEGGER, 2008, p. 33).

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A DIMENSÃO DA VERDADE NA CIÊNCIA DO DIREITO

A partir da pre-sença, modo de ser da existência humana, ca-racterizado pela autoconsciência da sua limitação temporal(temporalidade), cingida pela vida humana, é que se define a abor-dagem filosófica de Heidegger. A pre-sença sempre avalia o ser emfunção do tempo em que esse ser se desenvolve. E, ao perquirirsobre o ser das coisas, na esteira fenomenológica, o Dasein tam-bém se envolve com a questão do sentido de seu próprio ser: “Acompreensão do ser é em si mesma uma determinação do ser dapre-sença” (HEIDEGGER, 2008, p. 38, grifos do autor).

O método cognoscitivo heideggeriano consiste, portanto, naanalítica da pre-sença, da qual se origina a ontologia fundamen-tal de todas as outras coisas (HEIDEGGERR, 2008, p. 40). Logo, paraHeidegger, o conhecimento dos objetos implica, antes de qualquercoisa, o conhecimento dos sujeitos, cujo modo de ser autoconscientede sua finitude influencia todo ente sobre o qual se debruce oDasein, liberando o horizonte do tempo para a transcendência fe-nomenal da questão do ser.

A caracterização desse método é, ainda, explicitada pelo filó-sofo alemão:

‘O princípio de todos os princípios contém a tese do pri-mado do método. Este princípio decide qual a única ques-tão que pode satisfazer ao método. O princípio de to-dos os princípios’ exige como questão da Filosofia a sub-jetividade absoluta. A redução transcendental a estasubjetividade dá e garante a possibilidade de fundar asubjetividade em sua estrutura e consistência, isto é,em sua constituição (HEIDEGGER, 2005, p. 274).

Finalmente, é de se notar que o método de Heidegger temcomo pretensão a busca da essência da verdade:

Entretanto, o que o bom senso, antecipadamente justi-ficado em seu âmbito próprio, pensa da filosofia, nãoatinge a essência dela. Esta somente se deixa determi-nar a partir da relação com a verdade originária do enteenquanto tal e em sua totalidade. Mas pelo fato de aplena essência da filosofia incluir sua não-essência eimperar originariamente sob a forma da dissimulação,a filosofia, enquanto põe a questão desta verdade, éambivalente em si mesma. Seu pensamento é a tran-qüilidade da mansidão que não se nega ao velamentodo ente em sua totalidade. Mas seu pensamento é tam-bém, ao mesmo tempo, a decisão enérgica do rigor, quenão rompe o velamento, mas que impele sua essênciaintacta para dentro da abertura da compreensão, edesta maneira, para dentro de sua própria verdade(HEIDEGGER, 2005, p. 342).

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Nesse sentido, a essência da verdade, em Heidegger, é conce-bida ontológico-fenomenologicamente e, como tal, transmuta-sena questão da verdade da essência (HEIDEGGER, 2005, p. 343).

1.6 O método perceptivo-corporal de Maurice Merleau-Ponty

Para Merleau-Ponty (2006, p. 57), a percepção é o métodopelo qual o homem conhece a realidade. A percepção, que se dáatravés do corpo, desperta a atenção, que, por sua vez, desenvolvee enriquece a experiência cognoscenda:

A primeira operação da atenção é portanto criar-se umcampo, perceptivo ou mental, que se possa ‘dominar’(Ueberschauen), em que movimentos do órgão explo-rador, em que evoluções do pensamento sejam possí-veis, sem que a consciência perca na proporção daquiloque adquire, e perca-se a si mesma nas transformaçõesque provoca (grifos do autor).

Em face do exposto, nota-se que a atenção procede a um cor-te sensorial na percepção que o sujeito tem do mundo, para po-der, então, compreender essa parcela da realidade percebida pelocorpo. O significado das coisas decorre, de acordo com a teoriapontyana, das vivências sensitivas do ser. Nesse sentido, o conceitofenomenológico abstrato de Dasein, da lavra heideggeriana, con-cretiza-se, ou melhor, corporifica-se na obra de Merleau-Ponty,decorrendo a verdade da percepção sensorial subjetiva.

O método pontyano, portanto, afigura-se como uma subdivi-são da ontologia heideggeriana, haja vista se tratar de recorte daanalítica da pre-sença, onde ganha vulto o corpo como vetor deapreensão do ser. Entre Heidegger e Merleau-Ponty, destarte, alte-ra-se, apenas, o modus operandi de desvelamento do ser: no pri-meiro, pela ontologia do Dasein; no último, pela percepção do cor-po. Em ambos, porém, a questão do ser, que alicerça todo tipo deconhecimento, converte-se na questão do próprio ser, que “conhe-ce” através do autoconhecimento: “só apreendemos a unidade denosso corpo na unidade da coisa” (MERLEAU-PONTY, 2006, p. 431).

1.7 O método progressivo-regressivo de Jean-Paul Sartre

Sartre foi um dos precursores do existencialismo e, devido aoseu engajamento político-literário de índole marxista, propõe ummétodo que visa à obtenção de resultados positivos na mudançadas estruturas sociais, haja vista que, “condenado à liberdade”, sóhá duas opções para o homem: mudar a sociedade que o oprimeou ser esmagado por ela.

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A DIMENSÃO DA VERDADE NA CIÊNCIA DO DIREITO

Esse método é denominado progressivo-regressivo, por preco-nizar um vaivém cognitivo que acumula pequenos ganhos e, aoretornar para avaliação do resultado, pode modificar o conjunto,preparando, em seguida, uma nova progressão, seguida de ulteri-or regressão para nova crítica, e assim sucessivamente:

O objeto do existencialismo – pela limitação dos mar-xistas – é o homem singular no campo social, em suaclasse no meio dos objetos coletivos e outros homenssingulares, é o indivíduo alienado, reificado, mistifica-do, tal como o fizeram a divisão do trabalho e a explo-ração, mas lutando contra a alienação por meio deinstrumentos falsificados e, a despeito de tudo, ga-nhando pacientemente terreno. [...] Nosso método éheurístico, ele nos ensina coisas novas porque é regres-sivo e progressivo ao mesmo tempo. Seu primeiro cui-dado é, como o do marxista, recolocar o homem no seuquadro. [...] Sabe-se que o marxista contemporâneopára aqui: ele pretende descobrir o objeto no processohistórico e o processo histórico no objeto. Na realida-de, ele substitui um e outro por um conjunto de consi-derações abstratas que se referem imediatamente aosprincípios. O método existencialista, ao contrário, querpermanecer heurístico. Não terá outro meio senão o“vaivém”: determinará progressivamente a biografia(por exemplo), aprofundando a época, e a época,aprofundando a biografia. Longe de procurar integrarlogo uma à outra, mantê-las-á separadas até que oenvolvimento recíproco se faça por si mesmo e ponhaum termo provisório na pesquisa (SARTRE, 1987, p. 170-171, grifo do autor).

As ideias de reificação e de alienação são profundamente in-cômodas ao existencialismo sartreano, que sempre colima a atua-ção do sujeito. Assim, sempre que premido por uma situação limi-te, deve o homem buscar anular a sua nadificação – na mesma es-teira heideggeriana – pela adoção de condutas positivas, capazesde superar a “naúsea” niilista existencial.

1.8 O método sociológico de Émile Durkheim

Durkheim, considerado “pai” da sociologia moderna, identi-ficou como objeto dessa ciência, então neonata, o fato social, a serrevelado pelo proposto método sociológico. Para a configuraçãode um fato como social, por sua vez, seriam necessárias três caracte-rísticas: exterioridade (não se situa no âmbito das consciências indi-viduais), coercitividade (ação exercida sobre aquelas consciências)e independência (em relação à conduta individual), vislumbráveisna definição lograda pelo sociólogo francês:

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Fato social é toda a maneira de fazer, fixada ou não,suscetível de exercer sobre o indivíduo uma coerção ex-terior: ou então, que é geral no âmbito de uma dadasociedade tendo, ao mesmo tempo, uma existência pró-pria, independente das suas manifestações individuais(DURKHEIM, 2008, p. 40, grifos do autor).

A novidade (embutida no referencial positivista de isolamentodo objeto científico) trazida por Durkheim para o tratamento do fatosocial cinge-se à sua consideração como coisa. Com tal formulação, opensador visa a constituir o fato social como ponto de partida da ciên-cia sociológica, estremando-o, sistematicamente, de pré-noções econdicionantes individuais, de índole psicossomática, que assolavamo domínio da pesquisa social do século XIX, bem como de divagaçõesfilosóficas que não fossem exclusivamente sociológicas (DURKHEIM,2008, p. 147-150). O método durkheimiano, portanto, objetiva supe-rar a dimensão subjetiva do fato social, encarando-o sob uma pers-pectiva objetiva: “A causa determinante de um fato social deve serprocurada entre os fatos sociais antecedentes e não nos estados daconsciência individual” (DURKHEIM, 2008, p. 120, grifos do autor).

Importante no método sociológico é, ainda, a distinção entreo normal e o patológico num contexto social, que obedece, se-gundo Durkheim, aos seguintes critérios:

1.º Um fato social é normal para um tipo social determi-nado considerando numa fase determinada do seu de-senvolvimento, quando se produz na média das socie-dades dessa espécie, consideradas na fase correspon-dente da sua evolução.2.º Os resultados do método precedente podem verifi-car-se mostrando que a generalidade do fenômeno estáligada às condições gerais da vida coletiva do tipo socialconsiderado.3.º Esta verificação é necessária quando este fato dizrespeito a uma espécie social que ainda não completoua sua evolução integral (DURKHEIM, 2008, p. 81, grifosdo autor).

Apesar de ter tido importância histórica incontrastável para aconsolidação da ciência sociológica, o método durkheimiano nãomais atende às expectativas da sociologia. Hodiernamente, éconsabida a impossibilidade de neutralidade axiológica do pes-quisador social, que, ao mergulhar numa dada sociedade para co-nhecer seus fenômenos, leva consigo toda uma carga subjetiva depreconcepções que é indissociável do resultado de seu estudo.Outrossim, a construção de protótipos de normalidade também équestionável, uma vez que o parâmetro de aferição do anormalserá, sempre, subjetivo e, como tal, relativo.

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A DIMENSÃO DA VERDADE NA CIÊNCIA DO DIREITO

1.9 O método interpretativo de Emilio Betti

O jurista, teólogo e hermeneuta italiano Emilio Betti propôs-se a reduzir o fenômeno hermenêutico a uma metodologiainterpretativa. A interpretação não se aplicaria aos fenômenos na-turais, regidos pela lei de causalidade, mas sim aos fenômenos cul-turais, especialmente no campo do Direito e, neste, no âmbito doDireito Civil, pois

En ningún outro sector, ciertamente, resulta tan intensoel intercambio de relaciones entre sujetos de Derecho,situados em el plano de recíproca igualdad. En ningúnotro se advierte igualmente la exigência imperiosa deencontrar los critérios necesarios para uns justacomposición de los intereses em conflicto, tanto a travésde la recta comprensión del precepto legal o consuetudi-nário relacionado con la matéria, como a través del rectoentendimiento de las variadísimas explicaciones de laautonomia individual (BETTI, 1975, p. 31).

Para Betti, a aplicação dos cânones hermenêuticos confeririacritérios objetivos para a resolução das antinomias jurídicas, reve-lando-se como o método objetivo para a obtenção da verdadejurídica. Segundo o autor, alguns cânones ligar-se-iam ao objeto eoutros, ao sujeito da interpretação.

Dentre os primeiros, Betti enuncia: a) cânone da autonomiahermenêutica ou da imanência do critério hermenêutico, que pon-tifica que o pensamento por baixo da regra jurídica deve prevale-cer ao texto normativo; b) cânone da totalidade e coerência daconsideração hermenêutica, segundo o qual as partes do discursocorrelacionam-se, apreendendo-se o todo por meio das partes sin-gulares e o valor singular das partes em virtude da unidade dotodo (BETTI, 1975, p. 31-36).

Dentre os cânones que se referem ao intérprete, por seu tur-no, referem-se: a) cânone da atualidade, pelo qual a interpretaçãosempre deve ser atualizadora, transpondo-se o círculo da vida es-piritual do sujeito à experiência interpretativa; b) cânone da ade-quação do entender, ou da correspondência ou consonânciahermenêutica, conforme o qual o intérprete deve esforçar-se paracolocar a própria atualidade em harmonia com a atualidade doobjeto, para que “um e outro vibrem em perfeito uníssono” (BETTI,1975, p. 37-41).

Igualmente, Betti (1975, p. 54) realiza uma tipologia das in-terpretações, dividindo-as em recognitiva (centrada nareconstituição, como na filologia e na história), representativa(centrada na representação, como na tradução, no teatro e namúsica) e normativa (centrada na regulação de condutas visando à

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obtenção da máxima de decisão, como no direito, na teologia e napsicologia). Desse modo, cada espécie de interpretação operar-se-ia de maneira diferente, de acordo com a função dos respectivosobjetos interpretados.

Além disso, Betti almeja afastar do processo interpretativo al-guns obstáculos, tal como o fizeram Descartes, Bacon, Durkheim eoutros, conforme relata Bleicher (1992, p. 55):

Betti exige a remoção de uma série de obstáculos a fimde que o “outro” possa ser recebido no espírito certo.Indicando as duas principais barreiras para corrigir acompreensão, deveria tornar-se evidente a razão deBetti poder atribuir um valor educativo à compreensãohermenêutica, a saber, o desenvolvimento de uma ati-tude de tolerância, que é auxiliado pelo reconhecimen-to dos nossos próprios preconceitos e imperfeições, quesó se revelam na tentativa de compreender um outro eque têm de ser vencidos antes de poder ter lugar acompreensão positiva. Os “ídolos” de Bacon encontram-se entre estes obstáculos que são basicamente os se-guintes: (a) o particularismo, consciente ou inconscien-te, de ideias e posições, que divergem das mais comunse, em particular, das sustentadas pelo observador; o queleva (b) à sua difamação e distorção; (c) a atitude de“hipocrisia” que vê as questões em termos de preto ebranco e não se apercebe da dialética entre bem e mal;(d) o conformismo em relação às concepções dominan-tes e a aceitação farisaica das “opiniões convencionais”no julgamento dos outros; (e) a falta de interesse nou-tras culturas, bem como a tacanhez ou preguiça intelec-tual e moral – que se manifesta na crescente tendênciade se furtar a discussões teóricas sinceras e a uma trocade opiniões abertas.

É nítida a proposta metodológica de Betti, que, contudo, re-vela-se falha à medida que se propõe subsumir fórmulas metódicasao trabalho interpretativo, que não pode ser limitado à aplicaçãode cânones preestabelecidos, ainda mais se tal processo for orien-tado referencial ultrapassado de elogio da neutralidade axiológicae “caça às pré-noções”.

1.10 O método crítico de Jürgen Habermas

Habermas (2003, p. 23) debruça-se sobre o conflito, residentena linguagem discursiva, existente entre a faticidade e a validade,que ele sinteticamente define como “a tensão entre princípiosnormativistas, que correm o risco de perder o contato com a reali-dade social, e princípios objetivistas, que deixam fora de foco qual-quer aspecto normativo”.

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A DIMENSÃO DA VERDADE NA CIÊNCIA DO DIREITO

O autor alemão descrê da razão prática, herança da sociedadeindustrial moderna, investindo na concepção de uma razão comu-nicativa. A diferença entre as duas formas de racionalidade não é,segundo Habermas (2003, p. 19-20), apenas uma “troca de etique-ta”, pois, diferentemente da razão prática, a racionalidade comu-nicativa não se constitui como uma “fonte de normas do agir”.

A razão prática, também denominada instrumental ou clássi-ca, revelar-se-ia como uma espécie de raciocínio metodológico, in-dividualista e subjetivo, materializado pela relação sujeito-objetoe focado na relação meios-fins, de feição cognitiva e reguladorade condutas. Assim, enquanto essa racionalidade teria sentidonormativo, interferindo na vontade e indicando soluções concre-tas para os embates pragmáticos da atividade humana, a razãocomunicativa não evidenciaria tal natureza prescritiva, orientandoas ações com base em pretensões de validade, com conteúdo coer-citivo fraco.

Nesse sentido, o intuito do método habermasiano éreconstrutivo da sociedade. Sendo a linguagem o medium univer-sal de incorporação da razão (HABERMAS, 2003, p. 25), e o direitoo medium entre faticidade e validade, a Teoria do Agir Comunica-tivo propõe, justamente, unir o potencial ilocucionário da lingua-gem ao do direito, amplificando o princípio democrático atravésda ação comunicativa, concebida segundo uma racionalidade crí-tica orientada para o consenso racional. Aí reside uma das críticasimputáveis ao método crítico-comunicativo de Habermas. Se o con-senso valida o discurso, independentemente dos critérios que con-duziram a esse consenso, o qual é encarado como pré-requisito dalegitimidade do conteúdo discursivo, poder-se-ia objetar que, paraa Teoria do Agir Comunicativo, quaisquer arbitrariedades seriamlegítimas perante a ordem jurídica – desde que consensuais.

O discípulo dissidente de Adorno expõe, na formulação desua teoria da sociedade, os três pilares sobre os quais se erige aprática comunicativa: a reprodução cultural, a integração social e asocialização, não deixando de considerar esses três elementos –cultura, sociedade e pessoa – como entes que se pressupõem reci-procamente (HABERMAS, 2003, p. 111-112). Portanto, ao encararesses três elementos em relação de interdependência, o autor sobcomento, mais uma vez, evidencia a necessidade de ações comuni-cativas, pautadas racionalmente segundo um referencial consensualde cooperação social:

A right, after all, is neither a gun nor a one-man show. Itis a relationship and a social practice, and in both thoseessential aspects it is an expression of connectedness.Rights are publics propositions, involving obligations to

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others as well as entitlements against them. Inappearance, at least, they are a form of socialcooperation, no doubt, but still, in the final analysis,cooperation (MICHELMANN, 1986 apud HABERMAS,2003, p. 121).

No modelo metodológico ideal de ação comunicativa propos-to por Habermas, a linguagem, habitat da tensão entre faticidadee validade, possibilita a organização social, em cuja interaçãointersubjetiva deve ser utilizada a racionalidade comunicativa parabuscar, mediante uma manifestação isenta de qualquer coação in-terna ou externa, o consenso. Dessa maneira, a teoria habermasianaconverte-se numa sociologia da ação comunicativa, configurando-se esta ação comunicativa como o telos do discurso jurídico, quetem por meta a emancipação do indivíduo-ator e a revitalizaçãoda esfera pública, manifestada no direito positivo.

1.11 O método revolucionário de Thomas Kuhn

Thomas Samuel Kuhn foi um físico estadunidense que se nota-bilizou por seus estudos sobre história e filosofia da ciência. Para ele,o verdadeiro desenvolvimento da ciência só ocorre através de revo-luções, que surgem como resposta a contextos de crise científica:

A emergência de novas teorias é geralmente precedidapor um período de insegurança profissional pronuncia-da, pois exige a destruição em larga escala deparadigmas e grandes alterações nos problemas e téc-nicas da ciência normal. Como seria de esperar, essainsegurança é gerada pelo fracasso constante dos que-bra-cabeças da ciência normal em produzir os resulta-dos esperados. O fracasso das regras existentes é o pre-lúdio para uma busca de novas regras (KUHN, 2006,p. 95).

Kuhn reintroduz o conceito clássico de paradigma, que emPlatão referia-se à ideia de modelo e passa a ser utilizado no senti-do de uma conjuntura aceita pela comunidade científica, num de-terminado período, a qual serve de plataforma para a derivaçãodas demais teorias científicas. Desse modo, após a modificação deum paradigma, a concepção de mundo dos cientistas também sealtera.

A necessidade de crises para a ruptura paradigmática tem suarazão de ser, já que, enquanto os conhecimentos dominados reve-lam-se suficientes e corretos, não se exige do cientista o desafio debuscar soluções em outros horizontes, consoante explicado peloepistemólogo:

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A DIMENSÃO DA VERDADE NA CIÊNCIA DO DIREITO

Creio que é sobretudo nos períodos de crises reconheci-das que os cientistas se voltam para a análise filosóficacomo um meio para resolver as charadas de sua área deestudos. Em geral os cientistas não precisam ou mesmodesejam ser filosóficos. Na verdade, a ciência normalusualmente mantém a filosofia criadora ao alcance damão e provavelmente faz isso por boas razões. Na me-dida em que o trabalho de pesquisa normal pode serconduzido utilizando-se do paradigma como modelo, asregras e pressupostos não precisam ser explicados(KUHN, 2006, p. 119).

Ante o exposto, percebe-se que a falência do paradigma ci-entífico precedente é sempre positiva, se encarada sob a perspec-tiva do progresso científico, pois alavanca a emergência de umnovo paradigma. Kuhn (2006, p. 103) exemplifica essa tese com osurgimento das teorias de Copérnico, Newton e Einstein, que en-cerram longos períodos de fracassos na atividade normal de reso-lução dos problemas científicos da época, trazendo à tona umnovo sistema de ideais sobre o qual se erigem as teorias posterio-res.

A grande contribuição de Kuhn, portanto, prende-se, justa-mente, à negação da ideia, até então unânime entre os cientistas,de que o progresso científico dá-se de maneira gradual e paulati-na, no decorrer do tempo, de acordo com a evolução natural daciência. O verdadeiro progresso da ciência sempre decorre de umaruptura, que dá uma guinada no curso da ciência. A essa visão demundo em que se fundamenta a ciência (paradigma) há de con-trapor-se, em um determinado momento, uma nova visão, queaponta e supera as contradições e falhas do modelo anterior. Essanova visão seria desenvolvida no bojo de uma ciência revolucioná-ria, justamente por não se limitar a discutir aspectos científicos pon-tuais (o que sucede com as ciências normais, assentadas numparadigma), mas sim propor um novo paradigma (o que sucedecom as ciências extraordinárias), reconstruindo todo o sistema dasciências em função dele.

Destarte, a verdade científica, nos termos da metodologiakuhniana, volta-se sempre para o futuro, momento em que o pró-ximo paradigma substituirá o atual, que se cria verdadeiro, fazen-do a ciência dar, então, mais um passo – que não necessariamenteretoma o ponto onde se havia parado, mas pode iniciar uma novatrajetória.

1.12 O método racional-crítico de Karl Popper

O método de Popper é chamado de racionalismo crítico, porque,assim como o racionalismo cartesiano, funda todo o conhecimento na

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dúvida. Na epistemologia popperiana, todavia, tal característica de-nomina-se falseabilidade ou refutabilidade, que consiste na formula-ção hipotética de teorias que contrariem a teoria sob estudo.

Assim como Sócrates (“Só sei que nada sei”), Popper (2004, p.13-14) acredita que o universo de sua ignorância é muito maisabrangente que o de seu conhecimento e, ainda mais do que isso,que, tal como “não há nenhum problema sem conhecimento […],não há nenhuma problema sem ignorância”.

Como “a tensão entre conhecimento e ignorância conduz aproblemas e a soluções experimentais” (POPPER, 2004, p. 16), odesconhecimento humano jamais arrefece, tendo em vista que to-das as respostas dadas pela ciência são, eminentemente, passagei-ras. Desse modo, a noção popperiana de verdade não é perene,absoluta e consensual, mas, ao contrário, é temporária, relativa erevolucionária: “O que criticamos é, precisamente, a pretensão deque uma teoria é verdadeira. O que tentamos demonstrar comocrítica de uma teoria é, claramente, que essa pretensão é infunda-da, que ela é falsa” (POPPER, 2004, p. 27).

O que o filósofo intentou defender, aproximando-se de Kuhnnesse aspecto, é que jamais haverá uma teoria irrefutável, que sepossa arrogar o status de verdadeira. A única certeza científica quese pode ter é a de que todas as teorias são falseáveis; basta aguar-dar as teorias ainda desconhecidas invalidarem-nas, bem como es-tas novas teorias serem superadas por outras mais adiantadas, eassim sucessivamente. Nisso a dimensão do conhecimento humanoé essencialmente negativa, sendo que aquilo que Kuhn chama de“crise” Popper denomina “erro”, e ambos são essenciais para queaconteçam as revoluções científicas.

Popper (2004, p. 22) também desmistifica a existência de maisobjetividade no método das ciências naturais que no das ciênciassociais: “é um erro admitir que a objetividade de uma ciência de-penda da objetividade do cientista. E é um erro acreditar que aatitude do cientista natural é mais objetiva do que a do cientistasocial.” Tal premissa igalmente se mostra irretocável, porquanto,também no âmbito das ciências exatas e naturais, por vezes, o cien-tista impregna-se de valores subjetivos para a obtenção da respos-ta de dado problema. Assim é que, apenas a título de exemplo,nos assuntos da estrutura atômica (química), das partículas quanta(física), dos números complexos (matemática), existe largo espaçopara a especulação, uma vez que os conceitos primordiais dessasmatérias ancoram-se em meras divagações concebidas pela imagi-nação, que têm sido sufragadas pela comunidade científica.

Cumpre citar, ademais, a distinção (de grau) formulada porPopper entre revoluções ideológicas e revoluções científicas. Para

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o filósofo britânico, as primeiras abarcam as teorias não científicasque possam ser atraentes para a comunidade científica. Porém, emdeterminados momentos, revoluções científicas podem ser tãoabrangentes que acabam por tornar-se revoluções ideológicas (oque corresponderia às “quebras de paradigma” kuhnianas).

Popper exemplifica a hipótese de conversão de uma revolu-ção científica numa revolução ideológica com as teorias deCopérnico, Darwin e Einstein, as quais, embora tenham começadonos respectivos campos da astronomia, biologia e astrofísica, modi-ficando apenas as teorias científicas correlatas, então dominantes,extravasaram ulteriormente, para as searas da religião e da filoso-fia, de onde atingiram o universo do conhecimento e da práxishumanos, que tiveram de reestruturar-se não apenas cientificamen-te, mas ideologicamente (POPPER, 2004, p 75-77).

Ante tudo quanto exposto, já se percebe que a metodologiade Popper é mais desapaixonada do que as dos epistemólogos queo precederam, os quais sempre cederam à “tentação” de defendera verdade ou a essência do conhecimento a partir da aplicação dametodologia por eles propugnada. Popper também edifica umametodologia, que consiste na negação perene do conhecimentovigente e, por conseguinte, derruba a premissa filosófica de queciência e verdade caminham juntas.

1.13 O método pluralista de Paul Feyerabend

Feyerabend autointitula-se “anarquista do método”, convic-to de que “o anarquismo, ainda que talvez não seja a mais atraen-te filosofia política, é, com certeza, um excelente remédio para aepistemologia e para a filosofia da ciência” (FEYERABEND, 2007,p. 31, grifos do autor), em que “há apenas um princípio que podeser defendido em todas as circunstâncias e em todos os estágios dodesenvolvimento humano. É o princípio de que tudo vale”(FEYERABEND, 2007, p. 43, grifos dos autor).

E acrescenta:

A idéia de um método que contenha princípios firmes,imutáveis e absolutamente obrigatórios para conduziros negócios da ciência depara com considerável dificul-dade quando confrontada com os resultados da pesqui-sa histórica. Descobrimos, então, que não há uma únicaregra, ainda que plausível e solidamente fundada naepistemologia, que não seja violada em algum momen-to. Fica evidente que tais violações não são eventos aci-dentais, não são o resultado de conhecimento insufici-ente ou de desatenção que poderia ter sido evitada.Pelo contrário, vemos que são necessárias para o pro-gresso (FEYERABEND, 2007, p. 37).

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A transgressão metodológica revela-se, segundo a óticafeyerabendiana, necessária para o avanço da ciência. Regrasmetodológicas excessivamente rigorosas mais atrapalham que aju-dam na consecução da verdade científica. Caso se admita a existên-cia de tal verdade, ela decorrerá, necessariamente, dos predicadosda liberdade, criatividade e inspiração que não compactuam coma atuação estritamente conduzida pelo método. Até mesmo por-que o método científico, vigente em uma determinada época, im-pregna-se do paradigma científico e, como tal, não deixa o pes-quisador ampliar seus horizontes e enxergar novos fatos por cimado muro metodológico vigente.

Na mesma linha crítica de Popper, Feyerabend (2007, p. 48)faz apologia de um método contraindutivo, aduzindo que

O primeiro passo em nossa crítica de conceitos e proce-dimentos familiares, o primeiro passo em nossa críticados “fatos”, tem, portanto, de ser uma tentativa deromper esse círculo. Temos de inventar um novo siste-ma conceitual que suspenda os resultados de observa-ção mais cuidadosamente estabelecidos ou entre emconflito com eles, conteste os princípios teóricos maisplausíveis e introduza percepções que não possam fa-zer parte do mundo perceptual existente. A contra-indução, portanto, é sempre razoável e tem sempreuma chance de êxito (grifos nossos).

Isso quer dizer que, em verdade, Feyerabend não é, propria-mente, um anarquista do método, mas sim um metodólogopluralista, que tem consciência da inexistência de um método uni-versal para consecução da verdade de todos os objetos científicos.Aquilo contra o que se insurge o epistemólogo austríaco não é ométodo em si, mas sim o fetichismo metodológico, que, ao longoda história da ciência, tem conduzido muitos filósofos à falsa retó-rica de uma metodologia única, entendida como aquela mais ade-quada para a solução dos infinitamente variados problemas en-frentados pela ciência.

2 Traços fundamentais da hermenêutica filosófica de Gadamer

Hans-Georg Gadamer (Marburg, 11/02/1900 – Heidelberg, 13/3/2002) foi o pensador mais longevo da história da filosofia oci-dental. Nascido no sul da Alemanha, cresceu em Breslau (atualWroclaw, na Polônia), por causa do emprego de seu pai, comoprofessor de Farmácia da Universidade de Breslau. Iniciou aí os es-tudos universitários, em 1918, obtendo o doutoramento, bastanteprecocemente, em 1922. É bastante influenciado por Platão,Aristóteles e Hegel, mas sobretudo por Heidegger, professor de

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quem foi assistente durante um período. Em 1968, aposentou-se,tornando-se professor emérito da Universidade de Heidelberg.

Gadamer casou-se duas vezes; com Frida Kratz, em 1923, dequem mais tarde se divorciou, e, em 1950, com Kate Lekebusch. Foimuitas vezes premiado, sendo condecorado, em 1971, como cava-leiro da “Ordem de Mérito”, mais alta honraria acadêmica outor-gada em solo alemão. Sua magnum opus é Warheit und Methode(“Verdade e Método”), de 1960, na qual são delineados os princí-pios de sua hermenêutica filosófica, conforme se passará a expor.

Nesse livro, o objetivo de Gadamer é nitidamente filosófico,porquanto “o que está em questão não é o que fazemos, o quedeveríamos fazer, mas o que nos acontece além do nosso querer efazer” (GADAMER, 2008, p. 14). Contrariamente a Betti, cujo in-tuito fora metodológico, levado a cabo mediante a construçãode uma teoria geral da interpretação1, Gadamer (2008, p. 18) quer“demonstrar aquilo que é comum a todas as maneiras de compre-ender e mostrar que a compreensão jamais é um comportamentosubjetivo frente a um ‘objeto’ dado, mas pertence à históriaefeitual, e isto significa, pertence ao ser daquilo que é compreen-dido”. Afinal: “o fenômeno da compreensão impregna não so-mente todas as referências humanas ao mundo, mas apresentauma validade própria também no terreno da ciência, resistindo àtentativa de ser transformado em método da ciência” (GADAMER,2008, p. 29).

O debate entre a hermenêutica filosófica de Gadamer e ahermenêutica metodológica de Betti é bem retratado por Pessôa(1997, p. 95), que evidencia o contraste entre a concepção feno-menal-histórica do filósofo alemão e a distinção entre interpreta-ção histórica e normativa propugnada pelo metodólogo italiano:

Em conformidade com a classificação proposta por EmilioBetti, as interpretações histórica e jurídica situam-se emgrupos diferentes. Enquanto a interpretação históricaé uma interpretação do primeiro grupo, a interpreta-ção jurídica é uma interpretação que pertence ao ter-ceiro grupo. Diante disso, enquanto na interpretaçãohistórica a atividade do intérprete se resume a um úni-co momento – o momento do entendimento –, na inter-pretação jurídica é necessário um segundo momento,capaz de adaptar o entendimento inicial à função que ainterpretação tem que desempenhar.

Com efeito, Gadamer critica a divisão tipológica da interpreta-ção em uma interpretação meramente recognitiva, diferente de uma

1 Conforme a subseção 1.9 deste artigo.

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interpretação meramente representativa e de uma meramentenormativa. Em todas elas, na verdade, o sentido do objeto não é“reconstruído” pelo sujeito, mas sim construído, haja vista a cria-ção ser própria do fenômeno compreensivo. Ou, em outras pala-vras, sustenta o filósofo alemão que

[…] ante todo e qualquer texto todos nos encontramosnuma determinada expectativa de sentido imediato.Não há acesso imediato ao objeto histórico capaz denos proporcionar objetivamente seu valor posicional. OHistoriador tem que realizar a mesma reflexão que deveorientar o jurista (GADAMER, 2008, p. 430).

A primeira dimensão em que Gadamer vislumbra a possibili-dade de liberação da questão da verdade é a arte. A verdade esté-tica é, ao lado da experiência filosófica, “a mais clara advertênciapara que a consciência científica reconheça seus limites” (GADAMER,2008, p. 31). Resgatando conceitos da tradição humanista, como“Formação” (Bildung, modo tipicamente humano de aperfeiçoa-mento das aptidões e faculdades), “Senso Comum” (Sensuscommunis, sentido que institui comunidade, possibilitando a vidaem sociedade), “Juízo” (qualidade da “sã compreensão humana”,ou “compreensão comum”) e “Gosto” (que, originariamente, temcunho moral, mas que, para Kant, é o verdadeiro senso comum,enquanto, para Gadamer, é juízo estético que induz conhecimen-to sem, contudo, estribar-se em razões), Gadamer superará a di-mensão estética da obra de arte, para pô-la ao alcance do horizon-te fenomenológico, onde ela se confronta com o ser próprio dohomem (GADAMER, 2008, p. 44 et seq.).

Com base na acepção kantiana de arte, esta extrapola o senti-do do “belo”, para representar “idéias estéticas” (GADAMER, 2008,p. 95). Nessa visada, o gênio e o gosto associam-se, oportunizandoa “vivência” (Erlebnis), conceito de Dilthey que reproduz as unida-des de sentido revestidas de caráter especial (GADAMER, 2008, p.110-111). As vivências perduram no tempo, e a vivência da obra dearte é uma forma de (auto)conhecimento que se reveste de ines-gotável significado:

Na vivência da arte se faz presente uma riqueza designificados que não pertence somente a este conteúdoou a esse objeto, mas que representa, antes, o todo dosentido da vida. Uma vivência estética contém semprea experiência de um todo infinito. E seu significado éinfinito justamente porque não se conecta com outrascoisas na unidade de um processo aberto de experiên-cia, mas representa imediatamente o todo (GADAMER,2008, p. 117).

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Daí emana a verdade que se apresenta através da arte. Avivência estética transcende a materialidade circundante (Umwelt),atribuindo ao Dasein a ilusão fantástica da arte, que correspondeà sensação infindável de significado existencial com que o especta-dor da obra vê-se espelhado na criação estética.

A consciência estética sabe distinguir a “obra verdadeira” –aquela que tem intenção estética, por sempre oportunizar uma artevivencial – daquela que não oferece o conhecimento da verdadeestética. No âmbito dessa discussão acerca da distinção estética, as-senta-se a missão e o locus sociais do sujeito-artista, que, por criar –quando de maneira genuína – a arte vivencial, é marginalizadopela transgressão transcendental que proporciona a seus pares:

É assim que, através da “distinção estética”, a obraperde o seu lugar e o mundo a que pertence por setornar parte integrante da consciência estética. Emcontrapartida também o artista perde seu lugar nomundo. Isso constata-se (sic) no descrédito daquilo aque denominamos arte por encomenda. Na consciên-cia pública dominada pela época da arte vivencial épreciso que se lembre expressamente que a criaçãopor inspiração livre, sem encomenda, sem tema pre-determinado, sem uma ocasião dada, representa emépocas passadas um caso excepcional na criação artís-tica, enquanto que hoje vemos o arquiteto como umfenômeno sui generis, justamente porque a sua pro-dução, ao contrário dos poetas, pintores e músicos, nãoé independente de uma encomenda ou de uma oca-sião. O artista livre cria sem precisar de encomendas.Parece que o que o caracteriza é a completa indepen-dência de seu trabalho criativo, o que, por isso, lhe con-fere, mesmo socialmente, as feições características deum excêntrico, cujas formas de vida não podem sermensuradas de acordo com as massas que obedecemaos costumes públicos. O conceito da boemia, que sur-giu no século XIX, espelha esse processo. A terra nataldas pessoas itinerantes torna-se um conceito genéricopara o estilo de vida do artista (GADAMER, 2008,p. 138, grifo do autor).

Vislumbrando a ontologia do fenômeno artístico, Gadamerpassa a propor uma analítica do modo de ser da obra de arte. Talcomo se denomina pre-sença o modo de ser do homem, o filósofoalemão propõe o conceito de jogo para o modo de ser da obra dearte, que se caracteriza pela vedação de que “[…] quem joga secomporte em relação ao jogo como se fosse um objeto. Aqueleque joga sabe muito bem o que é o jogo e que o que está fazendoé ‘apenas um jogo’, mas não sabe o que ele ‘sabe’ nisso”(GADAMER, 2008, p. 154-155).

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Sob tal prisma, a configuração lúdica da ontologia artística ébastante adequada, seja porque representa uma vivência, seja por-que tem significado transcendente imensurável, seja porque seassemelha, como já fora antes sustentado aqui, a uma “ilusão fan-tástica”, alheando a pre-sença de suas circunstâncias existenciaise problemas, como o de sua finitude, em troca da inauguraçãode um jogo. Ademais, a vivência da arte, para além de uma cons-ciência estética, desperta uma consciência lúdica – verifica-se, en-tão, “o primado do jogo face à consciência do jogador”(GADAMER, 2008, p. 158, grifos do autor). O jogo envolve com-petição, ou pelo menos possibilidades e planos, que sempre re-presentam um risco para o jogador, onde reside a atração do jogo.É essa natureza lúdica da arte que impele Gadamer (2008, p. 160)às reveladoras assertivas de que “todo jogar é um ser-jogado”(grifos do autor) e “[…] o verdadeiro sujeito do jogo não é ojogador mas o próprio jogo”.

A consumação do jogo humano em arte é ainda denominadapor Gadamer (2008, passim) de transformação em configuração,que envolve também o “assistir”, que se equipara ao “participar”,com a produção simbólica da “Imagem” (Bild) que a reproduçãoartística importa. Nesse passo, o autor conclui:

Minha tese portanto é que o ser da arte não pode serdeterminado como objeto de uma consciência estética,porque, por seu lado, o comportamento estético é maisdo que sabe de si mesmo. É uma parte do processoontológico da representação e pertence essencialmen-te ao jogo como jogo (GADAMER, 2008, p. 172, grifosdo autor).

Além do domínio da arte, Gadamer também se volta para aquestão da verdade na compreensão das ciências do espírito(Geisteswissenschaften).

O autor reabilita a tradição, expurgada pela Era Moderna epela Aufklärung (Ilustração) no afã de consolidar as ciências sob oprimado da razão, reduzindo a autoridade à racionalidade. Os pre-conceitos, a autoridade e o senso comum também são requalificadospelo filósofo alemão, que procede a uma extensa análise dos con-textos iluminista e romântico que condenaram ao limbo as mani-festações tradicionais do conhecimento, na busca de referenciaisobjetivos e racionais para a avalização do conhecimento.

A historicidade da compreensão é resgatada da hermenêuticaantiga, de cariz exegético, voltando a figurar no centro do fenô-meno hermenêutico. A consciência filosófica revela-se insuficientepara conter toda a verdade da história do espírito, razão pela qualse faz necessária a retomada de uma “consciência histórica”, que

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“é uma forma do autoconhecimento” (GADAMER, 2008, p. 316,grifos do autor).

Gadamer reaproveita, de Husserl, o conceito fenomenológicode horizonte – que não se trata de “fronteira rígida, mas algo quese desloca com a pessoa e que convida a que se continue a cami-nhar” (GADAMER, 2008, p. 330), ou “âmbito de visão que abarca eencerra tudo o que pode ser visto a partir de um determinado pon-to” (GADAMER, 2008, p. 399), e, de Heidegger, o conceitoontológico de círculo hermenêutico – “estrutura prévia da com-preensão” (GADAMER, 2008, p. 355), de formato circular, que temsentido ontológico positivo.

Os preconceitos, na hermenêutica filosófica gadameriana, par-ticipam ativamente do círculo hermenêutico, determinando a com-preensão:

Em si mesmo, “preconceito” (Vorurteil) quer dizer umjuízo (Urteil) que se forma antes do exame definitivo detodos os momentos determinantes segundo a coisa emquestão. No procedimento da jurisprudência um pre-conceito é uma pré-decisão jurídica, antes de ser baixa-da uma sentença definitiva. Para aquele que participada disputa judicial, um preconceito desse tipo represen-ta evidentemente uma redução de suas chances. Porisso, préjudice, em francês, tal como praeiudicium, signi-fica também simplesmente prejuízo, desvantagem,dano. Não obstante, essa negatividade é apenas secun-dária. A conseqüência negativa repousa justamente navalidez positiva, no valor prejudicial de uma pré-deci-são, tal qual o de qualquer precedente.“Preconceito” não significa pois, de modo algum, falsojuízo, uma vez que seu conceito permite que ele possaser valorizado positiva ou negativamente (GADAMER,2008, p. 360, grifos do autor).

Uma vez que “os preconceitos de um indivíduo, muito mais doque seus juízos, constituem a realidade histórica de seu ser” (GADAMER,2008, p. 368, grifos do autor), eles constituem condição da compreen-são, servindo de ponte entre sujeito e objeto na formação da estrutu-ra circular prévia da compreensão. Desse modo, os “deuses” de Des-cartes, os “ídolos” de Bacon, as “pré-noções” de Durkheim, os “obs-táculos” de Betti etc., que sempre foram, sistematicamente, excluídosdo processo interpretativo, ganham, em Gadamer, uma nova dimen-são, em que se lhes reconhece valor para o desenlace do conhecimen-to, necessariamente subjetivo. Tais elementos anteriores ao procedi-mento compreensivo são, inclusive, chamados por Bultmann de pré-compreensão (GADAMER, 2008, p. 434).

A autoridade, entendida como ocorrência de “validade semprecisar de fundamentação”, deixa de possuir uma relação de opo-

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sição com a razão (GADAMER, 2008, p. 372-373). Durante o Ro-mantismo, uma forma de tradição é defendida, qual seja, a tradi-ção; sob tal ângulo, a ontologia da compreensão gadamerianarepresenta um retorno ao paradigma romântico (emoção-tradição),em detrimento do paradigma realista (razão-ciência): “A compre-ensão deve ser pensada menos como uma ação da subjetividade emais como um retroceder que penetra num acontecimento da tra-dição, onde se intermedeiam constantemente passado e presente”(GADAMER, 2008, p. 385, grifos do autor).

De acordo com a lição de Gadamer (2008, p. 387),

[…] o movimento da compreensão vai constantementedo todo para a parte e desta para o todo. A tarefa é irampliando a unidade do sentido compreendido em cír-culos concêntricos. O critério correspondente para a jus-teza da compreensão é sempre a concordância de cadaparticularidade com o todo. Se não houver tal concor-dância, significa que a compreensão malogrou.

“O círculo da compreensão não é, portanto, de modo algum,um círculo ‘metodológico’; ele descreve antes um movimento es-trutural ontológico da compreensão” (GADAMER, 2008, p. 389).Em outras palavras, o círculo hermenêutico, ao evidenciar o jogoentre a dinâmica da tradição e a do intérprete, não está represen-tando o plano do dever-ser, o que ocorreria se tal procedimentofosse veiculado como diretiva de condutas cognitivas futuras; talcírculo alude, isso sim, ao plano do ser, desvelando a estruturaontológico-compreensiva.

O princípio da história efeitual, definido como consciência dasituação hermenêutica, é explicado por Bleicher (1992, p. 157) nosseguintes termos, que merecem integral transcrição:

Gadamer utiliza a fórmula hegeliana da unidade da iden-tidade e da diferença para descrever o processo de com-preensão como sendo aquele em que o “objecto” fazparte do eu e em que ambos se desenvolvem no decur-so do conhecimento.Gadamer aborda este aspecto sob a designação deWirkungsgeschichte (história-efectual) e salienta o apa-recimento e o conteúdo da consciência que se tem dela.Este termo não permite definições breves, mas Gadamer,numa brilhante análise, evidencia os seus elementos es-truturais: conhecimento da situação hermenêutica espe-cial e do “horizonte” que a caracteriza; relação dialógicaentre intérprete e texto; dialéctica entre pergunta e res-posta; abertura à tradição. Gadamer identifica tambéma história efectual com o “conhecimento hermenêutico”,pelo facto de articular simultaneamente conhecimentoda história e a história.

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A consciência histórico-efeitual, na condição de momento darealização da compreensão, atua, segundo Gadamer (2008, p. 398),na obtenção da pergunta correta. Por sua vez,

A tarefa da compreensão histórica inclui a exigência deganhar em cada caso o horizonte histórico a fim de quese mostre, assim, em suas verdadeiras medidas, o quequeremos compreender. Quem omitir esse deslocamen-to ao horizonte histórico a partir do qual fala a tradiçãoestará sujeito a mal-entendidos com respeito ao signifi-cado dos conteúdos daquela. Nesse sentido, parece seruma exigência hermenêutica justificada o fato de ter-mos de nos colocar no lugar do outro para podercompreendê-lo.

Diante de tal exortação, mais clara ainda se torna a máximaexistencialista da alteridade, segundo a qual “eu é um outro”. So-mente mediante uma troca de papeis, na qual o intérprete colo-que-se na posição do terceiro, poderá compreendê-lo, até mesmoporque, se todo conhecimento é autoconhecimento, parece serverdadeira a recíproca, de que todo autoconhecimento é conheci-mento (de outrem).

O movimento do horizonte do passado, sob a forma de hori-zonte da tradição, conjuga-se com o movimento do horizonte dopresente, criando uma tensão, que se manifesta, amiúde, na rela-ção entre texto e presente. A compreensão, destarte, deriva do pro-cesso de “fusão desses horizontes presumivelmente dados por simesmos” (GADAMER, 2008, p. 404, grifos do autor). Consoante aler-ta Gadamer, sem embargo, não se trata da conformação de umúnico horizonte histórico, porquanto

A consciência histórica tem consciência de sua própriaalteridade e por isso destaca o horizonte da tradição deseu próprio horizonte. Mas, por outro lado, ela mesmanão é, como já procuramos mostrar, senão uma espéciede superposição sobre uma tradição que continua atu-ante. É por isso que logo em seguida ela recolhe o queacaba de destacar a fim de intermediar-se consigo mes-ma na unidade do horizonte histórico assim conquista-do (GADAMER, 2008, p. 405).

O processo de fusão de horizontes, pelo qual se efetua a com-preensão, pode ser elucidado com uma imagem da biologia. Noestudo da citologia, dentre os processos de alimentação celular,existem a fagocitose e a pinocitose. A fagocitose define-se como oenglobamento pela célula de partículas sólidas estranhas a ela; apinocitose, de partículas líquidas. Pois bem, se se considerar umaameba, que é um protozoário unicelular, a sua alimentação

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fagocitária dará uma metáfora bastante convincente do processoontológico-compreensivo gadameriano.

Ao detectar a partícula estranha, a membrana plasmática daameba invaginar-se-á, criando pseudópodos que “abraçarão” oalimento. Ao englobá-lo completamente, formar-se-á uma vesículafagocitária (fagossomo) para abrigá-lo, onde serão lançadas asenzimas digestivas da ameba. Essa vesícula, por se originar da somado objeto exterior com as pré-noções interiores do intérprete-ameba, representará, de acordo com a analogia ora preconizada,o círculo hermenêutico. Por sua vez, quando a partícula sólida forcompletamente digerida, rompendo-se a membrana do fagossomo,e liberar-se o alimento digerido para o corpo da célula (citoplasma),dar-se-á, metaforicamente, a compreensão. Nesse momento é que,de acordo com a comparação sugerida, sucederia a fusão do hori-zonte da tradição (partícula sólida alienígena, ou objeto) com odo presente (citoplasma, ou sujeito).

Gadamer adverte, ainda, que, na hermenêutica antiga, o pro-blema hermenêutico abrangia três fases: compreensão (subtilitasintellingendi), interpretação (subtilitas explicandi) e aplicação(subtilitas applicandi). O Romantismo reconheceu a unidade in-terna entre interpretação e compreensão, que passaram a ser umúnico momento, em que a interpretação é a forma explícita dacompreensão. Todavia, o terceiro momento da questãohermenêutica, a aplicação, acabou sendo esquecido (GADAMER,2008, p. 406).

Tal problema no plano da concretização hermenêutica encon-tra-se, consoante Gadamer, superado, haja vista a assimilação tam-bém da fase da aplicação:

[…] se quisermos compreender adequadamente o tex-to – lei ou mensagem de salvação –, isto é, compreendê-lo de acordo com as pretensões que o mesmo apresen-ta, devemos compreendê-lo a cada instante, ou seja,compreendê-lo em cada situação concreta de uma ma-neira nova e distinta. Aqui, compreender é sempre tam-bém aplicar (GADAMER, 2008, p. 408).

Ao examinar o conceito de experiência, Gadamer avalia ométodo indutivo de Bacon, de obtenção dos axiomas de maneiraascendente e gradual, e finda por

[…] concordar com a crítica habitual feita a Bacon eadmitir que suas propostas metodológicas nos decepci-onam. Hoje, já podemos ver que elas são demasiada-mente indeterminadas e gerais, e acabaram não pro-duzindo maiores frutos na sua aplicação à investigaçãoda natureza (GADAMER, 2008, p. 456).

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Gadamer (2008, p. 459) descrê da redução da ciência à ex-periência, embora admita que os experimentos sejam necessári-os para a ciência. A experiência hegeliana, contudo, “tem a es-trutura de uma inversão da consciência e é por isso que se cons-titui num movimento dialético” (GADAMER, 2008, p. 463-464),desenvolvendo-se na negatividade. A experiência hermenêutica,por seu turno, é experiência da finitude humana, da própriahistoricidade, que se mostra pela tradição – e esta, por sua vez, élinguagem. Nessa seara, “a abertura à tradição [é] própria daconsciência da história efeitual” (GADAMER, 2008, p. 471, grifosdo autor).

Gadamer (2008, p. 473) ressuscita o modelo da dialéticaplatônica, para evidenciar a primazia hermenêutica da pergunta,acrescendo que “o sentido da pergunta é pois a única direção quea resposta pode adotar se quiser ter sentido e ser pertinente”. Omodelo hermenêutico-filosófico lança a pergunta, que consistenuma abertura de horizontes, pois a resposta não se sabe previa-mente. A verdadeira pergunta é aberta, pois, do contrário, não seestá a investigar o desconhecido, como no caso da pergunta peda-gógica e da pergunta retórica.

No que concerne à apologia da pergunta para a obtenção daessência do conhecimento, fica evidente a aproximação da lógicagadameriana, nesse particular, ao método cartesiano, fundado nadúvida, que não deixa de ser, sempre, uma pergunta de cunhohermenêutico: “compreender a questionabilidade de algo já é sem-pre perguntar” (GADAMER, 2008, p. 489). A dialética hermenêuticacaracteriza-se, destarte, por essa “arte de ir colocando à prova”(GADAMER, 2008, p. 479), o que também revela que a hermenêuticagadameriana tangencia o modelo racional-crítico de Popper, sob aperspectiva do falseamento das respostas que surgem.

Em seguida, Gadamer procede à virada ontológica dahermenêutica no fio condutor da linguagem, uma vez que todoconhecimento é linguagem – afinal, como asseverara Heidegger,“A linguagem é a morada do ser” – e o processo hermenêutico,simbolizado pela fusão de horizontes, ocorre, outrossim, no planolinguístico. “A linguagem é o medium universal em que se realizaa própria compreensão. A forma de realização da compreensão é ainterpretação” (GADAMER, 2008, p. 503, grifos do autor).

Comunga com tal tese Bleicher (1992, p. 162), que sustenta:

Para Gadamer, o problema da linguagem constitui otema central da filosofia hermenêutica. A sua preocu-pação marca mesmo o ponto em que ultrapassa as pre-ocupações da hermenêutica existencial; apresenta,igualmente, uma saída da “cadeia especulativa de uma

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filosofia da história universal, de Hegel […]. Em vez deuma intervenção total da história universal e à luz daconsciência de uma medição é necessária à fusão dehorizontes, Gadamer desenvolve a teoria da universali-dade da linguagem. A linguisticidade como articulaçãodo passado e do presente possui também a vantagemde constituir um forte argumento contra o ideal deobjectividade avançado pelas Geisteswissenschaften”(grifo do autor).

Em artigo autônomo, Gadamer (2002, p. 178) define a relaçãoda linguagem com o horizonte existencial da presença:

Em todos os nossos pensamentos e conhecimentos sem-pre já fomos precedidos pela interpretação do mundofeita na linguagem, e essa progressiva integração nomundo chama-se crescer. Nesse sentido, a linguagemrepresenta o verdadeiro vestígio de nossa finitude. Alinguagem já sempre nos ultrapassou. O parâmetropara medir seu ser não é a consciência do indivíduo. Nãoexiste consciência individual que pudesse conter sua lin-guagem. Mas como existe então a linguagem? Com cer-teza não sem a consciência individual. Mas também nãopela mera reunião de muitas consciências individuais(grifo do autor).

A linguagem ganha contornos, em Gadamer, de horizonteda ontologia hermenêutica. Destarte, o instrumento de traba-lho da ciência hermenêutica é a linguagem, cujo ser é desven-dado pela consciência histórico-efeitual, ao fundir os horizon-tes linguísticos da tradição e do agora, mediante uma experiên-cia linguístico-hermenêutica que se estrutura circularmente, numrelação de vaivém dialético entre as pré-concepções do sujeito eas do objeto.

Finalmente, assevera Gadamer (2008, p. 629) que a compreen-são é uma experiência autêntica, que promove o encontro da pre-sença “com algo que se impõe como verdade”. Essa verdadehermenêutico-filosófica pode ser equiparada à verdade da arte,cujo caráter ontológico é o de jogo:

O fato de que o ser próprio daquele que conhece tam-bém entre em jogo no ato de conhecer marca certa-mente o limite do “método” mas não o da ciência. Oque o instrumental do “método não consegue alcançardeve e pode ser alcançado por uma disciplina do per-guntar e do investigar que garante a verdade(GADAMER, 2008, p. 631).

Assim, a mesma verdade que a experiência hermenêutica vis-lumbra na obra de arte é vivenciada nas ciências do espírito. O

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jogo que se promove entre sujeito e objeto, fundindo os horizon-tes fenomenais, sempre resultará no ato espiritual da compreen-são. Em suma, “a importância da teoria hermenêutica de Gadameré ter demonstrado que toda interpretação é a compreensão atualdo passado” (LOPES, 2000, p. 107).

3 Considerações finais: perspectiva para a metodologia dapesquisa jurídica na pós-modernidade

Ao contrário do que se poderia imaginar, a hermenêuticagadameriana não conduz a compreensão do fenômeno jurídicoao total relativismo. A interpretação jurídica apenas abandona apremissa de busca metodológica de respostas corretas com base nasfontes normativas (lei, costumes, doutrina, jurisprudência, princípi-os gerais de direito, equidade) e passa a fundar-se num referencialfilosófico, que investiga a ontologia fenomenal, sem desconsideraras pré-compreensões individuais que compõem o horizonte histó-rico onde a compreensão pode desenvolver-se.

Destarte, o título de obra de Gadamer revela que não é a ver-dade que deixou de existir e cedeu a um relativismo absoluto; oque sucede é que a metodologia tradicional não tem mais aptidãopara aceder a essa verdade.

Lopes (2000, p. 110) comenta o papel do juiz em face dahermenêutica da compreensão em xeque:

[…] como Gadamer refere, o justo também está deter-minado, com certo sentido absoluto, nas leis ou nas re-gras de comportamento gerais da moral (embora nãocodificadas, estão determinadas e têm carátervinculante). Nesse sentido, o juiz tem de usar o seu “bomsenso” (phrónesis) para a correta aplicação da norma, oque implica abandonar o velho paradigma positivistada subsunção para assumir o que é mais importante: aprocura de um Direito melhor.

Assim, em vez de aplicar o método para a obtenção da ver-dade jurídica, o que Gadamer propõe é que se promova avivência do fenômeno jurídico, de cujo processo de jogo ema-nará alguma verdade, que é a única verdade possível das ciênci-as culturais, porque é uma verdade subjetiva, relativa e efêmera,na qual a dedução e a indução mostraram-se incompletas, ina-dequadas e falhas. O conhecimento do Direito deve ser refleti-do na historicidade própria do fenômeno jurídico que, comofenômeno humano, há de ser compreendido pelo modo de serdo homem, eis por que conhecer o Direito também envolveautoconhecimento.

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A metodologia da pesquisa jurídica, no contexto de incerte-zas e descumprimento das promessas da modernidade, que se temapelidado de pós-modernidade, deve proceder à abertura de seushorizontes, permitindo-se mais pluralidade, dinamismo e flexibili-dade, para poder fazer frente a uma realidade em que “tudo queé sólido se desmancha no ar” e a informação circula livremente, emnível global, incrementando o conhecimento com alteridade, com-plexidade e transdisciplinaridade.

Santos (2008, p. 76-77) analisa a transição do paradigma mo-derno da seguinte forma:

O paradigma cultural da modernidade constituiu-se an-tes de o modo de produção capitalista se ter tornadodominante e extinguir-se-á antes de este último deixarde ser dominante. A sua extinção é complexa porque éem parte um processo de superação e em parte umprocesso de obsolescência. É superação na medida emque a modernidade cumpriu algumas das duas promes-sas e, de resto, cumpriu-as em excesso. É obsolescênciana medida em que a modernidade está irremediavel-mente incapacitada de cumprir outras das suas promes-sas. Tanto o excesso no cumprimento de algumas daspromessas como défice no cumprimento de outras sãoresponsáveis pela situação presente, que se apresentasuperficialmente como de vazio ou de crise, mas que é,a nível mais profundo, uma situação de transição. Comotodas as transições são simultaneamente semicegas esemi-invisíveis, não é possível nomear adequadamentea presente situação. Por esta razão lhe tem sido dado onome inadequado de pós-modernidade. Mas, à falta demelhor, é um nome autêntico na sua inadequação. (grifosdo autor)

E, tomando de empréstimo a teoria de Kuhn, o mesmo Santosidentifica os sinais pelos quais o paradigma da racionalidade cien-tífica encontra-se em crise. Essa crise decorre de condições teóricase condições sociais. Dentre as teóricas, verificam-se quatro rombosna racionalidade: o primeiro é perpetrado pela teoria da relativi-dade de Einstein, que relativiza as leis de Newton, mudando a di-nâmica do universo; o segundo dá-se com a mecânica quântica,que altera as leis que regem a microfísica; o terceiro ocorre na searada matemática, com os teoremas da incompletude e da impossibili-dade, que mostram que mesmo a matemática pode dar ensejo aproposições que não se sujeitam nem à demonstração nem à refu-tação; e o quarto dá-se pelos avanços científicos nos campos daquímica, biologia e microfísica (SANTOS, 2006, p. 41-47). Dentre ascondições sociais que mergulham em crise o paradigma da ciênciamoderna, o sociólogo português destaca a industrialização da ci-

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ência a partir das décadas de 30 e 40 do século passado, que au-mentou o rigor científico, mas diminuiu a capacidade científica deautorregulação.

Santos (2006, p. 60), em seguida, dá conta de especular sobreo paradigma emergente, que deve ser o de um “conhecimentoprudente para uma vida decente”. Nesse sentido, o pensador com-prova que “todo conhecimento científico-natural é também cien-tífico-social” (SANTOS, 2006, p. 70-71), restando superada essadicotomia entre as ciências biológicas e as sociais, que tendem auma dimensão holística. Além disso, aduz que “todo o conheci-mento é local e total”, razão pela qual “a excessiva parcelização eespecialização do saber científico faz do cientista um ignorante es-pecializado” (SANTOS, 2006, p. 74).

Nesse ponto, verifica-se que o paradigma pós-moderno traça-do pelo sociológico português condiz, perfeitamente, com a con-cepção de anarquismo metodológico propugnada por Feyerabend:

O conhecimento pós-moderno, sendo total, não édeterminístico, sendo local, não é descritivista. É um co-nhecimento sobre as condições de possibilidade. As con-dições de possibilidade da acção humana projectada nomundo a partir de um espaço-tempo local. Um conheci-mento deste tipo é relativamente imetódico, constitui-se a partir de uma pluralidade metodológica. Cada mé-todo é uma linguagem e a realidade responde na línguaem que é perguntada. Só uma constelação de métodospode captar o silêncio que persiste entre cada línguaque pergunta. Numa fase de revolução científica comoa que atravessamos, essa pluralidade de métodos só épossível mediante transgressão metodológica (SANTOS,2006, p. 77-78).

Ao lado desses sintomas da emersão de um novo paradigmacientífico, Santos (2006, p. 80) ainda pontua que “todo o conheci-mento é autoconhecimento”. Nesse particular, ratifica todos osaportes filosóficos da fenomenologia, da ontologia fundamentale do existencialismo, culminando na hermenêutica de Gadamer,que parte dessa mesma premissa. Na pós-modernidade, portanto,relativiza-se a dicotomia sujeito versus objeto, o que significa reite-rar a concepção de fusão de horizontes gadameriana.

Por fim, Santos (2006, p. 88-91) assevera que “todo o conheci-mento científico visa constituir-se em senso comum”. A racionalidadeembutida no projeto liberal da modernidade afastou a tradição eo conhecimento não racional, considerando o senso comum “su-perficial, ilusório e falso”. Mas a pós-modernidade reabilita essesenso comum, vislumbrando, nele, “virtualidades para enriquecera nossa relação com o mundo”. Assim é que a finalidade do saber

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científico pós-moderno é, um dia, converter-se em senso comum,quando realizará a função democratizadora que está na base damáxima de um “conhecimento prudente para uma vida decente”.

Tais tendências reveladoras do advento de uma novaracionalidade científica aplicam-se, como não poderia deixar de ser,à ciência jurídica. Paralelamente à superação da dicotomia entre ci-ências naturais e sociais, revela-se o Direito como uma disciplina to-tal e local, cada vez mais plasmada no ideal de concretização dosdireitos fundamentais previstos no direito constitucional positivo.

Ademais, o pós-positivismo jurídico, em ascensão, deixa de ladoa segurança jurídica, como valor plasmado pelo método subsuntivode adequação fato/norma, em prol da dignidade humana, queexige a introdução de elementos transdisciplinares no âmbito dasrelações jurídicas. Nisso as normas deixam de representar um fimem si mesmas, privilegiando-se a conduta em interferênciaintersubjetiva, concepção egológica que relativiza a clássica sepa-ração dicotômica entre sujeito e objeto.

Não bastasse tudo isso, o direito só se legitima, na pós-modernidade, à medida que se torna senso comum. Para Häberle(1997, p. 13), a participação popular é exigida pela hermenêuticaconstitucional pluralista e procedimental, colimando-se a consti-tuição de uma “sociedade aberta dos intérpretes da Constituição”,abrindo o processo e a jurisdição constitucional ao contributo daalteridade. Para Habermas (2003, p. 43), somente a tomada de açõescomunicativas pode reconstruir a legitimidade do direito, atenu-ando a tensão entre faticidade e validade através da busca peloconsenso racional. É dizer, o direito pós-moderno não tem comopapel a manutenção das estruturas político-econômicas e do statusquo. A ciência jurídica tem papel fundamental na modificação dasociedade. E, por conseguinte, o direito tende ao senso comum,para fazer valer o papel emancipatório que o conhecimento jurídi-co deve provocar no cidadão.

A consciência histórico-efeitual dessa abertura da metodologiajurídica precisa permear todos os operadores do direito. Mais doque a forma do conhecimento jurídico, que foi preocupação dasmetodologias da ciência do direito oitocentistas, o que importa,nesse momento, é a substância do direito. Mais do que a previsãonormativa de um catálogo cada vez maior de direitos fundamen-tais (constitucionalização simbólica), o que importa, nesse momen-to, é a concretização dos direitos já sufragados pela ordem vigente(realidade constitucional) (NEVES, 2007, p. 168). Mais do que a téc-nica procedimentalista ou a retórica da maximização de declara-ções de direitos, é chegada a hora de o jurista assumir uma posturaativista e efetivadora daqueles direitos já positivados.

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A INFLUÊNCIA DOS PRECONCEITOS NO PROCESSO DE INTERPRETAÇÃO E APLICAÇÃO DA NORMA JURÍDICA

A influência dos preconceitos noprocesso de interpretação e aplicação

da norma jurídica

Vinicius Cardona FrancaAdvogado da CAIXA na Bahia

Mestre em Direito Público pela UniversidadeFederal da Bahia

Pós-graduado em Direito do EstadoNadialice Francischini de Souza

Advogada na BahiaMestre em Direito Privado e Econômico pela

Universidade Federal da BahiaPós-Graduanda em Direito Empresarial pela

Universidade Federal da Bahia

RESUMO

Este artigo tem o objetivo de apresentar um esboço a respeitodo papel dos conceitos preconcebidos no processo de interpretação,especialmente à luz de dois modelos teóricos distintos: umexemplificado pelas ideias de Francis Bacon e outro consistente nahermenêutica filosófica desenvolvida por Gadamer, na esteira deHeidegger. Primeiramente, apresentam-se noções sobre ahermenêutica e o preconceito como um elemento essencial seu. Aseguir, as preconcepções são encaradas à luz do pensamento deBacon, que é confrontado com a estrutura prévia da compreensãode Heidegger e o papel essencial dos preconceitos como elementosde interpretação, consoante Gadamer. As ideias da novahermenêutica são postas a serviço de uma nova acepção dainterpretação jurídica, especialmente do papel do juiz comoconstrutor do sentido da norma, plenamente consciente de suaposição de sujeito dotado de historicidade.

Palavras-chave: Hermenêutica. Compreensão. Preconceitos.Norma jurídica.

ABSTRACT

This article aims to present a sketch regarding the role ofthe preconceived concepts in the interpretation process, especiallyto the light of two distinct theoretical models: one represented bythe ideas of Francis Bacon, and another represented by thephilosophical Hermeneutics developed by Gadamer, on Heidegger’ssteps. First, some notions are presented on the hermeneutics and

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VINICIUS CARDONA FRANCA ARTIGO

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the preconception as its essential element. Following, the prejudicesare faced to the light of Bacon’s thought, which is compared toHeidegger’s previous structure of the understanding and theessential role of the preconceptions as interpretation elements,according to Gadamer. The ideas of the new hermeneutics are putto the service of a new conception of the legal interpretation,especially concerning the role of the judge as the constructor ofthe meaning of the norm, fully conscientious of his position as anhistorical situated subject.

Keywords: Hermeneutics. Comprehension. Preconceptions.Rule of law.

Introdução

As técnicas tradicionais de interpretação do Direito estão as-sentadas sobre um modelo de racionalidade científica que se pro-pôs a expulsar todas as “interferências” que pudessem se interporentre o sujeito cognoscente e o objeto. A racionalidade moderna,a partir de Descartes e Bacon, pretendeu alcançar a verdade so-mente através da razão, através da qual o homem tudo poderiabem conhecer se evitasse um conhecimento prévio vulgar, o qualimpediria o alcance pleno do sentido do ente cognoscível.

Esse modelo ensejou a construção de uma hermenêutica querejeita o papel dos conceitos pré-constituídos no processo de inter-pretação, até que a nova hermenêutica filosófica veio resgatar ereconstruir o papel dos preconceitos na experiência humana.

Este pequeno excurso se propõe a apresentar um esboço domovimento da hermenêutica como mera técnica interpretativa paraa hermenêutica filosófica, sem a pretensão de esgotar uma análiseda história das ideias que influenciaram e sofreram a influênciadessa passagem, mas procurando gizar em linhas gerais a recons-trução do papel dos preconceitos, bem como sua importância paraa hermenêutica em geral e para a interpretação do Direito em par-ticular.

1 Noções sobre a hermenêutica jurídica e o preconceito comoseu elemento

1.1 As preconcepções como elementos de interpretaçãojurídica

A noção tradicional de interpretação se baseia numaepistemologia lastreada em evidências, que se pretendia constru-tora de um conhecimento claro e objetivo, digno do saber científi-co (CATÃO, 2005). O significante “interpretar” é comumente to-

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mado por explicar ou declarar o sentido de algo (texto, símbolográfico etc.). A hermenêutica, por seu turno, não raro é conhecidacomo o método que visa à interpretação.

Mais do que um método, contudo, a hermenêutica é uma ci-ência, que, nas palavras de Habermas (1982, p. 216), não tem oobjetivo de

explorar a realidade sob um outro ponto de vistatranscendental; elas (as ciências hermenêuticas) têm porobjetivo, muito mais, uma elaboração transcendentalde diversas formas fáticas de vida, no interior das quaisa realidade é interpretada de maneira diferente, emfunção de gramáticas que formulam o mundo e da ati-vidade que o transforma; é por isso que, rastreando seusentido imanente, as proposições da hermenêutica vi-sam um contexto de aplicação correspondente – elasapreendem interpretações da realidade em vista daintersubjetividade de uma compreensão mútua, susce-tível de orientar a ação para uma situação hermenêuticainicial.

À guisa de introdução de um debate sobre a ciência da inter-pretação, é necessário salientar que a nova hermenêutica pressu-põe uma análise dos fundamentais contributos de Heidegger eGadamer à Filosofia, que, por seu turno, estão inseridos no contex-to mais amplo da chamada revolução linguística do pensamentofilosófico do século XX.

Tal revolução reside em que é impossível filosofar sobre algosem filosofar sobre a linguagem, visto que esta representa o ele-mento necessário constitutivo de todo o saber humano, de modoque a síntese de conhecimentos intersubjetivamente válidos re-quer reflexão sobre a própria infraestrutura linguística (STRECK,1999, p. 153). É a partir dessa renovada valorização da lingua-gem que toma vulto o pensamento de Gadamer, que, seguindoHeidegger, passa de uma hermenêutica clássica, vista como puratécnica de interpretação, para uma hermenêutica filosófica, quetrabalha com um “dar sentido” e com o questionamento da tota-lidade da existência humana e sua inserção no mundo (STRECK,1999, p. 169).

Para Gadamer (2005, p. 356), o interpretar é muito mais doque simplesmente desvelar o sentido de um texto: fazer interpreta-ção é um projetar. Isso porque a verdadeira compreensão do queestá posto no texto consiste precisamente na elaboração prévia deum projeto, que, obviamente, deve seguir sofrendo constante re-visão com base no que se dá, conforme se avança na penetraçãodo sentido. Dessa forma, Gadamer esboça os traços fundamentaisde uma teoria da experiência hermenêutica.

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O papel da compreensão, rompendo com a tradicional con-cepção de ciência e neutralidade, é fundamental na novahermenêutica gadameriana e, para se entendê-lo, exige-se umaimersão na descoberta de Heidegger acerca da estrutura prévia dacompreensão.

Sem embargo, antes de se discorrer acerca do pensamento deGadamer e de Heidegger no tocante à nova hermenêutica, impõe-se falar na teoria clássica de interpretação neutra, que teve emFrancis Bacon um dos seus maiores expoentes.

1.2 O problema das preconcepções segundo Francis Bacon e aclássica interpretação neutra

Bacon almejava uma reforma total do conhecimento humano(ANDRADE, 1997, p. 10), pelo que afirmava que o método científi-co é um método de observação. Esse método coloca em xeque opapel científico da lógica, pois esta mais valeria para consolidar eperpetuar erros, fundados em noções vulgares, do que para a in-dagação da verdade, de sorte que se mostraria mais danosa queútil (BACON, 1997, p. 35).

O projeto de Bacon consistia no seguinte:

separação entre a ciência e as humanidades (estas pre-ocupadas com a justiça, com as pessoas, com a nature-za, com o sagrado) e foi forte propulsor do empirismo,difundindo a crença de que o ponto de partida de todoconhecimento deveria ser a observação, a descrição fielda realidade, isenta de julgamentos e interpretações(ARAÚJO, 2006, p. 134).

A necessidade da separação entre a ciência e as humanidades,no pensamento de Bacon, busca afastar as interferências no pensa-mento que representam verdadeiros obstáculos ao conhecimentocientífico, pois o silogismo da lógica das ciências clássicas é formadopor proposições, as proposições são formadas por palavras e as pala-vras são os signos das noções. Pelo que, se as próprias noções (queconstituem a base dos fatos) são confusas e temerariamente abstraí-das das coisas, nada que delas depende pode pretender solidez(BACON, 1997). Esta separação entre sujeito e objeto tornaria o sa-ber seguro e apto a encontrar a verdade científica (CATÃO, 2005).

Segundo Bacon (1997, p. 28), somente a “cura da mente”possibilitaria a salvação do conhecimento científico. Isso significaque para alcançar o conhecimento científico o pesquisador deve-ria abdicar de todas as influências, de todas as preconcepções ouconceitos predeterminados. Ele acreditava na possibilidade de umaexperiência despida dessas interferências que distorciam seu verda-

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deiro sentido, a ser conquistado pela atitude científica (FURLAN,2002).

Verifica-se que as noções que fundamentavam a ciência dialéticaeram prejudiciais para a construção de um conhecimento científi-co, pois deixavam o intelecto a si mesmo, a mente sóbria, pacientee grave (BACON, 1997, p. 36). O intelecto humano ficaria livre paraantecipar as definições, para concordar com o senso comum, impe-dindo que o pesquisador estudasse o objeto em todas as suas pe-culiaridades. O intelecto humano se deixa contagiar pela visão dosfenômenos que acontecem nas artes mecânicas, nas quais os cor-pos sofrem alterações por um processo de composição e separação,daí surgindo a ideia de que algo semelhante se passa na próprianatureza (BACON, 1997, p. 51-52).

A influência da mente humana pelas noções preexistentes énociva, no entender de Bacon (1997, p. 43), porque

o intelecto humano não é luz pura, pois recebe influên-cia da vontade e dos afetos, donde se poder gerar aciência que se quer. Pois o homem se inclina a ter porverdade o que prefere. Em vista disso, rejeita as dificul-dades, levado pela impaciência da investigação; a sobri-edade, porque sofreia a esperança; os princípios supre-mos da natureza, em favor da superstição; a luz da ex-periência, em favor da arrogância e do orgulho, evitan-do parecer se ocupar de coisas vis e efêmeras; parado-xos, por respeito à opinião de vulgo. Enfim, inúmerassão as fórmulas pelas quais o sentimento, quase sem-pre imperceptivelmente, se insinua e afeta o intelecto.

As noções superficiais e falsas que ocupam o intelecto huma-no e nele se acham implantadas foram por Bacon denominadas de“ídolos”, expressão que remete à idolatria, ou culto a algo comose fosse deus ou deusa (ANDRADE, 1997).

Bacon (1997, p. 40-41), dirigido mais por um fim didático, clas-sificou os ídolos que impedem a busca do conhecimento científicoem quatro, a saber: Ídolos da Tribo, Ídolos da Caverna, Ídolos doForo e Ídolos do Teatro. Numa visão geral, os Ídolos da Tribo estãoligados à natureza humana: “é falsa a asserção de que os sentidosdo homem são a medida das coisas” e são comparados por Bacon aum espelho; os Ídolos da Caverna estão na relação do indivíduoenquanto ele mesmo, são resultado do homem voltado para si pró-prio; os Ídolos do Foro são os “provenientes das associações recí-procas dos indivíduos do gênero humano entre si”, são os deriva-dos do homem enquanto membro de uma sociedade, enquantoser sociável; por fim, os Ídolos do Teatro têm ligação com “as filoso-fias adotadas ou inventadas, [...] as fábulas produzidas e represen-tadas, que figuram mundos fictícios e teatrais”.

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1.3 O círculo hermenêutico, o problema dos preconceitos e aestrutura prévia da compreensão segundo Heidegger

Feitas tais considerações sobre a acepção de interpretação deBacon, segundo a qual o sujeito deve abdicar de todas as prenoções,a fim de fazer uma interpretação despida de falsos, impende esbo-çar algumas considerações acerca da ideia de círculo hermenêuticoe a estrutura da prévia compreensão, que correspondem ao resga-te do papel dos preconceitos levado a cabo na nova hermenêutica.

Consoante Gadamer (2005, p. 355-356), toda interpretaçãoque se queira válida deve proteger-se da arbitrariedade de intui-ções repentinas, volvendo-se os olhos para “as coisas elas mesmas”,isto é, atentar-se para a coisa através dos desvios de percepção aque está submetido o intérprete e, além, a despeito deles. Sucede,porém, que aquele que busca compreender algo está sujeito a er-ros oriundos de opiniões prévias, que não se confirmam nas pró-prias coisas.

Gadamer toma exemplo da teoria do significado, ao apontara equivocada pressuposição geral de que alguém que fala a mes-ma língua do seu interlocutor utiliza as palavras no mesmo sentidoque a este último é familiar. Gadamer parece apresentar os precon-ceitos como ínsitos ao processo interpretativo. Adverte que, ao seempreender uma leitura, não se deve necessariamente lançar foraou esquecer as próprias opiniões prévias sobre o objeto em ques-tão.

Exige-se, sim, uma abertura para a opinião do alter ou para aopinião do texto. Assim, quem se lança à tarefa de compreenderalgo não se pode deixar dominar completamente pelas própriasopiniões prévias, mas, antes, estar aberto ao texto. No preciso dizerde Gadamer (2005, p. 358), “quem quer compreender um textodeve estar disposto a deixar que este lhe diga alguma coisa”.

Essa postura de abertura do intérprete, no entanto, não equi-vale a uma suposta neutralidade diante do objeto ou anulaçãoabsoluta dos próprios juízos prévios. O que vale é dar-se conta dospróprios preconceitos, apropriar-se deles, a fim de conscientemen-te confrontá-los com o sentido do texto. É a aceitação desse caráteressencialmente preconceituoso da compreensão que apresenta eexpõe a amplitude do problema hermenêutico (GADAMER, 2005,p. 360).

A partir da ideia heideggeriana de círculo hermenêutico,Gadamer afirma que o compreender é dotado de um movimentocircular: a antecipação de sentido que remete ao todo somentechega a uma compreensão explícita na medida em que as partesque se determinam desde o todo, por sua vez, determinam o todo.

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Compreender significa, primariamente, entender-se na coisa e ape-nas secundariamente destacar e compreender a opinião do outrocomo tal.

A compreensão, segundo Hassemer (1985 apud GRAU, 2003,p. 105), é um processo de aproximação em desenvolvimento, queaproxima o sujeito que compreende e o objeto a compreender,até um encontro mútuo, produzindo uma transformação recípro-ca. Ao esboçar o pensamento de Heidegger, Falcão (2000, p. 176-177) apresenta a compreensão como “a capacidade que cada umtem de captar as possibilidades do ser, no conjunto do mundo vitalem que cada um de nós existe. É ontologicamente essencial e ante-cede a qualquer ato do ser”.

1.4 Os preconceitos como pressupostos da compreensão

O novo paradigma linguístico do pensamento filosófico rom-pe com a dicotomia sujeito-objeto própria da tradição metafísicaclássica, que alternava ora no sujeito, ora no objeto, de modo que,a partir dele, não mais se compreende a linguagem como uma ter-ceira coisa que se interpõe entre o sujeito e o objeto. Sendo assim,o sujeito, no seu labor interpretativo, somente pode interpretar apartir dos pré-juízos ou “pré-conceitos” que compõem seupatrimônio cultural, filosófico, ideológico, político, religioso, jurí-dico e estético, ou seja, o seu estar-no-mundo.

A nova hermenêutica leva-nos a reservas quanto ao pensamen-to de Francis Bacon, no que concerne à busca de um intérprete queesteja totalmente despido de suas noções, cujo intelecto é liberadoe expurgado de todos os preconceitos e preconcepções, de tal modoque o acesso ao reino do homem, que repousa sobre as ciências,possa parecer-se com o acesso ao reino dos céus, onde não se permi-te entrar senão sob a figura de criança (BACON, 1997, p. 54). Talacepção não mais é aceita, pois, a partir do chamado linguistic turn,isto é, a virada linguística do pensamento filosófico, não mais se podeconceber a interpretação dissociada dos juízos prévios carreados pelointérprete ao longo de sua experiência vital.

O intérprete apreende o objeto como algo que somente éapreensível linguisticamente. A compreensão será realizada atra-vés das condições proporcionadas pelo horizonte de sentido dopróprio sujeito. Por outros dizeres, o objeto só poderá ser compre-endido na qualidade de linguagem, na qual o sujeito já está pre-viamente imerso (STRECK, 1999, p. 231).

Gadamer (2005, p. 358) afirma o seguinte:

uma consciência formada hermeneuticamente deve,desde o princípio, mostrar-se receptiva à alteridade do

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texto. Mas essa receptividade não pressupõe nem uma“neutralidade” com relação à coisa nem tampouco umanulamento de si mesma; implica antes uma destacadaapropriação das opiniões prévias e preconceitos pesso-ais. O que importa é dar-se conta dos próprios pressu-postos, a fim de que o próprio texto possa apresentar-se em sua alteridade, podendo assim confrontar suaverdade com as opiniões prévias pessoais.

Com base nesse processo interpretativo, e em razão da fusãode horizontes, é que Gadamer rejeita qualquer possibilidade demera reprodução de sentido do objeto pelo sujeito. Considera umaficção insustentável a ideia de que é possível ao intérprete se equi-parar ao leitor original ou produtor do texto, descobrindo-lhe aintenção, ou mesmo a possibilidade de um pretenso sentido autô-nomo do texto. A assertiva é igualmente válida no âmbito dahermenêutica jurídica, pelo que não caberia falar em vontade danorma ou vontade do legislador (STRECK, 1999, p. 232).

Não por outra razão, Gadamer sustenta que a interpretaçãoda norma jurídica é uma tarefa produtiva, criativa, e não mera-mente reprodutiva de sentido, e nem assim o pode ser. O intérpre-te não pode apreender o conteúdo da norma de um ponto devista situado fora de sua existência histórica, mas somente a partirda situação histórica concreta na qual se situa, para o que concor-rerão fortemente, como elementos da pré-compreensão, a autori-dade e a tradição, que, embora banidas pela racionalidade mo-derna de matriz cartesiana, são resgatadas por Gadamer como ele-mentos essenciais da fusão de horizontes que ocorre no encontroentre o sujeito e o objeto linguisticamente mediado.

Na relação do intérprete do Direito com os textos jurídicos e osfatos sociais, estes não mais podem ser concebidos como objetostão somente, diante dos quais o sujeito se põe avalorativamente eos interpreta segundo seu cogito. A partir do novo paradigma, ointérprete é alguém já inserido previamente na linguagem, da qualo objeto já faz parte (STRECK, 1999, p. 230).

2 O novo papel do juiz no Direito

Boa parte dos intérpretes/aplicadores do Direito ainda estáfortemente arraigada ao paradigma epistemológico da filosofia daconsciência, segundo o qual o sujeito está diante de um objeto aser interpretado e mediante o qual a atividade interpretativa visa adescobrir, desvelar, e assim reproduzir um suposto sentido normativoimanente, e não o construir. Dentro dessa perspectiva, os juristastradicionalmente interpretam e aplicam o Direito segundo deter-minadas preconcepções, no mais das vezes aquela que corresponde

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ao paradigma liberal, negando ou desconhecendo, entretanto, suaimersão nesse paradigma e sustentando uma pretensa neutralida-de axiológica.

A neutralidade do juiz, classicamente aplicador do Direito, estáligada ao pensamento de Francis Bacon, no qual, para alcançar oconhecimento, exige-se a liberdade do pensamento de conceitosanteriores, ou seja, o não envolvimento do sujeito cognoscentecom o objeto apreciado. Entretanto,

não é aceitável falar-se em uma neutralidade pura,absoluta, como se o julgador fosse máquina, sem sen-timentos, sem passar por angústias, acrítico, que sim-plesmente atua ditando a letra morta da lei, pois, aele é dada a tarefa de dar vida à letra da lei. Paratanto necessita fazê-lo de forma reflexiva e crítica,valendo-se das lacunas deixadas pelo legislador burgu-ês no ordenamento jurídico, sob pena de não conse-guir alcançar justiça em suas decisões (RAMIRO, [20--],p. 12).

A doutrina e a jurisprudência predominantes fixam os termosdo horizonte de sentido dos juristas, que nelas buscam constantereferência para exercer um labor de mera reprodução da interpre-tação das fontes “autorizadas”. A autoridade, aqui, não exerce osalutar papel no campo da compreensão como queria Gadamer,mas um papel pernicioso de limitação das possibilidades de cons-trução democrática do Direito.

O fenômeno em razão do qual a comunidade de intérpretesjurídicos limita o sentido do Direito somente àquilo que diz a juris-prudência e a doutrina justifica em parte a afirmação de Portanova(2000, p. 124), segundo a qual “a jurisprudência dominante é avitória de dado programa político nos tribunais”. Essa obediênciacega à tradição e à autoridade, bem como o desconhecimento daprópria capacidade de construir o sentido da norma jurídica, com-põe aquilo que Warat (1994 apud STRECK, 1999, p. 51), apresentacomo “senso comum teórico dos juristas”.

Todavia, de acordo com o novo paradigma hermenêutico, se-gundo o qual a norma jurídica não é um dado, mas algo construído,o intérprete/aplicador do Direito deve tomar consciência da suaatividade constitutiva da norma, e não meramente declaratória. Ojuiz exerce papel proeminente nessa tarefa, pois, embora toda acomunidade jurídica interprete o Direito, somente o juiz realizaplenamente o processo de interpretação até seu ponto culminan-te, que é a elaboração de uma norma de decisão, o que levouKelsen (1979 apud GRAU, 2003, p. 24) a considerar o juiz como o“intérprete autêntico”.

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Demais, à vista do papel essencial e imanente das preconcepçõesna compreensão da norma jurídica como objeto de interpretação, etendo em conta que nenhum intérprete está alheio aos preconcei-tos e juízos prévios que compõem sua historicidade, a identificaçãoda existência de motivações ideológicas subjacentes à norma de de-cisão (sentença) projeta a necessidade de conhecê-las, como garan-tia do controle intersubjetivo da atividade jurisdicional e reforço desua própria legitimação. Nesse passo, como forma de prevenir aocultação ideológica nas razões sentenciais, Portanova (2000) pro-põe que o juiz deva deixar expressamente consignada qual ou quaiscircunstâncias sociais, políticas ou econômicas o levaram a se decidir.Assim pondera o desembargador gaúcho:

É necessário que as partes possam acompanhar o racio-cínio do juiz, pois só assim lhes é dado saber se, partindode diretrizes válidas, foram devidamente consideradosos fatores que envolvem o fato na realidade. Por evi-dente, não estarão aplacadas as ideologias, nem dimi-nuídos os espaços ideológicos, pois a interpretação sóinterpreta o intérprete. O juiz continua livre para ado-tar uma ou outra forma de dizer o Direito. A opção élivre, mas ele deverá demonstrar como se convenceu. Éuma tentativa de, na medida do possível, revelar a ide-ologia, ou seja, “fazer aparecer o invisível”(PORTANOVA, 2000, p. 148).

O papel do juiz no processo, sob essa ótica crítica, é necessari-amente ativo, nunca meramente passivo. Ele garante a paz socialpela atuação das regras de convivência, incentiva o contraditório,intervém no interesse do mais fraco para garantir a paridade dearmas e envida esforços para aplicar a mais pura justiça (MARQUES,2006).

3 A influência dos preconceitos no processo de interpretaçãodo juiz

O paradigma epistemológico racionalista, a busca pela essên-cia, pelo ser em si das coisas do mundo, a separação dicotômicaentre sujeito e objeto e o dualismo verdadeiro-falso, característicosdo pensamento essencialista, ainda têm bastante influência sobrea epistemologia jurídica, notadamente quanto ao papel do juizno processo judicial na interpretação dos textos normativos (CATÃO,2005).

Musetti (1998) afirma:

a Hermenêutica Jurídica apresenta uma peculiaridadeimportantíssima, [...] permite interpretar o

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ordenamento jurídico dando-lhe um novo significadoque, muitas vezes, não foi almejado pelo próprio legis-lador.[...]À Hermenêutica Jurídica cabe reconhecer os valores queestão subjacentes à letra da lei e, mais que isto, cuidarpara que estes valores continuem direcionados para acausa do homem e da sociedade.

O papel desempenhado pelo juiz no processo é interpretar eaplicar a norma ao caso concreto, buscando a pacificação social. Ojurista constrói o sentido da norma a partir de um determinadocaso concreto, ou seja, ele deve construir o conteúdo normativo,respeitando o caso ao qual irá aplicá-lo (MUSETTI, 1998).

A sistematização do Direito consiste na solução dos conflitosmediante a derivação das consequências lógicas do conjunto dasnormas jurídicas. As normas são obtidas a partir dos textos jurídi-cos, sejam legais ou jurisprudenciais, entendidos como expressõeslinguísticas, portanto como enunciados significantes, dotados dealgum significado (FARALLI, 2006, p. 58).

Do agir do juiz é exigida neutralidade, pela qual ele se despede todos os seus preconceitos, a fim de se satisfazerem as necessida-des de segurança e limitação do poder dos magistrados, tratando aatividade jurisdicional como algo mecanizado e sem criatividade,em que o intérprete não leva em consideração valores ou outrasquestões subjetivas, nos moldes exigidos pelo racionalismo moder-no ainda reinante (CATÃO, 2005).

Entretanto, percebe-se claramente uma confusão entre neu-tralidade e imparcialidade, pois, no entender de Gadamer (2005,p. 360), a contrariar o pensamento de Bacon:

preconceito não significa pois, de modo algum, falsojuízo, uma vez que seu conceito permite que ele possaser valorizado positiva ou negativamente [...] e no pro-cedimento da jurisprudência um preconceito é uma pré-decisão jurídica, antes de ser baixada uma sentençadefinitiva.

Depreende-se, pois, da perspectiva gadameriana, que os pre-conceitos, prenoções, juízos prévios ou ideologia não devem sertemidos, disfarçados ou ocultados, pois representam elementos es-senciais do processo de compreensão. Ainda segundo Gadamer(2005, p. 359):

uma compreensão guiada por uma consciênciametodológica procurará não simplesmente realizar suasantecipações, mas, antes, torná-las conscientes parapoder controlá-las e ganhar assim uma compreensão

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correta a partir das próprias coisas. [...] São os precon-ceitos não percebidos os que, com seu domínio, nos tor-nam surdos para a coisa de que nos fala a tradição.

Gadamer (2005, p. 358) sugere, pois, que o importante é dar-se conta dos próprios pressupostos, a fim de que o texto possa seapresentar em sua alteridade, podendo assim confrontar sua ver-dade com as opiniões prévias pessoais e ensejando, portanto, afusão de horizontes que é imanente à compreensão linguisticamentemediada.

Não há como exigir do intérprete do Direito a neutralidade,pois não há como se despir absolutamente dos preconceitos. ParaFerreira (1986 apud PAMPLONA FILHO, 2006, p. 2), o vocábulo “neu-tro” representa aquele “que não toma partido nem a favor nemcontra; neutral”. A neutralidade pressupõe, do ponto de vista ci-entífico, o não envolvimento do cientista com o objeto de sua ci-ência, o que parece algo de uma impossibilidade palpitante.

O juiz não deve se pretender neutro. Ele não pode esquecer-se de que, antes de ser juiz, é ser humano com formação acadêmi-ca, concepções, traumas, paixões, que não podem ser abdicadas,“eis que a manifestação de sentimentos é um dos aspectos funda-mentais que diferencia a própria condição de ente humano emrelação ao frio ‘raciocínio’ das máquinas computadorizadas”(PAMPLONA FILHO, 2006, p. 5). Ademais, em qualquer atividadedo conhecimento humano, sempre há escolhas que devem ser efe-tivadas.

Quem exige e impõe uma neutralidade ao juiz, ao contráriodo que se pensa, não está de forma alguma sendo neutro, poismesmo aquele que propugna pela neutralidade acaba tomandouma posição (ainda que seja por esta busca da neutralidade)(PAMPLONA FILHO, 2006, p. 4). Deve-se exigir dele que seja impar-cial – que julga sem paixão; reto, justo. A imparcialidade do juiz épressuposto para que a relação processual se instaure validamente.É nesse sentido que se diz que o órgão jurisdicional deve ser subje-tivamente capaz.

A incapacidade subjetiva do juiz, que se origina da suspeitade sua imparcialidade, afeta profundamente a relação processual.Justamente para assegurar a imparcialidade do juiz, as constitui-ções lhe estipulam garantias (CF/88, art. 95), prescrevem-lhe vedações(art. 95, parágrafo único) e proíbem juízos e tribunais de exceção(CINTRA; GRINOVER; DINAMARCO, 1998, p. 51-52).

Definida a distinção entre neutralidade – que não pode serexigida do juiz, bem como não o pode ser de quem quer que seja– e imparcialidade – dever do juiz de não tomar partido de qual-quer das partes –, é bom esclarecer que não se pode admitir que

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este aja com deslealdade quando a escolha dos fundamentos lhefor sugerida não pelo interesse da busca da verdade e da justiçano caso concreto, mas pelo interesse de sua vida pessoal, ou mes-mo de sua vida profissional. Sobre a questão, ensina PamplonaFilho (2006, p. 17):

estas são pequenas artimanhas cavilosas, às quais seriapreferível que o juiz nunca recorresse, do mesmo modoque não gostaríamos de perceber que, certas vezes, osmagistrados, chamados a enfrentar em suas sentençasquestões gerais de ressonância política (como certasquestões relativas à liberdade religiosa ou à liberdadede imprensa), decidem segundo a justiça no dispositivo,mas na fundamentação encontram o meio de se refugi-ar por trás de argumentos de fato, a fim de não secomprometerem a dar sua opinião sobre a questão dedireito. Essa arte de eludir as questões comprometedo-ras pode ser apreciável num diplomata; no juiz, eu aqualificaria como inconveniente timidez.

O juiz não é um agente neutro, conquanto deva manter aimparcialidade. Não há como exigir do magistrado que se dispadas suas preconcepções e preconceitos. Ele deve apreciar o caso deacordo com os princípios da justiça, buscando a verdade dos fatos,sem aderir a qualquer das partes. A norma de decisão será semprea síntese do embate entre os fatos aduzidos pelas partes e da apli-cação da(s) norma(s) pelo intérprete autêntico. Fatos e normas,contudo, são sempre produtos de interpretação e, a fortiori,consectários de toda a carga de subjetividade que o juiz derramano ato de decidir.

Conclusão

Este pequeno excurso procurou esboçar um quadro compara-tivo entre duas acepções do conhecimento hermenêutico: a pri-meira, dita clássica, baseada num paradigma metafísico –objetificante da filosofia da consciência –, ao lado do qual pode-mos colocar o método de Bacon; e a segunda, calcada na chamadarevolução linguística do pensamento filosófico do século XX, base-ada no pensamento de Heidegger e Gadamer, como precursoresda nova hermenêutica.

A racionalidade científica moderna, partindo da dúvida me-tódica cartesiana, se propunha a não aceitar como verdadeiro tudoque não se apresentasse absolutamente evidente ao sujeito. Baconprossegue nesse paradigma ao sintetizar seu método, cujo objeti-vo era expurgar a experiência humana de todas as influências,preconcepções e conceitos predeterminados, que se interporiam

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VINICIUS CARDONA FRANCA ARTIGO

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entre o sujeito e o alcance do verdadeiro conhecimento sobre oobjeto digno de ser tomado como científico.

A acepção heideggeriana da compreensão e a ideia de círcu-lo hermenêutico resgatam o papel dos preconceitos como elemen-tos imanentes da interpretação do objeto. A partir de Heidegger eGadamer, a linguagem deixa de constituir um terceiro elementointerposto entre o sujeito e o objeto: o intérprete é alguém já pre-viamente inserido na linguagem, da qual o objeto fatalmente fazparte. Daí porque, se compreensão é mediada por uma linguagemque previamente contém o sujeito e o objeto, o intérprete, pormais que se esforce para tanto, não pode se desvencilhar dos con-ceitos preconcebidos que compõem sua historicidade. O processointerpretativo enseja uma retroalimentação entre a abordagem doobjeto, saturada pelos preconceitos subjetivos, e a transformaçãoda mundividência do sujeito a partir da (re)construção do sentidodo objeto.

A nova hermenêutica provoca a necessidade de uma radicalmudança na produção, na interpretação e na aplicação do Direito.Algumas das suas consequências práticas são:

• primeira, a constatação da falácia da ideia de “verdadeiro”,“único” ou “melhor” sentido da norma. O que há são sentidospossíveis;

• segunda, a dificuldade de se continuar aceitando a ideia demero desvendamento, descoberta ou revelação do sentido da nor-ma, como se o sentido fosse um ente guardado no invólucro dosignificante textual. A atividade interpretativa do Direito é, pois,constitutiva, e não simplesmente declaratória. A norma não é umdado, mas uma construção;

• terceiro, a comunidade de intérpretes do Direito precisa to-mar consciência de sua capacidade de interpretar a norma a partirda construção de seu sentido, e não apenas reproduzindo inter-pretações das fontes consideradas autorizadas: a jurisprudência e a“melhor” doutrina.

Todos fazem parte de uma comunidade de intérpretes, paraconcordar com Häberle (1997, p. 12). O legislador produz textos,mas os sentidos dos textos legais não ficam e não devem ficarengessados e cingidos à vontade original do legislador. Os tribu-nais, particularmente o Tribunal Constitucional, racionalizam a ati-vidade jurisdicional com a edição de súmulas de jurisprudência,mas suas decisões não são necessariamente melhores do que as dosjuízes singulares de primeiro grau. Os advogados apresentam ver-sões dos fatos e do Direito aplicáveis ao conflito de interesses, maselas são apenas topos na argumentação envolvida no processo.Por fim, os juízes, produtores da norma de decisão, precisam de

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A INFLUÊNCIA DOS PRECONCEITOS NO PROCESSO DE INTERPRETAÇÃO E APLICAÇÃO DA NORMA JURÍDICA

uma vez por todas dar-se conta do seu poder e dever de construiro sentido da norma jurídica para então a aplicar, e não reprodu-zir mecanicamente o sentido dado, sob pena de se continuar apar-tando a função jurisdicional do princípio da justiça. Essa é, cre-mos, a grave e urgente missão da nova hermenêutica na seara doDireito.

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VINICIUS CARDONA FRANCA ARTIGO

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PARTE 2

JURISPRUDÊNCIA

PARTE 2

JURISPRUDÊNCIA

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RECURSO ORDINÁRIO EM AÇÃO RESCISÓRIA. IRREGULARIDADE NA CITAÇÃO. CERCEAMENTO DE DEFESA. PRINCÍPIOS CONSTITUCIONAIS

Tribunal Superior do Trabalho

Recurso ordinário em ação rescisória. Irregularidade na citação.Cerceamento de defesa. Princípios constitucionais.

ACÓRDÃO

RECURSO ORDINÁRIO EMAÇÃO RESCISÓRIA. CERCEA-MENTO DE DEFESA. IRREGULA-RIDADE NA CITAÇÃO. DÚVIDASACERCA DO RECEBIMENTO DOINSTRUMENTO CITATÓRIO. VIO-LAÇÃO DOS ARTIGOS 5º, LIV ELV, DA CONSTITUIÇÃO FEDERALE 841, § 1º, DA CLT. OCORRÊN-CIA.

1. É de ser exigido que, no cur-so da relação processual, sejam es-tritamente observados os princípi-os constitucionais do devido pro-cesso legal, do contraditório e daampla defesa, inerentes eindissociáveis ao regular andamen-to do feito.

2. Embora o Direito Processualdo Trabalho seja marcado pelo de-sapego às formalidades excessivas,permitindo-se que a citação se dêpor via postal, tal avanço, em prolda celeridade do processo, nãopode servir para trazer incertezasà regularidade de ato processualde tamanha importância ao regu-lar curso da lide, haja vista asconsequências advindas da revelia.

3. No presente caso, do Avisode Recebimento da notificação decitação da reclamada não se podeextrair que este fora recebido porfuncionário da instituição bancá-ria destinatária, porquanto ausen-

te qualquer identificação que con-firmasse o seu nome, cargo e nú-mero de matrícula.

4. Ante o irregular procedimen-to citatório, em desatenção ao dis-posto no artigo 841, § 1º, da CLT,que levou à revelia da reclamada,mostra-se evidente o cerceamentode defesa, porquanto violado odisposto no artigo 5º, LIV e LV, daConstituição Federal, o que impõea rescisão da decisão rescindenda.

5. Recurso ordinário em açãorescisória a que se dá provimento.

Vistos, relatados e discutidosestes autos de Recurso Ordinárioem Ação Rescisória n° TST-ROAR-23700-06.2007.5.12.0000, emque é Recorrente CAIXA ECONÔ-MICA FEDERAL - CEF e RecorridoALAÉCIO MONTEIRO SILVY.

Perante o Tribunal Regional doTrabalho da 12ª Região, a CAIXAECONÔMICA FEDERAL - CEF ajui-zou ação rescisória, com fulcrono artigo 485, V, do CPC, cujo ob-jetivo é a desconstituição doacórdão proferido nos autos dareclamação trabalhista nº 02977/2002-014-12-00.9, na qual a referi-da empresa pública restou conde-nada ao pagamento de parcelastrabalhistas em favor de ALAÉCIOMONTEIRO SILVY

Por meio do acórdão de fls. 605/613, a Corte Regional julgou impro-cedente a pretensão rescisória, por

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TRIBUNAL SUPERIOR DO TRABALHO JURISPRUDÊNCIA

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não restar configurado o alegadocerceamento de defesa decorrenteda irregularidade da citação, cas-sando os efeitos da liminar anteri-ormente deferida.

Inconformada, a autora inter-põe recurso ordinário, no qual re-afirma a tese de cerceamento dedefesa - em virtude do fato de quea citação fora encaminhada paraendereço incorreto (fls. 618/635) -,da ocorrência da prescrição e daincompetência do juízo de 1ºgrau. Para tanto, sustenta violaçãodos artigos 5º, LIV e LV, e 7º, XXIX,da Constituição Federal; dos arti-gos 11, I, 651, 794, 798 e 841, capute § 1º, da CLT; do art. 219, § 5º, doCPC; e do artigo 189 do CC.

Pela decisão de fl. 835, o recur-so ordinário foi recebido pela Pre-sidência do Tribunal a quo.

Contrarrazões apresentadas àsfls. 848/865.

O d. Ministério Público do Tra-balho não oficiou nos autos.

É o relatório.

VOTO

1. CONHECIMENTOAtendidos os pressupostos

extrínsecos de admissibilidaderecursal, considerados atempestividade (fl. 614 e 618), arepresentação processual regular(fl. 636) e o recolhimento do pre-paro (fls. 638), conheço do recur-so ordinário.

2. MÉRITO2.1. CERCEAMENTO DE DEFE-

SA. IRREGULARIDADE NA CITA-ÇÃO. OCORRÊNCIA.

A egrégia Corte Regional julgouimprocedente a pretensão rescisó-

ria por entender que, não obstanteconstar endereço inexistente domandado citatório, logrou êxito aECT em entregar o documento parao seu correto destinatário, já que erapública e notória a localização daCEF na cidade de São José/SC. Aofundamentar sua decisão, registrou:

“(...) segundo incerto na própriaexordial (fl. 07), a rua que constouda correspondência enviada pelaVara do Trabalho e o número res-pectivo (Rua Roberto Leal nº 1.839,Barreiros, São José) não existem.Portanto, não se trata de endereçoincorreto, mas sim de endereçoinexistente no qual, pela lógica,ninguém seria encontrado peloservidor da ECT.

Sucede que este logrou entre-gar a correspondência alusiva à au-diência inicial para a Sra. Sandra(fl. 113-v), tendo comprovado o réuque havia funcionária com estenome na agência Coronel Américo(fls. 173 e 548).

De outro lado, na intimaçãoconcernente à sentença, na qualconstou idêntico endereço da de-manda, o mesmo carteiro que feza entrega do documento anteri-or, Paulo Wilson Tadeu Araújo,procedeu, sem maiores proble-mas, à entrega, na pessoa do Sr.Luiz Henrique Morais de Lima (fl.124-v).

Dessa sorte, a ilação que se podeextrair desse histórico é que, à vis-ta de um endereço inexistente, etendo ciência o carteiro - porquepública e notória a localização daagência da CEF - do correto, agiucom presteza e realizou a notifica-ção tanto no ato da citação inicialcomo da intimação da sentença.

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RECURSO ORDINÁRIO EM AÇÃO RESCISÓRIA. IRREGULARIDADE NA CITAÇÃO. CERCEAMENTO DE DEFESA. PRINCÍPIOS CONSTITUCIONAIS

Portanto, foram garantidos, incasu, o devido processo legal, o con-traditório e a ampla defesa previs-tos nos artigos 5º, LIV e LV, da Cons-tituição Federal.

Também não se cogita de afron-ta ao regime de nulidades da CLT,mais especificamente os artigos 794e 798, visto que os atos citatórios/notificatórios alcançaram o seuobjetivo noticiador da existênciada lide e da respectiva decisão, ten-do sido respeitado o artigo 841,caput e parágrafo 1º, da CLT.” (fls.130/131)

No recurso ordinário sustenta arecorrente, em síntese, que a cita-ção “não foi regularmente efetua-da, posto que a notificação inicialfoi remetida para endereço incor-reto, não tendo a reclamada aoportunidade de exercer seu direi-to constitucional de ampla defe-sa”, pelo que violado o dispostono artigo 5º, LIV e LV, da Consti-tuição Federal, bem como o arti-go 841 da CLT (fl. 620).

Passo à análise da alegação.Dúvida não há em relação à exi-

gência de que, no curso da relaçãoprocessual, sejam estritamente ob-servados os princípios constitucio-nais do devido processo legal, docontraditório e da ampla defesa,inerentes e indissociáveis ao regu-lar andamento do feito.

A tutela de tal observância, écerto, está conferida aos magistra-dos de todas as instâncias, aosquais cabe a condução das lidesatenta ao balizamento exigidopelos referidos princípios constitu-cionais, tendentes a proporcionaraos litigantes oportunidades iguaisde afirmação de seus direitos.

Ante tais premissas, tem-se que,no presente caso, impõe-se respon-der a seguinte pergunta: Estariacorreto o entendimento exaradopela instância a quo em relação àalegada ocorrência de violação aoartigo 5º, LIV e LV, da ConstituiçãoFederal?

Para o melhor esclarecimentodos fatos que fundam a alegadanulidade no procedimento de ci-tação da instituição bancária, e ocerceamento de defesa daí decor-rente, mostra-se oportuno focar adiscussão na correção ou não dosprocedimentos adotados pela Em-presa Brasileira de Correios e Telé-grafos - ECT para efetivar a entre-ga da notificação de citação.

Com efeito, diante do desape-go às formalidades excessivas e dofoco na celeridade processual, am-bos a informarem o Direito Proces-sual do Trabalho, tem-se que o ar-tigo 841, § 1º, da CLT prevê que anotificação para comparecimentodo réu à audiência de julgamentose dê por via postal, o que, efeti-vamente, ocorreu nos presentesautos.

Ocorre que, na petição inicial,o autor indicou como sendo o en-dereço da ré a Rua Roberto Lealnº 1839, em São José-SC, endere-ço inexistente naquela localidade,pelo que motivou o funcionário daECT, ante a sabença do correto en-dereço da agência da Caixa Econô-mica Federal naquela localidade,a entregar o documento citatóriono endereço Avenida LeobertoLeal nº 389, também na referidacidade.

É certo que a jurisprudênciadesta Corte afirma que a citação

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TRIBUNAL SUPERIOR DO TRABALHO JURISPRUDÊNCIA

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deve ser considerada válidaquando entregue no correto en-dereço do réu. Nesse sentido,cite-se, por exemplo, o seguinteprecedente da SBDI-2, verbis:

“RECURSO ORDINÁRIO DORÉU - ANTÔNIO AGUIAR MANDU.NULIDADE DE CITAÇÃO. NÃOCONFIGURADA. A citação no pro-cesso de trabalho apresenta pecu-liaridades que a diferem daquelarealizada no processo comum (art.215 do CPC e seguintes). De fato, oartigo 841 da CLT bem espelha onotório sistema da impessoalidadeda citação que vigora nesta JustiçaEspecializada, considerando queela se processa mediante notifica-ção postal, expedida automatica-mente para o endereço do recla-mado, fornecido pelo reclamantena petição inicial. Tal sistema visaa garantir maior rapidez na comu-nicação, em homenagem ao prin-cípio da celeridade, norteador doprocesso trabalhista, afastando,assim, a necessidade de que a cita-ção se faça pessoalmente, sendobastante, para considerá-la válida,que seja entregue no correto en-dereço do reclamado, o que nocaso, diante das provas carreadasaos autos, entendo comprovado.Desta forma, incólumes os artigos841, § 1º, da CLT e 5º, inciso LV, daConstituição Federal. Recurso ordi-nário provido. Neste passo, em facedo provimento dado ao recursoordinário do réu, resta prejudica-do o exame do recurso adesivo doautor.” (SBDI-2, ROAR-746.040/2001.6, Rel. Min. Renato deLacerda Paiva, DJ de 13/04/2007)

Ocorre que, no presente caso,há particularidade fática que

julgo suficiente a afastar a incidên-cia de tal entendimento.

Como se vê à fl. 113-v, o Avisode Recebimento - AR, referenteà citação da CEF, foi assinado poruma destinatária chamada Sandraque, ao lado de assinatura simples,apôs o número 986516. Outro, en-tretanto, foi o procedimento veri-ficado quando da notificação dasentença, também enviado para oreferido endereço inexistente, oque levou o mesmo Carteiro a en-tregar o documento no correto lo-cal. Ocorre que, nessa segundaoportunidade, vê-se claramenteque o Aviso de Recebimento foientregue ao Sr. Luiz HenriqueMorais de Lima, que, abaixo desua assinatura, apôs carimbo noqual consta o seu cargo de Escri-turário e sua Matrícula, a de nº040663.

Penso que justamente aqui re-side a incerteza que afasta a apli-cação ao presente caso da referidajurisprudência desta Corte.

Não obstante encaminhadopara endereço inexistente, tenhoque não se pode questionar a re-gular notificação da reclamadaem relação à sentença, postoinquestionável o recebimentopor funcionário devidamente iden-tificado por assinatura e por carim-bo no qual consta nome, cargo ematrícula que o vincula à institui-ção bancária.

Outra, contudo, é a conclusãoem relação à notificação citatória.

Com efeito, embora o DireitoProcessual do Trabalho seja marca-do pelo referido desapego àsformalidades excessivas, inerentesà lei substantiva civil, penso que

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RECURSO ORDINÁRIO EM AÇÃO RESCISÓRIA. IRREGULARIDADE NA CITAÇÃO. CERCEAMENTO DE DEFESA. PRINCÍPIOS CONSTITUCIONAIS

tal avanço, em prol da celeridadedo processo, não pode servir paratrazer incertezas à regularidade doato processual que reputo ser omais importante no curso da lide,haja vista as consequênciasadvindas da revelia.

A simples aposição do nomeSandra e do número 986516 noverso do Aviso de Recebimento danotificação citatória (fl. 113-v), pen-so eu, não tem o condão de impri-mir a certeza de que o documentofoi efetivamente entregue a pes-soa habilitada para tanto.

É certo que dos autos extrai-seque, posteriormente, foi constata-do que na Agência CoronelAmérico, localizada naquele ende-reço, já trabalhou ou trabalha aSra. Sandra Regina de SouzaKretzer, conforme noticia a cópiada listagem de fls. 173. Entendo,contudo, que tal fato não lograafastar as dúvidas acerca da regu-laridade da citação, posto que cons-ta do referido documento que aMatrícula da referida funcionária,no âmbito da reclamada, é a denúmero 2594-5, que em nada ligaao número posto no Aviso de Re-cebimento, qual seja, 986516.

Justamente em razão deste fato,é que o acórdão rescindendo afir-ma que seria “presumível que oagente do correio tenha procedi-do a entrega da correspondênciano endereço correto” (fl. 202).

Contudo, em se tratando de atocitatório, deve-se exigir a mínimacomprovação da regularidade dacitação, o que se daria, é certo, setivesse sido aposto carimbo queidentificasse a referida funcionáriacom cargo e matrícula. Como isso

não ocorreu, penso que poderia ofuncionário da ECT proceder à de-volução da notificação ao Juízo,informando a inexistência do en-dereço, o que levaria o magistra-do a intimar o reclamante para queindicasse o correto endereço paranova citação.

Ocorre que tal proceder pode-ria ser exigido de um Oficial deJustiça, afeito às coisas do foro eàs normas processuais, mas não deum simples funcionário da ECTque, por não ser servidor do PoderJudiciário, é desprovido de consci-ência das consequências jurídicasdecorrentes da possível nulidadeda citação que se efetiva.

Assim, haja vista que não há ele-mentos que confirmem que a assi-natura aposta no Aviso de Recebi-mento é realmente da funcionáriada ECT, tenho que, mesmo que aCLT preveja que a notificação ini-cial seja feita em registro postal,nos termos do § 1º do artigo 841da CLT, não se pode admitir que aincerteza quanto a regularidade dacitação possa impor à reclamada osgraves efeitos da revelia, pelo queentendo como vulnerados os prin-cípios constitucionais processuaisinscritos no artigo 5º, LIV e LV, daConstituição Federal, bem como odisposto no artigo 841, § 1º, da CLT.

Do exposto, ante a violação doartigo 5º, LIV e LV, da ConstituiçãoFederal, dou provimento ao re-curso ordinário para julgar proce-dente a ação rescisória,desconstituindo a decisãorescindenda e, em juízo rescisório,anular todos os atos processuais apartir da citação, determinando abaixa dos autos à 2ª Vara do Traba-

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TRIBUNAL SUPERIOR DO TRABALHO JURISPRUDÊNCIA

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lho de Florianópolis/SC, onde oprocesso deverá ser processado deforma regular.

ISTO POSTOACORDAM os Ministros da

Subseção II Especializada emDissídios Individuais do TribunalSuperior do Trabalho, por maioria,vencidos os Excelentíssimos Minis-tros João Orestes Dalazen eEmmanoel Pereira, dar provimen-to ao recurso ordinário para julgarprocedente a ação rescisória, des-constituindo a decisão rescindenda

e, em juízo rescisório, anular to-dos os atos processuais a partir dacitação, bem como determinar abaixa dos autos à 2ª Vara do Traba-lho de Florianópolis/SC, onde oprocesso deverá ser processado deforma regular.

Brasília, 29 de junho de 2010.Firmado por assinatura digital

(MP 2.200-2/2001)CAPUTO BASTOSMinistro RelatorROAR 23700-06.2007.5.12.0000 -

DEJT 13/08/2010

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INFORMAÇÕES PROCESSUAIS VIA INTERNET. ERRO OU FALHA DO SISTEMA. JUSTA CAUSA IDENTIFICÁVEL. ART. 5º, LVXXII, DA CONSTITUIÇÃO.

Superior Tribunal de Justiça

Informações processuais via internet. Caráter oficial. Lei n. 11.419/2006. Prestígio à eficácia e confiabilidade das informaçõesprestadas pela internet. Erro ou falha do sistema. Justa causaidentificável. Conjuntura legislativa e jurisprudencial. Melhoriada prestação jurisdicional. Art. 5º, Inciso LVXXII, da Constituição.

EMENTA OFICIAL

RECURSO ESPECIAL - PROCESSOCIVIL – INFORMAÇÕES PROCESSU-AIS DISPONIBILIZADAS VIA INTERNET– CARÁTER OFICIAL À LUZ DA LEI N.11.419/2006 - PRESTÍGIO À EFICÁCIAE CONFIABILIDADE DAS INFORMA-ÇÕES PRESTADAS POR MEIO DAINTERNET - HIPÓTESE DE ERRO OUFALHA DO SISTEMA – JUSTA CAUSA- POSSIBILIDADE DE IDENTIFICAÇÃO– CONJUNTURA LEGISLATIVA EJURISPRUDENCIAL - ATUALIDADE -HOMENAGEM À ADOÇÃO DE RECUR-SOS TECNOLÓGICOS - MELHORIA DAPRESTAÇÃO JURISDICIONAL - ART. 5º,INCISO LVXXII, DA CARTA REPUBLI-CANA - RECURSO ESPECIALIMPROVIDO.

I - Com o advento da Lei n.11.419/2006, que veio disciplinar“(...) o uso de meio eletrônico natramitação de processos judiciais,comunicação de atos e transmissãode peças processuais”, a tese de queas informações processuaisfornecidas pelos sites oficiais dosTribunais de Justiça e/ou TribunaisRegionais Federais, somente pos-suem cunho informativo perdeusua força, na medida em que, ago-ra está vigente a legislação neces-sária para que todas as informações

veiculadas pelo sistema sejam con-sideradas oficiais.

II - A razão desta interpretaçãoé consentânea com o art. 4º, capute § 2º da Lei n. 11.419/2006, queexpressamente apontam, in verbis:”(...) Art. 4º. Os tribunais poderãocriar Diário da Justiça eletrônico,disponibilizado em sítio da redemundial de computadores, parapublicação de atos judiciais e ad-ministrativos próprios e dos órgãosa eles subordinados, bem como co-municações em geral.(...) § 2.º Apublicação eletrônica na formadeste artigo substitui qualqueroutro meio e publicação oficial,para quaisquer efeitos legais, àexceção dos casos que, por lei, exi-gem intimação ou vista pessoal.”

III - A disponibilização, pelo Tri-bunal, do serviço eletrônico deacompanhamento dos atos proces-suais, para consulta das partes e dosadvogados, impõe que ele se rea-lize de modo eficaz, uma vez quehá presunção de confiabilidade dasinformações divulgadas. E, no casode haver algum problema técnicodo sistema, ou até mesmo algumerro ou omissão do serventuário dajustiça, responsável pelo registrodos andamentos, que porventuraprejudique uma das partes, pode-

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SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA JURISPRUDÊNCIA

244 Revista de Direito da ADVOCEF – Ano VI – Nº 12 – Mai 11

rá ser configurada a justa causaprevista no caput e § 1º do art. 183do Código de Processo Civil, salvoimpugnação fundamentada daparte contrária.

IV - A atual conjuntura legislativae jurisprudencial é no sentido de,cada vez mais, se prestigiar a divul-gação de informações e a utilizaçãode recursos tecnológicos em favorda melhor prestação jurisdicional,com evidente economia de recursospúblicos e em harmonia com o quedispõe o art. 5º, inciso LXXVIII, daCarta Republicana.

V - Recurso especial improvido.

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos osautos em que são partes as acimaindicadas, acordam os Ministros daTERCEIRA TURMA do Superior Tribu-nal de Justiça, na conformidade dosvotos e das notas taquigráficas a se-guir, a Turma, por unanimidade, ne-gar provimento ao recurso especial,nos termos do voto do(a) Sr(a).Ministro(a) Relator(a). Os Srs. Minis-tros Paulo de Tarso Sanseverino, VascoDella Giustina (Desembargador con-vocado do TJ/RS) e Nancy Andrighivotaram com o Sr. Ministro Relator.Ausente, justificadamente, o Sr. Mi-nistro Sidnei Beneti.

Brasília, 16 de dezembro de2010(data do julgamento)

MINISTRO MASSAMI UYEDARelatorREsp 1.186.276 - DJe 02/02/2011

RELATÓRIO

O EXMO. SR. MINISTROMASSAMI UYEDA (Relator): Cui-

da-se de recurso especial interpos-to por ANDRESSA VALENTE DA SIL-VA fundamentado no art. 105,inciso III, alíneas “a” e “c”, do per-missivo constitucional, em que sealega violação do art. 241, inciso I,do Código de Processo Civil, bemcomo dissídio jurisprudencial.

Os elementos existentes nosautos noticiam que a ora recorren-te, ANDRESSA VALENTE DA SILVAajuizou, em face da ora recorrida,SOGIL - SOCIEDADE DE ÔNIBUS GI-GANTE LTDA., demanda indeni-zatória, por danos morais e mate-riais, em razão de acidente de trân-sito que envolveu veículoautomotor de propriedade destaúltima, ocorrido em 11 de novem-bro de 2004. (fls. 19/40)

Devidamente citada (fl. 70), a orarecorrida, SOGIL – SOCIEDADE DEÔNIBUS GIGANTE LTDA., apresentoucontestação (fls. 76/104), ocasião emque impugnou, especificamente, osfundamentos da petição inicial. Naoportunidade, apresentou pedidode denunciação da lide em face daseguradora Hannover InternationalSeguros S. A.

Contudo, às fls. 159/161, oMeritíssimo Juiz da 1ª Vara Cível daComarca de Gravataí/RS, Dr. Rodrigode Souza Allemy, reconheceu aintempestividade da peçacontestatória apresentada pela orarecorrida, SOGIL - SOCIEDADE DEÔNIBUS GIGANTE LTDA., e, ato con-tínuo, declarou sua revelia. Dentreseus fundamentos, destacam-se osseguintes, in verbis: “(...) é questãosedimentada na jurisprudência ofato de que para a contagem de pra-zo o que é relevante é a informaçãoconstante nos autos, sendo aquela

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245Revista de Direito da ADVOCEF – Ano VI – Nº 12 – Mai 11

INFORMAÇÕES PROCESSUAIS VIA INTERNET. ERRO OU FALHA DO SISTEMA. JUSTA CAUSA IDENTIFICÁVEL. ART. 5º, LVXXII, DA CONSTITUIÇÃO.

vinculada na internet mero meiofacilitador para o advogado, ao pas-so que não tem o condão de substi-tuir àquela constante no processo.”

Irresignada, a ora recorrida,SOGIL - SOCIEDADE DE ÔNIBUS GI-GANTE LTDA., interpôs agravo deinstrumento, ao fundamento deque “(...) é cediço que o reconhe-cimento da intempestividade temo condão exclusivo de penalizar adesídia das partes, o que não secoaduna com a hipótese em co-mento.” (fl. 2).

Por sua vez, o egrégio Tribunalde Justiça do Estado do Rio Gran-de do Sul, na oportunidade do jul-gamento da controvérsia, enten-deu por bem, por maioria de vo-tos, dar provimento ao agravo deinstrumento. A ementa está assimredigida:

“AGRAVO DE INSTRUMENTORESPONSABILIDADE EM ACI-DENTE DE TRÂNSITO. SISTEMAINFORMATIZADO. INFORMA-ÇÕES PROCESSUAIS DISPONIBI-LIZADAS VIA INTERNET. OFICI-ALIDADE. TEMPESTIVIDADERECONHECIDA.As informações contidas nossites do Poder Judiciário têm cu-nho oficial e geram para as par-tes que as consultam a presun-ção de correção e confiabili-dade. A equivocada informaçãolançada no sistema não podeacarretar prejuízo à parte.Tempestividade de contestaçãoreconhecida.PROVA PERICIAL. REQUERI-MENTO DA AUTORA. PAGA-MENTO DOS HONORÁRIOS PE-RICIAIS.A prova pericial foi postuladapela parte autora. Dessa forma,

incumbe a esta o pagamentodos honorários do expert. Inci-dência do art. 33 do Código deProcesso Civil. PrecedentesJurisprudenciais. Sendo a auto-ra beneficiária de assistência ju-diciária gratuita, o Estado équem deverá arcar com essasdespesas.AGRAVO PROVIDO.”

Nas razões do especial, a ora re-corrente, ANDRESSA VALENTE DASILVA, sustenta, em síntese, que ainformação processual disponibi-lizada na Internet, por meio da pá-gina eletrônica do Tribunal de ori-gem, não pode prevalecer sobre acertidão cartorária. Assevera, tam-bém, que as informações eletrôni-cas não possuem carátervinculativo e sim informativo.Aduz, outrossim, que compete àparte verificar, diretamente nosautos, a sucessão dos atos proces-suais.

Devidamente intimada, a orarecorrida, SOGIL - SOCIEDADE DEÔNIBUS GIGANTE LTDA., apresen-tou contrarrazões (fls. 222/231),suscitando, em resumo, pela ma-nutenção do v. acórdão recorrido.

Às fls. 233/235, foi proferidojuízo positivo de admissibilidade,oportunidade em que os autos as-cenderam ao Superior Tribunal deJustiça.

É o relatório.

VOTO

O EXMO. SR. MINISTRO MAS-SAMI UYEDA:

A irresignação não merece pros-perar.

Com efeito.

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SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA JURISPRUDÊNCIA

246 Revista de Direito da ADVOCEF – Ano VI – Nº 12 – Mai 11

A celeuma aqui instaurada dizrespeito ao exame jurídico das in-formações processuais disponibi-lizadas por meio da Internet, napágina eletrônica do Tribunal deJustiça, se possuem caráter infor-mativo, ou se, do contrário, osten-tam natureza oficial, à luz da Lein. 11.419/2006.

Antes, porém, é mister que serealize uma brevíssima digressãodos fatos.

Como visto, a ora recorrente,ANDRESSA VALENTE DA SILVA, emvirtude de acidente automobilístico,apresentou demanda indenizatóriaem face da ora recorrida, SOGIL -SOCIEDADE DE ÔNIBUS GIGANTELTDA. Consta dos autos que a recor-rida foi citada em 19/02/2008, sendoque o Aviso de Recebimento foi jun-tado aos autos em 09/04/2008, nostermos da certidão cartorária junta-da à fl. 76 v. Contudo, a contestaçãofoi apresentada em 29/04/2008, sobfundamento de que a informaçãodisponibilizada pelo Tribunal de ori-gem, em sua página eletrônica, davanotícia de que o Aviso de Recebi-mento foi juntado em 14/04/2008.O r. Juízo a quo, ao identificar talsituação, entendeu por bem reco-nhecer a intempestividade da con-testação e, ato contínuo, declarar arevelia. Por sua vez, o Tribunal deorigem, por maioria, deu provimen-to ao agravo de instrumento inter-posto, sob fundamento de que as in-formações processuais prestadas pormeio da Internet possuem caráteroficial e geram, para as partes queas consultam, a presunção de corre-ção e confiabilidade.

É certo que tal discussão - vali-dade das informações processuais

prestadas pela Internet - não pas-sou despercebida por esta CorteSuperior.

Diga-se, a esse respeito, queembora se tenha admitido a consi-deração absolutamente positivadas informações veiculadas pelosistema da Internet de modo, porexemplo, que se propicie o mane-jo de recurso com a só divulgaçãoinformática do julgado, isso nãolevaria, ipsto facto, à consideraçãode que essas informações teriamcaráter vinculativo. Nesse sentido,registra-se, por oportuno, que aegrégia Corte Especial apreciou aquestão no julgamento do EREsp503.761/DF, Relator Min. FelixFischer (DJ de 14/11/2005). A emen-ta está assim redigida:

“PROCESSUAL CIVIL. EMBARGOSDE DIVERGÊNCIA. REABERTURADE PRAZO. INFORMAÇÕES PRES-TADAS VIA INTERNET. NATURE-ZA MERAMENTE INFORMATIVA.AUSÊNCIA DE JUSTA CAUSA.ART. 183, § 1°, DO CPC.As informações prestadas viainternet têm natureza mera-mente informativa, não possu-indo, portanto, caráter oficial.Assim, eventual erro ocorridona divulgação destas informa-ções não configura justa causapara efeito de reabertura deprazo nos moldes do art. 183, §1°, do CPC.Embargos de divergência rejei-tados.”

Há, ainda, desta egrégia Tercei-ra Turma, os seguintes julgadosacerca do tema:

“Direito civil. Agravo no recur-so especial. Ação revisional.

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247Revista de Direito da ADVOCEF – Ano VI – Nº 12 – Mai 11

INFORMAÇÕES PROCESSUAIS VIA INTERNET. ERRO OU FALHA DO SISTEMA. JUSTA CAUSA IDENTIFICÁVEL. ART. 5º, LVXXII, DA CONSTITUIÇÃO.

Contestação. Prazo. Intempes-tividade. Revelia. Erro na divul-gação de informações proces-suais pela internet. Preceden-tes.- O erro no sistema processualdivulgado pelos Tribunais pormeio eletrônico não constituielemento hábil a afastar aintempestividade na realizaçãode ato processual. Precedentes.Agravo no recurso especial des-provido.”AgRg no REsp 581768/RS,Relatora Ministra NancyAndrighi, DJ de 16/08/2004.

E mais: AgRg no Ag 628.210/PR,Rel. Min. Antônio de Pádua Ribei-ro, DJU de 18.04.2005; EDcl noAgRg no Ag 481.369/RJ, Rel. Min.Aldir Passarinho Junior, DJU de31.05.2004; REsp 514.412/DF, Tercei-ra Turma, Rel. Min. Castro Filho,Rel. p/ Acórdão Min. Antônio dePádua Ribeiro, DJU de 09.12.2003REsp 572.154/PR, Rel. Min. JoséDelgado, DJU de 14.06.2004; AgRgno Ag 1.047.351/RJ, Rel. Min. Sid-nei Beneti, DJe 05/03/2009.

Não se olvida, por certo, queesta Relatoria, na oportunidade dojulgamento do AgRg no Ag1.047.351/RJ, Rel. Min. SidneiBeneti, acompanhou tal orienta-ção. Todavia, melhor refletindo,observa-se que a matéria mereceenfoque distinto, data maximavenia, à luz da Lei n. 11.419/2006.

É certo que a raiz hermenêuticados votos acima referidos é semelhan-te, a saber: as informações processu-ais prestadas por sítios eletrônicos daJustiça, a despeito de suacredibilidade, não são dotadas de ca-ráter oficial, amparado em lei. Dessaforma, ainda que a jurisprudência

desta Corte Superior creditasse a ne-cessidade de se dotar o sistema judi-ciário de inovações tecnológicas, res-sentia-se de lei que regulasse os trâ-mites e as informações processuais.

Todavia, com o advento da Lein. 11.419/2006, que veio disciplinar“(...) o uso de meio eletrônico natramitação de processos judiciais,comunicação de atos e transmissãode peças processuais”, acredita-seque a tese de que as informaçõesprocessuais fornecidas pelos sitesoficiais dos Tribunais de Justiça e/ou Tribunais Regionais Federais,somente possuem cunho informa-tivo perdeu sua força, na medidaem que, agora está vigente a le-gislação necessária para que todasas informações veiculadas pelo sis-tema sejam consideradas oficiais.

A razão desta interpretação queora se expõe é consectânea com oart. 4º, caput e § 2º da Lei n. 11.419/2006, que expressamente apontam,in verbis :

“(...)Art. 4º. Os tribunais poderão cri-ar Diário da Justiça eletrônico,disponibilizado em sítio da redemundial de computadores, parapublicação de atos judiciais e ad-ministrativos próprios e dos ór-gãos a eles subordinados, bemcomo comunicações em geral.(...)§ 2.º A publicação eletrônica naforma deste artigo substituiqualquer outro meio e publica-ção oficial, para quaisquer efei-tos legais, à exceção dos casosque, por lei, exigem intimaçãoou vista pessoal.”

À guisa de esclarecimento, aintimação ou vista pessoal de que

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SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA JURISPRUDÊNCIA

248 Revista de Direito da ADVOCEF – Ano VI – Nº 12 – Mai 11

trata a parte final do § 2º do art. 4ºrefere-se, sem dúvida, àqueladirigida ao Ministério Público, nostermos do § 2º do art. 236 do Códi-go de Processo Civil, ao DefensorPúblico, conforme dispõe a LeiComplementar n. 80/1994, dos re-presentantes judiciais da adminis-tração pública direta, para certosatos em certas ações, como deter-mina, por exemplo, o art. 17 da Lein. 10.910/2004, bem como dos in-tegrantes da Advocacia Geral daUnião, nos termos do art. 6º da Lein. 9.028/95 e, por fim, de outraspessoas em relação às quais leisespecíficas exijam a intimação pes-soal, para validade do ato de co-municação processual que, regis-tra-se, continuam sendo realizadasde maneira convencional.

De qualquer sorte, atualmente,é comum que os Tribunais, inclusi-ve este Superior Tribunal, colo-quem à disposição das partes oandamento processual pelaInternet, para que todos possamacompanhar os passos da açãono decorrer do processo. Semdúvida que trata-se de um bancode dados oficial e as informaçõesnele veiculadas ostentam caráteroficial, e não meramente informa-tivo, data venia.

No caso, o sistema de informa-ções processuais disponíveis viaInternet, oriundo do Tribunal deJustiça do Estado do Rio Grande doSul, informa que a juntada domandado de citação ocorreu em14/04/2008. Todavia, nos autos doprocesso, consta a juntada em 09/04/2008. Tal equívoco levou a erroa ora recorrida que, confiando nasinformações prestadas eletronica-

mente, ofereceu a contestação em29/04/2008, data em que findariao prazo, de acordo com a informa-ção disponibilizada na página ele-trônica.

Dessa forma, a disponibilização,pelo Tribunal, do serviço eletrôni-co de acompanhamento dos atosprocessuais, para consulta das par-tes e dos advogados, impõe que elese realize de modo eficaz, uma vezque há presunção de confiabilidadedas informações divulgadas. Assim,em razão de tratar-se de um ban-co de dados do próprio Tribunal deorigem, na verdade, as informa-ções nele veiculadas ostentam ca-ráter oficial, e não meramente in-formativo. Nesse contexto, nãopode a parte de boa-fé ser prejudi-cada por eventuais informaçõesprocessuais errôneas implantadasna própria página do Tribunal deJustiça.

E, sem dúvida que, no caso dehaver algum problema técnico dosistema, ou até mesmo erro ouomissão do serventuário da Justi-ça, como na espécie ora examina-da, responsável pelo registro dosandamentos, das intimações e ci-tações que prejudique qualquerdas partes, poderá ser configuradaa justa causa prevista no caput e §1º do art. 183 do Código de Pro-cesso Civil, salvo impugnação fun-damentada da parte contrária.

O que não se pode perder de vis-ta é a atual conjuntura legislativa ejurisprudencial no sentido de, cadavez mais, se prestigiar a divulgaçãode informações e a utilização derecursos tecnológicos em favor damelhor prestação jurisdicional,com evidente economia de recur-

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INFORMAÇÕES PROCESSUAIS VIA INTERNET. ERRO OU FALHA DO SISTEMA. JUSTA CAUSA IDENTIFICÁVEL. ART. 5º, LVXXII, DA CONSTITUIÇÃO.

sos públicos, da maior eficiênciados magistrados e servidores, bemcomo a observância da proteçãoambiental e, em harmonia com oque dispõe o art. 5º, incisoLXXVIII, da Carta Republicana, inverbis: “LXXVIII - a todos, no âm-bito judicial e administrativo, sãoassegurados a razoável duração doprocesso e o meios que garantama celeridade de sua tramitação” .

Por oportuno, exemplifica-se,nesse sentido, que, em recente de-cisão tomada por unanimidade,em 15/09/2010, a Corte Especialdeste egrégio Superior Tribunal deJustiça reconheceu, na oportuni-dade de julgamento do Agravo Re-gimental n. 1.251.998/SP, cujoacórdão ainda não foi publicado,que “(...) a cópia de atos relacio-nados a suspensão de prazos pro-cessuais, retiradas de sites do Po-der Judiciário, como provas legí-timas para comprovar o prazo le-gal para envio de recursos.” Naoportunidade, o eminente Minis-tro Luís Felipe Salomão, Relator,explicou que “(...) esse tipo dedocumento, vindo de sites do Ju-diciário podem ser facilmenteidentificados e comprovados.”. E,ao final, sua Excelência, compertinência, lembra que “(...) OSuperior Tribunal de Justiça, reco-nhecido pela vanguarda de suasações, parece sensível ao avançotecnológico e utiliza-se do meioeletrônico para comunicação deatos e transmissão de peças pro-cessuais.” (ut “STJ admite comoprova cópia extraída da internetde ato relativo à suspensão dosprazos processuais”. Disponívelem: www.stj. jus.br/notícias,

de 20.09.2010. Acesso em: 08/10/2010).

Daí porque exigir-se que o ad-vogado, para obter informaçõesacerca do trâmite processual, te-nha que dirigir-se ao cartório ouTribunal seria, pelo menos na com-preensão desta Relatoria, verdadei-ro contra-senso, sob a ótica da Lein. 11.419/2006.

Em outras palavras: se o que seexigia para dar caráter fidedignoàs informações processuais veicu-ladas pela Internet, por meio daspáginas eletrônicas dos Tribunais,era lei que regulasse a matéria,agora, com o advento da Lei n.11.419/2006, tal exigência perdesentido. Afinal, se os instrumen-tos tecnológicos estão disponíveis,devidamente regulados, queutilizemo-nos deles.

Nega-se, portanto, provimentoao recurso especial.

É o relatório.MINISTRO MASSAMI UYEDARelator

CERTIDÃO DE JULGAMENTO

Certifico que a egrégia TERCEI-RA TURMA, ao apreciar o processoem epígrafe na sessão realizadanesta data, proferiu a seguinte de-cisão:

A Turma, por unanimidade, ne-gou provimento ao recurso especi-al, nos termos do voto do(a) Sr(a).Ministro(a) Relator(a). Os Srs. Minis-tros Paulo de Tarso Sanseverino,Vasco Della Giustina (Desembar-gador convocado do TJ/RS) e NancyAndrighi votaram com o Sr. Minis-tro Relator. Ausente, justificada-men-te, o Sr. Ministro Sidnei Beneti.

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SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA JURISPRUDÊNCIA

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Brasília, 16 de dezembro de2010.

MARIA AUXILIADORA RAMA-LHO DA ROCHA

Secretária

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PENAL. ADVOGADO. EXERCÍCIO PROFISSIONAL. DEFESA DA CLASSE. TRANCAMENDO DA AÇÃO PENAL

Superior Tribunal de Justiça

Penal. Advogado. Exercício profissional. Defesa da classe.Trancamendo da ação penal.

EMENTA OFICIAL

RECURSO ESPECIAL. PROCESSU-AL PENAL. CRIME DE CALÚNIA. AD-VOGADO. EXERCÍCIO DA PROFIS-SÃO. AUSÊNCIA DE DOLO ESPECÍ-FICO. REALIZAÇÃO DE AMPLADILAÇÃO PROBATÓRIA. IMPOSSIBI-LIDADE. IMPROPRIEDADE DA VIAELEITA. ATIPICIDADE DA CONDUTAQUE, NO CASO, REVELA-SE PATEN-TE. TRANCAMENTO DA AÇÃO PE-NAL. CABIMENTO.

1. A aferição do dolo específico– elemento subjetivo da infraçãopenal –, demanda ampla dilaçãoprobatória, incompatível com a viado habeas corpus, sede que permi-te o trancamento da ação penalapenas quando, excepcionalmen-te, evidenciar-se, de forma inequí-voca, a inocência do acusado, aatipicidade da conduta ou aextinção da punibilidade. Prece-dentes.

2. Na hipótese dos autos, con-tudo, os acusados – na qualidadede Presidente da Ordem dos Advo-gados do Brasil, Seccional do Riode Janeiro, e Presidente da Comis-são de Defesa, Assistência e Prerro-gativas da mesma entidade –, atu-ando em defesa de sua classe pro-fissional e utilizando-se do instru-mento cabível, representaram àCorregedoria do Tribunal RegionalFederal da 2.ª Região, com argu-

mentos que, embora exacerbados,não extrapolaram os limites legaispara o exercício do direito de peti-ção. Nesse contexto, não há comoconsiderar típicas as suas condutas,inexistindo, portanto, justa causapara a ação penal. Precedentes.

3. Recurso desprovido.

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidosestes autos, acordam os Ministrosda QUINTA TURMA do Superior Tri-bunal de Justiça, na conformidadedos votos e das notas taquigráficasa seguir, por unanimidade, conhe-cer do recurso, mas lhe negar pro-vimento. Os Srs. MinistrosNapoleão Nunes Maia Filho, JorgeMussi e Gilson Dipp votaram coma Sra. Ministra Relatora.

SUSTENTOU ORALMENTE: DR.ALBERTO ZACHARIAS TORON (P/PACTE)

Brasília (DF), 02 de dezembro de2010 (Data do Julgamento).

MINISTRA LAURITA VAZRelatoraREsp 883.411 – Dje 07/02/2011

RELATÓRIO

A EXMA. SRA. MINISTRALAURITA VAZ: Trata-se de recursoespecial interposto pelo MINISTÉ-RIO PÚBLICO FEDERAL, com fun-

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SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA JURISPRUDÊNCIA

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damento na alínea c do permissi-vo constitucional, contra acórdãoproferido pelo Tribunal RegionalFederal da 2.ª Região.

Extrai-se dos autos que os ad-vogados e representantes do Con-selho da Ordem dos Advogados doBrasil - Seccional do Estado do Riode Janeiro OCTAVIO AUGUSTOBRANDÃO GOMES e MÁRIO ANTÔ-NIO DANTAS DE OLIVEIRA COUTO,ora Recorridos, foram denunciadoscomo incursos nos arts. 138, c.c. oart. 141, inciso II, ambos do Códi-go Penal, porque, em representa-ção manejada junto à Corregedoriado Tribunal Regional Federal da 2.ªRegião, teriam imputado falsamen-te o crime de abuso de autoridadeà Juíza Federal Amélia AlmeidaSenos de Carvalho, que atuava na31.ª Vara Federal da Seção Judiciá-ria do Rio de Janeiro.

Inconformada, a Defesa impetrouhabeas corpus perante o Tribunal aquo, sob o argumento de que osagentes atuaram no exercício regu-lar da profissão de advogado, nãoexistindo, portanto, justa causa parao prosseguimento da ação penal.

O Tribunal a quo concedeu aordem, em acórdão assim emen-tado, in verbis :

“DIREITO PENAL E PROCESSU-AL PENAL. HABEAS CORPUS.RECEBIMENTO DE DENÚNCIACONTRA REPRESENTANTES DAORDEM DOS ADVOGADOS DOBRASIL PELA PRÁTICA DO DE-LITO DE CALÚNIA DEVIDO À RE-PRESENTAÇÃO POR ELES OFE-RECIDA EM FACE DE JUÍZA FE-DERAL, IMPUTANDO-LHE OCRIME DE ABUSO DE AUTORI-DADE.

I – Os crimes contra honra re-clamam, para a sua configura-ção, além do dolo, o elementosubjetivo específico presentena especial intenção de ofen-der, magoar ou macular a hon-ra alheia, não se podendo im-putar a conduta do artigo 138do Código Penal àqueles que,nos limites de sua atribuiçãofuncional de defesa de classeprofissional, desempenham seupoder de agir, representando àautoridade competente naconstatação de eventual viola-ção de prerrogativa inerente aoexercício de profissão.II - Ao oferecerem representa-ção em face de Juíza Federal,imputando-lhe o crime de abu-so de autoridade (alínea “j” doartigo 3.º da Lei n.º 4.898-65), ospacientes, na qualidade de Pre-sidente da Ordem dos Advoga-dos do Brasil, Seccional do Esta-do do Rio de Janeiro e de Presi-dente da Comissão de Defesa,Assistência e Prerrogativas –CEDAP da mesma entidade, in-correram em conduta atípica,pois agiram no exercício de atri-buição legal, com objetivo de de-fender direito ou garantia daclasse profissional representadapor aquela entidade, especial-mente o previsto no § 2.º do ar-tigo 5.º da Lei n.º 8.906-94.III - O reconhecimento dainexistência de configuração tí-pica do crime de calúnia nãocolide com a vedação, na viaestreita do habeas corpus, doexame valorativo do conjuntofático ou probatório, já que éadmitido o trancamento deação penal por falta de justacausa se se verifica de plano ainocência do indiciado, aatipicidade da conduta ou aextinção da punibilidade.

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PENAL. ADVOGADO. EXERCÍCIO PROFISSIONAL. DEFESA DA CLASSE. TRANCAMENDO DA AÇÃO PENAL

IV – Ordem deferida.” (fls. 168/169)

Sustenta o Recorrente, nas ra-zões do especial, divergênciajurisprudencial entre o acórdãorecorrido e precedentes desta Cor-te, aduzindo que o habeas corpusé via inadequada para exame dodolo dos réus, pois demandariaincursão na seara fático-probatória.

Contrarrazões às fls. 243/251.Admitido o recurso na origem,

ascenderam os autos à apreciaçãodesta Corte.

O Ministério Público Federal ma-nifestou-se às fls. 257/291, opinan-do pelo provimento do recurso.

É o relatório.

VOTO

A EXMA. SRA. MINISTRA LAURI-TA VAZ (RELATORA):

De início, constata-se atempestividade do especial, o ca-bimento de sua interposição comamparo no permissivo constituci-onal, o interesse recursal, a legiti-midade, o devido prequestiona-mento e os pressupostos exigidospelos arts. 541, parágrafo único, doCódigo de Processo Civil e 255, §§1.º e 2.º, do Regimento Interno doSuperior Tribunal de Justiça.

Passo, a seguir, ao exame dacontrovérsia.

A teor do entendimento pacífi-co desta Corte, o trancamento daação penal pela via de habeascorpus é medida de exceção, quesó é admissível quando emerge dosautos, de forma inequívoca, a ino-cência do acusado, a atipicidade daconduta ou a extinção da punibi-lidade.

Com efeito, impedir o Estado,de antemão, de exercer a funçãojurisdicional, coibindo-o de sequerrealizar o levantamento dos ele-mentos de prova para a verifica-ção da verdade dos fatos, consti-tuiu uma hipótese de extremaexcepcionalidade, mormente por-que a estreiteza da via do habeascorpus não permite profunda in-cursão na seara probatória, razãopela qual se exige uma razoávelcerteza das condições acimaexcepcionadas para o trancamentoda ação penal, com demonstraçõesinequívocas das alegações erigidas.

Consoante se depreende daacurada leitura da denúncia ofere-cida às fls. 16/19, é imputada emdesfavor dos ora Recorridos a prá-tica do crime de calúnia, cometi-do, em tese, contra a Juíza FederalAmélia Almeida Senos de Carvalho,que atuava na 31.ª Vara Federal daSeção Judiciária do Rio de Janeiro,em razão de suas funções.

A exordial acusatória assim nar-rou os fatos imputados aos Recor-ridos:

“[...]A Juíza Amélia Almeida Senosde Carvalho, titular da 31.ª VaraFederal Previdenciária, editou aPortaria n.º 001/2001 (fl. 92) naqual foi determinada, entreoutras regras, a atualização dasprocurações para que fossememitidos, em nome dos advo-gados nela nomeados, alvaráspara pagamento de precatóriosexpedidos em favor dos respec-tivos clientes.Ocorre que o segundo denunci-ado remeteu ofício à ofendidasolicitando a revogação da re-ferida Portaria, pautando-se

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SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA JURISPRUDÊNCIA

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em uma decisão do SuperiorTribunal de Justiça, que conce-deu mandado de segurançacontra ato do Juiz de Direito da2.ª Vara Criminal de Angra dosReis que proibia o pagamentode importâncias provenientesde ações movidas em face doINSS.A ofendida respondeu ao Pre-sidente da Comissão de Defe-sa, Assistência e Prerrogativas,ressaltando que as duas situa-ções eram antagônicas, além deter elencado inúmeros prece-dentes do STJ no sentido de re-conhecer a legalidade da exi-gência pelo Juízo de procura-ções atualizadas para efetuarao causídico pagamento de va-lores devido aos seus constitu-intes.Não obstante a apresentaçãodessas explicações, os denunci-ados formularam representa-ção em desfavor da ofendidaperante a Corregedoria do TRF- 2.ª Região (fls. 24/31) na qualofenderam a sua honra, impu-tando-lhe, falsamente, fatodefinidos como crime, os quaisteriam sido praticados em de-corrência de sua atividadejudicante. “ (fl. 17)

O Tribunal a quo, por sua vez,nos autos de habeas corpus, deter-minou o trancamento da ação pe-nal, sob o fundamento de que nãoestaria presente na hipótese o doloespecífico do crime (animuscaluniandi ). Tal fundamento foiexposto no voto-vencedor, inverbis :

“Ao oferecerem representa-ção em face da MM. Juíza da31.ª Vara Federal do Rio de Ja-neiro, imputando-lhe o crime de

abuso de autoridade (alínea “j”do artigo 3.º da Lei n.º 4.898-65), os pacientes, na qualidadede Presidente da Ordem dosAdvogados do Brasil, Seccionaldo Estado do Rio de janeiro ede Presidente da Comissão deDefesa, Assistência e Prerroga-tivas – CEDAP da mesma enti-dade, incorreram em condutaatípica, pois agiram no exercí-cio de atribuição legal, com ob-jetivo de defender direito ougarantia da classe profissionalrepresentada por aquela enti-dade, especialmente o previstono § 2.º do artigo 5.º da Lei n.º8.906-94. Nos termos do artigo49 do mesmo diploma, “Os Pre-sidentes dos Conselhos e dasSubseções da OAB têm legitimi-dade para agir, judicial eextrajudicialmente, contra qual-quer pessoa que infringir as dis-posições ou os fins dessa lei”.No mesmo sentido dessas con-siderações, o Colendo SuperiorTribunal de Justiça já firmou oentendimento de que “não pra-tica o crime de calúnia quem,nos limites de sua competênciafuncional, desempenha seu po-der de agir” (Corte Especial –Ação Penal n.º 165 – Processo200000110884 – Relator Minis-tro Luiz Fux – Decisão Unânimeem 15.12.2004 – DJ de28.03.2005 – p. 173). Pensar deforma diversa seria inviabilizaro poder dos pacientes represen-tarem à autoridade competen-te na constatação de eventualviolação de prerrogativa ineren-te ao exercício da advocacia.A conduta dos pacientes, pau-tada nos limites da defesa dasua classe profissional, afastainclusive a ocorrência de espe-cial intenção de ofender, mago-ar ou macular a honra alheia,

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PENAL. ADVOGADO. EXERCÍCIO PROFISSIONAL. DEFESA DA CLASSE. TRANCAMENDO DA AÇÃO PENAL

elemento subjetivo especificoque também tem sido exigidopela doutrina (Guilherme deSouza Nucci. Código Penal Co-mentado. Revista dos Tribunais.São Paulo, 2003. p. 445; CézarRoberto Bitencourt. Código Pe-nal Comentado. Saraiva. SãoPaulo, 2004. p. 527) e pela juris-prudência para configuração dotipo descrito no art. 138 do Có-digo Penal. Como já decidiu oSuperior Tribunal de Justiça, oscrimes contra honra “recla-mam, para a sua configuração,além do dolo, um fim específi-co, que é a intenção de maculara honra alheia. Em outras pala-vras, ainda que haja dolo, só secaracteriza a tipicidade subjeti-va do crime se presente a in-tenção de ofender. Se perceptí-vel primus ictus oculi que a von-tade do recorrente estádesacompanhada da intençãode ofender, elemento subjeti-vo do tipo, vale dizer, praticou ofato ora com animus narrandi,ora com animus criticandi, nãohá falar em crime de calúnia,injúria ou difamação” (SextaTurma – RHC 15941 – Processo200400482626 – Relator Minis-tro Hamilton Carvalhido – Deci-são Unânime em 23.11.2004 –DJ de 01.02.2005 – p. 611; e, nomesmo sentido: Corte Especial– Notícia Crime n.º 185 – RelatorMinistro Milton Luiz Pereira –Decisão Unânime em21.11.2001 – DJ de 15.04.2002– p. 155).Lembro, por oportuno, que oreconhecimento da procedênciadas alegações do impetrantenão colide com a vedação, napresente via estreita, do exa-me valorativo do conjuntofático ou probatório, já que ajurisprudência do STJ tem ad-

mitido “o trancamento de açãopenal por falta de justa causaquando desponta, induvidosa-mente, a inocência do indiciado,a atipicidade da conduta ou aextinção da punibilidade”(Quinta Turma – HC 41179 –Processo 200500102824 –Relator Ministro ArnaldoEsteves Lima – Decisão Unâni-me em 16.06.2005 – DJ de22.08.2005 – p. 316).Isto posto, defiro a ordem paratrancar a ação penal n.º2003.51. 01.501491-4.”

Ora, como é sabido, o habeascorpus, por se tratar de ação de ritocélere, que demanda prova pré-constituída e dotada de absolutacerteza, somente poderá ser o ins-trumento apto para trancar algu-ma ação penal, quando, excepcio-nalmente, manifestarem-se, de for-ma inequívoca, a inocência do acu-sado, a atipicidade da conduta oua extinção da punibilidade.

A aferição do dolo específico,ou seja: do elemento subjetivo dainfração penal, todavia, por de-mandar ampla dilação probatória,não está, via de regra, salvaguar-dada no estreito âmbito de atua-ção do habeas corpus. Nesse senti-do: HC 113.852/PE, 5.ª Turma, Rel.Min. NAPOLEÃO NUNES MAIA FI-LHO, DJe de 27/04/2009; HC 47.175/SC, 5.ª Turma, Rel. Min. LAURITAVAZ, DJ de 12/03/2007.

Não obstante, no caso em aná-lise, essa avaliação pode ser reali-zada de forma objetiva, indepen-dentemente de uma incursão naseara probatória, uma vez que serevela manifesta a atipicidade daconduta dos Recorridos, porquan-to ausente a intenção de caluniar.

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SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA JURISPRUDÊNCIA

256 Revista de Direito da ADVOCEF – Ano VI – Nº 12 – Mai 11

Com efeito, os acusados – naqualidade de Presidente da Ordemdos Advogados do Brasil, Seccionaldo Rio de Janeiro, e Presidente daComissão de Defesa, Assistência ePrerrogativas da mesma entidade–, atuando em defesa de sua classeprofissional e utilizando-se do ins-trumento cabível, representaram àCorregedoria do Tribunal RegionalFederal da 2.ª Região, com argu-mentos que, embora exacerbados,não extrapolam os limites legaispara o exercício do direito de peti-ção, conforme se constata da re-presentação juntada às fls. 91/98destes autos.

Ademais, conforme bem salien-tou o acórdão impugnado, os Re-corridos agiram no exercício daatribuição prevista no art. 49 da Lein.º 8.906/94 (Estatuto da Ordemdos Advogados do Brasil) – segun-do o qual “Os Presidentes dos Con-selhos e das Subseções da OAB têmlegitimidade para agir, judicial eextrajudicialmente, contra qual-quer pessoa que infringir as dispo-sições ou os fins desta lei” –objetivando a defesa do dispostono art. 5.º, § 2.º, do mesmo diplo-ma legal, in verbis:

“Art. 5º O advogado postula,em juízo ou fora dele, fazendoprova do mandato.[...]§ 2º A procuração para o foroem geral habilita o advogado apraticar todos os atos judiciais,em qualquer juízo ou instância,salvo os que exijam poderes es-peciais.“

Nesse contexto, não há comoconsiderar típicas as condutas dos

acusados, inexistindo, portanto,justa causa para a ação penal.

A propósito, vejam-se os seguin-tes precedentes:

“HABEAS CORPUS – CALÚNIACONTRA FUNCIONÁRIO PÚBLICOEM RAZÃO DE SUAS FUNÇÕES –IMUNIDADE – IMPOSSIBILIDADE –TRANCAMENTO – CONCEDIDA AORDEM.

1- A imunidade concedida aosadvogados pelo artigo 133, daConstituição Federal não abrangeo crime de calúnia, conforme en-tendimento desta Corte.

2- O crime de calúnia não seconfigura quando não há açãodirigida com o fim de atingir ahonra da vítima, não havendo,desta forma, intenção de calu-niar .

3- Concedida a ordem.” (HC96.763/RS, 6.ª Turma, Rel. Min.JANE SILVA (Desembargadoraconvocada do TJ/MG), DJe de 12/05/2008; sem grifo no original.)

“PENAL E PROCESSUAL PENAL.QUEIXA-CRIME. DECADÊNCIA.CRIMES CONTRA A HONRA.OFENSA “PROPTER OFFICIUM”.LEGITIMIDADE. ELEMENTOSUBJETIVO DO TIPO. ANIMUSNARRANDI. DESCARACTERI-ZAÇÃO.I - Recebido o ofício sobre a de-volução do prazo para apresen-tação de defesa prévia de fa-tos que deram origem à pre-sente queixa-crime, o prazo dedecadência, previsto nos arts.103 do Código Penal e 38 doCódigo de Processo Penal, nãohavia ainda sido ultrapassadoquando do ajuizamento desta.II - A admissão da ação penalpública, quando se tratar de

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PENAL. ADVOGADO. EXERCÍCIO PROFISSIONAL. DEFESA DA CLASSE. TRANCAMENDO DA AÇÃO PENAL

ofensa propter officium, é umaalternativa oferecida ao ofen-dido, não uma privação do seudireito de queixa. Legitimidade,pois, do servidor público, de ajui-zar a ação penal para defesade seus direitos. Precedentes doSTF.III - A manifestação conside-rada ofensiva, feita com opropósito de informar pos-síveis irregularidades, sem aintenção de ofender,descaracteriza o tipo subje-tivo nos crimes contra a hon-ra, sobretudo quando oofensor está agindo no es-trito cumprimento de deverlegal. Precedentes.IV - As informações levadasao Corregedor-Regional doTrabalho por ex-ocupante domesmo cargo, ainda quedeselegantes e com possíveisconseqüências graves, prati-cadas no exercício regular deum direito e sem a intençãode caluniar e injuriar o que-relante, não podem ser con-sideradas típicas, daí porque

ausente a justa causa para aação penal.V - Queixa-crime rejeitada. “(Apn 348/PA, Corte Especial, Rel.Min. ANTÔNIO DE PÁDUA RI-BEIRO, DJ de 20/06/2005.)

Ante o exposto, NEGO PROVI-MENTO ao recurso especial.

É o voto.

CERTIDÃO DE JULGAMENTO

Certifico que a egrégia QUINTATURMA, ao apreciar o processo emepígrafe na sessão realizada nestadata, proferiu a seguinte decisão:

“A Turma, por unanimidade,conheceu do recurso, mas lhe ne-gou provimento.”

Os Srs. Ministros NapoleãoNunes Maia Filho, Jorge Mussi eGilson Dipp votaram com a Sra.Ministra Relatora.

Brasília, 02 de dezembro de2010.

LAURO ROCHA REISSecretário

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SFH. RECURSO REPETITIVO. PRÉVIO REAJUSTE E POSTERIOR AMORTIZAÇÃO. LEGALIDADE

Superior Tribunal de Justiça

SFH. Recurso Repetitivo. Prévio reajuste e posterior amortização.Legalidade.

EMENTA OFICIAL

CIVIL. FINANCEIRO DA HABITA-ÇÃO. CONTRATO DE MÚTUO HIPO-TECÁRIO. SISTEMA DE PRÉVIO REA-JUSTE E POSTERIOR AMORTIZA-ÇÃO. POSSIBILIDADE. SÚMULA N.450/STJ . RECURSO ESPECIALREPETITIVO. LEI N. 11.672/2008. RE-SOLUÇÃO/STJ N. 8, DE 07.08.2008.APLICAÇÃO.

I. “Nos contratos vinculados aoSFH, a atualização do saldo deve-dor antecede sua amortização pelopagamento da prestação” (Súmulan. 450/STJ).

II. Julgamento afetado à CorteEspecial com base no procedimen-to da Lei n. 11.672/2008 e Resolu-ção n. 8/2008 (Lei de RecursosRepetitivos).

III. Recurso especial conhecidoe provido.

ACÓRDÃO

Vistos e relatados estes autos,em que são partes as acimaindicadas, decide a Corte Especial,por unanimidade, conhecer dosrecurso especial e dar-lhe provi-mento, nos termos do voto do Sr.Ministro Relator. Os Srs. MinistrosGilson Dipp, Francisco Falcão,Nancy Andrighi, Laurita Vaz, Cas-tro Meira, Arnaldo Esteves Lima,Massami Uyeda, Napoleão NunesMaia Filho, Luis Felipe Salomão e

Raul Araújo votaram com o Sr. Mi-nistro Relator.

Ausentes, justificadamente, osSrs. Ministros Ari Pargendler, CesarAsfor Rocha, Hamilton Carvalhido,Eliana Calmon, João Otávio deNoronha e Teori Albino Zavascki e,ocasionalmente, o Sr. Ministro LuizFux.

Convocados os Srs. MinistrosMassami Uyeda, Napoleão NunesMaia Filho, Luis Felipe Salomão eRaul Araújo para compor quórum.

Brasília (DF), 1º de dezembro de2010(Data do Julgamento).

MINISTRO FELIX FISCHERPresidenteMINISTRO ALDIR PASSARINHO

JUNIORRelator

RELATÓRIO

O EXMO. SR. MINISTRO ALDIRPASSARINHO JUNIOR: Andrea deOliveira Machado ajuizou ação or-dinária de revisão contratual con-tra o Banco do Estado do Paraná S/A - Carteira de Crédito Imobiliário.

Na inicial alega ter firmado con-trato de mútuo com a finalidadede adquirir um imóvel próprio, deacordo com as regras do SistemaFinanceiro de Habitação. Afirmaque o agente financeiro incluiu nocontrato cláusulas nulas, razão pelaqual pede a sua revisão, requeren-do a tutela antecipada para os fins

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SUPERIOR TRIBUNAL D JUSTIÇA JURISPRUDÊNCIA

260 Revista de Direito da ADVOCEF – Ano VI – Nº 12 – Mai 11

de autorizar o depósito judicial dasprestações ou seu pagamento pro-visório diretamente ao Banco, eque este se abstenha de qualquerprática de inclusão da autora embancos de dados de Proteção aoCrédito.

Diante disso, pede que sejamaplicadas ao presente contrato asnormas correspondentes a Lei4.380/1964, bem como as parcelase o saldo devedor calculados combase no PES/CP. Ademais, solicita acondenação da ré a reduzir os va-lores das taxas de seguro, pois ex-ploram as taxas cobradas pelo mer-cado. Pleiteia, ainda, que sejamtodos os valores configuradoscomo indevidos, apurados e com-pensados do saldo devedor.

Ao regular processamento dofeito seguiu-se a sentença de fls.374/394 (e-STJ), que julgou parci-almente procedente a açãorevisional, com a finalidade de re-visar os valores do contrato cele-brado com a instituição financei-ra, ocasião em que determinou: a)o recálculo com base no SAC des-de o inicio do contrato, declaran-do nulas as cláusulas que fixarama utilização de outros métodos; b)que seja realizada primeiro a amor-tização, para depois efetuar o rea-juste do saldo que sobejar; c) acontabilização dos juros em contaseparada sempre que o valor dasprestações pagas pela requerentefor insuficiente para o pagamen-to, ficando suspensa a execuçãohipotecária movida nos autos; e d)a não inclusão ou, se já incluído, aretirada do nome da requerentedos cadastros de restrição ao cré-dito.

Inconformado com a sentençao banco interpôs recurso de ape-lação, onde aduziu evidente in-congruência, entre os pedidos for-mulados na petição inicial da açãorevisional com o que foi decididopelo Magistrado de primeiro grau,requereu a reforma da sentença,e, caso esta seja mantida nos ter-mos em que foi proferida, os ho-norários devidos aos patronos doapelante e as custas deverão serintegralmente pagas pela autoraou então redistribuído na propor-ção de 80% em favor do ora ape-lante. Pediu, ainda, a reforma dabase de cálculo que o Magistradoutilizou para fixar os honoráriosadvocatícios.

O Tribunal negou provimentoao recurso de apelação interpostopelo banco, para manter hígida adecisão recorrida. Entendeu quenão foi extra petita a sentença, eque o saldo devedor deve sempreser amortizado antes da incidên-cia da correção monetária. Defe-riu o pedido de exclusão do nomeda apelada junto aos registros deproteção ao crédito, pois aindanão há o valor definido da dívi-da. Concluindo que a sucumbênciafoi distribuída de formaequitativa.

O banco opôs embargos de de-claração, que foram rejeitados, aoargumento de inexistirem os víci-os do art. 535 do CPC, mas decla-rou prequestionados os artigos128, 264, 460, 535 do CPC, artigo6º, c, da Lei 4.380/64 e 5º, LV, daConstituição Federal No recursoespecial, o recorrente pede que orecurso seja conhecido e providopara reconhecer a ofensa ao arti-

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SFH. RECURSO REPETITIVO. PRÉVIO REAJUSTE E POSTERIOR AMORTIZAÇÃO. LEGALIDADE

go 6º, alínea “c”, da Lei 4.380/64,restabelecendo a forma de amor-tização, pois o STJ já firmouposicionamento de que o sistemade prévio reajuste e posterioramortização da dívida não fere acomutatividade da obrigação eprima pela justiça contratual.

Afirma ser equivocada a inter-pretação dada pelo Tribunal aquo ao artigo 6º, “c” da Lei 4.380/1964, pois, ao seu entender, essedispositivo não determina que aamortização deva ser feita antesda correção do saldo devedor,mas sim, que se garanta aos mu-tuários o direito de pagar ao me-nos uma parte do financiamentoatravés de prestações mensais esucessivas.

Aponta dissídio jurisprudencialsobre o tema.

Não foram apresentadas ascontrarrazões do recurso especial.

Em decisão presidencial, foi ad-mitido o processamento do recur-so, nos termos do art. 543-C, § 1ºdo Código de Processo Civil, comorepresentativo da controvérsia.

À fl. 568 (e-STJ) verifiquei tra-tar-se de recurso repetitivo, versan-do sobre matéria já pacificada pela1ª e 2ª Seções do STJ, razão pelaqual afetei o processo à Corte Es-pecial, nos termos do art. 2º, capute § 2º, da Resolução/STJ n. 8, de07.08.2008, dada vista ao Ministé-rio Público Federal.

Parecer da douta Subprocu-radoria-Geral da República às fls.605/607 (e-STJ), manifestando-sepelo não conhecimento do recur-so especial, ante a incidências dasSúmulas ns. 5 e 7 desta Corte.

É o relatório.

VOTO

O EXMO. SR. MINISTRO ALDIRPASSARINHO JUNIOR (Relator):Cuida-se de recurso especial, avia-do pelas letras “a” e “c” do art. 105,III, da Constituição Federal, contraacórdão do Tribunal de Justiça doEstado do Paraná, assim ementado(e-STJ, fl. 456):

“APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃOREVISIONAL. AÇÃO DE EXECU-ÇÃO HIPOTECÁRIA. FINANCIA-MENTO IMOBILIÁRIO. SFH. SEN-TENÇA UNA. PARCIAL PROCE-DÊNCIA. INSURGÊNCIA DOAGENTE FINANCEIRO. DESA-COLHIMENTO. PRELIMINAR.SENTENÇA EXTRA PETITA.INOCORRÊNCIA. DECISÃO DELI-NEADA NOS PEDIDOS DA AU-TORA. FUNDAMENTAÇÃO. AU-SÊNCIA. DESCABIMENTO. MÉRI-TO. AMORTIZAÇÃO. MOMEN-TO ANTERIOR AO REAJUSTE DAPARCELA. NECESSIDADE DEPRESERVAÇÃO DO EQUILÍBRIOECONÔMICO E EVITAR ENRI-QUECIMENTO ILÍCITO DO ENTEFINANCEIRO. (MAIORIA). CAPI-TALIZAÇÃO. COMPROVAÇÃO.TABELA PRICE E EXISTÊNCIA DETAXAS DE JUROS DIFERENCIA-DAS QUE EVIDENCIAM A OCOR-RÊNCIA DO ANATOCISMO. PRO-VA PERICIAL. NÃO VINCULA-ÇÃO DO JUÍZO. PRINCÍPIOS DALIVRE APRECIAÇÃO DAS PRO-VAS E DO CONVENCIMENTOMOTIVADO. PLANO DE COM-PROMETIMENTO DE RENDA.OBSERVÂNCIA. ABSTENÇÃO DEINSCRIÇÃO DO NOME DAMUTUÁRIA NO ROL DE INADIM-PLENTES. MANUTENÇÃO ATÉDESLINDE DA DEMANDA.SUCUMBÊNCIA. REFORMA.DESCABIMENTO. ADEQUADA

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SUPERIOR TRIBUNAL D JUSTIÇA JURISPRUDÊNCIA

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DISTRIBUIÇÃO DO ÔNUS. MA-NUTENÇÃO DA SENTENÇA.DESPROVIMENTO DO RECURSO(MAIORIA).”

É suscitada ofensa ao art. 6º, “c”da Lei n. 4.380/1964, e dissídiojurisprudencial, no que concerne àforma de amortização do saldo de-vedor.

Referentemente ao sistema deamortização do saldo devedor,único tema debatido no especial,este Tribunal tem sufragado aexegese de que a prática do pré-vio reajuste e posterior amortiza-ção do saldo devedor está de acor-do com a legislação em vigor e nãofere o equilíbrio contratual.

Nesse sentido, colaciona-se osseguintes precedentes:

“AGRAVO REGIMENTAL. RE-CURSO ESPECIAL. SFH. CON-TRATO DE MÚTUO HABITA-CIONAL. FORMA DE CORREÇÃODO SALDO DEVEDOR. LEGALI-DADE. TABELA PRICE E COEFI-CIENTE DE EQUIPARAÇÃO SA-LARIAL. IMPOSSIBILIDADE DEANÁLISE. INCIDÊNCIA DASSÚMULAS 5 E 7 DESTA CORTE.REPETIÇÃO DE INDÉBITO. FOR-MA SIMPLES. HONORÁRIOSADVOCATÍCIOS. REDIMENSIO-NAMENTO. NECESSIDADE DEREEXAME DE PROVAS.1. É firme a jurisprudência doSuperior Tribunal de Justiça notocante à possibilidade de cor-reção do saldo devedor do con-trato de mútuo habitacionalantes da amortização da pres-tação mensal.2. O entendimento da Terceirae Quarta Turmas desta Corte nosentido de que verificar a ocor-rência de anatocismo no Siste-

ma Francês de Amortização, ouseja, na tabela price, é questãoque não prescinde da incursão nocontrato e nos elementos fáticosda demanda, o que atrai a cen-sura das Súmulas 05 e 07/STJ.3. Com relação ao Coeficientede Equiparação Salarial - CES,este Pretório orienta-se na di-reção de ser possível sua co-brança, desde que haja previ-são contratual. Na hipótese,far-se-ia necessária a interpre-tação de cláusulas contratuaisa fim de verificar suacontratação, providência veda-da em sede especial, a teor daSúmula 5/STJ.4. “No tocante à repetição doindébito, este Tribunal já deci-diu pela sua admissão, indepen-dentemente da prova de que opagamento tenha sido realiza-do por erro; todavia, tão-so-mente, em sua forma simples.”5. “Consoante entendimentopacificado nesta Corte, o valorda indenização por dano moralsó pode ser alterado na instân-cia especial quando se mostrarínfimo ou exagerado, o que nãoocorre no caso vertente. “6. Agravo regimental desprovi-do.”(4ª Turma, AgRg no REsp988.007/RS, Rel. Min. FernandoGonçalves, unânime, DJe de04.05.2009)- - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - -“RECURSO ESPECIAL - AÇÃOREVISIONAL – MÚTUO HABITA-CIONAL - SFH - ARTS. 82, 145,148, 150 E 151 DO CC/1916 -FALTA DE PREQUESTIONA-MENTO - AUSÊNCIA DE CLÁU-SULA CONTRATUAL PERMITIN-DO A COBRANÇA DO CES - APLI-CAÇÃO DA SÚMULA 5/STJ -AMORTIZAÇÃO NEGATIVA ETABELA PRICE - QUESTÃO

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SFH. RECURSO REPETITIVO. PRÉVIO REAJUSTE E POSTERIOR AMORTIZAÇÃO. LEGALIDADE

FÁTICO-PROBATÓRIA - INCI-DÊNCIA DOS ENUNCIADOS 5 E7/STJ - CDC – CONTRATOS CE-LEBRADOS ANTERIORMENTE ASUA VIGÊNCIA - INAPLICA-BILIDADE - LEGALIDADE DOCRITÉRIO DE AMORTIZAÇÃOQUE PREVÊ A CORREÇÃO DOSALDO DEVEDOR ANTES DAAMORTIZAÇÃO DECORRENTEDA PRESTAÇÃO MENSAL.I - Os arts. 82, 145, 148, 150 e151 do CC/1916, não foramprequestionados;II - É admissível a cobrança doCoeficiente de Equiparação Sa-larial - CES, desde que previstocontratualmente, hipótese nãoverificada, in casu. Incidência daSúmula 5/STJ;III - Aferir a existência de amor-tização negativa ou de capitali-zação de juros pela utilização daTabela Price implicaria reexamede material fático-probatório einterpretação de cláusulacontratual, o que encontra óbi-ce nos enunciados 5 e 7/STJ;IV - O Código de Defesa do Con-sumidor é inaplicável aos con-tratos firmados anteriormentea sua vigência;V - É legal o critério que prevê aincidência da correção monetá-ria e juros sobre o saldo deve-dor antes da amortização de-corrente do pagamento da pres-tação mensal do contrato;VI - Recurso parcialmente pro-vido.”(3ª Turma, REsp 1.069.598/SP,Rel. Min. Massami Uyeda, unâ-nime, DJe de 05.09.2008)- - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - -“Sistema Financeiro da Habita-ção. Método de amortização.Tabela Price. Juros. Precedentesda Corte.1. Esta Corte já sedimentou aorientação de que o “sistema

de prévio reajuste e posterioramortização do saldo devedornão fere a comutatividade dasobrigações pactuadas no ajus-te, uma vez que, de um lado,deve o capital emprestado serremunerado pelo exato prazoem que ficou à disposição domutuário, e, de outro, restouconvencionado no contrato quea primeira parcela será pagaapenas no mês seguinte ao doempréstimo do capital” (REspnº 467.440/SC, Relatora a Minis-tra Nancy Andrighi, DJ de 17/5/04), De igual forma, salientoujá esta Corte que o art. 6º, “c”,da Lei nº 4.380/64 não tem oalcance de determinar que so-mente seja feito o reajusta-mento após a amortização daprestação (REsp nº 556.797/RS,de minha relatoria, DJ de 25/10/04).2. No que concerne à TabelaPrice, já decidiu a Corte, venci-do este Relator, que a “existên-cia, ou não, de capitalização dejuros no sistema de amortiza-ção conhecido como TabelaPrice, constitui questão de fato,a ser solucionada a partir da in-terpretação das cláusulascontratuais e/ou provas docu-mentais e periciais, quando per-tinentes ao caso” (REsp nº410.775/PR, Relatora para oacórdão a Ministra NancyAndrighi, DJ de 10/5/04).3. Quanto aos juros, esta Corte jáassentou que o art. 6º, “e”, daLei nº 4.380/64 “não estabelecelimitação da taxa de juros, ape-nas dispõe sobre as condiçõespara a aplicação do reajuste pre-visto no artigo 5º da mesma Lei”(EREsp nº 415.588/SC, de minharelatoria, DJ de 1º/12/03).4. Recurso especial conhecido eprovido, em parte.”

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SUPERIOR TRIBUNAL D JUSTIÇA JURISPRUDÊNCIA

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(3ª Turma, REsp 624.654/PR,Rel. Min. Carlos Alberto Mene-zes Direito, unânime, DJU de07.11.2005)- - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - -“CIVIL E PROCESSUAL CIVIL. SIS-TEMA FINANCEIRO DA HABITA-ÇÃO. CONTRATO DE MÚTUO HI-POTECÁRIO. ALEGAÇÃO DEOFENSA A DISPOSITIVOS CONS-TITUCIONAIS. ANÁLISE IMPOS-SÍVEL NA VIA RECURSAL ELEITA.SALDO DEVEDOR. CORREÇÃOMONETÁRIA. VARIAÇÃO DAPOUPANÇA. TR. ADMISSIBI-LIDADE. JUROS REMUNERA-TÓRIOS. SISTEMA DE PRÉVIOREAJUSTE E POSTERIOR AMOR-TIZAÇÃO. AGRAVO DESPROVI-DO.I. Inviável ao STJ, na sederecursal eleita, a apreciação desuposta ofensa a normas cons-titucionais, por refugir à suacompetência.II. Ausência de vedação legalpara utilização da TR comoindexador do saldo devedor docontrato sob exame, desde queseja o índice que remunera a ca-derneta de poupança livremen-te pactuado.III. No que se refere ao sistemade amortização do saldo deve-dor, esta Corte tem sufragadoa exegese de que a prática doprévio reajuste e posterioramortização do saldo devedorestá de acordo com a legislaçãoem vigor e não fere o equilíbriocontratual.IV. Agravo desprovido.”(4ª Turma, AgRg no REsp1.028.827/DF, Rel. Min. AldirPassarinho Junior, unânime, DJede 29.06.2009)- - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - -“RECURSO ESPECIAL – SISTEMAFINANCEIRO DE HABITAÇÃO –ÍNDICE DE CORREÇÃO MONE-

TÁRIA - MARÇO/90 - AMORTI-ZAÇÃO – TAXA DE JUROS.1. Não é possível, em sede derecurso especial, o reexame docontexto fático-probatório oude cláusulas contratuais, nostermos das Súmulas 5 e 7/STJ.2. Aplicável a Súmula 282/STFquando o Tribunal de origemnão emite juízo de valor sobreteses apresentadas no recursoespecial.3. No mês de março de 1990, oIPC é o índice de correção mo-netária dos saldos dos financia-mentos do SFH. Entendimentopacificado pela Corte Especial,no EREsp 123.660/PR.4. O STF, no julgamento da ADIn493, não excluiu a TR do univer-so jurídico pátrio e tampoucoconcluiu que ela não pudesseser utilizada como índice deindexação, mas, tão-somente,que ela não poderia ser impos-ta para substituir índice estipu-lado em contrato entabuladoantes da entrada em vigor daLei 8.177/91, que instituiu esseíndice de correção.5. É legítima a sistemática deamortização das parcelas pagassobre o saldo devedor após aaplicação sobre este da corre-ção monetária e dos juros insti-tuída pelo Banco Central do Bra-sil com base no Decreto-lei2.291/86, na Resolução/SECRE/BACEN 1.446/88, na Circular/SECRE/BACEN 1.278/88 e na Lei8.100/90. Precedentes destaCorte.6. Recurso especial parcialmen-te conhecido e, no mérito,improvido.”(2ª Turma, REsp 425.794/SC,Relatora Ministra ElianaCalmon, unânime, DJU de12.09.2005)- - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - -

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SFH. RECURSO REPETITIVO. PRÉVIO REAJUSTE E POSTERIOR AMORTIZAÇÃO. LEGALIDADE

“Direito civil. Recurso especial.Ação de conhecimento sob o ritoordinário. Contrato de financi-amento imobiliário. Sistema Fi-nanceiro da Habitação. Plano deEquivalência Salarial. Saldo de-vedor. Sistema de prévio reajus-te e posterior amortização. Ju-ros remuneratórios. Limite.Taxa referencial. Ausência deimpugnação específica do fun-damento do acórdão. Dissídiojurisprudencial. Ausência desimilitude fática.- O sistema de prévio reajuste eposterior amortização do saldodevedor não fere a comutati-vidade das obrigações pactua-das no ajuste, uma vez que, deum lado, deve o capital empres-tado ser remunerado pelo exa-to prazo em que ficou à disposi-ção do mutuário, e, de outro,restou convencionado no con-trato que a primeira parcelaserá paga apenas no mês se-guinte ao do empréstimo docapital.- Estão limitados em 12% (dozepor cento) ao ano os jurosremuneratórios pactuados emcontrato de financiamento imo-biliário vinculados ao SFH e aoPlano de Equivalência Salarial ins-tituído pela Lei nº. 8692/93.- Afasta-se a admissibilidade dorecurso especial na parte em queo recorrente formulaimpugnação genérica, nãoadstrita ao fundamento utiliza-do pelo acórdão recorrido, bemcomo se os arestos confrontadospossuem base fática distinta.- Recurso especial a que não seconhece.”(3ª Turma, REsp 427.329/SC,Relatora Ministra NancyAndrighi, unânime, DJU de09.06.2003)- - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - -

“Direito civil e processual civil.Agravo no recurso especial.Ação revisional. SFH. TabelaPrice. Negativa de prestaçãojurisdicional. Ausência deprequestionamento. Reexamefático probatório. CES. TR. Pos-sibilidade Correção do saldodevedor. Tabela Price. Capitali-zação de juros. Aplicação doCDC. Juros remuneratórios.Súmula 83/STJ.- Rejeitam-se corretamente osembargos declaratórios se au-sentes os requisitos da omissão,contradição ou obscuridade.- Ausente o requisito doprequestionamento, não se co-nhece do recurso especial.- É vedada a análise do conjun-to fático-probatório dos autosem sede de recurso especial.- Resta firmado no STJ o enten-dimento no sentido de que o CESpode ser exigido quando con-tratualmente estabelecido.Precedentes.- Desde que pactuada, a TRpode ser adotada como índicede correção monetária nos con-tratos regidos pelo Sistema Fi-nanceiro de Habitação.- O critério de prévia atualiza-ção do saldo devedor e posteri-or amortização não fere acomutatividade das obrigaçõespactuadas no ajuste, uma vezque a primeira prestação épaga um mês após o emprésti-mo do capital, o qual corres-ponde ao saldo devedor.- A existência, ou não, de capi-talização de juros no sistema deamortização conhecido comoTabela Price, constitui questãode fato, a ser solucionada a par-tir da interpretação das cláusu-las contratuais e/ou provas do-cumentais e periciais, quandopertinentes ao caso.

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- Este Tribunal já definiu que seaplicam as regras do Código deDefesa do Consumidor aos con-tratos de financiamento vincu-lados ao Sistema Financeiro deHabitação.- Resta firmado na Segunda Se-ção do STJ o entendimento deque o art. 6°, “e”, da Lei n°4.380/64 não estabelece a limi-tação da taxa de juros, mas,apenas, dispõe sobre as condi-ções para aplicação do reajusta-mento previsto no art. 5° damesma lei.Precedentes.- Inviável o recurso especial se oacórdão recorrido encontra-seem harmonia com a jurispru-dência pacífica e recente do STJa respeito do tema.Agravo no recurso especial nãoprovido.”(3ª Turma, AgRg no REsp1.036.303/RS, Relatora MinistraNancy Andrighi, unânime, DJede 03.02.2009)- - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - -“PROCESSUAL CIVIL. ADMINIS-TRATIVO. AGRAVO REGIMENTALNO RECURSO ESPECIAL. SISTEMAFINANCEIRO DE HABITAÇÃO.FCVS. VIOLAÇÃO DO ART. 535 DOCPC. NÃO-OCORRÊNCIA. PLANODE EQUIVALÊNCIA SALARIAL -PES. CORREÇÃO DO SALDO DE-VEDOR PELO MESMO ÍNDICEAPLICADO À ATUALIZAÇÃO DASPRESTAÇÕES MENSAIS. IMPOSSI-BILIDADE. REAJUSTE DO SALDODEVEDOR DO MÚTUO HIPOTE-CÁRIO ANTES DA RESPECTIVAAMORTIZAÇÃO. LEGALIDADE.SISTEMA DE AMORTIZAÇÃO. TA-BELA PRICE. SEGUROS OBRIGATÓ-RIOS. RECÁLCULO DAS PRESTA-ÇÕES. NECESSIDADE DEREEXAME DE MATÉRIA DE PRO-VA. SÚMULA 7/STJ. REPETIÇÃODE INDÉBITO EM DOBRO. MÁ-FÉNÃO-CONFIGURADA.

1. Não viola o art. 535 do CPC,tampouco nega a prestaçãojurisdicional, o acórdão que,mesmo sem ter examinado in-dividualmente cada um dos ar-gumentos trazidos pelo venci-do, adotou, entretanto, funda-mentação suficiente para deci-dir de modo integral a contro-vérsia.2. A jurisprudência desta Cortefirmou-se no sentido de que aaplicação do PES refere-se ape-nas às prestações mensais, enão ao reajuste do saldo deve-dor.3. É firme a jurisprudência doSuperior Tribunal de Justiça nosentido de ser legítimo o proce-dimento de reajuste do saldodevedor do mútuo hipotecárioantes da respectiva amortiza-ção.4. Para se constatar que a sim-ples utilização da Tabela Price,mesmo quando não há amorti-zação negativa, gera capitaliza-ção de juros, é indispensável oreexame do contexto fático-probatório dos autos, providên-cia inviável em sede de recursoespecial, conforme o dispostona Súmula 7/STJ.5. O mesmo ocorre em relaçãoà pretensão de se recalcular ovalor dos seguros pela normasda SUSEP e pelos mesmos índi-ces de reajuste das prestações,na medida em que o acórdãorecorrido deixou expressamen-te consignado que os mutuári-os não comprovaram nenhumaabusividade.6. Não incide a sanção do art.42, parágrafo único, do CDCquando o encargo consideradoindevido for objeto de contro-vérsia jurisprudencial e não es-tiver configurada a má-fé docredor.

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SFH. RECURSO REPETITIVO. PRÉVIO REAJUSTE E POSTERIOR AMORTIZAÇÃO. LEGALIDADE

7. Agravo regimental desprovi-do.”(1ª Turma, AgRg no REsp933.393/PR, Relatora MinistraDenise Arruda, unânime, DJede 23.03.2009)- - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - -“EMBARGOS DE DECLARAÇÃORECEBIDOS COMO AGRAVO RE-GIMENTAL.1. Embargos de declaração re-cebidos como agravo regimen-tal em face dos princípios dafungibilidade recursal e da eco-nomia processual.2. Os precedentes do STJ sãono sentido da legalidade do cri-tério de amortização da dívidarealizado posteriormente aoreajustamento do saldo deve-dor nos contratos de mútuopara aquisição de imóvel peloSistema Financeiro da Habita-ção.3. Agravo regimental desprovi-do.”(4ª Turma, EDcl no REsp873.279/DF, Rel. Min. FernandoGonçalves, unânime, DJe de06.04.2009)

Outrossim, em vista do temaestar pacificado nas 1ª e 2ª Seções,a Corte Especial editou a Súmulan. 450, nos seguintes termos:

“Nos contratos vinculados aoSFH, a atualização do saldo deve-dor antecede sua amortização pelopagamento da prestação.”

Ante o exposto, conheço do re-curso especial e dou-lhe provimen-to para determinar que a atuali-zação do saldo devedor antecedesua amortização pelo pagamentoda prestação. Em face dasucumbência recíproca, custaspela metade, e verba honorária deR$ 2.000,00 (dois mil reais) exclu-

sivamente em favor da recorrida,já considerado o êxito obtido e acompensação.

Determino, ainda, após a publi-cação do acórdão, a comunicaçãoaos Srs. Ministros integrantes das1ª e 2ª Seções, e aos Exmos. Srs.Presidentes dos Tribunais de Justi-ça dos Estados e Tribunais Regio-nais Federais, para os procedimen-tos previstos no art. 543-C, parágra-fo 7º, incisos I e II, do Código deProcesso Civil, na redação dada pelaLei n. 11.672/2008, e no art. 5º,incisos I, II e III, da Resolução/STJn. 8/2008.

É como voto.

CERTIDÃO DE JULGAMENTO

Certifico que a egrégia CORTEESPECIAL, ao apreciar o processoem epígrafe na sessão realizadanesta data, proferiu a seguinte de-cisão:

A Corte Especial, por unanimi-dade, conheceu dos recurso espe-cial e deu-lhe provimento, nos ter-mos do voto do Sr. MinistroRelator.

Os Srs. Ministros Gilson Dipp,Francisco Falcão, Nancy Andrighi,Laurita Vaz, Castro Meira,Arnaldo Esteves Lima, MassamiUyeda, Napoleão Nunes Maia Fi-lho, Luis Felipe Salomão e RaulAraújo votaram com o Sr. Minis-tro Relator.

Ausentes, justificadamente, osSrs. Ministros Ari Pargendler, CesarAsfor Rocha, Hamilton Carvalhido,Eliana Calmon, João Otávio deNoronha e Teori Albino Zavasckie, ocasionalmente, o Sr. MinistroLuiz Fux.

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SUPERIOR TRIBUNAL D JUSTIÇA JURISPRUDÊNCIA

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Convocados os Srs. MinistrosMassami Uyeda, Napoleão NunesMaia Filho, Luis Felipe Salomão eRaul Araújo para compor quórum.

Brasília, 01 de dezembro de2010.

VANIA MARIA SOARES ROCHASecretária

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DETERMINAÇÃO JUDICIAL DE BLOQUEIO DE SALDO BANCÁRIO. BANCO COMO TERCEIRO ESTRANHO À LIDE.

EMENTA OFICIAL

RECURSO ORDINÁRIO EM MAN-DADO DE SEGURANÇA. PROCESSODE FALÊNCIA. DETERMINAÇÃO DEBLOQUEIO DE CONTA-CORRENTE.CUMPRIMENTO PARCIAL DA OR-DEM JUDICIAL PELO BANCO. PE-NHORA NA “BOCA DO CAIXA” DAINSTITUIÇÃO FINANCEIRA. ILEGALI-DADE. TERCEIRO À LIDE. ART. 14,INCISO V E PARÁGRAFO ÚNICO, DOCPC. RESPONSABILIDADE CIVIL.NECESSIDADE DE AJUIZAMENTO DEAÇÃO AUTÔNOMA.

1. O cumprimento parcial deordem judicial para bloqueio deconta-corrente em processofalimentar não autoriza a penhorana “boca do caixa” da agência dainstituição financeira responsável.Ofensa ao devido processo legal eàs garantias a ele inerentes.

2. A apuração de responsabili-dade civil de terceiro à lide pelodescumprimento de ordem judici-al requer o ajuizamento de açãoautônoma (CPC, art. 14, inciso V eparágrafo único).

3. Recurso ordinário provido.

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos osautos em que são partes as acimaindicadas, acordam os Ministros daQuarta Turma do Superior Tribunal

Superior Tribunal de Justiça

Determinação judicial de bloqueio de saldo bancário.Cumprimento parcial. Penhora. Ilegalidade. Banco como terceiroestranho à lide.

de Justiça, por unanimidade, darprovimento ao recurso ordinárioem mandado de segurança, nostermos do voto do Sr. MinistroRelator. Os Srs. Ministros Luis FelipeSalomão, Raul Araújo e Maria Isa-bel Gallotti votaram com o Sr. Mi-nistro Relator.

Ausente, justificadamente, o Sr.Ministro Aldir Passarinho Junior.

Dr(a). ANA DIVA TELES RAMOSEHRICH(Protestará por Juntada),pela parte RECORRENTE: BANCODO BRASIL S/A.

Brasília, 18 de novembro de2010(data do julgamento).

MINISTRO JOÃO OTÁVIO DENORONHA

Presidente e RelatorRMS 29.213 – Dje 25/11/2010

RELATÓRIO

O EXMO. SR. MINISTRO JOÃOOTÁVIO DE NORONHA: Trata-se derecurso ordinário em mandado desegurança interposto por BANCO DOBRASIL S/A com apoio nos arts. 105,II, alínea “b”, da Constituição Fede-ral, e 539, II, alínea “a”, do Códigode Processo Civil, contra acórdão daSegunda Câmara de Direito Privadodo Tribunal de Justiça do Estado deSão Paulo assim ementado:

“Mandado de segurança. De-terminação de penhora de va-

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SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA JURISPRUDÊNCIA

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lor equivalente à soma dos va-lores pertencentes à massa fa-lida, indevidamente disponibi-lizados pelo estabelecimentobancário. Alegação de violaçãode direito líquido e certo.Inocorrência. Segurança dene-gada” (e-STJ, fl. 388).

Sustenta o recorrente que os pre-sentes autos versam sobre o cum-primento parcial de ordem judicial– bloqueio de conta-corrente da em-presa LCL DISTRIBUIDORA DE LI-VROS LTDA. – emanada de Juízofalimentar que foi interpretadaequivocadamente pela gerência daagência destinatária, levando inici-almente ao bloqueio apenas do sal-do do dia em que recebida.

Diante disso, foi determinada apenhora de R$ 611.875,04, relativaao montante atualizado dos valo-res debitados na mencionada con-ta desde o momento do recebimen-to da ordem. Esclarece, ainda, quetais débitos referem-se a transfe-rências para pessoas físicas (emgrande parte, para contas de fun-cionários da falida, no valor de R$305.114,00), pagamentos de títulosde cobrança, emissão de chequese pagamentos de concessionáriasde serviços públicos, perfazendo ototal de R$ 555.884,99.

Diante disso, aduz o seguinte:

“Não obstante a descrição dosfatos ocorridos e a constataçãode que o Banco do Brasil S/A nãotem responsabilidade nos débi-tos promovidos pelos sócios-ge-rentes da empresa falida, o fatoprimordial, que é objeto inclusi-ve do Mandado de Segurança,é que houve decisão judicial de-terminando a constrição de

bens do Banco em flagrantedesobediência aos incisos LIV eLV do art. 5º da ConstituiçãoFederal, os quais asseguram ocontraditório e ampla defesadecorrentes do devido proces-so legal.(...)Da mesma forma houve viola-ção do art. 472 do Código deProcesso Civil, uma vez que oBanco do Brasil S/A é terceiroem relação ao processo de fa-lência do qual fora emanada aordem de constrição de seusbens.(...)O direito líquido e certo do ban-co reside, simplesmente, na vi-olação constitucional e infra-constitucional flagrante na de-terminação de constrição debem de terceiro à lide” (e-STJ,fls. 439/440).

Argumenta que não dispôs dosbens da massa falida e que todosos débitos realizados na referidaconta-corrente foram efetuadospelos próprios sócios-gerentes daempresa; que não lhe pode serimputada exclusivamente a respon-sabilidade por tais débitos, a res-peito dos quais nem sequer há com-provação de que não reverteramem favor da massa falida. Ressaltaainda que o Juízo de primeira ins-tância, em desrespeito à liminardeferida pelo Tribunal a quo, au-torizou o levantamento parcial dodepósito judicial efetuado pelobanco.

Assim, assevera ser terceiro emrelação ao processo de falência;portanto, apenas em ação autôno-ma – em observância ao contradi-tório e ao devido processo legal –

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DETERMINAÇÃO JUDICIAL DE BLOQUEIO DE SALDO BANCÁRIO. BANCO COMO TERCEIRO ESTRANHO À LIDE.

é que seria possível apurar os ver-dadeiros responsáveis pelo ressar-cimento da quantia debitada.

Ao final, pleiteia seja conferidoefeito ativo ao mandamus e sejareformado o aresto recorrido paraque se determine a anulação da or-dem de penhora com a conse-quen-te devolução integral da quantiapenhorada, inclusive do valor le-vantado equivocadamente pelamassa falida.

Sem contrarrazões (e-STJ, fl.509), o recurso ordinário foi admi-tido.

O Ministério Público Federalopinou pelo não provimento dorecurso (e-STJ, fl. 520/524).

É o relatório.

VOTO

O EXMO. SR. MINISTRO JOÃOOTÁVIO DE NORONHA (Relator):Trata-se de recurso ordinário emmandado de segurança interpostocontra acórdão do Tribunal de Jus-tiça do Estado de São Paulo quedenegou a segurança impetradacontra ato da Juíza de Direito da8ª Vara Cível da comarca de SãoPaulo que, em processo falimentar,determinara a penhora “na bocado caixa” do banco ora recorrenteda quantia de R$ 611.875,04, rela-tiva ao valor atualizado dos débi-tos ocorridos na citada conta des-de o momento do recebimento daordem judicial de bloqueio, vistoque cumprida parcialmente.

O Tribunal de origem denegoua segurança nos seguintes termos:

“Em 8 de abril de 2005, amagistrada oficiou ao Banco do

Brasil S/A para que fosse efetu-ado o bloqueio da conta corren-te 9558-3, da agência 3340-5,em nome da LCL Distribuidorade Livros Ltda. (fls. 71), tendo oestabelecimento bancário co-municado ao Juízo da quebra aexistência de R$89,009,96 (oi-tenta e nove mil e nove reais enoventa e seis centavos) (fls. 72/73). Todavia, a conta continuoua ser movimentada com lança-mento de novos créditos e dé-bitos, estes atingindo o valorapontado para a penhora.(...)A determinação, todavia, foiinterpretada de forma diver-sa, e, ante o lançamento decréditos na conta correnteindicada, procedeu-se tam-bém o lançamento de débitos.Estes consistiram em lança-mento dos cheques apresen-tados pela compensação em18.4.2005 (R$11.578,72), pa-gamento de títulos em cobran-ça (R$236.087,73), pagamen-to de concessionárias de servi-ços públicos (R$2.904,54) etransferências para contas depessoas físicas (R$305.314,00),valores que, atualizados, atin-giram o montante reclamadopela síndica.Ora, todos os créditos benefici-avam a massa falida e todos osdébitos estavam sujeitos aoprocesso concursal, não se sa-bendo a que título foramefetuadas as transferênciaspara as pessoas físicas, e quaisos beneficiários dessas transfe-rências.Assim, a determinação de pe-nhora do valor correspondentesaos valores indevidamente de-bitados nessas não ostenta ile-galidade, já que o estabeleci-mento bancário dispôs de bens

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SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA JURISPRUDÊNCIA

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pertencentes à massa falida,violando, isto sim, o direito doscredores que estão submetidosao processo concursal.Não há que se falar em obstá-culo ao exercício de direito dedefesa pois, a partir da comuni-cação para bloqueio, o estabe-lecimento bancário passou àcondição de auxiliar do juízo dafalência, submetido às suas de-terminações.Ausente o direito líquido e cer-to, o mandado de segurança éde ser negado” (e-STJ, fls. 390/391).

Em parecer, a Procuradoria-Ge-ral da República (e-STJ, fls. 520/524),após observar que não fora demons-trado ser o acórdão atacado mani-festamente ilegal, teratológico ouabusivo, manifestou-se contraria-mente à pretensão do recorrente deserem os valores aqui discutidosbuscados por meio de ação própria,e não nos autos da falência, por tra-tar-se de terceiro estranho ao pro-cesso falencial:

“Convém ressaltar, por fim, queo próprio impetrante assumiuque a ordem judicial ‘foi equivo-cadamente interpretada comoordem de bloqueio do saldo dodia do protocolo do ofício judici-al’ (fl. 415) e, por outro lado, nãoseria o caso de levantamento dosvalores por meio de ação própria,como pretende a impetração,tendo em vista que ao juízo éatribuída a competência parareprimir, nos próprios autos, qual-quer ato atentatório à dignida-de da justiça (artigo 125, inciso III,do CPC)” (e-STJ, fl. 523).

Razão assiste ao recorrente.

Configura-se por demais violen-ta a penhora de valores na “bocado caixa” de instituição financeira(mera detentora da conta-corren-te da empresa falida) por causa decumprimento parcial de ordem doJuízo da falência, que determinouo bloqueio da conta, tendo o ban-co acatado a determinação, inici-almente, apenas em relação ao sal-do do dia.

Ora, em razão da patente con-dição do banco – terceiro à lide –,seus bens não podem sofrerconstrição judicial sem obediênciaao devido processo legal, com asgarantias a ele inerentes, isto é, ainstauração do contraditório e aampla defesa. Diante disso, o cami-nho adequado para se apurar a res-ponsabilidade pelo descumpri-mento da ordem judicial, comobem anotado pelo representante doparquet estadual (e-STJ, fl. 340),passa pela autorização da Juíza deDireito ao síndico da massa falidapara propor ação de responsabili-dade civil contra o Banco do BrasilS/A, com o que será possível, res-peitados o contraditório e a ampladefesa, não só apurar a questiona-da responsabilidade, mas também,não menos importante, saber quemefetuou os referidos débitos e quala sua destinação, não se podendodescartar, inclusive, a possibilidadede que tais valores tenham reverti-do em favor da própria massa fali-da, como alega o recorrente.

Entendo que a condição de au-xiliar do Juízo não permite que seprescinda do devido processo legal,sempre necessário para que ocorraagressão ao patrimônio de quemnão integra a lide.

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273Revista de Direito da ADVOCEF – Ano VI – Nº 12 – Mai 11

DETERMINAÇÃO JUDICIAL DE BLOQUEIO DE SALDO BANCÁRIO. BANCO COMO TERCEIRO ESTRANHO À LIDE.

Releva notar que o art. 14 doCódigo de Processo Civil, que cui-dava dos deveres das partes e dosseus procuradores, sofreu altera-ções pela Lei n. 10.358/2001 (caput,parágrafo único e o acréscimo doinciso V), em razão das quais o seualcance foi estendido a “todosaqueles que de qualquer formaparticipam do processo”. Criou-sea figura do responsável pelodescumprimento de ordem judici-al e ficou estabelecido o dever de“cumprir com exatidão os provi-mentos mandamentais e não criarembaraços à efetivação de provi-mentos judiciais, de naturezaantecipatória ou final”. Trata-se docontempt of court brasileiro, ouato atentatório ao exercício da ju-risdição, instituto de larga utiliza-ção no sistema da common law,introduzido em nosso ordena-mento com adaptações e sem aforça do originário.

Humberto Theodoro Júnior,com base no entendimento consa-grado pela doutrina, leciona queo referido dispositivo autoriza oórgão judiciário, “sem prejuízo dassanções criminais, cíveis e proces-suais cabíveis, a aplicar ao respon-sável (parte, interveniente, ouquem, de qualquer forma, partici-pe do processo) a multa de vintepor cento do valor da causa. O juizarbitrará a pena nos próprios au-tos em que incorreu a infração eassinará prazo para seu pagamen-to. Para fixar-lhe o montante leva-rá em conta ‘a gravidade da con-duta’ do infrator”. A questão, aomenos de forma indireta, é enfren-tada pelo ilustre professor em notade rodapé (n. 24), quando, a pro-

pósito do crime de desobediênciae da possibilidade da prisão civil,diz: “Ao juiz cível cabe somente aaplicação da multa disciplinar doparágrafo único do art. 14, do CPC...” (“Curso de Direito ProcessualCivil”, vol. I, 44ª ed., 2006, p. 95).

De igual modo, Rodrigo XavierLeonardo, em obra coordenadapor Luiz Guilherme Marinoni eFredie Didier Jr., aponta para anecessidade de a parte interessadaintentar ação própria para pleite-ar a reparação de possíveis danos:

“Ressalte-se, assim, que a mul-ta estabelecida também nãoimpede que, havendo danoscausados pelo ato atentatórioà parte, esta venha a pleitearsua reparação civil. Chama-semais uma vez atenção para aressalva expressa no parágra-fo único do art. 14: ‘sem prejuí-zo das sanções (...) civis’.O dispositivo, portanto, abrepossibilidade para, diante dosdanos causados pelo atoatentatório, a parte lesada pro-por ação para ressarcimento dedanos em face do responsável,seja ele a outra parte, seja eleterceiro.” (“A segunda etapa dareforma processual civil”.Malheiros Editores, 2001, p.419.)

Cito, por fim, a lição de LuizRodrigues Wambier, que, após dis-correr sobre a inovação inserida noart. 14 do CPC pela Lei n. 10.358/2001 e afirmar que a principalconsequência dessa mudança é apossibilidade de imposição demulta ao responsável pelodescumprimento ou pelo embara-ço ao cumprimento dos provimen-

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SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA JURISPRUDÊNCIA

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tos jurisdicionais, enfoca especifi-camente a questão aqui tratada,ou seja, a necessidade de ação au-tônoma para o ressarcimento deprejuízos decorrentes dodescumprimento, com exatidão,da ordem judicial, in verbis:

“(...)Diante de tais condutas, e deoutras que se possam identifi-car com essas, todas capazes deobstar ou dificultar o cumpri-mento de ordens judiciais, a prin-cipal conseqüência da regra doart. 14, da forma como foi postano Código de ProcessoCivil em 2001, é, sem dúvida, apossibilidade de imposição demulta ao responsável pelodescumprimento ou pelo emba-raço ao cumprimento dos provi-mentos jurisdicionais . De fato,verificada a situação perniciosaà efetividade do processo, po-derá o juiz aplicar multa de atévinte por cento do valor da cau-sa. Esse percentual poderá vari-ar, para mais ou para menos,dependendo da gravidade daconduta que tenha dado causaao descumprimento ou criado oembaraço. Trata-se, sem dúvida,de poderosa técnica em favor daefetividade do processo.(...)Se a parte sofrer prejuízos emdecorrência da conduta do res-ponsável, deverá fazer uso deação autônoma se de responsá-vel-parte não se tratar (i.e., se oresponsável não for parte noprocesso). Na hipótese contrá-ria, isto é, se o responsável forparte no processo, pensamosque bastará requerimento ao

juiz da causa, nos termos do art.18 do CPC. Assim, se houver acaracterização da litigância demá-fé, poderá ter lugar a con-denação em perdas e danos, nostermos dos art. 16 a 18 do CPC.”(In: Revista de Processo n. 119,jan/2005, p. 46 e 55.)

Ante o exposto, dou provi-mento ao recurso ordináriopara reformar o acórdão recorrido,desconstituir a penhora realizadana “boca do caixa” do banco re-corrente e, por conseguinte, deter-minar a devolução atualizada dovalor objeto da constrição judicialaqui impugnada.

É como voto.

CERTIDÃO DE JULGAMENTO

Certifico que a egrégia QUAR-TA TURMA, ao apreciar o processoem epígrafe na sessão realizadanesta data, proferiu a seguinte de-cisão:

A Turma, por unanimidade, deuprovimento ao recurso ordinárioem mandado de segurança, nostermos do voto do Sr. MinistroRelator.

Os Srs. Ministros Luis FelipeSalomão, Raul Araújo e Maria Isa-bel Gallotti votaram com o Sr. Mi-nistro Relator.

Ausente, justificadamente, o Sr.Ministro Aldir Passarinho Junior.

Brasília, 18 de novembro de2010.

TERESA HELENA DA ROCHABASEVI.

Secretária

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BEM DE FAMÍLIA. OFERECIMENTO EM GARANTIA HIPOTECÁRIA. BENEFÍCIO DA ENTIDADE FAMILIAR. RENÚNCIA À IMPENHORABILIDADE

Superior Tribunal de Justiça

Bem de família. Oferecimento em garantia hipotecária. Benefícioda entidade familiar. Renúncia à impenhorabilidade.

EMENTA OFICIAL

CIVIL. BEM DE FAMÍLIA. OFERE-CIMENTO EM GARANTIA HIPOTECÁ-RIA. BENEFÍCIO DA ENTIDADE FA-MILIAR. RENÚNCIA À IMPENHO-RABILIDADE.

1. A exceção do art. 3º, inciso V,da Lei nº 8.009/90, que permite apenhora de bem dado em hipote-ca, limita-se à hipótese de dívidaconstituída em favor da entidadefamiliar. Precedentes.

2. A comunidade formada pe-los pais e seus descendentes se en-quadra no conceito legal de enti-dade familiar, inclusive para os finsda Lei nº 8.009/90.

3. A boa-fé do devedor édeterminante para que possa sesocorrer do favor legal, reprimin-do-se quaisquer atos praticados nointuito de fraudar credores ou re-tardar o trâmite dos processos decobrança. O fato de o imóvel dadoem garantia ser o único bem dafamília certamente é sopesado aooferecê-lo em hipoteca, ciente deque o ato implica renúncia àimpenhorabilidade. Assim, não semostra razoável que depois, anteà sua inadimplência, o devedor useesse fato como subterfúgio para li-vrar o imóvel da penhora. A atitu-de contraria a boa-fé ínsita às rela-ções negociais, pois equivaleria àentrega de uma garantia que o de-vedor, desde o início, sabia ser

inexequível, esvaziando-a por com-pleto.

4. Recurso especial a que se negaprovimento.

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidosestes autos, acordam os Ministrosda Terceira Turma do Superior Tri-bunal de Justiça, na conformidadedos votos e das notas taquigráficasconstantes dos autos, por unanimi-dade, negar provimento ao recur-so especial, nos termos do votodo(a) Sr(a). Ministro(a) Relator(a).Os Srs. Ministros Massami Uyeda,Paulo de Tarso Sanseverino e VascoDella Giustina votaram com a Sra.Ministra Relatora. Ausente,justificadamente, o Sr. Ministro Sid-nei Beneti.

Brasília (DF), 09 de novembro de2010(Data do Julgamento).

MINISTRA NANCY ANDRIGHIRelatoraRESP 1.141.732 - DJE 22/11/2010

RELATÓRIO

A EXMA. SRA. MINISTRANANCY ANDRIGHI (Relator): Cui-da-se de recurso especial interpos-to por EUZINO SOARES FRANCO eLOURDES MARIA FRANCO, comfundamento no art. 105, III, “a”,da CF, contra acórdão proferidopelo TJ/SP.

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SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA JURISPRUDÊNCIA

276 Revista de Direito da ADVOCEF – Ano VI – Nº 12 – Mai 11

Ação: embargos à execução detítulo extrajudicial, opostos pelosrecorrentes em desfavor de JUDITEMARIA CORREA ALVES. Os recor-rentes figuram como fiadores emescritura pública de confissão dedívida com garantia hipotecária,decorrente de contrato de comprae venda de estabelecimento co-mercial celebrado entre seu filho,Eder Franco, e a recorrida.

Sentença: julgou improceden-tes os embargos (fls. 43/45, e-STJ).

Acórdão: o TJ/SP negou provi-mento ao apelo dos recorrentes,nos termos do acórdão (fls. 125/126,e-STJ) assim ementado:

TÍTULO EXECUTIVO EXTRAJU-DICIAL – Escritura pública deconfissão de dívida, com garan-tia hipotecária – Executorie-dade, nos termos do art. 585, II,do CPC – Impossibilidade decumprimento da obrigação nocontrato confessado não carac-terizada nos autos – Inaplica-bilidade do artigo 743, IV, doCPC – IMPENHORABILIDADE –Inexistência – Imóvel livremen-te ofertado em garantia hipo-tecária pelos embargantes –Aplicação da regra do artigo 3º,V, da Lei 8.009/90 – Apelaçãodesprovida.

Recurso especial: alega viola-ção dos arts. 3º, V, da Lei nº 8.009/90 e 743, IV, do CPC (fls. 129/136,e-STJ).

Prévio juízo de admissibilid-ade: o TJ/SP negou seguimento aorecurso especial (fls. 147/148, e-STJ), dando azo à interposição deagravo de instrumento, ao qual deiprovimento para determinar a su-bida dos autos (fls. 182, e-STJ).

É o relatório.

VOTO

A EXMA. SRA. MINISTRANANCY ANDRIGHI (Relator): Cin-ge a lide a determinar se o ofereci-mento de imóvel como garantia hi-potecária tem o condão dedescaracterizá-lo como bem de fa-mília, sujeitando-o à penhora parasatisfação da dívida afiançada, pre-sente a peculiaridade de que essagarantia foi prestada em benefíciodo filho dos fiadores.

I. Da impenhorabilidade doimóvel hipotecado. Violação doart. 3º, V, da Lei nº 8.009/90.

De acordo com o art. 3º, V, daLei nº 8.009/91, a impenhorabi-lidade é oponível em processos deexecução civil, salvo se movido“para execução de hipoteca sobreo imóvel oferecido como garantiareal pelo casal ou pela entidadefamiliar”.

Os recorrentes alegam que adicção do mencionado inciso V “li-mita-se ao crédito que favorece afamília e não abrange situações defavor, quando o proprietário figu-ra como fiador de terceiros” (fl.132, e-STJ).

O TJ/SP refutou a tese dos re-correntes, afirmando que “o imó-vel foi dado espontaneamente emgarantia, não se podendo alegar aimpenhorabilidade, sob pena deviolação ao princípio da boa-fé,que norteia os contratos” (fl. 126,e-STJ).

(i) Da delimitação da contro-vérsia.

Tendo em vista o óbice contidona Súmula 07/STJ, que veda o

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BEM DE FAMÍLIA. OFERECIMENTO EM GARANTIA HIPOTECÁRIA. BENEFÍCIO DA ENTIDADE FAMILIAR. RENÚNCIA À IMPENHORABILIDADE

reexame de provas nesta instânciaextraordinária, o panorama fáticodeve ser recomposto unicamentea partir das circunstâncias admiti-das como incontroversas pelas par-tes e do delineamento realizadopelo acórdão recorrido.

Nesse sentido, conforme admi-tem os próprios recorrentes, eles fi-guram como fiadores em contratode compra e venda de uma pape-laria adquirida por seu filho, EderFranco, tendo garantido a dívidacom a hipoteca do único imóvelque possuem e que lhes serve deresidência (fl. 132, e-STJ).

Quanto a essa última assertiva,de que o imóvel hipotecado seriao único bem dos recorrentes, tomo-a por incontroversa, visto não ha-ver impugnação da recorrida,tampouco notícia quanto à produ-ção de prova em sentido contrá-rio.

Por outro lado, considero igual-mente incontroversa a afirmaçãoda recorrida, no sentido de que “ofilho dos embargantes, adquirenteda micro empresa (...), reside noimóvel dado em hipoteca, em com-panhia de seus pais” (fl. 36, e-STJ),pois também não foi refutada pelaparte adversa.

Finalmente, o TJ/SP consigna tero imóvel sido “dado espontanea-mente em garantia” (fl. 126, e-STJ),afastando a tese de início defendi-da pelos recorrentes, de que teriahavido erro ou dolo na celebraçãodo negócio.

Em suma, portanto, tem-se que:(i) os recorrentes voluntariamenteofereceram em garantia hipotecá-ria seu único imóvel, onde residemcom seu filho; e (ii) o bem foi dado

em garantia de dívida assumidapor seu filho, oriunda da aquisiçãode um estabelecimento comercial.

(ii) Da renúncia da impe-nhorabilidade pelos beneficiá-rios.

No escólio de Álvaro Villaça deAzevedo (2010), o bem de famíliaconsiste em um “patrimônio espe-cial”, amparado por “um benefí-cio de natureza econômica, com oescopo de garantir a sobrevivênciada família, em seu mínimo existen-cial, como célula indispensável àrealização da justiça social” (Bemde família , 6ª ed. São Paulo: Atlas,2010, p. 93).

Arnaldo Marmitt (1995)complementa esse raciocínio, ano-tando que o instituto objetiva o“amparo da entidade familiar, comos interesses da prole e do lar aci-ma dos valores creditícios. Ao imu-nizar determinados bens da penho-ra, quer o legislador integrá-los noconceito de dignidade familiar,preservando a família, que tem emconta de bem jurídico superior”(Bem de família . Rio de Janeiro:Aide, 1995, p. 19).

A despeito disso, a impenhora-bilidade do bem de família é aci-dental e pode ser afastada pelosbeneficiários, de modo tácito ouexplícito, fazendo prevalecer a re-gra geral, que é a penhorabilidadedos bens.

Nesse contexto, o art. 3º, V, daLei nº 8.009/91 traduz hipótese cla-ra de ato tendente ao afastamen-to da impenhorabilidade: ao ma-nifestarem a vontade de oferecero bem de família em garantia hi-potecária, os beneficiários eviden-ciam, ainda que de forma implíci-

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SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA JURISPRUDÊNCIA

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ta, sua intenção de liberar o bem daprerrogativa legal, desde que, emsintonia com o entendimento doSTJ, a dívida tenha sido constituídaem favor da entidade familiar.

Cabem, mais uma vez, osensinamentos de Álvaro Villaça deAzevedo, para quem “se a situa-ção do bem de família não retirade seu titular a possibilidade dealiená-lo, porque esse imóvel é,somente, impenhorável, nada im-pede que seja o mesmo oferecidoem garantia hipotecária”. Conclui,então, que não seria justo que, “fa-vorecendo esse mesmo titular, de-vedor hipotecário, não pudesse ocredor satisfazer-se de seu crédito,sobre o objeto da garantiaofertada” (op. cit., p. 211).

(iii) Dos precedentes do STJ.Esta Corte já teve a oportunida-

de de analisar situações análogasà dos autos, tendo consolidado oentendimento de que “a exceçãodo art. 3º, inciso V, da Lei nº 8.009/90, que permite a penhora de bemdado em hipoteca, limita-se à hi-pótese de dívida constituída emfavor da família, não se aplicandoao caso de fiança concedida emfavor de terceiros” (REsp 268.690/SP, 4ª Turma, Rel. Min. Ruy Rosadode Aguiar, DJ de 12.03.2001. Nomesmo sentido: REsp 1.022.735/RS,4ª Turma, Rel. Min. Fernando Gon-çalves, DJe de 18.02.2010; e AgRgno Ag 1.126.623/SP, 3ª Turma, Rel.Min. Paulo de Tarso Sanseverino,DJe de 06.10.2010).

Constata-se, pois, que no enten-dimento do STJ, nas hipóteses emque houver o oferecimento de imó-vel em garantia hipotecária, aimpenhorabilidade do bem de fa-

mília somente estará comprometi-da se a dívida objeto dessa garan-tia tiver sido assumida em benefí-cio da própria entidade familiar.

(iv) Da hipótese dos autos.Na hipótese específica dos au-

tos, a dívida objeto da garantia hi-potecária foi tomada por Eder Fran-co, filho dos recorrentes, que resi-de junto com esses no imóvel quese alega ser bem de família.

A CF/88 ampliou o conceito defamília, inserindo em seu art. 226 afigura jurídica da entidade famili-ar. Nos termos do § 4º do referidodispositivo legal, a entidade fami-liar compreende, entre outras, “acomunidade formada por qualquerdos pais e seus descendentes”. As-sim, se a CF/88 reconhece comoentidade familiar a famíliamonoparental – reunião de apenasum dos genitores e de seus descen-dentes – com muito mais razão devese incluir nesse conceito legal tam-bém a família tradicional, compos-ta por ambos os pais e sua prole.

É certo, portanto, que a dívidaem questão foi assumida em prolda entidade familiar, compostapelo casal de recorrentes e por seufilho.

Vale acrescentar, por oportuno,que a proteção conferida ao bemde família deve sempre levar emconsideração a conduta dos respec-tivos beneficiários. A boa-fé dodevedor é determinante para quese possa socorrer do favor legal,reprimindo-se quaisquer atos pra-ticados no intuito de fraudar cre-dores ou retardar o trâmite dosprocessos de cobrança.

Conforme leciona Ana MartaZilveti (2006), “nos tempos atuais,

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BEM DE FAMÍLIA. OFERECIMENTO EM GARANTIA HIPOTECÁRIA. BENEFÍCIO DA ENTIDADE FAMILIAR. RENÚNCIA À IMPENHORABILIDADE

marcados por dificuldades de cré-dito e grande endividamento, énecessário pensar em mecanismosatenuadores, mas que possam tam-bém garantir o recebimento docrédito pelo credor, para que nãohaja a institucionalização do famo-so ganha mas não leva” (Bem defamília . São Paulo: Quartier Latin,2006, p. 237).

Com efeito, a tendência moder-na de propagação de normas pro-pensas ao equilíbrio das relaçõessociais e negociais deve obrigato-riamente vir acompanhada, comocontrapartida, da coibição de abu-sos que impliquem reversão da si-tuação de desequilíbrio, colocan-do o credor à mercê do devedor.

No caso dos recorrentes, éincontroverso que o oferecimentodo imóvel – repise-se, em garantiade dívida assumida em benefícioda entidade familiar – se deu deforma voluntária, ciente dos riscosdo negócio.

Ademais, o fato de o imóveldado em garantia ser o único bemda família – circunstância que ospróprios recorrentes fizeram ques-tão de ressaltar – foi certamentesopesado ao oferecê-lo em hipote-ca, sabedores de que o ato impli-caria renúncia à impenhorabi-lidade. Assim, não se mostra razo-ável que agora, ante à suainadimplência, os recorrentes usemesse fato como subterfúgio paralivrar o imóvel da penhora. A ati-tude contraria a boa-fé ínsita àsrelações negociais, pois equivale àentrega de uma garantia que odevedor, desde o início, sabia serinexequível, esvaziando-a por com-pleto. Por fim, saliento que o

acórdão alçado a paradigma pelosrecorrentes, REsp 302.281/RJ, 4ªTurma, Rel. Min. Barros Monteiro,Rel. p/ acórdão Min. Aldir Passari-nho Junior, DJ de 22.03.2004, nãose amolda à situação existente nosautos, pois cuida de hipótese emque “a hipoteca foi dada para ga-rantia de empréstimo contraídopela empresa, da qual é sócio o ti-tular do bem, onde reside a suafamília”.

No particular, a dívida não foiassumida por pessoa jurídica, maspor pessoa física que compõe aprópria entidade familiar.

Em suma, constata-se que o imó-vel em questão foi espontaneamen-te oferecido em garantia hipote-cária pelos recorrentes, que esta-vam cientes dos riscos inerentes aesse ato, sobretudo que implicariarenúncia à sua impenhorabilidade,tendo o praticado assim mesmo,em benefício da entidade famili-ar, de sorte que inexiste ofensa aoart. 3º, V, da Lei nº 8.009/90 e, porvia de consequência, justificativapara anular a

constrição imposta ao bem.II. Do excesso de execução.

Violação do art. 743, IV, do CPC.Os recorrentes aduzem que o

TJ/SP “não reconheceu o excesso deexecução nos termos do artigo 743do CPC” (fl. 134, e-STJ).

De acordo com o acórdão recor-rido, “não há nos autos elementospara concluir que a obrigação ori-ginal era de impossível cumpri-mento pelo comprador, como bemlançado na r. sentença recorrida, demodo a sustentar a aplicabilidadedo artigo 743, IV, do CPC” (fl. 126,e-STJ).

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SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA JURISPRUDÊNCIA

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Assim, o acolhimento da tesedos recorrentes exigiria orevolvimento do substrato fático-probatório dos autos, procedimen-to vedado pela Súmula 07/STJ.

Forte nessas razões, NEGO PRO-VIMENTO ao recurso especial.

CERTIDÃO DE JULGAMENTO

Certifico que a egrégia TERCEI-RA TURMA, ao apreciar o processoem epígrafe na sessão realizadanesta data, proferiu a seguinte de-cisão:

A Turma, por unanimidade, ne-gou provimento ao recurso espe-cial, nos termos do voto do(a) Sr(a).Ministro(a) Relator(a). Os Srs. Mi-nistros Massami Uyeda, Paulo deTarso Sanseverino e Vasco DellaGiustina (Desembargador convoca-do do TJ/RS) votaram com a Sra.Ministra Relatora. Ausente,justificadamente, o Sr. Ministro Sid-nei Beneti.

Brasília, 09 de novembro de2010.

MARIA AUXILIADORARAMALHO DA ROCHA

Secretária

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AÇÃO DE CONHECIMENTO. FASE INSTRUTÓRIA. CADERNETA DE POUPANÇA. EXIBIÇÃO INCIDENTAL DE EXTRATOS. MULTA. DESCABIMENTO.

Superior Tribunal de Justiça

Ação de conhecimento. Fase instrutória. Caderneta de poupança.Exibição incidental de extratos. Multa. Descabimento.

EMENTA OFICIAL

AGRAVO REGIMENTAL. AGRA-VO DE INSTRUMENTO. AÇÃO DECONHECIMENTO. FASEINSTRUTÓRIA. DIFERENÇAS DECORREÇÃO EM CONTA DE POUPAN-ÇA. EXIBIÇÃO INCIDENTAL DE DO-CUMENTO. EXTRATOS.

1. A ordem incidental de exibi-ção de documentos, na faseinstrutória de ação ordinária decobrança, encontra respaldo, nosistema processual vigente, não noart. 461 invocado no recurso espe-cial, mas no art. 355 e seguintes doCPC, que não prevêem multacominatória. Isso porque o escopodas regras instrutórias do Códigode Processo Civil é buscar o cami-nho adequado para que as partesproduzam provas de suas alega-ções, ensejando a formação da con-vicção do magistrado, e não asse-gurar, de pronto, o cumprimentoantecipado (tutela antecipada) oudefinitivo (execução de sentença)de obrigação de direito materialde fazer, não fazer ou entrega decoisa.

2. Segundo a jurisprudênciaconsolidada do STJ, na ação deexibição de documentos não cabea aplicação de multa cominatória(Súmula 372). Este entendimentoaplica-se, pelos mesmos fundamen-tos, para afastar a cominação de

multa diária para forçar a parte aexibir documentos em medidaincidental no curso de ação ordi-nária condenatória. Nesta, ao con-trário do que sucede na açãocautelar, cabe a presunção ficta deveracidade dos fatos que a parteadversária pretendia comprovarcom o documento (CPC, art. 359),cujas consequências serão avaliadaspelo juízo em conjunto com asdemais provas constantes dos au-tos, sem prejuízo da possibilidadede busca e apreensão, nos casos emque a presunção ficta do art. 359não for suficiente, ao prudente cri-tério judicial.

3. Agravo regimental não pro-vido.

ACÓRDÃO

A Turma, por unanimidade, ne-gou provimento ao agravo regi-mental, nos termos do voto da Sra.Ministra Relatora. Os Srs. MinistrosAldir Passarinho Junior, João Otá-vio de Noronha e Raul Araújo vo-taram com a Sra. Ministra Relatora.

Ausente, justificadamente, o Sr.Ministro Luis Felipe Salomão.

Brasília (DF), 14 de abril de2011(Data do Julgamento)

MINISTRA MARIA ISABELGALLOTTI, Relatora

Ag-1179249 RJ (2009/0069494-7).Dje 02.05.2011.

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SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA JURISPRUDÊNCIA

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RELATÓRIO

MINISTRA MARIA ISABELGALLOTTI: Trata-se de agravo re-gimental contra decisão proferidapelo Ministro Honildo Castro,Desembargador Convocado, assimementada (e-STJ fls. 157/163):

AGRAVO DE INSTRUMENTO.RECURSO ESPECIAL. CIVIL. ESPÉ-CIES DE CONTRATO. CONTRATOBANCÁRIO . VIOLAÇÃO AO ART.535. I E II DO CPC. PREQUES-TIONAMENTO INEXISTENTE.REEXAME DE PROVAS. DIVER-GÊNCIA JURISPRUDENCIAL NÃOCOMPROVADA.1. Tendo o Tribunal a quo apre-ciado, com a devida clareza,toda a matéria relevante paraa apreciação e julgamento dorecurso, não há falar em viola-ção ao art. 535 I e II do Códigode Processo Civil.2. Não se conhece do recursoespecial no que diz respeito àmatéria que não foi especifica-mente enfrentada pelo e. Tri-bunal a quo, dada a ausência deprequestionamento (Súmulas282 e 356/STF).3. Na via especial, é vedada aalteração das premissas fático-probatórias estabelecidas peloacórdão recorrido.4. A pretensão de simplesreexame de prova não ensejarecurso especial. Súmula 7-STJ.5. Não se conhece de recursoespecial pela alínea “c” do per-missivo constitucional, se odissídio jurisprudencial não es-tiver comprovado nos moldesexigidos pelos arts. 541, pará-grafo único, do CPC, e art. 255,parágrafos 1º e 2º do RISTJ.6. Agravo de InstrumentoIMPROVIDO.

Pede o agravante a reforma dadecisão agravada, pois a jurisdiçãonão foi devidamente prestada noTribunal Estadual, havendo afron-ta ao art. 535 do CPC pela omissãocaracterizada ante a falta de pro-nunciamento do acórdão recorri-do sobre pontos fundamentais dademanda.

Sustenta que a tese central doespecial, em relação ao cabimentoda multa do art. 461, § 4º, do CPC,foi debatida no acórdão recorrido,tratando-se de matéria unicamen-te de direito, que não enseja oreexame dos fatos.

Além disso, alega que houve ademonstração do dissídiojurisprudencial.

É o relatório.

VOTO

MINISTRA MARIA ISABELGALLOTTI (Relatora): Verifica-senos autos que a tese central do re-curso especial, sobre a aplicação damulta cominatória, foi debatida noacórdão recorrido, não havendonecessidade de reexame de maté-ria de fato, motivo pelo qual pas-so a examinar o recurso.

O Tribunal de Justiça do Estadodo Rio de Janeiro, julgando agra-vo de instrumento interposto dedecisão interlocutória proferidaem ação de cobrança, decidiu emacórdão assim ementado (e-STJ fl.72):

AGRAVO DE INSTRUMENTO.DECISÃO QUE DETERMINA ÀPARTE AGRAVANTE A APRE-SENTAÇÃO DE EXTRATOS, NOPRAZO DE 15 (QUINZE) DIAS,SOB PENA DE INCIDÊNCIA DE

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AÇÃO DE CONHECIMENTO. FASE INSTRUTÓRIA. CADERNETA DE POUPANÇA. EXIBIÇÃO INCIDENTAL DE EXTRATOS. MULTA. DESCABIMENTO.

MULTA DIÁRIA. DECISÃO QUEMERECE REFORMA. A APRE-SENTAÇÃO DOS ALUDIDOSDOCUMENTOS CONFIGURAÔNUS PROCESSUAL E NÃOOBRIGAÇÃO DE FAZER. O NÃOATENDIMENTO DE ÔNUS FAZCOM QUE A PARTE SE SUJEITEÀS CONSEQÜÊNCIAS PROCES-SUAIS DE SUA OMISSÃO. MUL-TA QUE SE MOSTRA INCABÍVEL.RECURSO CONHECIDO E PROVI-DO.

Após a rejeição dos seus embar-gos de declaração (e-STJ fls. 80/82),Carolina Ferreira dos Santos, repre-sentada pela Defensoria Pública,interpôs recurso especial, ampara-da nas letras “a” e “c” do permissi-vo constitucional, alegando, emsíntese, que o acórdão recorridoviolou os seguintes dispositivos,com as respectivas teses:

a) art. 535, II, do CPC - por ter seomitido o Tribunal Estadual quan-to a questões federais relevantessuscitadas pela ora recorrente nascontrarrazões do agravo de instru-mento

b) art. 359 do CPC - não é cabí-vel a aplicação da presunção de ve-racidade na hipótese dos autos,porque “a causa envolvequantificação de valores, não po-dendo a parte autora ‘inventar’ va-lores (o que de resto seria contrárioà boa-fé processual), para fins depresunção de veracidade em casode inércia processual. Assim, consi-derar que a não-apresentação dosdocumentos gera tão-somente umapresunção de veracidade dos fatosalegados pela parte autora signifi-ca, no caso, esvaziar totalmente odireito fundamental da parte auto-

ra a uma tutela jurisdicional efeti-va.” (e-STJ fl. 91);

c) art. 355 do CPC - quando alei, por meio do dispositivo indi-cado, estabelece que “o juiz podeordenar que a parte exiba docu-mento ou coisa que se ache em seupoder” está mencionando a possi-bilidade de provimentos manda-mentais no campo da exibição dedocumentos, permitindo a impo-sição de multa cominatória;

d) art. 461, § 4º, do CPC - embo-ra o objeto principal da ação decobrança diga respeito a uma pre-tensão condenatória, a ordemincidental de exibição do docu-mento é, inegavelmente, uma obri-gação de fazer, que carece de mei-os coercitivos para seu efetivo cum-primento.

Sustenta a recorrente, ainda, acaracterização de dissídiojurisprudencial, citando comoparadigmas precedentes do STJque permitem a incidência da mul-ta cominatória na ação de exibi-ção de documentos.

Assim delimitada a controvér-sia, entendo, inicialmente, em re-lação à suposta violação ao art.535, II, do CPC, que não assiste ra-zão à recorrente, ora agravante,pois não verifico, no caso dos au-tos, omissão ou ausência de fun-damentação na apreciação dasquestões suscitadas.

Com efeito, não está o órgãojulgador obrigado a se pronunciarsobre todos os argumentos apon-tados pelas partes, a fim de expres-sar o seu convencimento.

O pronunciamento acerca dosfatos controvertidos, a que está omagistrado obrigado, encontra-se

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SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA JURISPRUDÊNCIA

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objetivamente fixado nas razões doacórdão recorrido. Nesse sentido:AgRg no Ag 1.041.751/DF, Rel. Mi-nistro JOÃO OTÁVIO DE NORONHA,QUARTA TURMA, DJe de 19.4.2010.

Ultrapassado este ponto, enten-do que a questão federal está sufi-cientemente prequestionada noacórdão recorrido, tendo sido de-monstrada a divergência nos ter-mos legais e regimentais.

Passo, portanto, ao exame dosdemais aspectos do recurso.

A recorrente ajuizou ação decobrança de índices expurgados decaderneta de poupança em face dobanco recorrido, alegando ser ti-tular de determinada caderneta,em agência que especificou na ini-cial, mencionando, também, o seusaldo em junho de 1987 e julho de1987.

Foi determinado ao banco réuque juntasse aos autos os extratosda conta no período em causa, sobpena de multa diária de R$ 250,00.Alegou o banco que os extratosencontram-se às fls. 14/15 dos au-tos, mas a decisão impositiva daexibição dos documentos foimantida.

O banco agravou, donde oacórdão recorrido, da lavra doDesembargador Mauro PereiraMartins, que deu provimento aorecurso, assentando ser “na hipó-tese incabível a imposição da mul-ta estabelecida na decisão impug-nada, uma vez que a apresentaçãodos extratos se constitui em ônusprocessual e não em obrigação defazer, conforme sustentou a parteagravada em suas contra-razões.Com efeito, em não apresentandoa documentação que lhe foi deter-

minada se sujeita a parte agravan-te aos efeitos decorrentes de suaomissão, reputando-se como ver-dadeiro o fato alegado pela parteora agravada. Inexiste amparo, to-davia, para a cominação de multa,já que não se pode obrigar a partea realizar aquilo que, em verdade,se traduz em ônus processual”.

Incensurável o acórdão recorri-do.

Com efeito, não se postula, nosautos de origem - ação de cobran-ça de diferenças de correção mo-netária, em fase de processo de co-nhecimento – a condenação do réuao cumprimento de obrigação defazer, de não fazer ou de entregade coisa, hipóteses em que teriaaplicação a regra do art. 461 ou461-A do CPC .

Trata-se de ação ordinária decobrança em que se pede o cum-primento de obrigação de dar di-nheiro. Incidentalmente, foi deter-minada a exibição, pelo banco réu,de extratos relativos ao períodoem que se discute o direito às dife-renças de correção monetária.

A ordem de exibição de docu-mentos deu-se, portanto, na faseinstrutória de ação ordinária decobrança e encontra respaldo, nosistema processual vigente, não noart. 461 invocado no recurso espe-cial, mas no art. 355 e seguintes doCPC, que não prevêem multacominatória. Isso porque o escopodas regras instrutórias do Códigode Processo Civil é buscar o cami-nho adequado para que as partesproduzam provas de suas alega-ções, ensejando a formação da con-vicção do magistrado, e não asse-gurar, de pronto, o cumprimento

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AÇÃO DE CONHECIMENTO. FASE INSTRUTÓRIA. CADERNETA DE POUPANÇA. EXIBIÇÃO INCIDENTAL DE EXTRATOS. MULTA. DESCABIMENTO.

antecipado (tutela antecipada) oudefinitivo (execução de sentença)de obrigação de direito materialde fazer, não fazer ou entrega decoisa.

O descumprimento da ordemincidental de exibição de documen-tos (CPC, art. 355), ônus processual,poderá ter consequências desfavo-ráveis ao réu, reputando-se comoverdadeiros os fatos que se preten-dia comprovar com o documento(CPC, art. 359), o que será avaliadopelo Juiz da causa, ao prolatar asentença, com base nas alegaçõesdas partes e no conjuntoprobatório. Daí a inaplicabilidadedesta presunção de veracidade noâmbito da ação cautelar de exibi-ção, proclamada pela 2ª Seção, emacórdão repetitivo (REsp. 1.094.846-MS, relator o Ministro CarlosFernando Mathias), mas sua plenapertinência no caso de recusa deapresentação de documentos emincidente da fase de instrução deação ordinária.

O banco alega que os documen-tos necessários à instrução da cau-sa já estão juntados aos autos deorigem. Mas se não estiverem, ar-cará com as consequências proces-suais do descumprimento do ônusprocessual que lhe foi atribuídopela decisão que determinou a exi-bição do documento. No caso dosautos, por exemplo, tendo a auto-ra afirmado que possuia determi-nada conta de caderneta de pou-pança, em determinada época,com saldo que especificou e data-base que, em tese, lhe assegurariao recebimento dos expurgos, estesfatos, se o banco não exibir os ex-tratos, e os constantes dos autos

não os contrariarem, serão tidoscomo verdadeiros, no momento dasentença, por força da regra do art.359, do CPC.

Registro que não foi aindaalcançada a fase de liquidação eexecução de sentença. Os documen-tos necessários para o processo deconhecimento são apenas os essen-ciais para a verificação da existên-cia do direito alegado pelo autor(no caso, prova da existência daconta, com saldo positivo na épocados expurgos e data-base da cader-neta). Na fase de liquidação serãonecessários extratos mais detalha-dos, e se o devedor não os apresen-tar, mesmo em face de nova deci-são judicial, arcará com asconsequências processuais de suainação, podendo se fazer necessá-ria busca e apreensão de documen-tos ou até mesmo perícia para a apu-ração do valor devido, arcando odevedor com o incremento dos cus-tos da execução, sem prejuízo deoutras multas decorrentes da obs-trução indevida do serviço judiciá-rio. Não haverá ensejo, todavia,mesmo em fase de liquidação paraa cominação de multa diária, combase no art. 461, do CPC.

Registro que há recentes prece-dentes, em agravo regimental, da3ª e da 4ª Turmas, afirmando quea Súmula 372 não se aplica à hipó-tese de multa cominatória impos-ta incidentalmente em processo deconhecimento para fazer cumprirdeterminação de exibição de do-cumentos. No entender dos men-cionados precedentes, a menciona-da súmula seria restrita aos proces-sos cautelares de exibição de do-cumentos, de forma que a imposi-

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ção de multa em caráter incidentalem processo de conhecimento en-contraria apoio no art. 461 do CPC(3ª Turma, AgRg no REsp. 1.096.940-MG e 4ª Turma, AgRg no AG1.165.808-SP, entre outros).

Por outro lado, em sentido con-trário, registro a decisão singulardo Ministro João Otávio deNoronha, no Ag 1.150.821, profe-rida em liquidação provisória desentença coletiva condenatória aopagamento de diferenças de cor-reção expurgadas de caderneta depoupança, na qual foi consignadoque “a aplicabilidade de multacominatória prevista no art. 461 doCPC é restrita às demandas queenvolvem obrigação de fazer e nãofazer, sendo incabível em sede depedido incidental de exibição dedocumentos.”

Não encontro motivos, com adevida vênia, para admitir a mul-ta diária na fase instrutória daação de conhecimento, se a exibi-ção de documentos for determina-da em caráter incidental, mas, deoutra forma, não admiti-la se or-denada em liminar ou sentençaproferida em ação cautelar de exi-bição de documentos (Súmula 372).

A leitura dos precedentes destasúmula, se por um lado evidenciaque todos eles foram tirados deações cautelares, por outro, nãocorrobora, em seus fundamentos,a distinção preconizada nos prece-dentes mencionados. Ao contrário,data vênia. Se a multa cominatórianão é admitida nas ações cautelaresde exibição de documento (nasquais não cabe, também, a presun-ção de veracidade estabelecidapelo art. 359), com maior razão

ainda não deve ser permitida nasações ordinárias, na fase de conhe-cimento, onde é possível a aplica-ção da mencionada pena de con-fissão de veracidade dos fatos quese pretendia provar com o docu-mento não exibido.

Recordo que o voto do MinistroLuís Felipe Salomão, no repetitivoREsp. 1.094.849, no qual se assen-tou não caber, em ação cautelar deexibição de documentos, a aplica-ção da confissão ficta prevista noart. 359, do CPC (inerente às açõesconhecimento), ressaltou que em-bora também não sendo cabível amulta, em face da Súmula 372,“não há de ficar sem sanção odescumprimento da ordem doJuiz”, aventando, então, a possibi-lidade de ordem de busca e apre-ensão e até mesmo de apuração cri-minal da conduta do recalcitrante.

No caso dos autos, no qual secuida de fase instrutória de processode conhecimento, a consequênciado descumprimento injustificadodo ônus processual não será a im-posição de multa cominatória re-servada por lei para forçar o deve-dor ao cumprimento de obrigaçãode direito material de fazer, nãofazer, ou entregar coisa, mas a pre-sunção de veracidade dos fatos quea parte adversária pretendia com-provar, presunção esta que não éabsoluta, devendo ser apreciadapelo juízo no momento da senten-ça em face dos demais elementosde prova constantes dos autos.

Em face do exposto, nego pro-vimento ao agravo regimental,mantendo a decisão agravada poroutros fundamentos.

É como voto.

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AÇÃO DE CONHECIMENTO. FASE INSTRUTÓRIA. CADERNETA DE POUPANÇA. EXIBIÇÃO INCIDENTAL DE EXTRATOS. MULTA. DESCABIMENTO.

VOTO

O SR. MINISTRO ALDIR PASSA-RINHO JUNIOR: Sr. Presidente,

acompanho a eminenteRelatora por entender que, commuito mais razão ainda em proces-so de cognição ordinária, torna-sepertinente a aplicação de Súmula,porque é absolutamente possívelentender-se como confissão ficta anão apresentação do documento,se o juiz assim compreender combase em outras provas que real-mente caberia pela apresentação.

Não há razão, pois, para a fixa-ção da multa também em açõesprincipais, evitando-se, igualmen-te, a fixação de penalidades quelevam a valores milionários, tra-zendo enriquecimento sem causa.

Acompanho às inteiras o votoda Sr. Ministra Relatora, negandoprovimento ao agravo regimental.

CERTIDÃO DE JULGAMENTO

Certifico que a egrégia QUAR-TA TURMA, ao apreciar o processoem epígrafe na sessão realizadanesta data, proferiu a seguinte de-cisão:

A Turma, por unanimidade, ne-gou provimento ao agravo regi-mental, nos termos do voto daMinistra Relatora.

Os Srs. Ministros Aldir Passari-nho Junior, João Otávio deNoronha e Raul Araújo votaramcom a Sra. Ministra Relatora.

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PARTE 3

NORMAS EDITORIAIS

DE PUBLICAÇÃO

PARTE 3

NORMAS EDITORIAIS

DE PUBLICAÇÃO

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Normas Editoriais de Publicação

I - INFORMAÇÕES GERAIS

A Revista de Direito da ADVOCEF é uma publicação científicaperiódica da Associação Nacional dos Advogados da Caixa Econô-mica Federal. Publica artigos originais referentes à atuação profis-sional do advogado, à pesquisa, ao ensino ou à reflexão críticasobre a produção de conhecimento na área do Direito.

Sua missão principal é contribuir para a formação profissionale acadêmica do advogado da Caixa e demais Operadores do Direi-to, bem como socializar o conhecimento técnico e científico produ-zido por aqueles que pesquisam e/ou atuam em todos os camposdo conhecimento jurídico.

II – LINHA EDITORIAL

Os textos remetidos para publicação devem ser preferencial-mente inéditos e abranger assuntos pertinentes ao Direito. Os tra-balhos serão avaliados por um Conselho Editorial, o qual decidirápela publicação ou não do material enviado, com base em critérioscientíficos, interesse institucional ou técnico e, ainda, atualidadede seu conteúdo.

Eventual adequação do conteúdo ao formato eletrônico po-derá ser proposta, sem prejuízo da informação. Pequenas modi-ficações no texto poderão ser feitas pelo Conselho Editorial, masas modificações substanciais serão solicitadas aos autores. Serápermitida a reprodução parcial dos artigos, desde que citada afonte.

Ao remeter o texto para publicação, o Autor cede à ADVOCEFo direito de fazer uso do material enviado na Revista de Direito,no encarte “Juris Tantum” do Boletim Informativo Mensal e/ou emseu site na internet, a critério da associação.

A publicação em qualquer veículo de comunicação da Advocefnão é remunerada e o conteúdo é de responsabilidade do autor.Os originais, publicados ou não, não serão devolvidos.

III – TIPOS DE TEXTO

1. Artigos doutrinários – análise de temas e questões funda-mentadas teoricamente, levando ao questionamento de modos depensar e atuar existentes e a novas elaborações na área jurídica;

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2. Relatos de experiência profissional e estudos de caso – rela-tos de experiência profissional ou estudos de caso de interesse paraas diferentes áreas de atuação do advogado;

3. Comunicações – relatos breves de pesquisas ou trabalhosapresentados em reuniões científicas/eventos culturais;

IV - APRESENTAÇÃO DOS TRABALHOS

O texto, de até 30 laudas, deve ser enviado por e-mail àADVOCEF, no formato Word, redigido em fonte Times New Roman,tamanho 12, com espaçamento entre linhas de 1,5 cm e margensde 2 cm (eventualmente, o conselho editorial poderá aprovar tex-tos acima de 30 laudas, caso entenda ser de interesse da Revista apublicação na íntegra do material enviado).

O autor deve ainda enviar à ADVOCEF, por correio ou malote,devidamente preenchido e assinado, um termo de cessão de direitosautorais, elaborado a partir de formulário padrão disponibilizado em<http://www.advocef.org.br/_arquivos/40_1047_termocessao.doc>.

O arquivo do trabalho deve conter:

1. Folha de rosto com o nome do(s) autor(es) e: a) título emportuguês; b) nome de cada autor, seguido da afiliação institucionale titulação acadêmica; c) endereço eletrônico para envio de corres-pondência.

2. Resumo em português – com no máximo 150 palavras e acom-panhado de quatro palavras-chave. Palavras-chave são vocábulosrepresentativos do conteúdo do documento que devem ser sepa-rados entre si por ponto e finalizados também por ponto.

2.1 Sumário indicando as principais partes ou seções do artigo.

2.2 Resumo bilíngue – Título, resumo e palavras-chave devemser traduzidos para outro idioma, acompanhando os originais emportuguês.

3. Notas de rodapé – As notas não bibliográficas devem serreduzidas a um mínimo, ordenadas por algarismos arábicos e colo-cadas no rodapé da página, não podendo ser muito extensas.

4. As citações de autores devem ser feitas da seguinte forma:a) Por meio do último sobrenome do autor, com apenas a pri-

meira letra maiúscula, seguido, entre parênteses, do ano de publi-

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cação do trabalho e, para citações diretas, do número da página.Quando o sobrenome do autor vier entre parênteses, deve ser es-crito todo em letra maiúscula.

b) As obras e fontes citadas devem constar, obrigatoriamente,nas referências.

c) As citações diretas com mais de três linhas são consideradascitações longas e são transcritas em parágrafo distinto, começandoa 4 cm da margem esquerda, sem deslocamento da primeira linha.O texto é apresentado sem aspas e transcrito com espaçamento entrelinhas simples e fonte tamanho 10, devendo ser deixada uma linhaem branco entre a citação e os parágrafos anterior e posterior.

5. Referências – Deve-se utilizar a norma ABNT 6023. Exem-plos:

a) Livros: DERANI, Cristiane. Direito ambiental econômico.São Paulo: Max Limonad, 2001.

b) Capítulo de livro: Autor(es) (ponto). Título do capítulo (pon-to). In: referência completa do livro seguida pela paginação iniciale final do capítulo (p. XX-XX) ou pelo número dele (cap. X).

Exemplo: VELOSO, Zeno. Efeitos da declaração de incons-titucionalidade. In: NOVELINO, Marcelo (Org.). Leituras comple-mentares de Direito Constitucional: controle de constitucio-nalidade. Bahia: JusPodivm, 2007. cap. 7.

c) Artigo em periódico científico: Autor (ponto). Título do arti-go (ponto). Nome da revista ou periódico em negrito (vírgula),local de publicação (vírgula), volume e/ou ano (vírgula), fascículoou número (vírgula), paginação inicial e final (vírgula), data ouintervalo de publicação (ponto).

Exemplo: DANTAS, Fernando Antonio de Carvalho. Os povosindígenas brasileiros e os direitos de propriedade intelectual. Hiléia:Revista de Direito Ambiental da Amazônia, Manaus, v. 1, n. 1, p.85-120, ago./dez. 2003

d) Documentos consultados na internet: além dos elementosindicados em a, b e c, deve-se informar o endereço eletrônico com-pleto inserido dentro de < > (que remeta diretamente à fonte con-sultada, e não apenas à página inicial do site) e precedido de "Dis-ponível em:". Informa-se também a data de acesso, precedida daexpressão "Acesso em:" (o horário de acesso é opcional).

Exemplo: STRECK, Lenio Luiz; OLIVEIRA, Marcelo AndradeCattoni; LIMA, Martonio Mont'Alverne Barreto. A nova perspec-tiva do Supremo Tribunal Federal sobre o Controle Difuso:mutação constitucional e limites da legitimidade da Jurisdição Cons-titucional. Jus Navigandi, Teresina, ano 11, n. 1498, ago. 2007.Não paginado. Disponível em: <http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=10253>. Acesso em: 6 nov. 2007.

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V - ANÁLISE DOS TRABALHOS

A análise dos trabalhos recebidos para publicação respeitará oseguinte fluxo:

1. Análise pelos membros do Conselho Editorial;2. Resposta ao autor, informando se o texto foi aceito (com ou

sem ressalvas) ou não;3. Remessa para a composição e diagramação;4. Publicação.

VI - ENDEREÇO PARA REMESSA DOS TRABALHOS

Associação Nacional dos Advogados da Caixa Econômica Fe-deral – ADVOCEF

Brasília/DF:SBS, Quadra 2, Bloco Q, Lote 3, Sala 1410 - Ed. João Carlos SaadFone (61) 3224-3020

E-mail: [email protected]

**O envio eletrônico do documento pelo e-mail pessoal doautor substitui a assinatura física da carta de encaminhamento.

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