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UNIVERSIDADE FEDERAL DA BAHIA
ESCOLA DE ENFERMAGEM
PROGRAMA DE PS-GRADUAO EM ENFERMAGEM
SARAH ALVES MOURA COSTA
REDE CEGONHA E A ATENO SADE DA MULHER EM MATERNIDADE
SALVADOR
2016
http://www.google.com.br/imgres?imgurl=http://www.protec.ufba.br/BrasaoUFBA-VirtuteSpiritus.jpg&imgrefurl=http://www.protec.ufba.br/&usg=__9vhqti27TUTRpaYGzX45PCGls7I=&h=488&w=354&sz=60&hl=pt-BR&start=7&zoom=1&um=1&itbs=1&tbnid=lFl3qOtlkViYzM:&tbnh=130&tbnw=94&prev=/images?q=ufba&um=1&hl=pt-BR&sa=N&rlz=1T4ACAW_pt-BR___BR405&biw=1345&bih=509&tbm=isch&ei=X9mkTZbvCsmL0QGU3qDqCA
SARAH ALVES MOURA COSTA
REDE CEGONHA E A ATENO SADE DA MULHER EM MATERNIDADE
Dissertao apresentada ao Programa de Ps-Graduao
em Enfermagem, Escola de Enfermagem da Universidade
Federal da Bahia, como requisito parcial para a obteno do
grau de mestra em Enfermagem, rea de Concentrao:
Gnero, Cuidado e Organizao dos servios de Sade, na
Linha de pesquisa Mulher, Gnero e Sade.
Orientadora:
Profa. Dra. Edmia de Almeida Cardoso Coelho
Coorientadora:
Profa. Dra. Mariza Silva Almeida
SALVADOR
2016
SARAH ALVES MOURA COSTA
REDE CEGONHA E A ATENO SADE DA MULHER EM MATERNIDADE
Dissertao apresentada ao Programa de Ps-Graduao em Enfermagem da Escola de
Enfermagem da Universidade Federal da Bahia, como requisito para obteno do grau de
Mestra, rea de concentrao Gnero, Cuidado e Administrao em Sade, linha de pesquisa
Mulher, Gnero e Sade.
Aprovada em 31 de maro de 2016.
BANCA EXAMINADORA
Edmia de Almeida Cardoso Coelho______________________________________
Doutora em Enfermagem e Professora da Universidade Federal da Bahia
Tnia Christiane Ferreira Bispo _________________________________________
Doutora em Sade Pblica e Professora da Universidade do Estado da Bahia
Telmara Menezes Couto ________________________________________________
Doutora em Enfermagem e Professora da Universidade Federal da Bahia
Isa Maria Nunes_______________________________________________________
Doutora em Enfermagem e Professora da Universidade Federal da Bahia
DEDICATRIA
A Milton, meu amigo, companheiro, amante, amor.
Ao meu irmo Teco e a minha irm Sam, por seu carinho e compreenso.
Stella, por despertar e continuar me ensinando o significado de amar.
minha me, Ldia, e a meu pai, Geraldo, por tudo aquilo que no consigo trazer em
palavras, mas se traduz no olhar.
AGRADECIMENTOS
A Deus, por tornar este momento possvel.
A todos(as) meus(minhas) queridos(as) familiares e amigos(as), por compreenderem a ausncia
e pelo apoio e carinho em todos os momentos desta trajetria. Em especial minha dinda Stella,
a quem pretendo recompensar por todas as horas que no estive disponvel para brincar.
minha orientadora, Profa. Edmia, por compartilhar momentos de aprendizado e pela
confiana, liberdade, disponibilidade e pacincia nesta trajetria.
Profa. Mariza, amiga e coorientadora, com quem tenho vivenciado desde a graduao, pelos
momentos de alegria e aprendizado. Sou grata por todo o apoio e incentivo na minha trajetria
profissional e de vida.
s Profas. Telmara Couto, Tnia Bispo e Isa Nunes, por aceitarem participar da banca de defesa
e colaborado para o meu crescimento intelectual.
Ao amigo Felipe Guedes, pelo apoio incondicional e pela sensibilidade nos momentos mais
difceis.
Aos confrareiros(a) (e mestrandos) Deyvid Rebouas, Kleydson Bonfim e Mariana Nossa, que
contriburam sempre com palavras de apoio, acompanhados de risos soltos e gestos de carinho.
s amigas do Grupo de Pesquisa Sade da Mulher, Gnero e Integralidade, sempre parceiras
nos momentos fundamentais.
Ao Pet Rede de Ateno-Rede Cegonha, pelo aprendizado e pela troca de experincias,
compartilhados.
A EEUFBA e a todos(as) funcionrios(as) pelo carinho e disponibilidade, e por se constituir
mais uma vez em campo de aprendizado.
A todas(os) as(os) profissionais participantes, pela disponibilidade e confiana em compartilhar
suas experincias, contribuindo para a produo cientfica em sade.
" sempre fundamental estar trabalhando com utopias;
entretanto, numa determinada conjuno de foras polticas,
essas propostas ganham fora e acabam se tornando realidade."
Srgio Arouca
RESUMO
COSTA, Sarah Alves Moura. Rede Cegonha e a ateno sade da mulher em
maternidade. 2016. Dissertao (mestrado em enfermagem) - Escola de Enfermagem,
Universidade Federal da Bahia, Salvador, 2016.
No Brasil, sobretudo a partir do ano 2000, se intensificam aes com o intuito de reduzir as
altas taxas de morbimortalidade materna e perinatal. Para seu alcance, contou-se com o
Programa de Humanizao do Parto e Nascimento e, posteriormente, com a Rede Cegonha, em
2011. Essa estratgia representa um conjunto de iniciativas que envolvem mudanas no
processo de cuidado gravidez, ao parto e nascimento, articulando os pontos de ateno em
rede regulao obsttrica. Sua operacionalizao requer qualificao tcnica das equipes da
ateno bsica e das maternidades, melhoria da ambincia dos servios de sade e ampliao
da oferta de servio e do nmero de profissionais. Tendo em vista o modelo de ateno que
organiza servios e prticas, esses vm se dando em meio a problemas de infraestrutura,
formao profissional tecnicista e de relaes de poder em vrios segmentos, o que tem
contribudo para tensionar a ateno, constituindo-se em obstculo sua implementao. Esta
pesquisa objetivou descrever as aes implementadas na ateno sade da mulher em
maternidade, aps a implantao da Rede Cegonha, e analisar as mudanas incorporadas ao
cotidiano da ateno sade da mulher aps a Rede Cegonha, com base em suas diretrizes e na
integralidade da ateno. Trata-se de pesquisa exploratria, de abordagem qualitativa, que tem
a integralidade como categoria analtica. Foi desenvolvida em maternidade pblica, localizada
na cidade de Salvador-BA, vinculada Estratgia Rede Cegonha. Foi realizada com
profissionais que compunham o quadro permanente da maternidade, que atenderam aos
critrios de ter vivenciado a experincia do cuidado a parturientes e estar em atividade na
maternidade, desde 2011. Participaram do estudo 16 profissionais, sendo duas enfermeiras
assistenciais, duas enfermeiras obstetras, uma auxiliar de enfermagem, uma psicloga, uma
nutricionista, duas mdicas obstetras, uma mdica neonatologista, um mdico anestesista, trs
assistentes sociais e duas fisioterapeutas. Para a produo do material emprico, foi utilizada
entrevista semiestruturada, conduzida por questes norteadoras, sendo analisada por meio da
tcnica de anlise de discurso. Foram formuladas, a partir dos depoimentos, trs categorias
empricas: Rede Cegonha, humanizao da assistncia e os limites da prtica; Rede Cegonha
como mobilizadora de boas prticas no cuidado parturiente; Presena do acompanhante em
maternidade e os desafios da ambincia. Na realidade em que a pesquisa foi desenvolvida,
profissionais de sade revelam incorporao das diretrizes da Rede Cegonha e as aplicam nos
limites institucionais. Em todo o estudo, o respeito aos direitos das mulheres reconhecido,
mas h limites por se manter uma estrutura ainda atrelada precarizao da assistncia sob
bases biomdicas que geram dificuldades para mudar a qualidade da experincia das mulheres
no parto. So necessrios investimentos da instituio, a fim de garantir prticas humanizadas,
com acolhimento e garantia de acesso s mulheres; privacidade para as mulheres na presena
de acompanhantes; e superao das bases tecnicistas ainda presentes no cuidado parturiente.
Todavia, a Rede Cegonha caminha sob o enfoque da integralidade para consolidao do Sistema
nico de Sade e garantia dos direitos reprodutivos das mulheres, resgatando a autonomia e o
protagonismo da mulher no parto e nascimento.
Palavras-chave: Rede Cegonha, Parto humanizado, Integralidade em sade, Direito sade,
Polticas pblicas.
ABSTRACT
COSTA, Sarah Alves Moura. Network Stork and Attention to Women's Health Maternity.
2016. Dissertation (mesters degree in nursing) - Nursing School, Federal University of Bahia,
Salvador, 2016.
In Brazil, especially from 2000, which intensify actions in order to reduce the high rates of
maternal and perinatal morbidity and mortality. To your reach counted on the Program for Humanization of Prenatal and Birth and later with the Network Stork, 2011. This strategy
represents a collection of initiatives that involve changes in the care process to pregnancy, labor
and birth articulating the network points of attention obstetric regulation. Its operation requires
technical skills of primary care teams and maternity, improved ambience of health services and
expansion of the service offering and the number of professionals. In view of the model of care
that organizes services and practices, these come to giving amidst the infrastructure problems
and vocational training technicist and power relations in various segments, which has
contributed to tension attention constitute an obstacle to its implementation. This research objectified to describe the actions implemented in the health care of women in maternity after
the implementation of Network Stork and analyze the changes incorporated in the health care
of women daily after Network Stork based on its guidelines and integrality care. It is exploratory
research, qualitative approach that has integrality as an analytical category. It was developed in
public maternity, located in the city of Salvador, Bahia, linked to the strategy Network Stork.
Was held with professionals who composed the permanent staff of the maternity, which met
the criteria of having experienced the mothers care experience and be active in the maternity
since 2011. Study participants were sixteen professionals, being two assistant nurses, two
midwives, a nursing assistant, a psychologist, a nutritionist, two medical obstetricians,
neonalotogista a doctor, an anesthesiologist, three social workers and two physiotherapists. For
the production of empirical material was used semi-structured interview, leading questions, and
analyzed by speech analysis technique. Were formulated based on the statements three empirical categories: Network Stork, humanization of assistance and the practical limits;
Network Stork as mobilizing good practice in the care of the parturient; Accompanying person
presence in Maternity and challenges ambience. In reality where the research was conducted, health professionals reveal incorporation of Network Stork guidelines and apply the
institutional limits. All over the study, respect for women's rights is recognized, but there are
limits to remain a structure still linked to the precariousness of assistance in biomedical bases,
which creates difficulties to change the quality of the experience of women in childbirth.
Investments are needed the institution in order to guarantee humane practices, with welcoming
and guarantee access to women; privacy for women in the presence of accompanying persons;
and overcoming the technicist bases still present in the care of parturient. However, the Network
Stork walks under the approach of integrality for consolidation of the Unified Health System
and guarantee reproductive rights of women, restoring the autonomy and the protagonism of
women in labor and birth.
Key words: Maternal-child health services, Humanizing delivery, Integrality in Health, Right
to Health, Public Policies.
RESUMEN
COSTA, Sarah Alves Moura. Red Cigea y Atencin a la Salud de la Mujer de la Maternidad.
2016. Disertacin (Maestra en Enfermera) - Escuela de Enfermera de la Universidad Federal
de Baha, Salvador, 2016.
En Brasil, sobre todo a partir de 2000, que intensificar las acciones a fin de reducir las altas
tasas de morbilidad y mortalidad materna y perinatal. Para llegar, se cuenta con el Programa de
Humanizacin del Parto y ms tarde con la Red Cigea, 2011. Esta estrategia es un conjunto
de iniciativas que implican cambios en el proceso de atencin al embarazo, parto y nacimiento
que articulan los puntos de la red de atencin a la regulacin de la partera. Su funcionamiento
requiere habilidades tcnicas de los equipos de atencin primaria y de la maternidad, la mejora
del ambiente de los servicios de salud y la ampliacin de la oferta de servicios y el nmero de
profesionales. En vista del modelo de atencin que organiza los servicios y prcticas, estos
vienen a dar en medio de los problemas de infraestructura, la formacin tecnicista y relaciones
de poder en varios segmentos, lo que ha contribuido a la atencin de tensin constituyen un
obstculo para su aplicacin. Este estudio tuvo como objetivo describir las acciones aplicadas
en el cuidado de la salud de la mujer en la maternidad despus de la aplicacin de la Red
Cigea y analizar los cambios incorporados en el cuidado de la salud de las mujeres todos los
das despus de la Red Cigea basado en sus directrices y atencin integral. Es una
investigacin exploratoria, enfoque cualitativo que tiene integridad como categora analtica.
Se desarroll en la maternidad pblica, ubicada en la ciudad de Salvador, Bahia, vinculado a la
estrategia de Red Cigea. Se llev a cabo con profesionales que componan el personal
permanente de la maternidad, que cumplieron con los criterios de haber experimentado las
madres se preocupan experiencia y ser activos en la maternidad desde 2011. Diecisis
profesionales participaron en el estudio, dos auxiliares de enfermera, dos parteras, uno auxiliar
de enfermera, un psiclogo, un especialista en nutricin, mdicos obstetras, un mdico
neonalotogista, un mdico anestesista, tres trabajadores sociales y dos fisioterapeutas. Para la
produccin de material emprico se utiliz la entrevista semiestructurada, que conduce
preguntas, y se analizaron mediante la tcnica de anlisis de voz. Fueron formulados en base a
las declaraciones de tres categoras empricas: Red Cigea, humanizacin de la asistencia y
los lmites prcticos; Red Cigea como la movilizacin de las buenas prcticas en el cuidado
de la parturienta; Presencia de pasajeros en la maternidad y los retos ambiente. De hecho, donde
se realiz la investigacin, profesionales de la salud revelan incorporacin de las directrices de
la Red Cigea y se aplican los lmites institucionales. A lo largo del estudio, se reconoce el
respeto de los derechos de la mujer, pero hay lmites para seguir siendo una estructura que sigue
estando vinculado a la precariedad de la asistencia en las bases biomdicas, lo que crea
dificultades para cambiar la calidad de la experiencia de las mujeres en el parto. Las inversiones
son necesarias la institucin para garantizar las prcticas humanas, con acogida y garantizar el
acceso a las mujeres; privacidad para las mujeres en la presencia de escoltas; y la superacin
de las bases tecnicistas an presentes en el cuidado de las parturientas. Sin embargo, la Red
Cigea camina bajo el enfoque de integridad para la consolidacin del Sistema nico de Salud
y garantizar los derechos reproductivos de las mujeres, la restauracin de la autonoma y el
papel de las mujeres en el parto y el nacimiento.
Palablas clave: Red Cigea, Parto Humanizado, Integralidad en Salud, Derecho a la Salud,
Polticas Pblicas.
LISTA DE ABREVIATURAS
A&CR Acolhimento e Classificao de Risco
ACCR Acolhimento com Classificao de Risco
ANVISA Agncia Nacional de Vigilncia Sanitria
CCR Comisso de Cidadania e Reproduo
CEP Comit de tica em Pesquisa
CIB Comisso Intergestores Bipartite
COSEMS Conselho de Secretrios Municipais de Sade
CPN Casa de Parto Normal
EO Enfermeiro(a) Obstetra
GM Gabinete do Ministro
HIV Vrus da Imunodeficincia Adquirida
IST Infeces Sexualmente Transmissveis
MG Minas Gerais
MS Ministrio da Sade
MTB Maternidade Tsyla Balbino
ODM Objetivos do Milnio
OMS Organizao Mundial da Sade
ONU Organizao das Naes Unidas
PAISM Programa de Ateno Integral Sade da Mulher
PHPN Programa de Humanizao no Pr-Natal e Nascimento
PN Parto Normal
PNAISM Poltica Nacional de Ateno Integral Sade da Mulher
PPP Pr-Parto, Parto, Ps-Parto
RAS Redes de Ateno Sade
RC Rede Cegonha
RDC Resoluo da Diretoria Colegiada
REHUNA Rede de Humanizao do Nascimento
RN Recm-Nascido
RSMLAC Rede de Sade das Mulheres Latino-Americanas e do Caribe
SESAB Secretaria de Sade do Estado da Bahia
SIM Sistema de Informao de Mortalidade
SUS Sistema nico de Sade
UFBA Universidade Federal da Bahia
UTI Unidade de Terapia Intensiva
SUMRIO
1 INTRODUO................................................................................................................... 14
2 REVISO DE LITERATURA.............................................................................................. 18
2.1 MEDICALIZAO DO PARTO......................................................................................... 18
2.2 POLTICAS DE ATENO SADE DA MULHER....................................................... 22
2.3 SITUAO OBSTTRICA NA BAHIA.............................................................................. 26
3 METODOLOGIA................................................................................................................ 29
3.1 CATEGORIA ANALTICA: INTEGRALIDADE............................................................... 29
3.2 CARACTERIZAO DA PESQUISA................................................................................ 32
3.3 LOCAL DA PESQUISA....................................................................................................... 33
3.4 PARTICIPANTES DA PESQUISA...................................................................................... 34
3.5 ASPECTOS TICOS DA PESQUISA.................................................................................. 34
3.6 PRODUO DO MATERIAL EMPRICO......................................................................... 35
3.7 ANLISE DOS DADOS....................................................................................................... 35
4 RESULTADOS E DISCUSSO......................................................................................... 37
4.1 REDE CEGONHA, HUMANIZAO DO PARTO E OS LIMITES DA PRTICA.......... 38
4.2 REDE CEGONHA COMO MOBILIZADORA DE BOAS PRTICAS NO CUIDADO
PARTURIENTE.............................................................................................................. 52
4.3 PRESENA DO ACOMPANHANTE EM MATERNIDADE E DESAFIOS DA
AMBINCIA........................................................................................................................ 65
5 CONSIDERAES FINAIS.............................................................................................. 76
6 REFERNCIAS.................................................................................................................. 78
APNDICE A TERMO DE CONSENTIMENTO LIVRE E ESCLARECIDO.......... 88
APNDICE B ROTEIRO DE ENTREVISTA SEMIESTRUTURADA..................... 90
ANEXO A - CARTA DE ANUNCIA DA INSTITUIO............................................ 92
ANEXO B - APROVAO DO COMIT DE TICA................................................... 93
14
1 INTRODUO
No Brasil, sobretudo a partir do ano 2000, se intensificaram aes com o intuito de
melhorar os indicadores de sade e orientar o fluxo de atendimento s mulheres na ateno ao
parto, por meio do Programa de Humanizao no Pr-natal e Nascimento (PHPN). Esse tem
como objetivo reduzir as altas taxas de morbimortalidade materna e perinatal, por meio de
medidas para melhoria do acesso, da cobertura e da qualidade do acompanhamento pr-natal,
da assistncia ao parto e ao puerprio (BRASIL, 2014).
Com foco nesse objetivo, o Brasil assumiu o compromisso internacional para
cumprimento dos Objetivos de Desenvolvimento do Milnio (ODM) propostos pela ONU em
2000, de atingir valor igual ou inferior a 35 bitos por 100.000 nascidos vivos at 2015
(BRASIL, 2010).
Apesar dessas iniciativas e das melhorias na ateno bsica e hospitalar s gestantes, a
reduo da mortalidade materna no vem apresentando avanos relevantes, considerando que
hipertenso arterial, infeces puerperais e hemorragias continuam sendo as principais causas
de morte, evitveis por meio de assistncia de qualidade ao pr-natal e ao parto (REIS, 2012).
Soma-se a essas iniciativas oficiais a criao, em 2011, da Rede Cegonha, com a
finalidade de evitar a peregrinao das mulheres grvidas na rede pblica. Constitui importante
estratgia do governo federal e visa a promover aes para reduo da morbimortalidade
materna e infantil, a partir da integrao em rede dos servios de sade. Para isso, faz-se
necessrio assegurar mulher o direito ao planejamento reprodutivo e ateno humanizada
gravidez, ao parto e ao puerprio, extensivo criana, com garantia do direito ao nascimento
seguro, ao crescimento e desenvolvimento saudveis (BRASIL, 2011).
Essa estratgia representa um conjunto de iniciativas que envolvem mudanas no
processo de cuidado gravidez, ao parto e ao nascimento, articulando os pontos de ateno em
rede regulao obsttrica. Sua operacionalizao requer qualificao tcnica das equipes da
ateno bsica e das maternidades, melhoria da ambincia dos servios de sade e ampliao
da oferta de servio e do nmero de profissionais (BRASIL, 2014). As aes dessa estratgia
buscam a melhoria da ateno destinada ao seu pblico-alvo, alm dos repasses de recursos
atrelados ao aumento de leitos ou da oferta de procedimentos, com vistas a alcanar a
integralidade da ateno que venha a minimizar a fragmentao da assistncia, o desperdcio
de recurso e a ineficincia da ateno (CAVALCANTE, 2012).
15
Em sua proposta, a Rede Cegonha estimula o parto fisiolgico e as boas prticas de
ateno ao parto e ao nascimento, bem como o parto realizado em Casa de Parto por enfermeira
obsttrica. Para o cuidado peri-hospitalar prope a Casa de Gestante, Beb e Purpera, com o
objetivo de proporcionar o cuidado a gestantes, purperas e recm-nascidos(as) de risco que
demandam ateno diria em servio de sade de alta complexidade, mas que se encontram
fora do ambiente hospitalar. Esto includas nesse cuidado mes de recm-nascidos(as) que
esto internados(as) na Unidade de Tratamento Intensivo Neonatal do servio de sade
(BRASIL, 2014).
Ademais, a Rede Cegonha tem como diretrizes a garantia do acolhimento com avaliao
e classificao de risco e vulnerabilidade, ampliao do acesso e melhoria da qualidade do pr-
natal; garantia de vinculao da gestante unidade de referncia e ao transporte seguro; garantia
das boas prticas e segurana na ateno ao parto e nascimento; garantia da ateno sade das
crianas de zero a 24 meses com qualidade e resolutividade; e garantia de acesso s aes do
planejamento reprodutivo (BRASIL, 2011).
Para isso, o Departamento de Ateno Bsica (BRASIL, 2012, p. 21) reconhece que,
para a operacionalizao dessa estratgia faz necessria a conjuno de esforos direcionados
a
assistncia pr-natal adequada (componente pr-natal), com deteco e
interveno precoce nas situaes de risco; sistema gil de referncia
hospitalar (sistema de regulao, com garantia de vagas para gestantes e
bebs; regulao dos leitos obsttricos, plano de vinculao da gestante
maternidade); qualificao da assistncia ao parto (componente de parto e
nascimento humanizao, direito acompanhante de livre escolha da
gestante, ambincia, boas prticas, acolhimento com classificao de risco
ACCR).
Mesmo com objetivos claros de inquestionvel valor, seu alcance no ser de fcil
consecuo, pois o sistema de sade brasileiro ainda no conseguiu se reorganizar, de modo a
ser capaz de garantir a vinculao da gestante rede. Essa dificuldade contribui para que a
gestante continue a peregrinar para obter assistncia hospitalar ao parto, percorrendo um
caminho de dvidas e incertezas no percurso do parto. Cerca de 70% das buscas por
maternidade so de mulheres que j tiveram a vaga obsttrica negada, no se cumprindo a Lei
n 11.634/2007 que delega ao SUS a responsabilidade da vinculao desde o pr-natal at a
maternidade (BARRETO, 2013).
Entre os desafios para efetivao da Rede Cegonha est tambm a reestruturao fsica
das maternidades que ainda no garantem leito por ocasio do trabalho de parto e do parto, nem
16
ambincia que respeite a autonomia e o protagonismo da mulher no processo parturitivo. A
falta de garantia de acesso e, sobretudo, de acompanhamento na gestao e no parto deixa
dvida sobre a efetividade das polticas pblicas. Martinelli e colaboradores(as) (2014)
ratificam que as aes de sade no foram institudas de maneira satisfatria na maioria dos
servios, ressaltando-se a ateno sade das mulheres gestantes, em diversos lugares do
Brasil.
Domingues (2012) complementa esse achado destacando, alm da baixa cobertura de
consultas no pr-natal, a ineficincia da oferta de exames laboratoriais, vacinao e orientao
sobre o parto e a amamentao. Esses indicadores ratificam as elevadas taxas de mortalidade
materna e perinatal, a qualidade das consultas e o acesso aos servios de sade de modo
insatisfatrio, o que aponta a necessidade de reviso e ajustes dos fatores que contribuem para
esses resultados desfavorveis.
Por outro lado, o modelo biomdico, cada vez mais seduzido pela tecnologia, tem sido
incapaz de proporcionar s(aos) profissionais atributos necessrios para o cuidado gestao e
ao parto. A relao hierrquica entre a equipe de profissionais e as gestantes ainda predomina,
sendo as gestantes comumente tratadas como objeto de interveno profissional e sem liberdade
para a tomada de decises, de modo que o protagonismo da mulher e sua autonomia no
momento do parto ficam comprometidos (AGUIAR, DOLIVEIRA; 2010).
Importante destacar que, de acordo com as leis orgnicas do SUS, a integralidade do
cuidado constitui um direito humano sade que deixa em evidncia a relao entre poltica e
direito na sade. Nessa perspectiva, a efetivao do cumprimento dos princpios do SUS, na
confiana do direito e coexistncias das aes, assegura o acesso sade e afirma a dignidade
humana e cidadania. Portanto repensar o cuidado implica na construo de prticas eficazes
embasadas nos princpios da integralidade que conduza formulao de novos paradigmas para
a sade (PINHEIRO, 2011).
Os desafios a que se prope a Rede Cegonha reafirmam compromissos de reorganizao
da ateno e da implementao de aes que revertam tal realidade. A escuta de mulheres em
maternidade sobre suas experincias, a partir de atividades de extenso iniciadas como
estudante e continuadas na mesma prtica como enfermeira e voluntria do Programa Pr-PET
Sade (Programa de Educao pelo Trabalho para a Sade), leva a afirmar que os fundamentos
tericos das polticas pblicas esto comprometidos e distantes do eixo da integralidade e da
sade como direito. Isto porque, dificuldades de acesso, somadas a relaes que subestimam
as necessidades das mulheres no processo de parturio e a manuteno de prticas
17
convencionais, apontam desequilbrio entre proposies polticas e a realidade vivenciada por
mulheres e profissionais da sade.
Diante dessas consideraes, pressupe-se que as diretrizes da estratgia da Rede
Cegonha so do conhecimento de profissionais de sade que atuam em maternidades, mas h
barreiras relacionadas ao modo de organizao dos servios e das prticas que distanciam o
cuidado da integralidade. Diante dessa afirmativa passa-se a questionar:
A estratgia da Rede Cegonha em maternidade vem se caracterizando como espao de
cuidado integral sade da mulher, no processo de parto?
Para responder a esse questionamento, este estudo tem como objetivos:
Descrever as aes implementadas na ateno sade da mulher em maternidade, antes
e aps a implantao da Rede Cegonha.
Analisar as mudanas incorporadas no cotidiano da ateno sade da mulher aps a
Rede Cegonha, com base em suas diretrizes e na integralidade da ateno.
18
2 REVISO DE LITERATURA
2.1 INSTITUCIONALIZAO DO PARTO
A ateno ao parto foi tradicionalmente realizada por mulheres chamadas popularmente por
aparadeiras, comadres, curandeiras ou parteiras. Essas mulheres, alm de estabelecerem uma
relao de confiana com as gestantes e a comunidade, possuam um saber emprico e
acompanhavam as mulheres durante todo o ciclo gravdico-puerperal, davam orientaes e
realizavam os cuidados com a(o) recm-nascida(o) (BRENES, 1991).
A dedicao, durante a realizao do parto, era um sacerdcio para as parteiras.
Possuam o conhecimento relativo gravidez e ao puerprio, pois j vivenciaram anteriormente
e compreendiam as manobras externas para facilitar o parto. Eram responsveis em confortar a
parturiente com alimentos, bebidas e palavras de apoio, o que levava as mulheres a requisitar a
presena das parteiras por razes psicolgicas, humanitrias e por razes ideolgicas relativas
exposio do corpo (NAGAHAMA; SANTIAGO, 2005).
O atendimento ao nascimento, durante esse perodo histrico, era considerado atividade
desvalorizada, pois era praticado por mulheres, e, portanto, no estava altura dos homens que
realizavam a medicina. Os mdicos que j no existiam em grande quantidade, nesse perodo,
no possuam interesse, nem tinham conhecimento cientfico sobre o corpo das mulheres
(NAGAHAMA; SANTIAGO, 2005).
No sculo XVIII, a medicina alcana o apogeu com o poder de interferir nos aspectos
sociais e individuais da populao, alm dos assuntos relativos sade. Nesse momento, a
medicina faz da gravidez e do parto assunto mdico que exige tecnologia hospitalar para um
bom desfecho. Os novos conhecimentos da intitulada Arte Obsttrica, realizada por parteiro ou
mdico-parteiro, designao dos profissionais por ela formados, redefinem conceitos e passam
a controlar o ato de nascer. O parto passa a ser considerado evento perigoso, sendo
imprescindvel a presena de um mdico que prometia melhores condies e mais segurana
para a mulher e para a criana (MEDEIROS et al., 2012).
A partir de ento, progressivamente a profisso de parteira comea a desaparecer do
cenrio das comunidades. Segundo Dias (2007), ao serem comparadas aos homens, as parteiras
foram consideradas intelectualmente inferiores, incapazes de dominar novas tcnicas. Houve a
regulamentao das prticas e a exigncia da presena de cirurgies, acompanhando o trabalho
das parteiras.
19
Apesar das mudanas implementadas, a prtica da Obstetrcia sofreria alguns problemas
como falta de enfermaria ou servio clnico para mulheres grvidas e parturientes para a
realizao do ensino prtico da matria; questes religiosas que consideravam o parto uma falta
de pudor e pela baixa procura das mulheres devido ao temor demonstrado da hospitalizao
(BRENES, 1991).
O processo de hospitalizao do parto requereu o domnio do saber na rea e para o
desenvolvimento da Obstetrcia, resultando na medicalizao do corpo feminino. O nus para
melhoria das condies do parto foi a transformao do papel da mulher de sujeito para objeto,
no processo do parto e nascimento. Desse modo, o saber mdico e as prticas mdicas foram
determinantes para a institucionalizao do parto e a transformao da mulher em objeto de
interveno no processo do parto e nascimento (NAGAHAMA; SANTIAGO, 2005).
No Brasil, a mudana do modelo de ateno ao parto ocorre por meio de um processo
de construo ideolgica, em que as prticas mdicas se institucionalizam, tais profissionais
passam a ter o controle sobre o corpo da mulher na parturio, e essa perde o protagonismo no
parto (MEDEIROS et al., 2012).
O princpio para admitir determinadas distores na prtica mdica brasileira se
embasava em encarar a mulher apenas no seu papel esposa-me-dona-de-casa, j legitimado
socialmente. O imaginrio social do sculo XIX e a literatura mdica constroem a imagem da
mulher como um ser frgil e inconstante, a quem somente os mdicos poderiam orientar, por
serem os nicos que a conheciam (BRENES, 1991, p. 136).
Em relao ao controle do corpo, Foucault (1982) analisa a natureza poltica da medicina
na sociedade capitalista como uma estratgia de controle social. O autor questiona se o controle
da sexualidade e reproduo no teriam implicaes sociais para assegurar o controle
populacional, reproduzir a fora de trabalho e os modos que as relaes sociais so
estabelecidas, de forma a garantir que se tenha uma sexualidade socialmente til e politicamente
conservadora.
Apesar de importantes contribuies, principalmente na diminuio da mortalidade
materna e neonatal, a hospitalizao transformou o evento do nascimento em uma linha de
produo. A preparao para internao inclua desde a separao da famlia, remoo de
roupas e de objetos pessoais, ritual de limpeza intestinal com enema, jejum at a no
deambulao. Alm disso, foram retiradas da mulher sua individualidade, autonomia e
sexualidade, com manipulao de seu corpo e de sua vida (MEDEIROS et al., 2012).
O parto no Brasil foi institucionalizado progressivamente aps a Segunda Guerra
Mundial, momento em que normas e rotinas passaram a ser ditadas para o maior controle do
20
comportamento das mulheres. Com a incorporao de novos conhecimentos e habilidades
medicina, foram reduzidos, significativamente, os riscos hospitalares e ampliadas as
possibilidades de interveno, resultando no aumento progressivo de cesarianas (TANAKA,
1995).
O aumento da incidncia de parto cesreo levou a Organizao Mundial de Sade
(OMS) a fazer recomendaes com o objetivo de reduzir as intervenes no nascimento para
garantir a segurana de mulheres e crianas. A cesrea foi adotada como interveno cirrgica
para diminuir o risco de complicaes maternas e/ou fetais durante a gravidez e o trabalho de
parto, mas comporta riscos comuns em cirurgias (PATAH; MALIK, 2011).
Em relao a essa interveno cirrgica, o discurso de estudiosas(os) da rea tornou-se
dicotmico, j que h as(os) que concordam com a cesrea somente por indicao mdica e h
as(os) que a indicam em diferentes situaes. Dentre as indicaes, destacam-se a melhoria nas
tcnicas cirrgicas, medidas de preveno de infeco e transfuses sanguneas e a satisfao
dos anseios da me e/ou da famlia (PATAH; MALIK, 2011).
Apesar dos avanos tecnolgicos e progressos na ateno obsttrica, ainda persistem
altas taxas de mortes maternas. Para operacionalizao de uma assistncia obsttrica e neonatal
qualificada, importante evitar intervenes desnecessrias. Quando preciso, estas devem
basear-se em evidncias cientficas, garantindo um modelo de cuidado humanizado e integral
s mulheres e s crianas (ANDRADE; LIMA, 2014).
A crtica Medicina e suas prticas tambm realizada pelo movimento internacional
de mulheres, na dcada de 1970 e 1980, com propostas de mudanas na direo de um cuidado
com respeito s evidncias cientficas e aos direitos das mulheres. As usurias so estimuladas
a questionar a utilidade das prticas e a reivindicar o parto como parte da experincia sexual
feminina, exigindo-se a participao de mulheres na definio das prioridades de pesquisa
(DINIZ, 2009).
A Conferncia sobre Tecnologia Apropriada para o Parto, que ocorreu em 1985 em
Fortaleza/CE, Brasil, com apoio e coordenao da OMS foi considerada um marco na sade
pblica e na defesa de direitos das mulheres, sendo produzida a Carta de Fortaleza que inspirou
mudanas na organizao e no modelo da assistncia obsttrica. O documento possua dentre
outras recomendaes a participao das mulheres no desenho e na avaliao dos programas, a
liberdade de escolha materna da melhor posio para o nascimento, a presena de
acompanhantes no trabalho de parto e parto e o fim de certos procedimentos mdicos, durante
o trabalho de parto (como o uso rotineiro da episiotomia e da induo medicamentosa do parto)
(PATAH; MALIK, 2011).
21
A partir dessas aes, a OMS ratifica que nada justificaria ndices superiores a 10% -
15% de cesreas. Entretanto, esses limites estipulados podem no corresponder realidade,
devido diversidade dos aspectos culturais e dos sistemas de sade em pases e regies do
mundo (BUSANELLO et al., 2011).
Na atualidade, a complexidade dos fatores que cercam o parto e sua assistncia tem
levantado questionamentos, envolvendo desde a qualidade da ateno at o significado do parto
para as mulheres. No Brasil, o modelo de ateno ao parto considera esse como evento mdico
ou tecnolgico, predominantemente hospitalar, e o mdico o principal profissional no
processo do nascimento (PATAH; MALIK, 2011).
Aproximadamente um quarto dos nascimentos no Brasil ocorre nos servios
hospitalares privados que possuem taxas de cesrea de 80%, e em percentual menor, no sistema
pblico onde as taxas de cesrea chegam, em mdia, a 35% (PDUA et al., 2010).
Para mudar esse quadro, faz-se necessrio que haja investimentos em prticas que
promovam a escolha orientada, resgatando o parto como fenmeno natural e humanizado e
respeitando o prprio ritmo dos acontecimentos. Tornam-se imprescindveis que sejam
proporcionadas condies que permitam mulher, de acordo com sua singularidade, sentir-se
segura e confiante, possibilitando-lhe viver o prazer e a dor conforme sua escolha (DIAS, 2007).
As mudanas relacionadas ateno ao parto e ao nascimento devem ser acompanhadas
pela reflexo e modificao de prticas profissionais, mas a objetificao do corpo da mulher
ainda ocorre no contexto da assistncia em maternidades, como controle e domnio da Medicina
(SCHRAIBER, 2008).
Para Schraiber (2008), esse modelo traz arraigado em si aspectos ligados a uma
ideologia de gnero, de dominao do corpo feminino como objeto da Medicina enquanto um
corpo com finalidades exclusivas de reproduo. Essa questo se encontra expressa de forma
particular na crise de confiana vivida na Medicina tecnolgica, com a fragilizao dos vnculos
entre profissionais e usurias do sistema, e um comprometimento da qualidade tica de suas
interaes.
Schraiber (2008) caracteriza as maternidades como instituies que possuem forte poder
de deciso sobre a vida da mulher/beb/famlia, definindo as aes e o comportamento das
pessoas envolvidas nesse processo. A assistncia ao parto vista pela autora como
desumanizada, pois a mulher perde o direito de decidir sobre sua sade e demais aes
relacionadas ao seu prprio corpo.
A necessidade de mudanas de atitudes e de rotinas no parto premente, de modo que
esse momento tenha o mnimo de intervenes que garantam a integridade fsica e psquica das
22
protagonistas. A mulher, ao ser colocada como centro do processo do parto, d a esses novos
sentidos e significados que se estendem nas relaes interpessoais do processo de cuidado.
Souza e colaboradores (2011) compartilham da necessidade de mudana do modelo
vigente e, ao considerar as prticas humanizadoras do nascimento como um processo,
recomendam que o(a) profissional deve respeitar a fisiologia do parto, no intervindo
desnecessariamente; deve reconhecer os aspectos sociais e culturais do parto e nascimento,
oferecendo suporte emocional mulher e a sua famlia, facilitando a formao dos laos
afetivos e o vnculo me-filho(a); deve criar espaos para que a mulher exera sua autonomia
durante todo o processo, permitindo um acompanhante de escolha da gestante e deve informar
parturiente todos os procedimentos a que ser submetida, respeitando todos os seus direitos
de cidadania.
Desse modo, torna-se um desafio mudar o modelo vigente de ateno ao parto e retomar
o nascimento como um evento familiar, envolvendo aes que valorizem e evidenciem
realmente os principais envolvidos nesse contexto (SOUZA et al., 2011).
2.2 POLTICAS DE ATENO SADE DA MULHER E A REDE CEGONHA
At a dcada de 1970, o objeto das polticas pblicas de sade voltadas ateno sade
da mulher valorizava apenas sua funo reprodutiva, direcionada para o ciclo gravdico-
puerperal, evidenciando apenas a dimenso biolgica (GUARESCHI; MEDEIROS, 2009).
As polticas de ateno sade da mulher so resultado de lutas do movimento feminista
que teve apoio de outros movimentos sociais. O feminismo se desenvolve no Brasil a partir dos
anos 70 do sculo passado, tendo como ponto central a cidadania feminina e caracterizado
como um amplo e heterogneo movimento que articula as lutas contra as formas de opresso
das mulheres na sociedade e as lutas pela redemocratizao (COSTA, 2009). As mulheres se
fortalecem, passando a questionar as estruturas poltica, econmica e social do pas e, com a
conquista de polticas pblicas, so garantidos direitos, nem sempre efetivados na prtica
(SCAVONE, 2004).
As feministas em busca de transformaes polticas e culturais levaram para a esfera
pblica temas considerados privados como sexualidade, maternidade, aborto, violncia contra
a mulher, contracepo, direito ao corpo, alm de situaes do cotidiano, a exemplo de no ter
onde deixar filhos(as) quando vo trabalhar, salrio menor que o dos homens, aumento do custo
de vida dentre outros (MANINI, 1996).
23
Nos novos enfoques sobre as questes femininas, o direito ao prazer e ao corpo era
entendido como fatores de autonomia, liberdade, como princpios dos direitos reprodutivos.
Buscava-se, assim, a emancipao da mulher com nfase liberdade sexual, importncia em
conhecer seu corpo, ter desejos e prazeres e ter liberdade de escolha do parceiro (MANINI,
1996).
A formulao do PAISM, em 1984, faz emergir novas possibilidades para as prticas na
rede de servios de sade. Nesse sentido, a ateno integral vista como estruturante das
polticas pblicas, orientada por valores ticos que exigem readequao dos servios de sade
(CARNEIRO, 2013). Dentre as aes propostas pelo PAISM esto atividades voltadas para
ateno gravidez, parto, contracepo, esterilidade, IST, sexualidade, adolescncia e
climatrio, devendo considerar as dimenses psicolgicas e sociais que participam das
experincias sexuais e reprodutivas femininas (D'OLIVEIRA; SENNA, 2000).
Indicadores epidemiolgicos apontam mudanas na ateno sade da mulher com
ampliao das aes propostas. No que concerne gravidez e ao parto, aps o PAISM, houve
aumento da cobertura, mantendo, contudo, problemas relacionados qualidade da oferta dos
servios e ao acesso s maternidades pelas usurias.
De acordo com Santos e Vieira (2008), a conduta e orientaes pelos profissionais de
sade, responsveis por essas aes, ao acesso dos meios contraceptivos refletem o aumento da
sua eficcia de ao, principalmente em grupos que se apresentam em vulnerabilidade social.
O governo federal com o intuito de melhorar o panorama da ateno sade da mulher,
no ano 2000, estabeleceu no pas o Programa de Humanizao no Pr-natal e Nascimento
(PHPN), com o propsito de reduzir as altas taxas de morbimortalidade materna e perinatal.
Com esse fim, adotou medidas para melhoria do acesso, da cobertura e da qualidade do
acompanhamento pr-natal, da assistncia ao parto e ao puerprio (MARTINELLI et al., 2014).
A partir de um protocolo mnimo, estabeleceram-se aes a serem desenvolvidas
durante a gestao, para orientar o fluxo da ateno. Todavia, essa realidade no condiz com o
que est sendo executado para a grande maioria das gestantes, em diversos lugares do Brasil
(MARTINELLI et al.,2014).
Segundo Coutinho e colaboradores (2010), observou-se que um nmero reduzido de
gestantes cadastradas no SUS conseguiu se beneficiar das aes propostas pelo PHPN, tendo
como resultado uma assistncia incompleta e desarticulada. Entre os critrios avaliados que
tiveram um aumento expressivo esto insuficincia na anotao dos exames complementares
bsicos, duplicao dos casos de anemia, manuteno das prevalncias de infeces do trato
urinrio (ITU), sfilis, diabetes e teste positivo para HIV.
24
Diagnstico da situao de sade das mulheres no Brasil fez com que o Ministrio da
Sade criasse a Poltica Nacional de Ateno Integral Sade da Mulher (PNAISM), em 2004,
ampliando a proposta do PAISM e preenchendo algumas lacunas (BRASIL, 2004). Entre seus
objetivos se incluem reduzir os indicadores epidemiolgicos de morbimortalidade por causas
prevenveis e evitveis; aperfeioar a ateno obsttrica e o acesso ao planejamento familiar;
melhorar a ateno nas intercorrncias obsttricas e a violncia domstica e sexual; prevenir e
tratar doenas sexualmente transmissveis, incluindo o HIV/Aids; o cncer de mama e de colo
de tero e o tratamento das doenas crnicas no transmissveis (FREITAS et al., 2009).
Os indicadores epidemiolgicos entre os anos de 1996 e 2010 demonstraram que as
taxas de mortalidade materna tm se mantido estveis, em torno de 50 mortes por 100.000
nascidos vivos. Na microrregio do norte do Esprito Santo, a razo de mortalidade materna foi
de 101,6/100.000 nascidos vivos, causando grande preocupao. Aproximadamente quase
metade dos partos (47%) realizados no ano de 2007 ocorreu por cesariana; 89% dos partos
foram realizados por mdicos e 8%, por enfermeiras obsttricas (VICTORIA et al., 2011).
A OMS considera o parto como evento natural e fisiolgico, e, portanto, sem
necessidade de intervenes, mas de cuidados, onde se recomenda a participao da Enfermeira
Obsttrica (EO) e a insero dessas profissionais em unidade de atendimento obsttrico, j que,
na sua maioria, vm exercendo funes gerenciais e distantes do acompanhamento da mulher
no trabalho de parto, em detrimento da realizao de partos (RABELO; OLIVEIRA, 2010).
Para organizar a rede de ateno sade da mulher, foi instituda a Rede Cegonha no
mbito do SUS, por meio da Portaria 1.459/2011. Objetiva garantir acesso, acolhimento e
resolutividade da ateno mulher e criana, alm de reduzir a mortalidade materna e infantil
com nfase no componente neonatal (BRASIL, 2014).
Com essa estratgia busca-se o acesso a uma ateno qualificada, dando prioridade aos
problemas relevantes a serem enfrentados como a mortalidade materna e na infncia (at os
vinte e quatro meses). Por meio do Frum de discusso da Rede Cegonha em diversas regies
do pas, foi possvel privilegiar e avanar no modelo de escuta para o debate construdo a partir
da realidade de cada local.
25
Portanto, a Rede Cegonha possui um carter bastante resolutivo para a reduo da
mortalidade materna e neonatal, pois uma medida de enfrentamento. Isso ocorre a partir do
desenvolvimento do acesso contracepo, de prever a compra de insumos de planejamento
reprodutivo e de estimular a assistncia a mulheres vtimas de violncia sexual e obsttrica
(CLAM, 2011). A Rede Cegonha descrita como uma estratgia construda para enfrentar a
grave situao das mulheres no processo gravidez-parto-puerprio, sendo que, no Brasil,
ocorrem 69 bitos maternos por 100 mil nascidos vivos (CASTILHOS, 2012).
Todavia, a Rede Cegonha gerou crticas entre as feministas. A Rede Feminista de Sade
considera que essa estratgia leva ao rompimento da integralidade da ateno sade das
mulheres, que envolve a ateno bsica e o planejamento reprodutivo. O movimento de
mulheres e feminista se preocupa, pois, aps ter superado a concepo de Sade Materno-
Infantil, por novos conceitos de Sade da Mulher, a estratgia apresenta um retrocesso nas
polticas de ateno integral sade da mulher, de direitos reprodutivos e sexuais (CLAM,
2011).
Clair Castilhos, secretria executiva da Rede Feminista de Sade, problematizou a Rede
Cegonha, ao consider-la a reduo de um projeto de sade integral da mulher para priorizao
da sade materno-infantil. Entretanto, demonstra abertura para dialogar, pois entende que a
humanizao do parto de interesse tambm do movimento feminista, porm no sua
prioridade (FARIA, 2014).
A estratgia Rede Cegonha provocou discusso sobre concepes e prioridades na
ateno sade das mulheres, com questionamentos de feministas e ativistas dos direitos
sexuais e reprodutivos a essa iniciativa do governo. Ftima Oliveira, mdica e integrante da
Comisso de Cidadania e Reproduo (CCR) e do Conselho Consultivo da Rede de Sade das
Mulheres Latino-Americanas e do Caribe (RSMLAC), afirma que o foco na mortalidade
materna j estava previsto no Pacto Nacional pela Reduo da Mortalidade Materna e
Neonatal de 2005, sendo considerada uma apropriao do que j existia. Entretanto, a ideia
proposta pela Rede Cegonha reproduz um conceito antigo, conservador, de carter religioso e
equivocado (CLAM, 2011).
Por isso, necessrio o respeito aos direitos das mulheres que so garantidos na
Constituio e na Estratgia da Rede Cegonha, como a lei da maternidade certa, garantia de
vinculao, transporte seguro, acolhimento com classificao de risco, vaga sempre e lei do
acompanhante. Alm disso, fundamental a garantia do direito privacidade, por meio de
investimentos nas estruturas fsicas das maternidades, promovendo um ambiente com conforto
e dignidade (CASTILHOS, 2012).
http://dtr2002.saude.gov.br/proesf/Site/Arquivos_pdf_word/pdf/Pacto%20Aprovado%20na%20Tripartite.pdfhttp://dtr2002.saude.gov.br/proesf/Site/Arquivos_pdf_word/pdf/Pacto%20Aprovado%20na%20Tripartite.pdf
26
Assim, com a construo de novos espaos para as mulheres em trabalho de parto com
risco habitual, ou seja, cujo parto no de alto risco, as mulheres no precisam estar
hospitalizadas. Podem parir nos denominados centros de parto normal, sendo cuidada por uma
equipe coordenada pela enfermagem obsttrica. A presena da enfermeira obsttrica e de outros
espaos de atendimento ao parto de risco habitual possibilita mulher se sentir mais segura,
ressignificando esse momento, atualmente caracterizado por dor, sofrimento e, em muitas
situaes, por desrespeito (CASTILHOS, 2012).
Para o xito da proposta, necessrio refletir sobre aes profissionais equivocadas
como episiotomia de rotina, tricotomia, lavagem intestinal, abuso de ocitocina, restrio de
movimentao da gestante, restrio indevida de alimentao, parto horizontal, impedimento
da participao do pai durante o parto, entre outras, ainda dominantes em servios pblicos e
privados (GUSTAVO, 2011).
Em sntese, a Rede Cegonha soma-se a outras iniciativas oficiais que buscam garantia
de acesso das mulheres s maternidades, a profissionais capazes de cuidar e orientadas(os) pela
integralidade, garantindo dignidade no parto e nascimento.
2.3 SITUAO OBSTTRICA EM SALVADOR BAHIA
O Brasil passou por mudanas sucessivas nos ltimos 30 anos com a melhoria nos
determinantes sociais das doenas e na organizao dos servios de sade, por meio de uma
ampliao considervel do acesso ao sistema de sade. No tocante sade da mulher, foi
ampliada a cobertura da ateno obsttrica na busca da reduo das desigualdades regionais e
qualificao da assistncia (VICTORIA et al., 2011).
Apesar dos avanos, a realidade das maternidades pblicas e privadas do Estado da Bahia
ainda no ideal para a qualidade da ateno materno-infantil, assim como para atuao de
profissionais da rea. Nos ltimos anos, a qualidade da ateno tambm na rede privada
apresenta reduo do nmero de leitos, visto que o retorno financeiro nesse mbito do cuidado
ocorre de forma lenta. Torna-se mais interessante para essas organizaes investimentos em
setores que demandam tecnologias de alta complexidade, como cirurgias, bioimagem e
oncologia, que conseguem viabilizar melhores receitas para os hospitais (REBOUAS, 2015).
Na Bahia, especificamente em Salvador, as instituies pblicas sofrem com a reduo de
leitos, a falta de infraestrutura e o dficit de profissionais, alm de se manterem altas as taxas
de parto por cesariana. Essas circunstncias determinam a superlotao das unidades e aumento
27
do tempo de espera para atendimento, comprometendo a integralidade do cuidado
(REBOUAS, 2015).
Para a mudana desse cenrio, so necessrios maiores investimentos em infraestrutura,
contratao de profissionais e mudana de paradigma da ateno ao parto. Essas medidas esto
contempladas na portaria da Estratgia da Rede Cegonha, entretanto para a sua implantao so
necessrias adaptaes de acordo com a realidade local.
Um desafio importante a mudana do modelo de ateno ao parto, tendo em vista ainda
predominar o modelo biomdico, com excesso de intervenes, onde se lida com a gravidez
como evento cirrgico e de alto risco. Portanto, imprescindvel rever o excesso de tecnologia
no parto, que contribui para o aumento da morbimortalidade materna, assim como para a
fragmentao da assistncia mulher (PINHEIRO; BITTAR, 2012).
Dentre as aes propostas pela Rede Cegonha, est prevista a construo dos Centros de
Parto Normal, unidades que funcionam em conjunto com as maternidades com objetivos de
reduzir intervenes desnecessrias e humanizar o parto e o nascimento. Para isso, faz-se
necessria a insero de enfermeiras obstetras na assistncia ao parto de risco habitual. Nesse
sentindo, torna-se imprescindvel a intensificao da formao e da especializao de
enfermeiras para atuar no SUS (BRASIL, 2011).
O Ministrio da Sade, desde 1996, vem qualificando enfermeiras obsttricas para sua
insero na assistncia ao parto normal, por meio de cursos de especializao em enfermagem
obsttrica. Portarias ministeriais tambm possibilitaram incluso do parto normal assistido por
enfermeira obsttrica na tabela de pagamentos do SUS. Na legislao profissional de
enfermagem, os no mdicos que podem realizar o parto normal so as enfermeiras e a
obstetriz/enfermeira obsttrica, assim como a parteira titulada no Brasil at 1959 (GOMES et
al., 2014).
Na Bahia, a Secretaria de Sade com a Escola de Enfermagem da Universidade Federal da
Bahia promove, desde 2013, o curso de Residncia em Enfermagem Obsttrica. As aulas
tericas ocorrem na Escola de Enfermagem, enquanto as atividades prticas na perspectiva de
desenvolvimento das competncias acontecem na Maternidade Albert Sabin, na Maternidade
Tsylla Balbino, no Instituto de Perinatologia da Bahia IPERBA e no Centro de Parto Normal
da Manso do Caminho, alm das Unidades de Ateno Bsica do municpio de Salvador-Bahia
(SESAB, 2014).
A Residncia de Enfermagem Obsttrica tem como objetivo capacitar enfermeiras para o
cuidado humano e integral s mulheres no ciclo gravdico-puerperal, com compreenso dos
determinantes sociais, culturais, emocionais e biolgicos da sade reprodutiva e
28
aprofundamento nos conhecimentos acerca de sua fisiologia e dos problemas relacionados.
Busca-se, tambm, o desenvolvimento de prticas de cuidado com escuta qualificada e sensvel
s demandas das mulheres, recm-nascidos e famlia. As(os) residentes devem estar
orientadas(os) pelas boas prticas e evidncias cientficas, pela Poltica Nacional de Ateno
Integral Sade da Mulher (PNAISM), pelo Pacto para Reduo da Mortalidade Materna e
Neonatal e pelos princpios e diretrizes do SUS.
A prtica assistencial das enfermeiras obstetras consiste na valorizao da mulher, por meio
do fortalecimento no processo de parir, respeitando o tempo do parto e propiciando cuidados
para o alvio da dor e conduo do trabalho de parto, estimulando os exerccios, massagens,
banhos, deambulao e, mesmo, a adoo de posies de livre escolha da mulher, durante o
trabalho de parto (CAUS et al., 2012).
Portanto evidencia-se que crescente o incentivo do governo brasileiro a aes voltadas
humanizao do parto e nascimento e formao e qualificao de profissionais atuantes na
rea, tornando o cenrio atual favorvel valorizao do(a) enfermeiro(a) obstetra. Desse
modo, a EEUFBA/UFBA constitui-se como uma importante colaboradora para formao e
qualificao profissional.
29
3 METODOLOGIA
3.1 CATEGORIA ANALTICA: INTEGRALIDADE
O desenvolvimento cientfico e tecnolgico provocou tenses para legitimao das
prticas de sade no sculo XX. Nesse sentido, a integralidade do cuidado vem buscando novas
estratgias de superao para esses conflitos tcnicos, polticos e ticos provocados na ateno
sade no cenrio atual (AYRES, 2009).
A integralidade surge frente insatisfao das prticas de sade com o avano das
tecnologias mdicas e seus protocolos que subestimam singularidades. A proposta para reverter
essa situao seria a mediao da tcnica com a teoria na busca de um caminho alternativo no
cotidiano de prticas de cuidado por sujeitos que cuidam de outros sujeitos na perspectiva
emancipatria (CAMARGO JR, 2010).
A integralidade definida como um dos princpios das polticas de sade e do Sistema
nico de Sade (SUS) se prope a construir propostas direcionadas consolidao da sade
como direito e como servio. Sua formulao ocorre a partir do Movimento de Reforma
Sanitria Brasileira, durante as dcadas de 1970 e 1980, e se caracteriza por diferentes
movimentos de luta, como: por melhores condies de vida, de trabalho na sade e pela
formulao de polticas especficas de ateno aos(s) usurios(as) (PINHEIRO, 2008).
Os avanos jurdicos com a Constituio Federal, em 1988, impulsionam os aspectos
relativos sade na construo de polticas pblicas. Com a Lei Orgnica da Sade n 8.080/90
se define a poltica de sade do Estado brasileiro por meio da construo de normas jurdicas e
organizativas (PINHEIRO et al., 2013). O princpio da integralidade como direito passa a ser
garantido por meio da promoo do acesso, do atendimento resolutivo e da continuidade da
ateno por meio de outros pontos de ateno da rede (COSTA; MARTINS, 2014).
A materializao dessa perspectiva nos servios de sade acompanha a produo do
conhecimento da realidade social, valorizando experincias de vida, tanto na perspectiva
individual, como nas relaes sociais envolvendo diferentes pessoas em grupos especficos,
coletivos e instituies (PINHEIRO, LUZ, 2010).
Essa compreenso da efetividade do direito corroborada na ideia de que ela representa
a materializao, no mundo dos fatos, dos preceitos legais e simboliza a aproximao, to
ntima quanto possvel, entre o dever ser normativo e o ser da realidade social (BARROSO,
2003, p.85).
30
A participao da sociedade nos espaos pblicos, envolvendo os movimentos sociais,
representa um mecanismo de luta e conquistas na legitimao social do direito sade. Suas
demandas ultrapassam os aspectos humanos, reivindicando-se tambm direitos culturais.
Respeitando a realidade local de cada comunidade, o exerccio da cidadania inclui a liberdade
de todas as pessoas e o respeito diversidade (PINHEIRO et al., 2013).
Nesse sentido, o direito ultrapassa seus escritos jurdicos e regras formais e inclui a
dinmica social em transformao, observada nas demandas e necessidades de sade da
populao e no controle social (PINHEIRO, ASENSI, 2011).
A construo de prticas inovadoras, resultante do controle social, representa a
ratificao da integralidade como princpio e produo da sade como direito de cidadania,
reconhecendo a representatividade do(a) usurio(a) como prtica emancipatria. A igualdade e
a liberdade, em diferentes contextos sociais, histricos e culturais, como exerccio da
democracia configuram-se como direito definitivo na criao de novas estratgias e aes de
sade (PINHEIRO et al., 2013).
A postura profissional e os processos de trabalho devem dialogar com as prticas da
integralidade, ratificando as aes de sade com base nesses princpios, legitimando a
compreenso ampliada de sade e as polticas pblicas que integram o Sistema nico de Sade
(SUS) (COELHO et al., 2009).
Diferentes experincias de ensino da integralidade retratam novas formas de ensinar e
praticar sade, reafirmando o compromisso com a vida e a sade como um direito de cidadania
e dever do Estado (PINHEIRO; CECCIM, 2011). Essas experincias tm implicado repensar
aspectos relevantes do processo de trabalho, da gesto, do planejamento e, principalmente, da
construo de novos saberes e prticas em sade, que resulta direcionar transformaes para a
qualificao das prticas de cuidado (PINHEIRO, 2007). Para Pinheiro (2008, p.70):
Entende-se que a experincia no apreendida para ser repetida simplesmente
e passivamente transmitida, ela acontece para migrar, recriar, potencializar
outras vivncias, outras diferenas. H uma constante negociao para que ela
exista e no se isole.
Compem as prticas de integralidade o acolhimento, o vnculo e a responsabilizao,
sendo reconhecidas nas estratgias de melhoria de acesso e desenvolvimento de prticas
integrais (PINHEIRO, 2011). Essas prticas dependem da sensibilidade e disponibilidade de
profissionais para compreender os mltiplos aspectos que influenciam o estado de sade da
pessoa de quem esto cuidando (PINHEIRO; MATTOS, 2006).
O acolhimento entendido como dispositivo para questionar processos intermedirios
31
que se constituem nas relaes das prticas de sade, buscando a produo da responsabilizao
clnica e sanitria e a interveno resolutiva, reconhecendo que, sem acolher e vincular, no h
produo dessa responsabilizao (PINHEIRO, 2008).
O vnculo fortalecido no cotidiano do trabalho com aes de escuta e da fala entre
profissionais, pessoas e instituies. Este aspecto relevante na garantia do acesso s aes de
sade e para enfretamento dos diferentes problemas de sade (PINHEIRO et al., 2013).
A responsabilizao contribui para promover o vnculo, sendo definido como
responsabilidade sobre a outra pessoa. Expressa-se numa relao de confiana entre usurio(a)
e profissional, que ir interferir nas situaes de vida, sade e morte. No havendo o vnculo, a
responsabilizao tambm no se estabelece (MELO, 2007).
A integralidade continua sendo um conceito em construo que deve ser considerado
como um modo de atuar democrtico, do saber fazer integrado, em um cuidar que mais
alicerado numa relao de compromisso tico-poltico, de sinceridade, responsabilidade e
confiana (PINHEIRO; MATTOS, 2006).
Sendo assim, a construo de prticas eficazes de integralidade est associada com a
superao de desafios e a conquista de novos progressos na busca pelas respostas s demandas
de sade que so obstculos para a sua consolidao como direito humano sade (PINHEIRO,
2008).
A valorizao do poder-saber tcnico deve ser superada na busca de uma prtica e
relaes entre sujeitos que reconheam sua singularidade, desejos, saberes e histria,
aproximando-se da compreenso do cuidado em sade, e no apenas da interveno em sade
(PINHEIRO; ASENSI, 2011).
Nessa perspectiva, o ser humano no deve ser visto apenas no seu aspecto biolgico,
mas tambm, na sua singularidade e multidimensionalidade, enquanto pessoa e usurio(a) dos
servios de sade, gerando a construo de projetos teraputicos individualizados (MATTOS,
2004). Para isso, necessria a superao do modelo biomdico, disciplinar e excessivamente
tcnico.
Na sade da mulher, a integralidade pode ser compreendida como
a concretizao de prticas de ateno que garantam o acesso das mulheres a aes
resolutivas, construdas segundo as especificidades do ciclo vital feminino e do
contexto em que as necessidades so geradas. Nesse sentido, o cuidado deve ser
permeado pelo acolhimento e escuta sensvel de suas demandas, valorizando-se a
influncia das relaes de gnero, raa/cor, classe e gerao no processo de sade e
de adoecimento das mulheres (COELHO et al. ,2009, p.10)
32
No contexto da ateno s mulheres, a integralidade abre caminhos para a autonomia
das mulheres, com o reconhecimento do direito sobre o seu corpo e sobre sua vida e resulta de
mudanas substanciais nas prticas do cuidado.
Necessrio, portanto, verificar como se d o relacionamento entre o(a) profissional
enfermeiro(a) e a usuria do servio? Como se do as orientaes/informaes direcionadas
fase do ciclo biolgico em que ela se encontra (gestao, parto, puerprio) de modo a contribuir
para a autonomia e autodeterminao da mulher em relao aos cuidados que receber? Como
respeitar e possibilitar que a mulher possa explicitar e assumir suas propostas, seus pensamentos
e sentimentos. Para cuidar, faz-se necessrio implementar a ausculta sensvel, de modo que
possibilite a dimenso comunicacional.
Reconhecer os direitos sade est atrelado a incorporar outros aspectos alm das
dimenses jurdicas, como: acolhimento para o desenvolvimento pleno da sade, integralidade
do servio e a singularidade da ateno. Estes saberes contribuem para o desafio de superar a
compreenso de sade nos limites da racionalidade da deciso polarizada de juzes
(PINHEIRO; ASENSI, 2011).
Apesar dos avanos nas polticas pblicas de sade no Brasil, a integralidade como
princpio ainda no se verifica na realidade das prticas dos servios de sade. Porm, ao
entender a integralidade no apenas nas dimenses do cuidado como tambm no direito,
necessrio articular profissionais, controle social e Estado, para comprometer estes atores com
a defesa dos princpios do Sistema nico de Sade no Brasil.
3.2 CARACTERIZAO DA PESQUISA
Trata-se de uma pesquisa exploratria e de carter qualitativo.
O estudo exploratrio tem como finalidade explorar as dimenses dos fenmenos, a
forma como que eles se manifestam, bem como os fatores com os quais eles se relacionam
(POLIT; BECK; HUNGLER; 2004).
Segundo Minayo (2000), a pesquisa qualitativa capaz de revelar valores, smbolos,
normas e representaes, possibilitando elaborar, interpretar e analisar os fenmenos sociais,
sobretudo o comportamento humano e suas relaes. Trabalha com o universo de significados,
motivos, aspiraes, crenas, valores e atitudes, o que corresponde a um espao mais profundo
das relaes, dos processos e dos fenmenos, que no podem ser reduzidos operacionalizao
de variveis (MINAYO, 2000). Desse modo, adapta-se ao presente estudo.
33
3.3 LOCAL DA PESQUISA
A pesquisa foi desenvolvida em uma maternidade pblica do Estado da Bahia,
localizada na cidade de Salvador e que est vinculada Estratgia da Rede Cegonha, desde
2012.
A maternidade escolhida foi inaugurada em 15 de maro de 1959 e realiza atendimento
ambulatorial e hospitalar, abrangendo a ateno bsica, mdia e de alta complexidade.
Atualmente realiza uma mdia de 350 partos por ms e busca adequar suas rotinas e
condutas para o atendimento ao parto de maneira humanizada. A unidade vem implementando
mudanas significativas em seu modelo de assistncia, para adaptar suas prticas ao
atendimento humanizado preconizado pela Rede Cegonha e pelo trabalho interdisciplinar, com
uma equipe composta por profissionais das diferentes reas da sade.
Possui 101 leitos para as mulheres e 20 para recm-nascidos(as) na unidade neonatal;
ambulatrio de ginecologia e realiza algumas cirurgias eletivas. Atende s especialidades de
ginecologia, obstetrcia, neonatologia, no possui UTI, nem banco de sangue e atende lei que
permite mulher o direito a acompanhante. O atendimento ambulatorial oferece consulta pr-
natal a gestantes adolescentes, gestantes de risco habitual, mdio e alto risco, consulta de
ginecologia, servio de psicologia, planejamento reprodutivo, teste do pezinho, teste da
orelhinha com fonoaudiloga, atendimento oftalmolgico com teste do olhinho, imunizao,
atendimento de ginecologia no ambulatrio, em especial para o tratamento de miomas e
endometriose, com cirurgias realizadas na prpria instituio.
A instituio possui trabalhadores(as) de diversas reas da sade entre enfermeiras,
mdicos(as), farmacuticos(as), nutricionistas, fisioterapeutas, assistente social, psicloga(o),
fonoaudiloga, alm de tcnicas(os) e auxiliares de sade. A instituio escolhida possui, no
quadro permanente de profissionais, enfermeiras obsttricas.
Encontra-se, em fase de implantao, a Unidade de Cuidados Intermedirios Neonatais
Convencional e Canguru, estratgias de humanizao que visam a reduzir os ndices de
mortalidade neonatal. Recebe apoio do Ministrio da Sade e da Secretaria da Sade do Estado
(SESAB).
A maternidade acolhe estudantes da graduao e da ps-graduao nos nveis de
especializao, residncia, mestrado e doutorado da Escola de Enfermagem da Universidade
Federal da Bahia e de outras instituies.
34
3.4 PARTICIPANTES DA PESQUISA
A pesquisa foi realizada com profissionais que compunham o quadro permanente da
maternidade, que atenderam aos critrios de ter vivenciado a experincia do cuidado a
parturientes e estar em atividade na maternidade desde 2011.
Inicialmente foram identificadas todas as categorias profissionais que atuavam na
maternidade, sendo possvel o acesso a 20 profissionais que aceitaram participar da pesquisa,
mas a indisponibilidade de tempo de algumas resultou na realizao da entrevista com 16
profissionais, estando todas as categorias representadas.
Assim participaram do estudo quatro enfermeiras assistenciais, sendo duas enfermeiras
obstetras, uma auxiliar de enfermagem, uma psicloga, uma nutricionista, duas mdicas
obstetras, uma mdica neonatologista, um mdico anestesista, trs assistentes sociais e duas
fisioterapeutas.
3.5 ASPECTOS TICOS DA PESQUISA
Obedecemos aos princpios ticos da pesquisa, segundo a Resoluo 466/12 do
Conselho Nacional de Sade que tem o respeito pela dignidade humana e pela especial proteo
s pesquisas cientficas envolvendo seres humanos, considerando o desenvolvimento e o
engajamento tico inerente ao desenvolvimento cientfico e tecnolgico (BRASIL, 2013).
A pesquisa foi submetida ao Comit de tica e Pesquisa com Seres Humanos da Escola
de Enfermagem da Universidade Federal da Bahia, atravs da Plataforma Brasil e a coleta de
dados ocorrer aps essa aprovao e aps autorizao pela instituio na qual ser realizada a
coleta.
Respeitaram-se os direitos dos(as) colaboradores(as) como: anonimato, privacidade e
individualidade, podendo desistir da sua participao na pesquisa a qualquer tempo, se assim
desejassem.
As entrevistas foram iniciadas aps o fornecimento de todas as informaes e
esclarecimentos s depoentes e aps assinatura do Termo de Consentimento Livre e Esclarecido
(TCLE) (APNDICE A), sendo respeitadas a disponibilidade e aceitao para a participao
na pesquisa.
Garantiram-se o sigilo e a privacidade dos(as) participantes da pesquisa, para resguardar
a sua identidade, sendo identificados pelas categorias profissionais.
35
Os riscos dessa participao estavam relacionados ao desgaste fsico decorrente do
tempo que levaram para responder s perguntas do roteiro de entrevista e o desconforto,
relacionados a relatar situaes que exponham sua conduta profissional e dos(as) demais
profissionais da instituio.
Os benefcios indiretos esto relacionados aos dados e s informaes a serem obtidos,
que podero subsidiar novas aes para a implementao das diretrizes da Rede Cegonha na
maternidade, de acordo com as necessidades levantadas.
Deixamos claro que as entrevistas poderiam ser interrompidas a qualquer momento,
garantindo ao participante plena liberdade de participao ou recusa em participar da pesquisa,
ou retirar seu consentimento, em qualquer fase da pesquisa, sem penalizao.
3.6 PRODUO DO MATERIAL EMPRICO
Para a produo do material emprico, foi utilizada a tcnica de entrevista
semiestruturada, a qual, segundo Minayo et al. (2005), combina perguntas fechadas e abertas,
dando a(o) informante a possibilidade de discorrer sobre o tema em questo sem estar
restritas(os) questo formulada.
Alm disso, Trivios (2009) entende a entrevista semiestruturada como uma
possibilidade de ampliar o campo de hipteses, que surge por meio do alcance de abertura e
compreenso desejada da pessoa entrevistada, e que oferece o desenvolvimento da
investigao.
Obteve-se autorizao prvia para gravao mediante assinatura do Termo de
Consentimento Livre e Esclarecido (APNDICE A). A entrevista (APNDICE B) foi realizada
em sala disponibilizada pela instituio, sem interferncia externa e conduzida por questes
norteadoras, elaboradas segundo os objetivos do estudo.
A produo dos dados foi realizada no perodo de setembro a novembro de 2015.
3.7 ANLISE DOS DADOS
O material emprico foi analisado por meio da tcnica de anlise de discurso. De acordo
com Fiorin (2011, p.11),
os discursos so as combinaes de elementos lingusticos, usados
pelos falantes com o propsito de exprimir seus pensamentos, de falar
do mundo exterior ou de seu mundo interior, de agir sobre o mundo. A
fala a exteriorizao psicofsico-fisiolgica do discurso, ela
36
rigorosamente individual, pois sempre um eu quem toma a palavra e
realiza o ato de exteriorizar o discurso.
Os discursos so construes sociais organizadas com base nas imagens, ideias,
representaes que as pessoas constroem acerca do mundo a partir das suas vivncias, sendo
suas crenas e valores inconscientemente incorporados e naturalizados. A anlise de discurso,
medida que estuda os elementos discursivos, revela por inferncia a viso de mundo dos
sujeitos inscritos nos discursos, sendo determinada socialmente, uma vez que o discurso se
caracteriza como uma posio social, cujas representaes ideolgicas so materializadas na
linguagem (FIORIN, 2011).
O texto a ser trabalhado encontra-se no nvel da aparncia, sendo necessrio estudo dos
elementos discursivos para atingir o nvel mais abstrato, capaz de revelar a viso de mundo a partir
dos discursos dos sujeitos da pesquisa (FIORIN; SAVIOLI , 2007).
O processo de anlise do material emprico por meio da tcnica de anlise de discurso
obedeceu aos seguintes passos, conforme preconizado por Fiorin (2011):
1) Leitura do texto inteiro, tentando localizar todas as recorrncias, isto , figuras
(elementos concretos) e temas (elementos abstratos) que conduzem a um mesmo plano de
significao, de modo a garantir a coerncia.
2) Agrupamento dos dados, segundo os elementos significativos (figuras ou temas) que
se somam ou se confirmam num mesmo plano de significados.
3) Depreenso dos temas centrais com formulao de subcategorias que levam
construo de uma ou mais categorias empricas centrais.
4) Anlise e discusso das categorias empricas orientadas pelo eixo terico, em
articulao com a literatura pertinente.
37
4 RESULTADOS E DISCUSSO
Os resultados deste estudo sero apresentados a seguir sob a forma de trs artigos
cientficos. O primeiro, intitulado Rede Cegonha, humanizao do parto e os limites da
prtica, teve por objetivo analisar as mudanas incorporadas ao cotidiano da ateno sade
da mulher aps a Rede Cegonha, com base em suas diretrizes e na integralidade. O segundo
artigo denominado Rede Cegonha como mobilizadora de boas prticas no cuidado
parturiente que buscou descrever as aes implementadas na ateno sade da mulher em
maternidade, antes e aps a implantao da Rede Cegonha. O terceiro intitulado Presena do
acompanhante em maternidade e desafios da ambincia e teve por objetivo analisar a
concepo de profissionais sobre a presena do acompanhante em maternidade, a partir da
experincia em servio e da Rede Cegonha.
38
4.1 ARTIGO 1
REDE CEGONHA, HUMANIZAO DO PARTO E OS LIMITES DA PRTICA
RED CIGEA, LA HUMANIZACIN PARTO Y LMITES DE LA PRCTICA
STORK NETWORK, DELIVERY HUMANIZATION AND LIMITS OF PRATICE
Sarah Alves Moura Costa1
Edmia de Almeida Cardoso Coelho2
Mariza Silva Almeida3
RESUMO
Objetivo: analisar mudanas da prtica profissional, a partir do olhar da equipe de sade de
uma maternidade sob as diretrizes da Rede Cegonha. Mtodo: pesquisa exploratria, de
abordagem qualitativa, desenvolvida com 16 profissionais de sade. A integralidade constituiu
categoria analtica. Foi utilizada entrevista para produo do material emprico que foi
submetido tcnica de anlise de discurso. Resultados: profissionais incorporaram a proposta
da Rede Cegonha e exercitaram escuta qualificada sobre as demandas das mulheres em suas
especificidades, praticando a humanizao da ateno ao parto. Ainda que a infraestrutura do
servio imponha limites s boas prticas, consideraram que houve melhoria da ateno mulher
no parto. Concluso: embora haja expressivo esforo de profissionais e da gesto, problemas
estruturais limitam a implementao da Rede Cegonha e criam contradies entre a proposio
poltica e as prticas, comprometendo a humanizao do parto. Recai sobre a equipe o nus de
fazer sobreviver uma proposta de superao de iniquidades.
Descritores: Rede Cegonha, Parto humanizado, Integralidade em sade, Direito sade,
Polticas pblicas
__________________________ 1Enfermeira. Mestranda do Programa de Ps-Graduao em Enfermagem da Universidade Federal da Bahia.
Pesquisadora do Centro de Estudos e Pesquisas sobre Mulheres, Gnero, Sade e Enfermagem da Universidade
Federal da Bahia. Autora para correspondncia: [email protected] 2Enfermeira. Doutora em Enfermagem pela Universidade de So Paulo. Professora da Universidade Federal da
Bahia. Pesquisadora do Centro de Estudos e Pesquisas sobre Mulheres, Gnero, Sade e Enfermagem da
Universidade Federal da Bahia. [email protected] 3Enfermeira. Doutora em Enfermagem pela Escola de Enfermagem de Ribeiro Preto da Universidade de So
Paulo. Professora da Universidade Federal da Bahia. Pesquisadora do Centro de Estudos e Pesquisas sobre
Mulheres, Gnero, Sade e Enfermagem da Universidade Federal da Bahia. [email protected]
mailto:[email protected]
39
INTRODUO
As taxas de mortalidade materna so indicadores da qualidade dos servios de sade,
principalmente da melhoria da ateno durante o pr-natal e parto. Tambm contribuem para
mensurar a situao social das mulheres, baseando-se no ndice de desenvolvimento e nas
condies de vida da populao considerada (KALCKMANN et al., 2010).
No Brasil, as altas taxas de mortalidade materna e neonatal e o expressivo aumento de
partos cesreos exigiram uma tomada de posio da sociedade civil, entidades de classe e
governos, a partir da Conferncia sobre Tecnologia Apropriada para o Parto, em 1985. Nesse
sentido, os movimentos em favor do parto normal ganham espao e propem impactar desde o
atendimento pr-natal na ateno bsica at a formao de profissionais de sade, buscando
estratgias para implementao de polticas de sade que priorizem tecnologia apropriada,
qualidade da assistncia e retirada de excesso de intervenes que comprometam a sade de
mulheres e crianas (KALCKMANN et al., 2010).
A mudana de paradigma da assistncia tecnocrtica para uma ateno humanizada
interfere nos processos de trabalho, na medida em que necessrio incorporar um novo
conjunto de crenas e valores orientados para um modelo sem intervencionismo. Considerando
que h a cultura de que o aparato tecnolgico da medicina fundamental para a sade e que sua
privao resulta em desassistncia e abandono, dificultada a implementao de polticas
pblicas de humanizao do parto.
O termo humanizao utilizado em diferentes polticas de sade, mas na ateno ao
parto se traduz em conhecimentos, prticas e atitudes que:
objetivam promover partos e nascimentos saudveis, que garantam a
privacidade, a autonomia e o protagonismo da mulher, ofeream
procedimentos comprovadamente benficos, evitem intervenes
desnecessrias e sejam capazes de prevenir a morbimortalidade materna e
fetal (MAIA, 2010, p.42).
A luta pela humanizao do parto tem como princpios a busca de garantias dos direitos
reprodutivos e reduo da prtica de excessivas intervenes, visto que o uso irracional de
tcnicas, durante o parto, causa mais prejuzos que benefcios.
Na defesa da humanizao do parto, em 1993 foi fundada a Rede de Humanizao do
Parto e Nascimento (Rehuna) que congrega pessoas e instituies para legitimar o modelo
humanizado. Com essas iniciativas, a partir de 2000, apresentado o Programa de Humanizao
do Parto e Nascimento (PHPN), numa articulao entre Ministrio da Sade, Secretarias de
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Sade dos Estados, Municpios e Distrito Federal tendo como objetivo o incentivo
assistncia, organizao, regulao e aos investimentos na assistncia obsttrica e neonatal,
executando aes de promoo, preveno e assistncia sade de gestantes e recm-
nascidos (BRASIL, 2000).
Em 2005, por meio da Poltica Nacional de Assistncia Obsttrica e Neonatal so
preconizadas mudanas nas prticas assistenciais com insero da doula no acompanhamento
pr-natal; permisso do acompanhante de livre escolha da mulher no pr-parto, parto, ps-parto;
uso de mtodos alternativos no alvio da dor (banho, bola de parto, escada de Ling, massagem
e deambulao); realizao de partos sem complicaes por enfermeiras obsttricas (BRASIL,
2005).
O momento do parto provoca uma mistura de emoes e sentimentos nas mulheres. A
partir da valorizao do parto e do nascimento humanizados, se identificou aumento da
autonomia e do poder de deciso das mulheres, durante a evoluo do trabalho de parto e para
a sade das mulheres e das crianas, com uma relao menos autoritria e mais solidria, entre
profissionais e usurias (MAIA, 2010; GOMES et al., 2014).
Entretanto, apesar de novas iniciativas e melhorias na ateno bsica e hospitalar
s gestantes observadas nos ltimos anos, no se identifica uma reduo significativa da
mortalidade materna. Essa tem ainda como principais causas hipertenso arterial, infeces
puerperais e hemorragias, sendo indicadores sensveis da qualidade da assistncia ao pr-natal
e ao parto em sistemas de sade pouco eficazes (REIS, 2012).
A partir de 2010, no Brasil, o Ministrio da Sade determina diretrizes de um novo
modelo de organizao dos servios por meio das Redes de Ateno Sade (RAS) que
alcancem um cuidado prestado por um conjunto integrado de servios e possibilitem uma
assistncia contnua, integral, responsvel e humanizada sade (MAIA, 2014).
A Rede Cegonha, instituda em 2011 pela Portaria MS/GM n 1.459/2011, segue as
diretrizes desse novo modelo de ateno sade, que se constitui em redes de cuidados que
devem organizar e qualificar a assistncia materno-infantil, complementando o PHPN
(MARTINELLI et al., 2014). uma estratgia instituda no mbito do Sistema nico de Sade
que
visa organizar uma rede de cuidados que assegure, a partir da noo de
integralidade da ateno s mulheres, o direito ao planejamento sexual e
reprodutivo e ateno humanizada ao pr-natal, parto, puerprio e ateno
humanizada ao abortamento, bem como criana, o direito ao nascimento
seguro e humanizado e ao acompanhamento at os dois anos de idade
assegurando acesso para um crescimento e desenvolvimento saudveis
(BRASIL, 2011).
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Fundamentada no princpio da integralidade e no Sistema nico de Sade, deixa em
evidncia a relao entre poltica e direito sade. Nessa perspectiva, o cumprimento dos
princpios do SUS, a confiana no direito e coexistncias das aes asseguram o acesso sade
e afirmam a dignidade humana e a cidadania. Portanto, repensar o cuidado implica na
construo de prticas eficazes embasadas nos princpios da integralidade que conduza
formulao de novos paradigmas para a sade (PINHEIRO, 2011).
Desse modo, O PHPN e a Rede Cegonha so aes que potencializam e sistematizam
uma mudana de paradigma da assistncia sade da mulher com reduo de intervenes
desnecessrias e humanizao da ateno, que j estavam em pauta desde os anos de 1990 por
profissionais de sade, ativistas, gestores(as), entre outros(as).
Todavia, as prticas humanizadas ocorrem em meio a problemas de infraestrutura, da
formao profissional e de relaes de poder que tensionam a ateno e constituem obstculos
sua implementao. Assim, este estudo foi desenvolvido com objetivo de analisar as
mudanas das aes de humanizao do parto, a partir do olhar da equipe da maternidade que
orienta sua prtica sob as diretrizes da Rede Cegonha.
MTODO
Trata-se de estudo exploratrio, de abordagem qualitativa, desenvolvido em uma
maternidade pblica do Estado da Bahia vinculada Estratgia da Rede Cegonha desde 2012.
No presente estudo, orientamos nosso olhar pela integralidade defendendo-a
como a concre