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* Mestranda em História (Cnpq). Programa de pós-graduação em História – PPGHI/INHIS - Universidade
Federal de Uberlândia – UFU. [email protected].
SANEAMENTO EM ITUIUTABA - MG NO FINAL DO SÉCULO XX: OS REFLEXOS
DA INSTALAÇÃO DA AUTARQUIA MUNICIPAL SAE
Maria Angélica da Costa Silva*
Introdução:
No Brasil as diretrizes para o saneamento básico são definidas pela Lei Nº 11445/2007,
que rege a concepção de saneamento tomada tanto pelo Governo Federal como pelos órgãos
responsáveis pelas políticas voltadas à saúde e o saneamento, dentro do âmbito do Plano
Nacional de Saneamento Básico, o PLANSAB. Segundo a Lei, o saneamento corresponde ao
“conjunto de serviços, infra-estruturas e instalações operacionais de [...] abastecimento de
água potável, [...] esgotamento sanitário, [...] limpeza urbana e [...] drenagem e manejo das
águas pluviais urbanas” (BRASIL, Lei Nº 11445/2007). Além disso, visa-se a universalização
dos serviços à população.
O processo de construção das políticas públicas de saneamento no Brasil data da
Primeira República, quando as constantes epidemias atraíram a atenção das autoridades para
as condições insalubres nas quais vivam as populações urbanas e rurais. De acordo com
Hochman (2013: 29-33) o crescimento urbano e as epidemias, decorrentes do mesmo, fizeram
com que se criassem elos de interdependência entre as diferentes classes e indivíduos.
Constatados esses elos pelas elites, passou-se a criar medidas de manutenção da salubridade e
da saúde pública. Essas medidas foram importantes para a criação não só de políticas públicas
para o saneamento, como também ajudou a construir uma identidade nacional e a expandir o
alcance do Estado.
O processo de implantação das políticas públicas de saneamento no Brasil enfrentou
diversos problemas e esteve sempre atrelado a interesses políticos e econômicos, o que fez
com que o andamento do mesmo não se apresentasse de modo linear e homogêneo. Isso
ocorreu, na maioria das vezes, em virtude das tensões ocorridas entre o Estado e se papel
coercitivo na implantação de medidas e o confronto das mesmas com a sociedade, sobretudo
com os interesses das elites sociais (HOCHMAN, 2013: 38).
2
Além dos problemas relacionados às disputas de interesses na Capital da República, o
Pacto Federativo da Constituição de 1891 impedia que a União atuasse diretamente nas
questões relacionadas à saúde nos estados, sendo estes os encarregados de resolver seus
problemas sanitários. No entanto essa premissa, ao impossibilitar a intervenção direta do
Estado, abria precedentes à negligência de governadores e líderes locais, seja pela falta de
recursos, seja pela corrupção. Dessa forma, as populações sertanejas viviam em condições
sanitárias precárias, vítimas de endemias como a Malária, a Ancilostomíase e o Mal de
Chagas. A solução encontrada pelo poder público Federal foi oferecer ajuda para o combate
às endemias, em troca da liberdade de ação dentro do território dos estados (HOCHMAN,
2013: 60-73).
Durante a Primeira República o enfoque das políticas públicas foi o combate das
endemias tanto na Capital da República como nos sertões1. O Governo Federal buscou sua
capilarização através da anuência dos estados ao solicitarem ajuda para o combate às
endemias e outros problemas de saúde enfrentados pela população sertaneja, através do
Departamento Nacional de Saúde Pública (DNSP), criado em 1919 e da Liga Pró-Saneamento
(HOCHMAN, 1993: 9-10).
O período Vargas foi responsável pela centralização das ações do Estado, sobretudo no
intuito de eliminar o controle das oligarquias regionais. Nesse período foi criado o DNS –
Departamento Nacional de Saúde Pública, em 1937 – em substituição ao DNSP, e
posteriormente, em 1942, o SESP – Serviço especial de Saúde Pública, em decorrência das
alianças entre EUA e Brasil, na Segunda Guerra Mundial (BASTOS: 1991; REZENDE:
2008).
Já nos anos 1950, com a crescente urbanização, sobretudo no interior do país, muitas
cidades interioranas haviam conseguido, até aquele momento, implantar um sistema de
saneamento mesmo que sem qualquer tipo de tratamento ou sofisticação. No entanto, havia
1 “Os Sertões, para a campanha pelo saneamento, eram mais uma categoria social e política do que geográfica.
Sua localização espacial dependeria da existência do binômio abandono e doença. [...] Na instigante percepção
de Afrânio Peixoto, os “sertões do Brasil” começam no fim da Avenica Central (Rio Branco)” (HOCHMAN,
2013, p. 69-70).
3
aquelas regiões de fronteira econômica, cujas populações sobreviviam em condições
insalubres, sujeitas a epidemias e doenças decorrentes das condições de higiene arriscadas,
sobretudo nas regiões norte e nordeste do país. Nelas o SESP implantaria as bases da criação
de uma política pública de saneamento em âmbito federal, a ser implantado na década de
1970, o PLANASA – Plano Nacional de Saneamento – este que, por sua vez, deixou
resquícios nas políticas de saneamento ainda vigentes no país (BASTOS, 1991; SALLES,
1996).
O SESP permaneceu com a função de levar saneamento às áreas remotas do país até a
virada da década de 1960. Quando findado o convênio com os EUA, no caso com a Fundação
Rockefeller, foi proposto que o serviço se transformasse em Fundação (Fundação Serviço
especial de Saúde pública – FSESP) no intuito de dar continuidade aos projetos
desenvolvimentistas do presidente Juscelino Kubitscheck. A fundação ficou vinculada ao
Ministério da Saúde e passou a ter jurisdição em todo o território nacional (MELLO; VIANA,
2011: 1142-1143).
Em 1971 foi criado o PLANASA, Plano Nacional de Saneamento. O contexto de criação
dessa política foi o período de recente urbanização pelo qual o país foi submetido, nas ultimas
duas décadas, o que aumentou a demanda por serviços de saneamento nas diversas cidades.
Segundo Lucena (2006) o BNH havia feito um estudo que constatava um déficit de
abastecimento de água e esgotos no país, de, respectivamente, 50% e 70%. Para receber
auxílio por parte do PLANASA as autarquias municipais deveriam conceder o direito de
prestação dos serviços às Companhias Estaduais, criadas no plano de saneamento, ou
anteriormente, sob a política da Fundação SESP. Essa era a contrapartida para que se
conseguisse financiamento do BNH para as obras (SALLES, 2009: 43-44).
Entre as características principais da política do PLANASA estão a centralização dos
serviços em torno do Governo Federal, através do monopólio das CEBs – Companhias
estaduais de saneamento – e a predominância da extensão das redes urbanas de água, frente
aos serviços de esgoto instalados no período de 1968 a 1984. Segundo Costa (1990) nesse
período, enquanto o recurso destinado à instalação das redes de água foi de 61,2%, os
4
recursos destinados às obras de esgotamento sanitário foram de 25,3% e os de drenagem de
13,6%. Além disso, ele afirma que a distribuição dos serviços entre o meio rural e urbano e
entre as regiões brasileiras foi desigual, sendo as mais prejudicadas as regiões Norte e
Nordeste, frente a uma ampla cobertura da região Sudeste.
Mesmo com problemas como a cobertura desigual, não se deixa de balizar os resultados
dessa política para as populações contempladas. Entre eles estão o aumento significativo da
cobertura dos serviços e, no caso dos resultados diretos na saúde da população, a redução da
morte por diarréia em crianças de até cinco anos de idade. Uma das doenças mais
preocupantes nas áreas urbanas e que mostrou significativo decréscimo nas cidades com altos
índices de cobertura de saneamento, como o Rio de Janeiro, em 1976 (COSTA, 1990: 55).
É notória a relação entre a mudança no meio ambiente e a saúde da população,
sobretudo a população infantil. Nesse quesito o fornecimento de água se mostrou
imprescindível para a redução de doenças virais e parasitárias em todo o país, após a expansão
dos serviços de abastecimento de água. Costa (1990) aponta que mesmo outros fatores
relacionados à saúde e a prevenção, como o atendimento médico, por exemplo, não reduz o
mérito e a relação direta entre a qualidade da água e do ambiente com a saúde da população
urbana. É o reflexo da implantação da autarquia municipal e a expansão dos serviços da
mesma que será tratada a seguir, cotejando a relação da expansão da rede de água na área
urbana e a redução dos registros de morte por doenças gástricas das crianças da cidade de
Ituiutaba-MG.
O abastecimento de água no projeto de modernização urbana de Ituiutaba
Ituiutaba passou por um período de crescimento econômico entre os anos 1950 e 1970,
em virtude da produção de arroz, tanto no município como na região. Esse período
economicamente favorável fez com que se buscassem melhorias na estrutura urbana da
cidade, atendendo a uma demanda logística, no intuito aparelhar aquele acanhado centro
urbano, que concentrava atividades comerciais, serviços diversos e até mesmo atividades
ligadas à produção do arroz, como os armazéns e máquinas beneficiadoras do cereal.
5
Nesse momento convergiram esforços por parte do poder público e da classe
economicamente privilegiadas da cidade, de modo a empreender as mudanças necessárias.
Havia um projeto modernizador por parte da elite local, composta por proprietários rurais,
comerciantes, pequenos empresários, intelectuais e donos de pequenas fábricas. Estes estavam
envolvidos direta ou indiretamente com a política, ocupando cargos no legislativo ou no
administrativo, mantendo jornais, deliberando nas pequenas reuniões e conversas acerca da
política, da economia, etc. O projeto modernizador consistia em aparelhar o núcleo urbano de
modo a proporcionar meios para a inserção de capital na cidade. Dessa forma, era necessário
pavimentar ruas, construir edifícios comerciais, hotéis, iluminar a cidade, ajardinar praças,
sanear e limpar as ruas e melhorar o sistema de abastecimento de água. Para tanto, houve a
mobilização de recursos públicos e privados. Os primeiros foram observados através de
investimentos diretos na construção de edifícios e instalação de pequenas fábricas, além de
abertura de crédito pela prefeitura2 para a pavimentação de algumas ruas. O segundo foi
obtido mediante auxílios Federais e Estaduais, sobretudo no que tange à instalação do sistema
de abastecimento de água na cidade, que se serviu do apoio da FSESP3 para ser efetivado.
O abastecimento de água se tornou um problema para a cidade na medida em que a
população aumentou, em virtude das atividades econômicas exercidas no município. Tanto a
população urbana como a rural cresceram em decorrência da rizicultura, que atraiu milhares
de migrantes da região Nordeste e do norte de Minas Gerais para o município. Nem todos se
colocaram em atividades no campo, de modo que algumas famílias permaneceram na cidade
em busca de trabalho, contribuindo para o aumento do contingente urbano (SILVA: 1997;
OLIVEIRA: 2003).
O sistema de abastecimento existente na cidade, até aquele momento – 1950/60 – datava
de 1910, quando foi construída uma represa na vertente do Ribeirão São Lourenço, há alguns
quilômetros da área urbana, no local denominado “Goiabal”. Da represa a água era conduzida,
pelo sistema gravitacional, até um reservatório, situado na “Rua Vinte e Quatro”, onde hoje é
a Praça Getúlio Vargas (SILVA: 2014). Esse reservatório era utilizado para abastecer a
2 Ituiutaba, Câmara Municipal. Atas de reuniões ordinárias e extraordinárias de 1948 a 1971. 3 Fundação Serviço Especial de Saúde Pública.
6
cidade, sobretudo a parte baixa. As demais áreas se serviam de poços, cisternas e de minas
d’água, principalmente as famílias carentes que viviam em áreas menos urbanizadas.
Observando essa crescente demanda pela água na cidade, a prefeitura se encarregou de
buscar ajuda junto aos órgãos federais e estaduais para implantar um sistema de
abastecimento que fosse capaz de atender à crescente demanda. Nesse momento, em 1960,
começaram as negociações junto ao SESP e ao governo do estado. Os técnicos da instituição
visitaram a cidade no intuito de realizar o levantamento inicial para orçar o valor da obra e as
condições estruturais que a cidade oferecia para tal pleito. As obras efetuadas pela instituição
eram pagam com recursos do município e do SESP, ficando cada um responsável por 50% do
custo total, além de o poder público local se encarregar também de obras infra-estruturais,
como pavimentação e terraplanagem de ruas, construção de emissários de esgoto e galerias
pluviais nos córregos que passam pela da cidade. (SILVA, 2014: 48-9).
A obra orçada em Cr$ 46. 690.000,00 se iniciou em 1963. O projeto consistia em uma
estação de captação com uma casa de bombas, localizada no leito do Ribeirão São Lourenço.
De lá a água seria transportada por uma rede adutora, composta por uma adutora de recalque
de 300 mm de diâmetro e 4 km de comprimento até a estação de tratamento e distribuição.
Esta teria a capacidade de tratar até 75 litros por segundo e teria um reservatório de
abastecimento de 1000 m³. Esse sistema comportaria uma população de até 25 mil pessoas, e
aproveitaria a rede de distribuição pré-existente na cidade (SILVA, 2014: 49). A mesma
construída em 1910 e expandida em alguns locais até aquele momento.
Em 1967 foi criada a autarquia SAE – Superintendência de Água e Esgotos4 que, de
acordo com as exigências da FSESP, deveria ser uma autarquia de economia mista,
respondendo tanto à prefeitura municipal como ao FSESP5, até que pudesse se auto-sustentar
economicamente, tendo condições de expandir os serviços. Em 1969, através de um
empréstimo do BID – Banco Interamericano de Desenvolvimento – a estação elevatória foi
construída, ligando a estação de captação à de tratamento. As obras finalizaram-se em 1970,
4 ITUIUTABA. LEI Nº 1208 de 27 de dezembro de 1967. 5 ITUIUTABA, LEI Nº 1102 de 27 de fevereiro de 1967.
7
quando a autarquia já havia recebido a autorização da prefeitura para cobrar as tarifas pelo
serviço6. A FSESP acompanhou a instituição até sua extinção, quando a SAE passou a receber
apoio administrativo da FUNASA (Fundação Nacional de Saúde). Em 1999, sua
administração definitivamente foi entregue à prefeitura municipal (SILVA, 2014: 50-2).
A consolidação da SAE nos anos 1970: questões de ordem técnica e social
Na edição do jornal “Cidade de Ituiutaba” em 13 de julho de 1972, a primeira página
continha uma reportagem com o seguinte teor:
TEMOS ÁGUA FILTRADA E TRATADA
Resolvido antigo e angustiante problema
Desde o dia 7 p.p. está correndo água limpa nas torneiras de Ituiutaba. Água filtrada
e tratada. Pura e cristalina, portanto. A população está exultante, pois o magno
problema, que desafiou várias administrações municipais, encontra solução.
Sob orientação técnica do dr. José Maria Gontjo, engenheiro da FSESP, foram
postos em funcionamento, na manhã do último dia 7, dois filtros clarificadores de
contato, instalados ao lado da estação de tratamento. Os filtros já tinham sido
testados, com absoluto Sucesso, e só faltava ligá-los à rede distribuidora para que o
precioso líquido pudesse ser distribuído à população da Arrozcap.
(...) Com a possível recuperação da estação de tratamento pelo DNOS, Ituiutaba
contará com dois sistemas e a certeza de que o problema não voltará a preocupar,
pelo menos nos próximos 20 ou 30 anos (Jornal Cidade de Ituiutaba, 13/07/1972).
Observe que, se as obras foram concluídas em 1970 e a SAE definitivamente instalada,
como poderia haver problemas de abastecimento nos meados do ano seguinte? Ao que
parece, a água estava sendo distribuída à população sem o devido tratamento, do mesmo
modo como era feito há algumas décadas. Segundo a reportagem, a estação de tratamento
deveria ser recuperada, ficando a cidade com dois sistemas de tratamento. Portanto, os filtros
instalados na estação de distribuição atuariam reduzindo a turbidez da água, e retirando
partículas poluentes, sem, no entanto, efetuar o processo de cloração e desinfecção da mesma.
No entanto, por ser uma água cuja potabilidade já foi verificada, através dos estudos
6 ITUIUTABA, LEI Nº 1285 de 31 de julho de 1969.
8
preliminares para a instalação do sistema de abastecimento7, possivelmente considerou-se que
esta não estaria comprometida para o consumo humano.
Em outra edição do jornal, uma crônica sobre o abastecimento de água assinada por
João Petráglia, aponta os motivos pelos quais os filtros foram instalados, já que a estação de
tratamento apresentava problemas, entretanto a reportagem citada anteriormente não
evidenciava quais. Petráglia afirma que:
Mas persistindo o problema [abastecimento insuficiente], resolveu-se a construção
de uma barragem no S. Lourenço, e de uma estação de tratamento no alto da cidade,
mas esta estação apresentou graves defeitos e, ao que parece, será construída outra.
O serviço de água, sob a Superintendência de Água e Esgotos – SAE – não poderia
paralisar-se à espera da construção desta estação, e, então, providenciou-se a
instalação de filtros que têm dado ótimo resultado. A população está sendo servida
com água potável, transparente e pura há alguns meses. De modo que está em parte
solucionado este problema, esperando ansiosa a população, que, em futuro próximo,
funcione a estação de tratamento, quando haverá água suficiente para abastecer toda
a cidade, inclusive os bairros (Jornal Cidade de Ituiutaba, 16/09/1972).
Ao afirmar que “haverá água suficiente para abastecer toda a cidade”, é possível cogitar
que o serviço de abastecimento ainda não abrangia toda a população urbana, sobretudo as
áreas mais afastadas do perímetro central,8 o que possivelmente ocorreu em virtude do
aproveitamento do sistema anterior, e da extensão das redes de água e esgotos ainda se
encontrarem em andamento. Essa questão foi resolvida com o avanço da década, conforme a
autarquia se consolidou na cidade, ofertando os serviços a uma parcela maior da população.
Entre as décadas de 1960 e 1980 ocorreu um significativo aumento dos serviços de água
e esgotos no município, sobretudo entre 1970 e 1980, período que compreende a instalação da
autarquia. Na década de 1960 aproximadamente 7% dos domicílios estavam ligados à rede de
água, e 13% a uma rede de esgotos. A diferença entre as décadas de 1970 e 1980 foi de um
aumento, aproximado, de 43% das redes de água e de esgotos (Figura 1).
Figura 1: abastecimento de água e esgotos em Ituiutba 1960-1980:
PESQUISA POR AMOSTRA DE DOMICÍLIOS - REDES DE ÁGUA E ESGOTOS
7 Relatório de estudos preliminares apresentado à prefeitura de Ituiutaba, para implantação do sistema de
abastecimento e tratamento de água. Data aproximada: 1955/56. 8 ITUITABA. Zoneamento urbano. Lei nº 312 de 18 de março de 1955.
9
Período 1960 1970 1980
Total de domicílios 9868 12717 16605
Com rede geral de água 766 1737 10312
Com poço ou cisterna - 6565 5877
Com outra fonte de abastecimento - - 413
Com rede de esgotos 1373 1123 8560
Com fossa séptica - 926 341
Com fossa rudimentar - 2217 5796
Com outro escoadouro - 608 82 Fonte: IBGE. PNAD, 1960, 1970 e 1980. Elaboração própria.
Em quase dez anos de atuação da autarquia esse número se mostra positivo,
observando-se o aumento da cobertura à população, principalmente no que tange ao
abastecimento de água. No entanto, observando-se os demais aspectos, sobretudo a relação da
cobertura de esgotos, percebe-se que o uso de fossas rudimentares aumentou 17% entre 1970
e 1980. Isso pode indicar que os serviços de água tiveram uma expansão mais rápida, devido à
urgência da demanda e também pela dificuldade em se construírem redes de esgotos em áreas
mais afastadas da cidade, recorrendo-se ao uso de fossas rudimentares e outros escoadouros
improvisados. Além disso, pode-se afirmar que o aumento da cobertura de água e esgotos na
cidade acompanhou a extensão dos serviços a nível nacional, onde o período compreendido
entre as décadas de 1970 e 1990 representou um dos momentos de maior crescimento no
setor9.
Por outro lado, Costa (1990) discutindo o impacto das políticas públicas no ambiente
urbano e na saúde das populações nas décadas de 1970 e 1980, observa que o PLANASA –
Plano Nacional de Saneamento – foi uma política mal distribuída no território nacional, de
modo que privilegiou a expansão do abastecimento de água, as populações urbanas e as
regiões Sudeste, frente à maior demanda de outras regiões. Além disso, ao verificar o impacto
da oferta de água potável à população urbana no estado do Rio de Janeiro, observou que um
dos resultados positivos foi a redução do índice de mortalidade infantil por diarreia. No Rio
de Janeiro, em 1980, a diarreia foi um das causas de morte que mais atingiu crianças de zero a
9 IBGE, Censos Demográficos de 1970, 1980 e 1991.
10
12 meses, chegando-se a proporção de 01morte para cada 100 nascidos naquele ano (COSTA,
1990: 55).
Em Ituitaba o índice de mortalidade por diarreia e gastroenterite em crianças de zero a
12 meses, entre os anos 1968 e 1980, apresentou aumento entre os anos 1970 e 1973, seguido
de redução nos anos seguintes (Figura 2).
Figura 2: Mortalidade infantil por desidratação e gastroenterite - crianças até 12 meses
Fonte: Livros de Registro do Cemitério Municipal “São José”. Elaboração própria.
Esse período de aumento mostra indícios acerca dos dados referentes ao abastecimento
de água na cidade, sobretudo entre os anos 1970 e 1974, período em que ocorreu a instalação
e adaptação da SAE. O decréscimo apresentado no final da década de 1970 pode estar
relacionado à expansão dos serviços de saneamento na cidade.
A diarréia é uma das principais causas de morbimortalidade infantil, em crianças de até
cinco anos, em países pobres, sobretudo entre aquelas que vivem sob condições sanitárias
desfavoráveis. Entretanto, é um problema que atinge não somente crianças, mas pessoas de
idades e classes sociais indiscriminadamente. Assim, as melhorias nos setor – segundo
levantamento feito pela OMS (Org. Mundial de Saúde) em todos os países – “poderia prevenir
uma série de agravos, com destaque para a diarreia, impactando em aproximadamente, 9,1%
11
da Carga global de doença e 6,3% do total de mortes, principalmente entre as crianças até
cinco anos de idade” (OLIVEIRA, et. al. 2005, p.1028).
Estendendo a análise local para a faixa etária de 13 meses a cinco anos, na cidade de
Ituiutaba, é possível verificar que há convergência do aumento de mortes, entre os anos 1969
e 1974. Em seguida, ocorre a redução das mesmas, até o final da década (Figura 3).
Figura 3: Mortalidade infantil por desidratação e gastroenterite – Crianças de até 05 anos
Fonte: Livros de Registro do Cemitério Municipal “São José”. Elaboração própria.
Observa-se a convergência de aumento dos óbitos e das datas, ou seja, os anos 1970-
1973, assim como entre os menores de um ano. No entanto a quantidade de óbitos por ano é
significativamente menor do que entre as crianças de até 12 meses.
Esse período de 1971-1974 coincide com o momento de adaptação da autarquia
municipal, a SAE, sobretudo a respeito do que foi discutido anteriormente, onde os tanques da
estação de tratamento apresentaram falhas, sendo necessária a instalação de filtros na estação
de distribuição. Ou seja, além da falta de acesso à rede de água para a maior parte da
população, a que era distribuída ainda não estava devidamente tratada. Além disso, ao final da
década com os serviços de saneamento prestados a uma parcela maior da população, e com a
melhora da qualidade da água, verificou-se a redução dos índices de mortalidade infantil.
12
Outro fator que pode ter contribuído para a redução da mortalidade infantil é o aumento
de fossas nos domicílios, mostrando que não somente ocorreu a oferta de água, mas também a
melhora nas condições sanitárias dos domicílios. Enquanto o aumento de domicílios entre
1070 e 1980 foi de aproximadamente 23%, o aumento de fossas foi de 81% (entre fossas
sépticas e rudimentares) (Figura 1). Heller (1998) observou que não somente a oferta de água
influi na redução dos índices de diarreia e de morte entre crianças de até cinco anos de idade,
como também as condições sanitárias e socioeconômicas em geral, como o destino correto
dos dejetos, a drenagem urbana, as condições de higiene da família, e a existência de
geladeira no domicílio. Além disso, a quantidade de água ofertada à população, mesmo que
não tratada, influencia mais na redução de tais índices do que a oferta de água tratada, porem
em menor escala.
Dessa forma, a investigação sobre os resultados da instalação da autarquia SAE, e de
seu período de consolidação, mostrou que ocorreram melhoras nas condições de vida da
população, no sentido de redução dos índices de mortalidade infantil, no final da década de
1970. No entanto, no período de adaptação, que foi entre os anos 1973 e 1975, ocorreram
muitos casos de morte em crianças e que podem ser diretamente ligados ao episódio no qual a
estação de tratamento de água apresentou problemas, demandando a instalação de filtros na
rede geral de distribuição de água. Portanto, há de se cotejar a importância da oferta de água
tratada como reflexo na saúde da população da cidade.
Considerações finais
As políticas públicas de saneamento efetuadas ao longo das décadas de 1960 e 1970,
através da FSESP e do PLANASA interferiram positivamente na saúde e nas condições de
vida das populações urbanas brasileiras. A oferta de água potável, e de coleta de esgotos, se
mostrou imprescindível para a redução dos índices de morbimortalidade infantil, em crianças
de até cinco anos de idade. O estudo dos reflexos dessas políticas na cidade de Ituiutaba-MG
possibilitou observar que a cidade, ao ser contemplada por essas políticas, foi largamente
beneficiada, de modo que o serviço de água e esgotos atualmente é de evidente qualidade.
13
Além disso, ao verificar a quantidade de mortes por diarreia e gastroenterite foi possível
afirmar que estas estavam diretamente ligadas às condições de saneamento na cidade,
sobretudo no período de instalação da SAE, autarquia que presta os serviços de água e
esgotos, desde 1971.
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14
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