46
Segunda Turma

RSTJ 230 TOMO 1 (2PP) - stj.jus.br · maligna, cegueira, hanseníase, paralisia irreversível e incapacitante, cardiopatia grave, doença de Parkinson, espondiloartrose anquilosante,

  • Upload
    doandan

  • View
    214

  • Download
    0

Embed Size (px)

Citation preview

Page 1: RSTJ 230 TOMO 1 (2PP) - stj.jus.br · maligna, cegueira, hanseníase, paralisia irreversível e incapacitante, cardiopatia grave, doença de Parkinson, espondiloartrose anquilosante,

Segunda Turma

Page 2: RSTJ 230 TOMO 1 (2PP) - stj.jus.br · maligna, cegueira, hanseníase, paralisia irreversível e incapacitante, cardiopatia grave, doença de Parkinson, espondiloartrose anquilosante,
Page 3: RSTJ 230 TOMO 1 (2PP) - stj.jus.br · maligna, cegueira, hanseníase, paralisia irreversível e incapacitante, cardiopatia grave, doença de Parkinson, espondiloartrose anquilosante,

RECURSO EM MANDADO DE SEGURANÇA N. 31.637-CE

(2010/0030412-1)

Relator: Ministro Castro Meira

Recorrente: Francisco Bezerra Cavalcante

Advogado: Schubert de Farias Machado e outro(s)

Recorrido: Estado do Ceará

Procurador: Maria José Rossi Jereissati e outro(s)

EMENTA

Tributário. Imposto de renda. Isenção. Art. 6º, inciso XIV, da Lei

n. 7.713/1988. Servidor em atividade que renunciou à aposentadoria.

Benefício fi scal que se interpreta literalmente.

1. A pessoa física que, embora seja portadora de uma das moléstias

graves elencadas, recebe rendimentos decorrentes de atividade, vale

dizer, ainda não se aposentou não faz jus à isenção prevista no art. 6º,

XIV, da Lei n. 7.713/1988.

2. Descabe a extensão do aludido benefício à situação que não se

enquadre no texto expresso da lei, conforme preconiza o art. 111, II,

do CTN.

3. Recurso em mandado de segurança não provido.

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos os autos em que são partes as acima indicadas,

acordam os Ministros da Segunda Turma do Superior Tribunal de Justiça, por

unanimidade, negar provimento ao recurso ordinário, nos termos do voto do

Sr. Ministro Relator. Os Srs. Ministros Humberto Martins, Herman Benjamin

(Presidente), Mauro Campbell Marques e Diva Malerbi (Desembargadora

convocada TRF 3ª Região) votaram com o Sr. Ministro Relator.

Brasília (DF), 5 de fevereiro de 2013 (data do julgamento).

Ministro Castro Meira, Relator

DJe 14.2.2013

Page 4: RSTJ 230 TOMO 1 (2PP) - stj.jus.br · maligna, cegueira, hanseníase, paralisia irreversível e incapacitante, cardiopatia grave, doença de Parkinson, espondiloartrose anquilosante,

REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA

490

RELATÓRIO

O Sr. Ministro Castro Meira: O recurso em mandado de segurança foi

interposto contra acórdão proferido pelo Tribunal de Justiça do Estado de

Ceará assim ementado:

Mandado de segurança. Servidor em atividade portador de doença grave.

Isenção do imposto sobre a renda nos termos do art. 6º, inc. XIV, da Lei n.

7.713/1998; art. 47 da Lei n. 8.541/1992; e art. 30, § 2º da Lei n. 9.250/1995. Pedido

indeferido administrativamente pelo presidente do Tribunal de Justiça deste

Estado. Adequação do ato.

1. A autoridade tida como coatora detém legitimidade para fi gurar no pólo

passivo do mandamus, à medida que foi a responsável por editar o ato tido como

violador do direito líquido e certo do impetrante. Questão de ordem rejeitada.

2. A isenção pretendida é restrita aos portadores de moléstia grave na

inatividade. Precedentes do STJ.

3. Segurança denegada (e-STJ fl . 219).

O recorrente sustenta ter direito à isenção do imposto de renda por

ser portador de doença grave mencionada na norma isentiva mesmo para

aqueles que estejam em atividade. Alega que o art. 111 do CTN não pode

ser interpretado literalmente, sob pena de ofensa ao princípio da isonomia

preconizado no art. 150, II, da CF/1988. Aduz que o direito à isenção tem

por causa essencial a doença e não a aposentadoria. Requer a concessão da

segurança, juntando parecer do Professor Hugo de Brito Machado.

Ofertadas as contrarrazões (e-STJ fl s. 267-274), os autos subiram a esta

Corte.

O Ministério Público Federal opinou pela concessão da ordem, a fi m de

que continue sendo assegurado ao recorrente a isenção obtida no momento em

que passou para a inatividade, ou seja, na data em que implementou todos os

requisitos para obtenção do benefício fi scal (e-STJ fl s. 284-290).

É o relatório.

VOTO

O Sr. Ministro Castro Meira (Relator): O impetrante, ora recorrente,

portador de cardiopatia grave, requereu e obteve aposentadoria por invalidez,

Page 5: RSTJ 230 TOMO 1 (2PP) - stj.jus.br · maligna, cegueira, hanseníase, paralisia irreversível e incapacitante, cardiopatia grave, doença de Parkinson, espondiloartrose anquilosante,

Jurisprudência da SEGUNDA TURMA

RSTJ, a. 25, (230): 487-531, abril/junho 2013 491

mas esta foi cancelada, a seu pedido, porque optou por continuar trabalhando.

Requer a isenção do imposto de renda sobre os seus vencimentos, mesmo

permanecendo em atividade laboral, em razão da doença que lhe acomete.

É esta a dicção do dispositivo legal em exame:

Art. 6º Ficam isentos do imposto de renda os seguinte rendimentos percebidos

por pessoas físicas:

(...)

XIV - os proventos de aposentadoria ou reforma motivada por acidente em

serviço e os percebidos pelos portadores de moléstia profi ssional, tuberculose

ativa, alienação mental, esclerose múltipla, neoplasia maligna, cegueira,

hanseníase, paralisia irreversível e incapacitante, cardiopatia grave, doença de

Parkinson, espondiloartrose anquilosante, nefropatia grave, hepatopatia grave,

estados avançados da doença de Paget (osteíte deformante), contaminação por

radiação, síndrome da imunodefi ciência adquirida, com base em conclusão da

medicina especializada, mesmo que a doença tenha sido contraída depois da

aposentadoria ou reforma; (Redação dada pela Lei n. 11.052, de 2004).

A norma impõe a presença de dois requisitos cumulativos para a isenção

do imposto de renda: i) os rendimentos sejam relativos a aposentadoria, pensão

ou reforma; e ii) seja a pessoa física portadora de uma das doenças referidas.

Enquadrando-se nas condições legais, todo o rendimento é isento do tributo,

sem qualquer limitação. Por outro lado, não gozam de isenção os rendimentos

decorrentes de atividade, isto é, o contribuinte é portador de uma das moléstias,

mas ainda não se aposentou, como é o caso dos autos.

Não há como sufragar o posicionamento defendido pelo ilustre

Subprocurador-Geral da República Moacir Guimarães Morais Filho. A lei

é expressa ao referir-se à “proventos de aposentadoria” e, a seu turno, o art.

111, II, do CTN dispõe que se interpreta literalmente a legislação tributária

que disponha sobre outorga de isenção. Como ensina Carlos Maximiliano

(Hermenêutica e Aplicação do Direito), as normas de natureza fi scal “se aproximam

das penais, quanto à exegese; porque encerram prescrições de ordem pública,

imperativas ou proibitivas, e afetam o livre exercício dos direitos patrimoniais”.

A Primeira Seção desta Corte, diante o mesmo dispositivo legal

específico, embora focalizando as doenças elencadas no dispositivo legal,

negou a pretensão do contribuinte por considerar “interditada a interpretação

das normas concessivas de isenção de forma analógica ou extensiva, restando

consolidado entendimento no sentido de ser incabível interpretação extensiva

Page 6: RSTJ 230 TOMO 1 (2PP) - stj.jus.br · maligna, cegueira, hanseníase, paralisia irreversível e incapacitante, cardiopatia grave, doença de Parkinson, espondiloartrose anquilosante,

REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA

492

do aludido benefício à situação que não se enquadre no texto expresso da lei, em

conformidade com o estatuído pelo art. 111, II, do CTN”.

Oportunamente, esta é a ementa do julgado, submetido à sistemática dos

recursos repetitivos:

Tributário. Recurso especial representativo de controvérsia. Art. 543-C, do CPC.

Imposto de renda. Isenção. Servidor público portador de moléstia grave. Art. 6º

da Lei n. 7.713/1988 com alterações posteriores. Rol taxativo. Art. 111 do CTN.

Vedação à interpretação extensiva.

1. A concessão de isenções reclama a edição de lei formal, no afã de verifi car-se

o cumprimento de todos os requisitos estabelecidos para o gozo do favor fi scal.

2. O conteúdo normativo do art. 6º, XIV, da Lei n. 7.713/1988, com as alterações

promovidas pela Lei n. 11.052/2004, é explícito em conceder o benefício fi scal

em favor dos aposentados portadores das seguintes moléstias graves: moléstia

profi ssional, tuberculose ativa, alienação mental, esclerose múltipla, neoplasia

maligna, cegueira, hanseníase, paralisia irreversível e incapacitante, cardiopatia

grave, doença de Parkinson, espondiloartrose anquilosante, nefropatia grave,

hepatopatia grave, estados avançados da doença de Paget (osteíte deformante),

contaminação por radiação, síndrome da imunodeficiência adquirida, com

base em conclusão da medicina especializada, mesmo que a doença tenha sido

contraída depois da aposentadoria ou reforma. Por conseguinte, o rol contido

no referido dispositivo legal é taxativo (numerus clausus), vale dizer, restringe a

concessão de isenção às situações nele enumeradas.

3. Consectariamente, revela-se interditada a interpretação das normas

concessivas de isenção de forma analógica ou extensiva, restando consolidado

entendimento no sentido de ser incabível interpretação extensiva do aludido

benefício à situação que não se enquadre no texto expresso da lei, em

conformidade com o estatuído pelo art. 111, II, do CTN. (Precedente do STF: RE

n. 233.652-DF, Relator(a): Min. Maurício Corrêa, Segunda Turma, DJ 18.10.2002.

Precedentes do STJ: EDcl no AgRg no REsp n. 957.455-RS, Rel. Ministro Luiz Fux,

Primeira Turma, julgado em 18.5.2010, DJe 9.6.2010; REsp n. 1.187.832-RJ, Rel.

Ministro Castro Meira, Segunda Turma, julgado em 6.5.2010, DJe 17.5.2010; REsp n.

1.035.266.PR, Rel. Ministra Eliana Calmon, Segunda Turma, julgado em 21.5.2009,

DJe 4.6.2009; AR n. 4.071-CE, Rel. Ministro Teori Albino Zavascki, Primeira Seção,

julgado em 22.4.2009, DJe 18.5.2009; REsp n. 1.007.031-RS, Rel. Ministro Herman

Benjamin, Segunda Turma, julgado em 12.2.2008, DJe 4.3.2009; REsp n. 819.747-

CE, Rel. Ministro João Otávio de Noronha, Segunda Turma, julgado em 27.6.2006,

DJ 4.8.2006).

Page 7: RSTJ 230 TOMO 1 (2PP) - stj.jus.br · maligna, cegueira, hanseníase, paralisia irreversível e incapacitante, cardiopatia grave, doença de Parkinson, espondiloartrose anquilosante,

Jurisprudência da SEGUNDA TURMA

RSTJ, a. 25, (230): 487-531, abril/junho 2013 493

4. In casu, a recorrida é portadora de distonia cervical (patologia neurológica

incurável, de causa desconhecida, que se caracteriza por dores e contrações

musculares involuntárias - fl s. 178-179), sendo certo tratar-se de moléstia não

encartada no art. 6º, XIV, da Lei n. 7.713/1988.

5. Recurso especial provido. Acórdão submetido ao regime do art. 543-C do

CPC e da Resolução STJ n. 8/2008 (REsp n. 1.116.620-BA, Rel. Ministro Luiz Fux,

Primeira Seção, julgado em 9.8.2010, DJe 25.8.2010).

Guardadas as devidas particularidades, cito ainda os seguintes precedentes:

Tributário. Imposto de renda. Isenção. Portador de moléstia grave em atividade.

Art. 6º da Lei n. 7.713/1988. Interpretação extensiva. Impossibilidade.

1. O art. 6º, XIV, da Lei n. 7.713/1988 é claro ao isentar do Imposto de Renda os

“proventos de aposentadoria ou reforma” para os portadores de moléstias graves.

2. Segundo a exegese do art. 111, inciso II, do CTN, a legislação tributária que

outorga a isenção deve ser interpretada literalmente.

3. Agravo Regimental não provido (AgRg no REsp n. 1.208.632-SC, Rel. Ministro

Herman Benjamin, Segunda Turma, julgado em 16.11.2010, DJe 4.2.2011);

Recurso especial. Tributário. Licença para tratamento de saúde. Isenção. Leis n.

7.713/1988 e n. 8.541/1992. Impossibilidade. Interpretação restritiva. Art. 111 do

CTN.

1. A inexistência de lei específi ca que assegure a isenção de imposto de renda

sobre proventos de Licença para Tratamento de Saúde impossibilita a concessão

de tal benefício.

2. As Leis n. 7.713/1988 e n. 8.541/1992 tratam de hipóteses específi cas de

isenção, não abrangendo a situação dos autos.

3. As normas instituidoras de isenção, nos termos do art. 111 do CTN, por

preverem exceções ao exercício de competência tributária, estão sujeitas à regra

de hermenêutica que determina a interpretação restritiva em decorrência de sua

natureza. Não prevista, expressamente, pelas Leis n. 10.637/2002 e n. 10.833/2003

a exclusão dos juros de capital próprio da base de cálculo do PIS e da Cofi ns,

incabível fazê-lo por analogia. Precedente: REsp n. 921.269-RS, Rel. Min. Francisco

Falcão, DJ 14.6.2007, p. 272.

4. Recurso especial não provido (REsp n. 1.212.976-RS, minha relatoria,

Segunda Turma, julgado em 9.11.2010, DJe 23.11.2010);

Tributário. Imposto de renda pessoa física. Isenção. Art. 6º, XIV, da Lei

n. 7.713/1988. Portador de paralisia incapacitante. Marco inicial. Data da

aposentadoria. Interpretação restritiva conforme o art. 111, II, do CTN.

Precedentes.

Page 8: RSTJ 230 TOMO 1 (2PP) - stj.jus.br · maligna, cegueira, hanseníase, paralisia irreversível e incapacitante, cardiopatia grave, doença de Parkinson, espondiloartrose anquilosante,

REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA

494

1. No caso dos autos, o recorrido, servidor público, foi acometido por paralisia

incapacitante, que foi constatada por perícia médica em 22.12.2002, tendo

se aposentado em 15.9.2005. O Tribunal a quo concedeu a isenção pleiteada

retroagindo seus efeitos à data da constatação da doença.

2. À vista do art. 111, II, do CTN, a norma tributária concessiva de isenção deve

ser interpretada literalmente, sendo que, na hipótese, ao conceder a isenção do

imposto de renda a partir da data da comprovação da doença, a Corte a quo

isentou a remuneração do servidor, o que vai de encontro à interpretação do art.

6º, XIV, da Lei n. 7.713/1988, que prevê que a isenção se dá sobre os proventos de

aposentadoria e não sobre a remuneração.

3. Recurso especial provido (REsp n. 1.059.290-AL, Rel. Ministro Mauro

Campbell Marques, Segunda Turma, julgado em 4.11.2008, DJe 1º.12.2008).

À falta de previsão legal expressa dessa hipótese de exclusão do crédito

tributário, o pleito não pode ser acolhido.

Por fi m, nada há de inconstitucional na norma. Além de ter supedâneo na

Constituição da República (art. 150, § 6º), inexiste isonomia entre a situação do

impetrante, que ainda se encontra em atividade, com as benesses do cargo de

Juiz de Direito, e os aposentados, tendo em vista que a fi nalidade do benefício é

diminuir o sacrifício dos defi nitivamente aposentados, aliviando-os dos encargos

fi nanceiros. Ademais, a parte fi nal do dispositivo legal (“mesmo que a doença

tenha sido contraída depois da aposentadoria ou reforma”) busca tão somente

afastar tratamento diferenciado entre os inativos.

Ante o exposto, nego provimento ao recurso em mandado de segurança.

É como voto.

RECURSO EM MANDADO DE SEGURANÇA N. 38.010-RJ

(2012/0100667-5)

Relator: Ministro Herman Benjamin

Recorrente: Raul Fonseca Machado e outros

Advogado: Eduardo Rocha Pançardes

Recorrido: Ministério Público do Estado do Rio de Janeiro

Page 9: RSTJ 230 TOMO 1 (2PP) - stj.jus.br · maligna, cegueira, hanseníase, paralisia irreversível e incapacitante, cardiopatia grave, doença de Parkinson, espondiloartrose anquilosante,

Jurisprudência da SEGUNDA TURMA

RSTJ, a. 25, (230): 487-531, abril/junho 2013 495

EMENTA

Administrativo. Improbidade. Inquérito civil. Investigação

decorrente de denúncia anônima. Evolução patrimonial incompatível

com os rendimentos. Agentes políticos. Ilícito que se comprova

necessariamente por análise de documentos. Harmonização entre a

vedação do anonimato e o dever constitucional imposto ao Ministério

Público. Possibilidade.

1. Cinge-se a controvérsia a defi nir se os recorrentes possuem o

direito líquido e certo de impedir o prosseguimento de Inquérito Civil

instaurado, após denúncia anônima recebida pela Ouvidoria-Geral

do Ministério Público do Estado do Rio de Janeiro, com a fi nalidade

de apurar possível incompatibilidade entre a evolução patrimonial de

agentes políticos e seus respectivos rendimentos.

2. O simples fato de o Inquérito Civil ter-se formalizado com

base em denúncia anônima não impede que o Ministério Público

realize administrativamente as investigações para formar juízo de

valor sobre a veracidade da notícia. Ressalte-se que, no caso em espécie, os

servidores públicos já estão, por lei, obrigados na posse e depois, anualmente,

a disponibilizar informações sobre seus bens e evolução patrimonial.

3. A Lei da Improbidade Administrativa (Lei n. 8.429/1992),

não deixa dúvida a respeito: “Art. 13. A posse e o exercício de agente

público fi cam condicionados à apresentação de declaração dos bens e

valores que compõem o seu patrimônio privado, a fi m de ser arquivada

no serviço de pessoal competente. § 1º A declaração compreenderá

imóveis, móveis, semoventes, dinheiro, títulos, ações, e qualquer outra

espécie de bens e valores patrimoniais, localizado no País ou no

exterior, e, quando for o caso, abrangerá os bens e valores patrimoniais

do cônjuge ou companheiro, dos fi lhos e de outras pessoas que vivam

sob a dependência econômica do declarante, excluídos apenas os

objetos e utensílios de uso doméstico. § 2º A declaração de bens será

anualmente atualizada e na data em que o agente público deixar o

exercício do mandato, cargo, emprego ou função”.

4. As providências solicitadas pelo Parquet, na hipótese dos

autos, não ferem direitos fundamentais dos recorrentes, os quais, na

condição de agentes políticos, sujeitam-se a uma diminuição na esfera

Page 10: RSTJ 230 TOMO 1 (2PP) - stj.jus.br · maligna, cegueira, hanseníase, paralisia irreversível e incapacitante, cardiopatia grave, doença de Parkinson, espondiloartrose anquilosante,

REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA

496

de privacidade e intimidade, de modo que não se mostra legítima a

pretensão por não revelar fatos relacionados à evolução patrimonial.

Sobre o tema, oportuno observar recente diretriz adotada pelo STF

na SS n. 3.902, Relator Min. Ayres Britto, Tribunal Pleno, DJe-189,

de 3.10.2011.

5. A vedação ao anonimato, constante no art. 5º, IV, da

Constituição Federal, há de ser harmonizada, com base no princípio da

concordância prática, com o dever constitucional imposto ao Ministério

Público de promover o Inquérito Civil e a Ação Civil Pública, para a

proteção do patrimônio público e social, do meio ambiente e de outros

interesses difusos e coletivos (art. 129, III).

6. Nos termos do art. 22 da Lei n. 8.429/1992, o Ministério

Público pode, mesmo de ofício, requisitar a instauração de inquérito

policial ou procedimento administrativo para apurar qualquer ilícito

previsto no aludido diploma legal.

7. Assim, ainda que a notícia da suposta discrepância entre a

evolução patrimonial de agentes políticos e seus rendimentos tenha

decorrido de denúncia anônima, não se pode impedir que o membro

do Parquet tome medidas proporcionais e razoáveis, como no caso dos

autos, para investigar a veracidade do juízo apresentado por cidadão

que não se tenha identifi cado.

8. Em matéria penal, o STF já assentou que “nada impede,

contudo, que o Poder Público provocado por delação anônima

(‘disque-denúncia’, p. ex.), adote medidas informais destinadas a

apurar, previamente, em averiguação sumária, ‘com prudência e

discrição’, a possível ocorrência de eventual situação de ilicitude

penal, desde que o faça com o objetivo de conferir a verossimilhança

dos fatos nela denunciados, em ordem a promover, então, em caso

positivo, a formal instauração da persecutio criminis, mantendo-se,

assim, completa desvinculação desse procedimento estatal em relação

às peças apócrifas” (Inq n. 1.957, Rel. Min. Carlos Velloso, voto do

Min. Celso de Mello, julgamento em 11.5.2005, Plenário, DJ de

11.11.2005).

9. Em se tratando de suposto ato de improbidade que só pode

ser analisado mediante documentos, descabe absolutamente adotar

medidas informais para examinar a verossimilhança, ao contrário do

Page 11: RSTJ 230 TOMO 1 (2PP) - stj.jus.br · maligna, cegueira, hanseníase, paralisia irreversível e incapacitante, cardiopatia grave, doença de Parkinson, espondiloartrose anquilosante,

Jurisprudência da SEGUNDA TURMA

RSTJ, a. 25, (230): 487-531, abril/junho 2013 497

que se passa, por exemplo, em caso de denúncia anônima da ocorrência

de homicídio.

10. O STJ reconhece a possibilidade de investigar a veracidade

de denúncia anônima em Inquérito Civil ou Processo Administrativo,

conforme se observa nos seguintes precedentes, entre os quais se

destacam a orientação já fi rmada por esta Segunda Turma e uma

recente decisão da Primeira Turma: RMS n. 37.166-SP, Rel. Ministro

Benedito Gonçalves, Primeira Turma, DJe 15.4.2013; RMS n. 30.510-

RJ, Rel. Ministra Eliana Calmon, Segunda Turma, DJe 10.2.2010;

MS n. 13.348-DF, Rel. Ministra Laurita Vaz, Terceira Seção, DJe

16.9.2009.

11. Recurso Ordinário não provido.

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos os autos em que são partes as acima indicadas,

acordam os Ministros da Segunda Turma do Superior Tribunal de Justiça: “A

Turma, por unanimidade, negou provimento ao recurso ordinário, nos termos do

voto do(a) Sr(a). Ministro(a)-Relator(a).” Os Srs. Ministros Mauro Campbell

Marques, Eliana Calmon, Castro Meira e Humberto Martins votaram com o

Sr. Ministro Relator.

Brasília (DF), 2 de maio de 2013 (data do julgamento).

Ministro Herman Benjamin, Relator

DJe 16.5.2013

RELATÓRIO

O Sr. Ministro Herman Benjamin: Trata-se de recurso ordinário interposto

contra acórdão assim ementado:

Processual Civil. Administrativo. Mandado de segurança. Pretensão de

segurança para trancamento de inquérito civil. Apuração de possíveis atos de

improbidade administrativa. Denúncia anônima. Possibilidade. Denegação da

segurança - Artigo 557 do Código de Processo Civil.

I - O Ministério Público instaurou inquérito civil em face dos impetrados para

apuração de possível evolução patrimonial incompatível com as suas rendas;

Page 12: RSTJ 230 TOMO 1 (2PP) - stj.jus.br · maligna, cegueira, hanseníase, paralisia irreversível e incapacitante, cardiopatia grave, doença de Parkinson, espondiloartrose anquilosante,

REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA

498

II - Tanto a legislação quanto a jurisprudência dos Tribunais Superiores

admitem a instauração de inquérito com base em denúncia anônima;

III - Direitos constitucionalmente garantidos como a inviolabilidade da vida

privada e da intimidade que foram respeitados face ao sigilo do inquérito;

IV - Denegação da segurança dentro do permissivo do artigo 557 do Código de

Processo Civil;

V - Improvimento ao agravo interno (fl . 95).

Os recorrentes sustentam, em síntese, a impossibilidade de instauração de

Inquérito Civil com base em denúncia anônima.

Contrarrazões nas fl s. 173-180.

O Ministério Público Federal opina pelo não conhecimento/desprovimento

do recurso (fl s. 185-188). É o relatório.

VOTO

O Sr. Ministro Herman Benjamin (Relator): Cinge-se a controvérsia

a defi nir se os recorrentes possuem o direito líquido e certo de impedir o

prosseguimento de Inquérito Civil instaurado, após denúncia anônima recebida

pela Ouvidoria-Geral do Ministério Público do Estado do Rio de Janeiro, com

a fi nalidade de apurar possível incompatibilidade entre a evolução patrimonial

de agentes políticos e seus respectivos rendimentos.

Na portaria que instaurou o procedimento, o membro do Parquet se

limitou a determinar as seguintes providências:

Notifiquem-se os investigados, com cópia da representação, solicitando

aos mesmos que apresentem cópias das suas últimas declarações de Imposto

de Renda, bem como que preste informações sobre: i) fontes de renda que

possuem, além da remuneração recebida do Município (inclusive recebimento

de empréstimos); ii) participação em sociedades empresárias; iii) existência de

dívidas, principalmente de dívidas oriundas de empréstimos em dinheiro; iv)

nome dos descendentes, ascendentes, esposa; v) fontes de renda das pessoas

acima indicadas; vi) se as pessoas indicadas no item iv possuem patrimônio

em seus nomes; vii) participação de algum parente/cônjuge em sociedades

empresárias; viii) se algum parente/cônjuge possui contrato com órgãos públicos;

viii) possível aquisição de bens por sucessão ou doação; ix) se tem procuração

para administrar bens ou negócios em nome de outras pessoas físicas ou jurídicas;

x) se abre mão do sigilo fi scal ou bancário, caso seja necessário para a conclusão

das investigações; xi) datas de nomeação para os cargos públicos exercidos; xii)

cargos públicos exercidos anteriormente (fl . 35).

Page 13: RSTJ 230 TOMO 1 (2PP) - stj.jus.br · maligna, cegueira, hanseníase, paralisia irreversível e incapacitante, cardiopatia grave, doença de Parkinson, espondiloartrose anquilosante,

Jurisprudência da SEGUNDA TURMA

RSTJ, a. 25, (230): 487-531, abril/junho 2013 499

O Tribunal a quo denegou a Segurança (fl s. 116-118).

O simples fato de o Inquérito Civil ter sido formalizado com base

em denúncia anônima, por si, não impede que o Ministério Público realize

administrativamente as investigações necessárias para formação de juízo de

valor sobre a veracidade da notícia.

As providências solicitadas pelo Parquet, como se percebe, não ferem

direitos fundamentais dos recorrentes, os quais, na condição de agentes políticos,

sujeitam-se a uma diminuição na esfera de privacidade e intimidade, de modo

que não se mostra legítima a pretensão por não revelar fatos relacionados à

evolução patrimonial. Sobre o tema, oportuno observar recente diretriz adotada

pelo STF:

Ementa: Suspensão de segurança. Acórdãos que impediam a divulgação, em

sítio eletrônico ofi cial, de informações funcionais de servidores públicos, inclusive

a respectiva remuneração. Deferimento da medida de suspensão pelo Presidente

do STF. Agravo regimental. Conflito aparente de normas constitucionais. Direito

à informação de atos estatais, neles embutida a folha de pagamento de órgãos e

entidades públicas. Princípio da publicidade administrativa. Não reconhecimento

de violação à privacidade, intimidade e segurança de servidor público. Agravos

desprovidos. 1. Caso em que a situação específi ca dos servidores públicos é regida

pela 1ª parte do inciso XXXIII do art. 5º da Constituição. Sua remuneração bruta,

cargos e funções por eles titularizados, órgãos de sua formal lotação, tudo é

constitutivo de informação de interesse coletivo ou geral. Expondo-se, portanto, a

divulgação ofi cial. Sem que a intimidade deles, vida privada e segurança pessoal

e familiar se encaixem nas exceções de que trata a parte derradeira do mesmo

dispositivo constitucional (inciso XXXIII do art. 5º), pois o fato é que não estão

em jogo nem a segurança do Estado nem do conjunto da sociedade. 2. Não

cabe, no caso, falar de intimidade ou de vida privada, pois os dados objeto

da divulgação em causa dizem respeito a agentes públicos enquanto agentes

públicos mesmos; ou, na linguagem da própria Constituição, agentes estatais

agindo “nessa qualidade” (§ 6º do art. 37). E quanto à segurança física ou corporal

dos servidores, seja pessoal, seja familiarmente, claro que ela resultará um tanto

ou quanto fragilizada com a divulgação nominalizada dos dados em debate, mas

é um tipo de risco pessoal e familiar que se atenua com a proibição de se revelar

o endereço residencial, o CPF e a CI de cada servidor. No mais, é o preço que se

paga pela opção por uma carreira pública no seio de um Estado republicano. 3. A

prevalência do princípio da publicidade administrativa outra coisa não é senão

um dos mais altaneiros modos de concretizar a República enquanto forma de

governo. Se, por um lado, há um necessário modo republicano de administrar o

Estado brasileiro, de outra parte é a cidadania mesma que tem o direito de ver o

seu Estado republicanamente administrado. O “como” se administra a coisa pública

Page 14: RSTJ 230 TOMO 1 (2PP) - stj.jus.br · maligna, cegueira, hanseníase, paralisia irreversível e incapacitante, cardiopatia grave, doença de Parkinson, espondiloartrose anquilosante,

REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA

500

a preponderar sobre o “quem” administra - falaria Norberto Bobbio -, e o fato é

que esse modo público de gerir a máquina estatal é elemento conceitual da nossa

República. O olho e a pálpebra da nossa fi sionomia constitucional republicana. 4.

A negativa de prevalência do princípio da publicidade administrativa implicaria,

no caso, inadmissível situação de grave lesão à ordem pública. 5. Agravos

Regimentais desprovidos. (SS n. 3.902 AgR-segundo, Relator(a): Min. Ayres Britto,

Tribunal Pleno, julgado em 9.6.2011, DJe-189 Divulg 30.9.2011 Public 3.10.2011

Ement vol-02599-01 PP-00055 RTJ vol-00220- PP-00149).

A vedação ao anonimato, constante no art. 5º, IV, da Constituição Federal,

há que ser harmonizada, com base no princípio da concordância prática, com o

dever constitucional imposto ao Ministério Público de promover o Inquérito

Civil e a Ação Civil Pública, para a proteção do patrimônio público e social, do

meio ambiente e de outros interesses difusos e coletivos (art. 129, III).

Nos termos do art. 22 da Lei n. 8.429/1992, o Ministério Público pode,

mesmo de ofício, requisitar a instauração de inquérito policial ou procedimento

administrativo para apurar qualquer ilícito previsto no aludido diploma legal.

Ressalte-se, ademais, que, no caso em espécie, os servidores públicos já estão,

por lei, obrigados na posse e depois, anualmente, a disponibilizar informações sobre

seus bens e evolução patrimonial. A Lei da Improbidade Administrativa (Lei n.

8.429/1992), não deixa dúvida a respeito: “Art. 13. A posse e o exercício de

agente público fi cam condicionados à apresentação de declaração dos bens

e valores que compõem o seu patrimônio privado, a fim de ser arquivada

no serviço de pessoal competente. § 1° A declaração compreenderá imóveis,

móveis, semoventes, dinheiro, títulos, ações, e qualquer outra espécie de bens

e valores patrimoniais, localizado no País ou no exterior, e, quando for o caso,

abrangerá os bens e valores patrimoniais do cônjuge ou companheiro, dos fi lhos

e de outras pessoas que vivam sob a dependência econômica do declarante,

excluídos apenas os objetos e utensílios de uso doméstico. § 2º A declaração

de bens será anualmente atualizada e na data em que o agente público deixar o

exercício do mandato, cargo, emprego ou função”.

Assim, ainda que a notícia da suposta discrepância entre a evolução

patrimonial de agentes políticos e seus rendimentos tenha decorrido de

denúncia anônima, não se pode impedir que o membro do Parquet tome

medidas proporcionais e razoáveis, como no caso dos autos, para investigar a

veracidade do juízo apresentado por cidadão que não se tenha identifi cado.

Em matéria penal, o STF já assentou que “nada impede, contudo, que o

Poder Público provocado por delação anônima (‘disque-denúncia’, p. ex.), adote

Page 15: RSTJ 230 TOMO 1 (2PP) - stj.jus.br · maligna, cegueira, hanseníase, paralisia irreversível e incapacitante, cardiopatia grave, doença de Parkinson, espondiloartrose anquilosante,

Jurisprudência da SEGUNDA TURMA

RSTJ, a. 25, (230): 487-531, abril/junho 2013 501

medidas informais destinadas a apurar, previamente, em averiguação sumária,

‘com prudência e discrição’, a possível ocorrência de eventual situação de ilicitude

penal, desde que o faça com o objetivo de conferir a verossimilhança dos fatos

nela denunciados, em ordem a promover, então, em caso positivo, a formal

instauração da persecutio criminis, mantendo-se, assim, completa desvinculação

desse procedimento estatal em relação às peças apócrifas” (Inq n. 1.957, Rel.

Min. Carlos Velloso, voto do Min. Celso de Mello, julgamento em 11.5.2005,

Plenário, DJ de 11.11.2005).

Ora, em se tratando de suposto ato de improbidade que só pode ser

analisado mediante documentos, é absolutamente impossível a adoção de

medidas informais para examinar a verossimilhança, ao contrário do que se

passa, por exemplo, em caso de denúncia anônima da ocorrência de homicídio.

O STF já admitiu, até mesmo, a realização de investigações em inquérito

policial defl agrado após denúncia anônima. Confi ra-se:

Ementa: Habeas corpus. “Denúncia anônima” seguida de investigações em

inquérito policial. Interceptações telefônicas e ações penais não decorrentes de

“denúncia anônima”. Licitude da prova colhida e das ações penais iniciadas. Ordem

denegada. Segundo precedentes do Supremo Tribunal Federal, nada impede a

defl agração da persecução penal pela chamada “denúncia anônima”, desde que

esta seja seguida de diligências realizadas para averiguar os fatos nela noticiados

(86.082, rel. min. Ellen Gracie, DJe de 22.8.2008; 90.178, rel. min. Cezar Peluso,

DJe de 26.3.2010; e HC n. 95.244, rel. min. Dias Toff oli, DJe de 30.4.2010). No caso,

tanto as interceptações telefônicas, quanto as ações penais que se pretende

trancar decorreram não da alegada “notícia anônima”, mas de investigações

levadas a efeito pela autoridade policial. A alegação de que o deferimento

da interceptação telefônica teria violado o disposto no art. 2º, I e II, da Lei n.

9.296/1996 não se sustenta, uma vez que a decisão da magistrada de primeiro

grau refere-se à existência de indícios razoáveis de autoria e à imprescindibilidade

do monitoramento telefônico. Ordem denegada. (HC n. 99.490, Relator(a): Min.

Joaquim Barbosa, Segunda Turma, julgado em 23.11.2010, DJe-020 Divulg

31.1.2011 Public 1º.2.2011 Ement vol-02454-02 PP-00459).

O STJ, por seu turno, reconhece a possibilidade de investigar a veracidade

de denúncia anônima em inquérito civil ou processo administrativo, conforme

se observa nos seguintes precedentes, entre os quais destaco orientação já

fi rmada por esta Segunda Turma, além de recente decisão da Primeira Turma:

Administrativo e Constitucional. Recurso ordinário em mandado de segurança.

Inquérito civil aberto pelo Ministério Público com base em denúncia anônima.

Possibilidade.

Page 16: RSTJ 230 TOMO 1 (2PP) - stj.jus.br · maligna, cegueira, hanseníase, paralisia irreversível e incapacitante, cardiopatia grave, doença de Parkinson, espondiloartrose anquilosante,

REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA

502

1. Recurso ordinário no qual se discute a possibilidade de o Ministério Público

instaurar inquérito civil para apurar a veracidade de fraudes em procedimentos

licitatórios, que foram informadas por meio de denúncia anônima.

2. A Lei n. 8.625/1993, lei orgânica do Ministério Público, e a Resolução n.

23/2007 do Conselho Nacional do Ministério Público autorizam a atuação

investigatória do parquet, no âmbito administrativo, em caso de denúncia

anônima. Precedente: RMS n. 30.510-RJ, Rel. Ministra Eliana Calmon, Segunda

Turma, DJe 10.2.2010.

3. No caso, o parquet instaurou inquérito civil com base em denúncia

anônima que continham indícios que supostamente caracterizariam fraudes em

procedimentos licitatórios, bem como baseou-se em noticia determinada que é

objeto em outros inquéritos civis.

4. Recurso ordinário não provido.

(RMS n. 37.166-SP, Rel. Ministro Benedito Gonçalves, Primeira Turma, DJe

15.4.2013).

Processo Civil e Administrativo. Mandado de segurança. Trancamento

de inquérito civil para apuração de ato de improbidade administrativo.

Enriquecimento ilícito. Justa causa. Prescrição.

1. Somente em situações excepcionais, quando comprovada, de plano,

atipicidade de conduta, causa extintiva da punibilidade ou ausência de indícios

de autoria, é possível o trancamento de inquérito civil.

2. Apuração de fatos típicos (artigo 9º da Lei n. 8.429/1992), com indícios

suficientes de autoria desmentem a alegação de inviabilidade da ação de

improbidade.

3. Denúncia anônima pode ser investigada, para comprovarem-se fatos ilícitos,

na defesa do interesse público.

4. A ação civil de ressarcimento por ato de improbidade é imprescritível,

inexistindo ainda ação contra o impetrante.

5. Recurso ordinário desprovido.

(RMS n. 30.510-RJ, Rel. Ministra Eliana Calmon, Segunda Turma, DJe 10.2.2010).

Administrativo. Mandado de segurança. Servidor público federal. Cassação

de aposentadoria. Processo administrativo disciplinar instaurado com base em

investigação provocada por denúncia anônima. Admissibilidade. Precedentes.

Inexistência de afronta aos princípios do contraditório, da ampla defesa e do

devido processo legal. Dilação probatória. Inadequação da via eleita.

1. Ainda que com reservas, a denúncia anônima é admitida em nosso

ordenamento jurídico, sendo considerada apta a defl agrar procedimentos de

averiguação, como o processo administrativo disciplinar, conforme contenham

Page 17: RSTJ 230 TOMO 1 (2PP) - stj.jus.br · maligna, cegueira, hanseníase, paralisia irreversível e incapacitante, cardiopatia grave, doença de Parkinson, espondiloartrose anquilosante,

Jurisprudência da SEGUNDA TURMA

RSTJ, a. 25, (230): 487-531, abril/junho 2013 503

ou não elementos informativos idôneos sufi cientes, e desde que observadas as

devidas cautelas no que diz respeito à identidade do investigado. Precedentes

desta Corte.

2. As acusações que resultaram da apreensão de documentos feita pela

Comissão de Sindicância, sem a presença do indiciado, não foram consideradas

para a convicção acerca da responsabilização do servidor, pois restaram

afastados os enquadramentos das condutas resultantes das provas produzidas na

mencionada diligência.

3. Eventual nulidade no Processo Administrativo exige a respectiva

comprovação do prejuízo sofrido, o que não restou configurado na espécie,

sendo, pois, aplicável o princípio pas de nullité sans grief. Precedentes.

4. Em sede de ação mandamental, a prova do direito líquido e certo deve ser

pré-constituída, não se admitindo a dilação probatória.

Precedentes.

5. Segurança denegada.

(MS n. 13.348-DF, Rel. Ministra Laurita Vaz, Terceira Seção, DJe 16.9.2009).

Ante o exposto, nego provimento ao Recurso Ordinário.

É como voto.

RECURSO EM MANDADO DE SEGURANÇA N. 39.361-MG

(2012/0227322-7)

Relator: Ministro Humberto Martins

Recorrente: Simône Renata de Oliveira

Advogado: Agnaldo Alves de Souza

Recorrido: Estado de Minas Gerais

Procurador: José Horácio da Motta e Camanducaia Junior e outro(s)

EMENTA

Constitucional. Administrativo. Servidor público estadual.

Portaria de instauração. Alegação de ausência de descrição detalhada

Page 18: RSTJ 230 TOMO 1 (2PP) - stj.jus.br · maligna, cegueira, hanseníase, paralisia irreversível e incapacitante, cardiopatia grave, doença de Parkinson, espondiloartrose anquilosante,

REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA

504

dos fatos. Desnecessidade. Sufi ciência de indicação nas condutas

imputadas. Ausência de violação da ampla defesa, do contraditório ou

do devido processo legal. Precedentes do STJ e do STF.

1. Cuida-se de recurso ordinário interposto contra acórdão que

denegou a segurança em pleito de nulidade da portaria de instauração

de processo administrativo disciplinar.

2. Da apreciação da portaria objetada ressai que esta frisa estarem

os fatos descritos nos autos de pedido de providência que fazem parte

do processo administrativo disciplinar, sobre os quais a servidora

pôde se pronunciar; os fatos estão descritos e, assim, não há qualquer

evidência de vício insanável ou de cerceamento de defesa.

3. A jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça é pacífi ca

no sentido de que os atos administrativos de instauração dos

processos administrativos disciplinares não demandam uma descrição

minudente e detalhada, requerente somente a presença dos elementos

necessários para o exercício regular da ampla defesa e do contraditório.

Precedentes: MS n. 14.797-DF, Rel. Ministro Og Fernandes, Terceira

Seção, DJe 7.5.2012; e RMS n. 27.642-SP, Rel. Ministra Laurita Vaz,

Quinta Turma, DJe 19.12.2011. No mesmo sentido, no STF: RMS n.

25.105, Relator Min. Joaquim Barbosa, Segunda Turma, julgado em

23.5.2006, publicado no DJ em 20.10.2006, p. 88, no Ementário v.

2252-01, p. 196, na RTJ v. 200-01, p. 102 e na LEXSTF v. 28, n. 336,

2006, p. 144-151.

Recurso ordinário improvido.

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos os autos em que são partes as acima indicadas,

acordam os Ministros da Segunda Turma do Superior Tribunal de Justiça: “A

Turma, por unanimidade, negou provimento ao recurso ordinário, nos termos

do voto do(a) Sr(a). Ministro(a)-Relator(a), sem destaque e em bloco.” Os Srs.

Ministros Herman Benjamin (Presidente), Mauro Campbell Marques, Diva

Malerbi (Desembargadora convocada TRF 3ª Região) e Castro Meira votaram

com o Sr. Ministro Relator.

Page 19: RSTJ 230 TOMO 1 (2PP) - stj.jus.br · maligna, cegueira, hanseníase, paralisia irreversível e incapacitante, cardiopatia grave, doença de Parkinson, espondiloartrose anquilosante,

Jurisprudência da SEGUNDA TURMA

RSTJ, a. 25, (230): 487-531, abril/junho 2013 505

Brasília (DF), 7 de fevereiro de 2013 (data do julgamento).

Ministro Humberto Martins, Relator

DJe 19.2.2013

RELATÓRIO

O Sr. Ministro Humberto Martins: Cuida-se de recurso ordinário

em mandado de segurança interposto por Simône Renata de Oliveira, com

fundamento no art. 105, inciso II, alínea b, da Constituição Federal, contra

acórdão do Tribunal de Justiça do Estado de Minas Gerais assim ementado (fl .

140, e-STJ):

Mandado de segurança. Portaria. Descrição dos fatos imputados ao servidor.

Menção ao conjunto probatório de pedido de providências. Nulidade. Ausência.

Cerceamento de defesa. Inocorrência. - Não há nulidade em processo administrativo

instaurado por portaria que, ainda que de forma sucinta, faz menção ao conjunto

probatório de pedido de providências que contém as imputações de fato e de

direito feitas à servidora processada.

Nas razões do recurso ordinário (fl s. 151-157, e-STJ), defende a impetrante

que deve ser reformado o acórdão e concedida a ordem, porquanto o ato

de instauração do inquérito administrativo (Portaria n. 229/2010) não teria

apontado qualquer conduta da servidora, tão somente listando dispositivos da

Lei Complementar Estadual n. 59/2001. Também alega que apenas foi indicada

a possibilidade de aplicação da penalidade de demissão, sem descrever os fatos

imputados. Alega que o assim proceder teria ensejado violação dos princípios

da ampla defesa, do contraditório e do devido processo legal, em especial do art.

298 da Lei Complementar Estadual.

Contrarrazões nas quais se alega que a Portaria n. 229/2010, que instaurou

o processo administrativo disciplinar, teria feito expressa menção ao conjunto

probatório constante do Pedido de Providências n. 30/2010 e que o processo

administrativo conteria documentos que provariam a ciência dos fatos pela

recorrente (fl s. 265-267, e-STJ).

O Ministério Público Estadual peticionou nos autos e sustentou que não

haveria descrição sufi ciente dos fatos nos autos, tão somente menção ao Pedido

de Providências n. 30/2010 e a dispositivos legais. Pede o provimento do recurso

ordinário (fl s. 169-171, e-STJ).

Page 20: RSTJ 230 TOMO 1 (2PP) - stj.jus.br · maligna, cegueira, hanseníase, paralisia irreversível e incapacitante, cardiopatia grave, doença de Parkinson, espondiloartrose anquilosante,

REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA

506

Parecer do Ministério Público Federal que opina no sentido do não

provimento do recurso ordinário, nos termos da seguinte ementa (fl. 178,

e-STJ):

Recurso em mandado de segurança. Impetração contra ato do Juiz de Direito do

Foro da Comarca que determinou a instauração de procedimento administrativo

em face da impetrante. Acórdão do Egrégio Tribunal de Justiça de Minas Gerais

que denegou o writ em comento. Recurso ordinário fundado no art. 105, II, b,

da Constituição Federal. Alegação de violação ao princípio da ampla defesa e do

contraditório ao fundamento de nulidade da portaria de instauração do aludido

processo disciplinar. Inocorrência. Tramitação regular do processo administrativo

disciplinar eis que respeitadas as garantias constitucionais para o exercício do

direito de defesa. Prescindibilidade da descrição minuciosa dos fatos na portaria

de instauração do procedimento administrativo disciplinar. Referência genérica

aos fatos a serem apurados. Jurisprudência desse Colendo STJ. Parecer pelo não

provimento do recurso ordinário ora apreciado.

É, no essencial, o relatório.

VOTO

O Sr. Ministro Humberto Martins (Relator): Não deve ser provido o

presente recurso ordinário.

Descrevem os autos que a recorrente é servidora pública estadual, no cargo

de ofi cial de apoio judicial, lotada em uma vara do Poder Judiciário do Estado

de Minas Gerais. O magistrado da sua vara a instou, por meio da Portaria n.

229/2010, a se defender no Processo Administrativo Disciplinar n. 31/2010.

A impetrante alega que o processo administrativo disciplinar estaria

eivado por nulidade insanável, porquanto o seu ato de instauração não teria

detalhado de forma sufi ciente as condutas imputadas. Para elucidar o tema, cabe

transcrever os termos da referida portaria, acostada aos autos (fl s. 38-39, e-STJ):

PODER JUDICIÁRIO DO ESTADO DE MINAS GERAIS

COMARCA DE CONTAGEM - ADMINISTRAÇÃO DO FÓRUM

DIREÇÃO DO FORO

PORTARIA N. 229/2010

Marcus Vinícius Mendes do Valle, Juiz Diretor do Foro da Comarca de

Contagem, no exercício de suas atribuições legais.

Page 21: RSTJ 230 TOMO 1 (2PP) - stj.jus.br · maligna, cegueira, hanseníase, paralisia irreversível e incapacitante, cardiopatia grave, doença de Parkinson, espondiloartrose anquilosante,

Jurisprudência da SEGUNDA TURMA

RSTJ, a. 25, (230): 487-531, abril/junho 2013 507

Considerando o conjunto probatório constante do Pedido de Providências n.

30/2010;

Considerando o disposto no artigo 321 do Código Penal Brasileiro;

Considerando que, nos termos dos artigos 275 e 278 da Lei Comentar Estadual

n. 59/2001, os servidores do Poder Judiciário respondem, administrativamente,

pelo exercício irregular de suas atribuições, por atos omissivos ou comissivos

praticados no desempenho de cargo ou função;

RESOLVE

Instaurar Processo Administrativo Disciplinar em desfavor da servidora S.R.O,

PJPI 3017-1, pela imputada prática dos seguintes atos:

1º) deixar de observar as normas legais e regulamentares; valer-se do cargo

para lograr proveito pessoal ou de outrem, em detrimento da dignidade do

cargo ocupado; praticar crime contra a administração pública; e praticar ato de

improbidade administrativa; por valer-se da qualidade de funcionária pública

a fi m de patrocinar indiretamente interesse privado perante a administração

pública;

2º deixar de exercer com acuidade, dedicação e probidade as atribuições do

cargo, mantendo conduta incompatível com a moralidade administrativa; e deixar

de cumprir ordem superior legal; por se recusar a executar tarefa legalmente

prevista, ordenada por seu superior hierárquico imediato;

Tais fatos, se provados, poderão confi gurar, em tese, as infrações previstas

nos incisos I, V e XIII do artigo 273; no inciso VIII do artigo 274; e nos incisos I, II e

XIII do artigo 285, todos da Lei Complementar Estadual n. 59/2001, com possível

aplicação da pena de demissão.

(...)

Compulsando as provas pré-constituídas, nota-se que os autos são os

mesmos do Pedido de Providências e que nele há uma descrição dos fatos e

da conduta, pormenorizada (fl s. 15-16, e-STJ). A recorrente apresentou defesa

na qual sustentou não ter praticado qualquer conduta violadora das normas

jurídicas (fl s. 20-29, e-STJ).

Tenho que os fatos estão sufi cientemente descritos.

O douto Parquet federal opinou no sentido do improvimento e ainda

frisou que da apreciação das provas ressai terem sido atendidos os princípios da

ampla defesa, do contraditório e do devido processo legal (fl s. 179-181, e-STJ):

De fato, é descabida a alegação de vício insanável na portaria de instauração

do processo administrativo - por ausência da descrição dos fatos, objeto

Page 22: RSTJ 230 TOMO 1 (2PP) - stj.jus.br · maligna, cegueira, hanseníase, paralisia irreversível e incapacitante, cardiopatia grave, doença de Parkinson, espondiloartrose anquilosante,

REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA

508

da investigação -, tendo em vista o teor da indigitada Portaria n. 229/2010,

determinando a apuração dos atos imputados (...).

(...)

A jurisprudência dessa Colenda Corte é firme no sentido de proclamar a

prescindibilidade da descrição minuciosa dos fatos imputados ao acusado na

Portaria de Instauração do procedimento administrativo disciplinar, podendo se

restringir a referências genéricas sobre o fato.

(...)

Desse modo, em que pese os argumentos da recorrente, entende-se neste

parecer improsperável a arguição de cerceamento de defesa na condução do

processo administrativo disciplinar à consideração de que da análise dos autos

percebe-se que a recorrente utilizou-se de todas as garantias constitucionais para

exercer seu direito de defesa, tendo sido regularmente intimada a participar da

realização dos atos processuais, intervindo sob o patrocínio de advogado com

procuração nos autos (fl . 53) pelo que se tem como plenamente observadas as

disposições constitucionais e legais regentes da matéria.

Conforme bem indicado, a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça

é pacífi ca no sentido de não haver necessidade do detalhamento na descrição

das condutas.

Neste sentido:

Administrativo. Mandado de segurança. Servidor público federal. Processo

administrativo disciplinar. Pena de demissão. Portaria de instauração. Descrição

minuciosa e individualizada. Desnecessidade. Princípio da hierarquia.

Observância. Secretário da Comissão. Termo de compromisso. Falta. Irrelevância.

Interceptações telefônicas. Processo criminal. Prova emprestada. Possibilidade.

Cerceamento de defesa. Não ocorrência. Advento da Lei n. 11.457/2007.

Redistribuição do cargo. Comissão processante. Alteração da competência. Não

cabimento.

1. O Superior Tribunal de Justiça possui entendimento fi rmado no sentido de

não ser imprescindível a descrição minuciosa dos fatos na portaria de instauração

do processo disciplinar, tendo em vista que o seu principal objetivo é dar

publicidade à constituição da comissão processante. A descrição pormenorizada

dos fatos imputados ao servidor é obrigatória quando do indiciamento do

servidor, o que ocorreu no caso.

(...)

7. Segurança denegada.

(MS n. 14.797-DF, Rel. Ministro Og Fernandes, Terceira Seção, julgado em

28.3.2012, DJe 7.5.2012.)

Page 23: RSTJ 230 TOMO 1 (2PP) - stj.jus.br · maligna, cegueira, hanseníase, paralisia irreversível e incapacitante, cardiopatia grave, doença de Parkinson, espondiloartrose anquilosante,

Jurisprudência da SEGUNDA TURMA

RSTJ, a. 25, (230): 487-531, abril/junho 2013 509

Administrativo. Processual Civil. Servidor público municipal. Demissão em

razão de irregularidades na condução de cooperativa de trabalho. Portaria

de instauração. Descrição pormenorizada dos fatos. Desnecessidade. Defesa

apresentada contendo todas as teses de resistência quanto ao fato imputado.

Ausência de comprovação de prejuízo ao impetrante. Princípio pas de nullité

sans grief. Prescrição da pretensão punitiva da Administração. Não confi gurada.

Excesso de prazo para a conclusão. Mera irregularidade que não gera nulidade.

Servidor público afastado do cargo público nos termos da Lei Municipal

n. 11.866/1995 para a assunção da função de conselheiro de cooperativa de

trabalho. Manutenção do vínculo funcional. Apuração e punição, nos termos da

Lei Municipal n. 8.989/1979, de condutas que possam ser caracterizadas como

faltas funcionais. Possibilidade. Processo administrativo disciplinar. Nulidades.

Inexistentes. Ato reprovável do servidores. Pena de demissão. Inocência.

Mandado de segurança. Prova pré-constituída. Imprescindível. Dilação provatória.

Impossibilidade.

1. A portaria inaugural de processo administrativo disciplinar prescinde de

minuciosa descrição dos fatos imputados, que se faz necessário apenas após a fase

instrutória, onde são apurados os fatos, com a colheita das provas pertinentes.

(...)

7. Recurso ordinário em mandado de segurança conhecido, mas desprovido.

(RMS n. 27.642-SP, Rel. Ministra Laurita Vaz, Quinta Turma, julgado em

6.12.2011, DJe 19.12.2011.)

No mesmo sentido, no STF:

Recurso ordinário em mandado de segurança. Incra. Processo administrativo.

Portaria de instauração. Requisitos. Comissão disciplinar. Integrante de outra

entidade da Administração. Não se exige, na portaria de instauração de processo

disciplinar, descrição detalhada dos fatos investigados, sendo considerada

sufi ciente a delimitação do objeto do processo pela referência a categorias de atos

possivelmente relacionados a irregularidades. Entende-se que, para os efeitos do

art. 143 da Lei n. 8.112/1990, insere-se na competência da autoridade responsável

pela instauração do processo a indicação de integrantes da comissão disciplinar,

ainda que um deles integre o quadro de um outro órgão da administração

federal, desde que essa indicação tenha tido a anuência do órgão de origem do

servidor. Recurso conhecido, mas a que se nega provimento.

(RMS n. 25.105, Relator Min. Joaquim Barbosa, Segunda Turma, julgado em

23.5.2006, publicado no DJ em 20.10.2006, p. 88, no Ementário v. 2252-01, p. 196,

na RTJ v. 200-01, p. 102 e na LEXSTF v. 28, n. 336, 2006, p. 144-151.)

Por fim, como mencionado, a única mácula indicada é relacionada à

portaria de instauração, que foi o ato reputado como coator. Os autos não

trazem o desfecho do processo disciplinar.

Page 24: RSTJ 230 TOMO 1 (2PP) - stj.jus.br · maligna, cegueira, hanseníase, paralisia irreversível e incapacitante, cardiopatia grave, doença de Parkinson, espondiloartrose anquilosante,

REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA

510

Ante o exposto, nego provimento ao recurso ordinário.

É como penso. É como voto.

RECURSO EM MANDADO DE SEGURANÇA N. 40.171-RS

(2013/0000172-4)

Relator: Ministro Castro Meira

Recorrente: Lenir Maria Barichello Freisleben

Advogado: Roberto de Figueiredo Caldas e outro(s)

Recorrido: Estado do Rio Grande do Sul

Procurador: Marilia Rodrigues de Oliveira e outro(s)

EMENTA

Processo Civil. Administrativo. Recurso ordinário em mandado

de segurança. Carreiras do magistério do Estado do Rio Grande do

Sul. Lei Estadual n. 6.672/1974. Cabimento do mandamus. Direito à

promoção anual. Inexistência. Recurso não provido.

1. Discute-se no mandamus o direito dos servidores integrantes

da carreira do magistério do Estado do Rio Grande do Sul à promoção

anual, considerando-se o disposto no art. 32 da Lei Estadual n.

6.672/1974. Busca-se na demanda que o ato concessivo da promoção

publicado em 14.9.2011 produza efeitos retroativos ao dia 15.10.2002.

2. A natureza mandamental do provimento exarado no writ não

impede a existência de efi cácia condenatória, notadamente quando

esse efeito é consectário do cumprimento da determinação deferida in

concreto e as parcelas devidas correspondam ao período de tramitação

do processo.

3. Na espécie, embora não seja possível exigir-se o pagamento de

quantia referente a período anterior à impetração, os efeitos jurídicos

do ato que promoveu os servidores poderiam, em tese, ser reconhecidos

retroativamente, o que repercutiria na reclassifi cação do impetrante

Page 25: RSTJ 230 TOMO 1 (2PP) - stj.jus.br · maligna, cegueira, hanseníase, paralisia irreversível e incapacitante, cardiopatia grave, doença de Parkinson, espondiloartrose anquilosante,

Jurisprudência da SEGUNDA TURMA

RSTJ, a. 25, (230): 487-531, abril/junho 2013 511

na carreira, com o direito a diferenças remuneratórias perceptíveis a

partir do ajuizamento do mandado de segurança. Logo, o remédio

heroico é cabível.

4. A Lei n. 6.672/1974 estipula os critérios de promoção por

antiguidade e por merecimento, fi xando, como regra, o interstício

mínimo de três anos na respectiva classe para que o servidor concorra

à progressão. Nesse contexto, os servidores do magistério do Estado

do Rio Grande do Sul não têm direito a promoções anuais, cabendo

à Administração, observadas as diretrizes legais, concedê-las

oportunamente.

5. Recurso ordinário em mandado de segurança não provido.

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos os autos em que são partes as acima indicadas,

acordam os Ministros da Segunda Turma do Superior Tribunal de Justiça, por

unanimidade, negar provimento ao recurso ordinário, nos termos do voto do Sr.

Ministro-Relator. Os Srs. Ministros Humberto Martins, Herman Benjamin,

Mauro Campbell Marques e Diva Malerbi (Desembargadora convocada do

TRF da 3ª Região) votaram com o Sr. Ministro Relator. Dr(a). Gustavo Petry

(Procurador do Estado do Rio Grande do Sul), pela parte Recorrida: Estado do

Rio Grande do Sul.

Brasília, 05 de março de 2013 (data do julgamento).

Ministro Castro Meira, Relator

DJe 10.4.2013

RELATÓRIO

O Sr. Ministro Castro Meira: O recurso ordinário em mandado de

segurança foi interposto contra acórdão proferido pelo Tribunal de Justiça do

Rio Grande do Sul assim ementado:

Mandado de segurança. Servidor público estadual ativo. Magistério. Preliminares

de ilegitimidade passiva do Secretário do Estado da Educação, do Secretário

de Estado da Fazenda e de incompetência do Segundo Grupo Cível. Rejeição.

Page 26: RSTJ 230 TOMO 1 (2PP) - stj.jus.br · maligna, cegueira, hanseníase, paralisia irreversível e incapacitante, cardiopatia grave, doença de Parkinson, espondiloartrose anquilosante,

REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA

512

Cobrança de valores pretéritos. Inadequação da via eleita. Súmulas n. 269 e 271 do

STF. Acolhimento. Mérito. Promoção com efeitos retroativos. Ato discricionário do

poder executivo. Súmula n. 42 do egrégio 2º Grupo Cível do TJRS.

Rejeitaram as preliminares de ilegitimidade passiva do secretário do estado

da educação, do secretário de estado da fazenda e de incompetência do segundo

grupo cível, acolheram a preliminar quanto à inadequação do writ, em relação ao

pagamento de valores vencidos em momento anterior à impetração, e denegaram a

segurança. Unânime. (e-STJ fl . 92).

O mandado de segurança foi impetrado em face do Secretário do Estado

da Educação e do Secretário de Estado da Fazenda do Rio Grande do Sul para

que seja reconhecido à servidora pública integrante da carreira de magistério

o direito à promoção com efeitos retroativos ao dia 15.10.2002, em virtude do

disposto no art. 32 da Lei Estadual n. 6.672/1974.

O ato impugnado concedeu promoções, por merecimento e antiguidade, a

professores e especialistas de educação, incluindo-se a impetrante, com efeitos a

partir da data da publicação, o que ocorreu em 14.9.2011.

Segundo a servidora, o Estatuto do Magistério Estadual estabelece

periodicidade anual às progressões de classe. Assim, os efeitos do ato questionado

devem retroagir a 15.10.2002, nos termos do art. 32 da Lei n. 6.672/1974.

Requer no mandamus a retifi cação da promoção e, consequentemente, o

pagamento dos atrasados supostamente devidos desde 15.10.2002.

A Corte local reconheceu a inadequação do writ para cobrar as parcelas

pretéritas e, no mérito, afastou a ilegalidade apontada.

No apelo, a recorrente defende a ausência de óbice ao pagamento dos

retroativos, porquanto se trata de providência que decorre naturalmente da

ilegalidade perpetrada.

Salienta, por fi m, que a Lei n. 6.672/1974 garante o direito à promoção

anual e periódica, apontando precedentes exarados em situação análoga que

envolveu a carreira dos Técnicos-Científi cos do Rio Grande do Sul.

Contrarrazões às e-STJ fl s. 125-136.

O apelo foi admitido na origem pela decisão de e-STJ fl . 156.

O Ministério Público Federal, em parecer subscrito pelo ilustre

Subprocurador-Geral da República Dr. Antonio Fonseca, opinou pelo não

provimento do recurso (e-STJ fl s. 162-168).

É o relatório.

Page 27: RSTJ 230 TOMO 1 (2PP) - stj.jus.br · maligna, cegueira, hanseníase, paralisia irreversível e incapacitante, cardiopatia grave, doença de Parkinson, espondiloartrose anquilosante,

Jurisprudência da SEGUNDA TURMA

RSTJ, a. 25, (230): 487-531, abril/junho 2013 513

VOTO

O Sr. Ministro Castro Meira (Relator): O mandamus foi impetrado em face

do Secretário do Estado da Educação e do Secretário de Estado da Fazenda do

Rio Grande do Sul para que seja reconhecido à servidora integrante da carreira

de magistério estadual o direito à promoção com efeitos retroativos ao dia

15.10.2002, em virtude do disposto no art. 32 da Lei Estadual n. 6.672/1974.

O ato impugnado no writ concedeu promoções, por merecimento e

antiguidade, a professores e especialistas em educação, incluindo-se a impetrante,

com efeitos prospectivos, isto é, a partir de 14.9.2011, data em que o normativo

foi publicado.

Segundo a recorrente, o Estatuto do Magistério estabelece periodicidade

anual às promoções. Logo, para que essa regra seja observada, os efeitos do ato

questionado devem retroagir a 15.10.2002.

O Tribunal a quo reconheceu a inadequação do mandado de segurança

para cobrar as parcelas pretéritas e, no mérito, afastou a ilegalidade apontada.

No apelo, a recorrente defende a ausência de óbice ao pagamento dos

retroativos, porquanto se trata de providência que decorre naturalmente da

ilegalidade perpetrada.

Explicita, por fi m, precedentes exarados em situação análoga que envolveu

a carreira dos Técnicos-Científi cos do Rio Grande do Sul.

Passo a apreciar o recurso.

O mandado de segurança é ação constitucional que objetiva evitar ou

reparar lesão a direito líquido e certo do impetrante, em virtude de ato emanado

por autoridade pública ou por quem esteja no exercício de função pública.

O provimento jurisdicional intentado no writ tem efeito essencialmente

mandamental, ordenando-se a autoridade coatora para que suste a ameaça de

lesão ou a desconstitua, caso já esteja concretizada. Isso, contudo, não impede

que a concessão da segurança também tenha efi cácia condenatória, notadamente

quando esse efeito é mero consectário do cumprimento da determinação

deferida in concreto e as parcelas devidas correspondam ao período de tramitação

do processo.

Na espécie, busca-se que a autoridade impetrada retifique o ato de

promoção dos servidores do magistério estadual para que se reconheça o direito

à progressão na carreira a partir de 15.10.2002 e não apenas quando da edição

daquela norma.

Page 28: RSTJ 230 TOMO 1 (2PP) - stj.jus.br · maligna, cegueira, hanseníase, paralisia irreversível e incapacitante, cardiopatia grave, doença de Parkinson, espondiloartrose anquilosante,

REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA

514

Dessarte, embora não seja possível exigir-se o pagamento de quantia

referente a período anterior à impetração, os efeitos jurídicos do ato que

promoveu os servidores poderiam, em tese, ser reconhecidos retroativamente,

o que repercutiria na reclassifi cação do impetrante na carreira, com o direito a

diferenças remuneratórias perceptíveis a partir do ajuizamento do mandado de

segurança. Logo, o remédio heroico é cabível.

Do mesmo modo, não há falar-se em decadência do writ, pois a insurgência

dirige-se contra os efeitos do ato do Secretário de Educação, publicado no diário

ofi cial em 14.9.2011, tendo o writ sido impetrado em 20.12.2011.

Superadas essas questões preliminares, enfrento o mérito da impetração.

O Estatuto do Magistério Estadual do Rio Grande do Sul (Lei n.

6.672/1974) estabelece os critérios para as promoções, estipulando que elas

ocorrerão, alternadamente, por antiguidade e merecimento, nos termos dos arts.

28 e 29 assim redigidos:

Art. 28 - A antigüidade de que trata o artigo anterior será determinada pelo

tempo de efetivo exercício do membro do Magistério na classe a que pertencer,

cabendo a promoção ao mais antigo.

Art. 29 - Merecimento é a demonstração, por parte do professor ou especialista

de educação do fi el cumprimento de seus deveres e da efi ciência no exercício do

cargo, bem como da contínua atualização e aperfeiçoamento para o desempenho

de suas atividades, avaliados mediante um conjunto de dados objetivos.

O art. 31 daquele mesmo diploma fi xa como requisito à promoção que o

servidor cumpra o interstício mínimo de três anos de efetivo exercício na classe.

O preceito legal excepciona a observância dessa exigência quando não houver

na mesma classe nenhum outro membro apto a ser promovido. Todavia, a

norma expressamente ressalva que o benefi ciário dessa regra apenas poderá ser

novamente promovido, após o período de três anos na respectiva classe. A esse

respeito, confi ra-se:

Art. 31 - Não poderá ser promovido o membro do Magistério que não tenha o

interstício de três anos de efetivo exercício na classe, salvo se na mesma nenhum

outro a houver completado.

Parágrafo único - O membro do Magistério promovido sem interstício, na

forma da parte final do artigo, não poderá obter nova promoção antes de

decorrido três anos de efetivo exercício na classe.

Page 29: RSTJ 230 TOMO 1 (2PP) - stj.jus.br · maligna, cegueira, hanseníase, paralisia irreversível e incapacitante, cardiopatia grave, doença de Parkinson, espondiloartrose anquilosante,

Jurisprudência da SEGUNDA TURMA

RSTJ, a. 25, (230): 487-531, abril/junho 2013 515

Nesse contexto, considerando-se todos os requisitos exigidos legalmente

para a promoção nas carreiras do magistério estadual, não é possível concluir

que esse seja um direito adquirido automática e anualmente pelo servidor.

Com efeito, valendo-se de uma interpretação sistemática do art. 32 da

referida Lei n. 6.672/1974 (As promoções serão publicadas, anualmente, no

“Dia do Professor”), o comando normativo apenas preceitua o seguinte: havendo

promoções, elas serão publicadas no dia do professor, não signifi cando que

Administração esteja vinculada a promover cada servidor ano a ano.

Entender o contrário seria desconsiderar todos os critérios previstos no

Estatuto do Magistério Estadual para a promoção. Afi nal, qual seria o sentido

de serem alternados os requisitos da antiguidade e merecimento, bem como a

exigência de interstício mínimo de três anos, caso todo servidor fosse promovido

anualmente? Nenhum.

O fornecimento anual pela Secretaria de Educação da cópia da folha dos

assentamentos funcionais (art. 33) também não é garantia de promoção ao

servidor, servindo tão somente para informá-lo acerca da posição ocupada na

carreira.

Da mesma forma, a promoção automática do aposentado e do servidor

falecido retrata hipótese distinta e específi ca de progressão funcional, não se

prestando como parâmetro para as demais promoções.

Os precedentes citados concernente à carreira dos Técnicos-Científi cos

do Rio Grande do Sul não se aplicam à situação sob exame, pois são servidores

sujeitos a estatuto legal diverso, com normatização própria.

Em resumo, a Lei n. 6.672/1974 não garante aos servidores do magistério

do Estado do Rio Grande do Sul o direito à promoção anual, cabendo à

Administração, observadas as diretrizes legais, conceder as promoções

oportunamente.

Orientação similar foi perfilhada pelo parecer subscrito pelo ilustre

Subprocurador-Geral da República Dr. Antonio Fonseca, cujos fundamentos

acham-se resumidos na seguinte ementa:

Administrativo. Servidor. Magistério. Promoção. Antiguidade. Efeitos retroativos.

Direito líquido e certo. Prova pré-constituída. Necessidade. Prescrição. 1 - Servidora

pública ativa do magistério estadual do Rio de Grande do Sul busca a concessão

Page 30: RSTJ 230 TOMO 1 (2PP) - stj.jus.br · maligna, cegueira, hanseníase, paralisia irreversível e incapacitante, cardiopatia grave, doença de Parkinson, espondiloartrose anquilosante,

REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA

516

de efeitos retroativos, a partir de 2002, do ato de promoção por antiguidade

que lhe foi concedida em 2011; bem como o pagamento das parcelas vencidas.

2 - O mandado de segurança não é via adequada para postular pagamento de

vantagens pecuniárias referentes à período anterior à impetração. Inteligência

do artigo 14, § 4º, da Lei n. 12.016/2009 e dos enunciados das Súmulas n.

269 e 271, ambas do STF. 3 - É da competência do Poder Executivo estadual a

instituição do respectivo plano de carreira de seus servidores de acordo com

o art. 39, caput, da CF/1988. No caso, a Lei Estadual n. 6.772/1974 (Estatuto do

Magistério) não garante a promoção anual (automática) de seus servidores

nem prevê a possibilidade de pagamento retroativo. Desse modo, atender ao

postulado importaria usurpação de competência legislativa função imprópria

do Poder Judiciário. 4 - A recorrente sustenta que a retroação dos efeitos do ato

impugnado é legítima uma vez que, em 2002, já possuía direito à promoção.

No entanto, os documentos acostados aos autos não são suficientes para

comprovar que à época a servidora preenchia os requisitos objetivos previstos

em lei para a concessão da promoção. A ausência de prova pré-constituída torna

inviável o conhecimento do writ. 5 - O precedente acostados aos autos (RMS

n. 21.125-RS) não serve como paradigma, uma vez que não possui a mesma

base fática e jurídica do caso em apreciação; trata, na verdade, de promoção

por merecimento de carreira diversa (tecnico-científico/Lei n. 8.186/1986).

A similitude - tanto jurídica quanto dos fatos - é requisito essencial para a

avaliação sistemática do direito aplicado no caso concreto em comparação com

o precedente apresentado pela parte. 6 - Por fi m, ainda que se considerasse

a possibilidade de retroação dos feitos da promoção, apenas poderia ser

garantido o pagamento (pelas vias ordinárias) das parcelas anteriores, dentro do

quinquênio legal a contar da data da ação judicial de acordo com o enunciado

da Súmula n. 85 do STJ. Precedente. 7 - Preliminarmente, pela afetação do

julgamento pela 1ª Seção. No mérito, o parecer é pelo não conhecimento do

recurso ordinário; acaso superadas as preliminares, pelo não provimento (e-STJ

fl s. 162).

Ressalto que não acolhi as preliminares de não conhecimento, pelas

razões já expostas, deixando de submeter o feito à Seção, por entender que a

controvérsia não se reveste de maior complexidade. Ademais, a 1ª Seção tem um

número menor de sessões, o que poderia acarretar certa demora no julgamento,

ensejando o ajuizamento de muitas outras ações sobre esse tema.

Ante o exposto, nego provimento ao recurso ordinário em mandado de

segurança.

É como voto.

Page 31: RSTJ 230 TOMO 1 (2PP) - stj.jus.br · maligna, cegueira, hanseníase, paralisia irreversível e incapacitante, cardiopatia grave, doença de Parkinson, espondiloartrose anquilosante,

Jurisprudência da SEGUNDA TURMA

RSTJ, a. 25, (230): 487-531, abril/junho 2013 517

RECURSO ESPECIAL N. 1.223.792-MS (2010/0218429-1)

Relator: Ministro Mauro Campbell Marques

Recorrente: Estado de Mato Grosso do Sul

Procurador: Rafael Saad Peron e outro(s)

Recorrido: Fornecedora de Alimentos Pérola Ltda - Massa Falida

Representado por: Susumu Fuziy - Administrador

Advogado: Renato de Aguiar Lima Pereira e outro(s)

EMENTA

Processual Civil. Recurso especial. Tributário. Multa moratória.

Falência. Regime da Lei n. 11.101/2005 (falência decretada em 2007).

Possibilidade de inclusão da multa na classifi cação dos créditos.

1. Com a vigência da Lei n. 11.101/2005, tornou-se possível a

cobrança da multa moratória de natureza tributária da massa falida,

tendo em vista que o art. 83, VII, da lei referida impõe que “as multas

contratuais e as penas pecuniárias por infração das leis penais ou

administrativas, inclusive as multas tributárias” sejam incluídas na

classifi cação dos créditos na falência.

2. Cumpre registrar que, em se tratando de falência decretada

na vigência da Lei n. 11.101/2005, a inclusão de multa tributária na

classifi cação dos créditos na falência, referente a créditos tributários

ocorridos no período anterior à vigência da lei mencionada, não implica

retroatividade em prejuízo da massa falida, como entendeu o Tribunal

de origem, pois, nos termos do art. 192 da Lei n. 11.101/2005, tal lei

“não se aplica aos processos de falência ou de concordata ajuizados

anteriormente ao início de sua vigência, que serão concluídos nos

termos do Decreto-Lei n. 7.661, de 21 de junho de 1945”, podendo-

se afi rmar, a contrario sensu, que a Lei n. 11.101/2005 é aplicável às

falências decretadas após a sua vigência, como no caso concreto, em

que a decretação da falência ocorreu em 2007.

3. Recurso especial provido.

Page 32: RSTJ 230 TOMO 1 (2PP) - stj.jus.br · maligna, cegueira, hanseníase, paralisia irreversível e incapacitante, cardiopatia grave, doença de Parkinson, espondiloartrose anquilosante,

REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA

518

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos esses autos em que são partes as acima

indicadas, acordam os Ministros da Segunda Turma do Superior Tribunal de

Justiça, na conformidade dos votos e das notas taquigráfi cas, o seguinte resultado

de julgamento: “A Turma, por unanimidade, deu provimento ao recurso, nos

termos do voto do(a) Sr(a). Ministro(a)-Relator(a), sem destaque e em bloco.”

A Sra. Ministra Diva Malerbi (Desembargadora convocada TRF

3ª Região), os Srs. Ministros Castro Meira, Humberto Martins e Herman

Benjamin (Presidente) votaram com o Sr. Ministro Relator.

Brasília (DF), 19 de fevereiro de 2013 (data do julgamento).

Ministro Mauro Campbell Marques, Relator

DJe 26.2.2013

RELATÓRIO

O Sr. Ministro Mauro Campbell Marques: Trata-se de recurso especial

interposto em face de acórdão do Tribunal de Justiça do Estado de Mato

Grosso do Sul cuja ementa é a seguinte:

Agravo regimental em agravo de instrumento. Falência. Multa moratória. Lei n.

11.101/2005. Fato gerador anterior. Recurso improvido.

1. O art. 83 da Lei n. 11.101/2005 é aplicável apenas aos créditos que tiveram

sua origem após a sua entrada em vigor, em junho de 2005.

2. Se a multa que o Estado recorrente pretende fazer incidir não era devida

quando da sua origem, qual seja, quando do fato gerador dos tributos, não pode

a Lei n. 11.101/2005 retroagir para restabelecer créditos anteriores à sua vigência.

No recurso especial, interposto com base na alínea a do permissivo

constitucional, o recorrente aponta ofensa ao art. 83, VII, da Lei n. 11.101/2005,

alegando, em síntese, que:

Ora, as Súmulas n. 192 e 565 do STF não se aplicam às falências decretadas

sob a égide da nova Lei Falimentar (Lei n. 11.101/2005), - que inaugurou o regime

de recuperação judicial e instituiu um novo regime para a falência da sociedade

empresária. A Lei n. 11.101/2005 revogou o antigo Decreto-Lei n. 7.661/1945,

consoante dispõe o seu artigo 200.

Page 33: RSTJ 230 TOMO 1 (2PP) - stj.jus.br · maligna, cegueira, hanseníase, paralisia irreversível e incapacitante, cardiopatia grave, doença de Parkinson, espondiloartrose anquilosante,

Jurisprudência da SEGUNDA TURMA

RSTJ, a. 25, (230): 487-531, abril/junho 2013 519

(...) A empresa executada teve sua falência decretada apenas 2007, aplicando-

se integralmente a Lei n. 11.101/2005, sem importar qual a data dos fatos

geradores das obrigações.

(...) Na execução fi scal não cabe a exclusão de qualquer multa tributária, pois

hoje há expressa previsão legal do seu cabimento, incluída dentre os créditos da

falência e a empresa executada teve sua quebra decretada tão somente no ano

de 2007.

Não se pode fazer a divisão das datas de ocorrência dos fatos geradores da

multa para determinar a aplicação ou não da Lei n. 11.101/2005. O único marco

temporal determinante da aplicação da nova lei de falência é a data da quebra da

empresa. (fl s. 125-127)

Em suas contrarrazões, a recorrida pugna pela manutenção do aresto

atacado.

O recurso foi inadmitido pela decisão de fl s. 140-143.

Em sede de agravo de instrumento, determinou-se a subida dos autos

principais.

É o relatório.

VOTO

O Sr. Ministro Mauro Campbell Marques (Relator): A pretensão recursal

merece acolhimento.

Nos termos do art. 192 da Lei n. 11.101/2005, tal lei “não se aplica aos

processos de falência ou de concordata ajuizados anteriormente ao início de

sua vigência, que serão concluídos nos termos do Decreto-Lei n. 7.661, de 21

de junho de 1945”. Pode se afi rmar, a contrario sensu, a Lei n. 11.101/2005 é

aplicável às falências decretadas após a sua vigência, como no caso concreto, em

que a decretação da falência ocorreu em 2007.

No regime do Decreto-Lei n. 7.661/1945, impedia-se a cobrança da

multa moratória da massa falida, tendo em vista a regra prevista em seu art. 23,

parágrafo único, III, bem com o entendimento consolidado nas Súmulas n. 192

e 565 do STF.

Contudo, com a vigência da Lei n. 11.101/2005, tornou-se possível a

cobrança da multa moratória de natureza tributária da massa falida, tendo em

vista que o art. 83, VII, da lei referida impõe que “as multas contratuais e as

Page 34: RSTJ 230 TOMO 1 (2PP) - stj.jus.br · maligna, cegueira, hanseníase, paralisia irreversível e incapacitante, cardiopatia grave, doença de Parkinson, espondiloartrose anquilosante,

REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA

520

penas pecuniárias por infração das leis penais ou administrativas, inclusive as

multas tributárias” sejam incluídas na classifi cação dos créditos na falência.

Cumpre registrar que, em se tratando de falência decretada na vigência da

Lei n. 11.101/2005, a inclusão de multa tributária na classifi cação dos créditos

na falência, referente a créditos tributários ocorridos no período anterior à

vigência da lei mencionada, não implica retroatividade em prejuízo da massa

falida, como entendeu o Tribunal de origem.

Assim, merece reforma o acórdão recorrido, para se autorizar, no caso

concreto, a inclusão da multa moratória na classifi cação dos créditos na falência.

Diante do exposto, dou provimento ao recurso especial, nos termos da

fundamentação.

É o voto.

RECURSO ESPECIAL N. 1.243.170-PR (2011/0052516-8)

Relatora: Ministra Eliana Calmon

Recorrente: ITT Itatiba Transportes Ltda

Advogado: Edinilson Ferreira da Silva

Recorrido: Fazenda Nacional

Advogado: Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional

EMENTA

Administrativo. Decreto-Lei n. 37/1966. Violação do art. 535 do

CPC. Não ocorrência. Pena de perdimento de veículo. Aplicabilidade

se comprovada a responsabilidade do proprietário na prática do delito.

1. Não ocorre ofensa ao art. 535 do CPC se o Tribunal de origem

decide, fundamentadamente, as questões essenciais ao julgamento da

lide.

2. “A pena de perdimento de veículo utilizado em contrabando

ou descaminho somente é aplicada se demonstrada a responsabilidade

do proprietário na prática do delito” (Súmula n. 138 do extinto TFR).

Page 35: RSTJ 230 TOMO 1 (2PP) - stj.jus.br · maligna, cegueira, hanseníase, paralisia irreversível e incapacitante, cardiopatia grave, doença de Parkinson, espondiloartrose anquilosante,

Jurisprudência da SEGUNDA TURMA

RSTJ, a. 25, (230): 487-531, abril/junho 2013 521

3. A pena de perdimento de veículo utilizado para conduzir

mercadoria sujeita a mesma sanção está prevista no art. 96 do Decreto-

Lei n. 37/1966, exigindo a norma, para a perfeita subsunção do fato à

hipótese nela descrita, que o veículo esteja transportando “mercadoria

sujeita à pena de perda, se pertencente ao responsável por infração

punível com aquela sanção” (art. 104, V).

4. Tratando-se de dispositivo legal que disciplina, especifi camente,

a aplicação da pena de perdimento de veículo, a expressão “pertencer

ao responsável pela infração” tem relação com o veículo transportador,

e não com as mercadorias transportadas.

5. Ainda que o proprietário do veículo transportador ou um

preposto seu não esteja presente no momento da autuação, possível

será a aplicação da pena de perdimento sempre que restar comprovado,

pelas mais diversas formas de prova, que sua conduta (comissiva ou

omissiva) concorreu para a prática delituosa ou, de alguma forma, lhe

trouxe algum benefício (Decreto-Lei n. 37/1966, art. 95).

6. Entendendo o Tribunal de origem que a empresa autora

concorreu para a prática do ato infracional ou dele se benefi ciou, não

é possível rever essa conclusão em sede de recurso especial, por incidir

o óbice da Súmula n. 7-STJ.

7. A apreensão do veículo durante a tramitação do procedimento

administrativo instaurado para averiguar a aplicabilidade da pena de

perdimento constitui medida legítima, consoante os ditames do art.

131 do Decreto-Lei n. 37/1966.

8. Recurso especial parcialmente conhecido e, nessa parte, não

provido, prejudicado o pedido de antecipação da tutela recursal.

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos os autos em que são partes as acima indicadas,

acordam os Ministros da Segunda Turma do Superior Tribunal de Justiça “A

Turma, por unanimidade, conheceu em parte do recurso e, nessa parte, negou-

lhe provimento, nos termos do voto do(a) Sr(a). Ministro(a)-Relator(a), sem

destaque e em bloco.” Os Srs. Ministros Castro Meira, Herman Benjamin

(Presidente) e Mauro Campbell Marques votaram com a Sra. Ministra Relatora.

Page 36: RSTJ 230 TOMO 1 (2PP) - stj.jus.br · maligna, cegueira, hanseníase, paralisia irreversível e incapacitante, cardiopatia grave, doença de Parkinson, espondiloartrose anquilosante,

REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA

522

Ausente, justifi cadamente, o Sr. Ministro Humberto Martins.

Brasília (DF), 11 de abril de 2013 (data do julgamento).

Ministra Eliana Calmon, Relatora

DJe 18.4.2013

RELATÓRIO

A Sra. Ministra Eliana Calmon: Trata-se recurso especial interposto por

ITT Itatiba Transportes Ltda com fundamento no art. 105, III, a, da Constituição

Federal, contra acórdão do Tribunal Regional Federal da 4ª Região assim

ementado:

Tributário. Veículo transportador de mercadorias descaminhadas.

Responsabilidade do proprietário demonstrada. Perdimento.

1. Aplica-se a pena de perdimento de veículo quando o veículo conduzir

mercadoria sujeita a perdimento, se pertencente ao responsável por infração

punível com essa penalidade, devendo ser demonstrada, em procedimento

regular, a responsabilidade do proprietário na prática do ilícito (art. 617, caput e

inciso V c/c § 2º, do Decreto n. 4.543/2002).

2. A exegese da regra contida no art. 617 do Decreto n. 4.543/2002, referente

à condução de mercadoria sujeita à pena de perdimento é no sentido de que

o perdimento do veículo depende da demonstração da responsabilidade do

proprietário e da confi guração de dano ao Erário, o qual é evidente quando há

internalização de mercadoria sem o devido pagamento dos tributos.

Opostos embargos de declaração, foram rejeitados.

Em suas razões recursais, aponta a recorrente violação dos arts. 535, II, do

CPC, 25 do Decreto-Lei n. 1.455/1976 e 75 da Lei n. 10.833/2003.

Afi rma, em síntese, que: a) não foram supridas as omissões indicadas

nos embargos de declaração opostos na origem; b) o ônibus empregado no

transporte de pessoas não se equipara ou equivale a uma mercadoria para fi ns de

aplicação da norma contida no art. 25 do Decreto-Lei n. 1.455/1976, utilizada

como fundamento do auto de infração e apreensão do veículo; c) é inviável a

apreensão do veículo com base nos demais dispositivos legais invocados pelo

agente aduaneiro, que disciplinam hipótese de perdimento, e não de apreensão;

d) mesmo se estivesse confi gurada a infração, a pena a ser aplicada seria multa

Page 37: RSTJ 230 TOMO 1 (2PP) - stj.jus.br · maligna, cegueira, hanseníase, paralisia irreversível e incapacitante, cardiopatia grave, doença de Parkinson, espondiloartrose anquilosante,

Jurisprudência da SEGUNDA TURMA

RSTJ, a. 25, (230): 487-531, abril/junho 2013 523

de R$ 15.000,00 (art. 75 da Lei n. 10.833/2003), cujo pagamento ensejaria a

pronta liberação do veículo apreendido.

Apresentadas as contrarrazões e admitido o recurso, subiram os autos.

O Ministério Público Federal opina pelo não provimento do recurso.

Em petição juntada às fl s. 439-441, a recorrente apresenta pedido de

antecipação da tutela recursal, à consideração de que o processo administrativo

do qual poderá sobrevir eventual pena de perdimento do veículo, iniciado no

ano de 2009, ainda pende de decisão terminativa, pelo que requer a imediata

liberação do veículo.

É o relatório.

VOTO

A Sra. Ministra Eliana Calmon (Relatora): Preliminarmente, deve ser

afastada a alegada contrariedade ao art. 535 do CPC, pois o Tribunal de origem

decidiu, fundamentadamente, as questões essenciais à solução da controvérsia,

entendendo estar confi gurada a responsabilidade do proprietário, a ensejar a

aplicação de pena de perdimento do veículo.

No nosso sistema processual, o juiz não está adstrito aos fundamentos

legais apontados pelas partes. Exige-se apenas que a decisão seja fundamentada,

aplicando o julgador ao caso concreto a solução por ele considerada pertinente,

segundo o princípio do livre convencimento fundamentado, positivado no art.

131 do CPC.

Quanto à matéria de fundo, prevalece nesta Corte a orientação contida na

Súmula n. 138 do extinto TFR, segundo a qual “a pena de perdimento de veículo

utilizado em contrabando ou descaminho somente é aplicada se demonstrada a

responsabilidade do proprietário na prática do delito”.

A pena de perdimento de veículo utilizado para conduzir mercadoria

sujeita a mesma sanção está prevista no art. 96 do Decreto-Lei n. 37/1966,

exigindo a norma, para a perfeita subsunção do fato à hipótese nela descrita,

que o veículo esteja transportando “mercadoria sujeita à pena de perda, se

pertencente ao responsável por infração punível com aquela sanção” (art. 104,

V).

A matéria, atualmente, está regulamentada pelo Decreto n. 6.759, de 5 de

fevereiro de 2009 (Regulamento Aduaneiro), nos termos seguintes:

Page 38: RSTJ 230 TOMO 1 (2PP) - stj.jus.br · maligna, cegueira, hanseníase, paralisia irreversível e incapacitante, cardiopatia grave, doença de Parkinson, espondiloartrose anquilosante,

REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA

524

Art. 675. As infrações estão sujeitas às seguintes penalidades, aplicáveis

separada ou cumulativamente (Decreto-Lei n. 37, de 1966, art. 96; Decreto-Lei n.

1.455, de 1976, arts. 23, § 1º, com a redação dada pela Lei n. 10.637, de 2002, art.

59, e 24; Lei n. 9.069, de 1995, art. 65, § 3º; e Lei n. 10.833, de 2003, art. 76):

I - perdimento do veículo;

II - perdimento da mercadoria;

III - perdimento de moeda;

IV - multa; e

V - sanção administrativa.

Art. 688. Aplica-se a pena de perdimento do veículo nas seguintes hipóteses,

por confi gurarem dano ao Erário (Decreto-Lei n. 37, de 1966, art. 104; Decreto-Lei

n. 1.455, de 1976, art. 24; e Lei n. 10.833, de 2003, art. 75, § 4º):

(...)

V - quando o veículo conduzir mercadoria sujeita a perdimento, se pertencente

ao responsável por infração punível com essa penalidade;

(...)

§ 2º Para efeitos de aplicação do perdimento do veículo, na hipótese do inciso

V, deverá ser demonstrada, em procedimento regular, a responsabilidade do

proprietário do veículo na prática do ilícito.

A redação dos dispositivos em comento admitem mais de uma

interpretação. A partir de uma interpretação literal, pode-se entender que a

exigibilidade de “pertencer ao responsável pela infração” esteja relacionada à

mercadoria transportada ou ao veículo transportador.

Tratando-se de dispositivo legal que disciplina, especifi camente, a aplicação

da pena de perdimento de veículo, não resta dúvida de que a expressão “pertencer

ao responsável pela infração” tem relação com o veículo transportador. Do

contrário, bastaria atribuir a propriedade das mercadorias a terceiros, como

forma de restringir o alcance da norma. Constituiria tal proceder manobra

sufi ciente para impedir a aplicação da pena de perdimento do veículo, em

completa burla à real intenção do legislador.

Estabelecida essa premissa, impõe-se observar a previsão contida no art. 95

do Decreto-Lei n. 37/1966, segundo o qual:

Art. 95 - Respondem pela infração:

Page 39: RSTJ 230 TOMO 1 (2PP) - stj.jus.br · maligna, cegueira, hanseníase, paralisia irreversível e incapacitante, cardiopatia grave, doença de Parkinson, espondiloartrose anquilosante,

Jurisprudência da SEGUNDA TURMA

RSTJ, a. 25, (230): 487-531, abril/junho 2013 525

I - conjunta ou isoladamente, quem quer que, de qualquer forma, concorra

para sua prática, ou dela se benefi cie;

II - conjunta ou isoladamente, o proprietário e o consignatário do veículo,

quanto à que decorrer do exercício de atividade própria do veículo, ou de ação ou

omissão de seus tripulantes;

Assim, ainda que o proprietário do veículo transportador ou um preposto

seu não esteja presente no momento da autuação, possível será a aplicação da

pena de perdimento sempre que restar comprovado, pelas mais diversas formas

de prova, que sua conduta (comissiva ou omissiva) concorreu para a prática

delituosa ou, de alguma forma, lhe trouxe algum benefício.

Será igualmente responsável o proprietário e o consignatário do veículo,

quanto à infração que decorrer do exercício de atividade própria do veículo, ou

de ação ou omissão de seus tripulantes (art. 95, II).

No caso, a partir da análise de diversas circunstâncias fáticas, entendeu a

Corte de origem que a empresa autora, proprietária do veículo, concorreu para a

prática da infração, conforme trechos do acórdão a seguir transcritos:

No caso dos autos, o ônibus da impetrante foi apreendido quando transportava

mercadorias estrangeiras cujas características (grande quantidade de brinquedos,

artigos de toucador, DVDs virgens, víeo games, etc. - fl s. 144-164) revelam sua

nítida destinação comercial.

Observe-se que o valor das mercadorias transportadas perfaz o total de R$

192.351,42 (fl . 132), enquanto o veículo vale R$ 90.000,00 (fl . 133) - não havendo

falar, portanto, em desproporcionalidade da pena aplicada.

Outrossim, constam nos autos elementos apontando para a reiteração da

conduta ilícita, existindo registro de passagens anteriores do mesmo veículo pela

fronteira com o Paraguai (fl . 179).

Por outro lado, o contrato de fretamento do veículo, por si só, não tem o

condão de afastar a aplicabilidade da legislação aduaneira, pois o interesse

público prevalece sobre o interesse privado. Afi nal, admitir que o veículo objeto

de fretamento não pudesse ser alvo de apreensão fi scal, e conseqüente aplicação

de pena de perdimento, representaria verdadeiro salvo-conduto para a prática

desses ilícitos fi scais.

No caso concreto, ademais, os próprios empregados da impetrante - prepostos

da proprietária do veículo, portanto -, conduziam o ônibus no momento da

apreensão (fl s. 140-143). O fato de possuírem vínculo empregatício há mais de

dois anos com a impetrante, consoante se verifi ca nas fl s. citadas, aponta para o

fato de serem motoristas de confi ança da empresa, mostrando-se desarrazoado

Page 40: RSTJ 230 TOMO 1 (2PP) - stj.jus.br · maligna, cegueira, hanseníase, paralisia irreversível e incapacitante, cardiopatia grave, doença de Parkinson, espondiloartrose anquilosante,

REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA

526

supor que esta desconhecia a utilização ilícita dispensada ao veículo de sua

propriedade.

Dessarte, verifi ca-se que a proprietária contribuiu, sim, para a internalização

dos bens, pois forneceu o instrumento para a concretização do ilícito.

Assim, entendendo o Tribunal de origem que a empresa autora concorreu

para a prática do ato infracional ou dele se benefi ciou, não é possível rever

essa conclusão em sede de recurso especial, pois providência dessa natureza

demandaria o reexame do contexto fático-probatório dos autos, o que é vedado

pela Súmula n. 7-STJ.

Ressalta-se, de outra parte, que as infrações às normas estabelecidas no

Decreto-Lei n. 37/1966, segundo o disposto em seu art. 96, estão sujeitas à:

I - perda do veículo transportador; II - perda da mercadoria; III - multa; IV -

proibição de transacionar com repartição pública ou autárquica federal, empresa

pública e sociedade de economia mista.

Não procede, desse modo, a alegação de que a pena aplicável seria somente

aquela prevista no art. 75 da Lei n. 10.833/2003 (multa de R$ 15.000,00), dada

a previsão de que as penas previstas são aplicáveis separada ou cumulativamente

(arts. 96 do Decreto-Lei n. 37/1966 e 675 do Decreto n. 6.759/2009).

Ressalta-se, por fi m, que a apreensão do veículo durante a tramitação do

procedimento administrativo instaurado para averiguar a aplicabilidade da pena

de perdimento constitui medida legítima, consoante os ditames do art. 131 do

Decreto-Lei n. 37/1966, assim redigido:

Art. 131 - Na ocorrência de fato punível com a perda do veículo ou da

mercadoria, proceder-se-á, de pleno, à apreciação.

§ 1º - A coisa apreendida será recolhida à repartição aduaneira, ou à ordem de

sua chefi a, a depósito alfandegado ou a outro local, onde permanecerá até que a

decisão do processo fi scal lhe dê o destino competente.

§ 2º - O regulamento disporá sobre as cautelas e providências que a autoridade

aduaneira poderá adotar na ocorrência de apreensão, mencionando os casos em

que se admite o depósito e quais as obrigações do depositário.

Com essas considerações, conheço parcialmente do recurso, mas, nessa

parte, nego-lhe provimento, fi cando prejudicado o pedido de antecipação da

tutela recursal.

É o voto.

Page 41: RSTJ 230 TOMO 1 (2PP) - stj.jus.br · maligna, cegueira, hanseníase, paralisia irreversível e incapacitante, cardiopatia grave, doença de Parkinson, espondiloartrose anquilosante,

Jurisprudência da SEGUNDA TURMA

RSTJ, a. 25, (230): 487-531, abril/junho 2013 527

RECURSO ESPECIAL N. 1.345.613-SC (2012/0202322-8)

Relator: Ministro Mauro Campbell Marques

Recorrente: Leopoldo Pandini

Advogado: Denísio Dolásio Baixo

Recorrido: Fazenda Nacional

Procurador: Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional

Interessado: Supermercados Comper Ltda

EMENTA

Processual Civil. Direito de desistência da aquisição de bem em

processo de execução, na hipótese de embargos à arrematação. Ato

de arrematação considerado perfeito, acabado e irretratável durante

a redação original dos arts. 694 e 746 do CPC. Inaplicabilidade do §

1º, IV, do art. 694, e dos §§ 1º e 2º do art. 746, ambos do CPC, com a

redação dada pela Lei n. 11.382/2006.

1. Quanto ao direito potestativo do adquirente de desistir da

aquisição, na hipótese de embargos à arrematação, tal direito não pode

ser exercido quando se tratar de arrematação realizada sob a égide

da redação original dos arts. 694 e 746 do CPC. Em outras palavras,

a arrematação considerada perfeita, acabada e irretratável durante a

vigência da redação original dos artigos acima não pode ser tornada

inefi caz, sem qualquer ônus para o arrematante, com base no art. 694,

§ 1º, IV, do CPC, com a redação dada pela Lei n. 11.382/2006. O

direito do adquirente à desistência da arrematação, conforme previsto

nos §§ 1º e 2º do art. 746, acrescentados pela Lei n. 11.382/2006,

está relacionado com o novo inciso III do § 1º do art. 694, ausente

na redação anterior deste artigo. Assim, as normas processuais da Lei

n. 11.382/2006 têm aplicação imediata, respeitados, porém, os atos

consumados sob a égide da lei antiga.

2. Recurso não provido.

Page 42: RSTJ 230 TOMO 1 (2PP) - stj.jus.br · maligna, cegueira, hanseníase, paralisia irreversível e incapacitante, cardiopatia grave, doença de Parkinson, espondiloartrose anquilosante,

REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA

528

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos esses autos em que são partes as acima

indicadas, acordam os Ministros da Segunda Turma do Superior Tribunal de

Justiça, na conformidade dos votos e das notas taquigráfi cas, o seguinte resultado

de julgamento: “A Turma, por unanimidade, negou provimento ao recurso, nos

termos do voto do(a) Sr(a). Ministro(a)-Relator(a), sem destaque e em bloco.”

A Sra. Ministra Diva Malerbi (Desembargadora convocada TRF

3ª Região), os Srs. Ministros Castro Meira, Humberto Martins e Herman

Benjamin (Presidente) votaram com o Sr. Ministro Relator.

Brasília (DF), 21 de fevereiro de 2013 (data do julgamento).

Ministro Mauro Campbell Marques, Relator

DJe 28.2.2013

RELATÓRIO

O Sr. Ministro Mauro Campbell Marques: Trata-se de recurso especial

interposto por Leopoldo Pandini, com fundamento no art. 105, III, a e c,

da Constituição da República, contra acórdão do TRF da 4ª Região assim

ementado:

Tributário. Agravo de instrumento. Embargos à arrematação. Citação

do arrematante. Contestação. Advogado não constituído. Desistência da

arrematação. Art. 746, §§ 1º e 2º, do CPC (Lei n. 11.382/2006).

O arrematante foi citado para contestar os embargos à arrematação. Contudo,

silenciou, não constituindo advogado para defendê-lo.

Poderia admitir-se o pedido de anulação da arrematação logo após a entrada

em vigor da 11.382/2006, mas não dois anos e meio depois, quando, inclusive, já

julgado o mérito dos embargos à arrematação em sede de recurso de apelação

neste Tribunal.

Correção de erro material para extrair trecho da decisão que indeferiu o efeito

suspensivo. Antes da obtenção da carta de arrematação não havia, no caso

concreto, possibilidade de usufruir dos bens arrematados mediante a utilização

de algum remédio jurídico.

No recurso especial, além de dissídio jurisprudencial, o arrematante

recorrente indica contrariedade aos arts. 694, § 1º, IV, e 746, caput e §§ 1º e 2º,

Page 43: RSTJ 230 TOMO 1 (2PP) - stj.jus.br · maligna, cegueira, hanseníase, paralisia irreversível e incapacitante, cardiopatia grave, doença de Parkinson, espondiloartrose anquilosante,

Jurisprudência da SEGUNDA TURMA

RSTJ, a. 25, (230): 487-531, abril/junho 2013 529

do Código de Processo Civil (CPC), seja pela redação atual dos artigos acima,

sobrevinda no curso do feito, após a hasta pública, seja pela redação normativa

anterior. Em síntese, o recorrente defende a possibilidade de desistência da

arrematação, quando são oferecidos embargos à arrematação e se acham

estes pendentes de fi nal julgamento, independentemente da fase em que se

encontra o processo, bastando que não seja ou não possa ser expedida a carta de

arrematação.

É o relatório.

VOTO

O Sr. Ministro Mauro Campbell Marques (Relator): A irresignação não

merece acolhida.

A respeito do desfazimento da arrematação e sobre os embargos à

arrematação, assim dispunham, originalmente, os arts. 694 e 746 do CPC:

Art. 694. Assinado o auto pelo juiz, pelo escrivão, pelo arrematante e pelo

porteiro ou pelo leiloeiro, a arrematação considerar-se-á perfeita, acabada e

irretratável.

Parágrafo único. Poderá, no entanto, desfazer-se:

I - por vício de nulidade;

II - se não for pago o preço ou se não for prestada a caução;

III - quando o arrematante provar, nos 3 (três) dias seguintes, a existência de

ônus real não mencionado no edital;

IV - nos casos previstos neste Código (arts. 698 e 699).

Art. 746. É lícito ao devedor oferecer embargos à arrematação ou à

adjudicação, fundados em nulidade da execução, pagamento, novação, transação

ou prescrição, desde que supervenientes à penhora.

Parágrafo único. Aos embargos opostos na forma deste artigo, aplica-se o

disposto nos Capítulos I e II deste Título.

Com o advento da Lei n. 11.382/2006, os retromencionados arts. 694 e

746 passaram a vigorar com as seguintes alterações:

Art. 694. Assinado o auto pelo juiz, pelo arrematante e pelo serventuário da

justiça ou leiloeiro, a arrematação considerar-se-á perfeita, acabada e irretratável,

ainda que venham a ser julgados procedentes os embargos do executado.

Page 44: RSTJ 230 TOMO 1 (2PP) - stj.jus.br · maligna, cegueira, hanseníase, paralisia irreversível e incapacitante, cardiopatia grave, doença de Parkinson, espondiloartrose anquilosante,

REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA

530

§ 1º A arrematação poderá, no entanto, ser tornada sem efeito:

I - por vício de nulidade;

II - se não for pago o preço ou se não for prestada a caução;

III - quando o arrematante provar, nos 5 (cinco) dias seguintes, a existência de

ônus real ou de gravame (art. 686, inciso V) não mencionado no edital;

IV - a requerimento do arrematante, na hipótese de embargos à arrematação (art.

746, §§ 1º e 2º);

V - quando realizada por preço vil (art. 692);

VI - nos casos previstos neste Código (art. 698).

§ 2º No caso de procedência dos embargos, o executado terá direito a haver do

exeqüente o valor por este recebido como produto da arrematação; caso inferior

ao valor do bem, haverá do exeqüente também a diferença. (grifou-se)

Art. 746. É lícito ao executado, no prazo de 5 (cinco) dias, contados da

adjudicação, alienação ou arrematação, oferecer embargos fundados em nulidade

da execução, ou em causa extintiva da obrigação, desde que superveniente à

penhora, aplicando-se, no que couber, o disposto neste Capítulo.

§ 1º Oferecidos embargos, poderá o adquirente desistir da aquisição.

§ 2º No caso do § 1º deste artigo, o juiz deferirá de plano o requerimento, com a

imediata liberação do depósito feito pelo adquirente (art. 694, § 1º, inciso IV).

§ 3º Caso os embargos sejam declarados manifestamente protelatórios, o juiz

imporá multa ao embargante, não superior a 20% (vinte por cento) do valor da

execução, em favor de quem desistiu da aquisição. (grifou-se)

A partir da interpretação sistemática das disposições processuais acima,

conclui-se que, quanto ao direito potestativo do adquirente de desistir da

aquisição, na hipótese de embargos à arrematação, tal direito não pode ser

exercido quando se tratar de arrematação realizada sob a égide da redação original

dos arts. 694 e 746 do CPC. Em outras palavras, a arrematação considerada

perfeita, acabada e irretratável durante a vigência da redação original dos artigos

acima não pode ser tornada inefi caz, sem qualquer ônus para o arrematante, com

base no art. 694, § 1º, IV, do CPC, com a redação dada pela Lei n. 11.382/2006.

O direito do adquirente à desistência da arrematação, conforme previsto nos §§

1º e 2º do art. 746, acrescentados pela Lei n. 11.382/2006, está relacionado com

o novo inciso III do § 1º do art. 694, ausente na redação anterior deste artigo.

Assim, as normas processuais da Lei n. 11.382/2006 têm aplicação imediata,

respeitados, porém, os atos consumados sob a égide da lei antiga.

Page 45: RSTJ 230 TOMO 1 (2PP) - stj.jus.br · maligna, cegueira, hanseníase, paralisia irreversível e incapacitante, cardiopatia grave, doença de Parkinson, espondiloartrose anquilosante,

Jurisprudência da SEGUNDA TURMA

RSTJ, a. 25, (230): 487-531, abril/junho 2013 531

Por outro lado, não procede a alegação do arrematante recorrente, no

sentido de que seria meramente exemplifi cativo o rol das hipóteses legais de

desfazimento da arrematação, pois, consoante já proclamou a Quinta Turma

do extinto Tribunal Federal de Recursos, ao julgar a Apelação Cível n. 81.642-

DF (Rel. Min. Geraldo Sobral, EJ V-5626-138), “se não se vislumbra qualquer

das hipóteses de desfazimento da arrematação previstas no parágrafo único do

artigo 694 do CPC, a alienação judicial não pode mais ser desfeita, sob pena de

se instaurar a insegurança e a incerteza”.

À vista do exposto, nego provimento ao recurso especial.

É como voto.

Page 46: RSTJ 230 TOMO 1 (2PP) - stj.jus.br · maligna, cegueira, hanseníase, paralisia irreversível e incapacitante, cardiopatia grave, doença de Parkinson, espondiloartrose anquilosante,