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1 Sonetos Imperiais Sonetos de Esio Antonio Pezzato Piracicaba, 2003

SONETOS IMPERIAIS

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SONETOS DIVERSOS

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Sonetos Imperiais

Sonetos de Esio Antonio PezzatoPiracicaba, 2003

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COMENTÁRIO DO AUTOR

Eis mais uma coleção de meus versos.Novamente sonetos. Há mais de trintaanos buscando aperfeiçoar-me à suatécnica, aos seus segredos, aos seusmistérios, impossível deixar de tentardescobrir os seus meandros. Sempre emmeus livros os sonetos pontearam e emduas ocasiões fiz-me publicar em sonetosapenas. A primeira quando da “Oficina deSonetos”, em 1998, com cinqüentasonetos, e outra, em 1999, quandopubliquei “História de um amor”, comcento e cinqüenta sonetos. Porém, destavez, ocultei-me no pseudônimo deSamantha Rios, já que os sonetos foramescritos dentro de um universo totalmentefeminino.Somente em “caiPIRACICABAnos”, poemaem oitava rima e “O Evangelho SegundoJudas Ish-Kiriot”, eles não aconteceram,

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já que tais livros formavam uma unidadeseqüencial: o primeiro em 512 estrofes emsua primeira edição, em 1993, aumentadaem 2002 para 1000 e o segundo mais de700 versos alexandrinos.Mas desde meu início no mundo da poesia,nos idos dos anos 70, ponteei o soneto.Certo que perdi a conta de tudo que jáproduzi, publiquei e perdi, mas já em 1978,quando estreei no mundo do livro, com“Luzes da Aurora”, depois em 1991, com“Semeadura”, 1997 em “Romaria”, 1998“Viagem Poética”, 2000 “Portal dosSonhos” e 2002 “Colcha de Retalhos”, osSonetos sempre foram parte importante eimprescindível dentro de minha poética.A técnica por mim utilizada não foge aoscânones: decassílabos ou alexandrinos.Aos decassílabos busco sempre os versossáficos, com cesuras nas 4as., 8as. e10as. sílabas, pouco me importando osacentos secundários. Também nos

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heróicos, com cesuras nas 6as. e 10as. epraticamente desprezando as demaisacentuações. Já nos alexandrinos, tento oclássico: cesuras nas 6as. e 12as. sílabas,e buscando as oxítonas nas sextas ou,sendo paroxítonas, as próximas sempre seiniciando por vogais. Às vezes, noalexandrino ocorrem versos terciários,mas isto sempre por acaso.Com as rimas também sou cuidadoso nasquadras sempre o esquema ABAB ouABBA, sendo que por vezes, inverto osesquemas ou mesmo chego a misturá-losno próprio soneto. Já nos tercetos chego aser mais flexível: CCD EED, CDC DCD, CDCEDE, CCD EDE e ainda outros esquemas,porém, jamais usando, quer nas quadras,quer nos tercetos, rimas parelhas. Muitomenos nas quadras, uso rimas diferentes.Foi assim que aprendi.Por este motivo, às vezes, o verso ou aidéia, por causa das rimas, saem meio

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duros, mas sacrifico a idéia em louvor àForma. Dentro do esquema rimário,contudo, não chega a causar-mepreocupações rimas com sons diferentes:abertos ou fechados, como por exemplo:estrela e singela, deserto e concerto, eoutros casos. Uso também rimas átonas eagudas, às vezes esdrúxulas, isto tudodentro do mesmo soneto e creio que istonão lhe faz mal.Quanto ao título: SONETOS IMPERIAIS, aidéia brotou-me ao ver as PalmeirasImperiais da ESALQ. A mim os Sonetos,dados ao seu porte, à sua altivez, à suabeleza, ao seu poderio, à suagrandiosidade, parecem ser imperiais,soberbos, soberanos. Assim juntei asidéias e dei título a este livro. Tambémcuidei para que a ilustração da capa nãoescapasse tal detalhe: são 14 troncos depalmeiras, numa analogia real aos 14versos do Soneto.

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Também os temas: estes são variados, jáque foram feitos em diversas ocasiões enos mais diversos estados de espírito.Alguns têm seqüência, e por isso foi quedecidi dividir este livro em quatro partes.ALMA DA PALAVRA, SONETOS SOBRE OMISTÉRIO, onde todos saíram em poucomais de 20 minutos, os SONETOSCASEIROS, falando de minha casa junto àAna Maria, em início de nossa vida edepois a parte maior, e totalmente livre detemas. Aí são perto de noventa sonetosque dão título ao volume: SONETOSIMPERIAIS.Gosto de imitar meus poetas preferidos,sendo assim é natural que alguémidentifique algo cheirando plágio, mas opropósito é natural, principalmentequando os versos trescalam novocabulário de Augusto dos Anjos, quedado ao seu aberratório jeito de poetar,

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faz que qualquer imitação cheire apastiche.No mais as outras considerações não meparecem ser importantes. Importa, sim,que meus versos possam ser lidos,entendidos, analisados e que tragamsatisfação aos leitores.É esta a paga que o Poeta busca. Somenteesta.

Esio Antonio Pezzato

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ALMA DA PALAVRA Parte I

I

Das Palavras confesso-me um intruso,Pois todas elas trazem seu segredoQue às vezes deixam o homem no degredoQuando faladas com maléfico uso.

Usando-as para o mal causam abusoE proferidas vêm provar o medo.Por vezes deixam o sentido azedoSe para atalhos a dizer conduzo.

Eis a Palavra sorrateira, fria,Condutora de enganos e agonia,Que trago presa dentro da algibeira.

Eis a Palavra que profana tudo!E é preferível ter papel de mudoQue fazê-la de nossa prisioneira!03.07.2002

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II

Eis a Palavra, e ela se mostra fria,Quando verbete em velho dicionário.Porém, falada, envolve-se em magia,Tomada de vigor extraordinário.

Transmuda-se feroz nesta alquimiaSai do apogeu ao fúnebre Calvário!Vigorosa, fatal, densa, vazia,Eis a Palavra em seu itinerário!

São sete letras – fortes como o aço!Três vocálicos sons – no estardalhaçoFerem e matam, dão Poder e Glória!

De tudo o que se pensa e se escalavraResta somente, a pálida Palavra,Para contar o que ficou na História!

04.07.2002

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III

A Palavra é uma faca pontiagudaPronta para atacar, para a defesa,Arma que fere a própria naturezaQue aos ataques profanos fica muda.

Pode, às vezes, conter fulgor, leveza,Mas num instante apenas – se transmuda.E se torna feroz, ferina, aguda,Carregada de babas na vileza.

Da Palavra provém meu artifício,Com ela moldo a rima, moldo o verso,E com estrofes urdo um edifício.

Dobo com ela o instante mais perverso,E a Inspiração que a tantos é suplício,É a Razão para mim neste Universo!

04.07.2002

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IV

A palavra me faz mordaz e forte,Com ela suo em gotas de veneno.E as almas sorrateiras eu gangreno,Prendo, julgo, condeno e induzo à morte.

A Palavra conduz a minha sorte.Crio versos de amor com tom ameno.Teço a Lira, urdo o Som calmo e serenoE indico em sons o mais provável Norte.

A Palavra está pronta para usá-la!Se às vezes a comparo a fina seta,Da minh’alma ela, faz a sua sala.

Assim minha razão torna completa:Se em silêncio a Palavra vibra e fala,No Ofício do Silêncio – sou Poeta.

04.07.2002

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V

Sonho contigo no escaldar das horasQue passo solitário em desvendar-te.Bailas no espaço com um estandarteA tremular impávida... E me ignoras.

Decifro-te os enigmas – parte a parteE tornas-te crepúsculos e auroras,Assim quanto mais forte tu clangoras,Mais sinto o peso crucial destarte.

Oh! Mistério infernal que me crucia,Vejo-te fulgurante e brilhas tanto,E não consigo traduzir-te a lavra.

Abstenho-me de abrir esta magia,E de maneira mórbida este cantoFica frente ao mistério da Palavra.

04.07.2002

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VI

Dentro dos livros a palavra é mortaE não produz sabedoria alguma.Porém, se alguém abrir do livro a porta,Irá vê-la fervendo em densa espuma.

A exóticos países nos transportaEm cavalos alados de alva bruma.Forte e firme abre os diques da comporta,E mostra pérolas de luz, uma a uma.

Porém, dentro dos livros a Palavra,Fria e extática lembra tão-somenteO ouro da mina que não teve lavra.

Mas se lábios em sons derem-lhe Vida,Quente e ofegante ela será polidaE deixará de ser simples semente!

04.07.2002

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VII

A Palavra em seu som é a densa lavaQue o vulcão regurgita em sua fúria.Ríspida, a alma se torna dela escrava,E deixa dos afetos – negra injúria.

O tesouro reduz a ampla penúriaE à Liberdade, o belo sonho trava...Eis a Palavra e a tempestade espúriaQue nas rochas mais duras bate e cava.

Seus segredos não dizem os mais sábios,Pois quando chega no tremer dos lábiosTorna-se labareda que extermina.

Em silêncio, porém, parece morta,Mas quando bate em guizos sua porta,Mostra todo o fulgor que lha domina.

05.07.2002

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VIII

Busco ater-me ao axioma da PalavraE da maneira que ela vem escrita.E em ânsias a minh’alma se escalavraNum transe de maneira ultra-esquisita.

É vão o ofício, perco o tempo à lavra.A busca de vocábulo é infinita.O papel de bolores se azinhavraCom desesperos minha fala grita.

Tantos fizeram esta vã batalha,Buscando derrota-la em luta inglória,E a todos, ela impôs infausta falha.

Hoje retenho apenas na memória:O seu fio cortante de navalhaQue decepa cabeças na vitória!

05.11.2002

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IX

Bebo a Palavra na mais fina taçaQue às vezes de veneno me vem cheia.Bebo-a de um gole só, tal como a idéia,Que num repente chega e logo passa.

Faço com a Palavra uma EpopéiaE ponho-a em livros ao furor da traça;Depois crio artimanhas e ameaçaE prendo-a forte dentro da colméia.

Sangro a Palavra e bebo-lhe a fuligem,Procuro decifrar a sua origemE seu segredo de maneira clara.

Mas quanto mais procuro em minha lavraDescobrir o segredo da Palavra,Ela se mostra sorrateira e rara.

05.11.2002

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X

A Palavra é minha arma no combate,É minh’alma que sangra enquanto luta.Com tentáculos de aço, é um alicate,Que golpeia na fúria da disputa.

Raivosa, às vezes, como um cão que late,Estraçalha com verbos e executa.Abre imensos salões em atra gruta,Depois faz rendilhados, no arremate.

Sangro com ela na batalha imensa!Por ela suo estrofes e poemas,Dela tiro em soluços, minha crença.

É alma que pulsa em mim e dá-me Vida:Dá-me paixões e glórias tão supremas,Que percebo sequer a alma ferida.

05.11.2002

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XI

A Palavra é meu cárcere diário:A ela estou preso com fatais algemas.É minha cruz nos passos do Calvário,É minha luz nas glórias mais supremas!

Com ela teço o longo itinerárioPara seguir as vastidões extremas.É treva ao longo do caminho vário,E claridade para as minhas gemas!

Dia após dia, instante após instante,Sei-me dela um profano prisioneiroE sou cruel, feroz, e doce amante.

Se busco defini-la, atroz se ofusca,Depois brilha no céu como luzeiroE jamais dá final a minha busca.

05.11.2002

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XII

Se tento definir tua presençaDizes que nada dizes, nada dizes.Mas plantas na minh’alma cicatrizes,Partes depois em plena indiferença.

E voltas novamente sem reprisesEmbaralhando em cartas minha crença.Retornas gorda – com vontade imensa,E, magra, voltas para as minhas crises.

Quem te moldou primeiro o som metálicoTe desenhando as arabescas formas,– Signos e hieróglifos, Pedra Roseta,

Primiu-te a Vida com seu gesto fálico,E, deu ao Mundo as incontáveis normas,Foi mais que gênio – foi um Deus asceta!

05.11.2002

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XIII

À Palavra estou preso como um ímã:Sete tentáculos são suas garras.Oh, Palavra! Tu prendes-me e me agarrasE nesta lavra teço a minha rima.

Aos meus ouvidos vens como as fanfarrasCom seus toques marciais de formaopima.Não há revolução que me redimaQuando a combates tensos tu me amarras.

Suprema evolução da língua aflita!Em silêncio minh’alma clama e gritaE explode em labirintos de loucura.

Tens a fúria total dos elementos:Águas e terras, fogos e ímpios ventos,Moldam-te cristalina, doce, pura.

05.11.2002

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XIV

Quero a Palavra que se mostra nua,No alicerce de enormes edifícios.Desbastada de dogmas e artifíciosPara domá-la no labor que estua.

Quero a Palavra de maneira crua,Sem ranços de modismos e suplícios.Que traga na raiz fartos ofíciosE que perfure fundo, como a pua.

A Palavra no verbo mais sublime,Pura e ardilosa, sem razão no crime,Carregada de idéias para usá-la

Na razão do sentido mais completa.Só assim poderei ser um PoetaQue será compreendido em sua fala.

06.11.2002

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XV

A palavra afiada é como a facaPronta para ferir, para furar.Em língua mole lembra uma matracaFeita para agredir, para atacar.

Encarriada entre frases ela atacaPodendo denegrir e derrubar.Outras, vezes, em forma de catraca,Somente o que convém, deixa passar...

Fortuita, às vezes, vive pelo acaso.Espalha-se em diabruras e gorjeios,E se transforma em flores no jardim.

Lembra depois um já quebrado vaso,Para também, justificar os meios,Pondo um ponto final, chegar ao fim.

06.11.2002

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XVI

Domo o vocábulo, aprisiono o idioma,Retenho a idéia e o pensamento abstrato.Depois solto pelo ar, ao livre olfato,Para as mentes prendê-los em redoma.

Que as pessoas o sintam como aromaQue exala após a chuva o agreste mato.E prendam à retina igual retratoDe uma paisagem que fulgor assoma.

E o entendimento sem labuta e engenhoTraga canções de amor e de ternuraJunto à alegria imensa de um desenho

Que uma criança faz presa à inocência:Mas que sua mensagem seja puraE retenha os segredos da ciência.

07.11.2002

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XVII

A Palavra é a metáfora do medoQue me apavora e tanto me entorpece,Que não distingo nunca o seu segredo:Se, profana ou se diz sagrada prece.

A Palavra povoa a minha messe:Dá fruto às vezes de sabor azedo.Outras horas em sonhos, me apareceE diz verdade em frases de brinquedo.

Quem busca definir seu conteúdoPerde uma vida inteira em vão estudoQue ela é a Verdade cheia de Mentira.

Engano da certeza e ao nada leva,Profano à Natureza é luz e neva,É água às vezes que fogo põe à pira.

05.11.2002

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XVIII

A Palavra é mordaz, é sorrateira,É cheia de artefato e de segredo.Se por vezes é frígida e traiçoeira,E nessas horas causa pena e medo,

Outras vezes se torna alvissareiraE livra alma inocente do degredo.Mas pode ser cruel, fatal, certeira,E pode às vezes, ter sabor azedo.

Nesse vai-vem frenético e constanteÀs vezes soa impávida e robustaE pode ser Mentira e ser Verdade.

Mas ao dizê-la em seu raiar de instante,Sejamos nós a sua fonte justaEngrandecendo-a em toda Humanidade.

10.07.2002

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XIX

Ferve o cérebro, há forte ebulição.Idéias congestionam-se nervosas.Há um bulício de pétalas de rosas,Parece vomitar atro vulcão.

O corpo treme, é enorme a sensação.Sinto forças de fogo poderosas!Brilham estrelas, há maravilhosasExplosões; sinto o corpo alçar-se ao chão.

Há um silêncio que grita a céu aberto,Tempestades de areia no deserto,Maremoto fremente de ardentias.

A Palavra me chega de mansinho,Agasalho-a ainda dentro de seu ninho,E agrupadas, transformo-as em Poesias.

07.01.2003

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XX

Ferve a Palavra e de maneira friaE calculista domo-a em seu furor.Na caldeira do Sonho e da MagiaHá volúpia que vibra em estupor.

Asas incandescentes ela criaE voa no Infinito em fúria e horror.Volta depois, e paira na PoesiaE faz-me declamar versos de Amor.

A Palavra, porém, paira indomável.E quanto mais lhe tento ser amável,Em labirintos de silêncios, ela,

De maneira voraz foge e se entreva.E em sua busca insana eis que me levaAos abismos profundos da procela.

13.01.2003

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XXI

A Palavra se torna incandescenteQuando ponho-a em meus versos, comdesvelo.E vou criando em transes, um noveloDe carinho e de amor em minha mente.

A Palavra me vem como semente:Planto-a em meu coração com terno zelo.Colho-a em frutos depois de forte apelo,Na forma da verdade reluzente.

A Palavra é meu culto, e forte, e viva,Faz minh’alma brilhar nela cativa,Faz o meu coração pulsar mais forte.

Neste elo de paixão e amor eterno,A Palavra é meu céu e meu inferno,E eterna Vida após a breve Morte.

13.01.2003

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XXII

A Palavra contém sons e segredosE enigmas recheados de mistérios.Muitas vezes, conduz para degredos,Em outras vezes, para cemitérios.

Deixam os sonhos de prazer azedosE sorrisos nos lábios ficam sérios.Traumas, delírios, desesperos, medos,E falta de atitudes e critérios.

A Palavra é mordaz, solene, forte,Em seus delírios, desvairada impera,Sabendo conduzir a Vida e a Morte.

Oculta-se nas ramas da tapera,Em seu azar transmuda a sua sorte,Em seu imenso brilho – em primavera.

22.04.2003

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XXIII

A Palavra fulgura em minha menteDepois valseia como brisa leve.E cai no chão, transforma-se em semente,E vai brotando de maneira breve.

Rompe as paredes frígidas de neveE se transmuda em lava efervescente.Chega às mãos que em desenhos adescrevePassando a ser mensagem num repente.

No correr dos delírios dos minutos,Freme em folhas e flores, fulge em frutos,E cascateia em versos de prazer.

A Palavra na força que me domaFaz-me invencível gladiador de RomaNo intrépido desejo de vencer!

23.04.2003

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XXIV

Posta à língua a Palavra é pura brasaQue espíritos e sombras incendeia.Porém, com ela teço lírica asa,Para alcançar o sol e a lua cheia.

Resplendor de ilusão é minha casa.Sobre a mesa a Palavra é minha ceia.Após é desespero que me arrasaArmadilha tramada em tênue teia.

Sou voraz à perfídia que me doma,A solidão da noite é-me loucura,E a alma na insanidade atroz assoma.

Confundo idéias de maneira impura,E como os Césares da antiga RomaEncontro enfim a minha sepultura.

23.04.20003

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XXV

A língua lambe o cerne da PalavraE sente seu sabor amargo e doce.E dentro da minh’alma queima e lavraComo se em combustão um ferro fosse.

No silêncio eis que tímida azinhavraE se transforma num medonho alcouce.Por isso sou amiga da PalavraQue desenhos arábicos me trouxe.

Qual fiel escudeiro – olhar de lince,Domo-a aos tentáculos de cinco dedosPara que suas letras eu as pince.

E sem traumas domar os seus segredos,Para me retratar como da Vinci,Com o sangue de todos os meus medos.

23.04.2003

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XXVI

As Palavras são mágicas, traiçoeiras,Agem como profanas armadilhas.Iludem nas felizes brincadeiras,Depois conduzem às mais falsas trilhas.

As Palavras inventam maravilhas,Fábulas ou histórias verdadeiras.Mas provocam ataques de matilhasE atiram flechas finas e certeiras.

As Palavras induzem comandados.Perfilam homens rudes e sombriosImpondo ânimos, força de vontade.

E há de deixar os sonhos exilados.Os dias de calor pálidos, frios,Até que se extermine a Humanidade.

24.06.2003

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XXVII

Palavras são segredos – e com elasConstruo pensamento num desenho.Vindo às bocas se tornam tagarelasE no silêncio penso nesse engenho.

Escritas ou faladas são procelas.Vendo-as com os olhos, preso memantenho.Contudo expostas são profanas telas,Mostrando liberdade ou duro lenho.

Para escrevê-las – somos desenhistas,Nem por isso, porém, somos artistas,Sabendo traduzir o pensamento.

As Palavras, porém, são passageiras,Passam com rapidez, voam ligeiras,Se desfazendo no valsear do vento.

27.06.2003

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XXVIII

A Palavra não pode ser domadaPois à fera é impossível obediência.Se por instantes sente-se enjaulada,Não há grade que tenha resistência.

Rasga as vísceras, rompe a madrugada,Deixa restos de sangue na consciência.Cavalga pela noite alucinadaCintilando no céu da persistência.

A Palavra fulgura cristalina.Doma corcéis, atinge a alta colina,E atira-se no largo precipício.

Espírito de fogo, eis a Palavra,Que, coração de pedra atro escalavra,E, mente pura prende em ímpio hospício.

22.07.2003

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XXIX

A Palavra é a mais límpida expressãoPara deixar gravada a nossa história.Poder brutal de manifestação,Tempestade de fogo na memória.

É o fio condutor de toda a glóriaE é terror, exorcismo e combustão.Fogo feroz, derrota merencória,Engendros, teares e revolução.

No estado líquido do DicionárioÉ vocábulo inerte que se aprestaPara mostrar apenas o que diz.

Porém, articulada em seu fadário,Na língua do homem vibra e manifestaE estampa sua enorme cicatriz.

20.01.2004

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XXX

As Palavras lançadas céu aberto,– Fosforescentes fogos de artifício –Às vezes são pregadas no desertoOu no altar de profano sacrifício.

Dominar as Palavras – duro ofícioPara quem traça em luz um rumo certo! –Porém, quem a usa para o malefício,Sempre há de estar para o pavor –desperto.

Por isso em Eras, minha heras planto,A chama da verdade que me chamaÉ vão num vão da noite sempre vão.

Em cada canto existe sempre um canto,O drama da consciência odiento tramaNum desvão onde errantes sempre vão...

14.01.2004

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XXXI

As Palavras são fogos de artifícioQue fazem rebentar a luz na treva.E o Poeta, réu confesso em seu ofício,Com a luminosidade ao céu se eleva.

Da Palavra, inspirado ele se cevaE despreza o cansaço e o sacrifício.Se faz frio ou calor, se venta ou neva,Eis que está preso ao mágico exercício!

Escrever é reter o pensamento!E domar o vocábulo e prendê-losNa cadeia fugaz da liberdade.

Pois a Palavra – etérea como o vento,Ao mesmo tempo é sonho e pesadelo,É Mentira vestida de Verdade.

19.01.2004

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XXXII

A Palavra é hieróglifo sagrado,Enigma de Faraós do velho Egito.Chão da Mesopotâmia soterradoE múmia a revolver a voz num grito.

Eco feito silêncio no Infinito,Dos Deuses velho rosto deformado.Consciência e solidão, esgar aflito,Relâmpago de fogo não domado.

Símbolo de uma antiga Humanidade,Traduzidos em mágicos segredos,Num oculto mistério da Verdade.

Vagas vozes veladas dos zabumbas,As Palavras com todos os seus medosSão os ossos das velhas catacumbas.

07.08.2003

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XXXIII

Chove Palavra pelo céu nublado.E em enxurradas corre na sarjeta.A grafite dos sons a deixa pretaQual borra de café pós ser coado.

Ponho à Palavra dobras de tarjetaPara não ver-lhe o olhar frio e indomado.A Palavra é o delírio inanimadoDa semente que brota numa greta.

Líquida escorre em todos os sentidos,Parecem bailarinos acrobáticosSaltando no ar e após caindo em pé.

Na vertical dos sonhos esquecidosOs meus olhos contemplam-nos extáticos,Na musicalidade dessa fé.

09.08.2003

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SONETOS SOBRE O MISTÉRIOParte II

I

Oh! Mistérios profundos! Oh mistériosExistentes além da Inteligência,Que não os sabem desvendar a CiênciaE tantos homens que julgamos sérios.

Vivemos a apalpar a inconsistênciaTentando descobri-los nos saltérios,Mas quedamos a olhar os cemitériosE eles, vetustos, são-nos a incoerência.

E divagamos sobre a hipocrisia,Morrendo sem saber a cada diaAcreditando numa Eternidade.

Porém, nada se faz por desvendar-se:A própria vida serve de disfarcePara ocultar seu lastro de Verdade.13.11.2001 23:25h.

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II

Oh! Mistério que está por toda parte,Como posso viver sem resolvê-lo?Como posso viver se, ao encontrar-te,Penetro o mais profundo pesadelo?

Encontro-te na minha simples ArteDe reunir as palavras num apelo.E vibras como exótico estandarteEnvolto em tênues fios num novelo.

Dobro a esquina e não sei o que me esperaAo ato de escrever, a folha é branca.Enquanto durmo, sei que morro um pouco.

Quem leva o inverno e traz a primavera?Como a palavra pode ser tão francaSe até na realidade sei-me louco?

13.11.200123:28h.

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III

Para um próximo passo – eis o mistério:Posso não existir quando o ponteiroTerminar o seu ciclo rotineiroE meu sorriso for ficando sério.

Talvez exista falta de critérioNeste sonho de vida alvissareiro,Ou talvez seja mesmo corriqueiroLevar uma carcaça ao cemitério.

Todos os dias nós fazemos isso:Colocamos na agenda compromissoSem saber se podemos realizá-lo.

E quem vai cancelar a nossa agendaSe foi extinto o tempo da contenda,Se em vida somos menos que um vassalo?

13.11.200123:33h.

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IV

Haverá de existir um outro diaPara nós acordarmos novamente.Se hemos de apodrecer por ser semente,Em vida brotaremos em magia.

Por certo existe um Deus onipotenteQue faz acontecer essa alquimia,E o espírito que há tempos não sorriaTem vida e passa a ter novo presente.

Se, dizem que a carcaça é que apodrece,E o impalpável retorna ao lar etéreo,Quem é que explica como isto acontece?

Temos por isso o nome de Mistério:Uma saudade fica como preceQuando nos levam para o cemitério.

13.11.200123:37h.

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V

Mistérios, e mistérios, e mistérios,Desesperanças, e desesperanças.A alma perdida em sonhos e lembrançasPor entre entardeceres tão cinéreos...

Os carneiros estão nos cemitériosPara abrigar adultos e crianças.Uns são levados cheios de esperanças,Outros sem dentes vão, sisudos, sérios.

Delírios, e delírios, mais delírios,E sombras obumbradas, brandas luzes,E almas em gozos, e almas em martírios.

Um silêncio sinistro, um riso oculto,Mãos espalhando ao corpo algumascruzes,Para espargir o medo de tal culto.

13.11.2001 23:43h.

Page 46: SONETOS IMPERIAIS

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VI

Não posso compreender, porém é certo,Que além da morte algum mistério existe.E este quebra-cabeça é que resisteQuando dá morte, fica-se bem perto.

Não cremos, não, errar pelo desertoDo infinito silêncio que persiste.Fosse assim e o homem viveria tristeSempre para o profano estando aberto.

Contudo em seu silêncio ele se fechaE o receio é quem deixa à mostra a brechaPara com o corpo iluminar su’alma.

E sempre que pratica algum delitoAlardeando remorso clama um gritoPara poder ter uma vida calma.

13.11.200123:49h.

Page 47: SONETOS IMPERIAIS

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VII

Percebo-me seguir um labirintoE não percebo a porta de saída.A entrada foi regada a vinho tinto,Trôpegos pés tropeçam na corrida.

Mas quem soprou em mim o dom da Vida?Quem me postou em pé sobre este plinto?Se nada lembro como nada sinto,Por que a memória faz-se de esquecida?

Como saber quem fui antes de ser-me?Um rastejante e consumível vermeDepredador por típica excelência?

Se outros sofreram para o meu deleite,Por que na fonte conspurcar o leiteQue bebo sem buscar sua Ciência?

13.11.200123:53h.

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VIII

Estou aqui, os versos vou compondoNa ânsia incontida de esclarecimento.Com meus olhos abstratos mudo, rondo,Procurando encontrar-me no momento.

Sou carvão, cálcio, gás, fósforo e vento,Mas o cosmos, aflito, busco e sondo...Tudo a distância mostra-me redondoE encobre imperfeições no movimento.

Extática, a áurea luz tudo ilumina.Os olhos foco sempre em linha retaE o pensamento hipócrita rumina.

Recolho para mim, da luz, a setaE a Palavra, que brilha purpurina,Faz em mim sensações de ser Poeta.

13.11.200123:57h.

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IX

Minha Palavra é feita de fumaça,Baila no ar – basta apenas eu dizê-la.Sem conteúdo ou forma, não embaça,Também não brilha, por não ser estrela.

Eis a Palavra, mas não posso vê-la,Pois, com o vento ao seu encalço, passa.Assim que a falo, já não posso tê-laE se torna ferina feito massa!

Se a pronuncio, vai rodando ao ventoE na metamorfose é monumentoE vira espada para o ataque pronta.

Tem o valor da prata por tesouro,Porém, não dita, vale o peso em ouroE o silêncio é que em transes amedronta!

13.11.200123:59h.

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SONETOS CASEIROSParte III

I

Nas noites em que faz intenso frio,O meu amor enrola-se na mantaE enquanto Gonzaguinha eterno canta,Ela ao sofá se deita em calafrio.

Eu feliz a contemplo – isso me encanta!Ela diz algo e distraído rio...E para não perder do verso o fio,Minh’alma em sonhos, nela se acalanta...

Eu à poltrona concentrado escrevo,Ela fala, contudo não me tiraA inspiração que vem-me num enlevo...

São coisinhas caseiras o que digo,Então sinto afinar-se a minha liraPor ter este sereno e doce abrigo.05.05.2001 21:31h.

Page 51: SONETOS IMPERIAIS

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II

O lustre com as lâmpadas brilhandoIlumina esta sala por inteiro.Eu fico minhas telas contemplandoNum sonho sem igual de prazenteiro.

De minha amada sempre companheiroE sempre mais intensamente a amando,Esqueço qualquer sonho aventureiroPara ficar aqui num sonho brando...

Pois a sala está toda iluminada,Minh’alma em brilhos fica apaixonadaE ilumino-me todo neste amor.

Fora faz frio, mas de nada importa,Aqui na sala não existe portaDe onde possa escapar este calor.

05.05.200121:35h.

Page 52: SONETOS IMPERIAIS

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III

Janelas na parede são moldurasPor onde posso contemplar o mundo.Quando debruço com prazer profundoE vejo panoramas de aventuras...

Olho um homem passar meditabundo,Duas crianças inocentes, puras...Contemplo pássaros pelas alturasE de outras alegrias eu me inundo...

Passa um carro, passa uma bicicleta,Passam homens que voltam do serviçoE toda a rua está movimentada...

Súbito, em mim, acorda o ser Poeta,E atendendo da Musa o compromisso,Componho este Soneto à minha Amada.

05.05.200121:38h.

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IV

O telefone toca, eu logo atendo;É meu amor que fala todo aflito:“– Meu bem, de um favorzinho eunecessito,Pode vir me buscar, está chovendo...”

Ai, o seu nervosismo é tão bonito...– Pode esperar, já vou aí correndo...Seu medo de trovão eu logo entendo:Faz orações..promessas... solta um grito...

Vou correndo encontrá-la.. está molhada...Pois a chuva chegou sem dar aviso:“ – Ai, amor, eu saí despreparada...”

Dou-lhe um abraço e solto o meu sorriso...Vamos embora e em casa, apaixonada,Faz-me sentir em pleno paraíso...

05.05.2001 21:42h.

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V

Em casa os vasos são os ornamentosQue embelezam com flores o ambiente.Beleza tal me faz ficar contenteE,ao vê-los, me distraio em pensamentos...

As flores são de vários sortimentosE todas, multicoloridamente,Fazem brotar da paz cada sementeE com elas divago em mil momentos.

Cada flor foi regada com carinhoE tratada com zelo e muito gosto,Para deixar bonita a nossa casa.

Entre tão belas flores, eu caminho,Estampando sorrisos em meu rosto,E, n’alma o amor, ardendo como brasa.

05.05.200121:45h.

Page 55: SONETOS IMPERIAIS

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SONETOS IMPERIAISParte IV

InutilidadeO homem estuda e quanto mais estuda,Mais ele perde-se em sabedoria.Para os mistérios a palavra é mudaE, à realidade, plena fantasia.

Suas necessidades sempre adia,E, para um Deus, em vão, suplica ajuda.Em palavras douradas ele fiaE, para novas crenças, ele muda.

De nada vale o tanto que ele pensa,Tudo parece ser vagante ciênciaRecheada de total indiferença.

Também se julga um Hércules de músculo,Mas só tem seu diploma de sapiênciaQuando contempla a vida em seucrepúsculo.Garopaba, SC 15.10.2001

Page 56: SONETOS IMPERIAIS

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Encantos

Coração de Poeta sonhadorTraz sempre um verso pronto para ocanto,Uma ilusão alada, olente encanto,Um perfume colhido numa flor.

Coração de Poeta sofredorTraz sempre o desespero, o desencanto,A tristeza a rolar no fel do pranto,Uma desesperança unida à dor.

Tanto um quanto outro sempre sãosofridos:Não conseguem prender no coraçãoOs sonhos que vagueiam pelos ermos...

Pois sempre solitários e perdidos,Quando sentem soprar a inspiração,De si próprios percebem ser enfermos.05.12.2001

Page 57: SONETOS IMPERIAIS

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Saudade Oculta

A saudade é canção que não se aprende,Mas sabemos de cor todo o seu canto.Invisível – parece ser duendeE sorrateira chega e causa espanto.

Em nosso coração seu canto acendeTal um riacho que brota como pranto.E vibra, mas por vezes não compreendeQue ela nos cobre com seu régio manto.

Se, choramos, em nome da saudade,Por que sentimos tanto a falta delaQuando nos deixa no romper da aurora?

Pois já vai longe a minha mocidade,E eu já não sei como gravar na telaTanta beleza que se foi embora...

01.11.2000

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Manta da saudade

Cubro-me com a manta da saudadeSempre que penso em quem se foiembora.E a noite passo preso nesta gradeAté que o sol venha trazer-me a aurora.

E tece o coração, com suavidade,A canção do silêncio... se a alma chora.Pois quem partiu bem sei(eu sei) nunca hádeVoltar como não volta a ser o outrora...

Por isso deste frio me acoberto,Mas a vida é tão cheia de desertoQue nem mais ramos a florir contemplo.

Esta saudade, dia a dia, cresceE cada verso meu lembra uma preceQue rezo neste pavoroso templo!16.11.2000

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Soneto Augustiano

Usei de carne velha fantasiaPara na vida não causar espanto,Porém não consegui, no dia-a-dia,Disfarce algum para ocultar meu canto.

A podridão foi minha alegoriaE fiz de sangue e pus jorrar meu pranto.Augusto – fiz soar numa fobiaMeu verso, minha lira, meu quebranto!

Incognoscível foi meu pensamento,Em meu Eu fiz zunir triste tormentoDe todas as tristezas fui oriundo.

Jamais pude conter tantas comportas,Por isso só cantei as coisas mortasDas almas podres que encontrei nomundo.

29.12.2000

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Ritual

Antes que o sono venha e eu me adormeçaNecessário se faz compor o versoNa cadência monótona que cessaO ritual profano do universo.

Noite de lua cheia... Névoa espessaColore o espaço com seu tom diverso;E eu sempre, com o espírito disperso,Antes que venha o sonho e me entorpeça,

Procuro labirintos... Mas que importaBuscar as sombras num desvão de luzSe até a paciência já jaz morta?

Nada me importa e nada me seduz,Das faces fecho uma castanha portaEnquanto lêmures me fazem uuuuuus!...

10.08.1998

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Remorso

Todo o silêncio que entre nós agoraPaira pesado como foi que veio?Se antes cantamos no fulgor da aurora,Por que no ocaso ele se faz tão feio?

Se antes era cortado num anseioDe um beijo dado em qualquer dia ou hora,Como foi que perdemos nosso enleioE que a palavra foi de nós embora?

Ficamos horas, permanentementeRemoendo – sem força nem coragem –Palavras que jamais... jamais dizemos...

Estamos juntos sempre e frente a frenteNós parecemos ser tola miragem,Mais parecendo estar em dois extremos.

13.03.2001

Page 62: SONETOS IMPERIAIS

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O lago

Supões que a vida é um lago azul. SupõesQue tudo vive com tranqüilidade,E o divino poema da AmizadeÉ corrente que liga os corações.

Acreditas nos sonhos, nas canções,Ainda choras em horas de saudade.Julgas achar a paz, crês na verdade,Sem vergonha demonstras emoções.

Mas este lago azul que amplo fulguraSerenidade e, à superfície, fazUm espelho onde o céu se mostra todo

É armadilha submersa, é sepultura,E a aparência que mostra ser de paz,Oculta a morte, a podridão, o lodo.

14.03.2001

Page 63: SONETOS IMPERIAIS

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Duelo

A minha mente trava rebeliõesPara escapar das grades da Poesia.A ela estou preso pela Fantasia,Como ao amor estão os corações.

Os versos são a minha alegoriaE ao compô-los pressinto sensações,Pois eles são as puras oraçõesQue a Deus eu ofereço a cada dia.

Porém, a liberdade não me alegraPorque, Poeta, vivo preso à regraE dela sei-me um súdito sem rei.

Tão branda é a pena por saber-me preso,Que aos elos da Poesia saio ilesoE, como réu, acato sua lei!

02.05.2001

Page 64: SONETOS IMPERIAIS

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Releitura

Às vezes fundo idéias e procuroEm velhos versos, pôr outra roupagem.Assim o meu passado é meu futuro,A nova realidade – outra miragem.

Busco no pântano o desejo puro,Novos caminhos para outra viagem...Ao que antes saiu ríspido, atro, escuro,Novo sol, nova luz, nova paisagem!...

Mas nem sempre, porém, feliz é a busca,A inspiração pensada ser brilhante,Num labirinto fúnebre, se ofusca...

E a dor no peito torna-se concreta,Finda o verso e revejo-me ofeganteCom a tristeza de apenas ser Poeta.

27.04.2001

Page 65: SONETOS IMPERIAIS

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Os Sonhos

Necessário se faz estar atento,Que o sonho se transforma em realidadeE quando ele liberta-se da grade,Rapidamente embrama-se com o vento.

Necessário seguir o movimentoE prendê-lo em noss’alma sem piedade,Pois senão ele, apenas por maldade,Aninha-se com outro, num momento.

Por isso, se estivermos distraídos,Os áureos sonhos passarão batidosE cairão n’outros vales mais risonhos...

E nosso coração que ansiou-os tanto,Terá da vida apenas desencanto,Porque não conseguiu prender os Sonhos.

27.04.2001

Page 66: SONETOS IMPERIAIS

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O Espelho

O espelho onde me vejo refletidoEstá com suas cores embaçadas;Por certo necessita ser polido,Pois me reflete em formas encovadas...

Mas é o mesmo das épocas passadasQuando tudo mostrava estar florido...Porém suas molduras já quebradasMostram seu canto todo carcomido...

Antes só refletia a mocidadeE um caminho brilhante pela frenteHoje, com já vencida validade,

Mostra este rosto um tanto diferente:Pareço – corroído de saudade! –Um rosto velho e um triste olhar ausente...

26.04.2001

Page 67: SONETOS IMPERIAIS

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Soneto

Caminha a Humanidade em seu labor diárioA procurar na vida o pão de cada dia.E essa escalada insana é um lúgubre CalvárioOnde tantos, com fé, tombam nessa agonia.

Nada vale o trabalho heróico e extraordinário!E inútil é suor de tamanha porfia.Ao fim de tanta luta inexiste salárioE tudo se transforma em negra alegoria.

Funesto e triste olhar e delírio constante;Trôpego o Homem caminha e com seu passoerranteO ódio em seu coração palpita, pulsa, medra.

E ao término de tanto engodo e ímpia injustiça,De joelhos eis que cai sob a força submissaE fica a idolatrar seus ídolos de pedra.

03.03.2004

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Sombra Espessa

Saltimbanco do Sonho e da Ilusão,Inundei meu viver de fantasia.Hoje me resta a pálida agoniaE os acordes de fúnebre canção.

Já não tenho motivo nem razãoPara a felicidade e me cruciaEsta dor que me punge dia a diaE – fina seta – fura o coração...

Arredio das luzes – vou seguindo,Buscando a sombra espessa do caminhoA um ocaso que à frente vem fulgindo...

Tão-somente me resta, por desgosto,A solidão de estar sempre sozinhoE fundas marcas a vincar meu rosto.

17.04.2001

Page 69: SONETOS IMPERIAIS

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Arrepios

O arrepio de morte que me invadeVem do frio de fora, ou vem do frioQue está dentro de mim? Se é arrepio,É mais que frio, é mais do que a ansiedade

Da vida que me deixa sem saudadeE sem saudade deixa assim vazioO coração que está ligado ao fioQue dá direto com a Eternidade.

O arrepio é da noite. Se é da noite,Não é mentira que me fere o açoiteDo vento que colide com meu ser.

É a aragem fina que enregela-me a alma,Insanidade que me tira a calmaE me atira à vontade de morrer.

28.12.1991

Page 70: SONETOS IMPERIAIS

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Vandalismo

Este caminho, mais que a solidão,Me traz a angústia de saber-me só.Vejo um amor que reduziu-se a póNa estrada que conduz ao coração.

Andando solitário como Job,Penso, no mar, ouvir uma cançãoE perdido no reino da Ilusão,Me acho mumificado Pharaó!

Pirâmides de sonhos construí,Mas saqueadores, num desejo atroz,Roubaram meus tesouros... e eis-me aqui,

Tentando pôr numa canção a vozPara recuperar o que perdiDo sonho que passou-me tão veloz.

02.10.1993

Page 71: SONETOS IMPERIAIS

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De sentinela

Poetas devem ter suas antenasPara captar as impressões do mundo.Estar atentos às pequenas cenas,E ter o verbo, em prontidão, fecundo.

Devem cantar, em ternas cantilenas,Com o coração em prece, num profundoCarinho, as doces emoções terrenas,Com as quais pelo espaço, vão a fundo.

Devem ter toda a sensibilidade,Viver num mundo de felicidadeE ter o coração apaixonado.

Olvidar as tristezas ou prendê-lasCom os cadeados luzentes das estrelas,Ou requeimá-las com o sol dourado.

11.10.1994

Page 72: SONETOS IMPERIAIS

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Decepção

Eis o Poeta Sonhador, que um diaSaiu a procurar seus alvos sonhos.Galgou caminhos amplos e risonhosE encheu os seus balaios de poesia.

Sonhando tanto, em sua fantasia,Na realidade viu – feios, medonhos –Mundos cheios de dor, mundos tristonhos,Mundos que não sonhava nem queria...

Um dia, já cansado da procura,Seus balaios abriu e foi revendoOs sonhos que tivera no passado...

E mil gritos soltou alucinado,Pois, em cada poema que foi lendo,Achava os sonhos numa sepultura...

15.06.1991

Page 73: SONETOS IMPERIAIS

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Tempo

O tempo, que não pode ser medidoEm sua imensurável abrangência,Senhor da Matemática e da CiênciaE de cada mistério concebido,

Faz que nosso viver seja perdidoNo espaço interminável da Consciência:Vida! Glória! Apogeu! e a decadênciaDe tudo quanto a nós foi permitido!

Este período é mera abreviaturaDo que será talvez a EternidadeFrente à Vida que é simples miniatura.

O que hoje se nos mostra eqüidistanteE parece insondável realidadePode ser que nos chegue a um passoadiante.

27.01.2000

Page 74: SONETOS IMPERIAIS

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Dom Divino

De joelhos, como um crente em oração,Eu agradeço a Deus o Dom divinoDe poder expressar em lírico hinoOs sopros que me vêm do coração!

A minha voz transmuda-se em cançãoE sinto-me feliz como um meninoQue consegue enxergar o seu destinoNa colorida bolha de ilusão.

É, pois, sublime o dom de ser Poeta!Num plano superior, a alma se elevaE chega a Deus de forma alva e completa.

E meu desejo, sendo assim diversos,Para um país azul sempre me levaE faz deixar mais puros os meus versos!

19.05.2000

Page 75: SONETOS IMPERIAIS

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Herança

De tudo o que me resta por herança,Somente irei querer as nuvens tê-las.Também meu céu bordado com estrelasPara contá-las cheio de esperança.

Quero também meus dias de criançaE minhas alegrias tagarelas,As tardes de verão vibrantes, belas,E a fagueirice de inocente dança.

O regato com peixes coloridos,Pintassilgos num bando em alaridos,Variedades de frutos no pomar.

Preso, porém, ao mundo da ansiedade,A herança está no plano da saudade,Enquanto o coração vive a sonhar.

14.08.2000

Page 76: SONETOS IMPERIAIS

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Ocaso

Às vezes, a pensar pela esperançaQue tinha nos meus tempos de rapaz,Quando ainda meus sonhos de criançaEram cheios de luzes e de paz,

E eu vencia artimanhas e esquivançaE o ânimo fazia-me capaz,E eu entrava frenético na dançaE os olhos não volteavam para trás,

E somente o porvir floria à frenteNum mundo colorido onde a áurea luzRaios jorrava continuadamente...

Sinto hoje que o passado me seduz,Pois o brilho que fulge no poenteFeito sombra no chão – lembra uma cruz!

14.08.2000

Page 77: SONETOS IMPERIAIS

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Solidão

Se existe a solidão, ou não existe,Necessário se faz que alguém me diga,Por que me chega em forma de cantigaA sensação que vem deixar-me triste?!...

No coração cruel, fatal, persiste,Porém parece ser sincera amiga...Vive calada, não procura intrigaE ao tenebroso adeus também resiste...

E o peito se enamora logo dela,Pois, para todos, ela bem pareceSincera, cordial, calma, singela...

Mas, sorrateira, a serpentear em S,A solidão se torna amarga preceE nos vigia como sentinela.

08.08.2000

Page 78: SONETOS IMPERIAIS

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Sonho

Cada sonho é um pedaço de esperançaQue a gente sonha ser real um dia,Farrapo de sorrisos de criançaQue voa pelo espaço em fantasia.

Cada sonho é festiva, alegre dança,Pautado na cesura da Poesia,Um feliz passo que a alma doida avançaNo ritmo de sonora melodia.

Nós, que levamos sonhos dentro d’alma,Por eles temos fé e temos calma– Cadência vigilante noite afora...

E assim eles nos vêm durante o sono,Deixando nosso corpo no abandonoQue treme assustadiço ao vir da aurora.

09.08.2000

Page 79: SONETOS IMPERIAIS

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Soneto da Saudade

A saudade é a agonia dos sentidos,A degeneração dos próprios ossos,Rezar Ave-Marias, Padre-Nossos,Ter frente a frente olhares já perdidos.

A saudade, caminhos percorridosAtravés das lembranças dos destroços,Destruição total, enigmas, fossos,Vontade de viver tempos vividos.

A saudade é uma lua merencória,Que vive a percorrer, em suas fases,Os quatro quartos do meu coração.

A saudade é a lembrança de uma históriaNublada com mistérios e com gasesInvisíveis aos olhos e à razão.

02.05.2000

Page 80: SONETOS IMPERIAIS

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Ilusão ferida

A página virada ao pesadeloEsconde o atroz martírio do pecado,A mão estende o fio do noveloPara que nada mais fique embramado.

Segue-se em frente andando para o lado,Na contramão do medo ao tolo apelo.Da cicatriz o corte ensangüentadoDeixa em pé cada fio de cabelo.

Ostento a luz à luz que se difundeE brilha sem cessar no mapa-múndiEstendido no chão da minha vida.

Tudo é esperança se o passado é morto.E, se o porvir não cabe em qualquer porto,Até a própria ilusão pende ferida.

17.05.2000

Page 81: SONETOS IMPERIAIS

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Prisão

A vida, que procuro, busco-a em ânsiaNo labirinto, em que anda assim perdidaSe a estrada tem mil léguas de distânciaE não parece nunca ser vencida?

Os passos ponho dentro da constânciaMas a ferrugem deixa corroídaA sola dos meus pés... que nesta EstânciaJá sentem o cansaço da subida.

A vida onde se oculta? aos céuspergunto...Se dela vivo junto na unidade,Por que inquiri-la tanto em tal assunto?

De tanto aos céus bradar, sinto-me rouco.Como, em meu corpo, atá-la numa grade,Se a encontrá-la o viver é parco e épouco?18.12.2001

Page 82: SONETOS IMPERIAIS

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Brasas

Os anos passam dizimando tudoE transformam histórias em saudade.E o coração sofrido fica mudo,Preso à angústia que o encerra em férreagrade.

Aquelas mãos suaves de veludoHoje estão frias frente à Eternidade...No rosto o pranto é a máscara do escudoPara ocultar atroz serenidade...

Encontros sorrateiros e festivosTrazem somente espasmos dos cativosNuma tortura que é feroz e invade

Os cômodos azuis de nossa casaE o coração, queimando como brasa,Explode em labaredas de Saudade.

06.12.2001

Page 83: SONETOS IMPERIAIS

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Tempo Antigo

Minha querida Amiga, é muito bomVir te falar em versos e cantigas,Pois as palavras são minhas amigasE assim no enredo nunca perco o tom.

Presta muita atenção em cada somPorque minhas mensagens são antigas,São do tempo em que as belas raparigasNão pintavam os lábios de batom.

Mas, ouvindo conselhos com bom gosto,Beliscavam de leve o próprio rostoPara tê-lo vermelho de paixão,

Mas esses tempos eis que são perdidosE os olhares ficaram esquecidosE hoje não passa tudo de Ilusão.

06.12.2001

Page 84: SONETOS IMPERIAIS

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Caminhos Percorridos

Eu, coetâneo de achados e perdidos,Busco encontrar a solidão da mente,Que vaga mundos imprudentemente,Por caminhos à toa percorridos.

Porém meus olhos, sempre distraídos,Estradas vagam displicentementeE jamais acham brotos da sementePara deixar os sonhos mais floridos.

Assim, a solidão vive na ruaE tão-somente brilha à luz da luaE busca refletir-se nos tristonhos

Que vagam solitários nas calçadas,Alma nas mãos, angústias decepadas,Querendo alimentar ridentes sonhos.

29.01.2001

Page 85: SONETOS IMPERIAIS

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Estribilho

A vida se repete dia a dia,Dentro de seu refrão imaginário.É o repetido canto de um canárioNa gaiola boleada que o asfixia.

O talvez do amanhã ainda é várioE o de hoje já perdeu a fantasia.Apenas a memória tem valiaAo cárcere perpétuo – mas diário.

O que se fala, pensa, escreve, trama,Às vezes, pode ser que vire poeira,Ou seja consumido pela chama.

E tal repetição é passageira,Pois o ato chega ao fim, não há maisdramaE a própria vida se desfaz inteira.

12.02.2001

Page 86: SONETOS IMPERIAIS

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Mundo abstrato

Um pouco de poesia fortaleceO coração. Um pouco de poesiaPode trazer, se feita em tom de prece,Um pouco de ternura e de alegria.

A poesia, ninguém jamais a esquece,Pois ela fica – doce melodia –No coração. E o coração a tecePara ficar feliz no dia-a-dia.

A poesia, porém, anda esquecida:Já não colore os sonhos nem coloreOs passos e os caminhos desta vida.

Parece mesmo que ela não existeE embora o mundo abstrato a esqueça e aignore,Sem a Poesia o mundo fica triste!

08.03.2001

Page 87: SONETOS IMPERIAIS

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Enganos

Há tantos longos e perdidos anos,Edifiquei, dentro de mim, um sonho...Com ele pronto, fiz airosos planosE passei a viver calmo e risonho.

O destino, porém, negro e enfadonho,Os meus sonhos tornou tão mais profanos,Que, onde hoje passos, taciturno, ponho,Somente encontro os mais cruéis enganos.

E assim vivendo, triste e solitário,Meu caminho tornou-se atro calvárioNa mais completa sombra de uma luz.

E assim sofrendo, nunca neste escuro,Encontro o sonho iluminado, puro,Mas tão-somente a sombra de uma cruz.

12.01.2001

Page 88: SONETOS IMPERIAIS

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Ilusão de Louco

Os sonhos são fragmentos de mentira,Um filme com paisagem surrealista,Que vai desembramando a sua tiraNa qual nós somos o primeiro artista.

Frente ao caótico ele nos atiraE vamos nós, frementes de conquista.Noss’alma arde qual chama em áurea piraE ao longe e ao largo rasga a nossa vista.

E em sobressaltos, ao pular da cama,Herói ridículo, me desmoronoAo ter o fim de fantasiosa trama.

E assim esta ilusão de louco perco:Não sou herói, nem rei, nem tenho trono,Mas no porvir me sei somente esterco.

16.01.2001

Page 89: SONETOS IMPERIAIS

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Extermínio

As estrelas que brilham a distânciaQue mistérios contêm para a ciência?Os cientistas buscam-nas com ânsia,Mas elas não lhes fazem confidência.

Brilham somente, em lúcida constância,Trazendo sonhos mil à consciência.E cria-se confusa extravagânciaPara não se cair em decadência.

E vasculham-se os mundos estelares.Ao firmamento voltam-se radaresE espaçonaves vão, no além, perdidas...

Enquanto aqui neste Planeta TerraA cada dia vibra nova guerra,Exterminando preciosas vidas!...

17.01.2001

Page 90: SONETOS IMPERIAIS

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Desejos

Ao beber, em teu cálice sagrado,O vinho que brotava-te da entranhaE ao sentir o teu corpo nu, largado,Febril, tremendo de maneira estranha,

Após o êxtase louco desta sanha,Na batalha do amor, fui indomado!E galopei-te em fúria, alucinado,Numa volúpia que jamais se ganha.

E em ti golfei meus sonhos, meus delírios,Minhas taras profanas, meus desejosE após forrei-te as formas com mil lírios!

Paixão, vontade, estremecida taraE a ânsia de carimbar-te, com meusbeijos,Todos os poros desta pele clara!

17.02.2001

Page 91: SONETOS IMPERIAIS

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Hora H

Aflição, desespero, angústia, medo,Silêncio, depressão, fúria, calmante,Espasmo, insônia, o que fazer? Segredo...A quem contar? Por quê? Vamos adiante...

Falta de ar, palavrão, tornar-se azedo,Desprezo, sonolência angustiante,Tédio, prisão, masmorra, ai, Deus, cruz,credo!O que contar? Por quê? Viver distante...

Solidão, fim de tarde, chuva, frio,Olhar perdido num além, vazio,Entra no quarto, mexe na gaveta,

O amanhã não virá. A vida é farta.Papel, caneta. A quem a última carta?Um barulho. O estampido da espoleta.21.02.2001

Page 92: SONETOS IMPERIAIS

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Fidelidade

Procuro pôr nos versos que fabricoUm pouco de alegria e de ternura;E, se a poesia não me faz mais rico,Posso viver no mundo da Ventura.

Cada verso que faço glorificoNo Altar da Natureza que é tão pura;E muitas vezes inspirado ficoQuando com versos faço a minha jura.

E juro ser, por toda a minha vidaUm escravo fiel do Ser divinoQue deu-me o Dom feliz de ser Poeta.

A estrada do Poeta é mais florida,Pois no verso ele encontra o seu DestinoE a vida ao Verso torna-se completa!

01.03.2001

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Imitação(invejando Bilac)

Sempre que posso, quando a noite desceE abre o portal de trevas, sigo pelasPicadas mato adentro e, em minha prece,O meu rosário tem milhões de estrelas.

Com meus perdidos olhos fico a vê-lasE a visão do infinito me entorpece.Pingos de ouro purpúreo – sentinelasNo milagre do amor de pura messe!

Alguém ouviu-as antes e, por isso,Apenas passo a olhá-las em silêncio– Ofício que me chega ao compromisso.

Olho-as porque sequer posso entendê-lasE quando o sono chega-me (ai, quemvence-o?)O meu corpo se cobre com as estrelas.01.03.2001

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Deslizes

Meus sonhos dentro d’alma... eu os carregoNo embornal preso firme, às minhas costas.E às vezes, cambaleante, eis que me pegoQuando palmilho o chão dentre as encostas...

Um mundo à frente, para quem é cegoE as ânsias de vencer estão dispostas!...Porém persiste, a perfurar-me, um prego,E as minhas mãos, em prece vivem postas!

Ai, ironia de cruel destino,Que me põe em confronto a estes deslizesEnquanto, ao longe, o badalar de um sino

Canta que existe o fim das minhas crisesMas os meus próprios passos não definoE ainda não supurei as cicatrizes...

02.03.2001

Page 95: SONETOS IMPERIAIS

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Pureza

Quando a noite – poema sacrossanto –Chega e anuncia em luzes meu destino,Comungo a hóstia lunar e me ilumino,E livre dos pecados, eu me encanto.

Com a voz feita em prece teço um hinoE bordo estrelas guias em meu manto.E, neste altar sidéreo de quebranto,Sou Poeta com alma de menino!

E sei-me claro como uma alvoradaQue esparge lírios brancos pela estrada,A fim de suavizar o meu futuro.

E tudo neste instante me acontece:O vento sopra uma canção de preceE meu caminho fica todo puro!

24.06.2001

Page 96: SONETOS IMPERIAIS

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Temporal

Ambos já fomos, em passadas Eras,Almas completamente apaixonadas.Depois varamos longas madrugadas,Sussurrando ao frescor das primaveras.

Juntos prendemos sonhos e quimeras,Também cantamos noites enluaradas.Em grandes naves espaciais prateadas,Visitamos, febris, várias Esferas...

Já fomos tudo num passado breve,E este presente nos coloca agoraFrente ao futuro totalmente incerto.

Parece até que um temporal de neveToldou a nossa luminosa aurora,Cobrindo nossos passos no deserto...

13.03.2001

Page 97: SONETOS IMPERIAIS

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Prisão

Há muito tempo sei-me condenadoA viver braços dados com a Poesia.Esta pena de fato me cruciaPorque este fardo é por de mais pesado.

Jamais ela me deixa abandonadoE persegue meus passos dia a dia.E, solitário, nesta alegoria,Sinto-a comigo a cada passo dado.

Quem impingiu-me tão severa penaDe me fazer Poeta nesta vidaNão sabe de seu fardo o duro peso.

A poesia, porém, não me condena,Pois é a mais bela estrada e a mais floridaE é um dom de Deus saber-me dela preso!

20.03.2001

Page 98: SONETOS IMPERIAIS

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Escravidão

A inspiração me chega em tal rompante,Que nem entendo, às vezes, o queescrevo.Apenas, de maneira contagiante,Ponho em folhas palavras de relevo.

O pensamento, como férreo guante,Parece iluminado, ter enlevoE das Palavras torno-me um amante,Amando-As tanto quanto posso ou devo.

Sei-me um escravo delas no momento,Sofrendo chibatadas sobre as costas.Em rimas minha pele sangra luz.

E, ao ter à frente o santo monumento,Em oração, declamo, de mãos postas,A Poesia onde o Mundo se traduz!

23.03.2001

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Inocência

Onde foi que perdi minha Inocência?– Ah, com certeza foi naquela idade,Em que se vive com banalidadeE os conselhos nos chegam à demência.

Como foi que vendi minha Inocência?– Vendi-a, ao certo, com vulgaridade,Em qualquer beco escuro da cidade,Por dez reais, um beijo e uma indecência.

Por que foi que traí minha InocênciaSe a Vida me mostrava um Sonho puroE o Mundo me dizia ser pecado?

Ah, malditos meus passos de imprudência,Que mataram meus sonhos do futuro,Deixando-me sozinho abandonado.

03.08.2001

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Minha fé

A minha fé é uma cruz velha e vaziaOnde não há Jesus crucificadoNo momento de súplice agoniaQuando foi, pelos homens, condenado.

Minha cruz não tem Cristo ensangüentadoNem mostra a Sua angústia, que crucia.E mesmo assim eu sigo inabaladoPregando a minha fé dia após dia.

Minha fé não precisa ter imagemNem a visão da trágica miragemCom o corpo de Cristo inanimado.

E nada disso torna a fé pequena,Pois, do amplo céu, Cristo Jesus me acenaMostrando estar em luz – ressuscitado!

13.09.2001

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Enredo

Coloro os sonhos, multiplico a vida,Que existe em mim e dela não dou conta...À frente, tanta estrada a ser seguidaE um mistério de sombras que amedronta.

No dia-a-dia insano de corrida,Um dedo em riste autoritário apontaPortas de entrada, portas de saídaE a mente, alucinada, fica tonta...

Tanto a fazer, a cena corre solta...E a esperança tornando-se revoltaCom dias frios, pálidos, tristonhos.

A cada fim de tarde, o mesmo enredo,E, ao ter na boca o ácido gosto azedo,Divido a vida, descoloro os sonhos...

22.08.2001

Page 102: SONETOS IMPERIAIS

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Busca

Busco um mundo onde a sombra da PoesiaExista com ternura e alacridade.Onde as mãos se entrelacem na AmizadeE os lábios vibrem hinos de alegria;

Um mundo onde não haja a férrea gradeQue prende os corações em agonia,Onde a esperança vibre dia a diaE o amor ensaie em cantos de verdade;

Um mundo sem barreiras e ciladas,Sem tocaias rondando as madrugadasE, livres de armadilhas, os caminhos

Para, com passos cheios de ventura,Ir fazendo a divina semeadura,Nos corações, tecendo mil carinhos.

17.09.2001

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Capítulo

Cada dia que passa é tão-somenteUm capítulo apenas da existência...De nossa vida – um elo da correnteQue às vezes nem nos chega àconsciência.

Cada dia que passa é uma sementeQue contém os mistérios da ciência...Porém, rápido passa e, insanamente,Mal percebemos sua consistência...

E a vida é feita assim de tantos diasNa reprise monótona que avançaPara um final que a gente não conhece.

Ao fim de tantas tramas e utopias,No último ato, sequer resta a esperançaPara fazer a derradeira prece.

23.08.2001

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Defeito

O Poeta, na sua insanidade,Procura que procura – em transe imerso –Uma palavra para que seu versoSeja um hino de Amor e de Verdade.

Às vezes voa às vagas do UniversoPara compor a sua realidade.Por outras vê-se preso em férrea grade,Enquanto o pensamento vai disperso...

Nem sempre ele consegue em sua buscaEncontrar o vocábulo perfeitoPara erigir o Sonho que arquiteta.

Porém, nunca o desânimo o chamusca.Quanto mais em seu verso vê defeito,Mais aguça o prazer de ser Poeta!

29.08.2001

Page 105: SONETOS IMPERIAIS

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Final de Agosto

Este rosto que a mim se mostra feio,Rugas na testa, faces encovadas,Comediante das longas madrugadas,Lábios cerrados, sem nenhum anseio,

Sisudo, austero, de expressões geladas,A contemplar perdido devaneio,Já teve outrora o palpitar do seioE já teve paixões desenfreadas...

Este sou Eu! No espelho me contemploE assim me vendo mostro ser o exemploDaquilo que não fui sonhando ser.

E, ao sentir que a esperança não existe,Sequer a sombra de um sorriso tristeConsigo dar para sobreviver!

31.08.2001

Page 106: SONETOS IMPERIAIS

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Sombra da Saudade

Dói a saudade... e ela dói tanto, e tanto,Quando vai transformada numa ausência,Que tudo se transmuda em mar de prantoE, ao coração, não vale a condolência...

Dói a saudade... e tudo, em cada canto,Parece remoer na consciência...E este sofrer nos cobre com o mantoDa solidão em forte persistência.

E tudo dói com tanta intensidadeQue enfim nos vemos presos da agoniaNuma prisão de intransponível grade.

Mas tudo se transforma em certo diaE até a imensa sombra da Saudade,No coração, explode em melodia.

24.04.2001

Page 107: SONETOS IMPERIAIS

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Teu corpo

(cântico de Salomão)

Teu corpo, na moldura de uma cama,É o delírio maior que há neste mundo.A ele me entrego com amor profundoE o possuo no dogma de quem ama.

Teu corpo entre delírios se esparramaE eu o devasto em meu amor fecundo.Com sementes de vidas, eu o inundoDele sentindo toda a ardente chama.

Teu corpo, meu amor, é minha crença,O meu delírio da paixão imensaQue tanto me alucina e me entorpece.

Teu corpo é meu altar e tanto o queroQue, em transe, de joelhos, o veneroE apaixonado teço a minha prece!27.09.2001

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Desequilíbrio

Na balança em que Deus pesa montanhas,Pus-me um dia a pesar os meus amores:Num prato coloquei vasos de floresE noutro coloquei minhas entranhas.

Então pus-me a pesar profundas dores,Depois minhas visões fundas, estranhas.E revi minhas sombras, minhas sanhasE os caminhos que vi de várias cores.

E não houve equilíbrio entre os doispratos,Total desequilíbrio a cada instante.Tentando, num só nível, ver um todo,

Até meus pés usei como artefatos,Mas foi desequilíbrio tão constante,Que meus pés afundaram-se no lodo.

Gramado, RS, 19.10.2001

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Disfarce

Tu que ouves os meus versos e procurasNeles achar razões de sofrimentoDeves saber que posso, num momento,Ocultar minhas tristes desventuras...

Portanto não irás achar agrurasNem a alma amofinada no tormento;Faço, sim, o meu próprio mandamentoDe só me revelar em coisas puras.

Disfarço muito bem: leve sorrisoRepresenta “estou bem”, “oi, belo dia”,Diz que deixei a minha dor em casa.

De angústias o meu verso é sem aviso.Se intimamente vivo na agonia,Até meu coração mostra-se em brasa.

17.03.2001

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Para o meu amor

O meu amor merece (em êxtases eu digo)O melhor que possuo e posso dar... mereceDentro em meu coração aveludado abrigoE minha voz num canto a adormecê-la emprece.

Mil canções de ninar, e cantigas de AmigoDos tempos medievais, beijos de minha messe,Violinos a planger quando segue comigoPor campos de luar onde Vênus floresce.

Merece ter em paz, calma e serenidade,Meu sorriso sincero e meu olhar que brilhaQuando a buscá-lo vai, nas ruas da cidade.

E feliz por lhe dar do que possuo tudo,A vida para mim é eterna maravilha,Quando num beijo ardente – eu permaneçomudo!

10.08.1998

Page 111: SONETOS IMPERIAIS

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Velha lembrança

No tempo de meu Pai, este quintalTinha curiós, papa-capins, canários,Que emolduravam líricos hinários,Usando etérea escala musical.

Era mesmo um sublime festivalDas tantas aves com seus cantos vários.Parecia que um mago StradiváriusEnsaiava um concerto magistral!

Hoje as rolinhas, com suaves danças,Da minha Mãe com suas mãos crianças,Chegam para a quirera que as atrai...

As gaiolas, porém, estão vaziasE, contemplando-as no escaldar dos dias,Sinto enorme Saudade de meu Pai!

01.11.2001

Page 112: SONETOS IMPERIAIS

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Finados

Finados se apresenta novamenteDa sua forma lacrimosa e triste.Traz a saudade, que não mais resiste,De uma presença que se faz ausente.

Consuma o pranto e o coração em risteReserva a dor que fere insanamente.E cada lágrima é uma tocha ardenteA iluminar o que já não existe...

Vejo tumbas ao longo das calçadasOnde fotografias desbotadasRecordam um passado triste e morto...

Mesmo o meu coração, todo ansiedade,– Mar de lágrimas cheio de saudade, –Está sem pressa de adentrar o Porto!

01.11.2001

Page 113: SONETOS IMPERIAIS

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Estudo

Para a Poesia, além da inspiração,Necessita-se técnica apurada.Uma rima com brilhos engastada– Rubi que pulse como um coração!

E o verso, como lírica oração,Entoado por alma apaixonada,Numa seresta em noite enluarada,Tece a rir, para o amor, uma canção.

Mas precisa ser feito com carinho,E o verso deve ser puro e perfeitoPara agradar o amor que se conquista.

Pois a Poesia, ao longo do caminho,Deve, do coração, tomar o jeitoPara mostrar o amor de todo artista.

Gramado RS, 18.10.2001

Page 114: SONETOS IMPERIAIS

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Engano

Há muitos anos esta dor insisteDe forma a me ferir intensamente.Parece até que a dor é uma sementeQue brota dentro de minh’alma triste.

E a vida a este sofrer já não resiste,Pois ela anseia ser feliz somente.Se é ilusão na vida ser contente,Como é que para mim ela inexiste?

O pensamento ferve, me atormenta!Neste torpor o cérebro fermentaE parece explodir de forma insana.

Oh, alegria, que só penso tê-la,Se fores pelo céu alguma estrela,Vê se teu rebrilhar também me engana.

05.12.2001

Page 115: SONETOS IMPERIAIS

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Dor Concreta

Sofre o Poeta e mesmo assim procuraFormalizar em cantos sua crença.Porém, em tudo existe a indiferençaE o homem sofre, e o homem chora e setortura.

À longa estrada longa da VenturaCabisbaixo o Poeta sofre e pensaQue a amizade é a maneira mais intensaPara viver a sua vida pura.

Porém, a solidão paira nos ares,E o Poeta, sofrido em seus pesares,Repete a rima básica que existe

Na ordem concreta em que o amor lhe fala.Mas a esperança é posta numa valaE a vida é triste, e seu viver é triste.

05.12.2001

Page 116: SONETOS IMPERIAIS

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Pirataria

Quebro o silêncio, solto a lira ao vento,E contamino o céu com minha voz.Desencadeio idéias do retrós,E ponho os pés no próximo momento.

Das palavras retiro meu sustento,E fico forte, firme, sou feroz!Frente ao espelho, em frente a mim, sounósPara amarrar a noite e o Firmamento.

Coloco a idéia que me vem sangrandoFrente à necessidade, indago o quando.Suicido-me no mar da noite nua.

Espírito – vagueio como erranteE ao sentir-me soturno navegante,Estendo velas e saqueio a lua.

27.01.1999

Page 117: SONETOS IMPERIAIS

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Pessimismo

Atrapalhado vou catando os cacosDas minhas esperanças. Ser poetaFaz que a tristeza seja mais concretaE os sonhos – de ilusão – se tornem fracos.

A alma sempre caminha irrequietaE os olhos, ao prazer, estão opacos...Nos atalhos, desvio dos buracosPara chegar de forma mais discreta.

Inofensivo a ataques e conchavos,Busco sempre o trabalho dos escravos,Para alcançar em luz a liberdade.

Mas sempre a perseguir-me o pessimismo:Os pés caminham margeando abismoE, frente ao sonho, sempre existe a grade.

17.04.2001

Page 118: SONETOS IMPERIAIS

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Sonhos

A conquistar temos à frente um mundoQue se abre indefinido e contagianteCom seus segredos de teor profundo,Umas vezes cruel e anavalhante.

Mudado em sonhos, torna-se fecundoE mora sempre em um local distante...E de tais sonhos meu viver inundoPara deles tornar-me um ser amante.

Marujo venço os mares sorrateirosE, às vezes, com o denodo dos romeiros,Conquisto, a passos, insondáveis léguas...

Somente para ter, ao fim do dia,No Altar da Natureza, uma Poesia,Onde as rimas de luz, feliz, entrego-as!

17.04.2001

Page 119: SONETOS IMPERIAIS

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Ilusão

A distância eu contemplo, extasiado,Mundos cheios de cor, jardins floridos,Vales de luz, repuxos coloridos,Suntuoso amanhecer iluminado...

Vejo caleidoscópios estendidosNas amplas várzeas... passa um bando aladoDe pintassilgos. Fico apaixonadoCom tudo o que extasia os meus sentidos!

Rápido tomo a decisão confiante:“– Vou para lá e ponho os pés adiante...”E parto a toda – qual corcel sem freio...

Porém, de perto, imperfeições tamanhas:Contemplo com o olhar coisas estranhasE este mundo se mostra muito feio!

17.04.2001

Page 120: SONETOS IMPERIAIS

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Ideal

A vida se repete dia a dia,Nos sonhos que plantamos no passado.Sempre existe um desejo irrealizadoPor aquilo que ansiamos ter valia.

Sempre existe o fantasma da euforiaE sobre o solo um passo já marcado.À frente o louco sonho incontroladoE o retorno ao início – que crucia.

O nada feito e um dia a mais vivido,E o sonho continua reluzenteComo um farol que, na distância, brilha...

Sempre, contudo, o coração feridoPor desejar o que está mais à frente,Na longa estrada onde inexiste trilha.

18.04.2001

Page 121: SONETOS IMPERIAIS

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Ânimo

Os percalços que surgem de repente,No decorrer da imensa caminhada,Conseguem aumentar n’alma da genteO sonho de travar esta jornada.

Não podendo parar na madrugada,Necessário se faz seguir em frente.Os entraves que surgem pela estradaPrecisamos vencer herculeamente.

Não devemos parar! Jamais devemosInduzir ao desânimo, ao cansaço,Ou, no alto mar, abandonar os remos...

A tempestade chega e também passa,O cansaço transforma-se em fumaçaE o ânimo volta com um novo passo!

18.04.2001

Page 122: SONETOS IMPERIAIS

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Fogo-fátuo

Azul é o sonho quando a mocidadeEsbanja cores nos jardins da vida...A estrada se revela colorida,E a amplidão não contém tanta ansiedade.

Tudo é possível, a emoção invadeO coração e não se vê vencida...Percalços são vencidos na corridaE domar os anseios, oh, quem há de?

Os passos seguem firmes e confiantes,Não existem lugares nem distânciasSequer encruzilhadas em tais rotas...

Mas, como a rapidez de tais instantes,Na vida vão chegando as inconstânciasE a série incontrolável das derrotas...

27.04.2001

Page 123: SONETOS IMPERIAIS

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Senectude

O ânimo contém freios... à ansiedade,A razão ponderada a acalma e a doma.Já não se pensa um gladiador de RomaE a cautela prevê a adversidade...

A força vive presa na redoma,E a glória paga pena em férrea grade.Nubla-se o céu azul da mocidadeO amigo de ontem está preso ao coma...

Melhor medir os passos do trajeto.O dourado sonhar de áureo projeto,Talvez não chegue à aposentadoria...

Assim, à força, sobressai a calma,Dos pecados da carne, eleva-se a alma,Pois este pode ser o último dia...

27.04.2001

Page 124: SONETOS IMPERIAIS

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Prisão

Coletâneo de angústias, meus armáriosTêm gavetas que estão abarrotadas...Os casos são diversos e contráriosNas pessoas que estão apaixonadas.

Estas solfejam trinos de canários,Eu, porém, ranjo em fúrias, a dentadas.Assim nosso viver segue por váriosCaminhos e por cúmplices estradas.

Mas temos em comum iguais arroubos.Ambos somos passivos em tais crençasE sujeitos, também, somos aos roubos...

Às angústias, quem ama vive preso,E, como sofre com fatais sentenças,De tal viver também não sai ileso.

27.04.2001

Page 125: SONETOS IMPERIAIS

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Vício

Em minh’alma a saudade é como um vícioDo qual eu necessito a cada instante.Mais que um vício, a saudade é minha amante,O meu supremo altar de sacrifício.

Em mim sua morada é sem início,Vem de um tempo, por certo, eqüidistante...Sorrateira, de forma anavalhante,Existe para me causar suplício.

Esta Senhora ingrata me entorpeceE não há juras, nem por certo prece,Vive em mim como fosse um amuleto.

E tanto a sinto na minh’alma presa,Que, para confirmar esta certeza,Imortalizo-a neste meu Soneto

27.04.2001

Page 126: SONETOS IMPERIAIS

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O amor

O amor, dentro da vida é uma quimera...Vive ao nosso redor, em mil anseios;Floresce, às vezes, como primavera;Parte depois, tornando os sonhos feios.

E a alma, que num jardim ridente o espera,Quando o vê, canta à luz dos devaneios.Ele ferido assume-se pantera,Cravando os dentes e ferindo seios.

Assim, quem tanto o busca não o encontra,Pois ele, assemelhando-se a uma lontra,Aparece e submerge na corrente...

E, sendo uma quimera, o amor sem tronoBusca logo encontrar um novo dono,Onde brote florido e recendente!

27.04.2001

Page 127: SONETOS IMPERIAIS

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Legado

Às vezes chego à triste conclusãoDe que este meu legado de Poesia,Irá trazer angústia e decepção.No mundo, as rimas – não contêm valia.

Se o ouro é que faz pulsar o coração,Os meus versos de pura simetria,E música, e cadência, e melodia,Com certeza, valor nenhum terão.

Que irão fazer com livros publicadosE milhares de inéditos guardadosSe para os versos não se dá valor?

Ah! Que trabalho ingrato é tal ofício!Se, além da Arte, o escrever é puro vício,Este vício me faz um Sonhador.

02.01.2002

Page 128: SONETOS IMPERIAIS

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País Encantado

Existe, além do sol que tanto brilha,Uma nesga de sombra que esmaece.O olhar que busca achar um rumo à trilhaOnde vislumbre a mais faustosa messe.

Além da própria vida existe uma ilhaOnde o Espírito fulge e não padece.Encantado país da maravilha,Que se abre entre mil sóis, a quemmerece.

Por certo este é o recanto que procuroPara ter a certeza do futuroOnde tantos estão à minha espera.

É o País onde estão os meus queridosO dos ódios que foram esquecidos– Paraíso de plena Primavera!

03.01.2002

Page 129: SONETOS IMPERIAIS

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Sol Interior

O sol que esparge luzes nos caminhos,Pondo brilhos nas folhas orvalhadas,Vergastando de luz as madrugadas,Com raios aquecendo os flóreos ninhos...

O sol que planta sombras nas calçadasE orquestra nossos sonhos com carinhos,Que brinca dentre as nuvens arruivadasE brilhos põe nos corações sozinhos...

Vejam só: tão soberbo e exuberante,Também dá brilhos para a lua cheiaQue cintila num sonho de marfim.

E eu, com meu coração cantando amante,Sinto, querida, desde que encontrei-a,Que há um enorme sol dentro de mim!

22.09.2001

Page 130: SONETOS IMPERIAIS

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Agonia

O sonho que se quer e que se buscaNem sempre se transmuda em realidade;Não podendo trazer felicidade,Nossa esperança, de sofrer, chamusca.

À realidade nosso olhar se ofuscaE o pesadelo o nosso sonho invade.Não podendo com tanta insanidade,Atra tortura chega em forma brusca.

A realidade é o sonho – dia e noite!Se um quer carinhos – fica pesadelo,Se outro quer risos – tange-se à utopia.

Assim, não tendo, não, quem nos acoite,Nossa voz geme em fórmula de apeloE o futuro transforma em agonia.

22.08.2001

Page 131: SONETOS IMPERIAIS

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Sonho Macabro

Para isto nós sonhamos: para termosMomentos de esperança e de magia,E que transformem em verdade um diaOs nossos sonhos em concisos termos.

Para isto trabalhamos: para sermosRespeitados após tanta porfia,Ou esperar às horas de agonia,Comunhões de novenas aos enfermos...

Para isto nós mantemos nosso verbo:Embora não ouvindo, o eco reboaE denuncia ao mundo nossa sorte.

Para isto, ao fim do dia, existe o acerbo:A palavra retorna e apenas soaO macabro do sonho – a crua Morte!

26.03.2001

Page 132: SONETOS IMPERIAIS

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Mancha

Existe, com certeza, alguma luz,Para nortear os passos desta vida;Ou seguimos insanos na corridaAtrás de qualquer coisa que seduz?

Que estrada sinuosa nos conduzE nos leva num beco sem saída?Quem aciona o botão para a partidaDa fantasia que nos leva a Ormuz?

Esta ânsia incontrolada aonde nos leva?O ápice é apenas pálida ilusãoQue em podium com espinhos nosentreva...

E a coroa de louros da razãoEstá manchada de excremento e treva.Há uma nódoa de pus no coração.

17.04.2001

Page 133: SONETOS IMPERIAIS

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Meus Sonhos

Os meus sonhos – plantei-os no passado,Num tempo que era cheio de esperança.Trazia o coração apaixonadoE, nos olhos, o brilho da bonança.

E cada sonho foi, por mim, plantadoPara que eles me dessem segurança.Mas o rígido inverno atormentadoDeu-me galhos desnudos por herança.

Hoje não há mais tempo nem ternura,Para volver a terra ressequidaE prepará-la para a semeadura.

O sonho é transformado em pesadelo;Uma réstia de sol resta da vida;Sinto nas mãos a rigidez do gelo.

28.12.1994

Page 134: SONETOS IMPERIAIS

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Sonolência

Os meus poemas dormem esquecidosÀ sombra arroxeada dos ipês,Enclausurando amores já vividosQue choram de precoce viuvez.

Meus poemas de tempos já floridosVivem hoje a certeza de um talvez...Pois já foram amados e queridosE foram galanteios, certa vez...

Como as flores caídas – não perfumamE murchos rolam ao sabor do vento,Desfolhando-se em rimas, pelo chão.

Esquecidos, porém, não se acostumamE como versos soltos num lamento,Mais lembram um sofrido coração!

17.09.96

Page 135: SONETOS IMPERIAIS

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Rotina

O Poeta cansado da rotinaApós um longo dia de trabalho,Tece com rimas mantas de agasalhoE acende a inspiração na lamparina.

O Poeta na noite se iluminaApós regar seus versos com orvalhoE apanha das roseiras cada galhoOnde sangra uma rosa purpurina.

Mas eu, que sou Poeta por acaso,Traduzo, em rimas pobres, o meu canto,Pois não bebo nas Fontes do Parnaso.

De quanto faço só traduzo em prantoE, de tanto escrever, estou no ocasoDo meu dia sem sol, sem riso e encanto.

14.11.1995

Page 136: SONETOS IMPERIAIS

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Pessimismo

Vou desenhar um sol dentro de mimAssim não viverei triste e nublado.Com o sol, ficarei iluminadoComo as variantes cores de um jardim.

Às negações da vida direi simE deixarei de ser, em tal estado,Este que vive só, desesperado,Aguardando chegar o eterno fim.

E brotarei em flores, na varanda,Perfumarei meus sonhos com lavandaE, nos olhos, porei fulgor e luz.

Assim, a todos, passarei a imagemDe ser feliz fazendo esta viagemE não curvar-me ao peso de uma cruz.

10.01.2002

Page 137: SONETOS IMPERIAIS

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Labor poético

Sonetos... À medida que os componhoD’alma sinto sair enorme peso.Às suas regras rígidas sou presoE, a escrevê-los sem máculas eu sonho.

Se, uma sílaba a mais às vezes ponhoO galopar do metro torna teso.E à luta de sair por fim ilesoÉ trabalho feroz, cruel, medonho.

Tão pequeno na forma: eis o Soneto!E ao insano labor me comprometoEm fazê-lo na técnica perfeito.

E ao tentar desvendar os seus segredosContando suas sílabas nos dedos,É impossível compô-lo sem defeito.

27.08.2003

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Prisão Perpétua

Esta loucura extrema que me invadeE me entorpece o espírito é a loucuraQue atravanca minh’alma sem piedadeE minha inspiração deixa insegura.

As minhas mãos seguram férrea gradeE, às costas, peso ingente me tortura.Sobre a cabeça, atroz ferocidadeE, na boca, o silêncio da secura.

Nada posso fazer, pois me sei preso,Sequer o pensamento está liberto.Impossível sair de tudo ileso.

Além floresce o campo a céu aberto,Porém, da vida, sou inerte peso,No dorso de um camelo no deserto.

10.01.2002

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Momento Inútil

Brota que brota, em luz, do fundo poço,A idéia cristalina que borbulha.O pensamento explode de alvoroçoComo que despertado por patrulha.

Nest’hora o pensamento está no fossoE pérolas de luz ele vasculha,Pensando construir áureo colosso,Com sílabas pinçadas por agulha.

No mais das vezes, desta garimpagemA bateia carrega só limagem,Água suja composta de cascalho.

Rimas pobres, uns versos misturados,Uns sonhos em delírios indomados,E um inútil momento de trabalho.

10.01.2002

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Ato de Criação

Às vezes ponho as mãos no pensamento,Para a idéia florir em minha menteE concentro-me em transe, no momento,Para fazer brotar uma semente.

Mas este labirinto é como o vento:O olhar não vê, porém minh’alma o sente.Parece enclausurado num conventoE se esconde do sol como serpente.

Assim, às vezes, passo distraído,Olhar distante – pensamento vago –E ele aflora na luz e o vácuo rasga...

O corpo treme, solta-se um gemidoE, do profundo azul de etéreo lago,Explode a inspiração e a voz engasga!

10.01.2002

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Para o futuro I

É uma história sem fim nossa Existência...Teve início há milênios já passados,Quando havia outros Mundos, outra Ciência,Fatos ocultos nunca revelados.

O Homem sobreviveu à persistênciaNa luta com mistérios encontrados.Amoldando seus passos com prudência,Construiu belos mundos encantados.

E a luta imersa em transe continua.Cada vez, mais constantes os perigosE a alma se mostra totalmente nua.

Sem fim também, os dias do futuro.E onde acharemos nós tantos abrigosSe na estrada o homem torna-se um impuro?

07.06.2002

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Para o futuro II

Nossa busca é incessante: dia a diaBrilha o sol para nova caminhada.E levamos, ao longo da jornada,O embornal de fagulha e fantasia.

Queremos descobrir numa alquimiaOs mistérios que estão além da estrada.Mas tanto estudo não nos leva a nada,O embornal não produz tanta magia.

Sangram os pés descalços no caminhoE o homem vai solitário, vai sozinho,Para um fim que ele mesmo desconhece.

Quando seus olhos forem dois espelhos,Poderá ver o Mundo de joelhosE irá fazer a sua última prece!

07.06.2002