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Anais do III Encontro de Pesquisas Históricas - PPGH/PUCRS. Porto Alegre, 2016. p.141-152. <www.ephispucrs.com.br>. SERIGRAFIAS DE ROMANITA DISCONZI: VOCABULÁRIO PRÓPRIO E VISUALIDADE POP ROMANITA DISCONZI’S SILKSCREEN: PERSONAL VOCABULARY AND POP VISUALITY Carolina Bouvie Grippa Bacharela em Moda pela Universidade Feevale e Bacharelanda em História da Arte pela UFRGS [email protected] RESUMO Esse trabalho tem o intuito de mostrar a produção de serigrafias da artista gaúcha Romanita Disconzi (1940), realizadas no período de 1969 e 1977, cujas gravuras foram importantes para a construção de um vocabulário imagético próprio, que influenciou sua trajetória artística. As serigrafias trazem elementos de conteúdo popular, e nota-se uma repetição de imagens nos trabalhos produzidos, mas que a partir de diversas combinações realizadas por Romanita, ela consegue resultados variados, promovendo novos significados para cada gravura. Para melhor explorar o conteúdo das obras, serão apresentados acontecimentos que influenciaram essa produção - uma viagem feita pela artista e o curso ministrado pelo artista espanhol Julio Plaza - além de uma discussão referente à sua ligação com o movimento pop euro-americano, e suas conexões com a pop brasileira, que possuiu conotações políticas mais explícitas, devido ao período de ditadura militar que o país se encontrava. Dessa maneira, se discute influências da estética pop nos trabalhos de Romanita, além de possíveis conotações politicas perceptíveis em sua obra, a partir do vocabulário imagético criado pela artista. Palavras-chave: Romanita Disconzi. Serigrafia. Arte Pop. Vocabulário Pessoal. ABSTRACT This paper aims to show the silkscreen production of the artist Romanita Disconzi (1940), made between 1969 and 1977, in which the prints were important to the construction of its own imagistic vocabulary, which influenced her artistic path. The silkscreens bring elements of popular content, and it shows an image repetition in the works produced, but that from diverse combinations made by Romanita, she gets various results, promoting new meanings for each engraving. To better explore the content of the works, will be presented events that influenced this production a trip made by the artist and the course given by the Spanish artist Julio Plaza , as well as a discussion regarding her bond with the Euro-american Pop movement, and her connections with the Brazilian Pop, which has more explicit political connotations, due to the period of military dictatorship that the country found itself in. Therefore, it will be discussed the pop aesthetic influences on the works of Romanita, other than possibly perceptible political connotations in her work, as from the imagistic vocabulary created by the artist. Keywords: Romanita Disconzi. Silkscreen. Pop Art. Personal Vocabulary. Introdução Romanita Disconzi (Santiago, RS, 1940) entrou no Instituto de Belas Artes 1 aos 16 anos e realizou um curso de aperfeiçoamento em pintura por volta de 1966 a 1967. Segundo a 1 Nome antigo para o atual Instituto de Artes da UFRGS.

SERIGRAFIAS DE ROMANITA DISCONZI: VOCABULÁRIO … · cada espectador dar um significado diferente, sempre ligado aos seus próprios referenciais

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Anais do III Encontro de Pesquisas Históricas - PPGH/PUCRS.

Porto Alegre, 2016. p.141-152. <www.ephispucrs.com.br>.

SERIGRAFIAS DE ROMANITA DISCONZI:

VOCABULÁRIO PRÓPRIO E VISUALIDADE POP

ROMANITA DISCONZI’S SILKSCREEN:

PERSONAL VOCABULARY AND POP VISUALITY

Carolina Bouvie Grippa Bacharela em Moda pela Universidade Feevale e

Bacharelanda em História da Arte pela UFRGS [email protected]

RESUMO

Esse trabalho tem o intuito de mostrar a produção de serigrafias da artista gaúcha Romanita Disconzi (1940),

realizadas no período de 1969 e 1977, cujas gravuras foram importantes para a construção de um vocabulário

imagético próprio, que influenciou sua trajetória artística. As serigrafias trazem elementos de conteúdo popular,

e nota-se uma repetição de imagens nos trabalhos produzidos, mas que a partir de diversas combinações

realizadas por Romanita, ela consegue resultados variados, promovendo novos significados para cada gravura.

Para melhor explorar o conteúdo das obras, serão apresentados acontecimentos que influenciaram essa produção

- uma viagem feita pela artista e o curso ministrado pelo artista espanhol Julio Plaza - além de uma discussão

referente à sua ligação com o movimento pop euro-americano, e suas conexões com a pop brasileira, que possuiu

conotações políticas mais explícitas, devido ao período de ditadura militar que o país se encontrava. Dessa

maneira, se discute influências da estética pop nos trabalhos de Romanita, além de possíveis conotações politicas

perceptíveis em sua obra, a partir do vocabulário imagético criado pela artista.

Palavras-chave: Romanita Disconzi. Serigrafia. Arte Pop. Vocabulário Pessoal.

ABSTRACT This paper aims to show the silkscreen production of the artist Romanita Disconzi (1940), made between 1969

and 1977, in which the prints were important to the construction of its own imagistic vocabulary, which

influenced her artistic path. The silkscreens bring elements of popular content, and it shows an image repetition

in the works produced, but that from diverse combinations made by Romanita, she gets various results,

promoting new meanings for each engraving. To better explore the content of the works, will be presented events

that influenced this production – a trip made by the artist and the course given by the Spanish artist Julio Plaza –,

as well as a discussion regarding her bond with the Euro-american Pop movement, and her connections with the

Brazilian Pop, which has more explicit political connotations, due to the period of military dictatorship that the

country found itself in. Therefore, it will be discussed the pop aesthetic influences on the works of Romanita,

other than possibly perceptible political connotations in her work, as from the imagistic vocabulary created by

the artist. Keywords: Romanita Disconzi. Silkscreen. Pop Art. Personal Vocabulary.

Introdução

Romanita Disconzi (Santiago, RS, 1940) entrou no Instituto de Belas Artes1 aos 16

anos e realizou um curso de aperfeiçoamento em pintura por volta de 1966 a 1967. Segundo a

1 Nome antigo para o atual Instituto de Artes da UFRGS.

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artista2, foi nesse momento que surgiu uma produção mais pessoal, resultando em sua

primeira exposição individual de pintura na Galeria Leopoldina em 1967. Após a realização

do curso mais prático, Romanita continuou estudando, agora na Faculdade de Educação, com

disciplinas de formação pedagógica. Em seguida, ministra aulas na Feevale e depois é

convidada para lecionar pintura no Instituto de Artes da UFRGS em 1976. É durante esse

período que participa do Grupo Nervo Óptico.

Em 1979 vai à Universidade de Chicago, nos Estados Unidos, realizar seu mestrado.

Ali, ela desenvolveu pesquisas experimentais em relação ao vídeo e aparelhos televisivos,

algo inovador para a época e que irá influenciar seu trabalho posterior na pintura. “A artista

passou a incorporar, na pintura, elementos da sintaxe do vídeo: a pincelada de cor pura como

base, em relação com o pixel, e essas pinceladas dispostas linearmente, como na linha do

scanner” (BERNARDI, 2015, p. 598). A artista comentou que nessa fase surgiu uma nova

linguagem na pintura, muito influenciada pela maneira de como a imagem era formada na

televisão, mas tudo de maneira muito intuitiva; foi apenas no doutorado que Romanita iria

verbalizar e analisar mais profundamente sua nova produção.

Realizada na Universidade de São Paulo, sua tese tem o título de Pintura Pós-TV

(1991) e foi orientada por Julio Plaza (1938-2003). Em sua pesquisa há uma referência na

imagem televisiva e uma influência dos princípios ópticos do impressionismo e pós-

impressionistas, principalmente Georges Seurat (1859-1891); tendo as pinceladas justapostas

de cores puras e a maneira de construção das imagens, como pode ser notado na figura 1. A

apreciação da obra pode ser feita de diversos distanciamentos, “variando da clareza das

imagens a uma certa abstração” (BERNARDI, 2015, p. 598).

Figura 1: Batman, Madonna e Mulher Maravilha, 1993. Acrílica sobre tela, 140x220 cm. Pinacoteca Barão de

Santo Ângelo, Instituto de Artes, UFRGS. Fonte: Site do acervo.

2 Foi feita uma entrevista com a artista para a realização desse artigo.

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Muito se escreveu sobre os trabalhos de pintura da Romanita, pois toda sua produção

acadêmica se voltou a esse suporte. Mas muito do seu interesse por imagens de televisão e do

mundo das histórias em quadrinhos surgiu anteriormente, no fim da década de 1960, mas com

outra técnica, a serigrafia. Utilizando-se de imagens do cotidiano, muitas retiradas de

religiões, da sinalização de trânsito e da natureza, a artista criou um vocabulário próprio que

explorou em obras como o Totem de Interpretação (1969) e diversas serigrafias feitas na

década de 1960 e 1970; sendo esses trabalhos que serão analisados nesse artigo.

Serigrafias de Romanita Disconzi: desenvolvimento de um vocabulário próprio

A artista criou diversas serigrafias entre os anos de 1969 até 1977, sendo muito

diferente do que ela estava produzindo anteriormente, pinturas à óleo com imagens

relacionadas à formas orgânicas e imagens da natureza; algo que sempre interessou a artista e

até hoje influência sua obra. Questionando-a sobre como ela percebe as suas serigrafias

perante a sua trajetória como artista, Romanita destaca que foi nessa série que ela estabeleceu

a base de seu vocabulário e todo o processo de construção semântica. A artista divide suas

serigrafias em duas séries: a primeira, com elementos ligados ao cotidiano (figura 2); e uma

segunda, cujo tema é voltado para a natureza (figura 3). Podem-se demarcar dois pontos que

foram cruciais para esses novos trabalhos em sua trajetória como artista: uma viagem a São

Miguel das Missões, que ajudou-a criar os novos símbolos, e o curso de serigrafia ministrado

por Julio Plaza.

Figura 2: Sinal 2, 1970. Serigrafia, 48x33 cm. Fonte: acervo da artista

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Romanita destacou que esse vocabulário de símbolos do cotidiano surgiu em uma

viagem para a cidade de São Miguel das Missões (RS), que observando as ruínas e as imagens

realizadas pelos missioneiros e os indígenas, concluiu que houve uma simplificação nas

formas e muito foi adaptado para a realidade daquele local. Na entrevista, o exemplo dado

pela artista foi:

[...] nas igrejas medievais há um friso, e tem uma imagem que ele [professor da

artista] chamava de “mandorla mística”, que em italiano quer dizer amêndoa, uma

forma de amêndoa, onde era representada a imagem de Cristo. Ou seja, o Cristo

pantocrator. E era uma imagem completa, uma figura completa de Cristo. Mas na

Igreja de São Miguel era só um coração. [...] Então, aquele coração com os cravos,

só aquilo já significa Cristo e toda a paixão de Cristo. Então, tu vês que poderosa

síntese eles fizeram, e fica muito mais fácil tu fazer um coração com três pregos, do

que fazer toda a imagem de Cristo, com cabeça, olho, nariz, boca... Isso foi uma

coisa fantástica!

A partir dessa percepção, resultado da análise das imagens nas missões jesuíticas, a

artista fez uma xilogravura com a imagem de um coração com os cravos e círculos

concêntricos, nas cores vermelho e preto. Romanita ressaltou que tinha dificuldade em

trabalhar com essa técnica, devido aos movimentos bruscos necessários para se realizar a

matriz; assim, a serigrafia surgiu como alternativa para trabalhar a nova imagética criada pela

artista.

Figura 3 – Não vi, mas me contaram sobre as abelhas, 1973. Serigrafia, 92x33 cm. Pinacoteca Barão de Santo

Ângelo, IA, UFRGS. Fonte: site do acervo

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A técnica da serigrafia foi aprendida a partir de um curso de extensão ministrado pelo

artista Julio Plaza, no ano de 1969, tendo a duração em torno de dois meses3. Foram ensinadas

algumas técnicas básicas de serigrafias, como o filme de corte e uma técnica com goma

arábica, mais rudimentar. Blanca Brittes (2015) destaca que o curso de Plaza, juntamente com

o dado por Regina Silveira (1939), em 1971, foram de extrema importância para atualizar os

artistas daqui “sobre questões que dominavam o meio artístico internacional” e influenciou

propostas posteriores dos artistas (BRITTES, 2015, p. 515).

Para a artista, esse curso foi de extrema importância, pois com a nova técnica

aprendida, ela conseguiu unir o seu vocabulário com a serigrafia, método que possui uma

estética peculiar, moderna e diversa pelos métodos que são oferecidos ao artista, podendo

utilizar-se até de fotografia para a sua construção. Como a artista destacou na entrevista: “E

nesse momento a serigrafia começou funcionar; a técnica junto a um vocabulário que estava

emergindo para mim”. Não apenas Romanita se influenciou por essa técnica, outros artistas

que também eram professores no Instituto de Artes e realizaram o curso de Julio Plaza,

começaram a fazer serigrafias, como Rose Lutzenberger (1929) e Luiz Barth (1941)4, sendo

possível notar um interesse pela técnica, independente dos estilos, pois Lutzenberger e Barth

têm influências do concretismo, como é possível perceber no exemplo abaixo.

Figura 4: LUTZBERGER, Rose. Sem título, 1971. Serigrafia, 66,5x48,5 cm. Pinacoteca Barão de Santo Ângelo

do Instituto de Artes, Porto Alegre. Fonte: site do acervo.

3 A artista não soube responder com precisão a duração do curso. 4 Na exposição “Pinacoteca Barão de Santo Ãngelo - módulo II”, que apresentou obras em papel de professores

do Instituto de Artes, o uso da serigrafia pelos três artistas citados (Barth, Lutzenberger e Disconzi) foi

perceptível, pois as obras estavam próximas e todas datavam do mesmo ano (1971), sendo consequência do

curso de Plaza.

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Assim, as relações foram se criando e ampliando o vocabulário da artista que começou

a desenvolver uma poética pessoal, apropriando-se de sinalizações de trânsito, propagandas de

revistas e de jornais, iconografia cristã (flor, coração, a palma da mão) e elementos do dia-a-

dia (TATE, 2015). A estética das serigrafias também chama a atenção pela influência das

histórias em quadrinhos e propagandas, com o uso de cores chapadas e linhas pretas que

delimitam o desenho. Essas características irão permear a produção de serigrafias da artista

(tendo algumas mudanças em trabalhos da Série Ecológica), e nota-se de como ela criou

diversos trabalhos usando elementos semelhantes e com o mesmo tratamento.

Figura 5: Identidade, 1969. Serigrafia, 60x45 cm. Fonte: acervo da artista.

Romanita se apropriou de alguns elementos, todos desenhados por ela, e desenvolveu

diversas combinações em suas serigrafias, o que promove novos significados para cada

gravura. A artista coloca que com essa seleção, ela cria uma linguagem ambígua, que cabe a

cada espectador dar um significado diferente, sempre ligado aos seus próprios referenciais.

Refletindo sobre essas questões e inspirando-se em um jogo de sua infância, as cartas

enigmáticas, cuja mensagem deveria ser decifrada a partir de sílabas, letras ou desenhos; a

artista realizou em 1969, a obra Totem de Interpretação (figura 6).

Criada para ser um jogo, o Totem é feito de diversos blocos e cilindros, com adesivos

de serigrafia com diversas imagens: corações, setas, armas, mãos; símbolos que são

recorrentes no “alfabeto” imagético da artista. O diferente dessa obra, é que essa pode ser

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manipulável5, abrindo maiores possibilidades de leitura, dependendo das posições dos blocos.

Sobre essa obra e a sua liberdade de manipulação, Romanita disse:

[...] quando eu faço um quadro não tem como manipular. Mas o procedimento de

leitura é o mesmo. As imagens se inter-relacionam através do quê? Do conceito de

continuidade daquelas que estão próximas, que é basicamente o que fazemos no

quadro. [...] Então, quando eu fiz o Totem com a possibilidade de mover, eu

acrescentei uma complexidade maior.

Essa é uma obra que se destaca na produção de Romanita pela sua construção, (sendo

um dos únicos objetos que ela produziu em sua carreira) e a participação direta do espectador,

que é convidado para brincar com os blocos, criando novas narrativas. Esse envolvimento do

público perante a obra, pode-se considerar uma influência direta de um dos principios do

neoconcretismo.

Figura 6: Totem de Interpretação, 1969. Objetos de madeira com adesivos de serigrafia, em nova partes,

dimensões variáveis. Museu de Arte do Rio Grande do Sul Ado Malagoli, Porto Alegre. Fonte: site do museu

Fotografia: Fabio del Re e Carlos Stein - Vivafoto

Artistas como Lygia Clark (1920-1988), Helio Oitica (1937-1980) e Lygia Pape

(1927-2004) criaram obras, no inicio dos anos 1960, cuja participação do público era

necessária para o trabalho ter sua potência total. Hélio Oiticica em seus escritos, muda o

denominação de espectador (agente passivo) para participador (agente ativo), mostrando a

importância do papel do público perante suas obras (OITICICA, 1986). Creio que há

resquicios desse participador na obra de Romanita; os blocos não são apenas para ser olhados,

5 Na entrevista Romanita Disconzi colocou que atualmente fica em decisão do museu que a guarda se é possível

manipular ou não, porém nas últimas mostras não era possível o público tocar, devido as várias restaurações e

novos objetos que tiveram que ser feitos ao longo do tempo.

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mas sim, mexidos, criando novos posicionamentos, formas e leituras da obra; reforçando

“uma arte com intenções fenomenológicas mais amplas” (BRITO, 2006, p. 79).

A obra tendo esse difererncial, obteve uma boa recepção perante o júri do Salão de

Porto Alegre de 1969, evento que foi a razão da construção do Totem. O júri, para premiar o

trabalho, acabou criando uma nova categoria, a de objeto, já que a obra não enquadrava em

nenhum dos suportes comuns (gravura, pintura, escultura, desenho) premiados. Exemplo de

inovação, a obra de Romanita além de requer participação do público e questionar a forma da

obra tradicional, também é considerado um exemplo de arte pop no Brasil, chegando a ser

exposta, no ano de 2015, em uma exposição intitulada The EY Exhibition: The world goes

Pop no museu Tate Modern em Londres.

A curadoria explorou a arte realizada nos anos 1960 e 1970, mostrando como culturas

diferentes reagiram ao movimento pop ao redor do mundo, retirando a ideia que esse estilo se

refere apenas à Inglaterra e ao Estados Unidos. Foram 64 artistas de 28 países, sendo dez de

origem brasileira: Antonio Dias (1944), Marcello Nitsche (1942), Teresinha Soares (1937),

Anna Maria Maiolino (1942), Claudio Tozzi (1944), Glauco Rodrigues (1929 – 2004),

Raymundo Colares (1944-1986), Wesley Duke Lee (1931-2010), OyvindFahlstrom (1928 –

1976) e Romanita Disconzi (TATE, 2015).

Não apenas o Totem de Interpretação, toda a produção de Romanita, até suas pinturas

atuais, possuem influência pop; dessa maneira, o artigo segue relacionando as serigrafias da

artista com o movimento da arte pop internacional e seus ecos no Brasil.

Arte pop: influências e referências

A pop arte ganhou força nos Estados Unidos e surge contra a ActionPainting, cujo

excesso de emotividade e individualismo a levaram ao declínio, devido a “uma sociedade que

já se ressentia dos efeitos de uma crescente massificação” (CANONGIA, 2005, p. 15). No

início da década de 1960, vários artistas de Nova York e arredores começaram a usar imagens

da cultura popular: “tiras de histórias em quadrinhos distribuídas por agências, logotipos de

produtos de consumo de massa, fotografias publicitárias de celebridades, fotos de coisas que

todo mundo conhecia nos Estados Unidos, como os hambúrgueres e a garrafa de Coca-Cola”

(DANTO, 2012, p. 47).

Assim, a arte pop contagiava a “pureza” da arte, com elementos do cotidiano e

utilizando-se de vários meios para o desenvolvimento de obras: a fotografia, vídeos, música,

etc. Além de imagens do cotidiano, esses artistas davam um tratamento diferenciado a obras:

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cores fortes e chapadas, superfície rasa (como cartazes de propaganda) (CANONGIA, 2005).

Como exemplos de artistas pop no exterior, temos: Roy Lichtenstein (1923-1997), Andy

Warhol (1928-1987), Claes Oldenburg (1929), Tom Wesselman (1931-2004) e James

Rosenquist (1933) (ARCHER, 2012).

No caso do Brasil, a assimilação da arte pop se deu a partir de sua iconografia urbana

e publicitária, “fazendo uma leitura puramente formal” (CANONGIA, 2005, p. 49). Sobre

isso, Ligia Canongia destaca:

Entre nós, a coisa foi diferente: o artista brasileiro dos anos 60 envolveu sua arte pop

de uma paixão explicita, cercada de anotações vivas e pessoais, cheias de critica. A

Pop Art original, como vimos, não era crítica, acompanhava de perto a perda da

concepção humanista das novas sociedades, em que as pessoas são tratadas como

coisas, como gêneros de consumo, sociedade, portando mórbidas e perversas. O

sentido da Pop está justamente nessa distância, na manipulação neutra da realidade,

na mera apropriação das imagens emblemáticas do mundo burguês. Com toda a sua

exuberância iconográfica e cromática, havia ali um certo humor negro.

(CANONGIA, 2005, p. 49).

“Humor negro”, resposta dos artistas ao contexto histórico vivido naquela época, da

repressão política devido à ditadura militar. Muitos artistas adotaram posições críticas ao

governo e criaram obras com características da pop, mas com um teor político mais evidente,

como é notável na produção de Antonio Dias - Querida você está bem? (1964) e Nota sobre a

Morte Imprevista (1965); de Rubens Gerchman (1942-2008) – Não Há Vagas (1965) e O Rei

do Mau Gosto (1966); e de Claudio Tozzi - Eu Bebo Chop, Ela Pensa em Casamento (1968),

entre outros (ITAU CULTURAL, [20--?]).

Figura 11 – Aquela mandinga para frente, 1971. Serigrafia, 96 x 67 cm. Fonte: acervo da artista

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Levando em consideração as questões referentes à arte pop americana e brasileira,

quais características estão presentas nas serigrafias de Romanita Disconzi que a conecta ao

movimento pop? Primeiramente, o mais evidente, que já foi abordado anteriormente no texto,

o seu vocabulário que nasceu a partir de imagens do cotidiano, aliado a uma estética própria

da serigrafia, que “esconde” vestígios da mão do artista e o uso de cores fortes, sem nenhuma

adoção de perspectiva para a construção da gravura.

Para exemplificar essas questões, temos a figura 11, intitulada Aquela mandinga para

frente (1971). A artista destaca que essa é uma das gravuras que ela mais se inspirou em um

acontecimento popular, a Copa Mundial de Futebol de 1970, quando o Brasil foi campeão. Na

serigrafia, Romanita desenhou Amarildo, jogador da seleção realizando um drible, juntamente

a outros elementos comuns a seu vocabulário.

O segundo ponto a ser ressaltado, que no caso da pop brasileira é de extrema

importância, é a conotação política em sua obra. Sobre essa questão, a artista coloca em

relação a obra Totem de Interpretação:

Eu trabalhava com certo tipo de linguagem, enquanto nós estávamos vivendo um

momento de distúrbio político no Brasil, algumas imagens eram simbolicamente

relacionadas a questões locais, como o mapa do Brasil ou a nota de dinheiro. O

punho e a arma também apareceram inspirados na grande tensão que estava no ar.

Embora eu não considere meu trabalha como politicamente engajado, eu acredito

que essa obra reflete um momento particular histórico6 (TATE, 2015).

Na entrevista realizada para esse artigo, a artista comentou sobre diversos símbolos

que podem possuir uma relação com a ditadura militar brasileira, como: o punho (que para a

artista significa poder), a arma, os diversos rostos iguais, cuja diferenciação é apenas possível

por um número escrito em suas testas. Esses elementos nos trazem uma ideia de pessimismo e

poder destrutivo, contribuindo para a ideia de uma obra com teor político, mesmo que seja

discreto e não panfletário.

Conclusão

6 Tradução nossa para: “I workedwith a kindoflanguagewithimages, and as wewere, bythen, having a

verypoliticallydisturbed time in Brazil, some images are symbolicallyrelatedtospecific local features,

liketheBrazilianmaporthemoney note. The fistandthegunalsoappeared, inspiredbythestrong feelings

oftensionthatwere in theair. Although I don’tconsidermywork as politicallyengaged, I do believethat it

maybeconsidered as meansbywhichtoreflectonthat particular historical moment” (TATE, 2015)

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Ao perguntar para Romanita se ela se considera uma artista pop, ela diz que não. A

artista nota elementos que se assemelham ao movimento, mas que foram apenas relacionados

pela artista num momento posterior, quando ela teve um maior contato com artistas pop nos

Estados Unidos. Porém, mesmo com essa dúvida sobre a sua posição na história da arte

brasileira, não há como negar uma aproximação clara de suas obras com o movimento pop.

As cores, o vocabulário e a estética; todos esses elementos unem seu trabalho ao estilo.

Confirmando esse aspecto em sua obra, Romanita Disconzi teve uma de suas

serigrafias, Saída de Emergência (1971), selecionada para Second British Internacional

PrintBiennale, que ocorreu na década de 1970, onde sua gravura ficou ao lado de obras de

grandes artistas pop como Andy Warhol e Rauschenberg; e recentemente, a inclusão da obra

Totem de Interpretação na exposição The EY Exhibition: The world goes Pop; afirmando

mais uma vez, a sua ligação com o movimento pop a partir de uma poética própria.

A influência pop na obra de Romanita Disconzi é um exemplo de quanto esse

movimento instaurou-se no Brasil e teve influência para alguns artistas do Rio Grande do Sul,

que criaram uma poética com elementos pop, principalmente se nos determos a imagens

usadas nas obras, as cores e a planaridade dos trabalhos. Um dos artistas que influenciou

diretamente Romanita foi Henrique Leo Fuhro (1938-2006), devido a sua iconografia e o uso

das cores (BRITES, 2015, p. 518), sendo ele mais um artista com influência pop no estado.

Além dele, podemos citar outros: Glauco Rodrigues (1929-2004), Jesus Escobar (1956),

Mário Röhnelt (1950) e Milton Kurtz (1951-1966). Poucos nomes são ditos, com certeza há

mais, porém há poucos estudos referentes à pop arte no Brasil, o que torna difícil a análise e

entendimento desse movimento no Brasil e no estado.

Referências

Livros

ARCHER, Michael. Arte Contemporânea: uma história concisa. São Paulo: Editora WMF

Martins Fontes, 2012.

BERNARDES, Jéssica. Romanita Disconzi (1940). In: GOMES, Paulo (org.). Pinacoteca

Barão de Santo Ângelo: Catálogo Geral – 1910-2014. Porto Alegre: Editora da UFRGS,

2015.

BRITES, BLANCA. Pinacoteca Barão de Santo Ângelo em sintonia com seu tempo. In:

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Sites

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Entrevistas concedidas

Romanita Disconzi. Porto Alegre, RS, maio de 2016.