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1 Seminário Internacional Fazendo Gênero 11 & 13 th Women’s Worlds Congress (Anais Eletrônicos), Florianópolis, 2017, ISSN 2179-510X “SER BELA É SER MAIS MULHER”, POR ISSO, “ FAÇA-ME BONITA, PELO AMOR DE DEUS”! Linara Bessega Segalin 1 Resumo: “Ser bela é ser mais mulher”, “Faça-me bonita, pelo amor de Deus”, “20, 30 ou 40 primaveras conquistando corações”. Essas são algumas frases encontradas nos anúncios publicitários da Revista “Vida Doméstica”, no período de 1945-1962. As frases apresentadas sugerem que ser bela era uma obrigação da mulher, um requisito para ser aceita na família e na sociedade, um complemento para ser “mais mulher” e, principalmente, um fator de extrema importância para conquistar e manter o amor de um pretendente. A publicidade encontrada nas páginas da Revista “Vida Doméstica” não mede esforços para conscientizar (e às vezes aterrorizar) as mulheres sobre a necessidade de preservar ou alcançar a beleza. Neste artigo, buscamos analisar e compreender como os anúncios publicitários da Revista “Vida Doméstica” vão construindo representações de gênero que associam a imagem da mulher à beleza, e a beleza à conquista contínua do namorado, noivo ou marido. Analisaremos os anúncios do período conhecido como “Anos Dourados”, período de grande crescimento da industrialização no Brasil e do aumento da oferta de produtos de higiene e beleza, que se tornariam grandes aliados na “batalha” por ser bonita. O discurso que aconselha e intimida revela os estereótipos de beleza a que as mulheres estavam submetidas nos anos que antecedem as conquistas da segunda onda do movimento feminista. Importantes reflexões em tempos em que persistem estereótipos de “Belas, Recatas e do Lar”. Palavras-chave: Representações de gênero. Beleza. Matrimonio. Publicidade. Revistas Femininas. “A beleza é o maior atrativo da mulher, por isso mesmo deve ser cuidadosamente conservada” 2 , afirmava um anúncio do “Creme de Alface”, publicado na Revista Vida Doméstica, em 1945 3 . As páginas da Revista Vida Doméstica concentravam um discurso exaustivo de como alcançar a beleza para poder conquistar e manter o amor do noivo ou esposo. A maneira mais eficaz de manter a felicidade conjugal, de acordo com a Revista, era manter-se sempre bela. Desta forma, os anúncios afirmavam que “Ser bela é ser mais mulher”, por isso, as mulheres deveriam implorar Faça-me bonita, pelo amor de Deus”, como podemos evidenciar nas imagens abaixo. 1 Doutora em História Social Comparada pela Universidade de Murcia, Espanha. 2 A beleza atrai. Revista Vida Doméstica, Rio de Janeiro: Sociedade Gráfica Vida Doméstica, março de 1945, p. 70. 3 O texto apresentado aqui é um recorte da minha tese de doutorado intitulada: “¿Bellas, Recatadas, Madres y Hogareñas?” La construcción de las representaciones de género en la prensa femenina de Brasil y España. Una perspectiva comparada: la revista “Vida Doméstica” y el “Almanaque de la Madre de Familia” (1945-1973), defendida na Universidade de Murcia, Espanha.

SER BELA É SER MAIS MULHER, POR ISSO, FAÇA -ME … · os anúncios afirmavam que “Ser bela é ser mais mulher”, por isso, as mulheres deveriam implorar “ Faça- me bonita,

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Seminário Internacional Fazendo Gênero 11 & 13th Women’s Worlds Congress (Anais Eletrônicos),

Florianópolis, 2017, ISSN 2179-510X

“SER BELA É SER MAIS MULHER”, POR ISSO, “ FAÇA-ME BONITA, PELO AMOR

DE DEUS”!

Linara Bessega Segalin1

Resumo: “Ser bela é ser mais mulher”, “Faça-me bonita, pelo amor de Deus”, “20, 30 ou 40

primaveras conquistando corações”. Essas são algumas frases encontradas nos anúncios

publicitários da Revista “Vida Doméstica”, no período de 1945-1962. As frases apresentadas

sugerem que ser bela era uma obrigação da mulher, um requisito para ser aceita na família e na

sociedade, um complemento para ser “mais mulher” e, principalmente, um fator de extrema

importância para conquistar e manter o amor de um pretendente. A publicidade encontrada nas

páginas da Revista “Vida Doméstica” não mede esforços para conscientizar (e às vezes aterrorizar)

as mulheres sobre a necessidade de preservar ou alcançar a beleza. Neste artigo, buscamos analisar

e compreender como os anúncios publicitários da Revista “Vida Doméstica” vão construindo

representações de gênero que associam a imagem da mulher à beleza, e a beleza à conquista

contínua do namorado, noivo ou marido. Analisaremos os anúncios do período conhecido como

“Anos Dourados”, período de grande crescimento da industrialização no Brasil e do aumento da

oferta de produtos de higiene e beleza, que se tornariam grandes aliados na “batalha” por ser bonita.

O discurso que aconselha e intimida revela os estereótipos de beleza a que as mulheres estavam

submetidas nos anos que antecedem as conquistas da segunda onda do movimento feminista.

Importantes reflexões em tempos em que persistem estereótipos de “Belas, Recatas e do Lar”.

Palavras-chave: Representações de gênero. Beleza. Matrimonio. Publicidade. Revistas Femininas.

“A beleza é o maior atrativo da mulher, por isso mesmo deve ser cuidadosamente

conservada”2, afirmava um anúncio do “Creme de Alface”, publicado na Revista Vida Doméstica,

em 19453.

As páginas da Revista Vida Doméstica concentravam um discurso exaustivo de como

alcançar a beleza para poder conquistar e manter o amor do noivo ou esposo. A maneira mais eficaz

de manter a felicidade conjugal, de acordo com a Revista, era manter-se sempre bela. Desta forma,

os anúncios afirmavam que “Ser bela é ser mais mulher”, por isso, as mulheres deveriam implorar

“Faça-me bonita, pelo amor de Deus”, como podemos evidenciar nas imagens abaixo.

1 Doutora em História Social Comparada pela Universidade de Murcia, Espanha. 2 A beleza atrai. Revista Vida Doméstica, Rio de Janeiro: Sociedade Gráfica Vida Doméstica, março de 1945, p. 70. 3 O texto apresentado aqui é um recorte da minha tese de doutorado intitulada: “¿Bellas, Recatadas, Madres y

Hogareñas?” La construcción de las representaciones de género en la prensa femenina de Brasil y España. Una

perspectiva comparada: la revista “Vida Doméstica” y el “Almanaque de la Madre de Familia” (1945-1973), defendida

na Universidade de Murcia, Espanha.

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Figura 1: Ser Bela é ser mais mulher.

Fonte: Revista Vida Doméstica, Rio de Janeiro: Sociedade Gráfica Vida Doméstica, Novembro de 1945, p. 81.

Figura 2: Faça-me Bonita, Pelo Amor de Deus.

Fonte: Revista Vida Doméstica, Rio de Janeiro: Sociedade Gráfica Vida Doméstica, Agosto de 1953, p. 56.

Soihet afirma que a pressão sobre as mulheres era enorme, uma vez que as mulheres

consideradas feias não importavam muito na sociedade e eram associadas às mulheres que queriam

emancipar-se.

La fealdad era relacionada a las mujeres que querrían emanciparse. “solo las muy feas

querrán emanciparse…¡Pobres! La bonitas no” porque a ellas no les faltará un adorador. Y

sin tardanza: “¡Qué nos importan las feas! Que se salven las bellas, que la humanidad se

perfeccionará” (…) Es recurrente la preocupación por acentuar la belleza como carácter

imprescindible de las mujeres. La ausencia de ese atributo representa un gran peso, ya que

serán rechazadas por los hombres, lo cual imposibilitará la realización de la única

aspiración legítima de las mujeres, el casamiento (2006, p. 624).

Para muitas mulheres, não possuir os padrões de beleza desejados pela sociedade poderia

significar um enorme problema: o de não conseguir alcançar a “missão” pensada para elas: casar e

ter filhos/as.

De acordo com Strey, os corpos não dependem somente da natureza e são construídos

também culturalmente, sobretudo, o corpo da mulher.

Para muchas personas los cuerpos humanos son invenciones de la naturaleza y poco tienen

que ver con la cultura o la historia. Pero en realidad los cuerpos también son construidos

culturalmente, sobre todo el cuerpo de la mujer. Por eso es preciso acercar nuestra mirada

sobre las construcciones culturales sobre el cuerpo femenino (2004, p. 225, 226).

A discussão sobre a beleza sempre existiu. Ainda que os padrões de beleza considerados

ideais modificassem ao longo dos séculos nas distintas sociedades e, a pesar de não existir um

modelo de beleza universal, a beleza sempre esteve presente. Foi discutida por filósofos, artistas,

escritores, cientistas, etc. Existe algo de bom relacionado à beleza, mas também algo muito ruim. A

busca das medidas perfeitas, dos padrões estéticos considerados ideias em cada período histórico e

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em cada sociedade podem ser cruéis para aqueles/as que não se encaixam nos padrões de beleza

estabelecidos.

Nos últimos anos, as revistas também exaltam ideais para a beleza masculina e toda a sorte

de cuidados para que os homens possam alcançá-la e mantê-la. Porém, a beleza sempre foi e

continua sendo mais vinculada às mulheres. As mulheres sempre foram mais “vítimas” da beleza.

Um homem, de maneira geral, não necessita ser “bonito” para ser aceito na sociedade. Seu valor

social é quase sempre medido pelo seu caráter, pela sua honra, pelo seu trabalho, pelos bens

materiais que possui, pela beleza de sua esposa, por toda sorte de coisas, raramente por sua beleza.

Figura 3: Sempre em Forma! Usando no seu carro artigos de qualidade.

Fonte: Revista Vida Doméstica, Rio de Janeiro: Sociedade Gráfica Vida Doméstica, Julho de 1947, p. 151.

Para as mulheres, por outro lado, ser bela era una exigência social. Nos anos 1950 o mais

importante era a aparência. O rosto ainda era a parte do corpo mais valorizada pelos anúncios de

beleza, mas o resto do corpo já despertava o interesse das marcas de produtos e o cuidado das

mulheres. Os concursos de “Miss” apresentavam corpos femininos considerados ideais. As

mulheres se tornavam cada vez mais consumidoras de produtos que pudessem ajudá-las na busca

pela beleza.

En los años cincuenta, la imagen de la mujer adquiere un aire muy sofisticado. Está de

moda arreglarse mucho y presentar un aspecto muy cuidado. Las revistas femeninas, así

como el cine y la publicidad difunden un modelo de mujer que vigila su línea, aunque aún

no está de moda una excesiva delgadez, y se maquilla. Los cosméticos ahora son

patrimonio de todo tipo de mujeres, y ninguna – ya sea ama de casa o trabajadora, debe

renunciar a embellecerse (MELLADO, 2008, p. 49).

Se hoje as modelos são as referências de beleza, em grande parte do século XX foram as

atrizes de cinema de Hollywood as que serviam como referencial de beleza, protagonizando

anúncios de cosméticos e capas de revistas no mundo todo, como é possível observar no anúncio a

seguir, publicado na Revista em 1948.

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Figura 4: Para você...Uma pele macia...aveludada...como a das estrelas de Hollywood!

Fonte: Revista Vida Doméstica, Rio de Janeiro: Sociedade Gráfica Vida Doméstica, Abril de 1948, p.75.

Para conquistar e convencer as leitoras da eficácia dos produtos, os anúncios utilizavam

um tom informal e de proximidade com as leitoras. Muitas vezes utilizavam histórias em

quadrinhos com diálogos simples e didáticos (uma conversa entre duas amigas ou entre mãe e filha,

por exemplo). Eram utilizadas também palavras e expressões que diminuíam a liberdade de escolha

das leitoras. Todo tipo de receita e conselhos eram repassados para que as mulheres se tornassem

mais belas e conquistadoras.

O século XX foi caracterizado pela dominação da publicidade. “O corpo feminino é

onipresente (...). Objeto do olhar e do desejo, fala-se dele. Mas ele se cala” (PERROT, 2003:13). De

acordo com a autora, o corpo feminino sempre foi um espetáculo para o homem, um capital

simbólico para ser disputado e conquistado.

No palco do teatro, nos muros da cidade, a mulher é o espetáculo do homem. A própria

beleza constitui um capital simbólico a ser barganhado no casamento ou no galanteio”

Ainda hoje, o corpo feminino, silencioso e dissecado, continua sendo o principal suporte da

publicidade” ( PERROT, 2003, p. 15).

As inúmeras propagandas anunciavam e conformavam os estereótipos de beleza

valorizados no período. Ao analisar as páginas da Revista Vida Doméstica, identificamos oito tipos

de anúncios que invocavam a beleza das mulheres. O primeiro afirmava que as mulheres que não

cuidassem da sua beleza estariam condenadas à solteirice. O segundo enfatizava que as mulheres

deveriam manter uma “eterna juventude e mocidade” para seguir sendo atrativas para os homens,

especialmente o noivo ou marido. O terceiro condenava a artificialidade da beleza provocada,

sobretudo, pelo excesso de maquiagem. A beleza natural era considerada a verdadeira beleza. O

quarto considerava que, quanto mais beleza tivesse uma mulher, mais ela ficaria na memoria dos

seus pretendentes, aumentando as possibilidades de conquista. O quinto destacava que a beleza era

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uma exigência social que deveria ser perseguida por todas as mulheres. O sexto afirmava que a falta

de beleza era um dos principais motivos do desinteresse dos maridos pelas esposas e pelo término

dos relacionamentos conjugais. O sétimo recordava as mulheres que, além da beleza do rosto, elas

também deveriam atentar para a beleza do corpo. Por último, a beleza da mulher trabalhadora

merecia especial atenção naquela sociedade em transformação.

Analisaremos alguns destes anúncios, verificando como, ao longo do século XX, se

construiu uma supervalorização da juventude e da beleza, sobretudo da mulher. A beleza feminina

esteve muitas vezes diretamente associada à conquista de um homem. O corpo feminino foi

organizado para o prazer da visão masculina (STREY, 2004, p. 234).

“Sempre sozinha…Porque?”, questionava o anúncio do “Creme dental Colgate”,

publicado na Revista em 1945. No diálogo entre tia e sobrinha, a sobrinha revelava que a tia estaria

sozinha por conta do seu mau hálito. No entanto, usando o creme dental do anúncio ela poderia

resolver o problema e, como um “milagre”, encontrar um pretendente, como aparece no último

quadro.

Figura 5: Sempre sozinha...por que?

Fonte: Revista Vida Doméstica, Rio de Janeiro: Sociedade Gráfica Vida Doméstica, Novembro de 1945, p. 98.

Um anúncio de “Leite de Colônia”, em 1949, dizia: “Descubra um noivo para mim”. Na

conversa entre amigas, uma delas conta que procurou uma “vidente” para lhe ajudar a encontrar um

noivo. No entanto, sua amiga enfatizava que uma vidente não lhe ajudaria a encontrar um noivo se

ela não cuidasse da sua beleza. O excessivo uso de maquiagem somente escondia as imperfeições,

tornando a beleza artificial. Para resolver o problema, aconselhava o uso de “Leite de Colônia”. O

conselho parecia ser certeiro, já que na sequência da imagem, a jovem que buscava um noivo e que

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havia feito uso do produto indicado, recebia declarações de um rapaz: “Querida” Ontem nos

conhecemos…Hoje estou ansioso para revê-la. Roberto4”.

Figura 6: Descubra um noivo para mim.

Fonte: Revista Vida Doméstica, Rio de Janeiro: Sociedade Gráfica Vida Doméstica, Outubro de 1949, p.83.

A juventude era um dos aspectos mais importantes e valorizados numa mulher. “O cinema

inventou uma beleza reluzente e espetacular. (...) Hollywood propagou desde então um verdadeiro

culto à juventude. (...) Eles foram os grandes divulgadores das novas formas de cuidar do corpo

(SANT’ANA”, 2013). Muitos anúncios que apareciam na Revista traziam o tema da juventude e

prometiam uma beleza de adolescente, uma pele radiante e suave como as flores, um rosto fresco e

encantador que recordaria os 15, 20 anos.

Figura 7: Um Rosto encantador que lhe recordará os 15 anos.

Fonte: Revista Vida Doméstica, Rio de Janeiro: Sociedade Gráfica Vida Doméstica, Setembro de 1947, p. 111. Figura 8: Conserve o frescor dos seus 20 anos.

Fonte: Revista Vida Doméstica, Rio de Janeiro: Sociedade Gráfica Vida Doméstica, Setembro de 1945, p. 106.

4 Descubra um noivo para mim. Revista Vida Doméstica, Rio de Janeiro: Sociedade Gráfica Vida Doméstica, Outubro

de 1949, p. 83.

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Alguns minutos de cuidado poderiam garantir anos de juventude, segundo os anúncios. Era

preciso fazer todos os esforços para evitar a “Idade Perigosa”.

Aos 18...aos 23...aos 25... a qualquer época pode começar a idade perigosa para sua beleza,

com as primeiras imperfeições de sua cútis. Cuide diariamente de sua pele com a famosa

Água de Junquillo, e estará de posse de uma beleza permanente5.

Enquanto os anúncios de maquiagens prometiam esconder as imperfeições, os anúncios de

limpadores de pele prometiam uma beleza natural, “sem máscara”.

“Pareça natural. Por favor”.... é mais elegante!” Os anúncios que defendiam uma beleza

natural justificavam a ideia de que “A conveniência ordena às mulheres da boa sociedade que sejam

discretas (...)” ( PERROT, 2003, p.15).

Figura 9: Pareça natural, por favor... É mais elegante.

Fonte: Revista Vida Doméstica, Rio de Janeiro: Sociedade Gráfica Vida Doméstica, Fevereiro de 1948, p. 117.

Figura 10: Sua cútis está diante desta ameaça: Beleza de máscara. Revista Vida Doméstica, Rio de Janeiro: Sociedade

Gráfica Vida Doméstica, Novembro de 1945, p. 34.

Os anúncios de “Leite de Colônia” alertavam para o perigo de uma beleza de máscara. O

excesso de maquiagem fazia com as mulheres perdessem “a alma da beleza”6, uma vez que as

imperfeições eram somente escondidas. Por outro lado, as mulheres eram incentivadas a ser “A

favorita entre todas”7 e conquistar tudo o que os homens admiravam “Um rosto adorável, um colo

5 Idade Perigosa. Revista Vida Doméstica, Rio de Janeiro: Sociedade Gráfica Vida Doméstica, Agosto de 1946, p. 149. 6 Perdia, aos poucos, a alma da minha beleza... Beleza de máscara. Revista Vida Doméstica, Rio de Janeiro: Sociedade

Gráfica Vida Doméstica, Março de 1950, p. 69. 7 Seja a favorita entre todas. Revista Vida Doméstica, Rio de Janeiro: Sociedade Gráfica Vida Doméstica, Março de

1949, p. 117.

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lindo e a sedução da juventude8”. Para tornar-se “inesquecível”, o uso de maquiagens era

incentivado. “Aquela de quem ele se lembra mais…brilha com o “efeito pétala” de “Tanger”. “Ele

quererá mais beijos dos seus lábios adoráveis”, usando o batom “Don Juan”. Os anúncios de

maquiagens enfatizam o poder de conquista que eles proporcionavam.

Figura 11: Aquela de quem ele se lembra mais.

Fonte: Revista Vida Doméstica, Rio de Janeiro: Sociedade Gráfica Vida Doméstica, Novembro de 1945, p. 106.

Figura 12: Ele quererá mais beijos dos seus lábios adoráveis.

Fonte: Revista Vida Doméstica, Rio de Janeiro: Sociedade Gráfica Vida Doméstica, Agosto de 1946, p. 90.

Era preciso ser admirável, encantadora. “Assim como as flores, as mulheres deviam

encantar. O encanto era uma palavra comumente utilizada pela propaganda da primeira metade do

século XX. Servia como uma luva para caracterizar a beleza feminina” (SANT’ANA, 2013). Este

estereótipo permaneceu presente até os anos 1960, quando os anúncios passaram a associar as

mulheres como “sempre livres” despojadas e arrojadas” (SANT’ANA, 2013).

Seguindo todos os conselhos de beleza, a tarefa de ser bela e manter o amor do noivo e/ou

esposo seria exitosa, de acordo com anúncios. “Meu marido não me larga”, exclamava a

publicidade do desodorante“Magic”.

8 Ela tem tudo o que eles admiram. Revista Vida Doméstica, Rio de Janeiro: Sociedade Gráfica Vida Doméstica, Julho

de 1949.

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Figura 13: Meu marido não me larga. Revista

Fonte: Vida Doméstica, Rio de Janeiro: Sociedade Gráfica Vida Doméstica, Junho de 1948, p. 125.

Ficar bonita era então uma exigência social. “Algumas já nascem belas...outras podem

alcançar a beleza” afirmava o anúncio de “Elizabeth Arden”. De acordo com Mellado, “La idea de

que hay una belleza latente en cada mujer, que esta puede sacar a flote si emplea los medios

apropiados, ha sido algo muy explotado por la publicidad de cosméticos y perfumes” (2008, p. 26).

Figura 14: Onde uma cútis sem mácula é uma exigência social. Revista Vida Doméstica, Rio de Janeiro: Sociedade

Gráfica Vida Doméstica, Julho de 1945, p. 27.

Figura 15: Algumas já nascem belas... Todas podem alcançar a beleza. Revista Vida Doméstica, Rio de Janeiro:

Sociedade Gráfica Vida Doméstica, Abril de 1951, p. 7.

A mulher casada não poderia jamais descuidar da sua beleza se quisesse manter o amor do

marido. Muitas vezes, o desinteresse dos maridos ou o término das relações amorosas era

justificado pela falta da beleza da esposa. As frases utilizadas nos anúncios para alertar as mulheres

desse perigo eram ameaçadoras, intimidadoras. “Poderei iludir meu marido amanhã?9” perguntava

a revista Vida Doméstica em 1947.

9 Poderei iludir meu marido amanhã? Revista Vida Doméstica, Rio de Janeiro: Sociedade Gráfica Vida Doméstica,

Novembro de 1947, p. 87.

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Ouça, Helena! Aproxima-se o dia do meu casamento...e até agora, usei maquillage para

ocultar do meu noivo as imperfeições da pele. Depois de casada receio desiludi-lo com

minha beleza. De fato, Leda! Amanhã, você não poderá iludir seu marido com o excessivo

maquillage para encobrir as imperfeições da pele. Comece, agora, a corrigi-las usando,

diariamente, Leite de Colônia. Felizmente Leda lembrou-se a tempo. (Ela sabe que há

muitos maridos que se desiludem da beleza da esposa logo nos primeiros dias). E agora ela

se casa, na certeza de possuir beleza natural e jovem10.

Se descuidassem da beleza o destino poderia ser cruel. Muitas propagandas utilizavam

imagens de mulheres tristes, chorando, culpadas por terem descuidado da beleza e perdido o amor

do marido. “A publicidade embute, em relação a essas que não se encaixam nos padrões, uma

ideologia de fracasso, de impotência frente ao próprio corpo” (PRIORI: 2004, p. 255 264).

“Porque há maridos que esquecem o valor de um beijo”? Perguntava um anúncio do

“Creme Dental Colgate”. A resposta era direta: “Às vezes a culpa é da esposa, Irene. Porque não

consultas o dentista sobre o teu hálito?11”

As propagandas do desodorante íntimo “Lysoform” eram ainda mais cruéis. Nelas as

mulheres aparecem lamentando a frieza, o desinteresse e a perda do amor do esposo. “Eu era a mais

feliz das esposas...hoje ele me abandona”, “Que terei feito para perder o amor do meu marido?...

O inexorável destino das jovens esposas envelhecidas”.

Figura 18: Anuncio Lysoform. Eu era a mais feliz das esposas... hoje ele me abandona.

Fonte: Revista Vida Doméstica, Rio de Janeiro: Sociedade Gráfica Vida Doméstica, Setembro de 1945, p. 94.

Figura19: O destino inexorável das “jovens esposas envelhecidas”.

Revista Vida Doméstica, Rio de Janeiro: Sociedade Gráfica Vida Doméstica, Maio de 1945, p. 115.

10Poderei iludir meu marido amanhã? Revista Vida Doméstica, Rio de Janeiro: Sociedade Gráfica Vida Doméstica,

novembro de 1947, p. 87. 11 Porque há maridos que esquecem o valor de um beijo. Revista Vida Doméstica, Rio de Janeiro: Sociedade Gráfica

Vida Doméstica, Março de 1945, p. 16.

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O fim de um relacionamento parecia depender somente das más atitudes das mulheres,

sobretudo dos descuidos com a beleza. “Se você se esquece da sua beleza… seu marido esquece de

você”12, afirmava um anúncio “Leite de Colônia”.

As propagandas de “Horno Vivo” demonstram como a preocupação com a beleza deixava

de ser somente com a beleza do rosto, passando a ocupar-se também da beleza do restante do corpo.

“Beleza não é só rosto, é corpo também”! A medida do seu busto é a medida de sua beleza”. A

medicina também começava a aconselhar um corpo saudável, firme, bonito e jovem. (PRIORI:

2004, p. 255 261).

Figura 16: Beleza não é só rosto. Revista Vida Doméstica, Rio de Janeiro: Sociedade Gráfica Vida Doméstica, Julho de

1945, 27.

Figura 17: A medida do seu busto é a medida da sua beleza.

Fonte: Revista Vida Doméstica, Rio de Janeiro: Sociedade Gráfica Vida Doméstica, Outubro de 1946, p. 120.

Por último, a Revista Vida Doméstica também se preocupava com a beleza das mulheres

trabalhadoras. Segundo a Revista a falta de tempo das mulheres que trabalham não poderia impedir

os cuidados com a beleza. Para isso, a indústria deveria investir em produtos eficientes, de rápida e

fácil aplicação.

A beleza das mulheres que trabalham, pode dessa maneira ser tão convenientemente tratada

como a das mulheres que tem tempo para frequentar instituto de beleza ou passarem mais

tempo em seus cuidados. Bastando para isso, uma organização no tratamento e a escolha de

produtos simples mas eficientes, estudados para dentro da sua simplicidade de aplicação

darem o máximo de resultados13.

Com a análise das propagandas de produtos de higiene e beleza da Revista Doméstica foi

possível identificar como foram construídas na imprensa feminina, representações de gênero que

12 Será isto o fim do romance? Revista Vida Doméstica, Rio de Janeiro: Sociedade Gráfica Vida Doméstica, agosto de

1948. 13 A maquilagem das mulheres que trabalham. Revista Vida Doméstica, Rio de Janeiro: Sociedade Gráfica Vida

Doméstica, novembro de 1949 p. 77.

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associam a imagem da mulher à beleza, e a beleza à conquista contínua do namorado, noivo ou

marido. Uma análise necessária em tempos em que revistas recentes destacam como modelo ideal o

de “Bela, Recatada e do Lar”.

Referências:

MELLADO, María Paz Hinojosa. La persuasión en la prensa femenina: Análisis de las

modalidades de la Enunciación. Visión libros: Madrid: 2008.

PERROT, Michelle. Os silêncios do corpo da mulher. In: SOIHET, Rachel; MATOS, Maria Izilda

Santos. O corpo feminino em debate. São Paulo: Editora UNESP, 2003.

PRIORI, Mary del. Corpo a corpo com as mulheres: as transformações do corpo feminino no Brasil.

In: STREY, Marlene Neves. CABEDA, Sonia T. Lisboa. Corpos e Subjetividades em exercício

interdisciplinar. Porto Alegre: EDIPUCRS, 2004.

SANT’ ANNA, Denise Bernuzzi de. Sempre Bela. In: PINSKY, Carla Bassanezi; PEDRO, Joana

Maria (Org.). Nova História das Mulheres no Brasil. São Paulo: Contexto, 2013. Ebook.

SOIHET, Rachel. Movimientos femininos y la lucha por el voto en Brasil. In: MORANT, Isabel.

Historia de las Mujeres en España y América Latina. Madrid: Cátedra: 2006.

STREY, Marlene Neves. A “criação” do corpo feminino ideal. In: STREY, Marlene Neves.

CABEDA, Sonia T. Lisboa. Corpos e Subjetividades em exercício interdisciplinar. Porto Alegre:

EDIPUCRS, 2004.

“Being beautiful is to be more woman”, therefore, “Make me beautiful, for God's sake!"

Astract: “Being beautiful is be more woman”, "Make me beautiful, for God's sake!", 20, 30 or 40

springs conquering hearts”. These are some phrases found in the advertisements of the magazine

“Vida Doméstica” (Domestic Life), in the period 1945-1962. The phrases presented suggest that

being beautiful was an obligation of the woman, it was a requirement to be accepted in the family

and society, a complement to be "more woman" and, principally, an extremely important factor to

conquer and keep maintain the Love of a suitor.

The advertisements found on the pages of the magazine “Vida Doméstica” (Domestic Life), does

not measure efforts to raise awareness (and sometimes terrify) the women about the necessity of

preserve or conquer the beauty. In this article, we seek to analyze and understand how the

advertisements of the magazine “Vida Doméstica” (Domestic Life) build gender representations

that associate the image of women with beauty, and the beauty to the continuing conquest of

boyfriend, fiancé or husband. We will analyze the announcements of the period known as “Anos

Dourados” (Golden Years), the period of great growth of industrialization in Brazil and the increase

in the supply of hygiene and beauty products, which would become great allies in the "battle" for

being beautiful. The discourse that counsels and intimidates reveals the stereotypes of beauty to

which women were subjected in the years preceding the conquests of the second wave of the

Page 13: SER BELA É SER MAIS MULHER, POR ISSO, FAÇA -ME … · os anúncios afirmavam que “Ser bela é ser mais mulher”, por isso, as mulheres deveriam implorar “ Faça- me bonita,

13

Seminário Internacional Fazendo Gênero 11 & 13th Women’s Worlds Congress (Anais Eletrônicos),

Florianópolis, 2017, ISSN 2179-510X

feminist movement. Important reflections in times when stereotypes of “Bela, Recatada e do Lar”

(Beautiful, modest and housewife)

Keywords: Gender representations. Feminine magazines. Beauty standards.