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having and being
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Uma expressão corriqueira tanto dentro do meio acadêmico quanto fora dele
guarda em si certa incompreensão travestida de um grande insight sobre os tempos
contemporâneos. Trata-se de algo nas linhas de “na sociedade contemporânea o
importante é o ter e não o ser”. Tal expressão revela certa incompreensão tanto histórica
quanto observacional. Esquece-se de que a relação “ter e ser” é tão antiga quanto o
homem. O que modifica, atualmente, é o fato de esta relação poder ser alterada. À época
do medievo dominado pela Igreja, era impossível deixar de ser criatura divina vez que,
por ser humano, se tinha parte de sua essência. Tal é o sentido da fala dos cristãos aos
ateus quando os primeiros dizem aos segundos que “ainda vocês os neguem, Ele está
dentro de vós”. A condição de humanidade era ter sido criado por Deus e manter com
este alguma espécie de relação ainda que à revelia da vontade.
Contemporaneamente, pode-se, quase que literalmente, possuir outras
existências. Se se tem a graduação em psicologia e o devido registro, se é psicólogo; se
se possui graduação em filosofia, se é filósofo; se se possui uma graduação ou curso de
teatro, se é ator, etc. Este é o defeito histórico da afirmativa: tomar uma relação antiga
como uma relação que existe como algo importante apenas agora. Ter sempre foi
definidor e inseparável do ser e, muitas vezes, o que se tinha dava testemunho muito
mais contundente do que se era do que a afirmação travestida de insight permite supor.
O defeito observacional dá-se no momento em que se confunde ter com
consumir. Se sempre foi necessário ter para ser, só contemporaneamente possuímos
objetos que são feitos exclusivamente para serem exibidos por um curtíssimo tempo,
tempo este condicional de ambas as existências (a do consumidor e a do consumido).
Uma mesa colonial, à época dos imperadores, era feita para durar séculos. A duração
era o testemunho da habilidade do artesão e, também, da importância do nome na
família que adquiria o objeto. O testemunho era dado pelo tempo. Assim, o tempo era o
espectador que, quando “calado alto, divulgava”. Um índice de que isto mudou é a
possibilidade da existência da moda. Não se funda esta na tentativa de inscrição na
tradição e, portanto, num longo período de estabilidade: ao contrário, obviamente se
inscreve num período de um grande apogeu e posterior obsolescência frente aos seus
juízes.
A própria confusão entre ter e consumir, por sua vez, revela uma face da
contemporaneidade, qual seja, sua pretensão ahistórica e eventual e a consequente
impossibilidade de consideração do tempo como futuro ou passado, mas sempre como
um presente ininterrupto que não cessa de buscar qualquer coisa para “passar o tempo”.