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Segunda Turma
RECURSO EM MANDADO DE SEGURANÇA N. 31.637-CE
(2010/0030412-1)
Relator: Ministro Castro Meira
Recorrente: Francisco Bezerra Cavalcante
Advogado: Schubert de Farias Machado e outro(s)
Recorrido: Estado do Ceará
Procurador: Maria José Rossi Jereissati e outro(s)
EMENTA
Tributário. Imposto de renda. Isenção. Art. 6º, inciso XIV, da Lei
n. 7.713/1988. Servidor em atividade que renunciou à aposentadoria.
Benefício fi scal que se interpreta literalmente.
1. A pessoa física que, embora seja portadora de uma das moléstias
graves elencadas, recebe rendimentos decorrentes de atividade, vale
dizer, ainda não se aposentou não faz jus à isenção prevista no art. 6º,
XIV, da Lei n. 7.713/1988.
2. Descabe a extensão do aludido benefício à situação que não se
enquadre no texto expresso da lei, conforme preconiza o art. 111, II,
do CTN.
3. Recurso em mandado de segurança não provido.
ACÓRDÃO
Vistos, relatados e discutidos os autos em que são partes as acima indicadas,
acordam os Ministros da Segunda Turma do Superior Tribunal de Justiça, por
unanimidade, negar provimento ao recurso ordinário, nos termos do voto do
Sr. Ministro Relator. Os Srs. Ministros Humberto Martins, Herman Benjamin
(Presidente), Mauro Campbell Marques e Diva Malerbi (Desembargadora
convocada TRF 3ª Região) votaram com o Sr. Ministro Relator.
Brasília (DF), 5 de fevereiro de 2013 (data do julgamento).
Ministro Castro Meira, Relator
DJe 14.2.2013
REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA
490
RELATÓRIO
O Sr. Ministro Castro Meira: O recurso em mandado de segurança foi
interposto contra acórdão proferido pelo Tribunal de Justiça do Estado de
Ceará assim ementado:
Mandado de segurança. Servidor em atividade portador de doença grave.
Isenção do imposto sobre a renda nos termos do art. 6º, inc. XIV, da Lei n.
7.713/1998; art. 47 da Lei n. 8.541/1992; e art. 30, § 2º da Lei n. 9.250/1995. Pedido
indeferido administrativamente pelo presidente do Tribunal de Justiça deste
Estado. Adequação do ato.
1. A autoridade tida como coatora detém legitimidade para fi gurar no pólo
passivo do mandamus, à medida que foi a responsável por editar o ato tido como
violador do direito líquido e certo do impetrante. Questão de ordem rejeitada.
2. A isenção pretendida é restrita aos portadores de moléstia grave na
inatividade. Precedentes do STJ.
3. Segurança denegada (e-STJ fl . 219).
O recorrente sustenta ter direito à isenção do imposto de renda por
ser portador de doença grave mencionada na norma isentiva mesmo para
aqueles que estejam em atividade. Alega que o art. 111 do CTN não pode
ser interpretado literalmente, sob pena de ofensa ao princípio da isonomia
preconizado no art. 150, II, da CF/1988. Aduz que o direito à isenção tem
por causa essencial a doença e não a aposentadoria. Requer a concessão da
segurança, juntando parecer do Professor Hugo de Brito Machado.
Ofertadas as contrarrazões (e-STJ fl s. 267-274), os autos subiram a esta
Corte.
O Ministério Público Federal opinou pela concessão da ordem, a fi m de
que continue sendo assegurado ao recorrente a isenção obtida no momento em
que passou para a inatividade, ou seja, na data em que implementou todos os
requisitos para obtenção do benefício fi scal (e-STJ fl s. 284-290).
É o relatório.
VOTO
O Sr. Ministro Castro Meira (Relator): O impetrante, ora recorrente,
portador de cardiopatia grave, requereu e obteve aposentadoria por invalidez,
Jurisprudência da SEGUNDA TURMA
RSTJ, a. 25, (230): 487-531, abril/junho 2013 491
mas esta foi cancelada, a seu pedido, porque optou por continuar trabalhando.
Requer a isenção do imposto de renda sobre os seus vencimentos, mesmo
permanecendo em atividade laboral, em razão da doença que lhe acomete.
É esta a dicção do dispositivo legal em exame:
Art. 6º Ficam isentos do imposto de renda os seguinte rendimentos percebidos
por pessoas físicas:
(...)
XIV - os proventos de aposentadoria ou reforma motivada por acidente em
serviço e os percebidos pelos portadores de moléstia profi ssional, tuberculose
ativa, alienação mental, esclerose múltipla, neoplasia maligna, cegueira,
hanseníase, paralisia irreversível e incapacitante, cardiopatia grave, doença de
Parkinson, espondiloartrose anquilosante, nefropatia grave, hepatopatia grave,
estados avançados da doença de Paget (osteíte deformante), contaminação por
radiação, síndrome da imunodefi ciência adquirida, com base em conclusão da
medicina especializada, mesmo que a doença tenha sido contraída depois da
aposentadoria ou reforma; (Redação dada pela Lei n. 11.052, de 2004).
A norma impõe a presença de dois requisitos cumulativos para a isenção
do imposto de renda: i) os rendimentos sejam relativos a aposentadoria, pensão
ou reforma; e ii) seja a pessoa física portadora de uma das doenças referidas.
Enquadrando-se nas condições legais, todo o rendimento é isento do tributo,
sem qualquer limitação. Por outro lado, não gozam de isenção os rendimentos
decorrentes de atividade, isto é, o contribuinte é portador de uma das moléstias,
mas ainda não se aposentou, como é o caso dos autos.
Não há como sufragar o posicionamento defendido pelo ilustre
Subprocurador-Geral da República Moacir Guimarães Morais Filho. A lei
é expressa ao referir-se à “proventos de aposentadoria” e, a seu turno, o art.
111, II, do CTN dispõe que se interpreta literalmente a legislação tributária
que disponha sobre outorga de isenção. Como ensina Carlos Maximiliano
(Hermenêutica e Aplicação do Direito), as normas de natureza fi scal “se aproximam
das penais, quanto à exegese; porque encerram prescrições de ordem pública,
imperativas ou proibitivas, e afetam o livre exercício dos direitos patrimoniais”.
A Primeira Seção desta Corte, diante o mesmo dispositivo legal
específico, embora focalizando as doenças elencadas no dispositivo legal,
negou a pretensão do contribuinte por considerar “interditada a interpretação
das normas concessivas de isenção de forma analógica ou extensiva, restando
consolidado entendimento no sentido de ser incabível interpretação extensiva
REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA
492
do aludido benefício à situação que não se enquadre no texto expresso da lei, em
conformidade com o estatuído pelo art. 111, II, do CTN”.
Oportunamente, esta é a ementa do julgado, submetido à sistemática dos
recursos repetitivos:
Tributário. Recurso especial representativo de controvérsia. Art. 543-C, do CPC.
Imposto de renda. Isenção. Servidor público portador de moléstia grave. Art. 6º
da Lei n. 7.713/1988 com alterações posteriores. Rol taxativo. Art. 111 do CTN.
Vedação à interpretação extensiva.
1. A concessão de isenções reclama a edição de lei formal, no afã de verifi car-se
o cumprimento de todos os requisitos estabelecidos para o gozo do favor fi scal.
2. O conteúdo normativo do art. 6º, XIV, da Lei n. 7.713/1988, com as alterações
promovidas pela Lei n. 11.052/2004, é explícito em conceder o benefício fi scal
em favor dos aposentados portadores das seguintes moléstias graves: moléstia
profi ssional, tuberculose ativa, alienação mental, esclerose múltipla, neoplasia
maligna, cegueira, hanseníase, paralisia irreversível e incapacitante, cardiopatia
grave, doença de Parkinson, espondiloartrose anquilosante, nefropatia grave,
hepatopatia grave, estados avançados da doença de Paget (osteíte deformante),
contaminação por radiação, síndrome da imunodeficiência adquirida, com
base em conclusão da medicina especializada, mesmo que a doença tenha sido
contraída depois da aposentadoria ou reforma. Por conseguinte, o rol contido
no referido dispositivo legal é taxativo (numerus clausus), vale dizer, restringe a
concessão de isenção às situações nele enumeradas.
3. Consectariamente, revela-se interditada a interpretação das normas
concessivas de isenção de forma analógica ou extensiva, restando consolidado
entendimento no sentido de ser incabível interpretação extensiva do aludido
benefício à situação que não se enquadre no texto expresso da lei, em
conformidade com o estatuído pelo art. 111, II, do CTN. (Precedente do STF: RE
n. 233.652-DF, Relator(a): Min. Maurício Corrêa, Segunda Turma, DJ 18.10.2002.
Precedentes do STJ: EDcl no AgRg no REsp n. 957.455-RS, Rel. Ministro Luiz Fux,
Primeira Turma, julgado em 18.5.2010, DJe 9.6.2010; REsp n. 1.187.832-RJ, Rel.
Ministro Castro Meira, Segunda Turma, julgado em 6.5.2010, DJe 17.5.2010; REsp n.
1.035.266.PR, Rel. Ministra Eliana Calmon, Segunda Turma, julgado em 21.5.2009,
DJe 4.6.2009; AR n. 4.071-CE, Rel. Ministro Teori Albino Zavascki, Primeira Seção,
julgado em 22.4.2009, DJe 18.5.2009; REsp n. 1.007.031-RS, Rel. Ministro Herman
Benjamin, Segunda Turma, julgado em 12.2.2008, DJe 4.3.2009; REsp n. 819.747-
CE, Rel. Ministro João Otávio de Noronha, Segunda Turma, julgado em 27.6.2006,
DJ 4.8.2006).
Jurisprudência da SEGUNDA TURMA
RSTJ, a. 25, (230): 487-531, abril/junho 2013 493
4. In casu, a recorrida é portadora de distonia cervical (patologia neurológica
incurável, de causa desconhecida, que se caracteriza por dores e contrações
musculares involuntárias - fl s. 178-179), sendo certo tratar-se de moléstia não
encartada no art. 6º, XIV, da Lei n. 7.713/1988.
5. Recurso especial provido. Acórdão submetido ao regime do art. 543-C do
CPC e da Resolução STJ n. 8/2008 (REsp n. 1.116.620-BA, Rel. Ministro Luiz Fux,
Primeira Seção, julgado em 9.8.2010, DJe 25.8.2010).
Guardadas as devidas particularidades, cito ainda os seguintes precedentes:
Tributário. Imposto de renda. Isenção. Portador de moléstia grave em atividade.
Art. 6º da Lei n. 7.713/1988. Interpretação extensiva. Impossibilidade.
1. O art. 6º, XIV, da Lei n. 7.713/1988 é claro ao isentar do Imposto de Renda os
“proventos de aposentadoria ou reforma” para os portadores de moléstias graves.
2. Segundo a exegese do art. 111, inciso II, do CTN, a legislação tributária que
outorga a isenção deve ser interpretada literalmente.
3. Agravo Regimental não provido (AgRg no REsp n. 1.208.632-SC, Rel. Ministro
Herman Benjamin, Segunda Turma, julgado em 16.11.2010, DJe 4.2.2011);
Recurso especial. Tributário. Licença para tratamento de saúde. Isenção. Leis n.
7.713/1988 e n. 8.541/1992. Impossibilidade. Interpretação restritiva. Art. 111 do
CTN.
1. A inexistência de lei específi ca que assegure a isenção de imposto de renda
sobre proventos de Licença para Tratamento de Saúde impossibilita a concessão
de tal benefício.
2. As Leis n. 7.713/1988 e n. 8.541/1992 tratam de hipóteses específi cas de
isenção, não abrangendo a situação dos autos.
3. As normas instituidoras de isenção, nos termos do art. 111 do CTN, por
preverem exceções ao exercício de competência tributária, estão sujeitas à regra
de hermenêutica que determina a interpretação restritiva em decorrência de sua
natureza. Não prevista, expressamente, pelas Leis n. 10.637/2002 e n. 10.833/2003
a exclusão dos juros de capital próprio da base de cálculo do PIS e da Cofi ns,
incabível fazê-lo por analogia. Precedente: REsp n. 921.269-RS, Rel. Min. Francisco
Falcão, DJ 14.6.2007, p. 272.
4. Recurso especial não provido (REsp n. 1.212.976-RS, minha relatoria,
Segunda Turma, julgado em 9.11.2010, DJe 23.11.2010);
Tributário. Imposto de renda pessoa física. Isenção. Art. 6º, XIV, da Lei
n. 7.713/1988. Portador de paralisia incapacitante. Marco inicial. Data da
aposentadoria. Interpretação restritiva conforme o art. 111, II, do CTN.
Precedentes.
REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA
494
1. No caso dos autos, o recorrido, servidor público, foi acometido por paralisia
incapacitante, que foi constatada por perícia médica em 22.12.2002, tendo
se aposentado em 15.9.2005. O Tribunal a quo concedeu a isenção pleiteada
retroagindo seus efeitos à data da constatação da doença.
2. À vista do art. 111, II, do CTN, a norma tributária concessiva de isenção deve
ser interpretada literalmente, sendo que, na hipótese, ao conceder a isenção do
imposto de renda a partir da data da comprovação da doença, a Corte a quo
isentou a remuneração do servidor, o que vai de encontro à interpretação do art.
6º, XIV, da Lei n. 7.713/1988, que prevê que a isenção se dá sobre os proventos de
aposentadoria e não sobre a remuneração.
3. Recurso especial provido (REsp n. 1.059.290-AL, Rel. Ministro Mauro
Campbell Marques, Segunda Turma, julgado em 4.11.2008, DJe 1º.12.2008).
À falta de previsão legal expressa dessa hipótese de exclusão do crédito
tributário, o pleito não pode ser acolhido.
Por fi m, nada há de inconstitucional na norma. Além de ter supedâneo na
Constituição da República (art. 150, § 6º), inexiste isonomia entre a situação do
impetrante, que ainda se encontra em atividade, com as benesses do cargo de
Juiz de Direito, e os aposentados, tendo em vista que a fi nalidade do benefício é
diminuir o sacrifício dos defi nitivamente aposentados, aliviando-os dos encargos
fi nanceiros. Ademais, a parte fi nal do dispositivo legal (“mesmo que a doença
tenha sido contraída depois da aposentadoria ou reforma”) busca tão somente
afastar tratamento diferenciado entre os inativos.
Ante o exposto, nego provimento ao recurso em mandado de segurança.
É como voto.
RECURSO EM MANDADO DE SEGURANÇA N. 38.010-RJ
(2012/0100667-5)
Relator: Ministro Herman Benjamin
Recorrente: Raul Fonseca Machado e outros
Advogado: Eduardo Rocha Pançardes
Recorrido: Ministério Público do Estado do Rio de Janeiro
Jurisprudência da SEGUNDA TURMA
RSTJ, a. 25, (230): 487-531, abril/junho 2013 495
EMENTA
Administrativo. Improbidade. Inquérito civil. Investigação
decorrente de denúncia anônima. Evolução patrimonial incompatível
com os rendimentos. Agentes políticos. Ilícito que se comprova
necessariamente por análise de documentos. Harmonização entre a
vedação do anonimato e o dever constitucional imposto ao Ministério
Público. Possibilidade.
1. Cinge-se a controvérsia a defi nir se os recorrentes possuem o
direito líquido e certo de impedir o prosseguimento de Inquérito Civil
instaurado, após denúncia anônima recebida pela Ouvidoria-Geral
do Ministério Público do Estado do Rio de Janeiro, com a fi nalidade
de apurar possível incompatibilidade entre a evolução patrimonial de
agentes políticos e seus respectivos rendimentos.
2. O simples fato de o Inquérito Civil ter-se formalizado com
base em denúncia anônima não impede que o Ministério Público
realize administrativamente as investigações para formar juízo de
valor sobre a veracidade da notícia. Ressalte-se que, no caso em espécie, os
servidores públicos já estão, por lei, obrigados na posse e depois, anualmente,
a disponibilizar informações sobre seus bens e evolução patrimonial.
3. A Lei da Improbidade Administrativa (Lei n. 8.429/1992),
não deixa dúvida a respeito: “Art. 13. A posse e o exercício de agente
público fi cam condicionados à apresentação de declaração dos bens e
valores que compõem o seu patrimônio privado, a fi m de ser arquivada
no serviço de pessoal competente. § 1º A declaração compreenderá
imóveis, móveis, semoventes, dinheiro, títulos, ações, e qualquer outra
espécie de bens e valores patrimoniais, localizado no País ou no
exterior, e, quando for o caso, abrangerá os bens e valores patrimoniais
do cônjuge ou companheiro, dos fi lhos e de outras pessoas que vivam
sob a dependência econômica do declarante, excluídos apenas os
objetos e utensílios de uso doméstico. § 2º A declaração de bens será
anualmente atualizada e na data em que o agente público deixar o
exercício do mandato, cargo, emprego ou função”.
4. As providências solicitadas pelo Parquet, na hipótese dos
autos, não ferem direitos fundamentais dos recorrentes, os quais, na
condição de agentes políticos, sujeitam-se a uma diminuição na esfera
REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA
496
de privacidade e intimidade, de modo que não se mostra legítima a
pretensão por não revelar fatos relacionados à evolução patrimonial.
Sobre o tema, oportuno observar recente diretriz adotada pelo STF
na SS n. 3.902, Relator Min. Ayres Britto, Tribunal Pleno, DJe-189,
de 3.10.2011.
5. A vedação ao anonimato, constante no art. 5º, IV, da
Constituição Federal, há de ser harmonizada, com base no princípio da
concordância prática, com o dever constitucional imposto ao Ministério
Público de promover o Inquérito Civil e a Ação Civil Pública, para a
proteção do patrimônio público e social, do meio ambiente e de outros
interesses difusos e coletivos (art. 129, III).
6. Nos termos do art. 22 da Lei n. 8.429/1992, o Ministério
Público pode, mesmo de ofício, requisitar a instauração de inquérito
policial ou procedimento administrativo para apurar qualquer ilícito
previsto no aludido diploma legal.
7. Assim, ainda que a notícia da suposta discrepância entre a
evolução patrimonial de agentes políticos e seus rendimentos tenha
decorrido de denúncia anônima, não se pode impedir que o membro
do Parquet tome medidas proporcionais e razoáveis, como no caso dos
autos, para investigar a veracidade do juízo apresentado por cidadão
que não se tenha identifi cado.
8. Em matéria penal, o STF já assentou que “nada impede,
contudo, que o Poder Público provocado por delação anônima
(‘disque-denúncia’, p. ex.), adote medidas informais destinadas a
apurar, previamente, em averiguação sumária, ‘com prudência e
discrição’, a possível ocorrência de eventual situação de ilicitude
penal, desde que o faça com o objetivo de conferir a verossimilhança
dos fatos nela denunciados, em ordem a promover, então, em caso
positivo, a formal instauração da persecutio criminis, mantendo-se,
assim, completa desvinculação desse procedimento estatal em relação
às peças apócrifas” (Inq n. 1.957, Rel. Min. Carlos Velloso, voto do
Min. Celso de Mello, julgamento em 11.5.2005, Plenário, DJ de
11.11.2005).
9. Em se tratando de suposto ato de improbidade que só pode
ser analisado mediante documentos, descabe absolutamente adotar
medidas informais para examinar a verossimilhança, ao contrário do
Jurisprudência da SEGUNDA TURMA
RSTJ, a. 25, (230): 487-531, abril/junho 2013 497
que se passa, por exemplo, em caso de denúncia anônima da ocorrência
de homicídio.
10. O STJ reconhece a possibilidade de investigar a veracidade
de denúncia anônima em Inquérito Civil ou Processo Administrativo,
conforme se observa nos seguintes precedentes, entre os quais se
destacam a orientação já fi rmada por esta Segunda Turma e uma
recente decisão da Primeira Turma: RMS n. 37.166-SP, Rel. Ministro
Benedito Gonçalves, Primeira Turma, DJe 15.4.2013; RMS n. 30.510-
RJ, Rel. Ministra Eliana Calmon, Segunda Turma, DJe 10.2.2010;
MS n. 13.348-DF, Rel. Ministra Laurita Vaz, Terceira Seção, DJe
16.9.2009.
11. Recurso Ordinário não provido.
ACÓRDÃO
Vistos, relatados e discutidos os autos em que são partes as acima indicadas,
acordam os Ministros da Segunda Turma do Superior Tribunal de Justiça: “A
Turma, por unanimidade, negou provimento ao recurso ordinário, nos termos do
voto do(a) Sr(a). Ministro(a)-Relator(a).” Os Srs. Ministros Mauro Campbell
Marques, Eliana Calmon, Castro Meira e Humberto Martins votaram com o
Sr. Ministro Relator.
Brasília (DF), 2 de maio de 2013 (data do julgamento).
Ministro Herman Benjamin, Relator
DJe 16.5.2013
RELATÓRIO
O Sr. Ministro Herman Benjamin: Trata-se de recurso ordinário interposto
contra acórdão assim ementado:
Processual Civil. Administrativo. Mandado de segurança. Pretensão de
segurança para trancamento de inquérito civil. Apuração de possíveis atos de
improbidade administrativa. Denúncia anônima. Possibilidade. Denegação da
segurança - Artigo 557 do Código de Processo Civil.
I - O Ministério Público instaurou inquérito civil em face dos impetrados para
apuração de possível evolução patrimonial incompatível com as suas rendas;
REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA
498
II - Tanto a legislação quanto a jurisprudência dos Tribunais Superiores
admitem a instauração de inquérito com base em denúncia anônima;
III - Direitos constitucionalmente garantidos como a inviolabilidade da vida
privada e da intimidade que foram respeitados face ao sigilo do inquérito;
IV - Denegação da segurança dentro do permissivo do artigo 557 do Código de
Processo Civil;
V - Improvimento ao agravo interno (fl . 95).
Os recorrentes sustentam, em síntese, a impossibilidade de instauração de
Inquérito Civil com base em denúncia anônima.
Contrarrazões nas fl s. 173-180.
O Ministério Público Federal opina pelo não conhecimento/desprovimento
do recurso (fl s. 185-188). É o relatório.
VOTO
O Sr. Ministro Herman Benjamin (Relator): Cinge-se a controvérsia
a defi nir se os recorrentes possuem o direito líquido e certo de impedir o
prosseguimento de Inquérito Civil instaurado, após denúncia anônima recebida
pela Ouvidoria-Geral do Ministério Público do Estado do Rio de Janeiro, com
a fi nalidade de apurar possível incompatibilidade entre a evolução patrimonial
de agentes políticos e seus respectivos rendimentos.
Na portaria que instaurou o procedimento, o membro do Parquet se
limitou a determinar as seguintes providências:
Notifiquem-se os investigados, com cópia da representação, solicitando
aos mesmos que apresentem cópias das suas últimas declarações de Imposto
de Renda, bem como que preste informações sobre: i) fontes de renda que
possuem, além da remuneração recebida do Município (inclusive recebimento
de empréstimos); ii) participação em sociedades empresárias; iii) existência de
dívidas, principalmente de dívidas oriundas de empréstimos em dinheiro; iv)
nome dos descendentes, ascendentes, esposa; v) fontes de renda das pessoas
acima indicadas; vi) se as pessoas indicadas no item iv possuem patrimônio
em seus nomes; vii) participação de algum parente/cônjuge em sociedades
empresárias; viii) se algum parente/cônjuge possui contrato com órgãos públicos;
viii) possível aquisição de bens por sucessão ou doação; ix) se tem procuração
para administrar bens ou negócios em nome de outras pessoas físicas ou jurídicas;
x) se abre mão do sigilo fi scal ou bancário, caso seja necessário para a conclusão
das investigações; xi) datas de nomeação para os cargos públicos exercidos; xii)
cargos públicos exercidos anteriormente (fl . 35).
Jurisprudência da SEGUNDA TURMA
RSTJ, a. 25, (230): 487-531, abril/junho 2013 499
O Tribunal a quo denegou a Segurança (fl s. 116-118).
O simples fato de o Inquérito Civil ter sido formalizado com base
em denúncia anônima, por si, não impede que o Ministério Público realize
administrativamente as investigações necessárias para formação de juízo de
valor sobre a veracidade da notícia.
As providências solicitadas pelo Parquet, como se percebe, não ferem
direitos fundamentais dos recorrentes, os quais, na condição de agentes políticos,
sujeitam-se a uma diminuição na esfera de privacidade e intimidade, de modo
que não se mostra legítima a pretensão por não revelar fatos relacionados à
evolução patrimonial. Sobre o tema, oportuno observar recente diretriz adotada
pelo STF:
Ementa: Suspensão de segurança. Acórdãos que impediam a divulgação, em
sítio eletrônico ofi cial, de informações funcionais de servidores públicos, inclusive
a respectiva remuneração. Deferimento da medida de suspensão pelo Presidente
do STF. Agravo regimental. Conflito aparente de normas constitucionais. Direito
à informação de atos estatais, neles embutida a folha de pagamento de órgãos e
entidades públicas. Princípio da publicidade administrativa. Não reconhecimento
de violação à privacidade, intimidade e segurança de servidor público. Agravos
desprovidos. 1. Caso em que a situação específi ca dos servidores públicos é regida
pela 1ª parte do inciso XXXIII do art. 5º da Constituição. Sua remuneração bruta,
cargos e funções por eles titularizados, órgãos de sua formal lotação, tudo é
constitutivo de informação de interesse coletivo ou geral. Expondo-se, portanto, a
divulgação ofi cial. Sem que a intimidade deles, vida privada e segurança pessoal
e familiar se encaixem nas exceções de que trata a parte derradeira do mesmo
dispositivo constitucional (inciso XXXIII do art. 5º), pois o fato é que não estão
em jogo nem a segurança do Estado nem do conjunto da sociedade. 2. Não
cabe, no caso, falar de intimidade ou de vida privada, pois os dados objeto
da divulgação em causa dizem respeito a agentes públicos enquanto agentes
públicos mesmos; ou, na linguagem da própria Constituição, agentes estatais
agindo “nessa qualidade” (§ 6º do art. 37). E quanto à segurança física ou corporal
dos servidores, seja pessoal, seja familiarmente, claro que ela resultará um tanto
ou quanto fragilizada com a divulgação nominalizada dos dados em debate, mas
é um tipo de risco pessoal e familiar que se atenua com a proibição de se revelar
o endereço residencial, o CPF e a CI de cada servidor. No mais, é o preço que se
paga pela opção por uma carreira pública no seio de um Estado republicano. 3. A
prevalência do princípio da publicidade administrativa outra coisa não é senão
um dos mais altaneiros modos de concretizar a República enquanto forma de
governo. Se, por um lado, há um necessário modo republicano de administrar o
Estado brasileiro, de outra parte é a cidadania mesma que tem o direito de ver o
seu Estado republicanamente administrado. O “como” se administra a coisa pública
REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA
500
a preponderar sobre o “quem” administra - falaria Norberto Bobbio -, e o fato é
que esse modo público de gerir a máquina estatal é elemento conceitual da nossa
República. O olho e a pálpebra da nossa fi sionomia constitucional republicana. 4.
A negativa de prevalência do princípio da publicidade administrativa implicaria,
no caso, inadmissível situação de grave lesão à ordem pública. 5. Agravos
Regimentais desprovidos. (SS n. 3.902 AgR-segundo, Relator(a): Min. Ayres Britto,
Tribunal Pleno, julgado em 9.6.2011, DJe-189 Divulg 30.9.2011 Public 3.10.2011
Ement vol-02599-01 PP-00055 RTJ vol-00220- PP-00149).
A vedação ao anonimato, constante no art. 5º, IV, da Constituição Federal,
há que ser harmonizada, com base no princípio da concordância prática, com o
dever constitucional imposto ao Ministério Público de promover o Inquérito
Civil e a Ação Civil Pública, para a proteção do patrimônio público e social, do
meio ambiente e de outros interesses difusos e coletivos (art. 129, III).
Nos termos do art. 22 da Lei n. 8.429/1992, o Ministério Público pode,
mesmo de ofício, requisitar a instauração de inquérito policial ou procedimento
administrativo para apurar qualquer ilícito previsto no aludido diploma legal.
Ressalte-se, ademais, que, no caso em espécie, os servidores públicos já estão,
por lei, obrigados na posse e depois, anualmente, a disponibilizar informações sobre
seus bens e evolução patrimonial. A Lei da Improbidade Administrativa (Lei n.
8.429/1992), não deixa dúvida a respeito: “Art. 13. A posse e o exercício de
agente público fi cam condicionados à apresentação de declaração dos bens
e valores que compõem o seu patrimônio privado, a fim de ser arquivada
no serviço de pessoal competente. § 1° A declaração compreenderá imóveis,
móveis, semoventes, dinheiro, títulos, ações, e qualquer outra espécie de bens
e valores patrimoniais, localizado no País ou no exterior, e, quando for o caso,
abrangerá os bens e valores patrimoniais do cônjuge ou companheiro, dos fi lhos
e de outras pessoas que vivam sob a dependência econômica do declarante,
excluídos apenas os objetos e utensílios de uso doméstico. § 2º A declaração
de bens será anualmente atualizada e na data em que o agente público deixar o
exercício do mandato, cargo, emprego ou função”.
Assim, ainda que a notícia da suposta discrepância entre a evolução
patrimonial de agentes políticos e seus rendimentos tenha decorrido de
denúncia anônima, não se pode impedir que o membro do Parquet tome
medidas proporcionais e razoáveis, como no caso dos autos, para investigar a
veracidade do juízo apresentado por cidadão que não se tenha identifi cado.
Em matéria penal, o STF já assentou que “nada impede, contudo, que o
Poder Público provocado por delação anônima (‘disque-denúncia’, p. ex.), adote
Jurisprudência da SEGUNDA TURMA
RSTJ, a. 25, (230): 487-531, abril/junho 2013 501
medidas informais destinadas a apurar, previamente, em averiguação sumária,
‘com prudência e discrição’, a possível ocorrência de eventual situação de ilicitude
penal, desde que o faça com o objetivo de conferir a verossimilhança dos fatos
nela denunciados, em ordem a promover, então, em caso positivo, a formal
instauração da persecutio criminis, mantendo-se, assim, completa desvinculação
desse procedimento estatal em relação às peças apócrifas” (Inq n. 1.957, Rel.
Min. Carlos Velloso, voto do Min. Celso de Mello, julgamento em 11.5.2005,
Plenário, DJ de 11.11.2005).
Ora, em se tratando de suposto ato de improbidade que só pode ser
analisado mediante documentos, é absolutamente impossível a adoção de
medidas informais para examinar a verossimilhança, ao contrário do que se
passa, por exemplo, em caso de denúncia anônima da ocorrência de homicídio.
O STF já admitiu, até mesmo, a realização de investigações em inquérito
policial defl agrado após denúncia anônima. Confi ra-se:
Ementa: Habeas corpus. “Denúncia anônima” seguida de investigações em
inquérito policial. Interceptações telefônicas e ações penais não decorrentes de
“denúncia anônima”. Licitude da prova colhida e das ações penais iniciadas. Ordem
denegada. Segundo precedentes do Supremo Tribunal Federal, nada impede a
defl agração da persecução penal pela chamada “denúncia anônima”, desde que
esta seja seguida de diligências realizadas para averiguar os fatos nela noticiados
(86.082, rel. min. Ellen Gracie, DJe de 22.8.2008; 90.178, rel. min. Cezar Peluso,
DJe de 26.3.2010; e HC n. 95.244, rel. min. Dias Toff oli, DJe de 30.4.2010). No caso,
tanto as interceptações telefônicas, quanto as ações penais que se pretende
trancar decorreram não da alegada “notícia anônima”, mas de investigações
levadas a efeito pela autoridade policial. A alegação de que o deferimento
da interceptação telefônica teria violado o disposto no art. 2º, I e II, da Lei n.
9.296/1996 não se sustenta, uma vez que a decisão da magistrada de primeiro
grau refere-se à existência de indícios razoáveis de autoria e à imprescindibilidade
do monitoramento telefônico. Ordem denegada. (HC n. 99.490, Relator(a): Min.
Joaquim Barbosa, Segunda Turma, julgado em 23.11.2010, DJe-020 Divulg
31.1.2011 Public 1º.2.2011 Ement vol-02454-02 PP-00459).
O STJ, por seu turno, reconhece a possibilidade de investigar a veracidade
de denúncia anônima em inquérito civil ou processo administrativo, conforme
se observa nos seguintes precedentes, entre os quais destaco orientação já
fi rmada por esta Segunda Turma, além de recente decisão da Primeira Turma:
Administrativo e Constitucional. Recurso ordinário em mandado de segurança.
Inquérito civil aberto pelo Ministério Público com base em denúncia anônima.
Possibilidade.
REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA
502
1. Recurso ordinário no qual se discute a possibilidade de o Ministério Público
instaurar inquérito civil para apurar a veracidade de fraudes em procedimentos
licitatórios, que foram informadas por meio de denúncia anônima.
2. A Lei n. 8.625/1993, lei orgânica do Ministério Público, e a Resolução n.
23/2007 do Conselho Nacional do Ministério Público autorizam a atuação
investigatória do parquet, no âmbito administrativo, em caso de denúncia
anônima. Precedente: RMS n. 30.510-RJ, Rel. Ministra Eliana Calmon, Segunda
Turma, DJe 10.2.2010.
3. No caso, o parquet instaurou inquérito civil com base em denúncia
anônima que continham indícios que supostamente caracterizariam fraudes em
procedimentos licitatórios, bem como baseou-se em noticia determinada que é
objeto em outros inquéritos civis.
4. Recurso ordinário não provido.
(RMS n. 37.166-SP, Rel. Ministro Benedito Gonçalves, Primeira Turma, DJe
15.4.2013).
Processo Civil e Administrativo. Mandado de segurança. Trancamento
de inquérito civil para apuração de ato de improbidade administrativo.
Enriquecimento ilícito. Justa causa. Prescrição.
1. Somente em situações excepcionais, quando comprovada, de plano,
atipicidade de conduta, causa extintiva da punibilidade ou ausência de indícios
de autoria, é possível o trancamento de inquérito civil.
2. Apuração de fatos típicos (artigo 9º da Lei n. 8.429/1992), com indícios
suficientes de autoria desmentem a alegação de inviabilidade da ação de
improbidade.
3. Denúncia anônima pode ser investigada, para comprovarem-se fatos ilícitos,
na defesa do interesse público.
4. A ação civil de ressarcimento por ato de improbidade é imprescritível,
inexistindo ainda ação contra o impetrante.
5. Recurso ordinário desprovido.
(RMS n. 30.510-RJ, Rel. Ministra Eliana Calmon, Segunda Turma, DJe 10.2.2010).
Administrativo. Mandado de segurança. Servidor público federal. Cassação
de aposentadoria. Processo administrativo disciplinar instaurado com base em
investigação provocada por denúncia anônima. Admissibilidade. Precedentes.
Inexistência de afronta aos princípios do contraditório, da ampla defesa e do
devido processo legal. Dilação probatória. Inadequação da via eleita.
1. Ainda que com reservas, a denúncia anônima é admitida em nosso
ordenamento jurídico, sendo considerada apta a defl agrar procedimentos de
averiguação, como o processo administrativo disciplinar, conforme contenham
Jurisprudência da SEGUNDA TURMA
RSTJ, a. 25, (230): 487-531, abril/junho 2013 503
ou não elementos informativos idôneos sufi cientes, e desde que observadas as
devidas cautelas no que diz respeito à identidade do investigado. Precedentes
desta Corte.
2. As acusações que resultaram da apreensão de documentos feita pela
Comissão de Sindicância, sem a presença do indiciado, não foram consideradas
para a convicção acerca da responsabilização do servidor, pois restaram
afastados os enquadramentos das condutas resultantes das provas produzidas na
mencionada diligência.
3. Eventual nulidade no Processo Administrativo exige a respectiva
comprovação do prejuízo sofrido, o que não restou configurado na espécie,
sendo, pois, aplicável o princípio pas de nullité sans grief. Precedentes.
4. Em sede de ação mandamental, a prova do direito líquido e certo deve ser
pré-constituída, não se admitindo a dilação probatória.
Precedentes.
5. Segurança denegada.
(MS n. 13.348-DF, Rel. Ministra Laurita Vaz, Terceira Seção, DJe 16.9.2009).
Ante o exposto, nego provimento ao Recurso Ordinário.
É como voto.
RECURSO EM MANDADO DE SEGURANÇA N. 39.361-MG
(2012/0227322-7)
Relator: Ministro Humberto Martins
Recorrente: Simône Renata de Oliveira
Advogado: Agnaldo Alves de Souza
Recorrido: Estado de Minas Gerais
Procurador: José Horácio da Motta e Camanducaia Junior e outro(s)
EMENTA
Constitucional. Administrativo. Servidor público estadual.
Portaria de instauração. Alegação de ausência de descrição detalhada
REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA
504
dos fatos. Desnecessidade. Sufi ciência de indicação nas condutas
imputadas. Ausência de violação da ampla defesa, do contraditório ou
do devido processo legal. Precedentes do STJ e do STF.
1. Cuida-se de recurso ordinário interposto contra acórdão que
denegou a segurança em pleito de nulidade da portaria de instauração
de processo administrativo disciplinar.
2. Da apreciação da portaria objetada ressai que esta frisa estarem
os fatos descritos nos autos de pedido de providência que fazem parte
do processo administrativo disciplinar, sobre os quais a servidora
pôde se pronunciar; os fatos estão descritos e, assim, não há qualquer
evidência de vício insanável ou de cerceamento de defesa.
3. A jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça é pacífi ca
no sentido de que os atos administrativos de instauração dos
processos administrativos disciplinares não demandam uma descrição
minudente e detalhada, requerente somente a presença dos elementos
necessários para o exercício regular da ampla defesa e do contraditório.
Precedentes: MS n. 14.797-DF, Rel. Ministro Og Fernandes, Terceira
Seção, DJe 7.5.2012; e RMS n. 27.642-SP, Rel. Ministra Laurita Vaz,
Quinta Turma, DJe 19.12.2011. No mesmo sentido, no STF: RMS n.
25.105, Relator Min. Joaquim Barbosa, Segunda Turma, julgado em
23.5.2006, publicado no DJ em 20.10.2006, p. 88, no Ementário v.
2252-01, p. 196, na RTJ v. 200-01, p. 102 e na LEXSTF v. 28, n. 336,
2006, p. 144-151.
Recurso ordinário improvido.
ACÓRDÃO
Vistos, relatados e discutidos os autos em que são partes as acima indicadas,
acordam os Ministros da Segunda Turma do Superior Tribunal de Justiça: “A
Turma, por unanimidade, negou provimento ao recurso ordinário, nos termos
do voto do(a) Sr(a). Ministro(a)-Relator(a), sem destaque e em bloco.” Os Srs.
Ministros Herman Benjamin (Presidente), Mauro Campbell Marques, Diva
Malerbi (Desembargadora convocada TRF 3ª Região) e Castro Meira votaram
com o Sr. Ministro Relator.
Jurisprudência da SEGUNDA TURMA
RSTJ, a. 25, (230): 487-531, abril/junho 2013 505
Brasília (DF), 7 de fevereiro de 2013 (data do julgamento).
Ministro Humberto Martins, Relator
DJe 19.2.2013
RELATÓRIO
O Sr. Ministro Humberto Martins: Cuida-se de recurso ordinário
em mandado de segurança interposto por Simône Renata de Oliveira, com
fundamento no art. 105, inciso II, alínea b, da Constituição Federal, contra
acórdão do Tribunal de Justiça do Estado de Minas Gerais assim ementado (fl .
140, e-STJ):
Mandado de segurança. Portaria. Descrição dos fatos imputados ao servidor.
Menção ao conjunto probatório de pedido de providências. Nulidade. Ausência.
Cerceamento de defesa. Inocorrência. - Não há nulidade em processo administrativo
instaurado por portaria que, ainda que de forma sucinta, faz menção ao conjunto
probatório de pedido de providências que contém as imputações de fato e de
direito feitas à servidora processada.
Nas razões do recurso ordinário (fl s. 151-157, e-STJ), defende a impetrante
que deve ser reformado o acórdão e concedida a ordem, porquanto o ato
de instauração do inquérito administrativo (Portaria n. 229/2010) não teria
apontado qualquer conduta da servidora, tão somente listando dispositivos da
Lei Complementar Estadual n. 59/2001. Também alega que apenas foi indicada
a possibilidade de aplicação da penalidade de demissão, sem descrever os fatos
imputados. Alega que o assim proceder teria ensejado violação dos princípios
da ampla defesa, do contraditório e do devido processo legal, em especial do art.
298 da Lei Complementar Estadual.
Contrarrazões nas quais se alega que a Portaria n. 229/2010, que instaurou
o processo administrativo disciplinar, teria feito expressa menção ao conjunto
probatório constante do Pedido de Providências n. 30/2010 e que o processo
administrativo conteria documentos que provariam a ciência dos fatos pela
recorrente (fl s. 265-267, e-STJ).
O Ministério Público Estadual peticionou nos autos e sustentou que não
haveria descrição sufi ciente dos fatos nos autos, tão somente menção ao Pedido
de Providências n. 30/2010 e a dispositivos legais. Pede o provimento do recurso
ordinário (fl s. 169-171, e-STJ).
REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA
506
Parecer do Ministério Público Federal que opina no sentido do não
provimento do recurso ordinário, nos termos da seguinte ementa (fl. 178,
e-STJ):
Recurso em mandado de segurança. Impetração contra ato do Juiz de Direito do
Foro da Comarca que determinou a instauração de procedimento administrativo
em face da impetrante. Acórdão do Egrégio Tribunal de Justiça de Minas Gerais
que denegou o writ em comento. Recurso ordinário fundado no art. 105, II, b,
da Constituição Federal. Alegação de violação ao princípio da ampla defesa e do
contraditório ao fundamento de nulidade da portaria de instauração do aludido
processo disciplinar. Inocorrência. Tramitação regular do processo administrativo
disciplinar eis que respeitadas as garantias constitucionais para o exercício do
direito de defesa. Prescindibilidade da descrição minuciosa dos fatos na portaria
de instauração do procedimento administrativo disciplinar. Referência genérica
aos fatos a serem apurados. Jurisprudência desse Colendo STJ. Parecer pelo não
provimento do recurso ordinário ora apreciado.
É, no essencial, o relatório.
VOTO
O Sr. Ministro Humberto Martins (Relator): Não deve ser provido o
presente recurso ordinário.
Descrevem os autos que a recorrente é servidora pública estadual, no cargo
de ofi cial de apoio judicial, lotada em uma vara do Poder Judiciário do Estado
de Minas Gerais. O magistrado da sua vara a instou, por meio da Portaria n.
229/2010, a se defender no Processo Administrativo Disciplinar n. 31/2010.
A impetrante alega que o processo administrativo disciplinar estaria
eivado por nulidade insanável, porquanto o seu ato de instauração não teria
detalhado de forma sufi ciente as condutas imputadas. Para elucidar o tema, cabe
transcrever os termos da referida portaria, acostada aos autos (fl s. 38-39, e-STJ):
PODER JUDICIÁRIO DO ESTADO DE MINAS GERAIS
COMARCA DE CONTAGEM - ADMINISTRAÇÃO DO FÓRUM
DIREÇÃO DO FORO
PORTARIA N. 229/2010
Marcus Vinícius Mendes do Valle, Juiz Diretor do Foro da Comarca de
Contagem, no exercício de suas atribuições legais.
Jurisprudência da SEGUNDA TURMA
RSTJ, a. 25, (230): 487-531, abril/junho 2013 507
Considerando o conjunto probatório constante do Pedido de Providências n.
30/2010;
Considerando o disposto no artigo 321 do Código Penal Brasileiro;
Considerando que, nos termos dos artigos 275 e 278 da Lei Comentar Estadual
n. 59/2001, os servidores do Poder Judiciário respondem, administrativamente,
pelo exercício irregular de suas atribuições, por atos omissivos ou comissivos
praticados no desempenho de cargo ou função;
RESOLVE
Instaurar Processo Administrativo Disciplinar em desfavor da servidora S.R.O,
PJPI 3017-1, pela imputada prática dos seguintes atos:
1º) deixar de observar as normas legais e regulamentares; valer-se do cargo
para lograr proveito pessoal ou de outrem, em detrimento da dignidade do
cargo ocupado; praticar crime contra a administração pública; e praticar ato de
improbidade administrativa; por valer-se da qualidade de funcionária pública
a fi m de patrocinar indiretamente interesse privado perante a administração
pública;
2º deixar de exercer com acuidade, dedicação e probidade as atribuições do
cargo, mantendo conduta incompatível com a moralidade administrativa; e deixar
de cumprir ordem superior legal; por se recusar a executar tarefa legalmente
prevista, ordenada por seu superior hierárquico imediato;
Tais fatos, se provados, poderão confi gurar, em tese, as infrações previstas
nos incisos I, V e XIII do artigo 273; no inciso VIII do artigo 274; e nos incisos I, II e
XIII do artigo 285, todos da Lei Complementar Estadual n. 59/2001, com possível
aplicação da pena de demissão.
(...)
Compulsando as provas pré-constituídas, nota-se que os autos são os
mesmos do Pedido de Providências e que nele há uma descrição dos fatos e
da conduta, pormenorizada (fl s. 15-16, e-STJ). A recorrente apresentou defesa
na qual sustentou não ter praticado qualquer conduta violadora das normas
jurídicas (fl s. 20-29, e-STJ).
Tenho que os fatos estão sufi cientemente descritos.
O douto Parquet federal opinou no sentido do improvimento e ainda
frisou que da apreciação das provas ressai terem sido atendidos os princípios da
ampla defesa, do contraditório e do devido processo legal (fl s. 179-181, e-STJ):
De fato, é descabida a alegação de vício insanável na portaria de instauração
do processo administrativo - por ausência da descrição dos fatos, objeto
REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA
508
da investigação -, tendo em vista o teor da indigitada Portaria n. 229/2010,
determinando a apuração dos atos imputados (...).
(...)
A jurisprudência dessa Colenda Corte é firme no sentido de proclamar a
prescindibilidade da descrição minuciosa dos fatos imputados ao acusado na
Portaria de Instauração do procedimento administrativo disciplinar, podendo se
restringir a referências genéricas sobre o fato.
(...)
Desse modo, em que pese os argumentos da recorrente, entende-se neste
parecer improsperável a arguição de cerceamento de defesa na condução do
processo administrativo disciplinar à consideração de que da análise dos autos
percebe-se que a recorrente utilizou-se de todas as garantias constitucionais para
exercer seu direito de defesa, tendo sido regularmente intimada a participar da
realização dos atos processuais, intervindo sob o patrocínio de advogado com
procuração nos autos (fl . 53) pelo que se tem como plenamente observadas as
disposições constitucionais e legais regentes da matéria.
Conforme bem indicado, a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça
é pacífi ca no sentido de não haver necessidade do detalhamento na descrição
das condutas.
Neste sentido:
Administrativo. Mandado de segurança. Servidor público federal. Processo
administrativo disciplinar. Pena de demissão. Portaria de instauração. Descrição
minuciosa e individualizada. Desnecessidade. Princípio da hierarquia.
Observância. Secretário da Comissão. Termo de compromisso. Falta. Irrelevância.
Interceptações telefônicas. Processo criminal. Prova emprestada. Possibilidade.
Cerceamento de defesa. Não ocorrência. Advento da Lei n. 11.457/2007.
Redistribuição do cargo. Comissão processante. Alteração da competência. Não
cabimento.
1. O Superior Tribunal de Justiça possui entendimento fi rmado no sentido de
não ser imprescindível a descrição minuciosa dos fatos na portaria de instauração
do processo disciplinar, tendo em vista que o seu principal objetivo é dar
publicidade à constituição da comissão processante. A descrição pormenorizada
dos fatos imputados ao servidor é obrigatória quando do indiciamento do
servidor, o que ocorreu no caso.
(...)
7. Segurança denegada.
(MS n. 14.797-DF, Rel. Ministro Og Fernandes, Terceira Seção, julgado em
28.3.2012, DJe 7.5.2012.)
Jurisprudência da SEGUNDA TURMA
RSTJ, a. 25, (230): 487-531, abril/junho 2013 509
Administrativo. Processual Civil. Servidor público municipal. Demissão em
razão de irregularidades na condução de cooperativa de trabalho. Portaria
de instauração. Descrição pormenorizada dos fatos. Desnecessidade. Defesa
apresentada contendo todas as teses de resistência quanto ao fato imputado.
Ausência de comprovação de prejuízo ao impetrante. Princípio pas de nullité
sans grief. Prescrição da pretensão punitiva da Administração. Não confi gurada.
Excesso de prazo para a conclusão. Mera irregularidade que não gera nulidade.
Servidor público afastado do cargo público nos termos da Lei Municipal
n. 11.866/1995 para a assunção da função de conselheiro de cooperativa de
trabalho. Manutenção do vínculo funcional. Apuração e punição, nos termos da
Lei Municipal n. 8.989/1979, de condutas que possam ser caracterizadas como
faltas funcionais. Possibilidade. Processo administrativo disciplinar. Nulidades.
Inexistentes. Ato reprovável do servidores. Pena de demissão. Inocência.
Mandado de segurança. Prova pré-constituída. Imprescindível. Dilação provatória.
Impossibilidade.
1. A portaria inaugural de processo administrativo disciplinar prescinde de
minuciosa descrição dos fatos imputados, que se faz necessário apenas após a fase
instrutória, onde são apurados os fatos, com a colheita das provas pertinentes.
(...)
7. Recurso ordinário em mandado de segurança conhecido, mas desprovido.
(RMS n. 27.642-SP, Rel. Ministra Laurita Vaz, Quinta Turma, julgado em
6.12.2011, DJe 19.12.2011.)
No mesmo sentido, no STF:
Recurso ordinário em mandado de segurança. Incra. Processo administrativo.
Portaria de instauração. Requisitos. Comissão disciplinar. Integrante de outra
entidade da Administração. Não se exige, na portaria de instauração de processo
disciplinar, descrição detalhada dos fatos investigados, sendo considerada
sufi ciente a delimitação do objeto do processo pela referência a categorias de atos
possivelmente relacionados a irregularidades. Entende-se que, para os efeitos do
art. 143 da Lei n. 8.112/1990, insere-se na competência da autoridade responsável
pela instauração do processo a indicação de integrantes da comissão disciplinar,
ainda que um deles integre o quadro de um outro órgão da administração
federal, desde que essa indicação tenha tido a anuência do órgão de origem do
servidor. Recurso conhecido, mas a que se nega provimento.
(RMS n. 25.105, Relator Min. Joaquim Barbosa, Segunda Turma, julgado em
23.5.2006, publicado no DJ em 20.10.2006, p. 88, no Ementário v. 2252-01, p. 196,
na RTJ v. 200-01, p. 102 e na LEXSTF v. 28, n. 336, 2006, p. 144-151.)
Por fim, como mencionado, a única mácula indicada é relacionada à
portaria de instauração, que foi o ato reputado como coator. Os autos não
trazem o desfecho do processo disciplinar.
REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA
510
Ante o exposto, nego provimento ao recurso ordinário.
É como penso. É como voto.
RECURSO EM MANDADO DE SEGURANÇA N. 40.171-RS
(2013/0000172-4)
Relator: Ministro Castro Meira
Recorrente: Lenir Maria Barichello Freisleben
Advogado: Roberto de Figueiredo Caldas e outro(s)
Recorrido: Estado do Rio Grande do Sul
Procurador: Marilia Rodrigues de Oliveira e outro(s)
EMENTA
Processo Civil. Administrativo. Recurso ordinário em mandado
de segurança. Carreiras do magistério do Estado do Rio Grande do
Sul. Lei Estadual n. 6.672/1974. Cabimento do mandamus. Direito à
promoção anual. Inexistência. Recurso não provido.
1. Discute-se no mandamus o direito dos servidores integrantes
da carreira do magistério do Estado do Rio Grande do Sul à promoção
anual, considerando-se o disposto no art. 32 da Lei Estadual n.
6.672/1974. Busca-se na demanda que o ato concessivo da promoção
publicado em 14.9.2011 produza efeitos retroativos ao dia 15.10.2002.
2. A natureza mandamental do provimento exarado no writ não
impede a existência de efi cácia condenatória, notadamente quando
esse efeito é consectário do cumprimento da determinação deferida in
concreto e as parcelas devidas correspondam ao período de tramitação
do processo.
3. Na espécie, embora não seja possível exigir-se o pagamento de
quantia referente a período anterior à impetração, os efeitos jurídicos
do ato que promoveu os servidores poderiam, em tese, ser reconhecidos
retroativamente, o que repercutiria na reclassifi cação do impetrante
Jurisprudência da SEGUNDA TURMA
RSTJ, a. 25, (230): 487-531, abril/junho 2013 511
na carreira, com o direito a diferenças remuneratórias perceptíveis a
partir do ajuizamento do mandado de segurança. Logo, o remédio
heroico é cabível.
4. A Lei n. 6.672/1974 estipula os critérios de promoção por
antiguidade e por merecimento, fi xando, como regra, o interstício
mínimo de três anos na respectiva classe para que o servidor concorra
à progressão. Nesse contexto, os servidores do magistério do Estado
do Rio Grande do Sul não têm direito a promoções anuais, cabendo
à Administração, observadas as diretrizes legais, concedê-las
oportunamente.
5. Recurso ordinário em mandado de segurança não provido.
ACÓRDÃO
Vistos, relatados e discutidos os autos em que são partes as acima indicadas,
acordam os Ministros da Segunda Turma do Superior Tribunal de Justiça, por
unanimidade, negar provimento ao recurso ordinário, nos termos do voto do Sr.
Ministro-Relator. Os Srs. Ministros Humberto Martins, Herman Benjamin,
Mauro Campbell Marques e Diva Malerbi (Desembargadora convocada do
TRF da 3ª Região) votaram com o Sr. Ministro Relator. Dr(a). Gustavo Petry
(Procurador do Estado do Rio Grande do Sul), pela parte Recorrida: Estado do
Rio Grande do Sul.
Brasília, 05 de março de 2013 (data do julgamento).
Ministro Castro Meira, Relator
DJe 10.4.2013
RELATÓRIO
O Sr. Ministro Castro Meira: O recurso ordinário em mandado de
segurança foi interposto contra acórdão proferido pelo Tribunal de Justiça do
Rio Grande do Sul assim ementado:
Mandado de segurança. Servidor público estadual ativo. Magistério. Preliminares
de ilegitimidade passiva do Secretário do Estado da Educação, do Secretário
de Estado da Fazenda e de incompetência do Segundo Grupo Cível. Rejeição.
REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA
512
Cobrança de valores pretéritos. Inadequação da via eleita. Súmulas n. 269 e 271 do
STF. Acolhimento. Mérito. Promoção com efeitos retroativos. Ato discricionário do
poder executivo. Súmula n. 42 do egrégio 2º Grupo Cível do TJRS.
Rejeitaram as preliminares de ilegitimidade passiva do secretário do estado
da educação, do secretário de estado da fazenda e de incompetência do segundo
grupo cível, acolheram a preliminar quanto à inadequação do writ, em relação ao
pagamento de valores vencidos em momento anterior à impetração, e denegaram a
segurança. Unânime. (e-STJ fl . 92).
O mandado de segurança foi impetrado em face do Secretário do Estado
da Educação e do Secretário de Estado da Fazenda do Rio Grande do Sul para
que seja reconhecido à servidora pública integrante da carreira de magistério
o direito à promoção com efeitos retroativos ao dia 15.10.2002, em virtude do
disposto no art. 32 da Lei Estadual n. 6.672/1974.
O ato impugnado concedeu promoções, por merecimento e antiguidade, a
professores e especialistas de educação, incluindo-se a impetrante, com efeitos a
partir da data da publicação, o que ocorreu em 14.9.2011.
Segundo a servidora, o Estatuto do Magistério Estadual estabelece
periodicidade anual às progressões de classe. Assim, os efeitos do ato questionado
devem retroagir a 15.10.2002, nos termos do art. 32 da Lei n. 6.672/1974.
Requer no mandamus a retifi cação da promoção e, consequentemente, o
pagamento dos atrasados supostamente devidos desde 15.10.2002.
A Corte local reconheceu a inadequação do writ para cobrar as parcelas
pretéritas e, no mérito, afastou a ilegalidade apontada.
No apelo, a recorrente defende a ausência de óbice ao pagamento dos
retroativos, porquanto se trata de providência que decorre naturalmente da
ilegalidade perpetrada.
Salienta, por fi m, que a Lei n. 6.672/1974 garante o direito à promoção
anual e periódica, apontando precedentes exarados em situação análoga que
envolveu a carreira dos Técnicos-Científi cos do Rio Grande do Sul.
Contrarrazões às e-STJ fl s. 125-136.
O apelo foi admitido na origem pela decisão de e-STJ fl . 156.
O Ministério Público Federal, em parecer subscrito pelo ilustre
Subprocurador-Geral da República Dr. Antonio Fonseca, opinou pelo não
provimento do recurso (e-STJ fl s. 162-168).
É o relatório.
Jurisprudência da SEGUNDA TURMA
RSTJ, a. 25, (230): 487-531, abril/junho 2013 513
VOTO
O Sr. Ministro Castro Meira (Relator): O mandamus foi impetrado em face
do Secretário do Estado da Educação e do Secretário de Estado da Fazenda do
Rio Grande do Sul para que seja reconhecido à servidora integrante da carreira
de magistério estadual o direito à promoção com efeitos retroativos ao dia
15.10.2002, em virtude do disposto no art. 32 da Lei Estadual n. 6.672/1974.
O ato impugnado no writ concedeu promoções, por merecimento e
antiguidade, a professores e especialistas em educação, incluindo-se a impetrante,
com efeitos prospectivos, isto é, a partir de 14.9.2011, data em que o normativo
foi publicado.
Segundo a recorrente, o Estatuto do Magistério estabelece periodicidade
anual às promoções. Logo, para que essa regra seja observada, os efeitos do ato
questionado devem retroagir a 15.10.2002.
O Tribunal a quo reconheceu a inadequação do mandado de segurança
para cobrar as parcelas pretéritas e, no mérito, afastou a ilegalidade apontada.
No apelo, a recorrente defende a ausência de óbice ao pagamento dos
retroativos, porquanto se trata de providência que decorre naturalmente da
ilegalidade perpetrada.
Explicita, por fi m, precedentes exarados em situação análoga que envolveu
a carreira dos Técnicos-Científi cos do Rio Grande do Sul.
Passo a apreciar o recurso.
O mandado de segurança é ação constitucional que objetiva evitar ou
reparar lesão a direito líquido e certo do impetrante, em virtude de ato emanado
por autoridade pública ou por quem esteja no exercício de função pública.
O provimento jurisdicional intentado no writ tem efeito essencialmente
mandamental, ordenando-se a autoridade coatora para que suste a ameaça de
lesão ou a desconstitua, caso já esteja concretizada. Isso, contudo, não impede
que a concessão da segurança também tenha efi cácia condenatória, notadamente
quando esse efeito é mero consectário do cumprimento da determinação
deferida in concreto e as parcelas devidas correspondam ao período de tramitação
do processo.
Na espécie, busca-se que a autoridade impetrada retifique o ato de
promoção dos servidores do magistério estadual para que se reconheça o direito
à progressão na carreira a partir de 15.10.2002 e não apenas quando da edição
daquela norma.
REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA
514
Dessarte, embora não seja possível exigir-se o pagamento de quantia
referente a período anterior à impetração, os efeitos jurídicos do ato que
promoveu os servidores poderiam, em tese, ser reconhecidos retroativamente,
o que repercutiria na reclassifi cação do impetrante na carreira, com o direito a
diferenças remuneratórias perceptíveis a partir do ajuizamento do mandado de
segurança. Logo, o remédio heroico é cabível.
Do mesmo modo, não há falar-se em decadência do writ, pois a insurgência
dirige-se contra os efeitos do ato do Secretário de Educação, publicado no diário
ofi cial em 14.9.2011, tendo o writ sido impetrado em 20.12.2011.
Superadas essas questões preliminares, enfrento o mérito da impetração.
O Estatuto do Magistério Estadual do Rio Grande do Sul (Lei n.
6.672/1974) estabelece os critérios para as promoções, estipulando que elas
ocorrerão, alternadamente, por antiguidade e merecimento, nos termos dos arts.
28 e 29 assim redigidos:
Art. 28 - A antigüidade de que trata o artigo anterior será determinada pelo
tempo de efetivo exercício do membro do Magistério na classe a que pertencer,
cabendo a promoção ao mais antigo.
Art. 29 - Merecimento é a demonstração, por parte do professor ou especialista
de educação do fi el cumprimento de seus deveres e da efi ciência no exercício do
cargo, bem como da contínua atualização e aperfeiçoamento para o desempenho
de suas atividades, avaliados mediante um conjunto de dados objetivos.
O art. 31 daquele mesmo diploma fi xa como requisito à promoção que o
servidor cumpra o interstício mínimo de três anos de efetivo exercício na classe.
O preceito legal excepciona a observância dessa exigência quando não houver
na mesma classe nenhum outro membro apto a ser promovido. Todavia, a
norma expressamente ressalva que o benefi ciário dessa regra apenas poderá ser
novamente promovido, após o período de três anos na respectiva classe. A esse
respeito, confi ra-se:
Art. 31 - Não poderá ser promovido o membro do Magistério que não tenha o
interstício de três anos de efetivo exercício na classe, salvo se na mesma nenhum
outro a houver completado.
Parágrafo único - O membro do Magistério promovido sem interstício, na
forma da parte final do artigo, não poderá obter nova promoção antes de
decorrido três anos de efetivo exercício na classe.
Jurisprudência da SEGUNDA TURMA
RSTJ, a. 25, (230): 487-531, abril/junho 2013 515
Nesse contexto, considerando-se todos os requisitos exigidos legalmente
para a promoção nas carreiras do magistério estadual, não é possível concluir
que esse seja um direito adquirido automática e anualmente pelo servidor.
Com efeito, valendo-se de uma interpretação sistemática do art. 32 da
referida Lei n. 6.672/1974 (As promoções serão publicadas, anualmente, no
“Dia do Professor”), o comando normativo apenas preceitua o seguinte: havendo
promoções, elas serão publicadas no dia do professor, não signifi cando que
Administração esteja vinculada a promover cada servidor ano a ano.
Entender o contrário seria desconsiderar todos os critérios previstos no
Estatuto do Magistério Estadual para a promoção. Afi nal, qual seria o sentido
de serem alternados os requisitos da antiguidade e merecimento, bem como a
exigência de interstício mínimo de três anos, caso todo servidor fosse promovido
anualmente? Nenhum.
O fornecimento anual pela Secretaria de Educação da cópia da folha dos
assentamentos funcionais (art. 33) também não é garantia de promoção ao
servidor, servindo tão somente para informá-lo acerca da posição ocupada na
carreira.
Da mesma forma, a promoção automática do aposentado e do servidor
falecido retrata hipótese distinta e específi ca de progressão funcional, não se
prestando como parâmetro para as demais promoções.
Os precedentes citados concernente à carreira dos Técnicos-Científi cos
do Rio Grande do Sul não se aplicam à situação sob exame, pois são servidores
sujeitos a estatuto legal diverso, com normatização própria.
Em resumo, a Lei n. 6.672/1974 não garante aos servidores do magistério
do Estado do Rio Grande do Sul o direito à promoção anual, cabendo à
Administração, observadas as diretrizes legais, conceder as promoções
oportunamente.
Orientação similar foi perfilhada pelo parecer subscrito pelo ilustre
Subprocurador-Geral da República Dr. Antonio Fonseca, cujos fundamentos
acham-se resumidos na seguinte ementa:
Administrativo. Servidor. Magistério. Promoção. Antiguidade. Efeitos retroativos.
Direito líquido e certo. Prova pré-constituída. Necessidade. Prescrição. 1 - Servidora
pública ativa do magistério estadual do Rio de Grande do Sul busca a concessão
REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA
516
de efeitos retroativos, a partir de 2002, do ato de promoção por antiguidade
que lhe foi concedida em 2011; bem como o pagamento das parcelas vencidas.
2 - O mandado de segurança não é via adequada para postular pagamento de
vantagens pecuniárias referentes à período anterior à impetração. Inteligência
do artigo 14, § 4º, da Lei n. 12.016/2009 e dos enunciados das Súmulas n.
269 e 271, ambas do STF. 3 - É da competência do Poder Executivo estadual a
instituição do respectivo plano de carreira de seus servidores de acordo com
o art. 39, caput, da CF/1988. No caso, a Lei Estadual n. 6.772/1974 (Estatuto do
Magistério) não garante a promoção anual (automática) de seus servidores
nem prevê a possibilidade de pagamento retroativo. Desse modo, atender ao
postulado importaria usurpação de competência legislativa função imprópria
do Poder Judiciário. 4 - A recorrente sustenta que a retroação dos efeitos do ato
impugnado é legítima uma vez que, em 2002, já possuía direito à promoção.
No entanto, os documentos acostados aos autos não são suficientes para
comprovar que à época a servidora preenchia os requisitos objetivos previstos
em lei para a concessão da promoção. A ausência de prova pré-constituída torna
inviável o conhecimento do writ. 5 - O precedente acostados aos autos (RMS
n. 21.125-RS) não serve como paradigma, uma vez que não possui a mesma
base fática e jurídica do caso em apreciação; trata, na verdade, de promoção
por merecimento de carreira diversa (tecnico-científico/Lei n. 8.186/1986).
A similitude - tanto jurídica quanto dos fatos - é requisito essencial para a
avaliação sistemática do direito aplicado no caso concreto em comparação com
o precedente apresentado pela parte. 6 - Por fi m, ainda que se considerasse
a possibilidade de retroação dos feitos da promoção, apenas poderia ser
garantido o pagamento (pelas vias ordinárias) das parcelas anteriores, dentro do
quinquênio legal a contar da data da ação judicial de acordo com o enunciado
da Súmula n. 85 do STJ. Precedente. 7 - Preliminarmente, pela afetação do
julgamento pela 1ª Seção. No mérito, o parecer é pelo não conhecimento do
recurso ordinário; acaso superadas as preliminares, pelo não provimento (e-STJ
fl s. 162).
Ressalto que não acolhi as preliminares de não conhecimento, pelas
razões já expostas, deixando de submeter o feito à Seção, por entender que a
controvérsia não se reveste de maior complexidade. Ademais, a 1ª Seção tem um
número menor de sessões, o que poderia acarretar certa demora no julgamento,
ensejando o ajuizamento de muitas outras ações sobre esse tema.
Ante o exposto, nego provimento ao recurso ordinário em mandado de
segurança.
É como voto.
Jurisprudência da SEGUNDA TURMA
RSTJ, a. 25, (230): 487-531, abril/junho 2013 517
RECURSO ESPECIAL N. 1.223.792-MS (2010/0218429-1)
Relator: Ministro Mauro Campbell Marques
Recorrente: Estado de Mato Grosso do Sul
Procurador: Rafael Saad Peron e outro(s)
Recorrido: Fornecedora de Alimentos Pérola Ltda - Massa Falida
Representado por: Susumu Fuziy - Administrador
Advogado: Renato de Aguiar Lima Pereira e outro(s)
EMENTA
Processual Civil. Recurso especial. Tributário. Multa moratória.
Falência. Regime da Lei n. 11.101/2005 (falência decretada em 2007).
Possibilidade de inclusão da multa na classifi cação dos créditos.
1. Com a vigência da Lei n. 11.101/2005, tornou-se possível a
cobrança da multa moratória de natureza tributária da massa falida,
tendo em vista que o art. 83, VII, da lei referida impõe que “as multas
contratuais e as penas pecuniárias por infração das leis penais ou
administrativas, inclusive as multas tributárias” sejam incluídas na
classifi cação dos créditos na falência.
2. Cumpre registrar que, em se tratando de falência decretada
na vigência da Lei n. 11.101/2005, a inclusão de multa tributária na
classifi cação dos créditos na falência, referente a créditos tributários
ocorridos no período anterior à vigência da lei mencionada, não implica
retroatividade em prejuízo da massa falida, como entendeu o Tribunal
de origem, pois, nos termos do art. 192 da Lei n. 11.101/2005, tal lei
“não se aplica aos processos de falência ou de concordata ajuizados
anteriormente ao início de sua vigência, que serão concluídos nos
termos do Decreto-Lei n. 7.661, de 21 de junho de 1945”, podendo-
se afi rmar, a contrario sensu, que a Lei n. 11.101/2005 é aplicável às
falências decretadas após a sua vigência, como no caso concreto, em
que a decretação da falência ocorreu em 2007.
3. Recurso especial provido.
REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA
518
ACÓRDÃO
Vistos, relatados e discutidos esses autos em que são partes as acima
indicadas, acordam os Ministros da Segunda Turma do Superior Tribunal de
Justiça, na conformidade dos votos e das notas taquigráfi cas, o seguinte resultado
de julgamento: “A Turma, por unanimidade, deu provimento ao recurso, nos
termos do voto do(a) Sr(a). Ministro(a)-Relator(a), sem destaque e em bloco.”
A Sra. Ministra Diva Malerbi (Desembargadora convocada TRF
3ª Região), os Srs. Ministros Castro Meira, Humberto Martins e Herman
Benjamin (Presidente) votaram com o Sr. Ministro Relator.
Brasília (DF), 19 de fevereiro de 2013 (data do julgamento).
Ministro Mauro Campbell Marques, Relator
DJe 26.2.2013
RELATÓRIO
O Sr. Ministro Mauro Campbell Marques: Trata-se de recurso especial
interposto em face de acórdão do Tribunal de Justiça do Estado de Mato
Grosso do Sul cuja ementa é a seguinte:
Agravo regimental em agravo de instrumento. Falência. Multa moratória. Lei n.
11.101/2005. Fato gerador anterior. Recurso improvido.
1. O art. 83 da Lei n. 11.101/2005 é aplicável apenas aos créditos que tiveram
sua origem após a sua entrada em vigor, em junho de 2005.
2. Se a multa que o Estado recorrente pretende fazer incidir não era devida
quando da sua origem, qual seja, quando do fato gerador dos tributos, não pode
a Lei n. 11.101/2005 retroagir para restabelecer créditos anteriores à sua vigência.
No recurso especial, interposto com base na alínea a do permissivo
constitucional, o recorrente aponta ofensa ao art. 83, VII, da Lei n. 11.101/2005,
alegando, em síntese, que:
Ora, as Súmulas n. 192 e 565 do STF não se aplicam às falências decretadas
sob a égide da nova Lei Falimentar (Lei n. 11.101/2005), - que inaugurou o regime
de recuperação judicial e instituiu um novo regime para a falência da sociedade
empresária. A Lei n. 11.101/2005 revogou o antigo Decreto-Lei n. 7.661/1945,
consoante dispõe o seu artigo 200.
Jurisprudência da SEGUNDA TURMA
RSTJ, a. 25, (230): 487-531, abril/junho 2013 519
(...) A empresa executada teve sua falência decretada apenas 2007, aplicando-
se integralmente a Lei n. 11.101/2005, sem importar qual a data dos fatos
geradores das obrigações.
(...) Na execução fi scal não cabe a exclusão de qualquer multa tributária, pois
hoje há expressa previsão legal do seu cabimento, incluída dentre os créditos da
falência e a empresa executada teve sua quebra decretada tão somente no ano
de 2007.
Não se pode fazer a divisão das datas de ocorrência dos fatos geradores da
multa para determinar a aplicação ou não da Lei n. 11.101/2005. O único marco
temporal determinante da aplicação da nova lei de falência é a data da quebra da
empresa. (fl s. 125-127)
Em suas contrarrazões, a recorrida pugna pela manutenção do aresto
atacado.
O recurso foi inadmitido pela decisão de fl s. 140-143.
Em sede de agravo de instrumento, determinou-se a subida dos autos
principais.
É o relatório.
VOTO
O Sr. Ministro Mauro Campbell Marques (Relator): A pretensão recursal
merece acolhimento.
Nos termos do art. 192 da Lei n. 11.101/2005, tal lei “não se aplica aos
processos de falência ou de concordata ajuizados anteriormente ao início de
sua vigência, que serão concluídos nos termos do Decreto-Lei n. 7.661, de 21
de junho de 1945”. Pode se afi rmar, a contrario sensu, a Lei n. 11.101/2005 é
aplicável às falências decretadas após a sua vigência, como no caso concreto, em
que a decretação da falência ocorreu em 2007.
No regime do Decreto-Lei n. 7.661/1945, impedia-se a cobrança da
multa moratória da massa falida, tendo em vista a regra prevista em seu art. 23,
parágrafo único, III, bem com o entendimento consolidado nas Súmulas n. 192
e 565 do STF.
Contudo, com a vigência da Lei n. 11.101/2005, tornou-se possível a
cobrança da multa moratória de natureza tributária da massa falida, tendo em
vista que o art. 83, VII, da lei referida impõe que “as multas contratuais e as
REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA
520
penas pecuniárias por infração das leis penais ou administrativas, inclusive as
multas tributárias” sejam incluídas na classifi cação dos créditos na falência.
Cumpre registrar que, em se tratando de falência decretada na vigência da
Lei n. 11.101/2005, a inclusão de multa tributária na classifi cação dos créditos
na falência, referente a créditos tributários ocorridos no período anterior à
vigência da lei mencionada, não implica retroatividade em prejuízo da massa
falida, como entendeu o Tribunal de origem.
Assim, merece reforma o acórdão recorrido, para se autorizar, no caso
concreto, a inclusão da multa moratória na classifi cação dos créditos na falência.
Diante do exposto, dou provimento ao recurso especial, nos termos da
fundamentação.
É o voto.
RECURSO ESPECIAL N. 1.243.170-PR (2011/0052516-8)
Relatora: Ministra Eliana Calmon
Recorrente: ITT Itatiba Transportes Ltda
Advogado: Edinilson Ferreira da Silva
Recorrido: Fazenda Nacional
Advogado: Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional
EMENTA
Administrativo. Decreto-Lei n. 37/1966. Violação do art. 535 do
CPC. Não ocorrência. Pena de perdimento de veículo. Aplicabilidade
se comprovada a responsabilidade do proprietário na prática do delito.
1. Não ocorre ofensa ao art. 535 do CPC se o Tribunal de origem
decide, fundamentadamente, as questões essenciais ao julgamento da
lide.
2. “A pena de perdimento de veículo utilizado em contrabando
ou descaminho somente é aplicada se demonstrada a responsabilidade
do proprietário na prática do delito” (Súmula n. 138 do extinto TFR).
Jurisprudência da SEGUNDA TURMA
RSTJ, a. 25, (230): 487-531, abril/junho 2013 521
3. A pena de perdimento de veículo utilizado para conduzir
mercadoria sujeita a mesma sanção está prevista no art. 96 do Decreto-
Lei n. 37/1966, exigindo a norma, para a perfeita subsunção do fato à
hipótese nela descrita, que o veículo esteja transportando “mercadoria
sujeita à pena de perda, se pertencente ao responsável por infração
punível com aquela sanção” (art. 104, V).
4. Tratando-se de dispositivo legal que disciplina, especifi camente,
a aplicação da pena de perdimento de veículo, a expressão “pertencer
ao responsável pela infração” tem relação com o veículo transportador,
e não com as mercadorias transportadas.
5. Ainda que o proprietário do veículo transportador ou um
preposto seu não esteja presente no momento da autuação, possível
será a aplicação da pena de perdimento sempre que restar comprovado,
pelas mais diversas formas de prova, que sua conduta (comissiva ou
omissiva) concorreu para a prática delituosa ou, de alguma forma, lhe
trouxe algum benefício (Decreto-Lei n. 37/1966, art. 95).
6. Entendendo o Tribunal de origem que a empresa autora
concorreu para a prática do ato infracional ou dele se benefi ciou, não
é possível rever essa conclusão em sede de recurso especial, por incidir
o óbice da Súmula n. 7-STJ.
7. A apreensão do veículo durante a tramitação do procedimento
administrativo instaurado para averiguar a aplicabilidade da pena de
perdimento constitui medida legítima, consoante os ditames do art.
131 do Decreto-Lei n. 37/1966.
8. Recurso especial parcialmente conhecido e, nessa parte, não
provido, prejudicado o pedido de antecipação da tutela recursal.
ACÓRDÃO
Vistos, relatados e discutidos os autos em que são partes as acima indicadas,
acordam os Ministros da Segunda Turma do Superior Tribunal de Justiça “A
Turma, por unanimidade, conheceu em parte do recurso e, nessa parte, negou-
lhe provimento, nos termos do voto do(a) Sr(a). Ministro(a)-Relator(a), sem
destaque e em bloco.” Os Srs. Ministros Castro Meira, Herman Benjamin
(Presidente) e Mauro Campbell Marques votaram com a Sra. Ministra Relatora.
REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA
522
Ausente, justifi cadamente, o Sr. Ministro Humberto Martins.
Brasília (DF), 11 de abril de 2013 (data do julgamento).
Ministra Eliana Calmon, Relatora
DJe 18.4.2013
RELATÓRIO
A Sra. Ministra Eliana Calmon: Trata-se recurso especial interposto por
ITT Itatiba Transportes Ltda com fundamento no art. 105, III, a, da Constituição
Federal, contra acórdão do Tribunal Regional Federal da 4ª Região assim
ementado:
Tributário. Veículo transportador de mercadorias descaminhadas.
Responsabilidade do proprietário demonstrada. Perdimento.
1. Aplica-se a pena de perdimento de veículo quando o veículo conduzir
mercadoria sujeita a perdimento, se pertencente ao responsável por infração
punível com essa penalidade, devendo ser demonstrada, em procedimento
regular, a responsabilidade do proprietário na prática do ilícito (art. 617, caput e
inciso V c/c § 2º, do Decreto n. 4.543/2002).
2. A exegese da regra contida no art. 617 do Decreto n. 4.543/2002, referente
à condução de mercadoria sujeita à pena de perdimento é no sentido de que
o perdimento do veículo depende da demonstração da responsabilidade do
proprietário e da confi guração de dano ao Erário, o qual é evidente quando há
internalização de mercadoria sem o devido pagamento dos tributos.
Opostos embargos de declaração, foram rejeitados.
Em suas razões recursais, aponta a recorrente violação dos arts. 535, II, do
CPC, 25 do Decreto-Lei n. 1.455/1976 e 75 da Lei n. 10.833/2003.
Afi rma, em síntese, que: a) não foram supridas as omissões indicadas
nos embargos de declaração opostos na origem; b) o ônibus empregado no
transporte de pessoas não se equipara ou equivale a uma mercadoria para fi ns de
aplicação da norma contida no art. 25 do Decreto-Lei n. 1.455/1976, utilizada
como fundamento do auto de infração e apreensão do veículo; c) é inviável a
apreensão do veículo com base nos demais dispositivos legais invocados pelo
agente aduaneiro, que disciplinam hipótese de perdimento, e não de apreensão;
d) mesmo se estivesse confi gurada a infração, a pena a ser aplicada seria multa
Jurisprudência da SEGUNDA TURMA
RSTJ, a. 25, (230): 487-531, abril/junho 2013 523
de R$ 15.000,00 (art. 75 da Lei n. 10.833/2003), cujo pagamento ensejaria a
pronta liberação do veículo apreendido.
Apresentadas as contrarrazões e admitido o recurso, subiram os autos.
O Ministério Público Federal opina pelo não provimento do recurso.
Em petição juntada às fl s. 439-441, a recorrente apresenta pedido de
antecipação da tutela recursal, à consideração de que o processo administrativo
do qual poderá sobrevir eventual pena de perdimento do veículo, iniciado no
ano de 2009, ainda pende de decisão terminativa, pelo que requer a imediata
liberação do veículo.
É o relatório.
VOTO
A Sra. Ministra Eliana Calmon (Relatora): Preliminarmente, deve ser
afastada a alegada contrariedade ao art. 535 do CPC, pois o Tribunal de origem
decidiu, fundamentadamente, as questões essenciais à solução da controvérsia,
entendendo estar confi gurada a responsabilidade do proprietário, a ensejar a
aplicação de pena de perdimento do veículo.
No nosso sistema processual, o juiz não está adstrito aos fundamentos
legais apontados pelas partes. Exige-se apenas que a decisão seja fundamentada,
aplicando o julgador ao caso concreto a solução por ele considerada pertinente,
segundo o princípio do livre convencimento fundamentado, positivado no art.
131 do CPC.
Quanto à matéria de fundo, prevalece nesta Corte a orientação contida na
Súmula n. 138 do extinto TFR, segundo a qual “a pena de perdimento de veículo
utilizado em contrabando ou descaminho somente é aplicada se demonstrada a
responsabilidade do proprietário na prática do delito”.
A pena de perdimento de veículo utilizado para conduzir mercadoria
sujeita a mesma sanção está prevista no art. 96 do Decreto-Lei n. 37/1966,
exigindo a norma, para a perfeita subsunção do fato à hipótese nela descrita,
que o veículo esteja transportando “mercadoria sujeita à pena de perda, se
pertencente ao responsável por infração punível com aquela sanção” (art. 104,
V).
A matéria, atualmente, está regulamentada pelo Decreto n. 6.759, de 5 de
fevereiro de 2009 (Regulamento Aduaneiro), nos termos seguintes:
REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA
524
Art. 675. As infrações estão sujeitas às seguintes penalidades, aplicáveis
separada ou cumulativamente (Decreto-Lei n. 37, de 1966, art. 96; Decreto-Lei n.
1.455, de 1976, arts. 23, § 1º, com a redação dada pela Lei n. 10.637, de 2002, art.
59, e 24; Lei n. 9.069, de 1995, art. 65, § 3º; e Lei n. 10.833, de 2003, art. 76):
I - perdimento do veículo;
II - perdimento da mercadoria;
III - perdimento de moeda;
IV - multa; e
V - sanção administrativa.
Art. 688. Aplica-se a pena de perdimento do veículo nas seguintes hipóteses,
por confi gurarem dano ao Erário (Decreto-Lei n. 37, de 1966, art. 104; Decreto-Lei
n. 1.455, de 1976, art. 24; e Lei n. 10.833, de 2003, art. 75, § 4º):
(...)
V - quando o veículo conduzir mercadoria sujeita a perdimento, se pertencente
ao responsável por infração punível com essa penalidade;
(...)
§ 2º Para efeitos de aplicação do perdimento do veículo, na hipótese do inciso
V, deverá ser demonstrada, em procedimento regular, a responsabilidade do
proprietário do veículo na prática do ilícito.
A redação dos dispositivos em comento admitem mais de uma
interpretação. A partir de uma interpretação literal, pode-se entender que a
exigibilidade de “pertencer ao responsável pela infração” esteja relacionada à
mercadoria transportada ou ao veículo transportador.
Tratando-se de dispositivo legal que disciplina, especifi camente, a aplicação
da pena de perdimento de veículo, não resta dúvida de que a expressão “pertencer
ao responsável pela infração” tem relação com o veículo transportador. Do
contrário, bastaria atribuir a propriedade das mercadorias a terceiros, como
forma de restringir o alcance da norma. Constituiria tal proceder manobra
sufi ciente para impedir a aplicação da pena de perdimento do veículo, em
completa burla à real intenção do legislador.
Estabelecida essa premissa, impõe-se observar a previsão contida no art. 95
do Decreto-Lei n. 37/1966, segundo o qual:
Art. 95 - Respondem pela infração:
Jurisprudência da SEGUNDA TURMA
RSTJ, a. 25, (230): 487-531, abril/junho 2013 525
I - conjunta ou isoladamente, quem quer que, de qualquer forma, concorra
para sua prática, ou dela se benefi cie;
II - conjunta ou isoladamente, o proprietário e o consignatário do veículo,
quanto à que decorrer do exercício de atividade própria do veículo, ou de ação ou
omissão de seus tripulantes;
Assim, ainda que o proprietário do veículo transportador ou um preposto
seu não esteja presente no momento da autuação, possível será a aplicação da
pena de perdimento sempre que restar comprovado, pelas mais diversas formas
de prova, que sua conduta (comissiva ou omissiva) concorreu para a prática
delituosa ou, de alguma forma, lhe trouxe algum benefício.
Será igualmente responsável o proprietário e o consignatário do veículo,
quanto à infração que decorrer do exercício de atividade própria do veículo, ou
de ação ou omissão de seus tripulantes (art. 95, II).
No caso, a partir da análise de diversas circunstâncias fáticas, entendeu a
Corte de origem que a empresa autora, proprietária do veículo, concorreu para a
prática da infração, conforme trechos do acórdão a seguir transcritos:
No caso dos autos, o ônibus da impetrante foi apreendido quando transportava
mercadorias estrangeiras cujas características (grande quantidade de brinquedos,
artigos de toucador, DVDs virgens, víeo games, etc. - fl s. 144-164) revelam sua
nítida destinação comercial.
Observe-se que o valor das mercadorias transportadas perfaz o total de R$
192.351,42 (fl . 132), enquanto o veículo vale R$ 90.000,00 (fl . 133) - não havendo
falar, portanto, em desproporcionalidade da pena aplicada.
Outrossim, constam nos autos elementos apontando para a reiteração da
conduta ilícita, existindo registro de passagens anteriores do mesmo veículo pela
fronteira com o Paraguai (fl . 179).
Por outro lado, o contrato de fretamento do veículo, por si só, não tem o
condão de afastar a aplicabilidade da legislação aduaneira, pois o interesse
público prevalece sobre o interesse privado. Afi nal, admitir que o veículo objeto
de fretamento não pudesse ser alvo de apreensão fi scal, e conseqüente aplicação
de pena de perdimento, representaria verdadeiro salvo-conduto para a prática
desses ilícitos fi scais.
No caso concreto, ademais, os próprios empregados da impetrante - prepostos
da proprietária do veículo, portanto -, conduziam o ônibus no momento da
apreensão (fl s. 140-143). O fato de possuírem vínculo empregatício há mais de
dois anos com a impetrante, consoante se verifi ca nas fl s. citadas, aponta para o
fato de serem motoristas de confi ança da empresa, mostrando-se desarrazoado
REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA
526
supor que esta desconhecia a utilização ilícita dispensada ao veículo de sua
propriedade.
Dessarte, verifi ca-se que a proprietária contribuiu, sim, para a internalização
dos bens, pois forneceu o instrumento para a concretização do ilícito.
Assim, entendendo o Tribunal de origem que a empresa autora concorreu
para a prática do ato infracional ou dele se benefi ciou, não é possível rever
essa conclusão em sede de recurso especial, pois providência dessa natureza
demandaria o reexame do contexto fático-probatório dos autos, o que é vedado
pela Súmula n. 7-STJ.
Ressalta-se, de outra parte, que as infrações às normas estabelecidas no
Decreto-Lei n. 37/1966, segundo o disposto em seu art. 96, estão sujeitas à:
I - perda do veículo transportador; II - perda da mercadoria; III - multa; IV -
proibição de transacionar com repartição pública ou autárquica federal, empresa
pública e sociedade de economia mista.
Não procede, desse modo, a alegação de que a pena aplicável seria somente
aquela prevista no art. 75 da Lei n. 10.833/2003 (multa de R$ 15.000,00), dada
a previsão de que as penas previstas são aplicáveis separada ou cumulativamente
(arts. 96 do Decreto-Lei n. 37/1966 e 675 do Decreto n. 6.759/2009).
Ressalta-se, por fi m, que a apreensão do veículo durante a tramitação do
procedimento administrativo instaurado para averiguar a aplicabilidade da pena
de perdimento constitui medida legítima, consoante os ditames do art. 131 do
Decreto-Lei n. 37/1966, assim redigido:
Art. 131 - Na ocorrência de fato punível com a perda do veículo ou da
mercadoria, proceder-se-á, de pleno, à apreciação.
§ 1º - A coisa apreendida será recolhida à repartição aduaneira, ou à ordem de
sua chefi a, a depósito alfandegado ou a outro local, onde permanecerá até que a
decisão do processo fi scal lhe dê o destino competente.
§ 2º - O regulamento disporá sobre as cautelas e providências que a autoridade
aduaneira poderá adotar na ocorrência de apreensão, mencionando os casos em
que se admite o depósito e quais as obrigações do depositário.
Com essas considerações, conheço parcialmente do recurso, mas, nessa
parte, nego-lhe provimento, fi cando prejudicado o pedido de antecipação da
tutela recursal.
É o voto.
Jurisprudência da SEGUNDA TURMA
RSTJ, a. 25, (230): 487-531, abril/junho 2013 527
RECURSO ESPECIAL N. 1.345.613-SC (2012/0202322-8)
Relator: Ministro Mauro Campbell Marques
Recorrente: Leopoldo Pandini
Advogado: Denísio Dolásio Baixo
Recorrido: Fazenda Nacional
Procurador: Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional
Interessado: Supermercados Comper Ltda
EMENTA
Processual Civil. Direito de desistência da aquisição de bem em
processo de execução, na hipótese de embargos à arrematação. Ato
de arrematação considerado perfeito, acabado e irretratável durante
a redação original dos arts. 694 e 746 do CPC. Inaplicabilidade do §
1º, IV, do art. 694, e dos §§ 1º e 2º do art. 746, ambos do CPC, com a
redação dada pela Lei n. 11.382/2006.
1. Quanto ao direito potestativo do adquirente de desistir da
aquisição, na hipótese de embargos à arrematação, tal direito não pode
ser exercido quando se tratar de arrematação realizada sob a égide
da redação original dos arts. 694 e 746 do CPC. Em outras palavras,
a arrematação considerada perfeita, acabada e irretratável durante a
vigência da redação original dos artigos acima não pode ser tornada
inefi caz, sem qualquer ônus para o arrematante, com base no art. 694,
§ 1º, IV, do CPC, com a redação dada pela Lei n. 11.382/2006. O
direito do adquirente à desistência da arrematação, conforme previsto
nos §§ 1º e 2º do art. 746, acrescentados pela Lei n. 11.382/2006,
está relacionado com o novo inciso III do § 1º do art. 694, ausente
na redação anterior deste artigo. Assim, as normas processuais da Lei
n. 11.382/2006 têm aplicação imediata, respeitados, porém, os atos
consumados sob a égide da lei antiga.
2. Recurso não provido.
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528
ACÓRDÃO
Vistos, relatados e discutidos esses autos em que são partes as acima
indicadas, acordam os Ministros da Segunda Turma do Superior Tribunal de
Justiça, na conformidade dos votos e das notas taquigráfi cas, o seguinte resultado
de julgamento: “A Turma, por unanimidade, negou provimento ao recurso, nos
termos do voto do(a) Sr(a). Ministro(a)-Relator(a), sem destaque e em bloco.”
A Sra. Ministra Diva Malerbi (Desembargadora convocada TRF
3ª Região), os Srs. Ministros Castro Meira, Humberto Martins e Herman
Benjamin (Presidente) votaram com o Sr. Ministro Relator.
Brasília (DF), 21 de fevereiro de 2013 (data do julgamento).
Ministro Mauro Campbell Marques, Relator
DJe 28.2.2013
RELATÓRIO
O Sr. Ministro Mauro Campbell Marques: Trata-se de recurso especial
interposto por Leopoldo Pandini, com fundamento no art. 105, III, a e c,
da Constituição da República, contra acórdão do TRF da 4ª Região assim
ementado:
Tributário. Agravo de instrumento. Embargos à arrematação. Citação
do arrematante. Contestação. Advogado não constituído. Desistência da
arrematação. Art. 746, §§ 1º e 2º, do CPC (Lei n. 11.382/2006).
O arrematante foi citado para contestar os embargos à arrematação. Contudo,
silenciou, não constituindo advogado para defendê-lo.
Poderia admitir-se o pedido de anulação da arrematação logo após a entrada
em vigor da 11.382/2006, mas não dois anos e meio depois, quando, inclusive, já
julgado o mérito dos embargos à arrematação em sede de recurso de apelação
neste Tribunal.
Correção de erro material para extrair trecho da decisão que indeferiu o efeito
suspensivo. Antes da obtenção da carta de arrematação não havia, no caso
concreto, possibilidade de usufruir dos bens arrematados mediante a utilização
de algum remédio jurídico.
No recurso especial, além de dissídio jurisprudencial, o arrematante
recorrente indica contrariedade aos arts. 694, § 1º, IV, e 746, caput e §§ 1º e 2º,
Jurisprudência da SEGUNDA TURMA
RSTJ, a. 25, (230): 487-531, abril/junho 2013 529
do Código de Processo Civil (CPC), seja pela redação atual dos artigos acima,
sobrevinda no curso do feito, após a hasta pública, seja pela redação normativa
anterior. Em síntese, o recorrente defende a possibilidade de desistência da
arrematação, quando são oferecidos embargos à arrematação e se acham
estes pendentes de fi nal julgamento, independentemente da fase em que se
encontra o processo, bastando que não seja ou não possa ser expedida a carta de
arrematação.
É o relatório.
VOTO
O Sr. Ministro Mauro Campbell Marques (Relator): A irresignação não
merece acolhida.
A respeito do desfazimento da arrematação e sobre os embargos à
arrematação, assim dispunham, originalmente, os arts. 694 e 746 do CPC:
Art. 694. Assinado o auto pelo juiz, pelo escrivão, pelo arrematante e pelo
porteiro ou pelo leiloeiro, a arrematação considerar-se-á perfeita, acabada e
irretratável.
Parágrafo único. Poderá, no entanto, desfazer-se:
I - por vício de nulidade;
II - se não for pago o preço ou se não for prestada a caução;
III - quando o arrematante provar, nos 3 (três) dias seguintes, a existência de
ônus real não mencionado no edital;
IV - nos casos previstos neste Código (arts. 698 e 699).
Art. 746. É lícito ao devedor oferecer embargos à arrematação ou à
adjudicação, fundados em nulidade da execução, pagamento, novação, transação
ou prescrição, desde que supervenientes à penhora.
Parágrafo único. Aos embargos opostos na forma deste artigo, aplica-se o
disposto nos Capítulos I e II deste Título.
Com o advento da Lei n. 11.382/2006, os retromencionados arts. 694 e
746 passaram a vigorar com as seguintes alterações:
Art. 694. Assinado o auto pelo juiz, pelo arrematante e pelo serventuário da
justiça ou leiloeiro, a arrematação considerar-se-á perfeita, acabada e irretratável,
ainda que venham a ser julgados procedentes os embargos do executado.
REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA
530
§ 1º A arrematação poderá, no entanto, ser tornada sem efeito:
I - por vício de nulidade;
II - se não for pago o preço ou se não for prestada a caução;
III - quando o arrematante provar, nos 5 (cinco) dias seguintes, a existência de
ônus real ou de gravame (art. 686, inciso V) não mencionado no edital;
IV - a requerimento do arrematante, na hipótese de embargos à arrematação (art.
746, §§ 1º e 2º);
V - quando realizada por preço vil (art. 692);
VI - nos casos previstos neste Código (art. 698).
§ 2º No caso de procedência dos embargos, o executado terá direito a haver do
exeqüente o valor por este recebido como produto da arrematação; caso inferior
ao valor do bem, haverá do exeqüente também a diferença. (grifou-se)
Art. 746. É lícito ao executado, no prazo de 5 (cinco) dias, contados da
adjudicação, alienação ou arrematação, oferecer embargos fundados em nulidade
da execução, ou em causa extintiva da obrigação, desde que superveniente à
penhora, aplicando-se, no que couber, o disposto neste Capítulo.
§ 1º Oferecidos embargos, poderá o adquirente desistir da aquisição.
§ 2º No caso do § 1º deste artigo, o juiz deferirá de plano o requerimento, com a
imediata liberação do depósito feito pelo adquirente (art. 694, § 1º, inciso IV).
§ 3º Caso os embargos sejam declarados manifestamente protelatórios, o juiz
imporá multa ao embargante, não superior a 20% (vinte por cento) do valor da
execução, em favor de quem desistiu da aquisição. (grifou-se)
A partir da interpretação sistemática das disposições processuais acima,
conclui-se que, quanto ao direito potestativo do adquirente de desistir da
aquisição, na hipótese de embargos à arrematação, tal direito não pode ser
exercido quando se tratar de arrematação realizada sob a égide da redação original
dos arts. 694 e 746 do CPC. Em outras palavras, a arrematação considerada
perfeita, acabada e irretratável durante a vigência da redação original dos artigos
acima não pode ser tornada inefi caz, sem qualquer ônus para o arrematante, com
base no art. 694, § 1º, IV, do CPC, com a redação dada pela Lei n. 11.382/2006.
O direito do adquirente à desistência da arrematação, conforme previsto nos §§
1º e 2º do art. 746, acrescentados pela Lei n. 11.382/2006, está relacionado com
o novo inciso III do § 1º do art. 694, ausente na redação anterior deste artigo.
Assim, as normas processuais da Lei n. 11.382/2006 têm aplicação imediata,
respeitados, porém, os atos consumados sob a égide da lei antiga.
Jurisprudência da SEGUNDA TURMA
RSTJ, a. 25, (230): 487-531, abril/junho 2013 531
Por outro lado, não procede a alegação do arrematante recorrente, no
sentido de que seria meramente exemplifi cativo o rol das hipóteses legais de
desfazimento da arrematação, pois, consoante já proclamou a Quinta Turma
do extinto Tribunal Federal de Recursos, ao julgar a Apelação Cível n. 81.642-
DF (Rel. Min. Geraldo Sobral, EJ V-5626-138), “se não se vislumbra qualquer
das hipóteses de desfazimento da arrematação previstas no parágrafo único do
artigo 694 do CPC, a alienação judicial não pode mais ser desfeita, sob pena de
se instaurar a insegurança e a incerteza”.
À vista do exposto, nego provimento ao recurso especial.
É como voto.