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// Revista da Faculdade de Direito // edição 5 // número 5 // 1º semestre de 2018
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SOCIEDADE EM REDE: UM ESTUDO DE ACEP-ÇÕES TRADICIONAIS ANALISADAS A PARTIR DO CONTEXTO DAS REDES VIRTUAIS DA IN-TERNET E DO CIBERATIVISMOBárbara De Cezaro1
Resumo O Estado traz consigo a garantia à democracia e a cidadania como seus elementos estruturantes. Porém, desde o seu surgimento emergiram diversas novas situações, dentre elas o surgimento da internet e o fato incon-testável que, no decorrer dos tempos, esta passou por densas transformações que se evidenciam de acordo com a evolução e as exigências vivenciadas, a exemplo, a criação de uma verdadeira sociedade estruturada em uma rede virtual. Diante desta realidade, a principal finalidade do estudo é analisar a realização da democracia e cidada-nia, tendo como base suas configurações tradicionais frente às redes virtuais on-line por meio dos cidadãos ativis-tas. É possível, efetivamente, a concretização da democracia e da cidadania por meio da plataforma da internet? Utilizou-se como método de abordagem o dedutivo e como método de procedimento o estruturalista. Dividiu-se o artigo em três capítulos. No primeiro, analisa-se o ativismo digital nas relações conectadas. Após, verifica-se a concretização de diálogos fortalecedores da cidadania por meio das redes virtuais. No último capítulo se analisa a democracia e sua efetividade na esfera da internet. A conclusão enseja a reflexão e consolidação de uma internet que garanta participação democrática e cidadã visando o fortalecimento de direitos estabelecidos a seus usuários.Palavras-chave:Estado; Ativismo Digital; Democracia e Cidadania; Rede Virtual; Internet.Abstract The State carries the guarantee to democracy and citizenship as its structuring elements. However, since its emergence several new situations have emerged, among which the emergence of the internet and the indisput-able fact that, in the course of time, it has undergone dense transformations that are evidenced according to the evolution and the requirements experienced by human beings, for example, the creation of a true society structured in a virtual network. Faced with this reality, the purpose of the study is to analyze the dimension of the achieve-ment of democracy and citizenship, based on its traditional configurations, in front of the virtual networks provided by the online environment through activist citizens. In order to respond to the established purpose, the deductive method and method of procedure were used as a structuralist method. In addition, the article was divided into two chapters. In the first one, the digital activism present in the connected relations is analyzed. In the second chapter, it is verified the concretization of dialogues that strengthen democracy and citizenship through virtual networks made possible by the Internet. The conclusion of this essay provokes the reflection in the search of the consolida-tion of an internet that guarantees democratic participation in search of the strengthening of rights and guarantees established to all its users.Key-words: State; Digital Activism; Democracy and Citizenship; Virtual Network; Internet.
1. Doutoranda em Direito Público (Her-menêutica, Constituição e concretização de Direitos) na Universidade do Vale do Rio dos Sinos – Unisinos. Bolsista CAPES PROEX. Professora da Faculdade São Ju-das Tadeu (Porto Alegre/RS). Mestre em Direito. Advogada com especialização em Administração Pública. E-mail: [email protected].
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INTRODUÇÃO
D o seu surgimento embrionário por meio da Arpanet
em 1969, a priori, para atender anseios da seguran-
ça nacional dos Estados Unidos, até o surgimento
do primeiro ponto de conexão que interligou uma rede neste
mesmo ano, da criação do protocolo TCP/IP em 1978, da
sua abertura comercial em 1990 e em 1995 no Brasil, da cria-
ção da www – Word Wide Web em 1990, e com a parte mais
atual desta história, a web 2.0 - uma segunda geração de
uma plataforma de serviços da web que interconecta pes-
soas em todo o mundo além das fronteiras territoriais, a inter-
net abre portas para a comunicação, de modo a influenciar e
fomentar as potencialidades humanas em diversos aspectos.
De tais interações humanas, novos modos de ver e realizar o
futuro fazem com que a rede conecte, repense e reconfigure
uma série de questões, a exemplo da democracia, da cida-
dania e do ativismo social.
As céleres transformações sociais impactadas pelo efeito da
internet refletem-se em diferentes ramos, como educação,
comunicação, cultura, economia, lazer no mundo e em nos-
so país e, consequentemente, refletem na transformação e
evolução do Estado e do Direito.
Por toda a relevância e contribuição científica, cultural e so-
cial que a internet representa e, como forma de contribuir
com os atores sociais é que esta pesquisa se volta para a
construção de um aparato doutrinário que possibilita o estu-
do de acepções clássicas pensadas na perspectiva dos no-
vos espaços públicos em rede que se localizam entre o es-
paço físicos e os espaços digitais, privilegiando a plataforma
da internet para a construção social de autonomia, elemento
motriz das sociedades contemporâneas híbridas que estão
baseadas em uma conexão digital.
Assim, a partir dessa realidade cabe perquirir em que dimen-
são pode-se visualizar a realização da democracia e cida-
dania, tendo como base suas configurações tradicionais,
frente às redes virtuais proporcionadas pelo ambiente on-line
da internet por meio dos cidadãos ativistas? Partindo des-
se questionamento, se busca verificar, a estrutura das redes
virtuais possibilitadas no ambiente da internet, capazes ana-
lisar o ativismo digital presente cada vez mais nas relações
conectadas e a possibilidade de se concretizar diálogos for-
talecedores da democracia e a cidadania por meio das redes
virtuais possibilitados pela internet.
I. CONSIDERAÇÕES DO ATIVISMO SOCIAL NAS RELA-
ÇÕES CONECTADAS
A vida estruturada em rede transcende a esfera digital, refle-
tindo no campo da educação, da cultura, da economia, da
política, da cidadania, da democracia e, inevitavelmente, em
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todos os setores sociais, transformando o modo como os
seres humanos se relacionam, organizam-se e vivem, tanto
individualmente quanto em sociedade.
Inegável é que todos os seres humanos vivem e conduzem
seu tempo de maneira não padronizada, tempo este que é
influenciado por cada estrutura de vida, porém, cada uma
destas estruturas formam sociedades que têm suas práticas
inegavelmente influenciadas pela rede.
A internet, ocupando esfera de revolução na forma de a
humanidade se comunicar na história, prosseguida pela
banda larga e após pela web 2.0, demonstra uma grande
transformação, a qual, em sua atual dimensão, faz crer que
nada, em nenhuma esfera social, se apresentará como foi
no cenário anterior, numa uma complexa e irreversível mu-
tação da sociedade.
Frente a uma era cada vez mais estruturada no “midiático” e
onde a comunicação prefere a esfera de comunicações mais
instantâneas do que o texto, como por exemplo, os vídeos
e as fotos, tais transformações demonstram mudanças fre-
quentes de mídias e, consequentemente, levam a mudanças
sociais de vida, como ponderou McLuhan, transformando e
desafiando a comunidade humana de modo global.
A atual conjuntura social em que vivemos nos faz crer que
um dos mais importantes momentos desta época fora o
surgimento da comunicação digital, da tecnologia e da in-
ternet neste processo.
Nesta contextualização, utiliza-se o pensamento de Virilio,
quando refere que, depois de motorizar carros hipomóveis
com a energia de síntese do motor, a explosão revoluciona a
forma de vermos os transportes, a transmissão da realidade
pelo motor do computador revoluciona as formas de trans-
missão pelo gerador de virtualidade (VIRILIO, 1996, p.130).
Vivenciamos diariamente as efetivas mudanças que a inter-
net é capaz de produzir e potencializar nas vivências huma-
nas, entre elas, uma das mais importantes é a modificação
que as práticas democráticas da humanidade têm ganhado
e exercido com este instrumento digital. Por meio deste, os
movimentos sociais e políticos, às gestões das administra-
ções públicas, o conhecimento e todos outros setores so-
ciais veem se remodelando, se repensando perante os novos
ambientes digitais.
Neste segmento, os cidadãos interagem de maneira voz
cada vez mais ativa. Desta interação resulta o que chama-
mos net-ativismo, definido como:
O conjunto de ações colaborativas que resultam da siner-
gia entre atores de diversas naturezas – pessoas, circuitos
informativos, dispositivos, redes sociais digitais, territoriali-
dade informativas, apresentando, segundo esta perspecti-
va, como a constituição de um novo tipo de ecologia (eko-
-logos) não mais opositiva e separatista, mas expandindo
às demais entidades técnicas, informativas, territoriais, de
forma reticula e conectiva (DI FELICE, 2013, p. 267).
O termo ciberativismo, consoante Di Felice, tem origem es-
tadunidense no ano de 1990 e representa uma forma de
organização e ação política direta que conta com a difusão
de informações na internet para servir de boicote ao con-
sumo de certos produtos, de luta por direitos ambientais,
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humanos e civis (2013, p. 53-54).
Desse modo, nasce uma nova forma de participação e ativis-
mo social que tem na rede o trilho que conduz a participação
e colaboração na web. O ativismo social nas redes digitais
ocorre em todas as dimensões de temas e se dá em forma
de troca colaborativa para todo o mundo, atendendo, por-
tanto, a troca necessária para manifestações democráticas,
trocas e fomentos de ações cidadãs.
Para melhor conduzir o tema desta nova forma de manifesta-
ção política, imprescindível a definição de ciberespaço como
sendo ações deliberadas de coletividades que:
[...] visam a transformação de valores e instituições as so-
ciedade, que manifestam-se na e pela internet. O mesmo
pode ser dito do movimento ambiental, o movimento das
mulheres, vários movimentos pelos direitos humanos, mo-
vimentos de identidade étnica, movimentos religiosos, mo-
vimentos nacionalistas e dos defensores/proponentes de
uma lista infindável de projetos culturais e causas políticas.
O ciberespaço tornou-se uma ágora eletrônica global em
que a diversidade da divergência humana explode numa
cacofonia de sotaques (CASTELLS , 2003, p. 115).
Ao refletir a problemática estabelecida no presente estudo,
importante destacar que nas últimas décadas as interações
humanas ligadas a interações eletrônicas se multiplicam nos
ciberespaços e no cenário das redes mundiais, reconstruin-
do e repaginando as teorias que envolvem a ação social.
Ademais, por ciberespaço, o entendimento e a contribuição
que se extrai dos ensinamentos de Pierre Lévy é que este
representa um espaço de redes digitais onde fronteiras mun-
diais, conflitos, cultura, igualdades e diferenças convivem
em constante encontro de aventuras. A cibercultura ecoa e
levanta bandeiras de diversificados setores sociais de forma
aberta e vasta seguindo sua vocação de conectar e interco-
nectar dispositivos que criam, comunicam e simulam vivên-
cias mundiais (LÉVY, 2014, p. 106).
A informação e o posicionamento de diversos emissores co-
nectados de forma livre proporcionam ao leitor a liberdade de
debater, comunicar, estabelecer uma livre navegação entre
sites, redes sociais, blogs e outros meios, e também propor-
cionam ao ciberator a liberdade de compreender e formular
sua livre convicção acerca do tema que lhe interessa e está
disposto no espaço virtual.
Nesse contexto, o mundo vivencia uma nova forma de comu-
nicar-se socialmente, um novo ativismo social vem brotando
das raízes solidificadas na internet. Os fenômenos de diversi-
ficadas mobilizações envolvendo coletividades impulsionam
novos ativistas no mundo todo que, assim como aqueles,
encaram as redes digitais como aliadas necessárias para que
seus anseios sejam ouvidos.
Assim, novos episódios vão ocorrendo de acordo com os pe-
culiares anseios sociais e por meio da internet, reforçam-se
ações que fortalecem ainda mais os protagonistas enquanto
ativistas. A cultura colaborativa é característica inerente à in-
ternet produz, reproduz e conhecimento que se transforma
em arma revolucionária na sociedade ativista. A internet usa
tais armas revolucionárias de maneira mais aberta, com me-
nos controle ou censura e de forma acessível na atual reali-
dade global a quase todos.
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Diferente de outros movimentos revolucionários, a livre difu-
são de conteúdo por meio de plataformas digitais através de
canais como YouTube e blogs, convertem tais espaços para
canais de oferecimento de denúncia a injustiças, de busca
e denúncia dos responsáveis de forma imediata (TASCÓN;
QUINTANA, 2012, p. 64).
A construção de tais espaços públicos fomentados pela so-
ciedade em rede ganha novos adeptos a cada dia, principal-
mente pelo fato de o usuário ter maior autonomia na busca
da informação que quer colher. No que diz respeito à intensi-
dade de uso desta tecnologia, a “Secretaria de Comunicação
Social da Presidência da República, revela que quase meta-
de da população tem acesso à internet, e desse total 37%
a utilizam todos os dias, com uma intensidade de quase 5
horas por dia” (COSTA, 2014).
Nesse contexto, a arquitetura da rede fortalece laços colaborati-
vos permitindo que todos os integrantes destes espaços sejam
cidadãos que elaboram, colaboram e difundem ideias acessí-
veis em qualquer canto do planeta de forma autônoma, ou seja,
sem prévia censura por qualquer órgão governamental.
Segundo a informação colhida da obra Ciberactivismo Las
Nuevas Revoluciones de Las Multitudes Conectadas, estima-
-se que, em um cenário onde usuário é o próprio produtor,
editor e divulgador de um roteiro, “a cada 24 horas, se escre-
ve 1,6 milhões de entradas de blogs, se sobe 2,6 milhões de
vídeos no YouTube, [...] se publicam 140 milhões de tuits no
Twitter (TASCÓN; QUINTANA, 2012, p. 82, tradução nossa).
Esta rede de indivíduos conectados permite que os mesmos
se informem, informem e propaguem suas ações sem sair
de casa. É pois, um novo trilho sendo criado pela passagem
humana e, por ser este um novo caminho, com ele se abrem
novas possibilidades.
Este meio de comunicação de massa dá ao seu usuário au-
tonomia para escolha tanto em qualquer tempo e lugar para
escolher o conteúdo que deseja acessar e esta dinâmica dá
liberdades para que o ativismo on-line vá se construindo. Tal
autonomia dos usuários pode ser vista como alicerce que apoia
a construção cidadã de um ativismo on-line que vem causando
impactos na realidade social cotidiana e se comunicando com
espectadores do. Novos caminhos, valores e dinâmicas vão se
firmando nas mobilizações sociais conectadas trazem consigo
legiões de ativistas através da tecnologia da internet.
O poder desta legião de ativistas vem questionando os mo-
delos políticos, a falta de transparência e corrupção por parte
das democracias representativas, assim como questiona os
modelos econômicos, os tradicionais meios de comunicação
pelas deturpadas e manipuladoras informações que perdem
a credibilidade quando sites e redes sociais denunciam a in-
formação não divulgada.
O medo solitário ganha coragem e força junto à multidão en-
gajada que se auto afirma nos espaços digitais de interação
entre todos os usuários. Desta interação horizontal de igual
para igual, há um livre intercâmbio de informações que for-
talece os movimentos sociais organizados em redes. Assim,
os movimentos sociais cibernéticos se espalham de forma
contagiosa e difundem-se rapidamente em meio a imagens,
sons e palavras, de sorte que as mobilizações populares
ocorridas nos ecossistemas contemporâneos marcam as
fortes organizações do ativismo digital.
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Ondas de manifestações populares que tomam as ruas das
cidades entram em cena e surpreendem os governos e as
sociedades em seu modo de se organizar e mobilizar por
meio da internet e das redes sociais. Das iniciais manifes-
tações conectadas em rede a exemplo da primavera árabe
no Oriente Médio até as manifestações mais atuais, como as
ocorridas no Brasil, a bandeira de luta por igualdade e voz
ativa da sociedade governada está hasteada.
Tomando como exemplo os movimentos sociais ocorridos no
Brasil que se organizaram por meio da internet de forma au-
tônoma no ano de 2013, Castells reserva no prefácio à edição
brasileira de seu livro “Redes de Indignação e Esperança”,
ponderações específicas aos brasileiros em relação ao mo-
vimento passe livre de 2013 (CASTELLS, 2013, p. 178 e 179).
Os milhares de brasileiros conectados percebem nas orga-
nizações formadas por meio da internet um novo e potente
meio de organizarem-se e mobilizarem-se em movimentos
que buscavam muito mais que luta por cobrança justa da
tarifa dos transportes públicos.
Perante a sociedade em rede, a utilização da internet vem ser-
vindo de palco para sustentar movimentos em escalas glo-
bais, pela facilidade de difusão de informações e discussões
que a rede propicia na criação e proliferação de canais de par-
ticipação de todas as pessoas em um espaço democrático.
Abre-se espaço para um novo ativismo digital em uma rede
que se estrutura de maneira colaborativa, dando espaço à ci-
berdemocracia e à cibercidadania aos cidadãos net- ativistas.
Nesse sentido, o ator-rede, enquanto um conjunto de iden-
tidades, vem constantemente pensando a “ecologia digital”
que reúne banco de dados, conexões, mídias, imprensa, in-
formações, redes, ser para cada vez mais “empoderar” cida-
dãos a escreverem e compartilharem um futuro democrático
e cidadão na história da experiência humana, fazendo que
assumamos cada vez mais que “os riscos gerados pela tec-
nologia que não podem ser evitados são limitados com mais
tecnologia [...]” (BAUMAN, 1999, p. 293).
De acordo com Antoun (2004, p. 71), outras questões mere-
cem destaque, como a mediação centralizada nas instituições
por meio de processos hierárquicos, necessários para que a
ordem social possa ser aprimorada por meio de uma partici-
pação que se integra, com isso, movimentos sociais ganham
força de vetores de dissolução como também de desintegra-
ção, neste sentido questiona, ao final de sua fala se a socie-
dade teria força para a construção de sua ordem através da
liderança organizacional de movimentos que se dão no coleti-
vo que tem como sede às redes comunicacionais.
As tradicionais formas em que se apresentam os valores e
interesses das instituições públicas e dos representantes do
povo modelam as formas sociais em que o poder se apre-
senta frente aos governados, assim, as redes, neste ponto, se
apresentam como fonte comunicativa de contrapoder na for-
ma de reivindicar estes valores e interesses de forma a se pen-
sar o que cada governado pensa ser melhor para seu meio.
As novas tecnologias movimentam o modo de vida dos cida-
dãos, os sistemas financeiros, informacionais, educacionais,
culturais, políticos e todos os setores de forma instantânea e
sem fronteiras, fatores que trazem consigo e com a ideia de
sociedade em rede impactos nos mais diversificados seg-
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mentos e que vem cada vez mais desafiando Estado e atores
sociais a apresentarem respostas apropriadas a modernida-
de vivida. Assim, “[...] já somos uma outra espécie, não so-
mos mais Homo Sapiens, tendo em vista as diferenças entre
a nossa espécie hoje e as anteriores. Por que tudo que o
humano faz, desenvolve e produz, atualmente, ele faz com a
tecnologia” (DI FELICE; LEMOS, 2014, p. 18).
Os novos movimentos de empoderamento formados nas
plataformas interativas da internet refletem as questões vi-
venciadas pela sociedade em geral. Diferente de outras for-
mas de organização social, os movimentos dos ciberespa-
ços, enquanto realizados na internet caracterizam-se pela
descentralização de suas participações que não são conferi-
das por líderes intitulados, mas por participantes globais sem
o estabelecimento de barreiras se comunicam com comuni-
dades locais.
II. CIDADANIA: UMA ANÁLISE DA ACEPÇÃO CLÁSSICA
E SUAS TRANSFORMAÇÕES NA ESFERA DA INTERNET
Apriori, importante pontuar que cidadania e democracia não
podem ser pensadas separadamente, pois se complemen-
tam, de sorte que a segunda exige a participação e a vivência
da primeira. Para tanto, novos locais de realização da cida-
dania e democracia estão em constante aprimoramento e
ressignificação e, para compreensão e maior aderência ao
estudo com afinco do tema cibercidadania, é imperioso to-
mar algumas considerações que abordem a cidadania como
ponto de partida.
Etimologicamente, a palavra cidadão advém da ideia de ci-
dade, aquele que vive na cidade. O homem livre que interagia
na cidade era reconhecido ser cidadão portador de direitos e
obrigações (CRUANHES, 2000, p. 25). Da Grécia Antiga até
os dias hodiernos, o conceito de cidadania transcorre barrei-
ras e lapidações.
Oliveira Junior (1997, p. 192), sob a égide de Norberto Bob-
bio, qualifica e define o conceito de cidadania com um laço
diretamente ligado a construção e (re) adequação histórica.
Pode-se extrair de suas construções intelectuais que, levan-
do em conta a relação indivíduo e Estado, o status cidadão
pode ser adquirido quando uma moral social e impositiva do
Estado cede espaço e atua concomitantemente com uma
moral individual. Além de direitos, na sua concepção, os su-
jeitos passam a também possuir deveres.
Da concepção extraída de Oliveira, tem-se que a concepção
histórica de cidadania mantém suas raízes, porém, por ter
sua nascente no berço social, inegável é que o contexto da
evolução social pelo homem fez do termo variável ao longo
de transformações civilizatórias. No termo transformação so-
cial, a cidadania hoje está correlacionada diretamente com
inclusão, ao desenvolvimento social e ao exercício da cida-
dania junto também aos meios tecnológicos e não mais ape-
nas os meios físicos.
Para Bedin (2002, p. 170), a luta pela cidadania tem seu nas-
cimento pontuado na ruptura com o estado moderno e sua
arbitrariedade, chamada de primeira geração de direitos de-
nominada como liberdades clássicas ou direitos civis (séc.
XVIII) que abarcam os direitos que vão contra o Estado, clas-
sificados como direitos negativos. A incorporação de direitos
a todos os sujeitos da comunidade conferindo a eles liberda-
de e status de cidadão marcam este primeiro momento.
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A segunda geração da luta pela cidadania configura-se no
século XIX com lutas para formação de um poder político
e participação nele, bem como pela liberdade positiva re-
presentada pela autonomia, pela liberdade negativa como o
não-impedimento e por ideais democráticos.
A cidadania se manifesta no direito à vida, liberdade, proprie-
dade, igualdade como também a forma política de um (con)
viver solidário no campo dos direitos civis, a participação na
política através dos direitos políticos, a saúde, educação en-
quanto direitos sociais e entre tantos outros são representa-
ções vivas e em movimento da cidadania que, ao acompa-
nhar as mudanças e transformações sociais, se manifesta e
também precisa ser defendida com humanidade, dignidade
e igualdade na esfera da internet onde se apresenta com um
caráter local/global aderindo o conhecer e reconhecer do ou-
tro em uma escala global (CARVALHO, 2013, p. 10).
Na era da informação e das sociedades em rede, a cidadania
não se identifica apenas com uma identidade cultural única,
mas plural, e atua como meio de realização de igualdade e
participação dos atores sociais nos processos de cultura, polí-
tica e social para adentrarmos no tema enquanto esfera digital.
Ainda, uma atual ideia de cidadania se formula na doutrina do
tema, mencionando-o sob um viés de uma construção con-
junta no exercício de direito e de participação ativa na política
para que de fato, a democracia representativa se realize.
Nessa senda, Luño (2007, p. 264) menciona três princípios
que norteiam a construção da cidadania, sendo estes: ci-
dadania é condição de uma vivência livre em sociedade,
o segundo princípio diz respeito à cidadania exercida sem
coerção e sim de maneira voluntária, o último princípio diz
respeito ao rol de deveres e deveres que devem ser cumpri-
dos por uma pessoa perante seu Estado.
Ainda, necessário pontuar que as mudanças sociais construí-
das e vivenciadas entre os séculos XX e XXI no que se referem
às tecnologias tornam necessária uma pauta para que se re-
flitam alguns temas estruturais de uma sociedade, como é o
caso da noção e aprimoramento a respeito do modo de viven-
ciar a cidadania nos dias de hoje nos ciberespaços. Inserida
amplamente na temática, a globalização traz consigo novos
olhares para os problemas que afetam a vida planetária, cada
vez mais interligados e globais, e traz consigo novas técnicas
de informação planetária que a tornam referência no processo
de internacionalização do mundo (SANTOS, 2000, p. 24).
Seguindo este delinear, em toda ideia fixada no livro ¿Ciber-
ciudadaní@ o ciudadaní@.com?, Perez Luño defende que os
tempos vivenciados hoje são mencionados com a presença
constante de novas tecnologias, seja em qualquer setor da
vida, tanto na da coletividade ou individualmente, é fato que
estas veem com maior pujança interferindo nas experiências
vivenciadas pela política, pelo judiciário e demais setores so-
ciais. É, pois, conforme mencionado no tópico anterior deste
estudo, o ativismo social por meio da tecnologia da internet
se apresentando em todas as esferas da vida social.
Lunõ ainda afirma que as novas tecnologias dão força para
que aconteça a realização da cidadania. Urge a reflexão
das influências que a internet provoca no atual cenário de
manifestação de cidadania que, nesta ceara ganha status
de cibercidadania, mudando a forma de relacionamento
com o outro, com si próprio e com o mundo em um pano-
rama globalizado.
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Importante, mencionar que na conceituação clássica, que
aqui se apresenta de maneira resumida, cidadania represen-
ta os direitos inerentes aos sujeitos para que participe das
decisões que envolvem a vida social de um povo e de um
governo. Logo, no palco da internet a cidadania se manifesta
como a cibercidadania.
O “desenho” dos comportamentos humanos nas ciberso-
ciedades esboçam “um conjunto de técnicas, de práticas,
de atitudes, de modos de pensar e valores no ciberespaço”
(LÉVY, 1999, p. 128) que influenciam pilares para que a cida-
dania clássica aconteça no âmbito on-line da cibercidadania.
Identidades que convivem on-line se completam para que
cidadãos do mundo construam uma cidadania solidária e até
mesmo interplanetária.
As comunidades cibernéticas criam novas barreiras, pos-
sibilidades e demarcações nos territórios on-lines que
influenciam as margens geográficas até então bem tra-
çadas pelo homem, recriam e reformulam seu espaço e
seu tempo o tornando cada vez mais complexo pela hi-
bridização de um “novo mundo” interlocal, transcultural,
real e virtual.
Assim, a problemática que aqui impera é a necessidade de
repensar cidadania frente à internet, compreendendo as re-
voluções das demandas históricas que o tema enfrentou
agregando direitos humanos, reconhecimento enquanto
sujeito de direito, realização, troca, solidariedade coletiva e
reconhecimento da dignidade de forma nacional e interna-
cional para a plena realização do homem enquanto cidadão
que se reconhece na própria identidade que partilha com o
mundo através da internet.
O não reconhecer ou o errôneo reconhecer como também o
não garantir o outro enquanto cidadão no ciberespaço é uma
cruel forma de desrespeito a sua dignidade e a sua participa-
ção isonômica enquanto cidadão, logo, respeitar e reconhe-
cer o outro dentro de sua alteridade também neste campo se
faz matéria de ordem e respeito a uma necessidade vital do
homem (TAYLOR,1994, p. 46).
Nestas “condições cibernéticas”, possibilitadas pela inter-
net, o território da cidadania ganha aspectos cada vez mais
plurais uma vez que as práticas sociais se dão de muitos
com muitos nesta atual forma de sociedade.
Os grupos sociais, culturais, étnicos, religiosos, e todos ou-
tros passam a exercer cidadania de modo internacionalizado,
sem para isso sair do lugar onde estão. A cidadania vem se
transformando com a ação local de efeito global do homem
por meio da internet e, consequentemente, vem conferindo
novos significados à concepção e aplicação da cidadania
neste meio. Em meio à modernização e mutação dos pro-
cessos sociais em que a cidadania se insere, o homem é o
autor de mais este ensaio social.
Não diferente do local, no espaço digital os atores sociais
cidadãos protagonizam práticas sociais modernizadas, mas
que se fundamentam nos Estados, a exemplo da cidadania.
Nesse contexto, Touraine afirma que “a modernidade não
existe sem referência ao sujeito, e este não pode existir sem
a modernidade, isto é, fora da associação da razão com os
direitos” (TOURAINE, 2009).
O acesso à internet abarcou a vida cotidiana do mundo de tal
modo que, sem o poder de acesso, o cidadão tem tolhido de
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si o exercício pleno de direitos como conhecimento, cultura,
tecnologia, acesso aos mais diversificados meios de educa-
ção, de realização da democracia e da cidadania.
No cenário da internet, na reflexão da realização da cidadania
ganha força e impulso para atuar como atriz aproximadora,
solidária, intercultural, de reconhecimento do outro e fortale-
cedora dos laços que envolvem os direitos humanos em toda
a comunidade cultural mundial que almeja inclusão global.
As demandas sociais, cada vez mais diversificadas e dinâmi-
cas, acreditam no poder de acesso à internet uma influência
para o novo modo de ver e fazer cidadania nos mais diver-
sificados contextos sociais. Assim, ter a possibilidade de ter
pleno acesso à internet hoje significa inclusão plena para o
exercício da cidadania. É uma nova modalidade de exercício,
distribuição e miscigenação da cidadania com um poder de
alcance além fronteiras territoriais.
Inegável que, de modo global a tecnologia, em especial a
da internet, tem impactado de modo crescente a forma de
representação cidadã e democrática em todo o mundo, fa-
zendo emergir novas formas de manifestações sociais. O
que, porém, se faz necessário cada vez mais potencializar e
expandir é o acesso a esta tecnologia, para que de fato, a so-
ciedade em sua totalidade tenha a possibilidade de participar
de forma democrática nos processos sociais que também se
apresentam neste cenário conectado.
Neste sentido, e, pensando esta problemática em dados
concretos, o CETIC - Centro Regional de Estudos para o De-
senvolvimento da Sociedade da Informação, atuando sob o
apoio da UNESCO, publicou estudo denominado TIC domi-
cílios, demonstrando que, entre os anos de 2016 e 2017 a
internet está presente em 54% dos domicílios brasileiros.
Merece destaque neste atual estudo, o fato de a desigualdade
de acesso restar comprovada quando consideradas na pes-
quisa às rendas e às localizações das residências pesquisa-
das, sendo que, nos domicílios de classe “a” e “b” conside-
rados pela pesquisa, a inclusão digital registrada é de 98% e
91%, respectivamente, enquanto que nos domicílios de clas-
se “d” e “e” o índice de conexão à tecnologia da internet é de
23%. Ainda, os domicílios localizados no meio urbano, repre-
sentam 59% dos que estão conectados, enquanto os domicí-
lios localizados na área rural, apenas 26% (CETIC, 2018).
Da interação entre tecnologias digitais, indivíduos, redes
e territórios, se detecta uma atuação com uma frequência
cada vez maior e direta nas redes de participação cidadã,
porém, as políticas públicas de acesso a tecnologia da in-
ternet ainda precisam de aprimoramento e fomento, assim
como, a quantidade e a qualidade das informações públicas
inseridas nas plataformas digitais.
Ademais, como bem destaca Canclini (2007, p. 238):
Quem não está conectado está excluído de maneira cada
vez mais intensa e variada. A brecha acirra os contrastes
entre regiões, países, grupos sociais. Países menos globali-
zados vão sendo confinados ao quintal da globalização em
termos de intercâmbio comercial, cultural, protagonismo po-
lítico [...] e em consequência a isto, bem –estar social. [...]
quanto mais se reduz a brecha, mais se avança na interação
social , comunicacional, igualdade de oportunidades [...].
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A atual estrutura das sociedades faz com que a tecnologia
da informação aproxime os mais diversos povo e culturas
fomentando a sensibilidade ao exercício da cidadania. Deste
modo, diferentes formas de moral, identidades, culturas, re-
ligiões, políticas, comunidades e educação convivem juntas
e buscam a garantia de seu exercício junto às ações cidadãs
no ciberespaço.
O ciberespaço e a possibilidade de acesso à internet, en-
quanto lugares de inclusão, propiciam ao sujeito nos dias
atuais o poder para a prática concreta de novas e diferentes
formas e modelos de realização de cidadania, logo, a disse-
minação da internet significa atualmente garantia de acesso
à fonte de concretização ativa da cidadania.
Esta tese de troca da vida social perante organização das so-
ciedades em rede, por meio da internet vislumbra a ideia de
Boff (2011, p. 26) quando trata da existência de uma tecnolo-
gia social, sendo esta capaz de servir de ponte aproximadora
do desenvolver coletivo para a democracia, desenvolvimen-
to humano, participação social ativa e cidadão que fazem
da tecnologia fator de afirmação de sua dignidade enquanto
ser/ator dos processos se sua reinvenção.
Sem sombra de dúvida, a internet é um instrumento que,
desde o século XX, alterou o modo de comunicação e de
luta por direitos entre os atores sociais, tornando-se meio
ativo para a realização destes e da nova forma de afirma-
ção das pessoas e seus conhecimentos e debates ligados
à democracia, à igualdade e à liberdade de expressão, a
exemplo do que se pode acompanhar pela potência das
demandas organizações pela sociedade virtual por meio de
redes sociais.2
A cultura e o modo de vida no espaço da internet e das tec-
nologias mudaram e continuam mudando a cada dia, e a
abordagem do direito sobre os temas que ali estão inseridos
muitas vezes não acompanha o mesmo compasso (CUNHA,
2011, p. 61). Ao pensar a cidadania na pós- modernidade,
percebe-se que a tecnologia mudou e incorporou este ele-
mento jurídico a sua realidade, como é o exemplo do Marco
Civil da Internet, o qual abarcou a cidadania como uma de
suas garantias disciplinadoras.3
No Brasil ainda a grande questão que paira sobre o tema é
pensar os reflexos deste direito assegurado ao cidadão. Nes-
te sentido, políticas públicas para modificar essa realidade
garantindo à internet se constitui essência para cidadania.
Os ciberespaços criados pela internet são palcos que facili-
tam e favorecem a realização da cidadania na busca de uma
sociedade mais igual, para que se faça uma (re)leitura e (re)
criação de relações até então estabelecidas entre a huma-
nidade e, pela forma globalizada em que acontecem, são
potentes instrumentos para manifestações sociais democrá-
ticas que precisam contar com uma participação cidadã efe-
tivamente assegurada.
III. DEMOCRACIA: UMA ANÁLISE DA ACEPÇÃO CLÁSSICA
E SUAS TRANSFORMAÇÕES NA ESFERA DA INTERNET
No que se refere a democracia, buscando-se a origem da pa-
lavra, verifica-se que democracia provem da união de duas
palavras que formam o termo grego demokratía onde os sig-
nificados podem ser pontuados como, “demos (“povo”) e
kratía (“força, poder”). Antes de desembarcar no português
fez uma escala no latim tardio democratia e, provavelmente,
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também no francês démocratie, palavra existente desde o
século XIV (o primeiro registro da nossa data de 1671)” (RO-
DRIGUES, 2015). Arraigada à história grega, a democracia
paira sobre a ideia de poder e governo que emanam do povo.
A democracia na Grécia antiga ocorria na forma direta, ou
seja, nas ágoras públicas, as assembleias formadas pelos
cidadãos denominados à época (homens maiores de dezoito
anos), definiam e decidiam as decisões políticas da época.
De maneira clara, o processo democrático se fazia na exclu-
são de mulheres e pessoas jovens.
Durante toda idade média a democracia não aparece no ce-
nário político vindo a ressurgir no constitucionalismo moderno,
pelos federalistas, quase dois mil anos depois do século XV
apresentando - se em contraposição a democracia direta, de-
fendiam a democracia representativa como única forma possí-
vel e viável para os Estados modernos. Mister, porém; sinalizar
que o que potencializou o pensamento democrático foram as
revoluções francesas dos séculos XVII e XVIII na Europa.
Portanto, antiga, mas sempre atual e necessária, a demo-
cracia é matéria que precisa constantemente estudo por ser
apresentar de diferentes maneiras (independente de ideolo-
gia ou visão política), nos mais variados tipos de socieda-
des. No entender de Jorge Miranda, a democracia pode ser
conceituada como “a forma de fazer política em que o poder
é atribuído ao povo e em que é exercido de harmonia com
a vontade expressa pelo conjunto dos cidadãos titulares de
direitos políticos” (MIRANDA, 1996, p. 143).
Conceitualmente democracia é um modelo de política ado-
tado, em que a expressão do povo e sua vontade, atribuem
poder a alguém para representar a vontade do povo. Em
conjunto com os governantes que representam a vontade do
povo em uma democracia representativa, o poder deve ser
traduzido em vontade política da maioria. As ações políticas,
as legislações se justificam quando atuam em consonância
com a democracia estabelecida em uma sociedade.
Esta compreensão de democracia representativa não permi-
te que cada cidadão participe ativamente de realização da
vida política, mas através de seus representantes eleitos.
Nesta concepção, a ideia de cidadão que coopera perante a
sociedade na qual está inserido fica prejudicada.
Extrai-se do conhecimento de Miranda (1996) a compreen-
são de uma democracia representativa que tem na vontade
do povo o critério que decide a ação dos governantes. Po-
rém, se analisadas as manifestações que vêm se alinhando
frente aos ciberespaços, percebe-se que há uma crise e um
descrédito muito grande nesta forma de exercício de demo-
cracia representada na classe política.
Zygmunt Bauman, ao responder o Jornal El País (QUEROL,
2016) se a democracia está em perigo, afirma que este tra-
dicional modelo democrático está em crise. Para o sociólo-
go, a crise instaurada na democracia decorre de um colapso
existente na confiança e na certeza de que os líderes políti-
cos além de estúpidos e corruptos, são incapazes. Bauman
também afirma que a ligação entre poder e política nas mãos
do Estado teve fim com a globalização do poder e as po-
líticas já não se apresentam de forma local como antes. O
sistema democrático não cumpre suas promessas.
A ideia de representação pelo exercício do voto se mostra
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falha quando se deflagra uma mercantilização de voto estéril
enquanto prática do exercício da cidadania e construção da
democracia. Os movimentos sociais formados nos novos es-
paços digitais apresentam descrédito aos tradicionais meios
de participação, militam através de sua participação enquan-
to fator de fortalecimento da democracia.
Cabe, portanto, a indagação: como então a democracia em
seu sentido clássico pode conviver com as novas formas de
manifestações democráticas que se articulam em rede?
Neste sentido, as novas tecnologias de informação, em es-
pecial para o nosso estudo, a internet vem aproximando ci-
dadãos que se manifestam, participam, indagam e provocam
diferentes manifestações nas sociedades democráticas. A
tecnologia da internet representa nova fonte conhecimento,
debates públicos on-lines, enfim, um novo modo de comu-
nicar, interagir e promover a que se chama ciberdemocracia.
Novos processos democráticos da contemporaneidade vêm
ascendendo uma democracia que não se constrói apenas
pela representatividade, mas pela ativa participação do ci-
dadão. Um cidadão ativo cibernauta vem habitando o futu-
ro/presente da democracia representativa que não encontra
mais no voto sua representação.
As novas tecnologias servem como plataformas de aproxi-
mação entre o governo e os cidadãos tanto por meio de dis-
seminação de informação pública como também enquanto
ambientes de debates e deliberações cidadãs.
Neste aspecto, a realização da democracia nas plataformas
digitais, de acordo com Limberger (2016, p. 90), consiste em
uma tríade entre a busca da informação pública disponível
em rede, os debates potencializados por meio de fóruns vir-
tuais e o retorno em forma de deliberação parlamentar ou no
espaço de tomada de decisões referente à implementação
das políticas públicas em comento.
Há, portanto, a necessidade de uma aproximação entre os
espaços democráticos tradicionais com a democracia par-
ticipativa potencializadas pela internet para efetivação dos
novos meios de realização da atividade democrática.
Em tempos paradoxais para as culturas democráticas em
que a desconfiança política neste regime e suas instituições
se dão de forma generalizada por cidadãos que visam adotar
novos modos de participação e reformulação de um sistema
representativo, buscando até mesmo alternativas em mode-
los de democracia que negam partidos políticos e parlamen-
tos pela forte desconfiança dos atuais modelos, a internet
surge como mediadora dos cibercidadãos que buscam uma
nova dinâmica de representatividade que visa maior envolvi-
mento dos atores – rede (MOISÉS, 2010, p. 45- 55).
As sociedades atuais vivenciam as novas tecnologias de in-
formação na política, na comunidade social, na economia e
tal vivência, ao seu modo de ver, afetam de maneira densa os
valores basilares como a democracia e a liberdade, a forma
de organização e as relações comunitárias de uma socieda-
de moderna.
Nesse ínterim, o espaço democrático e acessível que ocorre
no território da internet, diferentemente das mídias já exis-
tentes, possibilita que internautas expressem seu pensar en-
quanto cidadão. Cabe, portanto, neste momento pensarmos
¯
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se o exercício efetivo da democracia pode-se dar na atmos-
fera dos ciberespaços.
Os processos de luta por democracia necessitam da participa-
ção popular para se realizarem, consoante os autores, o ato de
participar ativamente dá ao cidadão poder de influir e controlar
diretamente as decisões tomadas em prol da sociedade. As
pessoas precisam participar de uma nova fase que se vivencia
no Brasil e o mundo que, pela intervenção comunitária conse-
gue apresentar propostas, discuti-las conjuntamente com os
seus representantes em um debate público on-line.
Para tanto, o primeiro passo para que esta discussão se rea-
lize de forma on-line é a disponibilização concreta e eficaz
de dados públicos e informações públicas por meio dos sí-
tios eletrônicos. Neste sentido, a pesquisa desenvolvida pela
ONG contas abertas avaliou 124 municípios de São Paulo no
ano de 2013, comprovando que os portais/sites municipais
não disponibilizam com clareza as informações públicas dis-
poníveis aos cidadãos (CONTASABERTAS, 2018).
No que se refere ao acesso à informação pública, a Lei fede-
ral de acesso à informação n. 12.527/11, que regula o acesso
a informações previsto no inciso XXXIII do art. 5o, no inciso
II do § 3o do artigo 37 e no § 2o do artigo 216 da Constitui-
ção Federal dispõe, em seu artigo 8º o “dever dos órgãos e
entidades públicas promover, independentemente de reque-
rimentos, a divulgação em local de fácil acesso, no âmbito de
suas competências, de informações de interesse coletivo ou
geral por eles produzidas ou custodiadas.”(BRASIL, 2011).
Pontua-se que as demonstrações de democracia e do cibe-
rativismo representam um movimento ativista midiático com
apoio das novas tecnologias de comunicações, transformando
a plataforma da internet em um importantíssimo espaço demo-
crático de participação coletiva. As redes on-line demonstram
um processo célere de mudanças nesta contemporânea trans-
formação social aproximando a internet, a rede, as tecnologias
instrumentais, o ser, sua identidade e a globalização.
Tecno-atores reinventam essas novas formas de interações
e participações na rede desafiando Estado, Poder Judiciário,
Legislativo e Executivo a compreender e oferecer respostas
eficientes a estas práticas tecnológicas de sociabilidade, di-
ferentes das respostas que serviam as práticas sociais tradi-
cionais. Os fluxos de troca de informações atuam em velo-
cidade constante em plataformas colaborativas, e a rede se
torna um campo híbrido de todos para todos.
Consoante Dworkin (2007, p. 227e 228), a consolidação de
uma forma integrativa baseada na integridade entre a socie-
dade representada pelos cidadãos, às instituições dos regi-
mes democráticos e a política precisa ser pensada para que
assim seja valorizada pelo cidadão.
As ágoras digitais se mostram essenciais enquanto meca-
nismo de realização e efetivação ativa na atual política, na
integração entre sociedade, cidadão, instituições e política,
na organização de mobilizações não mais presenciais, mas
através de compartilhamentos, comentários, curtidas, trocas
informacionais colaborativas e outras formas on-lines que vi-
sam integridade neste regime.
Segundo Perez Luño, o cidadão nesta atual abordagem ga-
nha representatividade e torna-se protagonista social quan-
do, de maneira direta e célere, atua politicamente por meio
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de canais da internet apresentando sua opinião, propondo
mudanças e propostas e até mesmo criticando a forma ins-
titucional tradicional ou o que está em desacordo com seu
modo de pensar. Nesta mesma linha de pensamento, Luño
afirma a necessidade de se (re)pensar a democracia parla-
mente representativa por uma democracia que aconteça di-
retamente por meio da participação mais efetiva do cidadão
(PEREZ LUÑO, 2004, p. 67 e 68).
Este tipo de ativismo utilizando a internet e sua arquitetura
de rede interconectada serve de base fortalecedora para or-
ganizações se articularem tanto no espaço local quanto no
global, importando e exportando discussões de coletivida-
des de ideias e articulações de ações que encontram aqui
diversificadas fontes de informação que se propagam de for-
ma colaborativa.
Votações, colaborações, consultas de enfoque públicos nes-
te meio digital manifestam os anseios e a vontade do povo
governado e mostram os caminhos de uma democracia que
precisa ser construída cada vez mais de forma colaborati-
va com o Estado para que alcance o bem comum (PEREZ
LUÑO, 2004, p. 67-69).
O cibernauta assume no atual ciberespaço uma identidade
de cidadania não apenas local, mas global, o cidadão que
povoa este espaço é habitante de dois mundos: o “real”, fí-
sico e das redes entrelaçadoras da internet que vê na alte-
ridade do outro uma possibilidade de troca, luta e impactos
que advém das redes digitais. Assim, os atores sociais que
interagem por meio das novas tecnologias da informação,
não mais face a face, mas tela a tela, organizam-se em co-
munidades virtuais que interligam ser, identidade, rede, cola-
boração e transformação de estruturas sociais.
Dessa forma, “as redes permitem reduzir os empecilhos do
número e da distância, aumentar indefinidamente o volume e
a transparência da informação pública, promover o livre inter-
câmbio de opiniões, favorecer a democracia direta por limitar
desvios ou falhas da democracia representativa” (GUILLAU-
ME, 1996, p. 151).
A multiplicação de espaços democráticos pela rede poten-
cializa o exercício de cidadania e democracia a partir do
computador e amplia as tradicionais formas de em que es-
tes espaços se davam. Apontando uma “civilização da tele
presença generalizada. Para além de uma física da comuni-
cação, a interconexão constitui a uma humanidade em um
contínuo sem-fronteiras” (LEVÝ, 1999, p.127).
As decisões democráticas ganharam maior transparência
e poder de fiscalização por meio do acesso instantâneo de
bancos de dados, perfazendo um novo tempo em que a de-
mocracia se manifesta nas redes interativas da internet. A re-
programação das sociedades em rede exerce diversificados
mecanismos que produzem poder capaz de influenciar os
poderes que estão historicamente constituídos.
Segundo Lévy, a internet mundanizou a política fortalecen-
do as organizações ativistas e também os movimentos de
oposição de forma que, seus processos de organização já
não precisam mais se apresentar de maneira hierárquica e
burocrática (2003, p. 137). Uma condição ativista se torna
essencial para que os cidadãos estabeleçam uma postura ci-
berdemocrática que instiga as pessoas que também habitam
estes espaços, as provocam no estabelecimento de deba-
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tes públicos com exposição e reformulação de opiniões, os
encorajam para defenderem seus pensamentos, lutarem por
direitos através de movimentos políticos e sociais.
Os debates públicos fomentados pela participação e provo-
cação do cidadão de muitos por muitos que se dão na rede,
na contextualização de Rodrigues (2012, p. 29) reafirma, o
que já se verificou neste estudo no que se refere às novas
contextualizações de ágoras públicas.
Para Rodrigues (2012, p. 29), as praças públicas/ágoras eram
locais públicos de realização de assembleias para debates com
livre exercício de manifestação de ideias e expressão que envol-
viam as mais diversificadas questões sociais. Hoje, no contexto
digital da internet estas delimitadas praças públicas transfor-
mam-se em espaços virtuais ilimitados – como por exemplo os
blogs - como sendo um lugar em que, qualquer pessoa com
acesso a internet pode manifestar seu pensamento estabele-
cendo-se ali o compartilhamento de conhecimento.
Assim, o novo espaço geográfico formado pela internet, cha-
mado espaço virtual, cede lugar para a formulação se denomina
ciberdemocracia, que nada mais é a manifestação de assuntos
democráticos e políticos neste novo ecossistema político social.
Ao servir de subsídio para incrementar práticas de democracia
cotidianamente, Pozobon (2011, p. 182) apresenta o que es-
tabelece os graus de uma democracia digital. Em uma escala
de um a cinco, a autora reflete os graus da democracia digi-
tal como sendo o primeiro, considerado elementar, é o aces-
so dos cidadãos aos serviços públicos através da rede para
acompanhamento em tempo real das informações dos seus
representantes políticos em todas as esferas de poderes.
O segundo grau se dá por meio de consultas interativas por
meio da rede entre cidadão, em terceiro grau está a busca
pela efetiva transparência dos atos públicos praticados pe-
las esferas dos poderes por meio de fornecimento de infor-
mações e prestação de contas a todo o cidadão, em quarto
grau o Estado dá lugar a participação popular por meio de
informações de seu funcionamento, intervindo de maneira
deliberada no que tange às decisões públicas tomadas em
proveito do bem comum (POZOBON, 2011, p. 182).
Em pensando a possibilidade da concretização destes cin-
co graus de democracia digital, certo é que a ciberdemo-
cracia vem tomando forma e servindo de ferramenta para a
participação mais ativa do cidadão nas atividades políticas,
assim como, vem apoiando as responsabilidades e direitos
dos cidadãos enquanto atores da democracia e da voz das
maiorias representando as decisões a serem tomadas como
legítimas por advirem dos atores em sociedade.
Com efeito, as participações democráticas via internet ainda
precisam, além da ampla divulgação de informações, aper-
feiçoar virtudes que dizem respeito aos debates enquanto
aperfeiçoadores das participações digitais, operando em ní-
vel local e global as atividades que acontecem na arquitetura
desta tecnologia on-line e refletem também socialmente de
maneira off – line.
O amadurecimento de um processo ciberdemocrático se
faz necessário para consolidação da interatividade digital e
a apreciação das manifestações apresentadas pelos ciber-
cidadãos, bem como a consolidação e destas construções
colaborativas junto aos órgãos públicos. A informação, para
tanto, é a peça de maior preciosidade para que este quebra-
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-cabeça se encaixe no modelo de sociedade.
O Estado contemporâneo assiste uma onda de participação
cidadã na política e passa a vivenciar na internet, um instru-
mento para que a democracia seja fortalecida na estrutura do
Estado Democrático de Direito. Aliado a este pensamento,
já no ano de 2011, a ONU - Organização das Nações Uni-
das - alçou o acesso à internet ao parâmetro de direito hu-
mano fundamental por ser esta instrumento que possibilita a
participação dos cidadãos na consolidação da democracia,
mencionando ainda que o fato de desconectar as pessoas
ligadas nesta plataforma de informação é violar a política dos
direitos humanos (G1, 2011).
As garantias estabelecidas no nosso modelo de Estado De-
mocrático visam dar ao cidadão a capacidade de exercer a
democracia aqui estabelecida ao povo por meio de sua livre
participação. Introduz-se, assim, através do Estado Demo-
crático de Direito uma política que visa o equilíbrio na esfera
político-social, o equilíbrio do bem comum e a ojeriza ao mo-
delo de autocracia absolutista de poder, que busca através
de normas democráticas e eleições populares o respeito e a
garantia dos direitos fundamentais do povo.
Ao observar os movimentos das sociedades no espaço da
internet já mencionados no presente estudo, é possível con-
siderar que esta vem mudando o modo como o cidadão vem
exercendo seu direito à democracia no Estado Democrático
de Direito, por interagir com o órgão legislativo de qualquer
escala de maneira on-line.
É por isso que o grande desafio dos ciberespaços enquanto
fonte para realização da cibercidadania e da ciberdemocra-
cia é transformar a participação de todos os cibercidadãos
em vozes de efetiva representatividade para que a participa-
ção cidadã fortaleça a democracia nestes palcos.
Na concepção de Luño (2014, p. 14), a ciberdemocracia cha-
mada por ele neste momento de teledemocracia pode ser o
principal canal para a que se promova democracias mais au-
tênticas, efetivas e plenas na participação política do século
XXI, em termos de cibercidadania.
Para tanto, se faz necessário que não apenas a dissemina-
ção do acesso à internet se faça no Brasil e no mundo, mas
também é ordem do dia, para que estes espaços se realizem
enquanto transformadores do conceito e da realização da
democracia e da cidadania a “alfabetização crítica digital” do
usuário por meio da pulverização da informação para servir
de apoio a fiscalizações, críticas e sugestões aos órgãos de
representatividade social.
Nesse seguimento, as diferenças de acesso precisam ainda
a nível mundial ser diminuídas para que o ciberativismo, a ci-
bercidadania e ciberdemocracia aconteçam de forma iguali-
tária e eficaz. Portanto, necessário que os países se engajem
nesta luta para que, além do acesso, se eduque a “formação
de hábitos de conhecimento e processamento crítico dos
dados necessários. Na falta destas condições contextuais,
a conexão a redes informáticas oferece saberes de baixa ou
nenhuma utilização” (CANCLINI, 2009, p. 236).
Ainda, em matéria de novos modos de realização da demo-
cracia, são oportunos os ensinamentos de Boaventura de
Souza Santos quando esclarece o núcleo da questão tanto
nas antigas quanto nas novas formas de reescrever demo-
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cracia nas plataformas digitais: “Democracia é todo o pro-
cesso social, político e cultural por via do qual relações desi-
guais de poder são gradualmente substituídas por relações
de autoridade partilhada. [...] Democratizar é um processo
sem fim” (PÚBLICO, 2016).
Por fim, importante o registro de que há muito que se apri-
morar e amadurecer nestes novos meios de representação
democrática, porém, o caminho que até aqui se trilhou já de-
monstrou que a internet escreve seu legado como um meio
capaz de fomentar, discutir e produzir democracia frente às
manifestações e anseios populares.
CONCLUSÃO
O estudo proposto buscou analisar a vivência de uma das
mais importantes revoluções da atualidade, a internet po-
tencializa novos espaços de interação social entre os atores
sociais que se conectam por meio da rede e conquistam um
novo modo de comunicação global, fazendo com que des-
tas novas interações criem-se novos modos de apresentar a
cidadania e a democracia no cenário de empoderamento da
internet ao cidadão, de maneira a repensar as novas formas
de inteligência coletivas citada por Pierre Lévy.
As novas tecnologias movimentam o modo de vida dos cida-
dãos, os sistemas financeiros, informacionais, educacionais,
culturais, políticos, etc, de forma instantânea e sem frontei-
ras. Tais fatores trazem consigo e com a ideia de socieda-
de em rede, impactos nos mais diversificados segmentos e
vem cada vez mais desafiando o Estado e os atores sociais a
apresentarem respostas apropriadas às questões postas nos
ambientes virtuais.
Por fim, o estudo apresentado visa contribuir para a reflexão
e concretização da democracia e cidadania frente às redes
virtuais proporcionadas pelo ambiente on-line da internet por
meio dos cidadãos ativistas. A problemática enfrentada neste
estudo buscou demonstrar a importância que a tecnologia da
internet representa atualmente na sociedade estruturada em
uma rede digital e as manifestações sociais que nela se dão.
Se verifica que, a estrutura das redes virtuais possibilitadas
no ambiente da internet, são capazes de estabelecer e con-
cretizar diálogos fortalecedores da democracia e a cidadania
por meio das redes virtuais garantindo a participação demo-
crática em busca do fortalecimento de direitos e garantias
estabelecidos a todos os seus usuários.
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Notas
1. Doutoranda em Direito Público (Hermenêutica, Constituição e concretização de Direitos) na Universidade do Vale do Rio dos Sinos – Unisinos. Bolsista CA-PES PROEX. Professora da Faculdade São Judas Tadeu (Porto Alegre/RS). Mestre em Direito. Advogada com especialização em Administração Pública. E-mail: [email protected].
2. Talvez o mais simbólico movimento a utilizar as novas tecnologias da informação seja o denominado Indignados, ocorrido na Espanha. Denunciando o financiamento internacional em decorrência da globalização, Hessel convida a todos que indignem-se frente às frequentes violações dos Direitos reconhece as importantes conquistas da segunda metade do século XX no que se refere aos Direitos Humanos, as alcançados pelo Estado de bem estar e, ao mesmo tempo, não deixa de reconhecer, assinalando os atuais e significativos retrocessos vivenciados quanto a temática (HESSEL, 2010). 3. Esta proteção pode ser verificada ao longo de quatro artigos da Lei nº 12. 965/14: Artigo 2o; Artigo 7o; Artigo 24; Artigo 26 (BRASIL, 2014).
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