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v www.visao.pt Nº 871 12 a 18 de Novembro 2009 Continente e ilhas: ¤ 2,85 ENSINO BILINGUE NO PRÓXIMO ANO? ESCOLAS PÚBLICAS PEÇA NA BANCA COLECÇÃO JORNALISTAS ESCRITORES ¤3,90 ( CONT. ) RIO, CIDADE DE DEUS E DO DIABO EXCLUSIVO Nas favelas entre polícias, paramilitares e narcotraficantes ‘FACE OCULTA’ OS ESQUEMAS POR DETRÁS DOS ESCÂNDALOS QUE ESTÃO A SER INVESTIGADOS PELA JUSTIÇA NA TERRA DA MISÉRIA... E DOS PORSCHES REPORTAGEM NO VALE DO AVE GRÁTIS ARY DOS SANTOS CD SINGLE DE TRIBUTO TROCA-SE FAVORES POR DINHEIRO MANUAL da CORRUPÇÃO Como se obtém dinheiro para subornos Como se fazem sacos azuis Como se escondem lucros Como se atrasam processos ENTREVISTA: Teresa Almeida, a magistrada que tem em mãos os principais crimes económicos

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vwww.visao.pt Nº 871 • 12 a 18 de Novembro 2009 Continente e ilhas: ¤ 2,85

ENSINO BILINGUE NO PRÓXIMO ANO?

E S C O L A S P Ú B L I C A S

PEÇA NA BANCA

C O L E C Ç Ã OJORNALISTASESCRITORES ¤3,90(CONT.)

RIO, CIDADE DE DEUS E DO DIABOEXCLUSIVO Nas favelas entre polícias, paramilitares e narcotraficantes

‘FACE OCULTA’

OS ESQUEMAS POR DETRÁS DOS ESCÂNDALOS QUE ESTÃO A SER INVESTIGADOS PELA JUSTIÇA

NA TERRA DA MISÉRIA...E DOS PORSCHES

R E P O R TA G E M N O VA L E D O AV E GRÁTIS

ARY DOS SANTOSCD SINGLE DE TRIBUTO

TROCA-SE FAVORES POR DINHEIRO

MANUAL daCORRUPÇÃO

Como se obtém dinheiro para subornosComo se fazem sacos azuisComo se escondem lucrosComo se atrasam processos

ENTREVISTA: Teresa Almeida, a magistrada que tem em mãos os principais crimes económicos

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EDUCAÇÃO SOCIEDADE

O quadro é de ardósia, como no pas-sado. A escola é pública, como a maioria. Os alunos são de classe média-baixa, como de costume, nos subúrbios. Mas acabam aqui as coin-cidências com uma escola banal.

Nos corredores, não há pedaço de parede livre de trabalhos – as estações do ano, a roupa, o corpo humano, a geografia, tudo serve para passar a men-sagem. Em Inglês. Dentro das salas, há professoras louras e sardentas. Vieram do Reino Unido para en-sinar matérias do currículo espanhol em Inglês.

Estamos na escola Alba Plata, em Cáceres, não muito longe da fronteira que separa Portugal de Espanha. Mas, muito em breve, poderemos estar a descrever uma escola nacional. O British Coun-cil (Instituto Britânico) propôs a ideia à Câmara Municipal de Lisboa. A autarquia gostou tanto que chamou o Ministério da Educação e este já pôs em marcha um estudo de viabilidade. Se a investigação concluir que a ideia é positiva, o projecto arranca no próximo ano lectivo. As escolas até já estão escolhi-das (ver caixa).

Quando se fala de ensino bilingue, a preposição explica tudo. Não se quer apenas que os alunos aprendam o Inglês, isso fica para a aula da discipli-na; espera-se que aprendam ciências, geografia ou artes, em Inglês.

O trajecto da aprendizagem multilingue parece inevitável, mas nem por isso livre de controvérsia. Os pais estão contra e os sindicatos dos professoras

O Governo mandou estudar a viabilidade do ensino bilingue nas escolas públicas portuguesas. Para aplicar já no próximo

ano lectivo. Especialistas em línguas gostam da medida, mas os pais são

contra. A polémica é já a seguirPOR ISABEL NERY*

‘In English,please’

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CÁCERES A professora Emma Peters ensina as matérias do currículo espanhol em Inglês. São 45 minutos por dia, em todas as turmas

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recusaram-se a tomar posição por des-conhecerem o projecto.

DO MEDO AO SUCESSO«Think of words beginning with 'e'.» Os alu-nos têm apenas 9 anos, mas respondem prontamente, com pronúncia irrepre-ensível – elephant, equal, e por aí adiante. A professora Emma Peters, inglesa de nascença, vai percorrer as várias turmas da escola Alba Plata com o mesmo méto-do. Bilingue, porque ensina matérias em duas línguas.

Mais do que mudar os alunos, mudou a escola toda. «Quando começámos, em 2005, ninguém queria vir para aqui, por-que havia muitos problemas. Na altura, tínhamos 93 alunos, agora temos 176 e já somos obrigados a recusar matrículas, por falta de vagas», garante Angela Egido, 44 anos, coordenadora do Programa Bi-lingue, na escola Alba Plata.

Apesar dos seus escassos 7 anos, as crianças estão já consciencializadas para a necessidade de uma mente global, numa sociedade global: «Se sabes Inglês, podes ir trabalhar para outros países», nota a pequena Gema. «E também ir de férias», acrescenta o colega Pablo.

BIBLIOTECA EM INGLÊS Na escola Alba Plata, Cáceres, há um espaço só para livros britânicos. Para Gema (à direita), de apenas 7 anos, a vantagem de aprender outra língua é óbvia: «Podes ir trabalhar para outros países»

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tos de línguas, gastando do nosso bolso. A nossa experiência é toda positiva», ar-gumenta um pai, José Iglesias, 39 anos.

Para transformar assim uma escola foi preciso repensar a própria forma de ensinar. Métodos mais participativos e dispensa dos manuais escolares, em favor de matérias seleccionadas pelos profes-sores são alguns dos segredos do sucesso. «Tentamos inovar em educação, deixar de lado a ideia de que o professor é que diz tudo e os alunos ouvem. As crianças têm de procurar as ferramentas para aprende-rem por elas», resume Angela Egido.

Nesta escola há professores bilingues para dar os 45 minutos diários de maté-ria em Inglês, mas não em todos os casos. Na maior parte dos estabelecimentos de ensino castelhanos, são os próprios professores espanhóis que leccionam algumas horas noutra língua. Satisfeita com os resultados, a direcção da escola pensa já introduzir também o ensino do Português.

NÓS E NOZESO que os miúdos apenas intuem – que fa-lar várias línguas é uma forma de poder –, os graúdos já estudaram e comprovaram.

Números Espanha ‘versus’ PortugalO país vizinho começou a experimentar o ensino bilingue nas escolas públicas há já 14 anos. O que se faz lá e o que se faz cá:

FRANCÊSEspanha: 300 escolas/20 mil alunosPortugal: 21 escolas/750 alunos

INGLÊSEspanha: 144 escolas/28 mil alunosPortugal: o projecto ainda está em es-tudo mas, se for para a frente, prevê-se que comece nas seguintes escolas-pilo-to: EB Bartolomeu de Gusmão, EB Vasco da Gama, EB Santa Maria dos Olivais, EB Pedro de Santarém, todas em Lisboa

O sucesso é tal que, agora, até os pais pedem aulas de Inglês. E a escola acedeu. Em horário pós-laboral, ensinou a lín-gua do Reino Unido, durante dois anos, aos encarregados de educação. «Graças a este projecto, o Inglês já faz parte da educação dos miúdos, não vamos preci-sar de pô-los em explicações ou institu-

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«O domínio de várias línguas é hoje im-prescindível para a plena cidadania. Há projectos multilinguísticos que provam a utilidade deste tipo de aprendizagem. É mais importante saber um pouco de outras línguas do que ser poliglota, por-que interessa mais falar com o outro do que como o outro. Ou seja, não é preciso um conhecimento profundíssimo da lín-gua para que seja útil», lembra a directo-ra do Centro de Avaliação de Português como Língua Estrangeira e professora da Faculdade de Letras de Lisboa, Maria José Grosso, 56 anos.

Apesar das vantagens teóricas de aprender em mais do que uma língua, os encarregados de educação, representa-dos por Albino Almeida, 48 anos, presi-

dente da Confederação das Associações de Pais, receia pelo sucesso escolar dos filhos, se o projecto passar do papel à prática. «Seremos contra. Isso está con-denado ao fracasso. Não estamos a falar de coisa pouca. É uma alteração estrutu-

ral muito forte. Enquanto os nossos alu-nos confundirem 'nós' com 'noz' recuso--me a aceitar o ensino bilingue.»

AMARGOS DE LÍNGUANão se opondo com tanto vigor, Vasco Graça Moura, 67 anos, tem muitas dú-vidas sobre as vantagens do ensino bi-lingue, numa altura em que o Português «está pelas ruas da amargura». As fi lhas do escritor estudaram no Liceu Francês, sem qualquer prejuízo nas competên-cias da língua materna. Mas: «Duvido que haja condições para generalizar. Que eu saiba, não existem professores com qualifi cações para isso. O risco é muito grande. Pode condenar-nos ao atraso, por exigências estranhas de justiça so-

ENSINAR EM INGLÊS A coordenadora do Programa Bilingue da Escola Alba Plata, Angela Egido, agarrou este projecto para recuperar uma escola que tinha caído em desgraça. «Tínhamos 93 alunos e ninguém queria vir para cá. Agora são 176 e somos obrigados a recusar matrículas»

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‘O ensino de língua estrangeira potencia a materna. Com o bilinguismo tende--se a um melhor desempenho’ Paulo Feytor Pinto, presidente da Associação de Professores de Português

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Alternativa Também na língua de MolièreNuma escola da Amadora, aprende-se Físico-Química em Francês

«Devoirs pour la prochaine semaine: exercise. Acabei a aula em Francês. Agora vamos continuar em Portu-guês.» Gorete Jubilado, 38 anos, dá por terminada a sessão bilingue da sua aula de Físico-Química, na Escola Fernando Namora, na Amadora.Como esta, há mais 20, em Portugal. Recebem apoio do Instituto Franco- -Português, apresentam o projecto ao Ministério da Educação e escolhem disciplinas que possam ser dadas nas duas línguas. Naquele caso, a professora nasceu em França e é bilingue, mas não tem de ser assim. «O projecto adapta-se aos alunos e aos professores. É isso que lhe dá força. A palavra de ordem é a flexibilidade», diz Fabienne Lallement, 57 anos, adida de cooperação educativa da Embaixada de França.Na sala de aula, os alunos – em abun-dante adolescência – ainda se envergo-

nham, quando é preciso responder às perguntas da professora em Francês, mas são os primeiros defensores do projecto. «É difícil, mas vale a pena. Ficamos a saber outra língua para o caso de querermos estudar no estrangeiro», argumenta Patrícia Santos, 14 anos.Normalmente, teriam duas aulas de Francês por semana, com o projecto têm três. «Nessa aula, tento dar vocabulário que possa ser útil para a Físico-Química. Ao nível da compreensão, estão muito melhor do que os alunos sem o projecto bilingue», explica Lúcia Teixeira, 48 anos, professora de Francês.E se esta docente está satisfeita com o ní-vel atingido pelos alunos, a de Físico-Quí-mica está mais ainda: «É uma das minhas melhores turmas. Ensinar em Francês até veio ajudar, porque estão muito mais atentos. Como professora, tive de actuali-zar-me», garante Gorete Jubilado.

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línguas como outras matérias. Nestes ca-sos, tende-se a um melhor desempenho, na escolaridade», concluiu Paulo Feytor Pinto, 46 anos, presidente da Associação de Professores de Português, lembrando que, «daqui a dez anos, ninguém sobre-vive sem saber Inglês».

Conscientes desta realidade, os res-ponsáveis do Ministério da Educação têm dado apoio ao projecto do British Council. Fonte do gabinete da ministra Isabel Alçada garantiu à VISÃO que a investigação sobre a utilidade da apren-dizagem simultânea em Português e Inglês vai continuar. Mas a nova respon-sável pela pasta não quer comprometer-se, para já. Apesar de saber, pessoalmen-te, o que é o ensino bilingue – foi aluna do Liceu Francês – só tomará posição públi-ca depois de conhecer os resultados do estudo de viabilidade.

TODOS FALADORES, TODOS IGUAISIntroduzir o ensino bilingue nas escolas públicas está longe de ser uma medida apenas educativa. Tem implicações polí-ticas, sociais e até diplomáticas.

Habituada a reacções diferentes a esta iniciativa, Teresa Reilly, consultora do projecto bilingue do British Council, acredita que o tempo e autonomia de cada escola é que devem indicar o caminho. «Quando começámos em Espanha, há 14 anos, não fomos muito bem aceites. Ago-ra, os pais protestam quando os filhos não

A nova ministra da Educação, Isabel Alçada, só tomará posição pública depois de conhecer os resultados do estudo de viabilidade

‘Enquanto os nossos alunos confundirem nós com noz recuso- -me a aceitar o ensino bilingue’ Albino Almeida, presidente da Confederação das Associações de Pais

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cial. Em vez de melhor aprendizagem, pode levar a desaprendizagem, por inca-pacidade de seguirem as matérias.»

Embora partilhada por muitos pais, esta ansiedade é contrariada pelos estu-dos que se têm feito sobre os efeitos do bilinguismo na aprendizagem. «Ao con-trário do estereótipo, o ensino de língua estrangeira potencia a materna. Está provado que o bilinguismo obriga a uma ginástica cerebral que aumenta a flexibi-lidade em relação a novas situações. Essa ginástica é tão importante para aprender

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Inquérito Pergunte que eles respondemEspecialistas, professores e alunos tiram todas as dúvidas sobre o ensino bilingue

1 É mais fácil perder a concentração, ouvindo a matéria numa língua

estrangeira?

«Até fi camos mais atentos quando é em Francês. Se nos distraímos, perdemos o fi o à meada.»

RUTE CÂNDIDO, 14 anos, aluna da Escola Fernando Namora, Amadora

2 Quem dá as aulas?«Não é preciso ser bilingue, basta

ter um nível de Inglês razoável. Nalguns casos, há professores de língua nativa, noutros, não. Cada país é diferente.»

TERESA REILLY, responsável pelo projecto bilingue do British Council

3 É obrigatório?«São as escolas que se propõem.

Cada país está a desenvolver o projecto de acordo com as suas necessidades.»TERESA REILLY

4 Como é que os alunos são avalia-dos? Não vão fi car prejudicados?

«Os testes são sempre em Português. Só damos algumas fi chas de trabalho em Francês.»

GORETE JUBILADO, professora de Físico-Química bilingue (Português/Francês)

5 Quanto custa?«Só demos apoio moral ao British

Council. Até agora, o custo foi zero para Portugal.»

CARLOS CATALÃO, ex-adjunto do vereador da Educação e Cultura da Câmara Municipal de Lisboa

6 Se os alunos portugueses já têm elevado nível de insucesso escolar

a Inglês, um sistema bilingue não piora as notas?

«O bilinguismo só trará vantagens neste aspecto. Ajuda a ter uma perspectiva mais global e reforça as competências na língua materna.»

PAULO FEYTOR PINTO, presidente da Associação de Professores de Português

conseguem entrar numa escola bilingue. Não há qualquer desvantagem em ser bi-lingue. Só vantagens: melhora a capaci-dade analítica, a plasticidade cerebral, o sentido crítico, a confi ança.»

Richard Johnstone, responsável pelo projecto do ensino bilingue em Ingla-terra, não tem dúvidas: «Aprender uma nova língua signifi ca aumentar a capaci-dade de aprendizagem em geral.»

Para os defensores desta inovação pe-dagógica, as vantagens não se fi cam pela aprendizagem. «Se a educação bilingue é um sucesso no ensino privado, o sistema público também deve dar essas oportu-nidades. A primeira coisa a interessar--nos foi a possibilidade de proporcionar igualdade de oportunidades», adian-ta Carlos Catalão, 52 anos, ex-adjunto do vereador da Educação e Cultura da Câmara Municipal de Lisboa, que levou a iniciativa à discussão na autarquia e depois ao ministério.

De que o Inglês se tornou uma língua franca já ninguém duvida. Que o ensino bilingue traz benefícios cognitivos, está comprovado. Mas estarão as escolas por-tuguesas preparadas para o desafi o?

* COM SARA SÁ