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A DEFESA DA DISCIPLINA SOCIOLOGIA NAS POLTICAS
PARA O ENSINO MDIO DE
1996 A 2007
Autor(a):
Shelley Muniz Azambuja Neves de Souza
Orientador(a):
Prof. Dr. Alice Casimiro Lopes
Rio de Janeiro, 28 de agosto de 2008
2
UNIVERSIDADE DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO
Centro de Educao e Humanidades
Faculdade de Educao
Programa de Ps-Graduao em Educao
A DEFESA DA DISCIPLINA SOCIOLOGIA NAS POLTICAS PARA O ENSINO MDIO DE 1996 A 2007
por
Shelley Muniz A. Neves de Souza
ORIENTADORA: PROF. DR ALICE CASIMIRO LOPES
2008
3
A DEFESA DA DISCIPLINA SOCIOLOGIA NAS POLTICAS PARA O ENSINO MDIO DE 1996 A 2007
por
Shelley Muniz A. Neves de Souza
ORIENTADORA: PROF DR ALICE CASIMIRO LOPES Dissertao apresentada ao Curso de
Ps-Graduao em Educao da
Universidade do Estado do Rio de
Janeiro como requisito parcial para a
obteno de Grau de Mestre em
Educao.
RIO DE JANEIRO 2008
4
BANCA EXAMINADORA
Prof Dr Alice Casimiro Lopes
Prof Dr Ana Maria Villela Cavaliere
Prof Dr Maria de Lourdes Rangel Tura
5
AGRADECIMENTOS
Tenho muito a agradecer. A muitas pessoas. Vi-me cercada de gente
importante nesses meses. Gente que acreditou em mim, que me apoiou, ou
que simplesmente esteve ao meu lado e isso, por si s, j era maravilhoso.
Agradeo minha orientadora, sempre firme, presente, paciente,
compreensiva, alm de capaz de me mostrar que o conhecimento uma meta.
Agradeo s maiores jias de minha vida, meus filhos, Philippe e Maria
Eduarda, por eles a sede de conhecer, de ir alm, de ser exemplo. Agradeo a
pacincia que tiveram comigo, principalmente na reta final, quando mesmo
vendo a mame escrevendo e escrevendo, rodeavam, e faziam questo de
realizar suas atividades ao meu lado.
Agradeo aos meus pais, Raul e Sueli, que, sua maneira, sempre me
incentivaram.
Agradeo ao meu companheiro de jornada, Armando, sua simples presena j
meu incentivo.
Agradeo a meu irmo, meu amigo Eduardo, que acompanhou o projeto do
mestrado desde que era um embrio, e me auxiliou por diversas vezes a
acreditar que a gestao era possvel.
H amigas que preciso agradecer tambm, amigas queridas que, sempre
dispostas a me ouvir, foram importantssimas, Vanice, Regina, Ana Cristina.
Agradeo a meus companheiros de grupo de pesquisa de currculo, sempre
trazendo discusses importantes e que por diversas vezes nortearam as
minhas prprias.
6
RESUMO
Este trabalho se prope a investigar os discursos produzidos no ensino da
disciplina Sociologia, no Ensino Mdio, e circulantes na produo de polticas
curriculares nos anos 1990 e 2000. So utilizadas na anlise, as produes
tericas sobre polticas de currculo, particularmente a abordagem do ciclo de
polticas de Stephen Ball, pela leitura de Alice Casimiro Lopes, e as produes
de Goodson sobre histria das disciplinas escolares. Partindo do pressuposto
que esses discursos contribuem para a produo de polticas de currculo, so
analisadas produes acadmicas - teses, dissertaes, ensaios e artigos
publicados na rea de Sociologia, entre os anos de 1996 e 2007 -, bem como
os parmetros curriculares e as orientaes curriculares nacionais para o
ensino mdio. A pesquisa se prope a investigar trs questes: 1) que
comunidade disciplinar esta que defende esta disciplina escolar no currculo?
2) quais so os argumentos utilizados para a defesa da incluso desta
disciplina no currculo nesse perodo? 3) quais os principais sentidos dos
discursos produzidos por essa comunidade que circulam nas atuais polticas de
currculo e contribuem em sua produo? Entende-se que a comunidade
disciplinar de Sociologia uma comunidade difusa, com traos pouco definidos
e fronteiras no to estabelecidas. Entende-se que a disciplina Sociologia
dispe de uma constituio hbrida, por serem diversos os produtores dos
textos e dos discursos: o governo, o meio acadmico, as prticas escolares, o
mercado editorial, os grupos sociais que atuam e pensam sobre educao, e
que esto constantemente produzindo e reproduzindo o currculo da disciplina.
Em relao aos argumentos em defesa dessa disciplina, entende-se que eles
oscilam entre traos acadmicos, que contribuem para a legitimao dessa
disciplina e desse grupo profissional, e traos utilitrios, voltados para a
importncia da disciplina na construo da cidadania.
7
SUMRIO
Introduo .........................................................................................................9
Captulo 1 As polticas de currculo e as comunidades disciplinares.............16
As disciplinas escolares
O entendimento das polticas de currculo
Recontextualizao por hibridismo
Captulo 2 O campo de pesquisa: o ensino de Sociologia no Brasil de 1996 a
2007................................................................................................................34
Sociologia: uma disciplina ausente do currculo
O que j se investigou sobre ensino de sociologia no perodo de 1996 a 2007
Captulo 3 Os argumentos em defesa da disciplina Sociologia no nvel
mdio................................................................................................................53
Descrio dos materiais analisados
Anlise dos argumentos em defesa da disciplina Sociologia
Concluses......................................................................................................81
Referncias bibliogrficas................................................................................84
8
Introduo
A disciplina Sociologia esteve fora do currculo do ensino mdio no
sculo XX, apenas nos anos (1964-1982), perodo em que se instalou no pas a
ditadura militar, tendo sido substituda, nesse perodo, pelos contedos de
disciplinas como Organizao Social e Poltica Brasileira (OSPB) e Educao
Moral e Cvica. Em outras palavras, a disciplina foi autoritariamente retirada do
currculo por conta das reformas do perodo ditatorial ps-1964 e, com a
redemocratizao, encontrou espao para sua re-insero.
No conjunto das reformas dos anos 1990, foi institudo um acentuado
debate em torno de seu retorno ao currculo. Em virtude desse hiato na histria
dessa disciplina na escola, se desfez a formao de professores de Sociologia
em nvel mdio, tornando a comunidade disciplinar de ensino de Sociologia
com limites menos precisos. Em funo da peculiaridade histrica da disciplina,
pode-se afirmar que a Sociologia tem uma histria de currculo muito diferente
de outras disciplinas1 e, inclusive, por ser to recente sua (re)introduo, no
conta ainda com uma comunidade de professores, seja em mbito estadual,
regional ou nacional, no havendo tambm dilogo sistemtico entre estes
grupos, capaz de vir a produzir alguns consensos acerca de contedos e
metodologias do campo.
Uma das hipteses inicialmente defendida neste trabalho era de que
associaes profissionais dos socilogos atuavam na defesa dessa disciplina
no currculo do ensino mdio. Mas, na medida em que a investigao se
desenvolveu, constatei que no h, at o momento, nenhum Conselho
Nacional ou Regional de Socilogos. Existe, por exemplo, na cidade do Rio de
Janeiro, a Associao dos Socilogos do Rio de Janeiro (APSERJ), que tem
sua sede na UERJ, mas poucos profissionais tm conhecimento da existncia
desta entidade. Em alguns outros estados, tambm foram localizadas outras
associaes de socilogos, porm sem significativa disseminao, sendo
passveis de contato pela internet. Foi localizada tambm a Sociedade
Brasileira de Sociologia (SBS), na qual, para se filiar, o profissional precisa ter
no mnimo, ttulo de Mestre. Alm destas, tambm em So Paulo, o SINSESP
1 Guarda certo paralelo com a disciplina Filosofia, tambm retirada do currculo no mesmo perodo e por razes correlatas.
9
(Sindicato dos Socilogos do Estado de So Paulo), que mantm um envio
regular de e-mails de informes acerca da luta pela disciplina no currculo em
mbito nacional, atua no campo sem maior impacto sobre os profissionais. A
atuao dessas sociedades, no entanto, no expressiva e no organizam
congressos regulares nem produzem peridicos.
Com isso, passei a trabalhar com a hiptese de que a defesa dessa
disciplina desenvolvida mais amplamente por socilogos interessados em
educao, por professores de cursos de formao de professores e por
aqueles que vem a disciplina como uma forma de ampliar o escopo de
discusso poltica no ensino mdio, organizados ou no em instituies
especficas, percebendo que este grupo est interessado tambm, em ampliar
o campo de atuao profissional. Nesse processo de investigao, fui
constituindo, ento, o objeto de pesquisa: os argumentos em defesa da
disciplina Sociologia nas atuais polticas de currculo por uma comunidade
especfica de ensino dessa disciplina. Defendo ser esta uma comunidade
difusa, com traos pouco definidos, fronteiras no to estabelecidas, em virtude
da prpria indefinio do campo de ensino de Sociologia, seja na escola ou na
academia.
Em minha histria de vida, vivo esse processo de estar participando,
como professora de Sociologia, da (re)criao dos limites dessa comunidade.
Graduada e licenciada em Cincias Sociais, iniciei minha trajetria profissional
como docente em 2001, em uma escola da rede particular. Fui chamada, e
durante o processo seletivo, havia grande empolgao por parte da
coordenao pedaggica em implementar a disciplina no currculo, pois seria
um diferencial para a escola, visto que, quela poca, o ensino da disciplina
era obrigatrio apenas na rede pblica. Iniciei ento meu trabalho, nas trs
sries do Ensino Mdio, e, curiosamente, a disciplina no recebia o nome de
Sociologia naquela instituio de ensino, e sim de Orientao. No incio relutei
um pouco, pois, j naquela poca, defendia a legitimidade da disciplina e
renome-la, a meu ver, era uma forma de depreci-la. Com o passar do tempo,
o conjunto de contedos que deveria ir ganhando contornos e formas cada vez
mais ntidos, principalmente por ser uma disciplina nova na grade curricular que
estava sendo implementada na escola, e que, julgava eu, buscava maior
espao, foi ao contrrio, se perdendo. Isso porque recebia sugestes por
10
parte da equipe pedaggica, e da prpria direo, de incluir nos contedos,
noes de civismo, educao sexual, educao para o trnsito, noes de
filosofia, entre outros assuntos, tudo o que se julgava importante abordar e no
cabia nas demais disciplinas. Tal constatao ratificou minha compreenso
de que o fato de uma disciplina ser inserida no currculo no significa que seus
contedos relacionados ao campo de referncia so introduzidos. Iniciava,
assim, de maneira intuitiva, minha compreenso das diferenas entre disciplina
escolar e disciplina acadmica (Macedo e Lopes, 2002).
Permaneci nesta instituio at incio de 2003, quando fiz novo processo
seletivo, para o Colgio Pedro II, e fui aprovada para trabalhar como professora
substituta de Sociologia, entre os anos de 2003 e 2004. Para minha surpresa,
ensinar Sociologia no Colgio Pedro II no era dar aulas de Orientao. Essa
instituio federal trabalha com uma estrutura departamental, semelhante das
Universidades, havendo reunies de professores da disciplina, Coordenadores
de disciplina de cada Unidade de Ensino, e um(a) Chefe de Departamento,
colegiado, e decises segundo a votao de seus professores. Todo o
contedo da disciplina pensado, definido e decidido em conjunto, nessas
reunies, e cada Coordenador de disciplina decide, com seus professores, as
estratgias para trabalhar os contedos. Tal estrutura, como j investigado por
Oliveira (2006), contribui para aproximar as disciplinas escolares dos enfoques
acadmicos.
A disciplina que eu ministrava abrangia a 2. e 3. Sries do Ensino
Mdio. Importante ressaltar que os contedos trabalhados em sala de aula tm
um grau acentuado de academicismo e as avaliaes tm extremo rigor na
correo. No Colgio Pedro II, foi possvel identificar a necessidade de uma
disciplina escolar carregar consigo altas doses de caractersticas da disciplina
acadmica, numa tentativa de se firmar e se legitimar diante das outras
disciplinas2. Este enfoque dado disciplina Sociologia, com tal grau de
academicismo, contribui para os limites precisos dessa disciplina no Colgio
Pedro II. Mas como mencionei anteriormente, no geral nas diferentes
escolas.
2 Esse aspecto desenvolvido mais amplamente quando abordo a teoria de Goodson sobre a histria das disciplinas escolares.
11
Ainda em 2004, iniciei trabalho na rede pblica estadual, tambm como
professora substituta de Sociologia, onde permaneci durante todo o ano letivo.
A disciplina abrangia apenas a 3. Srie do Ensino Mdio. Ensinar Sociologia
no Estado era contextualizar conceitos da Sociologia e contedos em geral o
tempo todo. Cada conceito e cada contedo abordados em sala de aula
careciam de estratgias de demonstrao da aplicabilidade dos mesmos. Se a
aula terica era sobre Cultura, por exemplo, a conceituao terica era mnima
e, em um perodo de 90 minutos (dois tempos de aula), 15 minutos eram
destinados conceituao. Os demais eram voltados para exemplos. Sentia
serem necessrios inmeros exemplos para que a idia central no se
perdesse, ento discutia na turma sobre as diferenas de hbitos alimentares
regionais ou entre pases, de religio, de hbitos sociais, como monogamia e
poligamia, entre outros tantos assuntos. O pblico da escola estadual noturna
bem diferente do da diurna. So pessoas que, em grande parte, esto
retornando s escolas depois de muitos anos sem estudar, trabalhadores de
baixa renda, e muitos alunos jovens que no se adaptaram escola diurna,
pelos mais variados motivos.
Havia apenas um professor da disciplina Sociologia na escola, para uma
turma que nunca havia ouvido falar que existia a disciplina, que questionava
qual seria a utilidade da disciplina, que no estava preparada para uma
disciplina que no seria cobrada posteriormente no vestibular. Ento,
Sociologia pra qu, professora??. Era uma turma que se empolgava com a
idia de o funk ser abordado como uma manifestao cultural, que percebia as
diferenas culturais entre os alunos do prprio grupo, que participava das aulas
com debates interessantssimos, mas que, por encarar a disciplina como
interessante, mas no importante, no realizava quase nenhuma tarefa proposta e faltava s avaliaes de forma macia.
S mais tarde vim a compreender esse processo como inter-relacionado
distino que Goodson, uma das principais bases tericas dessa dissertao,
faz entre finalidades utilitrias e acadmicas. E de como as finalidades
utilitrias vinculam-se ao interesse dos alunos, mas tendem a no contribuir
para sua legitimao na escola e mesmo por parte dos prprios alunos.
Simultaneamente a essa minha trajetria profissional especfica com o
ensino de Sociologia, houve o desenvolvimento intenso das polticas de
12
currculo no Brasil a partir dos anos 1990. Como vrios autores j destacaram
(Dias, 2006; Lopes, 2004; Macedo, 2002), esse perodo foi marcado por um
conjunto de aes propostas curriculares e sistemas de avaliao
centralizados, avaliao de livros didticos, mudanas nas polticas de
formao de professores que contriburam para o desenvolvimento de
mudanas curriculares3. A idia de mudana geral do currculo, o projeto de
modificar toda uma poltica de currculo, nesse caso, favoreceu o prprio
processo particular de mudana que a difusa comunidade disciplinar de ensino
de Sociologia buscou implementar para si. Defendo que, nesse momento,
houve o pice de um movimento que j havia se iniciado com o processo de
redemocratizao nos anos 1980 e com as lutas pela (re)introduo da
disciplina Sociologia na escola.
Em funo desse quadro, considero o caso da disciplina Sociologia
proveitoso para a anlise das polticas de currculo: investigar o processo de
(re)introduo de uma disciplina e a simultnea criao de uma comunidade
capaz de defend-la. sobre essas questes que essa dissertao se
debrua.
Assim, considerando a trajetria da disciplina Sociologia nas polticas de
currculo dos anos 1990, este trabalho de pesquisa apresenta uma
investigao que inter-relaciona trs questes: 1) que comunidade disciplinar
esta que defende esta disciplina escolar no currculo? 2) quais so os
argumentos utilizados para a defesa da incluso desta disciplina no currculo
nesse perodo? 3) quais os principais sentidos dos discursos produzidos por
essa comunidade que circulam nas atuais polticas de currculo e contribuem
em sua produo?
Preliminarmente, localizo que h um entendimento da disciplina pela
letra da lei, no qual uma das finalidades formar um cidado, um jovem com
pensar crtico, ao utilizar seus conceitos, seus contedos, cada um com vis
prprio. Mas defendo que esse entendimento assume sentidos heterogneos,
ao serem apropriados de diversas formas por diferentes grupos sociais. Eles se
modificam e tomam outro corpo, deixando de ser Sociologia a disciplina
ensinada, podendo ganhar nomes outros, como tica e Cidadania,
3 Estou considerando aqui, tal como Goodson (1997), que toda mudana curricular traz em si, simultaneamente, os traos da estabilidade.
13
Orientao, entre tantas outras denominaes para as disciplinas que
trabalham com contedos sociolgicos.
Para investigar tais questes, so analisadas a proposta curricular para
a disciplina Sociologia nos Parmetros Curriculares Nacionais para o Ensino
Mdio (PCNem) e as Orientaes Curriculares para o Ensino de Sociologia
(OCNem), documentos oficiais4 produzidos por representantes da rea e que
marcam a (re)introduo da disciplina no currculo, ainda que ela j estivesse
aparecendo nas grades curriculares de algumas escolas desde o ano de 1989,
como j relatei5. Tambm so analisadas produes textuais dessa
comunidade disciplinar em defesa da disciplina Sociologia no currculo.
Tenho conhecimento que o sentido de texto no se restringe ao que
escrito, como afirma Lopes (2005), porm trabalho, como essa autora, com o
privilgio da produo de sentidos pelos textos escritos, pelo poder que tm na
produo de sentidos nas polticas e pela possibilidade maior de acess-los.
Outros sentidos poderiam ser identificados como postos em circulao, caso
tivssemos optado pelas entrevistas com membros dessa comunidade
disciplinar ou por investigar outros textos pedaggicos, como programas de
televiso, por exemplo. Mas a opo pelos textos escritos no implica ver
neles apenas sentidos oficiais ou acadmicos, mas sentidos hibridizados, entre
si e com sentidos da prtica, postos em circulao no ciclo contnuo de
polticas (Ball, 1994, 1998, com Bowe, 1998).
Em virtude do j mencionado carter difuso dessa comunidade, a
reunio dos documentos que expressam suas produes textuais j foi por si
desafiadora, mas ainda mais vivel e precisa de ser realizada do que a
definio de sujeitos para as entrevistas. Isso porque, alm de no existirem
sociedades consolidadas, no h congressos regulares e revistas peridicas da
rea, como mencionei. Assim, optei por realizar um levantamento das teses,
dissertaes e artigos produzidos no perodo de 1996 a 2007, sobre ensino de
sociologia, procurando investigar os argumentos em defesa da disciplina.
Para apresentao dessa pesquisa, inicio explicitando meu
entendimento de polticas de currculo, com base nos trabalhos de Stephen
4 Ao longo da dissertao, considero que a denominao documentos oficiais no implica ver esses textos como produes apenas oficiais. 5 Esse aspecto ser desenvolvido mais adiante, no histrico dessa disciplina, no captulo 2.
14
Ball, de Alice Casimiro Lopes e de Elizabeth Macedo, e o entendimento de
comunidade disciplinar, particularmente apoiada em Ivor Goodson e em Alice
Casimiro Lopes e Elizabeth Macedo. Em seguida, apresento o campo de
pesquisa, ou seja, os contornos dessa difusa comunidade em ensino de
Sociologia no Brasil de 1996 a 2007, destacando a trajetria histrica da
disciplina e os documentos levantados para anlise. Por fim, apresento a
anlise dos argumentos em defesa da disciplina e minhas principais
concluses, com limites e possibilidades deste trabalho de investigao.
15
Captulo 1 As polticas de currculo e as comunidades disciplinares As disciplinas escolares
A epistemologia da ps-modernidade, de certa forma, impe uma
ruptura no conceito acadmico de cultura, na medida em que:
h um desaparecimento do sentido de hierarquia entre
diferentes tipos de conhecimento, no h estrutura, no h
fundamentos, no existem metanarrativas que estabeleam
prioridades e que ordenem a validade das elaboraes
culturais. Tudo pode ser considerado, porque tudo parte da
cultura (Sacristn, 1999, p.174)
Isso confere a este sentido mais amplo da cultura, um aspecto de
distanciamento da cultura acadmica, na medida em que esta deixa de ter
fundamentos epistemolgicos que sustentem sua superioridade em relao a
outras culturas e seus saberes. Essa compreenso traz mudanas para o papel
da escola, at ento compreendida, por diferentes correntes, como a instituio
responsvel por disseminar a cultura acadmica, seja ela entendida na viso
enciclopedista a cultura de maior valor , seja ela compreendida nas verses
mais crticas, como a cultura legitimada pelo tempo que precisa ser acessvel,
tambm, s classes sociais trabalhadoras.
Com isso, algumas abordagens se propuseram a fazer da escola um
local de aculturao mais geral, com um olhar sobre o currculo que se
assemelhava a este saber geral, no especfico. Porm, isso tambm implica
alguns problemas, como, por exemplo, a discusso sobre o que se priorizaria
ensinar, pois o tempo para a discusso de quaisquer assuntos limitado e, ao
fim e ao cabo, certos assuntos se sobrepem a outros, sendo estes ltimos,
eliminados.
Sob esta perspectiva totalizante do termo cultura, a cultura popular
ganha tambm seu espao no universo escolar. Essa cultura passa a estar
presente de forma restrita, ao se examinar os aspectos do folclore, festas e
artes populares de um grupo social, ou de uma maneira mais ampla, servindo
como instrumento de recuperao do compromisso da escola com as classes
16
populares, na tentativa de oposio a uma escola suposta como entediante e
academicista.
Para alm dessas dicotomias, procuro trabalhar com a dimenso de
que no h culturas puras que se inter-relacionam, mas culturas em embates
sociais por significar o mundo. Considero, ainda, que nesses embates so
produzidos hbridos culturais (Garca Canclini, 1998). Mas preciso salientar
que, mesmo nas verses mais dicotmicas da relao entre cultura acadmica
e cultura popular, desenvolve-se a idia de relativizao na educao, com
base no conceito antropolgico de cultura. Entende-se que h culturas, e no
uma cultura nica.
Assim, nas OCNem, sob esta perspectiva, possvel observar que a
proposio de seu texto, est bem prxima de tais conceitos. Entende que a
Sociologia pensada para a escola, para o ensino mdio, uma disciplina que
supe um conjunto mnimo de contedos, mas de forma contextualizada, de
forma a refletir o universo cotidiano do aluno, dar conta de trabalhar conceitos
ligando-os cultura, e, de forma mais geral, utilizando as prticas, experincias
individuais/coletivas, as vivncias e os aspectos daquele grupo social
envolvido.
Para analisar tal concepo de disciplina, entendo ser necessrio
uma interpretao sobre o que se entende por disciplina escolar. Lopes e
Macedo (2002), em seus estudos e anlises sobre a organizao do
conhecimento escolar, no campo das pesquisas em currculo, lanam seus
olhares sobre como tais estudos podem ser divididos entre os que defendem
que a organizao do conhecimento escolar baseada em diviso de campos
de saberes, atravs da disciplinarizao, e os que entendem que tais saberes
possuem um processo mais abrangente para sua reconstruo. Neste ltimo
caso, a escola , mediando outras instncias sociais, a responsvel pela
produo dos saberes escolares6. Tal como as autoras, me identifico com a
segunda perspectiva.
A disciplina escolar tem grau de importncia para as anlises de
polticas de currculo, na medida em que ... por intermdio das disciplinas
que o conhecimento vem sendo prioritariamente transmitido nas escolas... (
6 Nesta anlise, no estou diferenciando saber e conhecimento.
17
Lopes, 2002, p: 81). nesse sentido que as autoras argumentam que a
organizao curricular em uma matriz disciplinar no impede que surjam
mecanismos de integrao, na forma da criao de disciplinas que se integrem,
ou mesmo atravs da articulao das disciplinas isoladas. Seja de que forma
for, a matriz disciplinar a responsvel pelos mecanismos de organizao e
controle da escola. A integrao, mesmo quando existente, subsumida
disciplinaridade.
Com base em Goodson e Boaventura7, as autoras analisam, ainda, as
diferenas entre disciplina escolar, disciplina cientfica e disciplina acadmica.
No campo do currculo, h um consenso no que diz respeito ao conhecimento
escolar. A teoria crtica defende que ele resultado de um tipo de seleo
cultural, advindo de fatores scio-culturais, polticos e econmicos, no
apenas critrios epistemolgicos, sendo organizado atravs da pedagogizao.
Mesmo que no levemos em conta esta teorizao, discutem Lopes e Macedo
(2002), encontramos comumente anlises das disciplinas escolares como
extenses dos saberes de referncia, acadmicos e/ou cientficos, e
possuidoras de lgicas e objetivos derivados destes saberes.
Em oposio a essas anlises, as autoras defendem que as disciplinas
escolares so diferentes das disciplinas acadmicas/cientficas, ainda que
faam parte de um tipo de mecanismo simblico, pelo qual se reduzem, por
assim dizer, os objetivos sociais da educao e as finalidades sociais do
conhecimento. Segundo Boaventura (apud Lopes e Macedo, 2002), as
disciplinas acadmicas/cientficas, sua organizao e constituio prescindem
da construo de novas especializaes cientficas, o que pode acarretar
resistncias por parte de certos grupos das comunidades cientficas. Da
mesma forma como inovaes no campo da cincia tendem a ser criticadas
como prematuras ou mesmo erradas e seus defensores serem isolados, sem
espao para defender suas idias, coibindo assim, a possibilidade do
surgimento de discpulos. Em compensao, este grupo de novas idias e/ou
mtodos, busca estratgias no sentido de legitimao dessas idias, atravs de
mecanismos de divulgao, como congressos e peridicos prprios, entre
outros.
7 Opto por citar o autor Boaventura de Souza Santos pelo primeiro nome por ser a forma como ele mais conhecido.
18
A converso reguladora, segundo Boaventura (apud Lopes e Macedo,
2002) ocorre quando h um processo de filtragem pela comunidade cientfica,
dos objetivos sociais, fazendo com que se tornem objetivos tericos da cincia.
Isto se d na etapa que Boaventura denomina fase ps-paradigmtica, que
quando a disciplina cientfica adquire seu ponto mximo de maturidade, e se
torna instrumento de ideologia, ou seja, a disciplina atinge seu ponto mximo
de disponibilidade aos objetivos sociais e acaba se tornando uma arma
poderosa a servio dos interesses das classes dominantes (apud Lopes e
Macedo, 2002). Isso lhe garante a possibilidade de crescimento e tambm nos
leva a compreender como a constituio e legitimao da disciplina cientfica
reduz as finalidades sociais do conhecimento e acaba por se aliar aos
interesses das elites.
As disciplinas acadmicas e escolares tambm direcionam as
finalidades sociais do conhecimento. Entretanto, a forma pela qual so
institudas difere do conhecimento cientfico. Uma das razes a prpria
constituio histrica dessas disciplinas, que se diferenciam tambm neste
sentido. As lutas por recursos, status e territrio, para usar as clssicas
categorias de Goodson (1997), se desenvolvem em instituies diversas,
buscando interesses diversos e atendendo, repito, a finalidades prprias do
contexto pedaggico.
No que diz respeito disciplina em questo, a Sociologia, h uma
tendncia por parte de alguns sujeitos da comunidade disciplinar de trat-la
com um grau elevado de academicismo. Isso pode ser compreendido, por um
lado, como uma tentativa de legitimao mxima da disciplina. Se for levado
em conta que as Cincias Sociais valorizadas so as do Ensino Superior e a
Sociologia, no Ensino Mdio, menos valorizada, compreende-se porque, para
ganhar o mesmo espao e valor, a Sociologia busca contedos e mtodos
acadmicos. Por outro lado, pode ser compreendida tambm, como a tentativa
de esses mesmos sujeitos se legitimarem e se valorizarem, pois, como ser
demonstrado em alguns estudos feitos sobre o assunto, o professor de
Sociologia, nem sempre um especialista da rea. Isto diferencia a disciplina
de grande parte das demais, por sua peculiaridade histrica e tambm pela
peculiaridade da construo de sua comunidade, ainda em andamento.
19
No que tange contextualizao dos universos acadmico e escolar, por
si s, j diferenciariam as disciplinas e, a princpio, no haveria relao
necessria entre ambas. Essas disciplinas tm trajetrias histricas e
finalidades razoavelmente autnomas, embora, muitas vezes, ocorram
aproximaes e interpenetraes entre elas. Isso acarreta que, do ponto de
vista terico-metodolgico, investigar sentidos e produes das disciplinas
escolares exige entender a histria especfica dessas disciplinas, e no buscar
referncias na histria do campo cientfico da disciplina.
Analisando a histria das disciplinas escolares, Lopes e Macedo (2002)
apresentam dois modelos, entendidos como provisrios, que:
... pretendem dar conta da evoluo das disciplinas escolares:
o primeiro, desenvolvido por Layton para o estudo das cincias
naturais, vem sendo aplicado por Goodson aos diversos
campos de saber e tem servido de base para vrios estudos
desenvolvidos no Brasil; o segundo, proposto por Mullins,
baseia-se na existncia de estruturas de comunicao entre as
disciplinas acadmicas e as inovaes das teorias intelectuais
associadas formao de grupos de pesquisa... (Lopes e
Macedo, 2002, p.78)
De acordo com Layton, as disciplinas escolares estariam em constante
fluxo, e por esta razo passariam por trs estgios do processo histrico de
sua constituio. No que seria o primeiro estgio, a disciplina seria includa no
currculo escolar, a partir de sua pertinncia e utilidade, estando o interesse
dos alunos diretamente relacionado s questes, apresentadas pela disciplina,
que lhes digam respeito. Alm disso, o corpo docente raramente tem formao
especfica na rea. Defendo que a disciplina Sociologia tem caractersticas
que, de certa forma, a colocam neste estgio. A defesa de incluso ainda
baseada em sua utilidade e seu carter pedaggico, no tem forte relao com
padres universitrios, em virtude de no ser exigida na maioria dos concursos
vestibulares, ainda que isso no impea que ela assuma, por vezes, como
mencionei, um vis acadmico.
No segundo estgio, estariam estabelecidas as disciplinas entendidas
como tradicionais, com tradio acadmica, e os professores, passam a ser os
20
especialistas da rea. No h o atendimento direto ao interesse do aluno como
foco principal, e os critrios de legitimao passam a ser a utilidade da
disciplina e o status acadmico. Poderiam ser consideradas neste contexto,
disciplinas mais tradicionais no currculo, como Histria, Geografia, Fsica e
Qumica, por exemplo.
O terceiro estgio j conta com a disciplina escolar estabilizada, e diz
respeito quelas disciplinas tradicionalssimas, que dispem de um corpo de
professores treinados, com um conjunto de regras e valores fortemente
estabelecidos, sendo estas, que direcionam a seleo e a organizao dos
contedos, e os alunos so inseridos nesta tradio escolar amplamente
aceita. Uma disciplina com tais caractersticas, para exemplificar, poderia ser a
Matemtica. Claro que a incluso das disciplinas nesses estgios apenas
aproximada e depende de muitas outras razes, relacionadas s suas
trajetrias histricas e institucionais especficas, que escapam ao escopo deste
trabalho.
A anlise de Layton, apesar de poder ser entendida como linear,
extremamente til para o entendimento da institucionalizao das disciplinas
escolares. De acordo com Goodson, ... a consolidao de uma disciplina no
currculo tende a envolver a passagem de uma orientao inicial mais
pedaggica e utilitria para uma tradio mais acadmica... (Lopes e Macedo,
2002, p.79)
Questionando a linearidade do modelo de Layton e sua apropriao por
Goodson, mas no se afastando dele completamente, Lopes (2000) salienta o
quanto as tradies utilitrias e acadmicas se mesclam, com diferentes
intensidades, ao longo da trajetria histrica da disciplina. A passagem, a qual
se refere Goodson, denota mais uma modificao na nfase entre essas
tradies ao longo de um determinado tempo histrico. Isso evidencia o quanto
as tenses e conflitos entre elas possibilitam hibridizaes de tradies.
Isso nos faz compreender que a disciplina escolar no uma tradio
que se baseia e se refere exclusivamente disciplina acadmica ou
cientfica. Tambm no a transposio de conhecimentos acadmicos para o
mbito escolar. Ao invs disso, a disciplina escolar socialmente,
culturalmente e politicamente construda, em terreno de contestao,
fragmentao e associao, e est em constante movimento de mudana.
21
Esto envolvidas neste processo, ideologias individuais e/ou de grupos,
implicando institucionalizaes diferenciadas de cada disciplina escolar.
Diferentemente das disciplinas cientficas/acadmicas, a disciplina
escolar tem como princpio e finalidade a organizao do currculo escolar e o
controle da escolarizao. As principais crticas a esse modelo de organizao
do currculo dizem respeito sua pequena capacidade de dar conta da
problemtica social, justamente por se aproximar demais de padres
acadmicos.
Em defesa da organizao disciplinar do currculo, surgiram duas
propostas, uma tomando por base uma temtica integradora, e a segunda,
baseada na constituio de novos campos de saberes interdisciplinares. A
integrao atravs da temtica, na maioria das vezes, se d no entrelaamento
dos contedos, na forma da estrutura disciplinar clssica. Ocorre que, dentro
da organizao temtica, h a vertente que aponta para a construo da
disciplina escolar a partir de critrios diversos dos da disciplina cientfica, e a
que nem sequer toma a disciplina cientfica como referncia.
J a integrao pela via da constituio de campos de saberes
interdisciplinares pode tomar a disciplina cientfica como referncia, ou basear-
se nas finalidades do processo educativo. Em resumo, a organizao do
currculo disciplinar tem como lgica principal a organizao e o controle,
relacionados aos fins sociais do conhecimento e da educao, mas outras
organizaes, visando a outras finalidades, disputam a hegemonia com a
organizao disciplinar.
No caso da Sociologia, e entendendo o currculo disciplinar como um
todo, possvel afirmar que ela se insere nessa tecnologia de controle de
sujeitos, saberes, espaos e tempos: quem estuda o qu e quando, onde e em
que lugar. A Sociologia uma disciplina escolar e, portanto, se insere nessa
lgica: organiza os saberes que os alunos aprendero, controla professores e
alunos. O professor de Sociologia, com toda sua formao acadmica, est
inserido em uma comunidade disciplinar que o formou em saberes, vises de
mundo, formas de pensar e estudar que se refletem em sala de aula. O
discurso de formao do aluno-cidado um dos muitos que constitui a
disciplina Sociologia e pe em circulao determinados sentidos que acabam
22
fazendo com que os professores e alunos trabalhem de certa maneira nessa
disciplina.
Dessa maneira, defendo que a Sociologia, longe de poder ser fixada em
um conjunto de finalidades especficas, mescla de forma hbrida finalidades
acadmicas e utilitrias, mesmo estando, sob certos aspectos, no primeiro
estgio de Layton, anteriormente descrito. Saliento que os limites desses
aspectos associados ao primeiro estgio relacionam-se com a interrupo da
trajetria histrica dessa disciplina no currculo. Ou seja, ela retornou a um
primeiro estgio do qual j havia anteriormente sado8.
Os espaos disciplinares se constituem como capazes de definir
caminhos para a construo de carreiras dos alunos, garantir status aos
professores e construir retricas legitimadas que do apoio automtico a uma
atividade corretamente classificada... (Lopes, 2002, p.83). Por isso, apoiando-
me ainda em (Lopes, 2002) defendo que:
...a disciplina escolar um sistema e uma prtica
institucionalizada que proporciona uma estrutura para a ao
escolar. No entanto, salienta o autor, no podemos ver essa
estrutura como isolada de um contexto mais amplo. Ao
contrrio, ela incorpora e define objetivos e possibilidades
sociais do ensino, fazendo parte das prticas de distribuio e
de reproduo social. Por intermdio das disciplinas escolares,
mais facilmente so mascaradas as relaes de poder que
sustentam as aes curriculares e que so sustentadas por
estas aes, desta forma legitimando a distribuio desigual do
conhecimento... (Lopes, 2002 p.83)
Ainda para Goodson (1997), fato que a disciplinarizao fragmenta, e
esta fragmentao acaba por isolar os diversos atores curriculares, no universo
de cada disciplina, o que dificulta os debates sobre quais so os objetivos
sociais do ensino. Mas a manuteno da organizao disciplinar se vincula a
8 No estou entrando no mrito aqui de considerar o quanto essa disciplina, ao longo de sua histria, se modificou. No h como considerar que o que hoje se ensina como Sociologia o mesmo que se ensinava no passado. A concluso a esse respeito mereceria outras investigaes.
23
sua atuao como tecnologia de organizao curricular, como j mencionei, e
encontra sintonia com a constituio das comunidades disciplinares.
A disciplina menos uma diviso de saberes e mais a constituio
desse campo de poder que defende esses saberes. Para essa defesa,
formada uma comunidade de especialistas em torno da existncia desse
campo de poder. Disciplinas escolares mais consolidadas tm comunidades
mais organizadas, com sociedades especficas, produes textuais mais
definidas em artigos e livros, inclusive didticos. Angariam maiores recursos
e constituem um territrio prprio. Disciplinas escolares menos definidas e
presentes nas escolas formam comunidades mais difusas, como o caso da
Sociologia. Mas ainda assim essas comunidades participam da produo de
polticas de currculo, especialmente porque, por intermdio do currculo,
tambm defendem a sua prpria comunidade, seu territrio, sua trajetria
profissional, seus recursos, seu status e, acrescentado ao que Goodson
discute, seu poder.
O entendimento das polticas de currculo
Segundo Lopes (2004), toda poltica de currculo uma poltica cultural,
portanto, sua anlise a partir de processos econmicos e/ou de classe, onde h
a presena do Estado, dificulta o aparecimento de lutas sociais que do sentido
s dinmicas da cultura e do conhecimento. Para o entendimento das polticas
de currculo como polticas culturais, alguns sistemas de representao devem
ser pensados, como o mercado e a produo, o consumo, a cultura comum, o
currculo nacional, para que possam ser entendidos seus efeitos discursivos,
simultaneamente simblicos e materiais (Lopes, 2004, p.37)
Citando Ball, a autora entende que a poltica , simultaneamente, texto e
discurso. Utilizando a concepo de prtica discursiva de Foucault, Ball analisa
definies polticas como discursos, onde prticas formam os objetos dos quais
falam e se associam ao que pode ser dito, a quem pode dizer, quando e com
que autoridade. Alm disso, nenhum discurso pode ser compreendido fora das
relaes materiais que o constituiinvestigar os discursos, implica investigar
as regras que norteiam as prticas (Lopes, 2004, p.38)
24
Ao pensar as polticas como discursos, Ball est chamando ateno
para o fato de que os conhecimentos na base da hierarquizao dos saberes
no esto completamente excludos, mas alguns discursos nos induzem a
pensar e a agir de modo inverso, o que limita nossas respostas e at
mudanas (Lopes, 2004, p.38). So diversos os produtores dos textos e dos
discursos: o governo, o meio acadmico, as prticas escolares, o mercado
editorial, os grupos sociais que atuam e pensam sobre educao (Lopes, 2004,
p.38). Tal produo em diferentes contextos e por diferentes grupos sociais
est sempre imbricada em conflitos e disputas por hegemonia. Essa produo
poltica , assim, obrigatoriamente hbrida.
Tambm possvel pensar o discurso, pelo referencial da discipina
Sociologia, como um hbrido, segundo a seguinte perspectiva: tomam-se como
paradigmas inmeras idias /autores das Cincias Sociais, por
grupos/segmentos diferenciados, e, ao chegarem escola, estes discursos j
se hibridizaram, por serem apropriados de maneiras distintas.
Pensando ento na implantao da disciplina Sociologia no Ensino
Mdio, como uma poltica curricular, e pensando nos discursos produzidos para
legitim-la, percebe-se que diferentes grupos da comunidade disciplinar
rejeitam essa concepo da disciplina como formadora do aluno-cidado, pois
ao se apropriarem dos diversos discursos que circulam nas comunidades
acadmicas e disciplinares, hibridizam-nos. desenvolvido o que Ball (1994)
denominaria bricolagem, pois esses discursos esto presentes nos contedos
que a disciplina pretende utilizar e na forma que assumem ao serem
apropriados por diversos grupos.
possvel observar que a disciplina Sociologia chega sala de aula
para ser modificada no contexto da prtica (onde se inserem diferentes grupos
da comunidade disciplinar), na medida em que a Sociologia na escola
depender de diferentes fatores, relacionados instituio especfica na qual
se insere. Esses fatores englobam desde a formao individual, ideologias, at
a questo cultural, j apresentada, pois os conceitos sociolgicos discutidos
tendero a ser contextualizados de formas distintas, dependendo do grupo
social, mas tambm da cultura local na qual esto inseridos
professor/aluno/escola.
25
Aliado a esses fatores, possvel acrescentar produo das polticas
de currculo para essa disciplina, a influncia de documentos oficiais, assinados
pelo Estado, como por exemplo, as Orientaes curriculares e os Parmetros
curriculares nacionais para o ensino mdio. Tais documentos trazem
proposies de um currculo comum e apontando condicionantes para as
prticas discursivas em sala de aula.
Essa perspectiva refora a idia de ser a disciplina Sociologia, no ensino
mdio, produtora de discursos hbridos, a partir das reinterpretaes mltiplas
que a produzem enquanto disciplina escolar. Nessa perspectiva, possvel
lanar o olhar sobre a disciplina como produtora/reprodutora destes discursos
hbridos, a partir de tais reinterpretaes que a produzem como disciplina, pois,
segundo (Lopes, 2006, p.39):
O hibridismo envolve a mistura de concepes...
caracterizado sobretudo, pela negociao de sentidos nos
diferentes momentos da produo de todos os textos e
discursos...nessa negociao entram em jogo, particularmente
concepes de currculo e acordos a serem feitos entre os
diversos segmentos sociais, dentre eles, as comunidades
disciplinares.
A autora sinaliza ainda que:
As lutas que constituem os currculos so, portanto,
simultaneamente, polticas e culturais. Para entend-las,
parece-me importante compreender os discursos hegemnicos
que buscam atribuir sentidos e significados fixos ao currculo e
as comunidades que garantem a disseminao desses
discursos. (Lopes, 2006, p. 40)
Tal compreenso da disciplina escolar e do currculo como hbrido de
discursos exige outra abordagem para a poltica que se afaste de
interpretaes centralizadas na produo do Estado. Para isso, recorro ao
artigo de Mainardes (2006) sobre Ball e ciclos de poltica, e defendo os
principais contextos pensados por este autor: o de influncia; o da produo de
26
textos, e o da prtica. O autor pensa nestes trs contextos de forma cclica,
onde um complementa o outro, numa espcie de circularidade. O discurso em
formao em qualquer um dos contextos recebe apoio, mas, outras vezes,
questionado e desafiado pelos prprios grupos, ou isoladamente.
Considerando detalhadamente este trs contextos bsicos em que os
textos dessas polticas so produzidos, necessrio pensar que no h limites
rgidos entre esses espaos: a) contexto de influncia, contexto de carter
poltico bem amplo, no qual normalmente ocorrem as disputas pela construo
de discursos definidores dos princpios mais gerais que norteiam a atividade
educacional, indicando suas finalidades sociais; b) contexto de produo dos
textos das definies polticas, de carter oficial e centralizador, mantendo
estreito vnculo com o primeiro contexto; c) contexto da prtica9, no qual as
definies curriculares so mais uma vez recriadas e reinterpretadas. Ao
circularem de um contexto a outro, os textos sofrem constantes
reinterpretaes, em um jogo de carter poltico com lances discursivos que
reforam ou alteram determinados sentidos dos textos em detrimento de
outros. Na interpretao de Ball (1998), essa circularidade discursiva uma
caracterstica da produo de textos hbridos realizada em processos de
recontextualizao.
Com base nessa abordagem, possvel entender que qualquer texto ou
discurso de uma poltica traz em si sentidos de textos e discursos dos mais
variados contextos. Nesse sentido, quando priorizo, nesta dissertao, a
anlise de textos acadmicos, no exploro sentidos apenas de um espao
acadmico. Mas analiso como esses textos incorporam sentidos de outros
textos e contextos. E analiso, tambm, como esses sentidos so postos em
circulao no ciclo de polticas e contribuem para a produo de polticas.
Dessa forma, um documento oficial, como, por exemplo, as Orientaes curriculares para o ensino Mdio, da disciplina Sociologia, se apresenta como o
produto dos contextos de influncia e de produo de textos, com suas
consideraes bem claras quanto aos contedos, recursos, metodologias, etc.
Mas tambm traz em si sentidos da prtica das escolas, seja porque os autores
desses textos so tambm professores que interagem com essas prticas, seja
9 Ao denominar este contexto como da prtica, Ball est salientando o espao das prticas curriculares escolares. Isso no significa dizer que no existam dimenses prticas em outros contextos.
27
porque tais textos so produes discursivas nas quais esses sentidos se
interpenetram.
Quando o prprio documento reconhece em seu corpo de texto a
dificuldade de estabelecer um currculo nico para a disciplina, e de contar
rapidamente com a unanimidade do contexto da prtica (a comunidade
disciplinar de Sociologia), j aponta para o dilogo obrigatrio que se
estabelece com outros sujeitos e contextos. A produo textual e discursiva
hbrida enfatizada no desenvolvimento do projeto, a partir da interpretao
das recontextualizaes discursivas que podem reforar, enfraquecer ou alterar
significativamente os sentidos expressos em textos curriculares. Vale dizer que
esse processo de construo discursiva prprio de qualquer produo
cultural e que no deve ser entendido como negativo. Entretanto, possvel
destacar como se acentua na atualidade, tornando-se mais relevante para
anlise e tornando mais evidentes, porque mais aceleradas, as
reinterpretaes e a associao de interesses ambguos e ambivalentes.
Assim, pela incorporao da abordagem do ciclo de polticas de Ball, os
discursos para legitimar o ensino obrigatrio de Sociologia no Ensino Mdio
podem ser pensados como hibridizados e como decorrentes de um processo
de recontextualizao por hibridismo nos/dos discursos, que ao chegarem a
escola sero apropriados de formas distintas, muitas vezes ambivalentes.
Roteiros para a disciplina disponveis e entendidos como adaptveis a cada
estado, municpio, escola e a cada professor so desterritorializados,
modificando, ainda mais, o carter da disciplina.
Passo ento a abordar a compreeenso mais detida da
recontextualizao por hibridismo.
Recontextualizao por hibridismo
Lopes (2005) defende que existe uma articulao entre discursos
estruturalistas e ps-estruturalistas nas anlise de Ball sobre as polticas de
currculo, sendo essa articulao mais evidente na associao das concepes
de recontextualizao e hibridismo. O conceito de recontextualizao, oriundo
das teorizaes estruturalistas de Bernstein, apresenta-se como extremamente
produtivo, no que diz respeito ao entendimento das reinterpretaes dos textos
28
que circulam no meio educacional, que so constantemente ressignificados. A
concepo de hibridismo visa a dar conta das mudanas culturais na
atualidade, dos deslizamentos de sentidos e do rompimento com a concepo
de estrutura.
A concepo de recontextualizao passa a ser mais utilizada em
pesquisa que buscam interpretar a influncia de orientaes de agncias
multilaterais ao serem inseridas nos contextos dos EstadosNao e as
dinmicas das trocas polticas entre os diferentes Estados-nao no mundo
ocidental. Essas polticas curriculares, em grande parte, so dirigidas pelo
poder central de um pas e acabam por influenciar outros pases. A
recontextualizao tambm incorporada em anlises que tentam entender
como inmeros textos de apoio ao trabalho educacional acabam por se
modificar em contextos disciplinares especficos.
Ao pensarmos no processo de recontextualizao, a partir de Bernstein
(apud Lopes, 2005), possvel entender que os textos, sejam eles assinados
ou no pelo sistema oficial, acabam por se fragmentar quando inseridos no
corpo social da educao. Alguns trechos tendem a ser mais valorizados que
outros, e associam-se a outros textos, que iro ressignific-los e refocaliz-los.
Pensando na disciplina Sociologia, tal fato fica muito evidente quando
identificamos as inmeras modificaes que o texto oficial sofre ao chegar
escola, sala de aula, e, por vezes, em etapa anterior. Por inmeros fatores,
que vo desde a formao do professor de Sociologia, que muitas vezes no
tem formao especfica na rea, at fatores scio-culturais mais amplos,
ocorrem modificaes e reinterpretaes destes textos oficiais.
Bernstein (2003) expe ainda que, no interior do discurso pedaggico,
localizam-se regras que do suporte ao processo de recontextualizao, pela
incorporao de discursos instrucioniais nas regras do discurso regulativo.
Assim, para o autor, trata-se de um princpio de recontextualizao de outros
discursos, que podem ser transmitidos e/ou adquiridos. Predomina, nesse
sentido, o discurso da regulao, pois este capaz de garantir ordem e
controle no que tange ao discurso instrucional.
No que diz respeito Sociologia, no so as regras inerentes
constituio do discurso instrucional sociolgico que predominam na disciplina
escolar Sociologia, mas as regras do discurso regulativo que constituem o
29
discurso pedaggico dessa disciplina. Os contedos de Cincias Sociais so
inseridos nessas regras e, dessa forma, recontextualizados, para atender s
finalidades de um processo social distinto o pedaggico e escolar. Nesse
processo, por vezes, menos importante ensinar os contedos da disciplina do
que forjar um determinado perfil de cidado e de compreenso da sociedade
considerados necessrios.
Em sua anlise, Bernstein (2003) diferencia o campo recontextualizador
oficial e o campo recontextualizador pedaggico. O campo recontextualizador
oficial aquele criado pelo Estado, j o campo recontextualizador pedaggico
composto pelos educadores das escolas e das universidades, assim como
aqueles que produzem literatura especfica e trabalham com pesquisas no
campo da educao. As relaes entre os dois campos, o oficial e o
pedaggico, so salientadas pelo autor, mas, nem sempre, as superposies e
articulaes entre esses campos so exploradas, perspectiva esta que
defendo. Isso porque, o modelo de recontextualizao proposto por Bernstein
apresenta caractersticas de binarismo, e seus pares invarialvelmente se
interconectam em relaes de poder, tais como: discurso regulativo/discurso
instrucional; campo de produo/ campo simblico ; Estado /organizaes de
produo do conhecimento pedaggico. A esses binarismos que a
perspectiva do hibridismo visa a questionar.
A importncia do processo de recontextualizao na produo e
pesquisa de polticas de currculo decorre do fato de que, atravs deste
conceito, podem se identificar as reinterpretaes relacionadas aos processos
de circulao de textos e as aes, de resistncia e de mudana, de diversos
grupos sociais em vrios nveis.
Ainda neste sentido, para as polticas de currculo, segundo a anlise de
Lopes (2006), pode se identificar como extremamente produtiva a constante
articulao entre o macro e o micro. O modelo de Bernstein busca uma anlise
de baixo para cima, ou seja, das escolas para contextos mais amplos, seja
das polticas oficiais, seja para os educadores, que contribui para questionar
modelos exclusivamente de cima para baixo.
Ball incorpora a concepo de recontextualizao de Bernstein
associada ao hibridismo das teorias ps-coloniais e dos estudos culturais. Esse
autor investiga as polticas educacionais compreendendo as articulaes
30
estabelecidas em diversos contextos, porm sem que as hierarquias entre eles
sejam estabelecidas. Isto possvel quando o autor pensa nos contextos de
influncia, de definio de textos e da prtica como no-hierarquizados e
sujeitos sempre aos processos de recontextualizao.
Mas ao incorporar idia de recontextualizao, a concepo de cultura
pelo hibridismo, o autor valoriza as nuances e variaes locais das polticas
educacionais, questiona as dicotomias estruturalistas e assume um carter
mais ambivalente na anlise das polticas. Particularmente nas polticas de
currculo, a incorporao do conceito de hibridismo se d ao compreend-las
como polticas culturais, que obtm consenso, alcanam transformaes
sociais, orientam movimentos simblicos e, no apenas selecionam, produzem,
distribuem e reproduzem o conhecimento (Lopes, 2006).
Com base em Garca Canclini (1998), o hibridismo pode ser
compreendido com base nas seguintes noes:
Descolees entendimento das associaes atualmente feitas entre o
culto e o popular, entre estratos culturais de classes sociais distintas,
bem como entre produes culturais aproximadas pela atuao das
tecnologias. Essas descolees tambm so vistas como capazes de
romper as hierarquias, mesmo que no sejam capazes de acabar com
as diferenas entre as classes.
Desterritorializao perda da relao vista como natural entre cultura e
territrios geogrficos e sociais.
Reterritorializao relocalizaes territoriais, relativas e parciais, de
antigas e novas produes simblicas.
Gneros impuros gneros constitucionalmente hbridos, produzidos
tanto pelas descolees, quanto pelas desterritorializaes e
reterritorializaes.
As colees so posturas modernas/estruturalistas, que se baseiam nos
pares binrios (culto/popular, por exemplo), e modernamente o currculo era
pensado a partir delas. Assumindo a interpretao do hibridismo, as colees
se dissolvem, produzindo associaes ambivalentes em nome de finalidades
distintas. A cultura, que na concepo estruturalista, como a de Bernstein, era
pensada a partir de categorias aliadas s relaes de poder, no hibridismo,
31
assume caractersticas difusas, onde identidades e diferenas se misturam e
as classificaes no so mais reconhecidas.
O currculo no Brasil est recheado do que seriam gneros impuros e a
disciplina Sociologia pode ser entendida como mais um exemplo desse gnero.
Quando discursos compreendidos como temas tranversais - violncia, msica
popular, cidadania, tica dialogam com a base disciplinar acadmica da
Sociologia, entendo que so rompidas colees estruturadas e forma-se um
gnero impuro: a disciplina escolar Sociologia.
No uma juno de discursos contraditrios cincia e senso comum -
, nem a submisso dos saberes populares ou no-acadmicos pelos saberes
acadmicos. estabelecido o hibridismo de discursos para que sejam
atendidas s finalidades da escola.
Para que a categoria de ambivalncia seja incorporada, fundamental
que categorias outrora amplamente utilizadas pelo estruturalismo, como, por
exemplo, os pares binrios identidade/diferena, culto/popular, sejam pensados
por meio da simultaneidade da atribuio de mltiplas categorias ao ser.
Nesse sentido, a ambivalncia pode ser entendida como um processo de
negociao tanto de sentidos quanto de significados.
Na recontextualizao estruturalista faz-se necessrio o afastamento
dos diferentes campos recontextualizadores (o oficial e o pedaggico), na
tentativa de reduzir o que seria chamado por Bernstein (apud Lopes, 2006) de
constrangimentos ideolgicos da recontextualizao. Igualmente, devem ser
evitados os constrangimentos dos campos econmico e do controle simblico
sobre as reiterpretaes realizadas.
J na recontextualizao por hibridismos, estes afastamentos so vistos
como impossveis, por causa das constantes desterritorializaes e
reterritorializaes, assim como a dissoluo das fronteiras.
Como concluso, a autora coloca que:
... nas polticas de currculo,os contextos deixam de ser vistos
como hierrquicos e a circulao de textos entre os mesmos
no interpretada como uma deturpao ideolgica. As
hibridizaes no so entendidas como superao das
hierarquias e dos mecanismos de opresso, e tampouco como
produtoras de consensos entre as diferenas. H relaes de
32
poder (oblquas?) que favorecem determinados sentidos e
significados em detrimento de outros nos processos de
negociao, nos quais os deslizamentos de sentidos so
formas de escape e opresso. Cabe investigao das
polticas de currculo, entender o que privilegiado. Com isso,
as polticas curriculares no mundo globalizado envolvem uma
tenso global-local que no se desenvolve em uma hierarquia
rgida e tampouco so discursos superpostos que podem ser
utilizados livremente, sem que alguns sentidos e significados
sejam prevalentes. (p.61)
33
Captulo 2 O campo de pesquisa: o ensino de Sociologia no Brasil de 1996 a 2007
Sociologia: uma disciplina ausente do currculo
A tentativa da introduo da Sociologia no currculo do ensino mdio se
iniciou juntamente com a chegada do positivismo em nosso pas, no iderio
poltico de Benjamin Constant, Ministro da Educao do Governo Floriano
Peixoto, em 1891. Este ministro apresentou um Plano Nacional de Educao e
previa como obrigatrio o ensino da Sociologia (Carvalho, 2004). No perodo de
1891 a 1964, fica caracterizada a introduo da disciplina como iniciativa
governamental10, por reformas do ensino, mas a Sociologia fica muito marcada
como disciplina de Curso Normal, de formao de professores (Carvalho,
2004). Em 1928, com a Reforma do Ensino, a disciplina passou a fazer parte
do currculo das Escolas Normais (formao de professores), do ento Distrito
Federal (RJ) e da cidade de Recife (PE). Em 1931, a Sociologia deixa de ficar
restrita aos cursos de formao de professores, em funo de uma idealizao
de educao mais humanista (Carvalho, 2004), por parte de alguns grupos, e
passa a fazer parte de vrias instituies de ensino, o que ir durar at o golpe
de 1937.
Na Segunda fase da Era Vargas, a disciplina volta a fazer parte apenas
do currculo dos Cursos Normais, nos quais permanecer at o Golpe de 1964,
com as mesmas caractersticas gerais. A ditadura militar se encarregou de
retirar todo e qualquer resqucio de Sociologia das escolas de nvel mdio,
como disciplina escolar oficialmente registrada11. Alguns professores e
universitrios da disciplina foram presos, caados e/ou aposentados
compulsoriamente, principalmente a partir de 1969, como conseqncia do Ato
Institucional no. 5 (AI-5).
O ensino de Sociologia ficou restrito s Escolas Normais, principalmente
como Sociologia da Educao, segundo caractersticas determinadas pelo
10 Afirmar tal iniciativa no significa desconsiderar as influncias de outros contextos na deciso curricular referente a essa disciplina. 11 No possvel afirmar que os contedos de sociologia tenham sido totalmente abandonados, pois eles podem ter sido abordados em outras disciplinas, como Histria e Geografia, ou em outras atividades. Mas certamente a represso poltica coibiu muitas dessas aes.
34
novo regime de governo, e, com a reforma do ensino, e a Lei 5.692 de 1971,
ocorre a introduo, nos currculos de nvel mdio, das disciplinas Educao
Moral e Cvica (EMC) e Organizao Social e Poltica do Brasil (OSPB). Dessa
forma, foi introduzida, na carga horria anteriormente ocupada pela Sociologia
e pela Filosofia, as disciplinas pelas quais o governo visava a transmitir a
ideologia da segurana nacional.
Nos anos 80, alguns estados decidem re-introduzir a disciplina no
currculo das escolas de nvel mdio. Destacam-se Rio de Janeiro,
Pernambuco e Minas Gerais, que tornam a disciplina optativa por intermdio da
lei no. 7.044, de 1982.
Em 1996, com a aprovao de nova Lei de Diretrizes e Bases da
Educao e, sob orientao das Diretrizes Curriculares Nacionais para o
Ensino Mdio, de 1999, a Sociologia reintroduzida, mas sob o risco de ser
diluda na rea de saber Cincias Humanas e suas tecnologias. Isso porque as
diretrizes estabelecem como obrigatrias apenas as reas e no suas
disciplinas. Isso no um risco para disciplinas consolidadas, mas disciplinas
como Sociologia, com menos espao das escolas, podem ser tratadas como
abordadas na rea, por exemplo, por disciplinas Histria e Geografia, sendo
consideradas como no precisando de um espao prprio na grade. Isto faz
com que a Sociologia retorne mascarada, pois a partir deste conceito, o aluno
no precisaria de aulas de Sociologia, com um professor de Sociologia,
bastaria, por exemplo, que o professor de Geografia discutisse sobre uma
determinada matria do jornal, que abordasse as dificuldades de gerao de
energia no pas, e relacionasse com a sua prpria matria. Desta forma, estaria
trabalhando a transversalidade, a Geografia e a Sociologia.
Somente em 2006, o Conselho Nacional de Educao, atravs de sua
Cmara de Ensino Bsico CEB/CNE, aprovou, por unanimidade, uma
resoluo, de no. 38/2006, que modifica a de no. 3/98 e que obriga o ensino
das disciplinas Sociologia e Filosofia em todas as escolas de nvel mdio,
(Carvalho, 2004).
Em funo da peculiaridade histrica da disciplina, pode-se afirmar que
a Sociologia tem uma histria de currculo muito diferente das outras disciplinas
e, inclusive, por ser to recente, no conta ainda com uma comunidade de
professores, seja em mbito estadual, regional ou nacional, no havendo
35
tambm dilogo entre estes grupos, que produziriam consensos acerca de
contedos e metodologias.
Como j apontei anteriormente, as associaes profissionais dos
socilogos atuam na defesa dessa disciplina no currculo do ensino mdio.
Considero, ento, nesta pesquisa de que no h, at o momento, nenhum
Conselho Nacional ou Regional de Socilogos. Dispomos, por exemplo, na
cidade do Rio de Janeiro, da Associao dos Socilogos do Rio de Janeiro
(APSERJ), que tem sua sede na UERJ, mas, como j dito, poucos profissionais
tm conhecimento da existncia desta entidade.
Neste contexto, possvel identificar que a ausncia da disciplina
Sociologia na grade curricular no significa a ausncia dos contedos da
disciplina, pois, levando-se em considerao a transversalidade, conceitos e
contedos mais especficos podem ser tratados de forma mais geral, ou
inseridos numa discusso de outra disciplina. Por exemplo, numa aula de
Histria, possvel traar paralelos de fatos, momentos histricos,
contextualizando-os sociologicamente, apontando as diferenas culturais,
sociais de um dado momento histrico em comparao com o momento atual.
Esta, porm, uma situao muito criticada, compreensivelmente, na grande
maioria dos estudos realizados sobre o ensino de Sociologia at ento, que
sero apresentados mais adiante. Os argumentos em defesa da disciplina se
debruam, entre outras coisas, na defesa que a Sociologia deve ser discutida,
analisada, trabalhada em sala de aula pelo profissional da rea, que, a priori,
dispe de recursos, estratgias e embasamento terico que viabiliza a
discusso de forma pertinente. defendido, ainda, que a estrutura conceitual
da disciplina difere, por exemplo, da de Histria, o olhar do historiador
diferente do olhar do socilogo, o que torna imprescindvel que a disciplina
Sociologia esteja presente na grade curricular. Mesmo quando existe a defesa
de propostas de currculo integrado e/ou transversal, essa se faz associada
defesa da disciplina especfica e, por conseguinte, de seu status, seus
recursos, seu territrio e o territrio profissional dos atores sociais da
comunidade que ela constitui.
Justamente porque, com base em Goodson (1997), entendo que a
defesa da disciplina est diretamente relacionada com as trajetrias
profissionais da comunidade disciplinar em questo, procurei entender o que
36
est sendo estabelecido como perfil para o professor de Cincias Sociais,
questo que passo a abordar na prxima seo.
O profissional de Sociologia
Na medida em que a comunidade de ensino de Sociologia
extremamente difusa, pelos argumentos anteriormente apresentados, busquei
compreender a identidade do professor de Sociologia por intermdio do que se
projeta para o profissional de Cincias Sociais. Foram, assim, investigados
materiais na internet acerca de quem o profissional de Cincias Sociais, qual
o perfil do candidato no vestibular, o que o curso, quais seus objetivos, a
presena ou no da disciplina nas provas de vestibular, na tentativa de mapear,
minimamente, os projetos para esse profissional. Procurei se estes
profissionais e instituies de ensino superior, mencionam que o Socilogo
formado, tambm o professor de Sociologia para turmas do Ensino Mdio.
O PROFISSIONAL
Esse cientista estuda e explica fenmenos sociais, como as
migraes, os movimentos culturais, as organizaes
polticas, etc.
Ele estuda e pesquisa a origem, a evoluo, as mudanas e a
influncia que certos fenmenos exercem sobre uma
sociedade. Um exemplo, o estudo sobre as mudanas culturais
que os italianos provocaram no Brasil.
Ele observa, analisa e interpreta costumes e hbitos sociais.
Verifica a relao entre o ambiente, o indivduo e os diferentes
grupos sociais.
O MERCADO DE TRABALHO
37
O nosso mercado de trabalho pequeno, restrito ao ensino e
a pesquisa. A grande vantagem que o curso oferece uma
formao ampla ao estudante, isso permite que o socilogo
aumente o seu leque de opes profissionais.
Hoje, o socilogo est presente em rgos de comunicao,
partidos polticos, empresas de recursos humanos e, mais
recentemente, em Organizaes no Governamentais,
desenvolvendo pesquisas como grupos indgenas, meninos de
rua,etc.
Prof.JlioSimes
Escola de Sociologia e Poltica de So Paulo
A profisso regulamentada pela Declarao 89531, de
04/04/1984. Os profissionais so representados pela
Associao de Socilogos do Estado de So Paulo.
O CURSO
O estudante desse curso precisa ter preocupao constante
com os problemas contemporneos. Precisa ler muito, ler tudo,
desde documentos oficiais, artigos de jornais e revistas, livros
especializados na rea ou no. S muita leitura que
desenvolve a capacidade de interpretao da realidade.
O curso tem a durao de quatro anos. Entre as disciplinas do
currculo: estatstica, antropologia, geografia humana e
econmica, histria poltica e social, economia, metodologia,
tcnica de pesquisa, sociologia.
Fonte/site:
http://educaterra.terra.com.br/educacao/profissoes
reas de atuao: entidades de classe e sindicatos, rgos de
pesquisa socioeconmica, museus, rgos da administrao
http://educaterra.terra.com.br/educacao/profissoes
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pblica, bancos de desenvolvimento, rgos de previdncia,
instituies de ensino superior.
Fonte/site: http://www.vestibular1.com.br/carreiras
O objetivo do Curso de Cincias Sociais dar aos alunos uma
slida formao terico-metodolgica, e ao mesmo tempo
fornecer-lhes instrumentos para que possam atuar na vida
prtica, nas mais diversas instituies polticas, culturais e
sociais do pas. A formao pluralista do curso permitir ao
jovem decidir entre a carreira acadmica e um trabalho de
interveno social mais direta, seja em projetos ligados a bens
culturais e memria, seja em consultorias e assessorias
polticas , seja em pesquisas de opinio.
Fonte/site: Fundao Getlio Vargas
http://www.cpdoc.fgv.br/cursos
Cincias Sociais
O curso de Cincias Sociais, essencial num pas moderno,
consiste em trs disciplinas bsicas: Sociologia, Poltica e
Antropologia. O cientista social, cujo mercado de trabalho vem
se ampliando sensivelmente, est capacitado a gerenciar e
levar a efeito pesquisas de opinio e anlise das conjunturas
econmica, social e poltica, tarefas cada vez mais necessrias
s grandes e mdias empresas.
Fonte/site: http://www.sejabixo.com.br/vestibular
Com o Curso de Cincias Sociais, voc ser um profissional
preparado para atuar de forma tica nas reas da Sociologia,
da Antropologia e da Cincia Poltica, tanto em organismos
pblicos e governamentais, quanto em organizaes no
governamentais, empresas privadas e iniciativas autnomas.
Essa formao permitir que voc desenvolva competncias e
compromissos que o habilitaro a trabalhar na proposio,
implementao, gerenciamento e avaliao de polticas,
http://www.vestibular1.com.br/carreirashttp://www.cpdoc.fgv.br/cursoshttp://www.sejabixo.com.br/vestibular
39
programas e projetos relacionados realidade social; no
desenvolvimento de pesquisas de carter cientfico, seja no
ambiente acadmico, seja nas instituies do mercado; na
produo, tratamento e anlise quantitativa e qualitativa de
indicadores sociais, econmicos, polticos e culturais, bem
como na produo e alimentao de banco de dados. Voc
poder atuar ainda na prestao de assessoria e consultoria e
na formao de recursos humanos em geral. Alm de oferecer
a possibilidade de trabalhar com a proposio de formas de
interveno social, desenvolvendo anlises da realidade, para
ampliar novos espaos de vivncia da cidadania e de
consolidar o compromisso com os princpios da democracia.
Fonte/site: Pontifcia Universidade Catlica de Minas Gerais
http://www.pucminas.br/vestibular/2008_02 Objetivos do curso
O Curso de Cincias Sociais objetiva formar profissionais que
tenham amplo domnio dos fundamentos terico-metodolgicos
das trs disciplinas especficas das Cincias Sociais:
Antropologia, Cincia Poltica e Sociologia. Busca desenvolver
a capacidade de anlise e o senso crtico acerca dos
fenmenos socioculturais, dedicando parte importante desta
reflexo anlise das diversas dimenses da sociedade
brasileira.
Mercado de trabalho
Licenciatura: o profissional licenciado em Cincias Sociais
habilita-se a lecionar no ensino fundamental e no ensino mdio,
neste caso, particularmente, a disciplina Sociologia, obrigatria
em todas as escolas pblicas ou privadas do Estado do Rio de
Janeiro.
http://www.pucminas.br/vestibular/2008_02
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Bacharelado: O mercado de trabalho do bacharel em Cincias
Sociais muito diversificado e est em franca expanso. Pode
atuar como pesquisador, em diversos centros de pesquisa
(IBGE, SINEP, CPDOC, IBAM etc.) e nas universidades,
formulando, coordenando e executando projetos de pesquisa
social. Atua no planejamento e na gesto de projetos sociais,
ligados educao, sade, promoo social etc. Atua na
assessoria a sindicatos, partidos polticos, parlamentares,
movimentos populares, ONGs.
Fonte/site:Universidade Federal Fluminense
http://www.coseac.uff.br/2006/cursos/cienciassociais
Aps essas longas citaes, possvel perceber que, salvo no caso da
Universidade Federal Fluminense, os demais artigos relacionam o curso de
Cincias Sociais, e o profissional socilogo, ao trabalho acadmico, cientfico,
mas no percebem que a formao acadmica deste profissional faz dele
tambm, o professor de sociologia, tamanha a desvalorizao deste
profissional, a ausncia de legitimidade desta profisso, a construo em curso
desta comunidade disciplinar. Portanto, o chamariz para o curso de Cincias
Sociais est relacionado ao trabalho e produo acadmicas, de certa forma
mais valorizados e com status, diferentemente do trabalho relacionado
docncia.
A disciplina tem, gradativamente, entrado nas provas de concursos de
vestibular em algumas cidades brasileiras. Faz parte, por exemplo, da prova de
vestibular da Universidade Federal de Uberlndia. Em documento oficial,
explicada a razo de a disciplina passar a fazer parte das provas de acesso
Universidade:
A primeira, de ordem legal, est expressa no Pargrafo nico
do Art. 195 da Constituio Mineira, promulgada em 21/09/89 e
assegura que o Estado dever garantir o ensino de Filosofia e
Sociologia nas escolas de segundo grau. A segunda, de
ordem cientfico/acadmica, est voltada para a importncia do
http://www.coseac.uff.br/2006/cursos/cienciassociais
41
conhecimento que o aluno deve trazer consigo para a
universidade. Ser preciso esclarecer um pouco mais sobre as
duas questes para entender como as coisas aconteceram e
como foi possvel vencer essa batalha.
A questo legal, que diz respeito a obrigatoriedade da
Sociologia no, ento, 2o grau, foi uma luta que comeou muito
antes da prpria elaborao da Constituio Mineira, travada
por Socilogos e Filsofos em todo o Estado de Minas Gerais.
Nesse perodo, houve um movimento muito forte em prol da
volta dessas duas disciplinas nos currculos. A Universidade
Federal de Minas Gerais foi sede de vrios encontros com
profissionais da rea. Professores de Filosofia e de Sociologia
de todo o Estado foram convidados a participar. Foram
elaboradas estratgias de ao, de modo a envolver as
universidades, os departamentos e cursos de Cincias Sociais,
os professores do 2o e 3o graus. Foi preciso, tambm, ganhar a
adeso dos burocratas, dos polticos, dos deputados. Fazer
com que houvesse um movimento organizado, macio, capaz
de convencer aos constituintes que a incluso da Sociologia e
da Filosofia no 2o grau estava inserida em um projeto maior de
sociedade, situado muito alm do prprio espao curricular
reivindicado por essas duas disciplinas. A obrigatoriedade
desses contedos remetia a possibilidade de se poder
trabalhar objetivamente com o despertar de uma prtica cidad
nas salas de aulas do 2o grau.
Nesse perodo de elaborao da Constituio Mineira, os
profissionais das reas de Cincias Sociais e Filosofia lutaram
de modo incansvel com as armas que possuam, ou seja, a
fala, a escrita e a vontade poltica de ver novamente essas
disciplinas no currculo de 2o grau. Essa batalha foi vencida em
21de setembro de 1989. A constituio promulgada
estabeleceu, no ART. 195, PARAGRAFO NICO, que o
Estado dever garantir o ensino de Filosofia e Sociologia nas
escolas pblicas de 2o grau. A incluso das duas disciplinas foi
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regulamentada pela Secretaria de Estado da Educao e, j
em 1990 elas voltaram s sala de aula com carga horria
definida. A partir desse ano, os currculos do 2o grau das
escolas pblicas mineiras s seriam aprovados se constassem
Sociologia e Filosofia. No importava a srie em que elas
seriam ministradas, o fechamento da grade curricular s seria
possvel com um horrio especfico para cada uma delas. Ter
essas disciplinas no currculo das escolas pblicas passou a
ser lei em Minas Gerais.
Os primeiros anos foram os mais problemticos. No havia
pessoal habilitado para lecionar Sociologia. Os colgios
particulares nem ao menos tomaram conhecimento dessa
determinao; fizeram mesmo questo de ignor-la. Em
Uberlndia, o Departamento de Cincias Sociais promoveu
encontros, cursos de extenso e de especializao. Os
professores escreveram textos didticos, organizaram
coletneas. O objetivo era preparar minimamente os
profissionais da rede estadual. O prprio curso de Cincias
Sociais, criado em 1996, foi uma resposta essas dificuldades.
Esta explicao, ainda que abreviada do aspecto legal,
necessria, uma vez que foi a partir dessa obrigatoriedade que
se tornou possvel lutar pelo aspecto cientfico/acadmico que
incluiu a Sociologia nos exames vestibular e PAIES da
Universidade Federal de Uberlndia.
As principais dificuldades encontradas no incio da
implantao, aos poucos esto sendo sanadas. Pela diferena
de qualidade entre as provas dos primeiros vestibulares e as
atuais, percebemos claramente que os professores do Ensino
Mdio tm se preocupado em ministrar a disciplina com
critrios de cientificidade. As respostas escritas pelos
candidatos esto cada vez mais elaboradas e denotam que
est havendo cuidado acadmico com o contedo da
disciplina, sinalizando para um nvel mais apurado de
43
conhecimento e, conseqentemente, um melhor
aproveitamento do aluno.
De 1997 at hoje, j foram realizados 7 vestibulares com
provas especficas de Sociologia. Da parte dos professores do
Departamento de Cincias Sociais, existe uma ateno muito
grande tanto em relao as possveis dificuldades, originrias
do contedo sociolgico que deve ser dominado pelos alunos
do Ensino Mdio, como em relao s constantes ameaas,
advindas de grupos mais conservadores localizados no interior
da Universidade. E de proprietrios de escolas particulares,
que teimam em querer priorizar o carter tcnico e quantitativo
dos exames.
A garantia do espao da Sociologia nos concursos de
vestibular e PAIES da Universidade Federal de Uberlndia ,
para ns das Cincias Sociais, uma luta que precisa ser
travada todos os dias, em todos os momentos da vida escolar.
Faz parte dela o embate dirio com profissionais das reas de
exatas e biomdicas da prpria Universidade e com os demais
setores da sociedade, tais como, cursinhos pr vestibulares,
donos de escolas de Ensino Mdio, vestibulando de outras
cidades. Reclama o envolvimento daqueles que acreditam ser
a Sociologia uma disciplina necessria e indispensvel para a
construo de uma mentalidade coletiva cidad.
Fonte:
SOCIOLOGIA NO VESTIBULAR: EXPERINCIA DA
UNIVERSIDADE FEDERAL DE UBERLNDIA
Elisabeth da Fonseca Guimares, Universidade Federal de
Uberlndia
In:
http://www.sociologos.org.br/textos/sociol/vestibu1.htm Esta longa citao me pareceu importante, por explicitar todo um
conjunto de lutas sociais para a constituio de um determinado territrio para
essa disciplina. Evidencia que, a despeito de existir uma prerrogativa legal,
http://www.sociologos.org.br/textos/sociol/vestibu1.htm
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todo um outro conjunto de aes, institucionais e sociais, so necessrias para
que se estelea a materializao prtica da legislao. Tambm evidencia que,
dentre os argumentos em defesa da disciplina, se hibridizam os princpios
acadmico-cientficos capazes de legitimar a especificidade do profissional e
do conhecimento das cincias sociais com os conhecimentos entendidos
como de utilidade mais ampla a formao do cidado.
Alm de Uberlndia, algumas instituies de ensino da regio sul esto
passando a incluir Sociologia nas provas de vestibular, como o caso da
Universidade Federal do Paran:
O Estado do Paran j trabalha com filosofia e sociologia no
ensino mdio h quatro anos, quando avisamos a rede de
ensino que iramos comear a cobrar estas disciplinas a partir
do nosso vestibular de 2006/ 2007", afirma Valdo Cavallet,
coordenador do Ncleo de Concursos da UFPR (Universidade
Federal do Paran). "Ao fazermos essa cobrana,
conseguimos selecionar candidatos mais bem preparados",
avalia. A novidade para este vestibular que filosofia ser uma
das disciplinas exigidas para a carreira de medicina. In:
http://aprendiz.uol.com.br/content/rijetredre.mmp (23/07/2008) 14:10
No Estado do Rio de Janeiro, a Universidade do Estado do Rio de
Janeiro, inclui a disciplina diluda nas questes da rea de Cincias Humanas:
Na Universidade do Estado do Rio de Janeiro (Uerj), segundo a
coordenao do vestibular, filosofia e sociologia esto diludas
nas questes da rea de humanas e suas tecnologias, na
primeira etapa do vestibular. Outras universidades como a
Rural e a PUC-Rio ainda no tm uma previso de quando as
disciplinas sero incorporadas em seus processos seletivos.In:
http://filosofia.seed.pr.gov.br/modules/noticias/article.php (23/07/2008 14:01)
http://aprendiz.uol.com.br/content/rijetredre.mmphttp://filosofia.seed.pr.gov.br/modules/noticias/article.php
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Essa diferentes formas de incluso da disciplina no Vestibular produzem
efeitos diversos nos currculos de ensino mdio e, simultaneamente,
expressam as distintas formas como a trajetria dessa disciplina se faz
regionalmente. possvel construir a hiptese, com base na teorizao de Ball
e Goodson, que naquelas instituies em que a disciplina foi includa no
Vestibular, a comunidade de ensino de Sociologia universitria e/ou de nvel
mdio encontrou formas de constituir sua hegemonia nas polticas, seja por
aes pontuais de alguns sujeitos em postos-chave nas Universidades, seja
por uma luta mais ampla da comunidade em associaes e movimentos
organizados.
No trabalho Doutores e teses em Cincias Sociais (Vianna, Carvalho,
Melo e Burgos, 1998), os autores se propem a investigar quem o estudante
que ingressa nos cursos de ps-graduao em Cincias Sociais, qual o seu
perfil, qual seu objetivo, e as linhas de pesquisa que se prope a desenvolver.
Curiosamente, mas de forma coerente com o que j foi descrito sobre o perfil
do profissional da rea, no foi identificada nenhuma linha de pesquisa que
esteja relaciona ao magistrio de Cincias Sociais, ou ao ensino de Sociologia.
Os autores colocam que:
Quando se observam os dados relativos ao ingresso no
mestrado, confirmam-se os resultados obtidos para a
g