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SERVIÇO PÚBLICO FEDERAL UNIVERSIDADE FEDERAL DE GOIÁS
REGIONAL JATAÍ UNIDADE ACADÊMICA ESPECIAL DE ESTUDOS GEOGRÁFICOS
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM GEOGRAFIA
HYAGO ERNANE GONÇALVES SQUIAVE
RIO CLARO: a natureza que reúne o espaço mineiro do século XVIII à formação
territorial de Israelândia – GO atual
JATAÍ – GO
2018
HYAGO ERNANE GONÇALVES SQUIAVE
RIO CLARO: a natureza que reúne o espaço mineiro do século XVIII à formação
territorial de Israelândia – GO atual.
Dissertação apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Geografia da Universidade Federal de Goiás – Regional Jataí, como requisito parcial à obtenção do título de Mestre em Geografia. Área de concentração: Organização do Espaço nos Domínios do Cerrado Brasileiro. Linha de pesquisa: Organização do Espaço Rural e Urbano no Cerrado Brasileiro. Orientador (a): Dr. Dimas Moraes Peixinho.
JATAÍ – GO
2018
Dedico
A Deus.
A minha família e aos meus amigos que tanto me ajudaram na construção deste
trabalho.
Ao meu avô, Otacílio José das Neves, in memoria, por todos os ensinamentos que
se somaram a minha pesquisa.
AGRADECIMENTOS
A DEUS, em primeiro lugar, por ter me dado o dom da vida e o desejo de
nunca desistir e sempre persistir. As dúvidas que permearam os momentos difíceis da
pós-graduação foram de suma importância para o fortalecimento da minha Fé,
Obrigado Deus, por tudo.
A minha família, em específico, ao meu pai, Arildo, minha irmã, Amanda, e por
último, mas não menos importante, minha mãe, Elaine, que me ensinou a caminhar
com os bons valores. Mãe, dedico todo este trabalho a você, que nunca me deixou
para baixo e sempre me incentivou a ir à luta em prol dos meus objetivos. Você é tudo
em minha vida. Amo todos vocês.
Ao professor Dr. Dimas Moraes Peixinho, meu orientador, que ora se
confunde como um pai. Dirijo-lhe um enorme respeito, admiração e afeto pela sua
pessoa, que inúmeras vezes me fez acreditar no meu trabalho. Este curto período em
que convivemos foi muito importante para o meu crescimento. Tê-lo como professor,
amigo, orientador, pai... me engrandece como pessoa e como profissional. Obrigado
professor, por sempre ter uma palavra de conforto e luz nos momentos difíceis e por
sempre me ajudar a pensar além do necessário e do imaginário.
Ao meu amigo/irmão Mestre Thiago Rocha, que está comigo desde o início
da graduação. Obrigado Thiago, por todos os momentos compartilhados e pela ajuda
de sempre (principalmente na produção dos meus mapas), esses anos passados
corroborando com as dificuldades enfrentadas fortaleceram a nossa amizade.
Sucesso para você sempre irmão.
À república Yves Lacoste, na pessoa do Thiago e do Bruno. Dividir esse
momento da vida com vocês foi substancial para o crescimento intelectual e pessoal,
obrigado meninos.
Aos professores William Ferreira da Silva e Marcos Antônio Menezes, que
participaram da minha banca de qualificação e tanto me ajudaram com suas
intervenções precisas e significativas.
À Mainara, Juliana e Juliana Abadia, amigas que a geografia me presenteou.
Obrigado por ouvir e me aconselhar nos momentos de turbulência na produção deste
trabalho.
Ao professor Dr. Ariovaldo Umbelino de Oliveira, um dos maiores geógrafos
do mundo. Obrigado professor por sempre se disponibilizar a me ajudar nos
momentos em que eu precisei. Suas provocações foram pertinentes para que eu
pudesse pensar além do necessário.
A todos do Laboratório GEOLIDER, em especial, ao grupo de estudos
Dialética, pelos encontros e discussões pertinentes que contribuíram muito com a
minha formação e a produção deste trabalho.
A todos os meus eternos professores da Universidade Estadual de Goiás –
Iporá: Divino José (Zezinho), Valdir Specian, Marlúcia Marques, Edna, Paula
Junqueira, e, em especial, Adjair Maranhão, que foi meu orientador de TCC e que
sempre me deu todo suporte para pesquisar sobre a minha cidade. A todos vocês
mestres da arte de ensinar, o meu muito obrigado.
Aos meus amigos, Fábio Faustino e Edlaine, por sempre me aconselharem
nos momentos de insegurança, sempre me mostrando uma luz no fim do túnel.
Obrigado por tamanha ajuda, desde os tempos de graduação, tenho vocês como uma
segunda família.
À CAPES, pela concessão da bolsa que muito contribuiu com a minha
formação e realização de todo este trabalho.
Ao meu avô, Otacílio José das Neves (in memoria), pioneiro em Israelândia e
que até o início deste ano esteve comigo, caminhando lado a lado e compartilhando
toda a sua história de vida que, de antemão, me fez refletir várias vezes sobre o
processo de formação de Israelândia. Obrigado vovô. O senhor estará sempre em
meu coração.
Ao meu amigo, Daniel, e toda a sua família pela recepção em sua residência.
Obrigado meu amigo por toda disponibilidade em me levar no antigo Comércio Velho
(hoje propriedade de seus pais).
Ao meu amigo Gustavo pela elaboração dos mapas. Obrigado ‘minino’. Ao
Eduardo e Mônica (sim, eles existem), por todos os ensinamentos e conversas que
muito contribuiu para o meu trabalho, sou profundo admirador de vocês.
Ao professor Bento do Instituto Histórico e Geográfico de Goiás pela recepção
e por toda ajuda prestada, além das doações de livros que muito contribuiu para a
realização deste trabalho. Além do Instituto de Pesquisas e Estudos Históricos do
Brasil Central (IPEHBC), na pessoa do professor Antônio César Caldas Pinheiro.
Obrigado professor pelas conversas, sugestões de leituras e toda a ajuda prestada.
Ao Arquivo Histórico de Goiás, na pessoa da Kamila e Daniela. Obrigado
meninas por se prontificarem em me ajudar a manusear tantas informações históricas.
Ao professor de história, Josinaldo, que descobri num grupo de autoajuda
sobre a pós-graduação, por toda a ajuda na leitura e transcrição dos arquivos antigos.
À todos os meus amigos e amigas de Israelândia, que em todos os momentos
estiveram presentes na minha pesquisa me auxiliando com informações que fora de
suma importância para a produção desta pesquisa.
RESUMO Nesse trabalho assumimos que a geografia estuda o espaço geográfico. Este espaço é o contínuo resultado das relações socioespaciais, e não pode ser separado do tempo. É necessária uma periodização para compreender como as relações humanas, no seu processo de transformação da natureza, constroem a organização espacial, que é marcada por períodos históricos diferentes. Esta periodização (recorte temporal) depende do recuo necessário para compreender como uma dada realidade se materializa no presente. É preciso, ainda, estabelecer uma conexão entre esses períodos para que não se tome “tempos congelados” em uma análise como fenômenos que se acumulam sem participação na realidade atual. Os usos espaciais herdados trazem os seus conteúdos que, com mais ou menos tensões, participam da dinâmica espacial presente. O recurso metodológico da geo-história possibilita analisar as diferentes conformações espaciais num determinado período de tempo. É pensar o espaço numa perspectiva temporal, e procurar a sua empiricização nos espaços construídos. A pesquisa que se empreende aqui tem a questão norteadora baseada em compreender em que medida os espaços herdados participam da conformação espacial atual do município de Israelândia-Go, que teve sua ocupação originada da exploração mineral nas primeiras décadas do século XVIII, no período bandeirante, com as descobertas e o início das explorações das províncias minerais (ouro e diamantes), no atual estado de Goiás, entre 1721 e 1725, pela bandeira de Bartolomeu Bueno, Anhanguera filho, que seguindo as orientações do Anhanguera pai, retorna à região e assume o controle da exploração mineral e dá início ao seu povoamento colonial. O Arraial do Bomfim (que posteriormente veio a ser sequencialmente Pilões, Rio Claro, Distrito Diamantino do Rio Claro e Comércio Velho) foi o marco inicial para o povoamento da região de Israelândia atual. O povoamento dessa região nos seus primeiros tempos esteve associado ao processo da mineração e, assim, ora formavam núcleos, ora esses núcleos eram esvaziados, seguindo o ciclo das descobertas e decadências das minas, nas proximidades do rio Claro. Com o declínio da mineração, por um longo tempo o povoamento seguiu a lógica da ocupação agropecuária. Nesse contexto, o objetivo geral da pesquisa é analisar a constituição da dinâmica espacial da microrregião de Iporá, a partir do município de Israelândia, buscando estabelecer as conexões entre os diferentes períodos de sua formação, verificando em que medida esses espaços herdados participam da organização espacial atual da região. Trata-se de uma pesquisa exploratória, que dialoga com autores que trataram essa temática em diferentes perspectivas, a começar pelos relatos dos viajantes que alcançaram a região no século XIX e início do século XX. Os dados secundários foram colhidos em revistas, jornais e foram realizados levantamentos em documentos históricos (IHG, IPHBC, Museus da Cidade de Goiás, etc.), IBGE, Instituto Mauro Borges. As informações primárias foram levantadas a partir de conversas e entrevista com moradores que vivem nas cidades de Israelândia e Iporá. Os resultados demonstram que muitos dos eventos ocorridos na região estão presentes na configuração espacial que constitui Israelândia no período atual. Assim, entendemos que a perspectiva analítica empreendida por essa pesquisa buscou contribuir para a compreensão da realidade socioespacial de Israelândia. Entretanto, ficou claro que, somado às outras análises que precedem essa pesquisa, ainda há lacunas que precisam de novas pesquisas. Palavras-chave: Formação Espacial, Mineração, Agropecuária, Israelândia-Go.
ABSTRACT
In this work it is assumed that geography studies geographic space. This space is the continuous result of socio-spatial relations, and can not be separated from time. A periodization is needed to understand how human relations, in their process of transforming nature, builds spatial organization, which is marked by different historical periods. This periodization (temporal cut) depends on the retreat needed to understand how a given reality materializes in the present. It is also necessary to establish a connection between these periods so that one does not take "frozen times" in an analysis as phenomena that accumulate without participation in the current reality. The inherited spatial uses bring their contents that, with more or less tenacity, participate in the present spatial dynamics. The methodological resource of the geo-history allows to analyze the different spatial conformations in a certain period of time. It is to think of space in a temporal perspective, and to seek its empiricization in the constructed spaces. The research that is undertaken here has the guiding question based on understanding to what extent the inherited spaces participate in the current spatial conformation of the municipality of Israelândia-Go, which had its original occupation in mineral exploration in the first decades of the XVIII century in the bandeirante period. In the present state of Goiás, between 1721 and 1725, by the banner of Bartolomeu Bueno, Anhanguera son, who, following the guidelines of the father Anhanguera, returns to the region with the discoveries and beginnings of explorations of the mineral (gold and diamond) provinces. control of mineral exploration and begins its colonial settlement. Arraial do Bomfim (which later became sequentially Pilões, Rio Claro, Diamantino District of Rio Claro and Comércio Velho) was the starting point for the settlement of the current region of Israel. The settlement of this region, which in its earliest times was associated with the mining process and thus formed nuclei, now these cores were emptied, following a cycle of discoveries and decay of the mines, near the river Claro. With the decline of mining, for a long time, settlement followed the logic of agricultural occupation. The general objective of the research is to analyze the constitution of the spatial dynamics of the Iporá microregion, from the municipality of Israelândia, seeking to establish the connections between the different periods of its formation, verifying to what extent these inherited spaces participate in the current spatial organization of the region. It is an exploratory research that dialogues with authors who have dealt with this topic in different perspectives, starting with the reports of the travelers who reached that region in the 19th and early 20th centuries. The secondary data were collected in magazines, newspapers, surveys in historical documents (IHG, IPHBC, Museums of the City of Goiás, etc.), IBGE, Mauro Borges Institute. The primary information was raised from conversations and interviews with residents living in the cities of Israeland Iporá. The results demonstrate that many of the events occurring in the region are present in the spatial configuration that constitutes Israel in the current period. Thus, it is understood that, the analytical perspective undertaken by this research, sought to contribute to understanding the socio-spatial reality of Israel. However, it was clear that, in addition to the other analyzes that precede this research, there are still gaps that need further research. Keywords: Spatial Formation, Mining, Agropecuária, Israelândia-Go.
LISTA DE ILUSTRAÇÕES
FIGURAS
Figura 1 - Arraial de Pilões ........................................................................................ 62
Figura 2 - Capitania de Goyaz século XVIII............................................................... 63
Figura 3 - Igreja de Nossa Senhora do Bom Fim. ..................................................... 68
Figura 4 - Arraiais percorridos por Pohl. .................................................................... 71
Figura 5 - Caminhos percorridos por Saint-Hilaire. ................................................... 73
Figura 6 - Caminhos percorridos por D’alincourt. ...................................................... 75
Figura 7 - Escravos lavando cascalho no Rio Claro. ................................................. 80
Figura 8 - Mapa das Freguesias. ............................................................................. 112
Figura 9 - Decreto presidencial autorizando Amorim a explorar minerais. .............. 127
Figura 10 - Distrito do Comércio Velho e Itajubá. .................................................... 128
Figura 11 - Antigo Monchão do Vaz. ....................................................................... 137
Figura 12 - Distância entre o Comércio Velho e o Monchão do Vaz. ...................... 138
Figura 13 - Receitas do município de Israelândia. .................................................. 149
Figura 14 - Despesas totais do município de Israelândia. ....................................... 149
MAPAS
Mapa 1 - Rota dos Bandeirantes. .............................................................................. 50
Mapa 2 - Principais Arraiais de mineração do século XVIII em Goiás. ...................... 65
Mapa 3 - População Urbana do século XVIII na Província de Goiás. ....................... 67
Mapa 4 - Economia Colonial século XVIII. ................................................................ 85
Mapa 5 - Cidades emancipadas por décadas. ........................................................ 133
Mapa 6 - Criação de municípios na década de 50. ................................................. 141
Mapa 7 - Microrregião de Iporá. .............................................................................. 143
Mapa 8 – Mapa de uso e ocupação da terra de Israelândia. .................................. 157
GRÁFICOS
Gráfico 1 - População da Microrregião de Iporá – GO. ........................................... 145
Gráfico 2 - Extensão Territorial dos Municípios da Microrregião de Iporá. .............. 146
Gráfico 3 - População de Israelândia. ..................................................................... 147
Gráfico 4 - PIB do município de Israelândia. ........................................................... 150
Gráfico 5 - Divisão do PIB de Israelândia. ............................................................... 151
Gráfico 6 - Efetivo de bovinos, equinos e aves em Israelândia. .............................. 151
Gráfico 7 - Produção leiteira em Israelândia. .......................................................... 152
Gráfico 8 - Produção de Arroz e Milho em Israelândia. ........................................... 153
Gráfico 9 - Produção de Soja em Israelândia. ......................................................... 153
Gráfico 10 - Produção de Mandioca em Israelândia. .............................................. 154
Gráfico 11 - Produção de Areia em Israelândia. ...................................................... 155
Gráfico 12 - Número de Estabelecimentos por Extrato de Área .............................. 158
Gráfico 13 - Total de Empregos em Israelândia. ..................................................... 159
LISTA DE SIGLAS E ABREVIATURAS
FPM Fundo de Participação dos Municípios
IBGE Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística
ICMS Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços
IMB Instituto Mauro Borges
IPHBC Instituto de Pesquisas e Estudos Históricos do Brasil Central
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO .................................................................................................................................... 16
1. O ESPAÇO GEOGRÁFICO COMO CATEGORIA ANALÍTICA .................................... 19
1. 1 Espaço geográfico ............................................................................................................... 19
1. 2 Dinâmica espacial ................................................................................................................ 28
1. 3 Recorte temporal .................................................................................................................. 31
1. 4 “Geografias” .......................................................................................................................... 32
1. 5 Geografia histórica .............................................................................................................. 33
1. 6 Geo-história ........................................................................................................................... 36
2. A FORMAÇÃO DO ESPAÇO MINERADOR DO PERÍODO BANDEIRANTE NO
SÉCULO XVIII .................................................................................................................................... 42
2. 1 A formação socioespacial do arraial de Pilões ............................................................ 53
2. 2 A formação do povoamento de Pilões sob os olhares dos viajantes .................... 69
2. 3 Decadência da mineração em goiás ............................................................................... 83
2. 4 PILÕES – um interregno entre períodos de mineração ............................................. 92
2. 5 O processo de apropriação das terras no século XIX .............................................. 108
3. ISRAELÂNDIA: encontro de tempos e espaços ......................................................... 119
3. 1 Os coronéis .......................................................................................................................... 119
3. 2 Uma nova mineração ......................................................................................................... 122
3.2.1 A TRANSFERÊNCIA DO POVOADO .............................................................................. 125
3. 3 A emancipação municipal de Iporá, antiga Itajubá ................................................... 130
3. 4 MONCHÃO DO VAZ: um elo entre o passado e o presente .................................... 135
3.5 Movimentos de fragmentação territorial ...................................................................... 143
3.6 ISRAELÂNDIA NUM CONTÍNUO: população, economia e estrutura fundiária. . 147
3.7 Israelândia no seu devir ................................................................................................... 156
CONSIDERAÇÕES FINAIS ........................................................................................................... 160
REFERÊNCIAS ................................................................................................................................ 163
ANEXOS ............................................................................................................................................ 171
Anexo 1 – Alunos matriculados na escola do Comércio Velho ................................................ 171
Anexo 2 - Diário Oficial do Estado com as leis de criação dos municípios de Israelândia,
Amorinópolis e Jaupaci. .................................................................................................................. 173
Anexo 3 – Fotos antigas do município de Israelândia (Acervo Pessoal). .............................. 174
16
INTRODUÇÃO
Cresci ouvindo o meu avô Otacílio contar as suas lembranças sobre os
tempos em que minerava no Rio Claro. Ele contava o quanto de esperança tinha em
achar uma grande pepita de ouro ou um enorme diamante. Tempo depois descobri
que há uma geografia capaz de trazer informações que vão ao encontro do que me
dizia o meu avô. Somado as essas lembranças percebi que seria importante buscar,
em um tempo mais longo, as geografias que reúnem, em torno do Rio Claro, diferentes
formações socioespaciais. Esse rio que nasce no município de Cachoeira de Goiás e
deságua no rio Araguaia, território dos Kayapós, antes da chegada dos colonizadores,
foi palco de disputas em função das suas riquezas minerais que, para os
colonizadores tinham valor de troca e para os autóctones algum valor de uso. Assim,
nessas disputas desiguais, o valor de troca, mesmo que, ainda, em um período pré-
capitalista, impôs sua apropriação sobre o YI-PORÁ (rio de águas claras – Rio Claro),
da nação que lutou, bravamente, para manter seu lugar de vivência.
A geografia pretérita permeia os períodos passados no tempo presente e pode
ser evidenciada nos espaços construídos. Um presente com perspectivas futuras não
apaga o tempo que passou, pois, passando, passando o tempo materializa o
socioespacial que vai se transformando. O trocadilho pode até ser inoportuno, mas de
alguma forma, mesmo como figura de linguagem, esse trabalho busca, nesse
movimento, respostas para algumas questões que podem preencher lacunas sobre o
transcorrido na região de mineração denominada rio Pilões e rio Claro, iniciada com a
chegada dos bandeirantes no início do século XVIII.
A motivação inicial partiu da perspectiva de que seria possível fazer uma
investigação sobre as ocupações que tomaram formas no curso do Rio Claro, tendo
como referência a microrregião de Iporá, localizada no Oeste goiano. Somada às
narrativas pessoais existe uma literatura local que narra essa histórica, mas deixa
lacunas importantes, especialmente sobre as interpretações socioespaciais.
A histografia sobre Goiás, em um plano geral, descreve a ocupação dessa
porção do território nacional em: um período dinâmico com a mineração no início até
meados do século XVIII; seguindo de um longo período de estagnação que cobre,
praticamente, todo o século XIX, quando prevaleceu atividade agropastoril, voltada
para o consumo local/regional, e só depois das primeiras décadas do século XX, esses
“sertões” foram inseridos na economia nacional com a Marcha para Oeste, a
17
construção de Goiânia e, especialmente, com a transferência da capital federal para
o Planalto Central.
As políticas públicas implementadas a partir da década de 1970, dão o último
grande “toque” na ocupação do Cerrado. Hoje, a produção de commodities
praticamente “encobrem” os acontecimentos que envolvem ás áreas do Cerrado e os
espaços de períodos anteriores. Entretanto, muitas áreas dos cerrados não foram
ocupadas por esse modelo técnico e, por isso, ainda, mantêm no presente partes das
formas passadas. Algumas dessas cidades dos períodos da mineração e posteriores,
contraditoriamente, por uma dinâmica de estagnação, preservaram suas formas e,
hoje, tornaram-se locais de visitações turísticas. Exemplo típico dessas cidades são:
a cidade de Goiás, antiga capital, Pirenópolis e Cavalcante.
Por outro lado, muitos desses povoados foram transformados e essas
transformações podem ser observadas no sentido proposto por Santos (1994), em
dois eixos, um eixo das sucessões e eixo das coexistências. Sobre as sucessões
afirma Santos: “A cada momento se estabelecem sistemas do acontecer social que
caracterizam e distinguem tempos diferentes, permitindo falar de hoje e de ontem”
(SANTOS, 1994, p. 163). No sentido da simultaneidade e coexistência afirma o autor:
“Os respectivos fenómenos não são apenas sucessivos, mas concomitantes, no viver
de cada hora. (...). No espaço, para sermos críveis, temos de considerar a
simultaneidade das temporalidades diversas (SANTOS, 1994, p.163). Ele afirma,
ainda, que: “O espaço é que reúne a todos, com suas diferenças, suas possibilidades
diferentes de uso do espaço (do território) relacionadas com possibilidades diferentes
de uso do tempo” (SANTOS, 1994, p. 163).
Aproximando dessa perspectiva, como já mencionado acima, nesse trabalho
buscamos construir uma análise que, dentro da simultaneidade e da coexistência,
pudéssemos investigar em que medida haveria espaços herdados na constituição do
município de Israelândia –GO. Para tanto, julgamos necessário entender as
formações que foram sendo sucedidas, desde o período da ocupação mineira do
século XVIII. Fazendo uso de uma orientação geo-histórica, buscamos nas narrativas
dos viajantes, informações que pudessem ajudar a compreender alguns dos
acontecimentos dos séculos XVIII e XIX.
Israelândia está situada na região oeste do Estado de Goiás e faz parte
da microrregião de Iporá. A microrregião é composta por mais nove municípios, Iporá,
Amorinópolis, Cachoeira de Goiás Córrego do Ouro, Fazenda Nova, Ivolândia,
18
Jaupaci, Moiporá e Novo Brasil. A extensão territorial do município é de 577,480 km².
Está situado entre as coordenadas 16° 19' 04" S e 50° 54' 28" O. O município é cortado
por duas importantes rodovias, a GO-060 que liga Goiânia a Barra do Garças - MT, e
a Juca Rocha (GO-173) que liga Israelândia a Jaupaci. A hidrografia do município é
caracterizada por dois importantes rios, o Claro e o Pilões, e ribeirões como o Fubá,
Biquinha, Brumado e Matrinchã. O município de Israelândia está distante da capital
Goiânia por 199 km e faz limite ao norte com Jaupaci, ao sul com Moiporá, a leste faz
limite com Fazenda Nova e ao oeste faz limite com Iporá.
Procurando dar a esse conjunto de informações uma estrutura analítica
articulada, organizamos a Dissertação em três sessões. A primeira, diz respeito ao
espaço geográfico como categoria analítica, fazendo um esforço de definição e
evolução do espaço geográfico, iniciando desde as proposições filosóficas até as
proposições conceituais próprias da geografia, tentando adequar o nosso espaço a
partir da lógica de espaço proposta por Milton Santos. Ainda dentro desta sessão se
encontra uma discussão sobre as ‘geografias’, a história e a geo-história, que
permearam as nossas discussões, em uma perspectiva da longa duração, inspirada
nas proposições de F. Braudel.
A segunda sessão corresponde aos aspectos históricos e geográficos da
formação espacial de Goiás, bem como do arraial de Bom Fim e Pilões, marcos iniciais
do povoamento de Israelândia atual. Nesta sessão há um resgate histórico da
formação espacial do arraial de Pilões e das formações subsequentes.
A terceira sessão retrata Israelândia como um encontro de tempos e espaços,
fazendo uma análise do processo de apropriação das terras, formação do povoado
que compõe o urbano atual, além de uma análise socioeconômica do município.
Dessa forma procuramos mostrar como as sobreposições espaciais e temporais foram
amalgamando a Israelândia atual e, talvez, apontando caminhos para uma
perspectiva futura.
19
1. O ESPAÇO GEOGRÁFICO COMO CATEGORIA ANALÍTICA
Partimos da premissa de que a geografia estuda o espaço geográfico. O
espaço geográfico é o contínuo resultado das relações socioespaciais. Ele não pode
ser separado do tempo e é simultaneamente físico, mental e social. A princípio, não
podemos negar o idealismo contido nessa perspectiva. Mas a partir do movimento
tempo-espaço, em um processo contraditório (dialético), entendemos que é possível
analisar a construção espacial na sua realização.
Sendo assim, uma periodização é necessária para se compreender as
relações sociais no seu processo de apropriação e transformação da natureza em
formação espacial, marcado por diferentes momentos históricos. É preciso
estabelecer as conexões entre esses períodos para que não se tome “tempos
congelados”, mas, sim, o movimento das transformações da primeira natureza,
apropriado pelos usos subsequentes num dado recorte temporal.
O recurso metodológico da geo-história possibilita analisar os diferentes usos
da conformação espacial num determinado período de tempo, em que a geografia
recebe o suporte da história para compreender um fenômeno utilizando um recorte
temporal. É pensar o contínuo espacial em uma perspectiva temporal, buscando no
processo uma explicação para a organização geográfica. Sendo assim, a partir da
geo-história é possível identificar as estruturas históricas da produção do espaço e
entender como essas influenciam o espaço do presente. Dentro dessa perspectiva, o
espaço herdado se apresenta no contemporâneo, assumindo novas funções, gerando
formas, dentro de novos processos produtivos. A busca por um fio condutor evita as
lógicas dos eternos retornos, dos mitos fundadores, das rupturas processuais. Isso
não significa que não se tem inflexões nos espaços construídos. A história factual, os
espaços descontínuos criam lacunas que dificultam a compreensão da construção
socioespacial. A lógica de longa duração permite observações com uma escala
temporal e espacial mais estruturante, logo, a dinâmica espacial pode ser entendida
em seus movimentos mais lentos e mais sólidos.
1. 1 Espaço geográfico
Trilhando um caminho acerca da construção de um entendimento sobre o
espaço, buscamos uma reflexão para pensar o mesmo a partir de suas lógicas como
categoria analítica e, também, como conceito, balizando-se em diferentes autores. As
20
concepções de categorias e conceitos - as primeiras no plano da reflexão filosófica e
os segundos no plano das ciências - colocam perspectivas ontológicas e
epistemológicas difíceis de enfrentar.
Uma das primeiras definições de espaço foi apresentada na filosofia por
Aristóteles, em que o espaço é um lugar no qual um corpo está contido. Aristóteles
retrata o espaço como uma área recheada de corpos, entretanto, o filósofo remete à
visão desprezando o homem como componente do espaço. Ou seja, trata-se da
“região ocupada pelo corpo, seu contorno externo e o contorno do corpo maior onde
ele está contido”. (CHAUÍ, 2002, p. 411)
Trazendo a discussão para a geografia, analisamos que as escolas do
pensamento geográfico sofreram várias mudanças, dentre elas, o entendimento sobre
a importância de se estudar o espaço geográfico, de certa forma extravasando de uma
categoria filosófica para uma categoria analítica e/ou um conceito. Algumas dessas
escolas não consideravam o espaço geográfico como um conceito chave para a
disciplina, já em outras escolas este conceito passou a ser importante para os estudos
da geografia.
Paul Vidal de La Blache, geógrafo francês que, para alguns epistemologistas
da geografia, pode ser considerado um dos fundadores da geografia francesa, pensa
o espaço como um local onde a diversidade seria coabitada e sinônimo de adaptação.
O espaço para La Blache seria o local onde acontece e existe o convívio do homem
na natureza. (SILVA, 2012a)
Friedrich Ratzel, geógrafo alemão, considerado um dos fundadores da
geografia alemã, desenvolveu a ideia de “espaço vital”, condição para a expansão de
uma sociedade forte, conduzida por um Estado forte. Assim, na medida em que o seu
“espaço vital” se torna limitado para sua permanência, o homem conquista “espaços”.
O espaço vital em Ratzel está associado à ideia de Estado, além de ser um elemento
indispensável para a vida do homem. (SILVA, 2012a)
Segundo Braga (2007), o geógrafo francês Jean Brunhes contribuiu para o
entendimento das relações entre os lugares e as regiões. Para Brunhes, o sentido dos
lugares e das regiões, através das relações humanas, seria um princípio básico para
a geografia. Conforme Silva (2012a, p. 2), para Brunhes a geografia deveria estudar
a interação dos fatos essenciais. “A interação desses fatos essenciais conformaria a
organização do espaço, entendido como comunhão entre o convívio social e o meio
através do trabalho e das trocas”.
21
O geógrafo estadunidense Richard Hartshorne (1978) disserta sobre o espaço
no sentido de área. O espaço, para o autor, é absoluto, um conjunto de pontos que
tem existências entre si, sendo independente de qualquer coisa (SILVA, 2012a). O
espaço de Hartshorne, na visão de Correa (2005), aparece como um receptáculo que
contém apenas coisas.
Os geógrafos franceses Pierre Deffontaines e Pierre Monbeig foram
importantes para a fundação da geografia brasileira. Os autores formaram conceitos
em relação ao objeto da geografia humana e sobre o espaço geográfico. Braga (2007)
aponta que, na visão de Monbeig, a geografia estuda a localização e a interação dos
fatos geográficos, frutos do trabalho humano na produção da paisagem.
Segundo Braga (2007), Demangeon, autor da escola francesa, deu uma
importante contribuição para a definição do espaço geográfico. Demangeon analisa o
espaço geográfico na relação dos grupos humanos com o meio geográfico, por
intermédio da sua evolução, seus modos de vida e as instituições humanas.
Max Sorre (1967), geógrafo francês, entendia o espaço como a localização e
a extensão através dos mapas. Para o autor, era preciso estudar os grupos humanos
vivos, analisando suas técnicas, sua organização espacial e a formação dos gêneros
de vida a partir da relação do homem com o meio. De certa forma, esses pensadores
estão ligados as correntes do idealismo, do historicismo e do empirismo lógico.
O filósofo Henri Lefebvre, conforme Silva (2012a, p. 3), entende o espaço
geográfico “como produção da sociedade, fruto da reprodução das relações sociais
de produção em sua totalidade”. Ainda segundo o autor, Lefebvre pensava o conceito
de espaço a partir de quatro abordagens: o espaço como forma pura; o espaço como
instrumento político e ideológico; o espaço como produto da sociedade e o espaço
socialmente produzido, transformado e apropriado pela sociedade. Não se pode
perder de vista que Lefebvre é um filósofo e mesmo que alguns geógrafos o tragam
para o plano de geografia, deve-se considerar a sua lógica filosófica.
Já Y-Fu Tuan, estudioso da geografia humanista, pensa o espaço como ideia
de valorização e pertencimento, sendo que existem vários tipos de espaço, pessoal
ou grupal (TUAN, 1980). Esse autor, ligado ao pensamento fenomenológico, toma o
espaço e o lugar como o teatro da ação humana.
Nos últimos trinta anos, importantes geógrafos brasileiros conceituaram o
espaço geográfico, dentre eles, destacamos: Roberto Lobato Corrêa (positivista lógico
e historicista), Ruy Moreira (historicista e dialético idealista) e Milton Santos
22
(historicista e dialético idealista). As contribuições desses autores são importantes
para o desenvolvimento do entendimento da geografia e balizam os estudos acerca
do espaço geográfico, conforme suas as respectivas correntes.
Corrêa (1982) entende o espaço como a morada do homem. O autor aponta
três elementos do espaço em seus estudos. O primeiro é o espaço absoluto, em que
o espaço é um elemento em si. O segundo remete ao espaço relativo, que é a
distância entre um elemento e outro. O terceiro elemento do espaço é o espaço
relacional, em que o objeto só existe no contato do homem com a natureza.
Silva (2012a, p. 4) cita Moreira (1982) ao conceituar o espaço geográfico
“como estrutura de relação sob determinação do social, é a sociedade vista com sua
expressão material visível, através da socialização da natureza pelo trabalho e uma
totalidade estruturada de formas espaciais”.
Já Santos (2014a, p. 30-31), define o espaço como:
O espaço deve ser considerado como um conjunto indissociável, de que participam, de um lado, certo arranjo de objetos geográficos, objetos naturais e objetos sociais, e de outro, a vida que os preenche e os anima, ou seja, a sociedade em movimento.
Analisando a contribuição de importantes filósofos e geógrafos acerca do
espaço geográfico, entendemos que este em si nada mais é do que produto das
relações entre os homens e entre estes e a natureza. E é, consequentemente, fator
que intervém nas relações existentes entre os homens na sociedade.
Sendo assim, há várias perspectivas de se entender o espaço geográfico,
bem como sua formação através das relações do homem com a natureza. Porém,
apresentaremos como ponto de partida o espaço através da lógica do geógrafo
brasileiro Milton Santos, pois, entender como é construído e como ele se transforma
através das relações do homem com a natureza a partir do pensamento do autor
citado parece um caminho mais eficaz na tentativa de compreender o fenômeno.
É importante ressaltar que apesar das definições de espaço propostas por
alguns autores apresentadas no texto, isso não quer dizer que os mesmos pensam
necessariamente da mesma forma. O espaço geográfico para eles é construído a
partir das relações do homem com a natureza, porém, a leitura de espaço bem como
as formas de interpretação e análise da constituição do mesmo pelos autores
convergem em alguns pontos e divergem em outros. De forma direta ou indireta, os
23
autores que dissertam sobre o espaço geográfico contribuem para a análise deste
enquanto uma construção social, que é derivada da apropriação da natureza.
Portanto, a sociedade criou através do espaço as suas condições para a
reprodução. O espaço, como constructo social, acompanha essas evoluções sociais.
Santos (2014b, p. 12) considera o espaço como “uma instância da sociedade, ao
mesmo título que a instância econômica e a instância cultural ideológica”. Ou seja, as
instâncias apresentadas pelo autor são: a economia, a cultura e a ideologia, que
formam um todo da sociedade. “O espaço é tudo isso, mais a sociedade: cada fração
da natureza abriga uma fração da sociedade atual” (SANTOS, 2014b, p. 12).
Temos assim, um conjunto de objetos geográficos distribuídos sobre uma
base física material de um lado, que na verdade é a sua configuração espacial, e do
outro o que dá vida a esses objetos. Esses processos juntos se configuram em formas.
De acordo com Santos (2014b), sem essas formas, através das funções e processos,
a sociedade não se realizaria.
A análise geográfica acerca do espaço parte do princípio de que ele é um
produto social, e, por conseguinte, as relações que o homem constitui com o meio
ambiente dão fruto ao espaço geográfico.
Isnard (1982, p. 25) afirma que “Não há sociedade sem um espaço que lhe
seja próprio, no qual as gerações se sucedem numa continuidade tal que se realiza
uma identificação entre um povo e seu território”. O estudo do espaço resume o
complexo social em todas as suas faces. Ou seja, no espaço estão subentendidas as
condições e as relações de produção, a herança histórica e as influências mútuas
sociais.
Partindo do pressuposto de que o espaço é uma construção social, o mesmo
está em constante alteração, pois acompanha a própria evolução da sociedade.
Entretanto, muitas formas remanescentes permanecem na estrutura do espaço. A
interação dessas formas antigas com as novas deixa implícita a história de quem a
construiu.
O espaço impõe sua própria realidade, sendo assim, a sociedade não pode
operar fora dele. Segundo Santos (2014b, p. 67), “um conceito básico é que o espaço
constitui uma realidade objetiva, um produto social em permanente processo de
transformação”. Para estudarmos o espaço, é preciso entendermos as suas relações
com a sociedade, esta que, por sua vez, através de formas de apropriação do mesmo,
transforma-o.
24
De acordo com Santos (2014b, p. 68-69), existem quatro elementos que
juntos compreendem a produção e a análise do espaço em sua totalidade, são eles:
estrutura, processo, função e forma. A estrutura provoca “a inter-relação de um todo;
o modo de organização”. Assim, a sociedade só pode ser definida por intermédio do
espaço. O autor considera a estrutura como a própria sociedade com suas
características, sejam elas sociais, políticas, econômicas ou culturais.
O processo, segundo Santos (2014b, p. 69), pode ser definido como “uma
ação continua desenvolvendo-se em direção a um resultado qualquer, implicando
conceitos de tempo (continuidade) e mudança”. Diferentes processos podem ocorrer
em sociedade, fazendo com que haja diferentes conformações espaciais. Podemos
considerar também o processo como o conjunto de mecanismo e ações, em que a
própria estrutura se movimenta, fazendo com que suas características sejam
alteradas.
A função decorre de alguma tarefa ou atividade que resulta numa forma, coisa
ou instituição. As funções podem ser redefinidas a cada momento pelas atividades da
sociedade, reproduzindo-se socialmente.
A forma, de acordo com Santos (2014b, p. 69), remete à ideia do visível de
alguma coisa, “refere-se, ademais, ao arranjo ordenado de objetos, a um padrão”. A
forma, entretanto, pode ser entendida como uma estrutura técnica, ou objeto, capaz
de executar determinada função. Pode ser vista, sobretudo, como as criações
humanas, sendo essas materiais ou não, manifestando-se em várias escalas.
Portanto, a forma é o resultado das funções de uma estrutura.
O processo (ação) leva a uma forma. As formas são resultantes da
materialização dos processos, sendo que vários processos se dão em uma
conformação espacial. A conformação espacial é o resultado de várias formas. E isso
pode ser aplicado ou adaptado para o exame de um processo específico, neste caso,
o processo de apropriação da natureza em Goiás através da mineração. Assim sendo,
temos um espaço da mineração, um espaço da estrutura agropastoril e,
posteriormente, um novo espaço da mineração. O espaço vai ganhando várias
formas, desde o seu primeiro processo de apropriação até se chegar ao espaço atual.
Os conceitos de forma, função e estrutura podem ser usados, sobretudo, na
compreensão da atual organização espacial, ou, dos processos de formação espacial.
Segundo Santos (2014b, 2014, p. 70), “a dimensão do tempo histórico, quando
25
variados fatores tem uma maior ou menor duração ou efeito sobre a área considerada,
proporciona uma compreensão evolutiva da organização espacial”.
Para se compreender os processos de formação socioespacial é preciso
entender o processo de primeira e segunda natureza, conforme Marx o utilizava, mas,
incorporado por Souza (2013). Segundo Souza (2013, p. 30), o espaço da primeira
natureza “refere-se à natureza completamente exterior ao homem e não captada por
sua consciência”. A primeira natureza refere-se aos processos e ambientes do estrato
natural: relevo, clima, solos, geologia, etc.
Já o espaço da segunda natureza, conforme Souza (2013, p. 31), abrange
“desde a materialidade transformada pela sociedade (infraestrutura, cidades etc.), até
os espaços simbólicos e as projeções espaciais do poder, que representam o
entrelaço dos aspectos imaterial e material da espacialidade social”. Ou seja, a partir
do momento em que o homem chega na natureza, transforma-a em uma segunda.
O trabalho social transforma a primeira natureza em segunda natureza. Este
trabalho, associado às técnicas, transforma a natureza, dando-lhe forma, criando o
espaço. Entretanto, este espaço é temporal e as técnicas vão se modificando,
mudando a forma de apropriação da natureza. Isso é uma forma de pensar o espaço.
O espaço produzido é resultante da transformação da primeira para a
segunda natureza, através das relações técnicas e do trabalho. Isso é a lógica do
espaço como uma construção social.
Se o espaço é construído, ao ser construído pelas relações sociais com a
natureza e na natureza, o homem precisa criar formas para se apropriar da mesma,
aplicando técnicas. Através das técnicas ele materializa o espaço, e, ao fazer isso,
produz o espaço como formas espaciais. É daí que vem a ideia de conformação
espacial.
Trazendo a ideia de Santos (2014b) sobre estrutura, processo, função e forma
para a análise do espaço do fenômeno que pretendemos entender, teremos no
mínimo três momentos em que esses elementos irão aparecer na produção do espaço
do objeto da pesquisa. O estudo visa compreender em que medida há reminiscências
dos períodos produtivos anteriores em Israelândia-Go atualmente. Assim, no primeiro
momento, estrutura, processo, função e forma vão aparecer através das relações do
homem com a natureza primária, transformando-a em espaço construído, ou, segunda
natureza. Neste sentido, a ideia de estrutura se dá na organização da produção, ou
seja, o garimpo como atividade é a estrutura. Para minerar, são necessárias algumas
26
técnicas, que, associadas às funções, extraem o ouro (a batéia como instrumento, por
exemplo). Este processo vai criando formas e materializando aquele espaço.
Veremos no próximo capítulo que a mineração entra em decadência, e a
pecuária surge promovendo um novo ordenamento espacial. Com a pecuária, outro
tipo de estrutura, processo, função e forma surge, ou melhor, herda do espaço
passado. A estrutura deste novo modelo é a própria pecuária. Para o desenvolvimento
da pecuária é preciso novas funções, logo, são estabelecidas novas formas espaciais,
especialmente no que se refere ao uso da terra como, por exemplo, cercas como um
elemento de contenção do gado.
Assim, o trabalho humano vai transformando a natureza primeira em segunda,
materializando o espaço de acordo com a sua necessidade. A partir do momento em
que o ouro entra em declínio, técnicas e funções são incorporadas para um novo
processo produtivo, no caso em estudo, a atividade agropastoril.
O espaço é uma construção social, e nessa construção ele se transforma em
materialidade. Conforme essas materialidades vão aparecendo, algumas vão
desaparecendo pelo próprio processo do novo e do velho, como explica Santos
(2014b). Outras mudam de forma, mas, permanecem com algumas estruturas
remanescentes; umas mudam de funções e reutilizam essas formas.
A cada período em que novos acontecimentos mudam a estrutura, o processo
a função e a forma, temos uma dinâmica espacial. Por isso, para entendermos o
espaço é necessário considerarmos a variável tempo. “Em outras palavras, forma,
função, processo e estrutura devem ser estudados concomitantemente e vistos na
maneira como interagem para criar e moldar o espaço através do tempo” (SANTOS,
2014b, p. 71).
Segundo Santos (2014c), é por intervenção das técnicas que o homem, no
trabalho, realiza essa união entre espaço e tempo. Sem dúvidas, a cada sistema
temporal o espaço muda.
As técnicas participam na produção da percepção do espaço e também da percepção do tempo, tanto por sua existência física, que marca as sensações diante da velocidade, como pelo seu imaginário. Esse imaginário tem uma forte base empírica. O espaço se impõe através das condições que ele oferece para a produção, para a circulação, para o exercício das crenças, para o lazer e como condição de “viver bem”. [...] mas, o mesmo espaço pode ser visto como o terreno das operações individuais e coletivas, ou como realidade percebida. (SANTOS, 2014c, p. 55).
27
Através do processo da produção, o espaço torna o tempo concreto. O
trabalho realizado em cada época supõe um conjunto historicamente determinado de
técnicas.
Santos aponta algumas metodologias para se entender o espaço, bem como
sua materialidade. É importante destacarmos que não existe apenas uma maneira de
se entender a formação espacial.
Santos (2014c, p. 63) afirma que:
O espaço é formado por um conjunto indissociável, solidário e também contraditório, de sistemas de objetos e sistemas de ações, não considerados isoladamente, mas como o quadro único no qual a história se dá. No começo era a natureza selvagem, formada por objetos naturais, que ao longo da história vão sendo substituídos por objetos fabricados, objetos técnicos, mecanizados e, depois, cibernéticos, fazendo com que a natureza artificial tenda a funcionar como uma máquina. Através da presença desses objetos técnicos: hidroelétricas, fábricas, fazendas modernas, portos, estradas de rodagem, estradas de ferro, cidades, o espaço é marcado por esses acréscimos, que lhe dão um conteúdo extremamente técnico. O espaço é hoje um sistema de objetos cada vez mais artificiais, povoado por sistemas de ações igualmente imbuídos de artificialidade, e cada vez mais tendentes a fins estranhos ao lugar e a seus habitantes.
Em que pese o espaço ser entendido metodologicamente por Santos (2014c)
como sistema de objeto e sistema de ações, analisar a formação espacial através da
estrutura, processo, função e forma (SANTOS, 2014b) nos parece um caminho
metodologicamente mais compreensível para explicar a formação de Israelândia, bem
como seu processo de transformação.
Os usos espaciais herdados trazem os seus conteúdos que, com mais ou
menos tensões, participam da dinâmica espacial presente. Neste contexto, buscamos
compreender como o processo da mineração modificou o espaço que, por sua vez,
foi incorporado por um novo processo econômico agropastoril, e como se configura o
espaço hoje em Israelândia-GO.
Segundo Silva (2011), a entrada de uma atividade econômica em um espaço
exige que este espaço tenha condições naturais e sociais adequadas para o seu
funcionamento. Nesta lógica, o espaço herdado para o autor pode apresentar:
Elementos que sejam receptivos ou que ofereçam resistência à realização de alguma atividade socioeconômica. Mesmo que a ciência e a tecnologia tenham avançado e ampliado a capacidade humana de intervenção na natureza, criando uma segunda natureza, existem determinadas variáveis naturais de difícil manipulação pelo homem. (SILVA, 2011, p. 126).
28
Cada espaço em determinado período, após a transformação da primeira para
a segunda natureza, tem sua herança histórica. Por isso, cada período produz suas
identidades, este, aliado às técnicas, é materializado. O espaço futuro, que com mais
ou menos tensões se apropria do espaço primeiro, herda algumas funções e/ou
formas. Isso é o espaço herdado, criando novas formas espaciais e/ou
refuncionalizando as formas preexistentes para atender às suas demandas.
Sendo assim, uma forma de entender o espaço é analisar o mesmo como uma
construção social, derivada do processo de apropriação da natureza pelo homem,
transformando-a em espaço construído. Para se compreender esse espaço
construído é preciso observá-lo pela forma, que é o visível, tentando entender que
essas formas são resultantes de processos que requerem funções. As funções estão
associadas a suas estruturas produtivas.
A apropriação e a produção do espaço goiano foram se constituindo na
medida em que os arranjos espaciais foram construídos. O primeiro arranjo foi o
espaço extrativo-mineiro, o segundo o espaço agrícola e pastoril e o terceiro arranjo
espacial se dá com o espaço urbano. Os arranjos se organizam a partir da apropriação
da natureza pela sociedade, transformando-a conforme as suas necessidades.
Partimos da lógica de que o espaço é construído. Para entendermos o espaço,
consoante com Santos (2014b), devemos observar que a sua forma são os aspectos
visíveis, e que as suas funções são aquilo que demanda, é algo que se pede num
processo produtivo, então cada processo produtivo demanda funções. Ao ser exercida
essa função ela se materializa em formas. A partir das formas entendemos como o
espaço foi organizado.
Por isso, é importante entendermos como o espaço do município de
Israelândia-GO vem sendo construído desde o século XVIII, através da estrutura, do
processo, da função e da forma, pois, através desses elementos, conseguiremos
analisar as transformações ocorridas, através dos espaços herdados, nesse recorte
temporal. Essas transformações decorrem do caráter produtivo e econômico que dita
o seu ritmo.
1. 2 Dinâmica espacial
De acordo com Peixinho (2006, p. 35), “a cada momento histórico o trabalho
humano produz novas técnicas que exigem mudanças correspondentes às
29
inovações”. Ou seja, essas novas técnicas (de um período para o outro) vão substituir
uma forma de trabalho por outra. A dinâmica espacial é, então, o fruto das relações
de um conjunto de sistemas de objetos e de ações.
O espaço, assim como a sociedade, está em constante evolução, modificando-se a cada período técnico. A dinâmica espacial é, portanto, o movimento, o processo espacial dado na relação das mudanças que as ações sociais produzem modificando o espaço construído. Estas mudanças promovem a criação de novas formas espaciais funcionalizadas para atender às demandas socioprodutivas do período técnico atual, bem como atua sobre as antigas formas, refuncionalizando-as. (PEIXINHO, 2006, p. 35).
O espaço seria, portanto, a materialidade onde uma determinada sociedade
atua com a finalidade de suprir as suas necessidades. Para compreender o espaço
seria necessário compreender a sociedade que o utiliza e o constrói, os processos
pelos quais ocorre a construção espacial e sua dinâmica, o espaço herdado bem como
as práticas espaciais anteriormente existentes neste espaço.
A dinâmica espacial, na perspectiva de espaço geográfico, como sugerem
Santos e Silveira (2001), permite a compreensão dos diferentes usos que estão
contidos na conformação espacial. Os usos estão associados às condições de
apropriação da natureza e sua transformação em território usado.
Sendo assim, ao compreendermos o uso do território como sinônimo de
espaço geográfico, estamos compreendendo a sua historicidade. O território usado,
de acordo com Silveira (2011), abrange tudo que o constitui materialmente.
Por isso o território usado é tudo aquilo que o constitui materialmente, isto é, as infraestruturas que chamamos sistemas de engenharia, a agricultura, a indústria, o meio construído urbano, as densidades demográficas e técnicas, mas também o que o constitui imaterialmente, as ações, normas, leis, culturas, movimentos da população e fluxos de toda ordem, incluindo ideias e dinheiro. (SILVEIRA, 2011, p. 155).
Entretanto, quando analisamos qualquer fenômeno, estamos fazendo um
esforço para entender a constituição do território, ou seja, como, por quem, por quê e
para quê o território é usado. (SILVEIRA, 2011).
Santos e Silveira (2001) advertem que periodizar os usos do território é
preciso, pois, os usos são diferentes nos diversos momentos históricos. “Cada
periodização se caracteriza por extensões diversas de formas de uso, marcadas por
30
manifestações particulares interligadas que evoluem juntas e obedecem a princípios
gerais [...].” (SANTOS; SILVEIRA, 2001, p. 20).
Neste sentido, Silveira (2001, p. 155) afirma que:
Contar a história do território significa operacionalizar a noção de sistemas técnicos, descobrir os objetos e as formas de fazer e regular que explicam as racionalidades de cada época. Os sistemas técnicos autorizam, a cada momento histórico, uma forma e uma distribuição do trabalho. Desse modo, a divisão territorial do trabalho envolve, de um lado, a repartição do trabalho vivo nos lugares e, de outro, uma distribuição do trabalho morto e dos recursos naturais. Por essa razão, a redistribuição do processo social não é indiferente às formas herdados, e o processo de reconstrução paralela da sociedade e do território pode ser entendido a partir da categoria de formação socioespacial (SANTOS, 1977). A divisão territorial do trabalho cria uma hierarquia entre lugares e redefine, a cada momento da formação socioespacial, a capacidade de agir das pessoas, das firmas e das instituições.
Assim, buscamos compreender a constituição do território a partir dos seus
usos, de suas partes e de seus movimentos conjuntos. Pensar o espaço geográfico
como sinônimo de território usado é vê-lo como categoria autônoma, mas não
independente. Neste sentido, o território usado é simultaneamente social e material.
O território-forma é o espaço material e o território usado é o espaço social mais o
espaço material.
Por isso, é importante compreender a produção do espaço a cada período
produtivo e/ou das necessidades da sociedade. A dinâmica espacial resulta do
movimento dos atores espaciais, portanto, muda constantemente e não só entre
períodos. Por outro lado, as estruturas produtivas sempre requerem funções próprias,
entremeadas por técnicas que se adequam aos processos produtivos. Desta feita, a
dinâmica espacial depende, dentre outros fatores, da ação de agentes públicos e
privados, da sociedade, das técnicas e dos elementos naturais presentes no espaço.
As transformações são resultantes de contradições. Mas o que leva a uma
transformação? A tensão entre interesses. A tensão entre o “velho” e o “novo”. Neste
sentido, analisamos que espaço da mineração (ao tratarmos da mineração como um
ponto de partida, não podemos deixar de considerar que essa região era habitada por
povos autóctones e que esses lutaram bravamente contra a invasão dos seus
territórios) vai ser herdado pelo espaço subsequente, que é o espaço da atividade
agropastoril. Porém, é preciso analisar que antes há a natureza no sentido original e
que através do processo de produção do espaço (mineração) a tensão de interesses
vai levar à transformação desse espaço em outro. Nisso, o espaço da época tem a
31
contradição, aquilo que a natureza se dispõe, oferece, a forma com que a sociedade
se apropria disso pelo trabalho mediante as técnicas.
É nesses processos de mudanças contínuas que acontece e aparece a
dinâmica espacial, herdando o espaço de primeira natureza para os espaços
subsequentes. O espaço anterior sempre vem no espaço que o sucede. O espaço é
contínuo, mas, não é contínuo como se fosse uma reta, e sim com movimentos, que
se dão pelos processos de transformação.
1. 3 Recorte temporal
O recorte temporal depende do recuo necessário para compreender como
uma dada realidade se materializa no presente. Nesse sentido, as pesquisas que
propõem uma investigação que tem no tempo de maior duração (longa ou média) seu
fenômeno, precisam de recursos teórico-metodológicos que se adequem a esse tipo
de análise.
É importante lembrar que, para analisar o espaço, é necessário fazer uma
conexão com o tempo. De acordo com Abreu (2006, p. 240):
Para se analisar o espaço geográfico não basta desvendar as suas múltiplas dimensões atuais. Há que se investigar também o processo histórico que lhe deu origem, pois aí estão, muitas vezes, os segredos de sua boa interpretação. Nessa busca do passado, entretanto, não devemos nos ater apenas aos vestígios concretos que ele deixou, isto é, às formas materiais que ainda subsistem na paisagem. As formas não materiais também precisam ser investigadas.
Sem compreendermos bem os processos que ocorreram no passado, não
conseguimos fazer uma ponte para entendermos o presente. O autor continua
dizendo:
Pensar o passado do espaço não significa fazer geografia antiquária. Significa buscar em tempos já idos as chaves de interpretação do presente, passo fundamental para que possamos pensar com segurança o espaço futuro que queremos ter. (ABREU, 2006, p. 240).
Portanto, não basta considerarmos fatos isolados da história e analisá-los,
antes, é preciso buscarmos nos períodos passados elementos que nos deem
capacidade para entendermos o presente e o futuro. Portanto, não se trata de
32
tomarmos “tempos congelados” em um sítio espacial como fenômenos que se
acumulam isoladamente sem participação na realidade atual.
De acordo com Peixinho (2006, p. 105):
A periodização é fundamental para compreender as mudanças espaciais. Os períodos são marcados pelo desenvolvimento das estruturas e suas formas espaciais. Os lugares vão assumindo formas específicas conforme são alcançados pela divisão territorial do trabalho que, dependendo das escalas das ações, alteram suas relações territoriais no espaço nacional e internacional. Além disso, as funções reclamadas pelas novas estruturas produtivas dependem das condições internas que cada lugar oferece. Desse modo, o espaço preexistente torna-se importante na mediação entre as formas anteriores e as novas, podendo agilizar as novas espacializações ou criar resistências.
O espaço geográfico é um contínuo social. Assim, o espaço como construção
social transforma conforme é construído. No processo de apropriação da natureza e
sua transformação, a sociedade, através do trabalho, mediado pelas técnicas, constrói
o espaço. A cada mudança, este se reorganiza, funcionalizando-se ou se
reestruturando.
O espaço é uma construção e essas construções estão associadas à forma
pela qual este vai sendo apropriado. O espaço concreto é resultado da apropriação e
da transformação no decorrer do tempo. Neste sentido, é importante analisarmos o
espaço no recorte temporal aqui apresentado, que vai desde a descoberta de minerais
em Goiás (1682), incluindo todo o seu processo de extração (1723) e o período
agropastoril, para entendermos como se organiza espacialmente o nosso fenômeno,
verificando em que medida há reminiscências dos períodos produtivos anteriores no
município de Israelândia-Go. Por isso é necessário recorrermos ao início da formação
espacial do município para verificarmos se existe, ou não, fragmentos no que é o
município hoje.
1. 4 “Geografias”
As relações entre a geografia e a história começaram a se intensificar a partir
do século XVIII. Nesse período, a geografia começou a se preocupar com a história
na medida em que o passado se transformou em um ponto chave de conhecimento
para projetar as transformações do homem e da natureza.
A análise que agrega o aspecto de interpretação geográfica apoiada na
história vem ao longo dos anos ganhando muitos adeptos na geografia. De acordo
33
com Godoy (2013), Herder1 e Hegel2 influenciaram o alemão K. Ritter3, que atribui à
história um peso fundamental nas análises geográficas. A relação entre a geografia e
a história na França, em meados do século XX, cria uma grande escola de geógrafos
e historiadores: a geo-história.
Há uma aproximação da geo-história com a geografia histórica. Mas, é preciso
entender que as duas “geografias” não são sinônimas. Veremos, a seguir, que a
geografia histórica é tratada mais como epistemologia, enquanto a geo-história é
abordada mais como metodologia. O conceito de tempo histórico começa a ganhar
novas conotações a partir dos anos 1970, com o pensamento de Fernand Braudel.
1. 5 Geografia histórica
Com o entendimento de que o espaço e o tempo são conjuntos históricos e
geográficos produzidos na relação entre a sociedade e natureza (SANTOS, 1979), do
mesmo modo que são veículos primários e primordiais de reprodução das relações
sociais (BOURDIEU, 1989), os conceitos de tempo histórico e espaço geográfico, de
acordo com Godoy (2013, p. 2), tornam-se “condições práticas e discursivas
essenciais à constituição do horizonte de interesses ideológicos das classes sociais”.
Ressaltamos que a geografia histórica tem raízes francesas. De acordo com
Capel (1981), a geografia histórica francesa desenvolveu-se em um contexto político,
sobretudo ao admitir a função ideológica como justificativa à ordem econômica.
De acordo com Silva (2007, p. 75), a gênese da geografia histórica:
Remonta ao século XVII quando era associada às escrituras e à geografia do Velho Testamento. No século XIX, tratava do estudo das civilizações antigas sendo uma das tradições o estudo das fronteiras, estados territoriais e suas administrações.
E continua dizendo:
Na Inglaterra, no século XIX, a geografia histórica era ensinada nas universidades por historiadores. A ênfase era no cenário geográfico por trás da história, com mapas e atlas sendo importantes auxílios às explicações. Essa produtiva associação, por sua vez, não foi suficiente para o estabelecimento da geografia enquanto disciplina acadêmica no século XIX. Depois de instituída academicamente, a ciência geográfica passou a
1 Johann Gottfried Herder, filósofo. 2 Georg Wilhelm Friedrich Hegel, filósofo. 3 Karl Ritter, geográfo.
34
negligenciar o tempo e, durante o século XX prevaleceram as análises regionais e espaciais. (SILVA, 2007 p. 75-76).
Para Godoy (2013), a geografia histórica vista pelo geógrafo francês Yves
Lacoste está profundamente ligada ao exercício do poder, além das formas de
domínio territorial. Na França, a história caracterizada pela permanência tornou-se
apta à observação e a paisagem síntese do tempo histórico.
Segundo Pires (2008), a geografia histórica teve sua origem influenciada pelo
historicismo da primeira metade do século XX, fazendo menção à crítica ao
ambientalismo, apregoado pela geografia.
Foi apenas nas primeiras décadas do século XX que a geografia histórica
passou a se ajustar e a definir sua pesquisa teórica de investigação. De acordo com
Godoy (2013), uma das definições acerca da geografia histórica que ganhou destaque
foi colocada por E. W. Gilbert na década de 1930. De acordo com Gilbert (1932 apud
GODOY, 2013, p. 4) “la vraie fonction de la géographie historique est de reconstruire
la géographie régionale du passé4”.
Para Uzué (1995 apud LIMA; AMORA, 2012, p. 61), a geografia histórica
consiste:
Na adoção do método geográfico para a descrição de um período histórico do passado [...] utilizando dados obtidos, estudando geneticamente a produção e ocupação do espaço pelos homens, constatando que os componentes de uma paisagem não se alteram no mesmo ritmo nem no mesmo tempo.
Já Ferro (1986, p. 46) define que a geografia histórica é a disciplina “que
estuda os fenômenos físicos e antrópicos decorridos no passado histórico,
eventualmente ligados à proto-história e à pré-história, e reafirmando a necessidade
de evitar toda a confusão com a história da geografia [...]”.
De acordo com Godoy (2013, p. 4):
Especializadas em analisar, avaliar e definir o que é espaço geográfico e o tempo histórico, a história e a geografia tornaram-se, em fins do século XIX, as expressões do crescente domínio cientifico acerca da representação do tempo e do espaço e, em certa medida, da função social de ideologia do pensamento geográfico na construção do ideário progressista do Estado nacional.
4 Tradução livre: “A verdadeira função da geografia histórica é reconstruir a geografia regional do passado”.
35
Partindo do pressuposto apresentado por Godoy (2013), a história ganha uma
temporalidade humana, além de permitir a compressão do espaço como um acúmulo
de tempos. A geografia histórica primou por temas de caráter cultural e político, e a
história, por sua vez, constitui-se como método para a análise e a interpretação
geográfica.
Sobre o objeto de estudo da geografia histórica, Philo (2003, p. 269-270)
explica que:
[...] ao contrário das geografias mais sistemáticas não pode reivindicar um objeto de estudo perfeitamente definido, pois o que significa dizer que “história” é este objeto quando a história por si é tão heterogênea e pode ser estudada em tantos aspectos diferentes (e quando os próprios historiadores dividem suas investigações em caixas rotuladas “econômica”, “social”, “politica”)? Além do mais, é evidente que os pesquisadores que se autodeterminam geógrafos históricos se concentram sobre uma diversidade de questões substantivas, e também tendem a fazer uso de uma diversidade de jogos de ferramentas filosóficas e metodológicas sobre uma diversidade de fontes primárias e secundárias.
Já Lahuerta (2009, p. 8 apud LIMA; AMORA, 2012, p. 56) afirma que a
geografia não se prende obrigatoriamente a leituras do presente. Segundo o autor:
A geografia histórica é de fato um estudo histórico: seu foco de interesse repousa na geografia de algum tempo passado, ou nas mudanças geográficas em algum período passado. Assim, compartilha a legitimação intelectual e moral com todos os estudos históricos. Mas geografia histórica também é fundamentalmente um estudo geográfico: ela coloca questões geográficas ao passado, e oferece uma perspectiva geográfica sobre o passado. Sua contribuição distintiva ao conhecimento e entendimento do passado é feita essencialmente enquanto geografia e não história.
Moraes (2007), ao estabelecer uma reflexão sobre a geografia e a história
serem campos disciplinares, expõe que são dois campos afins de conhecimento,
porém, percorreram caminhos diferentes por muito tempo na tentativa de explicarem
a realidade. De acordo com Lima e Amora (2012, p. 55), “por influência kantiana na
divisão do conhecimento, coube à geografia, ciência empírica, estudar o presente, e
à história, estudar o passado”. Para os autores, essa divisão entre espaço-tempo foi
prejudicial “ao entendimento das mediações e particularidades” existentes para além
da aparência do real.
Segundo Moraes (2008), as relações sociais devem ser especializadas, pois,
a história é a universalidade dos processos enquanto a geografia é a particularidade
desse universal.
36
[...] especializar é de imediato particularizar, pois as determinações oriundas das características do meio (natural e construído) acabam dando às relações próprias de um modo de produção tonalidades locais especificas do lugar. Por isso a formação econômico-social é vista nesse sentido, sempre como realidade localizada temporal e espacialmente. O lugar sendo posto, assim, como mediação. A espacialidade como elemento particularizador dos fenômenos históricos.
É preciso entender que a relação entre espaço-tempo é fundamental para se
compreender qualquer que seja o objeto de estudo e a realidade. Sendo assim, a
junção entre espaço-tempo nos permite vislumbrar a realidade em sua totalidade.
Norton (1984 apud LIMA; AMORA, 2012, p. 57) apresenta uma distinção entre
a geografia histórica e a própria história em si. Segundo o autor:
O que distingue a geografia histórica da história propriamente é que do ponto de vista da periodização, não há para a geografia histórica uma divisão logica entre passado e presente sendo a tarefa do geógrafo histórico não apenas descrever as mudanças na paisagem, mas compreender a mudança histórica do fenômeno geográfico.
Nesse sentido, entendemos que os processos se materializam em um
determinado território em diferentes temporalidades, fazendo com que em alguns
casos não exista uma sincronia total das coisas.
1. 6 Geo-história
A geografia considera o tempo como uma extensão importante do espaço,
vendo estas duas categorias (tempo-espaço) numa inter-relação. A junção destes dois
conceitos leva a uma aproximação entre a geografia a a história. O tempo e o espaço
são vistos como categorias indispensáveis à relação do homem e sua (re)produção.
A geo-história é fruto da geografia histórica. Entretanto, nesta pesquisa, será
tratada como metodologia: “A geo-história introduz a geografia como grade de leitura
para a história” (DOSSE, 1994, p. 136).
Segundo Lira (2008), a geo-história unifica os elementos da história e da
geografia através da noção de ritmo e mediante a circulação. Segundo Pires (2008,
p. 9):
O surgimento do campo da geo-história, no início do século XX, representou uma ruptura pelo pensamento crítico da historiografia da história contemporânea com a tradição das narrativas pessoais factuais, e inaugurou o nascimento do movimento pela ‘nova história’, que defendeu a substituição
37
da história baseada no relato episódico, por outra história baseada na análise cientifica de problemas, pela história que valoriza a pesquisa e o diálogo com outras disciplinas, ou que promova o enfoque de natureza interdisciplinar.
Fernand Braudel foi um historiador francês que formulou os princípios da geo-
história, com as suas interpretações das civilizações como espaços e suas
diferenciações, sendo estas em tempos de curta, média e longa duração.
Braudel, considerado como um dos maiores historiadores do século XX,
contribuiu também para as ciências sociais de uma forma geral. A geo-história é
passível de ser compreendida através da obra deste autor “O Mediterrâneo e o mundo
mediterrâneo na época de Filipe II”. Wallesrtein (1989 apud LIMA; AMORA, 2012, p.
62) afirma que Braudel surgiu como o “homem da conjuntura”. Essa conjuntura seria
a inter-relação entre tempo-espaço.
Ribeiro (2016) elucida sistematicamente a geo-história de Braudel destacando
o papel da geografia e da história. Segundo ele:
Assim, Braudel costura seus argumentos e acaba se deparando com uma dupla e convergente constatação: diagnosticando que a história vivia uma crise na narração e a geografia uma crise na descrição, redige riquíssimo artigo teórico-metodológico em que se propõe a fundar novas bases de diálogo entre tais ciências. Da parte da história enfatiza a longa duração, temporalidade oposta à cronologia capaz de permitir alcançar as estruturas, os movimentos multisseculares da vida social. Da parte da geografia, destaca não apenas os estudos sobre sociedade meio ambiente de seus contemporâneos; a novidade advém do aporte germânico articulador de três conceitos-chave: espaço (Raum), economia (Wirtschaft) e sociedade (Gesellschaft). Eis, em linhas gerais, a geo-história. (RIBEIRO, 2016, p. 29).
Neste sentido, Lima e Amora (2012) apontam que Braudel trouxe importantes
inovações não somente na visão de espaço, mas, também, em relação ao tempo,
tentando ir além da visão de tempo episódico, de tempo do evento, de narrativa linear,
que exigem uma continuidade sequencial de fatos, justificando a visão do presente,
do passado e do futuro. E explica:
De acordo com Braudel (1996b) o curto prazo e o longo prazo coexistem e são inseparáveis, e acrescenta que “vivemos ao mesmo tempo no curto e no longo prazo: a língua que falo, o oficio que exerço, minhas crenças, a paisagem humana que me rodeia, eu herdei; existiam antes de mim, existirão depois de mim”. Já na sua celebre obra sobre a longa duração (BRAUDEL, 1958; 2007) esclarece que dar ênfase ao longo o prazo, não significa negar o curto prazo, em que a própria estrutura deve ser entendida historicamente. (LIMA; AMORA, 2012, p. 64).
A análise espaço-temporal para Braudel é essencial para desvendar as
mediações que compõem o movimento da totalidade. Braudel criou inovações não
38
somente a respeito do espaço, mas, também, quanto ao próprio tempo, procurando ir
além dessa visão de “tempo episódico”. Para Braudel, essa visão do tempo do evento
exige uma continuidade dos fatos sequencialmente.
Burke (1997 apud LIMA; AMORA, 2012, p. 63) explica a utilização da geo-
história por Braudel na obra “O Mediterrâneo e o mundo mediterrânico na época de
Filipe II”, cujo objetivo é: “Demonstrar que todas as características geográficas têm a
sua história, ou melhor, são parte da história, e que tanto a história dos
acontecimentos quanto a história das tendências gerais não podem ser
compreendidas sem elas.”
O mediterrâneo apresenta a ideia de estabelecer um ponto de partida para
analisar historiograficamente o espaço geográfico. Braudel não defende um
“determinismo geográfico” na obra, mas, sim, a ideia de um possibilismo inspirado por
Vidal de La Blache. Uma outra contribuição da obra foi demonstrar que “tudo” está
sujeito a mudanças, mesmo que ainda lentas, e que o espaço estaria incluso.
Barros (2010) afirma que quando Braudel traz o espaço para o primeiro plano
e não mais o trata como mero teatro de operações e sim como próprio sujeito imposto
pela história possibilita o exame de longa duração. O autor ainda enfatiza que Braudel
trata o homem, o espaço e o tempo como três fatores indissociáveis. “Se o espaço
está sujeito aos ditames do tempo, por outro lado a temporalidade também está sujeita
aos ditames do espaço e do meio geográfico”. (BARROS, 2010, p. 76)
Segundo Ferreira (1998, p. 224), “a geo-história manifesta enormes
potencialidades na explicação desses processos, articulando-os com as estruturas e
permitindo identificar as unidades mínimas da análise do espaço”. Os processos a que
Ferreira (1998) se refere são socioespaciais, pois pressupõem uma geografia dos
tempos longos.
A natureza da geo-história, segundo Ferreira (1998), pode ser manifestada
também na dimensão temporal, pois, avalia a evolução dos territórios e dos espaços
da sociedade. A autora continua dizendo:
A geo-história parte de conceitos geográficos básicos em que se destacam os de “lugar distancia, posição, centralidade, complementaridade, escala, difusão, eixo/barreira, e controle territorial” (GRATALOUT, 1996:189) mas incorpora as dicotomias temporais espaço/tempo, passado/presente, presente/futuro, horizontal/vertical e sincronia (espaço)/ diacrononia (tempo) como dimensões intrínsecas do seu objecto de estudo [sic]. (FERREIRA, 1998, p. 224-225).
39
Contudo, entendemos até aqui que tanto a geografia histórica (epistemologia)
como a geo-história (metodologia) estudam a relação tempo-espaço, porém, é a geo-
história que vai ditar a periodização, tratada por Braudel como períodos de curta,
média e longa duração. Entretanto, uma definição do conceito de geo-história se faz
necessário neste trabalho.
Segundo Barros (2010), a geo-história é o campo da história que analisa a
vida humana na sua inter-relação com o ambiente natural e com o espaço concebido
geograficamente.
Alguns autores afirmam que a geo-história é uma parte da geografia humana
que é resultado da relação de métodos de investigação e metodologias de duas
ciências: geografia e história.
Já Ribeiro (2015, p. 630) exemplifica de outra forma:
A vida de uma sociedade depende de fatores físicos e biológicos; ela está em contato, em simbiose com eles, que modelam, ajudam ou atrapalham sua vida e, portanto, sua história... Não toda a história, mas uma parte dela. É a essa parte que propomos a expressão “geo-história”.
E continua com uma definição mais clara e objetiva:
[...]. Verdadeiramente, a geo-história é a história que o meio impôs aos homens, com sua constância (caso mais frequente) ou com suas ligeiras variações quando estas chegam a provocar consequências humanas. Quantas modificações, entretanto, permanecem despercebidas, negligenciáveis mesmo, por conta do frágil e curto alcance dos homens. Sim, decerto, mas a geo-história também é a história do homem em luta com seu espaço, batalhando contra ele ao longo de sua dura vida de dificuldades e esforços, conseguindo vencê-lo e, de preferência, suportá-lo, ao custo de um trabalho que é preciso sempre renovar [...]. (RIBEIRO, 2015, p. 630)
A geo-história, então, identifica os sujeitos históricos da produção do espaço
no passado e busca entender como esses (sujeitos) ainda influenciam o espaço do
presente e, concomitantemente, como esses espaços vão reagir e/ou produzir no
futuro.
Ribeiro (2015, p. 630) afirma que a geo-história é o estudo de uma dupla
ligação:
[...] da natureza ao homem e do homem à natureza, o estudo de uma ação e de uma reação misturadas, confundidas, recomeçados sem fim na realidade de cada dia. É a própria qualidade, o poder desse empenho, que nos obriga a inverter a abordagem habitual do geógrafo.
40
A geografia aparece na análise da formação territorial ou na produção do
espaço através das relações humanas, e utiliza os elementos da história como um
suporte para metodologicamente entender as transformações.
Alguns autores advertem que a geo-história não é baseada nas histórias
factuais. Destacam ainda que esse é o principal entrave entre a geografia histórica e
a geo-história.
Assim sendo, nos estudos de geo-história, o grande problema é tomar com cuidado a medida das capacidades humanas, fixar-lhes uma escala. Sem isso não há como compreender a ação do homem sobre o meio físico e biológico e, igualmente, a ação do meio sobre o homem, já que tudo está interligado! (RIBEIRO, 2015, p. 631)
Ribeiro (2015) afirma que existem duas geo-histórias. A primeira é
representada pelos homens e a segunda pela própria natureza em si, sendo que
existem duas correntes de velocidades diferentes. De um lado aparece a influência do
meio, que é, em linhas gerais, imutável e sempre ou quase sempre o mesmo. Do outro
lado temos os homens, cujas ações sobre as coisas variam conforme as épocas.
“Porém, ela é exercida lentamente, bem mais do que saberíamos concebê-la”.
(RIBEIRO, 2015, p. 633)
Em todo estudo sobre o passado, em todo problema atual, reencontraremos sempre, na origem, essa zona – exigente, constante, luminosa o bastante para quem quiser observá-la – que designamos pela imperfeita expressão “geo-história”. (RIBEIRO, 2015, p. 636).
Por isso, as investigações que requerem no tempo uma duração que seja
curta, média ou longa para entenderem o presente carecem da geo-história para
compreenderem as relações do homem com a natureza no decorrer deste recorte
temporal, que varia de investigação a investigação.
Entretanto, Godoy (2013, p. 7) destaca que:
A superação epistemológica da geo-história em relação à geografia histórica tradicional se consolidou em função de essa ultima ter produzido uma nova representação do tempo histórico e do espaço geográfico. Além disso, por ter a estrutura como ponto de partida, combateu a visão tradicional da geografia descritiva, ilustrada e enciclopédica e ampliou, a partir da geografia vidalina, da história serial de Labrousse e da antropologia de Lévi-Strauss, a dimensão dos temas de investigação que, em cerca medida, estreitaram os laços teóricos entre as ciências sociais e a história.
E continua:
41
A apreensão do tempo e do espaço e sua representação em temporalidade distintas e articuladas sob o signo da geo-história consolidaram, em certa medida, a definição de geografia histórica bem como o leque temático e as metodologias de pesquisa. A “longa duração” forneceu, portanto, a base sobre a qual a historicidade do “passado do território” pode, finalmente, ser integrada dialeticamente aos movimentos do presente.
A geo-história se manifesta na dimensão temporal da evolução dos territórios,
dos espaços das sociedades, portanto, é uma possibilidade adotá-la para explicar os
processos constituintes do espaço, suas evoluções e suas transformações. A inter-
relação do espaço-tempo nos permite entender os processos socioespaciais. Por isso,
a geo-história é muito importante em estudos que possuem uma longa duração, pois,
permite a compressão da evolução dos elementos, sobretudo, de como estes se
organizam no período presente.
Quando falamos na longa duração proposta por Braudel, estamos
sistematizando que o meio impõe um ritmo, um compasso; por seu turno,
gradativamente, os homens vão modificá-lo, adaptando-o às suas mais variadas
necessidades e exigências. Desta feita, não é possível se construir a história humana
fora do espaço, mas, sim, com ele, a partir dele, concomitantemente. A geo-história é,
então, um recurso metodológico importante que permite estabelecer as conexões
entre os períodos não de formas factuais, mas pela inter-relação do espaço-tempo,
pelas modificações no espaço num determinado período de tempo.
Neste sentido, percebemos que o homem se apropria da natureza
transformando-a em espaço construído por meio do trabalho (o ato de fazer) e das
técnicas (modo de fazer). Este processo requer um tempo, aqui tratado como longa
duração. Sendo assim, para analisarmos a existência de residuais de processos
produtivos passados ou de espaço herdado em Israelândia-Go atualmente
necessitamos recorrer ao tempo, desde o início de formação, para entendermos como
esses espaços (mineração, pecuária e mineração) vêm, ao longo do tempo, sendo
apropriados e transformados pelo homem.
42
2. A FORMAÇÃO DO ESPAÇO MINERADOR DO PERÍODO BANDEIRANTE NO
SÉCULO XVIII
O projeto de colonização português adotado no Brasil objetivou extrair todas
as riquezas encontradas, porém a maior ambição era encontrar minerais,
especialmente ouro, prata, diamantes e outras pedras preciosas. Apesar de algumas
descobertas de pequena monta, a economia baseada na mineração só vai ocorreu
três séculos depois da chegada portuguesa às terras de Pindorama.
O século XVIII, marcado pela economia mineira, foi o de maior expansão
territorial, com a conquista dos sertões do Brasil central5, embora no século XVI já
existissem expedições à procura de riquezas espalhadas pelo território brasileiro,
além de reconhecimento do mesmo. À proporção que iam avançando as bandeiras
pelo sertão em busca de ouro e dos gentios, cada vez mais aumentavam os seus
descobrimentos. Cada notícia de descobrimento servia de estímulo para outros novos
descobrimentos do sertão, e assim foi se formando o Brasil central.
As buscas de gentios para a mão de obra e os indícios da existência de ouro
fizeram com que aumentasse o movimento de entradas e bandeiras em terras que
viriam a ser o atual estado de Goiás. Índios e ouro despertavam grandes ambições e
atraíam os sertanistas que objetivamente adentraram o sertão.
O território do atual estado de Goiás até 1749 pertencia à então capitania de
São Paulo. Silva (2002b, p. 37) aponta que “Goiás começou a se formar pelo lado de
São Paulo, isto é, confins das terras paulistas, então conhecidas, para o interior que
a coragem dos bandeirantes ia descobrindo e percorrendo”. Os paulistas foram os
primeiros a penetrar nos sertões goianos, pois, a localização geográfica de São Paulo,
que se assentava num centro de circulação terrestre e fluvial, favoreceu a partida de
bandeiras para o interior do Brasil, é o que afirma também Alencastre (1863):
Não são acordes os historiadores e cronistas sobre a verdadeira época do descobrimento de Goiás; mas que foram os paulistas os primeiros que devassaram essa parte do continente do Brasil, fazendo percorrer suas bandeiras desde as margens do Araguaia até as ribeiras do Tocantins, é o que atestam numerosos documentos. (ALENCASTRE, 1863, p.25).
5 Brasil central foi um termo utilizado para a exploração e interiorização do Brasil, que, por sua vez, era pouco conhecido. A Coroa Portuguesa, a fim de encontrar riquezas, incentivava a busca por gentios e minerais.
43
Palacín e Moraes (1994), afirmam que as bandeiras tinham um papel
importante, sendo que:
Goiás era conhecido e percorrido pelas bandeiras quase que desde os primeiros dias da colonização, mas seu povoamento só se deu em decorrência do descobrimento das minas de ouro no século XVIII. Esse povoamento, como todo povoamento aurífero foi irregular e instável. (PALACÍN E MORAES, 1994, p. 5).
O território goiano foi sendo conhecido pelas expedições, que eram
denominadas bandeiras. Eram de caráter oficial e coordenado ou autorizado pela
Coroa, que buscava ampliar as conquistas territoriais, colocando uma “geografia em
marcha”. Conforme Droulers (2001, p. 63): “Peu à peu, et surtout à partir du XVIII
siècle, l’autorité coloniale, encourageant toutes les formes de la conquête territoriale,
élabore des plans astucieux pour construire un grand Brésil à partir d’ explorations
systématiques et de précieux relevés de terrain”
Somada à expansão territorial, ocorreu o apresamento dos indígenas que,
segundo Franco (2007), também se configurava como uma atividade econômica.
No período das bandeiras propriamente dito, a atividade econômica ou se confinava na busca de escravos, ou na pesquisa de jazidas minerais. Tanto o comércio de carne humana quanto a sondagem da terra para a grande era que, em breve, se iniciaria, eram, contudo, atividades a que faltava caráter estável, e, com ele, a base inseparável do estabelecimento de uma sociedade firmada em mais altos padrões de vida, ou, o que será talvez mais exato, para o estabelecimento de uma verdadeira sociedade. (FRANCO, 2007, p. 78).
Já Silva (2002b, p. 111), afirma que: “A febre de ouro e a captura do gentio,
cuja escravidão precedera naturalmente a dos africanos, despertaram na capitania de
São Paulo, cuja prosperidade áurea dessas fontes tão grande e tão considerada
riqueza, uma cobiça imensa.”
A província de Goiás foi povoada por aventureiros que só procuravam
riquezas, sejam elas por meio de gentios ou da descoberta de jazidas minerais. A
ocupação do espaço geográfico em Goiás se deve a vários fatores que analisados se
formam em grande parte cronologicamente. Primeiro, pela procura de índios para as
lavouras e o comércio açucareiro no Nordeste, depois, para o trabalho nas minas.
(SALLES, 1992).
As primeiras bandeiras transmitiam uma mensagem de esperança para quem
quisesse encontrar riquezas. Fato este que alavancava os sonhos de vários
sertanistas de percorrerem o interior do Brasil na esperança de enriquecerem.
44
Na história de Goiás, encontramos diversos autores que relatam como sendo
o descobridor de Goiás Bartolomeu Bueno da Silva. De fato, é, porém, ele não foi o
primeiro a penetrar em território goiano, mas o primeiro a ter a intenção de se fixar em
território goiano.
Manoel Correia foi o primeiro a penetrar em terras goianas no século XVII:
É Manoel Correia, sertanista de conhecida fama, presume-se, o primeiro que, à busca do ouro, cuja quantidade se anunciava muito grande, rumou a Goiás, por onde, à procura do gentio, em serviço de catequese, em 1625, teriam andando os jesuítas. (SILVA, 2002b, p. 110).
Salles (1992) afirma que a primeira bandeira que percorreu o território goiano
não foi a de Manoel Correia, mas, sim, a de Sebastião Marinho em 1592. As primeiras
bandeiras vieram ao que hoje é Goiás, a princípio, em busca de gentios (índios). Só
depois, com o descobrimento de ouro em Minas Gerais e em Cuiabá, é que foi
encontrado o ouro em Goiás. O processo de ocupação desses territórios foi
acompanhando a descoberta de ouro. O ouro em Goiás, conforme afirma Salles
(1992), era descoberto ao acaso, não havia técnicas específicas para pesquisa e
exploração. Entretanto, tomamos como referência a bandeira de Sebastião Marinho
como a primeira bandeira a percorrer a província de Goiás a fim de reconhecer o lugar,
mas, a bandeira de exploração certamente foi a de Bartolomeu Bueno da Silva.
O período do ouro no Brasil na verdade foi o terceiro grande período autônomo
da formação econômica brasileira, e, em alguns aspectos, é considerado mais
importante que os ciclos do pau-brasil e do açúcar. Franco (2007) afirma que já no
início da colonização o olhar da Coroa Portuguesa pelo ouro despertava quase que
exclusividade:
No Brasil, desde o século XVI, a atenção para o ouro e as pedras é praticamente exclusiva. A primeira expedição de reconhecimento, feita em 1501, já se atormentava com a descoberta das minas. Daí por diante, marchando de desilusões em desilusões, nada desanimaram os conquistadores. (FRANCO, 2007, p. 109).
E continua:
O ouro do Brasil teve uma grande importância na economia e nas finanças internacionais, contribuindo, de forma decisiva, para que se alterassem os quadros da civilização europeia no século de sua grande exportação. (FRANCO, 2007, p. 112).
45
A bandeira que marcou o início do povoamento de Goiás foi a de Bartolomeu
Bueno da Silva. Como dito, ele não foi o primeiro a zanzar pelas terras goianas, mas
sua intenção de se fixar elevou seu caráter de descobridor.
A história da formação de Goiás tem sido narrada com certa divergência.
Alguns estudiosos que retratam a história não separam os “dois” descobridores, como
o caso de Alencastre (1863) e Cunha Mattos (1836). Bartolomeu Bueno da Silva é
considerado o “descobridor” de Goiás. Quando veio a esta província trouxe consigo o
filho de doze anos que também se chamava Bartolomeu Bueno da Silva. Ou seja, na
história, temos duas pessoas com o mesmo nome: o Bartolomeu Bueno da Silva (pai),
que descobre as minas de ouro em Goiás, e o Bartolomeu Bueno da Silva (filho), que,
por acompanhar seu pai na primeira expedição e vendo que o pai não conseguiria
retornar mais, quarenta anos depois decidiu fazer outra expedição.
A expedição (bandeira) do primeiro Bartolomeu Bueno da Silva (pai) foi
realizada no ano de 1682, conforme afirmam alguns historiadores. Silva e Souza
(1967) relata que:
Entre os aventureiros desta espécie se distinguiu Bartolomeu Bueno da Silva, natural da vila de Paranaíba, que os seus conterrâneos contam entre os seus heróis. Este homem naturalmente afoito, astucioso e avezado a trabalhos desta natureza, a quem o gentio deu o nome de Anhanguera, que conservam os seus descendentes, que na linguagem do país quer dizer Diabo Velho pelo estratagema de acender aguardente em uma vasilha, com ameaça de abrasar todos os rios e todos os índios que se lhe não rendessem, seguido de um filho do mesmo nome, de idade de doze anos (que veio a ser o descobridor desta capitania), e outros agregados, chegou pouco mais ou menos em 1682 ao domicilio do pacífico gentio de Goiás, que agora habitamos: e demorando-se algum tempo no meio das suas correrias, que compreenderam grandes partes destes sertões, a plantar roça que melhorasse a sua sustentação, reconheceu a riqueza do lugar vendo folhetas de ouro bruto pendentes ao colo das índias, e com esta certeza, confirmada de algumas indagações, regressou ao seu país natal, seguido de numerosas presas que tinha feito, a utilizar-se do fruto de seu trabalho. (SILVA E SOUZA, 1967, p. 7).
Bartolomeu Bueno da Silva era um homem predestinado ao sucesso. Palacín
e Moraes (1994), dentre outros autores, relatam Bueno dizendo muitas vezes que
preferiria a morte a voltar a São Paulo fracassado. Nesta primeira expedição recebeu
o apelido de Anhanguera6. Bartolomeu Bueno da Silva (pai), acompanhado de
6 Bartholomeu Bueno da Silva – o Anhanguera – assim foi denominado pelo meio que se serviu para obter dos índios a indicação das minas de ouro: lançou aguardente num vaso, próximo a um córrego, fê-lo na presença de numerosos índios, com a ameaça de que, se eles não revelassem o que mantinham, até então como segredo, ele, deitaria fogo a todos os rios e córregos, abrasando-os. (SILVA, 2002b, p. 112).
46
algumas pessoas e escravos para o carregamento e para os serviços mais pesados
da expedição, partiram para o interior do Brasil a fim de reconhecerem o local e, na
oportunidade, procurarem índios e minérios.
Bueno era artificioso. Este fato lendário de atear fogo num prato de
aguardente ficou bastante conhecido entre todos os sertanistas. A partir desse fato,
os índios, bastante amedrontados, correram para lhe mostrar as minas de ouro, de
onde teriam retirado o mineral que estava estampado em forma de colares nos
pescoços das índias. Os índios a quem Bueno fizera tal menção foram os Goiá. Daí
vem o futuro nome deste lugar, Goiás. Os índios não mostraram as minas tão
facilmente, tanto que:
Por mais que fossem interrogados os índios sobre a existência dessas jazidas, de onde, tão facilmente colhiam seus preciosos ornatos, nenhum esclarecimento obtinha. Todos os meios foram empregados para o descobrimento do reservado tesouro, mas embalde. Bueno, a quem não faltava recursos nas ocasiões precisas, lembrou-se afinal de um expediente, que surtiu o desejado efeito. (ALENCASTRE, 1863, p. 30).
Entre os cronistas da história de Goiás, pouco se fala deste momento de
transição da volta de Bueno (pai) para a nova bandeira a quarenta anos depois, do
Bueno (filho). O que se sabe é que o sonho de Bueno depois de retornar da primeira
expedição não foi realizado. Já velho e no fim da vida não retornou a Goiás com a
esperança de explorar as minas.
O reconhecimento do lugar já havia sido feito, e a notificação de que ali
possuía uma vasta riqueza mineral despertou a curiosidade de vários sertanistas a fim
de desbravarem as minas tão faladas por Bueno. Porém, nenhuma expedição ou
quase nenhuma tivera autorização da coroa Portuguesa a fim de percorrer o local.
Bartolomeu Bueno da Silva, o filho, atraído já pelos descobrimentos de ouro
na região de Minas Gerais por volta de 1701, estabeleceu-se em Sabará, e, depois de
um tempo, em São João do Pará e em Pitangui. Devido a alguns conflitos entre os
emboabas e os mineradores de São Paulo, decidiu mudar-se para São Paulo
(CASTRO, 2004).
Palacín e Moraes (1994, p. 8) afirmam que “Em 1718, foram descobertas,
muito mais para o interior, as minas de Cuiabá, iniciando-se também o povoamento
de Mato Grosso”. Sabendo-se já dos descobertos em Minas e da consolidação
daquele lugar e dos rumores da descoberta de algumas minas em Cuiabá, Bueno logo
despertou o interesse em realizar uma expedição para explorar o local que havia
47
conhecido em trajeto com seu pai. A exploração dependia de autorização expressa
da coroa, que controlava com muita severidade as minas. Conforme mostra Droulers
(2001, p. 98-99, grifos do autor):
Les découverts minières provoquent um afflux d’immigrantes que le pouvoir, inquuiet de voir disperser um monopole de la couronne, tente de freiner. Em 1720, il cherche même à interdire la venue de migrants depuis de metrópole. Cette politique répressive atteint son apogée dans l’organisation d’um territoire isole et ferme, celui de diamantine, oú tout est subordonné à l’exploration d’um bien eclusif de la couronne, le diamante. Ce territoire, denommé la “démarcation Diamantina”, est gouverné despotiquemente par um intendant general; il y em aura trois ou total (Holanda, 1995, 103). Em finn de compte, cést em grande partie la découverte des mines de diamante qui pouse de Portugal à mettre plus d’ordre dans l’administation de as colonie, ordre maintenu de façon tyranniqe afin de préserver le plus grand bénéfice des ressources mineres.
Dessa forma, por volta de 1719/1720 (não há em documentos uma data
precisa), Bueno se dirigiu com uma representação para pedir a D. João V uma licença
para retornar a Goiás onde o seu pai descobriu ouro para realizar a exploração. Em
troca, pediria a cobrança de impostos pelas passagens nos rios. Americano do Brasil
(1982) afirma que a última bandeira de que se têm notícias é justamente esta de
Bueno, já no século XVIII.
Para montar uma expedição não era tão fácil quanto parecia. Era necessário,
dentre os mais importantes: mantimentos, escravos para abertura de trilhas e carregar
os utensílios, além de burros para acompanharem a longa viagem transportando
materiais. Para se adquirir tais coisas era necessário todo um respaldo financeiro.
Partiu a Bandeira (expedição) em 3 de julho de 1722 saindo de São Paulo
rumo ao interior do país com o objetivo de encontrar riquezas minerais com Bueno de
cabo da tropa (uma espécie de comandante). Claro que o objetivo não era somente
este, objetivava-se também a captura de gentios para os trabalhos pesados, tornando-
os escravos. De acordo com este contexto, Palacín e Moraes (1994, p. 9) afirma que:
A bandeira saiu de São Paulo a 3 de julho de 1722. O caminho já não era tão difícil como nos primeiros tempos. Até o rio Grande era bem conhecido dos paulistas, com alguns moradores e com rotas, para além, o Anhanguera dizia possuir um roteiro até o lugar do ouro.
A sorte estava lançada. Bueno e sua comitiva, com a esperança de encontrar
ricas jazidas de ouro, começaram a explorar o que hoje é Goiás. Bartolomeu Bueno
da Silva, como vimos, tinha visitado tal lugar há quase cinquenta anos. As lembranças
e as estradas do lugar já não eram as mesmas.
48
Na medida em que adentravam no território, trilhas e estradas foram sendo
abertas. Na ociosidade encontravam–se índios ferozes amedrontados com o receio
de serem escravizados. Houve, segundo os cronistas Castro (2004), Palacín e Moraes
(1994), Pohl (1976), Eschwege (1979), embates constantes nesta expedição.
Um fato curioso e ao mesmo tempo marcante aconteceu nesta expedição (a
perca dos bandeirantes em território goiano). Os descobertos de ouro na região dos
rios Claro e Pilões datam desta época (entre 1722 e 1723), porém, a sua exploração
se deu somente vinte anos depois. Vejamos, Bartolomeu Bueno da Silva já não se
lembrava mais dos caminhos percorridos por seu pai, pois, passaram-se vários anos
da sua exploração naqueles territórios. Consequentemente, ele se perde no trajeto,
na tentativa de encontrar o lugar onde seu pai, na primeira expedição, teria plantado
uma roça de milho e mandioca próxima ao rio Vermelho. A intenção de Bueno era
chegar exatamente neste rio Vermelho, porém, perdeu-se e chegou mais ao oeste
onde se encontrava o rio Araguaia.
São vários os autores que relatam o erro no trajeto de Bueno, como Cunha
Mattos (1979, 1836), Ferreira (1885), Saint-Adolphe (1845), Silva e Souza (1849),
entre outros. Alguns viajantes fizeram itinerários e também descreveram tal fato. Um
deles é Johann Emmanuel Pohl, naturalista austríaco, que chegou ao Brasil em 1817,
na posição de membro da expedição científica oriunda da corte de Viena e integrante
da comitiva nupcial de dona Leopoldina. Percorreu muito arraiais goianos, e, sobre
Bueno ter se perdido, afirma que:
Depois de peregrinarem por longo tempo, os aventureiros atingiram as proximidades do Arraial do Bomfim, à margem do riacho que ainda hoje conserva o nome de Meia Ponte. Daqui seguiram em direção a Anicuns para descobrirem Bocaina Velha, onde o pai do chefe outrora fizera plantações, e, assim, perderam a direção do Norte, pois estes ignorantes viajantes não dispunham de outro auxilio para se orientarem que não os próprios olhos e os picos das montanhas. Assim, erraram por muito tempo sem acharem o que buscavam. Afinal chegaram a um rio a que deram o nome de Pilões, por causa dos pilões em que moíam o milho, ou por causa das depressões arredondadas ainda hoje reconhecíveis nas saliências rochosas do Rio Claro. Pesquisaram ouro no rio e acharam abundantes areias auríferas. Este resultado favorável levou João Leite da Silva Ortiz a declarar que tinham achado o que buscavam, portanto deveriam ficar por aqui e fundar uma povoação. A isto opôs-se Bueno, dizendo que esta não era a região que ele saíra para descobrir e que, por isso, era necessário prosseguir. A discussão inflamou-se e teria talvez terminado em sangue, se os dois sacerdotes que os acompanhavam não os tivesse reconciliado. Deram razão a Bueno. Levantaram acampamento e seguiram a viagem em direção a Oeste, entre constantes combates com os aborígines. Nessas escaramuças fizeram mais prisioneiros, sobretudo mulheres índias. (POHL, 1976, p. 126-127).
49
Abrindo um parêntese para estabelecer um entendimento sobre a toponímia
dos rios Claro e Pilões, Pohl (1976) afirma que o rio fora chamado de Pilões por causa
dos pilões em que se moía o milho ou por conta do próprio movimento das águas que
fazia perfurações nas rochas, originando depressões arredondadas no referido rio.
Eschwege (1979, p. 53) relata que:
De novo a caminho, chegaram a outro rio, a cujas margens acompanharam mais dias, e, por que instalassem ali alguns pilões de socamento hidráulico (antigos monjolos) para o fabrico de fubá, deram ao mesmo o nome de Pilões. Pesquisando-o, chegaram à conclusão de que era muito rico em ouro.
A toponímia de Pilões pelo olhar de Eschwege (1979) se diferencia da visão
de Pohl, que estabelece pilões no sentido de moer o milho. Eschwege relata que o
nome Pilões deriva da instalação de alguns antigos monjolos para a fábrica de fubá.
Já Silva e Souza (1967, 8-9) fazem menção a Pilões como sendo “[...] foi feito
perdido a um rio, que se chamou de Pilões, ou por fabricarem a sua grosseira
sustentação, ou por se acharem ainda hoje no Rio Claro algumas pedras côncavas
com a mesma configuração”.
D’alincourt (2006) reitera o que afima Silva e Souza (1967):
[...] desorientando-se de tal maneira, que foi ter ao rio, que chamou de Pilões, ou seja, porque os seus companheiros ali fabricaram estes instrumentos para facilitarem a sua sustentação grosseira, ou por se acharem no rio algumas pedras côncovas com semelhante configuração, o que parece mais provável as quais se observam ainda hoje no rio Claro, de que há toda a desconfiança, que foi o rio a que ele chamou de Pilões. (D’ALINCOURT, 2006, p. 8-9).
Cunha Mattos (1979) reforça o nome de Pilões, que é colocado à prova por
alguns sertanistas, sem saberem de fato o motivo exato para tal toponímia, embora
alimentassem a ideia de que o nome veio pela produção de pilões para triturarem o
milho para seu sustento:
[...] o rio de Pilões que é de canoa no porto do arraial, recebeu este nome por haverem os companheiros do descobridor Bartolomeu Bueno feito alguns pilões na margem deste rio para pisarem milho para se alimentarem. Este fato, porém, é posto em dúvida por alguns sertanistas. (CUNHA MATTOS, 1979, p. 33).
A toponímia estabelecida pelo nome do rio dos Pilões é discutível entre alguns
autores. A conclusão mais próxima que chegamos foi a de que o rio dos Pilões
recebeu este nome pela fabricação de pilões pelos bandeirantes para prepararem
algum tipo de mantimento para subsistência, seja milho ou fubá. Mas, pode ser
50
discutido sem dúvidas o batismo do rio pelas pedras côncavas observadas pela força
da água junto com o processo de intemperismo.
O Mapa 1 demonstra o caminho percorrido pela bandeira de Bueno quando o
aventureiro com toda a sua comitiva se perde.
Mapa 1 - Rota dos Bandeirantes.
Fonte: SIEG, (2014). Adaptado por: Gomis, (1998). Organização: Alves (2014).
Quando os bandeirantes chegaram aos rios Claro e Pilões, que são nosso
objeto de estudo, encontraram ouro e alguns pequenos diamantes. Ortiz (genro de
Bueno), já preocupado e desconfiado que Bueno não saberia mais onde encontrar as
minas pelas quais passou quando criança, estabeleceu que os rios Claro e Pilões
seriam este local. Bueno, por sua vez, esclareceu que não seria este o local em que
seu pai teria plantado roça. Ortiz de toda sorte queria erigir um povoado pela
consequência dos achados nos rios Claro e Pilões.
Ao andar erroneamente pelo sertão goiano, os mantimentos se foram
acabando, fator que acarretou a morte de algumas pessoas da expedição. Ainda de
acordo com Palacín e Moraes (1994), alguns pequenos grupos se viram obrigados a
voltar a São Paulo amedrontados pela fome que os rodeava.
51
Notamos que, embora Bueno exercesse a liderança da expedição, Ortiz não
se mostrava contente com o fato do genro não o atender quanto a erigir um
estabelecimento às margens dos rios Claro e Pilões. Nas falas de Silva e Souza
(1849), Ortiz intentou estabelecer o povoado justamente por saber que Bueno não
teria mais condições de descobrir qual o caminho havia percorrido quando criança,
porém, Bueno reafirmou que aquele não era o lugar que tinha prometido descobrir.
Bueno decidiu seguir viagem, sendo necessária toda a prudência dos
religiosos e das pessoas mais sensatas para conter e pacificar uns homens, em quem
a desesperação chegava ao furor desatinado. E, por sorte ou persistência, Bueno
acabou encontrando o rio Vermelho após três anos andando perdido pelo território
goiano. Rio Vermelho foi o local onde o Bartolomeu Bueno da Silva (pai) encontrou as
jazidas de ouro mostradas pelos índios e o local que Bueno (filho) queria encontrar
desde o começo da expedição. É a partir desse momento que começa a produção do
território goiano.
De acordo com Palacín e Moraes (1994), a primeira região ocupada
definitivamente em Goiás foi a região do rio Vermelho, com um povoado que se
chamou Arraial de Sant’Anna. Segundo Saint-Hilaire (1975, 49),
Bartolomeu Bueno, que descobriu a Província de Goiás, lançou também os alicerces de sua capital. Após ter deixado o lugar denominado Ferreiro, ele construiu uma casa à beira do Rio Vermelho, e esta constituiu o núcleo de um arraial que recebeu o nome de Sant’Anna. As autoridades da região estabeleceram aí sua residência, e o arraial logo adquiriu grande importância. Sant’Anna foi elevada a vila por um decreto régio de fevereiro de 1736.
Esta primeira fase dos descobrimentos e do começo da mineração em Goiás
é anárquica em termos de fixação de população e também de instalação do sistema
produtivo. Segundo Bertran (1988), as levas de garimpeiros vindos de Portugal e de
todo o Brasil se expandiam pelo cerrado com pouquíssimas condições de subsistência
alimentar ou de sobrevivência ante as doenças e aos ataques indígenas que ainda
causavam bastante conflito, pois, os índios ficavam entre os caminhos, tanto fluviais
como terrestres, de São Paulo e as minas centroestinas.
De acordo com Palacín e Moraes (1994, p. 10),
[...] o povoamento determinado pela mineração de ouro é o povoamento mais irregular e mais instável, sem nenhum planejamento, sem nenhuma ordem. Onde aparece ouro, ali surge uma povoação; quando o ouro se esgota, os mineiros mudam-se para outro lugar e a povoação definha ou desaparece.
52
Alencastre (1863) afirma também que as primeiras povoações
acompanhavam a produção e os achados de ouro, uma vez que:
As povoações que se formavam por esse modo, não tinham nenhum caráter de permanência, indicavam apenas que as localidades escolhidas para arraiais ofereciam algum manancial de riqueza aurífera. Lavrada, porém, a superfície das minas, essa população emigrava para outros pontos, deixando suas casas abandonadas ao estrago do tempo. É por isso que em Goiás se vê um grande número de povoações acanhadas e decadentes, e apontam-se as localidades, em que outras existiram, e que prosperaram em número, em construções e em riqueza. (ALENCASTRE, 1863, p. 22-23).
O aumento extraordinário da população que, dia a dia acorria sedenta da fama
e das promessas da mineração e atraída pelas riquezas já encontradas, gerou, além
do luxo desregrado, uma natural e séria crise de gêneros alimentícios, enquanto não
se podia ainda obter o remédio pela agricultura. Durante os séculos XVI e XVII, o
povoamento das capitanias da costa brasileira se originou em função das empresas
agrícolas, já o Brasil central se formou por conta da mineração. A fixação dos
sertanistas acompanhava o ouro, que era a condição essencial para a fixação da
população, pois nenhuma outra mercadoria de valor poderia estabelecer intercâmbio
com os portos marítimos.
O processo rápido da mineração e a formação do espaço pastoril contribuíram
para a unificação do território brasileiro, e para o início e a consolidação do espaço
goiano. Entretanto, o motivo da junção foi a dinâmica do ouro e a decadência do
mesmo, e o surgimento da economia agropastoril no século XIX. “A economia mineira
interiorizou e redistribuiu territorialmente o povoamento; as cidades e as vilas
deixaram de ser prioridades da orla litorânea e foram se espalhando pelo interior
brasileiro” (TEIXEIRA NETO et al, 2004, p. 69).
Com a ascensão da mineração, houve uma modificação no urbano e
populacional do Brasil no século XVIII, em que algumas vilas começavam a
desaparecer da orla litorânea e iam se instalando no interior do planalto brasileiro. O
surto da mineração provocou o surgimento de vários arraiais em Goiás, inicialmente
no Sul, onde existia uma intensidade na mineração. Mas, ao saber de novas
descobertas de minérios em Goiás, essa população migrava-se ocupando alguns
lugares no sertão goiano.
53
2. 1 A formação socioespacial do arraial de Pilões
As formações espaciais decorrentes das descobertas de Províncias Minerais,
especialmente de ouro e diamante, decorriam da sua existência e possiblidade de
exploração, considerando que no início da colonização as técnicas de extrações eram
baseadas na mineração de superfície, a exemplo do garimpo de ouro de aluvião e
monchões secos, mas próximos aos veios d’água. Assim, além do espaço herdado
da primeira natureza (a existência das Províncias Minerais), que condicionava a
localização do surgimento dos povoados, o seu domínio territorial, na maioria das
vezes, significou destruir formações socioespaciais anteriores, como no exemplo de
Pilões, quando os exploradores expulsaram ou mataram os habitantes autóctones,
nesse período, os Caiapós.
Dentro da perspectiva acima, pensar uma construção socioespacial como um
contínuo significa entendê-la nos seus contextos e contingências, considerando que
seus atores, a partir das contradições de cada período, apropriam-se do existente
(espaço herdado) e transformam as formas espaciais (primeira natureza ou espaços
geográficos) em novas formas, decorrentes das funções que a estrutura produtiva
requer.
Nessa perspectiva, dialogando com a literatura que analisa a ocupação que
deu início à formação socioespacial de Pilões, minas que fazem parte das cercanias
da futura capital da província de Goiás, buscamos uma compreensão das condições
dessa formação e seus atores.
As riquezas minerais existentes no que será a província de Goiás foram a
base constituinte do seu futuro território. Dessa forma, Goiás na sua gênese
constitutiva é filho do processo de exploração mineral feito no período colonial. Assim,
a sua formação socioespacial provém da forma como essas riquezas foram
apropriadas e das ações dos seus atores. A posição e a localização das minas goianas
compõem os primeiros fatores da sua formação, pois além de ficarem no caminho
entre as minas de Cuiabá e São Paulo, para onde escoavam a produção mineral,
também eram banhadas por rios, possibilitando o início da exploração do ouro de
aluvião7. Cunha Mattos (1979) relata que poucas províncias do Brasil são regadas por
7O ouro explorado era, geralmente, o de aluvião (Depósito de cascalho, areia e argila que se forma
junto às margens ou à foz dos rios, proveniente do trabalho de erosão), que se depositava no leito dos rios, nas suas margens ou nas zonas próximas, atingidas pelas enchentes. Introduziu-se o emprego de
54
tantos e tão caudalosos rios como é Goiás. Assim como o arraial de Sant’Anna, vários
arraiais surgiram próximos às margens dos rios em que os minerais eram
encontrados. Dessa forma, fica evidente um aspecto da formação socioespacial desse
período: os núcleos de povoamento surgem nas áreas de mineração, às margens dos
cursos d’água.
Silva e Souza (1849) ilustram que, entre todas as capitanias “generales” do
Estado do Brasil, Goiás foi uma das mais extensas e das menos povoadas, sendo ao
mesmo tempo a mais interior de todas. Os enormes sertões pouco habitados podem
servir de exemplo para a narrativa do autor. O cerrado era pouco explorado neste
período (século XVIII), seja para atividades agropecuárias ou de lavoura. A economia
baseava-se na exploração mineral.
O processo de formação espacial de Pilões, como o arraial de maior destaque
na região, iniciou-se quando a expedição de Bueno se perdeu no trajeto até o Rio
Vermelho e se encontrou nos rios que foram batizados de Claro e Pilões, por volta de
1722. Mas, como não era o local exato em que queriam chegar, partiram daquele lugar
até o rio Vermelho. Só depois de aproximadamente dez anos é que a região dos rios
Claro e Pilões vai começar a ganhar forma, fazendo com que aquele espaço seja
transformado.
Cumprindo-se as ordens reais, em 5 de março de 1732, começou por ordem
do Conde Sarzedas uma grande guerra contra os índios Caiapós, sendo que as
estradas entre Goiás e Cuiabá foram marcadas por sangue, fato este que impediu o
comércio pelas estradas. Os índios Caiapós, como se sabe, residiam próximo aos rios
Claro e Pilões. De acordo com Alencastre (1863, p. 68-69):
Pelo governo de Conde de Sarzedas que: Foi durante o seu governo que se descobriram as minas do Rio Claro e Pilões, conhecida já pelos primeiros que pisaram o território goiano, e as do rio Maranhão, descobertas em 1730, por Amaro Leite Moreira, que achou em 1732 no sitio de Santo Antônio do Campo uma folheta de noventa marcos, que foi mandada de presente a D. João V.
Estas estradas que ligavam Cuiabá a Goiás não eram oficiais. A Coroa
Portuguesa só iria solicitar a abertura da estrada real a partir do ano de 1736,
conforme atesta Bertran (1988). Porém, antes da abertura da estrada real, por volta
de 1733, Bartolomeu Bueno busca explorar os rios auríferos em que tinha se perdido
alguns instrumentos toscos, como a chamada bateia, originaria da África, e que ainda hoje é vista no interior do estado de Minas e Goiás, habilmente manejada pelos homens que vivem da extração de pequenas parcelas de ouro mineral. (FRANCO, 2007, p. 115).
55
no começo de sua expedição, e, a partir desse momento, empreendeu a tentativa de
exploração dos mesmos, deixando inteiramente à frente do governo de Vilas Boas
José Ferraz de Araújo, enquanto visitava as regiões dos rios Claro e Pilões.
Outras estradas surgiram na necessidade de se deslocar de um lugar para
outro, e, ao longo do curso das mesmas, sempre iam surgindo alguns faiscadores em
busca de riquezas minerais. De acordo com França (1994, p. 48-49), “No ano
seguinte, em 1737, portanto, Antônio Pinho de Azevedo abriria outro caminho, ligando
as minas de Cuiabá com as de Goiás, onde ela iria encontrar a estrada de S. Paulo e
duas para Minas Gerais”. Esta última estrada passava sobre os rios Claro e Pilões.
Ao longo dessas vias precárias, iam-se fixando hospedeiros de toda espécie, como
nos ensinam os historiadores.
Bueno, verificando a existência nestes rios de pedras preciosas e excelentes
diamantes de que reuniu dez belas amostras, quis passar adiante a exploração. Mas,
conforme afirma Americano do Brasil (1982), as lutas constantes com os índios
Caiapós sempre dificultaram a exploração nos referidos rios8.
Bueno retorna a Vilas Boas e decide enviar o seu genro para realizar novas
explorações sobre o sertão goiano, inclusive na região dos rios Claro e Pilões, território
dos Caiapós. Pohl (1976) relata a viagem do genro de Bueno:
[...] Bartolomeu enviou seu genro, Domingos Rodrigues do Prado, para fazer novas descobertas na região de Crixás e, por meio de pessoas escolhidas, mandou pesquisar o Rio de Pilões, que não se sabe mais onde fica. Quando eles chegaram, ao norte, à grande cordilheira9 que se estende de oeste para leste e que Bueno descobrira quando vinha do Sul, encontraram um rio nas proximidades, o Fartura, e erradamente julgaram ter achado o Pilões. Nele descobriram ouro e o local veio a ser depois o Arraial do Bom Fim, que, devido às incursões dos caiapós e pela proibição de pesquisar diamantes, logo tornou a ficar inteiramente despovoado. (POHL, 1976, p. 130).
As descobertas de ouro e diamante na década de trinta de 1700 atraíam gente
de todos os lados para a prática da garimpagem. Em toda a capitania já se espalhava
um grande número de pequenos aglomerados urbanos que foram denominados
arraiais, como era o caso de Pilões.
A região dos rios Claro e Pilões é, de toda forma, bastante conhecida entre os
sertanistas, pois, Bueno já se perdeu por aquelas bandas e posteriormente já retornou
8 De acordo com Salles (1992), os diamantes dos rios Claro e Pilões são oriundos de formações
rochosas do grupo Pré-Araxá. 9 Serra Dourada.
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na intenção de a explorar. A abertura da estrada real, que ligava Cuiabá às minas de
Goiás, e, consequentemente, a São Paulo, facilitou o surgimento do arraial no local
onde descobriram minerais.
Um silêncio partilhado de rumores perdurou até 1733 em relação aos diamantes. O conde de Sarzedas, Dom Luiz Antônio de Távora, dá a conhecer os achados diamantíferos em 10 de julho de 1733, quando “ordena que o Procurador da Casa de Fundação de São Paulo retenha as pedras vindas da região, para extrair o respectivo quinto”. À sua majestade comunica oficialmente, em fevereiro de 1734, que foram encontradas em Pilões e Rio Claro, “19 pedras trazidas, que pesavam 18 quilates e 1/16, que fazem 32 grãos e ¾, conforme a certidão da Casa de Fundação de São Paulo”. (SALLES, 1992, p. 95, grifos do autor).
O primeiro núcleo urbano da região de Pilões foi o arraial de Bonfim. A
toponímia da época segue um contexto de nomear os lugares com nomes de santos
católicos ou com termos que trazem boa sorte, esperanças, além de incorporar termos
das línguas da população autóctone. Dessa forma, podem ocorrer repetições com
nomes dos lugares, como é o caso de povoados com nome de Bonfim. Nesse sentido,
existiram, na época, dois arraiais chamados Bonfim, sendo um próximo a Vilas Boas,
que atualmente é a cidade de Silvânia-GO, e o Bonfim, que é o de interesse dessa
pesquisa, primeiro povoado da região de Israelândia-Go.
O Arraial de Bonfim foi erigido no ano de 1746 às margens dos rios Claro e
Pilões, e abrigava poucos faiscadores que arriscavam “a sorte” na tentativa de
encontrarem as pedras preciosas. De fato, acharam, pois, os rios Claro e Pilões
sempre foram ricos em ouro e diamantes.
Segundo Alencastre (1863), o fundador do arraial de Bonfim foi o D. Luiz de
Mascarenhas, embora não datado, aparentemente em meados dos anos quarenta dos
anos de mil setecentos. A narrativa de Alencastre (1863) se difere das narrativas dos
demais historiadores quanto à data e, ainda, as bibliografias consultadas não
precisam quem fora o fundador do arraial de Bonfim, exceto Alencastre, que afirma
que foi o senhor D. Luiz de Mascarenhas.
Depois de três anos de residência nas minas, e de ter fundado as povoações do Bomfim, do Rio Claro, da Conceição de Cavalcanti, de Arraiais, da Chapada e do Pontal, em meados de outubro de 1742 retirou-se D. Luiz para São Paulo, deixando entregue dos negócios das minas o ouvidor Manoel Antunes da Fonseca, a quem deu instruções para na sua ausência providenciar nos casos ocorrentes. (ALENCASTRE, 1863, p. 84).
57
É importante destacar que, antes do surgimento do arraial de Bonfim, há dois
marcos históricos para Goiás. O primeiro data de 1740, quando Bartolomeu Bueno da
Silva, já muito doente, veio a falecer, antes mesmo do início da exploração em Bonfim.
Silva (2002b, p. 169) afirma: “O dia 19 de setembro de 1740, assinala para a grandeza
da Metrópole, para a História do Brasil e, mais ainda para a gloria dos bandeirantes e
de Goiás, particularmente uma data de luta e de tristeza: a morte de Bartholomeu
Bueno”. Já Pohl (1976, p. 131) relata que:
Em 19 de setembro de 1740 faleceu Bartolomeu Bueno da Silva. Foi a todos os respeitos um homem notável e, por ter descoberto Goiás, tornou imperecível a sua memória. Digno de nota é que este descobridor, dono de imensas riquezas e das mais rendosas lavras de ouro, ao se aproximar do fim da vida tenha caído em tal pobreza, devido à sua ilimitada liberdade e extravagancia, que a Fazenda Real teve de dar-lhe uma arroba de ouro para a sua manutenção, a título de indenização. Acontece que o Rei não aprovou a disposição tomada pelo governador e Bueno teve de restituir esse ouro. Então teve de leiloar o ouro e as joias de sua esposa, suas casas e escravos, enfim, tudo o que tinha valor, caindo em maior necessidade do que antes da concessão do donativo.
Embora Bueno tenha feito muito dinheiro em seus primeiros anos como
explorador de riquezas minerais em Goiás, a obsessão pelo minério o deixou “cego”
quanto a algumas prerrogativas. Bueno queria explorar todo o território goiano em
busca de riquezas minerais, porém essas expedições demandavam muito dinheiro. É
provável que essas tentativas tenham lhe custado a maior parte das suas riquezas,
pois ao fim de sua vida estava em condições econômicas precárias, sem dinheiro nem
para o seu próprio sustento. Bartolomeu Bueno da Silva viveu pouco mais de 70 anos.
Em uma perspectiva da história factual Bartolomeu Bueno da Silva teve uma
trajetória de vida que mistura fatos heroicos e tragédias. Reconhecido como o
fundador da ocupação de Goiás, no período da mineração colonial, poderia ter
deixado aos seus familiares uma imensa fortuna por todos os achados auríferos em
Goiás, mas estava tão pobre que no último quartel de sua vida conseguiu seu sustento
graças à generosidade de D. Luiz de Mascarenhas, que doou a Bueno uma arroba de
ouro.
A criação da província Goiás, em 1744, quatro anos após a morte de
Bartolomeu Bueno, subdividiu o território dos bandeirantes, que tinha em São Paulo o
seu centro principal. Neste mesmo ano, também é criada a Capitania de Mato Grosso.
Fato é que o processo de articulação da criação da capitania se inicia em 1744 e a
sua transferência data de 1749: “[...] em 1749 instalam-se assim as capitanias de
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Goiás e Mato Grosso, independentes da capitania de São Paulo, à qual se ligavam
desde a descoberta” (BERTRAN, 1988, p. 23). De acordo com Palacín e Moraes
(1989), Goiás nesse período já contava com uma população de pouco mais de
quarenta mil pessoas, entre escravos e livres. Como percebemos havia uma
“multidão” que povoava as terras da província, excluída os autóctones. De alguma
forma, essas histórias personificadas nos atos de heróis e suas tragédias, retiram do
processo a grande massa de trabalhadores cativos ou “livres”, invisibilizando-os como
construtores do espaço social.
Depois de vinte anos, Goiás tinha crescido tanto em população e em importância que não podia continuar sendo governado à distância por São Paulo. A corte portuguesa decidiu tornar Goiás independente de São Paulo, elevando-o à categoria de capitania. Em 1749, chegou a Vila Boa o primeiro governador e capitão general, Conde dos Arcos. (PALACÍN E MORAES, 1989, p. 27).
A ação da Coroa portuguesa, especialmente com a ascensão do Marques de
Pombal, buscava impor a presença do Estado, mesmo que terceirizando a produção
através de concessões a empreendimentos privados, como no caso dos
descobridores das minas. Entretanto, além do reconhecimento desses à Coroa, o
Estado português impunha uma política de controle territorial como, por exemplo, com
divisão das capitanias10, pois a Coroa Portuguesa suspeitava que tinha grandes
prejuízos com o contrabando, fazendo com que Goiás e Mato Grosso, tendo suas
capitanias próprias, facilitassem o controle e a fiscalização do contrabando.
Dessa forma, percebemos que a produção socioespacial de Goiás tem
imbricada em si as ações estatais de formação territorial com a própria criação da
capitania. Porém, conforme explicam Santos e Silveira (2001), o que define um
território é o seu uso. Corroborando com essa ideia, Souza (2013) afirma que o
território é fundamentalmente um espaço delimitado pelas relações de poder, podendo
entender dessa perspectiva, em um sentido lato, poder econômico, político e social.
Essas passagens ajudam a compreender como as políticas coloniais atuam
no ordenamento do território. Portanto, não podemos perder de vista que essas ações
estão associadas à exploração e à ocupação do território no período. Dessa forma,
retomamos o fio condutor da formação socioespacial do arraial de Bonfim. De acordo
com Silva e Sousa (1849):
10 O sistema de capitanias hereditárias permaneceu até 1759, quando foi extinto. Porém, as subdivisões territoriais permaneceram com esse nome até 1821, quando passaram a ser províncias
59
[...] n’este lugar se descobriu ouro, e em pouco tempo se erigiu um opulento arraial com o nome de Bomfim, que se despovoou logo pelas invasões dos Caiapós, e pelas prohibição dos diamantes que se descobriram, chegando a patrulhar n’aquelle continente, para atalhar aos extravios, a companhia de dragões de capitão, tenente e alferes, e juntamente toda a companhia de pedestres. [sic]. (SILVA E SOUSA, 1849, p. 15).
Cunha Mattos (1979, p. 32) confirma que o arraial “[...] foi erecto no ano de
1746, com o nome de Sr. Jesus do Bonfim [...]”. As narrativas sobre os acontecimentos
da história de Goiás são convergentes, mas há algumas divergências em relação às
datas que apresentam. Dessas convergências podemos afirmar que o primeiro
povoado que se formou onde hoje é o município de Israelândia – GO foi o arraial de
Bonfim, construído em 1746 e destruído em 1749 pelos índios Caiapós.
Conforme as narrativas, o arraial de Bonfim abrigava pessoas livres de vários
lugares da colônia que vinham na esperança de conseguirem pedras preciosas. Mas
como essas terras eram território dos Caiapós, eles lutaram tenazmente em defesa
do seu território e resistiram à expansão dos colonizadores mesmo que
temporariamente. Um desses fatos de resistências foi a destruição do arraial, o que
afastou os exploradores de minérios por vários anos. Porém, a Coroa Portuguesa
sabendo que na região dos rios Claro e Pilões havia ricas minas auríferas não mediu
esforços para retomar esse território e novamente incentivar a formação de um novo
arraial.
Após a destruição do arraial de Bonfim, o desejo da Coroa era erigir um novo
arraial. A província de Goiás passava por momentos difíceis economicamente e era
motivada pelo contrabando do ouro e dos diamantes, praticamente as únicas riquezas
extraídas da província. Embora existissem as fiscalizações e a única moeda oficial na
época fosse o ouro em pó, não era suficiente para frear os contrabandistas.
Foi adotado por volta do segundo quartel do século XVIII o regime de proibição
e/ou exploração através de contratos na província de Goiás, este que também já era
usado na província de Minas Gerais. Essa medida foi adotada em virtude de dois
fatores. Primeiro, para dar tempo à coroa de estruturar e controlar a mineração de
diamantes, como já fazia com o ouro, pois o contingente de ilegais e que sonegavam
os impostos era grande. O segundo fator foi em decorrência do baixo preço dos
diamantes no mercado internacional. Como o produto estava em baixa, colocar mais
diamantes no comércio seria um desastre econômico para a coroa.
Como fora anunciado que nos rios Claro e Pilões havia sido descobertas
grandes jazidas de “pedras preciosas” e que já foi erguido um novo arraial a Coroa
60
Portuguesa, para garantir maior lucratividade, esperando uma reação no preço dos
diamantes, proibiu a exploração mineral na região desses rios. Nesse interim, buscou
fechar um contrato que garantisse vantagens para a Metrópole. Fato que ocorreu
quando os irmãos Joaquim Caldeira Brant e Felisberto Caldeira Brant, que já
possuíam contratos semelhantes na província de Minas Gerais, desde 1749,
arremataram o direto de lavra dos rios Claro e Pilões por cinquenta anos.
Goiás passava pelo momento de transição entre 1744 e 1749, quando se
efetivou a criação da província. O governador da época da proibição de extração dos
minerais e da arrematação de contratos era o Sr. Gomes Freire de Andrade, que
tomou posse no ano de 1748 e veio a Goiás já no próximo ano (1749), para firmar o
contrato de explorações dos rios Claro e Pilões. Segundo Silva e Souza (1967, p. 21):
O 5º Governador foi o Sr. Gomes Freire de Andrade. Ele tomou posse em S. Paulo, 1748 e no ano seguinte veio a Goiás estabelecer o contrato dos diamantes no Rio Claro e no de Pilões, juntamente com o intendente do Serro do Frio, Belchior Izidoro Barreto do Rego, e com efeito deu posse aos contratadores Joaquim Caldeira Brant e Felisberto Caldeira Brant, que tinham arrematado este contrato, com a condição de estabelecerem aqui um serviço de duzentos escravos, o que se realizou, mas não correspondendo os diamantes a sua esperança, ainda que acharam o jornal de duas oitavas por dia, pouco depois se retiraram, demorando-se algum tempo a minerar na Serra Dourada, onde encontraram muitos bons jornais, antes de se recolherem para Minas Gerais.
Nos relatos de Silva e Souza (1967), o Sr. Gomes Freire de Andrade, após ter
tomado posse em São Paulo, veio a Goiás e a sua primeira “agenda” foi firmar o
contrato com os Brant.
A coroa Portuguesa passou a fixar os contratos na tentativa de dar fim ao
contrabando, ou, ao menos, diminui-los. A Coroa Portuguesa, diferente do período do
açúcar, em que não teve uma presença tão forte, com a mineração se concentrou
quase que definitivamente na colônia. Um dos meios de cobrança do imposto
estabelecido no contrato foi uma quantidade de ouro e/ou diamante conforme o
número de escravos.
Neste momento, além do ouro e do diamante recolhidos por parte dos
contratadores, a Coroa se interessava pelo imposto sobre os escravos, além de uma
quantidade mínima de escravos para se firmar o contrato. Nas regiões dos rios Claro
e Pilões, a quantidade mínima de escravos pretendidos pela Coroa Portuguesa era
200, dessa forma, além de fixar um controle sobre o número de escravos,
independente do resultado da extração, fortalecia o comércio negreiro, negócio muito
61
lucrativo e como se sabe a colonização portuguesa sempre foi um empreendimento
privado, com cobranças de impostos a favor da Coroa.
O novo arraial, Pilões, foi construído na margem direita do rio Claro, agora
para abrigar o empreendimento dos irmãos Brant, pois precisavam de uma logística
para abrigar os escravos e os demais trabalhadores. Temos aqui uma dinâmica na
formação do espaço nos arraiais. Em 1746 foi construído o primeiro núcleo urbano da
região dos rios Claro e Pilões, destruído em 1749. Em 1749/1750 (a literatura trabalha
com essas duas datas), é soerguido um novo arraial nas proximidades do primeiro,
com o nome de Pilões.
Segundo Alencastre (1863, p. 87):
E porque se lhe ordenara que a arrematação das minas diamantinas do rio Claro e Pilões fosse compreendida nas do Serro Frio, para as quais apareciam propostas vantajosas, e, fosse por isso necessário proceder à demarcação dos terrenos, para que deles tomassem posse os contratadores, em junho de 1749 partiu de S. Paulo em companhia dos arrematantes Joaquim Caldeira Brantz, Felisberto Caldeiras e o intendente do Serro Frio, Belchior Isidoro Barreto do Rego, com destino a Goiás.
E continua,
Em 15 de Julho chegou ao rio Claro e deu começo aos trabalhos da demarcação; findos, porém, eles, por ali se demorou algum tempo, até o seu regresso para Minas. Como o seu fim, vindo à capitania, era principalmente regular o contrato dos Caldeiras, a este serviço limitou-se, e a dar algumas providencias para a pacificação dos índios caiapós, que, vindo do alto Araguaia, invadiam os terrenos diamantinos. (ALENCASTRE, 1863, p. 87).
De acordo com Alencastre (1863), um pedido dos irmãos Brant para a Coroa
foi a fixação de um quartel dos Dragões da Polícia Real para dar segurança à
exploração dos minerais junto aos constantes embates com os índios Caiapós. Fato
este que foi aceito pela Coroa e logo se instalou ali um quartel dos Dragões Reais
com cerca de vinte e quatro soldados.
Examinando a guarnição que tinha esta vila para sua defesa, achei não haver mais do que a companhia de dragões, que tem de sua lotação cinquenta praças. Há mais, além desta companhia, quarenta e quatro soldados aventureiros, comandados por dois alferes, destes soldados se formam dois destacamentos, que efetivamente estão, um de vinte soldados, no caminho de S. Paulo, para defender as estradas aos viajantes dos insultos que nelas faziam o gênio caiapós, o segundo destacamento, de vinte e quatro soldados, está também efetivamente no Rio Claro para conter os contrabandistas [...]. (ALENCASTRE, 1863, p. 92).
62
Os quartéis dos Dragões Reais eram instalados estrategicamente no sertão
goiano a fim de controlar o contrabando. Fica claro que, assim, a Coroa mantinha a
presença do Estado e protegia os interesses privados, que, por sua vez, “submetia-
se” a sua obediência. A Figura 1 ilustra onde o quartel dos Dragões Reais estava
instalado, ao longo das margens dos rios Claro e Pilões, e demais quartéis na região
do arraial de Pilões.
Figura 1 - Arraial de Pilões
Fonte: Gomis, (1998, p. 35). Adaptado por Squiave, (2017).
63
Em território goiano existiam algumas guarnições da Polícia Real na tentativa
de barrar o contrabando que emergia em Goiás. A posição de Pilões era estratégica,
pois, além das suas minas, a estrada Real que ligava as minas de Cuiabá às de Goiás
e dessas a São Paulo passava exatamente no arraial de Pilões, como ilustra a Figura
2.
Figura 2 - Capitania de Goyaz século XVIII.
Fonte: Gomis, (1998, p. 55). Adaptado por Squiave, (2017).
64
Ao observarmos a distribuição do povoamento no século XVIII, percebemos
que suas posições estão associadas aos cursos d’água e que, do que se tornou o
território de Goiás atualmente, eles surgem do centro para o norte acompanhando a
bacia rio Tocantins e do centro para oeste, acompanhado a bacia do rio Grande, hoje
rio Araguaia, onde se localiza a capital da província, Vila Boa. A capital mantém uma
posição de centralidade administrativa e as outras localidades seguem uma hierarquia
entre os arais- cabeças de julgados, importantes e pequenos -, conforme a riquezas
que conseguem extrair das suas explorações, quase que exclusivamente mineral,
sendo que poucas dessas mantêm atividades de criações e cultivos.
Ribeiro da Costa (2008, p. 02) chama a atenção para um aspecto fundamental
na formação do povoamento do período colonial: a presença da igreja Católica nos
núcleos de povoamento.
Esta representação marcada pelo elemento religioso põe em evidência a importância da Igreja Católica para a compreensão da urbanização do período colonial. Falar de qualquer aglomerado humano quer seja uma cidade, vila, arraial, povoação, lugar, julgado etc., é falar da centralidade religiosa.
Esse entrelaçamento entre a Coroa e a igreja Católica foi um dos fundamentos
da colonização.
Um dos motivos que esteve na base da expansão ultramarina portuguesa foi à difusão da fé cristã. Para os portugueses, colonizar sempre esteve associado a evangelizar, neste sentido devemos ressaltar a aliança feita entre a Coroa Portuguesa e a Igreja Católica na empresa dos descobrimentos portugueses. Esta aliança se tornou oficial através do Padroado, o qual resumidamente foi à concessão da jurisdição espiritual das terras conquistadas que a Igreja Católica fez a Portugal. Era uma mescla de direitos e deveres pelos quais Portugal passava a ser patrono das missões da Igreja Católica em seu vasto império ultramarino incluindo o privilégio de cobrar e administrar o dízimo eclesiástico. Deste forte vínculo estabelecido resultou um entrelaçamento entre o poder da Igreja Católica e o poder da Coroa Portuguesa, o qual se expressou também nas questões relativas ao espaço urbano (RIBEIRO DA COSTA, 2008, p 05)11.
Reafirmamos que há algumas divergências nas datas da construção do arraial
de Pilões, mas a literatura nos indica que este foi erigido justamente no mesmo ano
da assinatura do contrato pelos irmãos Brant. Sendo assim, data de 1749.
11 Silva e Sousa (1849), em suas Memórias sobre o desenvolvimento, Governo, populações e coisas mais notáveis da Capitania de Goiás e memória estatista, descreve, de forma suscita, os 50 núcleos de povoamento, formados por diferentes arais e a capital da província.
65
O arraial de Pilões (ou Rio Claro, como aparece em alguns mapas) foi um dos
principais arraiais de mineração em Goiás no século XVIII. O mapa 2 representa os
principais arraiais e a vila de Sant’Ana (capital da capitania) do século XVIII.
Corroborando com o parágrafo anterior, o mapa traz em alguns arraiais as datas de
sua fundação, porém, em Pilões, não há a existência de datas, justamente pela
divergência de alguns autores. Mas, reproduzimos a data de alguns geógrafos
importante em Goiás, que dizem ser 1749 a data de criação do arraial.
Mapa 2 - Principais Arraiais de mineração do século XVIII em Goiás.
Fonte: Rocha (2001, p. 30). Adaptado por: Squiave (2017).
66
A centralidade era a capital Sant’Ana (Vila Boa), justamente por ser o primeiro
núcleo urbano da capitania. A capital atraia as riquezas das minas próximas, fator que
propiciou o desenvolvimento maior da capital e a estagnação das minas próximas,
como a de Pilões. Esta centralidade também pode estar ligada à posição geográfica
da capital, sobretudo do ponto de vista espacial.
O mapa 3 demonstra os núcleos urbanos e a quantidade de população desses
núcleos a partir da segunda metade do século XVIII. O arraial de Pilões (ou Rio Claro,
como aparece no mapa) é considerado um arraial pequeno. A quantidade de casas
não é precisa, mas entende-se que o arraial possuía entre 30 e 50 casas. A capital
inicia um processo de desenvolvimento, fazendo com que as minas que cercavam a
capital perdessem população em seus momentos de estagnação ou crise do processo
de mineração.
67
Mapa 3 - População Urbana do século XVIII na Província de Goiás.
Fonte: Rocha (2001, p. 56). Adaptado por: Squiave (2017).
De acordo com Franco (2007), diversas obras foram feitas após a construção
do arraial, uma delas é a fixação de uma Igreja subordinada à paróquia da capital da
província. Segundo o autor:
68
Fixado o arraial, confirmado o ouro, mantinha-se ou melhorava-se a ermida, e era instalada a paróquia. Levantava, então, o pároco bandeirante uma lista dos vizinhos da freguesia, e logo começavam estes a pagar fotos à capela, para sustentação do culto. Abriam-se os registros eclesiásticos, instituíam-se os sacramentos com suas formalidades, e surgiam as irmandades, estas importantíssimas irmandades, que são uma das organizações associativas de maior influência na vida brasileira colonial, inclusive em assuntos estranhos aos estritamente religioso. (FRANCO, 2007, p. 91).
Na época da construção do arraial, começaram também a serem construídos
os primeiros casarões do período colonial e a Igreja de estilo barroco, sede da
Paróquia do Senhor do Bonfim. A Figura 3 ilustra a igreja de Nossa Senhora do Bom
Fim, que foi construída no arraial de Pilões, uma das maiores construções de toda a
região no século XVIII.
Figura 3 - Igreja de Nossa Senhora do Bom Fim.
Fonte: Oliveira (2012, p. 49).
Porém, a construção da igreja não se dava em todos os arraiais, somente
nos mais importantes, ou seja, nos arraiais em que a expectativa e os descobertos
de minerais fossem grandes.
69
2. 2 A formação do povoamento de Pilões sob os olhares dos viajantes
O processo histórico, especialmente quando observado em escalas de
maiores durações, por vezes nos é mostrado com grandes lacunas. Um dos desafios
colocados nessa pesquisa é a tentativa de compreender o processo de formação
socioespacial como um contínuo, porém, as informações, ainda de fontes
secundárias, não permitem uma redução desses intervalos satisfatoriamente. Dessa
forma, os acontecimentos que dependem das perspectivas dos narradores e não do
processo salpicam fatos que formam um mosaico conforme interesses variados,
deixando o processo histórico cheio de vazios. É dentro desses limites que esperamos
pelo menos uma urdidura mais densa, que passa a fazer uma descrição das
observações das viajantes e seus olhares sobre a região do povoamento dos rios
Pilões e Claro.
O século XIX está marcado, em nossa história, por inúmeras visitas mais ou
menos prolongadas que ao nosso País fizeram ilustres personalidades, dentre estas
numerosos iminentes naturalistas. Segundo Franco (2007, p. 111), “Entre eles, se
destacam Spix e Martius, Pohl, D’alincourt, Saint-Hilaire e, sobretudo, o barão de
Eschwege”.
Passamos a aproximadamente cinquenta anos adiante para as viagens dos
naturalistas que visitaram o arraial de Pilões. Lembrando que, embora os viajantes
passassem no século XIX, eles retrataram a maior parte de suas falas sobre os
acontecimentos em Pilões ainda no século XVIII. É importante destacar ainda que o
nome Arraial de Pilões é derivado do rio Pilões que desagua no rio Claro, e, pelo fato
do arraial ser às margens do rio Claro, provavelmente quiseram homenagear o outro
rio (Pilões), onde descobriram grande quantidade de ouro e diamante.
Os naturalistas percorreram os arraiais mais importantes da época em Goiás,
Mato Grosso e Minas Gerais. Vamos tratar aqui da viagem dos naturalistas não de
maneira isolada, embora em alguns momentos isso aconteça, mas a tentativa é fazer
uma relação entre os viajantes. Começamos a destacar a viagem de Johann Emanuel
Pohl, austríaco e Geólogo que integrou a Missão Austríaca ao Brasil entre 1817 e
1822. Visitou Goiás por volta dos anos de 1818/1821. Embora retratemos a viagem
de Pohl ao Brasil e a Goiás, o destaque maior é quando ele passa pelo arraial de
Pilões, nos primeiros anos do século XIX.
70
É importante lembrar que o ciclo do ouro em Goiás foi intenso e breve.
Contudo, ainda não mencionamos a transição da atividade econômica em Goiás, que
irá surgir a partir do segundo quartel do século XVIII. Posteriormente, faremos menção
a este momento importante da história de Goiás. A Figura 4 demonstra os arraiais
percorridos por Pohl em sua visita a Goiás.
71
Figura 4 - Arraiais percorridos por Pohl.
Fonte: Doles e Nunes (1993) apud Chaul (2015, p. 85). Adaptado por Squiave, (2017).
Pohl (1976) inicia suas observações sobre Goiás relatando a divisão existente
na província. Segundo ele, a província era dividida em duas comarcas, que também
faziam o papel de limite territorial, a do sul e a do norte, e relata os arraiais
componentes de cada comarca.
72
Os limites da Capitania são: Ao Norte: a Capitania do Pará, em São João das Duas Barras. A Leste: as Capitanias de Maranhão, Piauí, Pernambuco, Minas Gerais e, especialmente a cordilheira que se estende longitudinalmente para o sul: serras da tabatinga dos Arrependidos, dos Pireneus da Marcela e da Canastra. Ao Sul: São Paulo, limitada pelo Rio Grande. A Oeste: longitudinalmente, a Capitania de Mato Grosso, o Rio Grande e depois o Araguaia, que limitava antes a capitania do Rio das Mortes [...]. [...] esta capitania divide-se em duas comarcas: a Comarca do sul ou Vila Boa, que além de Vila Boa, compreende os arraiais de Crixás, Pilar, Meia Ponte, Santa Luzia, Santa Cruz e outras, e a comarca do Norte, ou Vila de São João da Palma, a que pertencem os arraiais de Porto Real, Natividade, Conceição, Traíras, Arraias, São Félix, Cavalcante, Flores e outros. Contam-se em toda a Capitania apenas 50.133 habitantes, dos quais 32.689 pessoas e 9.330 fogos na comarca meridional e 17.444 pessoas e 12.520 fogos na comarca setentrional, parcialmente montanhosa, a maior parte dela é plana e pouco agricultável. (POHL, 1976, p. 121-122).
Mesmo fora da narrativa de Pohl, no que se refere à divisa da comarca, o
arraial de Pilões ficava ao sul de Vila Boa, mais especificamente ao sudoeste. A
economia goiana funcionava quase que exclusivamente a partir da mineração,
deixando o plantio de subsistência e o comercial em segundo plano. Pohl (1976)
encontrou fazendas de gado nos sertões goianos no século XIX, que mandavam
vender anualmente 6.000 cabeças na Bahia, pois, em Goiás cada cabeça valia
aproximadamente quatro florins, e na Bahia o valor de cada rês seria
aproximadamente sessenta florins ou mais.
Auguste de Saint-Hilaire foi um famoso botânico e naturalista francês que
visitou o Brasil em uma expedição. Passou por Goiás em 1819, e percorreu os arraiais
de Santa Luzia, Corumbá, Meia Ponte, Jaraguá, Vila Boa, Bonfim, Santa Cruz. Os
relatos de Saint-Hilaire (1975) são de grande importância do ponto de vista da história
de Goiás, pois, além de identificar e catalogar algumas das plantas do cerrado goiano,
escreveu com bastante clareza e cuidados sobre a região, os costumes e as histórias
da época. A Figura 5 mostra a rota da passagem de Saint-Hilaire por Goiás.
73
Figura 5 - Caminhos percorridos por Saint-Hilaire.
Fonte: Doles e Nunes (1993) apud Chaul (2015, p. 81). Adaptado por Squiave (2017).
De acordo com Saint-Hilaire (1975), havia nas terras da fazenda da Coroa
(d’El Rei), na época em que passou por lá, cerca de 400 cabeças de gado. Diferente
do que Pohl (1976) menciona ao falar que os sertões goianos estavam repletos de
74
rebanho de gado. Mas, Saint-Hilaire (1975, p. 74) afirma que “os pastos são
excelentes e o gado se multiplica facilmente, não sendo necessário fornecer-lhe sal
porque há na região terras salitrosas, como ocorre no sertão de Minas”.
Luís D'Alincourt foi um Português, militar e escritor que veio para o Brasil após
a mudança da Família Real em 1809. Prestou valiosos serviços através de suas
viagens de pesquisa ao interior do Brasil, principalmente em Mato Grosso e Goiás,
passando por estas províncias no ano de 1811. A Figura 6 relata o caminho de
D’alincourt em Goiás.
75
Figura 6 - Caminhos percorridos por D’alincourt.
Fonte: Doles e Nunes (1993) apud Chaul (2015, p. 79). Adaptado por Squiave (2017).
Tanto Pohl, quanto Saint-Hilaire e D’alincourt passaram pelo arraial de Pilões.
Ainda que suas visitas tenham se dado no século XIX e a criação do arraial tenha
acontecido em meados do século XVIII, eles trazem informações bastante importantes
sobre o arraial, e sobre a exploração chefiada pelos irmãos Brant.
76
D’alincourt (2006), apesar de passar por Pilões, é bem curto e breve nas
informações mencionadas. Segundo ele:
Este arraial conta de poucas e pequenas casas, situadas a capricho, em lugar plano, e aprazível, junto à margem direita do rio: os diamantes tirados do mesmo, e o ouro deram princípio à povoação, onde há um registro, e um oficial comandante. Os trabalhadores cuidam em minerar, o que só pode fazer no tempo de seca, e já com pouca vantagem: nos outros meses, entregam-se à ociosidade, desprezando internamente o terreno daqueles contornos, ótimo para a agricultura; de maneira que dão todo o interesse das suas fadigas insanas, aos que da cidade lhes conduzem, com pouco incomodo, o preciso para o sustento da vida. As margens do rio Claro são um pouco altas, e cobertas de arvoredos; o leito é quase todo formado de cascalho, e em partes de rocha, e areia. Corre nesta paragem ao nor-nordeste, tem as cabeceiras na de S. Marta, e as suas águas seguem em rumo geram ao norte, depois voltam ao nordeste, e vão engrossar o grande Araguaia. (D’ALINCOURT, 2006, p. 91).
Esta narrativa de D’alincourt (2006) é vivenciada no ano de 1811. Neste
período, existiam, ainda, muitos mineradores nos arredores dos rios Claro e Pilões,
especialmente no arraial de Pilões. A mineração era o objeto de maior desejo e de
maior respeito por parte das pessoas. Isso é o que confirmam Palacín et al. (2001, p.
33, grifos dos autores):
Com a mineração, a situação inverteu-se: os núcleos urbanos, surgindo da concentração mineira, congregaram a maioria da população, marcando o ritmo da vida social e das mentalidades; o interior tornou-se uma extensão econômica, subordinada aos centros mineradores. A valorização do “mineiro” e a desvalorização do “roceiro” (o atual fazendeiro), então ocorrida, expressam o fato.
Voltemos aos relatos de Pohl e Saint-Hilaire. Sobre a formação do arraial de
Pilões, Pohl (1976) descreve que:
Gomes Freire de Andrade, que exercia o governo de todas as capitanias do Sul, viajou no ano de 1749 para Goiás, para firmar contrato sobre as lavras de diamantes descobertas no Rio Claro e em Pilões, onde trabalhavam 100 escravos. Mas, comparativamente com as despesas necessárias, a produção era pouca e os contratantes logo regressaram para Minas Gerais. Apesar disso, o governo estava tão interessado nesse importante ramo de produção, que várias ordenações foram expedidas, proibindo, sob pena de pesados castigos, quaisquer trabalhos de mineração num raio de 40 léguas do indicado distrito diamantífero. (POHL, 1976, p. 132).
E Saint-Hilaire (1975) relata:
Parece que logo depois da descoberta de Goiás já se admitia a existência de diamantes no Rio dos Pilões e Claro. Quando em 1749 os irmãos Joaquim e Felisberto Caldeira Brant arremataram o contrato dos diamantes do Tijuco,
77
na Província de Minas Gerais, foi-lhes imposta a condição de fornecerem um serviço diamantino de duzentos escravos para exploração dos rios diamantíferos da província de Goiás. Quarenta léguas de terra foram reservadas a eles no distrito de Pilões, formando-se um povoado às margens do Rio Claro com o nome de Bom Fim. Infelizmente os resultados não corresponderam às esperanças dos dois irmãos. Eles não tardaram a ir embora e o arraial de bom fim foi destruído pelos Caiapós. Não obstante, as quarenta léguas continuaram interditadas aos mineradores, e as terras foram vigiadas com todo o cuidado com que é possível guardar uma região desértica. E agora não havia em Pilões senão o destacamento militar encarregado de impedir que as determinações do governo fossem violadas [...]. (SAINT-HILAIRE, 1975, p. 79).
A narrativa de Pohl (1976) diverge mais uma vez da de Saint-Hilaire (1975),
pois esse relata que o arraial de Pilões é o mesmo de Bonfim. Entretanto, o de Bonfim
foi construído em 1746 e destruído em 1749, diferentemente do que ele descreve.
Além disso, diverge de muitos autores sobre o número de escravos que trabalhavam
para os irmãos Brant nas minas do arraial de Pilões. De acordo com Pohl (1976), são
100 escravos que trabalhavam, mas Palacín e Moraes (1994), Sousa (2002b), Taunay
(1931), Silva e Souza (1967), entre outros, relatam que o número mínimo de escravos
era 200 para a assinatura do contrato. Era uma exigência da Coroa Portuguesa para
a concessão, pois os impostos seriam cobrados sobre o número de escravos, e não
sobre a produtividade. Taunay (1931) também relata duzentos escravos como o
número mínimo para a fixação do contrato:
Os que foram descobertos até agora em Goyaz pertencem quase exclusivamente à bacia do Araguaia e mais particularmente aos rios Caiapó e Claro, e seus afluentes. No ano de 1746 deram-se os primeiros achados, sendo então fundado o arraial do Senhor do Bonfim ou de Pilões, hoje do rio Claro, a 20¾ léguas da capital. Destruído três anos depois pelos índios caiapós, impôs o governo português em 1749 aos dois irmãos Joaquim e Felisberto Caldeira Brant, que haviam arrendado as lavras do Tijuco, na província de Minas Gerais, a obrigação de enviarem para as margens do rio Claro um serviço diamantino de 200 escravos. (TAUNAY, 1931, p. 45).
De acordo com Pohl (1976), havia um posto de guarda, o destacamento dos
diamantes, que era constituído por vários soldados que vigiavam especialmente o
contrabando de diamantes. Este quartel, além de fiscalizar o contrabando, prestava
segurança aos mineradores de Pilões. Ainda de acordo com Pohl (1976, p. 161-162),
O pequeno arraial dos Pilões deve ter recebido esse nome, originalmente, dos primeiros descobridores, porque aqui usaram como pilões as pedras esculpidas pelas águas em forma de almofariz. Os habitantes do lugar ocupam umas vinte casinhas de barro, cobertas de palha, que ameaçam ruir. As cabanas são bem distantes umas das outras, de modo que o lugar, de Leste para Oeste, mede um quarto de légua de extensão e vai até bem junto do Rio Claro. Os moradores brancos haviam começado a edificar uma igreja, da qual só se tem a armação de madeira meio carcomida. Como Anicuns conservava sua riqueza aurífera, tornando-se aquela região cada vez mais
78
famosa, os brancos abandonaram Pilões e se dirigiram para lá e não pensaram mais em continuar a construção da igreja no seu antigo povoado. Por sua vez, os negros livres residentes em Pilões edificaram uma simples capelinha de madeira e barro vermelho para o seu serviço religioso. Essa capela recebeu o nome de Senhor do Bom Jesus e é filial de Vila Rica.
A narrativa de Pohl (1976) difere mais uma vez da narrativa de outros autores.
Há certa discrepância nas narrativas entre autores que tratam sobre Pilões e Anicuns,
em que muitos, assim como Pohl (1976), relatam o esvaziamento do arraial de Pilões
com destino a Anicuns, porém, Silva e Souza (1967) e Saint-Hilaire (1975) não
mencionam um esvaziamento por completo do arraial de Pilões. A queda da
população no arraial de Pilões está ligada a outros fatores que serão abordados
posteriormente. Saint-Hilaire (1975) menciona que o Arraial de Pilões conta com uma
vintena de casas, descrevendo-as como casebres miseráveis.
O lugarejo de Pilões compõe-se de uma vintena de casebres tão miseráveis, em sua maioria, como os dos Coiapós [sic]. Enfileiram-se dos dois lados do caminho que leva ao Mato Grosso, e como são muito afastados uns dos outros eles se estendem por um longo trecho da estrada, logo abaixo do arraial passa o Rio Claro, que tem pouca largura e cujo nome veio a calhar, pois suas águas são de uma limpidez sem igual, permitindo ver (julho) os seixos e a areia que formam seu leito. Tinha sido iniciada a construção de uma igreja bastante grande em Pilões, mas a obra foi interrompida, e para a celebração da missa existe apenas uma capelinha do Senhor Bom Jesus, que também não está terminada e é subordinada à paroquia de Vila Boa. (SAINT- HILAIRE, 1975, p. 79).
Sobre o arraial de Pilões, alguns outros autores o mencionam como um
importante arraial, pois, dentre a bibliografia consultada, foi o único arraial (sem contar
Vilas Boas) a receber um governador. Foi no ano de 1749 que o Sr. Gomes Freire de
Andrade esteve em Pilões para registrar o contrato de diamante com os Brant.
Quarenta léguas de terrenos diamantinos tinham sido demarcadas no rio Claro e Pilões pelo conde de Bobadela, para o contrato dos Caldeiras Brant, eram, pois, privilegiados esses terrenos, e neles vedada a mineração, tendo, porém, os marcos desaparecidos, ninguém queria por aqueles lados trabalhar, para não incorrer em culpa. Não se sabendo, pois precisamente os limites do terreno privilegiados, as expedições que, à custa de numerosos sacrifícios, iam a campanha do sul de Vila Boa, de lá voltavam sem nada terem feito de útil e proveitoso, receosas de ofender as reais imunidades. (ALENCASTRE, 1863, p. 213).
De acordo com Silva e Sousa (1849), neste período em que Gomes Freire de
Andrade esteve em Pilões para assinar o contrato trouxe consigo toda a comitiva
governamental, o que provavelmente indicava que a capital da província de Goiás
seria Pilões, mesmo que periodicamente. De acordo com o autor:
79
Tomou posse em S. Paulo12, em 1748, e no anno seguinte veio a Goyaz estabelecer o contrato dos diamantes no rio Claro e no de Pilões, juntamente com o intendente do Serro do Frio, Belchior Izidoro Barreto do Rego. E com effeito deu posse aos contratadores Joaquim Caldeira Brant e Felisberto Caldeira Brant, que tinham arrematado este contrato, com a condição de estabelecer aqui um serviço de duzentos escravos, o que se realizou, mas não correspondeu os diamantes á sua esperança, ainda que acharam o jornal de duas oitavas por dia, pouco depois se retiraram, demorando-se algum tempo a minerar na serra Dourada, onde encontram muitos bons jornaes antes de se recolherem para Minas Geraes [SIC]. (SILVA E SOUSA, 1849, p. 22).
A fama de que em Pilões havia muito ouro e diamante atraiu pessoas de vários
cantos do país na tentativa de enriquecerem. De acordo com Saint-Hilaire (1975, p.
89), “Como a fama das riquezas do Rio Claro era exagerada, dezenas de pessoas
acorreram às margens do rio, convencidas de que fariam fortuna rapidamente”. Ficou
reservada para os irmãos Brant uma demarcação de 40 léguas sobre os rios Claro e
Pilões, que seria exclusiva do contrato para a prática da mineração, sendo proibida a
mineração para as pessoas livres. “Fora da zona de quarenta léguas, podiam, pois,
minerar os exploradores”. (SILVA, 2002b, p. 334).
Os irmãos Brant, por sua vez, não ficaram muito tempo em Pilões. As terras
que a Coroa Portuguesa demarcou para a extração através do contrato firmado não
atenderam às expectativas pretendidas pelos irmãos. Os Brant ficaram por pouco
mais de dois anos no arraial de Pilões e alegaram que os achados mal davam para
pagar as despesas, que não eram baratas. A Figura 7 ilustra os escravos trabalhando
nas minas do Rio Claro, provavelmente às margens do Arraial de Pilões, por volta de
1749/1751. Os escravos eram dos irmãos Brant.
12 Gomes Freire de Andrade
80
Figura 7 - Escravos lavando cascalho no Rio Claro.
Fonte: Teixeira (2011, p. 428).
Os impostos pagos não eram cobrados de acordo com a extração, mas com
a quantidade de escravos. A Coroa Portuguesa sempre mantinha o alerta de que se
não encontrassem ouro e diamante suficiente ficaria no prejuízo. Então, uma forma
de não ter perdas era a cobrança por escravos, e, como o contrato previa duzentos
escravos, os impostos não eram baratos.
Os irmãos Brant ficaram em Pilões até o ano de 1751, e logo solicitaram à
Coroa Portuguesa o deslocamento para outra região, pois os achados já não
correspondiam ao esperado e não estavam conseguindo arcar com as despesas. A
Coroa Portuguesa liberou os irmãos Brant, porém, o arraial de Pilões continuou com
os edifícios, com a igreja e com o quartel dos Dragões reais. A área delimitada para
os irmãos Brant ficou extremamente vigiada pelos soldados.
De acordo com Salles (1992, p. 97), os escravos não trabalhavam em todos
os meses do ano, pois acompanhavam o regime das chuvas:
Duzentos escravos trabalharam nas lavras, com muitas despesas e pequenos lucros. Os rios só ofereciam possibilidades de garimpo no estio, de julho a fim de outubro, e durante parte do ano os trabalhos ficavam paralisados, os escravos inativos, proibidos, por contrato, de realizarem serviços que não os de roça nas proximidades.
81
E continua,
Apesar de toda a perquirição feita na região, não foi encontrada formação diamantífera em grupiaras e tabuleiros que permitissem o trabalho no tempo das águas, conforme aconteceu nas minas do Serro Frio. No primeiro ano do contrato, conforme Dom Marcos de Noronha, o lucro não deu para pagar a quarta parte das despesas e posteriormente os irmãos Caldeira Brant tiveram seus bens confiscados naquela área, a fim de cumprir as obrigações para o Real Erário. (SALLES, 1992, p. 97).
Segundo Salles (1992), o arraial de Pilões também contava com uma
intendência para a captação dos impostos. É certo que a estratégia da Coroa
Portuguesa não foi eficaz, haja vista que, mesmo com a intendência instalada em
Pilões, o contrabando continuava acontecendo. Ainda de acordo com a autora, os
próprios funcionários do governo faziam vista grossa para o contrabando.
Difícil era o policiamento local, em razão de os próprios funcionários do governo contribuírem para a violação das ordens legais. O ouvidor de Vila Boa foi implicado em devassa por ter permitido, a fim de participar dos lucros, a ida de duas bandeiras clandestinas para a extração de diamantes, em 1749. (SALLES, 1992, p. 97).
Em toda a região aurífera dos rios Claro e Pilões frequentemente eram
encontrados diamantes. Os diamantes do rio Claro eram pequenos, porém, de grande
brilho e das mais diversas cores. Era possível encontrar diamantes vermelhos, verde-
esmeralda, brancos acinzentados, esverdeados, amarelados. Salles (1992) afirma
que os diamantes pesavam ½ ou 1 grama. Era raro encontrar alguns de 20 a 30
gramas. Mas já foi divulgado de ter sido encontrado um de 32 gramas.
O déficit foi analisado pela Coroa, e então foi autorizada a saída dos irmãos
Brant do arraial de Pilões. De acordo com Santos (1978), o pedido foi feito em 1750:
Na mineração de Pilões e Rio Claro, em Goiás, de que era administrador Joaquim Caldeira Brant, o contrato só teve perdas pela falta de diamantes suficientes. Nos dois primeiros anos o que extraiu não chegou para pagamento das despesas, acrescendo que, não havendo ali terreno para a mineração no tempo das águas, porque os serviços se empreendiam nos leitos de rios sem gupiaras e tabuleiros diamantinos, nesta estação não tinha o contrato onde empregador de modo lucrativo dos duzentos escravos capitados, entretanto que por eles pagava anualmente a avultada capitação ajustada. Nestas circunstâncias, requereu o contratador uma alteração nas condições do contrato, e por ordem de 30 de novembro de 1750 ficou o governador autorizado a entrar em novo ajuste com o contratado. (SANTOS, 1978, p. 123).
82
O pedido dos irmãos Brant foi atendido em 1751, mas com a condição de que
a retirada deles fosse para outro distrito diamantino, fazendo com que os 200 escravos
ainda trabalhassem, afinal, a Coroa não sairia no prejuízo. Santos (1978, p. 123)
explica que:
Este ajuste se fez em 21 de março de 1751, entre Gomes Freire de Andrade e o procurador de Felisberto Caldeira Brant, o Dr. Alberto Luís Pereira, em Vila Rica. Em virtude dele, as falhas que desse os escravos por motivos justos na mineração de Pilões e Rio Claro podiam ser supridas em Tijuco, vindo delas certidões; ficando, porém, o contratador obrigado a continuar o contrato dos duzentos escravos capitados para Goiás sem diminuição da capitação até o fim do ano de 1751, dando-lhe o governador daquela capitania, D. Marcos de Noronha, faculdade para fazer todos os exames e explorações que julgasse convenientes nas terras ali demarcadas.
Saint-Hilaire (1975) esclarece que os irmãos Brant ficaram em Pilões por
aproximadamente cinquenta anos. Porém, na literatura consultada, o período de 50
anos se refere ao tempo de contrato dos referidos irmãos com a Coroa Portuguesa e
não ao período em que eles ficaram em Pilões. Certamente, Saint-Hilaire atribuía os
50 anos de tempo de contrato, e é o único com tal afirmação. Toda a literatura
consultada define como data de início da exploração dos irmãos Brant o ano 1749 e
o fim em 1751. A data de 1751 é a que mais se aproxima da veracidade dos fatos,
pois, não existem na literatura dados sobre a quantidade de minerais extraídos pelos
irmãos. Provavelmente, se tivessem ficado cinquenta anos haveria alguns dados
disponíveis sobre a quantidade de minerais extraídos.
Após a saída dos irmãos Brant do arraial de Pilões, este sofreu um drástico
esvaziamento populacional. É certo que a maioria da população era composta por
escravos, mas, com a retirada dos mesmos, o que restou em Pilões foi o quartel dos
Dragões Reais. As casas (se é que podemos chamá-las assim) ficaram
completamente esvaziadas. A dinâmica populacional observada aqui segue o caráter
efêmero da mineração. É possível afirmar que se houvesse mineração haveria
população para trabalhar, bem como para se abastecer via comércio. Como a
mineração acabou e as terras ainda continuaram demarcadas à espera de novos
contratadores, pouco restou de população em Pilões.
A Coroa Portuguesa ainda esperava arrematar as terras dos rios Claro e
Pilões (40 léguas) a alguns empresários. Mas, todos sabiam do fracasso dos irmãos
Brant e ninguém queria mais montar tal empreitada.
83
O fato curioso é que a região dos rios Claro e Pilões foi, em seu
descobrimento, rica em ouro e em diamante. Pode ter acontecido que, como os
impostos (não se sabe o valor preciso) eram muito altos por escravo, os achados pelos
irmãos Brant não superaram a dívida.
Segundo Teixeira Neto et al. (2004, p. 21), a proibição dos diamantes pela
Coroa foi um desastre para o povoamento de Goiás:
[...] quanto ao fraco povoamento do território goiano próximo à região litigiosa (o sudoeste atual de Goiás), isto se devia às decisões de sua Majestade, interditando as regiões diamantíferas, nos rios Claro e Pilões, a qualquer assentamento de colonos e garimpeiros. Na verdade, essa proibição foi desastrosa para Goiás em todos os sentidos. Palacín (1972) vai mais longe ainda ao escrever que poucas decepções históricas foram tão completas quanto às dos diamantes em Goiás. Durante mais de meio século, enquanto durou o sonho, os rios Claro e Pilões iriam revelar uma dura realidade para a capitania: não havia os diamantes procurados – e tampouco ouro -, e o povoamento da região foi bastante retardado.
É importante destacar que o arraial de Pilões continuou com as suas
construções. O espaço construído pela necessidade do homem foi herdado por um
outro processo cinquenta anos depois. A formação espacial estava concretizada.
Cinquenta anos mais tarde, um outro processo aconteceu no arraial, modificando a
sua dinâmica, tanto populacional quanto economicamente, como veremos a seguir.
Os cinquenta anos que marcam a frustrada empreitadas dos Brant até o início
do século XIX, conforme descrito por Teixeira Neto anteriormente, o povoamento de
Goiás, que foi dinamizado pela mineração entrou em declínio. Essa ideia de
esvaziamento é passível de uma investigação melhor detalhada. A dinâmica
socioespacial não pode ser analisada como um plano que vai sendo preenchido pelos
acontecimentos. Normalmente, pensar o processo apenas pelo fato econômico, sem
dúvida, é revelador do concreto, mas o fato econômico não se reduz à perspectiva da
produção de capital, pois é também um fato social. Posteriormente, na análise
empírica, procuramos avançar um pouco nessa perspectiva. Agora, ainda, baseados
na literatura passamos a descrever o chamado declínio do período da mineração.
2. 3 Decadência da mineração em goiás
A mineração em Goiás alcançou seu auge muito rápido, mas teve uma vida
breve. Renomados autores da história e da geografia destacam que com o declínio
da mineração a população remanescente buscou outros meios para sua
84
sobrevivência. Palacín e Moraes (1994, p. 15) relatam que: “a época do ouro em Goiás
foi intensa e breve. Após 50 anos, verificou-se a decadência rápida e completa da
mineração. Por outro lado, só se explorou o ouro de aluvião, e a técnica empregada
foi rudimentar”. De acordo com Chaul (2015, p. 41):
A mineração propriamente dita teve vida breve em Goiás. Iniciando-se em 1726, declinou após a década de 1750, que marca o apogeu dessa atividade no estado. O declínio da mineração pode ser observado por meio da arrecadação do quinto do ouro, que passa de 40 arrobas em 1753 para 22 em 1768 e desaba para 8 arrobas em 1788, para 4 em 1808 e, enfim, para mísera 0,5 arroba em 1826.
Analisando as datas do período da mineração, o seu o início se deu em 1726,
tendo seu auge entre os anos de 1730 e 1750, quando começou seu declínio que se
prolongou até 1760. A partir da retirada dos irmãos Brant do arraial de Pilões (1751)
e com a interdição da exploração na demarcação de quarenta léguas e a sua abertura
cinquenta anos mais tarde aconteceram diversos fenômenos socioeconômicos em
Goiás. Um deles, talvez o mais importante, foi a transição da economia goiana da
mineração para as atividades agropastoris. O mapa 4 ilustra a economia goiana em
meados do século XVIII. A economia, mesmo que em escala local, já se encontrava
diversificada. O ouro e o diamante começam, mesmo que em partes, a sair de cena.
No arraial de Pilões (ou Rio Claro como aparece no mapa) não se tinha uma economia
para competir propriamente dita, pois as minas a partir da segunda metade do século
XVIII estavam interditadas.
85
Mapa 4 - Economia Colonial século XVIII.
Fonte: Rocha, (2001, p. 35). Adaptado por: Squiave (2017).
Essa produção econômica do século XVIII foi anárquica em termos de fixação
de uma economia predominante, ou seja, embora a mineração fosse a atividade mais
86
presente em quase todos os arraiais, as outras atividades econômicas, como a criação
de gado e de suínos, a plantação de cana-de-açúcar, de café e de trigo, giravam em
torno dessa produção mineral. Era preciso que se criasse uma economia mista para
abastecer as minas, visto a logística do período para a obtenção de itens essenciais
à manutenção da vida. É a partir do momento que a mineração começa a entrar em
decadência que as atividades agrícolas e agropecuárias se fortalecem e se tornam a
primeira economia da província.
O enfraquecimento da mineração também é um dos destaques de Pohl (1976,
p. 123).
Maiores lucros deram, outrora, as minas de ouro, hoje inteiramente decadentes. Agora estão esburacados os bancos de areia dos rios de todos os lugares e a superfície da terra, faltando braços para explorar o que sobrou ou abrir novas. As lendas das riquezas que os habitantes outrora extraíram da terra chegam ao anedótico, ao limite dos fabulosos. Falaram-me de pessoas que, num ano, extraíram 6 a 8 arrobas, 87 a 116 quilos de ouro.
As transformações na paisagem eram resultantes do trabalho movido pela
mão de obra escrava que ia mudando os cursos dos rios, desmatando as matas
ciliares para facilitar o trabalho da lavagem do cascalho, fazia regos d’água para
explorar as áreas de mochões secos, entre outras técnicas rústicas adotadas no
processo exploratório do minério. A narrativa de Pohl (1976) ilustra tal atividade. O
período de referência é a segunda metade do século XVIII:
Como em todo o Brasil, aqui a extração do ouro é feita pelas lavagens das aluviões auríferas depositadas através dos séculos, os quais, com menos trabalho produzem mais lucros do que a laboriosa mineração propriamente dita, que se tentou introduzir, mas logo que se abandonou, por falta de conhecimento dos meios a empregar e por ser muito lenta e cara. Os diamantes que ocorrem no Rio Claro eram de propriedade da Coroa, mas, nos últimos tempos, não só por causa da pouca renda em relação ao custo da exploração, como também por ter sido fixada por lei uma taxa em dinheiro para seu resgate, foram liberados. (POHL, 1976, p. 123).
A capitania de Goiás, de acordo com Pohl (1976), tinha aproximadamente
cinquenta mil índios. Havia grandes e constantes embates entre os gentios e os
mineradores com a finalidade ou de apreender os índios para o trabalho escravo, ou
de expulsá-los de seus habitats, para procurar minerais.
A mineração em Goiás foi tão intensa nos primeiros momentos de exploração
que praticamente ninguém se importava com a criação de animais e/ou com as
87
lavouras. Muitos autores, e até mesmo os viajantes que passaram pela região no
século XIX, criticam tal prática. De acordo com Pohl (1976, p. 128-129):
Prosseguiu ativamente a exploração do ouro. Rapidamente os colonos se espalharam até à região muito aurífera do Arraial da Barra e erigiram ali a primeira capela. Em breve se difundiu por todo o Brasil a fama dos tesouros aqui encontrados e, como de costume, exageradamente. De todas as capitanias acorreram aventureiros sedentos de ouro, e, apenas dois anos depois de fundada a colônia, aqui se achava uma população incrivelmente aumentada, constituída de toda a espécie de gentinha. As numerosas caravanas de burros que chegavam com viveres das maiores longínquas regiões mal davam para cobrir as necessidades. Começara a idade de ouro em Goiás. Mas essa vida durou pouco. As riquezas esgotaram-se e não tornaram a voltar. Tão facilmente era extraído o ouro quanto rapidamente era dissipado no luxo, na indolência e no desperdício. Breve à mingua substituiu a fartura de outrora. Na ânsia geral de extrair ouro, não se cuidou da cultura de produtos alimentícios. Os gêneros de primeira necessidade tinham de ser trazidos, através de longo trecho despovoado, de São Paulo para cá e, por isso, houve tal escassez que as coisas mais indispensáveis eram pagas a preços exorbitantes.
Assim, como os mantimentos eram trazidos de longe, os preços dos mesmos
eram exorbitantes. Por exemplo, um alqueire de milho valia de 21 a 25 gramas de
ouro. Um alqueire de farinha de milho cerca de 35 gramas. Já os preços dos animais
eram considerados altíssimos, a primeira vaca de leite que chegou a Vila Boa foi
vendida por 908 gramas de ouro e o primeiro porco custou cerca de 290 gramas, ou
seja, morria-se de fome, mas a mineração não parava (POHL, 1976).
Já Silva (2002b) relata que o alqueire (é importante frisar que o alqueire neste
período se referia a uma medida e não possui o significado de hoje, que é uma área13)
de milho chegou a custar de 6 a 7 oitavas14 de ouro. O de farinha pouco mais de 10.
Segundo o autor, o primeiro porco foi vendido a 80 oitavas e a primeira vaca incríveis
duas libras de ouro. Eschwege (1979) relata que uma libra de açúcar custava duas
oitavas, e que posteriormente os porcos eram vendidos a oito oitavas. Silva e Souza
(1967) afirmam que o alto preço dos víveres se deve à queda na produção do ouro.
Segundo os autores, os mineiros gastavam com mulheres e álcool tudo quanto
capturavam de ouro, vivendo um verdadeiro “luxo desregrado”.
13 No Brasil colonial o alqueire passou a ser manufaturado com uma trama de taquara, consistindo numa cesta bastante robusta, na qual se transportavam principalmente milho e feijão, em regiões onde muitas vezes nem estradas havia. Nesse processo, o nome caiu em desuso pela adoção de outros termos. Quando o alqueire foi convertido de medida de secos para medida de área, primeiro foi subdividido em quatro quartas partes ou quartas (quarta de chão) e depois em unidades menores convertendo-as em litros já com vistas à adoção do sistema métrico. Entretanto uma quarta correspondia no Brasil a 12,5 a 13,8 litros. Fonte: https://pt.wikipedia.org/wiki/Alqueire 14 Uma oitava de ouro correspondia a 1200 réis.
88
[...] o ouro fugiu do seu centro e não tornou, com a mesma facilidade com que se adquiria, se lhe dava consumo, e sem falar no luxo desregrado, que veio depois a consumar a decadência enquanto se não povoou o caminho de S. Paulo, o único que então havia, enquanto a agricultura (imperfeita até hoje) não ministrou mantimentos, as coisas mais necessárias para a vida se vendiam a peso de ouro, e chegando a custar o alqueire de milho seis e sete oitavas, e de farinha dez, o primeiro porco que apareceu oitenta oitavas, a primeira vaca de leite duas libras de ouro, e tudo o mais à proporção. (SILVA E SOUZA, 1967, p. 12).
A principal preocupação da Coroa Portuguesa era com a mineração. Por este
motivo não existiam em quantidade expressiva, no primeiro momento de exploração
mineral, plantações e nem criação de gado no território goiano. Organizou-se um tipo
de hierarquia de produção: os territórios onde existiam as minas deveriam dedicar-se
exclusivamente à produção de ouro. Não podendo, sem autorização da Coroa, desviar
o foco para produzir outros bens. De acordo com Palacín e Moraes (1994, p. 16):
Os alimentos e todas as outras coisas necessárias para a vida vinham das capitanias da costa. As minas eram, assim, uma espécie de colônia dentro da colônia: um território dependente economicamente dos produtores e dos comerciantes da Bahia, do Rio e de São Paulo.
Segundo Salles (1992), os mineiros queriam enriquecer e buscar conforto fora
das zonas auríferas, por este motivo os preços dos alimentos eram exorbitantes:
No começo da mineração a preocupação com a lavoura era menos importante, os mineiros pretendiam enriquecer e afastar-se para o litoral, região de mais conforto. Daí o alto preço dos gêneros alimentícios e de produtos de primeira necessidade. [...] a crise alimentar, decorrente do aumento populacional constante e da irregularidade nos abastecimentos, impeliu à formação de lavouras, que com o correr do tempo passaram a coexistir com as atividades mineradoras. (SALLES, 1992, p. 63).
Todos os ânimos de mão de obra e de capital deveriam concentrar-se na
mineração. Isso nos ajuda a entender o pouco incremento da lavoura e da pecuária
em Goiás durante os primeiros cinquenta anos de mineração. Ser mineiro era uma
das profissões mais honrosas da época, tinha a definição de mais alto status social.
Todos que vinham a Goiás, Minas Gerais ou Mato Grosso queriam ser mineiros. A
profissão de lavrador era uma profissão desfavorecida. Mesmo com a decadência da
mineração, o povo insistia em ser mineiro em Goiás. Pohl (1976, p. 129) explica que,
mesmo com a decadência das minas, a população ainda aumentou: “os aventureiros
não se dissuadiram facilmente de pesquisar novos tesouros neste Eldorado”.
89
De acordo com Palacín e Moraes (1994, p. 17): “Isto explica que, além da
mineração, não se desenvolvesse outras formas importantes de economia durante o
século XVIII, e que só fossem ocupadas as áreas auríferas”.
Em Mato Grosso, o cenário não era diferente. A mineração era a principal
atividade, deixando a lavoura e o rebanho como atividade de segundo plano. No
período em que Pohl estava articulando a visita a Pilões se encontrou com um capitão
de Cuiabá que o aconselhou a não ir além de Pilões, pois a crise alimentar em Cuiabá
se expandia.
[...] chegou e acampou junto a nós um capitão de Cuiabá com uma grande tropa de burros. Conduzia os animais para a Bahia, a fim de vendê-los, pois lá alcançavam preços bem altos. Entre outras coisas, contou-me esse homem que em Cuiabá havia grande carência de víveres, o que acarretava flagrante miséria, e aconselhou-me a não viajar além do Rio Claro. (POHL, 1976, p. 160).
Todo esse momento de decadência da mineração e de falta de mantimentos
fez com que os habitantes da província de Goiás alertassem para o início das
plantações de subsistência. Porém, a questão que o declínio da mineração coloca não
é só a crise da extração de riqueza para alguns, é também que da mineração
dependiam as outras atividades como, por exemplo, o comércio e os serviços
públicos. Uma vez que a principal fonte de riqueza se esvaiu, as demais declinavam
junto. A busca por novas áreas mineradoras era a saída mais prática. Assim, as
atividades auxiliares da mineração - a produção de alimentos (agricultura e pecuária)
- não tinham capacidade para absorver a dinâmica socioeconômica das áreas de
mineração, o que produziu um efeito em cadeia. O contraditório dessa dinâmica é que,
uma vez que a atividade principal declinou, as auxiliares assumiram a centralidade da
dinâmica socioespacial. Porém, como veremos mais adiante, as condições de
apropriação da natureza serão outras, o tempo do fazer será próprio desse novo meio
técnico e por consequência a organização espacial seguirá outras condições.
Goiás e Mato Grosso enfrentavam o mesmo período de decadência da
mineração e também de escassez de alimentos. Os víveres já estavam sendo
vendidos a uma fortuna. Mas, Goiás sempre foi mais produtivo em relação ao ouro do
que Mato Grosso. Os números apresentados por Bertran (1988), no Quadro 1,
ilustram a diferença na quantidade de ouro extraído em Goiás e em Mato Grosso.
90
Quadro 1 - Quantidade de ouro extraído em Goiás e Mato Grosso.
Quinquênios GOIÁS MATO GROSSO
1721 – 25 - 3.000
1726-29 - 5.000
1730-34 5.000 2.500
1735-39 10.000 7.500
1740-44 15.000 5.500
1745-49 20.000 5.500
1750-54 29.400 5.500
1755-59 17.500 5.500
1760-64 12.500 3.000
1765-69 12.500 3.000
1770-74 10.000 3.000
1755-79 10.000 3.000
1780-84 5.000 2.000
1785-89 5.000 2.000
1790-94 3.750 2.000
1795-99 3.750 2.000
SUBTOTAL 159.400 60.000
1800-1822 6.760 -
TOTAL 166.160 60.000 Fonte: PINTO, apud Bertran (1988). Adaptado por: Squiave (2017).
O período de 1750 a 1754, em Goiás, é o momento de maior produção
aurífera. Já em Mato Grosso a maior quantidade produzida no quinquênio data de
1735 a 1739. Goiás, de longe, foi mais produtivo do que Mato Grosso, perdendo em
produção apenas para Minas Gerais.
É difícil mensurar a quantidade de ouro extraída no início da exploração em
Goiás. De acordo com Bertran (1988), o contrabando impedia a precisão sobre a
quantidade de minério extraído. Segundo o autor:
O estado de mineração de ouro é dificilmente compreensível nesses primórdios da mineração. Senão esparsamente desconhece-se o volume da população mineradora, o volume da produção total e desconhecem-se, evidentemente, cifras de contrabando. (BERTRAN, 1988, p. 20).
A extração do ouro, entre o auge e o declínio, durou meio século. Bertran
(1988) e Salles (1992) relatam que a renda goiana no processo de declínio da
mineração se dividia em, aproximadamente: 50% para mineração, cerca de 30% para
agricultura e os outros 20% era dividido entre o comércio local e comércio de
importação e exportação. Os autores ressaltam ainda que essas relações de
porcentagem poderiam ser alteradas de acordo com a decadência final da mineração,
91
pois a atividade mais rentável economicamente após o enfraquecimento completo da
mineração era a agricultura.
Com o declínio da mineração, assim como muitas pessoas iam a Goiás com
o sonho de enriquecer, mesmo sabendo da queda nos achados, concomitantemente
muitas saíram de Goiás. O povoamento chega ao auge na década de 1750 com a
expectativa dos minerais. Daí em diante, enfrenta um longo declínio, a exemplo de
Mato Grosso e de Minas Gerais. Não é difícil compreender os motivos do declínio na
mineração em Goiás. De acordo com Chaul (2015), um dos motivos eram as práticas
rudimentares que exigiam muito dos mineradores. De acordo com o autor:
Como principais razões apresentadas para se entender o declínio da mineração em Goiás, figuram as técnicas rudimentares de extração e exploração das jazidas (ouro de aluvião), a falta de braços para uma exploração mais intensa das minas, a carência de capitais e uma administração preocupada apenas com o rendimento do quinto. Assim, todo o potencial da capitania era canalizado para a exploração do ouro, o que encarecia, cada vez mais, os bens de primeira necessidade. (CHAUL, 2015, p. 41).
Ou seja, um dos fatores para a transição da economia na época era a falta de
investimento em uma nova empreitada, pois era cobrado imposto sobre o escravo,
além do ouro de aluvião estar praticamente cessado. Ao fim do século XVIII, a
escassez das jazidas de ouro foi seguida pela recuperação das atividades no setor
agrícola.
Segundo Cunha Mattos (1979), a agricultura no final do século XVIII em Goiás
é bastante arcaica. Afirma o autor que os moradores da província de Goiás não se
preocupam com as plantações e que as principais atividades são baseadas em milho,
feijão e arroz.
A agricultura, se é que tal nome se pode dar aos trabalhos rurais da província de Goiás, acha-se no maior desprezo e abatimento, que nunca teve em país algum civilizado. Esta ciência dos reis está entregue ao indiscreto cuidado de alguns escravos. Parece que muitos homens aborrecem aquilo mesmo que é a origem da sua existência, e principal base de sua sustentação. Inventando pretextos frívolos com que encobrem a sua preguiça, clamam que não podem dar saída aos gêneros, e andam como múmias mortos de fome. Não querem trabalhar, contentam-se com a mendicância, com o roubo, com a caça dos bosques, fruto das arvores e raízes da terra. E isso mesmo quando as acham com facilidade, pois que a dificultar-se lhes, tomam como alimento o mel de abelhas que encontram em algumas rochas ou árvores. Pelo que tenho dito, fácil é coligir que na comarca de Goiás existe poucos lavradores que mereçam este nome. É o que realmente acontece: os mais industriosos cultivam a cana de açúcar, milho, feijão e arroz para suprimento das suas famílias ou para venderem aos necessitados, todos os outros gêneros de
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grãos, hortaliças, café e algodão, entram quase sempre (e tem poucas exceções) na classe das curiosidades. (CUNHA MATTOS, 1979, p. 75).
Esse panorama geral da economia em Goiás, nessa perspectiva de transição,
fica descolado da localização espacial. O que aconteceu com as áreas das minas, de
onde surge essa “pujança” agropecuária? Os espaços construídos, agora, têm novos
espaços herdados? Nesse sentido, é preciso retomarmos um pouco mais sobre Pilões
pós crise.
2. 4 PILÕES – um interregno entre períodos de mineração
Embora a mineração nos rios Claro e Pilões estivesse proibida, sempre
existiam alguns mineradores livres que a praticavam às escondidas, é o que afirmam
vários autores. Em razão dessas circunstâncias, Pilões passou a ser, em cinquenta
anos (proibição do garimpo e reabertura das minas em 1801), um entreposto
comercial entre Vila Boa e Cuiabá e também uma guarnição dos Dragões Reais.
“Depois da descoberta dos diamantes nessa região, cuja extração foi totalmente
proibida, o lugar passou a servir de guarnição a uma Companhia de Dragões e
infantes, que devia patrulhar a zona”. (ESCHWEGE, 1979, p. 58)
A partir do ano de 1801, o quadro do arraial de Pilões começa a ser alterado.
O governo colonial, enfim, após cinquenta anos de proibição decide liberar os
zoneamentos proibidos após a saída dos irmãos Brant. Neste momento de transição,
o arraial de Pilões já era conhecido como Distrito Diamantino do Rio Claro. D. João
Manoel de Menezes (governador da província de Goiás) foi o responsável em seu
mandato por, em 1801, franquear as terras para todos.
O governo liberou o Distrito Diamantino do Rio Claro, mas instituiu que os
diamantes achados na região fossem vendidos para a Coroa. Segundo Pohl (1976, p.
136):
Em 1801 o chamado Distrito Diamantino do Rio Claro foi liberado para a exploração do ouro, mas sob a condição de que os diamantes nele achados fossem obrigatoriamente entregues à Coroa a um preço fixado. Por falta de dinheiro, entretanto, em pouco cessou essa entrega e as pedras preciosas achadas ficaram sendo propriedade do povo.
Conforme Eschwege (1979), a Coroa Portuguesa sabia que os rios Claro e
Pilões já não tinham apresentado um bom rendimento no período dos Brant, por este
motivo decidiu liberar as minas dos mesmos.
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Como se reconhecesse, finalmente, que os rios diamantíferos Pilões e Claro não produziam nenhum lucro, o mesmo acontecendo com toda a região circunvizinha, numa extensão de quarenta léguas, foi promulgado um decreto em 1801, do Erário Régio, permitindo a extração de ouro em ambos os rios, e dispondo que os diamantes achados casualmente deviam ser entregues à coroa. (ESCHWEGE, 1979, p. 64).
A abertura das “zonas proibidas” do Distrito Diamantino do Rio Claro rendeu
uma dinâmica populacional importante para o lugar. Desde a fundação de Bonfim, que
foi destruído pelos Caiapós, houve a chegada dos irmãos Brant, a saída dos mesmos,
a proibição da exploração e com a abertura, houve uma variação de população, ou
seja, ora o lugar sofria um esvaziamento populacional, ora sofria um “bum” de
população. Certo é dizer que não houve, após a chegada dos irmãos Brant, um
esvaziamento por completo do arraial de Pilões.
Os irmãos Brant herdaram o que restou do arraial de Bonfim, que, por sua
vez, transformou-se e originou o arraial de Pilões. Com a abertura do Distrito
Diamantino do Rio Claro, em 1801, houve uma reestruturação (anteriormente somente
os escravos dos irmãos Brant eram permitidos garimpar), pois, o Distrito passou a
abrigar “qualquer” pessoa que quisesse garimpar. Em decorrência desse fato, a
população teve, portanto, um aumento considerável.
No seu tempo, por ordem do real erário de 10 de setembro de 1801, depois de um assento de junta e os exames necessários, se franquearam as terras de Pilões e Rio Claro, com a condição de se recolherem os diamantes que se encontrassem em um cofre, que se estabeleceu com três chaves. Este terreno em quanto vedado foi objecto de desejo, das esperanças, e o motivo de muitas representações que se fizeram ao throno, avaliando-se como única ressurça da capitania no estado de sua languidez. Porém não se sucedeu assim. As minas estavam sangradas, ou pelos Caldeiras, ou pelos extraviadores que d’esta e outras capitanias tinham entrado ocultamente pelos sertões [sic]. (SILVA e SOUSA, 1849, p. 40).
A narrativa de Silva e Sousa (1849) reforça a ideia de que existiam
garimpeiros clandestinos espalhados pelas delimitações dos rios Claro e Pilões, e que
os diamantes já não eram encontrados com facilidade. Os que eram encontrados
eram guardados em um cofre da Coroa Portuguesa sob três chaves. A Coroa pagava
os diamantes aos mineiros, mas, como algumas grandes pedras eram encontradas e
o governo não detinha dinheiro no Distrito suficiente para sua compra, o negócio foi
sendo deixado de lado no decorrer dos anos.
Depois disto, ficou durante quarenta anos rigorosamente proibida qualquer mineração naquela zona, até que em 1801 d. João Manoel de Menezes, capitão do regimento de Freire de Andrada e governador da província de
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Goyaz, permitiu aos povos a abertura de lavras, sendo estabelecido no arraial, que novamente se ergueu em 1804, um registro para verificar a identidade dos passageiros de Cuiabá, fazer a permuta do ouro e arrecadar, mediante prêmios estabelecidos, os diamantes. (TAUNAY, 1931, p. 45)
Após a liberação das minas do Distrito Diamantino do Rio Claro, nos primeiros
anos houve um dinamismo populacional. Atraídas pelo sonho do enriquecimento,
grandes multidões chegaram, vasculharam e percorreram, além de povoarem os
sertões goianos, principalmente os próximos ao novo Distrito. A economia do ouro,
sinônimo de lucro fácil, não encontrou de imediato um produto que competisse em
nível de vantagem econômica, pois, o trabalho para gerir outra economia a deixava
em segundo plano, como foi o caso da agricultura em Goiás. A pecuária se intensificou
a partir dos anos 1780/90, quando o ouro já passava a ser apenas um complemento
nas rendas dos moradores da província de Goiás.
Nestes primeiros anos de liberação do Distrito Diamantino do Rio Claro, nas
proximidades do Distrito, formaram-se pequenos sítios de lavouras, acompanhando
os mineradores, justamente para abastecê-los. A ocupação das terras, por sua vez,
fazia-se por concessão de sesmarias15, mas, alguns lavradores independentes não se
preocupavam com os rótulos de propriedade, apoderavam-se das terras para
construírem suas habitações. (SALLES, 1992)
De acordo com Salles (1992), o primeiro processo de distribuição das terras
foi feito no início do século XIX. A autora explica que muitos empresários de Minas
Gerais queriam pedaços de terras nas regiões do Distrito Diamantino. “Havia duzentas
procurações de mineiros requerendo as terras a fim de montarem suas fábricas”
(SALLES, 1992, p. 98). As cobranças de impostos por escravos já tinham cessado e
os impostos cobrados pelo governo colonial seriam somente o quinto da produção.
Por este motivo, as regiões do Distrito atraíram olhares de muitos empresários.
Conforme explicamos, na era dos irmãos Brant em Pilões não se tem dados
sobre a quantidade de diamantes extraídos mediante o contrato. Não há estes dados
nos arquivos de Goiás. Mas, há registros da captação por parte da Coroa Portuguesa
após a liberação da zona proibida. Os diamantes encontrados eram destinados à
Provedoria da Fazenda da Coroa Portuguesa, extraía-se o quinto, conforme a Portaria
de 2 de julho de 1756 de Vila Boa, e o mineiro era recompensado de acordo com o
15 As concessões de sesmarias eram feitas pela Coroa Portuguesa a fim de se cultivar as terras virgens
da colônia. O estado português, que detinha o domínio da terra, concedia sesmarias aos colonos que possuíam escravos. O tamanho da gleba para exploração era proporcional ao número de cativos. (SILVA, 2004)
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tamanho do diamante. O Quadro 2 mostra a relação dos diamantes recolhidos pela
Coroa Portuguesa no Distrito Diamantino do Rio Claro:
Quadro 2 - Diamantes contabilizados pelo governo colonial em Rio Claro.
ANO DIAMANTES OITAVAS GRÃOS
1804 13 36 -
1805 77 78 ¾ -
1806 118 35 7
TOTAL 208 159, ¾ 7 Fonte: Salles (1992, p. 99). Adaptado por: Squiave (2017).
Embora a liberação tenha ocorrido no ano de 1801, os registros de Salles
(1992) trazem os dados a partir de 1804. Existe um aumento significativo na
quantidade de diamantes encontrados no Distrito no decorrer de três anos. Por este
motivo, a região do Distrito Diamantino do Rio Claro recebeu população de várias as
partes do país, sedenta pelo minério. Neste período da contagem dos diamantes, é
ignorada a quantidade de ouro arrecadado. Em contrapartida, a quantidade de
diamantes encontrados certamente era superior à apresentada no Quadro 2, pois o
contrabando ainda existia e muitos mineiros encontravam os diamantes, mas não os
repassavam ao governo.
A economia neste momento começa a sofrer uma pequena alteração. Como
o Distrito recebeu uma grande quantidade de população para garimpar nas minas era
preciso alimentos para abastecer a mineração. É aí que a atividade agropecuária
começa a emergir.
É a partir do início do século XIX, mais precisamente entre 1800 a 1820, que
alguns autores e dicionários do período colonial dão uma definição sobre o Arraial de
Bonfim, Pilões e Rio Claro. Em alguns momentos, aparecem nas obras o verbete
Bonfim, em outros momentos Pilões e Rio Claro. Mas, ambos falam do mesmo lugar.
Analisamos no Quadro 3, a seguir, a descrição de alguns dicionários e autores que
falam sobre a região.
Quadro 3 - Definições do arraial de Pilões (Rio Claro).
AUTORES DESCRIÇÃO
Cunha Mattos (1979, p. 32-33). O arraial de Pilões fica 20 ¾ léguas ao sudoeste da cidade entre o rio Claro e o de Pilões; é banhado pelo rio Claro e atravessado por um córrego sem nome que se mete no mesmo rio. Tem 42 casas e uma ermida. Ainda que este arraial seja insignificante no tempo das chuvas é mui povoado na estação seca,
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por se tirarem imensos diamantes e ouro nos rios Claro, Caiapó, Pilões e outros. Tem aqui um registro para verificar a identidade dos passageiros do Cuiabá para a permuta do ouro e para a arrecadação dos diamantes, cousa que nunca se verifica, porque todos sabem que a junta da fazenda nem paga o ouro, nem satisfaz os prêmios a quem apresenta os diamantes [sic].
Cunha Mattos (1836, p. 99-100). O Arraial do Rio Claro, a que também dão o nome de Arraial de Pilões, acha-se assentado a pouca distância da margem direita do Rio Claro, sobre um córrego sem nome que entra no mesmo rio. Foi fundado no anno de 1746 com o nome de Arraial do Senhor Jesus do Bom-Fim; extincto por ordem Regia em 1749 e renovado por outra igual ordem em 1789. Tem presentes 42 casas humildes, e a pobre Igreja do Sr. Do Bom Fim, filial da Matriz de Santa Anna de Goiaz. Chando-se quasi sempre sem moradores, he muito frequentada durante as seccas dos Rios Claros, Pilões e Cayapó, onde se reúne muita gente para catar diamantes e ouro, que abundão nestes lugares. Em todo o districto há 34 sitios de lavoura; 5 pequenas fazendas de gado; 10 lavras de ouro em trabalho, e 3 abandonadas; e 4 teares de algodão grosso. A sua população monta a 322 almas. No arraial existe hum Registro ou Destacamento da Tropa de 1º Linha, para verificar a Identidade das pessoas que vão para Cuyabá, e para promover a arrecadação dos diamantes, e permuta do ouro que se tira do Rio Claro, Pilões e cayapó. O Rio Pilões entra no Claro duas legoas abaixo do arraial [sic].
Ferreira (1885, p. 690). Pilôes.- Povoação na estrada que vae para Cuyabá. Minas de ouro e lavras abundantissimas de diamantes foram descoberta nessa localidade por um tal Bartholomeu Bueno da Silva [sic].
Ferreira (1885, p. 700-701). Diamantes – Os que têm sido descobertos até agora nesta província pertencem quasi exclusivamente á bacia do Araguaya e mais particularmente aos rios Cayapó, Rio Claro e seus afluentes. No anno de 1746 deram-se os primeiros achados, sendo então fundado o arraial do Senhor do Bomfim ou de Pilões, hoje Rio Claro, a 20 ¾ léguas da capital. Destruído três annos depois pelos índios Cayapós, impoz o governo em 1749 aos dous irmãos Joaquim e Felisberto Caldeira Brant, que haviam arrendado as lavras do Tijuco, na província de Minas Geraes, a obrigação de enviarem para as margens do Rio Claro um serviço diamantino de 200 escravos. Depois disto, ficou durante 40 annos rigorosamente prohibida qualquer mineração naquella zona, até que em 1801 D. João Manoel de Menezes, capitão do regimento de Freire de Andrade e governador da província de Goyaz, permitiu aos povos a abertura de lavras, sendo estabelecido no arraial, que novamente se ergueu em 1804, um registro para verificar a
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identidade dos passageiros de Cuyabá, fazer a permuta do ouro e arrecadar, mediante prêmios estabelecidos, os diamantes [sic].
Saint-Adolphe (1845, p. 312-313). PILÕES: Povoação da província de Goyáz, em 16 graos de latitude, 22 legoas oestenoroeste da cidade, na estrada que vai para a de Cuiabá. Suas minas d’ouro forão achadas por Bartholomeo Bueno da Silva o filho, e lavradas mais tarde por diversos paulistas. O descobrimento de alguns diamantes de pouco valor foi causa de se estabelecer ali por conta do governo uma administração para a busca dos diamantes, com privilegio exclusivo, na qual eram empregados 200 negros; como porem, por discurso de 50 annos, as despezas embebessem mais dos rendimentos, a Rainha Dª Maria 1ª, no governo de D. João Manoel de Menezes, ordenou fosse suprimida a sobredita administração, ficando ao arbítrio dos habitantes o empregarem-se na mineração pagando o costumado quinto ao thesouro real, e entregando igualmente os diamantes que achassem conforme se praticava anteriormente. Nas adjacências d’esta povoação e perto do rio Araguaia, há uma fonte d’aguas thermaes que rompe d’uma rocha, cujas virtudes ainda não são conhecidas. Esta povoação é uma das mudas do correios que vao de Goyáz a Cuiabá e a Mato-Grosso atravessando-o pelo Araguaia [sic].
Saint-Adolphe (1845, p. 150). Bom-Fim. Pequena e nova villa da província de Goyáz, na comarca de Santa’Cruz, 44 legoas ao sul da eidade de Goyáz e eidade de Goyáz a de São-Paulo e a do Rio-de-Janeiro, passando pelo sul da provincia de Minas-Geraes. Em 1744, descobrirão-se neste terrotorio minas mui abundantes d’ouro, o que foi causa para que concorressem um sem numero d’aventureiros, os quaes edificarão uma igreja ao Senhor do Bom-Fim, da qual tomou o nome a povoação. As exacções commettidas pelos arrecadadores do quinto aeeresceo, em 1749, uma prohibição mal entendida de proseguir na extração do ouro d’aquellas vizinhanças, por isso que se acharão num ribeiro alguns diamantes de pouco valor. Estes dou motivos fizeram que a maior parte dos colonos que viao com desprazer tirarem os agentes do governo proveito das minas que eles havião descoberto, sem que elles o podessem fazer, se retirarão do paiz, ao tempo que outros ou mais constantes, ou mais prudentes se applicarão ao eultivo das terras, e a criação de gado. Quando a final se levantou a prohibição de tirar ouro, achavão-se as minas quase de todo em todo esgotadas, de sorte que mui poucos se ocupão d’esta exploração. A igreja d’esta povoação era filial da de Santa-Cruz, porem um decreto da assemblea legislativa tendo sido creadas em cada provincia em virtude da lei das reformas da constituição de 9 d’Agosto de 1834, a da
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província de Goyáz, elevou este lugar á digninidade de villa da província por lei de 1836. Achando-se a igreja de Bom-Fim inteiramente arruiada, e os rendimentos municipaes sendo insuficientes para a reedificação d’ella, um decreto da assemblea provincial de 1839 ordenou fosse o concerto feito á custa dos da província. Seu districto se acha circunscrito pelos ribeiros passa-quatro, peixe e Piracanjuba e pelos rios Antas e Corumbá [sic].
Silva e Souza (1849, p. 57). PILÕES: Arraial de muito pequeno e pouco povoado, ao oeste de Villa-Boa, na estrada de Cuyabá, em distancia de dezoito léguas, conserva uma guarnição militar; tem capella do Senhor Bom Jesus, filial de Villa-Boa: esta situado a 16 gráos de longitude [sic].
Vieira Júnior (2015, p. 149). Pilloins: Ergotoponimo (topônimo relativo aos elementos da cultura material). Início do povoamento: 1746. Não há registro do fundador, a literatura diz que já se sabia da existência de diamantes na região na época da implantação dos primeiros arraiais. Foi Distrito diamantino com acesso e mineração controlados pela coroa portuguesa. Segundo Cunha Matos ([1836] 2004, p. 264-265) o arraial fundado em 1746 com o nome de Senhor Jesus do Bonfim, foi extinto pouco tempo depois em 1749, sendo reedificado em 1789. Continua Cunha Matos, o povoado também era conhecido por Rio Claro, nome do curso d`agua no qual o Pilões e tributário. Saint-Hilaire (1848] 1975, p. 79) explica que a limpidez da agua justificava o nome do rio, fato que pode constatar quando esteve na região na primeira metade do século XIX. Conforme Bertran (2000, p. 137) a origem do termo Pilões está associada a formações deste tipo cavadas pela agua do rio [sic].
Adaptado por: Squiave (2017).
A literatura apresenta alguns dados importantes sobre o arraial de Bonfim,
Pilões e Distrito Diamantino do Rio Claro (Rio Claro). É importante destacar que as
datas muitas vezes são incompatíveis e variam de acordo com cada autor. A que mais
se aproxima dos apontamentos discutidos é o ressurgimento do arraial de Pilões no
ano de 1801, através da liberação para a mineração, em geral, a custo de entregar os
diamantes para o governo. Caminhamos no início do século XIX apontando as
transformações ocorridas em Goiás e no Distrito Diamantino do Rio Claro.
Por volta dos anos 20/30 do século XIX, aconteceram algumas
transformações no Distrito Diamantino. Como o Brasil estava crescendo em
população, o centro brasileiro já estava sendo desbravado, acompanhando a
transformação. Em 1822, a partir da independência, os governadores das províncias
eram chamados de presidentes. Este título durou todo o Império e a República, até
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início do século XX. Saint-Hilaire (1975, p. 80) relata que na virada dos anos 1820
para os anos 1830 do século XIX, “o lugarejo de Rio Claro conta apenas com uma
população fixa de 200 habitantes”.
Com essa população fixa de 200 habitantes, conforme afirma Saint-Hilaire
(1975), e com uma outra população sazonal, que acompanhava o ritmo da seca para
garimpar no distrito e a chegada dos latifundiários (grileiros) se apropriando das terras
ao redor do mesmo, o distrito ganha um novo destaque sendo elevado, no ano de
1833, pelo Decreto de 05 de julho, a distrito da capital Vila Boa, agora com o nome de
Rio Claro. A igreja do Senhor do Bom Fim, construída no distrito quando ainda era
chamado de Pilões, passou a ser paróquia e fora batizada de Nossa Senhora do
Rosário do Rio Claro. (GOMIS, 1998)
Por conta desse decreto que elevou o antigo arraial a distrito de Vila Boa, além
dos arquivos que a paróquia realizava, o distrito recebeu um Registro Cartorial,
subdelegacia, subprefeitura, subcoletoria, juiz de paz, agência de correios, distrito
eleitoral, entre outras infraestruturas trazidas pelo governo da capital Vila Boa
(GOMIS, 1998). Esta afirmação de Gomis (1998) é passível de aceitação, pois, ao ser
elevado à categoria de distrito, era necessário possuir algumas infraestruturas para
atender à demanda da população, mesmo ela sendo baixa.
Ao analisar o Quadro 3, Cunha Mattos (1836) relata que, no momento em que
o antigo arraial foi elevado à categoria de distrito da capital, existiam no distrito 34
sítios de lavoura, cerca de 5 pequenas fazendas de gado, 3 lavras de ouro
abandonadas e ainda 10 funcionando, além de 4 teares de algodão grosso. O autor
explica que a população neste momento marcante para o distrito era de 322 pessoas.
De acordo com Saint-Hilaire (1975, p. 81), no novo distrito foi feito um decreto,
de 01 de junho de 1833, em que foi “instalada uma escola primária no Arraial de Pilões,
ou se preferir, Rio Claro”. Este relato pode ser também encontrado em Cunha Mattos
(1836, p. 339).
Com a elevação do povoado a distrito, ocorreram transformações no espaço,
com novas construções e edificações públicas. Porém, tanto em Rio Claro, como nos
outros arraiais, não foi possível gerar uma sociedade coesa, tampouco organizada.
Eram, sobretudo, garimpeiros ignorantes e sem nenhum tipo de planejamento sobre
as suas edificações.
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Por sua duração efêmera e por seu caráter itinerante e predatório, a economia mineratória não teve condições de gerar uma sociedade coesa e estruturada em Goiás. A decadência da mineração acentuou a desarticulação interna. Sem outras alternativas econômicas, já que a região não tinha condições, pelo nível de desenvolvimento das forças produtivas locais, de integrar-se dinamicamente ao complexo agrário-exportador que caracteriza a economia brasileira do período, a população volta-se para uma economia de subsistência ou para a pecuária extensiva, buscando produzir para as regiões vizinhas. (SILVA, 2005, p. 26).
No século XIX, a decadência da mineração se acentua. A atividade econômica
que vai substituir a mineração é a agropastoril. Ocorre em Goiás uma profunda
reorganização das forças produtivas, sendo assentadas as bases da economia
agropastoril nos sertões goiano. Ela sempre existiu, porém, com pouca expressão.
O governo colonial sempre se preocupou com as minas. A partir do início da
exploração das mesmas, todas as forças eram destinadas à mineração, bem como
toda a mão de obra da capitania. Com a decadência ou o desaparecimento do ouro,
o governo português decidiu, através de seus comandos, incentivar e promover a
agricultura em Goiás.
Nos primeiros anos do século XIX era angustiante o estado da capitania de
Goiás. A economia mineradora trouxe a ideia de riqueza fácil, e em menos de vinte
anos do auge da mineração regiões desconhecidas nos sertões goianos estavam
sendo povoadas. Com a decadência, a população foi diminuindo e se espalhando
gradativamente na província de Goiás16. Alguns arraiais desapareciam ou se
arruinavam e a agropecuária estava cadenciada para a produção de subsistência.
Essa evidente decadência trouxe para Goiás uma defasagem sociocultural. Registrou-se uma queda na importação e exportação, afetando muito o comércio, os aglomerados urbanos estacionaram e alguns desapareceram, parte da população abandonou o solo goiano e parte dispersou para a zona rural, dedicando-se à criação de gado ou agricultura, costumes e hábitos da civilização branca foram esquecidos em decorrência do isolamento no qual os goianos passaram a viver, ocorreu a ruralização da sociedade e a desumanização do homem. (PALACÍN E MORAES, 1989, p. 46).
Goiás vivenciou um longo período de transição de sua atividade econômica.
Extinguia-se uma economia baseada na mineração que dava altos lucros ao governo
colonial em seu início, e em contrapartida nascia uma economia agrária, fechada, e
em algumas regiões apenas de subsistência.
16 Saint-Hilaire (1975) afirma que neste momento a população “espraiou pelo sertão” goiano.
101
Visando a dinamizar as atividades econômicas e incentivar a expansão da economia agropastoril, nessa parte do território colonial, D. João tomou uma série de medidas: isenção de dízimos durante dez anos aos lavradores que criassem estabelecimentos agrícolas ao longo dos rios Tocantins, Araguaia e Maranhão; incentivo à navegação com criação de presídios à margem dos rios, com o objetivo de proteger o comércio, auxiliar a navegação e colaborar para a utilização dos índios na agricultura, incremento da navegação no Araguaia e Tocantins, conseguindo-se enviar através deles, entre 1805-1808, à praça do Pará, algodão, açúcar, fumo, couros, sola etc. (SILVA, 2005, p. 26-27).
Nesse período, o Brasil passava por transformações socioeconômicas e
políticas, principalmente pelo reflexo da Europa, o que, somado à administração de D.
João VI, fez com que no Brasil houvesse um processo que culminou com a separação
e a independência. Em oposição, o Brasil viveu um período de intensa crise, no qual
suas aquisições econômicas foram ameaçadas pelos portugueses.
Em Goiás, a população rural permaneceu alheia a essa crise, mas elementos ligados à administração, ao exército, ao clero e a algumas famílias ricas e poderosas, insatisfeitas com a administração, fizeram germinar o rincão goiano o reflexo das crises nacionais. A atuação dos capitães generais, as vezes prepotentes e arbitrários, fez nascer na capitania ojeriza pelos administradores. A causa maior dos descontentamentos encontrava-se na estrutura da administração colonial, e os empregados públicos eram os mais descontentes; a receita não saldava as despesas e os seus vencimentos estavam sempre em atraso. Encontravam-se também descontentes alguns elementos do clero, os mais intelectualizados da capitania. (PALACÍN E MORAES, 1989, p. 49-50).
Não houve mudanças marcantes em Goiás na transição da colônia para o
Império. Economicamente, continuou o mesmo enfraquecimento com a decadência
da mineração, e somente mais tarde a economia agropastoril iria oferecer
modificações. A população de Goiás durante o século XIX teve um aumento
significativo, embora a decadência da mineração tenha se acentuado. Os índios
diminuíram quantitativamente e as migrações dos estados vizinhos aumentaram. A
pecuária neste momento começou a se tornar um setor muito dinâmico da economia
goiana. Segundo Palacín e Moraes (1989, p. 57-58):
Nas três primeiras décadas do século XIX, espalharam-se fazendas de pecuária pelos sertões de Goiás. Poucas sesmarias foram demarcadas judicialmente. A grande maioria dos proprietários possuía apenas o título de posse e as concessões dos antigos capitães-generais. Estas fazendas eram mal cultivadas e mal aproveitadas, não só pela falta de braços e de numerário, mas pela ausência de mercado interno. Registrou-se neste período uma média de exportação anual de 20.000 cabeças de gado vacum, além de muares. O incremento da pecuária trouxe como consequência o desenvolvimento da população. Correntes migratórias chegavam a Goiás
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oriundas do Pará, do Maranhão, da Bahia, de Minas, povoando os inóspitos sertões.
A maioria desses mineiros que permaneceu em Goiás após o
enfraquecimento da mineração passou a dedicar-se à criação de gado e a trabalhar
com uma agricultura de subsistência. A pecuária começou a alcançar números
expressivos, não só pela existência de boas pastagens, mas porque havia uma
demanda de consumidores pelo gado. De acordo com Chaul (2015), a topografia de
Goiás auxiliava no bom desenvolvimento da pecuária, além dos solos serem
favoráveis a tal prática.
O cerrado com sua carência de sais minerais condicionava, a seu modo, a pecuária extensiva. Um solo propício oferecia as condições básicas para que, paulatinamente, tal atividade fosse ocupando o território goiano, algo bem longe da ilusão do eldorado do sertão. Do ponto de vista da geografia, Goiás herdava ainda, em meio a tantas adversidades, uma topografia positiva para o desenvolvimento da pecuária. (CHAUL, 2015, p. 106).
Em meados do século XIX, o pouco de mineração que restou foi encontrado
em alguns arraiais e distritos que sobreviveram à decadência do ouro e do diamante.
Sobretudo, os habitantes que viviam da extração foram entregues à ociosidade. No
distrito do Rio Claro, a mineração já não era mais rentável, porém, os mineradores
não desistiam tão facilmente do sonho de enriquecerem encontrando uma pedra no
famoso distrito.
Há uma sazonalidade populacional em Rio Claro no século XIX. Embora
contasse com uma população fixa, a mineração, segundo Taunay (1931) e Cunha
Mattos (1979), atraía forasteiros no tempo seco, que corresponde aos meses de maio
a setembro, em que o distrito recebia cerca de 700 habitantes para minerar. Esses
habitantes evadiam do distrito no período das chuvas. Os meses de outubro a abril
correspondem ao período chuvoso, que não é propício à mineração, embora ainda
houvesse mineradores. Saint-Hilaire (1975) também discorre sobre os períodos
adequados à mineração no distrito, segundo ele:
Só no Rio Claro, praticamente eles podem entregar-se a exploração que compensem o seu trabalho, e para isso são forçados a esperar a época da seca. Em outras épocas, trabalhando intensivamente, eles conseguem apurar entre 160 e 300 réis por dia, mas nos meses de julho, agosto e setembro a diária pode chegar a 1.200 e 1.500 réis. (SAINT-HILAIRE, 1975, p. 80).
103
Na época da seca, ainda de acordo com Saint-Hilaire (1975), não são
unicamente os próprios habitantes de Rio Claro que trabalham como mineradores.
Vinha gente de todos os lugares, entre eles, Meia-Ponte e Vila Boa. Os exploradores
traziam os víveres de que precisavam e instalavam suas barracas no distrito. O ouro
não os atraía com tanta intensidade, mas, sim, a esperança de encontrarem
diamantes. De acordo com Pohl (1976), a mineração no Rio Claro continua
importante. Segundo o autor:
De modo geral um homem lava diariamente de quatro a oito vintém, até uma oitava de ouro. Assegurou-me um dos melhores garimpeiros que, durante uma estação seca completa, ele separara 185 gramas, sem contar naturalmente os diamantes que vinham misturados e não eram de grande tamanho. Relativamente aos diamantes, o ano de minha estada deve ter sido muito produtivo, tendo-se achado também dois exemplares de 24 grãos (o grão é medido antiga de peso equivalente a 50 miligramas) de peso e de invulgar pureza. Na cidade, onde as pedras já são recebidas das mãos dos negociantes, o preço é consideravelmente mais baixo, pois eles conhecem vários expedientes para contrabandear os diamantes para o Rio de Janeiro ou para Bahia, tirando o máximo proveito das mercadorias que assim adquirem secreta e ilicitamente. (POHL, 1976, p. 163).
É evidente que, apesar da pecuária surgir como fonte alternativa de economia,
a mineração nos arraiais que sobreviveram continuava rendendo algumas poucas
pedras aos mineiros que viviam para a exploração. Cunha Mattos (1979) afirma que
“[...] a mineração em grosso cessou de uma vez, e apenas ficaram na província alguns
faiscadores”. Esses faiscadores certamente eram a população de Rio Claro. Ainda de
acordo com o autor:
Em Crixás ainda tiram algum ouro no tempo das chuvas: nos rios do Peixe, Corumbá, Claro, Caiapó e outros trabalham poucos faiscadores: em conclusão, no dia de hoje acha-se a mineração de Goiás reduzida a quase nada, e talvez em toda a comarca se não extraíram duas arrobas de ouro por ano. (CUNHA MATTOS, 1979, p. 82).
Cunha Mattos (1979) ainda explica que alguns homens em Goiás tiveram
sorte por abandonarem a mineração e se dedicarem à agricultura. Em meados do
século XIX, a principal riqueza em Goiás eram as roças de milho, arroz, feijão e a
criação de gado.
Segundo Bertran (1988), em 1844, existiam 232 minas de ouro abandonadas
e 41 minas de ouro em exploração em Goiás. Havia 3.500 estabelecimentos rurais,
destes, 667 dedicavam-se exclusivamente à pecuária. Conforme o autor:
104
Enfim, a economia agrícola, propriamente, surge como um regime de transição entre a economia mineradora e a economia de exportação pecuária, pelo menos em Goiás. Nem tanta economia de subsistência, nem tanto comercial, a agricultura do século XIX poderia caracterizar-se talvez como de abastância, vez que seu mercado com localizadas exceções, só raras vezes ultrapassava as barreiras extra regionais, pelo proibitivo da relação preço/custo de transporte. (BERTRAN, 1988, p. 43).
Teixeira Neto et al. (2004, p. 72) destacam que no final do século XVIII os
estabelecimentos rurais tiveram um aumento significativo em Goiás. Já Estevam
(1998) afirma que em 1756 o território goiano contava com 500 sítios de lavoura. Em
1796, com 1.647 e, em 1828, com aproximadamente 2.380 sítios de lavouras de
subsistência. Com o declínio da atividade mineradora, esses números tendiam a
crescer.
Quanto mais se acelerava o processo de decadência da mineração em Goiás,
mais a apropriação primária do espaço rural em quase todo do centro-oeste era
executada com maior rapidez. A pecuária iniciava-se na comarca do Norte, pois, como
não se tinha mineração expressiva e os sítios de lavouras eram menores se
comparados com a comarca do Sul, era mais rentável.
Uma forma de apropriação importante tanto na região de pecuária como na
região de lavoura em Goiás foi a posse da terra. As grandes propriedades de terra em
Goiás certamente eram advindas da posse (ilegal), e não de sesmarias. De acordo
com Teixeira Neto et al. (2004, p. 73), “é preciso lembrar que as pessoas que afluíam
para o território goiano não dispunham de meios para receber a doação de sesmarias,
de modo que a solução era simplesmente a posse”.
Não restavam outras opções aos mineiros quando a mineração dava seus
últimos sopros senão ocuparem as áreas próximas aos antigos centros mineradores.
Segundo Barbosa et al. (2014, p. 230), os mineiros “apossaram-se das terras,
requereram sesmarias, e procuraram legalizá-las (valendo mais a posse que a lei),
com o intuito de desenvolver uma agricultura básica que alimentasse a si e aos seus”.
O surgimento de uma agricultura como atividade permanente em quase nada
favoreceu a criação de uma cultura camponesa, porque não tinha sua produção
baseada em uma estrutura de propriedade familiar, conforme salientam Barbosa et al.
(2014), pois ela nasceu sob o trabalho escravo. Ainda de acordo com os autores:
Primeiro veio a sociedade urbana que o ouro criou; depois, surgiu a sociedade de raízes rurais, cujo símbolo inconfundível foram as fazendas tradicionais que se instalaram por toda parte do território. Dado o favorecimento das leis ao caráter concentrador da terra e da propriedade nas
105
mãos de poucos privilegiados, essas fazendas eram mais uma estrutura oligárquica, como a dos grandes engenhos e dos grandes cafezais dos barões do século XIX, que uma propriedade rural voltada essencialmente para o abastecimento regular das cidades próximas. (BARBOSA et al., 2014, p. 234-235).
É importante destacar que, conforme afirma Franco (2007), em primeiro lugar,
o ouro fixou definitivamente as populações no interior. Bastide (1975, p.117) também
afirma que a civilização do ouro moldou a urbanização brasileira, porque “o ouro
prendia os homens às zonas auríferas”. Assim, a mineração, mesmo com uma fluidez
baseada no esgotamento das reservas minerais, fixou núcleos de povoamento no
interior do Brasil, nas distantes minas dos Gerais, Mato Grosso e Goiás,
especialmente no século XVIII. Com o ouro, o processo de civilização do interior foi
mais acelerado, sendo que, sem ele, muito teria tardado a se civilizar. Entretanto,
Bertran (1988) relata que, se não houvesse o ouro em Mato Grosso e em Goiás, o
centro-oeste para ele seria, mesmo assim, mais cedo ou mais tarde, civilizado pelos
fluxos migratórios do século XIX.
Para o desenvolvimento e a ascensão da pecuária em Goiás, as condições
improváveis e a presença de outras atividades produtivas não constituíam barreiras.
Segundo Chaul (2015, p. 109):
As pastagens naturais, a parca mão de obra exigida para as atividades ligadas à terra e à criação, o reduzido capital e os ínfimos investimentos tecnológicos demandados, além da terra em abundancia totalmente desprovida de povoamento e controle de posse, podem explicar a permanência da pecuária como atividade ascendente em Goiás.
A enorme área geográfica goiana condicionou a formação de ilhas
demográficas, cercadas de grandes vazios humanos pelos sertões. Embora a
economia mineradora fosse responsável pelo início do processo de colonização, foi a
pecuária que promoveu o aumento populacional em Goiás. O Quadro 4 ilustra o
aumento populacional em Goiás no século XIX.
Quadro 4 - Números de habitantes na província de Goiás.
Ano Habitantes ANO Habitantes
1849 79.000 1872 149.000
1856 122.000 1890 227.000
1861 133.000 1900 255.000 Fonte: Palacín e Moraes (1989). Adaptado por: Squiave (2017).
106
A população goiana, com o advento da pecuária como fonte alternativa de
economia, triplicou de número em cinquenta anos. De 79.000 habitantes em 1849
para 255.000 na virada do século XIX para o XX. Estava evidente que a economia
emergente em Goiás daria bons resultados. De acordo com Bertran (1988, p. 43),
entre os últimos cinquenta anos do século XIX as cabeças de gado se multiplicaram
por 10, ao que o autor chama de “irrisório tratando-se de um século”.
Este processo contraditório de aumento de população, embora as atividades
econômicas tenham se declinado, evidencia o crescimento populacional brasileiro,
sobretudo da interiorização da população, procurando terras mais baratas para se
estabelecerem com suas famílias.
Na medida em que o processo de mineração entra em declínio, a população
contraditoriamente aumenta. Essa população é originária principalmente de Minas
Gerais, e a pecuária e a lavoura surgem como solução para que a mesma pudesse
sobreviver. A lavoura, não no início, mas posteriormente, foi surgindo em torno das
minas com a finalidade de alimentar os mineiros. Quanto à pecuária, inicialmente esta
não despertou muita atenção dos mineiros, que tinham suas forças e objetivos
voltados para a mineração.
Rio Claro, de acordo com o Recenseamento do Brazil [sic], do ano de 1872,
possuía 948 habitantes, sendo homens livres 475 e mulheres 380. Já os escravos
somavam 53 homens e 40 mulheres. É interessante destacar que em 5017 anos o
número de habitantes em Rio Claro praticamente triplicou. Provavelmente pela
apropriação das terras pelos posseiros.
O Distrito de Rio Claro, após a Proclamação da República em 1889, teve uma
reestruturação das terras. As terras devolutas deste período foram apropriadas pelos
coronéis, os “detentores do poder”. Segundo Barbosa et al. (2014), o coronelismo
chega na região do Rio Claro no fim do século XIX.
Todas as outras atividades (o comércio, sobretudo) dependiam direta e indiretamente do que era produzido na roça e nos pastos. Social, política e economicamente, as oligarquias que exerceram por muito tempo o poder sobre as terras provinham do meio rural, e a figura mais representativa dessa classe poderosa, como afirma Campos (1982), sem dúvidas é a do Coronel. Não há como ignorar o coronelismo como a forma de exercício do poder que melhor retrata as relações políticas e sociais de nossa sociedade, sobretudo no campo. Aliás, o coronelismo se situa na base de uma das questões sociais mais emblemáticas de nosso tempo: a reforma agrária. (BARBOSA et al., 2014, p. 231).
17 Ver página 81.
107
As terras do distrito que, por um lado eram concedidas via sesmarias, e, por
outro, via posse, passam a ter uma nova forma de organização com a chegada dos
coronéis. De acordo com Teixeira Neto et al. (2004, p. 76):
O regime de terras que vigorava no Brasil vai permitir, em Goiás, o aparecimento de latifundiários, com implicações econômico-políticos e sociais. Nesse cenário aparece a figura dos “coronéis”, que eram quem mandava e desmandava. Alguns deles possuíam tão grandes poderes, que estenderam influência política não só no período provincial, mas também na República. Na maioria grandes proprietários, eles edificavam seu sistema de poder por meio da posse dessas terras.
São discutíveis as contribuições destes coronéis para a produção do território
goiano, tendo sido, inclusive, acusados de terem retardado o processo de
territorialização no século XIX. Mas, é preciso cuidado ao dizer que os coronéis são
culpados por atrasarem o processo. Alguns autores dizem que as oligarquias dos
coronéis foram responsáveis pelo desenvolvimento de boa parte da região. Já outros
afirma que o atraso no desenvolvimento era justamente o isolamento de Goiás,
juntamente com a carência de recursos e a falta de estruturas (estradas, etc.).
Já Gomis (1998) relata que os coronéis chegaram à região já em meados do
século XIX, processo que se agravou com a Proclamação da República em 1889.
Com a renúncia de D. Pedro I, em 1831, a elite goiana expulsou todos os portugueses dos cargos públicos e assumiu, de vez, o controle político e administrativo de Goiás. Essa virada histórica deu início ao surgimento das oligarquias aristocráticas ruralistas e inaugurou o processo de decadência do Distrito de Rio Claro. Essa elite, com o poder nas mãos, requereu do governo imperialista extensas áreas de terras para a implantação de fazendas de criação de gado. Com isto, os pequenos proprietários e posseiros do oeste goiano foram perdendo suas propriedades para esses grandes latifundiários. E assim, muitos habitantes foram embora e outros se tornaram “agregados” dos novos fazendeiros. Por fim, esta situação acabou por si agravar ainda mais quando se consolidou o regime dos coronéis, implantado após a Proclamação da República, em 1889. As consequentes dificuldades enfrentadas pelos agricultores pobres e garimpeiros, impedidos de se estabelecerem na terra, causaram um esvaziamento gradativo da população regional. No fim do século XIX, apenas algumas famílias tradicionais e um reduzido número de lavradores sem-terra, inclusive, descendentes de escravos, constituíam os habitantes de Rio Claro. (GOMIS, 1998, p. 59).
Associado a esses fatos, um evento nesse período contribuiu para a
decadência do povoado: um surto de febre amarela nas primeiras décadas do século
XX que vitimou muitos moradores. Dos sobreviventes, muitos se mudaram para outros
lugares, e apenas poucos ficaram no distrito, seja por não terem outra opção de morar
ou por amor a terra. Por isso, o distrito de Rio Claro, que no seu auge chegou a ter
108
quase mil pessoas e foi um importante arraial para o governo colonial, entra num
grande processo de decadência, passando a ser chamado de Comércio Velho.
2. 5 O processo de apropriação das terras no século XIX
O período colonial foi marcado por diferentes momentos na conjuntura da
organização espacial brasileira. Um desses marcos foi o processo de exclusão social
no campo, que historicamente começou no período colonial. As terras brasileiras eram
de propriedades do Governo Colonial, que, por sua vez, concedia sesmarias aos
colonos que atendessem aos pré-requisitos para ter a sua posse, como, por exemplo,
possuir escravos. O tamanho da propriedade requerida através de sesmaria obedecia
à quantidade proporcional de escravos e à capacidade econômica para efetivar a
exploração, sob pena de ter que devolver a gleba de terra.
A partir do século XVIII, com a expansão territorial da Colônia Portuguesa na
América e o natural aumento populacional, o sistema de posse da terra praticamente
subverteu o ordenamento sesmarial, indicando um grave problema na Colônia sobre
a situação das propriedades (SILVA, 2004). O problema se agravou substancialmente
com a crise da mineração e a expansão da pecuária.
Segundo Silva (1996), duas condições históricas envolveram a apropriação
das terras no Brasil. A primeira condição se deu com a inserção no vasto campo de
expansão comercial europeia no decorrer dos séculos XV e XVI. Já a segunda foi de
possessão portuguesa, pois, segundo a autora, a ocupação do território brasileiro
pelos portugueses não foi fruto do acaso. “Buscar novas terras fazia parte de uma
política expansionista e econômica do sistema capitalista nascente na Europa naquela
época, e essa forma de economia exigia novas rotas de comercialização de produtos”
(SILVA, 2004, p. 25).
A história territorial brasileira começou em Portugal. A iniciativa de distribuição
de terras no Brasil pela Coroa Portuguesa se concretizou a partir do momento em que
Martim Afonso de Souza recebeu uma carta com a autorização para tomar posse das
terras que descobrisse no “Novo Mundo”. Martim então desembarcou no Brasil com
400 pessoas, com a principal missão de proteger as terras. (FERES, 1990) O Rei D.
João III, em fevereiro de 1532, ordenou ao Capitão-mor a dividir o litoral do Brasil em
12 partes, que se chamaram de capitanias hereditárias. As 12 partes foram
109
designadas aos portugueses que se chamavam “capitães desbravadores”. (SILVA,
2004).
Os 12 capitães, ou pessoas contempladas pelas doações de terras, denominavam-se donatários, a quem não era permitido dividir, com ninguém, sua capitania. Era-lhes, no entanto, permitido ficar com dez léguas, não contíguas, e o restante deveria ser repartido, em regime de sesmarias, às pessoas que as requeressem e que tivessem condições financeiras para cultivá-las. O rei doava os benefícios e o usufruto da terra, e não ela própria, pois os donatários não eram proprietários de fato, mas apenas uma espécie de administradores. Até 1822, a apropriação das terras brasileiras regeu-se exclusivamente pelas ordenações do reino, por intermédio da concessão de sesmarias18, caso o regime de sesmarias tivesse sido cumprido, pois se sabe que a Lei de Sesmarias não foi cumprida na íntegra, ou seja, a apropriação das terras brasileiras nunca foi regida exclusivamente pela Lei de Sesmarias. (SILVA, 2004, p. 27-28).
O sesmeiro no Brasil era a pessoa que recebia terras via sesmarias, com o
compromisso de produzir na mesma, sob pena da propriedade voltar ao domínio da
Coroa. O “problema” das terras no Brasil é histórico, como já dissemos. Em Portugal,
as sesmarias geraram as pequenas propriedades, e, consequentemente, no Brasil foi
a principal causa do latifúndio. Silva (2004, p. 33) relata sobre a pequena expressão
da Lei de Sesmarias em Goiás:
Em Goiás, a Lei de Sesmarias teve pouquíssima expressão, uma vez que as primeiras bandeiras vieram em busca de índios para o tráfico da escravidão. Só mais tarde, entre 1723 e 1725, descobriram o ouro, e o território da futura capitania foi efetivamente incorporado à geopolítica metropolitana portuguesa. A longa distância, as dificuldades de acesso, os altos custos de demarcação, a entrada clandestina de forasteiros ocupando o sertão e a resistência dos aborígenes eram empecilhos à obtenção da terra por via legal. Os requerimentos, as concessões e as confirmações foram em número reduzidos, limitando-se aos beneficiários de cargos, patentes e provisões regias. O mais comum era o apossamento puro e simples ou, no máximo, a obtenção de uma Carta de Concessão que sancionava a posse ‘natural’, ‘espontânea’ e ‘pacífica’. As extensões dessas sesmarias ou posses raramente obedeciam ao estipulado pelas modificações implantadas na legislação de sesmaria, em 1753, determinando três léguas de comprimento por uma de largura. As técnicas de medição eram rudimentares e imprecisas, tornando fácil ao sesmeiro aumentar a extensão, apossando-se de terras ao redor.
Silva (1996) destaca que vários fatores contribuíram para transformar o Brasil
em um país latifundiário, um deles foi a abundância de terras férteis e pouco
exploradas, além da inserção no extenso mercado mundial que se abria para o açúcar.
18As terras distribuídas eram chamadas de sesmaria porque o agente que repartia as terras devolutas era o sesmeiro, uma espécie de magistrado municipal, escolhido entre os ‘homens bons’ da localidade, integrante do sesmo ou colégio de seis membros, encarregados de distribuir o solo entre os moradores. (SILVA, 1996, p. 38).
110
“Isso contribuiu para que a grande propriedade rural se tornasse, aqui, a verdadeira
unidade de produção” (SILVA, 2004, p. 33).
Porém, é preciso destacar que o sistema sesmarial, em seu início, não foi a
única causa do latifúndio no Brasil. O período de transição em que ficou vagando a
legislação fundiária (1822-1850) também teve importância na formação dos grandes
latifundiários.
Até 1822, eram propriedades regulares as que possuíam os registros de
Sesmarias emitidos pela Coroa Portuguesa. A 1º Lei de Terras só vai surgir em 1850,
e, a partir dela, ficou estabelecido que só se poderia adquirir terras por meio de compra
e venda ou também por doação do Estado. A posse não era mais permitida. Os que
já ocupavam alguma propriedade receberam o título de proprietário e as únicas
exigências para que a terra não fosse devoluta seria residir na propriedade e produzir.
O período sem lei reforçou a prática do apossamento: o interregno que vai de 1822 a 1850 põe em evidencia um processo de amplo apossamento de terras, que caracterizará, no país, a formação do latifúndio, na sua forma mais acabada. O latifúndio avançará sobre as pequenas posses, expulsando o pequeno posseiro em algumas áreas, num deslocamento constante sobre a fronteira de terras abertas. (SMITH, 1990, p. 304).
Antes de 1850, em todo o país as posses de terras já eram significativas.
Embora Goiás só fosse explorado em 1723, com a crise da mineração cinquenta anos
mais tarde, os criadores de gado que não respeitavam os limites e nem as condições
das terras se apossavam do que podiam. Quando o solo esgotava o potencial
produtivo, segundo Silva (2004), os posseiros criadores de gado avançavam sobre
novas terras nos sertões goianos.
A mineração em crise pelo esgotamento dos minerais cedeu lugar, em um
primeiro momento, a uma economia de subsistência nos arredores das minas e,
depois, à pecuária. Grandes fazendas foram sendo formadas e, cada vez mais, terras
foram apossadas sem nenhum tipo de documento. As terras próximas ao arraial de
Pilões (Distrito Diamantino do Rio Claro) foram, em princípio, apropriadas através de
posse.
Um importante instrumento que regularizava a questão da terra antes de 1865
era o famoso Registro Paroquial. De acordo com Silva (2004, p. 66, grifos do autor),
o registro paroquial:
111
Foi uma aplicação da Lei de Terras (Lei n. 601, de 18 de setembro de 1850), confirmando e legitimando as terras que já estavam ocupadas, por compra, por herança, por sesmarias, por doação e até por posse’. O parágrafo 4º, do Art. 3º dessa Lei – sobre as posses, estabelece que, “São terras devolutas: as que não se acharem ocupadas por posses, que, apesar de ao se fundarem em título legal, forem legitimando por esta lei”. O Art. 5º, desse mesmo dispositivo legal, afirma que “Serão legitimadas as ‘posses’ mansas e pacíficas, adquiridas por ocupações primária, ou havidas do primeiro ocupante, que se acharem cultivadas, ou com princípio de cultura e moradia habitual do respectivo posseiro, ou de quem o represente
Os Registros Paroquiais, com a Lei de Terras, confirmava as posses, desde
que as mesmas fossem feitas mansa e pacificamente. Os proprietários precisavam de
escravos e de uma produção (sinal de cultivo) regularmente para que houvesse a
“legitimação” da propriedade advinda da posse.
Como dito, após a Independência do Brasil em 1822, as terras ficaram
ociosas. Somente em 18 de setembro de 1850 é que foi criada a Lei de Terras, porém,
apenas em 1854 esta começou a valer. Vagarosamente, em razão do despreparo dos
órgãos públicos, a lei foi aplicada.
O conteúdo dos Registros Paroquiais traduz como ocorreu a apropriação das
terras. Em Goiás, o material se encontra na Procuradoria Geral do Estado, sob a tutela
da Procuradoria de Defesa do Patrimônio Público e do Meio Ambiente. Não
conseguimos este material na íntegra por questões burocráticas que a própria PGE
dificultou. Porém, o trabalho de Silva (2004) apresenta uma tabela detalhando como
se deu a forma de aquisição das terras em Goiás, e é a partir dela que entendemos
como ocorreu o processo de apropriação das terras na região dos rios Claro e Pilões
(Paroquia Nossa Senhora do Rosário do Rio Claro).
Em todo o estado havia 44 freguesias, que era onde as terras deveriam ser
registradas. A figura 8 evidencia onde se localizavam as freguesias em Goiás.
112
Figura 8 - Mapa das Freguesias.
Fonte: Silva (2004). Adaptado por: Squiave (2017).
A mineração em Pilões (Rio Claro, Distrito Diamantino do Rio Claro, Paróquia
Nossa Senhora do Rosário do Rio Claro) ainda respirava, mesmo com a crise
econômica em que a capitania estava instalada. Porém, esta já não era a atividade
central na região, que passou a ser ocupada definitivamente pela pecuária. Com a
crise da mineração, Saint-Hilaire (1975) afirma que a população de Goiás se “espraiou
113
pelos sertões”. É a partir daí que a ocupação definitiva se inicia, seja por posse,
sesmarias ou outros meios.
Nos Registros Paroquiais analisados por Silva (2004) havia 7.299
propriedades em Goiás. Sejam elas por posse, herança ou outra condição. O Quadro
5 demonstra detalhadamente as formas de aquisição das terras em Goiás, bem como
a quantidade de propriedade por freguesias, conforme a figura 8 ilustrou
anteriormente.
114
Quadro 5 - Registros Paroquiais das Terras em Goiás – Forma de Aquisição das Terras. LIVRO/FREGUESIA 1 2 3 4 5 6 7 8 9 10 11 12 13 14 15 16 17 18 TOTAL
1 San’Ana – Vila Boa 5 2 - 1 1 9 - - - - 5 - - 41 1 6 1 - 72
2 Nossa Senhora do Pilar – Ouro Fino 55 1 - 1 - 8 - - - - 5 - - 27 17 1 2 - 117
3 Nossa Senhora do Rosário Barra 5 2 - 1 - 9 1 - - 1 4 - 1 8 10 3 2 - 47
4 São Jose – Mossâmedes 8 4 2 15 2 26 1 - 1 - 7 - 1 - - 1 5 - 72
5 Nossa Senhora da Abadia – Curralinho 42 19 - 3 4 81 3 16 1 - 14 - 5 - 8 5 2 2 205
6 Santa Rita – Antas 30 31 - 4 11 4 - - - 1 4 - - - 2 4 - 3 93
7 São Francisco de Assis – Anicuns 25 32 - 1 4 45 3 5 2 - 9 - 1 - 2 5 2 - 136
8 Nossa Senhora da Penha – Jaraguá 230 7 - - - 26 1 - 1 - 13 1 2 - 2 2 6 - 291
9 Nossa Senhora do Rosário – Meia Ponte
39 5 - 2 20 2 84 3 2 2 4 53 - 5 - 9 8 - 237
10 Nossa Senhora da Penha – Corumbá 4 3 2 8 1 133 4 - 20 3 70 2 6 - - 10 12 - 278
11 Nossa Senhora do Rosário – Rio Claro 16 17 - 3 - 17 - - - - 2 - - - - 1 1 1 58
12 Divino Espirito Santo das Torres – Rio Bonito
2 - - 14 - 35 4 - 1 - 1 - - - - 6 1 1 65
13 Nossa Senhora das Dores – Rio Verde 4 6 - 4 1 63 1 - 1 - 3 - - - - 4 6 - 92
14 Nossa Senhora da Conceição – Campinas
6 4 1 4 - 85 3 - 5 9 83 - - - - 6 - - 206
15 Nossa Senhora do Bonfim – Bonfim 3 2 1 - - 187 4 - 42 15 135 - 1 - - 15 11 - 417
16 Nossa Senhora da Conceição – Santa Cruz
27 2 - 3 - 135 - 1 44 3 125 - 2 - - 11 8 - 361
17 Nossa Senhora do Carmo – Morrinhos 16 14 - - - 76 1 1 18 2 88 - - - - 4 2 - 222
18 Santa Rita do Porto do Paranaíba 4 3 - - 8 34 3 - 3 - 29 - - - - - - - 76
19 Nossa Senhora Mãe de Deus – Catalão
62 1 2 11 - 326 2 2 38 8 232 - - - 1 5 8 - 698
20 Santa Luzia – Luziânia 25 1 2 16 - 143 5 - 13 4 80 - 6 - - 20 4 - 336
21 Vila Formosa de Imperatriz – Formosa 9 1 - - - 77 - - 21 2 66 - - - - 15 3 - 194
22 Divino Espírito Santo – entre Rios 40 - - - - 95 - - 15 3 91 - - - - - 2 - 246
23 Nossa Senhora da Abadia – Pouso Alto
4 - - - 1 34 - - 3 - 27 2 - - - 3 2 - 75
24 Nossa Senhora da Conceição – Crisxás
18 7 - - - 2 - - - - 7 - 1 - - 2 1 - 38
25 Nossa Senhora do Pilar – Pilar 16 1 1 6 1 35 1 1 - 2 43 - 13 - 3 8 5 - 136
26 Amaro Leite – Mara Rosa 2 - - - - 12 - - - 1 18 - - - - - 1 - 34
27 São João da Palma – Palmas 14 4 - 5 - 67 - 1 3 - 31 - - 1 - 21 6 - 154
28 São José do Tocantins – Niquelândia 45 - - - - 15 - - - - 33 1 1 - - 6 2 - 103
115
29 Santa Rosa – São João da Aliança 14 - - - - 111 - - 4 - 37 - - - - 13 1 - 180
30 Nossa Senhora da Natividade – Natividade
12 12 - 2 - 47 - - 2 - 29 - 1 - - 9 - - 114
31 Nossa Senhora da Conceição do Norte 31 5 - - - 68 - 10 4 - 26 - 3 - - 25 4 3 179
32 Porto Imperial 18 12 - 3 - 4 - 1 - - 11 - - - - - - - 49
33 Nossa Senhora dos Remédios – Arraias
224 - - - - 6 - - - 1 15 - - - - 3 1 - 250
34 Nossa Senhora de Santa Ana – Cavalcante
45 7 1 4 - 51 3 - 11 4 32 3 4 - - 10 2 - 177
35 Nossa Senhora do Rosário Flores 47 - - - - 101 - - 24 1 87 - - - - 17 2 - 279
36 Santo Antônio – Morro do Chapéu 53 2 - - - - - 1 1 - 4 1 1 - - 1 1 - 65
37 Nossa Senhora da Conceição – Traíras
14 1 - - - 32 - 6 1 1 30 - 2 - - 16 3 2 108
38 Nossa Senhora do Carmo – Carmo 6 24 - 6 1 12 1 - - - 5 - - - 2 4 - - 61
39 São Domingos 18 35 - - - 22 - 14 2 1 19 - 32 - - 5 1 4 153
40 Nossa Senhora da Consolação – Boa Vista
20 45 1 60 21 5 1 44 - - 7 - 36 - - 1 - 4 245
41 Santa Maria – Taguatinga 58 - - - - 67 - 1 5 - 42 - 1 - - 6 3 - 183
42 São Miguel e Almas 27 12 - - - 3 - - 1 - 1 - - - - - - - 44
43 São Félix – Cavalcante 8 1 - - - 5 - 4 2 - 26 - 17 - - 1 - 1 65
44 São José do Duro – Dianópolis 4 31 - - - 6 - 1 - - - - 1 - - 2 - 1 46
Sub-Total 1356 371 13 195 59 2417 45 11 291 66 1662 10 144 77 48 291 11 22 7299
Legenda: 1 – Não Esclarece Forma de Aquisição 6 – Compra 11 – Herança 16 - Doação 2 – Posse sem Data 7 – Compra + Posse 12 – Herança + Posse 17 - Outra 3 – Posse antes de 1822 8 – Compra de Posse 13 – Herança de Posse 18 – Doação de Posse 4 – Posse de 1822 a 1855 9 – Compra + Herança 14 - Aforamento 5 – Posse depois de 1850 10 – Compra de Herança 15 - Sesmaria
Fonte: Arquivo da Procuradoria Geral do Estado de Goiás. (SILVA, 2004, p. 84, 85, 86 e 87). Adaptado por Squiave (2017).
116
Como podemos analisar pelo quadro 5, nos Registros Paroquiais das
Freguesias em Goiás o maior número de propriedades é advindo de heranças,
seguido pela variável “não esclarece a forma de aquisição”. Baseados nos escritos de
Silva (2004), podemos explanar que a variável “não esclarece a forma de aquisição”
advém também de posse, pois, se os “proprietários” não esclareceram a forma pela
qual adquiriram a propriedade, qual outro meio as tornava “deles” se não a posse?
Analisando os Registros Paroquiais, além de outras literaturas que falam da
formação de Goiás, sobretudo da forma de apropriação das terras, fica claro que as
terras goianas não foram, em sua maioria, adquiridas por sesmarias, lembrando que
os números de sesmarias foram muito reduzidos. Primeiro foram apossadas, depois
vendidas, doadas a parentes ou dadas como herança a amigos ou à Igreja.
Silva (2004, p. 129) afirma que as terras em Goiás foram ocupadas por
pequenos e grandes posseiros. “Os grandes posseiros eram criadores de gado, donos
de engenho, de escravos e especuladores de terra. Os pequenos posseiros eram
lavradores que plantavam e criavam para a própria subsistência.”
Vale lembrar que a posse só foi possível mediante uma brecha na legislação
das sesmarias, em que, de 1822 a 1850, o Brasil ficou sem nenhuma legislação sobre
as terras, o que facilitou o processo de posse das mesmas. O problema só foi
parcialmente “resolvido”, se é que essa expressão pode ser usada aqui, quando o
governo instituiu, em 1850, a Lei de Terras, com vistas a regular o acesso às terras e
evitar as posses.
No Distrito Diamantino do Rio Claro (os registros paroquiais referem ao nome
Nossa Senhora do Rosário do Rio Claro), o conjunto não era diferente. De acordo com
o quadro 5, a grande maioria das 58 propriedades de terra registradas no Distrito foi
adquirida pela posse sem data (17), e não há esclarecimento sobre a forma de
aquisição (16). As propriedades derivadas de compra, segundo os Registros
Paroquiais, totalizavam 17.
A população em Goiás na primeira metade do século XIX era bastante ociosa,
obedecendo ainda aos ciclos da mineração, quando ainda existia. O aumento
populacional em Goiás no século XIX está diretamente ligado à fixação da população
nas propriedades em que a pecuária predominava. O motor para a fixação da
população no século XVIII e início do XIX foi a mineração, mas, com a decadência
desta, que coincide contraditoriamente com o aumento da população, o que atraiu
gente de todas as partes do país, foi a posse das terras para a criação de gado. O
117
quadro 6 apresenta a quantidade de população já na segunda metade do século XIX,
no primeiro recenseamento do Brasil de 1872.
Quadro 6 - População brasileira na segunda metade do século XIX.
Ano População (hab)
Goiás Centro - Oeste Brasil Distrito D. Rio Claro
1872 160.395 220.812 9.930.478 948
1890 227.572 320.399 14.333.915 1124 Fonte: Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística. Adaptado por: Squiave (2017).
Como podemos analisar no quadro 6, há um aumento significativo na
quantidade de população em Goiás, no Centro-Oeste e no Brasil. No Distrito
Diamantino do Rio Claro, há um aumento de 176 habitantes, num intervalo de 18 anos,
embora a mineração ainda existisse no Distrito que pertencia à Cidade de Goiás (Vila
Boa), o que culminou no aumento da população fora o fluxo de paulistas e mineiros
que viram em Goiás uma possiblidade de conseguir terras férteis de maneira fácil
através da posse, pois, segundo Teixeira Neto (2006), a Lei de Terras de 1850
reforçou mais ainda o poder de concentração da terra por parte dos grandes
proprietários.
Fica evidente que o século XIX é marcado pelo processo de apropriação das
terras em Goiás, seja por meio de posse, compra, herança, etc. O distrito Diamantino
do Rio Claro se manteve estagnado, contando com uma população de pouco mais de
mil habitantes. A pecuária sucedeu a mineração, e começou a dar formas ao então
Estado de Goiás, ocupando cada vez mais o interior e os grandes sertões vazios. O
século XX seria caracterizado para fragmentação territorial; muitos povoados seriam
emancipados, vários desses motivados pela influência do poder local. As disputas
entre grupos políticos, coronéis e os chamados “modernizadores” vão marcar parte
dessa fragmentação. Assim, os espaços herdados nos períodos da mineração e da
pecuária foram sendo modificados pelas novas formas de organização espacial.
Israelândia, enquanto munícipio, emancipou-se em 1958. Nesse contexto de longa
duração, entendemos que a sua conformação espacial trouxe os espaços herdados
dos períodos anteriores. Algumas dessas formações socioespaciais tiveram mais
evidência do que outras, mas todas elas se imbricaram a novos acontecimentos que
reconfiguraram a organização socioespacial. É nesse contínuo de transformações que
Israelândia vai assumindo a formação espacial atual. Assim, defendemos aqui que a
formação espacial atual resulta de um processo contínuo que, mesmo com as
118
rupturas, as inflexões, as descontinuidades, etc., nos espaços temporais passados
constructos que vão participar do presente, e, como afirmam Santos e Silveira (2001),
são territórios usados.
119
3. ISRAELÂNDIA: encontro de tempos e espaços
A organização espacial brasileira se formou por diferentes
momentos/períodos que, com mais ou menos tensões, resultaram na organização e
na dinâmica espacial atual. Primeiro com a conquista e a expansão do território
brasileiro baseadas na produção de açúcar, café e outros produtos. Em seguida, com
as missões, sobretudo do bandeirantismo para conquista/reconhecimento do interior
do país e extração de minérios. E, por último, mas não menos importante, a
apropriação das terras no interior do território do país.
Esses períodos, chamados por Moreira (2014) de fases e vetores da formação
espacial brasileira, culminaram no arranjo espacial das cidades que compõem o
urbano nacional. Especificamente em Goiás, as cidades se formaram em uma mistura
entre o processo da prática da mineração, sobretudo nos arraiais que sobreviveram
às crises e estagnações econômicas, e a apropriação das terras que deram origem a
povoados que posteriormente viraram cidades.
A transição de uma economia com base na mineração, para uma economia
praticamente de subsistência, com base na agropecuária, levou Goiás não apenas a
uma reestruturação fundiária, mas provocou também alterações nas relações de
produção. Há uma nova forma de leitura do espaço geográfico goiano, baseada em
Santos (2014b), em que o processo produtivo muda e as formas de adaptação ao
mesmo também mudam, além, é claro, das novas funções com o novo “modelo” de
economia. Hoje, a maioria das cidades que “nasceram” do período de mineração
pouco herdam desse momento, pois é uma economia baseada na saída da riqueza
para fora da província. A organização econômica que sucede a mineração se volta
mais para dentro (economia de mercado interno ou de subsistência), baseada nas
atividades agropecuárias. O controle das terras, apropriadas, na maior parte das
vezes de forma irregular, vai dar uma nova conformação espacial, baseada no poder
local.
3. 1 Os coronéis
Com a Proclamação da República em 1889 e a Assembleia Constituinte de
1891, o Estado escravista cede lugar ao Estado Burguês no Brasil, que transformava
todos os homens em “iguais” perante a lei. As províncias são transformadas em
120
estados, é instituído um sistema federativo, que atribui diversas funções a esses,
como forças militares e “justiça” própria (SAES, 1985).
É importante levar em consideração que um momento importante na história
do Brasil, ainda em relação às terras, foi a sua forma de apropriação. Os grandes
proprietários ligados à criação de gado e à exportação controlavam a vida política e
econômica dos estados, enquanto as pequenas propriedades se espalhavam cada
vez mais pelo interior do território, focando suas produções no mercado interno.
(CASTRO, 2004)
Com a Constituição de 1891, as terras públicas passaram a ser de domínio
dos Estados Federados. Isso facilitou as suas apropriações pelas oligarquias e pelos
chamados “Coronéis”, que se constituíam no poder local. O sistema político passou a
ser regido por eles, que controlavam as eleições dos deputados, governadores e
senadores.
O chamado coronelismo decorreu de uma prática realizada pelo governo no
contexto da guerra contra o Paraguai, que colocou os postos militares à venda entre
1831-1842, fazendo com que os proprietários e seus coligados comprassem os títulos
de tenente, capitão, major, coronel, etc. Com o tempo, o coronel passou
automaticamente a ser visto como um homem poderoso, pois agora detinha o poder
estatal (de autoridade repressora, a mais poderosa do Estado) e econômico, baseado
na propriedade da terra.
Dessa forma, com a crise na mineração e as terras ociosas, os fazendeiros
(principalmente paulistas e mineiros) viram em Goiás uma oportunidade para
apropriação das terras e os que se apossavam mais, ou adquiriam de alguma forma
as maiores fatias de terra recebiam o título de coronel. Não se pode perder de vista
que já havia grupos oligárquicos antes disso.
Segundo Gomis (1998, p. 59):
Com a renúncia de D. Pedro I, em 1831, a elite goiana expulsou todos os portugueses dos cargos públicos e assumiu, de vez, o controle político e administrativo de Goiás. Essa virada histórica deu início ao surgimento das oligarquias aristocráticas ruralistas e inaugurou o processo de decadência do Distrito de Rio Claro. Essa elite, com o poder nas mãos, requereu do governo imperial extensas áreas de terras para a implantação de fazendas de criação de gado. Com isto, os pequenos proprietários e posseiros do oeste goiano foram perdendo suas propriedades para esses grandes latifundiários. E assim, muitos habitantes foram embora e outros se tornaram “agregados” dos novos fazendeiros. Por fim, esta situação acabou por si agravar ainda mais quando se consolidou o regime dos coronéis, implantado após a Proclamação da República, em 1889. As consequentes dificuldades enfrentadas pelos
121
agricultores pobres e garimpeiros, impedidos de se estabelecerem na terra, causaram um esvaziamento gradativo da população regional. No fim do século XIX, apenas algumas famílias tradicionais e um reduzido número de lavradores sem-terra, inclusive, descendentes de escravos, constituíam os habitantes de Rio Claro.
É nesse contexto que, segundo Sousa (2015), nos momentos finais do
garimpo no Distrito Diamantino do Rio Claro, já no final do século XIX e início do século
XX, a região começa a receber mais criadores de gado bovino do que mineradores,
incentivados pela política de ocupação do Centro-Oeste Brasileiro. Dentre os grandes
“latifundiários” da região das áreas mineiras do Oeste goiano se destacam os irmãos
José Paes de Toledo e Joaquim Paes de Toledo (apelidado de Quinca Paes) e o
capitão (coronel) Odorico Caetano Teles. Juntos, esses coronéis possuíam
aproximadamente vinte mil alqueires goianos de terra, o equivalente a quase cem mil
hectares (GOMIS, 1998).
De acordo com Campos (1971, p. 21), as famílias dos Caetano Teles são
originalmente de Anicuns – Goiás. “Pertenceram à família Benevenuto e Joaquim, que
era afilhado do Padre Serafim, de quem houve por “doação” uma sorte de terras na
fazenda Rio Verde Pequeno, em Rio Verde – GO”.
Segundo Sousa (2015), Odorico Caetano Teles era dono de quase todas as
terras em volta do Distrito Diamantino do Rio Claro. As terras de Odorico, segundo
conta a história, fazia divisa com as dos irmãos Paes de Toledo (que tinham terras
onde hoje é a cidade de Iporá – GO). “Eles mandavam e desmandavam em toda a
região”.
No Distrito Diamantino do Rio Claro, que logo passou a se chamar Rio Claro,
segundo Gomis (1998), no início do século XX, uma epidemia de febre amarela
vitimou grande parte da população. Dos que sobreviveram, ainda segundo o autor,
alguns se mudaram para outros lugares e apenas um pequeno “remanescente
permaneceu, por amor à terra ou por não ter outra opção de vida” (GOMIS, 1998, p.
60).
Certo é que, em 1920, o distrito que ainda pertencia à capital Cidade de Goiás
contava com quase 900 habitantes. 227 habitantes a menos que o recenseamento de
1890, conforme ilustra o quadro 7.
122
Quadro 7 - População brasileira no início do século XX.
Ano População (hab.)
Goiás Brasil Distrito D. Rio Claro
1920 511.919 30.635.605 897 Fonte: Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística. Adaptado por: Squiave (2017).
O declínio do povoado foi se acentuando e se agravou com a abertura de uma
nova estrada comercial saindo da cidade Vila Boa (Cidade de Goiás), passando pelo
Registro do Araguaia e chegando a Cuiabá. A nova rota, idealizada para diminuir esse
percurso, margeava a linha telegráfica. Nesse período, Rio Claro, agora chamado de
Comércio Velho, estava entregue ao abandono, restando apenas ruínas.
A crise da mineração em Goiás que provocou, de forma geral, um
“esvaziamento” dos núcleos populacionais da mineração, não revela que, em alguns
lugares, houve uma retomada da mineração, mesmo que dentro de outras lógicas.
Esse é o caso, por exemplo, da microrregião de Iporá, que é dinamizada sobre as
ruínas do antigo centro de mineração do Rio Claro.
A continuidade do povoamento existente no Comércio Velho caminha sob
perspectivas econômicas distintas. A mineração desencadeia pequenas riquezas com
os achados e dinamiza uma economia que movimenta o mercado tanto dentro do
distrito como fora, enquanto a pecuária se consolida com a apropriação das terras e
com a prática da agricultura.
Porém, a região que possuía ricas histórias não poderia ter um final tão trágico
como este. E é a partir de 1926 (aproximadamente) que a história do lugar começa a
ter uma nova reviravolta com a chegada de um comerciante paraense: Israel Amorim.
3. 2 Uma nova mineração
A exploração mineral foi o principal fator da dinâmica espacial para a região
do Rio Claro, marcadamente durante o século XVIII e a partir das primeiras décadas
de século XX. Como analisado até o momento, no século XVIII, sob o domínio do
período colonial, a mineração que fora conduzida pela extração voltava-se para fora,
extraindo tudo que se podia. O século XIX foi marcado pelas consequências da
decadência da mineração, quando a economia regional se volta para dentro, baseada
em uma pecuária extensiva e uma produção agrícola de mercado interno.
Na província mineradora de Pilões/Rio Claro/Comércio Velho, a decadência
da economia mineira não significou o esgotamento das reservas minerais,
123
especialmente do diamante, que vai dinamizar essa região a partir das primeiras
décadas de século XX. Essas explorações minerais, marcadas por contextos
diferentes, estão separadas por um século, o XIX, e várias contradições. Assim, não
se trata de um retorno à mineração um século depois, mas uma exploração com novas
características. Como analisamos, nesse ínterim, a apropriação regional foi sendo
construída pela atividade agropecuária. Isso, como foi mostrado, alterou a dinâmica
espacial, pois se a mineração no século XVIII não tinha na propriedade da terra o seu
elemento central, dependendo mais dos depósitos aluviais e de alguns mochões nas
proximidades com os cursos d’água, no século XX, com as terras já apropriadas, o
conflito envolvendo os mineiros (garimpeiros) e os proprietários de terras se tornava
evidente.
Nesse item procuramos analisar como novos personagens entram nessa fase
da exploração da mineração no século XX. Alguns personagens ficaram marcados na
história de Goiás, sobretudo no Comércio Velho (Distrito Diamantino do Rio Claro).
Além, é claro, da importância que esses personagens tiveram. A nossa tentativa é de
uma leitura que não personifica algumas pessoas isoladas, como se somente as
mesmas tivessem realizado sozinhas tais “histórias”. E é nesse contexto que deve
figurar Israel Amorim, líder dos mineiros a partir da década de 1920.
Em 1926, aos 21 anos, Israel Amorim deixa sua cidade natal, Conceição do
Araguaia – PA, para se aventurar como comerciante pelo interior de Goiás. No mesmo
ano, Amorim chega à então capital do estado (Cidade de Goiás) para se hospedar e
começar os trabalhos como comerciante. Ganhou de seu pai uma certa quantia em
dinheiro, que fora investida em muares e em mercadorias para comercializar.
Amorim toma conhecimento, na Cidade de Goiás, da existência do garimpo
nas regiões dos rios Claro e Pilões, e decide empreender no lugar um comércio para
atender às demandas dos garimpeiros. Israel Amorim chega antes a Santa Cruz de
Goiás, que foi um dos primeiros arraiais do ciclo do ouro, fundada ainda em 1729.
Porém, ficou poucos dias por lá até seguir viagem com seus produtos e chegar ao
povoado do Rio Claro.
Recém-chegado à região, Israel logo quis conhecer os grandes proprietários
das terras e chefes políticos da região. Hospedou-se na Fazenda Matrinchã, de
propriedade de Odorico Caetano Teles. Mas, para a surpresa de Israel, um encontro
124
surpreendente aconteceu com Carlos Prestes19. Em meio à conversa com o Prestes,
Israel ouviu que seria necessária uma reforma agrária no país, mediante as
observações da Coluna, que já tinha passado por vários estados (GOMIS, 1998).
Conforme a narrativa de Sousa (2015), a Coluna Prestes levou todos os
muares de Israel, deixando-o praticamente sem nada. É a partir de então que ele
constrói um relacionamento de amizade mais sólido com os “coronéis”, tanto que abre
uma venda no garimpo do Monchão da Luzia (que era próximo ao Comércio Velho),
nas terras de Odorico Caetano Teles.
Com o comércio prosperando, Israel, além dos itens alimentícios, começou a
comercializar pedras preciosas, especialmente diamantes. Como é típico nas
atividades, o comerciante fornece o “racho” e os mineradores pagam com sua
produção. Assim foi que Amorim assumiu a liderança entre os garimpeiros e se tornou
um próspero comerciante de diamantes e ouro extraídos nas cercanias dos rios Pilões
e Claro, tendo, inclusive, caminho aberto para negociar as pedras no mercado do Rio
de Janeiro e São Paulo. Foi a partir do fornecimento de produtos aos garimpeiros e
do comércio de diamante e ouro que Amorim foi alçado à condição de líder político na
região dos garimpos dos Rios Claro e Pilões. Nesse período, dentro da chamada
Revolução de 1930, o país entra em uma fase de mudanças no ordenamento político
que busca alterar as relações de poder baseadas nas políticas dos coronéis da
República Velha.
Segundo Gomis (1998) e Martins (1986), os coronéis perderam poder a partir
da Revolução de 1930. Em Goiás, o chamado movimento de renovação foi liderado
por Pedro Ludovico Teixeira, interventor nomeado por Getúlio Vargas, que governou
o estado na primeira metade do século XX. Além da mudança da capital, grande
marco no período de Ludovico Teixeira, o governo abriu uma frente para enfraquecer
os antigos líderes do período do coronelismo em Goiás20. O coronelismo em Goiás foi
perdendo suas forças com o passar do tempo, mas, ainda hoje, o poder local tem uma
forte influência sobre as pessoas, sendo que o poder institucional é apropriado para
atender aos interesses de grupos de poder.
Retomando a situação dos garimpos de Rio Claro e Pilões, os “coronéis”
Odorico e Quinca Paes, a partir da Revolução de 1930, viram-se ameaçados em suas
19 Líder da Coluna Prestes, que foi um movimento político, liderado por alguns militares que eram
contrários ao governo da República Velha e contra as elites agrárias. 20 Itami, os Bulhões, etc.
125
propriedades. Israel Amorim, “aproveitando a oportunidade”, aliou-se à nova situação
política de Goiás e aproximou-se do interventor federal Pedro Ludovico Teixeira. Isso
deixou os latifundiários da região do Comércio Velho bastante intrigados, pois viam
em Israel uma liderança emergente enquanto as suas forças políticas locais
começavam a se desvalorizar. “Eram as transformações sócio econômicas e políticas
da República Nova e da Era Vargas, presente em todos os recantos do Brasil que
chegava também ao velho oeste goiano” (GOMIS, 1998, p. 73)
A ascensão política e econômica de Israel Amorim começou de fato a afetar
a vida dos coronéis, pois as terras do Comércio Velho (antigo Distrito Diamantino do
Rio Claro) eram controladas pelos coronéis Odorico e Quinca Paes.
Os latifundiários idealizaram um plano para pôr fim aos conflitos e brigas de
interesse com Israel Amorim, pois o crescimento deste colocava em risco o poder e o
controle político da região, que era subordinada aos coronéis. Os garimpeiros em
busca das riquezas entravam pelas terras para garimparem às margens dos rios,
causando desagrados aos fazendeiros. Nesse processo, tendo Amorim como
defensor dos garimpeiros, os proprietários propõem a mudança do povoado do
Comércio Velho para uma nova área distante 30 quilômetros do povoado. Com essa
estratégia, os proprietários intencionaram afastar os garimpeiros das proximidades
das suas fazendas e ao mesmo tempo reduzir a influência de Israel de Amorim sob o
núcleo do povoado.
3.2.1 A TRANSFERÊNCIA DO POVOADO
Os coronéis Joaquim Paes de Toledo e Odorico Caetano Teles idealizaram
um plano de transferência do distrito do Comércio Velho. O plano, que teve por
objetivo pura e simplesmente questões políticas e econômicas, era transferir o
povoado do Comércio Velho para outro lugar indicado pelos coronéis, assim eles
manteriam o controle do poder local, enfraquecendo a crescente liderança de Israel.
A respeito da iniciativa da transferência do distrito de lugar, Sousa (2015, p.
43) relata:
A ideia de mudar a cidade de local partiu dos Paes, que viram na possível proposta de divisão entre povoados, em que ficaria o antigo distrito de Diamantino do Rio Claro localizado às margens deste curso d’água com os garimpeiros, considerados violentos e desordeiros, já que lá estavam as lavras e, um novo povoado, que pudesse abrigar os agricultores e demais moradores.
126
E acrescenta:
Com essa iniciativa, pensavam os coronéis, que continuariam a dominar o novo distrito e se livrariam de Israel Amorim, que estava em ascendência política e tornara uma ameaça velada. Sabendo que Israel não abandonaria seus companheiros no antigo povoado, Odorico conseguiu uma ordem judicial para a retirada dos garimpeiros de suas terras, onde funcionava o garimpo, às margens do Rio Claro, mas, antes que essa fosse executada, Israel Amorim dirigiu-se até ao Rio de Janeiro para se encontrar pessoalmente com o Presidente Getúlio Vargas. (SOUSA, 2015, p. 43).
A urdidura dos coronéis precisava de um motivo plausível para conseguir uma
liminar que, primeiramente, proibia o garimpo de diamantes e, após isso, correriam
com a parte burocrática para realizarem a transferência. Mas, os planos não
funcionaram bem como o planejado, pois eles não “delimitaram” bem a resistência
dos garimpeiros e do seu líder.
A proibição do garimpo de ouro e diamantes acarretaria o desalojamento do
pessoal que morava no distrito em função da atividade. Desse embate entre os
coronéis e os garimpeiros, especialmente sob a liderança de Israel de Amorim, a
história socioespacial dessa região vai ter uma inflexão e, talvez, por isso há diferentes
interpretações sobre os acontecimentos desse período envolvendo as disputas entre
os coronéis e Israel Amorim.
Nessas disputas, entre os anos 1936/1937, os coronéis conseguiram uma
liminar que proibia o garimpo de ouro e diamantes no rio Claro. A liminar foi expedida
pelo juiz do município sede, no caso, a Cidade de Goiás (Goiás Velho). Israel reagiu
a essas ações com um plano ousado. Segundo Galli (2011), ele embarcou em um
ônibus com destino ao Rio de Janeiro para tentar falar diretamente com o Presidente
da República, Getúlio Vargas.
O plano funcionou. Israel teve um encontro com Getúlio e conseguiu um
decreto assinado pelo próprio Presidente para explorar o Rio Claro, bem como
comprar e vender diamantes. Nesta atual conjuntura, ele já se consolidava de vez
como chefe dos garimpeiros, homem que guerreava por eles. A figura 9 ilustra uma
cópia do decreto presidencial com a autorização favorável a Amorim.
127
Figura 9 - Decreto presidencial autorizando Amorim a explorar minerais.
Fonte: Galli (2011, p. 35).
Enquanto Israel não voltava do encontro com o Presidente, os coronéis
agilizaram os trâmites legais para a transferência do distrito. De acordo com Gomis
(1998), coube a Osório Raimundo de Lima (Mestre Osório) toda a parte burocrática
para a transferência junto à sede (Cidade de Goiás), e, posteriormente, junto ao
governador Pedro Ludovico Teixeira (que já era amigo particular de Israel de Amorim).
Nos trâmites legais, os coronéis já haviam doado cerca de 100 alqueires de
terra, conforme a narrativa local, para a transferência do distrito. Porém, quando o
governador Pedro Ludovico Teixeira soube que por trás da transferência estavam os
“coronéis” e inimigos políticos começou a segurar os decretos de transferência.
(GALLI, 2011)
128
Em 1938, o governador Pedro Ludovico Teixeira, reconhecendo a amizade
com Israel de Amorim e aproveitando para fortalecer os laços políticos com a nova
liderança local, nomeia Israel como interventor para presidir a comissão que
oficializaria a transferência do distrito.
Essas disputas territoriais trouxeram uma nova configuração espacial para a
região, criando um novo distrito, o que fortaleceu Israel, mas também valorizou as
terras, beneficiando seus proprietários, pois, do ponto de vista espacial, as fazendas
que ficavam em torno do novo distrito pertenciam aos mesmos, que possuíam os
agregados que agora passariam a morar no núcleo urbano.
Após alguns embates políticos, a transferência do distrito ganha musculatura.
De acordo com Gomis (1998), o Decreto-lei Estadual nº 557, de 30 de março de 1938,
oficializava a transferência. A partir de então, o novo distrito tem a toponímia de
Itajubá, pelo Decreto-lei 1233, de 31 de outubro do mesmo ano. A figura 10 ilustra
espacialmente os locais do antigo e novo distrito.
Figura 10 - Distrito do Comércio Velho e Itajubá.
Fonte: Google Earth Pro, 2018. Organização: Squiave (2018).
De acordo com o Google Earth, a distância entre o antigo distrito e o novo é
de 30 quilômetros. Começou uma transformação nas margens do córrego Tamanduá.
O projeto de urbanização do novo distrito, segundo Sousa (2015), foi iniciado pelos
coronéis, porém, por questões políticas o distrito permaneceu com uma estrutura
irregular, recebendo população de todos os lugares que construíam suas residências
em terrenos doados pelos coronéis. Ainda segundo o autor, coube a Israel Amorim
129
que, por hora era representante do governo Pedro Ludovico Teixeira, contratar um
engenheiro urbanista para fazer um projeto com uma nova visão de cidade, sem ruas
tortuosas e estreitas.
O quadro 8 mostra a quantidade de população no novo distrito, que agora
passa a se chamar Itajubá e, no ano de 1940, já possuía 2.141 moradores.
Quadro 8 - População de Goiás e Itajubá em 1940.
Ano População (hab.)
Goiás Itajubá
1940 Homens Mulheres Homens Mulheres
418.707 407.707 1.108 1.033
TOTAL 826.414 2.141 Fonte: Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística. Adaptado por: Squiave (2017).
O novo distrito atraiu não só a população do Comércio Velho, mas também a
população que estava migrando para a região. A decadência da mineração e a
perspectiva de acesso à terra podem ser consideradas a motivação para a atração da
população para o lugar; população está composta por famílias de paulistas, baianos,
mineiros, mato-grossenses, entre outros.
O movimento de migração para o Centro-Oeste, especialmente para Goiás, é
motivado pelo processo de interiorização com a construção da nova capital, cidade de
Goiânia, a Marcha para Oeste21 e a construção de Brasília. Esse processo de atração
amplia a formação de núcleos urbanos no interior do estado, isso motiva os pequenos
distritos a buscarem suas emancipações, fazendo com que se tornassem cidade.
Houve alguns embates para a transformação dos distritos em municípios
acompanhados por motivos políticos e geopolíticos com o objetivo de enfraquecer
alguns grupos oligárquicos. Foi o caso do Estado Interventor, que procurou
descentralizar o poder local das mãos dos ditos coronéis, apoiando novas lideranças
locais. Esse fato é muito importante para se compreender a formação espacial na sua
materialidade. É o que veremos a seguir
21 A Marcha para o Oeste foi um plano criado pelo governo de Getúlio Vargas para incentivar o progresso e a ocupação do Centro-Oeste brasileiro.
130
3. 3 A emancipação municipal de Iporá, antiga Itajubá
Esse novo lugar não tem memória, não existia como habitat anterior, não
significa um lugar de sucessão (ABREU, 2014), mas começa a ser preenchido pelas
memórias dos que chegam, que trazem consigo, além dos seus poucos bens
materiais, suas histórias de vida e perspectivas para o futuro. A primeira leva de
população veio do antigo Comércio Velho, enquanto a segunda veio buscando um
sonho promissor de prosperidade. Nos primeiros meses do novo distrito, choupanas
foram sendo criadas para abrigar os moradores, que certamente não se preocupavam
com a regularização do terreno.
Neste sentido, a transferência do distrito de um lugar para o outro requer, na
transformação, materialidades que são pertencentes à mesma época. Pode até haver
técnicas dos períodos anteriores, mas a forma adotada no período atual prevalecerá.
Segundo Gomis (1998), Israel Amorim sempre sonhou em construir uma
cidade para abrigar os garimpeiros e pobres agricultores. É a partir desse ideal que
ele elabora o seu plano, pois o governador Pedro Ludovico Teixeira o nomeara para
ser o articulador do processo de mudança.
A partir daí todos os obstáculos foram eliminados e tudo passou a ocorrer de maneira efetiva e rapidamente. Pelo Decreto-Lei Estadual n. 557, de 30 de março de 1938, foi oficializada a transferência do antigo Distrito de Rio Claro (Comércio Velho) e a demarcação de sua nova área de jurisdição distrital. E pelo Decreto-Lei n. º 1233, de 31 de outubro de 1938, se legitimou o nome de Itajubá. As instituições que haviam sido transferidas sem formalidades legais, como a subprefeitura, subdelegacia, cartório do registro civil, etc., passaram a funcionar oficialmente no novo distrito. A mudança da Paróquia de Nossa Senhora do Rosário só ocorreu mais tarde, pelo padre Henrique Maria Ciocci – quando o distrito foi emancipado em 1948, que teve como padroeira Nossa Senhora Auxiliadora. Esta consagração se deve ao fato dessa padroeira ser a “protetora” da Ordem de São Francisco de Sales (Salesianos), à qual pertenciam os Padres Henrique e José Bessemam, que residiam em Araguaína e eram responsáveis pela assistência pastoral da região. (GOMIS, 1998, p. 89).
Do ponto de vista da lógica espacial, a transferência do distrito gera
transformações na paisagem através do trabalho e das técnicas. O trabalho como o
ato de fazer e as técnicas como o modo de fazer. As transformações da primeira
natureza para a segunda natureza são o resultado das relações da apropriação que o
homem faz da natureza, resultando em uma materialidade. A partir da transferência
do distrito, os primeiros moradores vão se apropriando da natureza, transformando-a.
131
Em pouco tempo, o novo distrito começa a se dinamizar, crescendo em
população e em rentabilidade. Neste momento, tanto a Marcha para o Oeste quanto
a construção de Goiânia atraíram população para o interior do estado. Como Itajubá
se tornara uma futura cidade emergente e por ficar no centro da rota de Goiás para
Mato Grosso, isso favoreceu o crescimento substancial da população de Itajubá.
A dinamicidade do distrito ficou tão evidente que ganhou altas proporções. De
acordo com Gomis (1998), o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), em
31 de dezembro de 1943, proveniente do Decreto-Lei 8.305, resolveu mudar o nome
do distrito de Itajubá para Iporá, visto que já existia uma Itajubá em Minas Gerais.
A toponímia de Iporá é advinda de duas palavras da língua tupi-guarani. Yi
que significa córrego ou rio; e Porá, que significa claro ou transparente. Daí adveio
também o nome do antigo distrito, Rio Claro. (NAVARRO, 2005)
Conforme narrativas da história local, bem como algumas obras produzidas
na região, Israel Amorim inicia um processo de (re)distribuição das terras que
margeavam o distrito. As décadas de 1940 e 1950 marcam uma ferrenha luta pelas
terras na região, visto que os coronéis Odorico e Quinca Paes não possuíam a
documentação de todas suas terras. Motivo este que favoreceu a briga do Estado com
os mandarins locais, justamente pela terra.
De acordo com Galli (2011), Sousa (2015) e Gomis (1998), as terras que
possuíam titulação e eram legalizadas foram compradas por Israel Amorim a fim de
realizar uma “reforma agrária”. Mas, nem todas as terras foram adquiridas por Israel.
Algumas propriedades foram arrematadas em leilão do Estado, conforme aborda
Gomis (1998), pois o Estado as havia desapropriado como forma de recebimento de
impostos atrasados.
O novo distrito começa a ganhar musculatura. Em pouco tempo, já se tornara
uma atrativa “cidadezinha” do interior com espaço para todos. Amorim coordenou o
processo de urbanização, abrigando novos moradores em lotes doados. Esta ação,
juntamente com a posse das terras circunvizinhas da cidade, favoreceu o rápido
processo de expansão populacional e urbana.
A partir de uma lógica de interiorização do Brasil, seja pelas políticas da
Marcha para o Oeste ou pela própria idealização da construção de uma nova capital
federal, alguns distritos começam a ser emancipados. Em Goiás, na década de 1940-
1950, vinte e quatro distritos foram emancipados, alcançando sua independência
política.
132
Iporá é um exemplo de distrito que fora emancipado neste período. As
alianças políticas de Israel, juntamente com o processo de expansão para o interior,
impulsionados pelo crescimento da agricultura e da pecuária, favoreceram a
transformação do distrito em cidade. Do ponto de vista geopolítico, os planos
governamentais de criar novos municípios favoreciam o alto escalão dos
governadores, visto que necessitavam de apoios mútuos por todo o Estado.
Com o Decreto-Lei estadual 249, na data de 19 de novembro de 1948, cria-
se o município de Iporá, agora com independência política. O município emancipado,
de acordo com Gomis (1998), foi demarcado com uma área de 2.490 km². “Em 1º de
janeiro de 1949, foi instalada a prefeitura, com posse do 1º tenente da PM de Goiás,
Luiz Alves de Carvalho, indicado pelo governo Jerônimo Coimbra Bueno” (GOMIS,
1998, p. 112). A indicação do primeiro prefeito foi feita até regularizar o processo de
eleições municipais.
As eleições ocorreram em abril de 1949, nos vinte e quatro municípios criados
em Goiás nesta década. Em Iporá, disputaram a primeira eleição Israel Amorim (PR)
e Elias de Araújo Rocha (UDN). Israel Amorim acabou vitorioso, tornando-se o
primeiro prefeito eleito de Iporá.
O mapa 5 representa as cidades emancipadas em Goiás desde os séculos
passados (XVIII e XIX), bem como das décadas do século XX. É importante ressaltar
a expansão para o interior a partir de políticas de interiorização do território, sobretudo
da lógica de apropriação de terras e advento da pecuária.
133
Mapa 5 - Cidades emancipadas por décadas.
Fonte: SIEG. Organização: ROCHA, T. (2018).
Os vinte e quatro municípios emancipados em Goiás na década de 1940,
representam uma expansão da população para o interior. Em segundo plano estão os
ideais políticos, sobretudo de formação de alianças com o poder estadual, afinal, criar
bases políticas no interior fortalecia os senhores que governavam o Estado.
Como a cada momento histórico o trabalho humano produz técnicas
diferentes que estabelecem mudanças, o espaço está em constante evolução,
acompanhando uma dinâmica espacial (PEIXINHO, 2006). Assim, as transformações
ocorridas no espaço urbano de Iporá são o reflexo do novo modelo de urbanização,
sobretudo da organização estrutural das cidades, mais “organizadas” e delimitadas
para as construções derivadas das necessidades humanas. Essa materialidade no
espaço (espaço concreto) é o alicerce da atuação da sociedade para suprir as
necessidades que possui. Para entender este espaço é necessário compreender a
sociedade que o utiliza e que o constrói.
Analisando o quadro 9 de população, percebemos a evolução populacional
em Goiás, bem como em Iporá entre a década de 1940.
134
Quadro 9 - População de Goiás e Iporá em 1940 e 1950.
Ano População (hab.)
Goiás Iporá
1940 Homens Mulheres Homens Mulheres
418.707 407.707 1.108 1.033
TOTAL 826.414 2.141
1950 Homens Mulheres Homens Mulheres
618.074 596.847 7.308 6.745
TOTAL 1.214.921 14.053 Fonte: Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística. Adaptado por: Squiave (2018).
Enquanto no Estado de Goiás a população no período já passava de um
milhão de habitantes, Iporá acompanhava esse avanço populacional do Estado. Em
apenas dez anos, o novo município, em 1940, possuía pouco mais de dois mil
habitantes, já em 1950, a população era de mais de quatorze mil habitantes,
perfazendo um crescimento de 655,91%. Essa evolução populacional ocorreu em todo
o Estado, com as políticas públicas criadas para interiorização, sobretudo do novo
modelo de produção baseado na agricultura.
Embora o modelo de agricultura (Milho e Soja em pequena escala) só tenha
chegado em Iporá no século XX, a força maior de atração acaba sendo o próprio
processo de emancipação da cidade. Uma cidade nova e promissora, que atraía
população baseada no processo de apropriação dos lotes e terras.
As disputas territoriais na região de Iporá continuaram intensas, mesmo com
o processo de emancipação da cidade. Estas disputas, atreladas a jogos políticos,
fizeram nascer outras cidades na região. A mineração no Rio Claro nunca parou por
completo, porém foi a pecuária que dinamizou o comércio na região. Novos distritos
foram surgindo dentro da delimitação municipal de Iporá, entre eles: Monchão do Vaz
(futura Israelândia), Pacu (Jaupaci) e Campo Limpo (Amorinópolis).
Neste jogo político e de interesses pessoais, não podemos perder de vista a
organização espacial do povoado. Comércio Velho estava caminhando para um
esvazio com a transferência do distrito e sua população não chegava a mil habitantes.
Porém, servia como um lugar de comércio que abastecia a região. Essa atividade é
pouco dinâmica, mas carrega em si as suas características de fixar população,
embora um número muito pouco. As transformações na natureza eram constantes, o
desmatamento do cerrado para a criação de pastos para atender à demanda da
pecuária se via num crescente substancial. O trabalho com a mineração nunca parou,
aliás, iniciava-se na região dos rios Claro e Pilões a utilização de materiais químicos
135
para separar o ouro (mais pesado) do cascalho e facilitar o trabalho dos garimpeiros
o que, em contrapartida, degradava o meio ambiente poluindo os rios.
É interessante ressaltar também que antes da tentativa de transferência do
povoado do Comércio Velho de lugar por parte dos coronéis, a população se via
estagnada com um quantitativo que não chegava a mil habitantes. Além de alguns
recursos naturais (mineração), que ainda atraiam pessoas de outros lugares na
tentativa de enriquecerem, havia uma escola primária que, em 16 de abril de 1921,
atendia a 51 (cinquenta e um) alunos matriculados. (Ver anexo 1).
A atratividade da escola fazia com que algumas pessoas permanecessem
instaladas no povoado do Comércio Velho para que os seus filhos estudassem,
mesmo com uma estagnação econômica acentuada. Neste período, em Goiás havia
poucas escolas, bem como poucas cidades emancipadas, o que restava era alguns
distritos que não possuíam infraestrutura adequada para atender à população.
3. 4 MONCHÃO DO VAZ: um elo entre o passado e o presente
A formação espacial do território brasileiro teve alguns momentos distintos,
mas que refletiram numa configuração espacial quase que homogênea quanto à
formação dos municípios e povoados. Conforme frisado, o primeiro momento remete
ao ciclo do Pau-Brasil, seguido da cana de açúcar e, posteriormente, do ciclo do ouro,
que é responsável pela ocupação das terras em Goiás.
O anseio pelas riquezas minerais, sobretudo o ouro, era considerado a
primeira instância que reunia um povo em um determinado lugar, pois o mineiro trazia
consigo a família para se abrigar nos arredores das minas. Quanto mais esses
minerais eram duradouros (sua quantidade), mais sólido e estável se tornava o arraial
ou núcleo urbano. Essa foi a condição para a formação espacial do Monchão do Vaz,
que posteriormente se transformou em Israelândia.
A origem de alguns municípios goianos está associada aos garimpos
rudimentares de ouro e diamantes. Nas margens dos rios e córregos onde se
encontravam os minerais se formavam pequenos aglomerados de núcleos urbanos
denominados, na linguagem coloquial, de “currutelas”. Os garimpos iam de um lado
para outro conforme a produtividade, fazendo com que o povoado aparecesse e
desaparecesse com o fim da exploração, causando uma dinâmica tanto espacial
quanto populacional. Do ponto de vista da materialidade, as casas eram feitas sem
136
muita estrutura e, em muitos casos, acabavam sendo abandonadas pela falta dos
minérios.
O novo povoado (Itajubá), que cresceu 655,91% em população da década de
1940 para a de 1950, estava se consolidando enquanto distrito e cidade. A área do
município correspondia a 2900 km². Como a mineração e as disputas territoriais
continuavam na região, sobretudo no ainda Comércio Velho, a região que sempre teve
o seu ponto de partida com a mineração começa a receber alguns “desbravadores”
que percorreram alguns córregos com olhares mais atentos para o ouro e o diamante.
É o caso da família de Benedito Marquez Guimarães.
Benedito Marquez Guimarães, garimpeiro, nasceu no distrito do Comércio
Velho. Como o sonho de todo garimpeiro era se “bamburar”22, Benedito inicia uma
busca por minerais nos córregos que pertencem à bacia do rio Claro. E é num córrego
batizado de Vaz que é encontrada pelo garimpeiro uma vasta quantidade de ouro de
aluvião. Como a condição para a formação espacial dos arraiais de mineração era a
quantidade de ouro e/ou diamante encontrado, no córrego do Vaz, nos anos
1942/1943, com os descobertos, além da família de Benedito, outros garimpeiros
também se apropriaram do território na busca por minerais.
Logo surgiu o garimpo do Monchão do Vaz, junto ao córrego “Vaz”. A figura
11 ilustra o local em que se originou o garimpo que deu origem ao povoamento que
viria a ser ao município de Israelândia – GO.
22 Expressão coloquial utilizada pelos garimpeiros para definir sorte no trabalho, acertar na procura de um ouro ou diamante.
137
Figura 11 - Antigo Monchão do Vaz.
Fonte: Squiave (2015).
Entre os anos 1944 e 1945, a notícia dos minerais encontrados no Monchão
do Vaz se espalhou pela região, atraindo pessoas de todas as partes do Brasil,
sobretudo baianos. Em pouco tempo casas foram sendo construídas nos arredores
do Monchão do Vaz para abrigar os garimpeiros que permaneciam no lugar com um
tempo de resistência maior. A formação do povoamento, de alguma forma, traz o
passado minerador dos tempos anteriores, mas as construções reminiscentes já
estavam “corroídas” pelo tempo. O Comércio Velho já não guardava a vitalidade de
outros tempos, quando foi o principal lugar de referência da mineração, antes do seu
povoado ser transferido para o município de Iporá. Mas o que está posto aqui é que
esse povoamento não surge do nada, há sim formas herdadas, elas não são
imaginárias, são realidades concretas, que atravessaram o tempo cronológico e se
colocam como realidades concretas na estrutura fundiária, nas delimitações territoriais
da fragmentação espacial; são espaços colocados na instituição de novos municípios,
normalmente decorrentes das disputas dos poderes locais/regionais. Portanto, o
repovoamento é construído como uma realidade de uma natureza (re)apropriada,
colocada em bases de um território usado.
As mudanças e as técnicas da época condicionam um novo modelo de
urbanização. Os barracos que eram construídos ao lado dos garimpos no século XVIII
e XIX foram imprimindo novas camadas que adensam os espaços construídos. Essa
“urbanização” que é configurada no Monchão do Vaz acompanha uma espacialidade
138
que traduz o seu tempo, com formas urbanas como o uso de plano de arruamento e
construções das edificações com novas técnicas.
Essa produção espacial pode ser analisada a partir da visão de Milton Santos
(1978, p. 116), que explica que: “o ato de produzir é igualmente o ato de produzir
espaço”, sendo que a “produção é a utilização consciente dos instrumentos de
trabalho com um objetivo definido, isto é, o objetivo de alcançar um resultado
preestabelecido”. A composição do trabalho para a produção espacial fica
evidenciada. Pensando na urbanização do Monchão do Vaz, é possível observarmos
a produção deste “novo” espaço a partir da utilização do trabalho humano tanto na
prática da garimpagem quanto na construção do núcleo urbano.
Do antigo Comércio Velho existiam, neste período (1940/1945), poucas casas
e uma pequena população que sobrevivia à base da agricultura de subsistência. A
grande maioria migrou para Itajubá e uma parte dessa população se mudou para o
Monchão do Vaz. A figura 12 ilustra a distância entre o antigo Comércio Velho e o
Monchão do Vaz.
Figura 12 - Distância entre o Comércio Velho e o Monchão do Vaz.
Fonte: Google Earth. Adaptado por Squiave (2018).
A distância entre o antigo Comércio Velho e o Monchão do Vaz é de 3
quilômetros. Como no início de todo povoamento, a condição para a apropriação e a
transformação da natureza eram os recursos minerais encontrados. Primeiro nos rios
139
Claro e Pilões e, após duzentos e cinquenta anos de povoamento na região, no
Córrego do Vaz.
A conjuntura populacional estava equilibrada, com tendência ao crescimento
rápido e pouco ordenado, já que o processo de urbanização agora tinha outro modelo
e características próprias do período. Conforme o quadro da página 126, Iporá, na
década de 1950, contava com uma população de 14.053 (quatorze mil e cinquenta e
três) habitantes, com tendência a um crescimento populacional acentuado, já que
seriam poucas as cidades do entorno.
Já o Monchão do Vaz toma um forte caminho rumo a um desenvolvimento e
a um crescimento populacional, seja pela atividade mineradora ou pela atividade
agropastoril que se desenvolvia na região para abastecer as minas e também fixar
uma economia. Neste sentido, começam a chegar ao povoado alguns comerciantes
que se instalam e que deram suporte para o núcleo urbano servir de local para
abastecimento da região.
Em razão do desenvolvimento alcançado pelo povoado, em 19 de setembro
de 1953, através da Lei Municipal de nº. 54, foi criado o Distrito de Monchão do Vaz,
situado ao leste de Iporá e que pertencia ao município supracitado. Moiporá e
Amorinópolis datam do mesmo ano de criação distrital.
A criação desses distritos e suas futuras emancipações localmente é atribuída
às ações políticas de Israel Amorim, líder político que construiu sua trajetória ligada
aos garimpeiros a partir dos anos 1926/1927, e que foi, certamente, uma
personalidade importante para a emancipação dos municípios de Iporá, Israelândia,
Amorinópolis e Jaupaci.
A importância dos indivíduos deve ser merecedora de destaque e também
deve-se ponderar sobre as personificações da histórica, pois a realidade é uma
construção social. Bertolt Brecht (1898-1956), poeta e dramaturgo alemão do século
XX, apresenta uma reflexão importante sobre os feitos pessoais, com o seu poema
“Perguntas de um Trabalhador que Lê”. Diz o poeta:
Quem construiu a Tebas de sete portas? Nos livros estão nomes de reis. Arrastaram eles os blocos de pedra? E a Babilônia várias vezes destruída quem a reconstruiu tantas vezes? Em que casas Da Lima dourada moravam os construtores? Para onde foram os pedreiros, na noite em que a Muralha da China ficou pronta? A grande Roma está cheia de arcos do triunfo Quem os ergueu? Sobre quem triunfaram os Césares? A decantada Bizâncio tinha somente palácios para os seus habitantes? Mesmo na lendária Atlântida os que se afogavam gritaram por seus escravos na noite em que o mar a tragou.
140
O jovem Alexandre conquistou a Índia. Sozinho? César bateu os gauleses. Não levava sequer um cozinheiro? Filipe da Espanha chorou, quando sua armada naufragou. Ninguém mais chorou? Frederico II venceu a Guerra dos Sete Anos. Quem venceu além dele? Cada página uma vitória. Quem cozinhava o banquete? A cada dez anos um grande Homem. Quem pagava a conta? Tantas histórias. Tantas questões.
Israel construiu sua liderança a partir das suas relações com os garimpeiros
e de sua articulação política ligada ao grupo político que ascendeu ao poder, a partir
de 1930, com Pedro Ludovico. Ele foi o primeiro prefeito eleito de Iporá. Quando
terminara o seu mandato, fez um sucessor que não desenvolveu uma boa
administração, refletindo nos planos futuros de Israel. Após o mandato do sucessor,
Israel tentou novamente o pleito de prefeito municipal de Iporá, em 1956, disputando
as eleições daquele ano com o jovem Manoel Antônio e, como não fizera um bom
sucessor no segundo pleito municipal da história de Iporá, perdeu as eleições com
diferença de apenas dois votos (GOMIS, 1998).
Mesmo com a derrota Israel continuava com uma influência política muito
grande em toda a região. Após perder a eleição, ele se mudou para o distrito do
Monchão do Vaz e iniciou um processo de emancipação dos pequenos distritos que
pertenciam a Iporá. Emancipar os distritos significaria a perda de território do
município de Iporá e, com isso, as receitas que o município receberia sofreriam
quedas drásticas, já que o tamanho dos limites territoriais viria a ser menor.
Apesar de não possuir uma data precisa quanto à posse, Israel se candidatou
a deputado estadual na legislatura de 1955-1959, ficando como suplente do PSD e
assumindo o cargo em algum momento dessa legislatura. Entre esses quatro anos
(não se sabe ao certo a condição de Israel), houve uma campanha pela emancipação
dos distritos que pertenciam a Iporá. Certamente esse jogo político e de controle de
poder se iniciou a partir do desfecho das eleições municipais de 1956 em Iporá, tendo
Israel perdido as eleições.
Além da briga política e pelo controle do poder, ainda havia a briga pelas
terras, com o estado desapropriando algumas terras que não possuíam documentos
e as ”entregando” a Israel para que este coordenasse a distribuição das terras
devolutas (SOUSA, 2015). Esse fato ampliou a liderança de Israel Amorim, alçando-o
à condição de poder mobilizar o processo de emancipação dos distritos pertencentes
a Iporá.
Em uma escala estadual percebemos que, em Goiás, o processo de
emancipação foi bastante intenso na década de 1950, como demostrado no mapa 6.
141
Dessa forma, a emancipação dos distritos pertencentes a Iporá não foi um fato isolado,
mas uma situação que ocorreu com vários municípios em Goiás.
Mapa 6 - Criação de municípios na década de 50.
Fonte: SIEG, (2012). Organização: Rocha (2018).
Em primeiro lugar, observamos que o município no Brasil foi criado para
favorecer o governo federal, retirando dele as responsabilidades sociais imediatas e
fortalecendo o poder pelas políticas personalizadas, valorizando algumas pessoas
justamente em troca de apoio político (DIAS, 2016). É o caso da personificação de
Israel Amorim como a “pessoa que emancipou os distritos pertencentes a Iporá”,
centralizando todo o poder nele, mas, por trás disso estava o interesse do governo do
estado em receber apoios políticos futuros.
Em segundo lugar se destaca a tentativa do estado de descentralizar o poder
local dos coronéis, fragmentando o território e distribuindo as lideranças por todo o
estado. É nessa perspectiva que nasce o poder político de Israel, ainda na
transferência do distrito do Comércio Velho para Itajubá (atual Iporá).
E, em terceiro lugar, o que nos parece o principal elemento que constitui a
emancipação desses municípios é a transferência da capital federal para Brasília, o
142
que ocasionou uma expansão para o oeste brasileiro, criando assim novos municípios.
A década de 50, conforme o mapa 6, representa o maior índice de criação de
municípios em Goiás, são no total 79 (setenta e nove) municípios criados nesta
década.
A representatividade do mapa ilustra bem a quantidade de municípios criados
na década de 1950. É interessante destacar que este “fenômeno” não aconteceu
apenas na região oeste, onde estão os municípios atuais de Israelândia, Amorinópolis,
Moiporá e Jaupaci. A criação desses “novos” municípios enquanto autônomos
acontece em todas as regiões do estado, acompanhando o processo de interiorização
a partir da transferência da capital federal. A maior parte dos municípios criados nesta
década compõe a bacia do rio Araguaia.
Neste sentido, acreditamos que Israel teve um papel importante na criação
dos municípios que eram distritos e pertenciam a Iporá. Porém, não se pode atribuir
somente a uma personificação todo o processo, é preciso analisar espacialmente,
verificando como o externo interfere no interno.
É daí então que, em 14 de novembro de 1958, no governo de José Ludovico
de Almeida, através da Lei Estadual de nº. 2.114, o distrito do Monchão do Vaz foi
elevado à condição de município com autonomia própria, recebendo nome de
Israelândia em homenagem a Israel de Amorim23.
Israelândia, a “cidade de Israel”, como dito alhures, já nasce com o espaço
herdados dos outros períodos, ou seja, traz em si os usos desse território, do período
da mineração, da pecuária e, quiçá, dos povos autóctones que, infelizmente, entre
todos foi o que deixou menos rugosidades.
A posição de Israelândia, ou seja, o seu lugar de construção vem do período
minerador originário e se reafirma com o novo ciclo de mineração das primeiras
décadas do século XX. A sua estrutura fundiária vem da ocupação agropecuária que
foi sendo constituída na pós-mineração do século XIX. A dinâmica econômica resulta
desse processo de expansão e contração, amalgamado em uma formação espacial
que fora se desenvolvendo em um tempo lento.
23 Ver anexo 2.
143
3.5 Movimentos de fragmentação territorial
Na década de 1950, os movimentos de fragmentação territorial aconteceram
em todo o atual estado de Goiás. Mas, é preciso ilustrar melhor a partir de uma escala
regional os movimentos de fragmentação territorial dos municípios circunvizinhos da
cidade de Israelândia que, na história local e factual, apontam como sendo Israel
Amorim o responsável por todo o processo.
Como já exemplificamos no subitem anterior, 79 (setenta e nove) municípios
foram criados na década de 1950. No que tange a microrregião de Iporá atual, 3 (três)
municípios foram criados diretamente acompanhando esse processo da construção
da capital federal ou acompanhando o reflexo da Marcha para Oeste. O mapa 7, ilustra
os municípios da microrregião de Iporá, criados na década de 1950.
Mapa 7 - Microrregião de Iporá.
Fonte: SIEG, (2012). Organização: ROCHA, T. (2018).
Dos dez municípios da microrregião de Iporá atual, cinco foram criados na
década de 1950 e, três desses municípios foram criados a partir da fragmentação
territorial de Iporá, que foram: Israelândia, Amorinópolis e Jaupaci. O município de
Moiporá também herdou uma pequena porção do território de Iporá. Novo Brasil,
144
embora destacado, não sofreu ‘influências’ de Amorim e nem recebeu território de
Iporá.
Segundo Dias (2016), a década de 1950 fora próspera na criação de
municípios. Nesta perspectiva o autor diz:
Esse período foi próspero para criação de municípios, não apenas pela vontade das elites políticas ou pela reivindicação da população local, mas por concentrar um conjunto de fatores que, entre eles, está a presença de infraestrutura e logística. Esta situação foi favorável para transformação do espaço em território. A disseminação dos serviços públicos para os mais distintos locais significou a ampliação do poder via gestão local. Este critério faz do povoado ou distrito uma instância de luta por direitos e, assim, o território se materializa, por meios dos interesses contrários, que, aparentemente, apresentam-se como único, capturado pela ideia da emancipação. (DIAS, 2016, p. 136).
Corroborando com Dias (2016), Dner (1984), elaborou um documento sobre
as rodovias federais a partir da construção de Brasília. Segundo este documento,
houve um esforço em escala nacional para construir grandes rodovias com longas
extensões. Dias (2016), afirma que esta política de expansão das rodovias trouxe uma
negociação entre as elites locais e a população dos distritos a fim de se emanciparem
e acompanharem a evolução do país. “Desta forma, verifica-se que a construção de
Brasília protagonizou o favorecimento de muitos distritos para reivindicarem sua
emancipação” (DIAS, 2016, p. 136).
O aumento populacional que a região central do Brasil recebeu a partir da
Marcha para Oeste e a partir da construção de Brasília favoreceu também o
fortalecimento no processo de criação desses municípios. Sem uma população
atuante seria mais difícil essa independência política.
De acordo com o IBGE, o distrito de Campo Limpo foi criado pela Lei Municipal
nº. 53, de 19 de setembro de 1953, subordinado ao município de Iporá. Foi elevado à
categoria de município a partir da Lei Estadual nº. 2.093, de 14 de novembro de 1958,
com o nome de Amorinópolis.
Ainda de acordo com o IBGE, o Monchão do Pacu foi elevado à categoria de
distrito pertencente a Iporá. A partir da Lei Estadual nº. 2.111 de 14 de novembro de
1958, foi elevado à categoria de cidade com o nome de Jaupaci.
A fragmentação territorial, de uma forma geral, pode ser observada por duas
lógicas que se contradizem. Uma parte de convicção que a autonomia de um
município possibilita o seu desenvolvimento, pois uma vez autônomo o local vai
conseguir recursos financeiros para aplicar em uma infraestrutura local e a partir disso,
145
alavancará o seu desenvolvimento. E sentido oposto, a outra perspectiva afirma que,
os custos decorrentes da emancipação com a construção de uma estrutura
administrativa, o local não produz arrecadação suficiente para o desenvolvimento do
município nascente. Guardados os argumentos, uma boa parte dos municípios com
uma população reduzida e um território pequeno, dependem dos repasses dos
governos federal e estaduais. Observando a trajetória dos municípios que foram
instituídos a partir da emancipação de Iporá, todos têm tido uma redução da sua
população, que migra para Iporá ou para outros lugares fora da Microrregião. De fato,
essa Microrregião tem sido a que mais perde população no estado de Goiás, como se
pode observar no gráfico 1.
Gráfico 1 - População da Microrregião de Iporá – GO.
Fonte: Instituto Mauro Borges. Organização: Squiave (2018).
O município de Iporá é o único que teve crescimento populacional de 1980
até 2010. A centralidade em Iporá se justifica por possuir um maior número de bens
de serviços, como bancos, redes de supermercados, redes de farmácias, franquias
nacionais, um comércio varejista elevado, três instituições de nível superior
(Universidade Estadual de Goiás – UEG, Instituto Federal Goiano – IF Goiano,
0
3.000
6.000
9.000
12.000
15.000
18.000
21.000
24.000
27.000
30.000
33.000
Po
pu
lação
em
mil
Evolução Populacional da Microrregião de Iporá - GO
1980 1991 2000 2010
146
Faculdade de Iporá – FAI) que atrai o maior número de jovens das cidades
circunvizinhas.
A fragmentação territorial reduziu as áreas desses municípios, fato que
repercute na sua economia local, especialmente considerando que parte das suas
principais atividades são praticadas em grandes áreas como, por exemplo, pecuária
extensiva. A título de comparação, o território da Microrregião de Iporá é menor do
que o território do município de Jataí, que têm 7.074,21 km² e 7.174,225 km²,
respectivamente. O gráfico 2, ilustra o tamanho de cada município pertencente a
microrregião.
Gráfico 2 - Extensão Territorial dos Municípios da Microrregião de Iporá.
Fonte: Instituto Mauro Borges. Organização: Squiave (2018).
Desta forma, sete dos dez municípios da microrregião possuem quase a
mesma extensão territorial. O destaque em tamanho territorial da microrregião é para
Fazenda Nova (1.281 KM²), Iporá (1.026 KM²) e Ivolândia com (1.257 KM²). Os outros
sete municípios ficam entre 400 e 630 KM², de área territorial.
Esses dados mostram que, Israelândia, como se está sustendo nesse
trabalho, é resultado dos seus espaços herdados. Sua população, seu território e as
dinâmicas econômicas resultam do seu processo constitutivo.
0
200
400
600
800
1000
1200
1400
Áre
a e
m K
M²
Área em KM² dos municípios da Microrregião de Iporá -GO
147
3.6 ISRAELÂNDIA NUM CONTÍNUO: população, economia e estrutura
fundiária.
Desde o início deste trabalho tem se a preocupação de trabalhar a formação
espacial de Israelândia como um contínuo em movimento e não com rupturas, embora
haja algumas lacunas que não conseguimos preencher. A partir deste subitem,
destacaremos Israelândia como um contínuo apontando suas características e sua
estrutura.
Entende-se aqui Israelândia, hoje, como um espaço adensado pelos seus
períodos históricos, na perspectiva que se tem apresentado nesse trabalho. Os
espaços herdados sobrepostos desde o período inicial do primeiro núcleo urbano se
evidencia hoje em Israelândia a partir da sua dinâmica populacional, economia e
estrutura fundiária.
Nesse sentido, a partir dessas perspectivas (população e economia) buscar-
se-á compreender a dinâmica espacial de Israelândia atual. O gráfico 3, ilustra a
dinâmica populacional de Israelândia, destacando a população total, urbana e rural
até o último censo realizado em 2010.
Gráfico 3 - População de Israelândia.
Fonte: IBGE (censos demográficos – compilação - Instituto Mauro Borges). Organização: Squiave (2018).
Israelândia foi elevada à categoria de município em 1958, sendo que os
primeiros dados da sua população são de 1960. Conforme esse registro a sua
3813
5612
35833356
3004 2887
1625
2450 2297 22491958
906707 638
0
1000
2000
3000
4000
5000
6000
1960 1970 1980 1990 2000 2010
População Israelândia - GO
TOTAL URBANA RURAL
148
população total era de 3.813 habitantes. O censo seguinte registrou uma população
total de 5.612. Porém, parte desse crescimento decorreu das anexações dos distritos
de Pilôandia e Messianópolis, criados em 1963. Na década de 1970, o munícipio teve
uma redução da sua população, agora explicada pelo desmembramento do distrito de
Messianópolis. De acordo com o IBGE, pela Lei Estadual nº 8.852, de 10 de junho de
1980, o distrito de Messianópolis deixa de pertencer ao município de Israelândia para
ser anexado ao de Moiporá.
Como mostram os dados, a população está declinando, passando dos anos
de 1980 de 3.583 habitantes para 2.887 em 2010. Será a partir da década de 1980
que a população urbana ultrapassa a população rural, indicando a crescente
urbanização que passa o Brasil. Apesar da crescente urbanização a população rural,
ainda, está na casa dos 20%, indicando que o município mantém uma população rural
acima da média do estado de Goiás que está na casa de 10%.
Antes de analisar a produção municipal, é importante descrever alguns
aspectos gerais da dinâmica econômica do município. A economia do município de
Israelândia é bastante frágil em relação a sua própria sustentação. A economia local
não gera uma arrecadação suficiente para as demandas do município. Portanto, o
município depende dos repasses feitos pelos governos federal e estadual. Em 2016,
o município teve uma receita total de 12.885.007,15. Desse montante 12.072.779,40
foram de transferências intergovernamentais, sendo que, 9.199.602,49 foram de
transferência da União, ou seja, 76,2%. Assim, fica claro a dependência do município
dos repasses da União e do estado de Goiás, como podemos verificar na imagem
abaixo.
149
Figura 13 - Receitas do município de Israelândia.
Fonte: Meu município. Organização: Squiave (2018).
Pelo lado das despesas, a administração municipal investe a maior parte dos
seus recursos em pagamento aos servidores que trabalham para a municipalidade,
como fica demostrado na imagem abaixo.
Figura 14 - Despesas totais do município de Israelândia.
Fonte: Meu município. Organização: Squiave (2018).
Nesse balanço entre receitas e despesas fica claro que, além de despesas
obrigatórias (educação, saúde, assistência social), a administração tem pouca
margem para investimento com receitas próprias. Sem dúvida no Brasil há uma
centralização da arrecadação no governo federal e os municípios ficam na
dependência de repasses das esferas superiores. Dessa forma, municípios menores,
como é o caso de Israelândia, estão sempre com o “pires” na mão em busca de
150
recursos. Claro que não basta conseguir recursos, é preciso fazer um bom uso dos
“parcos” recursos públicos que se tem.
Quando se observa o conjunto da economia do município, apesar do
crescimento do PIB nos últimos anos, pode ser considerado baixo frente às suas
necessidades. O crescimento observado a partir de 2009 está associado com a
instalação de algumas empresas na cidade, como o caso de uma empresa de Tijolos
que se instalou no município empregando pessoas e se destacando na região na
produção de tijolos, lajotas e canaletas. O município recebeu duas empresas que
fabricam farinha de mandioca, porém, hoje essas empresas se encontram fechadas.
O gráfico 4 ilustra o PIB do município.
Gráfico 4 - PIB do município de Israelândia.
Fonte: Instituto Mauro Borges. Organização: Squiave (2018).
O chamado PIB per capita, que é a divisão do PIB bruto dividido pela
população, atingiu 15.338,00, em 2015, está muito abaixo do nacional que está na
casa de 28.876, conforme os dados do IBGE. (Jornal Valor Econômico, 2016).
Considerando que esses indicadores são referências médias e, portanto, não medem
a concentração das riquezas.
Quando se observa a divisão do PIB por setores de atividades se constata
que, a economia do município é baseada nas atividades de serviços (que inclui a
administração pública) e atividades rurais. Somados os serviços ultrapassa os 60%,
seguindo da agropecuária com 34% e a indústria com apenas 5%, conforme ilustra o
gráfico 5.
0
10.000
20.000
30.000
40.000
50.000
2002 2003 2004 2005 2006 2007 2008 2009 2010 2011 2012 2013 2014 2015Valo
r em
mil
reais
Produto Interno Bruno PIB de Israelândia
Produto Interno Bruto a Preços Correntes - PIB (R$ mil) Produto Interno Bruto per Capita (R$)
151
Gráfico 5 - Divisão do PIB de Israelândia.
Fonte: Instituto Mauro Borges. Organização: Squiave (2018).
Como se pode observar nos dados do gráfico, a agropecuária é o segundo
setor da economia do município de Israelândia. Essas atividades foram as sucessoras
da mineração em Goiás. Embora as atividades agropecuárias deste novo período
sejam diferentes em termos de estrutura, função e forma, é o que mais vai caracterizar
a economia do município, pois é uma economia que fixa riquezas e não é como no
período aurífero em que a economia de saída permitia a saída de riquezas para fora
do município e da província.
Na atividade de pecuária os rebanhos de bovinos, de equinos e de aves têm
tido um movimento oscilatório, como fica expresso no gráfico 6.
Gráfico 6 - Efetivo de bovinos, equinos e aves em Israelândia.
Fonte: Instituto Mauro Borges. Organização: Squiave (2018).
0
10.000
20.000
30.000
40.000
50.000
60.000
1998199920002001200220032004200520062007200820092010201120122013201420152016
Efetivo de Bovinos, Equinos e Aves em Israelândia
Efetivo de Aves (cab) Efetivo do Rebanho Bovinos (cab)
Efetivo do Rebanho de Equinos (cab)
152
Sendo que o rebanho bovino, o mais expressivo da pecuária municipal, segue
uma oscilação típica da atividade, com aumentos e reduções do rebanho. No caso
das aves, há um movimento decrescente, provavelmente em função da redução das
atividades das pequenas propriedades, já que não há criação destinas à indústria. Já
o rebanho equino é pouco expressivo, pois é composto, normalmente, por animais
para o trabalho rural.
A produção de leite é feita em algumas propriedades no município sendo que,
poucas propriedades no município usam técnicas modernas como, por exemplo,
ordenhas mecânicas. A maioria absoluta segue as práticas tradicionais de ordena
manual e mantém um rebanho leiteiro com animais mistos. O gráfico 7 ilustra a
produção leiteira no município.
Gráfico 7 - Produção leiteira em Israelândia.
Fonte: Instituto Mauro Borges. Organização: Squiave (2018).
A produção leiteira municipal tem se mantido estável, entre 4 e 5 milhões de
litros ano. Não é muito expressiva, comparada à produção estadual que ultrapassou
600 milhões de litros em 2018, ou seja, está abaixo de 1% da produção do estado de
Goiás. A produção é destinada ao consumo local (in natura) e parte é destinado ao
processamento e distribuição em Luiz dos Montes Belos, Iporá e uma pequena parte
é destinada a produção de queijo em Bacilândia, distrito de Fazenda Nova.
Em relação à agricultura, a produção de gêneros alimentícios é pouco
expressiva, como se pode verificar no gráfico 8.
0
1.000
2.000
3.000
4.000
5.000
6.000
Qu
an
tid
ad
e e
m m
il
litr
os
Leite (mil l) - Israelândia
153
Gráfico 8 - Produção de Arroz e Milho em Israelândia.
Fonte: Instituo Mauro Borges. Organização: Squiave (2018).
A produção de arroz e milho declinou dos anos de 2000 de um pouco mais de
1.000 e 400 hectares, respectivamente, até o ponto de não ser registrada. Esse pico
de área, provavelmente, foi resultado de alguma abertura de área para plantio de soja,
normalmente essas culturas são de abertura de áreas.
Gráfico 9 - Produção de Soja em Israelândia.
Fonte: Instituto Mauro Borges. Organização: Squiave (2018).
A sojicultura é uma atividade sem expressão no município, como se pode
observar no gráfico. Com uma área de cultivo que não chega a 1.000 hectares e uma
produtividade de, aproximadamente, 35 sacas de soja por hectares, pode-se inferir
que essa atividade terá dificuldades de expandir no município. As características
naturais do município não são favoráveis para essa atividade, especialmente, por
possuir um revelo fortemente ondulado, tipo das áreas serranas que circundam as
áreas de mineração nas proximidades do município.
0
200
400
600
800
1000
1200
1400
2000 2001 2002 2003 2004 2005 2006 2007 2008 2009 2010 2011 2012 2013 2014 2015 2016
Produção Agrícola Arroz e Milho - Israelândia
Arroz (Total) - Quantidade Produzida (t) Milho - Total - Quantidade Produzida (t)
0
500
1000
1500
2000
2500
2000 2001 2002 2003 2004 2005 2006 2007 2008 2009 2010 2011 2012 2013 2014 2015 2016
Produção de Soja em Israelândia
Soja - Área Colhida (ha) Soja - Quantidade Produzida (t)
154
O cultivo de mandioca foi incentivado no município quando da instalação de
duas unidades de processamento de farinha e derivados. Ver os dados no gráfico 10.
Gráfico 10 - Produção de Mandioca em Israelândia.
Fonte: Instituo Mauro Borges. Organização: Squiave (2018).
Em 2007, uma dessas empresas de farinha de mandioca acabou fechando e
encerrando sua produção, fator que explica a diminuição na produção de mandioca e
de farinha. Em 2011, a segunda empresa não consegue acompanhar as produções e
a concorrência das cidades vizinhas também encerra as suas atividades, deixando
pessoas desempregadas, além de diminuir a produção de mandioca e farinha no
município. Hoje o que é produzido de mandioca no município é para o abastecimento
local em supermercados e frutarias.
Vale apena destacar, por último nesses dados econômico do município que,
nos últimos oito anos Israelândia tem se destacado na produção de areia extraída do
Rio Claro, a qual é vendida aos grandes centros urbanos como a capital Goiânia e
Anápolis, conforme pode se observar nos dados do gráfico 11.
0
2000
4000
6000
8000
10000
2000 2001 2002 2003 2004 2005 2006 2007 2008 2009 2010 2011 2012 2013 2014 2015 2016
Mandioca - Quantidade Produzida (t)
155
Gráfico 11 - Produção de Areia em Israelândia.
Fonte: Instituto Mauro Borges. Organização: Squiave (2018).
De acordo com Tibiriçá (2017), que fez um belo trabalho sobre os aspectos
econômicos e sociais da mineração em Goiás, sobretudo da extração de areia,
destaca Israelândia como um grande exportador de areia para Goiânia, Distrito
Federal e Anápolis. A extração de areia em Israelândia se iniciou de fato em 2007,
com algumas dragas trabalhando no Rio Claro. O pico de crescimento se inicia em
2010 e tem uma queda em 2014. Essa queda em 2014, segundo relatos de alguns
donos de dragas se justifica por uma liminar expedida pela comarca de Israelândia
que interditou quase toda a produção da extração de areia, só retornando à extração
normal no final de 2014.
Segundo Tibiriçá (2017), o aumento significativo de construções civis na
capital Goiânia e no entorno de Brasília favoreceram o aumento significativo de
extração de areia no interior, bem como em Israelândia. A partir da lógica do espaço
herdado, fica evidente que Israelândia tem suas importâncias minerais desde os
períodos anteriores, pois, foi um importante arraial de mineração na extração de ouro
e diamante. Hoje sua importância mineral no âmbito estadual e limítrofes é em relação
a extração de areia.
Finalizando a apresentação desse conjunto de dados socioeconômicos pode-
se inferir que o município de Israelândia traz em si as características das suas
dinâmicas espaciais anteriores. Sua localização, seu território, seus processos de
apropriações da natureza nos seus diferentes períodos - mineração, agropecuária até
os dias atuais, revelam que, o trabalho como produtor do território continua produzindo
usos para uma sociedade que se encontrou às margens do Rio Claro e Pilões. No
período atual, com um pouco de mais 200 empregos formais, conforme dados do
gráfico 13.
0
50.000
100.000
150.000
2006 2007 2008 2009 2010 2011 2012 2013 2014 2015
Quantidade e
m M
³Produção de Areia (m³) - Israelândia
156
Israelândia continua persistindo crivada por uma geografia de tempo gloriosos
da mineração do século XVIII, por mitos fundadores do início do século XX, mas
fundamente por uma realidade concreta da sua gente que tem nos Rio Claro e Pilões
suas referências de vidas concretas.
3.7 Israelândia no seu devir
Israelândia, na sua constante mudança, chega ao momento atual como um
dos 246 municípios goianos, situada na microrregião de Iporá, no oeste de Goiás.
Como um ente federado possui um território de 577,48 km², com uma população
estimada de 2.910, em 2017, segundo dados do IBGE (2018). O uso desse território
vem dos tempos imemoriais dos Caiapós, que deu sentido do lugar de YI-Porá, rio de
águas claras, que pelas mãos dos escravos (nativos e negros), mão de obra dos
exploradores da mineração, passou a ser o povoado de Bom fim, posteriormente
Pilões, Comércio Velho, já no seu declínio. Foi transladado como Itajubá, que virou
Iporá, que se fragmentou e nesse devir, tornou-se Israelândia. Assim, Israelândia não
vem do nada, nada absoluto, vem dos usos, vem do trabalho, que pela mediação
técnica, que apropriou a natureza e a transformou em território usado. Esse território
usado, no sentido que dá Milton Santos, continuará o seu devir.
Nos dias atuais, fins da segunda década de século XXI, o uso do seu território,
conforme o mapa 8, feito como uso das modernas técnicas de SIG, infelizmente sem
supervisão em lócus, contrasta com os mapas feitos nos séculos XVIII. Entretanto,
eles servem para localizar e demarcar os “recursos” que foram ou estão sendo
apropriados. Como se pode observar os usos entre esses períodos são diferentes. Os
usos atuais que se espraiam pelo o território de 577,48 km², são: pastagens, solos
expostos, lavouras, vegetação natural, área urbana.
157
Mapa 8 – Mapa de uso e ocupação da terra de Israelândia.
Fonte: SIEG. Organização: Barbosa (2018).
Conforme os dados do mapa de uso, a vegetação natural abrange um total de
241,16 km², seguindo pelo estrato das pastagens com 136,84, depois vem os
chamados solos expostos com 111,77, lavouras com 72,58 área coberta com água
soma 14,63 km² e a área urbana soma 5.5 km². O fato de 41,7% da área do município
manter a vegetação natural chama atenção, indica que essas áreas apresentam
restrições ao uso agrícola e mesmo de cultivo de pastagem, normalmente por ser
áreas com topografia ondulada, com fortes declividades. As áreas de pastagens e os
solos expostos, que juntos ocupam 42,7% do território do município, respectivamente
com 23,5% e 19,2%, destinam a atividade pecuária. Como não se pode fazer uma
supervisão a campo, estamos inferindo que uma parte dos solos expostos são área
de pastagens degradadas. Restando à agricultura tão somente 12% da área, o que
corresponde aproximadamente 720 hectares. Como se observou anteriormente, a
produção agrícola é muito baixa. Dessa ocupação pode se inferir que, pelo fato do
território do município ter origem em uma área de exploração mineral, que nesse caso
é uma área pouco apropriada para a exploração agrícola, essa atividade está limitada
nas condições da sua apropriação.
158
Essa afirmação pode ser corroborada com o fato de que há no município um
número expressivo de pequenos estabelecimentos, como pode ser observado nos
dados do gráfico 12.
Gráfico 12 - Número de Estabelecimentos por Extrato de Área
Fonte: Censos IBGE. Organização: Squiave (2018)
Como é próprio na maioria dos municípios brasileiros a concentração da terra
também é acentuada em Israelândia. Mesmo considerando que o Censo
Agropecuário trabalhe com estabelecimentos e não propriedades, quando observado
pelos estratos apresentados a discrepância é enorme. Vejamos, os estabelecimentos
de 0 a 20 detém uma área total de 856 ha, em 55.288 ha recenseadas, que
corresponde 1,5%. Os estratos pequenos e médios, que juntos detém um pouco mais
de 10 mil ha, respondem por 18,8% da área, sendo que os estabelecimentos
considerados grandes respondem por 34,3%, com uma área de 19 mil ha. E por
último, os estabelecimentos definidos com muito grandes, acima de 1 mil ha, somam
uma área total de 17.877 ha, o que representa 32,3% das áreas dos estabelecimentos
do município.
Atribuir essa concentração à dinâmica local seria desconsiderar que esse fato
acontece de forma generalizada no Brasil, fruto do processo de apropriação ilegal da
terra, como mostra o professor Ariovaldo U. de Oliveira (2014) e em suas pesquisas.
Entretanto, como ficou demostramos alhures, a apropriação das terras na região,
especialmente após o período da mineração do século XVIII, foi típica da apropriação
ilegal. Por outro, no estrado dos minifúndios, de uma forma geral, são
0
20
40
60
80
100
120
140
1970 1975 1980 1985 1995 2006
Número de Estabelecimentos por Extrato de Área
0-20 21-50 51-200 201-1000 mais de 1000
159
estabelecimentos nas proximidades da área urbana ou em áreas de lazer, como
“sítios” de pesca, que ocupam as margens do Rio Claro.
Por último, nesse conjunto de dados que retratam Israelândia dos dias atuais,
julgamos importante fazer uma análise pontual sobre o emprego. Conforme o gráfico
13, pode-se observar que, no município de Israelândia, nos 15 anos, tem se mantido
uma variação entre 200 a 350 postos de empregos formais24.
Gráfico 13 - Total de Empregos em Israelândia.
Fonte: Instituto Mauro Borges. Organização: Squiave (2018).
Entre os anos 2012 e 2014 houve um crescimento no número de empregos e
entre 2015 e 2016 houve um declínio acompanhando o processo de queda da
população do município. Dentre o total de empregos nos últimos cinco anos, as
atividades agropecuárias que empregaram o maior número de pessoas, seguido de
empregos na administração pública e na indústria de transformação. Fica evidente
que, embora o núcleo urbano do município seja pequeno, a maior parte dos empregos
fica justamente na zona rural, mesmo que o índice de população na zona rural tenha
caído.
A distribuição dos empregos se aplica da seguinte forma25: a Indústria conta
com 57 vínculos aplicados em 2016, seguidos da administração pública 68, atividades
agropecuárias com 101 e o comércio aparece com 25 vínculos empregatícios no ano
de 2016.
24 Nesse conjunto de dados desconsideramos o ano de 2010, por falta de uma explicação lógica. Não há qualquer registro no munícipio que possa confirmar esse registro da RAIS. 25 Dados do IMB copilados do Ministério do Trabalho e Emprego, referente ao dia 31 de dezembro de
2016.
0
500
1000
1500
2000
nº
de e
mpre
gos
Total de Empregos - Israelândia
160
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Ao fim ao cabo desse trabalho, movido pelo ânimo de ter chegado a alguns
resultados que julgo importante para minha formação profissional e para a
interpretação geográfica, penso que, muitas lagunas permanecem e deverão merecer
novas investigações. Com a modéstia de quem chegou até aqui, penso, hoje, que as
pretensões foram um pouco desmedidas, mas foram elas que me motivaram e
embalaram algumas das minhas noites de pouco sono. As noites em claro, não
diminuíram a convicção de que a geografia pretérita permeia os períodos passados
com o tempo presente e pode ser evidenciada nos espaços construídos. Um presente
com perspectivas futuras não apaga o tempo que passou, e, espacialmente, o futuro
será camadas sobrepostas das transformações e acumulações de tempos anteriores.
A partir das proposições teórico-metodológicos, analisar a formação espacial
de Israelândia atual como um resultado de acumulações de tempos, foi bastante
satisfatória, pois, conseguimos entender o movimento em um período de longa
duração. Neste sentido, entendemos que a formação espacial de Israelândia é o
resultado dessas acumulações de tempos que, pela ação humana em sua interação
com a natureza, criou e transformou espaços que estão evidenciados no município
hoje.
Quando falamos aqui que a geografia estuda o continuo resultado das
relações sociais, não querermos trazer uma interpretação de uma linha continua;
Como se não houvesse movimentos espaciais que marcam cada período e que a
formação espacial seguinte não possui reminiscência ou espaço herdado.
Mas, buscamos entender como este processo de formação espacial se realiza
no movimento, buscando entender o que de um período foi herdado para a formação
espacial seguinte;
161
É entender o contínuo em movimento, buscando no tempo as chaves de interpretação
do presente.
Neste sentido, o trabalho humano mediado pelas técnicas de cada período
materializou o espaço que, com mais ou menos tensões deixa reminiscências que são
incorporadas pelo período posterior.
A partir do recorte temporal, a formação espacial do arraial de Bom Fim que
fora destruído pelos Caiapós e a construção do arraial de Pilões pouco tempo depois,
requereu técnicas própria do século XVIII. Isso resultou numa organização espacial
(forma), através do processo (mineração).
Alisando o movimento, a partir do fechamento do garimpo em 1751, pouco
ficou no arraial (suas construções), além de uma efêmera população. A partir da
reabertura das minas no já no século XIX, é que a dinâmica se evidencia, pois, com o
declínio na mineração a atividade de pecuária e agricultura de subsistência vai
acompanhar e ditar todo o século, com nova estrutura, gerando formas com o
processo da pecuária. Diferentemente do período da mineração onde a economia era
voltada para fora e pouco ficava na província, a pecuária vai reorganizar o espaço
com uma economia fixadora para dentro da província. O espaço herdado aqui é
evidenciado pela própria atividade mineradora que no século XIX continua existindo e
pela atividade agropecuária que dá uma nova forma ao lugar herdando a população,
a própria estrutura organizacional do lugar é incorporada pelos espaços anteriores.
No século XX, há um novo arranjo espacial. Uma nova mineração com novas
técnicas, próprias do período que vai dinamizar e adensar a população, iniciando
novos aglomerados urbanos herdando características dos períodos anteriores, além
da apropriação das terras que vai gerar uma nova forma espacial.
Há algumas lacunas da geo-história regional que conseguimos preencher,
outras, porém, ficarão para novas pesquisas sobre a região e/ou do município de
Israelândia.
Entretanto, como podemos responder à pergunta central do trabalho? A
resposta se dá a partir da organização espacial do município. Primeiro que a própria
localização do município, situado as margens do Rio Claro, é fruto das reminiscências
dos períodos anteriores a sua formação atual. A organização do sítio urbano
margeando o lugar em que acontecia a mineração do Monchão do Vaz é típico da
mineração ocorrida no século XIX.
162
Segundo que a dinâmica populacional também evidencia reminiscências dos
períodos anteriores. Essa população que oscila é típica dos períodos de mineração
que acompanha a produção. Mesmo que o município hoje ‘não tenha’ mineração, a
atividade econômica que dinamiza são os setores da administração pública e
agropecuária. Portanto, Israelândia hoje traz em si características próprias dos
períodos anteriores que a sucedeu.
E a partir de hoje, 2018, o que reserva a geo-história para o município de
Israelândia? Pergunta que somente o tempo de longa duração poderá responder.
163
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171
ANEXOS
Anexo 1 – Alunos matriculados na escola do Comércio Velho
172
Fonte: Arquivo Público Estadual
173
Anexo 2 - Diário Oficial do Estado com as leis de criação dos municípios de
Israelândia, Amorinópolis e Jaupaci.
Fonte: Arquivo Pessoal.
174
Anexo 3 – Fotos antigas do município de Israelândia (Acervo Pessoal).
Colégio Estadual Maria Barreto
175
Rua Santa Luzia
Inauguração da ponte sobre o Rio Claro que liga Israelândia a capital Goiânia.