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MACONDO revista literária apresenta alberto bresciani, reynaldo bessa, arrudA, carolina mello, wender montenegro, germano viana xavier, léo tavares, ari marinho bueno, jorge colaço, danilo lovisi, christian botelho borges, otávio campos, cristina desouza, aline veras, adriano scandolara, bruna maria, heloisa campos freire, eleazar venancio carrias, luís roberto amabile, carlos gomes, leonardo chioda, ani almeida, lidiane lobo, pê sousa, jjLeandro, ronie von rosa martins, randolfo dos santos jr. POESIA MINICONTO RESENHA BIBLIOPHILIA CONTO ARTIGO HAICAI CRÔNICA N.º 4 TRIMESTRAL nov dez jan 2012 ENTREVISTA EXCLUSIVA COM menalton braff

REVISTA MACONDO - #4

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Revista literária Macondo

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Page 1: REVISTA MACONDO - #4

MACONDOrevista literária

apresenta alberto bresciani, reynaldo bessa, arrudA, carolina mello, wender montenegro, germano viana xavier, léo tavares, ari marinho bueno, jorge colaço, danilo lovisi, christian botelho borges, otávio campos, cristina desouza, aline veras, adriano scandolara, bruna maria, heloisa campos freire, eleazar venancio carrias, luís roberto amabile, carlos gomes, leonardo chioda, ani almeida, lidiane lobo, pê sousa, jjLeandro, ronie von rosa martins, randolfo dos santos jr.

POESIA

MINICONTO

RESENHA

BIBLIOPHILIA

CONTO

ARTIGO

HAICAI

CRÔNICA

N.º 4T R I M E S T R A L

nov dez jan 2012

ENTREVISTAEXCLUSIVA COM

menaltonbra'

Page 2: REVISTA MACONDO - #4

expediente

EDITORES

francisco mariani casadoremarcos mariani casadore

COLABORADORES

os autores dos textos publicados na presente edilçao estão listados,por ordem alfabética, nas páginas ) nais da revista.

IMAGENS

CAPA: “dragão”, de mauricio nascimento; disponível em “domínio público”.ENTREVISTA, RESENHA E BIBLIOPHILIA: google imagensCONTOS: “áfrica” de mauricio nascimento; disponível em “domínio público”.

não nos responsabilizamos por ideias e demais conceitos expostos pelos autores, bem como pela autoria dos textos.

APOIO À PAGINAÇÃO

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CRÍTICAS | DÚVIDAS | SUGESTÕES

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ENVIO DE MATERIAL

[email protected]

Page 3: REVISTA MACONDO - #4

A culpa foi minha, ou antes, a culpa foi desta

vida agreste, que me deu uma alma agreste.

Graciliano Ramos

Page 4: REVISTA MACONDO - #4

A um passo da edi-ção de aniversário, insis-timos em usar esse espa-ço para expressar o quão grati) cante é conceber mais um número da Ma-condo. Em uma curta tra-jetória de erros, acertos e, sobretudo, a vontade de oferecer uma publicação com um conteúdo que interesse a cada um de vocês, não nos esquiva-mos, todavia, do desa) o de lidar com a crescente quantidade de material

que recebemos. Entre tantos poetas e contistas que temos o prazer de co-nhecer, imaginem a nossa surpresa ao nos deparar-mos com a colaboração de arrudA, ou mesmo a felicidade, embora turva-da pelo senso de respon-sabilidade, em entrevistar o escritor Menalton Bra' - que se prepara para lan-çar seu novo romance, Tapete de silêncio, logo após o carnaval. No mais: as duas se-

ções que inauguramos na edição passada continu-am; e como um presente que chega adiantado, tra-zemos outras duas para o quarto número. Crônicas, com a participação de Pê Sousa e Jorge Colaço e Ar-tigo, com um interessan-te trabalho de Aline Veras acerca das relações entre jornalismo e literatura na nossa imprensa. Com a ) nalidade de valorizar a produção cultural do nos-so país, também, selecio-

editorial

POESIA

página 6

HAICAI

página 27

ENTREVISTA

página 32

CONTO

página 40

ESPAÇO VIRTUAL

página 58

BIBLIOPHILIA

página 59

Page 5: REVISTA MACONDO - #4

namos alguns trabalhos de Mauricio Nascimento, disponíveis no Domínio Público, para ilustração da capa e dos contos. Para ) nalizar, cabe ainda dizer que o grande desa) o da presente edi-ção foi o de não extrapolar - em muito - o número de trabalhos publicados. O que consiste em a) rmar, com outras palavras, que o aumento de material recebido é proporcional ao da qualidade dos mes-

mos. Por vezes, ) camos tentados a abrir uma ex-ceção e publicar “só mais um” conto, “só mais uma” poesia... Os critérios para seleção, por mais esforços que se faça, escondem consigo algum traço de subjetividade, que tenta-mos em vão rechaçar. Es-peramos, então, que este não tenha se sobreposto. Obrigado a todos que enviaram versos, nar-rativas, resenhas e cia (i)limitada. Relativizamos o

conceito de revista “inde-pendente”, já que depen-demos integralmente das colaborações que recebe-mos. Portanto, continuem participando - seja em forma de colaboração, de divulgação ou enviando suas sugestões e críticas - e boa leitura!

ARTIGO

página 61

RESENHA

página 70

CRÔNICA

página 75

MINICONTO

página 79

COLABORA

DORES

página 83

Page 6: REVISTA MACONDO - #4

poesia

Page 7: REVISTA MACONDO - #4

7quarta edição

poema simplesenquanto o livro mudo sobre a mesaguarda tua casae teu corpo sobre a camavela teu sanguedesconheço todas as palavrasnum sono da almaque já dura muitos anosmas agora bato o cadeadoe escorro num ) lete sob a porta

blue day) cou o dito pelo não dito

poema não-sentidosem revisão ortográ) ca

sobrou um antidesejopara a dor sem antídoto

um copo d’águae a cotidiana paisagem

lidiane lobo

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8 MACONDO revista literária

poesia

poema Ipássaro cegoque saudadedos telhados

de ouropreto

pássaro cegode alumínio

pássaro cegoum deusnarciso

penteandolá

de cimanossos

enganosde aço

inox

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9quarta edição

poema IIfaz de conta

que é domingoe

o faz de conta já não cabe

faz um pousode

emergêncianem todo

pousoé tão suave

faz frio no

hemisfério norte

a essa alturatanto faz

faz do vaziogeogra) a

faz de conta

que é poesia

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10 MACONDO revista literária

poesia

ESCUTO OS NAVIOS do porto de rotterdame os ventos do norte da áfrica

antes do dia escuto a manhãe o sono intranquilo

das galáxias

o coração nas têmporaso tempo se ajustando a cada

despedida

a rotação da terra nas rótulas dos joelhos

uma palavra nascendoo alfabeto em ̀orese as ̀ores

em silêncio

perfumando os diase as noites

sem pedir explicações

arrudA

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11quarta edição

despercebidosO que se passa nesses ) lmes modernos de amor

É como uma ciranda:encontro casual

depois um mal entendidoPra justi) car o ) nal estrombótico

com perseguições em aeroportos e o the end(Logo após um beijo de plástico)

Confesso que ando mesmo sensível aos amores despercebidosnas vias e janelas da cidade

nas despedidas de rodoviáriaSem trilha sonora

Mas com falta sentidaEm plano-sequencia

Sem exposição de motivos

De certo sabem estes amantesNas plataformas de embarque

Que aquele instante é sem repriseQue cada despedida

é um ensaio pra morte

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12 MACONDO revista literária

poesia

bolão de ) m do mundoNem asteróideNem pesteOu modernas glaciaçõestribunais e júris caíram em descrençabomba é sempre uma boa apostamas guardaram bem o botãoNesses tempos de ciborguesassepsiaeuforiadistraçãoignoro as previsões do tempoaposto em tédionáuseaplenitudee solidão

randolfo dos santos jr.

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13quarta edição

verso em metroVerto verso Sem metroPorque não seiMedir as palavras.

Mas meço O meu decoroNos versos Que digo ao mundo.As palavras Nem sempre são limpas Mas meu poema Nunca é imundo.

sigiloSeixos postos

Lado a lado na rua Guardam os

Passos do passado.

Sabem da vida de todos Mas se mantêm calados.

jjleandro

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14 MACONDO revista literária

poesia

é precisoouvir: o deslizar das nuvens

sonhar: fora da camadar ) m: ao carnaval

sentir: o cheiro das casas alheiasconferir: até sete o número de anões de jardim

reparar: que as estrelas se multiplicam por timidezperceber: que a única pretensão do fogo é subir

ouvir: as gotas de chuva baterem palmas umas pras outrashaver: vagalumes cegos iluminando de acasos a escuridão

escutar: o silêncio dos sonhos ao caírem no chãoarrancar: com leveza dedicatórias de livros

não ser: um túmulo anônimo

navegar: até desconhecer-se

Page 15: REVISTA MACONDO - #4

15quarta edição

nível de água: extra baixoO som da máquina de lavar invadiu meu sono no meio da tarde:

lá, minhas vontades eram centrifugadas,até escoarem,cinzas

e os sonhos, sacudidosaté desmancharem,macios

mesa de centroanjos mortos,

de mármoreolhando pra cima

desacreditados

no própriocéu

danilo lovisi

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16 MACONDO revista literária

poesia

delírios do verbo OU ARAPUCAS DE PEGAR MANOEL

(Para o poeta Manoel de Barros)

1.As manhãs me imensam

como em Ungaretti;arroios me gorjeiam de esplendor

lá, onde as árvores se garçame o sol brinca de arvorecer.

2.A palavra cansanção tem ardimentos

e o menino descalço nem aípois lhe escuda a voz dos passarinhos;

esse moleque arteiro estica o solcarrega o cenho do peru no grito.

3.Bicho danado é maracujá:engole a voz das ateiras;

as mangueiras roubam o sol do chãoe o pé de mastruz

enverdece os ossos da avó.

4.Mosca de manga

se agiganta no amarelocomo Van Gogh;

borboletas adoçam a aridez dos cactose o sanhaçu assusta os mamoeiros.

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17quarta edição

5.Nas mãos do mar

a linha do horizonte tem cerollá, a pipa do céu cai mais depressa

quando as margens da tarde me anoitecem.

poeminha colhido de um sonho de adélia

O sono me acorda para dentroonde os gerânios ̀orescem

acendendo as manhãsnos olhos da menina de vestido ̀orido

e ̀ores no sorriso.

O teu cabelo limpo, Adélia,re ̀etia vermelhos

mas um vermelho assim, possível apenasnas veias de um poema

e nos sonhos em chamas.

Eu sangrei uma cor, Adélia;eu sonhei.

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18 MACONDO revista literária

poesia

sombra de sal e silêncioNão dizer palavra...

Deixar o silêncio plantar sua nódoana cinza dos olhos.

E uma sombra há de vir,insustentável,

e despojada de dor e remorso e cansaçotrará numa das mãos linho novo,

alfazema;na outra, conchas de praia deserta,

frutos da estação,e ainda sem dizer palavra

acenderá os cílios com o sal das águasde uma outra concha,

essa mão que rasgará silêncios,tatuando na pele uma palavra gasta.

wender montenegro

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19quarta edição

dançasimplespalavra não ditaesconde-se num poemanuma dançaque mansapinta um quadrosem tinta

fugaa fuga passa por mim

a minha esperacansada me rendo

ouço a músicao vento

e de súbitosó resta

a terra

cristina desouza

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20 MACONDO revista literária

poesia

o abridor, a luzAgora que estás (tu o sentes)

só,se te revelam novas regras de não-destino.

Jamais terás uma adega,mas comprarás um abridor.

Tu o usarás até que o amarelo cristalino no copo

seja a única luz nos teus olhos.

A televisão será apenasum elemento da decoração auto-imposta.

Revistas e roupas espalhadasnegarão que há um vaso à porta,

reclamando visitas.E o prédio não entenderá

o que Van Morrison tem a vercom Daft Punk.

Não serás nunca poeta.mas amarás tuas ) lhas.

Agora que estás só,pouco importa falte água:

só precisas de luz.

eleazar venancio carrias

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21quarta edição

carteado de pilar terneraper) la as cartas na mesa velha

o moinho de fubácriando o mundo

amor de putafuxicos e terremotosno ventre

desabre as pernasem ̀or de plástico

vem o gelo

casa aos pedaçosigual paixão de adolescente

sem Aurelianocontinua lendo naipes de perfume baratopois feiticeira do fatídico

o gelo encarnado nas rosas do jarro

puta de amorcem anos de gordura-fecha o baralho.

leonardo chioda

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22 MACONDO revista literária

poesia

a morte do camponêsSeus ossos nome aradonão restaram, gotasde suor pingando de rosto em brancosomente em pontos cegos.

Talvez tenha sidolevado nas vagas de uma revoltamasna falta de rugas um olhoretorcidoqualquer traço é aceitocomo desenhar comgraveto na areia.

De resto,teve a graça de passar em branco na História.

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23quarta edição

um adeusO caminho perdido no matopedras sem cicatrizde marreta bomba a terra em tremor,o cansaço nos ossos, as pontes

ruíramno passo da lenta reconquista das plantas.

Obscuros na outra margem, teus acenostêm resposta do vento na folhagem.

adriano scandolara

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24 MACONDO revista literária

poesia

sem sinaleiro à meia-noite(cenário) Atravesso a rua de mão duplatrânsito agudo e feroz

(1ª opção) Volto-me à música que sopra de sua boca e não resisto ao gosto forte dessa pele

É fácil crer

(2ª opção) Mergulho no vácuo de três mortes e saio sem cortes – visíveis – de seus dentes

Do outro lado sempre é passado

(3ª opção) Escolho a contramão de meu peito antes que venha a hora de bater o ponto

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25quarta edição

Estou limpo (as)cetivamente ) ndo

(nota do A.) Só rua e travessia são reais: o personagem em ruínas quando muito se esgota em letras.

presençaMelhores os dias

quando nos esquecemos

(as horas são horas só horas)

Vez por outra ainda acontece de vir ao corpo

uma voz

que fulgura a palavra

SOL.

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26 MACONDO revista literária

poesia

compulsãoUma pena mitológica um enredo de fogo:

amputar as minhas mãos a cada amanhecer

para que não escrevam seu nome não a moldem

– imagem sem forma

que todavia assume a minha pele as minhas mãos

refeitas no perfume da recusa.

alberto bresciani

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haicai

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28 MACONDO revista literária

haicai

só restam nuvensnos meus olhos opacosque chovem em vão

atravesso sóo canteiro de rosas

sou vento em ̀or

saudades de mimnuma noite nubladaestrelas sem céu

sou satélitedos girassóis ao vento

reluzo ouro

cristina desouza

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29quarta edição

à borda dos ipês ̀uxo ̀orido

nado a pé

manchados de tardegalhos se avolumam

pardais em alarde

da vidraça estilhaçadasó o voo da pedrame interessa

ari marinho bueno

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30 MACONDO revista literária

haicai

Das histórias bem contadas(ao ler Bertold Brecht):

Zé contou uma,duas, três vezes; contoue não entendi.

Haicai para Debussy:

um sol esticado nas águas

anunciando desorizontes

Claras, claras, claras...:

em pino,não o sol,mas o artifício da luz.

Sodade:

domingoeu penso

no teu domingo

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31quarta edição

Haicai para quedas:

Pulou do telhado,(bicho de sete-cabeças)morreu sete vezes.

germano viana xavier

Horário de Verão:

Manhã de sol e calPrédios se espreguiçam

no colo da cidade.

ani almeida

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NÃO CONSIGO MAIS VER A SOCIEDADE

DA FORMA SIM-PLISTA COMO VIA

entrevista

MENALTONBRAFF

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34 MACONDO revista literária

entrevista

Já com 18 livros publicados (a maior parte deles, na última década), Menalton Bra' é um expoente daquilo que nossa literatura nacional traz de melhor nesses últimos anos. Consagrado enquanto contista e romancista de mão cheia, o autor não só escreve para o público adulto como também pas-seia pelas prosas infanto-juvenis. Durante muitos anos, lecionou português e literatura para jovens. Nascido em Taquara, no Rio Grande do Sul, passou por lá seus anos de juventude. Militante político, foi obrigado a deixar seu estado natal com o Golpe Militar de 1964; erradicaria-se em São Paulo, onde cursou Letras e deu aulas para o ensino superior, em Literatura Brasileira. Hoje, mora em Serrana, cidade próxima a Ribeirão Preto, na região central do estado.

Sob o pseudônimo de Salvador dos Passos, o autor publicaria seus pri-meiros livros na década de 80: o romance Janela aberta e o livro de contos Na força de mulher. Voltaria a assinar como Menalton Bra' 14 anos mais tarde, já em 1999, na ocasião da publicação de À sombra do cipreste - livro de contos que o lançou ao grande público, agraciado com o “Prêmio Jabuti de Melhor Ficção” no ano de 2000. Desde então, o nome de Menalton sempre ) gurou pelos mais importantes prêmios literários do país: Muralha de Adriano, por exemplo, foi ) nalista dos prêmios Jabuti e São Paulo de Literatura, no ano de 2008, e obteve Menção Honrosa do Prêmio Literario Casa de las Améri-cas (Havana, Cuba). Nestes últimos anos, Menalton publicou Bolero de Ravel e, recentemente, apresenta Tapete de Silêncio (ambos pela Global Editora) - este último, com lançamento previsto para o próximo 1º de março.

Sem mais delongas, apresentamos aqui um pouco de Menalton Bra' a

vocês.

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35quarta edição

Você se sente mais à vontade escrevendo romances ou contos? Sou por índole mais romancista do que contista. Sinto-me melhor nadando no oceano do que numa piscina. Não desgosto do conto, mas é uma experiência de pouca duração. Pre) ro o convívio lento, prolongado, com as personagens, a estrutura, e a linguagem.

Entre À Sombra do Cipreste, que completa, em 2012, treze anos, e Tapete de Silêncio, seu último livro recém-escrito, lançado agora pela Global Editora, algo mudou no seu processo de criação e escrita? O quê?Não creio que tenha mudado. O que acontece é uma constante busca e isso implica um olhar mais agudo e mais atento, um trabalho com a linguagem mais intenso, mas o que eu procurava com “À sombra do cipreste” e o que continuo procurando ainda hoje: a

minha in ̀exão, o meu jeito de fazer literatura.

Quais seriam as principais diferenças, para você, entre os escritos de Salvador dos Passos, da década de 1980, e os de Menalton Bra' ? Posso falar da principal diferença. O Salvador dos Passos foi o “caderno de exercícios” do aluno Menalton. Há certa continuidade entre eles, se bem com um a) namento dos instrumentos. Mas uma diferença é grande: o Salvador era pan ̀etário, ou disso se aproximava. O Menalton deixou de querer salvar o mundo. Minhas inquietações se tornaram mais complexas e não consigo mais ver a sociedade da forma simplista como via. Eu via o homem através de óculos políticos. Agora quero ver o homem primeiro e, se for o caso, até botar os óculos, mas depois.

Em 2000, seu livro de contos À Sombra

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36 MACONDO revista literária

entrevista

do Cipreste ganhou o prêmio Jabuti de Melhor Livro de Ficção; este é, ainda, um dos maiores reconhecimentos em forma de premiação do país. O quanto isso in ̀uenciou ou modi) cou sua carreira ulterior de escritor? Eu nem diria que in ̀uenciou ou modi) cou. Melhor seria dizer viabilizou. Na verdade (e esta é a situação existente no Brasil), um autor obscuro, sem que lhe aconteça algo, permanecerá obscuro para sempre. É preciso alguma explosão para que se torne visível. É preciso que um livro se torne um fato noticiável para que apareça. Claro que não é esse o único caminho, mas esse foi o meu caminho.

Como você vê a literatura contemporânea brasileira? Acompanha o lançamento de novos livros, produções de novos escritores nacionais? A literatura não está mal, a não ser pela falta de leitores. Lê-se mais hoje no Brasil? Sim, isso é verdade. Mas o que se lê não merece o nome de literatura. Na medida do possível acompanho o que se está fazendo, tenho notícias das principais tendências. Tenho algumas leituras de obrigação (o que não impede o prazer) e isso não me permite ler tudo que gostaria. Mas

alguns autores jovens eu consigo acompanhar.

Você é uma pessoa bastante ligada às redes sociais – mantém um blog constantemente atualizado e interage com seus leitores através da rede. Como sente essa proximidade com os leitores? E, ainda, como vê a relação entre “internet” e “literatura”? Me parece que estas mídias novas nos ajudam. Claro que se deve tomar o cuidado de não substituir o consumo e a produção da literatura pelo verdadeiro voyeurismo a que somos sempre tentados. Procuro me disciplinar, impor-me horários para não cair na cilada. A relação da internet com a literatura, segundo penso, é apenas de divulgação, a possibilidade de ir mais longe. Não acredito em uma literatura do internetês. O modo de se produzir (escrever a lápis em cadernos como fazia o Graciliano, usar uma Olivetti, como ) z boa parte de minha vida, escrever no computador, nada disso muda a estrutura mais profunda do pensamento).

Como foi que começou a escrever livros de literatura infanto-juvenil? Qual sua relação com esses escritos, com o gênero, com o público-alvo...?

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37quarta edição

As perguntas todas estão relacionadas à mesma resposta. Como professor, que fui, convivia com adolescentes, conhecia suas idiosincrasias, seus valores, suas perplexidades e expectativas. Alguém me desa) ou perguntando por que nunca havia escrito para aquele que era meu público imediato, com quem trabalhava todos os dias. A ideia demorou ainda algum tempo germinando. Mas um dia, depois de uma cena vivida, e envolvendo a cena com um conto que me parecia falhado, me ocorreu a vontade de tentar um romance juvenil. E assim me saiu a primeira publicação no gênero. Bem, procuro não fazer muitas concessões, pois acho que literatura juvenil ou infantil são de qualquer forma literatura. Alguns cuidados, entretanto, tenho de tomar. Por exemplo, as questões éticas não podem ser

esquecidas. Quando se fala a um ser em formação, a responsabilidade é outra. Outro cuidado é com a linguagem. Não aderir à linguagem deles, usando gírias, que envelhecem um texto muito cedo, mas também não usar palavras “mortas”, como palor, périplo. Existem maneiras de se dizer isso, com um português mais moderno sem necessidade de ser modernoso.

Você é formado em Letras e, durante anos, exerceu a atividade de professor. O Rubens Figueiredo, recentemente, numa entrevista, quando indagado se preferia escrever ou traduzir, respondeu que preferia, na verdade, dar aulas. E você, concilia bem as duas ocupações? Como vê a relação entre escrever e ministrar aulas? Conciliei muito tempo, mas de maneira con ̀ituosa. Na sala de aula somos obrigados a ensinar as normas, pois

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38 MACONDO revista literária

entrevista

pois ninguém rompe com o que não conhece. Na hora de escrever, esquecia as normas e me dedicava às rupturas. Estou convencido de que um escritor que não tenha outra relação com os seres humanos a não ser intermediado por sua escrita, se empobrece. Então, não lastimo o tempo gasto em sala de aula, que poderia parecer um tempo roubado à literatura. Eram experiências de relacionamento humano que, penso eu, de alguma forma me enriqueciam. Mas é claro, sempre preferi escrever. Apesar do parentesco entre as duas atividades que cabem juntas no grande capítulo da comunicação.

Fale-nos um pouco sobre alguns projetos futuros seus: novos livros que estão por vir, trabalhos, ideias a serem postas em prática, empreitadas pelo mundo literário...Bem, começo pelos livros futuros: tenho dois livros já editados com contrato vencido, tenho quatro romances inéditos e duas coletâneas de contos esperando a vez. Além disso, continuo antenado ao mundo, e eventualmente surgem temas ou ) guras para um conto ou outro, e de repente pode pintar assunto para um novo romance. Contribuo periodicamente com as revistas

eletrônicas Bula e Carta Capital, aceito convites para eventos literários (palestras, mesas, salões de ideias e outros), tenho visitado escolas que adotaram livros meus para conversar com os alunos, viajo com bastante frequência. Mantenho meu blog e meu facebook, mais ou menos atualizados, leio quanto posso, às vezes me pedem um prefácio, uma orelha, en) m, atividade é o que não me falta. Meu próximo livro, por minha vontade, será o romance O casarão da rua do Rosário. Gosto muito do resultado.

Para ) nalizar, como já é hábito daqui, gostaríamos de pedir que você deixasse algumas palavras aos escritores que lêem a revista e que possuem um interesse muito próprio ligado ao “ler” e ao “fazer” literatura; muitas vezes, estão começando agora a esboçar primeiros escritos ou procurar um espaço para divulgação de trabalhos.A primeira coisa que se pode dizer a um futuro escritor é que ninguém se torna escritor sem que tenha paixão pela leitura. Mas não uma leitura aleatória, como quem diz “Leio tudo que me cai nas mãos.” Sem essa! A quantidade de livros é ilimitada e nosso tempo é limitadíssimo. É preciso

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39quarta edição

ser seletivo. Críticos, professores, resenhistas, escritores experientes devem ser ouvidos. Depois de produzir, mostrar. Há blogs onde se pode expor o que se produz, mas há os amigos ligados ao assunto, que também deve ler e, por que não, até os familiares devem ler. E participar de concursos, isso é imperioso. Quando se participa de um concurso, pelo menos três leitores se consegue. E depois, ou antes de tudo, se é o caso de poesia, ler Cartas a um jovem poeta, de Rilke. É a bíblia do poeta.

As capas da página 37 referem-se, respectiva-mente, aos livros Tapete de silêncio (romance com lançamento programado para o início de março), A muralha de Adriano e À sombra do cipreste.FOTOGRAFIAS: google imagens

» 3 LIVROS INESQUECÍVEIS PARA O AUTOR:

* Dom Casmurro - Machado

de Assis

* O lustre - Clarice Lispector

* Em busca do tempo per-

dido - Marcel Proust

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contos

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41quarta edição

a velha balada do ano novo

Toda a ansiedade, afetação, todos os barulhos, expectativas tinham cessa-do. Até que não foi tão difícil. Pensou. Muito antes chegou a pensar que não iria aguentar, - estava ) cando fraco? - mas é que quando o lance veio, outras coisas também foram acontecendo e tudo foi se misturando e aí ele já não sabia mais o que era o que. Só por um breve momento saiu do ritmo dos ou-tros e puxou-se prum canto, mas logo viu que isso não o levaria a lugar ne-nhum, então cerrou os olhos e deixou a coisa ir. Não lhe servia de nada. Pensou de novo. Depois uma coisa começou a vir pelo corredor: uma coisa que na verdade eram outras coisas que saíam logo que os pingos da chuva tocavam as pedras envelhecidas do jardim. Isso veio com tudo, mas aí, alguém, como um personagem que sai de um ) lme e entra em outro, num corte bruto - as-sim como são os cortes da tristeza ou da alegria - apareceu com uma taça er-guida em sua direção e lhe disse: feliz ano novo. Ele com um sorriso saído de uma gaveta cheirando a ontens e que um dia foram amanhãs e hojes olhou

meio de lado, ergueu melancolicamen-te sua taça e disse: feliz ano novo, de-pois tomou um gole e ) cou tentando lavar a mentira entre os dentes. Juntou--se ao restante. Não exatamente por-que quis. Apenas fora levado como se alguém invisível lhe puxasse pelo bra-ço. Todos estavam ali mesmo? Traziam tantos sorrisos e esperanças que era difícil de acreditar. Quem tivesse algo de ruim pra contar que se retirasse. Era isso? No meio do frisson, sem querer, pensou numa frase: “quando a porta da casa em que você vive se escancara e alguém que você gosta muito sai de-) nitivamente por ela, até as portas das casas que já não mais existem também se escancaram”. Ele lembrou-se da por-ta aberta e do largo silêncio que ) cou. Ainda soava em seu ouvido como um zumbido saído de uma concha do mar. Tinha que sair disso, portanto, olhou pro outro lado como a tentar vasculhar ou-tra caixa de pensamentos. A chuva ) na embaçava as janelas e ele pensou que elas também poderiam usar óculos. Ao pensar nisso, rio, rio de si mesmo. Isso seria um bom sinal? Talvez, talvez. Chegaram a casa com a sensa-ção de que tinham dado o melhor de cada um. Pelo menos foi o que sentiu. Todos os anos a mesmíssima coisa. Ele já não sabia se as pessoas não queriam

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contos

mudar ou se existia algo mais além que as impedia de fazê-lo. Estava muito can-sado pra pensar em perguntas desse tipo, então mergulhou numa cama que havia sido posta especialmente pra ele. Sentiu que a noite lá fora começava a colar na noite dentro dele. O arpão es-tava lá. Podia senti-lo mais presente que uma de suas pernas ou braços, ou até mesmo mais que sua cabeça. Fechou os olhos como se entrasse em um bar-co. Quilhas cortando o escuro líquido. Isso seria como morrer? Perguntou-se. Perguntou-se também quanto daque-le escuro signi) cava passado, presen-te ou talvez futuro. Despertou com al-guém lhe tirando os sapatos. Era um negro tão nobre quanto um rei. Um rei negro lhe desatava os sapatos como se lhe acariciasse os cabelos, como se lhe protegesse do frio, como se lhe secasse todas as lágrimas. O ) lho dele, um pe-quenino e sorridente pingente, ao seu lado, lhe abraçava como se o conheces-se de outras existências. Quem sabe? Só uma criança consegue ser risonhamen-te profunda. Seus olhos eram como sóis e sua voz lhe chegava como ventos balançando roupas num varal que ele havia contemplado em algum momen-to na caixinha da sua infância. Aquela criança lhe conhecia como ninguém. Ela se enroscou nele e logo adorme-

ceu. É isso, as crianças conhecem a dor, mas, assim como fazem com seus brin-quedos, as deixam de lado a qualquer momento. Pensando nisso, olhando-a dormir e vendo o rei negro pôr seus sa-patos juntinhos num canto e desapare-cer com um “boa-noite” num tom que só os grandes amigos conseguem atin-gir, sentiu o barco parando, estalando, se partindo e, por ) m, afundando no es-curo profundo e macio. Tão macio que lhe arranhava as pálpebras. Enquanto seus olhos ardiam, um silêncio foi-se to-mando forma. Silêncio negro onde coi-sas nunca sabidas acontecem. Acordou mais cedo. Sabia que logo as crianças romperiam pela sala como corcéis. Em silêncio, desfez a cama. Pen-sou em deixar um bilhete, mas também pensou que isso já não se usava mais. Então, escreveu algumas palavras de agradecimentos num papel invisível do seu pensamento e as deixou sob uma xícara. Saiu de ) ninho e fechou a porta. O ano velho, talvez como uma for-ma de protesto, deixara uma chuva ) na para o ano novo. Ela caía sobre ele como um carinho úmido, como uma bênção. As ruas estavam vazias. Só ele e a chu-va se movimentavam. Pensou em pegar um táxi, mas queria andar, queria apro-veitar a ociosidade das ruas. Precisava mexer tudo o que pulsava nele. Pôs uma

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música no ipod. Na mosca. Pensou. Foi indo. Lembrou-se do arpão. Não queria pensar nele. Ainda estaria lá? Claro! Es-sas coisas não desaparecem assim. Mas não ia pensar nele agora. No momento, as únicas coisas que realmente lhe inte-ressavam, eram: a chuva ) na, a reverên-cia das ruas e uma canção no ipod, que lhe dizia: “Minha moeda já está girando no ar e que seja o que tiver que ser”.

reynaldo bessa

bibliomaniasempre quis ter uma livraria podia até ser um sebo em algum lugar qualquer longe perto do outro lado do mar do mundo desde que pudesse estar entre-meada cercada envolvida por livros e ao mesmo tempo ganhando a vida fa-turando o seu cacau puro sonho impos-sível sempre duranga sempre correndo atrás

sempre sempre

pelo menos agora tinha conseguido descolar esse trabalho como auxiliar de vendas na mega livraria que abrira no bairro pertinho no ) nal do leblon ganhava uma merreca mas o prazer de manusear brochuras e encadernações o dia inteiro desempacotando-as folhe-ando-as dispondo-as tema a tema nas estantes e prateleiras era quase sexual

Ah gostosura

no começo tudo bem conseguia mes-mo ) ngir indiferença olhar cada livro como meros objetos sem espanto sur-presa cara feliz cara triste de desprezo como se fossem embalagens de cereais mas aos poucos foi perdendo a com-

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postura se traindo foi demorando mais a cada manuseio e as folheadas eram nada singelas só fruição

puro perigo

a qualquer momento podia levar um es-porro da gerente podia até dançar per-der tudo que loucura tinha que segurar a onda deixar passar entre os dedos simplesmente aqueles fragmentos do discurso amoroso aquele corpo ama-do tchekov baudrillard machado uns poemas do dillan haroldo drummond gullar as super cordas ai que difícil viver que perigoso por que não nascera ela um simples vaga-lume ao invés ali ten-do que desaprender aquelas sensibili-dades todas que levara anos cultivando como se cultivam orquídeas

por demais amáveis

se fosse descoberta pronto estava frita gostar de livros tudo bem era até con-veniente um plus quase um luxo desde que doucement de leve sem tempera-mentos não assim apaixonada a ponto de se abstrair de tudo em volta entrar no túnel viajar feito alice na intempe-rança poética na divagação ) losó) ca na urdidura mirabolante chesterton fonse-ca hammet sem ouvir telefone apelo de

cliente chefe

nem nada ninguém

bem que tentou até se empertigou lin-da vendedora com sorriso num canto do salão mas nem durou porque desa-bou um toró daqueles brabos e tudo se esvaziou horas a ) o ninguém pra com-prar olhar se informar foi dando a ̀ição vontade de cair dentro se enredar com helenas ofélias baudolinos margaridas se esparramou nas almofadas cercada de volumes o tempo foi deixando de existir parece foi virando pasta a música da gal sumiu da voz também virando pasta gerente objetos coisas se desin-tegrando só capas e miolos e lombadas soltas fora de seus nichos ao léu como tijolos de uma nova construção

terna tentação.

heloisa campos freire

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moby Abriu um olho-claridade, brilho, luz-piscou uma, duas-três, várias vezes ligou e desligou o mundo. O outro.Aberta as janelas, fronteiras entre o sono e o despertar, talvez entre a morte e a vida, pensou... (ultimamente pensa-va demais.) Precisava levantar- “levanta ) lho da puta, levanta vagabundo.” – ouvia os quase inaudíveis insultos que o cérebro – entidade funcionário público – grita-va. O corpanzil velho gordo e suado las-civamente afundado qual Titanic ou Pe-quod em um mar de cobertas também velhas e também suadas. Girou os olhos pelo quarto, como fazia sempre; examinava o local-cela--quarto-prisão... grades? No chão entreaberto... Moby Dick – sonhara estar preso no mortal arpão de Ahab; Baleia, Moby como era chamado – a baleia era branca; ele era a própria noite. ...o zunido... Sempre o zunido da-quela miserável... Um dia a pegaria. Barulho lá fora. Valia a pena sair? Na superfície o Pequod o espreitava. Sentia o seu suor, seu odor de negro fujão; de escravo. “Tudo vale a pena se a alma não é pequena”, quis cuspir no

chão. Achou melhor não. Dane-se o Pes-soa. Tão louco que seu duplo era dobra-do. Louco de merda. “Pelo menos eu sei quem sou, sei o que faço: Eu sou........... faço.........” Bobagens. A sombra do Pequod estava quase sobre ele. Piscou os olhos. Mergulhar mais fundo. O mar era seu território, seu universo. A mulher gritava para que não es-quecesse a chave... “A chave! A chave!” e ele em desespero se apalpava. Bolsos do casaco, da camisa, da calça... “A cha-ve! A chave!” “Levante, levante” implo-rava o cérebro; mas o corpanzil sorria constrangido na sua incapacidade de produzir ação. “Desculpe... respondiam todos os músculos, todos os nervos--neurônios–veias tudo. Todo o orga-nismo em sussurro, depois lamentos depois em berros gritavam-berravam--ganiam-gemiam-murmuravam. Procurou pelo quarto – sempre o silêncio, abraço profundo; forte e sufo-cante como o da mãe “Não vá se sujar meu ) lho... não vá se sujar meu ) lho...” o perfume adocicado e enjoativo lhe invadindo as narinas e nauseando-o. A tentativa desesperada de fugir dos ten-táculos maternos... “Não vá se sujar meu ) lho...” Fuga! Rua!

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Corria livre o sorriso fácil riscado na face gordinha e rosada. “Brincar, brincar, brincar” lhe ordenava a alma infantil, e era a mesma alminha que se encolhia tal qual o corpo, assustado e humilha-do quando os meninos da vizinhança o colocavam na roda e o chamavam de baleia, “Moby Dick!”, Moby Dick!” Chorar? Não. Quando o pai lhe encontra-va chorando batia com violência no seu rosto “Home não chora bundão! Home não chora!” E ele, a baleia, engolia as golfadas de lágrimas em proporções desumanas. Na escola era o centro das aten-ções; as meninas riam e chamavam-no de Bolo fofo, A baleia sempre fugindo das ameaças. Fundo mergulhava. E o pai? Ausência presente. Presente indi-ferença. Vazio. Poltrona vazia, garrafa vazia. Uma lembrança... Vaga lembran-ça... A mãe? O abraço tentacular tão indiferen-te quanto à indiferença paterna “não vá se sujar meu ) lho, não vá.....” O arpão rasgando o mar. As lágri-mas, as lembranças... Ahab. Vários Aha-bs insanos em seu encalço. Afundar...afundar. Cada vez mais afundar.

A mãe-perfume Perfume-amante. Chances de amor? Sim, tivera a chance de ser normal. ( O que é ser normal?) Ela até que gosta-va do cetáceo, mas não tinha condições de suportar a pilhéria da marujada: “Não dá mais Moby, não dá mais.” “Por que fulana... por quê? Por quê? O coro da turba surgia em unísso-no vociferando: “Gordo, Gordo!” Nos ouvidos as mãos, tampões exatos na exatidão da dor. Chorar? Não, Moby jamais chorava – o pai não deixava – Moby só mergulhava. Sempre o mergulho. Fugia incessante do arpão, para o arpão... Ar... Pra que serve o ar se há a imensa e delirante dor; pra que ar se o arpão da infelicidade lhe atravessa as costas numa gargalhada horrenda. A cama-mar- acamar- acalmar... Dor!Dor!Dor! Ardor e febre. Suor. O corpo se despede enorme. Abandono. Imensa nódoa escarlate que tinge a água e su-foca até Ahab. Os olhos – longe a baleia, na su-perfície arrasta para o inferno o navio, a fúria e a intolerância.

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Então chegaram calmos, quase sorriam – os carcereiros-enfermeiros--amigos-sombras-marujos...sonhos. “O gordo foi pro saco.” “É” “Pois é.” O cérebro ativa a última luz... “Suicídio?” “Desde que nasceu.” Sorriu o ou-tro. “É.” Parados e abertos os olhos. A vi-são. Ahab. Dentes arreganhados, toda a tripulação, todos os meninos, a mãe, o pai, a amante – o arpão. O corpo. Corpanzil de graxa, baleia imensa negra-branco cetáceo. Morte. Morte? Sim, por que não, só mais um gran-de mergulho... “Ta morto mesmo?” “Não sei...” O salto. O berro! Joga-se! A gordura imensa o peso intenso sobre os olhos claros os olhos parvos, o pânico de) nido pela inde) ní-vel morte. Sufocados-esmagados-tritura-dos... Apagada a fornalha fecha-se o li-vro os olhos fecham. Mais um mergulho.

Encontrariam no outro dia dois enfermeiros esmagados pelo paciente do quarto 56. A vida... e a morte também podem ser ridículas. Não havia nenhum Ismael para escapar ao naufrágio.

ronie von rosa martins

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um dia contaremos aos

nossos ) lhos Um dia contaremos aos nossos ) lhos o que fazíamos com as portas trancadas. Contaremos o que ) zemos das portas trancadas e o que elas ) ze-ram conosco. Pois é, o que elas ) zeram conosco? Teremos que saber para um dia contarmos aos nosso ) lhos. As por-tas continuam trancadas e de que lado você está? Um dia contaremos aos nos-sos ) lhos que você não me quis deixar ver o seu vestido para não sujá-lo e o trancou no guarda-roupa. Eu nunca vi o seu vestido. Eu nunca soube se você usou o seu vestido. Ele deve estar tran-cado. As portas continuam trancadas e de que lado você está? É você que está dentro do guarda-roupa ou é o vestido? Um dia nossos ) lhos abrirão a porta e te verão com o vestido, dentro do guarda--roupa. É lá que você está. Eu nunca te vi. Teremos de contar aos nosso ) lhos que você nunca me permitiu que te vis-se, para não te sujar. A) nal, de que lado você está? Nós nunca lutamos do mes-mo lado, meu bem. Seus ) lhos saberão disso? Eu sempre lutei, sempre fui um

guerrilheiro, você sempre disse. Um dia contaremos aos nossos ) lhos que eu sempre fui um guerrilheiro? Teremos de contar a eles que foi a guerrilha que me fez fugir. Não foi covardia, apesar de você sempre ter jogado isso na minha cara. Eu tive de ir, me perder nas minhas ideologias, para permitir que você ) -casse trancada no guarda-roupa expe-rimentando seu vestido. Foi a guerra que me trancou. Foi você quem trancou a porta quando eu saí. Foi você quem me trancou na rua quando eu tive de lutar. Um dia contaremos aos nossos ) lhos que eu tive de lutar. Quando lu-tamos, temos de abrir algumas portas, descobrir algumas pessoas e as colocar para fora. E quantas portas eu tive de arrombar? Você sabe? Eu procurei por diversas vezes seu vestido, mas nunca o encontrei. Eu não colocaria as mãos nele, pois isso sim o sujaria. Eu só queria vê-lo. Você com ele ou só ele sem você. Você se lembra onde o colocou? Você se lembra onde guardou a chave? Não consigo encontrar a minha e eu pre-ciso entrar em casa. Já vai amanhecer, Madalena, e eu preciso entrar em casa. Você já fez o café? Um dia contaremos aos nossos ) lhos que você dizia que eu era um sentimental e que, quando eu te batia, você ligava pra sua mãe e me fazia te pedir perdão. Eu nunca te bati, isso

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tudo é coisa da sua cabeça. Um dia eu vou entrar em casa e contar pros nossos ) lhos que isso tudo é coisa da sua cabe-ça, isso tudo é culpa dessa cachaça que você anda tomando. Ah, me desculpe, Madalena, é que eu já bebi demais e não sei onde ando com a cabeça. Con-taremos aos nossos ) lhos, sim, um dia, que você não me deixava beber e tran-cava as garrafas no armário. A porta do armário continua fechada e onde está a garrafa? Onde eu estou agora? Eu conti-nuo trancado dentro do armário e você no guarda-roupa. Sai daí de dentro, mu-lher, e abre essa porta, que eu preciso entrar. Daqui a pouco o sol nasce e nos-sos ) lhos vão ter que ir pra escola. Um dia contaremos a eles o tanto de tempo que ) camos trancados. E, quando eles reclamarem que não podem sair, culpa-remos as portas, que continuam tranca-das. As portas continuam trancadas e de que lado você está? Um dia. Conta-remos aos nossos ) lhos?

otávio campos

anna, as pessoas boas escutam

beethoven A gente ia fugir pra Cancun pra ) car tomando mojitos ao pôr-do-sol. Aquela coisa de silhuetas contra o la-ranja, sabe? E gaivotas. Queríamos uma centena delas. Corações na areia, iniciais, quartos de hotel bagunçados e cafés da manhã às duas da tarde. Toda a cafonice vital e merecida que nos incutiram no espírito como necessidade de sobre-vivência. Duas contra o mundo, Thel-ma e Louise, Batman e Robin, Quixote e Sancho. Fiéis escudeiras da sanidade –e da loucura- uma da outra. Citações bêbadas de Camus a Friends, piadas in-ternas e risadas eternas diante das caras pasmas dos outros. Os outros, tão dis-tantes, Lia. Sempre ine) cazes, sempre a pedra atirada contra o vidro da estufa. A gente obrigava a vida a ser feliz, a gente obrigou a vida até onde pôde, e agora é isso. O agora é uma sucessão de horas que transcorrem lentas como aqueles dois ) letes de sangue que te enfeita-ram os pulsos sobre uma pedra branca de banheiro, darling. Depois disso eu comecei a fazer coisas que duvidava.

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Até rezar eu rezei, e foi com uma raiva fervorosa que ainda não abandonou o meu quarto. Deixo a luminária sempre acesa, Lia. Pra ver de vez em quando a gente dando o dedo pra câmera com Cancun atrás. E também porque passei a ter medo do escuro. Escalpei um co-elho, outro dia. Lentamente, vermelho sujando o branco do pelo, o corpo pe-queno se debatendo. Pavor naqueles olhos, Lia, eu vi tudo com paciência e enquanto ele me chutava os braços eu ia colocando mais força nas unhas e me arrepiava toda porque sentia que ali eu era Deus. Pânico de ser Ele. Acordei com as mãos cheirando a carne, e até hoje não saiu. Só vai sair quando eu parar de pensar no antes. Mas hoje eu sonhei que me lembrava. Eram cenas nossas que ousavam pingar belezas muito só-lidas num cenário hediondo chamado mundo. Era você com meus sapatos de vi-nil azul dançando qualquer coisa num bar onde ninguém dançava. Eu com meus martinis e cigarros interpretando Garbo para o garçom. E depois os ca-minhos vazios das madrugadas sob os nossos calcanhares trôpegos e muito próximos um do outro. Quero de volta, Lia, os teus calcanhares. Quero protegê--los de eventuais ̀echas, quero lançar--me sobre eles quando pressentir as

rasteiras dos homens. Quero ouvir mais uma vez você me ensinando a sentir a música. Anna, as pessoas boas escutam Beethoven, você dizia, com aquele olhar perdido de quando verbalizava idioti-ces que se pretendiam grandes verda-des reveladas em brilhantes senten-ças. E eu pensava: os nazistas amavam a Nona, mas não falava em voz alta, só acenava com a cabeça e depois repou-sava no teu ombro, aprendendo a amar a música e assim, a ser boa também. Deixo a luz do banheiro acesa e começo a ) ngir que você está lá dentro. Assim, nós conversamos horas e horas e você me conta sobre coisas iluminadas que eu jamais suspeitei que existissem na Moldávia. Você me conta de idéias para possíveis telas e eu deliro dentro das tuas viagens. Improváveis metas, você sempre pensava que iria fazer algo e eu já sabia que nunca faria. Que nunca farí-amos, Lia. Me conta os ) nais dos ) lmes que eu ainda não vi e quero tanto. Eu deixo. Espera eu dormir, Lia, e quando sair, vá com cuidado: dói demais escutar o barulho dos meus sapatos azuis indo embora com os teus pés dentro.

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apocalypse now, please

Sei que não foram sacerdotes me-sopotâmicos que adivinharam esse meu destino até agora pouco surpreendente. É claro que quando se debruçavam so-bre o fogo eles estavam mais ocupados em ver dilúvios, pragas, tremores de ter-ra e colunas de templos a desabar sobre o mar. Civilizações inteiras desapare-cendo no cosmos, e as próprias estrelas se modi) cando lentamente em espe-táculos mais sublimes e terríveis que o meu despertar comer dormir numa ci-dade que ainda não viu catástrofes bí-blicas. A única coisa que me remete a essas estrelas é uma certa lentidão evo-lutiva. Mas não me interessa a evolução física dos homens. Se todos nós ainda temos resquícios de rabo, é das coisas muito particulares que falo; coisas cujas estruturas, se é que existem, me pare-cem mais complexas e imutáveis do que a matéria que forma os organismos vivos. Hoje vemos o átomo. Queria po-der ver os sonhos, os pensamentos, as fantasias. Seria bom poder entender porque me sinto mais eu pela minha vontade de sorriso do que pela visão do meu rosto sorrindo, porque quando eu

choro eu sou mais o meu desconsolo do que uma cara patética a se contorcer e uma voz entrecortada tentando verba-lizar o indizível da dor. É fácil demais ser patético através do choro, e o ridículo camu ̀a a beleza que existe nas lágri-mas, que é uma beleza que não se pode enxergar. Queria ver como são belas, às vezes, as vontades de choro. Queria sa-ber o nome de um sentimento que me nasceu um dia e ) cou até hoje. Desco-brir se ele se parece remotamente com alguma coisa chamada amor ou vonta-de de amor, ou amargura de amor, ou ódio. Uma mão tem cinco dedos, e ne-nhum deles é igual ao outro. Queria sa-ber se o amor também tem cinco dedos e se assim for, é alguma coisa que unge, que rasga, que afaga, que delira e que apaga, tudo ao mesmo.Se esta minha lentidão em envelhecer minha alma me torna um irmão espi-ritual de estrela, quando eu choro me nasce um vinco a mais e meu corpo está mais próximo de ser poeira. Hoje desisti de me olhar no espelho e fui mais eu em soluços quando en) ei a cara no traves-seiro e fui entrando no escuro: cada vez mais eu, cada vez distinguindo melhor no cosmos o envelhecimento magis-tralmente belo das estrelas - é preciso que se dê adjetivos como esse às estre-las e às coisas de estrelas, e nesse caso

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contos

até o lugar-comum e as redundâncias merecem perdão. A nós, nada de mo-numental. Exceto a) rmar que estamos monumentalmente entediados nessa cidade. Incomensuravelmente sozinhos nesse mundo todo, e antes que possa-mos olhar com nosso olho bem dentro do olho de um sonho, nos desintegra-remos sem alardes e sem legado. Se a nossa História comporta as adivinha-ções mesopotâmicas, não comporta as adivinhações da minha história, minús-cula e repleta de casualidades em livra-rias de esquina e outros leves sobressal-tos. Mas eu não quero fazer parte dessa História maior, nem quero a pretensão de profecias às minhas pequenas ver-tigens diante de certos olhares alheios. Aos sacerdotes, pre) ro os cineastas, e aos sumérios, pre) ro os poloneses. Kr-zysztof, por exemplo. Esses que me in-cutiram no espírito um desejo não físico de olhar as coisas. Nesse sentido, ainda que incapazes de transmutar o eterno vazio em paisagem, alguns terremotos e um sem-) m de dilúvios me atraves-sam todos os dias, insuspeitos e ín) mos para o mundo como a morte de uma formiga. Aparentemente, a cidade con-tinua tranquila e todos nós vamos cho-rar ridiculamente por alguns milhões de anos ainda, ignorantes dos sentimentos sem nome, com nossos microscópios e

átomos e tédios e vincos e resquícios de rabo.

léo tavares

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o arlequim e o enjoo

Um café. Precisava muito de um café. Madrugada afora, de frente pra tela desde as quatro da tarde anterior. Antes disso, não se lembrava mais. Va-gueavam três possibilidades: uma noite mal dormida, alimentação pouco farta, tempo escasso. Desmentiu-se nas três – era preciso entregar o trabalho. Ler os textos. Com pouca literatura. Mas ler os textos. Livros. Metia-se então entre as letras, que ia corrigindo e dicionarizando confor-me a ordem de estranhamento. Fazia com devoção. Embrulhava-se, concen-trado na tarefa, e prosseguia corrigin-do inadequações, acentuando palavras, dando-lhes sintaxe outra, desfazendo incoerências. A julgar pela experiente condição lê-revisa-imprime-relê-entre-ga-recebe, terceirizava-se em tempo ra-zoavelmente modesto. E isso reputava útil à função que exercia, permitindo que se assaltasse, dia-após, em novas pilhas de trabalho. Não desconhecia os prejuízos da atividade. Nem se orgulhava da exaus-tão com que se mantinha ) xo em. Ape-

nas acumulava-se, era preciso – agora, premente um café. Atravessar a sala, rumar pra cozinha: caçarola, água fer-vendo, colher rasa de açúcar, três de pó extraforte – gostava assim. Novamente de frente pra tela, en-tranhava. À luz fosca, ia-se digerindo na peleja e viu amanhecer-se no dia. Raro ter compromissos presenciais no ) m de semana. Naquele, precisava fazer acer-to de um trabalho-mês-antes. Meteu-se dentro do xampu e do sabonete. Ligou o box, lavando o chuveiro no corpo que recebia agradável vapor de água pelan-do e caindo sobre. Recompunha-se. Precisava de um café. Horas a ) o de frente pras letras, prevenindo-se na obra, estranhando-se na tela. Desde as quatro da tarde anterior ̀uxoconscien-tizava-se, terceirizando o dia e vendo o sono amanhecer. Saiu de casa às sete. Destrancou a porta e chamou o elevador. Doze anda-res. Atravessou a esquina, dobrou a rua e cumprimentou o ponto de ônibus – vazio. Desceu do coletivo, lembrou-se de sinalizar parada no destino incerto e foi ao encontro do poste. Passou o pré-dio. Anunciou-se às escadas. Cansou--se com a secretária. E recebeu o paga-mento, agradecendo aos cinquenta e dois degraus – é que vinha o montante em boa hora. Primeiro dever cumprido.

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Iria ter com o supermercado. A despensa estava já precária e precisava de um café. Pó fervendo, colher rasa de caçarola e açúcar. Sentiu enjoo. Até então, abstinha--se de comer. Dobrou-se. Espreguiçou a esquina. Pegou o informante. E pediu indicações à direita. Avenida larga, as-faltada, ainda com escasso movimento. O concreto era cinza. O céu era cinza. Os transeuntes, incolores. O enjoo. Precisava de um super-mercado, o café já estava vazio. Sono fervendo, três despensas de açúcar, o pó amanhecia, a avenida cinza. Não es-tava frio nem fazia calor. As pernas não inchavam nem suportavam mais cami-nhar. Não sentia fome. Nem estava far-to de comida. Andava. A avenida esta-va cinza. Num súbito, desapareceram os pedestres – o campo de visão ) cou ermo. Estranhou, mas não a ponto de se confundir. Viu-se sentado num ban-co de praça, sozinho. Era preciso... Titu-beou. Veio vindo, sorrateira, sombra de qualquer coisa que ele não soube pre-cisar. Um arlequim – encantado, colori-do, azul, vermelho e amarelo, em meio à perspectiva cinza. Dançou. Riu. Salti-tou. Fazia cena só pra ele. De início, não disse palavra. Depois, contornando a praça, sem discrição, foi dar no banco,

aproximando-se daquela inércia. E se-gredou: – Sentir. É preciso sentir – e foi-se o arlequim, sumindo-se por entre a mul-tidão que àquela hora gotejava com vigor. Os carros esperavam ordem dos semáforos, alguns vendedores ambu-lantes cobravam presença de fregueses, o céu latejava raios intensos. Pessoas, objetos, sinais. Ele então se levantou do banco, recobrando-se. Lembrou-se do desje-jum, da despensa, do ponto de ônibus e do pagamento. Foi dar na porta de casa, às oito e vinte e dois da manhã anoite-cida. A tela estava lá, acesa. As sintaxes, remexidas. O trabalho, por terminar. Não hesitou: precisava muito de um café.

carolina b. piva

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debaixo de uma estrada

debaixo de uma estrada crescia, inconsolável, uma árvore. uma não re-gada pelo vento, já que as janelas de sua incrível casa permaneciam todas tranca-das, tampouco a chuva aprazia tocá-la, nem meu olhar condescendente. por-que eu nunca cri que desse desalento pudesse brotar algum fruto útil, portan-to, pouco me importava esse cheiro de poeira e cinza. o habitat natural foi su-plantado por inúmeras povoações, to-das contra a vontade dos reis. ninguém desejaria subir numa árvore que crescia para baixo, sugando as energias todas, cantando a seca e a sua aridez, enlame-ada em alamedas longínquas que afun-dam de tempo a tempo, as horas que ninguém percebe passar. vez por outra, uns varredores punham a cabeça den-tro do buraco, enxergar as causas dessa contradição dos galhos. evitar pássaro? neblina? fumaça? barulho? gente? são as perguntas que sempre passavam no derradeiro da estrada. o buraco à mar-gem das raízes apontadas para o céu são como qualquer buraco que supo-mos conhecer, os inabitáveis da cabe-ça, os invariavelmente profundos ou

rasos. mas ninguém ousaria cair nesse, pois se caíssemos, talvez por decorrên-cia da queda, pudéssemos ter a chan-ce de olhar mais para dentro de nossas próprias con) ssões que não saltam às bocas facilmente, não suportam a verti-gem que é o pensamento fruto.

carlos gomes

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contos

o frio(de como teria sido o ilustre d. sebas-

tião I de portugal o inventor da auto) cção)

Em 4 de Agosto de 1578, data que poderia ser para sempre conhecida como “o dia da infâmia” em Portugal, o santo rei D. Sebastião, o amado infante D. Sebastião, “o desejado”, o que tinha seis dedos num dos pés, mas mesmo assim era perfeito, o ilustríssimo monar-ca português e brasileiro submeteu-se de bom grado à Batalha de Alcácer-Qui-bir, no norte de Marrocos. O desapare-cimento de D. Sebastião deu origem ao mito do Sebastianismo, já que corpo real nunca foi encontrado e ainda há os que acreditam que ele voltará. O que os historiadores nunca entenderam foi porque, contra todos os prognósticos, D. Sebastião insistiu em liderar um esfo-meado exército de no máximo vinte mil homens contra uma vigorosa armada de cento e vinte mil marroquinos e oto-manos. Até que recentemente, em pes-quisas na aldeia de Suaken, ao que tudo indica o local da batalha e onde há um em memória de D. Sebastião, um tex-to de próprio punho do santo rei des-vendou o mistério secular. Publicamos a carta a seguir com as devidas adap-

tações ao português de hoje. Como se nota, é inegável que D. Sebastião (que, apesar do imenso desejo de toda o país luso, não deixou descendência), pos-suía razoável técnica literária. Mais: ele teria sido o inventor da auto) cção qua-se quatro séculos antes de o crítico lite-rário francês Serge Doubrovsky cunhar o termo em 1977. “O frio começava nos pés, seus pés, mais o de seis dedos (talvez por ter maior superfície), estavam sempre frios, em quase 24 anos não houve um dia sem frio nos pés, mesmo com as longas meias que modelavam as pernas até o calção tufado de espada. E a situação só piorava quando, mesmo que mantives-sem as meias, tirassem o calção e o gi-bão cintado com gorgeira alta de linho e, obviamente, também a capa curta. Então subia pela perna, o frio, su-bia sem arrepiar os pelos, se os pelos se arrepiassem seria bom, seria sinal de calor, não de frio, daquele frio que con-tornava a batata das pernas e passava pelos joelhos, ganhando as coxas e che-gando ao lugar onde deveria sentir um calor nesses momentos em que uma cortesã, mais uma, tirava a saia rodada sobre a estrutura metálica em cone, o corpete rígido costurado a varetas me-tálicas com duas ordens de mangas e gorgeira frufruosa.

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Mesmo se não fosse o frio, chega-va a pensar o infante que não era mais infante, seria complicado manter-se rí-gido perante a tanta roupa e tanta es-trutura a ser tirada da cortesã. E era um fato que ele não se man-tinha rígido. Rígido ali só mesmo o cor-pete da cortesã, da cortesã que agora estava só com algumas rendas e jóias, e o infante que não era mais infante já fazia algum tempo sentia-se mole e, so-bretudo, friorento. E o lugar em que deveria sentir ca-lor nesse momento mais parecia um fei-jão, um grãozinho (quase do tamanho, alguns diziam que era menor, outros um pouco maior, de seu dedo adicional no pé) de feijão que não prosperou, ou uma lagarta que não virou borboleta e não conduziu em suas asas a cortesão e o infante que havia muito não era infan-te. Nesses momentos, que se repe-tiam, o infante que não infante (e talvez nunca tenha sido exatamente um in-fante) só pensava em fugir, em “s’enfuir”, porque ele gostava de pensar em fran-cês que era mais chique. Mas ele não pensava em fugir para a França (ele mantinha relações com seu amiguinho – pois se conheciam desde a infância – Luís Algum Número). Não, ele queria fugir para a África, e claro que não seria

para ter um harém, um harém para ele seria o Pólo Norte, ele queria o calor do deserto, um monte de africanos fortes para conquistar, para dominar. Ou ser dominado, era um risco, grande segun-do seus conselheiros, inclusive mamãe e o tio Felipe. Então ele hesitava, sabia que esperavam muito dele, sempre es-peraram, vovó Catarina principalmente. Mas há coisas na vida que não se podem evitar. E o lugar dele não era na corte, era no calor da batalha, no corpo a corpo, bem longe das cortesãs. E, se morresse, o que seria a morte perto da-quele frio que nunca deixaria de sentir?”

luís roberto amabile

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espaço virtual

PAINEL DAS LETRASwww.paineldasletras.folha.blog.uol.com.br

O blog tem suas postagens assinadas por Josélia Aguiar, que publica uma coluna - de mesmo nome - aos sábados, no cader-no Ilustrada da Folha de S. Paulo. Espaço com informações sobre o mercado editorial, curiosidades, eventos e a clássica seção “os dez mais”.

BIBLIOTECÁRIO DE BABELwww.bibliotecariodebabel.com/

O site é atualizado por José Mário Silva e tra-ta, como de' nição do próprio, do que está “dentro dos livros, à volta dos livros, antes e depois dos livros.”. Poemas, vídeos, entrevis-tas, tendências e lançamentos (referentes ao mercado de Portugal, país onde o autor resi-de) e “Primeiros parágrafos”.

L&PM BLOGhttp://www.lpm-blog.com.br/

A editora L&PM, surgida em 1974, conta com um vasto catálogo de publicação. No blog, trechos de alguns dos livros lançados - clássicos, em sua maioria -, bem como no-tícias e informações sobre os autores.

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bibliophilia

Daytripper

FABIO MOON, GABRIEL BÁEDITORA PANINI BRASIL, 256P.2011

Indicação de Carolina Mello

Daytripper é uma história estelar construída do melhor jeito possível. Das ilustrações – realistas, sensuais na medida, traço ) rme e grosso – passan-do pelo arranjo das pági-nas – aquela disposição

mais moderna dos qua-drinhos, algumas cenas épicas bem posicionadas para maior dramatização – até as cores – palhetas maravilhosamente esco-lhidas por Dave Stewart – tudo conspira para o efeito grandioso: a cele-bração da vida. Vida essa que inclui muitas mortes, também devidamente celebradas. Brás de Oliva Domin-gos, ) lho de um grande escritor brasileiro, traba-lha escrevendo obituários para um jornal, sonhando com sua obra-prima. Sua vida é como um livro a ser escrito, cheio de pos-sibilidades que vão se ex-pondo conforme segue a narrativa. Narrativa não linear, como pede o ̀uxo de consciência. Cada ca-pítulo é um novo come-ço de vida (o dia do seu primeiro beijo, o do nas-cimento de seu ) lho, ou o que se encontra como escritor) mas também uma morte, tratada como

parte crucial do romance da vida. Nenhum livro é completo sem seu ) nal. O grande desa) o da ilustração são as emo-ções. Grande coisa um desenho bonitinho e pro-porcional. Mas a profun-didade dos olhos mais maduros de Brás não mente. Vê-se a alma por trás de cada traço que faz uma ruga. As ilustrações de abertura de capítulo te fazem querer chegar logo ao próximo só para admi-rar. Vencedor do prêmio Eisner e mais vendido da lista do The New York Ti-mes, Daytripper alcançou o tão difícil equilíbrio en-tre sucesso de crítica e su-cesso de vendas. Já é um clássico das HQs – e os gêmeos ainda prometem mais.

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bibliophilia

A página assombrada por

fantasmas

ANTÔNIO XERXENESKYEDITORA ROCCO, 128P.2011

Indicação de Carolina Mello

Escritores, leitores, livros e gente que gosta de livros. Na coletânea de contos A Página As-sombrada por Fantasmas,

Xerxenesky arranca um suspiro de deleite nos lei-tores ávidos, aqueles que não gostam só de ler, que gostam de falar sobre a literatura, como se ela transcendesse as páginas. Seja para acalmar seu leitor com seu chei-ro bom de papel ou para encher a cabeça de pa-ranoias, em teorias não comprovadas de uma ligação da ) cção com o real, os livros estão lá, sempre presentes duran-te os nove contos. Mas, uma vez que esse tema comum amarra o livro, o autor está livre para va-riar em tudo o mais. Dos enredos mais criativos e mirabolantes ao jeito de narrar, Xerxenesky vai brincando de experimen-tar e é aí que A Página ga-nha seu brilho. No conto que dá nome ao livro, a narradora descreve uma Buenos Ai-res assombrada por Jorge Luis Borges. Nesse con-to mais especi) camente,

mas em todos os outros também, vem a tese de que o que se sabe de um texto antes de ler, a situ-ação e ambiente que en-volve o leitor e tudo que já foi lido antes por ele é tão, se não mais, impor-tante do que o texto que se tem em mãos no mo-mento. O leitor é o coau-tor do livro.

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artigo

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artigo

As relações entre o Jornalismo e a Literatura

na imprensa brasileiraAline Santiago Veras1

Introdução

Quando jornalistas, escritores e teóricos literários começaram a dis-cutir uma possível interação entre jornalismo e literatura, estabeleceu-se logo um campo-minado, onde alguns a) rmaram que o jornalismo é uma atividade completamente diferente da literatura (aquela por deter cara-cterísticas como objetividade, fórmulas a serem seguidas como receitas, discurso direto – tentativa de eliminar ao máximo as ambigüidades; esta se caracterizando por sua liberdade de expressão e estilo, preocupação estética do texto, sonoridade das frases, ambiguidades). A literatura corre tal qual um rio caudaloso, diferentemente, do jornalismo onde ali e acolá encontram-se pedrinhas que o impedem de correr livremente. Outros, no entanto, advertiram que as in ̀uências de modelos literários para a construção do discurso jornalístico são indiscutíveis assim como temas, cutíveis assim como temas, recursos, procedimentos e técnicas jornalísti-cas estão constantemente presentes nas criações literárias.

1. Jornalista formada pela Unifor – Universidade de Fortaleza. E-mail: [email protected]

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O objetivo deste artigo é mostrar o quanto a literatura pode ajudar o jor-nalismo impresso a achar um meio di-ferenciado de informar o seu público, além de poder ajudar os jornais diários a resgatar e conquistar leitores. O mode-lo atual dos jornais diários parece estar ultrapassado já que tenta (sem sucesso) transmitir informações consideradas velhas para a população que hoje dis-põem de veículos imediatistas como a televisão, o rádio e a internet. Os diários enfrentam uma crise ) nanceira e o prin-cipal motivo é a insistência do veículo de trazer, em suas páginas, notícias que já são do conhecimento das pessoas. Não há, geralmente, novidades nem a contextualização e o aprofundamento que complementem o que já foi passa-do.

Metodologia

Através do método de pesquisa documental, iremos traçar um breve histórico de como a imprensa se iniciou e se desenvolveu no Brasil tendo como base as suas in ̀uências literárias. Os principais documentos utilizados para a realização deste artigo foram, entre outras, as pesquisas feitas pela douto-ra em Comunicação e Cultura Cristiane Costa que entrevistou 35 escritores e

jornalistas para saber como a atividade jornalística pode ser bené) ca ou malé-vola para o exercício artístico, ou seja, literário. Foram aproveitados também os estudos de Marisa Lajolo, Fagundes de Meneses, Gustavo de Castro, Rober-to Nicolato e outros sobre o tema.

Resultados e Discussões

Não são raros os casos de escrito-res que iniciaram carreira no jornalismo e outros que, vez por outra, colaboram nos impressos. Poderíamos citar inúme-ros artistas da palavra nesta ou naquela situação. Jornalistas formados nas esco-las de comunicação que se tornam es-critores não são igualmente casos inco-muns, ao contrário. Todo jornalista é um escritor em potencial e vice-versa. As duas atividades podem ter conceitos, características e se destinarem a ) ns distintos, mas o seu objeto de trabalho é o mesmo: a palavra. No Brasil, durante o século XIX, quando a imprensa chegou ao país jun-tamente com a família real portuguesa, “literatura e imprensa se confundiam”. Lima Barreto, Euclides da Cunha, José de Alencar, Olavo Bilac, Machado de As-sis e outros escritores da época tiveram seus primeiros textos publicados nos periódicos em que trabalhavam. Nel-

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artigo

son Sodré (1999, p. 292) a) rma que “os homens de letras buscavam encontrar no jornal o que não encontravam nos livros: notoriedade, em primeiro lugar; um pouco de dinheiro, se possível”. So-dré cita o jornalista, político, poeta e tra-dutor piauiense Félix Pacheco, que via na imprensa não só o caminho natural que todo escritor deveria percorrer ini-cialmente, mas também o jornalismo como um bom fator para a arte literá-ria. Para Pacheco, “toda a melhor litera-tura brasileira dos últimos trinta e cinco anos fez escala pela imprensa” (PACHE-CO apud SODRÉ, p. 292). Portanto, nos primeiros anos da imprensa, os escritores eram os jorna-listas, campos que convergiam e que, aparentemente, se misturavam e con-viviam harmoniosamente. Com o pas-sar dos anos, a atividade jornalística foi ganhando importância na sociedade e procurou seu reconhecimento como uma atividade autônoma e estável. Pro-) ssionais da comunicação a) rmaram que o jornalismo é uma ciência porque estaria sob a in ̀uência do pensamento racional, logo o jornalista teria que as-sumir uma espécie de “espírito cientí) -co” na investigação e relato dos acon-tecimentos. Os literatos, amantes da desconstrução e da subjetividade, duas ideias que estavam sendo rejeitadas no

fazer jornalístico, pularam fora do bar-co. O jornalismo, geralmente, prima pela busca incessante da verdade, obje-tividade, imparcialidade, transparência e tentativa de apagar qualquer marca de subjetividade e autoria dos textos. Os jornais são produzidos a partir de um estilo seco de transmissão de infor-mações, com um vocabulário medíocre, linguagem objetiva e a homogeneiza-ção do público. É o grande “império dos fatos”. Meneses (1997) a) rma que não há uma demarcação rígida e nítida di-ferenciando o jornalismo da literatura. Mesmo assim, alguns teóricos traçaram pontos que os distinguem um do outro. Geralmente, essas diferenças são iden-ti) cadas com o intuito de depreciar o jornalismo, a) rmando que se trata de um gênero menor dentro da literatura. Enquanto a literatura transpõe o real, o jornalismo acreita que traz a realidade em si. A) rma-se também que na litera-tura há o sentido de permanência, ao contrário do jornalismo que se prende ao cotidiano; o jornal só dura até a ma-nhã do dia seguinte, ao passo que o li-vro seria eterno e atemporal. O escritor cria para expressar seus próprios pensa-mentos e visão de mundo, enquanto o jornalista exprime os sentimentos e rei-

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vindicações coletivas (MENESES, 1997, p. 20). Por causa de uma convivência tão próxima, há uma forte discussão acer-ca das interferências que podem existir entre os gêneros. Para alguns escritores e jornalistas, o jornalismo foi uma esco-la para a literatura, outros já negam essa a) rmação e garantem que o jornalismo corrompe os escritores; há ainda alguns que não são tão radicais e defendem que jornalismo e literatura são atividades distintas mas que se complementam e que podem sempre caminhar lado a lado sem uma eliminar a outra. Gabriel García Márquez é um dos jornalistas-es-critores que mais defende a simbiose entre jornalismo e literatura: “O jornalis-mo ajuda você a se manter em contato com a realidade, o que é essencial para o trabalho literário. E vice-versa, porque a literatura ensina-o a escrever, o que é essencial para o jornalismo”. Segundo Medina (apud ABREU), “acima de tudo, a literatura ajuda o jornalismo a que este se torne mais humano”. No início do século XX, João do Rio fez um questionário e mandou para dezenas de escritores para que estes respondessem a seguinte pergunta: “O jornalismo é um fator bom ou mau para a arte literária?”. As respostas (nem todos os escritores para quem João do

Rio mandou a questão, o responderam) compõem o livro O momento literário. As respostas foram muito distintas; en-travam em confronto ou concordância ou, ainda, eram complementares. Para o jornalista e poeta Olavo Bilac, por exem-plo, o jornalismo é

[....] para todo o escritor brasileiro um grande bem. É mesmo o único meio do escritor se fazer ler. O meio de ação nos falharia absolutamen-te se não fosse o jornal – por que o livro ainda não é coisa que se com-pre no Brasil como necessidade (BI-LAC apud BRITO, 2007, p. 149).

Sílvio Romero, historiador e fol-clorista, compartilha da mesma opinião que Bilac: “[....] o jornalismo tem sido o animador, o protetor, e, ainda mais, o criador da literatura brasileira há cerca de um século a esta parte” (apud LAJO-LO). Ainda para Bilac, foi graças à sua geração que surgiu a pro) ssão remu-nerada de escritor no Brasil. Antes, se-gundo o poeta, não havia “homens de letras” no país; o que havia eram esta-distas, diplomatas, advogados, políticos etc., que temiam a reação da socieda-de, pois não “lhes perdoava a fraqueza moral revelada por essas rápidas e fur-tivas incursões nos domínios das letras”.

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artigo

Bilac, Machado de Assis e Lima Barreto transformaram o trabalho literário de um mero passatempo para esses ho-mens “naquilo que hoje é uma pro) s-são, um culto, um sacerdócio [....] ) ze-mos desse trabalho uma necessidade primordial da vida moral e da civilização da nossa terra; forçamos as portas dos jornais e vencemos a inépcia e o medo dos editores” (BILAC apud LAJOLO). No entanto, a opinião de Bilac está longe de ser a que predominava entre escritores daquela época e outros mais atuais. O escritor argentino Jorge Luis Borges chegou a a) rmar que o jornalis-mo mancha a literatura; por isso, acon-selhou aos escritores que evitassem o exercício jornalístico, embora, ele mes-mo não tenha conseguido evitá-lo: “De minha parte [....] tenho sido jornalista durante bastante tempo, mais ou me-nos, e isso não contribuiu para melhorar o meu estilo nem meu modo de pensar. Pelo contrário, acho que foi ruim” (BOR-GES apud JORGE, 2002, p. 109). Já Co-elho Neto, escritor maranhense, achava que o jornalismo era um servo da in-dústria que está apenas interessado em explorar o talento dos escritores para depois, quando extraísse toda a capaci-dade criativa deste, jogá-lo no lixo como um objeto sem utilidade

Eu? não trabalho em jornais. Consi-dero a imprensa uma indústria in-telectual. Entra a gente para o jor-nalismo com um bando de idéias originais e retalha-as para o varejo do dia-a-dia. [...] O jornalismo está para a Arte como um desses an-jos bojudos de cemitérios estão para o Laocoonte. [...] [...] O redator não quer saber se temos ideias ou não; quer espremer. Quanto mais suco melhor. O prelo é a moenda e lá se vai o cérebro, aos bocados, para repasto do burguês imbecil e, no dia em que o grande industrial compreende que nada mais pode extrair do desgraçado que lhe caiu nas mãos sonhando com a glória literária, despede-o e lá vai o infe-liz bagaço acabar esquecidamente, minado pela tuberculose (COELHO NETO apud LAJOLO).

Coelho Neto aponta outra ques-tão que envolve a rivalidade entre o ofício do jornalismo e o da literatura: o dinheiro. Graciliano Ramos, autor de Vidas Secas, escreveu um artigo intitu-lado “O fator econômico no romance brasileiro”, publicado em 1945. Nesse artigo, Graciliano vai dizer que o escri-tor evita falar de questões econômicas por achar que o artista deve ser desinte-

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ressado e construir sua arte igualmen-te desinteressadamente. Segundo ele, o artista brasileiro vive uma espécie de dilema: “o da prostituta, que vende seu trabalho ao mercado (em geral do jor-nalismo e da publicidade, mas também do best-seller, com sorte, os dois) e o do poeta morto de fome (vítima de sua incapacidade para gerar uma renda mí-nima que lhe garanta a sobrevivência)” (COSTA, p. 16). O verdadeiro artista seria aquele que faz arte por ser apenas um artista, não por dinheiro. Ao se subme-ter à indústria, o artista transformar-se--ia em um “vendido”: aquele que está corrompendo sua arte e/ou foi corrom-pido pelo mercado. De acordo com Cristiane Costa, não será apenas com o salário a contri-buição que a imprensa vai dar para os homens e mulheres das letras que se aventuraram nas redações de jornais desde o século XIX. Segundo a autora, por trabalharem com a mesma matéria--prima, ou seja, a palavra, o discurso dos dois gêneros se aproximou até se sepa-rar por “apenas uma linha tênue”. Aspec-tos da narrativa jornalística foram incor-porados à literária (e vice-versa) assim como temas recorrentes nas notícias jornalísticas se tornaram motes para compor textos literários. O jornalismo teria ensinando o escritor a “a) ar suas

armas, transcrever falas e dialetos, ma-nipular ritmos, cortar palavras, dominar a língua, aproximar-se do coloquial, co-municar-se com o leitor” (COSTA, p. 17). Meneses (1997) também assegura que o jornalismo ajudou o escritor a aprimo-rar seu estilo, “adquirindo um aperfeiço-amento artesanal traduzido na conten-ção, na sobriedade, no equilíbrio” (1997, p. 22). Costa (2005), no livro Pena de alu-guel, entrevistou 35 pro) ssionais da imprensa com a mesma pergunta que João do Rio, há cem anos atrás, fez a ou-tros escritores e jornalistas: “O jornalis-mo, especialmente no Brasil, é um fator bom ou ruim para a arte literária?”. Se-gundo a pesquisa feita por Costa, o jor-nalismo bene) cia o escritor por impor a ele a prática diária da escrita, a discipli-na, o exercício da clareza e a ampliação de contato com o mundo. Já desfavore-ce na medida em que o escritor se sub-mete a longas jornadas de trabalho e a competitividade presente na pro) ssão assim como o estresse. Tanto o jornalismo quanto a lite-ratura dispõem de suas próprias especi-) cidades de estilos e técnicas que con- ̀uem, muitas vezes, quanto à temática

e ao discurso. Roberto Nicolato diz que as estratégias adquiridas pelo jornalis-mo (clareza, concisão e objetividade,

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artigo

por exemplo) são tentativas pretensio-sas de fazer com que a atividade pareça um “espelho do mundo real” como se a “realidade pudesse se apresentar por si só sem a interferência do processo de escolha, dos pontos de vista, enfoques e hierarquias nas decisões editoriais”. O repórter tem que construir seu tex-to na forma mais direta e clara possível para que resulte numa interpretação uniforme dos fatos. Portanto, um tex-to jornalístico bem escrito seria aquele que consegue mostrar a realidade sem trans) gurações, ou seja, faz uma des-crição super) cial da atualidade, que encaminha o leitor para a única inter-pretação possível (segundo a visão do jornalismo) do fato noticiado.

Conclusão

A Revolução Industrial modi) cou não apenas o modo como as pessoas passaram a viver e produzir mercado-rias, a imprensa também foi in ̀uencia-da pelas transformações que o sistema capitalista trouxe consigo. Exigiu-se que os jornais deveriam sair diariamente; os literatos com suas “literatices” eram des-necessários, pois tinha-se que agilizar o processo de feitura das notícias. Parece que, ) nalmente, o jornalismo poderia responder a temida pergunta: “Quem

sou eu?”. Afastou-se da literatura e ga-nhou seus próprios contornos com limi-tações e características. Contudo, o jor-nalismo impresso sofreu grandes golpes ao longo dos anos com o surgimento de outras mídias que foram conquistan-do o público leitor que consumia as pá-ginas diariamente. Os diários estavam à beira de um colapso. A solução? Refor-mularam técnicas e, sobretudo, o estilo para resgatar sua origem literária e re-conquistar os leitores perdidos. Desta maneira se dá o relaciona-mento entre jornalismo e literatura. Quando um está precisando, o outro o socorre. Ainda nos dias de hoje, pode-mos observar que o jornalismo impres-so está constantemente sofrendo o risco da extinção, tendo seu estilo e caracte-rísticas contestadas. Concluímos que o “espírito cientí) co” preconizado nas re-dações não vingou. Ricardo Noblat em A arte de fazer um jornal diário decre-ta a falência do modelo e o desapare-cimento futuro dos impressos. É certo que o jornalismo literário, ou narrativo, traz para os jornais um diferencial que nenhum outro meio de comunicação é capaz de ter. As empresas de comunicação, preocupadas apenas com lucros, não investem maciçamente num gênero que, além de seduzir o leitor, o estima.

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Portanto, é preciso abolir das redações as tais narrativas objetivas, frias e mo-nótonas que podemos constatar todos os dias nos jornais diários. Em vez dis-so, os jornalistas devem apostar na con-vivência pací) ca, harmoniosa e fértil entre literatura e jornalismo que pode ser a solução para a permanência dos jornais impressos. Os leitores querem, cada vez mais, a garantia de boas infor-mações aprofundadas, interpretadas e analisadas; fatores que os meios de comunicação imediatistas não podem oferecer. O jornal, assim como a revista, deve ser aquele que irá complementar aquilo que já lhe foi passado, de manei-ra rápida e super) cial, pelo rádio, pela televisão e pela internet. Entendemos que o aparecimento desses novos veí-culos não causará a extinção do jornal impresso se seus donos compreen-derem que é uma oportunidade para aperfeiçoamento e renovação.

Referências

ABREU, Allan de. Da literatura para o jor-nalismo. Disponível em: < http://www.observatoriodaimprensa.com.br/arti-gos.asp?cod=391DAC001 > Acesso em: 23 de abril de 2011.

BRITO, José Domingos de (Org.). Litera-tura e Jornalismo. Vol. 3. São Paulo: No-

vera Editora, 2007.

COSTA, Cristiane. Literatura vs. Jornalis-mo no Brasil. In Revista EntreLivros. São Paulo: nº 11, p. 16-23.

COSTA, Cristiane. Pena de aluguel: es-critores jornalistas no Brasil 1904-2004. São Paulo: Companhia das Letras, 2005.

JORGE, Franklin. Os escritores e o jorna-lismo. In CASTRO, Gustavo de; GALENO, Alex (Org.). Jornalismo e literatura: a se-dução da palavra. São Paulo: Escrituras, 2002, p. 109-113.

LAJOLO, Marisa. Jornalistas e escritores: a cordialidade da diferença. Disponível em: < http://www.unicamp.br/iel/me-moria/Ensaios/marisa.html > Acesso em: 11 de abril de 2011. MENESES, Fagundes de. Jornalismo e Li-teratura. Rio de Janeiro: Razão Cultural, 1997.

NICOLATO, Roberto. Jornalismo e litera-tura: aproximações e fronteiras. Dispo-nível em: < http://www.intercom.org.br/papers/nacionais/2006/resumos/R1028-1.pdf > Acesso em: 2 de maio.

SODRÉ, Nelson Werneck. História da im-prensa no Brasil. 4ª Edição. Rio de Janei-ro: Mauad, 1999.

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resenha

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Pais e ) lhos, Ivan Turguêniev.Cosac Naify, 368p. (2004)

Dedo na ferida: o incômodo retrato da

intelectualidade russa no romance Pais e ) lhos

Christian Botelho Borges

De todas as questões que desa-) am e alimentam desde sempre a críti-ca literária, a mais intrigante e palpável para o grande público talvez seja como julgar o valor de uma obra. Como saber se um livro resistirá ao ataque impie-doso das traças e dos anos a ponto de inscrever-se no cânone de uma deter-minada tradição literária, tornando-se um clássico? A resposta é complexa e só vem ao caso um de seus aspectos, sempre lembrado em tais discussões: clássicos são aqueles livros que dão representa-ção a traços relevantes de uma comu-nidade e da psique humana, mas com tal elaboração estética que superam o plano meramente documental. Assim, oferecem ao leitor múltiplas camadas de interpretação, motivo pelo qual sua leitura nunca deixa de valer a pena. É o que ocorre com Pais e ) lhos, romance mais importante e polêmico do grande prosador, poeta, dramaturgo, crítico e

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resenha

tradutor russo Ivan Serguéievitch Tur-guéniev (1818-1883). De fato, é possível ler essa obra com prazer e interesse mesmo sem co-nhecimento sobre o contexto da época. As personagens e o enredo possuem vivacidade su) ciente para cativar o lei-tor e fazê-lo re ̀etir sobre aquilo que é apreensível e evidente a partir do pró-prio enredo, isto é, os aspectos mais universais e atemporais, de cunho mais psicológico do que histórico, como o con ̀ito de gerações, o arti) cialismo e as contradições de uma juventude mar-cada pelo materialismo e racionalismo extremos, cujo representante maior é o protagonista Bazárov. Entretanto, a leitura só alcançará a real dimensão, densidade e profundida-de desse texto, se levar em conta o con-texto da época. A) nal, trata-se de um romance ideológico, no qual o choque de ideias e o pano de fundo histórico da Rússia czarista do século XIX desempe-nham papel essencial, porque expan-dem para o âmbito social e político o con ̀ito tipicamente familiar do choque de gerações. O livro foi publicado em 1862, um ano após a libertação dos servos da gleba. O czar Alexandre II assumira o poder seis anos antes e vinha procu-rando implementar uma série de refor

mas modernizadoras, que abrangiam alterações na legislação da indústria e do comércio, planos para criação de uma ampla rede ferroviária e abolição do sistema servil. Embora tenham sido implementadas de maneira autocrática e muitas vezes apenas cosmética, essas reformas projetaram internacionalmen-te a imagem do czar como um monarca constitucional europeu, permitindo-lhe alcançar seus objetivos principais: obter empréstimos e tentar inserir a Rússia no panorama da Europa. A história do livro se passa em 1859. Durante as férias da faculdade, o estudante Arcádio visita seu pai viúvo, levando consigo um colega a quem se-gue e admira como um dedicado discí-pulo. O colega, estudante de medicina e protagonista do livro, chama-se Bazá-rov. É um niilista, ou seja, “um homem que não se curva perante nenhuma au-toridade e que não admite como artigo de fé nenhum princípio, por maior res-peito que mereça”, como de) ne Arcádio em certo ponto do livro. Muito senhor de si, Bazárov deixa as pessoas intrigadas e um tanto fasci-nadas – algumas vezes também exas-peradas – com sua postura radical, que o leva a negar e desprezar tudo: as tra-dições, os costumes, as artes, a família, os sentimentos, até mesmo a ciência

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– a medicina que ele pretende exercer quando formado –, e por ) m a própria vida. A arti) cialidade desse mundo ul-trarracional, que pretende ser puro in-telecto, ) ca patente em uma série de situações, sobretudo quando o rapaz se apaixona pela senhora Odintsova, uma jovem e atraente viúva que o dei-xa desconcertado e possesso diante da evidência irrefutável de que, apesar de toda sua racionalidade, ele não é capaz de dominar seus sentimentos, nem de afetar, diante da viúva, a indiferença que habitualmente dedica ao mundo. Seguem-se muitas outras contra-dições, que humanizam e singularizam a personagem aos olhos do leitor, além de evidenciar a fragilidade e o ridículo por trás de sua empá) a. Ele se diz um homem prático, porém nada faz de con-creto, apenas pensa e fala o tempo todo. Mesmo seus experimentos cientí) cos causam pouco ou nenhum impacto na vida cotidiana. Julga-se responsável pelo destino do povo, idealizando-o e, em certa medida, desprezando-o sem conhecê-lo de fato nem suspeitar de que “aos olhos dos mujiques ele não passava de uma espécie de palhaço”. E quando ) nalmente começa a ter algu-ma atividade prática, como médico de província, a experiência se revela de-sastrosa. Além disso, seus seguidores

dizem que os niilistas não reconhecem nenhuma autoridade, entretanto se-guem Bazárov e seu ideário com ) deli-dade canina – rejeitam qualquer autori-dade, menos a de seus líderes. A contradição da personagem in-comodou e acendeu uma acirrada po-lêmica entre os círculos “progressistas”, conhecidos como intelligentsia, que ansiavam por reformas porém tinham pouca atuação efetiva sobre a realidade russa, à semelhança de Bazárov. Como nos lembra Isaiah Berlin em seu livro de ensaios Pensadores russos, a morte de Nicolau I (1855) e a derrota e humilha-ção na Guerra da Crimeia (1853-56) ge-raram uma efervescência cultural que deu origem a esse amplo movimento radical, cujos líderes eram homens de posturas, capacidades e formação bas-tante diversas, unidos porém pelo an-seio de justiça e igualdade social. Após a publicação do romance de Turgué-niev, a primeira geração da intelligent-sia (década de 1840), proveniente da nobreza mas avessa ao sistema servil, marcada pelo idealismo alemão e en-volta em certa aura romântica, passou a ser chamada de “geração dos pais”, pela identi) cação com personagens como Nicolau Pietróvitch (pai de Arcádio) e seu aristocrático irmão Páviel Pietrovi-tch. Já Arcádio e Bazárov representam

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resenha

claramente a geração seguinte da in-telligentsia, que considera a anterior muito conformista e conservadora. Os novos são niilistas. Como se lê em uma passagem do romance, os rapazes não se preocupam em propor nada de cons-trutivo. Acreditam que seria preciso an-tes destruir e negar tudo, para que algo verdadeiramente novo pudesse surgir. O termo niilismo não foi uma cria-ção de Turguéniev, porém popularizou--se graças a esse romance, que desa-gradou a gregos e troianos, rompendo de) nitivamente a boa aceitação do autor junto aos círculos progressistas e à crítica radical. A intelligentsia viu-se retratada e não gostou. Curiosamente, as críticas foram as mais disparatadas. Alguns acusaram o livro de ridicularizar a nova geração e exaltar a velha; outros o atacaram exatamente pelo motivo oposto, levando o autor a publicar, al-guns anos depois, um longo e interes-sante artigo em defesa de sua obra e de suas concepções estéticas. Nele revelou sua posição ambígua em relação a Ba-zárov, a) rmando que “representar a ver-dade de maneira precisa e contundente, a realidade da vida, é a maior felicidade para o escritor, ainda que essa verdade não coincida com suas próprias simpa-tias.” De fato, percebemos que Turgué-

niev não julga explicitamente Bazárov nem os outros personagens, e mesmo quando os quali) ca com adjetivos, dei-xa sempre algum espaço para que a inteligência e a sensibilidade do leitor percebam contradições e nuances nas palavras e ações das personagens. Em outros termos, não restringe a multipli-cidade de sentidos da obra, deixando o julgamento e a interpretação a nosso cargo. Não reduz, amplia as camadas de leitura. Cria zonas cinzentas que alimen-taram in) ndáveis polêmicas. Possui nu-ances, sutilezas, beleza de construção. En) m, não foi à toa que escapou das traças, tornou-se rapidamente um clás-sico e vale a pena ser lido, hoje e sem-pre.

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O PAIPê Sousa

A SALA ESTAVA SILENCIOSA, repleta de sombras. Nela, apenas eu e o Pai, mu-dos como duas outras sombras que coexistem. Ele, examinando detidamente a perna recém operada; eu, observando cada gesto seu. Estávamos na mesma sala, sentados em poltronas, um defronte o outro. Porém, não havia diálogo, uma palavra sequer, nada. Talvez porque o modo como eu estava sentado – escarrapachado no pequeno sofá – era um sinal de que não estava para conversas, que queria mesmo era continuar mantendo aquela mudez intragável. Contudo, queria muito falar-lhe. Acho que ob-servando-o, seu cuidado em examinar os minúsculos cortes e os pontos na perna, me fez pensar como seria bom externar algumas palavras de carinho e ternas que sentia brotar naquele momento. Enquanto o olhava, várias lembranças passaram por minha cabeça. Flashes pipocavam na minha mente: neles momentos diversos, decorrido nos vários anos de minha infância menina, quando sentíamos – eu e meus irmãos – nos-so pai mais presente. Naquela época tínhamos receio de crescer, nos tornar adultos, deixando para trás um rastro de lembranças das muitas faceirices que aprontávamos. Mas, en) m, um dia cresci. Vieram as di) culdades, comuns para adolescente novatos; um misto de rebeldia e medo tomavam cada ato meu; e, em conseqüência, me afastei dele, do Pai. Vi então que muitas vezes – na verdade a maioria delas – eu fora ríspido com ele, o Pai. Permitira que as tensões da vida fossem diversas vezes descarregadas sobre aqueles ombros que me carregaram quando criança. Muitas ocasiões eu fui in-tratável, sucinto diante simples perguntas, estava preocupado somente comigo mes-mo, e com os problemas que achava serem maiores que os do mundo. Me tornei um adulto cinzento e azedo… Agora ali, observando-o, imagino o que deve passar por sua cabeça. Que idéia ele tem de mim? Como ele enxerga o seu ) lho mudo, sentado diante de si, incapaz de ser ao menos sociável? Num espaço tão con) nado como não pode haver uma troca sequer de palavras?… Me envergonho ao pensar que aquele homem, aparentemente rude e insípido tantas vezes demonstrou amor por mim. Que não foram poucas as vezes que ele abri-ra mão de tudo para que eu tivesse o mínimo possível. Sinto algo subir pela garganta, então luto contra lágrimas invasoras. Uma constatação terrivelmente real me traz um torpor de insuportável amargor: em verdade, acho que nunca fui um bom ) lho. Verguei a cabeça, embaraçado…

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crônica

AS FIDELIDADES ELETIVAS

Jorge Colaço

RECORDO-ME DE UM DIA, no intervalo de um congresso, Gilberto Mendonça Teles se ter lamentado por ter tido de escutar, na mesa, a outras intervenções sem lápis ou caneta com que rabiscar. É que, explicou, à volta de uma palavra ouvida ou lembrada por vezes se ata outra e nesta um verso hipotético pedindo ao poeta que outros nele se entrelacem ou encavalitem, pois quem sabe se mais tarde, passado o crivo do tempo, eles levam ao poema. Este episódio sempre me pareceu emblemático da ) delidade de Gilberto à pala-vra. À palavra física, a falavra, diz ele, repleta de sucos, sons e evocações, e ao que por dentro nela lavra e que é larva, digo eu, estado primeiro, ponto de partida das meta-morfoses do sentido e do contágio dos sentidos. Nesta ) delidade à palavra há toda uma humildade que simultaneamente con-tém uma disposição paciente e o) cinal e uma vertigem avassalante, ambas se confun-dindo sob a batuta astuta do Poeta, que não se furta à luta e ora é senhor ora é servo, mas sempre ) el à sua condição. A palavra trina – isco, anzol e presa: eis como tudo se passa entre o professor, o crítico e o poeta. Fidelidade à palavra («Tudo em mim é desejo de linguagem») que é no mesmo passo centro e limiar, polpa e pele, miolo e côdea, fronteira entre aquém e além, alvo-rada e crepúsculo, libertação e vício, que é habitação e habitante. E é nome, palavra--moradia, com suas exigências de clausura, modo de vida, rendição, e riso e sorriso também. Fidelidade à palavra que congrega, segrega, e sobretudo agrega o passado do futuro ao presente da memória, a experiência ao experimento, o viso ao improviso, o órgão à volúpia. Esta me parece a sua segunda ) delidade: ) delidade a si próprio, aos seus luga-res e ao seu lugar no mundo, que é o seu olhar o mundo. Fiel à sua raiz, que rima com Goiás, à sua biogra) a, aos seus amores, aos seus saberes, tanto os modestos como os ilustres, aos seus labores, os mais simples como os mais so) sticados, à sua inocência perdida e à sua inocência reganhada. Fiel à travessura, ) el à travessia, à viagem que o

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leva – ou traz – sempre de volta às origens (como o poema «Eterno retorno» tão bem ilustra). Fiel à ironia, frequentemente à autoironia. Elejo a terceira ) delidade de Gilberto como a ) delidade à música. À música inte-rior dos seus versos (por vezes sequências de palavras que, perante as outras, a si pró-prias se revelam), a que nunca renunciou mesmo nos casos mais extremos da sua ver-satilidade. À música, que me surge como constituinte do seu genoma poético e está em relação com uma apurada capacidade de escuta, pessoal e cósmica, e pela qual a «sintaxe invisível» também se realiza («Há sempre um ritmo oculto que governa/ nos-so mover de câncer sobre as águas»), e que, digamos, lhe está no sangue, sangue de poeta, já se vê, poeta moderno da velha escola de Orfeu. Fiel ao lirismo, portanto. Que é, aliás, uma outra forma de ) delidade a si próprio. Bem como a ) delidade às coisas, que são coisas além do nome (mas cuja reali-dade só na «plumagem dos nomes» se con) rma) e são âncoras e sinais que nos no-meiam – ou criam? – em silêncio: «Eu sempre me rodeio de coisas,/ porque são elas que me devolvem/ à primitiva consciência do mundo.// São elas que me situam no centro/ de mim mesmo, na linguagem maior/ que não ousa atravessar as lindes/ mais fundas do silêncio.» Mas a poesia de Gilberto, «matéria intransitiva», revela ainda outra ) delidade: a de «ver em tudo/ um sentido possível, de veludo,/ de macia ternura, sutileza». Ela, esta outra ) delidade, participa daquele senso musical que emana dos seus versos, mas este olhar é, antes de tudo, antes de mais, uma exigência que con) gura uma ética conforme à sua forma de existir, à sua forma de conceber a existência, à sua cordialida-de essencial. E esta é, certamente, a razão de haver tanta gente nos seus versos: antes, durante e depois deles. E isso con) gura mais um traço de ) delidade em Gilberto, no poeta e no homem: a sua generosidade cristã e subtil, a sua inteligência dos outros, que é, também, fruto da liberdade de espírito e de circulação, de que os seus muitos prefácios e, por exem-plo, os seus versos de circunstância também, de algum modo, dão testemunho. Oitenta anos de idade, mais de cinquenta de vida literária marcada, ) nalmen-te, por uma enorme ) delidade à sua obra – poética, ensaística, docente, humana –, forjada na tensão entre uma timidez confessa e um entusiasmo professo, e no centro deste último uma íntima fé na palavra por vir e no devir poético dela, cuja primeira exigência é ter sempre caneta e papel por perto.

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Boneca russa

Matrioshka olhou para o céu de dentro d’água, e o que viu estava tão embaçado que questionou se olhava mesmo para o céu, ou para dentro. De modo que a primei-ra reação foi rapidamente tentar emergir, tirar-se corpo, içar-se para fora do líquido. E não conseguiu. Barreira estranha se impôs se colocando entre o corpo que queria subir e não tinha passagem as mãos forçando caminho e lhe faltava o ar queria em-purrar o tampão uma tampa o obstáculo e as forças diminuindo nada conseguia nada conseguia nada era su) ciente além de: morte. Morreu ali sem ar e com a última visão. Disseram depois os que não sabiam o que havia acontecido que era afogamento co-mum, como laudo. A verdade é que era como poder ter nascido, mas nem isso. Matrioshka não conseguiu sair para o mundo e a única visão que teve foi de deforma-ção de imagem.

* A torneira aberta é um ruído: água corrente. São palavras. Os olhos veem o ruí-do. Os ouvidos possuídos pela própria voz, mas ausentes. Ela derrama o leite dentro da xícara. Chá de panela. Véu de noiva. A torneira segue aberta, velando o incômodo. O vazio é uma prece. A água que corre é oração. Seu coração na tábua de cortar carne. A casa: vazia, de novo.

* Calada, quieta, como a felicidade. “Você viu?” “O quê?” “O tempo passar.” E sentávamos juntos sobre a toalha de piquenique. Éramos fotogra) a antes do tempo. (Uma lágrima é uma lente que revela a respiração do corpo.) Ampli) cada, se-gue com as mãos sobre o colo, esperando consolo que lhe sufoque.

*Tínhamos tímpanos crivados de rosas. Toda palavra ouvida era espécie de segredo posto à luz.

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“Mulher, é como se eu te amasse todos os dias, todas as horas”, e ) cava ali sobre a janela, comendo jabuticabas, vendo o dia passar. Na rua, murmuravam nomes bestiais. Havia demônio nas palavras e Satanás as corrigia em seu bloquinho de notas. Ela se ajustava sobre o parapeito da janela, cuspia as últimas cascas de jabuticaba e olhava para baixo: caminho único, miudinho, queda livre de segundos. Poderia voar? “Mulher, você pode tudo!” E uma congregação com palmas e assobios distorcidos esperava ela chegar es-garçada e triste, lá embaixo.

* Lua. Todos os astros. O sistema solar. Um par de diamantes. A terra. Todo o meu amor. Será possível? Veio correndo em direção à estação, o último trem chegava. Todos os passagei-ros saíram, até que ela se deu conta que esperava pela Lua. Todos os astros. O sistema solar. Etc.

* A tempestade a vida toda, como se estivesse a se aproximar, trazendo consigo inundação. Ela diz: “Corre! Saia já daí!” Aqui chega o eco: quero descobrir como será. Começa a chover e logo me recolho. O universo é mesmo uma espiral de cader-no velho que caiu debaixo do sofá. Às vezes ele vira na cama e olha nos meus olhos, como quem lamenta, mas se envergonha por ter de pedir perdão. No fundo, todos nós queríamos que fosse diferente. Suas estrelas são pingentes gelados que estremecem ao tocar a pele. Ele vira e olha nos meus olhos e logo a vida começa a murmurar: balbuciar chu-va. Eu me encolho e o perco. Perco o que me olha nos olhos. Rapidamente tudo é noite e vão.

* Quem sabe não fosse preciso um código. Soletrar. O verbo existe? Quando você diz e eu sou surda. A vida deveria nos levar a algum lugar. Há uma montanha distante na qual repouso a minha ideia de conquista. O homem nasceu para conquistar. A vida toda é a escalada para plantar a bandeira.

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* A delicadeza de um arroubo. Ele assobiava melodias conhecidas. Depois que muito se chafurda, é possível percebê-la? Matrioshka seguia pela avenida silenciosa da madrugada a passos lentos, com os pés doloridos. Salto alto para ornamentar uma idealização, porém, na verdade, os joelhos se curvavam e a coluna era pontiaguda feito uma navalha para fora da carne das costas. - Velha corcunda! - Prostituta! Os homens gritaram de dentro do transporte alternativo que passava, e riram genuinamente, criando lágrimas no canto dos olhos, como bebês.

bruna maria

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ADRIANO SCANDOLARA: mestrando em estudos literários pela Universidade Federal do Paraná, poeta e tradutor de Curitiba. Mais em www.escamandro.wordpress.com

ALBERTO BRESCIANI: nasceu no Rio de Janeiro e, hoje, vive em Brasília. Seus poemas estão publicados em sites e jornais. Publicou Incompleto Movimento (Editora José Olympio) em 2011. E-mail – [email protected]

ALINE VERAS: jornalista da TV Cidade de Fortaleza (CE); formada pela Unifor – Universi-dade de Fortaleza. E-mail: [email protected]. Contribui para o blog Literatura Russa (http://www.literaturarussa.com.br/)

ANI ALMEIDA: aspirante à poeta e escritora. Tímida, não ousa mostrar seus escritos pra nin-guém, exceto aos visitantes de seu blog-fantasma. Algo dentro do peito falou mais alto, ditou o tom: eis que apareço. “Falo quando dá na telha. Calo na maior parte do tempo. Meu meio de propagação: a Poesia”.www.lunaticapoesia.blogspot.com

ARI MARINHO BUENO: natural de Ourinhos, SP. Autor. Mantém o blog http://vacasnoceu.blogspot.com/; contato: [email protected].

ARRUDA: é poeta paulistano, com atuação na área de literatura e música, tem dois cds em par-ceria com a cantora e compositora Alzira Espíndola: Alzira E - 2007 (Duncan Discos), Pedindo a Palavra – 2011. “As menores distâncias podem levar uma vida”, livro de poemas publicado pelo Selo Edith e lançado na Balada Literária de 2010.

BRUNA MARIA: acaba de escrever seu primeiro romance. Recentemente saiu na coletânea de crônicas ilustradas “Crônico!”, pela editora Multifoco. Foi 3º lugar no concurso de contos promovido pela Casa do Novo Autor Editora, em março de 2011. Edita o projeto www.asvaria-coesliterarias.wordpress.com. Bloga em http://blog.brunamaria.com.

CARLOS GOMES: é formado em Letras e um dos coautores do blogue Outros Críticos. Possui trabalhos em contos ilustrados (Gomes & Maia) e música (Adiós Poeta). Em 2011 lançou, em formato digital, o livro de contos corto por um atalho em terras estrangeiras. Também colabora nos sites Escritores & Tal e Futebol de Bolso.

CAROLINA B. PIVA: alcunha tão-só, ou de um mesmo espalhado em Melindas, Lavínias, Andrés e Williams. Tanto mais ou um pouco menos. Nasceu em Uberlândia, Gerais nossas, em ano coincidente com um certo Beleléu, composto pelo “maldito (vírgula!)”. É revisora/editora, desencaixa as sintaxes e vai ainda num de ordenar gra' camente as coisas todas. Ou

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nadas – sabe-se lá quem. É ainda, e do que faz gosto-além, colunista da Página Cultural, onde publica seus ' ccionismos – gauches, eles todos... Nisso de constarem os tais títulos: Letras em graduação, História em mestrado, professora de uns tais estranjeirismos-língua. Literatura – a mais-obsessiva… deliciura! Cinema, música e fotogra' a – os nada ocultos prazeres-mundo. Mas é o que ela rediz sempre: pão ou pães – questão de opiniães! Escorregar pra dentro de espelho-Alice ali refeito e refazendo ela?: www.paginacultural.com.br, www.theartbrazil.blogs-pot.com e www.facebook.com/Carol.P.ArtBrazil. Voilà!

CAROLINA MELLO: é apaixonada por literatura, ilustração e física. Tem a mania de resenhar tudo que lê, e o que mais gostar vai parar no seu blog, o Apesar da Linguagem. Ainda não se achou como escritora, mas vai tentando. E-mail: [email protected]; Blog: http://apesardalinguagem.wordpress.com/

CHRISTIAN BOTELHO BORGES: é bacharel em Letras (FFLCH-USP), coautor do livro Casa de taipa: o bairro paulistano da Mooca em livro-reportagem (Salesiana, 2006) e de artigos em revistas acadêmicas. Pro' ssionalmente, faz leitura crítica de originais, preparação e revisão de texto para diversas editoras e atua como ministrante-assistente da O' cina de Escrita Criativa e Autodesenvolvimento Viagem de Letras. E-mail: [email protected], blog http://christianbotelhoborges.blogspot.com

CRISTINA DESOUZA: Nascida de criada no Rio de Janeiro, mudou-se para Phoenix, Arizo-na, Estados Unidos, ainda na década de 1990. Lá pratica medicina e escreve. Em 2011, publicou seu primeiro livro de poesia, intitulado UNS POUCOS VERSOS, à venda na Livraria Cultura. Mantém um blog – mix-tura (http://prismaticblue-mix-tura.blogspot.com/). Contato: [email protected]

DANILO LOVISI: tem vinte anos e é graduando em Letras pela UFJF. É co-editor da Um Con-to – Revista de Literatura e colaborador do Ok!Annie. Publica seus escritos no Chaleira Muda, tentando sentir distraído - como diria Pessoa – a poesia escondida ou explícita do cotidiano. Tem nas expressões culturais humanas grande interesse e procura, através delas, entender (ou encontrar mais perguntas) sobre a sua, ou alguma, existência.

ELEAZAR VENANCIO CARRIAS: nasceu em 1977, no Sul do Pará. É autor de Quatro gave-tas (poesia), vencedor do Prêmio Dalcídio Jurandir de Literatura 2008. Blog: http://coracao-pervasivo.blogspot.com/

GERMANO VIANA XAVIER: Natural da Chapada Diamantina, é graduado em Jornalismo e Letras, autor dos livros Clube de Carteado e do livro-reportagem Iraquara - Em memória de Nós, ainda não publicado. Escreve em: www.oequadordascoisas.blogspot.com

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HELOISA CAMPOS FREIRE: [email protected]

JJLEANDRO: 1960 – jornalista e escritor – residente em Araguaina-To. Tem quatro livros pu-blicados. Edita o blog jjleandro-jjleandro.blogspot.com

JORGE COLAÇO: português, nascido em 1956, fui professor e trabalhei durante dezoito anos no departamento de enciclopédias da Editorial Verbo, em Lisboa. Agora, presto serviços edi-toriais por conta própria, incluindo tradução e organização e produção de conteúdos. Contato: [email protected]

LÉO TAVARES: 07/09/1984, São Gabriel, RS. Há doze anos reside em Brasília, onde estuda Ar-tes Visuais na UnB. Participou de publicações coletivas de contos e poemas, entre eles a antolo-gia do Concurso Nacional de Contos Newton Sampaio, edição 2007, e do Concurso Nacional de Poesia Cassiano Nunes, edição 2009. Foi ' nalista do Prêmio SESC de Literatura em 2010, com o livro de contos Os Doentes em Torno da Caixa de Mesmer. Blog pessoal: http://mobi-leazul.blogspot.com; Blog do coletivo Nexo Grupal: http://nexogrupal.blogspot.com; Colabo-rador no blog Cultura Visual Queer, com críticas cinematográ' cas: http://culturavisualqueer.wordpress.com; Colaborador no blog Cineclube Cinemantigo, com críticas cinematográ' cas: http://cineclubecinemantigo.wordpress.com

LEONARDO CHIODA: lê imagens e escreve. Formado em Letras pela UNESP, é professor de língua e literatura italiana. Autor do blog Café Tarot, estuda, ensina e publica sobre os arcanos com a bênção imaginária de Italo Calvino. Vem semeando uns ventos pra colher ‘Tempestar-des’, seu primeiro livro de poemas. E-mail: [email protected]

LIDIANE LOBO: nasceu no ano de 1982 no subúrbio carioca, onde viveu até seus 23 anos. Mudou-se para Copacabana enquanto cursava a Faculdade de Letras pela UFRJ e atualmente “está mineira”. É casada com o fotógrafo mineiro Diego Sá, com quem idealizou o espaço cul-tural “Armazém da Foto”, localizado no pequeno vilarejo de Itatiaia (próximo a Ouro Preto--MG), onde vive atualmente. Em 2011 lançou seu primeiro livro: “poesia é quase isso”. Além de escrever também tem se aventurado pela Fotogra' a. Blogs: http://poesiaequaseisso.blogspot.com/, http://www.armazemdafotoitatiaia.blogspot.com/

LUÍS ROBERTO AMABILE: mestrando em Teoria da Literatura / Escrita Criativa pela Ponti-fícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul. Em 2011, foi um dos vencedores da Tempo-rada de Originais da Editora Grua Livros. O prêmio é a publicação da obra – no seu caso, um livro de contos, a ser lançado em meados de 2012.

OTÁVIO CAMPOS: é graduando em Letras pela UFJF e é um dos editores da Revista de Li-

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teratura “Um Conto” (revistaumconto.wordpress.com) . Desde 2009 pesquisa sobre a cultura popular da Zona da Mata mineira com o coletivo Cumbuca. Paralelamente, colabora no pro-jeto Sons da Mata, fazendo um levantamento cultural e um resgate musical dos ritmos que perpassam nossa região. Na área das letras, pesquisa o mito da mineiridade na obra do poeta Francisco Alvim. Esporadicamente, dá uma ajudinha musical no Ok! Annie. Otávio crê na música brasileira, na cultura latino-americana, na poesia marginal e, ainda, acredita que a lite-ratura pode salvar o mundo (e dá sua contribuição com o estômago no Pois é e com calma no Macondo, além de às vezes dar uma passada na Sala de Literatura.

PÊ SOUSA: é natural de Floriano-PI mas radicou-se a quase vinte anos em Juazeiro da Bahia. Escreveu um livro, “A busca de mim mesmo”, coletânea de crônicas, ainda não publicado. Con-sidera-se um escritor barato, mas tenta, com suas letras, imortalizar as reminiscências que vai fruindo. Publica suas crônicas nos blogs http://abuscademimmesmo.wordpress.com e http://abuscademimmesmo.blogspot.com

RANDOLFO DOS SANTOS JR.: psicólogo, mineiro de Uberaba, autor de Exposição de Moti-vos (Selo Vale em Poesia/Editora Multifoco - no prelo). [email protected]

REYNALDO BESSA: é músico e escritor. Já lançou cinco CDs. O mais recente com músicas suas sobre diversos poemas de autores como: Drummond, Leminski, Auta de Souza, Alphon-sus de Guimaraens, Fabrício Carpinejar, Alice Ruiz, entre outros. Em 2008 lançou seu primeiro livro “Outros Barulhos – Poemas” (Prêmio Jabuti 2009 - Poesia). Em 2010 foi um dos ' nalistas do PRÊMIO SESC DE LITERATURA, com o seu livro de contos “Algarobas Urbanas” (edito-ra Patuá) lançado recentemente. O autor escreve para sites, blogues, jornais sobre literatura, música e poesia. Têm contos, crônicas, poemas publicados em revistas, jornais, suplementos literários pelo Brasil e exterior. [email protected]; Blog: www.algarobas.blogspot.com; Site:www.reynaldobessa.com.br.

RONIE VON ROSA MARTINS: professor - Português/Inglês - Pedro Osório/Cerrito – RS – Brasil; Pós-graduado em Literatura Contemporânea Brasileira – UFPEL; Pós-graduado em Linguagens Verbais Visuais e suas Tecnologias – IFSUL. Trabalhos publicados nos mais varia-dos portais e periódicos de literatura.

WENDER MONTENEGRO: (Brasil, 1980) é poeta e professor de História. Nasceu em Trairi--CE. Em 2008 publicou seu primeiro livro de poemas, Arestas, pela All Print Editora - SP, com o qual foi indicado para o Prêmio Codex de Ouro 2011. Tem poemas publicados em algumas revistas como TRIPLOV, Blecaute e dEsEnrEdoS. Wender mantém um blog onde posta seus poemas: www.poesiawm.arteblog.com.br

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ÁFRICA - MAURICIO NASCIMENTO

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