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UNIVERSIDADE FEDERAL DE SÃO JOÃO DEL-REI
Programa de Pós-Graduação em Geografia
SER DA ROÇA E ESTUDAR NA CIDADE: OS ESPAÇOS-
TEMPOS DISTINTOS E AS TEORIAS CURRICULARES
CRÍTICAS E PÓS-CRÍTICAS
FILIPE CÉSAR PEREIRA
SÃO JOÃO DEL-REI
2017
Filipe César Pereira
SER DA ROÇA E ESTUDAR NA CIDADE: OS ESPAÇOS-TEMPOS
DISTINTOS E AS TEORIAS CURRICULARES CRÍTICAS E PÓS-
CRÍTICAS
Dissertação apresentada ao Programa de Pós-Graduação
em Geografia, da Universidade Federal de São João del-
Rei, como requisito final para a obtenção do grau de
Mestre em Geografia. Área de Concentração: Análise
Ambiental e Territorial.
Orientadora: Prof.ª Dra. Lígia Maria Brochado de Aguiar
São João del-Rei (MG)
2017
Ficha catalográfica elaborada pela Divisão de Biblioteca (DIBID)
e Núcleo de Tecnologia da Informação (NTINF) da UFSJ,
com os dados fornecidos pelo (a) autor (a)
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM GEOGRAFIA
DISSERTAÇÃO DE MESTRADO
SER DA ROÇA E ESTUDAR NA CIDADE: OS ESPAÇOS-TEMPOS
DISTINTOS E AS TEORIAS CURRICULARES CRÍTICAS E PÓS-CRÍTICAS
Autor: Filipe César Pereira
Orientadora: Dra. Lígia Maria Brochado de Aguiar
A Banca Examinadora composta pelos membros abaixo aprovou esta dissertação:
SÃO JOÃO DEL-REI
Fevereiro de 2017
DEDICATÓRIA
Dedico esse trabalho exclusivamente a minha noiva Doriane, pelo incondicional apoio,
motivação, paciência e carinho durante toda esta jornada.
AGRADECIMENTOS
Agradeço em primeiro lugar а Deus, que me iluminou durante esta caminhada.
Agradeço a Universidade Federal de São João del-Rei e, em especial, ao Programa de
Pós-Graduação em Geografia, pela oportunidade do curso de Mestrado.
À professora, Dra. Lígia Maria Brochado de Aguiar, pela confiança, incentivo e
paciência na orientação desta pesquisa.
Às professoras Dra. Tatiane Marina Pinto de Godoy e Dra. Amanda Regina Gonçalves,
membros da banca examinadora, pela prontidão diante do convite, pelas considerações e
sugestões oferecidas à pesquisa.
Aos meus pais Geraldo e Marlene, meus irmãos, ao Prof. Ivair Gomes e aos meus
companheiros de travessia Gabriel, Krishna, Iamê, Talita, Jean, Dalvana, Letícia e
Bruno, pela força, incentivo e companheirismo para a conclusão desta etapa.
À Secretaria Municipal de Educação de São João del-Rei e a Escola Municipal “Carlos
Damiano Fuzatto”, que nos concederam o espaço para a realização da pesquisa.
Aos demais professores, funcionários, e amigos, que de alguma forma me motivaram a
seguir e JAMAIS desistir desta jornada.
RESUMO
Dissertação de Mestrado
Programa de Pós-Graduação em Geografia
Universidade Federal de São João del-Rei
SER DA ROÇA E ESTUDAR NA CIDADE: OS ESPAÇOS-TEMPOS
DISTINTOS E AS TEORIAS CURRICULARES CRÍTICAS E PÓS-CRÍTICAS
AUTOR: FILIPE CÉSAR PEREIRA
ORIENTADORA: DRA. LÍGIA MARIA BROCHADO DE AGUIAR
Data e Local da Defesa: São João del-Rei, 21 de fevereiro de 2017
Esta pesquisa tem como tema as novas relações entre campo-cidade e a criação de novas
espacialidades/temporalidades. A investigação do tema se dá através de um estudo de
caso (empírico) e de um problema, voltado para o processo de inclusão (ou exclusão)
dos alunos do meio rural nas escolas urbanas, considerando os desafios que esses
sujeitos enfrentam ao longo da jornada de estudos e, a influência do currículo e seu
discurso, diante das diferenças presentes nas escolas. Para a realização da pesquisa
escolhemos uma das unidades de ensino pertencentes à Secretaria Municipal de
Educação, de São João del-Rei/MG (SME/SJDR), urbana e denominada central, cujo
perfil se caracterizou pela presença marcante de alunos da zona rural e que nos permitiu
conhecer de perto as suas práticas cotidianas. O objetivo central se consistiu em
investigar o processo de organização do conhecimento geográfico nas escolas básicas,
através das teorias curriculares (críticas e pós-críticas), partindo do pressuposto de que o
currículo e a educação são processos de “regulação” e “emancipação”. Os elementos
fundamentais que compõem a nossa metodologia estão centrados nas descrições densas,
onde damos “voz” aos sujeitos de nossa investigação, através das suas narrativas; nas
teorias curriculares críticas e pós-críticas e nas categorias de análise geográfica lugar e
território. Os objetivos e métodos aplicados no decorrer da pesquisa nos permitiram
constatar que os saberes e as práticas escolares, que se materializam através dos
mecanismos e processos, orientados pelo currículo formal são levados a se enquadrarem
a um regime de saber, supostamente neutro, porque na prática se mostra pretencioso e
excludente, tendo em vista a imposição objetiva de metas, e regras específicas, para
formar alguém para alguma coisa, fazendo da escola uma empresa de aprendizagem.
Por isso, apontamos o currículo como uma “ferramenta de construção social”, ao invés
de um documento ingênuo, como querem alguns. Pretendemos mostrar no decorrer
deste trabalho a influência do currículo tradicional sobre a multiculturalidade presente
na comunidade escolar, responsável por ocultar diferentes grupos, eventos e contextos,
diante do uso de temas e abordagens específicas, que são aplicadas a partir de um único
ponto de vista, privilegiando o modo de se viver o urbano. Por isso, consideramos que a
escola tem realizando um sequestro da experiência de “si”, dos alunos rurais, pois, além
de condená-los ao esquecimento e ao atraso também tem contrariado o seu próprio
perfil, contribuindo para o desinteresse ou conformismo dos alunos rurais, que não se
reconhecem nesse sistema de ensino.
Palavras-Chave: Teorias curriculares críticas e pós-críticas; Descrições Densas;
Relações campo-cidade.
ABSTRACT
Masters dissertation
Graduate Program in Geography
Federal University of São João del-Rei
BEING OF ROÇA AND STUDYING IN THE CITY: THE DIFFERENT SPACE-
TIMES AND THE CRITICAL AND POST-CRITICAL CURRICULAR
THEORIES
AUTHOR: FILIPE CÉSAR PEREIRA
ORIENTER: DRA. LÍGIA MARIA BROCHADO DE AGUIAR
Date and Place of Defense: São João del-Rei, February 21, 2017
This research has as its theme the new relations between field-city and the creation of
new spatiality / temporalities. The investigation of the theme is done through a case
study (empirical) and a problem: to understand how the process of inclusion (or
exclusion) of rural students in urban schools occurs, the challenges that these subjects
face during the journey of studies and the influence of the curriculum and its discourse,
given the differences present in the schools. In order to carry out the research, we chose
one of the educational units belonging to the urban and central denomination of São
João del-Rei / MG (SME / SJDR), whose profile was characterized by the presence of
students from the rural area and, that allowed to know closely their daily practices. The
central objective was to investigate the process of organizing geographic knowledge in
basic schools through curricular theories (critical and post-critical), assuming that
curriculum and education are processes of "regulation" and "emancipation". The
fundamental elements that make up our methodology are centered in the dense
descriptions, where we give "voice" to the subjects of our investigation, through their
narratives; In critical and post-critical curriculum theories, and in the categories of
geographical location and territory. The objectives and methods applied during the
course of the research allowed us to verify that the knowledge and the school practices,
which are materialized through the mechanisms and processes, guided by the formal
curriculum, are led to fit a supposedly neutral knowledge regime, because in the
Practice is shown to be pretentious and exclusive, in view of the objective imposition of
goals, and specific rules, to form someone for something, making the school a learning
enterprise. Therefore, we point to the curriculum as a "tool of social construction",
rather than a naive document, as some want. We intend to show in the course of this
work the influence of the traditional curriculum on the multiculturality present in the
school community, responsible for hiding different groups, events and contexts,
considering the use of specific themes and approaches, which are applied from a single
point of view, Privileging the way of living the urban. Therefore, we consider that the
school has carried out a kidnapping of the "yes" experience of the rural students, since,
in addition to condemning them to oblivion and backwardness, it has also contradicted
their own profile, contributing to students' disinterest or conformism Which are not
recognized in this system of education.
Keywords: Critical and post-critical curricular theories; Dense Descriptions; Field-city
relations.
LISTA DE QUADROS
QUADRO 01: COMUNIDADES RURAIS DE ORIGEM DOS ALUNOS DA E.M.
CARLOS DAMIANO FUZATTO – 2015....................................................................107
QUADRO 02: DISTRIBUIÇÃO DOS DISTRITOS DE SÃO JOÃO DEL-REI/MG –
2010...............................................................................................................................108
LISTA DE MAPAS
MAPA 01: LOCALIZAÇÃO DA ÁREA DE ESTUDO NO ESTADO DE MINAS
GERAIS – BRASIL.........................................................................................................24
LISTA DE GRÁFICOS
GRÁFICO 01: Situação do transporte oferecido para os alunos da Zona Rural-
2015.............................................................................................................................. 119
GRÁFICO 02: Qualidade do transporte oferecido para os alunos da Zona Rural-
2015...............................................................................................................................120
GRÁFICO 03: Perda de aula decorrente do transporte oferecido para os alunos da Zona
Rural-2015.....................................................................................................................121
GRÁFICO 04: Alunos da Zona Rural que relataram ter sofrido Bullying na
Escola.............................................................................................................................123
GRÁFICO 05: Local das atividades desempenhadas pelos pais dos alunos
rurais..............................................................................................................................124
GRÁFICO 06: Você gosta de morar na Zona Rural?..................................................125
LISTA DE FIGURAS
FIGURA 01: LOCALIZAÇÃO DA ESCOLA ESCOLHIDA PARA O ESTUDO DE
CASO...............................................................................................................................25
FIGURA 02: DISTRIBUIÇÃO DOS DISTRITOS DE SÃO JOÃO DEL-REI/MG –
2010.................................................................................................................................26
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO ...................................................................................................................... 17
Apresentação do Recorte de Estudo ....................................................................................... 23
A Trajetória de uma escola RURAL situada na área URBANA ....................................... 27
PARTE I ................................................................................................................................... 29
CAPÍTULO 1 – CAMINHOS PERCORRIDOS ............................................................ 29
1.1. Pelos caminhos que andei ................................................................................................ 29
1.2. Como andei pelo caminho ............................................................................................... 34
CAPÍTULO 02 – POLÍTICAS DE ORIENTAÇÃO OU DE APRISIONAMENTO?
DA TEORIA À PRÁTICA ................................................................................................... 38
2.1. Alguns apontamentos sobre a Lei de Diretrizes e Bases para a educação (LDB) .... 39
2.2. A Geografia e a Escola a partir dos Parâmetros Curriculares Nacionais .................. 41
2.3. O Assujeitamento ao conhecimento oficial? Currículo Básico Comum ................... 47
2.4. Projeto Político Pedagógico - Escola Municipal “Carlos Damiano Fuzatto” ........... 52
CAPÍTULO 03 – AS TEORIAS CURRICULARES: QUANDO A CONSTRUÇÃO
SOCIAL DO CONHECIMENTO SE TRANSFORMA EM POLÍTICAS DE
REGULAÇÃO ........................................................................................................................ 56
3.1. Zapeando as Teorias Curriculares ................................................................................... 56
3.2. Multiculturalidade, Identidade e Diferença, no contexto das Teorias Curriculares . 58
3.3. A centralidade da cultura na Sociedade Atual .............................................................. 62
3.4. O currículo como híbrido cultural e as práticas escolares cotidianas ........................ 64
PARTE II ................................................................................................................................. 68
CAPÍTULO 04 – AS DIMENSÕES GEOGRÁFICAS E A SUA APROXIMAÇÃO
DO DISCURSO PEDAGÓGICO ....................................................................................... 68
4.1. Pensando o Lugar, o território e as territorialidades no contexto das transformações
sociais ......................................................................................................................................... 68
4.2. A Desterritorialização do “outro” do Campo ................................................................ 75
4.3. As festividades juninas e os “Mitos Fundadores” ........................................................ 80
4.4. Retomando a discussão sobre o Lugar e o Território na Geografia Cotidiana ......... 83
4.4.1 O Lugar na Geografia do Espaço Vivido .................................................................... 85
4.4.2. O Lugar Como o Espaço Banal da Geografia ............................................................ 86
CAPÍTULO 05 – O BICHO DO MATO, DE PÉ VERMELHO NA ESCOLA DA
CIDADE.................................................................................................................................... 88
5.1. Da Roça à Cidade: As Relações entre o Rural e o Urbano ......................................... 88
5.2. O Rural como “Território e Territorialidade” ............................................................... 94
PARTE III .............................................................................................................................. 102
CAPÍTULO 06 – MUNDOS DISTINTOS: ENTRE O RURAL E O URBANO ... 102
6.1. Uma Breve Contextualização Teórica.......................................................................... 102
1ª Etapa do Trabalho de Campo: Tempo-espaço Escolar ....................................... 105
6.2. Trabalho de Campo: primeiros passos ......................................................................... 105
6.2.1. Sistematização das Atividades de Campo – Descrições Densas ........................... 107
6.2.2. O acontecer do espaço praticado na escola através das narrativas ........................ 110
6.2.3. ENTREVISTA: Justificativa para a aplicação dos questionários ......................... 116
6.2.4. Sistematização dos Questionários – 1ª Etapa de Campo ........................................ 117
2ª Etapa do Trabalho de Campo: O rural desconhecido pelo currículo escolar ... 128
6.3. “A História não contada de quem também Existe: O Acontecer Cotidiano do
Espaço Rural” ......................................................................................................................... 128
CONSIDERAÇÕES FINAIS ............................................................................................. 137
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ............................................................................ 143
ANEXO ................................................................................................................................... 151
17
INTRODUÇÃO
O descaso com as escolas rurais no Brasil tem sido evidenciado, nos últimos
anos, por meio do fechamento considerável dessas unidades por todo país. Conforme
consta nos Indicadores Demográficos e Educacionais apontados pelo MEC (2011) e,
tendo como referência a região Sudeste é possível observar que o estado de Minas
Gerais foi o que apresentou o maior número de fechamento das escolas rurais, entre os
anos de 2007 e 2010, contabilizando uma queda de 5956 para 5305 escolas, ou seja, 651
unidades a menos. Contudo, esse quadro mantém a mesma defasagem ao apontar os
demais estados dessa região e não se inverte ao mencionar o restante do país.
No contexto dessa discussão, o tema proposto pelo presente estudo é a inclusão
dos alunos do meio rural nas escolas municipais de São João del-Rei/MG, no contexto
das novas relações campo-cidade e das novas espacialidades/temporalidades. Nosso
problema é compreender através das teorias críticas e pós-críticas do currículo como a
inclusão se transforma em exclusão. Os alunos, o lugar, o currículo e as práticas
cotidianas da escola são os elementos chave para o desenvolvimento de nosso estudo de
caso.
As contribuições do filósofo francês Michael Foucault (1926-1984) para as
teorias curriculares têm se mostrado fundamentais para a análise e compreensão do
nosso estudo, que será de natureza qualitativa. O foco pedagógico está centrado de um
lado, no currículo e, de outro na lenta decantação do processo de reconhecimento da
multiculturalidade presente nas escolas.
Deixamos claro que não é pretensão deste estudo focalizar quais conteúdos
fazem parte da composição do currículo escolar, mas sim questionar, e problematizar o
porquê desta formulação e estruturação, bem como entender quais são os interesses que
estão por trás desse documento. Ou seja, nosso estudo está centrado nas teorias
curriculares e não somente no currículo escolar, seus conteúdos e diretrizes.
Nosso interesse pelas teorias curriculares, pela escola e suas práticas
pedagógicas se mostram relevantes por ser este o lugar ocupado por diversos grupos, de
diferentes realidades e culturas. Nossa convivência na escola, em todos os espaços
cotidianos praticados nos permitiu observar que, o currículo produz um tipo de discurso,
que favorece um grupo, ou grupos, em detrimento de outros e, é a partir desse fato que,
nos referimos aos alunos do meio rural, que são submetidos na prática cotidiana escolar
a um currículo, transformado em “regime” provido de “verdades universais”, que
18
supervaloriza a vida nas cidades e, não a vida no campo, que é vista apenas na
perspectiva do lazer, do meio ambiente, do agronegócio, das músicas românticas
“sertanejas”, dos rodeios ou, então, como lugar do atraso e da miséria.
Ao não reconhecer a geografia do lugar como espaço praticado cotidianamente,
onde nos cabe viver a vida de todos os dias, não conseguimos construir símbolos,
sentidos, valores, nem identidade com o lugar e com as pessoas que nele habitam e, que
também produzem cultura.
Para Skliar (2003, p. 23) há uma “improvável indiferença” em relação aos
sujeitos do campo, que permanecem distantes de sua própria história e cultura em razão
de um pretenso conhecimento hegemônico, legitimado pela sociedade urbana. As
singularidades dos sujeitos do campo e o próprio campo são omitidos no currículo
oficial. As políticas públicas para a educação continuam a representar as verdades do
projeto iluminista, que acreditava na razão como meio para libertar os homens do poder
do outro.
Nesse sentido, entendemos que a escola é um espaço regido por relações de
poder. Os dispositivos e métodos disciplinares considerados universais para alunos de
diferentes lugares e culturas buscam promover um processo de homogeneização dos
alunos na sala de aula. Logo, a etapa final do processo de ensino-aprendizagem, baseado
nas premissas curriculares oficiais dar-se-á mediante a criação do sujeito
“autogovernável” das sociedades modernas, tratado por Silva (1995) em suas
discussões.
Ao tratarmos a questão do discurso, que se materializa através do currículo,
estamos atentos ao recado de Foucault (2011), que chama nossa atenção para a
importância de se aprender a desconfiar das suas diferentes tendências, pois o discurso
surge com o poder. Para Foucault é através da Genealogia “ [...] isto é, uma forma de
história que dê conta da constituição dos saberes, dos discursos, dos domínios de objeto,
etc., sem ter que referir a um sujeito [...]”; que podemos analisar as relações de poder,
que são estabelecidas no espaço geográfico (FOUCAULT 2011, p.07).
Bordin (2014, p. 228), buscando compreender o sentido do discurso para
Foucault (2011) entende que: “[...] um discurso é produto da sua época, do poder e
saber de seu tempo”. Assim, o processo histórico se encarrega de fazer com que as
verdades e valores se mantenham, modifiquem ou se sobreponham diante de outros
discursos que possam surgir em um dado recorte de espaço-tempo.
19
No âmbito da ciência geográfica, Santos (1999) nos ajuda a entender o território
como um “campo de forças” que se forma a partir do lugar, espaço banal da geografia e,
portanto, não isento de relações de poder. Para Michel Foucault (2011) essas relações
nos levam a considerar que o poder se vincula a verdade, que é transposta por meio de
um discurso e, que o mesmo, não se trata de uma ação centralizadora e hegemônica
sobre a sociedade, o poder se encontra em todos os tipos de relação, inclusive como
forma de resistência.
Contextualizamos a discussão sobre a “diferença” ao tratarmos da inclusão dos
alunos vindos de diferentes comunidades rurais, para as escolas urbanas do município
de São João del-Rei/MG, como consequência do fechamento e/ou nucleação1 de
algumas escolas que apresentaram baixa demanda de alunos, segundo a Secretaria
Municipal de Educação (SME/SJDR). Inicialmente, podemos inferir que se trata de uma
questão política, que visa minimizar custos. Por outro lado, é possível compreender que
a secretaria de ensino e as autoridades competentes não estão preocupadas com os
desafios que essa medida pode acarretar para o discente. Tomamos como exemplo, o
problema da mobilidade rural-urbano que ocorre de forma precária.
Apesar da multiculturalidade presente na comunidade escolar, as premissas
curriculares oficiais, tradicionais e conteudistas insistem na criação de um ambiente
comum, de modo a seguir metas comuns, para se atingir objetivos comuns. Observa-se
nesse sentido que a obediência do aluno a determinado “regime” através de métodos
disciplinares como, por exemplo, as avaliações periódicas, a necessidade de se manter
informado e informatizado, o dever de “se preparar para a vida” nega (obstáculo-
discurso que se cristaliza) a possibilidade de reconhecer o mundo, a partir das suas
próprias representações. Para Foucault (2011) esta é uma questão de “poder” e, no caso
do aluno indisposto (indisciplinado) diante desse regime essa situação passa a ser
entendida como uma forma de “resistência”.
Foucault (2011) em seu livro “Microfísica do Poder” descreve momentos em
que a sociedade – orientada por regimes de seu tempo – excluiu indivíduos, por não
saber lidar com a diferença de determinados grupos sociais, pertencentes a outros
segmentos culturais ou, simplesmente, por não saber lidar com determinada doença
1 “Este processo corresponde, na prática, ao fechamento ou desativação de escolas unidocentes
(multisseriadas), seguido pelo transporte dos alunos para escolas maiores, melhor estruturadas e
abrangendo ciclo ou ciclos completos, funcionando como núcleo administrativo e pedagógico (MEC,
2007. p.04, grifo nosso.) ”.
20
como a lepra, por exemplo. No entanto, ainda é possível dizer que nos dias atuais a
exclusão, o esquecimento e a negligência diante do outro ainda persiste.
Mostramos no decorrer da pesquisa que as espacialidades/temporalidades
construídas no espaço geográfico são o resultado da relação entre sujeito e seu espaço
vivido-praticado, de seus contextos e das táticas de sobrevivência. Assim, defendemos a
existência do rural, de tal forma que, a sua relação com o urbano não poderia ocorrer
através de disputas que qualifiquem ou desqualifiquem ambos os territórios. Da mesma
forma que Marques (2002, p. 95) buscamos compreender o espaço rural e urbano como
indissociáveis, “[...] cuja unidade se forma na diversidade”.
O objetivo central deste estudo consiste em investigar o processo de organização
do conhecimento geográfico através das teorias curriculares, na escola básica, e seu
discurso, a partir do entendimento de que o currículo e a educação estão envolvidos em
processos de “regulação” e “emancipação”, o que evidencia até que ponto a retórica da
promoção da disciplina se faz sentir na prática educativa. Assim como Silva (2010)
nossa contextualização teórica se fundamenta a partir das teorias curriculares críticas e
pós-críticas, que têm como objetivo conhecer quais “efeitos de poder” são produzidos
pelo currículo, de modo que se torne possível reconhecer as relações de poder existentes
nesse “documento de identidade”.
Os objetivos específicos são:
Conhecer os saberes e as práticas docentes com relação à temática: novas
relações cidade-campo e a criação de novas espacialidades/temporalidades;
Analisar as propostas curriculares oficiais, com vistas a compreender o processo
de inclusão/exclusão do “diferente”, ou seja, analisar se o cotidiano do aluno do
meio rural é contemplado (ou não) no contexto escolar;
Compreender a relação entre às teorias curriculares críticas e pós-críticas no
processo de (re) construção identitária, a partir do tempo-espaço escolar, para
entender até que ponto o multiculturalismo e o “diferente” possuem “voz”;
Justificamos a importância deste estudo por consideramos que o currículo não é
apenas a transposição do discurso científico, cultural, artístico para o campo da
educação. O currículo produz identidades sociais. Por isso, a desconstrução da Teoria
Tradicional do Currículo através das teorias críticas e pós-críticas se apresenta como
necessária, pois, nos ajudam não somente a evidenciar as relações de poder existentes
21
neste documento, mas também a colocar em um campo de visibilidade o discurso de
outros grupos que, historicamente foram marginalizados, silenciados, omitidos,
discriminados e excluídos, por serem julgados inferiores aos padrões desejados pela
“Sociedade Moderna”. Daí a importância de analisar as espacialidades/temporalidades
rurais, temática central das novas relações entre o campo e a cidade. Dar “voz” ao outro
significa reconhecer a sua própria existência.
Nosso problema, frisamos, é desvendar os processos, mecanismos que levam os
saberes e práticas escolares a se enquadrarem ao currículo formal e, são subordinados a
um “regime de saber” que o tomam como único e verdadeiro. Conforme Foucault apud
Gore (2002, p: 10): “[...] cada sociedade tem seu regime de verdade, sua política geral
de verdade: isto é, os tipos de discurso que aceita e faz funcionar como verdadeiros. ”
Saber e poder não são a mesma coisa, também dizia Foucault. Portanto, uma teoria
curricular pós-crítica seria mais adequada para identificar os regimes de verdade, que
tornam invisíveis os que vivem da terra, ocultando as suas diferenças.
As noções de poder, saber, discurso e, regimes de verdade, problematizadas por
Michel Foucault (1988, 2011) e por autores foucaultianos serão abordadas em nosso
estudo, relacionando-os ao lugar e as espacialidades/temporalidades produzidas entre o
rural e o urbano, no contexto das teorias curriculares críticas e pós-críticas. O diálogo,
além de Foucault se ampliará a outros estudiosos do tema aqui desenvolvido.
Esta dissertação foi organizada em seis capítulos, que estão subdivididos em três
partes: I): apresenta a metodologia, os procedimentos metodológicos utilizados para a
realização da pesquisa, seguida das discussões sobre o currículo e as teorias
curriculares; II): trata-se de uma sistematização teórico-prática, em que nos propomos a
pensar sobre as categorias de território e lugar, bem como, os conceitos criados de
forma articulada com os eventos ocorridos nos trabalhos de campo; III): apresentamos
as descrições densas, através das narrativas dos sujeitos de nossa investigação,
diferencial deste estudo.
Para atender os objetivos deste trabalho, o desenvolvemos da seguinte forma:
Introdução, onde apresentamos o tema e problema de pesquisa, além dos objetivos,
justificativa (relevância), acrescidos de uma teorização prévia. No primeiro capítulo,
falamos sobre os caminhos percorridos durante a realização da pesquisa. Os elementos
fundamentais que compõem a nossa metodologia estão centrados nas descrições densas
(narrativas). Além das teorias curriculares críticas e pós-críticas, a teoria de fundo
também aborda as categorias geográficas “Lugar e Território”, sob a perspectiva de
22
autores como Santos (1997, 1999, 2000, 2003), Haesbaert (2006) Holzer (1999),
Damiani (2005), entre outros estudiosos que se debruçaram sobre esta questão.
O segundo capítulo, intitulado “Políticas de Orientação ou de Aprisionamento? Da
Teoria à Prática” é uma breve discussão no âmbito normativo com destaque para a Lei
de Diretrizes e Bases para a Educação (LDB), os Parâmetros Curriculares Nacionais
(PCN) e o Currículo Básico Comum (CBC) 2, como uma das propostas oficiais criadas
para o ensino. O Projeto Político e Pedagógico (PPP) da Escola Municipal “Carlos
Damiano Fuzatto” – escola escolhida para o nosso estudo de caso – também foi
analisado, com o intuito de compreender os efeitos das leis federais e estaduais na sua
constituição, e consequentemente no cotidiano desta instituição.
O terceiro capítulo, apresenta um estudo sobre as teorias curriculares, os efeitos e as
relações de poder que se estabelecem através do currículo. De início versamos sobre as
teorias curriculares, guiados por Tomaz Tadeu da Silva. Os subitens que seguem falam
sobre: “Multiculturalidade, Identidade e Diferença no contexto das Teorias
Curriculares”, “A centralidade da cultura na Sociedade Atual ” e, “O currículo como
híbrido cultural e as práticas escolares cotidianas”. Esses tópicos oferecem elementos
importantes para pensarmos sobre o papel do currículo no contexto escolar, não apenas
como um documento de identidade, mas também como uma ferramenta de regulação e
emancipação do sujeito e, portanto, envolvido em relações de poder.
No quarto capítulo, realizamos um esforço de teorização acerca das categorias
geográficas território e lugar, levando em consideração o período popular da história e o
avanço da geografia ocorrido nas últimas décadas, com a retomada dessas categorias,
seus conceitos e contextos. Através desta discussão propomos pensar o território e o
lugar a partir da dimensão do vivido, ou seja, da territorialidade, devido à densidade de
eventos que ambos carregam, possibilitando sua contextualização no cotidiano escolar e
as teorias curriculares.
No quinto capítulo, discorremos sobre a questão: das fronteiras entre rural e
urbano e os debates teóricos acerca da temática, cujas discussões sinalizaram uma
indefinição conceitual. Os demais itens ao longo do capítulo são sobre “As Relações
entre o Rural e o Urbano” e “O Rural como Território e Territorialidade”. Nesse último
tópico discutimos sobre como o rural tem se tornado um espaço vazio e esquecido,
2 O Currículo Básico Comum (CBC) é um documento regulador para sistema de ensino, oferecido pela
Secretaria Estadual de Educação do estado de Minas Gerais (SEE/MG). Porém, segundo a Secretaria
Municipal de Educação do de São João del-Rei (SME/SJDR) este também é uma ferramenta de
orientação curricular utilizada nas escolas municipais.
23
diante do avanço da modernidade sobre o urbano e, que na escola essa relação não é
diferente. Porém, defendemos a existência do rural: se, ficou evidente que existe entre
os alunos da zona rural e os da zona urbana uma diferença, isso significa que ela
também existe na escola.
No sexto capítulo, apresentamos o diferencial de nossa pesquisa: as descrições
densas, através das narrativas dos sujeitos de nossa investigação. A orientação
etnográfica/fenomenológica nos permitiu descrever profundamente o cotidiano escolar,
e os eventos ocorridos nas comunidades rurais, sem estabelecer o dualismo entre sujeito
e objeto. O contato direto entre o pesquisador e os diferentes espaços-tempos, os modos
de viver e as histórias contadas (narrativas) pelos moradores, por meio de conversas
informais permitiram descrever e interpretar densamente os acontecimentos que cercam
o cotidiano desses indivíduos.
Por último, nas considerações finais, fazemos uma breve retomada ao tema e aos
objetivos, enfatizando a importância da metodologia e dos procedimentos
metodológicos utilizados para a execução da pesquisa, somadas às reflexões teóricas,
justificando sobretudo a relevância de outras discussões acerca da temática: novas
relações entre campo-cidade e a criação de novas espacialidades/temporalidades, no
contexto das teorias curriculares críticas e pós-críticas.
Apresentação do Recorte de Estudo
Localizado na mesorregião do Campo das Vertentes, o município de São João
del-Rei (MG) exerce a função de cidade-polo em uma das três microrregiões, conforme
consta no MAPA 01. Segundo o censo do IBGE (2010), a sua total população é de
84.469 habitantes, sendo que 79.857 são residentes na área urbana e 4.612 na rural.
Com a sua economia diversificada, o município em questão possui representação
nos três setores da economia, com ênfase na mineração (e indústria), comércio e
pecuária, respectivamente. Quanto às atividades rurais, este se destaca na produção de
hortaliças, leguminosas, leite, grãos e afins (PEREIRA e AGUIAR, 2014); (GOMES e
AGUIAR, 2014).
Apesar da agricultura não ser a principal especificidade econômica do município
de São João del-Rei deve-se considerar a sua importância e diversidade, seja no
abastecimento interno do município, da micro e mesorregião, na geração de emprego,
renda e demais formas de subsistência. Conforme Gomes e Aguiar (2014, p.39):
24
Por trás da paisagem rural de São João del-Rei há um sistema de
produção, portanto, um conteúdo técnico que impõe novas lógicas às
históricas relações entre o campo e a cidade, redefinindo as
contradições que acompanharam a reorganização do processo
produtivo através da modernização agrícola, produzindo novos
territórios.
Abaixo, apresentamos o mapa, onde está localizado o município de São João
del-Rei, seguido da escola escolhida para o nosso estudo de caso e dos distritos
pertencentes ao município em questão:
MAPA 01:
LOCALIZAÇÃO DA ÁREA DE ESTUDO NO ESTADO DE MINAS GERAIS -
BRASIL
Fonte: Mapa elaborado a partir da Base Cartográfica do IBGE (2010). Adaptado por
Filipe César Pereira (2016).
Conforme já mencionado anteriormente, esta pesquisa foi dividida em três
etapas, em que nos propomos apresentar as análises e discussões referentes às teorias
curriculares; a geografia, como área do conhecimento no âmbito acadêmico e escolar,
25
para enfim promover uma articulação teórico-prática, costurando as abordagens,
conceitos e sistematizações teóricas às atividades de campo, que foram subsidiadas por
entrevistas, registros e impressões adquiridas pelo pesquisador, para descrever
densamente os fatos e eventos ocorridos neste período.
As atividades de campo ocorreram em dois momentos: na Escola Municipal
“Carlos Damiano Fuzatto”, localizada na área urbana de São João del-Rei, e em
algumas comunidades rurais, lugar de moradia dos alunos, que se deslocavam
diariamente para a escola em questão. Esses alunos moram em alguns povoados
situados no distrito de São Gonçalo do Amarante, no distrito de Emboabas e Arcângelo
(ou Cajuru), em casos específicos.
Os trabalhos de campo ocorreram entre os anos de 2015 e 2016. Nesse período o
pesquisador contou com a autorização da Secretaria Municipal de Educação de São João
del-Rei (SME/SJDR), juntamente com a direção escolar, para a análise de documentos,
coleta de registros e observações do espaço-tempo escolar, que tiveram uma duração de
quatro meses. O passo seguinte foi conhecer algumas comunidades rurais de origem dos
alunos, de modo que nos permitisse entrar em contato com os seus familiares,
adensando nossa compreensão através de suas práticas cotidianas.
FIGURA 01
LOCALIZAÇÃO DA ESCOLA ESCOLHIDA PARA O ESTUDO DE CASO
26
FIGURA 02:
DISTRIBUIÇÃO DOS DISTRITOS DE SÃO JOÃO DEL-REI/MG - 2010
Fonte: IBGE (2010), Sinopse por Setores. Adaptado por Filipe César Pereira, 20163.
Através do histórico da escola Municipal “Carlos Damiano Fuzatto”
apresentamos a trajetória de uma escola rural, que inicialmente foi criada para
alfabetizar os colonos de descendência europeia, no ano de 1926, no distrito de Caburú.
Entre as décadas de 80 e 90 esta escola passou por transformações, primeiramente sendo
transferida para a comunidade do Bengo e, posteriormente para a área urbana do
município de São João del-Rei, onde permanece até os dias atuais.
As comunidades do Fé, Morro Grande, Cunha, Colônias do Bengo, Felizardo e
Giarola foram as escolhidas para a nossa visitação, estando localizadas no distrito de
São Gonçalo do Amarante e nas demais áreas consideradas rurais pelo município,
porém próximas aos bairros. Nesse momento, optamos por conhecer alguns moradores,
preferencialmente os mais antigos, com o intuito de estabelecer uma relação de
confiança e, posteriormente uma conversa sobre o seu modo de vida.
Reforçamos que, tanto na escola quanto nas comunidades rurais o pesquisador
fez o uso de uma caderneta de campo, onde foram feitos registros de falas, “causos” e
impressões de um povo simples, moradores de lugares pacatos ainda inalcançados pela
3 BRASIL. Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística. Sinopse por Setores. Disponível em:
<http://www.censo2010.ibge.gov.br/sinopseporsetores/>. Acessado em: 07 nov. 2016.
27
“modernidade totalizadora”, problematizada por José de Souza Martins (2013), Carlos
Rodrigues Brandão (2007, 2009) e pelo geógrafo Milton Santos (2002, 2008) e,
abordada no decorrer deste trabalho.
A Trajetória de uma escola RURAL situada na área URBANA
Conforme consta em seu Projeto Político Pedagógico (2008) a criação da atual
Escola Municipal “Carlos Damiano Fuzatto” ocorreu na Colônia José Teodoro, no
distrito de Caburú, município de São João del-Rei, mediante a Lei 496 de 27/11/1926.
Esta unidade funcionava somente no período noturno, cumprindo o objetivo de
alfabetizar os colonos, de descendência europeia. Nesse período, a escola oferecia
apenas as modalidades de ensino que hoje correspondem aos anos iniciais do ensino
fundamental.
A Escola Rural Municipal em questão, agora nomeada como “Olívia Fuzatto
Calsavara” foi criada através da Lei 2096 de outubro de 1984, sendo inclusive
transferida para a comunidade do Bengo. No ano seguinte, com a implantação da Lei
2185 de julho de 1985, e da revogação da lei anterior, a escola rural passou a se chamar
“Carlos Damiano Fuzatto”, nome que preserva até os dias atuais.
No ano de 1993, foi implantado o projeto “Centro de Atenção Integral a
Criança” (CAIC), pelo então presidente Itamar Franco (1992-1995) em escala nacional.
No município de São João del-Rei/MG, a inauguração do prédio ocorreu no ano de
1994, que passou a ser utilizado pela antiga escola do Bengo no ano de 1996, mediante
a sua transferência para a área urbana. Naquele período, “A intenção do Estado era que
no prédio tivesse toda a infraestrutura para um atendimento integral às crianças e
adolescentes como: assistência odontológica, médica, alimentar, esporte e educacional”
(SME/SJDR, 2008, p. 07).
Os desafios para a manutenção do Projeto CAIC, no município em questão
ocorreram diante da falta de atenção da prefeitura e suas lideranças políticas, que
deveriam realizar convênios para o funcionamento da unidade, o que culminou com o
seu fracasso. Mesmo assim, no ano de 1997 a Escola Municipal Bartolomeu Cândido
Balbino, situada na Comunidade do Fé ainda foi nucleada para o referido prédio. A
partir deste período a escola passou a atender exclusivamente os alunos da zona rural,
além dos alunos da área urbana, que se situam no seu entorno.
Somente no ano de 2002, através da portaria 1054/2002, a Escola Municipal
“Carlos Damiano Fuzatto” passou a oferecer as modalidades de ensino fundamental
28
anos iniciais e finais, além da educação infantil, tendo como instituição mantenedora a
Secretaria Municipal de Educação do município de São João del-Rei, em toda a sua
trajetória (SME/SJDR, 2008).
A Escola, está situada na Rua do Patronato S/Nº - Vida do Carmo, mesmo local,
desde a sua transferência para a área urbana. Atualmente, também se encontra instalado
no mesmo prédio (do antigo CAIC) o “Instituto Federal Sudeste de Minas Gerais (IF-
Sudeste) ”. Assim, a divisão da unidade ocorre por turnos, sendo que na parte da manhã
é reservado para a modalidade de educação infantil e ensino fundamental anos iniciais e
finais, da rede municipal. Às tardes também são destinadas às atividades da mesma
modalidade de ensino, porém, pelo programa “Mais Educação”. O turno da noite é de
uso exclusivo do Instituto Federal, que oferece as modalidades de ensino técnico,
superior e algumas especializações.
A concessão e aperfeiçoamento do prédio “CAIC” para o IF-Sudeste resultou na
construção de uma nova unidade para a escola Municipal, cuja previsão de entrega seria
para o ano de 2015. A sua nova localização será próxima à escola antiga, porém, não
contará com a mesma infraestrutura de antes, pois serão construídas apenas 06 salas de
aula e um espaço destinado às atividades recreativas, de tamanho reduzido. Antes, a
instituição contava com 15 salas de aula (todas com data show e áudio), sala dos
professores, biblioteca, laboratório de informática, quadra poliesportiva, parque, mesas
de xadrez, elevador, cantina e amplo refeitório.
Ressaltamos que, todas as infraestruturas mencionadas passaram por
adequações, implementações e reformas como requisito obrigatório para a implantação
do IF-Sudeste, que ocorreu no ano de 2010. Nesse contexto, alguns servidores do
município consideram que a remoção da escola para um novo prédio é lamentável, visto
que, a nova unidade não terá infraestrutura suficiente para atendê-los. Outros, acham
que a saída é a melhor opção, diante dos conflitos ocorridos, com a divisão do mesmo
espaço.
29
PARTE I
CAPÍTULO 1 – CAMINHOS PERCORRIDOS
1.1. Pelos caminhos que andei
O nosso estudo se fundamenta nas teorias curriculares críticas e pós-críticas, para
compreender quais “efeitos de poder” que o currículo produz (SILVA, 2010).
Consideramos a escola como um “território de luta” (GIROUX e SIMON, 2002),
espaço cotidiano praticado (CERTEAU, 1994, 1995), (FERRAÇO, 2003, 2013), na
ampla esfera da cultura compreendida como um híbrido (BOAVENTURA DE SOUZA
SANTOS, 2005) e, o currículo em sua aproximação com a teoria crítica, como
construção social (GOODSON, 1990), como algo praticado no cotidiano escolar a partir
da trama de conhecimentos em redes (ALVES e GARCIA, 2004; OLIVEIRA, 2003).
Decidimos percorrer um caminho teórico-metodológico que nos proporcionasse
o conhecimento sobre as relações de poder que, como consequência, pudesse evidenciar
as tentativas de desnaturalizações desse conhecimento sobre o currículo e a geografia,
compreendendo como foram hierarquizados e fragmentados, especialmente os
vinculados às categorias geográficas lugar, espacialidade/temporalidade.
As estratégias qualitativas de coleta e análise de dados nos permitiram cruzar os
fios e nós da trama que nos propomos a desatar nas entrevistas com professores, alunos,
direção, funcionários, pais de alunos; caderneta de campo, onde registramos aquilo que
nos tocou e nos possibilitou viver uma experiência de pesquisa durante nossa vivência
na escola e, posteriormente, na segunda etapa do estudo, nos lugares de moradia destes
alunos; na observação dos registros dos professores nos diários de classe e nas
narrativas por eles escritas. Durante a pesquisa procuramos registrar o seu “saber-fazer”,
as representações sobre o “poder da verdade e a verdade do poder” na rede colaborativa
de trabalho.
Reforçamos que os alunos, professores e demais sujeitos de nossa investigação
foram denominados por nomes fictícios, a fim de preservar a sua identidade e
integridade física e moral, antes, durante e depois da realização da pesquisa.
As ferramentas do trabalho de campo permitiram a análise de situações
(episódios, acontecimentos) em que indícios, sinais, pistas (GEERTZ, 2008) sobre a
exclusão do mundo rural e todo seu “chão de sentidos” no ensino de geografia que
pudessem ser identificados, aprendendo a nos ouvirmos e a ouvir durante os diálogos
30
realizados entre pesquisador, professores, alunos e pais, do 6º ao 9º ano do Ensino
Fundamental, anos finais, da Escola Municipal “Carlos Damiano Fuzatto”, da rede
pública municipal de São João del- Rei/MG.
Para Milton Santos (1999), a humanização da natureza e a naturalização do
espaço ocorrem através da nossa ação sobre os objetos. Esse processo é comandado por
uma lógica voltada para o desenvolvimento prático da cultura, com a qual criamos
mundos: a apropriação da natureza pelos homens a transforma em lugar ocupado pela
convivência social, que é movida por representações, símbolos e imaginários. Quando
se cria um lugar, se cria também uma espacialidade/temporalidade, ou um jeito de ser e
estar em um lugar: habitamos, então, esse lugar e, a partir deste lugar onde nos cabe
viver a nossa vida instauramos o espaço político da cidade, da sua economia para que a
nossa convivência social possa acontecer. Aos poucos, vamos preenchendo esse lugar
com nossas experiências vividas.
Portanto, os “espaços-tempos” não são coisas, porque como conjuntos
indissociáveis de objetos e ações, segundo a definição de Milton Santos (1999), são
coisas naturais transformadas em objetos da cultura pela ação humana. Cada povo
habita o seu lugar, apropria-se dele, transformando-o em territórios com significados
diferentes, assim criamos mundos, tempos e dimensões do espaço que escapam, ou
permanecem para além das nossas ações, portanto, não habitamos “[...] espaços em si
mesmos”, mas espaços tempos que se dão a nós: espaços que percebemos e que
tornamos realidade vivida e pensada que, transformamos, transformando-nos a nós
próprios” (BRANDÃO, 2009, p. 27).
Condição da nossa existência e coexistência, o espaço de um lugar é que torna
possível a cultura que criamos. É o espaço culturalmente vivido e pensado, que permite
a Milton Santos (1999) propor:
[...] que o espaço seja definido como um conjunto indissociável de
objetos e sistemas de ações. Através desta ambição de sistematizar,
imaginamos poder construir um quadro analítico que permita
ultrapassar ambiguidades e tautologias [...] Nossa secreta ambição, a
exemplo de Bruno Latour, no seu livro Aramis l`amour des techinique
(1992) é que esses conceitos, noções e instrumentos de análise
apareçam como verdadeiros atores de um romance, vistos em sua
própria história conjunta. Não será a ciência, tal como propôs Neil
Postman (1992, p. 154) uma forma de contar histórias? (SANTOS,
1999 p.18).
31
O conhecimento no mundo contemporâneo tornou-se uma política importante
em razão do seu caráter público ou privado da informação e de sua natureza mercantil
ou social. O historiador Peter Burke (2003, p. 11), chama a nossa atenção para o fato de
que “ao mesmo tempo, em que o conhecimento invade a cena dessa maneira, sua
confiabilidade é questionada” propondo que esta situação seja encarada a partir do
“elemento social presente no conhecimento”, com o objetivo de “tornarmos (tanto
escritores quanto leitores) mais conscientes do sistema de conhecimento em que
vivemos”.
No ensaio de Larrosa, Agamenon e seu Porqueiro, (1999), os personagens
Agamenon e seu servo porqueiro travam uma luta pelo poder da verdade, nesta luta é
necessário saber quem está de antemão vencido pela “verdade do poder”; mas é preciso
conservar, ao menos, a secreta dignidade de não deixar de se convencer pelo “poder da
verdade”. (LARROSA BONDÍA, 1999, p. 151).
Larrosa questiona: Quem fala em nome da realidade? Quem diz conhecê-la?
Quem garante a força simbólica de Agamenon? Quem assegura o poder de sua verdade?
São perguntas pertinentes para o nosso tema e problema de investigação: quais as
contribuições da teoria curricular crítica e pós-crítica para o ensino de geografia no
ensino fundamental em escolas que formam ou educam alunos da zona rural e urbana
através de um currículo comum?
Estas questões são importantes quando reconhecemos que não há muito
consenso entre os estudiosos da prática de ensino em geografia, do ponto de vista
teórico, que consideram as práticas e os saberes escolares como criações originais da
escola e para a escola, possibilitando a abertura de um amplo campo de conhecimento, e
reconhecimento de que a ciência geográfica é apenas uma referência.
Por isso, a proposta metodológica deste estudo tem como eixo as narrativas
produzidas pela comunidade escolar e, se constrói na medida em que as situações
acontecem possibilitando ações interpretativas a partir da narrativa dos próprios
sujeitos. Metodologicamente, esse recurso propõe realizar uma descrição dos fatos e
acontecimentos minuciosamente (densamente), podendo o pesquisador fazer uma
releitura, estruturação, interpretação e explicação dos mesmos. Para tanto as
observações, análises e o “saber ouvir” são componentes indispensáveis para um
trabalho de campo bem executado.
Nas considerações do antropólogo Clifford Geertz (2008, p. 19-20) as descrições
densas têm por objetivo “tirar grandes conclusões a partir de fatos pequenos, mas
32
densamente entrelaçados; apoiar amplas afirmativas sobre o papel da cultura na
construção da vida coletiva empenhando-as exatamente em especificações complexas”.
Ou seja, as descrições densas nos permitem entrar em contato com as emoções,
expressões sociais, fatos, projetos e demais elementos que compõe o campo subjetivo
de cada indivíduo.
A “Investigação Narrativa” proposta por Connelly e Clandinin (1995) está
relacionada às histórias ou relatos orais e escritos. Segundo os autores, tanto pode ser
“fenômeno que se investiga, quanto método de investigação”, assim consideram que “a
educação é a construção e, a reconstrução de histórias pessoais e sociais” (CONNELLY
e CLANDININ, 1995, p. 11-12). Para estes autores, a narrativa como metodologia de
pesquisa pressupõe que vivemos nossas vidas a partir da constante (res) significação.
Segundo Bordin (2013), a descrição densa é utilizada em pesquisas etnográficas
e compõe o método aplicado pelos antropólogos, que fazem o uso do caráter
interpretativo de todos os “pequenos fatos” que compõe a sua vida social. “Não bem os
fatos em si, mas a ação social destes fatos” (BORDIN, 2013). Assim a aplicabilidade da
teoria de fundo utilizada pelo pesquisador pode ser validada ou não, diante do seu
recorte de estudo.
O cotidiano escolar, organizado normativamente, além de propor objetivos,
metas e expectativas durante o extenso processo de ensino-aprendizagem também é
responsável pelo disciplinamento do indivíduo, com o intuito de prepará-lo para as
sociedades modernas que, assim como na escola exige o bom desempenho das funções
que atendam os interesses do sistema capitalista.
No âmbito das teorias curriculares, a análise bibliográfica se constrói a partir dos
estudos de Michel Foucault, Tomaz Tadeu da Silva, Michel de Certeau e Nilda Alves,
que fazem dos conceitos de identidade, diferença, alteridade, verdade (regime), poder-
saber, discurso, linguagem, elementos centrais de suas interpretações.
Na geografia trabalhamos com Milton Santos, Ana Fani Carlos e Amélia Luísa
Damiani que, através das teorias do espaço-tempo do lugar nos ajudam a (re) pensar as
espacialidades/temporalidades, não apenas como um campo de forças, mas um espaço
de luta e de convivência social. Além disso, serão adotadas outras referências no campo
da antropologia, sociologia, e fenomenologia, pois julgamos que suas contribuições
teóricas nos oferecem importantes vias de interpretação da realidade.
A lógica da competitividade atribuída por nós como elemento constituinte da
base social produz dicotomias no mundo escolar como: a existência do bom e do mau,
33
do ágil e do devagar, do ativo e do passivo, do lento e do rápido, do moderno e do
atrasado, etc.; pois resulta de mecanismos da racionalidade instrumental presente na
sociedade, através de índices e modelos matemáticos que ilustram e justificam a
inclusão/exclusão de pessoas como um processo natural.
Entendemos que o sistema capitalista propõe “pensar” a existência de um mundo
complexo, onde só os mais fortes sobrevivem. Nessa perspectiva, os desafios e
obstáculos que dão sabor a vida despertam em nós o sentimento de realização ou de
frustração, diante das metas que temos de alcançar, visão semelhante ao darwinismo, ou
ainda, podem produzir contra racionalidades e sensibilidades, que nos permitam uma
emancipação.
O pensamento crítico e pós-crítico são contextualizados em nosso o estudo de
caso, através das teorias curriculares, pois estas demarcam importantes momentos de
transição no contexto escolar. Desde o seu processo construtivo até a atualidade as
diferentes teorias se enquadram como tradicionais, críticas e pós-críticas. No entanto,
optamos por trabalhar as duas últimas visto que, diferente da primeira, estas mencionam
a questão do poder no processo de ensino aprendizagem, denunciando um conjunto de
interesses existentes por trás do currículo. No caso das teorias tradicionais fatores como
a neutralidade e o currículo desinteressado propõem habilidades pautadas na
memorização e na reflexão.
Na escola, o processo de moldagem do indivíduo contribui para a criação de
novas identidades, sobrepondo culturas, costumes e crenças, por julgá-las atrasadas ou
inferiores. Consideramos também que o fato de agrupar em uma única classe alunos de
diferentes realidades, e conduzir o ensino a partir de uma única perspectiva implica em
atos de “incluir ou excluir” indivíduos, conforme nos lembra Silva (2010). É a partir
dessa consideração que abordamos os desafios dos alunos do meio rural, no processo de
inclusão nas escolas urbanas como o problema central deste estudo.
No campo teórico e normativo os chamados temas transversais reconhecem o
multiculturalismo nas escolas e propõem uma valorização de temas ‘urgentes’ que
historicamente foram marginalizados ou negligenciados pelo currículo, como é o caso
de questões sobre gênero, raça, cor e, demais elementos culturais antes considerados
inúteis para a construção do sujeito. No entanto, o processo de reconhecimento do outro
ainda se encontra em lenta decantação, visto que, na prática escolar a aplicação dos
temas transversais ainda não foi incorporada na prática efetiva dos professores.
34
Portanto, analisar o nosso recorte de estudo através das teorias curriculares
críticas e pós-críticas e das descrições densas/narrativas, bem como aprofundar nossa
base de interpretação dos fatos a partir do cotidiano escolar implica em dizer que as
relações de poder exercidas sobre a escola através do currículo contribuem para a
dicotomia entre rural e urbano, exclusão dos alunos oriundos do espaço rural e,
sobretudo a desvalorização do seu mundo. Nossas considerações partem do pressuposto
de que as práticas educativas se voltam para a vida nas cidades, omitindo e excluindo
outras espacialidades/temporalidades existentes na escola.
1.2. Como andei pelo caminho
Entendemos que a utilização de uma metodologia permite a estruturação do
trabalho de investigação científica, a partir de um tema e de um problema. Esta
perspectiva metodológica pode de um modo mais geral, ser definida como o processo
de traçar um caminho que devemos percorrer durante a investigação e, que orienta o
estudo.
No presente trabalho investigou-se a educação rural a partir da Teoria Curricular
Crítica e Pós-Crítica e da lógica de funcionamento da Agricultura Familiar. Partimos da
identificação das diferentes estratégias políticas adotadas pelo Estado para a Educação
Rural, tendo como foco a análise do currículo pela teoria Crítica e Pós-crítica e, a luta
dos agricultores para permanecer no espaço rural e manter a sua unidade produtiva de
caráter familiar.
Os procedimentos metodológicos foram selecionados para alcançar os objetivos
estabelecidos no trabalho. A pesquisa qualitativa explica fenômenos sociais a partir da
análise de experiências empíricas, que em nosso caso está relacionada à análise das
práticas curriculares e as estratégias do Estado para a Educação Rural de famílias de
agricultores familiares. A abordagem qualitativa na pesquisa educacional possibilita o
“contato direto e prolongado do pesquisador com ambiente e a situação que está sendo
investigada, através de trabalho intenso de campo” (LÜDKE e ANDRÉ, 1986, p. 11)
A pesquisa qualitativa se preocupa, “[...] com um nível de realidade que não
pode ser quantificado”. Ou seja, ela trabalha com o universo de significados, motivos,
aspirações, crenças, valores e atitudes, o que corresponde a um espaço mais profundo
das relações, dos processos e dos fenômenos que não podem ser reduzidos à
operacionalização de variáveis (MINAYO, 1994, p.21-22).
35
Com relação à abordagem do problema, na pesquisa qualitativa há uma relação
dinâmica entre o mundo real e o sujeito, isto é, um vínculo indissociável entre o mundo
objetivo e a subjetividade, que não pode ser traduzido em números. A interpretação dos
fenômenos e a atribuição de significados são básicas no processo de pesquisa
qualitativa. Para tanto, não requer o uso de métodos e técnicas estatísticas. Os
pesquisadores tendem a analisar seus dados indutivamente.
Entre os tipos de pesquisa que aparecem associados a essa abordagem, a
“pesquisa etnográfica”, a “pesquisa-ação” e, o “trabalho de campo” destacam-se como
bastante adequadas para estudar os eventos, as pessoas e as situações, em sua
manifestação natural.
De acordo com o que aponta André (2003, p.27-28), a pesquisa do tipo
etnográfica foi originalmente desenvolvida pelos antropólogos, para estudar a cultura e
a sociedade, tendo o sentido tanto de “um conjunto de técnicas para coletar dados sobre
os valores, os hábitos, as crenças, as práticas e os comportamentos de um grupo social”,
como “um relato escrito resultante do emprego dessas técnicas”.
Uma adaptação da etnografia à educação tem ocorrido quando se faz o uso de
técnicas características destes estudos como a observação participante, a entrevista
intensiva e a análise de documentos, de uma maneira que a ênfase esteja antes “[...] no
processo, naquilo que está ocorrendo e não no produto ou nos resultados finais”, bem
como também sejam pautados por processos investigatórios de descrição e indução
(ANDRÉ, 2003, p. 29).
Das características da pesquisa do tipo etnográfica, uma das mais relevantes,
também ressaltada por Marli André, diz respeito ao fato dela buscar “a formulação de
hipóteses, conceitos, abstrações, teorias e não suas testagens” (ANDRÉ, 2003, p. 28-
30), o que nos permite um movimento próprio de elaboração dos conhecimentos com os
quais representamos o mundo e mediamos nossas ações, de maneira que as lógicas
precedentes à pesquisa não sejam determinantes e os resultados ou produtos não sejam
finalísticos.
Do ponto de vista dos procedimentos técnicos, foi adotado o estudo de caso, o
qual envolve a investigação profunda e exaustiva de um ou poucos objetos de maneira
que se permita o seu amplo e detalhado conhecimento, nesse caso especificamente em
uma escola municipal e comunidades rurais localizadas no município de São João del-
Rei, Minas Gerais.
36
Assim, a partir de procedimentos etnográficos nos aproximamos da dimensão
profissional dos professores da escola municipal “Carlos Damiano Fuzatto”,
de como abordam novos saberes e práticas, qual a sua visão sobre a educação rural e
dos alunos provenientes deste espaço, procurando perceber como cada professor lida
com o “miúdo da aula”, como cada um tem seu “modo próprio de organizar as aulas, de
se movimentar na sala, de se dirigir aos alunos, de utilizar os meios pedagógicos”
(NÓVOA e HUBERMAN, 1992, p. 16).
Entre os métodos de investigação empregados no cotidiano das ciências sociais e
humanas, o estudo de caso é um dos instrumentos mais utilizados para conhecer
diferentes fenômenos sociais. Apesar de ser abrangente, o estudo de caso exige uma
delimitação precisa dos aspectos a serem analisados, de modo que as informações
possibilitem a compreensão da pesquisa (CHIZZOTTI, 1991).
O recorte espacial do estudo de caso foi uma escola municipal de ensino
fundamental e as comunidades rurais em que moram os alunos dessa escola, em São
João del-Rei. A escolha da escola se definiu pelo fato desta apresentar classes com
grande número de alunos da área rural nas turmas do Ensino Fundamental Anos Finais
(6º ao 9º ano), em que os pais eram pequenos proprietários rurais, que faziam o uso de
diferentes estratégias para compor a renda familiar dos componentes do grupo
doméstico e, que mantinham a sua característica principal: a de serem agricultores.
Conforme apresentado no projeto de pesquisa, a execução do estudo iria
requerer um estudo de caso de uma escola da rede municipal de ensino de São João del-
Rei/MG denominada central, por concentrar o maior contingente de alunos vindos do
meio rural, diante das demais unidades urbanas, que nos permitiria conhecer de perto o
seu cotidiano. A natureza qualitativa do estudo se constitui, na medida em que o
pesquisador se propõe a observar, conviver, descrever e narrar a rotina dos “alunos-
alvo”, bem como a sua relação com os demais discentes que moram na área urbana e, o
corpo pedagógico que compõe a escola.
Os procedimentos metodológicos se concentram em duas etapas de campo. A
primeira fase foi realizada na escola no ano de 2015 e, teve duração de 04 meses. Esse
período objetivou a confirmação do perfil da instituição para o recorte de estudo e,
posteriormente, para nos dedicarmos às atividades de observação das aulas, dos
momentos de recreação, participando dos eventos letivos como a festa junina, desfile no
dia da independência e, visitas ao parque de exposições, além de acompanhar a
aplicação de atividades avaliativas, reuniões destinadas à organização e funcionamento
37
escolar, análise dos planos de ensino das aulas de geografia e o Projeto Político
Pedagógico (PPP), fazendo registros através de uma caderneta de campo. A conclusão
da primeira etapa se deu com a aplicação de um questionário, com perguntas
semiabertas, que todos os alunos da zona rural concordaram em responder.
Na segunda fase de campo, foram realizadas visitas em algumas comunidades
rurais, nas quais residem os alunos observados durante a primeira etapa. Nesse ponto foi
possível conhecer de perto o espaço-tempo cotidiano dos alunos, no lugar onde moram
de modo a compreender o mundo por eles vivido, o seu espaço de representação. A
utilização de uma caderneta de campo, para a realização de registros das conversas
informais e impressões do pesquisador foi de suma importância para descrevermos um
lugar conhecido somente por aquele que ali reside.
38
CAPÍTULO 2 – POLÍTICAS DE ORIENTAÇÃO OU DE APRISIONAMENTO?
DA TEORIA À PRÁTICA
Através deste capítulo iniciamos a nossa discussão, apresentado algumas das
normas, diretrizes e currículos direcionados para a educação brasileira, que são tomados
de base para a criação do Projeto Político Pedagógico (PPP) da escola escolhida para o
nosso estudo de caso. Através dos Parâmetros Curriculares Nacionais (PCNs), das Leis
de Diretrizes e Bases para a Educação (LDBs) e do Currículo Básico Comum (CBCs)
buscamos compreender os interesses e efeitos das ações normativas criadas para o
sistema de ensino institucionalizado, no âmbito nacional, estadual e municipal que se
integram para a construção de um currículo comum.
O debate teórico-prático se fundamenta a partir das análises documentais,
aliadas as experiências de campo vivenciadas pelo pesquisador, que se prestou a
compreender os impactos destas diretrizes sobre o cotidiano escolar. Pensar como as
políticas de orientação se transformam em políticas de aprisionamento são prioridades
desta dissertação, já que as normas e prescrições técnicas destinadas para o sistema de
ensino institucionalizado estão envolvidas em relações de poder.
A influência foucaultiana abordada nesta pesquisa nos permite compreender que
as instituições possuem objetivos diversos e se sustentam através das suas práticas
discursivas, direcionadas aos sujeitos, promovendo uma captura das experiências, da
cultura, valores e sobretudo das subjetividades individuais e coletivas. Nesse contexto,
as teorias curriculares críticas e pós críticas se mostram importantes, pois nos ajudam a
perceber e denunciar as relações de poder que se exercem sobre os territórios.
Ao refletirmos sobre a importância da escola, do aluno, da diferença, dos
projetos e emoções concernentes a cada sujeito é que passamos a questionar o sentido
das leis, decretos e normas, seja diante da necessidade de organizar determinado espaço
ou grupo social, ou nas formas de assujeitamento que decorrem das práticas
excludentes, responsáveis por silenciar grupos considerados desinteressantes ou
inferiores.
A articulação entre saber e poder, sobre as práticas sociais contribuem para a
criação do sujeito dócil, apto para a vida nas sociedades modernas, diante dos processos
de manipulação que são exercidos através das instituições, a qual destacamos a escola.
O micropoder, também surge nesse processo e opera em defesa de um campo subjetivo,
que age e resiste diante do estranhamento de uma ação centralizadora. Todavia, as
práticas predatórias historicamente exercidas sobre os lugares culminaram na
39
construção de diferentes contextos sociais, através da concepção de sujeito, classes e
valores ideais diante dos olhares hegemônicos (FOUCAULT, 1988).
Portanto, mais do que apresentar currículos, decretos e leis direcionados para o
sistema de ensino propomos uma reflexão sobre o poder que se exerce sobre este
documento de identidade (SILVA, 2010). O currículo, compreendido por Goodson
(1990) como uma ferramenta de construção social revela os conflitos, deformações e
transformações indentitárias. Partindo desta linha, nos deparamos com a necessidade de
um constante repensar das práticas cotidianas escolares, com vistas nas possibilidades
de inclusão, e não exclusão da diferença.
2.1. Alguns apontamentos sobre a Lei de Diretrizes e Bases para a educação (LDB)
A partir de uma breve análise das Leis de Diretrizes e Bases da Educação
Nacional (LDB) apresentamos este ensaio, que propõe compreender algumas das
propostas oficiais criadas para o sistema de ensino institucionalizado, orientados através
de instruções normativas e organizativas para a educação brasileira. No campo
discursivo, o objetivo central é promover uma educação de qualidade, transformando a
sociedade por meio de conteúdos e valores considerados universais, além de oferecer
subsídios para a futura inserção do aluno no mercado de trabalho.
As premissas oficiais instituídas pelas LDBs, se fundamentam a partir dos
princípios presentes na Constituição de 1988, e seus parâmetros previstos para a
regulamentação da educação brasileira.
Em linhas gerais, a responsabilidade pela formação e sistematização
do conhecimento, dá-se no âmbito educacional, sendo subordinado às
delimitações do poder público, conforme prevê a constituição
nacional. (CERQUEIRA, et. al. 2009. p. 01).
A Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB), instituída sob o
número 9.394/96, foi sancionada no dia 20 de dezembro de 1996, pelo então presidente
Fernando Henrique Cardoso. A principal meta era a implantação de um ensino de
qualidade, em todos os seus âmbitos formativos, tendo a garantia de acesso como a
marca de uma política nas sociedades democráticas (LDB, 9.394/96). Esse dispositivo
oficial regulador deu o primeiro passo rumo à adequação da educação aos novos
parâmetros, com o objetivo de se criar um modelo educacional, enquadrado na realidade
do país.
40
A Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB) disciplina a
estrutura e o funcionamento do sistema escolar brasileiro, dando-lhe a
necessária unidade em meio à diversidade que caracteriza o país.
(LDB, 9.394/96 p. 07).
Ao longo do percurso histórico, a LDB programou através de emendas, aspectos
relevantes para a adequação ao modelo ensino, na medida em que a necessidade de
acompanhar a realidade vivenciada pelo país se fazia importante. Entre alguns dos
princípios e fins delineados para a educação nacional proposto pela LDB está o direito
de acesso à educação de qualidade, entre outros, como o da igualdade, respeito, acesso
ao transporte público e a obtenção de determinados materiais didáticos gratuitos, com
vistas à constituição de uma sociedade democrática. Também são prioridades para o
processo de desenvolvimento:
[...] Artigo 3, II: liberdade de aprender, ensinar, pesquisar e divulgar a
cultura, o pensamento, a arte e o saber; X - valorização da experiência
extraescolar; XII - consideração com a diversidade étnico-
racial, (Incluído pela Lei nº 12.796, de 2013). (LDB, 9.394/96, acesso
em 09/03/2016, grifo nosso).
Entendemos que, através da LDB existe o propósito, pelo menos através da lei,
de se criar uma escola integrada com a sociedade, que valorize os múltiplos saberes e as
especificidades de cada aluno. No entanto, através da nossa própria experiência, como
professor e pesquisador, temos observado que existe na prática escolar cotidiana um
abismo entre a LEI e a efetiva PRÁTICA.
Para Foucault (apud VEIGA-NETO, 2003a, p.53-54) o sujeito moderno não está
na origem do conhecimento, mas ao contrário, ele é um produto dos saberes. A prática,
também na perspectiva foucaultiana adquire outro caráter: ela não se refere à “atividade
de um sujeito”, mas ao discurso que contém um conjunto de regras que submetem o
sujeito, o que reforça nossa observação feita no parágrafo anterior.
Toda a rede de discursos oficiais segundo Bujes (apud VEIGA-NETO, 2003a, p.
63), tem o objetivo de “[...] capturar o aluno produtivamente para o Estado e, de firmar
determinados tipos de saberes pedagógicos que não apenas instituem certo tipo de
criança contemporânea, quando nos ensinam a lidar com elas”.
O mesmo podemos dizer quanto aos grupos minoritários existentes na escola
estudada. Através das nossas atividades de campo e conversas informais percebemos
como a diferença no desempenho escolar entre os alunos tinha relação direta com o seu
41
lugar de moradia. Ainda como professores, sabemos que apesar da lei instituir um
ensino de qualidade, alicerçado no compromisso entre pais, alunos, escola, e Estado,
muitas vezes presenciamos práticas excludentes e grupos marginalizados no interior da
própria escola, sendo a inclusão social apenas um discurso muito distante da prática,
não interiorizado pela escola.
As tendências conteudistas aplicadas ao currículo para a universalização do
ensino é uma denúncia de que o tradicionalismo que permeia o ambiente escolar, além
de cristalizar as relações sociais, inibe a capacidade de autocrítica do aluno. Portanto,
consideramos que a criação de um sujeito autogovernável é o resultado da ação de leis
que priorizam a importância da transformação social em obediência às verdades, em
detrimento das problematizações e questionamentos acerca da realidade.
Portanto, não é com as grandes narrativas oficiais, mas com as histórias
fragmentadas e não totalizantes dos “de baixo” que nos preocupamos; também não
buscamos um discurso oculto, nem dizer através dele aquilo que realmente se quer
dizer, nem explicá-lo ou interpretá-lo, mas, sobretudo, buscamos a “repetição”, ou seja,
buscamos o que se constitui:
[...] um campo mais ou menos raro de sentidos que devem, em
seguida, ser aceitos ou sancionados numa rede discursiva, segundo
uma ordem – seja em função do seu conteúdo de verdade, seja em
função daquele que praticou a enunciação, seja em função de uma
instituição que o acolhe. (VEIGA-NETO, 2003a p. 114).
2.2. A Geografia e a Escola a partir dos Parâmetros Curriculares Nacionais
A criação dos Parâmetros Curriculares Nacionais (PCNs) ocorreu no ano de
1998, tendo como objetivo interligar a escola, os pais, o governo e a sociedade, com
vistas à transformação do sistema educativo do país. Além disto, explorar e entender a
diversidade cultural brasileira para alcançar a cidadania entre os povos, sem perder de
vista as diferentes ênfases disciplinares aplicadas na escola, estão entre as suas
prioridades. Nessa perspectiva, o sucesso escolar é compreendido como o resultado de
um bom desempenho das práticas pedagógicas, somadas ao estudo de temas
previamente selecionados e estruturados, por serem considerados importantes para a
formação do aluno, agente central no processo educativo.
Nesta seção, o nosso objetivo é entender o papel dos PCNs, de modo que nos
permita levantar e contextualizar questões concernentes ao cotidiano da escola escolhida
42
para o estudo de caso, nos permitindo pensar e, indagar (se possível), como ocorre a
articulação entre a teoria e a prática, nesse caso amparada pelos aparatos normativos,
reservados para a educação brasileira.
No caso da geografia, a parte introdutória dos PCNs releva a sua importância
enquanto disciplina escolar, destacando os nomes marcantes da história do pensamento
geográfico, que se dedicaram a encontrar o seu objeto de estudo, os avanços e
perspectivas, vislumbrando conhecer as dinâmicas sociais e territoriais.
Reforçamos que, a nossa pesquisa está centrada no ensino fundamental – Anos
Finais, (6º ao 9º ano) – e, que a nossa problemática não se reduz aos conteúdos que
estão sendo lançados no sistema de ensino institucionalizado, mas nos objetivos que os
cercam. Daí a necessidade de compreendermos, o papel da geografia na escola básica, e
a sua aplicação diante da multiculturalidade, partindo do pressuposto de que esta área do
conhecimento é imprescindível para a compreensão da realidade, em seus múltiplos
contextos.
Os PCNs apontam as incoerências nos currículos de geografia, a começar pelo
distanciamento entre a teoria e a prática e a falta de contextualização das temáticas às
questões locais. A didática, os métodos e abordagens docentes, resquícios de um
modelo tradicional de ensino, aquele do decorar para aprender, tem sido contestado por
este documento, que não só propõe a reformulação das práticas dos professores como
também um avanço nas discussões sobre o cotidiano, permitindo a construção de um
senso crítico e, a capacidade de intervenção e transformação social. Ainda
acrescentaríamos como fundamental a possibilidade de a escola criar subjetividades
diferentes, capazes de resistir à sua captura pelo modelo dominante homogeneizador.
Na geografia, os PCNs abordam o percurso histórico da geografia, através de
uma cronologia, que vai da geografia tradicional à crítica. As discussões elementares
que orientam este documento propõem a análise do território sob diferentes correntes de
pensamento, perpassando pela análise da paisagem, aos aspectos sócio espaciais,
econômicos e culturais, tão presentes no mundo atual.
O território e o lugar são apresentados de forma exaustiva, destacando os
conflitos e as relações de poder historicamente exercidas. Nesse ponto a questão do
simbolismo, do trabalho e a construção de identidades ganham destaque no cotidiano
escolar fazendo do aluno o sujeito central desse processo de reconhecimento do mundo
e seu pertencimento nele.
43
[...] É muito importante que o aluno compreenda as diferentes formas
de as sociedades se organizarem para produzir bens e serviços, ou
seja, como são estruturados seus modos de produção. A terra, as
matérias-primas, a qualificação e o trabalho humano, as ferramentas e
os maquinários que caracterizam as forças produtivas, os meios de
produção e mais as relações de propriedade constituem os alicerces de
um modo de produção. Portanto, para que o aluno possa compreender
a estrutura da sociedade e a prática do seu cotidiano, o professor não
deve negligenciar o modo de produção como uma categoria analítica
para essa compreensão. (BRASIL, 1998. p. 22-23)
A contextualização dos fatos torna-se fundamental para que o processo de ensino
e aprendizagem ocorra, não somente através das aulas expositivas e das prescrições
normativas, mas também diante da articulação entre o mundo real (objetivo) e o
imaginário (subjetivo), ambos coincidentes do convívio discente. “[...] assim, falar do
imaginário em geografia é procurar compreender os espaços subjetivos, os mapas
mentais que se constroem para orientar as pessoas no mundo [...] (BRASIL, 1998.
p.23). ”
Diante da importância de se pensar sobre os lugares e a construção dos seus
cotidianos, ou mundos distintos – nas palavras de Brandão (2009) – torna-se
imprescindível reconhecer as diferentes territorialidades. O mundo das representações
dá aos sujeitos a autonomia para pensar e participar da sua construção e, é partindo
desta concepção que os PCNs propõe analisar o território e o lugar nas escolas, a partir
dos significados (BRASIL, 1998. p. 23).
As diferentes perspectivas geográficas somadas às propostas oficiais diversas
podem ser consideradas um predicativo para os problemas que acompanham a educação
brasileira, sobretudo, diante da materialização de conteúdos e metas escolares muitas
vezes distantes do contexto em que esta instituição está inserida. Ou seja, nem todo o
modelo de ensino corresponde à realidade da escola, e tampouco dos alunos que a
frequentam.
Mesmo diante de um discurso motivador, apresentado através das leis ainda nos
deparamos com uma geografia escolar incompleta, tradicional e desmotivadora. Sobre
esta questão os PCNs consideram que a preocupação com os conteúdos ao invés das
ações atitudinais; o isolamento de temáticas específicas; a ênfase na memorização dos
fatos em detrimento da interação e da problematização dos fatos são alguns dos desafios
da educação brasileira (BRASIL, 1998. p. 24-25).
44
De acordo com os PCNs, a importância social atribuída à geografia escolar está
em levar ao aluno a compreensão do mundo em que se encontra, a partir dos processos
históricos, de modo que se torne possível compreender o território, o lugar e as suas
dinâmicas. Por isso, pensar sobre os fenômenos naturais, sociais, culturais, políticos e
econômicos são tão importantes nesse processo.
O discurso normativo e suas abordagens para o campo da geografia tem se
mostrado necessário para o avanço do sistema de ensino básico. Todavia, a
aplicabilidade de suas ações muitas vezes tem se tornado inviável, devido à falta de
investimentos neste setor. Citamos neste caso, o exemplo da nucleação escolar e a
transferência de alunos para instituições maiores, porém, distantes da realidade do
aluno.
A categoria de análise geográfica “território”, juntamente com o conceito de
“territorialidade”, ambos indispensáveis para a compreensão dos lugares, são
apresentados e exaustivamente explorados pelos PCNs, que valorizam o sentimento de
pertencimento do aluno, e consequentemente a construção da cidadania. Partindo deste
princípio a relevância de compreender os elementos que compõem a paisagem e o
espaço geográfico de forma crítica, somadas a importância de estabelecer uma
articulação a partir do local se elegem como prioridades desta disciplina no âmbito
escolar. Ademais, deve-se levar em consideração a influência dos veículos de
comunicação, seu discurso e a consequente distorção da realidade, visto que tanto:
[...] o espaço, a paisagem, o território e o lugar estão associados à
força da imagem, tão explorada pela mídia. Pela imagem, muitas
vezes a mídia utiliza-se da paisagem para inculcar um modelo de
mundo. Sendo a Geografia uma ciência que procura explicar e
compreender o mundo por meio de uma leitura crítica a partir da
paisagem, ela poderá oferecer grande contribuição para decodificar as
imagens manipuladoras que a mídia constrói na consciência das
pessoas, seja em relação aos valores socioculturais ou a padrões de
comportamentos políticos nacionais. (BRASIL, 1998. p. 29).
Os discursos oficiais, que conduzem as propostas do sistema de ensino
institucionalizado, se mostram atentos quanto a diferença, que se expressa a partir dos
lugares. Na escola, as palavras discurso, livro didático, decorar, avaliar e (in) eficiência
são recorrentes em seu cotidiano, apesar de serem consideradas insuficientes para se
alcançar o sujeito da educação. Daí a necessidade de pensar na interação,
problematização e contextualização dos fatos, a fim de despertar a curiosidade e a
45
criatividade do aluno, que se sentirá parte da escola, a partir de situações e eventos
próximos do seu cotidiano.
A articulação entre o “local e o global” também são imprescindíveis no caso da
geografia, pois permitirá ao aluno se envolver com os diferentes cenários e contextos,
sem perder de vista o seu cotidiano. Assim é possível estabelecer comparações entre as
diferentes culturas, territórios, saberes-fazeres e sua dinamicidade (BRASIL, 1998.
p.31). Entendemos que os lugares são criados e conduzidos a partir de uma lógica, que
os submetem a uma posição de centralidade ou periférica, tal condição ocorre mediante
à sua apropriação pelo mercado. Esta é uma das lógicas responsáveis pela diferenciação
dos lugares.
A articulação das abordagens geográficas sob diferentes escalas geográficas se
mostra necessária para o processo de ensino aprendizagem, pois permite ao aluno a
compreensão dos fenômenos, sob diferentes dimensões e perspectivas. Esta seria uma
possível abordagem indicada para o ensino fundamental (anos finais), sobretudo,
quando se sabe que na escola existem alunos de diferentes localidades, sejam elas rurais
ou urbanas, intermunicipais ou interestaduais, que apresentam uma diversidade de
culturas e valores, permitindo o reconhecimento de outros territórios.
A seleção e aplicação dos diferentes conteúdos para a geografia escolar se
materializam nas instituições de ensino a partir de uma intencionalidade, portanto
requerem critérios e finalidades distintas, para se formar alguém para alguma coisa. As
ações discursivas estão construídas a partir do modelo de cada escola. Neste caso,
apontamos alguns elementos que possam servir de predicativo para a construção de cada
currículo, como a localização da escola e o perfil do município, que pode se caracterizar
como um tecnopólo, uma área de extração de recursos primários como (minério,
madeira, carvão, agricultura, pecuária, etc.), essencialmente industrializada, ou como
polo de prestação de serviços terciários (comércio, saúde, jurídico, etc).
É nesse momento que os PCNs propõem a implementação de eixos-temáticos,
que podem se expressar através dos interesses e objetivos gerais dos conteúdos, sem
perder de vista a possibilidade de flexibilizar os temas como a realidade de cada lugar,
indicando discussões de âmbito multidisciplinar e transdisciplinar. Os elementos
considerados urgentes para a compreensão do mundo contemporâneo estão pautados
nos temas transversais.
46
Os eixos expressam algumas intenções a serem assinaladas. A
primeira é trabalhar com os alunos, por meio do estudo de Geografia,
uma melhor compreensão da realidade. A segunda é trabalhar o
mundo atual em sua diversidade, construindo explicações de como as
paisagens, os lugares e os territórios são produzidos. Os alunos devem
reconhecer as paisagens com sua identidade e temporalidade. Em
Geografia, significa propor temáticas em que o tempo social e o tempo
natural possam ser compreendidos em suas especificidades e
interações. Uma terceira intenção é que os alunos se apropriem do
conhecimento geográfico, como forma de compreender e explicar a
sua própria vida. Uma quarta intenção é a de que o conjunto dos temas
que compõem os eixos expressem conteúdos conceituais,
procedimentais e atitudinais (BRASIL, 1998. p. 37).
A segunda parte deste documento, que trata dos terceiros e quartos ciclos
apresenta os conteúdos, metas e métodos indicados para o terceiro e quarto ciclos,
perpassando pelas turmas do ensino fundamental - anos finais. Os eixos estão
distribuídos da seguinte forma:
Terceiro ciclo
Eixo 1: a geografia como uma possibilidade de leitura e compreensão do mundo;
Eixo 2: o estudo da natureza e sua importância para o homem;
Eixo 3: o campo e a cidade como formações sócio espaciais;
Eixo 4: a cartografia como instrumento na aproximação dos lugares e do mundo;
Quarto ciclo
Eixo 1: a evolução das tecnologias e as novas territorialidades em redes;
Eixo 2: um só mundo e muitos cenários geográficos;
Eixo 3: modernização, modo de vida e a problemática ambiental;
Os eixos temáticos listados acima são considerados centrais e servem de base para
desdobrar outras questões e conteúdos didáticos, que serão determinados através da
matriz curricular da escola. É nesse momento que se torna possível aproximar a escola
do aluno, através da articulação entre o local e o global.
O tópico destinado às “orientações metodológicas e didáticas” para o professor tem
como objetivo apresentar para o docente as diferentes abordagens e estratégias de
ensino, propiciando a interação entre professor-aluno a partir de situações diversas,
decorrentes do cotidiano escolar. A organização, atenção e a preparação docente, quanto
47
a multiculturalidade presente na sala de aula, são elementos indispensáveis para que esta
se torne um lugar prazeroso e eficiente em suas tarefas diárias.
Como é possível observar, os PCNs de geografia, apesar de terem entrado em vigor
acerca de duas décadas, apresentam estratégias importantes para o avanço do sistema de
ensino. A contrapartida é que o mal funcionamento de tais políticas implica na
defasagem deste setor, haja vista que nem todas as instituições possuem infraestrutura,
recursos, e políticas de organização internas compatíveis com as suas demandas.
Criar leis, currículos, propor e organizar conteúdos, bem como teorizar sobre a sua
importância se torna uma tarefa fácil, pois o campo discursivo consegue “camuflar” a
realidade, as culturas, pessoas e valores, independentemente do lugar de onde estes
venham. Ao apresentar os PCNs nessa seção, nossa maior preocupação foi a de sermos
convencidos de que as reformas para a educação são desnecessárias, porém, basta uma
leitura crítica e atenta deste documento para se ter consciência do que está prescrito e o
que de fato NÃO é praticado.
O modelo tradicional de escola, tão criticado pelos PCNs ainda é o que existe na
atualidade. No âmbito normativo, as práticas docentes também tem sido alvo de críticas,
porém, o que fica ausente nesses apontamentos é a condição referente à carga horária, o
regime de trabalho, os recursos didáticos e pedagógicos. Além disto, conforme
analisado na escola pesquisada, a maioria dos professores (inclusive gestores) trabalham
em mais de uma instituição de ensino, o que é desgastante.
Quanto aos alunos, sujeito central deste documento e da nossa pesquisa, observamos
que o lugar de origem continua escondido, ocultado, desinteressante, pois durante a
aplicação dos conteúdos nem sempre sobra tempo para essa discussão. É nesse
momento que o livro didático entra em cena, deixando de ser uma ferramenta de apoio
para se tornar o principal meio de “transmissão” do conhecimento.
2.3. O Assujeitamento ao conhecimento oficial? Currículo Básico Comum
O currículo Básico Comum (CBC) foi criado no ano de 2006, e a versão
analisada para a elaboração desta seção se refere ao ano de 2007. Trata-se do
documento oficial e orientador para as escolas pertencentes à rede estadual de educação
do estado de Minas Gerais, cuja diretrizes se voltam para o desenvolvimento e
padronização do sistema de ensino, adotando objetivos, metas e metodologias aplicadas
através das disciplinas escolares, a fim de alcançar um índice de aproveitamento
satisfatório para a educação mineira.
48
Reforçamos que, da mesma forma que nos Parâmetros Curriculares Nacionais
(PCNs) os CBCs também são fragmentados por disciplinas e ciclos de ensino
específicos, além de permitir a flexibilização dos temas, o que de certa forma contribui
para a autonomia da escola.
As nossas análises se sustentam a partir dos mesmos objetivos da seção anterior,
que são entender os propósitos existentes nos CBCs de Geografia, levantando questões
acerca do nosso objeto de estudo, de modo que nos permita considerar até que ponto a
criação de um documento unificado para a rede estadual de ensino público garante às
escolas possibilidades de compreender o seu cotidiano, respeitando sobretudo o perfil
dos seus alunos. Apesar desta pesquisa concentrar a sua análise na rede municipal de
educação de São João del-Rei, frisamos que o CBC é a principal referência curricular
utilizada pela Secretaria de Educação em questão, por isso, justificamos a elaboração
deste tópico.
A importância de ensinar geografia, nos anos finais do ensino fundamental está
na “[...] possibilidade de ampliação da capacidade dos alunos para apreenderem a
realidade, sob o ponto de vista da espacialidade complexa (MINAS GERAIS, 2007. p.
12)”. Ou seja, as noções básicas de espacialidade, territorialidade, identidade, senso
crítico são construídas e desenvolvidas a partir destes ciclos do ensino e, na medida em
que os anos escolares avançam novas questões, mais complexas, passam a ser discutidas
entre os alunos.
A meta central dos currículos – neste caso os CBCs de geografia – é criar um
esboço da realidade a partir da compreensão das dinâmicas sociais, instigando as
possibilidades de mudanças, reflexões, críticas, autonomia e questionamentos, sob
diferentes escalas. No entanto, o que se constata é que assim como nos PCNs o
professor também é o principal agente responsável por todas essas especificidades.
Estamos falando de um currículo formal que prescreve e propõe metas e soluções
diversas para o avanço do sistema educativo, que ainda se encontra engessado aos
moldes tradicionais e ultrapassados, devido à falta de incentivo e investimentos, que
ainda pouco saíram do papel.
Nossa maior indagação está na organização dos conteúdos, pois enquanto
professores (e pesquisadores) devemos considerar o porquê da seleção de alguns em
detrimento de outros (SILVA, 2010), já que a geografia possui uma variedade de
temáticas. A prescrição de conteúdos comuns, para uma rede de ensino tão vasta como a
do estado de Minas Gerais tem demostrado uma iniciativa insuficiente, tendo em vista
49
as múltiplas territorialidades existentes e presentes na escola. Por isso, que nem sempre
podemos falar de políticas de inclusão no sistema de ensino institucionalizado, quando é
a exclusão que muitas vezes predomina.
As políticas adotadas para o sistema de ensino têm deixado claro o interesse em
alcançar índices de aprendizado compatíveis aos dos países desenvolvidos, expressando
estes através de gráficos, que nem sempre conseguem mostrar de forma fidedigna a
realidade do ensino. Outra preocupação observada em campo está na necessidade de
preparar o aluno para vestibulares, concursos ou motivá-los a refletirem sobre o que
querem fazer no futuro, enquanto que no presente vemos as suas experiências próprias
capturadas e reconstruídas, diante da necessidade de uma preparação eficiente para a
vida adulta.
A importância e o desafio da interdisciplinaridade, apresentados pelo CBC de
geografia, decorre da necessidade de contextualizar os fatos e a realidade do educando,
de modo que se torne possível desenvolver discussões complexas, de um mundo
complexo, o que nem sempre tem sido tratado na escola. Por outro lado, também se
observa a necessidade de problematizar questões sobre a diferença, identidade,
alteridade, hibridismo e diversidade, de modo que a obrigação da tolerância seja
sobreposta pelo respeito, diante do que o outro é.
No CBC, as quatro diretrizes orientadoras para o ensino de geografia se
apresentam a partir das seguintes finalidades:
A primeira diretriz propõe a valorização e o resgate das práticas
socioespaciais, espaço-culturais e ambientais do educando, buscando
nelas os referenciais explicativos para a ampliação, aprofundamento e
a compreensão do espaço geográfico em mutação. [...] A segunda
diretriz diz respeito à construção de um pensamento que passa,
progressivamente, do simples ao complexo, substituindo um
pensamento, que isola e separa, por um pensamento que distingue e
une, como afiança Morin (1999)4. [...] A terceira diretriz propõe uma
nova abordagem dos conteúdos geográficos através de sua
organização em um Eixo Integrador, do qual serão desdobrados os
eixos temáticos e os temas. [...] A quarta diretriz norteadora se
sustenta no campo das competências gerais de investigação e
compreensão. [...] A quinta diretriz refere-se à avaliação formativa e
aos indicadores de competências construídas5. (MINAS GERAIS,
2007. p. 14-15).
4 MORIN, Edgar. A cabeça bem-feita: repensar a reforma, reformar o pensamento. Rio de Janeiro:
Bertrand Brasil, 1999.
5 MINAS GERAIS. Projeto Escolas-Referência – A reconstrução da excelência na escola pública. Belo
Horizonte, 2004.
50
Embora não esteja entre as prioridades desse tópico, atentamos para os critérios
de seleção dos conteúdos, que valorizam a necessidade de promover uma flexibilização
entre as temáticas e o contexto escolar. Nesse sentido, é reforçada a necessidade do
comprometimento docente de “[...] fomentar a construção de novos conhecimentos,
mentalidades e comportamentos [...]” (MINAS GERAIS, 2007. p. 15). Todavia, não
conseguimos encontrar neste documento quais recursos o professor estaria provido, para
as aulas de geografia, visto que nesta área a necessidade de se manter atento e
atualizado quanto às questões cotidianas em suas múltiplas abordagens são
indispensáveis.
Quando falamos de recursos, não estamos nos referindo ao livro didático, ao giz
e a lousa, mas das possibilidades de o professor trabalhar a geografia do lugar que
habitamos, pois, a geografia do concreto possibilita viver horizontes de sentido. Em
vários momentos, nos deparamos com temáticas que seriam melhores aproveitadas se
fossem dispostos meios de transporte para a execução de trabalhos de campo,
laboratórios de informática (que de fato funcionem), bibliotecas equipadas, de modo
que o aluno entrasse em contato com o mundo exterior, aquele que é vivido e que
permite a criação de territorialidades, que não se restringem às quatro paredes de uma
sala de aula.
No contexto atual, a função do professor tem sido cada vez mais a de apresentar
aos alunos novas possibilidades de ver o mundo, construindo conhecimentos a partir da
interação e movimento, visto que a informação se tornou popular, através da internet e a
sua facilidade de acesso.
Abaixo, seguem os eixos norteadores do CBC de geografia para o ensino
fundamental anos finais:
Eixo Temático I - Geografias do Cotidiano;
Eixo Temático II - A Sociodiversidade das Paisagens e suas Manifestações
Espaço culturais;
Eixo Temático III - Globalização e Regionalização no Mundo Contemporâneo;
Eixo Temático IV - Meio Ambiente e Cidadania Planetária.
A organização dos conteúdos a partir dos eixos temáticos dispostos acima,
compõem a base para o desdobramento de outros temas, que serão definidos pela
escola. Conforme consta no CBC, as vantagens deste método estão associadas às
51
possibilidades de autonomia do docente, em escolher qual a série mais adequada para a
sua abordagem. Ademais, observa-se que a ideia central de trabalhar conceitos e
categorias, obedecendo à estruturação proposta pelos documentos oficiais,
paralelamente a diminuição da carga horária obrigatória das aulas geografia tem se
tornado um desafio, e uma consequente limitação nos temas específicos que de fato
deveriam ser trabalhados de forma aprofundada, a partir da escala local.
Os eixos temáticos I e II são os que oferecem as maiores possibilidades para se
trabalhar o cotidiano de uma escola urbana, que recebe majoritariamente alunos da zona
rural, permitindo ao aluno compreender as dinâmicas desde espaço, as suas
transformações a partir de diferentes escalas e perspectivas. É nesse ponto que a
compreensão dos fenômenos rurais se mostram importantes para o desvendamento deste
espaço, que tem sido reduzido a generalizações e estereótipos, como é o caso da relação
campo-agronegócio, campo-economia-mercado, cidade-moderno/campo-arcaico.
Desenvolver habilidades e competências nos alunos e professores a partir de um
currículo comum, de maneira hierarquizada é um obstáculo para a manutenção das
identidades, já que a estruturação dos temas e conteúdos propostos priorizam a
formação do aluno, sob a ótica de mercado.
O desafio que se coloca em questão se faz ao perguntarmos: até que ponto os
currículos e a escola estão preocupados em manter as múltiplas identidades
(territorialidades) existentes na escola? Qual a função social do sistema de ensino ao
criar uma matriz curricular (conteudista) hierarquizada, que, apesar de oferecerem uma
diversidade de temas não oferecem recursos para que tais ações de fato ocorram? E o
professor, o sucesso escolar depende única e exclusivamente dele? Como pensar a
cidadania nesse processo?
A necessidade de aproximar a escola do contexto que ela está inserida, requer
uma interação entre o poder público e a comunidade. Porém, falar que os documentos
oficiais adotados para o sistema de ensino se mostram despreocupados diante a
realidade do aluno seria uma observação precipitada. O que colocamos em questão são
os impactos dessas diretrizes para a educação a nível estadual, que discursa em nome
dos valores, culturas e pessoas específicas, pois na escola pesquisada é nítido o
estranhamento dos alunos rurais, diante de uma geografia que não contempla o seu
cotidiano.
52
2.4. Projeto Político Pedagógico - Escola Municipal “Carlos Damiano Fuzatto”
Na Escola Municipal “Carlos Damiano Fuzatto” a criação do Projeto Político
Pedagógico (PPP) obedece a Lei de autorização 752/87 de 05/06/87, tendo por
finalidade traçar um perfil baseado nos princípios e demandas institucionais, a partir do
cotidiano desta instituição. As leis federais e estaduais dirigidas para o sistema de
ensino estão contextualizadas neste documento, sob uma escala local, que cria e orienta
os próprios objetivos e prioridades para o funcionamento escolar.
Traçar o histórico de uma escola, se torna importante para entender os avanços e
os desafios desta instituição, desde a sua criação. Suas demandas decorrem de fatores
diversos, que vão desde a sua localização até o perfil de alunos de sua influência.
Portanto, será através destas questões que propomos discutir sobre o PPP, de modo que
nos permita entender as diferentes estratégias de inclusão que a escola escolhida para o
nosso estudo de caso tem utilizado, a partir do discurso teórico, normativo e das suas
práticas cotidianas.
Esclarecemos que, não é de interesse desta pesquisa propor objetivos e metas
para sistema de ensino e tampouco criar um modelo curricular para a instituição
pesquisada. O que pretendemos discutir é que a criação de leis gerais impostas para este
setor tem cumprido mais a função de ditar e regular as práticas cotidianas através de
padrões estipulados por órgãos, secretarias e diretorias superiores sustentadas
teoricamente, ao invés de oferecer subsídios e autonomia para que as escolas alcancem
seus ideais, a partir das próprias questões.
A necessidade de uma articulação entre a escala local e global é notável em
todos os documentos que foram utilizados neste estudo. No entanto, ao analisarmos tais
prescrições adotadas para o sistema de ensino, através das atividades de campo
entendemos que a ênfase no aluno, como conhecedor de seu contexto, das problemáticas
e suas táticas de sobrevivência não ultrapassam o campo normativo.
Entre os objetivos gerais, estabelecidos no PPP da escola pesquisada o que mais
nos chamou a atenção foi a iniciativa de construir este documento de forma
participativa, envolvendo pais, alunos, gestores diante de um só propósito: oferecer um
ensino de qualidade integrado às demandas da comunidade escolar. Sendo assim, este
documento vislumbra sobretudo o [...] pleno desenvolvimento do educando,
considerando os seus interesses e da comunidade na qual estão inseridas, suas
necessidades, potencialidades, seus conhecimentos e sua cultura (SME/SJDR, 2008. 06.
grifo nosso).
53
Os objetivos definidos a partir da “filosofia da escola” apresentam uma
concepção esvaziada de aluno, já que esta escola se propõe a: “[...] orientá-los (alunos) a
encontrar o seu projeto de vida e seu lugar na sociedade. (SME/SJDR, 2008 p. 05)”. As
inferências que apontamos diante desta expressão, sugerem que o aluno
independentemente do seu lugar de moradia precisa se enquadrar ao regime escolar, e a
visão de mundo que esta propõe. É nesse momento que o discurso apresentado através
do PPP, inicia a formação do sujeito.
A última atualização do PPP ocorreu no ano de 2008, por isso justificamos a
análise do CBC de geografia correspondente ao ano de 2007, realizada na sessão
anterior, que serviu de base para a elaboração desta. Nesta questão, um ponto que
merece destaque é o extenso período de tempo para se utilizar um mesmo documento,
para uma escola que talvez não tenha o mesmo perfil de alunos que antigamente.
As propostas de ensino direcionadas para os ciclos iniciais e finais desta escola
apresentam finalidades distintas, que se complementam com o avanço das séries. As
habilidades técnicas da leitura e escrita, seguidas das operações matemáticas simples
estão entre as prioridades dos ciclos iniciais. Na transição para os ciclos avançados (4º e
5º ano) são incluídos “[...] os conteúdos de Ciências, História e Geografia, que devem
ser ministrados articulados ao processo de alfabetização e letramento e, de iniciação à
Matemática, crescendo em complexidade ao longo dos anos” (SME/SJDR, 2008, p. 11).
Ressaltamos que, a implementação das disciplinas de Educação Religiosa (mediante a
autorização dos pais) e Artes também ocorrem nesta transição.
Os terceiro e quarto ciclos – interesse desta pesquisa – mantêm as mesmas
disciplinas que foram previamente apresentadas no parágrafo acima, porém de forma
mais complexa, já que dentro do plano de formação escolar o aluno já se encontra em
plenas condições de leitura e escrita. Conforme já apresentado neste trabalho a matriz
curricular obedece aos mesmos eixos temáticos apresentados pelos PCNs (1998) e
CBCs (2007) de geografia, que foram analisados nas seções anteriores.
A criação de um currículo próprio, requer um constante repensar. No caso da
Escola Municipal “Carlos Damiano Fuzatto” destacamos a sua diversidade de alunos,
sobretudo os da zona rural que são maior número, embora esta escola esteja situada na
área urbana de São João del-Rei. Segundo o PPP da escola: “[...] O currículo é o
território onde se estabelece um diálogo pedagógico entre os diversos tempos de vida
dos educandos e os tempos de conhecimento e da cultura do ensinar e do aprender, da
socialização e a formação de sujeitos, (SME/SJDR, 2008. p. 12) ”.
54
As atividades de campo nos permitiram sinalizar o distanciamento entre os
alunos da zona rural e o cotidiano escolar, seja por meio das temáticas propostas para os
ciclos de ensino ou pelas atividades extraclasses. Um evento marcante ocorreu na
ocasião em que o transporte não pôde buscar os alunos para participar de uma visita na
“Associação de Proteção e Assistência aos Condenados (APAC) ”, pelo fato desta data
não ter ocorrido em um dia útil da semana. A ausência do transporte em algumas
comunidades longínquas também aconteceu na festa junina e no dia da independência,
diante de imprevistos ou motivos diversos.
O Projeto Político Pedagógico, analisado nessa seção, apresenta os fundamentos
para que a cidadania de fato se torne parte do cotidiano escolar. Nesse contexto
destacamos a passagem: “ um povo que conhece a sua história e mantém-se consciente
dos valores culturais é um povo mais preparado para viver o seu presente e encarar o
futuro” (SME/SJDR, 2008, p. 12). Sobre esta questão, indagamos: como manter a
consciência dos valores culturais próprios de cada sujeito, diante da inexistência de
abordagens e alternativas voltadas para a sua inclusão?
Citamos alguns dos desafios dos alunos rurais, a começar pelo seu local de
moradia e a dificuldade de acesso para a escola urbana. De modo geral, entrar na sala de
aula e ser “da roça” além de ser um motivo de “chacota” para os alunos da cidade é
também um fator que contribui para a desmotivação nos estudos. Portanto, dizer que o
mau desempenho desses indivíduos é consequência do seu desinteresse seria uma
conclusão superficial e equivocada, ainda mais quando os documentos oficiais internos
não demostram preocupação com a diferença.
Nos últimos meses do ano letivo, onde a ocorrência de chuvas se torna rotineira,
presenciamos casos em que o transporte da zona rural não chegou na escola, ou
situações em que alunos chegaram à sala sujos de barro, molhados e atrasados. De
modo geral, é possível sinalizar que esses alunos comprometem o rendimento das aulas,
pelo fato de terem que trabalhar nos horários que não estão na escola, deixando para
segundo plano as atividades escolares solicitadas para casa. Esta situação-problema está
disposta no PPP da seguinte forma:
[...] o que dificulta um trabalho mais positivo é a faixa etária (dos
alunos) ser um tanto quanto eclética nas séries. A maioria de nossa
clientela é de zona rural e muitos repetentes, formando assim séries
com grandes defasagens de idade – o que, com certeza, reflete no
interesse e rendimento pedagógico (SME/SJDR, 2008, p. 16).
55
A citação apresentada linha acima apresenta uma contradição, estabelecida entre
o discurso e a prática escolar. Estamos diante de um projeto, que propõe a construção do
conhecimento, a partir de ações, métodos e abordagens que valorizam as trocas de
experiência, a emoção, a diversidade sociocultural e que deveria promover a inclusão
dos alunos e não a segregação, por meio de índices de rendimento. Ou seja, nos
deparamos com um documento que não condiz com a realidade da escola e tampouco
com o perfil de alunos que nela frequentam.
Da mesma forma que nos PCNs, CBCs, LDBs, este PPP considera a escola
como um espaço povoado por múltiplas culturas, saberes e valores. A matriz curricular
proveniente deste documento, também enfatiza a necessidade de uma diversificação,
apresentação de motivação dos conteúdos, de modo a promover maior interação entre a
escola, aluno e sociedade. Todavia, o que colocamos em questão é a insistência de
enquadrar o aluno a um modelo de ensino, um modo de pensar a sociedade e o mundo,
que muitas vezes desconsidera o seu cotidiano.
Consideramos que, a inclusão dos alunos rurais em uma escola urbana tem se
tornado um problema, ao invés de um desafio. Portanto, entender como ocorre à
construção das novas territorialidades, a partir do cotidiano escolar, das teorias
curriculares e do currículo oficial ganham centralidade neste estudo, a partir do
momento que propomos analisar e compreender até que ponto que o outro (diferente)
possui voz na escola e na sociedade, como um todo.
56
CAPÍTULO 03 – AS TEORIAS CURRICULARES: QUANDO A CONSTRUÇÃO
SOCIAL DO CONHECIMENTO SE TRANSFORMA EM POLÍTICAS DE
REGULAÇÃO
3.1. Zapeando as Teorias Curriculares
O currículo é lugar, espaço, território. O currículo é relação de poder.
O currículo é trajetória, viagem, percurso. O currículo é autobiografia,
nossa vida, curriculum vitae: no currículo se forja nossa identidade.
O currículo é texto discurso, documento.
O currículo é documento de identidade.
(SILVA, 2010. p. 150).
As teorias curriculares têm sido tratadas ao longo do tempo como essenciais para
a formação de alguém, para alguma coisa. Em sua obra intitulada “Documentos de
Identidade: uma introdução às teorias do currículo” Tomaz Tadeu da Silva (2010)
realizou uma importante análise distintiva e resumida6 das teorias curriculares, que
perpassam o modelo tradicional, crítico e pós-crítico, destacando os autores envolvidos
e o momento histórico em que tais teorias repercutiram.
Segundo Silva (2010, p. 16): “é precisamente a questão do poder que vai separar
as teorias tradicionais das teorias críticas e pós-críticas”. Podemos dizer que, diferentes
modelos e organizações do currículo se mostravam importantes para a capacitação dos
sujeitos, ora visando atender os interesses de determinados setores da economia ou da
política vigente, enfim, das exigências impostas pelo capital.
As diferentes críticas ao currículo foram realizadas tanto para o seu modelo
tradicional, quanto ao pós-crítico por diversos autores, entre eles os foucaultianos. A
problematização das teorias tradicionais se fez, a partir de suas características lineares,
conteudistas e isentas de questionamentos, baseadas na neutralidade científica.
As teorias críticas e pós-críticas, surgem diante da necessidade de contestar e
argumentar contra estas proposições. Segundo Silva (2010), por traz de uma teoria
existem relações de poder e, portanto, não há neutralidade e, sim um conjunto de
interesses. No entanto, mesmo com todos os esforços teóricos realizados sobre o
currículo e sua crítica, observa-se na prática que o currículo tradicional ainda exerce
grande influência em nossas escolas.
6 A apresentação do termo resumido sintetiza às dezenas de teorizações realizadas sobre o currículo, por
Tomaz Tadeu da Silva, que se enquadram em diversas perspectivas, no qual destacamos o Modelo
Tradicional, Crítico e Pós-Crítico.
57
A passagem do modelo tradicional do currículo para o crítico representou um
importante marco para a compreensão das dinâmicas da sociedade, sobre outros
aspectos. Mas, fronteiras ainda deveriam ser ultrapassadas, haja vista que reflexões
sobre a divisão de classes, da política, do poder centralizador e da opressão foram
fortemente tratadas nas teorias que antecedem às pós-críticas. Tomaz Tadeu da Silva
(2010) aponta a influência de Paulo Freire (1988) no processo de construção da teoria
curricular crítica.
Silva (2010), ao mencionar as teorias tradicionais do currículo diz tratar-se de
uma forma de aceitação do status quo, com vistas à moldagem técnica do sujeito apto a
desempenhar funções administrativas, aos moldes do taylorismo. A desconfiança e o
questionamento estimulados a partir das teorias críticas propõem uma transformação
radical dessa visão. Uma distinção importante mostrada entre as teorias curriculares
tradicionais e as críticas está na preocupação em compreender quais são os efeitos que o
currículo traz, ao invés de apenas como fazê-lo.
A noção de “Currículo Oculto” e o seu impacto no ambiente escolar tem se
mostrado não somente um componente de análise, mas também um motivo de
preocupação para Silva (2010), diante dos seus efeitos. Para esse autor, mesmo que o
currículo oculto não seja um documento oficial de ensino tem se mostrado um
importante instrumento influenciador na organização e funcionamento da escola, através
de padrões de comportamento que se (re) ajustam e delimitam:
As características estruturais da sala de aula e da situação de ensino,
mais do que seu conteúdo explicito, que "ensinavam" certas coisas: as
relações de autoridade, a organização espacial, a distribuição do
tempo, os padrões de recompensa e castigo. [...] O currículo oculto
ensina, ainda, através de rituais, regras, regulamentos, normas.
(SILVA, 2010, p. 78-79).
Essas considerações nos permitem sinalizar que os padrões de comportamento
criados pelo currículo oculto contribuem para a divisão de grupos com diferentes níveis
de rendimento, qualificando ou desqualificando o aluno diante das metas escolares.
Portanto, “[...] tornar-se consciente do currículo oculto significa, de alguma forma,
desarmá-lo”, (SILVA, 2010, p. 80). É a partir dessa postura que as teorias críticas e pós-
críticas irão se fundamentar, questionando e problematizando esse documento
pedagógico.
58
No campo da educação, a teoria curricular pós-crítica nos propõe não somente a
conhecer quais conteúdos e metas estão sendo propostas para o ensino, mas também a
problematizar, questionar e, a desconfiar do porquê de alguns conteúdos estarem postos
nesse documento e outros não, além de quais relações de poder estão ali envolvidas.
Essa perspectiva rejeita a verdade como absoluta, o poder centralizado e o
conhecimento como algo pronto e acabado. Existe também uma valorização do
hibridismo, das questões relacionadas ao gênero e a grupos étnicos raciais minoritários,
que são considerados fundamentais no processo de construção social, diante dos olhares
hegemônicos.
Sob uma perspectiva geográfica, as teorias curriculares críticas e pós-críticas nos
possibilitam compreender o território e as múltiplas territorialidades expressas por
grupos culturais diferentes, que não são mencionados e reconhecidos pelas teorias
tradicionais. A compreensão das formas e seus diferentes conteúdos no espaço-tempo
requerem sensibilidade e atenção do pesquisador, quanto às múltiplas subjetividades
que surgem a partir espaço do vivido-praticado e, que nem sempre são valorizadas no
ambiente escolar. Os dispositivos disciplinares “comuns” têm contribuído para a perda
do sentido, da cultura e, consequentemente da identidade.
Portanto, as análises de Silva (2010) diante das teorias críticas e pós-críticas para
o currículo nos levam a entender que este documento não pode ser concebido como
desinteressado, insuspeito ou inofensivo. As relações de poder que se exercem sobre
esse currículo ocorrem da mesma forma com o lugar, no entanto, a resistência também
se faz presente em ambos, como afirma Foucault (2011), “em pontos da rede”,
[...] a resistência é gerada dentro da própria rede, às vezes amplamente
abrangente, mas em geral, minúsculos, transitórios e móveis. [...] Nas
suas malhas os indivíduos não só circulam, mas estão sempre em
posição de exercer este poder e de sofrer a sua ação; nunca são o alvo
inerte e consentido do poder; são sempre centros de transmissão. Em
outros termos, o poder não se aplica aos indivíduos, passa por eles.
(FOUCAULT, 2011, p.179-191).
3.2. Multiculturalidade, Identidade e Diferença, no contexto das Teorias
Curriculares
O multiculturalismo é um fenômeno contemporâneo, que se resume na
expressão de diversas culturas, das quais o poder se incumbiu de silenciar no decorrer
do tempo. Segundo Silva (2004, p. 86), trata-se de um importante “instrumento de luta
59
política, dada a sua legitimidade”. No âmbito das teorias curriculares o
multiculturalismo evidencia o grau das desigualdades sociais, no que diz respeito ao
gênero, raça e sexualidade, por exemplo. Ou seja, questões “[...] que não podem ser
reduzidas à dinâmica de classe” (p. 90), que propõem uma falsa noção de igualdade,
baseada na tolerância e no respeito.
As ações discursivas desencadeadas nos diferentes espaços-tempos, redefinidas
através da linguagem, em conexão com o saber dominante, impulsionaram
transformações na sociedade, a partir de um único ângulo, reforçando a ideia de
soberania sobre o território. O multiculturalismo, por sua vez, adquiriu maior
visibilidade a partir da pós-modernidade, e suas bases reflexivas contrapõem a ideia de
“tolerar o diferente”. Nesta abordagem buscamos analisar o cotidiano escolar, a fim de
compreender a identidade e a diferença, desde a sua gênese, tendo como ponto de
partida o espaço convivência e de construção social.
Na escola, a utilização de determinado currículo implica no exercício de
diferentes atividades, dentro ou fora da sala de aula, conduzidas através de métodos e
posturas educativas, cujo objetivo é desenvolver habilidades e competências nos alunos
fazendo da escola uma “empresa de aprendizagem”. No entanto, existem currículos que
enfatizam questões sobre a identidade, diferença, alteridade e demais elementos que,
nos permitem compreender a subjetividade de cada indivíduo. Nesse sentido,
enfatizamos o currículo pós-crítico, por valorizar a questão da multiculturalidade, por
“dar voz” aos grupos considerados minoritários diante do poder, além de reconhecer a
legitimidade dos movimentos sociais e suas bandeiras, que historicamente foram
marginalizados, estereotipados e hostilizados por grupos dominantes.
Para Silva (2004) é especificamente a questão do poder que vai determinar
maior visibilidade a um grupo, em detrimento de outros. Esse autor considera que cada
indivíduo possui um tempo vivido, como expressão da própria cultura, que se diferencia
de um território para outro. O fato da identidade e da diferença serem produzidas dentro
de um processo simbólico e discursivo é uma demonstração de que ambas estão
submetidas às relações de poder. “[...] A afirmação da identidade e a marcação da
diferença implica, sempre, as operações de incluir e excluir”, (SILVA, 2004, p. 82). É
dessa forma que as diferentes vozes, histórias, perspectivas, modos de ser e desejos são
silenciados, por serem consideradas desinteressantes, insignificantes, inferiores ou
exóticos.
60
As normatizações auxiliam na fixação das (novas) identidades, a partir das
instituições de ensino. O fechamento de várias escolas rurais no município de São João
del-Rei/MG e a concentração de grande parte do ensino nas escolas urbanas
contextualiza nossa discussão, uma vez que os alunos do meio rural são sujeitados a um
currículo comum, que supervaloriza a vida nas cidades, condenando o campo ao
esquecimento e ao atraso. É nesse ponto que a identidade e diferença ganham
visibilidade nesse estudo.
Segundo Silva (2004), a construção da identidade e da diferença associa-se aos
processos discursivos, que são responsáveis por regular normativamente as ações entre
os sujeitos. Para esse autor, mesmo que as questões referentes ao multiculturalismo
tenham visibilidade no campo da teoria educacional, inclusive nas pedagogias oficiais
com a inclusão dos chamados “temas transversais”, ainda se nota a “ausência de uma
teoria da identidade e da diferença”, (SILVA, 2004. p. 73, grifo nosso).
Silva (2004, p.75) também diz que, a construção da identidade está intimamente
relacionada ao “EU SOU” e, diante dessa afirmação estamos negando outras, que
representam formas de ser que não condizem com a nossa e que, portanto, não nos
representam. Assim, constrói-se a diferença, que está relacionada ao que o “OUTRO É”.
Entretanto, “[...] as afirmações sobre diferença só fazem sentido se compreendidas em
sua relação com as afirmações sobre a identidade”.
As afirmações sobre diferença também dependem de uma cadeia, em
geral oculta, de declarações negativas sobre (outras) identidades.
Assim como a identidade depende da diferença, a diferença depende
da identidade. Identidade e diferença são, pois, inseparáveis. Em geral,
consideramos a diferença como um produto derivado da identidade.
Nesta perspectiva, a identidade é a referência, é o ponto original
relativamente ao qual se define a diferença. ” (SILVA, 2004, p. 75-
76).
Silva (2004) considera que tanto a identidade quanto a diferença não devem ser
entendidas como naturalizadas, mas sim como o resultado de criações sociais e
culturais, “produzidas por meio de atos de linguagem”.
Além de serem interdependentes, identidade e diferença partilham
uma importante característica: elas são o resultado de atos de criação
linguística. [...] A identidade e a diferença têm que ser ativamente
produzidas. Elas não são criaturas do mundo natural ou de um mundo
transcendental, mas do mundo cultural e social. Somos nós que as
61
fabricamos, no contexto de relações culturais e sociais. A identidade e
a diferença são criações sociais e culturais. (SILVA, 2004, p. 76).
É nesse contexto que surgem os primeiros questionamentos acerca da construção
do sujeito. Segundo HALL (2006, p.07), por muito tempo perpetuou em nossa
sociedade uma concepção de sujeito estável e unificado. No entanto, as velhas
identidades foram sobrepostas pelas novas, responsáveis por fragmentar esse indivíduo,
até então construído e acabado. Para esse autor, a chamada “crise da identidade”
representou um período de mudança nas sociedades modernas, abalando os quadros de
referência de uma sociedade considerada fixa. Tratava-se de um período de
“incertezas”.
Um tipo diferente de mudança estrutural está transformando as
sociedades modernas no final do século XX, isso está fragmentando as
paisagens culturais de classe, gênero, sexualidade, etnia, raça e
nacionalidade, que, no passado nos tinham fornecido sólidas
localizações como indivíduos sociais. (HALL, 2006, p.8).
As teorias sociais propuseram diferentes concepções de identidade no decorrer
do processo histórico, das quais três foram destacadas por HALL (2006, p. 10-13, grifo
nosso): a) o sujeito do Iluminismo, considerado como único, atribuído de um núcleo
interior, concebido desde o seu nascimento, dotado de razão, consciência e ação, que se
desenvolve junto a ele, mantendo a integridade de suas características no decorrer da
vida, isento de influências do mundo exterior; b) o sujeito Sociológico, também
composto por um núcleo interior (‘eu real’), que no entanto não lhe garante plena
autonomia. O sujeito passa a se constituir a partir do “mundo exterior” e da relação com
“outras pessoas importantes para ele”; c) o sujeito Pós-Moderno, que a exemplo do
sujeito sociológico, não possui uma identidade fixa, essencial ou permanente, mas que
se transforma continuamente, diante dos sistemas culturais. Os diferentes momentos
serão responsáveis por diferentes identidades, que não são unificadas a partir de um
“eu” coerente.
As diferentes concepções de sujeito e identidade são importantes para entender o
processo de escolarização, que ainda faz o uso de conceitos como o de vocação7, para se
7 Vocação é um termo derivado do verbo no latim “vocare” que significa “chamar”. É uma
inclinação, uma tendência ou habilidade que leva o indivíduo a exercer uma determinada carreira ou
profissão. Disponível em: < http://www.significados.com.br/vocacao/ >, acessado em 14 abr. 16.
62
referir a alunos dotados de especificidades e domínio de determinado conteúdo.
Entretanto, da mesma forma que alguns alunos são distinguidos por aspectos positivos
outros são marcados pelos negativos, sendo taxados como fracos, incapazes e
desinteressados. Esse contraste foi observado no decorrer da pesquisa, nas observações
das aulas de geografia, diante de temas como industrialização, urbanização e
globalização.
Consideramos que a dificuldade de interação dos alunos rurais poderia ser
atribuída primeiro à falta de coragem, para elaborar alguma pergunta e ser alvo de
críticas ou chacotas e, segundo, para aqueles que se quer sabiam sobre o que iam
perguntar, pois, tudo era novidade. Constatamos inclusive que, nenhum dos alunos do
campo tinha acesso à internet em casa.
Lá em casa só tem televisão e um rádio velho. De vez em quando, o
meu tio aparecia com um jornal “da Gazeta” pro meu pai ler, mas ele
servia mesmo era para colocar entre a ripa da cama e o colchão, pra
amaciar na hora de dormir (risos). Mas se tem uma coisa que o meu
pai gosta é de assistir o jornal na televisão, porque é mais fácil de
entender as notícias (Fala do aluno Pedro, residente na zona rural,
2015).
Até o momento, a análise do nosso recorte nos tem permitido notar que, a
identidade dominante na escola é representada pelos alunos da área urbana, mesmo que,
em termos quantitativos os alunos do campo fossem a maioria. Portanto, consideramos
que os dispositivos oficiais de ensino contribuem para o processo de reconstrução
identitária, que se faz através da linguagem. Retomando Silva (1995, 2004) a
identidade, sujeitada ao discurso e as ideologias dominantes, transmitidas através da
linguagem resultam de iniciativas que tentam fixa-las, tornando-a norma. As diversas
estratificações sociais presentes na escola são expressões do multiculturalismo, por
outro lado, o silenciamento de certos grupos é consequência das relações de poder.
3.3. A centralidade da cultura na Sociedade Atual
Consideramos que a tradição moderna racionalista compreendeu a cultura e a
educação, segundo Veiga-Neto (2003, p. 07) “como caminho para se atingir as formas
mais elevadas de Cultura, tendo por modelo as já conquistadas e realizadas pelos grupos
sociais mais educados, mais cultos”.
O resultado dessa compreensão elitista contribuiu para que o sistema escolar
fosse responsável pela elevação do “nível cultural da população”, tendo que ser
63
conquistada pelos grupos sociais que não a possuíssem, acentuando a perspectiva de
uma cultura universal eurocêntrica e judaico-cristã, que atravessa um currículo livre das
impurezas.
No início do século XX, o modelo universal de cultura é questionado: não
haveria “a cultura”, mas diversas culturas. Esta discussão acabou se polarizando entre
cultura erudita e cultura popular. No Brasil e, em toda a América Latina, podemos
acrescentar a essa polarização o processo de “aculturamento” marcado pela violência e
o aniquilamento de diversas culturas nativas.
Forquin (1993), apresenta uma chave interessante para o nosso entendimento da
cultura e seus significados polissêmicos, identificando três tipos de cultura na escola. A
primeira seria a cultura escolar: resultante dos conteúdos escolhidos nos documentos
oficiais; a segunda, a cultura da escola, que tem como referência as práticas cotidianas e
a rotina escolar; e, a terceira, relacionada à cultura dos professores e alunos que
corresponde à diversidade cultural presente na escola, mas que não é considerada por
ela.
Esta chave interpretativa de Forquin nos permite pensar que a cultura, não é
resultante apenas das “estruturas sociais” (CANDAU, 2005) mas, de uma “prática
produtiva” (MOREIRA, 2001). Formas de resistência, consequência de práticas
produtivas, como as lutas pela afirmação de identidades e diferenças, a contestação das
relações desiguais ganha expressão no mundo culturalmente globalizado, também,
novas formas de globalização como, por exemplo, o cosmopolitismo, como resposta
transnacional ao ataque hegemônico ou a preocupação com a defesa do patrimônio
comum da humanidade.
É na ação cotidiana do professor, no seu relacionamento com os alunos e com a
comunidade que aparecem os “não ditos”, que podem ser apreendidos nas práticas
escolares cotidianas e, constituem o currículo oculto. Para nós, a questão do poder está
implícita na prática dos professores e permeia o seu discurso, por isso concordamos
com Moreira (2002) quando ressalta a necessidade de “aprender através do outro” e, a
necessidade de reconhecer o diferente.
Segundo Milton Santos (2008), estamos vivendo o que ele chama de “período
popular da história”. Este período se caracteriza pela presença de mecanismos de
homogeneização cultural e, ao mesmo tempo pela diversidade de formas culturais
produzidas pela periferia do sistema. Para Santos, a cultura popular da periferia, ao
manifestar e expressar a sua vida cotidiana poderia levar a uma “revanche” porque são
64
as camadas populares, a força dos que vem de baixo, com sua visão própria da vida, que
podem nem sempre de maneira ordenada e uniforme, transformar o mundo.
As relações entre currículo e as diferentes visões de multiculturalismo existentes
ampliam e enriquecem nossa visão e reflexão sobre a educação para o campo, bem
como as de gênero, raça, etnia presentes no currículo da educação fundamental e os
processos de exclusão que as acompanham.
Para (HALL, 1997, p. 22) “centralidade da cultura” está presente em todo este
período popular da história, não no sentido de delimitar territórios e territorialidades,
mas de desfazer fronteiras e hierarquias, ou seja, não há como não reconhecer a
centralidade da cultura na vida humana embora, ela não seja mais pensada a partir de
um único eixo produtor da verdade. Silva (2004, p. 139) afirma que “ao mesmo tempo,
a cultura geral é vista como uma pedagogia, a pedagogia é vista como uma forma
cultural: o cultural torna-se pedagógico e a pedagogia torna-se cultural”.
O argumento de Hall (1997, 2006), para esta nova centralidade descentrada é
que a formação das identidades se realiza através da cultura, portanto é mediada pela
objetividade das normas, nas instituições, nas ações e estruturas sociais de um
determinado tempo e lugar, que nos permite estabelecer relações entre cultura e poder
através da sua regulação.
Os Estudos Culturais, no âmbito dos conteúdos curriculares, voltam seu
interesse para as diversas formas de conhecimento que configuram “campos culturais”,
ou seja, que produzem significados levando à formação de identidades e a disputa entre
si e o poder.
Estas teorizações nos permitem pensar o currículo não como um “objeto
natural”, mas como um “campo de luta, em torno da significação e da identidade”,
portanto, como híbrido cultural num processo, “que ativamente se cria e produz cultura”
(MOREIRA e SILVA, 2002, p. 28).
Se, o currículo no plano político e ideológico é importante, também é na esfera
da cultura popular, onde potencialmente se localizam as relações transformadoras e as
possibilidades de apreender o contra discurso, capaz de romper as amarras subjetivas do
poder do outro.
3.4. O currículo como híbrido cultural e as práticas escolares cotidianas
O panorama da constituição social da categoria analítica geográfica “lugar”, em
algumas perspectivas aqui levantadas, nos permitiu constatar que na linguagem da
65
investigação social aparecem variadas metáforas espaciais, resultando, tanto em
importantes incursões políticas às ideias e ações dos sujeitos como, às vezes, numa
fetichização acerca do conceito de lugar, em formas de pensamento que, enquanto
atuantes, contribuem para a reprodução de uma exclusão social, promovida pelo saber.
Imbuídos desta preocupação, as discussões aqui realizadas visam um
desenvolvimento teórico e epistemológico da Geografia escolar, perpassando pelo
desnaturalizar e pelo repensar dos conceitos e teorias, visto que todos são invenções
sociais, com importantes implicações nas elaborações de textos oficiais da educação,
das práticas escolares e cotidianas.
Ao nos assumirmos como nosso próprio objeto de estudo, coloca-se
para nós a impossibilidade de pesquisar ou falar ’sobre’ os cotidianos
das escolas. Se, estamos incluídos, mergulhados, em nosso objeto,
chegando, às vezes, a nos confundir com ele, no lugar dos estudos
‘sobre’, de fato, acontecem os estudos ‘com’ os cotidianos. Somos, no
final de tudo, pesquisadores de nós mesmos, somos nosso próprio
tema de investigação [...]. Assim, em nossos estudos ‘com’ os
cotidianos, há sempre uma busca por nós mesmos. Apesar de
pretendermos, nesses estudos, explicar os ‘outros’, no fundo estamos
nos explicando. Buscamos nos entender fazendo de conta que estamos
entendendo os outros, mas nós somos também esses outros e outros
‘outros’ (FERRAÇO, 2003, p. 160).
Este tópico apresentará um breve diálogo, com Ivor Goodson, historiador
contemporâneo do currículo e, Thomas Popkewitz, teórico da temática curricular. O
objetivo é aproximar as abordagens críticas e as pós-modernas, destacando as diferenças
que consideramos importantes, no modo como abordam a História do Currículo, e das
disciplinas que se constituem “com e entre outras áreas de conhecimento produzindo
híbridos culturais”. (FERREIRA e JAHEN, 2011 p. 01)
O foco de interesse pelo currículo em Goodson e Popkewits está nas relações
entre “conhecimento e poder” que acontecem na prática escolar cotidiana. No entanto,
em nosso estudo, Popkewitz (1994, 2001), ao se colocar na perspectiva da pós-
modernidade permite abordar as formas produtivas de poder presente nos currículos,
regulando e normatizando os conhecimentos científicos, acadêmicos e escolares.
Desde o final do século XVIII, com a modernidade e, seu projeto de iluminar o
mundo através do poder emancipador da razão e da ciência, desenvolveu-se a crença na
fabricação de um “modo de vida universal” e, também de um “sujeito universal”. Esta
possiblidade baseada no conceito de verdade, como representação, pode ser interpretada
66
sob outra perspectiva, aquela formulada por Foucault (2011), ao dizer que o conceito de
verdade está impregnado de poder e que toda a realidade se constitui deste poder.
A leitura foucaultiana da “pedagogização do conhecimento” levou Popkewitz
(1994, 1997, 2001) a se interessar pelo modo como o poder emancipatório da razão e da
ciência se transformam em políticas do conhecimento, que se realizam nas práticas
escolares, no currículo, nas reformas educacionais, na formação docente e nas políticas
de inclusão. Ao produzir princípios de aprendizagem e de desenvolvimento, a
pedagogia por meio de estratégias curriculares acaba por nos prescrever como pensar,
sentir e, agir.
O entendimento do currículo como híbrido cultural é importante para pensar a
diferença como um discurso, em que não é a diversidade cultural que está em jogo, mas
o próprio sistema de representação da modernidade iluminista. Segundo Santos (1999),
a modernidade buscou o equilíbrio entre a regulação e a emancipação, no entanto,
acabou por submeter à subjetividade e a diferença a um processo cultural
homogeneizador, que tem como eixos a racionalidade instrumental e o mercado.
Segundo Macedo (2006), o currículo como híbrido cultural supõe um espaço-
tempo de fronteira, um “entre lugares” onde culturas diferentes negociam e se articulam.
Nos “entre lugares” emergem as estratégias de subjetivação que produzem novas
identidades configurando um território onde se dá a hibridação, ou ainda, acontece à
luta entre as culturas.
A partir do entendimento do currículo como híbrido cultural consideramos que
para apreender a produção da subjetividade nos entre lugares é preciso considerar a
teoria das práticas cotidianas de Michel Certeau (1994). Segundo esta teoria, é na
prática cotidiana que se cria um espaço em que podemos nos movimentar em busca de
outras saídas, entradas ou alternativas e assim, inventar nossa liberdade, pois a prática
cotidiana é uma prática política.
Para Certeau (1995, p. 234):
Aquilo que uma prática faz com os signos pré-fabricados, aquilo que
estes se tornam para os usuários ou os receptores, eis algo essencial
que, no entanto, permanece em grande parte ignorado [...]. O
mensurável encontra por toda a parte, nas bordas, esse elemento
móvel. O cálculo aí entra (fixando preço para a morte de um homem,
de uma tradição ou de uma paisagem), mas se perde. A gestão da
sociedade deixa um enorme 'resto'. Em nossos mapas, isso se chama
cultura, fluxo, refluxo de murmúrios nas regiões avançadas da
planificação.
67
As práticas políticas que os professores inventam no seu cotidiano de trabalho
escapam dos modelos estruturantes. Os “entre lugares” produzem sentidos para as
escolas, portanto, como afirma Ferraço (2013, p. 466) os professores são “tecelões dos
currículos e dos processos de formações, [como] potência para ampliação e expansão da
vida/conhecimento; e nos praticantes como protagonistas e legítimos autores dessas
produções.”
As “conversas-imagens-narrativas” (FERRAÇO, 2013 p.466) como um
procedimento metodológico, nos permitem acompanhar e registar os processos de
constituição das práticas políticas de professores, alunos, funcionários, direção e pais,
seus lances táticos que podem nos ensinar, muito, sobre o currículo.
Ferraço (2013, p. 471) se refere a estas conversas como:
[...] “falas encarnadas” essas “artes de dizer” (CERTEAU, 1994) dos
professores que se enredam e emergem nesses grupos carregadas de
emoção, sentimentos e de sentidos do trabalho dos professores, de
suas expectativas e experiências, de suas esperanças, descrenças,
decepções, das necessidades das escolas e, também das saídas que
encontram para os seus problemas e afazeres cotidianos, seus estilos
de ação, acabam ocultadas pelas políticas para os alunos e para a
comunidade em geral e se perdem, são negligenciadas, desvalorizadas,
desqualificadas por essas racionalidades políticas de formação que
"acreditam saber" a priori o que é melhor para os professores.
68
PARTE II
CAPÍTULO 04 – AS DIMENSÕES GEOGRÁFICAS E A SUA APROXIMAÇÃO
DO DISCURSO PEDAGÓGICO
4.1. Pensando o Lugar, o território e as territorialidades no contexto das
transformações sociais
Nesta seção apresentamos um esforço de teorização, acerca das categorias
geográficas território e lugar. O “período popular da história” e a retomada das
discussões concernentes a essas categorias nos têm permitido acompanhar o avanço da
geografia nas últimas décadas, em seus múltiplos contextos. A perspectiva miltoniana,
somadas às contribuições de alguns clássicos e contemporâneos se mostram importantes
por apresentarem os caminhos que a geografia percorreu até os dias atuais, a partir das
diferentes abordagens, ênfases, análises e métodos empregados para a compreensão do
território e do lugar.
Partimos das considerações do geógrafo Milton Santos (2008c), ao dizer que a
articulação entre a geografia e a cultura ocorreu de forma mais lenta, pois, em princípio
o domínio desta ciência “[...] não era o das dinâmicas sociais que criam e transformam
as formas, mas o das coisas já cristalizadas, imagem invertida que impede a apreensão
da realidade se não se faz intervir a história (p. 21-22) ”. Para este geógrafo, a produção
do espaço decorre do trabalho humano, que por meio de leis distintas e próprias de seu
tempo se confrontam. É a produção social do espaço, ou a sua transformação, visto que
o espaço é social.
Desta forma, surge o território, que se define como resultado das ações humanas
sobre a natureza e, sobretudo como dimensão política e mercadológica. Os lugares se
criam a partir das suas particularidades, e por elas se destacam. Para Santos (2008c) o
lugar, assim como a região são pontos distintos no território e são demarcados por
fronteiras materiais e imateriais, que se diferenciam entre si, através de uma base
comum e, que juntas somam para a construção de um cotidiano. “[...] o lugar, aliás, se
define como funcionalização do mundo e é por ele (lugar) que o mundo é percebido
empiricamente” (SANTOS, 2008c, p. 158). Assim, o lugar se torna ao mesmo tempo
diverso, comum, distinto, plural e particular.
É na dimensão do lugar (ou da região) que se tem o acontecer solidário, que
ocorre mediante a realização de tarefas comuns, exercidas por pessoas comuns, mesmo
69
que os projetos não sejam os mesmos, fortificando assim as relações de horizontalidades
(SANTOS, 2008c).
O lugar é a oportunidade do evento. E este, ao se tornar espaço, ainda
que não perca suas margens de origem, ganha características locais. É
como se a flecha do tempo se entortasse no contato com o lugar. O
evento é, ao mesmo tempo, deformante e deformado. Por isso fala-se
na imprevisibilidade do evento, a que Ricoeur chama de autonomia, a
possibilidade, no lugar, de construir uma história das ações que seja
diferente do projeto dos atores hegemônicos. É esse o grande papel do
lugar na produção da história, e apontá-lo é a grande tarefa dos
geógrafos neste fim de século (SANTOS, 2008c, p. 163).
Ao inserirmos nesta seção o debate sobre a dimensão do lugar e a densidade que
esta categoria de análise geográfica carrega, nos propomos, a pensá-lo de forma
articulada, a partir de um sistema de referências e perspectivas que nos permitem
teorizar, e costurar os eventos que se associam ao espaço geográfico e a realidade. Uma
relevância central nesta reflexão está no fato de como pensar o lugar, no atual processo
de globalização, bem como a sua importância diante do sistema de ensino
institucionalizado, visto que analisar a conjuntura dos lugares e a sua relação com o
mundo tem sido determinante no período de transição em que a geografia se encontra.
Maria Laura Silveira (2003, p. 410), salienta a necessidade de compreender a
diferença entre categorias e conceitos. Para esta autora “[...] as categorias são
generalizações capazes de atravessar os períodos”, enquanto que os conceitos são a
somatória da “categoria e a história do presente”, envelhecendo, portanto, mais
rapidamente que aquelas. Para acompanhar as transformações do mundo, da ciência e
das renovações é preciso um constante repensar, uma reelaboração dos aparatos
teóricos; resultado da trajetória do pensamento que vai do concreto ao abstrato, o
pensamento teórico para tornar-se possível precisa percorrer um largo e dificultoso
caminho de assimilação prática do mundo.
Na geografia moderna, a perspectiva crítica, se mostra necessária para a
compreensão do território e do lugar, para pensá-los como um campo de luta, resistência
e de poder, envolvendo agentes distintos, para capturar as suas especificidades. Sob esse
olhar, pensar o lugar de forma articulada com os saberes-fazeres das populações que
historicamente têm sido deterioradas pelo sistema é indispensável, para compreender
como as diferentes realidades têm se tornado parte de um cenário fictício, através das
objetividades (marketing), em detrimento das subjetividades.
70
O lugar e o território, categorias centrais para o avanço desta discussão, ganham
visibilidade com os estudos do geógrafo Milton Santos (1998). Sua crítica à
globalização perversa, responsável por aumentar as desigualdades socioespaciais traz
para o centro das discussões a retomada desses conceitos. A operacionalização destes
conceitos, ligada as incursões do poder é de grande valia para explicarmos o contexto
das transformações sociais, ocorridas nos diferentes espaços-tempos.
Para Santos (2008), a necessidade de retomar os conceitos de território e lugar é
necessária para a compreensão da atualidade, da relação entre sociedade e mundo, sob
diferentes escalas e usos, já que para este autor “espaço geográfico” e território usado”
são sinônimos. As racionalidades são operacionalizadas no mundo (mercado) através
das redes e, estas perpassam pelos lugares, que também são os espaços da vida
(CARLOS, 1996), garantindo fluxos, de diferentes variações, evidenciando assim uma
hierarquização dos lugares.
Sob a perspectiva do poder, o território se torna uma plataforma, que comporta
as redes e as suas incursões, tendendo a uma hierarquização dos lugares. As
horizontalidades, aquelas sustentadas pelo vínculo entre sujeito-lugar, pela relação de
vizinhança, que antes contribuía para um acontecer solidário, são enfraquecidas através
do distanciamento dos atores sociais e o seu chão de sentidos (SANTOS 2008). Mas o
território e o lugar não são passivos, pois, a capacidade de resistência em ambos, diante
da globalização perversa tem se tornado uma ameaça para a reprodução do próprio
sistema.
Com certo otimismo, Santos (2008) reforça que as relações de horizontalidade
exercidas sobre o território e o lugar têm contribuído para a sua permanência. Partindo
deste pressuposto, defendemos a existência dos lugares, da diferença, da
multiculturalidade, do mundo rural, a partir das atividades empíricas desenvolvidas
neste trabalho. Apesar de termos adotado uma escala reduzida para a execução da
pesquisa, a nossa experiência de campo somada ao aporte teórico estudado, nos permitiu
inferir que, mesmo diante da insistência do sistema de reconhecer o outro somente pelo
seu potencial produtivo, competência e habilidades, observa-se que diferentes táticas de
sobrevivência são criadas e reforçadas, caminhando na contramão do sistema
hegemônico.
Apesar das categorias lugar e território serem amplamente discutidas neste
trabalho, juntamente como o nosso tema e problema de pesquisa, também se deve
considerar que, não estamos falando da mesma coisa, pois, mesmo que ambas nos
71
forneçam subsídios para a compreensão do nosso recorte de estudo deve-se ressaltar que
cada uma possui uma dimensão. Lugar e Território estão interligados, e por esta razão a
ocorrência de confusões se torna comum em várias abordagens. Aqui, estamos falando
de categorias fundamentais para o entendimento das dinâmicas sociais e a sua interação
com os processos históricos, seja pela dominação do outro ou pelo sentimento de
pertencimento, pelos quais ambos podem se associar.
A categoria geográfica território tem sido trabalhada sob várias perspectivas, as
quais se destacam os aspectos econômicos, políticos e culturais. Um aspecto em comum
está no consenso entre os diferentes estudiosos de que a prevalência do poder é um fator
determinante para entendermos o território, desde a sua gênese até o seu funcionamento.
A partir dessa questão desenvolvemos este breve ensaio, mediante às
contribuições teóricas de nomes clássicos da geografia, como Friedrich Ratzel e Claude
Raffestin, somadas às discussões mais recentes, porém não menos importantes, trazidas
por geógrafos brasileiros, como Milton Santos, Rogério Haesbaert e Manuel Correia de
Andrade, Marcos Aurélio Saquet e Eliseu Savério Spósito, que se dedicaram a entender
o território, objeto de estudo da geografia.
Na geografia clássica, o conceito de território se fez diante da necessidade de se
demarcar fronteiras, por intermédio do poder do Estado, sendo este o principal
responsável pelos seus avanços e delimitações, como garantia de controle político.
Sinteticamente, o território era visto como “um espaço de poder demarcado, controlado
e governado e, assim, fixo” (SILVA, 2009, p. 100). Sendo assim, a noção de território,
do final do século XIX, era concebida como espaço dominado pelo poder político,
econômico e social.
O destaque conferido ao geógrafo alemão Friedrich Ratzel (1844-1904) está na
sua contribuição para o surgimento da geografia humana e da disciplina de geografia
política. Na tentativa de superar a visão geográfica puramente descritiva a sua análise
sobre o território abarcou elementos complexos, a partir de um viés político, tendo
como centralidade o poder do Estado. No período da unificação alemã, o resgate
histórico (identidade comum), a raça humana e o sentido da geografia foram
amplamente discutidos nos estudos de Ratzel, que enfatizou a necessidade de formular
construções explicativas para a sua concepção de território fazendo da localização
espacial um elemento indispensável de análise (MARTINS, 2001).
Para Ratzel, a noção de território, está associada aos aspectos físico-naturais e a
construção do Estado-Nação, tendo o homem como o produto do seu meio, determinado
72
a partir das leis naturais (espaço vital). Em suas palavras “[...] é fácil convencer-se de
que do mesmo modo como não se pode considerar mesmo o Estado mais simples sem o
seu território, assim também a sociedade mais simples só pode ser concebida junto com
o território que lhe pertence. ” (RATZEL, 1990. p. 73, grifo nosso).
O francês Claude Raffestin (1993, p. 143-144), a fim de romper com o
determinismo geográfico, proposto por Friedrich Ratzel pensou o território como um
produto do espaço, ou seja, o território como resultado da ocupação do espaço, das
ações humanas, com vistas a sua apropriação e transformação. A abordagem de
Raffestin coloca em foco a questão do “poder relacional” contrariando a proposição de
Ratzel que considerava o exercício do poder somente pelo Estado, tendo a localização e
as condições geográficas como elementos indispensáveis para a sua prosperidade.
As considerações referentes à questão do poder apresentadas por Raffestin
(1993) convergem à concepção foucaultiana de que o poder se exerce em todas as
relações, sendo ele próprio exercido e não adquirido (FOUCALT, 2011). Sendo assim,
as relações de poder estão interligadas em todos os segmentos de uma sociedade, seja
pela perspectiva econômica, cultural ou social. Tais relações partem de um campo
objetivo, não se mostrando inocente ou desinteressada, podendo ser exercida, sobretudo
por grupos subalternos.
A globalização é responsável por ocultar a face do poder, na maioria das
situações. A circulação de bens, informações em redes e infraestruturas diversas
alcançaram todos os cantos do planeta. A fonte maior deste processo está centrada na
capacidade comunicação, cuja finalidade é mobilizar os territórios, através da
linguagem, para se alcançar algum fim (RAFFESTIN, 1993). A indissociabilidade entre
informação-comunicação-circulação torna-se o tripé para a articulação do poder, que
cria tendências e formas de dominação dos territórios e, consequentemente dos povos.
No mesmo sentido, o geógrafo Milton Santos (2001, 2002) considera que a
influência do poder, somadas ao período da globalização, caracteriza o atual meio
técnico científico e informacional, tendo em vista toda a sorte de mecanismos e técnicas
que foram implantadas sobre o território. Os diferentes espaços-tempos tornaram-se
dimensões analíticas, para se compreender como as relações de poder são exercidas
sobre os territórios, e os transformam. Assim, a utilização de elementos-chave como
forma, função, estrutura (de poder) e processo tornaram-se indispensáveis para o
método de análise miltoniana, a começar pelo Brasil.
73
“A periodização do território brasileiro” realizada por Milton Santos se prestou
para a análise da organização e transformação do território, no decorrer do processo
histórico, destacando a implantação das formas, os processos que levaram à sua
implantação, e as configurações políticas, econômicas e sociais de cada época
(SANTOS, 1996; 2002). Para este autor, o território é sinônimo de espaço apropriado, o
espaço do acontecer, formado por lugares e constituído através das relações de
horizontalidade e verticalidade, é o espaço de luta, de resistência e de convivência
social, cuja distinção está na intensidade das técnicas trabalhadas, nos sistemas de
engenharia e suas próteses.
Da mesma forma que Santos (1996), Andrade (2004) nos atenta para não
confundirmos território, espaço, ou lugar, pois, mesmo que ambos comportem aspectos
em comum, quanto ao seu domínio, controle e formas de apropriação deve-se considerar
que cada um possui uma dimensão própria. Nesse sentido, o destaque dado ao território
ocorre principalmente através das relações capitalistas, a lógica de mercado,
conjuntamente a produção e ao adensamento das técnicas e suas formas de ocupação do
espaço.
As colocações apontadas por Andrade (2004), acerca do conceito de território,
também convergem às proposições de Raffestin (1993), principalmente no que diz
respeito à questão do poder.
[...] quer se faça referência ao poder público, estatal, quer ao poder das
grandes empresas que estendem os seus tentáculos por grandes áreas
territoriais, ignorando as fronteiras políticas. [...] A formação de um
território dá às pessoas que nele habitam a consciência de sua
participação, provocando o sentido da territorialidade que, de forma
subjetiva, cria uma consciência de confraternização entre elas
(ANDRADE, 2004, p. 19-20).
A análise do território, realizada por Rogério Haesbaert apud Spósito (2004a,
p.18) se caracteriza a partir de diferentes facetas, que foram definidas por três vertentes
básicas: A jurídico-política, que condiz com as estratégias de dominação e controle
sobre o território, exercidas pelo poder do Estado. A Cultural(ista), que está voltada
paras as questões simbólicas e subjetivas, criadas através da captura do imaginário,
possibilitando o surgimento das múltiplas identidades (territorialidades). A Econômica,
que se faz através da relação entre capital-trabalho, e o embate sobre as classes sociais,
diante do valor atribuindo ao território por sua fonte de recursos.
74
A dimensão política, econômica e cultural atribuída ao território confere a
complexidade do entendimento desta categoria de análise geográfica, a partir das suas
diferentes lógicas, sobretudo diante do avanço da globalização e suas práticas
excludentes. Na perspectiva de Haesbaert (2007), discutir sobre a formação territorial,
coloca em questão a importância de pensá-lo sob uma ótica pluralista
(multiterritorialidades), considerando os processos decorrentes da desterritorialização e
da (re) territorialização das práticas sociais, que abrangem todos os eventos
concernentes ao (s) território (s).
Como se pode observar, o debate sobre o território tem adquirido novos
contornos, intervenções e métodos de análises, desde a sua gênese. As estratégias de
poder e dominação tornam-se fundamentais para a compreensão das suas dinâmicas,
porém sob a perspectiva da política neoliberal, que aos poucos tem se sobreposto ao
poder do Estado. A análise do conceito de território renasce a partir de novas
abordagens, mais complexas, abarcando a noção de dinamismo, relação de poder,
identidades, contradições e conflitos, redes de circulação (ciberespaço), característicos
da atualidade (HAESBAERT, 2004a); (SAQUET, 2010).
A noção de territorialidade, já contemplada em algumas passagens desta
pesquisa e o seu papel na atualidade, pensadas por meio das teorizações de autores
como Santos (2002, 2008) e Haesbaert (2004, 2004a, 2007) permitem uma aproximação
do nosso tema e problema de pesquisa. A relação entre campo-cidade e o sentimento de
pertencimento decorrem da relação entre o sujeito, o território e o lugar, por isso, a
relevância de se pensar as horizontalidades, verticalidades, os conflitos e as relações de
poder que se estabelecem nesses espaços, pois reforçam a existência de pessoas,
culturas, tradições e costumes diferentes, os quais não precisam de fronteiras materiais,
ou delimitações político-administrativas para se destacarem.
Apesar do adensamento da técnica, e o surgimento de outra racionalidade, a
técnico-instrumental, demandada sobre os territórios no período atual, não se pode
afirmar que todos os lugares acompanharam a mesma lógica, tendo em vista a sua
capacidade de resistência (SANTOS, 2008). A existência dos múltiplos territórios
justifica o “mito da desterritorialização”, proposto por Haesbaert (2004a), na medida em
que a capacidade de transformação, resiliência e manutenção das pessoas, lugares e
territórios contribuem para o surgimento de novas territorialidades.
A prevalência dos diferentes modos de ser, pensar e viver nos lugares é uma
demonstração de que a globalização apesar de suas múltiplas facetas se mostrou
75
incompleta, por ter atendido mais a uma necessidade política do mercado, ao invés dos
interesses locais, pois, a nova lógica produtiva além de não reconhecer o outro como ele
é, tampouco, ofereceu a possibilidade de escolhas. Em contrapartida, a implantação de
discursos e leis aplicadas, com vistas a uma organização pretenciosa, contribuíram para
fazer das diferenças um mal, que precisava ser “excluído” em tempos antigos e
“reparado”, no período atual. É nesse momento que o processo de escolarização em
massa entra em cena.
4.2. A Desterritorialização do “outro” do Campo
A noção de territorialidade, entendida pelo geógrafo Milton Santos (2001, 2008),
remete a ideia de “pertencer àquilo que nos pertence”. Essa concepção nos propõe
compreender o território não apenas como um “campo de forças” (como afirmado
anteriormente), mas também como um espaço cultural, de convivência e de manutenção
das singularidades dos diferentes povos, bem como seus costumes e crenças.
Considerando o poder como conjunto de regimes, discursos e saberes impostos
sobre uma sociedade, em um determinado recorte espacial e histórico, colocamos que o
seu impacto sobre o território traz profundas mudanças, quanto a organização territorial
dos sujeitos. É a partir dos acontecimentos que as mudanças ocorrem, submetendo os
indivíduos a adaptações ou reinvenções, por meio das suas táticas de sobrevivência,
produzindo novas territorialidades.
O processo produtivo comandado pela técnica e pela ciência, transformadas em
forças produtivas, estratégicas no atual período técnico científico e informacional
configura um modo de vida; portanto, um modo de ser, nos diferentes espaços-tempos.
Ou seja, enquanto a técnica representava uma limitação para extração da renda da terra,
o trabalho vivo ainda permitia uma apropriação do território, possibilitando a produção
de territorialidades.
O avanço tecnológico agrícola, iniciado no Brasil na década de 70, com a
chamada “Revolução Verde” incorporou no meio rural novas formas de se relacionar
com a terra, que já era considerada mercadoria, mediante a Lei de Terras do ano de
1850. A diferença é que a agora terra se tornou um meio de produção em massa, para a
anteder as demandas dos grandes empreendedores do agronegócio. Assim, os pequenos
produtores foram perdendo espaço para as grandes empresas do setor.
Segundo Navarro (2001, p. 84), a “Revolução Verde” ocorreu durante o período
militar, movida segundo ele pelo “espírito da época”, e pela importância econômica que
76
este setor tinha a oferecer para a economia interna do país. Entretanto, isso não significa
que todas as propriedades rurais foram beneficiadas pela modernização, reforçando a
ideia de que as iniciativas políticas adotadas no campo priorizaram o lucro e não as
relações sociais.
Concordamos com Santos (2000, p. 23) ao dizer que: “[...] há um uso
privilegiado do território por forças hegemônicas”. As relações de poder, estabelecidas
através de um discurso dominante desempenham um papel determinante na produção e
no funcionamento do território, atendendo os interesses políticos e econômicos
vigentes. Nessa perspectiva, compreendemos que a implantação de um novo modelo
produtivo agrícola, pautado na modernização, se tornou condição para a produção de
novas contradições, contornos e conteúdos no campo.
A prioridade do Estado em favorecer os grandes empresários do setor agrário,
por meio de políticas favoráveis a esse grupo é vista por nós como contraditória, pois o
pequeno agricultor rural é o principal produtor de alimentos para o consumo interno do
país, além desta atividade gerar emprego e renda. Segundo o Portal Brasil (2015) cerca
de 70% dos alimentos que chegam diariamente à mesa do brasileiro é proveniente da
agricultura familiar.
O pequeno agricultor ocupa hoje papel decisivo na cadeia produtiva
que abastece o mercado brasileiro: mandioca (87%), feijão (70%),
carne suína (59%), leite (58%), carne de aves (50%) e milho (46%)
são alguns grupos de alimentos com forte presença da agricultura
familiar na produção. (PORTAL BRASIL, 2010, acesso em 08/03/16).
Apesar da importância desse grupo para o setor alimentício no Brasil nota-se que
a precarização do trabalho ainda é uma realidade na vida desses pequenos produtores,
seja na produção ou na comercialização. A exemplo disso, abordamos a situação dos
pequenos produtores rurais do município de São João del-Rei/MG, situados nas
comunidades rurais do Felizardo e Recondengo, que além terem dificuldades de acesso
ao crédito e a extensão rural, muitas vezes precisam vender a sua mercadoria para um
atravessador, a preços irrisórios, conforme constatado por PEREIRA e AGUIAR
(2014).
É dessa maneira que se enriquece o papel da vizinhança e, a despeito
das diferenças existentes entre os diversos agentes, eles vivem em
comum certas experiências, como, por exemplo, a subordinação ao
mercado distante[...] (SANTOS, 2008, p. 90).
77
Concordamos com Fernandes (et. al., 2008, p. 30) ao dizer que: “A agricultura
familiar foi marginalizada pelo governo na medida em que este priorizou a agricultura
capitalista (patronal) baseada na monocultura exportadora”[...]. O autor em questão
reforça que, a luta pela terra, diante da necessidade de acesso ao crédito, investimentos e
custeios para o avanço produtivo e melhores condições de trabalho, passaram a ser
vistos como uma forma de resistência às políticas agrícolas das últimas décadas.
Conjuntamente, devemos lembrar que ainda existem movimentos sociais ativos, que
lutam pela terra e por uma reforma agrária que ainda não aconteceu no Brasil, pelo
menos de forma completa.
Com a mecanização do campo a territorialidade da vida na roça tornou-se o
espaço-tempo da territorialidade do agronegócio, da territorialização do capital, lugar da
sua reprodução ampliada. Ao se tornar um instrumento de produção em escala, a terra
perde o seu valor simbólico, para aquele que dela tirava o seu sustento. Ou seja, a terra
deixa de ser vista como uma “terra de trabalho” para se tornar uma terra de “negócio”,
segundo Prado Jr. (1981) e Martins (1981).
Neste desfecho, aqueles povos que não conseguiram atender as exigências e
demandas do mercado agrícola de commodities, se encontraram diante de dilemas
como: se tornar uma força produtiva, vendendo sua mão de obra; fazer da vida na roça
uma forma de atração turística, mantendo a relação com a natureza, suas formas e
tradições; ou mudar-se para as cidades, em busca de alternativas de subsistência.
Essa nova concepção de rural, referindo a terra como mercadoria, é resultado de
uma transformação do espaço vivido, responsável por colocar grupos sociais em um
campo de dificuldades, levando-os a se recriarem. Segundo Brandão (2009 p: 50): “[...]
a vida na roça em toda sua diversidade foi sendo destruída pelo negócio agrícola,
também, o tradicional foi artificialmente substituído pelo moderno e o que era próprio
transformado folcloricamente em típico”.
Sobre esta questão, destacamos a importância do geógrafo, para analisar e
compreender o funcionamento do território, pois este é o leitor dos espaços-tempos, dos
contextos da interação humana com o espaço natural e da sua transformação em
território apropriado. As territorialidades concretas, simbólicas e, indentitárias são
partes constituintes de um território dominado, regido por relações de poder. Assim, o
território funciona como recurso, obstáculo e potencialidade para a produção e
reprodução capitalista (SANTOS, 2008).
78
O território, objeto de estudo da geografia, deve ser pensado como um espaço
em movimento, a partir dos diferentes processos e objetos articulados que contribuem
para a sua construção e reconstrução. Ao tratarmos a questão das territorialidades,
diante da relação entre sujeito e espaço vivido, também devemos pensar que a quebra
dessas relações implica no processo de desterritorialização, conforme Haesbaert (2006).
Conforme já mencionado na seção anterior, para Haesbaert (2006, p.156) o
processo de desterritorialização não pode ser visto apenas como linear. Para esse autor
trata-se de uma via de mão dupla, ou seja, onde ocorre a desterritorialização surge a
reterritorialização, o território não desaparece, apenas muda o seu sentido relacional.
Entendemos, portanto, que desterritorializar não significa impor o fim de determinado
grupo social e sim em sua transformação, em um dado espaço.
O desafio vivenciado pela população rural do município de São João del-Rei,
que nos motivou para a realização desta pesquisa inclui o debate sobre a temática da
relação campo-cidade, a inclusão dos alunos do meio rural nas escolas urbanas, os
desafios encarados ao longo da jornada de estudos e a influência do currículo e seu
discurso, diante das diferenças presentes nas escolas. Esses indivíduos são filhos de
pequenos produtores, criadores de animais, zeladores de sítios e fazendas, aposentados
ou trabalhadores urbanos, que muitas vezes sentiram na sua própria carne o peso da
desvalorização do seu trabalho e de sua cultura, além do desamparo das políticas
públicas voltadas para o seu bem-estar.
Ao contextualizar a questão da desterritorialização do outro a partir do currículo
e do seu discurso, defendemos a ideia de que o processo de ensino-aprendizagem, visto
como uma “transmissão” de conhecimento, objetiva a criação de um ambiente
homogêneo, negligenciando as territorialidades dos alunos que moram em diferentes
lugares. Ou seja, o espaço vivido pelo aluno do campo perde significado no momento
em que este adentra os portões da escola.
Durante a nossa atividade de campo, realizada na Escola Municipal “Carlos
Damiano Fuzatto” nos deparamos com alunos da zona rural, cuja pretensão era apenas
concluir o ensino Fundamental e Médio, para continuar trabalhando na roça. Eles não
viam sentido na escola e, tampouco nos conteúdos que eram estudados. No entanto,
através de expressões como: “ [ – ] a vida já não é fácil para quem estuda, se não estudar
então [...] (Fala da professora de Geografia, 2015) ”, foram criadas expectativas em
muitos alunos que continuam se esforçando para alcançar no futuro um status
improvável.
79
Apoiamo-nos na compreensão do processo de
desterritorialização/reterritorialização de Haesbaert (2006), que o entende como
resultado de uma transformação social. Na escola, essa relação não é diferente. O aluno,
independente da comunidade de origem estará submetido a saberes, verdades e valores
considerados universais, que passarão a fazer parte da construção de um novo
significado.
Acompanhando algumas reuniões entre professores/gestores, professores/pais de
alunos e professores/Secretaria Municipal de Ensino (SME) foi possível presenciar
diversas preocupações entre os membros, diante do conceito de “diversidade cultural”.
A situação observada que mais nos chamou a atenção ocorreu através da discussão entre
professores e SME diante do planejamento de atualização do Projeto Político
Pedagógico (PPP) da escola, em que a meta principal seria “ajudar o aluno a encontrar o
seu lugar na sociedade”, o que nos leva a entender que o aluno precisa desconstruir sua
territorialidade ao entrar na escola, e se reterritorializar a partir de outros princípios.
Geograficamente, analisamos o currículo e seu discurso como os responsáveis
pelo processo de desterritorialização/reterritorialização na escola, pois este negligencia
ou silencia a multiculturalidade presente nesse espaço. No momento em que
perguntamos a alguns professores como eles tratavam a questão da multiculturalidade e
da diferença na sala de aula, não obtivemos respostas. Interpretamos que, muitos desses
docentes se preocupavam apenas em cumprir as metas propostas pela SME. Esses
profissionais veem nos conteúdos e avaliações a oportunidade de preparação para o
vestibular e demais concursos, alegando inclusive que não sobra tempo para tratar de
assuntos paralelos às propostas oficiais de ensino.
Ao recorrermos às teorias da territorialização (SANTOS, 2001, 2008);
desterritorialização/reterritorialização (HAESBAERT, 2006) reforçamos a ideia de que
a escola também é um território, um campo de forças e de convivência social. O
currículo, seus discursos e efeitos analisados por Silva (2010), é parte fundamental de
nossa pesquisa, pois nos desafiam a questionar os modelos de organização espacial
como resultado das relações de poder.
Apesar das multiculturalidades presentes na escola, delimitamos nossa análise
aos alunos do meio rural do município de São João del-Rei, devido ao fato desses
indivíduos apresentarem maior número (mais de 50% do total de alunos). Também nos
preocupamos com a política de fechamento das escolas rurais nos últimos 10 anos,
80
ocorridas no município em questão, o que nos leva a inferir que é inviável preparar o
aluno através das escolas rurais, confinando-o ao “atraso”.
Nesse momento, entra em cena o discurso curricular, cujo objetivo é apresentar
para o aluno do campo o modo de viver nas cidades e as inúmeras possibilidades de
realização pessoal (novas territorialidades), cumprindo assim a primeira meta proposta
pela escola, que é “apontar o seu lugar no mundo”.
4.3. As festividades juninas e os “Mitos Fundadores”
A compreensão dos mitos fundadores no contexto da multiculturalidade se
mostra importante, pois a narração dos fatos históricos implica no ato de “realçar” ou
“acobertar” elementos culturais, dados a sua importância. Segundo Silva (2004, p. 85)
os mitos fundadores são entendidos como “fixadores de identidade” e, se constituem
diante da criação de laços coletivos (verdadeiros ou falsos), cuja finalidade é unir os
indivíduos através de um “sentimento” de pertencimento. Nesse ponto, o autor destaca o
caso das identidades nacionais, como um exemplo de “essencialismo cultural”.
Fundamentalmente, um mito fundador remete a um momento crucial
do passado em que algum gesto, algum acontecimento, em geral
heroico, épico, monumental, em geral iniciado ou executado por
alguma figura "providencial", inaugurou as bases de uma suposta
identidade nacional. Pouco importa se os fatos assim narrados são
"verdadeiros" ou não; o que importa é que a narrativa fundadora
funciona para dar à identidade nacional a liga sentimental e afetiva
que lhe garante certa estabilidade e fixação, sem as quais ela não teria
a mesma e necessária eficácia (SILVA, 2004, p. 85).
No cotidiano escolar, pensar em “mitos fundadores” implica na elaboração de
atividades diferenciadas, que inclui apresentações e homenagens, conforme as datas e o
seu grau de importância para a instituição. Entre as datas mais importantes destacam-se
o dia da independência do Brasil, da Consciência Negra, do Índio, da Mulher, do
Trabalhador, Aluno, do Professor, etc., que são demarcadas no calendário e
transformadas em folclore.
Santomé (1995, p. 168) diz que na escola existe um “Currículo Turístico”, que
reconhece a diversidade cultural somente em datas específicas, porém, de forma
superficial e banal. O autor em questão destaca alguns elementos como: rituais festivos,
costumes alimentares, formas de vestir, seu folclore e, demais expressões culturais de
grupos diferentes dos majoritários. Logo, percebe-se que através do currículo certas
81
atitudes são criadas no cotidiano escolar, baseadas em valores que se alimentam da
estereotipagem, tergiversação8, discriminação e exclusão de outras culturas.
Na escola, os mitos fundadores contribuem para a aplicação dos “temas
transversais”, que servem de estímulo para as discussões consideradas “urgentes pela
sociedade”. Tais temas compõem o currículo do ensino básico e demandam atividades,
que podem ser interdisciplinares ou extraclasses, de caráter social ou cultural, porém,
não são obrigatórios, mas demandam o compromisso de todos para a sua efetivação, por
tratar de questões correspondentes a vida cotidiana. Embora haja uma aplicação
defasada dessa abordagem, a justificativa dos professores e gestão escolar para a falta de
atenção, diante dos temas transversais, deve-se a extensa carga de conteúdos
obrigatórios, que precisam ser aplicados em sala, dentro de um cronograma, estipulado
pela instituição.
Durante o período de observações no espaço escolar o acontecimento que nos
chamou à atenção foram as festividades juninas. Trata-se de um momento em que o
campo e suas tradições culturais expressas através das decorações, vestimentas,
músicas, danças, culinárias típicas e jogos são lembrados na escola. Os ensaios
anteriores a data da quadrilha ocorreu nos dois últimos horários, do turno matutino.
Conforme os organizadores do evento, os alunos participantes teriam uma gratificação,
através de “pontos extras” no fim do bimestre letivo.
Assim, como nas demais escolas do Município de São João del-Rei, a Escola
Municipal “Carlos Damiano Fuzatto” dedicou-se as festividades juninas com números
de danças tradicionais, entre outras apresentações de alunos, de diferentes faixas etárias.
Segundo a diretora, o objetivo era aproximar os pais de alunos e a comunidade
sanjoanense das atividades extraclasses, além da possibilidade de arrecadar fundos para
o caixa escolar, que serão aplicados em futuras melhorias de infraestrutura. De modo
geral, todas as turmas participaram das peças e demais atrações. Os professores por sua
vez, ficaram responsáveis pelas barraquinhas de comidas, caldos e bebidas típicas, nos
jogos de víspora (jogo semelhante ao bingo), na pescaria, sonorização e locução do
evento.
Outra atividade típica ocorrida na escola foi a nomeação do “Rei do Milho” e da
“Rainha da Pipoca”. É uma tradição entre as crianças do ensino fundamental, anos
iniciais (1º ao 5º ano) de arrecadar dinheiro entre os familiares, amigos e vizinhos, para
8 “[...] quando se recorre à estratégia de deformar e/ou ocultar a história e as origens dessas comunidades
objetos de marginalização e/ou xenofobia (SANTOMÉ, 1995, p. 169). ”
82
que a sua “coroação” como rei ou rainha aconteça, durante as festividades do mês de
julho. O ganhador é aquele que apurar maior quantidade de dinheiro.
O fato que mais nos chamou a atenção ocorreu no momento em que um grupo de
alunos do 9º ano apresentou uma quadrilha com o estilo diferente das tradicionais,
intitulada de “quadrilha maluca”. Tratava-se de uma dança organizada em pares, e assim
como no modelo tradicional também era organizada em formato de círculo, conduzida
inicialmente com uma trilha sonora típica para a ocasião. Os passos seguintes
caracterizaram estilos de “dança de rua”, em que as músicas mudavam e se remixaram
constantemente, refletindo no movimento dos alunos.
Agente resolveu fazer uma dança diferente, para chamar a atenção das
pessoas de que a quadrinha também pode ser composta por outros
ritmos e danças. Dessa vez priorizamos as danças urbanas, pois para
nós é o ritmo que está no momento, além de ser também uma
expressão da nossa cultura, (Fala da aluna Carol, residente na área
urbana, 2015).
Essa apresentação foi realizada somente pelos alunos da área urbana, embora os
mesmos alunos também participassem da quadrilha tradicional. A forma diferente de
dançar foi tarjada por alguns professores como estranha e conflitante, pois segundo eles
aquela não era a ocasião para o estilo de dança em questão.
O que os pais vão pensar diante dessa dança? Por mim isso não teria
acontecido, mas como a maioria dos professores concordaram não
teve jeito de cancelar. Para mim isso não tem nada a ver com festa
junina... o ritmo, não tem nada a ver, a música também não. E as
roupas? Na minha opinião festa junina é festa caipira! (Fala da
professora, Helena, 2015).
Associamos a questão dos “mitos fundadores” às festividades juninas devido a
sua ocorrência anual, que homenageia três santos católicos: Santo Antônio (no dia 13 de
junho), São João Batista (dia 24) e São Pedro (dia 29) e, se manifesta de diferentes
formas nas diversas regiões brasileiras, das quais o Nordeste possui maior visibilidade
nacional. Ressaltamos que, o destaque às identidades culturais são elementos
fundamentais deste contexto de análise.
Como citado anteriormente por Silva (2004), os “mitos fundadores” são
responsáveis por criar, unir e reforçar laços entre grupos coletivos, a partir de figuras
heroicas e acontecimentos históricos, que marcaram datas. Em nosso caso, não estamos
83
fazendo referência aos grandes festivais juninos, que atraem o turismo regional,
nacional ou internacional, como ocorrem na cidade de Campina Grande-PB, ou demais
eventos, como o Carnaval do Rio de Janeiro-RJ, o Círio de Nazaré, em Belém-PA, ou
até mesmo o do “Boi Bumbá, em Manaus-AM. Nosso contexto de pesquisa se reduziu a
uma atividade extraescolar, da qual apenas a comunidade local participou. Ressaltamos
que existem outros mitos fundadores, que também são lembrados na escola, como é o
caso do Dia do Agricultor, da Consciência Negra, do Aluno, do Professor, do Diretor,
entre tantos outros, que também são considerados dignos de comemorações anuais.
Mesmo diante do fato, dos alunos do campo representarem mais da metade do
total de alunos da escola pesquisada (como dito anteriormente) a importância de sua
cultura é lembrada apenas em datas específicas. Nota-se inclusive que em alguns casos
o rural também sofre distorções, as quais remetem a figura do jeca-tatu, personagem
criada por Monteiro Lobato, da roça, pé vermelho, ignorante, atrasado, bicho do mato,
caipira, entre tantas outras caracterizações que, além de serem discriminatórias e
descontextualizadas são responsáveis por colocar os alunos em situação
constrangimento. Ou seja, criam-se formas de olhar o outro, baseada em valores
comuns, muitas vezes distantes do cotidiano do sujeito. Assim, o espaço rural é
reforçado como um mito na escola.
4.4. Retomando a discussão sobre o Lugar e o Território na Geografia Cotidiana
Para entender a reorganização do espaço geográfico promovida pela
globalização do capital, neste período popular da história, é preciso considerar,
conforme propõe Milton Santos (2001a) a “materialidade dinâmica do território”. São
os sistemas técnicos em sua materialidade e, também, os seus modos de organização e
regulação que em cada período histórico definem a divisão territorial do trabalho.
A materialização destas transformações no espaço geográfico nos permite
compreender o mundo porque expressam os diferentes usos do território no tempo. Na
periodização proposta por Milton Santos (2001a) este pedaço de tempo da globalização
que estamos vivendo é denominado de período de técnico científico e informacional e,
atinge os sistemas de produção e de valores da sociedade, sobretudo, o espaço formativo
da escola. Pensar as mudanças do mundo a partir da produção do espaço exige a sua
leitura teórica para fundamentar a análise. Entre as categorias analíticas utilizadas pela
geografia para entender o seu objeto de estudo, encontramos além do território, da
paisagem, região, o lugar.
84
Qual o papel do lugar na realidade histórica da globalização? A resposta passa
pela questão da escala, da tensão existente entre local, localidade e lugar.
Werther Holzer (1999) argumenta que o “lugar” não tem escala definida, mas
sua estrutura “interna e identidade”. O local (insiderness) se distingue do estrangeiro
(outsiderness).” (POCOCK, 1981 apud HOLZER, 1999, p.74).
A partir de Milton Santos (1999a) vimos que a “região e o lugar são a mesma
coisa”. Sendo assim, a escala se define como “uma área onde se realiza o acontecer
solidário”, temos nesta definição a quantidade (área) e a qualidade (acontecer solidário)
do extenso, ou seja, do espaço que é extensão. No acontecer solidário está implícito o
tempo, o que permite ao professor Milton Santos segundo nosso entendimento, definir a
escala como categoria geográfica e não uma categoria geométrica. (SANTOS, 2003 p.
61-62).
Ana Clara Torres Ribeiro (2004, p. 44) faz uma distinção sobre a tensão entre
local e lugar. Tanto o lugar como o local só existem quando apreendidos no contexto da
dinâmica social e de suas representações. Se, é a partir de um sistema euclidiano de
coordenadas que o local adquire existência, com a finalidade de descrever padrões
modelos socioeconômicos, por meio de índices estatísticos, o lugar perde a sua
autonomia porque sua identidade não está apenas na objetividade, mediada pela
racionalidade técnica. Esta identidade caracteriza o local com suas áreas luminosas e
espaços de exatidão e, permite conquistar apenas a sua heteronomia, porque depende da
interação mediada pelos símbolos e a comunicação entre os sujeitos.
Através desta breve exposição, que até aqui fizemos sobre o local e o lugar se
torna possível avançar no desenvolvimento do estudo do “lugar”, no pensamento
Geográfico inaugurado com a Modernidade e, no contexto do seu esforço para tornar-se
científica e, assim poder sair da minoridade, ou seja, da tutela do poder da fé e,
subordinar-se às promessas emancipatórias da razão, sobretudo da ciência positiva
reduzida à racionalidade instrumental.
Assim, reforçamos o interesse desta pesquisa em compreender o lugar, porque
através desta categoria se torna possível compreender a escola como “espaço praticado”
e o “currículo em rede” (OLIVEIRA, 2003), (ALVES, 2002). Também porque, nossa
“sensibilidade analítica” sugere que o lugar é a categoria mais adequada, juntamente
com o território para abordar o nosso problema de pesquisa: como a cultura dos alunos
da “área rural” através da teoria curricular crítica e pós-critica e, como a geografia,
85
através da abordagem do lugar e do território, podem desnaturalizar as práticas dos
professores que aparecem no currículo oculto.
4.4.1 O Lugar na Geografia do Espaço Vivido
A geografia humanística propõe uma explicação cultural dos fatos e fenômenos.
Opondo-se ao reducionismo das análises possibilitadas pela instrumentação técnica da
geografia, constata-se que o horizonte humanista não segue a direção dominante da
ciência contemporânea, na busca do diálogo com várias escolas de pensamento.
Portanto, há muitos humanismos na geografia.
Gomes (2005, p. 310-311) apresenta três características do humanismo. A
primeira é a afirmação da subjetividade do saber, a partir de uma visão antropocêntrica.
Como consequência, na geografia o espaço passa a ser considerado como irredutível às
medidas numéricas e às formas geométricas: espaço, áreas “são sempre lugares”. Outra
característica do humanismo é a sua visão holística da ciência o que leva a afirmação
que não existem ações descontextualizadas nem do meio físico e, nem do espaço social.
O terceiro aspecto está relacionado à afirmação de que o “homem é produtor de
cultura”. A quarta característica parte da negação do método lógico e analítico, o
método tem que levar em consideração os contextos, de modo que os procedimentos são
específicos para cada situação investigada.
É com Carl Sauer (1889-1975) que a geografia se distancia do positivismo,
vinculando-se ao estudo da “paisagem cultural”, aproximando-se do conceito de lugar e,
assim, da subjetividade que está contida neste conceito. Segundo Holzer (1999, p. 69), o
conceito de “mundo” se aproxima do que os geógrafos humanistas denominam de
“lugar”, como Tuan (1983), para quem todos os lugares são “pequenos mundos”. Relph,
seguindo estas construções teóricas sobre o lugar busca as relações entre o espaço e o
lugar, considerando que é nele onde acontece experimentar os “eventos mais
significativos de nossa existência” (RELPH, 1976 apud HOLZER, 1999, 71).
Outra perspectiva de análise do lugar surgiu sob a influência de Henri Lefebvre.
A produção do espaço pela dinâmica da espacialidade é uma dimensão explicativa da
construção social da realidade, além da explicação histórica ou econômica.
Segundo Damiani (2005, p. 161) a proposta desta perspectiva teórica é
“incorporar ao espaço a crítica da vida cotidiana, que põe o acento na reprodução das
relações sociais”. O lugar seria o espaço onde se realiza a vida cotidiana, bem como,
onde os processos de globalização adquirem materialidade.
86
Entendendo que a globalização se materializa concretamente no lugar, essa
perspectiva pensa o lugar como o espaço que se vive e, se realiza o cotidiano, bem como
espaço em que o mundial se concretiza. Segundo Carlos, a análise do lugar: [...] abre
perspectiva para se pensar o viver e o habitar, o uso e o consumo, os processos de
apropriação do espaço. Ao mesmo tempo [...] expõe as pressões que se exercem em
todos os níveis (CARLOS, 1996, p. 15). Para Damiani (2005, p. 161), “o cotidiano é um
nível de análise do real”. Segundo a autora, é neste nível que aparece a alienação, “nem
tudo é programado, capturado, a cotidianidade, como resíduo, dá lugar ao informal, ao
espontâneo”.
A fragmentação do espaço, face visível dos processos de produção e reprodução
da vida social sob as regras do capitalismo globalizado, segundo Lefebvre (apud
CARLOS, 2007, p. 54) representa a “vitória do valor de troca sobre o valor de uso”,
processo que invade o mundo da vida cotidiana.
4.4.2. O Lugar Como o Espaço Banal da Geografia
Para Milton Santos (1977), a categoria formação socioespacial é uma categoria
fundamental para explicar teórica e metodologicamente o espaço e, as especificidades
dos lugares. Seus trabalhos posteriores também propõem compreender o espaço como
“conjunto indissociável de objetos e de ações”. (SANTOS, 1999).
O mundo é o “conjunto de possibilidades”, enquanto o lugar é o “conjunto de
oportunidades”: “[...] é o lugar que oferece ao movimento do mundo a possibilidade de
sua realização mais eficaz. Para se tornar espaço, o Mundo depende das virtualidades do
Lugar” (SANTOS, 1999, p. 5).
Segundo Habermas, as nossas ações são mediadas pelas técnicas (racionalidade
instrumental) e pela racionalidade comunicativa e, portanto, a hermenêutica como
método interpretativo para compreender o jogo dos significados e sentidos presentes nas
representações, valores, identidades presentes no espaço praticado do cotidiano.
Com base na leitura de Habermas, Milton Santos (1999), entende o lugar a partir
da convivência de racionalidades diferentes, tanto no espaço controlado pelos agentes
hegemônicos quanto, no espaço banal: a racionalidade instrumental (técnica)
corresponderia às “verticalidades” e a racionalidade comunicativa mediada por
símbolos, às horizontalidades.
A “solidariedade orgânica” é produzida através de uma “lógica interna própria,
um sentido que é seu próprio, localmente construído” (SANTOS, 1999, p. 269),
87
portanto, tanto pode ser favorável à racionalidade instrumental, quanto pode constituir
outra racionalidade.
As múltiplas identidades, relações de conflito e cooperação dos lugares
produzem a diferenciação do espaço e homogeneização dos lugares e, nos permite
contrapor à ideia de sua homogeneização. Segundo Santos (1999, p. 258) o lugar é “o
teatro insubstituível das paixões humanas, responsáveis, através da ação comunicativa,
pelas mais diversas manifestações da espontaneidade e da criatividade”, a partir das
quais as mudanças podem se concretizar neste período popular da história.
88
CAPÍTULO 05 – O BICHO DO MATO, DE PÉ VERMELHO NA ESCOLA DA
CIDADE
5.1. Da Roça à Cidade: As Relações entre o Rural e o Urbano
As definições de campo, cidade, rural e urbano, são abordadas em diversos
estudos, a partir de diversas perspectivas, seja no âmbito político, econômico, social e,
sobretudo territorial. A delimitação dessas fronteiras tem se tornado alvo de debates que
se perduram por décadas, o que nos levam a considerar a complexidade para uma
definição conceitual concreta, que dê conta de abranger todos os contextos, espaços e
tempos.
Alguns autores falam de uma urbanização completa da sociedade
como um processo que inclui o campo, outros vêm no “novo rural” a
saída para um mundo que não existe mais e que precisa se modernizar,
há também aqueles que apostam na recriação do campo e do
campesinato, como forma de resistência ao sistema capitalista, ainda
outros anunciam a morte do rural, considerando o campo e o
camponês como elementos de uma vida pretérita (NUNES, 2009, p.
02).
Nesse contexto, entre alguns dos estudiosos que se debruçaram sobre a questão
das categorias campo, cidade, rural e urbano destacamos Lefebvre (2001, 2008, 2008a);
Marques (2002); Navarro (2001); Abramovay (2000); Santos (2001, 2008); Oliveira
(1986); Suzuki (2007), entre outros, que orientam suas discussões para uma abordagem
territorial, com base nas transformações ocorridas no campo, impulsionando uma nova
organização do território e do trabalho, para atender as demandas do sistema capitalista.
No campo e na cidade vão se construindo territórios do capital, mas
sem destruir todas as formas pré-existentes que, ao se
metamorfosearem, encontram maneiras de resistirem e persistirem,
enquanto outras são criadas. Vale, aqui, lembrar, no campo, a
existência dos caiçaras, dos quilombolas, das populações ribeirinhas,
dos faxinalenses, dos ocupantes de fundos de pastos, das populações
indígenas, dentre múltiplas possibilidades de resistência e de criação
de formas sociais que se conformam em territórios que negam o
território do capital, marcado pela lógica da modernização no sentido
da constituição de uma nova relação entre o campo e a cidade, no
mundo da modernidade e do moderno, (SUZUKI 2007, p. 07).
A definição de campo, cidade e as relações estabelecidas entre ambos são vistos
por nós como categorias de representações. A influência das normas e decretos oficiais
89
para a organização espacial ocorre mediante as influências e intermediações do capital
que, de acordo com seus interesses provoca diferentes tendências e transformações no
território. Apesar de o processo histórico ter apresentado o campo como sinônimo de
atraso e carência, devido à importância atribuída à cidade, há de se considerar que, além
de cada espaço apresentar uma especificidade própria, existe ainda uma relação de
interdependência.
Nesta pesquisa, optamos por enfatizar a questão do rural e do urbano ao invés de
aprofundar a discussão de campo e cidade, para não perdermos de vista o foco central
de nosso estudo que trata da inclusão dos alunos do meio rural nas escolas urbanas do
município de São João del-Rei/MG, o currículo e as multiculturalidades, no contexto
das teorias curriculares críticas e pós críticas. Nossa opção se justifica por entendermos
que a relação entre o espaço rural e urbano vão além dos limites territoriais estipulados
pelas leis. Sua construção se dá a partir dos conteúdos, do simbolismo, do contato entre
os sujeitos, das representações individuais ou coletivas, ou seja, rural e urbano se
definem como “modos de viver”, conforme Lefebvre (2008, 2001).
No bojo dessa discussão, Milton Santos (2008, 2008a) se refere ao campo e a
cidade como formas apresentadas no espaço, e não diferente de Lefebvre (2001), analisa
o rural e o urbano a partir da construção dos conteúdos, ou territorialidades. Apesar dos
debates pertinentes a temática relação campo cidade ainda se mostrarem indefinidos
devido à sua complexidade, diante dos múltiplos contextos e recortes espaciais, são os
critérios políticos, econômicos e sociais adotados em cada país que, deliberam sobre o
uso de tais distinções, muitas vezes de forma generalizada.
Embora reconheçamos a importância de refletir sobre a temática relação campo-
cidade delimitamos nossa discussão para a compreensão do rural e do urbano, visto que
é de nosso interesse identificar os conteúdos, símbolos, significados, representações e
expressões culturais que são construídas socialmente entre os indivíduos, a partir do
cotidiano escolar. Por se tratar de diferentes espaços-tempos inferimos que existe um
ritmo de vida, apresentado em cada comunidade de forma diversificada, que muitas
vezes não é reconhecido na comunidade escolar. Porém, defendemos a existência do
rural: se, ficou evidente que existe entre os alunos de diferentes lugares, diferentes
modos de ser e fazer, isso significa que o rural também existe na escola.
A “diferença” constatada entre os alunos, durante o período em que o
pesquisador se dedicou a acompanhar o cotidiano da escola foi descrita e analisada. Em
vários momentos, durante as aulas, no momento do recreio, no laboratório de
90
informática, na quadra poliesportiva, nos momentos cívicos, enfim, na convivência com
o pesquisador vários alunos passaram a se sentir à vontade para conversar e contar um
pouco de sua história, bem como os desafios, anseios, etc.
A “indefinição das fronteiras entre rural e urbano” se fazem a partir das
representações, que se constrói em de cada indivíduo. Em vista disto, consideramos que
não se pode generalizar conceitos, através de decretos e leis, pois as relações sociais não
se definem simplesmente por limites normativos. A condenação do campo ao “atraso” e
o modo de vida como “arcaico” é uma demonstração de que as análises realizadas sobre
esses espaços têm sido feitas muitas vezes de forma equivocada e incompleta.
Nesse sentido, destacamos alguns estudos realizados por autores que através de
bibliografias nacionais e internacionais buscaram analisar diferentes concepções de
rural e urbano, bem como suas funções e limites. O economista brasileiro Ricardo
Abramovay (2000) foi um deles. A sua investigação baseou-se em países como
Espanha, Portugal, Itália, Chile e teve como finalidade, analisar quais parâmetros foram
adotados para a definição de rural e urbano. Para o autor em questão, tais modelos
priorizaram aspectos como densidade demográfica e patamar populacional, conforme as
especificidades locais, além do peso da mão de obra na agricultura. Entretanto, não
foram encontrados “critérios” socioespaciais que contemplassem as particularidades
culturais, levando-o a considerar a ineficiência desses modelos normativos,
responsáveis por criar “fronteiras insatisfatórias entre rural e urbano” (ABRAMOVAY,
2000, p. 04).
No Brasil a definição de rural e urbano foi definida oficialmente no período
Vargas (1930-1945), na constituição do Estado Novo. A divisão político-administrativa,
promulgada pela Lei Federal nº 311 de 1938, foi o critério utilizado no período vigente
e previa que todas as sedes municipais fossem consideradas urbanas, cabendo a elas
caracterizar e definir os limites entre o espaço urbano e o rural. A definição realizada
nesse período teve por finalidade “[...] resolver definitivamente sobre os limites do
território nacional e fazer o recenseamento geral da população [...]” (BRASIL, 1938, art.
15), caracterizando cidades, vilas e distritos.
As definições de urbano e rural no Brasil no âmbito normativo se efetivaram
com a criação do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Como
mencionado, as insatisfatórias fronteiras estipuladas por esse órgão levaram a
interpretação de um país predominantemente urbano. A crítica ao Decreto Lei de 1938,
se fez diante da elaboração de uma divisão territorial generalizada, responsável por
91
delimitar de maneira imprópria os limites urbanos, sob o encargo da sede do município.
Terminado o limite urbano tem-se início o espaço rural.
Segundo Marques (2002, p. 97) considerar que “[...] o espaço rural corresponde
àquilo que não é urbano” significa condenar o primeiro ao esquecimento. Entende-se
também que as possiblidades de reconhecimento desse espaço serão resultado de uma
ação que retrate o momento em que os interesses políticos e econômicos se mostrarem
necessários. Ainda ressaltamos que, a condenação do campo ao atraso, em especifico do
campo brasileiro é uma discussão de longa data.
Diante das várias críticas referentes à divisão oficial do território brasileiro,
destacam-se as discussões realizadas por sociólogos, economistas e geógrafos. As
conclusões teóricas realizadas pelo economista José Eli da Veiga (2004) contrapõem as
definições oficiais que caracterizaram o Brasil como um país predominantemente
urbano ao dizer que:
[...] é absurdo supor que se trate de algumas poucas aberrações,
incapazes de atrapalhar a análise da configuração territorial brasileira.
De um total de 5.507 sedes de município existentes em 2000, havia
1.176 com menos de 2 mil habitantes, 3.887 com menos de 10 mil, e
4.642 com menos de 20 mil, todas com estatuto legal de cidade
idêntico ao que é atribuído aos inconfundíveis núcleos que formam as
regiões metropolitanas, ou que constituem evidentes centros urbanos
regionais. E todas as pessoas que residem em sedes, inclusive em
ínfimas sedes distritais, são oficialmente contadas como urbanas,
alimentando esse desatino segundo o qual o grau de urbanização do
Brasil teria atingido 81,2% em 2000 (VEIGA, 2004, p. 06).
O autor em questão propõe uma guinada para a configuração territorial brasileira
ao dizer que o “Brasil é um país mais rural do que se calcula” (VEIGA, 2004, p. 15).
Para Veiga (2004), seria necessário incluir um novo método que determinasse de forma
clara as distinções entre rural e urbano, sugerindo a introdução de dois elementos: a
localização e a densidade demográfica. Assim, seria possível analisar o grau de pressão
antrópica e, consequentemente o reconhecimento do espaço urbano.
Graziano da Silva (2002, p. 01) por sua vez considerou o rural como um
“continuum do urbano”, em decorrência do processo de industrialização agrícola,
segundo ele responsável pela urbanização do campo. Nesse contexto, o fim da
dicotomia entre rural-urbano, seria sobreposto pelo surgimento de um novo conceito: o
“rurbano”. Essa concepção parte do princípio de que a urbanização completa está em
curso, e que o fim do rural é uma questão de tempo.
92
[...] pode-se dizer que o meio rural brasileiro se urbanizou nas duas
últimas décadas, como resultado do processo de industrialização da
agricultura, de um lado, e, de outro, do transbordamento do mundo
urbano naquele espaço que tradicionalmente era definido como rural.
Como resultado desse duplo processo de transformação, a agricultura -
que antes podia ser caracterizada como um setor produtivo
relativamente autárquico, com seu próprio mercado de trabalho e
equilíbrio interno - se integrou no restante da economia a ponto de não
mais poder ser separada dos setores que lhe fornecem insumos e/ou
compram seus produtos [...]. (GRAZIANO DA SILVA, 2002, p. 01).
Através do critério da empregabilidade, também criado por Graziano da Silva
(2002), a explicação para existência de chácaras, sítios e demais edificações em áreas
denominadas rurais passaram a fazer sentido, visto que os residentes dessas localidades
desempenhavam atividades vinculadas ao setor terciário, do mesmo modo que nas
imediações urbanas as práticas agrícolas também podiam ser encontradas. Isso reforça a
ideia de que uma nova organização do espaço está em curso, dificultando ainda mais a
definição de tais fronteiras.
Tanto as colocações de Veiga (2004), quanto às de Graziano da Silva (2002)
partem de uma perspectiva economicista, como se pode notar. As definições de rural e
urbano pretendida pelos autores citados nos leva a considerar uma diferenciação do
espaço através de uma óptica setorial, pautada na densidade demográfica, no grau de
tecnologia, empregabilidade, modernização, e demais índices de caráter quantitativo,
dando enfoque aos aspectos políticos e econômicos. Partindo dessas considerações
pressupomos que a terra e as relações sociais são analisadas apenas pelo seu potencial
produtivo, a serviço do capital e de sua reprodução ampliada.
A modernização da produção agrícola marca um novo momento para o campo
brasileiro, levando-o a uma nova lógica produtiva, desta vez pautada na mecanização do
trabalho e da integração com o mercado externo. Para Santos (2008b, p. 88) a
humanização e mecanização do espaço geográfico é resultado do atual meio técnico
científico e informacional. O mesmo também pode ser percebido na cidade, devido ao
fenômeno da globalização, que independe de fronteiras para fluir. No entanto, isso não
significa que todos os territórios foram igualmente beneficiados, uma vez que vivemos
em uma sociedade capitalista e desigual.
Se entendermos o território como um conjunto de equipamentos, de
instituições práticas e normas, que conjuntamente movem e é movida
pela sociedade, a agricultura científica, moderna e globalizada acaba
93
por atribuir aos agricultores modernos à velha condição de servos da
gleba. É atender a tais imperativos ou sair. (SANTOS 2008b, p. 89).
As considerações de Oliveira (1986), no que diz respeito aos desafios do campo
e do rural demonstram certo otimismo, pois segundo ele o sistema capitalista ainda não
eliminou o campo e tampouco o rural. Para esse autor da mesma forma que o capital
“cria” e se “recria” no território, em decorrência dos processos econômicos, políticos e
tecnológicos em um dado período, grupos sociais também seguem a mesma tendência, o
que não é diferente no campo.
Essa consideração nos leva a entender que não são poucos os conflitos e desafios
que permeiam no campo, dificultando a sobrevivência dos agricultores familiares e do
campesinato. No entanto, acreditamos que, mesmo com o advento da modernização do
modelo produtivo agrícola, da nova divisão do trabalho e do território deve-se ressaltar
o surgimento de movimentos de resistência, como forma de reivindicar e garantir
direitos.
[...] registra-se uma tendência a um duplo desemprego: o dos
agricultores e outros empregados e o dos proprietários; por isso,
forma-se no mundo rural em processo de modernização uma nova
massa de imigrantes, que tanto se podem dirigir às cidades quanto
participar de novas frentes pioneiras [...]. (SANTOS, 2009, p. 90).
Lefebvre (2008a, p. 20) defende a hipótese de que o processo de urbanização
completa da sociedade está a caminho, porém trata-se de uma virtualidade. Através de
uma linha cronológica marcada de 0% a 100% ele ilustrou os processos de produção
social do espaço que a sociedade vivenciou, até chegar ao modelo urbano. Nessa linha
criada o 0% representa a inexistência da urbanização, período este que predominava os
elementos da natureza. Os momentos seguintes se resumem em três períodos, que
perpassam pela Cidade Política, Cidade Comercial, Cidade Industrial. A “Zona Crítica”
é a fase que marca a atualidade, não muito distante do que seria o 100%, o estágio total
de urbanização. No entanto, este autor não defende o fim do rural, o que nos leva a
associar o potencial das formas de resistência, perante o modelo capitalista, no contexto
das transformações sociais.
Com o período denominado pós-moderno e, através da perspectiva pós-crítica
para a interpretação do fenômeno urbano surgem possibilidades de questionamento da
própria crítica, que propõe uma releitura do território e dos fatos, possibilitando outras
94
vias de interpretação da sociedade. O processo de urbanização do território, tendência
imposta pelo capitalismo, permeia as fronteiras e, a globalização torna-se determinante
para essa transformação. Cabe a nós um olhar sensível que extrapole as formas e
normas, valorizando os conteúdos pautados através dos ritmos de vida, reforçando a
ideia de que a homogeneização do espaço não ocorreu de maneira completa.
As contribuições teóricas e suas ênfases para a compreensão do espaço urbano e
rural somam importantes ferramentas de interpretação da sociedade, em suas múltiplas
facetas. Nesse ponto destacamos a importância de uma abordagem geográfica e
filosófica, por abarcar elementos e contextos que contribuem para a constituição e
valorização do “lugar”, das territorialidades, através dos sentidos e das representações
sociais, da qual Moreira e Hespanhol (2008, p. 01) dizem tratar-se de “[...] uma
construção social, fundamentado nas relações espaciais diretas, no cotidiano e na
articulação entre a cooperação e o conflito [...]”.
5.2. O Rural como “Território e Territorialidade”
Em seu trabalho intitulado de “Tempos e Espaços nos Mundos Rurais do Brasil”
Carlos Rodrigues Brandão (2007) defende a ideia que “[...] o mundo rural brasileiro, é
muito mais diversificado e polissêmico do que em geral se imagina” (p. 37). Como se
pode notar, diferente das perspectivas economicistas esse autor se refere o rural não
como um “espaço em si” apenas, mas como um “mundo”, no qual os sentidos são
construídos a partir das relações entre os sujeitos no decorrer dos “tempos e espaços”.
Brandão (2007) concorda com o geógrafo Milton Santos (2002, p.243) no que
diz respeito ao processo de “domesticação” do mundo rural em curso, conduzido a partir
de uma nova racionalidade (técnica) responsável por transformar os lugares por meio de
um “tempo medido”, aliado a ciência e a técnica. Por outro lado, a garantia de maior
produtividade, bem como a integração com o mercado internacional agrícola ocorreu
em detrimento das “leis naturais”, que antes regulavam o tempo no mundo rural.
Nesse mundo, a primeira natureza que conta não é mais a natureza
natural, mas, sim, a natureza já artificializada. A produção depende do
artifício, subordinando-se aos determinismos do artificio. [...] Ciência,
tecnologia e informação fazem parte dos afazeres cotidianos do campo
modernizado, através das sementes especializadas, da correção e
fertilização do solo, da proteção às plantas pelos inseticidas, da
superimposição de um calendário agrícola inteiramente novo, fundado
na informação [...] (SANTOS, 2008a, p. 20-21).
95
No entanto, reforçamos nossa colocação, mencionada na seção anterior ao dizer
que o rural não é um mundo passivo, pelo contrário, a sua capacidade de resistência cria
a sua própria racionalidade que, não se fundamenta na lógica capitalista. Esses grupos
se orientam por outros princípios, aqueles que se fundamentam na cultura e nos valores
próprios, portanto, outra racionalidade. É nesse ponto que Santos (2002) se refere às
contra racionalidades. No campo, a contra racionalidade expressa à resistência em favor
do território e da territorialidade, para a manutenção dos espaços de vida e de trabalho.
[...] são inúmeras as unidades de ações sociais que se opõem à
racionalidade, ao poder e aos interesses da expansão globalizada do
capital no campo, como propõem, no bojo de suas diferentes contra
racionalidades, outras e opostas alternativas de gestão social de
tempos e de espaços, de vidas e de mundos de vida e de trabalho.
(BRANDÃO, 2007. p. 41).
Para Santos (2002):
[...] Essas contra racionalidades se localizam, de um ponto de vista
social, entre os pobres, os migrantes, os excluídos, as minorias: de um
ponto de vista econômico, entre as atividades marginais, tradicional
ou recentemente marginalizadas; e, de um ponto de vista geográfico,
nas áreas menos modernas e mais “opacas”, tornadas irracionais para
usos hegemônicos. (SANTOS, 2002, p. 246).
Milton Santos (2001, p. 264) define as áreas “opacas” como “subespaços” que se
situam nos interstícios das redes que atravessam o território, caracterizada pela baixa
densidade técnica e informacional, onde os tempos são lentos e as infraestruturas
incompletas. Entendemos que, o mundo rural se insere nesse contexto, visto que, a
escassez de políticas para o seu desenvolvimento impacta não somente nas
possibilidades de modernização, mas também no perfil da mão de obra, que é pouco
qualificada. Portanto, entende-se que, apesar dos espaços opacos também se traduzirem
como “espaços de resistência”, a descrença também existe, pois, a falta de recursos e
subsídios para competir com os grandes produtores faz com que os rurais também
busquem outros meios de sobrevivência, muitas vezes, alheios ao trabalho com a terra.
Os “espaços luminosos” são o contraponto, pois se referem às áreas de maior
fluidez, que possuem maior densidade técnica e, são amplamente atendidas pelas redes
96
informacionais, de logística, e demais próteses9, estimulando a atração de “atividades
com maior conteúdo em capital, tecnologia e organização” (SANTOS, 2001, p. 264).
Nesse ponto, tanto o campo como a cidade podem ser pensados a partir desse conceito.
Porém, é no mundo urbano que tais redes se difundem mais amplamente, pelo fato deste
ser considerado um “centro de tomada de decisões”.
O “novo sistema de natureza”, gerado a partir das novas técnicas produtivas,
integradas às redes informacionais, tornou-se uma importante ferramenta de trabalho
para os grandes empresários do ramo agrícola, na medida em que estes não mais
precisam residir em suas propriedades para acompanhar e gerenciar todo o processo
produtivo de suas lavouras. A prevalência de conexões que caracterizam o período
denominado de “meio técnico cientifico e informacional” (SANTOS, 2001, p.47) nos
permite explicar as transformações que ocorrem no espaço geográfico e, incorporadas,
sobretudo, na base da vida social.
Essa nova lógica produtiva resulta do processo de globalização, que atua sobre o
território impondo a universalidade de um sistema técnico, matematizado, que
pressupõe a existência de um espaço liso, fluido, livre de barreiras e apto às exigências
do capital, (SANTOS, 1993), (SANTOS, 2000a, p. 01). O referido autor interpreta o
conceito de Globalização sob duas vias. A primeira trata da Globalização como fábula
(fantasia), ou seja, o “mundo tal como nos fazem crer”, discurso produzido por
determinada ideologia. Já o segundo, é a Globalização como perversidade, que concebe
o “mundo tal como ele é”, desmascarando as relações de poder que assolam o território,
responsáveis pela divisão e exclusão de diversos segmentos sociais (SANTOS, 2008b,
p. 08-09). Para Milton Santos “[...] o meio técnico científico e informacional é a nova
cara do espaço e do tempo [...]”, (SANTOS, 2008a, p. 20-21). Ou seja, é a nova
“arquitetura do mundo”, (SANTOS, 2000, p. 01).
Nesse contexto, a nossa preocupação aqui se define a partir dos seguintes
questionamentos: Até que ponto os grupos minoritários e as pequenas comunidades do
mundo rural conseguirão resistir às tendências da globalização e de seus mecanismos
excludentes? A introdução da técnica, da ciência e da informação com a racionalidade
que as acompanham, voltadas para o lucro serão responsáveis pelo fim do mundo rural?
9 Tipo de construção que contribui para atender a conexão entre os diversos fluxos, materiais e imateriais;
Santos, Milton. A natureza do espaço: técnica e tempo. Razão e emoção. São Paulo: EDUSP, 2002. 384
p.
97
E as políticas públicas de “extensão rural”? Quais são os seus interesses? A quem se
destina?
É a partir desses (entre outros) questionamentos que as teorias críticas e pós-
críticas são pensadas no âmbito da geografia, pois nos ajudam a (re) pensar o território e
as territorialidades, em seus múltiplos contextos. No caso das teorias curriculares é
possível observar que as relações de poder que regem o território apresentam-se, em
todos os lugares, inclusive no espaço cotidiano da escola. Esta instituição que, mesmo
recebendo indivíduos de diferentes lugares, com culturas e territorialidades diferentes,
incorpora um discurso, que utiliza uma metodologia unificada para o ensino e, um
currículo comum, contribuindo para o enfraquecimento e deslegitimação de diversos
grupos sociais, sua história de vida, de luta e, de resistência.
Como previamente dito, as relações de poder marcam e demarcam os campos do
saber, através do discurso e da linguagem direcionada aos diversos grupos que povoam
a escola. No entanto, não é difícil perceber as multiculturalidades presentes nesse meio.
Elas se manifestam a partir das representações equivocadas e estereotipadas de cada
indivíduo quanto ao sexo, gênero, cor, raça, cultura que, em nosso caso, é a cultura
produzida nos lugares onde se mora e se faz acontecer à vida cotidiana do mundo rural
que é, também, o mundo da produção e reprodução capitalista. Nesta pesquisa,
enfatizamos os alunos que moram em comunidades rurais do município de São João
del-Rei/MG, que atualmente estudam nas escolas urbanas, por motivos diversos.
A iniciativa de organizar em uma única sala diferentes realidades torna-se um
desafio tanto para o professor, quanto para os alunos, seja na organização da classe, no
modo de conduzir as aulas, no momento de apresentar os conteúdos teóricos ou
práticos, que nem sempre fazem sentido para uns e outros. Consideramos os métodos de
ensino, bem como os conteúdos e, não raro as práticas docentes como atributos de um
espaço de domesticação10 do sujeito, no qual o interesse está fundamentado apenas na
preparação do aluno para o mercado de trabalho e, consequentemente, para o mundo do
consumo.
A omissão/negação das culturas rurais na escola torna-se preocupante, na
medida em que, essa ação provoca uma ruptura entre o aluno e o seu “mundo vivido”,
10 Michel Foucault (1988) considera que a escola é um dos lugares onde ocorre o processo de
domesticação do indivíduo. Para esse filósofo a rigidez das ordens e do disciplinamento são elementos
fundamentais para se alcançar a “forma” desejada de sujeito, coerente dentro de um sistema de ensino
autoritário. É nesse sentido que a escola se torna uma instituição de poder do Estado, para o controle
social.
98
ou seja, seu lugar de morada. A visão de mundo reproduzida pela escola tradicional,
pautada nos instrumentos oficiais de ensino considera que, o sucesso e a realização
pessoal só poderão ser alcançados através de uma intensa jornada de estudos e leituras,
com vistas ao futuro ingresso no mundo acadêmico, no qual o discente é um sujeito
determinante para esse processo. Em contrapartida, as teorias críticas e pós-críticas,
valorizam a identidade e a subjetividade de cada indivíduo, pensada de forma conjunta
às demais, possibilitando a construção de um mundo junto com os outros, que faça valer
a pena a participação.
Assumir as teorias pós-críticas implica o questionamento das escolas de
pensamento de suas próprias críticas, em seus mais variados contextos, mesmo que tais
teorias sejam aliadas as bases de pensamento do “pós”. O período de incertezas e de
possibilidades que marcam a atualidade colocam o questionamento da noção de
verdades absolutas, a necessidade de “desconfiar” dos discursos e suas ideologias
legitimadas como as únicas possíveis. Tudo é uma questão de poder, baseado em
interesses de grupos que, impõem seus regimes de verdade, como apontou Michel
Foucault (1988) em seus estudos.
Não foram poucos os momentos históricos em que grupos minoritários foram
silenciados por um discurso dominante, muitas vezes de forma radical e coerciva. Por
isso, inferimos que o processo de desconstrução do mundo rural a partir da infância,
adolescência e juventude, no decorrer do lento processo de ensino-aprendizagem
(principalmente tradicional), pode ser considerado como um agente facilitador de
desestruturação dos movimentos rurais e culturais, além de outras formas de resistência
existentes, propiciando a penetração/invasão do capitalismo em todos os lugares,
inclusive no campo.
A escassez de políticas públicas para o desenvolvimento rural11, ou melhor, a
dificuldade de acesso aos benefícios proporcionados por tais políticas, no que tange os
pequenos produtores, ocorre mediante da estreita relação entre as Corporações
(detentoras do capital) e o Estado, visto que, o aspecto econômico é considerado o mais
importante. Ainda mais no caso brasileiro, já que, o mercado agroexportador e de
produtos correspondentes ao setor primário, somam juntos mais da metade do PIB
nacional.
11 Existem diferentes concepções para se definir o conceito de “desenvolvimento rural”. Em nosso
contexto fazemos referência a uma idealização de potencialidades almejadas por determinado grupo
social, presentes apenas no campo discursivo. A noção de desenvolvimento implica em melhoria. Tem
que ser bom para todos.
99
Entendemos que as relações horizontais e as contra racionalidades, criadas no
mundo rural somam-se as formas de superação dos obstáculos impostos pela
racionalidade hegemônica, que pretende dominar todos os territórios e invadir todos os
lugares. Como reforça Milton Santos (2000, p. 03): “[...] Por mais que se procure nos
fazer acreditar no contrário, não existe uma racionalidade única, nem uma única forma
de pensar e de viver no mundo”. Brandão (2007) acrescenta:
[...] pensar racionalmente um mundo começa por criar os padrões
tempo-e-espaço, em que sujeitos sociais criam os cenários entre a
natureza e a cultura, que os recriam como múltiplos e interativos
atores culturais dos dramas de vidas que compartem. (BRANDÃO,
2007, p. 48).
A visão antropológica, geográfica e sociológica do “mundo rural” apresentada a
partir das concepções de Carlos Rodrigues Brandão (2007), Milton Santos (2001, 2002,
2008) e José de Souza Martins (1975), nos ajudam a compreender o território e as
territorialidades a partir das subjetividades, dos modos de viver, do contato com o outro,
por meio das relações estabelecidas entre os indivíduos e o lugar, não apenas na
perspectiva de mercado, a partir da extração de recursos da natureza, mas como
resultado de uma construção identitária, simbólica e solidária, enraizadas na cultura e
nos mitos de determinada comunidade, ou grupo social. Daí a polissemia atribuída ao
mundo rural. segundo (BRANDÃO, 2007).
Essa diferença de ênfase de olhares diferentes entre antropólogos,
geógrafos e outros cientistas sociais por certo acompanha o que parece
de fato “dar-se a ver” na diversidade de nossos territórios, paisagens e
unidades sociais situadas fora das cidades. Acompanha também a
própria relação existencial da experiência pessoal, interativa e social
da relação-criação de tempo-espaço. (BRANDÃO, 2007, p. 48-49).
A citação acima reforça as bases reflexivas de nossa pesquisa, pois, ao
admitirmos contribuições teóricas sob diferentes perspectivas, a começar pela
Geografia, passando pela Sociologia, Filosofia, Antropologia, História, entre outras
áreas do conhecimento, reconhecemos que todas fornecem subsídios para uma melhor
interpretação da realidade, através das suas diferentes vias compreensão. Ou seja, os
muros que separam os diferentes saberes em defesa das racionalidades (através da
ciência e da técnica), ou das subjetividades (partindo da própria experiência vivida)
100
inexistem para a perspectiva pós-crítica; o que possibilita uma nova compreensão do
território, das territorialidades concretas e simbólicas.
Se traçarmos uma linha cronológica, para compreender os diferentes arranjos
espaciais no decorrer do espaço-tempo é possível notar que os diferentes discursos
contribuíram para a extinção ou criação de novas territorialidades, sinalizando
submissões e conflitos diante do poder exercido em seu percurso. Apoiados a
perspectiva pós-crítica entendemos que, no contexto das transformações sociais, a
criação de regimes e linguagens para a submissão da sociedade (re) definiu o território,
de tempos em tempos.
Esta é uma demonstração de que as verdades são temporárias e, com o decorrer
do tempo elas foram (e ainda são) sobrepostas por outras. Enfim, na medida em que o
tempo se encarregou de criar, sobrepor e contestar determinado “saber ou regime”
novas relações de poder se estabeleceram no território, e junto a elas novos discursos,
não menos carregados de interesses pela dominação do outro.
É nessa perspectiva que abordamos as teorias curriculares em nosso estudo, pois
entendemos que suas bases estimulam a reflexão sobre as representações ideológicas e
normativas, que comandam o território e o cotidiano escolar. A criação de utopias
educacionais está mesclada pelas metanarrativas,12 que discursam sobre a existência de
um mundo previsível, independente da capacidade das escolhas para a realização
pessoal. Entretanto, da mesma forma que as metanarrativas despertam o otimismo de
alguns alunos, levam outros ao pessimismo, porque pertencem a outros contextos,
camadas ou classes sociais, como é o caso dos alunos pobres, negros, homossexuais,
indígenas, e os chamados “roceiros” de “pé vermelho” – termo este utilizado por vários
alunos para se referir aos alunos do mundo rural – que, a nosso ver, são desvalorizados
por serem diferentes e, por não terem voz.
A (des) construção de identidades, a partir da escola e do processo de ensino
aprendizagem provém de uma ideologia dominante, que se oculta através do currículo
tradicional, mecânico e universal, que direciona a educação para o capital. Os interesses
explícitos (ou implícitos) no currículo, dispostos através das metanarrativas, são uma
demonstração de que este não é um documento ingênuo e, tampouco, neutro. Nesse
sentido, a desconstrução das utopias, das metanarrativas, do discurso e seus mecanismos
12 Metanarrativas são filosofias da história que narram modelos explicativos universais e estáveis, a fim
de alcançar um telos previamente determinado (LYOTARD, 2000).
101
de poder, característicos do período pós-moderno13 abrem caminho para novas formas
de pensar a questão do ensino, não a partir das verdades, mas sim das possibilidades.
13 O pós-moderno é definido por Jean-François (1924-1928) como a “incredulidade em relação aos
metarrelatos” ou metarrativas, (LYOTARD, 2000, p. xvi).
102
PARTE III
CAPÍTULO 06 – MUNDOS DISTINTOS: ENTRE O RURAL E O URBANO
6.1. Uma Breve Contextualização Teórica
Este capítulo contém o diferencial de nossa pesquisa: as descrições densas
apresentadas através das narrativas. Os diferentes cotidianos são teorizados sob diversas
abordagens e perspectivas, e neste caso, a costura entre os fios e retalhos são
representados através dos diferentes modos de se viver no lugar. Contudo, os valores, a
cultura e a identidade caracterizam uma comunidade sem voz, diante do currículo e seu
discurso, elementos estes que pretendemos realçar no decorrer desta discussão, a partir
das atividades práticas desenvolvidas nesta pesquisa.
Brandão (2009), em seu livro “No rancho fundo - espaços e tempos no mundo
rural” levanta questões importantes sobre o modo de vida no campo e as suas
peculiaridades, ao tratar sobre os espaços e lugares da vida e do trabalho, onde se
estabelece a relação entre o sujeito e o lugar e, portanto, o cotidiano. Estamos falando de
espaço-tempos distintos, que não se sustentam através das relações capitalistas, onde
tudo é mercadoria e lucro, mas de um lugar e um modo de ser, que preserva as
territorialidades, as quais não têm sido contempladas no sistema de ensino
institucionalizado e, quando são transformam-se em “folclore”.
Ao compartilhar o termo “domesticação” das culturas empregado pelo geógrafo
Milton Santos, Brandão (2009, p. 35) se refere à racionalidade técnica como uma
“invasora”, não somente do campo rural, mas também de todos os campos da vida,
diante da imposição e criação de saberes, valores, sentimentos e sociabilidades pautadas
na modernidade e no saber científico. Modernidade esta que, no caso brasileiro Martins
(2013) diz existir apenas nas formas presentes no espaço e, não nos conteúdos.
Na escola, os domínios da cidade sobre tempos-espaços rurais se tornam nítidos,
na medida em que o “moderno” se sobrepôs ao “arcaico”, não somente no discurso
curricular, mas no seu cotidiano como um todo. O campo agora é mecanizado, e
compõe um setor econômico, de modo que muitos filhos de agricultores familiares
locais não conseguem entender essa perspectiva de “espaço agrário brasileiro”, pautado
na produção de commodities, na biotecnologia, na produtividade, competitividade e no
lucro, do qual não fazem parte. E de certo não podem, pois, o modo de produção
familiar apesar da sua importância na produção de alimentos (em diferentes escalas)
103
acaba sendo reduzido a adjetivações como: homens pobres da roça, de mão na enxada e
de pé no chão.
A transferência de símbolos e de significados interativos típicos da
fábrica moderna, para espaços-tempos rurais, com foco sobre o
binômio competência-competitividade em todos os momentos e
lugares da vida de pessoas e de comunidades, desqualifica
experiências e maneiras de ser e de produzir típicos do campesinato.
(BRANDÃO, 2009, p. 49).
As tradições culturais, antes trazidas pelas festividades religiosas, pela música
sertaneja – aquela que falava do sertão e da vida caipira – também sofrem com a
influência dessa modernidade “inautêntica”, como dizia José de Souza Martins, que foi
implantada nos países emergentes. A exemplo disso, este sociólogo cita o antigo
costume de tocar viola e o peso dos signos urbanos, que foram aderidos pelas novas
gerações que, muitas vezes negam a própria cultura, como veremos abaixo:
Eu entrevistava antigo e famoso violeiro do bairro rural, conhecido
mestre de dança de São Gonçalo, exímio tocador da chamada viola
caipira. Num certo momento chegou o seu filho, ainda jovem.
Perguntei-lhe se ele também tocava viola. Disse-me que não, que viola
era coisa de caipira, de gente da roça. Quis saber se não tocava
nenhum outro instrumento respondeu-me que tocava violão. [...] Para
que não houvesse dúvida de que seu gosto musical não se confundia
com o gosto musical “atrasado” e caipira do pai, havia colocado na
parte da frente do instrumento um decalque de Nossa Senhora
Aparecida e ao lado mandara gravar a fogo: “Ai love iú bêibi (I love
you baby) ”, (MARTINS, 2013, p.34, grifo nosso). ”
Martins (2013, p. 34) considera que a globalização atua sobre os signos da
modernidade (a exemplo do inglês), ao dizer que “[...] chega a palavra, mas não chega a
língua nem o significado”. Nesse ponto, Milton Santos (2000a, p. 01) diz se tratar de
uma imposição pretenciosa do mundo moderno, através dos grupos hegemônicos que
instituem uma língua transitória, sobre os “espaços instrumentais”, a fim de extrair deles
os recursos – da natureza ou do trabalho humano – que são indispensáveis para sua a
reprodução. Para esse geógrafo, não se trata de uma linguagem universal, mas de uma
linguagem “universalizante”, que tenta ocupar a totalidade do mundo, influindo sobre
todas as camadas sociais.
Essas são algumas das discussões, levantadas pelo antropólogo Carlos Rodrigues
Brandão (2009), pelo sociólogo José de Souza Martins (2013) e pelo Geógrafo Milton
104
Santos (2000a), que nos instigam compreender o nosso recorte de estudo, através das
narrativas. Ao evidenciarmos as diferenças entre os alunos rurais e urbanos, percebemos
também o quanto a imagem do moderno é desejo de todos, porém, é restrita a certos
indivíduos, vindos das comunidades rurais, pois o “local de moradia” torna-se a ponte
entre o moderno e o atrasado, seja na oferta de serviços, de infraestruturas, nos
costumes, valores, enfim, nos modos como se É e se ESTÁ no lugar. Ou seja, como se
vive o lugar.
As descrições que seguem abaixo resultam de um esforço teórico-prático por
parte do pesquisador, que no decorrer das atividades de campo na escola, registrou as
narrativas dos alunos e professores em uma caderneta, a fim de fazer uma aproximação
das breves proposições teóricas levantadas acima. Consideramos que, as narrativas
constituem a maior contribuição deste trabalho, porque dão voz aos alunos da área rural,
professores e, também, aos pais14.
Assim, sustentamos o nosso objetivo que é investigar o processo de organização
do conhecimento geográfico através das teorias curriculares, na escola básica, e seu
discurso, a partir do entendimento de que o currículo e a educação estão envolvidos em
processos de “regulação” e “emancipação”. Através deste objetivo pretendemos
sinalizar que a escola tem feito um “sequestro” da experiência de si desses alunos, por
isso, que as teorias curriculares são o nosso instrumento de análise, pois nos permitem
uma aproximação entre o cotidiano escolar e o pesquisador, sem perder de vista a
categoria “lugar”, pois é nela que se constrói o espaço da vida.
As descrições densas tornam-se uma importante ferramenta metodológica para a
execução desta análise, pois nos colocam em contato direto com os aspectos subjetivos
do sujeito através das suas próprias narrativas. No entanto, este trabalho se sustenta
através de uma orientação etnográfica/fenomenológica, porque nos permite
compreender o nosso recorte de estudo sem estabelecer uma dualidade entre
sujeito/objeto, permitindo uma articulação entre a vivência do pesquisador no espaço-
tempo escolar e o seu diário de campo.
Abaixo seguem algumas das narrativas, que foram descritas pelo pesquisador,
cuja intenção foi “dar voz” as diferentes perspectivas e histórias contadas, consideradas
importantes pelos sujeitos de nossa investigação, com o intuito de estabelecer uma
14 Reforçamos que os alunos e professores foram denominados por nomes fictícios, a fim de preservar a
sua identidade e integridade física e moral, antes, durante e depois da realização da pesquisa.
105
amarração, entre aos autores apontados nesta seção, que vez ou outra serão
mencionados.
1ª Etapa do Trabalho de Campo: Tempo-espaço Escolar
6.2. Trabalho de Campo: primeiros passos
A proposta de observação do cotidiano escolar, teve por finalidade acompanhar
a jornada de estudos dos alunos do meio rural no município de São João del-Rei/MG, de
modo a tornar possível o conhecimento das potencialidades e desafios a partir das suas
próprias considerações e leituras do mundo. Além disso, os professores envolvidos e
demais gestores da escola também participaram deste estudo. O período de contato entre
pesquisador/escola ocorreu entre os meses de junho e outubro de dois mil e quinze. A
justificativa para acompanhar o dia a dia desta escola, ocorreu diante ao fato desta
concentrar o maior contingente de alunos vindos da zona rural, segundo a Secretaria
Municipal de Educação (SME).
Inicialmente, a diretora se encarregou de nos apresentar as diferentes repartições
da escola como: quadra poliesportiva, sala dos professores, biblioteca, laboratório de
informática, refeitório, etc. Posteriormente, as atividades de acompanhamento
priorizaram a sala de aula, mais especificamente durante a disciplina de geografia, nas
turmas do ensino fundamental anos finais (6º ao 9º ano), totalizando um período de
quatro meses de investigação.
O período de observações em sala de aula – parte determinante de nossa
pesquisa – teve como finalidade presenciar a jornada de estudos dos alunos do meio
rural em classe, bem como seus costumes e a relação estabelecida entre os demais
colegas, que vivem na cidade. O período de observação também teve o objetivo de
evitar o estranhamento do pesquisador responsável, dos alunos, professores e demais
gestores durante nossa estada na escola. Na medida em que, as pessoas foram se
acostumando com a nossa presença diária, passaram a se comportar com maior
naturalidade, o que nos possibilitou analisar o cotidiano desses sujeitos mais
detalhadamente.
Através da secretaria escolar quantificamos o número de alunos da zona rural e
urbana que compunham a escola. Pelo fato de não haver documentos relacionados aos
alunos provenientes da área rural contamos com a ajuda da professora de geografia para
solucionar essa questão, através do diário escolar, perguntando aos próprios discentes,
106
sobre o seu local de origem. Assim, com a colaboração dos alunos, professores e
direção chegamos a um total de 139 alunos, dos quais 77 (ou 56%) pertenciam a
diferentes comunidades rurais e os 62 (ou 44%) restantes moravam zona urbana do
município de São João del-Rei/MG.
Como esperado, o desafio presenciado durante as perguntas “quem vive na zona
rural? ” ou “quem vive na zona urbana?”, foi possível notar algumas reações dos alunos,
como a curiosidade e a indagação, com relação à pergunta, além de algumas
“piadinhas” direcionadas aos alunos da zona rural. No entanto, procuramos disfarçar
nosso interesse em confirmar o considerável percentual de alunos do campo na
instituição pesquisada. Essa medida visou resguardar a integridade desses indivíduos,
para que os mesmos não se sentissem inferiorizados diante dos demais colegas ou, até
mesmo incomodados ou constrangidos, diante da presença do pesquisador na escola.
As observações realizadas na escola permitiram uma aproximação espontânea,
entre alunos e pesquisador, pesquisador-professores e pesquisador-gestores. Vários
alunos queriam saber o motivo de nossa presença na sala de aula, nos corredores, no
pátio ou no refeitório, fazendo registros fotográficos, anotações e perguntando o que
eles achavam da escola, qual a comunidade rural de origem e se estes se contentavam
com seu modo de vida. Consideramos que eles não se sentiram invadidos, pois em
momento algum eram obrigados a responder algo, pois, se tratava apenas de uma
conversa informal.
A utilização de uma caderneta de campo foi importante para a coleta de
informações. Realizamos anotações minuciosas do aluno do campo, sobre seus projetos,
sentimentos e emoções a respeito do seu modo de viver, pensar e agir, que é diferente
do aluno da cidade. Cada comentário, com o colega ou com a professora, em que fosse
discutido o seu modo de vida eram vistos como possibilidades de compreensão do rural
a partir da percepção desses sujeitos, de sua cultura ou costumes e de sua interação com
os demais colegas.
Concluído o período de observação no cotidiano escolar e a partir de um
conhecimento prévio, adquirido através das colocações dos sujeitos de nossa
investigação elaboramos um questionário, com perguntas semiabertas, de modo que se
tornasse possível analisar a escola a partir das representações dos alunos do campo. Esse
procedimento teve como objetivo investigar o nosso problema de pesquisa: de que os
saberes e as práticas educativas são atributos de um currículo e seu discurso que
subordinam os indivíduos a um regime de saber.
107
6.2.1. Sistematização das Atividades de Campo – Descrições Densas
Conforme apresentado na seção anterior, a escolha da Escola Municipal “Carlos
Damiano Fuzatto”, para a realização do nosso estudo de caso, ocorreu pelo fato desta
concentrar o maior contingente de alunos do meio rural, em relação aos demais
residentes na área urbana. As atividades de campo, realizadas no espaço escolar
aconteceram durante o ano de 2015, período este em que 56% dos alunos pertenciam as
14 comunidades rurais abrangidas pela escola, conforme o quadro abaixo.
QUADRO 01
COMUNIDADES RURAIS DE ORIGEM DOS ALUNOS DA
E.M. CARLOS DAMIANO FUZATTO – 2015
Caburú Emboabas (distrito)
Caxambú Fé
Colônia do Bengo Morro Grande
Colônia do Felizardo São Miguel do Cajurú (distrito)
Colônia do Giarola São Caetano
Cunha Três Praias
Elvas (Situada no município de Tiradentes) Trindade
Fonte: Diário de Campo. Elaborado por Filipe César Pereira, 2015.
Particularidades entre os alunos, que davam pistas da origem rural ou do campo
foram observadas durante as aulas de geografia, no intervalo das aulas e demais
atividades extraclasses, seja na formação de grupos de trabalho ou de bate-papo que
nem sempre se reduzem a fatores como local de moradia ou sexo, mas também resultam
de outras formas de identificação, como é o caso dos admiradores por jogos, por estilos
musicais e culturais, entre outras expressões também presentes na escola.
Através da contagem dos alunos por meio do diário escolar a primeira
constatação foi que, na medida em que os alunos avançavam nas séries de ensino maior
era grau de desentendimento entre aqueles que moravam na área urbana ou rural. Ou
seja, os alunos do 6º ano se preocupavam menos com o seu lugar de moradia quando
comparados aos do 9º ano. Ainda, ocorreram situações em que alguns alunos tiveram
dificuldades para dizer que eram da zona rural, por motivos diversos, entre eles a
vergonha e o medo de ser alvo de piadas dos demais colegas.
A partir das considerações dos alunos e professores, adquiridas no decorrer das
observações elaboramos um esboço descritivo de todo o processo. O detalhamento dos
108
fatos é importante, pois nos permite conhecer os desafios, potencialidades, desejos,
projetos e emoções entre outros aspectos da subjetividade dos sujeitos envolvidos neste
estudo. Sob uma perspectiva geográfica entendemos que as territorialidades concretas e
simbólicas resultam da relação entre sujeito e espaço vivido, o que nos implica dizer
que o contato entre aluno-aluno, aluno-escola e aluno-currículo possibilita a criação de
novas territorialidades.
De acordo com as colocações de alguns professores o lugar de moradia é um
fator determinante para identificar os alunos do meio rural no cotidiano escolar. Outro
ponto interessante está associado às atividades exercidas pelos pais desses alunos, visto
que, alguns são fazendeiros, caseiros, produtores agrícolas, ou exercem outras formas de
trabalho, que envolve todo o grupo familiar, daí a justificativa para o desinteresse nos
estudos. No entanto, não podemos generalizar os fatos, pois, existem familiares que
trabalham na área urbana, desempenhando funções distintas, que nem sempre estão
ligadas as atividades rurais. O município de São João del-Rei possui cinco distritos
principais, conforme já ilustrado pela FIGURA 01, e agora pelo quadro abaixo:
QUADRO 02
DISTRIBUIÇÃO DOS DISTRITOS DE SÃO JOÃO DEL-REI/MG - 2010
Distrito População Distância da Sede (Km)
São Gonçalo do Amarante 1035 18
São Miguel do Cajuru 1106 36
Emboabas 727 35
São Sebastião da Vitória 2208 17
Rio das Mortes 2746 12
Fonte: IBGE (2010), Sinopse por Setores.
As pequenas comunidades mencionadas no quadro 01 são referenciadas a partir
dos distritos que compõe o quadro acima. Conforme a Secretaria Municipal de
Educação de São João del-Rei (SME/SJDR), no ano de 2015 haviam 11 escolas rurais
em funcionamento, porém, somente os distritos de Emboabas e São Miguel do Cajuru
possuíam escolas com ensino fundamental anos iniciais e finais, que passaram a ser
denominadas “centrais”, devido ao processo de Nucleação Escolar.
As demais unidades oferecem as modalidades de Educação Infantil, Ensino
Fundamental anos iniciais ou os dois tipos, conforme a demanda. Ressalta-se que as
sedes distritais de Rio das Mortes e de São Sebastião da Vitória oferecem todas as
109
modalidades de ensino, inclusive o Ensino Médio, porém, são gerenciadas pela
Secretaria Estadual de Educação de Minas Gerais (SEE/MG) estando, portanto, restritas
ao nosso estudo.
A baixa demanda de alunos nas comunidades rurais torna-se um desafio para a
SME/SJDR, que faz o uso de salas multisseriadas, com o intuito de minimizar gastos
excessivos, diante dos escassos recursos financeiros disponíveis, que são repassados
diretamente pela prefeitura. Quanto à merenda das pequenas escolas rurais, não existem
cantineiras, uma vez a comida é feita na cidade e depois é transportada para essas
unidades de ensino. Destacamos que, diferente da saúde pública, o setor de educação
não possui uma secretaria consolidada e autônoma, o que tem se tornado um agravante
para a sua administração e captação de recursos, conforme relatado pelos responsáveis
do setor.
A concentração de grande parte do ensino fundamental Anos Finais nas áreas
urbanas se constitui em um desafio para os alunos do meio rural, na medida em que
precisam enfrentar jornadas de ônibus ou a pé para chegar à escola. Além disso, fatores
como precariedade e impontualidade do transporte escolar, também são alguns dos
desafios relatados pelos alunos, durante nosso período de observação. Assim,
sinalizamos que os alunos do meio rural, sujeitos de nossa investigação se sentem
distantes de sua realidade e, portanto, desinteressados ou conformados com a mesma, o
que na maioria dos casos resulta no abandono dos estudos.
Em contrapartida, existem pais de alunos rurais que acreditam que o ensino das
escolas urbanas pode contribuir de forma mais efetiva para a formação básica dos seus
filhos, dando a eles maiores chances de sucesso profissional e qualidade de vida. É o
caso de um pai, que programou de forma antecipada o agendamento de uma matrícula
para a modalidade de educação infantil. Segundo ele “[ – ] a vida no campo não garante
futuro de ninguém, e quanto mais cedo entrar na escola mais coisas as crianças terão
para aprender”, (Fala de um pai de aluno, residente na zona rural, 2015). Assim, a
cidade tem se tornado um atrativo para uma parcela da população rural, diante das
instituições de ensino básico, técnico ou superior, além das redes de comércio e demais
serviços públicos como, saúde e saneamento, que não são oferecidos no campo.
Martins (2013) e Brandão (2009) realizaram uma trajetória teórica acerca do
conceito de modernidade, a sua “inautenticidade” nos países emergentes, bem como o
seu impacto na vida dos moradores do campo, nos costumes, tradições, crenças e
valores rurais, que aos poucos foram sobrepostos pela cidade e pelo urbano, dada a
110
importância das suas “novas” formas, quanto à construção de símbolos, signos e
linguagens de uma sociedade considerada “moderna”. Estamos falando de elementos e
eventos que estão, sobretudo, ligados ao sistema de ensino institucionalizado.
A concentração do ensino nas escolas urbanas e o processo de inclusão dos
alunos rurais se definem, a partir de duas linhas de interpretação. A primeira, em âmbito
normativo, diz respeito às possibilidades de melhor qualidade de ensino, pois, a medida
proposta pela nucleação escolar propõe não somente concentrar o ensino em unidades
“centrais”, mas também oferecer melhor infraestrutura e condições para que o processo
de ensino-aprendizagem ocorra. A segunda, está centrada nos desafios que os alunos do
meio rural encontraram, desde o trajeto para a escola até no contato com o cotidiano
escolar das cidades, que propõem um regime de saber unificado e homogêneo, que não
reconhece o seu cotidiano.
O segundo aspecto apontado linha acima, adquire relevância em nossa
discussão, pois, consideramos que o descaso com a educação rural tem colocado as
territorialidades dos alunos do campo em segundo plano, supervalorizando a vida nas
cidades. Também não concordamos que, separar os alunos por local de moradia seja a
melhor opção. O que queremos sinalizar é que agrupar em uma única classe indivíduos
com diferentes realidades e ‘transmitir’ um único saber científico, inquestionável e
universal implica no processo de domesticação do outro, bem como na negligência ou
exclusão do “diferente”. É nesse ponto que as discussões acerca das teorias curriculares
ganham espaço no cenário educacional e nesse estudo.
6.2.2. O acontecer do espaço praticado na escola através das narrativas
Como já relatado em seções anteriores, no período em que o pesquisador se
dedicou a acompanhar o cotidiano escolar alguns alunos quiseram saber o motivo de sua
presença na sala de aula, nos corredores, no pátio ou no refeitório, fazendo registros
fotográficos, anotações e perguntando a eles o que achavam da escola, qual a
comunidade rural de origem e se, estes se contentavam com seu modo de vida. No
entanto, procuramos não colocar de forma imediata os nossos objetivos, com o intuito
de evitar possíveis situações de desconforto, entre os demais colegas.
Na escola, observamos que o fato de morar na zona rural subordina o aluno a
uma inferiorização de sua cultura, não apenas diante do sistema de ensino ou do
currículo, mas também a partir dos colegas, que residem na área urbana do município
111
em questão, que muitas vezes se dirigiam aos alunos como: bicho do mato, menino do
pé vermelho, da roça, jacú, entre outras colocações desqualificadoras e preconceituosas.
Durante as aulas, também observamos que alguns alunos se sentiam ofendidos,
caso a professora ou pesquisador se referissem ao meio rural como roça. Sobre essa
questão alguns resistiram fazendo comentários como: “[ – ] não moro na roça... moro
perto da cidade”; “moro na zona rural” ou “quem mora na roça é o milho e o feijão”
(Fala de alunas, residentes na zona rural, 2015); o que nos remente a passagem do
“caipira e a viola”, contada por José de Souza Martins (2013) na seção anterior.
Sinalizamos que, essas manifestações são o reflexo de uma rejeição histórica do meio
rural, direcionada pela sociedade moderna, que influencia nas identidades daqueles que
o habitam.
Embora tenhamos constatado os desafios dos alunos residentes no meio rural,
diante das críticas, alguns tinham prazer de morar na roça. Tratava-se de filhos de
agricultores que demostravam interesse de permanecer em suas comunidades, mantendo
a sua relação com a família, sobretudo com a terra, onde o tempo é diferente.
Reforçamos essa proposição a partir das considerações de certo aluno ao dizer que “[...]
morar na roça é muito bom, mas tem que ter expediente para trabalhar. Não consigo
nem pensar em morar na cidade. É tudo muito corrido e a gente quase não dorme por
causa do barulho”, (Fala do aluno Pedro, residente na zona rural, 2015).
Contrapondo o relato acima, havia na mesma classe um grupo de alunos da
cidade que remetiam a personalidade desse indivíduo a de um “roceiro”, diante do seu
jeito de falar e se vestir, fazendo deste um motivo de piadas, críticas e deboches. “ O
povo da roça devia ficar por lá mesmo. Aqui na escola eles só sabem falar de cavalo,
boi, planta [...]; sem falar que eles não têm contato com as coisas que temos na cidade,
como internet, computadores e celulares modernos, (Fala de um aluno, residente na
área urbana do município de São João del-Rei/MG, 2015). ”
Também, ocorreram comentários irônicos como:
O José (nome fictício) tá ficando moderno. Ontem mesmo ele
surpreendeu a gente ao falar sobre a saga ‘O Senhor dos Anéis’, pois
assunto com ele tem que ser sobre roça. A gente tá pensando em
convidá-lo para passar uma noite na cidade, para ver se ele sobrevive,
(Fala do aluno Maicon, residente na área urbana do município de
São João del-Rei/MG, 2015).
112
Retomando o sociólogo José de Souza Martins (2013, p. 36), destacamos o
momento em que ele rememora sobre as denominações realizadas por Lefebvre e
Guterman, no que diz respeito à “força das formas” que são exercidas sobre o território.
Trata-se de certa vida própria que as diferentes formas sociais e ideológicas adquirem
com o desenvolvimento do capitalismo, na captura do real e do imaginário. É nessa
perspectiva que fazemos uma aproximação com as narrativas acima, onde o fato de
morar em uma comunidade rural remete de antemão a noção de uma sociedade arcaica e
inferior ou típica e folclórica.
Na escola, consideramos que os alunos das comunidades rurais também são
limitados a algumas das atividades extraclasses, como passeios à universidade, visitas
em museus ou participações de peças teatrais, que por motivos diversos precisavam ser
marcadas em ocasiões específicas, em que o transporte não funcionava. São, portanto,
situações que reforçam a dicotomia entre rural-urbano, através da diferenciação entre os
sujeitos, devido ao seu local de moradia, uma vez que, existem alunos que precisam
acordar até três horas antes, para chegar à escola.
A sala dos professores foi outro espaço frequentado pelo pesquisador, que
através do contato direto com os profissionais de diferentes áreas foi possível
acompanhar algumas discussões referentes aos alunos. Alguns docentes ao tomarem
conhecimento do objetivo do trabalho de campo começaram a dar nomes de alunos
rurais considerados “problemas”, fazendo comparações, a partir de elementos como a
avaliação, rendimento escolar e disciplina. A partir desses fatos sinalizamos que os
alunos da zona rural são vistos como “ os atrasados”, quando comparados aos alunos da
cidade.
O parágrafo acima resulta de comentários direcionados aos alunos do meio rural,
partindo dos professores, o que nos leva a entender que o baixo rendimento escolar é o
reflexo do desinteresse ou incapacidade do discente, diante das metas escolares. Nesse
contexto, consideramos que, na medida em que são depositadas as mesmas expectativas
em diferentes alunos às possibilidades de diferenças no desempenho ocorrem, pois, cada
aluno possui um ritmo de aprendizado próprio, independentemente da cor, sexo, local
de moradia ou status social.
A utilização do laboratório de informática torna-se um desafio para os alunos
rurais que, em sua maioria, não possuem computadores, notebooks ou tablets em suas
residências ou, até mesmo aparelhos de celular ou smartphones para o uso próprio. A
questão é que o acesso à internet ou a rede de telefonia móvel não são oferecidos em
113
todas as comunidades rurais. Na escola, o uso do laboratório compõe algumas das
atividades, trabalhos, tarefas ou momentos recreativos. Entretanto, devido ao fato de
algumas turmas apresentarem mais alunos que computadores é necessário agrupar dois
ou mais indivíduos em cada aparelho.
Eu não gosto de dividir o computador com o colega da roça não,
porque além dele não saber mexer acaba atrapalhando a gente.
Quando podemos escolher o parceiro a gente prefere ficar com os da
cidade, agora quando a professora obriga a misturar com os alunos da
zona rural parece que o trabalho rende menos, por que geralmente o
aluno que sabe mexer acaba fazendo tudo sozinho. Isso é injusto!
(Fala de um aluno, residente na área urbana do município de São
João del-Rei/MG, 2015).
A aplicação de alguns conteúdos e matérias escolares também causam
estranhamento nos alunos rurais que, muitas vezes não se manifestaram durante as
aulas. Segundo a professora de geografia, existe uma diferença de desempenho entre os
alunos do campo e os da cidade, pois, “[...] sempre que chega no final do bimestre mais
da metade dos alunos da roça ficam de recuperação e, os da cidade nem tanto” (Fala de
uma professora, em ocasião de provas bimestrais, 2015). A professora acredita que,
como a maioria dos alunos do meio rural precisam trabalhar para ajudar a família, sobra
pouco tempo para os estudos.
Nas conversas realizadas com professores de outras áreas encontramos relatos de
situações semelhantes aos já apresentados, os quais muitas vezes são tratados como
normais, devido ao desinteresse do aluno. “[...] os alunos deveriam levantar as mãos
para o céu e agradecer a condição do ensino! Antigamente, a escola não oferecia
caderno, borracha, lápis, transporte público e nem merenda. Hoje em dia não estuda
quem não quer”. (Fala de uma professora no momento do intervalo, 2015).
Os eventos e falas até então apresentados nos permitem sinalizar que a maioria
dos professores concordam com o fato de que a escola precisa de uma estrutura
hierárquica, definindo funções e limites para cada indivíduo, sobretudo no ato de
ensinar e aprender, semelhante ao modelo de escola elaborado pela pedagogia
tradicional, no início do século XX, (SILVA, 2010).
Refletir sobre a existência do currículo no sistema de ensino é pensar que a
escola também é um espaço de luta e de afirmação de identidades (ou territorialidades)
que tendem a ser “modeladas” diante de um regime de saber, imposto pelo próprio
114
currículo, que se materializa na prática cotidiana escolar, sob forma de poder. O poder
torna-se um agente regulador do espaço-tempo escolar, seja através de uma grade de
conteúdos somadas a prática docente, das metas escolares e dos dispositivos
disciplinares (FOULCAULT, 2011). Em contrapartida, o micro poder se exerce através
do aluno, que resiste e se estranha diante de um contexto diferente do seu, oferecido
pelo sistema de ensino institucionalizado. Inferimos que, esta seja uma das vias de
explicação para o caso do aluno indisciplinado e desinteressado.
Durante o período que convivi nas aulas de geografia apenas um tema
trabalhado mencionava a questão do campo e do espaço rural, porém, sob uma
perspectiva setorial 15. O papel do campo se definiu através de conceitos-chave como
mercadoria, ‘celeiro do mundo’, agronegócio, economia e afins. Percebemos o
estranhamento dos alunos através de falas como: “[...] até parece que lá em casa tem
máquinas desse tamanho”, “olha o tamanho das terras”, “onde está o povo que trabalha
nas plantações”?; “o meu pai trabalha na lavoura desde menino e nunca ficou rico! ”
(Fala dos alunos do 7º ano, durante as aulas de geografia, 2015).
Nossa observação dos alunos filhos de agricultores familiares nos leva a pensar
que eles não reconhecem o seu cotidiano através dos temas abordados pelo livro
didático, sinalizando que, a necessidade de uma contextualização por parte dos
professores também é importante. Enfatizamos a necessidade de uma abordagem
geográfica, como meio de reflexão dos fatos acima mencionados, para que o aluno
entenda que, apesar da grande influência tecnológica, da informação, das redes, dos
sistemas produtivos agrícolas de alcance internacional as condições para o seu acesso
ocorrem de forma desigual, pois vivemos em uma sociedade capitalista e perversa, em
que a igualdade social se faz presente apenas no discurso.
Como se pode observar a lógica capitalista e a sua racionalidade criam
tendências e novas formas de ser e pensar o/no espaço, agora sob a óptica do consumo e
da competitividade. Enquanto isso, os símbolos e signos que antes caracterizavam os
lugares foram sobrepostos por outros, que agora pretendem dominá-los. Ao
considerarmos a colocação dos docentes diante da ideia rural como sinônimo de atraso e
carência, lugar de sujeitos trabalhadores da terra, que não possuem interesse ou
conhecimento sobre a sociedade urbana lembramos da crítica realizada por Leite (1999,
15 Conteúdo estudado pelos alunos do 8º ano (A e B) do Ensino Fundamental, anos finais, 2015.
115
p. 14), diante do descaso que as populações rurais têm sofrido, ao dizer que: “[...] gente
da roça não carece de estudos. Isso é coisa de gente da cidade”
Os lugares, as relações de solidariedade e de vizinhança, tornaram-se “coisas” ou
“partes de um “mundo imaginário” e, o que antes se sustentava a partir das tradições,
agora foram transformadas em folclore. Como dizia Brandão (2009, p. 48):
Os lugares rurais são espaços de passagem, e servem mais a um
trabalho impessoal do que a própria vida. E a natureza é um referente
ora distante demais, ora hostil o bastante para valer apenas quando
dominado, apropriado e destruído.
Ainda na escola procuramos conhecer o seu Projeto Político Pedagógico (PPP),
documento que encontramos dificuldades para o seu acesso, mesmo se tratando de um
arquivo que deveria ser de domínio público. Apesar das dificuldades, obtivemos uma
cópia do manuscrito, cuja atualização era do ano de 2008.
Nesse momento nos deparamos com a seguinte questão: será que o perfil da
escola ainda se mantém o mesmo, desde a sua última versão? O Portal Educação (2016)
considera que toda escola precisa ter o PPP, pois este é a “identidade da escola”, de
modo que a suas diretrizes também devam apresentar coerência com o seu cotidiano,
bem como propor objetivos, metas e controle dos resultados a serem alcançados.
Retomando alguns dos elementos que compõe a “forma” ou a “força das
formas”, tratados por Martins (2013), associamos que na escola os documentos,
manuscritos, currículos, normas e regimentos não são apenas arquivos que obedecem a
uma mera formalidade do campo burocrático, administrativo e político. Na escola, o
currículo se constrói como discurso, ora presente, ora distante da prática do seu
cotidiano, por isso que algumas temáticas são abordadas no lugar de outras. O currículo
não é apenas um documento ingênuo, mas uma ferramenta de construção social,
portanto, implicado em relações de poder, como nos faz lembrar Silva (2010).
As narrativas dispostas pelos alunos do campo, sujeitos de nossa investigação, e
dos demais profissionais que compõe o cotidiano escolar constituem o nosso método de
pesquisa, dado o período de observações, análises, conversas informais e aplicação do
questionário, que possibilitaram uma aproximação do seu contexto. Apesar das políticas
de inclusão propostas no âmbito normativo a nossa experiência enquanto pesquisador e
professor nos permite notar o distanciamento entre as teorias e a prática efetiva. O
discurso que conduz o cotidiano escolar se perde diante das diferenças, no espaço
116
praticado da escola, quando esta negligencia as territorialidades dos alunos (em especial
os do campo) por serem diferentes.
Os desafios apresentados pelos alunos residentes em diferentes comunidades
rurais são vistos por nós como o resultado de ações políticas que valorizam grupos em
detrimento de outros, no qual o currículo se transforma em instrumento de domesticação
do sujeito, classificando-o como atrasado ou não. Portanto, esses indivíduos são vistos
por nós como minoritários, pois, mesmo que em termos quantitativos estes representem
a maioria dos alunos que compõe o cotidiano escolar também são inferiorizados diante
do seu modelo de ensino.
6.2.3. ENTREVISTA: Justificativa para a aplicação dos questionários
Em vários momentos desta pesquisa apontamos o período de observações no
espaço-tempo escolar, a convivência, as conversas informais e o acompanhamento das
aulas de geografia como fundamentais para a elaboração do roteiro de entrevista,
exequível e coerente.
As questões tratadas no questionário deram enfoque aos aspectos subjetivos do
aluno, como emoções, planos e expectativas. Também abarcamos questões que dizem
respeito às condições da mobilidade desse indivíduo até a escola, a possível existência
de alguma unidade de ensino mais próxima de sua residência, o porquê de estudar em
uma escola urbana, a sua maneira de se relacionar com os demais colegas, os conteúdos
de geografia de sua preferência, entre outras que representassem os desafios ou as
potencialidades e, que justificassem sua jornada na escola.
A importância da entrevista ou questionário como procedimento metodológico
está na flexibilidade das formas que ambos podem assumir, de acordo com a
intencionalidade do condutor, segundo Gil (2010). A importância do roteiro
previamente elaborado minimiza as chances de ocorrer alguma confusão durante a sua
execução. Por essa razão, optamos em conduzir nossa entrevista a partir de
questionários-roteiros, com perguntas semiabertas.
Quanto ao tipo de amostragem, seguiremos o modelo “não probabilístico”
também indicado por Gil (1999), pois sua execução não envolve elementos matemáticos
ou estatísticos e, tampouco, quantificações de elementos da pesquisa, ou comparações.
Os questionários foram aplicados a todos os alunos do campo, porém, esclarecemos que
esse procedimento metodológico não dará enfoque às representações numéricas
117
precisas, mas sim ao conteúdo dos resultados analisados, visto que nossa pesquisa é de
caráter qualitativo.
6.2.4. Sistematização dos Questionários – 1ª Etapa de Campo
A aplicação dos questionários aos alunos do ensino fundamental anos finais foi
um importante procedimento metodológico, pois nos permitiu analisar diferentes
perspectivas, as quais não puderam ser observadas durante as atividades de campo, que
foram realizadas na escola. A opção pelo questionário de natureza impessoal se mostrou
importante, não somente para preservar a identidade dos alunos envolvidos no estudo,
mas também por garantir a eles maior espontaneidade e liberdade em suas respostas e
opiniões. Como mencionado na seção anterior, o questionário foi elaborado com
perguntas semiabertas, oferecendo ao entrevistado a oportunidade de nos explicar o
porquê da opção selecionada.
As perguntas elaboradas pelo pesquisador tiveram por finalidade captar eventos
ou situações, no que diz respeito aos desafios vivenciados pelos alunos da zona rural em
sua jornada de estudos, na escola urbana; às condições oferecidas pelo transporte
escolar; a possível existência de alguma escola, na comunidade rural de origem, ou, pelo
menos que tenha menor distância com relação a sua casa; o papel da geografia (e
demais disciplinas escolares) para a compreensão da realidade desses indivíduos; a sua
relação com os alunos da cidade; os projetos, emoções e perspectivas com relação ao
seu futuro; as atividades que são desempenhadas pelos familiares, etc. A versão
completa do questionário está disponível ao final do trabalho, sob a forma de anexo.
Optamos por aplicar os questionários somente aos alunos do meio rural, pois,
esses sujeitos estão no centro da nossa pesquisa e, considerando que a utilização de uma
caderneta de campo, também se mostrou suficiente para descrever as situações, tramas,
eventos e impressões, que chamaram a atenção do pesquisador, durante o período de
convivência no cotidiano escolar, das quais envolviam tanto os alunos da zona urbana
quanto os da zona rural. Em vários momentos foram registradas situações em que os
alunos entraram em atrito, por questões relacionadas ao lugar de moradia, embora
também houvessem momentos de amizade, solidariedade e companheirismo entre os
mesmos, o que nos levou a considerar que nem sempre o contato com os alunos da área
urbana significa um conflito.
No ano de 2015, a Escola Municipal “Carlos Damiano Fuzatto” contava com
139 alunos no total, distribuídos em 07 turmas do ensino fundamental – anos finais, da
118
rede pública de ensino. Deste total aproximadamente 60% vinham de diferentes
comunidades rurais, por motivos diversos, o que corresponde a 77 alunos. A divisão das
salas se diferenciava entre A e B para as turmas do 6º, 7º e 8º ano, restando uma para o
9º. Todas as turmas fizeram parte do roteiro de observação, realizado pelo pesquisador
e, todos os alunos da zona rural responderam os questionários, que foram aplicados no
último mês da 1º etapa de campo (outubro de 2015).
Constatamos que, na medida em que o grau de escolaridade dos alunos do meio
rural avançava, maiores eram os desafios vivenciados por eles, no que diz respeito ao
transporte escolar, a jornada de estudos, a relação entre os colegas, professores,
disciplinas (ou matérias, como os alunos costumam se referir), e direção escolar.
Muitas vezes a gente desanima dos estudos, e não é à toa. Sempre
chego na escola atrasado e quando chove a gente nem costuma chegar,
por isso me sinto envergonhado quando vejo os meus colegas da
cidade mais adiantados nas matérias. Aí quando chega na época das
notas fico de recuperação, e os meus colegas vão para a quadra, para a
sala de computação e até para casa, adiantar as férias. Cansei de
discutir com os outros que não sou um jeca, só porque moro na roça. E
ainda tenho que gostar de estudar... (Fala do aluno Rogério,
residente na zona rural, 2015).
A fala acima resume situações de alunos que, muitas vezes foram reprovados,
ou, que estudam nesta escola desde os anos iniciais do ensino fundamental (1ª ao 5ª
ano), e de alunos recém-chegados, de escolas rurais que não ofereciam a segunda etapa
desta modalidade de ensino.
Os impactos da nucleação escolar, abordados nesta pesquisa como parte do
problema, compõe o nosso roteiro de perguntas, para conhecer alguns dos desafios
referentes à nova jornada de estudos dos alunos do meio rural, através dos relatos de
situações vivenciadas por eles. Em síntese, os alunos teriam que responder questões
sobre a presença de escolas próximas de sua residência, as condições oferecidas pelo
transporte escolar, tanto em termos de custo quanto em qualidade e ainda, situações que
impossibilitaram a chegada desses indivíduos na escola, por motivos diversos.
Abaixo, os gráficos 1, 2 e 3 compõem o bloco de perguntas referentes às
condições oferecidas pelo transporte escolar. As quantificações das respostas
contribuem para a ilustração da situação acima mencionada, da mesma forma que, os
respondentes também tiveram a oportunidade de justificar o porquê da opção escolhida,
119
as quais envolveram eventos particulares que, apenas os alunos que fizeram parte desta
rotina puderam relatar.
Diante das respostas constatamos que, embora o transporte escolar seja gratuito
na maioria dos casos, não deixa de apresentar dificuldades de toda a sorte, para a grande
maioria dos alunos, as quais muitas vezes tornaram-se um obstáculo para sua chegada a
escola.
Gráfico 01
Fonte: Diário de Campo. Elaborado por Filipe César Pereira, 2015.
No momento em que perguntamos sobre o custo que envolvia o uso do
transporte escolar constatamos que 16% dos alunos entrevistados pagavam pelo serviço,
seja para a empresa de transportes interurbanos, interdistritais ou, para alguma
microempresa que oferece o serviço. A maioria destes indivíduos situam-se na Colônia
do Bengo, São Caetano, no distrito de São Gonçalo do Amarante, Comunidade do Fé e,
Sítio Morro do Vento (logradouro).
120
Gráfico 02:
Fonte: Diário de Campo. Elaborado por Filipe César Pereira, 2015.
No gráfico 02, que trata sobre a qualidade do transporte oferecido aos alunos da
zona rural é possível observar que mais da metade dos alunos entrevistados consideram
o serviço de transporte escolar, de baixa qualidade, pois:
“[...] os ônibus são sujos, velhos e estragam pelo menos uma vez por mês. As
vezes preciso viajar em pé porque o transporte fica muito cheio! ” (Fala do aluno
André, residente na zona rural, 2015). Para a Aluna Laura, também residente na zona
rural: “[...] os carros que buscam a gente na roça são desconfortáveis, não têm cinto de
segurança, e atrasa quase todo dia, ou por causa do barro (em períodos chuvosos) ou
porque estragou no caminho”.
O gráfico 03, ilustra a ocorrência de eventos que envolvem o transporte escolar,
os quais impossibilitaram a chegada dos alunos da zona rural na escola. O expressivo
percentual de alunos envolvidos nesta questão se mostra importante, pois é a partir dele
que podemos entender (ou justificar) os gráficos 1 e 2, já apresentados acima.
Reforçamos que, fatores como: período de chuvas, a ocorrência de defeitos nos veículos
ou o envolvimento de acidentes de baixa intensidade (mesmo que esporadicamente)
compõem a maior parte dos relatos apresentados pelos alunos entrevistados.
121
Gráfico 03:
Fonte: Diário de Campo. Elaborado por Filipe César Pereira, 2015.
Abaixo seguem alguns dos episódios vivenciados e relatados por alguns alunos
entrevistados, que segundo eles se tornaram comuns, com o decorrer do tempo:
“[...] teve uma vez que choveu demais, tinha muita lama e o ônibus não desceu no
morro, onde costumo esperar por ele. Por isso, tive que voltar para casa, (Fala da aluna
Maíra, residente na zona rural, 2015) ”.
“[...] deixei de ir à escola várias vezes, pelo fato da estrada ser ruim e o transporte não
conseguir passar no ponto, (Fala do aluno Maicon, residente na zona rural, 2015) ”.
“[...] O ônibus sempre atola em época de chuva, (Fala da aluna Isabela, residente na
zona rural, 2015) ”.
“[...] teve uma vez que o pneu estourou e, eu cheguei na escola atrasado (Fala do aluno
Marcos, residente na zona rural, 2015) ”.
“[...] o carro não passou no ponto, porque estragou o cabo do acelerador, (Fala da aluna
Emily, residente na zona rural, 2015) ”.
“[...] no mês passado o ônibus pegou fogo no meio do caminho, (Fala do aluno Júnior,
residente na zona rural, 2015) ”.
As colocações dos alunos aqui apresentadas e descritas são preocupantes, e,
muitas vezes ao encontro da crítica realizada por Leite (1999, p. 14), ao dizer que:
122
A educação rural no Brasil, por motivos socioculturais, sempre foi
relegada a planos inferiores e teve por retaguarda ideológica o elitismo
acentuado do processo educacional aqui instalado pelos jesuítas e a
interpretação político-ideológica da oligarquia agrária, conhecida
popularmente na expressão: “gente da roça não carece de estudos. Isso
é coisa de gente da cidade”, (grifo nosso). “
Quando perguntado aos entrevistados se eles gostavam de estudar em uma
escola urbana, foi possível observar que grande parte dos alunos reagiu de forma
positiva. Mesmo que as precárias condições oferecidas pelo transporte signifiquem
obstáculos para a jornada de estudos (ou permanência) para os alunos do meio rural,
estudar em uma escola urbana é visto como vantajoso, diante das possibilidades que
esta pode apresentar, pois, “[...] este é o primeiro passo para iniciarmos uma vida
melhor que a da roça, além de conhecer pessoas novas”, conforme justificado pelo
aluno Alex (nome fictício).
Entre os alunos que se mostraram favoráveis, diante da rotina de estudos em
uma escola urbana muitos consideram que o ensino dessas instituições é composto por
profissionais mais preparados e, melhor que nas escolas rurais. Ou seja, pouco importa
se o lugar ou existência desses indivíduos é discutida, ou sequer lembrada, no cotidiano
escolar, visto que, a preparação do aluno para o vestibular ou para o mercado de
trabalho estão entre as prioridades da escola.
[...] não adianta oferecer um método de ensino específico para os
alunos da zona rural, pois, quando eles entrarem no ensino médio, da
rede estadual de ensino, a realidade será completamente diferente,
(Fala de uma professora, da rede municipal de ensino de São João
del-Rei, 2015).
Outros alunos apresentaram opiniões contrárias às mencionadas no parágrafo
acima. Para esses indivíduos o fato de acordar cedo, enfrentar situações de risco – como
ir à aula em períodos chuvosos – ser alvos de piadas e comentários preconceituosos,
vindos dos colegas, ou até mesmo dos próprios professores, as dificuldades nas
matérias, contribuem para o desinteresse dos mesmos pelos estudos. “[...] meu pai me
obriga a estudar, me acorda cedo e até me leva no ponto! Ele sempre diz que quer que
eu me torne alguém na vida” (Fala do aluno Marcos, residente na zona rural, 2015).
Ou seja, a concepção de rural como sinônimo de atraso muitas das vezes tornam-se
parte das considerações dos seus próprios moradores.
123
Além dos questionários aplicados aos alunos do meio rural, no decorrer das
atividades de campo, os eventos e impressões registradas na caderneta de anotações,
utilizada pelo pesquisador, demostraram casos de bullying, comentários preconceituosos
e momentos de conflitos entre alunos rurais e urbanos, em todas as turmas do ensino
fundamental anos finais. No entanto, reforçamos que, a socialização entre alunos rurais
e urbanos também fazem parte do cotidiano da escola, que escolhemos para a realização
da pesquisa.
Abaixo, no gráfico 04, é possível observar que cerca de 70% dos alunos
entrevistados já sofreram bullying, ou foram alvo de algum tipo de preconceito, pelo
fato de serem da roça e estudarem na cidade. Consideramos que, as situações de
inferioridade e constrangimento aos alunos rurais, diante dos demais, é algo comum na
escola pesquisada.
Apesar dos gráficos não serem o principal meio de análise dos questionários
aplicados, acabam ilustrando – mesmo que, por meio de quantificações – alguns dos
desafios enfrentados pelos alunos do campo em uma escola urbana. A fundamentação
teórica que sustenta este estudo somada à vivência do pesquisador, durante o trabalho de
campo, nos tem permitido analisar como que as políticas de inclusão se transformam em
exclusão do outro.
Gráfico 04:
Fonte: Diário de Campo. Elaborado por Filipe César Pereira, 2015.
124
Quando perguntamos sobre os projetos para o futuro, a maioria dos alunos
demostraram interesse em continuar vivendo no campo, seja trabalhando na agricultura,
junto dos pais, em serviços que envolvam o uso de maquinários (de pequeno porte) ou
até mesmo em atividades urbanas, desde que a morada permanente na roça ainda seja
possível. Porém, ressaltamos que, também existe uma parcela de alunos que pretendem
cursar alguma faculdade, na esperança de que o diploma de curso superior pode garantir
maior conforto e, melhores condições de vida, ou, simplesmente aquele aluno que ainda
não havia pensado sobre o assunto ou, que pretende apenas concluir o ensino
fundamental – anos finais.
Uma questão importante, que merece espaço em nossa discussão, está nas
atividades desenvolvidas pelo grupo familiar dos alunos do campo. Através do gráfico
05 é possível observar que mais da metade desses indivíduos ainda trabalham no
campo, pois, mesmo que o plantio de lavouras não esteja entre as suas prioridades
outras formas de viver no rural foram incorporadas, com vistas à geração de emprego e
renda, como é o caso dos frentistas, intermediários, tratoristas e os lavradores, conforme
relatado pelos alunos.
Gráfico: 05
Fonte: Diário de Campo. Elaborado por Filipe César Pereira, 2015.
Outra parcela desta população se divide em dois segmentos: o primeiro
representa os agricultores produtores de hortaliças, leguminosas cereais e frutas
diversas, mantendo a família como a sua fonte primária de mão de obra. A renda
125
familiar é adquirida por meio das vendas para os mercados situados na área urbana de
São João del-Rei, algumas cidades mais próximas ou para as Centrais de Abastecimento
do estado de Minas Gerais (CEASAMINAS), localizadas nas cidades de Barbacena e
Belo Horizonte.
Ainda existe um grupo que se dedica às atividades urbanas, trabalhando como
pedreiro, servente, marceneiro, auxiliar de serviços gerais, cuidador (a), soldador,
faxineiro (a), industrial, funcionário público, etc. Também constatamos que, algumas
famílias rurais de situação econômica mais confortável, costumam ter outra casa na área
urbana, que é visto como uma forma de aumentar a renda familiar, através da
arrecadação de aluguel, ou até mesmo para o caso de alguma doença, ou simplesmente
para passeios.
A finalização deste questionário envolveu uma pergunta de caráter subjetivo, ou
melhor, aquela que somente o respondente poderia relatar, pois, diz respeito à condição
de sua própria vida. Partimos dessa consideração diante do foco central deste estudo,
que é dar voz aos sujeitos de nossa investigação, através das narrativas. Em síntese,
procuramos saber se o aluno gostava de morar na zona rural e, se na sua opinião, a vida
na cidade era melhor que a do campo.
Gráfico 06:
Fonte: Diário de Campo. Elaborado por Filipe César Pereira, 2015.
126
Com base no gráfico acima é possível observar que, mesmo diante dos desafios
vivenciados pelos alunos do campo, durante a sua jornada de estudos, a maioria dos
entrevistados gostam do lugar de onde vivem.
As conversas informais e os registros levantados em campo nos ofereceram
pistas de que o contato com lugar, as experiências, representações, costumes são
diferentes aos olhares da cidade, embora se deva lembrar que, o modo urbano de viver
também não pode ser absorvido pelos moradores do campo em sua totalidade e,
portanto, poderá ser visto de forma diferente por esses sujeitos.
Morar na roça não é ruim da forma que as pessoas pensam. O
problema é que lá não tem recursos, como escola, hospital e
supermercados. Durante o dia tudo é muito chato, pois sempre temos
que fazer as mesmas coisas. Por outro lado, a noite é mais tranquilo e
seguro, sem falar do ar puro. (Fala do aluno Lucas, residente na
zona rural, 2015).
Lá na roça não tem que trancar o portão, com medo de bandido. Tem
dia que a gente fica na janela, olhando para a estrada de terra, as
montanhas e a lagoa que meu pai cria peixes. Todo mundo tem
expediente para trabalhar. Aos domingos, depois do almoço, a gente
se diverte pescando, e é assim o resto do dia, (Fala do aluno Pedro,
residente na zona rural, 2015).
Outros comentários positivos sobre a vida na roça também merecem destaque,
como:
“[...] amo a vida no campo e não troco nunca pela cidade. Onde eu moro, o
lugar é muito bom e a vida é bem tranquila, e o tem ar puro”; “[...] me acostumei com a
tranquilidade do campo, mas um dia quero sair de minha cidade, para estudar e depois
voltar”, por que lá não tem poluição, é agradável, (Fala de alunas, residentes na zona
rural, 2015).
Por outro lado, alguns alunos não gostam de morar no campo e, veem na escola
urbana a possibilidade de dar o primeiro passo para uma vida diferente, a partir de
outros recursos. Embora não haja uma regra geral, que justifique a resposta negativa dos
alunos entrevistados inferimos que, o grupo familiar muitas vezes desacreditado com a
vida na roça, possui um importante papel para a projeção do futuro dos filhos, com
vistas a uma melhor qualidade de vida. Essa consideração é reforçada a partir do relato
do aluno Carlos, da comunidade de Caxambu (2015):
127
[...] onde eu moro é longe de tudo! Não tem mercado ou ponto de
ônibus perto. Geralmente eu estudo de manhã e trabalho na roça com
o meu pai o resto do dia e, não dá para fazer as duas coisas bem-feitas
ao mesmo tempo. Às vezes nem tem como fazer o dever de casa ou,
estudar para uma prova no dia seguinte, e o resultado é sempre o pior.
O meu pai me diz para eu me esforçar muito na escola, por que só ela
poderá garantir o meu futuro.
Uma aluna da mesma turma compartilhou a sua experiência, através do
questionário, ao dizer que:
O pior de morar na roça e estudar na cidade é o tanto que somos
comparados, inferiorizados, deixados de lado, principalmente em
algumas atividades nos finais de semana, em que o ônibus não passa.
Sempre me sinto excluída e acho isso injusto, por que não sou inferior
a ninguém! [...] tudo isso só me tem feito gostar menos de morar na
zona rural. Antes eu morava na cidade e adorava fazer piadinhas com
os meus colegas. Chamava-os de pé vermelho, atrasados e boias-frias
[...] agora sinto na pele, o quanto é difícil morar na roça. (Aluna
Carla, residente na zona rural, 2015).
A partir dos relatos acima é possível observar que, da mesma forma que alguns
alunos se sentem seguros, morando na zona rural, outros se sentem desprotegidos e
vulneráveis, muitas vezes sob justificativas contrárias as dos outros respondentes,
alegando a falta de liberdade, tédio, isolamento, o medo de animais ou crimes, devido à
falta de policiamento.
A falta de acesso a tecnologias, a rede de internet e, em casos específicos a falta
de rede de telefonia móvel, também contribuem para desgosto da vida na roça. “[...]
morar na zona rural é entediante, pois, não tem uma praça para conversar com os
poucos amigos que tenho por perto, ou, Wi-Fi aberto [...]. Na minha opinião morar na
roça é atraso de vida! ” (Fala do aluno João, residente na zona rural, 2015).
O desejo de morar na cidade tem sido visto pelos alunos rurais como um meio
adquirir melhores condições de vida, emprego e realização pessoal. Por concentrar
maior número de casas, pessoas, lazeres, serviços, tecnologias, possibilidades de estudo
e profissionalização a vida urbana supera a rural, na perspectiva da maioria dos alunos
e, torna-se uma solução para os problemas. Nas palavras de uma aluna do 9º ano: “[...]
as condições de vida na cidade são melhores, pois lá tem mais lugares para ir, empresas
e hospitais”.
128
O sentimento de inferioridade relatado pelos alunos do campo nem sempre parte
dos alunos da cidade, mas também de alguns professores, gestores, serviçais e dos
próprios colegas, que moram em outras comunidades rurais. Para os alunos em questão,
estudar em uma escola urbana é uma questão de adaptação e de necessidade, pois, o
contato com melhores infraestruturas e tecnologias – como o laboratório de informática
– significa maior preocupação com a formação do aluno, por isso que os desafios
vivenciados pelos alunos do campo nem sempre são vistos como uma obrigação, mas
como uma alternativa para o sucesso profissional.
A ênfase desta pesquisa em “dar voz dos alunos do meio rural”, por meio das
narrativas, está na riqueza de detalhes que são oferecidos ao leitor através da descrição,
que adquire importância a partir de quem a descreve. A costura entre o espaço vivido,
os sentidos, as recordações (boas e ruins), as práticas espaciais e o cotidiano revelam um
mundo de identidades múltiplas, a partir do modo como se percebe e se vive no próprio
mundo. Assim, a Geografia Humanista Cultural se encontra na concepção de espaço e
de lugar, pois, leva em consideração os aspectos objetivos e subjetivos na experiência
vivida e, é nesse ponto que as descrições densas ganham visibilidade nesta pesquisa.
No entanto, o cotidiano escolar interfere nessa realidade, através do currículo e
suas prioridades, por isso que retomamos a ideia de que a escola tem realizado um
sequestro da experiência de “si” dos alunos (rurais e urbanos), a partir do momento em
que esta propõe um cotidiano próprio, pautado em modelos e metas, a fim de alcançar o
padrão de qualidade desejado.
2ª Etapa do Trabalho de Campo: O rural desconhecido pelo currículo escolar
6.3. “A História não contada de quem também Existe: O Acontecer Cotidiano do
Espaço Rural”
“Viver um tempo, pensar um espaço, estar num lugar”
(BRANDÃO, 2009, p.15)
Esta, é uma reflexão introdutória, memorada por Carlos Rodrigues Brandão
(2009), que nos instiga a pensar, refletir e conhecer sobre alguns dos elementos que
compõe o cotidiano dos alunos rurais, que estudam na escola urbana, escolhida para a
nossa pesquisa. Não estamos falando do aluno enquanto mero espectador dos fatos e da
129
realidade como um todo, mas como um sujeito único, na condição de agente
transformador da sociedade, dotado de vivências e experiências próprias, apresentando
espaços e tempos distintos, porém distantes da escola, que os considera como sujeitos
desconhecidos.
Nossa busca por histórias, pistas, sinais, fatos, tramas, eventos e demais
elementos referentes ao cotidiano dos alunos do campo caracterizam o nosso trabalho
dando “voz” as suas narrativas. Mas, onde esses indivíduos vivem? Quais condições de
vida envolvem o cotidiano desses sujeitos? E a escola, o que tem feito para dar
“sentido” a presença desses alunos em seu cotidiano? Essas são algumas das perguntas
que pretendemos pensar nesta seção, por meio das impressões adquiridas pelo
pesquisador, no decorrer das atividades de campo, na análise dos questionários, que
foram aplicados aos alunos da Escola Municipal “Carlos Damiano Fuzatto”, e através
das visitas realizadas em comunidades rurais, do município se São João del-Rei, as
quais os alunos saem para a escola urbana e retornam diariamente.
As comunidades rurais estão distribuídas nos distritos de São Gonçalo do
Amarante, Emboabas e Arcângelo (ou Cajuru), e guardam características particulares,
seja nas tradições religiosas ou nas táticas de sobrevivência desses moradores. A
diferença entre as comunidades se mostra através das casas, dos santos padroeiros, das
festividades, no modo como cada pessoa cria os meios para extração de renda, como
bares, mercadinhos, pesque-pague ou, simplesmente pela troca simples, de produtos
cultivados nas pequenas hortas de fundo de quintal, pelos compadres e comadres. São
nesses espaços que se torna possível observar como a relação com a vizinhança
fortalecem a vida de cada pessoa.
Os desafios começam, a partir do momento em que os filhos desses moradores
crescem, e as comunidades rurais deixam de oferecer as modalidades de ensino
adequadas para a sua faixa etária. Este é o momento de buscar novos caminhos, e de se
relacionar com outras pessoas e lugares que somarão novas experiências. Na escola
urbana, o sistema de ensino institucionalizado promove um ritmo diferente, em que
todos os alunos, independente do lugar de moradia devem se enquadrar. Os sujeitos de
nossa pesquisa, filhos de sitiantes, vaqueiros, agricultores, boias-frias e candeeiros se
deparam com um novo modo de ser e fazer, em nome de uma nova racionalidade, que
cria formas diferentes de pensar o cotidiano.
O estranhamento a determinada cultura, tradição e crença são comuns, sob a
condição de que o cotidiano se constrói através das relações, dos encontros,
130
desencontros e, sobretudo a partir da interação, entre homem, lugar e vizinhança
(MARTINS, 2013), (CARLOS, 1996). Por outro lado, no sistema de ensino, o discurso
curricular que se diz emancipador, impõe uma visão diferente da sociedade, através da
domesticação e homogeneização das massas, que acabam distorcendo ou deformando
realidades, muitas vezes retirando-lhe o sentido.
Nossa tentativa de amarrar os eventos às narrativas densas se fundamenta
através das discussões teóricas de autores como Santos (2002), Brandão (2007, 2009),
Martins (2013), Carlos (1996), entre tantos outros estudiosos que através de métodos,
análises teóricas e empíricas, se dedicaram a compreender os diferentes cotidianos.
Falar de cotidiano, significa promover uma articulação e, se necessário uma
releitura dos diferentes espaços tempos, organizações sócio espaciais, levando-se em
conta a vivência e a história de cada sujeito. Apesar dos aparelhos normativos como
currículos, decretos e leis se mostrarem desatentos quanto à multiculturalidade presente
nas escolas, sabe-se que por trás dos fatos o exercício do poder torna-se evidente neste
processo, de tal forma que o silenciamento de certos grupos é consequência de seus
efeitos (FOUCAULT, 2011).
Em visitas ao rural, à beira da estrada, vimos diversas casas, ora se agrupando
em pequenos números, ora se distanciando, alcançando espaçamentos quilométricos. As
janelas de frente para a estrada (ou ruas), o costume de sentar-se no passeio, de se
encontrar com o vizinho, nos dias de domingo, a fim de um bate papo descontraído, a
pescaria do fim de tarde no ribeirão que corta o vilarejo, ou simplesmente o fato de
observar a chuva se aproximando da casinha simples, a começar pela serra bem à frente,
resultam da manifestação dos sentidos, das experiências e vivências desfrutadas por
homens, mulheres e crianças simples, que guardam um mundo, na porta de casa e, que
brevemente nos foi apresentado.
Todavia, a ação do tempo sobre os espaços distintos impulsiona o surgimento de
outras formas, que testemunham novas condições para se viver nos lugares. A chegada
da internet e da telefonia, por exemplo, ainda que em pontos isolados, contribuíram para
distanciar os vizinhos fazendo da cidade um novo atrativo. Assim, as novas gerações
encontram no urbano a possibilidade de uma vida melhor. Em contrapartida, o olhar
desencantado para o campo tem tomado conta dessa mocidade, que muitas vezes ao
chegar à escola urbana demonstram o sentimento de vergonha, no momento de falar:
“eu moro na roça”.
131
[...] eu deixaria tudo aqui na roça, sem ter que pensar, só para morar
na cidade [...] deixaria de ajudar os meus pais com as hortaliças e com
os animais, para correr atrás de uma casa de família para trabalhar, no
que for preciso. Só de morar na cidade já está bom! (Fala da Aluna
Maíra, residente na zona rural, 2015).
A aluna da fala acima, nos permite inferir que a noção de conforto não está na
posse de uma casa, com uma horta no fundo do terreno e um mato para buscar lenha ou
ervas curandeiras. Falar de qualidade de vida tem se tornado cada vez mais sinônimo de
acessibilidade, a tecnologia e rapidez, ao movimento urbano, com a sua iluminação
densa, no cair da noite. Trocar a pequena praça, o passeio, o campo, a estrada de pedra
ou de chão batido por um shopping center é o que há de moderno, sob o conceito de
lazer. É assim que se constroem novas perspectivas e visões de mundo, solidificando a
afirmação de que “morar na roça não dá mais”. Daí, surge a necessidade de buscar
novos lugares.
Brandão (2009) e Santos (2002) lembram que, nós diferentes dos animais temos
uma capacidade de projeção. O homem se apropria do espaço, pensa e o modifica
através das ações, transformando-o em lugar. A diferença entre o habitar e o residir se
estabelece a partir do momento em que o primeiro diz respeito ao vínculo, afeição,
prazer, afinidade. “[...] habitar. Criar um lugar onde pessoas, famílias grupos e
comunidades reúnem-se para conviver (BRANDÃO, 2009, p. 20) ”. O residir, por outro
lado, se define pela necessidade de estar, independente do querer, pensar e sentir.
Criar o espaço-do-habitar equivale a erguer do chão um lugar que
conquistamos, de que nos apropriamos e que transformamos, como
querem alguns. [...] criar tal espaço significa “trazer a ele os deuses
dos homens”; dar aos deuses uma habitação terrena, “ aqui entre nós”,
para que também nós possamos habitar e conviver com eles e entre
nós, em um múltiplo e polissêmico lugar onde nós habitamos por uma
porção de Terra transformada em um “lar”, “em minha terra”, em
nossa pátria. (BRANDÃO, 2009, p. 21).
Em muitos casos, através das discussões entre os alunos, vimos que não existe a
noção de “roça” apesar se auto referirem desse modo, mas sim de “zona rural”. Estamos
diante de algumas das convenções, criadas pelos moradores rurais, com o intuito de
minimizar situações de constrangimento, e vergonha. A troca de expressões para se
referir a um local de moradia foram algumas das estratégias de linguagem observadas
na escola, consideradas pelos alunos como importantes para que a socialização ocorra.
Dizer que zona rural e roça são a mesma coisa pode se tornar um conflito, pois, como
132
nos lembrou certa aluna da escola pesquisada “[...] quem mora na roça é o milho e o
feijão” (Fala de alunas do 9º ano, 2015). Através deste evento nos foi dado à
possibilidade conhecer diferentes perspectivas, através do outro e do modo como ele se
relaciona com o lugar.
O chão de sentidos é composto pelas relações de vizinhança, que se reforçam e
edificam os lugares, através da relação entre as formas (conteúdos), sua representação e
a linguagem. Assim o lugar se torna [...] o espaço passível de ser sentido, pensado,
apropriado e vivido através do corpo (CARLOS, 1996, p. 17). A poesia do campo, da
floresta do pequeno vilarejo ganham vida, nas conversas informais, através dos
chamados anciões do rural, cujas raízes se aprofundaram naquele lugar e, possibilitaram
a criação das próprias territorialidades.
Quando eu era criança, essa terra era pequena para as nossas artes. No
mato, pegávamos passarinho, pescávamos e depois pulávamos no
córrego, antes de ir embora. O dia começava cedo, custava, mas
acabava. A gente dormia e acordava com as galinhas. Alívio para os
meus pais, era quando eu chegava em casa com o joelho ralado,
porque brincar de pique esconde no mato era um perigo. Mas, nada
cercava a gente. Tinha dó dos meus irmãos mais velhos, porque já
tinham idade para trabalhar, junto com os meus pais na roça, com
marmita e tudo, mas eles falavam sorrindo (em tom de ironia):
aproveita porque daqui uns anos é a sua vez! Foram bons tempos, que
não voltam, mas, que dão saudades. (Narrativa de um antigo
morador da comunidade de Caburú, 2016).
O sentimento de pertencimento e a saudade que despertam entre os moradores
rurais mais antigos se misturam com a angústia e o pessimismo dos mesmos, quando se
deparam com as águas do ribeirão abaixo do nível, com a plantação de eucalipto
tomando a paisagem, juntamente com as carvoeiras e madeireiras próximas, a
pavimentação e a melhoria das estradas, com vistas ao escoamento de matéria prima. As
atividades que se adentraram no campo, agora exigem maior capacitação técnica dos
moradores, que não usam mais a enxada, a foice e o machado, quando se tem tratores,
motosserras, roçadeiras e plantadeiras de todos os tipos. É nesse momento que o ditado
“estudar para ser alguém na vida”, ganha força.
Para Milton Santos (2002) as ações humanas se incorporam a natureza, e a
transforma em espaço apropriado (ou mercadoria), é o território, como um sistema de
objetos e ações, indissociáveis. O domínio da técnica, e a transformação da primeira
natureza em segunda decorre das necessidades humanas, para a criação dos lugares e
133
dos territórios. Este, por sua vez se incorpora através da vivência, pelo dia a dia, pelo
afeto e, sobretudo pelo conflito. A partir do momento em que o lugar perde sentido e os
sujeitos se desencontram com os seus significados se tem início a uma nova busca.
A reflexão apresentada no parágrafo acima, se contextualiza neste estudo a partir
das indagações dos alunos rurais, sujeitos de nossa pesquisa, no que diz respeito a:
Quem sou? Onde estou? Para onde vou? A angústia se instaura ao nos direcionarmos
novamente para a escola tradicional, que entra como peça chave para o direcionamento
(domesticação) do sujeito ao ditar uma única forma de ver o mundo, alegando ser a
ponte para o futuro, garantindo um lugar na história, na condição de que somos livres,
embora nossas escolhas demandem consequências.
Na modernidade, o princípio da racionalidade instrumental surge como uma
forma de compreensão da sociedade, dando-lhe o sentido de “utilitário”. As questões
utilitárias se sobrepõem aos conceitos de rural, de educação, de educação rural,
convergindo para uma educação urbana, constituindo assim uma padronização dos
valores, dos costumes e da vida.
O domínio da técnica, a hierarquização dos lugares e das pessoas, a partir do
poder, aumenta ou reduz a importância de cada sujeito. A compreensão do mundo, a
partir da ciência atribui valores a sociedade e, é na escola que o sujeito da educação
ganha importância e, portanto, precisa ser lapidado, para se enquadrar a um regime, que
o distancia da sua realidade e do seu cotidiano.
A constituição dos lugares ocorre através da relação homem-natureza e homem-
cultura, ou seja, entre sujeito e espaço vivido-praticado. Conforme Santos (2002, p 15),
as ações humanas criam os lugares que são dotados de particularidades, de modo que o
local pode se inserir ao global e, o contrário nem sempre pode ocorrer. Partindo desse
pressuposto, este geógrafo reitera que nos lugares a cooperação e conflito compõem a
base da vida em comum. Todavia, os mecanismos de poder que agem sobre os lugares
aumentam ou diminuem o seu potencial, seguindo uma tendência excludente diante do
interesse de se globalizar os lugares ao invés de integrá-los.
É o lugar então o real agente sedimentador do processo da inclusão e
da exclusão. Tudo dependendo de como se estabelecem as correlações
de forças de seus componentes sociais dentro da conexão em rede. Isto
porque natureza e poder da força vêm dessa característica de ser a um
só tempo horizontalidade e verticalidade. (MOREIRA, 2007, p.60).
134
Na escola, as histórias da roça são apagadas e, junto a elas o cotidiano rural. Os
alunos do campo se sentem estranhos, pelo fato de serem diferentes, enquanto, a
diferença está entre todos. A densidade que o conceito de lugar carrega, conjuntamente
com seus códigos, saberes, linguagens se perde na escola, é nesse momento que a
omissão/exclusão do outro ocorre em seu dia a dia. Constatamos que identidade,
alteridade, subjetividade, hibridismo, entre tantos outros termos encontrados para
compreender os fenômenos da atualidade raramente são discutidos no cotidiano escolar.
Em seu lugar se mantêm palavras-chave como objetividade, metas, ideologia,
planejamento, definindo padrões de comportamento que ajustam e delimitam os
sujeitos, como já mencionado por Silva (2010) neste estudo.
A manutenção das culturas, ou pelo menos do que restou delas, estão nas
narrativas dos moradores rurais antigos, pois:
[...] sinto saudades do tempo, que debulhar uma espiga de milho, para
fazer fubá, ou moldar a taquara para montar balaios era uma diversão.
[...] na época de criança, nas férias de julho, a gente corria pro pasto,
para soltar pipa, feita com sacola de pão, pois ainda era novo para
trabalhar na roça (Fala do Aluísio, um antigo morador da zona
rural, 2015).
Entretanto, em vários momentos observamos que, quando as pessoas mais
antigas contavam as suas peripécias de criança os filhos e os parentes mais novos se
afastavam, sinalizando o sentimento de vergonha.
Santos (2008, p.66) faz um alerta, para nos atentarmos a transformação da
paisagem, pelas necessidades do mercado, culminando na sobreposição dos espaços e
das atividades humanas (cultura, infraestruturas) que compõem a herança de muitos
momentos. O período da modernidade é propício para entendermos como que a
mercantilização das coisas (inclusive da vida) deram (e dão) origem a diferentes
organizações sócio espaciais e, junto a elas novas formas de ser, pensar e agir no
espaço, o que dizemos se tratar de um processo de domesticação das culturas, para a
criação do sujeito dócil, da sociedade de seu tempo.
Os lugares rurais estão cada vez mais vazios. O êxodo rural, acentuado na
década de 60, impulsionou um expressivo fluxo migratório, no sentido campo-cidade e,
a partir daí se criou um novo modo de viver e de pensar. Àqueles, que modernizaram as
ideias e não os lugares colocaram as massas (pessoas) a margem do lucro, pois estes
135
apenas compram e consomem, alimentando o sistema. Morar no rural hoje tem sido
sinônimo de desamparo, seja diante das políticas públicas em seus diversos segmentos,
ou do desencantamento dos próprios moradores, que querem que seus filhos alcancem o
sucesso, a partir dos estudos e da vida urbana.
Nas palavras dos moradores rurais mais antigos, o notório esvaziamento dos
povoados, vilas e comunidades se mostra nos dias de domingo, pois “[...] antigamente, a
capela costumava ficar cheia, para as missas, cortejos e festas” (Fala de um Morador
da Comunidade do Fé, 2016). Outro caso está na lavoura, quando os agricultores
trocavam dias de trabalho com o vizinho, para adiantar o plantio e a sua colheita, coisa
que são se vê mais. Naquela época, o pagamento se dava mediante a força de trabalho
do outro, ou de uma banda de porco, uma saca de milho, ou o empréstimo de uma junta
de bois, para transportar a colheita, por alguns dias. Para os rurais, o esvaziamento está
na falta de pessoas, que queiram lutar pela vida simples da roça, por saber que lá a luta
pela sobrevivência começa ao nascer do sol.
Quanto aos filhos, sobrinhos e netos desses anciões do rural, a diferença presente
nas escolas, muitas vezes tem se tornado um predicativo, para se destituir o sujeito pelo
seu modo de ser, sentir e viver, causando o seu silenciamento (SILVA, 2010). A
tolerância, ao invés do respeito, e a ausência de discussões pertinentes ao mundo
contemporâneo têm apagado lugares, pessoas e culturas. O distanciamento entre a
escola e o aluno, nem sempre se reduz ao local de moradia, como abordado neste
estudo, mas a questões de maior amplitude, no que diz respeito ao gênero, cor, etnia,
etc.; e sobretudo aos alunos da área urbana, que vivem sob condições desumanas.
Em visita às comunidades rurais, lugar de morada dos alunos de nossa
investigação, a nossa proposta foi aproximar espontaneamente do seu cotidiano,
permitindo que o modo rural de viver nos fosse apresentado pelos próprios alunos e
familiares. Em vista disto, defendemos que o fato da escola não reconhecer outros
modos de viver, que não sejam associados ao urbano e, negligenciar a
multiculturalidade torna-se contraditório, haja vista que a escola é de todos. A
homogeneização da escola e a padronização dos conteúdos é mais uma pista, de que
existe um longo caminho para que a escola alcance o aluno e não o contrário.
A geografia entra nesse contexto, através de suas categorias de análise, e do
conceito de lugar, que nos permite desvendar os processos e as transformações sobre o
território. A perspectiva crítica, acerca dos espaços-tempos distintos e a interação com
os atores da vida simples nos permitem (re) conhecer o espaço vivido e praticado
136
daqueles que não têm voz, na sociedade moderna. Por isso, justificamos as narrativas
densas até aqui apresentadas, pois estas nos aproximam de uma “história não contada,
mas de quem também existe”, nos possibilitando entender o significado do lugar, diante
dos acontecimentos que cercam os seus guardiões.
137
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Através dos objetivos propostos nesta pesquisa, buscamos compreender como
ocorre o processo de organização do conhecimento geográfico a partir da escola básica,
no âmbito das teorias curriculares críticas e pós críticas, considerando o papel dos
discursos como criadores de um regime de saber, que cria modos de ser e estar, a partir
da escola. A metodologia e os procedimentos metodológicos empregados neste estudo
nos permitiram entrar em contato com um mundo, distante de um currículo que o
descreve e orienta.
Nesse percurso, os estudos teóricos, somados às atividades de campo, nos
permitiram sinalizar que o modelo tradicional de ensino tem se mostrado insuficiente,
quanto ao processo de inclusão dos alunos do meio rural nas escolas urbanas.
Reforçamos esta colocação tendo em vista o material didático (público) e as abordagens
destinadas ao rural, que tem sido apresentado aos alunos, apenas sob a perspectiva de
mercado, na ênfase patronal e empresarial.
A abordagem qualitativa, em sua variante participativa, atendeu os nossos
objetivos e nos colocaram em contato com um mundo descrito densamente, a partir dos
sujeitos de nossa investigação, que narraram seus próprios desafios, projetos e emoções.
As quantificações apareceram no estudo, através de percentuais e gráficos, que foram
expostos de forma simplificada, atendendo somente a necessidade de realçar os
contrastes entre as respostas e opiniões dos entrevistados, não descaracterizando,
portanto, o caráter qualitativo desta pesquisa.
Os desafios encontrados pelo pesquisador se iniciaram diante da necessidade de
compreender o cotidiano de uma escola rural, que foi transferida para a área urbana do
município de São João del-Rei, daí a necessidade de um intenso trabalho de campo. A
aproximação entre pesquisador e escola ocorreu de forma gradual, na medida em que os
alunos rurais, professores e gestores se acostumaram com a nossa presença, se sentido à
vontade para nos contar um pouco do seu cotidiano. Nesse momento, realçamos a
importância de uma caderneta de campo, utilizada para a coleta dos registros que mais
nos tocaram.
Ao nos propormos a discutir sobre o processo de inclusão dos alunos do campo
nas escolas urbanas de São João del-Rei, trouxemos à tona alguns dos desafios
enfrentados por esses sujeitos em sua jornada de estudos, seja para chegar na escola ou
na sua relação com a comunidade escolar, de modo geral.
138
É nesse ponto que indagamos se as políticas adotadas para o sistema de ensino
institucionalizado promovem a INCLUSÃO ou EXCLUSÃO desses sujeitos, já que as
nossas atividades práticas nos permitiram sinalizar um provável estranhamento, entre os
alunos rurais e a escola urbana.
No decorrer da pesquisa nos deparamos com uma contradição, que vai do campo
discursivo ao prático e, que se desdobra a partir do seguinte questionamento: para que
serve o currículo? O que eles querem de nós? O que de fato ocorre na prática? Para
pensarmos sobre estas questões levamos em consideração a influência do discurso, que
se exerce a partir dos currículos, compreendidos neste estudo como um “documento de
identidade” que, somados aos decretos e leis, são responsáveis por criar um cotidiano,
baseado em um modo de ser e fazer, a partir da escola, criando, moldando e
transformando as múltiplas identidades presentes nesse meio.
Em Larrosa (1999), o “Seu Porqueiro”, servo de Agamenon, ao relutar contra a
VERDADE do PODER, nos motiva a pensar sobre os interesses ocultos que se exercem
por trás dos currículos (verdades) destinados para o sistema de ensino. A partir desta
questão, nos colocamos diante da necessidade de combater a verdade do poder, através
do questionamento e da crítica, de modo que nos permita desvendar o poder que se
exerce através da verdade. Por isso, essa pesquisa se construiu através da “voz do
outro”, visto por nós como uma oportunidade de conhecer diferentes mundos, discursos
e verdades, muitas delas desconhecidas pela própria escola.
Imbuídos na busca de explicações e da compreensão desta questão,
apresentamos um esboço teórico, no que tange as teorias curriculares, as teorias da
territorialização, desterritorialização e reterritorialização, de modo que nos permitisse
compreender os processos e fenômenos que envolvem as categorias geográficas
território e o lugar, as diferentes leis e as prescrições normativas previstas para a
educação, sob diferentes âmbitos. Também trouxemos um elemento de destaque, que
são as descrições densas através das narrativas, nos possibilitando entrar em contato
com o mundo subjetivo do aluno e seus horizontes de sentido, expresso em seu
cotidiano, muitas vezes desconhecido pela comunidade escolar e, sobretudo pelo
currículo oficial.
As teorias curriculares críticas e pós-críticas nos permitem desvendar um
mundo, que se cria a partir dos interesses hegemônicos, que historicamente dominaram
os lugares, as pessoas e os seus costumes através de um saber-poder, responsável pelas
diferentes transformações e organizações territoriais. É nesse ponto que demonstramos
139
o nosso interesse pela escola, por que assim como Foucault consideramos que o
processo de domesticação das massas começa nas instituições, não se restringindo a
esta.
Ainda influenciados por Foucault (2011), lembramos que o poder não é algo
adquirido, e sim exercido. Ele se exerce em todos os lugares não estando, portanto,
centralizado nas mãos de poucos. As relações de poder, demonstradas através dos
currículos, podem sofrer resistência por grupos que se sintam marginalizados ou até
mesmo excluídos, o que nos permite considerar que o poder também está presente em
outros segmentos da sociedade. É nesse momento que nos dirigimos aos alunos rurais,
que constantemente foram denominados “os problemas” no processo de ensino
aprendizagem, tendo em vista os casos de indisciplina e baixo desempenho escolar.
A teorização apresentada neste estudo perpassa por diversas abordagens,
perspectivas e conceitos, e foi contextualizada, por meio das narrativas densas, sem
perder de vista a importância do território e do lugar, dimensão do espaço vivido e
praticado, que por si só carregam uma densidade de eventos. A perspectiva pós-crítica
entra como peça chave nesse processo, sem abrir mão da crítica, por se tratar de uma
teoria de questionamento, demonstrado o quão incerto e improvável é a realidade e o
mundo que nos cerca. É nesse momento que a verdade e o discurso caem por terra,
abrindo caminho para outras possibilidades.
Os conceitos geográficos, território e lugar, apontados como centrais para o
desenvolvimento desta pesquisa nos levou a refletir sobre a sua importância para
aproximar dos fatos e dos diferentes contextos, através dos encontros e desencontros.
Diante disto, observamos que, criticar o plano da verdade e do discurso não nos impede
de apontar sugestões para melhorias no sistema de ensino, pois as possibilidades de
mudança são inúmeras. Resta-nos pensar que a escola transforma os sujeitos, e os
sujeitos transformam a sociedade.
Apesar de não ser este o papel desta pesquisa, reconhecemos que os diferentes
campos do saber, trazem consigo um discurso próprio e dão ênfase a um determinado
método, para se entender a realidade, a partir do que lhe é significativo. Portanto, seria
equivocado dizer que alguma destas perspectivas estão erradas, já que cada uma tem o
seu tempo e contexto.
O processo de escolarização (ou de doutrinação) das massas traz consigo
elementos ocultos, muitas vezes apresentando somente uma face da história,
responsável por valorizar grupos e culturas dominantes. Foi assim, no descobrimento do
140
Brasil, quando os portugueses trouxeram uma língua, uma religião e um modo de ser,
pautados em uma cultura eurocêntrica.
As análises realizadas a partir das Leis de Diretrizes e Bases para a Educação
(LDBs), dos Parâmetros Curriculares Nacionais (PCNs), do Currículo Básico Comum
(CBC) e do Projeto Político Pedagógico (PPP), da escola escolhida para o nosso estudo
de caso, nos colocam diante de um conjunto de interesses paralelos aos benefícios que,
de fato foram propostos no campo discursivo, e que deveriam ser prioridades para o
sistema de ensino. Criar leis de inclusão para o sistema de ensino institucionalizado,
mescladas a uma sensibilidade e preocupação quanto à multiculturalidade de nada vale,
quando se sabe que na prática o que ocorre é a omissão, o silenciamento e a
consequente exclusão dos alunos de lugares e contextos distintos.
Os discursos oficiais reservados para o sistema de ensino nem sempre são
passíveis de crítica, pois, é nítida a atenção quanto às temáticas voltadas para os
desafios da atualidade. Nossa crítica está na sua aplicação, e na desarticulação
estabelecida entre as instâncias federais, estaduais e municipais. Além disso,
consideramos que atribuir ao professor à missão de “milagreiro” da sala de aula não é o
suficiente, quando se sabe que nem todos os profissionais da educação possuem os
mesmos recursos para exercer o seu trabalho dignamente.
Nesse sentido, consideramos que, a formação continuada dos professores,
poderia contribuir de forma mais incisiva para o entendimento dos espaços-tempos
distintos da cultura, identidade, diferença e, sobretudo as relações cidade-campo. Além
disso, sinalizamos que na universidade, a práticas de ensino e os estágios de iniciação à
docência se integrados aos diferentes contextos escolares também poderiam influenciar
nas práticas docentes cotidianas, na condição em que o professor é o agente da
construção social.
De modo geral, percebemos que os professores não possuem formação para
trabalhar com alunos da zona rural e com as realidades do campo. Todavia, não
podemos dizer que o professor é o responsável pelos sucessos e insucessos escolares, já
que estamos envolvidos em uma lógica sistêmica, regida através das relações de poder.
Sabemos inclusive que, a maioria dos professores não possuem as mesmas condições
para uma formação continuada, pois, muitas vezes a longa jornada de trabalho pode se
tornar um obstáculo para o seu acesso.
Através das teorias curriculares foi possível compreender como as relações de
poder se exercem no âmbito econômico, político e social, no território, influenciando,
141
sobretudo, as propostas oficiais para o ensino e, consequentemente o cotidiano escolar.
Por isso, reforçamos a consideração deste documento como uma ferramenta de
construção social, a partir do momento em que este oculta valores e grupos. Nesse
sentido, vemos a (re) criação de uma identidade, cada vez mais destoante do seu real
contexto e a diferença, que deveria ser a materialidade da pluralidade cultural ocupando
o lugar do exótico, folclórico, etc.
Na escola, o currículo é a ponte que interliga os fenômenos cotidianos, às várias
possibilidades de mudança e intervenção social, fazendo do discente o sujeito central
deste processo. Porém, a existência dos discursos nos faz compreender que [...] tanto a
educação quanto a cultura em geral estão envolvidas em processos de transformação da
identidade e da subjetividade (SILVA, 2004 p. 139). Influenciados, a partir das
considerações deste autor nos deparamos com a urgência de repensar sobre a
necessidade de um sistema de ensino, que leve em conta a existência do discente, como
agente central, na condição de que este possui uma identidade, que se expressa a partir
do seu cotidiano.
Silva (2004), também nos lembra que os discursos estão difundidos em todos os
lugares, instituições e contextos, no entanto, este autor nos alerta para desconfiarmos
dos seus diferentes tipos, pois ambos ocultam interesses diversos estando, portanto,
implicados em relações de poder. É quando tomamos consciência de que a escola se
propõe a atender mais os interesses e demandas do Estado ou das Corporações, ao invés
das comunidades de sua abrangência.
Ao centralizarmos a nossa discussão para o processo de inclusão dos alunos do
meio rural nas escolas urbanas, da rede municipal de ensino de São João del-Rei,
buscamos, sobretudo, entender como os fios da multiculturalidade são costurados aos
documentos e premissas oficiais para o sistema de ensino em questão. Também, nos
propusemos a entender o cotidiano de uma escola inicialmente criada em uma
comunidade rural, que foi nucleada para a área urbana e que apesar de receber a maioria
dos alunos da zona rural pouco tem feito para reconhecer o cotidiano desses sujeitos.
Deixamos claro que a problemática analisada neste estudo não está no fato de
misturar alunos de diferentes localidades. O que queremos colocar em questão são as
atitudes e os interesses, que são transmitidos através dos discursos e transpostos nos
documentos oficiais de ensino, que ao invés de promover uma interação entre os
diferentes contextos e identidades tem se prestado a criar um cotidiano pautado
142
simplesmente em padrões, objetivos e metas. A desterritorialização do outro ocorre a
partir do momento em que os saberes promovem esta homogeneização das identidades.
A contradição estabelecida entre teoria e prática muitas vezes ocorre porque, um
nem sempre consegue explicar o outro em sua totalidade. Nas comunidades rurais, que
fizeram parte do nosso roteiro de visitação, conhecemos pessoas de diferentes faixas
etárias, que tiveram o mínimo de escolaridade e que ainda não conseguiram entender
porque nem todo mundo alcançou o mesmo sucesso prometido pela escola, apesar de
terem se dedicado da mesma forma que os demais colegas.
Parafraseando Martins (2012) e Brandão (2009) vemos no mundo rural um
saber-fazer, agora explicado cientificamente, que silencia ou coloca os seus moradores
mais antigos como pessoas atrasadas, xucras ou desinformadas. Neste caso, estamos
falando de pessoas que em seu tempo deram conta de criar famílias numerosas e, que
hoje se sentem envergonhados de apresentar o seu antigo modo de plantar uma lavoura,
por exemplo. Presenciamos este fato na casa de um morador do distrito de São Gonçalo
do Amarante, que ao perguntarmos como ele costumava dividir os períodos da colheita
nos respondeu de forma acanhada: “[...] pergunte para o meu neto, que ele vai te
explicar melhor do que eu. Ele tem mais estudo! ”.
A partir daí, justificamos a relevância deste estudo, e a necessidade de estimular
novas discussões acerca da temática novas relações entre campo-cidade a partir da
inclusão dos alunos do meio rural nas escolas urbanas, sem perder de vista o papel do
currículo, como uma ferramenta de construção identitária. Assim, como Larrosa (1999),
Freire (1988) e Silva (2010), vislumbramos uma escola que nos ensine a pensar
(criticamente) e não a obedecer, por isso nos vemos diante da necessidade de entender o
sistema de ensino institucionalizado, através das teorias curriculares críticas e pós
críticas.
Portanto, este trabalho iniciado em âmbito acadêmico propõe a criação de um
espaço-tempo de reflexões sobre o currículo, não apenas como um documento pré-
moldado, através de uma matriz curricular, ou de um projeto político e pedagógico. As
teorias curriculares vão além, pois nos permitem refletir sobre a prática educativa e as
políticas de forma ativa e interligada com os grupos sociais diversos aos quais se
destinam. Assim, é possível dar visibilidade aos diferentes cotidianos, desatando os nós
e redes, costurando as tramas e eventos dos alunos à própria escola, possibilitando uma
costura entre escola-aluno-lugar, e a construção de uma geografia, que de fato seja para
todos.
143
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Programa de Pós-Graduação em Geografia PPGeog - UFSJ
151
ANEXO
1º ETAPA – QUESTIONÁRIO APLICADO AOS ALUNOS
Mestrando: Filipe César Pereira Orientadora: Dra. Lígia Maria Brochado de Aguiar
Público alvo: Alunos do Ensino Fundamental – Anos Finais (6º ao 9º ano)
Escola Municipal Carlos Damiano Fuzatto - SME/SJDR
Endereço: Rua Patronato, s/n – Vila do Carmo - São João del-Rei/MG
Nome do aluno: Impessoal Série: _______Ano____
Nome da Comunidade Rural: ______________________________________________
1. Existe alguma escola perto de sua casa?
( ) Sim ( ) Não
2. Porque sua família optou por esta escola?
( ) Por ser a única escola com vaga disponível.
( ) Pelo fato desta se localizar mais perto de minha comunidade.
( ) Não foi a minha família que escolheu.
( ) Não sei.
3. O transporte que vai da sua casa para a escola é gratuito?
( ) Sim ( ) Não
4. Na sua opinião o transporte que te leva até a escola é confortável?
( ) Sim ( ) Não
Porquê?
________________________________________________________________
________________________________________________________________
5. Houve algum momento que não foi possível chegar a escola, por que o
transporte quebrou, atolou no barro ou simplesmente não passou no ponto?
( ) Sim ( ) Não
Conte-nos como isso ocorreu
Programa de Pós-Graduação em Geografia PPGeog - UFSJ
152
________________________________________________________________
________________________________________________________________
6. Você gosta de estudar na escola da cidade?
( ) Sim ( ) Não ( ) Às vezes
Porque?
________________________________________________________________
________________________________________________________________
7. Existe alguma matéria estudada em sala de aula que fala sobre a realidade do
campo?
( ) Sim ( ) Não
Explique.
________________________________________________________________
________________________________________________________________
8. Como você se sente em relação aos alunos da cidade?
( ) Vergonha e inferioridade.
( ) Não tenho problemas com meus colegas.
( ) Alguns colegas me tratam de forma diferente pelo fato de eu ser do campo
9. Você já sofreu bullying ou algum tipo de preconceito por morar na zona rural?
( ) Sim ( ) Não
10. Você pretende continuar com os estudos até o fim do Ensino Médio?
( ) Sim
( ) Não
( ) Ainda não pensei sobre isso.
11. O que você pretende fazer após concluir o Ensino Médio?
( ) Estudar em uma faculdade
( ) Não estudar mais
( ) Trabalhar junto com meus pais no campo
( ) Não sei
Programa de Pós-Graduação em Geografia PPGeog - UFSJ
153
( ) Não pretendo concluir o Ensino Médio
12. Você gosta de morar na zona rural (ou campo)?
( ) Sim ( ) Não
Porque?
________________________________________________________________
________________________________________________________________
13. Você acha que a vida na Cidade é melhor que a do Campo?
( ) Sim ( ) Não
Porquê?
________________________________________________________________
________________________________________________________________
14. Seus pais trabalham no campo?
( ) Sim ( ) Não
No que eles trabalham?
_______________________________________________________________________
_______________________________________________________________________
154