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SECRETARIA DE ESTADO DA EDUCAÇÃO SUPERINTENDÊNCIA DA EDUCAÇÃO UNIVERSIDADE ESTADUAL DE MARINGÁ PROGRAMA DE DESENVOLVIMENTO EDUCACIONAL ELVIRA MARIA ISABEL JAROSKEVICZ A EDUCAÇÃO DAS RELAÇÕES ÉTNICO-RACIAIS NA ESCOLA: DESAFIOS PARA A IMPLENTAÇÃO DA LEI 10.639/03 PARANAVAÍ 2008

SECRETARIA DE ESTADO DA EDUCAÇÃO PROGRAMA DE ... · primeiro estudado a integração do negro na sociedade de classes a partir de São Paulo e o segundo, a partir da metamorfose

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SECRETARIA DE ESTADO DA EDUCAÇÃO

SUPERINTENDÊNCIA DA EDUCAÇÃO

UNIVERSIDADE ESTADUAL DE MARINGÁ

PROGRAMA DE DESENVOLVIMENTO EDUCACIONAL

ELVIRA MARIA ISABEL JAROSKEVICZ

A EDUCAÇÃO DAS RELAÇÕES ÉTNICO-RACIAIS NA ESCOLA:

DESAFIOS PARA A IMPLENTAÇÃO DA LEI 10.639/03

PARANAVAÍ

2008

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ELVIRA MARIA ISABEL JAROSKEVICZ

A EDUCAÇÃO DAS RELAÇÕES ÉTNICO-RACIAIS NA ESCOLA:

DESAFIOS PARA A IMPLEMENTAÇÃO DA LEI 10.639/03

Material Didático produzido como parte dos trabalhos a serem apresentados no PDE - Programa de Desenvolvimento Educacional da Secretaria de Estado da Educação do Paraná.

Orientadora: Prof. Dr. Fátima Neves

PARANAVAÍ

2008

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SUMÁRIO

INTROZINDO 04

DESFAZENDO MITOS 04

Mitos Sociais 05

Mitos Escolarizados 10

PERCORRENDO OS CAMINHOS DA LEGISLAÇÃO: DA

ESCRAVIDÃO À LEI 10.639

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IMPLEMENTANDO A LEI 10.639/03: AS DIRETRIZES

CURRICULARES NACIONAIS PARA AS RELAÇÕES ÉTNICO-

RACIAIS E PARA O ENSINO DE HISTÓRIA E CULTURA

AFRICANA E AFRO-BRASILEIRA NA EDUCAÇÃO BÁSICA

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IMPLEMENTANDO A LEI NO PARANÁ 17

BUSCANDO POSSIBILIDADES NA ESCOLA PÚBLICA 18

FINALIZANDO 19

REFERÊNCIAS 20

ATIVIDADES 23

Organizando as informações do texto 23

Refletindo sobre as informações do texto 24

Extrapolando o texto 25

Praticando 25

SUGESTÕES DE LEITURA 26

FILMES RECOMENDADOS 26

ENDEREÇOS ELETRÔNICOS 27

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A educação das relações étnico raciais na escola: d esafios para a implementação da Lei 10.639/03

Elvira Maria Isabel Jaroskevicz1

INTRODUZINDO

Construir uma sociedade igualitária, livre, sem preconceitos de origem, raça, cor, sexo, idade ou qualquer outro tipo de discriminação é objetivo da república brasileira, de acordo com o artigo 3º da Constituição Federal.

Porém, o que se vê é que muitos desses direitos não são respeitados e nossa realidade continua permeada por ideologias e práticas discriminatórias.

A educação formal é relevante para a formação de cidadãos críticos e conhecedores de seus direitos civis, políticos e sociais. Cabe, portanto, aos educadores, refletir sobre as desigualdades presentes na sociedade e também no espaço escolar. A escola sozinha não muda a realidade, mas pode ajudar a desenvolver uma nova cultura, que envolva novas relações.

DESFAZENDO MITOS

Para iniciar a discussão sobre as relações étnico-raciais e o ensino da cultura e história afro-brasileira e africana é preciso desconstruir alguns mitos e pré-conceitos instalados na sociedade brasileira e, por conseguinte, na educação, uma vez que interferem decisivamente no modo de pensar e de agir de todos os envolvidos no processo de ensino-aprendizagem.

Embora tais mitos estejam intrinsecamente ligados, para fins didáticos os separaremos em dois grupos: mitos sociais e mitos escolarizados.Enquanto os mitos sociais são abrangentes e permeiam todo o universo das relações sócio-culturais, políticas e econômicas, os mitos escolarizados refletem os sociais no contexto das relações educacionais. Assim, compreende-los é o primeiro passo para transformar as relações étnico-raciais na escola.

1 Professora PDE - Pedagoga da Rede Pública Estadual de Educação do Estado do Paraná

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MITOS SOCIAIS

• O primeiro mito é o de que vivemos em uma democraci a racial, em que negros, brancos e indígenas, em harmonia, const ruíram a nação brasileira.

Tal mito surge a partir interpretações da obra Casa Grande e Senzala, de Gilberto Freyre, publicada na década de 30 e introduzidas no ensino de História do Brasil.

Segundo Circe Bittencourt (2005):

A teoria da democracia racial, é preciso salientar, foi criada para fundamentar uma homogeneização cultural e omitir as diferenças e desigualdades sociais. Serviu para fortalecer a idéia de uma História Nacional caracterizada pela ausência de conflitos, porque, afinal, não somos eu nem fomos um povo guerreiro (a própria Independência foi pacífica, assim como a libertação dos escravos) e, internamente, vivemos sem problemas decorrentes de racismos, preconceitos étnicos, ou ainda, discriminações, exclusões. Em sua face mais perversa, essa mesma teoria serviu para dissimular as desigualdades sociais e econômicas e para justificar a miséria de grande parte da população: um povo mestiço, que carrega os males de uma fusão de grupos selvagens indolentes (índios que não queriam ser escravos e se rebelavam contra esse trabalho tão digno para a grandeza da pátria) e de negros africanos submissos e sem vontade própria, sem desejos de vencer na vida! A preguiça e a indolência, frutos dessa mestiçagem democrática, eram, ou ainda são, os responsáveis pela pobreza da maioria da população (BITTENCOURT, 2005, p. 199).

Este mito da democracia racial impediu a luta oficial contra o racismo, sendo travada apenas no discurso de alguns intelectuais engajados e pela ação da militância negra de todos os tempos (MUNANGA, 1996, p. 80), pois como se pode lutar contra algo que não existe?

• O segundo mito é que o branco é superior ao negro.

Ainda perdura na sociedade brasileira este mito da superioridade da “raça” branca. Por isso é importante buscar as suas origens para podermos nos contrapor a ele.

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Buonicore (2005, p.2) afirma que o “racismo moderno” se desenvolveu ao lado da expansão capitalista, pois, em busca de novos mercados para seus produtos, voltou-se para os continentes africano e asiático e aí ganharam força as idéias racistas. Tornou-se numa ideologia justificadora da dominação dos países capitalistas europeus sobre os países da África, Ásia e América Latina e da dominação da elite proprietária sobre a classe trabalhadora.

As idéias racistas que chegaram ao Brasil para justificar a escravidão vieram de Gobineau2, que defendia a tese da superioridade inata das raças brancas e louras (arianas) sobre todas as outras. Depois também sofreram a influência de Ratzel3, que dividiu os povos em dois grupos: “naturais” (dominados pela natureza) e “civilizados” (que dominavam a natureza). Essa teoria justificou a divisão do mapa geográfico da África, não respeitando a divisão entre povos e etnias, loteando o continente entre os países capitalistas. (BUONICORE, 2005. p. 2-3).

Tais teorias influenciaram encontraram amparo na intelectualidade brasileira até por volta de 1930, tendo servido para justificar a restrição à cidadania da grande maioria da população, composta por não brancos, conforme entende Buonicore (2005, p. 3).

Naturalizavam assim a nossa miséria, jogando a culpa nas costas da natureza e do próprio povo, que seria composto por raças e sub-raças inferiores. A igualdade entre os homens, inclusive a formal, passou a ser considerada uma utopia – um sonho irrealizável (BUONICORE, 2005, p. 3))

Nina Rodrigues (1862 – 1906) em Africanidades no Brasil, coletânea de textos escritos entre 1890 e 1906 incorpora as teses racistas modernas, tendo escrito:

A Raça Negra no Brasil, por maiores que tenham sido os seus incontestáveis serviços á nossa civilização, por mais justificadas que sejam as simpatias de que a cercou o revoltante abuso da escravidão, por maiores que se revelem os generosos exageros de seus turiferários, há de se constituir sempre um dos fatores de nossa inferioridade como povo (RODRIGUES, apud BUONICORE, 2005, p.4).

Apesar de toda a inconsistência científica, tais teorias foram aceitas por muito tempo e serviram aos interesses capitalistas de dominação e seus reflexos se fazem sentir até hoje, conforme salienta Munanga:

2 Conde Joseph Arthur de Gobineau (1816 – 1882), um dos primeiros grandes teóricos racistas do século

XIX, protegido de Aléxis de Tocqueville.

3 Friedrich Ratzel (1894 – 1904) intelectual orgânico da burguesia pró-imperialista alemã, sob o

comando de Oto Von Bismark.

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Se o discurso intelectual anti-racista foi capaz de invalidar a consistência científica do paradigma naturalista do fim do século XIX, ele ainda não é capaz de destruir os mecanismos inconscientes e complexos dos quais sobrevivem os mitos (MUNANGA, 1996, p.82)

• O terceiro mito é o de que negro é preguiçoso, indole nte.

Esta idéia justificaria os negros comporem a grande parcela de marginalizados e excluídos da sociedade de classes. Mas tal pensamento se desconstrói facilmente, pelo menos no aspecto teórico, já no cultural, os reflexos das teorias racistas estão no inconsciente coletivo e precisam ser desconstruídas pois, como bem lembra Gilberto Gil, a população negra trabalhou muito durante a período escravocrata e continua trabalhando.

O branco inventou que o negro

Quando não suja na entrada

Vai sujar na saída

Ê, imagina só (...)

Que mentira danada,

(...)

Mesmo depois de abolida a escravidão

Negra é a mão de quem faz a limpeza

Lavando a roupa encardida, esfregando o chão

Negra é a mão, é a mão da pureza

Negra é a vida consumida ao pé do fogão

Negra é a mão nos preparando a mesa

Limpando as manchas do mundo com água e sabão

(In: Raça humana, 1984)

A lei de 1888 suprimiu a escravidão, mas não resultou em medidas que pudessem preparar os ex-escravos e seus descendentes para ingressar no chamado mundo livre, fazendo com que essa população vivesse muito tempo desamparada, sem garantia de assistência e nem possibilidades de aproveitar as oportunidades surgidas com o trabalho livre. Tais medidas, se fossem implementadas, seriam o início das políticas afirmativas para a população negra (MUNANGA, 1996, p.84).

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O Brasil passou de uma sociedade escravocrata para uma sociedade de classes sem que a condição da população que foi escravizada mudasse substancialmente. Florestan Fernandes e Octávio Ianni, sociólogos de grande tradição teórica, contribuíram para a compreensão desta realidade, tendo o primeiro estudado a integração do negro na sociedade de classes a partir de São Paulo e o segundo, a partir da metamorfose do negro, passando da condição de escravo a trabalhador livre em uma sociedade de classes, tendo com foco a região de Curitiba.

Tratando sobre a realidade implantada por meio do abolicionismo e experiência republicana, Fernandes explicita que

A absorção de negros e mulatos na estrutura do sistema de classes assume proporções tão limitadas e continuidade tão vacilante, que se mantém, com relativa inflexibilidade, o velho círculo vicioso. A “cor” continua a operar como marca racial e como símbolo de posição social, indicando simultaneamente “raça dependente” e “condição social inferior” (FERNANDES, 1965, p. 286).

Referindo-se à passagem do sistema escravocrata para o sistema de classes, o autor salienta que

O preconceito de cor por assim dizer passou de um mundo sócio-cultural para outro; e não passou como uma relíquia destituída de significações e funções sociais,. ele passou, sensìvelmente, com as mesmas significações e funções que sempre possuiu (FERNANDES, 1965, p. 271-272).

Para Fernandes, a integração do ex-agente do trabalho escravo na sociedade de classes foi bastante limitada pelas formas de sociabilidade e vida social integrada que foram herdadas do regime escravocrata, o que fez a população enfrentar uma longa e intensa fase de desorganização social, sendo que “a ordem competitiva emergiu e expandiu-se, compactadamente, como um autêntico e fechado mundo dos brancos” (FERNANDES, 1965, p.289). As relações raciais, segundo o autor, não são totalmente absorvidas e neutralizadas pelas relações de classe, sobrepondo-se a elas: sendo tal sociedade incapaz de regulá-las e absorvê-las socialmente.

Octávio Ianni focaliza Curitiba e Paraná, com reflexos na sociedade nacional, desde o século XVI até meados do século XX. Ele conta que o abolicionismo em Curitiba se manifesta tardiamente enquanto fenômeno socialmente organizado, devendo isso não a uma resistência do regime escravocrata, mas à sua relativa inoperância como forma de utilização do trabalho escravo, pois “fugas, revoltas, homicídios, suicídios concorreram pra o solapamento das bases sociais e morais do regime” (IANNI, 1988, p. 171).

Neste contexto

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O abolicionismo foi uma revolução “branca”, isto é, um movimento político que não se orientava no sentido de transformar , como se afirmava, o escravo em cidadão, mas transfigurar o trabalho escravo em trabalho livre” (IANNI, 1988, P. 205).

Os negros permaneceram à margem da sociedade do sistema econômico-social dos brancos, que viram em tal situação não um problema, mas a prova de que o negro e o mulato pertencem a “outra” categoria racial, com patrimônio biopsíquico e cultural próprios, incompatíveis com a “sua” civilização.(IANNI, 1988, p. 226). Portanto:

A reelaboração social da cor, que já se inicia no período escravista, estrutura-se definitivamente na sociedade de classes em formação. Negro e mulato serão os trabalhadores braçais no sistema social em emergência, pois que esse também é um sistema societário hierarquizado em camadas superpostas, onde haverá trabalhadores e proprietários dos meios de produção (IANNI, 1988, p. 226-227).

No início do século XX, a situação para os trabalhadores negros no processo do desenvolvimento urbano e industrial era extremamente desfavorável, pois representavam menos de 10% da mão-de-obra na indústria paulista, enquanto os brancos imigrantes representavam 55% da população da cidade e ocupavam 84% nas indústrias manufatureira e artística, 81% dos transportes e 72% no comércio (HASENBALG, 1992, apud NOGUEIRA, 1996, p. 214).

Atualmente, a situação não é muito diferente. Lovell analisou gênero e rendimentos no Brasil com base nos censos de 1960 e 1980, buscando detectar a existência ou não de mudanças quanto à diferença salarial entre brancos e negros. A princípio é perceptível ter havido ganhos significativos no período para homens e mulheres de ambos os grupos. No entanto, nesses vinte anos a disparidade salarial entre os dois grupos raciais permaneceu inalterada, havendo uma pequena diminuição dessa disparidade para as mulheres: em 1960 o salário médio mensal das mulheres brancas era 2,5 vezes maior que o das negras; em 1980 essa diferença caiu para 1,89. O mesmo não aconteceu para os homens: em 1960 a vantagem do grupo branco correspondia a 17 vezes e permaneceu igual em 1980. Percebe-se então que mulheres e homens negros e brancos com a mesma posição recebem salários desiguais. (LOVELL, 1992, p. 85-98).

Enquanto os mitos sociais são abrangentes e permeiam todo o universo das relações sócio-culturais, políticas e econômicas, os mitos escolarizados refletem os sociais no contexto das relações educacionais. Assim, compreende-los é o primeiro passo para transformar as relações étnico-raciais na escola.

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MITOS ESCOLARIZADOS

• O primeiro mito é o de que na escola não há tratame nto diferenciado aos alunos e nem entre eles .

Para descaracterizar tal discurso é oportuno conhecer o que se tem pesquisado sobre a realidade escolar. Eliane Cavalleiro desenvolveu em 1998 pesquisa em uma escola municipal de educação infantil (EMEI), na cidade de São Paulo. Primeiramente fez a observação em três salas de aula, tendo como aspectos a serem observados: alguns procedimentos de crianças e adultos diante da diversidade racial, valores atribuídos pelos professores de educação infantil à sua clientela e os valores atribuídos pelas crianças a seus pares, atitudes e práticas que evidenciam a presença de discriminação e preconceito na pré-escola.

Em uma segunda etapa a pesquisadora entrevistou profissionais da escola, alunos e familiares, a fim de levantar os efeitos das relações sociais na vida dos entrevistados e na sociedade brasileira.

A reflexão sobre os dados coletados levou a pesquisadora a concluir que o espaço escolar reproduz o modelo de beleza branca/européia, levando as crianças negras a recusarem as características raciais do grupo negro.

Ela cita o depoimento de uma garotinha:

“É, eu disse para ela (a professora) que eu não queria ser preta, eu queria ser como a Angélica (a apresentadora). Ela é bonita.”(CAVALLEIRO, 2001, p.145)

Segundo a pesquisadora, muitas vezes as professoras diferenciam os alunos pela cor da pele ou características raciais: “a moreninha”, “a japonesinha”, “a branquinha”, “aquela de cor”, o que representa um problema, já que nossa sociedade apresenta uma hierarquia racial e são comentários que se feitos na presença das crianças pode constrangê-las (CAVALLEIRO, 2001, p.145)

Não há por parte dos professores e professoras o reconhecimento dos efeitos prejudiciais da discriminação e essa ausência de atitude por parte do profissional sinaliza à criança discriminada que não pode contar com a sua cooperação e à criança que discrimina, sinaliza que pode continuar repetindo tal ação. O depoimento de uma criança ilustra bem o que ocorre:

“As crianças me xingam de preta que não toma banho. Só porque eu sou preta eles falam que eu não tomo banho. Ficam me xingando de

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preta cor de carvão.Elas me xingam de preta fedida. Eu contei para a professora e ela não fez nada” (CAVALLEIRO, 2001 p. 146).

É considerado normal o modo de adjetivar crianças negras como: “filhotes de São Benedito”, “cão em forma de gente”, “carvãozinho”. Não há compreensão de que tais metáforas podem ferir as crianças negras, inferiorizá-las, ser determinante na formação de uma identidade negativa (CAVALLEIRO, 2001, p. 147).

Evidencia-se, portanto, o sofrimento da criança negra, exposta diariamente à violência, prejudicando a construção de uma identidade positiva.

• O segundo mito é o de que negros não gostam de estu dar.

A elite brasileira, desde seus primórdios, interditou os corpos de negros, mulheres e índios do acesso aos locais de estudo, trazendo em seu bojo a conotação da interdição do conhecimento, por meio da proibição de sua presença física nos ambientes que lhes facilitassem a aquisição do saber. (FREIRE apud LIMA, 2001, p. 80-81).

A Constituição de 1824 coibia o ingresso da população escrava (art. 6º, item I), restringindo o acesso a brasileiros e os escravos eram na maioria africanos. Em 1854, a Reforma Couto Ferraz institui a obrigatoriedade da escola primária para crianças de 7 anos. Entretanto não seriam admitidas crianças com moléstias contagiosas e nem escravas. Também não havia previsão para a instrução de adultos (SILVA e ARAÚJO, 2005, p. 68). A instrução para adultos dependia da disponibilidade dos professores, que só ensinavam aos negros se desejassem, aos sábados, domingos e dias santos. O decreto imperial nº 7031-A, de 6 de outubro de 1878, estabelecia que os negros só podiam estudar nos cursos noturnos que funcionavam em duas horas no verão e três no inverno e eram abertos a negros livres ou libertos, de sexo masculino, maiores de 14 anos. Sendo levados em consideração nos exames finais, além das provas, o comportamento e a aplicação (LIMA, 2001, p. 81).

Somente com o ensino popular e o ensino profissionalizante, no final do século XIX, a população negra teve oportunidades concretas de escolarização. A educação popular se estabeleceu em grupos escolares urbanos e escolas isoladas nos bairros operários e fazendas. O ensino profissionalizante veio pela criação das primeiras escolas, por decreto de Nilo Peçanha, objetivando a formação de um mercado interno de mão-de-obra qualificada (SILVA e ARAÚJO, 2005).

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Ainda hoje, a maioria dos negros e mestiços freqüentam cursos noturnos, depois de uma estafante jornada de trabalho. As escolas que recebem alunos mais pobres são as que têm jornada mais curta e maior número de turnos (LIMA, 2001, p. 83).

• O terceiro mito é o de que os professores não sabem nada sobre história e cultura africana e afro-brasileira.

Na verdade os professores sabem sim, mas sabem muita coisa errada sobre a África.

O principal problema para o processo de ensino e aprendizado da História Africana não é a complexidade, mas os preconceitos adquiridos num processo de “informação desinformada” sobre a África. Informações “de caráter racista, produtoras de um imaginário pobre e preconceituoso, brutalmente erradas, extremamente alienantes e fortemente restritivas” (CUNHA JR, 1997, p. 57).

Segundo o referido autor, tais informações estão tão fortemente impregnadas no imaginário das pessoas que, diante de uma nova informação sobre a África, sentem dificuldade em articular novos raciocínios.

A imagem do africano na nossa sociedade é a do selvagem acorrentado à miséria. Imagem construída pela insistência e persistência das representações africanas como a terra dos macacos, dos leões, dos homens nus e dos escravos (CUNHA JR, 1997, p.58).

E coloca cinco pontos importantes a serem desconstruídos na imaginação dos brasileiros sobre a África:

1, A África não é uma selva tropical.

2.A África não é mais distante que os outros continentes.

3. As populações africanas não são isoladas e perdidas na selva.

4. O europeu não chegou um dia na África trazendo civilização.

5. A África tem história e também tinha escrita.

(CUNHA JR, 1997, p. 58-59)

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• O quarto mito é o de que o ensino de História e Cul tura Africana e Afro-brasileira só interessa aos afro-descendentes.

Circe Bittencourt expõe que a crítica de muitos historiadores é a de que

a História do Brasil tem sido ensinada visando construir a idéia de um passado único e homogêneo, sem atentar para os diferentes setores sociais e étnicos que compõem a sociedade brasileira. Constatam muitas dessas críticas que a idéia de um povo homogêneo com um passado único se consolidou por intermédio da difusão de que somos um povo caracterizado pela democracia racial (BITTENCOURT, 2005, p. 198).

Segundo a mesma autora, a concepção de História ensinada, é a de que indígenas e negros não possuem História, se aceita que eles influenciaram ou contribuíram para a vida cultural brasileira, principalmente por meio de hábitos alimentares, música, eventos esportivos.

Mas indígenas existiam antes da chegada dos europeus e a África e os africanos existiam antes que as grandes navegações colonizadoras os escravizassem e trouxessem ao Brasil.

Para Normando Batista dos Santos,

Nossa escola procura esconder e/ou distorcer o passado histórico e a cultura do povo negro na África, nas Américas e aqui no Brasil, assim como apresenta o negro de forma estereotipada, inferiorizada (SANTOS, 1997, p.77).

E segue, em relação à África:

Esconde-se que o Egito era uma Civilização Negra; que os negros quando foram trazidos à força para as Américas, tinham conhecimentos que os europeus não dominavam, saberes que a Europa desconhecia (SANTOS, 1997, p. 77).

Em relação à História contada nas escolas sobre o Brasil e as Américas, fala-se em descobrimento, isto dá a idéia de que passaram a existir com a chegada dos europeus, ignorando as grandes civilizações que aqui existiam, como os Astecas, os Incas, os Maias, os Tupys.(SANTOS, 1997, p 77).

Também não se conta sobre os movimentos de resistência e de luta contra a escravidão ocorridas no Brasil, que iam desde as individuais, como o suicídio, aborto, até formas coletivas e organizadas, como as revoltas dos Malês, da Balaiada, da Chibata, dos Búzios e a formação de quilombos (SANTOS, 1997, p. 78).

Para Henrique Cunha Júnior:

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A história depende de quem conta, como conta, onde conta, quando conta e para quem se conta. Assim como é sua produção também, o é o seu ensino. A história não é coisa do passado, mas sobretudo do presente e do futuro, ela tem o poder de dizer quem somos e quais lugares ocupamos na sociedade. Através do seu ensino são formadas as mentalidades e estabelecidas as possibilidades de relações na sociedade entre os diversos grupos sociais (CUNHA JR, 2001, p. 60)

Saber a história e cultura dos povos que formaram o Brasil, portanto, é essencial para nos entendermos enquanto nação, valorizarmos todas as etnias que compõem o povo brasileiro. Não podemos conhecer apenas um ramo da nossa árvore genealógica, o europeu. Isso nos torna filhos de pais desconhecidos ou ignorados, conforme era comum nos registros de nascimento até bem pouco tempo.

PERCORRENDO OS CAMINHOS DA LEGISLAÇÃO: DA ESCRAVIDÃ O À LEI 10.639/03

É importante também que conheçamos a legislação vigente ao longo dos anos, para entender como chegamos à Lei 10.639/03.

Desde os tempos do período escravocrata se vem criando leis que têm como foco a situação dos negros. A Lei do Ventre Livre de 1871 declarava livres os filhos de escravas que nascessem a partir daquela data. Mas foi uma lei feita para não ser cumprida, pois cinco anos depois apenas 1.503 escravos haviam se libertado (SILVA, 1996, p. 126).

Outra lei ainda durante a vigência da escravidão foi a Lei do Sexagenário, que dava liberdade aos escravos maiores de 65 anos.

Imagine um sexagenário escravo, que tenha conseguido sobreviver durante anos às péssimas condições de vida, moradia e alimentação; aos castigos físicos, ironicamente chamados de humanitários, a que era submetido; sem profissão, família, analfabeto, entregue à própria sorte. A isso se chamava “liberdade” (SILVA, 1996, p.126).

Em 1888 é aprovada a Lei Áurea, que abolia a escravidão no Brasil, ou melhor, jogava nas ruas desempregados milhões de negros. Menos de trinta dias após a abolição, foi apresentado um projeto de repressão da ociosidade. Este e outros instrumentos legais, como o Código Civil (1915) e Código Penal (1940), ainda em vigência, foram criados na primeira metade do século XX, construídos pelos filhos dos “Senhores” (SILVA, 1996, p. 126-127)

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Em 1951, após um fato embaraçoso para a diplomacia brasileira, quando a bailarina afro-americana Katherine Dunham foi barrada em um hotel de luxo em São Paulo, foi aprovada pelo Congresso Nacional a Lei Afonso Arinos, determinando punição para os que discriminassem pessoas em razão de sua raça. O ponto positivo desta lei foi o reconhecimento do racismo no Brasil. O ponto negativo foi o de não incluir o racismo como crime, mas uma mera contravenção penal (SILVA, 1997, P.127-128).

Só em 1988, com a promulgação da nova Constituição Federal, é que o racismo foi considerado crime a ser punido com pena de prisão, artigo 5º, inciso XLII.

Em 1989 entrou em vigor a lei que regulamentou o dispositivo constitucional, punindo com rigor os que forem por ela condenados. É a chamada Lei Caó (do deputado Carlos Alberto de Oliveira).

Analisando a legislação educacional percebemos que apenas na LDB de 1961, a Lei 4024/61 aparece a condenação a qualquer tratamento desigual por motivo de convicção filosófica, política ou religiosa, bem como a quaisquer preconceitos de classe ou raça, conforme o Art. 1º, alínea g. A Lei 5692/71 mantém no texto a condenação ao preconceito de raça. Quanto à Lei 5.692/96, o processo, ocorrido após a promulgação da Constituição de 1988, no Art. 26, parágrafo 4º, lê-se que “o ensino de História do Brasil levará em conta as contribuições das diferentes culturas e etnias para a formação do povo brasileiro, especialmente as de matriz indígena, africana e européia” (DIAS, 2005, p.52-57).

Em seqüência, nos anos 90, os Parâmetros Curriculares Nacionais incluem como tema transversal a Pluralidade Cultural.

Um marco na legislação, porém, foi mais recentemente, quando o Governo Lula, em cumprimento ao compromisso assumido junto à luta da população negra, sancionou a Lei 10.639/03, alterando o 26 da Lei 9394/96, tornando obrigatório o ensino de História e Cultura Afro-brasileira e estabelecendo a inclusão no calendário escolar a data de 20 de novembro como “Dia Nacional da Consciência Negra”. Em seqüencia, outro fato marcante na legislação foi a aprovação das Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação das Relações Étnico-Racias e para o Ensino de História e Cultura Afro-Brasileira e Africana. (DIAS, 2005, p. 58).

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IMPLEMENTANDO A LEI 10.639/03: AS DIRETRIZES CURRIC ULARES NACIONAIS PARA AS RELAÇÕES ÉTNICO-RACIAIS E PARA O ENSINO DE HISTÓRIA E CULTURA AFRICANA E AFRO-BRASILEIRA NA EDUCAÇÃO BÁSICA.

A Lei, por si, não dá conta de explicitar como se dará o seu cumprimento, por isso é essencial o conhecimento das Diretrizes Nacionais que visam apontar caminhos e explicitar conceitos. As diretrizes são apresentadas por meio do Parecer 003/2004 do Conselho Nacional de Educação com o objetivo de que “orientem a formulação de projetos empenhados na valorização da história e cultura-afro-brasileira e dos africanos, assim como comprometidos com a educação de relações étnico-raciais positivas, a que tais conteúdos devem conduzir” (p. 9).

Segundo as diretrizes, a demanda da comunidade negra, por reconhecimento, finalmente passou a ser apoiada após a promulgação da Lei 10.639/03, porém:

reconhecer, entre outras coisas, exige que os estabelecimentos de ensino, freqüentados em sua maioria por população negra, contem com instalações e equipamentos sólidos, atualizados, com professores competentes no domínio dos conteúdos de ensino, comprometidos com a educação de negros e brancos, no sentido de que venham a relacionar-se com respeito, sendo capazes de corrigir posturas, atitudes e palavras que impliquem desrespeito e discriminação (p. 12).

As diretrizes procuram esclarecer os conceitos presentes nos termos “raça” e “étnico”. O primeiro, utilizado com freqüência para informar como determinadas características físicas, cor da pele, tipo de cabelo. Influenciam e interferem e determinam o destino e o lugar dos sujeitos na sociedade brasileira. Também apresenta a ressignificação do Movimento Negro, para este termo, utilizando-o com um sentido político e de valorização do legado africano. Já o segundo termo, quando na expressão “étnico-racial” marca que essas relações tensas pela cor da pele e traços fisionômicos também são devidas à raiz cultural africana, com diferente visão de mundo, valores e princípios das de indígena, européia e asiática. (p. 13-14)

No texto das diretrizes nacionais fica evidente que a construção de estratégias educacionais que visem combater o racismo é uma tarefa do conjunto de educadores, independentemente do seu pertencimento étnico-racial. Para tanto, propõe pedagogias de combate ao racismo e à discriminação, objetivando fortalecer entre os negros e despertar entre os brancos a consciência negra. Tais pedagogias devem atentar para que todos, negros e não negros, tenham acesso aos conhecimentos fundamentais para a vida integrada á sociedade, exercício profissional competente e ao mesmo tempo

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recebam formação que os capacite para forjar novas relações étnico-raciais. Para tanto, apontam para a necessidade de qualificação dos professores das diferentes áreas do conhecimento, na sua área específica de atuação e também formação voltada para a compreensão da importância das relações étnico-raciais, a fim de lidar positivamente com elas e poder criar estratégias pedagógicas visando reeducá-las.

IMPLEMENTANDO A LEI NO PARANÁ

O Conselho Estadual de Educação do Paraná elaborou normas complementares às diretrizes curriculares nacionais para o Sistema Estadual de Ensino do Paraná, colocando alguns princípios e aspetos a serem observados no interior da escola: recuperação do orgulho de ser negro, o que leva a uma pedagogia da auto-estima: valorização da individualidade das crianças, de sua ancestralidade; valorização da cultura africana, por meio do conhecimento de lendas, contos, mitos, cantigas; valorização da Consciência Negra, conhecendo as várias lutas de resistência empreendidas: Malês, Cabanagem, Balaiada, Palmares; reconhecimento das comunidades remanescente de quilombos; garantia das condições de ensino; interferência nas situações de discriminação.

A Secretaria de Estado da Educação, por sua vez, publicou dois cadernos temáticos. Prefaceando o primeiro caderno temático “História e Cultura Afro-brasiliera e Africana”, a professora Drª Yvelise Freitas de Souza Arco-Verde, Superintendente da Educação do Paraná, explicita que:

Trabalhar com as diversidades culturais explorando as diferenças étnico-raciais que estão postas, tanto na sala de aula como na sociedade, é possibilitar a reflexão crítica, o pensar do aluno a partir do seu lugar, de suas experiências de vida, de suas lutas diárias. Propor ações afirmativas e trazer à tona a diversidade não são, de imediato, atitudes de pacifismo pedagógico ou de resoluções da contradição posta na sociedade. Ao contrário, é inserir o conflito no seio da vida real, da escola, e enfrentá-lo, explicitando as diferenças, trabalhando com clareza as contradições (p. 9)

E complementa no segundo caderno temático “Educação para as Relações Étnico-raciais”:

Tais conteúdos não se constituem como temas transversais, pois não são assuntos a serem esporadicamente trabalhados na forma de projetos ou apenas durante dias específicos como o Dia da Consciência Negra, são, sim, conforme indicam nossas Diretrizes, conteúdos que devem ser trabalhados em todas as disciplinas da

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matriz curricular e assim devem estar contemplados no Projeto Político-Pedagógico de cada instituição de ensino (p. 7).

BUSCANDO POSSIBILIDADES NA ESCOLA PÚBLICA

Quando pensamos uma educação pública voltada para a classe trabalhadora, que tem se traduzido nas escolas públicas da rede estadual pela implementação de uma pedagogia progressista, não podemos deixar de considerar a formação étnico-racial dessa população, nem os trezentos anos de escravidão a que parte dessa população foi submetida e todas as conseqüências advindas de tal condição. Só desse modo é possível entender a escola como espaço para a busca da transformação social, incluindo-se aí a luta pelo fim das desigualdades étnico-raciais.

É preciso também considerar o que dizem as diretrizes curriculares nacionais e estaduais e os documentos da Secretaria Estadual de Educação sobre a questão, os quais já pudemos perceber o direcionamento a partir do tópico anterior.

Fica evidente que não se trata de trabalhar as relações étnico-raciais e a história e cultura africana e afro-brasileira apenas como parte do folclore ou em projetos esporádicos, mas a preocupação com tal temática deve estar presente no projeto político-pedagógico, desde a análise da realidade, explicitação das concepções políticas e pedagógicas até chegar à operacionalização ou, ao que se deve fazer diante da análise da realidade e das concepções que se tem. E deve ir além, estar explicitada na proposta curricular das disciplinas e nos planos de trabalho docente

A documentação das intenções, porém, não basta. É preciso que as intenções se concretizem. Para tanto, é preciso que direção, equipe pedagógica, professores, funcionários estejam comprometidos e empenhados em transformar as relações étnico-raciais, o que passa também pela valorização da cultura e o conhecimento da história.

E não se pode esquecer que, conforme Regina Leite Garcia,

Para construir uma sociedade nova é preciso criticar/desconstruir o modelo neoliberal em curso, que exclui grandes contingentes da população, e criar/reconstruir uma sociedade que se paute pela inclusão de todos os que contribuem com o seu trabalho para a produção de riquezas, independente de sua classe social, gênero, raça, etnia (GARCIA, 1995, p. 141).

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Não podemos deixar de ressaltar o papel do Estado e movimentos sociais para o sucesso de uma proposta de tal magnitude, de acordo com o texto das diretrizes curriculares nacionais:

O sucesso das políticas públicas de Estado, institucionais e pedagógicas, visando a reparação, reconhecimento e valorização da identidade, da cultura e da história nos negros brasileiros depende necessariamente das condições físicas, materiais, intelectuais e afetivas favoráveis para o ensino e para aprendizagens; em outras palavras, todos os alunos negros e não negros, bem como seus professores, precisam sentir-se valorizados e apoiados. Depende também de maneira decisiva, da reeducação das relações entre negros e brancos, o que aqui estamos designando como relações étnico-raciais. Depende, ainda, de trabalho conjunto, de articulação entre processos educativos escolares, políticas públicas, movimentos sociais, visto que as mudanças éticas, culturais, pedagógicas e políticas nas relações étnico-raciais não se limitam à escola (p. 13).

FINALIZANDO

Todas as questões levantadas vislumbram um árduo caminho a ser percorrido para a concretização de uma educação anti-racista, contudo não será um caminho tão difícil que não possa proporcionar, passo a passo, a satisfação pelos avanços conseguidos rumo à igualdade de condições e justiça social para todos/as os/as brasileiros/as.

Este texto não esgota a discussão sobre o tema, ao contrário, tem a pretensão de atiçar a necessidade de se buscar novos conhecimentos que possam derrubar mitos e pré-conceitos e ajudem na formação dos profissionais para atuarem com muita convicção e persistência na educação pública, na perspectiva da transformação social, como enfatiza Petronilha Silva, ao pensar a concepção e organização administrativo-pedagógica da escola:

A escola que adestra não é pública, é custeada com recursos públicos, mas tem um sentido privado. Educa para a adoção da ética, da verdade de uma classe. Entende que a verdade desta classe deva ser de todos. O público são as diversas raízes da nação brasileira. Em cada sala de aula está a multiplicidade de origem histórica que cada um tem; a escola, pois, pode desencadear processo de afirmação e recomposição da historicidade negada, desvalorizada pela verdade dominante na sociedade (SILVA, 1997, p. 50).

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REFERÊNCIAS

BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil. São Paulo: Ed. Revista dos Tribunais, 1988.

BRASIL. Lei 10.639 de 09 de janeiro de 2003. Inclui a obrigatoriedade da temática “História e Cultura Afro-Brasileira e Africana “ no currículo oficial da rede de ensino. Diário Oficial da União. Brasília, 2003.

BITTENCOURT, Circe. Identidade nacional e ensino de História do Brasil. In: KARNAL, Leandro (org.). História na sala de aula: conceitos, práticas e propostas. São Paulo: Contexto, 2005.

BUONICORE, Augusto. Reflexões sobre o marxismo e a questão racial (1ª parte), Revista Espaço Acadêmico nº 51- agosto 2005. Disponível em http;//www.espacoacademico.com.br/051/51buonicorehtm. Acesso em 06/072007.

CAVALLEIRO, Eliane. Educação anti-racista: compromisso indispensável para um mundo melhor. In: CAVALLEIRO, Eliane (org.). Racismo e anti-racismo na educação: repensando nossa escola. São Paulo: SUMMUS, 2001.

CONSELHO NACIONAL DE EDUCAÇÃO. Parecer nº 03 de 10 de março de 2004. Dispõe sobre as diretrizes curriculares nacionais para a educação das relações étnico-raciais e para o ensino de história e cultura afro-brasileira e africana. Relatora: Petronilha Beatriz Gonçalves e Silva. Ministério da Educação. Brasília, julho de 2004.

CONSELHO ESTADUAL DE EDUCAÇÃO DO PARANÁ. Deliberação nº 04 de 02 de agosto de 2006. Institui normas complementares às Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação das Relações Étnico-Raciais e para o Ensino de História e Cultura Afro-Brasileira e Africana. Relators: Romeu Gomes de Miranda, Marília Pinheiro Machado deSouza, Lygia Lumina Pupatto, Domenico Costella e Maria Tarcisa Silva Bega.Secretaria de Estado da Educação. Curitiba, 2006.

CUNHA JR, Henrique. Etnia afrodescendente e o ensino de História do Brasil. In: MARTINS, Juarez e ROCHA LIMA, Maria José (org). Educação, etnias e o combate ao racismo: contribuição ao debate. Cadernos de Educação nº 3, março de 2001. Núcleo de Educação, Cultura, Desporto, Ciência e Tecnologia da Bancada do Partido dos Trabalhadores na Câmara dos Deputados.

CUNHA JR, Henrique. A história africana e os elementos básicos para o seu ensino. In. COSTA LIMA, Ivan e ROMÃO, Jeruse (org). Negros e currículo. Série Pensamento Negro em Educação nº 2. Florianópolis: Núcleo de Estudos Negros/NEN, 1997.

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DIAS, Lucimar Rosa. Quantos passos já foram dados? A questão de raça nas leis educacionais. Da LDB de 1961 à Lei 10.639 de 2003. In: ROMÃO, Jeruse (org). História do negro e outras histórias. Secretaria de Educação Continuada, Alfabetização e Diversidade: - Brasília: Ministério da Educação, Secretaria de Educação Continuada, Alfabetização e Diversidade, 2005.

FERNANDES, Florestan. A integração do negro na sociedade de classes. São Paulo: Dominus Editora, 1965.

GARCIA, Regina Leite. Currículo emancipatório e multiculturalismo: reflexões de viagem. In: MOREIRA, Antonio Flávio e SILVA, Tomás Tadeu (org.). Territórios contestados: o currículo e os novos mapas políticos e culturais. Petrópolis, RJ: Vozes, 1995.

IANNI, Octávio. As metamorfoses do escravo: apogeu e crise da escravatura no Brasil meridional. 2. ed. rev. e aum. São Paulo: Hucitec. Curitiba: Scientia et Labor, 1988.

LOVELL, P. A. Raça, classe, gênero e discriminação salarial no Brasil. Estudos Afro-asiáticos nº 22; (p. 85-98), Rio de Janeiro, 1992.

MUNANGA, Kabengele. O anti-racismo no Brasil. In: MUNANGA, Kabengele (org.). Estratégias e políticas de combate à discriminação racial. São Paulo: Editora da Universidade de São Paulo: Estação Ciências, 1996.

NOGUEIRA, João Carlos. A discriminação racial no trabalho sob a perspectiva sindical. In: MUNANGA, Kabengele (org.). Estratégias e políticas de combate à discriminação racial. São Paulo: Editora da Universidade de São Paulo: Estação Ciências, 1996.

PARANÁ. Secretaria de Estado da Educação. Superintendência de Educação. Departamento de Ensino Fundamental. Inserçãodos conteúdos de história e cultura afro-brasileira e africana nos currículos escolares. Curitiba: SEED-PR, 2005 (Cadernos Temáticos).

PARANÁ. Secretaria de Estado da Educação. Superintendência de Educação. Departamento de Ensino Fundamental. História e cultura afro-brasileira e africana: educando para as relações étnico-raciais. Curitiba: SEED-PR, 2006 (Cadernos Temáticos).

ROCHA LIMA, Maria José. Da educação negada à educação renegada. MARTINS, Juarez e ROCHA LIMA, Maria José (org). Educação, etnias e o combate ao racismo: contribuição ao debate. Cadernos de Educação nº 3, março de 2001. Núcleo de Educação, Cultura, Desporto, Ciência e Tecnologia da Bancada do Partido dos Trabalhadores na Câmara dos Deputados.

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SANTOS, Normando Batista dos. O educador e a luta contra o racismo. In: LIMA, Ivan Costa e ROMÃO, Jeruse (org). As idéias racistas, os negros e a educação. Série O pensamento negro na educação, nº 1. Florianópolis: Núcleo de estudos negros/NEN, .Maio de 1997. Florianópolis.

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SILVA, Geraldo da e ARAÚJO, Márcia. In: ROMÃO, Jeruse (org). A História do negro e outras histórias. Secretaria de Educação Continuada, Alfabetização e Diversidade: - Brasília: Ministério da Educação, Secretaria de Educação Continuada, Alfabetização e Diversidade, 2005.

SILVA, Petronilha Beatriz Gonçalves. Vamos acertar os passos? Referências afro-brasileiras para os sistemas de ensino. In: LIMA, Ivan Costa e ROMÃO, Jeruse (org). As idéias racistas, os negros e a educação. Série O pensamento negro na educação, nº 1. Núcleo de estudos negros – NEN .Maio de 1997. Florianópolis.

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ATIVIDADES

A partir do texto, vamos trabalhar um conjunto de questões que estão subdivididas em quatro eixos: Organizando, Refletindo, Extrapolando e Praticando.

Organizando as informações do texto:

1. Segundo Circe Bittencourt com que intenção foi criado o mito da democracia racial?

2. Para justificar a escravidão e o racismo em que teorias se basearam as elites brasileira?

3. Munanga, Fernandes e Ianni citam as dificuldades encontradas pelos negros para se integrarem à sociedade de classes. Quais são?

4. Que fatos observados em sua pesquisa levaram Eliane Cavalleiro a concluir que a escola reproduz o modelo de beleza branca/européia que prejudica a construção positiva da identidade das crianças negras?

5. De que forma os negros foram interditados ao acesso escolar ao longo da história?

6. Cunha Jr. enfatiza que sabemos muitas coisas erradas sobre a África. Segundo ele, quais os pontos a serem desconstruídos na imaginação dos brasileiros?

7. Segundo o texto, quais as leis que, desde o período da escravidão têm como foco a situação dos negros no Brasil? Destaque uma delas e comente.

8. O que dizem, em síntese, as Diretrizes Curriculares Nacionais para as Relações Étnico-raciais e para o Ensino de História e Cultura Africana e Afro-brasileira na Educação Básica?

9. Em relação à implementação da Lei 10.639/03 no Paraná:

a) O que propõem as normas complementares às diretrizes nacionais editadas pelo Conselho Estadual de Educação?

b) O que propõe a SEED, representada pela professora Drª Yvelize Freitas de Souza Arco-Verde?

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Refletindo sobre as informações do texto

1. Segundo o texto “A escola sozinha não muda a realidade, mas pode ajudar a desenvolver uma nova cultura, que envolva novas relações”. Você concorda com tal afirmação? Por quê?

2. Quando se refere ao mito da democracia racial o texto afirma: “pois como se pode lutar contra algo que não existe?” No contexto em que está inserida, como podemos entender esta frase?

3. Em relação ao segundo mito, teça um comentário sobre o que escreveu o cientista brasileiro Nina Rodrigues:

4. A pesquisa de Eliane Cavalleiro revela como são delicadas as relações étnico-raciais. Como a escola pode ajudar uma criança negra a construir uma identidade positiva?

5. A elite, segundo o texto, desde os seus primórdios interditou os corpos de negros, mulheres e indígenas ao acesso aos locais de estudo, proibindo a sua presença. Hoje, de que forma tem ocorrido esta interdição?

6. Você concorda com a afirmação de Henrique Cunha Jr. de que adquirimos em nossa formação “informação desinformada” sobre a África? Por quê?

7. O texto aponta para a necessidade de toda a população brasileira conhecer a história da África e dos afro-brasileiros. Você concorda com tal premissa? Por quê?

8. Diante do exposto no texto, a quem interessava a Lei do Ventre Livre, do Sexagenário e Lei Áurea?

9. Você conhece o texto das Diretrizes Nacionais para as Relações Étnico-raciais e para o Ensino da História e Cultura da África e dos afro-brasileiros? Conhece os cadernos temáticos publicados pela SEED e que são citados no texto?

10. O texto termina afirmando que não pretende esgotar a discussão sobre a temática das relações étnico-raciais e sim “atiçar a necessidade de buscar novos conhecimentos que possam derrubar mitos e pré-conceitos e ajudem na formação dos profissionais para atuarem com mais convicção e persistência na educação pública, na perspectiva da transformação social”. O que você pretende fazer para aprimorar seus conhecimentos sobre a temática das relações étnico-raciais e história e cultura africana e afro-brasileira?

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Extrapolando o texto

A novela Duas Caras, da Rede Globo, traz o ator negro Lázaro Ramos, que faz par romântico com a atriz branca Débora Fallabela.

Em entrevista, Débora assim se refere ao seu personagem “Júlia” na relação com “Evilásio” (Lázaro Ramos): “Achei que as diferenças sociais pudessem dar pano para manga, mas muita gente nem menciona o fato dele morar em uma favela. Ouço várias críticas porque ele é negro.”

Ao ser perguntada se já tinha ouvido comentários preconceituosos pelo Evilásio ser negro, responde: “Sim, e o que é mais espantoso é que muitos saíram de pessoas conhecidas e próximas à minha família. Pessoas que, se não fosse por interpretar uma personagem assim, não se manifestariam dessa forma comigo. É triste porque isso significa que os negros ainda sofrem e que essa história de que o preconceito acabou só está na ficção.”

http://bbcnews.com.br. Acesso em 14/01/2008.

a) Você concorda com a opinião de Débora Fallabela sobre o preconceito racial no Brasil? Justifique:

b) Faça um comentário sobre situações nas quais a questão racial seja tratada de forma preconceituosa na mesma novela.

Praticando

Pedagogo(a)/Direção:

1. Pesquise no Projeto Político Pedagógico de sua escola como estão abordadas as relações étnico raciais nos vários momentos: análise da realidade, explicitação das concepções políticas e pedagógicas, operacionalização. São tratadas só em projetos específicos como o 20 de novembro, dia do folclore? Existe algum projeto individual ou coletivo sobre esta temática?

2. Redija propostas de inclusão sobre as relações étnico-raciais no PPP, em uma perspectiva de transformação, de superação dos preconceitos e da discriminação,

Professor(a):

1. Pesquise na Proposta Curricular de sua disciplina como aparecem as relações étnico-raciais e, se for o caso, a história e a cultura africana e afro-brasileira.

2. Proponha a inclusão de conteúdos que contemplem a questão étnico-racial.

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SUGESTÕES DE LEITURA

Além da bibliografia citada, recomendamos:

MINISTÉRIO DA EDUCAÇÃO. Secretaria da Educação Continuada, Alfabetização e Diversidade. Orientações e ações para a educação das relações étnico-raciais. Brasília: SECAD, 2006.

MUNANGA, Kabengele, (org). Superando o racismo na escola. Brasília: Ministério da Educação Continuada, Alfabetização e Diversidade, 2. ed. rev., 2005.

COSTA, Hilton e SILVA, Paulo Vinícius Baptista (org). Notas de história e cultura afro-basileiras. Ponta Grossa: Editora UEPG/UFPR, 2007

FILMES RECOMENDADOS

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Sinopse: Uma tradicional lenda africana ganha vida neste longa-metragem de animação francês, que mostra a história de um menino minúsculo que enfrenta uma poderosa feiticeira. Animação. França: 1998, 71 min.

Fonte:http://adorocinema.cidadeinternet.com.br/filmes/kiriku/kiriku-e-feiticeira.asp

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Fonte: http://adorocinemabrasileirocom.br/filmes/quanto-vale-ou-e-por-quilo/quanto-vale-ou-e-por-quilo.asp

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A negação do Brasil

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Sinopse: O documentário é uma viagem na história da telenovela no Brasil e particularmente uma análise do papel nelas atribuído aos atores negros, que sempre representam personagens mais estereotipados e negativos. Baeado em suas memórias e em fortes evidências de pesquisas, o diretor aponta as influências das telenovelas nos processos de identidade étnica dos afro-brasileiros e faz um manifesto pela incorporação positiva do negro nas imagens televisivas do país. Documentário. Brasil: 2000, 90 min.

Fonte: http://adorocinemabrasileiro.com.br/filmes/negacao-do-brasil/negacao-do-brasil.asp

ENDEREÇOS ELETRÔNICOS

Portal Afro – http://www.portalafro.com.br/

Geledés – Instituto da Mulher Negra – São Paulo – http://www.geledes.org.br

A Cor da Cultura - http://www.acordaltura.org.br

CEERT – http://ceert.org.br

CEAFRO – http://www.ceafro.org.br

Criola – http://www.criola.org.br

MEC – http://.www.mec.gov.br/secad (para obter as publicações referentes à educação e relações étnico-raciais e à cultura afro-brasileira)