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RITA DE CÁSSIA GREGÓRIO DE ANDRADE A CIDADE DE COREMAS – PB: GEOGRAFIA HISTÓRICA DE UMA CIDADE PEQUENA UNIVERSIDADE FEDERAL DA PARAÍBA Programa de Pós-Graduação em Geografia João Pessoa – Paraíba Outubro – 2008

RITA DE CSSIA GREGRIO DE ANDRADE - … meu pai, Agemiro Gregório de Andrade e minha mãe, Francisca Gregório de Andrade (Tiquinha), que cortaram prematuramente as raízes que me

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RITA DE CÁSSIA GREGÓRIO DE ANDRADE

A CIDADE DE COREMAS – PB:

GEOGRAFIA HISTÓRICA DE UMA CIDADE PEQUENA

UNIVERSIDADE FEDERAL DA PARAÍBA Programa de Pós-Graduação em Geografia

João Pessoa – Paraíba Outubro – 2008

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UNIVERSIDADE FEDERAL DA PARAÍBA

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM GEOGRAFIA

RITA DE CÁSSIA GREGÓRIO DE ANDRADE

A CIDADE DE COREMAS – PB: GEOGRAFIA HISTÓRICA DE UMA CIDADE PEQUENA

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM GEOGRAFIA

João Pessoa – Paraíba Outubro – 2008

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RITA DE CÁSSIA GREGÓRIO DE ANDRADE

A CIDADE DE COREMAS – PB: GEOGRAFIA HISTÓRICA DE UMA CIDADE PEQUENA

Dissertação apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Geografia – PPGG, Universidade Federal da Paraíba em cumprimento às exigências para a obtenção do título de Mestre em Geografia. Orientadora: Profª Drª Doralice Sátyro Maia

João Pessoa – Paraíba Outubro – 2008

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A553c Andrade, Rita de Cássia Gregório de

A cidade de Coremas-PB: geografia histórica de uma cidade pequena / Rita de Cássia Gregório de Andrade. - - João Pessoa: UFPB, 2008.

184 f. : il. Orientadora: Doralice Sátyro Maia. Dissertação (Mestrado) – UFPB, CCEN, Programa de Pós Graduação em Geografia.

UFPB/BC CDU: 91(043) 1. Geografia Regional. 2. Geografia Histórica. 3. História

oral – Coremas.

UFPB/BC CDU: 91(043)

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DEDICATÓRIA

A meu pai, Agemiro Gregório de Andrade e

minha mãe, Francisca Gregório de Andrade (Tiquinha), que cortaram prematuramente as raízes que me ligavam à terra natalina e com elas fizeram asas, para que eu voasse mundo a fora e retornasse, no futuro, com este trabalho.

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AS RELAÇÕES HUMANAS NA BASE DO TRABALHO

profissão é do, unir os

Fritjot Capra defende em sua célebre obra “Ponto de Mutaçãoépoca de decadência chega o ponto de mutação”. Na época em que delineei, a partir de umantigo

diretamente relacionado com a vida a

osia e perseverança e por ter me ajudado até quando duvidei de sua

queda. Agradeço ao meu pai Agemiro Gregório de Andrade, pela perfeiç

ACADÊMICO: CONTANDO E AGRADECENDO

“A grandeza de uma talvez, antes de tu

homens: não há senão um verdadeiro luxo e esse é o das

relações humanas” Antoine de Saint-Exupéry

” que “depois de uma

sonho, o Projeto de Pesquisa para estudar a minha cidade natal, encontrava-me em uma

das maiores crises ideológicas da vida. A estabilidade fugia de minha rotina, tanto no lado acadêmico-estudantil quanto no âmbito pessoal. Acabava-se os tempos de graduanda em Geografia, terminava-se a fase de bolsista PIBIC/CNPq, juntando-se a isso a falta de entendimento com alguém que me acompanhava intensamente há alguns anos, meu namorado Alex, e por fim, o desentendimento com alguém que foi essencial para meu aprendizado como pesquisadora iniciante e, por que não dizer, o personagem mais importante da minha formação acadêmica em geral, a minha orientadora Doralice.

Em meio a tudo isso, esboçava-se um projeto, ao lado da hesitação quanto ao futuro, como a dúvida sobre a universidade a estudar, o que estava

seguir, as dores a abandonar, as alegrias a abraçar, ou até mesmo arquivar o projeto e adentrar no mercado de trabalho. Foi neste momento de crise que iniciamos, Doralice e eu, o projeto intitulado “O Açude e a cidade: a construção do açude na formação sócio-espacial da cidade de Coremas (1930 – 1960)”, projeto este que foi adaptado e mudado várias vezes, sobretudo devido ao caos interior de uma pesquisadora que tentava visualizar com um olhar científico acontecimentos sempre vistos com o olhar infantil de uma criança inserida na vivência comum, como também das próprias dificuldades do dia-a-dia nas pesquisas de arquivos e de campo. Porém, como afirmou o filósofo Friedrich Nietzshe “é necessário ter o caos aqui dentro para gerar uma estrela”. Durante esse processo, mais de uma vez houve profundos momentos de desânimo, contudo a desistência era algo distante. Por conseguinte, em meio a toda a crise, chegou-se ao final da feitura deste trabalho, cujas experiências e aprendizado elevaram a autora a outro estado da vida. Não sei se poderia dizer se este foi o ponto de mutação. O que se sabe é que, independente de qualquer coisa, a experiência foi gratificante. E, do início ao final, esta pesquisa teve a colaboração, nos bastidores acadêmicos, de muitas pessoas e instituições.

Nesse contexto, merece agradecimento inicial o Senhor Deus, por ter me concedido à vida e á inclinação inata pela teim

existência. Agradecimentos infindos merecem as bases familiares, sem as quais não se caminha

nos momentos de ão com que ajuda os filhos, numa dedicação sem medidas e a minha mãe Francisca

Gregório de Andrade, a quem eu pertenço por suprema ordenança, pois, nunca faltou apoio incondicional e fé depositada em “Rita Minha”. Aos meus irmãos Maria Aparecida Gregório de Andrade e Francisco de Assis Gregório de Andrade, pela compreensão diante da minha ausência e pelo respeito às escolhas que fiz na vida e a José Gregório de Andrade Neto, meu irmão mais velho, sempre enviando apoio desde a cidade de São Paulo. Cito ainda o membro mais querido da família Felipe Gregório de Andrade, uma pessoa linda e amada, um presente deixado por outra pessoa sempre lembrada, minha tia-mãe Maria das Graças Gregório de Andrade (in memorian), cujos ensinamentos deixados acompanham todas as

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atividades da minha vida. Ainda in memorian, outro alicerce importante é a lembrança dos avôs e avós, seus feitos e caráter, especialmente as histórias escutadas a respeito do meu avô José Gregório de Andrade, o amor e os ensinamentos dos primeiros anos de vida deixados pela minha avó Rita Gregório de Andrade, a sabedoria do meu querido avô Pedro Henrique de Santana e a misteriosa inteligência de minha avó Maria Rita da Conceição.

No fazer e refazer deste trabalho, foi essencial a presença da minha orientadora, Doralice Sátyro Maia, nas idéias iniciais, no apoio sempre dado por e-mail quando se ausento

ezes Sá. Agradeço especialmente à banca examinadora compo

e tive a oportunidade de ser estudan

ia Fátima

gério, Altemar, Franklin, Ana Bernadete, Rosana, Gracia

ereira, por terem financiado a maioria dos gastos desta pesquisa.

hor Zé Caboc

u para as terras espanholas por um ano, pela sinceridade com que sempre apresentou as falhas do trabalho, mostrando ao mesmo tempo o caminho para superá-las. Sem esta orientação, o trabalho não seguiria.

Em um momento bastante efêmero, mas valioso, merece destaque a orientação da professora Ariane Norma de Men

sta por Beatriz Soares Pontes, cuja maneira peculiar de transmitir oralmente seus conhecimentos foi esclarecedora no decorrer deste trabalho e ao Professor Raimundo Barroso Cordeiro Jr., pelo apoio intelectual e metodológico.

Para além dos agradecimentos às pessoas, vale ressaltar o apoio do Serviço Público Federal. Agradeço à Universidade Federal da Paraíba, ond

te e pesquisadora; à COAPE, à Residência Universitária Feminina e ao Restaurante Universitário, que me proporcionaram infra-estrutura e ao Programa de Pós-Graduação em Geografia, concedendo ajuda de custo para o trabalho de campo e o uso, sempre que necessário, da sala dos alunos de Pós-Graduação. Vale salientar a predisposição em ajudar da professora Emília de Rodat Fernandes Moreira enquanto Coordenadora do Mestrado, assim como a paciência de Sônia Maria do Nascimento na rotina de secretária.

Pelos ensinamentos transmitidos nas disciplinas, destacam-se os trabalhos docentes dos professores Emília de Rodat Fernandes Moreira (Epistemologia da Geografia); Mar

Ferreira Rodrigues (Metodologia para Investigação Científica); Pedro Costa Guedes Vianna (Geopolítica dos Recursos Ambientais); Ariane Norma Menezes Sá e Monique Cittadino (História Política) e Doralice Sátyro Maia e Alexandrina Luz Conceição (Relação Cidade-Campo).

Sou grata pelo convívio rápido, porém proveitoso, com os colegas de mestrado: Aline, Ocione, Carlos Soares, Rodrigo, Ro

e Vilma. Na cidade de Coremas, agradeço ao Vereador e à pessoa de Assis Clementino e ao

Prefeito Edilson PDifícil é transmitir os agradecimentos a todos os coremenses que abriram as portas de

suas casas e relataram suas memórias. Agradeço a todos os entrevistados: o Senlo e toda sua família pela recepção que só os autênticos sertanejos sabem proporcionar;

a cordialidade e disposição de Dona Zefinha e do Senhor Manoel Cabaceiro, que tiveram uma contribuição especial para este trabalho; a Senhora Adevani e seu neto Valério, não só pelos depoimentos, mas também pela gentileza única com que me cederam parte de seu acervo fotográfico; a Senhora Eliraci, que, apesar da timidez assumida por ela mesma, me concedeu a honra de uma entrevista; sem esquecer também a doação de várias fotografias; a Dona Margarida (avó de Davi) e Dona Maria e a toda a família Travassos, agradeço imensamente. Merece menção ainda todos os coremenses que formal ou informalmente colaboraram com informações, orientações, doação de material, gentileza, exemplo de vida ou até mesmo a cordialidade espontânea expressa num simples ato de ceder um copo d’àgua para aliviar a sede. Nesta senda, cito especialmente Fátima Morais e o Senhor Juvenal (os pais da minha amiga Simone), Hespedito, meu primo lá do Sítio Barra, o Professor Arnaldo e a todos que, de alguma maneira, suportaram meus questionamentos.

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Agradeço à “co-autoria” desinteressada da minha amiga, companheira de estudos e também coremense Maria Simone Morais. Sou grata pela companhia, sempre que possível,

xílio em relação à língua espanh

r quando o computador teve problemas. A mesma

ha como bolsista da XVII Escuela de Archivos para

meu crescimento como pessoa e meu desenvolvimento acadêmico. Agrade

meu companheiro da adolescência, hoje amigo e irmão

em arquivos, bibliotecas e principalmente nos trabalhos de campo, desvendando a paisagem coremense debaixo do sol árduo e perseguindo os idosos. Por fim, agradeço pelo que é mais evidente, seu apoio técnico e intelectual na elaboração dos mapas.

Agradeço de uma maneira muito carinhosa a professora de origem espanhola do Departamento de Geociências Maria Franco Garcia, por todo o au

ola. Agradeço á Clauirton Albuquerque Siebra por ter me ajudado com o absctract e com qualquer auxílio em relação à língua inglesa.

Agradeço com felicidades ao meu ex-namorado Alex, por continuar um amigo para todos os momentos, por cada vez que veio me salva

gratidão é estendida aos seus familiares, sobretudo a minha ex-sogra e eterna amiga Maria Helena Cunha, pelos diálogos, confiança, consideração, generosidade e por sempre abrir as portas de sua casa para mim. Durante a construção deste trabalho, houve uma quebra inesperada no cronograma, ocorrida quando viajei para a EspanIberoamérica. Pela experiência única e não repetível deste momento, agradeço ao Ministério de Cultura da Espanha, sobretudo à Subdirección de los Archivos Estatales, por tudo o que vi e aprendi sobre o Sistema de Arquivo da Espanha e a visita aos arquivos históricos. Graças à oportunidade de viver em um país estrangeiro, pude penetrar, por assim dizer, em um universo paralelo, cheio de surpresas, alegrias, realização de sonhos, deixando marcas profundas. Neste momento, agradeço à Emília de Rodat Fernandes Moreira, Doralice Sátyro Maia, Maria Franco Garcia, Pedro Costa Guedes Vianna e a Vice-Reitora Maria Yara Campos Matos, por todo o apoio. Ainda agradeço à Fundação José Américo pelo auxilio financeiro. Também não posso esquecer a minha amigona Ana Carolina, ou Carol, com sua célebre frase: “Leva esse livro, Rita, aqui em casa a mãe leu, o pai leu, a Catarina leu, o Ale leu...!”.

Durante os dois meses e meio na minha odisséia quixotesca, algumas pessoas contribuíram para o

ço ao exemplo de vida que pude conhecer e sentir através da pessoa de Juan Manuel. Agradeço ao meu peruano preferido, o professor David Yosip Coz Seguil, por tudo o que me ensinou sobre a língua espanhola e a arquivologia e por toda a orientação e companheirismo. Sou grata ainda a historiadora apaixonada pela Historia Oral e pela literatura popular chilena, minha amiga, com muito orgulho, Micaella Navarrete; a arquivista de Mar de Plata, Argentina, Mirian Salvatierra, amante dos arquivos e obcecada pelo otimismo e a minha amiga mexicana linda que me ajudou na escrita espanhola, a historiadora Rosaura Mitra Ávila. Ainda ajudando com a escrita espanhola, agradeço a uma pessoa muito especial, ao meu querido amigo e brilhante economista Manuel Caballero. O convívio com estas pessoas foi essencial para o exame de proficiência.

“Uma amizade é uma alma habitando dois corpos” (Aristóteles). Segurando a barra no convívio diário destes tempos, agradeço ao

Jucélio Leonardo, pelos socorros enviados diretamente do Distrito Federal, na hora que só um amigo podia agir. Agradeço ao irmão que a vida me deu, Davi Alysson da Cruz Andrade, que, mesmo eternamente “calafetado” de tarefas, sempre buscou uma maneira de demonstrar que é louco por mim, assim como eu sou por ele. Agradeço a este amigo inigualável e a esta inspiração às possibilidades, sempre me dando, além da mão amiga, exemplo de vida. Agradeço ainda o apoio em algum momento deste trabalho da minha marcante companheira Maria José da Silva. Agradeço à maior e melhor amiga que alguém pode ter, Avena Meirelles (isso já explica tudo!), a baiana mais amada pelos coremenses. Agradeço a minha queridíssima amiga Madalena Buriti, pelo companheirismo e bondade

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infinitos. Mais uma vez repito o nome de Maria Simone Morais, pelo companheirismo, a afinidade de idéias, os risos das madrugadas insones e igualmente ao exemplo de vida. Agradeço à Mari, que sempre me incentivou aos estudos, me dando bolos nos compromissos marcados e me fazendo permanecer em casa e, sem alternativa, retornar aos livros (Aproveitei pra desabafar!). Mas, de verdade, agradeço a esta amiga maravilhosa, pelos conselhos, pela troca de experiências e por colorir o meu cotidiano, mesmo que por celular ou messenger. A minha grande e verdadeira amiga cearense Sara Santiago Lopes, pela força, torcida e fidelidade em todos os momentos. Impossível deixar de mencionar a atitude amiga de Urânia Carla, cujo estilo de vida peculiar em terras pessoenses deixou saudades. Igualmente sou grata a meu amigo do peito dos tempos da graduação, Állisson Cavalcanti, por sempre está disponível em momentos difíceis.

E viva as minhas companheiras da Residência Universitária! A começar pelas mestrandas em Economia e seus árduos esforços. Primeiramente a minha amiga Márcia, que, para al

este trabalho.

ém da divisão do espaço físico, dividiu comigo experiências e risos; recordo com afeto a minha amiga Tabira, por todas as conversas e troca de experiências, a Luisa, pelas alegrias, o convívio diário e a irmandade com que compartilha os momentos de residente universitária e a Laura Kely, pelo reconhecido humanismo de sua pessoa. Recordo com carinho ainda o convívio relâmpago com Jammily e Ivana no período em que elas fizeram o nivelamento para entrar no Mestrado em Economia. Relembro ainda a presença das minhas “Favoritas” do Quarto 01 Noeli, Renata e Dayane; assim como as irmãs Rute e Raquel. Vocês são maravilhosas!

Todas estas pessoas estiveram presentes, cada uma com seu significado, no processo de elaboração d

Muito obrigada a todos.

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“O que nós fazemos nunca é compreendido, apenas louvado ou condenado”

Friedrich Nietzshe

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RESUMO

ca de uma Cidade Pequena. João Pessoa: Universidade Federal da Paraíba, 2008. (Dissertação)

bjetivo analisar os processos históricos, econômicos e políticos que varam ao surgimento da cidade de Coremas. Os objetivos específicos foram: refletir sobre a

ANDRADE, Rita de Cássia Gregório de. A Cidade de Coremas – PB: Geografia Históri

Mestrado em Geografia. Esse trabalho teve como oleorigem e caracterização do povoado do Boqueirão do Curema; verificar as alterações que o povoado do Boqueirão do Curema e a vila de Curema sofreram com a chegada dos açudes Curema e Mãe D’Água e do Acampamento do DNOCS; identificar as modificações urbanas na vila de Curema; caracterizar a vida dos antigos habitantes na vila de Curema e no Acampamento do DNOCS e revelar os acontecimentos que ocasionaram a elevação da vila de Curema à cidade de Coremas. O universo pesquisado foi a cidade de Coremas, desde o seu processo de constituição inicial, quando era um pequeno povoado, até a data de sua criação oficial, na década de 1950. A metodologia utilizada foi: 1) Pesquisa documental: coleta de documentos oficiais em arquivos; levantamento bibliográfico e busca por fotografias e mapas antigos, sendo que os últimos não foram encontrados. 2) Pesquisa de Campo: observação da paisagem, para verificar os vestígios de tempos passados no traçado urbano e na edificação da cidade; retirada de fotografias e realização de entrevistas com os idosos. 3) Trabalho de Gabinete: análise de todo o material encontrado e redação do trabalho final. A História Oral adquiriu importância metodológica especial neste trabalho, possibilitando a análise de uma fonte documental complementar, suprindo a carência de documentos oficiais. Constatou-se que o povoado do Boqueirão do Curema surgiu a partir de uma capela, construída na chamada Data de Curema, uma parte de terra doada à igreja por um fazendeiro local. O povoado elevou-se à vila no ano de 1938, em virtude de uma maior dinâmica proporcionada, sobretudo, pela construção do Açude Curema. Nas décadas de 1930, 1940 e 1950 seguem as obras de construção dos açudes Curema e Mãe D’Água, o que ocasiona o aumento do contingente populacional e a edificação de outro núcleo urbano, o Acampamento do DNOCS, para moradia dos funcionários do DNOCS. E são estes acontecimentos os responsáveis pela criação da cidade de Coremas, no ano de 1954, após reivindicações levadas a cabo pelo poder local, representados pelos agropecuaristas. Estes, guiados por interesses político-administrativos se utilizam dos benefícios trazidos pelo capital federal para alegar a presença de elementos urbanos suficientes para elevar à vila de Curema à cidade de Coremas. Espera-se ter deixado, através deste trabalho, uma contribuição ao estudo das cidades pequenas para a Geografia Urbana, em especial, dentro da geografia histórica das pequenas cidades. Cada um dos elementos de análise abarcados por esta pesquisa pode ser aprofundado através da História Oral. Ao mesmo tempo, fica o anseio por um estudo da cidade de Coremas que aprofunde as temáticas aqui analisadas, como também que abarque os tempos posteriores a 1960, ao lado de uma análise da atual cidade de Coremas. Palavras-Chaves: vila; cidade pequena; história oral; Coremas.

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ABSTRACT

ANDRADE, Rita de Cássia Gregório - PB: Historical Geography of a Small City. João Pessoa: Universidade Federal da

foundation of the Coremas City. The specific aims were: to reflect

de. Coremas City

Paraíba, 2008. (Dissertation) Master’s Degree in Geography. The aim of this dissertation was to analyze the economical, historical, political and urban processes that lead theabout the starting point and characterization of the Boqueirao of Curema settlement; to verify the changes in Boqueirao of Curema settlement and Curema Village, raised up by the construction of the Curema and Mae DAgua dams and DNOCS camping; to characterize the life of the ancient habitants of the Curema Village and DNOCS camping; and to reveal the facts that raised up the status upgrading of Curema Village to Coremas City. The scenario of research was Coremas City, since its initial setting process, when it was a small settlement, until the date of its official definition as a city, in fifties. The methodology used in this work was: (1) survey of documents composed by collection of official documents in archives, bibliographical survey and search for past photos and maps, the latter were not found; (2) field research observation of the landscapes to verify the traces of ancient times in buildings of the city, photos sections and interviews of elderly people; (3) office work composed by analyzes of all collected material and final report specification. The Spoken History acquired a special methodological importance in this work, enabling a complementary source for analysis and filling the gap of official documents. We have found out that the Boqueirao of Curema settlement was created from a small church, built in a place called Data de Curema, a piece of land given to the church by a local farmlander. The settlement had its status updated to village in 1938, due to a more dynamic life associated mainly with the building of Curema dam. In the thirties, forties and fifties the Curema and Mae D´Agua dam efforts have attracted more workers, increasing the population number and creating an urban center, the DNOCS camping, to such workers. These facts account for the creation of the Coremas City in 1954, after complaints of local power, represented by local farmlanders. These farmlanders, lead by political-administrative interests, have used the benefits raised up by the federal capital to argue about the presence of enough urban elements to update the Curema Village status to a city. We aim to present, through this work, a contribution related to the study of small cities to the urban geography, mainly inside the historical geography of such cities. Each of the analysis elements used in this research can be investigated in deep through Spoken History. At the same time, we hope that a deep study of the Coremas City can be raided up from this work, furthermore also considering ages older than 1960, together with an analysis of the current situation of Coremas City. Word keys: Village, Small City, Speech History, Coremas

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LISTA DE FIGURAS

Figura 01 – Localização do Município de Coremas ............................................................... 33

Figura 02 – Vista aérea da cidade de Coremas ....................................................................... 35

Figura 03 – Distribuição das vilas da Província da Parahyba do Norte no século XIX ......... 66

Figura 04 – Vista aérea do açude Curema em 1958 ............................................................... 76

Figura 05 – Boqueirão antes da construção da barragem no início da década de 1950 .......... 77

Figura 06 – Boqueirão após a construção da barragem, no início da década de 1950 ............ 77

Figura 07 – Vista da barragem Mãe D’Água, final da década de 1958 ................................. 77

Figura 08 – Panorama da barragem Mãe D’Água, década de 1950 ....................................... 77

Figura 09 – Ponte sobre o Rio Aguiar, no Sítio Mãe D’Água, década de 1950 .................... 78

Figura 10 – Traçado da vila de Curema ................................................................................. 94

Figura 11 – Vista aérea do núcleo central da cidade de Coremas .......................................... 95

Figura 12 – Traçado da cidade de Pombal, Paraíba ................................................................ 96

Figura 13 – Traçado da cidade de Catingueira, Paraíba .......................................................... 97

Figura 14 – Mapa exacto da Villa de S. João da Parnaíba, Piauí, 1798 ................................. 93

Figura 15 – Traçado da cidade de Aguiar, Paraíba ................................................................ 99

Figura 16 – Localização das ruas mais antigas da vila de Curema e do Acampamento do

DNOCS................................................................................................................................... 101

Figura 17 – Rua Getúlio Vargas ........................................................................................... 102

Figura 18 – Rua Manuel Cavalcante .................................................................................... 102

Figura 19 – Antiga Rua do Rio, atual Rua Capitão Antônio Leite ...................................... 106

Figura 20 – Rua U ou Rua dos Engenheiros, Acampamento do DNOCS ........................... 102

Figura 21 – Croqui – Uso do Solo da Cidade de Coremas – Décadas de 1940 e 1950 ....... 110

Figura 22 – Antiga Capela de Santa Rita de Cássia e seu largo, 1927 ................................. 111

Figura 23 – Fachada da antiga Capela de Santa Rita de Cássia, 1927 ................................. 111

Figura 24 – Igreja Matriz de Santa Rita de Cássia na Festa da Padroeira, 1952 .................. 112

Figura 25 – Antiga Casa Paroquial, década de 1950 ............................................................ 113

Figura 26 – Tradicional Cabaré da Cidade de Coremas, com casas simples e conjugadas . 116

Figura 27 – Interior do Mercado Público de Coremas em processo de reforma .................. 116

Figura 28 – Parte externa do Mercado Público de Coremas ................................................ 116

Figura 29 – Residência do Senhor José Travasso ................................................................ 119

Figura 30 – Interior da casa da Figura 29 ............................................................................. 119

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Figura 31 – Residência do Senhor Agemiro Gregório de Andrade....................................... 120

Figura 32 – Interior da casa exposta na Figura 31 ................................................................ 120

Figura 33 – Objetos de uso diário pendurados em tornos, na residência do Senhor Agemiro

Gregório de Andrade ............................................................................................................. 122

Figura 34 – Curral localizado na propriedade do Senhor Agemiro Gregório de Andrade ... 123

Figura 35 – Curral menor, vizinho ao curral da Figura 34 ................................................... 123

Figura 36 – A mais antiga casa da Cidade de Coremas, localizada na Rua Getúlio Vargas 124

Figura 37 – Fundos de uma residência da antiga Rua do Rio, na década de 1950 .............. 124

Figura 38 – Casas da Rua José Roberto Silva ...................................................................... 125

Figura 39 – Casas da Rua Manoel Cavalcante ...................................................................... 125

Figura 40 – Uma das mais antigas casas de Coremas, na Rua Manoel Cavalcante ............. 126

Figura 41 – Casas da Rua Manoel Cavalcante, localizadas em frente à lateral da Igreja .... 126

Figura 42 – Casa da Rua Manoel Cavalcante ....................................................................... 126

Figura 43 – Casa da Rua Manoel Cavalcante ....................................................................... 126

Figura 44 – Edificação da Rua U ou Rua dos Engenheiros, onde funcionava o escritório do

Acampamento do DNOCS .................................................................................................... 128

Figura 45 – Ponte provisória sobre o Rio Piancó ................................................................. 128

Figura 46 – Primeiros prédios construídos no Acampamento do DNOCS, década de 1930 129

Figura 47 – Edifícios do Acampamento do DNOCS, em processo de construção, na década

de 1930 .................................................................................................................................. 130

Figura 48 – Prédio do Cinema Comissão do Alto Piranhas ou Cine CAP ........................... 131

Figura 49 – Capela de Santa Terezinha, 2005 ...................................................................... 132

Figura 50 – Prédio da Casa de Força .................................................................................... 133

Figura 51 – Passeio no Acampamento e no Açude Curema, 1958 ...................................... 146

Figura 52 – Passeio dominical no Açude Curema, década de 1950 ..................................... 146

Figura 53 – Piquenique no Açude Mãe D’Água, no ano de 1958 ........................................ 147

Figura 54 – Clube do Acampamento do DNOCS, década de 1950 ..................................... 148

Figura 55 – Time de Vôlei do DNOCS, no Acampamento do DNOCS, 1950 .................... 149

Figura 56 – Capela de Santa Terezinha, no Acampamento do DNOCS, em um domingo do

ano de 1958 ............................................................................................................................ 150

Figura 57 – Carnaval no Acampamento do DNOCS, na década de 1950 ............................ 156

Figura 58 – Casamento matuto em festa junina, 1950 ......................................................... 157

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LISTA DE QUADROS

UADRO 01 - Economia Agrícola do Município de Coremas estimada em 2002 ............... 36

Q

QUADRO 02 - Escrituras de terras do povoado do Boqueirão do Curema (1922 – 1938) .. 108

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LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS

DNOCS: Departamento Nacional de Obras Contra as Secas.

l

o São Francisco

sgotos da Paraíba

IBGE: Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística

IFOCS: Inspetoria Federal de Obras Contra as Secas

INSS: Instituto Nacional de Seguridade Social

IOCS: Inspetoria de Obras Contra as Secas

PSD: Partido Social Democrático

UDN: União Democrática Naciona

CHESF: Companhia Hidro Elétrica d

PTB: Partido Trabalhista Brasileiro

CAGEPA: Companhia de Águas e E

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SUMÁRIO

TRODUÇÃO.......................................................................................................................20

IN

CAPÍTULO I – REFLEXÕES SOBRE O ESTUDO DAS CIDADES PEQUENAS.............. 25

1.1 O ESTUDO DAS CIDADES PEQUENAS NA GEOGRAFIA URBANA ........................................ 25

CAPÍTULO II – A GEOGRAFIA HISTÓRICA DE UMA PEQUENA CIDADE: A CIDADE

1.2 UMA CIDADE PEQUENA: APRESENTANDO A CIDADE DE COREMAS................................. 32 1.3 A HISTÓRIA ORAL COMO RECURSO METODOLÓGICO PARA O ESTUDO DA GEOGRAFIA HISTÓRICA DA CIDADE DE COREMAS.................................................................................... 41

DE COREMAS ........................................................................................................................ 57

2.1 DE POVOADO À CIDADE: O SURGIMENTO DA CIDADE DE COREMAS............................... 57

2.2 A CIDADE DE COREMAS

CAPÍTULO III – A PEQUENA CIDADE DE COREMAS: AS TRANSFORMAÇÕES ..... 90

2.1.1 ANTECEDENTES HISTÓRICOS..................................................................................... 57 2.1.2 AS SESMARIAS .......................................................................................................... 59 2.1.3 A IGREJA ................................................................................................................... 60 2.1.4 O POVOADO .............................................................................................................. 63 2.1.5 A VILA ...................................................................................................................... 65

................................................................................................... 68 2.2.1 A DEPENDÊNCIA DO ESPAÇO RURAL......................................................................... 68 2.2.2 O AÇUDE................................................................................................................... 73 2.2.3 O PODER LOCAL........................................................................................................ 81 2.2.4 ANOTAÇÕES CONCLUSIVAS SOBRE A CRIAÇÃO DA CIDADE DE COREMAS ................ 87

ESPACIAIS .........................................................................................................................

3.1 MORFOLOGIA URBANA: TRAÇADO INICIAL DA CIDADE DE COREMAS ........................... 90

CAPÍTULO IV – A VIDA DOS ANTIGOS HABITANTES DE COREMAS ..................... 135

3.2 AS PRINCIPAIS RUAS ...................................................................................................... 100 3.3 USO E OCUPAÇÃO DO SOLO DA CIDADE DE COREMAS .................................................. 106

4.1 NOTAS INTRODUTÓRIAS ................................................................................................ 135

4.2 A VILA DE CUREMA E A VIDA DOS HABITANTES............................................................ 137 4.3 A VILA DE CUREMA E O ACAMPAMENTO DO DNOCS: UM ESPAÇO URBANO

................ 141 FRAGMENTADO NA FORMAÇÃO DA CIDADE DE COREMAS .................................4.4 AS TRANSFORMAÇÕES NA VILA DE CUREMA E NO ACAMPAMENTO DO DNOCS:

......... 152 SOCIABILIDADES DISTINTAS NA FORMAÇÃO DE UMA PEQUENA CIDADE ..................

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CONSIDERAÇÕES FINAIS ................................................................................................. 164

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ................................................................................... 168

APÊNDICES .......................................................................................................................... 174

ANEXOS ................................................................................................................................ 180

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INTRODUÇÃO

Esse trabalho preocupa-se inicialm

urbana e da sociedade da pequena cidade de Coremas entre os anos de 1930 e 1960. Este

recorte temporal deu-se em virtude dos acontecimentos importantes que ocorreram neste

período

que o

de investigação chamada história oral. Em síntese, os

proced

ente com o estudo das características da forma

, como a elevação de povoado à vila, no ano de 1938; a elevação de vila à cidade,

ocorrida em 1954; a construção dos açudes públicos Coremas e Mãe D’Água, da década de

1930 á década de 1950 e a conseqüente edificação do Acampamento do DNOCS, um núcleo

urbano construído para moradia dos profissionais encarregados das obras dos citados açudes.

Tem como objetivo geral analisar os processos históricos, econômicos, políticos e

urbanos que levaram à criação da cidade de Coremas. Os objetivos específicos são: Refletir

sobre a origem e caracterização do povoado do Boqueirão do Curema; verificar as alterações

povoado do Boqueirão do Curema e vila de Curema sofreram com a chegada dos

Açudes Curema e Mãe D’Água e do Acampamento do DNOCS; identificar as modificações

urbanas na vila de Curema; caracterizar a vida dos antigos habitantes na vila de Curema e no

Acampamento do DNOCS e revelar os acontecimentos que contribuíram para a elevação da

vila de Curema à cidade de Coremas.

A pesquisa aqui realizada está fundamentalmente baseada em levantamento

documental, como documentos oficiais, fotografias, obras escritas sobre a temática e a

utilização da metodologia qualitativa

imentos metodológicos utilizados foram: 1) Pesquisa documental: coleta de

documentos oficiais em arquivos, levantamento bibliográfico e busca por fotografias e mapas

antigos, sendo que os últimos não foram encontrados. 2) Pesquisa de Campo: observação da

paisagem para verificar os vestígios de tempos passados no traçado urbano e edificação da

cidade, confecção de fotografias e realização de entrevistas com os idosos. 3) Trabalho de

Gabinete: análise de todo o material encontrado e redação do trabalho final.

Durante a pesquisa documental, constatou-se inicialmente a quase inexistência de

documentos nos arquivos. Na cidade de Coremas não existe um arquivo municipal que reúna

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registro

ersidade Federal da Paraíba e relatórios técnicos do DNOCS, existem

basicam

no acervo pessoal. As

agen

estudo, mas também pela complementaridade que as entrevistas

com os

ada à doação de terras à igreja, com posterior edificação de uma

capela,

s documentais referentes à administração municipal e cujo conteúdo retrate os feitos

anteriores a 1960. O que existe é um depósito com documentos datados a partir da década de

1970, com uma falta de organização que dificulta o trabalho de pesquisa. Portanto, no que se

refere ao levantamento documental, foram encontradas algumas atas na Câmara Municipal; as

escrituras de imóveis no Cartório Lucas de Lacerda e o Livro de Tombo da Paróquia de Santa

Rita de Cássia.

Em termos de fontes secundárias, além de alguns textos encontrados na Biblioteca

Central da Univ

ente dois trabalhos, o de Olívina C. da Cunha (1948) e o de Edvaldo Brilhante da

Silva (1996). Vale ressaltar que o levantamento documental fez mudar a preocupação inicial

de demarcar a análise entre os anos de 1930 a 1960, pois, foram encontrados uns poucos

documentos e bibliografias relevantes de tempos anteriores a 1930. Logo, buscou-se retratar

fatos ocorridos desde à fundação do povoado até a criação da cidade.

Quanto às fotografias, uma razoável quantidade foi conseguida, graças à ajuda de

alguns habitantes da cidade de Coremas, que possuem um peque

im s da antiga cidade de Coremas possibilitaram o registro de alguns momentos e de um

determinado grupo social, retratando, geralmente, alguns habitantes em tempos de

festividades e/ou solenidades. Logo, sabe-se de antemão que essas imagens mostram uma

realidade e deixa de revelar outras. Todavia, esses registros fotográficos auxiliaram outros

tipos de fontes históricas.

O uso das fontes orais justifica-se, sobretudo, devido à escassez de documentos

oficiais sobre o objeto de

idosos oferecem, junto às demais fontes. Por conseguinte, essa pesquisa foi feita com

a ajuda e predisposição de alguns habitantes coremenses, geralmente pessoas idosas, para

realização de entrevistas. Os depoimentos orais produzidos pelos coremenses, que, de alguma

maneira, foram partícipes do processo histórico, constituem testemunho vivo para auxiliar no

entendimento da cidade de Coremas em tempos pretéritos. Portanto, as entrevistas tornaram-

se uma fonte primária responsável por uma gama de informações difíceis de serem supridas

pelas fontes documentais.

Localizada às margens do Rio Piancó, a cidade de Coremas surgiu em propriedades

rurais. Sua origem está lig

ao redor da qual apareceram algumas casas e um pequeno comércio, compondo o

Povoado do Boqueirão do Curema. A princípio, sabia-se que as primeiras ruas deste povoado

surgiram em torno da capela e sem obediência a um plano urbano pré-estabelecido. No

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entanto, o povoado do Boqueirão do Curema apresenta o formato da maioria dos pequenos

povoados e vilas do interior do nordeste.

O Açude Curema foi construído a partir da década de 1930 e o Açude Mãe D’Água a

partir da década de 1940. O Departamento Nacional de Obras Contra as Secas - DNOCS1,

órgão

rimeiramente, o termo Curema é de origem indígena,

utilizad

público de âmbito federal, responsável pela construção dos mencionados açudes,

edificou o Acampamento do DNOCS para moradia dos funcionários, representando este o

surgimento de um novo espaço urbano. Assim, Coremas ficou dividida em duas partes, a

então vila de Curema, a margem direita do Rio Piancó e o Acampamento do DNOCS, a

margem esquerda do mesmo rio.

Quanto às denominações atribuídas ao povoado, vila e cidade em estudo, faz-se

importante um esclarecimento. P

o para designar a tribo – tribo dos Curema - que habitava a área onde posteriormente

seria constituído o povoado de Curema. Assim, o nome Curema foi utilizado para referir-se ao

povoado, à vila, como também ao distrito, conforme está escrito em documentos encontrados

na prefeitura de Piancó, na Diocese de Cajazeiras, no Arquivo Histórico do Estado da Paraíba

e em registros civis de nascimento e de casamento existentes nos cartórios da cidade de

Coremas. Devido à presença de um boqueirão cavado pelo Rio Piancó em serras próximas, o

povoado também foi chamado de Boqueirão do Curema. A grafia Curema também se

estendeu para o açude construído pelo Departamento Nacional de Obras Contra as Secas

(DNOCS), nas proximidades do então povoado do Boqueirão do Curema, na década de 1930.

Vale mencionar, ainda, com relação à palavra Curema, a confusão encontrada em vários

escritos, ou seja, uns aparecem com o nome Curemas e outro Curema. E, finalmente, o nome

Coremas foi adotado para o município e cidade, na mesma data de criação de ambos, em 04

de abril de 1954. A preferência por Coremas, em vez de Curemas, ocorreu em virtude das

observações e provocações de cunho anedótico e pejorativo em torno do termo Curema, cuja

1 O Departamento Nacional de Obras Contra as Secas, conhecido pela sigla DNOCS, é uma instituição pública integrada ao Ministério da Viação e Obras Públicas do Governo Federal. É um dos mais antigos órgãos com atuação no Nordeste, sendo o primeiro a fazer estudos no semi-árido nordestino com o intuito de solucionar seus problemas. Foi criado com o fim de construir açudes e barragens para acúmulo de água nos anos de chuva para ser consumida nos anos de seca pela população sertaneja e pelos rebanhos. Surgiu com o nome de Inspetoria de Obras Contra as Secas (IOCS), através do Decreto 7.619 de 21 de outubro de 1909. No ano de 1919, o Decreto 13.687, transformou o IOCS na Inspetoria Federal de Obras Contra as Secas (IFOCS). Por fim, em 1945, com o Decreto-Lei 8.846, passou a chamar-se Departamento Nacional de Obras Contra as Secas (DNOCS). Sabe-se que até o ano de 1959, o DNOCS foi o responsável pelas obras de engenharia do Nordeste. Entre suas empreitadas, o DNOCS construiu açudes, estradas, pontes, portos, ferrovias, hospitais, campos de pouso, redes de energia elétrica e telegráfica, usinas hidrelétricas, sem esquecer sua função mais conhecida, que foi o socorro às populações vitimas das secas periódicas.

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sílaba inicial foi motivo de chistes e gracejos populares. Conta Silva (1996) que o legislador

estadual preferiu assim, baseado em razões históricas e de melhor sonoridade gramatical.

Portanto, nesse trabalho serão preferidas as seguintes denominações: Povoado do Boqueirão

do Curema, ou povoado do Curema, vila de Curema e cidade de Coremas. Quanto ao Açude

Curema, hoje é chamado Açude Coremas ou Açude Estavam Marinho, em homenagem ao

engenheiro responsável pela sua construção.

Este trabalho está dividido em quatro capítulos. O capítulo 1, intitulado “Reflexões

Sobre o Estudo das Cidades Pequenas”, inicia-se com uma breve reflexão a respeito do estudo

das cida

Coremas,

surgindo

as

das suas

preendido entre 1940 e 1960. Para isso,

privilegi

varam ao surgimento da

pequena cidade de Coremas. Em um contexto mais abrangente, também é de suma relevância

des pequenas no Brasil e uma apresentação do objeto de estudo, ou seja, a cidade de

Coremas, com sua localização geográfica e suas características atuais. O espaço-tempo

escolhido insere este estudo na perspectiva da Geografia Histórica. Sabe-se que, para estudar

a reconstrução de um espaço passado, tem-se que buscar vestígios ainda presentes e ao

mesmo tempo lançar mão de fontes históricas, como documentos, fotografias e mapas. No

decorrer desse trabalho, constatou-se a carência de documentação que possibilitasse a análise

do povoado, vila e cidade de Coremas. Por conseguinte, este fato levou à busca por outras

fontes, que foi possível graças às possibilidades metodológicas oferecidas pela chamada

história oral. Logo, o estudo da história oral é outra temática discutida no capítulo I.

O capítulo II, denominado “A Geografia Histórica de uma Pequena Cidade: A cidade

de Coremas” faz uma análise da origem do núcleo urbano da pequena cidade de

enquanto povoado e posteriormente elevado à vila. Em seguida, verifica-se como se

deu a formação da cidade de Coremas, tendo em vista três fatores de destaque, a dependência

do espaço rural, a construção dos açudes Curema e Mãe D’Água e a ação da política local.

O Capítulo III, cujo título é “A Pequena Cidade de Coremas: As Transformações

Espaciais” faz um estudo do traçado inicial da cidade de Coremas, verifica as característic

primeiras e principais ruas e faz um resgate da ocupação do solo na década de 1950,

período em que ocorre a elevação de vila à cidade.

O capítulo IV, chamado “A Vida dos Antigos Habitantes de Coremas”, discorre

sobre a vivência do lugar em estudo, no período com

a-se o dia-a-dia entre dois grupos sociais de características distintas, ou seja, os

habitantes da vila de Curema e do Acampamento do DNOCS. Essas distintas sociabilidades

são expressas, por exemplo, nas festividades religiosas e profanas.

Portanto, esse trabalho é relevante para aprofundar os conhecimentos sobre a

Geografia Histórica de um pequeno núcleo cujas mudanças le

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para refl

etir sobre a Geografia Histórica de povoados, vilas e cidades do interior do Nordeste

brasileiro e sobre os recursos metodológicos utilizados para estudar estes espaços em tempos

pretéritos.

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CAPÍTULO I

REFLEXÕES SOBRE O ESTUDO DAS CIDADES PEQUENAS

pertinente para avançar no entendimento da realidade destes espaços, muitos dos quais,

carentes de pesquisas. Assim, faz-se aqui um ada sobre o estudo da cidade

pequen

ENAS NA GEOGRAFIA URBANA

houve a preferência pelo estudo das cidades grandes e das metrópoles. Estas concentram

roblemas que chamam a atenção dos estudiosos, como as desigualdades sociais mais

gritante

A reflexão dentro da Geografia Urbana brasileira sobre as cidades pequenas se faz

a ligeira retom

a e como ela vem sendo pensada pelos geógrafos nas últimas décadas. Em seguida, é

feita uma apresentação de Coremas, cidade pequena localizada no Sertão da Paraíba e que

aqui foi estudada em tempos pretéritos.

1.1 O ESTUDO DAS CIDADES PEQU

Um primeiro ponto a destacar é o fato de que, na Geografia Urbana Brasileira, sempre

p

s, as fortes degradações ao meio ambiente, o grande contingente populacional e a

intensa dinâmica no comércio e nos serviços. Logo, estas cidades foram e são os grandes

focos de atenção dos estudiosos. O estudo das cidades grandes e das metrópoles tiveram em

vista “a organização interna desses espaços, os processos espaciais, as relações inter-urbanas,

o papel do Estado, os movimentos sociais urbanos, entre outros” (SOARES; MELO, 2005, p.

01).

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Nesse contexto, o estudo urbano também foi relacionado com a análise da

industrialização do país ocorrida a partir da década de 1930, um acontecimento que também

chamou

pectiva do processo de industrialização,

especia

da cidade pequena. Nesse processo, o foco de atenção foi direcionado

para aq

tivamente inexpressiva, localizadas em áreas de pequena centralidade regional

e uma modernização relativamente baixa. A cidade de Coremas apresenta-se nesse último

a atenção dos estudiosos, pelas modificações que trouxe para muitas cidades. Assim,

para compreender o espaço urbano, tornou-se relevante pensar no fenômeno da

industrialização e sua relação com o processo de urbanização. Sposito (1997, p. 39) apresenta

dados percentuais que demonstram o processo de urbanização ocorrido no mundo após o

advento da industrialização. O autor citado afirma que, no final do século XIX, 1,7% da

população mundial era considerada urbana; nos anos de 1950 do século XX esse percentual

havia aumentado para 21%; em 1960 para 25%; em 1970 para 37,4%; em 1980 para 41,5% e

em 1990 em torno de 51%. Nesse processo, a população urbana do Brasil foi multiplicada por

cinco nos últimos trinta e cinco anos e por mais de três nos últimos vinte e cinco anos

(SPÓSITO, 1997, p. 39). A população urbana brasileira aumentou, sobretudo, graças ao fluxo

migratório impulsionado pela industrialização, com forte conseqüência no Centro-Sul e uma

expressiva representatividade no litoral do Nordeste.

Esses acontecimentos históricos conduziram vários estudos da Geografia Urbana

brasileira a uma análise da cidade e do urbano na pers

lmente após a década de 1930. Dessa forma, estariam em segundo plano os estudos

das cidades onde a indústria não havia se instalado com força, ou seja, as cidades pequenas,

que se apresentavam como espaços intimamente ligados ao campo circunvizinho, com uma

dinâmica na qual o rural e o urbano se confundem. Por conseguinte, as cidades que

pontilhavam o interior do Brasil, especialmente as cidades pequenas do Nordeste,

caminhavam lentamente em seu processo de urbanização e pouco chamavam atenção dos

estudiosos da cidade.

Todavia, nos últimos anos, percebe-se uma contribuição dentro da Geografia Urbana

brasileira para o estudo

uelas cidades localizadas em áreas rurais modernizadas, chamadas por Santos (1993, p.

72) de “cidades no campo modernizado”. Santos, igualmente denominou estes espaços de

“cidades locais” onde “a divisão do trabalho é menos densa, em vez de especializações

urbanas, há acumulação de funções numa mesma cidade e, conseqüentemente, as localidades

do mesmo nível, incluindo as cidades médias, são mais distantes uma das outras” (SANTOS,

1993, p. 53).

Simultaneamente, constata-se o pouco estudo feito sobre aquelas cidades de dinâmica

econômica rela

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caso. C

s é baseada na

agrope

o estudo destes espaços. Um fato

que vem

anos que representam, em termos numéricos, a maioria das cidades brasileiras –

4.643 c

onsiderando as características que marcam grande parte das cidades brasileiras,

Mueller (1996, p. 75) faz referência às pequenas cidades do Nordeste como “centros locais”,

que estão em última posição na escala hierárquica das cidades e que fornecem apenas bens e

serviços simples para as cidades sem centralidade e zonas rurais tributárias.

É relevante afirmar que essas cidades pequenas também possuem problemas que

merecem a atenção. Na Região Nordeste, as cidades pequenas não detêm grandes

concentrações de atividades econômicas – a economia da maioria dela

cuária, em suas adjacências e nas grandes propriedades, e nos benéficos da previdência

social - não concentram um grande poder político e tampouco possui expressiva densidade

demográfica. Contudo, na análise da cidade, estes fatores não põem as cidades pequenas em

situação secundária em relação às cidades grandes e metropolitanas na hora de se estudar as

cidades, mas, apenas as colocam em uma situação distinta.

Ressalta-se ainda que, nas últimas décadas, os indicadores econômicos e sociais

mostraram também o crescimento das chamadas cidades médias e pequenas ou não

metropolitanas e isso contribuiu para o maior interesse pel

chamando a atenção das cidades médias e pequenas nos últimos tempos é a migração

de pessoas das zonas rurais para as periferias destas cidades, aumentando o contingente da

população urbana. Este fenômeno decorre, ora da estagnação econômica no campo, ora da

modernização agrícola. Vale lembrar que estas pessoas que passaram a viver nestas cidades

continuavam com atividades vinculadas ao campo. E esses fatores conduziram o olhar de

muitos estudiosos para as cidades médias e pequenas, no intuito de compreender estas

dinâmicas.

Ora, junto com as chamadas cidades grandes e as metrópoles, as cidades médias e

pequenas compõem o cenário urbano brasileiro e é significante estudar as singularidades dos

núcleos urb

idades de um total de 5.507, conforme os dados do IBGE de 2000 - valendo ressaltar

que o Nordeste possui o maior número de cidades do país, a maior parte das quais, cidades

médias e pequenas. Salienta-se ainda que a quantidade de cidades pequenas existentes no

Nordeste brasileiro é resultado da elevação de muitos distritos a municípios, transformando

suas vilas em cidades, processo este ocorrido devido especialmente ao interesse político e

econômico locais. Isso significa dizer que não é levada em conta a existência de um espaço

com forte dinâmica urbana nestas vilas, para que se as mesmas sejam elevadas à cidade. Por

esta razão, o Estado da Paraíba, por exemplo, possui atualmente 223 municípios, com suas

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sedes, isto é, suas cidades, a maioria das quais, cidades pequenas, com dinâmica econômica e

social marcada pelo domínio do rural.

Por isso, sabes-se que o número de cidades e sua densidade demográfica não dizem

muito do seu conteúdo e estrutura urbana, especialmente no Brasil, onde toda sede de

municí

ra teórica da academia quanto no meio

govern

. De acordo com este critério, toda sede de município é

enom

pio é considerada cidade, pois os interesses políticos locais transformaram em sedes de

município pequenas vilas com uma dinâmica fortemente ligada ao mundo rural. Por

conseguinte, é preciso tomar cuidado ao analisar as cidades pelo número de habitantes, “para

não incorrer no perigo de uma generalização, até sobre a questão que coloca sobre o que

seriam “verdadeiras cidades” e as “pseudocidades”” (MAIA, 2006, p. 02). Um estudo das

cidades pequenas pode revelar o que há de urbano naqueles núcleos populacionais cuja

sociedade está muitas vezes mais ligada às atividades e hábitos rurais que urbanos, ou

possuem uma mescla de características próprias do rural e do urbano, pondo-as numa

interface que deve ser cuidadosamente analisada.

Afinal, o que seriam cidades pequenas ou as cidades médias? Antes de tudo, é preciso

entender o que seria a cidade, tanto na esfe

amental. Nos trabalhos dedicados à compreensão das cidades, surgiram dificuldades

para conceituar um espaço que crescia não só em número de pessoas, mas também em

complexidade de características. Conseqüentemente, tentar conceituar a cidade hoje é assunto

divergente, sendo que esta conceituação se torna mais complexa quando é confrontada com as

definições oficiais do Estado. No que toca a este último aspecto, vários países adotam o

critério quantitativo, ou seja, o número de habitantes, para identificar a cidade e diferenciá-la

de vila, povoado, aldeia ou campo.

No entanto, o critério em voga na maioria dos países, entre os quais o Brasil, é aquele

baseado na legalidade administrativa

d inada de cidade, independente do seu tamanho ou do seu número de habitantes. Dessa

maneira, muitos estudiosos da Geografia Urbana brasileira questionam esta urbanização

apontada pelo IBGE baseada na legalidade administrativa, visto que são considerados como

cidade os pequenos núcleos urbanos cuja população ainda vive fortemente ligada às

atividades e hábitos rurais. David Clark conceitua a cidade como “um conjunto de edifícios,

atividades e populações conjuntamente reunidos no espaço” (CLARK, 1985, p. 37) e

considera as atividades de uso do solo e as trocas e ligações dentro e entre os centros.

Pensando nas cidades do Estado da Paraíba, Maia compreende que:

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[...] para a análise da cidade e do urbano na Paraíba não se pode deter aos

Evidentemente, toda essa dificuldade para definir a cidade atingiu a discussão em

Segundo o tamanho as cidades diferenciam-se de acordo com o número de

esse respeito, assinala Maia que “para a classe de cidades pequenas inserem-se

aquelas

De maneira geral, esses estudos têm revelado que a expansão das “cidades

dados estatísticos, uma vez que há uma imensa discrepância no significado do termo zona urbana adotado pelos registros oficiais como também da própria realidade brasileira e, particularmente, do que se pode chamar de rede urbana paraibana. Lembremos que os registros oficiais obedecem às divisões administrativas, portanto, quando se contabiliza população urbana, significa a contagem da população residente nas sedes dos municípios e dos distritos, ou a população residente das cidades e das vilas (MAIA, 2005, p. 05).

torno da classificação das cidades quanto ao tamanho. É comum classificar as cidades de

acordo com seu contingente populacional, existindo, portanto, as cidades pequenas, médias e

grandes. No meio governamental, a divisão entre cidades pequenas, médias e grandes varia de

país para país e são os interesses por parte do Estado quem determinam estas distinções.

Abramovay afirma que “os limites estabelecidos internacionalmente são arbitrários:

correspondem muito mais a tradições histórico-institucionais que as situações geográficas

refletidas” (ABRAMOVAY, 2000, p. 05). Nesse sentido, quanto ao tamanho das cidades,

Roberto Lobato Corrêa afirma que:

seus habitantes ou segundo agregados econômicos distintos, com base, por exemplo, no valor da produção industrial e da receita do comércio e serviços e a renda de seus habitantes. Há, assim, cidades pequenas, médias, grandes, e centros metropolitanos (CORRÊA, 2003, p. 135).

A

que possuem até 20.000 habitantes. Acima deste montante seria classificada como

cidade média e aquelas com mais de 500.000 habitantes seriam consideradas como cidades

grandes” (MAIA, 2005, p. 07). Além do número de habitantes, deve-se ter em vista a

complexidade de atividades urbanas e sua inserção em uma dada área. Maia (2005) ainda

afirma que a denominação de cidades médias, utilizada por diversos autores para estudar o

conjunto de cidades que vem crescendo popular e economicamente nos últimos tempos,

diferencia-se de autor para autor, pois estes utilizam diferentes critérios para defini-las. A

referida autora aponta alguns resultados dos estudos sobre as cidades médias:

médias” se, por um lado, apresenta indicadores semelhantes aos que tanto caracterizam as metrópoles, entre esses, a descentralização, a verticalização, a transformação de espaços rurais em áreas urbanas (primeira ocupação), o rearranjo de usos de bairros e a estratificação do uso do espaço urbano; por

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outro, mostra diferenças quantitativas (número de habitantes, fluxo de automóveis, indicadores sociais e econômicos, etc.) e qualitativas, como a vida urbana e a vida cotidiana nessas cidades. Tais processos vêm sendo analisados, porém, na maioria das vezes, de forma localizada (MAIA, 2005, p. 10).

des p

às cida equenas, Milton Santos afirma que deve possuir, para as

estatíst

tenham sido foco privilegiado de análise nos estudos

da Geo

Vários são os registros que versam sobre o tema, desde os trabalhos de cunho mais empíricos, como os que tratam de sistema, de rede e de

entre esses tr ),

intitula

essalta

suas vi

passaram a constituir local de concentração da força de trabalho rural, com poucas funções

Quanto

icas internacionais, um total de 20.000 habitantes, no entanto, o autor leva em

consideração que a cidade precisa de certo dinamismo e desenvolvimento para ser definida

como cidade. (SANTOS, 1979 p. 07).

Embora as cidades pequenas não

grafia Urbana brasileira, conforme foi visto aqui, alguns estudiosos dedicaram-se à

reflexão sobre as mesmas, buscando definições e discussões teórico-metodológicas. Nesse

sentido, Maia aponta que

hierarquia urbana, aqueles que resgatam a história da origem dos aglomerados, outros até expuseram algumas idéias metodológicas e ainda os que se preocuparam com o planejamento (MAIA, 2005, p. 01).

abalhos, destaca-se aqui o artigo de Aroldo de Azevedo (1957D

do “Vilas e Cidades no Brasil Colonial”. Milton Santos foi um dos pioneiros na

tentativa de refletir sobre o estudo das cidades pequenas. Este deu início à análise destes

espaços numa comunicação apresentada em 1972 durante a Reunião Anual da Sociedade

Canadense de Estudos Latino-Americanos, publicada em forma de capítulo na coletânea

“Espaço e sociedade: ensaios” do próprio autor. Neste trabalho, Santos denomina as cidades

pequenas, conforme já foi dito, de cidades locais, um termo bastante utilizado posteriormente

em estudos envolvendo esta temática (SANTOS, 1979, p. 71). Em contrapartida, com relação

aos estudos das cidades locais ou dos “espaços pequenos” Santos afirmou que, quanto menor

for o lugar examinado, tanto maior o número de níveis e determinações externas que incidem

sobre ele. Daí a complexidade do estudo do “mais pequeno” ( SANTOS, 1985, p. 03) .

Já Roberto Lobato Corrêa analisa as cidades pequenas na década de 1990 e r

nculações com as atividades rurais. No “2° Simpósio Nacional de Geografia Urbana”,

Corrêa mostra a situação destas cidades na referida década e salienta que as transformações

ocorridas na passagem do século XX para o XXI afetaram de forma diferenciada as cidades

pequenas, mostrando que as cidades com população entre 10.000 e 15.000 habitantes

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urbanas (CORRÊA, 1991, p. 14). Aqui, o citado autor verifica que as cidades pequenas foram

paulatinamente se transformando em lugares de concentração da força de trabalho temporária

e foram perdendo sua centralidade devido à diminuição da população em sua área de

influência. No artigo “Globalização e reestruturação da rede urbana: uma nota sobre as

pequenas cidades” (1999), Corrêa analisa o impacto da Globalização sobre as cidades

pequenas com base na experiência brasileira. Para designar as cidades pequenas, o citado

autor utiliza também os termos pequenos centros, ou pequenos núcleos, que são aqueles com

população inferior a 50.000 habitantes.

Ainda sobre essa temática, vale destacar as clássicas monografias urbanas elaboradas a

partir da proposta metodológica de Pierre Monbeig e as várias publicações na Revista

Brasile

o das cidades pequenas. A discussão feita refere-

se à in

ependência de atividades rurais. Essas características das

cidades pequenas são condensadas por Maia quando ela afirma que:

ira de Geografia, que possuem diversos trabalhos sobre as cidades pequenas. Porém,

Maia afirma que esses estudos apresentavam certo “vazio no que diz respeito à verticalização

das discussões apresentadas, pois os grandes fóruns de discussão sobre a temática urbana, não

só na Geografia, mas também nas outras áreas, pouco tem debatido o tema aqui proposto [...]”

(MAIA, 2005, p. 01). Isso decorria do fato de que as cidades grandes e as metrópoles sempre

estiveram em maior relevo, devido aos grandes problemas desses espaços. Em suma, percebe-

se certa preocupação com o estudo das cidades pequenas dentro da Geografia Urbana, mesmo

que em quantidade relativamente pequena.

Outro questionamento feito pelos estudiosos da Geografia é quanto ao procedimento

teórico-metodológico utilizado para o estud

dagação segundo a qual se deve ou não utilizar como recurso metodológico para o

estudo das cidades pequenas aqueles mesmos procedimentos utilizados para a análise das

cidades grandes e das metrópoles. Assim, os estudos mais recentes vêm se preocupando com

essa questão, conforme podem ser verificados em trabalhos de dissertação e teses de geografia

e em eventos científicos, como, nos últimos simpósios de Geografia Urbana, onde as cidades

pequenas vêm sendo discutidas em mesas redondas e comunicações coordenadas, assim como

no “I Simpósio Internacional de Cidades Médias”. A respeito dos estudos mais atuais sobre as

cidades pequenas, pode-se inferir que “as dificuldades apresentadas à análise dessa temática

são muitas, passa pela diversidade da realidade sócio-espacial brasileira e das próprias

pequenas cidades bem como pela carência de parâmetros de definição e metodológicos”

(SOARES; MELO, 2005, p. 01).

As cidades pequenas, ao que parece, são aquelas que apresentam o mínimo de

características urbanas e forte d

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Nessas pequenas localidades, ainda marcadas pelo tempo do toque do sino da igreja, pelas conversas nas calçadas, pelo encontro nas praças, pelas brincadeiras nas ruas, portanto, imagens distintas daquela promulgada como “paisagem urbana”, encontra-se o sentido do urbcomercializados são cada vez mais industrializa

ano: nas feiras os produtos dos, as lojas padronizadas

Essas são, em lin

no cenário da Geografi

quanto ao Estado da Paraíba, que a cidade e o urbano aqui são produtos e representantes de

um pro

ADE DE COREMAS

cidade de Coremas está localizada no Estado da Paraíba, existindo oficialmente

rte); Piancó (Sul); Emas e

Catingueira (Leste) e São José da Lagoa Tapada e Aguiar (Oeste). A Figura 01 apresenta o

Estado

que integram a rede comercial de produtos nacionais (Boticário, Água de Cheiro, etc.) os calçadões (símbolo do urbanismo da década de oitenta), entre outros (MAIA, 2005, p. 08).

has gerais, as discussões atuais sobre o estudo das cidades pequenas

a Urbana brasileira. Cabe dizer, conforme a análise de Maia (2005),

cesso global de produção, onde as pequenas cidades se constituem em semicolônias

das metrópoles e das megalópoles.

1.2 APRESENTANDO A CID

A

desde 1954. Suas vizinhas são as cidades de Pombal (No

da Paraíba e aponta a localização do Município de Coremas, onde também se encontra

a cidade de mesmo nome.

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Esta cidade foi edific 2ada às margens do Rio Piancó, afluente do Rio Piranhas .

FIGURA 01: Localização do Município de Coremas. De acordo com a divisão regional do Estado da Paraíba adotada pelo IBGE, a cidade de Coremas está localizada na Mesorregião do Sertão Paraibano e na Microrregião de Piancó. Fonte: RODRIGUEZ, 2002 (adaptado pela autora).

Destacam-se na paisagem os açudes Coremas e Mãe D´Água, reservatórios de água

feitos pelo Departamento Nacional de Obra Contra as Secas (DNOCS), da década de 1930 á

década de 1950. Conforme será visto ao longo deste trabalho, estes açudes influenciaram na

criação oficial do município e cidade de Coremas devido ao aumento populacional e a

chegada de vários elementos modernos. Contudo, a partir da década de 1970, toda a estrutura

montada pelo DNOCS entrou em processo de decadência e as águas dos açudes não foram

aproveitadas em sua potencialidade para o desenvolvimento econômico local.

A população do município de Coremas é de 15. 236 habitantes, sendo 69,8%

residentes da chamada zona urbana (a cidade de Coremas) e 30,2% da zona rural (IBGE,

2007). A partir da década de 1990, a concentração populacional da cidade de Coremas

apresentou um maior número que a do campo, fato este ocorrido como resultado do êxodo

rural, onde muitos habitantes foram residir, sobretudo, na periferia da cidade. As causas desse 2 O Rio Piranhas tem sua nascente na Paraíba e foz no Oceano Atlântico, em terras potiguaras, e é o principal curso d’água da Bacia Hidrográfica do Rio Piranhas-Açu. No território do Estado da Paraíba recebe o nome de Rio Piranhas, porém, ao adentrar no Estado do Rio Grande do Norte, é denominado Rio Açu. Esta bacia é de suma importância para os sertões por onde passa e nela estão localizados dois grandes reservatórios de água, estando um deles no Estado da Paraíba, o Sistema Coremas - Mãe D’Água.

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processo, especialmente no Estado da Paraíba nas décadas de 1980 e 1990, são explicitadas

por Moreira e Targino:

A população tem abandonado a zona rural de forma definitiva em direção às cidades da região e aos maiores centros urbanos, promovendo um verdadeiro esvaziamento do campo nas mesorregiões do Sertão e da Borborema. Aponta-se como explicação para esse processo de um lado, a crise da economia nacional e o retraimento do mercado de trabalho no Centro-Sul culminando, inclusive, com uma migração de retorno para o Nordeste e; de outro lado, a violência das grandes metrópoles difundida pelos meios de comunicação provocando uma quebra da “miragem da cidade grande” [...]. A análise da organização agrária estadual permite apontar como fatores que contribuíram para o aumento do êxodo rural: a desestruturação e quase extinção da lavoura do algodão, a crise da pecuária provocada pelas estiagens que se contrapuseram à expansão das áreas de pastagem e a crise da economia açucareira (MOREIRA; TARGINO, 2000, p. 103, 104).

Vale esclarecer que o aumento da população das cidades pequenas é importante para a

análise da urbanização destes espaços, no entanto, sabe-se que somente eles não revelam a

essência do local estudado. Como vem acontecendo em muitas cidades pequenas do Nordeste

brasileiro, as pessoas que foram viver na cidade de Coremas levaram consigo os hábitos rurais

e não se desligaram das atividades agrícolas. Assim, estes novos habitantes da cidade

imprimem no lugar onde moram o modo de viver rural, apresentando suas casas com

galinheiro, criação de porcos, ou até uma roça nas adjacências. Portanto, nem sempre o

aumento da população urbana significou a ocorrência de uma considerável urbanização.

De modo geral, as pequenas cidades do interior do Nordeste brasileiro têm a economia

movimentada pela agro-pecuária gerada no campo, o pequeno comércio existente, o dinheiro

circulado através do funcionalismo público e os benefícios sociais da previdência. Dessa

forma, a economia da cidade de Coremas está baseada na agropecuária, na piscicultura

realizada no açude, no salário dos funcionários públicos, principalmente do setor

administrativo, educacional e de saúde, aposentados e pensionistas do INSS, assim como

aposentados do DNOCS e da CHESF3. Estes recursos movimentam o comércio local, onde

existem as lojas de roupas e confecções, as sapatarias, as casas de ferragens, restaurantes,

mercearias, oficinas mecânicas, padarias, farmácias, sorveterias, lojas de eletrodomésticos,

armarinhos e os bares. A figura 02 apresenta uma imagem aérea da cidade de Coremas.

3 Em Coremas existe uma pequena quantidade de aposentados e trabalhadores da Subestação de Coremas (SE-CMA) e da Usina Hidrelétrica de Coremas (UCR), existentes desde o final da década de 1950. Ambas produzem energia elétrica e estão integradas ao Complexo Hidrelétrico do São Francisco (CHESF), sobretudo às linhas de transmissões da subestação localizada na cidade de Milagre, no Estado do Ceará.

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FIGURA 02: Vista aérea da cidade de Coremas.

FONTE: Prefeitura Municipal de Coremas, 2004.

Pelo verde apresentado na paisagem, percebe-se uma urbanização marcada pela

imbricação campo-cidade. Em suma, ainda se percebe a dependência do meio rural na cidade

de Coremas, tanto através dos indicadores econômicos, como pela vinculação de muitos

habitantes ao meio rural, isto é, vivendo na cidade e com trabalho agro-pecuário. O quadro

seguinte apresenta os indicadores da economia agrícola do município de Coremas, o que

demonstra a existência de uma dinâmica econômica provinda do campo:

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Produtos Quantidade Produzida

Banana 396.000 cachos

Coco da Baía 30.000 frutos

Goiaba 3.000 frutos

Lavoura Permanente

Manga 15.000 frutos

Algodão Herbáceo (em caroço) 36 toneladas

Arroz (em casca) 21 toneladas

Batata Doce 120 toneladas

Feijão (em grãos) 75 toneladas

Milho (em grão) 75 toneladas

Lavoura Temporária

Tomate 120 toneladas

Bovinos 5.800 cabeças

Caprinos 850 cabeças

Eqüinos 120 cabeças

Galinhas 7.500 cabeças

Galos/frangos/frangas/pintos 3.900 cabeças

Ovinos 4.580 cabeças

Ovos de galinha 45.000 dúzias

Leite de vaca 983.000 litros

Muares 42 cabeças

Pecuária Municipal (rebanhos)

Suínos 310 cabeças

QUADRO 1: Economia Agrícola do Município de Coremas estimada em 2002. FONTE: IBGE

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A feira semanal é realizada aos sábados, dias de maior dinâmica comercial, embora

esteja, assim como as feiras semanais das demais cidades nordestinas, em processo de

decadência e descaracterização cultural dos seus produtos e da vida social. Em relação às

feiras das cidades do interior do Estado da Paraíba, Maia descreve:

Atualmente, em muitas cidades interioranas desta região, o dia da feira é o momento dos pequenos agricultores da redondeza trazerem os seus produtos para serem comercializados e se abastecerem de outros gêneros. Eles misturam-se aos comerciantes de roupas — provenientes das pequenas indústrias têxteis, principalmente daquelas localizadas nos estados de Pernambuco e do Ceará —, àqueles que revendem produtos plásticos e outros industrializados, mas também encontram-se com os donos dos armazéns, das lojas, com o barbeiro e com os diversos habitantes da cidade. O dia da feira é, portanto, o dia de pôr as conversas em dia, de discutir política, de comprar, de vender, enfim é o dia de movimento na cidade (MAIA, 2006, p. 09).

Portanto, conquanto venha alterando suas características culturais, os dias de feira

ainda são o momento em que os moradores rurais se deslocam para a cidade, para compra

e/ou venda de produtos, assim como chegam também alguns feirantes de cidades próximas,

possibilitando assim o encontro e uma maior dinâmica social.

Apesar de alguma troca comercial com as cidades vizinhas, a cidade de Coremas não

tem uma grande dinâmica econômica e nem uma considerável centralidade dentro de sua

região, não apresentando, assim, uma forte urbanização. As principais cidades com as quais

Coremas mantém intercâmbio comercial são Pombal, Souza e, sobretudo, a cidade de Patos4.

A cidade de Coremas tem a necessidade de complementar seus serviços hospitalares,

educacionais, de transportes, entre outros, em centros regionais maiores, sendo Patos, o

principal centro receptor.

Portanto, a cidade de Coremas possui características que são resultado de sua

formação histórica, ou seja, à vida rural e uma dinâmica econômica lenta. E, em contextos

mais atuais, vem se inserindo cada vez mais na lógica do capital, marcada pela Globalização.

Logo, é pertinente refletir sobre a sobreposição do que se julga pertencente ao mundo rural

4 A cidade de Patos, graças à sua localização central no Estado da Paraíba, a partir do século XX, ganha importância na formação da rede urbana regional, pois, é constituído nesta cidade um entroncamento rodoviário, com estradas que ligam o Litoral ao Sertão e o Estado da Paraíba ao Rio Grande do Norte e Pernambuco. Esse fator, juntamente com a economia local, sobretudo os ganhos da cotonicultura, foi responsável pelo crescimento da cidade de Patos, tornando-a um centro regional dentro do Estado da Paraíba. De acordo com a divisão regional do IBGE para o Estado da Paraíba, Patos ocupa a subdivisão de Centro Regional, dentro da área do Sertão.

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nas pequenas cidades, mormente quando estas se integram cada vez mais aos ditames do

Modo de Produção Capitalista5.

Ao analisar a cidade de Coremas, pode-se verificar o modo através do qual a etapa da

(re) produção capitalista está absorvendo este espaço, onde se percebe a sua inserção no

mundo globalizado à custa da desvalorização e descaracterização da cultura local, ou seja, dos

costumes rurais ainda presentes. Isso significa dizer que a cidade de Coremas integra-se cada

vez mais no contexto da supervalorização de alguns elementos modernos e tipicamente

urbanos que chegam, sobretudo, através da mídia televisiva. Assim, a população adentra

paulatinamente na sociedade de consumo e desliga-se dos valores tradicionais locais.

Por isso, a cidade de Coremas apresenta-se com uma mescla de características

urbanas, ou seja, o que geralmente vem de fora, e rurais, isto é, a continuidade dos hábitos

tradicionais e rurais, conforme tão bem enfatizou Maia no artigo intitulado “Cidades

Pequenas: Como defini-las? Apontamentos para os estudos sobre as pequenas cidades”,

apresentado no “Simpósio Nacional de Geografia Urbana” (2005):

Constata-se que nessas localidades a vida urbana se faz presente não pelo que se faz ou o que se produz ali, mas pelo que vem de fora, pela televisão, pelo video-game, pelo telefone, pelo celular, pelos ônibus ou pelos visitantes. O que na verdade a maioria dos habitantes faz é cuidar do roçado, tirar ou pegar o leite no curral, levar os animais para o pasto e à noite colocar a cadeira na calçada e esperar o horário da novela e/ou do jornal na televisão e também o vento chegar para poder dormir (MAIA, 2005, p. 16).

Os elementos modernos e urbanos que vêm mudando a fisionomia da cidade e os

costumes de parcela dos habitantes são a Internet e os jogos de computadores, sobretudo

através da instalação de Lan Houses; a melhoria das residências; a aquisição de

eletrodomésticos e aparelhos eletrônicos; o aumento do número de boutiques; salões de

beleza e estabelecimento de academia de musculação. Igualmente, o consumo vai moldando o

cotidiano através da compra e venda maior de roupas, calçados, adornos, móveis, etc., o que

pode ser comprovado através da mudança na aparência dos jovens no vestir, no corte de

cabelo e até no falar ou nas músicas e danças. O poder público também se esforça para fazer

algumas reformas urbanas que tragam uma aparência “nova” à cidade

Em síntese, influenciados pelo consumo, há o afã da sociedade em poder exibir o

modo de vida almejado através da construção de uma residência melhor ou podem mostrar-se

na praça através das vestimentas da moda. A população de baixa renda, a maioria dos 5 É preciso deixar claro que esses apontamentos referem-se às pequenas localidades do interior do Nordeste Brasileiro.

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habitantes, também se esforça para acompanhar essas tendências. Os ditames do que vai ser

atrativo ou não parte principalmente da mídia, com a preconização do moderno, do

comportamento urbano, da difusão dos produtos tecnológicos e informacionais. E,

efetivamente, isso é resultado da forma como o Capitalismo, com a sociedade de consumo e a

valorização da vida urbana, está adentrando nessas localidades marcadas pelo pequeno

destaque econômico, pelo convívio social mais determinado pelas relações de vizinhança e

pelos costumes rurais.

Esses novos valores vêm acarretando a desvalorização de vários aspectos da cultura

local, sendo que, os baixos índices educacionais de boa parte dos habitantes vão agravar ainda

mais essa nova realidade. Segundo os dados censitários de 2000, a taxa de analfabetismo da

população adulta do município de Coremas é de 46,9%. Por sua vez, é preciso frisar que isso

não significa que a cultura aí seja inexistente, no entanto, a desvalorização do modo de vida

mais tradicional leva à ausência de manifestações artísticas, o que demonstra a pouca ligação

ao mundo intelectual, sendo, de alguma maneira, uma conseqüência da baixa escolaridade de

boa parte dos habitantes. O Índice de Desenvolvimento Humano Municipal (IDH) de

Coremas é de 0,595, o que significa dizer que o município está situado entre as regiões

consideradas de médio desenvolvimento humano (IDH entre, 0,5 e 0,8 – classificação do

PNUD).

Na cidade de Coremas, não existem instituições culturais como museus, teatros ou

cinema. Tampouco faz parte da vida comercial local a presença de livrarias. Existe sim uma

biblioteca pública, porém, observações empíricas do cotidiano dos jovens coremenses

demonstram que esta é escassamente freqüentada, principalmente se comparada ao uso, por

exemplo, das Lan Houses, onde boa parte da juventude utiliza os computadores, sobretudo,

para jogos, serviços de mensagens instantâneas e sites de relacionamento. Porém, vale

salientar que existe em Coremas um clube recreativo, utilizado para festas dançantes; um

ginásio poliesportivo e algumas videolocadoras.

Vale ressaltar que esses elementos modernos não aniquilam de modo igual todos os

aspectos da cultura local e é esse fator que, juntamente com a pequena dinâmica econômica,

torna possível a imbricação do campo na cidade. Maia novamente caracteriza essa localidade

marcada pela imbricação campo-cidade, quando aponta:

Nessas pequenas localidades, ainda marcadas pelo tempo do toque do sino da igreja, pelas conversas nas calçadas, pelo encontro nas praças, pelas brincadeiras nas ruas, portanto, imagens distintas daquela promulgada como “paisagem urbana”, encontra-se o sentido do urbano: nas feiras os produtos

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comercializados são cada vez mais industrializados, as lojas padronizadas que integram a rede comercial de produtos nacionais (Boticário, Água de Cheiro, etc.) os calçadões (símbolo do urbanismo da década de oitenta), entre outros (MAIA, 2005, p. 08)

Portanto, o que se pode constatar é que a cidade de Coremas é uma amostra de um

espaço marcado pela imbricação campo-cidade, uma realidade presente atualmente nas

pequenas cidades nordestinas.

Nesta imagem, pode-se observar o núcleo central da cidade à direita, com um maior

aglomerado de casas. Porém, ao centro e à esquerda, pode-se visualizar com nitidez, por meio

da presença do verde e das ruas que a cortam, a forte imbricação campo-cidade. Vale

relembrar que a população rural que emigrou para a cidade se estabeleceu nas áreas

periféricas da cidade, surgindo, assim, as pontas de ruas que cresceram em meio ao verde do

seu derredor.

As observações empíricas confirmam as constatações da imbricação do campo na

cidade de Coremas. Antes de finalizar, é importante frisar, apenas rapidamente, que o acesso a

bens da vida moderna atingiu não apenas à cidade de Coremas, mas também o campo. Neste

pode ser verificada a aquisição da energia elétrica e, conseqüentemente, da televisão; da

antena parabólica; geladeira; liquidificador; ventilador; telefone; fogão a gás, substituindo ou

acompanhando o fogão a lenha; utensílios de plástico; alimentos enlatados e também

mudanças nas roupas; danças e músicas dos moradores rurais.

Ainda são acrescentadas aqui as inquietações e respostas de Ariane Norma de Meneses

Sá no momento do seu estudo sobre a superação da delimitação do rural e do urbano, tendo o

caso da cidade de Caaporã como objeto de estudo:

Como falar de urbano e rural numa sociedade em que já não se identificam traços característicos que possam atribuir a um ou outro? Poderíamos pensar: e os valores culturais não são diversos? Tentamos ver essas diferenças, no entanto o que constatamos é que, como um todo, nesse espaço social capitalista, o capital já conseguiu forjar seus próprios valores culturais, tais como o consumismo, no seu sentido amplo, e a ascensão social (Sá, 1987, p. 22).

Enfim, na cidade de Coremas, a vida diária não é idêntica a das cidades totalmente

inseridas na lógica capitalista, no entanto, algumas alterações são verificadas na cultura

tradicional. Essas mudanças se expressam na aparência da cidade e no cotidiano dos

habitantes. Porém, um fator que predomina na cidade de Coremas é a sociabilidade baseada

nas relações de vizinhança e um tempo correndo em lentidão, heranças da tradição rural local.

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A intenção deste sub-capítulo foi apenas fazer uma apresentação geral da cidade aqui

em estudo, pois, a análise principal tem como foco um tempo passado. Alguns estudos vêm

sendo feitos sobre a cidade de Coremas, muitos dos quais, dissertações de mestrado, como o

trabalho de Davi Álysson da Cruz Andrade, intitulado “A (In)Sustentabilidade do Turismo no

Sertão da Paraíba: o município de Coremas, “a terra das águas”, em análise”, cujo centro de

atenção foi o estudo do desenvolvimento turístico no município e cidade de Coremas, sob a

ótica da sustentabilidade, em seus aspectos econômico, ambiental, social e cultural. Porém,

nenhum destes trabalhos tem como perspectiva central de análise os desdobramentos que

levaram à formação desta localidade. Portanto, ao refletir sobre a pequena cidade de Coremas

e suas atuais características, com a presença dos açudes Coremas e Mãe D’Água, o foco dessa

pesquisa foi voltado para o tempo passado, ficando um estudo atual da cidade para outra

oportunidade. Esta escolha deu-se em virtude de alguns acontecimentos importantes que

ocorreram no período delimitado, isto é, a construção dos mencionados açudes e as transições

de povoado, vila e cidade.

Ao mesmo tempo, constatando-se as dificuldades para localizar dados e documentos

sobre a cidade de Coremas, tentou-se aqui lançar mão das possibilidades de pesquisa

oferecidas pela chamada história oral. Portanto, foi realizada uma leitura e uma reflexão sobre

esta metodologia de investigação.

1.3 A HISTÓRIA ORAL COMO RECURSO METODOLÓGICO PARA O

ESTUDO DA GEOGRAFIA HISTÓRICA DA CIDADE DE COREMAS

“Na época da informação, a busca da sabedoria perde as forças, foi substituída pela opinião. Por que despregar com esforço a verdade das coisas, se tudo é relativo e cada um fica com sua opinião? Isto também deriva das relações de produção que expulsaram o conselho do âmbito do falar vivo”.

Ecléa Borges – Lembranças de Velhos

A pesquisa aqui feita está inserida nos estudos da Geografia Histórica, visto que se

trata de analisar uma espacialidade pretérita. O presente trabalho estuda o processo de

constituição da cidade de Coremas a partir da análise da documentação ainda existente, onde

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se buscou não apenas reconstituir a morfologia da cidade e o resgate da paisagem urbana da

época, mas também identificar as regras e os atores que orientaram estes processos.

A reconstrução de um espaço pretérito é um trabalho de investigação que requer coleta

de dados os mais diversos, como econômicos, sociais, populacionais, culturais, entre outros,

para fazer o entrelaçamento de informações. Para isso, é imprescindível fazer a coleta de

fontes históricas, como documentais, fotográficas, iconográficas, orais, entre outras. Nos

estudos das cidades mais antigas, como as cidades espanholas, por exemplo:

El grado de domínio de textos medievales latinos o romances – cartas, pueblas, cartularos, fueros, bularios, donaciones, crónicas, etc. resulta sorprendente. Y no lo es menos a la hora de utilizar las fuentes árabes. De hecho, si los artículos de geografia histórica son admirables por su conocimiento del terreno, lo son en un grado todavia superior por el exhaustivo y sistemático cribado prévio de los textos (FERNÁNDEZ, 1994, p. 22)

Aqui no Brasil diversos geógrafos tratam de estudar a história das cidades,

destacando-se Maurício de Abreu no resgate da memória da antiga cidade do Rio de Janeiro.

Igualmente, Pedro de Almeida Vasconcellos estuda a história da cidade de Salvador. No

Estado da Paraíba, geógrafos também têm se dedicado ao estudo da Geografia Histórica da

cidade de João Pessoa, como, por exemplo, os trabalhos de Doralice Sátyro Maia sobre as

transformações espaço-temporais das antigas ruas da cidade da Parahyba, atual João Pessoa.

Estes são apenas alguns casos, pois, é cada vez maior a quantidade de trabalho deste cunho.

Da mesma maneira, nos estudos mais tradicionais da Geografia, vários estudiosos se

preocuparam com a origem e história das cidades. Vale ressaltar a contribuição de Aroldo de

Azevedo, autor que será citado ao longo deste trabalho.

Todos estes estudos são relevantes para conservar a memória da cidade e a identidade

dos habitantes. Sauer (1991) expressa a importância do estudo do resgate histórico das

cidades para o entendimento dos problemas atuais. E apresenta a viabilidade destes estudos

por mãos dos geógrafos:

El geógrafo no puede estudiar casas y pueblos, campos y fábricas sin preguntarse sobre sus orígenes. No puede hablar sobre la localización de las distintas actividades sin conocer el funcionamiento de la cultura, el proceso de vida común del grupo, y esto no se puede lograr sin una reconstrucción histórica (SAUER, 1991, p. 39).

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É preciso salientar que o citado autor considera a Geografia Histórica como parte da

história da cultura. Desse modo, conclui Sauer, que o estudo da Geografia Histórica deve ser

um estudo regional. Nesse sentido, é proposto, como procedimento metodológico, a pesquisa

nos arquivos para coleta de documentos que servirão de fontes de análise.

É preciso ter em mente que a investigação em arquivo demanda grande quantidade de

tempo e que o uso de documentos obedece a determinados critérios. Assim, a pesquisa deve

consistir na coleta de documentos nos arquivos, organização e classificação do material

encontrado e, por fim, a leitura e a análise. Sobre a cidade de Coremas, foram encontrados

poucos documentos em arquivos. O documento coletado e de maior destaque foi o Livro de

Tombo da Paróquia de Santa Rita de Cássia.

Como em qualquer trabalho científico, é importante verificar o que já foi escrito sobre

o objeto de estudo. Este fator conduz ao levantamento bibliográfico, especialmente através da

ida às bibliotecas. Para esta pesquisa, as principais fontes secundárias encontradas foram dois

trabalhos, o de Olívina C. da Cunha (1948) e o de Edvaldo Brilhante da Silva (1996). O

primeiro foi publicado na Revista do Instituto Histórico e Geográfico da Paraíba, intitulado

“Curemas” e traz diversas informações, no entanto, apresenta algumas contradições de dados.

O segundo é o livro “Coremas, o seu lugar na História”, cujo conteúdo apresenta um caráter

saudosista e ufanista, conforme as intenções do autor. Porém, possibilita a obtenção de

diversas fontes de pesquisa.

Para reconstituir uma espacialidade pretérita não se pode prescindir das imagens,

especialmente as fotografias antigas. Quanto aos registros fotográficos, uma razoável

quantidade foi conseguida, graças à ajuda de alguns habitantes da cidade de Coremas, que

possuem um pequeno acervo pessoal. Outrossim, para a utilização das fontes fotográficas,

cabem alguns apontamentos. Silva e Silva (2005, p. 198) fundamentam o uso da fotografia

como fonte para a compreensão da sociedade quando afirmam:

A imagem são representações de ideais, sonhos, medos e crenças de uma época. Logo, são elas próprias fontes históricas e, sendo assim, material para a análise e a interpretação histórica. Durante muito tempo, serviram apenas de ilustração, tornando os textos historiográficos atraentes. Mas com o desenvolvimento da idéia de imagem como documento, essa percepção foi transformada e a iconografia se tornou importante fonte para o estudo das mentalidades e das relações sociais (SILVA; SILVA, 2005, p. 198).

Portanto, as fotografias são imagens que por si mostram um determinado tempo-

espaço, contudo, têm que ser analisadas com critérios, evitando assim que as mesmas se

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limitem a ilustrações do trabalho. E, conforme está escrito no Dicionário de Conceitos

Históricos, onde se procurou definir iconografia, é preciso ter alguns cuidados com o olhar

sobre uma fotografia. Os autores apontam para o fato de a fotografia não ser exatamente a

representação da realidade, mas a representação do que a sociedade que a elaborou queria

preservar como sua identidade (SILVA; SILVA, 2005, p. 2005).

As fotografias registradas da antiga cidade de Coremas revelam o que Silva e Silva

(2005) chamam a atenção, pois possibilitam compreender alguns momentos e um

determinado grupo social em tempos de festividades e/ou solenidades. Logo, sabe-se de

antemão que essas imagens mostram uma realidade e deixam de revelar outra. Todavia, esses

registros fotográficos, se devidamente analisados, vão auxiliar outros tipos de fontes

históricas.

Ao mesmo tempo, é importante ter em conta outro procedimento, que deve

acompanhar a análise de todas as fontes documentais aqui ressaltadas, quais sejam, os

trabalhos de campo. Portanto:

Los primeros objetivos del trabajo de campo histórico son valorar el hábitat en los términos de su uso anterior y reubicar su patrón de actividad indicando en el archivo documental. A esto se suman tareas más específicas, la más importante de ellas es la localización de reliquias culturales y restos (SAUER, 1991, p. 43).

Para melhor compreender a espacialidade pretérita da cidade de Coremas, foram feitas

observações na paisagem atual, onde ainda é possível encontrar elementos de tempos

anteriores, destacando-se o próprio desenho inicial da cidade, que se conserva no bairro hoje

chamado Centro, cujo núcleo é a Igreja de Santa Rita de Cássia. Outros aspectos ainda

existentes na paisagem e que remetem a um tempo anterior são algumas edificações. Alguns

destes resíduos do passado serão analisados ao longo do trabalho.

Quanto ao trabalho de campo, deve-se recordar que se exige profunda observação e

constante busca por pistas. Sauer cita, juntamente a esses requisitos, outros tipos de trabalhos

de campo histórico, como, por exemplo, “los nombres de lugares que tienen connotaciones

del pasado, las costumbres populares y los vuelcos dialécticos que revelan tradiciones cuando

éstas eran parte de la economía cotidiana y las memorias de los miembros más viejos del

grupo” (SAUER, 1991, p. 45).

Uma das principais dificuldades aqui encontradas foi a escassez de documentos

oficiais, ao lado da inexistência de material cartográfico. Comprovando-se esses problemas,

houve a idéia de lançar mão da História Oral, uma metodologia qualitativa de investigação

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que vem sendo utilizada com resultados positivos por vários historiadores, sociólogos,

antropólogos e geógrafos. Portanto, as entrevistas com os idosos da cidade de Coremas foram

uma importante fonte complementar de análise.

Por conseguinte, essa pesquisa foi feita com a predisposição e ajuda de alguns

habitantes coremenses, geralmente pessoas idosas, para a realização de entrevistas. Assim, a

História Oral foi utilizada nesse trabalho tanto para suprir a falta de registros oficiais sobre o

objeto de estudo quanto pelas próprias possibilidades que este recurso metodológico oferece

atualmente para muitos estudos históricos, geográficos e antropológicos. A memória dos

idosos é considerada, neste trabalho, “como contribuintes para a história social, pois são

conhecedores legítimos do tipo de sociedade investigada, com características marcadas e

conhecidas, sendo referência familiar e cultural reconhecíveis” (ARAÚJO, 2006, p. 63).

Como foi dito anteriormente, a falta de documentos oficiais foi determinante para a

busca das fontes orais. Esse estudo não seria possível sem o auxílio de vários habitantes

coremenses que se dispuseram a relatar vários aspectos do passado da cidade de Coremas,

especialmente referentes às décadas de 1940 e 1950. E, para utilizar as fontes orais, fizeram-

se necessárias a leitura e a reflexão sobre esta temática.

Antes de adentrar nas discussões contemporâneas em torno da memória e da história

oral, assim como a sua valorização como metodologia de pesquisa nas ciências sociais, é

preciso frisar a origem remota do relato oral para o entendimento da história da humanidade.

Conforme aponta Emili Ferrando Puig, na sua obra “Fuentes Orales e Investigación

Histórica”:

El recurso a la “fuente oral”, es decir, la transmisión del testimonio de boca en boca, es muy viejo en la historia. Es más, toda historia fue oral en un principio, la historia oral es tan antigua como la Historia misma porque fue el primer tipo de historia (PUIG, 2006, p. 13).

Logo, a memória guardada através da oralidade, transmitida de geração em geração, é

algo antigo e que serviu de fonte básica de informações para a história humana em seus

primeiros tempos. Por seu turno, Thompson, referindo-se ao termo história oral, afirma:

O uso difundido da expressão “história oral” é novo, tanto quanto o gravador; e tem implicações radicais para o futuro. Isto não significa que ela não tenha um passado. Na verdade, a história oral é tão antiga quanto a própria história. Ela foi a primeira espécie de história. E apenas muito recentemente é que a habilidade em usar a evidencia oral deixou de ser uma das marcas do grande historiador (THOMPSON, 992, p. 45).

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Igualmente, Queiroz reconhece o relato oral como uma importante fonte humana de

conservação e difusão do saber, possuindo uma riqueza de informações, não apenas para a

história, mas também para o conhecimento em geral:

Em todas as épocas, a educação humana (ao mesmo tempo formação de hábitos e transmissão de conhecimentos, ambos muito interligados) se baseara na narrativa, que encerra uma primeira transposição: a da experiencia indizível que se procura traducir em vocábulos. Um primeiro enfraquecimento ou uma primeira mutilação ocorre então,com a passagem daquilo que está obscuro para uma primeira nitidez, - a nitidez da palavra, - rótulo classificatório colocado sobre uma ação ou uma emoção (QUEIROZ, 1988, p. 16 -17).

Portanto, a história oral foi suplantada com o advento da escrita, quando se passou a

valorizar a memoria escrita para o saber. Tempos depois, houve uma maior desvalorização da

oralidade com o desenvolvimento dos ideais positivistas nas ciencias sociais, especialmente

na História, que veio a supervalorizar os documentos escritos como única fonte confiável e

verídica. Assim, nos días atuais, para fazer uso da história oral, é necessário refletir no sentido

de demonstrar a possibilidade de desvendamento científico proporcionado por esta

metodología qualitativa de investigação.

Para entender a história oral, é importante, antes de tudo, fazer uma leitura sobre a

memória dentro das ciências sociais e Jacques Le Goff, em sua obra “História e Memória”

(1994), discute com maestria essa temática. Este autor analisa a memória no âmbito da

Biologia, da Psicologia, da Psicofisiologia, da Neurofisiologia, a memória das máquinas, etc,

discutindo o estudo da memória desde a pré-história à segunda metade do século XX. Entre os

autores que Le Goff analisou, está Leroi-Gourhan. Baseado neste autor, Le Goff divide o

estudo da memória em cinco períodos. A memória étnica6 nas sociedades sem escrita,

denominadas “selvagens”; o desenvolvimento da memória, da oralidade à escrita, da Pré-

história à Antiguidade; a memória medieval, em equilíbrio entre o oral e o escrito; os

progressos da memória escrita, do século XVI aos nossos dias e os desdobramentos atuais da

memória.

É quando Le Goff aproxima a memória da linguagem, ou seja, da troca de informações

entre os seres, que a mesma é aproximada das ciências sociais. Através desse processo, a

memória sai dos limites físicos de cada um para ser falada a outrem, para ser escrita e

6 A memória étnica existente no Brasil, ou seja, tudo o que se refere à cultura indígena, ainda pode ser resgatada em algumas regiões. Porém, pouco foi conservado para a posteridade sobre a memória étnica dos índios da tribo dos Curema, que habitavam a área onde hoje está localizada a cidade de Coremas. Portanto, esta pesquisa não trabalhou com a memória étnica.

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guardada das mais diversas formas. Ao mesmo tempo, a ausência de memória não significa

apenas a perda da personalidade individual dos seres, mas também, á medida que não pode ser

socializada, significa a inexistência da memória coletiva e conseqüentemente de uma

identidade coletiva das sociedades.

Para o estudo das ciências sociais, como a História, a Sociologia, a Antropologia, etc.,

Le Goff distingue três tipos de memória, quais sejam: individual, coletiva e histórica. A

memória individual é um ponto de vista sobre a memória coletiva, a memória histórica é uma

forma de conhecimento do passado, exterior ao domínio do vivido, e a memória coletiva, que

mais interessa a este trabalho, está relacionada a uma história vivida, onde o passado

permanece vivo na consciência do grupo social (LE GOFF, 1994). Logo, a memória coletiva

representa a experiência coletiva, em oposição à vivência do indivíduo, a vivência privada.

Esta mesma divisão da memória em individual, histórica e coletiva é objeto de

reflexão de vários outros estudiosos, entre os quais, Halbwachs, Montenegro, Pollak e outros,

em discussões que buscam especialmente uma relação, distinção e/ou interseção entre a

memória coletiva e a histórica, ou entre a memória e a história. Discorrendo sobre a memória

coletiva das sociedades, Halbwachs esclarece:

[...] Se a memória coletiva tira sua força e sua duração do fato de ter por suporte um conjunto de homens, não obstante eles se lembram, enquanto membros do grupo. Dessa massa de lembranças comuns, e que se apóiam uma sobre a outra, não são as mesmas que aparecerão com mais intensidade para cada um deles. Diríamos voluntariamente que cada memória individual é um ponto de vista sobre a memória coletiva, que este ponto de vista muda conforme o lugar que ali eu ocupo, e que este lugar mesmo muda segundo as relações que mantenho com os outros meios. Não é de admirar que, do instrumento comum, nem todos aproveitam do mesmo modo. Todavia quando tentamos explicar essa diversidade, voltamos sempre a uma combinação de influências que são, todas, de natureza social (HALBWACHS, 1990, p. 51).

Tentando distinguir a memória da história, Halbwachs, afirma que a memória é

múltipla, trabalha com o vivido, o que ainda está presente no grupo, enquanto que a história é

uma só, trabalha e constrói uma representação de fatos distantes, ou mesmo quando encerra a

possibilidade de encontrar testemunhas daquela lembrança. Entretanto, apesar das distinções,

autores como Montenegro (1994), lembram que o mais importante a levar em consideração é

a interligação entre estas memórias.

Halbwachs entende ainda que a memória deve ser vista como um fenômeno coletivo,

isto é, como algo que é construído coletivamente e é submetido às mudanças constantes. Por

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outro lado, relembra Pollak que “se destacarmos essas características flutuantes, mutáveis, da

memória, tanto individual quanto coletiva, devemos lembrar também que na maioria das

memórias existem marcos ou pontos relativamente invariantes, imutáveis” (POLLAK, 1992,

p. 02).

Percebe-se, nestas discussões, que os autores mencionados fazem a distinção entre os

três principais tipos de memória, ou seja, a memória histórica, a individual e a coletiva, ao

mesmo tempo em que apontam a inter-relações entre elas. E, no bojo destas discussões, está a

intenção de demonstrar a importância da memória coletiva para a pesquisa histórica. Nesta

perspectiva, Montenegro complementa:

Nessa senda, a grande dificuldade de aliar as fontes históricas tradicionais ao depoimento oral é que, em princípio, a fonte da memória é constitutivamente distinta da fonte histórica pela dimensão do próprio efeito que os fatos, acontecimentos ou situações desencadeiam. A memória coletiva ou individual, ao reelaborar o real, adquire uma dimensão centrada em uma construção imaginária e nos efeitos que essa representação provoca social e individualmente. Nesse sentido, o tempo da memória se distingue da temporalidade histórica, haja visto que sua construção está associada ao vivido, como dimensão de uma elaboração da subjetividade coletiva e individual, associada a toda uma dimensão do inconsciente (MONTENEGRO, 1994, p.20).

Logo, o mais importante é absorver a importância da memória coletiva para auxiliar

no entendimento da história. De acordo com Le Goff (1994), a memória coletiva foi, ao longo

do tempo, sendo acumulada em vários locais, como bibliotecas, arquivos, museus, cemitérios,

monumentos arquitetônicos, em campos simbólicos, como as comemorações, as

peregrinações, os emblemas, todos memoriais com sua história, que ele denomina de memória

exterior ao físico do homem.

Nesse processo, o autor vai além e considera, já na segunda metade do século XX, a

memória eletrônica, que guarda uma quantidade inumerável de memória. Enfim, em meio a

todo o aparato material onde pôde ser posto a memória coletiva, Le Goff aponta o surgimento

de uma nova memória coletiva, surgida em meio interdisciplinar nas ciências sociais, entre as

quais, a História e a Antropologia:

A história dita “nova”, que se esforça por criar uma história científica a partir da memória coletiva, pode ser interpretada como “uma revolução da memória” fazendo-a cumprir uma “rotação” em torno de alguns eixos fundamentais: “Uma problemática abertamente contemporânea [...] e uma iniciativa decididamente retrospectiva”, “a renúncia a uma temporalidade linear”, em proveito dos tempos vividos múltiplos “nos níveis em que o

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individual se enraíza no social e no coletivo” (lingüística, demografia, economia, biologia, cultura). História que fermenta a partir do estudo dos “lugares” da memória coletiva (LE GOFF, 1994, p. 473).

Em contraposição à memória acumulada nos mais diversos lugares, conforme foi

citado acima, Le Goff aponta o caminho dos “verdadeiros lugares da história, aqueles onde se

deve procurar não a sua elaboração, não a sua produção, mas os criadores e os denominadores

de memória coletiva” (LE GOFF, 1994, p. 473). Esses novos lugares a que o autor se refere

são os meios sociais e políticos, comunidades de experiências históricas ou de gerações,

levadas a constituir os seus arquivos em função dos usos diferentes que fazem da memória

(LE GOFF, 1994, p. 473). Portanto, é essa memória coletiva que vai integrar-se entre os

métodos de investigação da chamada Nova História. Nesse contexto, surge a metodologia

científica denominada história oral, pois:

la posibilidad de “guardar” la voz y también la imagen ha dado nuevas perspectivas a la investigación histórica. Sociólogos, antropólogos, geógrafos e historiadores han rescatado el valor del testimonio oral partiendo de la certeza de que “todo” tiene interés para el historiador (PUIG, 2006, p. 13).

A chamada Nova História passa a lançar mão de novos métodos de investigação,

sendo a história oral um de seus principais avanços metodológicos. Não sem dificuldades,

diversos autores vêm reconhecendo a importância e utilidade acadêmica da memória e da

aceitação das chamadas fontes orais:

Temos assistido a um movimento de valorização do recurso à memória oral no campo das ciências humanas. Entre psicólogos sociais, antropólogos e historiadores, cada vez mais assídua tem sido a prática de recolhimento de lembranças por meio de depoimentos (FROCHTENGARTEN, 2005, p.01).

Autores defendem a importância da história oral como fonte complementar de dados,

ou seja, como uma fonte de informação a ser utilizada junto aos documentos oficiais,

fotografias, mapas e bibliografias. Outrossim, uma quantidade razoável de entrevistas podem

ser realizadas especialmente quando há escassez de fontes documentais. Portanto:

Las fuentes orales contribuyen a ampliar el campo de la historia porque ayuda a reconstruir aquellos acontecimientos que quedan oscuros por escasez o falta total de fuentes; nos permiten acercarnos a la mentalidad y formas de vida de las diferentes clases y colectivos sociales [...] (PUIG, 2006, p. 16).

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Autores de grande reconhecimento que estudam a história oral e a usam em suas

pesquisas constatam a importância metodológica da mesma. Thompson assume a

possibilidade de erros no uso da história oral, porém, revela sua aplicabilidade bem sucedida,

após um processo de preparação:

A natureza da memória coloca muitas armadilhas para os incautos, o que freqüentemente explica o ceticismo daqueles menos informados a respeito das fontes orais. Porém, oferecem também recompensas inesperadas para um historiador que esteja preparado para apreciar a complexidade com que a realidade e o mito, o “objetivo” e o “subjetivo”, se mesclam inextricavelmente em todas as percepções que o ser humano tem do mundo, individual e coletivamente (THOMPSON, 1992, p. 179).

Indo além, o referido autor ressalta a importância de utilizar as mais diferentes fontes

de informação histórica. E uma delas é o ato de convocar as camadas sociais mais esquecidas,

possibilitando uma riqueza de conhecimentos:

A história oral, ao contrário, torna possível um julgamento muito mais imparcial: as testemunhas podem, agora, ser convocadas também de entre as classes subalternas, os desprivilegiados e os derrotados. Isso propicia uma reconstrução mais realista e mais imparcial do passado, uma contestação ao relato tido como verdadeiro. Ao fazê-lo, a história oral tem um compromisso radical em favor da mensagem social da historia como um todo (THOMPSON, 1992, p. 26).

Ouvir os segmentos populares possibilita resgatar uma versão histórica não

pertencente aos meios oficiais. Ademais, como reconhece Montenegro, “à medida que os

depoimentos populares são gravados, transcritos e publicados, torna-se possível conhecer a

própria visão que os segmentos populares têm das suas vidas e do mundo ao redor

(MONTENEGRO, 1994, p. 16).

Faz-se importante, pois, compreender essa metodologia de pesquisa, para retirar dela

as vantagens para uma investigação científica de um espaço-tempo passado. A história oral

surgiu como metodologia científica utilizada nas ciências sociais, entre as quais, a História, a

partir de meados do século XX. Porém, enfrentou rejeição por parte de muitos estudiosos,

pois, estavam em uso as metodologias científicas influenciadas pelas idéias positivistas, que

valorizavam as fontes documentais nas pesquisas históricas em detrimentos das orais. Estas

eram corriqueiramente associadas às sociedades sem escrita, portanto, sem história e aquelas à

sociedade dominante, que tinha condições de escrever sobre si.

Em suma, era a fase da História Positivista, na qual era produzida, com base nos

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documentos oficiais, uma História da Nação, ressaltando os feitos políticos e administrativos,

logo, uma história das elites. Enquanto que a história oral estava relacionada com a contra-

história, a história do local, do comunitário, ou também a história dos sem-história, com base

em relatos orais. Isso acarretou o maniqueísmo na pesquisa histórica. Assim, despontou-se

uma história oral denominada de militante e cuja pouca sistematização metodológica impediu-

a de alcançar o status de científica. Vale ainda salientar que, de acordo com os ideais

positivistas, a história oral era carregada de subjetividade e parcialidade, o que ia de encontro

à objetividade e neutralidade científicas, pressupostos positivistas.

Somente após mudanças na ciência e na sociedade moderna e com o amadurecimento

metodológico das fontes orais a partir dos anos 70 do século XX, a história oral ganhou

validez como método científico de investigação nas ciências sociais. A partir de então, a

história oral foi perdendo seu caráter de “outra história”, foi deixando de ser história militante,

conforme aponta Alberti (2005), ou historia alternativa, como lembra Puig (2006), para ser

parte de uma única história. Nas palavras de Puig:

Por tanto al utilizar las fuentes orales no estamos haciendo “otra historia”, sino que contribuimos a escribir la única historia posible pero de forma más completa. No obstante se puede hablar de “historia oral” cuando el método de investigación se basa predominantemente en fuentes orales. Las fuentes orales tienen su propia especificidad y se han de utilizar, lógicamente en el contexto de todas las fuentes posibles y cuando el objeto de investigación lo reclame (PUIG, 2006, p. 15).

Sabe-se que o amadurecimento da História Oral foi conseguido após o aprimoramento

das técnicas de entrevistas e da preparação antes e depois da mesma, mas também, como

resultado da própria reflexão científica dentro da História, que paulatinamente foi abrindo seu

leque de investigações. Alberti, discorrendo a respeito do amadurecimento científico da

História Oral, revela que:

[...] seu amadurecimento só foi possível após amplo movimento de transformação dessas ciências, que, com o tempo, deixaram de pensar em termos de uma única história ou identidade nacional, para reconhecer a existência de múltiplas histórias, memórias e identidades em uma sociedade (ALBERTI , 2005, p. 158).

Ademais, essa reflexão teórica e metodológica foi surgindo devido às mudanças

sociais dos últimos tempos, onde passaram a ser pesquisados na História temas ainda não

tratados. Dessa maneira, foram despontando novos objetos de interesse dos historiadores e

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isso contribuiu para que a história oral ganhasse espaço. Assim, Alberti aponta:

Surgiram novos objetos, e os historiadores passaram a se interessar também pela vida cotidiana, pela família, pelos gestos do trabalho, pelos rituais, pelas festas e pelas formas de sociabilidade – temas que, quando investigados no “tempo presente”, podem ser abordados por meio de entrevistas de História oral (ALBERTI , 2005, p. 163).

Simultaneamente, como ressalta Alberti (2005), a história oral ganhou espaço à

medida que o documento escrito foi deixando de ser exclusividade enquanto fonte histórica,

especialmente devido ao desenvolvimento tecnológico. Nesse sentido, Alberti afirma:

Além das entrevistas de história oral, outros registros sonoros (músicas, jingles, gravações radiofônicas), fotografias, caricaturas, desenhos, anúncios, filmes, monumentos, objetos de artesanato, obras de arte e de arquitetura são passíveis, hoje em dia, de se tornar fontes para o estudo da história. O documento escrito deixou de ser o repositório exclusivo dos restos do passado (ALBERTI , 2005, p. 164).

Apesar de tudo isso, o uso da entrevista e a credibilidade da história oral ainda são

duvidosos para muitos acadêmicos, sobretudo devido às possíveis falhas de memória por

parte do entrevistado, tais como distorção de fatos por causa da deterioração física, criação de

histórias, auto-louvor ou idealização do passado. É premente ainda nos dias atuais certa

reserva ou receio de muitos estudiosos quanto à utilização da história oral. Thompson aborda

este fato, demonstrando as causas sentimentais existentes como raiz desse receio e o otimismo

diante da mudança futura:

O fato é que a oposição à evidência oral baseia-se muito mais em sentimentos do que em princípios. Os historiadores da geração mais antiga, que detêm as cátedras e as chaves do cofre, ficam instintivamente apreensivos como advento de um novo método. Isso implica que não dominam mais todas as técnicas de sua profissão. Daí os comentários despropositados a respeito de jovenzinhos perambulando pelas ruas com um gravador na mão, e a preocupação com detalhes insignificantes para justificar seu ceticismo: geralmente, uma (note bem) reminiscência a respeito da imprecisão da sua memória ou da de alguma outra pessoa. Além disso, existe – e não só entre os estudiosos mais velhos – um medo da experiência social da entrevista, da necessidade de sair do gabinete e de falar com gente comum. Mas o tempo abrandará a maioria desses sentimentos: o antigo será substituído; e um número cada vez maior desejará conhecer pessoalmente a experiência social e intelectual positiva da história oral (THOMPSON, 1992, p. 103).

Há hoje um amadurecimento metodológico e uma estrutura necessária para produzir

fontes orais. Portanto, a descoberta da história oral pelos historiadores, agora em andamento,

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provavelmente não será ignorada. E ela não é apenas uma descoberta, mas também uma

reconquista. Oferece à história um futuro livre de significação cultural do documento escrito.

E devolve também ao historiador a mais antiga habilidade de seu ofício (THOMPSON, 1992,

p. 103).

Quanto à subjetividade, já se reconhece no meio científico que tudo o que foi

produzido pelo homem possui certa subjetividade, que os documentos oficiais não foram

feitos por pessoas neutras. Alberti aponta que “Hoje já é generalizada a concepção de que

fontes escritas também podem ser subjetivas e de que a própria subjetividade pode se

constituir em objeto do pensamento científico” (ALBERTI, 2005, p. 163). Thompson, por seu

turno, afirma: “A realidade é complexa e multifacetada; e um mérito principal da história oral

é que, em muito maior amplitude do que a maioria das fontes permite que se recrie a

multiplicidade original de pontos de vista” (THOMPSON, 1992, p. 27).

Alberti (2005) discute ainda os equívocos cometidos no uso da história oral, muitos

dos quais típicos da história oral militante, mostrando caminhos para evitá-los. Um deles

consiste em considerar que o relato seja visto como a própria história. Ela esclarece que a

entrevista não deve ser vista como a revelação do real e sim como uma fonte e como tal, deve

ser interpretada e analisada pelo pesquisador. Dessa maneira, a história oral permite o registro

de testemunhos e amplia as possibilidades de interpretação do passado.

Thompson, em defesa da importância das entrevistas ressalta que “As entrevistas,

como todo testemunho, contém afirmações que podem ser avaliadas. Entrelaçam símbolos e

mitos com informação, e podem fornecer-nos informações tão válidas quanto as que podemos

obter de qualquer outra fonte humana” (THOMPSON,1992, p. 315).

Ainda abordando as mudanças de enfoque investigativo proporcionado pela história

oral nas várias pesquisas de cunho político, social, econômico, etc, Thompson demonstra as

possibilidades abertas ao historiador urbano:

De modo semelhante, os historiadores urbanos podem deixar as áreas problemáticas já bem estudadas, como as favelas, para olhar para as outras formas típicas da vida social urbana: a pequena cidade industrial ou comercial, por exemplo, ou o subúrbio de classe média,onde se criam padrões locais de distinção social, de ajuda mútua entre vizinhos e parentes, de lazer e de trabalho (THOMPSON, 1992, p. 27).

Em suma, a história oral, ou seja, a metodologia que consiste na realização de

entrevistas gravadas com pessoas, geralmente idosas, capazes de testemunhar acontecimentos,

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conjunturas, instituições, fatos, costumes, modos de vida, entre outros aspectos da vida

contemporânea, começou a ser utilizada na década de 1950 nos Estados Unidos e na Europa.

Seu uso ganhou mais espaço com a invenção do gravador, sendo interesse de historiadores,

antropólogos, cientistas sociais, etc. A partir de então, a metodologia da história oral foi se

firmando em instituições de pesquisa e arquivos, através da realização de entrevistas sobre o

passado e posterior tratamento com técnicas que possibilitassem guardar e divulgar os

testemunhos dos entrevistados. Portanto, existem hoje programas e pesquisas utilizando

entrevistas gravadas para o estudo de diversos temas.

No Brasil, a história oral começou a ser utilizada na década de 1970, quando foi criado

o Programa de História Oral do CPDOC (Centro de Pesquisa e Documentação de História

Contemporânea) na Fundação Getúlio Vargas. Desde então o uso da historia oral se expandiu,

alcançando um significativo avanço na década de 1990. Assim, em 1994 foi criada a

Associação Brasileira de história oral, com membros de todas as regiões do país. Vale frisar

que no ano de 1996 foi criada a Associação Internacional de história oral. Estas associações

são responsáveis pela produção científica em torno da história oral através da edição de

revistas e boletins, além de promover encontros periódicos e intercâmbio profissional.

Sobre o uso da história oral em pesquisas no Estado da Paraíba, foi lido aqui o

trabalho de dissertação de mestrado de Marcos Tavares da Fonseca, onde se estuda a história

da antiga vila de Cuitezeiras e o processo que levou à criação da cidade de Pedro Velho, no

Estado do Rio Grande do Norte. Para isto, o autor utilizou as fontes orais, a memória dos

antigos moradores deste lugar e fez a sua análise. Assim, justifica o autor:

Como existem poucos registros escritos sobre o tema e poucos testemunhos sobre a fundação de Pedro Velho, entendemos as entrevistas como fontes de consulta à memória local. Entendemos, sobretudo, que elas servem também para oportunizar outras formas de se interpretar o significado da memória do lugar, e contraposição à História Documental Oficial, que carece de outras interpretações (FONSECA, 2006, p. 17).

Falar da historia oral é, de alguma maneira, reverenciar os idosos porque, pela

quantidade de tempo vivido, são importantes sujeitos guardiões da memória. Por isso, dentre

os mais diversos entrevistados, os idosos, por assim dizer, são os preconizadores da memória:

O que rege, em última instância, a atividade mnêmica é a função social exercida aqui e agora pelo sujeito que lembra. Há um momento em que o homem maduro deixa de ser um membro ativo da sociedade, deixa de ser um propulsor da vida presente do seu grupo: neste momento de velhice social resta-lhe, no entanto, uma função própria: a de lembrar. A de ser a memória da família, do grupo, da instituição, da sociedade [...] (BOSI, 1987, p. 23).

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A intenção deste trabalho é dar voz aos grupos sociais de pouca voz, valorizar a

memória de quem está predisposto a lembrar e apreender informações do passado que estão

guardadas em membros de grupos sociais não organizados entre si. Para este estudo, a

memória dos idosos que vivenciaram o passado da cidade de Coremas foi de extrema

importância para a elaboração de fontes de análise. Estas memórias, além de servir para

complementar as fontes documentais, são aqui ressaltadas pela sua própria riqueza, muitas

vezes relegada pela sociedade atual.

Como observou Bosi (1987), a sociedade capitalista retira dos idosos suas armas,

pondo em marcha mecanismos que oprimem a velhice, destruindo os apoios da memória,

substituindo assim a lembrança pela história oficial celebrativa. Através das entrevistas com

os idosos de Coremas, foi possível contrabalançar as informações encontradas nas fontes

documentais com as evidências existentes na memória coletiva.

Para este trabalho, foram realizadas oito entrevistas (ver Apêndices). Estas foram

imediatamente transcritas e arquivadas para serem utilizadas como fonte histórica, suprindo a

carência de documentos oficiais ou complementando-os. Ao analisar as narrações orais junto

aos documentos e bibliografias encontradas sobre o povoado, vila e cidade de Coremas, foi

possível confirmar hipóteses levantadas ao longo desta pesquisa.

Em síntese, as fontes orais foram importantes para ajudar a reconstituir o espaço

urbano passado, contribuindo para complementar as fontes de pesquisas e chegar a resultados

satisfatórios, quando várias pessoas ofereceram respostas semelhantes sobre o mesmo fato.

Nessa perspectiva, é eloqüente as palavras de Montenegro:

O material produzido por essas diversas instâncias é que se constituirá em uma das fontes predominantes do historiador. Entretanto, à medida que o historiador passa a trabalhar, não mais apenas com documentos que retratam um passado longínquo, o resgate da memória coletiva e individual se projeta como uma possibilidade de trazer para o plano do historiador o registro da própria reação vivida dos acontecimentos e fatos históricos (MONTENEGRO, 1994, p.20).

Destaca-se aqui, antes de encerrar, que a história oral, além de uma metodologia de

pesquisa, é um ato de encontro e sociabilidade onde se enriquecem todos aqueles que

participam, enquanto cumprem o papel de reconstruir a história. Dessa maneira, salienta

Thompson:

A reconstrução histórica torna-se, ela mesma, um processo de colaboração muito mais amplo, em que não-profissionais devem desempenhar papel

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crucial. Ao atribuir um lugar central, em seus textos e apresentações, as pessoas de toda espécie, a história se beneficia enormemente. E também se beneficiam, de maneira especial, as pessoas idosas. Um projeto de história oral, mais do que lhes propiciar novos contatos sociais e, às vezes, levar a amizades duradouras pode prestar-lhes um inestimável serviço. (THOMPSON, 1992, p. 33).

Enfim, neste trabalho, a utilização da história oral como método de investigação foi de

extrema importância, sobretudo em virtude da falta de documentos oficiais. Por outro lado,

lançar mão da história oral foi uma experiencia gratificante, independente da existencia ou

não de outras fontes históricas. Ao longo dos capítulos 2 e 3 deste estudo, serão apresentados

os resultados da pesquisa e a contribuição da história oral. Tudo isso permite afirmar que a

história oral foi relevante para o estudo de uma especialidade pretérita, mais especificamente

a geografia histórica da cidade de Coremas.

Portanto, repete-se aqui que o trabalho ora em tela tem a pretensão de resgatar a

memória de uma pequena cidade, seu processo de constituição inicial, sua trama urbana, as

circunstâncias históricas e a vida dos habitantes. Para isso, foi necessário buscar vestígios do

passado, como as fontes documentais, fotográficas, bibliográficas e orais, sendo esta última

essencial como fonte de pesquisa complementar. Cabe ainda mencionar que o presente

trabalho não é um ponto de chegada ou uma síntese de trabalhos já realizados, mas uma

instigação a investigações futuras, cuja ausência repercute na compreensão de alguns fatos

fundamentais da história da cidade de Coremas.

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CAPÍTULO II

A GEOGRAFIA HISTÓRICA DE UMA PEQUENA CIDADE: A

CIDADE DE COREMAS

2.1 DE POVOADO À CIDADE: O SURGIMENTO DA CIDADE DE

COREMAS

2.1.1 Antecedentes Históricos

Conforme já foi exposto, o núcleo urbano aqui estudado passou pelas categorias de

povoado, vila e finalmente cidade, a exemplo de muitas cidades pequenas do Sertão7 nordestino. O povoado do Boqueirão do Curema surgiu na segunda metade do século XIX, foi

elevada à vila em 1938 e à cidade em 1954, processos que, entre outros fatores, ocorreram

devido à construção dos açudes públicos Curema e Mãe D’Água.

Aqui no Brasil, acompanhando o processo de ocupação do território pelos portugueses

e o conseqüente desenvolvimento econômico, os núcleos urbanos tiveram sua gênese no

século XVI. O surgimento dos povoados, vilas e cidades teve várias razões e Deffontaines

(1944), elenca, baseado na origem, as reduções (missões), cidades oriundas de pousos nas

estradas, cidades de origem militar, mineiras, trilhas de gado, caminhos de tropeiros, vias

7 Durante o período de conquista do território brasileiro por parte dos portugueses, “sertão” era a área territorial ainda não alcançada. Porém, neste trabalho, a palavra sertão refere-se ao território localizado no oeste da Paraíba ou o interior do Nordeste.

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férreas, cidades estações-ferroviária e bocas de sertão. Outras, como o Rio de Janeiro e João

Pessoa, foram criadas diretamente pela Coroa Portuguesa.

Também estudando os povoados e cidades brasileiras do período colonial, Aroldo de

Azevedo (1966), quando escreveu “Vilas e Cidades do Brasil Colonial”, fez um resgate

histórico das vilas e cidades desde a chegada dos portugueses até o fim do século XIX. No

desenrolar desses acontecimentos, o Sertão nordestino teve seu processo de povoamento no

século XVII, fato que Azevedo chamou de “expansão pastoril no Sertão do Nordeste”, em

virtude da razão econômica da ocupação, baseada principalmente na criação de gado.

É importante recordar que o povoamento do Sertão nordestino ocorreu, sobretudo, por

razões políticas, isto é, a ocupação efetiva do território brasileiro para a Coroa Portuguesa e

interesses econômicos, ou seja, encontrar uma atividade que complementasse a cultura

açucareira desenvolvida no litoral. Essa nova atividade econômica correspondeu inicialmente

à pecuária, que forneceu alimento e transporte às fazendas de cana-de-açúcar.

Subseqüentemente, em fins do século XVIII, a ocupação do Sertão nordestino foi

intensificada pela cultura algodoeira. Neste período, Mariz (1978, p. 15) aponta que já havia

lavras regulares e boladeiras para descaroçar algodão, em engenhos rudimentares. Chegando

ao século XIX, o algodão ganha o status de “ouro branco”. Gonçalves revela que “[...] a

cultura algodoeira provocou o surgimento e crescimento de inúmeras vilas, onde se

instalavam casas comerciais e pequenos maquinismos - os vapores - para o beneficiamento do

produto.” (GONÇALVES, 1999, p.31).

Foi no processo de ocupação do Sertão nordestino, primeiro através das fazendas de

gado e em seguida com a cultura algodoeira, que ocorreu o povoamento do Sertão da

Província da Parahyba do Norte, cujo início se deu “após a grande entrada de Teodoro de

Oliveira Ledo, entre 1680 e 1690, quando numerosos colonos solicitaram terras em todas as

ribeiras até o Rio Piranhas” (MARIZ, 1978, p. 09). O Sertão da Paraíba foi explorado pela

Casa da Torre, que se estabeleceu em terras baianas do Rio São Francisco, adentrou pelo

Sertão e se instalou em grande parte dos rios Piranhas, Peixe e Piancó. O Capitão-Mor

Teodósio de Oliveira Ledo arrendou parte dessas terras, expandindo seus domínios e

eliminando a população autóctone. Ele e seus descendentes fundaram vários arraiais, como o

São José do Piancó (atual cidade de Piancó), Vila Nova da Rainha (Campina Grande) e Nossa

Senhora do Bom Sucesso do Piancó (Pombal).

Vale salientar que no Sertão paraibano, o Rio Piranhas e seus afluentes, o Rio Piancó,

o Rio do Peixe, o Rio Espinharas e o Rio Sabugi, foram os principais vetores de orientação da

colonização. Portanto, nos vales desses rios formaram-se os primeiros povoados, locais de

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estabelecimento das fazendas de gado. A ocupação do vale do Piancó foi dificultada pela

resistência do nativo, os índios das Tribos Curema e Panati, ambas pertencentes à Nação

Caririi. Até o acordo de paz, firmado em fins do século XVII, ocorreram lutas sangrentas, pois

os indígenas eram reconhecidamente aguerridos. Com relação ao povoamento do vale do Rio

Piancó, esclarece Mariz:

Contra os Coremas e mais tribos do Piancó o governo geral da Bahia fez descer Manuel de Araújo, velho guerreiro do Sertão, morador na Margem esquerda do São Francisco. Após reencontros e guerrilhas, o enviado de D. João de Alencastro obteve a paz e alliança dos Coremas por meios diplomáticos [...] (MARIZ, 1922, p. 36).

Somente após esse acordo de paz, o colonizador pôde iniciar de fato o processo de

ocupação do vale do Rio Piancó, local onde teve origem o povoado do Boqueirão do Curema.

Por conseguinte, a estruturação territorial inicial do Sertão da Paraíba se deu através da

atividade criatória, depois da destruição da sociedade indígena. É a partir dessa forma de

ocupação que surgem os povoados e vilas sertanejos, porém, a posse inicial das terras,

concedidas pelo reino português, eram as chamadas Sesmarias.

2.1.2 As Sesmarias

No Nordeste brasileiro, durante muito tempo, surgiram aglomerados urbanos

dependentes do meio rural, tanto nos latifúndios do litoral quanto nas fazendas agro-pecuárias

do interior. Sabe-se que o incentivo por parte de Portugal para a ocupação territorial veio

através da concessão das Sesmarias. No Sertão nordestino, essas terras eram usadas para a

criação de gado e complementariamente para o cultivo de arroz, feijão, milho e outros gêneros

alimentícios de subsistência.

Nesse processo, os rios8 exerceram um papel proeminente, como é conhecido o caso

do Rio São Francisco, onde surgiram as primeiras sesmarias e partiram as primeiras

expedições de conquistas. Para Horácio de Almeida (1966, p.121) eram as expedições as

8 Além dos rios, outro elemento importante para a ocupação do interior nordestino foram as estradas, muitas das quais formadas a partir dos caminhos das boiadas. Até o século XIX, eram através delas que se podia fazer a articulação entre os povoados e as vilas. Na Província da Parahyba do Norte, as estradas faziam a articulação entre as povoações do sertão e a Cidade da Parahyba, contribuindo para a formação de uma rede urbana.

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responsáveis em “limpar o terreno” para a posterior instalação de um povoado, ou seja, eram

estas expedições, as encarregadas de combater a resistência indígena, um obstáculo para o

povoamento pelo colonizador. E foi pelo Rio São Francisco que partiram as expedições que

foram povoando os sertões da Paraíba, Ceará, Piauí e Pernambuco, conforme já foi apontado.

Da Capitania de Pernambuco também surgiram rotas de aventureiros, deixando os centros

comerciais, como Olinda, Igaraçu e Goiana, rumo ao Rio Parnaíba, onde houve o encontro

com a rota dos que partiram pelo Rio São Francisco.

A concessão das sesmarias, geralmente ao longo dos rios, era a forma de apropriação

da terra. Estas eram doadas pelo governo português a pessoas de posse, após a comprovação

de que estavam instaladas nessas terras. Assim, embora o processo de povoamento do Sertão

fosse direcionado pela Coroa Portuguesa, o sistema de posse de terras através das sesmarias

colocava como protagonistas os fazendeiros de gado, que também respondiam pela formação

das povoações. Ressalta-se aqui que estudos mais recentes, como os de Maria Helena Ochi

Flexor (1999) e Christiane Sarmento (2007), apontam que esse processo de povoamento do

Sertão, com a criação de povoados e vilas, intensificou-se com a política absolutista do

Marquês de Pombal9, a partir de 1750.

Logo, as sesmarias foram a base da estruturação espacial do Sertão paraibano. A partir

destas, que paulatinamente eram repartidas em fazendas de gado, despontaram povoados,

vilas e cidades. Nos núcleos urbanos iniciais, o primeiro elemento a surgir e determinar a

configuração espacial e a vida social era a igreja, erguendo-se, na maioria das vezes, na forma

de uma simples capela. O povoado do Boqueirão do Curema, segundo a historiografia

tradicional, surgiu de uma parte de uma fazenda doada à igreja pelo português Manuel

Gonçalves Piranha, conhecida pela denominação de “Data de Curema”.

2.1.3 A Igreja

Muitos povoados surgiram no Sertão nordestino a partir da concessão de parte das

terras sesmeiras, ou de parte de uma fazenda de gado, à igreja, com o intuito de ser sagrada a

9 Nesta política, o Marques de Pombal implantou uma nova administração nas colônias, onde houve a diminuição da interferência da igreja nos assuntos da Coroa. Neste contexto, vilas e cidades foram fundadas levando-se em conta um projeto urbanístico que alterou a paisagem urbana dos tempos coloniais, especialmente através da regularidade do desenho urbano, com o alinhamento de praças, ruas e edifícios.

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algum santo de devoção. A partir dessa doação se construía uma capela, ao redor da qual

surgiam as primeiras residências, compondo paulatinamente o povoado ou a vila (DUARTE

JÚNIOR, 1999, p. 571). Estudos de Murilo Marx, sobre a doação e constituição do

patrimônio religioso, asseguram que:

Eram porções de terras doadas nominalmente a uma devoção, a um santo padroeiro. Passava a constituir um patrimônio desse orago, de sua capela, administrado por uma entidade que deveria merecer a autorização da Igreja [...]. A terra, alguma outra doação em bens móveis, víveres ou dinheiro representavam o dote inicial, e por muitas vezes periódicos, do santo predileto, transformado em orago da nova capela. Propiciavam, assim, as condições para a construção do templo, para a sua manutenção e reparo, para o seu equipamento litúrgico e funcionamento efetivo (MARX, 1991, p.39).

Aroldo de Azevedo também tece comentário que corrobora com as afirmativas de

Murilo Marx, isto é, com o entendimento de que a origem de muitos povoados sertanejos está

ligada à doação de uma porção da terra, por parte do seu dono, à igreja. Dessa maneira,

enfatiza Azevedo:

Dêsse tipo é o patrimônio religioso, pelo qual o proprietário de uma gleba de terras escolhe certa área para doá-la ao Santo de sua devoção através de documento público em que o beneficiário é representado pela autoridade eclesiástica; assim fazendo, o proprietário torna patente sua fé e demonstra o desejo de vê-la difundida por intermédio da Capela que significará o sinal de posse, ao mesmo tempo que espera auferir lucros com a valorização e a posterior venda dos lotes situados na área que continua de sua propriedade. Nesta hipótese, o doador fixa as bases estruturais do futuro aglomerado, procurando atrair moradores para o local, os que se estabelecerem no chão doado ao Santo patrimínico pagarão seus foros à Diocese e os que se fixarem nas redondezas tornar-se-ão arrendatários ou mesmo proprietários dos lotes ocupados. No primeiro caso, o produto do aforamento destina-se à construção da Capela ou à melhoria da que já existir, à manutenção do culto, ao estabelecimento do Cemitério, etc. (AZEVEDO, 1957, p. 57).

Assim, a formação do patrimônio religioso foi uma nova prática de estruturação

territorial, como destaca Juliano de Carvalho, em relação à ocupação de várias áreas da Zona

da Mata, mas que também pode ser aplicado às áreas sertanejas: “Se até então, as únicas

estruturas territoriais existentes no local eram, por um lado, a cidade real, e, por outro, as

sesmarias com suas fazendas e engenhos, agora aparece outra estrutura, diferente de ambas,

com base religiosa.” (CARVALHO, 2007, p. 05).

A capela era o elemento central desse processo, tornando-se o ponto de convergência

das populações das fazendas mais próximas. Concomitantemente, esta capela, além do poder

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religioso, passa a concentrar também poder civil e administrativo, visto que a separação entre

o poder estatal e o eclesiástico ainda não tinha alcançado de fato o Sertão nordestino. Por

conseguinte, a capela era solicitada para celebração de festas religiosas, para a realização de

batismos, casamentos e diversos assuntos burocrático-administrativos. Esse fato contribuía

para a consolidação do núcleo urbano, a partir do aumento de sua dinâmica social e

econômica. A esse respeito, Azevedo afirma:

[...] era a presença da Igreja a grande força catalizadora, a cuja influência ninguém ousava resistir. Principal fator de coesão para os aglomerados nascentes, jamais cessou de constituir um motivo para a presença obrigatória não apenas da população urbana, mas também da gente da zona rural circunvizinha, que não titubeava em fazer sacrifícios para assistir às missas dominicais e não se furtava ao prazer de tomar parte nas festividades do calendário católico, oportunidades ansiosamente esperadas numa época de vida social tão restrita (AZEVEDO, 1956, p. 64).

Em suma, a doação de terras dos fazendeiros locais à igreja determinou o surgimento

de povoados e vilas no Sertão nordestino. Esse fato coloca esses núcleos urbanos iniciais na

influência direta da religiosidade, tanto com relação à morfologia do povoado, com a capela

definindo a disposição de largos e ruas, quanto à vida social, servindo para impulsionar

eventos festivos, rituais religiosos, etc. Apresentando rapidamente um exemplo do Sertão da

Paraíba, a igreja de Nossa Senhora do Rosário fez surgir, entre 1701 e 1721, o arraial do

Piranhas, embrião da futura vila e cidade de Pombal, funcionando como “pólo de colonização

e povoamento do sertão da Paraíba” (SARMENTO, 2007, p.17).

A historiografia tradicional aponta a doação de parte das terras de Gonçalves Piranha à

igreja, num total de 300 braças. Este fazendeiro, em viagem à Europa, foi vítima de um

naufrágio que o levou a fazer uma promessa à padroeira de sua terra natal, Santa Rita. Esse

voto consistiu na doação de parte de sua terra à Igreja, para ser sagrada à Santa Rita, caso

sobrevivesse. A terra doada foi chamada “Data de Curema” ou “Santa Rita do Curema”, onde

foi construída a Capela de Santa Rita, erguida em 1860 à margem direita do Rio Piancó. Silva

(1996) relata que a capela foi erguida com o auxílio da mão-de-obra indígena e comando do

missionário Frei Herculano, da ordem Franciscana, religioso responsável pela construção de

várias igrejas e capelas no território das atuais cidades de Pombal, Sousa, Catolé do Rocha,

Campina Grande, Areia, Bananeiras e Santa Rita. Vale anotar que a capela de Santa Rita de

Cássia pertencia à Freguesia de Piancó.

Enfim, o povoado do Boqueirão do Curema, assim como muitos povoados do Sertão

nordestino, surgiu à sombra da capela, ou igreja, em terras rurais. E foi a presença do mundo

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rural, onde estava o forte da economia local, o fator determinante para o crescimento ou

desaparecimento desses povoados.

2.1.4 O Povoado

Azevedo considera os povoados existentes no Brasil de “embriões das cidades

brasileiras”, visto que a maioria das cidades começou como tais. Entende-se aqui a designação

de povoado, conforme compreende o citado autor:

No Brasil, a mais elementar das formas de aglomerações humanas costuma ser designada por dois vocábulos de significação idêntica – povoado e povoação, embora outros termos existam, de caráter restrito e regional, que servem para identificar algumas de suas modalidades (AZEVEDO, 1957, p. 31).

E, em meio aos diversos tipos de aglomerados urbanos surgidos no Brasil ao longo do

tempo, Azevedo explica que:

Povoados foram os arraiais da época da mineração do ouro (séculos XVII e XVIII), como são as corrutelas das atuais áreas diamantíferas do Brasil Central. Na Bahia e no Nordeste, os povoados são muitas vêzes designados pelos nomes de comércio e de rua, de maneira a acentuar a diferença existente entre êles e as habitações isoladas da zona rural. Em São Paulo, o bairro rural contém quase sempre um povoado (AZEVEDO, 1957, p. 33).

Sem se prender ao critério histórico e de origem, Azevedo classifica os tipos de

povoados brasileiros. Assim ele lista vários “embriões de cidades” encontradas no Brasil: “1.

os lugares fortificados e os postos militares; 2. as aldeias e os aldeiamentos de índios; 3. os

arraiais e as corrutelas; 4. engenhos e usinas, fazendas e bairros rurais; 5. os patrimônios e os

núcleos coloniais; 6. os pousos de viajantes e as estações ferroviárias” (AZEVEDO, 1957, p.

35).

Por fim, referindo-se aos embriões de cidade, Azevedo lembra que “não constitui

tarefa muito fácil caracterizá-lo, porque são grandes as diferenças que podemos encontrar,

conforme a região em que se acha ou o fator que lhe deu origem.”. (AZEVEDO, 1957, p. 33).

Contudo, o povoado do Boqueirão do Curema está inserido em um tipo de povoado do

interior do Nordeste que tem uma origem conhecida, a saber, as fazendas que se instalaram

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nessas áreas, aproximando-se do tipo de povoado que Azevedo (1957) denominou de

“Loteamentos rurais: Patrimônios e núcleos coloniais”, um modo de criação de povoado

muito comum desde o tempo colonial no Brasil e mais corriqueiro nos séculos XVIII e XIX.

Esse povoado, pertencente ao território de Piancó, surgiu na margem direita do Rio

Piancó em meados do século XIX. O provável local escolhido para a construção da primeira

capela foi nas proximidades da atual Rua 04 de abril. Como esta capela veio abaixo por duas

vezes, procuraram edificá-la em outro local, isso por volta de 1860, onde permaneceu

definitivamente (CUNHA, 1948, p. 130). A partir dessa capela, aos poucos foi se

configurando o povoado do Boqueirão do Curema, possuindo características comuns a muitos

outros povoados surgidos no Brasil. Sobre esta temática, descreve Azevedo:

As habitações que os constituem (sempre em pequeno número – umas poucas dezenas) são bastante modestas, sendo representadas por palhoças, casas de tábuas, casas de barrote ou de tijolos, caiadas ou não. Também reduzida é sua população, em geral de algumas dezenas de habitantes. Comum é o caso da existência de uma só rua, prolongamento do caminho ou paralela à margem de um rio, embora possam existir duas, três ou até mesmo um largo rudimentar, onde se ergue a Capela ou pequena Igreja. Mal definida é a sua função, se bem seja freqüente a predominância da função comercial, modestamente representada pela presença de umas poucas casas de comércio – a “venda”, a loja de armarinhos e artigos domésticos, mais raramente a farmácia. Ao seu lado, porém, costuma aparecer com importância a função religiosa, que é representada pela Capela ou Igreja e manifesta-se aos domingos e sem dias de festas religiosas, congregando a população rural circunvizinha (AZEVEDO, 1957, p. 33).

Com a construção da capela de Santa Rita de Cássia, gradativamente foram

aumentando o número de casas em torno da mesma. Cunha (1948, p. 131) afirma que, até o

ano de 1919, o povoado do Boqueirão do Curema não sofreu expressivas modificações. Antes

desta data havia apenas um aglomerado de pessoas que se proviam dos gêneros mais

necessários à subsistência. O que se sabe é que, a partir de 1919, foi estabelecida a feira livre

no povoado, trazendo consigo uma maior dinâmica comercial. Assim, ainda de acordo com a

visão de Cunha (1948), após 1919, até o ano de 1936, a povoação melhorou

consideravelmente.

No transcorrer do século XX, sobretudo a partir da década de 1930, muitos pequenos

povoados do Sertão paraibano vão se elevar à categoria de vilas. Uma razão para esse

acontecimento é o desenvolvimento econômico destes povoados em virtude da cultura

algodoeira, gerando certa dinâmica de mercado nestas povoações, a exemplo das feiras livres.

Evidentemente, outro fator de importante menção é o interesse político- administrativo por

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parte do poder local. Além das causas acima citadas, teve importância para a elevação do

povoado do Boqueirão do Curema à vila de Curema o início da construção do Açude Curema,

que trouxe um aumento populacional para a localidade. Referente à construção do

Acampamento do DNOCS, afirma Cunha que a povoação de Curema tomou um forte impulso

após essa construção. (CUNHA, 1948, p. 133).

Portanto, com a feira livre estabelecida, gerando uma maior dinâmica no comércio, e

com o aumento do número de habitantes e de casas, ocasionado pela construção do Açude

Curema e a edificação do Acampamento do DNOCS, o povoado do Boqueirão do Curema foi

elevado à condição de vila, a denominada vila de Curema, em 1938.

2.1.5 A Vila

O surgimento de vilas no Sertão nordestino vai aumentar a partir do século XVIII,

sobretudo devido ao crescimento dos pequenos povoados existentes. A causa atribuída a esse

fato é o desenvolvimento econômico gerado pela cultura do algodão, como foi discutido

anteriormente.

Azevedo declara que “mais fortemente fere nossa atenção a intensa obra de

urbanização registrada na Região Nordeste (que somente possuía 3 vilas no século XVI, 9 no

século XVII e que passou a contar com 37 no século XVIII, além de 4 cidades) [...]”

(AZEVEDO, 1956, p. 47). Em continuidade a esta discussão, Azevedo relembra que a Região

Nordeste possuía, no período da Independência do Brasil, um total de 54 vilas (AZEVEDO,

1956, p. 55).

Com relação às cidades e vilas existentes na Província da Parahyba do Norte, a Figura

03 apresenta sua distribuição e quantidade no século XIX:

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Figura 03: Distribuição das vilas da Província da Parahyba do Norte no século XIX. Nesse tempo havia somente uma cidade, a capital da província, chamada cidade da Parahyba. Fonte: Mapa feito sobre base cartográfica da Província da Parahyba do Norte de 1850. Arquivo Militar 1860 – Arquivo Nacional. Elaboração: Maria Simone Morais, 2007.

Consta que o antigo povoado formador da vila de Piancó estava localizado na

Sesmaria pertencente ao fazendeiro Francisco Dias D’Àvila, neto de Garcia D’Ávila que, em

1748, fez a doação de uma parte desse patrimônio para a construção da igreja. Data de 11 de

novembro de 1831 a Lei que criou a Vila e a Freguesia de Piancó, cuja denominação era

Santo Antonio do Piancó (PINTO, 1977, p.118), sendo instituída somente no ano seguinte.

Durante o século XIX essa vila passa por uma série de desmembramento territorial, levando

ao surgimento de novas vilas. Esta fragmentação territorial, como ocorria em todo o Sertão,

estava ligada ao melhoramento econômico trazido pela cultura do algodão.

Somente no século XX, no ano de 1933, quando é constituída a cidade de Piancó, são

citados, na Divisão Administrativa do Brasil, os povoados de Água Branca, Jucá (atual cidade

de Catingueira), São Francisco de Aguiar (cidade de Aguiar), ”Boqueirão de Curema”,

Santana dos Garrotes, Boqueirão dos Coxos (cidade de Igaracy) e Olho dágua (ALMANACH

DO ESTADO DA PARAHYBA, 1933, p. 204). A grande maioria destes povoados surgiu no

século XIX, em terras pertencentes a fazendeiros dos arredores da vila de Piancó.

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Dentro do território de Piancó, como foi asseverado anteriormente, estava localizado o

povoado do Boqueirão do Curema. A elevação à vila, no ano de 1938, deu-se através do

decreto-lei n° 1.164 de 15 de Novembro de 1938. A partir do decreto n° 39 de 17 de Maio de

1938, são definidos os limites da vila de Curema:

Art. 2° - O perímetro urbano da vila de Curemas começa do Boqueirão do Curema descendo pelo rio Piancó até confrontar com o alto da Boa Vista; continua pelo alto da Bôa Vista, seguindo pelo divisor das águas, atravessa o riacho de Várzea Alegre, continuando numa linha reta até o pé da Serra do Boqueirão; daí segue pelo pé da serra referida até o Boqueirão de Curema. Único – O perímetro suburbano da Vila de Curemas começa das nascentes do riacho Pacatonho, descendo por êste riacho até a sua fóz; daí desce pelo rio Piancó até alcançar a foz do riacho do Miguel; daí em linha reta para serra Boqueirão, seguindo pela cumiada desta serra até as nascentes do riacho Pacatonho (DECRETO N° 39, 17 de Maio de 1938).

Em suma, o povoado do Boqueirão do Curema é elevado à vila de Curema em 1938 e

uma das razões principais para este acontecimento foi a construção do Açude Curema e do

Acampamento do DNOCS, responsáveis diretos do aumento do contingente populacional e da

elevação do número de casas.

Depois de algum tempo na condição de vila, muitos aglomerados urbanos presentes no

território brasileiro se transformam em cidades. Isso começou a ocorrer no momento

simultâneo à independência do Brasil, de acordo com a leitura de Azevedo em sua “geografia

urbana retrospectiva”, feita no texto Vilas e “Cidades do Brasil Colonial”. O Brasil, ao

terminar o Período Colonial, possuía um total de 12 cidades (AZEVEDO, 1994, p. 26). O

número de cidades começou a aumentar a partir do ano de 1823, quando o Brasil contava com

19 cidades. Em seguida, o citado autor aponta a importância do Império para o surgimento de

cidades, sobretudo para fortalecer a unidade nacional.

A criação da cidade de Coremas ocorreu em outro contexto histórico, um século

depois. A maioria das vilas do Sertão da Paraíba foi elevada à categoria de cidades a partir da

década de 1950-1960, num período em que muitas cidades estavam surgindo, graças à criação

de vários municípios. De acordo com dados do IBGE, neste período, o Estado da Paraíba

possuía 171 municípios, e conseqüentemente cidades, e deste número, 55 estavam localizados

no Sertão (considerando a divisão regional da Paraíba na época em Sertão, Agreste,

Borborema e Mata Paraibana). Um dos principais fatores para a criação desses municípios,

com sua cidade e comarca, foram os interesses políticos locais, sob a justificativa de que a

emancipação política serviria para o desenvolvimento.

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No contexto da criação do município e cidade de Coremas, essa justificativa é

explicitada na carta dirigida ao Presidente e membros da Assembléia Legislativa do Estado da

Paraíba10, datada de 1953, onde os habitantes reivindicavam a elevação da vila de Curema à

cidade de Coremas: “CUREMA, pêla sua importância econômica, comercial e social faz jús à

medida óra pleiteada, porque lhe falta como complemento ao seu progresso, a independência

política, fator indispensável para o seu maior crescimento”. Quando a vila de Curema passou

à condição de cidade, o Município de Piancó contava ainda com nove vilas. A vila de Curema

foi elevada à cidade de Coremas no ano de 1954, após um maior dinamismo conseguido,

sobretudo, com a construção dos açudes Curema e Mãe D’Água. Portanto, esse foi o fator que

agilizou a formação da cidade de Coremas.

Enfim, as transformações trazidas pelas construções dos açudes Curema e Mãe

D’Água, através do aumento do número de habitantes e da estrutura e modernidade do

Acampamento do DNOCS, foram o maior motivo para o surgimento da cidade de Coremas.

Logo, uma mudança gerada a partir de uma dinâmica econômica e de um melhoramento

ocasionados por conta do capital nacional.

2.2 - A CIDADE DE COREMAS

2.2.1 A dependência do Espaço Rural

É conhecida na história das cidades brasileiras a dependência que muitas mantiveram

com o espaço rural circundante. Maria Isaura Pereira de Queiroz, no texto intitulado “Do rural

e do urbano no Brasil” faz uma análise da relação campo-cidade no Brasil e constata a

histórica dependência que muitas cidades brasileiras tinham do meio rural. Muitas delas

apenas reduzindo a dependência após a industrialização, já no contexto da chamada

“sociedade global” definição que a autora usa baseada em Lefebvre. Nesta sociedade global, a

cidade vai adquirir não apenas a independência do meio rural como também vai determiná-lo.

10 Esta Carta de Abaixo-Assinado pode ser encontrada em mãos de alguns habitantes de Coremas, que a guardam como uma lembrança da origem da cidade. A cópia aqui conseguida proveio da Escola Estadual de Ensino Fundamental e Médio Advogado Nobel Vita. Essa carta teve a assinatura de aproximadamente 1.200 pessoas, coletadas tanto na vila quanto na zona rural.

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No Brasil, onde coexistem diversas realidades urbanas e rurais, as relações campo-cidade vão

se tornar mais ricas e complexas (QUEIROZ, 1979).

Isso pode ser compreendido através das estruturas econômicas estabelecidas no

território brasileiro pelos portugueses, que privilegiaram o campo como lócus da geração de

riquezas, quer através dos latifúndios de cana-de-açúcar nas áreas costeiras, quer através das

fazendas agro-pecuárias no Sertão nordestino. Muitos autores apontam as cidades resultantes

do ciclo de mineração como exemplos típicos de concentração urbana. Afora estas, povoados,

vilas e cidades nasciam na dependência do meio rural. Sobre essa temática, afirma Azevedo:

O próprio sistema de povoamento e as atividades econômicas mais típicas, fora da área mineradora, contribuíam para essa tendência anti-urbanizante: eram as “sesmarias” e as fazendas de gado, que estimulavam a dispersão demográfica; eram os engenhos de açúcar, responsáveis por uma forma diferente de concentração (que girava em torno das “casas-grandes”), mas que só excepcionalmente evoluíam para o povoado, a vila e a cidade (AZEVEDO, 1956, p. 67).

Essa realidade estava presente em muitos povoados, vilas e cidades brasileiras, cuja

origem e desenrolar histórico apresentaram uma tendência a necessitar do espaço rural. Era

comum vários moradores desses núcleos urbanos serem agricultores que deixavam suas casas

para cultivarem as terras próximas e cuidarem da criação de animais. Ou, como indica

Azevedo, para estes aglomerados urbanos “levavam os agricultores e criadores os produtos de

seus sítios e fazendas. Daí o movimento de suas “vendas” e de suas modestas lojas, a

realização de feiras semanais, a presença de ruas tipicamente comerciais [...]” (AZEVEDO,

1956, p. 64).

Em síntese, nos povoados e vilas, a agricultura e a pecuária determinavam o pequeno

comércio, nas vendas e no pequeno Mercado Público, ou nas feiras semanais. Estas últimas

tiveram um papel significativo para a dinâmica desses núcleos urbanos. Maia, no texto “As

Feiras de Cidades Brasileiras e Portuguesas: Lugar do Mercado e do Encontro”, afirma que

“De um modo geral, em todo o território brasileiro, as feiras aconteciam como manifestação

da atividade comercial, em que pequenos agricultores vendiam os produtos por eles cultivados

ou pequenos comerciantes revendiam algumas mercadorias de necessidade imediata” (MAIA,

2006, p. 05).

Na história das cidades, podem ser identificados vários tipos de feiras, porém, aqui

interessam as feiras semanais ocorridas nas cidades interioranas do Nordeste brasileiro, que

serviram para o abastecimento, através da venda de produtos. Ainda no trabalho acima citado,

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Maia aborda a importância das feiras semanais para as cidades do interior da Paraíba,

iniciadas em fins do século XIX para servir de ponto de mercado para as vendas dos produtos

agro-pecuários. Em síntese, essas feiras representavam o dia de maior dinâmica do núcleo

urbano, tornando-se também momento de encontros sociais, de reunião de produtores e

consumidores da cidade e do campo.

O povoado do Boqueirão do Curema desenvolveu-se atrelado às atividades agro-

pecuárias. O comércio consistia na venda dos produtos da lavoura local, como o milho, o

feijão, a cana-de-açúcar, a mandioca e o algodão (CUNHA, 1948, p. 132). Essa pequena

produção agrícola possibilitou algumas poucas atividades industriais, ligadas à cultura da

cana-de-açúcar, utilizada para fabricação de rapaduras e ao beneficiamento do algodão.

(CUNHA, 1948, p.). Está escrito no Almanach do Estado da Parahyba (1933) que existiam,

na década de 1930, três maquinismos para beneficiar algodão no povoado de Curema, sendo

pertencentes a Antonio Isauro, Jose Gregorio e Mirabeau Lacerda (ALMANACH DO

ESTADO DA PARAÍBA, 1933, p. 204). Portanto, a indústria existia em função da atividade

agrícola, sendo representada pela cultura da cana-de-açúcar e pela infra-estrutura montada

para o beneficiamento do algodão, como o descaroçamento, a confecção de sacos e o

transporte. Vale ressaltar que, muito embora a grande produção de cana-de-açúcar estivesse

concentrada nas áreas mais litorâneas, nas fazendas do Sertão existiam pequenas plantações

deste produto voltadas para a produção de rapadura, para serem vendidas nas feiras e no

comércio local.

Em suma, a atividade industrial consistia na presença de máquinas de descaroçamento

do algodão, das engenhocas de cana-de-açúcar, sobretudo para fabricação de rapadura, e das

casas de farinha. Os engenhos se localizavam na zona rural e as rapaduras eram fabricadas em

determinados períodos do ano, nas épocas chamadas pela população de “tempo de moagem”.

Quase todos os produtos cultivados na zona rural eram transportados para a vila em lombos de

animais, geralmente jumentos, em cangalhas e caçoás, para serem comercializados. Portanto,

as cidades eram “uma extensão do campo, suas funções econômicas principais eram o

beneficiamento e a comercialização dos produtos agrícolas e abastecimento da zona agrícola”

(FERNANDES, 2006, p. 31). Essas características comerciais e econômicas eram típicas de

grande parte do Sertão paraibano. Apenas para ilustrar, no ano de 1916, a cidade de Pombal

contava com “dezoito engenhos de produção de rapadura, nove fábricas a vapor e três de

tração animal para descaroçar algodão. O número de cabeças bovinas era de

aproximadamente 1.000 animais [...] (FERNANDES, 2006, p. 74). E eram esses recursos

econômicos quem movimentavam o comércio nas cidades.

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Na carta de abaixo-assinado, são citadas, de um modo geral, as atividades econômicas

locais: “A área rural era toda dividida em pequenas propriedades agrícolas, possuindo

diversos engenhos movidos a vapor, onde se desenvolvia a cultura de cana-de-açúcar, afora a

produção de cereais e algodão” (CARTA DE ABAIXO-ASSINADO, 1953). Apoiando-se na

memória dos habitantes como recurso para o resgate do espaço-tempo passado, o Senhor José

Virgulino, conhecido por Zé Caboclo, descreve a zona rural, ou os sítios, na década de 1940 e

1950: “Era cheia de moradores. Tinha uns com engenhos de cana-de-açúcar, para fabricação

de rapadura no tempo da moagem, que era a partir do mês agosto. Tinha a riqueza do algodão.

Tinha a plantação de milho, feijão, arroz. E tinha muito gado” (ZÉ CABOCLO, 2008).

As pequenas propriedades agrícolas são resultado da fragmentação, através do tempo,

das extensas propriedades rurais, pertencentes a um único dono, que paulatinamente foram

vendidas ou divididas entre herdeiros. Através da lista de escrituras antigas registradas no

Cartório Lucas de Lacerda, percebe-se a organização territorial protagonizada pelo espaço

rural, assim como os processos de compra e venda de terras, transformando o espaço rural em

uma área dividida em pequenas e médias propriedades agrícolas. Em pesquisas no citado

cartório, foram encontradas 836 escrituras de terras datadas dos anos de 1922 a 1939. Desse

total, 175 pertenciam às terras do povoado, o restante, ou seja, 661 escrituras, eram de

propriedades localizadas na zona rural, distribuídas nos lugares chamados localmente de

sítios.

Encontram-se citados em maior quantidade nas escrituras (independente de estar ou

não hoje em terras pertencentes ao município de Coremas) os lugares ou sítios chamados

Riacho de Boi; Riacho Seco; Tabuleiro do Meio; Mãe D’Água; Riacho Fundo; Sítio Barra;

Jurema; Pau Ferrado; Malhada Grande; Escurinho; Riacho Grande; Capim Grosso; Torrões;

São Paulo; Curral Velho; Diogo e Riacho Fechado. Estas localidades rurais coincidem com

alguns dos principais sítios considerados por Silva no livro “Coremas Seu Lugar na História”,

faltando somente os sítios; Pedra Branca; Pacatônio; Cachoeirinha; São Sebastião; Pedra

Preta, Campinada, Sangradouro Sabonete. Outros sítios considerados por Silva também

aparecem, em menor proporção, nas escrituras, tais como Madruga; Barro Branco, Estreito e

Catolé. Enfim, numerosos são esses lugares ou sítios11, que recebem essas denominações,

conforme algum elemento natural, cultural, religioso ou algum acontecimento marcante.

11 Assim, abundam os riachos, como Riacho da Forquilha, Riacho da Onça, Riacho do Mané, Riacho da Caatinga, Riacho Velho, Riacho Molhado, Riacho da Carnaubenha, Riacho do Boi Manso, Riacho do Meio, Riacho do Poçinho, Riacho das Pedras, Riacho dos Pereiros, Riacho do Forno, Riacho da Palmeira, Riacho do Cipó, Riacho da Jurema, Riacho da Carnaúba, Riacho da Barra, Riacho dos Quilombos, Riacho da Capoeira, Riacho do Pagão, Riacho dos Cabestros, Riacho da Areia, Riacho do Coito, Riacho da Malhada e Riacho do

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Na vila de Curema, a dinâmica social e econômica maior se dava nos dias da feira

livre, ocorrida uma vez por semana. Como já foi dito, a feira livre chegou ao Povoado do

Boqueirão do Curema no ano de 1919. Os entrevistados, cada um com sua forma de relembrar

os acontecimentos passados, ressaltam a venda de produtos por parte dos habitantes do sítio

na feira da cidade, como feijão, milho, batata doce, etc. O Senhor Zé Caboclo expressa:

A feira era feita debaixo da latada, onde hoje é a Praça Félix Rodrigues. Depois passou a ser naquele quadro de comércio, quando foi construído. Era para venda dos produtos do sítio, da lavoura, todo mundo do sítio ia para a vila, pra vender e comprar, tudo no lombo dos bichos, jumento, cavalo (ZÉ CABOCLO, 2008).

Enquanto José Travasso de Arruda, conhecido como Zé Travasso diz: “Em Coremas, a

feira era na sexta e era bastante popular, vendendo tudo o que o povo da cidade consumia,

principalmente era uma forma de reunião do povo” (ZÉ TRAVASSOS, 2007). Por sua vez, a

Senhora Eliracir Oliveira Ferreira descreve:

Antigamente você só encontrava batata no meio da feira. Batata, jerimum, essas coisas só em dia de feira. O pessoal do sítio trazia essas coisas pra vender, feijão, milho, tudo era vendido no meio da feira, ali no mercado, naquele quadro ali. Aquele mercado é antigo, desde que eu me entendo de gente que tem aquele mercado, aquele quadro de mercado ali (DONA ELIRACI, 2007).

Portanto, a dinâmica comercial maior dava-se no dia da feira, com uma maior

concentração de fazendeiros e sitiantes vendendo os produtos trazidos da zona rural.

Descrevem-na, os entrevistados, com suas pequenas bancas na rua e no Quadro de Comércio

(como era denominado pelos habitantes o Mercado Público), com os moradores da zona rural

vindos a cavalo ou jumento vender seus produtos. Assim, para a boa localização da feira, foi

construído o Mercado Público, para a concentração comercial e a venda dos feirantes,

semanalmente. A respeito da presença do Mercado Público nas cidades, Maia assinala:

Miguel. Muitos são também os nomes como Pé de Serra, Capoeira da Foca, Vaca Morta, Várzea do Pato, Poço da Roupa, Malhada Grande, Malhada da Areia, Malhada da Barra, Malhada Funda, Várzea Malhada, Várzea do Curralinho, Lagoa do Escondido, Lagoa Seca, Lagoa da Mata, Açude Novo, Capoeira da Areia, Campo Alegre, São Braz, Sítio Novo, Poço da Pedra, Serrote do Bode, Barra do Genipapo, Navio, Extrema, Massapé, Logradouro, Canoa, Garrote, Barreira, Xavier, Brejo, Assovio, Emas, Timbaíba, Serraria, Macaco, Forno, Genipapeiro, Carnaúba, Timbauba, Lagoinha, Trapear, Capoeira, Craybas, Cathinga, Caiçara, Bananeira, Munfumbo, Serrote, Corredor, Taboleiro, Novo, Matapasto e outros.

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Sobre a historicidade das feiras, há que assinalar o processo da normatização, da demarcação dos lugares, da especificidade dos produtos e ainda do que se denomina de setorialização da comercialização. Nos primórdios da sua história, as feiras aconteciam com a disposição aleatória dos feirantes e dos produtos. É fato que desde o século XIX, com o movimento higienista, as cidades passam a determinar através das suas posturas urbanas os locais onde se permitia a comercialização dos produtos alimentícios. Desde esse período determinou-se que esse tipo de comércio só deveria se realizar nos mercados públicos (MAIA, 2006, p. 06).

Portanto, eram esses os elementos que dinamizavam o povoado e posterior vila de

Curema. No Livro de Tombo, no ano de 1941, o Padre Pedro Luz Cunha diz que a vila de

Curema “era um ambiente pobre, depravado e desoluto em que vivia a mocidade operária

(pois aqui é quase todo mundo: ou pequeno comerciante, ou pequeno proprietário ou

simplesmente operário)” (LIVRO DE TOMBO, 1941, p. 04). Os operários citados são os

trabalhadores do DNOCS, aqui instalados para a construção dos Açudes Curema e Mãe

D’Água.

Enfim, na vila de Curema, já foi demonstrado o vínculo com o meio rural, sobretudo

através da agricultura. É assim que se desenrola a história da pequena cidade de Coremas e de

muitas cidades pequenas do Sertão nordestino. Nessas pequenas cidades, situadas no nível

mais baixo da escala urbana, o campo determinou com intensidade a vida econômica e social.

Portanto, “nas sociedades agrárias, cidade e campo coexistem, mas o campo domina a cidade,

embora esta o organize e seja seu centro administrativo; a dominação é demográfica e

econômica” (QUEIROZ, 1979, p. 162). Portanto, havia uma nítida determinação e

dependência do espaço rural para a dinâmica do povoado, vila e posterior cidade de Coremas.

2.2.2 O Açude

Outro fator que veio alterar o destino de alguns povoados, vilas ou cidades do Sertão

nordestino foram as políticas públicas do Estado, através da construção de açudes públicos

com vistas a solucionar os problemas sócio-econômicos decorrentes das secas periódicas,

fenômeno natural típico da mencionada área. O núcleo urbano aqui em estudo teve muitas de

suas características determinadas pela chegada dos açudes Curema e Mãe D’Água em suas

adjacências.

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A respeito do fenômeno da seca, Campos; Stuart (2001) mostram que esta assolava os

sertões nordestinos em momentos anteriores à ocupação portuguesa e que o processo de

colonização muitas vezes foi dificultado pela semi-aridez, com a expulsão de populações para

as áreas litorâneas em tempos mais críticos. Vários estudiosos do Sertão paraibano, como

Mariz (1978), apontam os destroços resultantes das secas periódicas, como as dos séculos

XVIII e XIX, com a expulsão ou morte de pessoas, assim como a dizimação de rebanhos,

arrasando a economia local.

A primeira seca que suscitou debates para a busca de soluções por parte do Estado

ocorreu de 1777 a 1779, na qual morreram mais de quinhentas mil pessoas e o espaço de

discussão foi a Província do Ceará. Após esta seca, intensificou-se a miserabilidade e foram

apontados nesse momento como soluções para este problema a adaptação de camelos; a

explosão de rochas cristalinas para armazenamento de águas; os investimentos no processo de

previsão de secas; a política de açudagem e irrigação e a transposição do Rio São Francisco

(CAMPOS; STUDART, 2001).

A seca do ano de 1888 levou ao aprofundamento dos debates. A partir dessa data,

Campos; Studart (2001) relatam que o debate foi ramificado em três direções: os favoráveis à

açudagem e à irrigação; os favoráveis à transposição do Rio São Francisco e à irrigação e os

favoráveis às mudanças no perfil econômico da região e das propostas para soluções pontuais

de impacto. Até que, no ano de 1913, o diretor da então Inspetoria Federal de Obras Contra as

Secas, o engenheiro Arrojado Lisboa, pronunciou-se contra a transposição do Rio São

Francisco e favorável à açudagem.

Em suma, o sistema de açudagem foi visto como uma alternativa viável para a solução

dos problemas trazidos pela seca, desde a segunda metade do século XIX. Dessa maneira, o

Ministério da Viação e Obras Públicas, através da Inspetoria de Obras Contra as Secas

(IOCS), posterior Inspetoria Federal de Obras Contra as Secas (IFOCS) e por último o

Departamento Nacional de Obras Contra as Secas (DNOCS), entrou em ação no início do

século XX para a construção de açudes. Este foi o discurso que perdurou ao longo do tempo

nos órgãos governamentais responsáveis pela redução dos efeitos da seca, conforme se

encontra no relatório do DNOCS “Dados Técnicos da Barragem Mãe D’Água e Usina

Hidroelétrica do Açude Estevam Marinho”:

O grande problema do Nordeste á a regularização do regime dos seus cursos d’água torrencialíssimos. Ora, só a grande açudagem pode fazer o que eu já tive oportunidade de caracterizar como o duplo milagre das águas sem inundações. Êste o ponto capital do problema técnico da Inspetoria de Sêcas

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(hoje D.N.O.C.S.); esta a parcela máxima do combate às conseqüências das irregularidades climatológicas do Nordeste; parcela grande demais para a capacidade financeira dos flagelados e, portanto, cabível exclusivamente à União, nas obras pertinentes, capazes, entretanto, de resultados econômicos bastante para justificar as somas nelas invertidas (RELATÓRIO DO DNOCS, 1964, p. 8-9).

Muitos açudes construídos pelo DNOCS modificavam a área onde foram construídos,

não apenas pela terra utilizada para o represamento artificial das águas, mas também pela

infra-estrutura montada para as obras, pela chegada dos operários e engenheiros vindos de

várias áreas do país e pela construção dos acampamentos para moradias destes trabalhadores.

Nessa política de açudagem, a Paraíba foi contemplada com 42 açudes públicos. O mais

antigo foi construído entre 1888 a 1923, o chamado Açude Poços, em Teixeira, enquanto que

o mais recente foi construído em 1984, o Açude São Pedro, localizado em Campina Grande.

Os açudes Curema e Mãe D‘Água foram construídos entre as décadas de 1930 e 1960

pela Comissão do Alto Piranhas, organizada pelo DNOCS, tornando perene o rio

naturalmente intermitente que passava pela região, qual seja, o Rio Piancó, sendo que o

intuito maior era perenizar também o Rio Piranhas, maior curso d’água do Sertão da Paraíba.

Os dois açudes tiveram sua localização no então Município de Piancó, nas adjacências do

Povoado do Boqueirão do Curema.

No que se refere às vantagens geomorfológicas, a escolha do local se deveu à

existência dos boqueirões existentes na Serra de Santa Catarina. Estes açudes, planejados para

funcionarem conjuntamente, formaram o sistema Coremas – Mãe D’Água, sendo um

reservatório com capacidade de armazenamento d’água de 1.358.000.000 m³. Em síntese,

esses açudes serviram para regular o sistema hídrico da Bacia Hidrográfica do Rio Piranhas-

Açu, indispensável ao estabelecimento das obras de irrigação (RELATÓRIO DO DNOCS,

1964, p. 11).

A área na qual foi construído o Açude Curema foi submetida pela primeira vez à

avaliação em 1911. Contudo, os estudos foram arquivados até 1932, quando foi iniciado de

fato os preparativos para as obras do Açude Curema (RELATÓRIO DO DNOCS, 1964, p.

16). Para o planejamento deste açude, foram realizados, em 1933, novos estudos, sobretudo,

no boqueirão a ser barrado (RELATÓRIO DO DNOCS, 1964, p. 16).

Ainda com respeito à construção do Açude Curema, está escrito no Anuário da Paraíba

que não havia açudes no Município de Piancó, mas que estava em espera a concretização da

construção do Açude Curema, já em vias de ser iniciado. Assim diz: “A Inspetoria de Sêcas já

terminou as sondagens do terreno, estando agora a preparar o campo para assentamento da

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casa de força e outras bases materiais” (ANUÁRIO DA PARAÍBA, 1934, p. 290-91). Em

1935, foram iniciadas as instalações para a construção do Açude Curema, com a montagem de

uma usina termo-elétrica, a edificação de diversos prédios e, em 1936, ocorreu o início das

obras propriamente ditas do Açude Curema. (CUNHA, 1948, p. 134).

Com a construção desse açude, a então vila de Curema, assim como seu entorno,

apresentou mudanças significativas em sua paisagem, conforme pode ser visualizado na

Figura 04. A parede ou barragem do açude, vista na parte direita, é a fronteira que separa as

águas e a vila de Curema.

Figura 04: Vista do açude Curema em 1958. Fonte: Acervo particular da Senhora Adevanir Diniz Oliveira.

Através da Figura 04, pode-se visualizar a infra-estrutura montada na época, o que

havia de mais avançado em termos de engenharia. Os custos desse trabalho é uma prova da

credibilidade na política de açudagem e do elevado grau de destruição que a seca trazia.

O açude Mãe D’Água foi construído no boqueirão de Mãe d’água, na Serra de Santa

Catarina, barrando o Rio Aguiar, afluente do Rio Piancó, em uma área localizada a cinco

quilômetros da vila de Curema. Sua construção começou entre as décadas de 1940 e 1950. A

Figura 05 mostra o boqueirão entre as serras e o leito do Rio Aguiar, preparando-se para a

construção da barragem que servirá de sangradouro dos dois açudes. Enquanto que a Figura

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06 exibe o boqueirão com a barragem já construída e demonstra a repercussão deste

acontecimento para a cidade, através da presença dos habitantes.

Por último, a Figura 07 apresenta uma das primeiras sangrias do açude, ocorrida no

ano de 1958. Vale ressaltar que esta imagem, devido à transformação que trouxe para a

paisagem local e principalmente pela beleza e exuberância, tornou-se o maior símbolo de

orgulho e ufanismo dos habitantes coremenses. Até hoje, quando o Sertão paraibano apresenta

“bom inverno” e a barragem do Açude Mãe D’Água sangra, a população local se põe em

agitação, ocasionando o vai-vem da cidade para o sítio Mãe D’Água para ver o espetáculo,

acontecimento que também faz convergir para a localidade pessoas de fora, especialmente os

coremenses que vivem em outras regiões do país.

Figura 05: Boqueirão antes da construção da barragem, no início da década de 1950.

Figura 06: Boqueirão após a construção da barragem, na década de 1950.

Fonte: SILVA, 1996. Fonte: SILVA, 1996.

Figura 07: Vista da barragem Mãe D’Água, no ano de 1958.

Figura 08: Panorama da barragem Mãe D’Água, década de 1950.

Fonte: Acervo particular da Senhora Adevanir Diniz Oliveira.

Fonte: Acervo particular da Senhora Adevanir Diniz Oliveira.

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As figuras 07 e 08 deixam claro o nível de intervenção e a conseqüente modificação

no espaço, originando uma paisagem diferente. O sítio Mãe D’Água foi modificado pela

infra-estrutura instalada para a construção do açude, a edificação de varias casas do DNOCS e

a presença do trem, conhecido como “a cafuringa”, transitando com material de construção.

Isto pode ser verificado na Figura 09, que apresenta também a ponte sobre o Rio Aguiar,

construída para passagem de pessoas e veículos, sendo igualmente o local onde se pode

visualizar a sangria do Açude Mãe D’Água.

Figura: 09: Ponte sobre o Rio Aguiar, no Sítio Mãe D’Água, década de 1950.

Fonte: Acervo particular da Senhora Adevanir D. Oliveira.

No que diz respeito à finalidade da construção dos mencionados açudes públicos,

ainda em “Dados Técnicos da Barragem Mãe D’Água e Usina Hidroelétrica do Açude

Estevam Marinho”, está escrito:

PERENIZAÇÃO DO RIO PIANCÓ Irrigação de 20.000 ha nas várzeas de Souza. Abrigo de milhares de famílias sertanejas em terras marginais de sua Bacia Hidráulica. Produção de Energia Hidroelétrica – 10,000 hp. Criação de peixes (RELATÓRIO DO DNOCS, 1964, p. 5).

Vale ressaltar que a regularização dos rios Piranhas e Piancó permitiu a chegada de

água às várzeas do município de Sousa, possibilitando a irrigação do sistema do Alto

Piranhas, auxiliando assim outros reservatórios, como o açude São Gonçalo e o açude

Piranhas. (RELATÓRIO DO DNOCS, 1964, p. 11). Por conseguinte, a construção desses

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açudes iria proporcionar um acúmulo de água que seria lançado nos leitos dos rios e iria

garantir a subsistência dos moradores rurais e ribeirinhos, os rebanhos e a pequena agricultura

dos fazendeiros e sitiantes, substituindo ou reduzindo assim o tradicional e precário sistema

de vazantes nos leitos secos dos rios. Igualmente iria suprir a necessidade de irrigar, através

de canais adutores, os mais diversos campos. Essa era a intenção expressa no discurso do

governo, representado pelo DNOCS.

Em suma, no ideário do Governo, a construção desses açudes significava combater os

efeitos das secas periódicas e das irregularidades das chuvas. O complexo Coremas-Mãe

D’água foi feito para abastecimento humano e de animais, para irrigação agrícola, para

regularização de vazão, piscicultura e geração de energia elétrica. O açude Curema foi

utilizado, sobretudo, para o abastecimento humano, para a perenização do Rio Piancó e para a

geração de energia elétrica e o açude Mãe D’água possibilitou a captação para atender áreas

irrigadas. Juntamente com a construção dos açudes, foi construída a Usina Hidroelétrica do

Açude Curema. Esta distribuiu energia para as cidades de Coremas, Pombal e Piancó.

Estes dois açudes foram responsáveis pela instalação de elementos ditos da vida

urbana e a conseqüente implantação de uma vida social diferente da tradicional e da local,

portanto, chegando à vila de Curema novidades antes desconhecidas pela população, como a

energia elétrica, automóveis, telefones, o cinema, o clube de diversão, o cassino, quadra de

esportes, etc. Ao mesmo tempo, vieram para a localidade muitos operários, engenheiros e

técnicos, procedentes de diversos lugares, tanto para a vila de Curema quanto para o

Acampamento do DNOCS, gerando uma maior circulação de pessoas e máquinas. Vale

ressaltar que os funcionários do DNOCS tinham seu ganho superior à população local,

fazendo assim movimentar mais o comércio, havendo um maior número de casas para alugar,

etc.

Portanto, aumentava a população do povoado, que logo se transformou em vila,

formaram-se novas ruas e surgiram os bairros. Estas inovações foram sentidas pelos

habitantes locais e isto é verificado nos depoimentos dos habitantes. Segundo a Senhora

Margarida, na década de 1930, o pequeno povoado do Boqueirão do Curema contava apenas

com a rua que margeava o Rio Piancó, a capela, com o largo, e a rua que partia da mesma,

assim como um pequeno comércio de gêneros de primeiras necessidades. E que “o povoado

foi crescendo com a construção do açude, quando veio um monte de gente pra Curema e

aparecendo outras ruas” (DONA MARGARIDA, 2008). Por seu turno, descreve a Senhora

Adevanir Diniz Oliveira:

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É como se fosse assim, Coremas não cresceu como essas cidades vizinhas, tipo o que, cresceu em volta de uma igreja, aquela coisinha pequena. Coremas começou a crescer depois da construção do DNOCS, uma obra grandiosa, o maior açude do Brasil, a maior obra de engenharia daquele tempo, que se tinha no Brasil. Aí vieram pessoas estudiosas, intelectuais, médicos, pessoas que tinham sofisticação, uma diferenciação, uma classe mais urbanizada. Aí isso favorecia o crescimento mais avançado em relação a outras cidades vizinhas. Você pode perceber que Coremas tem essa diferença das outras cidades. As outras é só aquela coisinha de nada. Em 1950, naquele tempo, é como se Coremas aqui fosse um local onde o pessoal vinha do sítio, era aquela coisa mais voltada ao rural, entende? Lá no DNOCS não, era restrita, aquela coisa mais urbanizada (DONA ADEVANI, 2007).

Este fato não é exclusivo à cidade de Coremas, ou seja, os acampamentos de operários

faziam parte dos trabalhos do DNOCS, quando se davam as construções dos açudes, alterando

os povoados e as vilas onde se instalavam. Fabiano Custódio de Oliveira, em seu trabalho de

dissertação, intitulado “Alterações no Sistema Produtivo e Organização do Trabalho na

Agricultura Irrigada em Torno do Açude de Boqueirão – PB”, faz uma ressalva a respeito das

modificações que a construção do açude Boqueirão trouxe para a vila do Boqueirão de

Cabeceira:

[...] a tranqüila vila de Boqueirão de Cabaceiras contava com apenas uma rua principal à margem do Rio Paraíba, outras bem menores em torno da igreja católica e um pequeno comércio de gêneros de primeira necessidade. A vila foi crescendo a partir do início da construção de Boqueirão no final de década de 1940. Em 1948, teve início a construção das vilas Operária, Mecânica e Morro, cujas residências germinadas seriam alugadas aos trabalhadores do DNOCS ocupados na construção do açude (OLIVEIRA, 2007, p. 33, 34)

Em seguida, o autor demonstra a contribuição do açude para a elevação da vila do

Boqueirão de Cabaceiras à categoria de cidade:

Com a evolução da vila de Boqueirão de Cabaceiras, propiciada pela construção do açude, sua projeção a nível local e regional aumentou. Diante disto, a população passou a reivindicar aos órgãos competentes do estado a emancipação política de Cabaceiras, fato que se concretizou por força de lei estadual nº 2078, de 30 de abril de 1959 (OLIVEIRA, 2007, p. 38, 39).

Na vila de Curema, o aumento do número de habitantes, a edificação de novas

residências, a ocupação de espaços para além do entorno da capela, surgindo novas ruas e

bairros, ocorreram em virtude da construção dos açudes, conforme fora supracitado. E, com

isso, a população local passou a reivindicar a emancipação política. Portanto, o crescimento

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da vila de Curema deu-se principalmente através de ações que vieram de fora, representados

pelo DNOCS e a Comissão do Alto Piranhas, pois, as estruturas políticas e econômicas, de

um modo geral, permaneceram as mesmas. Todos os entrevistados afirmaram que a influência

do açude no processo de emancipação foi determinante no que toca ao aumento do

contingente populacional, isto é, das pessoas que vinham de diversas partes para trabalhar nas

obras do DNOCS. Todavia, a luta pela emancipação do município e cidade de Coremas foi

liderada por alguns membros da política local.

2.2.3 O Poder Local

Para analisar o processo de criação da cidade de Coremas, faz-se importante lançar a

vista sobre a repercussão do poder local neste processo. Especificamente, para a compreensão

do poder local na cidade de Coremas na década de 1950, é essencial entender as práticas

mandonistas e clientelistas vigentes nas relações políticas. Não é objetivo deste trabalho

aprofundar a discussão conceitual sobre este assunto, porém, é necessário precisar o que se

entende, por exemplo, por Coronelismo, Clientelismo e Mandonismo para entender algumas

ações da política local em localidades do Sertão nordestino.

Sabe-se que o Nordeste brasileiro teve sua vida política marcada ao longo da história

pelo Coronelismo, o Clientelismo e o Mandonismo, termos que estão relacionados, porém, de

acordo com os estudiosos da temática, cada um possui o seu significado próprio. Para o

entendimento destas terminologias, foi feita a leitura de alguns autores, dando especial relevo

à perspectiva de José Murilo de Carvalho. Antes de registrar o conceito de Coronelismo

elaborado por Carvalho, é importante precisar o termo coronel. Neste sentido, explicita

Fernandes:

Desse modo, no Império, coronel era título concedido pela Guarda Nacional às pessoas de elite capazes de arregimentar homens para defender a ordem e o governo em caso de revoltas internas ou guerras. Com o tempo, o termo passou a designar o chefe político local, homem de posses, geralmente proprietário de terras ou comerciante. Seus métodos não eram exatamente um modelo de democracia, pois, freqüentemente, lançava mão de jagunços armados para subjugar seus adversários (FERNANDES, 2006, p. 22).

Relembra-se aqui que a Guarda Nacional foi criada a 18 de agosto de 1831 e que os

chefes locais, geralmente donos de terras, ocupavam os postos mais elevados, havendo, em

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ordem hierárquica de poder, os postos de coronéis, majores e capitães. Com o fim da

Monarquia, a Guarda Nacional foi extinta, contudo, continuou a existir a denominação de

coronel, a qual deu origem ao termo Coronelismo.

O Coronelismo é um dos assuntos mais debatidos dentro da análise da política

brasileira, tanto por sua importância quanto por sua complexidade. Para Carvalho (1998), o

Coronelismo era um sistema político onde estavam envolvidos o poder municipal, estadual e

federal:

Nessa concepção, o coronelismo é um sistema político, uma complexa rede de relações que vai desde o coronel até o presidente da República, envolvendo compromissos recíprocos. [...] O coronelismo é fruto da alteração na relação de forças entre os proprietários rurais e o governo, e significava o fortalecimento do poder do Estado antes que o predomínio do coronel. O momento histórico em que se deu essa transformação foi a Primeira República, que durou de 1889 até 1930 (CARVALHO, 1998, p. 131,132).

Segundo Carvalho, o Coronelismo teve sua ascensão, auge e queda na Primeira

República, não existindo nem antes, nem depois deste período. O citado autor defende que o

Coronelismo foi um sistema político de alcance nacional, onde estavam inseridos o coronel,

em âmbito municipal, os governadores estaduais e o Presidente da República, mantendo um

ciclo de acordos políticos de ajuda mútua para perpetuar-se no poder.

A respeito desta visão sistêmica do Coronelismo, Leal, outro autor que se dedicou ao

estudo do Coronelismo, verificou que o coronel entrou na análise por fazer parte do sistema,

porém, a fonte de preocupação maior devia ser o próprio sistema, a estrutura e a maneira pelas

quais as relações de poder se desenvolviam na Primeira República, a partir do município

(LEAL, 1980, p. 13).

Em suma, o Coronelismo era um sistema de relações baseado em interesses políticos e

econômicos que resultavam em barganhas estabelecidas entre os governos e os coronéis. O

sistema era formado de uma maneira bastante equilibrada, da seguinte maneira:

O governo estadual garante, para baixo, o poder do coronel sobre seus dependentes e seus rivais, sobretudo cedendo-lhe o controle dos cargos públicos, desde o delegado de polícia até a professora primária. O coronel hipoteca seu apoio ao Governo, sobretudo na forma de votos. Para cima, os governadores dão seu apoio ao presidente da República em troca de reconhecimento por parte deste de seu domínio no Estado. O Coronelismo é fase do processo mais longo de relacionamento entre os fazendeiros e o governo. O coronelismo não existiu antes dessa fase e não existe depois dela (CARVALHO, 1998, p. 132).

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Sabe-se que para alguns autores, o Coronelismo no Brasil teve suas raízes no século

XVI nos engenhos de cana-de-açúcar e nas fazendas de gado, tendo maior poderio durante a

Primeira República, porém, persistindo com novas roupagens em períodos posteriores. Não

obstante, Carvalho interpreta que o que existiu antes e depois da Primeira República e que

muitos identificam como práticas coronelistas foram o Mandonismo e o Clientelismo.

Segundo Carvalho, o mandonismo

Refere-se à existência local de estruturas oligárquicas e personalizadas de poder. O mandão, o potentado, o chefe, ou mesmo o coronel como indivíduo, é aquele que, em função do controle de algum recurso estratégico, em geral a posse da terra, exerce sobre a população um domínio pessoal e arbitrário que a impede de ter livre acesso ao mercado e à sociedade política. O mandonismo não é um sistema, é uma característica da política tradicional (CARVALHO, 1998, p. 133)

Sendo assim, Carvalho demonstra que este domínio político exercido por uma pessoa

em uma determinada localidade existe desde o início da colonização e sobrevive ainda hoje

em regiões isoladas. É um termo antagônico à cidadania, visto que desrespeita os direitos

básicos do cidadão, logo, a tendência é que desapareça completamente à medida que os

direitos civis e políticos alcancem toda a sociedade. A história do mandonismo confunde-se

com a história da formação da cidadania, desaparecendo uma, ao ser expulsa pela outra

(CARVALHO, 1998, p. 133).

Por último, tem-se o Clientelismo, denominação que carrega um dos acontecimentos

mais marcantes da história política brasileira. O conceito de Clientelismo vem sendo debatido

por diversos autores, para esclarecer uma prática política que segundo Carvalho:

[...] indica um tipo de relação entre autores políticos que envolve concessão de benefícios públicos, na forma de empregos, vantagens fiscais, isenções, em troca de apoio político, sobretudo na forma de voto [...] Seu conteúdo também varia ao longo do tempo, de acordo com os recursos controlados pelos atores políticos, em nosso caso pelos mandões e pelo governo (CARVALHO, 1998, p. 134).

Dessa maneira, o termo Clientelismo está diretamente relacionado com a troca de

favores pessoais. No que toca a estes favores, Leal cita, em nota de rodapé no livro

“Coronelismo, Enxada e Voto” alguns exemplos:

Contratar advogados; influenciar jurados; estimular e preparar testemunhas; providenciar médico ou hospitalização nas situações mais urgentes; arranjar

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emprego; emprestar dinheiro; avaliar títulos; obter crédito em casas comerciais; ceder animais para viagens; conseguir passes na estrada de ferro; dar pousada e refeição; impedir que a polícia tome as armas de seus protegidos, ou lograr que as restitua; batizar filho ou apadrinhar casamento; redigir cartas, recibos e contratos, ou mandar que o filho, o caixeiro, o guarda-livros, o administrador ou o advogado o façam; receber correspondência; colaborar na legalização de terras; compor desavenças; forçar casamento em casos de descaminho de menores. (LEAL, 1976, p. 38).

É importante frisar que o Mandonismo e o Clientelismo perpassam toda a história

política do país, cada um com sua trajetória. José Murilo de Carvalho, autor aqui consultado,

chama a atenção para o relacionamento entre Coronelismo, Clientelismo e Mandonismo,

buscando a distinção e o significado de cada um no cenário político brasileiro, objetivando

evitar confusões conceituais. Portanto, na visão de Carvalho, o Mandonismo e o Clientelismo

sempre existiram e foram uma característica forte do Coronelismo em seu período de

vigência. Por último, afirma Carvalho:

Os autores que vêem coronelismo no meio urbano e em fases recentes da história do País estão falando simplesmente de clientelismo. As relações clientelistas, nesse caso, dispensam a presença do coronel, pois ela se dá entre o governo, ou políticos, e setores pobres da população. Deputados trocam votos por empregos e serviços públicos que conseguem graças à sua capacidade de influir sobre o Poder Executivo. Nesse sentido, é possível mesmo dizer que o clientelismo se ampliou com o fim do coronelismo e que ele aumentou com o decréscimo do mandonismo. À medida que os chefes políticos locais perdem a capacidade de controlar os votos da população, eles deixam de ser parceiros interessantes para o governo, que passa a tratar com os eleitoreiros, transferindo para estes a relação clientelista (CARVALHO, 1998, p. 135)

As práticas clientelistas e mandonistas se manifestaram em Coremas através da

hegemonia política de proprietários agropecuaristas locais, que também eram comerciantes do

que produziam. Estes chefes locais eram os aspiradores aos cargos administrativos do novo

município e cidade a serem criados. Em suas ações políticas, os agropecuaristas locais se

afiliavam aos partidos políticos existentes na época, possibilitando assim as barganhas e

acordos com o governo estadual e federal.

Sabe-se que em meados do século XX havia no Brasil apenas três partidos: UDN, PSD

e PTB. Nos anos de 1940 e 1950, dois partidos políticos dividiam os respectivos grupos em

Coremas, a UDN e o PSD e disputavam o poder administrativo do futuro município e cidade.

De acordo com Silva (1996), os partidários da UDN lutaram pela emancipação com

entusiasmo e sonho, enquanto que o grupo do PSD obteve a vitória perante a luta. Quem

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liderou diretamente o processo de emancipação foi o Senhor Francisco Silva, cotado para ser

o primeiro prefeito, representando a UDN. Porém, um dos fatores que impediu que o líder da

emancipação de Coremas se tornasse prefeito interino foi a mudança no comando político

estadual, com o PSD tomando o poder. Desse modo, o primeiro prefeito do Município de

Coremas foi o Senhor Renato Ramalho, partidário do PSD e o agropecuarista mais abastado

da localidade. Relatando o poderio local no Sertão nordestino, observa Gurjão:

Esse esquema de dominação beneficiou grupos familiares, oligarquias, que disputavam entre si o controle da política dos municípios, destacando-se comumente uma delas que monopolizava o poder de empreguismo e os cargos burocráticos. A conquista da administração dos municípios correspondia ao apogeu do poderio da oligarquia mais prestigiada localmente. O poder executivo municipal era constituído por nomeação do governador do Estado, assim, a oligarquia dirigente do município ficava atrelada ao compromisso de apoio incondicional ao executivo estadual e este, em contrapartida, dava-lhe plena liberdade de atuação (GURJÃO, 1999, p. 56).

Sabe-se que as práticas clientelistas é uma das principais características da política

exercida nos municípios e cidades nordestinas desde suas origens, logo, a troca de favores

com o uso dos bens tanto particulares como públicos, inclusive os empregos, e a negociação

do voto, mantiveram-se ao longo do tempo. Analisando o Nordeste brasileiro, assegura

Blodel:

O nordeste, ao contrário, é o Brasil antigo, o da primeira imigração, dos séculos XVI e XVII. [...]. O regime tradicional em que se exercia e se exerce ainda largamente autoridade da vida política é dos coronéis. No campo por muito tempo, o agricultor foi mantido à parte dos problemas gerais, em virtude das dificuldades de comunicação que se opunham ao desenvolvimento do sentimento nacional. O seu voto não tinha significação política e as ideologias não chegavam até ele. Contentava-se em manifestar sua simpatia por aquele que, na localidade, era o chefe, em que fosse o proprietário da sua terra, que fosse simplesmente aquele que, em virtude de sua cultura ou riqueza, o auxiliava e protegia (BLODEL, 1994, p. 12, 13).

O mandonismo igualmente era uma prática comum e enraizada na política local. Era a

valorização da idéia de mando por parte das famílias mais abastadas e com ausência de

cidadania, onde o poder político e econômico significava o poder sobre os cargos públicos, o

poder sobre o delegado e a polícia, sobre o juiz municipal, etc. Na cidade de Coremas, esta

realidade é expressa no discurso da Senhora Josefa Maria de Albuquerque, conhecida por

Dona Zefinha:

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E também não tinha autoridade, não tinha justiça, policial, essas coisas não tinham não. Quem mandava era o prefeito. Nesse tempo, se prendesse uma pessoa do prefeito, ele ia lá e botava todo mundo pra fora. Era assim. No tempo de Antônio Lopes, que era uma pessoa muito boa, quem era preso era só dizer “vai Antônio Lopes!” e ele mandava soltar (DONA ZEFINHA, 2007).

Dentro destas práticas de mandonismo era corriqueiro também o uso da violência. Na

localidade aqui estudada, tem-se notícia de inúmeros tipos de violências praticadas pelos

potentados locais. Porém, o fato mais marcante e que até hoje permeia o imaginário dos

habitantes de Coremas, foi o assassinato do Senhor Francisco Gregório de Andrade, líder da

UDN na década de 1940, partido que, como já foi explicitado, liderava o movimento de

emancipação. Seu assassinato, ocorrido em 1951, teve forte repercussão local, tanto por conta

de sua popularidade e simpatia, quanto por ter sido suspeitamente encabeçada por mandantes.

O Senhor Francisco Gregório era pequeno pecuarista e comerciante de algodão, com

relações comerciais nas cidades vizinhas. Na década de 1940, despontou no cenário político

local com poder de liderança. De acordo com Silva, o Senhor Francisco Gregório possuía

simpatia da população e contato com o governo federal: “era um ‘matuto’ que tinha alguma

influência junto às autoridades do Governo Federal (Rio de Janeiro – Capital do país na

época). Como político era muito eloqüente, bastante carismático, sujeito simples e amigo”

(SILVA, 1996, p. 34).

Esse acontecimento está explicitado no Livro de Tombo, pois o mencionado crime

fora cometido durante a Festa da Padroeira: “ Na 4° noite do novenário deu-se o assassinato

do Sr. Francisco Gregório, comerciante de projeção social em Coremas, e por isso ficou

desarticulada toda a festa restante [...]” ( LIVRO DE TOMBO, 1951, p. 21). Com respeito à

morte do Senhor Francisco Gregório, os entrevistados descrevem o sentimento de tristeza e

espanto de todos, assim como a admiração pelo caráter e ação do mesmo, não enveredando

em maiores detalhes. A Senhora Margarida ofereceu-se para narrar a morte do Senhor

Francisco Gregório, em dias antes da Festa da Padroeira Santa Rita de Cássia, um fato que

entristeceu, revoltou e calou toda uma população. Em sua fala, ela rememorou o sentimento

de tristeza, o desespero da esposa recém-viúva e o luto da cidade, com a alegria da Festa da

Padroeira interrompida. Como era comum no Sertão nordestino, este crime não foi submetido

ao processo judiciário e os autores do crime não foram desvendados legalmente.

Em verdade, as razões políticas que conduziram à criação do município de Coremas

não aparecem nas narrativas dos entrevistados. O que vem em suas memórias é o movimento

provocado pela coleta de assinaturas e a nomeação do primeiro prefeito, assim como a festa

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de comemoração. A cena que aparece na memória de Dona Adevanir, na época com 18 anos

de idade, é a festa de comemoração:

Vinham as mulheres de São Gonçalo pra fazer a comida, na casa de Renato Ramalho. Veio o pessoal de Piancó, a festa foi de cinco horas da tarde e o baile foi até no grupo Cônego Bernardo... Veio Doutor Firmino, veio doutor Babá, doutor Montenegro, teve muita gente, foi uma festona (DONA ADEVANI, 2007).

Portanto, as relações clientelistas e mandonistas que faziam parte da vida política do

Nordeste em meados do século XX tiveram sua participação na criação de muitas cidades e

municípios. A cidade de Coremas, como já foi discutido, teve sua existência ligada à

construção dos açudes Curema e Mãe D’Água, por proporcionar-lhe o crescimento

populacional e trazer alguns elementos modernos, no entanto, a ação política e reivindicatória

se deu através do poder local, refletindo as práticas políticas aqui mencionadas.

2.2.4 Anotações Conclusivas Sobre a Criação da Cidade de Coremas

A investigação feita para analisar a criação da cidade de Coremas, conforme já foi

supracitado, baseia-se em fontes documentais, bibliográficas e orais. Com efeito, os idosos

que guardam em suas memórias o passado da cidade de Coremas, quando ainda era povoado

ou vila, partilham de uma memória do lugar, que os liga à construção do açude, à presença da

capela, aos rituais católicos e à influência política e econômica dos agropecuaristas e

comerciantes locais.

Na divisão administrativa do Brasil de 1911 aparece pela primeira vez o Distrito de

Curema, cuja sede distrital era o povoado do Boqueirão do Curema, sendo um território

pertencente à Piancó. Conforme já foi mencionado, o povoado tornou-se vila em 1938. O

distrito e vila de Curema tiveram seu desmembramento do território de Piancó em 1954, após

aprovação da Lei Estadual n° 1.005, publicada no Diário Oficial do Estado da Paraíba e no

jornal A União. A data oficial de criação do município e cidade de Coremas é 04 de abril de

1954, com a posse do prefeito interino, o Senhor Renato Ramalho.

A citada Lei Estadual, de n° 1005, foi resultado do Projeto de Lei n° 86/53, feito pelo

deputado estadual Djacyr Cavalcanti de Arruda. Este projeto demarca o limite do território, a

nomeação do primeiro prefeito pelo governo estadual, até a data das primeiras eleições para

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prefeito e vereadores e a criação da comarca. Assim diz o artigo 9° desse projeto: “Esta lei

entrará em vigôr a partir de 04 de abril de 1954, quando terá lugar a instalação do novo

Município de Coremas, da Comarca, Comissariado e Cartórios” (ARTIGO 9° PROJETO DE

LEI n° 86/53, 14 de agosto de 1953).

As fontes documentais, bibliográficas e orais são unânimes em ressaltar a construção

do açude e do Acampamento dos operários como fatores determinantes para a formação da

cidade de Coremas. No dicionário Corográfico do Estado da Paraíba, de Coriolano de

Medeiros, está escrito sobre a vila de Curema: “Atualmente é próspera e de população

avultada, graças à barragem que aí se faz” (MEDEIROS, 1950, p. 87). No Livro de Tombo da

Paróquia de Santa Rita de Cássia, está registrado que as necessidades espirituais dos devotos

da Capela de Santa Rita de Cássia haviam aumentado devido ao crescimento populacional

acarretado pela construção do Açude Curema, fato que conduziu à chegada do Pedro Luz

Cunha12 para residir na vila de Curema. Assim, o crescimento da população da vila de

Curema foi “motivado pelo agrupamento de operários que sob a direção da I.F.O.C.S.,

levaram a efeito a construção da grande barragem que aqui se vê” [...] (LIVRO DE TOMBO,

1941, p. 01). Essa mesma afirmativa é corroborada por Cunha (1948) e Silva (1996).

Igualmente, através dos relatos orais, foi possível resgatar este acontecimento. Dona

Adevanir, que acompanhou de perto a luta pela emancipação política da vila, relata que a

construção do açude contribuiu, uma vez que provocou o aumento da população e melhorou o

comércio local. De acordo com as palavras do Senhor Zé Caboclo, a construção do açude

Contribuiu porque veio muita gente de fora morar em Coremas. Foi depois da construção do açude que surgiu o bairro do Cureminha. O bairro do Pombalzinho foi formado por pessoas do sítio que foi construindo casas para alugar para morar gente da construção do açude ou que vinha trabalhar em Coremas. Foi morar muita gente aqui e da barra no pombalzinho. Muita gente do sítio tinha casa, mas só ia pra lá em épocas de festas, ou então alugava. Se não fosse o açude, Coremas era um povoadozinho (ZÉ CABOCLO, 2008).

Portanto, todos os entrevistados foram unânimes em relação a este fato. Todavia, a

criação da cidade de Coremas, dentro dos trâmites legais exigidos, foi levada a cabo pelos

políticos locais, movidos por interesses econômicos e políticos, fato corriqueiro na criação das

pequenas cidades do Sertão nordestino.

12 O Padre Pedro Luz Cunha foi o primeiro cura a residir em Coremas, a partir de sua posse no dia 02 de Março de 1941. O mencionado padre, conforme está escrito no Livro de Tombo, veio residir na vila de Curema devido às necessidades locais, impossibilitadas de serem atendidas diretamente pelo vigário da Paróquia de Piancó, visto que havia uma grande extensão territorial sob responsabilidade desta.

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Em alguns documentos, como a carta de abaixo-assinado de 1953, pode-se analisar

como se deu esse processo. Na criação da cidade de Coremas, os políticos locais se utilizaram

dos benefícios trazidos pela construção dos açudes, como o aumento populacional e a

existência e modernidade do Acampamento do DNOCS, para alegarem o mérito da vila, para

tornar-se cidade. Na citada carta, estão citados, várias vezes, os melhoramentos trazidos pelo

DNOCS como sendo recorrente da vida social da vila de Curema, ou seja, como sendo fruto

de um crescimento econômico da vila nos últimos tempos, dando a mesma o direito e honra

de elevar-se à cidade, conforme exigia a Lei Orgânica dos Municípios, do ano de 1949, mais

especificamente os artigos 4° e 12°.

Efetivamente, já estava sendo processado, no imaginário de todos os habitantes, o

sentimento de posse sobre os elementos modernos trazidos pelo DNOCS. O Acampamento do

DNOCS é citado como um espaço urbano integrado à vila de Curema. O discurso começa

com a citação de “dois grandes e modernos grupos escolares”. Um deles era a Escola Estadual

de Primeiro Grau Cônego Bernardo, construída pelo governo do Estado no ano de 1949.

Porém, o outro é a Escola Arrojado Lisboa, construída no Acampamento do DNOCS com a

intenção de educar os filhos dos funcionários deste órgão. Continuando, relata a carta:

Edifício de vulto, a Vila apresenta além dos dois grupos citados, um cinema próprio e um moderno e bem instalado hospital, consultório e gabinete dentário, perfeitamente aparelhados para cuidar da saúde do povo, com automóvel de pronto socorro, sob a direção de médicos e dentistas diplomados, servidos ainda por hábeis enfermeiros. Não é só. No setor da saúde, dispõe, ainda, de uma maternidade com moderna instalação em perfeito e regular funcionamento (CARTA DE ABAIXO-ASSINADO, 1953)

Todos esses elementos faziam parte do Acampamento do DNOCS. Outros exemplos

ainda são citados na mencionada carta. E são esses melhoramentos que põem a vila de

Curema dentro dos requisitos exigidos por lei para elevar-se à cidade. Portanto, a cidade de

Coremas surgiu com a contribuição desses melhoramentos trazidos pelo DNOCS.

A localização da nova cidade estava entre as tradicionais cidades do Sertão paraibano,

como Pombal ao Norte e Piancó ao Sul. Um pouco mais distante havia ainda as cidades de

Sousa e Patos. Essa localização marcou certo marasmo na economia, não só da cidade de

Coremas, como também de outras pequenas cidades e vilas circunvizinhas. Isso contribuiu

para o crescimento relativamente lento da cidade, apresentando desde o início uma relação de

dependência comercial e de serviços com as cidades de Patos e Sousa.

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CAPÍTULO III

A PEQUENA CIDADE DE COREMAS: AS

TRANSFORMAÇÕES ESPACIAIS

3.1 MORFOLOGIA URBANA: TRAÇADO INICIAL DA CIDADE DE

COREMAS

O presente sub-capítulo tem a intenção de refletir sobre a morfologia urbana,

especificamente ao nível do desenho urbano, tomando o caso do povoado do Boqueirão do

Curema como amostra principal. Os resquícios, sejam documentais ou bibliográficos, que

tratam da origem do povoado do Boqueirão do Curema, com a capela, as primeiras ruas e o

cemitério do Campo Santo, são escassos. Possivelmente os documentos, que hoje teriam valor

histórico, foram perdidos nos meandros do tempo. Porém, alguns registros bibliográficos que

tratam do traçado inicial dos povoados e vilas possibilitam o embasamento. Ainda nesta

senda, não se pode esquecer que a grande maioria desses povoados e vilas, que hoje são

cidades pequenas, conserva em sua forma urbana atual o traçado de sua origem.

Quando se fala em morfologia urbana, vem-se em mente elementos como o desenho

urbano, a forma das construções, os planos municipais, a legislação em termos de

planejamento urbano, etc. Assim, para estudar a morfologia urbana, é importante levar em

conta que “los aspectos fundamentales del estudio geográfico de la morfologia han sido el

plano, los edificios, los usos del suelo e el estudio morfológico integrado de áreas concretas

de la ciudad” (CAPEL, 2002, p. 22).

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No princípio do Período Colonial, quando povoados, vilas e cidades começavam a

despontar no Brasil, as ruas eram predominantemente sinuosas e o desenho urbano era

simples. As atividades econômicas e a vida social nesses núcleos tinham pouca expressão,

visto que a dinâmica maior estava centrada no meio rural. Por conseguinte, como reflexo da

sociedade, o desenho urbano surgiu e cresceu com características simples e quase perdido no

meio rural circundante. Esta discussão faz ainda lembrar as palavras de Capel:

El análisis integrado de áreas concretas de la ciudad permite asimismo al geógrafo considerar, como en el estúdio regional, la morfologia urbana en tanto que reflejo de combinaciones complejas: evolución histórica, funciones econômicas, recursos de los habitantes, tradiciones culturales, etc. ( CAPEL, 2002, p. 23).

No território brasileiro, algumas cidades surgiram por ordem direta do reino

português, enquanto que outras surgiram espontaneamente ou planejadas pelos governos

locais. Quanto ao plano de urbanização, não havia um válido para todos os povoados, o que

havia eram as Ordenações do Reino.

Sabe-se que ao analisar as cidades latino-americanas dos países de colonização

portuguesa e espanhola, há uma discussão sobre a diferenciação dos modos de fazer cidade.

Na primeira, as cidades apresentavam obediência ao relevo e desobediência a um plano

preestabelecido e na segunda as cidades eram planejadas. Todavia, aponta Vasconcelos:

De fato, a situação não é tão simples, e cidades reais, como Salvador, assim como as cidades construídas no período pombalino, mostram uma concepção planejada, e mesmo um traçado em quadrícula. A noção de plano, portanto, mantém seu interesse no período (VASCONCELOS, 2001, p. 28).

Igualmente, Teixeira demonstra que o urbanismo português, ou seja, aquele que

também foi implantado em terras brasileiras, foi marcado por duas vertentes, que ele chama

de vernácula e erudita:

Uma das principais características das cidades portuguesas é serem o resultado da articulação de duas componentes distintas: por um lado uma componente erudita, por outro lado uma componente vernácula. A componente erudita tem a ver com os princípios de ordem e de regularidade que em todas as épocas se encontram nas cidades portuguesas, expressando-se muitas vezes através de malhas ortogonais. A componente vernácula, por sua vez, tem a ver com a capacidade de o urbanismo português entender o território em que se implanta e de se moldar a ele. Ainda que partindo de um plano, ou de uma idéia de plano, a cidade de origem portuguesa é sempre projectada com sítio, atendendo de perto às suas características físicas (TEIXEIRA, 2004, p. 23).

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Evidentemente, com o passar do tempo, chegando ao século XVIII, essa tradição

urbana sofreu alterações, com uma maior importância dada à regularidade dos traçados

urbanos, especialmente através das reformas pombalinas. Porém, permaneceu a coexistência

da vertente vernácula com a erudita.

No Sertão da Paraíba e do Nordeste, as cidades passaram a ser mais planejadas após as

intervenções urbanísticas de influencia pombalina. Todavia, não era um processo que se dava

com a mesma intensidade em todos os lugares e, dessa maneira, no século XIX, ainda surgiam

povoados com características do urbanismo colonial português.

Para se estudar o desenho urbano das cidades brasileiras, é preciso considerar a

importância do sítio e, por fim, levar em conta uma lógica pré-estabelecida. Neste contexto,

ressalta-se aqui a importância do sítio para o estudo da morfologia urbana, sobretudo se o

foco principal de atenção é o desenho urbano.

Sabe-se que o sítio é considerado nos estudos da Geografia Urbana desde os tempos da

Geografia Clássica, sobretudo através dos estudos de Ratzel. Sobre este conceito,

Vasconcelos diz que “no caso das cidades do passado escravista, o exame dos sítios urbanos é

importante, uma vez que ele era levado em conta para a escolha do local de implantação da

cidade, como nos casos dos sítios em acrópoles (Salvador e Rio de Janeiro) ou de sítios

planos (Recife)” (VASCONCELOS, 2001, p. 26).

Por seu turno, a situação, igualmente um conceito presente na Geografia Tradicional

desde Ratzel, foi considerada por Vasconcelos, quando este aponta em um subtítulo os termos

situação, posição e localização:

[...] são de caráter regional, na medida em que trabalham a localização precisa da cidade em relação a outros pontos. A localização da cidade era importante, por vários motivos, inclusive do ponto de vista das correntes marítimas, num período de dependência da navegação a vela (VASCONCELOS, 2001, p. 25, 26).

O desenho urbano dos povoados do interior do Nordeste caracterizava-se

primeiramente pela simplicidade, sendo que a tipologia aqui analisada tinha como ponto de

partida uma capela, edificada em um local mais elevado, sem esquecer-se da presença do rio,

principal elemento na escolha do sítio. Ao mesmo tempo, não eram povoados estabelecidos na

ausência de qualquer lógica em seu desenho. Esta lógica em seu plano denota uma herança

colonial da tradição urbana portuguesa, possuindo pouca obediência ao relevo, porém com um

plano inicial que se repetiu em muitos povoados e vilas.

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Assim, no Sertão nordestino, este traçado perdurou no decorrer dos séculos,

assemelhando muitos povoados e vilas no que toca à configuração inicial. Nestes povoados e

vilas, nota-se, pela conformação e localização da capela, do adro que se configurou

subseqüentemente e da disposição das ruas, a obediência a certo modo de fazer cidade,

herança dos portugueses. Esta realidade corresponde ao que Teixeira afirmou ser uma mescla

de uma constituição do espaço citadino em obediência às condições geomorfológicas com um

plano de construção preestabelecido.

Vale salientar que, em muitos aglomerados urbanos, primeiro existiu o largo, para

depois construir-se sobre este uma praça:

Um dos processos habituais era através de um acumular de intervenções graduais realizadas ao longo do tempo. É dessa forma que muitos terreiros medievais se estruturam progressivamente como praças urbanas, à medida que a cidade se ia expandindo e ultrapassando os seus antigos limites (TEIXEIRA, 2004, p. 27).

Para além de sua determinação na morfologia urbana, a praça vai influenciar toda a

cidade pelas “funções religiosas, funções de mercado, funções políticas e administrativas,

funções militares” (TEIXEIRA, 2004, p. 27).

O povoado aqui em tela surgiu às margens do Rio Piancó, com a presença central da

capela, construída em terreno relativamente elevado, poucas ruas traçadas e edificações

modestas e esparsas. Percebe-se uma adequação às condições topográficas da área e uma

irregularidade geométrica das ruas. Assim, a capela e largo, e posteriormente a praça13, vão

determinar a morfologia urbana e, concomitantemente, vão demandar os eventos religiosos e

sociais.

A configuração do povoado do Boqueirão do Curema expressa, através da obediência

ao relevo e da semelhança com o plano de outros povoados do Sertão nordestino, a vertente

vernácula e erudita explicada por Teixeira. Em suma, o traçado do povoado do Boqueirão do

Curema é uma amostra de uma morfologia de povoados e vilas configuradas no século XIX e

que expressa uma tradição portuguesa de fazer povoados em terras brasileiras desde o início

da colonização.

Elencando rapidamente, as semelhanças nesses traçados eram a escolha do sítio às

margens de um rio; a construção da capela, que se estrutura como o núcleo inicial de

povoamento, a formação de um adro em frente da mesma e a configuração dos primeiros

13 As praças foram construídas posteriormente a década de 1960, portanto, fora do marco temporal deste trabalho

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arruamentos, com o traçado delineado em função da capela e do rio. A Figura 10 apresenta

em destaque o traçado inicial da cidade de Coremas:

Figura 10: Traçado da vila de Curema. Fonte: Mapa feito sobre base cartográfica levantada pelo IBGE, 2006. Elaboração: Maria Simone Morais, 2008.

Enquanto que na Figura 11, uma imagem atual da cidade de Coremas, dar para

visualizar o antigo traçado do Boqueirão do Curema, com a forma sua morfologia conservada:

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IGREJA

Figura 11: Vista aérea do núcleo central da cidade de Coremas. Fonte: Prefeitura Municipal de Coremas, 2004.

Observando a planta da atual cidade de Coremas e também sua paisagem, conclui-se

que não há uma área da cidade que se possa chamar de histórica, tal qual acontece com

cidades maiores. Todavia, o que se pode encontrar de histórico, além de algumas edificações,

é o desenho inicial da cidade, que testemunha a forma de construir as cidades sertanejas de

tempos passados, cujo traçado permanece até os dias de hoje. A imagem mostra a morfologia

inicial, com a linearidade conservada, ao mesmo tempo em que demonstra as transformações

da paisagem, expressas através do aumento do número de ruas, apontando as várias

dimensões do “urbano” que se constitui. Nesta morfologia estão as primeiras e principais ruas

da cidade de Coremas.

Para aclarar o que vem sendo explicado, a seguir são expostos alguns exemplos de

plantas de antigos povoados do Sertão da Paraíba. São plantas dos antigos povoados que

formaram respectivamente as cidades de Pombal, Catingueira e S. João da Parnaíba, nas quais

podem ser vistas a semelhança dos seus traçados iniciais.

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Figura 12: Traçado da cidade de Pombal, Paraíba. Fonte: Mapa feito sobre base da planta de delimitação do Centro Histórico de Pombal, levantada pelo IPHAEP. Elaboração: Maria Simone Morais, 2008.

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Figura 13: Traçado da cidade de Catingueira, Paraíba. Fonte: Mapa feito sobre base cartográfica levantada pelo IBGE. Elaboração, Maria Simone Morais, 2008.

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Figura 14: Mapa Exacto da Villa de S. João da Parnaíba,

Piauí, 1798. Fonte: REIS FILHO, 2001, p. 63.

Portanto, percebe-se uma semelhança na escolha do sítio e na configuração do traçado

entre vários povoados. Porém, em alguns povoados e vilas, devido às condições do sítio

serem muito particulares, alguns pontos se diferenciam, como, por exemplo, pode-se ver no

traçado da cidade de Aguiar, na Figura 15. Neste, nota-se a proximidade do rio e a capela com

o largo na parte central, porém, não aparece o eixo estrutural, devido às condições

geomorfológicas do local em que foi assentado o povoado. O que demonstra que os povoados

surgem dentro de certa lógica, mas também na dependência de particularidades do sítio onde

se estabelecem.

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Figura 15: Traçado da cidade de Aguiar, Paraíba. Fonte: Mapa feito sobre base cartográfica levantada pelo IBGE. Elaboração: Maria Simone

Morais Soares, 2008.

Teixeira (2004), ao discutir a morfologia urbana no Brasil, aponta exemplos de

cidades como Salvador, Rio de Janeiro ou as cidades do ciclo de ouro das Minas Gerais.

Porém, em outro contexto econômico-social, pode ocorrer a construção de uma cidade

seguindo uma lógica de plano idealizado e uma adaptação ao relevo. O desalinho de ruas

ocorre também por conta da falta de Códigos de Posturas. Por seu turno, Azevedo escreve

sobre o plano urbano dos aglomerados coloniais, caracterizando o tipo de plano urbano:

Tudo parece indicar que os aglomerados “criados”, que resultaram de um propósito deliberado das autoridades coloniais obedeciam, em suas origens, a um plano regular e geométrico, se bem que adaptado às características topográficas. Sem demora, porém, deixava-se de lado essa preocupação urbanística e a expansão passava a se realizar de maneira espontânea, sem obedecer a nenhuma diretriz, daí resultando a irregularidade no traçado das ruas, tortuosas quase sempre (AZEVEDO, 1956, p. 61).

Portanto, a estrutura espacial do povoado do Boqueirão do Curema se dar inicialmente

seguindo determinada lógica, ditada pela tradição portuguesa e obedecendo ao relevo local. E

foi a capela, edificada às margens do Rio Piancó, o núcleo original, a partir do qual outras

edificações e espaços surgiriam, dando início ao pequeno povoado. Posteriormente, as novas

ruas que surgiam, apresentavam uma maior espontaneidade e desalinho, por conta da ausência

de Códigos de Posturas Municipais.

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3.2 AS PRINCIPAIS RUAS

Para se estudar as cidades, as ruas são um elemento urbano de singular importância.

Elas

[...] servem para ligar os diversos pontos de interesse particular ou semipúblico, conformando uma rede de canais livres e de propriedade coletiva. Se não existissem, não haveria troca de espécie alguma, pois servem de suporte ao deslocamento de pessoas, veículos, mercadorias, informações. Mas não é só isso; territórios de ninguém e de todo mundo, são o palco onde se desenvolvem os dramas e representações da sociedade [...] (SANTOS, 1988, p. 91).

No espaço urbano, a rua é o lugar de realização de um espaço-tempo determinado,

“onde se materializam as transformações na trama física e na paisagem da cidade e ainda é o

lugar de manifestações das relações sociais, das diferenças e das normatizações do cotidiano

em momentos históricos diversos” (MAIA, 2000, p. 4). Dessa forma, a rua é simultaneamente

palco e espetáculo do espaço urbano, quer seja um caminho estreito e tortuoso ou uma

avenida reta e larga. Portanto, a rua é um dos principais locus do espaço urbano, ao mesmo

tempo em que é o seu resultado. Nas palavras de Carlos:

As ruas podem ser um elemento importante a partir do qual se pode pensar o lugar da experiência, da rotina, dos confrontos, conflitos e dissonâncias. No panorama das ruas lê-se a vida cotidiana - seu ritmo, suas contradições, sentimentos de estranhamento como formas de alienação, formas como se trocam mercadorias, modo como a solidão desponta, a arte da sobrevivência, suas delimitações (CARLOS, 2001, p. 36).

As ruas principais da cidade de Coremas são aquelas que foram configuradas no

povoado do Boqueirão do Curema, sendo a Rua da Igreja (atuais ruas Getúlio Vargas e

Manoel Cavalcante) e a Rua do Rio (hoje Rua Capitão Antônio Leite), conforme podem ser

localizadas na Figura 16. Nas escrituras de imóveis do Cartório Lucas de Lacerda, encontram-

se edificações e terrenos localizados em ruas do povoado, a partir do ano de 1922, data da

escritura mais antiga ainda existente. Assim, a mais antiga escritura registra a presença de

uma casa na chamada Rua da Igreja, no ano de 1922. Esta é citada oito vezes na lista dessas

escrituras, relembrando que a pesquisa recobriu o período até o ano de 1939. Neste tempo, a

Rua da Igreja podia ser tanto a atual Rua Getúlio Vargas, quanto a Manuel Cavalcante, ambas

surgidas a partir da capela, conforme pode ser observada na Figura 16.

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A Rua Getúlio Vargas14 é a que funciona até os dias atuais como entrada para a

cidade, para quem vem de Patos, João Pessoa, Campina Grande e Pombal (Figura 17). É uma

das ruas centrais e que se configurou a partir da capela de Santa Rita de Cássia. A outra rua

que se formou a partir da capela e que está parelela a Rua Getúlio Vargas é a Rua Manuel

Cavalcante (Figura 18). Conforme já foi salientado, são estas as antigas ruas da igreja.

Figura 17: Rua Getúlio Vargas. Antiga artéria que partia da lateral direita da Capela de Santa Rita de Cássia, chamada inicialmente de Rua da Igreja.

Figura 18: Rua Manuel Cavalcante. Antiga artéria que partia da lateral esquerda da Capela de Santa Rita de Cássia, também chamada inicialmente Rua da Igreja. Fonte: Trabalho de Campo. Fotografia: Rita de Cássia Gregório de Andrade, Maio de 2008. Fonte: Trabalho de Campo. Fotografia:

Rita de Cássia Gregório de Andrade, Maio de 2008.

A outra rua registrada é a chamada Rua do Rio, identificada em oito escrituras, sendo

a mais remota, datada de 1927. Esta artéria foi chamada posteriormente de Capitão Antônio

Leite, como pode ser visto na Figura 16. Esta rua igualmente mantém-se com as

características de alinhamento e largura originais (Figura 19).

14 As fotografias ora apresentadas são atuais, no entanto, o delineamento e a largura das ruas são da época do surgimento do povoado. O que está alterado nos tempos correntes é a maioria das edificações, sobretudo as fachadas.

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↓ Açude Coremas

Figura 19: Antiga Rua do Rio, atual Rua Capitão Antônio Leite. Ao fundo, pode ser vista a parede que barra as águas do Açude Coremas.

Fonte: Trabalho de Campo. Fotografia: Rita de Cássia Gregório de Andrade, Maio de 2008.

Estas foram as primeiras e principais ruas da Cidade de Coremas, formadoras do

antigo povoado do Boqueirão do Curema. A formação dessas vias se deu através do lento

preenchimento dos intervalos vazios entre uma casa e outra, com a construção de edificações

comerciais e residenciais, expressando a vida social nelas existente. O alinhamento dessas

ruas, conforme já foi discutido, foi determinado pela tradição, ou seja, a forma como eram

configurados inicialmente os povoados e vilas do interior do Nordeste brasileiro, percebendo-

se, nas três artérias expostas, certa lógica no seu desenho. Porém, as ruas que surgiram

posteriormente, devido à ausência de Códigos de Posturas, não obedeceram a um

ordenamento urbano, apresentando, muitas delas, tortuosidades.

Outra rua mencionada nas escrituras de imóveis do cartório Lucas de Lacerda é a

chamada Rua do Norte, citada seis vezes, a partir do ano de 1927. Somente esta rua não foi

encontrada em outro documento, ou na memória dos habitantes. Estas são as únicas ruas

registradas nas escrituras, até o ano de 1938. No ano de 1939, quando já era relativamente

abundante o número de escrituras na vila de Curema, é citada a compra-venda de uma casa na

chamada Rua dos Banheiros (Figura 16), uma pequena artéria que partia do fim da Rua do

Rio até o leito do Rio Piancó. Sobre esta rua, conta Dona Zefinha:

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A antiga Rua dos Banheiros, era toda feita de casa de taipa. A Rua dos Banheiros tinha uma ruinha de banheiro, a gente pagava dinheiro pra tomar um banho ali. Ninguém podia tomar banho porque era tudo aberto, as casas não tinham água encanada, o rio não tinha água, era bem pouquinho, aí depois que eles fizeram a turbina foi que o rio cresceu e ficou desse jeito, mas antes da turbina não tinha água”. (DONA ZEFINHA 2007).

Ainda no ano de 1939 é registrada a “rua que vai para a vila opérária”, o que

demonstra o aparecimento de novas ruas, sendo esta, a principal artéria que formará o Bairro

do Cureminha, portanto, uma rua que inicialmente foi um caminho de ligação. De acordo com

os registros orais, a Rua da Salgadeira, a atual Rua 04 de abril, também começava a se

esboçar na década de 1950, com poucas casas. Na época era chamada Rua da Salgadeira

porque era onde se localizava o açougue e salgavam carne. Em escritura de 1938, a mesma é

registrada com o nome Rua do Açougue.

As ruas que se formavam, para além do entorno da igreja, deram origem aos primeiros

bairros da cidade, tais como Pombalzinho, Cureminha e Boa Vista ou Galo Assado. Nesse

contexto, a igreja e as ruas ao seu derredor passaram a constituir o bairro do Centro. Nas

escrituras antigas encontradas no Cartório Lucas de Lacerda, o chamado Bairro do Cureminha

e Pombalzinho têm seus nomes presentes em escritura do ano de 1939. Segundo os

entrevistados, esses bairros, nos anos de 1950, eram formados por casas soltas e esparsas, a

maioria das quais, de taipa, em ruas que se delineavam. O maior aglomerado de casas estava

no núcleo inicial, hoje Centro e o Acampamento do DNOCS destacava-se como sendo o local

melhor estruturado e organizado, constituído por três ruas.

É importante salientar aqui as ruas que surgiram de caminhos de ligação. A maioria

dos bairros de Coremas teve como espaço principal uma rua de ligação, que se constituiu na

rua principal do dito bairro. O Bairro do Pombalzinho surgiu a partir de um caminho que

ligava o Centro ao cemitério. De igual maneira, o bairro do Cureminha originou-se a partir de

um caminho que dava acesso ao rio e ao Acampamento do DNOCS. O plano da cidade de

Coremas demonstra a tortuosidade das ruas-caminhos de ligação.

O surgimento de muitas ruas a partir de caminhos faz parte da tradição de muitas

cidades, como demonstram vários estudos. Capel, em seus escritos sobre a morfologia urbana,

considera que “con mucha frecuencia las calles iniciales de um poblamiento fueron los

caminos em relación con los cuales se constituyó el mismo” (CAPEL, 2002, p. 79). O citado

autor elenca várias ruas, em cidades européias e americanas, que se formaram após a

ocupação de antigos caminhos, geralmente que ligavam um ponto a outro. Explicando a

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origem das ruas de cidades medievais e renascentistas, assim como a conformação de seus

traçados, Capel afirma:

La disposición de las calles en relación con caminos antiguos, adaptados a la topografia, y con otras características naturales, como las ramblas, explica el trazado que generalmente poseen en los núcleos antiguos de crecimiento lento y “espontâneo”. La calle recta es um resultado de una ordenación consciente introducida por el hombre por razones de ordenación espacial urbana y que aparece ya desde las primeras culturas urbanas como forma de planeamiento (CAPEL, 2002, p. 80)

O Acampamento do DNOCS, cujo desenho feito apresentou três ruas, conserva-se na

paisagem atual, pois, muitas edificações permanecem com as características iniciais, apenas

com algumas reformas. Três ruas compuseram o acampamento do DNOCS: a Rua “U” ou

Rua dos Engenheiros; a Rua “R” ou Rua 16, por possuir 16 casas, na qual residiam os

funcionários da parte administrativa e a Rua “S” ou Rua Mecânica, composta pelas

residências dos funcionários de cargos mais “baixos”, os prédios das oficinas e as garagens.

Portanto, eram ruas que se distinguiam pelo status de quem as habitavam. As denominações

de ruas U, R e S é uma alusão que o engenheiro chefe da construção do açude fez a União das

Repúblicas Socialistas, visto que o mesmo se identificava como sendo comunista. Impossível

deixar de perceber a existência de três ruas que reverenciam o Sistema Socialista e que

separam os operários de acordo com a posição profissional e econômica. A Figura 20

corresponde à antiga Rua dos Engenheiros:

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Figura 20: Rua U ou Rua dos Engenheiros, Acampamento do DNOCS.

Fonte: Trabalho de Campo. Fotografia: Rita de Cássia Gregório de Andrade, Maio de 2008.

A imagem da Figura 20 apresenta uma tipologia de casas não presente até então na

vila de Curema, sendo construções típicas dos Acampamentos do DNOCS. Esta área foi a

mais representativa em termo de alteração da paisagem, devido à modernidade, infra-estrutura

e conforto.

Enfim, através das entrevistas feitas com os antigos habitantes, do levantamento

bibliográfico e dos poucos documentos encontrados, tentou-se fazer um painel da cidade de

Coremas ainda nos anos 1950, com o Acampamento do DNOCS já integrado à paisagem

considerada urbana.

3.3 USO E OCUPAÇÃO DO SOLO DA CIDADE DE COREMAS

Até então foram vistos todos os fatores que determinaram a formação da cidade de

Coremas, desde a origem religiosa, o surgimento das primeiras ruas e a íntima dependência do

espaço rural. A princípio, um povoado de pequenas dimensões espaciais, até a intervenção do

Estado através da construção do açude, na década de 1930.

A partir da citada década, o território do Distrito de Curema passa a ser composto

pelas propriedades rurais, distribuídas nos lugares chamados sítios; pelo patrimônio

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pertencente à igreja, no lugar chamado Curema e pelas terras adquiridas pelo então IFOCS,

para construção do açude e do Acampamento dos operários. Vale ressaltar que estas terras

antes eram ocupadas por propriedades rurais e, após a posse pelo governo, os respectivos

donos foram indenizados.

As terras rurais estavam paulatinamente fragmentando-se entre os respectivos

possuidores através da compra ou herança. O patrimônio de Santa Rita de Cássia era onde

estava localizado o núcleo urbano, centralizado pela capela. Esta terra de possessão da igreja,

aos poucos também era adquirida para a construção de casas diversas no povoado ou para

casas rurais no entorno do aglomerado urbano. As pessoas que se estabeleceram nestas terras

passaram a pagar o foro à igreja e os que se fixaram nas redondezas tornaram-se arrendatários

ou mesmo proprietários dos lotes ocupados. E as terras do então IFOCS estavam sendo

utilizadas pelo governo nas obras de açudagem.

Faz-se pertinente destacar agora os espaços que formarão a cidade de Coremas, ou

seja, as terras do patrimônio da igreja, onde estava se configurando a vila de Curema, e o

território do DNOCS, no qual foi estabelecido especificamente o Acampamento dos

operários. A década de 1930, quando o povoado aumenta a quantidade de casas, é descrito

pelo senhor José Travassos: ”Poucas casas, muito mato, a construção do Açude Estevam

Marinho que começou a construção nos anos de 1930 e em seguida veio a construção do

Açude Mãe D’Água, as casas do DNOCS foram construídas em 1935” (ZÉ TRAVASSOS,

2007). O Senhor Manoel Bezerra de Albuquerque, conhecido como Manuel Cabaceiro, diz

que o povoado era “um povoadozinho, com uma capelinha e com poucas casas ao redor,

começando a crescer depois de 1933, quando começou a construir essas casas aqui do

DNOCS” (SENHOR MANOEL CABACEIRO, 2007). Enquanto isso, o Senhor Zé Caboclo

afirma:

Só tinha a capela, a rua de frente a ela e a Rua do Rio. Entre a capela e a Rua do Rio não tinha nada, só umas casinhas de comércio solta, ali onde hoje é a loja de Gregório. Não tinha os bairros. As pessoas moravam na povoação e trabalhavam na zona rural ao redor, tudo mato. Depois foi se construindo as casas, tinha gente do sítio que foi construindo as casas no povoado, para quando quisesse ir pra lá. Ali onde hoje é a casa de Mariquinha e do povo de João Faustino eu me lembro que tinha as casas de algodão (ZÉ CABOCLO, 2008).

Através das escrituras encontradas no Cartório Lucas de Lacerda, percebe-se o

processo de ocupação do patrimônio de Santa Rita de Cássia e o aumento do povoado, a partir

de fins da década de 1930. Do ano de 1922 ao ano de 1939, têm-se dois tipos de escrituras

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para o patrimônio de Santa Rita de Cássia. Uma adquirida para a construção de casa na área

do povoado, onde se encontram registradas as expressões povoado ou povoação, e outra para

terras fora do perímetro do povoado, onde aparecem as expressões “lugar Curema”,

“patrimônio de Santa Rita de Cássia” ou “terreno foreiro de Santa Rita de Cássia”.

A escritura mais antiga existente no cartório corresponde ao ano de 1922. A

quantidade de escrituras vai aumentando com o passar dos anos. Porém, é a partir do ano de

1936 e 1937 que se verificam um grande aumento do número de escrituras, se comparados

aos anos anteriores. O quadro seguinte comprova essa afirmativa:

ANO N° DE ESCRITURAS 1922 02 1923 01 1924 02 1925 04 1926 06 1927 08 1928 02 1929 04 1930 00 1931 01 1932 00 1933 01 1934 02 1935 09 1936 49 1937 53 1938 31

TOTAL 175

QUADRO 02: Escrituras de terras do povoado do Boqueirão do Curema (1922 – 1938). Fonte: Cartório Lucas de Lacerda, Coremas.

O aumento do número de escrituras após o ano de 1936 deu-se em virtude da

construção do Açude Curema, através dos novos habitantes que chegavam. As escrituras

encontradas no Cartório Lucas de Lacerda apontam a utilização do local adquirido, sendo para

casa, de taipa ou tijolo e/ou terreno para futura construção. Destacam-se entre essas escrituras,

seis quartos, duas casas de padaria, uma casa de prensa, quatro “chalés” e cinco casas de

comércio. Por fim, a partir do ano de 1936, inicia-se o aumento do número de casas,

relembrando que o povoado se torna vila no ano de 1938. No ano de 1941, o Padre Pedro Luz

Cunha descreve, no Livro de Tombo, as terras de Santa Rita de Cássia:

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Patrimônio – O patrimônio da Capela de Santa Rita por mim encontrado consiste no seguinte: I – Um terreno medindo aproximadamente 1 quilômetro de frente por meio de fundo, limitando-se ao sul com a IFOCS, ao nascente com o terreno do Sr. Luiz Travassos, ao norte com o terreno do Sr. João Cláudio e ao poente com o meio do leito do Rio Piancó [...] (LIVRO DE TOMBO, 1941, p. 02).

Era nestas terras delimitadas pelo citado vigário que se encontrava a vila de Curema.

E, no outro lado do Rio Piancó, estava localizado o Acampamento do DNOCS, para abrigar

os funcionários. Porém, muitas das novas casas construídas na vila de Curema destinavam-se

também aos trabalhadores do açude, para aqueles de funções menos expressivas e, portanto,

de salários mais baixos.

Com as informações colhidas através das fontes orais, bibliográficas e documentais,

foi possível fazer um croqui com alguns estabelecimentos da cidade de Coremas, nos períodos

de 1940 e 1950 (Figura 21).

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Figura 22: Antiga Capela de Santa Rita de Cássia e seu largo, 1927.

Figura 23: Fachada da antiga Capela de Santa Rita de Cássia, 1927.

Fonte: Acervo da Paróquia de Santa Rita de Cássia.

Fonte: Acervo da Paróquia de Santa Rita de Cássia.

Ao centro da Figura 21, vê-se a Capela Santa Rita de Cássia. As figuras 22 e 23, com

imagens do ano de 1927, apresentam esta capela, cujas características arquitetônicas e o

tamanho demonstram a pouca opulência de um povoado de dinâmica econômica e social de

pouca expressividade. Vê-se também o adro na frente da capela, além da devoção dos

habitantes, visto que a fotografia registra um evento religioso, isto é, o Domingo de Ramos,

tão característico da época.

O Padre Pedro Luz Cunha assim caracterizou, no ano de 1941, a capela por ele

encontrada na vila de Curema:

O Templo – A casa de Santa Rita era um velho templo, em estilo colonial muito simples e com aspecto de decadência. Seu piso de ladrilho comum levantava um pó insuportável nos dias de maior agitação. O odor, característico das eliminações dos morcegos (que aliás existiam em profusão) desafiava qualquer perfume por mais ativo que fosse. Causava náuseas a quem quer que, sobretudo pela manhã, entrasse na capela... Além deste, as baratas, semelhantes aos pequenos tanques que se usavam na guerra, infestavam também as paredes largas do velho templo... A capela também servia a asilo de corujões. Lembro-me bem que, em dois dias consecutivos, o próprio cura, “bem cedo” “antes da missa”, abateu dois corujões que se haviam esquecido de que já ia bem alto o sol [...] (LIVRO DE TOMBO, 1941, p. 03).

Essa capela iniciou seu processo de melhoramento a partir da década de 1940, através

das obras de reforma e sacerdócio do Padre Pedro Luz Cunha. A reforma se estendeu até o

fim da década de 1940, resultando no aumento do seu tamanho, para atender ao crescimento

populacional da então vila de Curema. Vale ressaltar que essa reforma foi feita pelo vigário e

auxiliada pelo engenheiro-chefe do DNOCS, que sempre cooperava nos serviços da capela e

nos seus eventos religiosos.

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Até esta data, a capela estava ligada à Paróquia de Piancó, sendo sede do Curato de

Santa Rita. Todavia, a elevação do curato em paróquia ocorreu em 1956, quando foi instalada

a Paróquia de Santa Rita de Cássia. Dessa maneira, a capela foi erigida a condição de igreja-

matriz. A manutenção da mesma era garantida através da cobrança dos foros ou venda de

parte do patrimônio instituído por ela, assim como também a doação de dinheiro pelos fiéis,

ou a doação de gado pelos proprietários locais. O Livro de Tombo registra ainda os lucros

auferidos com a Festa da Padroeira, a chamada Festa de Santa Rita, ocorrida anualmente,

sendo o evento religioso que mais dinheiro trazia à paróquia. A Figura 24 mostra a capela

após passar pelo processo de reforma:

Figura 24: Igreja Matriz de Santa Rita de Cássia na Festa da Padroeira, 1952. Na frente da igreja o que havia era um largo, sem calçamento, ou seja, não havia praça. Aliás, nesse tempo também não havia ruas calçadas.

Fonte: SILVA, 1996.

Percebe-se, através da Figura 24, o aumento do tamanho da igreja, se comparada com

a capela exposta nas figuras 22 e 23. Mas o largo ainda permanecia com as mesmas

características e tamanho. Dona Zefinha relembra, tanto por sua infância quanto pelo que

ouvia dos mais velhos, as histórias sobre o Padre Pedro e a capela de Santa Rita de Cássia:

[...] A igreja, quando eu conheci, tinha sido remodelada de um tipo dela. Antes de eu vir pra aqui, o padre daqui era padre Pedro, era um padre muito namorador e tudo, o povo falava muito dele. E essa igreja, as mulheres carregaram muita pedra na cabeça, tijolo, tudo pra construírem essa igreja, que ela era bem pequenininha. Dizem que ela era uma igreja de índio, mas

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que eu não tive conhecimento disso e nem conheci padre Pedro também. Mas a história que eu escutava de toda boca era essa. Quando eu cheguei aqui padre Pedro já tinha saído daqui, quem já tava aqui era Padre Leão, o padre valente. Mas quem levantou essa igreja, quem começou a crescer e construir foi padre Pedro, o primeiro padre que morou em Coremas (DONA ZEFINHA, 2007).

A Figura 25 exibe a casa paroquial, cuja localização pode ser vista na Figura 21

(número 2), na Rua Getúlio Vargas:

Figura 25: Antiga Casa Paroquial, década de 1950. Fonte: Acervo particular da Senhora Adevani Diniz Oliveira.

Dois cemitérios são apresentados na Figura 21. O cemitério de extensão menor

próximo ao Rio Piancó, é o antigo Campo Santo, construído nos idos do século XIX. Porém,

pouco se sabe sobre este, devido à falta de documentação e bibliografia. No final dos anos

1950 e início dos anos 1960, o Campo Santo foi fechado definitivamente e em seu lugar foi

construída uma lavanderia pública. Os restos mortais daqueles pertencentes às famílias mais

abastadas foram transferidos para o cemitério recém instalado, enquanto que os demais

sepultados permaneceram no Campo Santo. O novo cemitério (Figura 21, número 6),

existente no mesmo lugar até os dias atuais, foi edificado num local mais afastado, a norte da

cidade. Tal localização denota a incorporação das normativas higiênicas geralmente expressas

nas Posturas Municipais e que determinaram o afastamento dos cemitérios, hospitais e asilos,

ou seja, tudo que representasse insalubridade.

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Na cidade de Coremas não foram encontradas, no período estudado, Posturas

Municipais que determinassem a localização de prédios, cemitérios, matadouros, alinhamento

de ruas ou qualquer outra normativa urbana. Porém, várias medidas eram tomadas em

imitação a outras cidades, a exemplo da localização do cemitério. Sabe-se que um

acontecimento que influenciou a organização das ruas e prédios no XIX e início do século XX

foi o Movimento Higienista. Com respeito a este acontecimento, Góis Júnior descreve que

“no fim do século XIX e início do século XX, surgia uma nova mentalidade que se propunha

a cuidar da população, educando e ensinando novos hábitos. Convencionou-se chamá-la de

‘Movimento Higienista’” (GÓIS JÚNIOR, 2002, p. 01). Este movimento fundamentou-se nas

conclusões da medicina européia do século XIX, que via as causas das doenças epidêmicas

que assolavam este continente na contaminação dos lugares, principalmente no ambiente

urbano.

Essas idéias foram sedimentadas na Europa e trasladadas para o Brasil, como

resultados das transformações econômicas e sociais da época, como a industrialização e a

intensificação do processo de urbanização. Com as epidemias e o aumento populacional, foi

disseminado na cidade o chamado “medo urbano” caracterizado por Foucault:

Medo da cidade, angústia da cidade que vai se caracterizar por vários elementos; medo das oficinas e das fábricas que estão se construindo, do amontoado da população, das casas altas demais, da população numerosa demais; medo também, das epidemias urbanas, dos cemitérios que se tornam cada vez mais numerosos e invadem pouco a pouco as cidades, medo dos esgotos, das caves sobre as quais são construídas as casas que estão sempre correndo o perigo de desmoronar[...] Este pânico urbano é caracterizado deste cuidado, desta inquietude político-sanitária que se forma à medida que se desenvolve o tecido urbano (FOUCAULT, p. 87, 1984).

Assim, a influência do Higienismo foi determinante para a organização das cidades da

época. Em suma, de acordo com os médicos europeus, as técnicas dos engenheiros aplicadas

na cidade com o intuito de produzir um ambiente saudável, contribuiriam para a formação de

homens sãos para a vida social e para o trabalho. O que se sabe é que as idéias higienistas e

sanitaristas aliaram-se às decisões governamentais, cujos lemas eram ruas alinhadas e limpas

e casas ventiladas. Igualmente, foi considerada a localização de matadouros e cemitérios, que

deveriam ser construídos em ambiente afastados.

Tais concepções eram preconizadas especialmente no conteúdo dos Códigos de

Posturas Municipais. Dessa maneira, “o discurso médico higienista rebate-se nos planos

urbanos, nas reformas urbanas e na legislação. Destacam-se os códigos de posturas que vão

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disciplinar o modo de vida da população, organizar o espaço urbano e normatizar as

edificações” (COSTA, 2002, p. 67). Evidentemente, a maioria das posturas das cidades

brasileiras era transposta da Europa para cá, chegando primeiramente ao Rio de Janeiro e

posteriormente repassada para as demais capitais. A autora acima citada analisa as Posturas

Municipais de Fortaleza do século XIX e verifica a influência do Higienismo na elaboração

das mesmas, comprovando que a preocupação com um ambiente limpo estava diretamente

relacionada com a prevenção de doenças.

Na cidade de Coremas, conforme foi apontado, o Campo Santo estava localizado nas

proximidades do leito do Rio Piancó, a norte da antiga Rua do Rio. Representou durante

muito tempo uma ameaça, pois, era onde estavam sepultadas as vítimas da epidemia do cólera

do século XIX (SILVA, 1996). O novo cemitério contribuiu para a constituição inicial de um

dos principais bairros da pequena cidade de Curemas, o Bairro do Pombalzinho. Já o açougue

estava mais próximo á vila de Curema, funcionando durante muito tempo na antiga Rua da

Salgadeira, atual Rua 04 de Abril, também contribuindo para o aumento de casas nesta artéria.

Vale ressaltar que a denominação de Rua da Salgadeira se deu justamente por conta do

açougue, onde se salgava a carne. Posteriormente, foi substituída pela chamada Rua 04 de

Abril, para homenagear a data de emancipação do Município e da Cidade de Coremas.

Está registrada no Livro de Tombo, no ano de 1941, através das palavras do Padre

Pedro Luz Cunha, a existência de três “cabarés”: “Três antros de perdição aqui existiam, três

cabaret’s. Destes, um era bem próximo da casa paroquial, no ponto determinado Pedrinhas”

(LIVRO DE TOMBO, 1941, p. 04). Este cabaré, chamado Pedrinhas, ficava localizado onde é

hoje o Bairro Alto da Boa Vista, conhecido como Galo Assado e o outro estava situado em

terras do atual Bairro do Pombalzinho, conforme lembra a entrevistada Maria Francisca da

Silva. Em seguida, o Padre Pedro Luz Cunha aponta que, graças à ação do cura, junto às

autoridades, dois desses cabarés foram fechados (LIVRO DE TOMBO, 1941). O cabaré

principal da cidade perdura até os dias atuais e sua localização pode ser vista na Figura 21.

Segundo o Senhor Zé Caboclo “já existia na era de 1950, e foi feito por uma senhora que veio

de fora” (ZÉ CABOCLO, 2008). A Figura 26 apresenta a imagem desse cabaré.

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Figura 26: Tradicional Cabaré da Cidade de Coremas, com casas

simples e conjugadas. Fonte: Trabalho de Campo. Fotografia: Rita de Cássia Gregório

de Andrade, Maio de 2008

As casas comerciais, apontadas na Figura 21, constituem o antigo Mercado Público.

Nas figuras 27 e 28 pode-se visualizar este mercado, com algumas edificações originais e

outras alteradas, sendo estas últimas as que apresentam mais de um pavimento.

Figura 27: Interior do Mercado Público de Coremas em processo de reforma. Este mercado é conhecido popularmente como Quadro de Comércio.

Figura 28: Parte externa do Mercado Público de Coremas. Aqui podem ser visualizadas algumas casas comerciais. Fonte: Trabalho de Campo. Fotografia: Rita de Cássia Gregório de Andrade, Maio de 2008.

Fonte: Trabalho de Campo. Fotografia: Rita de Cássia Gregório de Andrade, Maio de 2008.

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No interior do mercado eram realizadas as feiras semanais e ocasionalmente alguma

festividade. Segundo relato do Senhor Zé Caboclo, esse comércio foi construído no final da

década de 1930, data que coincide com o aumento do número de escrituras na vila de Curema.

Porém, infelizmente não se encontram dados que apontem a data precisa em que esse mercado

fora edificado. Aparecem também na Figura 21 a Escola Estadual de Primeiro Grau Cônego

Bernardo, a primeira escola construída pelo Governo do Estado e inaugurada no ano de 1949,

a delegacia e a cadeia, ambas funcionando em um único prédio. A primeira prefeitura, isto é,

aquela construída após a criação da cidade e do município de Coremas, localizou-se na Rua

Capitão Antônio Leite, antiga Rua do Rio, no prédio onde atualmente está situada a Biblioteca

Pública (Figura 21), conforme afirmam todos os entrevistados.

Ainda segundo a análise documental, bibliográfica e dos registros orais, conclui-se que

o melhoramento do núcleo citadino aqui estudado vai ocorrer após a sua elevação à sede de

município, portanto à cidade de Coremas. As autoridades locais, o prefeito e o padre, tiveram

que dotar a nova cidade de serviços essenciais a qualquer núcleo urbano, como escolas,

bancos, a prefeitura, o calçamento de ruas, abastecimento de água, energia elétrica, etc.

Através das entrevistas, percebe-se a pequinês e a pouca urbanidade da vila nos anos

1950. Os entrevistados dizem que quando a vila passou a ser cidade, o maior aglomerado de

casas estava no chamado Bairro do Centro e o Acampamento destacava-se como o local de

melhor infra-estrutura. Os bairros eram constituídos de casas dispersas, geralmente de taipa. A

memória de Dona Zefinha, quando transmitida pela fala, demonstra sua capacidade de contar

histórias e relembrar lugares. Dessa maneira, A antiga Rua do Rio é relembrada por Dona

Zefinha:

Coremas, que foi aumentando e organizando foi depois da candidatura de Antônio Lopes pra cá. Até isso aí não tinha nada, as ruinha, casinha de taipa e algumas casinhas de tijolo, sem ser coberto, só os tijolo e preto ainda, muitas casinha feita, não tinha um prédio de primeiro andar, acho que ninguém nem sabia o que era um prédio de primeiro andar [...] E ali tudo era umas casinhas de taipa que quando seu Antônio Lopes ganhou, a segunda vez, seu Antônio Lopes mandou derrubar e quem não pudesse construir pelo menos a frente de tijolo ele tomava o chão da casa. Aí muita gente sacrificara lavando roupa, fazendo tudo, pra fazer pelo menos a frente [...] (DONA ZEFINHA, 2007).

O prefeito15 citado teve seu mandato entre os anos de 1955 e 1959, momento em que o

poder público devia dar à nova cidade um ar de organização, fazendo juz ao status alcançado.

15 O primeiro prefeito de Coremas foi nomeado pelo governo do Estado, com o mandato vigente até as eleições seguintes, sendo este Renato Ramalho Leite (1954 – 1955). O primeiro prefeito eleito pelo povo foi Antônio Lopes Filho (1955 – 1959), seguido por Otacílio Rodrigues dos Santos (1959 – 1963), Antônio Lopes Filho

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A primeira rua a ser calçada foi a Rua Capitão Antônio Leite, no ano de 1955 (DONA

ADEVANI, 2007). Algumas atas da recém instituída Câmara Municipal da cidade de

Coremas, datadas do fim da década de 1950 revelam uma preocupação em melhorar a

cidade16:

[...] O presidente declarou aberta a sessão e ordenou ao 1° secretário a leitura da mensagem do Sr. Prefeito acompanhada do ante-projeto de lei n° [...], em que o poder executivo solicita aprovação para contrair com a caixa econômica Federal da Paraíba, um empréstimo de 5:000:00 destinado aos serviços da construção de uma salgadeira, ampliação do açougue público, cemitério público e conservação de prédios públicos na cidade de Coremas [...] (ATA DA CÂMARA MUNICIPAL, de 12 de Janeiro de 1960).

Vê-se que a ata citada acima, expressa a solicitação de ações no sentido de melhorar

prédios e locais públicos. Ao mesmo tempo, uma outra ata aponta que o Vereador Francisco

Silva apresentou um projeto de lei n° 9/58, que autoriza o poder executivo a construir galpão

no mercado da cidade (ATA DA CÂMARA MUNICIPAL, de 31 de Dezembro de 1958).

Também no ano de 1958 é aprovado um projeto para obras da Paróquia de Santa Rita de

Cássia (ATA DA CÂMARA MUNICIPAL, de 30 de Junho de 1958). De igual modo, havia a

vontade de prover a cidade de prestação de serviços, como a petição de um escritório do

Banco do Nordeste do Brasil para a cidade (ATA DA CÂMARA MUNICIPAL, de 29 de

Junho de 1957) e outra ata que ressalta a doação de um terreno à União para a construção de

agencias postais (ATA DA CÂMARA MUNICIPAL, de 07 de Maio de 1957). Tudo isso

revela a necessidade e preocupação em suprir a nova cidade de serviços e melhoramentos.

De acordo com os entrevistados, na década de 1950, a cidade de Coremas ainda estava

ocupada por residências carentes de melhoramentos, muitas das quais feitas de taipa, com

aparência simples e humilde. Poucas casas de alvenaria se destacavam, como, por exemplo, a

residência17 da Figura 29, localizada na Rua Manuel Cavalcante, nas proximidades da capela.

(1963 – 1969) e Milton Sobreira Lira (1969 – 1973), que faleceu dez dias antes de assumir o mandato, assim, tomando posse do cargo o vice-prefeito Lucrenato Ramalho Leite. 16 O Padre Guilherme Touw, proveniente da Holanda, foi pároco da Matriz de Santa Rita de Cássia do ano de 1962 a 1988 e foi responsável por várias melhorias na cidade de Coremas, entre elas, a construção da praça em frente à igreja, chamada Praça Papa João XXIII ou Praça Guilherme Touw; a ampliação da igreja; a edificação da atual casa paroquial; do colégio Dom Mata; de uma escola técnica e profissionalizante (no prédio onde funcionou o Centro Educacional Menino Jesus); uma fábrica de óleo (onde hoje é fábrica de doce, no Bairro Pombalzinho); fábrica de mosaico e óleo; a casa de gelo e o clube da cidade (atual Associação Cultural e Recreativa de Coremas). 17 A residência do Senhor José Travasso é uma das mais antigas e mais conhecidas da cidade de Coremas. Sua fachada sempre chamou a atenção na paisagem, por ser mais bem trabalhada que as demais. Infelizmente esta fachada, recentemente, foi derrubada por decisão do próprio Senhor José Travasso. Este fato se deu em virtude de um projeto de tombamento que foi idealizado para ser apresentado ao governo estadual. Os responsáveis por este projeto não esclareceram satisfatoriamente o que de fato significava o processo de tombamento de um prédio para a família Travasso e tampouco para o Senhor Zé Travasso, que contava com quase cem anos. Sem

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Essa casa foi construída pelo seu dono, o Senhor José Travasso, nascido no ano de 1906. Em

entrevista, ele relembra: “eu mesmo construí esta casa, levei cinco anos. Além de morada

minha e de minha família, essa casa funcionou como uma pensão de luxo, hospedando padres

e políticos” (ZÉ TRAVASSO, 2007).

Um fato que chamou a atenção nessa pesquisa foi a semelhança dos espaços internos

da casa do Senhor José Travasso (Figura 29) com a residência do Senhor Agemiro Gregório

de Andrade (Figura 31), que é um exemplo de casa rural simples do interior do Nordeste. O

que essas casas apresentam de diferente são as fachadas, sendo a primeira mais elaborada e a

segunda provida de alpendre. Isso revela que a casa do povoado, com a mesma tipologia

interna da casa de fazenda ou sítio, é uma demonstração da imbricação dos costumes e modo

de vida rural e urbano (Figuras 29 e 30).

conhecimento dos preceitos de conservação de patrimônio arquitetônico, artístico ou cultural e com a conversa de boca em boca na cidade sobre a possibilidade de tombamento de sua casa, o Senhor José Travasso interpretou que sua casa iria ser desapropriada. Como é natural, o Senhor José Travasso tinha um sentimento de posse e pertencimento imensos por uma casa que por ele foi construída no início de sua vida e não queria, agora, em seus últimos dias, lhe fosse tomada. Foi assim que, muito desgostoso e sentindo-se traído por quem estava liderando esse processo de tombamento, em uma madrugada do dia 05 de Janeiro de 2005, os pedreiros contratados pelo senhor José Travasso derrubaram a fachada e, ao amanhecer, toda a cidade pode testemunhar o fato.

Figura 30: Interior da casa da Figura 29.

Figura 29: Residência do Senhor José Travasso. Uma das mais antigas do Povoado do Boqueirão do Curema, localizada na Rua Manoel Cavalcante, nas proximidades da antiga capela. Atualmente está seus familiares (filhos e netos).

Fonte: Trabalho de Campo. Fotografia: Rita de Cássia Gregório de Andrade, Maio de 2008. Fonte: Doação da família Travasso.

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A casa da Figura 31 apresenta os elementos das tradicionais casas construídas no

Sertão nordestino, situadas na propriedade rural e corriqueiramente nos povoados, vilas e

cidades. Sabe-se que no Nordeste brasileiro há uma diferença entre as habitações da zona

canavieira, com as casas de engenhos, como pode ser visto na obra “Casa Grande e Senzala”,

de Gilberto Freire e as casas do Sertão, onde se desenvolveu a cultura do boi, com instalações

mais simples que, conforme sintetiza Maia (2000, p. 178), eram formadas pelo tripé casa-

sede, casa do vaqueiro e curral. A casa-sede era de alvenaria e coberta de telhas, as casas dos

vaqueiros e agregados eram em geral de taipa e cobertas de telhas ou palha e os currais eram

feitos de pau-a-pique (MAIA, 2000, p. 178). A casa da Figura 31 é feita de alvenaria, coberta

de telha e desprovida de acabamentos ou projetos arquitetônicos mais elaborados.

Não se pode esquecer um elemento bastante característico dessas habitações das

fazendas pecuárias do Sertão nordestino, que é a presença do alpendre ao lado ou em frente da

casa. É preciso destacar ainda que, embora muitas casas urbanas do Nordeste apresentem

alpendre, esse estilo é uma herança rural. Aliás, o alpendre se fez presente em muitas casas

brasileiras desde os tempos iniciais da colonização. O alpendre é definido por Lemos como o

Figura 31: Residência do Senhor Agemiro Gregório de Andrade. Esta casa rural é herança do Senhor José Gregório de Andrade, pai do Senhor Agemiro e foi construída no ano de 1919, no Sítio Barra, Município de Coremas. O Senhor Agemiro é o único filho do Senhor José Gregório que permanece vivendo na localidade até os dias atuais, ao lado de sua esposa e filhos.

Figura 32: Interior da casa exposta na Figura 31. Fonte: Trabalho de Campo. Fotografia: Rita de Cássia Gregório de Andrade, Maio de 2008.

Fonte: Trabalho de Campo. Fotografia: Rita de Cássia Gregório de Andrade, Maio de 2008.

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“telhado que se prolonga para fora da parede mestra da casa e que é apoiado em sua

extremidade por colunas, tendo como função precípua fazer sombra à construção, evitando

que se acumule na alvenaria o calor do sol – refrescando, assim, os interiores” (LEMOS,

1996, p. 27). Ainda conceituando este espaço da casa do Sertão nordestino, afirma Lemos que

“[...] desde o começo nossas casas rurais coloniais necessitaram de um espaço aberto para

receber estranhos, para abrigar hóspedes, talvez até para proteger temporariamente da chuva

produtos da colheita em processo de beneficiamento no terreiro” (LEMOS, 1996, p. 29).

Os alpendres também são locais onde tradicionalmente se armam redes para descansar

e dormir, penduram-se chapéus, baldes de leite, arreios, cabrestos, peias, chicotes, cordas,

selas, estribos ou qualquer outro utensílio necessário ao cavalo e ao boi (MAIA 2000, p. 179).

Aliás, é comum nas casas das propriedades do Sertão nordestino encontrar tornos que servem

tanto para armar as redes de dormir como para pendurar utensílios e apetrechos, conforme

pode ser visto ainda hoje no interior da residência do Senhor Agemiro Gregório de Andrade

(Figura 33).

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Figura 33: Objetos de uso diário pendurados em tornos, na residência do Senhor Agemiro Gregório de Andrade. (1) balde de leite; (2) serrote de cortar madeira (3) a esquerda, rede e lençóis de dormir e a direita espingarda de caça; (4) mala de viagem e chapéu; (5) lampião utilizado para iluminação em dias festivos e de visita, nos tempos em que não havia energia elétrica e (6) estilingue para caça de passarinhos.

Fonte: Trabalho de Campo. Fotografia: Rita de Cássia Gregório de Andrade, Maio de 2008.

A casa do vaqueiro não está presente na propriedade do Senhor Agemiro Gregório,

aliás, esta não se acha mais hoje em dia com tanta facilidade quanto em tempos passados.

Porém, o curral ainda se encontra em frente à casa (Figuras 34 e 35).

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As imagens acima revelam que nos dias atuais as fazendas de gado ainda compõem a

paisagem do Sertão nordestino. Com relação aos currais, Maia relembra que este “[...] ainda é

utilizado para a ferra e para a vacinação, mas também para o pernoite das vacas e dos

bezerros. Os garrotes e bois permanecem soltos nos pastos das propriedades” (MAIA, 2000,

p. 186). Por sua vez, referindo-se às fazendas do interior pernambucano, caracteriza Azevedo:

Esta propriedade tem no seu centro uma velha casa de barrote, coberta com telhas, tendo à frente um alpendre, onde se acumulavam os arreios e as roupagens de couro dos vaqueiros. Ao seu lado, aparece o “curral”, cercado de paus e destinados ao gado bovino, e o “chiqueiro”, que se destina aos cabritos, ali sempre numerosos (AZEVEDO, 1954, p. 119).

Em síntese, procurou-se mostrar aqui, através das discussões ora feitas, que as

residências das figuras 29 e 31 demonstram a imbricação campo/cidade. Ainda referente ao

tipo de casa construída no povoado de Curema, têm-se as casas das figuras 36 e 37. Esta

última apresenta os fundos de uma casa da Rua do Rio. Vale ressaltar que o acervo

fotográfico conseguido pela família Diniz Oliveira foi possível por conta do conhecido

fotógrafo da cidade de Coremas nos anos de 1950, o Senhor Eliseu, pertencente à citada

família.

Figura 34: Curral localizado na propriedade do Senhor Agemiro Gregório. É neste curral que o boi e as vacas passam a noite e onde tradicionalmente se faziam a ferra e a vacinação.

Figura 35: Curral menor, vizinho ao curral da Figura 34. É onde pernoitam os bezerros, separados das vacas. Igualmente, é curral de cabritos, ovelhas e bodes.

Fonte: Trabalho de Campo. Fotografia: Rita de Cássia Gregório de Andrade, Maio de 2008.

Fonte: Trabalho de Campo. Fotografia: Rita de Cássia Gregório de Andrade, Maio de 2008.

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Porém, muitas edificações da cidade de Coremas, da época de sua construção, não

mais existem na paisagem, assim como acontece com muitas cidades sertanejas, que

apresentam casas simples, muitas das quais de taipa, material de pouca durabilidade.

Para o estudo de qualquer espaço urbano, quer seja vila, povoado, ou cidade, é

importante fazer uma análise e observação da paisagem, para apreender os resquícios do

passado, convivendo com o presente. Milton Santos diz que “tudo aquilo que nós vemos, o

que nossa visão alcança, é a paisagem. Esta pode ser definida como o domínio do visível,

aquilo que a vista alcança. Não é formada apenas de volumes, mas também de cores,

movimentos, odores, sons, etc.” (SANTOS, 1988, p. 61).

Observando a atual paisagem da cidade de Coremas, é possível distinguir as

construções antigas das recentes. É comum o paralelismo entre edifícios com características

de um tempo que já passou e outros com características de tempos correntes. Este fato pode

ser comprovado nas figuras 38 e 39.

Figura 36: A mais antiga casa da Cidade de Coremas, localizada na Rua Getúlio Vargas. A atual fachada desta residência está totalmente alterada. Imagem captada a partir da torre da Igreja de Santa Rita de Cássia.

Figura 37: Fundos de uma residência da antiga Rua do Rio, na década de 1950. Fonte: Acervo particular da Senhora Adenani Diniz Oliveira.

Fonte: Trabalho de Campo. Fotografia: Rita de Cássia Gregório de Andrade, Maio de 2008.

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As edificações localizadas no centro das figuras 34 e 36 são uma amostra do tipo de

construção tradicional das casas da cidade de Coremas. Enquanto que as casas de mais de um

pavimento são de tempos atuais. Sabe-se que Milton Santos chama estas edificações que

testemunham um tempo passado, organização especial de tempos anteriores, de “rugosidades

do tempo”. A cidade de Coremas, apesar de um pequeno aumento da dinâmica econômica

dos últimos tempos, ainda preserva várias construções que podem ser chamadas de

rugosidades do tempo, representando os remanescentes da arquitetura colonial, a simplicidade

e o improviso das edificações.

A figura 40 apresenta uma das mais antigas casas da cidade de Coremas, localizada na

Rua Manoel Cavalcante. As casas da Figura 41 também estão localizadas na Rua Manoel

Cavalcante, estando exatamente ao lado da Igreja de Santa Rita de Cássia. É importante

ressaltar que muitas das casas da cidade de Coremas que apresentam modificações, apenas

foram alteradas as fachadas, com poucas transformações em suas estruturas interiores. Sendo

que, muitas vezes, a fachada recebe algumas transformações, porém, deixando de recordação

algum pedaço da fachada original, como se passou com a casa da figura 43.

Figura 38: Casas da Rua José Roberto Silva Figura 39: Casas da Rua Manoel Cavalcante. Fonte: Trabalho de Campo. Fotografia: Rita de Cássia Gregório de Andrade, Maio de 2008.

Fonte: Trabalho de Campo. Fotografia: Rita de Cássia Gregório de Andrade, Maio de 2008.

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Para a cidade de Coremas, é pertinente a conclusão de Abreu, quando ele diz que “as

permanências existentes na paisagem são muito mais resultado de um longo período de

decadência econômica e abandono, que exatamente de um trabalho de preservação ou de

restauro de seu patrimônio arquitetônico” (ABREU, 1998, p. 08). Em suma, pode-se constatar

Figura 40: Uma das mais antigas casas de Coremas, na Rua Manoel Cavalcante.

Figura 41: Casas da Rua Manoel Cavalcante, localizadas em frente à lateral da Igreja. Fonte: Trabalho de Campo. Fotografia:

Rita de Cássia Gregório de Andrade, Maio de 2008.

Fonte: Trabalho de Campo. Fotografia: Rita de Cássia Gregório de Andrade, Maio de 2008.

Figura 42: Casa da Rua Manoel Cavalcante. Figura 43: Casa da Rua Manoel Cavalcante Fonte: Trabalho de Campo. Fotografia: Rita de Cássia Gregório de Andrade, Maio de 2008.

Fonte: Trabalho de Campo. Fotografia: Rita de Cássia Gregório de Andrade, Maio de 2008.

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como rugosidades do tempo na cidade de Coremas o traçado urbano inicial, explicado em

sub-capítulo anterior; algumas edificações, como as mostradas nas imagens acima e a

permanência do terreno foreiro, lembrando que “os terrenos foreiros, que pertenciam às

ordens religiosas ou leigas, podem ser considerados como “rugosidades”, que continuam até

os dias atuais (VASCONCELOS, p. 28, 2001).

Com a intervenção do DNOCS, a vila de Curema teve sua paisagem transformada. É

inegável a interferência determinante do Governo Federal, através do órgão do DNOCS, a

partir da construção do açude, do Acampamento dos operários e de toda a maquinaria

necessária aos trabalhos. A Figura 21 ainda apresenta as principais edificações que

compuseram o Acampamento do DNOCS. Este, com o passar do tempo, foi considerado um

bairro da cidade de Coremas e sua presença representou a maior novidade em termos de

modernidade. Esse Acampamento foi feito de acordo com os moldes de construção dos

acampamentos construídos pelo DNOCS, com as casas de alvenaria e jardinagens. A esse

respeito, descreve Mariz:

Em 1920 as grandes obras contra as secas no alto sertão começaram pelas instalações de diretores e auxiliares graduados do serviço. Os contratantes, engenheiros americanizados, fizeram casas do tipo mais ou menos ao gosto rural de seu país, adaptado ao nosso clima. Em geral, estilo e disposições bem diversos dos nossos de então. Foi notável a influência. Desde então foram aparecendo, no interior, casas à semelhança. Outra maneira interna e externa. Menos corredor, menos quarto escuro. O piso mais elevado. Algum movimento no teto. Até nas casinhas pobres de taipa, uma imitação proveitosa no sistema de arejamento e nos estilos de divisão e de fachada (MARIZ, 1978, p. 93, 94).

A Figura 44 apresenta um modelo de casa construída nos Acampamentos do DNOCS,

estando esta localizada na Rua dos Engenheiros.

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Figura 44: Edificação da Rua U ou Rua dos Engenheiros, onde

funcionava o escritório do Acampamento do DNOCS. Fonte: Trabalho de Campo. Fotografia: Rita de Cássia Gregório de

Andrade, Maio de 2008.

No que se refere à localização geográfica, o Acampamento do DNOCS foi edificado

na margem esquerda do Rio Piancó. Este Acampamento comunicava-se com a vila de Curema

através de uma ponte sobre o Rio Piancó, conforme pode ser visto na Figura 45:

Figura 45: Ponte provisória sobre o Rio Piancó.

Fonte: Relatório da Inspetoria de Obras Contra as Secas - IOCS, 1937.

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De acordo com o Senhor Manoel Cabaceiro, atual habitante do Acampamento do

DNOCS e ex-tratorista da antiga oficina mecânica, as casas do Acampamento começaram a

ser construídas no ano de 1933, informação que é corroborada pelos documentos técnicos

pertencentes ao DNOCS. Cunha afirma que em 1935 tiveram início às instalações do Açude

Curema, entre as quais, a construção de diversos prédios, não só para residência do

engenheiro-chefe e auxiliares, mas também para os operários (CUNHA, 1948, p. 133). A

Figura 46 demonstra a construção da Casa de Força e prédios das oficinas e almoxarifado:

1

3 2

Figura 46: Primeiros prédios construídos no Acampamento do DNOCS, década de 1930. Em destaque (1) capela de Santa Rita de Cássia, no povoado do Boqueirão do Curema, (2) leito do Rio Piancó e (3) os primeiros prédios do Acampamento do DNOCS.

Fonte: Relatório da Inspetoria de Obras Contra as Secas - IOCS, 1937(adaptado pela autora).

Através da Figura 46, percebe-se os primeiros prédios em construção. Vê-se o vazio

de edificações e a quantidade de verde. Ao fundo, tem-se o povoado do Boqueirão do

Curema, também em meio à vegetação, onde se pode avistar a capela. Na Figura 47, vê-se a

construção da Rua U ou Rua dos Engenheiros. Ao fundo, vislumbra-se a Serra de Santa

Catarina.

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Figura 47: Edifícios do Acampamento do DNOCS, em processo construção, na década de 1930. Fonte: Relatório da Inspetoria de Obras Contra as Secas - IOCS, 1937.

Como tão bem caracterizam os acampamentos construídos pelo DNOCS, as casas

eram ventiladas, arborizadas, com árvores frutíferas e jardinagens. O Acampamento do

DNOCS era destacado pela presença de árvores frutíferas nas residências, muitas das quais

plantadas pelos primeiros moradores do DNOCS em meados da década de 1930, como

mangueiras, cajueiros, siriguelas, goiabeiras, bananeiras, etc. Descrevendo as moradias,

Cunha diz que “As casas são de elegante construção, confortáveis, tendo cada uma delas um

belo jardim e magnífico pomar. Todas saneadas e com iluminação elétrica” (CUNHA, 1948,

p. 143). São, pois, residências construídas conforme as determinações higiênicas e com os

equipamentos urbanos necessários.

Havia no Acampamento, além da residência do engenheiro-chefe e funcionários,

escritório; casa de força; oficina mecânica, almoxarifado; laboratório; o grupo escolar; a

agência de correios e telégrafos; o hospital e maternidade; a casa de pensão; a casa de

hóspedes; a cadeia; a cooperativa; o cinema, o Cine Comissão do Alto Piranhas ou Cine CAP;

o clube; a praça e a capela. Enfim, foi um local provido dos elementos necessários à

construção do açude e ao bem-estar dos moradores, com áreas de lazer e prestação de

serviços. Com relação à montagem da infra-estrutura para diversão e descanso, elenca Cunha:

Nela há uma praça de esportes bem instalada e com ótima iluminação para os jogos noturnos, com magníficos campos de Foot-ball, Basket-ball,

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Volley-ball, Tennys-ball, Ring para patinação, piscina com Water-shoot, trampolim, aparelhos de ginástica e um amplo pavilhão para danças e reuniões (CUNHA, 1948, p. 133).

A piscina era equipada com trampolins para saltos ornamentais, tinha locais fundos e

rasos e uma piscina menor para as crianças; o campo de futebol possuía gramado, relógio-

marcador de tempo, alambrados, mastros de bandeiras e tribuna das autoridades. O Cine CAP

abrigava 180 pessoas, possuía piso declinado e servia também de anfiteatro, sendo o local no

qual eram exibidos as peças teatrais e os dramas. A Figura 48 mostra o prédio do Cine CAP:

Figura 48: Prédio do Cinema Comissão do Alto Piranhas ou Cine CAP.

Fonte: SILVA, 1996.

Por sua vez, a capela do Acampamento do DNOCS foi construída no sopé da Serra de

Santa Catarina. Começou a funcionar em Outubro do ano de 1938 e foi sagrada à Santa

Terezinha, devoção da esposa do engenheiro Estavam Marinho. A meia altura da serra de

Santa Catarina, já se encontrava, segundo as palavras de Cunha “[...] uma artística e linda

capela, sob a invocação de Santa Terezinha, de onde se descortina um panorama belíssimo,

abrangendo não só o Acampamento, como também a vila de Curemas” (CUNHA, 1948, p.

134). Esta edificação pode ser observada na Figuras 49.

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Figura 49: Capela de Santa Terezinha. Fonte: Trabalho de Campo, Dezembro de 2005.

O Acampamento do DNOCS possuía também uma cooperativa para fornecer

alimentos básicos aos funcionários, um apiário, uma horta com produção de verduras e

hortaliças e o pomar de frutas nas residências. Sobre a cooperativa, Dona Zefinha afirma:

A cooperativa era um supermercado, como se diz, nem um em Coremas era igual a ele aqui, era um supermercado que tinha de tudo quanto era bom, tudo de primeira qualidade. Vinha tudo de Campina Grande, algumas pessoas da cidade que queriam ser sócio entrava, né, mas todo mundo era sócio, a gente tinha que entrar com uma parte de dinheiro pra ser sócio dentro dela (DONA ZEFINHA, 2007)

O Acampamento era provido de água encanada e iluminação. Esta surgiu através das

caldeiras a vapor - movidas à lenha, na Casa de Força – substituídas posteriormente pelas

turbinas hidroelétricas da barragem, inauguradas em 1957. A casa de força pode ser vista na

Figura 50:

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Figura 50: Prédio da Casa de Força. Fonte: Relatório da Inspetoria de Obras Contra as Secas - IOCS, 1937.

Na parte mais elevada do Acampamento do DNOCS ficava a Casa Ford, a primeira e

única agência de automóveis existente. Inicialmente foi um galpão para despejos de materiais

utilizados nas oficinas e garagens. Depois, em meados de 1937, transformou-se em agência de

automóveis, representando a firma americana Ford. Durante a construção da barragem, a

maioria dos automóveis, caminhões principalmente, pertencia a esta firma e a agência servia

para a reposição de peças originais.

O Acampamento do DNOCS era uma área moderna que satisfazia as necessidades dos

operários e contrastava com a falta de infra-estrutura básica da vila de Curema. Quanto aos

serviços de lazer e festividades realizadas no Acampamento, estes eram exclusidade dos

moradores do mesmo. Porém, o hospital era aberto para uma quantidade maior de habitantes.

E o serviço de iluminação foi expandido inicialmente para alguns pontos da vila de Curema,

ou cidade de Coremas, funcionando das seis às dez da noite, sendo este o primeiro provimento

de iluminação da localidade.

Enfim, sabe-se que cada cidade tem sua história, estando representada em suas ruas,

edificações, pontes, rios, etc., como também em suas festas populares e costumes. Enfim, a

história das cidades e das suas modificações através dos tempos é a prova de suas várias

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construções. Da construção anterior, pode-se guardar algumas lembranças deixadas por obras

que resistem à nova cidade ou na memória dos seus habitantes. As construções, se bem

preservadas, podem ser um grande testemunho de uma época em que a cidade era outra. Ou,

se a dinâmica econômica é lenta, permite a continuidade de formas urbanas e construções de

tempos anteriores.

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CAPÍTULO IV

A VIDA DOS ANTIGOS HABITANTES DE COREMAS

4.1 NOTAS INTRODUTÓRIAS

É uma tarefa desafiadora e prazerosa debruçar-se no estudo da vida dos habitantes de

uma pequena vila do Sertão paraibano da primeira metade do século XX, no momento em que

está sendo construído junto da mesma um outro espaço, com características distintas. Para

esta análise, o foco principal de atenção está limitado aos anos de 1940 e 1950 devido às

fontes estudadas cobrirem predominantemente este período, além da existência do

Acampamento do DNOCS como novidade também desta época.

Como a grande maioria das vilas do Sertão nordestino deste tempo, a vila de Curema

era um lugar no qual se vivenciavam hábitos oriundos do Período Colonial, marcados pela

sociabilidade em torno da igreja e pela presença dos costumes do mundo rural. Por sua vez, o

Acampamento do DNOCS foi o local onde se instalou os elementos modernos da época,

trazendo costumes do meio urbano. Dessa maneira, estes fatores acarretaram uma

fragmentação social na vivência desses lugares.

Para a construção deste capítulo, foram de extrema importância os registros orais. A

reconstrução da sociabilidade presente na vila de Curema pode ser vista no “[...] reviver do

que se perdeu, de histórias, tradições, o reviver dos que já partiram e participaram então de

nossas conversas e esperanças; enfim, o poder que os velhos têm de tornar presentes na

família os que se ausentaram[...]” (BOSI, 1987, p. 32). Logo, a memória teve um papel

proeminente no resgate da vida e recuperação da memória do lugar. Muitos aspectos da

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sociabilidade puderam ser resgatados pelos entrevistados, visto que se manteve na memória

dos habitantes uma quantidade inumerável e preciosa de lembranças. Fonseca afirma que:

Foi a partir desses depoimentos que pudemos compreender, um pouco, quais histórias a população tem de forma consciente, preservadas em sua memória. Por outro lado, é nessa senda que se descortinam as diversas histórias, apesar do esforço constante de alguns grupos em apresentarem sua versão como verdadeira, única e totalizante (MONTENEGRO, 1994, p. 15).

Assim, apesar da possibilidade de estas recordações sofrerem alterações em virtude

das experiências vividas posteriormente ou por mudanças de opiniões ou atitudes, foi possível

resgatar momentos comuns à memória de todos os entrevistados. Nesta perspectiva, Fonseca

alude:

Ao procurar compreender as possibilidades de desenvolvimento de uma memória, a despeito da importância e interligação desta com outras dimensões da história, busco privilegiar, sobretudo, a dimensão do conhecimento baseado na tradução do lugar, na interpretação da política, da sociedade, da economia e na construção do território (FONSECA, 2006, p. 17).

Isso significa dizer que, para entender a vida dos habitantes na vila de Curema e no

Acampamento do DNOCS, é interessante ter em vista os elementos que marcam o lugar,

portanto, compreender o lugar. Nesta senda, esclarece Vasconcelos:

Este conceito, tradicional na Geografia, foi reapropriado recentemente, pelas correntes fenomenológicas, dando um novo conteúdo ao mesmo, a partir de uma visão mais subjetiva da realidade, incluindo a idéia de apego, pertença, entre outras. Ao contrário do “local”, que é qualitativo, lugar é um conceito forte, embora impreciso do ponto de vista escalar. O Brasil é um lugar no mundo, e nós mesmos ocupamos um lugar no espaço (VASCONCELOS, 2001, p. 23).

Para este estudo, o lugar é a igreja, uma casa, o mercado público, a cidade. Pode-se

inferir que o lugar é onde se reproduz a vida. Ana Fani Carlos estuda a metrópole paulistana

tomando o lugar como categoria de análise e compreende que:

Partimos da premissa de que no lugar encontramos as mesmas determinações da totalidade, se, com isso, eliminar as particularidades, pois cada sociedade produz seu espaço, expressando sua função social,

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determinando os ritmos da vida, os modos de apropriação, seus projetos e desejos. O lugar guarda uma dimensão prático-sensível, real e concreta, que a análise, aos poucos, vai revelando (CARLOS, 2001, p. 34).

Ao longo deste capítulo, faz-se importante pensar no conceito de lugar para melhor

apreender a vila de Curema e o Acampamento do DNOCS na formação da cidade de

Coremas. O lugar, enquanto espaço de reprodução da vida, é onde se dar a vivência efetiva,

logo, é preciso considerar o habitante e sua identidade, assim como as particularidades locais

em meio aos componentes mais universais. Ainda no contexto do entendimento do lugar,

esclarece Carlos:

A análise se baseia no fato de que as relações sociais têm sua realização ligada à necessidade de um espaço onde ganha concretude a casa como universo do homem privado; a rua como acessibilidade possível aos espaços públicos, lugar dos encontros, dos percursos, bem como as possibilidades de uma miríade de trocas (onde o comércio local ganha significado especial); os lugares de trabalho; os pontos de lazer, etc.; lugares onde se realiza a vida humana em determinado tempo (CARLOS, 2001, p. 34).

Assim, o lugar é uma espacialidade apropriada para a vivência do homem, onde se

estabelece a sua identidade. É onde está o movimento e a dinâmica da vida, no passado e no

presente e onde se dão as relações de acordo, conflito, domínio, etc. Estas vivências do

homem vão criar os pontos de referência da cidade, segundo aponta Carlos:

Assim, no uso do espaço, é possível, apreender o imprevisto, a improvisação, o espontâneo, que criam os pontos de referência da cidade, onde a multidão improvisa a festa, a reunião, superpondo-se à rotina no igual e no repetitivo. Dessa feita as ruas, praças e avenidas, com suas marcas particulares e identificadoras, marcam o convívio e apresentam modos diferenciados de apropriação (CARLOS, 2001, p. 36).

Em suma, busca-se aqui analisar o lugar, tendo como fonte principal de pesquisa a

memória dos habitantes mais velhos. Por conseguinte, é a partir dos registros orais e da

documentação encontrada, a exemplo do Livro de Tombo da Paróquia de Santa Rita de

Cássia, que se tenta analisar a vila de Curema e o Acampamento do DNOCS, lugares

fragmentados socialmente.

4.2 A VILA DE CUREMA E A VIDA DOS HABITANTES

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A vila de Curema nas décadas de 1930 e 1940 era um lugar de pouca urbanidade, com

um comércio de pequena dinâmica e movimentação maior nos dias da feira livre. A igreja

marcou tanto o espaço físico (como foi visto em capítulo anterior) quanto à vida das pessoas.

Alguns costumes e valores que faziam parte da vida dos habitantes da vila de Curema podem

ser percebidos na fala do Padre Pedro, escritas no Livro de Tombo:

[...] Isto explica cabalmente a falta ordem, decôro e respeito que se notava na capela de Santa Rita de Cássia. Moçoilas mal vestidas, iam e vinham, numa completa azatama, atreladas ao braços dos seus “Romeus”, formando pelas novas laterais e central, um _____ perfeito como se ali fôra uma praça de jardim urbano, onde a atmosfera é mais propícia a incentivar os idílios. Tornava este proceder um contraste saliente e aterrorizador com o silêncio, o respeito e o decôro que se exige na casa de Deus. A conversa entre pessôas, e, diga-se de passagem, em tonalidade quase oratória, roubava o logar da oração, que é a conversa da alma com Deus. As janelas largas do velho templo de estilo colonial antigo, era o logar escolhido para o descanço dos fatigados membros inferiores e o repouso dos ossos ______. Aí trocavam os casais as suas palavras e idéias – Meretrizes, por vezes, vinham desabafar o _______ em alguém conforme presencieis no adro da capela. O quadro era deveras desanimador (LIVRO DE TOMBO, 1940)

Ao mesmo tempo em que o Padre Pedro denuncia o que ele ver como uma pouca

vergonha e fraca religiosidade de alguns fiéis, ele reconhece a “simplicidade e bondade“ do

povo. Dessa maneira, declara:

Todavia o povo simples deste sertão está sempre pronto a ouvir,e, à força de resistir, praticar. Ouvi de dois sacerdotes, que, antes, em Coremas, era difícil até se celebrar o Santo Sacrifício, tal a balbúrdia que dentro do templo se fazia. Eles mesmos, disseram-me, saíram uma vez paramentados do altar sem dizer a Santa Missa. – Hoje, todavia, o quadro é bem diferente. Já se pôde celebrar, já se pôde pregar e fazer os outros do culto. Há mais silêncio e mais ordem. Qualquer um outro sacerdote mais zeloso e mais dedicado, teria alcançado muito mais. É certo. O povo é, em si, muito bom (LIVRO DE TOMBO, 1940)

Igualmente como ocorreu com as cidades e vilas do Período Colonial, na vila e

posterior cidade de Coremas, na década de 1950, a vida era marcada por rezas, cerimônias

religiosas, temor a Deus e pelo sino da igreja, que marcava a hora e a rotina. Vale ressaltar

que o Acampamento do DNOCS e os seus habitantes, embora tenham trazido novos hábitos,

legitimaram a rigidez da igreja, pois, era notório o catolicismo do engenheiro-chefe, de sua

esposa e de todos os demais funcionários. Uma prova deste fervor religioso foi a construção

da capela sagrada a Santa Terezinha, devoção da esposa do engenheiro-chefe Estevam

Marinho.

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Com a chegada dos elementos modernos e urbanos, através dos açudes e do

Acampamento do DNOCS, a antiga vila de Curema passa a ser um lugar cujo dia-a-dia foi

marcado pela simultaneidade de alguns barulhos que quebravam a tranqüilidade local,

fazendo parte da vida da população o ruído dos apitos vindos do Acampamento do DNOCS

anunciando os horários de trabalho dos funcionários e do sino da capela. E são a vila de

Curema e o Acampamento do DNOCS quem vão constituir o lugar e sua vivência efetiva. A

respeito deste lugar, afirma Lopes:

Ao nos reportarmos ao lugar o fazemos pelo que identificamos através dessa noção: o lugar como expressão do particular e do encontro – do que retém e do que vislumbra – é uma categoria importante que nos permite o reconhecimento das ações e estratégias sociais de caráter movimentalista. Estas, de uma maneira ou de outra, se localizam num campo enunciativo que tem como pressuposto o lugar. E é, através do lugar, que se articula temáticas inscritas em pautas subordinadas as estratégias de conteúdo mundial com formas e expressões particulares da vida (LOPES, 2005, p. 14).

A particularidade do lugar aqui estudado se dar, sobretudo, através da vivência

estabelecida entre a vila de Curema e o Acampamento do DNOCS. Este acontecimento tem

como pano de fundo uma realidade bem conhecida do Sertão nordestino, qual seja, uma

sociedade marcada por relações clientelistas e mandonistas, como comentado no sub-capítulo

sobre o poder local. Portanto, uma vida determinada pelo comando dos proprietários rurais

mais abastados e pelo representante religioso, ou seja, o padre. Sabe-se que a ligação da

política local com a Igreja Católica é resultado de um contexto histórico explicado por

Fernandes:

Durante o século XIX, a igreja foi um dos tradicionais pilares de sustentação do governo monárquico brasileiro, tendo em vista que grande parte do alto clero era composto por indivíduos provenientes das camadas mais abastadas, justamente aquelas beneficiadas pelo Estado. Além disso, a Constituição imperial de 1824, havia instaurado no Brasil a união entre Igreja e Estado (FERNANDES, 2006, p. 20).

Nessa política local, vale acrescentar ainda a influência dos “doutores” do DNOCS.

Estes eram sujeitos de grande prestígio, como, por exemplo, o engenheiro-chefe da construção

do açude, o Doutor Estevam Marinho. Seu nome também nomeou o Açude Curema, chamado

oficialmente de Açude Estevam Marinho e o hospital do Acampamento do DNOCS.

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Em síntese, o poder local na vila de Curema e no Acampamento do DNOCS foi

representado pelos proprietários agropecuários, o padre o os “doutores” do DNOCS,

inserindo-se no imaginário coletivo e fazendo parte da vivência do lugar. Sem esquecer que

estes sujeitos sociais de maior poderio em vários momentos se apoiavam mutuamente. Esta

realidade é discutida por Carvalho ao esclarecer o conceito de mandonismo:

Da imagem simplificada do coronel como grande latifundiário isolado em sua fazenda, senhor absoluto de gentes e coisas, emerge das novas pesquisas um quadro mais complexo em que coexistem vários tipos de coronéis, desde latifundiários a comerciantes, médicos e até mesmo padres (CARVALHO, 1998, p. 133).

São notórias na vila de Curema as relações clientelistas, onde havia os acordos de

poder entre o padre, o engenheiro construtor do açude e os proprietários rurais mais

abastados, em que a troca de favores era o que determinava os privilégios sociais. No Livro de

Tombo, em diversas ocasiões, essa realidade é explicitada, como na gratidão do padre pelo

auxílio em prol da reforma da igreja: “Manifestamos também nossa gratidão aos dirigentes

municipais desta comarca e aos responsáveis pelos trabalhos federais da Comissão do Alto

Piranhas, sediados no Acampamento fronteiriço“ (LIVRO DE TOMBO, 1951, p. 30).

As cerimônias religiosas igualmente faziam parte dos acontecimentos ligados à

construção do açude: “No dia 6 de Janeiro de 1942, foi celebrada uma missa, com a devida

licença dentro do túnel da galeria da barragem. Comemoravam os encarregados daquela

grande obra o término do serviço do túnel. Foi um espetáculo inédito e muito belo” (LIVRO

DE TOMBO, 1942). As reformas, trabalhos e festividades da Igreja de Santa Rita de Cássia

eram auxiliados economicamente pelo poder municipal, pelo engenheiro-chefe e pelos

proprietários rurais.

Além das ofertas depositadas pelos fiéis, havia a doação de gado por parte dos

proprietários rurais de maiores posses. Esta era uma prática comum no Sertão nordestino e em

suas cidades, onde o catolicismo era religião dominante. Com relação à origem desta

realidade, Fernandes aponta: “O clero aceitava essa situação, na medida em que o Estado

passava a se responsabilizar pelo sustento dos religiosos, construção de igrejas, etc; e

principalmente porque, na prática, o imperador jamais contrariava as decisões papais”

(FERNANDES, 2006, p.20).

Esta sociedade, marcada pela religiosidade católica e pelos privilégios sociais, vai ser

muito bem representada em dois espaços formadores da cidade de Coremas, isto é, a vila de

Curema e o Acampamento do DNOCS. A sociabilidade destes dois locais, assim como sua

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paisagem, demonstra a existência de um espaço urbano fragmentado. Isto faz lembrar as

palavras de Carlos:

É nessa “harmonia dissonante” de vestígios de tempos históricos diferenciais que o indivíduo se acha ou se perde, pois o espaço é o ponto de convergência entre o passado e o presente. É também o lugar da manifestação do individual e da experiência socializante, (empobrecida ou não), produto de uma multiplicidade de trocas de todos os tipos que produz a sociabilidade na cidade (CARLOS, 2001, p. 34).

Portanto, a vila de Curema era constituída por uma sociedade bem estratificada,

comandada pelo padre e pelos proprietários rurais e uns poucos comerciantes, os quais

detinham os maiores recursos econômicos. Com a chegada dos trabalhos do DNOCS, a figura

do engenheiro-chefe será reverenciada e respeitada localmente, aliando-se este aos primeiros

citados. Com a construção dos açudes e do Acampamento do DNOCS, a pacata vila de

Curema passou a conviver com mais moradores e começou a conhecer novos costumes e

linguagens. A chegada de novos profissionais, ao lado de suas famílias, trouxe à vila de

Curema elementos típicos do mundo urbano, imprimindo na paisagem um lugar com

particularidades marcantes, conforme será visto a seguir.

4.3 A VILA DE CUREMA E O ACAMPAMENTO DO DNOCS: UM

ESPAÇO URBANO FRAGMENTADO NA FORMAÇÃO DA CIDADE

DE COREMAS

Conforme já foi largamente salientado, na década de 1930, foi implantado o

Acampamento do DNOCS nas adjacências do então povoado de Curema, espaços separados

pelo Rio Piancó. A divisão natural destas duas unidades acarretou também uma divisão nas

funções sociais de cada um destes espaços.

A partir de então, passou a existir um espaço fragmentado, ou seja, a vila de Curema

representando o tradicional e o local e o Acampamento do DNOCS, significando o moderno e

o urbano. Este último trouxe elementos até então inexistentes na vila de Curema, como o

hospital, a maternidade, o cinema, o clube esportivo e recreativo, a água encanada, energia

elétrica, automóveis, etc. As luminárias acesas em cima da barragem principal

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impressionaram os habitantes da vila de Curema, que viram perto de suas residências um local

todo iluminado.

O desconhecimento que as pessoas da vila de Curema e da zona rural circunvizinha

tinham dos elementos modernos era de tal modo que histórias permeiam o imaginário popular

local, algumas delas relatadas atualmente pelos mais velhos. Muitos idosos de Coremas

contam histórias como a de uma senhora que, ao ver pela primeira vez a lâmpada elétrica,

tentou acender o seu cachimbo, pensando que era algum novo tipo de lamparina. É conhecido

também o fato de que, quando o primeiro automóvel chegou à vila de Curema, muitos

habitantes fecharam suas portas, com temor, muitos pensando que poderia ser a besta fera18

ou “coisa do fim do mundo”. Estas são histórias que são narradas pelos mais velhos.

Explicando a fragmentação espacial do Acampamento do DNOCS e da vila de

Curema, ressalta-se inicialmente a existência da separação e demarcação físicas,

representadas não somente pelo Rio Piancó, mas também pelas cercas de arame farpado e os

guardas de vigia. O Acampamento do DNOCS era cercado e possuía guardas em trabalho às

vinte e quatro horas do dia, controlando a entrada e saída de pessoas. Dona Zefinha demonstra

em sua fala esta distinção e demarcação:

Se uma pessoa do DNOCS causasse um barraco lá pela rua de Curema, os guardas do DNOCS era quem ia prender. Os guardas de Curema não tinha direito de prender não. Os soldados de lá só vinham até a cancela de arame. Passou aqui pra dentro, eram os guardas daqui. A cadeia de Curema era pra os presos de Curema e a cadeia do DNOCS era pra o povo do DNOCS. (DONA ZEFINHA, 2007).

Ao descrever o Acampamento do DNOCS, o Senhor Manoel diz que este era para a

moradia dos funcionários públicos, chamados na época de mensalistas. Os chamados

18 A Besta Fera é um personagem do folclore brasileiro. Seu nome é conhecido na cultura popular nordestina como um ser que aterroriza os povoados e as pequenas cidades. Não se sabe ao certo de onde vem essa criatura, porém, acredita-se que é o próprio demônio que sai das profundezas do inferno, especialmente em noites de lua cheia, para assustar as populações dos povoados e das pequenas cidades, parando seu percurso no cemitério, desaparecendo em seguida. Portanto, é um personagem fantástico e possui essa denominação porque é metade homem, metade cavalo, assemelhando-se ao centauro da mitologia universal. O barulho dos seus cascos correndo é motivo suficiente para as pessoas trancarem suas casas, pois, por onde passa, os animais, sobretudo os cachorros, o acompanham em um barulho pavoroso. Freqüentemente a Besta Fera açoita e chicoteia os cachorros, ocasionando também ganidos terríveis. Acredita-se ainda que, quando a Besta Fera pára na porta de uma residência, escuta-se sua respiração demoníaca, momento em que é necessária muita reza para expulsá-lo. Porém, segundo o mito, apesar de que a Besta Fera provoca todo este pavor, ela é aparentemente inofensiva ao homem. O que acontece é que, se alguém a ver, enlouquece por vários dias e depois se restabelece (Fonte: http://www.colegiosaofrancisco.com.br/alfa/literatura-lendas-e-mitos-do-folclore/besta-fera.php, acessado em 10 de Setembro de 2008).

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cassacos, os operários, estabaleceram-se na vila de Curema. Dona Zefinha, antiga moradora

do Acampamento do DNOCS, relata:

Quem morava aqui no acampamento era aquelas pessoas classificadas, chefe de oficina, chefe de carpintaria, chefe de escritório, encarregado de serviço, de garagem[...] O resto morava na rua19, pra você ter direito a uma casa aqui, você falava com o chefe, colocava seu nome na lista, um ano, um mês talvez, se você tivesse sorte, com um ano você tinha direito a uma casa. Na rua todinha em Coremas tinha gente do DNOCS morando (DONA ZEFINHA, 2007).

Assim, através destes depoimentos, percebe-se a fragmentação espacial, até mesmo

determinada pela função do Acampamento do DNOCS, qual seja, o conforto e a moradia dos

funcionários. Outro diferencial eram a limpeza e organização típicas dos acampamentos

construídos pelo DNOCS. Este fato foi citado por Dona Zefinha no decorrer da entrevista:

Aqui no DNOCS era tranqüilo, toda vida foi, porque aqui tinha guarda até pra quem jogasse o lixo aí fora, ninguém jogava lixo aí fora, era tudo limpo, não tinha lixo, não criava uma galinha, não criava um porco, não criava um bicho, uma vaca, um cavalo não entrava aqui dentro. E nem ninguém plantava. Você não podia criar um porco na sua casa pra não sair a catinga no chiqueiro na casa de ninguém, se você criasse só era chegar lá no DNOCS, dar parte ao chefe, aí o dono tinha que vender ou matar (DONA ZEFINHA, 2007).

Já a vila de Curema e suas poucas ruas apresentavam sujeiras e entulhos. Igualmente

era corriqueiro o crescimento de vegetação nestas artérias, como o capim rasteiro. Ademais,

em virtude das ruas não serem calçadas, havia alagamento causado pelas chuvas na época do

inverno. A Rua do Rio, com as chuvas do inverno e a conseqüente cheia do Rio Piancó, ficava

alagada neste período, conforme apontam as informações dos registros orais. Sobre a área

localizada nas proximidades do Rio Piancó, mais especificamente nas ruas que foram

surgindo a partir do caminho que ligava a vila de Curema ao Acampamento do DNOCS e que

formaram o Bairro do Cureminha, Dona Zefinha faz o seu relato: “Ali onde hoje é a Igreja

Assembléia de Deus, no Bairro de Cureminha, no lugar daquela igreja tinha um pé de

oiticica20. Ali tinha até enchente d’água, a água vinha até ali, tinha um pé de oiticica muito

grande que arrastava as galhas no chão” (DONA ZEFINHA, 2007).

19 Era assim que os habitantes chamavam a vila de Curema. Portanto, quando a população do sítio ou do acampamento do DNOCS se referiam à vila, diziam “a rua”. 20 A oiticica (Meuragina umbsissima) é uma árvore presente nas matas ciliares da região semi-árida nordestina. É uma árvore majestosa no porte, que cresce nos aluviões profundos dos rios e riachos, formando longas e estreitas alamedas à borda dos barrancos ou manchando as várzeas com cor verde-escuro de sua densa e larga

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Também era comum, em algumas residências da vila, a criação de animais – porcos e

galinhas. Vale salientar que o que havia de mais urbano nas casas eram as fachadas. Em seus

quintais havia pomares, mangueiras, estábulos e roças. Tudo isto ocorria devido à pouca

urbanidade e à presença premente dos hábitos rurais. Igualmente as ruas sujas, alagadas e com

mato eram resultado da falta de uma legislação para exigir a limpeza dos ambientes públicos.

Igualmente, era uma característica comum da cultura brasileira dos tempos coloniais a pouca

importância dada pela população à limpeza dos locais de uso coletivo. Ao contrário, o

Acampamento do DNOCS, foi implantado em obediência às exigências urbanísticas da época,

determinadas pelos valores da modernidade. Da mesma maneira, as exigências de limpeza de

espaços públicos, que surgiu no Brasil desde o século XIX como conseqüência do Movimento

Higienista, também foram levados em conta na edificação do Acampamento do DNOCS,

enquanto que na vila de Curema não havia nenhum controle.

Paulatinamente, no dia-a-dia, nas festividades e no uso dos serviços, é estabelecido o

vai-vem de pessoas da vila de Curema para o Acampamento DNOCS, sendo que o grau de

dependência era legado aos habitantes da vila de Curema. Portanto, a pequena vila de Curema

apresentou-se como local beneficiado pelos serviços implantados no Acampamento do

DNOCS. De início, as pessoas da vila de Curema que tiveram relações estreitas com o

engenheiro-chefe e os funcionários do Acampamento de DNOCS foram o padre e os

representantes do poder local, juntamente com suas famílias. O hospital e a maternidade eram

os locais mais utilizados por todos, conforme já foi discutido. Neste contexto, a edificação do

Acampamento do DNOCS possibilitou, senão o acesso de todos os habitantes da vila de

Curema, o conhecimento de outro modo de vida. E, apesar desta fragmentação, aos poucos, o

Acampamento do DNOCS vai se inter-relacionar e unir-se à vila de Curema, para formar

posteriormente a cidade de Coremas.

Por fim, anota-se que, embora com o passar do tempo, muitos habitantes da vila de

Curema tenham passado a usufruir do estilo de vida do Acampamento do DNOCS, isto não

era comum a todos, mas apenas àqueles que estabeleceram vínculos de amizade e

representavam o poder local. Esta afirmativa vale, efetivamente, para o período aqui

ramagem. A sombra permanente que projeta na nudez ensolarada do sertão é um ameno refrigério para o homem e para os bichos. Com os seus ramos flexíveis e de folhas marcescentes, cobrem-se as hospitaleiras latadas, à frente das casas e servem ainda para construir rústicos abrigos. Pode atingir até 15 m de altura e o seu tronco grosso ramifica-se a pouca distância do solo, formando aprazível copa de 15-20 m de circunferência. Entre suas utilidades, destaca-se os benefícios de sua semente, rica em óleo (60%), próprio para tintas e vernizes de alto poder secativo. (Fonte: http://www.ufersa.edu.br/zoobotanico/vegetais/oiticica.htm, acessado em 10 de Setembro de 2008).

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analisado, ou seja, até o ano de 1960. As relações sociais estabelecidas nestas duas localidades

fazem lembrar as palavras de Araújo:

[...] as pessoas ocupam lugares diferenciados, falam de vários lugares, de várias posições, em um mesmo espaço, o que faz com que tenham atitudes plurais, desencadeadas pela criatividade, e estratégias de sobrevivência nesse mesmo espaço em que se encontram inseridas e se coexistindo, através da relação estabelecida de vida social (ARAÚJO, 2006, p. 38).

Com a cidade de Coremas então constituída, sendo o resultado da antiga vila de

Curema e do Acampamento do DNOCS, verifica-se a existência de novos hábitos, só possível

pela existência do mencionado acampamento e dos açudes. Estes eram os programas de fins

de semana, como o passeio pela barragem do Açude Curema ou os piqueniques no Açude

Mãe D’ Água. Estes momentos foram de tamanha importância que foram fotografados por

alguns habitantes. As figuras 51 e 52 mostram respectivamente a Senhora Eliracir e sua

família em seu passeio dominical na barragem do Açude Curema e a Senhora Adevanir no

Açude Curema:

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Figura 51: Passeio no Acampamento e no Açude Curema, 1958. Fonte: Acervo particular da Senhora Adevani Diniz

Figura 52: Passeio dominical no Açude Curema, década de 1950. Fonte: Acervo particular da Senhora Adenani Diniz.

Após a conclusão dos trabalhos dos açudes, esses passeios se tornaram parte da vida

dos habitantes, que vinham admirar a beleza da paisagem. O que significa dizer que os açudes

trouxeram várias mudanças de hábitos para os habitantes. Por sua vez, a Figura 53 exibe os

piqueniques no Açude Mãe d’água:

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Figura 53: Piquenique no Açude Mãe d’Água, 1958 Fonte: Acervo particular da Senhora Adevanir Diniz Oliveira.

Nos domingos, o clube do Acampamento do DNOCS era utilizado para o lazer e

atividade desportiva dos chefes. Relata Dona Zefinha: “Banho de piscina e tudo, só pra os

chefes, todo final de semana. Agora tinha festa de clube ali, esse podia vir todo mundo de

fora, mas tinha que receber convite também e depois teve festa que tinha que comprar o

ingresso” (DONA ZEFINHA, 2007). A Figura 54 mostra a Senhora Eliracir, em passeio pelo

clube do Acampamento, no ano de 1950:

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Figura 54: Clube do Acampamento do DNOCS, década de 1950. Fonte: Acervo particular da Senhora Eliracir Oliveira Ferreira.

No Acampamento do DNOCS havia a prática de vários esportes, como vôlei,

basquete, futebol e natação. A Figura 55 mostra o time de vôlei do DNOCS. Ao fundo, tem-se

a palhoça do clube do Acampamento.

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Figura 55: Time de Vôlei do DNOCS, no Acampamento do DNOCS, 1950. Fonte: Acervo particular da Senhora Eliracir Oliveira Ferreira.

Outra diversão do fim de semana e que também representou uma novidade eram as

sessões de filme no Cinema Comissão do Alto Piranhas ou Cine CAP. Dona Zefinha relembra

que a sexta-feira era uma noite esperada pelos espectadores, porque todos queriam ver a

continuação do filme do Tarzam, uma das maiores audiências do cinema local. Os

entrevistados informaram que posteriormente, no início da década de 1960, foi construído um

cinema na então cidade de Curemas. Foi trazido pelo Senhor Francisco Torquato e

estabeleceu-se no final da Rua Capitão Antônio Leite. Os cartazes eram postos na praça,

quando esta passou a existir, e muitos habitantes iam assistir aos filmes, lembrando que nesta

época ainda não havia televisão. As pessoas que quisessem ver a Copa do Mundo tinham que

ir pra São Gonçalo, declara Dona Zefinha. Ainda referente aos passeios feitos no

Acampamento do DNOCS, a Figura 56 demonstra a presença dos habitantes na Capela de

Santa Terezinha.

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Figura 56: Capela de Santa Terezinha, no Acampamento do DNOCS, 1958. Fonte: Acervo particular da Senhora Adenanir Diniz Oliveira.

Todos esses acontecimentos foram importantes para a sociabilidade e identidade

locais. De acordo com as lembranças dos idosos e as informações contidas na bibliografia

concernente à cidade de Coremas, constata-se o sentimento que permeava o imaginário dos

habitantes, após a presença dos açudes, qual seja, a grandiosidade do lugar. Pollak lembra que

a memória é seletiva e que nem tudo fica gravado, nem tudo fica registrado e acrescenta ainda

que a memória é herdada e não se refere apenas à vida física da pessoa. Além disso, ela

também sofre flutuações em função do momento em que é articulada, em que está sendo

expressa (POLLAK, 1992, p. 02). Logo, os habitantes relatam os aspectos que para eles foram

e são mais marcantes e socialmente significativos para sua história ou até que escutaram de

seus pais. Assim, todos os entrevistados relembram com admiração a grandiosidade que lhes

pareciam os açudes, portanto, engrandecendo a sociedade e a localidade no qual foram

estabelecidos.

Diante dos açudes e, com o passar do tempo, do Acampamento do DNOCS, criou-se

entre os habitantes locais um sentimento de pertencimento, sendo atualmente perceptível na

fala e no comportamento dos coremenses. Através dos depoimentos, percebe-se uma

identificação dos entrevistados com os açudes como parte marcante de suas histórias e da

história da cidade, isso é visto nas palavras, nos gestos e no sentimento de orgulho.

Assim, a memória desses habitantes idosos está relacionada com um conjunto de

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idéias que envolvem lembranças e imagens de um lugar. Autores como Halbwachs (1990)

compreendem a memória e as lembranças como fruto de uma atividade de reconstrução do

vivido, contando o trabalho da memória com um suporte de imagens, idéias, valores, anseios

e afetos, vinculados a grupos junto aos quais o memorialista exercita algum sentimento de

pertencimento.

Alguns eventos decorrentes da construção dos açudes tiveram curta duração, porém,

pela novidade e importância, continuaram na memória de todos os habitantes. O mais

importante deles foi a solenidade de inauguração do Açude Mãe D’Água, com a presença do

Presidente da República e dos profissionais e dirigentes de elevados cargos do DNOCS. Estes

realizavam as solenidades junto aos representantes do poder local e com o público como

espectador, imbuindo no imaginário de todos a idéia de progresso, urbanização e

modernidade, o que elevava o sentimento de orgulho por parte da população, fatos que

perduram até os dias de hoje na mentalidade da sociedade coremense. A conseqüência social

deste sentimento de pertencimento perante os açudes é evidenciada nos dias atuais através da

negação forte dos habitantes em pagarem pelo uso da água e, portanto, não aceitarem o

tratamento da CAGEPA.

Em síntese, no período aqui analisado, percebe-se na vila de Curema e no

Acampamento do DNOCS uma fragmentação da sociedade, visto que existiam eventos que

somente participavam determinados grupos sociais. Devido às funções diferenciadas, a vila de

Curema e o Acampamento do DNOCS se tornaram espaços fragmentados e separados.

Porém, com o passar do tempo, as relações vão se estabelecendo entre estes espaços e a

separação e fragmentação vai se enfraquecendo. Assim, paulatinamente, a vila de Curema e o

Acampamento do DNOCS, cada qual com suas peculiaridades, se entrelaçarão para formar

um único núcleo urbano. A partir da existência da cidade de Coremas, o Acampamento do

DNOCS passa a ser considerado um bairro desta cidade. No que se refere à noção de espaço

urbano fragmentado, resultando uma sociabilidade distinta, as festividades da época aqui

analisadas, são um exemplo que merecem menção.

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4.4 AS TRANSFORMAÇÕES NA VILA DE CUREMA E NO

ACAMPAMENTO DO DNOCS: SOCIABILIDADES DISTINTAS NA

FORMAÇÃO DE UMA PEQUENA CIDADE

O espaço fragmentado gerou uma sociabilidade distinta na vila de Curema e no

Acampamento do DNOCS. Isso pode ser visto em vários aspectos da vida social, sendo as

festividades um dos melhores exemplos. As festas e diversões eram realizadas no clube do

Acampamento do DNOCS e/ou na vila de Curema. As festas tomadas aqui como exemplos

são, sobretudo, aquelas anuais, ligadas ao calendário religioso, ou seja, algumas festas

tradicionais brasileiras.

As festas acompanham o homem desde os primórdios da vida em sociedade. Surgiu

para celebrar a união e a vivência entre os homens e para festejar a natureza. Tão logo a festa

despontou, ela foi relacionada à religião. Assim, para além dos prazeres e comunhão, as festas

refletiam a necessidade do homem em obedecer à ordem da natureza e de Deus. A questão da

ordem resultou na obediência ao calendário, visto que as festas sempre foram acompanhadas

de datas específicas.

Com respeito à origem das festas, aos seus acontecimentos, celebrações e sentido,

Maia afirma que existiam “as festas do campo que celebravam o trabalho e tudo que estava

relacionado à vida no campo, que também era atrelada à vida religiosa, ao sagrado” (MAIA,

2000, p. 226). Igualmente, Coulanges ressalta o caráter religioso e a obediência ao calendário:

Em todos os tempos e em todas as sociedades, o homem quer honrar os seus deuses com festas; estabelece, assim, dias durante os quais somente o sentimento religioso reinará em sua alma, sem ser chamado a pensamentos ou a trabalhos terrenos. Do número de dias que o homem tem para viver, deu uma parte aos deuses (COULANGES, 1987, p. 166).

Outra característica marcante da festa é o banquete, a mesa com comida farta, fator

que também está vinculado à religião. Maia afirma que “A comunhão do homem com o(s) seu

(s) Deus(es) dava-se através de uma grande refeição [...] Essa forma de manifestação

perpetua-se por toda a história, apesar de ser expressa de diferenciadas maneiras” (MAIA,

2000, p. 227).

No Brasil, as festas surgiram em função da religiosidade, estando incorporadas ao

calendário religioso. Assim são o Natal, o Carnaval, a Páscoa, o São João, o São Pedro, Nossa

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Senhora da Conceição, Iemanjá, entre outras mais localizadas. Zeny Rosendahl, ao analisar o

que ela denomina de espaço sagrado e espaço profano, declara: “Há exemplos, no catolicismo

popular brasileiro, da modalidade do espaço sagrado a cada tempo sagrado [...]. A festa

religiosa é a mescla de elementos da Igreja católica e as tradições populares da cultura local”

(ROSENDAHL, 1999, p. 235). O que significa dizer que, em meio à religiosidade presente nas

festas, também havia espaço para o profano. Refletindo sobre o espaço profano, escreve

Rosendahl:

As interdependências e as relações funcionais entre o espaço sagrado e o espaço profano, que se realizam em tempos também sagrados, permitem caracterizar o espaço profano e sugerir uma classificação em relação ao seu maior ou menor vínculo com o sagrado. Pode-se definir o espaço profano como o espaço desprovido de sacralidade, estrategicamente ao “redor” e “em frente” do espaço sagrado (ROSENDAHL, 1999, p. 239).

Em suma, as festas tradicionais brasileiras, em geral, são religiosas, obedecendo a um

calendário católico. Logo eram festas promovidas pela igreja, tendo suas origens relacionadas,

entre outros fatores, ao aumento do poderio da Igreja Católica. Ainda discorrendo sobre esta

temática, Del Priore anota:

A importância das festas religiosas cresce de tal maneira depois do Concílio de Trento, confirmando o investimento catequético e pastoral que as norteavam, que publicações especializadas para orientar o clero na sua organização e realização começaram a circular (DEL PRIORE, 2000, p. 23).

De igual maneira, muitas das festividades eram realizadas com o objetivo de arrecadar

dinheiro para a igreja. Portanto, “normalmente estas festividades ocorriam no concurso das

economias particulares e, como o catolicismo era a religião do Estado, era difícil alguém

recusar sua participação” (PRIORE, 2000, p. 24). Dessa forma, o Brasil, no século XIX,

possuía um número de festas elevado, chegando a ocupar pouco mais de cem dias do ano.

Ainda relatando as festividades brasileiras e suas características, Del Priore aponta:

Confirma-se assim, a longa duração do espírito que mesclava festas profanas e religiosas. Ainda corrente, no século subseqüente, o calendário de festividades coloniais procurava moldar as populações coloniais à aliança entre a Igreja e o Estado, interferindo nas formas de sociabilidade e de economia psíquica dos colonos. Mas a mesma festa criava brechas de resistências, transculturalidades e utopias (DEL PRIORE, 2000, p. 27).

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As festas mais movimentadas da cidade de Coremas são conhecidas na tradição

brasileira, todas de cunho religioso, isto é, o Carnaval, o Sábado d’Aleluia, as Festas Juninas e

a Festa da Padroeira. De acordo com os entrevistados, nas décadas de 1940 e 1950, no

Acampamento do DNOCS eram realizados o Carnaval e as Festas Juninas e na vila de

Curema ocorria com destaque a Festa da Padroeira. Havia ainda a Festa Cívica, em

homenagem ao dia 07 de Setembro, organizada pelas escolas.

Assim, as festas e os eventos existentes ao longo do ano e que davam um novo uso à

vila eram as festas religiosas, com seus rituais sacros e suas diversões profanas. Efetivamente,

essas festividades, embora comandadas e vigiadas pelo poder religioso ou pelo Estado e seus

símbolos de poder, possuíam certa originalidade ocasionada pela sociedade que dela

participava. O que significa dizer que a festa possuía características que são resultado da

apropriação ao longo do tempo das sociedades que delas participaram, ou “reproduz-se na

contradição entre a eliminação substancial e a manutenção persistente dos lugares de

encontros e reencontros, da festa, da apropriação do público para a vida” (CARLOS, 2001, p.

34). As festas da vila de Curema e do Acampamento do DNOCS, pelas características que

possuíam, também expressam a vivência do lugar. Nas palavras de Del Priore:

Se a festa apresenta um aparato introdutório marcado por funções que sublinham sua relação com o poder do rei ou da Igreja, a linearidade ambiciosa e constituída por imagens dos seus patronos é, em um dado momento, substituída por outro ritmo. No momento em que a celebração ganha a rua – e ela faz com o início das danças e desfiles que acompanham o cortejo ou a procissão -, os eventos dentro da alegre reunião começam a ganhar independência. Danças e fantasias, figuras do desfile e dos carros alegóricos, ritmos e harmonias profanas invadem a tela bem-comportada da comemoração original e, embora estejam articuladas com o todo oficial, cada uma dessas manifestações tem vida própria e significado peculiar (DEL PRIORE, 2000, p. 43).

Na vila de Curema, em virtude da edificação de outro núcleo populacional, as

festividades foram distribuídas em dois espaços, o que promoveu também uma diferenciação

em seu modelo de organização e sociabilidade. Enfim, sem a intenção de estudar a fundo a

origem e desenrolar das festividades brasileiras, espera-se aqui demonstrar rapidamente o

protagonismo da igreja, a participação do Estado e a presença popular, com o intuito de

verificar as relações sociais estabelecidas entre a vila de Curema e o Acampamento do

DNOCS no processo de formação da cidade de Coremas. Nessa perspectiva, Del Priore

esclarece:

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A despeito de o pretexto da festa ser sempre institucional (ela estava ligada às comemorações do Estado ou da Igreja), a necessidade de usar o espaço público, a praça, a rua ou a igreja para tornar presente o poder da metrópole era uma regra. Por isso, essa função inicial acaba por dar lugar a outra. A festa, uma vez começada, transformava-se em exutório para suportar as árduas condições de vida das classes subalternas na Colônia. Ela transformava-se numa pausa nas inquietações cotidianas, num derivativo provisório, numa pontual détente (DEL PRIORE, 2000, p. 90).

A partir do momento em que estas festividades passaram a ocorrer no espaço da vila

de Curema e do Acampamento do DNOCS, foi disseminada entre todos à idéia de que as

festas do clube do DNOCS eram “as melhores”. Isso foi confirmado pela fala dos

entrevistados, percebendo-se que a preferência às festividades do Acampamento do DNOCS

se deram devido à melhor organização e condições de infra-estrutura. Porém, as festas do

Acampamento do DNOCS tinham a intenção de divertir os funcionários, sendo a presença de

pessoas da vila de Curema possibilitada através de convites, comprovando a seletividade dos

participantes destas festas.

Dona Adevanir diz que o carnaval ocorria no Acampamento do DNOCS, onde “o

pessoal do DNOCS, o pessoal do chefe organizava tudo. A orquestra vinha de fora, vinha do

Uiraúna, que era a melhor orquestra, a do Uiraúna, para tocar no carnaval.”(DONA

ADENANIR, 2007). A Figura 57 mostra a mencionada orquestra e os foliões:

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Figura 57: Carnaval no Acampamento do DNOCS, década de 1950. Na parte superior, os integrantes da Orquestra do Município de Uiraúna, que vinham tocar e cantar no carnaval e na parte inferior os integrantes dos blocos de carnaval.

Fonte: Acervo particular da Senhora Adevanir Diniz Oliveira.

Era um carnaval que contava com os foliões fantasiados, mascarados, formados em

blocos de rua, como tão bem caracterizavam os carnavais desta época. Porém, era um

carnaval fragmentado, ou seja, aquele mais sofisticado ocorria no Acampamento do DNOCS,

e o outro ocorria na vila de Curema. No DNOCS, conta Dona Eliracir, a festividade maior

dava-se a noite, na praçinha do clube. ”Todos fantasiados, fantasia feita de cetim, com Pierrô,

bailarinas” (DONA ELIRACI, 2007). Dona Adevanir conta que os carnavais desse tempo

eram festejados

No Acampamento do DNOCS até o Padre Guilherme construir o clube da cidade. A partir da gestão do prefeito Otacílio Rodrigues o carnaval também ocorreu no quadro de comércio. E também me lembro que na Rua dos Banheiros era uma matinê, era assim, no domingo tinha uma festinha ali aí depois foi pra o quadro de comércio (DONA ADEVANI, 2007).

O Acampamento do DNOCS também promovia as Festas Juninas, igualmente com a

presença de vários habitantes da vila de Curema através dos convites recebidos. Não obstante,

vale ressaltar que havia as Festas Juninas nos sítios, onde vigoravam os tradicionais “arrasta-

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pés”, com conjunto musical com triângulo, sanfona e zabumba; as fogueiras; os balões e os

fogos de artifícios.

Dona Zefinha conta que as Festas Juninas mais “faladas” eram as do Acampamento do

DNOCS. Tinha quadrilha, casamento de matuto, bebidas, churrascos, tudo na pracinha do

clube. Dona Zefinha diz que “era muito bonito ali, muito bem organizado, tudo cobertinho de

palha, mas muito bem feito, calçado de cimento, tudo bem organizado ali, tinha bar, tinha

banheiro de homem, banheiro de mulher” (DONA ZEFINHA, 2007). Portanto, percebe-se o

diferencial das festividades do Acampamento do DNOCS, sendo marcadas por certo

ordenamento e com boas condições de infra-estrutura. A Figura 58 mostra o casamento

matuto, tão representativo das Festas Juninas desses tempos:

Figura 58: Casamento matuto em Festa Junina, Acampamento do DNOCS, 1950.

Fonte: Acervo particular da Senhora Eliracir Oliveira Ferreira.

Quanto ao cortejo laico citado anteriormente, isto é, a Festa Cívica em comemoração à

Independência do Brasil, a chamada “Semana da Pátria”, destaca-se aqui que este evento era

promovido pela Escola Estadual de Primeiro Grau Cônego Bernardo, localizado na vila de

Curema e pela Escola Arrojado Lisboa, situada no Acampamento do DNOCS. Nesta

comemoração cívica, percebe-se igual participação destes dois espaços. Dona Zefinha conta

que os alunos do Acampamento do DNOCS se organizavam e desciam para a vila de Curema:

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Formava um grupo aqui no DNOCS e descia pra rua, o tempo todinho pulando, ó descia as bailarinas, tudinho e se encontravam lá na rua. Eles saíam daqui, rodeava o DNOCS todinho, passava por cima da barragem do açude e se encontravam lá na rua em frente ao colégio e continuava a marcha por lá (DONA ZEFINHA, 2007).

Na “rua”, os alunos do DNOCS e da vila desfilavam por toda a Rua Getúlio Vargas e

entravam na Rua Capitão Antônio Leite. Em meio à marcha, havia os demais rituais cívicos:

Mas sempre no dia 7 tinha poesia, as meninas recitavam poesia sobre o dia 7 de setembro. Recitava muita poesia no meu tempo, eu mesma recitei muita poesia no dia 7 de setembro. Num certo ponto parava aí aquela criança recitava uma poesia, decorada. Poesia patriótica decorada, poesia falando do dia 7 de setembro (DONA ELIRACIR, 2007).

A festividade que ocorria unicamente na vila de Curema, onde havia o

comparecimento de todos os habitantes, inclusive a presença unânime dos habitantes da zona

rural, era Festa da Padroeira Santa Rita de Cássia. A pequena vila era preparada para esta

festividade, onde existia a festa profana, com os parques de diversão, e o fervor religioso na

parte sagrada, através especialmente da procissão da santa. Esta festa era organizada pelo

padre e auxiliada pelo chefe do DNOCS.

A Festa de Santa Rita de Cássia era celebrada no mês de Outubro21, embora em

algumas ocasiões tenha ocorrido em outras datas, como no mês de Agosto ou Novembro.

Nesse sentido, relata o Livro de Tombo:

De 23 a 27 de Novembro de 1955 realizou-se a Festa da Padroeira Santa Rita, que por motivos superiores não foi celebrada no tempo próprio. Revestindo-se de grande entusiasmo, despertando grande interesse por parte dos fiéis. Organizaram-se dois partidos – “Alegria” e “Saudade” – tomando cada uma pessoa o pavilhão de sua simpatia. A parte religiosa da festa foi celebrada solenemente, tendo contado com grande ________ de fiéis. Houve pregações diariamente e considerável número de comunhões. A parte social da festa foi confiada às Zeladoras do Apostolado da Oração e a Pia União das Filhas de Maria. Houve uma renda líquida de $ 73. 110, 00, importância destinada a saldar alguns defeitos da Igreja e a continuar os trabalhos do fôro da Matriz já em parte concluído. O restante do dinheiro [...] (LIVRO DE TOMBO, 1955).

A Festa da Padroeira do ano seguinte foi descrita de maneira semelhante:

21 De acordo com o calendário, o dia de Santa Rita de Cássia é 22 de Maio, portanto, quando devia ocorrer a festa de homenagem. Porém, a Festa de Santa Rita de Cássia da cidade de Coremas foi transferida nestes tempos para o mês de Outubro em virtude da safra do algodão, que ocorria neste mês. Dessa maneira, os lucros obtidos com o algodão financiavam os gastos necessários para a festa.

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De 3 a 11 de outubro, conforme fôra programado, realizou-se, com grandes solenidades, e em clima de profunda harmonia, a tradicional festa de Santa Rita, ínclita Padroeira desta Paróquia. Às 19 horas do dia 3, foi asteada a Bandeira da Festa com a presença do Pároco ______ tendo comparecido grande número de pessoas, tendo inicio nesse momento as solenidades religiosas da festa. Todo o novenário foi celebrado solenemente com a presença do pároco, com pregação diariamente... Houve grande número de comunhões durante o período da festa, elevando-se a um número superior[...] A parte social da festa constou de dois animados Pavilhões: Brasil e América que despertaram grande entusiasmo de todos os habitantes da Paróquia que se deliberaram em trabalhar decididamente pelo brilhantismo da festa. O resultado financeiro da festa excedeu a expectativa de todos, e dada a avultada importância que rendeu serviu de admiração e de exemplo de “dedicação” e “generosidade” do bom povo coremense. (LIVRO DE TOMBO, 1956).

O mês de Outubro tornou-se o período definitivo devido à safra de algodão e os lucros

auferidos pela mesma. Este fato é relembrado pela Senhora Eliracir:

Nesse tempo tinha muito algodão, o povo vendia muito algodão, aí, ia para o rendimento da festa. Por isso que a Festa de Santa Rita foi pra o mês de outubro, porque era o tempo que vendia algodão, era o tempo de comprar roupa nova, porque nesse tempo o povo só fala em roupa nova na Festa de Santa Rita. Era o tempo que o comércio vendia mais, nesse tempo não era muita confecção, vendia a fazenda, o tecido e mandava fazer as roupas, as costureiras que fazia as roupas, não tinha essas confecções que tem hoje não (DONA ELIRACI, 2007).

As solenidades sagradas se davam na igreja e no seu adro, com a procissão da santa

percorrendo toda a vila. Ao passo que as festividades profanas se davam no adro da igreja até

o largo em frente à Rua Capitão Antônio Leito, atual Praça Félix Rodrigues, onde se

instalavam os parques de diversão, composto basicamente por Carrossel e Roda Gigante.

Conta a Senhora Adevanir que “ali ficava o carrocel de Mane Bernadite, a Roda Gigante de

Emídio, tinha as canoas. As músicas ficavam lá em cima, em frente a igreja. Tinha aquelas

difusoras do namorado mandando mensagem pra o namorado, oferecendo música.

Marisa...!!!” (SENHORA ADEVANIR, 2007).

No largo em frente à igreja, era construído um coreto de madeira coberto de palha,

feito geralmente pelo chefe do DNOCS. Neste coreto, tocavam e cantavam os músicos vindos

da cidade de Piancó. Recorda Dona Zefinha que:

[...] de frente da igreja só tinha mesmo esse coretozinho pra fazer a festa, muita bandeira, essas coisas enfeite e muita barraquinha. Tinha a barraca verde, amarelo e branco aí tinha as garçonetes aí aquela disputa... cada qual

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que trabalhava pra igreja e era uma brigando uma pelas outras pra ver quem ganhava mais, sabe? (DONA ZEFINHA, 2007).

Por sua vez, a Senhora Adevanir descreve o que mais guarda da Festa da Padroeira

Santa Rita de Cássia:

Vinha orquestra de Piancó pra festa de Santa Rita. Chegava na quinta-feira, que era a primeira noite. Aí tinha o asteamento da bandeira, que era [...] quando começava as barracas, que era quinta, sexta sábado e domingo, terminava no domingo. Aí a orquestra vinha, tocava ás cinco horas da manhã, doze horas do dia cinco da tarde, que era a alvorada. Aí quando era a noite ia pra praça. Agora não tinha essa praça não. Botava os tambô, o pessoal do DNOCS, aí botava aquelas taba (DONA ADEVANI, 2007).

Embora esta festa ocorresse na vila de Curema, na fala dos entrevistados percebe-se a

contribuição e auxílio do DNOCS. Contam os entrevistados que, como os largos eram de

“chão batido”, ou seja, de terra, um carro pipa vinha do DNOCS para jogar água nas ruas e

largos e que a apuração da festa era feita no DNOCS.

Verifica-se, através dos registros do Livro de Tombo, que a Festa de Santa Rita de

Cássia, além de aglomerar na vila de Curema os habitantes da zona rural, trazia também

religiosos de outros lugares e marcavam presença as pessoas do DNOCS:

A Festa da Padroeira do dia 15 a 25 de Agosto do ano de 1946: Foi um belo movimento. Vários sacerdotes aqui estiveram presentes. Assim, contamos com o auxílio valioso do Senhor Antônio Costa, vigário de _____ no Estado do Ceará, o Padre Manuel Otaviano, vigário em Piancó, o Senhor Bartolomeu, sacerdote salesiano,diretor do ginásio Senhor Rolim em Cajazeiras e o Frei Álvaro Formiga. A parte espiritual da festa teve o seu brilho particular diante do avultado número de fiéis que procurou se aproximar do banquete eucarístico, numa homenagem à excelsa padroeira. Todo o povo se uniu para festejar a Santa Rita. Entre tantos colaboradores quero salientar a figura bondosa do Dr. Egberto Carneiro da Cunha e todo o corpo de auxiliares do D.N.O.C.S. que se empenharam em auxiliar na medida do possível a festa. Os acordes harmoniosos da filarmônica do vizinho povoado, de Boqueirão dos Côxos, deram uma tonalidade toda de alegria, ao ambiente já movimentado desta vila de Curemas. A renda total da festa com os donativos, isto é, gado, madeira, etc... chegou a calculadamente __________(setenta mil cruzeiros) que serão aplicados nas obras de reconstrução do templo de Santa Rita de Cássia (LIVRO DE TOMBO, 1946).

Antes de encerrar, faz-se necessário registrar algumas anotações a respeito das

vaquejadas, que era um evento periódico em Coremas, ocorrendo inicialmente na antiga Rua

do Rio (Rua Capitão Antônio Leite) e posteriormente na antiga Rua da Salgadeira (Rua 04 de

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Abril). Sabe-se que, além das festividades que estavam dentro do calendário religioso,

destacam-se no Sertão nordestino as vaquejadas, resultado da atividade pecuária dominante

nesta região. Surgiu nos séculos XVII e XVIII nas fazendas de gado com o nome de “festa da

apartação”. Nas palavras de Maia:

A festa da apartação, que dá origem à vaquejada, constituía-se em uma reunião de vaqueiros que, ao final do dia, geralmente em frente à casa da fazenda, festejavam as perseguições e derrubadas [...] Esse agrupamento de vaqueiros podia demorar semanas reunindo o gado com episódios “empolgantes de correrias vertiginosas”. (MAIA, 2000, p. 242).

Vale salientar que a apartação do gado foi resultado do sistema de criação, onde o

gado era criado solto, ou seja, não havia cerca separando as fazendas. Dessa maneira, a

apartação tinha a função de separar o gado dos respectivos donos. Sobre a atividade da

apartação, descreve Câmara Cascudo:

[...] Consistia na identificação do gado de cada patrão dos vaqueiros presentes. Marcados pelo ‘ferro’ na anca, o ‘sinal’ recortado na orelha, a ‘letra’ da ribeira, o animal era reconhecido e entregue ao vaqueiro. A reunião da tantos homens, ausência de divertimentos, a distância vencida, tudo concorria para aproveitar-se o momento. Era um jantar sem fim, farto e pesado, bebidas de vinho tinto e genebra, aguardente e ‘cachimbo’ (aguardente com mel de abelha) (CASCUDO, 1969, p. 78).

Percebe-se, nos dias da apartação do gado, a presença da festa. O que significa dizer

que existia a disputa entre os vaqueiros, onde cada um exibia sua habilidade e havia também o

momento de descontração, de alegria, de conversas e da bebida. Daí Maia afirmar que “[...] a

vaquejada, em sua origem, portanto, guarda o sentido da festa na sua concepção mais nata

(MAIA, 2000, p. 247).

A partir do século XIX, com a chegada da cultura do algodão no Sertão nordestino,

ocorrem algumas mudanças nas fazendas, como, por exemplo, o cercado de arame e a cerca

divisória, cada vez mais presente, extinguindo paulatinamente as fazendas sem fronteiras,

onde os gados de diversos donos se misturavam. Assim, podia-se pensar que não eram mais

necessárias as apartações de gado, todavia, esta prática seguiu, pois o gado continuou sendo

criado solto nas áreas extensas do fazendeiro e precisava ser selecionado para a venda nas

feiras das cidades próximas. Maia assinala que “mesmo depois que vieram as cercas e

separaram as propriedades e também o gado de cada fazenda, a vaquejada, manteve-se até a

década de cinqüenta deste século como na sua essência (MAIA, 2000, p. 248).

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Portanto, a vaquejada origina-se nas fazendas do Sertão Nordestino como atividade do

vaqueiro e tão logo se faz enquanto festa. Era organizada pelo proprietário da fazenda e

imperava o prazer em correr, perseguir e derrubar o boi. Nestas vaquejadas, foi se

aglomerando um público junto aos vaqueiros, que bebia e dançava. E assim seguiram até a

década de 1950. Esta data é marcada como o período em que as vaquejadas vão deixando as

fazendas e passando para as cidades próximas das áreas de criação de gado, ou seja, para as

localidades que ficavam em torno das fazendas. Sobre esta novidade, declara Maia:

Quando as fazendas deixam de ser o locus de toda a dinâmica social e as cidades – mesmo aquelas menores e menos expressivas – começam a centralizar a vida econômica e social, a festa da vaquejada passa a ser também nas cidades. Em princípio, ela vai para a cidade mais próxima, com muito mais expressão de campo do que de cidade (MAIA, 2000, p. 250).

Na vila de Curema e posteriormente na cidade de Coremas aconteciam anualmente as

vaquejadas, sendo registradas aqui pelas fontes orais aquelas da década de 1950. Tiveram

início na antiga Rua do Rio, atual Rua Capitão Antônio Leite e depois foram transferidas para

a antiga Rua da Salgadeira, hoje Rua 04 de Abril. Dona Zefinha relembra:

A vaquejada aqui era na rua, na Rua Capitão Antônio Leite, os currais ficava na época em frente da delegacia, ali onde hoje é a prefeitura. O gado corria ali dentro da rua, era tudo na terra batida. Era muito divertido, era bom demais, o povo assistia das calçadas, assistia das janelas, encostado na cerca, muita gente, era muito animado aqui (DONA ZEFINHA, 2007).

Por sua vez, o Senhor Manoel Cabaceiro aponta que as vaquejadas “passaram depois

para a Rua da Salgadeira, quando eles tiraram de dentro da Rua Capitão Antônio Leite,

quando Curema passou a cidade, foi que eles botaram lá naquela outra rua do açougue”

(SENHOR MANOEL CABACEIRO, 2007). Assim, as vaquejadas ocorridas inicialmente em

Coremas se encontram no contexto histórico ressaltado por Maia:

[...] a vaquejada passa a ser realizada nas pequenas cidades do interior do Nordeste naquelas que mais se mostravam como extensão das fazendas e onde geralmente o prefeito era fazendeiro nos seus arredores. Esses eventos eram realizados nas cercanias das cidades interioranas, onde se instalava um curral para colocar o gado, um grande cercado onde corria o para de vaqueiros, cada um em seu cavalo e a rês, onde se dava a derrubada do boi e para onde convergiam as pessoas das fazendas e das cidades vizinhas. Era uma real transposição do que ocorria na fazenda para a cidade. Os cavalos eram cavalos de campo e o chão de terra batida e cascalho (MAIA, 2000, p. 231).

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Enfim, a cidade de Coremas, enquanto localidade inserida no Sertão nordestino,

possuía suas festividades anuais e tradicionais ligadas ao calendário religioso. Após a

construção dos açudes e do Acampamento do DNOCS, as festividades irão se caracterizar

também pela fragmentação espacial e social. Estes dois fatores, ou seja, os rituais religiosos

juntos às diversões profanas típicas das festas tradicionais do Sertão e a divisão das festas

entre dois espaços, são os elementos que caracterizam o lugar aqui estudado. E a vaquejada,

ocorrida especialmente nas ruas da vila e posterior cidade de Coremas é uma expressão da

forte presença da pecuária e dos costumes rurais como fatores determinantes na cultura do

Sertão nordestino, não só nas fazendas, mas também nos povoados, vilas e cidades.

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CONSIDERAÇÕES FINAIS

Esse trabalho buscou especialmente analisar os processos históricos, econômicos e

políticos que levaram ao surgimento da cidade de Coremas. Nesta senda, foram feitas

reflexões sobre a origem e caracterização do povoado do Boqueirão do Curema, sobre a vila

de Curema, assim como a respeito das novidades trazidas pelos açudes Curema e Mãe

D’Água e pelo Acampamento do DNOCS. Igualmente, houve a intenção de identificar as

principais características urbanas e a vida dos habitantes da cidade de Coremas até a década

de 1950.

As pesquisas realizadas consistiram no levantamento de fontes de análise tais como

documentos oficiais, fotografias, bibliografias e os registros orais. Ao lado dessas buscas,

destacou-se também o trabalho de campo através da observação da paisagem. Todos esses

recursos possibilitaram a elaboração do trabalho final ora escrito, apresentando os resultados

finais e ao mesmo tempo constatando a necessidade de novas pesquisas. Espera-se, assim, ter

colaborado com alternativas metodológicas importantes, visto que a História Oral adquiriu

relevância especial neste trabalho, possibilitando uma fonte complementar de análise,

suprindo a carência de documentos oficiais.

O núcleo inicial da cidade de Coremas, ou seja, o povoado do Boqueirão do Curema,

surgiu no contexto da ocupação do Sertão paraibano através das fazendas agropecuárias.

Logo, estas fazendas foram a base da estruturação espacial do Sertão paraibano, despontando,

a partir delas, povoados, vilas e pequenas cidades. Nos núcleos urbanos iniciais do Sertão

nordestino, o primeiro elemento a surgir e determinar a configuração espacial e a vida dos

habitantes foi a igreja, erguendo-se, na maioria das vezes, na forma de uma simples capela. O

povoado do Boqueirão do Curema surgiu de uma parte de terra doada pelo português Manuel

Gonçalves Piranha, conhecida pela denominação de “Data de Curema”, na qual foi edificada a

capela de Santa Rita de Cássia em meados do século XIX, estando localizado à margem

direita do Rio Piancó.

No transcorrer do século XX, sobretudo a partir da década de 1930, muitos dos

pequenos povoados do Sertão paraibano vão elevar-se à categoria de vilas. Uma razão para

esse acontecimento foi o desenvolvimento econômico destes povoados em virtude da cultura

algodoeira, gerando certa dinâmica de mercado nestas povoações, a exemplo das feiras livres.

Evidentemente, outro fator de importante menção foi o interesse político- administrativo por

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parte do poder local. Além das causas acima citadas, teve importância para a elevação do

Povoado do Boqueirão do Curema à vila de Curema o início da construção do Açude Curema,

que trouxe um aumento populacional. Portanto, com a feira livre estabelecida, gerando uma

maior dinâmica no comércio, e com o aumento do número de habitantes e de casas

ocasionado pela construção do Açude Curema e a edificação do Acampamento do DNOCS, o

povoado do Boqueirão do Curema foi elevado à condição de vila de Curema em 1938.

A existência da vila de Curema ocorre simultaneamente à construção dos açudes

Curema e Mãe D’Água, que começam a ser construídos respectivamente nas décadas de 1930

e 1940. E é este acontecimento o principal responsável por dar à vila de Curema as condições

de elevar-se à cidade de Coremas no ano de 1954, visto que houve um aumento populacional,

a elevação do número de casas e a chegada de alguns elementos modernos, expressos no

espaço, sobretudo, através da edificação do Acampamento do DNOCS. Assim, percebe-se o

crescimento da vila de Curema movido pelo capital nacional, numa localidade onde

permaneciam as mesmas estruturas políticas e econômicas, baseadas respectivamente nas

relações mandonistas e clientelistas e na agropecuária, sendo o campo o lugar de maior

dinâmica econômica. Em suma, o que existia de mais urbano na vila de Curema eram os

melhoramentos trazidos especialmente pelo DNOCS, no mais, era um locus dependente do

espaço rural, com movimento maior nos dias de feira livre, quando as pessoas da zona rural

vinham vender seus produtos. Era no espaço rural que estavam localizados a maior dinâmica

econômica e o maior número de habitantes.

As ações reivindicatórias para a criação da cidade de Coremas foram levadas a cabo

pelo poder local, que se utilizou das melhorias trazidas pelo DNOCS para defender a

existência de elementos urbanos que davam à vila de Curema as condições de tornar-se uma

cidade. Este poder local era representado especialmente pelos fazendeiros agropecuaristas

locais, que também eram comerciantes do que produziam. A cidade de Coremas surgiu em

1954 e tinha seu espaço urbano formado pelo núcleo inicial, com a igreja em seu centro, os

bairros de Cureminha, Pombalzinho e Bela Vista em processo inicial de formação e o

Acampamento do DNOCS.

Foi analisado neste trabalho o desenho urbano inicial da cidade de Coremas, que

consistia na presença central da capela, com a Rua da Igreja (hoje as ruas Manoel Cavalcante

e Getúlio Vargas) e a Rua do Rio (atualmente a Rua Capitão Antônio Leite). Neste momento,

verificou-se que a morfologia urbana, embora surgisse sem obediência a uma ordenação,

possuía certa lógica. Esta se repetia em outros povoados e vilas de Sertão nordestino, sendo as

seguintes: orientação próxima aos rios; a implantação da capela com a fachada frontal voltada

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para um largo, que se constituiu no eixo central de estruturação do traçado do povoado;

quadras retangulares e alongadas e regularidade na expansão do povoado. Ao mesmo tempo,

notou-se que o plano inicial da cidade de Coremas possuiu uma adequação às condições

topográficas da área e uma irregularidade geométrica das ruas, como resultado da falta de

Código de Posturas ou qualquer ordenação que ditasse o arruar e o construir.

A formação das primeiras e principais ruas de Coremas deu-se através do lento

preenchimento dos intervalos vazios entre uma casa e outra, com a construção de edificações

comerciais e residenciais, expressando a vida social nelas existente, destacando-se o aumento

do número de casas a partir do ano de 1936, conforme foi comprovado pelas escrituras

públicas da época. O Acampamento do DNOCS consistia na configuração de três ruas, a Rua

“U” ou Rua dos Engenheiros; a Rua “R” ou Rua 16, por possuir 16 casas, na qual residiam os

funcionários da parte administrativa e a Rua “S” ou Rua Mecânica, composta pelas

residências dos operários, os prédios das oficinas e as garagens.

No que toca à vida dos antigos habitantes, nas décadas de 1940 e 1950, Coremas era

um lugar de pouca urbanidade, com um comércio de pequena dinâmica e movimentação

maior nos dias da feira livre. Igualmente como ocorreu com as cidades e vilas do Período

Colonial, a cidade de Coremas era marcada pelo catolicismo, suas rezas e cerimônias

religiosas, materializadas no espaço pela Igreja de Santa Rita de Cássia.

Ao lado da tradição católica, a vida dos habitantes era marcada também pelas relações

clientelistas e mandonistas, sendo o poder local representado pelos proprietários

agropecuários, o padre o os “doutores” do DNOCS, inserindo-se no imaginário coletivo e

fazendo parte da vivência do lugar. Esta sociedade, marcada pela religiosidade católica e os

privilégios sociais, vai ser muito bem representada em dois espaços formadores da cidade de

Coremas, isto é, a vila de Curema e o Acampamento do DNOCS.

Ao lado destes fatores, havia as particularidades do lugar, onde se revelou a vivência

estabelecida entre a vila de Curema e o Acampamento do DNOCS. Com a construção dos

açudes e do Acampamento do DNOCS, a pacata vila de Curema passou a conviver com mais

moradores, começou a conhecer novos costumes e linguagens. A chegada de novos

profissionais, ao lado de suas famílias, e a presença do Acampamento do DNOCS trouxeram

à vila de Curema elementos típicos do mundo urbano, constituindo um lugar com

particularidades marcantes.

A partir de então, passou a existir um espaço fragmentado, ou seja, a vila de Curema

representando o tradicional e o local e o Acampamento do DNOCS, significando o moderno e

o urbano. O espaço fragmentado gerou uma sociabilidade distinta na vila de Curema e no

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Acampamento do DNOCS. Isso pode ser visto em vários aspectos da vida social, sendo as

festividades um dos melhores exemplos. As festas e diversões eram realizadas no clube do

Acampamento do DNOCS e/ou na vila de Curema. As festas tomadas aqui como exemplos

são, sobretudo, aquelas anuais, ligadas ao calendário religioso, ou seja, as festas tradicionais

brasileiras. Na cidade de Coremas, em virtude da edificação do Acampamento do DNOCS, as

festividades foram distribuídas em dois espaços, o que promoveu também uma diferenciação

em seu modelo de organização e sociabilidade.

Enfim, a cidade de Coremas, enquanto localidade inserida no Sertão nordestino,

possuía suas festividades anuais e tradicionais ligadas ao calendário religioso. Após a

construção dos açudes e do Acampamento do DNOCS, as festividades irão se caracterizar

também pela fragmentação espacial e social. Estes dois fatores, ou seja, os rituais religiosos

junto às diversões profanas típicas das festas tradicionais do Sertão e a divisão das festas em

dois espaços são os elementos que caracterizam o lugar aqui estudado. E a vaquejada,

ocorrida especialmente nas ruas da vila e posterior cidade de Coremas é uma expressão da

forte presença da pecuária e dos costumes rurais como fatores determinantes na cultura do

Sertão nordestino, não só nas fazendas, mas também nos povoados, vilas e cidades.

Espera-se ter deixado, através deste trabalho, uma contribuição ao estudo das cidades

pequenas na perspectiva da Geografia Urbana, em especial, da Geografia Histórica das

pequenas cidades. Pela carência de estudos a respeito da análise de alguns processos

históricos relacionados à formação da cidade de Coremas em seus anos iniciais, este trabalho

focou um tempo passado, ao mesmo tempo em que verificou a necessidade de estudos sobre

os tempos mais atuais. Ao terminar este trabalho, evidencia-se a urgência de continuidade de

estudos, representando esta pesquisa as bases iniciais. Ao mesmo tempo, fica o anseio por um

estudo da cidade de Coremas que abranja desde os tempos de sua criação, no ano de 1954, aos

dias atuais. E cada um dos elementos de análise desta pesquisa pode ser aprofundado através

da História Oral.

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APÊNDICES

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APÊNDICE A Formulário da entrevista feita com os habitantes da cidade de Coremas

Mestranda: Rita de Cássia Gregório de Andrade

DADOS DO ENTREVISTADO:

Nome: _______________________________________________

Data de Nascimento: ____/_____/_____

Profissão: _____________________________________________

Endereço: _____________________________________________

Desde quando reside em Coremas: __________________________

Telefone/ Forma de Contato: ______________________________________________

I – SOGRE A VILA DE CUREMAS E O ACAMPAMENTO DO DNOCS

1. Como era a vila de Curemas antes da construção dos açudes e da edificação do Acampamento do DNOCS?

2. Quais as características do Acampamento do DNOCS?

3. Qual a diferença entre a vila de Curemas e o Acampamento do DNOCS, no período de 1940 a 1959?

II – SOBRE A VIDA COTIDIANA (de 1940 a 1959)

4. Como era o dia-a-dia na vila de Curemas e no Acampamento do DNOCS?

5. Qual a influência da igreja e seus rituais na vida dos habitantes?

6. Como e onde se davam as festividades? Ex.: Carnaval, festas juninas, sete de setembro e festa da padroeira.

7. Como era a relação entre os habitantes da vila de Curemas e do Acampamento do DNOCS?

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III – SOBRE A EMANCIPAÇAO DE CUREMAS

7. Você participou ou sabe algo a respeito da emancipação de Curemas?

8. Lembra como se deu a separação do município de Piancó?

9. O que acha que mudou a partir do momento que Curemas virou sede de município?

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APÊNDICE B Lista de Entrevistados

Mestranda: Rita de Cássia Gregório de Andrade

Dona Zefinha: Nome: Josefa Maria de Albuquerque

Data de Nascimento: 16/12/1934

Profissão: Dona de Casa

Endereço: Rua 16, n° S/N – Acampamento DNOCS – Coremas, PB

Reside em Coremas: Desde 1952

Dona Adevani: Nome: Adevani Diniz Oliveira

Data de Nascimento: 25/07/1936

Profissão: Atendente

Endereço: Rua Maria Barbosa, Bairro do Cureminha – Coremas, PB

Reside em Coremas: Desde que nasceu

Dona Eliraci: Nome: Eliraci Oliveira Ferreira

Data de Nascimento: 06/10/1938

Profissão: Professora

Endereço: Rua Marlene, Centro – Coremas, PB

Reside em Coremas: Veio morar em Coremas com 10 meses

Dona Margarida: Nome: Margarida Garrido de Andrade

Data de Nascimento: 22/05/1925

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Profissão: Costureira, comerciante e agricultora

Endereço: Rua Manoel Cavalcante, Centro – Coremas, PB

Reside em Coremas desde: 1938

Dona Maria: Nome: Maria Francisca da Silva

Data de Nascimento: 1940

Profissão: Dona de Casa

Endereço: Rua João Salviano, Centro – Coremas, PB

Senhor Zé Travassos: Nome: José Travassos de Arruda

Ano de Nascimento: 1906

Profissão: Trabalhou na construção dos açudes e por muito tempo dedicou-se ao ofício de

concertar relógios

Endereço: Rua Manoel Cavalcante, Centro – Coremas, PB.

Reside em Coremas: Desde o nascimento

Nota: O Senhor José Travassos faleceu neste ano, contando com 102 anos. Viveu toda a sua

vida ao lado de sua família na cidade de Coremas, na casa por ele construída no início do

século XX. Sempre viveu na Rua Manuel Cavalcante, onde construiu a casa que foi durante

muito tempo uma das mais bonitas da cidade, sendo hoje uma das mais antigas e intactas em

seu interior, visto que a fachada foi derrubada há pouco tempo. O Senhor Zé Travassos

trabalhou na construção dos açudes e por muito tempo dedicou-se ao ofício de concertar

relógios.

Senhor Zé Caboclo: Nome: José Virgulino

Ano de Nascimento: 1922

Profissão: Agricultor

Endereço: Sítio Pau Ferrado – Pombal, PB

Reside em Coremas: Desde o nascimento

Nota: Agricultor que vive e trabalha em Coremas desde o berço, sendo morador do sítio Pau

Ferrado. É preciso anotar que o sítio Pau Ferrado, embora pertença ao Município de Pombal,

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tem uma população mais interligada à cidade de Coremas, devido à maior proximidade com a

mesma. O Senhor José Caboclo, além de homem trabalhador, dedicado à agricultura desde

sua meninice, trabalhou nos engenhos como cortador de cana-de-açúcar, auxiliando também

na fabricação de rapaduras durante as moagens, durante os anos de 1930, 1940 e 1950. Neste

ofício, ele trabalhou nos engenhos do Senhor José Gregório de Andrade e do Senhor Renato

Ramalho. Além de homem dedicado ao trabalho, é conhecido na zona rural onde vive por sua

inclinação para contar histórias, sendo uma pessoa carismática e de acentuada inteligência.

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ANEXO

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Jornal A União Quinta-feira, 31 de Dezembro de 1953

CRIANDO O MUNICÍPIO DE CUREMA

SANCIONADA PELO GOVERNADOR, ONTEM, A LEI DE AUTONOMIA DO

IMPORTANTE DISTRITO - OS ORDENADORES - NOTAS

PELO Governador João Fernandes de Lima, foi sancionada, à tarde de ontem, no

Palácio da Redenção, a lei que cria o novo Município de Curema, desmembrado do Município

de Piancó.

O ato que teve caráter solene deu ensejo a que se fizesse ouvir a palavra do

Governador João Fernandes de Lima, que ressaltou a importância do acontecimento,

congratulando-se ao mesmo tempo com os habitantes da nova comuna sertanêja pela obtenção

de sua independência político-administrativa. Fizeram-se ouvir, ainda, na ocasião, os

deputados Djacir Arruda e Antonio Montenegro.

Estiveram presentes à solenidade de criação do Município de Curema, Secretarios do

Estado, Chefes de Serviço, Parlamentares, e outras pessôas de representação política e social

desta capital e do município recém-criado.

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Lei N° 1005, de 30 de Dezembro de 1953.

O GOVERNADOR DO ESTADO DA PARAÍBA

Faço saber que o Poder Legislativo decreta e eu sanciono a seguinte lei: Art. 1° - Fica criado o Município e a Comarca de Coremas, com sede na atual vila de igual nome, e levada à categoria de cidade. Art. 2° - O município de Coremas terá os limites do atual distrito, de acordo com a Lei N° 318, de 07 de Janeiro de 1949. Art. 3° - Enquanto não se verificarem as eleições para Prefeito, Vice-prefeito e Vereadores do Município de Coremas, o Poder Executivo deste, será exercido por um Prefeito nomeado pelo Governador do Estado, que, além das atribuições próprias do cargo, poderá elaborar o Orçamento e expedir decretos leis “ad- referendum” da Câmara Municipal. Art. 4° - As eleições para constituição dos poderes inerentes ao novo município, realizar-se-ão em data designada pelo Tribunal Regional Eleitoral, na forma da legislação em vigor. Art. 5° - O Município de Coremas constituirá, também de uma comarca de 1° Entrância, com todos os cargos indispensáveis, ao funcionamento da Justiça, previstos em Lei, cuja jurisdição respeitará os mesmos limites do referido Município. Art. 6° - Fica criado na Comarca de Coremas um Cartório de Público e Notas, Oficial de Registro de Imóveis, Registros Facultativos e Títulos e Documentos, de Protestos de Letras e Escrivão Cível, Órgãos e seus anexos, do Crime e Execuções Criminais. Art. 7° - Pertencerá a nova Comarca o atual Cartório de Registro Civil de Casamentos, Nascimentos e Óbitos do extinto Distrito de Coremas, respeitando os direitos do atual serventuário. Art. 8° - Fica extinto o sub-comissariado de Polícia da vila de Coremas e criado o Comissariado de polícia com os respectivos suplentes, na forma da lei vigente. Art. 9° - Esta lei entrará em vigor a partir de 04 de Abril de 1954, quando terá lugar a instalação do novo município de Coremas, comissariados e Cartórios. Art. 10° - Para ocorrer com as despesas da presente Lei, fica o Poder Executivo autorizado a abrir um crédito especial até a importância de Cr$ 200.000,00 (duzentos mil cruzeiros). Palácio do Governo do Estado da Paraíba, João Pessoa – PB, 30 de Dezembro de 1953, 65° ano da Proclamação da República, João Fernandes de Lima (Governador), Osias Nacre e João Guimarães Jurema.

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ELEVAÇÃO DO CURATO A PARÓQUIA DE SANTA RITA DE CÁSSIA

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