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MARIANA CORÇÃO OS TEMPOS DA MEMÓRIA GUSTATIVA: BAR PALÁCIO, PATRIMÔNIO DA SOCIEDADE CURITIBANA (1930-2004) Monografia apresentada à Disciplina Estágio Supervisionado em Pesquisa Histórica como requisito parcial à conclusão do Curso de História Graduação em História, Setor de Ciências Humanas, Letras e Artes da Universidade Federal do Paraná. Orientador: Prof. Dr. Carlos Roberto A. dos Santos CURITIBA 2005

SOCIEDADE CURITIBANA (1930-2004) - historia.ufpr.br · A Laurindo Gracian, Milton Coelho e Sebastião Bestel, ... como o frango ao molho pardo que exigia o sangue da galinha para

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MARIANA CORÇÃO

OS TEMPOS DA MEMÓRIA GUSTATIVA: BAR PALÁCIO, PATRIMÔNIO DA

SOCIEDADE CURITIBANA (1930-2004)

Monografia apresentada à Disciplina Estágio Supervisionado em Pesquisa Histórica como requisito parcial à conclusão do Curso de História Graduação em História, Setor de Ciências Humanas, Letras e Artes da Universidade Federal do Paraná.

Orientador: Prof. Dr. Carlos Roberto A. dos Santos

CURITIBA 2005

AGRADECIMENTOS

Ao meu orientador, Prof. Dr. Carlos Roberto Antunes dos Santos, pela apresentação

aos estudos de História da Alimentação, pela sugestão do tema de estudo e, pelo incentivo ao

desenvolvimento da continuidade da presente pesquisa no mestrado.

A José Fraquas Lopez, Pepe, dono do Bar Palácio, pela entrevista e contribuição,

expressas através de sua memória e acervo documental pessoal, para o desenvolvimento da

pesquisa.

A Laurindo Gracian, Milton Coelho e Sebastião Bestel, funcionários do Bar Palácio,

pela disponibilidade em fazer a entrevista.

Ao Prof. Dr. Antonio César Santos pela crítica e, contribuições historiográficas e

metodológicas. Assim como também, a Profª Márcia Kersten, a Profª. Dra. Marion Brepohl

Magalhães, ao Prof. Dr. Luiz Geraldo Santos da Silva, ao Prof. Dr. Cássio da Silva Fernandes

e ao Prof. Dr. José Antônio Vasconcelos, que muito esclareceram e contribuíram ao longo do

curso de graduação. A Profª. Cecília Reydams que tornou possível o sonho de entender

francês.

A Deborah Agulham Carvalho, colega de estudos em história da alimentação, pelos

“pitacos” e sugestões.

A Hélina Baumel pela apresentação ao conteúdo do Patrimônio Imaterial e pelo apoio.

A todos os meus amigos que conheci através do curso de História, pelas horas de

conversa na cantina, iluminações, conselhos e críticas. Em especial a Ana Letícia e Tetê, que

me acompanharam ao Bar Palácio, juntamente com minha irmã, Carol, para experimentarmos

o tão citado mineiro de botas.

A minha família e ao Dr. Mário Nogarolli, buscas certas nos períodos de stress.

E a todos que indiretamente contribuíram para a realização e divulgação deste

trabalho, em especial às minhas amigas jornalistas, Heloíse Peratello e Débora Mehler.

As pessoas sempre dão conta da qualidade emocional dos edifícios antigos dizendo quanto eles devem ter visto em sua época. Nada poderia ser mais mentiroso. Olhe para as torres de Guermantes; elas ainda espreitam a cavalgada da rainha Gertrudes em sua dedicação a Charles, o Mau. Elas não viram nada desde então. O momento em que as coisas existem é determinado pela consciência que as reflete; nesse momento, elas tornam-se idéias e recebem sua forma; e sua forma, em sua perpeitudade, desdobra-se um século dentro de outros.

Marcel Proust

SUMÁRIO

RESUMO........................................................................................................................................ 1 INTRODUÇÃO.......................................................................................................................... 1 2 O LUGAR DA ALIMENTAÇÃO NA HISTÓRIA............................................................................3 2. 1 DO UNIVERSAL AO PARTICULAR: RESGATE DA HISTÓRIA DOS BARES E RESTAURANTES......8 3 O BAR PALÁCIO................................................................................................................... 13 3. 1 AS VOZES DO PALÁCIO.......................................................................................................13 3.2 A TRAJETÓRIA DO BAR PALÁCIO E O DESENVOLVIMENTO URBANO DE CURITIBA...............16 3.3 AO CHURRASCO PALÁCIO....................................................................................................21 4 O FOLCLÓRICO PALÁCIO......................................................................................................26 5 CONSIDERAÇÕES FINAIS.......................................................................................................33 REFERÊNCIAS...........................................................................................................................34 ANEXOS.....................................................................................................................................40

RESUMO O Bar Palácio preserva desde a sua fundação, na década de 1930, um cardápio característico. Apesar das inevitáveis mudanças nessas décadas de história, sendo a principal a de sede, o Bar resguarda sua tradicionalidade, representada principalmente pelos seus famosos pratos, como o filé grise, o churrasco paranaense e o mineiro de botas. O ambiente possui as mesmas características de outrora, marcado pela rusticidade: a grelha exposta à vista do freguês, as mesas sem toalhas, com exceção dos quadros decorativos postos nas paredes, nos quais estão exibidos os principais artigos de jornais, regionais e nacionais referentes ao Bar. Sua clientela, a mais variada, também é fator que atesta sua tradicionalidade. Desta forma, sua trajetória lhe assegura um destacável papel na constituição da identidade de seus grupos freqüentadores, na manutenção da memória gustativa, assim como um lugar cativo entre os Bares e Restaurantes da Curitiba atual. Palavras-chave: História da Alimentação, tradição, gastronomia, Curitiba, Bar Palácio

1

INTRODUÇÃO

O Bar Palácio é hoje conhecido por algumas características que lhe são peculiares:

uma gastronomia original e única, um ambiente, que desde a última mudança de sede na

década de 1990, objetiva preservar sua tradicionalidade, além de sua trajetória de resistência

nesses 70 anos de história como um significativo ponto de sociabilidade em Curitiba.

A proposta desse trabalho é recuperar, através da pesquisa histórica sobre o Bar

Palácio, um dos mais antigos bares ainda abertos em Curitiba, dentro de uma nova perspectiva

de sua história. Acompanhar o desenvolvimento do Bar através de seu mundo noturno a partir

da década de 30, quando se deu sua fundação, até a atualidade. Seguindo o que foi afirmado

por Halbwachs : “é porque geralmente a história começa somente no ponto onde acaba a

tradição, momento em que se apaga ou se decompõe a memória social”1

A urbanização e modernização, iniciada em 1930 e intensificada na década de 1960

em Curitiba, enfatiza a ideologia do novo e tende a descartar elementos antigos, tanto na sua

desvalorização pela sociedade, quanto pela ascensão de novos negócios, novas concorrências.

Nessa perspectiva, buscar-se-á na, presente pesquisa responder a seguinte questão: de que

forma o Bar Palácio conseguiu resistir todos esses anos, tendo as mesmas características de

outrora, mantendo o mesmo cardápio e o mesmo ambiente?2 A proposta exposta se inscreve

nos domínios da História da Alimentação sendo importante ressaltar o valor das refeições para

além de seus aspectos nutricionais. Segundo Carlos Roberto Antunes dos Santos, o gosto

alimentar da sociedade “é determinado não apenas pelos fatores biológicos e nutricionais, mas

também pelas contingências ambientais e econômicas, pelas mentalidades, pelos ritos, pelo

valor das mensagens que se trocam quando se consome um alimento em companhia, pelos

valores étnicos e religiosos, pela transmissão intergeração e intrageração e pela psicologia

individual e coletiva que acaba por influir na determinação de todos estes fatores”3. Dessa

forma, parte-se do princípio que seria a tradicional gastronomia do Bar principal fator

viabilizador de sua resistência, considerando que esta teria importante significado para seus

freqüentadores mais antigos, estendendo-se à mera busca de uma refeição fora de casa. Do

1 HALBWACHS,M. A Memória Coletiva. SP: Vértice, 1990, p.80. 2 As mudanças no cardápio são poucas, referentes às dificuldades de abastecimento, devido à

impossibilidade de se conseguir determinados itens necessários para a elaboração da receita, como o frango ao molho pardo que exigia o sangue da galinha para se fazer o molho.

3 SANTOS, C. R. A dos, Por uma história da alimentação. História: Questões & Debates, Curitiba, v.14, n 26/27, jan/dez, 1997, p.162.

2

exposto, considera-se que a comida constitui um fator determinante na formação da

identidade do Bar Palácio.

Através dos vestígios, orais e escritos, procurar-se-á a partir de dados referentes à

memória gustativa reconstruir elementos da história do Bar. Sua trajetória revela que de um

dos “raros restaurantes da cidade”4, prezando suas peculiaridades, se tornou, um símbolo de

resistência: com um cardápio original que o torna centro de resgate da memória gustativa

curitibana e, com um ambiente que preserva suas características iniciais e ressalta sua

tradicionalidade. Desta forma, o estudo da gastronomia do Bar exige que para além de

alimento, sejam considerados aspectos do imaginário e simbolismo que a engloba nesses

significativos anos de resistência. Por essa razão, o Bar Palácio pode ser visto como um

“Patrimônio curitibano”5 que, em meio à modernização e a crescente valorização do instante,

fator agravante da crise da memória contemporânea6, resiste como um vestígio que conserva

elementos do passado, contribuindo, desta forma, com a preservação da memória gustativa da

sociedade, assim como para a constituição da identidade de seus grupos freqüentadores. Esse

objetivo é fundado em Fischler, que cita que a incorporação do alimento permite ao homem a

apropriação de suas propriedades, o que contribui para a constituição da identidade do grupo

que consome determinados alimentos – no caso da pesquisa referente podem ser citados o

churrasco paranaense, o filé grise e o mineiro com botas, que são os pratos mais tradicionais

do Bar Palácio. Isso se deve porque, para Fischler, o degusto é resultado do processo pelo

qual o gosto se converte no efeito da ação de órgãos e da própria memória individual,

vinculando as características físicas dos alimentos às experiências vividas7.

4 MIRANDA, Rui. O Bar Palácio da Minha Mocidade. In: HOENER J, V. O Folclórico Palácio, Curitiba,

Graf. Vicentina ,1984. 5 Referência a patrimônio imaterial, este condizente a práticas culturais, que desde do ano 2000 possui

uma legislação referente ao seu registro. No caso do Bar Palácio o registro de seus pratos como patrimônio imaterial de Curitiba seria possível. Ver: BRASIL. Ministério da Cultura. O Registro do Patrimônio Imaterial:

Dossiê final das atividades da comissão e do Grupo de Trabalho Patrimônio Imaterial. Brasília, 2003. 6 Ver: MENESES, U. T. B. A crise da memória, História e Documento: reflexões para um tempo de

transformação. In: SILVA, Z. Lopes da. (org.) Arquivos, Patrimônio e Memória: Trajetórias e Perspectivas, São Paulo: Editora da Unesp, 1999.

7Apud. PILLA, M. C. B. A. A arte de receber. Distinção e poder à boa mesa- 1900-1979. Curitiba: 2003.

Tese (Doutorado em História) – Setor de Ciências Humanas, Artes e Letras, Universidade Federal do Paraná.

3

CAPÍTULO 1

O LUGAR DA ALIMENTAÇÃO NA HISTÓRIA

Há um significativo número de publicações atualmente referente à memória gustativa,

na perspectiva cultural gastronômica. De acordo com Carlos Roberto Antunes dos Santos:

o tema da alimentação, finalmente começa a invadir a História impulsionando maior diálogo, multi, inter e transdisciplinar, e fazendo com que as editoras invistam cada vez mais nessa área, transformando em best-sellers, até mesmo simples manuais de receitas culinárias. (...) Os sucessos editoriais nos domínios da História da Alimentação revelam duas grandes paixões do público consumidor: o gosto pela história e pela gastronomia8. Na Europa, o tema é bastante pesquisado. No que concerne a restaurantes e bares, duas

recentes publicações se destacam: a da inglesa Rebecca L. Spang, A Invenção dos

Restaurantes9, lançada no Brasil em 2003 e o de Luc Bihl- Willete, Des Tavernes aux

Bistrots- Une Histoire des Cafes10, ainda inédita no Brasil.

A inovação de Rebecca Spang está na ruptura com as teses convencionais as quais

atribuem à revolução Francesa a dispersão dos restaurantes na França e posteriormente na

Europa. A pesquisa dessa autora revela que a dispersão dos restaurantes está associada à de

casas de saúde européias, onde era servido um ‘caldo revigorante’. O livro do literato Luc

Bihl-Willete tem como objetivo acusar o desaparecimento dos tradicionais cafés parisienses.

O autor parte principalmente de fontes literárias e se suporta na historiografia francesa,

referente ao surgimento dos bares e restaurantes, fazendo um resgate da história dos principais

bares parisienses.

No Brasil, as publicações se voltam para o resgate de memória gustativa das diferentes

cozinhas que constituem ou constituíram o cardápio dos brasileiros. Além da produção

acadêmica, há também a iniciativa de escritores que buscam preservar a cozinha tradicional.

No ambiente acadêmico, há pesquisas desenvolvidas buscando identificar e discutir a

memória gustativa de gêneros alimentícios, assim como ambientes provedores desses

conhecidos por sua tradicionalidade. Cito exemplos desenvolvidos sob a orientação de Carlos

Roberto Antunes dos Santos na pós- graduação de história da Universidade Federal do

8 SANTOS, C.A dos. A Alimentação e Seu Lugar na História – Os tempos da Memória Gustativa.

Campinas, ANPUH nacional, 2004. 9 SPANG, R. L. A Invenção dos Restaurantes. Rio de Janeiro: Record, 2003. 10 BIHL-WILLETE, L. Des Tavernes aux Bistrots- Une Histoire des Cafés. Suisse: L’Age d’Homme,

1997.

4

Paraná, inseridos na linha de pesquisa “Cultura e Poder”: Gosto, prazer e sociabilidade-

bares e restaurantes de Curitiba, 1950-60, defendido como tese de doutorado em 1997 por

Maria do Carmo Rolim11; O Pão Nosso de Cada Dia. A Padaria América e o Pão das

Gerações Curitibanas, defendida como dissertação de mestrado em 2002 por Juliana

Reinhardt12 , Do Privado ao Público: o universo do restaurante Bolonha, defendido como

dissertação de mestrado em 2002 por Daniele Saucedo13 e Das Casas de Pasto aos

Restaurantes: os Sabores da Velha Curitiba, defendida como dissertação de mestrado em

2005 por Deborah Agulham Carvalho14.

Tanto a dissertação de Juliana Reinhardt quanto de Daniele Saucedo buscam resgatar a

história de seus objetos de pesquisa através dos vestígios presentes, sendo o principal o

depoimento de quem vivenciou suas histórias. Tanto a Padaria América quanto o Restaurante

Bolonha representam, como o Bar Palácio, resistências históricas em meio as crescentes

inovações na área, conservando da mesma forma elementos característicos.

Deborah Agulham Carvalho busca através das análises de Alvarás Comerciais de 1885

a 1937, Livros de Impostos, Indústrias e Profissões de 1872 a 1943 e publicações periódicas

de Curitiba entre 1887 e 1943, recuperar os sabores da Curitiba da Primeira República,

período no qual se assiste o início de novos costumes alimentares na cidade, com a influência

a imigração, assim como, urbanização. O ‘comer fora’, segundo a autora, se dá, nessa época,

por opção, estando associada à sofisticação. Os serviços de restaurantes correspondem aos

anseios do público consumidor e também por essa razão, não representam, ainda nessa época,

um grande diferencial nos hábitos alimentares. É apontado, contudo, a crescente preocupação

com o asseio sanitário, o que se relaciona à adoção de aspectos culturais dos imigrantes

europeus.

Maria do Carmo Rolim parte da análise das mudanças sócio-econômicas no Brasil e

em Curitiba dadas desde a década de 1930, ressaltando as políticas desenvolvimentistas da

11 ROLIM, M. C. M. B. Gosto, Prazer e sociabilidade- Bares de Restaurantes de Curitiba 1950-60.

Curitiba, 1997. Tese (Doutorado em História)- Setor de Ciências Humanas, Letras e Artes, Universidade Federal do Paraná.

12 REINHARDT, J. O Pão Nosso de Cada dia: A Padaria América e o Pão das Gerações Curitibanas. Curitiba, 2002. Dissertação (Mestrado em História) - Setor de Ciências Humanas, Letras e Artes, Universidade Federal do Paraná.

13 SAUCEDO, D. R. Do Privado ao Público: O Universo do Restaurante Bologna. Curitiba: 2002. Dissertação (Mestrado em História) - Setor de Ciências Humanas, Letras e Artes, Universidade Federal do Paraná.

14 CARVALHO, D A. Das Casas de Pasto aos Restaurantes: Os Sabores da Velha Curitiba (1890-1940) . Curitiba: 2005. Dissertação (Mestrado em História)- Setor de Ciências Humanas, Letras e Artes, Universidade Federal do Paraná.

5

década de 1950, visando apresentar de que forma “o mito desenvolvimentista”, influenciou a

sociabilidade das refeições curitibanas, usando como fonte entrevistas metodologicamente

guiadas pela história oral.

O estudo sobre o Bar Palácio se insere entre os espaços analisados por Maria do

Carmo Rolim, que utiliza para a análise sobre o Bar depoimentos: do atual proprietário, o

espanhol conhecido por Pepe, e do antigo funcionário, o ex-garçom Izaltino. A autora também

se suporta em artigos de jornais e no livro O Folclórico Palácio15

escrito por Valério Hoerner

Júnior. Em sua tese, Maria do Carmo Rolim faz um breve histórico do Bar, ressaltando as

mudanças no cardápio ao longo dos anos. As entrevistas realizadas por Maria do Carmo

Rolim apontam que o Palácio continua sendo um ponto de referência entre intelectuais e

boêmios. Em suas palavras: “O Palácio está na memória de todas as pessoas entrevistadas

que, sem exceção, referem-se ao Palácio com carinho, como um lugar carismático que virou

‘ponto’, que virou história”16.

A publicação do livro do literato Valério Hoerner Júnior tem por objetivo resgatar a

história do Bar a partir de crônicas e histórias próprias, além das lembranças de Pepe,

funcionários da época e dos freqüentadores, seus conhecidos, objetivando também defender

sua tradicionalidade, de forma a proporcionar longevidade ao Bar.

Na mesma linha de Valério Hoerner Júnior há as publicações de Não Me Deixes de

Rachel de Queiroz17 e Café com Mistura de Thereza Lacerda18. As duas autoras convergem

para o resgate da tradicionalidade culinária, presente em suas lembranças e alicerçada em

cadernos de receitas familiares. Nessas obras a memória gustativa surge de forma mais

subjetiva, nas palavras de Rachel de Queiroz: “minhas lembranças..., elas também contêm as

memórias de sabores até hoje sobreviventes”19.

Os estudos de História da Alimentação têm se desenvolvido desde a segunda metade

do século XX, acompanhando as mudanças de ênfase metodológica da escrita da história.

Caracterizada por sua plasticidade e ubiqüidade, segundo Ulpiano Meneses e Henrique

Carneiro20, as publicações desses estudos relacionam-se a diferentes abordagens, do ponto de

vista biológico, econômico, social, cultural e filosófico, permitindo diálogos interdisciplinares

15 HOERNER JÚNIOR, V.. Op.Cit. 16 ROLIM, Op.cit. p.143. 17 QUEIROZ, R de. O Não me deixes- suas histórias e sua cozinha. São Paulo: Siciliano, 2000. 18 LACERDA, M. T. B. Café com Mistura. Curitiba: Imprensa Oficial, 2002 19 QUEIROZ, R.de. op.cit, , p. 16. 20 MENESES, U.T.B. & CARNEIRO, A história da Alimentação: Balizas Historiográficas.IN: Anais do

Museu Paulista. História e Cultura material, SP: Nova Série vol 5 jan/dez 1997

6

com a antropologia, a sociologia, a geografia e a nutrição. O método aplicado nesses estudos

foi inicialmente - e mais intensamente defendido - pela terceira geração da Ecole des

Annales(1930), a Nova História (1970) , que propunha novas fontes, temas e abordagens para

a pesquisa histórica, incluindo o microcosmo das cozinhas. Para essa perspectiva foi bastante

contributivo o método braudeliano de inserção do espaço geográfico na construção da

história, assim como as determinações de longa, média e curta duração.

Para Carlos Roberto Antunes dos Santos, o espaço para o diálogo interdisciplinar

permite que diversos aspectos da vida humana sejam interligados entre si, estando

enquadrados num contexto mais amplo possível21. Essa defesa se associa à perspectiva de

história dada por Huizinga, na qual é vista como “a ciência que mais se aproxima da vida,

porque suas perguntas e respostas são as mesmas para o indivíduo e para a sociedade, porque

os conhecimentos que ligados a vida pessoal e coletiva passam numa transição imperceptível

a ser história”22. Desta forma, desde a História da Cultura de Huizinga à História Cultural e

Nova História Cultural, as quais surgem como resultado das discussões da década de 1970,

em pleno contexto da crise paradigmáticas, principalmente do marxismo, coloca-se no centro

da pesquisa histórica uma história pluralizada, em que se busca o papel das classes sociais,

assim como a valorização do popular23. Essa nova abordagem deve aos estudos da

antropologia, principalmente do relativismo cultural de Geertz. O estudo dos sabores da

sociedade está, então, atrelado à consideração da relatividade cultural e da transmissão inter

gerações de sua cultura culinária. Esse fator é dado, considerando que a formação do gosto

alimentar depende de fatores culturais, sociais e psicológicos, havendo uma coexistência de

inovações e tradições. O alimento é, portanto, compreendido como uma categoria histórica.

Segundo Carlos Roberto Antunes dos Santos: “O alimento constitui uma categoria histórica

importante a ser resgatada pela historiografia, onde as permanências e as mudanças tem

referência na própria dinâmica imposta pelo social”24.

A alimentação está, sobretudo, ligada ao cotidiano dos indivíduos. Antes de expor as

inovações numa grande escala referencial, as mudanças se mostram no interior da prática

habitual de cada individuo, assim como as permanências. Deve-se a esse fator a preferência

dentro das pesquisas dessa linha ao seguimento metodológico da micro-história. Esse método

engendrado dentro da História Cultural, constitui resultado do debate intelectual e

21 SANTOS, C R. A dos. Por uma..., p.155. 22 HUIZINGA, J. Sobre el estado atual de la ciência histórica. Argentina: Editorial Cervantes, 1934, p. 9. 23 VAINFAS, R. Os Protagonistas Anônimos da História.Rio de Janeiro: Editora Campus, 2002 24 SANTOS, C. R.A dos .História da Alimentação no Paraná, Curitiba: Farol do Saber, 1995.p.123.

7

historiográfico das décadas de 1970 e 1980, em que os modelos de história totalizante foram

questionados, revisados, surgindo como embate crítico a então vigente história das

mentalidades. A proposta da micro-história é reduzir a escala de análise de forma a perceber

nuances e a pluralidade do contexto espaço-tempo, analisados, de forma a evitar explicações

generalizantes.

A historiografia mundial relacionada ao tema é bastante ampla. Há importantes

publicações que englobam diversos temas pesquisados como a coletânea A História da

Alimentação organizada por Massimo Montanari e Jean-Louis Flandrin25. Principalmente na

Europa, onde a tradição gastronômica é bastante valorizada, há um significativo mercado

consumidor que converge para maiores publicações nessa área.

No Brasil, as publicações e pesquisas desenvolvidas sobre alimentação são bastante

pontuais ou inseridas num contexto mais amplo de abordagem. Gilberto Freyre com a

publicação de Açúcar26

, em 1939, foi o primeiro autor a mostrar maior preocupação com o

tema. Inovando o uso de fontes e na interpretação dessas, pela influência da antropologia

cultural norte-americana do período, o autor busca dar uma identidade nacional a partir da

civilização do açúcar no Brasil- a sacarocracia, que, segundo o autor, muito influenciou nos

hábitos alimentares brasileiros. Da mesma forma, Luis Câmara Cascudo publicou o livro

História da Alimentação no Brasil27

em 1967, que toma uma perspectiva folclórica e

sociológica. Partindo que a cultura alimentar brasileira é resultado da miscigenação entre,

negro, índio e português, o autor traça determinadas influências de cada uma nos hábitos

alimentares nacionais. Sérgio Buarque de Holanda também enfocou perspectivas dos hábitos

alimentares, relacionando principalmente ao espaço geográfico, social e econômico e à cultura

material28. Para autores como Laura de Mello e Souza, Sérgio Buarque de Holanda marca “o

início de uma história cultural madura e rigorosa do ponto de vista teórico e metodológico”29.

Os estudos mais centrados na alimentação, na perspectiva metodológica da história,

são marcados com a publicação de História da Alimentação no Paraná, de Carlos Roberto

25 FLANDRIN, J. L & MONTANARI, M. História da Alimentação. São Paulo: Estação Liberdade, 1998. 26 FREYRE, Gilberto. Açúcar. São Paulo, Companhia das Letras, 1997. 27 CASCUDO, L. DA C, História da Alimentação no Brasil. Belo Hozizonte: Itatiaia, 1983. 28 Em HOLANDA, S.B de. Caminhos e Fronteiras. São Paulo: Cia das Letras, 1994, por exemplo,

segundo BLAG, Ilana, Sérgio Buarque de Holanda: historiador da Cultura Material, In: ANTONIO, C. (org.) Sérgio

Buarque de Holanda e o Brasil. São Paulo: Ed. Fund. Persev Abrama, 1998, pp. 40-41, Holanda parte das necessidades do meio para justificar a predileção pelo milho em São Paulo.

29 SOUZA, L. DE M. Aspectos da Historiografia da Cultura sobre o Brasil Colonial. In: Historiografia

Brasileira em Perspectiva. São Paulo: Contexto, 2001, p.23

8

Antunes do Santos30, que numa perspectiva econômica de análise braudeliana traça os dados

de abastecimento alimentício do Paraná província31.

1.1.DO UNIVERSAL AO PARTICULAR: RESGATE DA HISTÓRIA DOS BARES E RESTAURANTES

As pesquisas a respeito da origem de ambientes específicos para a comensalidade e

consumo de bebidas centra-se na Europa. Tavernas para atender as demandas de viajantes são

relatadas desde da Idade Média, como exposto por Luc Bihl-Willete32, ambiente este, segundo

o autor, pouco próprio para sociabilidade de pessoas de boa reputação.

Os estudos de Piero Camporesi33 associam a mudança de perspectiva do tempo, na

qual há a desvinculação da noite a período de trevas e bruxas, a ascensão da cultura

gastronômica. Segundo Camporesi34 a descoberta da noite inicia a “substituição do tempo da

natureza pelo tempo da cultura”. Na cultura gastronômica a aparência dos alimentos

predomina o paladar. Ao longo do período renascentista europeu, assiste-se, então, a

relevância da gastronomia e suas associações, dadas nas cortes monárquicas. Nesse período

há publicação de manuais gastronômicos que se estendem à preocupação de dietética, assim

como, manuais que determinam normas de comportamento em banquetes, sociabilidade em

geral das cortes.

A discussão historiográfica em relação à origem e dispersão dos primeiros restaurantes

concorda que o centro divergente é a França, Rebecca Spang35, autora da última pesquisa

publicada a esse respeito, rompe com a tradicional conferência à Revolução Francesa ao

fenômeno, associando a palavra ‘restaurante’ aos restaurateurs, ambientes nos quais eram

servidos caldos revigorantes à base de carne. A autora rebate os trabalhos de Jean-Robert

Pitte, Brillat Savarin e Jean-François Revel. A relação entre a dispersão dos restaurantes e

Revolução Francesa, segundo Jean-Robert Pitte36, é a saída dos grandes chefes de cozinha das

cortes francesas para a abertura então de ambientes nos quais eram servidos seus pratos. Os

restaurantes, nesse sentido, não seguem uma linha evolutiva desde as tabernas medievais, mas

30 SANTOS, C.R A dos. Op.cit.. 31 ARRUDA, J.J; TENGARRINHA, J.M. Historiografia Luso-Brasileira Contemporânea. Bauru: EDUSC,

1999, p. 93-94 32 BIHL-WILLETE, L. Op.cit. 33 CAMPORESI, P. Hedonismo e Exotismo: a arte de viver na época das luzes. São Paulo: editora da

Unesp, 1996 34 Ibid. p.20. 35 SPANG, R. L. Op.cit. 36 Nascimento e Expansão dos Restaurantes. In: FLANDRIN, J. L & MONTANARI, M. op.cit, p.751.

9

são ambientes únicos, seja de serviço culinário associado à saúde, como é o caso da tese de

Spang, seja associado a uma continuidade das práticas de cultura gastronômica e sofisticação

das cortes francesas.

No século XIX, período o qual, segundo Hannah Arendt, a sociabilidade deixa o

“sombrio interior do lar para a luz da esfera pública”37. A forma de refeição fora do ambiente

familiar começará a ser disperso de forma mais intensa pela Europa, juntamente com o

crescimento da produção de guias gastronômicos. Período marcado pelo crescente processo

de urbanização das principais cidades européias, Londres e Paris, os ambientes como

restaurantes e as antigas tavernas adotam cada vez mais um caráter, além do de

funcionalidade, o de entretenimento, ou de ambiente que reunia trabalhadores no período do

pós-expediente. Eric Hobsbawm ao escrever sobre a formação da cultura operária cita os pubs

como um dos principais ambientes de lazer masculino, justificando este, pelo fato de que

“sociabilidade masculina era inseparável do álcool”38. Para Habermas, bares e cafés

assegurariam a preponderância da“cidade”, assumindo na Inglaterra e na França funções

semelhantes as da corte, constituindo em seu período áureo de 1680 a 1730 “centros de uma

crítica inicialmente literária e, depois, também política, na qual começa a se efetivar uma

espécie de paridade entre homens da sociedade aristocrática e da intelectualidade burguesa”39.

Os cafés, dessa forma, assumiam papel de espaço de sociabilidade primordialmente masculino

que, por sua vez, abrangiam as camadas mais amplas da classe média e até mesmo artesãos e

marceneiros40.

Dentro desses espaços são notáveis os reflexos da ascensão da cultura burguesa e suas

contenções comportamentais, já que entre o início da década de 1870, quando alcançou seu

apogeu, e a década de 1960, houve um nítido declínio em beber em demasia41. Bihl-Willete

ao tratar das tavernas medievais, ambientes anteriores aos bares, retoma o período Gálio-

Romano em que esses espaços eram reservados para atendimentos de viajantes e escravos

sendo considerados ambientes mal freqüentados. Durante a Idade Média as tavernas passam a

ser ambientes que reúnem a sociabilidade, englobando o álcool, o jogo e os encontros com

mulheres. Landurie cita que no povoado de Montaillou as tavernas não apresentam um espaço

de sociabilidade somente masculina, como também feminina. Nas palavras do autor:

37 ARENDT, H. A Condição Humana. Rio de Janeiro: Forense, 1983, prólogo. 38 HOBSBAWM, E. Mundo do Trabalho, Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1987, p.267. 39 HABERMAS, J. Mudança Estrutural na Esfera Pública. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 1984,

pp.47-48. 40 Ibid, p.49. 41 HOBSBAWM, E, op. cit, p.267.

10

A Taberna, em sua forma plenamente desenvolvida, é mantida por uma mulher ou por um casal; é freqüentada por uma maioria de homens, mas também por mulheres; a imagem estereotipada, segundo a qual a taberna, a exemplo do bistrô dos anos 1900-1950, é um lugar privilegiado de sociabilidade masculina, não parece inteiramente pertinente à Alta Ariège do século XIV, nem também para o Antigo Regime francês em seu conjunto. 42

Como posto por Ladurie há nó início do século XX, a predominância da sociabilidade

masculina nos bistrôs, resultado da ascensão da cultura burguesa. “O clássico bar da classe

operária era o “local” onde os homens apareciam com regularidade, geralmente sós ou aos

pares, após o trabalho ou após jantarem cedo, para um período mais curto ou mais longo de

descanso do trabalho e da vida doméstica”43. Nesse sentido, pode-se considerar bares como

lugares de encontro alternativo para homens trabalhadores, que buscam nesse ambientes um

espaço além das esferas de trabalho e familiar. Um dos tipos de esfera pública que cede

espaço para as discussões dos âmbitos político e social.

Discussões casuais, essas, que acabaram por constituir uma das principais causas de

processos revolucionários, como a Revolução Francesa. Habermas cita, ao abordar o tema, a

preocupação governamental com a sociabilidade desses locais com o exemplo das ações

adotadas pelo governo inglês em 1670, que fez proclamações contra o perigo das

conversações em cafés por constituírem focos de agitação política:

Men have assumed to themselves a liberty, not only in coffeehouses, but in other places and meetings, both public and private, to censure and defame the proceedings of State, by speaking evil of things they understand not, and endeavouring crate and nourish an universal jealousie and dissatisfaction in the minds of all His Majesties good subjects.44

Enquanto bares e cafés resguardam o caráter de ambientes de lazer, na qual a principal

busca é a bebida e sociabilidade, os restaurantes acompanharam o desenvolvimento das

produções industriais, tendendo ao longo do século XX, a espaços funcionais, adotando, em

sua maior parte, medidas que privilegiam a eficácia, calculabilidade, produtibilidade e o

controle45 da “produção”. Os serviços alternativos dos restaurantes não só agilizam o

atendimento como tornam essa forma de refeição acessível à classe trabalhadora, na qual é

42 LADURIE, LE R. E. Montaillou- Povoado Occitano. São Paulo: Companhia das Letras, 1997 p.331 43 HOBSBAWM, E, op. cit 44 “Há homens que tomaram a liberdade, não só em cafés, mas em outros locais e reuniões, tanto

públicos quanto privados, para censurar e difamar os procedimentos do Estado, falando o diabo de coisas das quais eles não entendem nada e pretendendo criar e alimentar uma inveja universal e uma insatisfação na mente de todos os bons Súditos de Sua Majestade.” In: HABERMAS, op. cit. p.77

45 RITZER, G. The McDonaldization of society. London: Pine Forge Press, 1996.

11

crescente a participação feminina. Há espaço para cultura gastronômica no empresarial século

XXI, espaço esse, no qual predominam restaurantes que visam as classes médias e altas da

população. Ambientes, então, procurados para a refeição fora do ambiente familiar- de caráter

não funcional, que tendem à sofisticação, à tradição culinária da casa, ou a criatividade-

ambos elementos essenciais para a cultura gastronômica.

No Brasil, a dispersão de restaurantes e bares, acompanhou o ritmo da urbanização em

meados do século XX. Para Deborah Agulham, em sua pesquisa a respeito dos velhos sabores

de Curitiba, “comer fora em Curitiba no contexto da Primeira República era essencialmente

faze-lo por opção”46. Nesse sentido, sua pesquisa revela que num primeiro momento a

dispersão de restaurantes na capital paranaense, mais do que ligado à funcionalidade do

serviço de refeição, se associava a adoção de costumes dos imigrantes europeus. Desta forma,

Deborah Agulham conclui não ter havido significativa mudança nos hábitos alimentares da

população, já que os restaurantes ou formas de serviço de refeições visavam atender os

anseios do público consumidor47.

Seguindo uma linha comum, Maria do Carmo Rolim48 ao analisar os restaurantes

Curitibanos na década de 1950, revela que a propaganda governamental do

desenvolvimentismo influenciou os hábitos da população que passou a privilegiar a

frequência de restaurantes.

Tanto Deborah Agulham49, quanto Maria do Carmo Rolim ressaltam a participação

dos imigrantes na consolidação da cultura gastronômica profissional de Curitiba. As duas

pesquisas citam o Bar Palácio como exemplo, pois foi fundado por Adolfo Bianchi, um

argentino descendente de italianos, na década de 1930.

O ritmo de vida imposto pela urbanização privilegiou ambientes que provêm refeições

e oferecem espaços alternativos de sociabilidade, assim como também determinam limitações

dessa sociabilidade, como idas a restaurantes self-services no intervalo de almoço de

trabalho50. Nesse sentido, o resgate da história do Bar Palácio é significativa na medida em

46 Op. cit. p.109. 47 Ibid, p.143 48 Ibid. 49 op.cit. 50 Costuma-se aliar o modelo de consumo ocidental a representatividade dos Mc Donald’s – uma forma

de refeição tipicamente norte americana que toma o mundo. A grande representatividade dos Mc Donald’s estão contudo, na inovação que eles representam na forma de comercialização de gêneros alimentícios prontos. A ida a restaurantes, lanchonetes e bares até a intensificação da urbanização estava relacionado principalmente a questões de sociabilidade e gastronomia. O Mc Donald’s por sua vez foi criado para atender a demanda das rodovias norte-americanas que cresciam num ritmo acelerado na década de 40. Oito anos depois de sua fundação em 1948, os sócios fundadores decidem inovar, com a simplificação do cardápio- venda do produto mais pedido,

12

que proporciona um maior diálogo entre a produção acadêmica e a sociedade, isto é, uma

forma de se tomar a partir do definhamento da tradição, uma linha de continuidade na

pesquisa histórica, em que se tem a memória gustativa como fio condutor. Num contexto de

crescente padronização dos sabores dos alimentos51, a peculiaridade e historicidade da

gastronomia do Bar se torna uma significativa fonte de rememoração e permissiva de

permanência de tradições, conservando elementos do passado vivos em meio a sociedade

contemporânea e dá conteúdo concreto a memória social.

os hambúrgueres, que eram produzidos em ritmos industriais (retira-se o aspecto gastronômico da produção) e a conseqüente redução dos preços. A fórmula do sucesso: praticidades, preferência e acessibilidade, ou a chamada “taylorização” dos restaurantes. Ver: ORTIZ, R. Mundialização e Cultura São Paulo: editora Brasiliense, 2000.

51 SANTOS, C.A dos. A Alimentação...

13

CAPÍTULO 2

O BAR PALÁCIO

2.1.AS VOZES DO PALÁCIO

Toda uma parte, e sem dúvida a mais apaixonante do nosso trabalho de historiadores, não consistirá num esforço constante para fazer falar as coisas mudas, para fazê-las dizer o que elas por si próprias não dizem sobre os homens, sobre as sociedades que as produziram, e para constituir, finalmente, entre elas, aquela vasta rede de solidariedade e de entre ajuda que supre a ausência do documento escrito? Lucien Febvre

Na atual sede do Bar Palácio na rua André de Barros é possível identificar muitos

objetos materiais que permanecem como vestígios de sua trajetória histórica. Ponto de

encontro de boêmios ao longo desse período, tem referencias em crônicas de jornais, além de

uma história de tradicionalidade culinária bastante citada em guias gastronômicos de Curitiba

(segundo a Revista Veja Curitiba de 2003 é o sétimo melhor restaurante da cidade52).

Considerando que o Bar é um espaço de convivência social e construção de

experiência individuais, portanto um espaço de vida53, é relevante ter como base na pesquisa

o depoimento de quem vivenciou sua história. Na presente pesquisa foram destinadas

entrevistas aos funcionários, o gerente: Laurindo Gracian, os garçons: Sebastião Bestel e

Milton Coelho e ao dono, o senhor José Fraguas Lopez, conhecido como Pepe, de forma a

identificar nos relatos elementos reveladores das representações do Bar na sociedade que

asseguraram sua resistência do Bar.

A recorrência da memória de velhos54

para a reconstituição de uma perspectiva

histórica é discutível na medida em que as lembranças individuais são filtradas pela

subjetividade de cada entrevistado55. Nesse sentido, Halbwachs56 ressalta a importância do

caráter social da memória, evocando a necessidade de se fazer apelo à lembrança de outros.

52 Veja Guia Curitiba, Editora Abril, 2003. 53 SANTOS, A C. de A Memórias e cidade; depoimentos e transformação urbana de Curitiba (1930-

1990) 2a ed., Curitiba: Aos Quatro Ventos, 1999. 54 Adoção dos termos de Eclea Bosi, 1987; BOSI.E. Memória e Sociedade: lembranças de velhos. 2a ed.

São Paulo: T. A Queiroz: Editora da Universidade de São Paulo, 1987. 55 BERGSON, H. Matéria e Memória : ensaio sobre a relação do corpo com o espírito. São Paulo: Martins

Fontes, 1990. 56 HALBWACHS, M. op.cit.

14

As lembranças de diversas perspectivas poderiam chamar atenção para diferentes aspectos

sobreviventes do passado do período analisado. De acordo com Halbwachs:

Não é suficiente reconstituir peça por peça a imagem de um acontecimento do passado para se obter uma lembrança. É necessário que esta reconstrução se opere a partir de dados ou de noções comuns que se encontram tanto no nosso espírito como no dos outros, porque elas passam incessantemente desses para aquele e reciprocamente, o que é possível se fizerem e continuam a fazer parte de uma mesma sociedade.57

Dentro dos estudos de Halbwachs sobre a memória coletiva, o tempo, tomado como

causador agente resultante dessa evasão de lembranças, constitui um quadro imóvel. A

decorrência do tempo está em conformidade com as necessidades da vida urbana, sendo sua

contagem, portanto, uma percepção da estrutura social. Os estudos para a compreensão do

tempo, a partir de dados culturais variam com a percepção deste, expressa pela existência de

diferentes calendários. Halbwachs suporta sua argumentação nas perspectivas das ciências

sociais encabeçada por Durkheim que afirma : “um indivíduo isolado poderia a rigor, ignorar

o tempo que se esvai, e se achar incapaz de medir a duração, mas que a vida em sociedade

implica que todos os homens se ajustem aos tempos e às durações, e conheçam bem as

convenções das quais são objetos”58. As contribuições inovadoras de Durkheim e de

Halbwachs nos estudos sociais foram possíveis com as novas teorias das ciências exatas,

como a teoria da relatividade de Einstein. Os físicos Einstein e Newton concordam com a

percepção de tempo como sendo uma ação universal, Einstein, em sua teoria da relatividade,

inclui a posição do observador em suas considerações. A partir desse entendimento,

Halbwachs afirma que o tempo é real somente à medida em que há um conteúdo, isto é,

quando oferece um conteúdo de acontecimentos ao pensamento. É limitado e relativo, porém

tem uma realidade plena59,inaugurando, assim, uma compreensão social do tempo.

O estudo da história da cozinha, assim como os outros aspectos que invadem

microcosmos das práticas sociais, “não é somente das inovações, das aquisições, das criações,

é também dos desaparecimentos, das perdas, das destruições”60. O filtro do tempo permite a

permanência de algumas lembranças que enraízam as tradições, deixando esquecidas as

menos relevantes ou que não se encontram na memória coletiva61 . Para Halbwachs a

57 HALBWACHS, M. op. cit. p.34 58 Ibid. p.90 59 Ibid. p.130. 60 REVEL, JEAN-FRANÇOIS. Um Banquete de Palavras. SP: Cia das Letras, 1996,p.314-315. 61 “(...) o gesto, o ato mais simples permanece enclausurado como mil recipientes fechados onde cada

um é preenchido por coisas de uma cor, um odor, uma temperatura absolutamente diferentes; sem contar que

15

memória coletiva “retêm do passado somente aquilo que ainda está vivo ou capaz de viver na

consciência do grupo que a mantêm”62, não havendo uma linha divisória nitidamente traçada

entre o presente e o passado. Este que por sua decorrência é inexistente, mas preservado como

vestígios nas lembranças “que em larga medida é uma reconstrução do passado com a ajuda

de dados emprestados do presente”63.

É possível então, a partir dos vestígios mnemônicos, resgatar partes de histórias

passadas. As lembranças e as tradições existem/ resistem devido a representações concretas

do passado, como é o caso do Bar Palácio. De acordo com Myriam Moraes Lins de Barros :

“as noções de tempo e espaço, estruturantes dos quadros sociais de memória, são

fundamentais para a rememoração do passado na medida em que as localizações espacial e

temporal das lembranças são a essência da memória”64. Le Goff, como defensor da Nova

História, ressalta como inovação dessa corrente historiográfica, a “revolução da memória”, na

qual são incluídos estudos dos lugares da memória. A importância da memória segundo Le

Goff se sustenta na busca pela identidade individual ou coletiva65.

As fontes escritas referentes à história do Bar são, a maior parte, publicações da

imprensa regional e nacional referentes ao Bar. As publicações mais antigas se condizem à

década de 1980, já tratando do Bar como um centro de tradicionalidade na cultura

gastronômica e social curitibana, e seguem até meses anteriores à data atual. Pepe guarda

todas as publicações num armário, em um escritório situado no andar superior do Bar. Entre o

seu arquivo pessoal há um retorno editorial da imprensa regional do Paraná no qual é medida

e especificada a metragem de publicações referentes à mudança de sede do Bar em 1991,

totalizando 1804 centímetros, apenas nesse ano. Segundo Pepe, nunca se gastou nada com

publicidade no Bar, pois todas as referências impressas em meios de comunicação de massa esses recipientes, dispostos ao longo dos anos durante os quais não cessamos de mudar, ainda que apenas em sonhos ou em pensamento, estão situados em altitudes diversas, e nos dão a sensação de atmosferas singularmente variadas.” PROST, M. Le Temps Retrouvé. Paris: La Plêiade, v. III, 1954, p.870

Em relação ao esquecimento é interessante notar que alguns intelectuais como Proust e Nietzche relevam sua importância dando também aspectos positivos. Nietzche escreve sobre o “poder de esquecer” que garantiria ao homem liberdade, para ele a memória nasceria do próprio esquecimento e só teria sentido na medida em que poderia servir a vida, ou seja, lançando-se em direção a um futuro reconstruindo o presente. Proust, por sua vez, reserva ao esquecimento o papel de obstáculo na interpenetração e confusão dos estados de consciência, de preservar todos os momentos do passado em “recipientes fechados” , seria precisamente o esquecimento involuntário que tornaria possível o acesso à verdadeira memória. SEIXAS, J. A.de. Comemorar entre Memória e Esquecimento: Reflexões sobre a Memória Histórica. História: Questões & Debates, Curitiba, n.32, p.75-95, jan/jun, 2000, p.87-88.

62 HALBWACHS, M. op. cit. pp.81 e 82. 63 Ibid. p. 71. 64 BARROS, M. M. L. de . Memória e Família. In: Estudos Históricos. Rio de Janeiro, vol.2, n.3. 1989,

p.30. 65 LE GOFF, J. História e Memória. 5a ed., Campinas: editora da UNICAMP, 2003, p.469.

16

foram iniciativa dos próprios jornalistas, cronistas, escritores, que possivelmente eram

também freqüentadores do Bar. A decoração do Bar é composta por quadros expostos nas

paredes que exibem parte dessas reportagens.

Um fator que deu reconhecimento nacional ao Bar foi produto da discussão travada na

década de 1980 quando o movimento feminista se manifestou contra três bares brasileiros, um

situado no Rio de Janeiro, outro em São Paulo e outro em Curitiba, que se recusavam a servir

mulher desacompanhada66.

O interesse da imprensa atual continua sendo a abordagem do caráter tradicional, além

do gastronômico, também no condizente à sua sociabilidade, fazendo referência a

personalidades nacionais e internacionais que visitam o Bar. A maior publicação a respeito do

Bar, ou pelo menos a mais específica e trabalhada é o livro de Valério Hoerner Júnior de

1984, já citado, intitulado O Folclórico Palácio. “Já tem até um livro sobre o Bar” - disse um

dos garçons orgulhosamente antes do início da entrevista feita para o resgate de vestígios

mnemônicos para a realização da proposta pesquisa. O livro de Hoerner não segue métodos

propriamente históricos, mas apresenta importante fonte, pois traz a história do Bar e o

depoimento importantes fregueses já falecidos, além de fazer referência através da

experiência de quem vivenciou algumas décadas da história do Bar, às sutis mudanças

ocorridas ao longo dos anos (a maior parte gastronômica) relacionadas à modernização e às

mudanças do abastecimento (dados à partir da década de 1950), assim como as referentes às

mudanças de sede.

2.2. A trajetória do Bar Palácio e o Desenvolvimento Urbano de Curitiba

O Bar Palácio é do período da tomada de poder por Getúlio Vargas que nomeou

Manoel Ribas como interventor do Estado do Paraná, década de 30. O próprio Manoel Ribas

era um dos freqüentadores do Bar que se situava logo à frente ao Palácio do Governo (a esse

fator se deve seu nome), que segundo Rui Miranda era um dos raros restaurantes da cidade67

.

Sua percepção contudo, se baseia num dado comparativo da Curitiba de outrora e da Curitiba

contemporânea, porque segundo Débora Agulham Carvalho, na década de 1910 havia três

66LOPEZ, J F L (Pepe). Entrevista concedida a Mariana Corção. Curitiba, 4 de abril de 2004. 67 MIRANDA, R. op.cit.

17

restaurantes na Rua Barão do Rio Branco, tendo esse número se elevado a cinco na década de

1930, não considerando nessa data, o Bar Palácio68.

As principais atividades econômicas do estado eram limitadas à produção ervateira e a

prática pecuarista e extração da madeira em menor grau. Na capital, que tinha ares de cidade

européia, predominava a economia terciária. A maior parte da população era constituída de

lavradores, moradores de regiões mais afastadas do centro da cidade. Curitiba era uma

pequena cidade agrícola, em que no centro comercial, dominante em média de 80% da

economia da cidade, contrastava a paisagem que revelava o inicio de uma progressiva

urbanização (refletida na prosperidade dos negócios na construção civil) com a utilização das

vias centrais como lugar de pastagem para os rebanhos dos comerciantes de gado.

O ritmo do crescimento urbano até essa década era condicionado pelas oscilações

cíclicas característico da produção da erva mate69. A historiografia deveu a essa indústria uma

relevante importância, que, no entanto, se demonstra bem mais sutil. Sua principal

contribuição, segundo Dennison de Oliveira, foi:

a generalização das relações capitalistas de produção. Isso pode ser constatado ao avaliar a contribuição do Ciclo do Mate para a generalização do trabalho assalariado, para a adoção de novas técnicas produtivas, de caráter marcadamente industrial, no impulso que as atividades de suporte à sua produção deram à urbanização e, finalmente, até mesmo na criação de uma burguesia industrial de origem paranaense70.

A crise de 1929 e a segunda guerra mundial impulsionaram as pequenas manufaturas e

indústrias regionais com as substituições das importações. Essas afetaram também as

exportações de mate, já que as populações rurais extratoras de erva eram dependentes do

abastecimento alimentício. Isso contribuiu para a desarticulação da economia de subsistência

além de disseminar as relações de mercado. Com a crise do mate, o café e a madeira se

tornam as principais práticas econômicas do estado71. Ao longo das décadas de 1930 e 1940

há a construção de um espaço nitidamente urbano. Curitiba era segundo Miguel Arturo

Oliveira, um mister de urbano-rural-industrial72

, na paisagem curitibana desse período via-se

“chácaras e pastagens entre casarões, fábricas e estrada de ferro e ares de caça, teatro e

universidade”73.

68 CARVALHO, D. A. Op.cit, p.125 e 130. 69 OLIVEIRA, M. A C. op.cit. 70 OLIVEIRA, D. Urbanização e Industrialização no Paraná. Curitiba, 2001, p.26 71

Ibid,p.28. 72OLIVEIRA, M. A C. Op. Cit. p.124. 73 Id.

18

No centro de Curitiba concentravam-se espacialmente as atividades econômicas que

eram interdependentes, nesse mundo interlaçavam-se os tecidos espaciais e sociais. A mancha

urbana que circundava a rua XV de novembro, a partir da década de 1940, começa a agregar

às colônias de imigrantes lavradores que vão se tornando bairros. O centro curitibano era o

espaço de reunião das pessoas de diferentes “colônias”. Segundo Roseli Boschilia:

Desde o final do século XIX, a presença de clubes, livrarias, jornais, teatros, cafés, e confeitarias fez daquele local o centro catalisador dos eventos culturais da cidade. Mais tarde vieram os cinemas, os bancos, os automóveis, as vitrines impecáveis, os luminosos e a prática do footing. Neste cenário, o comércio teve um papel de destaque. Dinâmico e sofisticado, enriqueceu alguns, levou outros à falência, provocou conflitos e favoreceu a especulação imobiliária, transformando a rua num espaço estritamente comercial, ao expulsar os moradores que habitavam os andares superiores dos sobrados para transformá-los em depósitos de grandes estoques de artigos de importados74.

Era, portanto, no centro “residencial” curitibano que se concentrava a maior parte das

práticas de sociabilidade. E entre essas ruas estava “um dos raros restaurantes de Curitiba”, o

Bar Palácio, numa das ruas afluentes a rua XV. Deborah Agulham Carvalho associa a

dispersão de restaurantes, cafés, confeitarias, em Curitiba a um propósito de inserção na

modernidade e civilidade, despertada de forma mais intensa com os ciclos migratórios de

europeus para a cidade75.

O próprio fundador do Bar, Adolfo Bianchi era um migrante argentino, descendente de

italianos. A contribuição da imigração na constituição da cozinha profissional curitibana é

bastante significativa, conforme mencionado tanto por Maria do Carmo Rolim Brandão76,

quanto por Deborah Agulham Carvalho77. A placa exposta na fachada anunciava o verdadeiro

‘churrasco na grelha’ e o ‘frango, o cabrito e o leitão assado no espeto giratório’, os quais

constituíam as principais ofertas do Bar.

O restaurante que não tem toalhas na mesa- denominação que fez a fama do bar entre

aqueles que se admiram com tal inovação. A opção provavelmente se associa a adoção de um

estilo rústico feita por Adolfo Bianchi e mantido da mesma forma ao longo dos anos de

história. O contexto no qual a escolha foi dada, contudo, revela um caráter ainda mais

inovador. Como já posto, para Deborah Agulham Carvalho, “o comer fora” relacionava-se à

74 BOSCHILIA, R. A Rua XV e o comércio no início do século. Boletim Informativo da Casa Romário

Martins, Curitiba: ano 23, n 118, 1996, p. 01. Para Roseli Boschilia a não degradação e descaracterização do centro de Curitiba, ao contrário do que ocorreu em outras capitais brasileiras, deveu-se pela permanência desse centro histórico como espaço do qual gravita a vida da cidade, seja dos pontos de vista econômico, como social ou político.

75 CARVALHO, D A Op.cit. p. 26. 76 ROLIM, M. C. M. B. Gosto, op.cit. 77 Op.cit.

19

inserção da civilidade européia, à sofisticação. A partir da década de 1930, ainda segundo

Deborah Agulham Carvalho, começa a haver uma maior cobrança no que diz respeito à saúde

e higiene, com as ações do Departamento de Saúde Pública. As acusações da população

aparecem no meio público, como a reportagem do jornal Diário da Tarde que denuncia: “falta

de limpeza das mesas, cujas toalhas se encontravam sujas e manchadas de vinho e gordura”78.

Em 1952, revela Pepe em entrevista, foi oferecido um jantar ao Ministro da Saúde Pública no

Bar Palácio, que propôs, então, ao proprietário a adoção de toalhas na mesa- a resposta é a

mesma, no concernente as propostas de inovação: “Não, não, tem que ser tal como é”79.

A denominação de bar não intimidava as famílias que lá iam jantar, e durante a

madrugada o restaurante de ares familiares, tomava ares boêmios. Na época da fundação, o

Bar permanecia aberto das 18 horas as sete da manhã, ao longo dos anos houve redução no

horário (atualmente atende das 19 horas até, ao longo da semana, a uma e meia e, nos fins de

semana até as três). Segundo o depoimento do garçom Sebastião Bestel não há diferentes

tipos de cliente para cada horário80, a boêmia e ambiente familiar, nesta direção, se mesclam

entre as características da clientela ao longo das noites de sua história. Valério Hoerner Júnior

ressalta qual seria a resposta dada nas portarias de hotel de Curitiba aos turistas até há pouco

tempo atrás: “Jantar mesmo, a esta hora da noite, só no Palácio”81.

A densidade populacional sofre um forte crescimento ao longo da década de 1940,

acompanhando o ritmo da urbanização e industrialização da capital. Em 1943, quando se

completaram 250 anos da fundação de Curitiba, o Estado Novo sentiu necessidade de

incentivar a modernização da cidade. Esse crescimento foi possível devido aos recursos da

economia cafeeira, já em destaque nesta década nas regiões do norte do Paraná.

Na década de 1950, quando se comemorou o centenário da emancipação, o café e a

urbanização estavam no auge da história curitibana. A modernização invadia os espaços

público e privado. Como é notável, por exemplo, com a fundação da Companhia Paranaense

de Energia- Copel em 1954, empresa que popularizou a energia elétrica, fator de extrema

mudança do cotidiano dos indivíduos. A ação dos líderes políticos e representações do

contexto global desse período são fatores de influência na percepção da cidade pelos

habitantes. Maria do Carmo Rolim em sua pesquisa a respeito dos Bares e Restaurantes

Curitibanos nas décadas de 1950-60 visa apresentar de que forma “o mito

78 Apud CARVALHO, D. A. op.cit. p.34 e 36. 79 LOPEZ, J F L (Pepe). Entrevista concedida a Mariana Corção. Curitiba, 4 de abril de 2004. 80 BESTEL, S. Entrevista concedida a Mariana Corção. Curitiba, 26 de agosto de 2004. 81 Op.cit.p.33.

20

desenvolvimentista”, característico do período na história do Brasil, influenciou a

sociabilidade das refeições curitibana. Segundo a autora:

Se havia uma demanda explícita para a proliferação dos estabelecimentos comestíveis nos anos 50-60, em função das transformações sócio-econômicas que a cidade estava vivenciando, havia, também, por parte das pessoas, interesse e atração em freqüentar tais estabelecimentos, onde a novidade acontecia (comida étnica, sanduíches, hot-dogs), mudavam-se alguns hábitos e as relações sociais não eram as mesmas de casa. Um certo privilegiamento pela novidade, pela moda, pelo espaço público chamado bar e restaurante se fazia presente no universo das famílias e das pessoas em geral que residiam ou que circulavam em Curitiba82.

Em 1945 o Bar Palácio muda de proprietário, tendo sido comprado por sócios,

funcionários da Companhia Inglesa São Paulo Railway. Os sócios também compraram outros

estabelecimentos na região. Em 1950 quando a sociedade foi desfeita, o sócio sr. Antonio

Humia Duran negociou a propriedade do Bar Palácio.

Em 1955 o genro do sr. Duran, o sr. Jose Fraguas Lopez, o espanhol Pepe assume os

negócios. Um ano depois muda o bar para o número 383 da rua Barão, onde permaneceu até

1991 quando se mudou para o número 500 da rua André de Barros, com sede própria.

Pepe se esforçou em manter o negócio, desde que assumiu a administração do Bar,

com os mesmos fornecedores da sociedade de 1945, de forma a preservar a padronização e

qualidade do produto. Segundo Pepe, os fornecedores de carne são os mesmos desde esta

data. Alguns pratos, no entanto, deixaram de ser parte do cardápio, o qual também se tentou

preservar a originalidade da fundação, devido às dificuldades de abastecimento decorrentes do

processo de urbanização.

Pratos como miolos ensopados e à dore, testículos e Chicholin (tripa grossa) não tem desde a década de 60 por dificuldades de abastecimento. Não há mais frigoríficos em Curitiba. Hoje o que abastece o Bar está em Jacarezinho e esses itens não podem ser congelados. E o frango com molho pardo, que até a década de 50 era comprado vivo no comércio urbano de Curitiba, e levado ao galinheiro do Bar, onde era alimentado com milho para desintoxicar e depois era morto no próprio Bar. Em 1950, com o surgimento das granjas o frango passa a ser vendido limpo e não se tem mais o sangue disponível para fazer o molho pardo83.

O cardápio, no entanto, assim como as características dos pratos, permanecem na

medida do possível, da forma como foi designado inicialmente na fundação do Bar. Poucas

foram as inovações, além dos endereços, houve a mudança dos horários de funcionamento,

que em 1963 que passou a ser das 19 horas às 3 horas da manhã.

82 op.cit, p.45. 83LOPEZ, J F L (Pepe). Entrevista concedida a Mariana Corção. Curitiba, 4 de abril de 2004.

21

O Bar Palácio, ao longo dessa trajetória é inicialmente conhecido como ponto de

encontro da boêmia curitibana, tendo sido até a aquisição em 1950, feita por Antonio Humia

Duran, um espaço procurado no fim da noite. Espaço, a partir da década de 1950/60, no qual,

segundo Pepe, ainda predominavam prostíbulos e por isso foi preciso proibir o serviço a

mulheres desacompanhadas. Possibilitando assim o investimento de uma nova imagem do

Bar, a de espaço de encontro noturno com ambiente respeitoso84. Como afirma Valério

Hoerner Júnior: “o Palácio também modifica-se com o tempo e hoje adquire nova fachada tão

somente de restaurante”85. O Bar tende ao longo de sua trajetória a passar uma imagem de

restaurante, sendo, atualmente, evitado servir bebida alcoólica desacompanhada de refeição-

de forma a manter o ambiente ideal. Segundo os objetivos de Pepe, “bebida alcoólica dá mais

lucro, mas também dá mais problema”86. Milton Coelho, quando questionado em relação às

lembranças mais relevantes da antiga sede às brigas, cita as brigas, que por muito tempo

fizeram a fama do Bar. O funcionário atribui tal fato à antiga proximidade do Bar à estação de

trem de Curitiba. A proximidade com a estação levava uma clientela de trabalhadores, os

saqueiros e estivadores, como citado por ele, que seriam bronqueiros. O garçom observa que

ao longo dos anos houve um declínio do consumo de bebida alcoólica, trazendo a redução, ou

quase inexistência de brigas no quadro atual, também causadas, segundo ele, pelo

envelhecimento da clientela mais assiduamente freqüentadora87.

Para o dono do Bar, Pepe, foram as normas rígidas o principal fator que assegura a

resistência do Bar. Diferentemente da perspectivas dos garçons e gerente, que tendo mais

contato com a clientela, afirmam ser a tradicional gastronomia.

2.3. AO CHURRASCO PALÁCIO

AO CHURRASCO PALÁCIO Só aqui se saboreia o verdadeiro churrasco na grelha e o frango, o cabrito e o leitão assado no especto giratório. Aceitam-se encommendas.88

Risos durante a entrevista aos funcionários do Bar, quando perguntado se ainda era

usado o especto giratório, como é citado na placa antiga do Bar, situada acima do balcão na

84 Como é exposto no cartão do Restaurante e Café Palácio, vem em anexo 1. 85 Op.cit. 86LOPEZ, J F L (Pepe). Entrevista concedida a Mariana Corção. Curitiba, 4 de abril de 2004. 87 COELHO, M. Entrevista concedida a Mariana Corção. Curitiba, 26 de agosto de 2004. 88 Nota da placa colocada em frente ao bar pelo sr. Adolfo Bianchi, ver em anexo 2.

22

sede atual. Apesar da permanência do cardápio, o equipamento de trabalho acompanhou as

inovações tecnológicas, sendo usada para fazer o churrasco atualmente, somente a grelha, que

permanece exposta à vista do freguês. Na cozinha, mantém-se o uso do tradicional fogão à

lenha, em conjunto com o fogão industrial. As ofertas da casa preservam o toque artístico da

gastronomia, sendo preparados de forma artesanal e apresentados da forma característica do

Bar: o mineiro de botas, por exemplo, que é flambado pelo garçom na mesa do cliente.

O tratamento reservado à prática gastronômica preserva a peculiaridade do restaurante,

como revela Juliana Reinhardt:

A palavra gastronomia traz uma conotação científica e profissional, ela ratifica a união da cultura intelectual e da boa-mesa. A gastronomia não é compatível a produção em larga escala...é necessário o toque artístico do profissional, a característica artesanal, que distingue esta de outras preparações. Se comer é também pensar, olhar, sentir, nada melhor do quem uma obra de arte!89

Não são seguidas receitas no preparo dos pratos do Bar, porque segundo Pepe, os

funcionários, que foram treinados por antigos funcionários, já as sabem de cor. As marcas

características da gastronomia, no entanto, não se suportam na dependência da memória e

prática dos antigos funcionários. Segundo o depoimento de Pepe, os funcionários seriam

incapazes de realizar os procedimentos para a feitura dos pratos em sua totalidade em outro

espaço senão o Bar Palácio90. Pepe, desta forma, busca preservar a originalidade da

gastronomia do Bar. Mozart Campos, antigo funcionário, confirma a suposição, ou, pode-se

dizer, a pretensão de Pepe, ao afirmar em relação ao mineiro de botas: “eu mesmo que sei

fazer, tentei fazer em casa. Fica parecido, mas não igual ao que fazemos aqui. Pra quem não

conhece é um espetáculo, mas igual não é”91.

O depoimento dos garçons revela que é a gastronomia tradicional do Bar Palácio é o

principal atrativo para os clientes. Milton Coelho que trabalha no Bar desde de 1975 sendo

que desde de 1981 como garçom, afirmou ser o perfil mais assíduo o de clientes tradicionais:

“chegam e eles já sabem o que querem, se mudam de idéia só dão um sinal”92. Os pratos mais

pedidos, segundo os garçons, são os tradicionais93.

89 REINHARDT,J. op.cit. p.13 90 LOPEZ, J F L (Pepe). Entrevista concedida a Mariana Corção. Curitiba, 4 de abril de 2004. 91 In: HOERNER JÚNIOR, V. Op.cit, p.44. 92 COELHO, M. Entrevista concedida a Mariana Corção. Curitiba, 26 de agosto de 2004. 93 GRACIAN, L; BESTEL, S. e COELHO, M. Entrevista concedida a Mariana Corção. Curitiba, 26 de

agosto de 2004

23

Considerando que o cardápio, como revelaram todos os entrevistados, é praticamente

o mesmo desde a fundação do Bar, por que se referir aos pratos com mais saídas, como sendo

os tradicionais?

Para Jan Vansina, que inovou os estudos sociais com a inserção das tradições orais

como fontes de análises antropológicas, as tradições se definem como sendo memórias de

memórias94. Considerando as lembranças e esquecimento ao longo da comunicação

mnemônica entre diferentes gerações, a memória é dada, segundo Vansina, como um fator

dinâmico. Nesse sentido, o autor compara as tradições a uma sucessiva série de documentos

históricos, todos perdidos, com exceção do último que é interpretado, de acordo, com a

contribuição de todos os elos da corrente de transmissão95.

Recorrer à memória como fonte histórica exige, então, que se parta do presente para

buscar recompor um passado de representações imaginadas. Os estudos de história oral

defendem a dinamicidade do passado96, se aproximando das contribuições filosóficas de

Benjamin97.

O entendimento do estudo da história para Benjamin perpassa pela necessidade de se

buscar no passado elementos que explicam o presente, compreendendo o passado, nessa

perspectiva, num viés de dinamicidade. Embasado pela teoria literária, Benjamin elege as

obras de arte como vestígios dinâmicos e alegóricos desse passado. As obras de arte e

literatura, nesse sentido, representam a essência das expectativas das possibilidades futuras de

um presente vivido, que na perspectiva do estudioso já se tornou passado. A alegoria mostra o

significado do outro, o não-ser que ela representa. No caso da interpretação de Benjamin a

respeito da história, a alegoria exibe o que não-foi, as possibilidades potenciais não realizadas

na história. Numa perspectiva subjetiva, a alegoria representa a frustração, fornecendo a

dimensão da felicidade que era possível. Isso faz com que Benjamin parta do presente para a

compreensão do passado. A visão alegórica do mundo entende a vida a partir da morte. O

passado para Benjamin é sobretudo um dado com elementos do presente.

A história oral segue sua metodologia própria, na qual os pesquisadores partem da

situação presente e buscam na memória individual representações subjetivas de fragmentos

experimentados pelo depoente. Essa perspectiva histórica, que ascende nos estudos

94 VANSINA, J. Oral Tradition as History. The University of Wisconsin Press: Wisconsin, USA, 1985, p.160.

95 ibid, p.29. 96 THOMPSON, P. A Voz do Passado: História Oral. Rio de Janeiro: Paz e Terra ,1992. 97 BENJAMIN, W. Obras Escolhidas. Vol 1. Magia e técnica, arte e política. Ensaios sobre literatura e

história da cultura. São Paulo: Brasiliense, 1987.

24

contemporâneos, permite com que a construção histórica, além de ter vínculos mais estreitos

com a sociedade, como buscava Benjamin, uma história feita de fragmentos passados para o

presente.

A especificação à abrangência da referência a pratos tradicionais se dá na fala do

gerente, Laurindo Gracian, que citou : churrasco paranaense, frango grelhado, filé grise e

mineiro de botas98. Os “pratos tradicionais” são os carros-chefes da gastronomia da casa, os

que fizeram sucesso ao longo dos anos de história, os mais citados nos meios de comunicação,

os que persistem na memória gustativa de seus freqüentadores e na publicidade boca-boca

(nunca foi gasto nada em publicidade para promoção do Bar segundo Pepe) que leva os

curiosos a experimentarem o famoso e único churrasco paranaense e o mineiro de botas.

A tradição gastronômica do Bar Palácio, então, se funda nos pratos entre os quais os

clientes tradicionais se identificam , que são os mesmos que levam novos clientes, curiosos

para experimentar os famosos pratos. “Quem vem a Curitiba e não vai ao Palácio comer um

filé grise e depois um mineiro de botas, como sobremesa (banana flambada) não pode dizer

que conheceu a cidade”- afirmou Reinaldo Bessa em sua coluna na Gazeta do Povo na

ocasião do aniversário de Curitiba do ano de 200499. Se, como cita Renato Ortiz, “toda

identidade se define em relação a algo que lhe é exterior, ela é uma diferença”100, a identidade

do Bar se define em vários aspectos referentes a sua peculiaridade e tradicionalidade, que o

torna um lugar único, que dá identidade aos freqüentadores, assim como, da mesma forma, é

identificado ao longo dos anos de história por estes.

As características da gastronomia despertam a sensibilidade sensorial daqueles que há

muito a consomem, de forma resgatar lembranças de um tempo identificado por essas

características. O caráter subjetivo dessa associação, chamado memória gustativa, faz com

que sua predominância até o período contemporâneo tenha sido dado em narrativas literárias,

em que se tem o escritor francês, Marcel Proust, como exemplo por excelência. Em sua obra

Em Busca do Tempo Perdido, o autor recorre à sua memória de experiências individuais e

numa narrativa em que mescla presente, passado, viver e lembrar, para ressaltar as

características gastronômicas como importante elemento de rememoração. Em suas palavras:

“...mas, quando nada subsiste de um passado antigo [...], o aroma e o sabor permanecem ainda

98 GRACIAN, L. Entrevista concedida a Mariana Corção. Curitiba, 26 de agosto de 2004. 99 BESSA, R. Especto Giratório. O ESTADO DO PARANÁ, Curitiba, 29 de março de 2004 100 ORTIZ, R. Cultura Brasileira e Identidade Nacional. São Paulo, Brasiliense, 2003, p.7.

25

por muito tempo, como almas [...] levando sem se submeterem, sobre suas gotículas quase

impalpáveis, o imenso edifício das recordações”101.

A partir da narrativa de Proust é possível identificar a ação da memória gustativa na

percepção do presente. Nesse sentido, a permanência de gastronomias tradicionais legitima-se

como significativa na sociedade. Faz sentido instituir e valorizar manifestações culturais

tradicionais como patrimônios imateriais- elementos que prestam como colaboradores da

memória-homem e da questão que engloba identidades na sociedade.

101 PROUST, M. No Caminho de Swann. Editora Folha, 2003.

26

CAPÍTULO 3

O FOLCLÓRICO PALÁCIO

A superposição ao longo do tempo, das sucessivas camadas urbanas de tempos históricos diferentes, que habitaram, num mesmo espaço, começaram a dissolver as referências do passado. Torna-se cada vez mais difícil identificarem-se os elementos urbanos passados que sobreviveram ao longo do tempo. Muitas cidades têm referências velhas, porém não antigas102.

O arquivo pessoal de Pepe, a exposição dos quadros nas paredes com reportagens

sobre o Bar ao longo de sua história, revela o interesse do proprietário em suportar seu

negócio na originalidade e tradicionalidade do Bar. É o fator “folclórico” do Bar que atrai a

clientela, como cita Juliana Reinhardt: “Tradição também se comercializa, nostalgia se

vende”103.

O Bar Palácio possui uma clientela cativa, como exposto nas reportagens exibidas no

Bar, e é da memória desta que se alicerça o caráter de patrimônio do Bar. “A fumaça da

churrasqueira do Palácio deveria ser vendida engarrafada para limpar a cara dos infiéis do

leito conjugal... Muitos maridos usaram a fumaça do Palácio como álibi para noitadas de

infidelidade: após motel, uma passada pelo Palácio, para chegar em casa e ter a desculpa de

“fiquei com a turma jantando no Palácio”...104 Esse trecho da crônica de Aramis Millarch

exemplifica a importância do Bar para esse grupo que, segundo o depoimento dos

funcionários, engloba diversos perfis: intelectuais, políticos, fãs de futebol- os mais citados. O

Bar Palácio, como núcleo de memória gustativa e convivência social, um ambiente rústico,

sem música (o que facilita o diálogo), atua como espaço de constituição de identidades, que se

projeta na sociedade como um marco da noite curitibana. Segundo Maria do Carmo Rolim:

“O Palácio está na memória de todas as pessoas entrevistadas que, sem exceção, referem-se

ao Palácio com carinho, como um lugar carismático que virou ‘ponto’, que virou história”105.

Referências antigas como o Bar Palácio são significativas na medida em que reforçam

a conscientização do indivíduo como ser atuante na história. Ulpiano Meneses, em seu texto

sobre a crise da memória106, explicita a influência das relações capitalistas e as inovações

102 OLIVEIRA, M. A C. op.cit.p.23. 103 REINHARDT, J. C. op. Cit, p.104. 104 MILLARCHI, Aramis. O Sexagenário Palácio vai mudar. Mas só de endereço! O Estado do Paraná,

Curitiba, 25 de ago. 1991. Tablóide, p.3. 105 Op.cit. p.143. 106 MENESES, U. T. B. Op.cit

27

tecnológicas no cotidiano dos indivíduos que contam cada vez mais com maiores

conhecimentos, mas que, no entanto, permanecem alienados. Tanto o resgate da história de

lugares da história como a do Bar Palácio como o resgate da memória coletiva, são essenciais

como elementos da identidade, tanto individual como coletiva, como afirma Le Goff que

acrescenta: “A memória coletiva valoriza-se, institui-se em patrimônio cultural”107.

A mobilidade para a preservação da memória na sociedade capitalista avançada é

grande, a indústria do patrimônio cultural – denominação proposta por Hewison108 cresce a

cada dia. Esse crescimento está relacionado ao avanço do pensamento capitalista que

transforma informações em mercadorias. As inovações tecnológicas na área de comunicação

são também fator da crise. O rápido acesso a imagens passadas em diferentes lugares do

mundo através da televisão oferece ao homem facilidades de obter notícias atuais, mas acaba

por fetichizar o instante, eliminando as continuidades. Essa onda de freqüentes notícias

descontextualizadas traz como conseqüência a não assimilação na experiência cotidiana dos

eventos históricos.Tudo é tratado como se fosse natural. O acesso a essa hiperinformação

descontextualizada e desprovida de continuidade torna o homem moderno hiperinformado,

mas alienado.

Nesse contexto se dão as mudanças na vida cotidiana e social, na qual a ideologia do

novo, conseqüência das práticas capitalistas, acaba por valorizar o que é moderno. A adoção

para o novo ocorre a cada dia e a grande mobilidade dos indivíduos, os tornam alienados a

esse processo e desmemoriados, por logo esquecerem o anterior ao novo. Métodos

tradicionais de conservação da memória, como busca da permanência dos eventos tradicionais

de uma sociedade, tornam-se assim obsoletos.

Pierre Nora numa discussão a respeito da memória e história acusa o esfacelamento da

memória no período contemporâneo, o que torna necessário que haja lugares de memória, que

representariam, nesse sentido, a preservação de restos mnemônicos109. As pessoas são

incapazes de lembrar, há, conseqüentemente a necessidade de organizar lugares para preservar

elementos possíveis. O Bar Palácio é um ambiente que remete a experiências ali vividas, a

constituição de lembranças a partir da memória- um lugar de memória, nessa perspectiva. Não

existe para resgatar a memória perdida, mas resiste com as mesmas funções da fundação de

serviço de gastronomia, no qual em meio a sua ambiente preservado as lembranças fluem e

107 LE GOFF, J. História e Memória. 5a ed., Campinas: editora da UNICAMP, 2003 , p.532. 108 HEWINSON, R. The Herietage Industry. London: Methuen, 1987. 109 NORA, P. Entre Memória e História. A Problemática dos Lugares. Projeto História. São Paulo. P.7-

28, dez- 1993.

28

esse estilhaço mnemônico permanece, com sentido àqueles que se identificam com a história

do Bar.

O Bar Palácio resiste em meio ao processo exposto por Ulpiano Meneses e Pierre

Nora, e questiona-se até quando? Até quando seu sistema a la carte , resistirá em meio a

crescente ascensão de novas concorrências, com sistemas mais populares como as

churrascarias rodízios? Até quando a propaganda “boca a boca” garantidora da clientela

permanecerá? Esta, considerando que, para Maria do Carmo Rolim, a aproximação dos donos

com os freqüentadores e a propaganda garantida por eles de forma casual, “boca em boca”

,são também fatores significativos na contribuição da fama do bar110. Até quando a tradição

social da clientela tradicional de freqüentar o Bar Palácio viverá? É possível se ter uma

empresa, no contexto atual que priorize a permanência da tradição?

Para Hobsbawm a adequação da tradição ao moderno é fator essencial para a

resistência dessa, em suas palavras: “As tradições devem se adequar à modernização caso,

contrário, elas acabam”111. Com mentalidade empreendedora típica da exigência da classe

empresarial contemporânea e, como “aconselhado” por Hobsbawm, assim o fizeram, tanto a

Padaria América, quanto o Restaurante Bologna, os quais tiveram pesquisas desenvolvidas, já

citadas112, que investiram no “comércio de tradição”. Ambos representam empresas

lucrativas, assim como, apesar de tradicionais, bastante contemporânea- no sentido em que

sua clientela vai bem além da tradicional. Segundo Juliana Reinhardt, o atual proprietário da

Padaria América, descendente dos fundadores pretende inovar através da conservação

culinária da sua família. As restritas inovações se dão, nesse sentido, pretendendo a inclusão

de mais clientes e a adequação para as novas demandas do mercado113. Daniele Saucedo

considera as diversas inovações do restaurante Bologna como elementos indispensáveis na

sua afirmação. Apesar da preocupação em manter a linha tradicional culinária vinculada as

raízes italianas, a família proprietária optou em tempos modernos em inovar o cardápio, assim

como abrir espaço para uma loja de massas, que inclui a vendas de massas, molhos, doces,

biscoitos, pães e pratos prontos para serem levados114. As medidas se referem, da mesma

forma que as tomadas pelos atuais proprietários da Padaria América, a adequação no mercado,

110

Op.cit 111 HOBSBAWM, E.; RAGER, T. (orgs.) A invenção das Tradições. 2 ed. Rio de janeiro: Imago, 1997,

p.82. 112 REINHARDT, J. C. op.cit e SAUCEDO, D. R. op.cit. 113 REINHARDT, J. C op.cit p.79 a 82. 114 SAUCEDO, D. R. op. cit. p. 41, 42.

29

de forma a vincular a tradição gustativa que ofertam aos novos hábitos do mercado que é

dinâmico.

O caráter folclórico do Bar Palácio, nesse contexto, não representa mais uma

adequação da indústria patrimonial no meio empresarial capitalista atual. Assim como, não é

um registro patrimonial do Estado. O caráter folclórico do Bar Palácio se deve tão somente ao

reconhecimento social do seu caráter folclórico, já que Pepe busca adequar-se ao mínimo às

modernizações, como já citado, no que se refere a mudanças o dono insiste na frase : Não,

não, tem que ser tal como é 115”. Da mesma forma, o Bar Palácio para os clientes permanece

como um refúgio atemporal, no qual é possível buscar a cada dia o mesmo que se buscava a

cinco décadas aquém. A aura do Bar para aqueles que o freqüentam é o seu caráter de

imutabilidade diante das inovações no mundo a sua volta. O Bar Palácio como negócio

administrativo, vende a tradição pela tradição, e na maior parte das vezes, como revela o

depoimento dos funcionários, para a tradição- já que a clientela permanece a mesma116.

Mudar, nessa perspectiva, não se faz lucrativo, ao contrário, poderia ser um dado de perda da

clientela. Essa mesma, que afirma, que as mudanças ao longo dos anos são quase

imperceptíveis, as de local são as concretas e dadas, mas o ambiente e a gastronomia, mantêm

as mesmas características de outrora117.

Pepe afirma que a qualidade do produto ofertado sempre foi uma preocupação da

administração. Desta forma, se a fama do Bar e a proposta de qualidade cativou inicialmente a

clientela, hoje esta permanece cativa, por ainda ser ofertado produtos com a mesma qualidade.

Na fala de Pepe se referindo ao que considera os maiores atrativos do Bar: “A preocupação

com a qualidade do produto também é um fator de peso, tudo é exclusivamente de primeira. O

filé mignon, por exemplo, era difícil de ser conseguido, e quando não era, era dito ao cliente

que não havia. Não se trapaceia o freguês. Não tem, não tem”118.

Na pesquisa a respeito da percepção do desenvolvimento urbano de Curitiba a partir de

depoimentos de história oral, Antônio César Santos,119 conclui, convergindo para o

115 LOPEZ, J F L (Pepe). Entrev ista concedida a Mariana Corção. Curitiba, 4 de abril de 2004. 116 GRACIAN, L; BESTEL, S. e COELHO, M. Entrevista concedida a Mariana Corção. Curitiba, 26 de

agosto de 2004 117 id. 118 LOPEZ, J F L (Pepe). Entrevista concedida a Mariana Corção. Curitiba, 4 de abril de 2004. 119 A pesquisa de Antônio César Santos tem como objetivo: “dar voz àquelas pessoas que vivem a

cidade em seus cotidianos”119

, de modo a resgatar suas impressões a respeito do desenvolvimento urbano de Curitiba, “mistificado” nas últimas décadas pelos meios de comunicação como sendo comparável a uma cidade de Primeiro Mundo. Desta forma, as principais fontes utilizadas para o desenvolvimento desta problemática foram os depoimentos de treze usuários da cidade, que segundo o autor, falaram a sobre suas vivências na

30

entendimento da questão se a cidade, para os entrevistados, se estenderia ao ambiente que em

se dariam suas ações cotidianas, a forma de vida que antes a produzia. Para Habermas: a

cidade “se transformou a tal ponto que o conceito dela derivado já não logra alcança-la [...] As

aglomerações urbanas emanciparam-se do velho conceito de cidade, ao qual no entanto se

apega o nosso coração”120

. A Curitiba de outrora e a atual se encontrariam, então, na Curitiba

de sempre , que segundo o autor, seria a imagem anteposta à cidade real. A Curitiba de

sempre é tomada como o lugar em que os habitantes reconhecem suas vivências, seus amigos,

uma cidade que habita seus corações. Segundo SANTOS:“Esta cidade é a cidade, perene,

porque reconhecida pela afetividade”121.

A possibilidade de vivenciar experiências no Bar Palácio o insere nos espaços de

vidas, o qual , segundo Antonio César Santos, é o próprio meio urbano. Para Santos, as

percepções individuais da história da cidade, reveladas pelas lembranças dos depoentes,

resgatariam “diversas cidades”, no sentido em que estariam relacionadas à subjetividade do

portador das lembranças, mas convergiriam para experiências vividas em ambientes comuns,

como é o caso do Bar Palácio. Essa afetividade, fruto da vivência no ambiente ao longo dos

anos, permite que seus usuários o classifiquem coloquialmente como patrimônios122. O Bar

Palácio não atende as exigências para ser registrado como patrimônio material123, mas é tido

como tal na percepção de seus freqüentadores.

O tratamento ao Bar Palácio como patrimônio da sociedade curitibana é dado, por

exemplo, por Rosirene Gemael, que defende seu status de patrimônio curitibano na

reportagem do Jornal Correio de Notícias de novembro de 1986124, intitulada quem é o Dono

do Bar, o dono ou nós? – acompanhada de outros depoimentos que defendem sua

imutabilidade característica- principalmente gastronômica- diante da modernização de

Curitiba. O próprio livro de Valério Hoerner Júnior, O Folclórico Palácio, também defende

enfaticamente esse ponto de vista.

cidade. Isso porque, para Antonio César Santos seria a relação entre a cidade e seus habitantes que possibilitaria aos curitibanos reconhecer o quanto a cidade progrediu.

120 Apud SANTOS, op.cit, p.121. 121

Op.cit. p.122 122 Fundamento do argumento baseado no livro de HOERNER. Ver também: Quem é o Dono do Bar, o

dono ou nós? Correio de Notícias, Curitiba: domingo, 30 de novembro de 1986, em que diversos freqüentadores entrevistados se referem ao Bar Palácio como um patrimônio curitibano.

123 Referência a patrimônio material já que desde do ano 2000 há uma legislação referente ao registro de Patrimônios Imateriais, este referente a práticas culturais. No caso do Bar Palácio o registro de seus pratos como patrimônio imaterial de Curitiba seria possível.

124 Quem é o Dono do Bar, o dono ou nós? Correio de Notícias, domingo, 30 de novembro de 1986.

31

O Bar Palácio não é uma referência velha de Curitiba, mas uma referência antiga e,

indo além, instituindo-se ambiente no qual a tradição social permanece, ambiente com o qual

a tradicional clientela se identifica.

Ao longo da trajetória do Bar, a urbanização favoreceu a ascensão de uma gama de

novos comércios alimentícios. A indústria alimentícia tende desde a década de 1950, à

produção em larga escala que favorecem o cotidiano dos indivíduos. É possível observar nas

prateleiras dos supermercados as novas muitas ofertas de alimentos prontos, enlatados,

congelados, em pó- que agem como alternativas para a necessidade de rápidas e práticas

refeições. Da mesma forma, é notável a dispersão de variáveis restaurantes, tanto no

condizente ao serviço, do self service por quilo, ao à la carte, e estilo Mc Donald’s, como na

oferta de produtos, da comida caseira, vegetarianos, orgânicos, comidas étnicas, por toda

Curitiba. O sistema de franquias, sucesso principalmente em praças de alimentação dos

shoppings e drive-thrus, desde a década de 1980 vem se expandindo no mercado

gastronômico brasileiro, variando atualmente entre 80 principais redes. O quadro sócio-

econômico atual favorece esse tipo de negócio, no qual se enfatiza a rapidez no preparo-

tendendo, nesse sentido, à simplificação e padronização do cardápio, seguindo os passos do

precursor norte-americano, Mc Donald’s. Nesse sentido valoriza-se a eficácia,

calculabilidade, produtibilidade e o controle125, fazendo com que a cozinha se aproxime de

moldes de produção industrial, ou mesmo empresarial.

Num contexto em que os estabelecimentos popularmente mais freqüentados possuem

variação tão somente de lugar, já que seguem a padronização imposta pelas redes de

franquias, ambientes como o Bar Palácio se destacam pelo caráter singular. A trajetória

histórica do Bar, garante a ele sua singularidade tradicional, ambiente já conhecido em meios

sociais curitibanos e se estendendo além. O Bar Palácio atualmente não constitui uma

empresa lucrativa, sendo mantida pelo dono somente como hobby. Seu futuro é incerto, se

houver, continuará como herança familiar, mantendo as mesmas características de então, tais

quais procuram os clientes que o freqüenta.

A permanência do Bar depende do dono, Pepe, que pretende administrá-lo enquanto

puder. Além de Pepe, não se sabe ao certo, dependerá do interesse daqueles que o herdarem.

Quem vai ao Bar Palácio busca a gastronomia e o ambiente que dele é peculiar. A adequação

à modernização permitiria que esses referenciais permanecessem? O Bar Palácio é único por

125 RITZER, G. op.cit.

32

aquilo que preserva, da forma como expõe. Adequá-lo à modernização seria tirar o que tem de

essencial, o maior atrativo para aqueles que o freqüenta. O que se destaca no Bar Palácio é a

história, as muitas histórias de quem acompanhou sua trajetória, o que o torna justamente uma

referência antiga, e não velha. Um marco curitibano, não porque lhe foi instituído, mas porque

lhe foi reconhecido. Como cita Dalton Trevisan: “Curitiba, sem pinheiros ou céu azul,

cárcere, lar- esta Curitiba, e não a outra para turista ver, com amor eu canto”126.

Para Halbwachs a história se inicia na medida em que a tradição social se perde127.

Considerando que o Bar Palácio resiste em meio ao moderno, e possui vestígios presentes de

um passado de maior freqüência e reconhecimento, além do caráter tradicional, é que se faz

necessária a presente pesquisa. “...Pois a memória e o dom de lembrar, dos quais provém todo

o desejo de imperecibilidade, necessitam de coisas que os façam recordar, para que eles não

venham perecer128.” O Palácio com suas “antigas características são coisas que resgatam a

memória e o dom de lembrar”, além de constituírem marcos cultural e turístico das noites

curitibanas. É nesse sentido que o objetivo de se ter um livro sobre o Bar Palácio é para

Valério Hoerner Júnior:

um registro de uma tradição com a esperança no íntimo de assegurá-la, conduzindo-a quem sabe à longevidade(...) Continua o restaurante hoje no mesmo lugar, dentro da mesma família, mas sem os rigores do exotismo do falecido proprietário129. Daí a esperança de com este registro, com esta consignação, assegurar a longevidade do tradicional café, restaurante ou bar Palácio130.

126 TREVISAN, D. Minha Cidade. Revista Joaquim. Curitiba: ano 1 nº 2, junho de 1946, p.18. 127 op.cit. p.80 128 ARENDT, H.op.cit, p.183. 129 O Bar Palácio mudou de endereço em 1991, posteriormente à publicação do livro de Valério Hoerner

Júnior. Referência ao velho proprietário (não explicita se trata de Bianchi ou Duran), que se lhe era pedido filé bem passado, recusava-se a atender o cliente, desprezando-o por não entender de carne! Só fazia filé alto e não havia meio de convencê-lo a agir diferente. In: JÚNIOR HOERNER, V., op.cit

130 dezembro de 1983. In: JÚNIOR HOERNER, V. op.cit.p.12

33

CONSIDERAÇÕES FINAIS

A tradição gastronômica do Bar Palácio resguarda elementos de significância social. A

preocupação em manter a qualidade, e as características tanto gastronômicas, quanto do

ambiente, da mesma forma as quais foram propostas inicialmente, é o que garante a clientela.

O Bar Palácio como empresa, visa vender seus elementos tradicionais, não com

objetivos lucrativos, mas objetivos de preservar um dado cultural das noites curitibanas. O

significado do resgate de sua história é associado à garantia de sua resistência, mesmo com a

possibilidade do definhamento da tradição, o qual o quadro sócio-econômico atual o conduz.

A memória gustativa revela dados subjetivos que se associam a experiências vividas no

ambiente como o Bar. Uma fonte de pesquisa histórica a qual converge a pesquisa da história

do Bar.

O Bar Palácio é um ponto turístico gastronômico curitibano. Sendo reconhecido por

aqueles que o freqüenta, como um patrimônio. Suas décadas de história não o tornam um Bar

velho, perdido em meio ao urbano, mas uma referencia antiga da cidade, com ampla

significação social para quem o freqüenta.

Considerações como as expostas no presente trabalho, revelam a significância de se

resgatar em meio ao social, elementos que conferem ou contribuem para a constituição da

memória social, elementos com os quais a sociedade se identifica, reconhece seu próprio

passado. Através desse resgate é possível, seguindo a linha de continuidade da tradição em

definhamento, devolver a sociedade uma parte de sua história.

O Bar Palácio é mais do que um velho negócio que resiste à ascensão das inovações

do comércio gastronômico e de sociabilidade noturna, é reconhecido por aqueles que o

freqüentam como um patrimônio- como um negócio que identifica Curitiba. É dessa

consciência, tanto de Pepe, que busca preservar e tratar o Bar como uma tradição Curitibana,

assim como dos freqüentadores, que foi possível e, em certa medida, significativa a pesquisa

de sua história, dada com o resgate da memória gustativa.

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REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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Gazeta do Povo (jun.2003- set. 2004); O Estado do Paraná (fev 1984- out. 1990); O Estado do

Paraná (fev. 1984- mar. 2004)

b) Fontes Orais: Entrevistas concedidas à autora por Sebastian Bestel (em 26 de agosto de

2004); Milton Coelho (em 26 de agosto de 2004); Laurindo Grancian (em 26 de agosto de

2004) e José Fraguas Lopez (em 4 de abril de 2004).

c) Livros: HOENER J, V. O Folclórico Palácio, Curitiba, Graf. Vicentina ,1984.

d) Revistas: Revista Veja Curitiba (1990, 1999, 2003).

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ANEXOS

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