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UNIVERSIDADE TUIUTI DO PARANÁ
MARCIA VALDECY ANDRADE DA CRUZ COLATUSSO
SITUAÇÃO JURÍDICA DO REFUGIADO NO BRASIL
CURITIBA
2014
MARCIA VALDECY ANDRADE DA CRUZ COLATUSSO
SITUAÇÃO JURÍDICA DO REFUGIADO NO BRASIL
Monografia apresentada à Faculdade de Ciências Jurídicas da Universidade Tuiuti do Paraná, como requisito parcial para obtenção de grau de bacharel em Direito. Orientador: Prof. Dr. Wagner da Rocha D’ Angelis.
CURITIBA
2014
TERMO DE APROVAÇÃO
MARCIA VALDECY ANDRADE DA CRUZ COLATUSSO
SITUAÇÃO JURÍDICA DO REFUGIADO NO BRASIL
Esta Monografia foi julgada e aprovada para a obtenção do título de Bacharel no Curso de Direito da Universidade Tuiuti do Paraná.
Curitiba, ...... de ......................... de 2014.
__________________________________________
Curso de Direito
Universidade Tuiuti do Paraná
Banca Examinadora:
Orientador: __________________________________ Prof. Dr. Wagner Rocha D'Angelis
Membro da Banca: ___________________________________
Membro da Banca: ___________________________________
DEDICATÓRIA
À Deus, pela força e sensatez para superar os obstáculos
e vicissitudes da vida.
À pessoa de meu querido marido, Edgar, pelo insistente e
saudável apoio para conclusão do curso.
Aos meus filhos amados, Bruno Francisco e Arthur
Fernando, com quem dividi as alegrias e dificuldades de
todas as etapas da vida acadêmica.
AGRADECIMENTO
Agradeço todos os colegas e professores que, de uma
forma ou outra, contribuíram com minha formação
acadêmica.
O meu respeito e gratidão, especialmente, ao Professor
Wagner D’Angelis, que não se limitou ao conteúdo
disciplinar, mas transformou suas aulas em reflexões sobre
a existência e condição humana.
Aprendemos a voar como os pássaros, a nadar como os
peixes mas não apreendemos a simples arte de vivermos
juntos como irmãos. [Martin L. King Jr.]
RESUMO
O presente estudo versa sobre a situação jurídica do refugiado, partindo da
evolução histórica e suas alterações no desenvolvimento do respectivo conceito,
discorrendo sobre a legislação que culminou com a promulgação da Lei nº
9474/97, conhecida como Estatuto do Refugiado. Trata também dos órgãos
envolvidos, como o CONARE, ACNUR e a Polícia Federal, suas competências
e atribuições, além dos procedimentos para a concessão do status de refugiado
e do trâmite dos processos. Finaliza com a análise da legislação e se ela se
adequa aos princípios fundamentais dos direitos humanos.
PALAVRAS CHAVES: REFUGIADOS, LEGISLAÇÃO, ORGÃOS OFICIAIS,
ORGANISMOS INTERNACIONAIS, ESTATUTO DO REFUGIADO.
SUMÁRIO
1 INTRODUÇÃO...................................................................................... 08
2 CONCEITO DE REFUGIADO............................................................... 10
3 EVOLUÇÃO HISTÓRICA DO REFUGIADO........................................ 14
4 COMITÊ NACIONAL PARA OS REFUGIADOS - CONARE............... 18
4.1 COMPETÊNCIA ................................................................................... 18
4.2 FORMA DE SOLICITAÇÃO DE REFÚGIO........................................... 20
4.3 PROCESSO DE SOLICITAÇÃO DE REFÚGIO.................................... 21
4.4 DIREITOS DO SOLICITANTE DE REFÚGIO....................................... 21
4.5 DIREITOS DOS REFUGIADOS RESIDENTES NO BRASIL................ 21
4.6 DEVERES DOS SOLICITANTES DE REFÚGIO E REFUGIADOS
RESIDENTES NO BRASIL...................................................................
22
5 ALTO COMISSÁRIADO DAS NAÇÕES UNIDAS PARA
REFUGIADOS - ACNUR......................................................................
24
6 ATUAÇÃO DA POLÍCIA FEDERAL..................................................... 27
6.1
6.2
PROCEDIMENTO PARA STATUS DE REFUGIADO...........................
TRAMITAÇÃO DO PEDIDO .................................................................
28
29
7 LEI Nº 9.474/97 – ESTATUTO DO REFUGIADO................................. 31
8 CONCLUSÃO ...................................................................................... 34
REFERÊNCIAS ............................................................................................... 35
ANEXO ........................................................................................................... 37
8
1 INTRODUÇÃO
A complexa e sofrida situação dos refugiados é um trágico fenômeno que
acompanha o ser humano desde os primórdios de sua existência na terra.
Homens, mulheres e povoações inteiras são perseguidos por diversos
motivos de raça, religião, nacionalidade, grupo social, opinião política, etc.,
provocam movimento migratório intenso em todos os continentes. Apesar da
humanidade ter avançado tecnológica-cientificamente em todas as áreas, está cada
vez mais presente a intolerância entre os povos, a ganância dos governos, a
subjugação entre as nações, os conflitos insolúveis, distanciam o ser humano dele
mesmo.
Deveras significativa é a reflexão suscitada em BARBOSA e HORA":
Passados milhares de anos, o homem superou desastres, desbravou os mares,
conquistou a lua, e Marte já não parece tão distante. Entretanto, a dramática
situação dos refugiados continua insolúvel." (2007, p. 7)
Vivemos um momento histórico de conflitos e guerras, que produzem uma
migração intensa entre os povos, que se vem obrigados a buscarem outros locais
para abrigar e proteger sua família ou simplesmente fugir do mal que lhe vem ao
encalço. Esse fenômeno resulta num contingente enorme de refugiados, problema
este que antigamente ocorriam nos continentes africanos, asiáticos e europeus, e
hoje está à porta de nosso país, como indicam as estatísticas com expressivo
aumento de solicitações de refúgio. São levas de angolanos, colombianos, da
República do Congo, e recentemente de sírios e haitianos, e outros das mais
diversas nacionalidades, que viram no Brasil a chance de reconstruir suas vidas.
Segundo estatísticas dos organismos envolvidos o país possui aproximadamente
mais de 4,5 mil refugiados.
Diante da problemática, impôs-se ao Brasil criar legislação própria para
adequar, regulamentar e regularizar a situação desses refugiados.
O presente trabalho tem como objetivo compor um quadro da situação
jurídica do refugiado no Brasil, apresentando a evolução da legislação, das políticas
adotadas para promoção e proteção, dos organismos envolvidos e suas
competências.
9
Será analisada também a forma como o governo brasileiro faz o
encaminhamento jurídico e a tramitação burocrática em relação àqueles que buscam
proteção em nosso país, considerada pelos organismos internacionais como uma
das melhores legislações. Assim afirma o representante do Alto Comissário das
Nações Unidas para os Refugiados, António Guterres, em sua visita ao Brasil, em
02/08/11, com integrantes do CONARE, assim se pronunciou: “Temos uma
colaboração exemplar com o Brasil. O Brasil é para nós um símbolo muito
importante de atitude em relação ao refúgio”. E acrescentou: “Nós precisamos de
países em que haja paixão e apoio aos refugiados e isso acontece no
Brasil”.[http://portal.mj.gov.br]
O Brasil inclusive sediará a Conferência Cartagena +30, em dezembro do
corrente ano, por decisão do Alto Comissáriado da ONU para Refugiados, e será
parâmetro para que países da América Latina e do Caribe adotem melhorias na
proteção dos estrangeiros sem pátria.
10
2 CONCEITO DE REFUGIADO
Em face da própria evolução na prática de acolhida a estrangeiros
perseguidos e também da necessidade de tornar ainda mais eficaz o instituto, a
doutrina foi cristalizando e estabeleceu-se o gênero “direito de asilo”, o qual se
subdivide-se nas espécies “asilo diplomático e territorial” e o refúgio. (BARBOSA e
HORA, 2007 p. 22)
É importante definir o termo refugiado para que não ocorra interpretações
desencontradas ou confusas em relações a institutos diferentes como o asilo
político, que em muitas situações são definidas como institutos iguais. No entanto o
instituto do refúgio é muito mais amplo, abarcando diversas situações em que pode
ser solicitado no momento em que um indivíduo busca proteção e somente outro
Estado pode responder por esse pedido.
O conceito jurídico de asilo originou-se no Tratado de Direito Penal
Internacional de Montevidéu, de 1889, sendo asilo, e sua modalidade diplomática,
instituto característico da América Latina. Por sua vez, (.....) o termo refugiado foi
aplicado aos huguenotes1, franceses que fugiram para a Inglaterra após a
revogação do edito de Nantes, em 1805 (BARBOSA e HORA, 2007 p. 22).
Refugiado é uma expressão usada frequentemente de forma generalizada,
não havendo uma definição clara entre pessoas que foram obrigadas a sair de seu
país e daquelas que apenas se deslocaram dentro de sua própria pátria, como
conceituam Barbosa e Hora (2007, p.22):
O termo “ refugiado” é utilizado com frequência pela imprensa, políticos e público em geral para designar uma pessoa que foi obrigada a deixar o seu local de residência e pouca distinção se faz entre as pessoas que tiveram de deixar o seu país ou se deslocaram no interior de sua própria pátria. Da mesma forma, não se confere muito a atenção aos motivos que ensejaram a fuga, seja por perseguição religiosa ou violência política, catástrofe ambiental ou pobreza.Independentemente da causa presume-se primafacie que todos têm direito a ser designados por refugiados.
1 Nos séculos XVI e XVII, a expressão “huguenote” foi cunhada para designar os protestantes
seguidores de Calvino, os quais sofreram penosas perseguições de cunho religioso.
11
Observe-se que a Declaração Universal dos Direitos do Homem não
especifica o conceito de refugiado e de asilado. O documento assegura que
qualquer pessoa pode solicitar proteção a outro Estado quando se sentir ameaçada
ou perseguida, mas não estabelece dever ou obrigação de um Estado conceder ou
não asilo. Dá uma base jurídica de proteção na modalidade de asilo e de refúgio,
como afirma Barreto (2010, p. 36):
O Direito de asilo está previsto na Declaração Universal dos Direitos do Homem de 1948, aprovada pela Assembléia Geral da ONU. Serve ele de base jurídica para as diversas modalidades modernas de proteção às pessoas perseguidas por um Estado, tanto por meio do asilo propriamente dito quanto do refúgio.
Já o Direito Internacional ao definir o termo refugiado aplicou apenas o
conceito da Convenção de Genebra de 19512. Todos aqueles que solicitassem
refúgio eram atendidos sem distinção, de modo genérico, sem uma melhor análise
das razóes que levaram ao pedido. Assim, qualquer pessoa poderia reivindicar esse
direito, conforme conceitua Barbosa e Hora (2007, p.22):
Nos termos do Direito Internacional a definição de refugiado tem um sentido muito mais específico. O conceito foi cunhado pela Convenção de 51, determinando que se aplicasse a toda pessoa que, devido a fundados temores de ser perseguido por motivo de raça, religião, nacionalidade, grupo social ou opinião política, encontra-se fora de seu país de nacionalidade e que não pode ou em virtude desse temor, não quer valer-se da proteção desse país
O ACNUR - Alto Comissariado das Nações Unidas para Refugiado instituiu,
em 1979, para orientação de todos os governos, um manual referente aos
procedimentos e critérios a aplicar para a determinação do estatuto de refugiado - de
acordo com a Convenção de 1951 e do Protocolo de 1967 - sendo atualizado na
medida que a problemática surge para os Estados e pela própria experiência
adquirida pelo Comitê nos últimos trinta anos de existência.
Mas foi precisamente no ano de 1951, quando foi aprovada a Convenção
sobre o Estatuto dos Refugiados, conhecida como Convenção de Genebra de 1951,
das Nações Unidas, que se definiu claramente quem poderia ser considerada
2 Convenção das Nações Unidas relativa ao Estatuto dos Refugiados, assinada em Genebra, sob a chancela do
ACNUR.
12
pessoa refugiada e, assim, possuía o direito de proteção internacional, através de
um instrumento normativo.
No entanto, ficou limitada no espaço e no tempo porque “somente se
aplicava aos refugiados que passaram a ter tal condição como resultado dos
acontecimentos ocorridos na Europa (reserva geográfica3), antes de 1º de janeiro de
1951 (reserva temporal)", segundo ensinamentos de Barbosa e Hora (2007, p.24).
Em seu artigo 1º, a referida Convenção definiu o termo refugiado como
sendo toda a pessoa que se encontra fora de seu país por temores de perseguição
por diversas situações, entre elas raça, religião, nacionalidade, vinculado a grupo
social ou político, impossibilitando seu retorno:
Definição do termo "refugiado": §1. Para os fins da presente Convenção, o termo "refugiado" se aplicará a qualquer pessoa:
c) Que, em conseqüência dos acontecimentos ocorridos antes de 1º de janeiro de 1951 e temendo ser perseguida por motivos de raça, religião, nacionalidade, grupo social ou opiniões políticas, se encontra fora do país de sua nacionalidade e que não pode ou, em virtude desse temor, não quer valer-se da proteção desse país, ou que, se não tem nacionalidade e se encontra fora do país no qual tinha sua residência habitual em conseqüência de tais acontecimentos, não pode ou, devido ao referido temor, não quer voltar a ele. [Convenção de Genebra de 1951, art. 1º, letra “c”]
A Convenção apresenta dois problemas que impediam que o refugiado fosse
amplamente benificiado de proteção: a limitação temporal, editada logo após o fim
da segunda guerra mundial e a geográfica, que beneficiava apenas os europeus.
Muitos países sentiram dificuldade na aplicação da Convenção de Genebra
de 1951, devido àquelas limitações. O Protocolo dos Refugiados de 1967, buscou
saná-las, omitindo as seguintes palavras “como resultado de acontecimentos
ocorridos antes de 1º de janeiro de 1951, que aparece na Convenção, tornando
assim aplicáveis seus dispositivos futuros. [Barbosa e Hora (2007, p.25]
Para dar mais amplitude aos Dispositivos da Convenção de 1951, em 1984
foi assinada a Declaração de Cartagena que, em sua terceira conclusão que
reiterava a necessidade dos países da região entenderem de forma mais ampliada o
conceito de refugiado, que deve ser extensível também:
3 Reserva geográfica e temporal foram conceitos definidos aos acontecimentos ocorridos na Europa e
anteriores a janeiro de 1951, omitindo-os no Protocolo de 1967.
13
[...] a toda aquela pessoa que tivesse fugido de seu país porque a sua
vida, segurança ou liberdade tenham sido ameaçadas pela violência
generalizada, agressão estrangeira ou conflitos internos, violação
maciça dos direitos humanos ou outras circunstâncias que tenham
perturbado gravemente a ordem pública” [Declaração de Cartagena –
Conclusões e Recomendações p. 3].
Posteriormente, com a instituição do Estatuto do Refugiado no Brasil, a Lei
nº 9474/97, modernizou-se o conceito de refugiado, amparado pelas leis
internacionais. Assim, o parágrafo 1º deste diploma legal explicita que:
Art. 1º Será reconhecido como refugiado todo indivíduo que: I - devido a fundados temores de perseguição por motivos de raça, religião, nacionalidade, grupo social ou opiniões políticas encontre-se fora de seu país de nacionalidade e não possa ou não queira acolher-se à proteção de tal país; II - não tendo nacionalidade e estando fora do país onde antes teve sua residência habitual, não possa ou não queira regressar a ele, em função das circunstâncias descritas no inciso anterior; III - devido a grave e generalizada violação de direitos humanos, é obrigado a deixar seu país de nacionalidade para buscar refúgio em outro país.
Reconhecidamente, o Brasil está entre os países que detém legislação mais
completa para atender e abrigar as necessidade dos refugiados. Isto, no entanto,
não significa que o refugiado no Brasil está devidamente amparado e protegido
pelas políticas públicas e sociais e até que ponto os organismos não-
governamentais tem condições de atendê-lo satisfatoriamente.
14
3 EVOLUÇÃO HISTÓRICA DO REFUGIADO
Na América do Sul, o Brasil foi o primeiro país a se comprometer com as
normativas de proteção aos refugiados. Pioneiro na regulamentação da proteção do
refugiado, como afirma Jubilitu (2007, p. 173):
Brasil foi o primeiro a regulamentar a proteção do refugiado na América do Sul, ratificando os seus principais instrumentos internacionais de proteção e destacando-se em relação ao recolhimento de refugiado em seu território. O Brasil está comprometido com a normativa de proteção dos refugiados desde os primórdios da universalização deste instituto, no ínicio da década de 50, do século XX, uma vez que ratificou e recepcionou tanto a Convenção de 51 quanto o Protocolo de 67, além de fazer parte do Conselho Executivo do ACNUR desde 1958.
No entanto, somente no ano 1960, num momento em que muitos países da
América do Sul e o Brasil estavam vivendo em plena ditatura, em que milhares de
cidadãos eram obrigados a sair em busca de proteção em outros países, é que o
Brasil aderiu a Convenção de Genebra de 1951. Mas, contraditoriamente, o Brasil
vivia um período conturbado na sua política interna, que forçava muitos brasileiros a
buscarem refúgio e proteção em outros países, e acabou não desenvolvendo sua
política de proteção internacional aos refugiados.
Aproximadamente por duas décadas não houve no Brasil qualquer tipo de
manifestação politica referente a acolhida de refugiados em nosso país, embora
houvesse casos isolados de refúgio. A mudança ocorreu somente no final da década
de 70, segundo Barbosa e Hora (2007 p. 39),
quando o ACNUR, em 1977, celebrou um acordo com Brasil para o estabelecimento de um escritório ad hoc na cidade do Rio de Janeiro, em razão da já citada “instável situação política vivida pela América Latina”, vitimada por despóticos regimes políticos, pela violência generalizada e pela maciça violação dos direitos humanos.
Logo no início dos anos de 1980, com o processo de redemocratização no
país, cresceu o número de refugiados fugindo da guerra civil de Angola, que aqui
chegavam aos milhares. No entanto, como Brasil havia aderido a Convenção de
1951, considerava refugiados apenas os de nacionalidade européia, devido ao
dispositivo da reserva geográfica. Mas essa limitação evoluiu por meio de diálogo
com o governo brasileiro no sentido de suspendê-la, resultando na recepção de
15
cinquenta familias de refugiados iranianos4, o primeiro grupo que foi recebido de
forma ilimitada pelo Brasil, numa demonstração que a concepção geográfica não
poderia mais prevalecer.
Com o início da redemocratização política no Brasil, a partir de 1986, o país
instituiu um instrumento regional de proteção aos refugiados, amparado na
Declaração de Cartagena de 1984. A importância dessa mudança inovou a
concepção do reassentamento de refugiados na América, atendendo suas
características regionais. Ampliou de uma forma que também abarcasse pessoas
que haviam fugido de seus países, em razão de que suas vidas corriam perigo, nas
mais diversas situações, entre elas, direitos fundamentais, com liberdade e
segurança.
Para facilitar a entrada do refugiado no país, o Brasil adotou novos critérios
em relação à reserva geográfica, resultando na promulgação da Resolução nº 17 de
1987, o que beneficiou estrangeiros temporários, como afirma Barreto (2010, p. 18):
Em 1987. O Conselho Nacional de Imigranção editou a Resolução nº 17 e por meio dela foram recebidos como estrangeiros temporários, mas não como refugiados, diversos cidadãos paraguaios, chilenos e argentinos que também eram vítimas de processos de perseguição em razão da ditadura nesses países. Era o segundo passo para o levantamento da reserva geográfica.
À medida que a legislação era alterada, o refugiado no Brasil era
contemplado com atitudes que ampliavam a rede proteção, seja através de
convenções, protocolos, resoluções, estatutos e outros.
Mas dois marcos capitais no ordenamento jurídico, ainda nos anos de 1980,
proporcionaram ao refugiado vislumbrar um futuro melhor nessa nova condição de
refugiado no país.
O primeiro foi a promulgação da Constituição Federal de 1988, que institui
como fundamento da Republica Federativa Brasileira, o respeito à dignidade da
pessoa humana. No seu artigo 1º, inciso III, declara:
Art. 1º A República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos Estados e Municípios e do Distrito Federal, constitui-se em Estado Democrático de Direito e tem como fundamentos: III - a dignidade da pessoa humana;
4 Citação disponível em http://www.migrante.org.br/migrante/images/arquivos/refugio-no-brasil.pdf, acesso
06.04.14, 14:58h.
16
A segunda, ocorreu quando, em 1989, o escritório do ACNUR, sediado no
Rio de Janeiro, foi transferido para a Capital Federal, possibilitando uma relação
mais estreita entre este órgão subsidiário da ONU e o governo brasileiro. “Nos anos
90 observa-se grande esforço do governo brasileiro em estabecer procedimentos e
uma divisão de responsabilidades relativas ao processo de solicitação de refúgio”
(JUBILUT, 2007 apud KOEKE, 2010, p.105)
O Brasil, como país exemplar, evoluiu na assistência e proteção aos
refugiados através da reformulação dos decretos, leis, resoluções, tratatos e outros.
O decreto nº 98.602, de 1989, foi também um novo marco, aderindo plenamente à
Declaração de Cartagena. É o que relata Barreto (2010 p. 18):
Em 1989, por meio do decreto nº 98.602, o Brasil levanta a reserva geográfica. Aderindo plenamente então à Declaração de Cartagena, e permitindo ao país receber um fluxo maior de refugiados independentemente da origem dessas pessoas.
Com a estabilidade política consolidada em 1991 e com o número de
refugiados ainda inexpressivo, o Ministério da Justiça edita a Portaria Interministerial
nº 394, que estabelece a dinâmica processual para a solicitação e concessão de
refúgio.
Com esse dispositivo jurídico, o ACNUR analisa os casos individuais e ao
governo brasileiro cabia a decisão final. Anteriormente, o procedimento era feito da
seguinte maneira, segundo Jubilut (2007, p.175):
O procedimento para a concessão de refúgio ocorria da seguinte maneira: o ACNUR realizava uma entrevista com os solicitantes de refúgio e com base nela elaborava um parecer recomendando ou não a concessão de refúgio naquele caso. Era enviado um ofício do ACNUR para Cáritas Arquidiocesanas de São Paulo e Rio de Janeiro, a partir do qual a Polícia Federal emitia documentação para o refugiado. Esse parecer era encaminhado ao Ministério da Relações Exteriores, que se pronunciava a seu respeito e fazia sua remessa ao Ministério da Justiça, que proferia a decisao final. Tal decisão era publicada no Diário Oficial da União.
Mas isso não era suficiente porque na verdade o papel do governo brasileiro
apenas se restringia à liberação de documentos que eram solicitados e a partir
desse momento os refugiados buscavam proteção sozinhos sem apoio do país que
o acolhia, abandonados a própria sorte, como descreve Barreto (2007, p. 18):
Eram muitas as dificuldades desses refugiados pois provinham de regiões devastadas pela guerra, muitos com traumas físicos e psíquicos e muitos
17
com graves problemas de saúde. O apoio governamental era insuficiente, e, para agravar a situação, carecia de integração entre os próprios refugiados em ambiente local.
Outro fator importante na evolução histórica foi a vinda de angolanos, entre
os anos de 1992 e 1994, fugindo de seu país, por conta dos conflitos e da violência
generalizada, e que não estavam incluídos na definição clássica de refúgio e,
considerando que a Portaria Interministerial não atendia a contento a situação dos
refugiados, exigiu-se nova reformulação, com a promulgação de uma Lei que
contemplasse os refugiados aqui em nosso país, garantindo seu direitos e seus
deveres. Nesse momento é que surge o Estatuto do Refugiado e que toma forma a
Lei nº 9474/97.
18
4 COMITÊ NACIONAL PARA OS REFUGIADOS - CONARE
4.1 COMPETÊNCIA
Sediado em Brasilia/DF e vinculado ao Ministério da Justiça, o CONARE –
Comitê Nacional Para os Refugiados, surgiu como órgão oficial do governo, com a
promulgação da Lei 9474/97, art. 11, e tem como responsabilidade e atribuição a
coordenação da proteção, assistência, integração local e apoio juridico aos
refugiados no Brasil, bem como a análise dos pedidos de reconhecimento do status
de refugiado, conforme o disposto no art. 12:
Art. 12. Compete ao CONARE, em consonância com a Convenção sobre o Estatuto dos Refugiados de 1951, com o Protocolo sobre o Estatuto dos Refugiados de 1967 e com as demais fontes de direito internacional dos refugiados: I - analisar o pedido e declarar o reconhecimento, em primeira instância, da condição de refugiado; II - decidir a cessação, em primeira instância, ex officio ou mediante requerimento das autoridades competentes, da condição de refugiado; III - determinar a perda, em primeira instância, da condição de refugiado; IV - orientar e coordenar as ações necessárias à eficácia da proteção, assistência e apoio jurídico aos refugiados; V - aprovar instruções normativas esclarecedoras à execução desta Lei.
No que tange as suas competências, é importante ressaltar que, entre as
muitas de suas atividades, o CONARE tem autonomia para expedir resoluções e
normativas com o intuito de regulamentar questões práticas em relação aos
refugiados, como ocorre com a Resolução Normativa 1, que contém em seu anexo
um termo de declaração, a ser preenchido pelo refugiado quando de sua solicitação
de refúgio, servindo inclusive para reconhecer ou negar a condição de refugiado do
solicitante.
Quanto à composição do CONARE, apresenta-se como ponto positivo o fato
de se estar difundido a temática para todos os órgãos governamentais que terão,
posteriormente, reflexo na vida do refugiado. Isto envolve vários ministérios do
governo federal para atendimento pleno às necessidades dos refugiados.
Jubilut (2007 p. 193) pontua dois aspectos na questão da composição do
CONARE, a saber:
19
O primeiro relaciona-se à presença de numa entidade da sociedade civil que trabalha com refugiados (a Cáritas) no órgão que trata da elegibilidade dos solicitantes de refúgio, fato este que segundo ponto se refere ao fato de que não encontra paralelo em outros Estados da América do Sul. O segundo ponto se refere ao fato de que, ao contrário do que acontece na maioria dos Estados da América do Sul, não há no CONARE representante oficial do órgão nacional encarregado de decisões sobre migração, mesmo sendo o representante do Ministério do Trabalho, membro e até presidente do Conselho Nacional de Imigração (CNI) e oferecendo todo o apoio e trabalhando de forma integrada com o CONARE, como denota a possibilidade de aquisição de permanência do refugiado após ter residido no Brasil com tal status por 6 anos.
Os membros do Comitê são escolhidos pelo Presidente da República, após
indicação dos órgãos aos quais representarão. Exercem a função sem remuneração
e a participação do CONARE é considerada serviço de grande relevância, segundo
o art. 15: “A participação no CONARE será considerada serviço relevante e não
implicará remuneração de qualquer natureza ou espécie”.
Vale acrescentar que já em 1994, anterior à criação da respectiva Lei dos
Refugiados, os representantes e os organismos que compõem o CONARE, haviam
se reunido informalmente, para discutir questões relacionadas à integração local dos
refugiados e na elaboração da lei brasileira sobre o tema.
Na Lei nº 9.474/97, em seu artigo 14, estruturou-se o Comitê como órgão de
deliberação coletiva, com sete membros, compostos de representantes tripartite:
governo, membros da sociedade civil e organismo internacional. O colegiado
obedece a seguinte composição, nos termos do referido artigo:
Art. 14. O CONARE será constituído por: I - um representante do Ministério da Justiça, que o presidirá; II - um representante do Ministério das Relações Exteriores; III - um representante do Ministério do Trabalho; IV - um representante do Ministério da Saúde; V - um representante do Ministério da Educação e do Desporto; VI - um representante do Departamento de Polícia Federal; VII - um representante de organização não-governamental, que se dedique a atividades de assistência e proteção de refugiados no País. § 1º O Alto Comissariado das Nações Unidas para Refugiados - ACNUR será sempre membro convidado para as reuniões do CONARE, com direito a voz, sem voto. § 2º Os membros do CONARE serão designados pelo Presidente da República, mediante indicações dos órgãos e da entidade que o compõem. § 3º O CONARE terá um Coordenador-Geral, com a atribuição de preparar os processos de requerimento de refúgio e a pauta de reunião.
20
Estabeleceu-se que as reuniões deverão ter o quorum mínimo de quatro
membros com direito a voto, deliberando com maioria simples. Em caso de empate,
será considerado o voto decisivo da presidência, conforme o art. 16.
O CONARE se pauta pelo caráter humanitário nas suas decisões, na medida
em que recebe e avalia as solicitações feitas para a obtenção de refúgio e, quando
surgem dúvidas em relação ao pedido, toma decisão que não prejudique o
solicitante, objetivando uma solução que o favoreça. Segundo Leão (2007 p.30):
O Comitê aplica o princípio do in dubio pro reu pelo seu caráter humanitário. Quando existir alguma questão pontual relativa a um caso específico, sob alçada da CONARE, capaz de gerar dúvidas na sua tomada de decisão, o desfecho do caso dar-se-á afulcrado no fato de que, ante a dúvida, a decisão do comitê poderá ser favorável ao solicitante do refúgio.
Suas decisões são fundamentadas pelas leis nacionais e internacionais que
protegem a dignidade da pessoa humana, conforme explica Koeke (2012, p. 8 e 9),
a seguir:
Toda e qualquer decisão proferida pelo CONARE deve ser fundamentada na Constituição Federal, na Lei nº 9474/97, na Convenção relativa ao Estatuto do dos Refugiados, de 1951, no Protocolo sobre o Estatuto dos Refugiados, de 1967, ainda fundado nas demais fontes de Direito Internacional dos Direitos Humanos, como por exemplo a Declaração Universal dos Direitos Humanos de 1948 (determinação está contida no artigo 48 da Lei 9474/97)
4.2 FORMA DE SOLICITAÇÃO DE REFÚGIO
Para solicitar refúgio no Brasil, o estrangeiro que se considera vítima de
perseguição em seu país de origem deve procurar, a qualquer momento após a sua
chegada ao território nacional, qualquer Delegacia da Polícia Federal ou autoridade
migratória na fronteira e solicitar formalmente a proteção do governo brasileiro. Seu
pedido será encaminhado pela Polícia Federal e posteriormente ao CONARE, que o
analisará e decidirá pelo reconhecimento ou não do refúgio. O solicitante receberá
um protocolo com validade para 180 (cento e oitenta) dias e que poderá ser
renovado.
21
4.3 PROCESSO DE SOLICITAÇÃO DE REFÚGIO
Segundo o CONARE, para assegurar que os pedidos protocolados tenham
fundamento, o órgão faz pesquisa por meio de imprensa e da internet, além de
consultar organizações internacionais, como a ONU, e em algumas universidades
com as quais mantém convênio. Essas instituições enviam relatórios ao comitê
brasileiro o resultado sobre suas pesquisas que embassem o processo. Uma vez
concedido o refúgio, os direitos se estendem a cônjuges, filhos, pais e outros
integrantes da família que dependam economicamente do refugiado. Enquanto o
pedido está em trâmite, o solicitante recebe um protocolo que lhe garante
estabilidade no país, permitindo inclusive o exercício legal e regular de contrato de
trabalho.
4.4 DIREITOS DO SOLICITANTE DE REFÚGIO
A partir do momento em que o refugiado solicita o status dessa condição,
automaticamente o Estado lhe garante alguns direitos básicos referentes a
dignidade e os direitos humanos. No CONARE estão elencados alguns desses
direitos, referentes aos direitos dos solicitantes provisórios e dos permanentes:
- Ter acesso ao procedimento legal de solicitação de refúgio, gratuitamente e sem necessidade de advogado; Não ser devolvido para seu país de origem ou para onde sua vida possa estar em risco; - Não ser discriminado pelas autoridades governamentais e pela sociedade; - Não ser punido por entrada irregular no país; - Receber a documentação provisória assegurada pela legislação: Protocolo Provisório, Cadastro de Pessoa Física (CPF) e Carteira de Trabalho; - Ter os mesmos direitos e a mesma assistência básica de qualquer outro estrangeiro que resida legalmente no país. Entre os direitos civis básicos estão a liberdade de pensamento, de deslocamento e de não ser submetido à tortura e a tratamentos cruéis e degradantes. Já entre os direitos econômicos, sociais e culturais estão o acesso aos serviços de saúde pública e educação, direito ao trabalho e à liberdade de culto. (ACNUR, CARTILHA DIREITOS E DEVERES DOS SOLICITANTES DE REFÚGIO NO BRASIL, 2010, P. 10)
4.5 DIREITOS DOS REFUGIADOS RESIDENTES NO BRASIL
A legislação brasileira assegura aos refugiados, na condição de residentes,
direitos que visam a sua segurança e estabilidade, entre eles, destacam-se:
22
- Solicitar, por meio da reunião familiar, a extensão da condição de refugiado para parentes (cônjuges, ascendentes e descendentes) e demais componentes do grupo familiar que se encontrem no território nacional, conforme estabelece a Lei 9.474 e a Resolução Normativa n. 4 do CONARE; - Receber toda a documentação assegurada pela legislação: Registro Nacional de Estrangeiros (RNE), Cadastro de Pessoa Física (CPF), Carteira de Trabalho e passaporte para estrangeiro – no caso de viagens previamente autorizadas pelo CONARE; - Requerer a permanência após ter vivido quatro anos no país na condição de refugiado; - Solicitar a permanência no Brasil em razão de ter cônjuge ou filho brasileiro; - Reivindicar o acesso a procedimentos facilitados para o reconhecimento de certificados e diplomas. (ACNUR, CARTILHA DIREITOS E DEVERES DOS SOLICITANTES DE REFÚGIO NO BRASIL, 2010, P. 10)
4.6 DEVERES DOS SOLICITANTES DE REFÚGIO E REFUGIADOS RESIDENTES
NO BRASIL
A legislação brasileira é clara também quanto aos deveres dos refugiados
e/ou dos que aguardam decisão governamental, quais sejam:
- Respeitar a Constituição Federal e as leis brasileiras, como todos os brasileiros e estrangeiros residentes no país. Qualquer crime ou infração cometida terá o mesmo tratamento legal dado aos cidadãos brasileiros; - Observar especialmente as leis específicas de proteção das crianças, dos adolescentes e da mulher; - Não exercer atividades de natureza política, nos termos do artigo 107 da Lei 6.815/80; - Informar a Polícia Federal e o CONARE, no prazo de 30 dias, qualquer mudança de endereço; - Manter sua documentação atualizada. (ACNUR, CARTILHA DIREITOS E DEVERES DOS SOLICITANTES DE REFÚGIO NO BRASIL, 2010, P. 11)
Há ainda os deveres específicos dos refugiados, que, em resumo, os
obrigam a solicitar autorização para sair do pais e não praticar atos contrários à
segurança nacional, sob pena de perder a condição de refugiado.
O CONARE, portanto, tem o papel importante de que sejam preservadas as
garantias constituídas dos refugiados bem como o cumprimento das
obrigatoriedades impostas aos mesmos, visando ao bem estar pessoal e social do
indivíduo
Para efeito de ilustração, em anexo encontra-se um quadro estatístico,
demonstrando a situação dos refugiados no Brasil, segundo dados do Comitê
23
Nacional de Refugiados, com aumento de 16% entre os anos 2012 para 2013, a
maioria agravada pela situação de conflitos da Síria e do Congo.
24
5 ALTO COMISSÁRIO DAS NAÇÕES UNIDAS PARA REFUGIADOS - ACNUR
O ACNUR - Alto Comissário Das Nações Unidas Para Refugiados,
organismo subsidiário da ONU, tem sua origem e concepção na Europa, para
atendimento dos refugiados após a segunda guerra mundial, como afirma Barbosa e
Hora (2007, p.18):
Ao final da década de 40, a Europa vivia a chamada “Guerra Fria” e, através da execução do plano Marshall, já se observava a sua gradual recuperação econômica. Funcionava então em, caráter provisório, a Organização Internacional do Refugiado - OIR, com atribuições precípuas de identificar os refugiados, expedir seus documentos e assisti-los em suas necessidades, além de integrá-los e reassentá-los.
Em 14 de dezembro de 1950 era criado o ACNUR, nos termos da Resolução
428 (v) de sua Assembléia Geral, conforme competência dada pelo artigo 22 de sua
Carta, “com o objetivo de trabalhar de forma apolítica, humanitária e social”.
(BARBOSA e HORA, 2007 p. 18).
Localizada em Genebra, distribui-se por vários escritórios regionais. O
ACNUR é composto por um comitê executivo formado por representantes de 115
(cento e quinze) Estados de todos os continentes, o qual estabelece princípios que
orientam suas atividades e supervisiona todo o orçamento da organização,contando
com a colaboração de mais de seis mil funcionários.
Sua função é tutelar o direito do refugiado, providenciando a proteção
internacional e estabelecer relações com os governos na solução dos problemas dos
refugiados, colaborando com toda o processo de entrada, integração e adaptação do
refugiado no novo país, que o acolheu.
Embora subsidiário das Nações Unidas, o órgão atua independentemente
daquela organização e é responsável pela tutela internacional dos direitos dos
refugiados, cujas funções primordiais são: providenciar proteção internacional e
buscar soluções permanentes para o problema do refugiado (JUBILUT, 2007,
p.159).
No art.1º do Estatuto do ACNUR, está definido o conceito e suas funções:
O Alto Comissariado das Nações Unidas para Refugiados, atuando sob a autoridade da Assembléia Geral, assumirá a função de proporcionar proteção internacional, sob os auspícios das Nações Unidas, aos refugiados que se enquadrem nas condições previstas no presente Estatuto, e de
25
encontrar soluções permanentes para o problema dos refugiados, prestando assistência aos governos e, com o consentimento de tais governos, prestando assistência também a organizações privadas, a fim de facilitar a repatriação voluntária de tais refugiados ou a sua integração no seio de novas comunidades nacionais. No exercício de suas funções, especialmente se surgir alguma dificuldade - por exemplo, qualquer controvérsia relativa ao status internacional dessas pessoas - o Alto Comissariado solicitará a opinião de um Comitê consultivo em assuntos de refugiados, se tal Comitê for criado.
No ínicio da organização o regime era de proteção internacional aos
refugiados, mas com o decorrer dos anos o ACNUR foi se ocupando de outros
grupos que sofriam de agressões mas não se enquadram na condição de
refugiados.
Conforme a classificação aplicada, desde 1993, dependem hoje do ACNUR,
os refugiados, repatriados, deslocados e requerentes de refúgio e apatriadas.
Os refugiados são pessoas que estão fora de seus países de origem e foram
reconhecidos como refugiados.
Os repatriados são pessoas que regressaram a seus países de origem e que
o ACNUR auxilia a se reinstalar na sociedade.
Os deslocados são pessoas constrangidas a fuga dentro de seus próprios
países.
Para a última classificação tem-se a definição de Barbosa e Hora (2007, p.
19):
Requerentes de refúgio e apatriadas são pessoas que estão fora de seus países de origem, pediram o estatuto de refugiados em outro país e esperam uma decisão sobre seus casos, e pessoas que nascem sem nacionalidade ou tem a sua retirada pelo estado, ficando, portanto, sem proteção de um Estado nacional, respectivamente.
O ACNUR conta também com o apoio de de mais de mil e quinhentas
organizações governamentais, de forma direta e indireta, e com órgãos da ONU, a
exemplo da Organização Mundial da Saúde – OMS, Organização das Nações
Unidas para Educação a Ciência e a Cultura (UNESCO), o Fundo das Nações
Unidas para a Criança (UNICEF), o Programa das Nações Unidas sobre o Meio
Ambiente (PNUMA), o Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento
(PNVD), entre outros.
Parceira importante foi estabelecida com a Cruz Vermelha, que detém
experiência de mais de cento e cinquenta anos, atuando em situações extremas de
26
guerra e conflitos, de toda ordem, trabalhando diretamente com a proteção,
alimentação, medicação de civis, vitimas no conflito bélico. O ACNUR compartilha
com aquele órganismo as responsabilidades pela ajuda às vítimas.
Em consequência de regimes de exceção e ditaduras, espalhados pelos
diversos continentes, forçando a saída dos cidadãos de seu países, o ACNUR
ampliou seu trabalho que já realizava na Europa com os refugiados, atendendo
primeiramente os casos na América Central e posteriormente estendendo-se para
toda a América Latina, aproximadamente duas décadas após a Convenção de 1951.
No Brasil, a presença do ACNUR data do ano de 1977, instalando-se na
cidade do Rio de Janeiro, com supervisão de sua Oficina Regional para o Sul da
América Latina, com sede em Buenos Aires.
Naquele momento, o Brasil registrava os primeiros casos de acolhimento de
refugiados, provindos de países da América do Sul, afetados por graves crises
institucionais, em sua maioria, de nacionalidade uruguaia, argentina, paraguaia e
chilena.
Apenas em 1982 instalou oficialmente o escritório do ACNUR no Rio de
Janeiro, funcionando basicamente no reassentamento dos refugiados sul-
americanos no exterior, uma vez que o Brasil ainda mantinha a cláusula da reserva
geográfica da Genebra de 1951, conforme exposto anteriormente.
A presença dessa agência no país colaborou efetivamente para que
houvesse um maior comprometimento governamental com a situação do refugiado e
modernização da legislação brasileira para o refugiado.
Outro fator de relevância foi o comprometimento da Igreja Católica, através
da CNBB – Conferência Nacional dos Bispos do Brasil, com a fundação da
CARITAS da Arquidiocese do Rio de Janeiro e São Paulo, para atendimento dos
refugiados no Brasil, em parceria com o ACNUR.
27
6 ATUAÇÃO DA POLÍCIA FEDERAL
A Polícia Federal, órgão oficial do Estado, atua de maneira efetiva no
acolhimento dos refugiados. É essa instituição, de vital importância para o refugiado,
que faz a ligação com os outros órgãos, e acompanha todo o processo de
acolhimento ou não, do aceite ou recusa da solicitação. É a porta de entrada do
refugiado no Brasil.
Esse órgão policial tem, portanto, uma atuação expressiva, pois lhe cabe,
buscar todas as informações possíveis daqueles que buscam refúgio, acionando os
órgãos internacionais, como a Interpol. Desde o procedimento inicial - solicitação do
status de refugiado à conclusão da permanência - todos os requisitos são
preenchidos. Entre elas, a tomada de declarações dos indivíduos e que são levadas
em consideração, não importando a condição de sua entrada no país. Impera o
princípio do non refoulement5, nos termos da lei nº 9474/97, art. 9º:
Art. 9º A autoridade a quem for apresentada a solicitação deverá ouvir o interessado e preparar termo de declaração, que deverá conter as circunstâncias relativas à entrada no Brasil e às razões que o fizeram deixar o país de origem.
Quando o refugiado busca proteção, vive um momento conturbado, deixou a
sua terra natal, família, seus bens, sua vida, enfim, encontra-se desorientado,
fragilizado e amedrontado. Cabe neste momento ao órgão oficial do Estado,
representado pela Polícia Federal, acolhê-lo da melhor forma possível e
proporcionar condições para adaptá-lo e integrá-lo no novo país.
Seguindo o principio do non-refolement, não poderá o órgão do Estado
forçá-lo a retornar ao país de origem, onde sua vida e sua liberdade estão
ameaçadas, conforme o artigo 33 da Convenção Relativa ao Estatuto dos
Refugiados, do qual o Brasil faz parte, a saber:
§1. Nenhum dos Estados Membros expulsará ou rechaçará, de maneira alguma, um refugiado para as fronteiras dos territórios em que a sua vida ou
5 O termo significa não-devolução. A proibição da repatriação forçada dos refugiados é chamada
de non-refoulement (“não-devolução”), e é o princípio fundamental do direito internacional dos
refugiados.
28
a sua liberdade seja ameaçada m virtude da sua raça, da sua religião, da sua nacionalidade, do grupo social a que pertence ou das suas opiniões políticas.
Neste sentido, o princípio fundamentou o julgamento do processo de
extradição nº 1170, do Supremo Tribunal Federal, envolvendo o argentino Gustavo
Francisco Bueno e formulado pelo governo de seu país, nos seguintes termos:
EXTRADIÇÃO. DOCUMENTO DE REFUGIADO EXPEDIDO PELO ALTO COMISSARIADO DA ONU (ACNUR). CONARE. RECONHECIMENTO DA CONDIÇÃO DE REFUGIADO PELO MINISTRO DA JUSTIÇA. PRINCÍPIO DO NON REFOULEMENT. INDEFERIMENTO. 1. Pedido de extradição formulado pelo Governo da Argentina em desfavor do nacional argentino GUSTAVO FRANCISCO BUENO pela suposta prática dos crimes de privação ilegítima da liberdade agravada e ameaças. 2. No momento da efetivação da referida prisão cautelar, apreendeu-se, em posse do extraditando, documento expedido pelo Alto Comissariado da ONU para Refugiados - ACNUR dando conta de sua possível condição de refugiado. 3. O Presidente do Comitê Nacional para os Refugiados - CONARE atesta que o extraditando é um refugiado reconhecido pelo Governo Brasileiro, conforme o documento n. 326, datado de 12.06.1989. 4. O fundamento jurídico para a concessão ou não do refúgio, anteriormente à Lei 9.474/97, eram as recomendações do ACNUR e, portanto, o cotejo era formulado com base no amoldamento da situação concreta às referidas recomendações, resultando daí o deferimento ou não do pedido de refúgio. 5. O extraditando está acobertado pela sua condição de refugiado, devidamente comprovado pelo órgão competente - CONARE -, e seu caso não se enquadra no rol das exceções autorizadoras da extradição de agente refugiado. 6. Parecer da Procuradoria Geral da República pela extinção do feito sem resolução de mérito e pela imediata concessão de liberdade ao extraditando. 7. Extradição indeferida. 8. Prisão preventiva revogada. (STF - Ext: 1170 , Relator: Min. ELLEN GRACIE, Data de Julgamento: 18/03/2010, Tribunal Pleno, Data de Publicação: DJe-071 DIVULG 22-04-2010 PUBLIC 23-04-2010 EMENT VOL-02398-01 PP-00001)
6.1 PROCEDIMENTO PARA STATUS DE REFUGIADO
O procedimento para o requerimento do status de refugiado é de natureza
administrativa e ocorre em dois momentos. Primeiro perante o CONARE (Comitê
Nacional para Refugiados) e segundo perante o Ministro da Justiça. Caso o
solicitante não fale português a entrevista será traduzida e, com ajuda de um
intérprete, o estrangeiro deverá preencher a solicitação de reconhecimento de sua
condição de refugiado, conforme descreve Koeke (2012, p. 8):
o estrangeiro deverá preencher a solicitação de reconhecimento de sua condição de refugiado, informando sua identificação completa, inclusive qualificação profissional, grau de escolaridade do solicitante e membros do seu grupo familiar, bem como relato das circunstâncias e fatos que
29
fundamentem o pedido de refúgio, indicando os elementos de prova pertinentes, em atendimento às exigências contidas no artigo 19 da Lei nº 9.474/97.
Muitas informações são omitidas ou imprecisas diante da dificuldade dos
solicitantes em repassar seus dados e os motivos que os levaram a ingressar no
país para os policiais. A própria situação de insegurança, angústia e medo se fazem
presentes nesse momento, dificultando o diálogo e a compreensão.
No artigo publicado por Andrade e Marcolini (2012, p.1), algumas questões
são esclarecidas:
Uma vez reconhecida a condição jurídica do refugiado no Brasil. A pessoa recebe uma carteira de identidade, emitidas pela Polícia Federal, tem direito à assistência médica pública, e esta autorizado a estudar e a trabalhar graças às estratégias desenvolvidas para integrar os refugiados na sociedade local, a maioria benefia-se de programas sociais públicas e privados com base numa análise caso-a-caso, o refugiado pode receber ajuda financeira, concedida pelo ACNUR, por um período de tempo determinado. Esta ajuda, equivalente a um salário mínimo, é distribuída pelas Cáritas Arquidiocesanas do Rio de Janeiro e Sáo Paulo.
Os estrangeiros apresentam-se a autoridade competente e solicitam o
reconhecimento da condição de refugiado e posteriormente será notificado para
prestar declarações. Todas as solicitacões devem ser comunicadas ao ACNUR
(Alto Comissariado da Nações Unidas para Refugiados), que poderá oferecer
sugestões que visem a facilitar seu andamento.
Após receber o termo de declaração, o CONARE expedirá declaração que
autoriza a emissão do protocolo provisório de solicitação de refúgio. O protocolo é
extremamente importante, tornando-se o documento de identidade do solicitante até
análise do seu caso. Com esse expediente, o solicitante poderá tirar o CPF –
Cadastro de Pessoa Física e a Carteira de Trabalho, o que lhe garantirá segurança
para permanência e circulação no país. O documento possui validade de três meses
e deverá ser renovado na Polícia Federal até o solicitante ter a sua resposta final.
6.2 TRAMITAÇÃO DO PEDIDO
Tendo feito o pedido de refúgio, a Polícia Federal entrará em contato com o
solitante para que seja realizada a entrevista com representante do CONARE. Essa
entrevista será objeto de análise do pedido de refúgio. Caberá ao solicitante manter-
se em permanente contato para acompanhar seu processo.
30
Se o solicitante obter decisão favorável, o procedimento a ser seguido é o
previsto no artigo 28 da Lei nº 9479/97, ou seja, o refugiado será registrado junto ao
Departamento de Polícia Federal, assinando termo de responsabilidade e
solicitando cédula de identidade pertinente (RNE - Registro Nacional de
Estrangeiros) para regularização de sua situação e, partir daí, no pleno exercício de
seus direitos e deveres constitucionais.
No entanto, se a decisão for negativa, o solicitante será notificado, e terá
prazo de 15 dias para apresentar recurso perante o Ministro da Justiça, que o
analisará. Esta decisão também será comunicada à Polícia Federal e caso o Ministro
negue o recurso apresentado, o solicitante ficará sujeito à legislação do estrangeiro
vigente no país. Caberá, então, a própria Polícia Federal, conduzi-lo a sua terra
natal.
Uma medida governamental importante para a população refugiada, que
vive no Brasil, foi a mudança do termo “refugiado” para “residente”, na Cédula de
Identidade desses estrangeiros. Com isso, os refugiados estão autorizados a realizar
atividades remuneradas no país, com base na lei do 9474/97.
Tal procedimento foi significativo e histórico, como afirma o Secretário
Nacional da Justiça e presidente do CONARE, Paulo Abraão, conforme publicação
em 17/11/2013 [Alto Comissário do ACNUR elogia posição do Brasil sobre
refugiados. Disponível em http://portal.mj.gov.br]
com essa alteração o Brasil cumpre seu papel de ampliar o rol de direitos e garantias dessa população, evitando a estigmatização e mantendo o diálogo aproximado com as comunidades e o aprimoramento de suas boas práticas.
Para simplificar o processo de concessão de refúgio no Brasil, algumas
medidas foram aprimoradas para melhorar e tornar mais rápido e receptivo
acolhimento. Ao chegar no país, o solicitante pede o protocolo de refúgio
diretamente na Polícia Federal. Anteriormente a solicitação do documento dependia
da solicitação prévia do CONARE.
Outra medida também importante foi a flexibilização quanto aos critérios
para concessão da reunificação familiar - através da Resolução do CONARE nº 17 -
que viabilizou a concessão de visto de entrada no país de estrangeiros que foram
afetados especificamente por cidadãos, vitimas dos conflitos de grandes proporções
ocorridos na Síria.
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7 LEI Nº 9.474/97 – ESTATUTO DO REFUGIADO
A promulgação da Lei nº 9474/976, sancionada pelo Presidente Fernando
Henrique Cardoso, em 22 de julho de 1997, cria um novo paradigma na legislação
referente aos refugiados porque moderniza e a aperfeiça significativamente o
sistema de concessão de refúgio, servindo de modelo para diversos países.
O CONARE especifica a composição da lei nos seguintes termos:
Esta Lei compreende oito títulos, dezessete capítulos, três seções e 49 artigos. O primeiro título trata dos aspectos caracterizadores do refúgio, vale dizer, do conceito, da extenção, da exclusão e da condição jurídica do refugiado e da refugiada. O segundo título trata do ingresso no território nacional e do pedido de refúgio. O terceiro título trata da CONARE. O quarto título trata do processo do refúgio, ou seja, do procedimento, da autorização da residência provisória, da instrução e do relatório da decisão, da comunicação, do registro e do recurso do status de refugiado sobre a extradição e a expulsão, enquanto o sexto trata da cessação e da perda da condição de refugiado ou refugiada. O sétimo título trata das soluções duráveis, como é o caso da repatriação, da integração local e do ressentamento e no oitavo título apresenta as disposições finais [Leão, 2007, 19]
A Lei 9.474/97 ou Estatuto do Refugiado, como é conhecida, foi resultado do
trabalho em conjunto de representantes do governo brasileiro, da organização
subsidiária da ONU e do ACNUR. Traz regras nacionais para concessão de refúgio
e no seu artigo 1º estabelece critérios pelos quais um indivíduo é reconhecido como
refugiado, como bem explicita Jubilut (2007 p. 3):
[...] qualquer pessoa que tenha sofrido perda da proteção de seu Estado. E que tenha um fundado temor de perseguição em virtude de raça , religião, nacionalidade grupo social, opinião política ou grave e generalizada violação dos direitos humanos.
Em muitos casos de refugiados, em situação extrema, como atualmente e
diariamente registram as mídias com haitianos que fogem de seu país em razão da
catástrofe ocorrida com o terremoto de grandes proporções em 2010, o Brasil
flexibilizou e ampliou o entendimento da lei, permitindo um procedimento
simplificado de ingresso que permite ao solicitante do refúgio um protocolo para
posterior emissão de carteira de trabalho provisório, o que lhes garantirá residência
permanente no país. Esse entendimento se pauta por razões humanitárias.
6 Lei publicada na seção I, às páginas 15822-15824, do Diário Oficial da União de número 139.
32
Ao contrário de alguns que viram nesta nova Lei uma porta aberta para
entrada de todo imigrante, atraindo de certa forma várias nacionalidades para o
Brasil, o legislador na verdade pensou em fortalecer os direitos daqueles que estão
em situação vulnerável e sem perspectivas. As palavras do próprio presidente do
CONARE, Luiz Paulo Barreto, desfaz as críticas, quando se refere à grande
quantidade de haitianos que aportaram no país: “O Brasil não deseja colaborar com
o êxodo do Haiti. Temos uma força de paz no país e esperamos que os próprios
haitianos o reconstruam. De outro lado, não pensamos que devemos deportá-los,”
afirmou o presidente do Conare, Luiz Paulo Barreto, em reunião com os integrantes
do Comitê, em 02/08/2011 [http://portal.mj.gov.br].
E, no mesmo encontro, reforçou sua posição: “Migrar é um direito humano e
temos responsabilidade especial com os haitianos, por isso era necessária uma
medida complementar e simplificada para atender essa demanda remanescente,
não prevista anteriormente." [http://portal.mj.gov.br/]
A Lei 9474/97 apresenta vários aspectos positivos, no entanto, a legislação
possui alguns pontos negativos que não contemplam plenamente os direitos do
refugiado, como explicita, Jubilut (2007, p. 195):
Apesar disso, tem-se que, como mencionado, os direitos econômicos, sociais e culturais dos refugiados não estão expressos diretamente na lei, havendo somente referência aos direitos assegurados pela Convenção de 51 e ao fato de os refugiados terem os mesmos direitos dos estrangeiros no Brasil.
A autora considera que se houver uma reforma nos diplomas legais
internacionais, resultando na perda da validade da Convenção de Genebra de 1951,
os direitos dos refugiados poderiam ficar desprotegidos por um lapso de tempo.
Outro aspecto é a "ausência de previsão de possilidade de acesso ao Poder
Judiciário no que tange à elegibilidade da solicitação de refugio". (Jubilut, 2007, p.
195), embora tenha-se assegurado esse direito de forma genérica, previsto pela
Carta Magna.
Outro fator apontado negativamente seria o aparente aspecto
antidemocrático nas deliberações em processos de extradições de refugiados,
conforme argumenta Waisberg (2010, p. 2):
33
[...] o estatuto jurídico inclui regras menos deliberativas, como por exemplo a possibilidade do Ministro da Justiça, após deliberação do CONARE, decidir em sentido contrário ao parecer do órgão, seja para conceder ou não a condição de refúgio. O caráter antidemocrático do estatuto jurídico se tornou evidente no caso Cesare Battisti, quando o Ministro da Justiça concedeu a condição de refugiado ao ex-militante de esquerda italiano,
contrariando decisão do CONARE.
Esses aspectos no entanto, são poucos significativos perante o avanço e a
abrangência da lei que permitiu ao refugiado ampliar seus direitos, à segurança e a
uma vida mais digna.
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8 CONCLUSÃO
A situação jurídica do refugiado no Brasil se solidificou de tal maneira que se
pode afirmar que está entre as melhores legislações constituídas dentre outros
países que tratam das questões dos refugiados. A evolução ocorreu na medida que
a problemática se apresentava e exigiu do governo e dos organismos envolvidos um
posicionamento legal para o problema.
Desta forma, o país tenta enfrentar as questões jurídicas que se apresentam
em relação aos refugiados de forma a permitir que os mesmos tenham razoáveis
condições de se estabelecer com segurança, adaptando-se aos costumes e a
cultura do Brasil e usufruir dos políticas sociais e governamentais.
Neste sentido, é que em muitos casos o governo reconheceu os refugiados
por razões humanitárias, regularizou sua situação e os considerou como
estrangeiros com visto permanente. Decisões estas que são tomadas em acordo
com o CONARE, o Ministério da Justiça, das Relações Exteriores, do Trabalho e do
Emprego e da Polícia Federal.
Se é ponto pacífico que o Brasil tem uma legislação e política correta em
relação ao refugiado, tratando-o com dignidade e o respeitando em seus direitos
fundamentais, extirpando qualquer sentimento xenófobo, não se pode afirmar que o
o período pós-confirmação de refúgio atende satisfatoriamente aos problemas de
adaptação e inserção no tecido social.
A legislação não dá suporte para acompanhamento da integração social e
para o mercado de trabalho. A maioria terá que buscar com seus próprios meios
estabelecer-se economicamente e financiariamente no país, apesar do esforço dos
organismos não-governamentais.
Ao Estado brasileiro não basta conferir ao refugiado apenas o status de
refugiado, necessitará aprimorar suas políticas públicas e sociais para um problema
que está longe de ser sanado, pois o Brasil tornou-se uma referência para diversos
povos que buscam aqui a tranquilidade, segurança e vida digna, que não mais
encontram em seu país de origem.
35
REFERÊNCIAS
ACNUR. O ACNUR no Brasil. Brasília: ACNUR, 2006; ACNUR. Políticas Públicas para migrações internacionais. Migrantes e Refugiados, Brasília, Aliance Gráfico, 2ª Ed., 2007; Alto Comissário do ACNUR elogia posição do Brasil sobre refugiados. Disponível em
<http://portal.mj.gov.br>. Acesso em 07/04/14;
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36
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REVISTA ISTO É. São Paulo. Ed. Três, nº 233, p. 34, Coluna Ricardo Boechat, 26
março de 2014.
REVISTA ISTO É. São Paulo. Ed. Três, nº 2305, p. 64/65, O drama de Wakil, Fabíola Perez, 29 janeiro de 2014. SAADEH, Cyro, EGUCHI, Mônica Mayumi. Convenção relativa ao estatuto dos refugiados. Protocolo sobre o Estatuto do refugiado. Disponível em <www.pg.sp.gov.br/centrodeestudos/bibliotecavirtual>. Acesso em 23/03/2014; SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL, PROCESSO DJe-071 DIVULG 22-04-2010 PUBLIC 23-04-2010 EMENT VOL-02398-01 PP-00001, RELATOR: MIN. ELLEN GRACIE, PARTES GUSTAVO FRANCISCO BUENO DEFENSOR PÚBLICO-GERAL FEDERAL .Disponível em <http://stf.jusbrasil.com.br/jurisprudencia/8996186/extradicao-ext-1170>. Acesso 07/04/14;
WAISBERG, Tatiana, O Estatuto dos Refugiados e o tráfico internacional de pessoas. Disponível em <http://www.ambito-juridico.com.br/site/index.php/index.php?n_link=revista_artigos_leitura&artigo_id=13285&revista_caderno=16>. Acesso em 07/04/14;
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ANEXO
O quadro abaixo ilustra a situação dos refugiados no Brasil, segundo dados do
Comitê Nacional de Refugiados. Nesta estatística não constam os haitianos porque
sua condição está sendo concebida no sentido humanitário.
Fonte: Comitê Nacional para os Refugiados (Ministério da Justiça)
2087
199 59628
4044
5200
651 636
4482 4695
Solicitantes derefúgio
Pedidosreconhecidos
Pedidosindeferidos
Casosencaminhados
para oConselho
Nacional deImigração
Total derefugiados
Refugiados no Brasil
2012 2013
283
106 87
32 19 18 17 16
Pedidos Reconhecidos
Pedidos Reconhecidos