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Jurisprudência da Sexta Turma

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HABEAS CORPUS N. 59.764-SP (2006/0112515-1)

Relator: Ministro Og Fernandes

Impetrante: Carmen Silvia de Moraes Barros - Defensora Pública

Impetrado: Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo

Paciente: Luiz Henrique de Oliveira

EMENTA

Habeas corpus. Reconhecimento de inimputabilidade. Absolvição imprópria. Imposição de medida de segurança. Ausência de início de cumprimento da medida. Transcurso de lapso superior a dez anos. Menoridade relativa. Cômputo do prazo prescricional reduzido pela metade. Inteligência da regra prevista no art. 115 do Código Penal. Reconhecimento da prescrição da pretensão executória. Possibilidade.

1. A prescrição da pretensão executória alcança não só os imputáveis, mas também aqueles submetidos ao regime de medida de segurança. Precedentes.

2. Consoante dispõe o art. 115 do Código Penal, são reduzidos de metade os prazos de prescrição quando o criminoso era, ao tempo do crime, menor de 21 (vinte e um) anos.

3. Na hipótese, após verifi car ultrapassado o prazo de 10 (dez) anos entre a determinação da internação do paciente e o início de cumprimento da medida de segurança, o Juízo da Execução, acertadamente, reconheceu a extinção da punibilidade pela prescrição da pretensão executória.

4. Ordem concedida, com o intuito de restabelecer a decisão do Juízo da Vara de Execuções Criminais de São Paulo, mediante a qual se julgou extinta a punibilidade por força do reconhecimento da prescrição da pretensão executória.

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos os autos em que são partes as acima indicadas,

acordam os Ministros da Sexta Turma do Superior Tribunal de Justiça, por unanimidade, conceder a ordem de habeas corpus, nos termos do voto do Sr.

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REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA

644

Ministro Relator. Os Srs. Ministros Celso Limongi (Desembargador convocado do TJ-SP), Haroldo Rodrigues (Desembargador convocado do TJ-CE) e Maria Th ereza de Assis Moura votaram com o Sr. Ministro Relator.

Presidiu o julgamento a Sra. Ministra Maria Th ereza de Assis Moura.

Brasília (DF), 25 de maio de 2010 (data do julgamento).

Ministro Og Fernandes, Relator

DJe 21.06.2010

RELATÓRIO

O Sr. Ministro Og Fernandes: Trata-se de habeas corpus, com pedido de liminar, impetrado em favor de Luiz Henrique de Oliveira, contra acórdão proferido pela Décima Câmara do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, que deu provimento ao agravo em execução interposto pelo Ministério Público, cassando a decisão que extinguiu a medida de segurança ao paciente, em razão da prescrição da pretensão executória.

Tem-se dos autos, que em razão da prática do delito tipifi cado no art. 121, caput, combinado com o art. 14, II, e 29 do Código Penal, ocorrido em 13.10.1989, foi imposta ao paciente a medida de segurança consistente em internação em hospital de custódia e tratamento psiquiátrico por tempo indeterminado, desde 04.11.1991.

A defesa pleiteou a extinção da medida segurança, em razão da prescrição, eis que sendo o sentenciado menor de 21 anos à época dos fatos e decorrido o prazo

prescricional máximo previsto em lei, a prescrição teria ocorrido em 19.12.2004. (fl . 3).

O Juízo da Execução acolheu o pedido e declarou extinta a punibilidade (fl s. 21-22).

Em sede de agravo de execução, interposto pelo Ministério Público, a Corte de Justiça Estadual reformou a decisão e determinou a expedição de mandado de prisão contra o paciente.

Daí a presente impetração que se funda na prescritibilidade da medida

de segurança, conforme entendimento manifestado por respeitável entendimento

doutrinário (fl . 3).

Alegam os impetrantes que diante do que dispõe o parágrafo único do art. 96, as

medidas de segurança também estão sujeitas à prescrição, seja ela punitiva (não se impõe

medida de segurança) ou executória (nem subsiste a que tenha sido imposta). (fl . 4)

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Sustentam, ainda, que ao legislador, no tocante à prescrição, não passou

desapercebida a similaridade entre a duas formas de punição, tanto que previu a

possibilidade de prescrição no parágrafo único do artigo 96 do Código Penal. Deste

modo é inviável que se crie, como pretendeu fazer a Colenda Décima Câmara, outras

hipóteses de imprescritibilidade além daquelas constitucionalmente qualifi cadas. (fl .

5).

Daí porque, na espécie, o lapso prescricional que se pretende ver aplicado é

o máximo previsto em lei, ou seja, 20 anos reduzidos pela metade por ser o paciente

menor à época dos fatos, nos termos do art. 115 do Código Penal. (fl . 5).

Postulam, liminarmente, a expedição de contramandado de prisão (ou de

captura) para que o paciente, que aguarda internação desde 20.12.1994, possa

aguardar em liberdade o julgamento do mérito deste habeas corpus (fl . 2).

Em 19.06.2006, a liminar foi indeferida pelo então Relator, Ministro

Hamilton Carvalhido.

Ouvido, o Ministério Público Federal (Subprocurador-Geral Moacir

Guimarães Morais Filho) opinou pela denegação da ordem. Eis a ementa do

parecer (fl s. 77):

Penal. Habeas corpus. Inocorrência de extinção da medida de segurança com base em alegada prescrição da pena máxima que seria aplicada ao internado pelos crimes praticados. Não sujeição de medida de segurança a prazo prescricional. Cessação com atestado de fi m da periculosidade do internado, segundo os arts. 97, §§ 1º a 4º do CP, c.c. arts. 175 a 179 da Lei n. 7.210, de 11.07.1984 (Lei de Execução Penal).

Parecer do MPF pela denegação da ordem, para manter o acórdão que reformou a sentença da juíza da execução, para determinar a reinternação do paciente, que encontra-se no cumprimento de medida de segurança e cuja cessação da periculosidade não foi ainda atestada por perícia médica, devendo, no caso, submeter-se à nova perícia, para que continue liberado da internação, mas não do tratamento em hospital de custódia ou ambulatorial.

Atribuído o feito em 04.07.2008, vieram-me conclusos os autos.

Informações obtidas pelo gabinete, a partir de contato telefônico

estabelecido com a Vara de Execuções Criminais de São Paulo, dão conta de que

o paciente não foi recolhido ao estabelecimento nosocomial.

É o relatório.

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REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA

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VOTO

O Sr. Ministro Og Fernandes (Relator): Foi no dia 12 de maio de 2005

que a Juíza da execução reconheceu a extinção da punibilidade, pela prescrição

da pretensão executória. Naquela ocasião, a Magistrada escreveu o seguinte (fl s.

22-23):

Ao sentenciado Luiz Henrique de Oliveira, portador do RG n. 26.081.132 foi imposta medida de segurança nos Autos n. 685/1989, da 5ª Vara do Júri do Foro Regional de Pinheiros.

Entretanto, o feito encontra-se aguardando a internação do sentenciado desde 20 de dezembro de 1994.

Manifestou-se a PAJ requerendo a extinção da punibilidade pela prescrição (fl s. 165 verso), com o que discordou o Ministério Público a fl s. 166 verso.

É o breve relato. Fundamento e decido.

Apesar dos argumentos lançados pelo Ministério Público, mesmo sabendo este Juízo tratar-se de questão controversa, com fundamento no artigo 96, parágrafo único, entendo que é possível a extinção da medida de segurança pela prescrição.

Aliás, observe-se que, em caso contrário, teríamos a perpetração de uma pena (lato sensu), o que é vedado em nosso ordenamento jurídico.

Assim, considerando-se a pena máxima imposta em abstrato para o crime (artigo 121, do Código Penal) e a menoridade do sentenciado à época dos fatos, julgo extinta a punibilidade de Luiz Henrique Oliveira, portador do RG n. 26.081.132, em relação ao Processo n. 685/1989, da 5ª Vara do Júri do Foro Regional de Pinheiros, com fundamento no artigo 107, inciso IV, 1ª modalidade, do Código Penal.

No Tribunal, o agravo foi provido nestes termos (fl s. 66-70):

Assim dispõe o artigo 97, parágrafo 1º, do Código Penal:

A internação, ou tratamento ambulatorial, será por tempo indeterminado, perdurando enquanto não for averiguada, mediante perícia médica, a cessação da periculosidade. O prazo mínimo deverá ser de um a três anos.

Da análise do aludido artigo se conclui claramente que inexiste prescrição de medida de segurança, posto que aplicada por prazo indeterminado e, muito menos, presunção da cessação de periculosidade sem realização de perícia médica para efetiva averiguação dos efeitos da medida curativa aplicada.

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RSTJ, a. 22, (219): 641-716, julho/setembro 2010 647

Isso ocorre porque a medida de segurança, em razão de sua própria natureza e fi nalidade, deve prevalecer enquanto perdurar o estado perigoso do agente ou, no caso de porte de tóxicos, sua dependência.

Nesse sentido, aliás a pertinente jurisprudência desta Casa:

A medida de segurança, seja ela de internação ou de tratamento, dá-se por tempo indeterminado, perdurando enquanto não for definido, por perícia, a cessação de periculosidade, sendo assim imprescritível. É inadmissível o Juízo da execução encampar para si atribuição exclusiva do Juízo do conhecimento, fi xando pena onde a Lei isenta, buscando assim fonte para decretar prescrição

(TJSP-RA - Rel. Des. Di Ríssio Barbosa - RT 682/308).

No mesmo sentido, ainda, precedente deste mesmo Relator: Agravo em Execução n. 267.084.3/1-00.

Em face do exposto, acolhendo os pareceres do Ministério Público, das duas instâncias, dá-se integral provimento ao recurso, expedindo-se mandado de prisão.

Ao que quero crer, a prescrição da pretensão executória alcançaria não

só os imputáveis, mas também aqueles submetidos ao regime de medida de

segurança. Isso porque essa última “se insere gênero sanção penal, do qual fi gura

como espécie, ao lado da pena. Por tal razão, o Código Penal não necessita

dispor especifi cadamente sobre a prescrição no caso de aplicação exclusiva

de medida de segurança ao acusado inimputável, aplicando-se, assim, nestes

casos, a regra inserta no art. 109, do Código Penal” (HC n. 41.744-SP, Relatora

Ministra Laurita Vaz, DJ de 20.06.2005).

Nesse sentido, confi ram-se ainda estes precedentes:

Penal. Recurso especial. Homicídio qualifi cado. Paciente inimputável. Sentença absolutória imprópria. Imposição de medida de segurança. Internação há mais de 40 anos. Prescrição da pretensão executória. Não-ocorrência. Tempo de cumprimento da medida regulado pelo máximo da pena abstratamente cominada ao delito. Recurso parcialmente provido.

1. “A medida de segurança se insere no gênero sanção penal, do qual fi gura como espécie, ao lado da pena. Por tal razão, o Código Penal não necessita dispor especifi camente sobre a prescrição no caso de aplicação exclusiva de medida de segurança ao acusado inimputável, aplicando-se, assim, nestes casos, a regra inserta no art. 109, do Código Penal” (HC n. 41.744-SP).

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2. Somente haverá prescrição da pretensão executória se, entre o trânsito em julgado (para a acusação) da sentença absolutória imprópria e o início de cumprimento da medida de segurança, transcorrer prazo superior ao tempo previsto no art. 109 do CP, considerada a pena máxima cominada ao crime praticado.

(REsp n. 1.103.071-RS, Relator Ministro Arnaldo Esteves Lima, DJ de 29.03.2010)

Habeas corpus. Prescrição. Matéria de ordem pública. Medida de internação. Natureza jurídica de sanção penal. Incidência da causa extintiva. Contagem pela pena máxima cominada ao tipo assestado.

1. Por se tratar de matéria de ordem pública, que deve ser declarada, inclusive de ofício, em qualquer fase processual e instância recursal (art. 61 do CPP), nada impede que se reconheça a ocorrência da prescrição nesta Corte de Justiça, mesmo que a questão não tenha sido debatida no Tribunal de Origem.

2. À medida de segurança, de natureza jurídica de sanção penal, incide a causa extintiva disposta no art. 107, IV, do CP, desde que se verifi que que o lapso decorrente entre os marcos interruptivos tenha como parâmetro o referente à pena máxima cominada ao tipo assestado.

3. Se entre a data do trânsito em julgado para a acusação e a data atual não transcorreu lapso suficiente ao reconhecimento da prescrição da pretensão executória, é inviável declarar-se extinta a punibilidade do agente como pretendido.

4. Ordem denegada.

(HC n. 102.171-SP, Relator Ministro Jorge Mussi, DJ de 03.08.2009)

Habeas corpus. Penal. Réu denunciado por lesão corporal de natureza grave. Reconhecimento da inimputabilidade. Aplicação de medida de segurança. Alegação de prescrição da pretensão executória. Prazo a ser aferido pela pena máxima abstratamente prevista para o delito. Lapso temporal não verifi cado. Ordem denegada.

1. Nos termos da orientação fi rmada nesta Corte, o prazo para a prescrição da medida segurança, ainda que se trate de prescrição da pretensão executória, regula-se pelo máximo da pena privativa de liberdade cominada ao crime que lhe fora imputado.

(HC n. 85.755-MG, Relator Ministro Napoleão Nunes Maia Filho, DJ de 24.11.2008)

Voltando ao caso concreto, tem-se que “o feito encontra-se aguardando a

internação do sentenciado [paciente] desde 20 de dezembro de 1994” (fl s. 22).

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RSTJ, a. 22, (219): 641-716, julho/setembro 2010 649

Considerando a presença da atenuante da menoridade relativa; o disposto

no art. 115 do Código Penal (“são reduzidos de metade os prazos de prescrição

quando o criminoso era, ao tempo do crime, menor de 21 (vinte e um) anos, ou, na

data da sentença, maior de 70 (setenta) anos”); e a data em que se reconheceu a

extinção da punibilidade (12.05.2005), entendo deva ser restabelecida a decisão

do juízo das execuções.

Pelo exposto, concedo a ordem com o intuito de restabelecer a decisão do

Juízo da Vara de Execuções Criminais de São Paulo, mediante a qual se julgou

extinta a punibilidade por força do reconhecimento da prescrição da pretensão

executória.

É como voto.

HABEAS CORPUS N. 90.126-MS (2007/0210829-9)

Relatora: Ministra Maria Th ereza de Assis Moura

Impetrante: Defensoria Pública do Estado de Mato Grosso do Sul

Advogado: Eny Cleyde Sartori Nogueira - Defensora Pública

Impetrado: Tribunal de Justiça do Estado de Mato Grosso do Sul

Paciente: Augustinho Martinez

EMENTA

Processo Penal. Habeas corpus. Porte de arma (Lei n. 9.437/1997).

Transação penal. Homologação. Descumprimento do acordo.

Retomada da persecução penal. Ilegalidade. Reconhecimento.

1. A sentença homologatória de aplicação de pena restritiva de

direitos, nos moldes do art. 76 da Lei n. 9.099/1995, gera coisa julgada.

Transcorrido in albis o prazo recursal, sobrevindo o descumprimento

do acordo, é inviável o restabelecimento da persecução penal.

2. Ordem concedida para trancar a ação penal.

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REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA

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ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos os autos em que são partes as acima indicadas,

acordam os Ministros da Sexta Turma do Superior Tribunal de Justiça: “A

Turma, por unanimidade, concedeu a ordem de habeas corpus, nos termos do voto

da Sra. Ministra Relatora.” Os Srs. Ministros Og Fernandes, Celso Limongi

(Desembargador convocado do TJ-SP) e Haroldo Rodrigues (Desembargador

convocado do TJ-CE) votaram com a Sra. Ministra Relatora.

Presidiu o julgamento a Sra. Ministra Maria Th ereza de Assis Moura.

Brasília (DF), 10 de junho de 2010 (data do julgamento).

Ministra Maria Th ereza de Assis Moura, Relatora

DJe 1º.07.2010

RELATÓRIO

A Sra. Ministra Maria Th ereza de Assis Moura: Cuida-se de habeas corpus,

substitutivo de recurso ordinário, com pedido liminar, em favor de Augustinho

Martinez, denunciado como incurso no art. 10, caput, da Lei n. 9.437/1997,

impugnando acórdão do Tribunal de Justiça do Estado de Mato Grosso do Sul,

que denegou a ordem originariamente impetrada (HC n. 2007.010208-2/0000-

00).

O acórdão impugnado restou assim ementado:

Habeas corpus. Descumprimento de transação penal. Retorna-se ao ponto anterior à celebração do acordo. Ordem denegada.

Descumprindo o acusado o acordo celebrado na transação penal, restará insubsistente o ato, ensejando o Ministério Público adotar as providências que evitou ao transacionar.

Narra a inicial que o paciente, submetido ao procedimento regular

no Juizado Especial Criminal, aceitou transacionar, tendo sido acordado o

pagamento de multa de R$ 130,00 (cento e trinta reais). Homologada por

sentença a transação e não efetuado o pagamento, o Ministério Público ofereceu

denúncia e o paciente foi condenado à pena de 1 (um) ano de detenção,

em regime aberto, a qual foi substituída por uma pena restritiva de direito

consistente na prestação de serviço à comunidade.

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RSTJ, a. 22, (219): 641-716, julho/setembro 2010 651

Sustenta a impetrante, em síntese, que a decisão que homologa a transação

penal gera efi cácia de coisa julgada formal e material, impedindo, mesmo em

caso de descumprimento do acordo transacionado, a instauração da ação penal.

Cita doutrina e jurisprudência para corroborar sua tese.

Requer, liminarmente, a suspensão dos efeitos do acórdão combatido, até

o julgamento defi nitivo deste writ. No mérito, pugna pela anulação do feito a

partir da sentença homologatória da transação.

Embora conste nos autos a anotação de réu preso, em nenhum momento

a impetrante menciona que o paciente se encontra preso e tampouco requer

sua liberdade. Em contato telefônico com à Vara de origem, colheram-se as

informações de que o paciente nunca esteve preso em razão deste processo e de

que houve o trânsito em julgado da Apelação Criminal n. 2006.1811561-7.

A liminar foi deferida às fl s. 58-60, para suspender os efeitos do acórdão

que julgou a Apelação Criminal n. 2006.1811561-7 até o julgamento defi nitivo

deste writ pelo órgão colegiado.

As informações foram prestadas às fl s. 66-85.

O Ministério Público Federal apresentou parecer, fl s. 87-90, da lavra do

Subprocurador-Geral da República Samir Haddad, opinando pela denegação

da ordem.

A Defensoria Pública da União requereu a apresentação imediata do feito

em mesa, fl . 97.

É o relatório.

VOTO

A Sra. Ministra Maria Th ereza de Assis Moura (Relatora): A questão

trazida a deslinde cinge-se à aferição de legalidade da retomada da marcha

processual quando do descumprimento da pena aplicada e homologada, nos

moldes do art. 76 da Lei n. 9.099/1976.

A jurisprudência desta Corte fi rmou-se no sentido de que a homologação

da transação penal pelo juiz gera efi cácia de coisa julgada formal e material,

impedindo a instauração de ação penal, no caso de descumprimento do acordo

pelo autor do fato.

Nesse sentido, os seguintes julgados:

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Habeas corpus. Homicídio culposo. Art. 302, caput, do CTB. Proposta de transação penal. Homologação pelo juízo. Art. 76 da Lei n. 9.099/1995. Efi cácia de coisa julgada material. Posterior pedido de revogação acolhido. Ausência dos requisitos necessários ao oferecimento da benesse. Proibição da reformatio in pejus. Ordem concedida.

1. A jurisprudência desta Corte de Justiça fi rmou entendimento no sentido de que a sentença homologatória da transação penal possui efi cácia de coisa julgada formal e material, o que a torna defi nitiva, motivo pelo qual não é possível a posterior instauração da referida ação penal em desfavor do paciente, não obstante o descumprimento do acordo homologado ou se não preenchidas as condições necessárias à benesse.

2. É evidente que a decisão que homologou a transação penal - que produz efeitos de coisa julgada material - torna defi nitivo o acordo realizado entre as partes, ainda que haja erro em sua formulação. Portanto, caso se entenda de modo diverso, incidiria-se na proibida reformatio in pejus, pois a continuidade da ação penal quando já decidido o mérito da questão em momento oportuno gera manifesto prejuízo ante o agravamento da situação do paciente.

3. Ordem concedida para determinar o trancamento da Ação Penal n. 2003.061.004316-5, da 3ª Vara Criminal da comarca de Teresópolis, restabelecendo a sentença que homologou a transação proposta pelo Parquet Estadual.

(HC n. 91.054-RJ, Rel. Ministro Jorge Mussi, Quinta Turma, julgado em 15.12.2009, DJe 19.04.2010)

Agravo regimental no agravo de instrumento. Transação penal. Homologação. Sentença. Descumprimento. Propositura de ação penal. Impossibilidade.

1. É fi rme a orientação fi rmada nesta Corte no sentido de não ser possível propor ação penal na hipótese de descumprimento de transação penal homologada por sentença.

2. Agravo regimental desprovido.

(AgRg no Ag n. 1.131.076-MT, Rel. Ministro Paulo Gallotti, Sexta Turma, julgado em 21.05.2009, DJe 08.06.2009)

Criminal. HC. Nulidade. Lei n. 9.099/1995. Descumprimento de acordo fi rmado e homologado em transação penal. Oferecimento de denúncia. Impossibilidade. Sentença homologatória. Coisa julgada material e formal. Execução da multa pelas vias próprias. Recurso provido.

I - A sentença homologatória da transação penal, prevista no art. 76 da Lei n. 9.099/1995, tem natureza condenatória e gera efi cácia de coisa julgada material e formal, obstando a instauração de ação penal contra o autor do fato, se descumprido o acordo homologado.

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Jurisprudência da SEXTA TURMA

RSTJ, a. 22, (219): 641-716, julho/setembro 2010 653

II - No caso de descumprimento da pena de multa, conjuga-se o art. 85 da Lei n. 9.099/1995 e o 51 do CP, com a nova redação dada pela Lei n. 9.268/1996, com a inscrição da pena não paga em dívida ativa da União para ser executada.

III - Ordem concedida para determinar o trancamento da ação penal. (HC n. 33.487-SP, Rel. Min. Gilson Dipp, DJ de 1º.07.2004)

Recurso especial. Processual Penal. Crime de menor potencial ofensivo. Transação penal. Aplicação de pena de multa. Inadimplemento. Oferecimento de denúncia. Descabimento.

1. É segura a jurisprudência dos Tribunais Superiores na afirmação do incabimento de propositura de ação penal, na hipótese de descumprimento da transação penal (artigo 76 da Lei n. 9.099/1995).

2. Ressalva de entendimento contrário do Relator.

3. Recurso especial não conhecido.

(REsp n. 226.570-SP, Rel. Min. Fernando Gonçalves, Rel. para acórdão Min. Hamilton Carvalhido, DJ de 22.11.2004)

No caso concreto, o paciente foi denunciado porque não efetuou o

pagamento da prestação pecuniária estabelecida em sede de transação penal, por

meio de acordo devidamente homologado.

Em hipóteses tais, tenho para mim que a retomada da ação penal

corporifica constrangimento. Neste diapasão, confira-se a compreensão da

melhor doutrina:

O autor do fato pode, apesar de haver feito transação, aceitando pagar multa, descumprir o acordo, não efetuando o pagamento. A solução única decorrente do sistema é a execução da pena com base no título executivo formado pela sentença homologatória da transação. Cabe ao Ministério Público, através dos meios previstos em lei, atuar no sentido de que a multa seja paga.

Outra alternativa, que vem sendo ventilada e constou inclusive da Lei dos Juizados Especiais do Mato Grosso do Sul, não pode ser aceita. Entende-se que, em caso de não pagamento da multa, o promotor estaria autorizado a oferecer denúncia contra o autor do fato. Ora, a sentença homologatória de transação, após se esgotar o prazo para ser impugnada, além de se constituir em título executivo penal, torna-se defi nitiva, adquire força de coisa julgada, e, assim, não pode se simplesmente desconsiderada, porque não houve cumprimento da pena aplicada. (GRINOVER, Ada Pellegrini, GOMES FILHO, Antonio Magalhães, FERNANDES, Antonio Scarance, GOMES, Luiz Flávio. Juizados especiais criminais. 5ª ed. rev., atual. e ampl. São Paulo: Ed. RT, 2005, p. 214-215).

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REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA

654

A impetração, portanto, encontra-se em sintonia com a jurisprudência

deste Sodalício.

Ante o exposto, concedo da ordem para trancar a ação penal.

É como voto.

HABEAS CORPUS N. 124.450-RJ (2008/0281760-3)

Relator: Ministro Haroldo Rodrigues (Desembargador convocado do TJ-CE)

Impetrante: Evandro Pertence e outros

Impetrado: Tribunal Regional Federal da 2ª Região

Paciente: Pierre Paul Vandenbrouck

EMENTA

Habeas corpus. Descaminho e falsidade ideológica. Trancamento

de ação penal. Atipicidade da conduta. Inocorrência. Dilação

probatória. Impropriedade da via eleita. Mero erro e ausência de

prejuízo. Alegações insufi cientes ao trancamento do processo criminal.

Declarações que implicaram a indevida supressão de tributos. Valor

declarado e utilização comercial da embarcação. Exame aprofundado

das provas. Necessidade de perícia. Princípio da consunção. Ausência

do exaurimento da potencialidade lesiva do falso. Ordem denegada.

1 - Para que seja possível o trancamento de uma ação penal

é necessário que se mostre evidente a atipicidade do fato, que se

verifi que a absoluta falta de indícios de materialidade e de autoria do

delito por parte do acusado ou que esteja presente uma causa extintiva

da punibilidade, hipóteses não encontradas no presente caso, pois são

apresentados na denúncia fatos que, em tese, podem caracterizar a

prática do delito de descaminho e falsidade ideológica, inviabilizado,

assim, o encerramento prematuro do processo criminal.

2 - A defi nição do real valor do iate no momento do ingresso

em águas brasileiras, bem como o da sua valoração após as reformas,

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RSTJ, a. 22, (219): 641-716, julho/setembro 2010 655

depende de dilação probatória, procedimento que sabidamente é

incompatível com estreita via do writ.

3 - Para se verifi car se houve a exploração comercial da embarcação

em três distintas ocasiões, como afi rma o Ministério Público, ou de

que o iate nunca foi alugado, ocorrendo apenas teste de maquinário e

estrutura, como sustentam os impetrantes, implica em revolvimento

aprofundado do conjunto fático-probatório, o que é vedado em sede

de habeas corpus.

4 - Alegações de que eventuais irregularidades no procedimento

de admissão temporária não poderiam implicar no perdimento do

bem ou de que ocorreram erros grosseiros por parte da Receita Federal

nos procedimentos administrativos não comportam apreciação por

meio da via eleita, pois o habeas corpus é remédio constitucional que

visa proteger a liberdade de locomoção do cidadão ameaçado ou

submetido a constrangimento ilegal ou abuso de poder.

5 - As condutas imputadas aos denunciados - inserção de

informações falsas nos procedimentos de entrada e permanência da

embarcação em território nacional, visando a supressão ou redução de

tributos, mediante utilização de uma procuração falsa - apresentam

potencialidade lesiva concreta em relação às fi scalizações tributárias

federal e estadual e caracterizam, em tese, o crime de falsidade

ideológica, inviabilizado, assim, o pedido trancamento ao simples

argumento de que se tratou de mero erro ou de que inexistiu prejuízo

a terceiros.

6 - Não se mostra possível apreciar a tese de se tratar de

falsifi cação grosseira, pois a aferição desta alegação depende do exame

detalhado das provas contidas nos autos e implica na realização de

perícia técnica, procedimentos que não se coadunam com a via eleita.

7 - Embora as declarações falsas objetivassem, em tese, o crime de

descaminho, não se pode afi rmar que a repercussão desse delito tenha

se exaurido nele, existindo a possibilidade da ocorrência de outros

crimes, como os contra a ordem tributária, conforme explicitado pelo

Tribunal Regional Federal da 2ª Região, mostrando-se prematuro o

trancamento da ação penal também em relação a esse delito.

8 - Ordem denegada.

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ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Ministros da Sexta Turma do Superior Tribunal de Justiça, na conformidade dos votos e das notas taquigráfi cas a seguir, por unanimidade, denegar a ordem de habeas corpus, nos termos do voto do Sr. Ministro Relator.

A Sra. Ministra Maria Th ereza de Assis Moura e os Srs. Ministros Og Fernandes e Celso Limongi (Desembargador convocado do TJ-SP) votaram com o Sr. Ministro Relator.

Presidiu o julgamento a Sra. Ministra Maria Th ereza de Assis Moura.

Dr. Evandro Luís Castello Branco Pertence, pela parte Paciente: Pierre Paul Vandenbrouck.

Brasília (DF), 20 de maio de 2010 (data do julgamento).

Ministro Haroldo Rodrigues (Desembargador convocado do TJ-CE), Relator

DJe 02.08.2010

RELATÓRIO

O Sr. Ministro Haroldo Rodrigues (Desembargador convocado do TJ-

CE): Trata-se de habeas corpus interposto em favor de Pierre Paul Vandenbrouck

denunciado como incurso no art. 334, caput, parte fi nal, e no art. 299, ambos do

Código Penal, apontada como autoridade coatora o Tribunal Regional Federal

da 2ª Região.

Pretendem os impetrantes o trancamento da Ação Penal n.

2006.51.01.532301-8, da 3ª Vara Federal Criminal do Rio de Janeiro, por

atipicidade da conduta, alegando que os fatos imputados ao paciente não

confi guram descaminho ou falsidade.

Aduzem que “o delito de descaminho pressupõe, antes de qualquer

outro requisito, a ilusão, a utilização de meio fraudulento para não pagar os

impostos devidos, ou pagá-los a menor” (fl . 8) e que se mostra irrelevante para

a confi guração do delito o anúncio da embarcação na mídia para aluguel, pois

tais fatos “não geram ilusão de impostos, nem indicam intenção de importar em

defi nitivo a embarcação” (fl . 27), afi rmando, ainda, que o iate jamais teria sido

alugado.

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RSTJ, a. 22, (219): 641-716, julho/setembro 2010 657

Por outro lado, sustentam que eventuais irregularidades no procedimento

de admissão temporária não poderiam implicar no perdimento do bem e, com

muito mais razão, ensejar o início da persecução penal.

Em relação ao falso, argumentam que embora tenha ele se

“instrumentalizado em documento ao qual se possa atribuir falsidade formal,

aliás, grosseira, posto que o selo de reconhecimento de fi rma está em nome de

outra pessoa – por isso, entende-se que se tratou de um erro, não de um crime”

(fl . 33) e que a “suposta falsidade formal na representação só poderia gerar

prejuízo ao paciente, e no caso, ele não alega qualquer prejuízo, como está sendo

processado pelo falso” (fl . 34).

Por fi m, menciona que o “imputado crime de falsidade da procuração seria

meio para o cometimento do suposto delito de descaminho, aplicando-se o

princípio da consunção” (fl . 39).

Notifi cado, o Juiz de primeiro grau prestou informações às fl s. 216-218,

bem como o Tribunal de origem às fl s. 233 e 256.

A douta Subprocuradoria-Geral da República, ao manifestar-se (fl s. 229-

231), opinou pela denegação da ordem.

É o relatório.

VOTO

O Sr. Ministro Haroldo Rodrigues (Desembargador convocado do TJ-

CE) (Relator): Para a análise do pedido de trancamento da ação penal ao

argumento de se tratar de conduta atípica, necessário se mostra a verifi cação do

que foi imputado na inicial acusatória, verbis:

Os denunciados, agindo em unidade de desígnios e pluralidade de condutas, introduziram no Brasil, em 22 de abril de 2004, pelo Porto do Rio de Janeiro, a embarcação Wega, iate oceânico de 198 pés, matriculado em Antígua e Barbuda, pertencente à empresa estrangeira Pegasus Inc. e avaliado em US$ 6.000.000,00 (seis milhões de dólares norte-americanos) pela empresa Tech Survey Perícia Naval Ltda. e em R$ 50.288.304,00 (cinquenta milhões e duzentos e oitenta e oito mil e trezentos e quatro reais) pela Secretaria da Receita Federal.

Entre 22.04.2004 e 13.12.2005, os denunciados, também agindo em unidade de desígnios e pluralidade de condutas, empreenderam exploração comercial da embarcação, anunciando-a em múltiplos veículos de comunicação para locação na modalidade charter, entre os quais as edições n. 204 e n. 208 da revista

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especializada “Náutica” ambas de 2005, a coluna de Hildegard Angel do Jornal do Brasil de 21.06.2005 e a própria página em português do sítio eletrônico da empresa proprietária da embarcação (www.pegasusexplorer.com), bem como alugando-a ao menos em três oportunidades: na Fashion Week no Rio de Janeiro em 2005; em 09.07.2005, para passeio às Ilhas Trindade; e em fi ns de agosto de 2005, para norte-americanos.

Ocorre que, ao introduzirem a embarcação em território nacional, os denunciados a classificaram perante as autoridades aduaneiras brasileiras como veleiro, valoraram-na em US$ 200.000,00 (duzentos mil dólares norte-americanos), qualificaram o navegador que a comandava como turista e indicaram como fi nalidade da importação e realização de reparos, de molde a atrair a incidência de regime especial de admissão temporária com suspensão de tributos regulamentado pela IN SRF n. 285/2003. Ilidiram, dessa forma, na entrada da embarcação em território nacional, o pagamento de imposto de importação (II), imposto sobre produtos industrializados (IPI) e contribuição para o fi nanciamento da seguridade social (PIS/Cofi ns), bem como multa de ofício e juros moratórias, além do imposto sobre circulação de mercadorias e serviços (ICMS) incidente sobre o fato.

A Secretaria da Receita Federal lavrou o auto de infração n. 0715400/07025/06, em que aplicou à empresa Pegasus Inc. a penalidade de perdimento da mercadoria. Conforme o auto os tributos de comércio exterior incidentes sobre a importação incidentes sobre a importação defi nitiva da embarcação (II, IPI e PIS/Cofi ns), acrescidos de multa de ofício e juros moratórios, montariam a R$ 36.836.180,50 (trinta e seis milhões, oitocentos e trinta e seis mil, cento e oitenta reais e cinquenta centavos).

Os denunciados solicitaram, em 22.04.2004, por meio da DSI n. 11/2004, registrada na Alfândega do Porto do Rio de Janeiro, regime especial de admissão temporária para a entrada desta última em território nacional, que foi deferido pelo prazo de 90 (noventa) dias. Nesse documento, os denunciados declararam o conteúdo ideologicamente falso acima descrito.

Em 20.07.2004, os denunciados formularam, com base na mesma DSI n. 11/2004 e também em nome de Johannes Herman Iversen, requerimento de prorrogação daquele prazo, que foi deferido e, uma vez autuado, originou o processo administrativo aduaneiro n. 10711.003612/2004-23. Os denunciados formularam mais três requerimentos de prorrogação do prazo de admissão temporária: em 20.07.2004, 07.10.2004, 17.10.2005, 15.04.2005, 08.07.2005 e 03.10.2005, todos deferidos. Eles requereram a reexportação da embarcação em 13.12.2005, havendo ela deixado o Brasil rumo ao Chile em 2006.

Os denunciados atuaram perante a Alfândega do Porto do Rio de Janeiro por interposição de Johannes Herman Iversen, navegador que comandou a embarcação em sua chegada ao Brasil: ele é dinamarquês e tem domicílio em seu país, havendo deixado o Brasil cinco dias depois de aqui aportar. Os

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RSTJ, a. 22, (219): 641-716, julho/setembro 2010 659

denunciados falsearam procuração pela que Johannes Herman Iversen outorgava ao denunciado Franklin Machado Silva poderes para representá-lo em toda a 7ª Região Fiscal da Secretaria da Receita Federal e, em especial, no processamento do DSI n. 011/2004 e no processo administrativo aduaneiro n. 10711.003612/2004-23: a assinatura da escrevente notarial Sueli Pacheco da Silva, aposta na etiqueta do 14º Ofício de Notas (Campo Grande-RJ) por conta da Tabeliã Concelina Henrique de Souza à guiza de reconhecimento de fi rma da Johannes Herman Iversen, é falsa, e o navegador dinamarquês não mantém fi rma naquele cartório.

O denunciado Franklin Machado da Silva, despachante aduaneiro (matrícula 7D/00.044), interveio, como procurador de Johannes Herman Iversen, no preenchimento e na assinatura do requerimento de admissão temporária e assinou, na mesma qualidade, os pedidos de prorrogação subseqüentes. Franklin Machado Silva obteve, ainda, a falsificação do reconhecimento de firma na procuração que lhe teria sido outorgada por Johannes Herman Iversen (fl s. 30 do apenso 3). Franklin Machado da Silva executou material e diretamente, portanto, perante autoridades aduaneiras, os atos jurídicos que ilidiram o pagamento de tributos incidentes sobre a entrada da embarcação Wega.

O denunciado Pierre Paul Vanderbroucke, sócio e representante no Brasil da empresa Pegasus Inc., sediada em Antígua e Barbuda e proprietária da embarcação, determinou a atuação de Franklin Machado da Silva a cada etapa, ordenando-o a obter, com uso de seu conhecimento e de sua experiência como despachante aduaneiro, a entrada e a permanência da embarcação no Brasil para fi ns comerciais sem o pagamento dos tributos gerados por esses fatos. Pierre Paul Vanderbroucke, dirigiu, assim, a atividade de Franklin Machado da Silva.

Em 02.03.2006, a embarcação Wega retornou ao Rio de Janeiro, havendo fundeado na Baía da Guanabara. Alegando estado de necessidade, o denunciado Pierre Paul Vanderbroucke requereu autorização para estacioná-la por 90 (noventa) dias na Base Naval do Rio de Janeiro. Ele solicitou na ocasião - posteriormente, portanto, à permanência da embarcação entre abril de 2004 a janeiro de 2006 cuja entrada redundou em descaminho - visita aduaneira a bordo respectivo, que não foi deferida, nem era devida, pois constitui prerrogativa discricionária da autoridade aduaneira.

Os denunciados estão incursos, em concurso de pessoas e de crimes, nas sanções do artigo 334, caput, parte final, e nas do artigo 299 (documento particular), ambos do Código Penal. Afi gura-se como modalidade de concurso de crimes o cúmulo material. Aplica-se à conduta de Pierre Paul Vanderbroucke a agravante do art. 62, I, do Código Penal.

O Ministério Público requer, ante o exposto, a citação dos denunciados, para que respondam aos termos da ação penal ora proposta, e, conforme o resultado da instrução criminal, seja acolhida a pretensão punitiva ora deduzida, com a condenação de ambos às penas da lei. (fl s. 219-222)

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Em relação à alegação de atipicidade, o Tribunal Regional Federal da 2ª

Região denegou a impetração originária em acórdão que fi cou assim resumido:

Direito Penal. Habeas corpus impetrado contra o recebimento de denúncia oferecida pelo suposto cometimento do delito de descaminho (artigo 334 do Código Penal) diante do ingresso irregular de embarcação em águas brasileiras.

I - Apenas mediante dilação probatória é que pode ser constada a ausência de justa causa para o oferecimento de denúncia pelo crime descaminho cometido mediante a falsifi cação da procuração que instruiu o procedimento de admissão temporária de embarcação, bem como por meio de fornecimento de dados inverídicos nesse procedimento, mormente quanto à defi nição do exato valor da embarcação importada, que provavelmente demandará a realização de avaliação judicial nos autos da ação penal em que se apura o delito.

II - A embarcação que, não obstante tenha sido importada sob o regime de admissão temporária, foi oferecida para locação em território brasileiro, pode ser objeto material do crime previsto no artigo 334 do Código Penal, já que o conceito de mercadoria sujeita ao cometimento de descaminho consiste em qualquer coisa móvel passível de comercialização.

III - Denegação da ordem. (fl . 283)

Tenho que o acórdão do Tribunal Regional Federal da 2ª Região deve ser

mantido.

Pelo que consta dos autos, o paciente está sendo acusado de descaminho e

falsidade ideológica por iludir e enganar os controles alfandegários brasileiros,

utilizando-se de meios fraudulentos no procedimento de admissão temporária,

viabilizando o ingresso e a circulação comercial da embarcação Wega em águas

nacionais.

Diz a denúncia que a referida embarcação foi classificada perante as

autoridades aduaneiras brasileiras como sendo um veleiro, com valor de US$

200.000,00 (duzentos mil dólares norte-americanos), porém trata-se de um iate

oceânico de 198 pés (cerca de 60 metros) avaliado pela Receita Federal do Brasil

em aproximadamente R$ 50.000.000,00 (cinquenta milhões de reais) e em

US$ 6.000.000,00 (seis milhões de dólares norte-americanos) por uma empresa

especializada no ramo náutico.

De igual forma, foi declarado que o comandante do iate era um turista

em trânsito e indicado que a fi nalidade da importação e realização de reparos,

tudo realizado para permitir o ingresso da embarcação sob o regime especial

de admissão temporária com isenção do pagamento do imposto de importação

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RSTJ, a. 22, (219): 641-716, julho/setembro 2010 661

(II), imposto sobre produtos industrializados (IPI), contribuição para o

fi nanciamento da Seguridade Social (Cofi ns) e imposto sobre a circulação de

mercadorias e serviços.

Alega o Ministério Público que o comandante não era um turista em

trânsito com seu “veleiro”, pois retornou ele ao seu país de origem logo após

ter entregue no país o aludido iate. Acrescenta que a verdadeira intenção do

paciente sempre foi a exploração comercial da embarcação, objetivo que se

confi rmou, após os reparos terem sido concretizados, com a locação e circulação

do iate em pelo menos três oportunidades.

A defi nição do real valor do iate no momento do ingresso em águas

brasileiras, bem como o da sua valoração após as reformas, informações

essenciais à verifi cação das alegações da acusação e da defesa, depende de

dilação probatória, procedimento que sabidamente é incompatível com estreita

via do writ.

Da mesma forma, a comprovação de que houve a exploração comercial da

embarcação em três distintas ocasiões, como afi rma o Ministério Público, ou de

que o iate nunca foi alugado, ocorrendo apenas teste de maquinário e estrutura,

como sustentam os impetrantes, implica em revolvimento aprofundado do

conjunto fático-probatório, o que é vedado em sede de habeas corpus.

Para que seja possível o trancamento de uma ação penal é necessário

que se mostre evidente a atipicidade do fato, se verifi que a absoluta falta de

indícios de materialidade e de autoria do delito ou que esteja presente uma

causa extintiva da punibilidade, hipóteses não encontradas no presente caso,

pois são apresentados na denúncia fatos que, em tese, podem caracterizar a

prática do delito de descaminho e falsidade ideológica, inviabilizado, portanto, o

encerramento prematuro do processo criminal.

Essa é a remansosa jurisprudência desta Corte:

A – Penal e Processual Penal. Habeas corpus. Crime de receptação dolosa. Alegado cerceamento de defesa. Supressão de instância. Não conhecimento. Trancamento da ação penal. Alegação de ausência de justa causa. Atipicidade da conduta não demonstrada de plano. Nulidade. Inobservância de rito. Inocorrência. Imputação de crimes conexos. Rito determinado pela infração mais grave.

(...)

III - O trancamento da ação penal por meio do habeas corpus se situa no campo da excepcionalidade (HC n. 901.320-MG, Primeira Turma, Rel. Min. Marco Aurélio, DJU de 25.05.2007), sendo medida que somente deve ser adotada quando houver

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comprovação, de plano, da atipicidade da conduta, da incidência de causa de extinção da punibilidade ou da ausência de indícios de autoria ou de prova sobre a materialidade do delito (HC n. 87.324-SP, Primeira Turma, Rel. Min. Cármen Lúcia, DJU de 18.05.2007).

IV - Na hipótese, a alegação do impetrante de que a jóia (cordão de ouro), por ele supostamente receptada, era de sua propriedade, não se mostrou indene de dúvidas, a justifi car a interrupção prematura da persecutio criminis in judicio. Isso porque, segundo informações do juízo a quo, após a realização de perícia no bem, a pedido do próprio impetrante, o mesmo mudou sua versão, e afi rmou que a jóia não lhe pertencia. Assim, há fundada dúvida acerca da propriedade do bem objeto do suposto de crime de receptação, o que torna sem respaldo a tese de manifesta atipicidade da conduta, baseada, fundamentalmente, na constatação ou não da origem ilícita do objeto.

Habeas corpus parcialmente conhecido e, nesta parte, denegado.

(HC n. 89.472-PR, Relator o Ministro Felix Fischer, DJe de 03.08.2009)

B – Penal. Processo Penal. Prescrição em perspectiva ou antecipada. Extinção da punibilidade. Descabimento. Falta de previsão legal. Trancamento da ação penal. Negativa de autoria e atipicidade. Ausência de justa causa não-evidenciada de plano.

1. A jurisprudência desta Corte já se fi rmou no sentido de não reconhecer prescrição antecipada ou em perspectiva, em face da suposta condenação.

2. De acordo com o entendimento do Superior Tribunal de Justiça, “o trancamento da ação penal pela via de habeas corpus é medida de exceção, que só é admissível quando emerge dos autos, sem a necessidade de exame valorativo do conjunto fático ou probatório, a atipicidade do fato, a ausência de indícios a fundamentarem a acusação ou, ainda, a incidência de causa extintiva da punibilidade.” (HC n. 82.515-SC, Relatora a Ministra Laurita Vaz, DJU 16.06.2008)

3. A alegação de que não há provas da participação do paciente na empreitada criminosa não pode ser aqui acolhida, pois demandaria o exame aprofundado dos elementos de prova, incabível na via estreita do habeas corpus, além do que a denúncia deixa certa a existência de indícios de autoria do delito.

4. Ademais, as evidências dos autos não permitem, de plano, a conclusão pela atipicidade da conduta do paciente, tornando-se prematuro o trancamento da ação penal instaurada.

5. De outra parte, o paciente não foi denunciado por ser sócio da empresa envolvida no evento dito criminoso, mas, sim, por haver indícios sufi cientes a autorizar o início da persecução criminal.

6. Habeas corpus denegado.

(HC n. 102.292-SP, Relator o Ministro Og Fernandes, DJe de 22.09.2008)

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RSTJ, a. 22, (219): 641-716, julho/setembro 2010 663

C – Habeas corpus. Penal e Processual Penal. Crime tipificado no art. 1º, I, do Decreto-Lei n. 201/1967. Trancamento da ação penal. Falta de justa causa. Alegação de inexistência de provas.

1. O trancamento da ação penal pela via de habeas corpus é medida de exceção, que só é admissível quando emerge dos autos, de forma inequívoca, a inocência do acusado, a atipicidade da conduta ou a extinção da punibilidade, o que não ocorreu no caso.

2. A denúncia encontra-se em total conformidade com o disposto no art. 41 do Código de Processo Penal, porquanto demonstra, de forma clara e objetiva, o fato supostamente criminoso, com todas as suas circunstâncias, bem como a possível autoria do ora Paciente, de forma sufi ciente para a defl agração da ação penal e de modo a possibilitar-lhe ampla defesa na instrução criminal.

3. A questão de se saber se o ora Paciente efetivamente participou do esquema ilícito narrado na denúncia requer o revolvimento da matéria fática, o que somente poderá ser discutido durante a instrução criminal. O habeas corpus não pode substituir a ação penal no que ela tem de essencial - o livre exercício do contraditório e da ampla defesa.

4. Habeas corpus denegado.

(HC n. 53.487-SC, Relatora a Ministra Laurita Vaz, DJU de 11.02.2008)

No mesmo sentido entende o Supremo Tribunal Federal:

A – Habeas corpus. Constitucional. Processual Penal. Alegação de inépcia da denúncia e falta de justa causa para a ação penal. Trancamento. Reexame do conjunto probatório existente nos autos da ação penal: Impossibilidade. Habeas corpus denegado.

1. Inviável, no acanhado procedimento do habeas corpus, a apreciação das afirmativas dos Impetrantes, porque demandariam análise do conjunto probatório em sede judicial própria.

2. As alegações dos Impetrantes de inépcia da inicial não infirmam a inquestionável validade do ato ora impugnado.

3. Não se tranca ação penal, quando descritos, na denúncia, comportamentos típicos, ou seja, quando factíveis e manifestos os indícios de autoria e materialidade delitivas. Precedentes.

4. O exame da alegada inocência do Paciente não se coaduna com a via processual eleita, sendo essa análise reservada aos processos de conhecimento, nos quais a dilação probatória tem espaço garantido.

5. Habeas corpus denegado.

(HC n. 95.270, Relatora a Ministra Cármen Lúcia, DJe de 23.04.2009)

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B – Ação penal. Trancamento. Inadmissibilidade. Atipicidade não aparente. Conduta atribuída que corresponde ao delito previsto no art. 333 do Código Penal. Indícios de materialidade e autoria de eventual delito. Impossibilidade de cognição profunda da prova no âmbito de habeas corpus. Justa causa reconhecida. HC denegado. Precedentes. O reconhecimento de justa causa, para trancamento de ação penal por atipicidade do fato imputado, é inviável em sede de habeas corpus, quando dependa de cognição profunda das provas.

(HC n. 91.516, Relator o Ministro Cezar Peluso, DJe de 04.12.2008)

De outro lado, as alegações de que eventuais irregularidades no

procedimento de admissão temporária não poderiam implicar no perdimento

do bem e de que ocorreram erros grosseiros por parte da Receita Federal nos

procedimentos administrativos não comportam apreciação por meio da via

eleita, pois o habeas corpus é remédio constitucional que visa proteger a liberdade

de locomoção do cidadão ameaçado ou submetido a constrangimento ilegal ou

abuso de poder.

No tocante à falsidade, o Tribunal de origem manteve o curso da ação

penal em acórdão que recebeu a seguinte ementa:

Direito Penal. Habeas corpus impetrado contra o recebimento de denúncia oferecida pelo suposto cometimento do delito de falsidade ideológica em documento particular (artigo 299 do Código Penal) em procedimento administrativo de admissão temporária de embarcação em território nacional.

I - Por ostentar natureza formal, o delito de falsidade ideológica praticado em procuração apresentada juntamente com requerimento de prorrogação de admissão temporária de embarcação em águas brasileiras consuma-se pela mera inserção de declaração inverídica nesse documento particular, mesmo que tal instrumento não tenha baseado quaisquer dos atos praticados no procedimento.

II - Apenas mediante dilação probatória é que pode ser constatada a ausência de justa causa para o oferecimento de denúncia pelo cometimento falsidade ideológica decorrente da ausência de veracidade dos dados fornecidos no requerimento de admissão temporária, mormente quanto à defi nição do exato valor da embarcação importada, que provavelmente demandará a realização de avaliação judicial nos autos da ação penal em que se apura o delito.

III - Muito embora a falsidade ideológica praticada no procedimento de admissão temporária de embarcação consista meio necessário ao cometimento do crime de descaminho, não pode haver, nesse caso, a absorção do delito de menor gravidade, se tais declarações inverídicas ainda ostentam potencialidade lesiva apta a atingir outros bens jurídicos, a exemplo da ordem tributária estadual, já que a importação do bem realizada sob o regime privilegiado e deferida com

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base em dados falsos, também impediu a cobrança Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS).

IV - Denegação da ordem. (fl . 253)

Também nesse ponto, inexiste reparo a ser realizado no acórdão do Tribunal Regional Federal da 2ª Região.

As alegações dos impetrantes no sentido de que “se tratou de um erro, não de um crime” (fl . 33) e de que a “suposta falsidade formal na representação só poderia gerar prejuízo ao paciente, e no caso, ele não alega qualquer prejuízo, como está sendo processado pelo falso” (fl . 34) não permitem o trancamento da ação penal. As condutas imputadas aos denunciados – inserção de informações falsas nos procedimentos de entrada e permanência da embarcação em território nacional, visando a supressão ou redução de tributos, mediante utilização de uma procuração falsa – apresentam potencialidade lesiva concreta em relação às fi scalizações tributárias federal e estadual e caracterizam, em tese, o crime de falsidade ideológica, inviabilizado, assim, o pedido de trancamento ao simples argumento de que se tratou de mero erro ou de que inexistiu prejuízo a terceiros.

Com efeito, embora existam divergências sobre o real valor do iate - R$ 50.000.000,00 (cinquenta milhões de reais) ou US$ 6.000.000,00 (seis milhões de dólares norte-americanos), é certo que o valor declarado na Declaração Simplifi cada de Importação de US$ 200.000,00 (duzentos mil dólares norte-americanos) encontra imensa divergência com os valores estimados pela Receita Federal ou com os apurados pela empresa especializada, não podendo ser afastada, de plano, a possibilidade da ocorrência do ilícito penal.

Verifica-se, ainda, divergências de grande relevância sobre o tipo de embarcação informada e referente à fi nalidade do ingresso em águas brasileiras, pois, segundo consta na denúncia, o iate sofreu exploração comercial após o seu ingresso, tudo a ratifi car a necessidade de uma melhor apuração dos fatos durante a instrução criminal.

Também não se mostra possível apreciar a tese de se tratar de falsifi cação grosseira, pois a aferição desta alegação depende do exame detalhado das provas contidas nos autos e implica na realização de perícia técnica, procedimentos que, conforme explicitado anteriormente, não se coadunam com a estreita via do habeas corpus.

Por fim, entendo que não se mostra possível, nesse momento, o reconhecimento e aplicação do princípio da consunção para permitir a absorção da falsidade pelo crime de descaminho.

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Nesse ponto, vale destacar o trecho do acórdão atacado que afastou tal

possibilidade aos seguintes argumentos:

De outro lado, não há que cogitar da absorção do delito de falsidade ideológica pelo descaminho mediante aplicação do princípio da consunção.

Como bem leciona Damásio E. de Jesus, “ocorre a relação consuntiva, ou de absorção, quando um fato defi nido por uma norma incriminadora é meio necessário ou fase normal de preparação ou execução de outro crime, bem como quando constitui conduta anterior ou posterior do agente, cometida com a mesma fi nalidade prática atinente àquele crime” (Direito Penal - 1º Volume, São Paulo: Saraiva, 1997. p. 112).

No parecer exarado às fl s. 205-214, o Ilustre Procurador Regional da República, Dr. João Ricardo da Silva Ferrari, salientou que “basta uma leitura superfi cial da denúncia para se constatar, insista-se, que em nenhum momento a acusação aludiu às falsifi cações necessariamente como meio para o cometimento de outro delito, mas como delito autônomo que teve o condão de possibilitar a auferição de vantagens outras, materializadas em infrações penais” (fl . 211).

Entendo, contudo, que as falsidades cometidas tanto na procuração outorgada pelo então capitão da embarcação, Johannes Herman Iversen, bem como nos dados fornecidos na Declaração Simplifi cada de Importação - DSI, consistiram meio para o cometimento do delito de descaminho, pois que dirigidas a obter fraudulentamente o deferimento do regime de admissão temporária e, via de conseqüência, como previsto na segunda parte do artigo 344 do Código Penal, “iludir, no todo ou em parte, o pagamento de direito ou imposto devido pela entrada, pela saída ou pelo consumo de mercadoria”.

Mas, no presente caso, não pode haver a absorção do crime de menor gravidade já que a potencialidade lesiva da falsidade imputada ao paciente não se esgota, a princípio, na prática do delito previsto no artigo 334 do Código Penal, podendo se estender a outros bens jurídicos. O cometimento do descaminho apurado na ação penal cujo trancamento se objetiva na presente writ se deu pela suspensão, obtida fraudulentamente, de tributos federais incidentes sobre o ingresso da embarcação em águas brasileiras (Imposto de Importação, Imposto sobre Produtos Industrializados - IPI) e Contribuição para o Financiamento da Seguridade Social - Cofi ns). Não se pode olvidar, todavia, que, como bem alertado pelo Ministério Público na denúncia (fl . 11), tal fato gerador também enseja a incidência do Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS), motivo porque as falsidades imputadas ao paciente também podem ter ocasionado danos à ordem tributária estadual, afi gurando-se injustifi cada a sua absorção pelo crime de descaminho apurado na Ação Penal n. 2006.51.01.532301-8.

Tal raciocínio se coaduna, inclusive, com a interpretação a contrario sensu do Enunciado n. 17 da Súmula do Superior Tribunal de Justiça, na qual se consolidou a orientação de que “quando o falso se exaure no estelionato, sem mais potencialidade lesiva, é por este absorvida”. No caso dos autos, a falsidade

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ideológica praticada pelo paciente, apesar de ser crime meio para o cometimento do descaminho, não esgotou a sua potencialidade lesiva nesse último, e, por conseqüência lógica dessa constatação, não pode ser absorvida pelo crime fi m. (fl s. 249-250)

Como visto, muito embora as declarações falsas objetivassem, em tese, o

crime de descaminho, não se pode afi rmar que a repercussão desse crime tenha

se exaurido nele, existindo a possibilidade da ocorrência de crimes diversos,

como os contra a ordem tributária, conforme explicitado pelo Tribunal Regional

Federal da 2ª Região, mostrando-se prematuro o trancamento também em

relação a esse delito.

Veja-se:

Penal. Habeas corpus. Falsidade ideológica e estelionato. Aplicação do princípio da consunção. Impossibilidade. Concurso formal. Dosimetria. Pena-base acima do mínimo legal. Fundamentação insufi ciente com relação à culpabilidade, personalidade, circunstâncias do crime e comportamento da vítima.

I - A orientação emanada do Enunciado n. 17 da Súmula do Superior Tribunal de Justiça tem como pressuposto lógico a idéia de que o falso exaure sua potencialidade lesiva ao constituir-se crime meio para a consecução do delito fi m, que é o estelionato (Precedentes).

II - Sendo a falsidade meio para o estelionato, não se exaurindo neste, inviável a aplicação do princípio da consunção, por permanecer a falsidade apta à prática de outras atividades delitivas. Aplica-se, nestes casos, o concurso formal de crimes, e não o concurso material. (Precedentes do STF).

III - Na hipótese dos autos, a falsificação empregada não esgotou sua potencialidade lesiva no estelionato, tendo sido, ao contrário, utilizada por diversas vezes nos crimes praticados pelo paciente.

Inviável, portanto, a aplicação do princípio da consunção.

(...)

VI - Não havendo elementos suficientes para a aferição da personalidade do agente, mostra-se incorreta sua valoração negativa a fi m de supedanear o aumento da pena-base (Precedentes).

Ordem parcialmente concedida.

(HC n. 125.331-MG, Relator o Ministro Felix Fischer, DJe 08.03.2010)

Diante de todo o exposto, em consonância com o parecer ministerial,

entendo que o writ deve ser denegado.

É como voto.

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HABEAS CORPUS N. 143.474-SP (2009/0147195-2)

Relator: Ministro Celso Limongi (Desembargador convocado do TJ-SP)

Impetrante: Marcelo Martins Ferreira

Impetrado: Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo

Paciente: Ivanildo Canuto Soares

Advogado: Guilherme de Morais Faleiro e outro(s)

EMENTA

Habeas corpus. Homicídio qualificado. Nulidades. Falta de apresentação de alegações finais, antes da decisão de pronúncia. Matéria não analisada pela Corte de origem. Decisão que torna sem efeito sentença que reconhecera extinta a punibilidade do agente, com base em atestado de óbito falso. Falta de indícios sufi cientes de autoria. Coação ilegal não caracterizada. Impetração conhecida em parte. Ordem denegada.

1) Se a questão constante da inicial não foi analisada pelo Tribunal de origem, não compete a esta E. Corte dela conhecer e analisar, sob pena de indevida supressão de instância.

2) A falta de alegações fi nais, nos processos de competência do Tribunal do Júri, não acarreta nulidade. No caso em exame, o defensor constituído fora devidamente intimado para manifestação, deixando, no entanto de fazê-lo.

3) É entendimento jurisprudencial que a decisão que declara extinta a punibilidade da espécie, fundada em atestado de óbito falso, não faz coisa julgada material.

4) A alegação de inocência e falta de indícios sufi cientes para a decisão de pronúncia não podem ser analisadas nos estreitos limites do “habeas corpus”.

5) Impetração conhecida em parte. Ordem de denegada.

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos os autos em que são partes as acima indicadas,

acordam os Ministros da Sexta Turma do Superior Tribunal de Justiça, por

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unanimidade, conhecer parcialmente da ordem de habeas corpus e, nesta parte, a

denegar, nos termos do voto do Sr. Ministro Relator.

Os Srs. Ministros Haroldo Rodrigues (Desembargador convocado do

TJ-CE), Maria Th ereza de Assis Moura e Og Fernandes votaram com o Sr.

Ministro Relator.

Presidiu o julgamento a Sra. Ministra Maria Th ereza de Assis Moura.

Sustentaram oralmente Dr. Guilherme de Morais Faleiro, pelo paciente:

Ivanildo Canuto Soares, e Subprocurador-Geral da República Exmo. Sr. Dr.

Brasilino Pereira dos Santos.

Brasília (DF), 06 de maio de 2010 (data do julgamento).

Ministro Celso Limongi (Desembargador convocado do TJ-SP), Relator

DJe 24.05.2010

RELATÓRIO

O Sr. Ministro Celso Limongi (Desembargador convocado do TJ-SP):

Trata-se de “habeas corpus” impetrado em benefício de Ivanildo Canuto Soares,

sob alegação de coação ilegal por parte do E. Tribunal de Justiça do Estado

de São Paulo. Aduz o impetrante, em síntese, que o paciente está a responder

processo criminal, acusado da prática do delito previsto no artigo 121, parágrafo

2º, incisos I e IV, combinado com os artigos 29; e 69, (por duas vezes), todos do

Código Penal. Alega que a decisão de pronúncia deve ser anulada, porque não

fora apresentada defesa em favor do paciente. O MM. Juiz deveria ter nomeado

Defensor Público para apresentação da defesa, diante da omissão do advogado

constituído. O E. Tribunal a quo negou provimento ao recurso em sentido

estrito interposto pela defesa, confi rmando a decisão de pronúncia. Acrescenta

que a decisão que cancelou a sentença declaratória da extinção da punibilidade

da espécie, em relação ao paciente, sob o fundamento de falsidade do atestado

de óbito, também deve ser anulada. O MM. Juiz não poderia simplesmente

cancelar a decisão, pois já havia ela transitado em julgado. O cancelamento de

decisão judicial transitada em julgado causa intranqüilidade social. Ademais,

o paciente estava foragido e, assim, não se pode presumir ser ele o responsável

pela falsidade do atestado de óbito, se tal fato foi, efetivamente, comprovado.

Assevera o impetrante que não há indícios sufi cientes para lastrear a decisão

de pronúncia, tudo levando a crer que o paciente foi acusado de ser um dos

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autores do delito, porque, no passado, se envolvera com entorpecentes. Pleiteia o

impetrante a concessão da ordem, para que seja o paciente despronunciado (fl s.

2 a 28).

O Ministério Público Federal opinou pelo conhecimento parcial da

impetração e, na parte conhecida, pela denegação da ordem (fl s. 156 a 164).

Esse o relatório.

VOTO

O Sr. Ministro Celso Limongi (Desembargador convocado do TJ-SP)

(Relator): Depreende-se da leitura da r. sentença de pronúncia, a fl s. 83-92, que

o defensor constituído do paciente fora devidamente intimado a se manifestar,

deixando, no entanto, transcorrer in albis o prazo assinado para tanto.

Em primeiro lugar, anoto que a falta de apresentação de alegações fi nais

não causou nenhum prejuízo ao paciente, tanto que, no recurso em sentido

estrito por ele interposto, nenhuma referência fez quanto a tal matéria.

Ademais, é usual que a defesa não queira adiantar suas teses. Estratégia

que, evidentemente, longe de viciar o processo, favorece o réu.

Mas, se a questão não foi analisada pelo Tribunal Estadual, não cabe a

esta Corte Superior dela conhecer e analisar, sob pena de indevida supressão de

instância.

Confi ram-se:

Habeas corpus. Agravo regimental. Crime hediondo. Progressão de regime. Indeferimento. Irresignação não manifestada perante o Tribunal de origem. Supressão de instância. Ocorrência. Petição inicial indeferida liminarmente. Agravo improvido.

1. Não obstante o Tribunal de origem tenha mantido o regime integralmente fechado fi xado na sentença condenatória, o constrangimento ilegal suportado pelo paciente emana de ato proferido por juízo de primeira instância que indeferiu pedido de progressão de regime, matéria que não foi tratada pelo Tribunal de origem.

2. Agravo regimental improvido.

(AgRg no HC n. 68.281-SP, relatora Maria Thereza de Assis Moura, j. em 09.10.2007).

Habeas corpus. Ação penal. Excesso de prazo. Questão não analisada pelo Tribunal de origem. Supressão de instância. Não conhecimento.

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RSTJ, a. 22, (219): 641-716, julho/setembro 2010 671

1. Não se pode conhecer da alegação de constrangimento ilegal decorrente do excesso de prazo na formação da culpa quando a suposta demora processual não foi objeto de análise pela Corte a quo, sob pena de indevida supressão de instância.

(...)

(HC n. 100.094-PA, relator Ministro Jorge Mussi, j. em 21.08.2008).

Ressalto que, estivesse caracterizada a nulidade absoluta, que pode ser

reconhecida a qualquer tempo e grau de jurisdição, fi caria afastado o óbice da

supressão de instância, mas tal não ocorreu, pelo que não conheço da impetração,

nesta parte.

Com referência à alegada nulidade da decisão que anulou a r. sentença que

reconhecera extinta a punibilidade da espécie, quando ao paciente, não assiste

razão à defesa.

O v. acórdão hostilizado, com relação ao assunto, enfatizou que:

Não há no caso, como se falar em existência de coisa julgada impeditiva do prosseguimento da ação penal.

Colhe-se da anterior decisão que a extinção da punibilidade foi decretada com base em certidão de óbito que posteriormente se constatou ser falsa.

Diz o artigo 107, I, do Código Penal que se extingue a punibilidade do agente pela sua morte.

Evidentemente, se ele não morreu, não há como se falar que a decisão que declarou a extinção, com base em documento inidôneo, a extinção de sua punibilidade seria imutável.

O que extingue a punibilidade é a morte do agente e não a certifi cação de sua morte.

Conquanto o Código de Processo Penal em seu artigo 62 exija a certidão de óbito como documento autorizador da extinção da punibilidade, há que se entender que a decisão proferida exclusivamente à vista de tal documento, tendo em vista a facilidade que existe para falsifi cações e a ocorrência de homônimos, tem que ser tida como rebus sic stantibus.

E à evidência, demonstrado que o réu está vivo e que a certidão não se refere a ele ou é falsa, o juiz pode e deve determinar o prosseguimento da ação penal, porque a anterior decisão de extinção deixa de produzir qualquer efeito tanto no campo processual como no direito material.

O entendimento do E. Tribunal impetrado está em consonância com o

entendimento jurisprudencial.

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A propósito:

Penal. Processual Penal. Habeas corpus. Extinção da punibilidade amparada em certidão de óbito falsa. Decreto que determina o desarquivamento da ação penal. Inocorrência de revisão pro societate e de ofensa à coisa julgada. Fundamentação. Art. 93, IX, da CF.

I. A decisão que, com base em certidão de óbito falsa, julga extinta a punibilidade do réu e pode ser revogada, dado que não gera coisa julgada em sentido estrito.

II. Nos colegiados, os votos que acompanham o posicionamento do relator, sem tecer novas considerações, entendem-se terem adotado a mesma fundamentação.

III. Acórdão devidamente fundamentado.

IV. HC indeferido.

(Habeas Corpus n. 84.525-8-MG, relator Min. Carlos Velloso, j. em 16.11.2004.

Em julgados anteriores, o Supremo Tribunal Federal já decidira que a

decisão que julga extinta a punibilidade do agente, com base em certidão de

óbito falsa, não faz coisa julgada material.

Confi ram-se:

Ementa: Habeas corpus. Processo Crime.

1. Revogação de despacho que julgou extinta a punibilidade do réu, à vista de atestado de óbito baseado em registro comprovadamente falso: sua admissibilidade, vez que referido despacho, além de não fazer coisa julgada em sentido estrito, fundou-se exclusivamente em fato juridicamente inexistente, não produzindo quaisquer efeitos.

2. Condenação do réu, no mesmo processo, por outro crime, fundado em fato novo, posterior ao que deu causa a ação penal, mediante simples aditamento da denúncia; impossibilidade, mormente quando não foram observados os trâmites regulares exigidos para validade do processo, com evidente cerceamento de defesa.

Habeas corpus deferido em parte, para se decretar a nulidade do processo quanto ao segundo crime (“DJ” de 29.09.1978).

Ementa: Habeas corpus. Extinção da punibilidade. Morte do agente. Equívoco da decisão. O desfazimento da decisão que, admitindo por equívoco a morte do agente, declarou extinta a punibilidade, não constitui ofensa à coisa julgada. Habeas corpus indeferido (“DJ” de 17.12.1982).

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RSTJ, a. 22, (219): 641-716, julho/setembro 2010 673

É verdade que a Constituição Federal protege a coisa julgada, mas, no caso

concreto, a formalidade não pode ser levada a ponto de tornar imutável uma

decisão baseada em uma falsidade. O agente não pode ser benefi ciado por sua

própria torpeza, nem o Poder Judiciário deve prestigiá-la. Daí a razão pela qual,

excepcionalmente, cabe a fl exibilização da coisa julgada.

Assim, correta a decisão das cortes ordinárias, quanto à retomada do

processo.

Finalmente, quanto à negativas de autoria e insufi ciência de indícios para

a pronúncia, são questões que exigem exame acurado do conjunto probatório,

defeso em tema de habeas corpus.

Ilustrativamente:

Penal. Processual Penal. Habeas corpus. Homicídio triplamente qualifi cado. Prisão preventiva. Revogação. Ausência de indícios de autoria. Estreita via do writ. Conveniência da instrução criminal. Garantia de aplicação da lei penal. Ausência de qualquer motivação. Ofensa à garantia constitucional da necessidade de fundamentação das decisões judiciais. Resguardo da ordem pública. Agente que, em tese, espancou o enteado até a morte. Modus operandi que evidencia sua periculosidade. Acusada que possui outros três fi lhos menores. Inconveniência de mantê-la em contato. Manutenção da custódia. Nulidade. Falta de intimação da defesa para a reconstituição do crime. Prova não produzida, mas apenas o levantamento do local dos fatos. Diligência que deve ser feita logo após o crime. Inquérito policial que não se pauta pelo contraditório. Ordem denegada.

1. A estreita via do habeas corpus, carente de dilação probatória, não comporta o exame de questões que demandem o profundo revolvimento do conjunto fático-probatório colhido nos autos do inquérito policial instaurado contra a paciente, assim como da ação penal que o seguiu. Precedentes.

2. Evidenciando-se que a tese de negativa de autoria demanda o aprofundado exame de provas, porquanto não demonstrada cabal e inequivocamente pelos elementos de convicção colacionados aos autos, além de que já foi, inclusive, prolatada decisão de pronúncia pelo Juízo singular, mostra-se inviável seu acolhimento por meio da via eleita.

3. A simples menção aos pressupostos da prisão preventiva, desacompanhados de sua respectiva fundamentação com base nos fatores concretos do processo, viola frontalmente a garantia constitucional de necessidade de motivação das decisões judiciais, insculpida no inciso IX do artigo 93 da Constituição da República. Precedentes.

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4. A concreta periculosidade da agente, revelada pelo modus operandi com que teria supostamente agido, porquanto teria, em tese, espancado o próprio enteado até a morte, é sufi ciente para motivar a necessidade da manutenção de sua prisão preventiva, a bem do resguardo da ordem pública, notadamente em função da existência de outros três fi lhos menores. Precedentes.

5. Unicamente as supostas primariedade, bons antecedentes, residência fi xa e ocupação lícita da paciente, ainda que comprovados estivessem, não são aptos a garantir-lhe a revogação da prisão preventiva, notadamente quando presentes os requisitos do artigo 312 do Código de Processo Penal no caso concreto. Precedentes.

6. O levantamento do local dos fatos, diligência que em nada se confunde com a reconstituição do delito, independe de prévia intimação da defesa.

7. Ordem denegada.

(HC n. 107.763-SP, relatora Ministra Jane Silva (Desembargadora convocada do TJ-MG, j. em 28.08.2008).

Habeas corpus. Homicídio qualifi cado tentado. Sentença de pronúncia mantida em sede de recurso em sentido estrito. Trancamento da ação penal. Falta de justa causa. Mera alegação de inocência. Necessidade de exame de provas. Impossibilidade. Ordem denegada.

1. Acolher a tese defensiva de falta de justa causa para a ação penal porque não houve animus necandi, mas, sim, um disparo acidental contra a vítima, demanda minucioso exame do conjunto fático e probatório, inviável, na via exígua do habeas corpus.

2. Na fase de pronúncia serão admitidas todas as acusações que tenham ao menos probabilidade de procedência, a teor do disposto no art. 408 do Código de Processo Penal, não se fazendo necessário um juízo de certeza, mas que o Juiz se convença da existência do crime e de indícios sufi cientes de autoria. Precedentes.

3. Habeas corpus denegado.

(HC n. 80.660-SP, relatora Ministra Laurita Vaz, j. em 1º.09.2009).

Não é demais relembrar que, para a pronúncia, bastam os indícios de

autoria e prova da materialidade. Ao E. Tribunal Popular caberá analisar, em

profundidade, as teses apresentadas pela defesa.

Não se divisa, pois, coação ilegal a ser sanada por esta Corte Superior.

Em face do exposto, conheço em parte da impetração e, na parte conhecida,

denego a ordem.

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HABEAS CORPUS N. 161.215-SP (2010/0018943-2)

Relator: Ministro Haroldo Rodrigues (Desembargador convocado do TJ-CE)

Impetrante: Giuliana Bertoli do Nascimento e outro

Impetrado: Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo

Paciente: Amauri Araujo de Lima

EMENTA

Habeas corpus. Tentativa de homicídio triplamente qualifi cado.

Prisão preventiva. Fundamentos. Garantia da ordem pública. Garantia

da aplicação da lei penal. Possibilidade concreta de fuga. Decisão

devidamente fundamentada.

1. A custódia provisória está razoavelmente justificada na

necessidade de garantia da ordem pública em razão da periculosidade

concreta do paciente, evidenciada pelo modus operandi da conduta

criminosa, consistente na tentativa de homicídio triplamente

qualifi cado, com emprego de veneno e mediante recurso que difi cultou

a defesa das vítimas, bem como o fato de três das vítimas serem

menores e a outra se encontrava grávida de seu próprio fi lho.

2. In casu, a prisão cautelar também foi decretada para assegurar

a aplicação da lei penal, haja vista a prova de que o réu e sua

comparsa, terem a intenção de se evadirem do distrito da culpa, após

o cometimento do crime.

3. Muito embora alegado na impetração que o paciente teria

comparecido a todos os atos do processo, após ser posto em liberdade

em razão da expiração do prazo da prisão temporária, não mais

foi encontrado, conforme se vê das informações obtidas na página

eletrônica do Tribunal de Justiça de São Paulo.

4. Ordem denegada.

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Ministros da Sexta

Turma do Superior Tribunal de Justiça, na conformidade dos votos e das notas

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taquigráfi cas a seguir, por unanimidade, denegar a ordem de habeas corpus, nos

termos do voto do Sr. Ministro Relator.

A Sra. Ministra Maria Th ereza de Assis Moura e os Srs. Ministros Og

Fernandes e Celso Limongi (Desembargador convocado do TJ-SP) votaram

com o Sr. Ministro Relator.

Presidiu o julgamento a Sra. Ministra Maria Th ereza de Assis Moura.

Brasília (DF), 25 de maio de 2010 (data do julgamento).

Ministro Haroldo Rodrigues (Desembargador convocado do TJ-CE),

Relator

DJe 28.06.2010

RELATÓRIO

O Sr. Ministro Haroldo Rodrigues (Desembargador convocado do TJ-

CE): Cuida-se de habeas corpus impetrado em favor de Amauri Araújo de Lima,

apontada como autoridade coatora o Tribunal de Justiça de São Paulo.

Colhe-se dos autos que o paciente foi denunciado como incurso no art.

121, § 2º, I, II e IV, e § 4, por três vezes, c.c. o art. 121, § 2º, I, II e IV, c.c. os arts.

125 e 14, II, todos do Código Penal.

Busca a impetração a revogação da prisão preventiva do paciente, alegando

não estarem presentes os requisitos exigidos para a imposição da custódia

cautelar.

A liminar foi indeferida à fl . 312.

Notifi cados, a Juíza de primeiro grau prestou informações às fl s. 316-317 e

a autoridade coatora às fl s. 327.

O Ministério Público Federal, em parecer da lavra do Subprocurador-

Geral Juarez Tavares, opinou pela concessão da ordem (fl s. 337-343).

É o relatório.

VOTO

O Sr. Ministro Haroldo Rodrigues (Desembargador convocado do TJ-

CE) (Relator): Tenho que a irresignação não merece acolhida.

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RSTJ, a. 22, (219): 641-716, julho/setembro 2010 677

Narra a inicial acusatória:

Consta do incluso inquérito policial que no dia 18 de março de 2009, por volta das 06hs00min, na Rua Bem-te-vi, número 47, Parelheiros, nesta Capital, Amauri Araújo de Lima, qualifi cado e interrogado às fl s. 61-64, juntamente com a menor Ana Carolina Braz da Silva, qualifi cada e interrogada às fl s. 30-32, utilizando-se de emprego de veneno, consistente em “chumbinho” (laudo pericial a ser juntado oportunamente nos autos), tentou matar Ivanete Rodrigues Mendes e seus fi lhos João Vitor Rodrigues, Luana Rodrigues Nazário e Manuela Rodrigues Nazário, somente não consumando o delito por circunstâncias alheias à sua vontade, pois as crianças foram socorridas no Hospital Estadual do Grajaú onde foram medicadas (fl s. 5-7), sendo que a ofendida Ivanete, por falta de tempo e oportunidade, não comeu o bolo que continha a substância venenosa.

Segundo se apurou, a menor e o denunciado tinham um relacionamento amoroso, e em virtude de a vítima estar grávida de Amauri, resolveram matá-la, pretendendo realizar também o aborto do nascituro. O casal idealizou o delito, sendo que a menor Ana Carolina incumbiu-se de comprar um pedaço de bolo e um veneno, consistente no “chumbinho”, providenciando ainda a inclusão do referido veneno no alimento. Além disso, redigiu um bilhete de cunho amoroso para enganar a vítima e o colocou junto ao doce. Juntos, se dirigiram a casa de Ivanete, onde lá o denunciado cortou a cerca lateral da residência e adentrou no quintal, momento em que colocou o bolo envenenado na janela da casa e, em seguida, emitiu ruídos com a intenção de chamar a atenção da vítima para fora.

Os ofendidos menores de quatorze anos, fi lhos de Ivanete, passaram então a comer o bolo, sendo assim expostos diretamente a substância venenosa.

O crime foi praticado por motivo torpe, em virtude do denunciado não desejar o fi lho que a vítima esperava, bem como desejava a desestruturação e destruição da família devido ao novo relacionamento com a menor. Além disso, o denunciado utilizou-se de veneno, consistente em “chumbinho”. Consta ainda que o crime foi praticado mediante recurso que difi cultou a defesa das vítimas, haja vista a surpresa da agressão. (fl s. 18-19)

O Tribunal de origem, ao dar provimento ao recuso em sentido estrito

interposto pelo Parquet estadual, assim consignou:

Sustenta o recorrente que no momento do oferecimento da denúncia foi requerida a decretação da prisão preventiva do réu, como garantia da ordem pública e para a efetiva aplicação da lei penal, restando o pleito desacolhido. Aduz, contudo, que o fumus boni iuris e o periculum in mora mostram-se evidenciados, mormente porque a prova colhida atestou que o réu e a comparsa menor pretendiam, após a prática do crime, fugir do distrito da culpa, fi xando residência no estado do Pará, circunstância, inclusive, reconhecida quando da

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decretação de sua prisão temporária. Diz, no mais, que a prisão do recorrido se mostra ainda necessária porque ele, portador de distúrbios mentais, carente, portanto, de mecanismos frenadores morais inibitórios, é propenso à prática de crimes violentos, razão pela qual poderá intimidar as vítimas, ou mesmo consumar os crimes pretendidos. Afi rma ainda que as particularidades do caso causaram comoção de grande monta à comunidade, motivo pelo qual o próprio réu declarou temer por sua integridade física, sendo, bem por isso, imprevisíveis os desdobramentos fáticos na hipótese, caso permaneça em liberdade. Pondera, ao fi m, que há prova da materialidade e estão presentes indícios sufi cientes de autoria. Busca a reforma da decisão, para que seja decretada a prisão preventiva do acusado. Processado o recurso e mantida a decisão, subiram os autos. Parecer da d. Procuradoria Geral de Justiça pelo provimento.

É o relatório.

O recorrido foi denunciado por quatro homicídios triplamente qualifi cados tentados e por provocação de aborto, sem o consentimento da gestante, também em sua forma tentada.

Isso porque no dia 18 de março de 2009, por volta das 06 horas, na Rua Bem-te-vi, n. 47, nesta Capital, Amauri, juntamente com a menor Ana Carolina Braz da Silva, utilizando-se de veneno (“chumbinho”), tentou matar Ivanete Rodrigues Mendes e seus fi lhos João Vítor Rodrigues, Luana Rodrigues Nazário e Manuela Rodrigues Nazário, somente não consumando o delito por circunstâncias alheias à sua vontade, pois as crianças foram prontamente socorridas e medicadas, ao passo que Ivanete, por falta de tempo e oportunidade, não comeu o bolo previamente envenenado.

Segundo se apurou, a menor e o indiciado travavam relacionamento amoroso e em virtude de Ivanete encontrar-se grávida de Amauri, resolveram matá-la, pretendendo realizar também o aborto do nascituro. A menor, então, incumbiu-se de comprar um pedaço de bolo e veneno, incluindo este naquele. Além disso, redigiu um bilhete de cunho amoroso para enganar a vítima e o colocou junto ao doce. Juntos, se dirigiram para a casa da ofendida, onde lá o denunciado cortou a cerca lateral e ingressou no quintal, momento em que colocou o bolo envenenado na janela da casa, e em seguida, passou a emitir ruídos com a intenção de chamar a atenção da vítima para fora.

A peça ainda diz que os ofendidos menores de quatorze anos, fi lhos de Ivanete, passaram então a comer o bolo, razão pela qual foram expostos diretamente à substância venenosa.

Em arremate, a peça ainda diz que o crime foi praticado por motivo torpe, em virtude do denunciado não desejar o filho que Ivanete esperava, bem como intencionava a desestruturação e a destruição da família devido ao novo relacionamento com a menor. Além disso, Amauri valeu-se de veneno e de recurso que difi cultou a defesa dos ofendidos, considerada a surpresa das agressões.

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RSTJ, a. 22, (219): 641-716, julho/setembro 2010 679

No curso das investigações, foi decretada a prisão temporária de Amauri. Quando do oferecimento da denúncia, o Ministério Público pugnou pela decretação da prisão preventiva.

A decisão atacada rejeitou o pleito, não vislumbrando motivos para a decretação da prisão.

O pedido está fundado, em essência, na garantia da ordem pública, na conveniência da instrução e na garantia da futura aplicação da lei penal.

A conveniência da instrução criminal evidencia a necessidade da coleta de provas não ser perturbada, impedindo a busca da verdade real.

Haveria prejuízo, no caso, se o acusado estivesse, de fato, ameaçando as vítimas ou as testemunhas, com o fi to de impedir a apuração da verdade real.

Contudo, não há indícios nesse sentido. Frise-se que a ofendida Ivonete e as testemunhas, conforme permite afi rmar a instrução do recurso, ao prestarem declarações na fase policial, não teceram qualquer espécie de afirmação no sentido de estarem suportando perseguições ou ameaças, de modo que não há como se afi rmar que a coleta das provas esteja sendo, de algum modo, perturbada ou mesmo obstada.

Assim, sob a ótica da conveniência da instrução, não há como se sustentar, mesmo, o decreto da custódia preventiva.

O mesmo, contudo, não pode ser afi rmado no tocante à garantia da ordem pública, que foi mesmo violada.

É perfeitamente razoável a decretação da custódia perseguida para garantia e preservação da ordem pública, com a anotação de que a primariedade e os bons antecedentes não tornam o réu menos perigoso, considerada a ação em concreto. E nem o fato de possuir ocupação lícita e ter residência fi xa na Comarca (quanto a esse ponto, não se olvide que o réu não possui vínculo algum com o distrito da culpa, posto que solteiro, exercendo alguns pequenos “bicos”) asseguram a aplicação da lei penal, mormente quando evidenciadas, pela prova, a possibilidade de fuga para outro Estado da Federação. Nesse contexto, imperiosa a decretação da custódia, porque clara a necessidade da preservação da ordem pública, arranhada pela ação examinada. A ordem pública é ofendida quando a conduta do agente provoca algum impacto na sociedade, lesando valores signifi cativamente importantes. E, no caso, a ofensa é quase palpável: Amauri, em tese, previamente associado a uma comparsa menor, mediante o emprego de veneno, tentou cometer quatro homicídios, por motivo torpe, mediante, ainda, o emprego de recurso que difi cultou a defesa dos ofendidos, dentre os quais crianças de tenra idade, assim como aborto, sem o consentimento da gestante, o que atenta sim, contra a ordem geral, trazendo a sensação de insegurança, impunidade e clamor a cidadãos de bem. Não se perca de vista, quanto a esse propósito, que os fatos, inclusive, tiveram repercussão na mídia, e causaram severo clamor e comoção sociais.

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É o que basta para a reforma da decisão, respeitado o entendimento da Ilustre Magistrada.

Pelo meu voto, pois, dou provimento ao recurso para decretar a prisão preventiva de Amauri Araújo de Lima, fi lho de Amarildo de Lima e de Ednéia Nunes Araújo, portador do RG n. 40.011.435-5, expedindo-se mandado de prisão. (fl s. 300-305).

Como visto, a custódia provisória está razoavelmente justificada na

necessidade de garantia da ordem pública em razão da periculosidade concreta

do paciente, evidenciada pelo modus operandi da conduta criminosa, consistente

na tentativa de homicídio triplamente qualifi cado, com emprego de veneno e

mediante recurso que difi cultou a defesa das vítimas, bem como o fato de três

das vítimas serem menores e a outra se encontrava grávida de seu próprio fi lho.

In casu, a prisão cautelar também foi decretada para assegurar a aplicação

da lei penal, haja vista a prova de que o réu e sua comparsa terem a intenção de

se evadirem do distrito da culpa, após o cometimento do crime.

Muito embora alegado na impetração que o paciente teria comparecido a

todos os atos do processo, após ser posto em liberdade em razão da expiração

do prazo da prisão temporária, não mais foi encontrado, conforme se vê das

informações obtidas na página eletrônica do Tribunal de Justiça de São Paulo,

onde consta como procurado.

É da nossa jurisprudência:

A - Habeas corpus. Homicídio qualificado e estupro. Prisão preventiva. Fundamentação concreta. Garantia da ordem pública e conveniência da instrução criminal.

1. A jurisprudência desta Corte tem proclamado que a prisão cautelar é medida de caráter excepcional, devendo ser imposta apenas quando atendidas, mediante decisão judicial fundamentada (art. 93, IX, da Constituição Federal), as exigências do art. 312 do Código de Processo Penal.

2. Conquanto o clamor público, por si só, não constitua fundamento sufi ciente para a determinação de segregação cautelar, certo é, no caso, que a prisão está devidamente justifi cada na garantia da ordem pública, circunstância evidenciada pelo modus operandi dos delitos.

3. Com efeito, o paciente é acusado de ser o mandante do homicídio cometido contra uma jovem que, na ocasião, foi ainda submetida a violência sexual pelos agentes e teve o corpo jogado às margens de uma rodovia, crimes motivados, segundo a denúncia, pelo fato de a vítima pretender romper o relacionamento amoroso com o réu.

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Jurisprudência da SEXTA TURMA

RSTJ, a. 22, (219): 641-716, julho/setembro 2010 681

4. A prisão está também justifi cada na conveniência da instrução criminal, destacando a Juíza de primeiro grau que os autos do inquérito apontam a existência de manobras do paciente tendentes a tumultuar a instrução, bem como sua infl uência sobre uma das testemunhas principais do processo.

5. Em reforço a tal fundamento, indica a existência de conversa telefônica, interceptada pela polícia, estabelecida entre o irmão do paciente e sua fi lha, revelando a tentativa de se conduzir a produção da prova em juízo.

6. Acentua o verdadeiro clima de temor de pessoas em levar informações sobre os fatos às autoridades locais, circunstância corroborada pelo fato de o paciente possuir arma de fogo e seus seguranças andarem armados.

7. Embora a impetração mencione ter havido apresentação espontânea do paciente, certo é que, após ser posto em liberdade em razão da expiração do prazo da prisão temporária, não mais foi encontrado.

8. Ordem denegada.

(HC n. 136.390-PE, Relator o Ministro Og Fernandes, DJe de 14.12.2009)

B - Processo Penal. Habeas corpus. Homicídio qualifi cado. Ocultação de cadáver. Prisão preventiva (1) Excesso de prazo. Debate na inferior instância. Ausência. Conhecimento. Impossibilidade. (2) Fundamento de cautelaridade. Gravidade concreta. Garantia da ordem pública. Constrangimento. Ausência. (3) Condições pessoais favoráveis. Irrelevância. Existência de outras razões a justifi car a custódia.

1. É inviável o exame de matéria não debatida na inferior instância, sob pena de supressão da instância. In casu, a questão do excesso de prazo não foi agitada no Tribunal a quo, sendo vedado a esta Corte dela cuidar.

2. É entendimento assente neste Superior Tribunal que a gravidade concreta do delito indica a presença de risco para a ordem pública.

3. Condições pessoais favoráveis, por si só, não são suficientes a amparar a concessão da liberdade provisória quando presentes outras razões para a manutenção da prisão preventiva.

4. Ordem denegada.

(HC n. 89.466-SP, Relatora a Ministra Maria Thereza de Assis Moura, DJe de 02.03.2009)

C - Habeas corpus liberatório. Homicídio qualifi cado, por três vezes e tentativa de homicídio qualificado, por três vezes. Prisão em flagrante. Excesso de prazo. Supressão de instância. Liberdade provisória. Afastamento da vedação legal. Presença dos requisitos previstos no art. 312 do CPP. Legalidade. Ordem denegada.

1. A alegação de ocorrência de excesso de prazo na formação da culpa não foi sequer submetida à análise do Tribunal a quo, o que inviabiliza a exame da

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matéria por esta Corte, sob pena de indevida supressão de instância e tumulto processual manifesto.

2. O Pretório Excelso, no julgamento do HC n. 92.924, da relatoria do eminente Ministro Joaquim Barbosa, publicado no informativo n. 493, assentou que, com o advento da Lei n. 11.464/2007, que alterou que a redação do art. 2º, II, da Lei n. 8.072/1990, tornou-se possível a concessão de liberdade provisória aos condenados por crimes hediondos ou equiparados, nas hipóteses em que ausentes os fundamentos necessários para a prisão preventiva.

3. Na presente hipótese, estão presentes os requisitos previstos no art. 312 do CPP, tendo em vista que a segregação do paciente foi mantida em razão da gravidade em concreto do crime praticado (três homicídios e três tentativas de homicídios), o modus operandi, vez que foi premeditado e executado de forma a impedir a defesa das vítimas, além do clamor público causado pelas circunstâncias que envolveram o crime, cometido em uma sociedade que se encontra em pânico, com o crescente nível de criminalidade.

4. A prisão cautelar justificada no resguardo da ordem pública visa, entre outros objetivos, acautelar o meio social, retirando do convívio da comunidade aquele que, diante dos meios de execução utilizados, demonstra ser dotado de periculosidade, gerando uma situação de intranqüilidade no seio da comunidade.

5. Condições subjetivas favoráveis, tais como primariedade, bons antecedentes, residência fi xa e trabalho lícito, por si sós, não obstam a custódia cautelar, quando presentes os seus pressupostos legais.

6. Ordem denegada, em conformidade com o parecer ministerial.

(HC n. 96.126-DF, Relator o Ministro Napoleão Nunes Maia Filho, DJe de 28.04.2008)

D - Habeas corpus. Homicídio qualifi cado. Prisão preventiva. Fundamentos. Garantia da ordem pública. Garantia da aplicação da lei penal. Possibilidade concreta de fuga. Decisão devidamente fundamentada.

1. A despeito de o Magistrado monocrático ter fundamentado a prisão preventiva, precipuamente, no clamor social causado pelo crime, o que, por certo, não a justifi caria, a necessidade da custódia cautelar restou demonstrada com base em elementos concretos, como forma de assegurar a aplicação de lei penal, de garantir a ordem pública, e para a conveniência da instrução criminal.

2. A necessidade da segregação do acusado foi demonstrada na periculosidade do agente, em face da natureza dos homicídios perpetrados e, em razão da possibilidade concreta de fuga do ora Paciente. Precedentes desta Corte Superior.

3. Ordem denegada.

(HC n. 90.110-MS, Relatora a Ministra Laurita Vaz, DJU de 17.12.2007)

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Diante do exposto, em que pese o parecer ministerial em sentido contrário,

denego a ordem.

É como voto.

HABEAS CORPUS N. 164.056-SP (2010/0037475-3)

Relatora: Ministra Maria Th ereza de Assis Moura

Impetrante: Alexandre Orsi Netto - Defensor Público

Impetrado: Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo

Paciente: Valdecir Moraes Machado

EMENTA

Execução penal. Habeas corpus. 1. Matéria não analisada pelo

tribunal de origem. Supressão de instância. Não conhecimento da

presente impetração. Flagrante ilegalidade existente. Conhecimento.

Possibilidade. 2. Pena privativa de liberdade em regime aberto.

Cumulação com prestação de serviços à comunidade. Fixação como

condição especial. Impossibilidade. 3. Dupla apenação. Ausência de

previsão legal. Bis in idem. Constrangimento ilegal. Ocorrência. 4.

Habeas corpus não conhecido. Ordem concedida de ofício.

1. Embora o colegiado do Tribunal de origem não tenha

examinado a questão objeto desta impetração, tratando os autos de

fl agrante ilegalidade, pode-se apreciar a matéria nesta Corte Superior.

Precedentes.

2. A prestação de serviços à comunidade consiste em uma

pena autônoma e substitutiva, eis que prevista no rol das restritivas

de direitos, não podendo ser fi xada como condição especial para o

cumprimento de pena no regime aberto. In casu, inexiste a previsão

legal para a cumulação da reprimenda restritiva com a privativa de

liberdade.

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3. Extrai-se que a intenção do legislador, ao facultar a estipulação

de condições especiais para o cumprimento do regime aberto, engloba

circunstâncias inerentes ao próprio regime, conquanto diversas das

obrigatórias previstas no art. 115 da LEP, não sendo a especialidade da

condição uma fi xação de outra pena pois, se assim o fosse, consistiria

em pena em dobro para um mesmo ilícito penal, sem a previsão prévia

do legislador ou a imposição na sentença condenatória, incidindo a

hipótese em bis in idem.

4. Habeas corpus não conhecido. Ordem concedida, de ofício, a

fi m de excluir a prestação de serviços à comunidade como condição

especial para o cumprimento de pena no regime aberto.

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos os autos em que são partes as acima indicadas, acordam os Ministros da Sexta Turma do Superior Tribunal de Justiça: “A Turma, por unanimidade, não conheceu do habeas corpus, mas, de ofício expediu a ordem, nos termos do voto da Sra. Ministra Relatora.” Os Srs. Ministros Og Fernandes, Celso Limongi (Desembargador convocado do TJ-SP) e Haroldo Rodrigues (Desembargador convocado do TJ-CE) votaram com a Sra. Ministra Relatora.

Presidiu o julgamento a Sra. Ministra Maria Th ereza de Assis Moura.

Brasília (DF), 10 de junho de 2010 (data do julgamento).

Ministra Maria Th ereza de Assis Moura, Relatora

DJe 1º.07.2010

RELATÓRIO

A Sra. Ministra Maria Th ereza de Assis Moura: Trata-se de habeas corpus,

com pedido liminar, impetrado em favor de Valdecir Moraes Machado, apontando

como autoridade coatora a 13ª Câmara Criminal do Tribunal de Justiça do

Estado de São Paulo (HC n. 990.09.189897-0).

Consta dos autos que o Juízo da execução deferiu ao paciente a progressão

ao regime aberto impondo, como condição especial para o cumprimento da

pena no regime mais brando, a prestação de serviços à comunidade.

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Visando à anulação da condição especial imposta pelo Juízo monocrático,

a defesa impetrou prévio writ, cuja ordem não foi conhecida pelo Colegiado

Estadual nestes termos (fl s. 11-12):

Não se conhece da impetração.

Com efeito. Da decisão que estabeleceu como condição especial do regime aberto, a prestação de serviços à comunidade, cabia recurso de agravo, nos termos do artigo 197 da LEP.

Ocorre que, ao que tudo indica, ao paciente não agravou da referida decisão, cuja circunstância tolhe o conhecimento do presente writ, que não é sucedâneo de recurso ordinário.

A respeito: “O habeas corpus não pode ser usado como substituto do recurso ordinário. Caso contrário, ele seria transformado em um super-recurso, sem prazo certo para a sua interposição, tirando a segurança das decisões judiciais passadas em julgado, já que poderiam ser, a qualquer tempo, modifi cadas pelo remédio heroico” (TACR1M - HC n. 201.602/3 - Rei. Hélio de Freitas - 20.12.1990 -RJDTACRIM 12/167)

Ademais, como bem observou a douta Procuradoria Geral de Justiça, em judicioso parecer, “o intuito do mandamus não é - e nem nunca foi - garantir ou restabelecer o jus libertatis do paciente, até porque, não é demais repetir, ele não está ilegalmente preso, e nem correndo o risco de sofrer prisão abusiva; o escopo do presente habeas corpus, na realidade, é questionar a correção (ou incorreção) de r. decisão (devidamente motivada) proferida (por Magistrado competente) em incidente de execução, como se para tanto não houvesse recurso adequado, em cujo processamento, é bom que se diga, seria devidamente respeitado o contraditório - assegurando-se vez e voz ao Ministério Público de primeiro grau -, ao contrário do que ocorre nos restritíssimos parâmetros de congnoscibilidade da via eleita” (fl . 22).

Por essas razões, não se conhece da impetração.

Daí o presente mandamus, no qual o impetrante alega que “a pena restritiva

de direitos, de que é espécie a prestação de serviços à comunidade, é pena

autônoma em relação à pena privativa de liberdade e não perde esta característica

apenas pela tinta da caneta do magistrado que entende possível transformá-la

em ‘mera’ condição de cumprimento de pena do regime aberto” (fl . 5).

Aduz que o art. 115 da LEP autoriza o magistrado a prescrever condições

especiais, além das ali elencadas. Todavia, “referido dispositivo não pode ser

interpretado isoladamente, devendo o hermeneuta analisá-lo combinadamente

com a legislação penal, notadamente o artigo 44 do Código Penal” (fl s. 4-5).

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Sustenta que viola o princípio do ne bis in idem a imposição, para o

cumprimento da pena em regime aberto, a aplicação, ao mesmo fato punitivo, de

mais de uma pena não prevista em seu preceito secundário.

Assere que, conquanto o mérito do prévio mandamus não tenha sido

conhecido, não há supressão de instância nesta Corte Superior visto que ocorreu

a devida impetração perante a autoridade coatora.

Requer, liminarmente, a suspensão da condição especial de prestação de

serviços à comunidade durante o cumprimento da pena em regime aberto até o

julgamento do presente writ. No mérito, pretende seja a mencionada condição

anulada.

Proferi despacho postergando a análise do pedido liminar (fl s. 16-17)

e solicitando informações ao Juízo de primeiro grau, trazidas às fl s. 29-31 e

34-41. Foi noticiado que o paciente foi condenado, em 17.10.2005, pela 1ª

Vara Criminal da Comarca de Sorocaba-SP, à pena de 1 (um) ano de reclusão,

no regime inicial aberto, mais 5 (cinco) dias-multa, tendo sido a reprimenda

substituída por restritiva de direitos, consistente em prestação de serviços à

comunidade. Por decisão data de 06.11.2008, ante a não localização do ora

paciente, a pena foi convertida em privativa de liberdade (fl . 35). Em 17.07.2009,

o Juízo das execuções fi xou a condição especial ao regime aberto nestes termos

(fl . 36):

Diante do que consta na certidão supra, designo audiência de advertência no regime aberto para hoje.

Fixo, ainda, à luz do disposto no artigo 115 da LEP, como condição especial do regime aberto, a prestação de serviços à comunidade pelo prazo de 06 meses, devendo prestar 08 (oito) horas semanais.

Expeça-se ofício de recâmbio em seu favor e ofício de encaminhamento Central de Penas e Medidas Alternativas.

Com vista dos autos, o Ministério Público Federal opinou, em parecer

da lavra da Subprocuradora-Geral Maria das Mercês (fl s. 42-48), pelo não

conhecimento do mandamus, “concedendo-se habeas corpus, de ofício, para que

os presentes autos sejam encaminhados ao Tribunal a quo, a fi m de que analise o

pleito de afastamento da imposição de prestação de serviços comunitários como

condição para Valdecir Moraes Machado cumprir pena em regime aberto”.

É o relatório.

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VOTO

A Sra. Ministra Maria Th ereza de Assis Moura (Relatora): O objeto da

presente impetração abarca a exclusão da condição especial referente à prestação

de serviços à comunidade imposta concomitante ao cumprimento da pena em

regime aberto.

Vê-se que a Corte Estadual não analisou a tese no prévio writ, conquanto

tenha sido regularmente aventada pela defesa.

A jurisprudência desta Corte tem considerado não ser possível o

conhecimento de habeas corpus quando não apreciada a questão pelo Tribunal a

quo, sob pena de indevida supressão de instância.

Entretanto, excepciona-se o dito entendimento quando caracterizado o

manifesto constrangimento ilegal.

Com efeito, por força do § 2º do artigo 654 do Código de Processo Penal,

constitui-se um dever do juiz ou tribunal conceder de ofício ordem de habeas

corpus quando verifi carem que alguém está sofrendo uma coação ilegal em sua

liberdade de locomoção.

Vejam-se, a respeito, os seguintes arestos:

Habeas corpus. Penal. Processo de execução. Crimes hediondos. Progressão de regime. Possibilidade. Lei n. 11.464/2007. Lapsos temporais mais gravosos. Novatio legis in pejus. Irretroatividade. Matéria não apreciada pelo Tribunal de origem. Supressão de instância. Ordem concedida de ofício.

1. Esta Corte já havia firmado entendimento no sentido de considerar inconstitucional a vedação ao cumprimento progressivo da pena aos condenados pela prática de crimes hediondos, nos termos do posicionamento adotado pelo Plenário do Supremo Tribunal Federal no julgamento do HC n. 82.959-SP.

2. A Lei n. 11.464/2007, apesar de banir expressamente aludida vedação, estabeleceu lapsos temporais mais gravosos para os condenados pela prática de crimes hediondos alcançarem a progressão de regime prisional, constituindo-se, neste ponto, verdadeira novatio legis in pejus, cuja retroatividade é vedada pelos artigos 5º, XL, da Constituição Federal e 2º do Código Penal, aplicáveis, portanto, apenas aos crimes praticados após a vigência da novel legislação, ou seja, 29 de março de 2007.

3. Não tendo a ordem sido conhecida na origem, inviável o conhecimento da impetração.

4. Ordem concedida, de ofício, para afastar a incidência dos lapsos temporais previstos na Lei n. 11.464/2007, para que o juízo das execuções criminais analise

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os requisitos objetivos e subjetivos do paciente para a obtenção da progressão de regime de acordo com o regramento do art. 112 da Lei de Execuções Penais. (HC n. 94.640-SP, de minha relatoria, DJ 14.11.2007)

Estatuto da Criança e do Adolescente - ECA. Habeas corpus. Ato infracional equiparado ao crime de tráfi co ilícito de entorpecentes. Aplicação da medida socioeducativa de internação por prazo indeterminado fundamentada na gravidade genérica do ato infracional. Questão não analisada pelo Tribunal a quo. Writ não conhecido na origem. Supressão de instância. Impossibilidade de apreciação da matéria. Ordem não conhecida. Constrangimento ilegal confi gurado. Princípio da excepcionalidade. Arts. 227, § 3º, V, da CF e 122, § 2º, do ECA. Habeas corpus concedido de ofício.

1. As questões expendidas em favor do menor não podem ser analisadas por esta Corte, uma vez que os argumentos aduzidos pela impetrante não foram objeto de debate e decisão pelo Tribunal a quo, sob pena de indevida supressão de instância.

2. O Superior Tribunal de Justiça já consolidou o entendimento no sentido de que a existência de recurso próprio ou de ação adequada à análise do pedido não obsta a apreciação das questões na via do habeas corpus, tendo em vista sua celeridade e a possibilidade de reconhecimento de fl agrante ilegalidade no ato recorrido, sempre que se achar em jogo a liberdade do réu. Precedentes.

3. Tratando-se de menor inimputável, não existe pretensão punitiva estatal propriamente, mas apenas pretensão educativa, que, na verdade, é dever não só do Estado, mas da família, da comunidade e da sociedade em geral, conforme disposto expressamente na legislação de regência (Lei n. 8.069/1990, art. 4º) e na Constituição Federal (art. 227).

4. De fato, é nesse contexto que se deve enxergar o efeito primordial das medidas socioeducativas, mesmo que apresentem, eventualmente, características expiatórias (efeito secundário), pois o indiscutível e indispensável caráter pedagógico é que justifi ca a aplicação das aludidas medidas, da forma como previstas na legislação especial (Lei n. 8.069/1990, arts. 112 a 125), que se destinam essencialmente à formação e reeducação do adolescente infrator, também considerado como pessoa em desenvolvimento (Lei n. 8.069/1990, art. 6º), sujeito à proteção integral (Lei n. 8.069/1990, art. 1º), por critério simplesmente etário (Lei n. 8.069/1990, art. 2º, caput).

5. Nos termos da legislação de regência, a medida de internação só poderá ser aplicada quando se tratar de ato infracional cometido mediante grave ameaça ou violência a pessoa, por reiteração no cometimento de outras infrações graves ou por descumprimento reiterado e injustifi cável de medida anteriormente imposta.

6. Na esteira da jurisprudência deste Superior Tribunal, “somente ocorre reiteração de conduta infracional pelo menor, quando, no mínimo, são praticadas três ou mais condutas infracionais” (HC n. 39.458-SP, Rel. Min. Laurita Vaz, Quinta Turma, DJ de 09.05.2005).

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RSTJ, a. 22, (219): 641-716, julho/setembro 2010 689

7. Ordem não conhecida. Habeas corpus concedido, de ofício, para anular a sentença, no tocante à medida imposta, para que outra mais branda seja aplicada ao menor.

(HC n. 91.192-SP, Rel. Ministro Arnaldo Esteves Lima, Quinta Turma, julgado em 18.12.2007, DJe 10.03.2008)

Habeas corpus substitutivo de recurso ordinário. Estatuto da Criança e do Adolescente. Ato infracional equiparado a tráfico de entorpecentes. Medida de internação. Excepcionalidade da medida extrema. Supressão de instância. Flagrante ilegalidade. Writ concedido de ofício.

I - Tendo em vista que a tese suscitada não foi analisada pela e. Tribunal a quo, fi ca esta Corte impedida de examiná-la, sob pena de supressão de instância (Precedentes).

II - A medida sócio-educativa de internação está autorizada nas hipóteses taxativamente previstas no art. 122 do ECA. (Precedentes).

III - A gravidade do ato infracional equivalente ao delito de tráfico de entorpecentes não enseja, por si só, a aplicação da medida sócio-educativa de internação, se a infração não foi praticada mediante grave ameaça ou violência à pessoa, ex vi do art. 122, inciso I, do ECA. (Precedentes).

Writ não conhecido.

Habeas corpus concedido de ofício.

(HC n. 80.733-SP, Rel. Ministro Felix Fischer, Quinta Turma, julgado em 14.06.2007, DJ 03.09.2007, p. 210)

Assim, analisa-se neste Superior Tribunal a supracitada tese.

Verifi ca-se que o estabelecimento de condições especiais, pelo Juízo das

execuções, para o cumprimento da reprimenda no regime aberto é possível,

conforme previsto na Lei de Execuções Penais, em seu artigo 115, in verbis:

Art. 115. O juiz poderá estabelecer condições especiais para a concessão de regime aberto, sem prejuízo das seguintes condições gerais e obrigatórias:

I - permanecer no local que for designado, durante o repouso e nos dias de folga;

II - sair para o trabalho e retornar, nos horários fi xados;

III - não se ausentar da cidade onde reside, sem autorização judicial;

IV - comparecer a juízo, para informar e justifi car as suas atividades, quando for determinado.

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Confi ra-se, ainda, menção às dadas condições no artigo 119 do mesmo

dispositivo legal:

Art. 119. A legislação local poderá estabelecer normas complementares para o cumprimento da pena privativa de liberdade em regime aberto (art. 36, § 1º, do Código Penal).

É de ver que em nenhum momento se prescreveu como uma das condições

especiais a serem fi xadas conjuntamente ao regime aberto outra pena.

No caso em apreço, determinou-se a prestação de serviços à comunidade

como condição. Contudo, a referida prestação fi gura como pena restritiva de

direitos (art. 43, IV, do Código Penal), que, de acordo com o artigo 44, caput, do

Código Penal, possui caráter autônomo e substitutivo.

Assim, as penas restritivas de direitos aplicam-se alternativamente às

privativas de liberdade, não podendo ser cumuladas com essas, a menos que haja

expressa previsão legal. Porém, é possível a aplicação concomitante de uma pena

restritiva com outra igualmente destinada à restrição de direitos, em virtude

do quantum da reprimenda privativa de liberdade, verbi gratia, ou em face de

delitos diferentes.

Nesse âmbito, extrai-se que a intenção do legislador, ao facultar a

estipulação de condições especiais para o cumprimento do regime aberto,

engloba circunstâncias inerentes ao próprio regime, conquanto diversas das

obrigatórias previstas - art. 115, I, II, III, IV, da LEP. A especialidade da

condição não há por ser, de fato, a fi xação de outra pena. Se assim o fosse,

consistiria em pena em dobro para um mesmo ilícito penal, sem a previsão

prévia do legislador ou a imposição na sentença condenatória, incidindo a

hipótese em bis in idem.

Sobre o tema, veja-se o entendimento desta Corte Superior:

Penal. Execução. Regime aberto. Prestação de serviços à comunidade como sua condição. Impossibilidade. Cumprimento das regras do regime aberto com as penas substitutivas. Impossibilidade. Cumulação indevida.

1. O art. 44 do Código Penal é claro ao afi rmar a natureza autônoma das penas restritivas de direitos que, por sua vez, visam substituir a sanção corporal imposta àqueles condenados por infrações penais mais leves.

2. Diante do caráter substitutivo das sanções restritivas, vedada está sua cumulatividade com a pena privativa de liberdade, salvo expressa previsão legal, o que não é o caso dos autos.

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Jurisprudência da SEXTA TURMA

RSTJ, a. 22, (219): 641-716, julho/setembro 2010 691

3. Ordem concedida para excluir a prestação de serviços à comunidade como condição especial para o cumprimento do regime aberto.

(HC n. 138.122-SP, Rel. Ministro Og Fernandes, Sexta Turma, julgado em 11.12.2009, DJe 1º.02.2010)

Execução penal. Habeas corpus. Penas restritivas de direitos. Não-localização do réu. Conversão em pena privativa de liberdade. Art. 44 do CP. Penas alternativas impostas como condições especiais ao cumprimento do regime aberto. Não-cabimento. Ordem concedida.

1. As penas restritivas de direitos, previstas expressamente no art. 43 do Código Penal, caracterizam-se por ser alternativas à privação da liberdade, tendo por objetivo evitar o encarceramento de sentenciados por infrações penais mais leves, promovendo-lhes a recuperação por meio da restrição a certos direitos.

2. O art. 44, caput, do CP estipula a natureza substitutiva e autônoma das penas restritivas de direitos.

3. Diante do caráter substitutivo e da ausência de expressa previsão legal, não podem as penas restritivas de direitos coexistir com as privativas de liberdade.

4. Havendo a conversão da pena restritiva de direito imposta na sentença condenatória em privativa de liberdade, inviável a preservação da pena alternativa, agora, como condição especial ao cumprimento da sanção mais gravosa.

5. Ordem concedida para restabelecer a decisão do Juízo da Vara de Execuções Criminais.

(HC n. 118.010-SP, Rel. Ministro Arnaldo Esteves Lima, Quinta Turma, julgado em 24.03.2009, DJe 13.04.2009)

Ante o exposto, não conheço do presente writ. Contudo, concedo, de ofício,

a ordem a fi m de excluir a prestação de serviços à comunidade como condição

especial para o cumprimento de pena no regime aberto.

É como voto.

MEDIDA CAUTELAR N. 16.618-RJ (2010/0038795-7)

Relator: Ministro Og Fernandes

Requerente: Florêncio Jara Casco

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Advogado: André José Kozlowski e outro(s)

Requerido: Instituto Nacional do Seguro Social - INSS

EMENTA

Medida cautelar. Efeito suspensivo a recurso especial já admitido

pela instância de origem. Possibilidade. Precedentes. Sentença. Parte

dispositiva. Coisa julgada.

1. Registre-se, inicialmente, que o recurso especial interposto

pelo requerente já foi admitido pelo Tribunal de origem, circunstância

que, de acordo com reiterada jurisprudência desta Corte Superior

de Justiça, admite a concessão excepcional de efeito suspensivo ao

aludido apelo, desde que presentes os requisitos do fumus boni juris e

do periculum in mora.

2. No caso em debate, de acordo com as alegações fornecidas pelo

interessado, conquanto o Juízo de primeiro grau tenha proclamado, nos

fundamentos da sentença, ser “(...) evidente que, se o autor contribuía

sobre base maior de salários mínimos - conforme comprovou com

documentos -, o valor de seu benefício não poderia resultar em valor

inferior àquela base, fato gerador de enriquecimento ilícito para a

autarquia em detrimento do direito do segurado”, deixou assentado,

na parte dispositiva do aludido decisum, que: “(...) na elaboração dos

cálculos do benefício devido ao requerente, fosse aplicada a orientação

contida na Súmula n. 260 do extinto Tribunal Federal de Recursos”.

3. Em sendo assim, cumpre anotar que a jurisprudência desta

Corte já salientou que somente a parte dispositiva da sentença faz

coisa julgada, mesmo que os fundamentos lançados no decisório se

demonstrem imprescindíveis. Nesse sentido: Agravo Regimental no

Recurso Especial n. 439.332-PR, Relatora Ministra Maria Th ereza

de Assis Moura, DJe 18.05.2009 e Recurso Especial n. 968.384-RJ,

Relator Ministro Castro Meira, DJe 27.02.2009.

4. Por outro lado, é de se registrar que a solução declinada

pela parte dispositiva do julgado se encontra em harmonia com

o posicionamento já assentado por esta Corte, conforme se extrai

dos arestos proferidos nos Embargos de Divergência no Recurso

Especial n. 261.109-RJ, Relator Ministro José Arnaldo da Fonseca, DJU

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RSTJ, a. 22, (219): 641-716, julho/setembro 2010 693

24.10.2005 e no Recurso Especial n. 250.838-RJ, Relator Ministro

Gilson Dipp, DJ 27.08.2001.

5. A par dessas anotações, tem-se por ausentes os requisitos

indispensáveis à concessão do provimento requestado na inicial.

6. Medida cautelar improcedente.

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos os autos em que são partes as acima indicadas, acordam os Ministros da Sexta Turma do Superior Tribunal de Justiça, por unanimidade, julgar improcedente a cautelar, nos termos do voto do Sr. Ministro Relator. Os Srs. Ministros Celso Limongi (Desembargador convocado do TJ-SP), Haroldo Rodrigues (Desembargador convocado do TJ-CE) e Maria Th ereza de Assis Moura votaram com o Sr. Ministro Relator.

Presidiu o julgamento a Sra. Ministra Maria Th ereza de Assis Moura.

Brasília (DF), 25 de maio de 2010 (data do julgamento).

Ministro Og Fernandes, Relator

DJe 21.06.2010

RELATÓRIO

O Sr. Ministro Og Fernandes: Trata-se de medida cautelar incidental, com pedido liminar, proposta por Florêncio Jara Casco contra o Instituto

Nacional do Seguro Social - INSS, objetivando o restabelecimento do valor de sua aposentadoria, fi xado, inicialmente, em R$ 3.555,62 (três mil, quinhentos e cinquenta e cinco reais e sessenta e dois centavos), o qual foi reduzido pela entidade previdenciária para R$ 1.229,63 (um mil, duzentos e vinte e nove reais e sessenta e três centavos), por força de decisão proferida pelo Tribunal Regional Federal - 2ª Região.

Aduz o requerente haver ajuizado, há mais de dezoito anos, ação de revisão de benefício (rito sumário), a qual foi julgada procedente, com fundamento na redação original do art. 202 da Constituição Federal: “(...) de sorte a lhe assegurar que sua respectiva aposentadoria fosse equivalente è média dos trinta e seis últimos salários de contribuição, além de reajustá-la na forma da Súmula n. 260 do antigo Tribunal Federal de Recursos”.

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Após o trânsito em julgado da decisão proferida na ação revisional, seguiu-

se a implantação defi nitiva do benefício em 1998, com valores equivalentes a

vinte salários mínimos.

Informa, ainda, que, no ano de 2000, iniciou-se execução por quantia

certa, para que as parcelas vencidas fossem pagas. Citado o INSS, “(...) foram

oferecidos embargos à execução, divergindo dos cálculos do Contador do Juízo,

instruído com acórdão lavrado pelo eg. Tribunal Regional Federal, em processo

de outro segurado”.

Sublinha, outrossim, que:

A sentença proferida em execução acolheu os embargos e julgou inexequível a sentença do processo de conhecimento ao equivocado fundamento de ter sido extra petita, além de entender não ser possível nem a aplicação da primitiva redação do art. 202 da Constituição e nem os critérios da Súmula n. 260 do antigo Tribunal Federal de Recursos. Assim foi feita a rescisão da sentença proferida por juiz de primeiro grau por outro juiz de primeiro grau.

Salienta que, em sede de apelação, a sentença exequenda foi mantida, sendo anulada, apenas, a sua parte dispositiva. Informa haver interposto recurso especial, o qual já se encontra admitido pela Corte de origem.

Do ponto de vista do requerente, o fumus boni iuris está bem caracterizado, acentuando que, no caso dos autos, tem-se a “(...) desconstituição da coisa julgada sem o manejo de ação rescisória”. E que, ademais: “O v. acórdão recorrido, originário do eg. Tribunal Regional Federal da 2.ª Região, em execução de sentença, anula a própria sentença exequenda e substitui sua parte dispositiva por outra que entende mais adequada”.

No que se prende ao periculum in mora, afi rma que a redução dos proventos: “(...) torna difi cílima a manutenção da sua subsistência e de sua esposa, idosos e portadores de doenças crônicas, que exigem permanente cuidados médicos e medicamentos de elevado valor”.

Em juízo liminar, pede o restabelecimento do benefício de aposentadoria, consoante os valores pagos inicialmente, sem a redução aplicada pela entidade previdenciária, até o julgamento fi nal da demanda principal.

Com a inicial, vieram os documentos que se encontram acostados às fl s. 4-369.

Regularmente citada, a entidade previdenciária ofereceu contestação às fl s.

382-397, pugnando pela extinção do processo sem resolução de mérito.

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RSTJ, a. 22, (219): 641-716, julho/setembro 2010 695

A liminar foi indeferida, conforme decisão exarada às fl s. 399-403.

O parecer do Ministério Público Federal, subscrito pela Subprocuradora-

Geral da República Maria Caetana Cintra Santos, é pela improcedência da

presente medida cautelar.

É o relatório.

VOTO

O Sr. Ministro Og Fernandes (Relator): Sra. Presidente, considerando a

inexistência de qualquer alteração no quadro fático e jurídico relativo à presente

cautelar, peço vênia para reproduzir os fundamentos que fi z constar da decisão

em que examinei o pleito liminar, como razões de decidir a presente medida

cautelar, nos seguintes termos:

Observa-se, a partir da leitura da sentença de conhecimento, que, não obstante o Juízo ter determinado, em sua parte dispositiva, que, na elaboração dos cálculos do benefício devido ao requerente, fosse aplicada a orientação contida na Súmula n. 260 do extinto Tribunal Federal de Recursos, a fundamentação daquele decisum foi precisa, ao estabelecer que:

Também o art. 202 da Constituição posta em vigência aos 05.10.1988 é claro sobre o critério correto de efetuar-se o cálculo: a média dos trinta e seis últimos salários de contribuição, corrigidos monetariamente, mês a mês, de modo a preservar seus valores reais. É evidente que se o autor contribuía sobre base maior de salários mínimos - conforme comprovou com documentos -, o valor de seu benefício não poderia resultar em valor inferior àquela base, fato gerador de enriquecimento ilícito para a autarquia em detrimento do direito do segurado, certo, ademais, que o equivalente ao salário mínimo “é o Piso Nacional de Salários, e não o salário de referência” (III Grupo de Câmaras Cíveis do TJRJ, rel. Des. Rebello de Mendonça, Ementário n. 35, DO de 05.10.1989).

Com efeito, a concessão da tutela cautelar liminar demanda a presença de seus pressupostos autorizadores, quais sejam, o fumus boni iuris, que se confunde com a plausibilidade das alegações deduzidas na cautelar, e o periculum in mora, consubstanciado na possibilidade de vir a ocorrer dano irreparável ou de difícil reparação ao direito invocado.

No caso dos autos, conquanto relevantes os fundamentos apregoados pelo requerente, não se vislumbra, em sede de análise perfunctória, a viabilidade da tese expendida pela inicial, isto é, o necessário fumus boni iuris, notadamente se

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levarmos em consideração os precedentes que se consolidaram no âmbito deste Superior Tribunal de Justiça.

De acordo com as alegações fornecidas pelo interessado, conquanto o Juízo de primeiro grau tenha proclamado, nos fundamentos da sentença, ser “(...) evidente que, se o autor contribuía sobre base maior de salários mínimos - conforme comprovou com documentos -, o valor de seu benefício não poderia resultar em valor inferior àquela base, fato gerador de enriquecimento ilícito para a autarquia em detrimento do direito do segurado”, deixou assentado, na parte dispositiva do aludido decisum, que: “na elaboração dos cálculos do benefício devido ao requerente, fosse aplicada a orientação contida na Súmula n. 260 do extinto Tribunal Federal de Recursos”.

E em sendo assim, cumpre registrar que a jurisprudência desta Corte já salientou que somente a parte dispositiva da sentença faz coisa julgada, mesmo que os fundamentos lançados no decisório se demonstrem imprescindíveis. Nesse sentido, trago os seguintes arestos:

Agravo regimental. Recurso especial. Processo Civil. Execução. Servidores públicos aposentados. Gratifi cação. Incidência sobre o vencimento básico. Obediência ao comando da sentença do processo de conhecimento. Violação à coisa julgada. Não-ocorrência.

1. Apenas a parte dispositiva da sentença faz coisa julgada, e não sua fundamentação (artigo 469, inciso I, do Código de Processo Civil), ainda que determinante e imprescindível para demonstrar-se o conteúdo da parte dispositiva. Precedentes.

2. Agravo regimental improvido.

(AgRg no REsp n. 439.332-PR, Relatora Ministra Maria Thereza de Assis Moura, DJe 18.05.2009)

Processual Civil. Transação. Coisa julgada material. Obiter dictum. 1. O art. 469, I, do CPC é categórico ao preconizar que não fazem coisa julgada “os motivos, ainda que importantes para determinar o alcance da parte dispositiva da sentença”, de forma que apenas o dispositivo é recoberto pela intangibilidade prevista no art. 467 do CPC.

2. Por outro lado, os fundamentos da decisão são assaz relevantes para compreendê-la e permitir a determinação de seus limites objetivos, sendo indispensável que se realize uma interpretação conjugada das razões do julgado e de seu dispositivo.

3. No caso vertente, os motivos sobejaram a expressa decisão contida no dispositivo, e, nesse caso, a ambigüidade há de ser solucionada em favor deste último, o qual deve prevalecer em prejuízo da fundamentação.

4. Argumento de caráter narrativo que não constitui pressuposto lógico para atingir-se o provimento inserto no dispositivo consubstancia-se em verdadeiro obiter dictum, mera ponderação realizada pelo julgador, que não se reveste do manto da coisa julgada.

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RSTJ, a. 22, (219): 641-716, julho/setembro 2010 697

5. Recurso especial provido.

(REsp n. 968.384-RJ, Relator Ministro Castro Meira, DJe 27.02.2009)

Por outro lado, é de se registrar que a solução declinada pela parte dispositiva se encontra em harmonia com os precedentes desta Corte, conforme se extrai dos arestos abaixo mencionados:

Embargos de divergência. Dissídio demonstrado. Súmula n. 260 do extinto TFR. Interpretação. Período de aplicação. Não incide sobre os benefícios concedidos após a Constituição. A Súmula n. 260-TFR somente é aplicada aos benefícios concedidos antes da Constituição de 1988, entretanto, tal Súmula não vincula o valor do benefício ao salário mínimo, ou seja, a Súmula n. 260 não é sinônimo de equivalência salarial. É inaplicável a Súmula n. 260-TFR aos benefícios concedidos após a Constituição de 1988, pois, a partir de então, é de ser obedecido o critério estabelecido na legislação previdenciária vigente. O critério de equivalência ao salário mínimo estampado no artigo 58 do ADCT se aplica somente aos benefícios em manutenção em outubro de 1988, e apenas entre abril de 1989 (04/1989 - sétimo mês a contar da promulgação) e dezembro de 1991 (regulamentação dos planos de custeio e benefícios). Segundo a tese construída pelo Supremo Tribunal Federal, o art. 202, caput da CF, não consubstancia uma norma de eficácia plena e aplicação imediata, condicionada à norma regulamentadora. Embargos recebidos.

(EREsp n. 261.109-RJ, Relator Ministro José Arnaldo da Fonseca, DJU 24.10.2005)

Previdenciário. Benefício. Recálculo da RMI com base no art. 202, caput, da CF/1988. Salário-de-benefício. Limite. Reajustamento. Súmula n. 260-TFR.

I - Aos benefícios concedidos antes da CF/1988 não se aplica o recálculo da RMI com base nos 36 salários-de-contribuição atualizados, vez que não auto-aplicável o caput do art. 202, da CF/1988. Precedente do STF.

II - A Súmula n. 260-TFR não vincula os valores dos benefícios à variação do salário mínimo e aplica-se, em seu sentido próprio, aos benefícios concedidos antes da CF/88, apenas enquanto vigente o sistema de reajustes por faixas salariais da Lei n. 6.708/1979.

III - Recurso conhecido em parte e, nessa, provido.

(REsp n. 250.838-RJ, Relator Ministro Gilson Dipp, DJ 27.08.2001)

A par dessas anotações, entendo que não se encontra demonstrado o requisito do fumus boni iuris, indispensável, frise-se, para o acolhimento da tutela de urgência requestada na exordial.

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Oportuno ressaltar, também, a seguinte passagem do parecer oferecido

pelo Ministério Público Federal:

Quanto à alegação de perigo na demora da prestação jurisdicional, tampouco está demonstrado o efetivo risco, sendo sufi ciente, para o deslinde da controvérsia, que o ente previdenciário cumpra a legislação de regência, aplicando-se, assim, o entendimento já consagrado no Pretório Excelso e no âmbito dessa Corte Especial de Justiça, ou seja: “a) os parâmetros estabelecidos pela Súmula n. 260 do TFR e pelo artigo 202 da CRFB são diversos, não podendo ser cumulados; b) o art. 202 da CRFB não tem efi cácia retroativa e, dessarte, não alcança benefícios previdenciários concedidos anteriormente á vigência da Carta Política; c) o art. 202 não tem aplicabilidade imediata.

Demais disso, é pacífi ca a orientação jurisprudencial dessa Colenda Corte de Justiça no sentido de que o benefício previdenciário concedido antes da vigência da Constituição Federal (05.10.1988) não enseja a revisão da Renda Mensal Inicial nos termos do disposto no artigo 202 da Lei Maior, em sua redação original, porquanto a concessão do benefício previdenciário se consumara em obediência a elenco legislativo vigente à época, materializando-se, portanto, ato jurídico perfeito.

(...)

Evidencia-se, portanto, o descabimento da medida cautelar na situação presente, diante da total ausência dos requisitos autorizadores do provimento excepcional.

Ante o exposto, julgo improcedente a medida cautelar.

Assim é como voto.

RECURSO ESPECIAL N. 1.117.144-RS (2009/0008490-4)

Relator: Ministro Celso Limongi (Desembargador convocado do TJ-SP)

Recorrente: União

Recorrido: Aírton Silveira Soares

Advogado: Sandro da Silva Rodrigues e outro(s)

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RSTJ, a. 22, (219): 641-716, julho/setembro 2010 699

EMENTA

Recurso especial. Processo Civil. Ação ordinária. Sentença que

extingue o feito, sem resolução do mérito, em relação a um dos pedidos.

Art. 267 do CPC. Prosseguimento do processo quanto aos pleitos

remanescentes. Interpretação sistêmica. Natureza interlocutória do

decisum. Interposição de agravo. Art. 522, do CPC. Apelação incabível.

1. O caso vertente merece exame mais acurado, pois, o

pronunciamento do juízo singular se enquadra em um dos incisos dos

arts. 267 ou 269, ambos do CPC, por isso, a priori, uma sentença (Lei

n. 11.232/2005).

2. A construção interpretativa em questão deve considerar o

escopo metodológico das alterações no processo de conhecimento,

por meio da Lei n. 11.232/2005, isto é, simplifi cação do feito e sua

agilização, em síntese, primou-se pelo binômio efetividade e tutela

jurisdicional.

3. Sentença desvela-se como ato do juiz cujas implicações são

previstas nos arts. 267; e 269, ambos do CPC. (Lei n. 11.232/2005).

4. Apelação representa o recurso adequado contra a sentença (art.

513, do CPC); em relação à decisão interlocutória, cabível o agravo, o

qual tem como regra a forma retida (Lei n. 11.187/2005).

5. No caso, trata-se de ação ordinária por meio da qual se almeja,

em síntese: a) reforma das fi leiras do Exército; b) indenização de ajuda

de custo; c) danos morais; e d) isenção de imposto de renda.

6. O cerne da controvérsia circunvolve-se ao estabelecimento

do recurso para impugnar decisum que, ao acolher a prefacial de falta

de interesse de agir, extinguiu o processo, sem resolução de mérito,

exclusivamente quanto a um dos pedidos relativos à pretensão, isto é,

acerca da isenção de imposto de renda, com o prosseguimento do feito

em relação aos demais pleitos (art. 267, inciso VI, do CPC).

7. Sobreleva notar a fi nalidade da manifestação judicial, ou seja,

caso paralise o processo ou evidencie a solução de continuidade da

demanda, cabível a apelação. Caso contrário, adequado o agravo de

instrumento ou retido, vinculado à pretensão do recorrente em relação

à sua imediata ou oportuna apreciação.

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700

8. Para determinar a apelação como recurso adequado, impõe-se

o critério híbrido acerca da classifi cação da manifestação judicial, qual

seja: a) ato relativo ao disposto nos arts. 267 ou 269, ambos do CPC;

e b) ultimar-se o processo.

9. In casu, a despeito da adequação a uma das hipóteses arts. 267 ou

269, ambos do CPC, o pronunciamento do juízo singular controvertido

não tem caráter jurídico de sentença, porque não interrompeu a

tramitação da ação no Primeiro Grau; consequentemente, em razão

da necessária interpretação sistêmica e da efetividade da tutela

jurisdicional, revela natureza interlocutória, a ensejar a interposição de

agravo (art. 522, do CPC).

10. Sob pena de transmudar a sistemática recursal imposta pela

legislação de regência, indevida a interpretação unicamente formal do

decisum, por conseguinte, o acórdão regional merece reforma, nesse

aspecto.

11. Recurso especial provido, para estabelecer, contra decisum de

teor interlocutório, o recebimento do recurso na forma de agravo de

instrumento.

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos os autos em que são partes as acima indicadas,

prosseguindo no julgamento após voto vista antecipado da Sra. Ministra

Maria Th ereza de Assis Moura dando provimento ao recurso, e os votos dos

Srs. Ministros Nilson Naves e Og Fernandes no mesmo sentido, acordam os

Ministros da Sexta Turma do Superior Tribunal de Justiça, por unanimidade,

dar provimento ao recurso, nos termos do voto do Sr. Ministro Relator.

Os Srs. Ministros Haroldo Rodrigues (Desembargador convocado do TJ-

CE), Nilson Naves, Maria Th ereza de Assis Moura e Og Fernandes votaram

com o Sr. Ministro Relator.

Presidiu o julgamento o Sr. Ministro Nilson Naves.

Brasília (DF), 15 de abril de 2010 (data do julgamento).

Ministro Celso Limongi (Desembargador convocado do TJ-SP), Relator

DJe 14.06.2010

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Jurisprudência da SEXTA TURMA

RSTJ, a. 22, (219): 641-716, julho/setembro 2010 701

RELATÓRIO

O Sr. Ministro Celso Limongi (Desembargador convocado do TJ-SP):

Trata-se de recurso especial interposto pela União, com fulcro no art. 105, inciso

III, alínea a, da Constituição da República, contra acórdão do Tribunal Regional

Federal da 4ª Região, assim ementado: (fl s. 178)

Processo Civil. Ação ordinária. Extinção do feito, sem resolução de mérito, em relação a um dos pedidos. Recurso cabível.

Ante a nova defi nição legal de sentença, trazida pela Lei n. 11.232/2005, é cabível apelação do ato judicial que, acolhendo a prefacial de falta de interesse de agir, extinguiu parcialmente o processo, sem resolução de mérito, quanto ao pedido de isenção de imposto de renda.

Opostos embargos, na origem, foram rejeitados. (fl s. 187-193).

Dos argumentos recursais, infere-se suposta violação aos arts. 162, §§ 1º

e 2º; 267; 269; 496; 513; 522; e 535, incisos I e II, todos do CPC, porquanto:

“o ato judicial guerreado pelo autor pôs fi m unicamente à relação processual

travada quanto ao pedido de isenção do imposto de renda, sem fulminar o

processo, que prossegue quanto às outras ações acumuladas. Apesar da aplicação

do art. 267 do CPC, trata-se de decisão interlocutória, ensejando a interposição

de agravo, mesmo após a edição da Lei n. 11.232/2005.” (fl s. 206).

Contrarrazões não apresentadas, conforme certidão (fl s. 210).

Admitido o recurso na origem, os autos foram remetidos a este Tribunal

(fl s. 211-212).

É o relatório.

VOTO

O Sr. Ministro Celso Limongi (Desembargador convocado do TJ-SP)

(Relator):

CERNE DA CONTROVÉRSIA

Contra a sentença, apelação constitui recurso adequado (art. 513, do CPC),

em relação às decisões interlocutórias, cabível o agravo (art. 522, do CPC).

O cerne da controvérsia circunvolve-se ao estabelecimento do recurso

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702

adequado contra decisum que, ao acolher a prefacial de falta de interesse de agir,

extinguiu parcialmente o processo, sem resolução de mérito, exclusivamente

quanto a um dos pedidos relativos à pretensão, isto é, quanto à isenção do

imposto de renda, com o prosseguimento do feito com relação aos demais

pleitos (art. 267, inciso VI, do CPC).

INEXISTÊNCIA DE VIOLAÇÃO DO ART. 535 DO CPC

Em preliminar, não merece seguimento o recurso no tocante à violação ao

art. 535, incisos I e II, do Código Processo Civil, porquanto o acórdão recorrido

se manifestou sobre toda a quaestio iuris, apesar de desfavorável à pretensão da

parte recorrente.

Confi ram-se:

Embargos de declaração. Obscuridade, contradição ou omissão. Inexistência. Matéria constitucional. Prequestionamento. Impossibilidade.

1. Inviáveis os declaratórios quando ausentes as hipóteses previstas no artigo 535 do Código de Processo Civil.

2. Conforme entendimento pacifi cado, a via especial não se presta à apreciação de alegada ofensa a dispositivo da Constituição Federal, ainda que para fi ns de prequestionamento, não sendo omisso o julgado que silencia acerca da questão.

3. Embargos de declaração rejeitados.

(EDcl no AgRg no Ag n. 673.151-PE, Rel. Ministro Celso Limongi (Desembargador convocado do TJ-SP), 6ª Turma, DJe 1º.07.2009)

Agravo regimental no recurso especial. Violação do artigo 535 do Código de Processo Civil. Alegação genérica. Ação coletiva. Efeitos da sentença. Limites. Competência territorial do órgão prolator. Prequestionamento. Falta. Artigo 2º-A da Lei n. 9.494/1997. Decisão mantida por seus próprios fundamentos.

[...]

2. Inadmissível especial interposto com fundamento no art. 535 do Código de Processo Civil, quando o recorrente não indica, especifi camente, quais seriam os pontos omissos, obscuros, ou contraditórios do aresto hostilizado.

3. No exame de recurso especial, não se conhece de matéria que não foi objeto de apreciação pelo Tribunal de origem, inexistente, assim, o necessário prequestionamento.

[...]

(AgRg no REsp n. 972.765-PE, Rel. Ministro Paulo Gallotti, Sexta Turma, julgado em 18.06.2009, DJe 10.08.2009)

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RSTJ, a. 22, (219): 641-716, julho/setembro 2010 703

PRINCIPAIS OCORRÊNCIAS DOS AUTOS

Prima facie, para adequada compreensão da controvérsia, impõe-se sucinta

transcrição das principais ocorrências dos autos.

Ab initio, o ora recorrido ajuizou ação ordinária na Terceira Vara Federal

de Santa Maria, por meio da qual se requer, em síntese: a) reforma das fi leiras

do Exército; b) indenização de ajuda de custo; c) danos morais; e d) isenção de

imposto de renda (fl s. 03-09).

Ao apreciar a pretensão, o juízo singular extinguiu o feito, sem resolução

do mérito (art. 267, inciso VI, do CPC), exclusivamente quanto à isenção do

imposto de renda, e determinou o prosseguimento do feito quanto aos demais

pleitos, nos termos seguintes: “isso posto, nos termos do art. 267, VI, do CPC,

extingo o processo, sem resolução do mérito, no tocante à ação de isenção de

imposto de renda.” (fl s. 129).

Diante dessa manifestação judicial, o autor interpôs recurso de apelação,

com pedido de extração de cópias do processo para envio ao Tribunal, em

acréscimo, em caráter subsidiário, postulou a reabertura de prazo para o traslado

de peças para a necessária remessa do recurso como agravo de instrumento (fl s.

140-147).

O Tribunal a quo, ao julgar a quaestio iuris, deu provimento ao agravo de

instrumento e determinou o recebimento do recurso como apelação. A propósito,

permita-se transcrever excerto do voto condutor do acórdão regional, in verbis:

“o critério atual é formal: baseada a extinção em qualquer dos permissivos dos

arts. 267 ou 269, do CPC, pelo simples fato de pôr fi m ao processo, ainda que

apenas em relação a um dos possíveis pedidos, o que é sufi ciente para ensejar a

conceituação do ato como sentença e autorizar o recurso de apelação. Ante o

exposto, voto por dar provimento ao agravo de instrumento determinando seja

recebido o recurso discutido como apelação.” (fl s. 179).

Em razão da irresignação com relação aos termos do acórdão a quo, a

União interpôs o recurso especial em exame, ao alegar: “o ato judicial guerreado

pelo autor pôs fi m unicamente à relação processual travada quanto ao pedido de

isenção do imposto de renda, sem fulminar o processo, que prossegue quanto

às outras ações cumuladas. Apesar da aplicação do art. 267 do CPC, trata-se de

decisão interlocutória, ensejando a interposição de agravo, mesmo após a edição

da Lei n. 11.232/2005.” (fl s. 206).

Após breve digressão, passa-se à análise da controvérsia.

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704

EXEGESE DA NORMA DE REGÊNCIA IN CASU

Sobre a tarefa do intérprete da lei, assevera a abalizada doutrina: “não

lhe compete apenas procurar atrás das palavras os pensamentos possíveis, mas

também entre os pensamentos possíveis o único apropriado, correto, jurídico”.

(MAXIMILIANO, Carlos. Hermenêutica e Aplicação do Direito. Forense: Rio de

Janeiro, 2000, p. 16).

O Ordenamento Jurídico pátrio garante às partes a possibilidade de

reexame dos pronunciamentos judiciosos, por meio de recursos. Amaral Santos

disserta: “recurso é o poder de provocar o reexame de uma decisão pela mesma

autoridade judiciária, ou por outra hierarquicamente superior, visando obter a

sua reforma ou modifi cação”. (SANTOS, Moacyr Amaral. “Primeiras linhas de

direito processual civil.” 11ª ed. São Paulo: Saraiva, 1990. v. 3, p. 82).

Dentro dessa linha de raciocínio, é de meridiana evidência o cabimento

de apelação contra a sentença, in verbis: “art. 513. Da sentença caberá apelação

(arts. 267 e 269)”.

A apelação, uma vez admitida, provoca o deslocamento da competência

para a decisão da causa, ou seja, do órgão a quo, juízo singular, para a instância ad

quem, órgão colegiado, incumbido do novo julgamento.

Entrementes, por outro lado, o agravo constitui recurso adequado em

relação à decisão interlocutória, nos termos seguintes:

Art. 522. Das decisões interlocutórias caberá agravo, no prazo de 10 (dez) dias, na forma retida, salvo quando se tratar de decisão suscetível de causar à parte lesão grave e de difícil reparação, bem como nos casos de inadmissão da apelação e nos relativos aos efeitos em que a apelação é recebida, quando será admitida a sua interposição por instrumento. (Redação dada pela Lei n. 11.187, de 2005)

Dos autos, denota-se que a demanda versa, em essência, acerca da

interpretação adequada da norma de regência dos atos do juiz, ou seja, o art. 162

do CPC, com a redação da Lei n. 11.232, de 2005, in verbis:

Art. 162. Os atos do juiz consistirão em sentenças, decisões interlocutórias e despachos.

§ 1º Sentença é o ato do juiz que implica alguma das situações previstas nos arts. 267 e 269 desta Lei. (Redação dada pela Lei n. 11.232, de 2005)

§ 2º Decisão interlocutória é o ato pelo qual o juiz, no curso do processo, resolve questão incidente.

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RSTJ, a. 22, (219): 641-716, julho/setembro 2010 705

§ 3º São despachos todos os demais atos do juiz praticados no processo, de ofício ou a requerimento da parte, a cujo respeito a lei não estabelece outra forma.

§ 4º Os atos meramente ordinatórios, como a juntada e a vista obrigatória, independem de despacho, devendo ser praticados de ofício pelo servidor e revistos pelo juiz quando necessários. (Incluído pela Lei n. 8.952, de 13.12.1994)

De igual modo, necessária a transcrição dos dispositivos legais cuja

remissão se fez na norma retro, ou seja, os arts. 267 e 269, ambos do CPC, in

verbis:

Art. 267. Extingue-se o processo, sem resolução de mérito: (Redação dada pela Lei n. 11.232, de 2005)

I - quando o juiz indeferir a petição inicial;

II - quando fi car parado durante mais de 1 (um) ano por negligência das partes;

III - quando, por não promover os atos e diligências que Ihe competir, o autor abandonar a causa por mais de 30 (trinta) dias;

IV - quando se verificar a ausência de pressupostos de constituição e de desenvolvimento válido e regular do processo;

V - quando o juiz acolher a alegação de perempção, litispendência ou de coisa julgada;

VI - quando não concorrer qualquer das condições da ação, como a possibilidade jurídica, a legitimidade das partes e o interesse processual;

VII - pelo compromisso arbitral;

VII - pela convenção de arbitragem; (Redação dada pela Lei n. 9.307, de 23.09.1996)

VIII - quando o autor desistir da ação;

IX - quando a ação for considerada intransmissível por disposição legal;

X - quando ocorrer confusão entre autor e réu;

XI - nos demais casos prescritos neste Código.

§ 1º O juiz ordenará, nos casos dos n. II e III, o arquivamento dos autos, declarando a extinção do processo, se a parte, intimada pessoalmente, não suprir a falta em 48 (quarenta e oito) horas.

§ 2º No caso do parágrafo anterior, quanto ao no II, as partes pagarão proporcionalmente as custas e, quanto ao no III, o autor será condenado ao pagamento das despesas e honorários de advogado (art. 28).

§ 3º O juiz conhecerá de ofício, em qualquer tempo e grau de jurisdição, enquanto não proferida a sentença de mérito, da matéria constante dos n. IV, V

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706

e VI; todavia, o réu que a não alegar, na primeira oportunidade em que Ihe caiba falar nos autos, responderá pelas custas de retardamento.

§ 4º Depois de decorrido o prazo para a resposta, o autor não poderá, sem o consentimento do réu, desistir da ação.

[...]

Art. 269. Haverá resolução de mérito: (Redação dada pela Lei n. 11.232, de 2005)

I - quando o juiz acolher ou rejeitar o pedido do autor;(Redação dada pela Lei n. 5.925, de 1º.10.1973)

II - quando o réu reconhecer a procedência do pedido; (Redação dada pela Lei n. 5.925, de 1º.10.1973)

III - quando as partes transigirem; (Redação dada pela Lei n. 5.925, de 1º.10.1973)

IV - quando o juiz pronunciar a decadência ou a prescrição; (Redação dada pela Lei n. 5.925, de 1º.10.1973)

V - quando o autor renunciar ao direito sobre que se funda a ação. (Redação dada pela Lei n. 5.925, de 1º.10.1973)

No caso, conclui-se indispensável a interpretação sistemática ou sistêmica

da norma, isto é, “os vários meios de interpretação só conduzem ao seu escopo

quando operados harmonicamente entre si, e não tomados isoladamente. Deve

rejeitar-se a distinção das várias espécies de interpretação em literal, lógica,

história e sistemática. Toda interpretação deve fundar-se necessariamente e

sempre, sobre as regras que formam a palavra e sobre as do pensamento, já que a

lei não é uma letra morta, mas tem um contexto espiritual; portanto, aquela deve

ser ao mesmo tempo literal e lógica”. (COVIELLO, Nicola, Manuale Di Diritto

Civile Italiano, Ed. Societá Editrice Libraria, 4ª ed. Milão: 1929).

ALTERAÇÕES NO PROCESSO CIVIL: LEI N. 11.232/2005

Registre-se, por oportuno, o escopo metodológico das alterações no

processo de conhecimento, por meio da Lei n. 11.232/2005, isto é, simplifi cação

do feito e sua agilização, em síntese, a primazia do binômio efetividade e tutela

jurisdicional.

De feito, sobre a alteração promovida no § 1º, do art. 162, do CPC, pela

Lei n. 11.232, com vigência seis meses depois, denota-se signifi cativa mudança

axiológica da sentença, ou seja, antes, desvelava-se como ato pelo qual o juiz

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RSTJ, a. 22, (219): 641-716, julho/setembro 2010 707

punha termo ao processo, com decisão ou não do meritum causae; com o advento

da nova descrição legal, converteu-se no ato do juiz cujas implicações são

previstas nos arts. 267 e 269, ambos do CPC. Em outros termos, a sentença

anteriormente caracterizava-se pela fi nalidade do ato, atualmente, confere-se

relevo ao seu conteúdo.

CONTEÚDO INTERLOCUTÓRIO DETERMINA O RECURSO

CABÍVEL

O caso vertente representa quaestio iuris que merece exame mais

acurado, pois, o pronunciamento do juízo singular se enquadra em um dos

incisos dos arts. 267 e 269, ambos do CPC, portanto, em tese, uma sentença;

todavia, não provocou solução de continuidade do transcurso normal do feito,

consequentemente, em razão da necessária interpretação sistêmica, tal decisão

detém natureza interlocutória.

Nesse passo, a construção interpretativa em questão deve considerar que

a decisão controvertida não interrompeu a tramitação da ação no Primeiro

Grau. Logo, em sentido contrário ao disposto no acórdão regional, indevida

a interpretação unicamente formal do decisum, sob pena de transmudar a

sistemática recursal imposta pela legislação de regência. Com idêntico raciocínio,

a doutrina pátria esclarece:

Pela nova redação do CPC § 1º, caso fosse interpretada essa norma em seu sentido apenas literal, esses atos teriam natureza jurídica de sentença, por que são pronunciamentos que julgam a ação de liquidação de sentença e a ação de impugnação de cumprimento da sentença, quer dizer, são pronunciamentos que contém matéria do CPC 267 ou 269. Trata-se de pronunciamentos que se caracterizam como “decisão” porque, embora tenham conteúdo do CPC 267 ou 269, não se revestem da qualidade de sentença porque não extinguem o processo. Por isso não se pode dar ao CPC 162 § 1º interpretação literal. Daí porque o conceito de sentença tem que ser, necessariamente, buscada a partir de um critério misto: ato que contém matéria do CPC 267 ou 269 e que, ao mesmo tempo, extingue o processo. (Luiz Rodrigues Wambier, Teresa Arruda Alvim Wambier e José Miguel Garcia Medina, “Breves Comentários à Nova Sistemática Processual Civil”, Vol. 2, Revista dos Tribunais).

Nesse contexto, a ninguém é dado ignorar que o recurso admitido contra

decisões interlocutórias é o agravo, o qual tem como regra a forma retida (Lei n.

11.187/2005). Por outro lado, contra a sentença cabe a apelação.

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Por fim, em necessária síntese, no caso, o ato judicial, a despeito do

enquadramento em uma das hipóteses do art. 267, do CPC, não tem natureza

de sentença, mas, por certo que sim, em função da necessária interpretação

sistêmica e da efetividade da tutela jurisdicional, revela teor interlocutório, a

ensejar a interposição de agravo (art. 522, do CPC).

Ilustrativamente:

Agravo regimental no recurso especial. Decisão que homologa transação. Prosseguimento do processo quanto aos credores remanescentes. Apelação incabível. Erro grosseiro. Princípio da fungibilidade recursal. Inaplicabilidade.

1. A decisão que homologa transação e extingue parcialmente a execução, determinando seu prosseguimento com relação aos litisconsortes que não transigiram, possui natureza interlocutória, motivo pelo qual o recurso contra ela cabível é o agravo de instrumento, e não a apelação.

2. Tratando-se de erro grosseiro, não se aplica o princípio da fungibilidade. (REsp n. 829.992-DF, 5ª Turma, Rel. Min. Arnaldo Esteves Lima, DJU de 07.02.2008).

Agravo regimental desprovido.

(AgRg no REsp n. 1.059.461-DF, Rel. Ministro Felix Fischer, Quinta Turma, julgado em 03.02.2009, DJe 02.03.2009)

Processual Civil. Decisão que homologa acordo extrajudicial. Recurso cabível. Agravo de instrumento. Interposição de apelação. Erro grosseiro. Fungibilidade recursal. Inaplicável.

1. A jurisprudência desta Corte Superior de Justiça é no sentido de que a decisão que homologa transação extrajudicial, excluindo da demanda um ou mais participantes, mas determinando a continuação desta em relação aos que não transacionaram, tem natureza interlocutória e, por via de conseqüência, desafi a o recurso de agravo de instrumento e não apelação.

2. Se não existe dúvida objetiva acerca do recurso apropriado, a interposição de apelação, como ocorreu na hipótese, configura erro grosseiro, óbice que impede a aplicação do princípio da fungibilidade recursal.

3. Agravo regimental desprovido.

(AgRg no REsp n. 819.160-DF, Rel. Ministra Laurita Vaz, Quinta Turma, julgado em 18.09.2008, DJe 13.10.2008)

Ante o exposto, dou provimento ao recurso especial, para estabelecer, contra

decisum de teor interlocutório, o recebimento do recurso na forma de agravo de

instrumento, com devolução de prazo para a formação do instrumento.

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RSTJ, a. 22, (219): 641-716, julho/setembro 2010 709

VOTO-VISTA

O Sr. Ministro Haroldo Rodrigues (Desembargador convocado do TJ-

CE): Em resumo, discute-se nos presentes autos a natureza da decisão que

extingue parcialmente o processo em relação a apenas um dos pedidos deduzidos

na inicial.

Segundo decidiu o acórdão recorrido, “ante a nova defi nição legal de

sentença, trazida pela Lei n. 11.232/2005, é cabível apelação do ato judicial

que, acolhendo a prefacial de falta de interesse de agir, extinguiu parcialmente o

processo, sem resolução de mérito, quanto ao pedido de isenção de imposto de

renda”.

Nas razões do recurso especial, aponta-se violação aos artigos 162, §§ 1º e

2º; 267; 269; 513 e 522, sustentando-se que “o ato judicial guerreado pelo autor

pôs fi m unicamente à relação processual travada quanto ao pedido de isenção

de imposto de renda, sem fulminar o processo, que prossegue quanto às outras

ações cumuladas. Apesar da aplicação do artigo 267 do CPC, trata-se de decisão

interlocutória, ensejando a interposição de agravo, mesmo após a edição da Lei

n. 11.232/2005” (fl . 206).

O relator, Ministro Celso Limongi, proclamando a natureza interlocutória

do provimento que extingue parcialmente o processo, dá provimento ao recurso

entendendo como cabível a interposição do agravo de instrumento.

Para melhor exame, pedi vista dos autos.

Após detido exame dos autos, tenho por acompanhar o percuciente voto

proferido pelo Ministro Celso Limongi.

De fato, a nova redação do artigo 162, § 1º, do Código de Processo Civil,

segundo a qual “sentença é o ato do juiz que implica alguma das situações

previstas nos arts. 267 e 269 desta Lei” demanda interpretação sistemática,

de modo a conciliar o conteúdo do provimento jurisdicional (adequação às

hipóteses previstas nos artigos 267 e 269 do CPC) com a sua “fi nalidade” (pôr

termo à relação processual em seu todo, e não apenas em relação a parte do

pedido).

Nessa linha, destaca-se o magistério de Bernardo Pimentel Souza, in

Introdução aos Recursos Cíveis e à Ação Rescisória, Editora Saraiva, 6ª ed.,

verbis:

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Não obstante, só há sentença se o pronunciamento do juiz de primeiro grau fundamentado em algum dos incisos dos artigos 267 e 269 alcança todo o processo, isto é, atinge todas as ações cumuladas no mesmo processo. Em contraposição, se o pronunciamento do juiz de primeiro grau versa apenas sobre uma ação (por exemplo, a reconvenção), sem nada dizer acerca da outra ação cumulada no mesmo processo, não há prolação de sentença, ainda que o pronunciamento judicial esteja fundamentado em algum dos incisos do artigo 267 ou do artigo 269 do Código de Processo Civil.

Com efeito, é possível - e até comum - a existência de processos com cumulações subjetiva e objetiva de ações, consoante autorizam os artigos 46, 47 e 292, todos do Código de Processo Civil. Se o juiz de primeiro grau julgar, entretanto, apenas uma das ações cumuladas, não há sentença apelável, mas simples decisão interlocutória agravável, ainda que o pronunciamento judicial tenha sido fundamentado em algum dos incisos dos artigos 267 e 269 do Código de Processo Civil.

(...)

Daí a conclusão: só há sentença diante da incidência total de alguma hipótese arrolada nos incisos dos artigos 267 e 269, isto é, se o juiz de primeiro grau aplicar algum inciso de forma integral, em relação ao processo; em contraposição, não há sentença se o pronunciamento de autoria de juiz de primeiro grau fundamento em algum dos incisos dos artigos 267 e 269 não atinge o processo por inteiro, ou seja, não alcança todas as eventuais ações cumuladas.

Ante o exposto, acompanho o relator para dar provimento ao recurso

especial e restabelecer a decisão de fl s. 148-154.

É como voto.

VOTO-VISTA

A Sra. Ministra Maria Th ereza de Assis Moura: Cuida-se de recurso

especial, interposto pela União, com fundamento na alínea a do inciso III

do artigo 105 da Constituição Federal, contra acórdão do Tribunal Regional

Federal da 4ª Região que deu provimento a agravo de instrumento, restando

ementado nos seguintes termos:

Processual Civil. Ação ordinária. Extinção do feito, sem resolução de mérito, em relação a um dos pedidos. Recurso cabível.

Ante a nova defi nição legal de sentença, trazida pela Lei n. 11.232/2005, é cabível apelação do ato judicial que, acolhendo a prefacial de falta de interesse de agir, extinguiu parcialmente o processo, sem resolução de mérito, quanto ao pedido de isenção de imposto de renda.

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Opostos embargos declaratórios, foram eles rejeitados.

Nas razões do recurso especial, aponta a União violação dos artigos 475, 515,

535, I e II, do Código de Processo Civil, 5º, LIV, LV, e 93, IX, da Constituição

Federal. A esse respeito, afi rma que, no julgamento dos aclaratórios, “não foi

sufi cientemente apreciada a matéria, sob o enfoque dos artigos e das razões

constantes do recurso especial.”

No mérito, sustenta que foram malferidos os artigos 162, §§ 1º e 2º, 267,

269, 496, 513 e 522 do Código de Processo Civil, bem como o artigo 12, incisos

I e V e parágrafo único, da Lei Complementar n. 73/1993. Argumenta que “o

ato judicial guerreado pelo autor pôs fi m unicamente à relação processual travada

quanto ao pedido de isenção de imposto de renda, sem fulminar o processo, que

prossegue quanto às outras ações cumuladas. Apesar da aplicação do artigo 267

do CPC, trata-se de decisão interlocutória, ensejando a interposição de agravo,

mesmo após a edição da Lei n. 11.232/2005” (fl . 206).

Ao apreciar o tema na sessão de 10.11.2009, o Relator, o ilustre Ministro

Celso Limongi (Desembargador Convocado do Tribunal de Justiça do Estado

de São Paulo), conheceu do recurso especial e lhe deu provimento, “para

estabelecer, contra decisum de teor interlocutório, o recebimento do recurso na

forma de agravo de instrumento.”

Nas razões do seu voto, o ilustre Relator defendeu a tese de que “no caso,

o ato judicial, a despeito do enquadramento em uma das hipóteses do art. 267,

do CPC, não tem natureza de sentença, mas, por certo que sim, em função da

necessária interpretação sistêmica e da efetividade da tutela jurisdicional, revela

teor interlocutório, a ensejar a interposição de agravo (art. 522, do CPC).”

Em voto-vista, o ilustre Ministro Haroldo Rodrigues (Desembargador

Convocado do Tribunal de Justiça do Estado do Ceará) acompanhou o Relator

em seu voto, asseverando que:

De fato, a nova redação do artigo 162, § 1º, do Código de Processo Civil, segundo a qual “sentença é o ato do juiz que implica alguma das situações previstas nos arts. 267 e 269 desta Lei” demanda interpretação sistemática, de modo a conciliar o conteúdo do provimento jurisdicional (adequação às hipóteses previstas nos artigos 267 e 269 do CPC) com a sua “finalidade” (por termo à relação processo em seu todo, e não apenas em relação a uma parcela do pedido).

Apesar de acompanhar o eminente Relator, o ilustre Ministro concluiu

seu voto com o escólio doutrinário e deu provimento ao recurso especial para

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“restabelecer a decisão de fl s. 148-154”, a qual havia determinado a formação do instrumento na forma retida.

Pedi vista para melhor exame.

Consta dos autos que, na decisão de saneamento do processo, o juízo de primeira instância extinguiu o feito parcialmente, nos termos do artigo 267, inciso VI, do CPC, em relação ao pedido de isenção do imposto de renda (fl s. 126-131).

Contra essa decisão, que se baseou nos termos do artigo 162, § 1º, do Diploma Processual Civil, a parte interpôs recurso de apelação (fl s. 137-147). Subsidiariamente, postulou a reabertura de prazo para o traslado de peças necessárias à remessa do recurso como agravo de instrumento.

Ao apreciar o apelo, o juízo deferiu parcialmente os requerimentos, com esteio no princípio da fungibilidade, para conhecer do recurso como agravo retido (fl s. 148-155).

Diante desse desate, a parte ora recorrida interpôs agravo de instrumento em face dessa decisão, tendo a Corte de origem dado provimento ao recurso, determinando que “seja recebido o recurso discutido como apelação.” (fl . 177).

No recurso especial, a União insurge-se contra esse posicionamento fi rmado pelo Tribunal a quo, pleiteando a reforma do aresto recorrido, a fi m de que o ato decisório seja qualifi cado como decisão interlocutória, ensejando a interposição de agravo, mesmo após a edição da Lei n. 11.232/2005.

Os votos do eminente Ministro Relator e do ilustre Ministro Haroldo Rodrigues convergiram para a necessidade de uma interpretação sistemática da nova redação conferida ao artigo 162, § 1º, do Código de Processo Civil, de maneira a conciliar o conteúdo do provimento jurisdicional (contido nos incisos dos artigos 267 e 269 do CPC) com a “fi nalidade” do ato decisório atacado, que possui natureza interlocutória, em face da continuação da marcha processual quanto aos demais pedidos da ação.

Posta a questão, acompanho o posicionamento dos eminentes Ministros quanto à fundamentação, uma vez que os critérios objetivos para o reconhecimento da fungibilidade recursal estão presentes.

O primeiro critério diz respeito à dúvida objetiva em relação à qual espécie recursal deveria ser utilizada nos autos.

Com a edição da Lei n. 11.232/2005, houve signifi cativa alteração do

texto do § 1º do artigo 162 do Diploma Processual Civil, como se depreende da

leitura do dispositivo, verbis:

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Art. 162. Os atos do juiz consistirão em sentenças, decisões interlocutórias e despachos.

§ 1º Sentença é o ato do juiz que implica alguma das situações previstas nos arts. 267 e 269 desta Lei. (Redação dada pela Lei n. 11.232, de 2005)

Essa reforma promovida pelo legislador ensejou uma dúvida objetiva sobre

qual recurso seria cabível diante de uma decisão que, a despeito de ser proferida

no curso do processo, abrangesse alguma das hipóteses descritas nos artigos 267

e 269 do CPC.

Segundo Cândido de Rangel Dinamarco, era necessário tratar de outro

modo o conceito de sentença, como se depreende da leitura dos seguintes

argumentos:

A fórmula encontrada pelo legislador foi a que está no vigente no § 1º do artigo 162 do Código de Processo Civil, segundo o qual “sentença é o ato do juiz que implica alguma das situações previstas nos arts. 267 e 269 desta lei”. Desconsiderado o estapafúrdio emprego do verbo implicar, que não faz sentido algum no contexto, entende-se que, para o Código de Processo Civil, sentença é hoje um ato portador de dois possíveis conteúdos, a saber, portador do julgamento de mérito (art. 269) ou do reconhecimento de uma causa pela qual o meritum causae não pode ser julgado (art. 267). Abandonou-se, como se vê, o critério topológico, pois hoje sentença não é mais, por defi nição, o ato que se situa na extremidade fi nal do processo. Adotou-se, em linhas muito gerais como na vigência do Código de Processo Civil de 1939, um critério substancial - defi nindo-se a sentença pelo que ela contém, não por onde ela se situa.

A referência às situações contidas no art. 267 (v. art. 162, § 1º) signifi ca que o legislador pretende qualifi car como sentença, em primeiro lugar, o ato que determina a extinção do processo sem julgamento de meritis, porque aquele dispositivo dispõe diretamente sobre os casos em que “extingue-se o processo, sem resolução de mérito” (art. 267, caput). Tais são as sentenças terminativas. O ato que aprecia alguma das hipóteses contidas nos incisos do art. 267 mas não aplica nenhuma não se propõe a pôr fi m ao processo e, conseqüentemente, será decisão interlocutória e não sentença (art. 162, § 2º).

(...)

Nesse quadro de atenções voltadas aos efeitos projetados sobre o objeto do processo e não sobre o processo em si mesmo, sentença é o ato com o qual o juiz defi ne a causa com ou sem julgamento do mérito. Defi nir a causa é emitir a solução fi nal referente ao litígio posto em juízo, dissolvendo seu objeto porque a respeito deste é então dada toda a resposta que naquele grau de jurisdição poderia ser dada.

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(...)

Defi nir a causa é pronunciar essa última decisão sobre ela, naquele grau de jurisdição. O juiz não defi ne a causa quando rejeita uma preliminar, determinando o prosseguimento do processo em direção a um possível julgamento do mérito. Um pronunciamento assim, que chamamos decisão interlocutória, põe termo à discussão sobre a preliminar suscitada mas deixa vivo o litígio, não fi ca pois defi nida e por isso é que esse ato não se enquadra no conceito de sentença, estabelecido pelo art. 162, § 1º, c.c. art. 267. Também não há uma definição da causa, sufi ciente para caracterizar o ato judicial como sentença, quando o juiz, concluindo pela inadmissibilidade de julgamento de mérito somente sobre parte do pedido ou por algum de seus fundamentos, ou ainda, em relação a alguma entre as várias partes, deixa a parte da causa sem solução e, portanto, sem definição; essa será também uma decisão interlocutória, e não sentença. (DINAMARCO, Cândido Rangel. Instituições de Direito Processual Civil, vol. II, 6ª ed. São Paulo: Malheiros, 2009, p. 506-508).

Por essa razão, subscrevo os argumentos do ilustre Relator e do eminente

Ministro Haroldo Rodrigues, no sentido de compreender a controvérsia a

partir de uma leitura sistemática dos dispositivos em comento, sobretudo por se

tratar de um ato decisório cuja fi nalidade foi resolver uma questão no curso do

processo, ainda que seja uma das situações elencadas nos artigos 267 e 269 do

referido Diploma Processual.

Em relação ao segundo critério da fungibilidade recursal, qual seja, o

momento da propositura do apelo contra a decisão que saneou o processo (fl s.

148-155), depreende-se dos autos que referido decisum foi disponibilizado

no Diário de Justiça Eletrônico em 29.11.2007, cuja data para publicação foi

considerada no dia 30.11.2007 (sexta-feira).

Por força do artigo 184, § 1º, do CPC, o termo inicial para a insurgência

recursal se deu no dia 03.12.2007. Pela contagem do prazo para interposição do

agravo de instrumento, o termo fi nal seria o dia 12.12.2007, enquanto que para

o aviamento do recurso de apelação, o prazo seria até o dia 15.12.2007.

Como a parte ora recorrida interpôs a apelação no dia 05.12.2007, tem-se

que o primeiro requisito para aplicação da fungibilidade recursal - o manejo de

apelação dentro do prazo do agravo de instrumento - encontra-se plenamente

cumprido.

Desse modo, estabelecida a dúvida objetiva e verifi cada que a interposição

do recurso ocorreu dentro do prazo adequado, tenho como presente a

possibilidade de aplicar a fungibilidade recursal à espécie.

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RSTJ, a. 22, (219): 641-716, julho/setembro 2010 715

A esse respeito, transcrevo os seguintes precedentes que versam sobre a

aplicabilidade do princípio da fungibilidade:

Processual Civil. Embargos de declaração recebidos como agravo regimental. Princípio da fungibilidade. Agravo de instrumento para subida de recurso especial. Embargos à execução. Sentença de improcedência. Vigência da Lei n. 11.232.2005. Recurso cabível. Apelação. Princípio da fungibilidade recursal. Aplicação.

I - Em homenagem ao princípio da economia processual e autorizado pelo princípio da fungibilidade, devem ser recebidos como agravo interno os embargos de declaração que contenham exclusivo intuito infringente.

II - Proferida a sentença no julgamento dos embargos à execução, ainda que emanada sob a vigência da Lei n. 11.232/2005, o recurso cabível é a apelação, e não o agravo de instrumento.

III - Contudo, admite-se a aplicação do Princípio da Fungibilidade Recursal, tendo em vista que a recorrente visa a devolução da matéria discutida, para apreciação do Tribunal a quo.

IV - Embargos de declaração recebidos como Agravo Regimental, ao qual se dá provimento. (EDcl no Ag n. 1.126.598-RJ, Rel. Min. Paulo Furtado (Desembargador convocado do TJ-BA), Terceira Turma, julgado em 17.11.2009, DJe 24.11.2009)

Processual Civil. Recurso especial. Embargos à execução. Análise de suposta infringência de preceito constitucional. Impossibilidade. Sentença publicada na vigência da Lei n. 11.232/2005. Aplicação da lei processual no tempo. Recurso adequado. Apelação. Possibilidade de aplicação do princípio da fungibilidade recursal. Precedente da Corte Especial.

(...)

2. “A sentença que julga embargos à execução de título judicial, ainda que publicada na vigência da Lei n. 11.232/2005, desafi a apelação, não agravo de instrumento.” (REsp n. 974.873-RS, 3ª Turma, Rel. Min. Humberto Gomes de Barros, DJ de 25.02.2008).

3. Entretanto, no julgamento do REsp n. 1.044.693-MG, ocorrido no dia 3 de dezembro de 2008, a Corte Especial, conquanto tenha seguido a mesma orientação adotada no precedente mencionado, firmou o entendimento de que se deve aplicar, nessa hipótese, o princípio da fungibilidade recursal. (cf. Informativo de Jurisprudência do STJ n. 379, de 1º a 5 de dezembro de 2008).

4. Recurso especial provido, a fi m de se determinar o retorno dos autos à Corte de origem, para que prossiga com a análise do recurso interposto. (REsp n. 1.081.248-RJ, Rel. Min. Denise Arruda, Primeira Turma, julgado em 03.02.2009, DJe 02.03.2009)

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Por outro lado, na parte dispositiva, enquanto o Relator deu provimento

ao apelo especial “para estabelecer, contra decisum de teor interlocutório, o

recebimento do recurso na forma de agravo de instrumento”, o Ministro

Haroldo Rodrigues o acompanha, para restabelecer a decisão de fl s. 148-155.

Nesse ponto, peço vênia ao eminente Relator e ao ilustre Ministro Haroldo

Rodrigues, para divergir sobre esse aspecto do resultado do julgamento.

Cumpre salientar, nesse aspecto, que o os autos originais ainda estão

na primeira instância e que o último ato decisório versa sobre a discussão

relacionada a quesitos periciais solicitados pelas partes.

Diante desse quadro, mostra-se relevante a discussão sobre a possibilidade

ou não de o autor da ação cumular o pedido referente à isenção do imposto

de renda, tendo em vista que a demanda não chegou a seu desate fi nal. Nesse

aspecto, a resolução dessa controvérsia específica, por meio do agravo de

instrumento, traria segurança jurídica para as partes sobre eventual irresignação

recursal contra sentença que aprecie as demais matérias de fundo.

A meu ver, com a reforma do aresto proferido pela Corte de origem, no

sentido de compreender ser o caso de interposição de agravo de instrumento

na espécie, é necessário conceder à parte ora recorrida a devolução da abertura

de prazo para a formação do instrumento perante o Tribunal a quo, a fi m de lhe

possibilitar o manejo da espécie recursal de forma adequada.

Diante do exposto, peço vênia ao ilustre Relator e ao Ministro Haroldo

Rodrigues, para conhecer do recurso especial e lhe dar provimento, no sentido de

reformar o acórdão recorrido e receber o recurso na modalidade de agravo de

instrumento, concedendo à parte ora recorrida a devolução da abertura de prazo

recursal para a formação do instrumento.

É como voto.