SOARES 1999 Vai Vai Cotidiano

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  • 8/4/2019 SOARES 1999 Vai Vai Cotidiano

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    UNIVERSIDADE DE SO PAULO

    FACULDADE DE FILOSOFIA, LETRAS E CINCIAS HUMANAS

    PROGRAMA DE PS-GRADUAO EM ANTROPOLOGIA SOCIAL

    O Cotidiano de uma escola de samba paulistana:o caso do Vai-Vai

    Reinaldo da Silva Soares

    Dissertao apresentada Faculdade de

    Filosofia, Letras e Cincias Humanas, para

    obteno do Ttulo de Mestre, pelo curso de

    Ps-Graduao em Antropologia Social.

    So Paulo1999

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    UNIVERSIDADE DE SO PAULO

    FACULDADE DE FILOSOFIA, LETRAS E CINCIAS HUMANAS

    PROGRAMA DE PS-GRADUAO EM ANTROPOLOGIA SOCIAL

    O Cotidiano de uma escola de samba paulistana:o caso do Vai-Vai

    Reinaldo da Silva Soares

    Dissertao apresentada Faculdade de

    Filosofia, Letras e Cincias Humanas, para

    obteno do Ttulo de Mestre, pelo curso de

    Ps-Graduao em Antropologia Social.

    Orientador: Professor Doutor JooBaptista Borges Pereira

    So Paulo1999

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    Data da defesa: 27/10/1999

    Banca Examinadora

    A Comisso Examinadora foi constituda pelas Professoras Olga

    Rodrigues de Moraes Von Simson, Lilia Katri Moritz Schwarcz e

    presidida pelo Professor Doutor Joo Baptista Borges Pereira,

    orientador do candidato. Terminadas as argies, a Comisso, em

    sesso secreta, passou aos trabalhos de julgamento, decidindo por

    unanimidade pela aprovao.

    vista deste julgamento, Reinaldo da Silva Soares foi considerado

    aprovado com distino, fazendo jus ao Ttulo de Mestre em Cincias:

    Antropologia Social.

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    minha terna companheira, Bernadete,e minha filha, a gatssima, Beatriz.

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    AGRADECIMENTOS

    Ao Professor Joo Baptista Borges Pereira, pela

    orientao competente e segura, cujo profundo interesse pelo tema e

    compreenso com nossas dificuldades foram incentivos decisivos para

    que este trabalho fosse realizado.

    CAPES, pela obteno da bolsa de estudos que

    viabilizou a concluso dos crditos.

    s professoras que participaram da banca examinadora

    de qualificao, Maria Lcia Montes e Olga Rodrigues Von Simson,

    pelas crticas e sugestes que nos possibilitaram repensar o projeto de

    pesquisa.

    Famlia Vai-Vai que permitiu que este trabalho se

    concretizasse, pois a disponibilidade e inteligncia dos sambistas

    facilitaram nossa tarefa. Pudemos comprovar que um trabalho

    acadmico no feito apenas de um clculo racional e uma tcnica

    elaborada, pois quando a matria-prima o ser humano, as emoes

    so essenciais. Compartilhamos juntos da frustrao de ensaios

    adiados por conta dos temporais de vero, do xtase de ensaios bem

    sucedidos, da decepo de um vice-campeonato e da alegria

    imensurvel de trs ttulos de campeo do carnaval paulistano. Aos

    vaivaienses, nossa admirao e o nosso respeito.

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    colega Ivana Serpentino Feij, pela leitura crtica de

    alguns captulos dessa dissertao, que propiciou oportunos debates

    intelectuais.

    A todos aqueles que participaram indiretamente da

    realizao deste trabalho, nossa gratido.

    Claudia Martinuzzo S. de Castro e Fernanda Lucchesi,

    pela reviso do texto.

    Finalmente, aos nossos familiares: Rubens, Geralda,

    Cilene, e Eric, que nos acompanharam durante boa parte dessa

    trajetria, nosso reconhecimento pelo carinho, ateno, determinao e

    alegria, caractersticas to presentes nas famlias negras que foram

    imprescindveis para que nosso objetivo fosse alcanado.

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    SUMRIO

    INTRODUO ....................................................................................1

    CAPTULO 1

    Grmio Recreativo e Cultural Escola de Samba Vai-Vai: Um Breve

    Histrico............................................................................................7

    CAPTULO 2

    Estrutura Organizacional Interna....................................................48

    CAPTULO 3

    O Cotidiano da Agremiao: a Dialtica entre a Labuta e o Lazer

    Estruturando as Relaes Sociais....................................................80

    CAPTULO 4

    O Desfile Carnavalesco e suas Mltiplas Interpretaes...............125

    CAPTULO 5

    A Auto-representao Vaivaiense: o Significado da Agremiao para

    os Sambistas...................................................................................164

    Consideraes Finais......................................................................202

    BIBLIOGRAFIA................................................................................209

    APNDICES

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    RESUMO

    O Cotidiano de uma escola de samba paulistana: o caso do Vai-Vai

    O objetivo do trabalho analisar o processo de produo

    do ciclo carnavalesco do Grmio Recreativo e Cultural Escola de Samba

    Vai-Vai. Agremiao formada em sua maior parte por negros. Localizada

    no bairro do Bexiga, nas proximidades da regio central da cidade de

    So Paulo.

    O cotidiano da agremiao foi retratado atravs da

    descrio etnogrfica das principais atividades organizadas pelos

    sambistas: ensaios, festas e concursos de samba enredo.

    Durante o trabalho, o Vai-Vai revelou-se como um

    espao de sociabilidade cujo um dos principais objetivos a valorizao

    da cultura negra perante a sociedade global.

    A histria da agremiao relativiza o processo de

    oficializao do carnaval enquanto conquista da classe dominante,

    demonstrando como os negros conseguiram ampliar a dimenso da sua

    manifestao cultural, utilizando-se de estratgias de resistncia

    inteligente.

    Palavras-Chave: Escolas de samba Estilo de vida Festa Negro

    So Paulo

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    ABSTRACT

    The daily life of a So Paulo city samba school: the Vai-Vai case

    The work purpose is to analyze the carnival cycle

    production process of the Recreational and Cultural Society Vai-Vai

    Samba School. Association formed for the most part by the black

    people, situated in Bexiga district, nearly the central area in So Paulo

    city.

    The association daily routine was retraced through the

    ethnography mainly activities description, arranged by the samba

    dancers: essays, parties and samba plot competitions.

    During the work, the Vai-Vai revealed itself as being a

    sociability space, and its main purpose is the black culture valorization,

    in the face of the global society.

    The association history related to the carnival

    officialization process as conquest of dominant class, provided that

    making use of intelligent resistance strategies, the black people

    succeed in enlarging their cultural demonstration dimension.

    Key-words: Black- Lifestyle Party Samba school So Paulo city

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    INTRODUO

    Os estudos sobre o carnaval brasileiro nas Cincias

    Sociais ganharam impulso a partir do ensaio O Carnaval como Rito de

    Passagem, de Roberto da Matta, publicado em 1973.

    A partir deste trabalho, surgiram vrias pesquisas de

    carter antropolgico e sociolgico sobre este que considerado o

    maior espetculo da Terra; alguns com um carter ensastico e outros,

    resultantes de pesquisa de campo.

    A maior parte dos trabalhos produzidos teve como escopo

    analisar o desfile carnavalesco e no o processo preliminar da produo

    da festa.1

    O presente trabalho tem como objetivo geral, analisar o

    processo de produo do desfile carnavalesco que engloba a definio

    do enredo, o concurso de escolha do samba enredo, os ensaios e as

    festas de uma agremiao paulistana: O Grmio Recreativo e Cultural

    Escola de Samba Vai-Vai.

    1 Como exceo, podemos citar o trabalho de Maria Laura Viveiros de CastroCAVALCANTI, Carnaval Carioca: dos bastidores ao desfile, Rio de Janeiro,

    Funarte/UFRJ, 1995, no qual a autora analisa todo o ciclo carnavalesco.

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    Nosso objetivo especfico revelar, atravs da descrio

    etnogrfica do cotidiano da agremiao, se h um padro de

    sociabilidade negro que guarda certas especificidades em relao a

    outras organizaes sociais.

    A escolha do G.R.E.C.E.S. Vai-Vai justificada pelo fato

    de ser uma das mais antigas escolas de samba da cidade, alm de ser a

    agremiao mais popular, concentrando milhares de componentes e

    simpatizantes em seus ensaios. Outro fator que determinou a opo

    pelo Vai-Vai como nosso objeto de pesquisa, a possibilidade de

    analisar o carnaval paulistano sob uma perspectiva particular: a

    questo tnica.

    O Vai-Vai desde sua gnese, em 1930, foi formado

    exclusivamente por negros. A partir da dcada de 1960, existe um

    ingresso mais significativo de brancos, mas, mesmo assim, atualmente

    a agremiao composta por uma maioria de negros.

    No pretendemos fazer a reconstruo da histria do

    carnaval paulistano2, muito embora em alguns momentos houve a

    necessidade de abordar alguns aspectos histricos da agremiao.

    2 Para o leitor interessado na histria do carnaval paulistano ver: Olga Rodrigues VonSIMSON, A burguesia se Diverte no Reinado de Momo, So Paulo, 1984, dissertao

    de mestrado, FFLCH-USP e Brancos e Negros no Carnaval Popular Paulistano, SoPaulo, 1989, tese de doutorado, FFLCH-USP.

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    Nosso intuito retratar a situao atual do Vai-Vai. O

    presente trabalho um estudo de caso, e como tal, no pretende ser

    representativo do carnaval paulistano, j que a agremiao em questo,

    apresenta algumas peculiaridades. Um trabalho sobre o samba

    paulistano deveria ser mais ambicioso e abordar escolas tradicionais

    como o Vai-Vai, Nen de Vila Matilde e Camisa Verde e Branco, ou

    agremiaes que surgiram com o processo de oficializao do carnaval

    paulistano, como a Rosas de Ouro e a Mocidade Alegre e, outras mais

    recentes, como a Gavies da Fiel Torcida.

    A pesquisa de campo foi realizada entre setembro de

    1996 e fevereiro de 1999 e a principal tcnica adotada foi a observao

    participante, pois acompanhamos, de forma sistemtica, o concurso de

    escolha do samba enredo, os ensaios, as festas, os jogos de futebol

    promovidos pela ala da harmonia, assim como o desfile, a apurao e

    as festas de comemorao do ttulo de campeo do carnaval paulistano.

    Participamos, tambm, de reunies internas das alas e de

    reunies das alas reunidas. No entanto, nossa participao nas

    reunies da diretoria foi vetada, sob o pretexto de que os assuntos

    tratados eram extremamente sigilosos.

    Apesar dessa negativa, a diretoria, assim como todos os

    membros da agremiao, sempre se mostrou muito disposta a nos

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    fornecer todo tipo de informao, por mais que nossas indagaes se

    mostrassem, muitas vezes, bvias demais aos sambistas.

    medida que iniciamos a pesquisa de campo, sentimos a

    necessidade de delimitar nosso objeto, de forma mais precisa, pois, no

    auge do perodo de ensaios nos meses de janeiro e fevereiro o Vai-

    Vai chega a reunir 7.000 a 10.000 pessoas, mas, um nmero bem

    reduzido de pessoas participa das atividades cotidianas da escola.

    Portanto, decidimos trabalhar com aqueles que, efetivamente, tenham

    um vnculo mais consistente com a agremiao, ou seja, que exeram

    alguma funo, tais como: passista, chefe de ala, ritmista. O exerccio

    de tais funes implica em severas repreenses em caso de

    absentesmo, alm do compromisso de fidelidade com o Vai-Vai, sendo

    vedada a participao em desfile de outra escola. Os simpatizantes, ao

    contrrio, utilizam os ensaios, como uma das diversas formas de lazer

    que a cidade proporciona.

    Realizamos entrevistas3 com os vaivaienses de diversas

    faixas etrias, e que ocupavam posies diferenciadas dentro da

    estrutura ocupacional da escola de samba. Entrevistamos tanto

    brancos quanto negros, uma vez que este recurso poderia revelar

    3 Todas as entrevistas foram registradas em gravador de fita cassete.

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    tenses nas relaes intertnicas e vises diferenciadas em relao

    agremiao.

    Durante todo o trabalho, tentamos estabelecer um

    dilogo entre as explicaes dos sambistas e nossas interpretaes.

    Durante a pesquisa de campo, nosso sentimento foi de um outsider, j

    que estvamos penetrando em um universo desconhecido, cujas regras

    ignorvamos. Neste contexto, cometer algumas gafes foi inevitvel.

    Gafes que se revelaram um instrumento de grande valor pedaggico

    para o conhecimento da lgica de funcionamento da agremiao.

    Obtivemos dados sobre o desfile carnavalesco e sua

    apurao, pela leitura dos jornais e telejornais locais e da Internet.

    A bibliografia consultada foi, basicamente, sobre samba,

    escolas de samba, carnaval e estudos sobre o negro no Brasil.

    O trabalho est estruturado em cinco captulos:

    No primeiro captulo, traamos um breve histrico do

    Vai-Vai, resgatando a gnese da agremiao em 1930, at o momento

    da sua transformao em escola de samba, na dcada de 1970.

    O segundo captulo, dedicado anlise da organizao

    formal da escola de samba, na qual procuramos decifrar o papel de

    cada setor dentro da estrutura interna da agremiao.

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    No terceiro captulo, realizamos uma descrio

    etnogrfica das atividades cotidianas do Vai-Vai: os ensaios, as festas e

    os concursos de samba enredo.

    No quarto captulo, procedemos a um breve levantamento

    sobre as discusses tericas envolvendo a temtica carnavalesca, na

    tentativa de estabelecer um dilogo com os respectivos autores, a fim de

    buscar uma interpretao para o significado do desfile para os

    vaivaienses.

    Finalmente, o quinto captulo, dedicado viso que os

    sambistas tm da agremiao, abordando temas como o processo de

    mercantilizao das escolas de samba e as relaes intertnicas, dentre

    outros.

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    CAPTULO 1

    GRMIO RECREATIVO E CULTURAL ESCOLA DE SAMBA VAI-VAI:

    UM BREVE HISTRICO

    V cuidar de sua vida /diz o dito popularquem cuida da vida alheia/da sua no podecuidarCriolo cantando samba /era coisa feiaEste negro vagabundo /joga ele na cadeiaHoje branco t no samba /quero ver como

    que fica / todo mundo bate palma / proOswaldinho da Cuca...(V cuidar de sua vida, Geraldo Filme, 1996)

    1.1 - Os Primeiros Folguedos Carnavalescos na Cidade de So Paulo

    O carnaval chegou ao Brasil trazido pelos

    colonizadores portugueses na forma do Entrudo1, que significa

    "entrada", uma festa realizada, antigamente, em Portugal para saudar a

    1 Segundo SIMSON: (...) O termo entrudo englobava todas as manifestaes referentes forma antiga de brincar o carnaval, chegadas ao Brasil com os colonizadores

    portugueses e tpicas dos festejos de Momo nas Aldeias da Pennsula Ibrica. Essetermo referia-se a uma forma de festejar os Trs Dias Gordos mais rural ou de pequenosaglomerados urbanos, onde todos se conheciam e onde os festejos de Momo tinhamtambm importante funo de controle social. Dentro desse esquema cabem asbrincadeiras com limes e laranjas de cheiro, as molhadelas com seringas, bisnagas e

    at baldes ou tinas, os enfarinhamentos, as peas pregadas em amigos, parentes econhecidos (...) (Olga Rodrigues Von SIMSON, A burguesia se Diverte no Reinado deMomo, So Paulo, 1984, dissertao de mestrado, FFLCH-USP, p. 9).

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    chegada da primavera. Com o advento do cristianismo, passou a

    acontecer do Sbado Gordo Quarta-feira de cinzas.2

    No sculo XIX, o Entrudo era praticado no Brasil,

    principalmente, pelas famlias mais abastadas dos grandes centros

    urbanos como Rio de Janeiro e Salvador. A festa consistia em "batalhas

    aquticas" entre pessoas de sexos diferentes, incluindo bombardeios de

    limes e laranjas de cera repletos de gua perfumada.3

    A partir de 1840, surge o Carnaval Veneziano que mais

    tarde, seria conhecido como "Grande Carnaval"4, realizado pelas classes

    privilegiadas. Mas, o surgimento do Carnaval Veneziano (...) no

    destronou imediatamente o Entrudo; este coexistiu com ele at a ltima

    dcada do sculo XIX, s desaparecendo completamente no incio do

    sculo XX.5

    Em So Paulo, as primeiras manifestaes carnavalescas

    datam da segunda metade do sculo XIX. Eram festas organizadas

    2 Maria Isaura PEREIRA DE QUEIROZ, Carnaval Brasileiro, So Paulo, Brasiliense,1992.3 Olga Von SIMSON, A Burguesia se Diverte no Reinado de Momo, So Paulo, 1984,dissertao de mestrado, FFLCH-USP.4 Segundo Maria Isaura PEREIRA DE QUEIROZ, Carnaval Brasileiro, So Paulo,Brasiliense, 1992, as terminologias Grande Carnaval e Pequeno Carnaval, foraminstitudas para enfatizar as diferenas entre os festejos realizados pelas elites e osfolguedos populares.

    5

    Maria Isaura PEREIRA DE QUEIROZ, Carnaval Brasileiro, So Paulo, Brasiliense,1992, p. 50.

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    pelas sociedades carnavalescas, compostas pela burguesia emergente

    resultante da alta lucratividade obtida com a comercializao do caf. O

    objetivo dessas festividades era aproximar-se do estilo de vida europeu,

    imitando o carnaval realizado em Frana e Itlia.6

    Nessa fase de implantao, o carnaval Veneziano, ou

    "Grande Carnaval", revela a bipolarizao da estrutura social. Enquanto

    os privilegiados desfilavam em carros alegricos ou de crticas, com

    fantasias luxuosas, os menos favorecidos apenas assistiam as

    festividades das caladas.

    No incio do sculo XX, assiste-se ao surgimento do

    "Pequeno Carnaval"7, o povo passou a participar, mais efetivamente,

    dos festejos, atravs dos bailes e desfilesrealizados no bairro do Brs,

    com participao majoritria dos imigrantes espanhis, italianos e

    portugueses.

    (...) Para os poucos negros que se aventuravam a vir tocar e danar nobairro imigrante, restavam as ruas secundrias prximas a estao deestrada de ferro, onde realizavam suas danas, assistidas, num misto de

    6 Olga Rodrigues Von SIMSON, A Burguesia se Diverte no Reinado de Momo, SoPaulo, 1984, dissertao mestrado, FFLCH-USP.7

    Este termo designava as festividades realizadas pelas classes populares, em oposioao grande carnaval, cujos participantes eram de um lado, os brancos operrios e deoutro, os negros que migravam das fazendas de caf do interior do Estado.

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    atrao e curiosidade, pelos imigrantes europeus que delas nadaconheciam(...) 8

    O carnaval do Brs tinha a participao de muitos

    operrios das indstrias que ali se instalaram. Alm dos bailes em

    clubes, participavam tambm do desfile em carros abertos,

    acompanhados de batalhas de confete, serpentina e lana-perfumes.9

    Na Lapa e gua Branca, tambm ocorreram

    manifestaes carnavalescas com as mesmas caractersticas dos

    folguedos realizados no Brs. Tais manifestaes eram realizadas,

    principalmente, por operrios imigrantes que compunham associaes

    baseadas nos laos de famlia e vizinhana e que recebiam apoio

    financeiro dos comerciantes locais.

    A partir da dcada de 1930, com o crescimento

    econmico da cidade, os bairros do Brs, Lapa e gua Branca foram

    transformando-se em bairros residenciais. Com a alta valorizao

    imobiliria, os operrios foram obrigados a procurar bairros mais

    acessveis financeiramente. Os bailes realizados em sales familiares,

    como o clube carnavalesco Lapeano, passaram a ser organizados pelos

    8

    Olga Rodrigues Von SIMSON, Brancos e Negros no Carnaval Popular Paulistano, SoPaulo, 1989, tese de doutorado, FFLCH-USP, p. 359 Ibidem.

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    clubes de futebol, como o Corinthians e o Palmeiras, com um carter

    comercial.

    Como resultado desse processo, ocorreu a desarticulao

    destas festividades organizadas pelos operrios brancos e,

    paralelamente, os blocos carnavalescos negros foram se afirmando.10

    1.2 - Os Blocos Carnavalescos

    Com a abolio da escravatura, a situao da

    populao negra na cidade de So Paulo, ficou ainda mais dramtica.

    Sem nenhuma lei que os favorecesse, sem ter recebido qualquer tipo de

    indenizao pelo trabalho exercido no cativeiro, os negros foram sendo

    substitudos pela mo-de-obra estrangeira, restando aos primeiros as

    posies mais aviltantes no mercado de trabalho.11

    Nas primeiras dcadas do sculo XX, uma grande

    quantidade de negros migrava do interior para a cidade de So Paulo,

    10 Olga Rodrigues Von SIMSON, Brancos e Negros no Carnaval Popular Paulistano,So Paulo, 1989, tese de doutorado, FFLCH-USP.11 Florestan FERNANDES, A Integrao do Negro na Sociedade de Classes, So Paulo,Dominus, 1965.

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    em busca de empregos, concentrando-se, principalmente, nos bairros

    do Bexiga, Barra Funda e Baixada do Glicrio. Alm de estarem

    situados prximos ao centro comercial da cidade, esses bairros

    proporcionavam oportunidades de trabalho e moradias a baixo custo

    pela desvalorizao dos terrenos situados em fundo de vale, sujeitos

    inundao, ou em reas muito ngremes.12 Um outro fator, de carter

    tnico, tambm motivou esta aglutinao:

    (...) A proximidade com negros moradores destes bairros, h mais tempo e

    portadores de um maior conhecimento sobre a cidade de grande utilidadepara os que estavam chegando, pode ter sido uma das principais razes daconcentrao que registrou-se, ocorrendo uma situao anloga verificadaem outros processos migratrios que so comuns os esforos para amanuteno de proximidade aos parentes, o que , muitas vezes, o fatormais forte na escolha de local de moradia(...) 13

    A populao negra tinha como opes de lazer, as

    procisses religiosas que eram acompanhadas por um tipo de msica

    executada a partir de instrumentos de origem africana. A dana dos

    12 Olga Rodrigues Von SIMSON, Brancos e Negros no Carnaval Popular Paulistano,So Paulo, 1989, tese de doutorado, FFLCH-USP e Samuel LOWRIE, O Elemento

    Negro na Populao de So Paulo, Revista do Arquivo Municipal,4 (48), 1938.13 Ida Marques de BRITTO, Samba na Cidade de So Paulo, So Paulo, EDUSP, 1986,p. 38.

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    Caiaps era realizada durante as procisses para atrair o pblico

    atravs do ritmo dos seus instrumentos de percusso.14

    Com o temor de uma possvel "rebelio negra", todas as

    tentativas de reunio de negros eram duramente reprimidas pela

    polcia. A exceo ficava por conta das festas ligadas Igreja Catlica,

    nas quais o limite entre o profano e o sagrado era relativizado, j que

    alm da possibilidade de expresso de religiosidade, proporcionavam

    momentos de encontro e lazer marcados pela msica e canto.

    Neste contexto, as irmandades religiosas tiveram um

    papel crucial, servindo como fator de reelaborao de crenas religiosas,

    danas e cantos, originrios da frica:

    (...) As irmandades de negros eram os nicos canais possveis deorganizao dos escravos dentro do sistema colonial. Em certo sentido e

    curiosamente foi atravs da religio catlica que o escravo encontrava algumlenitivo para a situao (...) Paradoxalmente, os negros utilizaram asirmandades para resguardar valores culturais, em especial sua crenareligiosa(...) 15

    14 Segundo SIMSON, os Caiaps eram uma dana dramtica, realizada pelos negroscrioulos, (...) eram na verdade, um auto-dramtico que narrava a histria da morte deum pequeno cacique indgena, atingido pelo homem branco. O curumim conseguiavoltar vida, graas as artes do paj, para alegria e regozijo da tribo. (Olga RodriguesVon SIMSON, Brancos e Negros no Carnaval Popular Paulistano, So Paulo, 1989,

    tese de doutorado, FFLCH-USP, p. 82)15 Ana Lcia E. F. VALENTE, O Negro e a Igreja Catlica, Mato Grosso do Sul,CECITEC/U.F.M.S., 1994 p. 46 e 47.

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    Em So Paulo, a irmandade mais importante foi a de

    Nossa Senhora do Rosrio dos Homens Pretos, local de reunio de

    negros, onde alm da realizao dos cultos no interior da Igreja, no

    adro, ouvia-se samba.

    As festas religiosas realizadas no dia 3 de Maio, tiveram

    uma grande importncia para o surgimento das primeiras associaes

    carnavalescas negras na cidade: 16

    (...) Dentre as comemoraes do calendrio religioso catlico em So Paulo,mais precisamente na Capital, havia algumas que exerceram uma funoaglutinadora destes grupos. Das festas que celebravam o dia de Santa Cruz,realizadas no dia 3 de maio, duas adquiriram feio especial: a daLiberdade, realizada nas imediaes da Igreja dos enforcados e a doGlicrio, em um terreno baldio na antiga baixada. Ambas contavam com a

    participao de negros, tanto da capital quanto do interior que, revezando-senos instrumentos, principalmente os de percusso como o bumbo e azabumba, apresentavam o samba entre eles denominado samba dePirapora ou samba campineiro(...) 17

    A festa de Bom Jesus de Pirapora constitua-se em outra

    alternativa de manifestao negra no Estado de So Paulo.

    16 Olga Rodrigues Von SIMSON, Brancos e Negros no Carnaval Popular Paulistano,So Paulo, 1989, tese de doutorado, FFLCH-USP.

    17 Ida Marques de BRITTO, Samba na Cidade de So Paulo, So Paulo, EDUSP, 1986,p.58.

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    Paralelamente aos cultos, acontecia uma reunio de negros que tinha

    como destaque o Samba-de-Pirapora ou Samba-de-Bumbo, ficando

    conhecido desta forma por ter como caracterstica principal a marcao

    do ritmo musical feita por aquele instrumento de percusso.

    Mrio Cunha, em uma descrio da Festa em 1936,

    afirmava que o seu sucesso estava no equilbrio entre o sagrado e o

    profano:

    (...) Enquanto os indivduos vinham a Pirapora por um dever de ordemreligiosa e se entregavam no s as atividades pias como aos divertimentosprofanos, a festa permaneceu com o seu cunho originrio, ou seja, religioso.Por assim dizer, a festa religiosa dominava. A sua sombra se formou e a suasombra vivia a festa profana. o que se conservou de certo modo natradio ainda existente de no ltimo dia de festa, noite virem ossambadores agradecer ao tesoureiro de Mesa Administrativa do Santurio.Na verdade o Tesoureiro pouco ou nada fez pela festa profana. No entanto,sentem todos uma foi condio da outra(...) 18

    O Samba de Pirapora era uma manifestao cultural

    tpica do interior paulista que foi sofrendo alteraes at chegar

    cidade de So Paulo.19

    18 Mrio Vagner Vieira da CUNHA, A Festa de Bom Jesus de Pirapora, Revista do

    Arquivo Municipal, So Paulo, 4 (41), 1937, p. 32.19 Wilson Rodrigues de MORAES, Escola de Samba de So Paulo, So Paulo,Secretaria da Cultura Cincia e Tecnologia, 1978.

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    Com o passar do tempo, a Igreja Catlica foi se

    apercebendo que essas manifestaes religiosas fugiam do seu objetivo

    principal, passando, ento, a reprimi-las. Dessa forma, a soluo

    encontrada pelos negros foi aproveitar os dias destinados ao carnaval.

    Esse clima propiciou o surgimento dos primeiros cordes

    carnavalescos da cidade. O pioneiro foi o grupo carnavalesco Barra

    Funda20, fundado em 1914, por Dionzio Barbosa que, por ter entrado

    em contato com os sambistas cariocas, se entusiasmou e resolveu

    formar sua prpria agremiao.21

    Inicialmente, o grupo Barra Funda no desfilava com

    fantasias, mas com uniforme: camisa verde e cala branca.

    (...) Eles saram com roupas simples, as vezes at remendadas,portando violo, pandeiros e chocalhos feitos com tampinhas de cerveja e

    20 Anos depois, o grupo mudaria o nome para Camisa Verde.21 Wilson Rodrigues de MORAES, Escola de Samba de So Paulo, So Paulo,Secretaria da Cultura Cincia e Tecnologia, 1978 e Olga Rodrigues Von SIMSON,

    Brancos e Negros no Carnaval Popular Paulistano, So Paulo, 1989, tese dedoutorado, FFLCH-USP.

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    desfilavam pelas ruas do bairro cantando msicas compostas pelosmembros do grupo(...) 22

    O surgimento do Camisa Verde abriu espao para o

    aparecimento de vrios outros cordes carnavalescos, como o Campos

    Elseos em 1918. Estas agremiaes possibilitavam um momento de

    lazer e congraamento entre os negros.

    1.3 - O Cordo Carnavalesco Vai-Vai23

    1.3.1 O Bexiga

    O Bexiga24 surge no sculo XVIII, quando So Paulo

    ainda ocupava uma posio secundria na economia brasileira. O

    22 Depoimento de Dionzio Barbosa, citado por Olga Rodrigues Von SIMSON, Brancose Negros no Carnaval Popular Paulistano, So Paulo, 1989, tese de doutorado, FFLCH-USP, p. 89.23 Durante o trabalho as referncias agremiao sero feitas sempre no masculinopelo fato do seu nome oficial ser Grmio Recreativo e Cultural Escola de Samba Vai-Vai.24 Em 1912, houve a alterao da denominao e o bairro passou a chamar-se BelaVista. Existe, ainda, um outro cognome para o bairro que foi popularizado atravs dascanes de Adoniran Barbosa: O Bixiga. Segundo SCARLATO, foi uma tentativa daala tradicional do bairro em resgatar o italianismo que se perdeu ao longo do tempo.

    A ideologia do Bixiga, tambm usada pelos donos de estabelecimentos comerciais,que pretendem, atravs da atrao causada pelo exotismo de um bairro que seria umpedao da Italia em So Paulo, ampliar os seus lucros. Para maiores detalhes ver

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    bairro servia como ponto de passagem para aqueles que chegavam

    cidade ou que se dirigiam para o interior do Estado.

    (...) A rea do atual bairro do Bexiga, que compreende a regio prxima Av. Paulista, tem remotas origens. Em 1559 estas terras pertenceram aostio do Capo, de Antonio Pinto, que recebia este nome devido importante floresta, multissecular, que coroava o espigo... Entretanto, aexistncia do nome Bexiga relacionado a um espao geogrfico do perodoentre 1789 e 1792. Em 1819, a chcara pertencia a Antonio Bexiga. NelaSaint Hilaire, o viajante francs, se hospedou por duas noites, em viagem aSo Paulo. Posteriormente, foi propriedade de Toms Luiz Alvares (TomsCruz), e por volta de 1850 foi vendida firma Antonio Jos Leite Braga Cia. Imbudo pela febre da urbanizao, que contagiava a metrpole noltimo quartel do sculo XIX, Antonio J.L. Braga promoveu a demarcao,abertura de ruas e iniciou a venda de terrenos da chcara(...)25

    At a segunda metade do sculo XIX, o bairro contava

    com uma baixa ocupao. O desenvolvimento da economia cafeeira e a

    crise no sistema escravocrata provocaram alteraes nas relaes de

    trabalho, inserindo um novo personagem no cenrio: o imigrante.

    A partir deste momento, uma urbanizao desenfreada

    assola a cidade de So Paulo, resultando em um intenso processo de

    especulao imobiliria.

    Francisco C. SCARLATO, O Real e o Imaginrio no Bexiga, So Paulo, 1988, tese dedoutorado, FFLCH-USP.25 Clia Toledo LUCENA, Bixiga, Amore Mio, Panartz, So Paulo, 1981, p.20 apudFrancisco Capuano SCARLATO, O Real e o Imaginrio no Bexiga, So Paulo, 1988,

    tese de doutorado, FFLCH-USP, p. 30.

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    Nesse contexto, o Bexiga ia se constituindo: em 1878,

    inicia-se o processo de arruamento e a venda dos lotes. Por volta de

    1910, o bairro j era reconhecido pela alta concentrao de italianos,

    atrados pelos baixos preos das terras que procuravam se instalarem

    prximos aos conterrneos ou queles que falavam o mesmo dialeto.

    O bairro era formado por casas de fachadas estreitas,

    com estilo arquitetnico italiano e longos quintais com hortas e

    pomares que resgatavam um pouco do clima rural.

    (...) O Bexiga evoluiu dentro de So Paulo como um bairro de caractersticasbem definidas. Relaes de vizinhanas muito estreitas, marcadas por uma forte identidade tnica-nacional de italianidade. Um lugar onde asprofisses artesanais imprimiram sensveis marcas no seu perfil cultural. A possibilidade de associar residncia e oficina, permitia a este tipo detrabalhador dispor do seu tempo da maneira que melhor lhe provesse. Desta

    forma, este habitante podia dividir seu dia em horrios bem marcados: ahora do trabalho na oficina, da sesta, novamente do trabalho e finalmente,no trmino da jornada, o convvio com a famlia. Nestas oficinastrabalhavam, geralmente, quase todos os membros da famlia. Assim,regulados pelo mesmo horrio de trabalho, podiam compartilharconjuntamente de todas as atividades, desde as refeies ao lazer(...) 26

    O Bexiga era um bairro formado por pequenos

    negociantes, trabalhadores autnomos e assalariados.

    26 Francisco Capuano SCARLATO, O Real e o Imaginrio no Bexiga, So Paulo, 1988,tese de doutorado, FFLCH-USP, p. 65.

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    Com a necessidade de obteno de uma renda

    complementar, muitos proprietrios passaram a alugar a parte ociosa

    de seu terreno, dando origem aos cortios.

    No imaginrio paulistano, o Bexiga conhecido como um

    paradigma de integrao racial em funo da convivncia harmoniosa

    entre negros e italianos. Mas, nos cortios, negros e italianos

    dificilmente compartilhavam do mesmo espao, os ltimos preferiam

    alugar as moradias a seus compatriotas:

    (...) Os italianos pobres, somente em caso de necessidade aceitavam morarnos cortios junto aos negros. Apesar de manterem relaes amistosas,italianos e negros muito raramente definiram relaes de casamentos. Asrelaes eram muito mais de senhor e servo, permeada pelo paternalismomais do que verdadeiramente pela integrao tnica e social(...)27

    A pretensa relao harmoniosa entre negros e imigrantes

    que, ainda hoje, perpassa tanto o discurso dos vaivaienses quanto o dos

    descendentes italianos, parece ter sido uma tradio inventada, pois

    de fato, no se tratava sequer de uma relao de tolerncia relativa,

    27Ibidem, p. 71.

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    como atesta a fala de um senhora negra, citada por Teresinha

    Bernardo, nas suas recordaes sobre a festa da Achiropita:

    (...)Para os pretos era muito ruim, a gente senti at vergonha: amarravam

    uma fita da torre at o cho e as pessoas amarravam dinheiro na fita para aigreja, e o padre saa agradecendo e dando medalhinhas para as crianas.O que acontecia que ns, s vezes, no tnhamos dinheiro para comer,como amos dar para Igreja? Mas nossas crianas queriam amarrar odinheiro, porque queriam ganhar as medalhinhas. Os italianos olhavam

    para a gente como se fssemos de outra categoria, inferior, era s frustrao(...)28

    O depoimento de uma senhora descendente de italianos

    reafirma a relao intertnica conflitiva existente no Bexiga:

    (...) Eu gostava muito de ir festa da Aquiropita, s que, s vezes, apareciaum bando de pretos, sabe como , a gente no gostava. Voc imagina quequando a Ione chegou da Itlia e desceu no Porto de Santos, ela perguntou:Que esto, sone bichos? E l na festa a gente achava eles meio bichos,seguravam suas crianas e andavam de cabea baixa sem olhar paraningum, era esquisito, ningum gostava(...) 29

    Bastide e Fernandes, analisando as manifestaes do

    preconceito na cidade de So Paulo, afirmam que o paternalismo servia

    como um instrumento de manuteno de relaes raciais do tempo da

    28 Teresinha BERNARDO, Memria em Branco e Negro: um olhar sobre So Paulo, So

    Paulo, 1993, PUC-SP, p. 80.29 Depoimento citado por Teresinha BERNARDO, idem, p. 103.

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    escravatura. O negro s era aceito caso assumisse uma posio de

    subservincia em relao ao branco. Afirmar sua condio de

    inferioridade era pr-requisito para uma convivncia no conflitiva com

    o branco, como demonstravam as atitudes das famlias mais abastadas

    em relao aos negros:

    (...) Essas famlias tradicionais no aceitam o novo negro, que se veste americana, ousado e empreendedor, que, numa palavra, no sabe ficar noseu lugar. Que filho de empregada, senta-se numa poltrona em vez de ficarrespeitosamente em p. Que recusa um convite para almoar se for servidona copa em vez de na sala de jantar (...)30

    Portanto, o que podemos inferir que nesta viso do

    Bexiga enquanto cone de integrao intertnica encobria o

    paternalismo, cuja funo era manter a estrutura social, negando o

    outro como igual e ratificando as desigualdades sociais.

    Os negros foram concentrando-se na regio do riacho

    denominado Saracura que, posteriormente, seria canalizado para a

    30 Roger BASTIDE e Florestan FERNANDES, Brancos e Negros em So Paulo, SoPaulo, Companhia Editora Nacional, p. 149.

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    construo da Avenida Nove de Julho, rea desvalorizada por ser

    alagadia, mas que permitia, na estiagem, a prtica do futebol.31

    Desde os tempos da escravido, a regio que compreende

    a rua Rocha e Almirante Marques Leo era conhecida como refgio de

    escravos fugitivos. Estes fatos levaram a regio a ser considerada um

    local perigoso por agrupar muitos negros.32

    As caractersticas demogrficas do Bexiga, formado

    majoritariamente por imigrantes de origem italiana e uma minoria de

    negros, em menor nmero, no se alterariam at a dcada de 1950,

    quando comeariam a ocorrer as primeiras grandes mudanas

    urbansticas. Com a abertura das avenidas Nove de Julho (por volta dos

    anos 1940) e, posteriormente, da Vinte e Trs de Maio (no final da

    dcada de 1940) o Vale da Saracura passaria a ser ocupado por grandes

    edifcios.

    No final da dcada de 1960, com as alteraes

    urbansticas, muitas casas antigas foram destrudas, antigos moradores

    31 Olga Rodrigues Von SIMSON, Brancos e Negros no Carnaval Popular Paulistano SoPaulo, So Paulo, 1989, tese de doutorado, FFLCH-USP e Ida Marques de BRITTO,Samba na Cidade de So Paulo, So Paulo, EDUSP, 1986.32

    Ieda Marques de BRITTO, Samba na Cidade de So Paulo, So Paulo, EDUSP, 1986e Francisco Capuano SCARLATO, O Real e o Imaginrio no Bexiga, So Paulo, 1988,tese de doutorado, FFLCH-USP.

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    foram desapropriados e um grande contingente de nordestinos passou

    a residir no bairro.

    A partir da dcada de 1970, o Bexiga entraria para o

    mercado de lazer com a instalao vrias casas noturnas, bares,

    cantinas e teatros, alterando, drasticamente, as caractersticas do

    bairro, at ento marcado por uma vida comunitria intensa.

    Hoje, o bairro recebe uma grande populao flutuante

    que desfruta das opes de lazer das quais parte significativa dos

    moradores, est alijada.33

    1.3.2 O surgimento do Cordo

    No Bexiga, os negros habitavam as reas extremamente

    ngremes ou as regies de fundo de Vale (Saracura), enquanto que os

    italianos, concentravam-se na regio mais valorizada, ruas Treze deMaio e Rui Barbosa, entre outras.

    Como opo de lazer, os moradores do Bexiga tinham a

    festa em louvor a Nossa Senhora da Achiropita realizada no dia 15 de

    33

    Francisco Capuano SCARLATO, O Real e o Imaginrio no Bexiga, So Paulo, 1988,tese de doutorado, FFLCH-USP.

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    agosto. As comemoraes em homenagem padroeira do bairro eram

    marcadas pelas brincadeiras como o pau de sebo e o quebra potes.

    Os moradores negros traziam sua contribuio tocando o samba de

    bumbo.34

    O futebol era a outra alternativa de lazer, praticado nas

    vrzeas do Saracura. Um desses clubes, o Cai-Cai, formado por negros

    do prprio bairro, tinha como smbolo, as cores preto e branco,

    influncia direta do Sport Club Corinthians Paulista.

    Paralelamente aos jogos de futebol, existia um grupo

    musical que, por ser muito participativo, ficou conhecido como a turma

    que "vai a qualquer lugar. De uma intriga entre os membros do clube

    Cai-Cai, surgiu um grupo dissidente que, provocativamente, adotou o

    nome de Vai-Vai e logo se transformaria em cordo carnavalesco.

    Em 1 de Janeiro de 1930, nas proximidades do rio

    Saracura, que hoje corresponderia rea situada entre as ruas Rocha e

    Rui Barbosa, um grupo de jovens negros fundou o cordo carnavalesco

    Vai-Vai, que herdou do antigo Cai-Cai, as cores preto e branco.

    34 Ida Marques de BRITTO, Samba na Cidade de So Paulo,So Paulo, EDUSP, 1986.

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    Dentre os fundadores, destacaram-se: Benedito Sardinha, Frederico

    Penteado, dona Casturina, dona Iracema, Tino, Guariba, Livinho e

    Henrico35.

    O smbolo escolhido foi uma coroa adornada por dois

    ramos de caf (figura 1). Em relao ao significado do smbolo, passado

    e presente se confundem. A coroa representando a monarquia que teve

    sua histria encerrada em 1889, e o caf que era um cone do

    crescimento econmico do Estado de So Paulo, no incio do sculo,

    cujo capital possibilitaria o posterior processo de industrializao e

    urbanizao.

    O carnaval um espao no qual proliferam referncias

    monarquia: o reinado que integrava os cordes carnavalescos, o Rei

    Momo e sua corte, a rainha e a princesa da bateria e a indumentria

    estilo Luiz XV do mestre-sala e da porta-bandeira.

    Abriremos um parntese para abordar a seguinte

    questo: por que utilizar como emblema representativo de uma entidade

    35 Wilson Rodrigues de MORAES, Escolas de Samba de So Paulo, So Paulo,

    Secretaria da Cultura Cincia e Tecnologia, 1978.

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    negra, um objeto que faz referncia ao poder vigente durante regime

    escravocrata?

    Letcia Reis36, fazendo um levantamento das explicaes

    sobre a questo da popularidade da monarquia entre os negros, elenca

    algumas proposies: a Proclamao da Repblica ocorre justamente

    quando a monarquia conseguia sua maior popularidade entre os

    negros, provavelmente em funo da abolio da escravido; os negros

    cariocas estavam insatisfeitos com o projeto de urbanizao das

    autoridades republicanas, que iniciava um processo de limpeza da

    cidade atingindo diretamente aos pobres (principalmente os negros) e,

    por fim; o regime republicano no reservava um lugar ao negro.

    Apesar de esta discusso ser instigante, apenas

    indicamos algumas possibilidades de explicao, j que no objetivo

    deste trabalho repercutir tal polmica.

    Os primeiros ensaios, assim como as reunies, eram

    realizados na casa de um dos fundadores, Seu Benedito Sardinha, na

    36 Letcia Vidor de Sousa REIS, O Mundo de Pernas para o Ar, So Paulo, Publisher,

    1997.

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    rua Rocha. Em dois cmodos grandes, o grupo podia trocar de roupas,

    guardar os instrumentos, fazer as evolues e realizar bailes.

    O Livro de Ouro foi a alternativa adotada pelos

    membros do cordo para confeccionar as primeiras fantasias e

    instrumentos. O dinheiro era arrecadado junto aos comerciantes

    italianos e moradores do bairro. Apesar de colaborarem, os italianos

    no participavam do cordo e apenas assistiam aos desfiles.

    Com o aumento do nmero de participantes, os ensaios

    passaram a ser realizados pelas ruas da Bela Vista:

    (...) Ns tnhamos o ensaio, era na rua mesmo, mas a gente ensaiava peloBexiga inteiro, no tinha sede, no tinha nada, mas todo mundo ajudava,todo mundo cooperava... Ensaio pr val mesmo! A gente ensaiava, tinhagosto, rodava a Bela Vista inteirinha, Bixiga, antigamente, s falava... eraBixiga mesmo. Ia l pr Saracura, ia l pro lado dos Piques, ia pra todosesses cantos, a... mas ensaiava mesmo, sentia, aprendia a msica, tudodireitinho(...)37

    No primeiro desfile, o cordo foi composto por um

    contingente entre 100 e 150 pessoas, desfilando pelas ruas do Bexiga

    indo at o bairro de Pinheiros (Clube Rebouas). O tema escolhido

    homenageava a Marinha Nacional:

    37

    Depoimento de Dona Odete, antiga integrante do Vai-Vai, citada por Olga RodriguesVon SIMSON, Brancos e Negros no Carnaval Popular Paulistano, So Paulo, 1989,tese de doutorado, FFLCH-USP, p. 131.

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    (...) As fantasias so de "Marinheiro". Todo mundo de tnis branco. Osrapazes usam cala branca com listras pretas nas laterais. As camisas,tambm brancas, tm as grandes golas de marujos, debruadas em preto. Asmoas usam meia soquete branca, saia pregueada de panam tambmbranca, enfeitada com cordes pretos. As grandes golas de suas blusastambm so debruadas em preto. As moas usam ainda luvas brancas.

    Todos usam bons de marinheiro com arremate de fitas pretas(...)

    38

    O cordo desfilou ao som da marchinha composta por

    Tino, compositor e um dos fundadores do cordo, da qual destacamos

    alguns versos:

    Ns aqui representamos/

    a Marinha Nacional/e tambm representamos/

    o heri do carnaval

    O cordo, alm dos instrumentos percursivos e de

    cordas, utilizava tambm instrumentos de sopro: caixa, reco-reco,

    bumbo, cavaquinho, violo, banjo, clarin, e trombone de vara.39

    38 Grmio Recreativo e Cultural Escola de Samba Vai-Vai. Histria. Informaodisponvel na Internet: http://www.vaivai.com.br [fev.1998].39

    Depoimento de Sr. Livinho cedido Olga R. de Moraes Von SIMSON, em 1981 eGrmio Recreativo e Cultural Escola de Samba Vai-Vai. Histria. Informaodisponvel na Internet: http://www.vaivai.com.br [fev.1998].

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    Desde o incio, o Vai-Vai conseguiu a simpatia dos

    moradores da vizinhana e, como forma de retribuio, desfilava pelas

    ruas do bairro, visitando queles que contribuam com o Livro de

    Ouro:

    (...) nis ia assim, os pessoal gostava, a tinha aquelas casa que davacomida, punha aquelas mesa de doce, o Cordo entrava, aquelas moa tudoentrava, comia, bebia, depois saa tocando e agradecia e ia noutra casa amesma coisa, de tanto que eles gostava, aquelas italianada ali da BelaVista tudo(...) passava com o cordo l na porta, j tava avisando em tallugar (...) tem mesa de doce (...) Nis entrava tudo direitinho(...) as moasna fila e entrava, cantava e eles batia palma (...) ali comia, tomava guaran,doce, tudo o que tinha, depois cabava, agradecia a o apitador, que era meu

    compadre Livinho, tocava o apito, todo mundo j se punha no lugar e saano cordo j ia no outro, aquele povo atrs, uma coisa maravilhosa(...) 40

    No desfile, o cordo era estruturado da seguinte forma:

    inicialmente, vinha o abre-alas, folio que executava coreografias

    especficas, seguido do clarin, cuja funo era chamar a ateno do

    pblico para o incio do desfile e os balizas, que faziam acrobacias com

    um pequeno basto.

    Aps os balizas, aparecia a porta-estandarte, protegida

    pelo guarda-estandarte e a comisso de frente. Na seqncia, os

    40 Depoimento da Sr Iracema, cedido pesquisadora Alba Figuera, em 1978.

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    amarra-fila marchavam formando filas laterais para que o centro

    ficasse livre para os integrantes evoluir.

    O desfile era finalizado pelo batuque que tinha, frente,

    o apitador, cuja funo era coordenar o canto, o ritmo e a dana.41

    Ao contrrio do que ocorre atualmente, no existia um

    local fixo para o cortejo. Alm do Bexiga, a escola aceitava convites para

    desfilar em outros bairros, como a Lapa e Penha, e em outras cidades,

    como Santo Andr e Guarulhos.

    Paralelamente ao cordo, a turma do Vai-Vai colocava o

    Bloco dos Esfarrapados nas ruas do Bexiga no Sbado de carnaval, que

    era um dia normal de trabalho j que os desfiles aconteciam aos

    domingos. Os Esfarrapados saam s ruas vestindo roupas velhas,

    rasgadas ou com os homens travestindo-se de mulher. O desfile no

    tinha carter competitivo; como o bloco desfilava isoladamente, existia

    uma maior espontaneidade por parte dos seus integrantes.

    Olga Simson destaca uma das funes do bloco dos

    Esfarrapados:

    41

    Grmio Recreativo e Cultural Escola de Samba Vai-Vai. Histria. Informaodisponvel na Internet: http://www.vaivai.com.br [fev.1998]

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    (...) Nas dcadas de 30 e 40, quando a rivalidade entre asagremiaes do Bexiga e da Barra Funda se acirrou muito, o desfile do Blocodo Esfarrapado teve tambm a funo de permitir um confronto real entre asagremiaes rivais, liberando a agressividade de seus membros numembate que, entretanto, no os impedia de competir nos concursoscarnavalescos, pois no danificava nem as fantasias, nem os instrumentosmusicais ou o estandarte, necessrios aos desfiles organizados do Domingoe Tera-feira de carnaval(...) 42

    Alm dessa funo de controle da agressividade dos

    componentes do cordo, o bloco dos Esfarrapados era a ltima

    oportunidade de arrecadar dinheiro para os retoques finais nas

    fantasias, que seriam utilizadas no desfile de Domingo. Enquanto o

    bloco desfilava, o Livro de Ouro era passado para angariar os

    derradeiros donativos.

    A participao dos brancos no cordo, segundo o

    depoimento dos seus fundadores, estava restrita colaborao com o

    Livro de Ouro.

    O cordo era formado exclusivamente por negros, que

    alegavam que a no participao de brancos era devido falta de

    ginga, que poderamos interpretar como uma habilidade corporal

    especfica. Tal justificativa perde consistncia, se fizermos a opo por

    42

    Olga Rodrigues Von SIMSON, Brancos e Negros no Carnaval Popular Paulistano,So Paulo, 1989, tese de doutorado, FFLCH-USP, p. 92.

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    compreender a ginga no como uma herana gentica negra, mas

    como algo que desenvolvido na convivncia com os sambistas negros.

    Segundo Olga Simson43, a ausncia de brancos devia-se

    ao fato de os mesmos no terem interesse em participar de atividades

    negras, pois o estigma que recaa sobre essas faria com que o branco

    que quisesse tomar parte estivesse sujeito a sanes do seu grupo,

    como revela a fala de Seu Zzinho do Morro da Casa Verde:

    (...) Por que ningum ia. Por que ia se met com negro? (...) Noia de jeito nenhum. E quando ele ia, ento ele era completamente rebaixadopelos amigos dele: - Eh! C se met no meio daquela negrada l! Era isso(branco) no ia(...) 44

    Deduzimos que os negros, por sua vez, queriam

    consolidar o cordo como uma manifestao cultural especfica, um

    espao alternativo criado por eles e que privilegiasse as relaes sociais

    entre iguais.

    43 Brancos e Negros no Carnaval Popular Paulistano, So Paulo, 1989, tese dedoutorado, FFLCH-USP.44 Olga Rodrigues Von SIMSON, Brancos e Negros no Carnaval Popular Paulistano,

    So Paulo, 1989, tese de doutorado, FFLCH-USP, p. 118.

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    Neste contexto, o bloco dos Esfarrapados, abria espao

    para a participao dos brancos do bairro, uma atitude de reciprocidade

    para com os italianos que colaboravam com o cordo, alm de levantar

    o dinheiro para concluir as ltimas fantasias. Esta possibilidade era

    dada pelo fato de o bloco ser aberto participao dos moradores:

    (...) No Farrapo era branco, preto, azul, amarelo, todo mundo entrava (...)Era baguna, ento eles entravam(...) 45

    O bloco dos Esfarrapados, alm de no exigir

    investimento financeiro, tambm no exigia empenho na sua

    preparao. Desta forma, no necessitando de uma organizao

    complexa ou de um backgroundcultural significativo, a participao de

    pessoas alheias ao cordo no comprometia seu desempenho, pois

    como foi dito anteriormente, o bloco no participava de concursos

    carnavalescos.

    Posteriormente, o Vai-Vai passou a participar do

    concurso da Cidade da Folia, no Parque da gua Branca, disputando

    45

    Depoimento de Sr. Livinho cedido Olga R. de Moraes Von SIMSON, Brancos eNegros no Carnaval Popular Paulistano, So Paulo, 1989, tese de doutorado, FFLCH-USP, em 1981.

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    prmios em dinheiro com outros cordes (Camisa Verde e Branco e o

    Campos Elseos). Depois da apresentao na Cidade da Folia, o cordo

    encerrava o Domingo de Carnaval desfilando pelas ruas do Bexiga.

    Os cordes eram um prolongamento das relaes de

    parentesco e de vizinhana. Alm das atividades ligadas ao carnaval e

    futebol, realizavam festas, excurses e romarias cidade de Pirapora:

    (...) A turma do Vai-Vai recorda ter participado ativamente daromaria a So Bom Jesus nos anos 30, quando se dirigiam de caminho Pirapora. Nessa poca quem comandava o samba que representava o

    samba era Lazinho, enquanto o lder do samba campineiro era seu Diogo...era um capenga, faltava uma perna. Ele sambava com uma perna s (...)46

    Nas dcadas de 1930 e 1940 houve um crescimento do

    nmero de cordes carnavalescos na cidade, assim como ia

    aumentando a aceitao da sociedade global.

    No final da dcada de 1940 e incio da dcada de 1950,

    existia na cidade de So Paulo uma grande escassez de moradias

    populares. Com a Segunda Guerra Mundial, houve uma alta no preo

    46 Depoimento de Dionzio Barbosa, citado por Olga Rodrigues Von SIMSON, Brancos

    e Negros no Carnaval Popular Paulistano, So Paulo, 1989, tese de doutorado, FFLCH-USP.

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    do material, resultando na paralisao de construo de casas a serem

    alugadas para as famlias de baixa renda.

    Neste contexto, houve uma elevao no preo dos

    aluguis, causada pela especulao imobiliria, resultando na

    expulso dos moradores mais pobres, que buscaram, na periferia, as

    casas mais baratas ou terrenos a preos mais acessveis.47

    (...) Viver prximo ao centro urbano havia se tornado, para quem no eraproprietrio do seu imvel, praticamente impossvel, o que tirou das classesmenos privilegiadas at mesmo dos bairros negros os quais, por outro lado,atravs de algumas obras de urbanizao como a construo do Tunel 9 deJulho, por exemplo, estavam se transformando em locais de moradia maisvalorizados(...) 48

    Os cordes que a princpio estavam situados nas reas

    centrais mais desvalorizadas entraram em crise, porque os grupos de

    vizinhana que lhes davam sustentao estavam passando por um

    processo de desestruturao. Vrios cordes carnavalescos soobraram,

    47

    Cf. Olga Rodrigues Von SIMSON, Brancos e Negros no Carnaval Popular Paulistano,So Paulo, 1989, tese de doutorado, FFLCH-USP.48 Ibidem, p. 164 e 165.

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    somente aqueles mais estruturados, como o Camisa Verde e Branco e o

    Vai-Vai, conseguiram permanecer.49

    Segundo Olga Simson, as mulheres tiveram um papel

    fundamental para a sobrevivncia destas entidades carnavalescas:

    (...) Lideranas femininas desses cordes foradas pelas circunstncias ahabitar bairros afastados como: Jabaquara, Bosque de Sade, VilaBrasilndia, Taboo, Ferreira, Vila Maria, Vila Guarani, no se conformandoem ficar alijadas dos festejos carnavalescos, criaram um esquema dereorganizao da preparao e ensaios para o desfile, transformando suasresidncias numa espcie de pequenas filiais da sede da agremiao.

    Atravs de contatos constantes com a diretoria do cordo e de visitasregulares sede, em busca de modelos para as fantasias, letra do samba-enredo e mesmo de alguma ajuda, ou financeira, ou em tecidos, asmulheres, geralmente costureiras, passaram a organizar alas inteiras docordo nos novos bairros onde haviam passado a residir, confeccionando osdisfarces e realizando, em suas casas, os ensaios preparatrios para ogrande ensaio final, este sim realizado na sede central da agremiao, svsperas do Carnaval(...)50

    Os dirigentes compreendendo a importncia destas

    subsedes distantes da regio central, implementaram a infra-

    estrutura necessria ao trabalho das costureiras, fornecendo-lhes

    49 Cf. Olga Rodrigues Von SIMSON, Brancos e Negros no Carnaval Popular Paulistano,So Paulo, 1989, tese de doutorado, FFLCH-USP. Ver tambm Wilson Rodrigues deMORAES, Escola de Samba de So Paulo, So Paulo, Secretaria da Cultura Cincia eTecnologia, 1978, p. 71 e 72.50

    Olga Rodrigues Von SIMSON, Brancos e Negros no Carnaval Popular Paulistano,Brancos e Negros no Carnaval Popular Paulistano, So Paulo, 1989, tese dedoutorado, FFLCH-USP, p. 165.

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    tecidos, prottipos de fantasia, instrumentos musicais e at ritmistas

    para animar os ensaios.

    O funcionamento das subsedes nas regies perifricas,

    proporcionou um incremento do nmero de componentes das novas

    alas que se formavam, possibilitando que os cordes pudessem

    suplantar as adversidades resultantes do processo de reurbanizao da

    cidade.

    Na dcada de 1960, os cordes paulistanos comearam a

    transformar-se em escolas de samba. Em 1966, o Vai-Vai mudaria sua

    estrutura e passaria a ser dividido em alas, com carros alegricos,

    mestre-sala e porta-bandeira.

    Nesta nova fase, seu primeiro enredo foi O aleijadinho,

    e, consequentemente, foi criado o primeiro samba enredo.

    Neste perodo, acontece o ingresso do primeiro branco na

    agremiao, o italiano Domingos Barone, em 1968. Na dcada de 1960,

    as agremiaes carnavalescas atravessaram uma sria crise econmica,

    pois a administrao pblica municipal, gesto Prestes Maia, priorizava

    o processo de reurbanizao da cidade em detrimento das atividades

    ldicas.

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    Os dirigentes das principais entidades carnavalescas

    passaram a pressionar o poder pblico municipal. Como no obtiveram

    sucesso, resolveram recorrer ao auxlio do radialista Moraes Sarmento.

    (...) Em setembro de 1967, j devidamente estruturados numaFederao que contava com diretoria constituda por elementos ligados srdios e jornais mais populares da cidade, com um conselho integrado

    pelos sambistas de velha cpa (Seu Nen, Inocncio Tobias, D Eunice,Bitucha e P-Rachado) foram, em comitiva, solicitar ao Prefeito Faria Lima(carioca que simpatizava com os folguedos carnavalescos populares), o apoioe ajuda financeira necessrios realizao dos desfiles carnavalescos de1968.

    O Prefeito concordou em auxiliar financeiramente a nova

    Federao, com a condio de que seu presidente ficasse responsvel pelautilizao da verba concedida aos desfiles carnavalescos. Moraes Sarmentobuscou ento, como uma forma complementao (sic), o apoio das firmascomerciais que j patrocinavam seu programa radiofnico e tendoconseguido essa sustentao, concordou em assumir a tarefa de promoveros desfiles de Momo daquele ano. Realizou-se ento, o primeiro carnavaloficialmente financiado pelos poderes pblicos paulistanos(...) 51

    O poder pblico municipal exigiu que as entidades

    carnavalescas seguissem um estatuto para regulamentar os desfiles

    carnavalescos. Foi contratado um carnavalesco carioca para que

    51 Olga Rodrigues Von SIMSON, Brancos e Negros no Carnaval Popular Paulistano,So Paulo, 1989, tese de doutorado, FFLCH-USP, p. 196.

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    elaborasse um novo regulamento, baseado na estrutura das escolas de

    samba do Rio de Janeiro:52

    (...) A partir do carnaval de 1968, as escolas de sambapaulistanas passaram a ser estruturadas de acordo com o modelo carioca.Os balizas foram relegados em favor da comisso de frente; o estandarte

    definitivamente substitudo pela bandeira acompanhada por mestre-sala e,tornou-se obrigatria a presena de baianas. O enredo assumiuimportncia capital, passando a definir toda a montagem do desfile. Aexpresso ala torna-se corrente para designar grupo de componentesrepresentando parte do enredo ou no e a denominao de bateria passa asubstituir a de batuque para o conjunto instrumental. Ficou definitivamenteabolida a participao de qualquer instrumento de sopro na parte musical(...) 53

    Para Wilson Moraes, a principal diferena entre os

    cordes e as escolas de samba estava no ritmo. Os cordes tocavam

    marchas carnavalescas e as escolas tocavam, exclusivamente, o samba.

    Em 1955, o Camisa Verde foi o primeiro a substituir a marcha pelo

    samba. Logo em seguida, o Vai-Vai tomaria a mesma iniciativa.54

    Aps a oficializao do samba paulistano, houve um

    crescimento no nmero de escolas de samba. Os trs ltimos cordes

    remanescentes, Camisa Verde e Branco, Vai-Vai e Fio de Ouro

    52 Olga Rodrigues Von SIMSON, Brancos e Negros no Carnaval Popular Paulistano,So Paulo, 1989, tese de doutorado, FFLCH-USP.53

    Wilson Rodrigues de MORAES, Escola de Samba de So Paulo, So Paulo,Secretaria da Cultura Cincia e Tecnologia, 1978, p. 71 e 72.54 Ibidem.

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    (formado por dissidentes do Vai-Vai), passaram a se estruturar como

    escolas de samba em 1972.55

    A passagem para escola de samba acarretou algumas

    modificaes na estrutura da agremiao:

    (...) Na bateria foram introduzidos instrumentos leves comotamborim, pandeiro, cuca, etc. O andamento e a batida do samba tornaram-se mais leves e com mais balano. O estandarte deu lugar bandeira.Nasceram a comisso de frente, a ala das Baianas e as alegorias de mo.As fantasias perderam seu peso tradicional, e a evoluo ficou maisdinmica(...) 56

    Em 1972, o cartunista Otvio cria para o Vai-Vai a

    mascote Criol (figura 2). Enquanto a coroa, como mencionamos

    anteriormente, fazia meno monarquia e ao progresso econmico

    proporcionado pelo ciclo cafeeiro, o Criol faz referncia formao

    tnica da agremiao: um negro estilizado, sambando, com cartola e

    camisa listrada, tocando um tamborim.

    Em 1998, o Criol virou personagem central do enredo da

    escola de samba, como veremos no captulo 3. Atualmente, a coroa e o

    Criol so os dois smbolos oficiais que representam o Vai-Vai.

    55 Wilson Rodrigues de MORAES, Escola de Samba de So Paulo, So Paulo,

    Secretaria da Cultura Cincia e Tecnologia, 1978.56 Grmio Recreativo e Cultural Escola de Samba Vai-Vai. Histria. So Paulo, 1998.Informao disponvel na Internet: http://www.vaivai.com.br [fev.1998].

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    Em conseqncia do grande investimento financeiro e do

    crescimento do nmero de associados, houve a necessidade de um

    maior controle da direo sobre a base, com uma maior nfase na

    estrutura hierrquica, ao mesmo tempo, a escola necessitou da

    presena de brancos de classe mdia, devido ao aumento de custos com

    o carnaval.

    A partir da oficializao do carnaval, um novo fenmeno

    ocorreria no samba paulistano: o surgimento de escolas dirigidas por

    brancos, sendo a Rosas de Ouro e a Mocidade Independente as que

    mais se destacaram.

    (...) Essas novas agremiaes sambistas, contando com umsignificativo capital inicial e com a ajuda financeira de algumas empresascomerciais, alm de contatos valiosos na burocracia municipal, seestruturaram num esquema completamente novo, trazendo para o sambauma viso mercadolgica que busca objetivamente o sucesso na avenida.Para isso procuravam seguir muito de perto o bem sucedido modelo carioca,

    pois do sucesso do desfile carnavalesco decorria uma boa freqncia aosensaios, realizados nos fins de semana, na quadra da escola, que logo setornaram outra fonte considervel de renda para essas agremiaes(...) 57

    57

    Olga Rodrigues Von SIMSON, Brancos e Negros no Carnaval Popular Paulistano,So Paulo, 1989, tese de doutorado, FFLCH-USP, p.120.

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    As novas escolas tinham um contingente significativo de

    brancos. Entretanto, como havia necessidade de integrantes para os

    setores estratgicos como a bateria, a ala de compositores e passistas,

    houve a contratao de negros das escolas tradicionais.

    Apesar da concorrncia das novas escolas de samba, na

    dcada de 1970, o Vai-Vai firmou-se como uma das principais escolas

    de samba da cidade, sempre se classificando entre as trs melhores no

    desfile, aumentando o nmero de associados, bem como de

    simpatizantes. A agremiao continua sendo um grande reduto negro,

    apesar de seu discurso inclusivo que alega aceitar pessoas de qualquer

    origem tnica e social.

    Ao contrrio do que acontecia nos primeiros anos de sua

    histria, o Vai-Vai no composto apenas por moradores do bairro,

    atraindo pessoas de todos os cantos da cidade e de municpios vizinhos,

    embora o nome da agremiao ainda esteja diretamente ligado ao

    Bexiga e vice-versa.

    Analisando a histria dos folguedos negros na cidade,

    constatamos que os cordes carnavalescos so resultantes de um

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    processo de bricolage58, resgatando alguns aspectos de outras

    manifestaes culturais.

    Os cordes carnavalescos se inspiraram em um tipo de

    dana denominado umbigada, que implicava no contato entre os

    ventres dos danarinos. Octavio Ianni, analisando uma manifestao

    cultural negra na cidade de It, interior do Estado de So Paulo,

    descreve a umbigada:

    (...) Outro elemento coreogrfico caracterstico do samba de terreiro de It a umbigada. Apresenta-se contudo, de forma relativamente estilizada, poisraramente se verifica o contato real entre os danadores. H apenas a

    meno de um danarino encostar seu ventre no de outro. Em dois casos, noentanto, a umbigada atinge aspectos novos e mobiliza ateno de grande

    parte da assistncia. Num dles ela se d entre um danarino e umadanarina. Ambos se acham sambando e comeam a se enfrentar frente a

    frente, a pouca distncia um do outro. Neste caso, a disputa parece iniciar-se por uma provocao, um negaceio, entre os dois. Essa negaa, e isto senota claramente, altamente carregada de sensualidade, o que provoca ointersse de todos. Um pretende atingir o ventre do outro com o seu, mas,enquanto a mulher foge e se oferece, o homem procura e recusa ao mesmotempo. Nisto consiste o negaceio, que realizado no ritmo certo do samba.Geralmente, esta situao atinge seu clmax com a umbigada propriamentedita, onde muitos dos nossos informantes viam manifestaes sensuais e

    at mesmo figuraes do coito(...)59

    58 A expresso bricolage utilizada por LVI-STRAUSS para demonstrar o modo deoperao do pensamento mtico. O bricoleur trabalha sem um plano pr-definido, comum conjunto finito de objetos, que sero rearranjados e, consequentemente, receberooutros significados, formando um novo conjunto. Para maiores detalhes, ver LVI-STRAUSS, O Pensamento Selvagem, So Paulo, Papirus, 1989.59 Octavio IANNI, O Samba de Terreiro de It, Revista de Histria, So Paulo, 1956, p.

    407.

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    Os grupos de choro tambm deram sua contribuio para

    a formao dos cordes carnavalescos que, nos primeiros anos de

    existncia, utilizavam instrumentos de corda (bandolim, violo e

    cavaquinho) e de sopro (clarinete e saxofone).60

    A tiririca, forma rudimentar de capoeira, influenciou a

    expresso corporal dos sambistas paulistanos como explica, Wilson

    Rodrigues de Moraes:

    (...) Na forma de jogar, a pernada paulista difere da pernadacarioca, pois, nesta um dos contentores fica plantado, isto , parado,enquanto o outro danando sua volta, tenta derrub-lo. Na pernada

    paulista, os dois contentores se defrontam exatamente como ocorre nacapoeira: os dois atacam e se defendem simultaneamente.

    Isso trouxe para o sambista uma postura peculiar.Ele dana ligeiramente inclinado com os braos dobrados nos cotovelos, em

    posio de defesa, desenvolveu um passo meio saltitante que permite aoritmo do samba, o seu rpido abaixar para escapar aos golpes altos, e aomesmo tempo, facilita o jogar de perna sobre o adversrio. Essa postura,de modo geral, se nota mesmo quando o sambista, est simplesmentedanando, sem jogar tiririca(...) 61

    As festas de carter profano-religioso, como a Congada, o

    Moambique, o Samba de Pirapora e a dana de Caiaps, serviram

    como referncia para a criao dos cordes carnavalescos.

    60 Wilson Rodrigues de MORAES, Escola de Samba de So Paulo, So Paulo,

    Secretaria da Cultura Cincia e Tecnologia, 1978.61 Ibidem, p.47.

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    As bandas militares cariocas tambm influenciaram os

    primeiros cordes paulistanos, que nos seus desfiles, utilizavam a

    marcha-sambada, alm dos balizas que foram inspirados nos cortejos

    militares.

    O gosto pelas fantasias luxuosas e por um maior cuidado

    pelos aspectos estticos do cortejo, os primeiros sambistas

    incorporaram dos desfiles realizados pelo corso na Avenida Paulista.

    Os cordes carnavalescos no foram manifestaes que

    nasceram prontas foram construdas ao longo do tempo pelos grupos

    negros, que assim como o bricoleur, tomaram de emprstimo

    fragmentos de outras manifestaes culturais, que foram

    ressignificados, originando uma forma inovadora de brincar o

    carnaval.62

    A originalidade dos folguedos carnavalescos negros est

    no fato de estes terem incorporado elementos distintos, compondo um

    amlgama muito peculiar que foi se alterando conforme as necessidades

    62 Na mesma direo, Olga Von SIMSON e Neusa GUSMO destacam o carterantropofgico das culturas negras, que digerem e transformam tudo, como estratgiade sobrevivncia: Vivendo em tenso permanente, os grupos submetidos, atravs dacriao antropofgica, buscam dar forma organizao social, dar sentido e atribuirsignificados a traos culturais que lhes permitem viver o melhor que possam.

    A criao antropofgica aponta, ento, para as possibilidades de uma resistncia

    inteligente, ou seja, a possibilidade de superao do contexto adverso. Olga Rodriguesde Moraes Von SIMSON, A Criao Cultural na Dispora e o Exerccio da ResistnciaInteligente, Cincias Sociais Hoje, 1989, p. 221.

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    do contexto em que estava inserido. Esta dinmica possibilitou o

    sucesso obtido pelos cordes carnavalescos, que deram origem s

    atuais escolas de samba paulistanas.

    Finalizando, alm desta capacidade de

    autotransformao, os cordes carnavalescos conseguiram persistir no

    tempo por representarem mais do que uma opo de lazer para os

    negros. Estas agremiaes faziam parte de um modo de vida de

    determinados grupos negros da cidade que extrapolavam a finalidade de

    realizar um cortejo carnavalesco, funcionando o ano inteiro,

    possibilitando momentos de sociabilidade, representando a esperana

    de ascenso social e, principalmente, servindo como instrumento de

    visibilidade social aos negros.

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    CAPTULO 2

    ESTRUTURA ORGANIZACIONAL INTERNA

    Neste captulo, trabalharemos com a organizao formal

    da agremiao objetivando revelar sua estrutura interna.1

    O processo de mercantilizao das escolas de samba

    paulistanas que teve seu incio na dcada de 1970, exigiu que essas

    agremiaes tivessem uma estrutura organizacional cada vez mais

    complexa, pois passaram a mobilizar um nmero crescente de atores e

    um grande volume de capitais para realizao do espetculo

    carnavalesco.

    Em termos de organizao interna da agremiao,

    tomamos como referncia as subdivises ocupacionais para estabelecer

    a seguinte classificao: setor administrativo, composto pela diretoria;

    setor de produo musical, que inclui a ala dos compositores e a

    bateria; setor de produo humana do desfile, formado pelas alas

    coligadas, a harmonia e o setor de produo material coordenado pelo

    carnavalesco, que engloba o barraco2 e o atelierde costura.3

    1 Compreendemos como estrutura, a funo que cada setor exerce dentro daorganizao, cf. RADCLIFFE-BROWN, Estrutura e Funo na Sociedade Primitiva,Petrpolis, Vozes, 1976.2

    Local onde so produzidos os carros alegricos. Por questes operacionais, ficalocalizado prximo ao local do desfile.3 No atelierde costura so confeccionadas as fantasias utilizadas no desfile.

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    2.1- Setor Administrativo

    2.1.1- A Diretoria

    Responsvel pelo gerenciamento da agremiao, a

    diretoria, trata das questes burocrticas (cadastramento dos

    associados, documentao da agremiao e divulgao do regulamento

    do desfile), administra o bar instalado na sede social e as barracas de

    alimentao que funcionam nos ensaios, alm de empresariar o grupo

    musical que representa o Vai-Vai, realizando shows em clubes e casas

    noturnas.

    Apesar de todas essas atribuies, a funo mais

    importante da diretoria conseguir patrocnio, j que em funo do

    crescimento das escolas de samba, os desfiles tornam-se cada vez mais

    onerosos.

    A diretoria da agremiao o nico setor da escola de

    samba, escolhido por eleio direta. Qualquer associado pode formar

    uma chapa e se candidatar. Ela composta pelo presidente, vice-

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    presidente, secretrio, diretor financeiro, tesoureiro e diretor artstico.

    No processo eleitoral, que ocorre a cada dois anos, todos

    os associados que estejam em dia com suas mensalidades tm direito a

    voto.

    A diretoria o nico setor da escola em que a proporo

    entre negros e brancos paritria. Alguns intelectuais do mundo do

    samba e do universo acadmico afirmam que a quantidade de brancos

    nas posies mais altas da hierarquia seria um dos principais

    argumentos para justificar a expropriao das escolas de samba pela

    classe mdia branca.

    No caso especfico do Vai-Vai, preciso analisar os

    limites das atribuies da diretoria que, evidentemente, goza de um

    status privilegiado: ela que fala em nome da escola aos meios de

    comunicao, representando a agremiao junto liga das escolas de

    samba e ao poder pblico municipal.

    Em uma das reunies internas da harmonia, o chefe da

    ala explicitou a diviso de funes dentro da escola: presidncia

    caberia a parte financeira, enquanto a harmonia cuidaria dos detalhes

    tcnicos do desfile. Portanto, a diretoria tem o encargo de arregimentar

    recursos, cabendo s alas tcnicas a responsabilidade pela execuo do

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    desfile.

    Os sambistas se orgulham em dizer que o Vai-Vai uma

    escola que no tem dono, referncia clara ao processo de estreitamento

    das relaes entre os bicheiros e as escolas de samba do Rio de Janeiro

    na dcada de 1970. Tal processo resultou em uma relao

    centralizadora, patronal, na qual, alm da possibilidade da lavagem de

    dinheiro, os chefes da contraveno alcanaram prestgio social.

    Neste contexto, certas escolas de samba tm seu nome

    diretamente vinculado a determinados bicheiros, como o caso da

    Mocidade Independente, cujo patrono era Castor de Andrade. O

    resultado desse processo uma relao de dependncia cuja dimenso

    to considervel que a escola no pode ser mais pensada sem os

    investimentos do seu mecenas, que acaba tornando-se um proprietrio

    da agremiao.4

    O significado de ser uma escola que no tem dono

    relativo ao fato do Vai-Vai no estar vinculado a uma personalidade.

    Assim, a instituio se coloca acima das individualidades e tem

    autonomia para traar seus prprios rumos. Como conseqncia, a

    4 Sobre a relao entre o jogo do bicho e o carnaval carioca ver Maria Laura Viveirosde Castro CAVALCANTI, Carnaval Carioca: dos bastidores ao desfile, Rio de Janeiro,

    Funarte; UFRJ, 1995e Maria Isaura PEREIRA DE QUEIROZ, Carnaval Brasileiro, SoPaulo, Brasiliense, 1992.

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    agremiao tem o propsito de estabelecer relaes internas cada vez

    mais igualitrias a fim de se coadunar com o padro das instituies

    modernas, como fica expresso na fala de um de seus dirigentes:

    (...) Aqui no Vai-Vai uma escola na qual no tem dono, aqui existe umaeleio normal, se voc for um elemento participando do Vai-Vai. Ento o queque acontece? Aqui no Vai-Vai existe democracia, porque existe eleio, sevoc analisar hoje, v em quantas escolas existe eleio? Acho que em duasou trs, duas ou trs, no mximo(...)

    Analisando a estrutura das escolas de samba do Rio de

    Janeiro, Jos Svio Leopoldi constatou que existia uma relao

    conflitiva entre o setor administrativo e o setor carnavalesco, mas que o

    funcionamento da agremiao dependia do ajuste desses setores.5

    Constatamos que no Vai-Vai existe um movimento de

    presso e contrapresso entre a diretoria e os sambistas. Nem todas

    decises tomadas pela presidncia so aceitas sem contestao pelos

    demais setores da escola, fazendo com que haja, ao menos

    relativamente, uma descentralizao de poder e uma maior simetria

    entre os diversos setores.6

    5 Jos Svio LEOPOLDI, Escola de Samba, Ritual e Sociedade, Petrpolis, Vozes, 1978.6 Presenciamos um fato ocorrido durante os preparativos para o carnaval de 1997,quando em um dos ensaios, o presidente da escola anunciou que iria presentear os

    sambistas com fantasias gratuitas, mas devido a presses internas de integrantes, queafirmavam que a escola passava por dificuldades financeiras, a diretoria voltou atrse desistiu de custear integralmente as fantasias da ala da comunidade.

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    O fato de existir um aumento da presena fsica de

    brancos na direo, no justificaria, por si s, uma mudana

    substancial na agremiao, visto que, os diretores tm longa vivncia

    dentro do mundo do samba7 e passaram por outras funes dentro da

    agremiao, logo, tiveram que se adaptar s normas e se subordinar a

    um padro de relaes sociais vigentes no Vai-Vai.

    2.2 Setor de Produo Musical

    2.2.1- Ala dos Compositores

    A ala de compositores pode ser considerado o atelier

    potico da escola. Responsveis pela traduo de um tema em letra e

    melodia, os compositores cantam o enredo, confeccionando os hinos

    anuais da escola.

    A ala ganha maior notoriedade no perodo de escolha do

    samba enredo. A partir do momento em que a diretoria, juntamente

    7 Na definio de Leopoldi: (...) O mundo do samba circunscreve num conjunto de

    relaes sociais estruturadas sobre a valorizao de um gnero musical, ou, maisespecificamente, sobre o contato intenso e contnuo que seus agentes estabelecemcom ele. Jos Svio LEOPOLDI, Petrpolis, Vozes, 1978, p. 42.

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    com o carnavalesco, decide qual ser o tema enredo, a ala dos

    compositores mobilizada. Diversas parcerias so formadas, que

    podem incluir, dois, trs ou mais parceiros, com a incumbncia de

    compor o samba enredo de acordo com os pressupostos do

    carnavalesco.

    Aps a definio do samba enredo vencedor, a ala de

    compositores novamente se rene, agora com a funo de fazer com

    que a escola aprenda o samba. A estratgia utilizada a repetio

    exaustiva do samba enredo nos ensaios e festas.

    Nos ensaios gerais, a ala dos compositores, juntamente

    com a ala da harmonia, acompanha os desfilantes com intuito de evitar

    que o samba atravesse.8

    O ingresso na ala dos compositores est vinculado

    produo musical do candidato, ou seja, necessrio possuir

    composies de autoria prpria, ou ter sambas gravados. O pretendente

    ser avaliado pelo chefe da ala que decidir por sua incluso.

    8 (...) fundamental para o desempenho de uma escola, que todas as alas cantemsimultaneamente o samba. Atravessar um samba, isto , a perda da sincronia do

    canto por parte das alas, falha grave de harmonia (...). Maria Laura Viveiros deCastro CAVALCANTI, Carnaval Carioca: dos bastidores ao desfile, Rio de Janeiro,Funarte; UFRJ, 1995, p. 125.

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    O critrio tcnico no o nico adotado, o candidato

    precisa ter boas relaes sociais e conhecimento das regras que

    ordenam a convivncia dentro da escola.9

    A estrutura hierrquica da ala no muito complexa, e

    no oferece muitas oportunidades em termos de mobilidade. Existe um

    chefe de ala, que, em 1997, foi substitudo por uma comisso

    composta por trs integrantes, responsvel por coordenar as reunies e

    servir como representante junto s outras alas e diretoria da escola.

    Os outros integrantes da ala esto situados em um mesmo plano

    hierrquico.

    Apesar de no proporcionar uma mobilidade interna, a

    ala de compositores pode servir como meio de ascenso individual aos

    componentes, graas a um dos mais recentes fenmenos do mercado

    fonogrfico: o pagode. Denominao dada anteriormente, a um grupo

    de pessoas que se reuniam em bares, para cantar e fazer uma

    batucada, atualmente, ganhou novo sentido, subgnero do samba e,

    muitas vezes, confundido com ele, o pagode deixou de ser apenas uma

    9 Washington da Mangueira, um dos autores do samba enredo vencedor do carnaval97, por no pertencer escola, precisou se aliar a Wilma Correia, que j fazia parteda ala de compositores, para poder participar do processo de seleo do samba enredoe ainda assim, relata que enfrentou resistncias dentro da escola: (...) Num primeiroinstante, houve uma certa rejeio (...) houve essa repulso por parte de alguns

    componentes, mas no decorrer do trabalho que ns tivemos, ns procuramos deixar

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    opo de socializao dos moradores da periferia, ganhou espao na

    mdia e invadiu as casas noturnas freqentadas pela classe mdia

    paulistana.10

    Para o integrante da ala, vencer um concurso de samba

    enredo implica em auferir ganhos financeiros com os direitos autorais

    atravs da venda do CD das escolas de samba e dos prmios pagos pela

    prpria escola, afora o espao que obtm junto aos meios de

    comunicao, projetando-o para alm do mundo do samba. Desta

    maneira, o compositor vencedor soma pontos no seu currculo que

    funcionar como um facilitador junto a gravadoras e emissoras de rdio

    para um futuro investimento na carreira artstica.

    Formada por uma grande parte de negros e mestios (os

    brancos so minoria), a ala dos compositores goza de grande prestgio

    junto agremiao, principalmente por ser uma atividade que exige

    uma capacidade criativa e conhecimento musical, mesmo que esse

    saber no seja um saber formal. Os compositores, em especial os

    autores do samba enredo vencedor das eliminatrias, so muito

    bem claro para esses componentes, que a princpio rejeitavam nosso trabalho, que anossa inteno era colaborar(...)10 Alguns nmeros podem dar a dimenso deste fenmeno mercadolgico: o grupo SPra Contrariar, vendeu 2,5 milhes de cpias de um nico CD, em apenas 9 meses, o

    grupo cobra aproximadamente 45.000 dlares de cach por apresentao. Outroconjunto de sucesso, o Katinguele, atingiu a marca de mais de 1,3 milhes de cpiascom os seus trs primeiros trabalhos (Folha da Tarde, 01/02/1998).

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    procurados dentro da escola, recebem o cumprimento de vrios

    integrantes e so tratados de forma respeitosa por toda a agremiao.

    2.2.2 - A Bateria

    Considerada o corao da escola, a bateria

    responsvel pela parte rtmica do desfile.

    Com o seu pulsar, anima os componentes e levanta a

    torcida na arquibancada. Sua importncia to crucial no desfile

    carnavalesco que conta como um quesito exclusivo. Quando existe

    empate entre duas escolas, a nota obtida pela bateria que definir a

    campe.

    A bateria vista pelos sambistas como um cone de

    diferenciao entre as escolas de samba, uma batida especfica d o

    carter inconfundvel a cada agremiao. Distinguir as diversas

    baterias pela batida em um desfile carnavalesco, no tarefa fcil para

    os no iniciados no mundo do samba. O ritmo acelerado faz com que

    haja uma grande semelhana entre elas, no entanto, os sambistas

    conseguem distingui-las quando soam os primeiros acordes.

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    A bateria uma ala tcnica da escola e, como ocorre com

    a ala dos compositores, existe uma seleo para o ingresso.

    O processo de seleo j elimina, previamente, os no

    iniciados. O objetivo manter dentro da agremiao, um espao

    reservado para aqueles que convivem no mundo do samba, j que a

    escola no se prope formar novos ritmistas, como afirma um dos

    componentes:

    (...) Aqui no Vai-Vai o que eu acho errado que se voc chegar: Tadeu(mestre de bateria) eu quero desfilar na bateria. Ele vai te perguntar: o

    que voc toca?. Voc vai falar: eu no toco nada. Ele vai falar: voc novai desfilar.(...) Esse o nico mal da bateria do Vai-Vai, voc tem que chegar

    sabendo. Saber tocar pelo menos, voc tem que saber feijo, com arroz, sesouber feijo com arroz, o pessoal te pe no auge(...)

    A seleo um rito de incorporao11, pois os candidatos

    so avaliados pelo mestre de bateria ou por um dos seus auxiliares. O

    processo tem incio quando um dos ritmistas veterano, faz uma

    demonstrao com a batida adotada pela bateria, o novato tem a

    incumbncia de reproduzi-la.

    11 Van GENNEP, em The Rites of Passage, Chicago, University of Chicago, 1960,constatou que a vida humana marcada por uma srie de passagens, por exemplo:de uma idade a outra,e cada mudana de estgio marcada por atos especiais. Oautor elabora uma taxionomia dos ritos de passagens, que so divididos em ritos de

    separao, transio e incorporao. Os ritos de incorporao marcam o ingresso deum indivduo a determinado subgrupo, mas essa integrao nem sempre aconteceprontamente, sendo marcada por uma fase de transio.

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    O candidato no avaliado apenas pela sua competncia

    tcnica, o seu estilo tambm demonstrar o quanto domina as tcnicas

    do mundo do samba: a forma como segura o instrumento e a postura