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Revista de Jurisprudência do Tribunal de Justiça do Ceará Tribunal de Justiça do Estado do Ceará P O D E R J U D I C I Á R I O T R I B U N A L D E J U S T IÇ A D O E ST A D O D O C E A R Á TJCE R. Jurisp. Trib. Justiça Est. Ceará, Fortaleza, v.25, p. 1 - 412, 2007

Revista de Jurisprudência do Tribunal de Justiça do Ceará · 13-145, 2007 abstrata de outro processo, sem o pressuposto de ter ou não o interessado o direito subjetivo que se

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Revista de Jurisprudência do

Tribunal de Justiça do Ceará

Tribunal de Justiça do Estado do Ceará

PODER JUDICIÁRIO

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E JUSTIÇA DO ESTADO D

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TJCE

R. Jurisp. Trib. Justiça Est. Ceará, Fortaleza, v.25, p. 1 - 412, 2007

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Revista de Jurisprudência do Tribunal de Justiça doCeará. v.1 - Fortaleza: Tribunal de Justiça doEstado do Ceará, 1989 -

Trimestral

1.Direito - Periódico. 2.Direito - Jurisprudência. 3.Ceará - Tribunal de Justiça - Jurisprudência.

CDU 340.342 (05)

Tribunal de Justiça do Estado do CearáAv. Ministro José Américo s/nCentro Administrativo Gov. Virgílio Távora-CambebaCEP: 60839-900www.tj.ce.gov.bre-mail: [email protected]

Tiragem da Edição: 1.000 exemplares

Expediente:Coordenação:Des. João de Deus Barros Bringel

Normalização:Maria Cláudia de Albuquerque Campos CRB - 3/214

RevisãoFrancisco Hudson Pereira Rodrigues

Diagramação e Impressão:Wellington Forte Miranda FilhoParque Gráfico do Tribunal de Justiça do Estado do Ceará

Revista de Jurisprudência do Tribunal de Justiça do Estado do CearáVolume 25.2007Publicação Oficial do Tribunal de Justiça do Estado do Ceará, a cargo da Comissão

de Jurisprudência e Biblioteca.Os acórdãos selecionados para publicação correspondem, na íntegra, às cópias

obtidas nos Gabinetes dos Desembargadores deste Egrégio Tribunal.

Comissão de Jurisprudência: Des. João de Deus Barros Bringel, Desa.Gizela Nunes da Costa, Des. Francisco de Assis Filgueira Mendes. Suplen-tes: Desa. Huguette Braquehais, Des. Ademar Mendes Bezerra.

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Sumário

Composição do Tribunal Pleno ...........................................................5

Relatores ...........................................................................................7

Jurisprudência Cível

Apelações Cíveis ....................................................................... 13/145

Agravos de Instrumento ........................................................... 149/181

Habeas Corpus Cível ............................................................... 185/192

Mandado de Segurança .......................................................... 195/208

Exceção de Suspeição ........................................................... 211/218

Jurisprudência Criminal

Apelações Crime ..................................................................... 223/298

Habeas Corpus ....................................................................... 301/379

Recurso Crime em Sentido Estrito .......................................... 383/385

Carta Testemunhável ............................................................... 389/398

Discursos

Discurso do Desembargador Lincoln Tavares Dantas, proferido em 26 de

outubro de 2006, por ocasião de sua posse.. ........................ 401/406

Índice Alfabético Remissivo .................................................... 407/412

PODER JUDICIÁRIOTRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DO CEARÁ

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COMPOSIÇÃO DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA

DO ESTADO DO CEARÁ

TRIBUNAL PLENO

PresidenteDes. Fernando Luiz Ximenes Rocha

Vice-PresidenteDes. Rômulo Moreira de Deus

Corregedor Geral da JustiçaDes. José Cláudio Nogueira Carneiro

Des. Fernando Luiz Ximenes RochaDes. Ernani Barreira Porto

Des. Francisco Haroldo Rodrigues de AlbuquerqueDes. João de Deus Barros Bringel

Desa. Huguette BraquehaisDes. Rômulo Moreira de Deus

Des. José Cláudio Nogueira CarneiroDesa. Gizela Nunes da Costa

Desa. Maria Celeste Thomaz de AragãoDes. José Arísio Lopes da Costa

Des. Luiz Gerardo de Pontes BrígidoDes. João Byron de Figueiredo Frota

Des. Ademar Mendes BezerraDesa. Mariza Magalhães Pinheiro

Desa. Edite Bringel Olinda AlencarDesa. Maria Iracema do Vale HolandaDes. José Mário dos Martins Coelho

Desª. Maria Sirene de Sousa SobreiraDes. Raimundo Eymard Ribeiro de Amoreira

Des. Antônio Abelardo Benevides MoraesDes. Francisco de Assis Filgueira Mendes

Des. Lincoln Tavares DantasDes. Celso Albuquerque Macedo

Des. Francisco Lincoln Araújo e SilvaDesa. Lúcia Maria do Nascimento Fiúza Bitu

Dr. Bonfim Cavalcante Carneiro - Secretário Geral

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R E L AT O R E S

Des. Ernani Barreira Porto

Des. Francisco Haroldo Rodrigues de Albuquerque

Desa. Luiz Gerardo de Pontes Brígido

Des. João Byron de Figueiredo Frota

Des. Ademar Mendes Bezerra

Des. José Mário dos Martins Coelho

Desa. Maria Sirene de Souza Sobreira

Des. Raimundo Eymard Ribeiro de Amoreira

Des. Francisco de Assis Filgueira Mendes

Des. Celso Albuquerque Macêdo

Desa. Maria Apolline Viana de Freitas

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JURISPRUDÊNCIA CÍVEL

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APELAÇÕES CÍVEIS

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ESTADO DO CEARÁPODER JUDICIÁRIO

TRIBUNAL DE JUSTIÇA

APELAÇÃO CÍVEL Nº 2000.0015.1650-8/0APELANTE: EMSSAPELADO: JBVMAÇÃO DE BUSCA E APREENSÃOORIGEM: 17ª VARA DE FAMÍLIA DA COMARCA DEFORTALEZARelator: Ademar Mendes Bezerra

EMENTA: CIVIL E PROCESSUAL CIVIL. AÇÃOCAUTELAR DE BUSCA E APREENSÃO DEMENOR. FALTA DE PROPOSITURA DA AÇÃOPRINCIPAL. EXTINÇÃO DO PROCESSO SEMRESOLUÇÃO DE MÉRITO, A PAR DO EFEITOSATISFATIVO DA DEMANDA. PREVALÊNCIA DOINTERESSE DO MENOR.I – Em regra, a ação de busca e apreensão só éconsiderada autônoma, isto é, satisfativa,quando autorizada por lei, a exemplo do DL nº911/69; excetuadas, contudo, algumas matériasde família.II – Hipótese em que a medida liminar de buscae apreensão concedida perdeu a sua eficácia háquase 07(sete) anos, por força da sentençaimpugnada, extinguindo o processo semresolução de mérito, dada a inobservância dotrintídio para o ajuizamento da demanda principal(CPC 806).III – Na espécie, pois, é de ser mantida a decisãohostilizada, em homenagem à prevalência dointeresse do menor, por não ser razoávelmodificar-se situação consolidada no tempo, semque se tenha notícia de qualquer fatosuperveniente desabonador da conduta do pai

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do infante, em relação ao seu próprio filho.IV – Apelo conhecido, mas desprovido.

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos os presentes autos daApelação Cível nº 2000.0015.1650/0, em que figuram as partesacima referidas, acordam os Desembargadores integrantes da2ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Estado do Ceará, àunanimidade de votos, negar provimento ao recurso emreferência, nos termos do voto do Relator.

Fortaleza, 29 de novembro de 2006.

RELATÓRIO

Trata-se de Apelação Cível interposta por EMSS, emface de JBVM, irresignada com o decisum (de fl. 48) do MM. Juizda 17ª Vara de Família da Comarca de Fortaleza que, em sedede ação cautelar de busca e apreensão, extinguiu o processosem resolução de mérito, considerando a ausência deajuizamento da ação principal.

Alega a apelante, em suma, que a medida cautelarde busca e apreensão tem caráter satisfativo, não sendoobrigatório, portanto, o aforamento de ação principal.

Sem contra-razões.Ouvida (fls. 72/73), a d. Procuradoria Geral de Justiça

opinou pelo desprovimento do apelo, mantida a sentençahostilizada.

É o relatório.

VOTO

Na lição de HUMBERTO THEODORO JÚNIOR: “Oprocedimento regido pelos arts. 839 a 843 do CPC é,exclusivamente, o da busca e apreensão cautelar, isto é,da medida preventiva instrumental que serve à tutela

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abstrata de outro processo, sem o pressuposto de ter ounão o interessado o direito subjetivo que se disputa noprocesso principal.”

E, continua o referido doutrinador, a busca eapreensão, “como processo principal (autônomo),... (caso do)Dec.-Lei nº 911, só tem cabimento quando autorizada porlei. Não cabe à parte adotá-la discricionariamente.”

Nesse sentido, a jurisprudência menciona que“Ressalvadas as hipóteses do Decreto-lei de nº 911/69, dosartigos 605, 905 e 1.124 do CPC, a busca e apreensão não seapresenta como processo independente, que visa à satisfaçãodo direito material da parte, pois terá então função subsidiária decautela, servindo o processo onde se dará a composição efetivado litígio.” (Ver RT 622/118).

Sabe-se, por outro lado, que essa exegese vemsendo abrandada em se tratando de questões relativas a Direitode Família.

No caso destes autos, todavia, a ação cautelar debusca e apreensão não possui caráter satisfativo,desempenhando, na verdade, apenas a função de assegurar oestado de fato necessário à útil e eficiente atuação do processoprincipal, diante do perigo da mora, como a própria apelantemencionou em sua exordial, verbis (fl. 03):

“Está preparando a ação para obter guarda definitivado filho, mas esse procedimento ainda demandaalguns dias, prazo que a situação não pode esperar,em benefício da criança.

Pleiteia, então, concessão de liminar de Busca eApreensão, como forma de retirar seu filho doambiente danoso e do risco que se encontra...”.

Assim, a própria autora/recorrente deixa claro queutilizou a busca e apreensão como procedimento preparatóriode um futuro processo de conhecimento, que seria a ação de

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guarda definitiva.

Assim deveria ser, segundo o ensinamento deLIBERATO PÓVOA, ilustre autor mineiro e Desembargador doEstado do Tocantins, para quem “...o pai não poderia pleiteara busca e apreensão do filho que se encontra em poder damãe, pois ambos possuem igual direito subjetivo sobre omenor. Nesse caso, não caberia a ação com caráterindependente, mas acessório, ou seja, condicionada àprincipal. 3 ”, o que se aplica, mutatis mutandis, ao caso destesautos, sendo que a suplicante é a mãe, ora recorrente.

Na mesma esteira, a jurisprudência dos tribunaispátrios, como se vê da ementa abaixo colacionada:

“BUSCA E APREESNSÃO – FILHO NACOMPANHIA DO PAI – MEDIDA REQUERIDAPELA MÃE (...).Na busca e apreensão, como medida cautelar,além da autuação própria, devem os respectivosautos ser apensados aos da ação principal.(Grifou-se).(...).” (Agravo de Instrumento 1.291; TJSC (Segredode Justiça) – RT 541/209).

Porém, compulsando os fólios, mormente às fls. 16e ss., verifica-se que, mesmo depois de efetivada a medida liminarconcedida pelo MM. Juiz a quo, e transcorrido o trintídio a que serefere o art. 806 do CPC, a autora/apelante não ajuizou a açãoprincipal, não restando alternativa ao magistrado de primeiro grausenão extinguir o processo sem resolução do mérito.

Registre-se, por oportuno, o que foi afirmado pelopatrono do réu/apelado na última audiência realizada (fl. 46)antes da sentença terminativa, expressis verbis:

“...que o requerido nunca manifestou perante o seuadvogado interesse em ficar com a guarda da criançae que somente procurou o Conselho Tutelar para

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adquirir a guarda provisória da criança, visando aproteger a sua integridade física, haja vista que omenor – após levar uma surra de cipó – foi submetidoa exame de corpo de delito no IML, conforme laudojunto aos autos e que, após ser concedida liminarà autora, o menor continuou a passar os finaisde semana com o promovido, estando, pois,normalizada a situação como antes.” (Grifou-se).

Logo depois, foi aberta vista dos autos ao MinistérioPúblico de primeiro grau, que opinou pela extinção do feito, faceà ausência de aforamento da demanda principal no prazo da lei(fl. 47).

É de se presumir, pois, que passados mais de07(sete) anos da data da realização daquela audiência, o conflitode interesses aqui observado se tenha consumido no tempo,razão por que o exercício do direito de guarda, que cabe a ambosos pais, ficou, na prática, razoavelmente distribuído, tocando osfinais de semana ao varão, não sendo razoável, em homenagemà prevalência do interesse do menor, modificar-se situação jáconsolidada, sem que se tenha notícia de qualquer fatosuperveniente desabonador da conduta do pai do infante, hojeadolescente, em relação ao seu próprio filho.

À vista do exposto, e em consonância com o parecerda d. Procuradoria de Justiça, conheço do apelo interposto para,todavia, lhe negar provimento, mantendo a r. sentença recorrida.

É como voto.

Fortaleza, 29 de novembro de 2006.

***

ESTADO DO CEARÁPODER JUDICIÁRIO

TRIBUNAL DE JUSTIÇA

Apelação Cível n.º 2000.0111.0858-5/1Apelante/apelado: FAELCE – Fundação Coelce de

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Seguridade SocialApelado/apelante: Claúdia Aciolli Meneses Perucchi eOutrosRelator Desembargador Ademar Mendes Bezerra

EMENTA: APELAÇÃO. DIREITO CIVIL ECONSUMERISTA. PREVIDÊNCIA PRIVADA.APLICAÇÃO DO CÓDIGO DE DEFESA DOCONSUMIDOR. CLÁUSULA ABUSIVA.- É aplicável o CDC às relações de previdênciaprivada.- Conforme entendimento majoritário do SuperiorTribunal de Justiça, no caso de desligamento deempregado, é dever da entidade de previdênciaprivada restituir as importâncias recolhidasaplicando índice de atualização monetária quereflita a efetiva desvalorização da moeda.- É inválida a restituição da Reserva dePoupança somada às contribuições vertidaspelas patrocinadoras, quando efetuado o saquedas contribuições individuais, não podem seragregados ao patrimônio do participante em setratando de plano de benefício definido – a parde não poderem retornar à patrocinadora, postose tratar de fundo de modalidade mutualista.- Precedentes dos tribunais Superiores.- Apelações conhecidas, mas desprovidas.

ACÓRDÃO:

Vistos, relatados e discutidos os presentes autos deApelação n.º 2000.0111.0858-5/1, em que figuram as partesacima indicadas. Acorda a 2ª Câmara Civil do egrégio Tribunalde Justiça do Estado do Ceará, por unanimidade, conhecer enegar provimento aos recursos, restando inalterada a sentençavergastada nos termos do voto do relator.

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Fortaleza, 28 de março de 2007.

RELATÓRIO

Cuidam os presentes autos de duas apelações cíveismanejadas pela FAELCE – Fundação Coelce de SeguridadeSocial e por Claúdia Aciolli Meneses Perucchi e Outros em facede sentença do MM. Juiz de direito da 8ª Vara Cível de Fortaleza,pela qual julgou parcialmente procedente ação de cobrançacondenando a entidade de seguridade social a “devolver tão-somente a diferença entre o valor efetivamente pago aos autorese a importância correspondente às contribuições pessoaisintegrais depositadas durante todo o período em que os autoresparticiparam da aludida entidade, corrigida monetariamente apartir do ajuizamento desta ação”.

Na inicial de fls. 02/14, os autores consignaram quelogo após seus desligamentos da COELCE, optaram peloresgate das contribuições junto à entidade de previdência privadada referida empresa (FAELCE). Contudo, a devoluçãocorrespondeu somente a 16% (dezesseis por cento) da reservade poupança de cada um deles. Irresignados, manejaram açãode cobrança para reaver o saldo remanescente somado àscontribuições patronais, tudo devidamente corrigido pelo INPC.

Juntou, ainda, os documentos de fls. 22/40V.Na contestação de fls. 48/56, a parte ré alegou, em

síntese, a validade da restituição feita segundo as normas legaisaplicáveis, Lei 6.435/77, Decreto 81.240/78 e o próprioregulamento da FAELCE. Carreou os documentos de fls. 57/120.

Pela réplica de fls. 122/129, a parte autora, em suma,reiterou os termos de sua exordial.

A tentativa de conciliação restou infrutífera, conformese infere do termo de audiência de fl. 137.

Como a matéria em tablado era somente de direito,anunciou-se o julgamento antecipado da lide (fl.139), de cujadecisão as partes não se insurgiram.

Pela sentença de fls. 148/151, o MM. Juiz a quo julgou

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parcialmente procedente a ação de cobrança nos termosaludidos inicialmente.

A instituição ré apelou, buscando a reforma integraldo julgado, pelas razões que constam às fls. 156/161.

Os autores recorreram adesivamente às fls. 164/172, buscando somar ao valor a ser restituído as contribuiçõespatronais e a verba de incentivo previdenciário.

Contra-razões somente da parte autora às fls. 174/177.

É o relatório.

VOTO

O mérito do presente recurso se assenta nasseguintes questões: a) aplicação do CDC; b) abusividade doartigo 29 do Estatuto da FAELCE; c)devolução da contribuiçãopatronal; d) utilização do INPC como índice de correção.

A primeira questão em análise diz respeito aaplicabilidade do Código de Defesa do Consumidor – CDC aoscasos envolvendo entidades de previdência privada. Assim, urgedefinir o conceito e área de atuação deste instituto.

As entidades de previdência privada, para os efeitosda Lei, são as que têm por objeto instituir planos privados deconcessão de pecúlios ou de rendas, de benefícioscomplementares ou assemelhados aos da Previdência Social,mediante contribuição de seus participantes, dos respectivosempregadores ou de ambos.

Vê-se, portanto, que a FAELCE, como pessoajurídica de previdência privada, presta serviços aos seusassociados. Contudo, esses atos constituem relação deconsumo?

Como sabido, para a aplicação das normasprotetivas do CDC é necessária a caracterização da relação deconsumo. Para tanto, nos pólos da relação jurídica devem existirum consumidor (ou ente equiparado) e um fornecedor.

Não existem grandes polêmicas a respeito dacaracterização do fornecedor. Registre-se que o STJ tem

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admitido inclusive a aptidão de associações e sociedades semfins lucrativos para figurarem como fornecedor (Resp’s n.436.815 e n. 519.310, dentre outros).

Com efeito, quando elas exercem atividadesremuneradas no mercado de consumo como uma sociedadeempresária (ex: contratos de mútuo, de prestação de serviçosmédicos), não será a natureza jurídica delas que excluirá aaplicação das normas protetivas do CDC em favor dosconsumidores, pois os critérios para a caracterização dosfornecedores previstos no art. 3º do CDC são puramenteobjetivos.

Deste modo, a FAELCE configura-se comofornecedora de serviços à luz do CDC, pois presta serviços aosseus segurados preenchendo todos os requisitos do art. 3º doCódigo Consumerista. Neste tocante, o Egrégio Superior Tribunalde Justiça tem várias decisões, a saber:

“PREVIDÊNCIA PRIVADA. RESCISÃO DOCONTRATO. DEVOLUÇÃO DAS PARCELASPAGAS. APLICAÇÃO DO CDC.- O associado que se desvincula da entidade deprevidência privada tem direito à restituição dasparcelas pagas.- Firme a jurisprudência do STJ ao afirmar que asentidades de previdência privada estão sujeitas àsnormas de proteção do consumidor”. (STJ - AGRAVOREGIMENTAL NO RECURSO ESPECIAL 2006/0065371-1; Relator Ministro HUMBERTO GOMESDE BARROS, Órgão Julgador - TERCEIRA TURMA,Data do Julgamento 24/08/2006, Data da Publicação/Fonte, DJ 11.09.2006 p. 282)*******“PROCESSUAL CIVIL. AGRAVO REGIMENTAL.PREVIDÊNCIA. RESTITUIÇÃO INTEGRAL DASCONTRIBUIÇÕES PESSOAIS. ANÁLISE DEMATÉRIA CONSTITUCIONAL. IMPOSSIBILIDADE.CDC. APLICAÇÃO. FUNDAMENTO INATACADO.

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SÚMULA N. 283-STF.[...]II. O CDC é aplicável às entidades abertas e fechadasde previdência complementar. [...]”(Súmula n. 283-STF). IV. Agravo improvido. (STJ -AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO ESPECIAL2006/0110351-7, Relator Ministro ALDIRPASSARINHO JUNIOR, Órgão Julgador - QUARTATURMA, Data do Julgamento 03/08/2006, Data daPublicação/Fonte DJ 04.09.2006 p. 288) (supressãonossa)

O debate segue agora a respeito da abusividade doartigo 29 do Estatuto da FAELCE. Ao longo de seus contratosde trabalho os participantes de fundos de pensão efetuamcontribuições mensais, com o intuito de formar reservasfinanceiras para sua aposentadoria. Ato contínuo, aspatrocinadoras aportam suas contribuições mensaiscorrespondentes à paridade exigida atuarialmente.

A contribuição vertida ao fundo pelo participante,denomina-se Reserva de Poupança. As contribuições efetuadaspelos Participantes, pelo Patrocinador, acrescidas de correçãomonetária e ganhos fruídos no mercado financeiro de capitais ede imóveis formam o que tecnicamente se denomina de ReservaMatemática.

O citado artigo 29 do Estatuto da FAELCE afirmaque “ao participante que, antes de ter condições para sercomplementado, se desligar dos Patrocinadores e da FAELCE,é assegurado o direito de, em qualquer época, ressalvada aprescrição, receber em restituição, como reserva de poupança,uma percentagem do montante das contribuições por eleefetuadas, mensalmente, para a FAELCE, sem juros, masdevidamente corrigidas pela Taxa Referencial – TR, emconformidade com a Tabela integrante do anexo 1, ao presenteregulamento”.

Ora, a dita cláusula é nula de pleno direito e acertouo julgador monocrático no seu posicionamento. A reserva depoupança, como referido, é o somatório de todas as contribuiçõesefetuadas pelo associado/segurado. Estipular em estatuto que

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não é possível ter a sua devolução plena é ir contra os princípiostraçados pelo CDC e a jurisprudência dominante, conforme selê das jurisprudência já colacionadas. A propósito veja-se oexcelente julgado da lavra do Ministro Aldir Passarinho Júnior noAgravo Regimental (2006/0023259-6) no Recurso Especial(816545 / SE):

PROCESSUAL CIVIL. AGRAVO REGIMENTAL.ENTIDADE FECHADA DE PREVIDÊNCIA PRIVADA.PETROS. CDC. APLICAÇÃO. ARTS. 219 DO CPCE 405 DO CÓDIGO CIVIL DE 2002.PREQUESTIONAMENTO. AUSÊNCIA. SÚMULAS N.284 E 356-STF. RESTITUIÇÃO INTEGRAL DASCONTRIBUIÇÕES PESSOAIS. SÚMULA N. 289 DOSTJ.[...]II. Consolidou-se a jurisprudência da Corte nosentido de que a devolução das contribuiçõesdeve ser feita integralmente, com correçãomonetária por fatores de atualização querecomponham a efetiva desvalorização damoeda nacional, nos termos da Súmula n. 289-STJ.III. O CDC é aplicável às entidades abertas efechadas de previdência complementar.[...]”

Verifica-se que, na realidade, os fundos de pensão,na sua maioria, possibilitam a retirada de “100%” dascontribuições vertidas pelos participantes. Entretanto, tal assertivanão é absoluta como se percebe do caso em tópico. Ademais,na suposta totalidade a ser devolvida por estas entidades nãoestão inseridos os juros auferidos durante a gestão das reservasindividuais e também não contemplam os diversos expurgosinflacionários decorrentes de malfadados planos econômicos.

Outro ponto a ser resolvido é a possibilidade dainclusão da contribuição patronal na parcela a ser restituída. Emnosso entender, as contribuições vertidas pelas patrocinadoras,quando efetuado o saque das contribuições individuais, não

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podem ser agregados ao patrimônio do participante em setratando de plano de benefício definido, a par de não poderemretornar à patrocinadora. Esta modalidade, por ser mutualista,trabalha com um “fundo” único e que em determinados momentospoderá apresentar déficit ou superávit.

Ao permanecer no fundo a suposta parte dapatrocinadora ocasionará, possivelmente, um resultadosuperavitário. Havendo superávit, a legislação determina que hajadistribuição entre os participantes remanescentes, ou seja,poderá ser elevado o valor dos benefícios dos participantesassistidos ou diminuir as contribuições dos participantes ativos.

Por último, tem-se a discussão sobre a utilizaçãodo INPC como índice de correção e o direito de reverter à efetivadesvalorização da moeda. A jurisprudência brasileira caminhano sentido de amparar a pretensão de reparar o dano sofridopelo desgaste financeiro, em harmonia com os seguintesjulgados:

“A correção monetária dos valores a seremdevolvidos deverá compreender também osexpurgos verificados, para que se atenda à finalidadeda tutela previdenciária. Reforma parcial da sentençapara seu acréscimo à condenação”. (TJRJ – AC 723/97 – (Reg. 150698) – Cód. 97.001.00723 – RJ – 9ªC. Cív. – Rel. Des. Elmo Arueira – J. 02.12.1997).(Grifamos)********“Incidência de juros sobre a reserva de poupançaconstituem conseqüência da sucumbência da Ré,sem afrontar o estatuto da Entidade (art. 106). Apeloimprovido”. (4fls). (TJRS – APC 70001002252 – 5ªC.Cív. – Rel. Des. Sérgio Pilla de Silva – J.17.08.2000)

Portanto, pelos motivos expostos, não merecereforma alguma a decisão de primeiro grau.

É como voto.

Fortaleza, 28 de março de 2007

***

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ESTADO DO CEARÁPODER JUDICIÁRIO

TRIBUNAL DE JUSTIÇA

Apelação Cível n.º 2000.0113.4506-4/1Apelante: JOSÉ VALTER DE VASCONCELOS E OUTROSApelado: MUNICÍPIO DE FORTALEZARelator: Desembargador Ademar Mendes Bezerra

EMENTA: TRIBUTÁRIO. TAXA DE ILUMINAÇÃOPÚBLICA. SERVIÇO GERAL E INDIVISÍVEL.INVALIDADE.- Não é válida a cobrança de taxa de iluminaçãopública por se tratar de serviço público geral eindivisível.- Precedentes dos Tribunais Superiores.- Apelação conhecida, mas improvida.

ACÓRDÃO:

Vistos, relatados e discutidos os presentes autos daApelação Cível n.º 2000.0113.4506-4/1, em que figuram as partesacima indicadas.

Acorda a colenda Segunda Câmara Cível do Tribunalde Justiça do Estado do Ceará, por seu plenário, a unanimidade,julgar improvida a apelação, nos termos do voto de relator.

Fortaleza, 28 de março de 2007.

VOTO

Cuida-se no presente feito de apelação cível emmandado de segurança – com pedido liminar – no qual JOSÉVALTER DE VASCONCELOS e outros combatem ato do PrefeitoMunicipal concernente na exigência de taxa pelo serviço deiluminação pública. Sustentam a invalidade da exação no fatode não ser o dito serviço público específico e divisível, conforme

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exigido pela legislação tributária.Trazem à colação os documentos de fls. 06/51.A medida liminar foi concedida in totum às fls. 52/

54, tendo sido intimada a Companhia Energética do Ceará –COELCE para dar-lhe fiel cumprimento, em razão de a cobrançada taxa se verificar conjuntamente com a fatura de energiaelétrica.

Regularmente notificada, a autoridade impetradaapresentou – no decêndio legal – as devidas informações,oportunidade em que sustentou a especificidade e divisibilidadedo serviço de iluminação, dada a possibilidade de identificaçãoparticularizada das unidades autônomas de edificação, bemcomo requereu a extinção do feito sem julgamento do mérito porperda de objeto.

O Ministério Público se manifestou, às fls. 87/94, pelaconcessão da segurança pleiteada.

O MM. Juiz de primeiro grau proferiu sentença defls. 97/99 extinguindo o pleito pela perda de seu objeto.

O impetrante apelou às fls. 102/108, requerendo ainconstitucionalidade da CIP. Contra-razões às fls. 113/120.

Instada a se manifestar a Procuradoria de Justiça –por seu representante – apresentou parecer de fls. 132/138,opinando pela revisão da decisão de primeiro grau.

Este é o relatório.A constituição Federal e o Código Tributário Nacional

distinguem imposto, taxa e contribuição de melhoria pelos fatosdescritos em suas hipóteses de incidência. Fatos estes queocorridos no mundo empírico geram a incidência do tributo, daíporque nesta ótica empírica tais fatos são denominados de fatosgeradores tributários.

Assim, em se tratando de imposto, terá comohipótese de incidência um fato do contribuinte que seja presuntivode riqueza (p.ex. aferir renda, possuir veículo automotor, etc).Por sua vez, na hipótese de incidência da contribuição demelhoria constará não um comportamento do particular, masuma obra pública que gere valorização imobiliária para ocontribuinte, ou seja, na contribuição de melhoria há uma atividade

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estatal (obra pública) indiretamente referida ao contribuinte pormeio da valorização de um imóvel seu.

Por fim, a taxa – que é o que nos interessa nestemomento - terá como hipótese de incidência um serviço público,obrigatório, específico e divisível ou o exercício do poder de polícia.Somente estas duas situações podem ensejar a tributação pelamodalidade taxa. É o que se infere do art. 77 do Código TributárioNacional:

Art. 77. As taxas cobradas pela União, pelosEstados, pelo Distrito Federal ou pelosMunicípios, no âmbito de suas respectivasatribuições, têm como fato gerador o exercícioregular do poder de polícia, ou a utilização,efetiva ou potencial, de serviço públicoespecífico e divisível, prestado ao contribuinteou posto à sua disposição.

Percebe-se, pois, uma similitude e uma distinçãoentre taxa e contribuição de melhoria: ambas têm como fatogerador atividades estatais (na contribuição de melhoria umaobra pública e na taxa um serviço público ou o exercício do poderde polícia), mas, enquanto que na contribuição de melhoria aatividade estatal é referida indiretamente ao contribuinte – já quealém da obra pública deve haver uma valorização imobiliária,nas taxas a atividade estatal que enseja a cobrança é diretamenterelacionada ao contribuinte.

Nesse sentido, o saudoso Geraldo Ataliba (Hipótesede Incidência Tributária, 6º Edição, São Paulo: Malheiros, 2000,p.156) bem dispõe quando afirma que “conceituamos taxa comotributo vinculado cuja hipótese de incidência consiste numaatuação estatal direta e imediatamente referida ao obrigado. Nãobasta que a consistência da h.i. seja uma atuação estatal. Épreciso que esta seja, de qualquer modo, referida ao obrigado(sujeito passivo), para que dele possa ser exigida. Se pudesseser exigida de outra pessoa desapareceria qualquer utilidade nadistinção entre taxa e imposto”.

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Portanto, repita-se, somente em razão do exercícioda prestação, efetiva ou potencial, de um serviço públicoespecífico, divisível e obrigatório ou do exercício do poder depolícia é que pode o Fisco tributar os particulares mediante taxa.Nenhuma outra atividade estatal pode ser remunerada por estetributo.

Essa referibilidade direta entre a atividade estatal(serviço público, p.exe.) e o particular desvela o carátersinalagmático da taxa, ou seja, o contribuinte deverá remunerarsomente aquele serviço cuja prestação deu causa e na medidaem que lhe diz respeito. Daí porque os serviços públicos quepodem ensejar a cobrança de taxa devem ser específicos edivisíveis. O particular só deve remunerar o serviço público queele fruir exclusivamente e na medida da intensidade desta fruição.

O Código Tributário Nacional conceitua a divisibilidadee especificidade do serviço público. É o que prescreve o art. 79:

Art. 79. Os serviços públicos a que se refere oartigo 77 consideram-se:(…)II - específicos, quando possam ser destacadosem unidades autônomas de intervenção, deunidade, ou de necessidades públicas;III - divisíveis, quando suscetíveis de utilização,separadamente, por parte de cada um dos seususuários.

Do que se lê, percebe-se, de fato, que o serviçopúblico a ser remunerado por taxa é apenas aquele em que sepode determinar precisamente o particular que o utilizou e emque medida o fez. Exemplo disto é a taxa de esgoto em que oPoder Público pode identificar precisamente quem se vale darede pública e em que intensidade o faz.

Os serviços públicos utilizados por toda acoletividade indistintamente não podem ensejar a cobrança detaxa precisamente porque não se pode determinar – de maneiraprofícua – quem frui do serviço e em que intensidade ou

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quantidade o faz, o que impõe sua remuneração pelos impostos.Nesse sentido o magistério de Rui Barbosa Nogueira:

“O Estado, na sua missão de atender ao bemcomum, já presta serviços gerais à coletividade,cujos gastos são cobertos sobretudo pela receita deimpostos. Serviço específico, necessário para ainstituição de taxa, é o suscetível de utilizaçãoindividual pelo contribuinte, e divisível, é o destacávelem unidade autônoma.” (Rui Barbosa Nogueira,Curso de Direito Tributário, 10ª edição, pág. 166).

O Direito Administrativo coloca essa distinção nostermos de serviço uti singuli e uti universi. Sobre a definiçãode ambas espécies escreve Hely Lopes Meirelles:

“Serviços ‘uti universi’ ou gerais: são aqueles que aadministração presta sem ter usuários determinados,para atender à coletividade no seu todo, como os depolícia, iluminação pública, calçamento e outrosdessa espécie. (…) Estes serviços são indivisíveis,isto é, não mensuráveis na sua utilização. Daíporque, normalmente, os serviços uti universi devemser mantidos por imposto (tributo geral), e não portaxa ou tarifa, que é remuneração mensurável eproporcional ao uso do serviço.“Serviços ‘uti singuli’ ou individuais: são os que têmusuários determinados e utilização particular emensurável para cada destinatário, como ocorre como telefone, a água e a energia elétricadomiciliares.(…) São sempre serviços de utilizaçãoindividual, facultativa e mensurável, pelo quê devemser remunerados por taxa (tributo) ou tarifa preçopúblico), e não por imposto”. (Direito AdministrativoBrasileiro., 24ª Edição, São Paulo: Malheiros, 1999,p. 300)

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Portanto, somente os serviços uti singuli podem serremunerados por taxa.

De forma alguma pode se falar que o serviço deiluminação pública seja específico e divisível. Não se podemindividualizar aqueles que se utilizam deste serviço, comotambém em que medida dele usufruem. Sequer é possívelmensurar a intensidade da fruição do serviço por aquelesparticulares consumidores de energia elétrica que a legislaçãoelege como contribuinte.

A iluminação pública favorece a todos os indivíduosque trafegam pelos logradouros públicos bem como osproprietários de imóveis (o que impossibilita absolutamente adeterminação dos mesmos), não sendo, conseqüentemente,possível individualizar a quantidade de luz gasta por cada um,vedando a cobrança do tributo da modalidade taxa.

Esclareça-se que a pretensão dos mais diversosmunicípios da federação brasileira em cobrar taxa de iluminaçãopública é antiga, mas sempre é energicamente refutada pelostribunais, pois sua invalidade é ingente e insofismável. OSupremo Tribunal Federal já firmou entendimento contrário a talexigência, editando a súmula 670, cujo teor é o seguinte:

“Súmula 670. O serviço de iluminação pública nãopode ser remunerado mediante taxa”

A corrente jurisprudencial consubstanciada nessasúmula pode ser exemplificada pelos seguintes julgados:

“EMENTA: CONSTITUCIONAL. TRIBUTÁRIO. TAXADE ILUMINAÇÃO PÚBLICA. MUNICÍPIO DEANDRADAS, MG. I. - Ilegitimidade da taxa, dado queo serviço de iluminação pública é um serviçodestinado à coletividade toda, prestado uti universi enão uti singuli. II. - Precedentes do STF. III. - Agravonão provido”.(AG.REG.NO RECURSO EXTRAORDINÁRIORelator(a): Min. CARLOS VELLOSO Julgamento:

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19/08/2003 Órgão Julgador: Segunda Turma,Publicação: DJ DATA-26-09-2003 PP-00023 EMENTVOL-02125-04 PP-00741)

* * *

“EMENTA: CONSTITUCIONAL. RECURSOEXTRAORDINÁRIO. AGRAVO REGIMENTAL.AUSÊNCIA DE PERTINÊNCIA. TAXA DEILUMINAÇÃO PÚBLICA. COBRANÇA.INCONSTITUCIONALIDADE. I. - Inatacados osfundamentos da decisão agravada, torna-se inviávelo recurso. Precedentes. II. O serviço de iluminaçãopública não pode ser remunerado mediante taxa,uma vez que não configura serviço público específicoe divisível prestado ao contribuinte ou posto à suadisposição. Precedentes: RREE 233.332/RJ e231.764/RJ, Plenário. III. - Agravo não provido”.(AI 400658 AgR / MG - MINAS GERAISAG.REG.NO AGRAVO DE INSTRUMENTORelator(a): Min. CARLOS VELLOSO Julgamento: 13/05/2003 Órgão Julgador: Segunda Turma;Publicação: DJ DATA-06-06-2003 PP-00035 EMENTVOL-02113-05 PP-00961)

* * *

“EMENTA: CONSTITUCIONAL. RECURSOEXTRAORDINÁRIO. TAXA DE ILUMINAÇÃOPÚBLICA. COBRANÇA. INCONSTITUCIO-NALIDADE. I. O serviço de iluminação pública nãopode ser remunerado mediante taxa, uma vez quenão configura serviço público específico e divisívelprestado ao contribuinte ou posto a sua disposição.Precedentes: RREE 233.332/RJ e 231.764/RJ,Plenário. II. - Agravo não provido”.(AI 408014 AgR / MG - MINAS GERAIS

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AG.REG.NO AGRAVO DE INSTRUMENTORelator(a): Min. CARLOS VELLOSO Julgamento: 25/03/2003 Órgão Julgador: Segunda Turma;Publicação: DJ DATA-25-04-2003 PP-00052 EMENTVOL-02107-07 PP-01434)

* * *

“EMENTA: CONSTITUCIONAL. TRIBUTÁRIO. TAXADE ILUMINAÇÃO PÚBLICA. MUNICÍPIO DE IVOTI,RS. I. - Ilegitimidade da taxa, dado que o serviço deiluminação pública é um serviço destinado àcoletividade toda, prestado uti universi e não utisinguli. II. - Precedentes do STF. III. R.E. inadmitido.Agravo não provido”.(AI 231132 AgR / RS - RIO GRANDE DO SULAG.REG.NO AGRAVO DE INSTRUMENTORelator(a): Min. CARLOS VELLOSO Julgamento: 25/05/1999 Orgão Julgador: SegundaTurma;Publicação: DATA-06-08-1999 PP-00016EMENT VOL-01957-10 PP-02090 RTJ VOL-00171-03 PP-01053)

* * *

“EMENTA: TRIBUTÁRIO. MUNICÍPIO DE NITERÓI.TAXA DE ILUMINAÇÃO PÚBLICA. ARTS. 176 E 179DA LEI MUNICIPAL Nº 480, DE 24.11.83, COM AREDAÇÃO DADA PELA LEI Nº 1.244, DE 20.12.93.Tributo de exação inviável, posto ter por fato geradorserviço inespecífico, não mensurável, indivisível einsuscetível de ser referido a determinadocontribuinte, a ser custeado por meio do produto daarrecadação dos impostos gerais. Recurso nãoconhecido, com declaração de inconstitucionalidadedos dispositivos sob epígrafe, que instituíram a taxano município”.

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(RE 233332 / RJ - RIO DE JANEIRORECURSO EXTRAORDINÁRIO Relator(a): Min.ILMAR GALVAO Julgamento: 10/03/1999 ÓrgãoJulgador: Tribunal Pleno; Publicação: DJ DATA-14-05-1999 PP-00024 EMENT VOL-01950-13 PP-02617)

Deste último julgado extraímos a seguinte passagemdo voto vista do Ministro Carlos Velloso, porquanto éperfeitamente aplicável ao caso ora julgado:

“O que é preciso perquirir é se o serviço de iluminaçãopública é um serviço prestado uti universi, um serviçogeral, ou um serviço prestado uti singuli, ouespecífico. Ou, noutras palavras, se o serviço édestinado a determinados usuários e não prestadocom caráter geral, ou para a coletividade toda, dadoque, se se tratar de um serviço geral, destinado àcoletividade toda, deve ser remunerado pelo imposto.E mais: é preciso verificar se o serviço é divisível,vale dizer, de utilização individual e mensurável.“A resposta a essas indagações não é outra: o serviçode iluminação pública é um serviço destinando àcoletividade toda, não é um serviço que pode serdividido em unidades autônomas para cadacontribuinte. É, na verdade, um serviço prestado utiuniversi e não uti singuli. Roque Carraza, ao dissertara respeito dos serviços gerais, prestados uti universi,‘isto é, indistintamente a todos os cidadãos’,exemplifica com o serviço de iluminação pública(Curso de Direito Constitucional Tributário, cit., p.3227). Hely Lopes Meirelles, que defendera aconstitucionalidade da taxa de iluminação pública,reconsiderou-se depois. Leciona, no seu ‘DireitoMunicipal Brasileiro’, 10ª ed., p. 147/148, que ‘ não écabível a cobrança de taxa pelo calçamento de viapública ou pela iluminação de logradouro público, que

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não configuram serviços específicos, nem divisíveis,por serem prestados uti universi e não uti singuli,...’.Em nota de rodapé, esclarece Hely Lopes Meirelles:‘relativamente ao serviço de iluminação pública, jádefendemos a tese da legalidade da taxa para seucusteio. Evoluímos para a posição atual porverificarmos que esse serviço não é prestado utisinguli, mas sim uti universi, insuscetível, portanto,de utilização individual e mensurável.’ (Hely LopesMeirelles, ‘ Direito Municipal Brasileiro, 10ª ed., p. 147,nota 14)”.

Portanto, não sobejam maiores questionamentosacerca da invalidade da cobrança da taxa de iluminação pública.Convém ressaltar que podemos dizer que dito vício foireconhecido pelo Legislador Constituinte Derivado que mediantea Emenda n.º 39/02 inseriu o art. 149-A na Constituição Federalpara possibilitar a criação de contribuição de iluminação pública,afastando inteira e definitivamente a cobrança de taxa.

Por tais razões, conheço a Remessa Oficial e aapelação, negando-lhes, contudo, provimento, mantendoincensurável a sentença recorrida.

É como voto.

Fortaleza, 28 de março de 2007.

***

ESTADO DO CEARÁPODER JUDICIÁRIO

TRIBUNAL DE JUSTIÇA

APELAÇÃO CÍVEL DA 9ª VARA CÍVEL DE FORTALEZA N°2000.0130.3317-5/1APELANTE: TELESP – TELECOMUNICAÇÕES DE SÃOPAULO S/AAPELANTE: EMBRATEL – EMPRESA BRASILEIRA DE

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TELECOMUNICAÇÕES S/AAPELADA: EMBRATEL – EMPRESA BRASILEIRA DETELECOMUNICAÇÕES S/AAPELADO: ARI AGUIAR DE HOLANDAÓRGÃO JULGADOR: TERCEIRA CÂMARA CÍVELRELATOR: DES. CELSO ALBUQUERQUE MACÊDO

EMENTA: PROCESSUAL CIVIL.RESPONSABILIDADE CIVIL. APELAÇÃO. DANOSMORAIS. INSCRIÇÃO INDEVIDA DO NÚMERODO CPF NO SPC E SERASA. 1(UM) ANO E 4(QUATRO) MESES. EMPRESAS DE TELEFONIA.LEGITIMIDADE PASSIVA AD CAUSAM. DÍVIDADE OUTREM. DIREITO A INDENIZAÇÃO. R$6.000,00 (SEIS MIL REAIS). VALOR RAZOÁVEL.PRECEDENTES DO SUPERIOR TRIBUNAL DEJUSTIÇA. RECURSOS CONHECIDOS, MAS NÃOPROVIDOS. SENTENÇA CONFIRMADA.1- AS DECLARAÇÕES FEITAS PELO SPC ESERASA, FLS. 39/41, COMPROVAM QUE ASRECORRENTES FORAM AS EMPRESAS QUESOLICITARAM O REGISTRO DO CPF DOAUTOR NOS SERVIÇOS DE PROTEÇÃO AOCRÉDITO. INCONSISTÊNCIA DASPRELIMINARES DE LEGITIMIDADE PARA ACOMPOSIÇÃO DA RELAÇÃO PROCESSUAL.2- PRESENTES AS CONDUTAS COMISSIVASDAS EMPRESAS RECORRENTES, O DANOMORAL, ADVINDO DE SERCOMPROVADAMENTE INDEVIDO OCADASTRAMENTO E O NEXO DECAUSALIDADE ENTRE A CONDUTA E O FATODANOSO, IMPÕEM O DEVER DE INDENIZAR.3-CONSIDERADAS AS PARTICULARIDADES DOPLEITO AUTORAL, A INTENSIDADE EREPERCUSSÃO DO DANO, BEM COMO OSPARÂMETROS ADOTADOS EM CASOS

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SEMELHANTES PELO SUPERIOR TRIBUNALDE JUSTIÇA, O VALOR DE R$ 6.000,00 (SEIS MILREAIS) É SUFICIENTE PARA A JUSTAREPARAÇÃO DOS PREJUÍZOS ADVINDOS DOEVENTO DANOSO, SEM PROVOCAR OENRIQUECIMENTO INDEVIDO DO OFENDIDOE SERVINDO DE REPRIMENDA AOSOFENSORES.4-RECURSOS CONHECIDOS, MAS NÃOPROVIDOS.5-SENTENÇA MANTIDA.

Acórdão

Vistos, relatados e discutidos os presentes autos deApelação Cível de Fortaleza nº. 2000.0130.3317-5/1, em que sãopartes as acima nominadas, acorda a Turma Julgadora daTerceira Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Estado do Ceará,à unanimidade de votos, em conhecer das apelações, mas paranegar-lhes provimento, ratificando-se a sentença recorrida, nostermos do voto do Relator, que faz parte desta decisão. Mantidoo percentual da verba honorária arbitrada na sentença.

Relatório

Cuidam-se de RECURSOS APELATÓRIOSapresentados por TELESP – TELECOMUNICAÇÕES DE SÃOPAULO S/A, e EMBRATEL – EMPRESA BRASILEIRA DETELECOMUNICAÇÕES S/A, em face da sentença que julgouprocedente a AÇÃO DECLARATÓRIA DE NULIDADE DEDÉBITO CUMULADA COM REPARAÇÃO DE DANOS EPEDIDO DE TUTELA ANTECIPADA (Processo nº2004.02.74684-8), condenando as referidas empresas “a pagarao autor uma indenização no valor de R$ 6.000,00 (seis milreais)”. (fls. 163/167).

A TELESP, irresignada com o decisum a quo, arguiu,em suas razões recursais, a preliminar de ilegitimidade

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passiva para suportar a condenação que lhe foi imposta,informando não possuir qualquer relação com os valorescobrados e recebidos pelas demais operadoras de telefonia. Nomérito, sustenta a regularidade da contratação dos seusserviços, informando a inexistência de culpa ao instalar as linhastelefônicas. Aduz que a inclusão do CPF do autor foi realizadapor outra operadora de telefonia. Alega não ter sido configuradoo dano, restando impossível a caracterização do nexo decausalidade, pressuposto intrínseco da responsabilidadecivil. Requer, portanto, seja acolhida a preliminar, e caso nãoacolhido tal pleito, seja julgada a ação improcedente.

A EMBRATEL, segunda Apelante, irresignada com odecisum prolatado, menciona preliminarmente a sua ilegitimidadepassiva. No mérito, sustenta a ausência de responsabilidadepor não ter agido com dolo ou culpa no evento danoso,defendendo, ainda, não haver no caso, a responsabilidadesolidária. Aduz que a culpa seria exclusiva da TELESP, sendoesta a responsável pelo cadastro nos órgãos de inadimplentes.Requer, seja acolhido o recurso, com a conseqüentemodificação do valor da indenização fixada pelo Juízo a quo.

Em contra-razões de fls. 201/204, o recorridosustenta que “a legitimidade das Apelantes estão bemdefinidas quando as mesmas emitiram faturas, cobraramos valores e negativaram o Apelado”. Acrescenta que “aEmbratel possui cadastro próprio e se não o tivesse, queconferisse o que a TELESP lhe informava à época, restandoà Apelante o direito de regresso”. Pugna pelo improvimentodos recursos e manutenção do decisum de primeiro grau.

A EMBRATEL, em contra-razões de fls. 205/212,aduz que não participou do procedimento de habilitação daslinhas do autor. Pugna pelo improvimento do recurso interpostopela TELESP.

Revistos na forma do art. 34 do Regimento Internodeste Tribunal.

É relatório.

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Voto Preliminar

Conheço dos recursos, por observar presentes osrequisitos intrínsecos e extrínsecos de admissibilidade.

Examino, de logo, as preliminares arguidas pelaTELESP – TELECOMUNICAÇÕES DE SÃO PAULO S.A. EEMBRATEL – EMPRESA BRASILEIRA DETELECOMUNICAÇÕES S/A.

A TELESP sustenta a tese de que, “os dados daparte recorrida foram incluídos nos órgãos de proteção aocrédito por determinação de outra operadora de telefonia,em razão de débitos oriundos das ligações completadasatravés do código desta”.

Do mesmo modo, a EMBRATEL aduz a ocorrênciado cerceamento de defesa por parte do MM Juízo a quo e ainexistência de prova de que fora a responsável pela habilitaçãodas linhas telefônicas em nome do autor.

Desta forma, o que se discute no processo erealmente caracteriza o dano moral requerido é a inscriçãoindevida do CPF do autor em órgãos de proteção ao crédito,que sequer tinha contratado o recebimento de linhas telefônicas.

Com acerto, a MM Juíza a quo, apreciando aspreliminares de ilegitimidade passiva, assim reverberou:

“Apreciando, ab initio, as preliminares adcausam constante das defesas das rés, destacoque não merecem agasalho, tendo em vista queé evidente, a não mais poder, a relação entre aconduta de ambos e o dano experimentado peloautor”. (grifei)

Da análise dos autos, tenho não haver razões parao acolhimento das preliminares sustentadas pelas apelantes,devendo, por conseguinte, ser consideradas parteslegítimas para compor a presente lide. De acordo com asdeclarações do SPC E SERASA, fls. 39/41 dos autos, comprova-se que as recorrentes foram as empresas que solicitaram o

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registro do CPF do autor nos Serviços de Proteção aoCrédito e SERASA.

O Superior Tribunal de Justiça, no julgamento doRESP 165.727/DF, de Relatoria do Ministro Sálvio deFigueiredo Teixeira, firmou o seguinte entendimento, in litteris:

“Em se tratando de indenização decorrente dainscrição irregular no cadastro de inadimplentes,a exigência de prova de dano moral(extrapatrimonial) se satisfaz com ademonstração da existência da inscriçãoirregular nesse cadastro.” (Resp nº 165.727/DF,4ª Turma, Relator o Ministro Sálvio de FigueiredoTeixeira, DJ DE 21.08.98). (Grifei).

Isto posto, considerando haver relação jurídicaentre as partes em litígio rejeito as preliminares deilegitimidade passiva.

Voto de Mérito

Segundo consta dos autos, no ano de 2002, o Sr.ARI AGUIAR DE HOLANDA foi contactado pela empresaINTERLIG, com o fim de torná-lo cliente, informando-lhe naoportunidade que o mesmo possuía várias linhas telefônicas nacidade de São Paulo. Com efeito, o autor buscou elucidar o quelhe fora noticiado, adquirindo a informação de que os telefonesinstalados a pedido de interposta pessoa eram: 0770-69948,5614-88910, 5611-20260, 5833-03370, 583356790 e 5833-82160,cadastradas nos seguintes endereços: Rua Santa Rita deSapucaí, nº 20, A e Frei Lourenço de Alcântara, 275, SãoPaulo-SP. Naquela oportunidade, tendo enviado requerimento àTELESP para o cancelamento das referidas linhas, começou areceber cobranças desta Empresa através de demonstrativosde parcelamento de débito, mesmo sendo sabedora de quecitados ramais telefônicos não pertenciam ao promovente. Domesmo modo, a EMBRATEL, fornecedora de serviços pelo

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“Código 21”, informou que utilizava-se do cadastro fornecido pelaTELESP, remetendo a pedido do promovente a 2ª via das contas.

Em razão disso, sustenta o promovente que seucrédito fora suspenso em qualquer local onde realizava compras,ficando impossibilitado de operar em bancos, pelo fato de queas referidas empresas enviaram seu CPF para o SPC ESERASA (fls. 39/41). Com os constrangimentos que lheacometeram, o autor efetivou comunicado à autoridade policial,por meio do Boletim de Ocorrência nº 304-05180/2002, de 05 deagosto de 2002, registrado na delegacia de Defraudações eFalsificações (fl.11). Reafirmou o autor a negligência daEMBRATEL, informando que a linha nº 58338316, até 01/09/2002,estava registrada em nome de Flávio Augusto dos SantosOliveira, passando em 27/09/2002 a constar o nome do autorcomo sendo o proprietário da mesma.

Assim, colocados os elementos de ordem fática,passo à análise da possibilidade de ressarcimento por danosmorais em razão da inclusão do CPF do autor em órgãos derestrição ao crédito.

A indenização por dano moral, foi consagrada pelotexto constitucional nos incisos V e X do artigo 5º, adiantereproduzidos:

Art. 5º Todos são iguais perante a lei, semdistinção de qualquer natureza, garantindo-seaos brasileiros e aos estrangeiros residentes noPaís a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade,à igualdade, à segurança e à propriedade, nostermos seguintes:“V - é assegurado o direito de resposta,proporcional ao agravo, além da indenização pordano material, moral ou à imagem”;“X - são invioláveis a intimidade, a vida privada,a honra e a imagem das pessoas, assegurado odireito a indenização pelo dano material ou moraldecorrente de sua violação”;

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No âmbito da legislação infraconstitucional vigente,devem ser mencionados ainda os arts. 186, 927 e 942 doCódigo Civil e o art. 6º, incisos VI e VII, do Código de Defesado Consumidor, que asseguram o direito à reparaçãoeconômica do dano moral:

CÓDIGO CIVIL“Art. 186. Aquele que, por ação ou omissãovoluntária, negligência ou imprudência, violardireito e causar dano a outrem, ainda queexclusivamente moral, comete ato ilícito”.Art. 927. Aquele que, por ato ilícito (arts. 186 e187), causar dano a outrem, fica obrigado arepará-lo.Parágrafo único. Haverá obrigação de reparar odano, independentemente de culpa, nos casosespecificados em lei, ou quando a atividadenormalmente desenvolvida pelo autor do danoimplicar, por sua natureza, risco para os direitosde outrem.Art. 942. Os bens do responsável pela ofensa ouviolação do direito de outrem ficam sujeitos àreparação do dano causado; e, se a ofensa tivermais de um autor, todos responderãosolidariamente pela reparação.

CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR

“Art. 6º São direitos básicos do consumidor:[...]VI – a efetiva prevenção e reparação de danospatrimoniais e morais, individuais, coletivos edifusos;VII – o acesso aos órgãos judiciários eadministrativos com vistas à prevenção oureparação de danos patrimoniais e morais,individuais, coletivos ou difusos, assegurada a

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proteção Jurídica, administrativa e técnica aosnecessitados;”

A respeito da indenização por dano moral em razãoda inscrição indevida em cadastro de inadimplentes, ajurisprudência do Superior Tribunal de Justiça já se consolidouno sentido de reconhecer que o dano moral decorre do próprioato lesivo, impondo-se a responsabilização do agente,mediante indenização pecuniária fixada pelo magistrado, apartir da ponderação das circunstâncias do caso concreto.Os seguintes julgados possuem similitude com a situaçãotratada nos autos, in verbis:

“A jurisprudência deste Pretório está consolidada nosentido de que, na concepção moderna doressarcimento por dano moral, prevalece aresponsabilização do agente por força dosimples fato da violação.” (STJ, 4ª Turma, REsp659.294/RS, Rel. Ministro CESAR ASFOR ROCHA,julgado em 07.11.2006, DJU 11.12.2006) (grifei).

“EMENTA: AÇÃO DE INDENIZAÇÃO PORDANOS MORAIS. EMPRESA TELEFÔNICA.LINHA TELEFÔNICA SOLICITADA PORESTRANHO, QUE SE UTILIZA INDEVIDAMENTEDOS DADOS DO AUTOR. NEGLIGÊNCIA DAEMPRESA. INSCRIÇÃO INDEVIDA DO NOME DOAUTOR NO SPC. DANO MORALCONFIGURADO. SENTENÇA CONFIRMADA.1. Age com negligência a empresa de telefoniaque contrata instalação de linha telefônica pelosistema denominado CALL CENTER, semconferir a veracidade dos dados pessoaisfornecidos pelo solicitante do serviço, o qualdeclina, falsamente, dados de outra pessoa, vindoesta a ser prejudicada com a inscrição indevidade seu nome no SPC em face de fatura não paga

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pelo falsário solicitante.2. Incumbe á empresa ré a prova de que teria sidoo autor quem contratou a instalação da linhatelefônica que teria originado o débito, cujoinadimplemento levou à inscrição de seu nomenos órgãos de proteção ao crédito, não sendode se exigir que o autor fizesse prova de fatonegativo, ou seja, de que não foi ele que contratoucom a ré.3. A inscrição do nome da pessoa nos cadastrosde proteção ao crédito, de forma indevida, por sisó causa geradora de danos morais, passíveisde reparação. decisão: conhecer. Improver orecurso. unânime. (TJDFT, apelação cível no juizadoespecial 20040410036772, relator: Jesuíno aparecidoRissato, data de julgamento: 05/10/2004, publicaçãono DJU: 04/02/2005).(grifei).

“CIVIL. PROCESSUAL CIVIL. RECURSOESPECIAL. RESPONSABILIDADE CIVIL.INDENIZAÇÃO POR DANO MORAL.MANUTENÇÃO INDEVIDA DO NOME EMCADASTRO DE INADIMPLENTES. DANOMORAL CONFIGURADO. QUANTUMINDENIZATÓRIO. OUTRAS INSCRIÇÕESNEGATIVAS. REDUÇÃO. 1. O Tribunal a quo julgourestar demonstrado a conduta ilícita do recorrente ea caracterização dos danos morais:’a manutençãodo nome do apelado em cadastros restritivos decrédito, de forma irregular, após ter adimplido suasobrigações, é suficiente a causar o dano moral (...)vislumbram-se, pois, os requisitos ensejadores dacondenação do Apelante ao pagamento deindenização por danos morais’ (Acórdão, fls.267). 2.Consoante jurisprudência firmada nesta Corte, odano moral decorre do próprio ato lesivo demanutenção indevida junto aos órgãos de

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proteção ao crédito, ‘independentemente daprova objetiva do abalo à honra e à reputaçãosofrida pela autora, que se permite, na hipótese,facilmente presumir, gerando direito aressarcimento’. Precedentes. 3. Ademais, rever taisconclusões, demandaria reexame de provasanalisadas nas instâncias ordinárias. Óbice daSúmula 07/STJ. Precedentes. 4. O valor daindenização fixado pelo Tribunal em R$ 29.175,00,correspondente a 25 vezes a importância do cheque(R$ 1.167,00) que ensejou a inscrição e manutençãodo nome do autor, mostra-se excessivo, não selimitando à compensação dos prejuízos advindos dofato danoso. 5. A comprovada ocorrência de outrosapontamentos negativos em nome do recorrido,inobstante não excluir a indenização, dado oreconhecimento da lesão, deve, necessariamente,ser sopesada na fixação do montante reparatório.Precedentes desta Corte. 6. Assegurando ao lesadojusta reparação, sem incorrer em enriquecimentoindevido, reduzo o valor indenizatório, fixando-o emR$ 2.000,00 (dois mil reais). 7. Recurso parcialmenteconhecido e, nesta parte, provido.” (STJ, REsp705.371/AL, Rel. Ministro JORGE SCARTEZZINI,QUARTA TURMA, julgado em 24.10.2006, DJ11.12.2006 p. 364) (grifei).

“CIVIL. PROCESSUAL CIVIL. RECURSOESPECIAL. AÇÃO DE INDENIZAÇÃO PORDANOS MORAIS. REGISTRO INDEVIDO EMÓRGÃO DE PROTEÇÃO AO CRÉDITO.DEVOLUÇÃO INDEVIDA DE CHEQUE.CONSTRANGIMENTO PREVISÍVEL.EXISTÊNCIA DE OUTROS REGISTROS. 1. Nopresente pleito, considerou o Tribunal de origem, combase nos elementos probatórios contidos nos autos,“que a questão de fato ensejadora da presente lide,

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qual seja, a devolução indevida de cheque emitidopela autora e a conseqüente inclusão de seu nomeno Serasa, é absolutamente clara, e sobre ela aspartes não controvertem” (fls.112). 2. Consoantejurisprudência firmada nesta Corte, o dano moraldecorre do próprio ato lesivo de inscriçãoindevida junto aos órgãos de proteção ao crédito,‘independentemente da prova objetiva do abaloà honra e à reputação sofrida pelo autor, que sepermite, na hipótese, facilmente presumir,gerando direito a ressarcimento’. Precedentes 3.Conforme orientação pacificada nesta Corte, eadotada pelo acórdão recorrido, ‘a existência deoutras inscrições anteriores em cadastros deproteção ao crédito em nome do postulante dosdanos morais, não exclui a indenização, dado oreconhecimento da existência da lesão’. Contudo,tal fato deve ser sopesado na fixação do valorreparatório. Precedentes. 4. Constatado evidenteexagero ou manifesta irrisão na fixação, pelasinstâncias ordinárias, do montante indenizatório dodano moral, em flagrante violação aos princípios darazoabilidade e da proporcionalidade, é possível arevisão, nesta Corte, de aludida quantificação.Precedentes. 5. Considerado os princípios retromencionados e as peculiaridades do caso emquestão (valor do cheque devolvido:R$ 167,00;período de permanência da negativação: em tornode um mês; ocorrência de outras inscrições), oquantum fixado pelo Tribunal a quo (R$ 5.000,00) atítulo de danos morais mostra-se excessivo, não selimitando a justa reparação dos prejuízos advindosdo evento danoso. Destarte, para assegurar aolesado justa reparação, sem incorrer emenriquecimento indevido, reduzo o valor indenizatório,para fixá-lo na quantia certa de R$350,00 (trezentose cinqüenta reais). 6. Recurso parcialmente

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conhecido e, nesta parte, provido.”(REsp 717.017/PE, Rel. Ministro JORGE SCARTEZZINI, QUARTATURMA, julgado em 03.10.2006, DJ 06.11.2006 p.330).(grifei).

“RESPONSABILIDADE CIVIL. INSCRIÇÃOINDEVIDA EM ÓRGÃO DE RESTRIÇÃO AOCRÉDITO. DANO MORAL CONFIGURADO.REDUÇÃO DA CONDENAÇÃO. Configura danomoral indenizável empresa de telefonia quecadastra indevidamente nome de consumidorque, no caso, sequer tinha contratado orecebimento de linha telefônica. Inversão do ônusda prova deferida para que a telefônica juntasse ocontrato de prestação de serviços, originário dodébito, que não restou juntado, trazendo a presunçãodos fatos alegados. Reduzida a condenação que semostrava excessiva frente ao dano ocorrido, porémassegurando o caráter repressivo-pedagógicopróprio da indenização. Apelo parcialmente provido”.(APELAÇÃO CÍVEL Nº 70006399653, QUINTACÂMARA CÍVEL, TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO RS,RELATOR: MARCO AURÉLIO DOS SANTOSCAMINHA, JULGADO EM 11/12/2003) (grifei).

A EMBRATEL sustentou a inexistência de dano a serreparado, afirmando que “o simples fato do apelado ter o seuCPF inscrito no SPC não pode ensejar dano moral”. Ajurisprudência de nossos tribunais, não comungou com estatese, entendendo em conformidade com o estipulado noprolóquio recorrido.

Indubitável que no caso em comento, as Apelantesnão fizeram prova alguma das cautelas necessárias para preveniro dano moral alegado pelo autor, não esforçando-se em verificara autenticidade do CPF e de seu legítimo portador,oportunizando a concretização de uma operação geradora deum crédito ilegítimo. Injustificável a inexistência de

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responsabilidade das referidas empresas, não se enquadrandoa hipótese, na excludente do parágrafo 3º, do artigo 14 doCódigo de Defesa do Consumidor. Reproduzo referido artigoe seu respectivo parágrafo:

“Art.14. O fornecedor de serviços responde,independentemente da existência de culpa, pelareparação dos danos causados aosconsumidores por defeitos relativos à prestaçãodos serviços, bem como por informaçõesinsuficientes ou inadequadas sobre sua fruiçãoe riscos.[...]§3º O fornecedor de serviços só não seráresponsabilizado quando provar:I- que, tendo prestado o serviço, o defeito inexiste;II- A culpa exclusiva do consumidor ou deterceiros. (grifei).

Destarte, não provada a ausência de culpa do Autor/Apelado na ocorrência do fato, não há que se falar em excludenteda responsabilidade, devendo os causadores do dano efetivo, incasu, a TELESP e a EMBRATEL, obrigarem-se integralmentepelos prejuízos suportados por aquele que sofreu o prejuízomoral.

Reproduzo a lição de Cláudia Lima Marques, emsua obra “Contratos no Código de Defesa do Consumidor”,inlitteris:

“O fornecedor deve suportar o risco profissionalde ter causado dano moral ao consumidor emcaso de cobrança indevida de dívida, registroindevido de seu nome no SPC ou de protestoindevido de título abstrato.” (MARQUES, ClaúdiaLima. Contratos no Código de Defesa do Consumidor.São Paulo: RT, 1999, p. 633). (grifei).

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Perscrutando as peculiaridades do caso in examinepor esta instância recursal, considero acertado o entendimentoda decisão a quo. O autor mesmo não sendo aquele que gerouo débito com as empresas apelantes, teve o número de seuCPF indevidamente incluído na base de dados do Serviço deProteção ao Crédito – SPC e SERASA. A documentação queinstrui a pretensão autoral é indicativa de que a ocorrência dodébito com a criação de linhas telefônicas teria sido resultadode um estelionato. Fazendo-se presentes as condutascomissivas das empresas recorrentes, consistente no envio donúmero do CPF do recorrido ao SPC E SERASA, o dano moral,advindo de ser comprovadamente indevido o cadastramento, eo nexo de causalidade entre a mencionada conduta e o danomoral, encontram-se atendidos os pressupostos aoreconhecimento do dever de indenizar que se impõe às referidasempresas. Em harmonia, portanto, com a jurisprudênciadominante no Superior Tribunal de Justiça, entendo que aconduta ilícita das empresas promovidas ocasionou danomoral ao recorrido, cabendo-lhe, portanto, o direito àcorrespondente indenização.

Cumpre-nos aferir, por conseguinte, se o valor fixadona primeira instância é adequado para aliviar os transtornossofridos pela vítima do erro das empresas recorrentes.

Consoante destacado no relato, o recurso deapelação da EMBRATEL questiona o excessivo quantumindenizatório, fixado em R$ 6.000,00 (seis mil reais) pelo Juízoa quo.

A propósito, reproduzo o artigo de José RobertoFerreira Gouvêa e Vanderlei Arcanjo da Silva, abordandosobre a quantificação do dano moral segundo a jurisprudênciado Superior Tribunal de Justiça, in verbis:

“[...] A visão hoje predominante é a de que, emboraa dor não tenha preço e nem seja mensurável,os danos morais são plenamente reparáveis. Aindenização em dinheiro não visa à restituiçãoabsoluta do status quo da vítima anterior ao dano e

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nem à recomposição total da dor e da angústia porele vivenciados. O seu escopo é o alívio, aamenização, a diminuição dos sentimentosnegativos suportados pelo lesado, sob umaperspectiva de ‘correspondência’, e não de‘equivalência’, buscando ainda sancionar o lesante,a fim de que ele não reitere a conduta ofensiva. Assim,em um contexto mais amplo, consiste o objetivodessa reparação pecuniária na defesa dos valoresessenciais à preservação da personalidadehumana e do convívio social, atribuindo à vítimaalgum tipo de compensação, bem como lhedevolvendo, na medida do possível, suaintegridade física, psicológica e emocional.[...]Consolidada a reparação pecuniária dos danosmorais, subsiste até os dias atuais a dificuldade paraliquidá-los e quantificá-los de forma satisfatória. Osdanos materiais são calculados com base no exatomontante do prejuízo econômico sofrido nopatrimônio do ofendido. Os danos morais,entretanto, não possuem dimensão monetária,sendo insuscetíveis de avaliação estrita. Assumeimportância central, nesse ínterim, o arbítrio dojuiz, que, para não se tornar arbitrariedade, devese fundamentar na prudência, na eqüidade e narazoabilidade.O valor dos danos morais não pode ser tão alto aponto de acarretar enriquecimento sem causa doautor ou de arruinar financeiramente o réu e nempode ser tão baixo a ponto de não penalizar o réu,permitindo que ele reitere a ofensa praticada ou nãorepare o dano sofrido pelo autor. Para a definiçãodo seu valor, que não deve ser irrisório e nemabsurdamente elevado, é necessário que omagistrado considere várias circunstâncias emcada caso específico, tais como a intensidade da

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culpa e do dano, a conduta e a capacidadeeconômica do ofensor, a repercussão da ofensa,a posição social ocupada pelo ofendido e asconseqüências por ele suportadas.Ademais, como já consagrado pela jurisprudênciado STJ, o valor da causa estabelecido pelo autorno pedido inicial é meramente estimativo,servindo precipuamente para efeitos fiscais e nãopodendo se tornar paradigma para a fixação daindenização, a qual tanto poderá ser inferior quantosuperior em relação àquele valor; não pode, também,o valor da causa ser tomado como pedido certo parafixação de sucumbência recíproca, caso a ação sejajulgada procedente em quantia inferior à pretendidapelo autor, sendo que a proporcionalidade serágarantida ao incidir os honorários do advogado doautor sobre o valor da condenação (ou seja: não seconfigura na reparação por dano moral asucumbência recíproca).” (GOUVÊA, José RobertoFerreira & SILVA, Vanderlei Arcanjo da. Dano moral:quantificação pelo STJ. Revista Síntese de DireitoCivil e Processual Civil. Porto Alegre: Síntese, v.7,n. 37, set./out., 2005, págs. 147-159.)

Segundo os marcos temporais apontados nodecorrer do processo, a inscrição indevida perdurou por pelomenos 1 (um) ano e 4 (quatro) meses, embora desconhecidada vítima do erro. Consta no autos comprovação do desconfortoresultante das tentativas infrutíferas de compras, seguido doregistro de dois boletins de ocorrência e do ajuizamento dapresente ação reparatória.

Considerando as particularidades do pleito autoral,a intensidade e repercussão do dano, bem como os parâmetrosadotados em casos semelhantes pelo Superior Tribunal deJustiça, com fundamento nos princípios da razoabilidade e daproporcionalidade, voto pelo CONHECIMENTO DOSRECURSOS, MAS PARA QUE LHES SEJAM NEGADO

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PROVIMENTO, com a manutenção em todos os seus termosda sentença recorrida, que condenou cada uma das rés apagar ao autor uma indenização no valor de R$ 6.000,00(seis mil reais), valor suficiente para a justa reparação dosprejuízos advindos do evento danoso, sem provocar oenriquecimento indevido do ofendido e servindo dereprimenda aos ofensores. Mantenho o percentual da verbahonorária arbitrada na sentença.

É como voto.

Fortaleza, 21 de maio de 2007.

***

ESTADO DO CEARÁPODER JUDICIÁRIO

TRIBUNAL DE JUSTIÇA

N°°°°° PROCESSO: 2000.0132.0766-1/1TIPO DO PROCESSO: APELAÇÃO CÍVELCOMARCA: FORTALEZAPARTES:APELANTES: COMPANHIA DE ALIMENTOS DO NORDESTE– CIALNECIRO FREIRE CORREIA E OUTROSAPELADOS: OS MESMOS APELANTESRELATOR: DES. ERNANI BARREIRA PORTO

Ementa: APELAÇÃO CÍVEL – BUSCA EAPREENSÃO – NOTIFICAÇÃO EXTRAJUDICIAL– OFENSA AO PRINCÍPIO DATERRITORIALIDADE DOS REGISTROSPÚBLICOS (ART. 9º DA LEI Nº 8.935/94) –NULIDADE.RECURSO APELATÓRIO CONHECIDO EIMPROVIDO

RELATÓRIO

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Cogita-se de recursos de Apelação Cível interpostos,de um lado, por COMPANHIA DE ALIMENTOS DO NORDESTE– CIALNE e, de outro, por CIRO FREIRE CORREIA E OUTROS,por não haverem se resignado com sentença proferida pelo MM.Juiz de Direito da 17ª Vara Cível da Comarca de Fortaleza.

A sentença hostilizada deu parcial provimento a açãode cobrança com o escopo de condenar a empresa promovidaao pagamento das diferenças ou reajustes conferidos peloGoverno Federal, a categoria que pertencia o falecido.

As razões apelatórias foram colacionadastempestivamente às fls. 213/221, pela parte autora, e às fls. 226/229 pela empresa ré.

As respectivas contra-razões foram devidamenteacostadas pela parte autora às fls. 232/234, a parte ré nãoofereceu suas contra-razões.

É o breve relatório.À douta revisão.Fortaleza, 18 de setembro de 2006.

VOTO

Cogita-se de recurso de Apelação Cível interpostopor BANCO ABN AMRO REAL S.A., haja vista não haver seresignado com sentença proferida pelo eminente Juiz de Direitoda 12ª Vara Cível da Comarca de Fortaleza, que, em sede debusca e apreensão, extinguiu o feito, sem julgamento de mérito,por constatar que a carta notificatória comprobatória da mora dorequerido seria ineficaz por não ter sido realizada por ServentiaCartorária competente.

Com efeito, o princípio da territorialidade dosRegistros Públicos, impõe que a serventia cartorária não podepraticar atos além da circunscrição do Município para o qualrecebeu delegação, conforme se observa da leitura do art. 9º daLei nº 8.935/94, in verbis:

Art. 9º O tabelião de notas não poderá praticar atos

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de seu ofício fora do Município para o qual recebeudelegação.

Neste mesmo sentido é a redação no art. 160 da Leinº 6.015/73 (Lei dos Registros Públicos), que impõe:

Art. 160. O oficial será obrigado, quando oapresentante o requerer, a notificar do registro ou daaverbação os demais interessados que figurarem notítulo, documento, o papel apresentado, e a quaisquerterceiros que lhes sejam indicados, podendorequisitar dos oficiais de registro em outrosMunicípios, as notificações necessárias. Por esseprocesso, também, poderão ser feitos avisos,denúncias e notificações, quando não for exigida aintervenção judicial.

Interpretando os citados dispositivos legais, aCorregedoria de Justiça do Estado do Ceará elaborou oprovimento 08/98, afirmando, nos seguintes termos:

Art. 3º. A proibição expressa no Art. 9º da Lei nº 8.935,no tocante a prática de atos do seu ofício pelo notárioou tabelião de notas fora do Município para o qualrecebeu delegação é específica aos atosenumerados nos arts. 6º e 7º da referida lei...

Eis que a notificação extrajudicial encontra-se inclusano inciso II do art. 6º da Lei nº 8.935/94, in verbis:

Art. 6º Aos notários compete:I - formalizar juridicamente a vontade das partes;II - intervir nos atos e negócios jurídicos a que aspartes devam ou queiram dar forma legal ouautenticidade, autorizando a redação ou redigindo osinstrumentos adequados, conservando os originaise expedindo cópias fidedignas de seu conteúdo;

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III - autenticar fatos.

Portanto, percebe-se que a Serventia Extrajudicialda Comarca de Caucaia é incompetente para procedernotificações na Comarca de Fortaleza, sendo, dessa forma, nulaa notificação extrajudicial carreada aos autos, por ter emanadode autoridade incompetente.

Neste sentido são os precedentes deste EgrégioTribunal de Justiça nas Apelações Cíveis nº 2000.08050-7 e1998.06594-2, da relatoria dos Eminentes DesembargadoresRômulo Moreira de Deus e João de Deus Barros Bringel,respectivamente.

Dessa forma, sendo a notificação requisitoindispensável da ação de busca e apreensão, esta foicorretamente extinta pelo magistrado singular, não havendoqualquer reproche a sentença vergastada.

Assim, por todo o exposto, CONHEÇO do recursoapelatório para NEGAR-LHE provimento, mantendo a sentençamonocrática em todos os seus termos.

É como voto.

Fortaleza, 22 de agosto de 2006.

***

ESTADO DO CEARÁPODER JUDICIÁRIO

TRIBUNAL DE JUSTIÇA

PROCESSO Nº. 2000.0134.7552-6/1APELAÇÃO CÍVEL DA 4ª VARA CÍVEL DE FORTALEZAAPELANTE: BANCO ABN AMRO REAL S/AAPELADO: JERÔNCIO DANTAS DA SILVAÓRGÃO JULGADOR: TERCEIRA CÂMARA CÍVELRELATOR: DES. CELSO ALBUQUERQUE MACÊDO

EMENTA: PROCESSO CIVIL – APELAÇÃO CÍVEL- RECURSO TEMPESTIVO – APREENSÃO DE

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VEÍCULO - AÇÃO DE CONSIGNAÇÃO EMPAGAMENTO – INTELIGÊNCIA DO ART. 890, DOCPC - PURGAÇÃO DA MORA – RESTITUIÇÃO DOBEM MÓVEL - ÔNUS SUCUMBENCIAIS -APELAÇÃO CONHECIDA E IMPROVIDA:I –Efetivado o depósito judicial da quantia devidaao apelante, extingue-se a obrigação objeto daação consignatória. Não há que se perquiriracerca do pagamento de juros quandoinexistente a sua cobrança.II – Liberação da carta de desalienação doveículo.III–Honorários advocatícios fixados nos termosdo parágrafo 4º, do art. 20, do Código deProcesso Civil.IV - Apelação conhecida e improvida.

Acórdão

Vistos, relatados e discutidos os presentes autos deApelação nº. 2000.0134.7552-6/1, oriundos da 4ª Vara Cível daComarca de Fortaleza, em que são partes os acima nominados,acorda a Turma Julgadora da Terceira Câmara Cível do Tribunalde Justiça do Estado do Ceará, à unanimidade de votos, emconhecer do apelo, para, contudo, negar-lhe provimento,mantendo incólume o decisum recorrido.

RELATÓRIO

Tratam os autos de APELAÇÃO CÍVEL que julgouprocedente o pedido exordial da AÇÃO DE CONSIGNAÇÃO EMPAGAMENTO, sentença proferida pelo Juízo de direito da 4ªVara Cível da Comarca de Fortaleza, às fls. 53/55, aforada porJERÔNCIO DANTAS DA SILVA contra o BANCO ABN AMROREAL S/A, com a indicação de que nos termos do processo nº.2002.02.38543-4, o apelado teve o seu carro apreendido, porémpurgada a mora, houve a restituição do mencionado veículo, em

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dezembro de 2003.Intimação para depósito, fl. 7. Citação BANCO ABN

AMRO REAL S/A, indicando que o apelante somente podereceber uma prestação, se a anterior estiver quitada. Houverecusa, justa, uma vez que a quantia a ser depositada nãorepresentava o efetivo crédito bancário, em razão de mora deoutras prestações.

Réplica à contestação, com o apontamento de queno dia 29 de dezembro de 2003, não pode efetuar o pagamento,pois segundo foi informado o próprio sistema de computaçãonão estava aceitando o recebimento da parcela vencida, emrazão de pendência financeira. Em conversação com o GerenteGeral do Banco, este noticiou sobre a impossibilidade de aceitara quitação da parcela vencida no dia 29/12/2003, tendo em vistao caráter sub-judice. Temeroso de que a Instituição Bancárianovamente retomasse o veículo, ingressou em Juízo com açãoautônoma de consignação em pagamento.

À fl. 41, o Banco ABN AMRO REAL S.A, noticiou queem despacho exarado no dia 14 de janeiro de 2004, a partepromovente ficou autorizada a pagar 13 prestações de R$ 313,00,tendo providenciado o depósito de apenas 8, até agosto/2004.Desde então, passaram-se 5 meses sem qualquer depósito.

O promovente, fl. 46, noticiou a implementação dopagamento das 36 prestações contratadas com o BANCO ABNAMRO REAL S.A., no destaque de pagamento de uma só vez, fl.45, das cinco prestações já mencionadas.

Às fls. 53/55, o MM. Juiz julgou procedente o pedidoinaugural, determinando a extinção da obrigação, uma vez queadimplida, com a conseqüente liberação da carta de desalienaçãodo veículo.

Apelação do Banco nos termos do art. 513, do CPC,fazendo a indicação de que o apelado estava incurso em mora,citando, inclusive, jurisprudência quanto ao não cabimento daconsignação quando o devedor já se encontrava constituído emtal circunstância. A recusa foi feita, tendo em vista que aimportância depositada estava aquém do valor devido, devendoser reformada a sentença de primeiro grau, com a improcedência

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da ação consignatória, além da conseqüente condenação daparte apelada no ônus da sucumbência.

O apelado, por vez, declarou que a procedência daação encontrou adequação no procedimento do próprio Banco,quando solicitou o levantamento dos valores consignados,aceitando, pois, os depósitos feitos, nos termos do inciso IV, doart. 896, do CPC.

Eis o relatório, em sucinta análise.À Revisão.

VOTO

Presentes os requisitos de admissibilidade recursal,intrínsecos e extrínsecos, conheço da apelação cível.

Vê-se, in casu, que o apelante destacou que oapelado se encontrava inadimplente, portanto, constituído emmora, devendo, pois, ser reformada a sentença monocrática.Não busca, vê-se, pagamento de juros moratórios em razão doatraso de 5 prestações, pagas de uma só vez, conforme fl. 45.

Na lição do Professor MISAEL MONTENEGROFILHO, transcrevo:

(...)”A ação de consignação em pagamento mostra-se como o instrumento jurídico-processualindicado para que terceiro ou devedor de umaobrigação de dar coisa ou de pagar quantia emfavor do credor obtenha o reconhecimento dasua liberação e da conseqüente quitação, nashipóteses previstas da lei civil. Pela introduçãoalinhada, percebemos que a ação em estudomantém íntima ligação com o direito civil, querecomenda o exame da norma processual emcompanhia das regras que emanam do CC, apartir do seu art. 334”.O dispositivo que inaugura capítulo da leimaterial relativo ao pagamento em consignação

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dispõe: “Art. 334. Considera-se pagamento, eextingue a obrigação, o depósito judicial ou emestabelecimento bancário da coisa devida, noscasos e formas legais.”... “A actio consignatóriaserve ao direito das obrigações, como forma depermitir ao terceiro ou ao devedor que se libereda relação que o ata ao credor, geralmente poreste se recusar ao recebimento da quantia ou dacoisa objeto da oferta, embora não seja esta aúnica fundamentação que ampara o ingresso daação em exame. A ação de consignação empagamento pode ser proposta, segundo sedepreende da leitura do art. 335 do CC.(...)CURSO DE DIREITO PROCESSUAL CIVIL –Medidas de Urgência, Tutela Antecipada e AçãoCautelar, Procedimentos Especiais- Vol. 3 – EditoraAtlas S.A- 2005- págs. 230 e 231.

Do mesmo modo, o decisum a quo, compreendeuque a purgação da mora efetivou-se de conformidade com a lei,com a atualização do débito após a feitura dos cálculos edepósito efetivado pelo autor, julgando o Juízo de 1º grau o pedidoinaugural, determinando a extinção da obrigação, pois, adimplidae a liberação da carta de desalienação do veículo.

Prima facie, entendo que a sentença de primeirograu não merece reforma, tendo em vista ter adequadogenuinamente o caso concreto à legislação aplicável a espécie.

Conforme ensina o mestre e magistrado ELPÍDIODONIZETTI NUNES, in verbis:

(...)“Em geral, as obrigações são extintas pelopagamento, sendo que o devedor, a par daobrigação de solver o débito, tem o direito de seliberar do vínculo obrigacional. Todavia, podeocorrer de o devedor, por circunstâncias

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diversas, ser impedido de efetivar o pagamento,hipóteses em que a lei lhe faculta a possibilidadede fazer a consignação do valor devido, com oobjetivo de ver declarada extinta a obrigação.Consiste a consignação numa forma indireta deo devedor se livrar do vínculo obrigacionalindependentemente da aquiescência do credor.O pagamento por consignação constitui uma dasmodalidades de extinção das obrigações e éregulado pelo Código Civil (arts. 334 a 345). Já aação de consignação em pagamento ou, maisprecisamente, o procedimento da consignação,que pode ser judicial ou extrajudicial, é reguladapelo Código de Processo Civil”.(...)Curso Didático de DIREITO PROCESSUAL CIVIL-5ª EDIÇÃO – EDITORA DEL REY- 2004 – BeloHorizonte, pág. 483).

Demonstrou o apelado a quitação do débito devido,em decorrência da compra do bem móvel em alienação fiduciáriaefetivada com a entidade financeira.

A propósito, este é o posicionamento consolidadono colendo Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul, in verbis:

1. TIPO DE PROCESSO: Apelação CívelNÚMERO: 598438885 - Não Possui Inteiro TeorDecisão: AcórdãoRELATOR: Carlos Alberto Bencke

EMENTA: PROCESSO CIVIL. AÇÃO DECONSIGNAÇÃO EM PAGAMENTO. EXTINÇÃODA OBRIGAÇÃO. DEMONSTRADO O EFETIVOPAGAMENTO DOS VALORES DEVIDOS AAPELANTE, A TÍTULO DE EMPRÉSTIMO PELAAUTORA, COM A INCLUSÃO DE JUROS ACIMADO PATAMAR PREVISTO EM LEI, NÃO HÁ QUE

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SE PERQUIRIR ACERCA DO PAGAMENTO DADIFERENCA QUANTO AO VALOR QUEENTENDE SER DEVIDO, POIS O VALORDEPOSITADO EXTINGUIU POR COMPLETO AOBRIGAÇÃO OBJETO DA AÇÃOCONSIGNATÓRIA. APELO IMPROVIDO....DATA DE JULGAMENTO: 01/04/1999PUBLICAÇÃO: Diário de Justiça do dia

“Câmara Cível, Tribunal de Alçada do RS,Relator: Teresinha de Oliveira Silva, Julgado em30/09/1998).

TIPO DE PROCESSO:Apelação Cível NÚMERO: 70004208096Inteiro TeorRELATOR: Carlos Alberto Etcheverry

EMENTA: APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO DECONSIGNAÇÃO EM PAGAMENTO. SUFICIÊNCIADOS DEPÓSITOS DOS LOCATIVOSRECONHECIDA EM CÁLCULO EFETUADOPELO CONTADOR JUDICIAL. RECURSOPROVIDO PARA DECLARAR EXTINTA AOBRIGAÇÃO DA AUTORA. (Apelação Cível Nº70004208096, Décima Terceira Câmara Cível,Tribunal de Justiça do RS, Relator: CarlosAlberto Etcheverry, Julgado em 12/04/2007).

Neste sentido é o posicionamento consolidado nocolendo Superior Tribunal de Justiça, verbis:

EMENTA: “PROCESSO CIVIL. TRIBUTÁRIO.AÇÃO DE CONSIGNAÇÃO EM PAGAMENTO.NATUREZA E FINALIDADE. UTILIZAÇÃO PARAOBTER PROVIMENTO DE CARÁTER

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CONSTITUTIVO, MODIFICATIVO DO PRAZODA OBRIGAÇÃO. IMPOSSIBILIDADE.1.Odepósito em consignação é modo de extinção daobrigação, com força de pagamento, e acorrespondente ação consignatória tem porfinalidade ver atendido o direito – material - dodevedor de liberar-se da obrigação e de obterquitação. Tratar-se de ação eminentementedeclaratória: declara-se que o depósito oferecidoliberou o autor da respectiva obrigação”( REsp600469 – RS, 1ª Turma do STJ, rel. Min. TEORIALBINO ZAVASCKI, j 6.5.2004, DJ 24.5.2004, P.195, em transcrição parcial).EXTRAÍDA DA OBRA CURSO DE DIREITOPROCESSUAL CIVIL – MISAEL MONTENEGROFILHO, PÁG. 230.

In casu, não prospera, sob nenhum aspecto, oreclamo recursal.

Agiu com acerto o Magistrado a quo quando julgouprocedente a ação de consignação em pagamento, propostapelo apelado/promovente JERÔNCIO DANTAS DA SILVA sobalegação de que foram depositados todos os valores devidos,estando estes à disposição do promovido/apelante.

Diante do exposto, conheço da apelação cível portempestiva, manifestada pelo apelante, mas, para, negar-lheprovimento, mantendo incólume o decisum recorrido, com acondenação do apelante em ônus sucumbenciais, nopercentual de 20% sobre o valor da causa da ação originária.

É como voto.

Fortaleza, 04 de junho de 2007.

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ESTADO DO CEARÁPODER JUDICIÁRIO

TRIBUNAL DE JUSTIÇA

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Apelação Cível nº 2001.0000.2361-1/0Apelante: ANA LÚCIA DA SILVA PRADOApelado: BANCO ABN AMRO S/ARelator: Des. Ademar Mendes Bezerra

EMENTA: APELAÇÃO CÍVEL. ALIENAÇÃOFIDUCIÁRIA EM GARANTIA. AÇÃO DE BUSCA EAPREENSÃO. DISCUSSÃO ACERCA DASCLÁUSULAS CONTRATUAIS. POSSIBLIDADE.PRÁTICA DO ANATOCISMO. INAPLICABILIDADENA ESPÉCIE. CUMULAÇÃO INDEVIDA DECOMISSÃO DE PERMANÊNCIA COM OUTROSENCARGOS MORATÓRIOS (SÚMULAS 30 E 294DO STJ). DESCARACTERIZAÇÃO DA MORA DODEVEDOR. RECURSO PROVIDO.

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos os presentes autos daApelação Cível nº 2001.0000.2361-1/0, em que figuram as partesacima indicadas.

Acorda a Segunda Câmara Cível do Egrégio Tribunalde Justiça do Ceará, em julgamento unânime, dar provimentoao recurso, nos termos do voto do Relator.

Fortaleza, 06 de dezembro de 2006.

RELATÓRIO

Cuidam os presentes autos de apelação cívelinterposta por ANA LÚCIA DA SILVA PRADO, contra sentençado MM. Juiz da 9ª Vara Cível da Comarca de Fortaleza, que, emsede de ação de Busca e Apreensão proposta pelo BANCOABN AMRO S/A, julgou procedente o pedido inaugural.

Na Inicial da referida ação (fls. 02 a 04), odemandante alegou, em suma, que fora celebrado, no dia 23 dejaneiro de 1998, com a demandada (ora apelante) um contrato

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de financiamento ao consumidor, garantido por alienaçãofiduciária, cujo objeto é o automóvel de marca Fiat, Modelo UnoMille SX, ano 1996, modelo 1997, cor cinza, de placas HUM 6359,tendo sido financiado o valor de R$13.000,00(treze mil reais).Todavia, a demandada deixou de efetuar o pagamento da parcelanº 22/36, vencida em 07/11/1999, mesmo depois de notificadaextrajudicialmente para tanto. Deste modo, o demandante (oraapelado) requereu a concessão liminar da busca e apreensãodo veículo, bem como o julgamento procedente da ação, fazendoacostar os documentos de fls. 05 a 08.

O reitor do feito, ao despachar a inicial, deferiu aliminar requerida, determinando a expedição de mandado debusca e apreensão, além da citação da demandada paracontestar a ação ou requerer a purgação da mora (fl. 11). Apromovida não foi localizada (fl. 13), tendo sido, não obstante,apreendido o veículo (fls. 14 e 15).

Citada por edital (fl. 22), a demandada/apelanteofereceu contestação (fls. 27 a 50), acompanhada dedocumentos (fls. 51 a 61), onde discute o financiamento bancário,insurgindo-se contra a prática de anatocismo e a cumulaçãoindevida de comissão de permanência com juros de mora e multa,qualificando tais cláusulas como abusivas e, portanto, nulas, porferir o Código de Defesa do Consumidor, requerendo, a final, aimprocedência do pedido, a par da alternativa de purgação damora.

Às fls. 63/74, réplica, seguindo-se agravo retidointerposto pela promovida (fls. 76 a 78) contra o despacho de fl.63, argumentando não ser o caso de julgamento antecipado dalide, tendo sido, posteriormente, prolatada sentença acolhendoo pedido do autor (fls. 79 e 80).

Inconformada, a promovida interpôs apelação (fls.84 a 103), argüindo, preliminarmente, a ausência demanifestação do MM. Juiz de primeiro grau acerca do pleitoalternativo de purgação da mora, reafirmado em sede de agravoretido, ratificando no mérito, mutatis mutandis, os termos dacontestação.

Contra-razões às fls. 106 a 118.

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É o relatório.

VOTO

Inicialmente, registre-se que a matéria preliminarobjeto de agravo retido se confunde com o mérito, na medidaem que o entendimento jurisprudencial majoritário é no sentidode que cabe discutir as cláusulas contratuais no bojo da própriaação de busca e apreensão, tornando prescindível, sobretudoem nome dos princípios da economia processual einstrumentalidade das formas, o ajuizamento de ação específica.

Eis o entendimento consolidado do Superior Tribunalde Justiça:

“PROCESSUAL CIVIL. RECURSO ESPECIAL.ALIENAÇÃO FIDUCIÁRIA. AÇÃO DE BUSCA EAPREENSÃO. RECONVENÇÃO. AÇÃOREVISIONAL. ADMISSIBILIDADE.ART. 315 DO CPC.- Consolidou-se o entendimento no STJ de que éadmitida a ampla defesa do devedor no âmbito daação de busca e apreensão decorrente de alienaçãofiduciária, seja pela ampliação do objeto da discussãoem contestação, a partir do questionamento arespeito de possível abusividade contratual; seja pelapossibilidade de ajuizamento de ação revisional docontrato que deu origem à ação de busca eapreensão, que, por sua vez, deve ser reunida parajulgamento conjunto com essa.- Nada impede – e é até mesmo salutar do ponto devista processual – o cabimento de reconvenção àação de busca e apreensão decorrente de alienaçãofiduciária, para pleitear a revisão do contrato, bemcomo a devolução de quantias pagas a maior.Recurso especial conhecido e provido”. (REsp801374/RJ; RECURSO ESPECIAL2005/0199667-6, Rel. Ministra NANCY ANDRIGHI -

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TERCEIRA TURMA. Data do Julgamento: 06/04/2006. DJ 02.05.2006, p. 327).

“PROCESSUAL CIVIL. AÇÃO DE BUSCA EAPREENSÃO. CONTESTAÇÃO QUE IMPUGNAA LEGALIDADE DE CLÁUSULAS CONTRATUAIS,SOB ALEGAÇÃO DE ILEGALIDADE.POSSIBILIDADE DE DISCUSSÃO DO TEMA NOÂMBITO DA AÇÃO.I. Possível a discussão, no âmbito da defesaapresentada na ação de busca e apreensão, dalegalidade das cláusula contratuais que deramorigem ao débito.II. Recurso especial conhecido e provido.” (REsp595503 / PR; RECURSO ESPECIAL 2003/0174243-8. Relator(a) Ministro ALDIR PASSARINHO JUNIOR.Órgão Julgador T4 - QUARTA TURMA Data doJulgamento 16/08/2005. Data da Publicação/FonteDJ 12.09.2005 p. 336).

Por outro lado, não há dúvida acerca da aplicabilidadedo Código de defesa de Consumidor. A questão já foi pacificadapela Corte de Uniformização Infraconstitucional, no enunciadonº 297 de sua Súmula, com incidência no presente caso, senãoveja-se:

“CIVIL E PROCESSUAL. AGRAVO REGIMENTAL.CONTRATO DE MÚTUO COM GARANTIA DEALIENAÇÃO FIDUCIÁRIA. APLICAÇÃO DO CDC.SÚMULA N. 297-STJ. CAPITALIZAÇÃO DOSJUROS. VEDAÇÃO. SÚMULA N. 121-STF. MP N.1.963-17/2000 REEDITADA ATÉ A DE N. 2.170-36/2001. DEPÓSITO PARCIAL. VALORESINCONTROVERSOS.CABIMENTO.COMPENSAÇÃO/RESTITUIÇÃO DO INDÉBITO. POSSIBILIDADE.TEMAS PACIFICADOS.I. O Código de Defesa do Consumidor é aplicável

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aos contratos bancários, nos termos da Súmula n.297-STJ.II. Nos contratos de mútuo com alienação fiduciáriaem garantia, ainda que expressamente pactuada, évedada a capitalização dos juros, somente admitidanos casos previstos em lei. Incidência do art. 4º doDecreto n. 22.626/33 e da Súmula n. 121-STF.III. A insuficiência do depósito não significa aimprocedência do pedido, mas sim que o efeito daextinção da obrigação é parcial, até o montante daimportância consignada, que poderá ser futuramentecomplementada, tão logo realizados os cálculos eapurado o real montante do débito, na esteira dajurisprudência mais recente da 4ª Turma, aplicandoo disposto no art. 899, do CPC (REsp n. 448.602/SC, Rel. Min. Ruy Rosado de Aguiar, unânime, DJUde 17.02.2003).IV. Admite-se a repetição do indébito de valores pagosem virtude de cláusulas ilegais, em razão do princípioque veda o enriquecimento injustificado do credor.V. Agravo improvido.” (AgRg no REsp 827035/RS;AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO ESPECIAL2006/0053178-7. Relator(a) Ministro ALDIRPASSARINHO JUNIOR. Órgão Julgador T4 -QUARTA TURMA Data do Julgamento 18/05/2006.Data da Publicação/Fonte DJ 19.06.2006 p. 152).

O ordenamento jurídico pátrio também prescreve,como regra, a vedação à capitalização dos juros, admitindo-a,por exceção, apenas em determinados casos. Deste modo, aadoção da “Tabela Price” pelo Banco apelante mostra-se abusiva,mormente em se tratando de contrato de adesão subordinadoao Código de Defesa do Consumidor.

Ressalte-se, ainda, que a MP 1963-17/2000 admitea cobrança de juros com periodicidade inferior a um ano apenaspara contratos celebrados a partir de 31 de março de 2000, nãose aplicando, pois, à hipótese em apreço, vez que o ajuste se

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deu no ano de 1998. No mesmo sentido:

“AGRAVO REGIMENTAL. CAPITALIZAÇÃOMENSAL DOS JUROS. INEXISTÊNCIA DEPREVISÃO CONTRATUAL. MEDIDAPROVISÓRIA 2.170-36/2001. NÃO INCIDÊNCIA.COMISSÃO DE PERMANÊNCIA. AUSÊNCIA DEPACTUAÇÃO. IMPOSSIBILIDADE DECUMULAÇÃO COM JUROS REMUNE-RATÓRIOS. COMPENSAÇÃO. VERBAHONORÁRIA. POSSIBILIDADE.1. A Segunda Seção desta Corte entende cabível acapitalização dos juros em periodicidade mensal,para os contratos celebrados a partir de 31 de marçode 2000 - data da primitiva publicação do art. 5º daMP 1.963-17/2000, atualmente reeditada sob o nº2.170-36/2001 -, desde que pactuada, o que não severifica relativamente a um dos contratos firmadosentre as partes, motivo que obsta seu deferimento.(...)”. (AgRg no REsp 655932 / RS ; AGRAVOREGIMENTAL NO RECURSO ESPECIAL2004/0058891-2 Relator(a) Ministro FERNANDOGONÇALVES. Órgão Julgador T4 - QUARTA TURMA.Data do Julgamento: 07/04/2005. Data daPublicação/Fonte DJ 02.05.2005 p. 372).

No que diz respeito à cumulação de comissão depermanência com juros moratórios e multa, tal constitui abusodo fornecedor, porquanto o mencionado encargo é umaremuneração estabelecida para fazer face ao inadimplementodo contratante, incluindo em seu cálculo o montante das perdasinflacionárias. Desta forma, se além dela for aplicada correçãomonetária ou qualquer outro encargo moratório ocorrerá umindevido bis in idem. Neste sentido preceitua o enunciado dasúmula n.º 30 do STJ, nos seguintes termos:

“Súmula n.º 30 - A comissão de permanência e a

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correção monetária são inacumuláveis”.

Recente decisão do mesmo Tribunal Superior reiterao posicionamento sumulado:

“Contrato bancário. Ação revisional. Cobrança decomissão de permanência. Aplicação das Súmulas30, 294 e 296 do STJ. Cumulação com encargosmoratórios. Impossibilidade. Omissão. Inexistência.I - A despeito da redação do inciso I da Resoluçãonº 1.129/86, a Segunda Seção deste Tribunalconfirmou o entendimento das Turmas que acompõem, no sentido de ser vedada a cumulaçãoda comissão de permanência com correçãomonetária (Súmula 30), com os jurosremuneratórios (Súmula 296) ou quaisqueracréscimos decorrentes da mora, tais como osjuros moratórios e multa (AgRg no RESP 712.801/RS, Rel. Min. Carlos Alberto Menezes Direito, DJ de04.05.2005).II - Agravo regimental desprovido”.(AgRg no AgRg nos EDcl no Ag 634.358/BA, Rel.Ministro ANTÔNIO DE PÁDUA RIBEIRO, TERCEIRATURMA, julgado em 02.06.2005, DJ 20.06.2005 p.277).

No caso destes autos, a comissão de permanênciavem prevista em cúmulo com juros de mora e multa moratória,como se pode ver da cláusula 9(nove) do instrumento contratualrespectivo (fl. 06v), pelo que deve dita comissão ser preservadano contrato (STJ, Súmula 294), afastando-se, todavia, acobrança dos mencionados juros de mora e da multa.

Ora, a cobrança de encargos em excesso, como incasu, descaracteriza a mora. Na esteira desse raciocínio,observe-se trecho do magnífico voto de Sua Excelência, oMinistro Ruy Rosado de Aguiar, ao ensejo do julgamento dosEmbargos de Divergência no Recurso Especial 163.884/RS (2ª

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Seção do STJ - DJ 24/09/2001), segundo o qual:

“A mora somente existe, no sistema brasileiro, sehouver fato imputável ao devedor, conforme reza oart. 963 do CCivil (antigo), isto é, se a falta daprestação puder ser debitada ao devedor. Se o credorexige o pagamento com correção monetáriacalculada por índices impróprios, com juros acimado permitido, capitalização mensal, contribuição aoProagro cobrada mais de uma vez, etc., o devedorpode não ter condições de efetuar o pagamento doque se lhe exige, e fica frustrada a oportunidade depurgar a mora. A exigência indevida é ato do credor,causa da falta do pagamento, que por isso não podeser imputada ao devedor, nos termos do art. 963acima citado”.

No mesmo diapasão, a pacífica jurisprudência doSuperior Tribunal de Justiça:

“CONTRATO BANCÁRIO. JULGAMENTO EXTRAPETITA. NÃO OCORRÊNCIA. COMISSÃO DEPERMANÊNCIA. LIMITADOR. TAXA PACTUADA.COBRANÇA DE ENCARGOS EXCESSIVOS.MORA. DESCARACTERIZAÇÃO.I - Questões de ordem pública contempladaspelo Código de Defesa do Consumidor,independentemente de sua natureza, podem edevem ser conhecidas, de ofício, pelo julgador.Por serem de ordem pública, transcendem ointeresse e se sobrepõem à vontade das partes.Falam por si mesmas e, por isso, independemde interlocução para serem ouvidas.II – Admite-se a cobrança da comissão depermanência, após o vencimento da dívida, emconformidade com a taxa média do mercado,apurada pelo Banco Central do Brasil, limitada à taxa

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pactuada no contrato, desde que não cumulada comjuros remuneratórios nem correção monetária.(...)”. (AgRg no REsp 729.068/RS, Rel. MinistroCASTRO FILHO, TERCEIRA TURMA, julgado em02.08.2005, DJ 05.09.2005 p. 408).

“CIVIL. CONTRATO DE CRÉDITO BANCÁRIO.CAPITALIZAÇÃO MENSAL. IMPOSSIBILIDADE.MORA. DESCARACTERIZAÇÃO. TR.INEXISTÊNCIA DE PREVISÃO.1. A capitalização dos juros somente é admitida emcasos específicos, previstos em lei (cédulas decrédito rural, comercial e industrial), ut súmula 93/STJ, não ocorrentes na espécie, constatação apta afazer incidir a letra do art. 4º do Decreto nº 22.626/33e a súmula 121/STF. Precedentes.2. A descaracterização da mora pelo Tribunal deorigem, em virtude da constatação de pretender ainstituição financeira mais do que lhe é devido,encontra-se em consonância com o entendimentopacificado da Segunda Seção (EREsp nº 163.884/RS).3. A TR somente pode ser utilizada como índice decorreção monetária quando pactuada, o que, in casu,não ocorre, ante a inexistência de previsão contratualespecífica. (súmula 295/STJ).4. Agravo regimental não provido.(AgRg no REsp 618.111/RS, Rel. MinistroFERNANDO GONÇALVES, QUARTA TURMA,julgado em 19.08.2004, DJ 13.09.2004 p. 261).

Assim sendo, torna-se inadmissível a busca eapreensão do bem, uma vez afastados os efeitos da mora,devendo, no entanto, prosseguir o processo com a purgaçãorespectiva, consubstanciada no depósito, pela demandada/recorrente, das parcelas faltantes do financiamento, calculado ovalor devido com a exclusão das quantias abusivas, abrindo o

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magistrado de primeiro grau prazo razoável para tanto, depoisde recebido o cálculo do contador, razão por que sou peloprovimento do apelo, desconstituindo-se a sentença monocráticanestes termos.

É como voto.

Fortaleza, 06 de dezembro de 2006.

***

ESTADO DO CEARÁPODER JUDICIÁRIO

TRIBUNAL DE JUSTIÇA

Apelação Cível nº 2003.0002.1132-5Apelante: ARCOS – ARQUITETURA CONSTRUÇÃOSANEAMENTO LTDAApelada: LUIZ GONZAGA DO NASCIMENTORelator: Desembargador Ademar Mendes Bezerra

EMENTA: CIVIL. ACIDENTE DE TRABALHO. NÃOFORNECIMENTO DE EQUIPAMENTO DESEGURANÇA AO EMPREGADO. CULPA DOEMPREGADOR. DEVER DE INDENIZAR OSDANOS MATERIAIS (EMERGENTES E LUCROSCESSANTES) E MORAIS.- Conforme entendimento jurisprudencial,apesar da ampliação da competência da Justiçado Trabalho, com o advento da emenda 45 daConstituição Federal, o processamento e ojulgamento da presente demanda há quepermanecer na Justiça estadual, visto que jáhouve sentença no presente feito.- Provada a culpa da empresa ré, decorrente donão fornecimento do indispensável equipamentode segurança, resta patente o dever de indenizaros danos causados.- A prova dos danos materiais e morais, consoante

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o princípio do livre convencimentofundamentado, pode ser feita por todos os meiosjuridicamente admitidos, sendo, em tese,prescindível a realização de exame pericial.- Apelação não provida.

ACÓRDÃO:

Vistos, relatados e discutidos os presentes autos doRecurso de Apelação n.º 2003.0002.1132-5 contra decisão doJuízo da 15ª Vara Cível desta Capital, em que figuram as partesacima indicadas.

Acorda a Segunda Câmara Cível do Tribunal deJustiça do Ceará, em julgamento unânime, conhecer e negarprovimento ao recurso nos termos do voto do Relator.

Fortaleza, 28 de março de 2007.

RELATÓRIO

Cuidam os presentes autos de apelação cívelinterposta pela ARCOS – ARQUITETURA CONSTRUÇÃOSANEAMENTO LTDA contra a sentença do juízo a quo (15ª VaraCível da Comarca de Fortaleza) que julgou procedente a Açãode Reparação de Danos intentada pelo Sr. LUIZ GONZAGA DONASCIMENTO (ora apelado).

Na Inicial, o autor argumentou que fora empregadoda empresa ré (ora apelante) e que recebia a remuneração deR$ 200,00 (duzentos reais). Todavia, no dia 24 de agosto de1998, o autor sofreu um acidente de trabalho, tendo caído doandaime de madeira, fixado em uma altura aproximada de cincometros, e que não estava, no momento do acidente, usandoqualquer equipamento de segurança (capacete, rede, cinto...),visto que a empresa não o forneceu.

Asseverou ainda, na inaugural, que foi socorrido porterceiros (e não pela empresa ré), tendo sofrido, em razão daqueda, várias fraturas na bacia e no punho. O autor foi, então,submetido a intervenções cirúrgicas, mas permaneceu

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impossibilitado de se locomover, motivo pelo qual passou areceber benefício do INSS.

Por fim, o autor requereu o pagamento deindenização para o ressarcimento dos danos materiais (danosemergentes) e morais no valor de R$ 50.000,00 (cinqüenta milreais), além das perdas e danos, decorrentes da redução dacapacidade laboral, no valor de R$ 50.000,00 (cinqüenta mil)reais.

Foram juntados os documentos de folhas 08 a 20.Citada (folha 23), a empresa ré (ora apelante)

ofereceu contestação (folhas 24 a 27). Argumentou, em suma,que, embora tivesse ocorrido o acidente, o mesmo se deveu àinsubordinação do empregado, que se recusou a usar oequipamento de segurança. Afirmou ainda que a empresa tomouas providências necessárias, tendo o socorro sido prestado pelosengenheiros, Fernando Luiz Teixeira e Luiz Alberto T. Teixeira,que levaram prontamente o autor ao Quartel situado próximo aocanteiro de obras, a fim de ser transportado para um hospitalem Ambulância do Exército, à disposição da ré, justamente paracaso de acidente. Concluiu, pois, dizendo que a empresa nãodeu causa ao prejuízo sofrido pelo autor e que a culpa do acidentefoi exclusiva do empregado. Ademais, asseverou a empresa ré(ora apelante) que, ainda que houvesse culpa da empresa, oempregado, sendo beneficiário do seguro de vida e de acidentescoletivo, celebrado pela apelante, não poderia receber duplaindenização, em virtude de vedação legal. Por outro lado, aempresa ré alegou que os danos materiais pedidos pelo autorestão superestimados, bem como os lucros cessantes e osdanos morais. Por fim, disse também que inexistiu o danoestético alegado, requerendo, portanto, a improcedência dospedidos do autor.

Foram juntados os documentos de folhas 28 a 33.Na réplica, o autor (ora apelado) reiterou os

argumentos lançados na Inicial (folhas 39 a 41).Realizada a audiência de conciliação (folha 49), não

houve acordo entre as partes, tendo sido designada audiênciade instrução, oportunidade em que foram ouvidas as

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testemunhas arroladas (folhas 62 a 70), tendo o juízo a quotransformado os debates orais e em memoriais escritos.

Em sede de memoriais (folhas 71 a 81), a empresaapelante ratificou os argumentos expostos na contestação,acrescentando que o autor (ora apelado) já recebera o valor deR$ 7.320,00 (sete mil trezentos e vinte reais) referente ao segurocoletivo de vida. Por outro lado, quanto à prova produzida, aapelante ressaltou a inexistência de laudo pericial comprovandoa incapacidade do autor. Foi juntado o documento de folha 82.

O autor (ora apelado), mediante memoriais escritos(folhas 83 a 90), além de confirmar as alegações da Inicial efazer considerações acerca da prova existente nos autos, disseque persiste a culpa da empresa em face da inobservância decuidados indispensáveis à segurança do obreiro (apelado), nãotendo também o seguro coletivo o condão de afastar aresponsabilidade civil da apelante.

Em seguida, a Juíza de Direito Ana Luíza CraveiroBarreira deu-se por impedida, determinando a remessa dosautos ao juiz auxiliar (folha 91).

O autor, por sua vez, requereu a juntada dedocumento referente ao estado de saúde do mesmo (folhas 92a 94). Intimada (folha 97), a empresa ré se manifestou quantoao documento juntado (folhas 98 e 99), tendo, posteriormente, oautor se manifestado sobre a petição acostada (folhas 102 a104).

Conclusos os autos, o juízo a quo proferiu sentençade mérito (folhas 106/111), acolhendo o pedido do autor, paracondenar a empresa ré ao pagamento da importância de 100(cem) salários mínimos, bem como da quantia correspondenteà multiplicação do salário que o autor recebia na data do sinistropelo número de meses resultantes da diferença da idade que oautor tinha na data do sinistro até a data em que fará 65 (sessentae cinco) anos, mais abonos natalinos e um terço de férias.

A apelante opôs, então, embargos de declaração(folhas 113 a 126), buscando, com o esclarecimento de supostasobscuridades e contradições, a reforma de decisão, para eximira promovida da obrigação de indenizar.

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Conhecidos pelo juízo a quo, visto que tempestivos,os embargos foram rejeitados.

Inconformada, a empresa ré interpôs recurso deapelação (folhas 133 a 143), requerendo a reforma da sentençade mérito, e por via de conseqüência a improcedência da ação.A apelante ratificou, nas razões do recurso, os argumentoslançados na contestação, asseverando, em suma, que não foiculpada pelo acidente que vitimou o autor (ora apelado) e quetambém não restou provada a incapacidade permanente doapelado para o trabalho, em virtude, inclusive, da inexistência delaudo médico ou outro instrumento comprobatório. Insurgiu-seainda a apelante contra o “exorbitante” valor fixado para os danosmorais, bem como contra o valor fixado para os danos materiaise para os lucros cessantes, argumentando que, caso restassecomprovada a culpa da apelante, o valor da indenização deveriaser fixado em R$ 2.600,00 (dois mil e seiscentos reais).

O apelado, apesar de devidamente intimado, deixoutranscorrer in albis o prazo para oferecer contra-razões (folha146). Os autos foram ainda remetidos ao Tribunal ad quem (folha147).

Instado a se manifestar, o Parquet de segundo grauargumentou que, em face da modificação da competência daJustiça do Trabalho, competência esta em razão da matéria, ofeito deveria ser remetido ao Egrégio Tribunal Regional doTrabalho da 7a Região (folhas 155 e 156).

É o relatório.

VOTO

Inicialmente, há que se examinar a alegação, emsede de manifestação ministerial (folhas 155 e 156), quanto àincompetência da Justiça Estadual para julgar o presente feito,em virtude do advento da emenda constitucional nº 45, queampliou a competência da Justiça do Trabalho.

Apesar de a regra da perpetuatio jurisdictionis,preceituada pelo artigo 87 do Código de Processo Civil, admitir,como exceção, a alteração da competência do juízo, em virtude

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da modificação superveniente da competência em razão damatéria e da hierarquia (parte final do citado artigo), ajurisprudência do STF e STJ já se pronunciou no sentido depermitir o julgamento das demandas concernentes a acidentede trabalho, na Justiça Estadual, quando já tiver sido prolatadasentença no feito em questão.

Assim já decidiu o Superior Tribunal de Justiça:

“CONFLITO DE COMPETÊNCIA. AÇÃO DEREPARAÇÃO DE DANOS MORAIS EMATERIAIS DECORRENTES DE ACIDENTE DETRABALHO PROPOSTA POR EMPREGADOCONTRA EMPREGADOR. No Conflito deCompetência nº 7.204-1, MG,Relator o Ministro Carlos Britto, o SupremoTribunal Federal decidiu que, a partir da EmendaConstitucional nº 45, de 2004, as ações dereparação de danos decorrentes de acidente detrabalho propostas por empregado contraempregador devem ser processadas e julgadaspela Justiça do Trabalho – salvo aquelas que játenham sido sentenciadas na Justiça estadual,que lá seguirão seu curso. Agravo regimental nãoprovido.”AgRg no CC 57897 / SP ; AGRAVO REGIMENTALNO CONFLITO DE COMPETÊNCIA. 2005/0215577-4. Relator(a) Ministro ARI PARGENDLER (1104).Órgão Julgador S2 - SEGUNDA SEÇÃO. Data doJulgamento 08/03/2006. Data da Publicação/ FonteDJ 27.03.2006 p. 149.

O recurso de apelação interposto insurge-se contraa decisão do juízo a quo sob o argumento de que não restouprovada a culpa da apelante (ré), bem como a incapacidadelaboral do apelado (autor), tendo sido, de qualquer forma, aindaque restasse provada a culpa, a indenização fixada em patamarelevado.

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Examinando-se os autos, percebe-se, inicialmente,ser fato incontroverso, a ocorrência do acidente que vitimou oobreiro (apelado). A prova incidiu, pois, sobre a negligência daempresa em fornecer o equipamento de segurança necessário,à prestação de socorro à vítima (apelado) e os danos decorrentesdo acidente, incluindo o cerceamento da capacidade laboral doempregado (apelado).

A prova existente nos autos evidencia que, nomomento do acidente, o empregado, não fazia uso deequipamento de segurança, o qual não foi devidamente fornecidopela empresa (ora apelante). A testemunha José AirtonNascimento asseverou, em juízo, que “... esteve presente nodia do acidente do autor; que estava no andaime de cimano momento em que o andaime de baixo, onde estava oautor, caiu; que o único material de segurança do depoenteera as botas; que nenhum outro tipo de material foi fornecidopela empresa; que o autor também só tinha recebido asbotas; que nenhum dos trabalhadores que ali seencontravam recebeu material de segurança; que quemsocorreu o autor foi um carro do exército, pois não havianenhum carro da empresa no local... Que o carro do exércitoestava naquele local, porque ali estavam construindo umaobra para o Exército; que não sabe precisar quanto tempoo autor ficou hospitalizado; Que após esse acidente o autornão mais voltou a trabalhar por não poder exercer suasfunções, haja visto que na queda fraturou a bacia em doiscantos e quebrou um braço, tendo ficado com seqüelas;que a empresa não custeou as despesas com tratamentos,nem muito menos com medicamentos que o autor até hojeainda tem que tomar...” (folha 65).

No mesmo sentido, a testemunha DamiãoRodrigues Sales afirmou, em juízo, que “... foi acidentado juntocom o autor; Que nenhum dos dois tinha luvas, nemcapacete, nem máscara, nem mesmo cinto de segurança;Que o único material que receberam foram botas, no entantoesclarece que ali trabalhavam mais de cem operários e sóos primeiros que entraram receberam botas, pois só havia

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20 pares... Que tendo quebrado a bacia o autor colocouplatina e até hoje tem dificuldade para se baixar, vestir umacalça, etc.; Que o autor passou 11 dias hospitalizado; Quealém de não mais poder trabalhar o autor teve que arcar eainda hoje arca com despesas para locomoção, já que andacom muita dificuldade utilizando-se de uma bengala; Queaté um colchão d´água que o autor necessitou foi compradoa custa do esforço de seus amigos que se cotizaram nessesentido...” (folha 63).

Ressalte-se que as testemunhas arroladas pela ré(ora apelante) não presenciaram o momento do acidente e, umadelas, não trabalhava sequer na obra onde ocorreu o trágicoevento. Suas alegações são, pois, insuficientes para rechaçar aprova testemunhal produzida pelo autor (ora apelado), restando,deste modo, provada a culpa da apelante quanto ao nãofornecimento do equipamento de segurança necessário.

Verifica-se, portanto, o nexo causal entre anegligência da empresa (apelante) e o dano sofrido pelo autor(apelado), o qual, certamente, não ocorreria com a adoção dasmedidas de segurança requeridas. A omissão (negligência) daempresa ré (apelante) justifica, destarte, a sua responsabilidadecivil.

A doutrina corrobora essa esteira de pensamento e,por eles, cita-se o entendimento de Rui Stoco (Tratado deResponsabilidade Civil, 6ª Edição, São Paulo : Revista dosTribunais, 2004, p.617) que traz a posição do Ministro Sálvio deFigueiredo Teixeira que há muito sedimentou o entendimento noâmbito do STJ:

“Na ação de indenização, fundada emresponsabilidade civil comum (art. 159, CC [atual186]), promovida por vítima de acidente de trabalho,cumpre a esta comprovar o dolo ou culpa da empresaempregadora. Somente se cogita deresponsabilidade objetiva (sem culpa) em se tratandode reparação acidentária, assim considerada aqueladevida pelo órgão previdenciário e satisfeita com

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recursos oriundos do seguro obrigatório, custeadopelos empregadores, que se destina exatamente afazer face aos riscos normais da atividadeeconômica no que respeita o infortúnio laboral”

Julgado mais recente do Tribunal de Justiça do RioGrande do Sul reitera o entendimento:

“(…)para a caracterização da responsabilidade civildo empregador e conseqüente surgimento do deverde indenizar, é necessária a comprovação do dano,do nexo causal e da culpa, tendo em vista que suaresponsabilidade é subjetiva. É o que se depreendeda redação do art. 7º, inciso XXVIII, da Carta Magna,do art. 159 do CC/16 e do art. 186 do CC/02, ambospertinentes à matéria. (…)”(Apelação Cível Nº70011825114, Nona Câmara Cível, Tribunal deJustiça do RS, Relator: Marilene Bonzanini Bernardi,Julgado em 29/06/2005)

Por outro lado, os danos sofridos pelo autor (apelado)encontram-se devidamente demonstrados nos autos. É fatoincontroverso a ocorrência do acidente. Além disso, osdocumentos de folhas 13 a 20 e 93 e 94, em conjunto com aprova testemunhal, evidenciam que o obreiro fora submetido aintervenções cirúrgicas e que, mesmo assim, o acidente lhedeixou seqüelas incapacitantes ao exercício da atividade laboral.Vale dizer, inclusive, que o próprio benefício previdenciário (pagopelo INSS) indica a ocorrência da limitação da capacidade detrabalho do apelado.

De fato, toda a normatização sobre o fornecimentodos chamados Equipamentos de Proteção Individual impõe umaadequação entre o equipamento protetivo e o trabalhodesempenhado. Já na CLT, dá-se isso, por expressa disposiçãodo art. 166:

“Art. 166 - A empresa é obrigada a fornecer aos

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empregados, gratuitamente, equipamento deproteção individual adequado ao risco e em perfeitoestado de conservação e funcionamento, sempre queas medidas de ordem geral não ofereçam completaproteção contra os riscos de acidentes e danos àsaúde dos empregados”.

Acrescente-se também que o juiz, consoante oprincípio do livre convencimento fundamentado, não estáobrigado a se basear em prova pericial (ou afim) para averiguara ocorrência e a extensão do dano. Outrossim, a empresa ré(ora apelante) não requereu, no momento oportuno, a realizaçãode perícia, tendo havido a preclusão quanto a este meio de prova.

Outrossim há precedentes jurisprudenciais dandoconta de que a negligência do empregador quanto à fiscalizaçãoe exigência de uso dos EPI’s faz surgir responsabilidade doempregador:

“(…)Culpa do empregador consubstanciada,essencialmente, na ausência de adequadafiscalização do ambiente de trabalho, permitindo quefuncionários laborassem sem o devido equipamentode proteção e que fumassem no local (posto degasolina).(…)” (Apelação Cível Nº 70004791570,Nona Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS,Relator: Pedro Celso Dal Pra, Julgado em 12/05/2004)

* * *

“EMENTA: ACIDENTE DO TRABALHO. ACAO DEINDENIZACAO. CULPA DO EMPREGADOR.VAZAMENTO DE OLHO NO OPERAR DE SERRACIRCULAR, CUJO DENTE QUEBROU E VEIO DEENCONTRO AO EMPREGADO. EQUIPAMENTODE PROTEÇÃO FORNECIDO E RECEBIDO PELOOPERARIO. NÃO-USO. FISCALIZAÇÃO DO

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EQUIPAMENTO PROTETIVO E ÔNUS DOEMPREGADOR. INVERSÃO DO ÔNUS DA PROVA.NEGLIGÊNCIA DA EMPREGADORACONFIGURADA. RECURSO ADESIVO.CUMULAÇÃO DE DANO MORAL E DANOESTÉTICO. NÃO-COMPROVAÇÃO DO PREJUÍZOESTÉTICO. SENTENÇA MANTIDA.DESPROVIMENTO DE AMBOS OS RECURSOS”.(Apelação Cível Nº 70000859702, Nona CâmaraCível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Ana LúciaCarvalho Pinto Vieira, Julgado em 08/05/2002)

* * *

“EMENTA: ACIDENTE DE TRABALHO. MORTE DEEMPREGADO. RESPONSABILIDADE DOEMPREGADOR.(…)2. Confirmação quanto aoreconhecimento da responsabilidade daempregadora, na morte por eletroplessão doempregado (pai e marido das apeladas), por falta defiscalização quanto ao uso de equipamento deproteção (botas). Acertado o reconhecimento daconcorrência de culpa.(…)”. (Apelação Cível Nº70001084979, Décima Câmara Cível, Tribunal deJustiça do RS, Relator: Luiz Lúcio Merg, Julgado em30/11/2000)

* * *

EMENTA: RESPONSABILIDADE CIVIL. ACIDENTEDO TRABALHO. CULPA DA EMPRESA. NA ACAOINDENIZATORIA FUNDADA EM DIREITO COMUMONDE SE ATRIBUI A EMPREGADORA PRÁTICA DEILÍCITO CIVIL, E A MESMA PARTE LEGITIMA PARAFIGURAR NO POLO PASSIVO. INVIABILIDADE DEDENUNCIACAO DA LIDE AO INSS. COMPROVADAA CULPA DA EMPRESA, QUE NEGLIGENCIOU NA

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FISCALIZAÇÃO DO USO DE EQUIPAMENTO DEPROTEÇÃO, RESPONDE A MESMA PELOSDANOS FISICOS E MORAIS SOFRIDOS PELOSEU EMPREGADO. (Apelação Cível Nº 598419562,Nona Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS,Relator: Maria Isabel Broggini, Julgado em 06/10/1999)

Mostrou-se, portanto, acertada a decisão do juízo deprimeiro grau. Os danos morais foram fixados em aproxidamenteR$ 35.000,00 (trinta e cinco mil reais) de maneira a, não apenasminimizar o sofrimento suportado pelo autor (apelado), mastambém punir o comportamento negligente da empresa ré,conforme o que apregoa a melhor doutrina e jurisprudênciaacerca da matéria. A fixação dos danos materiais também semostrou acertada, visto que a incapacidade laboral do autor oimpossibilitará de exercer a função para a qual possui a devidaqualificação, privando-o dos rendimentos pertinentes ao seutrabalho.

Diante do exposto, conheço o presente recurso deapelação, por estarem presentes os seus pressupostos, maspara negar-lhe provimento, restando inalterada a sentençamonocrática.

É como voto.

Fortaleza, 28 de março de 2007.

***

ESTADO DO CEARÁPODER JUDICIÁRIO

TRIBUNAL DE JUSTIÇA

APELAÇÃO CÍVEL DE FORTALEZA Nº 2003.0012.8489-0/0Apelante: MUNICÍPIO DE FORTALEZAApelado: COLÉGIO SANTO INÁCIORELATOR: DES. FRANCISCO DE ASSIS FILGUEIRAMENDES

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EMENTA: TRIBUTÁRIO – APELAÇÃO EMEMBARGOS À EXECUÇÃO –RECONHECIMENTO DE IMUNIDADETRIBUTÁRIA EM PROL DE INSTITUIÇÃO DEENSINO SEM FINS LUCRATIVOS – NÃOCOMPROVAÇÃO DOS REQUISITOSESTABELECIDOS EM LEI COMPLEMENTAR –NECESSIDADE DE INSTRUÇÃO PROBATÓRIAMEDIANTE PERÍCIA CONTÁBIL.I – A imunidade de impostos em favor dasinstituições de educação sem fins lucrativos,prevista no art. 150, VI, c da Carta Republicana,resta condicionada ao atendimento dosrequisitos previstos em lei complementar, incasu, o Código Tributário Nacional.II – Assim, a fim de obter o favor constitucionalimunitório, deve a instituição provar ocumprimento dos requisitos estabelecidos noart. 14, incisos I, II e III do CTN, o que, no presentecaso, não ocorreu, haja vista que a documentaçãoacostada aos autos é insuficiente como meio deprova.III – Mister se faz, para a efetiva constataçãosobre o atendimento das condições previstas noCTN, a realização de instrução probatória.IV – Dá-se provimento ao apelatório para anulara sentença vergastada e determinar a realizaçãode perícia contábil no primeiro grau dejurisdição.APELAÇÃO CONHECIDA E PROVIDA.

Vistos, relatados e discutidos estes autos deapelação cível nº. 2003.0012.8489-0/0 de Fortaleza, em que sãopartes as acima indicadas.

ACORDA a 2ª Câmara Cível do Tribunal de Justiçado Estado do Ceará, por votação unânime, em conhecer do

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recurso e dar-lhe provimento, nos termos do voto do Relator.Cuida-se de Apelação interposta pelo Município de

Fortaleza, por meio de sua procuradoria, em desfavor do ColégioSanto Inácio, objetivando a reforma da sentença proferida emsede de Embargos à Execução Fiscal, julgados procedentes afim de reconhecer a imunidade de impostos da parte recorrida,haja vista tratar-se de instituição de ensino sem fins lucrativos,afastando-se, assim, a ocorrência do fato gerador que teria dadoensejo ao crédito tributário executado pela Fazenda Municipal.

Em suas razões recursais de fls. 98/105, o entepúblico recorrente alega que a apelada não demonstrouinequivocamente ser detentora da imunidade constitucionalprevista no art. 150, VI, c da Carta Republicana.

O cerne da impugnação recursal gira em torno daalegada inexistência de comprovação das exigências previstasno art. 14 do Código Tributário Nacional para a atribuição deimunidade.

Sustenta, assim, que os requisitos contidos nosincisos I, II e III do art. 14 do CTN não restaram provados pelorecorrido, nem o juízo de primeiro grau determinou a realizaçãode provas, o que, em seu entender, implica nulidade da sentença,uma vez que não cabia julgamento antecipado da lide.

Pugna, ao final, pela anulação da sentença recorridaa fim de que outra seja proferida após a fase probatória, paraque o recorrido prove se atende as condições estabelecidas emlei para fazer jus à imunidade.

Alternativamente, requer seja julgada procedente aapelação para reformar a sentença e prosseguir-se na execução.

Contra-razões apresentadas pelo apelado às fls.108/118, onde alega ser instituição de ensino sem fins lucrativos,razão pela qual a própria Prefeitura Municipal de Fortaleza, em28 de julho de 1980, reconheceu em seu favor a imunidadetributária, reafirmada em 1992.

Ressalta que também o Estado do Ceará, por meiodo DETRAN, já reconheceu sua imunidade no que pertine aoIPVA (imposto estadual), bem como o INSS já declarou suaimunidade em relação às contribuições para a seguridade social.

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Invoca, ainda, decisão proferida em primeiro graupelo contencioso administrativo tributário municipal, ratificandoseu direito de imunidade e deliberando pela nulidade do auto deinfração nº 8.693, referente aos lançamentos de IPTU dosexercícios de 1994 e 1995, decisão esta confirmada pela segundainstância administrativa, ressalvada, porém, a necessidade deratificação da imunidade por ato do Secretário de Finanças.

Afirma já ter procedido à juntada de váriosdocumentos que apontam para o seu direito à imunidade, taiscomo estatutos, balanços patrimoniais dos oito últimos anos,ata da última eleição da Diretoria e do Conselho Fiscal, dentreoutros.

Parecer da douta Procuradoria Geral de Justiça àsfls. 133/136, opinando pelo desprovimento do recurso.

É o relatório.

O âmago do presente recurso consiste em saberse a parte apelada é ou não detentora do direito à imunidadetributária previsto no art. 150, VI, c da Constituição Federal de1988, in verbis:

“Art. 150. Sem prejuízo de outras garantiasasseguradas ao contribuinte, é vedado à União, aosEstados, ao Distrito Federal e aos Municípios:(...)VI – instituir impostos sobre:(...)c) patrimônio, renda ou serviços dos partidospolíticos, inclusive suas fundações, das entidadessindicais dos trabalhadores, das instituições deeducação e de assistência social, sem fins lucrativos,atendidos os requisitos da lei;(...)”.

Preludialmente, impende extrair o espírito da normaconstitucional instituidora da imunidade, interpretando-lhe o

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sentido a fim de delimitar o seu alcance, detectando suaincidência ou não no caso em tela.

A disciplina constitucional imunitória decorre daconduta do legislador constituinte de juridicizar determinadosvalores e protegê-los, uma vez considerados importantes paraa harmonia e o progresso da sociedade e do Estado.

Assim é que, por exemplo, a imunidade dos templosde qualquer culto prestigia a liberdade de crença; a dos partidospolíticos homenageia a representatividade da vontade nacional;a dos jornais, periódicos, livros e papel destinado à sua impressãoresguarda o direito e o acesso à informação, ao passo que adas instituições de educação e de assistência social visa apromover a cultura, a capacitação, a solidariedade e a filantropia.

É certo que todos os valores mencionados devemser diretamente garantidos pelo Estado, não tendo oscontemplados pela imunidade a função de substituir o Estadoem suas obrigações para com a sociedade, mas certamentefuncionam como auxiliares indispensáveis na promoção daeducação, da cultura e da assistência social, daí seremcontemplados com o favor constitucional imunitório.

A norma constitucional que prevê a imunidade,contudo, reveste-se da característica de not self-executing, quena linguagem do direito saxão significa não ser auto-aplicável,porquanto o direito à imunidade resta condicionado aoatendimento de certos requisitos estabelecidos em lei.

Muito já se discutiu acerca da natureza da lei quedeveria dispor sobre os requisitos para concessão da imunidade,se complementar ou ordinária.

Alguns doutrinadores sustentavam que a imunidade,por constituir uma limitação ao poder de tributar, deveriaobrigatoriamente ser regulada por lei complementar, por forçado art. 146, II, da Carta Maior, ao passo que outros entendiamque, por ter o legislador, no art. 150, VI, c da Constituição Federal,utilizado o termo genérico ‘lei’, estaria se referindo à lei ordinária.

A jurisprudência da Excelsa Corte parece caminharrumo a uma solução intermediária, que busca harmonizar aaplicação conjunta de lei complementar e lei ordinária.

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Nesse passo, a lei complementar seria exigida paradispor sobre a própria imunidade, obedecendo-se, assim, odisposto no art. 146, II da Carta Republicana, sem embargo dese atribuir à lei ordinária a fixação de normas sobre a constituiçãoe o funcionamento da entidade imune.

Tal corrente conciliatória ganhou força após ojulgamento de medida cautelar na ADI 1.802/DF (Rel. Min.Sepúlveda Pertence, DJ de 13.2.04), cuja ementatranscrevemos:

“ (...)II. Imunidade tributária (CF, art. 150, VI, c, e 146, II):‘instituições de educação e de assistência social,sem fins lucrativos, atendidos os requisitos da lei’:delimitação dos âmbitos da matéria reservada, noponto, à intermediação da lei complementar e da leiordinária: análise, a partir daí, dos preceitosimpugnados (L. 9.532/97, arts. 12 a 14): cautelarparcialmente deferida. 1. Conforme precedente noSTF (RE 93.770, Muñoz, RTJ 102/304) e na linha damelhor doutrina, o que a Constituição remete à leiordinária, no tocante à imunidade tributáriaconsiderada, é a fixação de normas sobre aconstituição e o funcionamento da entidadeeducacional ou assistencial imune; não, o que digarespeito aos lindes da imunidade, que, quandosusceptíveis de disciplina infraconstitucional, ficoureservado à lei complementar.(...)”

Assim, tem entendido a Suprema Corte que somentea lei complementar pode estabelecer condições materiais parao gozo da imunidade, enquanto a lei ordinária pode fixar requisitosformais reguladores da constituição e funcionamento da entidadeimune.

A regulamentação do preceito constitucionalimunitório coube ao Código Tributário Nacional, que o repetiu

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em seu art. 9º, IV, c, e o complementou no art. 14, assim rezante:

“Art. 14. O disposto na alínea ‘c’ do inciso IV do artigo9º é subordinado à observância dos seguintesrequisitos pelas entidades nele referidas:I – não distribuírem qualquer parcela de seupatrimônio ou de suas rendas, a qualquer título;II – aplicarem integralmente, no País, os seusrecursos na manutenção dos seus objetivosinstitucionais;III – manterem escrituração de suas receitas edespesas em livros revestidos de formalidadescapazes de assegurar sua exatidão.§ 1º Na falta de cumprimento do disposto neste artigo,ou no § 1º do art. 9º, a autoridade competente podesuspender a aplicação do benefício.§ 2º Os serviços a que se refere a alínea ‘c’ do incisoIV do artigo 9º são exclusivamente os diretamenterelacionados com os objetivos institucionais dasentidades de que trata este artigo, previstos nosrespectivos estatutos ou atos constitutivos”.

Dessa forma, para que uma instituição de ensinofaça jus ao favor constitucional imunitório, mister se faz queatenda as três condições estabelecidas pelo CTN em seu art.14, incisos I, II e III.

A primeira delas traduz-se no princípio da nãodistribuição patrimonial, que veda a distribuição de patrimônioou de rendas aos membros da instituição ou a terceiros.

A segunda condição veicula o princípio da aplicaçãoterritorial, significando que os recursos da instituição devem seraplicados no País, com o fito de atender os objetivosinstitucionais.

O terceiro requisito refere-se ao princípio datransparência escritural, o qual estabelece a obrigatoriedade dea instituição manter a escrituração de suas receitas e despesasem livros revestidos de formalidades capazes de assegurar sua

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exatidão.No caso em tela, entendo que a instituição

educacional apelada não logrou provar o atendimento dosrequisitos estabelecidos pela lei complementar, limitando-se aapresentar, dentre outros, documentos referentes a balancetespatrimoniais, declarações de utilidade pública, certificados dereconhecimento da qualidade de entidade filantrópica, pareceresdo contencioso administrativo tributário municipal, bem comoseus estatutos.

Improsperável o argumento do apelado de que o títuloexecutivo que aparelhou a execução fiscal, qual seja, a certidãoda dívida ativa oriunda de débito de IPTU, seria inválido em virtudeda anulação, pelo contencioso administrativo tributário municipal,do auto de infração de nº 8693, referente ao lançamento do IPTUdos exercícios de 1994 e 1995.

De fato, o referido auto de infração restou anuladoem decorrência de vícios formais, não tendo, contudo, a decisãoemanada do Conselho de Recursos Tributários excluído apossibilidade de efetuação de um novo lançamento, desta feitaobservando-se as formalidades legais, o que dependeria dedecisão final em processo administrativo onde se pleiteasse oreconhecimento da imunidade tributária, decisão esta decompetência privativa do Secretário de Finanças do Município,da qual não se tem conhecimento nos autos.

Assim, não se tendo notícia do reconhecimento daimunidade tributária pelo Secretário de Finanças, nenhumimpediente haveria em se efetuar um novo lançamento, contantoque o procedimento se revestisse de todas as formalidadesprevistas na legislação específica.

Ademais, ainda que se adotasse posição distinta,esta não teria o condão de retirar a legitimidade dos lançamentosreferentes aos exercícios de 1996, 1997, 1998 e 1999, cujoscréditos estão sendo igualmente executados.

De igual sorte, não procede a alegação do recorridode que o título seria nulo em virtude do reconhecimento daimunidade de IPTU em favor da entidade educacional em 1980,bem como a existência de parecer favorável ao deferimento do

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benefício constitucional, da lavra do Diretor da Divisão deFiscalização da Secretaria de Finanças do Município deFortaleza, datado de 1992.

O reconhecimento da imunidade não é acobertadopelo manto da perpetuidade.

É que os requisitos previstos no art. 14 do CTN sãode existência periódica ou precária e dizem respeito àmanutenção da imunidade após a sua outorga, haja vista que,na dicção do parágrafo 1º do dispositivo em comento, aautoridade pode suspender o benefício se houver decaimentodos requisitos.

Destarte, não se pode exarar um certificado adfuturum de que a instituição cumpre os requisitos do art. 14 doCTN, uma vez que tal quadro poderá mudar no futuro, implicandoa suspensão da imunidade.

Em tal esteira de posicionamento, colhe-se dajurisprudência:

“TRIBUTÁRIO. IMUNIDADE. ISSQN. ENTIDADESEM FINS LUCRATIVOS DEDICADA AO ENSINOE À SAÚDE.1. Para a obtenção da imunidade prevista noart. 150, VI, c, da CF por entidade sem fins lucrativosdedicada ao ensino e à saúde, basta sejamcumpridos os requisitos aí previstos. Não háconfundir os requisitos exigidos para a obtenção daimunidade, estabelecidos na Constituição, com osrequisitos exigidos para a sua manutenção,estabelecidos no art. 14 do CTN, relacionados,portanto, à fiscalização a ser exercida pelo podertributante após reconhecido o direito.2. Apelação provida”. (TJRS - Apelação Cívelnº 70006141105, 1ª Câmara Cível, Rel. Des. IrineuMariani, j. 4.6.2003).

Assim, os documentos datados de 1980 e 1992, queà época sinalizavam o atendimento dos pressupostos de

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concessão do favor imunitório, não têm o condão de eternizartal condição.

Ao meu sentir, a parte recorrida não se desincumbiudo ônus de provar o fato constitutivo do direito pretendido, a teordo art. 333, I do CPC.

A ausência nos autos de documentos que retratemefetiva e fielmente a movimentação contábil e financeira dorecorrido acarreta dúvidas acerca da existência do direito àimunidade.

A mera menção a dispositivos contidos nos estatutosda instituição são insuficientes para demonstrar o atendimentodos requisitos necessários à concessão da imunidade.

O cumprimento do estatuto social não pode serpresumido. Se assim fosse, o escopo constitucional seriadeturpado, pois o rol dos abrangidos pela imunidade seriadescomunalmente alargado, dando azo a fraudes extremamenteprejudiciais à arrecadação tributária, vez que bastaria queconstasse do estatuto da instituição a reprodução do texto legalcomplementar para que esta obtivesse o beneplácito daimunidade, deixando, assim, os entes tributantes de arrecadarvultosa soma de recursos, que seriam aplicados em prol dasociedade, privilegiando-se, injustamente, o interesse privado.

Os balancetes patrimoniais acostados pelo colégioapelado, per si, não demonstram cabalmente o cumprimentodos requisitos fixados pela lei complementar.

As declarações de utilidade pública também nãoservem como meio de prova, uma vez que emitidas por órgãossem capacidade de aferir a questão tributária inerente à matériada imunidade.

Corroborando nosso entendimento, trazemos amanifestação jurisprudencial oriunda do Egrégio Tribunal deJustiça do Rio Grande do Sul:

“AGRAVO DE INSTRUMENTO. DIREITOTRIBUTÁRIO E FISCAL. INSTITUIÇÃO DEEDUCAÇÃO E ASSISTÊNCIA SOCIAL.IMUNIDADE TRIBUTÁRIA. FALTA DE

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REQUISITOS DO ARTIGO 14 DO CTN.Para a concessão de liminar, em sede de mandadode segurança, para efeitos de suspensão de autode lançamento tributário, com base emreconhecimento da imunidade tributária, exigível semostra o preenchimento dos requisitos dispostos noart. 14 do CTN.Não supre os referidos requisitos a existência decertificados de utilidade pública expedidos pelasáreas de educação e assistência social, em face denatureza tributária da exigência.AGRAVO IMPROVIDO.” (TJRS - Agravo deInstrumento nº 70006753446, 1ª Câmara Cível, Rel.Des. Cláudio Luís Martinewski, j. 26.11.2003)

Não obstante sejam alguns dos documentos juntadospelo apelado relevantes à análise do preenchimento dasexigências para concessão da imunidade, não os considerosuficientes para tal.

Desta sorte, divergindo do entendimento esposadopelo julgador do primeiro grau, entendo ser imprescindível parao reconhecimento do favor imunitório um percuciente exame damovimentação contábil e financeira da instituição recorrida,impondo-se, por necessário, e com supedâneo no art. 130 doCPC, o retorno dos autos ao primeiro grau de jurisdição, a fimde que seja nomeado perito do juízo, presumido imparcial, paraefetuar perícia contábil nos livros contábeis e demais documentosque entenda necessários, visando detectar, não somente comregistros numéricos, mas mediante conclusões explanativas, seestão atendidos os requisitos previstos nos incisos I, II e III doart. 14 do Código Tributário Nacional.

Em face de todo o exposto, é de se conhecer daapelação, para dar-lhe provimento, a fim de anular a sentençavergastada e determinar a realização de perícia contábil, restandoineficazes os ônus sucumbenciais ab origem aplicados.

Fortaleza, 2 de maio de 2007.

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ESTADO DO CEARÁPODER JUDICIÁRIO

TRIBUNAL DE JUSTIÇA

Apelação Cível n.º 2004.0010.6235-6/0Remessa Oficial: Juiz de Direito da 5ª. Vara da FazendaPúblicaRecorrido: S.M. Mônica TransportadoraRelator: Desembargador Ademar Mendes Bezerra

EMENTA: TRIBUTÁRIO. APREENSÃO DEMERCADORIA. MEIO COERCITIVO DECOBRANÇA DE TRIBUTO. SANÇÃO POLÍTICA.IMPOSSIBILIDADE.- A ordem jurídica brasileira mune o Poder Públicode meios jurídicos eficazes para exigência deseus créditos, sendo inadmissíveis sançõespolíticas com o desiderato de compelir ocontribuinte, pelo que se afigura inválida aapreensão de mercadorias com tal fim,consoante já assentado pela súmula 323 doSupremo Tribunal Federal.- Precedentes deste colendo Tribunal e dosTribunais Superiores.- Apelação improvida.

ACÓRDÃO:

Vistos, relatados e discutidos os presentes autos daApelação Cível n.º 2004.0010.6235-6/0, em que figuram as partesacima indicadas. Acorda a colenda Segunda Câmara Cível doTribunal de Justiça do Estado do Ceará, à unanimidade, julgarimprovida a apelação, nos termos do voto de relator.

Fortaleza, 04 de abril de 2007.

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RELATÓRIO

Cuidam os presentes autos de remessa oficial emmandado de segurança impetrado por S.M. MônicaTransportadora contra ato do Diretor do NEXAT - Sobral, queapreendeu mercadoria de sua propriedade que era transportadapor aquela localidade. O fundamento para dita apreensão foi dese encontrar o contribuinte em situação de irregularidade peranteo Fisco estadual.

Junta à inicial os documentos de fls. 07/12.A liminar foi concedida às fls. 16/17.A autoridade impetrada, às fls. 30/36, prestou as

devidas informações no decêndio legal, oportunidade em quesustentou a legitimidade de seu ato por configurar – a seu ver –regular exercício de fiscalização fazendária, prevista nalegislação estadual pertinente.

Instado a se manifestar, o douto representante doMinistério Público, em primeira instância, apresentou parecer àfl.39, opinando pela extinção do processo sem julgamento domérito com fulcro no inciso VI, do artigo 267 do Código Pátrio deRitos.

O MM Juiz de primeiro grau prolatou sentença às fls.41/42 acatando o parecer ministerial.

Apelação do Estado do Ceará às fls. 45/49 pugnandopela legalidade da apreensão.

O membro do parquet de segunda instância lançaparecer às fls. 66/67 no sentido da mantença da decisãoguerreada.

É o relatório.

VOTO

A presente matéria já há muito vem sendo discutidanos tribunais pátrios, não sendo exceção nesta colenda cortede justiça. Com efeito, o Fisco possui o arraigado hábito de valer-se dos mais variados meios para compelir o contribuinte a pagaro tributo tido por devido. Tais atitudes são definidas como sanções

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políticas, cujo conceito é bem exposto por Hugo de BritoMachado:

“Entende-se como sanção política, no âmbito doDireito Tributário, a restrição ou proibição imposta,ou a exigência feita ao contribuinte como meio indiretopara obrigá-lo ao pagamento do tributo.” (In AspectosFundamentais do ICMS, São Paulo, Ed. Dialética,1997, p. 232) (grifos nossos)

Uma das mais reiteradas espécies de sançãopolítica consiste na apreensão de mercadorias com o evidenteintuito de constranger o particular ao pagamento exigido peloPoder Público. Contudo, nossos Tribunais Superiores têmrechaçado tal sorte de comportamento.

Inicialmente, vedou-se a sanção política consistentena interdição de estabelecimento, conforme se depreende dasúmula 70 do Supremo Tribunal Federal:

“É inadmissível a interdição de estabelecimentocomo meio coercitivo para a cobrança de tributo.”

Sobre esse entendimento, José Nunes Ferreiraescreve:

“...permanece intacta a jurisprudência sumulada, hajavista que o Estado dispõe de instrumentação própriapara a cobrança de tributos, não se admitindo que aatividade do contribuinte seja perturbada por qualquertipo de constrangimento que impeça seu livreexercício. Nessa linha tem-se orientado não só o STF(RE 77.890, RTJ 76/531) como também o extintoTFR (REO 83.929, 82.352 e 85.113, dentre outros).”(In Súmulas do Supremo Tribunal Federal, 3. ed, SãoPaulo, Saraiva, 1992, p. 55)

Posteriormente e na mesma linha de entendimento

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foi editada a súmula 323, oportunidade em que o Pretório Excelsofirmou expresso entendimento acerca da impossibilidade deapreensão de mercadorias. É o seguinte o teor da súmula:

“É inadmissível a apreensão de mercadorias comomeio coercitivo para pagamento de tributo.”

Não poderia ser diferente. Apreender mercadoriasdo particular com o desiderato de forçá-lo a pagar o que aFazenda entende por devido ofende o direito à ampla defesa,porquanto retira do contribuinte qualquer contraposição oumanifestação quanto às imputações e exigências realizadas peloFisco. Ademais, representa um embargo indevido ao exercíciode atividade profissional.

O Poder Público tem os meios judiciais para executarseus créditos, inclusive desfrutando de prerrogativas processuaissem parâmetros nas lides judiciais entre particulares, nãojustificando, pois, a prática de tais expedientes.

Comentando a posição do STF sobre a matéria,leciona Roberto Rosas:

“O Tribunal Pleno decidiu que a Fazenda deve cobrarseus créditos através de execução fiscal, semimpedir direta ou indiretamente a atividadeprofissional do contribuinte.” (In Direito Sumular,2.ed., São Paulo, RT, p. 295).

Pululam decisões dos tribunais brasileiros nomesmo sentido, conforme se vê das seguintes ementas:

“TRIBUTARIO. APREENSÃO DE MERCADORIACOM FINALIDADE DE COERÇÃO AO PAGAMENTODE TRIBUTO EXIGIDO. LEGITIMIDADE ATIVA.SUMULA 323, DO COLENDO STF.(…)2. E pacífico no âmbito jurisprudencial desta corte oentendimento de que “é inadmissível a apreensão

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de mercadorias como meio coercitivel parapagamento de tributos”. (Súmula num. 323/STF).3. Recurso improvido”.(RESP 162034 / RS ; RECURSO ESPECIAL 1998/0001823-9 DJ DATA:15/06/1998 PG:00051 LEXSTJVOL.:00111 PG:00222 Min. JOSÉ DELGADO)

* * *

“TRIBUTARIO. ICM. APREENSÃO DEMERCADORIAS.- Não pode o fisco apreender mercadoria para coagira transportadora ao pagamento do tributo, sob opretexto de evitar circulação irregular.- Recurso provido”.(RESP 5934 / RS ; RECURSO ESPECIAL 1990/0011193-5 DJ DATA:17/06/1991 PG:08193 RSTJVOL.:00023 PG:00337 RT VOL.:00677 PG:00208Min. AMÉRICO LUZ)

* * *

“TRIBUTÁRIO - INFRAÇÃO - APREENSÃO DEMERCADORIA POR PRAZO SUPERIOR ÀLAVRATURA DO AUTO - ILEGALIDADE -PRECEDENTES- Segundo remansosa jurisprudência, é ilegal aapreensão de mercadoria por prazo superior aonecessário à lavratura do auto, como forma de coagiro contribuinte ao pagamento do imposto” (TJDF -APC 19990110222522 - 1ª T.Cív. - Relª JuízaCarmelita Brasil - DJU 21.11.2001 - p. 140).

* * *

-”ADMINISTRATIVO - Mandado de Segurança. Multafiscal. Suposta irregularidade na emissão das notas

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fiscais. Apreensão de mercadoria, como meiocoercitivo para pagamento da sanção pecuniária.Ilegalidade. Vedada a apreensão de mercadoria paraconstranger o contribuinte ao pagamento de tributo,como consagrado na dicção da súmula nº 323 doSTF, outrossim não se pode admitir a coarctaçãocom o intento de cobrança de multa fiscal” - (TJSC -MAS 96.009734-1 - 4ª CC. - Rel. Des. Pedro ManoelAbreu - J. 24.04.1997)

Nosso colendo Tribunal tem decidido no mesmosentido:

“EMENTA: DIREITO TRIBUTÁRIO - MANDADO DESEGURANÇA - ICMS - APREENSÃO DEMERCADORIAS EM TRÂNSITO - ILEGALIDADE.É inadmissível a apreensão de mercadorias comomeio coercitivo para pagamento de tributos (Súmula323 do STF). Remessa oficial e recurso apelatórioimprovidos”.(2000.0012.5103-2/0 Apelação Cível Relator: Des.JOSE ARISIO LOPES DA COSTA Órgão Julgador :1ª CÂMARA CÍVEL)

* * *

“Ementa: Tributário. Mandado de Segurança. ICMS.Liberação de mercadorias apreendidas. Éinadmissível a apreensão de mercadorias comomeio coercitivo para pagamento de tributos (SúmulaSTF 323). No caso dos autos, após a lavratura deauto de infração, o fisco estadual apreendeumercadorias do contribuinte, violando seu direitolíquido e certo ao devido processo legal e a ampladefesa. Recurso improvido. Ordem concedida.Unânime”.(2000.0013.5046-4/0 Apelação Cível Relator: Des.

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JOSE ARISIO LOPES DA COSTAOrgão Julgador : 1ª CÂMARA CÍVEL).

* * *

“EMENTA Mandado de Segurança. Apreensão demercadoria. A Súmula n° 323 do Supremo TribunalFederal inadmite a apreensão de mercadorias comoartifício para constranger o contribuinte ao pagamentode qualquer valor devido à Fazenda Pública, ao invésde dispor do procedimento adequado e instituído emlei para a execução de seus créditos tributários.Violação ao livre exercício de atividade econômicaassegurado pela Constituição Federal (arts. 5°, XIII,e 170, § único). Sentença confirmada”.(2000.0014.2896-0/0 Apelação Cível Relator: Des.FRANCISCO HUGO ALENCAR FURTADOOrgão Julgador : 1ª CÂMARA CÍVEL)

* * *

“EMENTA REMESSA OFICIAL. MANDADO DESEGURANÇA. APREENSÃO DE MERCADORIAS.Os meios de cobrança do tributo devem ser ospermitidos pela legislação processual, com asdevidas garantias de funcionamento do processo.“É inadmissível a apreensão de mercadoria comomeio coercitivo para o pagamento de tributo”(Súmula323 do STF). Ao fisco restam os meios regularespara a cobrança de tributos, afastadas as sançõespolíticas. Sentença mantida”.(2000.0015.2531-0/0 Apelação Cível Relator: Des.JOSE ARISIO LOPES DA COSTA Órgão Julgador :1ª CÂMARA CÍVEL)

De igual modo se posiciona esta colenda 2ªCâmara Cível:

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“EMENTA: TRIBUTÁRIO - APREENSÃO DEMERCADORIAS COMO FORMA DE GARANTIR OPAGAMENTO DO TRIBUTO - IMPOSSIBILIDADE -CARACTERIZAÇÃO DE CONFISCO.- A Constituição Federal estabelece que é vedado àUnião, aos Estados, ao Distrito Federal e aosMunicípios utilizar tributo com efeito de confisco.Entendimento do Supremo Tribunal Federal,cristalizado na Súmula n.º 323.- Remessa oficial e recurso apelatório conhecidos,mas improvidos”.(2000.0013.6133-4/0 Apelação Cível Relator: Des.JOSE CLAUDIO NOGUEIRA CARNEIROOrgão Julgador : 2ª CÂMARA CÍVEL)

* * *

“EMENTA: APELAÇÃO CÍVEL. TRIBUTÁRIO.MANDADO DE SEGURANÇA. INADMISSÍVEL ARETENÇÃO DE MERCADORIAS POR AGENTESFISCAIS COM O VISO DE COAGIR SEUPORTADOR AO RECOLHIMENTO DE TRIBUTO.LAVRADO O AUTO DE INFRAÇÃO, AMERCADORIA DEVE SER LIBERADA, SEMPREJUÍZO DO PROCESSO ADMINISTRATIVOPARA A COBRANÇA ULTERIOR DOTRIBUTO.RECURSOS, O OFICIAL E O VOLUNTÁRIOIMPROVIDOS, COM CONFIRMAÇÃO DASEGURANÇA”.(2000.0014.5289-5/0 Apelação Cível Relator: Des.JOAO DE DEUS BARROS BRINGELOrgão Julgador : 2ª CÂMARA CÍVEL)

* * *

“EMENTA: MANDADO DE SEGURANÇA -

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APREENSÃO DE MERCADORIASDESACOMPANHADAS DE NOTAS FISCAIS -CONDICIONAMENTO DA LIBERAÇÃO DOSPRODUTOS AO PAGAMENTO DO IMPOSTODEVIDO E DA MULTA CORRESPONDENTE -CONTRIBUINTE CONHECIDO - ILEGALIDADE -SANÇÃO POLÍTICA. FISCO - MEIOS JUDICIAIS -COBRANÇA - OBRIGAÇÕES TRIBUTÁRIAS -DISPOSIÇÃO - SÚMULA 323 DO STF - RECURSOSVOLUNTÁRIO E OFICIAL CONHECIDOS, MASIMPROVIDOS.I. Sendo o contribuinte conhecido, ao fisco não é dadocondicionar a liberação de mercadorias apreendidasem situação irregular ao prévio pagamento daobrigação tributária, eis que a Fazenda Públicadispõe de medidas judiciais próprias à respectivacobrança. Sanção política configurada.II. Sentença confirmada. Recurso voluntário e oficialconhecidos, mas improvidos”.(2000.0014.6635-7/0 Apelação Cível Relator: Desa.GIZELA NUNES DA COSTAOrgão Julgador : 2ª CÂMARA CÍVEL)

* * *

“EMENTA: CONSTITUCIONAL. TRIBUTÁRIO.NÃO É CABÍVEL A RETENÇÃO DE MERCADORIASPARA FORÇAR O PAGAMENTO DE IMPOSTOS.OFENSA AO DIREITO DO CONTRIBUINTE.SENTENÇA MANTIDA. REMESSA OBRIGATÓRIACONHECIDA, MAS IMPROVIDA”.(2000.0015.7008-1/0 Apelação Cível Relator: Des.JOSE CLAUDIO NOGUEIRA CARNEIRO ÓrgãoJulgador : 2ª CÂMARA CÍVEL)

* * *

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“EMENTA: CONSTITUCIONAL E TRIBUTÁRIOAPREENSÃO DE MERCADORIAS -CONTRIBUINTE IDÔNEO - ILEGITIMIDADE.I - Constitui prática ilegítima, por inconstitucionalidade,caracterizando verdadeira sanção política, aapreensão de mercadorias de contribuinte regular,conforme emerge de sedimentada jurisprudência,inclusive do SUPREMO TRIBUNAL FEDERALcorporificada nas Sumulas 70, 323 e 547.II - Como qualquer outro ato de interdição da atividadedo administrado, a apreensão de mercadoria parase legitimar, depende de prévio e específicoprocedimento de apuração das causas provocadorasdo risco aos interesses públicos e a dimensão de talrisco a justificar o sacrifício dos direitos doadministrado.III - Remessa Oficial e Recurso Apelatório conhecidose desprovidos”.(2000.0015.8102-4/0 Apelação CívelRelator: Desa. GIZELA NUNES DA COSTA ÓrgãoJulgador : 2ª CÂMARA CÍVEL)

Com relação à extinção do processo sem julgamentode mérito por força do art. 267, IV do CPC, não agiu com ocostumeiro acerto a julgadora monocrática.

Indubitavelmente, a liminar no presente writ pode edeve ser, nos devidos casos, de cunho satisfativo. A vedaçãolegal existente sobre o conteúdo da dita tutela de urgência éinserida somente no processo cautelar, pois este é dotado decunho protetivo, garantidor da efetividade do processo principal,donde explica-se tal restrição. Assim, a efetivação da medidaprovisória concedida initio litis não implica em extinção doprocesso sem julgamento de mérito, questão esta, aliás,pacificada na doutrina e na jurisprudência pátria.

Deste modo, impõe-se a aplicação da teoria dacausa madura (art. 515, §3º do CPC) e, nesta esteira depensamento veja-se o excelente julgado da lavra da insigneMinistra Laurita Vaz:

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“Presentes os pressupostos estabelecidos no §3º,do art. 515 do CPC, aplica-o por analogia ao recursoordinário de mandado de segurança, apreciando-se,portanto, desde logo o mérito da impetração”. (STJ-4ª Turma, RMS 17.891, rel. Min. Laurita Vaz, j.28.8.2004, DJU 13.9.2004, p. 264)

Por tais razões, conheço da apelação negando-lheprovimento, declarando, nos termos da súmula 353 do STF,inadmissível a apreensão de mercadoria como meio coercitivopara o pagamento de tributo.

É como voto.

Fortaleza, 04 de abril de 2007.

***

ESTADO DO CEARÁPODER JUDICIÁRIO

TRIBUNAL DE JUSTIÇA

PROCESSO Nº 2005.0001.6104-9/1APELAÇÃO CÍVEL E REEXAME NECESSÁRIOAPELANTE: INSS - INSTITUTO NACIONAL DO SEGUROSOCIALAPELADA: ELEUZINA RODRIGUES DE LIMAÓRGÃO JULGADOR: 3ª CÂMARA CÍVELRELATOR: DES. CELSO ALBUQUERQUE MACÊDO

EMENTA: APELAÇÃO CÍVEL. REEXAMENECESSÁRIO. REVISÃO DE PENSÃOPREVIDENCIÁRIA. DECISÃO EXTRA PETITA.INOCORRÊNCIA. PENSÃO POR MORTE.ACIDENTE DE TRABALHO. ART. 75, DA LEI 8.213/91. NOVA REDAÇÃO DADA PELA LEI 9.032/95.PERCENTUAL DE 100%. APLICAÇÃO.SENTENÇA MANTIDA. JURISPRUDÊNCIA DO

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STJ. PRECEDENTES. APELAÇÃO CONHECIDAE NÃO PROVIDA. REMESSA NECESSÁRIAEFETIVADA.1. “A SENTENÇA É EXTRA PETITA, E NULA,SEMPRE QUE O JUIZ APRECIA PEDIDO OUCAUSA DE PEDIR DISTINTOS DAQUELESAPRESENTADOS PELO AUTOR NA INICIAL,ISTO É, QUANDO HÁ PRONUNCIAMENTOJUDICIAL SOBRE ALGO QUE NÃO FOI PEDIDO”.(GONÇALVES, MARCUS VINICIUS RIOS. NOVOCURSO DE DIREITO PROCESSUAL CIVIL. VOL.2. SÃO PAULO: SARAIVA, 2005).2. “O ARTIGO 75 DA LEI 8.213/91, NA REDAÇÃODA LEI 9.032/95, DEVE SER APLICADO EMTODOS OS CASOS, ALCANÇANDO OSBENEFÍCIOS PREVIDENCIÁRIOS, INDEPEN-DENTEMENTE DA LEGISLAÇÃO VIGENTE, ÀÉPOCA EM QUE FORAM CONCEDIDOS. ESSAORIENTAÇÃO, CONTUDO, NÃO TRADUZAPLICAÇÃO RETROATIVA DA LEI MODERNAMAS, SIMPLESMENTE, SUA INCIDÊNCIAIMEDIATA. PRECEDENTES”. (STJ. MINISTROGILSON DIPP. AGRG NO AG-602.187, DJ DE29.11.04).3. CONHEÇO DO RECURSO DE APELAÇÃO,MAS NEGO-LHE PROVIMENTO, EFETIVANDO OREEXAME NECESSÁRIO DA SENTENÇARECORRIDA, PARA CONFIRMÁ-LA IN TOTUM.

ACÓRDÃO:

Vistos, relatados e discutidos os presentes autos deApelação Cível de Fortaleza nº. 2005.0001.6104-9/1, em que sãopartes os acima nominados, acorda a Turma Julgadora daTerceira Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Estado do Ceará,à unanimidade de votos, em CONHECER DO RECURSOVOLUNTÁRIO, MAS PARA NEGAR-LHE PROVIMENTO,

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efetivando o REEXAME NECESSÁRIO DA SENTENÇARECORRIDA, para confirmá-la in totum.

RELATÓRIO

Trata-se de REMESSA NECESSÁRIA E APELAÇÃOCÍVEL interposta pelo INSS - Instituto Nacional do SeguroSocial, contra sentença que julgou procedente o pleito inauguralrealizado nos autos da Ação Previdenciária, determinando oenquadramento legal do benefício previdenciário à redaçãooriginal da Lei 8.213/91, condenando o requerido, INSS, areadequar as diferenças do benefício auxílio-acidente do períodopago a menor para a promovente, ELEUZINA RODRIGUES DELIMA, nos cinco anos anteriores ao ajuizamento da referida ação,baseando o cálculo no valor equivalente a 10(dez) saláriosmínimos, com aplicação do IGP-DI, Súmula 148 do STJ eincidência de juros moratórios à base de 12% ao ano.

O apelante, irresignado com o decisum prolatado,interpõe Apelação de fls. 36/40, alegando, preliminarmente, quea sentença recorrida concedeu pretensão diversa da requerida.Sustenta que inexiste retroação da lei posterior mais benéfica,estando o ato administrativo concessor do benefício revestidoda condição imutável de ato jurídico perfeito. Pugna pela nulidadeda sentença, por considerá-la “extra petita”. Pleiteia a inversãodo ônus da sucumbência com fixação no patamar de 5% sobreo valor da causa.

Contra-razões apresentadas às fls. 42/48, nas quaisa parte recorrida reitera os fundamentos expendidos na exordial.

Com vista, a PGJ, fls. 57/61, esmerou manifestaçãode mérito, opinando pela manutenção in totum da sentença, porencontrar-se esteada em orientação jurisprudencial do SuperiorTribunal de Justiça.

É o relatório.Revistos na forma do art. 34 do Regimento Interno

deste Tribunal.

VOTO PRELIMINAR

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Inicialmente, presentes os requisitos deadmissibilidade, conheço do presente recurso e da remessanecessária.

Defiro o pedido da justiça gratuita requerido pelaautora (fl. 05), já que não fora apreciado anteriormente pelo Juízoa quo.

Ad argumentandum tantum, ressalte-se que, diantedo disposto no art. 475 do CPC, a sentença proferida contraautarquia está sujeita ao duplo grau de jurisdição, não produzindoefeito antes de reexaminada e confirmada pelo tribunal, devendoo juiz de 1º grau recorrer oficialmente, ordenando a remessados autos à superior instância, independentemente do recursovoluntário.

A Apelada, titular do benefício de PENSÃO porMORTE, (nº 71.027.650-8) desde 1979, ano do falecimento doseu esposo, sustenta não ter o INSS reajustado o valor de suapensão para o patamar de 100% do salário de benefício, conformeo dispositivo da Lei nº 9.032/95, com efeitos financeiros incidentesa partir de 28 de abril de 1995.

O órgão previdenciário apelante, insurge-se quantoà revisão do benefício da apelada concedido pelo Juízo a quo,certificando que já se efetivou entre as partes o ato jurídicoperfeito. Assevera que a sentença é extra petita, devendo serdeclarada nula.

Ab initio, destaco que não há que se cogitar acercade julgamento extra petita, suscitado pela parte recorrente àsfls. 37/40.

Destaca o Apelante que o Juízo a quo equivocou-sena fundamentação do decisum recorrido, tendo condenado aAutarquia Federal (INSS) à revisão de um benefício diverso dopretendido.

A Douta Procuradoria Geral de Justiça,esquadrinhou, com acerto, acerca da pretensão do apelantereferente à nulidade da sentença, por considerá-la extra petita,in litteris:

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“Aprioristicamente, no que tange à preliminar denulidade da sentença monocrática por ocasião desuposto julgamento extra petita, entende-se queessa não merece prosperar.Ao confrontar-se a parte dispositiva da sentença como pedido exordial emanado da peça pórtico, vê-setotal similitude entre os dois textos, tendo sido o r.decisum exarado em perfeita sintonia e em totalconsonância com as fronteiras estabelecidas nopleito inaugural. Além do que, o instituto apelante nãoexplicitou em que ponto a sentença julgou a mais,vale dizer, concedeu maiores direitos que osefetivamente clamados pelarequerente;demonstrando ser, o argumentocombativo, mera defesa genérica, a qual não é aceitapelo nosso ordenamento jurídico”.(fls. 57/61). (grifei).

O mestre Marcus Vinicius Rios Gonçalves, na suaobra “Novo Curso de Direito Processual Civil”, publicada pelaEditora Saraiva, bem leciona sobre o tema, in verbis:

“A sentença é extra petita, e nula, sempre que ojuiz aprecia pedido ou causa de pedir distintosdaqueles apresentados pelo autor na inicial, istoé, quando há pronunciamento judicial sobre algoque não foi pedido”. (GONÇALVES, MarcusVinicius Rios. Novo curso de direito processual civil.Vol. 2. São Paulo: Saraiva, 2005).

Deste modo, consagra-se acertado o julgado deprimeira instância, já que deferiu o pleito de revisão do benefícionos exatos limites do exposto na inicial, não alterando suanatureza, tendo sido aplicado valores compatíveis com ospadrões admitidos na legislação pátria.

Assim, não vinga a censura do apelante de que asentença proferida deve ser nula, utilizando-se exclusivamentede uma sustentação imprecisa, quando em verdade, até mesmo

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uma singela alteração do fundamento jurídico da inicial não seriacapaz de gerar uma possível sentença “extra petita”.

É como voto.

VOTO DE MÉRITO

Passo à análise meritória, referente à retroatividadedos efeitos da Lei Previdenciária.

Irrefragável que a apelada recebe pensão beneficiáriadecorrente da morte de seu cônjuge, desde 1979. Com o adventoda Lei 8.213/91, em seu artigo 75, alterou-se a redação antesestabelecida quanto ao valor do benefício, conforme transcrevo:

“Art. 75. O valor mensal da pensão por morteserá:a) constituído de uma parcela, relativa à família,de 80% (oitenta por cento) do valor daaposentadoria que o segurado recebia ou a queteria direito, se estivesse aposentado na data doseu falecimento, mais tantas parcelas de 10% (dezpor cento) do valor da mesma aposentadoriaquantos forem os seus dependentes, até omáximo duas.b) 100% (cem por cento) do salário - de - benefícioou do salário - de contribuição vigente no dia doacidente, o que for mais vantajoso, caso ofalecimento seja conseqüência de acidente dotrabalho”.

Entretanto, a Lei 9.032/95 imprimiu ao art. 75, daLei 8.213/91, a seguinte modificação:

“Art. 75 - o valor mensal da pensão por morte,inclusive a decorrente de acidente do trabalhoconsistirá numa renda mensal correspondentea 100% (cem por cento) do salário - de - benefício,observado o disposto na Seção III, especialmente

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no art. 33 desta Lei”.

Da dessemelhança entre tais dispositivos, fácilperceber as alterações sofridas, quais sejam: a) igualdade detratamento para a pensão por morte, independentementefosse esta sucedida de morte por acidente de trabalho, queseria o caso in examine, ou de acontecimento morte emqualquer hipótese; b) significativa ampliação do percentualde cálculo do benefício para 100% (cem por cento).

O juízo singular, em decisão de mérito (fls.24/33),julgou procedente o pleito inicial, readequando oenquadramento legal do benefício previdenciário à redaçãooriginária da Lei 8.213/91, condenando a requerida a pagar aopromovente as diferenças do benefício auxílio-acidente doperíodo pago a menor, nos cinco anos anteriores ao ajuizamentoda ação previdenciária. Fundamentou a decisão conforme sedemonstra, in verbis:

[...]Da aplicação retroativa da Lei nº 8.213/91.A matéria em exame ainda não se encontrasedimentada no âmbito do Superior Tribunal deJustiça. Entretanto, o reitor do presente cadernoprocessual considera admissível o reconhecimentoda retroatividade da lei mais benéfica em favor daparte que usufruiu de benefício previdenciário, muitoembora o evento (suporte fático) tenha transcorridodurante a vigência da lei pretérita.[...]Na esteira deste raciocínio, entendo que a LeiPrevidenciária mais benéfica também possa seraplicada àquelas situações anteriores a sua vigênciae que já se encontram consolidadas. Assim, entendonecessário amoldar-se o benefício previdenciárioanteriormente concedido à legislação previdenciáriaentão em vigor”.No tocante à admissão da retroatividade mínima,

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devo enfatizar que a jurisprudência do STF é cediçaem acatá-la, desde que, respeitado o ato jurídicoperfeito, a coisa julgada e o direito adquirido (art. 5º,inciso XXXVI da CF/88)”.

O Apelante, às fls. 36/40, sustenta que:

“Como se nota a fundamentação subjacente àpretensão deduzida ora atacada é a de que háretroação de efeitos da Lei Previdenciária com totaldesprezo ao próprio conceito-fundamento dePrevidência Social que supõe necessidade desuporte em projeção atuarial e pré-existência de fontede custeio.Ora, é sabido que os benefícios previdenciários sãoconcedidos segundo a lei de regência da época(tempus regit actum), a não ser que a leiexpressamente determine essa abrangênciaretroativa.

Sendo assim, por óbvio, o INSS cumpriu a Lei econcedeu o benefício da autora segundo aquelesditames. Tal ato administrativo concessor dobenefício, portanto, reveste-se da condição imutávelde ato jurídico perfeito, sendo mesmo inusitado queagora se venha discutir sua desconstituição, nosmoldes pretendidos pela parte autora.Tem-se, assim, que, desde que seja possível serinstaurada a relação jurídica, deve a mesma reger-se pela lei à época vigente, segundo o princípiotempus regit actum, sendo inoperantes todas asalterações legislativas posteriores, sejam elasmenos ou mais benéficas para o sujeito ativo, amenos que, evidentemente, a lei posterior contenhaprevisão de aplicação a situações fáticas pretéritas,circunstância inocorrente na hipótese”.

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Com acerto o posicionamento do MM. Juiz a quo, aoreconhecer, no que tange à retroatividade da lei, que o novotexto da norma terá efeito imediato e geral, alcançando asrelações jurídicas que lhe são anteriores.

Não há que se falar em agressão ao ato jurídicoperfeito, conforme concluiu a autarquia apelante, por serem osbenefícios previdenciários de trato sucessivo, ou seja, possuemvigência de lei nova e mais benéfica ao segurado, devendo haverimediata aplicação para atingir os benefícios que já lhe foramassegurados anteriormente.

Reporto-me ao parecer da PGJ, fl. 57/61, referindo-se sobre a aplicação imediata da lei nova mais benéfica, in litteris:

“Iniciando-se a análise do meritum causae, aocotejar-se o comando normativo trazido pelo art.75 da Lei nº 8.213/91, alterada pela Lei nº 9.528/97, com o posicionamento mais recente doSuperior Tribunal de Justiça, depreende-se quenão se trata de retroatividade da lei maisbenéfica, mas antes, de aplicação imediata da leiprevidenciária nova a todas as situações por elaalbergadas, inclusive aos casos já sedimentados;ressalvado o respeito ao ato jurídico perfeito, aodireito adquirido e à coisa julgada, previstos noart. 5º, inciso XXXVI, da Lex Legum.(...)Assim resta evidente que a aplicação imediataao caso em destrame da lei supramencionada,nova e mais benéfica, não implica nenhumaofensa aos institutos acima transcritos, mas,sim, torna possível sua incidência sobre todosos benefícios de pensão por morte,indistintamente, não importando se foramconcedidos em conformidade com lei anteriormenos benéfica, pois, o relevante é sua aplicaçãogeral e imediata, nos moldes acima delineados.

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O julgado do Ministro Gilson Dipp, ao decidir oAgravo Regimental nº 602.187, possui a seguinte Ementa econteúdo, in litteris:

“EMENTA: PREVIDENCIÁRIO E PROCESSUALCIVIL. RECURSO ESPECIAL. LIMITESNORMATIVOS. APRECIAÇÃO DE MATÉRIACONSTITUCIONAL. INADEQUAÇÃO DA VIAELEITA. PENSÃO POR MORTE. REAJUSTE.APLICAÇÃO DA LEI MAIS BENÉFICA. ARTIGO75, COM REDAÇÃO DA LEI 9.032/95. INCIDÊNCIAIMEDIATA. PRECEDENTES. AGRAVO INTERNODESPROVIDO.I- É vedado a esta Corte, em sede de recursoespecial, adentrar ao exame de pretensa violação adispositivos constitucionais, cuja competênciaencontra-se adstrita ao âmbito do Supremo TribunalFederal, conforme prevê o art. 102 da Carta Magna,ao designar o Pretório Excelso como seu guardião.Neste contexto, a pretensão trazida no especialexorbita seus limites normativos, que estãoprecisamente delineados no art. 105, III, daConstituição Federal.II- A teor da uníssona jurisprudência desta Corte,em se tratando de benefício acidentário, alegislação moderna, mais benéfica ao segurado,tem aplicação imediata. Alcança, inclusive, oscasos já concedidos ou pendentes de concessão.Precedentes.III- O artigo 75 da Lei 8.213/91, na redação da Lei9.032/95, deve ser aplicado em todos os casos,alcançando os benefícios previdenciários,independentemente da legislação vigente, àépoca em que foram concedidos. Essaorientação, contudo, não traduz aplicaçãoretroativa da lei moderna mas, simplesmente,sua incidência imediata. Precedentes.

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IV- Agravo Interno desprovido.(AgRg no Ag-602.187, Ministro Gilson Dipp, DJ de29.11.04).

No mesmo sentido o entendimento do MinistroVicente Leal, no julgado do Eresp nº 311.302-AL, verbis:

“EMENTA: RECURSO ESPECIAL. BENEFÍCIOPREVIDENCIÁRIO. PENSÃO POR MORTE.RETROATIVIDADE DA LEI NOVA MAISBENÉFICA. LEIS Nº 8.213/91 E 9.032/95.POSSIBILIDADE.(...)“É cediço que a lei previdenciária, de carátereminentemente social, destina-se a proteger ossegurados, assegurando-lhes o direito àpercepção de benefícios que se constituem demeios indispensáveis à sua manutenção emrazão de incapacidade, desempregoinvoluntário, idade avançada, tempo de serviço,encargos familiares e prisão ou morte daquelesde quem dependiam economicamente.O legislador, ao alterar o percentual do benefício,o faz para adequá-lo aos novos padrões da vidasocial. Sendo a norma de direito público, devecomportar interpretação extensiva, não havendoamparo para perpetrar uma discriminação entrebenefícios concedidos em datas distintas,quando a situação jurídica é rigorosamenteidêntica.Assim, embora o tempus regit actum seja a regrageral para disciplinar as relações jurídicas, tenhoque, na hipótese, as Leis 8.213/91 e 9.032/95, porconterem normas gerais de concessão debenefícios, devem tutelar a todos os beneficiáriosda previdência, sem exceção, sem que se alegueagressão a direito adquirido ou ato jurídico

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perfeito.”(STJ. Recurso Especial nº 410.147/RS. MinistroVicente Leal. Julgado em 23.03.2002).

Paul Roubier, citado pelo Ministro HamiltonCarvalhido no julgado dos Edcl no AgRg nº 617.758/SP, a propósitodo tema, assim elucida, in litteris:

“(...)A lei nova respeita todos os efeitos jurídicosproduzidos no passado, porém comanda sozinhae sem divisão futura, desde o dia de suapromulgação. Falamos aqui de efeito imediato,porque a lei nova não sofre mais a manutençãoda lei antiga, mesmo nas situações jurídicasnascidas ao tempo em que esta estava em vigor,de forma que se trata de efeitos jurídicosproduzidos por estas situações após suapromulgação.O efeito imediato da lei deve ser consideradocomo a regra ordinária: a nova lei se aplica, desua promulgação, a todos os efeitos queresultarão nos futuros casos jurídicos nascidosou a nascer. Por consequência, em princípio, alei nova deve se aplicar imediatamente desde odia fixado por sua vigência segundo a teoria dapublicação das leis”(Paul Roubier, Les Conflits de Lois Dans Le Temps,volume I, p. 9, Librairie Du Recueil Sirey, Paris, 1929,apud Hamilton Carvalhido, STJ. Edcl. No AgRg noAgravo de Instrumento nº 617.758/SP- julgado em20/09/2005). (Tradução Própria).

No caso dos autos, não restam dúvidas dapossibilidade da incidência da nova lei, combatida e suscitadapelo Apelante.

Não merecem prosperar os argumentos da

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recorrente, à vista de que a matéria já foi copiosamente discutidanesta Corte, corroborando a possibilidade da aplicaçãoimediata de lei mais benéfica ao segurado, não importandoa data de concessão da vantagem pecuniária.

A propósito, reporto-me ao voto do DesembargadorAntônio Abelardo Benevides Moraes, no julgamento da ApelaçãoCível nº 2000.0134.0184-0/1, datado de 21/05/2007, in verbis:

“EMENTA: PROCESSUAL E PROVIDÊNCIÁRIO.APELAÇÃO CÍVEL. REEXAME NECESSÁRIO.DUPLO GRAU DE JURISDIÇÃO. AÇÃOORDINÁRIA. INSS. REVISÃO DE BENEFÍCIO.PENSÃO POR MORTE. LEI NOVA MAISBENÉFICA. INCIDÊNCIA. POSSIBILIDADE.SENTENÇA MANTIDA.1. Versando a causa contra ente autárquicofederal, mesmo não trazendo expressamente nasentença recorrida a remessa necessária,imprescindível o reexame da questão peloTribunal, em observância ao princípio do duplograu de jurisdição previsto no art. 475, I do CPC,bem como para atribuir eficácia a decisão.2. Em razão do caráter protetivo das normasprevidenciárias, deve a lei nova mais vantajosaincidir não só aos benefícios pendentes oufuturos, mas a todos os segurados,independentemente da lei que vigia à época dofato gerador do benefício, não se configurandoretroatividade da lei, mas sim sua incidênciaimediata alcançando todos os casos.Precedentes do STJ.3. Recurso e remessa conhecidos e desprovidos.(TJCE. Apelação Cível, nº 2000.0134.0184-0/1.RELATOR DES. Antônio Abelardo Benevides deMoraes. Jugado em 21/05/2007. (grifo não-original).

Do mesmo modo, o entendimento do Tribunal de

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Justiça do Rio Grande do Sul, no julgado nº 70017212663, inlitteris:

“EMENTA: APELAÇÃO E REEXAMENECESSÁRIO. INSS. PROCURADORCREDENCIADO. CONHECIMENTO DORECURSO. Matéria superada por esta ColendaCâmara que admite a ratificação dos atos doprocurador credenciado pelo procuradorautárquico. Precedentes TRF4.REVISÃO DA PENSÃO POR MORTE.APLICAÇÃO DE LEI MAIS BENÉFICA. O artigo75 da Lei nº 8.213/91, com redação dada pela Leinº .9.032/95, que elevou o percentual da pensãopor morte acidentária a 100% do salário-de-benefício, tem incidência imediata, sendoaplicável às pensões concedidas antes de suaedição. Precedentes do STF, STJ e desta Corte.ATUALIZAÇÃO MONETÁRIA. As prestaçõesvencidas deverão ser atualizadas pelo IGP-DI,desde o vencimento de cada uma, em razão danatureza alimentar do benefício. Os juros demora, de 1% ao mês, incidem a contar da citaçãoválida.(...)APELO VOLUNTÁRIO CONHECIDO EIMPROVIDO. SENTENÇA PARCIALMENTEREFORMADA, EM REEXAME NECESSÁRIO.UNÂNIME.(TJRS. APELAÇÃO CÍVEL Nº 70017212663. NONACÂMARA CÍVEL. DES. RELATOR TASSO CAUBISOARES DELABARY. JULGADO EM 29.11.2006.)

Vale averbar, em remate, que perfilho o entendimentomajoritário do SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA,entendendo que o julgador deve aplicar imediatamente a leiposterior que seja mais benéfica ao segurado.

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Ante o exposto, considerando os precedentes doSuperior Tribunal de Justiça, legislação específica eentendimento doutrinário, voto pelo CONHECIMENTO DORECURSO VOLUNTÁRIO, MAS PARA NEGAR-LHEPROVIMENTO, efetivando o REEXAME NECESSÁRIO DASENTENÇA RECORRIDA, para confirmá-la in totum.

Fortaleza, 28 maio de 2007.

***

ESTADO DO CEARÁPODER JUDICIÁRIO

TRIBUNAL DE JUSTIÇA

Apelação Cível nº 2005.0003.9247-4/1Apelante: MUNICÍPIO DE BOA VIAGEMApelantes:ERINETE ALVES DA SILVA, ÉDINA DA SILVA VIEIRA,ELIENE FERREIRA MACIEL BRASIL, ISABEL FERREIRALIMA, JURANDIR BATISTA CARNEIRO FILHO e LUCILDAMAIA ROCHAApelados: os mesmos apelantesRelator: Des. Ademar Mendes Bezerra

EMENTA. ADMINISTRATIVO. APELAÇÕESCÍVEIS. SUCUMBÊNCIA RECÍPROCA.NOMEAÇÃO DE SERVIDORES APROVADOS EMCONCURSO PÚBLICO ÀS VÉSPERAS DEACABAR O MANDATO. CONCESSÃO DEINCORPORAÇÃO DE GRATIFICAÇÕES POREXERCÍCIO DE CARGOS COMISSIONADOSPELO CÔMPUTO DE SETE ANOS. PREVISÃOEM LEI MUNICIPAL. EDIÇÃO DE PORTARIASPELO PREFEITO SUBSEQUENTE, ANULANDOOS ATOS DE INCORPORAÇÃO. INEXISTÊNCIADE PROCESSO ADMINISTRATIVO, EM QUE SEOBSERVE A DISPONIBILIZAÇÃO DOSPRIMADOS DA AMPLA DEFESA E DO

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CONTRADITÓRIO. SUPREMACIA DOINTERESSE PÚBLICO. IMPOSSIBILIDADE.NULIDADE INSANÁVEL.-Ainda que sobreleve motivos para rever o atoadministrativo de declaração de incorporação degratificação, prevista em lei municipal, imperiosoque o ente público atue de modo a permitir,previamente, a observância dos princípiosconstitucionais do contraditório e ampla defesa,com os meios e recursos a elas inerentes.-Dessa forma, o tratamento da municipalidade desimplesmente editar sucessivas Portarias paraanular atos da gestão anterior, mesmo quemotivadamente, afronta o art. 5º, incisos LIV eLV, da Constituição Federal.-Apelação dos impetrantes conhecida eparcialmente provida e recurso voluntário doMunicípio improvido.

ACÓRDÃO:

Vistos, relatados e discutidos os presentes autos doprocesso nº 2005.0003.9247-4/1, em que figuram as partes acimaidentificadas.

Acorda a Segunda Câmara do Egrégio Tribunal deJustiça do Ceará, à unanimidade, negar provimento à apelaçãodo Município e dar parcial provimento ao recurso dos impetrantes,nos termos do Voto do Relator.

Fortaleza, 7 de fevereiro de 2007.

RELATÓRIO:

Tratam os autos de apelações cíveis interpostas porMunicípio de Boa Viagem e, de outro lado, Erinete Alves da Silva,Édina da Silva Vieira, Eliene Ferreira Maciel Brasil, Isabel FerreiraLima, Jurandir Batista Carneiro Filho e Lucilda Maia Rocha, em

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face da sentença proferida no Juízo de Boa Viagem que, nosautos do Mandado de Segurança nº 2005.0003.9247-4, concedeuparcialmente a ordem, reconhecendo o direito ao recebimentodas gratificações e vantagens dos cargos comissionadosrespectivos (sentença proferida às fls. 291/299).

O Município de Boa Viagem apresentou recurso deapelação, por meio do qual defende que as despesas compessoal da Prefeitura, no exercício de 2004, excederam os limitesda Lei de Responsabilidade Fiscal, haja vista que referida lei limitao gasto máximo com pessoal do Poder Executivo em 54%(cinqüenta e quatro por cento) da receita corrente líquida.

Ademais, o prefeito à época concedeu incorporaçãode gratificações aos vencimentos dos impetrantes, pelo exercíciode cargos em comissão, nos moldes da “Lei Geni”, beneficiandoaté servidores recém-nomeados, e que os atos praticados pelogestor nos últimos 180 dias do mandato são nulos.

Entendendo estar diante de nulidade de pleno direito,o sucessor na máquina administrativa municipal editou portariasdeclarando a nulidade dos atos de incorporações, utilizando,como fundamento, o art. 169, da Constituição Federal, os artigos21 e 42, da Lei Complementar Federal nº 101/2000 e a Súmula473 do Supremo Tribunal Federal.

Aduz o Município que a sentença deve ser modificadana parte atinente à incorporação de gratificação aos vencimentosdos recorridos.

Além disso, entende pacífico o raciocínio segundo oqual é dado à Administração anular seus próprios atos quandoeivados de nulidade insanável, e que, demonstrada a ilegalidade,não é exigido procedimento especial com participação dosservidores, uma vez que a nulidade é conseqüência dailegalidade, bastando que o ato administrativo seja fundamentado.

Os servidores interpuseram também recursovoluntário, tendente à modificação da parte em que sucumbiram,no qual sustentam a nulidade dos atos da municipalidade,quando suprimiram a incorporação da gratificação dos servidoresainda não efetivos, pois “onde a lei não distingue não cabe aointérprete fazê-lo” (fls. 324/327).

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As respectivas contra-razões do Município e dosservidores repousam à fl. 335/339 e 340/343, respectivamente.

Chamada a intervir na função de custos legis, o ilustrerepresentante da Procuradoria Geral de Justiça exarou parecerde mérito (fls. 353/354), opinando pelo improvimento dosrecursos apelatórios, para manter incólume a sentença denatureza mandamental.

É o relatório.

VOTO:

A discussão dos presentes recursos diz respeitocom a extinção da incorporação de gratificações por exercíciode cargos comissionados e funções gratificadas, através dePortarias declarando a nulidade dos atos administrativos.

No caso concreto, sucessivas portarias anularam,sem qualquer processo administrativo ou oportunidade dedefesa, os atos realizados por gestor anterior, os quaisreconheceram a incorporação de gratificações a servidoresefetivos daquela municipalidade.

O juízo prolator da decisão recorrida decidiu pelaconcessão da ordem somente àqueles servidores efetivos quelograram comprovar, com prova pré-constituída, suasnomeações como ocupantes de cargos efetivos, funções deconfiança e comissionados, bem como o tempo necessário àincorporação da vantagem almejada.

Inicialmente, convém destacar que no Poder público,ao contrário das pessoas jurídicas de direito privado semqualquer vínculo com a Administração, é determinante aobservância dos primados do concurso público, salvo exceçõesconstitucionais, realização prévia de licitação, cujo procedimentovem fielmente previsto em veículo normativo, e padronização naconduta quanto aos gastos públicos.

O cargo político, outorgando a gerência da máquinaadministrativa não se traduz, em hipótese, na transferência livree desimpedida na tomada de decisões respeitantes ao aparelhopúblico. O governante empossado na vigência da Constituição

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de 1988, das Leis de Licitações e Contratos Administrativos ede Responsabilidade Fiscal, deve muito mais ser voltado paraos requisitos legais do ato administrativo e menos para adiscricionariedade regrada.

Nesse contexto, entendo que agiu com acerto asentença monocrática no que tange ao reconhecimento daimpossibilidade do desfazimento de ato sem prévia defesa dosinteressados.

Na verdade, muito embora tenha sua Excelência, oPrefeito de Boa Viagem, em tese, motivos plausíveis e bastantespara se dignar a discutir as nomeações efetuadas por seuantecessor, a ordem constitucional vigente impede quedesfazimento de atos administrativos que interfiram na esferade direito de terceiros se dêem unilateralmente, sem qualquerchance de reação por parte destes.

Os princípios da ampla defesa e do contraditório nãoestão ligados apenas aos processos judiciais, devendo serobservados com mesmo respeito nas instâncias administrativas,conforme dicção expressa da Constituição Federal, para quem“aos litigantes, em processo judicial ou administrativo, e aosacusados em geral são assegurados o contraditório e a ampladefesa, com os meios e recursos a ela inerentes” (art, 5º, LV).

No caso concreto, sob color de “nulidade de plenodireito” dos atos de nomeação, realizados às vésperas de deixaro mandato, e das incorporações sem critério, o atual PrefeitoMunicipal simplesmente baixou tantas Portarias quanto entenderasuficientes para desfazer os atos narrados, vindo a conhecimentodos servidores apenas a publicação, no órgão respectivo, dosdesfazimentos das incorporações.

Através de Portaria, anulou os atos de seuantecessor, em total alvedrio dos servidores prejudicados.

Ora, a medida vai de encontro às premissas básicasde ampla defesa, sendo imprestável, na minha ótica, a gerarefeitos no mundo jurídico, exatamente por padecer do mesmomal que pretendia resolver, qual seja, a absoluta nulidade.

Não vinga o argumento segundo o qual aadministração poderia declarar, spont propria, a nulidade do ato,

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bastando que o fizesse fundamentadamente.Em primeiro lugar, a motivação das decisões

administrativas, de status constitucional, não se confunde como princípio da ampla defesa real, igualmente previsto na CartaPolítica, sendo certo que, sem uma ou outro, o ato administrativoruirá por afronta às suas basilares características.

O fato da Administração ter o dever de fundamentarsuas decisões, indicando a correlação lógica entre o evento e aprovidência tomada, a fim de se verificar a obediência do atoadministrativo com a lei que lhe deu amparo, não a impede, sójustifica que, além disso, ocorra a disponibilidade de ampla defesae do contraditório.

Ademais, embora seja indiscutível que o ente possaanular seus próprios atos quando eivados de nulidade ou revogá-los quando inconvenientes ou inoportunos, tal poder não o isentada constante observância aos princípios da legalidade,moralidade, publicidade, economicidade, eficiência, motivação,ampla defesa, dentre outros.

Celso Antônio Bandeira de Mello realizou felizcompilação sobre a matéria:

“Demais disso, como anota Carlos RobertoSiqueira Castro: ‘Do campo processual penal ecivil a garantia do devido processo legalalastrou-se aos procedimentos travados naAdministração Pública, impondo a esses rigorosaobservância dos princípios da legalidade e damoralidade administrativa. Por sua crescente eprestigiosa aplicação, acabou por transformar-se essa garantia constitucional em princípiovetor das manifestações do Estadocontemporâneo e das relações de toda ordementre o Poder Público, de um lado, e a Sociedadee os indivíduos de outro’....Na mesma linha de idéias, vale colacionaralgumas judiciosas averbações da eminente

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publicista Cármen Lúcia Antunes Rocha: ‘Oprocesso reflete uma forma de convivênciaestatal civilizada dos homens; elas delimitamespaços de ação e modos inteligíveis decomportamento para que a surpresa permanentenão seja um elemento de tensão constante dohomem em seu contato com o outro e em suabusca de equilíbrio na vivência com o outro e,inclusive, consigo mesmo. E, pouco além: ‘Foradaí, não há solução para a barbárie e para adescrença no Estado. Sem confiança nasinstituições jurídicas, não há base para a garantianas instituições políticas. O processo é, pois,uma garantia da democracia realizável peloDireito, segundo o Direito e para uma efetivajusticiabilidade’” (Curso de Direito Administrativo,Malheiros, 14ª Edição, pág. 100, sem grifos naorigem).

Não se justifica o modus operandi da Prefeitura, noque diz ao desfazimento dos atos de incorporação dosimpetrantes já determinados por gestão passada, sem lhesfavorecer qualquer meio de defesa prévia ou concomitante.

O Superior Tribunal de Justiça abona o entendimento:

“RECURSO ADMINISTRATIVO EM MANDADO DESEGURANÇA. ADMINISTRATIVO. SERVIDORPÚBLICO MUNICIPAL. CONCURSO PÚBLICO.EXONERAÇÃO. INOBSERVÂNCIA DOSPRINCÍPIOS DA AMPLA DEFESA E DOCONTRADITÓRIO. ILEGALIDADE. PRECE-DENTES DO STJ. AGRAVO INTERNODESPROVIDO.I - Não é lícito ao ente público desconsiderar oato de posse e o efetivo exercício das funçõespor parte dos impetrantes que, mesmoaprovados em concurso público promovido pela

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própria Administração Municipal, foramsumariamente exonerados sem que fosse aesses garantidos o contraditório e a ampladefesa através de procedimento administrativoválido.II - A Administração Pública tem o poder de anularseus próprios ato, de ofício, quando eivados deilegalidade, conforme entendimentoconsubstanciado no enunciado sumular nº 473do Supremo Tribunal Federal. Todavia, apossibilidade de revisão de seus próprios atosquando viciados ou por conveniência eoportunidade não a autoriza a desconsiderarsituações constituídas que repercutam noâmbito dos interesses individuais dosadministrados sem a observância do devidoprocesso legal.III - Este Superior Tribunal de Justiça, ao apreciarcasos análogos ao presente, consolidouentendimento no sentido de que a exoneraçãode servidores concursados e nomeados paracargo efetivo, ainda que em estágio probatório,deve ser efetuada com observância do devidoprocesso legal e do princípio da ampla defesa.Precedentes.IV - Agravo interno desprovido” (AgRg no RMS21078 / AC; AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSOEM MANDADO DE SEGURANÇA 2005/0204160-4,Ministro GILSON DIPP, T5 - QUINTA TURMA, DJ28.08.2006 p. 298. Fonte: site oficial do SuperiorTribunal de Justiça).

Por outro lado, mister o enfrentamento do segundocapítulo da sentença devolvido a este Tribunal, respeitante àpossibilidade da incorporação integral da gratificação derepresentação, baseada no art. 1º, da Lei nº 540/91.

É o texto da lei:

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“Art. 1º. Os servidores públicos municipaisocupantes de cargos de provimento emcomissão que contém, no mínimo, sete anos,ininterruptos ou não, de exercício de cargo deconfiança incorporarão nos seus vencimentosa gratificação de representação correspondenteao padrão do cargo.”

Pelo que se depreende dos autos, as incorporaçõesse deram através de processo administrativo, com a participaçãode diversos órgãos municipais, inclusive Parecer da área jurídicada Prefeitura, não podendo, sem o regular procedimento, sersuprimido de uma hora para outra.

Não se está defendendo a impossibilidade, repita-se, da municipalidade enfrentar os atos de seu antecessor, ouos próprios, buscando extinguir os que lhe pareçam ilegais ouinválidos, mas isto deve ser feito às claras, com amplapossibilidade de discussão pelos servidores envolvidos, atémesmo como forma de salvaguarda de seus direitos.

A jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça épacífica:

“RECURSO ORDINÁRIO - MANDADO DESEGURANÇA- INVALIDAÇÃO PELAADMINISTRAÇÃO DE ATO DE APOSENTADORIA-CONCESSÃO ILEGAL DE GRATIFICAÇÃOESPECIAL PELO EXERCÍCIO DE CARGOTÉCNICO – NECESSIDADE DEPROCEDIMENTO ADMINISTRATIVO,ASSEGURANDO AO INATIVO O DIREITO ÀAMPLA DEFESA - RECURSO PROVIDO.1.Ainda que indevida a gratificação especial peloexercício de trabalho técnico, sua subtração,após ter sido concedida e incorporada aosproventos de aposentadoria do Recorrente,

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depende de prévio procedimentoadministrativo, em que se assegure ao servidoro contraditório e ampla defesa. Precedentes.2.Recurso parcialmente provido. (RMS 17576 /ES ; RECURSO ORDINÁRIO EM MANDADO DESEGURANÇA 2003/0221125-3, Ministro PAULOMEDINA, T6 - SEXTA TURMA, DJ 20.02.2006 p. 362);

“RECURSO ORDINÁRIO - MANDADO DESEGURANÇA - SERVIDOR PÚBLICO -EXERCÍCIO DE CARGO EM COMISSÃO NAFACULDADE DE DIREITO DE JACAREZINHO,ESTADO DO PARANÁ - INCORPORAÇÃO DAGRATIFICAÇÃO DE REPRESENTAÇÃO DEGABINETE OS PROVENTOS DEAPOSENTADORIA – POSTERIOR SUBTRAÇÃO- NECESSIDADE DE PROCEDIMENTO EM QUESE ASSEGURE AO SERVIDOR OCONTRADITÓRIO E A AMPLA DEFESA -RECURSO PARCIALMENTE PROVIDO.1. Ainda que indevida a gratificação derepresentação de gabinete ao Recorrente, nostermos do art. 143, III, da Lei nº 6.174/70, doEstado do Paraná, sua subtração, após ter sidoconcedida e incorporada aos proventos deaposentadoria, depende de prévioprocedimento administrativo, em que seassegure ao servidor o contraditório e ampladefesa. Precedentes. 2. Recurso parcialmenteprovido” (RMS 14777 / PR ; RECURSOORDINARIO EM MANDADO DE SEGURANÇA 2002/0053269-1, Ministro PAULO MEDINA, T6 - SEXTATURMA, DJ 02.05.2005 p. 417);

“RECURSO ESPECIAL. CONTRIBUIÇÃOPREVIDENCIÁRIA. GRATIFICAÇÃO DE ATIVIDADEEXECUTIVA - GAE. ART. 46 DA LEI 8.112/90.

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DESCONTO RETROATIVO NA FONTE.REMUNERAÇÃO DE SERVIDORES PÚBLICOS.NECESSIDADE DE AMPLA DEFESA EPROCEDIMENTO PRÓPRIO. Ausência deprequestionamento quanto à questão daincorporação das gratificações ao vencimento. Odesconto retroativo, em folha de pagamento deservidores públicos, da contribuiçãoprevidenciária incidente sobre a Gratificação deAtividade Executiva - GAE e não descontada naépoca oportuna, sem a prévia ouvida dosservidores públicos e sem procedimentopróprio, viola o devido processo legal e agarantia da ampla defesa. Recurso especial nãoconhecido pela letra “a” e não provido pela letra“c”, com a devida vênia do voto da insigneRelatora. (REsp 379435 / RS ; RECURSOESPECIAL 2001/0151351-1, Ministro FRANCIULLINETTO, T2 - SEGUNDA TURMA, DJ 30.06.2003 p.183).

Esses argumentos são suficientes para aconcessão da segurança, restando prejudicada a análise dodireito ou não às gratificações ou da incidência da Lei deResponsabilidade Fiscal.

Convém registrar que caso idêntico, envolvendo amesma Prefeitura, já foi objeto de análise por este egrégioTribunal, julgado à unanimidade, em que tive a oportunidade derelatar, autos nº 2005.0003.9248-2/1, em que são apelantes oMunicípio de Boa Viagem e Francisco Marton de Carvalho, IsabelCristina Silva Aragão, Marcos Antônio Pires de Aragão, SinésioBatista de Carneiro e Maria de Fátima de Almeida, julgado aos13 de setembro de 2006.

Ante o exposto, conheço e dou parcial provimentoao recurso dos impetrantes, no sentido de modificar a sentençano que tange à exclusão das vantagens incorporadas, que devemseguir, previamente, procedimento administrativo com

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possibilidade de ampla defesa e contraditório, e nego provimentoao recurso apelatório do Município de Boa Viagem, mantendo,nesta parte, a sentença vergastada.

É o meu voto.

Fortaleza, 7 de fevereiro de 2007.

***

ESTADO DO CEARÁPODER JUDICIÁRIO

TRIBUNAL DE JUSTIÇA

Apelação Cível n. 2005.0004.8166-3/0Apelante: Editora Verdes Mares LtdaApelado: Grace Mary Aguiar de Oliveira e Carlos HenriqueAguiar de OliveiraRelator: Desembargador Ademar Mendes Bezerra

EMENTA: RESPONSABILIDADE CIVIL.PUBLICAÇÃO DE FOTO DE VEÍCULO EMMATÉRIA JORNALÍSTICA SOBRE ILÍCITOS EMQUE NÃO ESTAVAM ENVOLVIDOS O DONO OUCONDUTOR. DANO MORAL. INDENIZAÇÃO.- O direito de informação e a liberdade deimprensa são direitos fundamentais inolvidáveispara a plena efetivação do Estado Democráticode Direito. Contudo, não podem ser elesexercidos de maneira que ultrapasse os limitesda prudência, devendo o repórter responsáveldiligenciar e averiguar se as fotos publicadasrealmente possuem relação com o eventonarrado.- A fixação do valor da indenização deve, segundojuízo de razoabilidade, compensar a vítima pelogravame sofrido e sancionar o agente danosopor sua injusta conduta.- Embora não tenha sido divulgado o nome ou o

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retrato do proprietário ou do condutor doveículo, a publicação de foto em que se lê a placade veículo em matéria que trata de repressãode ilícitos de que não tiveram participaçãoacarreta dano moral, porquanto, ainda que nãoexponha essas pessoas ao grande público – quenão possui elementos suficientes para fazer arelação entre elas e o veículo – permite queaqueles que são próximos do condutor e doproprietário vinculem sua imagem ao carro e, porvia de conseqüência, aos eventos irregularesnarrados na reportagem jornalística. Assim, essaexposição indireta não possui o condão deexcluir o dano moral, mas sim de minorar o valora ser fixado.- Precedentes dos tribunais superiores.- Recurso conhecido e parcialmente provido afim de diminuir o valor da indenização deR$100.000,00(cem mil reais) para R$10.000,00(dez mil reais).

ACÓRDÃO:

Vistos, relatados e discutidos os presentes autos daapelação n° 2005.0004.8166-3/0, em que figuram as partesacima indicadas. Acorda a 2ª Câmara Cível do egrégio Tribunalde Justiça do Estado do Ceará, por unanimidade, conhecer edar parcial provimento ao apelo, nos termos do voto do relator.

Fortaleza, 22 de novembro de 2006.

RELATÓRIO

Cuidam os presentes autos de apelação cívelmanejada pela Editora Verdes Mares Ltda contra decisão do MM.Juiz de direito da 14ª. Vara Cível de Fortaleza, pela qual julgouprocedente ação de indenização por danos morais ajuizada pelos

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apelados.Pela exordial de fls. 02/07, os autores/recorridos

afirmam que, em 24 de maio de 1999, foi publicada pelo “Jornalda Rua” – periódico editado pela ré/apelante – foto do veículodos apelados sendo rebocado sob a acusação de prática de“pegas” na Av. Senador Virgílio Távaro. Nas manchetes, abaixoda fotografia, se lê: “avenida é trancada e a farra dos pegas temfim” e “filhinhos de papai incharam”. Na primeira página, achamada para a matéria estava assim intitulada: “acabaram coma gaiatice dos filhinhos de papai”. Referia-se à operação levadaa efeito pela ETTUSA, DETRAN e Batalhão de choque da PM, afim de conter as disputas automobilísticas ilícitas comumentetravadas naquela avenida.

Contudo, sustentam que o veículo – registrado nonome da primeira autora e dirigido por seu filho, segundodemandante – não estava envolvido nos eventos narrados,porquanto, conforme demonstrado pela multa acostada aosautos, o mesmo fora rebocado por estar estacionado em localproibido (sobre a calçada). Na ocasião, Carlos Henrique Aguiarde Oliveira, que é surdo-mudo, tentou explicar o equívoco emsua linguagem típica, porém, não se fez entender. Por essa razão,alegam que, em função da publicação, experimentaramdissabores de ordem imaterial hábil a configurar dano moralindenizável, pois se viram envolvidos publicamente em eventosilícitos dos quais não participaram.

Pleitearam indenização no importe de R$ 100.000,00(cem mil reais). Juntaram os documentos de fls. 08/16.

Regularmente citada, a empresa ré apresentouresposta na forma de contestação às fls. 28/56, oportunidadeem que sustentou a licitude da matéria alegando, em suma, queem nenhum momento foi realizada acusação infundada, pois,no periódico, não consta afirmação de que o veículo fotografadoestava envolvido nos eventos narrados. Ademais, invoca, a seufavor, a liberdade de imprensa e de informação.

Réplica às fls. 65/71.Manifestação sobre a réplica às fls. 73/76.O acordo foi tentado em audiência, mas restou

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infrutífero, consoante se lê no termo de fl. 86.Depoimento das partes e de testemunhas às fls. 236/

250 e 210/214.Memoriais de ambas as partes às fls. 251/269.Pela sentença de fls. 276/286, como adiantado, o

MM. Juiz a quo julgou procedente a ação, condenando a ré aopagamento de R$ 100.000,00 (cem mil reais), porquantoentendeu que houve vinculação da fotografia do carro aos eventosnarrados logo em seguida, e, por conseguinte, vinculou-se,igualmente, a imagem de sua proprietária e de seu contumazcondutor.

Nas razões do apelo, repousantes às fls.289/324, aré reiterou a linha argumentativa expendida na contestação.

Contra-razões às fls. 327/333.É o relatório.

VOTO

É assente no direito pátrio que para se configurardano moral reparável é necessária a conjugação de algunsfatores. Com efeito, o dever de indenização – por força daresponsabilidade aquiliana – decorre de uma conduta que,desrespeitando prescrições jurídicas, importe um dano. Rui Stoco(in Tratado de Responsabilidade Civil, 6ª Edição, São Paulo:Revista dos Tribunais, 2004, p.124) é sintético ao afirmar que“sem o binômio ato ilícito + dano não nasce a obrigação deindenizar ou compensar”. Naturalmente, os elementos destebinômio devem estar ligados por um nexo de causalidade.

Esse também é o entendimento do Superior Tribunalde Justiça:

“(…)A responsabilidade civil exsurge a partir daconjugação de três elementos: o ato omissivo oucomissivo ilícito ou abusivamente praticado, o danoe o nexo de causalidade entre ambos. O prejuízoexperimentado pela vítima pode ser de naturezamaterial ou moral, a depender da objetividade jurídica

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violada”. (RESP 642008/RS; RECURSO ESPECIAL2004/0017769-3, Rel. Ministro CASTRO MEIRA -SEGUNDA TURMA, DJ 14.02.2005, p. 180).

Assim, devemos nos debruçar sobre a controvérsiaem exame a fim de perquirir acerca da existência de um atoilícito e um conseqüente dano, o que demandará uma maioracuidade, pois visivelmente está em jogo, de um lado, o direitode informação (consectário do princípio da liberdade deimprensa) e, do outro, o direito à intimidade e à honra.Contrapõem-se, pois, in casu, dois direitos fundamentais.

É curioso destacar que essa contraposição dedireitos fundamentais já foi objeto de análise por esta Câmaraem caso envolvendo sócio diretor da ré/apelante, Sr. EdsonQueiroz Filho, na ocasião, vítima de nota jornalística injuriosa,Apelação Cível n. 2004.0004.7573-8/0, oportunidade em que foilavrada a seguinte ementa:

“RESPONSABILIDADE CIVIL. PUBLICAÇÃO DENOTA JORNALÍSTICA. DANO MORAL.INDENIZAÇÃO.- O direito de informação e a liberdade deimprensa são direitos fundamentais inolvidáveispara a plena efetivação do Estado Democráticode Direito. Contudo, não podem ser elesexercidos de maneira que desborde dosprudentes limites da razoabilidade e daponderação, causando abalo à honra do cidadão,sob pena de ensejar dano moral indenizável.- A fixação do valor da indenização deve, segundojuízo de razoabilidade, compensar a vítima pelogravame sofrido e sancionar o agente danosopor sua injusta conduta.- Precedentes dos tribunais superiores.- Recursos conhecidos, para dar parcial provimentoao da empresa de jornalismo, diminuindo o valor daindenização, e negar provimento ao apelo da vítima”.

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Assim, a mesma linha de raciocínio lançada naqueleprecedente para enfrentar o choque entre esses dois princípiosé perfeitamente válida para o caso em apreço.

Consignamos que não se pode desconsiderar queos direitos de informar e de ser informado são fundamentais einolvidáveis para a plena efetivação do Estado Democrático deDireito. Nas diversas constituições européias e mesmo naSuprema Corte norte-americana há inclusive a atribuição dacaracterística de “posição de preferência” (preferred position)em relação a outros direitos fundamentais, donde decorre que,em regra, não se pode impedir publicações, salvo quando asmedidas possíveis de serem tomadas posteriormente seapresentem absolutamente ineficazes.

As liberdades de informação, expressão e deimprensa foram consagradas em vários dispositivos daConstituição de 1988, tais como, art. 5º, IV, IX e XIV, tendo oSupremo Tribunal Federal expressamente assentado que “aliberdade de expressão constitui-se em direito fundamental docidadão, envolvendo o pensamento, a exposição de fatos atuaisou históricos e a crítica.” (HC 83.125, Rel. Min. Marco Aurélio, DJ07/11/03).

Contudo, tais direitos não podem ser exercidos demaneira que ultrapasse os prudentes limites do razoável,causando abalo à honra e à boa imagem do cidadão, sob penade ensejar dano moral indenizável, conforme prescrito já noaltiplano constitucional no art. 5º V: “é assegurado o direito deresposta, proporcional ao agravo, além da indenização por danomaterial, moral, ou à imagem”.

De fato, o fundamental direito à informação encontraseus limites precisamente em outros do mesmo nível hierárquicocomo o são o direito à honra, intimidade e à imagem. O SupremoTribunal Federal (no HC 82.424, Rel. Min. Maurício Corrêa, DJ19/03/04) também entende que “as liberdades públicas não sãoincondicionais, por isso devem ser exercidas de maneiraharmônica, observados os limites definidos na própriaConstituição Federal (CF, artigo 5º, § 2º, primeira parte)”.

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Na mesma linha de idéias, o Superior Tribunal deJustiça também colocou o problema em termos de umaponderação de valores consagrados em princípiosconstitucionais, senão vejamos:

“(…) A responsabilidade civil decorrente de abusosperpetrados por meio da imprensa abrange a colisãode dois direitos fundamentais: a liberdade deinformação e a tutela dos direitos da personalidade(honra, imagem e vida privada). A atividade jornalísticadeve ser livre para informar a sociedade acerca defatos cotidianos de interesse público, em observânciaao princípio constitucional do Estado Democráticode Direito; contudo, o direito de informação não éabsoluto, vedando-se a divulgação de notíciasfalaciosas, que exponham indevidamente aintimidade ou acarretem danos à honra e à imagemdos indivíduos, em ofensa ao princípio constitucionalda dignidade da pessoa humana.(…)” (REsp719.592/AL, Rel. MIN. JORGE SCARTEZZINI,QUARTA TURMA, julgado em 12.12.2005, DJ01.02.2006 p. 567).

Evidente e inegável, portanto, a contraposição, nestalide, entre os direitos da personalidade (de enorme relevânciaconstitucional por tratarem dos mais intrínsecos valores do serhumano, considerado em sua individualidade) e a liberdade deimprensa e de informar (cuja importância extravasa o íntimo decada cidadão e se irradia por toda sociedade que se pretendelivre e democrática).

Diante disso, é necessária, para a solução dopresente caso, a ponderação desses dois princípios magnos,mediante uma perspectiva eminentemente constitucional e nãosó nos estreitos lindes do direito civil. Muito a propósito, LuizRoberto Barroso, em artigo específico sobre o tema (“Colisãoentre liberdade de expressão e direitos da personalidade –critérios de ponderação. Interpretação constitucionalmente

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adequada do Código Civil e da Lei de Imprensa”, in Revista Latino-americana de Estudos Constitucionais), escreve:

“Na colisão entre a liberdade de informação e deexpressão, de um lado, e os direitos depersonalidade, de outro, destacam-se comoelementos de ponderação: a veracidade do fato, alicitude do meio empregado na obtenção dainformação, a personalidade pública ou estritamenteprivada da pessoa objeto da notícia, o local do fato, anatureza do fato, a existência de interesse públicona divulgação, especialmente quando o fato decorrada atuação de órgãos ou entidades públicas, e apreferência por medida que não envolvam proibiçãoda prévia divulgação. Tais parâmetros servem deguia para o intérprete no exame das circunstânciasdo caso concreto e permitem certa objetividade deescolha”.

Portanto, para verificar se na hipótese em tabladohouve exagero no direito de informar por parte da Editora VerdesMares Ltda, com a conseqüente ofensa aos direitos dapersonalidade dos autores, é preciso realizar o cotejo analíticode todas essas circunstâncias.

Quanto à veracidade da informação, reputo a maisrelevante para o caso, pois muito bem agiu o juiz de primeirograu ao destacar do depoimento do representante da ré, que afoto foi escolhida aleatoriamente, sem fosse aprofundada umaapuração acerca dos motivos de o veículo estar sendo rebocadona ocasião. Leia-se o que foi dito (fl.241):

“Afirma que tal foto foi utilizada ao acaso, já quepoderia ter sido utilizada qualquer outras dentre asfotos batidas no local. Afirma também que a fotomostra um veículo com características daquelesutilizados nos pegas, já que se trata de veículorebaixado, como vidros escuros, e, segundo soube,

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descarga adulterada. Afirma não poder dizer se oveículo tomava parte em algum pega, apenas suafoto foi batida enquanto era rebocado naquele mesmolocal, tendo sido escolhida tal foto presumivelmentepor ter sido a melhor foto batida na ocasião, dentrevárias outras”.

Como se lê, o jornalista que cobria o evento não seatentou para o dever de prudência que deve orientar osprofissionais de imprensa, sobretudo em matéria que, sobmanchetes sensacionalistas e de indiscutível mal tom, relatavaa prática de ilícitos. Do depoimento, percebe-se que em nenhummomento foi feito menção de que o motivo da publicação da fotodo veículo na reportagem teria sido seu envolvimento nos ilíticos.Ao contrário, afirma que isso se deveu ao acaso, ou pelo fato deter o automóvel certas características, ou, ainda, porque foi a demelhor qualidade. Percebe-se, pois, que sequer se cogitou eminvestigar o real envolvimento com os fatos narrados na matériajornalística.

A cópia da multa colacionada aos autos (fls. 14) bemevidencia que o veículo fora apreendido por está estacionadoem local proibido e não por esta sendo utilizados em corridas derua. Dessa forma, não poderia a foto de seu rebocamento serimpressa acima da aludida matéria. Sem sombra de dúvidas,houve divulgação de informação equivocada decorrente dadesídia dos responsáveis pelo jornal em não se certificarem dasrazões da apreensão do automóvel.

É certo que não se pode falar, in casu, em umaclamorosa e direta ofensa à imagem e honra das partes,porquanto seus nomes ou imagem não foram exibidos. Contudo,embora para o grande público leitor do jornal não fosse possívelidentificar prontamente os proprietários do carro a que sevinculava aos “pegas”, seus vizinhos e pessoas mais próximaspossuem plenas condições de aliar o veículo às pessoas deseu proprietário e de seu condutor. Assim, embora arrefeça aintensidade da exposição e vexame, a simples imagem de veículopossui sim o condão de expor e submeter a constrangimentos a

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pessoa daqueles que o possuem e normalmente o conduzem.Dessa forma, embora o evento narrado tenha se

dado em local público, quando da atuação de agentes públicosna repressão de infrações – pelo que evidencia o interessepúblico na divulgação do fato – não se pode inadvertidamentepublicar uma foto relacionando pessoas a esses eventos, sebastava uma simples averiguação momentânea para seaperceber que ligação alguma havia, sobretudo por se estartratando da imagem de pessoas comuns e não personalidadepúblicas que regularmente freqüentam o noticiário.

O ilícito civil, portanto, resta configurado. Passemos,então, para o segundo elemento: o dano.

O dano moral consiste em um abalo ao patrimônioincorpóreo, seja da pessoa física, seja da pessoa jurídica, taiscomo a honra, o bom nome, a credibilidade na praça etc.Conforme muito bem expôs o Ministro Carlos Velloso em julgadodo STF (RE 387.014-AgR, DJ 25/06/04), “o dano moralindenizável é o que atinge a esfera legítima de afeição da vítima,que agride seus valores, que humilha, que causa dor”.

No caso de ofensa à honra e à imagem, ocorrem,por si só, a ínsita angústia espiritual e a comoção psíquicacaracterizadoras do dano. Nesse sentido, há precedentesjurisprudenciais, de que é exemplo:

“(…)Dano moral. A ofensa ao sentimento de honradispensa comprovação. Indenização. A fixação daindenização será feita em consideração à gravidadeda ofensa e à repercussão do dano. Recursosimprovidos”. (TJRJ – AC 7591/96 – Reg. 050597 –Cód. 96.001.07591 – Capital – 5ª C.Cív. – Rel. Des.Carlos Ferrari – J. 06.02.1997).

Assim, restou incontestável a existência do danomoral, com a simples divulgação de matéria, pelo que devemosnos deter, agora, sobre o quantum a ser indenizado.

Ressalte-se que o dano moral é compensável e nãoressarcível, porque o prejuízo ao patrimônio imaterial de um

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sujeito jamais poderá ser plenamente reparado por dinheiro. Éneste sentido que Yussef Said Cahali (Dano Moral, 2ª Edição,São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 1995, p. 42) afirmaque “a sanção do dano moral não se resolve numa indenizaçãopropriamente, já que indenização significa eliminação do prejuízoe das suas conseqüências, o que não é possível quando se tratade dano extrapatrimonial; a sua reparação se faz através de umacompensação, e não de um ressarcimento; impondo ao ofensora obrigação de pagamento de uma certa quantia de dinheiro emfavor do ofendido, ao mesmo tempo que agrava o patrimôniodaquele, proporciona a este uma reparação satisfativa”.

Rui Stoco (ob. cit., p. 1716) também leciona namesma esteira quando afirma que “a indenização do dano moraltem por fim ministrar uma sanção para a violação de um direitoque não tem denominador econômico. Não é possível a suaavaliação em dinheiro, pois não há equivalência entre o prejuízoe o ressarcimento. Quando se condena o responsável a repararo dano moral, usa-se de um processo imperfeito, mas o únicorealizável, para que o ofendido não fique sem uma satisfação”.

Nessa linha de pensamento, mediante o uso darazoabilidade, deve o magistrado chegar a um valor que, a umsó tempo, sirva como lenitivo à vítima, em função do vexamesofrido, e sanção para o agente do dano. O caráter sancionário,na questão, se apresenta mais marcante, pois o autor intentadoar o que vier a receber, pretendendo, assim, deixar em coresvivas seu desinteresse em se locupletar à custa do caso.

O entendimento aqui esposado vai ao encontro dosprecedentes também do Superior Tribunal de Justiça, consoantese infere do seguinte julgado:

“(…)III - O valor da indenização por dano moralsujeita-se ao controle do Superior Tribunal de Justiça,recomendando-se que, na fixação da indenização aesse título, o arbitramento seja feito com moderação,proporcionalmente ao grau de culpa, ao nível sócio-econômico da parte autora e, ainda, ao porteeconômico da ré, orientando-se o juiz pelos critérios

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sugeridos pela doutrina e pela jurisprudência, comrazoabilidade, valendo-se de sua experiência e dobom senso, atento à realidade da vida e àspeculiaridades de cada caso.(…)”(RESP 259816 / RJ DJ DATA:27/11/2000 PG:00171Min. SÁLVIO DE FIGUEIREDO TEIXEIRA).

Em consonância com o posicionamento doutrinárioe jurisprudencial citado, é mais que razoável entender não serjusto, nem jurídico, fixar em montantes exagerados a reparaçãode danos morais.

Como não há critérios objetivos para guiar omagistrado na determinação de um quantum que sirva decompensação e de sanção, deve este fazê-lo através do critérioda razoabilidade, pelo bom senso e eqüidade. É necessário sefixar um valor que – repita-se – sirva de lenitivo para uma parte epunição para outra, sempre em atenção às nuances do casoconcreto.

Imperioso deixar claro que a fixação taxativa decritérios rígidos mencionados na Lei de Imprensa paradeterminação do valor indenizatório de danos morais é tida, deforma pacífica, como revogada, tanto que a Corte deUniformização Infraconstitucional editou a súmula nº 281, cujoteor é o seguinte:

“A indenização por dano moral não está sujeita àtarifação prevista na Lei de Imprensa”.

Ademais, deve-se levar em consideração, também,que o valor será corrigido desde a data da ocorrência do prejuízoextrapatrimonial, conforme previsão da súmula nº 54 do mesmoSuperior Tribunal de Justiça:

“Os juros moratórios fluem a partir do evento danoso,em caso de responsabilidade extracontratual”.

Assim, percebe-se exagerado e fora de qualquer

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juízo de razoabilidade a fixação de indenização na importânciade R$100.000,00 (cem mil reais), sobretudo porque não houveexposição direta da imagem das partes, restringindo-se os danosao âmbito daquelas pessoas próximas que têm conhecimentode quem sãos os donos e condutores do carro.

Por tudo isso, considerando o ato ilícito, segundo ascircunstâncias acima referidas, somos pela redução do valoratribuído aos danos morais, ao importe de R$ 10.000,00 (dezmil reais).

Diante do exposto, conheço o recurso, por estarempresentes seus pressupostos intrínsecos e extrínsecos, paradar parcial provimento ao recurso, a fim de reduzir o montanteda condenação para R$ 10.000,00 (dez mil reais).

É como voto.

Fortaleza, 29 de novembro de 2006.

***

ESTADO DO CEARÁPODER JUDICIÁRIO

TRIBUNAL DE JUSTIÇA

N°°°°° PROCESSO: 2006.0014.4724-6/1TIPO DO PROCESSO: APELAÇÃO CÍVELCOMARCA: FORTALEZAPARTES:APELANTE: POLLYANA ALENCAR FONTENELE E OUTROSAPELADA: CONSTRUTORA E IMOBILIÁRIA LCR LTDA.RELATOR: DES. ERNANI BARREIRA PORTO

Ementa: APELAÇÃO CÍVEL – DIREITOPROCESSUAL CIVIL – EMBARGOS ÀEXCECUÇÃO – HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS– CONDENAÇÃO APENAS EM RELAÇÃO ARECONVENÇÃO – AUSÊNCIA DE IMPUGNAÇÃO– COISA JULGADA – IMPOSSIBILIDADE DEINTERPRETAÇÃO EXTENSIVA.

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Tendo em vista a impossibilidade de mutação dotítulo judicial durante sua execução, restaapenas a condenação em honoráriosadvocatícios fixada em 20% sobre o valoratribuído à reconvenção, por ser esta uma açãoautônoma em relação à ação principal, possuindoônus sucumbencial próprio.Recurso Apelatório Conhecido e Improvido.

Vistos, relatados e discutidos estes autos deApelação Cível, em que é apelante POLLYANA ALENCARFONTENELE E OUTROS e apelada CONSTRUTORA EIMOBILIÁRIA LCR LTDA.

ACORDAM os Desembargadores integrantes da 1ªCâmara Cível do Tribunal de Justiça do Estado do Ceará, porunanimidade, em conhecer do recurso para negar-lheprovimento, nos termos do voto do eminente Des. Relator.

RELATÓRIO

Cogita-se de recurso de Apelação Cível interpostopor POLLYANA ALENCAR FONTENELE E OUTROS, contraCONSTRUTORA E IMOBILIÁRIA LCR LTDA. por não haver seresignado com sentença proferida pela MMª. Juíza de Direito da19ª Vara Cível da Comarca de Fortaleza.

A sentença hostilizada, prolatada em sede deembargos à execução, julgou procedente os referidos embargos,considerando a existência de excesso de penhora e ordenandoque a condenação em honorários advocatícios recaia sobre ovalor da causa na ação reconvencional, sendo fixada, portanto,em R$ 10.652,76 (dez mil seiscentos e cinqüenta e dois reais esetenta e seis centavos).

As razões apelatórias foram colacionadastempestivamente às fls. 40/45, pugnando pela total reforma dojulgado monocrático, com a incidência dos honorários sobre ovalor da causa atribuído à ação principal.

As respectivas contra-razões foram devidamente

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acostadas às fls. 48/60.É o breve relatório.À douta revisão.

Fortaleza, 12 de abril de 2006.

DECIDO

Conforme relatado, trata-se de recurso de ApelaçãoCível interposto por POLLYANA ALENCAR FONTENELE EOUTROS, contra CONSTRUTORA E IMOBILIÁRIA LCR LTDA.por não haver se resignado com sentença proferida pela MMª.Juíza de Direito da 19ª Vara Cível da Comarca de Fortaleza, que,em sede de embargos à execução, julgou procedente osreferidos embargos, considerando a existência de excesso depenhora e ordenando que a condenação em honoráriosadvocatícios recaia sobre o valor da causa na açãoreconvencional, sendo fixada, portanto, em R$ 10.652,76 (dezmil seiscentos e cinqüenta e dois reais e setenta e seis centavos).

Como é possível se constatar, versa a quizila postaunicamente acerca do valor sobre o qual deve incidir acondenação em honorários advocatícios, ou seja, se deve incidirsobre o valor da causa atribuído à ação principal, qual seja, aação indenizatória nº 0000.02.72709-9 ou sobre o valor dado àreconvenção.

Com o escopo de destrinçar a presente controvérsia,colacionemos, inicialmente o teor da parte dispositiva do títuloexecutivo judicial em apreço, referente à sentença de fls. 123/130, confirmada, in totum pelo acórdão de fls. 170/177, que impõe:

Ante o exposto, nessas condições e por tudo maisque dos autos consta, JULGO IMPROCEDENTE apresente ação indenizatória e a Ação Reinvidicatória,dando PROCEDÊNCIA à reconvenção, declarandodesfeito o começo da transação realizada entre aspartes, determinando a volta destas à sua situaçãoanterior, com a devolução recíproca dos imóveis que

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ocupam, condenando a reconvinda nopagamento das custas processuais, honoráriosadvocatícios, na base de 20% sobre o valor dacausa, deixando de condenar no pagamento dadiferença encontrada entre o aluguel da casaresidencial dos reconvintes e o aluguel doapartamento da reconvinda, considerando aimpossibilidade do negócio jurídico e a inexistênciade nexo causal entre o prejuízo apontado e adeclinada omissão da promovida, segundo ficarapurado por calculo da Contadoria do Fórum.

Da sentença percebe-se, de plano, grave erro técnicocometido pela eminente magistrada que a prolatou. Sendo a açãoe a reconvenção ações autônomas, que simplesmente dividemespaço nos mesmos autos processuais, comportam ambas,independentemente uma da outra, condenação em honoráriosadvocatícios.

Neste sentido é o posicionamento do colendoSuperior Tribunal de Justiça, in verbis:

PROCESSUAL CIVIL. NEGATIVA DE PRESTAÇÃOJURISDICIONAL. AUSÊNCIA. RECONVENÇÃO.HONORÁRIOS. AUTONOMIA EM RELAÇÃO ÀAÇÃO PRINCIPAL. PRECEDENTES.CONDENAÇÃO. VERBA HONORÁRIA FIXADASOBRE ESSE VALOR. ART. 20, § 3º, CPC.RECURSO PROVIDO PARCIALMENTE.I - omissisII - Na linha dos precedentes das Turmas queintegram a Segunda Seção deste Tribunal, “ovencido na reconvenção deverá suportar osônus decorrentes da sucumbência na demandasecundária, independentemente do resultado eda sucumbência na ação principal”.III - Ao juiz, no seu prudente arbítrio, levando emconsideração que os atos processuais das duas

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ações são em regra praticados de forma una, nãodemandando trabalhos diferentes, cabe fixar a verbahonorária com razoabilidade.IV - Havendo condenação na reconvenção, oshonorários devem ser fixados sobre o respectivoquanto e não sobre o valor dado à causa.REsp 145904 / SP ; RECURSO ESPECIAL1997/0060346-6 DJ 13.09.1999 p. 68.

Dessa forma, havendo ação e reconvenção deveráo magistrado condenar o vencido em cada demanda,independentemente, ao pagamento de honorários advocatícios.É o que se percebe do teor do voto do Eminente Min. Sálvio deFigueiredo Teixeira, relator do citado acórdão, litteris:

Com efeito, não há que se vincular uma condenaçãoà outra. Por ser a reconvenção uma ação autônoma,ela pode será ajuizada em momento posterior, quandoseria despicienda a condenação em honoráriosocorrida no processo conexo. Irrelevante, assim, quea soma da verba honorária fixada nas duasdemandas supere o percentual de vinte por cento.

Assim, da sentença sub oculi partem trêssucumbências totalmente independentes, quais sejam: a derrotada parte autora nas ações indenizatória e reinvidicatória etambém na reconvenção interposta pela parte promovida.

Poderia, então, a magistrada ter seguido por duassendas. Através do art. 20, §3º do CPC, estabelecendopercentual, entre 10% e 20% sobre o valor de cada uma dascausas, independentemente consideradas, ou mediante aaplicação do art. 20, §4º do CPC fixando, eqüitativamente, umúnico valor, que albergasse as três sucumbências ocorridas.

Contudo, nenhuma destas duas hipóteses ocorreu.Ao que se constata a eminente magistrada a quo claramenteestabeleceu a condenação em honorários advocatíciosunicamente sobre a reconvenção, deixando de fixá-la em relação

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às ações indenizatória e reinvidicatória.Não há possibilidade de interpretação diversa, pois

a sentença é taxativa em condenar a reconvinda nopagamento das custas processuais, honoráriosadvocatícios, na base de 20% sobre o valor da causa. Se acondenação atinge a reconvinda obviamente a causa se tratada reconvenção.

Tal erro, apesar de sua evidência, passoudespercebido pelas partes, tanto que, nenhuma delas questionouo posicionamento judicial relativo aos honorários advocatíciosem seus recursos apelatórios, fazendo com que esta matéria,por inércia de ambas as partes, restasse imutável diante dosefeitos da coisa julgada formal e material.

Assim, tendo em vista a impossibilidade de mutaçãodo título judicial durante sua execução, resta apenas acondenação em honorários advocatícios fixada em 20% sobre ovalor atribuído à reconvenção, por ser esta uma ação autônomaem relação à ação principal, possuindo ônus sucumbencialpróprio.

Quanto às ações indenizatória e reinvidicatória nãofora estabelecida qualquer condenação em honoráriosadvocatícios, sendo incabível nesta sede a interpretaçãoextensiva do título executivo judicial, sob pena de grave ofensa àcoisa julgada.

Por todo o exposto, conheço do recurso apelatóriointerposto para NEGAR-LHE provimento, confirmando asentença apelada em todos os seus termos.

É como voto.

Fortaleza, 7 de maio de 2007.

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AGRAVO DE INSTRUMENTO

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ESTADO DO CEARÁPODER JUDICIÁRIO

TRIBUNAL DE JUSTIÇA

PROCESSO Nº: 2001.0000.2159-7/0TIPO DO PROCESSO: AGRAVO DE INSTRUMENTO COMPEDIDO DE EFEITO SUSPENSIVOORIGEM DO AGRAVO DE INSTRUMENTO: JUÍZO DA 2ªVARA DE FAMÍLIA DA COMARCA DE FORTALEZA - CEARÁAGRAVANTE: J. R. S.AGRAVADA: F. S. G. S.ÓRGÃO JULGADOR: 3ª CÂMARA CÍVELRELATOR: DESEMBARGADOR CELSO ALBUQUERQUEMACÊDO

EMENTA: AGRAVO DE INSTRUMENTO –RECURSO TEMPESTIVO – EXECUÇÃO DEVERBA ALIMENTAR – ART. 733 DO CPC. –DÉBITO ATUAL – TRÊS ÚLTIMAS PARCELASANTERIORES E AS QUE SE VENCEREM NOCURSO DO PROCESSO – SÚMULA 309 DO STJ– INADMISSÍVEL A PRISÃO CIVIL – CONHECIDOE PROVIDO:

I - Comportável a execução de prestaçãoalimentícia com procedimento indicado pelo art.733, do CPC, porém concernente apenas aostrês meses anteriores à propositura da ação,devendo o débito remanescente ser pleiteadopela forma prevista no art. 732 do mesmoestatuto processual.

II – Dívida acumulada ao longo de três anos.Satisfação, na forma do art. 733, do CPC.Impossibilidade. Crédito sem caráter alimentarde urgência, passível, pois, de execução comum(art.732, do CPC), salvo as prestações vencidasa menos de três meses, por ocasião do ingresso

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da execução, além das que se vencerem nodecurso do processo.III – Agravo conhecido e provido.

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos os presentes autos deAgravo de Instrumento com pedido de efeito suspensivo daComarca de Fortaleza – Ceará nº. 2001.0000.2159-7/0, em quesão partes os acima nominados, acorda a Turma Julgadora daTerceira Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Estado do Ceará,à unanimidade de votos, em conhecer do agravo de instrumento,por tempestivo, dando-lhe provimento, com a desconstituiçãodo decisum do juízo do primeiro grau.

RELATÓRIO

Cuida-se de agravo de instrumento com pedido deefeito suspensivo interposto por J. R. S., através de seuAdvogado habilitado, contra decisão de fls. 54/55, que decretoua prisão civil do agravante/executado, nos autos de Ação deExecução de Alimentos proposta por J. R. S. F. E T. L. G. S,representados por sua genitora F. S. G. S.

O Agravante sustenta em suas razões de fls. 02/17que o inadimplemento alimentício justificador do malfadadodecreto de prisão decorreu de acúmulo de prestações vencidashá mais de três meses, contrariando, frontalmente, a reiteradajurisprudência do Superior Tribunal de Justiça, inclusive destacaque não foi oportunizada a circunstância de comprovar a suaincapacidade financeira, devendo, pois, ser empostado efeitosuspensivo dos efeitos do decisum, enquanto no mérito, oprolóquio deve ser desconstituído.

Às fls. 66/75, a Desembargadora Maria CelesteThomaz de Aragão concedeu efeito suspensivo ao agravo, art.527, III, do CPC, determinando o recolhimento do mandado deprisão, com suspensão pelo prazo de 24 horas, a fim de que odevedor agravante, no referido prazo, depositasse a importância

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das últimas três prestações devidas, sob pena de ser renovadoo decreto prisional.

Notificado, o Juízo monocrático prestou asinformações solicitadas, apresentando cópia da decisão quedecretou a prisão do agravante/executado (fls. 91/94). Intimado,o advogado dos agravados deixou transcorrer o prazo legal (fl.78), sem juntar documentação que entendesse conveniente.

Instado a se manifestar o Órgão Ministerial do 2ºGrau, emitiu parecer opinando pelo conhecimento do agravointerposto por tempestivo, mas, por seu total improvimento àmíngua do fomento legal e jurídico necessário à sua prosperação(fls. 83/85), com a manutenção da decisão agravada.

Redistribuídos e conclusos, os autos foram inclusosem pauta para julgamento, independentemente de revisão, naforma dos arts. 34, § 3º, e 221, § 3º, do Regimento Interno desteTribunal.

É o relatório.

VOTO

Conheço do agravo de instrumento com efeitosuspensivo, uma vez que a hipótese dos autos está inserida naprevisão da norma contida no artigo 522, combinado com o art.524 e seguintes todos do Código de Processo Civil.

Vê-se, in casu, que no termo de audiência de fl. 50,realizada no dia 10 de Março de 2001, o executado apresentouproposta de acordo para quitação do débito alimentar em trezeprestações de R$ 460,00 ( quatrocentos e sessenta reais),totalizando R$ 5.980,00 ( cinco mil, novecentos e oitenta reais)não anuindo à mercê a exeqüente. Em 20 de Abril de 2001,decretou o julgador a prisão civil do devedor, pelo prazo de 60dias.

A prisão civil é medida coercitiva que se destina aobter o pagamento da obrigação alimentar, cabível no caso deinadimplência do alimentante.

A Súmula nº 309, do STJ, estabelece que:

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“O débito alimentar que autoriza a prisão civildo alimentante é o que compreende as trêsprestações anteriores ao ajuizamento daexecução e os que se vencerem no curso doprocesso”.

A prisão do devedor veio regrada no art. 733 do CPCe no art. 19 da Lei de Alimentos. Trata-se de coação pessoal e,desta feita, se apresenta como forma atuante de obter oimplemento da obrigação alimentar, porque, em geral, o devedor,quando vê ameaçada a sua liberdade pessoal, para logo cuidade pagar o que deve, enquanto a execução por quantia certa,sobre não amedrontar, pode dar margem à procrastinação como propósito de evitar ou retardar a satisfação do débito (Ação deAlimentos, Sérgio Carlos Covello, 2ª. Ed. 1992, LEUD, p. 43).

O STJ, no RHC nº 16.268, RS, em que foi relator oMinistro Antônio de Pádua Ribeiro, registrou o seguinteentendimento:

“A prisão civil do devedor de pensão alimentíciaé cabível quando a cobrança se refere as trêsúltimas parcelas em atraso, anteriores à citaçãoe os que lhe são subseqüentes. Esse pagamentotem de ser total e não parcial. Não desobriga odevedor de pensão alimentícia a simplesalegação de desemprego e o pagamento parcialmuito aquém do valor devido”.

O quantum é transacionável, mas nunca asubsistência do direito a alimentos, ensina Lourenço MárioPrunes. O Professor Yussef Said Cahali, atento à circunstânciade ser o alimentário a pessoa presuntivamente necessitada, narelação jurídica, preleciona que a dívida alimentar e PORTABLE,carregando o alimentante com o ônus de levar àquele a pensãodevida.

Para Gustavo Tepedino – a família atual, em qualquerdas formas de exteriorização – “é uma comunidade

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instrumentalizada à realização da pessoa humana”, razão pelaqual a proteção referida pelo texto constitucional – “é a proteçãomediata, ou seja, no interesse da realização existencial e afetivadas pessoas”.

Para Cristiano Chaves de Farias – A família deixoude ser fim e passou a ser meio, instrumento. Descobriu-se queas pessoas não nascem com o fim específico de constituirfamília, mas, ao invés, nascem voltadas para a busca de suafelicidade e realização pessoal, como conseqüência lógica daafirmação da dignidade do homem (Revista Brasileira de Direitode Família, Síntese, IBDFAM, n º 34, p.39).

O STJ, no RHC nº 15334, RJ, julgado em 20 de Marçode 2006, sob a relatoria do Ministro César Asfor Rocha, assinalou:

“ Na execução de alimentos, prevista pelo art.733 do Código de Processo Civil, é legítima aprisão civil do devedor referente às três últimasprestações vencidas antes do ajuizamento daexecução e às vincendas durante se curso.”

Tem o executado o ônus de alegar e o ônus de provara impossibilidade temporária de cumprimento. (1ª CC, TJRS.Ag. 38.889, 22.9.81, Rel. Des. Túlio Martins).”Enquanto não seesgotar o direito à prova, que se afigura amplo e ilimitado, poisse admitem todos os meios lícitos, se ostenta ilegal adecretação da prisão.” (6ª CC do TJRS, HC 586022998, de24.6.86, Relator Des. Adroaldo Fabrício).

Na rica casuística da hipótese, a jurisprudênciaaponta os seguintes fatos como hábeis e eficazes para retratara momentânea falta de recursos do obrigado: o desempregototal; a despedida de um de dois empregos que mantinham odevedor; a repentina aparição de moléstia; e a pendência deparalela demanda exoneratória da obrigação alimentar.Conseguintemente, “havendo manifestação tempestiva dodevedor de alimentos, acerca da impossibilidade de arcar como ônus do débito, não pode o juiz decretar, desde logo, a custódiasem apreciação da justificativa”. (5ª Turma do STJ, HC 702-PA,

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6.3.91, Rel. Min. Flaquer Scazrtezzini, RJSTJ, 3(24)/120. Emdoutrina identicamente, CAHALI, Dos Alimentos, p.646, in daExecução de Alimentos e Prisão do Devedor, Araken de Assis,3ª edição, RT, 1996, p.158).

Aos alimentandos são devidos aspectos de proteçãoe segurança dos pais para construção do projeto de vida. Apobreza do alimentante não o alforria do dever alimentar, segundoensinamento de SÉRGIO CARLOS COVELLO, (in Ação deAlimentos, Ed. Universitária, 1992, p. 8). O pai, ainda que pobre,não se isenta, por esse motivo, da obrigação de prestar alimentosao filho menor – do pouco que ganhar, alguma coisa deverá darao filho...(Dos Alimentos, CAHALI, 2ª edição, 1993, p. 400 e 402).Os Tribunais têm decidido: “Alimentos atrasados. É semprepossível a execução comum sem ameaça de prisão, quando odébito, pelo longo atraso, assumiu feição indenizatória. A sançãoou pensão civil, há de ser mantida no tocante às três últimaparcelas devidas, prosseguindo-se com a execução dosatrasados.” ( TJRS, in RJTJRS, 123/243).

O Supremo Tribunal Federal se pronunciou de modopositivo no tocante à execução de alimentos definitivos na coerçãopessoal (RE 88-005-RS, Rel. Min. Xavier de Albuquerque, RTJ,87/1.025.). Três mecanismos tutelam a obrigação alimentar: a)o desconto (art. 734, do CPC); b) a expropriação, conforme art.646, do CPC; c) a coerção pessoal (art. 733, CPC, segundoARAKEN DE ASSIS, In Da Execução de Alimentos e Prisão doDevedor, 3ª ed. RT, 1996, p. 130).

Sem possibilidade de desconto – o devedor é opróprio pagador, restando, lamentavelmente, a coerção:“condenar alguém – significa reprová-lo – “ordenar que sofra(Pontes de Miranda, Tratados das Ações, conforme Araken deAssis, obra citada, p.59), por não haver o devedor demonstradoo pagamento das prestações alimentícias, ou a impossibilidadede solvê-las.” A prisão só é efetiva após, como de direito, serconcedida oportunidade ao alimentante, para, se for o caso,justificar o não-cumprimento da obrigação. (TJRS, in RTJTRS,76/201).

O art. 227 da Constituição Federal estabeleceu:

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“È dever da família, da sociedade e do Estadoassegurar à criança e ao adolescente, comabsoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, àalimentação, à educação, ao lazer, àprofissionalização, à cultura, à dignidade e àconvivência familiar e comunitária, além decolocá-los a salvo de toda a forma de negligência,discriminação, exploração, violência, crueldadee opressão”.

O art. 3º, do Estatuto da Criança e do Adolescente(Lei nº 8.069, de 13.07.90), impõe:

“A criança e o adolescente gozam de todos osdireitos fundamentais inerentes à pessoahumana, sem prejuízo da proteção integral deque trata esta lei, assegurando-se-lhes, por lei,ou por outros meios, todas as oportunidades efacilidades, a fim de lhes facultar odesenvolvimento físico, mental, moral, espirituale social, em condições de liberdade e dedignidade”.

O art. 4º, por sua vez, assinala:

“É dever da família, da Comunidade, daSociedade em geral e do Poder Públicoassegurar, com absoluta prioridade, a efetivaçãodos direitos à vida, à saúde, à alimentação, àeducação, ao esporte, ao lazer, àprofissionalização, à cultura, à dignidade, aorespeito, à liberdade e à convivência familiar ecomunitária”.

O alimentante justificou a circunstância damodificação fática atinente ao encargo alimentício, ou seja, da

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constituição de nova família, além de abalo nas condiçõesfinanceiras. Induvidosamente, a execução de prestaçõesatrasadas tem moldagem adequada à textualização do art. 732,do CPC. Assim, a prisão reveste-se de legalidade quandocondicionada às três últimas prestações, mais as que sevencerem no curso do processo.

A jurisprudência é pacífica:

“A cisão das parcelas devidas que o juiz realiza,de ofício, busca modelar o procedimento aosentido da jurisprudência dominante que nãopermite prisão civil (art. 5º, LXVII, da CF) semperquirir a atualidade da prestação “as trêsúltimas parcelas, mais as que se vencerem”(Síntese, Revista de Direito de Família, Vol. 32 –p.121).

In casu, míngua a planilha do débito, no destaque deque a sentença açambarcou os idos de 1988, sem notícia deliquidez, tanto das três últimas prestações, como das que sevenceram até a data do prolóquio inquisidor, não incidindo,portanto, caráter alimentar de urgência, indiferente se a dívidadiz respeito à diferença de pensionamento, ou à respectivatotalidade, inclusive se foi objeto de renegociação.

“O devedor de alimentos, para se livrar da prisãocivil, deve pagar as três últimas prestaçõesvencidas à data do mandado de citação e asvincendas durante o processo.Comportável a execução da prestaçãoalimentícia com o procedimento indicado peloart. 733 do CPC, porém concernente apenas aostrês meses anteriores à propositura da ação,devendo o débito remanescente ser pleiteadopela forma prevista no art. 732 do mesmoestatuto processual ...” (In Revista Brasileira deDireito de Família, Síntese, Vol. 24, p.119).

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“Execução de obrigação alimentar – Dívidaacumulada ao longo de 5 anos. Pretensão àsatisfação, na forma do art. 733 do CPC.Impossibilidade. Crédito que, pela próprialongevidade, perde o caráter alimentar deurgência, passível de execução comum (art. 732),salvo as prestações vencidas há menos de trêsmeses do ajuizamento e que, diante dejustificativa plausível do devedor, se possibilitaquitar em parcelas a serem depositadasjuntamente com as vincendas” (Síntese, Vol. 9, P.122).

Nestas condições: Tomo conhecimento do Agravode Instrumento interposto por J. R. S. para desconstituir asentença de 1º grau, por não ser cabível a prisão civil do devedorde alimentos, quando inexistente planilha concernente às trêsúltimas prestações, no momento da propositura da execução,nos termos da Súmula 309, do STJ.

É o voto.

Fortaleza, 26 de março de 2007.

***

ESTADO DO CEARÁPODER JUDICIÁRIO

TRIBUNAL DE JUSTIÇA

Agravo de Instrumento nº 2003.0006.6611-0/0Agravante: Banco do Estado do CearáAgravado: Henrique César Monteiro CarvalhoDes: Ademar Mendes Bezerra

EMENTA: AGRAVO DE INSTRUMENTO.DECISÃO QUE DETERMINA A ABSTENÇÃO DEINSCRIÇÃO DOS NOMES DE DEVEDORES NOS

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CADASTROS DE RESTRIÇÃO AOS CRÉDITOS.CONTRATO CONTROVETIDO EM AÇÃOREVISIONAL. NÃO DEMONSTRAÇÃO DEEXISTÊNCIA DE PARTE INCONTROVERSA.- Havendo discussão judicial acerca dascláusulas contratuais, não é possível a inscriçãodo nome do contratante nos cadastros derestrição ao crédito.- Não se pode exigir, para concessão de medidapreambular restritiva da dita inscrição, odepósito da parte incontroversa, se o agravantenão demonstrou haver, no caso concreto,concordância sobre alguma parcela da dívida ouqual seria seu montante.- Precedentes do Superior Tribunal de Justiça.- Agravo conhecido e improvido.

ACÓRDÃO:

Vistos, relatados e discutidos os presentes autos doAgravo de Instrumento n.º 2003.0006.6611-0/0 contra decisãodo Juízo da 7ª Vara Cível da Comarca de Fortaleza, em quefiguram as partes acima indicadas.

Acorda a Segunda Câmara Cível do Tribunal deJustiça do Ceará, em julgamento unânime, conhecer e negarprovimento ao recurso, nos termos do voto do Relator.

Fortaleza, 28 de setembro de 2005.

RELATÓRIO

Tratam os presentes autos de Agravo de Instrumentointerposto pelo Banco do Estado do Ceará - BEC contra decisãointerlocutória do MM. Juiz da 7ª Vara Cível da Comarca deFortaleza, que determinou à recorrente em se abster de realizara inserção do nome da parte agravada nos cadastros de restriçãoaos créditos.

Sustenta o agravante que a medida contraria o

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ordenamento pátrio vigente, uma vez que teria pago poucasparcelas do contrato avençado e veio a juízo pretendendo reduziros valores mensais das prestações.

Aduz que tal medida lhe tem causado sérios danos.O pedido de efeito suspensivo foi denegado pelo

eminente Desembargador João de Deus Barros Bringel, à época,Presidente desta Corte (fls. 51/52).

Não houve contra-razões, conforme testifica certidãode fls. 55.

O MM. Juiz processante do feito prestou asinformações às fls. 56, pugnando pela manutenção dointerlocutório.

A Procuradoria-Geral de Justiça opinou peloprovimento do recurso (fls. 61/63).

É o Relatório.

VOTO

O cerne da querela consiste em saber se pode oPoder Judiciário compelir as instituições financeiras a nãoinscreverem os nomes de litigantes nos cadastros de restriçãoa créditos.

O posicionamento do Superior Tribunal de Justiçanesse aspecto é oscilante. Com efeito, no Recurso Especial nº527.618, do Rio Grande do Sul, julgado por unanimidade em 22/10/2003, a Segunda Seção daquele tribunal superior assentouentendimento de que somente seria possível a vedação deinscrição caso houvesse depósito realizado pelo devedor da parteincontroversa da dívida. É o que se lê da ementa:

“EMENTA: CIVIL. SERVIÇOS DE PROTEÇÃO AOCRÉDITO. REGISTRO NO ROL DE DEVEDORES.HIPÓTESES DE IMPEDIMENTO.A recente orientação da Segunda Seção desta Corteacerca dos juros remuneratórios e da comissão depermanência (RESP´s nº 271.214-RS, 407.097-RS,420.111-RS), e a relativa freqüência com que

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devedores de quantias elevadas buscam,abusivamente, impedir os registros de seus nomesnos cadastros restritivos de créditos só e só porterem ajuizado ação revisional de seus débitos, semnada pagar ou depositar, recomendam que esseimpedimento deva ser aplicado com cautela,segundo o prudente exame do juiz, atendendo-se àspeculiaridades de cada caso.Para tanto, deve-se ter, necessária econcomitantemente, a presença de três elementos:a) que haja ação proposta pelo devedor contestandoa existência integral ou parcial do débito; b) que hajaefetiva demonstração de que a contestação dacobrança indevida se funda na aparência do bomdireito e em jurisprudência consolidada do SupremoTribunal Federal ou do Superior Tribunal de Justiça;c) que, sendo a contestação apenas de parte dodébito, deposite o valor referente à parte tida porincontroversa, ou preste caução idônea, ao prudentearbítrio do magistrado.O Código de Defesa do Consumidor veio amparar ohipossuiciente, em defesa dos seus direitos, nãoservindo, contudo, de escudo para a perpetuaçãode dívidas.Recurso conhecido pelo dissídio, mas improvido”.

Ocorre que, ao contrário do que se poderia imaginar,tal decisão não pôs fim à divergência de entendimento no SuperiorTribunal de Justiça, havendo decisões posteriores, unânimes dasturmas isoladas defendendo o entendimento de que basta adiscussão judicial do débito para desautorizar a inscrição. É oque se lê nos seguintes julgados:

“PROCESSO CIVIL E ADMINISTRATIVO -INSCRIÇÃO NO CADIN - RECONHECIMENTOPELA CORTE DE ORIGEM DA EXISTÊNCIA DEPROCESSO JUDICIAL A DISCUTIR O DÉBITO QUE

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MOTIVOU A INSCRIÇÃO – INVIABILIDADE DAINSCRIÇÃO - ITERATIVOS PRECEDENTES -iMPOSSIBILIDADE DE VERIFICAÇÃO SE HÁDISCUSSÃO JUDICIAL ACERCA DA DÍVIDA QUEORIGINOU A INSCRIÇÃO, SOB PENA DE AFRONTAÀ SÚMULA N. 7/STJ - RECURSO ESPECIALIMPROVIDO.- Há iterativos precedentes neste Superior Tribunalde Justiça, a demonstrar que, “nos termos dajurisprudência desta Corte, estando a dívida em juízo,inadequada em princípio a inscrição do devedor nosórgãos controladores de crédito” (REsp n. 180.665-PE, Rel. Min. Sálvio de Figueiredo Teixeira, in DJ de3/11/98). De igual modo, o douto Ministro BarrosMonteiro consignou que, “encontrando-se pendentede julgamento o litígio instaurado entre as partesacerca do alongamento do débito, não se justifica oregistro do nome do devedor no CADIN ou qualqueroutro órgão cadastral de proteção ao crédito” (REspn. 217.629-MG, in DJ de 11/9/2000). A colenda 1ªTurma também já assentou “que a jurisprudênciadesta Corte consolidou-se no sentido de que adiscussão judicial do débito impede a inscrição dodevedor em cadastros de inadimplentes” (AGREspn. 501.801-RS, Rel. Min. Francisco Falcão, in DJde20/10/2003).- De qualquer modo, cumpre registrar que apreciara natureza da dívida objeto do litígio judicial significaarredar do âmbito de cognição do recurso especial,pois necessário seria o reexame do conjuntoprobatório para se verificar se há discussão judicialda dívida que ensejou a inclusão do nome dacontribuinte no CADIN, o que encontra óbice noenunciado da Súmula n. 7 deste Sodalício (“Apretensão de simples reexame de prova não ensejarecurso especial”).- Recurso especial improvido.

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(RESP 285097 / PB ; RECURSO ESPECIAL 2000/0110828-0 Ministro FRANCIULLI NETTO T2 -SEGUNDA TURMA 25/11/2003 DJ 22.03.2004 p. 269)

* * *

PROCESSUAL CIVIL - SFH - MEDIDA CAUTELAR -EXECUÇÃO EXTRAJUDICIAL - SUSPENSÃO -PRECEDENTES DO STJ.- Esta eg. Corte pacificou o entendimento no sentidode que, havendo ação em juízo para discutir a dívidarelativa às prestações do SFH, fica suspensa aexecução extrajudicial e vedado o lançamento donome do mutuário-devedor nos bancos de dados deproteção ao crédito.- Recurso especial não conhecido.(RESP 584631 / PB ; RECURSO ESPECIAL 2003/0161493-0 Ministro FRANCISCO PEÇANHAMARTINS T2 - SEGUNDA TURMA 19/10/2004 DJ01.02.2005 p. 493)

No presente caso, porém, não vislumbro sequer apossibilidade de aplicação do entendimento jurisprudencial daSegunda Seção do Superior Tribunal de Justiça – como busca oagravante -, pois, na peça de interposição, não há a indicaçãoou comprovação de que o autor da revisional tenha reconhecidoalguma parte do débito advindo do contrato, de cujas cláusulasse busca a revisão ou, ainda, se estaria inadimplida tal parteincontroversa.

Ademais, parece-me inquestionavelmente presentesos pressupostos autorizadores da concessão da antecipaçãode tutela, proibitiva das inscrições nos cadastros.

Por tais razões, conheço o presente agravo, porpreencher os pressupostos processuais intrínsecos eextrínsecos, para negar-lhe provimento, pelas razões de direitojá declaradas.

É como voto.

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Fortaleza, 28 de setembro de 2005.

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ESTADO DO CEARÁPODER JUDICIÁRIO

TRIBUNAL DE JUSTIÇA

N° 2003.0013.1722-4/0 AGRAVO DE INSTRUMENTO DEFORTALEZAAgravante: REAL PREVIDÊNCIA E SEGUROS S/AAgravada: MARIA ELIZABETE PINHEIRO JUCÁRELATOR: DES. FRANCISCO DE ASSIS FILGUEIRAMENDES

EMENTA: AGRAVO DE INSTRUMENTO CONTRADECISÃO QUE INDEFERIU REQUERIMENTODE PROVA PERICIAL, ANUNCIANDO OJULGAMENTO ANTECIPADO DA LIDE.NECESSIDADE DE PERÍCIA MÉDICA PARACONSTATAÇÃO DE INVALIDEZ POR DOENÇAHÁBIL A ENSEJAR O PAGAMENTO DEBENEFÍCIO SECURITÁRIO.I – Merece reforma a decisão recorrida quedispensou a realização de perícia médica emsede de ação de cumprimento contratual comviso à obtenção de indenização securitária emvirtude de invalidez por doença, tendo em vistaque a concessão da aposentadoria por invalidezpelo INSS não constitui presunção absoluta dainvalidez total e permanente por doença,mormente quando ausente nos autos o laudopericial daquela instituição previdenciária.II – Tratando-se o contrato de seguro de umcontrato de garantia, deve restarinequivocamente comprovada a ocorrência dainvalidez total e permanente por doença, tal

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como contratualmente definida, mostrando-seindispensável, no presente caso, a realização deperícia para a constatação da ocorrência ou nãodo risco contratualmente assumido pelaseguradora, hábil a ensejar o pagamento dobenefício securitário.AGRAVO CONHECIDO E PROVIDO.

Vistos, relatados e discutidos estes autos deagravo de instrumento nº. 2003.0013.1722-4/0 de Fortaleza, emque são partes as acima indicadas.

ACORDA a 2ª Câmara Cível do Tribunal de Justiçado Estado do Ceará, por votação unânime, em conhecer dorecurso, para dar-lhe provimento.

Cuida-se de agravo de instrumento interposto porREAL PREVIDÊNCIA E SEGUROS S/A em face de MARIAELIZABETE PINHEIRO JUCÁ, tendo em vista sua irresignaçãofrente à decisão do MM. Juiz da 30ª Vara Cível da Comarca deFortaleza, que indeferiu a prova pericial requerida pela parte ré,ora agravante, anunciando o julgamento antecipado da lide.

Defende a agravante a indispensabilidade darealização de perícia médica no presente caso, em que a autora-agravada pleiteia indenização por invalidez permanente emvirtude de doença, com lastro no contrato de cobertura securitáriafirmado entre as partes.

Sustenta o equívoco do magistrado de primeiro grauao deliberar pela desnecessidade de prova pericial, sob alegar asuficiência da prova documental atestando o deferimento à autorade aposentadoria por invalidez pelo Instituto Nacional do SeguroSocial (INSS), uma vez que a concessão do referido benefícioproduz apenas efeitos de ordem previdenciária, não tendo ocondão de provar a ocorrência de invalidez total e permanentepara fins de obtenção da indenização securitária.

Por fim, ressalta a agravante que arcariaintegralmente com os custos da produção da prova pericial, nãohavendo, portanto, qualquer ônus para a autora.

Juntou os documentos de fls. 12/212.

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Às fls. 218/220 repousa decisão de meu antecessornesta relatoria denegando o efeito suspensivo requestado pelarecorrente e determinando a prestação de informações pelo juízoagravado, bem como a formação do contraditório.

Decorrido o prazo legal, não foram prestadas asinformações nem apresentada contraminuta, conformecertificado à fl. 226.

À fl. 227 determinou-se fossem estes autosapensados aos da Apelação Cível nº 2004.0012.4510-8/0, osquais, brevemente compulsados, permitiram-me terconhecimento do julgamento de procedência da ação decumprimento contratual tramitante no primeiro grau de jurisdição,uma vez que não fora concedido pelo meu antecessor o efeitosuspensivo requerido pela agravante.

Às fls. 230/237 manifestou-se a douta ProcuradoriaGeral de Justiça pelo conhecimento e desprovimento do presenteAgravo.

É o relatório.

Preludialmente, impende ressaltar que, inobstante oproferimento de sentença no feito originário, objeto da ApelaçãoCível nº 2004.0012.4510-8/0, mister se faz, por óbvio, o julgamentoprévio deste Agravo de Instrumento, considerando suaprejudicialidade frente ao recurso apelatório.

Destarte, a análise do presente recurso cinge-se tão-somente à questão da necessidade ou não de produção de provapericial no bojo da ação de cumprimento contratual que tramitouno primeiro grau de jurisdição.

Não há de prevalecer, em meu sentir, a decisãoagravada.

Não obstante a prova se destine a formar o livreconvencimento do juiz, tendo este, nos moldes do art. 130 doCPC, o poder de determinar as provas necessárias à instruçãodo processo, indeferindo as diligências inúteis ou meramenteprotelatórias, entendo que, no presente caso, faz-seimprescindível a produção de prova pericial.

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Frise-se, por oportuno, que a atitude do magistradode julgar antecipadamente a lide, per se, não configura teratologia.Entendendo o julgador já existirem elementos suficientes àformação de seu convencimento, nenhum óbice há para quedispense a produção de provas que entenda desnecessárias.

Não me parece, porém, que diante daspeculiaridades do presente caso, devesse ter sido dispensadaa produção da prova pericial.

A autora, ora agravada, ajuizou ação de cumprimentocontratual com viso a receber indenização securitária em virtudede invalidez por doença, acostando à exordial atestados médicosnoticiadores de sua laringopatia, bem como informação do INSSacerca da concessão de aposentadoria por invalidez por aquelaautarquia previdenciária.

Concluindo o MM. Juiz pela suficiência do documentodo INSS para fins de prova da invalidez da autora, anunciou ojulgamento antecipado da lide, decisão esta objeto da presenteinconformação.

No caso em tablado, não considero a comunicaçãodo ato aposentatório pelo INSS como presunção absoluta dainvalidez da autora.

Não há que se confundir o benefício de índoleprevidenciária com a obrigação civil da seguradora, decorrentedo contrato, de pagar indenização à segurada.

Para que reste caracterizada a referida obrigação,mister se faz a comprovação da ocorrência da circunstânciageradora do direito à indenização, qual seja, a invalidez total epermanente por motivo de doença, assim considerada pelacláusula nº 5.4.1 do Anexo I do contrato de seguro de vida emgrupo:

“5.4.1 Entende-se por Invalidez Total e Permanentepor Doença aquela para a qual não se possa esperarrecuperação ou reabilitação com os recursosterapêuticos disponíveis no momento de suaconstatação e que impeça o segurado de exercerqualquer atividade laborativa condizente com sua

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idade, profissão e condição cultural.”

Desta sorte, a mera comunicação de aposentadoriapor invalidez pelo INSS revela-se imprestável como prova deque a autora possua a invalidez total e permanente nos termosdefinidos no contrato.

Saliente-se que consta dos autos apenas acorrespondência informativa do ato aposentatório, mas não olaudo pericial que serviu de base para a concessão daaposentadoria, o que não nos permite saber em que termos foideclarada a moléstia da autora, nem se foi feita alguma ressalvaquanto à essa declaração.

É que existem casos em que pode haver umareversão do quadro apresentado pelo portador da doença, daí anecessidade da perícia médica, a fim de avaliar se realmente setrata de doença que acarrete invalidez total e permanente, ouseja, não pode haver reversibilidade do quadro e a limitaçãoprecisa ser total, devendo estar presentes os dois requisitosconcomitantemente.

A par da inexistência nos autos de laudo pericial doINSS, a exigência da realização de perícia médica no caso decontrovérsia acerca da doença foi contratualmente estabelecidana cláusula nº 5.4.2, assim rezante:

“5.4.2 Divergências sobre a causa ou natureza dadoença, bem como a avaliação da incapacidadedeverão ser submetidas a uma junta médicaconstituída por três membros, sendo um nomeadopela seguradora, outro pelo segurado, e um terceiro,desempatador, escolhido pelos dois nomeados. Oshonorários do desempatador serão pagos em partesiguais pelo Segurado e pela Seguradora.”

Assim, a realização de perícia médica mostra-seimprescindível para determinar a efetiva existência e real extensãoda invalidez da autora, permitindo a constatação acerca do direitoao pagamento do seguro, haja vista que a seguradora só pode

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ser obrigada pelos riscos contratualmente assumidos.Nesse sentido, a abalizada opinião doutrinária:

“Além de adotar a noção de interesse segurável, oCódigo Civil de 2002 também inovou positivamenteao explicitar que a função de segurador é garantiralgo. Tal como se apresentava a definição do CódigoCivil de 1916, a impressão que se tinha era a de queo segurador só teria um dever de indenização acumprir no futuro, na hipótese eventual de ocorrênciade prejuízos resultantes de um sinistro. Esse dever,contudo, não é o único e talvez nem seja o maisimportante.(...)(...) o segurador tem outro dever importante acumprir: a prestação de garantia, consubstanciadana transferência, para ele, do risco que aflige osegurado. Para que esse dever seja cumpridoadequadamente, o segurador deve dispor deprovisões, cujo valor será mensurado em função doconjunto de riscos a ele transferidos pela massa desegurados. (...)” (RIBEIRO, Amadeu Carvalhaes. In“Direito de Seguros: Resseguro, Seguro Direto eDistribuição de Serviços”, pp. 62/63, Editora Atlas,São Paulo, 2006)

Em tal prumo, visando à necessária averiguaçãosobre a concretização do risco contratualmente assumido pelaseguradora, hábil, portanto, a obrigá-la ao pagamento do benefíciosecuritário, deverão os autos da Apelação Cível em apenso(processo nº 2004.0012.4510-8) retornar à unidade jurisdicionalde origem para a realização da perícia médica.

Isto posto, toma-se conhecimento do presenteAgravo de Instrumento, para dar-lhe provimento, desconstituindoa sentença proferida nos autos da ação de cumprimentocontratual de nº 2001.02.42085-8 e devolvendo-se os autos aojuízo a quo para a realização da perícia.

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Fortaleza, 4 de julho de 2007.

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ESTADO DO CEARÁPODER JUDICIÁRIO

TRIBUNAL DE JUSTIÇA

N° 2006.0016.8160-5/0 AGRAVO DE INSTRUMENTO DEFORTALEZAAgravantes: CHARLES ROBSON DOURADO DE MACEDO,FRANCISCO JARDAS SAMPAIO DE SOUSA, JOSÉMAURÍCIO CAVALCANTE DA COSTA, RENATO FERNANDESFONTENELE e FLÁVIO HENRIQUE MACEDO PINTOAgravado: INSTITUTO DR. JOSÉ FROTA - IJFRELATOR: DES. FRANCISCO DE ASSIS FILGUEIRAMENDES

EMENTA: AGRAVO DE INSTRUMENTO CONTRADECISÃO QUE INDEFERIU ANTECIPAÇÃO DETUTELA CONTRA A FAZENDA PÚBLICA. PEDIDODE EQUIPARAÇÃO VENCIMENTAL EIMPLANTAÇÃO DE PISO SALARIAL DA ORDEMDE SETE SALÁRIOS MÍNIMOS.IMPOSSIBILIDADE. VEDAÇÃO PELA LEI Nº9.494/97 DE SE DEFERIR ANTECIPAÇÃO DETUTELA CONTRA A FAZENDA PÚBLICA A FIM DECONCEDER EQUIPARAÇÃO VENCIMENTAL EESTENDER VANTAGENS PECUNIÁRIAS ASERVIDORES PÚBLICOS.I – Irreprochável revela-se o decisum de 1º grauque indeferiu requesto de antecipação de tutelaformulado pelos ora recorrentes no sentido delhes ser implantado em folha o piso salarial desete salários mínimos, estendendo-lhes, assim,as vantagens já reconhecidas a outrosservidores públicos, apontados como

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paradigmas.II – Repetindo a dicção das Leis 4.348/64 e 8.437/92, a Lei nº 9.494/97 estendeu à antecipação detutela a vedação de ser concedida contra aFazenda Pública quando tiver por fito areclassificação ou equiparação de servidorespúblicos, ou a concessão de aumento ouextensão de vantagens.AGRAVO CONHECIDO E DESPROVIDO.

Vistos, relatados e discutidos estes autos deagravo de instrumento nº. 2006.0016.8160-5/0 de Fortaleza, emque são partes as acima indicadas.

ACORDA a 2ª Câmara Cível do Tribunal de Justiçado Estado do Ceará, por votação unânime, em conhecer dorecurso, para negar-lhe provimento.

Cuida-se de agravo de instrumento interposto porCHARLES ROBSON DOURADO DE MACEDO, FRANCISCOJARDAS SAMPAIO DE SOUSA, JOSÉ MAURÍCIO CAVALCANTEDA COSTA, RENATO FERNANDES FONTENELE e FLÁVIOHENRIQUE MACEDO PINTO adversando decisão interlocutóriada lavra da MM. Juíza da 5ª Vara da Fazenda Pública que, emsede de ação ordinária declaratória, indeferiu o pedido deantecipação de tutela formulado pelos requerentes no sentidode lhes ser concedido reajuste vencimental da ordem de setesalários mínimos, equiparando-os, assim a outros servidores,paradigmas, que já percebem essa remuneração, e prestigiando-se o princípio constitucional da isonomia.

Entendeu a douta magistrada a quo que odeferimento da tutela requestada configuraria ofensa às Leis nºs8.437/92 e 4.348/64, que vedam a concessão de medida liminarque tenha por objeto a reclassificação ou equiparação deservidores públicos, ou concessão de aumento ou extensão devantagens.

Em sua irresignação instrumental, os agravantesrenovam a tentativa de demonstrar a verossimilhança de suasalegações, apontando a necessidade de dar-se cumprimento,

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igualitariamente, ao Decreto Municipal nº 7.153/85, que instituiuo piso salarial de sete salários mínimos aos médicos do Municípiode Fortaleza.

Propriamente no que pertine aos fundamentos dodecisum recorrido, limitam-se a sustentar a inaplicabilidade daLei nº 4.348/64, uma vez que suas vedações aludem apenas àconcessão de vantagens, equiparação ou reclassificaçãofuncional relacionadas a servidores públicos, quando, emverdade, o que pretendem é tão-somente o reconhecimento deum direito previsto no citado decreto municipal, já asseguradopelo Judiciário a outros servidores.

Às fls. 63 determinei a formação do contraditório,com a intimação da parte agravada para oferecimento decontraminuta.

Contraminuta apresentada às fls. 72/76, forte emdefender a impossibilidade de deferimento de antecipação detutela no caso em tela, que trata de aumento de remuneraçãode servidor público, bem como em apontar prejuízo ao eráriopúblico municipal caso fosse constrangido a implantar o pisosalarial pleiteado pelos agravantes, de maneira provisória, semprévia dotação orçamentária.

É o sucinto relatório.

Revela-se absolutamente irreprochável a decisãoagravada, proferida que foi em consonância com os cânoneslegais.

Ao contrário do que alegam os recorrentes, não hácomo afastar a aplicabilidade da Lei nº 4.348/64 ao presente caso,uma vez envolver pedido de antecipação de tutela com o escopode obter equiparação vencimental de servidores públicos.

Nenhuma dúvida há de que os agravantes sãoservidores públicos, lotados no Instituto Dr. José Frota, hospitalcomponente da Administração Indireta na qualidade de autarquiamunicipal, estando sujeitos ao regime estatutário.

Igualmente indubitável que sua pretensão consisteno reconhecimento do direito à equiparação vencimental com

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servidores apontados como paradigmas, a fim de lhes serimplantado em folha o piso salarial da ordem de 7 (sete) saláriosmínimos, fixado pelo Decreto Municipal nº 7.153/85 em favor daclasse médica.

Desta sorte, mostram-se inafastáveis os óbiceslegais que estabelecem vedações à concessão de liminares emgeral contra a Fazenda Pública, dentre outras hipóteses, quandovisem à reclassificação ou equiparação de servidores públicos,ou à concessão de aumento ou extensão de vantagens.

No tocante à aplicação à tutela antecipada dasmesmas restrições relativas a liminares e cautelares contra aFazenda Pública, por esclarecedor, citamos o ensinamento deLeonardo José Carneiro da Cunha:

“O sistema processual pátrio cuidou de unificar osprovimentos de urgência, confinando-os numa ordemúnica. Assim, seja a tutela antecipada, seja a medidacautelar, seja a ação cautelar, todas se subordinamàs mesmas regras, inclusive no que respeita àsvedações inscritas na Lei nº 8.437/1992, tanto que aLei nº 9.494/1997 as estende, irrestritamente, para atutela antecipada.(...) OmissisRealmente, as disposições restritivas de liminarese cautelares contra a Fazenda Pública restaramestendidas às hipóteses de antecipação de tutela,mercê da edição da Lei nº 9.494, de 10 de setembrode 1997, consoante se observa do seu art. 1º, queestabelece:‘Art. 1º. Aplica-se à tutela antecipada prevista nosarts. 273 e 461 do Código de Processo Civil odisposto nos arts. 5º e seu parágrafo único e 7º daLei nº 4.348, de 26 de junho de 1964, no art. 1º e seu§ 4º da Lei nº 5.021, de 09 de junho de 1966, e nosarts. 1º, 3º e 4º da Lei nº 8.437, de 30 de junho de1992.’Vale dizer que não se afigura cabível a tutela

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antecipada contra a Fazenda Pública nos seguintescasos:a) quando tiver por fito a reclassificação ouequiparação de servidores públicos, ou a concessãode aumento ou extensão de vantagens (Lei nº 4.348/1964, art. 5º). Nesse caso, além de vedada aantecipação de tutela, a sentença final somentepoderá ser executada após o trânsito em julgado (Leinº 4.348/1964, art. 5º, parágrafo único), exatamenteporque o recurso de apelação e o reexamenecessário têm efeito suspensivo (Lei nº 4.348/1964,art. 7º; Lei nº 8.437/1992, art. 3º);(...)c) quando objetivar a reclassificação ou equiparaçãode servidores públicos, bem assim a concessão deaumento ou extensão de vantagens (Lei nº 5.021/1966, art. 1º);(...)Todas essas regras são repetidas e reforçadas peloart. 2º-B da Lei nº 9.494/1997, na redação conferidapela Medida Provisória nº 2.180/2001, que deixoude ser reeditada, valendo até ser convertida em lei,a teor da EC nº 32/2002:‘Art. 2º-B. A sentença que tenha por objeto a liberaçãode recurso, inclusão em folha de pagamento,reclassificação, equiparação, concessão deaumento ou extensão de vantagens a servidores daUnião, dos Estados, do Distrito Federal e dosMunicípios, inclusive de suas autarquias efundações, somente poderá ser executada após seutrânsito em julgado.” (Cunha, Leonardo JoséCarneiro. In “A Fazenda Pública em Juízo”, 4ª edição,pp. 219-221, Editora Dialética, São Paulo, 2006).

Ressalte-se que o Supremo Tribunal Federal jáafirmou, no bojo da Ação Declaratória de Constitucionalidade nº4, ser constitucional o art. 1º da Lei nº 9.494/1997, decisão esta

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que produz eficácia erga omnes e efeito vinculante quanto aosdemais órgãos do Poder Judiciário e ao Poder Executivo, nostermos do art. 102, § 2º da Carta Magna.

Assim, laborou em acerto a ilustre jurisdicenteprimária ao indeferir o requesto antecipatório de tutela, uma vezque, caso atuasse da maneira contrária, proferindo decisãoconcessiva, estaria iniludivelmente afrontando a decisão tomadapela Corte Maior na ADC nº 4 que, repise-se, tem força vinculante,podendo seu desrespeito ensejar inclusive reclamação ao STF,a fim de assegurar o cumprimento de sua decisão.

Diante do exposto, toma-se conhecimento dopresente agravo de instrumento, para negar-lhe provimento,mantendo inalterada a decisão de 1º grau.

Fortaleza, 18 de abril de 2007.

***

ESTADO DO CEARÁPODER JUDICIÁRIO

TRIBUNAL DE JUSTIÇA

AGRAVO DE INSTRUMENTO DE FORTALEZA Nº2006.0018.2930-0/0Agravante: ARCOS – ARQUITETURA, CONSTRUÇÃO ESANEAMENTO LTDAAgravados: ANTÔNIO DE PÁDUA FERREIRA DE SOUSA eMIRNA ROCHA TORRES DE SOUSARELATOR: DES. FRANCISCO DE ASSIS FILGUEIRAMENDES

EMENTA: CIVIL. PROCESSUAL CIVIL.RESOLUÇÃO CONTRATUAL. ALEGAÇÃO DENULIDADE DA PERÍCIA POR INOBSERVÂNCIADO ART. 421 DO CPC. REJEIÇÃO EM FACE DAPOSSIBILIDADE DE SANAR O DEFEITOMEDIANTE ABERTURA DE PRAZO PARAINDICAÇÃO DE ASSISTENTE TÉCNICO E

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FORMULAÇÃO DE QUESITOS. PRELIMINAR DECARÊNCIA DE AÇÃO EM VIRTUDE DECONVENÇÃO DE ARBITRAGEM NÃOAPRECIADA. NECESSIDADE DE DELIBERAÇÃOPRÉVIA.I – Não há de prevalecer a pretensão daagravante de anular o processo desde arealização da perícia sob alegação deinobservância do art. 421 do CPC, o que, comefeito, feriu o devido processo legal, razão pelaqual merece ser cassada a decisão hostilizada,sem, contudo, determinar-se a anulação da provapericial, uma vez que, na ratio do princípio nepas de nullité sans grief, a validade da provadeverá subsistir mediante a abertura de prazopara as partes indicarem assistente técnico eformularem quesitos.II – Impõe-se, ainda, a desconstituição dodecisum guerreado em virtude de não ter sidopreviamente apreciada a preliminar prevista noart. 302, IX do CPC, referente à existência deconvenção de arbitragem entre as partes, que,caso acolhida, conduziria à extinção do processosem resolução de mérito.III – Mantém-se, assim, a validade do laudopericial apresentado, desde que ensejado ocumprimento do art. 421, o que só seperfectibilizará após a deliberação da preliminarargüida, acaso rejeitada.AGRAVO CONHECIDO E PARCIALMENTEPROVIDO.

Vistos, relatados e discutidos estes autos deagravo de instrumento nº. 2006.0018.2930-0/0 de Fortaleza, emque são partes as acima indicadas.

ACORDA a 2ª Câmara Cível do Tribunal de Justiçado Estado do Ceará, por votação unânime, em conhecer do

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recurso, para dar-lhe parcial provimento, nos termos do voto doRelator.

Cogita-se de agravo de instrumento interposto porARCOS – ARQUITETURA, CONSTRUÇÃO E SANEAMENTOLTDA em face de ANTÔNIO DE PÁDUA FERREIRA DE SOUSAe MIRNA ROCHA TORRES DE SOUSA, adversando decisãointerlocutória da lavra do ilustre Juiz Titular da 11ª Vara Cível daComarca de Fortaleza que, em sede de ação ordinária deresolução contratual intentada pelos autores contra a orarecorrente, deferiu parcialmente a antecipação dos efeitos datutela pretendida.

A ação ajuizada pelos autores, aqui agravados, tempor objeto a resolução do contrato de promessa de compra evenda de unidade habitacional, em virtude de seu alegadodescumprimento pela promovida, uma vez que o apartamentonão foi entregue no prazo avençado.

Requereram, em sua peça prístina, antecipação detutela visando às seguintes providências:

a) A sustação dos pagamentos decorrentes docontrato;

b) A vedação de inclusão de seus nomes nos órgãosde proteção ao crédito, bem como a proibição de protesto dostítulos representativos da dívida discutida;

c) A determinação de depósito judicial, pela requerida,no valor de R$ 50.951,43 (cinqüenta mil, novecentos e cinqüentae um reais e quarenta e três centavos), correspondente à quantiajá paga pelos autores.

O jurisdicente primário, numa primeira análise,deferiu apenas os dois primeiros pedidos, denegando o último,por entender que não estava presente, até aquele momento, aprova inequívoca da verossimilhança das alegações,determinando, ainda, a realização de perícia por engenheiro civila ser indicado por este Tribunal, tendo em vista a impossibilidadede os autores arcarem com os custos da prova.

Com a apresentação do laudo pericial, aquelejulgador considerou suprido o requisito até então ausente, o queo motivou a conceder a antecipação de tutela para determinar

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que a demandada procedesse ao depósito judicial da quantia deR$ 24.405,38 (vinte e quatro mil, quatrocentos e cinco reais etrinta e oito centavos), referente ao valor pago pelos autores atítulo de sinal do contrato, bem como para que apresentasse emjuízo bens de sua propriedade, no valor relativo às trinta e oitoparcelas já pagas, que ficariam indisponíveis até o deslinde daação, como garantia do futuro cumprimento de sentença, acasofavorável aos autores.

A agravante sustenta a nulidade do decisumvergastado em virtude de ter se baseado em laudo pericialapresentado por perito não nomeado pelo juiz e sem que fosseoportunizado às partes a indicação de assistentes técnicos eformulação de quesitos, maculando-se, assim, o devido processolegal, tendo em vista a ofensa ao art. 421 do CPC.

Alega, outrossim, que a decisão guerreada nãopoderia ter sido prolatada sem que fosse analisada a preliminarde carência de ação suscitada na contestação.

Pugna, ao final, pelo provimento do recurso nosentido de determinar a anulação do processo a partir darealização da perícia e a apreciação, pelo juízo de origem, dapreliminar argüida.

Às fls. 107/108 indeferi o efeito suspensivorequestado, determinando a formação do contraditório.

Os agravados acostaram contraminuta às fls. 119/130, aduzindo que, em observância aos princípios daproporcionalidade, razoabilidade e economia processual, aperícia realizada não deveria ser anulada, uma vez que uma novaperícia não mudaria a realidade fática constatada pela primeira,mas tão-somente protelaria a solução do conflito, malferindo oprincípio constitucional da razoável duração do processo eagravando a situação dos recorridos, prejudicados que estãocom o inadimplemento contratual por parte da agravada.

Afirma que a nulidade não deverá ser decretada senão houve prejuízo, consignando, ainda, que, não estando o juizadstrito ao laudo pericial, não se pode concluir que sua convicçãotenha sido formada com base nele apenas.

Por fim, argumenta que a preliminar suscitada será

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apreciada posteriormente e que poderá o juízo a quo abrir prazopara quesitação e indicação de assistente técnico, tornandodesnecessária, portanto, a realização de nova perícia.

É o relatório.

Muito embora o juiz, na formação de seuconvencimento, não fique adstrito ao laudo pericial, há de sereconhecer, in casu, que a decisão atacada sofreu profundainfluência da prova pericial, na medida em que o próprio julgadoratribuiu à perícia o preenchimento do último requisito faltante paraa concessão da tutela antecipada, qual seja, a prova inequívocada verossimilhança da alegação.

Nesse contexto é que a agravante aponta a nulidadeda decisão, proferida com base em laudo pericial apresentadopor perito não nomeado pelo juízo, bem como sem atender aoart. 421 do CPC.

Quanto à alegação de que o perito não fora nomeadopelo juiz, esta não há de prevalecer. O próprio magistrado, dianteda constatação de que os autores não podiam arcar com oscustos da perícia, determinou o oficiamento ao Tribunal a fim deque fosse indicado um engenheiro civil integrante de seu quadrofuncional para a realização da perícia a título gratuito, podendo-se concluir, por óbvio, que o profissional que viesse a ser indicadoseria aquele eleito pelo juízo para o múnus, mostrando-seimprosperável a tentativa de anulação da perícia com base namera ausência de nomeação expressa do perito.

No tocante à alegada ofensa ao devido processolegal, consubstanciada na inobservância do art. 421 do CPC,forçoso é reconhecer a sua ocorrência.

Com efeito, o MM. Juiz determinou a realização daperícia sem previamente facultar às partes a indicação deassistente técnico e a formulação de quesitos.

Contudo, o não atendimento do art. 421 do CPC, emmeu sentir, não implica necessariamente a nulidade da provapericial produzida.

Os atos processuais devem ser aproveitados tanto

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quanto possível. Em homenagem aos princípios constitucionaisda razoabilidade e da economia processual, entendo que o laudopericial deve ser preservado e considerada válida, assim, a provapericial, desde que se oportunize às partes a quesitação eindicação de assistentes técnicos.

Em seu art. 435, o Diploma Processual Civil prevê apossibilidade de apresentação de quesitos pela parte e prestaçãoposterior de esclarecimentos pelo perito e pelo assistente técnico.Desta sorte, entendo que a observância do art. 421 do CPC,ainda que realizada em momento posterior ao previsto nodispositivo mencionado, tem o condão de suprir a omissão judicialno presente caso, preservando-se, assim, a prova produzida,sem mácula ao devido processo legal.

Nesse prisma, apenas a decisão guerreada há deser cassada, sem que se anule, como pretende a agravante,todo o processo desde a prova pericial.

Tal solução prestigia, indiscutivelmente, os princípiosda razoabilidade e da economia processual, haja vista que aperícia foi realizada por Engenheiro Civil do Departamento dePlanejamento e Coordenação deste Tribunal, que laborou comeficiência e a título gratuito, não sendo razoável, portanto, anular-se a prova, tornando vão todo o labor produzido, se existe umaalternativa que pode preservá-lo, corrigindo a omissão dojurisdicente primário e prestigiando o devido processo legal, naratio do princípio ne pas de nullité sans grief, ou seja, não hánulidade sem prejuízo.

A segunda questão levantada pela agravante emsuas razões recursais refere-se à ausência de análise edeliberação judicial sobre a preliminar de carência de açãosuscitada na contestação, relativa à existência de convençãode arbitragem, como se verifica na cláusula 15.2 do contrato depromessa de compra e venda de imóvel.

Da leitura conjunta dos arts. 327 e 328 do CPC extrai-se que, se o réu alegar qualquer das matérias enumeradas noart. 301, não havendo necessidade de providências preliminaresou após o cumprimento delas, o juiz proferirá julgamentoconforme o estado do processo, o que levará a três possíveis

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decisões, quais sejam:I – a extinção do processo (art. 329);II – o julgamento antecipado da lide (art. 330);III – o saneamento do processo (art. 331).Se, cumpridas as providências preliminares,

subsistirem defeitos insupríveis, como a ausência de algumpressuposto processual ou de alguma condição da ação, nãohaverá o despacho saneador propriamente dito, mas a extinçãodo processo.

É que o saneamento do feito não se concentra emum só momento, consistindo em toda uma fase saneatória queprecede a fase instrutória.

Não obstante sejam identificados na decisãohostilizada o primor e a percuciência característicos domagistrado que a proferiu, é de se reconhecer a sua omissãona análise da preliminar prevista no inciso IX do art. 301 do CPC,que, acaso acolhida, conduziria à extinção do processo, daíporque imperativa sua apreciação antes de iniciada a faseinstrutória.

Sobre o assunto, eis a ensinança ilustre de HumbertoTheodoro Júnior:

“As questões que integram o objeto do despachosaneador (regularidade do feito por ausência devícios da relação processual) não podem serrelegadas para exame e deliberação em outra fasedo procedimento. A sentença final deve ser proferidaapenas sobre o mérito. E o juiz só deve autorizar aabertura da fase probatória depois de eliminadostodos os vícios processuais acaso existentes ereconhecida, pelo saneador (ou o conjunto dasdecisões que dele se ocupam), a admissibilidade datutela jurisdicional invocada.Assim, o despacho saneador deve ser havido comouma decisão interlocutória que contenha a tríplicedeclaração positiva de:a) admissibilidade do direito de ação, por

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concorrerem as condições da ação, sem as quaisnão se legitima o julgamento de mérito;b) validade do processo, por concorrerem todos ospressupostos e requisitos necessários à formaçãoe desenvolvimento válido da relação processual;c) deferimento de prova oral ou pericial”. (Autor cit.,Curso de Direito Processual Civil, Vol. I, p. 453, 43ªedição, Forense, Rio de Janeiro, 2005).

Ante todo o exposto, toma-se conhecimento dopresente agravo de instrumento, para dar-lhe parcial provimento,restando cassada a decisão vergastada e preservando-se avalidade do laudo pericial, desde que ensejado o cumprimentodo art. 421 do CPC, tudo após a deliberação acerca da preliminarsuscitada, se rejeitada for.

Fortaleza, 18 de julho de 2007.

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HABEAS CORPUS CÍVEL

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ESTADO DO CEARÁPODER JUDICIÁRIO

TRIBUNAL DE JUSTIÇA

PROCESSO Nº 2005.0023.9932-8/0HABEAS CORPUS CÍVELIMPETRANTE: DEUSIMAR LUIZ DE OLIVEIRAIMPETRANTE: JOSÉ JALES DE FIGUEIREDO JÚNIORIMPETRADO: JUÍZO DA 2ª VARA CÍVEL DA COMARCA DEFORTALEZAPACIENTE: FIRMINO TELES DE MENEZESÓRGÃO JULGADOR: 3ª CÂMARA CÍVELRELATOR: DES. CELSO ALBUQUERQUE MACÊDO

EMENTA: HABEAS CORPUS. PRISÃO CIVIL.DEPOSITÁRIO INFIEL. CÓPIA DO DECRETOPRISIONAL. AUSÊNCIA. INSTRUÇÃODEFICIENTE. EXAME INVIÁVEL. HABEASCORPUS NÃO CONHECIDO. Não há nos autosqualquer elemento indicativo da ilegalidade damedida impugnada ou mesmo de que omagistrado a quo tenha atuado com abuso depoder, olvidando-se a parte autora de trazer aosautos o inteiro teor da decisão que determinoua prisão civil do paciente. Diante da insuficiênciade instrução do writ, não se pode avaliar alegalidade, ou não, dos fundamentos expendidospelo magistrado singular. Precedentes doSuperior Tribunal de Justiça e do SupremoTribunal Federal.

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos estes autos, acorda aTURMA JULGADORA DA TERCEIRA CÂMARA CÍVEL DOTRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DO CEARÁ, por votaçãounânime, em não conhecer do pedido de habeas corpus,

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em razão da deficiente instrução do writ, o que inviabiliza suaapreciação meritória, nos termos do voto do Relator, que fazparte desta decisão.

RELATÓRIO

Cuida-se de HABEAS CORPUS impetrado em favorde FIRMINO TELES DE MENEZES por meio de seusprocuradores, com o escopo de resguardar sua liberdade emface de ordem de prisão civil oriunda do JUÍZO DA 2ª VARA CÍVELDA COMARCA DE FORTALEZA.

Consta dos autos que o paciente ajuizou ação deexecução em face da INDÚSTRIA DE BENEFICIAMENTO SÃOFRANCISCO LTDA (Processo nº 2005.0003.3880-1), no cursoda qual teria sido procedida a penhora de bens da parteexecutada, com a subseqüente nomeação do exeqüente-paciente como depositário judicial. Em razão da exceção de pré-executividade apresentada pela parte adversa, o juízo a quodeterminou a restituição dos bens ao status quo ante. O oficialde justiça do juízo a quo certificou que deixou de cumprir ocorrespondente mandado de restituição de bens, pois nãolocalizou os bens no endereço do credor, informando queo imóvel encontrava-se vazio. Aduziu ainda que:

“segundo informação de moradores davizinhança, o autor (Firmino de Menezes) haviaadentrado a noite anterior ao cumprimento destadouta ordem, RETIRANDO FURTIVAMENTETODAS AS MÁQUINAS ALI EXISTENTES NOINTUITO DE OBSTAR O CUMPRIMENTO DARESTITUIÇÃO, sendo o mesmo fiel depositáriodos referidos bens. Estando o ‘autor’ em localignorado e sem saber para onde o mesmo levouas máquinas, devolvo o presente mandado semcumprimento” (fl. 19).

Em face dessas circunstâncias, considerando o

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enunciado da Súmula nº 619 do Supremo Tribunal Federal, omagistrado a quo decretou a prisão civil do exeqüente-paciente,pelo prazo de 60 (sessenta) dias, medida que somente seriapassível de revogação após a entrega dos bens cuja guarda lhefora confiada. A certidão de fl. 19 é indicativa de que o mandadode prisão fora devolvido sem cumprimento, “em face danão localização do exeqüente, encontrando-se o imóvel,segundo certidão do oficial de justiça, ‘fechado, desabitado ecom aspecto de abandono’”.

Questionando a legalidade da expedição de mandadode restituição de posse, alegam os impetrantes que o pacientenão foi regularmente intimado da decisão que revogara a penhoraoutrora constituída, assinalando ser impossível atender a ordemde restituição em razão de ter sido efetivada nova constriçãosobre os mesmos objetos em processo de execução que tramitano juízo da 15ª Vara Cível da Comarca de Fortaleza (Processonº 2000.0138.4238-3). Apresentam argumentos relacionados àalegada impropriedade da exceção de pré-executividademanejada perante o juízo de primeiro grau, a qual, segundoentendem os impetrantes, não comportaria a produção de provas,nem autorizaria a desconstituição da penhora, restringindo-setão-somente aos aspectos formais do título executivo e daprópria ação, jamais quanto à forma processual e aodesenvolvimento do processo executório. Alegam que, havendosegurança do juízo, deveriam ter sido opostos embargos àexecução, não se servindo a exceção de pré-executividade paracuidar de formalidades processuais. A respeito do decreto decustódia, afirmam que não teria sido intimado o paciente paradevolução dos bens, sequer pela via editalícia. Aduzem que opaciente não fora designado formalmente fiel depositário.Impugnam ainda a veracidade da certidão do meirinho, a qualnão corresponderia com a realidade, esclarecendo que aremoção dos bens para outro local, considerado mais seguro,decorreu da penhora efetivada perante o juízo da 15ª Vara Cívelda Comarca de Fortaleza. Concluem, pois, que a devolução dosbens por ordem do juízo da 2ª Vara Cível iria de encontro àobrigação de zelar pelos bens colocados à disposição do juízo

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da 15ª Vara Cível. Sustentam a ilegalidade da prisão, poisnão teria havido desobediência do paciente, assegurandoainda a ausência de justa causa, pois nulo o ato querevogara a penhora, do qual não fora intimado. Requerem aconcessão de liminar para revogar a ordem de prisão civil, o queseria confirmado com o julgamento final procedente.

Acompanham a inicial os documentos de fls. 19/85.Indeferindo o pedido de liminar, a então relatora,

Desembargadora Maria Celeste Thomaz de Aragão, entendeuque os documentos que instruem o petitório não revelam ailegalidade da ordem constritiva, com o destaque de que haverianos autos indícios de que o paciente esquivou-se daintimação para devolução dos bens. Ressaltou ainda que “apenhora no juízo da 15ª Vara Cível, que, no caso, foi posterior,não desonera o depositário de apresentar os bens a eleresguardados ao juízo da 2ª Vara Cível, em homenagem aoprincípio do prior tempore, potior jure”. Outrossim, a hipóteseestaria conforme com a Súmula nº 619 do Supremo TribunalFederal, segundo a qual “a prisão do depositório judicial podeser decretada no próprio processo em que se constituiu oencargo, independentemente da propositura de ação de depósito”(fls. 90/93).

O subseqüente agravo regimental (fls. 96/99) nãofoi conhecido, em razão da orientação pretoriana segundo a qualé irrecorrível a decisão singular do relator que, em sede dehabeas corpus, fundamentadamente, indefere liminar formuladapelo impetrante (fls. 105/107).

A autoridade impetrada apresentou suas informaçõesàs fls. 115/116, esclarecendo que “a medida constritiva de fls.154/157 dos autos da Execução Forçada movida por FirminoTeles de Menezes contra Indústria de Beneficiamento SãoFrancisco proveio da incúria do impetrante quando, nomúnus de depositário, deu rumo ignorado aos bens sobsua responsabilidade, impedindo, destarte, o cumprimento daordem de remoção, consoante certidão do meirinho”. Ao final,destaca que “o princípio da probidade, inerente ao processo,máxime ao de execução, embora de aparente repercussão

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sobre o executado, não se aplica apenas a ele. Constitui via demão dupla”.

Há registros nos autos da impetração de novohabeas corpus no Superior Tribunal de Justiça (HC nº 50.333/CE), em que são reiterados os mesmos argumentos aquiexpostos (fls. 118/143 e 160/170), no curso do qual tambémrestou indeferido o pedido de liminar. Segundo decisão datadade 30 de agosto de 2006 e publicada no Diário da Justiça de 06de setembro de 2006, o Relator, Ministro Jorge Scartezzini, negouseguimento ao mencionado habeas corpus.

O parecer da Procuradoria-Geral de Justiça opinapela denegação do habeas corpus, pois não foi demonstradaa ilegalidade da ordem constritiva, a qual se encontra respaldadapela Súmula nº 619 do Supremo Tribunal Federal (fls. 156/158).

O magistrado que à época respondia pela 15ª VaraCível da Comarca de Fortaleza encaminhou a documentaçãode fls. 172/193, destacando que os bens relacionados aopresente mandamus teriam sido objeto de penhora em duasocasiões distintas: a primeira nos autos do Processo nº2005.0003.3880-1, em curso na 2ª Vara Cível da Comarca deFortaleza; a segunda nos autos do Processo nº 2000.0138.4238-3, em trâmite na 15ª Vara Cível da mesma Comarca.

Redistribuídos e conclusos os autos, apresento-osem mesa para julgamento, independentemente de revisão einclusão em pauta, na forma dos artigos 34, § 3º, e 66, § 1º, doRegimento Interno deste Tribunal.

É o relatório.

VOTO

Segundo dispõe o artigo 5º, inciso LXVIII, daConstituição Federal, “conceder-se-á habeas corpus sempreque alguém sofrer ou se achar ameaçado de sofrer violência oucoação em sua liberdade de locomoção, por ilegalidade ou abusode poder”. No mesmo sentido deve ser lembrado o artigo 647 doCódigo de Processo Penal.

O habeas corpus constitui-se no mecanismo

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jurisdicional adequado para reforma de violência ou coação ilegalde liberdade de locomoção, exigindo-se, para isso, acaracterização de constrangimento ilegal ou, conforme adicção constitucional, abuso de poder.

Na hipótese dos autos, buscam os impetrantesobter a revogação da ordem de prisão civil, decretada peloJuízo da 2ª Vara Cível da Comarca de Fortaleza nos autos doProcesso nº 2005.0003.3880-1. No entanto, consoanteassinalado pela Desembargadora que me antecedeu na relatoriado feito e ratificado pela Procuradoria-Geral de Justiça, não hános autos qualquer elemento indicativo da ilegalidade dessamedida ou mesmo de que o magistrado a quo tenha atuadocom abuso de poder, olvidando-se a parte autora de trazeraos autos o inteiro teor da decisão que determinou a prisãocivil do paciente.

Limitaram-se os impetrantes a apresentar outraspeças relacionadas a incidentes do processo executivo em cursona primeira instância, estranhas, portanto, ao objeto domandamus, que resta jungido a apreciar a legalidade ouilegalidade do decreto prisional. Destarte, diante da insuficiênciade instrução do writ, não se pode avaliar a legalidade, ounão, dos fundamentos expendidos pelo magistrado singular.

Nesse sentido, menciono recente julgado doSuperior Tribunal de Justiça:

“CRIMINAL. HC. TRÁFICO INTERNACIONAL DEENTORPECENTES. PRISÃO PREVENTIVA.INSUFICIÊNCIA DE FUNDAMENTAÇÃO. NÃODEMONSTRAÇÃO DOS REQUISITOSENSEJADORES. INSTRUÇÃO DEFICIENTE.AUSÊNCIA DO DECRETO PRISIONAL E DEOUTRAS PEÇAS IMPRESCINDÍVEIS ÀCOMPREENSÃO DA CONTROVÉRSIA.INOCÊNCIA. INCIDÊNCIA DA SÚMULA N.º 07/STJ. ORDEM NÃO CONHECIDA. I. Hipótese naqual se sustenta a inocência da paciente e a falta defundamentação do decreto prisional. II. Evidenciada

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a deficiência na instrução do feito, o qual nãotrouxe a cópia do decreto de prisão preventivada acusada, além de outras peças que se fariamnecessárias para a compreensão da controvérsia,torna-se impossível precisar as razões queembasaram a decretação da custódia cautelar,e, por conseguinte, não se pode proceder àanálise do presente writ. Precedentes. III. Em sedede habeas corpus é inviável a discussão acerca dainocência ou culpa da paciente, em razão danecessidade de ampla análise do contexto fático-probatório dos autos, incompatível com a via eleita.Incidência da Súmula n.º 07/STJ. IV. Ordem nãoconhecida.”(STJ, 5ª Turma, HC 64.997/SP, Rel. Min. Gilson Dipp,julgado em 12.12.2006, DJU 05.02.2007.)

Da jurisprudência do Supremo Tribunal Federal,reporto-me ao seguinte acórdão:

“EMENTA: PENAL. PROCESSUAL PENAL.HABEAS CORPUS. ALEGAÇÃO DEILEGALIDADE DO DECRETO DE PRISÃOPREVENTIVA. AUSÊNCIA DE CÓPIA. EXAMEINVIÁVEL. EXCESSO DE PRAZO NAINSTRUÇÃO CRIMINAL: INOCORRÊNCIA. I. - Writque não se conhece, dada a ausência nos autosde cópia do decreto de prisão preventiva, quesequer foi reproduzido na petição inicial ou noacórdão do STJ. II. - Não caracterizado o excessode prazo na instrução criminal, à vista dacomplexidade das circunstâncias do crime e danecessidade de expedição de carta precatória paracitação e interrogatório do paciente. III. - HCconhecido em parte e, na parte conhecida,indeferido.”(STF, 2ª Turma, HC 85.763/MT, Rel. Min. Carlos

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Veloso, julgado em 20.09.2005, DJU 11.11.2005.)

Diante de todo o exposto, com fundamento nosprecedentes da jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça edo Supremo Tribunal Federal, não conheço do pedido dehabeas corpus, em razão da deficiente instrução do writ, o queinviabiliza sua apreciação meritória.

É como voto.Fortaleza, fevereiro de 2007.

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MANDADO DE SEGURANÇA

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PODER JUDICIÁRIO DOESTADO DO ESTADO

TRIBUNAL DE JUSTIÇA

Nº 2000.0014.2476-0 – MANDADO DE SEGURANÇACOMARCA - FORTALEZAIMPETRANTE- WALDA MACHADO DOS SANTOSIMPETRADO- SECRETÁRIO DA ADMINISTRAÇÃODO ESTADO DO CEARÁIMPETRADO- SECRETÁRIO DE EDUCAÇÃO BÁSICADO ESTADO DO CEARÁLITISCONSORTE PASSIVO – ESTADO DO CEARÁRELATORA - DESA MARIA APOLLINE VIANA DE FREITAS

EMENTA: MANDADO DE SEGURANÇA –APOSENTADORIA VOLUNTÁRIA POR TEMPODE SERVIÇO – ATO DE INATIVAÇÃO –FUNDAMENTAÇÃO LEGAL INDICANDOINTEGRALIDADE DOS PROVENTOS –PARCELAS REMUNERATÓRIAS EMDESACORDO COM A FUNDAMENTAÇÃO DOATO DE APOSENTADORIA - PROVAINEQUÍVOCA DE REDUÇÃO ARTIFICIOSA DOVALOR DAS PARCELAS EM IGUALPERCENTUAL – OFENSA À INTEGRALIDADEE PARIDADE DOS PROVENTOS – DIREITOLÍQUIDO E CERTO - SEGURANÇACONCEDIDA

Vistos, relatados e discutidos os autos deMandado de Segurança Nº 2000.0014.2476-0, de Fortaleza(CE), impetrado por WALDA MACHADO DOS SANTOS contraato do SECRETÁRIO DA ADMINISTRAÇÃO DO ESTADO DOCEARÁ e do SECRETARIO DE EDUCAÇÃO BÁSICA DOESTADO DO CEARÁ.

ACÓRDÃO

ACORDAM os desembargadores integrantes do

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Órgão Plenário do Tribunal de Justiça do Estado do Ceará,por unanimidade de votos, em conceder a segurança, nostermos do voto proferido pela eminente DesembargadoraRelatora.

Fortaleza (CE), 13 de outubro de 2005.

RELATÓRIO

WALDA MACHADO DOS SANTOS, qualificadanos autos, impetra Mandado de Segurança contra ato doSECRETÁRIO DA ADMINISTRAÇÃO DO ESTADO DOCEARÁ e do SECRETARIO DE EDUCAÇÃO BÁSICA DOESTADO DO CEARÁ.

Como razões de pedir, a impetrante afirma quefoi aposentada voluntariamente como professora Iniciante I,Referência 05, com proventos integrais.

Diz mais que, embora o ato publicado no DiárioOficial de 14 de abri l de 1999 tenha consignadoexpressamente tratar-se de aposentadoria com proventosintegrais, a discriminação das parcelas integrantes dobenefício previdenciário demonstra que fora aplicada umaredução percentual l inear no valor de cada parcela,considerando a remuneração efetivamente auferida ematividade pela impetrante, gerando, por conseguinte, igualdecréscimo percentual nos proventos de aposentadoria.

Relata ainda que a concessão de aposentadoriada impetrante violou, a um só tempo, as normasdisciplinadoras da aposentadoria dos servidores públicosentão vigentes, e a garantia constitucional à integralidade eparidade dos proventos.

Por fim, pede a concessão da ordem, para quelhe seja assegurada aposentadoria com proventos integrais,correspondentes aos valores dos vencimentos que lhe seriampagos se permanecesse em atividade.

Não houve apreciação do pedido de liminar.Notificadas, as autoridades impetradas prestaram

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informações. Na defesa do ato impugnado, relataram que aredução ocorrida na remuneração da impetrante, por ocasiãoda aposentadoria, correspondera à supressão da gratificaçãoextra-classe. Trata-se de parcela remuneratória que tem comocausa o efetivo desempenho das atividades e, portanto,devida apenas aos servidores em atividade.

A supressão de gratificação, sob o fundamento deque o servidor, pelo só fato da aposentadoria, deixou de exerceras funções que ensejavam o pagamento, não constitui atoilegal. No mais, viola os princípios da igualdade, darazoabilidade e da moralidade administrativa.

O Ministério Público manifestou-se oportunamentenos autos. Em síntese, entendeu que a vantagem suprimidados proventos de aposentadoria da impetrante possui caráterde adicional de função, não de gratificação propter laborem.Como tal, é vantagem pecuniária pro laborem faciendocondicionada à efetiva prestação de serviço que devenecessariamente integrar os proventos de aposentadoria doservidor, após o período de carência, desde que correspondaa vantagem existente no momento em que se dá a inatividade.Conclui, ao final, que as autoridades coatoras suprimiramindevidamente plus remuneratório que deveria integrar osproventos de aposentadoria da impetrante, violando, assim,direito líquido e certo. O pedido deve ser deferido para fins deser assegurado o pagamento do adicional extra-classe àimpetrante

É o relatório.

V O T O

Trata-se de mandado de Segurança impetrado porWALDA MACHADO DOS SANTOS contra ato doSECRETÁRIO DA ADMINISTRAÇÃO DO ESTADO DOCEARÁ e do SECRETÁRIO DE EDUCAÇÃO BÁSICA DOESTADO DO CEARÁ consistente em redução ilegal dosproventos de aposentadoria da impetrante.

Passo ao exame da pretensão deduzida na

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petição inicial.Faço consignar, de início, que a impetrante

produziu prova incontroversa dos fatos que fundamentaramo pedido. A prova documental constante dos autos demonstraque nos meses de março e abril de 1999, portanto, antes dapublicação do ato de aposentadoria da impetrante no DiárioOficial, a remuneração compunha-se das parcelas e valoresconstantes dos extratos de pagamento que instruem a petiçãoinicial. A publicação do ato de inativação no Diário Oficial doEstado, em 14 de abril de 1999, entretanto, embora tenhafeito consignar que a concessão da aposentadoria tinha porfundamento o Art 168, inciso III, letra “a”, da ConstituiçãoEstadual, no texto vigente antes da Emenda ConstitucionalNº 56, de 07 de janeiro de 2004, apresentava as parcelas quepassariam a compor os proventos em desacordo com ofundamento legal da inativação. É dizer. A expressãomonetária de todas as verbas representava igual reduçãopercentual relativamente aos valores que até então integravama remuneração da impetrante.

É de ser salientado, de logo, que a publicação doato contém referência expressa ao fundamento constitucionalda inativação da impetrante, ao consignar que a aposentadoriaocorre com amparo no Art 168, inciso III, “a” da ConstituiçãoEstadual, na redação anterior à Emenda Constitucional Nº156, de 07 de janeiro de 2004. Como tal, decorre da literalidadedo dispositivo a integralidade dos proventos.

É possível concluir, então, que os requisitos daaposentadoria da impetrante foram integralmenteimplementados em data anterior à edição da EmendaConstitucional Nº 41, de 19 de dezembro de 2003. E ainda. Éigualmente certo que as normas assecuratórias daintegral idade dos proventos e da paridade com aremuneração dos servidores em atividade, os §§ 3º e 8º doArt 40, da Constituição Federal, antes de serem alteradospela Emenda Constitucional Nº 41, mantinham-se em plenavigência.

Observo que as autoridades coatoras, ao

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sustentarem a legalidade do ato impugnado, afirmam que osproventos de aposentadoria da impetrante foram fixados emvalor inferior à remuneração auferida durante o efetivoexercício das funções, em razão da exclusão de gratificaçãoespecífica inerente à atividade. Ocorreu apenas a supressãoda gratificação extra-classe da remuneração da impetrante,por ocasião da inativação. Tal providência não constituii legal idade, pois representa exclusão de parcelaremuneratória que passou a estar destituída de razão, pelosó e único fato da aposentadoria, por tratar-se decontraprestação pecuniária própria da atividade.

Ora, a prova incontroversa produzida nos autosapresenta outra realidade.

Nos meses imediatamente anteriores à publicaçãodo ato de aposentadoria, os vencimentos da impetrante,abstraídos os descontos, compunham-se das parcelas erespectivos valores discriminados nos extratos de pagamentodos meses de março e abril de 1999.

Os proventos da aposentadoria, de sua vez, nostermos do ato publicado no Diário Oficial de 14 de abril de1999, também abstraídos os descontos, compunham-seprecisamente das mesmas parcelas que integravam osvencimentos da impetrante.

Está evidenciado, portanto, que não ocorreusupressão de determinada parcela remuneratória. Acomposição dos vencimentos da atividade e dos proventosde aposentadoria não apresenta divergência quanto àsrespectivas parcelas.

O conteúdo dos autos faz certo, contrariamenteao contido nas informações das autoridades coatoras, quefoi aplicada uma redução percentual linear em todas asparcelas remuneratórias da impetrante, por ocasião daaposentadoria.

No caso, está provado documentalmente que aimpetrante foi aposentada com proventos integrais e que aredução remuneratória implementada após a publicação doato de aposentadoria decorre de decréscimo, em igual

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percentual, aplicado em todas as parcelas que passaram acompor os proventos. Tais fatos apresentam-se certos,precisos e incontroversos.

Como já salientado, a impetrante implementou ascondições para obtenção da aposentadoria integral antes davigência da Emenda Constitucional n° 41, de 19 de dezembrode 2003 e da publicação da Emenda Constitucional EstadualNº 56, de 07 de janeiro de 2004.

À impetrante, portanto, aplica-se o direito positivovigente segundo a qual os proventos da aposentadoria devemcorresponder à totalidade da remuneração do servidor ematividade. Tal é, inclusive, o conteúdo do ato que concedeu aaposentadoria, ao mencionar expressamente o fundamentoda inativação da impetrante constante da ConstituiçãoEstadual.

Firme em tais considerações, concluo que é direitol íquido e certo da impetrante auferir proventos deaposentadoria nos termos em que postulado, sem o ilegaldecréscimo aplicado pelas autoridades coatoras por ocasiãoda expedição e publicação do ato.

Isto posto, nos termos da fundamentação exposta,concedo a segurança, para determinar às autoridadescoatoras o pagamento mensal dos proventos deaposentadoria da impetrante nos termos em que postuladona petição inicial, correspondentes aos valores efetivamenteintegrais, sem a redução aplicada pelo ato de inativaçãopublicado no Diário Oficial do Estado de 14 de abril de 1999.

É como voto.

Fortaleza (CE), 13 de outubro de 2005.

***

ESTADO DO CEARÁPODER JUDICIÁRIO

TRIBUNAL DE JUSTIÇA

Nº 2002.0000.6201-1 – MANDADO DE SEGURANÇACOMARCA - FORTALEZA

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IMPETRANTE - FÁTIMA EUGENIA SALOMÃO BOTELHOIMPETRADO - SECRETÁRIO DE EDUCAÇÃO DO ESTADODO CEARÁRELATORA - DESA MARIA APOLLINE VIANA DE FREITAS

EMENTA: MANDADO DE SEGURANÇA –INCORPORAÇÃO COMO VANTAGEMPESSOAL DE PARCELA REMUNERATÓRIAINERENTE AO EXERCÍCIO DE CARGO EMCOMISSÃO - REQUISITOS – TITULARIDADEDE CARGO EFETIVO E EXERCÍCIO DO CARGOEM COMISSÃO DURANTE O PERÍODODEFINIDO EM LEI – SERVIDORA NÃO TITULARDE CARGO EFETIVO - ESTABILIDADEEXCEPCIONAL DO ART 19 DO ATO DASDISPOSIÇÕES CONSTITUCIONAIS TRANSI-TÓRIAS – INEXISTÊNCIA DE DIREITOLÍQUIDO E CERTO – ORDEM DENEGADA

Vistos, relatados e discutidos os autos deMandado de Segurança Nº 2002.0000.6201-1, de Fortaleza(CE), impetrado por FÁTIMA EUGENIA SALOMÃO BOTELHOcontra ato do SECRETÁRIO DE EDUCAÇÃO DO ESTADODO CEARÁ

A C Ó R D Ã O

ACORDAM os desembargadores integrantes doÓrgão Plenário do Tribunal de Justiça do Estado do Ceará,por unanimidade de votos, em denegar a segurança, nostermos do voto proferido pela eminente DesembargadoraRelatora.

Fortaleza (CE),13 de outubro de 2005.

RELATÓRIO

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FÁTIMA EUGENIA SALOMÃO BOTELHO,qualificada nos autos, impetra Mandado de Segurança contraato do Secretário de Educação do Estado do Cearápostulando decisão que proteja direito líquido e certo próprioque afirma violado por ato ilegal da autoridade coatora.

Relata que é servidora pública estadual, lotada naSecretaria de Educação do Estado do Ceará, desde o dia 15de maio de 1980. Menciona, ao depois, que exerceu diversoscargos em comissão na estrutura administrativa da Secretariade Educação do Estado do Ceará, no período de 29 de janeirode 1990 a 25 de fevereiro de 2002, sem solução decontinuidade.

Conclui, por fim, que o exercício ininterrupto decargos em comissão durante o período mencionado, poraplicação da Lei Estadual Nº 11.847, de 28 de agosto de 1991,publicada no Diário Oficial do Estado de 29 de agosto de 1991,fez surgir o direito subjetivo líquido e certo da impetrante àincorporação definitiva da gratificação de representação peloexercício de cargo em comissão, como vantagem pessoal.

Requer a concessão da ordem para o fim de serassegurada a incorporação da gratificação de representaçãopelo exercício de cargo em comissão, a título de vantagempessoal, aos vencimentos ou proventos.

O pedido de liminar foi indeferido.Noti f icada, a autoridade coatora prestou

informações. Em síntese, argumentou que a impetrantejamais ocupou cargo de provimento efetivo. Ao contrário,sempre esteve vinculada à administração pública estadualapenas na condição de empregada exercente de função que,em dado momento, veio a ser contemplada pela estabilidadeexcepcional outorgada pelo Art 19 do Ato das DisposiçõesConstitucionais Transitórias da Constituição Federal de 1988.De conseqüência, nunca fora titular de cargo de provimentoefetivo, nem o será enquanto não aprovada em concursopúblico específico. Não possui efetividade, portanto.

A pretensão deduzida na petição inicial, segundoa autoridade coatora, encontra óbice no princípio da

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legalidade, pois o impetrante não atende todos os requisitosdefinidos em lei para incorporação da vantagem pecuniáriapostulada, considerando que jamais foi titular de cargo efetivodurante o período em que exerceu os cargos em comissão.

Instado, o Ministério Públ ico opinou peladenegação da ordem. Fundamentou o parecer no argumentode que a impetrante não possui efetividade no cargo. Não setratando de servidor efetivo, posto não haver ingressadoatravés concurso público, não se faz ocorrente um dosrequisitos cumulativos expressamente definidos em lei paraa incorporação da gratificação pelo exercício de cargo emcomissão ou função gratificada como vantagem pessoal.

É o relatório.

V O T O

Trata-se de Mandado de Segurança, com pedidode liminar, impetrado por FÁTIMA EUGENIA SALOMÃOBOTELHO contra ato do SECRETÁRIO DE EDUCAÇÃO DOESTADO DO CEARÁ consistente em não incorporar àremuneração da impetrante, como vantagem pessoal, parcelareferente à gratificação de representação pelo exercício decargo em comissão durante determinado períodoestabelecido em lei.

Ressalto, de início, que se trata de mandado desegurança impetrado para fins de proteger afirmado direitolíquido e certo que se diz reiteradamente violado por ato daautoridade coatora. A violação dar-se-ia mês a mês, porocasião de cada pagamento mensal da impetrante sem aincorporação da vantagem pessoal pelo exercício de cargoem comissão. Tem-se hipótese de relação jurídica de tratosucessivo, não se aplicando o prazo decadencial de 120 dias.

Passo ao exame do pedido.E, ao fazê-lo, constato que a impetrante não

ingressou no serviço público através de concurso. Provadocumental contida nos autos autoriza considerarincontroverso o fato de que a impetrante foi estabilizada no

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serviço público com amparo no Art 19 do Ato das DisposiçõesConstitucionais Transitórias da Constituição Federal de 1988.

Registro, por oportuno, que efetividade é atributodo cargo, precisamente da forma de investidura, que sepositiva no ato de provimento. Qualifica-se pela definitividadeda titularização do cargo após prévia aprovação em concursopúblico. Como tal, é pressuposto da estabilidade.

A impetrante, pelo só fato de não haver ingressadono serviço público através de concurso, não é ocupante decargo efetivo e não integra carreira. Por aplicação do Art 19do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias daConstituição Federal de 1988 adquiriu, excepcionalmente,estabilidade no serviço público. Só e só. Para adquirirefetividade deverá, necessariamente, submeter-se e obteraprovação em concurso público. Outra conclusão não seapresenta possível, a partir do que se fez inserir no § 1º, doArt 19, do ADCT, da Constituição Federal de 1988, aoestabelecer que o tempo de serviço dos beneficiados com aestabilidade excepcional será considerado título para fins deefetivação, em caso de posterior aprovação em concursopúblico.

Tratando-se de cargo de provimento efetivo, assimdefinido em lei, o concurso público constitui pressuposto daefetividade, seja na hipótese da regra geral do Art 37, incisoII, da Constituição Federal, seja na hipótese da estabilidadeexcepcional de que trata o Ato das DisposiçõesConstitucionais Transitórias.

A Lei Estadual Nº 11.847, de 28 de agosto de1991, que a impetrante afirma ser aplicável à situaçãopessoal, menciona expressamente que o servidor públicoestadual titular de cargo de provimento efetivo incorporará,como vantagem pessoal, o valor da representação peloexercício de cargo em comissão, verbis:

Art. 1º - O servidor público estadual ocupantede cargo de provimento efetivo da AdministraçãoDireta, das Autarquias e das Fundações criadas

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e mantidas pelo Estado passará a receber, peloexercício de cargo em comissão, vantagemcorrespondente a um quinto (1/5) do valor darepresentação, a partir do sexto ano, acrescidade mais um quinto (1/5) por cada ano deexercício, até o décimo.

Ora, como já enfatizado, a impetrante não é titularde cargo público de provimento efetivo, pois não obteveaprovação em concurso público específico. Apenas adquiriua estabilidade excepcional no serviço público por decisão dolegislador constituinte originário.

Dissertando sobre o tema, Hely Lopes Meirellesfoi preciso ao registrar:

“Não há confundir efetividade comestabilidade, porque aquela é umacaracterística da nomeação e esta é umatributo pessoal do ocupante do cargo,adquirido após a satisfação de certascondições de seu exercício. A efetividade é umpressuposto necessário da estabilidade. Semefetividade não pode ser adquirida aestabilidade.” (DIREITO ADMINISTRATIVOBRASILEIRO, 30ª EDIÇÃO, 2005, MALHEIROSEDITORES, pág 429 )

A efetividade é característica da nomeação paracertos cargos definidos em lei como de provimento efetivo,sempre titularizados após aprovação em concurso público.Estabilidade, distintamente, é atributo pessoal que o servidoradquire após satisfação de certas condições no exercício docargo e dá-se no serviço público.

Em tema da estabi l idade consti tucionalexcepcional dos servidores públicos não admitidos porconcurso, Maria Sylvia Zanella Di Pietro lecionou, verbis:

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“O reconhecimento de estabilidade a essesservidores não implicou efetividade, porqueesta só existe com relação a cargos deprovimento por concurso; a conclusão seconfirma pela norma do § 1º do mesmodispositivo, que permite a contagem deserviço prestado pelos servidores queadquiriram essa estabilidade excepcional,‘como título quando se submeterem aconcurso para fins de efetivação, na forma dalei.’” (DIREITO ADMINISTRATIVO, 18ªEDIÇÃO, 2005, EDITORA ATLAS, pág 516 )

Ainda sobre o assunto, a lição de DiógenesGasparini é irreparável. Confira-se:

“A Constituição Federal nada assegurou aoservidor estabilizado, nos termos dessedispositivo, no que respeita à efetividade, àintegração em uma carreira e ao desfrute dosbenefícios decorrentes dessa integração.Também não promoveu qualquer alteração novínculo. A natureza do vínculo pelo qual seligava à Administração Pública direta,autárquica ou fundacional pública continuoua mesma. Apenas outorgou-se a essesservidores estabilidade no serviço público daentidade a que nessa oportunidade se ligavam,Não fosse assim, não se teria comocompreender o disposto no § 1º desse artigo(Art.19 do ADCT da CF), que manda contar otempo de serviço como título quando seusdestinatários se submeterem a concursopúblico para fim de efetivação.” (DIREITOADMINISTRATIVO, 9ª EDIÇÃO, 2004, EDITORASARAIVA, pag 201/202)

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O instituto da estabilidade financeira tem porescopo a manutenção do padrão de vida do servidorexercente de cargo em comissão. Implementa-se através daincorporação, como vantagem pessoal, nos termos de leiespecífica, do adicional de representação pelo exercício decargo em comissão. Tal vantagem financeira há de seratribuída, no caso de servidor estadual, por lei local.

Nem é possível afirmar que a estabil idadefinanceira assegurada mediante lei viola o princípioconstitucional proibitivo de equiparação ou vinculação devencimentos. O servidor adquire o direito a incorporar, no todoou em parte, como vantagem pessoal, o acréscimopecuniário que lhe foi regularmente pago durante o exercícioanterior de cargo em comissão. Não há vinculação, quepressupõe cargos distintos, mas percepção de parcelaremuneratória em um mesmo cargo, a título de vantagempessoal.

A legislação estadual que regulou a incorporaçãodo adicional de representação pelo exercício de cargo emcomissão, a título de vantagem pessoal, teve vigência até 17de junho de 1999. De fato, o Art 3º, inciso II, da Lei Estadual12.913, publicada no Diário Oficial do Estado de 18 de junhode 1999 revogou expressamente a Lei Estadual 11.847, de28 de agosto de 1991.

Até então, as Leis 10.670, de 04 de maio de 1982,11.171, de 10 de abril de 1986 e 11.847, de 28 de agosto de1991, regularam sucessivamente a matéria, apresentandovariações apenas quanto ao critério temporal de incorporaçãoda vantagem pessoal.

Ao examinar caso concreto sobre a aplicação daLei 11.171/86, o Supremo Tribunal Federal reiterouentendimento anteriormente externado e negou provimentoao Agravo Regimental no Recurso Extraordinário Nº 383.576-9.

Eis a ementa:

“RECURSO EXTRAORDINÁRIO. AGRAVO

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REGIMENTAL. LEI ESTADUAL Nº 11.171/86 DOESTADO DO CEARÁ. GRATIFICAÇÃO DEREPRESENTAÇÃO. INCORPORAÇÃO.ESTABILIDADE. EFETIVIDADE. ART. 19 DO ADCT.1. A vantagem prevista na Lei estadual 11.171,de 10.4.1986, tinha por destinatários osservidores efetivos, em exercício de cargo, nãose incluindo nesse conceito os servidoresestáveis por força do art. 19 do ADCT, nãoefetivados por meio de concurso público.Precedente.2. Agravo regimental improvido.” (ARRE 383.576-CE, Rel Min Ellen Gracie, 2ª Turma, Unânime,Julgamento em 14.06.2005, DJ 05.08.2005)

Ora, tal como a Lei 11.171/86, também a Lei11.847/91 foi expressa quanto aos destinatários da norma,ao mencionar que a incorporação da vantagem pessoal peloexercício do cargo em comissão ocorreria na hipótese deservidores públicos ocupantes de cargo de provimento efetivo.É de concluir-se, a partir do fundamento da decisão doSupremo Tribunal Federal relativamente à Lei 11.171/86, quea Lei 11.847/91 não se aplica aos servidores sem efetividade.

Firme em tais considerações, concluo que o Art1º da Lei Estadual 11.847, de 28 de agosto de 1991, não seaplica aos servidores estaduais que foram estabilizadossegundo o disposto no Art 19 do Ato das DisposiçõesConstitucionais Transitórias da Constituição Federal de 1988.

Por igual fundamento, não se aplica à situação daimpetrante, que não é titular de cargo de provimento efetivo,para fins de incorporar, como vantagem pessoal, o adicionalde representação pelo exercício de cargo em comissão.

Isto posto, nos termos da fundamentação expostae em conformidade com a manifestação da doutaProcuradoria-Geral de Justiça, denego a segurança.

É como voto.

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EXCEÇÃO DE SUSPEIÇÃO

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ESTADO DO CEARÁPODER JUDICIÁRIO

TRIBUNAL DE JUSTIÇA

Exceção de Suspeição Cível n.º 2003.0014.3673-8/0Excipiente: Município de Cariús.Excepto: Juiz de Direito Auxiliar da Comarca de CariúsRelator: Desembargador Ademar Mendes Bezerra

EMENTA : PROCESSUAL CIVIL. EXCEÇÃO DESUSPEIÇÃO ARGUIDA COM BASE NO ART. 135,I E V DO CPC: HIPÓTESES LEGAIS NÃOCONFIGURADAS NA ESPÉCIE. INCIDENTECONHECIDO, MAS IMPROVIDO.-Não havendo prova nos autos dos motivoselencados, há de ser rejeitada a Suspeição.-A suspeição de parcialidade do Juiz, conformeexpressamente regulada pelo artigo 135, doCPC, estabelece-se entre este e as partes, nãodevendo ser reconhecida quando a supostaamizade for com o advogado.-Precedentes deste Tribunal.

ACÓRDÃO:

Vistos, relatados e discutidos os presentes autos deExceção de Suspeição Cível n.º 2003.0014.3673-8/0, em quefiguram as partes acima indicadas.

Acorda a 2ª Câmara Civil do egrégio Tribunal deJustiça do Estado do Ceará, por unanimidade, conhecer, masrejeitar a suspeição nos termos do voto do relator.

Fortaleza, 14 de fevereiro de 2007.

VOTO

Tratam os presentes autos de exceção de suspeição

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interposta pelo Município de Cariús em face do MM. Juiz de DireitoAuxiliar da Comarca de Cariús, Dr. Djalma Sobreira DantasJúnior.

Alega o excipiente, em apertada síntese (fl.02), queo douto julgador monocrático tem estreita relação de amizadecom o Sr. Antônio Leite Tavares, advogado da parte contrária emAção Cautelar e em Mandado de Segurança, pois o exceptotrabalhou em sociedade com o referido causídico em processospassados.

Aduz, ainda, que eles possuem relação deparentesco, sem contudo mencioná-la ou discriminá-la.Fundamenta a peça processual de defesa no artigo 135, incisosI e V do CPC.

Junta os documentos de fls. 03/11.Em decisão monocrática apensa às fls. 12/18, o

douto magistrado de primeira instância rechaça as afirmaçõesfeitas pelo excipiente. Afirma que sua relação com o Sr. AntônioLeite Tavares é boa como todas as outras tidas com osprofissionais que advogam na Região Centro Sul. Soma aosseus argumentos que a parceria referida com o causídico sedeu há mais de seis anos e era de forma esporádica, na qual osdois nunca constituíram uma verdadeira relação comercial.

O excepto colaciona que desconhece qualquerrelação de parentesco como a aventada na inicial e que o Sr.Antônio Leite Tavares nunca foi advogado constituído namencionada ação cautelar, conforme demonstrado pelosdocumentos de fls. 20/40.

Determina, ao final, a suspensão do processoprincipal e sua imediata remessa a este egrégio Tribunal deJustiça.

O ilustre representante do parquet, em segundainstância, opina pela rejeição da presente exceção de suspeiçãopor erro de fundamentação.

É o breve relatório. Decido:O Código de Processo Civil elenca três modalidades

de defesas do réu: contestação, reconvenção e exceção. Elaspossuem em comum o seu aspecto defensivo, embora se

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diferenciem pela forma e função peculiar de cada uma delas.Na contestação, o réu se contrapõe à pretensão do

autor, pugnando pela improcedência do pedido deste último. Esseé o objetivo desta defesa: fazer cair por terra o pedido do autor.Além disso, são alegáveis aqui as preliminares da contestação,enumeradas no art. 301 do CPC.

Na reconvenção, o réu faz um contra-ataque aoautor. Ele passa de uma posição passiva de defesa para umaposição ativa de ataque. O réu faz um pedido próprio em face doautor e pugna pela sua procedência.

A exceção tem outro fim bem diverso. É uma defesaprocessual indireta. Processual porque ataca o processo,deixando o mérito intacto. Indireta porque ataca o processo deforma oblíqua, isto é, não ataca o núcleo central do processo,pugnando não pela nulidade deste, mas apenas pela correçãode algum elemento processual, ocasionando o prolongamentoda lide no tempo. São as defesas dilatórias: mesmo queacolhidas não extinguem o processo, trazendo apenas umamodificação na relação processual e fazendo com que esta seprotraia por mais tempo.

A finalidade das exceções é proteger a competênciae a imparcialidade, que são pressupostos processuais subjetivosdo juízo e do juiz, respectivamente. Para o bom julgamento deuma causa não basta a jurisdição, tem que existir a competênciaespecífica para aquela lide. Além disso, deve o juiz apreciar alide como terceiro desinteressado, atuando super partes, emcaráter substitutivo e subsidiário.

A exceção em tablado é de rápida solução, poiscinge-se a uma singular questão: Quando ocorrer alguma dasrelações elencadas no art. 135 entre juiz e advogado pode havera suspeição?

Há, no inciso IV do art. 134, previsão de impedimentopara o juiz em virtude de relações suas com advogado da parte.Porém, no art. 135 (causas de suspeição) não há essa previsão

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(pois só fala em juiz e partes).

A Jurisprudência predominante entende que aresposta é negativa, isto é, que as hipóteses de suspeição sóse aplicam ao juiz e às partes, não ao advogado em sua relaçãocom o juiz. Também essa é a opinião de Nelson Nery Junior1 ,que cita acórdão do TJSP que decidiu nesse sentido. O TJMT,também trazido pelo mesmo autor, já decidiu que: “A existênciade amizade íntima entre o Magistrado e o advogado da parte,ainda que comprovada, não pode ser erigida em causa desuspeição.”

Senão vejamos as manfestações de outros tribunais:

TJMG - EXCEÇÃO DE SUSPEIÇÃO - ALEGADAINIMIZADE ENTRE JUIZ E ADVOGADO - NÃOCABIMENTO - ARQUIVAMENTO DETERMINADO. Asuspeição de parcialidade do Juiz, conformeexpressamente regulada pelo artigo 135, do CPC,estabelece-se entre este e as partes, não devendoser reconhecida quando a suposta inimizade for como advogado. (Proc.: 2.0000.00.491479-4/000; Relator:Des. BATISTA DE ABREU; Data do acordão: 30/08/2006; Data da publicação: 06/10/2006)

TJRS - EMENTA: INCIDENTE DE EXCEÇÃO DESUSPEIÇÃO DE MAGISTRADO. NÃO PROCEDEA EXCEÇÃO, POIS NÃO SE CONFIGURA ASUSPEIÇÃO DO MAGISTRADO PELO FATO DE OEXCEPTO TER REPRESENTADO JUNTO À OABCONTRA O EXCIPIENTE, ADVOGADO QUE ATUANO PROCESSO EM CAUSA PRÓPRIA. NÃODEMONSTRADA NENHUMA DAS HIPÓTESESELENCADAS NO ARTIGO 135 DO CPC., BEMCOMO DE AMIZADE OU INIMIZADE ÍNTIMA ADETERMINAR A PARCIALIDADE DO JUIZ,IMPROCEDE A EXCEÇÃO. EXCEÇÃO DE

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SUSPEIÇÃO JULGADA IMPROCEDENTE.(Exceção de Suspeição Nº 70011142023, DécimaSexta Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS,Relator: Ana Beatriz Iser, Julgado em 13/04/2005)

Importante decisão nesse sentido é a da lavra doinsigne Desembargador João de Deus Barros Bringel, vejamos:

EMENTA: SUSPEIÇÃO DE JUIZ. É DE SEDESACOLHER SUSPEIÇÃO ARGUIDA CONTRAMAGISTRADO, QUANDO INCOMPROVADO O SEUINTERESSE NA REGÊNCIA DO FEITO EM FAVORDE UMA DAS PARTES E EM DETRIMENTO DAOUTRA, E SUA ATUAÇÃO NÃO CONFRONTA OSMOTIVOS ELENCADOS NO ART. 135 E SEUSINCISOS DO CPC. EXCEÇÃO IMPROCEDENTE.[...]Quanto ao mérito, os motivos que podem oportunizaro procedimento de suspeição do Juiz, comoresultado de uma acusação de sua parcialidade nacondução de um feito, encontram-se catalogados noart. 135 da Codificação Processual Civil, cuja dicçãoestá assim vazada:“Art. 135 - reputa-se fundada a suspeição deparcialidade do juiz, quando:I - amigo íntimo ou inimigo capital de qualquer daspartes;II - alguma das partes for credora ou devedora dojuiz, de seu cônjuge ou de parente deste, em linhareta ou na colateral até terceiro grau;III - herdeiro presuntivo, donatário ou empregador dealguma das partes;IV - receber dádivas antes ou depois de iniciado oprocesso; aconselhar alguma das partes acerca doobjeto da causa, ou subministrar meios para atenderàs despesas do litígio;V - interessado no julgamento da causa em favor de

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uma das partes. Parágrafo Único - Poderá ainda ojuiz declarar-se suspeito por motivo íntimo”.Ao percuciente exame dos autos, ressai, àdesdúvida, inocorrer na espécie que se destra ma,qualquer dos motivos enumerados no texto legalretrodescrito.A recusatio judicis - a suspeição de parcialidade doJuiz, de modo a afastá-lo do processo, exige, para oseu reconhecimento, prova certa e indiscutível, commoldura exata e perfeita à casuística do art. 135, daLei Civil de Ritos.O que não se dá no presente caso, mesmoremotamente. Não se vislumbra qualquer máculahonorabilidade e probidade da Meritíssima Juíza-excepta.A presente Exceção, do modo como proposta,assume a roupagem de medida meramenteprotelatória.Assim, na convicção extraída dos fólios processuais,no que me coadumo com a manifestação da doutaProcuradoria Geral de Justiça, conheço da presenteexceção, mas, para julgá-la improcedente. (Relator:Des. JOAO DE DEUS BARROS BRINGEL; OrgãoJulgador : 2ª CÂMARA CÍVEL; 2000.0015.3179-5/0EXCEÇÃO DE SUSPEIÇÃO )

A decisão é clara e reflete a jurisprudência pátriadominante e da doutrina. Ao tratar dos princípios gerais do direitoprocessual, Ada Pellegrini Grinover, Antônio Carlos de AraújoCintra e Cândido Rangel Dinamarco, na sua prestigiada obrasobre Teoria Geral do Processo, colocam o “princípio daimparcialidade do juiz” em primeiro lugar na ordem de importânciae classificação dos princípios que regem todo o nossoordenamento processual. E, depois de dissertar sobre o referidoprincípio como sendo um dos pressupostos de instauração válidada relação processual, arrematam, dizendo o seguinte:

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“A imparcialidade do juiz é uma garantia de justiçapara as partes. Por isso, têm elas o direito de exigir um juizimparcial: e o Estado, que reservou para si o exercício da funçãojurisdicional, tem o correspondente dever de agir comimparcialidade na solução das causas que lhe são submetidas.”

A imparcialidade do magistrado está umbilicalmenteligada à própria noção de justiça. Não há justiça, pois, no processodirigido por juiz parcial. Esta “subversão” há de ser contida, sobpena de redundar no que se tem convencionado chamar de“ditadura do Judiciário”, a pior delas, segundo se diz alhures, opior dos regimes, porquanto comandado exatamente por aquelescujo dever institucional seria o de dar a cada um o que é seu.

Todavia, não é o caso destes autos, absolutamente.Quanto mais graves os valores insertos nos princípios basilaresde nosso ordenamento, maior a cautela que, em face deles,devem ter todos os sujeitos do processo, sejam as própriaspartes, seus advogados, os intervenientes, os juízes,desembargadores e ministros, os membros do Ministério Públicoe até mesmo os demais auxiliares da Justiça que, de algumaforma, atuam no processo.

Com efeito, essa proporcionalidade exigida restouviolada na espécie, conquanto o requerente e seu advogadoultrapassaram os limites aceitáveis à argüição da recusatiojudicis, delineada pela máxima prudência no exame docomportamento do magistrado, enquanto dirigente do feito. Tantoé verdade, que logo depois de enquadrarem a atitude da MM.Juiz nas cercanias do art. 135, incisos I e V do Código de ProcessoCivil, ou seja, como que, respectivamente, “amiga íntima da parteadversa” e “interessada no julgamento da causa em favor dessa”,o excipiente não fundamentou de maneira correta e devida suainicial.

Tanto o é que em caso semelhante decidi:

EMENTA : PROCESSUAL CIVIL. EXCEÇÃO DESUSPEIÇÃO ARGUIDA COM BASE NO ART. 135, IE V DO CPC: HIPÓTESES LEGAIS NÃOCONFIGURADAS NA ESPÉCIE. INCIDENTE

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CONHECIDO, MAS IMPROVIDO. (EXCEÇÃO DESUSPEIÇÃO Nº 2000.0015.7416-8/0 ; Relator: Des.ADEMAR MENDES BEZERRA; Orgão Julgador : 2ªCÂMARA CÍVEL)

Assim, por simples afirmações desprovidas deprovas substanciais não se pode imputar parciliade ao julgadore nem se há que falar em suspeição entre Juiz e Advogado porquena espécie em tablado não é possível sua aplicação. Por taisrazões, voto pelo conhecimento da presente exceção, mas paralhe rejeitar.

Fortaleza, 14 de fevereiro de 2007

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JURISPRUDÊNCIA CRIMINAL

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APELAÇÕES CRIME

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R. Jurisp. Trib. Justiça Est. Ceará, Fortaleza, v. 25, p. 223-298, 2007

ESTADO DO CEARÁPODER JUDICIÁRIO

TRIBUNAL DE JUSTIÇA

Nº 2000.0000.7274-6/1 APELAÇÃO CRIMECOMARCA TRAIRI PROCESSO DESAFORADO PARAESTA CAPITAL.APELANTE: O REPR. DO MINISTÉRIO PÚBLICOAPELADO: MAURO DA JUSTA FREITASRELATOR: DES.RAIMUNDO EYMARD RIBEIRO DEAMOREIRA

EMENTA: PENAL – PROCESSUAL PENAL –APELAÇÃO CRIME – HOMICIDIO PRIVILEGIADO- NULIDADE LEVANTADA PELO PARQUETPORQUE NÃO TER SIDO SUBMETIDO AAPRECIAÇÃO DO CONSELHO DO 4º QUESITOQUE TRATAVA DE QUALIFICADORA.1. É bem verdade que alguns doutrinadores,admitem que não há incompatibilidade entrecircunstâncias subjetivas e objetivas. Contudo,veja-se que na ata da sessão do júri, espelho dojulgamento, ficou registrado que a representantedo Parquet ali oficiante, tão-somente após ojulgamento do quesito da privilegiadoraargumentou a necessidade de ser submetido o4º quesito que tratava da qualificadora, em cujosdebates em plenário não tinha sustentado ahipótese de homicídio-qualificado privilegiado.2. Ora, com a afirmação indiscrepante do 3ºquesito, que indagou se o réu agiu sob o domínioda violenta emoção, logo em seguida a injustaprovocação da vítima, logicamente que o quesitoseguinte estaria prejudicado, observandoFernando da Costa Tourinho Filho que se o Júrireconhecer o homicídio privilegiado, não podemser formulados quesitos sobre possíveis

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qualificadoras1 .3. Apelo improvido. Decisão unânime.

Vistos, relatados e discutidos estes autos deapelação crime, nº 2000.0000.7274-6/1, de Trairi, em que érecorrente o representante do Ministério Público e recorrido Mauroda Justa Freitas.

Acorda a Turma, por unanimidade de votos, emconhecer do apelo e dar-lhe provimento, assim como opinou adouta Procuradoria Geral de Justiça.

O representante do Ministério Público assestou opresente apelo, objetivando a rescisão do julgamento do SegundoTribunal do Júri desta capital que condenou Mauro da Justa deFreitas à pena de 4 (quatro) anos de reclusão, a ser cumpridaem regime aberto, por infração ao artigo 121, § 1º, do CódigoPenal, por haver o mesmo, no dia 19 de março de 1995, porvolta das 21h, no centro da cidade de Trairi, a tiros de revólverlevado a óbito a vítima José Edson Filho de Sousa, e por talpronunciado nas penas do artigo 121, § 2º, inciso IV, do CódigoPenal Nacional.

Assegura o Agente Ministerial que o julgamento queculminou com a condenação do apelado pelo homicídioprivilegiado deve ser anulado, visto que não foi apreciada a teseda acusação que constava na pronúncia e, conseqüentemente,no libelo, na oportunidade em que o Juiz encerrou o julgamentosem submeter à apreciação do Conselho de Sentença o quesitorelativo à qualificadora do inciso IV do art. 121, § 2º, do CódigoPenal.

Contra-razões da parte ex-adversa às fs.703/706.Nesta Superior Instância os autos foram com vista à

douta Procuradoria Geral de Justiça que, com o parecer defs.715/717, opinou pelo provimento do apelo.

É o relatório.

Pelo visto precedentemente, persegue o Órgão doMinistério Público ver anulado o julgamento que culminou com a

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condenação de Mauro Justa Freitas, cujo Conselho de Sentençaoptou pelo homicídio privilegiado. O Juiz que presidiu o feito,interrompeu o julgamento, logo após o reconhecimento dohomicídio em sua forma privilegiada, sem submeter à apreciaçãodo Conselho de Sentença, o quesito da qualificadora descrita noinciso IV, do § 2º, do art. 121, do Código Penal.

É bem verdade que alguns doutrinadores, admitemque não há incompatibilidade entre circunstâncias subjetivas eobjetivas. Contudo, veja-se que na ata da sessão do júri, espelhodo julgamento, ficou registrado que a doutora Marília Uchoa deAlbuquerque, representante do Parquet ali oficiante, tão-somente após o julgamento do quesito da prvilegiadoraargumentou a necessidade de ser submetido o 4º quesito quetratava da qualificadora, em cujos debates em plenário não tinhasustentado a hipótese de homicídio qualificado-privilegiado”(fs.694).

O Magistrado que presidiu a sessão do julgamento,para resguardar futura argüição de nulidade, ao sentenciar oapelado, fez constar na decisão, as razões pelas quais deixoude submeter o 4ª quesito à consideração dos senhores Jurados,senão vejamos, verbis:

“De lembrar, por oportuno, que não foi submetido ajulgamento o quesito da qualificadora da desprevenção, vez quenenhuma das partes sustentaram a tese de homicídioqualificado-privilegiado (sic).

A lição é de Adriano Marrey, Alberto Silva Franco eRui Stoco, compreenda-se:

“Deve-se no entanto, antes de mais nada, deixaresclarecido, de forma clara e precisa, na ata, amanifestação de qualquer das partes no sentidodo reconhecimento, pelo Conselho de Sentença,de uma hipótese de homicídio qualificado-privilegiado. É evidente que se nada foiconsignado a respeito, deve ser entendido que oprosseguimento do julgamento, com a votaçãode quesitos referentes a qualificadoras, após o

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reconhecimento de uma privilegiadora,significará uma evidente nulidade. É que, emprincípio, com a votação favorável daquelequesito, serão considerados prejudicados osquesitos relativos às qualificadoras. Se, contudo,a tese sustentada é a de homicídio qualificadoprivilegiado, a votação poderá, sem nenhumaconseqüência ulterior, prosseguir, sendoindiferente até a ordem de propositura dosquesitos”.

Ora, na hipótese dos autos, com a afirmaçãoindiscrepante do 3º quesito, que indagou se o réu agiu sob odomínio da violenta emoção, logo em seguida a injustaprovocação da vítima, logicamente que o quesito seguinte estariaprejudicado, observando Fernando da Costa Tourinho Filho quese o Júri reconhecer o homicídio privilegiado, não podem serformulados quesitos sobre possíveis qualificadoras.

Desta forma, não divisada a nulidade levantada, negoprovimento ao apelo, para manter a decisão recorrida, emdissenso com que opinou a douta Procuradoria Geral de Justiça.

É como voto.

Fortaleza, 05 de setembro de 2006.

***

ESTADO DO CEARÁPODER JUDICIÁRIO

TRIBUNAL DE JUSTIÇA

2000.0015.5578-3/0 APELAÇÃO CRIMINALAPELANTE: REPRESENTANTE DO MINISTÉRIO PÚBLICOAPELADO: ANTONIO BASTOS RODRIGUESCOMARCA: ACARAÚRELATORA: DESA. MARIA SIRENE DE SOUZA SOBREIRA

EMENTA: EMENTA: PROCESSO PENAL.

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APELAÇÃO CRIME. PROCESSO DACOMPETÊNCIA DO TRIBUNAL DO JÚRI.HOMICÍDIO PRIVILEGIADO. CONDENAÇÃO.ARGÜIÇÃO DE DECISÃO CONTRÁRIA À PROVADOS AUTOS. OCORRÊNCIA. PROVIMENTO.ANULAÇÃO DO JULGAMENTO PARASUBMETER O APELADO A NOVOJULGAMENTO.1. segundo a dicção do art. 593, § 3º, “d”, doCódigo de Processo Penal, as decisões do júrique sejam manifestamente contrárias à provados autos podem ser anuladas, de forma que oacusado possa sujeitar-se a novo julgamento.2. É manifestamente contrária à prova dos autoso veredicto do jurados que acolhe a tese dehomicídio privilegiado quando, à evidência, talvertente não encontra nenhuma respaldo naprova dos autos. Na espécie, quer parece que aa acolhida da circunstância privilegiadora dohomicídio praticado pelo apelante se divorciacompletamente da prova dos autos, na medidaem que não há elemento fático de que o apelanteagiu, ao eliminar a vítima, acometido de violentaemoção e em resposta a injusta provocação porparte desta.3. Apelo conhecido e provido para anular overedicto popular e submeter o apelado a novojulgamento.

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos os presentes autosacima identificados.

Acorda a 2ª Câmara Criminal do Tribunal de Justiçado Estado do Ceará, em votação unânime, em julgar provido orecurso interposto, para anular a decisão recorrida e submetero apelado a novo julgamento, em consonância com o parecer

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da douta Procuradoria Geral de Justiça, e nos termos do voto daDesembargadora Relatora.

RELATÓRIO

O representante do Ministério Público, oficiante noJuízo da Comarca de Acaraú-Ceará inconformado com overedicto do Tribunal do Júri da referida Comarca interpôs recursode apelação com o escopo de anular a condenação imposta aoacusado Antônio Bastos Rodrigues (04 anos de reclusão, fls.110/110v), sob o fundamento de que a decisão popular émanifestamente contrária à prova dos autos.

Afirma o órgão ministerial que a tese de homicídioprivilegiado acolhido pelo Conselho de Sentença não encontrabase fática nos autos do processo, uma vez que o recorrido, aoeliminar a vítima José Narciso de Andrade, agiu com animusnecandi e por motivo torpe.

Assentou o órgão acusatório em sede de razõesrecursais, que dormitam às fls. 120/124, que:

“No dia 18 de setembro de 1983, no lugar LagoaGrande, desta Comarca, por volta das 17:00 horas,Antonio Bastos Rodrigues encontrava-seembriagado, e por motivo banal iniciou uma brigacom a vítima encontrava-se embriagada, e pormotivo banal iniciou uma briga com a vítima, JOSÉNARCISO DE ANDRADE, no que resultou na mortedeste.Resultou provado que ANTONIO BASTOSassassinou a vítima com frieza e perversidade agolpes de facas, não satisfeito com as facadas letais,ainda chutou o corpo da vítima, que inanimadaestava, querendo com isso saciar o seu instintoperverso.” sustentando que praticou o fato criminosoem foco sob a influência de violenta emoção,provocada por ato injusto da vítima contra a suapessoa, conforme demonstraria as provas colhidas

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na instrução processual (fls. 148/152).

Assenta, ainda, que a prova testemunha mostra comclareza que o recorrido não atuou amparado pela violentaemoção, na medida em que todas as testemunhas seriamunânimes em informar que a vítima, além de se encontrardesarmada, teria sido provocada pelo acusado.

Pugna, assim, pela anulação do julgamento populara fim de que o recorrido seja novamente submetido ao crivo doTribunal do Júri.

Em contra-razões, à fl. 158, o recorrido requer sejadado improvimento ao presente apelo, mantendo-se intacta a overedicto vergastado, porquanto a tese de crime privilegiado quefoi acatada, à unanimidade, pelo jurados merece ser mantidapor esta Egrégia Corte de Justiça.

Nesta Instância, a douta Procuradoria Geral deJustiça, em parecer assinado pelo digno Procurador de JustiçaJosé Gusmão Bastos, manifestou-se pelo provimento do apelopara que o recorrido seja mandado a novo julgamento, já que “aprova dos autos não traria qualquer elemento a supedanear oconvencimento de que o condenado, ora recorrido, teria agidomediante violenta emoção logo em seguida a injusta provocaçãoda vítima”.

Anota, ainda, a Procuradoria de Justiça que “Ao revés,o conjunto probatório permite uma só certeza: a de que o agentesem motivação plausível, de forma fria e desumana, como ressaievidente dos excertos de depoimentos reproduzidos pelo agenteministerial às fls. 122/123”. (fls. 171/173).

É o relatório.

VOTO

Inicialmente, anote-se que o recurso interposto, porpreencher os requisitos legais de admissibilidade, deve serconhecido e julgado.

No mérito, é de se anotar que o presente apelo deveser provido, tendo em vista que a decisão do Tribunal do Júri da

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Comarca de Acaraú ser manifestamente contrária à prova dosautos.

É certo que somente em casos excepcionalíssimosé que pode o veredicto popular ser anulado para que o acusadoseja submetido a novo julgamento. Vale dizer, apenas quando adecisão do Corpo de Sentença for arbitrária e flagrantementecontrária ao acervo probatório constante dos autos é que selegitima o tribunal togado para invalidá-la.

E isso é assim porque os jurados como sereshumanos são falíveis, podendo cometer equívocos ou abusos,como qualquer juiz togado. Felizmente, observa-se que os acertostêm sido a regra nos julgamentos pelos tribunais do júri. Porem,frise-se mais uma vez, somente o erro manifesto é que permitea submissão do acusado a novo julgamento. Logo, ensinaGuilherme de Souza Nucci: Júri – princípios constitucionais, SãoPaulo: Juarez de Oliveira, 1999, p. 97 “não é qualquer situaçãoque autoriza o provimento da apelação, sendo preciso umveredicto notoriamente, gritantemente, patentemente, contrárioà prova colhida e constante dos autos”.

Advirta-se, porém, que a invalidação do veredictopopular não implica nenhum atentado aos princípiosconstitucionais da soberania dos veredictos e da competênciado Júri para julgar os crimes dolosos contra a vida. É quesoberania dos veredictos, na pertinente observação de FredericoMarques, não quer significar submissão a um primeiro e únicoveredicto exarado pelo júri, e na impossibilidade de sua revisãono mérito. Em verdade, conforme preleciona o citado autor, naobra “O Júri no direito brasileiro”, São Paulo: Saraiva, 2ª ed.,1955, p. 732 , “a lei não fala em soberania do veredicto, nem emsoberania de cada veredicto (se assim fosse, até o protesto pornovo júri seria inconstitucional), e sim, do conjunto de veredicto.Quer isto dizer que mais de um veredicto pode haver, embora oúltimo, predominando sobre o primeiro, forçosamente o revogue”.

Portanto, em arremate, pode-se dizer que soberaniado Tribunal do Júri nada mais é do que lhe assegurar sempre aúltima palavra nos crimes dolosos contra a vida, seja em sedede um ou mais julgamentos.

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No caso em exame, parece-me que os jurados, aoacolher a tese defensiva de homicídio privilegiado, nãoanalisaram com o devido cuidado as provas carreadas aoprocesso, tanto, assim, que preferiam um veredictomanifestamente contrário à prova dos autos.

Veja que, depois de muito analisar com vagar eminuciosamente o material probatório constante dos autos, tantoo produzido na seara policial como judicial, tenho comoinsustentável, sob qualquer ângulo de observação, a versão dematerialização, na espécie, da circunstância privilegiadora dohomicídio.

Isso é assim porquanto não vislumbro na prova quea conduta do recorrido preencha os requisitos legais do homicídioprivilegiado, em especial as notas de que teria, no momento dofatídico, atuando sob o domínio de violenta emoção causada porinjusta provocação da vítima.

Contrariamente, verifico no conjunto probatório queo recorrido teria eliminado a vida da vítima sem que esta tivesseimposta aquela qualquer provocação, ainda mais injusta. Nãohá nos autos qualquer indício de que o acusado foi agredido pelavítima. Ademais, não se vislumbra, igualmente, que o acusado,ao exterminar a vítima, estivesse acometido de violenta emoção,principalmente porque o contexto no qual os fatos ocorreramnão alberga tal vertente.

Os depoimentos que passo a transcreve abaixoparece não deixar nenhuma dúvida no sentido de que a versãosufragada pelo Corpo de Jurados é manifestamente contrária àprova dos autos. Confira-se:

DEPOIMENTO DE FRANCISCO DOMINGOS DESOUSA, dono do estabelecimento comercialonde ocorreu o crime em questão (fls. 35/35v):

“(...) Antonio Borges pegou no braço da vítima eprocurou puxar o mesmo para fora do comérciodo depoente; que quando saíram para o terreiroa testemunha viu quando do comércio José

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Narciso empurrava a Antonio Bastos, tendo estesem dizer nada sacado de sua faca, furando a ZéNarciso sem dar-lhe qualquer chance de defesa;que quando o depoente viu Antonio Bastosfurando, ainda pulou o balcão para socorrê-lo,mas o acusado já havia dado nada menos do quetrês (03) facadas na vítima (...) que sabe informarainda que o acusado após furar mortalmente avítima, não se contentando com o que tinha feito,ainda chutou-a diversas vezes”.

TESTEMUNHA RAIMUNDO CÉLIO DOS SANTOS(fls. 36/36v):

“(...) estavam os dois embriagados no terreirodaquele botequim, sendo que em dado momentoiniciaram uma discussão sem motivo plausível eem dado momento o depoente diz terpresenciado Antonio Bastos Rodrigues sacadode sua faca peixeira e dado duas facadas emJosé Narciso de Andrade; (...) que sabe informaro depoente que os mesmos eram dados a práticade bebidas alcoólicas e quando nesse estadosempre brigavam devido o excesso de álcool;(...) que sabe informar que a vítima não seencontrava armada; somente o acusado portavaarma no momento e que dado à rapidez doacusado sacando de sua arma com o fimpremeditado de matar a vítima, esta não tevecondições de esboçar qualquer meio dedefesa”.

TESTEMUNHA FRANCISCO EDMUNDOSILVEIRA (fls. 37/37v):

“(...) que em lá chegando, viu portado ao solo ebanhado de sangue, José Narciso, enquanto

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que, presenciou também Antonio Bastos oacusado ir saindo com sua esposa; que não temdúvida de que quem realmente furoumortalmente a José Narciso, foi Antonio BastosRodrigues, pois ao que soube era ele quemestava agarrado com a vítima, no terreirodaquele boteco; (...) soube por intermédio deterceiro, que os mesmos se dnontravam (sic)[encontravam] no boteco naquela hora, bebendocachaça e já embriagado o acusado chamou avítima para o terreiro e na ocasião perguntandoa Zé Narciso se ele tenha ficado com raivadaquele ato, que sabe informar ter a vítima ditoque não tinha ficado com raiva; (...) que sabeinformar que somente o acusado se encontravaà hora dos crimes, armado, a vítima estava semqualquer arma; que ouviu dizer que o dono dabodega, após ter tomado a faca do acusado eeste não satisfeito sa (sic) cena sangrentapraticada, ainda deu uns murros na vítima que,aquelas alturas já agonizava”.

MARIA BENILDA SOUSA, declarante (fls. 38/38v):“(...) que sabe informar ter Antonio BastosRodrigues morto perversamente a vítima, poisnão houve nenhuma discussão entre os dois”.

Vê-se, daí, que os testemunhos acima apresentadosnão se coadunam em nenhum ponto com a versão acolhida pelojurados de que o homicídio praticado pelo recorrido foi privilegiado.

Por conseguinte, assiste razão ao parquet visto quea decisão guerreada afastou-se completamente e sob qualquerótica de observação, da prova dos autos. Com efeito, é forçosodizer que a vertente defensiva recepcionada pelo Conselho deSentença exorbita da qualquer linha de interpretação possíveldo conjunto probatório em exame.

Mas não se está aqui querendo afirmar com isto que

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o Corpo de Jurados, em nova reapreciação e reavaliação dosfatos e das provas não possa novamente concluir em prol damesma tese ora invalidade. E, neste caso, proferindo os jurados,em novo julgamento, decisão mais favorável ao recorrido, aindaque de homicídio privilegiado, tal decisão tornar-se imune àinvalidação em qualquer instância jurisdicional, em obséquio aojá aludido princípio da soberania dos veredictos do Tribunal doJúri.

Não posso deixar de registrar que a jurisprudênciapátria é interativa no sentido de que os tribunais têm competênciapara anular decisões do Júri quando estas se mostremdestituídas de qualquer fundamento fático constante dos autos.A título ilustrativo, consignem-se os julgados abaixo:

STF: “Não ofende o princípio da soberania dojúri a decisão do Tribunal que determina seja oréu submetido a novo julgamento, por ter sido oprimeiro proferido manifestamente emdesencontro com a prova constante doprocesso” (STF – HC – Rel. Cunha Peixoto – RTJ103/988).

STF: “Constitucional. Penal. Processo Penal.Júri. Soberania. III. A soberania dos veredictosdo Tribunal do Júri não exclui a recorribilidadede suas decisões quando se mostrammanifestamente contrárias à prova dos autos(CPP, art. 593, III, d). Provido o recurso, será oréu novamente submetido a novo julgamentopelo júri” (STF – Re – Rel. Carlos Veloso – RT 675/452).

STF: “É certo que as decisões do Júri nãopodem ser alteradas, quando ao mérito, pelainstância ad quem, podendo apenas ser anuladaspara que o mesmo júri reveja a sua decisão,mantendo ou modificando a mesma. Assim, não

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podem os Juízes da instância superior substituiros jurados na apreciação do mérito da causa jádecidida pelo Tribunal do Júri, à vista doprincípio constitucional da soberania dosveredictos, previsto no art. 5º, XXXVIII, c, da Cf.Todavia, a soberania do júri não afasta arecorribilidade de suas decisões, significandoapenas a impossibilidade de revisão pelo mérito”(STF – HC – Rel. Ilmar Galvão – RT 739/546).

DO EXPOSTO, por vislumbrar decisãomanifestamente contrária à prova dos autos, dou provimento aoapelo ministerial, para anular o veredicto e, por via deconseqüência, determinar seja o apelado submetido a novojulgamento pelo Tribunal Popular do Júri, em consonância como parecer da douta Procuradoria Geral de Justiça.

É como voto.

Fortaleza, 20 de junho de 2007.

***

ESTADO DO CEARÁPODER JUDICIÁRIO

TRIBUNAL DE JUSTIÇA

2000.0170.8610-9-1 APELAÇÃO CRIMINALAPELANTE: FRANCISCO DE SOUZA LIMAAPELADO: A JUSTIÇA PÚBLICACOMARCA: LIMOEIRO DO NORTERELATORA: DESA. MARIA SIRENE DE SOUZA SOBREIRA

EMENTA: EMENTA: PROCESSO PENAL.APELAÇÃO CRIME. PROCESSO DACOMPETÊNCIA DO TRIBUNAL DO JÚRI.HOMICÍDIO TRIPLAMENTE QUALIFICADO.CONDENAÇÃO. ARGÜIÇÃO DE DECISÃO

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CONTRÁRIA À PROVA DOS AUTOS. HOMICÍDIOPRIVILEGIADO. VIOLENTA EMOÇÃO.INOCORRÊNCIA.1. Tendo o corpo de jurados deliberado emconsonância com as prova dos autos, éimperioso concluir que o apelo não pode serprovido, de sorte que deve ser mantidaintegralmente a decisão condenatória proferidapelos juízes populares em face do apelante.2. A versão do apelante de que agiu sob violentaemoção após injusta provocação da vítima acaracterizar homicídio privilegiado não temrazão de ser. É que não se afigura possívelreconhecer, na espécie, tenha o apelado incididoem homicídio privilegiado, quando uma de suasnotas características – a imediatidade - não sevislumbra materializada no caso em exame,porquanto a ação homicida do apelante ocorreude forma extemporânea a suposta provocaçãoinjusta da vítima. Com efeito, o interregnoverificado entre a ação violenta da vítima e areação do apelante elide o requisito objetivotemporal do homicídio privilegiado (logo emseguida), máxime quando se observa que ofatídico em apreço ocorreu em local e momentodiferentes da ação injusta, em tese, perpetradapela vítima.3. Por outro lado, a maneira fria, cruel e sem amínima possibilidade de defesa com que oapelante executou a vítima - de vez queexterminou esta por motivo fútil, por intermédiode uma pedra de mais de 15 (quinze) quilos,arremessada contra a vítima, esfacelando-lhe acabeça, e sem que a mesma pudesse esboçaruma ínfima reação defensiva, seja porque talvezestivesse embriagada ou pelo fato de ter sidoatingida quando se encontrava caída ao solo –

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elide a alegação de violenta emoção ou legítimadefesa própria da vida.4. Recurso interposto contra decisão do Tribunaldo Júri tão-somente pode encontrar guaridaquando a decisão dos jurados formanifestamente contrária à prova dos autos. Valedizer, quando houve contrariedade esférica, istoé, por todos e quaisquer ângulos deobservação, do veredicto popular proferido comos elementos de convicção produzidos no bojoprocesso.4. Apelo improvido.

Vistos, relatados e discutidos os presentes autosacima identificados.

ACÓRDÃO

Acorda a 2ª Câmara Criminal do Tribunal deJustiça do Estado do Ceará, em votação unânime, emconhecer do recurso, mas para negar-lhe provimento, emconsonância com o parecer da douta Procuradoria Geral deJustiça, e nos termos do voto da Desembargadora Relatora.

RELATÓRIO

Consta dos autos que o representante do MinistérioPúblico, em exercício na 1ª Vara da Comarca de Limoeiro doNorte-CE denunciou FRANCISCO DE SOUZA LIMA, nassanções do art. 121, § 2º, incs. I, II e III, do Código Penal Brasileiro,por ter, no dia 15 de dezembro de 2001, por volta das 21h, nalocalidade do Sítio Tomé, no Município de Limoeiro do Norte,utilizando-se de um facão e uma pedra, pesando esta 15 Kg(quinze quilos) 700g (setecentos gramas), eliminado a vida deMARCONDES DE FREITAS, conforme testifica o auto de examede corpo de delito, que dormita às fls. 37 dos autos.

Submetido ao devido e regular processo legal, com

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observância das garantias constitucionais a ele inerente, restouo denunciado pronunciado de acordo com o requestado na peçaacusatorial inicial (fls. 76/79).

Levado a julgamento perante o Tribunal do Júri, oCorpo de Jurados afirmou, por unanimidade, a materialidadedelitiva e a letalidade, e, por maioria, rejeitou a tese defensiva deviolenta emoção, bem como reconheceu as qualificadoras dafutilidade, do meio cruel e do recurso que tornou impossível adefesa da vítima (fls. 106), restando o recorrente condenado àpena de 12 (doze) anos de reclusão em regime inicialmentefechado.

Inconformada, a defesa interpôs recurso de apelação(fls. 143/144), argüindo em sede de razões que o Conselho deSentença ao rejeitar a tese de o apelante teria eliminado a vítimasob o domínio de violenta emoção, após injusta provocação davítima, decidiu manifestamente contrária a prova dos autos.

Pugna, assim, pela anulação do veredicto em apreço,para que seja conduzido a um novo julgamento pelo Tribunal doJúri.

Em contra-razões, o órgão ministerial requereu oimprovimento do presente recurso (fls. 154/155).

Nesta Instância, a douta Procuradoria Geral deJustiça, em parecer da lavra o ilustre Procurador de Justiça, Dr.Bejamin Alves Pacheco, manifestou-se no sentido do nãoprovimento do apelo (fls. 157/162).

É o relatório.

VOTO

Primeiramente, registre-se que o recurso interposto,por preencher os requisitos legais de admissibilidade, deve serconhecido e apreciado.

Entretanto, não merece guarida o apelo da defesa,tendo em vista que a decisão emanada do Tribunal Popular doJúri foi proferida com base no conjunto fático-probatório colhidonos autos.

Sem delonga, adite-se que a tese defensiva de

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homicídio privilegiado não encontra consonância com as provasdo processo.

É que, nada obstante a existência de um entreveroentre o apelante e a vítima, em momento anterior ao fatídico emfoco, tal expediente não teve o condão de dar natureza privilegiadaao homicídio por ele perpetrado. Veja que o homicídiodenominado doutrinariamente de privilegiado, na modalidadededuzida pela defesa, exige, além da violenta emoção, injustaprovocação da vítima e sucessão imediata entre a provocaçãoe a reação.

Ora, na espécie, ainda que se pudesse atribuir amácula de injusta à conduta da vítima de ter agredido o apelantecom um soco da face, quando ambos encontravam-se noestabelecimento comercial denominado “Bar da Tica”, não sevislumbraria as outras notas componentes da conduta homicidaprivilegiada. De vez que o apelante para fazer jus ao homicídioemocional privilegiado deveria ter esboçado seu ato homicidano momento imediato e incontinenti a suposta agressão injustapraticada pela vítima.

Pelo contrário, analisando os autos, constata-se quea conduta do apelante de lança uma pedra de quase 16(dezesseis) quilos contra região letal da vítima, isto é, a cabeça,deu-se somente algum tempo depois do sobredito entreveroocorrido entre eles. Com efeito, não se tem como contemporâneaa reação quiçá emotiva do apelante de eliminar a vida da vítimae a suposta provocação injusta desta. Tanto é assim queenquanto a alegada provocação injusta por parte da vítimaocorreu no “Bar da Tica”, o extermínio desta deu-se em outrolocal, especificamente em frente à casa da amásia do apelante.

Isso é o se extrai do depoimento das testemunhasinquiridas em juízo, dos quais transcrevo as partes queinteressam ao ponto em análise:

“(...) que a depoente ouviu falar que houve umadiscussão entre o acusado e outra pessoa, tendoa vítima falado para o acusado que o mesmoparasse com a briga, partindo para a briga com a

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vítima; que o acusado saiu do local; que a pessoade nome Lalá foi quem apartou a brigou (sic)entre o acusado e vítima; que Lalá falou para avítima que fosse embora e que achava que oacusado ia em casa se armar; que a vítimarespondeu que não tinha medo de faca; que avítima foi ferida pelo acusado quando seencontrava ainda na casa da companheira deste;(Testemunha Maria de Fátima Freitas, fls. 56).

“(...) que também ouviu falar que o acusado evítima brigaram quando estiveram no bar daTica; que a distância entre o bar e o local ondefoi encontrado o corpo da vítima é de 200m, ouseja a briga foi numa rua e a vítima foi morta emoutra; (...) que a depoente encontrou a vítimaacabando de morrer por volta de 6:00 a 6:30 danoite; (...) que o fato ocorreu em frente a casade Nenzinha” (Testemunha Maria Raimunda daSilva, fls. 57) (grifo nosso).

“Que presenciou quando o acusado, a vítima,Carlinhos e outro consumia bebida alcoólica emfrente ao bar da tica; que em dado momento orapaz que mora na Lagoa da Casca quebrou umagarrafa e o acusado passou a discutir com omesmo; que nesse momento a vítima estavadentro da casa de Tica e saiu, passando adiscutir com o acusado; que o acusado falou paraa vítima não interferir; que a vítima deu um murrono acusado; que o acusado entrou na casa daTica, a procura de alguma arma, retornando comuma garrafa para investir contra a vítima; que odepoente tomou a garrafa do acusado, apartandoa briga; que o acusado saiu do local em suabicicleta e a vítima ficou próxima a um orelhão;que o depoente ainda pediu a para vítima ir

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embora, mas a vítima não quis” (TestemunhaSebastião Guimarães de Oliveira, fls. 58).

Dos elementos probatórios acima, afigura-se-nosimpossível de reconhecer, na espécie, tenha o apelado incididoem homicídio privilegiado, quando uma de suas notascaracterísticas – a imediatidade - não se vislumbra materializadano caso em exame, porquanto a ação homicida do apenadoocorreu de forma extemporânea a suposta provocação injustada vítima. Em suma, o interregno verificado entre a ação violentada vítima e a reação do apelante elide o requisito objetivo dohomicídio privilegiado, máxime quando se observa que o fatídicoem apreço ocorreu em local e momento diferentes da açãoinjusta perpetrada pela vítima.

E como é cediço, para caracterização do homicídioemocional privilegiado necessário se faz que a ação homicidaseja esboçada de forma sucessiva e imediata à provocaçãoajurídica da vítima, de vez que a lei penal estabelece claramenteque o imputado sob o domínio de violenta emoção deve agir logoem seguida ao injusto ataque do ofensor.

Nos lindes doutrinários de Cesar Roberto Bitencourt,na obra Manuela de Direito Penal, Parte Especial, São Paulo:Saraiva, vol. 2, 2001, p. 61, para o reconhecimento da causa deminoração da pena do homicídio privilegiado, o Código Penalpátrio vinculou o estado psíquico “sob o domínio de violentaemoção” a um requisito objetivo de ordem temporal, qual seja,“logo em seguida a injusta provocação da vítima”. E arremata opredito doutrinador:

“Com efeito, a reação tem de ser imediata, ouseja, é necessário que entre a causa da emoção(injusta provocação) e esta praticamente inexistaintervalo. Com efeito, reação à provocaçãoinjusta deve ser imediata, de pronto, semintervalo, isto é, ex improviso. O impulsoemocional e a ação dele resultante devemocorrer imediatamente após a provocação

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injusta da vítima. Em sentido semelhante era omagistério de Hungria, que afirmava: ‘Segundoo critério adotado pelo Código, a mora na reaçãoexclui a causa de atenuação, pois, de outro modo,estaria criado um motivo de sistemático favor acriminosos. Não transige o preceito legal com oódio guardado, com o rancor concentrado, coma vingança tardia’. Efetivamente, a reação àprovocação injusta não pode ser motivada pelacólera, pelo ódio, fundamentadores de vingançadesautorizada”.

No mesmo sentido é o magistério de Luiz RegisPrazo, in: Curso de Direito Penal Brasileiro, São Paulo: RT, ParteEspecial, vol. 2, 2ª ed., 2002, p. 50, ao observar que o homicídioprivilegiado para configurar-se como tal exige “que a reaçãoemotiva violenta do agente seja imediata, isto é, ocorra logo apósà injusta provocação da vítima (sine intervalo). Um lapso temporalmaior propiciaria possibilidade de detida ponderação, o que éincompatível com a eclosão de reação de súbito”.

Em consonância com os ensinamentos doutrináriosacima, confira-se julgado do Tribunal de Justiça do Rio Grandedo Sul, verbo ad verbum:

TJRS: “Violenta emoção é aquela que seapresenta intensa, absorvente, como verdadeirochoque emocional. O privilégio só ocorre se areação for imediata, incontinenti” (RJTJERGS166/131).

No mesmo sentido, decisão do Tribunal de Justiçade São Paulo, verbis:

TJSP: “O impulso emocional e o ato que deleresulta devem seguir-se imediatamente àprovocação da vítima para configurar o homicídioprivilegiado (art. 121, § 1, do CP). O fato criminoso

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objeto da minorante não poderá ser produto decólera que se recalca, transformando em ódiopara uma vingança intempestiva” (RT 622/268).

Nesta alheta, STF: RT 638/359; TJSP: RT 405/107,420/93, 440/361.

Por outro lado, não se pode deixar de salientar que omodus operandi do recorrente para eliminar a vítima - quer nosparecer - tem o condão de descaracterizar a alegada violentaemoção ou a legítima defesa própria da vida, levando em contaa maneira fria, cruel e sem a mínima possibilidade de defesacom que o apelante executou a vítima, esta, inclusive, amiga dorecorrente. De vez que exterminou esta por motivo fútil – meradiscussão entre ambos -, além do que o instrumento utilizado,qual seja, uma pedra de vários quilos arremessada contra avítima, esfacelando-lhe a cabeça, e sem que a mesma pudesseesboçar uma ínfima reação defensiva, seja porque talvezestivesse embriagada ou pelo fato de ter sido atingida quandose encontrava caída ao solo.

Frise-se, ainda, que a versão do apelante de que avítima estava armada quando lhe atacou não enquadrasustentação na prova dos autos. Vejamos:

“(...) que a mãe do depoente não tinha nenhumfacão em sua casa; que o depoente não viunenhuma arma próxima à vítima, mas apenas umapedra” (Testemunha José Kleber RodriguesCorreia, fls. 55).

“(...) que acusado e vítima eram amigos, uma vezque a vítima vivia na casa do acusado; que adepoente não viu nenhum facão nasproximidades do corpo da vítima; (...) que a vítimafoi lesionada no braço e na cabeça; que odepoente encontrou a vítima acabando demorrer por volta de 6:00 a 6:00 da noite”(Testemunha Maria Raimunda da Silva, fls. 57).

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“(...) que a vítima não estava armada; (...) queouviu falar que a vítima foi agredida peloacusado com uma pedra, que a vítima morreu nolocal; que não existia inimizade entre acusado evítima” (Testemunha Sebastião Guimarães deOliveira, fls. 58).

“Que quando chegou em frente a casa daNenzinha, na localidade de Tomé, por volta deoito horas da noite viu o acusado pegar umapedra e bater duas vezes na cabeça da vítima;(...) que após agredir a vítima com a pedra oacusado saiu do local em sua bicicleta; que avítima morreu no local onde foi agredida; queacusado e vítima eram amigos; (...) que não sabese a vítima estava armada; que não viu a vítimaagredir o acusado” (Testemunha José Edmilsonda Silva, fls. 67).

A esta altura, é possível dizer que o entendimento doConselho de Sentença encontra-se associado ao acervoprobatório dos autos, sendo desarrazoada a alegação da defesade homicídio privilegiado.

Advirta-se, de outra mão, que recurso de apelaçãointerposto contra decisão do Tribunal do Júri, em obséquio àsoberania constitucional dos veredictos, tão-somente podeencontrar guarida quando a decisão dos jurados formanifestamente contrária à prova dos autos. Vale dizer, quandohouve contrariedade esférica, isto é, por todos e quaisquerângulos de observação, do veredicto proferido com os elementosde convicção produzidos no bojo processo.

A doutrina e jurisprudência pátrias são pacíficas aesse respeito.

A propósito, cito o magistério de Júlio FabbbriniMirrabeti, in: Código de Processo penal Interpretado, São

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Paulo: Atlas, 10ª ed., 2003, p. 1481). para quem tão-somentepoderá ser reconhecido erro de mérito na decisão do júri, sendoimperioso novo julgamento, “quando a decisão é arbitrária (...)se dissocia integralmente da prova dos autos (...). Não é qualquerdissonância entre veredicto e os elementos de convicçãocolhidos na instrução que autorizam a cassação do julgamento.Unicamente, a decisão dos jurados que nenhum apoio encontrarna prova dos autos é que pode ser invalidada”.

Esse também é o entendimento de EduardoEspindola Filho, citado por Antonio José Miguel Rosa, em suaobra “Processo Penal”, Brasília (DF): Consulex, p. 800, paraquem “tão-somente quando o veredito do tribunal leigo é arbitrário,porque dissocia integralmente da prova dos autos, isto é, não háqualquer elemento de prova que ampare, que apóie a soluçãoadotada, surge a possibilidade de, repelindo arbítrio, entrar otribunal no mérito (...)”.

Na mesma ordem de idéias é a lição de JoséFrederico Marques, na obra Elementos de Direito ProcessualPenal, São Paulo: Millennium, vol. IV, 2ª Tiragem, 2003, ipsislitteris:

“Necessário (...) para que o Tribunal ad quem,acolhendo o recurso, lhe dê provimento, é queo veredicto esteja em radical antagonismo comaquilo que de modo indiscutível promane, emrelação à question facti, da prova dos autos (...).“Não é qualquer dissonância entre o veredictoe os elementos de convicção colhidos na prova,que autoriza a cassação do veredicto:unicamente a decisão dos jurados que nenhumarrimo encontre na prova dos autos é que podeser invalidada. Desde que uma interpretaçãorazoável dos dados instrutórios justifiquem overedicto, deve este ser mantido, pois, nessecaso, a decisão deixa de ser ‘manifestamentecontrária à prova dos autos’” (p. 283).

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Os julgados colacionados abaixo sintetizam aorientação dos tribunais sobre a temática em estudo, verbis:

STF: “Através de sucessivos acórdão, temfixado a Suprema Corte: ‘Não cabe anular adecisão dos jurados embora tomada por maioriade votos, se esta não for manifestamentecontrária à prova dos autos. Por meraconveniência de nova manifestação de outrosjurados, da mesma sociedade, diante da dúvidaque exista quando à inocência do réu, não seanula decisão absolutória” (RTJ 100/611, dentreoutros).

TJMG: “Para anulação das decisões do Tribunaldo Júri por contrariedade à prova dos autosdeve ser manifesta essa contrariedade, ouevidente, ressurgindo a um simples exame ouanálise não aprofundada dos elementos dosautos” (TJMJ, Ap. Rel. José Bonifácio Silva, RT658/324).

TJMJ: “Como de pacífica jurisprudência e deuníssona doutrina, só se licencia a cassação doveredito popular por manisfestamente contrárioà prova dos autos quando a decisão é absurda,escandalosa, arbitrária e divorciada do conjuntoprobatório. Se a decisão popular tem respaldoem uma das versões existentes, não pode oórgão revisor cassá-la, sob pena de negarvigência ao princípio constitucional da soberaniado Júri” (Ap. 1.0567.95.000772-2/001, 1ª C., rel.Gudesteu Bober, 15.03.2005, v.u)

TJSP: “JÚRI – DECISÃO CONTRÁRIA À PROVADOS AUTOS – INOCORRÊNCIA – VEREDICTOQUE SOMENTE COMPORTA JUÍZO DE

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REFORMA QUANDO ATENTATÓRIO DAVERDADE APURADA NO PROCESSO,REVELANDO DISTORÇÃO DE SUA FUNÇÃOJUDICANTE” (JTJ 233/315).

Em última análise, consigne-se que, na espécie emexame, a decisão do Corpo de Jurados em termos de não-acolhera tese de homicídio privilegiado na modalidade da violentaemoção situa-se no âmbito de interpretação razoável eplausível da prova, de tal sorte que “a anulação do julgamento[pelo tribunal] seria patente ofensa ao princípio da soberania dosveredictos, pois não lhe cabe reavaliar o mérito, imprimindo asua opinião a respeito da decisão e sim verificar se esta tem ounão algum fundamento nas provas – e não o melhorfundamento”.3

Em outras palavras, compete ao Tribunal ad quemapenas aferir se a versão acolhida pelo Conselho de Sentençaencontra alguma ressonância no material probatório que constados autos, mas, não, a justiça ou injustiça, mérito ou demérito, aconveniência ou inconveniência da decisão popular, máximeporque o juízo de livre convicção, nos crimes dolosos contra avida, é exclusivo e definitivo do Tribunal do Júri, jamais do Tribunaltogado.

Diante de todo o exposto, por não vislumbrar decisãocontrária à prova dos autos, conheço do recurso interposto, maspara negar-lhe provimento, nos termos do parecer da doutaProcuradoria Geral de Justiça.

É como voto.

Fortaleza, 07 de maio de 2007.

***

ESTADO DO CEARÁPODER JUDICIÁRIO

TRIBUNAL DE JUSTIÇA

APELAÇÃO CRIME Nº 2000.0175.6993-2/1, de TAUÁ

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APELANTE: Maximino Moreira da FrançaAPELANTE: Antônio Carlos de Castro AlvesAPELADA: A Justiça PúblicaRELATOR: DES. JOÃO BYRON DE FIGUEIREDO FROTA

EMENTA: PENAL E PROCESSUAL PENAL.APELAÇÃO CRIME. ROUBO DUPLAMENTEQUALIFICADO. USO DE ARMA DE FOGO.CONCURSO DE PESSOAS. INSUFICIÊNCIA DEPROVAS. DOSIMETRIA INADEQUADA DA PENA.PROVIMENTO PARCIAL. DECISÃO REFOR-MADA.“Em sede de roubo, quando houver uma únicaqualificadora, o aumento sobre a pena-base seráde 1/3, quando forem três, será de metade e,quando ocorrerem duas, o aumento deverá ficarentre o mínimo e o máximo estipulado, ou seja,em 2/5”. (TJSP – RT 734/673).Concedido provimento parcial ao recurso.

Vistos, relatados e discutidos estes autos deApelação Crime Nº 2000.0175.6993-2/1 da Comarca de Tauá,em que são apelantes Maximino Moreira da França e AntônioCarlos de Castro Alves e apelada A Justiça Pública.

A C O R D A, a 2ª Câmara Criminal do Tribunal deJustiça do Estado do Ceará, por julgamento de Turma,unanimemente, em conhecer dos apelos interpostos para dar-lhes provimento parcial, reformando a decisão recorrida, nostermos do voto do Des. Relator.

O insigne representante ministerial em exercício naComarca de Tauá, neste Estado, ofertou denúncia contraMaximino Moreira da Franca e Antônio Carlos de Castro Alves,vulgo “Carlos Pescador”, bastante qualificados nos autos, dando-os como incursos nas penas do art. 157, § 2°, I e II do CódigoPenal Brasileiro, em que resta definido o crime de rouboduplamente qualificado por emprego de arma de fogo emconcurso de pessoas.

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Conforme se infere da denúncia, no dia 26 de abrilde 2002, por volta das 18h00min, no Perímetro Irrigado Várzeado Boi, mais precisamente no setor “J”, município de Tauá, osacusados subtraíram uma televisão 14”, marca Mitsubichi, umreceptor de antena parabólica Tecsat (Ti200 master), um telefonecelular, marca Motorola, um capacete de motoqueiro e duasespingardas (uma calibre 32 e outra do tipo soca-soca) medianteameaças de morte a Francisco da Silva Barbosa, caseiro deGeraldo Augusto Sá Lima, proprietário da fazenda.

Submetidos ao devido processo legal, com ascautelas do contraditório e da ampla defesa, Antônio Carlos deCastro Alves restou condenado à pena de 07 (sete) anos e 06(seis) meses de reclusão em regime inicialmente semi-aberto eao pagamento de 45 dias-multa à razão de 1/30 (um trigésimo)do salário-mínimo, enquanto que ao Maximino Moreira da Francafoi estipulada a pena de 08 (oito) anos e 03 (três) meses dereclusão em regime inicialmente fechado e o pagamento de 60(sessenta) dias-multa à razão de 1/30 (um trigésimo) do salário-mínimo (fls. 105 a 110).

Maximino, através de seu advogado, interpôs recursoapelatório, alegando a falta de provas suficientes para a suacondenação, requerendo, dessa forma, a aplicação do princípiodo in dubio pro reo. Em outro momento, Antônio Carlos recorreuda sentença prolatada, aduzindo erro na dosimetria da pena,pugnando pela redução do quantum da reprimenda estipuladapelo nobre magistrado.

A Promotoria de Justiça ofereceu contra-razões aosrecursos, manifestando-se pela manutenção da sentença oramanejada.

Após o devido recebimento dos autos pelo egrégioTribunal de Justiça, foram estes remetidos à douta ProcuradoriaGeral de Justiça. A apreciação ministerial opinou peloimprovimento do apelo de Maximino e pelo provimento parcialdo recurso de Antônio Carlos, reduzindo sua pena de 06 (seis)meses, fixando-a em 07 (anos) de reclusão, além do pagamentoda multa determinada no juízo a quo.

É o relatório. Passo a votar.

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Feito o devido exame dos autos, há de se dizer queos recursos interpostos foram tempestivos, sendo cabíveis naespécie, estando, portanto, a merecerem o pretendidoconhecimento. Passemos à sua análise.

Maximino Moreira da Franca alega, em suas razõesrecursais, que, durante a tramitação do referido procedimentocriminal, houve a produção de provas acusatórias fracas einconsistentes, sendo as mesmas insuficientes parafundamentarem decreto condenatório. Com isso, afirma que oprincípio do in dubio pro reo deve ser aplicado no caso em análise,tendo em vista que, inexistindo conjunto probatório suficiente paramotivar a condenação do acusado, deve ser ele absolvido,evitando, desse modo, ferimento ao Direito Penal Pátrio.

Não procedem tais argumentos. Antônio Carlos deCastro Alves, quando de seu interrogatório perante a autoridadejudiciária, descreveu o modo de atuação dos acusados pararealizarem o assalto, indicando o autor intelectual da infraçãopenal, as armas que foram utilizadas, o local onde foi deixado omaterial roubado, dentre outros detalhes que, em conjunto,ajudaram a efetuar o deslinde do crime. Dessa forma, confessouo delito ora em análise, além de haver delatado o co-autor doevento criminoso. Senão vejamos:

“(...) é verdadeira a acusação que lhe é feita; Porvolta das 17:30h do dia 26.04.02, Maximinoconvidou o interrogando para praticarem umassalto na Fazenda de Geraldo Augusto Sá Lima;Que Maximino providenciou um revólver decalibre 38 e então os dois se dirigiram à fazendada vítima; Que lá chegando, Maximino orientouo interrogando a fazer a abordagem e a rendero caseiro, o Sr. Francisco da Silva Barbosa; Queapós estar dominado o caseiro, o interrogandofez sinal para que Maximino aparecesse; Que omesmo atendeu o chamado, mas veioencapuzado”. (Antônio Carlos de Castro Alves – Fls.38).

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Nesse contexto, impende destacar a confissãoexplícita do acusado, ressaltando a ação de seu comparsa, cujaatuação na operação criminosa é incontestável. De acordo cominformações prestadas pelo dono da fazenda, o réu Maximino jáhavia trabalhado em sua propriedade, conhecendo, dessa forma,as habitualidades do lugar. Com isso, tornou-se fácil o acesso àcasa roubada, fato que inexistiria caso não houvesse aparticipação do acusado supracitado. Como bem demonstra atranscrição acima, o ora recorrente convidou seu companheirode trabalho para efetuarem um assalto, providenciando as armasque seriam utilizadas, determinando o modus operandi do eventodelituoso, precavendo-se por usar capuz na tentativa de não serreconhecido, eis que os moradores da fazenda já o conheciam.

Por outro lado, Antônio Carlos de Castro Alvesinterpôs recurso apelatório, pugnando a reforma de sua sentençacondenatória no tocante à pena aplicada. Aduz o apelante que onobre magistrado cometeu um equívoco ao mensurar o quantumda reprimenda por ele merecida, estipulando a pena-base acimado mínimo legal, reduzindo, devido à atenuante relativa àconfissão, menos do que o previsto pela jurisprudência, além demajorar em um meio, quando da análise das circunstânciasmajorantes, fato que, de acordo com a doutrina, é exacerbado.

Analisemos detalhadamente cada razão recursal.Inicialmente, quanto à pena-base, dispõe o Código PenalBrasileiro, em seu art. 157, que a reprimenda para o crime deroubo é de quatro a dez anos. É poder discricionário domagistrado, conquanto que devidamente fundamentado, fixar ovalor da pena inicial, sendo que para essa determinação devehaver a análise criteriosa da conduta do criminoso, à luz dascircunstâncias judiciais explicitadas no art. 59 da legislaçãosupracitada. Dessa forma, o juízo a quo, percebendo o motivodo crime, qual seja, adquirir dinheiro para viajar, as circunstânciasque provocaram ameaças à vítima, causando-lhe prejuízospsicológicos, fixou a pena-base em 05 (cinco) anos e 06 (seis)meses de reclusão e no pagamento de 40 dias-multa.

Relativa à atenuante de confissão, não estabelece a

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norma penal o valor que se deve reduzir da pena inicial. Logo, demaneira prudente e cautelosa, reduziu o magistrado em 06 (seis)meses e 10 dias-multa, o que, de acordo com a legislação emvigor, é permitido, não estando, assim, presente nenhumferimento legal.

No tocante à majoração pertinente às qualificadoras,aduz o recorrente que o sentenciante aumentou a pena em seuvalor máximo, ou seja, acresceu em metade a reprimenda.Dispõe o art. 157, §2º do Código Penal que a pena do rouboqualificado é aumentada de um terço até a metade em relaçãoao crime na sua forma simples. Porém, o cálculo da majoraçãodeve ser realizado com prudência, só devendo ser elevada aomáximo caso seja devidamente fundamentada. Esse é oentendimento do Supremo Tribunal Federal, in verbis:

STF: “A jurisprudência desta Corte firmou-se nosentido de que, prevendo o tipo penal os índicesmínimo e máximo para o agravamento da pena,em decorrência de causa especial de aumento,não pode a sentença adotar o índice máximo semfundamentação específica”. (RT 737/549).

No caso em apreço, não há motivos que justifiquema majoração máxima, eis que, de acordo com o decidido peloTribunal de Justiça de Santa Catarina, o aumento em seu graumáximo somente deve ser adotado quando se cuidar decriminalidade violenta, com o emprego de armamento de grossocalibre e envolvimento de bando de marginais (RT 763/667). Talnão ocorre no caso em apreço.

Desse modo, o Tribunal de Alçada Criminal de SãoPaulo vem decidindo que, em caso de aumento decorrente deduas circunstâncias qualificadoras do delito roubo, dever-se-iaadotar um aumento de 2/5 (dois quintos), reservando-se oaumento máximo para casos em que estivessem presentes ascircunstâncias anteriormente referenciadas. Tomando por basetal entendimento, reduzindo a pena em dois quintos, teríamospor definitiva a reprimenda de 07 (sete) anos de reclusão, além

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do pagamento não merecedor de reparos de 45 (quarenta ecinco) dias-multa à razão de 1/30 (um trigésimo) do salário-mínimo.

À vista de todo o exposto, reduzo as penas privativasde liberdade impostas aos réus, ficando o apenado AntônioCarlos de Castro Alves condenado a 07 (sete) anos de reclusãoe Maximino Moreira da França à reprimenda de 7 (sete) anos e 9meses de reclusão, mais 45 dias multa, a razão de 1/30 do saláriomínimo vigente que torno definitivas, devendo as penas restritivasde liberdade iniciarem o cumprimento no regime inicialmentesemi-aberto.

Impende frisar que a redução prisional feita em favordo réu Maximino Moreira da França resulta da aplicação do art.580 do Código de Processo Penal, vez que este não fez asdevidas alegações, mas o cálculo das majorantes ao co-réu éde caráter eminentemente objetivo e, evidentemente, de feiçãoexclusivamente pessoal.

Nestas condições, conheço dos apelos interpostospara conceder-lhes provimento parcial, de acordo com o parecerda douta Procuradoria Geral de Justiça.

Fortaleza, 04 de Dezembro de 2006.

***

ESTADO DO CEARÁPODER JUDICIÁRIO

TRIBUNAL DE JUSTIÇA

Nº 2000.0175.7967-9/1APELAÇÃO CRIME (de Sobral)APELANTES: RAIMUNDO ARAGÃO DA SILVA eFRANCISCO JOSÉ ALVES FERREIRAAPELADA: JUSTIÇA PÚBLICARELATOR: EXMO. SR. DES. LUIZ GERARDO DE PONTESBRÍGIDO

- Apelação crime.

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- Tráfico de maconha.- Para resguardar-se do erro judiciário, um dosmais graves equívocos humanos, lembre-se ojuiz criminal de que, na dúvida, não se condena.E tenha presente, sempre, o velho, porémcircunspecto brocardo de que condenar umpossível delinqüente é condenar um possívelinocente.- Não obstante calcado em comprovadamaterialidade delitiva, o decisório funda-se,quanto à autoria, tão-somente em deduragemrecebida por telefone pelo serviço reservado daPM, insuficiente para autorizar, por si só, o éditocondenatório.- Sentença reformada, apelantes absolvidos.- Decisão unânime.

Vistos, relatados e discutidos os autos acimaidentificados.

1 – Raimundo Aragão da Silva e Francisco José AlvesFerreira foram condenados na instância a quo por tráfico demaconha. O primeiro pegou quatro anos e seis meses dereclusão, regime inicialmente fechado; o segundo, três anos dereclusão, em idêntico regime, aplicada a ambos,cumulativamente, pena de multa.

Irresignados, recorreram. Argumentam, em coro, quesão inocentes e pedem absolvição.

Recursos contra-arrazoados, a PGJ, ouvida, é peloprovimento dos apelos, à falta de prova limpa e segura para ojuízo condenatório.

Dá-se por relatado.2 – Ao meio-dia de 10 de outubro de 2000, milicianos

do destacamento de Sobral encontraram e apreenderam 2,04kg (dois quilos e quarenta gramas) de maconha na residênciado acusado Francisco José Alves Ferreira, “Francis” por apelido.Ao que consta, a busca partiu de denúncias anônimas recebidaspelo serviço reservado da PM, dando conta de que o co-réu

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Raimundo Aragão da Silva estaria guardando, para repasse, aerva apreendida no local indicado.

Houve, então, o inquérito e a denúncia, sendo osrecorrentes, ao final da ação penal, sentenciados por tráfico demaconha. Condenação, contudo, sem prova firme. Apesar delouvada em comprovada a materialidade (laudo fl. s. 24), nãorestou evidenciada, à desdúvida, a autoria imputada aosrecorrentes.

“Francis”, na polícia e em juízo, negou qualquerenvolvimento com a droga encontrada, esclarecendo que quandoda apreensão, encontrava-se viajando a trabalho, circunstânciaesta devidamente comprovada. Esclareceu, ainda, que mora emcasa de pau-a-pique, cuja segurança é precária e o acesso, porterceiros, facilitado, especialmente pelos fundos. RaimundoAragão, por igual, declarou-se inocente.

Os policiais que efetivaram a busca, ouvidos nainstrução, resumiram-se em reportar a deduragem recebida portelefone e a apreensão da diamba na casa de “Francis”. Taisindícios, não há negar, apontam para a culpabilidade dos agentes;não desbordam, contudo, do plano das probabilidades, pelo quenão servem, portanto, para respaldar, de per si, o decretocondenatório, este somente aconselhável diante de provabastante e irrefutável da autoria delituosa.

Diante do inconcludente contexto probatóriodetectado nos autos, de repetir, então, o que registrou o Min.MARCO AURÉLIO, do STF, no HC 77.987-4, de MG, no qualfuncionou como relator: “toda e qualquer condenação criminalhá de fazer-se alicerçada em prova robusta. Indícios e ofato de se ouvir dizer que o acusado seria um traficante dedrogas não respaldam pronunciamento judicialcondenatório, ...” (RT nº 770, p. 497).

Ante o expendido, e por não ter o órgão acusador sedesincumbido de sua função institucional, de comprovar apretensão punitiva, demonstrando irrefutavelmente a ligaçãoentre a maconha apreendida e os apelantes, impõe-se aabsolvição dos sentenciados, reformado, em conseqüência, opronunciamento impugnado.

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3 – Do que posto, ACORDA a 1ª CÂMARACRIMINAL do TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DOCEARÁ, por unanimidade e nos termos do parecer da PGJ, emdar provimento aos apelos, absolvendo-se, em conseqüência,Raimundo Aragão da Silva e Francisco José Alves Ferreira daimputação de tráfico de maconha, nos termos do voto do Relator.

Fortaleza, CE, 6 de março de 2007.

***

ESTADO DO CEARÁPODER JUDICIÁRIO

TRIBUNAL DE JUSTIÇA

APELAÇÃO CRIME Nº 2002.0007.0133-2/0, DE LAVRAS DEMANGABEIRAAPELANTE: VICENTE DE SOUSA FERRERAPELADA: JUSTIÇA PÚBLICAASSISTENTE DE ACUSAÇÃO: MARIA DE SOUSA DONASCIMENTO E OUTRARELATOR: DES. FRANCISCO HAROLDO RODRIGUES DEALBUQUERQUE

EMENTA: APELAÇÃO. HOMICÍDIO E LESÃOCORPORAL CULPOSOS. DOSIMETRIA DA PENAPRIVATIVA DE LIBERDADE. PENA ACESSÓRIA.DELITOS DE TRÂNSITO. Comprovadas amaterialidade, autoria e a culpa do réu, posto terficado demonstrado que ele agiu comimprudência, ao dirigir um caminhão,desenvolvendo setenta quilômetros horários, emestrada esburacada, sem acostamento, à noite,chovendo, e por isso, com pouquíssimavisibilidade, vindo a atropelar três pessoas, apósuma aclive, das quais duas morreram e a outrarestou gravemente ferida, fugindo, em seguida,sem socorrer à vítima sobrevivente, deve, por

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todas essas circunstâncias, ser julgadaprocedente a ação penal contra ele intentada.Sendo o réu primário, tendo bons antecedentese boas condições pessoais, a pena base há deser fixada no mínimo legal, mormente porque asentença apelada não traz fundamentação capazde justificar a aplicação do máximo previsto. Damesma forma, tratando-se de concurso formal,aplica-se a mais grave das penas imputadas aosdois crimes cometidos, mas aumentada, emqualquer caso, de um sexto até metade. In casu,o magistrado aplicou a pena correspondente aocrime mais grave, aumentando-a de metade, opercentual máximo previsto, ultrapassando,assim, o limite imposto pelo art. 69 do CódigoPenal, ainda mais sem expor as razões que olevaram a tal exacerbação. Aplicando-se oprincípio da razoabilidade, deve-se aumentar apena em um terço. A suspensão da habilitaçãodo motorista atropelador faz parte da sançãoprevista para os delitos aqui cogitados (CTB, 302,parte final). Recurso provido, de forma parcial,mas somente no que se refere à aplicação daspenas impostas.

Vistos, relatados e discutidos estes autos deapelação-crime, acorda a Turma Julgadora da Primeira CâmaraCriminal do Tribunal de Justiça do Estado do Ceará, conhecerdo recurso, por ser próprio e tempestivo, para, sem divergênciade votos, provê-lo, parcialmente, reduzindo a pena imposta, nostermos do voto do relator.

Cogita-se de recurso de apelação de sentença doJuízo de Direito da Vara Única da Comarca de Lavras daMangabeira, que condenou o réu ante a prática dos delitos dehomicídio culposo e lesão corporal culposa, previstos nos arts.302, caput e § único, e 303, caput e § único, ambos da Lei nº9.503/97 (CTB), combinados com o art. 70 do Código Penal,

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tendo como vítimas de homicídio - Marciano de SousaNascimento e Vicente Nunes da Silva - e de lesões corporais -Francisco Damião Casimiro Duarte.

Na exordial, o representante do Ministério Públicodenunciou o réu por ter, no dia 09/12/2001, na BR-230, na alturado Sítio Volta, encravado no município de Lavras da Mangabeira,quando dirigia um caminhão, operando com negligência eimprudência, atropelado as vítimas supra mencionadas,causando a morte de duas delas e deixando a última gravementelesionada, fugindo do local do evento sem lhe prestar socorro.

Citado, o réu foi interrogado (fl. 54), tendomanifestado defesa prévia (fls. 57/58).

Efetivada a instrução, quando foram tomadas asdeclarações da vítima sobrevivente, dos pais dos falecidos, alémdos depoimentos das testemunhas arroladas pela acusação epela defesa, as partes ofereceram alegações finais, inclusive oassistente do MP, sobrevindo a sentença, na qual restou o réucondenado a 06 (seis) anos e 15 (quinze) dias de detenção,suspendendo-se, no azo, a habilitação do mesmo para dirigirveículo automotor, pelo prazo de 05 (cinco) anos, e aindasubstituindo-se a dita pena imposta pela de prestação de serviçosà comunidade durante o igual tempo da condenação.

Inconformado, o réu interpôs recurso de apelação,tendo sustentado, em suas razões (fls. 103/107), que a provainserida nos autos não põe em evidência a sua culpabilidade,daí o motivo de ser pleiteada a sua absolvição.

Acrescentou que é primário, com excelentescondições pessoais, sendo trabalhador, pai de família exemplar,tendo a profissão única de motorista, com endereço certo e que,por meio de seus familiares, procurou socorrer as vítimas,prestando assistência material a que sobreviveu, mas nadadisso, no entanto, foi levado em conta quando da dosimetria dapena, posto que foi esta fixada bem acima do mínimo legal, alémda aplicação da pena acessória, pois, impedido de dirigir veículo,não tem como tirar o sustento de sua família.

Nas contra-razões, o órgão ministerial asseverou (fls.109/111) que o acusado confessou a autoria e que as provas

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produzidas durante a instrução comprovam a sua culpa, peloque pugnou pela manutenção da sentença recorrida.

A Procuradoria Geral de Justiça, posicionando-se (fls.119/120), opinou pela reforma parcial da sentença, apenas noque diz respeito à dosimetria da pena.

É o relatório.A materialidade dos crimes cometidos pelo acusado

restou devidamente demonstrada pelos autos de examescadavéricos e de corpo de delito de fls. 11/13).

A autoria é confessada pelo réu, nas declaraçõesque prestou às autoridades policial e judiciária (fls. 24/25 e 54/55).

Também ficou evidenciado, diante do que consta dasobredita confissão, que o acidente ocorreu em razão dacomprovada imprudência do apelante, pois dirigia em umaestrada esburacada e sem acostamento, com pouca visibilidade,isso porque, no momento do evento, estava chovendotorrencialmente, imprimindo uma velocidade de 70 km/h,excessiva para o local, daí porque, frente as circunstâncias antesmencionadas, quando divisou as vítimas, que viajavam em duasbicicletas, já estava bem próximo a elas, o que tornou inviávelevitar o atropelamento fatídico.

Somente a testemunha Marcos José Inácio Netopresenciou o fato delituoso, posto que acompanhava o réu noveículo causador do desastre (fls. 84/85). Afirmou ela que estavachovendo muito; que o local onde ocorreu era escuro; que ocarro trafegava com setenta quilômetros; que já descobriram asvítimas no meio do asfalto, quando foram atingidas; que elasnão foram socorridas; que trafegavam em duas bicicletas e queuma bateu na outra.

As demais testemunhas não assistiram aos fatosnarrados na denúncia, limitando-se elas a informar que o réutem bom comportamento e que dirige com moderação.

Mesmo assim, como visto, não há dúvida quanto àculpabilidade do acusado, não sendo possível a aplicação doprincípio in dubio pro reo, existindo, ao contrário do que pretendea defesa, certeza de que ele agiu com imprudência, por ter faltado

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ao dever de prudência e cuidado.A respeito da matéria aqui tratada, convém

transcrever as ementas de acórdãos que seguem:

APELAÇÃO CRIMINAL – ACIDENTE DETRÂNSITO – HOMICÍDIO CULPOSO – ART. 302DO CÓDIGO NACIONAL DE TRÂNSITO –ABSOLVIÇÃO – IMPOSSIBILIDADE –IMPRUDÊNCIA CONFIGURADA – EXCLUSÃO DAPENA ACESSÓRIA DE SUSPENSÃO DAHABILITAÇÃO PARA DIRIGIR VEÍCULOAUTOMOTOR – IMPOSSIBILIDADE – RÉU NÃOEXERCE PROFISSIONALMENTE A ATIVIDADEDE MOTORISTA – REDUÇÃO DA PENA IMPOSTA– INADMISSÍVEL – CIRCUNSTÂNCIAS JUDICIAISDESFAVORÁVEIS – RECURSO CONHECIDO EIMPROVIDO – 1. Age culposamente, namodalidade imprudência, o motorista queinobservando dever de cuidado, tenta ultrapassaro semáforo na coloração amarela, vindo a colidircom motocicleta causando acidente com vítimafatal. 2. Não há que se falar em absolvição, vistoque configurada está a conduta culposa do réu.3. A pena acessória de suspensão da habilitaçãopara dirigir veículo automotor deve ser mantida, vistoque o réu não demonstrou a necessidade deutilização de veículo sob a sua própria direção parao desenvolvimento de sua atividade profissional. 4.Impossibilidade de redução da pena, eis que ascircunstâncias judiciais lhe são desfavoráveis. 5.Recurso conhecido e improvido. (TJES – ACr048000094366 – 2ª C.Crim. – Rel. Des. José LuizBarreto Vivas – J. 14.06.2006).

PENAL – PROCESSO PENAL HOMICÍDIOCULPOSO NO TRÂNSITO (ART. 302 DO CTB) –IMPRUDÊNCIA E IMPERÍCIA COMPROVADAS –

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IMPOSSIBILIDADE DE ABSOLVIÇÃO – LIVREAPRECIAÇÃO DA PROVA – ART. 157 DO CPP – -Tendo ficado, sobejamente, demonstrado nosautos, os elementos configuradores do crime dehomicídio culposo, na direção de veículoautomotor, diante da conduta culposa doapelante, em dirigir seu automóvel comimprudência e imperícia e, ademais, não sedesincumbindo do ônus de provar a alegação deculpa de terceiro, a absolvição é medida inviável.Não há que se falar em violação ao princípio davaloração das provas, quando o juiz se atém aoselementos constantes dos autos, sendo-lheassegurada a livre apreciação, ex vi do art. 157 doCPP. -negado provimento ao recurso. Unânime.(TJDF – APR 20010110430873 – 2ª T.Crim. – RelªDesª Aparecida Fernandes – DJU 09.11.2005 – p.45).

APELAÇÃO CRIMINAL – ACIDENTE DETRÂNSITO – HOMICÍDIO CULPOSO NADIREÇÃO DE VEÍCULO AUTOMOTOR – ARTIGO302, CAPUT, DO CÓDIGO DE TRÂNSITOBRASILEIRO – PRETENSÃO ABSOLUTÓRIAQUE SE MOSTRA INVIÁVEL – CONDUTORA QUEAO DESVIAR DAS VÍTIMAS NÃO TOMOU ASDEVIDAS CAUTELAS – INVASÃO DA PISTACONTRÁRIA CAUSANDO O FALECIMENTO DEUMA DELAS – VIOLAÇÃO DO DISPOSTO NOARTIGO 28 DO CTB – CULPA NA MODALIDADEIMPRUDÊNCIA EFETIVAMENTECARACTERIZADA – PENA DE SUSPENSÃO DAHABILITAÇÃO PARA DIRIGIR VEÍCULOAUTOMOTOR POR 2 (DOIS) ANOS – MEDIDAEXACERBADA – REDUÇÃO PARA O PRAZO DE2 (DOIS) MESES – RECURSO PARCIALMENTEPROVIDO – A imprudência da condutora revela-

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se caracterizada quando, ao tentar desviar deduas pedestres, finda por invadir a pista contráriae atropelá-las, causando a morte de uma dastranseuntes. Consoante o disposto no art. 28 docódigo de trânsito brasileiro, o condutor deveráestar sempre no domínio de seu veículo,dirigindo-o com atenção e cuidadosindispensáveis à segurança do trânsito. Ainfringência desses deveres de cautelacaracteriza a culpa necessária à tipificação dodelito previsto no art. 302 do código de trânsitobrasileiro. não possuindo a acusadaantecedentes criminais, e ausentes fatos quedesabonem sua conduta, revela-se prudente aredução da pena de suspensão da habilitaçãopara dirigir veículo automotor para o prazo de 2(dois) meses. (TJSC – ACR 2005.018398-3 – SãoJosé – 1ª C.Crim. – Rel. Des. Solon D’Eça Neves –J. 04.10.2005).

No que diz respeito à dosimetria da pena, entende-se que o magistrado exacerbou-a, quando fixou, sem umafundamentação concreta, a pena base em três anos de detenção,para o crime de homicídio culposo, e um ano e meio, para o delesão corporal culposa, tendo em vista que o réu é primário, tembons antecedentes e comportamento social não comprometedor,daí considerar-se que houve excesso no estabelecimento dasreferidas reprimendas, merecendo, portanto, ser mantidas nopatamar mínimo.

Com efeito, para o crime de homicídio culposo, deveela ser estabelecida em dois anos de detenção. Face a omissãode socorro (CTB, 302, III) aumenta-se de um terço, passando aser de dois anos e oito meses. Tendo em vista a atenuante daconfissão espontânea, quando ainda era desconhecida a autoria(CP, 65, III, d), há de ser reduzida em quatro meses, fixando-sea definitiva em dois anos e quatro meses de detenção. Já para ade lesão corporal, fica estabelecida a pena base em seis meses

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de detenção, aumentando-a de um terço, ante a majorante daomissão de socorro, prevista no art. 302, § único do CBT,passando a ser de oito meses de detenção, mas reduzindo-ade um mês, diante da atenuante da confissão espontânea,restando fixada a definitiva em sete meses de detenção.

Porém, tratando-se, aqui, de concurso formal, poiso apelante, mediante uma só ação, praticou três delitos, há dese aplicar a mais grave, no caso, a de dois anos e quatro mesesde detenção (homicídio culposo), mas aumentada de um terço,na forma prevista no art. 70 do Código Penal, estabelecendo-sea definitiva em três anos e um mês de detenção.

Como pena acessória, foi aplicada a de suspensãoda habilitação do réu para dirigir veículo automotor pelo prazo decinco anos.

Registre-se que tal reprimenda há de prevalecer, emface do que dispõe o art. 302 do CTB, in verbis:

Praticar homicídio culposo na direção de veículoautomotor:Penas - detenção, de dois a quatro anos, esuspensão ou proibição de se obter a permissãoou a habilitação para dirigir veículo automotor.

Todavia, de igual modo, exorbitou o magistrado doprimeiro grau no que diz respeito ao prazo de suspensão dahabilitação estabelecido na sentença, haja vista que, trata-se demotorista profissional, que mantém a sua família com os ganhosdecorrentes de seu trabalho como motorista. Daí entender-serazoável fixar-se referida suspensão pelo tempo de um ano,levando-se em conta também a primariedade e as boascondições pessoais do réu-apelante.

Sobre aludida pena acessória, convém trazer àcolação os julgados que se seguem:

APELAÇÃO CRIMINAL – CÓDIGO DE TRÂNSITOBRASILEIRO – HOMICÍDIO CULPOSO –ABSOLVIÇÃO – IMPOSSIBILIDADE – PENA

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RESTRITIVA DE DIREITOS – RÉU MOTORISTAPROFISSIONAL – SUSPENSÃO DAHABILITAÇÃO PARA DIRIGIR VEÍCULOSAUTOMOTORES – POSSIBILIDADE – RECURSOA QUE SE NEGA PROVIMENTO – Restandodemonstrado ser a prova material e testemunhalcapazes de comprovar que o réu agiu culposamente,contribuindo de forma decisiva para a ocorrência doacidente que culminou na morte das vítimas, háconfiguração de culpa, devendo assim ser mantidoo Decreto condenatório. Em se tratando de “delitode trânsito “, do qual resultou morte, a pena desuspensão da habilitação é de aplicaçãoobrigatória, nos termos da legislação. Tendo oMM. Juiz de direito prolator da sentença guerreada,observado as diretrizes elencadas nos artigo 59 e68 do Código Penal brasileiro, fixando, de formafundamentada e coerente, a pena aplicada, não háque se falar em excesso da pena aplicada. Recursoa que se nega provimento. (TJES – ACr037050003161 – 2ª C.Crim. – Rel. Des. Sérgio LuizTeixeira Gama – J. 25.01.2006).

CRIMINAL – RESP – DELITO DE TRÂNSITO –HOMICÍDIO CULPOSO – OITIVA DOS PERITOSE EXAME MÉDICO – INDEFERIMENTO – LIVRECONVENCIMENTO MOTIVADO –SUBSTITUIÇÃO DA PENA CORPORAL PORDUAS RESTRITIVAS DE DIREITO ALÉM DASUSPENSÃO DA HABILITAÇÃO PARA DIRIGIR –POSSIBILIDADE – SUBSTITUIÇÃO DALIMITAÇÃO DE FINAIS DE SEMANA PORPRESTAÇÃO PECUNIÁRIA – IMPOSSIBILIDADE– MOTORISTA PROFISSIONAL –SUSPENSÃODA HABILITAÇÃO PARA DIRIGIR –POSSIBILIDADE – PRESCRIÇÃO DA PENA DESUSPENSÃO DA HABILITAÇÃO PARA DIRIGIR –

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INOCORRÊNCIA – RECURSO DESPROVIDO – I- As provas produzidas têm a finalidade de convencero juízo da causa, que tem o poder de discernir quaisdiligências serão relevantes para o deslinde dacausa, diante do princípio do livre convencimentomotivado. II - Não constitui ilegalidade o indeferimentodo pedido de oitiva e acareação dos peritos oficiaise particular, se não evidenciada a necessidade dadiligência requerida, ainda mais em se tratando defeito em que a polícia especializada realizou períciatécnica no local dos fatos, logo após o acidente, aqual foi corroborada pelas demais provas dos autos.III - Do mesmo modo, o indeferimento do pedido deexame médico no condutor do ônibus envolvido noacidente não viola a Lei Processual Penal, se adesnecessidade da medida restou devidamentefundamentada.. IV - Não afronta o art. 44, § 1o, doCódigo Penal, a aplicação de duas penas restritivasde direito, substitutivas da pena privativa de liberdade,cumuladas com a pena de suspensão da habilitaçãopara dirigir veículo automotor. V - É incabível asubstituição da pena de limitação de finais de semanapor prestação pecuniária, se o pleito substitutivorestou fundamentadamente afastado pelo Tribunal aquo, diante da análise das circunstâncias do casoconcreto. VI - O fato de o réu ser motoristaprofissional não o isenta de sofrer a imposiçãoda pena de suspensão da habilitação para dirigir,porque sua cominação decorre de expressaprevisão legal (art. 302 do CTB), que não faznenhuma restrição nesse sentido. VII - De acordocom o artigo 118 do Código Penal, as penas maisleves prescrevem com as mais graves. Assim, apena de suspensão da habilitação para dirigir veículoautomotor imposta cumulativamente com a privativade liberdade prescreve no prazo desta. VIII - Nãodecorrido o prazo prescricional das penas mais

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graves – Restritivas de direito aplicadas emsubstituição à pena privativa de liberdade –, não háque se falar em prescrição da pena mais leve –Suspensão da habilitação para dirigir. IX – Recursodesprovido. (STJ – RESP 200400108867 – (628730SP) – 5ª T. – Rel. Min. Gilson Dipp – DJU 13.06.2005– p. 00333)

APELAÇÃO CRIMINAL – ART. 302, DA LEI 9.503/97 – 1. ABSOLVIÇÃO – IMPOSSIBILIDADE – 2.REDUÇÃO DE PENA DE DETENÇÃO –IMPOSSIBILIDADE – 3. REVOGAÇÃO DASUSPENSÃO DA HABILITAÇÃO –IMPOSSIBILIDADE – 4. RECURSO IMPROVIDO– UNANIMIDADE – 1. Constatando-se a existênciade nexo causal entre a ação do apelante e oresultado morte obtido por ocasião do acidente, ecertificado que o suplicante não agiu com o deverde cuidado a ser observado pelo homem médio, noque tange à aplicação das regras de segurança notrânsito, dando, em razão de tal descaso,causa aoacidente, não há que se falar em absolvição. 2. Umavez aplicada a pena no mínimo legal, não há que sefalar em redução desta. 3. A suspensão ouproibição de se obter habilitação é pena a sercominada juntamente com a detenção, nãoabrindo margem, o texto do art. 302 da lei 9.503/97, para interpretação diversa desta. 4. Recursoa que se nega provimento. (TJES – ACR006020019094 – 1ª C.Crim. – Rel. Des. AlemerFerraz Moulin – J. 27.07.2005).

No que tange à substituição da pena privativa deliberdade por uma restritiva de direito, no caso, prestação deserviço à comunidade, a que se reporta a sentença recorrida,há de ser mantida, posto que encontra absoluto respaldo nalegislação de regência.

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Por todo o exposto, há de ser provido parcialmenteo recurso, reformando-se a sentença, mas apenas no que dizrespeito à dosimetria da pena.

É como voto.

Fortaleza, 31 de outubro de 2006.

***

ESTADO DO CEARÁPODER JUDICIÁRIO

TRIBUNAL DE JUSTIÇA

APELAÇÃO CRIME Nº 2003.0006.7987-4/1, de MORADANOVAAPELANTE: Francisco Mardônio Mesquita da SilvaAPELANTE: José Aldenir de Aquino SilvaAPELADA: A Justiça PúblicaRELATOR: DES. JOÃO BYRON DE FIGUEIREDO FROTA

EMENTA: PENAL E PROCESSUAL PENAL.ROUBO QUALIFICADO. CONFISSÕES.SENTENÇA CONDENATÓRIA. APELAÇÃO.PENAS EXACERBADAS. PROCEDÊNCIAPARCIAL.I – Condenação dos apelantes baseada na provamanifesta dos autos – confissão de ambos eprovas testemunhais.II – A apelação não deve ser modificada quanto àcondenação dos mesmos, mas tão-somente noque tange à dosimetria das penas impostas aosapelantes. (TJSP: “A presença de duasqualificadoras no crime de roubo revela maiorgrau de reprovabilidade na conduta do agente,de modo que ambas podem ser consideradaspara a fixação do aumento de pena além do limitemínimo”. RT 758/534)III – Provimento total da apelação de Francisco

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Mardônio Mesquita da Silva. Provimento parcialda apelação de José Aldenir de Aquino Silva.

Vistos, relatados e discutidos estes autos deApelação Crime Nº 2003.0006.7987-4/1 da Comarca de MoradaNova, em que são apelantes Francisco Mardônio Mesquitada Silva e José Aldenir de Aquino Silva e apelada A JustiçaPública.

A C O R D A a 2ª Câmara Criminal do Tribunal deJustiça do Estado do Ceará, por julgamento de Turma,unanimemente, em dar provimento total ao recurso apelatóriode Francisco Mardônio Mesquita da Silva e dar provimento parcialao recurso apelatório de José Aldenir de Aquino Silva,modificando-se a decisão recorrida, em consonância com oparecer da douta Procuradoria Geral de Justiça.

FRANCISCO MARDÔNIO MESQUITA DA SILVA eJOSÉ ALDENIR DE AQUINO SILVA, devidamente qualificadosnos autos, foram condenados pelo crime de roubo qualificado(art. 157, § 2º, incisos I e II, do CPB) às penas de 08 (oito) anose 06 (seis) meses de reclusão, em regime inicialmente fechado,e à pena de multa, consistente em 15 (quinze) dias-multa, sendoesta equivalente a 1/30 (um trigésimo) do salário mínimo vigenteà época do fato, conforme sentença de fls. 124/131.

Irresignados com o provimento judicial adverso, osacusados encetaram recurso apelatório, sendo o ApelanteFrancisco Mardônio Mesquita da Silva, através da advogadaFabiana Bica (fls. 137/139), e o apelante José Aldenir de AquinoSilva, através do defensor público Adriano Leitinho Campos (fls.146/153). Ambos requereram a diminuição da reprimendaaplicada, enquanto este último alegou, ainda, ausência de provassuficientes nos autos para sua condenação, razão pela qualrequereu também sua absolvição.

Cumpre ainda ressaltar que o apelante FranciscoMardônio Mesquita da Silva ingressou com pedido de concessãodo benefício do art. 594 do CPP, a fim de imprimir ao recurso deapelação um efeito suspensivo (fls. 140/141).

O Representante da Justiça Pública apresentou suas

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contra-razões (fls. 154/155), asseverando que a r. sentença nãomerece qualquer reforma, pois se encontra embasadaperfeitamente na prova coligida aos autos. Em seguida, omembro do Parquet ofertou parecer opinando pelo indeferimentodo pedido de efeito suspensivo ao recurso apelatório (fl. 156).

O magistrado a quo, acatando o parecer ministerial,indeferiu o pedido de efeito suspensivo e deferiu o pedido deexpedição da guia de recolhimento provisório (fls. 157/158).

A douta Procuradoria Geral de Justiça, em bemfundamentado parecer, pugnou pela procedência total daapelação de Francisco Mardônio Mesquita da Silva e pelaprocedência parcial da apelação de José Aldenir de Aquino Silva,requerendo a manutenção da sentença condenatória diante daprova constante dos fólios processuais, porém com a diminuiçãoda reprimenda de ambos (fls. 175/177).

É o relatório. Passo a votar.O julgamento do presente recurso apelatório deve

ser feito com base na análise individual de cada apelante, desuas características pessoais e circunstanciais no momento docrime. Igualmente, deve-se ter em consideração as provascoligidas nos autos e a fundamentação da r. sentençacondenatória.

Percebe-se, inicialmente, que os acusados foramcondenados pelo cometimento do crime de roubo qualificado,pelo concurso de pessoas e pelo emprego de arma de fogo, noestabelecimento comercial “Mercantil da Lurdinha”, na Comarcade Morada Nova. Do conjunto probatório colhido nos fólios, infere-se que os apelantes adentraram abruptamente no referidocomércio, armados de revólver, anunciaram o assalto, renderamas pessoas ali presentes e obrigaram-nas a deitar no chão,quando ao final subtraíram a quantia de R$ 850,00 (oitocentos ecinqüenta reais).

Após a fuga e a comunicação da vítima sobre o fatodelituoso à polícia, os condenados foram presos em flagrantedelito (auto de fls. 05/08), tendo sido encontrados ainda comparte da res furtiva, conforme auto de apresentação e apreensão(fl. 10).

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O édito condenatório ora guerreado está amplamentefundamentado nas fartas e robustas provas da materialidade eautoria do delito (auto de prisão em flagrante, auto deapresentação e apreensão, termo de depoimento dastestemunhas e confissão dos acusados).

Ora, resta clara a autoria do roubo praticado pelosapelantes tendo em vista a confissão dos mesmos, tanto nafase inquisitorial (fls. 05/08) como na fase judicial (fls. 42 e 44),não havendo motivos para crer em confissão forçada oudescrédito de tal meio de prova.

Afirma Francisco Mardônio Mesquita da Silva em seuinterrogatório (fl. 42): “que é verdadeira a acusação que lhe éfeita”. Igualmente, José Aldenir de Aquino confessa: “que de inícioo interrogando temeu de fazer o assalto e indagou a Mardôniose dava certo; que Mardônio insistiu e dizia que o assalto dariacerto e como o interrogando estava bêbado topou fazer a parada”.(fl. 44).

Em suma, não há qualquer prova nos autos comforça para absolver os acusados, razão pela qual deve sermantida a sentença condenatória.

No que tange à fixação das penas, têm razão osapelantes nos seus pleitos, senão vejamos.

Os apelantes foram condenados à pena definitivade 08 (oito) anos e 06 (seis) meses de reclusão mais a pena demulta já referida. Na dosimetria da pena, o magistrado partiu dapena-base de 06 (seis) anos de reclusão, fundamentando talcálculo, para ambos, na “conduta e personalidade voltada à práticade delitos, os motivos, circunstâncias e conseqüências do crime,e ainda mais o fato dos maus antecedentes”.

Entretanto, houve um equívoco do MM. Juiz a quo nafixação da pena com base nessas premissas, pois os apelantesnão têm antecedentes criminais. Pelo contrário, ambos sãoprimários e sem maus antecedentes comprovados, conformeconstam das folhas de antecedentes criminais (fls. 27/28).

Igualmente, não vislumbramos outros motivos oucircunstâncias no momento do crime com força suficiente paraelevar tal pena-base. Deste modo, entendemos que, diante da

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ausência desses critérios (art. 59, CP), a pena-base deve partirdo mínimo legal imputado ao delito sub judice, ou seja, 04 (quatro)anos. Neste sentido, têm decidido os tribunais do País:

STF: “Diante de vida pregressa irreprovável, o Juizdeve, tanto quanto possível e quase sempre o será,fixar a pena-base no mínimo previsto para o tipo,contribuindo, com isso, para a desejávelressocialização do sentenciado”. (RT 731/497 eJSTF 220/310).

TRF - 4ª Região: “Se o réu é primário e o conjuntode vetores estabelecidos no art. 59 do CP lhe sãofavoráveis, admissível a fixação da pena-base emseu mínimo legal em face da preponderância do fatoprimariedade”. (RT 763/700).

Quanto às qualificadoras, passemos à análise dafixação da pena. Os apelantes cometeram o crime de rouboduplamente qualificado (emprego de arma de fogo e concursode pessoas). Na dicção do §2º do artigo 157 do Código Penal,dispõe o legislador que a pena aumenta-se de um terço atémetade diante das circunstâncias qualificadoras em apreço.Portanto, há uma margem de apreciação e dosagem da penaquando da existência dessas qualificadoras. No entanto, há trêscorrentes doutrinárias que tentam interpretar tal dispositivo legal,como afirma Cezar Roberto Bittencourt:

“Havendo a incidência de mais de uma causa deaumento, três correntes disputam a preferência dosespecialistas: a) deve-se proceder somente umaumento, fundamentado numa das causasexistentes – se houver mais de uma majorante, asdemais podem ser consideradas como agravantesou, não havendo previsão legal, como simplescircunstâncias judiciais (art. 59), valorável na fixaçãoda pena-base; b) o aumento, quando variável (v.g.,

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um sexto a dois terços, ou um terço até metade),deve ser proporcional ao número de causasincidentes – assim, configurando-se somente umamajorante, o aumento pode limitar-se ao mínimo;incidindo, contudo, mais de uma, a elevação deveser maior, podendo atingir inclusive o máximo damajoração permitida, v.g., até metade, dois terçosetc. Essa tem sido a orientação preferida pelostribunais superiores – STF e STJ; c) a existência demais de uma causa de aumento não significa, por sisó, a elevação da pena na mesma proporção – ojulgador, exercendo seu poder discricionário, podeoptar por um único aumento, pois o que deve serconsiderado é a gravidade do meio empregado oudo modus operandi, e não o número de incisos do§2º que se possa configurar”. (In “Tratado de DireitoPenal: parte especial”, vol. 3, 2ª ed., São Paulo:Saraiva, 2005, p. 104).

Como afirmado pelo douto criminalista, oentendimento jurisprudencial dos tribunais superiores esteia-sena corrente intermediária, qual seja, do aumento da pena emrazão do número de circunstâncias qualificadoras, posição aqual também nos filiamos (STF, 1ª Turma, HC 77,187/SP, Rel.Min. Sydney Sanches, j. 30.06.1998, DJU, 16.04.1999, p. 27; STJ,5ª Turma, HC 9.219/SE, rel. Min, Edson Vidigal, j. 08.06.1999,DJU, 16.08.1999, p. 85). Vejamos:

STJ: “O roubo praticado nas condições referidas peloart. 157, §2º, do CP, expõe o seu autor a uma causaespecial de aumento de pena que não pode superaro limite máximo nele previsto. Hipótese em que acondenação impôs ao paciente aumento de 2/3 sobrea pena base. Condenação penal que, emboramantida, deve ser ajustada, motivadamente, aosparâmetros legais”. (RT 726/555).

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TJSP: “A presença de duas qualificadoras no crimede roubo revela maior grau de reprovabilidade naconduta do agente, de modo que ambas podem serconsideradas para a fixação do aumento da penaalém do limite mínimo”. (RT 758/534).

Diante da doutrina e jurisprudência colacionadas,nota-se que esta corrente doutrinária é mais abalizada e aceita,devendo a dupla qualificação dos apelantes ser circunstânciade aumento além do limite mínimo de 1/3.

Relativamente assim o apelante FranciscoMardônio Mesquita da Silva, mantém-se sua condenação pelaprática do crime de roubo qualificado, porém alterando-lhe a pena-base para 04 (quatro) anos de reclusão, aumentando-lhe em 3/8 pela dupla qualificadora (1 ano e 6 meses), tornando-adefinitiva em 05 (cinco) anos e 06 (seis) meses de reclusãoem regime inicialmente fechado e mais a pena de 15 dias-multajá imposta na sentença a quo. Em relação às atenuantes damenoridade do apelante à época do fato (art. 65, I, CP) e àconfissão espontânea (art. 65, III, alínea d, CP), reconheço-as,porém deixo de aplicá-las diante da regra do art. 68, parágrafoúnico, do Código Penal.

Quanto ao apelante José Aldenir de Aquino Silva,mantém-se sua condenação pela prática do crime de rouboqualificado, porém alterando-lhe a pena-base para 04 (quatro)anos de reclusão, aumentando-lhe em 3/8 pela duplaqualificadora (1 ano e 6 meses), tornando-a definitiva em 05(cinco) anos e 06 (seis) meses de reclusão em regimeinicialmente fechado e mais a pena de 15 dias-multa já impostana sentença a quo. Em relação à atenuante da confissãoespontânea (art. 65, III, alínea d, CP), reconheço-a, porém deixode aplicá-la diante da regra do art. 68, parágrafo único, do CódigoPenal.

Por todo o exposto, voto no sentido de se concederprovimento total ao recurso apelatório de Francisco MardônioMesquita da Silva e de se conceder provimento parcial aorecurso apelatório de José Aldenir de Aquino Silva,

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modificando-se a decisão recorrida, em consonância com oparecer da douta Procuradoria Geral de Justiça.

Fortaleza, 21 de Agosto de 2006.

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ESTADO DO CEARÁPODER JUDICIÁRIO

TRIBUNAL DE JUSTIÇA

PROCESSO N°: 2004.0003.0607-3/0LOCAL DE ORIGEM: FORTALEZAAPELAÇÃO CRIMEAPELANTE: JOSÉ CÍCERO RODRIGUESAPELADO: A JUSTIÇA PÚBLICARELATOR: DES. JOSÉ MÁRIO DOS MARTINS COELHO

EMENTA: PROCESSUAL PENAL – TRIBUNAL DOJURI – PEDIDO DE NOVO JULGAMENTO –FUNDAMENTO: DECISÃO CONTRÁRIA À PROVADOS AUTOS. INOCORRÊNCIA.(...) Só cabe apelação da decisão quemanifestamente ou seja, de forma evidente,escandalosa, gritante, contrarie a prova dosautos. Desde que a decisão do tribunal popularse ampare em alguns elementos de prova ; desdeque a decisão do Júri se fundamente numa dasvárias versões que razoavelmente se poderiamformar a partir do conteúdo do processo, nãohá como cassar a decisão - ( Heleno Fragoso)(... ) A decisão contrária às provas dos autos éaquela que se mostra arbitrária, distorcida emanifestamente dissociada do conjuntoprobatório. De modo que não é qualquerdissonância entre o veredicto e os elementosde convicção colhidos na instrução queautorizam a cassação do julgamento.

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Pelo contrário, matéria sub exame hácoerência dos fatos descritos na denúnciacom os elementos de provas hauridos nainstrução do processo, o que levou oConselho dos Sete, imprimindo sustentaçãoao resultado do julgamento, ao decidir a causapara a qual fora convocado, e pelo princípiode sua soberania, optou claramente pelaversão que lhe pareceu a mais verossímil,qual seja, a que lhe foi exposta pelaacusação.- Improvimento. Decisão unânime.

Vistos, relatados e discutidos estes autos deApelação Crime nº 2004.0003.0607-3/0, de FORTALEZA, em queé Apelante JOSÉ CÍCERO RODRIGUES, e Apelada a JUSTIÇAPÚBLICA.

Acorda a Turma, por unanimidade de votos, emconhecer do presente recurso por sua tempestividade, mas paranegar-lhe provimento por não merecer qualquer correção asentença vergastada.

RELATÓRIO

Cuidam os presentes autos de Apelação Crimeinterposta por JOSÉ CÍCERO RODRIGUES, de antonomásia“Cícero Louro”, tendo por Apelada a Justiça Pública, em quecolima a realização de um novo julgamento pelo Tribunal Populardo Júri, com fundamento no art. 593, inciso III, alínea “d” do Códigode Ritos Penal.

O Douto Promotor de Justiça, oficiante na 3ª Varado Júri da Comarca de Fortaleza denunciou o apelante pelaprática de crime descrito no artigo 121, § 2º, II e IV, do CódigoPenal, narrando na peça exordial que no dia 14 de fevereiro de2002, por volta das 23:00h, no interior de um barraco, situadoem uma favela denominada “Unidos Venceremos” ou “UnidosPara Lutar Pela Paz”, no bairro Jangurussu, o denunciado,

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munido de instrumento pérfuro - cortante (faca), mediantemultiplicidade de golpes, ceifou a vida de GLAILSON RUFINOCARNEIRO.

Decisão interlocutória pelo MM. Juiz a quo acostadaaos autos às fls. 46/48, em que recebeu a denúncia de fls. 02usque 07, e no mesmo azo entendeu por bem decretar a prisãopreventiva do acoimado.

Submetido a interrogatório perante o Juízo, negouo acusado a imputação constante na denúncia, contradizendoa versão dos fatos contra si já assestados, na mencionadainquissa, conforme se constata de sua compelação prestadanaquele ensejo (fls. 53).

Apresentou defesa prévia no tríduo legal, comindicação do rol de testemunhas.

Na fase de instrução foram ouvidas trêstestemunhas de acusação (fls. 73/73v; 74/75; 81/82; 107/107v;116/117) e da defesa (fls. 129).

Em fase de alegações finais, o membro do parquetoficiante no juízo acima mencionado, pugnou pela admissibilidadeda acusação nos termos da peça delatória (fls. 131/134).

Por sua vez, a defesa do acusado em sede dealegações finais, requereu a sua impronúncia.

Sentença prolatada pelo MM. Juiz da 3ª Vara do Júri,pronunciando o réu, como incurso nas sanções do art. 121, §2º, incisos II e IV, do Digesto Punitivo pátrio, submetendo-o aocrisol do 3º Tribunal Popular do Júri (fls. 139 usque 142).

Realizado o julgamento por aquele colegiadopopular , decidiram os heliastas pelo reconhecimento da práticado delito insculpido no art. 121, § 2º, II e IV, do Código Penal,tendo afinal sido condenado o réu à pena de 13 (treze) anos e 6(seis) meses de reclusão, por sentença do Juiz Presidente, aser cumprida em regime integralmente fechado consoanteressai de fls. 163 usque 165, dos autos em exame.

Inconformado com aquele decisum, interpôs o réu opresente recurso apelatório apresentando as razões quedescansam às fls. 170/177.

Contra-razões do Ministério Público lançadas às

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fls. 178/184.Parecer da Douta Procuradoria de Justiça às fls. 190/

193, opinando pelo improvimento do apelo.É, em síntese, o relatório.

VOTO

Consoante já foi anunciado, os presentes autoscuidam de Apelação Crime interposta por JOSÉ CÍCERORODRIGUES, na qual demonstra sua irresignação frente àdecisão assumida pelo Tribunal do Povo, que o condenou comoincurso nas sanções do art. 121, § 2º, II e IV, do Código Penal,restando emporisso, jugulado à pena de treze (13) anos e 6 (seis)meses de reclusão a ser cumprida consoante o decisório domagistrado presidente da sessão de julgamento, em regimeintegralmente fechado em decorrência da prática do fato puníveljá acima decotado, que teve como vítima GLAILSON RUFINOCARNEIRO, delito este que teve sucesso em data de 14 defevereiro de 2002.

De início cumpre assinalar que o recurso foiinterposto oportunno tempore, e desse modo, preenchidosse encontram os pressupostos para sua tramitação, razão pelaqual dele conheço.

Passo, sem maiores dilações, ao julgamento dasrazões da insurreição aqui desvelada.

Em primeiro lugar, não merece amparo ainsurgência onde se exorcisa decisão do colegiado laicosob a alegativa de ter sido a deliberação ali assumida deforma manifestamente contrária e frontal à prova colhidanos autos, quando exsuda daquele contingente depuratórionítida evidência do cometimento delituoso retintado com asadjetivações da conduta perpetrada.

Na verdade, tem-se que na consecução da açãopunível o réu utilizou-se de uma faca de cozinha, que seencontrava em cima da mesa do tugúrio que habitava, e aondena noite do injusto punível havia dormido com a vítima, quepara ali acorrera a convite do próprio apelado. Este, ao

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que reflui do contingente probatório, desavindo se encontravahá três dias da mulher com quem vivia, aparentemente suaesposa, e por essa razão convidara o ofendido para dormirem sua morada, situada em uma das palafitas encravadasem bairro da periferia, conhecido por JANGURUSSÚ.

A vítima aquiesceu e durante o decorrer de algunsdias, costumava jantar com o acusado e pernoitar no rudebarraco. Em uma dessas noites, o acriminado após jantarem companhia da vítima, resolveu sair para bebericar,enquanto o ofendido permanecera em casa, ao que pareceapreciando um programação televisiva enquanto o apelanteao retirar-se dali com aquele objetivo utilizara a bicicletada vítima. Mais tarde, o acusado, já embotado pelos efeitosda bebida ingerida, retorna ao seu casebre e dorme. Emdado momento, vê-se surpreendido pela atitude da vítima,durante a noite, apalpando–lhe as partes pudendas, os seuspossuídos, para usar a linguagem popular. Ao repelir aquelainsólita expressão gestual, o acusado, ora apelante empurraa vítima para o lado, e quando esta se afasta, apanha umafaca de cozinha que se encontrava sobre a mesa da toscahabitação e passa a desferir nesta impiedosamenteinúmeros golpes, com o emprego daquele instrumentopérfuro cortante, causando-lhe o occídio.

O Conselho dos Sete, analisando a causa, em suaconvicção íntima sopesando os fatos e as provas aliproduzidas condenou o apelante como incurso nas sançõesdo art. 121, § 2º, II e IV do Código Penal, resultando nareprimenda imposta pelo Juiz Presidente do Tribunal Popularà pena definitiva de 13 (treze) anos e 6 (seis) meses dereclusão, a ser cumprida em regime fechado, reconhecidoassim o correspondente reproche a pesar sobre a condutado acusado pela supressão da vida da vítima GLAILSONRUFINO CARNEIRO.

Ao ensejo de suas razões de recurso apelatório,o defensor do acusado, ora apelante, aventa a circunstânciade ter sido este julgado e condenado contra as provas dosautos, aduzindo o combativo paracleto, em síntese, não

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existir nas entranhas do processo, elementos que sirvampara embasar aquela condenação, assegurando, naqueleensejo, emporisso, a absoluta injustiça da decisão doConselho dos Sete, que ao julgar a causa, apegou-seunicamente à prova indiciária, e segundo suas própriasalegações, “ não podem os julgadores olvidar que merosindícios, sem apoio em um arcabouço probatório mais firme,não pode levar a uma condenação, “ citando ali a preleçãode JÚLIO FABBRINI MIRABETE.

E assevera, em complemento a tais articulados,a ausência, no acervo constante nestes autos, de ( ib):

“...provas suficientes para fundamentar umdecreto condenatório. Toda acusação gira emtorno da confissão do acusado em sede deinquérito policial, o que não foi ratificado pelasdemais provas formadas perante a presidênciado digno magistrado, com submissão aocontraditório. Ademais, apenas comentáriosapontam um certo “Cícero Louro” como autordo crime. Entretanto, o apelante nunca teveeste apelido, nem possuiu nenhum barraco nacitada favela, dentro do qual teria acontecidoo crime. De fato, o réu sempre morou com asua mãe e todas as testemunhas de acusaçãoafirmam que não conheciam o acusadoquando colocadas na presença do mesmo”.

Essa rarefeita conjuntura de elementos queserviram de suporte para reprovar de modo incongruente aação do acusado no patamar do injusto punível, comoinvectivou sua defesa, todavia parece diluir-se quando se nosdepara o teor de suas declarações prestadas diante daautoridade policial, quando sponte própria, narrou osmomentos da perpetração do evento punível, desse modo,verbis:

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“ ... Que, não se recorda a data do fato, bemcomo o dia da semana e o mês do ocorrido,sabendo dizer apenas o ocorrido se deu porvolta das 20:30hs, salvo engano, no interior deseu barraco situado na favela unidosvenceremos, mais conhecida como sem terraou favela da Amanda; Que, o interrogandoafirma que conhecia a vítima “GLAILSON”,mais conhecida por “OINHO” e a mesma tinhacostume de freqüentar seu barraco e inclusive,as vezes, almoçava ou jantava com ointerrogando e sua mulher, pois residia em umbarraco em frente ao barraco do interrogando;Que o interrogando afirma que a vítima eraevangélica e não tinha conhecimento denenhum fato delituoso que desabonasse aconduta da mesma; Que o interrogandoafirma, no dia do fato, fazia três dias que tinhase separado de sua companheira “MARIARITA”, e por volta das 18:00hs recebeu visitada vítima “OINHO”, encostou sua bicicleta nobarraco, jantou e permaneceu no barracoassistindo televisão, enquanto o interrogandose deslocava na bicicleta da vítima até o bairrojardim união, mais precisamente na praçadaquele bairro, onde juntamente com quatroamigos, ingeriu um litro de cachaça, emseguida, retornou sozinho para o seu barracona bicicleta da vítima, onde chegou já por voltadas 20:00hs; Que, após chegar em seubarraco, se sentindo bastante embriagado, sedeitou em uma rede até dormir e a vítimacontinuou assistindo televisão deitada em umcolchão que se encontrava no chão; Que, dadomomento acordou com a vítima “OINHO”,“PEGANDO EM SEUS ÓRGÃOS GENITAIS”;

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Que, não gostou daquela atitude da vítima,reclamou e solicitou que o mesmo fosseembora de sua casa, mais, a vítima insistiutanto que aborreceu o interrogando e por essarazão, pegou uma faca que se encontrava emcima de uma mesa e passou a investir contraa vítima, atingindo-a por várias vezes; Que,após a vítima sair correndo de seu barraco,resolveu fechar seu barraco e se deslocar paraa casa de sua genitora onde reside atualmente;... Que, do Jardim União se deslocou nabicicleta do Ronaldo, para o Conjunto Ceará,para a residência de um primo conhecidoapenas por “MIÚDO”, filho de uma tia de nomeRosa, tendo ali comentado o fato, bem comoos motivos, para seu primo “MIÚDO”, dizendoque havia furado um cara em seu barraco;...Que, está arrependido do crime que praticou”.

Ao ensejo de sua compelação angariada pelaautoridade judicial, fls. 55, houve o apelante por referir, inverbis:

“Que o interrogando nega a acusaçãoconstante na denúncia; Que no dia do crime ointerrogando se encontrava na residência dasua mãe, que fica do outro lado da rua de ondeaconteceu o crime; Que não esteve no localindicado pela denúncia; Que morava na casada sua mãe, em um quarto que ela haviacedido, com sua esposa; Que não conhecia avítima; Que sabe do crime; Que oscomentários é que o autor do fato era umelemento conhecido como “CÍCERO LOURO”;Que o interrogando não tem esse apelido deCícero Louro; Que atribui o seu nome constarna denúncia como sendo autor do crime, em

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razão da mulher do seu cunhado, de nomeLúcia, ter dito na delegacia que o interrogandoera o autor do crime; Que também atribui ofato de ter se separado da sua ex mulher etalvez por isso, essa pessoa tenha lhedenunciado; Que confirma que não esteve nolocal do crime; Que no dia e hora da denúnciao interrogando estava na casa da sua mãe,juntamente com sua mulher e não teveparticipação alguma”.

Ora, contrastando-se os prestamentos dedeclarações procedidos pelo réu, ora apelante, enquantoacoimado perante a persecução instaurada na instânciapolicial e depois perante o juízo da causa, vislumbra-se semmuito esforço a existência de contundentes contradiçõesentre tais depoimentos.

O réu, inicialmente confessa o crime, narrandopormenorizadamente o acontecido.

Eis que posteriormente, comparece a Juízo enega, com veemência a autoria do ilícito, produzindo versãodiferente da anteriormente relatada ante a autoridadepolicial.

Ora, os assentos jur isprudenciais, à todasabença, asseguram-nos que a confissão extra judicial quandoretratada em Juízo, merece ser acrescentada de elementosque sirvam para ilidir o que anteriormente foi declarado,sob pena de não se admitir a supressão do que foi apuradona fase investigatória, se o acusado na retratação nãohouve por explicitar os motivos e as razões que ditaram oseu relato anteriormente prestado, é dizer “a isoladaretratação da confissão sem explicação alguma do queconsta na fase investigatória, não possui o menor condãode validade. (Veja-se, a propósito a REVISTA DE JURISPDO TRIB. DE ALÇADA DE SÃO PAULO, n. 55/11, LEXEDITORA).

Neste passo, diz-nos de perto com a proficiência

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que lhe era peculiar, as considerações do insigne e saudosoMIRABETE, quando pondera, à inteireza, que:

“O valor da confissão se aferirá pelos critériosadotados para os outros elementos de prova,e para a sua apreciação o juiz deverá confrontá-la com as demais provas do processo,verificando se entre ela e estas exigecompatibilidade ou concordância”.

Nessa linha de princípio as nossas CortesJudicantes têm enriquecido essa temática, por prelecionar,com pleno acerto , a julgar pelas ementas que abaixo setranscrevem, verbatim:

EMENTA: “Harmonizando-se a confissão feita nafase policial, com fortes elementos de convicçãoexistentes no processo, ficando a retratação emconfronto com a prova autuada, esta não deveprevalecer para beneficiar o acusado”. (TJSC -AC - Rel. May Filho - JC 32/472).

EMENTA: “A confissão extrajudicial, desde quese harmonize com o conjunto probatório, templena validade”. (TJSP - AC 63.894-3 - Rel. JarbasMazzoni - RJTJSP 99/498).

A denodada defensoria do apelante, porconseguinte, não se houve com acerto ao argüir a negativada autoria, assomando suas lucubrações, em que pês oesforço ingente desenvolvido pelo ilustre causídico dorecorrente, em suas aparentemente bem elaboradas razões,que lamentavelmente, qual um titã de pés de barro, nãoresistem a um exame profundo da prova coletada aoprocesso, e que exerceu poderosa e considerável influênciana decisão adotada pelo veredicto dos Juizes laicos.

Convergem deste modo, ao mosaico probatório,

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suficientes elementos para configurar a autoria do crime e aidentificação de JOSÉ CÍCERO RODRIGUES como sujeitodessa ação típica.

Dessa certeza nos aproximamos ao cotejar odepoimento da testemunha NAZARÉ RUFINO FELÍCIO – Fls.75, verbatim:

“Que o crime ocorreu na casa do acusado; Queencontrou na residência do acusado a bicicletada vítima, uma cachorrinha da mesma, umlençol; Que a vítima estava dormindo em umcolchão, no chão e não na rede; Que acha que ocrime foi premeditado; Que não sabe por qualmotivo o acusado chamou a vítima para ir dormirna sua casa.” ... “Que todos na rua afirmam econfirmam que o autor do homicídio foi oacusado Cícero;”

Às fls. 76, cotejando-se o depoimento de LÍLIANRUFINO CARNEIRO, atento às suas declarações, surge orelato referente a circunstância concernente no detalhe dehaver a testemunha ouvido do irmão da vítima, alguns informescomprometedores da ação punível praticada pelo réu.

Assim:

“Que chegou a conversar com a vítima e estalhe falou que estava dormindo;” ... “Que segundoos populares o acusado havia chamado a vítimapara dormir em casa, pois tinha se separado damulher e assim a vítima ficou pastorando (sic) acasa do acusado; Que a vítima levou a suabicicleta e sua cachorrinha; Que na casa doacusado tinha televisão; Que ao chegar na casado acusado encontrou a cachorrinha, a bicicletae o lençol pertencente à vítima; Que o colchãoonde a vítima estava deitada estava todoensangüentado;” ... “Que depois do fato foi

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confirmado como sendo o Cícero o autor docrime pelo próprio acusado;”

Já no depoimento da testemunha MANOELMARTINS DE OLIVEIRA, fls. 84, esta veio a declarar :

“Que ouviu falar que o acusado começou a matara vítima dentro da sua casa (do acusado); Que avítima saiu correndo e o acusado acabou dematá-la já na rua;”.

Por último, ressalta do repositório processual orasob conspecção o depoimento do testigo MARIA NILZAALBUQUERQUE DA COSTA, repousante a fls. 109v., da coletaem apreço, quando esclarece, com segurança, litterattim:

“Que os comentários sobre a autoria do crime éque tinha sido o dono do quarto onde a vítimaresidia, o José Cícero; Que depois de dias oacusado foi preso e hoje todas as pessoas darua comentam que o autor do crime foi o acusadoJosé Cícero;”.

O escólio de HELENO FRAGOSO, se ajusta comoa mão à luva, à casuística debatida nos autos, o que nos confortasobremodo, pois, ao abordar o tema, o inolvidável penalistaassegura-nos, litterratim: “ Como se sabe e como o declara alei, com todas as letras , só cabe apelação da decisão quemanifestamente ou seja, de forma evidente, escandalosa,gritante, contrarie a prova dos autos. Desde que a decisãodo tribunal popular se ampare em alguns elementos deprova ; desde que a decisão do Júri se fundamente numadas várias versões que razoavelmente se poderiam formara partir do conteúdo do processo, não há como cassar adecisão.” E conclui, afirmando categórico, que “Não pode otribunal togado impor a sua conclusão respeito dos fatos,devendo limitar-se a cassar as decisões que deles sejam

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delirantes. Do contrário, a dita soberania do Júri seriaoutra inútil ficção“ (Conf. HELENO FRAGOSO,JURISPRUDÊNCIA CRIMINAL , 1º Volume, 4ª. Edição, p.320,Forense, Rio de Janeiro, 1982, o itálico é da transcrição).

Infere-se, portanto, na hipótese em liça, que adecisão do júri não está divorciada das provas dos autos, emuito menos se amostra a elas antagônicas, caso em queseria a hipótese de anular o julgamento, segundo nossasistemática processual, o que não é o caso. Pelo contrário,há coerência entre os fatos descritos na prossecuçãopenal e os elementos hauridos na instrução do processo,posto que o Conselho dos Sete imprimindo sustentação aoresultado do julgamento, ao decidir a espécie para a qual foraconvocado pelo princípio de sua soberania, optouclaramente pela versão que lhe pareceu mais verossímil,qual seja, a exposta pela acusação.

Os assentos pretorianos, confirmam o entendimentoaqui decalcado, a exemplo do já referido Tribunal de Justiçado Estado de São Paulo, ao enunciar, de forma categórica, utlittera:

I- JÚRI DECISÃO CONTRÁRIA À PROVA DOSAUTOS – Inocorrência-Opção do CONSELHO DESENTENÇA -por uma das versões existentesnos autos- SIMPLES EXERCÍCIO DO LIVRECONVENCIMENTO – SENTENÇA CONFIRMADA– RECURSO NÃO PROVIDO –

II - Tendo o conselho de sentença, havendo duasversões sobre o fato, no exercício de livreconvencimento, adotado aquela que lhe pareceubem provada e reveladora da verdade real, nãose pode admitir existência de contrariedade àsevidências dos autos (...) ( TJ SÃO PAULO, Ap.Crim 140 644- 3 GUARULHOS, 20 DE SETE DE1993. RELATOR LUIZ PANTALEÃO LEX

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RJTJSP N.º 149 PG 282 E SEG.( terceira cam.CRIMINAL)

Do mesmo Cenáculo, ainda ressuma esteconvincente e oportuno aresto, ibi:

“HAVENDO MAIS DE UMA TESE COM AMPARONA PROVA, A OPÇÃO DO JÚRI POR UMADELAS NÃO AFRONTA A PROVA DE MODOMANIFESTO, DEVE ASSIM PREVALECER ASOBERANIA DO JÚRI”.(ac. Unânime, de 26 08 1991, ap crm n. 89 248-3,Relator DES. BARRETO FONSECA, IN RJTJSP,LEX , 134 P.427- 432)

Há mais.O mesmo sodalício da Paulicéia, tem assestado,

fulminando a tese abraçada pela defensoria, que:

“ARBITRÁRIA SERIA A DECISÃO ELADA, SERESULTASSE ELA DE CRIAÇÃO MENTALDOS JURADOS, SEM O RESPALDO DA PROVA,OU EM MANIFESTO DIVÓRCIO COM O SEUCONTEÚDO. NÃO PORÉM, QUANDO FUNDADAEM UMA DAS VERSÃOES EXISTENTES EDEBATIDAS NOS AUTOS , COM VÁLIDOSUPORTE PROBATÓRIO, REPUTANDO-A OJÚRI A MAIS CONVENIENTE”(Ac. unâni. De26.08 1991, in RT, 626/90, 5ª. Câm. Criminal, doTribunal de Justiça de São Paulo, ap. crim. n.º114.737, Relator Des. VANDERLEY BORGES,de Olympia, em 6-3-1992, RJTSP, LEX, Vol. 135/45)

Last but not least, adverte outro acatado colégiocameral, desta feita o respeitável Tribunal de Justiça dasAlterosas, quando examinando matéria de cunho similar, ressalta

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que:

(...) decisão manifestamente contrária à prova dosautos, apta a ensejar a anulação do Júri e a afastara soberania de sua decisão é aquela proferida aoarrepio de tudo quanto mostram os autos, éaquela que não tem a suportá-la ou justificá-la,um único dado indicativo do acerto da conclusãoadotada. Se, ao contrário, a decisão se assentaem algum dos elementos de convicção, tendoos jurados adotado uma das teses apresentadaspara os fatos de que resultou a morte da vítima,não há que se falar que a decisão émanifestamente contrária à prova dos autos, jáque o advérbio ‘manifestamente’, usado pelolegislador no art. 593, III, d, do CPP, dá bem a idéiade que só se admite seja o julgamento anuladoquando a decisão do Conselho de Sentença forarbitrária por se dissociar inteiramente da provados autos”. (TJMG, RT 780/653).

Isto posto, diante dos fundamentos ora expendidos,conheço do presente recurso apelatório, por ser tempestivo, maspara negar-lhe provimento mantendo em sua íntegra a decisãodo Tribunal Popular do Júri.

É como voto.

Fortaleza, 10 de novembro de 2006.

***

ESTADO DO CEARÁPODER JUDICIÁRIO

TRIBUNAL DE JUSTIÇA

APELAÇÃO CRIME Nº. 2004.0003.2706-2/0 –Quixeré- CeAPELANTE: JOSÉ MARIA LIMA RIBEIROAPELADA: A JUSTIÇA PÚBLICA

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RELATOR: DES. JOÃO BYRON DE FIGUEIREDO FROTA

EMENTA: PENAL E PROCESSUAL PENAL.APELAÇÃO CRIME. DELITO DE TRÂNSITO.HOMICÍDIO CULPOSO. PRELIMINAR DEMALFERIMENTO DO DISPOSTO NOS ARTS.384, PARÁGRAFO ÚNICO, CPP E 93, IX, CF.INOCORRÊNCIA. HIPÓTESE DE EMENDATIOLIBELLI E NÃO DE MUTATIO LIBELLI. NÃORECONHECIMENTO DA OMISSÃO DESOCORRO. IMPOSSIBILIDADE. CAUSA DEAUMENTO DEVIDAMENTE CONFIGURADA.PRELIMINARES REJEITADAS. NO MÉRITO, AOBRIGAÇÃO LEGAL DE SOCORRO À VÍTIMANÃO É AFASTADA PELA MORTE DESTA.RECURSO IMPROVIDO. FIXAÇÃO DA PENAPRIVATIVA DE LIBERDADE E DA PENA DESUSPENSÃO DA HABILITAÇÃO PARA DIRIGIRVEÍCULO AUTOMOTOR QUE DEVE GUARDARSIMETRIA. REDUÇÃO EX OFFICIO.Infere-se do próprio interrogatório do apelantea ocorrência da majorante da omissão desocorro, que se encontra, ainda, implicitamente,presente na peça acusatória, tendo o juízo a quofeito expressa referência aos meios de provaque respaldaram seu reconhecimento.A morte da vítima não excluiu a obrigação legaldo apelante de socorrê-la.Em delitos de trânsito, as penalidades privativasde liberdade e restritivas de direito devem serproporcionais no tocante à sua duração.Redução de ofício.Recurso improvido.Unânime.

Vistos, relatados e discutidos estes autos deApelação Crime Nº 2004.0003.2706-2 da Comarca de Quixeré,

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em que é apelante José Maria Lima Ribeiro e apelada a JustiçaPública.

A C O R D A a 2ª Câmara Criminal do Tribunal deJustiça do Estado do Ceará, por julgamento de Turma,unanimemente, rejeitar as preliminares argüidas e, no mérito,ainda por votação unânime, negar provimento ao recurso, porém,de ofício, reduzir a pena de suspensão da carteira de habilitação,nos termos do voto do desembargador Relator.

O conspícuo representante ministerial em exercíciona Comarca de Quixeré, neste Estado, ofertou denúncia contraJosé Maria Lima Ribeiro, bastante qualificado nos autos, dando-o como incurso nas penas do art. 302, da Lei 9.503/97.

Conforme se infere da denúncia, no dia 18 de junhode 2000, por volta das 19h00min, no Sítio Tomé, no município deQuixeré, o acusado, dirigindo o veículo, marca Mercedes Benz,de placas HUB 6494 – CE, transportava a Sra. Maria Giselda daSilva Simão Oliveira na carroceria, que veio a cair do referidoautomóvel, vindo a falecer.

Submetido ao devido processo legal, com oscuidados do contraditório e da ampla defesa, restou o réucondenado nas penas do art. 302, parágrafo único, inciso III, a02 (dois) anos e 07 (sete) meses de detenção, em regime decumprimento de pena aberto, substituída por duas penasrestritivas de direitos consistentes em prestação de serviços àcomunidade e prestação pecuniária, além de ser suspensa suahabilitação para dirigir pelo prazo de 02 (dois) anos. (fls. 117 a119).

Irresignado com o veredicto encetou o acusadorecurso apelatório, aduzindo, preliminarmente, que, com oaditamento da denúncia e a inclusão de qualificação penal maisgrave sem a devida oportunidade de defesa do réu, tal fato, alémde ferir norma constante do art. 384 e parágrafo único, do Códigode Processo Penal, bem como a falta de fundamentação nasentença a quo não enfrentando a preliminar argüida nasalegações finais, constituem causas de nulidade absoluta, ferindoo disposto no art. 93, inciso IX, da Carta Magna, e, no mérito,que não seja reconhecida a qualificadora da omissão de socorro

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para a fixação da pena no mínimo legal, requerendo, assim, adecretação de nulidade absoluta da sentença, por afronta aosprincípios constitucionais, e que, ao final, não se reconheça aqualificadora do art. 302, parágrafo único, inciso III, do CTB.(fls.136 a 138)

A representante do Parquet ofereceu contra-razões,pugnando pela manutenção da decisão recorrida. (fls. 155 e 160)

Após o devido recebimento dos autos pelo EgrégioTribunal de Justiça, foram estes remetidos à douta ProcuradoriaGeral de Justiça. A apreciação ministerial opinou peloimprovimento do apelo.

É o relatório.

Não faz jus à acolhida o recurso apelatório manejado.O magistrado, de acordo com as provas coligidas aos fólios,aplicou sentença justamente imposta dentro das normaspermitidas pela legislação em vigor. Passemos à análise do apelointerposto.

O acusado alega, preliminarmente, em suas razõesrecursais, que o membro do Ministério Público aditou a denúnciapara inserir qualificação penal mais grave presente no art. 302,parágrafo único, inciso III, do CTB, sem ser dada a oportunidadede defesa ao réu, ferindo o princípio da ampla defesa e do devidoprocesso legal (art. 5°, inciso LIV, da CF), além da nãoobservância, pelo magistrado, na sentença, do art. 384 eparágrafo único, do CPP, argüido nas alegações finais peloapelante, e do art. 93, inciso IX, da Carta Magna, requerendo anulidade do processo crime, e, no mérito, o não reconhecimentoda qualificadora da omissão de socorro pelo fato de a vítima termorrido instantaneamente.

Não merecem prosperar tais argumentos. Para oreconhecimento de nulidade do processo por cerceamento dedefesa nos moldes do art. 384 e parágrafo único, é necessárioque o fato elementar agravante não conste, explícita ouimplicitamente, na denúncia, o que não se observa no caso emestudo, em que na denúncia deduz-se a narração da omissão

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de socorro:

“(...) Os agentes da força pública ao seremnoticiados sobre a ocorrência, passaram adiligenciar e prenderam ainda em flagrante o oraacusado (...) Registrando ainda o procedimentoque o denunciado, ao sair do Sítio Tomé foiinformado por seus filhos que a mulhertransportada havia caído da carroceria docaminhão”. (Denúncia, fls. 03 e 04)

Outrossim, o próprio réu trouxe a lume a ocorrênciada referida causa de aumento de pena no ato do interrogatório,como se depreende a seguir:

“(...) Que foi informado por um dos filhos que avítima havia caído da carroceria que ao tomarconhecimento, ficou muito nervoso, tendoresolvido prosseguir viagem, indo para casa (...)”(Interrogatório, fls. 68)

Com isso, percebemos que o nobre magistradosentenciou de acordo com o mandamento do art. 383, do CPP,que lhe autoriza dar ao fato definição jurídica diversa, ainda queresulte penalidade mais grave, tendo feito expressa referênciaaos meios de prova que o levaram a reconhecer a majorante daomissão de socorro, procedendo, assim, com a necessáriafundamentação, não ferindo, como alegado, o art. 93, inciso IX,da CF/88, decidindo em consonância com as provas presentesnos autos, visto que também fora demonstrado o nexo causalentre a atitude do acusado de permitir que a vítima subisse nacarroceria, que não se destinava ao transporte de pessoas, e oresultado morte.

É o caso típico de emendatio libelli e não de mutatiolibelli, pretendida. Preliminares rejeitadas.

No mérito, acerca da caracterização da culpa emcrimes de trânsito, a jurisprudência nacional pontifica a mesma

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orientação:

“Homicídio culposo - Omissão de cautela ordináriae necessária - ... omissis ... - Imprudência enegligência caracterizadas - Condenação mantida -É justamente na previsibilidade dos acontecimentose na ausência de precaução que reside aconceituação da culpa penal; a omissão de certoscuidados nos fatos ordinários da vida, perceptíveis àatenção comum, que se configuram as modalidadesculposas da imprudência e negligência - ... omissis...” (TACrimSP - 8.ª Câm. - ACr 845.691/4 - Rel. JuizPaulo Dimas - j. 04.08.1994 - RT 711/344).

Em relação à omissão de socorro, aduz o apelante,para se eximir da culpa, que a vítima morreu instantaneamente.Então, mesmo que houvesse o socorro, este não teria qualquerefeito. Todavia, é pacífico na jurisprudência que a alegação demorte imediata da vítima não exclui a responsabilidade docondutor de prestar-lhe assistência:

“(...) Sabidamente, a omissão de socorro secaracteriza ainda que seja suprida por terceiros ouque se trate de vítima com morte instantânea ou comferimentos leves.(...) (TJDF - 20040110310955APR,Relator LECIR MANOEL DA LUZ, 1ª Turma Criminal,julgado em 01/09/2005, DJ 23/11/2005 p. 213)”

“(...) A alegação de que a ajuda seria ineficaz, emrazão da morte instantânea da vítima, não exclui aobrigação legal do agente em socorrê-la. No mais,não cabe ao réu, um leigo, atestar o óbito, mas sima um profissional competente. (TJDF -20020410087332APR, Relator SÉRGIOBITTENCOURT, 1ª Turma Criminal, julgado em 27/10/2005, DJ 18/01/2006 p. 88) .

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Nessas condições, no tocante ao exposto, não seapresenta merecedora de reparo a sentença ora impugnada,razão por que, conheço do vertente apelo, mas para lhe negarprovimento, em consonância com o parecer da doutaProcuradoria Geral de Justiça. De ofício, porém, atento à simetriaque deve ser observada entre a fixação da pena privativa deliberdade e da pena de suspensão da habilitação para dirigirveículo automotor, reduzo para 04 (quatro) meses o prazo destaúltima sanção aplicada ao apelante.

Fortaleza, 26 de fevereiro de 2007.

***

ESTADO DO CEARÁPODER JUDICIÁRIO

TRIBUNAL DE JUSTIÇA

Nº 2005.0000.0759-7/0APELAÇÃO CRIME (de Palhano)APELANTE: LIDUÍNO JOSÉ DE SOUSAAPELADO: A JUSTIÇA PUBLICARELATOR : DES. LUIZ GERARDO DE PONTES BRÍGIDO

- Júri.- Decisão manifestamente contrária à prova dosautos, corre por boca dos doutos, “é a que temlastro causal aleatório”. Aos jurados é concedidojulgar por convicção íntima, mas isto não querdizer que o façam arbitrariamente, decidindo porsuposições. Convicção íntima consubstanciapersuasão pessoal operada por elementosprobantes absolutamente tangíveis,inclassificável, daí, como justo o veredictopopular que se dissocia da prova “ou quandoela inexiste”. A soberania das decisões dosjurados deve ser encarada cum grano salis. Eles“são seres humanos e não estão imunes a erros

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e imperfeições, de sorte que é imperativo ocontrole jurisdicional” dos seus julgados(Marcos Antônio Santos Bandeira). “Decisãosoberana não é decisão onipotente e arbitrária“(Guilherme de Souza Nucci).- Não fizeram boa Justiça os jurados de Palhanoao reconhecerem qualificadoras em homicídiosem testemunhas presenciais.- Veredicto anulado, para que o réu sejarejulgado, passando-se a seu favor alvará desoltura para aguardar solto a definição da culpa,tomado em consideração, no particular, que setrata de indivíduo primário, de bonsantecedentes, humilde cortador de lenha, comfamília para criar e fortemente vinculado aodistrito da culpa. De feito, vibrante a ilegalidadeda prisão, que dura, já, quatro anos e meses.Mantê-lo emparedado seria afrontar-lhe adignidade humana, pois sua causa ainda nãochegou ao fim e nem há prognóstico de quandochegará, embora a todos assegure aConstituição da Republica a garantia da razoávelduração do processo.- Ressalvada, na espécie, a possibilidade deredecretação da prisão cautelar, nasuperveniência de motivos que a justifiquem.- Apelação provida à unanimidade e contra oparecer ministerial.

Vistos, relatados e examinados.1 – O recorrente foi condenado pelo Tribunal do Júri

de Palhano a doze anos e seis meses de reclusão pela práticade homicídio duplamente qualificado na pessoa de Márcio RicardoPereira de Oliveira.

Irresignado, principia o recurso com pedido paraaguardar solto o resultado desta apelação. Para tal, declara-seprimário e de bons antecedentes.

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No mérito postula a anulação do decisum popular ea renovação do seu julgamento. Critica o reconhecimento dasqualificadoras, pois o homicídio, diz, foi antecedido de discussãoentre ele, recorrente, e a vítima, o que caracterizaria a legítimadefesa negada pelos jurados.

Contra-arrazoamento deduzido pela Promotoria, comlógica requesta de confirmação do que deliberado pelo Júri.

A PGJ, em parecer, é pelo desprovimento do reclamo.2 – O assassínio ocorreu na madrugada de 26 de

maio de 2002, durante um animado samba no lugar São José,em Palhano, mas ninguém presenciou as particularidades queo antecederam nem o momento da sua consumação, porque ocrime foi praticado longe do local em que se concentravam osfreqüentadores e dançarinos. No entanto, “Pitoco”, como éconhecido o apelante, cuja profissão é a de cortador de lenha, éréu confesso e, segundo a sua versão, agiu em legitima defesaputativa. Teria sido provocado e seguido por Márcio PereiraRicardo de Oliveira, a vítima, até que se virou e a atingiu comuma facada no coração, porquanto pressentira que ela lhe dariauma peixeirada pelas costas.

No caso, exatificadas a materialidade e a autoria doassassinato. O resto é nebuloso. Por ausência de testemunhasde vista, ignora-se a razão do desentendimento havido entre ossujeitos do delito, quem o iniciou, se trocaram ameaças, enfim,se a vítima estava desprevenida ao ser esfaqueada. No conjuntoprobatório nada de concreto, ou de objetivo, acerca dospormenores do evento lesivo, salvo a voz geral de que tanto oacusado como a vítima, quando embriagados, gostavam deacabar samba.

Decisão manifestamente contrária à prova dosautos, corre por boca dos doutos, “é a que tem lastro causalaleatório”. Aos jurados é concedido julgar por convicção íntima,mas isto não quer dizer a transformem em arbitrariedade,decidindo por presunções. Convicção íntima consubstanciapersuasão pessoal operada por elementos probantesabsolutamente tangíveis, inclassificável, daí, como justo e corretoo pronunciamento do colegiado leigo que se divorcia da prova

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“ou quando ela inexiste” (v. RJTJRS nº 151, p. 257).Não operou boa justiça o Júri de Palhano ao

reconhecer as qualificadoras em homicídio sem testemunhas.A soberania das decisões dos jurados deve ser

encarada cum grano salis. Eles “são seres humanos e nãoestão imunes a erros e imperfeições, de sorte que é imperativoo controle jurisdicional da decisão do tribunal popular” (v.BANDEIRA, Marcos Antônio Santos. Aspectos Constitucionaisdo tribunal do júri. Princípios penais Constitucionais. Salvador:Edições Podivm, 2007, p. 478). Assim, “decisão soberana não édecisão onipotente e arbitrária” (NUCCI, Guilherme de Souza.Júri: princípios constitucionais. São Paulo: Editora Juarez deOliveira, 1999, p. 86).

Imperativo, bem se vê, seja renovado o julgamentodo réu, a fim de que os juizes leigos redefinam a culpabilidadedo apelante nos exatos limites do homicídio simples. É que, jásalientado, não se divisam nos autos testemunhos taxativosacerca das qualificadoras da futilidade e da desprevenção davítima. Igualmente incomprovada, e por idêntico porquê, aenigmática excludente da legitima defesa putativa a que se atribuiuo acusado.

De ver-se, enfim, que “Pitoco” preso em flagrante,está trancafiado há quatro anos e meses. A contingência, somadaao tempo que irá de hoje até o dia, não se sabe quando, do seurejulgamento, são vetores que desvirtuam a prisão provisóriaem antecipação da pena e atritam com a garantia constitucionalda “razoável duração do processo”. De feito, a permanência dealguém carcer ad custodiam, indefinida e irrazoavelmente,“ofende, de modo frontal, o postulado da dignidade da pessoahumana” (STF, HC n. 85.988-PA (MC), Rel. Min. Celso de Mello,decisão monocrática, de 7.6.05, DJU de 10.6.05). Notadamente,acresço, se o preso é primário, mero cortador de lenha, comfilhos a criar e, assim, radicalmente vinculado ao distrito da culpa.De atribuir-se, conseqüentemente, o direito de o réu aguardarem liberdade o novo julgamento, sem prejuízo da redecretaçãoda prisão provisória, sob forma de preventiva, se vier a dar causaà medida extrema.

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3 – Do que posto, ACORDA A 1ª CÂMARACRIMINAL DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO CEARÁ, àunanimidade, contra o parecer ministerial, em conhecer e provera apelação, mandado o apelante rejulgamento pelo Júri, expedido,de parelha, a seu favor, alvará de soltura clausulado, ressalvadaa faculdade-dever de o juiz decretar a prisão preventiva do réu,se ele incorrer, por seu comportamento em liberdade, em causadeterminante da medida extrema.

Vistos, relatados e discutidos.

Fortaleza, CE, 05 de fevereiro de 2007.

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HABEAS CORPUS

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PODER JUDICIÁRIOTRIBUNAL DE JUSTIÇADO ESTADO DO CEARÁ

HABEAS CORPUS CRIME Nº 2006.0005.7031-1, deTAMBORILIMPETRANTE: Ismael Pedrosa MachadoIMPETRANTE: Magidiel Pedrosa MachadoPACIENTE: Ismael Martins de SousaIMPETRADO: Juiz de Direito da Comarca de Tamboril – Ce.RELATOR: DES. JOÃO BYRON DE FIGUEIREDO FROTA

EMENTA: PENAL E PROCESSUAL PENAL.HABEAS CORPUS. HOMICÍDIO QUALIFICADO.PRISÃO EM FLAGRANTE. CRIME HEDIONDO.PRESENÇA DOS REQUISITOS DA PRISÃOPREVENTIVA. DENEGAÇÃO DA LIBERDADEPROVISÓRIA. DECISÃO SUFICIENTEMENTEFUNDAMENTADA NA VEDAÇÃO LEGAL DECONCESSÃO DO BENEFÍCIO, NAPERICULOSIDADE E NA GARANTIA DA ORDEMPÚBLICA.“Súmula 697 – STJ – A proibição de liberdadeprovisória nos processos por crimes hediondosnão veda o relaxamento da prisão processual porexcesso de prazo”.“A primariedade e os bons antecedentes nãoafastam a possibilidade da decretação da prisãopreventiva”. (JC 69/583).“Justifica-se a prisão preventiva, se, na práticados hediondos delitos que lhes são imputados,revelou o acusado torpeza, perversão, malvadez,cupidez ou insensibilidade moral”. (RT 512/376,518/321 e RSTJ 8/154).Constrangimento ilegal não caracterizado.Ordem denegada.

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Vistos, relatados e discutidos estes autos de HabeasCorpus Crime Nº 2006.0005.7031-1 da Comarca de Tamboril,em que são impetrantes Ismael Pedrosa Machado e MagidielPedrosa Machado, paciente Ismael Martins de Sousa eimpetrado o Juiz de Direito da Comarca de Tamboril – Ce.

ACORDA a 2ª Câmara Criminal do Tribunal deJustiça do Estado do Ceará, por julgamento de Turma, porunanimidade, em denegar a ordem impetrada, em consonânciacom o parecer da douta Procuradoria Geral de Justiça.

Os ilustrados Advogados Ismael Pedrosa Machadoe Magidiel Pedrosa Machado, no desempenho profissional,impetraram ordem de Habeas Corpus, com pleito de deferimentode provimento cautelar, em proveito de ISMAEL MARTINS DESOUSA, bastante qualificado nos autos, preso e recolhido aopresídio local, desde 07 de janeiro do corrente ano, emdecorrência de autuação em flagrante delito, acusado da práticado crime hediondo de homicídio qualificado pelo motivo fútil, delitodefinido nos artigos 121, § 2º, inciso II, do Código Penal Brasileiroe 1º e seguintes, da Lei Federal nº 8.072/90, fato ocorrido no dia06 de janeiro de 2006, por volta das 23:00 horas, no ColégioExpedito Mendes Chaves, Distrito de Sucesso, jurisdição dacomarca de Tamboril, local onde transcorria uma festa de términode curso, tendo como vítima Manoel Fernandes da Silva, mortoa golpe de faca.

Aduziram os causídicos subscritores da impetração,como embasamento fático e jurídico ao sucesso do remédiomandamental que o paciente está suportando constrangimentoilegal, em sua liberdade de locomoção, de responsabilidade dailustrada autoridade impetrada, vez que tem direito à liberdadeprovisória, mesmo sendo o delito imputado consideradoinafiançável pela legislação especial, frente às suas condiçõessubjetivas favoráveis, como a primariedade, bons antecedentes,endereço certo e profissão definida, rogando, ao final, pelaliberação do paciente da clausura na qual está segregado.

Acostaram, os impetrantes, ao petitório, adocumentação probante que reputaram necessária ao destrame

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da ordem (fls. 11/94).Denegada a medida cautelar reclamada em face da

incomprovação, de plano, dos requisitos autorizatórios aoacolhimento (fls. 99).

Comparecendo ao sítio heróico, a eminenteautoridade judiciária requerida informou a situação e marcha doprocesso, aduzindo, outrossim, que o paciente após o crime etentar se evadir foi preso em flagrante delito pelo excídio à facaque vitimou Manoel Fernandes da Silva, sendo delatado,interrogado e denegada a súplica de liberdade provisória porquepresentes os requisitos da prisão preventiva como garantia daordem pública (fls. 107/109). As testemunhas arroladas pelaacusação residentes na jurisdição já foram inquiridas e expedidascarta precatória para audição das residentes em Crateús.

A douta Procuradoria Geral de Justiça instada amanifestação, opinou pela denegação da ordem requerida.

É o relatório. Passo a votar.Não merece sucesso o remédio heróico manejado,

à míngua de amparo jurídico ao seu êxito.Com efeito, processado criminalmente o paciente

na jurisdição de procedência da impetração, acusado da práticado crime hediondo de homicídio qualificado pelo motivo fútil, tendocomo vítima Manoel Fernandes da Silva, encontra-se segregadoem decorrência de autuação em flagrante delito, devidamentehomologado o auto coercitivo por não conter irregularidadetécnica capaz de nulificar sua validade jurídica e, também, porquepresentes os requisitos da prisão preventiva, como a prova deexistência do crime e os indícios suficientes de autoria, além defundamentada, a necessidade da segregação na periculosidaderevelada na prática do crime, consumado sem motivo aparente,sem chance de defesa à vítima, que no momento se encontravadançando, delito rotulado como hediondo pela legislação especial,exatamente porque subsistentes os requisitos da prisãopreventiva, como garantia da ordem pública, foi denegada asúplica de liberdade provisória.

A impetração alinha apenas uma assertiva básica,tida pelos ilustres impetrantes como capaz de restituir à liberdade

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o paciente: o direito subjetivo de ter deferida a liberdade provisóriaapesar da inafiançabilidade do crime imputado, frente àscondições subjetivas favoráveis do paciente, primariedade, bonsantecedentes, endereço certo e profissão definida.

Seguindo a linha dos argumentos deduzidos àexordial, com relação ao pleito de liberdade provisória, afloraexpressa vedação legal, constante da Lei Federal nº 8.072/90,proibindo vários benefícios legais, entre eles a liberdadeprovisória, aos acusados de crimes considerados hediondos,entre os quais o homicídio qualificado.

Ademais, de tão reiterada a orientação tribunalíciaimpossibilitando a concessão da medida aspirada, mesmoprimário o agente, restou sumulada, através do enunciado 697,do egrégio Superior Tribunal de Justiça:

“Súmula 697 – STJ – A proibição de liberdadeprovisória nos processos por crimes hediondos nãoveda o relaxamento da prisão processual por excessode prazo”.

Na linha pretoriana, há consenso acerca da matéria,sufragando a orientação assentada na respeitável decisãoimpugnada que denegou, a concessão da liberdade provisóriapor expressa vedação legal e pela presença dos requisitos daprisão preventiva (fls. 107/109).

“EMENTA: (...) Crime hediondo. Prisão em flagrante.Proibição de liberdade provisória. Inteligência. Daproibição de liberdade provisória nos processos porcrimes hediondos, contida no art. 2º, II, da Lei nº 8.072/90 e decorrente, aliás, da inafiançabilidade impostapela Constituição, não se subtrai a hipótese de nãoocorrência no caso dos motivos autorizadores daprisão preventiva”. (STF, HC 83.468-ES, DJU27.02.2004, p. 00844).

Num maior aprofundamento da exegese do texto

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constitucional em cotejo com a vedação legal da concessão daliberdade provisória nos delitos qualificados como hediondos,constante da Lei nº 8.072/90, assentou em definitivo, o SupremoTribunal Federal, a linha interpretativa da matéria:

“(...) A proibição legal de concessão da liberdadeprovisória seria inócua, se a afastasse o juízo da nãoocorrência no caso concreto, dos motivosautorizadores da prisão preventiva: precisamenteporque a inocorrência deles é uma das hipóteses deliberdade provisória do preso em flagrante (CPrPen,art. 310, parágrafo único, cf. L. 6416/77), o que a L.8.072/90 a vedou se se cuida de prisão em flagrantede crime hediondo.De outro lado, a proibição da liberdade provisória,nessa hipótese, deriva logicamente do preceitoconstitucional que impõe a inafiançabilidade dasreferidas infrações penais: como acentuou, comrespaldo na doutrina, o voto vencido, no Tribunal doEspírito Santo, do il. Desemb. Sérgio Teixeira daGama, seria ilógico que, vedado pelo art. 5º, XLII, daConstituição, a liberdade provisória mediante fiançanos crimes hediondos, fosse ela admissível noscasos legais de liberdade provisória sem fiança”. (HC 83.468-ES,DJU 27.02.2004, p. 00844).

Mesmo posicionamento é adotado pelo colendoSuperior Tribunal de Justiça quanto ao tema, verbis:

“PROCESSO PENAL. CRIMES HEDIONDOS. LEINº 8.072/90. LIBERDADE PROVISÓRIA.IMPOSSIBILIDADE. FLAGRANTE. ALEGAÇÃO DEINOCÊNCIA. INVIABILIDADE DE EXAME”. (STJ,RHC 2002/003196-8 – MG, DJU 18.11.2002).

Ainda examinando os argumentos deduzidos àexordial, com relação à alegação de inexistência dos requisitos

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autorizatórios à decretação da prisão preventiva, a jurisprudênciapretoriana tem facultado ao juiz instrutor, mais próximo dos fatosapurados, com base no seu prudente alvedrio, a decretação daprisão preventiva, bastando que fundamente concretamente naprova dos autos o seu convencimento acerca da necessidadede adoção da medida constritiva, não sendo elidida pelaprimariedade, bons antecedentes, endereço certo e profissãodefinida do paciente.

“Em matéria de conveniência de decretação daprisão preventiva, deve ser considerado odenominado princípio da confiança nos juízespróximos dos fatos e das pessoas envolvidas noepisódio”. (JTACRESP 46/86).

“A primariedade e os bons antecedentes não afastama possibilidade da decretação da prisão preventiva”.(JC 69/583).

“A primariedade e os bons antecedentes nãoimpedem a decretação da custódia provisória se osfatos a justificam. Logo, quando o crime praticadose reveste de grande crueldade e violência, causandoindignação na opinião pública, fica demonstrada anecessidade daquela cautela”. (RT 652/344).

De fato, a prova dos autos demonstra a existênciado crime e indícios veementes de autoria, inclusive com oaprisionamento em flagrante delito, suficientes à decretação daprisão preventiva, se fosse o caso, desnecessária diante dahomologação do flagrante e da decisão denegatória da liberdadeprovisória, medida válida e eficaz aos fins a que se destina, emcotejo com a prova pré-constituída que anima a impetração.

Ademais, desponta reiterada a orientação tribunalíciano sentido de que a periculosidade revelada na prática do crimeé suficiente à decretação da prisão preventiva:

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“Justifica-se a prisão preventiva, se, na prática doshediondos delitos que lhes são imputados, revelou oacusado torpeza, perversão, malvadez, cupidez ouinsensibilidade moral”. (RT 512/376, 518/321 e RSTJ8/154).

Incensurável, pois, a decisão da eminente autoridaderequerida em denegar a liberdade provisória no caso vertente,vedada pela remansosa e iterativa jurisprudência das CortesSuperiores, quando se tratar de delitos rotulados como hediondos.

Assim sendo, não configurado o alegadoconstrangimento ilegal à liberdade de locomoção do paciente aser sanado pelo conduto mandamental, merece a ordem serindeferida.

Isto posto, denega-se a ordem requerida, nos termosdo pronunciamento da douta Procuradoria Geral de Justiça.

Fortaleza, 22 de Maio de 2006.

***

ESTADO DO CEARÁPODER JUDICIÁRIO

TRIBUNAL DE JUSTIÇA

HABEAS CORPUS CRIME Nº 2006.0006.9477-0, de EusébioIMPETRANTE: Hilton SantosPACIENTE: Marcílio Lima CâmaraIMPETRADO: Juiz de Direito da Comarca de Eusébio – Ce.RELATOR: DES. JOÃO BYRON DE FIGUEIREDO FROTA

EMENTA: PENAL E PROCESSUAL PENAL.HABEAS CORPUS CRIME. NULIDADEPROCESSUAL. CERCEAMENTO DE DEFESA.INEXISTÊNCIA. DENEGAÇÃO DA ORDEM.PROGRESSÃO DE REGIME. NÃOCONHECIMENTO.1 – Paciente condenado pelo crime de tráfico de

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entorpecentes (crack, cocaína e maconha).Juntada do laudo toxicológico da maconhapouco antes da data da sentença. Não aberta apossibilidade para o exercício do direito àmanifestação da defesa sobre o referido laudo,causando cerceamento ao apenado.2 – Condenação do Paciente com base noutrasprovas dos autos (laudo toxicológico do crack eda cocaína, confissão e depoimento detestemunhas).3 – Irrelevância da alegada prova nula nacondenação do Paciente. Condenação com baseno conjunto probatório do processo. (TRF-1ªRegião: “Penal. Processo Penal. Tráficointernacional de entorpecentes. Art. 12, caput, daLei nº 6.368/76. Violação ao art. 38 da Lei nº 10.409/02. Não ocorrência. Materialidade e autoriacomprovadas. Causa de aumento de penadescrita no art. 18, I, da mesma Lei nº 6.368/76.Incidência. Laudo toxicológico juntado após ainstrução. Mera irregularidade”. (Ap. Crime nº2003.30.00.001612-9/AC, Rel. Des. Ítalo FioravantiSabo Mendes, 4ª Turma, j. 28.06.2005, DJ26.07.2005, p.41).4 – Ordem denegada quanto à nulidadesuscitada. Não conhecido o pedido deprogressão de regime.

Vistos, relatados e discutidos estes autos de HabeasCorpus Crime Nº 2006.0006.9477-0 da Comarca de Eusébioem que é impetrante Hilton Santos, paciente Marcílio LimaCâmara e impetrado o Juiz de Direito da Comarca de Eusébio– Ce.

ACORDA a 2ª Câmara Criminal do Tribunal deJustiça do Estado do Ceará, por julgamento de Turma, porunanimidade, em denegar a ordem impetrada quanto à nulidadesuscitada e não tomar conhecimento quanto ao pedido de

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progressão de regime, em dissonância com o parecer da doutaProcuradoria Geral de Justiça.

Tratam os presentes autos de Habeas Corpus, compedido de liminar, impetrado pelo advogado Hilton Santos, emfavor de Marcílio Lima Câmara, já devidamente qualificado,contra ato tido como coator do MM. Juiz de Direito da Comarcade Eusébio.

Afirma o Impetrante que o Paciente foi condenadopela prática do crime de tráfico de entorpecentes (art. 12 da Leinº.6.368/76), conforme a sentença de fls. 11/15. Alega que taldecisum pautou-se em prova nula, pois a mesma não foi levadaa conhecimento da defesa, causando-lhe assim cerceamentode seu mister. Por fim, aduz que a r. sentença condenatóriadenegou o direito do Paciente de recorrer em liberdade e àprogressão de regime prisional, por força do art. 2º, §1º, da Leinº.8.072/90, desrespeitando a nova orientação do SupremoTribunal Federal quanto à individualização da pena. Liminarmente,requer a expedição de alvará de soltura do paciente, tendo emvista o excesso de prazo de sua prisão.

Negado o pleito liminar requestado (fl. 27).Apresentadas as informações da autoridade

impetrada (fls. 29/30).A douta Procuradoria Geral de Justiça, por sua ilustre

Representante, ofertou parecer pugnando pela concessão daordem, determinando-se o afastamento da vedação deprogressão do regime, que deverá ser analisado oportunamentepelo MM. Juiz da Execução (fls. 48/52).

É o relatório. Passo a votar.Compulsando-se detidamente os presentes autos,

verificamos que o mandamus em apreço não deve ser acolhidopor esta Egrégia Corte, tendo em vista a inexistência dasnulidades alegadas durante o iter procedimental.

Antes de adentrar ao meritum causae, mister umabreve exposição sobre as nulidades no processo penal pátrio.

O sistema de nulidades no âmbito do processo penalbrasileiro adota certos critérios legais que norteiam o juiz naapreciação das irregularidades dos atos processuais.

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Predomina, hoje em dia, o sistema da “instrumentalidade dasformas”.

Neste sistema “se dá mais valor à finalidade pelaqual a forma foi instituída e ao prejuízo causado pelo ato atípico,cabendo ao magistrado verificar, diante de cada situação, aconveniência de retirar-se a eficácia do ato praticado emdesacordo com o modelo legal”. Desta feita, o Código deProcesso Penal pátrio adota certos princípios gerais nessamatéria, a saber: o do prejuízo, o da causalidade, o do interessee o da convalidação.

Pelo princípio do prejuízo, somente se sacrificariao objetivo maior da atividade jurisdicional se o reconhecimentoda invalidade do ato causar um prejuízo a um dos interessadosno processo. Eis a reconhecida expressão utilizada na doutrinafrancesa: pas de nullité sans grief.

Pelo princípio da causalidade, deve-se verificar sea ausência ou a invalidade de determinado ato processualtambém atingiu os outros atos a ele ligados, caracterizandoassim o nexo causal entre o ato nulo e os atos que o sucedem.

O princípio do interesse revela-se como umanecessidade de apreciação sobre as vantagens que a providênciapossa representar para quem invoca a irregularidade.

Por fim, o princípio da convalidação traduz-secomo um remédio pelo qual será possível aproveitar-se aatividade processual atípica, sanando-se a irregularidade oureparando-se o prejuízo, por razões de economia processual.

Com base nos princípios processuais retromencionados, percebe-se que no caso em apreço não ocorreua nulidade suscitada pela Impetrante. Em verdade, se não houvenexo de causalidade entre o laudo de exame toxicológico damaconha apreendida e a condenação do Paciente, não há quese falar em nulidade da sentença condenatória. Isto porque oPaciente foi condenado com base em todo o conjunto probatório,ou seja, com apoio nos laudos de exames toxicológicosprovisórios das substâncias entorpecentes (fls. 32 a 34) e doslaudos definitivos do crack e da cocaína. Ademais, no curso dafase inquisitorial, o Paciente confessa ser o proprietário de toda

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a substância entorpecente apreendida (termo de fls. 35/39).Desta feita, o alegado cerceamento de defesa

porventura existente quando da não observância do princípioconstitucional do contraditório e da ampla defesa, neste caso,não ocorreu. Repita-se: a sentença condenatória do magistradoimpetrado baseou-se no farto conjunto probatório inserto nocaderno processual (outros laudos, confissão e testemunhas) ea não abertura da possibilidade de manifestação da defesa paraargüir sobre o laudo toxicológico da maconha, certamente, nãoconstituiu nulidade, mas uma mera irregularidade.

A jurisprudência pátria corrobora a inteligência de talraciocínio a respeito da nulidade suscitada, reconhecendo nãohaver cerceamento de defesa nesses casos:

STF: “HABEAS CORPUS. NULIDADE.CERCEAMENTO DE DEFESA. PROVA.Reconhecimento fotográfico na fase inquisitória comobservância do art. 226 do CPP. Renovação dos atosprobatórios na instrução judicial, sob o crivo docontraditório. Prova que não constitui único elementona formação da convicção do juízo da condenação.Nulidade inexistente. Assistência judiciária. Dispensadas testemunhas de defesa e da acusação naaudiência de instrução. Ausência de defesa nãocaracterizada. Efetivo prejuízo não demonstrado (art.563, CPC). Oportunidade de alegação, já superada(arts. 564,IV, 571, II, 572, CPP). Ordem conhecida,mas indeferida.” (HC 69879/SP, Rel. Min. PauloBrossard, 2ª Turma, j. 08.06.1993, DJ 26.11.1993, p.25532).

TRF - 1ª Região: “PENAL. PROCESSO PENAL.TRÁFICO INTERNACIONAL DEENTORPECENTES. ART. 12, CAPUT, DA LEI Nº6.368/76. VIOLAÇÃO AO ART. 38 DA LEI Nº 10.409/02. NÃO OCORRÊNCIA. MATERIALIDADE EAUTORIA COMPROVADAS. CAUSA DE AUMENTO

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DE PENA DESCRITA NO ART. 18, I, DA MESMA LEINº 6.368/76. INCIDÊNCIA. LAUDO TOXICOLÓGICOJUNTADO APÓS A INSTRUÇÃO. MERAIRREGULARIDADE”. (Ap. Crime nº2003.30.00.001612-9/AC, Rel. Des. Ítalo FioravantiSabo Mendes, 4ª Turma, j. 28.06.2005, DJ26.07.2005, p.41).

TJRS: “APELAÇÃO CRIME. TRÁFICO DEENTORPECENTES. INCONFORMISMODEFENSIVO. PRELIMINAR DE NULIDADE DOLAUDO TOXICOLÓGICO AFASTADA. NO MÉRITO,EXISTÊNCIA DE PROVAS ACERCA DAMATERIALIADADE E DA AUTORIA DOS DELITOS.RÉU QUE TINHA EM DEPÓSITO MACONHADESTINADA AO CONSUMO DE TERCEIROS.CONDUTA QUE SE AMOLDA AO ART. 12 DA LEI Nº6.368/76. REGIME DE CUMPRIMENTO DE PENA,ESTIPULADO EM INTEGRAL FECHADO.CONSTITUCIONALIDADE DO ART. 2º, §1º, DA LEINº.8.072/90, AO VEDAR A PROGRESSÃO DEREGIME AOS CONDENADOS POR CRIMESHEDIONDOS. POR MAIORIA, MANTIVERAM OREGIME INTEGRA FECHADO FIXADO NASENTENÇA, VENCIDO O DES. RELATOR QUEESTIPULAVA O REGIME INICIAL FECHADO ESUBSTITUÍA A PENA CARCERÁRIA POR DUASRESTRITIVAS DE DIREITOS.” (Ap. Crime nº70006615579, 2ª Câm. Crim, Rel. Des. AntônioCarlos Netto de Mangabeira, j. 11.03.2004).

Diante da jurisprudência colacionada, não restamdúvidas sobre a mera irregularidade suscitada e não nulidade,por não ter havido cerceamento de defesa, tendo o magistradocondenado o Paciente com esteio nas outras provas constantesdos autos.

O outro pedido feito no writ é relativo ao regime

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prisional imposto pela sentença a quo. Argumenta o Impetranteque o Supremo Tribunal Federal, recentemente, julgouinconstitucional a vedação legal à progressão de regime aoscondenados por crimes hediondos (art. 2º, §1º, Lei 8.072/90).Sendo o caso sub judice, alega que o Paciente também teriadireito a um regime prisional mais brando, por ser primário esem antecedentes criminais.

Neste ponto, ao contrário do parecer ministerial, nãoentendemos possuir razão o Impetrante. A questão sobre oestabelecimento do regime prisional é matéria de competênciado Juízo Natural sentenciante, ao passo que a competência paraa execução da pena é do Juízo das Execuções Penais (art. 66,inciso III, alínea b, L.E.P.).

É certo que o regime de cumprimento da penaimposto ao Paciente deve obedecer aos critérios do art. 59 doCódigo Penal, combinado com o art. 2º da Lei de CrimesHediondos, os quais entendemos plenamente observados. Nocaso do estupro praticado (crime hediondo), existe apeculiaridade da vedação legal, mas que tal regra, contudo, nãofoi expelida do ordenamento jurídico pátrio.

O citado dispositivo legal apenas sofreu umainterpretação da Excelsa Corte que, por maioria, deferiu pedidode Habeas Corpus e declarou, incidenter tantum, ainconstitucionalidade do § 1º do art. 2º da Lei 8.072/90, que vedaa possibilidade de progressão do regime de cumprimento dapena nos crimes hediondos definidos no art. 1º do mesmo diplomalegal. Inicialmente, o Tribunal resolveu restringir a análise damatéria à progressão de regime, tendo em conta o pedidoformulado. Quanto a esse ponto, entendeu-se que a vedação deprogressão de regime prevista na norma impugnada afronta odireito à individualização da pena (CF, art. 5º, LXVI), já que, aonão permitir que se considerem as particularidades de cadapessoa, a sua capacidade de reintegração social e os esforçosaplicados com vistas à ressocialização, acaba tornando inócuaa garantia constitucional. Ressaltou-se, também, que odispositivo impugnado apresenta incoerência, porquanto impedea progressividade, mas admite o livramento condicional após o

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cumprimento de dois terços da pena (Lei 8.072/90, art. 5º).Considerou-se, ademais, ter havido derrogação tácita do § 1º doart. 2º da Lei 8.072/90 pela Lei 9.455/97, que dispõe sobre oscrimes de tortura, haja vista ser norma mais benéfica, já quepermite, pelo § 7º do seu art. 1º, a progressividade do regime decumprimento da pena. Vencidos os Ministros Carlos Velloso,Joaquim Barbosa, Ellen Gracie, Celso de Mello e Nelson Jobim,que indeferiam a ordem, mantendo a orientação até então fixadapela Corte no sentido da constitucionalidade da norma atacada.O Tribunal, por unanimidade, explicitou que a declaraçãoincidental de inconstitucionalidade do preceito legal em questãonão gerará conseqüências jurídicas com relação às penas jáextintas nesta data, já que a decisão plenária envolve,unicamente, o afastamento do óbice representado pela normaora declarada inconstitucional, sem prejuízo da apreciação, casoa caso, pelo magistrado competente, dos demais requisitospertinentes ao reconhecimento da possibilidade de progressão.(STF, HC 82959/SP, rel. Min. Marco Aurélio, j. em 23.02.2006).

Após tal decisão, diversos precedentes seguiram-se na mesma Corte (HC 88.025/DF, Rel. Min. Celso de Mello, 2ªTurma, j. 04.04.06, DJ 28.04.06, p. 47; AI 598.296/RS, Rel. Min.Sepúlveda Pertence, 1ª Turma, j. 28.03.06, DJ 20.04.06, p. 14;HC 86.541/SP, Rel. Min. Marco Aurélio, 1ª Turma, j. 28.03.06, DJ28.04.06, p.23; e HC 86.194/DF, Rel. Min. Eros Grau, 1ª Turma,j. 07.03.06, DJ 24.03.06, p. 36).

Percebe-se, assim, que não existe mais, atualmente,a obrigatoriedade do regime fechado para os condenados porcrimes hediondos, o que não exclui a possibilidade da aplicaçãode tal regime, desde que fundamentados e observados oscritérios subjetivos e individuais de cada apenado. Em suma,entendemos que a progressão do regime requerida peloImpetrante em favor do Paciente deva ser analisada pelo Juízocompetente, qual seja, o Juízo das Execuções Criminais, estesim incumbido da competência legal para analisar as condiçõessubjetivas e individuais do comportamento carcerário doapenado. Tal pedido em sede de Habeas Corpus, portanto, nãomerece ser conhecido.

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Ex positis, com fundamento nas razões jádeclinadas, voto no sentido de denegar a presente ordem quantoà nulidade suscitada e não conhecer da ordem quanto ao pedidode progressão de regime, em dissonância ao parecer da doutaProcuradoria Geral de Justiça.

Fortaleza, 29 de Maio de 2006.

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ESTADO DO CEARÁPODER JUDICIÁRIO

TRIBUNAL DE JUSTIÇA

HABEAS CORPUS CRIME Nº 2006.0007.9747-2, deFORTALEZAIMPETRANTE: José Evangelista e Silva NetoPACIENTE: Dyan Cordeiro BatistaIMPETRADO: Juiz de Direito da Vara de ExecuçõesCriminais de Fortaleza – Ce.RELATOR: DES. JOÃO BYRON DE FIGUEIREDO FROTA

EMENTA: PENAL E PROCESSUAL PENAL.HABEAS CORPUS. HOMICÍDIO TRIPLAMENTEQUALIFICADO PELA FUTILIDADE, CRUELDADEE DESPREVENÇÃO. CRIME HEDIONDO.CONDENAÇÃO A PENA DE 14 (QUATORZE)ANOS DE RECLUSÃO NO REGIMEINTEGRALMENTE FECHADO. RECURSOAPELATÓRIO. PLEITO DE PROGRESSÃO DOREGIME PRISIONAL EM FACE DOCUMPRIMENTO DO TEMPO NECESSÁRIO.INDEFERIMENTO PELA AUTORIDADEREQUERIDA. IMPOSSIBILIDADE DE SOLUÇÃODA CONTROVÉRSIA NA VIA HERÓICA ELEITA.“O Habeas Corpus é um instrumento dedignidade constitucional destinado a garantir odireito de locomoção, violado ou ameaçado, por

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ato ilegal ou abusivo de poder. Inviável aconcessão do writ quando a pretensão neleveiculada concerne a pedido de mudança deregime prisional”. (STJ, RSTJ 72/116).“REGRESSÃO DE REGIME. HABEAS CORPUS.AGRAVO EM EXECUÇÃO DA PENA. RECURSOPRÓPRIO. Incabível a impetração de HabeasCorpus quando a pretensão é tão-somente aregressão de regime, considerando apossibilidade da interposição de agravo emexecução de pena, no qual poderão seranalisados os critérios objetivos e subjetivos paraa concessão de eventuais benefícios”. (TJRO HCnº 200.000.2004.000026-5, j. 28.01.2004).Ordem não conhecida.

Vistos, relatados e discutidos estes autos de HabeasCorpus Crime Nº 2006.0007.9747-2 da Comarca de Fortalezaem que é impetrante José Evangelista e Silva Neto, pacienteDyan Cordeiro Batista e impetrado o Juiz de Direito da Varade Execuções Criminais de Fortaleza – Ce.

ACORDA a 2ª Câmara Criminal do Tribunal deJustiça do Estado do Ceará, por julgamento de Turma, porunanimidade, em não tomar conhecimento do pedido, ante aimpropriedade da via eleita, nos termos do voto do Des. Relator.

O ilustre Contador José Evangelista e Silva Neto, noexercício de direito constitucionalmente assegurado, ingressoucom Habeas Corpus, com pleito de provimento liminar, embenefício de DYAN CORDEIRO BATISTA, agnome “Nenen”,bastante qualificado nos autos, condenado a pena definitiva de14 (quatorze) anos de reclusão, no regime integralmente fechado,dada a hediondez do crime perpetrado, sem direito de apelarem liberdade (mantido no cárcere desde o decreto de prisãopreventiva), por violação ao artigo 121, § 2º, incisos II, III e IV, doCódigo Penal Brasileiro, onde tipificado o homicídio triplamentequalificado, pela futilidade, pela crueldade e pela desprevenção,tendo como vítima José Alves Façanha, morto a pedradas, socos

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e pontapés, pelo paciente e mais os comparsas Antonio Marcosda Silva, apelido “Lourinho” e Igor da Silva Vidal, epíteto “IgorNegão”, fato ocorrido no dia 05 de julho de 2002, por volta das02:30 horas, na Praça Central da Cidade 2000, nesta Capital.

Aduziu, o culto impetrante, sinteticamente, ainconstitucionalidade da Lei nº 8.072/90 (Crimes Hediondos), noque tange à vedação de progressão do regime prisional aoscondenados pela prática dos delitos nela contemplados,concluindo seus argumentos pela ilegalidade da prisão, haja vistaque já cumpriu o tempo necessário à progressão do regime (1/6 da pena), a ser proferida em sede de execução provisória dasentença penal, na pendência de recurso apelatório jádevidamente manejado (fls. 03). O pleito de progressão do regimecarcerário restou denegado pela autoridade requerida sob oargumento de que o crime perpetrado e pelo qual restoucondenado, está qualificado como hediondo, impossibilitando aprogressão do regime. Pugnou, no final, pela concessão deprogressão do regime, entendendo satisfeitos os requisitoslegais, frente às decisões recentes do Excelso Supremo TribunalFederal afastando a vedação à progressão do regime prisional,nos crimes rotulados de hediondos pela legislação especial.

Insta observar, de logo, que não foram acostadas asrazões apelatórias, nem comprovação documental do tempo deprisão devidamente cumprido, de sorte a ensejar um exame,mesmo que superficial, dos fundamentos da irresignação, emcotejo com os argumentos deduzidos no remédio heróico, parase constatar se não eram meros reprises e que a manutençãodo aprisionamento do paciente deveu-se aos péssimosantecedentes criminais, com processos nas Primeira e SextaVaras do Júri, Nona Vara Criminal e Vara das Execuções Penais,consoante demonstra a certidão acostada (fls. 61/62).

A medida liminar restou indeferida, à míngua dedemonstração dos requisitos autorizatórios o acolhimento (fls.84).

Comparecendo ao sítio mandamental a eminenteautoridade requerida noticiou a situação e marcha do processoe que a sentença condenatória, alvejada por meio de recurso

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apelatório, porém, sem direito de recorrer em liberdade, impôs apena definitiva de 14 (quatorze) anos de reclusão, deveria sercumprida no regime integralmente fechado, em face dahediondez do delito imputado. Asseverou, por fim, que denegouo pleito de progressão do regime prisional porque o pacientenão implementava os requisitos necessários ao deferimento dobenefício aspirado (fls. 86/88).

A douta Procuradoria Geral da Justiça, instada amanifestação, opinou desfavoravelmente à progressão do regimepleiteada na impetração, porém, pela concessão da ordem paraque seja recomendada a realização do exame criminológico nopaciente, conferindo ou não a progressão colimada.

É o relatório. Passo a votar.Nada obstante as recentes e históricas decisões do

Pretório Excelso, em sede de controle difuso deinconstitucionalidade da Lei nº 8.072/90, nas quais afastado oóbice à progressão do regime nos crimes qualificados comohediondos, os precedentes da egrégia Segunda Câmara Criminal,nos casos idênticos ao presente, firmam-se, é certo que pormaioria, pelo não conhecimento da impetração, ante aimpropriedade da via eleita.

Com efeito, acerca do não conhecimento daimpetração, avulta como ponto incontroverso a inadequação doremédio heróico quando o objetivo buscado é a mudança doregime carcerário.

Na feliz expressão do mestre Júlio Fabbrini Mirabetecom sua peculiar agudeza conceitual, destaca-se o trecho, pelainegável pertinência:

“(...) Falta legítimo interesse quando o pedido deHabeas Corpus é inadequado à providência que oimpetrante pretende obter”. (In Código de ProcessoPenal Interpretado, São Paulo: Atlas, 2002, p. 1.677).

Afora com nitidez, que o mérito da impetração reside,exatamente, na possibilidade de progressão do regime prisionaldo paciente para o semi-aberto, aos condenados por crime

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hediondo, a ser resolvido, de logo, pela egrégia Câmara Criminal,frente à recente decisão do Pretório Excelso, o qual, em sedede controle difuso de inconstitucionalidade, sem eficácia ergaomnes, nem efeito vinculante, decidiu, por maioria, pelaviabilidade de progressão do regime, desde que atendidos osrequisitos objetivo (lapso temporal de cumprimento da pena emexecução, ainda que provisória) e subjetivo (merecimento docondenado e sua adaptação ao regime mais brando sem riscopara a sociedade). A matéria deve ser examinada e resolvida,mediante pedido formal, já efetivado e denegado, pelo Juízocompetente das Execuções Penais, daí a irresignação sobre adenegação da progressão merecer solução em sede de agravoem execução e não de Habeas Corpus.

Assim restou definido no julgamento do ExcelsoSupremo Tribunal Federal:

“PENA. REGIME DE CUMPRIMENTO.PROGRESSÃO. RAZÃO DE SER. A progressão noregime de cumprimento da pena, nas espéciesfechado, semi-aberto e aberto, tem como razãomaior de ser a ressocialização do preso que, maisdia ou menos dia, voltará ao convívio social. PENA.CRIMES HEDIONDOS. REGIME DECUMPRIMENTO. ÓBICE. ARTIGO 2º, § 1º, DA LEINº 8.072/90. INCONSTITUCIONALIDADE.EVOLUÇÃO JURISPRUDENCIAL. Conflita com agarantia da individualização da pena – art. 5º, incisoXLVI, da Constituição Federal – a imposição,mediante norma, do cumprimento da pena em regimeintegralmente fechado. Nova inteligência do princípioda individualização da pena, em evoluçãojurisprudencial, assentada a inconstitucionalidade doart. 2º, § 1º, da Lei nº 8.072/90”. (STF, HC nº 83.219-SP, DJU 26.05.06).

Na mesma linha de posicionamento, seguindo oprecedente:

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“(...) Crime hediondo. Regime de cumprimento dapena. Progressão. Ao julgar o Habeas Corpus82.959, 23.02.06, Marco Aurélio, Inf. 418, o Plenáriodo Supremo Tribunal Federal declarou,incidentalmente, a inconstitucionalidade do § 1º doart. 2º da Lei 8.072/90 – que determina o regimeintegralmente fechado para o cumprimento da penaimposta ao condenado pela prática de crimehediondo – por violação da garantia constitucionalda individualização da pena (CF, art. 5º, LXVI).Deferimento de Habeas Corpus de ofício, para afastaro óbice do regime fechado imposto pela norma cujainconstitucionalidade se declarou, cabendo ao Juízodas Execuções, como entender de direito, analisara eventual presença dos demais requisitos daprogressão”. (STF, AI 527.990/RS, DJU 05.05.06, p.19).

Não diverge da orientação o colendo Superior Tribunalde Justiça:

“PROCESSUAL PENAL. LATROCÍNIO. HABEASCORPUS. HEDIONDEZ. PEDIDO DEPROGRESSÃO DO REGIME PRISIONAL.DECLARAÇÃO DE INCONSTITUCIONALIDADE DOART. 2º, § 1º, DA LEI Nº 8.072/90, PELO PLENÁRIODO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL.AFASTAMENTO DO ÓBICE LEGAL. PEDIDO QUEDEVERÁ SER EXAMINADO PELO JUÍZO DASEXECUÇÕES CRIMINAIS.(...) 4. O Pretório Excelso, em sua composiçãoplenária, no julgamento do HC Nº 82.959/SP, em 23de fevereiro de 2006, declarou, em sede de controledifuso, inconstitucional o óbice contido na Lei dosCrimes Hediondos que veda a possibilidade deprogressão do regime prisional aos condenados pela

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prática dos delitos nela elencados.5. Tal entendimento, firmou-se na interpretaçãosistêmica dos princípios constitucionais daindividualização da pena, da isonomia e dahumanidade da pena.6. Afastou-se, assim, a proibição legal quanto àimpossibilidade de progressão carcerária aoscondenados pela prática de crimes hediondos eequiparados, tendo sido, todavia, ressalvado peloSupremo Tribunal Federal, no mencionadoprecedente, que caberá ao juízo das execuçõespenais analisar os pedidos de progressãoconsiderando o comportamento de cadacondenado”. (STJ, HC Nº 48.280/SP, DJU02.05.2006, p. 352).

Como exaustivamente acentuado os memoráveisprecedentes, asseguram a possibilidade de progressão doregime prisional aos condenados pela prática de crimesqualificados como hediondos, entretanto, afastado o óbice legalda Lei nº 8.072/90, condicionam a apreciação e solução do pleito,ao conhecimento do Juízo das Execuções Penais, mediantesatisfação conjunta dos requisitos objetivo (temporal) e subjetivo(merecimento e adaptação ao novo regime, sem risco para asociedade), sob pena de supressão de instância, donde seconclui, sem maiores esforços, pela inviabilidade de concessãoda ordem requerida, nos termos propostos, com a concessãoda progressão do regime para o semi-aberto, sem o prévio exameda matéria pelo juízo competente das Execuções Penais e longeda sede própria que é, no caso, o Agravo em Execução, manejadopela irresignação quanto ao indeferimento da almejada mudançade regime.

Por outro lado, reforçando o argumento, ajurisprudência pretoriana tem consolidado o entendimento deimpossibilidade de acionamento do remédio heróico na pendênciade recurso apelatório, salvo na hipótese de nulidade manifesta:

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“Em princípio pode ser impetrado Habeas Corpusna pendência de recurso apelatório. Sendo, porém,idênticos os elementos de ambos, não éaconselhável o Habeas Corpus, pois nele não seadmite o exame aprofundado da prova”. (STF, RT574/460 e 640/272).

“Não se tratando de argüição de nulidade evidente,não cabe Habeas Corpus enquanto pendente dejulgamento recurso, porque não se vislumbraqualquer violência jurídica contra a liberdade delocomoção do réu”. (RT 617/298 e RSTJ 55/302).

Evoluindo no tema, não emerge recepçãojurisprudencial para a impetração de remédio heróico que tenhapor finalidade o exame de questão relacionada à progressão doregime penal:

“O Habeas Corpus não se presta ao exame dequestão relativa à progressão do regime prisional,situado no domínio dos fatos”. (STJ, RSTJ 28/175).

“O Habeas Corpus é um instrumento de dignidadeconstitucional destinado a garantir o direito delocomoção, violado ou ameaçado, por ato ilegal ouabusivo de poder. Inviável a concessão do writquando a pretensão nele veiculada concerne a pedidode mudança de regime prisional”. (STJ, RSTJ 72/116).

Emerge com clareza solar, pelos escólio tribunalícioscolacionados, a inviabilidade de impetração de Habeas Corpusobjetivando a mudança do regime de cumprimento da penaimposta.

Nada obstante, como frisado nas recentes decisõesda Corte Excelsa, afastado o óbice vedatório da progressão doregime, na hipótese de crime hediondo, firma-se no Juízo das

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Execuções Penais a competência para exame e deliberaçãoacerca da satisfação dos requisitos legais objetivo (tempo) esubjetivo (mérito e adaptação ao novo regime), refugindo à CorteRevisora a competência para dirimir a controvérsia, senão nasede do apelo, ou, especificamente, no agravo em execução,não na via mandamental eleita, sob pena de supressão dainstância monocrática.

Colhe-se o entendimento jurisprudencial:

“A legislação deixa ao prudente arbítrio do magistradoo exame das condições subjetivas do reeducando.Isso porque a progressão não é um direito absoluto,mas está condicionada à segurança da vida emsociedade”. (RT 717/384).

“Para o reconhecimento do direito à progressão doregime prisional não basta o cumprimento de 1/6 dapena. Necessária, também, a avaliação do méritodo condenado”. (RSTJ 50/411).

“Regime prisional fechado. Progressão para oregime semi-aberto. Inadmissibilidade pela ausênciade merecimento através de sua personalidade, aindaque tenha cumprido 1/6 da pena. Aplicação doprincípio in dubio pro societate. Ainda que ocondenado tenha cumprido 1/6 da pena, ou seja, otempo necessário para concessão da progressãode regime prisional fechado para o semi-aberto, sópoderá obter tal benefício se preencher o requisitosubjetivo, ou seja, o merecimento através de suapersonalidade, pois em sede de execução criminalvigora o princípio do in dubio pro societate”. (RT 744/579).

Mais uma vez ecoa como ponto inelutável que oimpetrante utilizou-se da via imprópria para sua reclamaçãoacerca da progressão do regime, sendo certo que a matéria deve

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ser enfrentada em conduto de incidente de execução, e, se for ocaso, do respectivo agravo, remédio apto e eficaz para oequacionamento da controvérsia suscitada:

“É cabível a interposição de agravo em execução, enão de Habeas Corpus, para combater a decisãoque determina a regressão do regime prisional, umavez que esta hipótese não se encaixa em nenhumadas sete, de coação ilegal, enumeradas no art. 648do CPP”. (TACRIMSP HC nº 372426/8, Rel. JuizRicardo Tucunduva, DOESP 09.01.2001).

“Agravo em Execução. Interposição contra incidenteocorrido na fase executória da pena, é cabível oAgravo em Execução, conforme preceitua o art. 197,da LEP, com adoção do rito do Recurso Crime emSentido Estrito”. (TACRIMSP, RCSE nº 11.24353/3,j. 10.12.98).

“REGRESSÃO DE REGIME. HABEAS CORPUS.AGRAVO EM EXECUÇÃO DA PENA. RECURSOPRÓPRIO. Incabível impetração de Habeas Corpusquando a pretensão é tão-somente a regressão deregime, considerando a possibilidade da interposiçãode agravo em execução de pena, no qual poderãoser analisados os critérios objetivos e subjetivos paraa concessão de eventuais benefícios”. (TJRO HC nº200.000.2004.000026-5, j. 28.01.2004).

Isto posto, não se conhece da impetração, ante aimpropriedade da via eleita, nos termos do voto doDesembargador Relator.

Fortaleza, 26 de Junho de 2006.

***

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ESTADO DO CEARÁPODER JUDICIÁRIO

TRIBUNAL DE JUSTIÇA

Nº 2006.0009.0770-7 PETIÇÃO DE HABEAS CORPUSCOMARCA: LIMOEIRO DO NORTEIMPETRANTE: ANTÔNIO EVILÁSIO SOARESPACIENTE: JOSÉ HAROLDO DA SILVA JÚNIORIMPETRADO: JUIZ DE DIREITO DA 1ª VARARELATOR: DES. RAIMUNDO EYMARD RIBEIRO DEAMOREIRA

EMENTA: CONSTITUCIONAL – PROCESSUALPENAL – HABEAS CORPUS – PACIENTEMERECEDOR DE LIBERDADE PROVISÓRIA –FATO CRIMINOSO PROMOVIDO PORINSTRUMENTO AGRICOLA - PEDIDOINDEFERIDO AO ARGUMENTO DA HEDIONDEZDO CRIME.I - Não admitir a liberdade provisória quando oagente goza do permissivo do § único do art.310 do CPP, é olvidar que os TribunaisSuperiores, nesse tocante, tem acolhido oentendimento de que a providência do art. 2º, II,da Lei n. º 8.072/90, de obstar a concessão deliberdade provisória, maltrata o inciso XLIII, doart. 5º da Carta da República.II - Nesse considerar, vale a pena trazer acolação aresto do Superior Tribunal de Justiça,in verbis:

“A Constituição Federal, art. 5º, XLIII, não autorizao legislador ordinário a suprimir o direito àliberdade provisória, corolário do direitoconstitucional à presunção da inocência.HCconhecido – Ordem deferida” – STJ – HC 3833 –Rel. Edson Vidigal DJU 26.1.96. P.4.026

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III - A semelhança dispensada pela lei ordináriaao crime praticado pelo paciente e os crimeshediondos, por si só não é suficiente para vedara concessão da liberdade provisória, até porqueas suas condições subjetivas e a ausência dosrequisitos para a prisão sem pena, permitem queo mesmo responda o processo em liberdade.IV - Ordem concedida. Decisão unânime.

Vistos, relatados e discutidos estes autos de petiçãode habeas corpus, nº 2006.0009.0770-7, de Limoeiro do Norte,em que é impetrante o advogado Antônio Evilásio Soares,paciente José Haroldo da Silva Júnior, sendo autoridade impetradao Juiz de Direito da 1ª Vara da Comarca.

Acorda a Turma, por unanimidade de votos, emconceder a ordem impetrada, assim como opinou a doutaProcuradoria Geral de Justiça.

O advogado Antônio Evilásio Soares, impetrou apresente ordem de habeas corpus em favor do paciente JoséHaroldo da Silva Júnior, qualificado nos autos, por haver o mesmosido preso em flagrante delito por infração ao artigo 121, § 2º,incisos II e IV, c/c art, 14, II, do Código Penal Nacional.

Garante o advogado impetrante, que o paciente ésimultaneamente primário e de bons antecedentes, endereçofixo, ocupação laboral lícita – (auxiliar de mecânico) e que apósa prática do crime se entregou a Polícia, confessandodetalhadamente para as autoridades competentes como tudoocorreu, constatando-se diante de tal situação, a desnecessidadede seu acautelamento ante tempus.

Outrossim, informa que foi requerida liberdadeprovisória para o paciente, a qual foi indeferida pela autoridadeapontada coatora, ao argumento de que o “delito imputado aopaciente na ação criminal tem natureza hedionda, logo, haveriavedação para o benefício” (art. 2º, inciso II, da Lei nº 8.072/90).

Informações da autoridade apontada coatora, dandoconta da situação e marcha do processo, acrescenta, ainda,

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aquela autoridade, que seu posicionamento no que toca aoscrimes hediondo e da não concessão da liberdade provisória(fds.86/89).

Parecer da douta Procuradoria Geral de Justiça àsfs. 83/85, opinando pela concessão da ordem.

É o relatório.O paciente José Haroldo da Silva Júnior, primário e

sem antecedentes criminais, auxiliar de mecânico de profissão,com um golpe de machado lesionou a vítima José Danilo daSilva, por isso denunciado nas penas do art. 121, § 2º, incisos IIe IV c/c art. 14, II, do Código Penal da República.

Manejado pedido de liberdade provisória junto aautoridade dita coatora, a mesma, ao argumento de que o crimeimputado ao paciente na ação criminal tem natureza hedionda,indeferiu a súplica.

Com efeito, o Juiz ao se defrontar com casos quetais, deve examinar a questão isoladamente, no caso concreto,e não diante da dicção fria da lei, se possível, apoiada nosensinamentos do saudoso Nelson Hungria, segundo o qual“cumpre indagar se o crime praticado é um episódio acidentalde sua vida, ou se é um consectário de sua propensão ou habitualorientação para o mal e a indisciplina”

Deveras, o paciente, autor do delito, usou paralesionar sua vítima um instrumento agrícola - machado -, paraem seguida se entregar, já em sua casa, espontaneamente, aautoridade policial. Logo, se antevê, que a sua liberdade não afetaa garantia da ordem publica, sendo aquele caso, fato isolado navida do paciente.

Ademais disso, a Magistrada, em não admitir aliberdade provisória do paciente, olvidou que os TribunaisSuperiores, nesse tocante, tem acolhido o entendimento de quea providência do art. 2º, II, da Lei n. º 8.072/90, de obstar aconcessão de liberdade provisória, com ou sem fiança, maltratao inciso XLIII, do art. 5º da Carta da República.

Nesse considerar, vale a pena trazer a colaçãoarestos do Superior Tribunal de Justiça, in verbis:

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“A Constituição Federal, art. 5º, XLIII, não autorizao legislador ordinário a suprimir o direito àliberdade provisória, corolário do direitoconstitucional à presunção da inocência. HCconhecido – Ordem deferida” – (STJ – HC 3833 –Rel. Edson Vidigal DJU 26.1.96. P.4.026).

CONSTITUCIONAL – PROCESSUAL PENAL –LIBERDADE PROVISÓRIA – INTERESSEPÚBLICO.

“Nenhuma sanção penal ou processual penal éaplicada sem interesse público. A liberdadeprovisória é compulsória quando a lei garanteao indiciado ou réu defender-se em liberdade,com ou sem fiança. A liberdade provisória,todavia, pode depender do poder discricionário(não arbitrário) do juiz. Inconstitucional, porém,vedá-la de modo absoluto. A Constituição daRepública impõe à lei admitir a liberdadeprovisória, com ou sem fiança (art. 5º, LXVI).Quando a lei maior restringe institutos, di-loexpressamente (art. 5º, XLIII), como ocorre comos crimes inafiançáveis e insuscetíveis de graçaou anistia” (STJ – 6ª T – RHC 2556-0 – j. 08.03.1993– Rel. Luiz Vicente Cernicchiaro).

Ora, a semelhança dispensada pela lei ordinária aocrime praticado pelo paciente e os crimes hediondos, por si sónão é suficiente para vedar a concessão da liberdade provisória,até porque as suas condições subjetivas e a ausência dosrequisitos para a prisão sem pena, permitem que o mesmoresponda o processo em liberdade.

Nestas condições, afasto o entendimento daautoridade dita coatora, para ceder lugar ao § único do artigo310 do Código de Processo Penal, e, por conseqüência, concedoa ordem, nos termos em que opinou a douta Procuradoria Geral

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de Justiça.É como voto.

Fortaleza, 11 de julho de 2006.

***

ESTADO DO CEARÁPODER JUDICIÁRIO

TRIBUNAL DE JUSTIÇA

Nº 2006.0012.1369-5 PETIÇÃO DE HABEAS CORPUSCOMARCA: FORTALEZAIMPETRANTE: ULISSES TABOSA CAMPOSPACIENTE: MANOEL PEREIRA DA SILVAIMPETRADO: JUIZ DE DIREITO DAS EXECUÇÕESCRIMINAISRELATOR: DES. RAIMUNDO EYMARD RIBEIRO DEAMOREIRA

EMENTA: CONSTITUCIONAL – PENAL –PROCESSUAL PENAL – PROGRESSÃO DEREGIME PRISIONAL EM SEDE DE HABEASCORPUS – PROVA ANTECIPADA SUFICIENTE –SUCEDÂNEO DE AGRAVO EM EXECUÇÃO -WRIT CONHECIDO.1. O art.112, da Lei de Execuções Penais com anova redação dada pela Lei nº 10.792/03,incumbiu ao Juiz à regra da competênciadiscricionária, ou seja, além dos requisitosobjetivos e subjetivos, o Magistrado poderáfazer outras exigências, tais como laudospericiais ou outro meio de prova que ateste aaptidão do sentenciado ao novo regime,notadamente que tenha cumprido a última fasedo programa individualizador de sua pena, ex vido artigo 6º do mesmo regramento.2. Na hipótese dos autos, o paciente padece

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cumprindo pena de 6 (seis) anos de reclusão,imposta pela Justiça Pública por crime deestupro estando recolhido há pouco mais de 01(um) ano, tempo este, que embora seja suficientepara a progressão do regime carcerário, não meconforta, posto que desacompanhado da provado estágio individualizador de sua pena intra-muros, se bem que apresente atestado de bomcomportamento.3. O atestado comentado, diz respeito tão-somente ao cumprimento das regras impostaspelo sistema penitenciário, donde se infere queo paciente/sentenciado ainda que tenha tidotempo suficiente para refletir sobre seus crimese sua condição de condenado não foi capazatingir o regramento penitenciário de molde aalcançar o comportamento excelente/ótimo.5. Portanto, considerando a prematurapassagem do paciente no cumprimento da penaque lhe foi imposta pela Justiça Pública, alémde não ter passado pelo estágio do programaindividualizador e de não alcançar, na escala deavaliação, o comportamento excelente/ótimo e,ainda, na ausência de outros meios capazes deprovar que o seu retorno a sociedade, mesmosendo através da meia-liberdade, não venha acausar transtornos, hei por bem, denegar aordem impetrada.6. Decisão unânime.

Vistos, relatados e discutidos estes autos de petiçãode habeas corpus, nº 2006.0012.1369-5, de Fortaleza, em que éimpetrante o advogado Ulisses Tabosa Campos, paciente ManoelPereira da Silva, sendo autoridade coatora o Juiz de Direito daVara das Execuções Criminais.

Acorda a Turma, por unanimidade de votos, emconhecer da ordem, mas para denegar-lhe, nos termos do voto

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do Relator.Manoel Pereira da Silva, qualificado nos autos, porinfração aos artigos 213 c/c 224, do Código Penal,foi por sentença condenado a uma pena de 6(seis) anos de reclusão, em regime integralmentefechado.

Nessa consideração, preso e recolhido ao IPPS háexatos 01 (um) ano, 4 (quatro) meses e 4 (dias), eis que oadvogado impetrante, ajuíza na Vara das Execuções Criminaisde Fortaleza, pedido de Progressão de Regime, objetivando aprogressão do regime, de fechado para semi-aberto, em virtudedo paciente ter cumprido mais de 1/6, (um sexto) da pena, alémde se encontrar classificado pelo sistema carcerário nocomportamento bom.

Por sua vez, o Juiz dito coator, acolhendo o parecerministerial, indeferiu a súplica, ao argumento de que o crimeperpetrado pelo paciente é de natureza hedionda, não lhefavorecendo o direito a progressão de regime, além de afirmarque a inconstitucionalidade do artigo 2º, § 1º, da Lei nº 8.072/90,julgado pelo Supremo Tribunal, em sede do habeas corpus nº82.959, tem caráter incidental, e decorrente do controle difusode constitucionalidade, sem efeito erga omnes não vinculandoos juízes à decisão daquela Corte Superior.

Informações da autoridade coatora, dando conta dasrazões pelas quais indeferiu o pedido, confirmando o arrazoadoantes mencionado (fs.80/81).

Parecer da douta Procuradoria Geral de Justiça ásfs.83/84, opinando pela denegação da ordem.

É o relatório.Dois são os temas a serem enfrentados nesta ação

constitucional: primeiro sobre o seu conhecimento, tendo emvista a existência de recurso próprio, ou seja o agravo emexecução, de que trata o artigo 197, da LEP.

Na espécie, a certidão carcerária, o relatório social,e a decisão do Magistrado tido como coator, indeferindo o pedidode transmutação do regime da pena imposta ao paciente, foram

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trazidos à colação, à titulo de prova antecipada, desafiando,assim, tanto o agravo em execução como o habeas corpus,aqui usado como sucedâneo daquele, por isso me conforta oseu conhecimento.

Outro aspecto fático, é discernir sobre aconstitucionalidade ou não do art. 2º, da Lei nº 8.072/90, divulgadacomo Lei dos Crimes Hediondos.

Pois bem. Para melhor compreensão do tema, devofazer uma regressão sobre as discussões doutrinárias ejurisprudenciais até a decisão Suprema que decidiu em sede dehabeas corpus, incidentalmente, pela inconstitucionalidade doprefalado artigo 2º da Lei dos Crimes Hediondos.

Com efeito, a Lei instituidora dos crimes hediondose seus afins, previu, em seu art. 2º, §1º, que o cumprimento dapena relativa a tais delitos seria de clausura total, ou seja,integralmente fechado, salvante a hipótese de livramentocondicional por satisfação de 2/3 da pena, não sendo o acusadoreincidente específico em crime da mesma natureza (art. 5º).

Decorridos mais de quinze anos da edição daprefalada lei, sob o ardente protesto dos que nela vislumbravamflagrante inconstitucionalidade, por desrespeito ao princípio dapresunção de inocência e ao da individualização da pena, e emmeio aos mais diversos posicionamentos jurisprudenciaisatinentes ao tema, sobreveio, para aguçar a controvérsia, a Leinº 9.455/97, definindo as condutas típicas do crime de tortura, epermitindo, a par do § 7º, de seu art. 1º, que os condenados porseu cometimento pudessem beneficiar-se da progressão doregime prisional.

Surgiu, daí, então, o questionamento, alvo de largadiscussão entre os doutrinadores dos mais renomados, e,ademais, de divergências e inquietações no âmbito de nossosTribunais Superiores, a saber: O legislador ordinário, ao instituira Lei 9455/97, prevendo que o condenado a crime nela tratadoiniciaria o cumprimento da pena em regime fechado, teriaadmitido a progressão do regime prisional, ou foi apenas umlapso de sua parte, tendo sido, verdadeiramente, sua intençãoveicular o mandamento de que o regime fechado deveria ser

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observado, desde o início, seja qual fosse a pena aplicada aoacusado, a prevalecer, assim, por sua especialidade, sobre aregra do art. 33 da LEP. E, em sendo afirmativa a primeira partedo questionamento supra, teria esse novo regramento o condãode sobrepor-se à regulamentação específica anteriormenteprevista para os crimes hediondos e aos a ele nivelados (Lei8072/90)?

De outra parte, urgia considerar que a Lei de Tortura,como alhures registrado, editada após quase sete anos davigência da Lei dos Crimes Hediondos, segundo os doutrinadores,sobreveio para corrigir as imperfeições jurídicas e sociaispropiciadas por tão famigerada norma, fracassada de seuspropósitos, e em plena decadência, porquanto não contribuiupara nenhuma redução de quaisquer dos índices da criminalidadetida como hedionda, revelando-se verdadeiro fator do surgimentode outros fenômenos indesejáveis como as rebeliões, os motinsnos presídios e as fugas e por último, acresça-se, a desordemimplantada no Estado de São pelo PCC.

Toda essa polêmica em torno da Lei de Tortura foifulminada com a Súmula nº 698, do STJ, segundo a qual “Nãose estende aos demais crimes hediondos a admissibilidadede progressão no regime de execução da pena aplicada aocrime de tortura”.

A partir de então, surgiram duas correntes: umadelas, entende pela inconstitucionalidade do § 1º, art. 2º da Leidos Crimes Hediondos, sob o argumento de tal proibição deprogressão viola os princípios da legalidade, da humanidade eda individualização da pena.

A propósito, sobre o tema, e reconhecendo o objetivodo legislador em adotar, na execução da pena referente àindividualização da pena, o regime progressivo em suas trêsetapas, está o magistério do emérito e autorizado Prof. AlbertoSilva Franco, senão vejamos, in verbis: “O sistemaprogressivo do cumprimento de pena privativa de liberdadeestá também vinvulado ao princípio constitucional da pena.Tal princípio garante, em resumo, a todo cidadão, condenadonum processo-crime, uma pena particularizada, pessoal e,

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portanto inextensível a outro cidadão, em situação fáticaigual ou assemelhada. A questão da individualização da penatem sido objeto de exame em três níveis:constitucional, legale judicial. Não há dúvida de que a individualização da penaassumiu na constituição Federal, a condição de direitofundamental do cidadão posicionado frente ao poderrepressivo do Estado. Não é possível, em face da ordemconstitucional vigente, a cominação legal de pena, exata nasua quantidade, nem a aplicação ou execução de pena,intervenção judicial, para efeito de adaptá-la ao fato concreto,ao delinqüente ou às vicissitudes de seu cumprimento. Emnenhuma dessas situações haveria, de fato, um processoindividualizador da pena: tudo já estaria predisposto, o queentraria em atrito com o próprio conceito de individualizaçãoque quer dizer ‘considerar individualmente` ‘um a um, emseparado, ‘particularizar`, ‘ distinguir`. Este é o sentido e oobjeto da norma constitucional [ ...] Excluir, portanto, osistema progressivo, também denominado de sistema deindividualização científica, da fase de execução é impedirque se faça valer, nessa fase, o princípio constitucional daindividualização da pena. Lei ordinária que estabeleça regimeprisional único, sem possibilidade de nenhuma progressãoatenta, portanto, contra tal princípio, de indiscutívelembasamento constitucional”.

Diante desse fato e para uma boa elucidação damatéria posta em desate faz-se necessário, ainda, máxime, porter deixado de ser contrariedade para o entendimento supremo,mas não vinculante, o entendimento atual do Supremo TribunalFederal, verbis.

EMENTA: CRIME HEDIONDO. PROGRESSÃODE REGIME. VEDAÇÃO. § 1º DO ARTIGO 2º DALEI N. 8.072/90. INCONSTITUCIONALIDADE.O Supremo Tribunal Federal, em Sessão plenáriarealizada no dia 23/2/2006, declarou ainconstitucionalidade do § 1º do artigo 2º da Lein. 8.072/90 [HC 82.959, relator o Ministro Marco

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Aurélio]. Ordem concedida. (STF-HC 86194-DF.Rel. Min. Eros Grau. Data dojulgamento:07.03.2006. Primeira Turma.DJU.24.03.2006.p.243)

EMENTA: Crime hediondo: regime decumprimento de pena: progressão. Ao julgar oHC 82.959, Pl., 23.2.06, Marco Aurélio, Inf. 418, amaioria do Supremo Tribunal declarou,incidentemente, a inconstitucionalidade do § 1ºdo art. 2º da L. 8.072/90 - que determina o regimeintegralmente fechado para o cumprimento depena imposta ao condenado pela prática decrime hediondo - por violação da garantiaconstitucional da individualização da pena. (CF.,art. 5º, LXVI). (STF- HC 85581 / SP. Rel. Min.Sepúlveda Pertence. Julgamento. 07/03/2006.Primeira Turma Publicação: DJU. 31.03.2006 p.-00017. v. 02227-02 p.279)

O Superior Tribunal de Justiça, a partir da decisãode 23.02.06, vem firmando o entendimento no mesmo sentido,verbis:

RECURSO ESPECIAL. PENAL. HOMICÍDIOQUALIFICADO. CRIME HEDIONDO.PROGRESSÃO DE REGIME PRISIONAL.DECLARAÇÃO DA INCONSTITUCIONALIDADEDO ART. 2.º, § 1.º, DA LEI N.º 8.072/90, PELOPLENÁRIO DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL.AFASTAMENTO DO ÓBICE LEGAL. PEDIDOQUE DEVERÁ SER EXAMINADO PELO JUÍZODAS EXECUÇÕES CRIMINAIS.1. O Pretório Excelso, em sua composiçãoplenária, no julgamento do HC n.º 82.959/SP, em23 de fevereiro de 2006, declarou, em sede decontrole difuso, inconstitucional o óbice contido

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na Lei dos Crimes Hediondos que veda apossibilidade de progressão do regime prisionalaos condenados pela prática dos delitos nelaelencados.2. Tal entendimento, firmou-se na interpretaçãosistêmica dos princípios constitucionais daindividualização, da isonomia e da humanidadeda pena.3. Afastou-se, assim, a proibição legal quanto àimpossibilidade de progressão carcerária aoscondenados pela prática de crimes hediondos eequiparados, tendo sido, todavia, ressalvado peloSupremo Tribunal Federal, no mencionadoprecedente, que caberá ao juízo da execuçãopenal analisar os pedidos de progressãoconsiderando o comportamento de cadacondenado e o preenchimento dos demaisrequisitos necessários.4. Recurso provido. (STJ-Resp 798955/SP.REsp.2005/0190655-6. Rel (a). Min.(a) Laurita Vaz.Quinta Turma. Julgamento em: 09/03/2006 Datada Publicação. DJU 03.04.2006 p. 410).

Como se vê, o entendimento sufragado, teve âncorana interpretação sistêmica dos princípios constitucionais daindividualização, da isonomia e da humanidade da pena, que aolongo dos anos vinha sendo divulgado pelo emérito e autorizadoProf. Alberto Silva Franco, alhures transcrito, o qual me acosto,por também considerar inconstitucional o artigo multicitado.

Feita esta enfadonha digressão, por ser, comcerteza do conhecimento de todos, passo agora ao exame docaso concreto, referente à pretensão do paciente.

O artigo 112, da Lei de Execuções Penais, com anova redação dada pela Lei nº 10.792/03, não mais exige o prévioparecer da Comissão Técnica de Classificação, dispensando oexame criminológico do condenado, para a instrução do pedidode progressão de regime.

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Vejamos o que diz novo texto, em sua forma literal,verbo ad verbum:

Art. 112 – A pena privativa de liberdade seráexecutada em forma progressiva com a transferênciapara o regime menos gravoso, a ser determinadapelo juiz, quando o preso tiver cumprido ao menosum sexto da pena no regime anterior e ostentar bomcomportamento carcerário, comprovado pelo diretordo estabelecimento, respeitadas as normas quevedam a progressão.

Citado dispositivo incumbiu ao Juiz à regra dacompetência discricionária, ou seja, além dos requisitos objetivose subjetivos, o Magistrado poderá fazer outras exigências, taiscomo laudos periciais ou outro meio de prova que ateste a aptidãodo sentenciado ao novo regime, notadamente que tenhacumprido a última fase do programa individualizador de sua pena,ex vi do artigo 6º, da LEP, com a nova redação que lhe foi tambémdada, pela Lei nº 10.792/03.

Na hipótese dos autos, o paciente padece cumprindopena de 6 (seis) anos de reclusão, imposta pela Justiça Pública,por crime de estupro.

A certidão de fs. 52, dá conta de que o mesmo sofreumais duas condenações na 12ª Vara Criminal, pelo mesmo tipopenal, estupro, cujos processos se encontram nesta Corte, emgrau de recurso.

Vem, agora, de par da decisão Suprema, quandocompletou um sexto da pena, requerer fosse aplicado o benefícioda progressão de regime, de fechado para semi-aberto, a pretextode ter cumprido, até agora, pena suficiente à progressão doregime, bem como estar classificado no comportamento bom.

Ora, o paciente está recolhido há pouco mais de 01(um) ano, tempo este que embora seja suficiente para aprogressão do regime carcerário, não me conforta, posto que oatestado de bom comportamento, desacompanhado da prova

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do estágio individualizador de sua pena intra-muros, nadaconvence.

Com efeito, o atestado comentado, diz respeito tão-somente ao cumprimento das regras impostas pelo sistemapenitenciário, donde se infere que o paciente/sentenciado, sequeradquiriu, dentro da escala de comportamento, que vai de regularaté excelente, este, último patamar.

O Estado, apesar de ente abstrato, criação dohomem para administrar o convívio social, não quer vingança,mas também não deseja que, aquele que cometeu infraçõespenais graves, como na hipótese, retorne ao convívio social, semque antes tenha demonstrado aptidão para o seu retorno.

O paciente/sentenciado, cometeu nada menos de 3(três) estupros, usando para seu intuito a condição de professordas vítimas, de modo a satisfazer a sua concupiscência, nãoimportando as suas conseqüências.

Na prisão, teve tempo suficiente para refletir sobreseus crimes e a sua condição de condenado, porém, não foicapaz atingir o regramento penitenciário de molde a alcançar ocomportamento excelente/ótimo, para que o Juiz, usando o seupoder discricionário dado pela lei, pudesse se convencer, de queem liberdade não voltaria a delinqüir.

De tal sorte que, o comportamento atestado pelaDireção Penitenciária, não garante que o paciente, de posse dameia-liberdade, useiro e vezeiro na prática de crimes sexuais,não venha a causar transtornos à sociedade, até porque não foisubmetido ao estágio individualizador de que trata o art. 6º, daLei de Execuções Penais.

Assim, considerando a prematura passagem dopaciente no cumprimento da pena que lhe foi imposta pela JustiçaPública, considerando mais, que não passou pelo estágio doprograma individualizador da pena, além de não ter alcançadona escala de avaliação, o comportamento excelente/ótimo e naausência de outros meios capazes de provar que o seu retornoa sociedade, mesmo sendo através da meia-liberdade, nãovenha a causar transtornos, hei por bem, denegar a ordemimpetrada.

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É como voto.

Fortaleza, 18 de julho de 2006.

***

ESTADO DO CEARÁPODER JUDICIÁRIO

TRIBUNAL DE JUSTIÇA

HABEAS CORPUS Nº: 2006.0024.9392-6/0, DE ITAPAJÉIMPETRANTE: JOSÉ SEBASTIÃO NETOPACIENTES: EMANUEL DE SOUSA GOMES E OUTROSIMPETRADO: JUIZ DE DIREITO DA COMARCARELATOR: DES. FRANCISCO HAROLDO RODRIGUES DEALBUQUERQUE

EMENTA: HABEAS CORPUS. PRISÃOPREVENTIVA. NULIDADE. FALTA DEFUNDAMENTAÇÃO. Não é desfundamentado odecreto de prisão preventiva respaldado nagarantia da ordem pública e da aplicação da leipenal. Provadas a materialidade dos crimesimputados aos pacientes, havendo indíciossuficientes de autoria e atendida a previsão doart. 312 do CPP, no que diz respeito à garantia daordem pública e da aplicação da lei penal, impõe-se que os pacientes continuem sob custódiacautelar. A primariedade, os bons antecedentes,as boas condições pessoais e a presunção deinocência não impedem a manutenção da prisãoem flagrante, quando necessária e legalmenteprevista. Ordem denegada.

Vistos, relatados e discutidos os presentes autos dehabeas corpus, acorda a 1ª Câmara Criminal do Egrégio Tribunalde Justiça do Estado do Ceará, por julgamento de turma eunanimidade de votos, denegá-lo, nos termos do voto do relator.

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Cogita-se de habeas corpus, impetrado em favor dospacientes Emanuel Sousa Gomes, Edson Matos Alves eRossivan dos Santos Costa, presos preventivamente, desde 14/08/2006, todos denunciados pela prática dos crimes capituladosnos arts. 157, § 2º, I e II e 288, ambos do Código Penal.

Alega o impetrante que, à exceção do pacienteRossivan, os dois outros são primários e sem antecedentescriminais, asseverando, de outra parte, que a prisão dos mesmosé desnecessária e violadora do princípio da presunção deinocência, sendo, portanto, insustentáveis e desprovidas defundamentação fática as razões que servem de suporte paramantê-los encarcerados.

Registre-se que o pleito de liminar restou indeferido,como se vê da decisão de fl. 94.

Notificada, a autoridade impetrada informou que opaciente Edson Matos Alves teve sua prisão preventiva decretada,encontrando-se preso desde 15/08/2006, por crime de rouboqualificado e formação de quadrilha e que os dois outros forampresos em flagrante em 26/05/2006, ante a prática dos crimesde roubo qualificado, receptação e adulteração de sinalidentificador de veículo automotor, tendo também esclarecidoque Rossivan dos Santos Costa fugiu da cadeia em 15/11/2006e que o feito encontra-se aguardando a realização da audiênciade instrução.

A douta Procuradoria Geral de Justiça, manifestando-se, opinou pela denegação da ordem impetrada.

É o relatório.Ao contrário do que afirma o impetrante, a decisão

que decretou a prisão preventiva dos pacientes contém anecessária fundamentação, vez que respaldada na garantia daordem pública e no resguardo da aplicação da lei penal. É que,pelo que consta das informações do juiz da causa, conclui-seque se tratam de indivíduos portadores de elevado grau depericulosidade, ante a circunstância de integrarem uma quadrilhapara a concretização dos delitos ali relacionados, especialmenteassalto à mão armada. Daí não pairar dúvida de que, uma vezem liberdade, continuarão a delinqüir, o que, certamente,

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compromete a ordem pública. De outra parte, tendo em vistaque um dos pacientes já empreendeu fuga, vislumbra-se apossibilidade dos outros seguirem o mesmo caminho, o que,seguramente, poderá por em risco a aplicação da lei penal.

Registre-se que a materialidade dos crimes de quesão acusados os pacientes restou comprovada, bem como certaafigura-se a autoria a eles atribuída, até porque dois deles(Emanuel de Sousa Gomes, vulgo “Manuel do Bar” e Rossivandos Santos Costa, vulgo “Rossi”) confessaram suasparticipações nos delitos, com riqueza de detalhes, informando,inclusive, a participação do terceiro.

Sobre a matéria sob enfoque, veja-se, a seguir, comovem assentando a jurisprudência:

FUNDAMENTADO – INEXISTÊNCIA DEVIOLAÇÃO AO PRINCÍPIO DA PRESUNÇÃO DAINOCÊNCIA – Não fere o princípio da presunçãoda inocência o Decreto prisional quefundamentadamente manda recolher o réu àprisão, visando a garantia da ordem pública e daaplicação da Lei Penal. Ordem denegada. (STJ –HC 36706 – BA – 5ª T. – Rel. Min. José Arnaldo daFonseca – DJU 29.11.2004 – p. 00363).

CRIMINAL – HC – ROUBO QUALIFICADO –INVIOLABILIDADE DE DOMICÍLIO – OFENSA ÀGARANTIA CONSTITUCIONAL – SUPRESSÃODE INSTÂNCIA – PRISÃO PREVENTIVA –NECESSIDADE DA CUSTÓDIA DEMONSTRADA– RÉU FORAGIDO – GARANTIA DA APLICAÇÃODA LEI PENAL – ORDEM PARCIALMENTECONHECIDA E DENEGADA – A apontada ofensaà garantia constitucional da inviolabilidade dedomicílio não foi objeto de debate e decisão pelotribunal a quo. O exame da matéria por esta corteocasionaria indevida supressão de instância. Exige-se concreta motivação do Decreto de prisão

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preventiva, com base em fatos que efetivamentejustifiquem a excepcionalidade da medida,atendendo-se aos termos do art. 312 do diplomaprocessual penal e da jurisprudência dominante– como se verifica no presente caso. A fuga doréu do distrito da culpa revela sua intenção dese furtar à aplicação da Lei Penal, sendosuficiente para obstar a revogação da custódiacautelar. Precedentes do STJ e do STF. Ordemparcialmente conhecida e denegada. (STJ – HC200501100380 – (45443) – SP – 5ª T. – Rel. Min.Gilson Dipp – DJU 01.08.2006 – p. 467).

PROCESSO PENAL – HABEAS CORPUS –CIRCUNSTÂNCIAS QUE TORNAM AINSTRUÇÃO CRIMINAL NATURALMENTEDEMORADA – INOCORRÊNCIA DECONSTRANGIMENTO ILEGAL POR EXCESSODE PRAZO – PRISÃO PREVENTIVA –PERICULOSIDADE DO RÉU – PROTEÇÃO DAORDEM PÚBLICA – EVASÃO DO DISTRITO DACULPA – APLICAÇÃO DA LEI PENAL – 1. Pelaaplicação do princípio da razoabilidade, existindomotivos que justifiquem eventual demora naformação da culpa, não resta caracterizadoconstrangimento ilegal à liberdade de locomoção dosegregado preventivamente, ainda que ultrapassadoo lapso temporal legalmente previsto para oencerramento da instrução criminal. 2. O fato de oréu ter permanecido em local incerto e nãosabido durante considerável período de tempoapós a instauração da ação penal, bem como aexistência de indícios concretos da suapericulosidade, constituem elementossuficientes à decretação da prisão preventivapara garantia de futura e eventual aplicação daLei Penal e para salvaguarda da ordem pública.(TRF 4ª R. – HC 2006.04.00.015556-3 – 8ª T. – Rel.

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Juiz Fed. Jose Paulo Baltazar Junior – DJU20.06.2006 – p. 433).

Diga-se, por fim, que a primariedade e as boascondições sociais, bem como a presunção de inocência, nãoobstam a decretação da segregação cautelar, quando necessáriae legalmente prevista, como ocorre in casu. A respeito, traz-se àcolação os julgados que se seguem:

HABEAS CORPUS – PRISÃO CAUTELAR –CRIME DE ESTUPRO – CONCURSO DEAGENTES – PRISÃO PREVENTIVA DECRETADAFUNDADA NA GARANTIA DA ORDEM PÚBLICA,CONVENIÊNCIA DA INSTRUÇÃO CRIMINAL EPARA ASSEGURAR APLICAÇÃO DA LEI PENAL– PRIMARIEDADE E BONS ANTECEDENTES –PACIENTE PRESO POR OUTRO JUÍZO –EXCESSO DE PRAZO – ALEGAÇÃO –INOCORRÊNCIA – PRISÃO DATANDO DEMENOS DE DOIS MESES –CONSTRANGIMENTO ILEGAL INOCORRENTE –ORDEM DENEGADA – Ademais, o transcurso demenos de sessenta dias da data da prisão dopaciente e até o momento, não demonstraconstrangimento ilegal por excesso de prazo, porqueos prazos processuais devem ser contados nodecorrer de toda a instrução criminal, não sendocompatível a aferição ou não do lapso em cada faseprocessual. “O conceito de ordem pública não selimita a prevenir a reprodução de fatos criminosos,mas também acautelar o meio social e a própriacredibilidade da Justiça em face da gravidade docrime e sua repercussão” (Mirabete em sua obra“Código de Processo Penal Anotado”, ED. Atlas, 7ªED., 1997, nº 10.3.3, p. 382). “As circunstânciasde primariedade, bons antecedentes, emprego eresidência fixa, por si sós, não constituem motivobastante para ilidirem o Decreto de medida

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preventiva, quando esta se reveste dos elementosnecessários e devidamente fundamentada nagarantia da ordem pública, na conveniência dainstrução criminal e na aplicação da Lei Penal”(STJ - 5ª T., RHC 2434, Rel. Min. Cid FlaquerScartezzini, DJU 15/02/93, p. 1693). (TAPR – HC0277708-4 – (225421) – Reserva – 4ª C.Crim. – Rel.Juiz Antonio Martelozzo – DJPR 10.12.2004).

PROCESSO PENAL – HABEAS CORPUS –PRISÃO PREVENTIVA – ROUBO QUALIFICADO– LIBERDADE PROVISÓRIA – PRIMARIEDADE –BONS ANTECEDENTES – DEMONSTRAÇÃO DEPERICULOSIDADE PELO USO DE ARMA DEFOGO EM CONCURSO DE AGENTES –MANUTENÇÃO DA ORDEM PÚBLICA ECONVENIÊNCIA DA INSTRUÇÃO CRIMINAL –ORDEM DENEGADA – 1. Conforme entendimentojurisprudencial sedimentado, ainda que o pacienteostente primariedade e bons antecedentes, estascondições, por si sós, não ensejam a imediataconcessão da liberdade provisória, se outras razõesestiverem a aconselhar sua segregação, como, v.g, a demonstração de periculosidade pelo uso daarma de fogo ou concurso de agentes. 2. Custódiacautelar mantida, pela manutenção da ordem públicae conveniência da instrução criminal. 3. Ordemconhecida e denegada. Unânime. Admitir e denegara ordem. Unânime. (TJDF – HBC 20050020117684– (247844) – Rel. Des. Alfeu Machado – DJU05.07.2006 – p. 147) (Ementas no mesmo sentido).

HABEAS CORPUS – HOMICÍDIO QUALIFICADO– PACIENTE MILITAR ESTADUAL – 1.DESNECESSIDADE DE MANUTENÇÃO DAMEDIDA RESTRITIVA DE LIBERDADE FACE ÀSCONDIÇÕES PESSOAIS FAVORÁVEIS DOPACIENTE – NÃO OBSTAM A DECRETAÇÃO –

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MATERIALIDADE E AUTORIA DO DELITODEVIDAMENTE COMPROVADAS – RÉUCONFESSO – 2. OFENSA AO PRINCÍPIO DAPRESUNÇÃO DE INOCÊNCIA – INOCORRÊNCIA– ORDEM DENEGADA – 1. Ser o paciente primário,funcionário público estadual, possuidor de bonsantecedentes e chefe de família não obstam adecretação da prisão preventiva, se demonstrada anecessidade da mesma, na forma do artigo 312 doCódigo de Processo Penal. 2. Está pacificado queos direitos e garantias individuais preconizadosna Constituição Federal não são absolutos,sendo limitados naqueles outros direitos egarantias também consignados na Lei Maior,valiosíssimos, eis que figuram aí a vida, a saúde,a segurança, a tranqüilidade, os quais foramagredidos pela maléfica atuação delituosa dopaciente. Assim, não há que ser invocado oprincípio da presunção de inocência parainviabilizar o Decreto de prisão hostilizado.Ordem denegada. (TJES – HC 100060000245 – 2ªC.Crim. – Rel. Des. José Luiz Barreto Vivas – J.22.03.2006).

Por todo o exposto, há de ser negada a presenteimpetração, ante a absoluta ausência de amparo legal.

É como voto.

Fortaleza, 16 de janeiro de 2007.

***

ESTADO DO CEARÁPODER JUDICIÁRIO

TRIBUNAL DE JUSTIÇA

Nº 2006.0025.9391-2/0HABEAS CORPUS (de Ipaporanga)IMPETRANTE : CARLA DO AMARAL TEIXEIRA

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PACIENTE : FRANCISCO ANTÔNIO BARBOSAIMPETRADO : JUIZ DE DIRETO DA COMARCA DEIPAPORANGARELATOR : DES. LUIZ GERARDO DE PONTES BRÍGIDO

- Habeas corpus.- Paciente processado e condenado por crimede lesões corporais, apesar de menor de dezoitoanos à data do fato.- A menoridade penal exclui a imputabilidade eesta a culpabilidade. Menores de dezoito anosestão sujeitos às normas estabelecidas nalegislação especial.- O documento público revelado pela cédula deidentidade do sentenciado, expedida com basenos assentamentos do registro civil, é, segundoo STF, prova a ser considerada quanto àmenoridade.- Comprovada a inimputabilidade do paciente,concede-se a ordem de habeas corpus,decretando-se a nulidade do processo e, porextensão, dos efeitos da sentença condenatória.É como se a ação penal não tivesse corrido.- Decisão unânime e nos termos do coto doRelator.

Vistos, relatados e discutidos.1 – O paciente foi sentenciado a cinco anos de

detenção por lesões corporais graves. Acentua a impetrante, emsíntese, que ele é sujeito de vibrante coação ilegal, o que fazimperativa a nulificação do processo e da condenação. É que àdata do fato punível não houvera completado, ainda, a maioridadepenal, consoante entremostram os documentos anexados àimpetração.

Não houve pedido de liminar.Pelas informações do judicante, fica-se sabendo que

o autor da condenação foi o dr. Ataliba, ex-juiz de Nova Russas,passando o processo do paciente, depois, para o acervo da

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comarca de Ipaporanga, a partir da sua instalação. E que aexecução da pena detentiva imposta a ele, paciente, foi suspensa,pondo-se-lhe em liberdade, logo que vieram aos autos a certezada inimputabilidade do condenado.

A PGJ, ouvida, é pela concessão da ordem.Causa consectio, passa-se ao voto.2 – Bem documentada, a impetração reflete a

verdade. E, assim, pouco a dizer.Ao cometer o injusto o paciente não havia chegado

à maioridade penal. Nasceu a 24 de novembro de 1972. A dizer,tinha, no dia do fato, 18 de agosto de 1990, dezessete anos.Estava a três meses dos dezoito. Era, portanto, inimputável,conforme demonstra, dentre outros documentos, a cédula deidentidade civil expedida com base em certidão dos seusassentamentos no cartório do registro civil de Nova Russas (LivroB2, fl.s. 28).

Posição do STF:

“O documento público revelado pela carteira deidentidade do acusado consubstancia prova a serconsiderada quanto à menoridade” (DJU de 1º-7-93,p. 13.145);“Verificado que o agente era menor de 18 anos aotempo do crime e assim inimputável, defere-se aordem de habeas corpus para a soltura do paciente,anulada, quanto a ele, a ação penal”.(DJU de 5-8-83, p. 11.244).

A menoridade exclui a imputabilidade; esta, a suavez, a culpabilidade. Menores de dezoito anos estão sujeitos àsnormas estabelecidas na legislação especial – CP, art. 27.

3 – Do que posto, ACORDA a 1ª CÂMARA CRIMINALdo TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO CEARÁ, à unanimidade, emconhecer da impetração para anular ab initio o processo movidoao paciente, inclusive a condenação e seus efeitos, tudo nostermos do parecer ministerial e do voto Relator.

Fortaleza, CE, 06 de fevereiro de 2007.

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ESTADO DO CEARÁPODER JUDICIÁRIO

TRIBUNAL DE JUSTIÇA

Nº 2006.0026.8336-9/0HABEAS CORPUS (de Fortaleza)IMPETRANTES: PAULO NAPOLEÃO GONÇALVESQUEZADO e JOÃO MARCELO LIMA PEDROSAPACIENTE: SALVIANO DE PÁDUA SALDANHA FREIREIMPETRADA: JUÍZA DE DIREITO DA 12ª VARA CRIMINAL DEFORTALEZARELATOR: DESEMBARGADOR LUIZ GERARDO DEPONTES BRÍGIDO

- Habeas corpus.- Prisão preventiva.-Inverossímil a cogitada ameaça a testemunhas,cassa-se a segregação, seja pela perda dafinalidade prática por terem sido ouvidas todasas arroladas pela defesa, seja pela rasamotivação do decreto, opaco, e inteiramente, naindicação dos indícios da materialidade e daautoria do injusto penal, pressupostos dacustódia antecipada.- A gravidade do crime não induz, por si só, aindispensabilidade da prisão preventiva,sobretudo se o réu é tecnicamente primário etem residência e ocupação definidas,qualificações pessoais que lhe dão o direito dedefender-se solto da acusação de abuso sexual.- “Ninguém é culpado de nada enquanto nãotransitar em julgado a sentença condenatória”(RT 725/521).- Ordem de soltura concedida à unanimidade.

Vistos, relatados e discutidos os autos acima

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identificados.1- Dizendo que o paciente, réu de atentado ao pudor

com violência presumida, possui condições pessoais pararesponder solto ao processo, pedem os impetrantes a cassaçãoda prisão preventiva que lhe foi infligida. Decreto prescindível ede minguada fundamentação, referem, a fazer inelutável aentrega da ordem libertária, sem o que não será exorcizado oconstrangimento ilegal vivenciado pelo coacto.

Negada a liminar, recebidos os informes daautoridade impetrada, a PGJ, em parecer, manifestou-sefavoravelmente à soltura pleiteada.

É o relatório, a curto.2 – Decide-se sem arrodeios, indo-se direto ao que

é de relevância para o equacionamento da ação mandamental.Da verificação do provimento detentivo e do mais

existente nos autos, descobre-se, de logo, que o édito prisional,vazado em termos genéricos e simplistas, deita raízes empretensas “ameaças” do paciente à ofendida e sua genitora. Evê-se, de igual, que as supostas “ameaças” não guardam relaçãoalguma com a ação penal movida ao paciente, mas com otumultuado rompimento da relação amorosa que existia entre oacusado e a representante. À falta de prova limpa e segura das“ameaças”, razoável subtender-se que elas não passaram demero atrito de separados, com troca de insultos e de intimidaçõesde boca para fora, reveladores de impulsos de emoção e demágoas recíprocas, como de comum acontece. Para a judicante,ocorreu, porém, o pressentimento de que a desavença familiarjustificaria a colocação do paciente carcer ad custodiam paraa prevenção da ordem pública, da instrução da causa e daaplicação da lei penal. Demasia de zelo ou de imaginação.

Supondo-se que a prolação detentiva foi bemconstruída, e não foi (nenhuma linha, sequer, quanto aos indíciosda materialidade e da autoria delituosas), o provimento judicialnão desfralda, na atualidade, razão alguma para a suasubsistência. Assim: separado da ex-mulher, vivendo num canto,ela em outro com a filha, o paciente não possui mais aproximaçãocom a enteada, que teria sido a vítima do atentado ao pudor. E,

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averbado nos informes, que todas as testemunhas da acusaçãojá foram inquiridas, arreda-se a possibilidade (ou probabilidade)de, solto, o réu influenciar perniciosamente a apuração do ilícitoque lhe é irrogado.

Presta-se, à espécie, conclusão vazada, caso símile,pelo ex-ministro Ilmar Galvão, do STF: “(...) Hipótese em que odecreto de prisão preventiva, conquanto carente defundamentação válida no tocante ao perigo à ordem pública –por não ser a gravidade abstrata do crime suficiente, por si, parajustificar a custódia cautelar, poderia subsistir devido aconsistência do argumento relativo à garantia da instrução,fundamento, contudo, que é de ter-se por prejudicado ante oencerramento da fase probatória” para a acusação (RTJ 181/227). Perfeita, por outro lado, e identicamente colacionável, nocontexto, a observação do juiz Almir José Finocchiaro Sarti, doTRF/4ª R: “(...) Não se justifica manter, nem por um dia a maisdo que o estritamente necessário, prisão preventiva que perdeutodo o seu sentido prático, toda a sua finalidade objetiva. Nãopode subsistir prisão preventiva destinada a garantir a integridadefísica de testemunha que não já não é mais testemunha! (...)Admitir a hipótese implicaria tolerar o confinamento do pacientepor tempo indeterminado (ou, mesmo indeterminável)”, semcondenação, “o que não tem cabimento” (JSTJ e TRF-LEX 118/605).

Não se pode banalizar a prisão preventiva, nem deixarque ela se converta em antecipação de pena. E se o paciente,ao final da ação, for eximido de culpa, quem lhe restituirá os diasem que, por banal rigor da Justiça, ficou privado da liberdade?De bom aviso, então, controlar-se a acerbidade do Judiciário, oque deve ser feito em reverência às garantias individuais inscritasna Constituição e na lei ordinária. De feito, bom recapitular o queescreveu, certa feita, o notável criminalista, mais tarde ministrodo STM, onde encerrou a carreira de jurista, Romeiro Neto: “Hásempre, em toda causa criminal, um aspecto humano, quemuitos juízes, com os olhos gastos de tanto lerem os textoslegais, são incapazes de enxergar, como acontecia com ossacerdotes do templo de Jerusalém, que, de tanto lerem

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pergaminhos em busca da verdade, que jamais encontraram,ficaram com as retinas empergaminhadas e, assim, não podiamver, na figura humana do Cristo, o próprio Deus”.

O paciente pode não ser uma pessoa exemplar.Entretanto, é tecnicamente primário e de bons antecedentes (temcondenação, mas ela não passou em julgado). Possui residênciae ocupação definidas. Corre-lhe, decorrentemente, a faculdadede aguardar solto o julgamento da ação, tanto mais porque aprolação prisional sobre revelar-se com vícios de motivação,perdeu o seu sentido acautelatório para consubstanciarantecipação de pena, o que não é certo.

3 – Do que posto, ACORDA a 1ª CÂMARA CRIMINALdo TRIBUNAL DE JUSTICA DO CEARÁ, à unanimidade, emconhecer da impetração, nos termos do voto do relator e doparecer ministerial, para, de tal forma, expedir alvará de solturaclausulado a favor do paciente, com a ressalva de que a juízapoderá redecretar-lhe a segregação preventiva, na forma da lei,se sobrevier fundada razão para tanto.

Fortaleza, CE, 16 de janeiro de 2007.

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ESTADO DO CEARÁPODER JUDICIÁRIO

TRIBUNAL DE JUSTIÇA

HABEAS CORPUS Nº 2006.0028.7700-7/0, JUAZEIRO DONORTEIMPETRANTE: FRANCISCO HÉLIO GOMES FERREIRAPACIENTE: ROBERTO GENTIL FREIRE JANUÁRIOIMPETRADO: JUIZ DE DIREITO DA 1ª VARA DA COMARCARELATOR: DES. FRANCISCO HAROLDO RODRIGUES DEALBUQUERQUE

EMENTA: HABEAS CORPUS. CONS-TRANGIMENTO ILEGAL. EXCESSO DE PRAZO.PARA CONCLUSÃO DA INSTRUÇÃO CRIMINAL.

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Sendo o excesso de prazo na formação da culpacausado pela defesa, não há que se cuidar deconstrangimento ilegal, conforme expressa aSúmula STJ, nº 64. Na via estreita do habeascorpus, onde a prova há de ser preconstituída,não se admite, portanto, dilação probatória, daíser inviável averiguar-se acerca da validade delaudo pericial. Entretanto, tendo em vista que omagistrado a quo indeferiu exame de sanidademental, mas autorizado, via habeas corpus, issoapós a pronúncia, não se pode impedir a livreapreciação sobre a tese de inimputabilidade doréu, mormente porque o julgamento foisuspenso exatamente para que fosse efetivadareferida prova, que deverá ser avaliada, quandodo julgamento pelo Tribunal do Júri, juntamentecom outros elementos de convencimentoinseridos nos autos. Ordem concedida, masapenas para determinar que conste, quando daelaboração dos quesitos, o relativo à tese dainimputabilidade. Writ provido, parcialmente.

Vistos, relatados e discutidos os presentes autos dehabeas corpus, acorda a Turma Julgadora da 1ª Câmara Criminaldo Egrégio Tribunal de Justiça do Estado do Ceará, semdivergência de votos, conceder parcialmente a ordem, nostermos do voto do relator.

Trata-se de habeas corpus ajuizado em favor dopaciente acima nominado, denunciado e pronunciado por práticade crime de homicídio, tendo sido alegado, em apertada síntese,além de excesso de prazo, que a sessão de julgamento domesmo, pelo Tribunal do Júri, que já se encontrava instalada,deixou de se realizar, isso porque o magistrado presidente doreferido colegiado popular não permitiu que a defesaapresentasse, em plenário, tese de semi-imputabilidade, tendodestituído o defensor e nomeado outro advogado para substituí-lo, designando o dia 18 do mês fluente para o julgamento pelo

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Júri, caracterizando-se cogitado comportamento, segundo éalegado, ato arbitrário e cerceador do direito de ampla defesaque é assegurado aos réus, daí o constrangimento ilegal,reparável pela via do presente writ.

Registre-se que o pleito da liminar foi deferido,ficando sobrestado o processo, até o julgamento deste habeascorpus (fl. 44/45).

Notificada, a autoridade impetrada prestouinformações detalhadas, tendo afirmado que não se efetivou ojulgamento designado para 02/12/2005, tendo em vista que adefesa do réu argüiu em seu prol a sua inimputabilidade, nãoexistindo nos autos laudo pericial para comprová-la; que tambémnão realizou o julgamento marcado para 22/11/2006, isso porqueo laudo pericial levado a efeito demonstra a plena capacidademental do paciente, que é iniludivelmente imputável, e se assimagiu o fez com base em jurisprudência e doutrina dominantes,acrescentando mais que a defesa foi intimada do laudo em alusãoe da decisão que o homologou, sem, no entanto, nada terrequerido, impugnando-o, somente, no presente remédio heróico.Já no que diz respeito ao argüido excesso de prazo, sustentouque tal se deve a atos da defesa, que vem procrastinando ojulgamento do paciente.

Manifestando-se, a douta Procuradoria Geral deJustiça afirmou prejudicado o writ, por ausência doconstrangimento alegado, tendo em vista que se equivocouquando entendeu que o julgamento designado para o dia 18/12/2006 havia se realizado, quando, na verdade, foi suspenso porliminar deste relator, conforme decisão de fl. 44. Aduziu, também,que mesmo que o julgamento não tivesse se realizado, não é ohabeas corpus meio para se discutir prova, nem para impor aoTribunal do Júri a elaboração de quesitos.

É o relatório.Afirma o impetrante que o processo teve sua

instrução concluída em tempo relâmpago. No entanto, asseveraestar submetido a constrangimento ilegal por excesso de prazona sua conclusão.

Da análise das peças que compõem o writ, conclui-

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se, sem esforço, que a demora no julgamento do feito vem sendoprovocada pela defesa. De início, não se conformou com apronúncia, interpondo recurso em sentido estrito, em quebuscava a realização de perícia, com o fito de provar ainimputabilidade do réu. Posteriormente, desistiu desse recurso.Postergou o julgamento, ao tentar impor quesitos relativos à citadainimputabilidade, conseguindo, pela via de outro habeas corpus,que a citada perícia, de que havia desistido, fosse realizada.Efetivada referida prova, cujo resultado foi desfavorável a cogitadatese da defesa, novamente tentou impor quesitos relativos àinimputabilidade penal, impedindo novo julgamento, que agoratenta impor pela via do writ. Assim, se a demora no julgamentoda ação penal instaurada contra o paciente se deu em razão deatos provocados pela defesa, não há que se cogitar deconstrangimento ilegal por excesso de prazo, conformeassentado pelo STJ, na Súmula 64, cujo enunciado é o que sesegue:

Não constitui constrangimento ilegal o excesso deprazo na instrução, provocado pela defesa.

Registre-se, mais, que, sendo o habeas corpusmandamus constitucional, destinado à garantia do direito de ir evir do cidadão, que se caracteriza pela cognição sumária e ritocélere, não comporta, por isso, o exame de questões que, paraseu deslinde, demandem aprofundado exame do conjunto fático-probatório dos autos, mormente quanto à validade de laudopericial, homologado judicialmente, contra o qual o paciente nãose insurgiu no momento oportuno, estando o direito de fazê-lofulminado pela preclusão. Veja-se, a propósito, como vemassentando a jurisprudência:

PENAL – HABEAS CORPUS – TRÁFICO ILÍCITODE ENTORPECENTES – INSUFICIÊNCIA DEPROVAS PARA EMBASAR DECRETOCONDENATÓRIO – INCURSÃO NO CONJUNTOFÁTICO-PROBATÓRIO – IMPROPRIEDADE DA VIA

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ELEITA – NÃO-CONHECIMENTO – SENTENÇACONDENATÓRIA – PENA PRIVATIVA DELIBERDADE SUBSTITUÍDA POR RESTRITIVA DEDIREITOS – SUBSTITUIÇÃO AFASTADA PELOTRIBUNAL A QUO EM SEDE DE APELAÇÃO –INCONSTITUCIONALIDADE DA LEI DOS CRIMESHEDIONDOS DECLARADA PELO SUPREMOTRIBUNAL FEDERAL – POSSIBILIDADE DEPROGRESSÃO E, CONSEQÜENTEMENTE, DESUBSTITUIÇÃO DA PENA PRIVATIVA DELIBERDADE – ORDEM PARCIALMENTECONHECIDA E, NESSA PARTE, CONCEDIDA – 1.É inviável a análise da alegada insuficiência deprovas para embasar o Decreto condenatório,visto que o habeas corpus, remédio jurídico-processual, de índole constitucional, que temcomo escopo resguardar a liberdade delocomoção contra ilegalidade ou abuso de poder,é marcado por cognição sumária e rito célere,motivo pelo qual não comporta o exame dequestões que, para seu deslinde, demandemaprofundado exame do conjunto fático-probatório dos autos, próprio do processo deconhecimento. 2. Declarada pelo plenário doSupremo Tribunal Federal, na sessão de 23/2/2006(HC 82.959/SP), a inconstitucionalidade incidental doart. 2º, § 1º, da Lei 8.072/90, que veda a progressãode regime nos casos de crimes hediondos e a elesequiparados, afastando o óbice à execuçãoprogressiva da pena, não mais subsiste ofundamento para impedir a substituição dareprimenda corporal, quando atendidos os requisitosdo art. 44 do Código Penal. 3. Ordem parcialmenteconhecida e, nessa parte, concedida, pararestabelecer a substituição da pena aplicada aopaciente pelo juízo processante. (STJ – HC200501149612 – (45749) – SC – 5ª T. – Rel. Min.

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Arnaldo Esteves Lima – DJU 29.05.2006 – p. 271)JCP.44

HABEAS CORPUS – PENAL – ROUBOQUALIFICADO – REVISÃO DA SENTENÇACONDENATÓRIA – CONTINUIDADE DELITIVA –CONCURSO FORMAL – IMPROPRIEDADE DA VIAELEITA – PRECEDENTES – PROGRESSÃO DEREGIME – CARÊNCIA DE OBJETO – 1. Se ainstância ordinária, quando do julgamento do recursodefensivo de apelação criminal, soberana na análisefática dos autos, restou convicta quanto à ocorrênciade concurso material e quanto à autoria ematerialidade dos crimes de roubo qualificado, nãose pode, em sede de habeas corpus, procederamplo reexame dos fatos e das provas como sepretende na impetração. Precedentes. 2. O sistemaprogressivo de pena está assegurado, emcondenação transitada em julgado, carecendo deobjeto, nessa parte, a impetração. 3. Habeas corpusnão conhecido. (STJ – HC 200502158035 – (52081)– SP – 5ª T. – Relª Min. Laurita Vaz – DJU 01.08.2006– p. 481).

CRIMINAL – HC – HOMICÍDIO QUALIFICADO –NULIDADE – JÚRI – AUSÊNCIA DE ELEMENTOSCOMPROBATÓRIOS DA INCIDÊNCIA DEQUALIFICADORA – RÉU QUE TERIA AGIDO NOESTRITO CUMPRIMENTO DO DEVER LEGAL –ILEGALIDADE NÃO-DEMONSTRADA DE PRONTO– IMPROPRIEDADE DO WRIT – AUSÊNCIA DEALEGAÇÕES FINAIS – PRONÚNCIA – DEFENSORDEVIDAMENTE INTIMADO – CONSTRANGIMENTOILEGAL – INOCORRÊNCIA – ORDEM DENEGADA– O habeas corpus constitui-se em meioimpróprio para a análise de alegações que exijamo reexame do conjunto fático-probatório – como

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a apontada ausência de elementos quecomprovem a incidência de qualificadora nodelito de homicídio, bem como o fato de opaciente ter agido no estrito cumprimento dodever legal, se não demonstrada, de pronto,qualquer ilegalidade nos fundamentos dadecisão proferida pelo Conselho de Sentença.A ausência das alegações finais, nos processos deCompetência do Tribunal do Júri, não enseja àdeclaração de nulidade, pois, na sentença depronúncia, não há julgamento de mérito e, sim, ummero juízo de admissibilidade, positivo ou negativo,da acusação formulada. Precedentes desta Corte.Ordem denegada. (STJ – HC 18763 – BA – 5ª T. –Rel. Min. Gilson Dipp – DJU 03.06.2002) (Ementasem sentido diverso).

Entretanto, no que diz respeito à recusa domagistrado havido como coator de elaborar quesito de defesapertinente a inimputabilidade do paciente, entende-se caber razãoao impetrante.

Ao proferir a decisão de pronúncia, findou acompetência do juiz singular para o julgamento do réu, nos casosde crimes dolosos contra a vida. Assim, não pode o magistrado,mesmo constando dos autos laudo pericial atestando aimputabilidade do paciente, recusar-se a formular quesitos sobreo assunto, cabendo ao Conselho de Sentença decidir sobre amatéria, levando em conta, além do mencionado laudo, outrasprovas obtidas durante a instrução. Se o fizer sem respaldoprobatório, poderá ser decretada a nulidade do julgamento, pelainstância ad quem, desde que, como é óbvio, haja insurgênciarecursal. Se no processo do júri a prova é produzida para osjurados, não pode o magistrado impedi-los de apreciá-lalivremente.

No caso concreto, o julgamento do paciente foisuspenso, exatamente, para que se estabelecesse o incidentede sanidade mental. Julgado este, deve ser submetido ao

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Conselho de Sentença, mediante a aplicação dos quesitosrespectivos, sob pena de nulidade. Como se vê dos julgados,cujas ementas a seguir se transcreve, é do Júri a competênciapara reconhecimento, ou não, da imputabilidade do réu:

CORREIÇÃO PARCIAL – INCIDENTE DEINSANIDADE – INDEFERIMENTO – DÚVIDASSOBRE A HIGIDEZ – ALCOOLISMO – PROVAPARA O JÚRI – SEMI-IMPUTABILIDADE –Havendo suspeitas sobre a higidez do réu, ao quetudo indica alcoólatra, conforme informações, aperícia para exame de sua sanidade mentalinteressa à justiça. Não pode o juiz esquecer queem processo de júri a prova é produzida para osjurados, que se julgarem necessário o examepericial deverá o juiz suspender o julgamento.Correição parcial provida. (TJRS – COR70012751947 – 3ª C.Crim. – Relª Desª ElbaAparecida Nicolli Bastos – J. 17.11.2005).

APELAÇÃO CRIME – JÚRI – EVENTUALIRREGULARIDADE NA FORMULAÇÃO DOSQUESITOS– NÃO ARGÜIDA EM PLENÁRIO –MATÉRIA PRECLUSA – SEMI- IMPUTABILIDADE–ART. 26 PARÁGRAFO ÚNICO – REDUÇÃO DE 1/3 – DECISÃO FUNDAMENTADA NO LAUDO DEINSANIDADE MENTAL – IRREPARÁVEL – SEMI-IMPUTABILDADE – DIMINUIÇÃO DACULPABILIDADE – QUALIFICADORAS DOHOMICÍDIO – MOTIVOS OU MEIOSEMPREGADOS NO DELITO –COMPATIBILIDADE DE TESES – HOMICÍDIOQUALIFICADO – CRIME HEDIONDO – LEI Nº8072, ART. 2º, § 1º, CUMPRIMENTO DA PENA EMREGIME INTEGRALMENTE FECHADO – Eventualnulidade de quesitos, submetidos a votação dosjurados, não argüidas em tempo oportuno em

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plenário, está preclusa. Declarada a semi-imputabilidade pelos jurados, a redução de 1/3da pena, conforme o art. 26 parágrafo único, doCP., fundamentada e embasada no Laudo deInsanidade Mental, não merece reparo. Inexisteincompatibilidade entre a semi-imputabilidade quepressupõe a diminuição da culpabilidade e asqualificadoras do homicídio que versão sobre osmotivos ou sobre os meios empregados pelo agenteno ilícito. Teses compatíveis. Homicídio qualificado,sendo crime hediondo, é de rigor o cumprimento dapena em regime integralmente fechado, nos termosdo art. 2ª, § 1ºda Lei nº 8072/90. (TJPR – ApCr0125310-9 – (15332) – Londrina – 2ª C.Crim. – Rel.Juiz Conv. Luiz Mateus de Lima – DJPR30.06.2003).

SEMI- IMPUTABILIDADE – Não indagação aossenhores jurados acerca da plena capacidade do r.de determinar-se de acordo com o entendimento docaráter ilícito de fato. Quesito obrigatório. Error injudicando. Nulidade absoluta (parág. Único, art. 563,CPP). Violação ao preceito constitucional da ampladefesa. Inteligência da Súmula 156, do STF.Declaração de ofício. (TJBA – ACr 15.580-2/2000 –(80347) – 2ª C.Crim. – Rel. Des. Gilberto Caribé – J.21.10.2004).

Por todo o exposto, deve ser provida a ordemimpetrada, parcialmente, mas apenas para determinar aomagistrado a quo a elaboração, quando do julgamento peloTribunal do Júri, dos quesitos necessários à decisão sobre asanidade mental do paciente.

É como voto.

Fortaleza, 16 de janeiro de 2007.

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ESTADO DO CEARÁPODER JUDICIÁRIO

TRIBUNAL DE JUSTIÇA

Nº 2006.0030.5237-0/0HABEAS CORPUS (de Fortaleza)IMPETRANTE: HÉLIO DAS CHAGAS LEITÃO NETOPACIENTE: LUIS CARLOS DE OLIVEIRAIMPETRADO:JUIZ DE DIREITO DA 3ª VARA DO JÚRI DEFORTALEZARELATOR: DES. LUIZ GERARDO DE PONTES BRÍGIDO

-Habeas Corpus.-Repugna à consciência jurídica o recolhimentodo sentenciado para apelar, calcado única eexclusivamente na hediondez do delito, se ele,réu, sobre primário e de vida pregressa limpa,permaneceu em liberdade durante todo osumário, sem periclitar a ordem pública oudificultar a apanha probatória.-Segregação antecipada, assim, despótica, ferea Carta Federal; tange direito subjetivo dopaciente. A ser de outro modo, ter-se-ia queconcluir, em raciocínio ad absurdum, que o réuseria obrigado a suportar custódia antetempovazia de fundamentação.-Imperativa a soltura requestada.-Ordem concedida.-Unanimidade.

Vistos, relatados e discutidos estes autos acimaepigrafados.

1 – Condenado pelo 3º Tribunal do Júri de Fortalezaa doze anos de reclusão, regime integralmente fechado, porhomicídio duplamente qualificado na pessoa de RaimundoNonato Pinheiro da Silva, o paciente, prenomeado, teve sua prisão

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assinada pelo Juiz-Presidente, o que, na visão do impetrante,evidenciaria estado de constrangimento ilegal, porque primárioe de bons antecedentes, e em liberdade até o veredicto, subtraiu-se arbitrariamente, dele, réu, o direito de aguardar solto a soluçãode apelo interposto.

O paciente, continua o causídico, esteve presente atodos os atos do processo, por onde rematada a injuridicidadeda sua colocação carcer ad custodiam nas condições járeferidas, impondo-se sua liberação, até em homenagem àpresunção de inocência capitulada na Carta Republicana.

Pedido informado, liminar deferida durante o plantãojudiciário pelo Des. Antônio Abelardo Benevides Moraes,manifestou-se a PGJ pela concessão da ordem.

É o relatório.2 - A vedação ao exercício do apelo em liberdade,

está exatificado nos autos, deveu-se, só e só, ao caráterhediondo do delito pelo qual foi sentenciado o paciente. Nadamais.

Na verdade, a natureza da infração em si, ante aevolução do instituto da prisão preventiva, não traduz maiselemento suficiente a justificar o encarceramento antetempo,tanto mais agora sob o império da nova ordem constitucional,que proclamou o princípio da inocência presumida, afastávelapenas, e tão-somente, quando passada em julgado a prolaçãocondenatória.

Além disso, o paciente, primário e de vida pregressalimpa, manteve-se, durante todo o sumário, acessível à Justiça.Não fez periclitar a ordem pública, nem criou embaraços aoregular andamento do feito.

De fato, “ainda que se trate de crime hediondo,se o réu é primário, trabalhador, com bons antecedentes eresidência fixa, tendo respondido a todo o processo emliberdade, não pode o juiz, sem demonstrar concretamenteos motivos, negar o benefício de este recorrer em liberdade,já que a gravidade do delito, suas conseqüências eresultados não servem de fundamento para a imperiosidade

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da custódia” (RT vol. 779, p. 578).Firme o texto constitucional no exigir que todas as

decisões judiciais sejam fundamentadas e que a lei processualpenal assegure ao réu portador de condições pessoais favoráveiso direito de apelar solto. No caso, mesmo reconhecido, nasentença, os requisitos sobreditos, determinou-se a segregaçãoantecipada em consideração apenas à hediondez do crime.

Decisão, assim, despótica, farpeia a ConstituiçãoFederal; tange, e arbitrariamente, direito subjetivo do acusado.

Para abreviar, o relembrar do que dito, e muito bem,pelo STJ, na apurada expressão da Ministra Laurita Vaz:

“Evidenciando-se in casu ser o recorrenteprimário, de bons antecedentes e querespondeu toda a instrução em liberdade, nãocausando qualquer obstáculo ao bom andamentodo feito, imprescindível seria a devida exposiçãode motivos a indicar a necessidade da suacustódia cautelar para que lhe fosse negado odireito de recorrer em liberdade, sendoinsuficiente, para tanto, a mera alusão ao caráterhediondo do crime” (5ª T., RHC nº 12.530/SP, inDJU de 17.11.2003, p. 339).

Por isto, e a revelar, de já, a juridicidade do writ, ordemprisional que se expõe, por propagação da anormalidadevistosamente detectável, à pecha de constrangimento ilegal,forçosa a entrega da súplica libertária, e inafastavelmente.

Nada mais é preciso aditar.3 - Diante disso, ACORDA a 1ª CÂMARA CRIMINAL

DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO CEARÁ, à unanimidade, emconceder o habeas corpus, ratificada a concessão liminar daordem impetrada.

Fortaleza, 24 de abril de 2007.

***

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ESTADO DO CEARÁPODER JUDICIÁRIO

TRIBUNAL DE JUSTIÇA

Nº 2007.0003.8346-3HABEAS CORPUS (de Maranguape)IMPETRANTE : MOÉZIO CARNEIRO BASTOSPACIENTE : ANTÔNIO FRANCISCO GOMES DE SOUZAIMPETRADA : JUÍZA DE DIREITO DA 2ª VARA DA COMARCADE MARANGUAPERELATOR : DES. LUIZ GERARDO DE PONTES BRÍGIDO

- Habeas corpus.- O acusado preso tem o direito de ser julgadoem tempo razoável. Percebido, nitidamente, quea instrução probatória está superlativamenteatrasada, sem prognóstico de quando serájulgado o paciente, passa-se a ordem de soltura.Prisão provisória não pode tomar o perfil deantecipação da pena. A ser de forma diferente,“ter-se-ia que concluir, em raciocínio adabsurdum, que o réu seria obrigado a suportarcustódia cautelar sem termo aferível” (Des.Trotta Telles, TJPR).- Extensão da ordem, de ofício, ao co-réu, cujasituação processual é idêntica a do paciente.- Decisão unânime.

Vistos, relatados e discutidos os autos acimaidentificados.

1 – Impetração direcionada à soltura dosobrenomeado, “Ninja” por apelido, alegando-se que ele foi presoem flagrante a 08 de julho de 2006, mas que a ação penal emque é réu não teve, ainda, concluída a instrução probatória,delineada, daí, a dilação ilegal sanável por habeas corpus.

Negada a liminar, recebidos os informes daimpetrada, ficou confirmado o atraso, asseverado, por outro lado,

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que o término da coleta de provas depende tão-só da devoluçãode precatória enviada à Fortaleza (13ª Vara Criminal), para ainquirição de testemunha arrolada pela Promotoria.

A PGJ, ouvida, pronunciou-se pela denegação daordem.

É o relatório.2 – O paciente não fez boa coisa. Em concurso de

agentes e com emprego de violência, tomou o “apurado” dehumilde vendedor ambulante de sorvete, cerca de cem Reais.Preso em flagrante juntamente com o parceiro horas após oroubo (ou assalto), é mantido em prisão provisória do dia da suacaptura a esta data, perto de nove meses, sem que estejaacabada a instrução da sua causa. É que foi deprecada, e lá sevão sessenta ou mais dias, a ouvida de testemunha de acusaçãoresidente nesta capital, porém isto não foi feito, ainda, pelo juizda 13ª Vara Criminal de Fortaleza. E nem há prognóstico concretode quando o fará, apesar da simplicidade do ato, realizável, é dosenso comum, em vinte ou menos minutos.

In casu, extrai-se dos autos que a defesa dopaciente não requereu diligências procrastinatórias. Ao contrário,chegou a dispensar inquirimentos. Então, dado que não se lhepode atribuir a morosidade na colheita probatória, a ilaçãoderivada de lógica linha de percepção é a de que a vagareza naformação da culpa do réu preso é de ser carregada ao próprioaparelho judiciário.

“O acusado tem o direito de ser julgado em temporazoável, sobremodo quando aprisionado. ...”(TJCE, 1ª CCrim,HC nº 2003.0007.8334-8/0, rel. Des. Brígido). A ser de mododiferente, “ter-se-ia que concluir, em raciocínio ad absurdum,que o réu seria obrigado a suportar custódia cautelar sem termoaferível” (TACrimSP, 9ª CâmFérias, HC nº 414.474/1, rel. JuizAroldo Viotti).

Gizado, e bem, o excesso de prazo na colheita deprovas da persecução movida ao paciente, sendo certo, de igual,superlativo insulto ao princípio da razoável duração do processo(CF, art. 5º, LXXVIII), é de restaurar-se o seu status libertatis. Ecom imperativa extensão do efeito do habeas corpus “ao co-

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réu que se encontra na mesma situação processual do paciente”(TJPR, 2ª CCrim, HC nº 10363, rel. Des. Trotta Telles).

3 – Nessas condições, ACORDA a 1ª CÂMARACRIMINAL do TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO CEARÁ, àunanimidade e contra o parecer ministerial, em conhecer dopedido e conceder a ordem libertária a favor do paciente, comextensão, ex officio, ao co-réu Leandro Cordeiro Maciel,mandando que se passe, para ambos, alvará de solturaclausulado, tudo nos termos do voto do Relator.

Fortaleza, CE, 03 de abril de 2007.

***

ESTADO DO CEARÁPODER JUDICIÁRIO

TRIBUNAL DE JUSTIÇA

2007.0013.2280-8/0 Habeas Corpus CrimeIMPETRANTE: RONALDO PEREIRA DE ANDRADEPACIENTE: CARLOS ATILA DA SILVAIMPETRADO: JUIZ DE DIREITO DA 4ª VARA CRIMINAL DACOMARCA DE FORTALEZA-CERELATOR: DESEMBARGADORA MARIA SIRENE DE SOUZASOBREIRA

EMENTA: HABEAS CORPUS. PROCESSOPENAL. PRISÃO EM FLAGRANTE. EXCESSO DEPRAZO. INOCORRÊNCIA. LIBERDADEPROVISÓRIA. CONCESSÃO. AUSÊNCIA DEFUNDAMENTAÇÃO. VIOLAÇÃO AOS ARTS. 5º,LXI E 93 DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL.NULIDADE DECRETADA DE OFÍCIO. ORDEMCONCEDIDA.1. De acordo com o entendimentojurisprudencial dominante, encerrada a instruçãocriminal e estando o processo na fase do art. 499do CPP, não há constrangimento ilegal por

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excesso de prazo.2. “Ninguém será levado à prisão ou nelamantido quando a lei admitir a liberdadeprovisória, com ou sem fiança (art. 5º, LXVI,CF)”. Na espécie, não se vislumbra que opaciente em liberdade possa vir a ocasionarqualquer risco para a paz e a ordem social epara o desenvolvimento regular e normal dainstrução criminal e, na eventualidade desentença condenatória que lhe sejadesfavorável, para a execução da penaaplicada, fazendo, assim, jus a responder oprocesso em liberdade.3. O magistrado está obrigado, por duplaexigência constitucional (arts. 5º, LXI e art. 93,IX, Constituição Federal de 1988), a fundamentara decretação ou manutenção da custódiapreventiva, sob pena de vício de nulidade.3. Não pode subsistir custódia preventiva seo juízo impetrado não explicitou os elementosfáticos que fundamentariam a manutenção daprisão preventiva do paciente, resumindo-sea mencionar os requisitos ou pressupostoslegais da medida coativa de liberdadeindividual, sem, contudo, declinar as razõesconcretas de seu convencimento pessoal danecessidade e imprescindibilidade da medidaextrema, como no presente caso.4. Ordem concedida.

Vistos, relatados e discutidos os autos acimaidentificados.

ACORDAM os desembargadores que compõem a2ª Câmara Criminal do Tribunal de Justiça do Estado do Ceará,por votação unânime, em CONHECER E DEFERIR a ordemimpetrada, nos termos do voto da Desa. Relatora.

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RELATÓRIO

Trata-se de Habeas Corpus com Pedido Liminarimpetrado por RONALDO PEREIRA DE ANDRADE em favorde CARLOS ATILA DA SILVA, sob alegação de constrangimentoilegal à liberdade física do paciente por ato do MM. Juiz de Direitoda 4ª Vara Criminal da Comarca de Fortaleza-CE.

Assevera o impetrante que o paciente foi preso emflagrante no dia 19 de novembro do ano pretérito, acusado deviolar o art. 157, § 2º, incis. I e II, do Código Penal, isso porqueteria, juntamente com outros acusados, subtraído da vítima umaparelho celular, carteira porta cédula, a quantia de R$ 60,00(sessenta) reais e a chave da motocicleta.

Diz, ainda, que ajuizou perante a autoridade apontadacoatora pedidos de liberdade provisória e de relaxamento dacustódia cautelar por excesso de prazo, sendo tais leitosindeferidos pela impetrada.

Aduz, porém, que o paciente faz jus a responder oprocesso em liberdade uma vez que, na espécie, não estariamconfigurados nenhum dos pressupostos legais para decretaçãoda clausura preventiva do acusado. Ademais, argüi que aconstrição à liberdade do paciente seria ilegal por excesso deprazo para formação da culpa, dado que ele se encontraria presohá mais de 110 (cento e dez) dias, sem que a instrução criminaltenha termo e sem que a defesa tivesse concorrido para taldilação temporal.

Por fim, anota que o paciente é detentor de boascondições pessoais que lhe seriam favoráveis a concessão daliberdade provisória, quais sejam, bons antecedentes,primariedade, residência fixa e profissão lícita (estudante).

Pugna, assim, pelo deferimento liminar ou no méritoda presente ordem, para que o paciente tenha relaxada sua prisãocautelar ou que lhe seja concedido o benefício da liberdadeprovisória.

Colaciona à exordial, a documentação de fls. 13/77.Liminar denegada, às fls. 84/85.A autoridade indicada coatora prestou as

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informações de estilo às fls. 116/118, informando, em síntese:

1. que o paciente foi preso em flagrante edenunciado, juntamente com outros 03 (três) co-réus, nassanções do art. 157, § 2º, incs. I e II, do Código Penal;

2. que consta dos autos que no dia 19 de novembroa vítima encontrava-se pilotando sua moto, quando teria sidoabordada pelo paciente e os outros denunciados (um delesarmados de revólver) e, na ocasião, lhe subtraíram R$ 60,00(sessenta reais) e outros objetos (celular e chave de motocicleta);

3. que as testemunhas de acusação e defesa jáforam ouvidas, estando o processo com vista às partes, parafins do art. 499 do Código de Processo Penal;

4. que indeferiu dois pleitos manejados pelo paciente:um de liberdade provisória e outro de relaxamento de prisão.

A douta Procuradoria Geral de Justiça, às fls. 93/99,manifestou-se no sentido da denegação da ordem.

É o relatório.

VOTO

Presentes os requisitos de admissibilidade da açãoconstitucional, conheço do pedido e passo a apreciar o mérito.

Conforme destacado no relatório, busca a impetraçãofulminar a custódia preventiva do paciente sob a alegação deque ele faria jus ao instituto constitucional da liberdade provisóriae de que a custódia cautelar seria ilegal por excesso de prazopara conclusão da culpa.

De início, urge assentar que a ilação deconstrangimento ilegal por excesso de prazo para encerramentoda instrução criminal não merece acolhimento.

É que nos informa a autoridade impetrada que ainstrução processual já se encontra encerrada, tanto para defesacomo para acusação, de tal forma que não há mais alegarexcesso de prazo para formação da culpa na espécie, aindaque anteriormente verificado.

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Esse é o entendimento sumulado no SuperiorTribunal de Justiça, na súmula nº 52, verbis:

SÚMULA Nº. 52 DO STJ: “Encerrada a instruçãocriminal fica superada a alegação deconstrangimento ilegal por excesso de prazo”.

Com mais forte razão, os tribunais pátriosassentaram que não há argüir constrangimento ilegal à liberdadede locomoção por extrapolação do prazo quando encerrada ainstrução criminal e, mais ainda, quando o processo encontra-se na fase do art. 499, qual seja, diligência das partes, como é ocaso do feito em exame.

É interativa a jurisprudência a esse respeito. A títulomeramente ilustrativo, colacionam-se os julgados abaixo:

TJMS: “Se a ação penal se acha na fase dealegações derradeiras, estando, pois, encerradoo sumário da culpa, inocorre coação ilegal porexcesso de prazo” (RT 571/394).

TACRSP: “Ultrapassada a instrução criminal esituando-se o processo, na fase de alegaçõesfinais, não há que se invocar o excesso de prazocomo fator de constrangimento ilegal”(JTACRESP).

TJAC: “Encontrando-se finda a instrução doprocesso, e estando na fase de alegações finais,não há falar-se em excesso de prazo, porinteligência da Súmula 52 do STJ” (TJAC – Câm.Crim. – HC 00.000043-4 – rel. FelicianoVasconcelos – j. 03.03.2000).

Por outro lado, após compulsar detidamente osautos, tenho por imperiosa a concessão da presente ordem paraque o paciente responda ao processo em liberdade.

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Isso porque, nada obstante ter sido preso emflagrante por fato criminoso considerado grave, isto é, roubo porintermédio de utilização de arma de fogo, não vislumbromaterializados, in casu, os requisitos ensejadores da decretaçãoda prisão preventiva.

Em primeiro lugar, porque a gravidade do delito,de per si, não conduz obrigatoriedade à decretação dacustódia cautelar. De vez que a gravidade do crime não érequisito legal autorizador da prisão antes do trânsito emjulgado da sentença condenatória, a não ser que venhaacompanhada dos elementos constantes do art. 312 do CPP.

Tanto é assim que o Supremo Tribunal Federal jádecidiu, verbis:

STF: “Habeas corpus. Prisão preventiva.Medida fundamentada exclusivamente nagravidade do il ícito. Revogação. Ademonstração da gravidade do ilícito não ésuficiente para a decretação da prisãopreventiva. Necessária a concorrência de umdos requisitos do art. 312, com a devidafundamentação” (STF – 2ª T. – HC 75.722-7- Rel.Nelson Jobim – j. 23.09.1997 – JSTF-LEX 214/327).

Na mesma esteira, é o decisum do SuperiorTribunal de Justiça, nestes termos:

STJ: “(. . .) a mera gravidade do delito,isoladamente, não enseja o decretoconstritivo (...). Ordem concedida para que sejarevogada a prisão preventiva exarada contrao paciente” (STJ – 5ª T. – HC 24.132 – Rel. JorgeScartezzini – j. 05.12.2002 – DJU 17.03.2003, p.249).

Não é demais ainda trazer à liça os julgados do

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Tribunal de Alçada Criminal de São Paulo. Vejamos:

TACRSP: “A simples gravidade do delitoimputado ao réu e o fato de estardesempregado não são suficientes parajustificar o decreto de medida extrema, com aprisão preventiva” (RT 473/337-8).

Em segundo lugar, é de se anotar que a constriçãoà liberdade de locomoção decorrente de prisão em flagrantesomente pode ser mantida pela autoridade judicial quandoocorrer os pressupostos autorizadores da custódiapreventiva. Em outras palavras, o indeferimento de pedido deliberdade provisória apenas será legítimo em se observandoque a liberdade do paciente colocará em risco a ordempública, prejudicará a instrução criminal ou impossibilitará aaplicação da sanção criminal.

Na espécie, sob nenhum ponto de vista, vislumbroque a concessão provisória da liberdade ao paciente possavir a ocasionar qualquer risco para a paz e a ordem social epara o desenvolvimento regular e normal da instrução criminale, na eventualidade de sentença condenatória que sejadesfavorável ao paciente, para a execução da pena aplicada.

De fato, os elementos de informação constantesdos autos não são idôneos ou aptos para indicar aindispensabilidade da custódia cautelar do paciente,principalmente quando se verifica que as condições pessoaisdo paciente, ainda que não suficientes de per si, leva-nos apresumir, legitimamente, que o acusado, livre e solte, venhaa atentar contra a instrumentalidade do processo ou contra osossego social.

Veja que, no aspecto das condições subjetivas,veri f ica-se não ostentar o paciente antecedentesdesabonadores de sua pessoa, além do que se constata, peladocumentação carreada aos autos, ser ele primário eresidente em local fixo e certo, inclusive no próprio foro deculpa.

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E quando aqui me posiciono em prol da concessãoda ordem requestada não estou senão realizando meu deverde ofício de salvaguardar um dos bens mais preciosos doindivíduo, qual seja, a liberdade e, por via direta, cumprindo aConstituição Federal vigente, que ordena aos magistradoscolocar imediatamente em liberdade provisória o suspeito ouacusado de cometimento de crime quando se verificar ainocorrência de qualquer das hipóteses justificadoras doencarceramento processual.

Visto que a medida extrema só deve ser decretadaou conservada quando claramente presentes os requisitoslegais, ante os princípios os princípios constitucionais dapresunção de inocência e da liberdade provisória, queasseguram aos indivíduos o direito de não cumprirem umasanção criminal antecipada, evitando-se, assim, um dospiores horrores de uma sociedade juridicamente organizada,isto é, a imposição de uma pena antes da condenação, ou ocumprimento de uma pena mais gravosa do que aquela quelhe seria imposta, em caso de condenação ou, enfim, ocumprimento de uma reprimenda antecipada com asubseqüente absolvição do acusado.

Assim é que o legislador constituinte estabelecevários dispositivos constitucionais que protegem a liberdadede locomoção física, em especial o que garante a liberdadeprovisória aos acusados, estatuído no inciso LXVI do art. 5º,verbis:

“Ninguém será levado à prisão ou nelamantido quando a lei admitir a liberdadeprovisória, com ou sem fiança.”

Acresça-se que, não bastasse a ausência dosrequisitos para manutenção do encarceramento cautelar dopaciente, afigura-se-nos que o acusado também faria jus àliberdade, agora sob a perspectiva da falta de motivação dodecisum que indeferiu o pleito de liberdade provisória ajuizadoperante o juízo impetrado.

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É que o decreto de manutenção da custódiapreventiva do paciente não logrou fundamentarsatisfatoriamente a necessidade e indispensabilidade damedida coativa da liberdade de locomoção física do paciente,posto que os motivos declinados não demonstraçãosuficientemente a necessidade da medida cautelar emexame.

Veja que a autoridade coatora justificou a custódiado paciente apenas mencionado os requisi tos oupressupostos legais de admissibilidade do encarceramentoprovisório, de tal sorte que se impõe a concessão domandamus para anular o decreto constrito em tela.

Para certeza da ausência de fundamentação idôneano decisum ora guerreado, transcrevo as partes principais dareferida decisão:

“(...)Trata-se de delito grave que demonstra apericulosidade dos agentes.Como é do nosso conhecimento, o acusadopossui o direito subjetivo à concessão deliberdade provisória, isto nos termos dos arts.5º, incisos VXVI da Constituição Federal e 350do CPP, desde que não estejam sujeito àdecretação de sua custódia preventiva, emqualquer das hipóteses elencadas no art. 312 doC.P.P.Também sabemos que a primariedade e os bonsantecedentes dos acusados não impedem adecretação da custódia preventiva se os fatos ajustificam (...).Da mesma forma, a primariedade, os bonsantecedentes e a residência fixa no distrito daculpa, por si só, não bastam para que seja ointeressado beneficiado com a liberdadeprovisória, o que inclusive já vem sendodecidido pelo Egrégio Tribunal de Justiça do

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Estado do Ceará.(...)Dessa forma, acolho o parecer da representantedo Ministério Público com razão e fundamentode decidir, somando a isto as razões acimaelencadas para INDEFERIR o pedido deliberdade provisória de CARLOS ÁTILA DA SILVA,o que faço com fulcro nos artigos 312 e seguintesdo Código de Processo Penal”. (fls. 61/62).

Vê-se daí que o decisum acima é carente defundamentação idônea para constrição à liberdade do paciente.

Em verdade, o juízo impetrado não indicou os motivosconcretos que justificariam a custódia cautelar do paciente, namedida em que apenas resumiu-se em mencionar,abstratamente, os dizeres da lei processual penal, quais sejam,a garantia da ordem pública, a conveniência da instrução criminale aplicação da lei penal, sem, contudo, declinar, concreta eobjetivamente, com elementos do mundo fenomênico presentesnos autos, as razões que o levaram a concluir que a liberdadedo paciente representaria perigo a paz social e aodesenvolvimento norma e regular do processo, bem assim aoresultado útil deste.

E como é cediço, a Constituição Federal estabelece,em dois dispositivos, que os provimentos jurisdicionais devemser fundamentados sob pena de nulidade. Isso é o que exige oart. 5º, LXI, e art. 93, IX, ambos da Constituição Federal,respectivamente, nestes termos:

“Art. 5º, LXI: ninguém será preso senão emflagrante delito ou por ordem escrita efundamentada de autoridade judiciáriacompetente”.

“Art. 93, IX: todos os julgamentos dos órgãosdo Poder Judiciário serão públicos efundamentadas todas as decisões, sob pena

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de nulidade”.

Com efeito, é imperativo Constitucional que a decisãoque decreta a prisão preventiva ou denega a liberdade provisóriadeve ser fundamentada. E fundamentar é explicitar os motivosconcretos e fáticos da imprescindibilidade da custódia doindiciado ou acusado. E, em termos de prisão preventiva,imprescindibilidade quer significar a real e efetiva necessidadeda segregação do acusado ou indiciado antes do trânsito emjulgado.

Não é bastante para tanto que o juiz apenas façamenção aos elementos autorizadores da custódia, poiscumpre, obrigatoriamente, indicar os motivos concretos quetornam a decretação da medida extrema indispensável paraassegurar a ordem pública, a instrução criminal ou aplicaçãoda lei penal.

A esse respeito, são pertinentes as palavras deSidney Eloy Dalabrida, na obra Prisão preventiva – umaanálise à luz do garantismo penal, Curitiba: Juruá, 1ª ed., 3ªtir., 2006, p. 115, ao observar:

“A motivação do provimento cautelar deveatender sobretudo à exigência de tornar claroe explícito o raciocínio desenvolvido pelo juizpara concluir que, nas circunstâncias de fatoexaminadas, encontram-se presentes todos ospressupostos que legalmente autorizam arestrição antecipada da liberdade.Desatende a essa exigência a simples alusãopelo magistrado de que há nos autoselementos que justifiquem a medida. Impõe-se-lhe que os indique expressamente. Asimples invocação dos dizeres da lei, àevidência, também não satisfaz, como oemprego de fórmulas vazias e sem amparo emfatos concretos não se coaduna com agravidade e o caráter excepcional da medida.

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Não poderá o juiz sustentar a decisão emintuições ou critérios estritamente pessoais,que não possam ser justificados de formaracional, meras conjecturas ou temoressubjetivos. Deverá o juiz apontar quais ascircunstâncias concretas, realçando as provasde sua existência com os elementos doinquérito ou do processo, para que se tenhacomo fundamento o decreto de segregaçãoprovisória”.

Na mesma ordem de idéias, pondera HélioTornaghi, in: Curso de processo penal, São Paulo: Raiva, vol.02, 5ª ed., 1988, p. 87, ao assentar que:

“o juiz deve ainda mencionar de maneira clarae precisa os fatos que o levam a considerar aprisão para garantir a ordem pública ou paraassegurar a instrução criminal ou a aplicaçãoda lei penal substantiva. Não basta de maneiraalguma, não é fundamentação, frauda afinalidade da lei e ilude as garantias daliberdade o fato do juiz dizer apenas:‘considerando que a prisão é necessária paraa garantia da ordem pública...’ ou então ‘aprova dos autos revela que a prisão éconveniente para a instrução criminal...’.Fórmulas como essas são a mais rematadaexpressão da prepotência, do arbítrio e daopressão. Revelam displicência, tirania ouignorância, pois além de tudo envolvempetição de princípio: com elas o juiz toma porbase exatamente aquilo que deveriademonstrar”

Na espécie em exame, é evidente que o decretoindeferitório da concessão da liberdade provisória ajuizado

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em favor do paciente não observou o princípio daobrigatoriedade de fundamentação, eis que, ao invés deexplicitar os motivos fáticos de seu convencimento sobre aimprescindibilidade real da custódia provisória do paciente,limitou-se tão-só a citar abstratamente o art. 312 do CPP,que elenca as causas autorizadoras da constrição provisóriaà liberdade física.

De fato, é certo af irmar que o despachodenegatório da liberdade provisória do paciente ressente-se,abertamente, de fundamentação efetiva e idônea, já que nãose pode conhecer os motivos reais pelos quais a autoridadeimpetrada concluiu no sentido da necessidade premente dacustódia em questão.

A propósito, citem-se os julgados abaixo nos quaiso Judiciário declarou a nulidade da decretação ou manutençãodo cárcere provisória sem a devida motivação:

“a simples menção das hipóteses arroladas noart. 312 do CPP não basta para fundamentardecreto de prisão preventiva. É imprescindívelque o magistrado indique, de maneiraconcreta, as circunstâncias fáticas querecomendem a adoção da medida coercitiva,que, por ser medida de exceção, somente podeser decretada dentro das hipótesesprecisamente fixadas em lei, sob pena deflagrante ilegalidade” (RT 804/573).

“Prisão em flagrante. Liberdade provisória.Fundamentação (Falta). 1. Toda medidacautelar que afete pessoa haverá de conter osseus motivos, por exemplo, a prisão preventivahaverá de ser sempre fundamentada, quandodecretada e quando denegada (CPP, art. 315).2. Sendo lícito ao juiz, no caso de prisão emflagrante, conceder ao réu liberdade provisória(CPP, art. 210, parágrafo único), o seu ato, seja

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ele qual for, não prescindirá fundamentação.3. Tratando-se de ato (negativo) sem suficientefundamentação, é de se reconhecer, daí, que opaciente sofre a coação ensejadora do habeascorpus. Habeas corpus deferido” (STJ – HC40761 – SP, 6ª T., Rel. Min. Nilson Naves, DJU22.03.2006).

No âmbito deste egrégio Tribunal de Justiça, porintermédio de suas colendas Câmaras Criminais, não é raroencontrar-se julgados ilidindo custódia provisória decretadaao arrepio da lei, vale dizer, sem uma motivação idônea pararestringir o direito fundamental de liberdade.

A título exemplificativo, colaciono a decisão abaixo,cujo acórdão foi lavrado pelo eminente Des. Relator LuizGerardo de Pontes Brígido, nestes termos:

“Não basta, frauda a lei e jugula as garantiasde liberdade individual, o decreto prisionalsomítico no motivar, cifrada a base de meraalusão às circunstâncias autorizadoras damedida, sem referências a fatos devidamenteapurados – senão nefelibáticas conjecturas –que indiquem a necessidade do carcer adcustodiam (...), mesmo que se cuide, como incasu, de provável autor de crime com timbreda hediondez. Imposição prisional, sem sequerum és não és de fundamentação trincada deilegalidade assaz de conspícua, a passar máfigura do desempenho funcional do juiz, nãose mantém, se cassa, devendo ser expedido ocontra-mandado a favor do paciente. Omniumconsensu (TJCE – HC 2005.0028.9013-7/0, 1ª C.Crim., Rel. Des. Luiz Gerardo de PontesBrígido, j. 14.03.2006).

ANTE O EXPOSTO, conheço da ordem para

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conceder a liberdade provisória, assim como, para anular adecisão vergastada ante o patente vício de fundamentação,devendo ser expedido incontinenti o competente alvará de solturaclausulado em favor do paciente, a não ser deva permanecerencarcerado por outro motivo.

É o voto.

Fortaleza, 23 de junho de 2007.

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RECURSO CRIME EM SENTIDO ESTRITO

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PODER JUDICIÁRIOTRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DO CEARÁ

Nº 2005.0017.5849-9/1RECURSO CRIME EM SENTIDO ESTRITO (de Juazeiro doNorte)RECORRENTE: FRANCISCO DE ASSIS MENEZES DEOLIVEIRARECORRIDA:A JUSTIÇA PÚBLICARELATOR: DES. LUIZ GERARDO DE PONTES BRÍGIDO

-Pronúncia.-Desmoronadiça a prova da inculcada legítimadefesa, confirma-se o ato de admissibilidade daacusação, reservada ao Júri, por expressadisposição constitucional, a tarefa de analisar, afundo, o material probatório e proclamar, combase nele, o seu veredicto, condenando oueximindo de culpa o agente.-Pedir o defensor do réu a absolvição sumáriasob o calço da excludente de ilicitude e pugnar,alternativamente, pela despronúncia à mínguade indícios da autoria delitiva, é zombar dainteligência da turma julgadora, a quem, tudoindica, quer fazer de boba tal a intensidade doseu desatino, que, não se discute, repugna aomais rasteiro senso comum do que seja lógico.No ponto, muito a propósito o rifão lusitano:“palavras loucas, orelhas moucas”.-Recurso desprovido.-Unanimidade.

Vistos, relatados e discutidos os autos acimaidentificados.

1. Recurso em sentido estrito em que Francisco deAssis Menezes de Oliveira, pronunciado por homicídio simples

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na pessoa de Sérgio Silva Alencar, alega ter agido em legítimadefesa para ser absolvido sumariamente. Rejeitada essa opção,que seja despronunciado pelo órgão revisor, à míngua de indíciosda autoria delitiva.

Contrariado pela Promotoria, o órgão singularmanteve a decisão impugnada, vendo-se que, nesta alçada,opinou a PGJ pelo desprovimento do reclamo.

É o relatório.2 - Ao que se vê, José Edílson Menezes de Oliveira e

Cícero Evandro Menezes de Oliveira, irmãos do recorrente, namadrugada do dia 3 de agosto de 1985, durante um baile realizadono clube Asa Branca, Juazeiro do Norte, envolveram-se em umtumulto e desentenderam-se, por motivo de somenos, com osoldado PM Francisco Francieldo Santos. Para desforrar os doisfraternos, o recorrente sacou o revólver que trazia à ilharga edisparou na direção do desafeto, atingindo, na cabeça, SérgioSilva de Alencar, companheiro de farda de Francieldo, que,sentado próximo ao local do entrevero, sequer teve tempo parareagir antes de ser defuntado.

A testemunha, de visu, Maria do Socorro Almeida,testificou em juízo que “Sérgio não chegou nem a tirar o revólverque trazia na cintura, pois foi atingido quando ainda estavasentado na mesa e não fez nenhuma menção de sacar a suaarma” (fl. s. 59).

Nesse contexto, desmoronadiça a inculcadaexclusão de criminalidade, ao menos na vertente fase deavaliação epidérmica da prova, tendo acertado o órgão a quoem pronunciar o recorrente, já que “o Tribunal do Júri é o juiznatural dos crimes dolosos contra a vida, só podendo ter oseu julgamento subtraído pelo juiz singular quando asdirimentes expressas no art. 411 do Código de ProcessoPenal restarem plenamente provadas” (STJ, 5ª T., REsp n.38.302-GO, rel. Min. Edson Vidigal, DJU de 15/12/97, p. 66.471).

Descartado o primeiro tópico recursal, passa-se aosegundo, que igualmente é desprovido de vigor jurídico. Deveras,a prova que esmorece a pretendida absolvição sumária é amesma que esvazia a desvairada pretensão alternativa. Na

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verdade, o pedido traduz, e claramente, sobreeminente falta dejuízo do defensor do acusado, que repugna, por óbvio, ao maisrasteiro senso comum do que seja lógico. Ora, dizer que o réumatou para se defender e depois asseverar que não há indíciosda autoria delitiva, é zombar da inteligência da turma julgadora etomar-lhe desnecessariamente o tempo. Sobre esse ponto dasúplica vem muito a propósito o rifão lusitano: “ ... palavrasloucas, orelhas moucas!”. Aliás, este órgão revisor, que não secompõe de néscios, tem a certeza de que ele mesmo, orecorrente, se consultado, como já disse Ruy Barbosa, “nãoautorizaria semelhante asneira”.

3 – Do exposto, ACORDA a 1ª CÂMARA CRIMINALdo TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO CEARÁ, à unanimidade, emconhecer do recurso, todavia para negar-lhe provimento,confirmada a decisão impugnada.

Fortaleza, CE, 10 de abril de 2007.

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CARTA TESTEMUNHÁVEL

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ESTADO DO CEARÁPODER JUDICIÁRIO

TRIBUNAL DE JUSTIÇA

2000.0016.2752-0 CARTA TESTEMUNHÁVELTESTEMUNHANTE: MINISTÉRIO PÚBLICOTESTEMUNHADO: FERNANDO SOARES DA SILVACOMARCA: FORTALEZARELATORA: DESEMBARGADORA MARIA SIRENE DESOUZA SOBREIRA

EMENTA: PROCESSO PENAL. CARTATESTEMUNHÁVEL. CABIMENTO. CONHE-CIMENTO. RECURSO DE AGRAVO EMEXECUÇÃO. CONHECIDO E IMPROVIDO.1. O CPP, em seu art. 639, diz cabível a CartaTestemunhável, quando a decisão denegar orecurso. In casu, é patente que a decisão do juízoa quo que não processou o recurso de agravoem execução não se compatibiliza com alegislação processual penal. O fato do MinistérioPúblico de primeiro grau ter intentado outrorecurso em execução, ao invés de requerer asubida dos autos para a instância ad quem, nãopode constituir óbice para o conhecimento eprocessamento do Agravo em Execução pelojuízo a quo, já que este deveria tê-lo recebidocomo mero pedido de remessa dos autos a esteEgrégio Tribunal. Demais, não se pode olvidarque o órgão ministerial, em sede de contra-razões, ainda que indiretamente, requereu oenvio dos fólios ao juízo ad quem.2. Tendo o STF declarado a inconstitucionalidadedo dispositivo legal que proibia a progressão deregime prisional para os crimes hediondos e aeles equiparados e, in casu, preenchendo oacusado os requisitos objetivos e subjetivos

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estatuídos na Lei de Execuções Criminais, fazjus à progressão de regime prisional, do fechadopara o semi-aberto.3. Conhecimento da Carta Testemunhável,porém para negar provimento ao Recurso deAgravo em Execução, mantendo incólume adecisão recorrida, de modo a confirmar aprogressão de regime deferida no juízo dasexecuções criminais.

Vistos, relatados e discutidos os autos acimaidentificados.

ACORDA a 2ª Câmara Criminal do Tribunal deJustiça do Estado do Ceará, por unanimidade de votos, emconhecer da Carta Testemunhável, para negar provimento aoinconformismo do Representante do Ministério Público e, porconseguinte, julgando o recurso de Agravo em Execução,mantendo incólume a decisão recorrida, para confirmar aprogressão de regime deferida no juízo das execuções penais.

RELATÓRIO

Tratam os autos de Carta Testemunhável intentadapelo Membro do Ministério Público Estadual do Ceará, entãoatuante na data de 5 de março de 2001 junto à outrora Vara Únicada Comarca de Execuções Criminais de Fortaleza, diante danegativa de seguimento de Recurso de Agravo em Execuçãoatravés de da decisão fls. 71/73 (cópia do Agravo repousa às fls.68/70), intentado contra o deferimento em favor de FernandoSoares da Silva da Progressão do Regime de cumprimento desua pena, do fechado para o semi–aberto, provimento esseproferido pelo Juiz José Mário dos Martins Coelho e constanteàs fls. 61/67.

Dão conta os autos que Fernando Soares da Silva,após ter sido exarado a sentença (fls. 12/14), ingressou comAgravo em Execução (fls. 06/11) da decisão acostada aospresentes autos a fl. 37, onde narrou, em suma que: em 26 de

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novembro de 1999 reiterou pedido de progressão de regime (fls.15/21), no qual o membro do Ministério Público, atuante na datade 9 de dezembro de 1999, manifestou-se favoravelmente aopleito (fls. 22/23), enquanto o juízo ainda assim indeferiu o pedidode progressão de regime (fls. 24/25). Conta ainda que, em datade 5 de junho de 2000 ingressou com novo pedido (fls. 26/29),no qual o promotor de Justiça também entendeu pela negativado indeferimento da progressão (fls. 30/36), gerando assimdecisum ora acostado à fl. 37, e objeto do então Agravo emExecução.

Apresentadas as contra-razões pelo MinistérioPúblico (fls. 56/60), que pugnou pelo indeferimento do Agravo,seguiu-se a decisão de fls. 61/67.

Dessa decisão entendeu a Justiça Pública porintentar o que o denominou de Recurso de Agravo em Execução(fls. 68/70), tendo o juízo negado seguimento ao recurso, eisque em seu entender o Agravo teria feição de agravo deinstrumento em Execução Penal (fls. 71/73).

A Carta Testemunhável, portanto, foi protocolada emface do não seguimento do Recurso de Agravo em Execução,datada de 1º de novembro de 2000, contra a deferida progressãode regime, do fechado para o semi-aberto, de Fernando Soaresda Silva.

Razões da Carta apostas às fls. 78/77, contra-razõesàs fls. 78/79, decisão do juízo ordenando a subida dos autos àsfls. 80/82.

Manifestação da Procuradoria Geral de Justiça àsfls. 95/97, pelo provimento da Carta Testemunhável.

Às fls. 100/111, o recorrido fez anexar diversosdocumentos, nos quais comprova estar o mesmo trabalhando,estudando, e cumprindo o sentenciado a pena, comapresentação diária à Casa do Albergado.

Colhe-se, ainda dos fólios, não obstante constar suaparticipação em rebelião, a existência de diversos pareceres àconduta carcerária desse apenado, demonstrando condiçõesfavoráveis de caráter e trato para com os companheiros de prisãoe, bem assim, perante os funcionários do estabelecimento penal,

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denotando características de auto-disciplina e senso deresponsabilidade reveladores de elevado índice de recuperação,escopo maior da Lei de Execuções Penais, ao ponto de chegara ser classificada sua conduta carcerária como exemplar.

É o relatório, no que há de essencial. Passo a votar.

VOTO

Decorre que o direito pleiteado na presente cartatestemunhável passada em favor do nobre Promotor de Justiçacom atuação na Vara de Execuções Penais, ampara-se nopermissivo legal do artigo 639 do Código de Processo Penalante a decisão judicial de fls. 71 a 73 que negou ao inconformismomanejado pelo Parquet, impropriamente nominado de Recursode Agravo em Execução.

Baseou-se, a negativa de trânsito do citado recurso,em dois fundamentos distintos, a saber: primeiro, que o institutojurídico do Agravo em Execuções Penal não se adequava aoâmbito do juízo das execuções penais, vez que a Lei 7.210/84,em seu art. 197, era taxativa em admitir tão somente as hipótesesali elencadas, sem contemplar o caso em estudo, onde operou-se juízo de retratação para dar provimento ao recurso de Agravoem Execução interposto pelo apenado; segundo, considerou ojulgador monocrático que em seu contra arrazoado orepresentante ministerial omitiu-se em requerer subida dos autosà instância superior em caso de acolhimento do agravo.

Em princípio, cumpre analisar a carta testemunhávela fim de perquirir a existência dos pressupostos previstos naprocessualística dos arts. 639 usque 646 do CPP.

Nesse contexto, verifica-se que o feito processou-se sem defeitos aparentes. A carta testemunhável é cabível, viade regra, nas hipóteses previstas nos dois incisos do artigo 639,CPP, sendo perfeitamente amoldada no caso concreto em quese obstou seguimento de recurso à instância ad quem.

É que, nada obstante o Ministério Público de primeirograu ter intentado outro recurso em execução, ao invés derequerer a subida dos autos para a instância ad quem, pelo

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princípio da fungibilidade dos recursos, o juízo a quo deveria tê-lo recebido como mero pedido de remessa dos autos a esteEgrégio Tribunal.

Ademais, não se pode olvidar que o testemunhante,em sede de contra-razões (fls. 56/60), ainda que indiretamente,requereu o envio dos fólios ao juízo ad quem. Isso é o que seextrai das próprias palavras do representante do MinistérioPúblico, oficiante, à época, na Vara das Execuções Criminaisda Comarca de Fortaleza, in verbis:

“(...) Ex positis, na certeza de que o juízo a quoquando do reexame da decisão recorrida, emseu efeito regressivo, manterá sua Sentença;espera o Ministério Público que essa EgrégiaCâmara Criminal, mesmo que conhecendo portempestiva, data vênia, não dê provimento aorecurso sub examine por não encontrar amparofático/legal (...)”.

Colhe-se da doutrina que “se a carta estiver suficienteinstruída de modo a possibilitar o conhecimento do recursodenegado, permite-se que o tribunal, desde logo, decida a seurespeito (art. 644)”. (GRINOVER. Ada Pellegini e Outros,Recursos no Processo Penal, 3ªed., Revista dos tribunais, SãoPaulo.)

Assim, conheço da presente carta testemunhávelpassando, incontinenti, à análise do mérito recursal.

Estando o apenado Fernando Soares da Silva,segregado sob o regime prisional fechado em decorrência desentença condenatória oriunda da Comarca cearense deJuazeiro do Norte, cumprindo penas corporais cujo somatóriototaliza 20 (vinte) anos e 10 (dez) meses de reclusão, condenadoque foi por infringir os arts. 159, § 1º e 29, 352 e 354 todos doCPB, aforou pedido de PROGRESSÃO DE REGIME no escopode ingressar na modalidade do regime semi-aberto.

Aduziu em prol de sua pretensão que apesar do delitoestar enquadrado na Lei nº 8.072/90, que o coloca na categoria

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dos crimes hediondos, o tempo efetivo de encarceramento maisos dias de pena remidos, totalizavam à época, no cumprimentode mais de 1/3 (um terço) da condenação total, o que permitiriaacesso ao regime prisional mais brando, vez que atendia àscondições objetivas e subjetivas e, principalmente pelo fato dojuízo sentenciante não ter consignado expressamente que ocumprimento da reprimenda se daria integralmente no regimefechado.

Requereu, ainda, o beneplácito sob pálio do princípioda isonomia vez que outros condenados por crimesconsiderados hediondos haviam ascendido progressivamentede regime.

O parecer ministerial (fls. 30/36) orientou-secontrariamente à progressividade requestada, sendoacompanhado pelo julgador da vara de execução da pena, queindeferiu o pleito (fl. 37) possibilitando o manejo do Agravo pelailustre advogada do apenado. Daí, vieram as contra-razões doÓrgão Ministerial pugnando pelo não provimento do agravo.

Segue-se que ainda naquela vara de execuções oconspícuo juiz, hoje colega Desembargador, José Mario dosMartins Coelho, ao receber o Agravo exerceu o juízo de retrataçãopara conceder a progressão de regime requestada pelosentenciado, razão pela qual aqui chegam os autos porinconformismo do Ministério Público.

Decerto, no âmbito do Supremo Tribunal Federalrestou declarada, de forma incidental, através de composiçãoplenária, a inconstitucionalidade do § 1º, art. 2º, da Lei 8.072/90,homenageando o princípio da dignidade da pessoa humana,além dos princípios da humanidade, da individualização da penae da proporcionalidade.

Dessa forma, nossa corte máxima elegeu a tese dainconstitucionalidade, estribando-se nos seguintes fundamentos:

“ (...) que a vedação de progressão de regimeprevista na norma impugnada afronta o direito àindividualização da pena (CF, art. 5º, LXVI), já que,ao não permitir que se considerem as

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particularidades de cada pessoa, a suacapacidade de reintegração social e os esforçosaplicados com vistas à ressocialização, acabatornando inócua a garantia constitucional.”

“(...) que o dispositivo impugnado apresentaincoerência, porquanto impede aprogressividade, mas admite o livramentocondicional após o cumprimento de dois terçosda pena ( Lei 8.072/90, art. 5º).”

“Considerou-se, ademais, ter havido derrogaçãotácita do § 1º do art. 2º da Lei nº. 8.072/90 pela Lei9.455/97, que dispõe sobre os crimes de tortura,haja vista ser norma mais benéfica, já quepermite, pelo §7º do seu art. 1º, a progressividadedo regime de cumprimento da pena.” (STFInformativo nº. 417)

Além disso, em sede desse tema de incidência daprogressão de regime no caso de crime hediondo ou a eleequiparado, o Superior Tribunal de Justiça, criado para unificara jurisprudência pátria também consignou:

“Declarada pelo Plenário do supremo TribunalFederal, na sessão de 23/02/2006 (HC 82.959/SP),a inconstitucionalidade incidental do art. 2º,§1º, da Lei 8.072/90, que veda a progressão deregime nos casos de crimes hediondos e a elesequiparados, afastado restou o óbice à execuçãoprogressiva da pena.” (STJ, HC 46929/SP, Min.Arnaldo Esteves Lima, Quinta Turma, DJ 08.05.2006)

Por conseguinte, à luz do princípio da dignidade dapessoa humana, a jurisprudência vem concedendo progressãode regime, mesmo em se tratando de crime hediondo,reconhecendo, desse modo, a inconstitucionalidade de restrições

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excessivas e lesivas aos direitos fundamentais.Nessa esteira de entendimento, este sodalício já

enfrentou diversas vezes a questão, valendo apontar a posiçãopioneira manifestada pelo Eminente Desembargador FernandoLuiz Ximenes Rocha, agasalhando o entendimento jádisseminado pelos tribunais pátrios de que é perfeitamenteplausível conceder a progressão de regime prisional mesmo noscasos em que os delitos são taxados como hediondos, in verbis:

“PROCESSUAL PENAL – Tóxicos. Grandequantidade de droga apreendida. Apetrechos depesagem em posse do denunciado. Traficânciacaracterizada. Regime prisional. Progressão.Cabimento. I – Não merece reforma a sentençamonocrática que condenou o réu nas sançõesdo art. 12 da Lei nº 6.368/76, por haver aquelesido encontrado com grande quantidade desubstância entorpecente, bem como cominstrumentos de pesagem, tudo a indicar aocorrência de traficância ilícita. II – A Lei nº 9.455/97, em seu art. 1º, § 7º, estabelece, quanto àexecução da pena, regime mais favorável que oda Lei nº 8.072/90, devendo dito dispositivo, porcomando constitucional e do Código Penal, nãoobstante referir-se ao crime de tortura, retroagirpara beneficiar o acusado. III – Apelo improvido.Habeas corpus concedido, de ofício, parapropiciar regime prisional mais favorável ao réu,o qual deverá cumprir a pena inicialmente,e nãointegralmente, em regime fechado.” (TJCE –Apel. 1999.10148-5 – 1ª C.Crim. – rel. Des.Fernando Luiz Ximenes Rocha – DJCE24.10.2000).

Por tais circunstâncias é que encontramos ofundamento da possibilidade de aplicação da progressão doregime no caso concreto, em especial, se verificado o

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implemento das exigências objetivas e subjetivas estabelecidasna norma de Execuções Criminais, Lei 7.210/84.

Decerto não encontramos na sentença primitiva oimpeditivo legal da existência, no dispositivo condenatório, dequalquer menção ou mesmo comando expresso paracumprimento da reprimenda em regime integralmente fechado,restando ultrapassado essa celeuma. E ainda que existisse nãoteria mais nenhum valor jurídico, já que o próprio SupremoTribunal Federal declarou inconstitucional, de forma incidental, adispositivo normativo que proibia a progressão de regime decumprimento de pena para os crimes hediondos e a elesequiparados.

Noutro aspecto, assoma-se dos autos ocumprimento da exigência objetiva prevista no art. 112 da LEP,de modo a concluir que o apenado cumpriu, de fato, encarceradomais de 1/6 da pena imposta, na medida em que sua penaunificada equivale 20 (vinte) anos e 10 (dez) meses de reclusão,tendo estado efetivamente recolhido durante 5 (cinco) anos e 11(onze) meses na custódia fechada, ultrapassando e muito, olapso de um sexto da pena.

Concernente ao requisito subjetivo exigido pelo art.112 da Lei de Execução Penal, não é difícil concluir através dosdocumentos acostados ao fascículo, que o sentenciado fez provade seu bom comportamento carcerário, além de comprovar aparticipação em cursos e demais atividades educacionais, deestar prestando serviços como assessor parlamentar, eaprovação em curso superior (universitário), além de possuirresidência nesta Capital.

Nesse contexto, evidente a plausibilidade daaplicação da progressão no caso em tela, devendo ser ressaltadaa coerência das razões decisórias corporificadas na decisão defl. 61 a 67, com as quais comunga esta relatoria, de sorte que ojuízo de retratação exercido naquela respeitável decisão nãomerece qualquer censura tampouco reparos.

Diante do exposto, conheço da cartatestemunhável para negar provimento ao inconformismo doRepresentante do Ministério Público e, por conseguinte, julgando

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o recurso de Agravo em Execução mantendo incólume a decisãode fl. 61 a 67 para, por corolário, MANTER A PROGRESSÃODE REGIME deferida no juízo das execuções penais.

É o voto.

Fortaleza, 11 de dezembro de 2006.

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DISCURSOS

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Discurso do Desembargador Lincoln Tavares Dantas,proferido em 26 de outubro de 2006, por ocasião de sua

posse.

Excelentíssimo Senhor DesembargadorPresidente do Tribunal de Justiça do Estado,

Excelentíssimas autoridades que integram amesa,

Excelentíssimos Senhores Desembargadoresque compõem esta Corte de Justiça,

Ilustríssimos Senhores Promotores de Justiça eadvogados,

Colegas Magistrados aqui presentes,Senhoras,Senhores,

Pelos critérios já conhecidos por todos,empossamo-nos como Desembargadores neste Templo deJustiça.

É difícil saber qual o pensamento e quais asmensagens que meus pares desejariam deixar nesta ocasião,porém acredito que comunguem comigo os mesmos ideais.

Desde já, meu agradecimento, obrigado por podertransmitir minhas mensagens.

Fui Juiz na terra dos Desembargadores CelsoAlbuquerque Macedo e Francisco Lincoln Araújo e Silva. Conheço-os há mais de trinta anos e com o último trabalhei em Mombaça.O destino aqui nos uniu. É a providência divina que nos deu umanova missão a ser cumprida. Estou satisfeito e honrado portrabalhar com ambos neste Templo.

Foram anos de contínua e ininterrupta espera epelo caminho mais longo, sem nada ter atropelado e deconsciência tranqüila, emposso-me no alto e envaidecedor cargoe o faço “alis volat propriis”.

Aguardei o meu tempo e o privilégio da antiguidadena carreira é uma bênção de Deus. A Ele elevo minhas oraçõesde agradecimento pelo privilégio que me concedeu e pela

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proteção que me deu nestes trinta e seis, quase trinta e seteanos de carreira.

É a Justiça Suprema que se faz presente e Elame anima a dar continuidade a minha vida de Magistrado naselevadas funções que passo a exercer e estou certo que o vigordos anos me preserva o impulso inicial de amor ao trabalho quefaço.

As indicações dos Desembargadores que comigoirão compor a 4ª Câmara Civil deste Egrégio Tribunal de Justiça,pelos critérios já conhecidos de todos, são também uma bênçãode Deus e creio que todos estão a elevar as suas preces degratidão a Ele.

E propício lembrar e nenhum de nós deveesquecer que este é um momento especial, mas transitório,como transitórias são as funções e a própria vida. Um dia aJustiça Suprema igualará todos.

Ao ingressar na Magistratura o fiz por vocação -creio que meus pares também - minha missão nesta vida, e jáconhecedor que o poder não pertence a pessoas e ele só seafirma quando utilizado como instrumento do bem. Logocompreendi que a altivez de um Juiz não se mede pela posiçãoque ocupa, muito menos pela arrogância, prepotência, orgulhoe nem pelas explosões de seu temperamento, mas pela suasegurança interior que deve tomar a forma de tranqüila humildade,sendo esta uma das maneiras de se respeitar e fazer respeitaro poder que representa.

Certo psicanalista afirmou que “a característicado homem imaturo é aspirar a morrer nobremente por uma causa,enquanto a característica do homem maduro é querer viverhumildemente por uma causa”.

Na minha jornada não me deixei seduzir pelavaidade, pelo orgulho ou pelas honrarias, jamais me fascinou oreconhecimento público e sempre tive o prazer de passardespercebido.

Tenho como certo que o orgulho, a prepotência ea arrogância se entrelaçam com a vaidade, a mais perniciosadas paixões humanas.

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Matias Aires, em suas “Reflexões sobre a Vaidadedos Homens”, afirmou que “a vaidade está no meio da ciência edas letras e são raros os que nas letras buscam a ciência e é naciência de fazer Justiça onde a vaidade é mais perniciosa.”

“Quanta injustiça não terá feito a vaidade de fazerJustiça”, disse ele, afirmando também que “a vaidade se nosapresenta até mesmo nos aparatos da morte”.

Lembro, e é bom que seja dito, usando aspalavras de Leon Tolstoi que “de todas as ciências que o homempode e deve saber, a principal é a ciência de viver fazendo omínimo possível de mal e o máximo possível de bem” e completoutilizando as palavras de Edmund Picard, na sua obra “DireitoPuro”, quando diz que “todo homem é um ser avaliador e temdentro de si condições de distinguir o bem e o mal.”

Como ser avaliador, julgador que sou, sei que oDireito e a Justiça são unos, pairam acima das pessoas, dosgovernos, das Nações. Não há sociedade sem Direito e não podehaver Direito sem Justiça. Ele é a realização da Justiça na vidasocial ou quando menos, sua meta. O fim do Direito, suateleologia, resume-se na Justiça.

A idéia da Justiça nasceu com o homem, morrerácom ele e não só os juristas, mas os filósofos e as religiões delase ocuparam.

O Livro dos Mortos, do Velho Egito consigna ocaráter divino de Justiça. O Código de Manú, monumento dacultura indiana nos oferece noções de Lei natural e considera oDireito dentro da órbita da ordem ética e da esfera teológica. Asabedoria de Confúcio, que prega a ética no Direito e na Política,diz que “se dispusermos de homens justos o Governo florescerá.Mas, sem eles o governo desaparecerá”. Sócrates diz ser oEstado uma realidade ética, pois só a virtude pode governar oshomens e os cidadãos devem obedecer às leis em respeito àJustiça, à ordem, à proteção e à segurança que o poder estatalencarna. Apesar da sua convicção de imposição das leis acreditana Justiça. Foi um crítico. Aristóteles reconheceu ser a Justiça amais excelsa das virtudes morais e declara que o Direito contém,em si mesmo, o Ideal de Justiça. Para ele a lei positiva só obriga

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quando acorda com esse Ideal. Pitágoras afirma ser a Justiçauma equação, uma proporção, uma igualdade e em seuentendimento, a Justiça é harmonia resultante de um quadro denúmeros perfeitamente coordenados. Nos versículos dos Salmosde Davi, Justiça é citada em mais de sessenta passagens ejusto em trinta e seis.

Quero dizer que o Ideal de Justiça - Justiça é algode muito sério para ser relegado pelo Poder Estatal através deregras injustas ou imorais que elabore.

É suprema candura pensar que as regras jurídicassão dirigidas apenas para a realização da Justiça. A história temmostrado exemplos de que os legisladores nem sempreordenam para o bem. Fazem leis lacunosas, iníquas, com errosde técnica elaborativa, injustas, imperfeitas, falhas venais, leisde favor, apadrinhamento, perniciosas.

Toda norma jurídica sancionada, promulgada epublicada é legal. Mas, afirmo, nem toda lei é Direito.

Muitos esquecem que o termo Justiça se reduz àrealização do bem comum. A norma jurídica deve visar aomesmo fim. Não há diferenças substanciais quanto à idéia queos inspira e os objetivos finais a que se propõem.

O único limite interno de uma Nação deve ser aMoral e o Direito.

Creio num Estado que tem como limite interno obem estar social e respeita os Direitos sagrados da personalidadehumana.

Almejo que o Direito positivo traga apenas o justoe moral. Na concepção kelseniana o Direito é valor pelo fato deser norma, não por ser justo e moral, mas para mim, tem queabrigar os princípios da Moral e da Justiça.

São Tomás de Aquino, na “Suma Teológica, dasLeis” na esteira do pensamento agostiniano, não considera lei oque não for justo, no foro da consciência, salvo para evitarescândalo ou perturbação da ordem. Admite ele a insubordinaçãoàs normas que atentem contra as leis divinas.

Aceito como válido o Direito moral e justo, porquesó assim chega-se à Justiça.

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Qual o papel dos tratadistas, do Poder Judiciário,através de seus julgadores, quando se deparam com leis quenão ordenem para o bem comum?

O Estado de direito compete à Justiça e o PoderJudiciário, sustentáculo da democracia, fiel ao Poder que emanado povo, criticado por qualquer motivo, muitas vezes com críticasinjustas, cujos Juizes sofrem caladamente, sem exagerar anoção da divisão dos Poderes, tem muito o que fazer e temmeios para abrandar as Leis que não ordenem para o bemcomum e para tanto basta que se utilize dos Princípios Geraisdo Direito e principalmente da Eqüidade.

Direito, Justiça, Eqüidade. Sem Eqüidade o Direitonão existe, muito menos a Justiça.

É hora de terminar.Tudo o que ocorre a mim agora é reflexo dos

exemplos e ensinamentos recebidos dentro do lar de meus pais,de quem aprendi lições de ética, moral, bondade, humildade eprincipalmente de espiritualidade.

No lar de meus pares certamente ocorreu omesmo.

Minhas homenagens e gratidão a vocês, meuspais, José Ribeiro Dantas e Alzira Tavares Dantas. Segurando amão de meu pai entrei pela primeira vez no antigo prédio doTribunal de Justiça e vi Têmis. Nasceu minha vocação. Minhamãe, dando exemplos de bondade, cuja memória me inspirarespeito, gratidão e saudade, foi o baluarte do lar.

Deixei mensagens nas palavras que proferi e ofinal é reservado para pessoas muito especiais na minha vida,minha mulher e filhos. Fui abençoado com seis incríveis criaturase hoje sou mais ainda com meus genros e netos, assim comomeus pares com suas famílias.

É uma honra nesta ocasião poder dizer que osamo e acredito que me perdoam os momentos que deixei deviver ao lado de vocês pelo trabalho.

Claudette, minha doce mulher, companheira eamiga, que comigo esteve em todos os momentos, você é co-partícipe em tudo. Eu a amo.

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Meus filhos e genros, é com grande prazer quedivido com vocês este momento e que ele reacenda ossentimentos de ética, honra, dignidade, sinceridade, humildade,espiritualidade que sempre procurei transmitir a vocês.

Acredito que sem a ajuda de Deus e a convivênciacom vocês não estaria aqui.

Aos funcionários, todos que comigo estiveram naminha jornada, conhecedores da minha conduta, meu preito degratidão pelo trabalho e amizade a mim dedicada. Obrigado peladedicação de vocês ao trabalho.

A todos que me ouviram afirmo que continuarei aagir como sempre fiz, pois estou certo que no dia que medesincumbir das minhas atribuições e comparecer perante oMaior Julgador, Ele olhará os atos que pratiquei e os julgamentosque proferi e me julgará como julguei meus semelhantes.

Obrigado,

Des. Lincoln Tavares Dantas

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ÍNDICE ALFABÉTICO REMISSIVO

MATÉRIA CÍVEL

APELAÇÃO CÍVEL

Acidente de trabalho – não fornecimento de equipamento desegurança ao empregado – culpa do empregador – dever deindenizar os danos materiais e morais. ................................71.

Alienação fiduciária – busca e apreensão – discussão decláusulas contratuais – possibilidade – cumulação indevida decomissão de permanência com outros encargos moratórios –descaracterização da mora .................................................62.

Busca e apreensão – notificação extrajudicial – ofensa aoprincípio da territorialidade dos registros públicos – nulidade....51.

Danos morais – inscrição indevida no SPC e no SERASA –empresas de telefonia – dívida de outrem – indenizaçãodevida..................................................................................35/36.

Honorários advocatícios – condenação em relação areconvenção – ausência de impugnação – coisa julgada –impossibilidade de interpretação extensiva....................140/141.

Matéria jornalística – publicação de fotos de carro – ilícitos emque não estavam envolvidos o dono ou condutor – dano moral –indenização......................................................................128/129.

Menor – ação cautelar de busca e apreensão – inexistência dapropositura da ação principal – extinção do processo semresolução do mérito.................................................................13.

Previdência privada – cláusula abusiva – aplicação do código dedefesa do consumidor..............................................................18.

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Revisão de pensão previdenciária – decisão extra petita –inocorrência – pensão por morte - acidente de trabalho..103/104.

Servidor – nomeação às vésperas de acabar mandato –concessão de incorporação de gratificações por exercício decargos comissionados – previsão legal – anulação dos atos deincorporação – inexistência de processo administrativo –impossibilidade................................................................117/118.

Tributário – apreensão de mercadoria – meio coercitivo decobrança de tributo – sanção política – impossibilidade.........93.

Tributário – taxa de iluminação pública – serviço geral e indivisível– invalidade.................................................................................25.

Veículo – apreensão – consignação em pagamento – inteligênciado Art. 890 do CPC – purgação da mora – restituição do bemmóvel.....................................................................................54/55.

AGRAVO DE INSTRUMENTO

Cláusulas contratuais – discussão judicial – não demonstraçãode parte incontroversa – inscrição nos cadastros de restriçãoaos créditos – impossibilidade.......................................157/158.

Contrato de seguro – invalidez por doença – necessidade deperícia médica para pagamento de benefício – indeferimento deprova e julgamento antecipado da lide – desconstituição desentença..........................................................................169/170.

Resolução contratual – nulidade da perícia por inobservância doArt. 421 do CPC – defeito sanável mediante nomeação deassistente técnico e formulação de quesitos..................174/175.

Verba alimentar – execução – débito atual – anteriores às trêsúltimas parcelas – inadmissibilidade de prisão civil – súmula 309do STJ....................................................................................149.

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HABEAS CORPUS

Depositário infiel – prisão civil – cópia do decreto prisional –ausência – não conhecimento do remédio heróico..............185.

MANDADO DE SEGURANÇA

Cargo comissionado – vantagem pessoal remuneratória –incorporação – requisitos – servidor estabilizadoexcepcionalmente pelo Art. 19 do ADCT da CF de 1988 –inexistência de direito.............................................................201.

Servidor público – aposentadoria voluntária por tempo de serviço– integralidade dos proventos – redução artificiosa – ofensa áintegralidade e paridade dos proventos..............................195.

EXCEÇÃO DE SUSPEIÇÃO

Incidente de parcialidade do juiz – suposta amizade comadvogado de uma das partes – hipótese legal não configuradana espécie – conhecimento e improvimento............................211.

MATÉRIA CRIMINAL

APELAÇÃO CRIME

Delito de trânsito – homicídio culposo – malferimento do dispostonos Arts. 384, parágrafo único, do CPP, e 93, IX, da CF –inocorrência – hipótese de emendatio libelli e não de mutatiolibelli........................................................................................289.

Homicídio e lesão corporal culposos – dosimentria da penaprivativa de liberdade – exacerbação infundada – decisãoreformada.........................................................................256/257.

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Homicídio privilegiado – nulidade levantada pelo Parquet – nãoapreciação de quesito referente à qualificadora – quesitoprejudicado – improvimento............................................223/224.

Homicídio triplamente qualificado – alegação de decisão contráriaà prova dos autos – homicídio privilegiado – violenta emoção –inocorrência....................................................................235/236.

Júri – pedido de novo julgamento – fundamentação em decisãocontrária à provas dos autos – inocorrência...................274/275.

Roubo duplamente qualificado – uso de armas de fogo e concursode pessoas – insuficiência de provas – dosimetria inadequadada pena – provimento parcial.................................................248.

Roubo qualificado – confissões – sentença condenatória – penasexacerbadas – procedência parcial.......................................267.

Tráfico de drogas – materialidade comprovada – autoriainsuficientemente provada – absolvição................................254.

Tribunal do Júri – homicídio privilegiado – condenação – decisãocontrária à prova dos autos – ocorrência – anulação dojulgamento..............................................................................227.

Tribunal do Júri – veredicto popular que se dissocia da prova –sentença anulada – novo julgamento...........................294/295.

HABEAS CORPUS

Crime hediondo – presença dos requisitos da prisão provisória– denegação da liberdade provisória – decisão fundamentadana periculosidade e na garantia da ordem pública.................301.

Homicídio triplamente qualificado – futilidade, crueldade edesprevenção – crime hediondo – pleito de progressão de regimeprisional – indeferimento – inviável a concessão do writ quando

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objetiva a pretensão de mudança de regime prisional (STJ, RSTJ72/116)............................................................................315/316.

Instrução criminal – excesso de prazo na formação da culpa –atraso causado pela defesa – constrangimento ilegal nãoverificado – súmula nº 64 do STJ...................................351/352.

Lesão corporal – menoridade penal comprovada por cédula deidentidade, documento público – inimputabilidade declarada -nulidade do processo.............................................................346.

Liberdade provisória – paciente que preenche os requisitos legais– presunção de inocência – concessão.........................325/326.

Nulidade processual – cerceamento de defesa – inocorrência –denegação da ordem – progressão de regime – nãoacolhimento.....................................................................307/308.

Prisão em flagrante – excesso de prazo – inocorrência – liberdadeprovisória – concessão – ausência de fundamentação damanutenção da prisão preventiva..................................365/366.

Prisão preventiva – decretação por ameaça a testemunhas –perda da finalidade prática devido à oitiva de todas astestemunhas de defesa – ordem de soltura concedida........348.

Prisão preventiva – materialidade provada – indícios suficientesde autoria – atendida a previsão do Art. 312 do CPP, referente àgarantia da ordem pública e da aplicação da lei penal –manutenção da prisão............................................................339.

Prisão provisória – excesso de prazo na instrução probatória –configuração...........................................................................363.

Progressão de regime prisional em sede de habeas corpus –prova antecipada suficiente – sucedâneo de agravo em execução– writ conhecido – denegação..........................................329/330.

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Segregação antecipada – recolhimento do sentenciado paraapelar – crime hediondo – réu primário e de vida pregressa limpa– respondeu em liberdade todo o sumário sem comprometer aordem pública ou dificultar a apanha probatória – solturaimperativa concedida.............................................................360.

RECURSO CRIME EM SENTIDO ESTRITO

Pronúncia – absolvição sumária - legítima defesa nãocomprovada – admissibilidade da acusação – competência dojúri popular de analisar o material probatório durante ojulgamento..............................................................................383.

CARTA TESTEMUNHÁVEL

Carta testemunhável – cabimento – conhecimento – recurso deagravo em execução.......................................................389/390.

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