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Segunda peça da trilogia da imaginação

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Page 1: Segunda peça da trilogia da imaginação
Page 2: Segunda peça da trilogia da imaginação

NúmerodeRegistroSGAE9761095

ouCalabar,umelogioàtraição

ouNapossedascoisas

DeDOCCOMPARATO

Segundapeçadatrilogiadaimaginação.

Barcelona/Fevereiro/2006

Page 3: Segunda peça da trilogia da imaginação

CopyrightWarning

Theplayshereforsaleareunderregisteredcopyright©bytheauthorundertheTheGeneralSocietyofAuthorsandPublishersofSpain(SGAE)andalsoTheBrazilianSocietyofMusicandArts(ABRAMUS).Copyingthepartortheentiretyoftheseplaysorusinganycopyrightedmaterialsotherthanwhatthelawallowsmaybesubjecttoprosecution.

Youarenotallowedtocopy,reproduce,broadcast,display,stagetheseplaysorpublishthemonotherwebsiteswithoutpriorwrittenconsentfromtheauthor.Undernocircumstancesthematerialcanbeusedorpublished,inanyway,forcommercialorpromotionalpurposeswithoutpriorauthorizationfromtheauthor.

Advertência

Éexpressamenteproibidaaencenação,parcialoutotal,pública,leituras,reuniões,reproduções,poramadoresouprofissionais,ouqualqueroutrotipodedifusãodestetextoteatral,constituindocrimeprevistoemlei,estandoomaterialregistradopelaGeneralSocietyofAuthorsandPublishersofSpain(SGAE)epelaAssociaçãoBrasileiradeMúsicaeArtes(ABRAMUS)Todososdireitossãoreservados,necessitando-seautorizaçãodoautorparaessespropósitos.

SGAE(Brasil)–Site:http://www.sgae.es

E-mail:[email protected]

ABRAMUS–Site:www.abramus.org.brE-mail:[email protected]

Ediçãodigital:junho2013ISBN:978-85-8245-057-4

ArquivoePubproduzidopelaSimplíssimoLivros

Page 4: Segunda peça da trilogia da imaginação

ouCalabar,umelogioàtraição

ouNapossedascoisas

PeçaneoclássicadeDOCCOMPARATO

Barcelona/Fevereiro/2006

Page 5: Segunda peça da trilogia da imaginação

Antigamenteoseditoresfugiamdecertostiposdelivroporquediziamquenãovendiam:teatro,poesia,biografias…Comoe-bookisso tudo mudou. Todos os gêneros são bem-vindos. E resolvemos investir em dramaturgia, na obra teatral do dramaturgo DocComparato.

Elaébemdiversificada,poisoautorrodouomundoeviveuemdiversospaíses.Seulivrosobreroteiroéutilizadoemváriosidiomas.Eseuteatro?

Eledividiuseutrabalhoemtrêstrilogias:TrilogiadoAmanhã,compostadepeçasescritasnosanos1980e1990:Plêiades,OBeijodaLouca,querecebeuoantigoPrêmioNacionaldeTeatro,eODespertardosDesatinados,textoinéditoatéhoje.

DepoisveioaTrilogiadoTempo,constituídaporpeçasescritasatéoano2000:Nostradamus,MichelangeloeOCírculodasLuzes–todosostextosencenadosnoBrasilenaItália.NostradamusrecebeuoprêmioAnnaMagnani.Suaúltimatrilogia,adaImaginação,éformadaporseusúltimostrabalhos,queconsistememtextosinéditosescritosrecentemente.

Eéjustamenteporaíquevamoscomeçar.Pelosmaisnovostrabalhosdodramaturgo.Aspeçassão:Sempre,JamaiseEterno.Comumacapacidade imagética impactante,elenos traza figuradeumaescritorade livros infantis,CalabareosdiassecretosdeOrsonWellesnoBrasil.Emtextosaparentementesimples,masrecheadosdesignificados.

Valeapenalereimaginaroespetáculo.

Foraastrilogias,Docpossuioutrostextosquevamosincluirnestaprimeiralevadeediçõesdigitais.ApeçainfantilAIncrívelViagem,LiçãoN.º18eAMisteriosaMortedoSupremoImperadordaChinaeOutrasHistórias.

Antesdeterminarébomlembrarqueestematerialélicenciadosomenteparaleitura.

Bomespetáculo!

Page 6: Segunda peça da trilogia da imaginação

Estapeçaéinteiramentedeficção.Trata-seportantodavisãopessoaldoautorsobreafiguradeumtraidorhistórico.

ParaM.comperplexidade.

Levando-seemcontaqueaperplexidadesejaosequestrodetodasasemoções.

DC,2006

Page 7: Segunda peça da trilogia da imaginação

APEÇA

ÀsportasnoRenascimento,aoredorde1640, transcorreapeça,emumentrepostomarítimonacostadePernambuco,NordestedoBrasil.

OSPERSONAGENS

Sãooito:

1-Calabar,otraidor(homemjovem)2-Willen,oconselheiro(homemmaduro)3-Marquesa,aaristocrata(mulhermadura)4-General,omilitarholandês(homemmaduro)5-Xesc,oaprendiz(jovem)6-AÍndia,falaidiomadesconhecido(jovem)7-AEscrava,deraçanegra(jovem)8-MauríciodeNassau,opríncipeholandês(homemjovem)

LUZEADEREÇOS

Sãofundamentaiseestãomarcadosnotexto.

Page 8: Segunda peça da trilogia da imaginação

Emmeadosde1640,oBrasilnãoexistia.EraumaterraincalculávelesemnomesobodomíniodaCoroaPortuguesa.

Empurrados pelo comércio florescente do açúcar, os holandeses invadem o nordeste do Brasil e criam a Companhia das ÍndiasOcidentais,espéciedeprimeiramultinacionalquesetemnotícia.

O sucesso da companhia é imediato, tanto em lucros como em territórios, graças sobretudo à traição de um militar das forçasportuguesas:Sr.DomingosFernandesCalabar.Foielequemalimentouosholandesescomoconhecimentodo terrenoeassecretastáticasempregadaspelosportugueses.

Atéhoje,noslivrosdehistóriaescolares,Calabarétratadocomoumtraidor,sersemdignidadequealémdesevenderaosholandeses,ocasionougrandesperdasàsoberaniadaCoroaPortuguesanaregiãodePernambuco.

Calabar,otraidor,éotemadestapeça.

DC

(Começaoespetáculo)

Osugeridopeloautoréumaintegraçãodotextocomumainstalação.

(Aoentrarnoteatrooespectadorsedeparacomumaexposiçãocompostapelositensaseguirdescritos.)

Não importa que sejam fotos antigas, cartazes, panfletos ouos próprios objetos empequenasvitrines.O importante é que estejampresentes.

ExposiçãoTipoMuseu

ObjetosSurpreendemosCientíficos

Achadosarqueológicosdemaisdetrezentosanos,encontradosnasentranhasdeNovaYork,esclarecemhábitosecostumesdeseusprimeirosdesbravadores.

Vê-seosseguintesobjetosnumavitrine:

1. Objeto:Legenda:

UmpedaçodevestidobrancoRestosdeumvestidodenoivaconfeccionadointeiramentenaAmérica.Pertenceuaumafamílianobre.Cientificamenteprovado,emtornode1600d.C.

2. Objeto:Legenda:

UmacaixinhademadeirasemidestruídaCaixaderelicáriocristã.Madeiracomadornosemmadrepérola.Deveriaconteralgumobjetosantificadoeconsideradomilagrosopeloscatólicos.ObjetopertencenteàprimeiraparóquiacatólicadeNovaYork.1600-1700.

3. Objeto:Legenda:

Trêspenas:umaverde,umaazuleoutraamarela.Plumagemindígena.Restosdeplumagemdeavesmigratóriasdesaparecidas,pertenciamatribosselvagensquehabitavamaregiãoequetambémdesapareceram.

4. Objeto:Legenda:

Manuscritodepapelamareladoescritoapena,antigoecorroído.Originalemlatimdereceitadelaxativo.Combinaçãodefrutosefolhasusadaparaaliviarconstipações.Compilaçãodolatimaohebraicodeumprovávelrabinoanônimo.DocumentopertencenteaoCentroHebraico.1607(?)

5. Objeto:Legenda:

Trêsminiaturasdeboisfeitosdeaçúcar.PeçasraraspertencentesàCompanhiadasÍndiasOrientaleaoImpérioChinês.Pequenasesculturasfeitasdeaçúcar,areiaecascalho.Folcloredesconhecido.Pequim/NovaYork–1600.

Outrosobjetossemidentificaçãoencontrados:

Page 9: Segunda peça da trilogia da imaginação

1.2.3.4.5.6. Lupadestroçada7. Mapasportugueses8. Ampulheta9. Chavenegraegrande10. Umpequenoboivoadorfeitodepapelefitascoloridas.Peçafolclóricadeorigemdesconhecida.

OESPECTADORENTRANOAUDITÓRIO

TUDOESCURO

Começaotexto.

Page 10: Segunda peça da trilogia da imaginação

1.CenadoLivro.(noite)2.CenadoCorpo.(noite)3.CenadoVinho.(noite)4.CenadoTambor.(amanhecer)5.CenadaCarta.(dia)6.CenadaCouraça.(noite)7.CenadoFruto.(noite)8.CenadoUniforme.(noite)9.CenadaSopa.(noite)10.CenadoVeneno.(noite)11.CenadaTrombeta.(dia)12.CenadaCaixinha.(dia)13.CenadoOuro.(dia)14.CenadaJaula(dia)15.CenadaMordida(dia)16.CenadoAnel(noite)17.CenadaTinta.(noite)18.CenadaArca.(dia)19.CenadoBaralho.(noite)20.CenadaLupa.(noite)21.CenadaÁgua(noite)22.CenadoCobre(noite)23.CenadaMesa(dia)24.CenadoCanhão(dia)25.CenadaMancha(dia)26.CenadaGrade(dia)27.CenadaCarga(dia)28.CenadaCorda(noite)29.CenadoLinho(noite)30.CenadoBoi(noite)

Page 11: Segunda peça da trilogia da imaginação

(Tudoescuro.Abreopano.)

CENA1

CENADOLIVRO(EscritóriodeWillen/Armazém/NordestedoBrasil/1640/Noite)

(Umarmazémvazioem1640.

Umamesa,cadeiras,papeletinteiro.

Willenlêunsdocumentoscomumalupa.Seuolhoéenormeatrásdalente.OjovemXescdissimuladoescondeumlivrodebaixodamesa.Instantes.)

WILLEN

Um.Dois.Noveerrosnolatim.Semdúvidaestáesquecendoolatim.Maisqueisto:puloudoisparágrafos.

XESC

Observeosnúmeros,eminentemestre.Estãocorretos.

WILLEN

Nãotenhodúvidasqueasaritméticasestãoperfeitas.Tantosquilosdetoucinho,outroslitrosdevinho,arrobasdeaçúcaremetrosdetecidosnegros.Somasesubtrações.Amatemáticaéassim:ouseerra,ouseacerta.Éumaciênciaexata,semnuances.Jáolatim…

XESC

MestreWillenestáinsinuandoquenãotenhotalentoouqualidadesparaserodespachantedoArmazémCentral.

WILLEN

Basta.Éirritanteescutarseusfalsosbrios.Éúnico.Estouafirmandoqueacadadiaestápiornolatim.Queestedocumentoestásujo,cheioderasurasemanchasdetinta.Serátinta?Bem,equeseamatemáticaestáperfeita,otextoéumdescalabro.

XESC

OconselhosupremodeAmsterdãsóseimportacomosnúmeros,lucroseremessas.

WILLEN

Umdiaaindamandocortarsualínguacomofazemosportuguesescomosescravosenativos.

XESC

Nãovai,não.Soufilhodeseumelhoramigo.Enãotemcoraçãoparafazermaldadescomigo.

WILLEN

Às vezes penso que seria melhor ter ódio que amizade. Pois hoje odeio seu falecido pai. Abraham Cequets. Que Jeová o tenha.Shalom.Milvezesshalom.Umgrandematemático,sabiaatégeometria,maseraumpéssimopai.Eaindamedeixoudeherançaumestropíciodeafilhado.

XESC

Page 12: Segunda peça da trilogia da imaginação

Queconhecearitméticaeálgebramelhorqueseumestre.

WILLEN

EquemanchanãoseidequeacorrespondênciaentreopríncipeMauríciodeNassaueoSupremoConselhoemAmsterdã.Ebasta.Aordemé:escrevertudodenovocomcorreçãoelimpeza.FuiclaromeujovemXesc?

XESC

Atintadeescreverestáacabando,mestre.

(Silêncio)

XESC

Verdade.Puraaritmética.Quantomaistintasegasta,menosexiste.

WILLEN

Então ponha na lista do navio que parte amanhã. Que venha de Amsterdã mais tinta de todas as cores e o mais breve possível.Importaçãoemaisimportação.Easarcasvazias.

XESC

Pedidosdetintadeescrevereoutrositenscorrelatos,comopenasepincéis,sócomaassinaturaeautorizaçãodopríncipedeNassau.

WILLEN

Éverdade.Redijaapetiçãoqueodiaaindanãocomeçouetereitempodeconseguirotimbredele.Odiamalcomeçou.

(Xescparado.)

WILLEN

Oqueestáesperando?Mova-se.Aotrabalhoquedignificaefazsuar!

XESC

Maestro,nãovouescreverapetição.

WILLEN

Eporquê?

XESC

Shabat.Comobemsabe,osjudeus,comoeu,nãotrabalhamaossábados.

(WillenpegaumchicoteesaiatrásdeXescquecorre.)

WILLEN

Impertinente.Dissimulado.Preguiçoso.Vaicumprirminhasordensatéosábadomorreremseuúltimosuspiro.Comessechicotevoulanharteucorpointeiroeprometoquevaipassarduasluasimersonasalmouramaisavinagradaqueencontrar.

XESC

Por favormaestro. Não, por favor. Não se altere, não será assim que suas vistas irãomelhorar. Lembre. Sou seus olhos. O filhoestúpidodeAbraham.Seuaprendiz.Xesc.

Page 13: Segunda peça da trilogia da imaginação

(Willenbaixaochicote.)

WILLEN

Mefazperderobomsenso.Asboasmaneiras.

XESC

Hásempretempoderecuperar…

WILLEN

Olivro.Olivro!Algomeescapava.

(WillenvaiatéamesaemostraolivroqueXescescondeu.)(Xescnãosabeoquedizer.Balbuciaumaspalavras.)

XESC

Olivrodemedicina…Médica.Turco…Oriental…

WILLEN

Játiveasuaidade.

(Xesctentafalar,masseatrapalha.)

WILLEN

Parecequebebeuáguadepenicoquandoerapequeno…Silêncio.Escuta.

(Instantes.)

XESC

Mestre?

WILLEN

Nãoouviu?

XESC

Oquê?

WILLEN

Umgemido.Longínquo.Parou.

XESC

Nãoouvinada.Estavacorrendodeumchicote.

(Ouve-seagorasimumgemido).(Silêncio.)

WILLEN

Eagora.Escutou?

XESC

Sim.Claroetriste.

Page 14: Segunda peça da trilogia da imaginação

WILLEN

Detestofazeressascoisas.OpríncipedeNassauandacomumasvontadesqueescapamdaminhacompreensão.

XESC

Émelhor ir, senhor. Se é uma vontade do príncipeMaurício…E assim depois serámais fácil conseguir a assinatura dele para oproblemadastintas.

WILLEN

Astintasemanchas.Acadainstante,porváriasrazões,meparecemmotivosforjados.Tínhamosgalõesdetintasnabodegainferior.

XESC

SófaltadizerqueeutenteipintaromarcomtintadaCompanhiadasÍndiasOcidentais.Agorasouladrãoedesatinado.

WILLEN

Estounummomentodavidaemquecreioquequalquercoisaépossível.Cadahomeméumuniverso.Comcertezahaveráumquequeirapintaromar.Busqueminhacapaali.Jávimarespintadosdevermelho,eraessênciadealgasetodospensavamqueerasangue.Deamarelo,nãoeraouro.Eraurina.Nãoeraessacapa,aoutra.

(XescseparaanovacapaecolocaemWillen.

Escuta-seumgemidoforte.)

WILLEN

Eledenovo.Pobrecriatura.

(Instantes.)

XESC

Pensandobem.Claro.Comopudetermeesquecido.Existeumloteextradebarrisdetintabemdebaixodabodega.Omestretinhatodarazãocomosempre.Estúpido,estúpidofilhodeAbraham.

WILLEN

Então,nãonecessitareescreverosdocumentos.Elesirãoassimmesmo:emlatim,borrados,comerrosdeconcordânciaeortografia.ÉmaisdoqueelesmerecemnoConselhodecrépitoemAmsterdã.

(Willenseafasta.)

WILLEN

AproveiteoseuShabat,Xesc.Quantoaolivrodemedicinaturca,éestranhoquetodososcorpossãodeturcasdesnudas.Deveserumlivrodeanatomia.

(Olivroficailuminado.Tudoescuro.)

Page 15: Segunda peça da trilogia da imaginação

CENA2

CENADOCORPO(Localindeterminado/Masmorra/Noite)

(Focosobreumhomemdesnudodecostasparaaplateia.

Éjovem,musculoso,peleclara,éCalabar.

Instantes.

Dasuanucadesceumfiletedesanguequealcançaasnádegas.

OcorpodeCalabarbrilhadesuor.

Poucoapouco,aoseulado,vainascendoafigurademestreWillen,quesentadonumbanquinhoseapoianumabandejacomumapenadeescreverepapéis.

Willenlêoescritocomopapelpróximoaorosto.)

WILLEN

…Eassim,eu,DomingosFernandesCalabar,deagoraemdianteCapitãoCalabar,filhodaCoroadePortugal.

CALABAR

NãosoufilhodaCoroaPortuguesa.Elamedevetudo,eunadaaela.Retireestetrecho.Nãosouportuguês.

WILLEN

Eoqueescrevosobresuasorigensentão?Lembroque,essedocumentoéumjuramentoedevecontertodasasformalidades.

CALABAR

FilhodaTerraBrasilis.NascientreasareiasdopontaleacolinadeOlinda.Paisdesconhecidos.RecolhidopelaSantaIgrejaCatólicaesemeconsideramfilhodoreinodePortugalépelobrancodeminhapele.Soufilhodestesolo.

WILLEN

(Tom)Bastardosempátrianativa.

CALABAR

Dequemaisformalidadesprecisa,senhor…

WILLEN

MestreWillen,encarregadodetodososdespachosdopríncipeMauríciode

Nassau.Porvezes…

CALABAR

Porvezes…Prossiga.

WILLEN

Tambémmechamam,quandoseaprazem,deeminentemaestroeprofessor.SouoresponsáveldoArmazémCentral,dasimportaçõeseexportações,cartas,documentoseguardados.Censoseescritos.

CALABAR

Page 16: Segunda peça da trilogia da imaginação

Trata-sedeumsábio,umhomemde leise letras.Umbacharel.Perdoaoatrevimento.Eaindameverdesnudo.Passeo linho,porfavor.

(WillenentregaumatoalhadelinhoparaCalabar.)

WILLEN

Digo,capitãoCalabar.Existeumfiletedeseusangueescorrendonascostas.

(Calabarseseca,limpaosangue,enrolaolinhoagoramanchadodesanguenacinturaefinalmentesevira.)

CALABAR

Nãomepertence.Ésangueinimigo.Depoisdederramadonãotemmaisvalor.

WILLEN

Asangueexatamentedequemserefere?Aquempertencia?

CALABAR

Sanguedomensageiroportuguêsqueestámorto.

(Silêncio.)

WILLEN

Como?Quê…Eleerahomemdesuatropa,capitão.Dormiamnamesmacela.Eraseucompanheiromaischegado.

CALABAR

Eraumemissárioportuguês!Escondiamapassecretos.Tortureioparvoatéamorte.Jádisse:nãosouportuguês,jamaisquisser.SoudaTerraBrasilis.Eminentesábio,aindanãoseconvenceu?Osportuguesessãotacanhos,mesquinhosecovardes.

WILLEN

Seuatotambémfoideimensacovardia…Umcompanheirodearmada.

CALABAR

SeupríncipedeNassaunãopensaassim.Estáfelizeradiosocomosmapasportuguesesqueentreguei.

WILLEN

Suaaltezaéumhomemmelancólicoedoente,queporcertopassapordissaboresaqui.Maséfirmedecaráter.

(CalabarcolocaumgrossoaneldeouroemostraaWillen.Willenperplexo.)

CALABAR

Reconhece o selo e brasão dosNassaus neste anel, ilustre sábio? Essa foi aminha primeira recompensa do príncipeMaurício.Asegundaéquejurareifidelidadecegaeduradouranadestruiçãodasforçasportuguesas.EfazerdacompanhiadasÍndiasOcidentaisumnegóciodeaçúcaraindamaislucrativodoqueé.Nãoeraissoquequeriaescutareescrever?

(Silêncio.)

WILLEN

Porquemata,sangraetraisuaprópriagente?Porquê?Sãosuasprópriasraízes,carneecostume.Istoétraição.Sabequesetornaráummalditoentreosseus.Serummalditoentreseusiguaisotransformaránumaalmapenada.

Page 17: Segunda peça da trilogia da imaginação

CALABAR

Avidaéumatosolitário,venerávelsábio.

WILLEN

Sim.Semdúvidassolitário.Todaviamaisricoseforsolidário.

CALABAR

Odocumento.QuerotimbrarparasermaisumsúditodopríncipeMaurício.

WILLEN

Aindanãoacabeideredigirtotalmenteasexigênciasburocráticasdojuramento.

CALABAR

Firmoassimmesmo,confionahonestidadedossábios.Enãoseesqueçadeescreverqueotraidorporfimjurafidelidadeaalgumacoisa:CompanhiadasÍndiasOcidentais.Equeporserescassaepuraseráumafidelidadepreciosadetãopouca,seráaquelajamaisvista.

WILLEN

Nuncadigajamais.

CALABAR

Estoucientedeminhaspalavraseatos.

WILLEN

Jamaiséumapalavramuitoextensa,quasetocaaeternidade.

CALABAR

Quequerdizercomisso,nobreescrevinhador?

WILLEN

Quetalvezosseus“jamais”sejamdiferentesdos“nuncas”deumacompanhiadecomércio.

(Willenapresentaodocumentodabandeja.)

CALABAR

Outrodetalhe,bomsábio.Queroroupasdistintas.NãousoessespanosnegrosquechegamdasterrasdaHolandacheirandoamofo.Umcapitãoéumhomemdegarboemando.Tantoparadefendercomoparaatacarporseupríncipeesenhor.

(Calabarespremeoanelnodocumento.)

WILLEN

Saudações.Detraidorportuguêssetransformouemsenhorholandês.Muitobem.

(Cailuz.)

Page 18: Segunda peça da trilogia da imaginação

CENA3

CENADOVINHO(Escritório/Armazém/Noite)

(Agora,alémdolivroiluminado,háumbaú.

EntraXesceseaproximadobaú.Abre-ocomcuidadoetiraumacaixinha.Instantes.

Xesccomcuidadoabreacaixinha.

Seuolharsesurpreende.

Nãovemosoqueexistedentrodacaixinhacomdetalhesemmadrepérola.Escuta-seumatosse.

RapidamenteXesccolocaacaixinhadentrodobaúefecha.

EntraWillen.

Instantes.)

WILLEN

Tenhofrionasmãoseaomesmotempoobservoinchaçonosdedos.

(Xescseaproximaeretiraacapadomestreenquantofala.)

XESC

Suacapaémuitopesada.Nãofazsentidousartantospanosnocalordostrópicos.

WILLEN

Temrazão.Porfimescutoalgocoerente.

XESC

Mastambémpodeseriníciodafebredostrópicos,quematoumetadedosguardaseagoraévisívelnopríncipe.

WILLEN

Cale-se,Xesc!Fecheaboca!

(Silêncio)

XESC

Tinha uma surpresa. Certamente não interessa mais. Reescrevi o documento para Amsterdã. Sem manchas, borrões e sem saltarnenhumparágrafo.

(Silêncio.)

XESC

Escutouquedisse,mestre?Alémdasvistas,osenhortalvezestejasofrendodesurdez?

(Olivroeobaúseguemiluminados.Silêncio.)

WILLEN

Page 19: Segunda peça da trilogia da imaginação

…Eleé…otraidorportuguêsqueagoraécapitãodanossaarmadaeexército…É…Possuiumamiradasemluzeservil,masquandoalguémseaproximadeleoolharsetornamalícia.Ocorpocomeçaabrilhareseretesaenquantoexalaumamisturadesuor,sêmenesangue.Umaessênciamasculinaatrativaerepugnante.Foinesteinstantequesentioperigo:omedodetersidocapturadopelovil.Eleéumvil.

XESC

UmDibuk.EleéumDibuk.Umdemônio.

WILLEN

Não. Não é um diabo. É pior. É humano. E possui o caráter mais retorcido que alguém possa imaginar. Não possui piedade nemarrependimento.

(Silêncio.)

WILLEN

Malditoohomemquecrêemoutrohomem.

XESC

Reporta-seaopríncipedeNassau.

WILLEN

Curiosamenteeletrazopríncipeentreosdedos.Enãopossofazernada.Basta.Tenhofrioecalores.Sintosombriasensação.

XESC

Mestre,parececochicharcomsuaprópriasombra.Nãosigoseupensamento.Sejaclaro.

WILLEN

Xesc!PeloamordeDeus,conhecemelhorqueninguémascontasdaCompanhia.InvadimosapartedonordestedaTerraBrasilisdosportugueses.Eparaquê?Perdemoshomens,materiais,gastamosfortunas,eosresultadossãopífios.Maisproblemasqueaçúcardecana.Maisdoençasquenascimentos.Maistristezasquejúbilos.

XESC

Ecapitãocomisso?

WILLEN

Ocapitão.Calabarterápormissãoatacar,destruirouextorquirsejaláoquefor.Fazendasdoscolonosportugueses,terrasindígenas,bandodeescravos,nativosatéqueAmsterdãestejainundadoemaçúcar.

(Silêncio.)

XESC

Nãosealtere,mestre.Tenhoboasnotícias:reescreviostextosparaoconselhodecrépito.

WILLEN

Pormim…devíamosvoltarparacasa.Paraocachimbo,alareiraeasbatatas.Osmoinhosdevento.

(Instantes.

Entraamarquesaricamentevestida,trazdoiscáliceseseabanacomumleque.)

Page 20: Segunda peça da trilogia da imaginação

MARQUESA

Nempensenisso,veneradomestre.Oqueseriadestaterra…semsuapresença.Meimaginomorrendodetédio.

WILLEN

Senhoramarquesa.Queprazer,nãoesperavasuavisita.

MARQUESA

Poisaviseiseuservente.

XESC

Ajudanteeaprendiz,senhoramarquesa.

WILLEN

Claroqueelenãoavisou.Apreguiçaeaindisciplinasãofolhasdomesmogalho.

XESC

Nãotivetempodefalar,senhor.Reescreviascartaseainda…

WILLEN

Basta.

MARQUESA

Olhe,meubaúchegou.Atéqueenfim.Comodemorouessaencomenda.Obrigada,mestre.

XESC

Mestre.Escreviumanotaemsuamesasobretodosessesitens:visitas,chegadasdebaúsetudomais.Reescreviotexto.

WILLEN

Basta.

(Silêncio.

Amarquesacolocaoscálicessobreamesa.)

WILLEN

Vejoquetrouxepreciososcálicesesepermiteservireiumvinhoàalturadavisita.

MARQUESA

Pareceumadivinho,mestreWillen.

(WillenentregaumachavegrandeenegraparaXesc.)

WILLEN

Xesc,váatéabodega,abraaquartaportadoempório,retireumagarrafadomonteeretorneimediatamente.Enãotoqueemnenhumlivrodemedicinaturca.

(Xescseretira.)

Page 21: Segunda peça da trilogia da imaginação

MARQUESA

Serventessãoatrevidos.Deviaterescravos.

WILLEN

Apolíticadacompanhiaproíbeaescravatura.

MARQUESA

Detodasasformas,seuserventeitalianoéabusado.

WILLEN

SechamaFrancesco.Équaseitaliano.Temporapelido:Xesc.Éuminexperientedavida.

MARQUESA

Criançaquefazcriança,nãoémaiscriança.Dê-lheumasboaschicotadas.

(Instantes.)

WILLEN

Quemapanhanãoesquece,quembatesim.Masamarquesanãoveioatéaquiparatratardeassuntosmenores…

MARQUESA

Obaú.Quandosoubedachegadametranstornei.Éminhaúltimaesperançaparadarvidaaonossopríncipe.

WILLEN

Umbaú.

MARQUESA

Não.Oqueestádentrodobaú.Umacaixinhamágica.

WILLEN

“Mágica”?Comoassim?

MARQUESA

Éumsegredo.Depoisconto.Ovinhonãochega.Comopodenotartenhorazãosobreescravoseserventes.

(Silêncio.)

WILLEN

Semepermite,existeumasériedequestõesquemeparecemoportunasparaseremtratadas.Asenhorajáimportouestátuasitalianas,gravurasorientais,pinturasfrancesas, livrosdemedicina turca,objetosdemarfim,atéglândulasde tourosdoReinodeEspanha.Acontabilidadeexisteeestácatalogada.Masdigamosqueissosejaodemenos.OmaisimportanteéqueopríncipeMauríciocontinuaapáticocomo…comodiria:umacebola.

(Instantes.)

MARQUESA

Page 22: Segunda peça da trilogia da imaginação

Ésemprebomlembrar,mestre,quecebolasfazemchorar.Eeuchoro.Choroderaivaeimpotência.Usotodoomeutalentoeelenada.Seunéctardoprazerestáperdidoemnuvemdensa.Nelenãoháprazer.Creioquenuncateveumorgasmo.Seráquetemesperma?Aserventedissequesim.Dissequederramaleitecomoquemcortaasunhas.Possojurarquesuaprofundamelancolianascedevidoàcarênciadoprazerdacarne.Aoacúmulodesêmen.

WILLEN

Aviseiqueeleeraumpuritano.

MARQUESA

Ospuritanostambémprocriameexercitamoatodoamorcarnal.Comotodososseres,nãodeixamdeterdesejo.Nemquesejaporumaporquinha.

(Silêncio.)

MARQUESA

Elenãotematraçãoporsereshumanos,figuraseróticasoutextosprofanos,nemanimais,doresouhumilhações.Enfim,éumacebola.

(Instantes.)

WILLEN

Umpríncipesemherdeiros,melancólico,falido,semdesejoouvontade.Eaindacomfebredostrópicos.

MARQUESA

Essanãoéumaenfermidade.Éumamaldição.Sóatacaosholandeses.

WILLEN

Não vou dar ouvidos a crenças de nativos ignorantes. Comemos do melhor e mais sadio que vem de Amsterdã. Essa febre é ummistériosemfim.

MARQUESA

Mistério.Umhomemquenãogozanãoénatural.Tambémosseresquenãochoram.Senãochoram,nãoamam.

WILLEN

Nãogoza,nãochora,nãoama…MasessenãoéocasodopríncipeMaurício.Elechora.Chorouatéempúblico.

MARQUESA

Estoufalandoemgeral.Ocasodopríncipe,seiqueébemespecífico.Jamaissentirgozoeponto.

(Silêncio.)

MARQUESA

Tenteideumtudo.Provoquei todasasvontadesdacarne.Atéasmaisaberrantes.Encenei tiposdesodomia.Omestremeconhecebem:nãotenhovergonhas,nemescrúpulos…talvezporissosejamarquesa…Nãojulgoninguémmoralmente,porquenãoqueroserjulgada.Eseestouaquihátantotempoéquejamaisfuiderrotadaporumacausacarnal.

(EntraXesccomachaveeovinho.)

XESC

Ovinho.

Page 23: Segunda peça da trilogia da imaginação

MARQUESA

Deixetudosobreamesaeretire-se.

(Amarquesaseaproximadobaú.)

(Xescsevai.)

WILLEN

Edepoisdetudoqueconta,porquecolocasuasesperançasnumbaúvulgarenumacaixinha“mágica”?

(Amarquesaabreobaúeretiraacaixinhacomdetalhesemmadrepérolasemabri-la.)

MARQUESA

Porque depois de futucar inúmeras vezes a neblina que encobre o prazer do príncipe, desconfio que encontrei uma passagem tãosingelaquejamaistinhalevadoconta.Sim.Essacaixinhacontémoinesperadomaisbem-vindo.

WILLEN

Esperoquenãosejaumveneno.

MARQUESA

Émaisqueisso.Éumsegredonobreentreumpríncipeeumafidalgamarquesa.

WILLEN

Entãoaovinhomarquesa.Umbrinde.

(Amarquesaseguraacaixinhaeseabanacomoleque.)

MARQUESA

Mudeideideia.Umsábio,umvinhoeumamulher.Tereiatendênciaacontaraverdadesobreoconteúdodacaixinha.

WILLEN

Seráumadescortesianãobrindarcomigo.

MARQUESA

Não,maestro.Umcuidado.

(Amarquesavaisaindo.)

WILLEN

Porqueguardaosegredo?Qualaimportância?Parecequeestoucercadodetraidores.Istoétraição.

MARQUESA

Asmulheressãoassimmesmoqueridomestre:cheiasdesegredos,vontadesehumores.Capazesdeminúsculastraições…

WILLEN

Guardamsegredoseassimalimentamointeressedomacho.

MARQUESA

Page 24: Segunda peça da trilogia da imaginação

Minúsculastraições.Asviolentasdeixamosparaospoderosos.Boanoite.

(Caialuz.Somdetamboresmilitares.)

Page 25: Segunda peça da trilogia da imaginação

CENA4

CENADOTAMBOR(Cortinado/Localindeterminado/Amanhece)

(Atrásdecortinasdiáfanasopríncipepadecedafebre.

Somdetambores.

Ogeneralseaproximadocortinadoondesevê–talteatrodesombras–operfildopríncipeenfermo.)

PRÍNCIPE

Tamboresmilitares…Ardoemfebreseoecodostambores…

GENERAL

Calabarpartecomatropa,alteza.

(Silêncio.

Amarquesaseapresentaemoutrotraje.)

MARQUESA

Amanhece,príncipe.Diaesplêndido.Seriatãoagradávelsesuaaltezativesseforçasparaficardepé.

GENERAL

Alteza,semepermite…EssapartidatãosúbitadocapitãoCalabar…Sómelevaa imaginarqueopríncipeconfiamaisnosmapasdesteimpostordoqueemmeuconhecimentomilitar.

(Willenseapresentajuntodocortinado.

Sejuntaàmarquesaeaogeneral.)

WILLEN

Massacrouumcompanheirodearmasatéamorte.Dissequetalatrocidadefoinecessáriaemnomedestesmapas,quenemsabemossesãoverdadeiros.

(Silêncio.)

WILLEN

Talvezestejafingindo.Nuncatraiuosportugueseseaverdadeiratraiçãoagorasurgeemcilada.Otraidorcometeaverdadeiratraição.Nostrai.

GENERAL

Príncipe!Elelevounossaretaguardaeseosportuguesesnosatacarem,seremospresafácil.Estamossemtropasnosflancos.

(Opríncipefazumsinalparaamarquesa.)

MARQUESA

OpríncipeMaurícioquerdizeralgo?Porfavor,alteza,diga.

(Silêncio.)

PRÍNCIPE

Page 26: Segunda peça da trilogia da imaginação

…MestreWillen,lembra-sedapassagemdomeulivrodecabeceira,aquelequetratadatraição.

WILLEN

Certamente,alteza.Eéumdostrechosmaisinteressantes.

PRÍNCIPE

Eoquedizolivro?

WILLEN

…Começaassim:“Atraiçãonãoéummal teológicoporcompleto, jáque trouxeosmaioresdosbens:JesusCristo.SeJudasnãotraísse,Jesusnãoressuscitaria.”

PRÍNCIPE

É suficiente. Que Calabar prossiga como queira e bem entender. Alguém tem ideia melhor? As arcas estão vazias e os senhoresdispensados.

(Instantes.

Nasceosol.

Tudoseiluminalentamente.)

MARQUESA

Alteza!Veja!Osolbrilha.Édiaazul.Osprimeirosraiosalcançaramapraiaevejoumadonzeladesnudatrazendoumfigoabertoedoceentreaspernas,elaalçaseusbraços…

PRÍNCIPE

Marquesa.Ésuficiente.

(Instantes.

Amarquesaseaproximadocortinado.)

MARQUESA

Alteza,chegoudesdeBarcelonaa“caixinhamágica”dequetantoproseieversei.Temdetalhesemmadrepérola,masimportanteéqueobserveoseuinterior.

PRÍNCIPE

Suficiente.Estádispensada.

(Caialuz.)

Page 27: Segunda peça da trilogia da imaginação

CENA5

CENADACARTA(Escritório/Armazém/Dia)

MARQUESA

Aquiestáumaescuridão.Abraacortina.

(Xescabreumacortina.

Entraaluzdodia.

Olivro,obaú,ovinhoeastaçasficamiluminados.

Agorasãopeçaspermanentesdoarmazém.)

XESC

Umdiaazul.

MARQUESA

Talvezeutenhasidoaprimeirapessoaqueviuodia.Tambémestavanoaltodeumatorre…Agorasenteeescreva…Éumacartaurgente.QuesiganoprimeirobarcoparaBarcelona.

(Xescsentaemolhaapenanotinteiro.

Amarquesacaminhapeloarmazém.)

XESC

Sim,marquesa.

(Silêncio.)

MARQUESA

Sintoummauhumor…Seiquemeodeia,porquetetratocomoumservente.Istoécerto?

XESC

Sim,senhoramarquesa.

MARQUESA

Nãopensequeémelhorqueosoutrossóporquesabecombinarumasletrinhasnumtrapodepapel.

XESC

Sim,senhoramarquesa.

MARQUESA

Escrevaquesintofaltadela,deminhaprimaEunice.Equeacaixinhaquemandouaindanãosurtiuoefeitodesejadoporque…

XESC

OpríncipeCebolaaindanãoabriu.

(Silêncio.)

Page 28: Segunda peça da trilogia da imaginação

MARQUESA

Mulheresmadurasjamaisdeveriamseaproximarderapazesde17anos.

XESC

Nãoparece,massoumaisvelho,tenhomaisque17…Desculpe,marquesa,peloatrevimentododito“príncipeCebola”.

MARQUESA

Escuta minhas conversas com seu patrão Willen. Não é verdade?… Deve portanto bisbilhotar minhas encomendas marítimas…Respondaouseráaçoitado!

XESC

Sim,marquesa.Oslivrosetudoomais.

MARQUESA

Acaixinha…

XESC

Também,marquesa.Conheçooconteúdo.

(Silêncio.)

MARQUESA

Conheceoconteúdodacaixinha…Entãoestounasmãosdeumrapazote,umpúberequemalsabetocarumamulher?…Certamentenãoconheceasminúciasdasreentrânciasdasfêmeaseseatrapalhanoconjuntocomosefosseumpavãomanco?

XESC

Nãosoutãoinexperientecomoimagina.

MARQUESA

Nãomediga!Entãoparedeescrever.Váacaminhodacortinajuntoàluzdodia.

XESC

Paraquê?

(Instantes.

Xescselevantaecaminha.)

MARQUESA

Éumaordem.

XESC

Sim,senhoramarquesa.

(Xescaochegaràcortinaseescondeatrásdela.)

MARQUESA

Secolocouatrásdacortinaescondido,porquê?Gostadoescuro?Comosefosseumratinhonobreu?

Page 29: Segunda peça da trilogia da imaginação

(AmarquesaespalmasuamãonovolumedacortinaondeseencontraescondidoXesc.)

MARQUESA

Tímido.Dezesseteanos.

(AMarquesameteamãodentrodeumafendaqueexistenacortina)

MARQUESA

Sintoquetemovigordaidade…Dezesseteanos.Infelizmente,rapazote,époucoparaumaaristocrata.

(Instantes.)

Subitamente,comaoutramão,amarquesapuxaaoutrapartedacortinaeolhaocorpoescondidodeXesc.

(Instantes.)

(NãovemosnenhumanudezousequerXesc.Sóovolumedeseucorpotapadopelacortina.)

MARQUESA

Éjudeu.Umjudeuquesepassaporitaliano.Falsaidentidade.Umimpostor…Judeu!

(Xesccontinuaatrásdacortina.

Amarquesalargaacortinaeseafasta.)

XESC

Osprotestantesholandesesnãoperseguemosjudeus.

MARQUESA

Masosportuguesessim.Eporacasoestamoscercadosporeles.Eseascoisasestãocomoestão,logo,logo,elesestarãoporaqui.

(Silêncio.)

MARQUESA

JovemXesc,escutecomatenção…Nãovoudividircomninguémmeuúltimotrunfo…Nãoabraabocaparaninguém.Ninguémpodesaberoconteúdodacaixinhademadrepérola.Fuiclara?Comosoucatólica,seráumprazercriarumaintrigaatéconseguirqueseutaludoedescobertopintoestejanasmãosdaSantaInquisição.

(Amarquesavaisaindo.)

MARQUESA

Eoutracoisa.PorhojenãovamosescreverparaaprimaEunice.Perdiainspiração.

(Amarquesasai.

Caialuz.Acabaodia.

Numaampulhetaescorreaareia.)

Page 30: Segunda peça da trilogia da imaginação

CENA6

CENADACOURAÇA(Escritório/Armazém/Noite)

(Luzsobreaampulhetaqueescorreaareia.

Willenlêcomsualupa.

Otempopassaporintermédiodaareia.

Xescrabiscaumpapel.)

WILLEN

Xesc,estudealiçãodelatim…

(Silêncio.)

XESC

Mestre,porqueodeiatantoocapitãoCalabar?Afinal,eleestádonossolado.

WILLEN

Odiaréumapalavramuitoforte.

XESC

Quesejaoutraentão.Raiva,podeser?

WILLEN

Não.Éumpoucomaiscomplicado…Eleéaquilo tudoqueeuqueria ser,oudeveria ter sido…Sinto invejadele. Inveja, essaéapalavra.Daferocidadecomquesedeixalevarpelavida.Navoracidadeefranquezacomquedespejaseusdesejosmaisabjetos.

XESC

Umtraidor?Comopodeserumapessoafranca?

WILLEN

Nãoseiluda.Calabaréclarofeitoágualímpida.Sabeexatamenteoquequerecomoiráconseguir.

(Instantes.

Calabarsaidaescuridão.Estátrajandoumacouraçademetalsurradaeopaca,asbotasevestimentasestãosujasdesuor,sangueesujeira.)

CALABAR

Quantotempo.Játinhaatémeesquecidodogostodeumbomvinhoeuropeu.

(Calabarabreagarrafadevinhoiluminadaeserveovinho.WilleneXescestãoperplexos.)

XESC

CapitãoCalabar.

WILLEN

Page 31: Segunda peça da trilogia da imaginação

Chegaassimsemavisar…Nãomandoumensageiros.

XESC

Tantotempo…julgamosque…

CALABAR

Gostodesurpresa.Cavalgoantesdatropaporquemeapraz.Cavalgonoiteadentro.Oventoquevemdomarresvalandonorosto.Medásensaçãodeliberdade.Soltura.

(Calabartentaretiraracouraça.)

WILLEN

Ajudeocapitão.

(XesctiraacouraçadeCalabar.

Nesseinstantenoarmazémseiluminaumacouraçadeprataeumuniformeazulcomdobrõesdourados.)

CALABAR

Olha!Meu uniforme chegou.É azul, comdobrões dourados…E a couraça toda nova.Demetal prateado.Comoum cavaleiro deverdade.Umguerreiro…

(Calabarridefelicidade.)

WILLEN

Desembarcaramfazalgunsdias.Realmenteétudomuitobonito.

(Calabartocaouniformeeacouraçanovaenquantobebevinho.)

CALABAR

Tenhonovidades,mestresábio.

WILLEN

Xesc,leveacouraçavelhadocapitãoepodeseretirar.

XESC

Sim,mestre.

(Xescsailevandoacouraçavelha.

Calabarsenta-senacadeiradeWillenebebevinho.)

WILLEN

Easnovidades?

CALABAR

Boas.Luteibatalhasemaisbatalhas.Depoisdeumabatalhavinhaoutra,edepoisoutra.Emaisoutra.Luteitodasasbatalhas.Evenci.

WILLEN

Bebamaisvinho.

Page 32: Segunda peça da trilogia da imaginação

(WillenserveCalabar,quebebe.)

CALABAR

Ummontãodebatalhas.

WILLEN

Semdúvida.

(Silêncio.)

CALABAR

Olhebemnohorizonte.Oquevê?

(Willendepéolhaparaaescuridão.)

WILLEN

Nada.Anoite.Oluar.Sombras.

CALABAR

Nãovêasilhuetademontesenormes,comomontanhas,quedeslizamnolongefeitocamelospelodeserto?

(Willententaenxergaraolonge.

Desenhodasilhuetadetrêsvolumes,doisdelesgrandes,seressaltamiluminadosnoarmazém.

Alémdolivro,couraçaeroupasnovasdeCalabar,ocálicedevinho,jáiluminados.

Todososobjetosiluminadosoudelineadospelaluz.)

CALABAR

Sãotrêspresentesdeminhaparte.Oprimeiroéparaopríncipe,osegundoparaogeneraleoterceiro…

WILLEN

Paramim.

(Calabarri.)

WILLEN

Bebamaiscapitão.

CALABAR

Podeservir.

(Willenconstrangidoserve,Calabarbebe.)

WILLEN

Quantosmortos?

CALABAR

Incontáveis.Comotambémosincêndios,apropriaçõesesaques.PraticamentesomosdonosdonordestedoBrasil,daregiãointeiradePernambuco.Podemosmarcaroslimitesecriarfronteiras.

Page 33: Segunda peça da trilogia da imaginação

(Silêncio.)

CALABAR

Nãoestáfelizcomavitória?

WILLEN

Muito…Massabiaondeatacarporqueconseguiuosmapascorretosdeseucompanheiro.

CALABAR

Mateiporessesmapas!

WILLEN

Semdúvida.Masprecisavaseguirmatandopopulaçõesinteiras?Nãoseriamaishumanoeinteligentevenceroinimigo,dominandosem destruição ou massacres desnecessários? Agora todos os nativos de Pernambuco nos odeiam. Os holandeses serão os novosportugueses!

CALABAR

Aocontrário,amamosholandeses.Amaramdeprazerquandoviramnossatropaesquartejarosportugueses.

WILLEN

Comopodem:seusprópriossenhores.

CALABAR

Senhores?Algozes!Osportuguesestratamosnativoscomogado.Boi.

(Instantes.)

CALABAR

Porquenãobebe?

WILLEN

Sofrodeenxaqueca.

(Calabarbebe.)

CALABAR

Bom vinho. Cor de rubi. Batalhas emais batalhas. E sangue, muito sangue…Omais perturbador foi descobrir que sangue atraisangue.Tudovermelhocomoumenormerubidesfeito…

(Silêncio.)

CALABAR

Responde,mestre.Porquesintoprazercomaquiloqueosoutrosrepulsam?

WILLEN

Dependedoquê.Comquesenteprazer?

CALABAR

Page 34: Segunda peça da trilogia da imaginação

Comosangue…Sanguealheio.

(Panodelinhomanchadodesangueseilumina.)

CALABAR

Quantomaisescorre…maisvolúpiatenho.

CALABAR

Responde.Écapazderesponder?

(Silêncio.

Umgalocantaaolonge.)

CALABAR

Cansado.Semvontadededobrarumaperna.

(Calabarbatepalmascomforçaduasvezes.

Entraumaescravajovem,morenaelinda.)

CALABAR

Tireminhasbotas,escrava.

(ElaseajoelhaecomeçaatirarasbotasdeCalabar.)

WILLEN

…Umaescrava.

CALABAR

Umaescrava.Adquirinaprimeirabatalhaquevenci.Meserveháseisluas.Fazoquequeroemando.Éumbichotreinadoecalado.

WILLEN

AsnormasdaCompanhiadasÍndiasproíbemqueseusfuncionáriostenhamescravosoualgoparecido.

CALABAR

Ter escravo não se permite…Não se permite! (risos)Mas amão de obra das fazendas daCompanhia é de escravos! E ainda daHolandaosbarcosquetrazemosnegrosdaÁfrica.Afinalpodeounãopode?

WILLEN

Ocapitãosepassounovinho.Étambémletradoemdemasiaparaseuposto.

CALABAR

Fui letrado e escravo dos jesuítas. Leio e escrevo em latim. Decorei declinação e verbos comendo restos de comida e limpandolatrinas.

(Silêncio.)

WILLEN

Seosholandesessãoassimtãohipócritas,porquesejuntouanós?Holandeseseportuguesesafinalsãofarinhasdomesmosaco.

Page 35: Segunda peça da trilogia da imaginação

(Calabarsaicaminhandocomataça.)

CALABAR

Não.Osholandesessãohipócritas,osportuguesessãocínicos…ElesrepresentamumaCoroa…JáaHolandanãoéumanação,éumnegócio… Portugal, uma Coroa…A Coroa tira da terra, os negociantes deixam coisas na terra…Um tira, o outro deixa. Todosigualmentemesquinhos…Oscivilizadosmesquinhos.

(Calabarsaidecenacomseucálice.Ri.)

CALABAR

Umacouraça…deprata.

(FicamWilleneaescravasegurandoasbotas.)

WILLEN

Escrava.Oqueespera?Sigaseudono.

ESCRAVA

Agoranãodevo.Ogalojácantoueocapitãosepõeacomersozinho,frutossilvestreselimões.

WILLEN

Edesdequandoumguerreirocomealimentostãosemforça?Frutassilvestressãotóxicaseoslimõessãoamargos.

ESCRAVA

Paraficarbomesadio,enãoterafebredostrópicos.

WILLEN

Comodisse?…Evitaafebredostrópicos?

(Luzcairapidamente.)

Page 36: Segunda peça da trilogia da imaginação

CENA7

CENADOFRUTO(Localindeterminado/Armazém/Noite)

(FocosobreXesc.

Xesccortafrutastropicais:carambolas,abacaxisesapotis.Enquantocorta,espremeoutrasnumpanosobreumpratodeprata.Osucodasfrutasescorreemanchaopratodeprata.)

XESC

…Mestre…Para que serve isto…Esses frutos são tóxicos e aguados…Se alguém beber esse caldo vai se esvaziar em diarreias.Mestre,acasopretendeenvenenarCalabar?

WILLEN(Off)

Basta.Façaoordenado.

(Xescsegueseutrabalho.

Instantes.

Luzsemantém.)

Page 37: Segunda peça da trilogia da imaginação

CENA8

CENADOUNIFORME(Localindeterminado/Noite)

(FocosobreCalabar.)

CALABAR

Ouniformedegala.

(AescravacomdelicadezaecarinhovesteCalabarcomonovouniforme.)

CALABAR

Oqueachadele?Dosdetalhes?

ESCRAVA

Élindo,meudono.

(Instantes.

ElacontinuatrajandoCalabar.Açãoeluzsemantêm.)

Page 38: Segunda peça da trilogia da imaginação

CENA9

CENADASOPA(Localindeterminado/Cortinadodopríncipe/Noite)

(Asombradopríncipeseiluminadentrodocortinadoquecobreseuleito.AoseuladovemosmestreWillensegurandoumacuiadeprata.)

WILLEN

Alteza!Edepoisdepesquisar,estudaralfarrábioserefletircomafinco,formuleiumapergunta:porqueanaturezaproveriaaTerraBrasilissódefrutostóxicos?

PRÍNCIPE

MestreWillen,foiosenhormesmoquemeconvenceuaevitaressesfrutos.Dissequeoaromainebriantequeexalamdisfarçavaumforteveneno.

WILLEN

PríncipeMauríciodeNassau…

PRÍNCIPE

Ummomento.Apartirdestaafirmação,nós,osholandeses,sócomemostoucinho,bacalhausalgadoebatatas.Comidacomsubstânciaquenoslivradafraquezaedapeste.

WILLEN

Isto é certíssimo, alteza. Aliás, é o que acontece nos reinos europeus. Porém quase sempre na raiz do problema encontramos asolução…Estoumereferindoaomistériodafebredostrópicos.Pelosmeuscálculos,químicaseestudosprofundos,certasquantidadesdestevenenoaguado,muitobemdosadasemisturadaspormim,sãocapazesdeevitareextirparafebredostrópicos!

(Instantes.

Açãoeluzsemantém.)

Page 39: Segunda peça da trilogia da imaginação

CENA10

CENADOVENENO(Cortinado/Recantodosfrutos/TrajedeCalabar/Locaisindeterminadoseconcomitantes/Noite)

(Xescsegueconcentradoemseutrabalho.)

XESC

Mestre…Acana-de-açúcaréumfrutovegetal…Mestre,setodososfrutossilvestressãotóxicos…Deus!Oaçúcarquevendemoséumveneno!

(LuzdeXescseapaga.

AescravaterminadevestirCalabar.)

CALABAR

Comomevê?

(Instante.)

ESCRAVA

Pareceumpríncipe.

(FocodeCalabarseapaga.

Willenentregaumacuiadeprataparaopríncipe.)

WILLEN

Beba.Vaiatenuarsuafebreemelancolia.

PRÍNCIPE

Istoéasqueroso.Parecemostrasperfumadas.

WILLEN

Éumasopaviscosa,nemfria,nemquente,contémsapotis,carambolasejabuticabas.

PRÍNCIPE

Nãoprossiga.Essaspalavrasnativasnãomeservemdenada.

(Instantes.

Opríncipebebedacuia.

Caialuztotal.Entraosomvibrantedeumatrombeta.)

Page 40: Segunda peça da trilogia da imaginação

CENA11

CENADATROMBETA(Escritório/Armazém/Dia)

XESC

Suaaltezasereníssima!

(Osobjetos–livro,linho,cálice,couraça,baú,etc.–eosnovosvolumesdoarmazémseiluminam.)

(EntraopríncipedeNassau.Willen,amarquesa,Xesc,ogeneraleCalabar,deuniformenovo,fazemdiscretareverência.)

MARQUESA

Quandomecontaramdesuasúbitarecuperação…Fiqueialegre.Mesenticomoumameninacorrendopelaareiafrescadamanhã.

PRÍNCIPE

Esperoqueamoçanãotenhaumfigoabertoentreaspernas,poispodetropeçarecair.

(Silêncio.)

PRÍNCIPE

Sobre o tema deminha saúde, falareimais tarde, a quem quiser ouvir.Agora quero escutarCalabar e sua jornada pelas terras dePernambuco.

(Calabarcaminhaenquantoseaproximadostrêsvolumescobertos.)

CALABAR

Meupríncipe,nãosouguerreirodepalavras.Sóacreditonaquiloquealcançocomamãoevistas.

PRÍNCIPE

Oqueseescondeatrásdaquelevolume?

CALABAR

Ouro,pedras,prataseesmeraldas.JoiasparadarsuprimentoaotesourodaCompanhia.

(Calabarodescobreerevelaumaarcaqueestárepletadejoias.)

CALABAR

Alinaquelessacos?

(Vê-seumapilhadesacosdepanorústico.

Calabarespetaerompeumsacocomsuafaca.Açúcarescorreemprofusão.)

CALABAR

Açúcar.Ourobrancodamaispuracana.AçúcarsuficienteparaenchertodososdiquesdeAmsterdã.

(Todosextasiados.)

CALABAR

Emais,meupríncipe.Paraseusplanosmilitaresedefesas.Mapas,réguas…

Page 41: Segunda peça da trilogia da imaginação

(Destapaumabandeja)

CALABAR

…Compassosetábuas,matemáticasdostrópicos,desenhodecorrentesmarítimasedistânciasterrestrescorretas.

GENERAL

Osapetrechosemapassecretosportugueses!

CALABAR

Sãoariscos e espertososportugueses.Por issodominaramas terras eosmares.Comodescobremomundoantesde todos, fazemmapas com perfeição e depois distribuem falsos para outras Coroas e Comércios. Foi assim que enganaram os espanhóis com oTratadodeTordesilhas,quandodividiramosuldomundo.ACoroadeEspanhapensavaqueerapoucaterraparadividir,masPortugalsabiaqueosmapasescondiamumcontinentechamadoTerraBrasilis.

WILLEN

Agorafalasbemdosportugueses…Nãoserecordaquedissequeeramtacanhos…Mesquinhos,incapazesdepossuirconhecimento.

CALABAR

Digoquesãoperigosos.

GENERAL

Muitobemdito,capitão.

(Príncipelevantaamão.

Silêncio.)

PRÍNCIPE

…ComcertezaesteéumdosdiasmaisauspiciososdaCasadeNassau.CapitãoCalabar,aproxime-se.

(Calabarfazmençãodeajoelhar-se)

PRÍNCIPE

Não.Nãoprecisaajoelhar.Guardesuasforçasparareceberminhagratidão.

PRÍNCIPE

Agorapossuiumpríncipeàalturadeseusesforços.

CALABAR

Alguémacreditaemmim.Umpríncipeacreditaemmim.

(Calabarbeijaoaneldopríncipe.)

PRÍNCIPE

Calabar.Graçasaotesouroeaoaçúcarvourealizarumsonho:construirumacidadeeuropeianostrópicos.

(Instantes)

MARQUESA

Page 42: Segunda peça da trilogia da imaginação

Alteza.Queesplendor!

PRÍNCIPE

Trareimóveis,pedras,arquitetos,tintas,pintoresemúsicosparadarvidaàcidadeMaurícia.

(Todosadmiradoseperplexos.)

GENERAL

EnfimaCompanhiadasÍndiasOcidentaisteráumasededeacordocomsuaimportância.

WILLEN

…Nãotenhopalavras,alteza.

MARQUESA

AcidadeMaurícia.

CALABAR

…Tudoque imaginei e não tive tempode sonhar…Maurícia, uma cidade espetadanas cristas dePernambuco.Entre o pontal e omar…Issoétudoquequeria.Porissolutei.Lutei.Luto…Essaé,semdúvida,amaiorrecompensaquesuaaltezapodedaràTerraBrasiliseamim.

PRÍNCIPE

Entãoestádada.FaremosMaurícia.Eassimpagareiminhadívidacomosnativoseseuguerreiro.

(Calabaragradececomumareverência)

PRÍNCIPE

Triunfo,senhores,sepagacomjúbilo!Eparadarumdesfechoàalturadestemomento.

(Opríncipefazumsinal.

EntraXesctrazendonumaalmofadadeveludoumcolardeourodeplacasgrandes,representaumaespéciedecomendapoderosaquepelobrilhoepesosenota.

Silêncio.)

MARQUESA

Ocolardoconselheiromor.AvenerávelcomendadeOrange.

(Calabarseadianta)

PRÍNCIPE

MestreWillen,aproxime-se.

(Calabarseafasta.

Willenabaixaacabeçaemfrenteaopríncipe.

OpríncipecolocaocolaremWillen.)

PRÍNCIPE

Page 43: Segunda peça da trilogia da imaginação

Porque, senhores, nada disso teria acontecido semestreWillen não tivesseme salvo da escuridão da febre dos trópicos.Com eleaprendiumsegredonativo:omaceradodefrutastóxicastomadoantesdoamanhecer.

(Instantes)

CALABAR

Comodescobriuospoderesdabeberagem?

WILLEN

Estudando.Estudandonoiteadentro.

MARQUESA

Alémdemestreéalquimista.Étodoumsaber.

PRÍNCIPE

DeagoraemdiantemestreWillenseráoconselheiromordaCompanhiaedoPrincipado.

PRÍNCIPE

Jamais retire o colar dosOrange, pormais pesado que seja o ouro. Pois ele também lhe concede o título de conde das terras dePernambuco,nobrezasagradapormimemnomedaestirpedosNassau…

(Príncipefazmençãodesair.)

WILLEN

AcomendadeOrange…

PRÍNCIPE

Sempalavras.Suaprimeiramissão,honorávelconde,serádeergueracivilizaçãonostrópicos,tãoperfeitacomoaholandesa.

(Todosfazemumareverência)

PRÍNCIPE

Ésuficienteporhoje.

(Amarquesadáumpassoadiante.)

(Instantes.)

PRÍNCIPE

Queamarquesameacompanhe.

(Príncipeemarquesasaem.CaiaLuz.)

Page 44: Segunda peça da trilogia da imaginação

CENA12

CENADACAIXINHA(Cortinado/Localindeterminado/Recantodopríncipe/Dia)

(Luznocortinado.

Oprínciperetirasuacapaevaientrandonocortinado.

Amarquesachegacomacaixinhanasmãos.)

MARQUESA

Creioquechegouomomentodesuaaltezaabriracaixinha.

PRÍNCIPE

Existemseresquenãonecessitamdoprazercarnal.Eporseremcastossãosuperiores!

MARQUESA

Certamente.Sãosuperioresaquelesqueultrapassaramoprazercarnal…Masaquelesquejamaisalcançaramoprazer:comochamaria?

(Instantes)

PRÍNCIPE

…Ficocomela.Passeacaixinha.

(Amarquesaentregaacaixinhaparaopríncipeesai.

Opríncipeentranocortinadocomacaixinha.

Luzeaçãosemantêm.)

Page 45: Segunda peça da trilogia da imaginação

CENA13

CENADOOURO(Localindeterminado/RecantodeCalabar/Dia)

(FocosobreCalabar.

AescravaretiraouniformedeCalabar.)

CALABAR

Ocolarémaisreluzentequemeuanel!Maisofuscantequeminhacouraçaprateada!Injusto.Foiinjusto.Umvenerávelcondemor!Das terras de Pernambuco e arredores!Maurícia é…MinhaMaurícia!Minha! Porque tive a cidade na mente antes de qualquerforasteiro.Sonheiumacidadenativaantesdeles.

(Escravasegueseutrabalho.)

(Opríncipe,atrásdoseudiáfanocortinado,depoisdemomentosdecuriosidade,abreacaixinha.

Instantes.)

(Açãoeluzsemantêmnasduassituações.)

Page 46: Segunda peça da trilogia da imaginação

CENA14

CENADAJAULA(Armazém/Recantodajaula/Dia)

(LuzsobreogeneraleWillenqueusaocolar.

Willentemumacaixanamãocheiadecarimbos.)

WILLEN

Eparamim,CalabarmepresenteoucomcarimboseselosoficiaisdaCoroaPortuguesa.Roubados,éclaro.Dissequedeveriausarparacriardocumentosfalsos,informaçõesmentirosaseassimsemearocaosnaburocraciaportuguesa…Éumdesatino.Umaimoralidade.

GENERAL

Efetivamenteumimoral.Aliás,estouconvencidoquenãoexistepecadosnaEuropa,sómoralidades.Deve-seaceitar:…osnativossãomaispecaminososqueoseuropeus.

(Instantes)

WILLEN

Podeser,general.Equalfoisuaprenda?Otraidorlhepresenteoucomquê?

(Ogeneralseaproximadeumajaula.

Luztomacontadajaula.Vemosumaíndiajovem,linda,temocorpopintadodiscretamenteeusapenasparacobriraspartes.

Instantes.

ReaçãodeWillen.Aimageméimpactanteebela.)

GENERAL

Umaíndiacasamenteira.Filhadeumaestirpeindígenareconhecidaemcartório.Puraeserenacomodeveseraesposadeumgeneral.

WILLEN

Comodisse?

GENERAL

Imaculada.Linda.Virgem.Perfeitaparaserminhaesposa!

(Aíndiacomeçaadizerpalavrasincompreensíveis.Umidiomamonossílaboemonótono.Estácalmaetranquila.)

Page 47: Segunda peça da trilogia da imaginação

CENA15

CENADAMORDIDA(Cortinadodopríncipe/RecantodeCalabar/Jaula/Localindeterminadoeconcomitantes/Dia)

(Opríncipe,sempreatrásdocortinadoeentrelençóis,examinaointeriordacaixinhaesemasturbadiscretamente.Senteoprazerolhandoparaoconteúdodacaixinha,masninguém(…)vêoconteúdo.

AescravaafagaCalabar.)

CALABAR

Escrava.Nãochoro.Nãomearrependo.Nãoamoninguém.

ESCRAVA

Masaescravachoradeamor,capitão.Acadainstante.Suplico,meame.

(Calabarcede.Começamasetocaramorosamente.

Emfrenteàjaula,ogeneralsorricomamorpelaíndia.

Willenperplexo.)

GENERAL

Minhaesposa.Devéuegrinalda.Foiamoràprimeiravista.Acerimôniaseránosritosdenossaféprotestante.

WILLEN

Outrodesatino.Umcasamentoreligioso.

GENERAL

Arranjeumamaneiralegalparaqueomatrimônioserealizenaleienaordem,conselheiro.Seiqueconsegue.Elaficaaquiaosseuscuidadoseatenções,atéquesepossamostrá-laaosnossos.

(Ogeneralencostaamãonajaula.

Eletentaacariciarocabelodela.)

(Subitamente,ajovemseviraemordeamãodogeneral.Elegritaerecolheamão.

Ofiletedesangueescorredamãodogeneral.

Calabareaescravasebeijamnaboca.

Opríncipechegaaoorgasmo.)

(Cailuzgeral)

Page 48: Segunda peça da trilogia da imaginação

CENA16

CENADOANEL(Escritório/Armazém/Noite)

(Umrelâmpagoexplodenajanela.

Chove.

Xesc,comoutrotraje,correàjanela.)

XESC

Mestre.Aestaçãodaschuvaschegou.Tardoumasaportou.

(Xesccorreefechaacortina.)

XESC

Vaifazerpédevento.Voufecharacortina.

(Oarmazémeseusobjetosseiluminam.Sãodesenhadospelaluz.

Vemosogeneraljuntoàjaula.Dentrovemosaíndia,lindaeplácida,masagoravesteumvestidosujoesurradopelouso.

Existemrestosdecomida,frutasefenonajaula.Sinaisdequeaíndiaestásendo“civilizada”háalgumtempo.

Willenlêcomsualupaeusaocolar.

Xescfechaacortina.

Calabaresparramadonumacadeirabebevinho.

Instantes.

Chuvasegue.

Aíndiafalaumaspalavrasincompreensíveisemonótonas.

Ogeneralembevecidoobservasuanoiva.

Aíndiabuscanofundodajaulaumtroçodecanadescascadaecarinhosamentecolocanabocadogeneral.)

GENERAL

Viram?Vê!Elaestámedandoumpedaçodecana.Diaadiameamaumpoucomais.Cadavezmaisdócilesensível.Demorouváriasluas,masestáaprendendoasecomportarmesmoquesejadentrodeumajaula.

WILLEN

Aindanãosabesevestircompropriedade…

(Aíndiafalaumpoucomaisalto)

GENERAL

Calma…Infelizmenteaindafalaestacantoriamonótonaeincompreensível.Elaestáfazendoumsinal…

(Calabarbatepalmas.)

CALABAR

Maisvinho.

Page 49: Segunda peça da trilogia da imaginação

(EntraaescravaeserveCalabar.

Aíndiausandomímicaencena,entregrades,quequerdormir.

Ogeneralficaaflito.)

GENERAL

Elaquermeexplicaralgumacoisa.

(Instantes)

(Aescravaeaíndiaseentreolhamcomintensacumplicidade.)

GENERAL

Viramcomonosentendemos?Estádizendoquequerdormir.

(Aescravasai.

Calabarbebe.Ogeneralcobreajaulacomumpano.)

GENERAL

Boasnoites.Logochegaráodiaquesairádestasgradeseiráconheceracorte.Avidadeverdade.Prometo.Palavrademilitar.

(Ogeneralcobreajaulacomopano.Nãovemosmaisaíndia.Segueruídodechuvaetrovoada.

Instantes.

Calabardáumarisada.)

WILLEN

Bastadevinho,capitão.

CALABAR

General!General.Oqueé,oqueé?Queéumaempresacomercial,mastemumprínciperegentecomumprincipadonacabeça.Oqueé,oqueé?Quenãopodeverumescravo,masdelevive.

WILLEN

Basta.

CALABAR

Equemé,equemé?Quecondesetornou,quandosegredosnativosroubou.

GENERAL

Capitão.

(Calabarsecala)

WILLEN

Souoconselheiro-mor.Nãovousuportarsuasinsinuaçõesmentirosasdequeroubeisegredosnativosequeportantodevotertraídoaconfiançadealguém.Nuncapreciseitrairparaconseguirosaberetítulos.

CALABAR

Page 50: Segunda peça da trilogia da imaginação

Osegredomepertencia.Fuieuquemintuíedescobri.Erasómeu.

WILLEN

Umsegredoquejamaisdeveriatersidoumsegredo.Todososholandesesestãosalvosdafebredostrópicos.Todos.Sopadefrutosagoraéobrigatórianospovoadose,porconseguinte,estamoslivresdessainfelicidade.Quemaisquer?Assuntoencerrado.

CALABAR

Aindadescubrocomoconseguiuabeberagem.Sereiimplacável.

WILLEN

Escuteiumaameaça?

(Silêncio)

GENERAL

Senhores.Calabar…Capitão,essadiscussãoéinútil.Sórefleteseudescontentamentopelosnovosdecretosdoconselheiro-mor.

WILLEN

Ogeneralchegouaocentrodaquestão.MantenhoodecretoquenossosesforçosseconcentremnaconstruçãodeMaurícia.Tambémestãoproibidasasexpropriações,matançaseguerras.Játemosterritórioemdemasia.

CALABAR

Semchicoteninguémtrabalha!

WILLEN

Pagaremospelotrabalhoalheioecobraremosimpostos.

GENERAL

Senhores.Jásefaztarde.Conversamemdemasia.

CALABAR

Sóseifazerguerras,general.Ganhoavidaassim.Dequevouviver?

WILLEN

Tedaremosterras.

CALABAR

Queterras?EstãotodasocupadaspeloscolonoseaCompanhia.

GENERAL

Sobramasterrasindígenas.

CALABAR

Possomassacrá-los,poderosoconselheiro?

WILLEN

Page 51: Segunda peça da trilogia da imaginação

Não!Impossível.Mantenhoodecreto.

CALABAR

Paraoscatólicos,osíndiosnãotemalma.

GENERAL

Mentira.Éumaverdadebíblica,moraleirrefutável!Têmsim.Estivecomoreverendo.Jesusserevelaemtodososseres.

WILLEN

Bastadeteologia.

(Silêncio)

WILLEN

Nãoretiroapalavradita.Seosíndiosdeixaremsuasterrassemagressõeseviolênciasporpartedocapitão,elasserãodeCalabar.

CALABAR

Masoqueéisso?Umacharadademaugosto?Pensaqueosíndiossãoidiotas?Ousereieuidiota?

GENERAL

Conselheiro…EncontropoucoprovávelqueosíndiosseretiremdesuasterrasparadarpassoàCalabar.

WILLEN

…Calabarsemprepodevoltarparaseusantigossenhores:osportugueses.

(Silêncio)

WILLEN

General.OquerezaocódigomilitardaCompanhiadasÍndiassobreordens,decretoseleis?

GENERAL

Bem… O Código interno é categórico… Neste aspecto… Como decreto é decreto, trata-se de uma ordem a ser cumprida semdiscordâncias.Umaespéciedevotodeobediência.

WILLEN

OCódigointernofezpartedotextodeseujuramento,Calabar.Aquelequetimbrou.Lembra?

(Calabartorceseuaneldeouro.)

WILLEN

Logoqueopríncipeassinaressesdecretos,elessetornamleis.

GENERAL

Calabar,quenossosesforçosseconcentremnaconstruçãodeMaurícia.

WILLEN

Bemdito,general.

Page 52: Segunda peça da trilogia da imaginação

GENERAL

Atéláminhaprendaestarápreparadaparaserumaesposacivilizada.

WILLEN

Talvezacerimôniapossaserealizarnaaladasarcadasdonovopalácio.

GENERAL

Seriaumahonra…OprimeiromatrimônioformaldeMaurícia.

(Silêncio)

(Calabarreagesubitamente.)

CALABAR

…Sereiopadrinho.Eusereiopadrinho.

GENERAL

…Aindatemostempo.Todavianãoescolhiopadrinho.

CALABAR

Creioquecabeamimseropadrinho,jáquefuiaqueleque,decertamaneira,apresentouanoiva.

WILLEN

Temrazão…Éumaformalidadejusta.

(Silêncio)

CALABAR

Voupresentearaindígenacomomaisbrancoeimpecávelvestidodenoiva.SerácerzidonaIlhadaMadeira.

GENERAL

IlhadaMadeiraéterritórioinimigo!

CALABAR

Conheço um discreto negociante inglês. E aos ingleses tudo é capaz! (risos) …Pagarei, o que necessário for, pelo vestido jamaisconcebido.

GENERAL

Nãoexagere,Calabar.

WILLEN

Efeitosdovinho.

(Umvestidodenoivacomgrinaldadefloresevéuseiluminajuntodosoutrosobjetosdoarmazém.)

(Ovestidoflutuanoar.)

(Oarmazémjáestárepletodecoisasecargas.)

Page 53: Segunda peça da trilogia da imaginação

GENERAL

Nasuaatualsituação,capitão.Umabondadedessasvailhecustarfortunas.

CALABAR

Permito-meaousadia,souassim…Omaisfinodosbordados…omaistransparentedostecidos…Osímbolomaissagradodeumaunião: umvestidodenoiva…General, nãopretendome casar, o amorparamiméuma fantasia distante…umperigoque fazumgeneralperderaguerradoamor!

(Calabarri.Ogeneraltambém.)

(Willencalado.Instantes.)

Calabartiraoaneldeouroecolocasobreamesa.)

CALABAR

Nãoprecisomaisdesteanel.Poucometalparamuitadesilusão.Nãoquerosermaisguerreiroholandês.

(Calabarvaisaindo.)

CALABAR

Meavisemquandoovestidodesembarcar…DaIlhadaMadeira.

(Calabarsai.)

(Cailuzgeral.)

(Somdechuvacaindotomaconta.)

Page 54: Segunda peça da trilogia da imaginação

CENA17

CENADATINTA(Escritório/Armazém/Noite)

(Tudoescuro.)

(Achuvacontinua.)

(EntraXescsegurandoumalamparina,correparaajaulacoberta.)

Algunsdosobjetosdocenáriodoarmazémseiluminaram:sãoquadroslindíssimosdeartistasholandesesdoperíodo.)

XESC

Asembarcaçõesnãoparamdezarpareancorar.

(Xesccomeçaatirararoupa.)

XESC

Sãoplantas,livros,quadros…Pedras.Volumesecargas.

(Debaixodesuaroupa,notamosqueocorpoestápintadoeornamentado,maisoumenos,comosdesenhosdaíndia.)

(Xescenquantotiraaroupapassaamãonumpotedetintaeintensificaapinturajáexistentenapele.)

(Seucorpoestárepletodecores.)

XESC

Novosquadros.Pinturasegravurastambém…Temumretratodeumindígena…Podeserdesuatribo…NaHolandasechamaissodearte.

(Escuta-seofalatóriomonocórdioemonossilábicodaíndia.)

(Jaulacobertaseilumina.)

XESC

Estouindo!Sóummomento…Tenhoumasurpresa!

(Instantes.)

XESC

Sur-pre-sa.

(Xesccorreedescobreajaula.)

(Silêncio.)

(Aíndiaestálinda,traznocorpopinturasepenasquecobremaspartes.Comoestavanoinício.)

(Xescpareceumíndioemfrenteàjaula.Traz,maisoumenos,asmesmaspinturasnocorpoecobreaspartescompenas.)

(Pareceumcasaldeíndiosseadmirando.)

XESC

Eentão?Foiomelhorqueconseguifazer…Roubeiastintasepinteiocorpo,parasermaisigualaindadoquejásomos…

(Aíndiaemiteumlamentodealegriaeamor.Dizpalavrasdesconexasesoltas.Colocaosbraçosentreasgradese tentaalcançarXesc.Seuvocabulárioéinteligível.Seusgestoseatitudesdevemexpressarumprofundocontentamentointerior.)

Page 55: Segunda peça da trilogia da imaginação

XESC

Diga.Porfavor,digaquemeama.Diga.

(Instantes)

ÍNDIA

Amor…Amor…Vem.

(Xescradiantecorreparaajaula,abreumaportinholaeentra.)

(Instantes.)

(Surgeaescravaentreaspinturasetintasqueestãonoarmazém.)

(Focosobreaescravaqueenrolaseuventreebarrigacomumafaixadetecidobrancobemapertada.)

(Silêncio.)

(Najaula:elesseadmiramprofundamenteesetocamcomdelicadeza.)(Instantes.)

(Elescomeçamafazeramoreanegraacabadeenrolarsuabarriganoapertadotecidobranco.)

(Aescravaeaíndiaseentreolham.)

(Focoapagasobreaescrava.)

(Acortinacaisobreajaula.Descelentamenteenquantoelesseamam.)

(Entrasomdemar,gaivotaseondas.Sonsmarítimos.)

Page 56: Segunda peça da trilogia da imaginação

CENA18

CENADAARCA(Escritório/Armazém/Dia)

(Odiaensolaradoentrapelajanela.)

(Escutam-seruídosdeconstruçãoedehomenstrabalhandosomadosaossonsmarinhos.)

(Instantes.)

(Willen,comoutrotraje,levaocolarnopeito,dequandoemvez,discursa.)

(Willenlêunsdocumentos.)

WILLEN

Mauríciaeraumsonho.Porfavor,escutearelaçãodostítulosdoslivrosqueforamescritosnestaterra:HistóriaNaturalBrasileira,ProdigiosaMatemáticaTropical,HistóriadosFeitosRecentementePraticadoseAcontecidosnasTerrasdePernambuco.Mauríciaéumarealidade.

(OArmazémtemagorainúmerosobjetos,todosseiluminam.)

(Opríncipeestápresente.Juntoaele,sobreamesa,vemosacaixinhafechada.)

PRÍNCIPE

Temosquerepensararealidade.

WILLEN

Umacivilizaçãonostrópicosvaidabotânicaaoviolino.Éarte.Ciências.Imaginação.

(Silêncio.)

PRÍNCIPE

Éopreçoquepagamos…Ougastamos?

(Instantes.)

WILLEN

Certamentedependedopontodevista.

PRÍNCIPE

Exato: O ponto de vista. Alguns de seus decretos foram bastante desafortunados e brandos. Principalmente aqueles referentes aoplantioerefinodacana-de-açúcar.

WILLEN

Existemrevoltasnasplantações,alteza.Eoscolonosnãopagamosimpostoscomregularidade.

PRÍNCIPE

Asarcasestãovazias,conselheiro.

WILLEN

Osescravossãopreguiçososeosíndiosnãotrabalham.

Page 57: Segunda peça da trilogia da imaginação

PRÍNCIPE

Estearmazémestárepletodecargas,objetos,coisasemateriais…Talvezrepresentecomexatidãonossomododeser:coisasemaiscoisas…Mas semaçúcar, nãohávendas, e sem lucro as arcas ficamvazias…Temopormeu sonho:Maurícia…Aconstruçãodacidadedeveserinterrompida.

WILLEN

Masoqueéisso,alteza.Estamosdeventoempoupa.Nomeiodeumfeitosemigual.Nãopodemosrecuar.ComMauríciaerguidateremos visitantes, negociantes, mercadores, forasteiros: trocas comerciais jamais vistas. Então a agricultura por si mesma vai sedesenvolvendo…Enfim…Enfim…Enfim.Necessitamosdecréditos.Urgentes.Empréstimos.Grandessomas.Vamosfalir.Essaéaverdade.Sintomuito.Quedesatino.

(Silêncio)

PRÍNCIPE

ECalabar?

WILLEN

Foidispensadodesuasfunções.Nãotemmaisvozdemando.Eleprópriosedispensou.Entregouoanel.Nãosepodefazernada.

(Silêncio.)

WILLEN

Nada…Mudandodeassunto.Outroproblema…Pequeno.Apalavranadamefaz lembrarqueamarquesavempedindohá temposumaaudiênciacomsuagraça.

PRÍNCIPE

Meusencontroscomamarquesaestãosuspensos.Sinedie.

WILLEN

Sim,alteza.

(Opríncipepegaacaixinha,colocadebaixodobraço,evaisaindo.)

PRÍNCIPE

Willen…

WILLEN

Encontroscomamarquesacancelados.

PRÍNCIPE

RecupereCalabar.Omaisbrevepossível.

(Opríncipesailevandoacaixinha.)

(Caialuz.)

(Entraosomdeumtambormilitarsolitárioemarcante.)

Page 58: Segunda peça da trilogia da imaginação

CENA19

CENADOBARALHO(Escritório/Armazém/Noite)

(Luzsobreamarquesaquejogacomumbaralhoespalhadosobreamesa.Parecequejoga“paciência”.)

(Instantes.)

(Algunsobjetosseiluminam.)

(Willencaminha.)

WILLEN

Ouviuotambor?Éosinaldequeumcavaleirosolitárioseaproxima.

MARQUESA

Nomeiodanoite…Deveserocapitão.

(Amarquesajogaumacartasobreamesa.)

MARQUESA

Damasdeespada.

(Instantes.)

(Amarquesamisturaascartasedesfazojogosobreamesa.)

MARQUESA

Odeio“paciência”!Essejogomedeixatranstornada.Mauhumor.

WILLEN

Eporquejogaentão?

MARQUESA

Porquetenhomedo…Esqueçodotemorjogando.Medistrai.

WILLEN

Medodequê,marquesa?

MARQUESA

Sabemuitobemaoquemerefiro,conselheiro.Eleabriuacaixinhadoprazer,nãonecessitamaisdemim.

WILLEN

Umamarquesavivida.Jádeveriaestaracostumadacomessassituações.

(Silêncio.)

MARQUESA

Page 59: Segunda peça da trilogia da imaginação

Nãomeacostumocomomedo…Éumaarmadilhasemfim…Uminvasorqueprimeiroatacaofuturo…Queserádemim?Paraondeirei?…Depoisopresente:quefaçoaqui?Queromorreragora!…Masnãosemorre.Emvez:olhoparatraz.Etenhotemordopassado,das vergonhas que cometi para traçarmeu caminho.Deveria ter sidomais previdente.Minha vida deveria ter acontecido de outramaneira.Aangústiadotempo,nãotempénemcabeça.Seráqueosoutrossentemomesmoqueeu?

WILLEN

Acoroadetrêspontas…Começanofuturo,tomaopresenteesealastrapelopassado…Éassimquefuncionaalógicadomedo.Paratodos.

(Ouve-seosomdeumtambormilitar,solitáriomasmarcante.)

WILLEN

Osegundosinal…Eleestáperto.

MARQUESA

…Conselheiro, já que marquesas e meretrizes não têm lugar na nova cidade de Maurícia, quero zarpar no primeiro barco paraBarcelona.

WILLEN

Tãoprecipitada.

MARQUESA

Nãopodefazernada?

(Instantes.)

WILLEN

…Como este colar pesa. Demasiado. Não sou homem de poder, sou um escrevinhador de terceira, que por sorte conseguiu umentrepostodesegundaesetornouconde!Porquê?Paraquê?Nãosirvoparaserconselheiro-mor.

MARQUESA

Serveparameajudarnestemomento.Paraimpedirquemelarguepelomundo,embuscadenãoseioquê.Temopoder.

(Instantes.)

WILLEN

Ficaráalgumtempomais.Aosmeusserviçoseordens.

MARQUESA

Sobqualpretexto?

WILLEN

Nãoexistenenhumpretexto.IráespionarCalabardeverdade.Querosaberoquemaispudersobreele.

MARQUESA

Difícil…Ocapitãonãosedeixaenganar.

WILLEN

Éficaroupartir.

Page 60: Segunda peça da trilogia da imaginação

MARQUESA

PorqueodeiatantoCalabar?

WILLEN

Porqueelemeodeia.Énefasto.

(Silêncio)

MARQUESA

…Passeovinho,vourecebê-lonoportão.Comvontade,rapapésesalamaleques.

(Amarquesalevaagarrafadevinhoesai.)

(Luzcailigeiramente.)

(Willenpreparaamesa.ColocaoaneldeourodeCalabarsobreumaalmofadadeveludoearrumaunsdocumentos.)

WILLEN

Oanel…Osdocumentos…Ovinhoelalevou.

(Ouve-sesubitamentealgumasnotasmusicaisoriundasdeuminstrumentodecordas.Podeserumviolino.Osomnãoémelodioso,aocontrário,deveseraberranteedesafinado.)

(Instantes.)

WILLEN

…Nãoéumtambor.Nãopodeseroterceirosinal.

(Ajaulaencobertaseilumina.)

WILLEN

Aíndia.

(Willencorreparaajaulaesuspendeopano.)

(Ajaulaseilumina.)

(LádentrovemosXesceaíndiavestidosdenobreseuropeus,complumas,etc.,etambémutilizaramtintasindígenas.Enfim,numamistura de vestuários. Ambos seguram instrumentos musicais, uma viola e um violino, e estão paralisados em frente à reaçãoextasiadadeWillen.)

(Caicobertasobreajaula.)

(Willenretornaàsuamesa.)

(Algunsobjetosseacendemeoutrosseapagam.)

(Emdestaqueagoravemosumaespéciedebaú,quaseemformadesarcófago,quebrilhacomocobre.)

(Instantes.)

Page 61: Segunda peça da trilogia da imaginação

CENA20

CENADALUPA(Escritório/Armazém/Noite)

(EntramCalabar,segurandoagarrafadevinho,eogeneral.)

(Osobjetossãoiluminados.)

(Willensecolocadepé,emfrenteàjaulacoberta.)

(Calabarusaumacouraçadecouro.)

WILLEN

Senhores!

CALABAR

Conselheiro.

(GeneralapontaparaCalabar.)

GENERAL

Aquiestáoprometidoempessoa.

WILLEN

Eamarquesa?

CALABAR

Meentregouestagarrafadevinhoefalouumasbestagens.Deixeiláforanoportão.

GENERAL

Vouvisitarminhanoiva.

WILLEN

Não!Agoranãopode.Temosassuntosimportantesatratar.

CALABAR

Ovestido.Veja,general.Ovestidodesuanoivachegou.

(Calabarseaproximadobaúdecobreetocaometal.)

CALABAR

Vejaquecapricho.Aembalageméseladacomcobre.

GENERAL

Pareceoembrulhodeumaarmadeguerra.

CALABAR

Ninguémpodeverovestidodacerimônia.Principalmenteonoivo.

Page 62: Segunda peça da trilogia da imaginação

WILLEN

Éoquedizem:seteanosdetormentos.

(Instantes)

CALABAR

Nãosentem?

WILLEN

Oquê?

(Calabarmexeonariz.)

CALABAR

Umcheiro.Umodoresquisito…Cheirodefêmea…Degosmadeamor.

WILLEN

Deveseroperfumedamarquesa.

CALABAR

Não.Não.Vemdali.Vemdajaula.Égosmademachocomfêmea.

GENERAL

Queroverminhanoiva!Abraajaula,conselheiro.

WILLEN

Não.Anoivaestánosseusdiaslunares…Porissooodor…Porprudênciaepudor,nãopodevê-la.

(Instantes.)

GENERAL

Pudor…Temrazão.Nãopossovê-lanestasituação.

WILLEN

Foiamarquesaquenotou…Jovenspurasesadiassangramregularmente…Coisademulheres.

(Instantes.)

GENERAL

Nestecaso…Esperoqueossenhoresconsigamresolversuasdiferençascomcordialidade.Meretiro.Boasnoites.Pelamanhãvisitominhanoiva,queelafaçaumahigiene.

(Ogeneralsai.)

(Willenaliviadopegaovinho,serveebebe.)

CALABAR

Estábebendovinho.Esuaenxaqueca?

(Instantes)

Page 63: Segunda peça da trilogia da imaginação

WILLEN

Calabar…

CALABAR

Ondeestáminhaescrava?

WILLEN

Estáporaíesperandoseuamoesenhor.Aúltimavezqueavi,elaandavanunsandaimespelaconstrução.

CALABAR

Eaconstruçãoprosseguecomoplanejada?Ousóseráumesqueleto?

WILLEN

Mauríciavaideventoempopa…

(Calabarbatepalmaduasvezes.)

(Aescravaentra.Agoraestáenvoltaempanosnegros.Escondeseucorpo.)

(Calabareescravaseentreolham.)

CALABAR

Apareceu.Sentiumeucheiro…Oconselheirorelataqueviuumaescravaperdidaporaí.Issoéreal?

WILLEN

Calabar,pensebem,estarperdidotambéméumaformadebuscar-se.Nãodramatizeminhaspalavras.

(Silêncio.)

WILLEN

Bebavinhocomigo.

(Willenserveovinho.)

CALABAR

Asbotas.

(Aescravaseabaixaparalhetirarasbotas.)

CALABAR

Não.Primeiroacouraçadecouro.

(Aescravaselevantaecomeçaasoltaracouraça.)

WILLEN

Capitão,temosrebeliãonativaegostaríamosdecontarnovamentecomsuastáticasbélicas.

CALABAR

Porquevestenegro,escrava?

Page 64: Segunda peça da trilogia da imaginação

WILLEN

Ordensdonovoreverendo:todaanudezdevesercobertacomrigor.

(Instantes.)

(AescravatiraacouraçadeCalabareseafasta.)

WILLEN

Então?Oquepensadaminhapropostaderestituiçãodeseuanelevozdecomando?

(Instantes.)

Conheçomeugado.Debaixodolutocheiodepanos,elaescondealgo.

WILLEN

Capitão!EmnomedaCompanhiadasÍndiasOcidentais,exijominharesposta!

(Silêncio.)

CALABAR

…Conselheiro.Comoconseguiuosegredodabeberagem?Conta.Dizcomoroubouomeutrunfoeenganouopríncipe.

(Instantes.)

(Subitamenteoromperdeumvidrotomacontadoambiente.)

(AescravabateváriasvezescomalupadeWillensobreumcastiçal.)

(Alupaserompeemmilpedaços.)

(Suaatitudeéinesperadaeperplexante.)

WILLEN

…Minhalupa…Comovoulerosdocumentos?…Cristalpuro.Difícildeconseguir.Minhalupa!Porquefezisso,mulher?Porquê?!Alupa!

CALABAR

Ummomento!

(Silêncio.)

(Aescravaseafastadamesa.Largaalupa.)

CALABAR

Escrava.Quequermecontarquenãosaipelalíngua?

(Willencorreparamesaetentarepararalupa.)

WILLEN

Tudodestroçado…Cacosdelentesjamaissejuntamdenovo.

CALABAR

Fizumademanda!

(Aescravaabreopanonegroemostraseuventreenroladoeatadonafaixabranca.)

Page 65: Segunda peça da trilogia da imaginação

(Silêncio.)

WILLEN

Elaestágrávida.Eoestadoébemadiantado.Éseufilho,capitão.

CALABAR

Meufilho?Foifeitoporalguémdependuradonosandaimes.Nãoqueromaisumbastardonestemundo!

(Calabar,olhandofixamenteparaescrava,seaproximadeladevagar.)

WILLEN

Claroqueéseu.Esqueçaosandaimes!Éseufilho.Bastardo,mestiço,maséseufilho.Elaéumaescravahonesta.Possoassegurar.

(Calabarfrenteafrentecomaescravaquemostraabarrigacomafaixa.)

CALABAR

Alupa.Porquerompeuaslentesdosenhorholandês?

ESCRAVA

Parafazerdoerocoraçãodequemmeenganou!

CALABAR

Equemteenganou?

WILLEN

Vamosesqueceresseincidente.Agravidezexplicaessacrisedefúria…

CALABAR

Quemteenganou?

ESCRAVA

Ele.Osenhorholandês.

WILLEN

Émentira.Nãoescuteoqueelavaidizer.Foiummal-entendido.

ESCRAVA

Conteiparaeleosegredodesuabeberagem,semmedarcontadomal.

(Silêncio.)

CALABAR

…Contouomeusegredo?

(Calabarpoucoapoucosealteraatéexplodiremraiva.)

CALABAR

Umaescravaquemeadoracomosefosseumpríncipe.

Page 66: Segunda peça da trilogia da imaginação

(Calabardáumabofetadanaescrava.Elacai.)

(Calabarchutaváriasvezesabarrigadaescrava.)

(Oschutessãoviolentos.)

CALABAR

Quemorratudo!Quesemorratodanumcharcodesangue.Fêmeadeandaime.Bichoafricano.

(Willenreagefrenteaosmaus-tratos.)

WILLEN

Capitão!Controle-se!Capitão!Estámatandoseuprópriofilho!Capitão!Nãofaçaessaloucura!Pare!Basta!Basta!

(WillententaconterCalabar.)

(Calabarsegueviolento.)

(Aescravaseencolhededorepavornochão.)(Instantes.)

(Cailuzgeral.)

Page 67: Segunda peça da trilogia da imaginação

CENA21

CENADAÁGUA(Jaula/Armazém/Noite)

(Ajaulaseilumina.)

(Acobertaescondemetadedasgrades.Obstruipartedavisãodointeriordajaula.)

(Atravésdopano,napartecoberta,vê-seumjogodoscorposesilhuetas.)

(Opartodaescrava,realizadopelaíndia,éumjogodesombrassobreotecido.)

(Sósevêassombrasdoparto.)

(Instantes.)

(Ouve-semurmúriosegemidos.)

(EntraXesc,carregandobaldescomágua.)

XESC

Água.Águaquente!Trouxeoutrobalde!

(Nesteinstanteescuta-seumgritolongoefinalvindodajaula.)

(Silêncio.)

(Tudoestático.)

(Subitamenteescuta-seochorodeumacriançarecém-nascida.)

(Instantes.)

XESC

Acriançavingou!

(AmarquesasurgeaoladodeXesc.)

MARQUESA

Entreláeajudenoquepode.Depressa.

XESC

Ocapitão.

MARQUESA

Meencarregodele!Agoravai,mova-se.

(Seguechorodecriança.)

(Xescentranajaula.)

(Amarquesabaixaacobertadajaula,queficatotalmenteescondida.)

(Cailuzesomderecém-natochorando.)

(Silêncio.)

Page 68: Segunda peça da trilogia da imaginação

CENA22

CENADOCOBRE(Baúdecobredovestidodenoiva/Armazém/Noite)

(FocosobreCalabar.)

(Sentadosobreobaúdecobre,Calabarbatecomapontadesuaespadasobreometal.Seuolharéperdido.)

(Instantes.)

(Amarquesasurgeaoseulado.)

MARQUESA

Aíndiafezoparto…Umasangueira.Suaescravamorreu.Acriavingou.Éummenino,capitão.

CALABAR

Nãoreconheçonemcomobastardo.Podedarumfimaoinfeliz.

MARQUESA

…Seéseudesejo.

(Instantes.)

(Calabarsetransforma.)

CALABAR

Meudesejoéchorar!Masnãotenholágrimas.Queriachorardeódiooupiedade…Puderachorarquandomehumilhavamecuspiam!

MARQUESA

Esqueçaopassado.Esqueçaosportugueses.

CALABAR

Falodohoje,marquesa!Dosholandesesedemeusolhos.

(Calabarmostraosolhos.)

CALABAR

Vê?Semlágrimas.Nemparaaescrava,nemparaacriança.

MARQUESA

Vaiacabarsetornandoumprisioneirodaamargura.

CALABAR

Souumescravodemimmesmo.Conhecetormentomaior?

(Silêncio.)

(Mudançadeluz.)

MARQUESA

Amanhece.Mesintodenovocomoaprimeirapessoaaenxergarosol…Seráumsinal?Umagouro?

Page 69: Segunda peça da trilogia da imaginação

CALABAR

Tomaraquesejaumamaldição.Umamaldiçãoqueexterminecomosforasteiros.EatodoaquelequequeiraseaproveitardaTerradoSol.

(Calabaresfregacomsuabotaochão.)

CALABAR

QuandoumaterrasesenteinjustiçadaporDeus,seushomenssãocapazesdaspioresatrocidades.

(Umvestidodenoivaseiluminaflutuandonoar.)

MARQUESA

…Comenta-sequeovestidoquecomprouéalgojamaisvisto.

(Calabaralisaobaú.)

CALABAR

…Escondidoatrásdestecobre,existeoimpensável.

MARQUESA

Oimpensável?

CALABAR

Nãoacredita?

(Calabarabreobaú.)

CALABAR

Semepermiteumagentileza:vouabrirobaúemostraraprenda.

(Calabarlevantaatampadobaú.)

(Amarquesaolhadentrodobaúdecobre.)

MARQUESA

Umvestidoimaculado…(riso)Descobri:nofundooCapitãoéumromântico.

Vejasó…Osbordadosemarabescos.

CALABAR

Dizemqueporsertraidornãotenhocaráter.Talveztenhamrazão.

MARQUESA

Jamaisuseiumvestidodesses…Tambémnãomecasei,masmeapaixoneialgumasvezes.

CALABAR

Poisusaráovestido!Hoje!Paradaralgumaalegriaaodiainfeliz!Agora!Sairemosacavalo!

MARQUESA

Capitão.

Page 70: Segunda peça da trilogia da imaginação

(Calabarretiraovestidodenoivadobaú.)

(Trata-sedeumbonito,massimplesvestidodenoiva.)

CALABAR

Nãoésublime?…Mortalmentelindo.

(Amarquesaadmiraovestido.)

MARQUESA

Édanoivadogeneral.

CALABAR

Édeuma índia semalma!Elanão sabeadiferençaentreocéueo inferno!Eamarquesaéumanobre senhora,merecemimosecaprichos.

(Amarquesari.)

MARQUESA

Numpasseiovestidadenoiva.

CALABAR

Amarquesamedirá.

MARQUESA

Eporquenão?

(Elessaemlevandoovestidodenoivaentremãos.)

(Caialuz.)

Page 71: Segunda peça da trilogia da imaginação

CENA23

CENADAMESA(Mesa/Armazém/Amanhece)

(FocosobreWillenqueescrevecomdificuldadeeusaunscarimbos.)

(Instantes.)

(Xesceíndiaestãopresentes.Elesusamcapasquecobremseuscorpos.)

(Aíndialevaenroladoentreosbraçosumvultodecriança.)

(WillenentregaunsdocumentosparaXesc.)

XESC

Mestre,essesdocumentosestãoborrados.

WILLEN

Melhorassim,vãoparecerquesãousadoseportantoautênticos.Oqueinteressamesmosãooscarimbosportugueses.ParaalgumacoisaserviramoscarimbosdeCalabar.

XESC

AgoramechamoGuilhermeFlores.

WILLEN

AosairdasterrasdaCompanhia,presteatenção,atravessemoterritórioportuguêsesigamemdireçãoaosul,paraosconfinsdaTerraBrasilis,paraabandadosrios.

XESC

Mestre.Masondedizaquiqueeusoujudeu?

WILLEN

Basta.Esqueçaasreligiões!Esqueçaqueéjudeu,queelaéíndiaequecarregaofilhodeCalabar.

XESC

Mestiço:ovarãozinhoémulato,mestiço…

WILLEN

Oqueseja:mulato.Não importa.OquecontaéquedeagoraemdiantevocêéummercadoreuropeudenomeGuilhermeFlores,viúvo.Suamulhermorreunoparto,eestaíndiaquasecivilizadaéaamadeleitedoseufilho.

(Silêncio)

WILLEN

Devemfugirimediatamente.Nãoháoutrasaída.Ocódigomilitaréclaro:serãojulgados,condenadoseenforcados.

XESC

Umahistóriaconfusa,unsdocumentosborrados…Osguardasdasbarreirasvãodesconfiar.Nãodarácerto,mestre.

WILLEN

Page 72: Segunda peça da trilogia da imaginação

Claro que dará certo! É uma história como outra qualquer. Por exemplo: imagine agora uma judia pura e bela casada com ummarceneiro,eumdiaumanjo,deolhosverdesecabeleiraloira,caideumpedaçodocéueentregaàmoçaumacaixinhacomumacriançachamadaJesus!

XESC

Mestre.Nãosejaprofano!

WILLEN

EmpoucaspalavrasfoiassimquecomeçouaIgrejadeCristo.

XESC

Issoéblasfêmia!

WILLEN

Podeser.Mastenhoodireitodeblasfemar.Tambémnãodeixadeserumahistóriaconfusaemquetodosacreditam.

XESC

Éfé.Todososlivrossantoscontamhistóriasimpensáveis.

WILLEN

Absurdas.Todasasreligiõesecivilizaçõessãoprisioneirasdelivros.ABíblia,oAlcorão,ostestamentos,todasashistóriasescritasporhomensimperfeitosquecontamperipéciasdoPerfeito!Sãorepletosdehipérbolesemetáforas,dondeseconcluiqueateologiaéfilhadaimaginação.Sãotextossangrentos:nãopassamdecódigosmoraischeiodecastigosepunições.NuncaliumlivrotãoviolentocomoaBíblia.Sãohistóriasbárbarasdefratricídiosemsérie!

(Willenseservedevinhoebebe.)

XESC

Calma,mestre.

WILLEN

Confieemmim.Ahistóriavaifuncionareenganaratodos…Talvezsejaassimquesefazumpovo:comfalsidades,traiçõeseamor…Talvezsejaassimqueseconsigafundarumanação.Quemsabe?Quempodenegar?

(AíndiafalacomWillen.)

WILLEN

Oqueeladiz?

(Aíndiafalaseuidiomaincompreensível.)

(Acariciaacriança.)

XESC

Minhaíndiatomoucarinhopelofilhodotraidor.

WILLEN

Melhorainda.Crieomulatocomosefosseseuetenhamoutrosmamelucosemestiços.Jamaiscontemparaacriançaaverdadesobresuaraiz.

Page 73: Segunda peça da trilogia da imaginação

XESC

Jamaiséumapalavra…

WILLEN

Jamaiséumapalavraemquenãosepodeconfiar.Éfalsa,porqueémentirosa.Nãoexisteojamais.

(Instantes)

WILLEN

Basta!Porfavor,fujam!Vãoempaz!Cresceiemultiplicai!

(Elesseabraçam.)

(CaiLuz.)

(Escuta-seumimportanteepresentetirodecanhão.)

Page 74: Segunda peça da trilogia da imaginação

CENA24

CENADOCANHÃO(Localindeterminado/Recantodopríncipe/Dia)

(Luzsobreopríncipequeseguraumacoroadeourosimplesencimadaportrêspontas.)

(Acaixinhaestáabertasobreacama.)

(Nãovemosseuconteúdo,elaestádecabeçaparabaixo.)

(Escuta-seosegundotirodecanhão.)

(EntraWillen.)

WILLEN

NotíciasdeAmsterdã!

PRÍNCIPE

Notíciasimportantes.Admire!Acoroadetrêspontas.Ouromaciço.

(Opríncipemostraacoroadetrêspontas.)

WILLEN

SuaaltezaagorafazpartedoconselhogeraldaCompanhia.

PRÍNCIPE

Escute:oterceirotirodecanhão.

(Escuta-seoterceirotiro.)

PRÍNCIPE

Éaminhasagração:tirosdecanhão.

WILLEN

OmaisaltocargodehierarquiadaCompanhiamerecetodasaspólvoras.

PRÍNCIPE

Nãoesperavatamanharesponsabilidade.Éhonroso.

WILLEN

Comcerteza…Maisqueisso:étriunfo…QuandopretendepartirparaAmsterdã?

(Silêncio.)

WILLEN

QuandoembarcaparaassumiroConselho?

PRÍNCIPE

Mudeideplanos.Oumelhor,mudeimeupensamento.Minhamenteaoseralçadaparaomaisaltocargoqueumhomempossadesejar,seabriuparanovoshorizontescomerciais.

Page 75: Segunda peça da trilogia da imaginação

WILLEN

Quehorizontes?

PRÍNCIPE

JáouviufalardeumaterranovachamadaNovaYork?Onomeéinglês,masficanaexataalturadeAmsterdã.Setraçarmosumalinharetanomapaveráqueasduasterrassãoparalelas.Ficamfaceaface.Entreelassóexisteummar,idaevoltanumasódireção,semnortenemsul.Sóleste-oeste.Anavegaçãoémaisseguraebarata.Reta.

WILLEN

QuerdizerqueiremosparaNovaYork…EMaurícia?Osonho?Acivilizaçãonos…

PRÍNCIPE

Embarcaremos Maurícia para Amsterdã! Levaremos quadros, livros, botânicos, animais, plumagens, frutos, curativos e químicas.FaremosumapequenaMauríciapara todosos súditosholandeses,nocoraçãodaEuropa.Levaremos tudo.Umacidade tropicalnaHolanda.

WILLEN

Detodasasformasficamaspilastraseosarcos:sãodepedra.

PRÍNCIPE

Tambémnão.

(Silêncio.)

PRÍNCIPE

Tudooquesobrarserádestruídopelasforçasportuguesas.Assiméopacto.

WILLEN

Quepacto?

PRÍNCIPE

MinhamenteaoseralçadaparaoConselho,estápensandodeoutraformaetomoudecisõesqueoutroranãotomaria.

WILLEN

Imagino…

PRÍNCIPE

Osinglesespagamnossosdébitos,masemtrocacriaremosumgrandeentrepostocomercialnacidadenovadeNovaYork.EmtrocaentregamosonordestedoBrasilparaosportugueses.

WILLEN

Alteza…

PRÍNCIPE

Portugueseseinglesessãoaliados.ACompanhiadasÍndiasficarádonaderotasecaminhosdonorte!…EntreaTerradeAméricaeaEuropa.Sãoasrotasmaislucrativasparanós.

Page 76: Segunda peça da trilogia da imaginação

WILLEN

Eacana?Ocomérciodeaçúcar?

PRÍNCIPE

Vamosmudardenegócio.Deramo.Alémdoque,oexércitoportuguêsvaiqueimartodasasplantaçõesdosnativosquenosapoiaram.

WILLEN

Ummassacre…Issoéterrível.

(Instantes)

PRÍNCIPE

Esemcanaparafazeraçúcar…Abeterrabaassumedenovoadianteira.AsplantaçõesemFrançaficarãodonasdomercado.Queroquepensenumnegócio,algobemlucrativo…Ah!EembarquejáparaNovaYorknossoslivrosecontabilidades…EtambémcargasquenãointeressemaoconselhoemAmsterdã,masquenospodemserúteisnacidadenova.

WILLEN

…Tantosacrifício,tantasbatalhas.Osinimigosdeontemsetornamparceirosdohoje.

PRÍNCIPE

Éopreçoquepagamosparaconseguirapaz,oconfortoeolucro…Comeceapensar:tenhaideias.

(Instantes.)

WILLEN

ECalabar?

PRÍNCIPE

Seráentregueàsforçasportuguesas.Comopresentedeboavontade.Elesirãoesquartejá-lo.

WILLEN

Elesvãoesquartejá-lo.

PRÍNCIPE

Seráumaciladacomumgarfodetrêspontas.Primeirofaremosumafesta.

WILLEN

Quefesta?

PRÍNCIPE

Inventealgo!…Umafesta.Umafestacompridaeinesquecível,ondesecomemoraminhasnovasfunçõesnoConselho.

WILLEN

Depois.

PRÍNCIPE

Page 77: Segunda peça da trilogia da imaginação

Depoisnão.Nãohádepois.Enquanto isso, todasascargaseconhecimentosmaisvaliososestãosendoembarcadosnasurdinaparaAmsterdã.Mauríciasevai,enfim,paraaEuropa.Emseguidaosportuguesesdestroemoresto.

WILLEN

Umplanomuitobemdetalhado,alteza.

(Opríncipereage,pegaumdocumentoemostraaWillen.)

PRÍNCIPE

Umplanoquenãonasceudaminhacabeça!…Juntocomacoroaveioestedocumentoexigindoalgumasprovidênciasimediatas.

WILLEN

Imagino.

(Opríncipe,comacoroanasmãos,temumsobressalto.)

WILLEN

Oquefoi,alteza?

(Instante.)

PRÍNCIPE

Nadaimportante…Mepiqueicomumadaspontasdacoroa.Tenhoumagotadesanguenapontadodedo.

(Silêncio.)

PRÍNCIPE

QueogeneralconcebaumardilequeCalabarsejaentregueàstropasportuguesas.

(Caialuz.)

Page 78: Segunda peça da trilogia da imaginação

CENA25

CENADAMANCHA(Localindeterminado/Entreascargas/Armazém/Dia)

(Ouve-seumgrito.Algunsobjetosseacendem.)

(Luzsobreamarquesa.Elaestávestidadenoiva.Umvéubrancocobretotalmenteseurosto.)

(Ovéuestámanchadodesangue.)

(Instantes.)

MARQUESA

Ovestido…Ovestidodenoiva.

(Willenseaproxima.)

WILLEN

Issoéimpensável!

MARQUESA

Umaciladajamaisvista.

WILLEN

Umvestidodenoivausadoporumaportuguesamortadevaricela.Umvestidocontaminado…

MARQUESA

EeupasseeidebraçodadocomCalabarentreosindígenas.Crianças,povos,vilas…

WILLEN

Amortandadeégeral.Osíndiosmorremdevaricelacomosefossemmoscas.

MARQUESA

Sem querer cometi uma maldade sem igual. Nós europeus estamos acostumados até com a peste. De varicela já não se morre naEuropa.

WILLEN

OsíndiosdaTerraBrasilisnãosabemnemoqueédoença.

MARQUESA

Traidorperverso!Osíndiosestãomorrendo…Ouseretiramdasterrascomoformigasafoitas.

(Willenbebevinho.)

MARQUESA

Ovestidodenoivadeumajovemmortapelavaricela…Nomeucorpo.

WILLEN

Porfim,Calabarserádonodoquebemmerece:dadestruiçãomaiscompleta.

Page 79: Segunda peça da trilogia da imaginação

MARQUESA

Nãoqueromostrarmeurosto…Sintoqueminhapeleestáqueimada.Imaginoqueestouemchagas.

(Instantes.)

WILLEN

Estamosdepartida.ZarpamosparaalgumlugarperdidoemTerrasAmericanas.

(Silêncio.)

WILLEN

Irácomosefosseumacarga.Muda:semalardes.

(Willenentregaacaixinhademadrepérolasparaamarquesa.)

WILLEN

Opríncipemandoudevolver.Dissequenãoprecisamais.

MARQUESA

Eleconseguiupôrointeriordacaixinhanocentrodesuacabeça.

WILLEN

Oquetemdentrodacaixinha?

MARQUESA

Nãoabriu?

WILLEN

Não.

MARQUESA

Porquê?

WILLEN

Porquetenhoprincípios.Pudores.Medávergonhabisbilhotaraintimidadedosoutros.

(Amarquesaabreacaixinhaemostra.)

MARQUESA

Sãoespelhos.Éumacaixinhaespelhadaemseuinterior.

(Oreflexodoespelhodacaixinhabrilha.)

(Aplateiasevênointeriordacaixinha.)

MARQUESA

Éobastanteparaquealguémseinteresseporsimesmo,jáquenãotemprazercomosoutrosseres.

(Amarquesafechaacaixinha.)

Page 80: Segunda peça da trilogia da imaginação

MARQUESA

Agoraopríncipetemoespelhonocentrodacabeça,ésófecharosolhos,seenxergareterprazer.

(Instantes.)

MARQUESA

ÉacaixinhadeNarciso.

(Instantes.)

(Caialuz.)

Page 81: Segunda peça da trilogia da imaginação

CENA26

CENADAGRADE(Jaula/Armazém/Dia)

(Ogeneral,comviolência,abreacortinaquecobreajaula.)

(Ajaulaseilumina.Algunsobjetostambémseiluminam.)

(Ajaulaestávazia.)

GENERAL

Ondeestáela?Oqueaconteceu?

(Willencaminhaaflito.)

WILLEN

General!Ninguémlheescondenada!Elamorreu.

GENERAL

Minhanoiva.

WILLEN

Todososíndiosmorreramdevaricela,vítimasdasperversidadesdeCalabar.

GENERAL

Umvestidodenoivaquemata.

WILLEN

Foiamaldiçãoqueusouparaafastarosíndioseficarcomaterra.

GENERAL

Masminhanoivanãotevecontatocomovestido.Senãotivesseredigidodecretostãopacifistas!

WILLEN

Basta.Assimmeacusaouofende!

(Silêncio.)

GENERAL

Nenhumdosdois.Receboordens,conselheiro.

(Instantes.)

WILLEN

Epelosdesatinoseterrores,inclusivepelamortedesuanoiva,opríncipesevêobrigadoaentregarCalabaraosportugueses.

GENERAL

Porquenãoomatamoscomasprópriasmãos?

Page 82: Segunda peça da trilogia da imaginação

WILLEN

Nãoénossocostume.Éforadalei.

(Instantes.)

WILLEN

Voureceberocapitãoemaudiência.Depoiseleéseu:prendo-oimediatamente.

GENERAL

Pelaminhanoiva…

WILLEN

Aotocardosinodasvésperas,Calabardeveserentreguevivoparaosportuguesesdafronteiraoeste.

(Willensai.)

(Cailuz.)

Page 83: Segunda peça da trilogia da imaginação

CENA27

CENADACORDA(Escritório/Armazém/Dia)

(Todasascargaseobjetosseiluminam.)

(Oarmazémestárepletodeobjetos.Deumlinhomanchadodesangueaovestidodenoivaqueflutuanoar.)

(CalabardiscutecomWillen.)

CALABAR

Querominhasterrasenãoimportacomoconsegui!

WILLEN

Importasim!Umvestidodenoivaassassino.

CALABAR

Foivocêquemimpôsasregraseordens!Conselheiroconde.

(Instantes.)

WILLEN

Sabedasnovidades?

CALABAR

OpríncipesetornouarcanjodoConselhodosDecrépitos.Haveráumafesta.

WILLEN

Umajustacomemoração.

CALABAR

EMaurícia?

WILLEN

…Fica.Seguetudoigual.

CALABAR

Ficatudo?Osquadros,belezasesabedorias?

WILLEN

Comcerteza.Sabequenãominto.Viráumoutropríncipe.Ouumconde?Aindanãosabemos.CoisasdoConselhoDecrépito.

CALABAR

Umconde.

WILLEN

Quemsabe?

Page 84: Segunda peça da trilogia da imaginação

(Instantes.)

CALABAR

…OcondedePernambuco…Talvezvocêsetorneumduque.

WILLEN

Podeser.Opodernuncaédemais.

(Silêncio.)

WILLEN

Precisodeajudaparapromoverumafestainesquecível!Umeventoinusitado!Comosefosseumaatraçãobíblica!

(Instantes)

WILLEN

Calabar.Necessitodeumaideiaqueagradeeentretenhaosnativos.Calabar?

CALABAR

Porquefaladafesta?Querumaideia…Masnãosouumhomemsemideias,odiadoportodos?

WILLEN

Temideiasparaomal.Otruquedovestidofoiodioso.

CALABAR

Éissoquesentepormim?Ódio?

(Instantes.)

WILLEN

Jánãosintomaisnada.

CALABAR

Porquê?

WILLEN

Porquemesintocomovocê…Umtraidordenãoseioquê!

(Silêncio.)

CALABAR

Nãoentendosuaspalavras.Parecequemeengana,ouseengana.Agoramequerroubarotítulodetraidor?

(Willensorri.)

WILLEN

Minhaambiçãoaindanãovooutãobaixaassim.

(Instantes.)

Page 85: Segunda peça da trilogia da imaginação

CALABAR

Sobreafesta…Vejamos,algoinusitado…Umnativovoandopeloarcomastripasabertas!

WILLEN

Sópensaemsangue.

CALABAR

Jáquetratamosnativoscomogado,ponhaumboinolugar.

(Calabarri.)

WILLEN

Quedesatino.

CALABAR

Seriasimbólico.Umboivoadornolugardeumnativo.

WILLEN

Seriaumaofensa.Ocódigonãopermite.

(Silêncio.)

(Instantes.)

WILLEN

Aomenosque…Masseoboifossedepapel…Claro!Cheiodefitascoloridas,seriaumacontecimentocompridoeinesquecível.

(Umboivoador,típicodofolclorebrasileirodo“bumbameuboi”,surgecheiodefitasecoresflutuandosobreascargas.)

(Suapresençaeiluminaçãosãomarcantes.)

CALABAR

Queestáresmungando,sábiaraposa?Querdizer,honorávelconde.

WILLEN

Tiveumaideiaabsurda.Umsonho.Umaimaginação.

CALABAR

Infelizéohomemquenãosonha.

WILLEN

Infelizéohomemquenãochora!

(Silêncio.)

CALABAR

Dizemqueinfelizéopríncipequenãogoza!

WILLEN

Page 86: Segunda peça da trilogia da imaginação

Ótimo.Entãojásabemos:infelizétodoaquelequenãosonha,nãochoraenãogoza!

CALABAR

…Nãosonha,nãochoraenãogoza;umcoitado.

WILLEN

Seriaomaisinfelizdetodos.

CALABAR

Ouomaisfeliz!Quempodedizerocontrário?Talveznofuturosejamosassim…Tãofrioscomoumpedaçodecobre.

(Instantes.)

WILLEN

Não pode ser feliz. Não pode. Porque com tão poucas emoções que sobram, não é um homem. É uma fantasia humana…Você,capitão,éfeliz?

CALABAR

Nãosoufelizneminfeliz.Souoquesou.Querosersenhordomeunarizedonodeterra.

(Silêncio.)

CALABAR

Usaaspalavrasparameatormentar,sábio.Vimaquibuscarosdocumentosdeposse.Foiotratoacertado.Masoconselheirosófaladeumafesta.

WILLEN

Existiráumafesta.

CALABAR

Oquetemafesta?

WILLEN

Infelizmentenãopoderáassisti-la.OpríncipedesejaqueocapitãoinspecioneoslimitesdafronteiraOeste.

(Instantes.)

CALABAR

Quer dizer que não vou presenciar o boi de papel colorido, cheio de fitas soltas bailando no ar agradecendo os favores da terra eenganandoosnativos?

WILLEN

Bastadeironia.Quemdisse?Enganar?

CALABAR

Enganar!Porquenãoseesqueçaquesouumtraidor.Farejoainfidelidade!Amalíciaembutidanorisoeboasfalas.

WILLEN

Page 87: Segunda peça da trilogia da imaginação

Afestanãoseráumvestidodenoivarecheadodeegoísmoemicróbios!

CALABAR

Umafestatraidora.Oqueestáescondendo?

WILLEN

NãosouumJudasdiscutindocomoutroJudas.

CALABAR

Sim.Somosiguais.

(Instantes.)

CALABAR

Seiqueseimaginaassim:JudascontraJudas.Seiqueestáimaginandoumamaldade.

WILLEN

Nãoimaginomaisnada…Estouassustadocomminhasprópriaspalavras…JudascontraJudas.

(Ouve-seumsino,duasvezes.)

(Instantes.)

WILLEN

Sepudessevoltarnotempotrairiaosportugueses?

CALABAR

Nãoconsiderooquefizumatraição.Fizomelhorparaosnativos.

(Instantes.)

CALABAR

PorqueseautoproclamaJudas?

WILLEN

Porquedeviatertraídoenãotraí.PorquenãotraíaCompanhianemopríncipe.Eacabeitraindomeussonhos…PornãotertraídooConselhodecrépito:souumJudasaocontrário.Souinfielamimmesmo.Mintoparamim.UmJudasquesótemvalentiaparatraircoisasmenores:comoumcapitãonativopobredeespírito.

CALABAR

Entãoépiorqueeu.Nãoacreditaemsipróprio.Sócumpreseusdesejosemsonhos.ÉJudasdesimesmo.UmJudasdesimesmo!

(Ouve-seosinováriasvezes.)

(Caialuz.)

Page 88: Segunda peça da trilogia da imaginação

CENA28

CENADACORDA(Cargas/Armazém/Noite)

(UmaredeouconjuntodecordascaemsobreCalabarquecorre.)

(FocosobreCalabareascargas.)

(Calabarficapresoetentasesoltar.)

(Osinotoca.)

WILLEN

Osinodasvésperas!

(Calabargrita.)

CALABAR

Quero…Medeixempelomenoschorarantesdemorrer!Querochorar,antesdeseresquartejado!

(Maisluz.)

Page 89: Segunda peça da trilogia da imaginação

CENA29

CENADOLINHO(Escritório/Armazém/Dia)

(Willenenrolaolinhosujodesangueentreasmãos.)

WILLEN

Nãoqueromaisimaginar.Queroesquecerantesdemorrer.Queroesquecertudo.

(Calabar,entrecordas,temumaconvulsão.)

(Caialuz.)

(Willenlevaolinhoaopescoço,parecequevaiseenforcar.)

WILLEN

EsperoqueahistóriadeXesccomaíndianãotenhasidoumsonho,muitomenosumpesadelo.

(Instantes.)

WILLEN

Nãovousonharjamais!

(Caialuz.)

Page 90: Segunda peça da trilogia da imaginação

CENA30

CENADOBOI(Boivoador/Armazém/Dia)

(Oboivoadorseilumina.)

(Luztotalsobreele.)

(Foconamarquesaadmirandooboivoadorenquantoentradentrodeumacaixagrande,oucarga.)

MARQUESA

Nãovou termaisprazer.Prazer: jamais.Voumefecharparaoprazer.Afesta foiumsucesso.Umêxito total.Edeu lucro.MuitoslucrosparaaCompanhia,oingressofoipago,sim,muitosnativoscompareceram.Eagoravivoaqui…SouumacargaquejamaisvaichegaràAmérica.

(Suavozseperde.)

(Somdemúsicade“bumbameuboi”recriadaemeletrônicaemritmovibrante,pulsanteemodernotomaconta.)

(Calabarmorreentreascordas.Willenparecequevaiseenforcar.)

(Oboivoadorginganoar.)

(Instantes.)

(Tudoescuro)

(Caiopano.)

FIMDOTEXTO

DOCCOMPARATOBARCELONA,SÁBADODECARNAVAL/FEV/2006

Page 91: Segunda peça da trilogia da imaginação

(Terminaoespetáculo)

Osugeridopeloautoréumaintegraçãodotextocomumainstalação.

(Aosairdoteatrooespectadorsedeparacomumaexposiçãocompostapelositensdescritosaseguir.)

Não importa que sejam fotos antigas, cartazes, panfletos ouos próprios objetos empequenasvitrines.O importante é que estejampresentes.

ExposiçãoTipoMuseu

Objetossurpreendemoscientíficos.

Achadosarqueológicosdemaisdetrezentosanos,encontradosnasentranhasdeNovaYork,esclarecemhábitosecostumesdeseusprimeirosdesbravadores.Vê-seosseguintesobjetosnumavitrine:

6. Objeto:Legenda:

UmpedaçodevestidobrancoRestosdeumvestidodenoivaconfeccionadointeiramentenaAmérica.Pertenceuaumafamílianobre.Cientificamenteprovado,emtornode1600d.C.

7. Objeto:Legenda:

UmacaixinhademadeirasemidestruídaCaixaderelicáriocristã.Madeiracomadornosemmadrepérola.Deveriaconteralgumobjetosantificadoeconsideradomilagrosopeloscatólicos.ObjetopertencenteàprimeiraparóquiacatólicadeNovaYork.1600-1700.

8. Objeto:Legenda:

Trêspenas:umaverde,umaazuleoutraamarela.Plumagemindígena.Restosdeplumagemdeavesmigratóriasdesaparecidas,pertenciamatribosselvagensquehabitavamaregiãoequetambémdesapareceram.

9. Objeto:Legenda:

Manuscritodepapelamareladoescritoapena,antigoecorroído.Originalemlatimdereceitadelaxativo.Combinaçãodefrutosefolhasusadaparaaliviarconstipações.Compilaçãodolatimaohebraicodeumprovávelrabinoanônimo.DocumentopertencenteaoCentroHebraico.1607(?)

10. Objeto:Legenda:

Trêsminiaturasdeboisfeitosdeaçúcar.PeçasraraspertencentesàCompanhiadasÍndiasOrientaleaoImpérioChinês.Pequenasesculturasfeitasdeaçúcar,areiaecascalho.Folcloredesconhecido.Pequim/NovaYork–1600.

Outrosobjetossemidentificaçãoencontrados:

1. Lupadestroçada2. Mapasportugueses3. Ampulheta4. Chavenegraegrande5. Umpequenoboivoadorfeitodepapelefitascoloridas.Peçafolclóricadeorigemdesconhecida.

OESPECTADORSAIDOTEATROTUDOCLARO

(Terminaoespetáculo.)

Page 92: Segunda peça da trilogia da imaginação

OjornalespanholElPaísassimodescreve:

“Éumexpert em dramaturgia, com a extraordinária qualidade de produzir e teorizar nomais difícilmeio de comunicação demassa:atelevisão.Sedistinguiuaoporempráticaconceitospessoaisemodernosquerepercutemimediatamentenoresultadofinaldoprodutoaudiovisual.

“OolharagudodeDocComparatooconverteuemumdoshomensmaisrespeitadosdaComunicação,contandocomavantagemdeconhecerospontosessenciaisdotelespectadorcomopoucosoconseguiram.

“Asoficinas,conferênciasedebatesquepropicia,deixamsemprenosparticipantesanecessidadedefazerumamelhortelevisãonodiaseguinte.

“Éumdosmaisimportantesdramaturgoslatino-americanosvivos.”

DocComparato:

Émédico,dramaturgo,roteiristaeescritor.Nasceuem3denovembro,noRiodeJaneiro,Brasil,efoifundadordaCasadeCriaçãodaRedeGlobo.Seustrabalhosabrangemo

teatro,ocinemaeatelevisãotantonoBrasilcomonoexterior.Suacarreirateveinícionoanode1978.Possuiseteprêmiosinternacionais,destacando-seamedalhadeourodoNewYorkFilmsandTelevisionFestival,eseutrabalhode

coautorianumaminissérie comoprêmioNobelGabrielGarcíaMárquez.Tambémassinouasprimeiras séries eminissériesdaTVbrasileira,quesetornaramclássicos.

Comodidataeteóricoemdramaturgia,escreveuolivroDaCriaçãoaoRoteiro,pioneirodestamatériaemvárioscontinentes.Seuúltimocargouniversitáriofoiem2004,emquefoiprofessordeRoteirodaEscoladeCinemadeBerlim.

Emteatro suamais recenteconquista foiaestreiadeNostradamus emRomaeoprêmioAnaMagnani.AcabadeescreverumaminissérieparaaPolkaProductionesemBuenosAires.AtualmentevivenoRiodeJaneiro.

CINEMA

ELCORAZONDELATERRA (ESPANHA/MADRI)2002PIEGE (PARIS/FRANÇA)1993ENCONTROSIMPERFEITOS (LISBOA/PORTUGAL)1990/1991OTRAPALHÃONAARCADENOÉ (BRASIL)1985OCANGACEIROTRAPALHÃO (BRASIL)1985OBOMBURGUÊS (BRASIL)1983HOSPITALBRASIL (BRASIL)1982BONITINHAMASORDINÁRIA (BRASIL)1982OBEIJONOASFALTO (BRASIL)1982–Direção:BrunoBarreto

TELEVISÃO(AUTOR)

MULHER (SERIADO–TVGLOBO–BRASIL)–1998AJUSTICEIRA (SERIADO–TVGLOBO–BRASIL)–1997/1998HOSPITAL (TVANTENA–SPAIN)–1997NAPAZDOSANJOS (MINISERIAL–PORTUGUESETV)–1996POBLENOU (SCRIPTADVISER–MINISERIALCATALÃTV)–1996VISITADENATAL (TVR.T.P./PORTUGUESETV)–1995ARNAU (MINISERIAL/SPAIN)–1994VÉSPERADENATAL (TVR.T.P./PORTUGUESETV)–1994FILOMENO,AMIPESAR (TVSERIAL/SPAINTELEVISION)–1993ABOCADODRAGÃO (MINISERIAL–PORTUGUESETV)–1993PROCURA-SE (MINISERIAL–PORTUGUESETV)–1993RETRATODEMULHER (TVSERIAL/PORTUGUESETV)–1990THEGAMEOFBILLION (DOCUMENTARY/LONDONTV)–1990DUASHISTÓRIASQUEODIABOGOSTA (PORTUGUESETV)–1990LOCOSPORLATELE (SCRIPTADVISER/SPAINTV)–1990THETEMGOLFCLUBSOFPORTUGAL (TVDOCUMENTARY)–1990MEAQUILLOPARASOÑAR (SPAINTV)–1990(comGabrielGarcíaMárquez)A.E.I.O.URCA (GLOBOTV/BRASIL)–1990CAMINS (TV3/CATALÖSPAINTV)–1989

Page 93: Segunda peça da trilogia da imaginação

NAZCA (SPAINTV)–1988LONGSDORFF (SOVIETICTV)–1988ABOCADOINFERNO (GLOBOTV/BRASIL)–1987TIETADOAGRESTE (RAI/ITALIANTV)–1986OTEMPOEOVENTO (GLOBOTV/BRASIL)–1985DUASDAMAS,UMVALETEEUMMORTO (GLOBOTV/BRASIL)–1985OINSPETORGERAL (GLOBOTV/BRASIL)–1983AVIDASECRETADEBERENICE (GLOBOTV/BRASIL)–1983APATADOMACACO (GLOBOTV/BRASIL)–1983ADAMADASCAMÉLIAS (GLOBOTV/BRASIL)–1983MALUMULHER (GLOBOTV/BRASIL)–1982LAMPIÃOEMARIABONITA (GLOBOTV/BRASIL)–1982OSAMORESDECASTROALVES (GLOBOTV/BRASIL)–1982PLANTÃODEPOLÍCIA (GLOBOTV/BRASIL)–1981EAGORA,MARCOS? (GLOBOTV/BRASIL)–1979

TEATRO(AUTOR)

NOSTRADAMUS (ROMA/ITÁLIA)2003NOCÍRCULODASLUZES (RIODEJANEIRO/BRASIL)2002MIGUELANGELO (RIODEJANEIRO/BRASIL)2001NOSTRADAMUS (RIODEJANEIRO/BRASIL)1999K.DANCE (PARIS/FRANÇA)1989NOSTRADAMUS (SÃOPAULO/BRASIL)1985/86AINCRÍVELVIAGEM (RIODEJANEIRO/BRASIL)1984OBEIJODALOUCA (RIODEJANEIRO/BRASIL)1981ASTIAS (RIODEJANEIRO/BRASIL)1980ONOVÍSSIMOTESTAMENTO (SÃOPAULO/BRASIL)1979

LITERATURAEDRAMATURGIA

SCRIVEREUMFILM (DINOAUDINOEDITORE,ITALY)2002LAGUERRADELLEIMMAGINAZIONI (ROBINEDIZIONI,ITALY)2002VONDERENTDCKUNDESPARADIESES (ED.EICHBORNFRANKFURT,GERMANY)2000ELGUIÓN (2ndEDITIONPLANETA,MÉXICO)2000ELGUIÓN (3rdEDITIONFORLATINAMÉRICA)1999LAGUERRADELLEIMMAGINAZIONES (ED.PLANETA,ARGENTINA)1998LAGUERRADELLEIMMAGINAZIONES (ED.PLANETA,MÉXICO)1998AGUERRADASIMAGINAÇÕES (ED.PERGAMINHO,PORTUGAL)1998LAGUERRADELLEIMMAGINAZIONES (ED.PLANETA,SPAIN)1998AGUERRADASIMAGINAÇÕES (ED.ROCCO,BRASIL)1997MEALUGOPARASONHAR (ED.CASAJORGEEDITORIAL,BRASIL)1997MEAQUILLOPARASOÑAR (OLLEROERAMOSEDITORES,SPAIN)1997ELGUIÓN (OFIC.PUBL.DELCBC,ARGENTINA)1997MEAQUILLOPARASOÑAR (ED.VOLUNTAD,COLOMBIA)1995DACRIAÇÃOAOROTEIRO (ED.ROCCO,BRASIL)1995ARNAU,ELSDIESSECRETS (ED.PROA,SPAIN)1994DACRIAÇÃOAOGUIÃO (ED.PERGAMINHO,PORTUGAL)1992DELACREACIÓNALGUIÓN (INST.OFIC.RADIOTELEVISIONESPAÑOLA,SPAIN)1988TVAOVIVODEPOIMENTOS (ED.BRASILIENSE,BRASIL)1988PADRECÍCERO (ED.RECORD,BRASIL)1984ROTEIRO,ARTEDATELEVISÃO (ED.NÓRDICA,BRASIL)1983ELGUIÓ (UNIVERSITATAUTÓNOMADEBARCELONA,SPAIN)1983ELGUION (INST.OFIC.RADIOTELEVISIONESPAÑOLA,SPAIN)1983ELGUIÓN (GARAYEDICIONES,ARGENTINA)1983ASTIAS:TRAGICOMÉDIAEM2ATOS (ED.ACHIAMÉ,BRASIL)1981OMELHORDACRÔNICABRASILEIRA2 (ED.JOSÉOLYMPIO,BRASIL)1981SANGUE,PAPÉISELÁGRIMAS (ED.CODECRI,BRASIL)1979

LIVROSINFANTIS

AINCRÍVELVIAGEM (EBAL,BRASIL)1984

Page 94: Segunda peça da trilogia da imaginação

NADISTASETUDISTAS (EBAL,BRASIL)1984

PRÊMIOSNACIONAIS

PrêmionaCategoriaContodamaisprestigiosainstituiçãonoBrasilem1978(ConcursodeContosdoParaná)

PrêmiodeServiçoNacionaldeTeatro(SNT1979e1980)

EleitopelaAssociaçãoPaulistadeCríticosdeArte(APCA)comoomelhorautorde1982.

PRÊMIOSINTERNACIONAIS

PrêmiodeMelhorFilmenoLALIFF2007–LosAngelesLatinInternationalFilm

Festival–Cinema–ElCorazóndelaTierra–Inglaterra/Espanha(2007)

Prêmio“AnaMagnani”–Teatro–Nostradamus–Itália(2003)

MelhorAutordaAcademiadeLiteraturaCatalan–Arnau–Barcelona,Espanha(1995)

CoralNegro–Cuba–MelhorMinissérieeautorparaOTempoeoVento(1986)

PrêmiodaCrítica–TVFestival–MonteCarlo(1986)

MelhorRoteiroOriginal,Categ.CriançaseAdolescentes–TomarFilmFestival–Portugal(1985)

FestivaldeTelevisãodePraga–RoteiroMaluMulher–ReginaDuarte,melhoratriz(1984)

FestivaldeFilmeseTelevisãodeNovaYork,medalhadeouro,melhorroteirooriginalparaminisséries.(1983)(TVGloboProductionLampiãoeMariaBonita)

DE1986ADIANTE

DocComparatoem1986foifundadorecoordenadordoDepartamentodeCriaçãodaTVGloboNetwork.SuaobraNostradamusestreouemSãoPauloeficouemcartazduranteumano.

Em1987trabalhoucomGabrielGarcíaMárquez(PrêmioNobel)eescreveuaminissérieintituladaMeAlugoparaSonharparaaProductoraInternationalNetwork;eparaatelevisãosoviética,aminissérieintituladaOHomemqueDescobriuoParaísojuntocomoescritorrussoAlexanderChlepianov.

Nosanos1990semudouparaaEuropaondeescreveuparaaTVEumaminissériecomGonzaloTorrentMalvino,baseadanolivrobest-sellerdeste,intituladoFenomeno;eArnauparaatelevisãoCatalan,aqualrecebeomaisprestigiosoprêmiodeBarcelona,comomelhorAutordaAcademiadeLiteraturaCatalan.

Logo em 1992 trabalhou em Portugal, na TV SIC e na TVI, como roteirista e cosultor criativo até 1994. Foi coordenador efundadordomásteremroteirosparatelevisãoecinemadaUniversidadeAutonomadeBarcelona.TambémocupouomesmocargonaUniversidadeCatólicaPortuguesa(PUC),econsultordoEuropeanFundemLondresporcincoanos.

Em1996Doc retornou com sua família para oBrasil, onde retorna paraTvGlobo.Escreve noRio de Janeiro “AGuerra dasImaginações”,novelaquefoieditadonoBrasil,Espanha,Portugal,Argentina,México,ItáliaealcançaaAlemanhaem2003.

De2002a2003viveuemBarcelonaondetrabalhoucomoroteirista,alémdeserdiretorcriativodaProdigiusAudiovisuais(TV-Movies Europeus) e também diretor da DEA (Augostini Planeta Corporation) para minisséries e grandes projetos audiovisuaiseuropeus.

Em2004viveunaAlemanhaonde foi professordaEscoladeCinemadeBerlime convidadodehonradoFestival deCinema(UrsodePrata–2004).

Depois de escrever um filme em Belgrado, o roteirista volta ao Brasil e se torna consultor de criação de textos do SistemaBrasileirodeTelevisão(SBT–SãoPaulo/Brasil)ondedesenvolveuumprojetointituladoOPalácioeumoutrodetelenovela.

Em2005,viveuemBuenosAiresondeescreveuaminissérieTalismanesparaPol-kaProduciones.TrabalhounaRedeRecorddetelevisão.

Page 95: Segunda peça da trilogia da imaginação

Em2008,ministrouo curso “Personagem, dramaturgia y guión” naEscuela Internacional deCine yTV–SanAntonio de losBaños.VoltandoaoBrasil,foiconvidadopelaAcademia

BrasileiradeLetrasparaministrarocurso“DaCriaçãoaoRoteiro”.EmoutubroesteveemMedellincomoconferencistaparaoXIIEncontroInternacionaldeTV.

Em2009,lançanovaediçãodolivro“DaCriaçãoaoRoteiro”pelaeditoraSummus.

Em2010,estréiasuapeça“LiçãoNº18”quecontoucomsuafilha,BiancaComparatonopapelprincipal(TeatroPoeira–RiodeJaneiro).

E ainda completou sua terceira trilogia teatral, chamada “Trilogia da Imaginação”, escrevendo as peças “Eterno” e “Jamais”.Textosinéditos.

Em2012recebeoPrêmioFyMTI(FestivalYMercadodeTV-FicciónInternacional),BuenosAires,emReconhecimentoporsuatrajetóriaecontribuiçãocomoautordeficçãoemaudiovisual.

SERIADOS:

PLANTÃODEPOLÍCIA:(CriadoreAutor)

22/06/1979-CRIMEDOVIDIGAL

06/07/1979-VAMPIROSTROPICAIS

27/07/1979-AVOZDOALÉM

24/08/1979-VERMELHO23

31/08/1979-OENIGMADAPENSÃODORENO

28/09/1979-BALÃOAPAGADO

19/10/1979-DESPEDIDADESOLTEIRO

30/04/1980-OCAVALEIRODOAPOCALIPSE

28/05/1980-NOSPORÕESDALIBERDADE

25/06/1980-OARQUI-INIMIGO

09/07/1980-OACORDO

16/07/1980-ADOCEIRADEBANGU

01/10/1980-OVENERÁVELAZULTURQUESA

15/10/1980-PEGA

10/12/1980-CAIXADESURPRESAS

17/12/1980-CAMISADEFORÇA

05/05/1981-TREMNOTURNO

04/06/1981-SANGUE,CALÇADAEMILK-SHAKE

11/06/1981-OCAMINHODASESTRELAS-I

18/06/1981-OCAMINHODASESTRELAS-II

Page 96: Segunda peça da trilogia da imaginação

25/06/1981-OCAMINHODASESTRELAS-III

03/07/1981-OCAMINHODASESTRELAS-IV

13/08/1981-OLHODAMORTE

03/09/1981-OHERDEIRO

MALUMULHER:(Autor)

11/08/1980-PARADAOBRIGATÓRIA

RETRATODEMULHER:(CriadoreAutor)

16/12/92-ERAUMAVEZ…LEILA

18/05/93-ERAUMAVEZ…MADALENA

AJUSTICEIRA:(CriadoreAutor)

09/04/1997-PREÇODAVIDA

16/04/1997-CINZASNOPLANALTO

17/04/1997-BALANOTREMDEPRATA

23/04/1997-OFILHODAMADONA

30/04/1997-ONAVIOLUMINOSO

07/05/1997-VIAGEMAOINFERNO

14/05/1997-ETERNOSDIAMANTES

21/05/1997-MESMOQUESEJAEU

28/05/1997-FILHAÚNICA

04/06/1997-CRIADORECRIATURA

11/06/1997-BALASPERDIDAS

18/06/1997-TREMDEPRATA

02/07/1997-VIVERPORVIVER

MULHER:(Autor)

22/04/1998-FATORHUMANO

21/10/1998-DEBRAÇOSABERTOS

11/11/1998-ONÉCTARDAVIDA

13/04/1999-VÍCIOSEVIRTUDES

01/06/1999-PERFUMEDOAMOR

27/07/1999-LINDOMARAVILHOSO

07/09/1999-ABELAADORMECIDA

14/09/1999-SABOTAGEM

09/11/1999-OSEGREDO

MINISSÉRIES:(AutoreCriador)

Page 97: Segunda peça da trilogia da imaginação

26/04/1982-LAMPIÃOEMARIABONITA

10/01/1983-BANDIDOSDAFALANGE

09/04/1984-PADRECÍCERO

22/04/1985-OTEMPOEOVENTO

24/06/1990-A,E,I,O…URCA

OUTROSTRABALHOSEMTELEVISÃO:

CASOESPECIAL:(Autor)

10/05/1978-EAGORA,MARCO?

02/01/1981-OSAMORESDECASTROALVES

QUARTANOBRE:(CriadoreAutor)

06/04/1983-ADAMADASCAMÉLIAS

27/04/1983-OINSPETORGERAL

25/05/1983-APATADOMACACO

08/06/1983-DAMAS,VALETEECRIME

31/08/1983-MORTENOPARAÍSO

05/10/1983-AVIDASECRETADEBERENICE

26/10/1983-DOOUTROLADODOTÚNEL

BRASIL500ANOS:(Autor)

02/07/1998-BRASIL500ANOS

TRABALHOSCOMOATOR:

MINISSÉRIE

1984-PADRECÍCERO-(MACEDO)

1990-A,E,I,O…URCA-(JUDEUJACOB)

1998-LABIRINTO-(ELEMESMO)

TELENOVELA

1985-AGATACOMEU-(ELEMESMO)

QUARTANOBRE

1983-ADAMADASCAMÉLIAS(GAROTODACLAQUETE)

*AindanaRedeGlobo,foiumdoscriadoresefundadoresdaCasadeCriaçãodaemissoranosanos80.

Page 98: Segunda peça da trilogia da imaginação

TRILOGIADOAMANHé

(Peçasescritasentre1977e1982)

PLÊIADESouPequenasCirurgiasparaAracnídeos.

OBEIJODALOUCA©–(PrêmioServiçoNacionaldoTeatro,Brasil,1979)

ODESPERTARDOSDESATINADOS©.

TRILOGIADOTEMPO©

(Peçasescritasentre1985e2000)

NOSTRADAMUS©(OprisioneirodoFuturo)–(PrêmioANAMAGNANI/STAZIONE,Itália,2003/2004)

MIGHELANGELOS©(OprisioneirodoPresente)–(Paraacomemoraçãodos500anosdedescobertadoBrasil,2000)

OCÍRCULODASLUZES©(OprisioneirodoPassado)

TRILOGIADAIMAGINAÇÃO©

(Peçaseprojetosapartirde2000)

SEMPRE©(Ou,oCasodaMoçadeGargantilhaounaIntimidadedasCoisas)–(EscritoemBarcelona,2003)

JAMAIS©(Calabar,umelogioàtraiçãoOuNapossedascoisas)(EscritoemBarcelona,fevereirode2006)

ETERNO©(ouXanadu,nolimitedacriatividadeouNoinalcançáveldascoisas)–(EscritoemCopacabana,Julhode2006).

OUTROSTEXTOS

AINCRIVELVIAGEM©(Ou,OInacreditáveléPossível,oImpossívelnãoé)–(1985-PeçaInfantil)

ASTIAS©comAguinaldoSilva(1982)

LIÇÃONº18©(1995/2004)

ODESPERTARDOSDESATINADOS©(1987)(Revisto)

“AMISTERIOSAMORTEDOSUPREMOIMPERADORDACHINAeOUTRASHISTÓRIAS”©(2011)