Sobre a Definicao Matematica de Sistema

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    Bresciani Filho, E.; D‟Ottaviano, I.M.L.; Gonzalez, M.E.Q.; Pellegrini, A.M.; Andrade, R.S.C. de (orgs.).  Auto-organização: estudos interdisciplinares. Coleção CLE, v. 66, p. 55-99, 2014. 

    Sobre a Definição Matemática de Sistema:Alguns Aspectos Históricos, Novas Propostas e

    Lógicas Sistêmicas Associadas

    FÁBIO MAIA BERTATO 

    Centro de Lógica, Epistemologia e História da CiênciaUniversidade Estadual de Campinas

    Campinas, [email protected]  

    Resumo:   Nosso objetivo neste artigo é duplo: (i) contribuir com algumasconsiderações acerca da (pré-)história da Teoria de Sistemas e (ii) apresentar umadefinição matemática de sistema que contemple uma possível variação no tempo.Em especial, procuramos mostrar como a solução apresentada por Tomás deAquino para a questão do  Filioque  pode ser considerada sistêmica e como adefinição de sistema como estrutura relacional pode ser assumida mesmo que seconsidere que um sistema é melhor descrito por uma função matemática.

    Palavras-chave:  definição de sistema; matemática; lógica; estruturas relacionais;

    história da Teoria de Sistemas. 

    1. Praeambulum  

    O presente artigo divide-se em duas partes. Na primeira par-te, fazemos algumas considerações sobre a palavra “sistema” em seuuso mais ou menos ordinário, sobre sua etimologia e apresentamosalgumas contribuições para a (pré-)história da Teoria de Sistemas,

    em especial, mostramos como a solução para a questão do  Filioque,apresentada por São Tomás de Aquino, pode ser considerada umasolução sistêmica, se por sistema entende-se uma estrutura formada por uma coleção de objetos e uma coleção de relações entre essesobjetos. Na segunda parte, que pode ser considerada mais técnica,apresentamos nossa proposta para uma definição matemática desistema e uma série de definições e alguns resultados que permitemo aprofundamento das investigações utilizando ferramentas bemdesenvolvidas, como a Teoria de Modelos, segundo o approach de

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    Bruno Poizat, o Realismo Conceptual de Nino Cocchiarella e a Aná-lise de Conceito Formal de Bernhard Ganter.

    1.1. Breve nota etimológica do vocábulo “sistema” 

    Antes de efetuarmos o estudo e a crítica das definições de sistema,  a proposição de uma nova definição e a análise de suasimplicações, no contexto dos fundamentos da Teoria Geral de Sis-temas, parece-nos salutar efetuarmos algumas considerações preli-minares acerca da etimologia e das denotações e conotações que tal

    vocábulo apresenta na linguagem ordinária. O vocábulo português“sistema”, cujo primeiro registro conhecido em nosso idioma data

    de 1702,1 provém do grego “σύστημα” e foi incorporado ao voca- bulário latino em sua forma transliterada “ syst ē ma”. 

    sistema  syst ē ma   σύστημα 

    Abaixo transcrevemos as acepções do dicionário Houaissque mais se relacionam com a noção de sistema que desejamosestudar:

     sistema, m.,“1 conjunto de elementos, concretos ou abstratos, intelectual -mente organizado1.1 conjunto concebido pelo espírito (como hipóteses, crenças

    etc.) de objetos de reflexão, ou convicção, unidos por um funda-mento; doutrina, ideologia, teoria, tese1.2 conjunto de idéias logicamente solidárias, consideradas nas suas relações1.3 conjunto de regras ou leis que fundamentam determinadaciência, fornecendo explicação para uma grande quantidade de

    1 Segundo a datação, na entrada correspondente, do Houaiss o mais antigo re-

    gistro está em VARELA, Pe. Sebastião Pacheco. Número Vocal, Exemplar  Católicoe Político, proposto ao maior entre os Santos, o glorioso João Batista  etc. Lisboa,1702.

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     fatos; teoria

    1.4 distribuição de um conjunto de objetos numa ordem quetorna mais fácil sua observação e estudo[...]2 estrutura que se organiza com base em conjuntos de unidadesinter-relacionáveis por dois eixos básicos: o eixo das que podem ser agrupadas e classificadas pelas características semelhantesque possuem, e o eixo das que se distribuem em dependênciahierárquica ou arranjo funcional[...]

    2.1 Derivação: por extensão de sentido.qualquer conjunto natural constituído de partes e elementosinterdependentes Ex.: 2.2 Derivação: por extensão de sentido.arrolamento de unidades e combinação de meios e processos que

    visem à produção de certo resultado. Ex.: 2.2.1 Derivação: por extensão de sentido.inter-relação das partes, elementos ou unidades que fazem funcionar uma estrutura organizada Ex.: 2.2.1.1 Derivação: por extensão de sentido. Uso: informal, pejorativo.qualquer estrutura que devesse funcionar com este inter-relacionamento ótimo entre as partes Ex.: a fila do banco estava enorme, o s. estava fora do ar[...] Antônimos: dessistema[...]lat. systēma , ătis , „reunião, juntura, sistema‟, do gr. sustéma , atos 

    „conjunto, multidão, corpo de tropas, conjunto de doutrinas, sistema filosófico‟, prov. pelo fr. système  (1552); [...]” 

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    (HOUAISS, 2001).

    Das acepções que configuram nos dicionários de Latimconsultados, destacamos:

     systēma, ătis, n., = σύστημα, 

    I. um todo consistindo de várias partes, um todo complexo, umsistema. (cf. LEWIS & SHORT, 1879).

    Dentre as acepções do vocábulo grego, salientam-se as se-guintes:

    σύστημ-α, ατος, τό,

    I. um todo composto de várias partes ou membros, sistema.II. governo organizado, constituição, comunidade, comitê.III. corpo de soldados, tripulação.

    IV. colégio de sacerdotes ou magistrados.V. máquina, aparato. (cf. LIDDELL & SCOTT, 1940). 

    Podemos observar que de algum modo a noção de “sistema”

    é correlata, em maior ou menor grau, dos termos “todo”, “organi-zado”, “complexo”, “partes”, “comum”, “inter -relação”, “resultado”,etc.

    O vocábulo “σύστημα” está relacionado com o verbo

    “συνίστημι” ( sunístemi, “juntar”, “combinar”, “unir”, “organizar”).Tal verbo é obtido a partir da preposição σύν (“junto”, “em compa-nhia de”) e do verbo ἵστημι (“ficar”, “permanecer”). 

    1.2. Alguns aspectos históricos do conceito de “sistema” 

    Ludwig Von Bertalanffy (1901-1972), considerado o funda-dor da Teoria Geral de Sistemas, afirma o seguinte sobre a noção de

    “sistema”: 

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    Em certo sentido pode-se dizer que a noção de sistema é tão antigaquanto a filosofia europeia.  [...] [A] Filosofia e sua descentente,[a] 

    ciência, nasceram quando os primeiros gregos aprenderam aconsiderar ou encontrar, no mundo experenciado, uma ordem oukosmos  que era inteligível e, portanto, controlado por pensamento eação racional.

    Uma formulação desta ordem cósmica foi a visão de mundoaristotélica com suas noções holísticas e teleológicas. A afirmação deAristóteles de que „O todo é mais do que a soma de suas partes,‟ éuma definição do problema básico de sistema que ainda é válido.2 

    Além da forte afirmação de Bertalanffy de que a noção desistema é tão antiga quanto a Filosofia Ocidental, abundam outrosexemplos na história da ciência, da antiguidade do pensamentosistêmico, como a abordagem holística da Medicina tradicionalchinesa, a suposta proposição de Aristóteles (384-322 a.C.) de que otodo é mais do que a soma das partes, a noção de coincidentia oppo- sitorum de Nicolau de Cusa (1401-1464), a mathesis universalis deGottfried Leibniz (1646-1716), etc. Apesar da palavra “sistema”

    nunca ter sido enfatizada antes de sua introdução formal na ciênciamoderna, podemos encontrar em diversos autores antigos, termosexplanatórios relacionados com tal conceito, sugerindo que a abor-dagem sistêmica é uma espécie de arquétipo quase universal.

    2  “ In a certain sense it can be said that the notion of system is as old as European philosophy. [...] Philosophy and its descendant, science, was born whenthe early Greeks learned to consider or find, in the experienced world, an order orkosmos  which was intelligible and, hence, controllable by thought and rationalaction. 

    One formulation of this cosmic order was the Aristotelian world view with its

    holistic and telelogical notions. Aristotle‟s statement, „The whole is more than the sum of its  parts,‟ is a definition of the basic system problem which is still valid.” (BERTALANFFY, 1972, p. 407)

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    A mais antiga definição conhecida do termo “sistema” éatribuída a Callicratídas Laconis, Pitagórico (c. 500 a.C.). Em suaobra “Sobre a Felicidade da Família”,3 afirma:

    “A família, pois, deve ser considerada um sistema ou uma comunhão de parentes. Todo sistema, verdadeiramente, é composto de certos[elementos] opostos e dessemelhantes e é organizado em referência a umcerto [elemento] que é o melhor e também para proveito comum”.4 

    [ “ Τòν μὲν ὦν οἵκον  5 

    ὑπολαπτέον 

    ἦμεν  σύσταμα κοινωνίας

    συγγενικᾶς. Σύσταμα μὲν πᾶν ἔκ τινων ἐναντίων καὶ

    ἀνομοίων σύγκειται , καὶ ποτὶ ἔν τι τò ἄριστον συντέτακται ,

     

    καὶ ἐπι τò κοινòν συμφέρον ἐπαμφέρεται” .]6 

     Na tabela abaixo, resumimos alguns exemplos dados porCallicratídas em sua obra:

    É organizado (συντέτακται) e

    refere-se (ἐπαμφέρεται) ao:

    Sistema(σύσταμα)

    Elementosopostos edessemelhantes

    (ἐναντία καὶ 

    ἀνόμοια )

    Melhorelemento

    (ἄριστος)

    Proveitocomum

    (κοινòν

    συμφέρον)

    coro (χορός) =

    vozes(?)  (?) concerto 

    3  Καλλικρατίδα Πυθαγορείο ν   Λάκωνος: ἐκ τοῦ “ περί οίκωνεὐδαιμονίας” .

    4  Segundo Callicratídas, a família divide-se em “o homem e suas posses”( ἅνθρωπος καὶ κτᾶσις ). Esposa, filhos, escravos e agregados incluem-se nesta última.

    5 Em outra versão: “ Τ ò μὲν ὦν ὅλον [...]” . Há, neste caso, outra tradução: “OUniverso, pois, deve ser considerado um sistema ou uma associação de [elementos]de mesmo tipo”. Cf. JOANNES STOBAEUS, 1824, p. 154; e 1856, p. 140.

    6 Para fundamentar e efetuar as traduções do grego e do latim, além das referên-

    cias bibliográficas correspondentes, beneficiamo-nos dos ótimos recursos da “Per -seus Digital Library”, particularmente das ferramentas “Greek Word Study Tool” e“Latin Word Study Tool” (v. http://www.perseus.tufts.edu). 

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    comunhãomusical 

    (συνῳδία) 

    navio

    ( ναῦς) 

    Tripulação

    (σῶμα περὶ τὰν νᾶα) 

    piloto (κυβερνήτης) 

    viagempróspera 

    (εὔπλοια) 

    família

    (οἶκος) 

    Parentes

    (συγγενής) 

    senhor da casa

    (οἰκοδεσπότης) 

    concórdia

    (ὁμοφροσύνη) 

    Fonte: Quadro elaborado pelo autor  Podemos dizer que para Callicratídas, um sistema é um

    composto centralizado de elementos, organizado para uma finalida-de. Sendo centralizado (pelo ἄριστος) e organizado, entende-se quehá nele relações entre os elementos.

    É frequente encontrar a sentença “o Todo é mais do que a soma de suas partes”, atribuída a Aristóteles. Alguns autores afir-mam que esta se encontra em sua obra Metaphysica. Apesar da ideiaestar presente no texto mencionado, não se pode efetuar uma cons-tatação literal de tal proposição, que denominaremos afirmaçãomereológica. A frase mais próxima de Aristóteles a respeito dessaafirmação, encontra-se em sua outra obra Topica:

     Não é o mesmo, as partes e o todo.(ARISTÓTELES, Topica, VI, 13, 150a 15).[ οὐ ταὐτόν ἐστί τὰ μέρη καὶ τὸ ὅλον ]

    [non idem esse partes et Totum](ARISTÓTELES, 1848, p. 252). 

     Na tradução inglesa de William Adair Pickard-Cambridge(1879-1957) incluiu-se a expressão “the sum of”  (“a soma de”),talvez por uma tradição anterior ou apenas para adequaçãogramatical: “In general, too, all the ways of showing that the wholeis not the same as the sum of its parts  are useful  […]”(“Em geral,também, todos os modos de mostrar que o todo não éo mesmo que

    a soma de suas partes   são úteis”). O mesmo não se dá na traduçãode Edward Seymour Forster (1879-1950): “To speak generally, all

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    the arguments that can be used to prove that the whole and i ts parts

    are not the same  are useful  [...]” (“Para falar de modo geral, todos

    os argumentos que podem ser usados para provar que o todo e suaspartes não são o mesmo   são úteis”).

    Também não se pode encontrar uma versão latina, equiva-lente à afirmação mereológica, nos florilégios medievais e renascen-tistas. Talvez, tal formulação seja oriunda de uma afirmação de uma posição holística baseada na quinta Noção Comum dos  Elementos de Euclides:

    O todo é maior do que a parte.[ καὶ τὸ ὅλον τοῦ μέρους μεῖζόν [ἐστιν]. ](EUCLIDES, 1953, p. 232).[ Et totum parte maius est ](CLAVIUS, 1607, p. 27). 

    Uma afirmação contrária de que o todo é igual a soma desuas partes (“Omne totum aequale est omnibus suis partibus simul

     sumptis”), onde soma é entendida more geometrico, foi introduzidacomo axioma por Christophorus Clavius (1537-1612), em sua edi-ção comentada dos Elementos (CLAVIUS, 1607, p. 33).

    Outro exemplo, concernente ao tema, pode ser encontradoem tópico familiar aos historiadores da Matemática. Na mitologiaegípcia, Set matou e desmembrou seu irmão Osíris. Sua esposa eirmã, Ísis, juntou novamente os membros de Osíris, trazendo-onovamente a vida, a fim de conceber um filho, Hórus. Durante um

    duelo para vingar seu pai, Hórus teve seu olho arrancado e despe-daçado por Set. O “Olho de Hórus”, importante símbolo com supos-tas propriedades mágicas e medicinais, foi recomposto por Thoth, oescriba dos deuses, “com seus próprios dedos”.

    7 Segundo Sir Alan

    7 Supõe-se aqui uma relação entre “dedos” e “contagem”, visto que Thoth tam- bém é, para os egípcios antigos, o deus criador das ciências, em particular da Mate-mática. O relato do duelo entre Hórus e Set encontra-se no Livro Egípcio dos Mor-tos, capítulo XVII. Seguimos aqui a tradução de John Gwyn Griffiths (1911-2004):

    “I  [Thoth] have filled the eye when it was injured on this day of the conflict of theTwo Rival Gods. What is that, the conflict of the Two Rival Gods? That is the dayon which Horus fought with Seth, when he (Seth) wounded the face of Horus, when

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    Henderson Gardiner (1879 - 1963), baseado nos trabalhos de Georg

    Möller (1876 - 1921), os hieróglifos  , , , ,   e , querepresentam as frações ,  ,  ,  ,   e  , respectivamente, formam ohieróglifo  ( , wd3t , wedjet , “olho saudável, com- pleto”, GARDINER, 1979, p. 197; MÖLLER, 1909, I, p. 67; 1965,II, p. 62).8 

    Considerando que os antigos egípcios tenham feito, em al-gum período, tal relação entre as frações consideradas e as partes do“Olho de Hórus”, teríamos um exemplo bastante antigo de um “todo” que não é redutível as suas “partes”, visto que a soma aritmética dasérie geométrica de seis termos resulta em  , ou seja, falta algumacoisa, um algo a mais presente anteriormente no todo, que supos-tamente teria sido providenciado magicamente pelo deus Thoth.9 

    Como visto acima, é possível encontrar, por meio de outrostermos, uma teoria sistêmica em Aristóteles. Não somente com

     Horus seized the testicles of Seth.  It was Thoth who did this with his fingers” (“Eu[Thoth]  consertei o olho quando este foi ferido neste dia do conflito dos Dois

     Deuses Rivais. O que é isso, o conflito dos Dois Deuses Rivais? Esse é o dia em que Hórus lutou com Set, quando ele (Set) feriu o rosto de Hórus, quando Hórusagarrou os testículos de Seth. Foi Thoth quem fez isso com os dedos”)(GRIFFITHS, 1958, p. 184). Para outra tradução, com pequenas variações, v.RENOUF & NAVILLE, 1904, p. 36.

    8 Segundo Thomas Eric Peet (1882-1934), Möller foi o primeiro a perceber que ossímbolos de frações indicados podem ser arranjados para formar a figura do wd3t  ainda que tal possibilidade não implicasse necessariamente na origem mitológica detais representações, posto que as formas hieráticas, que não apresentam as seme-lhanças necessárias com as partes do olho, são mais antigas que os correspondenteshieróglifos (PEET, 1923, p. 25-26; cf. RITTER, 2001, p. 117). Para comparar asformas hieroglíficas e hieráticas, v. GILLINGS, 1972, p. 211. 

    9 Que os escribas egípcios tinham conhecimento de que tal soma não resultavaem um inteiro, pode ser inferido a partir da Tablita de Madeira de Akhmin ( CairoCat. 25367 , v. DARESSY, 1906, p. 64-65, para transcrição), cujo primeiro proble-ma, a saber, efetuar o cálculo de  de 1 heqat , é solucionado utilizando-se o fato deque 1 é igual a  +  +  +  +  +  + 5 ro  (1  ro =    ).  Heqat  é uma unidadeegípcia de medida para grãos, cujas frações são representadas pelos hieróglifos emquestão, como pode ser visto no Papiro de Ahmes ou Rhind ( Plates S, 64; T, 68; W,80 e 81. Cf. PEET, 1923).

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    relação à questão mereológica, mas em termos das relações e daorganização de certos objetos e de níveis de organização. Talvez nãoseja exagero afirmar que sua Metaphysica pode ser considerada umaespécie de tratado de Teoria aristotélica de sistemas, especialmenteos Livros de V a VII. Como para muitos autores medievais e renas-centistas, “sem Tomás, Aristóteles seria mudo”,10 supomos que sejaimportante a investigação, de uma perspectiva histórica, das dou-trinas de São Tomás de Aquino, O.P. (1225 - 1274) como influênciaabrangente nos pensadores ocidentais, seja para concordar, seja paradiscordar.

    Parece-nos que a doutrina tomista passou despercebida, aosinvestigadores da área, como uma teoria que utiliza uma abordagemque pode ser denominada sistêmica. Não faremos as consideraçõesque deveriam ser efetuadas a respeito, mas apresentaremos umasolução sistêmica para um importante problema como mais umexemplo histórico.

    Apenas para evidenciar a existência de um interessante con-

    teúdo ligado às noções de sistema e organização, citamos um trechodo livro de Eleonore Stump, que afirma que na metafísica de SãoTomás de Aquino:

    Uma coisa material de nível macro é matéria organizada ouconfigurada de algum modo, em que a organização ou configuração émais dinâmica do que estática. Isto é, a organização da matéria incluirelações causais entre os components materiais da coisa, bem comocaracterísticas estáticas tais como forma e localização espacial. Essaconfiguração dinâmica ou organização é o que [Tomás de] Aquinodenomina „forma‟. Uma coisa tem as propriedades que tem, incluindosuas potências causais, em virtude de ter a configuração que tem; asoperações próprias e funções de uma coisa derivam de sua forma. 11 

    10 “Sine Thoma, Aristoteles mutus esset”. Tal sentença chegou a nós por meiode Pico della Mirandola (1463 - 1494). Também parece verdade a espécie derecíproca proposta por Ralph McInerny (1929-2010): “Sine Aristotele, Thoma nonesset”. 

    11

      “A macro-level material thing is matter organized or configured in someway, where the organization or configuration is dynamic rather than static. That is,the organization of the matter includes causal relations among the material

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    1.3. A questão do Filioque  e sua solução sistêmica: um exemplohistórico

    Desde suas origens, a Igreja cristã elaborou Profissões de Féque sintetizavam seus principais dogmas. A polêmica do  Filioque,que perdura até os nossos dias, é um interessante exemplo de um problema que pode ser resolvido como consequência do estudo das propriedades de um conjunto de relações. No artigo sobre o EspíritoSanto, diz o Credo Niceno-Constantinopolitano (Niceia, 325; Cons-

    tantinopla, 381):

    Creio no Espírito Santo, Senhor que dá a vida, e procede do Pai e doFilho; [...] [Καὶ εἰς τὸ Πνεῦμα τὸ  Ἅγιον N , τὸ κύριον , τὸ ζωοποιόν , τὸ ἐκτοῦ Πατρὸς ἐκπορευόμενον C [...]][ Et in Spiritum Sanctum, Dominum, et vivificantem: qui ex PatreFilioque  procedit  [...]]

     No trecho indicado, em grego, os sobrescritos  N e C, indicamonde termina o artigo em questão nos credos de Niceia e Cons-tantinopla, respectivamente. Note-se que não há, no grego a expres-são “καὶ τοῦ Υἱοῦ” (“e do Filho”). A inclusão “ Filioque” (“e doFilho”) efetuada no Credo baseou-se no Evangelho de João XV, 26: 

    O Advogado, que vos mandarei de junto do Pai, é o Espírito da Verdadeque procede do Pai. Quando vier, dará testemunho de Mim.

    [ὅταν δὲ  ἔλθῃ  ὁ  παράκλητος ὃν ἐγὼ  πέμψω ὑμῖν παρὰ  τοῦ πατρός, τὸ  Πνεῦμα τῆς ἀληθείας, ὃ

     

    παρὰ 

    τοῦ 

    πατρὸς

    ἐκπορεύεται , ἐκεῖνος μαρτυρήσει περὶ ἐμοῦ·] [Vulgata: cum autem venerit paracletus quem ego mittam vobis a PatreSpiritum veritatis qui a Patre procedit  ille testimonium perhibebit de me.]

    components of the thing as well as such static features as shape and spatiallocation. This dynamic configuration or organization is what Aquinas calls „form‟.

     A thing has the properties it has, including its causal powers, in virtue of having theconfiguration it does; the proper operations and functions of a thing derive from its form” (STUMP, 2005, p. 36).

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    Baseada no Cânon VII do Concílio de Éfeso (431), que de-clarava anátema quem fizesse alterações nas proposições estabe-lecidas no Concílio de Niceia, incluída a Profissão de Fé do Credo, aIgreja grega acusou a Igreja Latina de heresia. Muitas discussões e polêmicas acerca da questão do Filioque ocorreram, entre os séculosIX e XI, culminado no Grande Cisma Bizantino (1054), juntamentecom outras questões culturais e políticas. No que tange à questão do Filioque, o problema se deve a uma questão lingüística: os gregos e

    latinos não interpretam do mesmo modo o vocábulo “proceder”. 

    verbo  substantivo 

    ἐκπορεύω  εκπόρευσις 

     procedo   processio 

    As distinções semânticas entre o vocábulo grego εκπόρευσις (ekpóreusis) e sua tradução latina processio podem serverificadas por suas etimologias. A preposição ἐκ  significa “forade”, “a partir de”. A preposição  pro, por sua vez significa “antes”,“ante”, “diante”, “em frente de” ou “em face de”. O verbo grego

    associado a εκπόρευσις  é  ἐκπορεύω  (ekporeúo) que quer dizer

    “fazer sair”, “sair”, “buscar” ou “marchar para fora”. O verbo latino procedo, por seu turno, significa “ir antes”, “ir à frente”, “avançar”,“proceder”. Tais divergências implicam nas seguintes interpretações

    de “processão”: 

    Gregos:  interpretação de εκπόρευσις    sentido estrito: Paicomo origem de todas as processões.

    Latinos: interpretação de processio  sentido amplo: a do termo

     procedendo do princípio (Filiação e Processão ou Espiração

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     passiva) e a do próprio princípio (Paternidade e Espiração ativa). 

     Na Filosofia e Teologia latinas, existe um Deus que é uno segundo a essência (verdade alcançada pela Razão e pela Revelação) etrino segundo as Pessoas (verdade revelada), ou seja, a essência únicada divindade, de forma indisiva, existe em três Pessoas distintas. SãoTomás de Aquino, em uma honestidade intelectual que lhe é própria,reconhece que o Mistério da Trindade só pode ser conhecido pela

    Revelação (cf. Summa Theologiae, I, q. XXXII, a. 1).Distinguem-se as Pessoas não pela essência ou substância, mas

     por relações de origem  (Geração e Processão  simpliciter ). Para oAquinate, relação  (relatio) é uma ordem, referência ou proporção deuma coisa à outra. Distinguem-se em transcendentais  (relatio secundudici) e predicamentais (relatio simpliciter ). Uma relação transcendentalé uma relação, incluída em uma realidade absoluta, a um termo exterior,que concorre para defini-la, por exemplo, a inteligência ao ser, a potência ao seu objeto, a materia à forma e vice-versa. A relação predicamental, por sua vez, não possui outra realidade senão referir-seao outro.12 

    Uma relação predicamental pode ser conceitual   (lógica ouracional), isto é, existe apenas como objeto do pensamento na menteque a concebe; ou real , ou seja, existe independentemente da mente.Um exemplo de uma relação conceitual é a relação do homem abstratocom o homem real. Um exemplo de uma relação real é a relação entre pai e filho (cf. De Veritate, q. II, a. 2).

    Para São Tomás de Aquino, só se pode entender relações reaisem Deus, nas quais há processão interior. Há apenas duas processões interiores: a  processão do Verbo  ( processio verbi comooperação do intelecto, denominada Geração); e a processão do Amor  

    12 Para nossa exposição bastante simplificada dos termos e expressões utilizadas por São Tomás de Aquino, além da consulta das obras citadas, valemo-nos do Vo-

    cabulário do Pe. Marie-Joseph Nicolas, O.P. (STO TOMÁS DE AQUINO, 2001, p.69-102) e dos excelentes conteúdos de clássicos da literatura Tomista disponíveis pelo projeto “Corpus Thomisticum” (http://www.corpusthomisticum.org/).

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    ( processio amoris como operação da vontade). Em cada processãohá duas relações opostas: a do termo procedendo do princípio(Filiação e Espiração Passiva);13  e a do próprio princípio (Pater-nidade e Espiração) (cf. Summa Theologiae, I, q. XXVIII, a. 4).

    Como o termo “Pessoa” significa, neste contexto, “a relação

    enquanto realidade subsistente na natureza divina”, segue-se que hávárias Pessoas em Deus (idem, q. XXX, a. 2). Mas se há quatrorelações divinas, como pode haver apenas três Pessoas Divinas? APaternidade e a Filiação são relações opostas, mas a Espiração

    (Ativa) não as opõem, pois tanto o Pai como o Filho podemsatisfazê-la, afirmando-se o Filioque.

    “O Espírito Santo procede do Filho?” Esta é exatamente a

    indagação da Quaestio  XXVI, articulus  2, da primeira parte daSumma Theologiae  de São Tomás. A solução do Doutor Angélico para a questão do Filioque é estupenda. Eis o extrato do principal daargumentação:

    Texto LatinoRespondeo   dicendum quodnecesse est dicere spiritum sanctum a filio esse. Si enim nonesset ab eo, nullo modo posset abeo personaliter distingui.Quod ex supra dictis patet. Nonenim est possibile dicere quod secundum aliquid absolutumdivinae personae ab invicemdistinguantur, quia sequereturquod non esset trium una essentia;quidquid enim in divinis absolutedicitur, ad unitatem essentiae pertinet. Relinquitur ergo quod solumrelationibus divinae personae ab

    TraduçãoRespondo.  É necessário afirmarque o Espírito Santo procede do Filho. Se ele não procedesse dele,não poderia de nenhum modo sedistinguir dele como Pessoa. Isso se torna claro pelo que foi ditoacima. Com efeito, não se podedizer que as pessoas divinasdistinguem-se uma da outra poralgo absoluto. Seguir-se-ia que ostrês não teriam essência única, pois tudo o que se atribui a Deusde modo absoluto pertence àunidade da essência.Conclui-se, portanto, que as pessoas divinas distinguem-se

    13 No texto de Tomás de Aquino, esta última não tem nome próprio. É denomi-nada apenas de “Processão”. 

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    invicem distinguantur. Relationes autem personasdistinguere non possunt, nisi secundum quod sunt oppositae.Quod ex hoc patet, quia paterhabet duas relationes, quarum unarefertur ad filium, et alia ad spiritum sanctum; quae tamen,quia non sunt oppositae, nonconstituunt duas personas, sed adunam personam patris tantum

     pertinent. Si ergo in filio et in spiritu sancto non esset invenirenisi duas relationes quibusuterque refertur ad patrem, illaerelationes non essent ad invicemoppositae; sicut neque duaerelationes quibus pater refertur adillos. Unde, sicut persona patrisest una, ita sequeretur quod

     persona filii et spiritus sancti essetuna, habens duas relationesoppositas duabus relationibus patris. Hoc autem est haereticum,cum tollat fidem Trinitatis.Oportet ergo quod filius et spiritus sanctus ad invicem referanturoppositis relationibus. Non autem possunt esse in divinis

    aliae relationes oppositae nisirelationes originis, ut supra probatum est. Oppositae autemrelationes originis accipiuntur secundum principium, et secundum quod est a principio. Relinquitur ergo quod necesse estdicere vel filium esse a spiritu sancto, quod nullus dicit, vel spiritum sanctum esse a filio, quodnos confitemur. 

    entre si unicamente por relações. –   Mas essas relações não podemdistinguir as pessoas, a não sercomo opostas. A prova disso é queo Pai tem duas relações: por uma se refere ao Filho, pela outra ao Espírito Santo. Entretanto, comoessas relações não se opõem, elasnão constituem duas pessoas, pertencem a uma só pessoa, à do Pai. Se, portanto, no Filho e no

     Espírito Santo só se pudessemencontrar duas relações pelasquais cada um se refere ao Pai,elas não seriam opostas entre si,como as duas relações pelas quaiso Pai se relaciona com eles. Então,do mesmo modo que o Pai é uma só pessoa, seguir-se-ia igualmente queo Filho e o Espírito Santo seriam

    uma só pessoa, possuindo duasrelações opostas às duas relações do Pai. Mas isso é uma heresia porquedestrói a fé na Trindade. Portanto, é preciso que o Filho e o EspíritoSanto refiram-se um ao outro porrelações opostas. –  

    Ora, em Deus não pode haver

    outras relações opostas senão asde origem, como acima ficou provado. E essas relações deorigem, opostas entre si, entendem- se as de princípio e as que procedem do princípio.Conclui-se, portanto, que se deveafirmar ou que o Filho procede do Espírito Santo, mas ninguém o diz;ou então que o Espírito Santo procede do Filho. Eis o que

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    confessamos.

    Percebe-se no raciocínio apresentado por Tomás de Aquino,uma abordagem que poderíamos denominar sistêmica, como trata-mento de uma importante questão de doutrina cristã e da história do pensamento e da civilização ocidental. Na abordagem efetuada peloAquinate, o Deus dos cristãos pode ser considerado como um siste-ma , onde a noção de sistema corresponde a de uma estrutura for-mada por um conjunto de objetos e um conjunto de relações entreesses objetos. Esta noção de sistema, como veremos, está de acordo

    com as definições dadas por alguns autores, definições estas queconsideramos inicialmente insatisfatórias, mas que todavia são úteise podem ser melhoradas.

    Em uma releitura matemática, São Tomás apresenta Deus co-mo uma estrutura relacional , isto é,  é o par ordenado dado por

          ,onde os objetos

     

      são as Pessoas, Pai, Filho e Espírito Santo,

    respectivamente, e      são as relações paternidade, filiação,espiração ativa e espiração passiva, respectivamente. Nesse sistema,não vale a igualdade usual, a distinção entre os objetos é dadaapenas pelas relações, quer dizer, dois objetos intercambiáveis emtodas as relações são indistinguíveis para o sistema. O sistema nãoenxerga as distinções das pessoas   , sem remeter-se às relações    . Temos também que há dois pares de relações opostas(simétricas), isto é,  e   são relações opostas se, e somente se,     é equivalente a    , que significa que dizer que oobjeto  está relacionado com   pela relação  é o mesmo que di-zer que o objeto  está relacionado com   pela relação oposta  evice-versa. Sabe-se que   e     são relaçõesopostas. Sabe-se ainda que   ,    e que  e   sãoopostas. A questão é saber se    . Como nessas relações não pode haver pares  , é necessário que     ou   .

    14  Transcrição, com formatação adaptada, da tradução brasileira em STO.TOMÁS DE AQUINO, 2001.

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    Caso contrário, se   e   ,  e  seriam indis-tinguíveis, já que seriam intercambiáveis nas quatro relações. Comoninguém afirma   , conclui o Aquinate, é necessário que setenha      e, consequentemente    . 

    A partir deste exemplo, podemos verificar que a igualdadeem um sistema pode ser dada de modo não-usual, por meio das pró- prias relações do sistema. É uma ideia interessante que provavel-mente exploraremos em outros trabalhos.

    1.4. Algumas definições de sistema Parece paradoxal o fato de que diversos ramos do conhe-

    cimento, que obtêm tão fabulosos resultados, estejam fundadossobre noções e conceitos, cujas definições, que necessariamentedevem ser precisas, não sejam consenso entre os seus investiga-dores. Não há, por exemplo, consenso sobre a definição de infor-mação, na era da informação e não há acordo sobre o que é vidaentre os pesquisadores das áreas da Biologia. Tal é a nossa situação:há relativa concordância nas situações em que se apresentam sis-temas auto-organizados, mas não há consenso no que é sistema ou oque é auto-organização. Apresentaremos, a seguir, algumas das defi-nições de sistema dadas por alguns autores, antes de apresentarmosa nossa proposta feita em uma abordagem matemática.

    Como vimos acima, há uma certa tendência de se considerar“sistema” como algo que os matemáticos denominariam estruturarelacional, isto é, um par ordenado composto por um conjunto deobjetos e um conjunto de relações entre esses objetos. Esta é, apro-ximadamente, a definição dada por Bertalanffy, “pai” da TeoriaGeral de Sistemas: “Um sistema pode ser definido como umconjunto de elementos que estão em inter-relações”.15  ParaBertallanffy, uma inter-relação (interrelation) significa que háinteração entre as relações, no sentido de que o “comportamento” de

    15 “A system can be defined as a set of elements standing in interrelations” (BERTALANFFY, 1993). 

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    um elemento p em uma relação R é diferente de seu comportamentoem outra relação R‟ .

    Hall e Fagen, em seu artigo intitulado “Definition of system”,apresentam uma definição, que eles afirmam que não almeja serfilosófica ou matemática, para a qual um sistema é um conjunto deobjetos junto com relações entre os objetos e seus atributos.16 Tra-tam ainda, no mencionado artigo, de interessantes pontos acerca dosobjetos, relações, atributos, sistemas físicos, etc.

    Um definição matemática de sistema é dada por Mihajlo D.

    Mesarovic e Yasuhiko Takahara (1964). Para eles, um “sistema(geral) é uma relação sobre conjuntos (abstratos) não-vazios , onde  denota o produto cartesiano e  é um con- junto de índices”. Curiosamente, Mesarovic e Takahara consideramum sistema não como uma estrutura relacional e sim como umarelação. É possível provar que há uma certa correspondência entreum sistema nesse sentido e no sentido de uma estrutura relacional.

    Uma outra definição matemática é dada por Jeffrey Yi-Lin

    Forrest (2002). Tal definição explicitamente considera um sistemacomo uma estrutura relacional. Para ele, um sistema é  um parordenado de conjuntos S = (  M , R  ), tal que M  é o conjunto de todosos objetos de S , e R é um conjunto de relações definidas sobre M.

    Finalmente, Itala D‟Ottaviano e Ettore Bresciani (2004)

    apresentam a seguinte definição:

    Um sistema pode ser inicialmente definido como uma entidade unitária,

    de natureza complexa e organizada, constituída por um conjunto não-vazio de elementos ativos que mantêm relações, com características deinvariança no tempo, que lhe garantem sua própria identidade. Nessesentido, um sistema consiste de um conjunto de elementos que formamuma estrutura, a qual possui uma funcionalidade.

    Todas as definições consideradas e as abordagens dos au-tores citados produziram uma quantidade respeitável de resultados.

    16 “A system is a set of objects together with relationships between the objectsand between their attributes” (HALL & FAGEN, 1956, p. 18).

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    Apesar das definições dadas acima pertencerem a uma mesma classede equivalência, por assim dizer, podemos notar alguns importantesdetalhes (que não necessariamente não sejam contemplados pelasdemais, ao menos implicitamente). Para Bertalanffy, em um sistemahá inter-relações. Para Hall e Fagen, há em um sistema relaçõesentre objetos e seus atributos (que podemos considerar como rela-ções monádicas). Mesarovic, Takahara e Yi Lin fazem uso das ferra-mentas matemáticas disponíveis. D‟Ottaviano e Bresciani explici-tam características de invariança no tempo e introduzem a ideia defuncionalidade. Esta última, ainda que não totalmente aclarada,

     parece ser um diferencial com relação às demais definições. Alémdisso, a menção ao tempo destaca um aparente ponto fraco dasoutras definições: o fato de que um sistema considerado como umaestrutura relacional não parece contemplar a noção intuitiva de sis-temas dinâmicos, isto é, tais definições parecem considerar apenassistemas “estáticos” ou ainda “instantâneos” do que se quer deno-minar sistema.

    Parece-nos, portanto, que seja necessária outra definição de

    sistema, considerando as estruturas relacionais como estados sis-têmicos e sistema como uma função, cujo domínio emula a nossanoção de tempo e o contra-domínio é o conjunto de estados sistê-micos sobre um universo dado. Veremos que é possível “salvar” a

    noção de sistema como um par formado por um conjunto de objetose um conjunto de relações sobre esse objeto, por meio de uma rela-ção que denominamos história do sistema. Não sabemos se a noçãode “funcionalidade” pode ser definida matematicamente. Talvez a

    relação história do sistema possa ser uma aproximação. Na segundaa parte, a seguir, efetuaremos as considerações necessárias sobre adefinição matemática de sistemas, tendo como ponto de partida, adefinição matemática de relação.

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    2. Definição Matemática de Sistemas

    2.1. Estados sistêmicosDefinição 1. Sejam um conjunto D  e . Denomina-se umarelação -ária com domínio D  qualquer conjunto .Dizemos que  é a aridade ou o comprimento da relação .Definição 2. Se uma -upla  =      pertence a ,dizemos que  satisfaz a relação . 

    Notação:  ou  . Definição 3. Sejam  e  duas relações -árias, com domínios D e D, respectivamente. Denomina-se um isomorfismo de  em  uma bijeção  tal que

    Para todo

    =    ,  =    . Neste caso, dizemos que  e  são relações isomorfas.

    Definição 4.  Sejam   uma relação -ária com domínio D  e umconjunto   . Denomina-se a restrição de  a E  a relação -ária   com domínio E , cujos elementos são as -uplas    quesatisfazem .

     Neste caso, dizemos que  é uma extensão de .

    Definição 5. A cardinalidade de uma relação  com domínio D,denotada  por  , é o número de elementos de seu domínio, ou seja,  = .17 

    17 Algumas definições podem não ser usuais, mas foram escolhidas pensandoem se preparar terreno para outras investigações em outros ramos da Matemática eda Lógica. Por exemplo, pode-se tranquilamente enveredar em alguma investigação

    sobre estados sistêmicos no âmbito da Teoria de Modelos, conforme a abordagemde Bruno Poizat em “A Course in Model Theory: An Introduction to ContemporaryMathematical Logic” (2000). 

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    Se o domínio de uma relação   é finita, dizemos que  éfinita. Note-se que, de fato, sobre um domínio finito não existe umarelação -ária com um número infinito de -uplas.Definição 6. Denomina-se uma multirrelação  com domínio D  oconjunto R      de relações com domínio D, de aridades  , respectivamente.

    A lista    é denominada assinatura de R .

    Definição 7. Denomina-se uma estrutura relacional o par =  B, , onde B é o domínio da estrutura, cada  é uma relação -ária com domínio B e I  é um conjunto de índices. Note-se que  não é necessariamente finito.

    Definição 8. Dado um conjunto U   , denomina-se estado sistê-mico ou configuração sistêmica (ou simplesmente estado)18 a es-trutura relacional S

     

     D, R 

    , onde D

     

      ∪ ,

     , 

       U  e

    R  é um conjunto de relações com domínio D.

     Neste caso, D é denominado domínio sistêmico,   D é umobjeto,  é o conjunto de indivíduos eU  é o universo sistêmico.

    O conjunto

         ∪       ∪  

     

    é o conjunto de todos os estados sistêmicos sobre o universo U .

    Um estado sistêmico S  D, R , com D = ou R   = , édenominado trivial . 

    Teorema 1. Não existe o conjunto de todos os estados sistêmicos.

    18 A estrutura também poderia denominar-se sistema de estado único.

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    Prova. Suponha, por absurdo, que exista o conjunto F de todos os

    estados sistêmicos. Temos então que , 

     F

    , para qualquer con- junto  . Seja       . Como ,    ,temos que  , para qualquer conjunto  . Portanto,  , para qualquer conjunto . Absurdo, pois, pelo Axioma daSeparação, poderíamos definir o conjunto de todos os conjuntos, istoé, o conjunto universo    . ∎ Corolário 2. Não existe o estado sistêmico cujos objetos são todosos estados sistêmicos. 

    ∎ Em outras palavras, não existe o estado sistêmico de todosos estados sistêmicos! 

    2.1.1 Codificação de estados sistêmicos finitos

    Definição 9. Um estado sistêmico não-trivial S

     

     D

    , R 

     é denominado 

    finito  se, e somente se, D é um conjunto finito e R      éuma multirrelação sobreD, com assinatura   .

    Seja     . Cada objeto em S é codificado por umnúmero  ,  tal que  . Cada relação de    pode, por-tanto, ser reescrita como uma relação com domínio    .Se desejamos codificar vários sistemas de modo único, isto é, demodo que dois domínios distintos não tenham o mesmo código, basta codificar cada elemento do universo sistêmico por um númeronatural , tal que  .

    Cada    é ordenada segundo a ordem lexicográfica ,isto é, 

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      .19 Após a ordenação dos elementos de , obtemos:

    =    , onde    é o número de elementos do conjunto    e =  .

    Cada  -upla     

      é codificada por   , onde 

              e     .

    A partir da -upla   =      definimos:

     = .Como R      , a partir da -upla      =    definimos: 

      =   .Finalmente, o código do estado sistêmico S é dado por:

     =    .

    Conclusão: Todo estado sistêmico finito pode ser codifi-cado por um número natural de forma única, tal que dado númeroobtém-se o sistema e vice-versa. Tal codificação é denominadaaritmetização de Gödel   e é baseada na codificação do plano, por

    19 Neste texto, fazemos uso de meta-conectivos, i.e., os símbolos ,

    , ,  e  são abreviações de “existe”, “para todo”, “e”, “se, e somente se,” e “se, ..., então”, res-

     pectivamente. Não confundir com os conectivos que serão introduzidos abaixo. 

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    meio do  passeio de Cantor   e da  fórmula de Gauss.   é deno-minado número de Gödel  do estado sistêmico . 

    Exemplo. 

    S  D, R   =       D =   

    =1

     = 2 = 2 

    R =  ; =  ; =   

    =     =    =   = 63   =   =  

     =  =   = 2 143 =   

    =   = 4

    =

      = 8

     =   =    =  =    = 4 002 

       =     =      = 178 370 537 447 842

     =     = 15 908 024 314 716 600 000 000 000 000 

    O exemplo evidencia que tal codificação contempla um procedimento puramente especulativo, sem considerar a suaviabilidade computacional efetiva.

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    79

    2.2. Tipo de similaridade de um estado sistêmico

    Definição 10.  Dado um estado sistêmico S  D,  R , onde R  = , denomina-se o tipo de similaridade de  S  a terna    , , , onde  é o conjunto de indivíduos de S e  é uma função (denominada função aridade) que associa a cada  a aridade  da relação .

     No caso em que S é um estado sistêmico finito, seu tipo desimilaridade pode ser representado por

      , ,   ,onde   é a assinatura de R .Definição 11.  Dados dois estados sistêmicos   ,     e  ,  , de mesmo tipo de similaridade , diz-se que  é umsub-estado  sistêmico  de    se, e somente se,    e =

    , para toda relação de .

     Notação: .Definição 12. Dado    , o sub-estado sistêmico gerado por   é omenor sub-estado sistêmico de S  D, R  tal que   é seu domíniosistêmico.

     Notação:       ,  ∩  .

    Definição 13.  Sejam dois estados sistêmicos   ,     e   ,  , de mesmo tipo de similaridade , e    umafunção. Diz-se que   é um homomorfismo de  em  (denotado por   

     ) se, e somente se,

             

     para cada  e para quaisquer    .

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    Se  é uma bijeção e vale a recíproca em , diz-se que  éum isomorfismo de  em .

     Notação: . Definição 14. Sejam dois estados sistêmicos  e , de mesmo tipode similaridade . Uma função   é denominada mergulho se, e somente se, existe um sub-estado   ,   de , tal que

      . 

    2.3. Linguagens sistêmicas formaisPara a expressabilidade formal de diversas classes de esta-

    dos sistêmicos, construiremos uma linguagem formal de 1ª ordem para cada tipo de similaridade . Para tanto, consideraremos fixadoum tipo de similaridade .Definição 15.  Uma assinatura para um tipo de similaridade

     ,

    ,

     é uma terna

     

     ,

    ,

    , onde

      é um conjunto de

    símbolos para indivíduos,  é um conjunto de símbolos para obje-tos,  ,   ,    e  é um conjunto de símbolos , ,de relações -árias. 

    2.3.1. A linguagem  2.3.1.1. Alfabeto básico (ALF)

    Definição 16. O alfabeto básico  de

    , construído a partir de

    uma assinatura  fixada, é o conjunto ALF, cujos elementos são: 

    Símbolos de objetos (formam o conjunto  de contraparti-das simbólicas para os nomes de cada objeto  –  indivíduo ousubconjunto de indivíduos –  do estado sistêmico): 

    ;  . 

    Símbolos de relações  -árias (formam o conjunto    decontrapartidas simbólicas de relações ou predicados -áriosda linguagem natural, para algum   ): 

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    Variáveis (formam o conjunto VAR ):, . 

    Símbolos lógicos: Negação:  ¬ Implicação:   Conjunção:  ∧ Disjunção:  ∨ Bicondicional: ↔ Identidade: 

     

    Quantificador universal:   Quantificador existencial:  

    Portanto,

    ALF   ∪ ∪ VAR  ∪ {¬, , ∧, ∨, ↔, , , .

    2.3.1.2. Termos (TER)

    Definição 17. Os símbolos de objetos e os símbolos de variáveisformam o conjunto dos termos  de , isto é, o conjunto dostermos é determinado por

    TER  = ∪ VAR .2.3.1.3. Fórmulas (FOR) 

    Definição 18. O conjunto FOR   de fórmulas de  é o menorconjunto tal que:

    1. 

    Se    TER , então  FOR ;2.

     

    Se   e     TER , então     FOR ;3.

     

    Se  ,     FOR , então ¬, ∧, ∨, , ↔   FOR ;

    4.  Se   FOR  e   VAR  então ,   FOR . As fórmulas na forma   e   são ditas  fórmulas

    atômicas e serão denotadas por    e    , respec-tivamente. Faremos uso e omissão de parênteses conforme a

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    convenção usual. Diz-se que a ocorrência de uma variável em umafórmula é ligada  se está sob o escopo de um quantificador que aquantifica. Caso contrário, a ocorrência é dita livre. Uma fórmulasem variáveis livres é denominada sentença.

    Definição 19.  A linguagem de primeira ordem para os estadossistêmicos de tipo de similaridade  é dada pelo conjunto

     = ALF ∪ TER  ∪ FOR .

    2.3.2. Semântica Definição 20.  Denomina-se um modelo  (ou interpretação) para   a terna    =    . , onde    é um conjunto não-vazio, 

       e . é uma função definida em   tal que:1.

     

     , para cada  ;2.  , para cada  ;3.

     

    , para cada

    .

     Neste caso,  é chamado domínio de , denotado por  . Observe-se que todo estado sistêmico S = D, R , de tipo de si-

    milaridade , induz naturalmente um modelo =    .   para, com   , para cada . Por outro lado, todo mo-delo   para  determina um estado sistêmico  =  ∪ ,  de tipo de similaridade . 

    Também é possível se obter modelos a partir de estados sistê-micos S de tipo de similaridade , tal que  (alguns objetosou relações de S simplesmente podem não ser interpretações).

    Um estado sistêmico em uma das condições mencionadasacima é dito um modelo para . 

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    Definição 21.  Sejam    =    .   um modelo para  ,  p  =

        e . Denomina-se o resultado da substitui-ção da -ésima coordenada de  p por  a seguinte ∞-upla:  

     =       .Seja    TER ,  então   p  determina  recursivamente  um  elemento  p , denominado o valor de  em  p, do seguinte modo:

    1.  Se  é  , então p= ;2.  Se 

     é 

    , então p

    =

    ;

    3. 

    Se  é   VAR , então p=;Definição 22. Sejam   FOR ,  um modelo para  e p  .Dizemos que  p  satisfaz    em  , denotado por   ⊨ , se, esomente se, 

    1.  Se  é  ,    TER , então  ⊨     ;

    2.  Se  é    ,  e     TER , então  ⊨     ;

    3.  Se  é ¬,   FOR , então  ⊨  ⊭ ;

    4. 

    Se  é ∧,  ,   FOR , então

     

    ⊨   

     

    ⊨  

     

    ⊨ ;5.  Se  é ∨,  ,   FOR , então 

     ⊨    ⊨  ou  ⊨ ;6.  Se  é ,  ,   FOR , então 

     ⊨    ⊭  ou  ⊨ ;7.  Se 

     é 

    ↔, 

    ,

     

     FOR , então 

     ⊨    ⊨  e  ⊨ ;

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    8. 

    Se  é ,  VAR  e   FOR , então 

     

    ⊨   

     

    ⊨  , para todo ;9.  Se  é ,  VAR  e   FOR , então 

     ⊨    ⊨ , para algum .Uma linguagem , munida de uma noção de satisfabi-

    lidade, como a definida acima, constitui uma lógica ou um  sistemalógico. Neste caso, a lógica definida semanticamente é uma lógicade primeira ordem clássica 

    . Alterando-se adequadamente os

    itens 1-9 é possível se obter lógicas não-clássicas.

    Teorema 3. Sejam  um modelo para ,   FOR , cujas variá-veis livres são os elementos de   ,  , e  p =   ,q  =     , tais que = , para  . Então,

     ⊨    ⊨ .

    Prova. Por indução sobre a complexidade da fórmula . ∎ O resultado anterior garante que a satisfabilidade de  em ,

    depende apenas dos valores assumidos pelas variáveis livres de .Definição 23. Uma fórmula  é verdadeira em um modelo  se, esomente se,

     ⊨ , para todo p  . Neste caso, diz-se que  é  satisfeita por  , ou   satisfaz ,

    ou  é um modelo de  e denota-se por   ⊨.Diz-se que  é falsa em  se, e somente se,  ⊭ , para

    todo  p  .Definição 24. Uma fórmula  é válida (ou logicamente verdadeira) se, e somente se, é verdadeira em todo modelo de .

     Notação: ⊨.

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    2.3.3. Axiomas da Lógica Sistêmica de 1ª ordem com identidade

    . Sejam , ,    FOR ,    VAR  e    TER . Todasas instâncias dos esquemas abaixo são axiomas da Lógica Sistêmicade 1ª ordem com identidade :

    (A1)   (A2)   (A3) 

     

    (A4)   (A5)  , onde  não é livre em .(A6)  , onde  não é .(A7)  , onde  e  são fórmulas atô-

    micas e  é obtida a partir de   pela substituição deuma ocorrência de   por  .

    Consideraremos que os símbolos lógicos ∧, ∨ e ↔ são defi-nidos  a partir de  ¬  e    da maneira usual, ou seja,  ∧,  ∨  e ↔  são abreviações de  ,   e ∧ , respectivamente.

    As únicas regras de inferência são modus ponens  (MP) e generalização universal   (GU), onde ⊢  significa “é um teorema de 

    ”:

    (MP): ⊢  e ⊢   ⊢ .(GU): ⊢   ⊢.

    A Completude (i.e., que uma fórmula é teorema se, e so-mente se, é válida) da lógica axiomatizada acima foi provada porAlfred Tarski (1901-1983) e em uma versão modificada por DonaldKalish (1919-2000) e Richard Montague (1930-1971) (TARSKI,

    1965; KALISH & MONTAGUE, 1965). Portanto, segue-se o se-guinte resultado:

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    Teorema da Completude: Para toda   FOR ,

    ⊢   ⊨. ∎ Além disso, os axiomas para    fornecem todas e so-

    mente as verdades lógicas da Lógica de Predicados de 1ª ordem comidentidade ou igualdade (COCCHIARELLA, 2007, p. 33). Portanto, podemos assumir todos os resultados conhecidos sobre a Lógica dePredicados: Indecidibilidade,20  Löwenheim-Skolem,21  Compacidade,22 Lindström,23 etc.

    3. Sistemas

    “ Em rigoroso desenvolvimento, [a] teoria de sistema geral seria deuma natureza axiomática; isto é, da noção de „sistema‟ e de um

    conjunto adequado de axiomas, proposições expressando propriedades de sistema e princípios seriam deduzidos”

    (BERTALANFFY).24 

    20 Não existe um procedimento efetivo que determina se uma fórmula arbitráriaé um teorema. Na verdade, a Lógica de Predicados é semidecidível, posto que háum procedimento efetivo para gerar teoremas mas não há um procedimento paraverificar que uma fórmula não é teorema.

    21 O Teorema de Löwenheim-Skolem garante que se uma teoria de 1ª ordem ad-

    mite um modelo infinito, então também admite um modelo de cardinalidade , paratodo cardinal infinito .22 O Teorema da Compacidade garante que um conjunto de sentenças de uma

    teoria de 1ª ordem tem modelo se, e somente se, todos os seus subconjuntos finitostêm modelo.

    23 O Teorema de Lindström garante que as propriedades acima caracterizam aLógica de Predicados, i.e., que qualquer lógica que a contenha, e que ou (1) satisfazLöwenheim-Skolem e Compacidade; ou (2) satisfaz Löwenheim-Skolem e é semi-decidível, é equivalente a Lógica de Predicados.

    24 “In rigorous development, general system theory would be of an axiomatic

    nature; that is, from the notion of „system‟ and a suitable set of axioms propositionsexpressing system properties and principles would be deduced” (BERTALANFFY,1993, p. 55).

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    Definição 25. Um conjunto  , munido de uma relação , é dito li-nearmente ordenado se, e somente se, para todo , , , valemas seguintes propriedades:

    1. 

    Antissimétrica:  ∧   = ;2.  Transitiva:  ∧   ;3.

     

    Totalidade:  ∨ .A relação    será subentendida ao se tratar de conjuntos

    linearmente ordenados.25 

    Definição 26. Seja   um conjunto linearmente ordenado. Um siste-ma  é uma função    , que associa a cada   um estadosistêmico = ,   sobre um universo  .

    Cada elemento   é denominado instante.Exemplo. Diz-se que após a visita à recém-construídaCatedral de São Paulo (St. Paul‟s Cathedral , Londres), o ReiJaime II (1633-1701) deu o seguinte veredicto a Sir  Christopher Wren (1632-1723), seu projetista:

    “amusing, awful, artificial”.

    Tal elogio serve para exemplificar a evolução dia-crônica de três vocábulos da língua inglesa, em um processodenominado de “pejoração” (“pejoration”). Nosso exemploconsiste em um sistema de dois estados, cujos domínioscontêm nove objetos (vocábulos) e possuem uma relação cada.

    As relações que utilizaremos representam a relação de“sinonímia do uso corrente”,

    26  quer dizer quais palavras sãomais adequadas como sinônimos em um dado momento

    25 As propriedades de um conjunto linearmente ordenado são as propriedadesmínimas que desejamos preservar para um conjunto que represente o tempo e podeser vazio, finito, infinito, discreto ou contínuo.

    26 Sinonímia é entendida aqui como uma relação semântica entre lexemas da

    mesma categoria morfossintática que possuem significado (aproximadamente)equivalente. Por “uso corrente”, queremos dizer que se excluem as acumulações deacepções anteriores ao período em questão.

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    histórico (instante):

    Considere o sistema    , cujo universo sistêmicoé o conjunto de todas as palavras de língua inglesa, deter-minado por

      = {1677, 2012}; 

     =  = {amusing , awful , artificial , horrible,comical , unnatural , amazing , awesome, artful };27 

      =  e   = , onde  =amusing , amazing , awful , awesome, artificial , artful  

    e  =amusing , comical , awful , horrible, artificial , unnatural .28 

    Teorema 4. Não existe o conjunto de todos os sistemas.

    Prova. Suponhamos, por absurdo, que F seja o conjunto de todos ossistemas. Temos que      é um sistema, para qualquerconjunto , desde que    seja um conjunto linearmente ordenado.Tomemos, para cada  ,     = . Temos então que   = dom     cod    . Como  =  ,temos que

     

     

     

     

     

        

    27  Para maior fidelidade, verificamos que todos os vocábulos apresentadosexistiam em 1677. Suas datações são, segundo o Online Etymology Dictionary (http://www.etymonline.com/), c. 1600, c. 1300, final do séc. XIV, c. 1300, início

    do séc. XV, idem, ibidem, c. 1590 e c. 1610, respectivamente.28  Para simplificação, omitimos os pares simétricos e consideramos que asrelações não são reflexivas. 

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      para qualquer conjunto . Absurdo! ∎ 

    Corolário 5. Não existe o estado de todos os sistemas. ∎ Corolário 6. Não existe o sistema de todos os sistemas. ∎ 

    Em outras palavras, não existe o sistema cujos objetos sãotodos os sistemas (nem em um único estado nem distribuído emvários estados).

    3.1. Sistemas representados como estados sistêmicos

     Nosso próximo objetivo é a investigação acerca da possibi-lidade de representação de sistemas como estados sistêmicos. Tal possibilidade é de interesse dado que já obtivemos alguns impor-tantes resultados em nosso estudo sobre estados sistêmicos. Ade-mais, poderemos estabelecer se é razoável a definição de sistema

    como estrutura relacional.Por representação de um sistema como um estado sistêmico,

    entendemos a possibilidade de se definir um estado sistêmico que preserve as propriedades de um dado sistema, tal que a partir dosistema obtemos o estado e vice-versa, de modo que seja possíveldeterminar quais elementos ou subconjuntos de seu universo sãoobjetos, em quais instantes são objetos e quais objetos estãorelacionados, em quais relações e em quais instantes.

    Como todo sistema     é subconjunto de    , éfácil ver que  é uma relação com domínio  ∪  . Portanto, oteorema abaixo é imediato. Todavia, exibiremos outro modo dedeterminar um estado sistêmico correspondente a um dado sistema por meio de uma única relação.

    Teorema 7. Todo sistema pode ser representado por um estadosistêmico.

    Prova.

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    90

    Seja um sistema    , tal que a cada  associa-seum estado = ,

     

     . Basta considerarmos o estado sistêmico= , ,onde=   ∪ ∪    e = {H},

    comH =       ou       . ∎ Exemplo. Seja um sistema     , onde 

      = , ; 

     =   , com =  ;  =     , com =   e =

    (, , (, . Temos que

     =    ,      .Então, o estado sistêmico correspondente é = , 

    , onde  =        e = {H}, com

    H =               . 

    Para representar    por um estado sistêmico sobre o mesmouniverso  U   de seus estados sistêmicos, podemos considerar oseguinte estado:

    = ,    ,munido de uma relação H, como definida acima, denominada his-tória do sistema 

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    91

    Quando um sistema real é modelado matematicamente, po-demos ter em seu universo elementos que não têm mais existênciaou que ainda não tenham existência. Portanto, podemos construiruma lógica que dê conta de elementos possíveis e atuais. Em 3.2,damos algumas indicações de como fazer isso.

    A seguir, mais definições que formalizam algumas noçõesimportantes para nosso estudo.

    Definição 27. Um contexto formal para U    é um par  = ( U , M  ), onde M  = ,  .

    Os elementos de  M   são denominados atributos. Cada  éuma relação unária que representa um predicado monádico. Paraexpressar que o objeto     possui um atributo    , denota-se  ou   ou ainda .

     Note-se que um contexto formal é um estado sistêmico

    Definição 28. Dado um conjunto    de objetos, define-se      .   é denominado o conjunto dos atributos comuns aos objetos de  .

    Analogamente, dado um conjunto     de atributos,define-se

         . 

      é denominado o conjunto dos objetos que possuem todos osatributos de . Definição 29. Seja um estado sistêmico  =  ,    sobre  . Sejam  = ( ,    ),      , e   = (  ,     ) contextos formais para  e  , respectivamente. Dizemos que um atributo    de    é umapropriedade emergente no contexto    se, e somente se, , para algum

     e

        .

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    92

    Definição 30. Um conceito formal do contexto  = ( G,  M  ) é um par (  ,  ), onde   G,   M ,  =  e  = .   é denominada extensão  e  é denominada intensão do conceito(  ,  ). 

    Com estas definições, indicamos a possibilidade de se efetuarinvestigações seguindo a Análise de Conceito Formal (cf. GANTER,1999).

    3.2. A linguagem   da Lógica Sistêmica Possibilista

    Atualismo: Tudo que é (possui ser), existe. (Ser = Existência).

    Possibilismo:  Alguns objetos possivelmente existem, mas nãoexistem em ato (Ser ≠ Existência). 

    Se desejarmos distinguir os objetos atuais dos demais obje-tos possíveis de um estado sistêmico, devemos destacar o conjunto  dos indivíduos atuais  como subconjunto do conjunto   de indi-víduos possíveis, isto é,  . Neste caso, consideraremos o tipode similaridade do estado sistêmico de objetos atuais e possíveis aquíntupla = ,  , , , , onde ∪   é oconjunto de objetos atuais,  é o conjunto dos objetos possíveis e  é uma função aridade. Uma assinatura  para o tipo de similaridade 

     é uma quíntupla   = E , , , , , onde E é um conjunto desímbolos para indivíduos atuais,  é um conjunto de símbolos paraindivíduos possíveis,  é um conjunto de símbolos para objetos atuais,  é um conjunto de símbolos para objetos possíveis, E    ,    ,     ,      e    é um conjunto de símbolos ,  , de relações -árias.

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    3.2.1. Alfabeto básico ( )

    Definição 27. O alfabeto básico  de , construído a partir deuma assinatura   fixada, é o conjunto  , cujos elementos são: 

    Símbolos de objetos atuais (formam o conjunto  de con-trapartidas simbólicas para os nomes de cada objeto atual  –  indivíduo ou subconjunto de indivíduos –  do estado sistêmi-co): 

     ;

     .

     

    Símbolos de objetos possíveis (formam o conjunto   decontrapartidas simbólicas para os nomes de cada objeto pos-sível –   indivíduo ou subconjunto de indivíduos  –  do estadosistêmico):

     ;  .  

    Símbolos de relações -árias (formam o conjunto   decontrapartidas simbólicas de relações ou predicados

    -ários

    da linguagem natural, para algum  ):  .  

    Variáveis (formam o conjunto VAR ):, .

     

    Símbolos lógicos: Negação:  ¬ Implicação:   Conjunção:  ∧ Disjunção:  ∨ Bicondicional: ↔ Identidade:  Quantificador universal possibilista:   Quantificador universal atualista:  Quantificador existencial possibilista:  Quantificador existencial atualista:  

    Portanto,

       ∪ ∪ ∪ VAR  ∪ {¬, , ∧, ∨, ↔, , , , , }. 

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    3.2.2. Termos ( )

    Definição 28. Os símbolos de objetos e os símbolos de variáveisformam o conjunto dos termos de , isto é, o conjunto dos ter-mos é determinado por

      = ∪ ∪ VAR .3.2.3. Fórmulas ( ) Definição 29. O conjunto   de fórmulas de   é o menorconjunto tal que:

    1. 

    Se     , então   ;2.  Se    e        , então    

     ;

    3.  Se ,      , então ¬, ∧, ∨, , ↔    

    ;4.  Se     e   VAR  então , , ,   

     .

    As mesmas considerações feitas para a linguagem  devemser efetuadas sobre as notações das fórmulas atômicas,   e    , sobre a omissão de parênteses, sobre as variáveislivres e ligadas e sentenças.

    Definição 30. A linguagem de primeira ordem possibilista paraos estados sistêmicos de tipo de similaridade  é dada pelo con- junto

      =  ∪   ∪  .Em trabalhos futuros pretendemos utilizar a linguagem

     possibilista e evidenciar as possíveis investigações no âmbito da On-tologia Formal e do Realismo Conceptual (cf. COCCHIARELLA,2007).

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    4. Considerações finais

     Neste artigo apresentamos algumas considerações comocontribuição para a investigação da História da Teoria de Sistemas,oferecendo exemplos que podem indicar a presença do conceito desistema e de algumas posições que poderiam denominar-se sistê-micas, mesmo que não sejam explicitamente declaradas. Cremosque tais estudos sejam de relevância para os investigadores deSistêmica e Auto-Organização interessados em seu desenvolvimentohistórico. Também apresentamos algumas definições de sistema,

     particularmente aquelas concernentes à concepção de sistema comoestruturas relacionais, isto é, determinada como um par ordenado,constituído por um conjunto de objetos e um conjunto de relaçõessobre estes objetos. Acreditamos que tais definições falham por nãoconsiderar, aparentemente, um sistema como algo dinâmico. Se-gundo nossa interpretação, um sistema está mais para uma sequênciade estruturas relacionais do que para uma estrutura relacionaldeterminada. Portanto, definimos sistema como uma função queassocia a cada elemento de um conjunto que pode ser interpretado

    como tempo (contínuo ou discreto), uma estrutura relacional deno-minada estado sistêmico. Provamos alguns teoremas corresponden-tes a esta abordagem, que confirmam resultados das outras. Prova-mos também que é possível representar um sistema interpretadocomo função, por meio de uma estrutura relacional, verificando quea crítica inicial às definições anteriores pode ser relativizada. Aindaapresentamos alguns resultados e indicações associados às deno-minadas lógicas sistêmicas. Tais definições e construções servem de

     ponto de partida para aprofundamentos, em uma perspectiva formal,nas áreas de Lógica Matemática e Teoria dos Modelos, Análise deConceito Formal, Ontologia Formal e Realismo Conceptual, comoteorias que fundamentem a investigação de sistemas, incluindo ossistemas auto-organizados. Pretendemos efetuar investigações posteriores nesse sentido. Entendemos que uma definição clara e precisa de sistema deve ser o primeiro passo para a investigação doestatuto epistemológico dos sistemas auto-organizados. Nosso próximo objetivo, após a reflexão e discussão com demais colegas pesquisadores sobre a noção de “funcionalidade”, é tentar efetuar a

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    investigação sobre a possibilidade de se apresentar uma definiçãomatemática de auto-organização.

    5. Referências bibliográficas

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