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UNIVERSIDADE FEDERAL DE GOIÁS - UFG
FACULDADE DE DIREITO - FD
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM DIREITO AGRÁRIO
NÍVEL MESTRADO
SÉRGIO RICARDO MOREIRA DE SOUZA
A REDUÇÃO DAS DESIGUALDADES SOCIAIS E O ACESSO ÀS NOVAS
TECNOLOGIAS DE INFORMAÇÃO E COMUNICAÇÃO NO MEIO
RURAL
Goiânia
2012
SÉRGIO RICARDO MOREIRA DE SOUZA
A REDUÇÃO DAS DESIGUALDADES SOCIAIS E O ACESSO ÀS NOVAS
TECNOLOGIAS DE INFORMAÇÃO E COMUNICAÇÃO NO MEIO
RURAL
Dissertação de Mestrado do Programa de
Pós-Graduação em Direito da
Universidade Federal de Goiás,
apresentada como requisito parcial para
obtenção do Título de Mestre em Direito
Agrário.
Orientador: Prof. Dr. João da Cruz
Gonçalves Neto.
Goiânia
2012
FICHA CATALOGRÁFICA
SOUZA, S.R.M. de.
A redução das desigualdades sociais e o acesso às novas tecnologias de
informação e comunicação / Sérgio Ricardo Moreira de Souza Goiânia GO 2012.
Dissertação - Universidade Federal de Goiás _ UFG
Programa de Pós-Graduação em Direito Agrário, 19 de março de 2012
Orientador: Prof. Dr. João da Cruz Gonçalves Neto
1- Desigualdade social – tecnologias de informação e comunicação –
vida pública – meio rural
Sérgio Ricardo Moreira de Souza
A REDUÇÃO DAS DESIGUALDADES SOCIAIS E O ACESSO ÀS NOVAS
TECNOLOGIAS DE INFORMAÇÃO E COMUNICAÇÃO NO MEIO
RURAL
Dissertação de Mestrado do Programa de Pós-
Graduação em Direito da Universidade Federal de
Goiás, apresentada como requisito parcial para
obtenção do Título de Mestre em Direito Agrário.
Orientador: Prof. Dr. João da Cruz Gonçalves
Neto.
Defesa de dissertação realizada em ______ de ____________ de ________, pela Banca
Examinadora constituída pelos Professores.
________________________________________
Prof. Dr. João da Cruz Gonçalves Neto
Presidente da Banca
________________________________________
Prof.ª Dr. Nivaldo dos Santos
________________________________________
Prof. Dr. Menelick de Carvalho Netto
“Dedico este trabalho a minha amada esposa Lílian, que com sabedoria e apoio irrestrito me incentivou a
mergulhar na pesquisa científica, com prazer e dedicação.”
AGRADECIMENTOS
Primeiramente agradeço a minha mãe, Maria Lúcia, por uma vida de incentivo aos estudos.
Agradeço aos colegas do Mestrado, Júnior, Luciana, Rangel, Cláudio Grande, Henriques e
Gustavo pelo apoio durante a jornada que enfrentamos juntos.
Agradeço à Andréia, colega do Mestrado que sempre foi minha “Guru” para assuntos
profissionais, nunca se furtando a estender sua mão.
Agradeço ao amigo Cláudio Porto, companheiro de Mestrado e de docência, sempre uma ótima
companhia.
Agradeço a meu orientador pelo incentivo a realização deste árduo e recompensador estudo sobre
a democracia.
Agradeço ao Prof. Eduardo Gonçalves Rocha, colega de docência na Faculdade de Direito da
UFG/Cidade de Goiás, pela fundamental contribuição para a definição da estrutura desta
Dissertação.
Agradeço às Professoras Heloísa Dias Bezerra e Marta Rovery de Souza, ambas do Programa de
Mestrado em Sociologia da UFG, por ter ministrado aulas que foram inspiração para o
enfrentamento do tema abordado nesta dissertação e para a contribuição a meu entendimento
acerca do que se tratam os métodos e técnicas de pesquisa científica, respectivamente.
Agradeço aos colegas da sociologia, Thiago, Patrícia, Murilo, Régis, Uyanã e demais colegas
pela paciência que tiveram comigo durante as aulas.
Agradeço, também, a todos que de alguma maneira foram luz para que eu pudesse vencer com
dignidade os desafios da pesquisa acadêmica.
RESUMO
A maneira de se exercer a cidadania na esfera pública é de extrema relevância para a condução
das relações do ser humano com seus concidadãos, e pode contribui para a redução das
desigualdades sociais e para a exclusão social. E durante cada período histórico, as técnicas ou
tecnologias de informação e comunicação foram não apenas o suporte para a propagação do
conhecimento, mas para reunir grupos que tinham interesses convergentes, fossem eles
articulados para a realização do bem público, do interesse comum ou privado. A concentração
destas técnicas ou tecnologias por parte de um grupo restrito da sociedade provoca desequilíbrio
no convívio social, uma vez que é latente o poder de manipulação que acompanha o uso destes
meios de transmissão da linguagem. O objetivo da presente dissertação é analisar os impactos da
utilização das novas tecnologias de informação e comunicação para o processo democrático, à luz
da teoria constitucional democrática e verificar se as políticas públicas de inclusão digital rural do
Governo Federal são democráticas e constitucionais. Para isto, será usada a tese da linha crítico-
metodológica, bem como a investigação do tipo histórico-jurídico e a pesquisa bibliográfica.
Palavras-chave: Desigualdade social, Tecnologias de Informação e Comunicação, Vida Pública,
meio rural
ABSTRACT
The way to exercise citizenship in the public sphere is extremely important for the conduct of
relations between human beings and their fellow citizens, and can contribute to reducing social
inequalities and social exclusion. And during each historical period, techniques or technologies of
information and communication were not only support for the spread of knowledge, but to bring
together groups that had converging interests, be they articulated for the realization of the public,
private or common interest. The concentration of these techniques or technologies by a small
group of society causes imbalance in the social life, since it is the latent power of manipulation
that accompanies the use of these means of transmission of the language. The purpose of this
paper is to analyze the impacts of the use of new information and communication technologies to
the democratic process in the light of democratic and constitutional theory verify that the policies
of digital inclusion in rural Federal Government are democratic and constitutional. For this, the
thesis will use the line-critical methodology, and research the type-legal and historical literature.
Keywords: Social Inequality, Information and Communication, Public Life, Rural Areas
LISTA DE ABREVIATURAS
ANATEL – Agência Nacional de Telecomunicações
CATI – Comitê da Área da Tecnologia da Informação
CETIC – Centro de Estudos sobre as Tecnologias da Informação e da Comunicação
CGI – Comitê Geral da Internet
CGPID – Comitê Gestor do Programa de Inclusão Digital
CRFB – Constituição da República Federativa do Brasil
CNJ – Conselho Nacional de justiça
CTN – Código Tributário Nacional
FHC – Fernando Henrique Cardoso
GESAC – Governo Eletrônico – Serviço de atendimento ao cidadão
ICMS – Imposto sobre Circulação de Mercadoria
IPEA – Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada
MC – MiniCom
MCI – Marco Civil da Internet
MCTI – Ministério da Ciência e Tecnologia e Inovação
MDA – Ministério do Desenvolvimento Agrário
MST – Movimento dos Trabalhadores sem Terra
NMS – Novos Movimentos Sociais
ODF – OpenDocument format
PNBL – Programa Nacional de Banda Larga
SID – Secretaria de Inclusão Digital
STF – Supremo Tribunal Federal
TI – Tecnologia de Informação
TIC – Tecnologia de Informação e Comunicação
TELEBRÁS – Telecomunicações Brasileiras
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO............................................................................................................... 12
CAPÍTULO 1: A constituição do novo espaço (de fluxo) global................................... 18
1.1 As fases da esfera pública que precederam o paradigma do espaço de fluxos da
Revolução da Informação. ..............................................................................................
19
1.2 Espaço de fluxos, o novo espaço público ................................................................. 39
1.3 As alterações sociais, políticas, econômicas e culturais da Era
Informacional...................................................................................................................
50
1.4 A exclusão digital ..................................................................................................... 62
CAPÍTULO 2: O Direito Constitucional Democrático como solução para a
facticidade .......................................................................................................................
67
2.1 A crise de legitimidade ............................................................................................. 68
2.2 A Teoria Constitucional Democrática ...................................................................... 72
2.2.1 Os institutos jurídicos que se concretizam na participação política ativa
dos cidadãos ...................................................................................................................
85
2.2.1.1 O cidadão e o controle político. As modalidades de
accountability..................................................................................................................
87
2.2.1.2 Controle judicial ............................................................................... 94
2.2.1.3 Controle exercido pelos Poderes Constituídos ................................. 99
2.2.1.4 Mutação normativa ........................................................................... 101
2.3 Princípios Fundamentais como aporte ao princípio do controle .............................. 103
CAPÍTULO 3: O Programa Nacional de Banda Larga ..................................................
117
3.1 Políticas Públicas de inclusão digital antecedentes ..................................................
118
3.2 A sintonia entre o Constitucionalismo Democrático e o Projeto de Lei do Marco
Civil da Internet e a ameaça advinda dos Projetos de Lei dos cibercrimes ....................
123
3.3 O Programa Nacional de Banda Larga .....................................................................
130
3.3.1 A inconstitucionalidade dos Comitês criados pelos Decretos n° 4.829/2003;
n°25/2008; n° 6.948/2009, à luz do artigo 187 da CRFB/88 ..........................................
133
4 CONCLUSÃO ............................................................................................................. 135
5 Referências Bibliográficas............................................................................................ 140
12
Introdução
Os termos desigualdade e exclusão, assim como a maioria dos termos e expressões
ganham novos contornos em decorrência das mudanças de organização de um corpo político e
dos valores que formam seu alicerce. Santos (1999) faz uma clara distinção entre a desigualdade
no Antigo Regime e no Estado Moderno. Naquele, a desigualdade era algo natural, intrínseca a
sociedade estratificada. Neste, considerado na sua origem, ou seja, estruturado para o
desenvolvimento da sociedade de mercado capitalista, a hierarquia definida pelo capital
proporcionava uma desigualdade entre capital e trabalho tolerável. Mas o resultado do laissez-
faire foi a enorme disparidade entre seus membros, explicitando o fracasso do modelo de Estado
Liberal a partir das mazelas produzidas pelo sistema.
E o aprofundamento da desigualdade social forçou reflexões e a busca por novos
paradigmas de organização de Estado, culminando no Estado Social1 e no Estado de Bem-estar
social2. Todavia, estes paradigmas não resolveram a disparidade insustentável entre os membros
da sociedade, tendo em vista que não tiveram o propósito de abertura da esfera pública para a
participação dos cidadãos nas deliberações e tomadas de decisões, como método para alcançar
este objetivo (HABERMAS, 1992a).
A desigualdade social na República Federativa do Brasil, país de território com
dimensões continentais, é um problema que tem como causa não apenas seu tamanho ou a
colonização portuguesa. Colonização que pretendia extrair riquezas para o avanço da Metrópole,
em detrimento de um planejamento que trouxesse organização social, política e econômica a até
então Colônia (HOLANDA, 1977). Tem como causa também o papel a se cumprir num cenário
internacional, com fatos que impõem durante os quinhentos anos que se sucederam às invasões
1 O Estado social de direito é uma evolução do Estado Liberal de direito concretizada no início do século XX, “[...]
produzindo-se a passagem do Estado liberal (marcado pela idéia de limitação ao poder) para o Estado social
(caracterizado pela participação no poder) (SOARES, 2000, p. 86). Soares conclui sua análise da metódica dos
direitos fundamentais no Estado social de direito, no item 2.3 da referida obra dizendo que “[...] não tendem a
absorver ou anular a liberdade individual, mas visam a garantir o pleno desenvolvimento da subjetividade humana”
(2000, p. 87).
2 “A promessa capitalista na Europa era de criar um Estado de Bem Estar Social que tivesse uma preocupação
cuidadosa com o cidadão, com cada cidadão, dando-lhe saúde, escola, paz e velhice digna, além de um trabalho que
o mantivesse altivo e orgulhoso de sua produção” (MARÉS, 2003, p. 83).
13
portuguesas, o papel de ser suporte ao permanente acúmulo de capital dos países mais poderosos
(FAORO, 1979). Posição que volta com força total, com as comodities.
A presente dissertação versa sobre a desigualdade social e a exclusão, consequência do
Estado Moderno com vestes liberais, que assolam um enorme contingente de cidadãos do Centro-
Oeste do Brasil nos dias atuais, precipuamente no que concerne à disparidade de acesso à
internet. A exclusão e a desigualdade social são calcadas na falta de efetivação de princípios
consagrados no Estado Moderno e dispostos na Constituição da República Federativa do Brasil
de 1988 (CRFB).
Um destes princípios é o da igualdade. Sua inobservância se traduz na falta de paridade
para os cidadãos do Brasil terem acesso à estrutura que os auxilie no desenvolvimento de suas
capacidades, inclusive de acesso e uso da internet. A ausência de simetria entre os cidadãos
soterra a democracia quando inviabiliza que o desenvolvimento no meio rural seja semelhante ao
do urbano, respeitadas as culturas de cada região. Traduz, dentre outros, na carência de
possibilidade de participação política de maneira equitativa, gerando o mais grave dos problemas
que aprofundam a desigualdade e a exclusão sociais, qual seja, o reiterado descumprimento do
paradigma do constitucionalismo democrático.
E é flagrante a disparidade de condições de participação política, tanto na escolha dos
representantes eleitos e nas deliberações que precedem e dão contorno às tomadas de decisões
sujeitas ao Processo Legislativo Constituído, quanto no processo constitucional de controle da
atuação dos representantes eleitos durante o cumprimento do mandato com a accountability
concomitante e regressiva. Disparidade corrente em sociedades que prendem apenas a
democracia representativa, e não dão abertura à prática simultânea da democracia deliberativa.
Analisando a CRFB, percebe-se que a sociedade, no intuito de reverter a desigualdade
social, dispôs sobre o modelo de democracia participativa, a ser exercido pelo cidadão para a
construção permanente da sociedade. Em um país que pretende ser de cidadãos ativos na esfera
pública, é indispensável se questionar qual a melhor maneira dos cidadãos terem acesso à
informação e buscarem o entendimento pelo uso da linguagem nas deliberações (HABERMAS,
1992a, 1992b). Isto para que suas propostas sejam consideradas quando das tomadas de decisões
nos “[...] processos institucionalizados da formação democrática da opinião e da vontade”
(HABERMAS, 1992b, p. 105). À época da promulgação da CRFB os instrumentos conhecidos
era o plebiscito, o referendo, bem como fóruns e assembléias onde cidadãos deviam se reunir
14
para as deliberações e formação da opinião e da vontade. A internet ainda não era um meio de
comunicação. Internet já fazia fax
Pensar a maneira de incorporar a democracia deliberativa no cotidiano do cidadão
brasileiro com vistas à redução das desigualdades sociais ganhou novos contornos com a
Revolução das Tecnologias de Informação nas últimas décadas (dec 70 em diante). A partir de
meados da década de 90 do século passado a difusão das novas Tecnologias de Informação e
Comunicação (TIC) inaugura novo debate. A expectativa dos primeiros a analisarem a
repercussão das novas TIC para a democracia era que as novas TIC pudessem resolver de vez os
efeitos da desigualdade social por possibilitar a aproximação entre representantes eleitos e
representados (EGLER, 2008).
A euforia da expectativa em torno das novas TIC foi freada e dúvidas surgiram quanto a
solução do déficit de democracia vir pelo uso das novas TIC. Diversos estudos nos mais variados
e complexos campos de atividade humana vêm sendo desenvolvidos. E a questão da inclusão
digital como um dos instrumentos para a redução das desigualdades sociais entra em voga, já que
é indiscutível que há nas novas TIC uma enorme capacidade de auxiliar a transformação da
sociedade. E neste contexto de alteração profunda o ser humano entra no século XXI
(SANTAELLA, 2003).
Assim, será demonstrado que a redução da desigualdade social, enquanto objetivo
fundamental disposto no artigo 3° da CRFB, e a necessidade da devida a inclusão digital no meio
rural são indissociáveis. Este nobre objetivo fundamental da sociedade brasileira, questão de
direito, não se implementará sem uma efetiva participação dos trabalhadores rurais nas
deliberações e tomadas de decisões referentes às Políticas Públicas rurais. Todavia, para que os
Poderes Constituídos considerem as ponderações que vem da sensibilidade dos envolvidos,
mister que estes ocupem o cenário político na qualidade de membros iguais e livremente
associados, contribuindo para as deliberações e tomadas de decisões definidoras de políticas
públicas que lhes afetam (HABERMAS, 1992a). Promover a aproximação entre os cidadãos do
meio rural e os integrantes dos Poderes Constituídos é indispensável para a redução das
desigualdades sociais.
Os objetivos da presente dissertação são analisar a chegada e os impactos da Revolução
informacional para a reconfiguração da esfera pública. Abordar o paradigma do
Constitucionalismo Democrático com vistas a elucidar a postura que se espera dos cidadãos na
15
construção das regras de convívio social. Ainda, analisar as políticas públicas que visam
disponibilizar o acesso e utilização da internet no meio rural e verificar se a inclusão digital no
Brasil atende à efetivação dos Direitos Fundamentais e da redução das desigualdades sociais.
Para tanto, comparar a inclusão digital nos meios rural e urbano, a partir de pesquisa de campo
realizada pelo Comitê Gestor da Internet no Brasil – CGI.Br.
A fim de se contemplar os objetos da pesquisa será utilizada a tese da linha crítico-
metodológica que “[...] insere-se na versão postulada pela teoria do discurso e pela teoria
argumentativa” (GUSTIN, 2006, p. 21). Por este método, defende-se que o pensamento jurídico é
tópico, e não dedutivo; é problemático, e não sistemático. Tópico e problemático por não partir
da compreensão do todo de maneira sistemática para a solução das questões postas pela
sociedade complexa. Mas sim, da analise o problema a partir de pontos de vista diversificados,
expostos no discurso que se realiza na esfera pública aberta de interpretes, para o alcance de
decisões que considerem não apenas os interesses defendidos por representação, mas pela
participação efetiva do cidadão na esfera pública (GUSTIN, 2006).
Será realizada a investigação do tipo histórico-jurídico (GUSTIN, 2006) acerca da
evolução da interação entre representantes e representados, através da técnica de pesquisa
documental bibliográfica (SILVA, 2002).
Mediante pesquisa bibliográfica constata-se que movimentos sociais tem feito uso da
internet para alcançar seus intentos. Sendo que tal ferramenta tem o condão de aproximar os
representados dos representantes eleitos e fortalecer o processo democrático, visto como
inacabado, em construção permanente, tendo em vista que o incremento da esfera pública facilita
a captação das necessidades de cidadãos que não gozam de efetiva participação na democracia
exercida de maneira representativa.
O movimento camponês do México conhecido como Zapatismo é o primeiro
movimento de guerrilha informacional. Fez uso da internet, enquanto comunicação alternativa,
para contestação política. Os Zapatistas realizaram algo temido pelos organizadores da nova
ordem, utilizar a internet como forma de pressionar os governos perante a comunidade
internacional ao denunciar abusos e expor suas idéias (CASTELLS, 2006). Cidadãos do Irã,
Egito e Líbia, dentre outros, tem recorrido à internet nos últimos anos para contestar a
organização social a que estão submetidos. No Brasil, a violência encoberta pelo isolamento do
homem do campo sempre foi um poderoso aliado dos grupos dominantes, e uma das causas ao
16
aprofundamento da desigualdade social (MARTINS, 1996; LOUREIRO, V., GUIMARÃES, E.
C., 2011). E a partir da experiência daqueles países, percebe-se a importância do acesso à internet
para a mudança desta realidade.
Com vistas a refletir sobre a constitucionalidade da difusão das novas TIC no Brasil, o
primeiro capítulo abordará a mudança de paradigma imposta pela Revolução Informacional. Será
analisado como se constitui(u) o novo espaço público, um espaço onde circulam fluxos dos mais
variados bens à disposição do ser humano. As alterações sociais, políticas, econômicas e culturais
da Era Informacional serão analisados em seção específica, assim como o processo de exclusão
digital, e suas implicações para o aprofundamento da desigualdade social em patamares até então
impensáveis.
O segundo capítulo foi dedicado à análise da existência de um núcleo central dos
paradigmas do Constitucionalismo no Estado Moderno. Reflete-se sobre a Teoria Constitucional
Democrática e suas implicações para a esfera pública. O escopo foi verificar se o paradigma de
democracia participativa, disposto na CRFB, pode resolver a crise de legitimidade das leis através
da abertura política praticada com o suporte de institutos jurídicos de controle e de princípios
fundamentais. Também, se municia o cidadão de argumentos para compelir os Poderes
Constituídos a promover e disponibilizar meios para os cidadãos se inserirem na esfera pública.
Sendo a ferramenta internet a mais eficaz para o alargamento da esfera pública. Com isto,
deliberarem e formarem suas opiniões e vontades para que se tomem decisões legítimas.
O terceiro capítulo abordará a política pública nacional de inclusão digital rural,
precipuamente o Programa Nacional de banda Larga - PNBL. Será verificada a maneira de
planejamento e execução da referida Política Pública. Para tal, serão analisados Projetos de Lei
que tem repercussão, ainda que indireta, na liberdade e na neutralidade da utilização da internet.
Serão abordadas as políticas públicas de inclusão digital rural, antecedentes ao PNBL, e a
maneira com que foram conduzidas. Será debatido qual tipo de software é mais salutar para a
difusão da internet nos projetos públicos de inclusão digital, se o software livre ou o comercial.
No II Plano Nacional de Reforma Agrária há o reconhecimento de que a
comercialização dos produtos agrícolas precisa de atenção especial. Tanto é que em vários pontos
aborda a atividade de comercialização. Num dos pontos menciona que:
A comercialização da produção dos assentados provocou não apenas a dinamização ou
até mesmo a recriação de canais tradicionais, como é o caso das feiras na região
nordestina, como também a emergência de pontos de venda próprios (feiras de
produtores), formas cooperativas, experiências relativamente bem sucedidas de
17
transformação do produto para venda por meio da implantação de pequenas
agroindústrias, constituição de marcas para comercializar a produção e de um mercado
específico para os “produtos da reforma agrária” (MINISTÉRIO DO
DESENVOLVIMENTO AGRÁRIO, 2003, P. 9).
Em que pese os benefícios acima descritos e a importância da afirmação dos
assentamentos perante a população, entende-se que a internet reconfigura a noção de espaço
(CASTELLS, 2006), de maneira que com acesso e educação digital, o homem do campo poderá
dispor seu produto para um mercado além dos espaços que o Poder Executivo Federal afirma que
foram revigorados com o II PNRA.
Estudo recente do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada – Ipea (2011), demonstra
que o Programa Nacional de Banda Larga (PNBL) tem muitos desafios para consolidar uma
política de inclusão digital, considerada sob três aspectos básicos, a saber: a disponibilidade de
acesso; a existência de conteúdo adequado; e a capacitação dos usuário.
A presente dissertação apontará se as políticas públicas de inclusão digital rural
democratizam ou não as relações socioeconômicas, perpetuando o julgo do homem do campo,
cada vez mais vulnerável à imposição da economia capitalista com seu insustentável modo de
vida consumista. Ainda, se as políticas públicas de inclusão digital rural são suficientes ou não
para redução das desigualdades sociais.
Importante refletir os motivos para a manutenção das desigualdades sociais, que
perpetua a hegemonia de terminados grupos da sociedade. É com reflexão neste sentido que
poderá elucidar os rumos da efetivação da inclusão digital no meio rural.
18
Capítulo I: A constituição do novo espaço (de fluxo) global
O espaço de fluxos é a característica da Era informacional de maior relevância para a
análise do impacto das novas Tecnologias de informação e Comunicação (TIC) em todas as
searas da vida humana, inclusive no modo de exercício da democracia.
Na seção 1.13 será abordada a evolução da esfera pública enquanto local de interação
social, e as seções seguintes serão dedicadas à análise minuciosa da Era informacional.
3 No presente capítulo está contido quase integralmente artigo publicado por este mestrando no decorrer das
pesquisas que resultaram na presente dissertação, com poucas alterações. Disponível em
http://www.conpedi.org.br/manaus/arquivos/anais/florianopolis/Integra.pdf .
19
1.1 – As fases da esfera pública que precederam o paradigma do espaço de fluxos
da Revolução da Informação.
No decorrer da história da humanidade, a relação entre os seres humanos na esfera
pública tem variado quanto ao grau de importância e modo de ser vivenciada (SENNETT, 1998),
estando intimamente ligada à organização política do Estado e a maneira de se utilizar as
tecnologias à disposição. Segundo Santaella (2003, p. 14), “É certo também que, em cada período
histórico, a cultura fica sob o domínio da técnica ou da tecnologia de comunicação mais recente”.
Isto faz com que a interação entre os membros de uma mesma comunidade, sofra alterações que
repercutirão na participação política presente no processo de construção permanente da sociedade
e, consequentemente, na legitimidade das regras de convívio social e sentimento de
pertencimento ao corpo político.
Analisando esta relação sob a perspectiva do que vem a ser “público” e “privado”, de se
notar que o conceito destas palavras se altera com o passar do tempo, da mesma maneira que
ocorre com o significado de termos e palavras de um modo em geral. Segundo Pitkin (2006, p 15)
“No campo dos fenômenos sociais, culturais e políticos, a relação entre as palavras e o mundo é
ainda mais complexa, pois esses fenômenos são constituídos pela conduta humana, que é
profundamente formada pelo que as pessoas pensam e dizem, por palavras”. As tecnologias
desempenharam função crucial na propagação do conhecimento e métodos de deliberação.
Na Antiguidade “público” significava bem comum. No século XVI já se tinha uma idéia
de público como “aquilo que é manifesto e está aberto à observação geral.” (SENNETT, 1998, p.
30), apesar de no início do Renascimento seu sentido ainda estar em consonância com o bem
comum e corpo político. A partir desta época sua compreensão foi sendo percebida como região
especial da sociabilidade (SENNETT, 1998).
A vida “privada” na Grécia Antiga guardava íntima ligação com a pública. Mesmo não
sendo pertinente à política dizer o que era bom para cada indivíduo, era sua função determinar o
que convinha à pluralidade (ARISTÓTELES, 1995). O grego devia ser parte do todo. A virtude
mais elevada seria a dedicação ao Estado. “É visível, pois, que a existência perfeita é
forçosamente a mesma, tanto para o homem tomado individualmente, como para os Estados e
20
para os homens em geral” (ARISTÓTELES, 1995, p. 136). Conforme se verá adiante, este
entendimento se corromperá com o tempo. Não havia a noção de indivíduo do século XVIII.
A vida pública que permite influenciar nas deliberações de regras de convívio social, à
obviedade, será possibilitada na medida em que os indivíduos gozem do direito de cidadania e a
exercitem. Aristóteles (1995) trata de três formas de governo que, se analisadas à luz da abertura
para cidadania, tem num extremo a Monarquia e no outro extremo, a Democracia, além da
Aristocracia, ou governo de poucos, em posição intermediária.
Na Monarquia há exclusão quase absoluta dos membros da sociedade do processo
político, vistos apenas como súditos do Monarca, sendo este o único cidadão e o fluxo de
informações e opiniões era nulo; na Democracia, um número maior de membros participava das
deliberações segundo seus méritos e riqueza. A tranquilidade econômica era indispensável para
esta entrega ao público, vista como compromisso (ARISTÓTELES, 1995).
Não favorecer ou retirar dos homens o direito participação nas deliberações é privá-los
de se realizarem como seres humanos, de se autodeterminarem. Aristóteles entendia que “Por ai
se vê, pois, o que é o cidadão: aquele que tem uma parte legal na autoridade deliberativa e na
autoridade judiciária” (ARISTÓTELES, 1995, p. 88, grifo nosso).
As deliberações tinham procedimentos distintos entre povos contemporâneos da Grécia
Antiga, codificados cultural e socialmente. Na Pérsia, era habitual deliberar sob efeito de vinho e
no dia seguinte submeter as matérias tratadas a reconsideração para nova aprovação antes de sua
execução. Quando estavam sóbrios na primeira deliberação, a segunda sobre o mesmo assunto
ocorria à luz da influência desta bebida milenar (EPSTEIN, 1997). Em Atenas, os membros do
conselho dos 500 eram escolhidos por sorteio dentre os cidadãos com idade superior a trinta anos,
marca registrada da democracia para os gregos (FINLEY, 1983).
A quantidade de habitantes das cidades neste período, embora bastante reduzida se
comparada com os dias atuais, não possibilitava a todos os habitantes a oportunidade de
participação nas deliberações. Nos Estados que adotavam a democracia como forma de governo,
as reuniões para deliberação contavam com a adesão efetiva daqueles com direito a cidadania, o
que fazia o modo de se praticar a democracia ser tida como direta, apesar de ficarem de fora das
deliberações os metecas e os escravos, grupos que formavam a maioria da população
(NASCIMENTO, 2010).
21
Outra característica que favorecia a democracia da Grécia Antiga, tal como era
praticada, era a pequena extensão da unidade territorial das cidades. Realidade diametralmente
oposta no Império Romano. O Estado, apesar de conservar o princípio da cidadania, “Votar era
uma das principais atividades dos cidadãos que viviam na Roma republicana ou que lá se
encontravam quando as Assembléias se reuniam...” (FINLEY apud Taylor, 1983, p. 107), passou
a ter um amplo território, restringindo ainda mais a cidadania, afeta apenas aos mais ricos. As
dificuldades para cidadãos sem recursos participarem da vida política de Roma eram muitas.
Havia diversas regras neste sentido, tais como o veto interposto por outro magistrado de categoria
mais elevada ou dificuldades de se fazer presente, aqueles que viviam longe da cidade de Roma
(FINLEY, 1983).
O alfabeto, invenção de 2.700 a.C, é a tecnologia grega que mais contribuiu para que o
conhecimento fosse passado por gerações, entretanto, sua utilização para desenvolvimento da
esfera pública só ocorreria com o surgimento da imprensa no século XV, como se verá adiante.
Até que o Imperador ocupou o lugar público e dominou os assuntos que deveriam ser
objeto de solução construída em deliberações públicas (REIS, 2010). Não se tinha mais
legitimidade por conta da participação nas tomadas de decisões, mas com amparo na religião.
Relegar a população à condição a meros súditos priva-a da condição de cidadã e da capacidade de
autodeterminação, uma vez que despolitiza os membros do corpo político. Conseqüência foi o
esfriamento do interesse em viver o “público” e a procura da vida “privada” em outros moldes,
que não os sufocantes de outrora.
À medida que a vida pública do romano tornava-se exangue, ele buscou privativamente
um novo foco para suas energias emocionais, um novo princípio de compromisso e de
crença. Esse compromisso privado era mítico, preocupado em fugir do mundo em geral e
das formalidades da res publica como parte deste mundo, e vinculava-se a várias seitas
do oriente Próximo, dentre os quais o Cristianismo passou a predominar. O Cristianismo
deixa então de ser um compromisso praticado em segredo para irromper o mundo,
transformando-se, ele próprio, em novo princípio de ordem pública (SENNETT, 1998,
pag.15).
Os fenômenos sociais, culturais e políticos “são constituídos pela conduta humana”
(PITKIN, 2006, p. 15). Portanto, natural que a decadência do Império Romano tenha repercutido
na maneira das pessoas organizarem suas vidas públicas e privada.
Por volta do ano 800, surgem as cartas de franquias medievais dadas pelo monarca aos
vassalos. Tais documentos são apontados como marco inicial da idéia de dir. individuais (NETO,
22
1979). A conseqüência foi a progressiva ocupação da esfera público com práticas que demandam
maior participação dos membros da sociedade, mas ainda em proporções modestas se comparada
com a amplitude da participação nas deliberações que ocorrem na esfera público digital.
Segundo Pitkin (2006), na Idade Média, grupos distintos de cavaleiros e da burguesia
local, ainda não reconhecida como classe (MARX, 2007). Descobriram que tinham queixas
comuns e começaram a apresentar petições comuns. “Embora os gregos antigos tivessem várias
instituições e práticas às quais aplicaríamos a palavra “representação”, eles não tinham palavra ou
conceito correspondente” (PITKIN, 2006, p. 17). Desses movimentos de cavaleiros e da
burguesia, entende Soares (2000, p. 22),
[...] emergiram traços marcantes da evolução da organização política rumo ao Estado
moderno Europeu: a doutrina da lei injusta e do direito de resistência (formulada pela
escolástica medieval), a conquista de algumas garantias básicas de liberdade e segurança
pessoal estatuída na Inglaterra.
Mark A. Kishlansky (1986 apud URBINATI, 2006) elencou três fenômenos políticos
vinculados ao nascimento do processo eleitoral da Inglaterra do século XVII, sendo que dois tem
pertinência direta com os movimentos dos cavaleiros e burguesia local, a saber: “a transformação
dos eleitos, de delegados em representantes; e a emergência das alianças partidárias ou
ideológicas entre os cidadãos” (URBINATI, 2006, p. 195).
A Carta Magna de 1215 é frequentemente lembrada como marco deste período. O
descontentamento dos Barões com os altos tributos impulsionou a idéia de se definirem dentro de
seus pares, membros para defenderem interesses comuns perante o Rei. No mesmo ano o Papa
revogou este documento, mas ainda sim é considerado indispensável, por conta dos súditos
perceberem que o novo caminho era justamente o da reivindicação através da participação
política na esfera pública. E a via da representação era o melhor modo para se pleitear as
pretensões naquela época (SIDOU, 1998).
Este documento beneficiava diretamente os Barões, grupo forte capaz de exercer pressão
política, e só indiretamente o povo. Nenhum homem livre seria detido, a não ser em virtude de
um juízo legal de seus semelhantes e segundo a lei. Sidou (1998) diz que é superfetação apontá-la
como limiar das liberdades. Alega que os direitos coletivos do homem não são fruto de uma
época, de um só povo e muito menos brotaram num só ato. Exemplifica dizendo que isto já era
23
previsto quase um milênio antes desta Carta, com o imperador Constantino, recolhida no Código
de Justiniano.
Traz a baila outros documentos anteriores à Carta Magna e que tinham em seu bojo a
presença da participação cidadã na construção da res publica, como, por exemplo, o Fuero de
León (1188), um limitador do poder absoluto dos reis, em garantia dos direitos individuais de
liberdade corpórea. Ao elegeram o rei, os aragoneses lhe entregaram as leis sob as quais havia de
governar (SIDOU, 1998). Fato este que demonstra ser cabal a importância do envolvimento dos
membros da sociedade na construção permanente da sociedade, já que a democracia deve ser
vista como um projeto inacabado, que depende da abertura às deliberações entre membros iguais
e livremente associados.
Seguindo a análise das alterações no modo de participação política no desenrolar da
história, de se dizer que o Antigo Regime se enfraqueceu em grande medida por conta de novas
mudanças na esfera de domínio público. E foram ocasionadas como natural conseqüência do
supra abordado contexto histórico da representação, que precedeu e impulsionou a burguesia a se
organizar como classe (MARX, 2007). Pressão direta para contestar a ordem até então constituída
pela incipiente classe foi exercida com o uso da tecnologia da imprensa (HABERMAS, 1984).
Para Sennett (1998), a relação com a vida pública vista como local de observação geral
foi elemento chave para se possibilitar críticas à ordem Absolutista, “a tentativa de criar uma
ordem social em meio a condições caóticas e confusas trouxe consigo ao mesmo tempo as
contradições do Antigo regime” (SENNETT, 1998, p.33). Os encontros em locais públicos das
cidades, fora do julgo dos Senhores Feudais, ocasionaram o retorno de esferas públicas política,
seja episódica, da presença organizada ou abstrata4 (HABERMAS, 1992b). Entende-se ser o
fluxo de informações e argumentos nas discussões acerca de anseios dos membros da sociedade
burguesa local, o elemento que se encarregou de identificar e dar publicidade à vontade geral
destes, aglutinando-os e contribuindo para o surgimento da burguesia enquanto classe.
Habermas (1984), se referindo aos estabelecimentos de café menciona que “No primeiro
decênio do século XVIII já existiam mais de 3.000 deles em Londres, cada um com seu circulo
íntimo de fregueses habituais” (HABERMAS, 1984, p. 48). Destarte, consoante descreve Sennett
4 “[...] esfera pública episódica (bares, cafés, encontros na rua), esfera pública da presença
organizada (encontros de pais, público que freqüenta o teatro, concertos de Rock, reuniões de
partidos ou congressos de igrejas) e esfera pública abstrata, produzida pela mídia (leitores,
ouvintes e espectadores singulares e espalhados globalmente).
24
(1988), grupos sociais complexos e dispares convivem independente da vontade pessoal de cada
um. O que faz ser indispensável que o homem se adapte a nova realidade, tendo uma postura
cosmopolita, ou seja, “Homem que se movimenta despreocupadamente em meio à diversidade.
Que está à vontade em situações sem vínculo nem paralelo com aquilo que lhe é familiar”
(SENNETT, 1998, pag. 31).
Não se deve esquecer que, em princípio, somente a parte mais abastada dos membros da
sociedade freqüentava locais desta natureza. Mas houve a construção de parques públicos para
camada mais laboriosa e abertura de teatros e óperas à venda de ingressos, ao invés da
distribuição de lugares entre os aristocratas. Os teatros contribuíam para a cultura da
representação (SENNETT, 1998).
A esfera pública burguesa se apoiou no princípio da publicidade como mediadora entre a
política e a moral, indo de encontro à dominação absolutista do Antigo Regime, já que era
identificada com função política de mediação entre o Estado e sociedade (Habermas 1984). E a
imprensa escrita teve papel fundamental neste processo. Eram através dos periódicos que parte
dos membros da sociedade, denominada Terceiro Estado manifestavam as insatisfações “Os
jornais passam de meras instituições publicadoras de notícias para, além disso, serem porta-vozes
e condutores da opinião pública, meio de luta da política partidária” (HABERMAS, 1984, P.
214).
Durante a quebra do paradigma do Estado Absolutista e a elevação do paradigma do
Estado de direito liberal, o uso da imprensa espelhava bem a relação do homem com a vida
pública da época. A ordem social, vinda da vida pública no Antigo Regime, contestava-o.
(SENNETT, 1998).
A imprensa foi a tecnologia que amparou o aumento da participação na esfera pública do
século XVIII em virtude não unicamente pelo desejo de participação, mas em grande medida por
ter facilitado a integração entre os membros da sociedade e dado voz a quem quisesse se
expressar, mesmo com as limitações próprias desta tecnologia e os empecilhos sócio-econômicos
e políticos da época.
Ocorre que, após a derrubada deste regime, a burguesia detentora do meio de
comunicação em voga, inicia um comando da imprensa norteado por interesses políticos próprios
da classe “A autonomia jornalística de redator também é, aliás, sensivelmente diminuída nessa
espécie de imprensa que não se curva às leis do mercado, mas que serve primeiramente a fins
25
políticos” (HABERMAS, 1984, p 218). A ruptura da imprensa com as características originais se
deu também quando a “imprensa se torna manipulável à medida que ela se comercializa”
(HABERMAS, 1984, p. 217), afastando-a do lugar de realização da liberdade para sacramentar o
desaparecimento do interesse geral.
Naturalmente, o consenso fabricado não tem a sério muito em comum com a opinião
pública, com a concordância final após um laborioso processo de recíproca
“Aufklärung”, pois o “interesse geral”, à base do qual é que somente seria possível
chegar a uma concordância racional de opiniões em concorrência aberta, desapareceu
exatamente à medida que interesses privados privilegiados a adotaram para si a fim de se
auto-representarem através da publicidade (HABERMAS, 1984, p. 228/229, grifo autor).
Sieyès (2001), tratando da sociedade estamental do Antigo Regime, dividia sociedade
em primeiro e segundo Estados, compostos pelo clero e nobreza. Ao passo que o Terceiro Estado
era comum aos demais membros, inclusive a burguesia “classe laboriosa – os homens das
cidades, os comerciantes enriquecidos, os fabricantes da indústria incipiente e do campesinato –
que politicamente eram denominados Terceiro Estado” (SIEYÈS, 2001, p. XXIX). Suas idéias
foram fundamentais para o embasamento das Declarações, que foram fruto das Revoluções
Liberais na França e Estados Unidos, sendo base do constitucionalismo moderno.
Diante das diferenças sociais na França, Sieyès (2001) propôs a participação política via
Assembléia Nacional Constituinte, integrada por representantes do primeiro, segundo e terceiro
Estado. Assim os deputados passariam a se reunir em uma assembléia nacional, retirando o poder
absoluto do Monarca, que ficou incapaz de exercer pessoalmente o poder político. A nação
passou a definir seus rumos por meio dos representantes, os legitimados para a definição da
opinião pública “Assim, Fraenkel equipara a opinião pública com a concepção dominante do
parlamento e obrigatória para o governo” (HABERMAS, 1984, p. 277).
E como a burguesia era a parte do Terceiro Estado mais forte economicamente, impôs
seus ideais no sistema representativo, cujos representantes do povo estavam distantes dos anseios
do proletariado e camponeses, que não tinham a devida participação na vida pública,
comprometendo o fluxo de informações e deliberações afetas ao homem do campo, logo o
afastando das tomadas de decisões, míopes aos anseios daqueles que desempenhavam as
atividades agrárias.
Torna-se claro que se o século XVIII concretizou a cidadania através da representação.
A origem desta maneira de participação política, que coaduna com a conhecida nos dias atuais,
26
remonta a práticas que foram sendo alteradas no decorrer da Idade Média e no Estado estamental
(SOARES, 2000).
Hobbes (2007) entende que para o homem sair do Estado de Natureza, onde há uma
guerra constante que é de todos contra todos, é necessária a participação política limitada a abrir
mão de sua liberdade de fazer tudo quanto queira e eleger um soberano ou uma assembléia como
representante dos demais membros do corpo político, para que decidam sobre as regras de
convívio social, sem a participação, tampouco a contestação destes. A legitimidade das leis
decorreria do reconhecimento do Soberano ou assembléia enquanto tal.
Defendia Hobbes (2007), que o representante, pessoa fictícia ou artificial, agiria na
posição de um ator “As pessoas artificiais emitem palavras e ações que pertencem aqueles a
quem representam. Nesses casos a pessoa é o ator e aquele a quem pertence suas palavras e ações
é o autor”. Contudo, o protagonismo de cada cidadão, enquanto fenomenologia da cidadania
indispensável à autodeterminação dos povos, ficava alijado.
Este filósofo do século XVII é considerado precursor do Estado de direito liberal, tendo
grande influência na idéia de organização social que surge com as Revoluções Liberais um século
depois.
Para Hobbes, o modelo do indivíduo semovente, voraz e possessivo, e o modelo de
sociedade como sendo uma série de relações de mercado entre esses indivíduos, eram
fonte suficiente de dever político. Não eram necessários conceitos tradicionais de justiça,
lei natural ou determinação divina. O dever do indivíduo para com o estado era deduzido
dos fatos supostos, como estruturados no modelo humano materialista e no modelo da
sociedade de mercado. Os modelos continham as duas suposições de fatos que Hobbes
achava suficientes para a dedução dos direitos e deveres: a igualdade de necessidade de
movimento contínuo e a igual insegurança devida à igual probabilidade de intrusão de
outros, por meio do mercado (MACPHERSON, 1979, p. 277).
Um ponto da teoria de Hobbes (2007) que não encontraria acolhida na sociedade de
mercado era, justamente, quando advogava que a Soberania deveria se perpetuar através da
escolha do sucessor pelo Soberano, com vistas a se assegurar os fins colimados do Estado e, com
isto, a paz e o direito a vida.
Mas mesmo os que aceitavam substancialmente a sua análise da natureza humana e
compartilhavam de sua visão da sociedade como sendo um mercado, dentre os quais
podemos incluir Harrington e mesmo Locke, rejeitaram suas conclusões integrais.
Quando observamos quais as conclusões de Hobbes que rejeitaram e quais aceitaram,
veremos mais claramente que parte de sua doutrina é, em princípio, aceitável e que parte
é inaceitável numa sociedade de mercado....
27
O que tanto Harrington como Locke achavam desnecessário e incompatível com os
únicos desígnios para os quais seria concebível que os indivíduos pudessem dar
autoridade ao poder soberano, era o fato de que o poder soberano seria colocado
irrevogavelmente nas mãos de uma pessoa ou grupo de pessoas com autoridade para
apontar seu, ou seus sucessores. Opunham-se, não ao poder perpétuo do soberano, mas à
autoperpetuação da soberania de uma pessoa ou grupo de pessoas (MACPHERSON,
1979, p. 100/101).
De se dizer que os acontecimentos também não corroboraram integralmente a teoria de
Hobbes. “O fato de ter a sociedade inglesa chegado rapidamente a ser governada por um corpo
soberano, sem o poder de se perpetuar, mostra que a receita completa de Hobbes não era
necessária para a manutenção de uma sociedade estável” (MACPHERSON, 1979, p. 102).
No século seguinte, a crença no ator e na representação como meio de participação
política se enraíza na cultura ocidental. Cada vez mais o povo se amadurecia para enfrentar a
quebrar do paradigma do Absolutismo, e dar início à Revolução Liberal, institucionalizando a
representação como meio de exercício de cidadania.
Em que pese toda relevância do pensamento de Hobbes, são as teorias de Locke,
Rousseau e Montesquieu que irão ser o alicerce das Revoluções do século XVIII. Locke (1998)
justificou a aquisição de propriedades através do trabalho e o direito do cidadão em definir a
organização social com base no contrato social, definido entre os representantes dos indivíduos. E
com os metais preciosos não ocorreria o desperdício reprovável, estimulando-se as relações
mercantis intersubjetivas, que dariam conta de regular o convívio social. Ao Estado cabia intervir
o mínimo nas relações, e se preocupar em assegurar os direitos à vida, liberdade e propriedade,
este com caráter absoluto. A legitimidade da vida pública se despontava na medida em que
viabilizava os interesses privados (REIS, 2010).
Destarte, o ideal do Laissez-faire tinha terra fértil para seu desenvolvimento. Mas o
Laissez-faire não era puro; para o desenvolvimento da sociedade de mercado possessivo, a
intervenção do Estado se fazia indispensável diante dos intensos reflexos na sociedade.
Parte da regulamentação se destinava, certa ou errada, a promover a indústria e o
comércio; em sua maior parte era destinada a prevenir ou reduzir as flutuações do
mercado. Foi em grande parte pelo fato de tantos homens estarem então dependendo de
empregos, e seus empregos dependendo dos caprichos dos mercados de artigo de
consumo que produziam o desemprego cíclico numa escala que ameaça a ordem pública,
que os governos foram forçados a interferir de modo tão vigoroso (MACPHERSON,
1979, p. 72/73).
28
E se esta era a postura do Estado, indispensável que todos os grupos ou camadas da
sociedade tivessem participação política ativa na construção da sociedade. Como neste momento
da história do homem, o modo de se praticar democracia era mediante a representação política,
mister que tivesse o condão de contemplar todos os grupos contidos na sociedade, sem as
manipulações dos mais afortunados. A proposta de representação política era nivelar os membros
da sociedade através da esfera pública, e afastar as desigualdades oriundas da concentração de
poder na esfera privada.
Por um lado, concentração de poder na esfera privada do intercâmbio de mercadorias e,
por outro, a esfera pública estabelecida, com sua institucionalizada promessa de acesso a
todos, reforçam uma tendência dos economicamente mais fracos: contrapor-se, agora
com meios políticos, a quem seja superior graças a posição de mercado (HABERMAS,
1984, p. 173).
De se dizer que estender os direitos políticos a todos era necessário para justificar a
ruptura com a sociedade estamental do Antigo Regime. Todavia, a devida efetivação dos direitos
políticos não era do interesse da classe Burguesa que, por ter o controle da imprensa, corrompeu
seu uso e passou a dominar e a ditar as idéias que deveriam ser tidas como as corretas (MARX,
2007). Entendimento corroborado por Macpherson (1979, p. 155),
Esses direitos econômicos, como os civis e religiosos eram exigidos para todos. Na
prática, naturalmente, os direitos de produzir, comerciar, etc., só podiam ser usufruídos
pelos que detinham o controle do próprio trabalho. Os assalariados, enquanto
assalariados eram incapazes de usá-lo. Mas os direitos precisavam ser instaurados de
forma completamente generalizada, de modo a assegurá-los aos que deles podiam
usufruir....
O direito político à voz para escolher representantes era diferente. Estava baseado, como
os outros, na concepção da essência humana como sendo a liberdade, e da liberdade
como sendo estado ativo da propriedade da própria pessoa e das próprias capacidades,
mas não era necessário reivindicá-lo para todos.
No século XVIII a busca pela felicidade tem relação com os direitos humanos, e não
mais na busca de anseios comuns à vida pública e privada. “A noção de direitos humanos provém
de uma oposição entre natureza e cultura”. Identificava-se o natural com o privado e a cultura
com o público. E como a natureza do século XVIII não corroborava com a superstição medieval,
toda vez que o homem se sentisse injuriado por práticas culturais podia se posicionar contrário a
elas. Atitude que punha a prova a cultura e fortalecia a noção de indivíduo (SENNET, 1998).
29
A partir destas alterações sociais, culturais e políticas, o homem derrubara o argumento
que legitimava regras de convívio social, quais sejam, as práticas previamente postas, ancoradas
no Poder Divino e fechadas à deliberação. Regras desta estirpe se tornavam arbitrária.
Neste período, Rousseau, o maior defensor da democracia direta, propõe a organização
social mediante contrato cunhado na vontade geral, entendida como “o que há de comum à
infinidade de vontades particulares, o que está presente em cada uma delas mas transcende a
todas, isto é, aquilo que nelas se orienta para a realização do bem comum” (VITA 1991, p. 217-
218).
Assim, o Poder soberano se deslocaria do Estado, para ser emanado do Povo
(ROUSSEAU, 1973). Sua teoria foi uma das que contribuiu para a crise do paradigma
Absolutista, em detrimento ao paradigma do Estado de Direito Liberal, sendo adotada após as
Revoluções Liberais. O grande perigo consistia na predominância do interesse da maioria ante o
interesse comum, que deveria se revelar na participação política, e punha em risco a minoria
(VITA, 1991). Pereira (2010, p. 54) entende que “Essa noção de soberania nacional não tardou a
se transformar em, na prática, no primado da soberania de legislador”.
Contemporâneo a Rousseau, Kant (2003) desenvolve a teoria da Lei Universal
“Qualquer ação é justa se for capaz de coexistir com a liberdade de todos de acordo com uma lei
universal, ou se na sua máxima a liberdade de escolha de cada um puder coexistir com a
liberdade de todos de acordo com uma lei universal” (KANT, 2003, p. 76/77). Para este filósofo
seria inconcebível que se pudesse legislar de maneira a prejudicar outrem, pois se as leis não
observassem seu caráter universal, as previsões que a um desfavorecesse, recairia sobre os
demais. A teoria da Lei Universal de Kant contribuiu, diretamente, para a edificação dos Direitos
Humanos.
Quando os Direitos Humanos penetram no cenário político do século XVIII há
repercussão imediata na participação política inclusive por mitigar a Soberania do Povo, tendo
em vista que retirava a possibilidade da produção de legislação atentatória a direitos básicos de
todas as pessoas, independente dos usos e costumes. (SENNETT, 1998).
Habermas (1992a), ao analisar a contribuição de Rousseau e Kant para a cidadania,
discorre sobre a tensão entre Direitos Humanos e o princípio da Soberania do povo, considerando
a repercussão direta no exercício da cidadania.
30
A depender da compreensão que se tem desta relação, não haveria integração. Ao
contrário, seriam concorrentes.
As tradições políticas surgidas nos Estados Unidos e caracterizadas como “liberais” e
“republicanas” interpretam os direitos humanos como expressão de uma
autodeterminação moral e soberania do povo como expressão da auto-realização ética.
Nesta perspectiva, os direitos humanos e a soberania do povo não aparecem como
elementos complementares, e sim, concorrentes (HABERMAS, 1992a, p. 133).
A tensão em voga tinha mais sentido no período de ruptura com a ordem Absolutista.
Embora de difícil conciliação, não significa que deva prevalecer na atualidade o antagonismo de
outrora. Alega Habermas (1992a), inclusive, que os Direitos Humanos e a Soberania do Povo
“formam idéias em cuja luz ainda é possível justificar o direito moderno”. (HABERMAS, 1992a,
p. 133). Deve-se buscar o nexo interno “no conteúdo normativo de um modo de exercício da
autonomia política, que é assegurado através da formação discursiva da opinião e da vontade,
não através da forma das leis gerais” (HABERMAS, 1992a, p. 137).
Segundo Dahl (1997) a seqüência histórica de um país é uma das condições que exercem
natural influência nos rumos da democracia. E como não podia deixar de ser, a tomada do Poder
pela burguesia fez com que se mudasse a maneira de usar a imprensa, já que era por esta classe
controlada, indo de meio de contestação do Poder político a meio de perpetuação no Poder
político, mediante práticas manipuladoras da sociedade. A imprensa que antes se preocupava em
captar idéias das discussões sócias antes das publicações, inicia fase de divulgação de idéias sem
contato prévio com a população (HABERMAS, 1984).
Nos tempos de Absolutismo (BOBBIO, 1986) do Antigo Regime, a burguesia, enquanto
parte do Terceiro Estado, estava alijada do processo político. O restante dos membros que
compunham o Terceiro Estado, também desprivilegiados no sistema onde a nobreza e o clero
nada produziam e ficavam com os frutos do labor do restante da população (SIEYÈS, 2001),
permaneceu desconsiderado do processo político no Estado Liberal do século XIX, paradigma de
Estado que sucedeu o Estado Absolutista.
Nasce uma classe que suporta todos os ônus da sociedade, sem gozar das suas vantagens,
que é expulsa da sociedade e se encontra forçosamente na oposição mais aberta a todas
as outras classes, uma classe formada pela maioria dos membros da sociedade (Marx,
2007, p. 79).
31
A classe laboriosa tinha a função de facilitar o acumulo de capital por parte da classe
dominante, mas sem direito a opinar na esfera pública, já que não era alternativa para a sociedade
de mercado possessivo, pois não possuíam propriedades.
As teorias de alguns dos pensadores acima referidos formam o movimento conhecido
por Iluminismo. Dentre outras conseqüências, o Iluminismo contribuiu para os rumos da
representação e para a relação do homem com o domínio público. Estava consagrada importância
dos detentores do conhecimento na criação das regras de convívio social, inibindo a maioria da
população de tentar ocupar um lugar nas deliberações. E com o distanciamento entre
representantes e representados, bem como a manipulação política potencializada com o uso da
imprensa como meio de comunicação de massa, as chances de influência nas tomadas de decisões
diminuíam ainda mais. A imprensa era explorada como “um ramo de atividade econômica,
industrialmente organizada nos padrões dos grandes conglomerados típicos da fase monopolista
do capitalismo” (DUARTE, 2003, p. 50).
Não há como analisar as mudanças na esfera público dos fluxos de informação sem
refletir sob o prisma mecanicista de Descartes e da Revolução Industrial. O paradigma
mecanicista cartesiano de Descartes, que advogava o funcionamento da vida como o de uma
máquina, foi uma teoria que contribuiu para legitimar a Revolução Industrial e preparar o campo
para a era moderna. A visão cartesiana compreendia a relação da vida do homem dissociada da
natureza, já que isolava o objeto de análise para entendê-lo (CAPRA 2006). Criando, assim,
condições para que a cultura individualista do ocidente superasse a cultura oriental em invenções
e aculumo de riquezas, em detrimento de condições de vida que não aprofundasse as
desigualdades entre os homens, e de uma relação harmônica entre os seres humanos e a natureza.
Nos séculos XVII e XVII, a visão de mundo medieval, baseada na filosofia aristotélica
e na teologia cristã, mudou radicalmente. A noção de universo orgânico, vivo e
espiritual foi substituída pela noção de mundo como máquina, e a máquina do mundo
tornou-se a metáfora dominante da era moderna (CAPRA, 2006, p. 34).
A Revolução Industrial foi intimamente amparada por outras áreas do saber, como o
direito que justificava a concentração de terras, expropriando do homem do campo para atender
aos imperativos do Mercado, ávido por mais produção. Favoreceu, portanto, a dinâmica
individualista concretizada com as Revoluções Liberais acima tratadas.
Pensando-se nas relações sociais tendo como método o materialismo histórico (MARX,
2007), vê-se que alteraram sobremaneira. As relações de troca passam a ser com base na
32
propriedade privada. De um lado, a classe com poder econômico e detentora dos meios de
produção. E do outro, a grande maioria dos cidadãos que tinham quase que o trabalho como única
propriedade. Cada um era considerado como uma força produtiva independente dos demais
cidadãos em situação semelhante. Consequência foi o esvaziamento da esfera pública.
Com todo aparato do Estado Inglês e do poder econômico, a Revolução Industrial tanto
preparou a derrubada do Antigo Regime no Velho Continente quanto contribui decisivamente
para as mudanças sociais, políticas e econômicas dos últimos 250 anos.
Segundo CASTELLS (2006) a sociedade mundial viveu os três últimos séculos
orientada pelo paradigma da Revolução Industrial. A contradição reside no fato de que a cultura
do consumo que sustenta a produção industrial no capitalismo não tem sustentação, pois os
recursos naturais são fontes esgotáveis e não há como manter o ritmo de produção sem por em
risco a degradação do meio ambiente e inviabilizar a própria vida humana na terra.
Enfim, o ecossocialismo é uma ética responsável. Na sua célebre obra, O Princípio
Responsabilidade (1979), o filósofo Hans Jonas pôs em evidência as ameaças que a
destruição do meio ambiente pelas tecnologias modernas apresenta para as gerações
futuras. Desde a publicação do seu livro, a crise ecológica se tem infinitamente
agravado, e a ameaça de uma catástrofe no meio ambiente de proporções imprevisíveis
se perfila no horizonte das próximas décadas. Não se trata mais apenas de
responsabilidade para com as gerações futuras, como pensava Jonas, mas na verdade
para com a nossa própria geração. (LÖWY, 2005, p. 76-77 grifo do autor).
Culturas que de início não se sucumbiram a este novo paradigma de organização social,
que implicava em negar a natureza ou em dominá-la, sentiram os efeitos da Revolução Industrial.
Perderam em desenvolvimento econômico, em qualidade do meio ambiente, em vista dos efeitos
da devastação da natureza desconhecer fronteiras, e por conta de terem assumido o papel de
fornecedores de matéria prima para os países industrializados, que passam a se apropriar dos
recursos naturais de regiões que não se industrializaram (CAPRA 2005).
De um lado os países que destruíram suas reservas naturais para alcançarem o
desenvolvimento econômico e responder ao valor do consumo enquanto valor primeiro da
sociedade ocidental (SANTOS, 1996), criadas com o suporte das tecnologias de comunicação de
massa; e do outro lado, os países que não tinham como sair da condição de subordinados neste
processo de industrialização, e eram invadidos pela imposição capitalista que solapou a
diversidade cultural para impor o consumo das necessidades da cultura capitalista dominante.
33
Até os últimos anos do século passado o paradigma da Revolução Industrial
predominou, e a Era Informacional inaugurou um novo paradigma de organização social. Kuhn
(1970) entende que a quebra de um paradigma não acontece em um ato e, pronto, mudado está o
paradigma que estrutura a sociedade. Para dar forte tempero de tensão ao período da história que
coincide com a quebra de paradigmas, sempre haverá defensores do antigo paradigma
confrontando com os que propõem novo paradigma. Não é um fato isolado que promove a
“quebra de paradigmas”, a ruptura é descontínua e revolucionária (KUHN, 1970).
Talvez por isto, percebe-se o Estado, de um lado, vivendo numa organização típica do
Estado-Nação, garantidora do sucesso da Revolução Industrial. E do outro lado, a sociedade
pressionando pelo reconhecimento da diversidade, do pluralismo político. Enfim, pela ampliação
da esfera pública e respeito à diversidade cultural.
A disparidade entre o modo de vida imposto pela Revolução Industrial e o paradigma
do Estado-Nação, que roga a igualdade e fragmenta a sociedade, quando comparados com a
sociedade complexa e diversificada, que reconhece que as relações estão todas interligadas,
sistemicamente, é vital se compreender as mudanças profundas que foram provocar nas relações
em geral, inclusive no modo dos cidadãos se comunicarem. Esta realidade ressoou em distintas
áreas do saber no decorrer do século XIX e XX.
A teoria da função social da propriedade de Comte (1983), trazida ao direito por Léon
Duguit, foi outro instituto com repercussão na participação política, atingindo diretamente um
princípio tão festejado entre os contratualistas liberais, o princípio da autonomia da vontade5,
base para uma sociedade que pretende a regulamentação do convívio social em decorrência das
relações privadas do mercado, e com interferência mínima do Estado. Antes da função social, o
direito de propriedade era absoluto/individual; após, conquistou caráter relativo/social (Oliveira,
2004) e trouxe novos contornos a um direito que estava na essência do capitalismo. Mudança que
vem da pressão na esfera pública e sinaliza que o terreno para a democracia participativa
começava a ser percorrido, ainda que de maneira incipiente.
O sistema capitalista chega ao século XX em seu terceiro estágio, o capitalismo
multinacional, batizado de globalização (independente do capitalismo os traços de globalização
5 MONTEIRO (2011, p. 23) discorrendo sobre os princípios fundamentais do direito contratual, elenca o princípio da
autonomia das vontades em primeiro lugar, e ensina que por este “[...] têm os contratantes ampla liberdade para
estipular o que lhes convenha, fazendo assim do contrato verdadeira norma jurídica, já que o mesmo faz lei entre as
partes. Em virtude desse princípio, que é a chave do sistema individualista e o elemento mais colorido na conclusão
dos contratos, são as partes livres de contratar, contraindo ou não o vínculo obrigacional”.
34
são anteriores). Anteriormente, houvera o capitalismo de mercado e o capitalismo imperialista ou
monopolista, cada um influenciando à sua maneira, a relação do homem com a vida pública. Os
avanços tecnológicos continuaram a ser meio poderoso no direcionamento político, social,
cultural e econômico do mundo globalizado. O uso do vídeo e do cinema alterou a atividade de
interpretação, deixando-a superficial (JAMESON, 2006), bem como disseminou a ideologia
Norte Americana e seu modo de vida, que deveria ser acompanhado por outros povos para o
sucesso daquele. Claro que a mudança cultural refletiu nas necessidades dos indivíduos, que
passaram a ser adquiridas em filmes vindos do estrangeiro, assim como na relação entre a vida
pública e a privada.
Vem da biologia a maior contribuição para a evolução da noção de organização social.
O rompimento com a lógica mecanicista coaduna com as possibilidades de interação através das
tecnologias contemporâneas à visão sistêmica. A compreensão da organização social conquistou
um sentido diametralmente oposto.
Assim, a microbiologia nos ensina a solene lição segunda a qual tecnologias tais como a
engenharia genética e a rede global de comunicações, que nós consideramos como
avançadas realizações de nossa civilização moderna, têm sido utilizadas pela teia
planetária das bactérias durante bilhões de anos para regular a vida sobre a terra
(CAPRA, 2006, p. 184 grifo nosso).
O sistema fechado de outrora já não harmonizava com as complexas demandas da
sociedade pluralista, tampouco resolveria questões relacionadas com a natureza, previstas ainda
em Marx. Segundo Foster (2005), Marx passa a ver o metabólico como constituindo um processo
complexo, interdependente, que vincula os seres humanos à natureza através do trabalho. De
acordo com o físico Capra (2006, p. 39), “[...] um sistema passou a significar um todo integrado
cujas propriedades essenciais surgem das relações entre suas partes, e “pensamento sistêmico”, a
compreensão de um fenômeno dentro de um contesto de um todo maior”.
A idéia de sistema aberto surge então num horizonte de distanciamento próprio da
organização filha do sistema fechado. Sistema este que destoa da maneira participativa de se
exercer democracia na atualidade. Com aquele, a interação na esfera pública passa a ser
fundamental para que se preceda à tomada de decisões, uma ampla deliberação contendo pontos
de vista distintos. Destarte, há a possibilidade de se concluir pela melhor decisão, considerando
os impactos deste em toda sociedade. Exemplo indiscutível é o amplo debate na sociedade, que
35
mudou os rumos dos debates nos Poderes Constituídos acerca da regulamentação da internet e
culminou no Projeto de Lei conhecido como Marco Civil da Internet, que será abordado adiante,
no capítulo 3 da presente dissertação.
Em sociedades complexas, a esfera pública forma uma estrutura intermediária que faz
a mediação entre o sistema político, de um lado, e os setores privados do mundo da vida
e sistemas de ação especializados em termos de funções, de outro. Ela representa uma
rede super-complexa que se ramifica espacialmente num sem número de arenas
internacionais, nacionais, regionais, comunais e subculturais, que se sobrepõe entre as
outras; [...] (HABERMAS, 1992a, p 107).
As últimas décadas do século passado, o computador possibilitou o surgimento de um
novo tipo de formação cultural, a cultura digital ou cibercultura, que se desenvolve nas redes
digitais. O insumo desta manifestação cultural é a facilidade para dispor informação sem se
submeter, necessariamente, à mercantilização da cultura.
A natureza dessa cultura é essencialmente heterogênea. Usuários acessam o sistema de
todas as partes do mundo, e, dentro dos limites da compatibilidade lingüística,
interagem com pessoas de culturas sobre as quais, para muitos, não haverá um outro
meio direto de conhecimento. Por isso mesmo, é também uma cultura descentralizada,
reticula, baseada em módulos autônomos (SANTELLA, 2003, p. 104-105).
As duas principais consequências da cibercultura, apontadas por Santella (2003) são as
comunidades virtuais6 e a inteligência coletiva
7. Ambas promovem a interação entre os cidadãos
e, portanto, são positivas para a mudança no modo de exercer democracia, conforme será tratada
no capítulo 2 da presente dissertação. Para Capra (2006) a integração é uma relação de poder
originária da influência de outros poderes. Entende que este poder não é exercido pela hierarquia,
mas pelas redes.
Contudo, o movimento conhecido como cultura digital, cibercultura ou cultura virtual
não representa uma ruptura abrupta com as maneiras de manifestação culturais até então
existentes, embora não haja consenso em torno da era cultural8 que serviu como fase preparatória
6 “Explicando o que compreende por comunidades virtuais, Santella (2003, p. 121) as define como [...] grupos de
pessoas globalmente conectadas na base de interesses e afinidades, em lugar de conexões acidentais ou geográficas”. 7 Quanto à inteligência coletiva, de acordo com Kerckhove (1997b apud SANTELLA, 2003, p. 106), “A internet é,
na realidade, um cérebro, um cérebro coletivo, vivo, que dá estalidos quando estamos a utilizar. É um cérebro que
nunca pára de trabalhar, de pensar, de produzir informação, de analisar e combinar”. 8 Segundo Santaella (2003, p. 24), “Para compreender essas passagens de uma cultura à outra, que considero sutis,
tenho utilizado uma divisão das eras culturais em seis tipos de formações: a cultura oral, a cultura escrita, a cultura
impressa, a cultura de massas, a cultura das mídias e a cultura digital Antes de tudo, deve ser declarado que essas
36
para a era da cultura digital. A dúvida é se a transição teria se iniciado com a cultura de massa ou
com a cultura das mídias.
A cultura de massa é oriunda da comunicação de massa, assim denominada por ter
como característica fundamental a transmissão de mensagem simultânea e uniforme, ou seja, um
número limitado de informações a uma audiência homogênea.
De se dizer que as técnicas ou tecnologias da informação e comunicação de uma fase da
cultura convivem com as técnicas precedentes e não inviabilizam o uso destas (SANTAELLA,
2003). E na visão de Castells (2006), a cultura de massa já possibilitava aos receptores das
informações uma interação, ainda que incipiente, já que na sua interpretação, o cidadão não
acolhe as informações simplesmente como são transmitidas. Conversas corriqueiras com pessoas
que conviviam no mesmo tempo e espaço também contribuem para o entendimento da
informação massivamente transmitida, incidindo na formação da opinião e da vontade dos
membros da sociedade.
A contribuição da comunicação de massa para a chegada da Era da Informação em
Castells (2006) é mais facilmente percebida se há o enfrentamento da distinção existente entre
esta forma de comunicação de massa e a chamada ‘cultura de massa’. Entende que aquela não
existe como pretendem os críticos apocalípticos da comunicação de massa, já que:
Se as pessoas tiverem algum nível de autonomia para organizar e decidir seu
comportamento, as mensagens enviadas pela mídia deverão interagir com seus
receptores e, assim, o conceito de mídia de massa refere-se a um sistema tecnológico,
não a uma forma de cultura, a cultura de massa (CASTELLS, 2006, p. 420).
Ressalta-se que para o cidadão ter consciência para uma reflexão crítica das informações
recebidas através dos meios de comunicação deve ter acesso à educação. Mas não qualquer
educação. Tem de ser uma educação condizente com a democracia participativa. Dito de outra
maneira, uma educação que estimule o cidadão a construir o conhecimento, com o professor
desempenhando um papel de orientador da aprendizagem, e não de transmissor do conhecimento
(FREIRE, 2007).
A combinação das tecnologias do computador, do telefone, e da televisão, cada qual
acrescida das capacidades das demais, está criando graças à sinergia desta integração,
uma mudança qualitativa em várias práticas sociais e culturais. Uma dessas alterações, a
divisões estão pautadas na convicção de que os meios de comunicação, desde o aparelho fonador até as redes digitais
atuais, não passam de meros canais para a transmissão de informação”.
37
substituição da democracia representativa pela democracia direta, tem sido anunciada
por vários autores que se dedicam a análises globais, e comentadores que escrevem em
revistas conhecidas (BEEDHAM, 1993, NASBIT, 1994 apud EPSTEIN, 1997).
Pesquisas apontam que embora a comunicação de massa tenha criado um processo
unilateral de transmissão de informação, a comunicação social por ela motivada vai além e
propicia interação de uma “Platéia Ativa”. Relevante é a observação de Castells (2006), de que a
postura ativa do receptor na comunicação de massa abriu as possibilidades para a
individualização da informação.
Para Croteau e Haynes (2000 apud CASTELLS, 2006, p. 420), “há três maneiras
fundamentais em que as platéias dos meios de comunicação de massa são consideradas ativas:
por meio da interpretação individual dos produtos da mídia, por meio da interpretação coletiva da
mídia e por meio da ação política”.
Outro autor de peso que tem a comunicação de massa, especificamente a imprensa,
como ferramenta que enfraqueceu a esfera pública, afundando o indivíduo na passividade política
é Habermas. Acima foi trazido a baila a interpretação de habermasiana sobre a função da
comunicação de massa para manipular o receptor. Como se vê, não há consenso acerca da
tecnologia que primeiro preparou o campo para a chegada da Era da Informação.
Santaella (2003) alega que a cultura das mídias é que foi a responsável para preparar a
sociedade para a chegada da cultura digital. Por suas características implantou processos de
produção, distribuição e consumo de comunicação dispares da comunicação de massa,
permitindo um receptor com postura ativa, graças as tecnologias desta era cultural. As novidades
da cultura das mídias abriram caminho para a cibercultura, na medida em que seus equipamentos
foram suporte para se alterar esta característica fundamental da comunicação de massa.
Para esta autora, a principal característica da Cultura das Mídias foi propiciar o consumo
individualizado, em oposição ao massivo, retirando da inércia os receptores das mensagens. Com
isto, possibilitou-se a eclosão do comportamento um pouco mais ativo do cidadão perante as
manifestações culturais que tinham espaço no mercado da cultura das mídias. Com maior
liberdade de escolha do que na cultura de massa, a cultura das mídias preparou o cidadão para a
chegada da cultura digital e sua gama de opções, inclusive para que cada um pudesse se expressar
na esfera pública sem ter que mercantilizar a cultura, contribuindo para a democratizando as
relações socioeconômicas. Para Santaella (2003, p. 82),
38
Mudanças profundas foram provocadas pela extensão e desenvolvimento das hiper-
redes multimídia de comunicação interpessoal. Cada um pode tornar-se produtor,
criador, compositor, montador, apresentador, difusor de seus próprios produtos. Com
isso, uma sociedade de distribuição piramidal começou a sofrer a concorrência de uma
sociedade reticular de integração em tempo real. Isso significa que estamos entrando
numa terceira era midiática, a cibercultura.
Ressalta-se que, conforme se verá adiante, na cultura digital, uma vez disponibilizada
aos cidadãos mediante software livre, a diversidade das manifestações culturais terão ampla
abertura. O aumento da liberdade de escolha do conteúdo cultural é outro ponto a ser
posteriormente destacado.
Independente da era cultural que iniciou a abertura experimentada com a cultura digital,
esta é uma realidade. A seção seguinte será dedicada à análise dos impactos da internet na a
esfera pública, no exercício da cidadania e, consequentemente na a redução das desigualdades
sociais.
39
1.2 – Espaço de fluxos, o novo espaço público
Como se viu no item precedente, o espaço público anterior à Era da Informação tinha
limitações intrínsecas que obstavam a prática, ao menos em tese, do modo de participação
política descrita por Rousseau (1973). Ou seja, uma democracia com a abertura para que qualquer
cidadão possa opinar acerca das coisas públicas, sem que a definição do destino do corpo político
fique sob o privilégio do grupo que detém o poder econômico e aprofunde as desigualdades
sociais. Uma democracia que não restrinja a participação e contestação política aos moradores
dos centros urbanos, por ocuparem o mesmo espaço físico onde se encontram os representantes
eleitos, as Sedes dos Poderes Constituídos e o poder econômico.
Contudo, há cerca de trinta anos, as novas tecnologias de Informação e Comunicação
(TIC) surgiram e promoveram a Revolução da Informação, responsável por uma transformação
cultural abrangente (SANTAELLA, 2003), comparável às mudanças sociais impostas pela
Revolução Industrial (CASTELLS, 2006). Política, exercício da cidadania, educação, economia,
relacionamentos amorosos ou profissionais, enfim, a esfera privada e a esfera pública tiveram
profundas mudanças com a inserção das TCI, e especialmente a internet. E neste contexto de
alteração profunda o ser humano entra no século XXI.
E a Revolução da informação segue com a ruptura com o sistema mecanicista e a
fragmentação do conhecimento, pois coaduna com as mudanças sociais que passaram a conceber
a vida e as relações sócio ambientais como um sistema aberto, tal qual como o acolhido no §2°
do artigo 5° da CRFB/889. Na compreensão de Castells (2006, p. 69)
O que caracteriza a atual revolução tecnológica não é a centralidade de conhecimentos e
informações, mas a aplicação desses conhecimentos e dessa informação para a geração
9 Art. 5°.
...
§2° Os direitos e garantias expressos nesta Constituição não excluem outros decorrentes do regime e dos princípios
por ela adotados, ou dos tratados internacionais em que a República Federativa do Brasil seja parte (BRASIL,
2010).
40
de conhecimentos e de dispositivos de processamento/comunicação de informação, em
um ciclo de realimentação cumulativo entre a inovação e seu uso.
Por conta destas novidades tecnológicas, passou-se a discutir em âmbito internacional
qual seria o impacto destas ferramentas de comunicação nas práticas democráticas. Indiscutível é
que a cibercultura alterou o convívio social nas mais diversas áreas (SANTAELLA, 2003).
Segundo Bezerra (2008), a corrente de pensamento que primeiro se manifestou acerca
dos impactos das novas TIC para a democratização é composta pelos “cyberotimistas
rousseaunianos”. A corrente que se manifestou posteriormente, pode ser designada de
“cyberpessimistas schumpeterianos”. Ressalta-se que Schumpeter filia-se à teoria elitista que
reduz a democracia “a um método para designação das elites dirigentes” (PEREIRA, 2010. p.
103).
Os otimistas entendem que antigos problemas seriam resolvidos e a democracia seguiria
os rumos de práticas que incluíssem a efetiva participação da população, inclusive a rural. Para
eles, a apatia política do cidadão quanto a participação política nas deliberações estaria resolvida.
Esta postura de não apropriação do espaço público se fez presente no Estado Liberal e no Estado
Social por conta, dentre outros, dos efeitos da representação e do ideal do Laissez-Faire e da
concentração de poder no Chefe do Executivo, respectivamente já que ambas retiram os
representados das tomadas de decisões.
Alegam que o uso das novas TIC traz a facilidade na comunicação e difusão do
conhecimento. A informação é bem indispensável para a formação da opinião e da vontade entre
os membros iguais e livremente associados e é tido como central na sociedade em rede
(CASTELLS, 2006). O baixo custo de acesso e a variedade das fontes de informação atenuam os
efeitos da manipulação feita pela classe que detém o controle da informação homogênea dos
meios de comunicação da grande mass media (ROTHEBERG, 2008).
Outra característica positiva é que a deliberação via internet nivela os debatedores por
ter o condão de suprimir a coação presente no face-a-face; afastam-se as dificuldades advindas da
locomoção no espaço e no tempo para participação nas deliberações. Ainda, fez surgir um novo
espaço público de deliberação, onde os representados podem se aproximar dos representantes e
influenciar no processo de tomada de decisões. Claro que dependendo da utilização que os
Chefes do Executivo e parlamentares derem a estes meios tão eficazes.
41
Alegam, o espaço muda sobremaneira nas relações apoiadas pelas TIC. Na sociedade
em rede não há necessidade dos cidadãos estarem no mesmo espaço físico, chamado de espaço de
lugares, para se formar um espaço público durante as deliberações (CASTELLS, 2006).
Ademais, as novas TIC rompem com a lógica temporal, uma vez que possibilita um
debate sem necessidade de uma deliberação onde as perguntas e respostas não podem ter um
relativo interstício temporal entre uma fala e outra.
Segundo Harvey (1990, apud, Castells, 2006, p. 500),
sob uma perspectiva materialista, podemos argumentar que concepções temporais e
espaciais objetivas são necessariamente criadas por meio de práticas e processos
materiais que servem para reproduzir a vida social... Um axioma fundamental de minha
investigação é que o tempo e o espaço não podem ser entendidos independentemente da
ação social.
As mudanças na estrutura espaço/temporal tem o condão de, dentre outro, facilitar o
desenvolvimento do capital social dos cidadãos, “entendido como a capacidade de interação dos
indivíduos, seu potencial para interagir com os que estão a sua volta, com seus parentes, amigos,
colegas de trabalho, mas também com os novos vizinhos, com alguém novo no bairro ou no
trabalho etc.” (COSTA, 2004). O capital social é fonte de solidariedade. É no contato entre
cidadãos que demandas privadas se tornam públicas e comuns a determinados grupos, que
conseguem força para pressionar os Poderes Constituídos para solucionar os impasses e trazer
harmonia social. Registra-se que aqui se percebe as novas TIC facilitando a implementação do
objetivo fundamental da RFB, disposto no inciso I, do artigo 3° da CRFB/88, a construção de
uma sociedade livre, justa e solidária (BRASIL, 2011, grifo nosso).
Os pessimistas entendem que a internet não resolverá problemas nascidos do
descumprimento da efetivação de direitos fundamentais, como o analfabetismo, dificuldade de
aquisição de computadores pelo alto custo destes aparelhos; dificuldade de inclusão de portadores
de necessidades especiais; aspectos culturais de gênero; manipulação da informação; uma
generalizada falta de conhecimento e interesse políticos, dificuldade cognitiva; a desconfiança
que pesa sobre a classe política; o sentimento de ter desconsideradas as contribuições dos
cidadãos nas tomadas de decisões (MARQUES, 2006).
Ressalta-se que as características peculiares das políticas públicas de um país para outro
influenciam no impacto pela utilização da internet. Definem o que é positivo ou negativo. Como
exemplo há a possibilidade de acesso feita por disponibilização do software livre ou de cunho
42
capitalista. Aquela reduz os custos e amplia o acesso, o que condiz com a diversidade cultural;
esta não reduz os custos e mercantiliza a cultura, sobressaindo a que tiver mais capital. Por isto à
frente será enfrentada a questão da adoção ou não do software livre no Brasil para difusão da
internet no meio rural.
Mas o mais importante neste momento é analisar quais foram as mudanças que
provocaram a polarização de conclusões, sucintamente expostas, sobre os impactos da inserção
da internet no cotidiano de parte da população mundial. E dizer destas mudanças é dar
continuidade à reflexões acerca das alterações na relação entre os seres humanos no espaço
público, a partir da Revolução das Tecnologias da Informação. Mas não sem antes serem feitas
considerações acerca da contribuição da comunicação para o desenvolvimento da humanidade.
Reflexão inevitável para se compreender o novo espaço de fluxos.
No início dos tempos não havia organização social. As ações humanas eram puramente
instintivas, e o que motivava as ações humanas era a necessidade de sobrevivência. Rousseau
(1973) quando trata da passagem do homem em estado de natureza10
para o homem organizado
em sociedade, põe o desenvolvimento da comunicação como primordial para esta forma de viver.
Em princípio, a comunicação era feita pelo grito, emitido diante de perigo ou dor,
basicamente. Diante do surgimento de idéias que iam além do instinto de sobrevivência, sinais e a
inflexão da voz começaram a surgir. Com esta, vieram as primeiras palavras, mas “os homens, a
princípio, deram a cada palavra o sentido de uma proposição inteira” (ROUSSEAU, 1973, p.
254). E foi no desenvolvimento dos sinais da gramática, como suporte para comunicação e
transmissão de conhecimento, que progresso da humanidade se assentou. “[...] a comunicação,
decididamente, molda a cultura [...]” (CASTELLS, 2006, p. 414).
E é por estes sinais que a humanidade sempre direcionou suas ações no espaço público e
construiu sua realidade (CASTELLS, 2006). Por isto foi dito no início do item I.1 que a
tecnologia de cada época influencia na relação entre os seres humanos no espaço público, tendo
em vista que cada tecnologia incorpora estes sinais e os reapresenta com as peculiaridades que a
tecnologia oferece. Os símbolos constroem uma realidade virtual. “Explicarei com a ajuda do
dicionário, segundo o qual ““virtual é o que existe na prática, embora não estrita ou
10
A nota de roda-pé n° 74: “O estado de natureza de que fala Rousseau não é o estado de guerra a que se refere
Hobbes, pois o homem é acessível à piedade” (ROUSSEAU, 1973, p. 258).
43
nominalmente, e “real é o que existe de fato”” (English, 1992, apud CASTELLS, 2006, p. 459).
Portanto, a realidade é virtual e vem dos símbolos.
Com a revolução da tecnologia da informação há um movimento no sentido contrário,
denominado por Castells (2006) de virtualidade real. O ambiente digital absorve a experiência
humana em todas suas manifestações, representada por sinais da gramática, imagens, sons, e
demais símbolos, que podem ser experimentadas sem a necessidade da ordem cronológica dos
acontecimentos. Mais adiante será abordado o tempo intemporal e suas repercussões.
A transformação tecnológica responsável pelo espaço de fluxo que nasce com a Era
Informacional age diretamente sobre a comunicação, logo, sobre o espaço público. Conseguiu
agregar o alfabeto, ou comunicação escrita, com a oral e o áudio visual. Modos de comunicação
que permaneceram inconciliáveis até então. Os defensores da tipografia acusavam o áudio visual
de ter convertido a complexa tarefa de interpretação ao superficialismo. Castells (2006, p. 458),
explicita que “talvez, a característica mais importante da multimídia seja que ela capta em seu
domínio a maioria das expressões culturais em toda sua diversidade”.
Pela rede passam fluxos que constroem a sociedade. E são fluxos da mais variada
ordem. O mais importante é o fluxo de informações, com todos os sons e símbolos das
expressões culturais que tem acesso à internet e que dão corpo à comunicação entre os incluídos
no paradigma da sociedade informacional. Mais: há o fluxo de capital, de tecnologia, interação
organizacional. Fluxo é entendido por Castells (2006, p. 501), como “as seqüências intencionais,
repetitivas e programáveis de intercâmbio e interação entre posições fisicamente desarticuladas,
mantida por atores sociais nas estruturas econômica, política e simbólica da sociedade”.
Impacto dos mais significativos foi o de retirar dos grandes grupos econômicos e dos
Poderes Constituídos, o controle dos meios de comunicação, e amplificar a níveis outrora
impensáveis, a capacidade de interação entre cidadãos pelos meios de comunicação,
redimensionando a esfera pública. Agora com possibilidades reais de acolher as vozes que não
ecoavam na democracia representativa, mas que encontram espaço na maneira deliberativa de se
exercer democracia. E a cultural tem a chance de ser conhecida em toda sua diversidade, já que
também passa a não depender dos imperativos do mercado. Tendo em vista que a internet “[...] é
a espinha dorsal de comunicação global mediada por computadores” (CASTELLS, 2006, p.431),
de se dizer que ela “[...] se tornou, literalmente, uma Teia de Alcance Mundial para a
comunicação individualizada, interativa” (CASTELLS, 2006, p. 440).
44
Cada região do mundo, por conta de sua cultura e história próprias, terá uma influência
específica com as novidades da sociedade informacional. O interessante é que o que corrobora
isto é, justamente, uma das características comuns da sociedade informacional. Castells (2006, p.
456) destaca que tem sido percebida em locais variados do mundo, e diz que:
Finalmente, talvez a característica mais importante da multimídia seja que ela capta
em seu domínio a maioria das expressões culturais em toda sua diversidade. [...]. Todas
as expressões culturais, da pior à melhor, da mais elitista à mais popular, vêm juntas
nesse universo digital que liga, em um supertexto histórico gigantesco, as manifestações
passadas, presentes e futuras da mente comunicativa (CASTELLS, 2006, p. 456).
De se dizer em eras pré-modernas, via de regra, o espaço público era condicionado pela
relação espaço e tempo. Relação que se desenrolava com o espaço condicionado pelo tempo e,
fisicamente, delimitado pelo local onde as pessoas se encontravam face a face e realizavam as
práticas sociais. A influência nas deliberações e tomadas de decisões era local. A definição de
espaço perpassava pelas práticas sociais situadas em um momento específico do tempo,
desenvolvendo-se com linearidade, ou seja, seguindo uma ordem cronológica. Com isto, espaço e
tempo mantinham-se “ligados através do lugar” (GIDDENS, 2002, p. 22). E a Teoria social de
espaço se ocupa da tarefa de desvendar os efeitos das tecnologias nesta relação entre espaço e
tempo.
Giddens (2002) aponta a invenção do relógio como a primeira tecnologia que alterou a
relação espaço e tempo anterior à modernidade (RP: 21). A universalização do tempo foi
essencial para que o ser humano recebesse influência de lugares e tempos distintos do local que
conviviam habitualmente. Esta dinâmica foi potencializada com a criação da imprensa. “A
medida em que um meio serve para alterar as relações espaço-temporais não depende
fundamentalmente do conteúdo ou das “mensagens” que carrega, mas de sua forma ou
reprodutibilidade” (GIDDENS, 2002, p. 29).
A imprensa completou separou espaço e lugar, mas não com a simultaneidade
experimentada com o advento das novas TIC, quando tomou proporções globais e a influência
ocasionada pelo compartilhamento de informações passou se dar no exato instante que um fato,
que uma deliberação ocorre, ainda que em local bem distante. O tempo passa a ser virtual.
Segundo Castells (2006, p. 557), na sociedade informacional “O espaço modela o tempo em
nossa sociedade, assim invertendo uma tendência histórica: fluxos induzem tempo intemporal,
lugares estão presos ao tempo”. E por isto o tempo se torna virtual.
45
A noção de espaço é redimensionada e projeta um outro patamar à liberdade de
locomoção. Isto repercute na realização de tarefas rotineiras, como transações bancárias, trabalho,
estudo, aquisição de bens, participação política e luta por redução das desigualdades sociais,
dentre outros. A interatividade foi alterada. De espaço de lugares para espaço de fluxo.
Mas o que significa o tempo virtual? É o tempo composto por dois elementos. O
primeiro é a simultaneidade de informação por todo o mundo, prestada em tempo real, inclusive
com as reportagens ao vivo, retratando fatos que ocorreram no local onde o cidadão está
fisicamente. É simultâneo, também, o diálogo escrito entre pessoas de diferentes locais. Propostas
feitas por escrito levavam tempo entre o envio, o recebimento e o retorno dizendo se estavam de
acordo ou não. Mas na sociedade informacional a dinâmica é outra. A interatividade pode agilizar
uma negociação que a lei determina que deva obedecer a forma escrita, evitando-se a insegurança
das transações que se arrastam no tempo, já que o proponente e o solicitado “[...] são reputados
presentes” (MONTEIRO, 2011, p. 34).
A simultaneidade pode possibilitar, ao contrário, que um diálogo escrito ocorra com um
tempo bem maior entre uma intervenção e outra. Exemplos são os sites que os ciberativistas usam
para discutir questões de ordem pública ou os fóruns de debate do ensino à distância. Embora as
respostas não sejam imediatas, as deliberações dos ciberativistas e a orientação da aprendizagem
não ficam comprometidas.
O outro elemento que compõe o tempo virtual é a intemporalidade, contrapondo-se à
cultura do tempo cronológico, seqüencial. Os sinais da nossa comunicação entram na internet e
podem ser visitados e explorados por colagens que reorganizam as informações de maneira não
seqüencial. Fatos passados são facilmente trazidos à tona em paralelo a fatos presentes e
prognósticos do futuro. Tudo a depender da vontade do cidadão inserido na sociedade
informacional.
Pode parecer contraditório, mas o tempo virtual tem a qualidade de perpetuar fatos,
quando elimina a sequência cronológica ou transformá-los em passageiros. Castells (2006, p. 554
grifo do autor) aborda o tempo virtual e diz:
Portanto, é simultaneamente uma cultura do eterno e do efêmero. É eterna porque
alcança toda a seqüência passada e futura das expressões culturais. É efêmera porque
cada organização, cada seqüência específica, depende do contexto e do objetivo da
construção cultural consolidada.
46
Avanços desta estirpe tem repercussões que não se limitam às inovações tecnológicas.
Vão ao alicerce da estrutura social criando situações que promovem a elevação de valores
esquecido no caminho traçado pelo espírito capitalista da sociedade individualista liberal, por ter
o potencial de mobilizar os cidadãos por solidariedade, lealdade, compromisso com o que é
público.
Exemplo notório vem de um avanço que a ferramenta internet inaugura: a possibilidade
de interação com usuários que podem contribuir para o aperfeiçoamento deste sistema aberto de
comunicação. Foi o que aconteceu com o software Linux. Após sua criação e difusão gratuita
para ser opção extra Microsoft, os usuários “descobriam novos usos e aperfeiçoavam o software,
depois divulgando esses aperfeiçoamentos na Rede, gratuitamente, retribuindo, assim, o presente
técnico que haviam recebido” (CASTELLS, 2006, p. 441).
O espaço de fluxos e o tempo intemporal são as bases principais de uma nova cultura.
Mister salientar que esta nova forma de espaço não substituirá o espaço de lugares in totum.
Independente do nível de inclusão digital os cidadãos residem em lugares. “Um lugar é um local
onde cuja forma, função e significado são independentes dentro das fronteiras da contigüidade
física” (CASTELLS, 2006, p. 512, grifo do autor). Porém, em que pese a proximidade física
entre os cidadãos, os lugares mesmo antes da Era Informacional, não necessariamente propiciam
interação social, não facilitando a formação de identidades.
Os cidadãos moram em lugares, embora as práticas sociais que determinam a posição de
dominação na sociedade global ocorram no espaço de fluxos. O problema de se ter a presença
simultânea do tradicional espaço de lugares e do espaço de fluxos consiste no aumento da
desigualdade social, visto que canais de comunicação entre toda a sociedade podem ser
desmantelados. Os cidadãos excluídos do espaço de fluxo, por conseguinte, ficam de fora das
relações políticas e econômicas, comprometendo a busca pela prática da democracia deliberativa
que democratiza da economia (LÖWY, 2005).
Castells (2006) discorre acerca cinco aspectos centrais do Paradigma da Tecnologia da
Informação que representam a base material da sociedade da informação.
O primeiro aspecto abordado foi justamente a função da informação na sociedade
informacional ou também chamada de sociedade em rede. Nome recebido pelo fato da
informação ser o insumo da organização social em rede. O compartilhamento do conhecimento
47
acadêmico e a valorização da interpretação que os cidadãos tem dos fatos e normas jurídicas
compõe a trama da vida em rede.
E numa sociedade que tem como proposta a abertura do espaço público a todo e
qualquer cidadão, a informação é um dos aspectos centrais por ser a matéria prima das ações
humanas. Segundo Castells (2006, p. 108), “[...] são tecnologias para agir sobre a informação,
não apensas informação para agir sobre a tecnologia, como foi o caso das revoluções tecnológicas
anteriores”.
Através da internet é possível o oferecimento de milhares de fontes de informação, que
são ingrediente indispensável para a formação da opinião e da vontade conscientes. De se dizer
que o quanto este potencial será explorado é uma incógnita e será para ser percebido no decorrer
dos acontecimentos e a depender do país. Sendo que os próprios cidadãos contribuirão para a
definição dos modos de utilização. E as opções são muitas. Pode haver uma integração
significativa para a democratização das relações socioeconômicas, mas, também, o aumento das
desigualdades sociais, em vista da polarização da sociedade entre transmissores e receptores de
informação. “O mundo dos meios de comunicação é dominado por uns poucos conglomerados
gigantescos de multimídia” (CAPRA, 2005, p. 166).
O segundo aspecto se refere à influencia das novas tecnologias nos processos de nossa
existência. Este aspecto é intrínseco a toda tecnologia e pode ser assim percebido levando dois
fatores. Um dos fatores é que toda atividade humana depende de informação para viabilizar sua
ação através do discurso e construir a realidade (HABERMAS 1992a). O outro fator é que a
informação é difundida pela tecnologia à disposição em cada época (SANTAELLA, 2003).
O terceiro aspecto vem da lógica de redes, que consiste na adaptação à crescente
complexidade de interação, inclusive para abranger novos modelos que surjam do poder de
criação da interação. E ao se difundir, o crescimento é exponencial, tendo em vista o aumento de
conexões. Isto faz com que quem esteja fora da rede seja preterido nas relações. A estrutura da
rede é aberta, acolhendo as manifestações das práticas sociais que se inserem no novo espaço.
A flexibilidade é o quarto aspecto. E é sentida pela facilidade para se reconfigurar a
ordem vigente, garantindo a possibilidade de mudanças, sempre latente nas sociedades plúrimas,
diversificadas e que anseiam por igualdade jurídica. Todavia, conforme usada será libertadora ou
repressiva, dependendo da definição das regras, que tendem para esta consequência quando os
48
poderes constituídos a controlam. Lembrando que a contracultura foi de encontro com a internet
controlada pelo Estado e deu maior liberdade aos cidadãos.
O quinto aspecto é que a tecnologia está integrando todo o sistema de comunicação.
Tanto para o funcionamento das tecnologias em si, quanto para atrair os cidadãos. Exemplo é a
postura dos telejornais, intercalando a transmissão da notícia via televisão e internet, que garante
uma maior interação com o público alvo. Castells (2006, p. 113) assim resume:
o paradigma da tecnologia da informação não evoluiu para seu fechamento como
sistema, mas rumo a abertura como uma rede de acessos múltiplos. É forte e impositivo
em sua materialidade, mas adaptável e aberto em seu desenvolvimento histórico.
Abrangência, complexidade e disposição em forma de rede são seus principais
atributos.
Os aspectos elencados tem íntima relação com o constitucionalismo democrático, cuja
característica que garante sua perpetuação não é mais a rigidez das leis gerais e abstratas, mas a
capacidade de adequação, a flexibilidade diante da multiplicidade de vozes (PEREIRA, 2010).
Questão intrínseca à presente dissertação é se a internet seria mesmo uma ferramenta
hábil para a redução das desigualdades sociais. Analisando os estudos referidos no item I.1, que
travam discussão em torno da efetividade da comunicação de massa nas campanhas eleitorais,
para que candidatos conquistem votos dos eleitores, Castells (2006, p. 421) reconhece que
Embora os efeitos da televisão sobre as opções políticas sejam bastante diversos, a
política e os políticos ausentes da televisão nas sociedades desenvolvidas simplesmente
não têm chance de obter apoio popular, visto que as mentes das pessoas estão
informadas fundamentalmente pelos meios de comunicação, sendo a televisão o
principal deles.
Certo é que se um candidato não quiser fazer uso da mídia, juridicamente não haverá
sanção. Todavia, as sanções que recaem sobre os cidadãos por seus atos não são obra exclusiva
das leis. Diante da sociedade, atos que não são considerados ilícitos podem ter repercussão que
traga consequências mais ruinosas do que os rigores de uma lei (DURKHEIM, 1998). Neste caso,
a desvantagem deste candidato em se fazer conhecer repercutirá nas urnas. Os eleitores que,
potencialmente, votarão nele são os que conviveram no mesmo espaço físico e ouviram suas
propostas ao vivo. Logo, um número reduzido se comparado com os eleitores que tomarão
ciência das propostas de um candidato que use os meios de comunicação para propalar suas
idéias. “Mas em uma sociedade organizada em torno da grande mídia, a existência de mensagens
fora da mídia fica restrita a redes interpessoais, portanto desaparece do inconsciente coletivo”
(CASTELLS, 2006, p. 421).
49
A internet nivela os cidadãos e põe em cheque o poder11
exercido através da estrutura
da organização hierárquica dos Estados nacionais. Mas não deixou um vácuo de Poder.
No entanto, há um outro tipo de poder, um pode que é mais apropriado para o novo
paradigma – poder de influência de outros. A estrutura ideal para exercer esse tipo de
poder não é mais a hierarquia mas a rede, [...]. A mudança de paradigma inclui, dessa
maneira, uma mudança na organização social, uma mudança de hierarquias para redes
(CAPRA, 2006, p. 28).
Repensar o modo de vida imposto pela Industrialização e o espírito capitalista, foi uma
tendência natural diante das consequências deste processo. Com o individualismo a desigualdade
aumentou soterrando a promessa do laissez faire. A vida do indivíduo era fragmentada por ter se
dissociado das relações coletivas, e da natureza. O espaço público que havia sido ressignificado
durante o Antigo Regime e foi o lugar onde as pessoas puderam conectar suas insatisfações e
deliberar soluções, esvaziou-se a partir das Revoluções Liberais.
A modernidade, não se deve esquecer, produz diferença, exclusão e marginalização.
Afastando a possibilidade de emancipação, as instituiçõies modernas ao mesmo tempo
criam mecanismos d supressão, e não de realização, do eu (GIDDENS, 2002, p. 13).
O paradigma da tecnologia da informação é um sistema aberto. “É forte e impositivo em
sua materialidade, mas adaptável e aberto em seu desenvolvimento histórico” (CASTELLS,
2006, p. 113). E a dimensão social da revolução da TIC deve ser analisada a partir do uso na
esfera pública.
Mas as novas TIC por si só não produzem alterações positivas nem negativas nas as
relações sociais. O que determina as mudanças são os interesses que predominarão na sociedade.
Na seção seguinte será analida a repercussão sentida na sociedade, a apartir da introdução da
internet no cotidiano de parte dos abitantes da “Aldeia Global”.
11
Poder aqui é utilizado, “[...] no sentido de dominação sobre os outros, é auto-afirmação excessiva” (CAPRA, 2006,
p. 28).
50
1.3 Quais são as alterações sociais, políticas, econômicas e culturais da Era
Informacional?
Neste item serão abordadas as mudanças que são consequência da criação e utilização
das novas TIC no cenário mundial, que não foram objeto do item I.2. À obviedade, as variações
de comportamento nas searas social, política, econômica e cultural não são estanques. Portanto,
serão aqui tratadas sem a preocupação de abordagem em tópicos específicos para cada uma das
categorias dispostas no título desta seção.
De início as novas TIC eram de difícil manuseio e integração. As redes tinham
protocolos individualizados que não permitiam a interface dos sistemas. Em 1990 com a criação
da internet na Europa, a forma de interação entre os membros da “Aldeia Global” começou a
mudar. Conforme retro abordado, a esfera pública foi reconfigurada. E com a progressiva
facilitação para utilização das novas TIC, as pessoas saíram da dependência dos meios de
comunicação de massa para exporem suas queixas no espaço público, através das novas TIC
disponíveis.
Pela primeira vez o diálogo entre diversos cidadãos de diferentes localidades do
mundo, e em tempo real, foi possível a custos cada vez mais baixos. Regiões mais
desenvolvidas, economicamente, saíram na frente neste processo. E o ajustamento entre os
concidadãos é, incomparavelmente, mais rápido e eficaz no meio digital, posto que “A
pluralidade de escolhas que confronta os indivíduos nas circunstâncias da alta modernidade
deriva de várias influências” (GIDDENS, 2002, p. 81), disponibilizando mecanismos de auto-
51
identidade aos cidadãos12
. “Num universo social pós-tradicional reflexivamente, organizado
reflexivamente, permeado por sistemas abstratos, e no qual o re-ordenamento do tempo e do
espaço re-alinha o local com o global, o eu sofre mudanças significativas” (GIDDENS, 2002, p.
79).
Castells (2000, p. 22) esclarece seu posicionamento sobre o conceito de identidade
quanto a atores sociais da seguinte maneira: “[...] entendo por identidade o processo de
construção do significado com base num atributo cultural, ou ainda um conjunto de atributos
culturais inter-relacionados, o(s) qual(is) prevalece(m) sobre outras formas de significado”.
Com isto, um cidadão pode ter mais de uma identidade individual. Mas a identidade
que tem relação com a presente dissertação é a identidade coletiva desenvolvida na alta
modernidade. Analisando a contribuição da alta modernidade, propostas por Giddens (2002),
percebe-se que as influências que conduzem à pluralidade de escolhas do indivíduo são
significativas. Influências esta que se analisadas à luz das novas TIC, percebe-se que serão
elevadas, exponencialmente. E se considerar a necessidade de abertura à participação na esfera
pública, para que se viabilize a pluralidade de escolhas, de se dizer que o Constitucionalismo
Democrático13
é a proposta de organização própria a época atual.
A primeira influência é pelo fato de se viver numa sociedade que disponibiliza várias
opções, neutralizando o poder da tradição.
A segunda é a pluralização dos ambientes sociais, não mais circunscritos ao local das
atividades habituais. É possível interação além fronteira, e em tempo real, tendo em vista a
alteração da relação espaço-tempo propiciada pelas novas TIC, abre campo para “[...] múltiplos
ambientes de ação [...]” (GIDDENS, 2002, p. 81).
A terceira influência à multiplicação das escolhas é decorrente da não realização das
promessas do constitucionalismo Liberal, já que só fez aumentar as desigualdades sociais, dentre
outros males.
Como quarta influência, o autor menciona o conhecimento transmitido pela mídia
eletrônica. “[...] a mídia, especialmente a eletrônica, altera a “geografia situacional” da vida”
(GIDDENS, 2002, p. 81). Acontecimentos que não seriam conhecidos se tornam públicos e,
naturalmente, faz o cidadão pensar a respeito, inclusive se sentindo parte daquele fato ocorrido
12
“Auto-identidade: o eu entendido reflexivamente pelo indivíduo em termos de sua biografia” (GIDDENS, 2002,
p. 221). 13
Ver Capítulo 2
52
num mundo global. Esta influência é consequência direta da alteração tempo espaço na Era
Informacional e repercute no planejamento da vida para o futuro. É o que Giddens chama de
Colonização do futuro14
.
A influência que por último é trabalhada se refere à mudança das relações pessoais. A
Era Informacional rompe com a tradição de se buscar nos pares, os prazeres de uma vida
compartilhada.
Mas a coluna dos corações solitários, os encontros via computador e outras formas de
serviço de apresentação mostram suficientemente bem que a escolha plural é fácil de
alcançar se se estiver preparado para abandonar os últimos resquícios da maneira
tradicional de fazer as coisas (GIDDENS, 2002, p. 85).
A repercussão das identidades coletivas para a esfera pública deve ser analisada a partir
de questionamento de quem é responsável e para quê é construída, pois as respostas a estas
perguntas mostrarão os objetivos de cada identidade coletiva, dividida entre três formas e
origens (CASTELLS, 2000). A Saber: identidade legitimadora15
; identidade de projeto16
e, por
fim, a identidade de resistência, tipo de identidade que, ao lado da identidade de projeto, tem
ressonância direta com a redução das desigualdades sociais, e não sua majoração, como ocorre
pela identidade legitimadora.
Cumpre salientar que os ambientes locais por si só não formam identidades. Faz-se
mister um processo de mobilização social, que não precisa ter cunho revolucionário, onde os
cidadãos tenham condições de participar das deliberações que definem e defendem metas comuns
para a construção permanente da sociedade (CASTELLS, 2000). E como a internet
redimensionou a esfera pública, mais uma vez é latente o poder desta ferramenta em criar
identidades rurais, com condições de se organizarem independente dos entraves espaço temporais
que sempre dificultaram a união dos trabalhadores rurais. E a partir disto, forçarem o Poder
14
“Colonização do futuro: criação de territórios de possibilidades futuras, reivindicada por inferência
contrafactual” (GIDDENS, 2002, p. 221).
15
“Identidade legitimadora: introduzida pelas instituições dominantes da sociedade no intuito de expandir e
racionalizar sua dominação em relação aos atores sociais...” (CASTELLS, 2002, p. 24). Forma uma sociedade
civil, não vista como suporte para a democracia, mas como “dominação internalizada e legitimação de uma
identidade imposta, padronizada e não-diferenciada” (CASTELLS, 2002, p. 25). 16
“identidade de projeto: quando os atores sociais, utilizando-se de qualquer tipo de material cultural ao seu alcance,
constroem uma nova identidade capaz de redefinir sua posição na sociedade e, ao fazê-lo, de buscar a
transformação de toda a estrutura social. Esse é o caso do feminismo [...]”.
53
Público a reduzir as desigualdades sociais, inclusive para se equiparar o serviço de acesso à
internet rural com o urbano, equiparando, por conseguinte, a possibilidade de participação na
democrática, agora vista como um processo, em construção permanente, e aberto à multiplicidade
de vozes (ROCHA 2011).
A democratização do acesso à internet implica no fortalecimento do princípio da
participação, a ser abordado no capítulo 2, já que nivela a possibilidade de exercício da cidadania
através da participação, que pode se dar em deliberações, em tomadas de decisões, em
contestação das práticas, bem como no processo de controle (PEREIRA, 2010) dos atos
cometidos pelos agentes políticos17
, no exercício do cargo.
A vontade coletiva, ainda que os indivíduos que a compõe tenham interesses
individuais diversos, pode criar um grupo que se organiza para servir a um propósito específico
e se desmanchar uma vez conquistado o intento que motivou sua formação. Mas, se o motivo
que impulsionou o nascimento do grupo for a situação fática de exclusão ou abandono dos
cidadãos, em comparação aos cidadãos mais afortunados que impõe a dominação, pode surgir a
identidade de projeto e a identidade de resistência. E por essa desigualdade de tratamento entre
dominantes e dominados acarretar em desigualdade social, impulsiona a aparição de identidades
de resistência mundo a fora. Castells (2000, p. 25, grifo do autor) expressa que:
[...] a identidade destinada à resistência, leva à formação de comunas, ou
comunidades, segundo Etzioni. É provável que seja esse tipo mais importante de
construção de identidade em nossa sociedade. Ele dá origem a formas de resistência
coletiva diante de uma opressão que, do contrário, não seria suportável, em geral com
base em identidades que, aparentemente, foram definidas com clareza pela história,
geografia ou biologia, facilitando assim a “essencialização” dos limites da resistência.
A construção da identidade antes da chegada da sociedade da informação tinha a
tradição como importante fator. Ou seja, os ingredientes da história do local eram indispensável
para a formações da identidade. Todavia, a identidade criada na sociedade em rede, não conhece
as fronteiras espaço temporais de outrora, e convive simultaneamente com a disparidade entre o
local e o global. É, portanto, capaz de agregar pessoas que vivem em pontos diversos do mundo
e que passam por problemas provocados pela globalização da economia, ou por desrespeito aos
Direitos Humanos. Assim, pressões sobre os governos são impostas não somente por quem é
17
São os representantes eleitos para os cargos de Chefe do Executivo e Parlamentares dos três Entes da República
Federativa do Brasil; Ministros e Secretários de Estado (MELLO, 2002).
54
vítima da desigualdade social de um país. Os diretamente prejudicados recebem o apoio de
atores sociais que vivem em locais distintos. Como exemplo, cita-se o controle sobre governos
feito pela Anistia internacional.
É esta afinidade de males da ordem econômica internacional disseminada pelo mundo,
bem como uma postura ativa dos oprimidos que fazem resistência às pretensões do capital
globalizado, que pode fazer despontar a chamada democracia local. A prática deliberativa do
agir comunicativo na comunidade local é intrínseca à democracia local, pois só se consolida
com a participação dos cidadãos iguais livremente associados, nas deliberações e tomadas de
decisões. É a efetivação do princípio da participação, ínsito ao Constitucionalismo Democrático.
Como nos tipos puros de dominação18
legítima weberiana, onde os tipos acabam
evoluindo para a dominação legal, inclusive a de caráter carismático, a identidade de resistência
pode se transmutar em identidade legitimadora. Weber (1991) não vê possibilidade de relação
social19
sem dominação. Este autor entende que não existe e nem vai existir sociedade sem
dominação, visto que a dominação é condição de ser da sociedade. Alega que todas as searas da
ação humana estão envoltas por algum tipo de dominação.
Nesta dinâmica das relações sociais de dominação e hegemonia, o mal reside no fato
de que se a classe que ocupa o poder se sentir ameaçada pelo grupo que força sua ascensão,
agirá com intolerância e fará de tudo para não compartilhar o poder (DAHL, 2007). Mas é certo
também, que historicamente o homem tenta concentrar poder, logo, sem pressão não há
inclusão. Dito de outra maneira, sem luta não há a materialização da igualdade entre os
desiguais.
O fortalecimento do Constitucionalismo Democrático e, consequentemente, do
processo de accountability democrática, partir do uso da internet é uma poderosa arma contra
hegemonias no Poder, logo positivo para a redução das desigualdades sociais. Conforme se verá
no capítulo seguinte, a democracia praticada pelos cidadãos de maneira deliberativa, ao invés de
praticada por representação, amplia a variedade de cidadãos na esfera pública, acolhendo o
pluralismo social das sociedades complexas da atualidade. E a accountability em um Estado
18
“Dominação é a probabilidade de encontrar obediência a uma ordem de determinado conteúdo, entre determinadas
pessoas indicáveis” (WEBER, 1991, p. 33). 19
Enquanto que a intenção de um cidadão não precisa ser explicitada para que outra pessoa possa praticar uma ação
social, a relação social só se desenrola quando há consciência dos envolvidos (WEBER, 1991).
55
Democrático de Direito deve ser exercida na esfera pública, deliberativamente, e concomitante
aos fatos.
A Revolução Informacional amplia o significado e abrangência da esfera pública, logo,
redimensiona o processo de accountability. Via de regras, na democracia representativa era
apenas regressiva, também chamada de controle regressivo. Tal modalidade ocorre após o
cumprimento do mandato do agente político, quando o eleitor analisa o que foi feito, e se estiver
insatisfeito, responde nas urnas não reelegendo quem não executou, devidamente, os desígnios
do cargo que ocupou (ARATO, 2002).
A democracia participativa requer cidadãos ativos na esfera pública. E com a
ferramenta internet, o processo de accountability do cidadão sobre os atos dos representantes
eleitos é imediato. É a accountability concomitante obrigando-os a ponderar mais suas posições,
como vem acontecendo com as discussões no Poder Legislativo Federal sobre a regulamentação
do uso da internet, que será abordada em detalhes no Capítulo 3 da presente dissertação.
Mas se os cidadãos não verbalizarem suas demandas e não se organizarem em
iniciativas e fóruns políticos, o papel da opinião pública de monitoramento e de
geração de informação poder ser danificado, tornando a accountability uma promessa
vazia (ARATO, 2002, p. 101).
Alteração significativa é a mitigação da Soberania do Estado-Nação. E há motivos de
difícil contorno. A inauguração da política dos escândalos na década de 90 do século passado
que, não raro, reporta-se ao embate entre o crime organizado internacional e organização jurídica
do Estado-Nação. A conexão global do crime organizado, “condicionando relações
internacionais, tanto econômicas como políticas, à escala e ao dinamismo da economia do crime”
(CASTELLS, 2000, p. 304), sem dúvidas é um dos motivos que compromete a autonomia e
poder de decisão do Estado-Nação.
Fatores para derrocada da Soberania surgem, também, pela possibilidade de
relacionamento entre cidadãos além fronteiras territoriais e em tempo real, ignorando os limites
do ordenamento jurídico. As novas TIC devolveram aos cidadãos a opção de terem contato com
culturas estranhas ao território do Estado, e trocar experiências sem a necessidade de se ter
autorização para sair ou entrar nos domínios de outro estado. É notório que no Antigo Regime
não havia a noção de liberdade do Estado Moderno, conquanto naquela época, podia-se transitar
com maior liberdade pelos países. “De modo geral, a globalização/localização da mídia e da
56
comunicação eletrônica equivale à desnacionalização e desestatização da informação, duas
tendências que, por ora, são indissociáveis” (CASTELLS, 2000, p. 303).
A omissão dos Estados em resolver questões globais, é outro fator que põe em cheque a
organização social em Estado-Nação, pois demonstra que são incapazes de solucionar questões
graves que tem reflexos além fronteira. Exemplo são os impactos ambientais provocados pela
ação predatória do ser humano. E esta debilidade do Estado-Nação fica ainda mais explícita a
partir da atuação da cidadania global que assumiu este mister e é, em regra, mais eficiente.
A incapacidade cada vez mais acentuada do Estado-Nação em atender simultaneamente
a essa ampla gama de exigências leva ao que Habermas denomina de “crise de
legitimação”, ou, segundo a análise de Richard Sennett, à “decadência do homem
público”, a figura que representa as bases da cidadania democrática” (CASTELLS,
2000, p. 317).
Outra causa da crise das instituições nacionais vem dos privilégios da elite, detentora do
poder econômico no Estado-Nação. A disparidade de tratamento relegou a maioria do povo a ser
minoria política, logo, desconsiderada nas tomadas de decisão. Destarte, a promessa de igualdade
do Estado Moderno não se concretizou. E a desigualdade social começou a ser sentida, expondo a
impropriedade deste modelo de organização social.
Os defensores do Laissez-faire alegam que a sociedade de mercado capitalista nunca
teve chance de cumprir suas promessas, por conta da atuação dos partidos políticos. É o mito do
antiliberalismo.
Os líderes liberais jamais cansam de repetir que a tragédia do século XIX resultou na
incapacidade do homem permanecer fiel à inspiração dos primeiros liberais. E a
generosa iniciativa de nossos ancestrais foi frustrada pelas paixões do nacionalismo e
da luta de classes [...] (POLANYI, 2000, p. 176).
As minorias começaram a se organizar para pressionar os agentes políticos a tratá-los
como membros iguais, com tratamento semelhante. “[...] seria incorreto dizer que a mudança para
um protecionismo social e nacional fosse devida a qualquer outra causa além da manifestação das
fraquezas e perigos inerentes a um sistema de mercado antiregulável” (POLANYI, 2000, p. 177).
Na concepção de Castells (2000) pode estar se solidificando uma maneira de exercer
democracia, qual seja, a democracia local, o que coaduna com a forma federativa de Estado. Este
modo de se praticar democracia funciona, segundo Castells (2000), como moeda política, pois a
pressão para o governo nacional acolher, ao menos em parte os anseios dos cidadãos locais,
mitiga o atendimento dos interesses dos grupos que dominam a economia global. Portanto, há
57
uma alternativa à política neoliberal. É a sociedade criando seu próprio destino, em detrimento às
terias dos grupos dominantes.
Se os países “desenvolvidos” impõem um modo de vida a outras regiões do mundo
para garantir a manutenção da sua organização social, um modo de enfrentar a opressão destes
países de maior poder bélico do mundo, é através do posicionamento de comunidades locais a
partir do momento em que se posiciona no cenário político e não aceita imposições externas que
acabam por afrontar os direitos fundamentais dos oprimidos.
Por mais livremente que o capital se mova ao redor do mundo, ignorando fronteiras
territoriais, a verdade é que ele ainda depende tanto quanto sempre dependeu (ou mais)
do suporte local, especialmente aquele proporcionado pelos Estados nacionais. Isso
significa que as forças verdadeiramente democráticas, no nível local e nacional, dentro
ou fora do Estado, podem fazer uma real diferença. É por isso que será uma perda para o
mundo e para a luta anticapitalista que se desenrola em todo lugar se o novo governo do
Brasil se dobrar humildemente às exigências imperiais e fracassar no uso de seus
poderes para realizar seu próprio “efeito demonstração”, e provar ao mundo o que a
oposição democrática ao poder imperial pode fazer (Art. 3º da Declaração de Hamburgo
sobre Educação de Adultos) (WOOD, 2006, p. 49).
No tempo da virtualidade real a cultura do eterno20
e efêmero, resultado da
intemporalidade da era informacional, enseja uma interação sem precedentes entre cidadãos
espalhados por todo o mundo. O conhecimento sempre foi fundamental para a ação humana21
. E
a internet é a tecnologia mais eficaz para a difusão do conhecimento, construído discursivamente.
Deste contato vem a (re)construção do conhecimento, e conhecer a realidade de outras culturas,
via de regra, faz refletir sobre a própria cultura. A tradição, quando prejudicial a parte da
sociedade, é confrontada a partir da consciência de que a prática enraizada não deve agravar o
quadro de desigualdade social, mas sim, assegurar igualdade entre os membros iguais e
livremente associados, sob pena de ser afastada das relações sociais.
A cultura do Estado-Nação prega uma igualdade sem respeitar as diferenças. Só que a
sociedade atual é complexa, e sua diversidade é mais bem conhecida e compreendida a partir do
surgimento da rede mundial. Para que se tenha igualdade de tratamento as diferenças devem ser
reconhecidas e respeitadas. O Estado-Nação é excludente, impõe modos de vida que não se
20
O Limiar do eterno ocorre por haver uma negação do tempo na sociedade informacional. Acontecimentos
passados podem ser revisitados a qualquer momento. Assim, desconsidera-se o tempo terreno. “O espaço de fluxos,
[...], dissolve o tempo desordenando a sequência dos eventos e tornando-os simultâneos, dessa forma instalando a
sociedade na efemeridade eterna” (CASTELLS, 2006, p 559).
21
“Que progresso poderia conhecer o gênero humano esparso nas florestas entre os animais? E até que ponto
poderiam aperfeiçoar-se e esclarecerem-se mutuamente homens que, não tendo domicílio fixo nem necessidades uns
com os outros [...]” (ROUSSEAU, 1973, 252).
58
aproximam das relações pessoais, muito mais amplas que as pretensões da classe dominante. A
sexualidade é um exemplo de tentativa da cultura hegemônica em afastar do cenário político,
logo suprimir direitos fundamentais, os cidadãos que não tem orientação hétero. Somente se
reconhecia a união entre pessoas de sexo oposto, ou seja, homem e mulher. Consequentemente
direitos que surgem das relações afetivas não contemplavam os seres humanos com orientação
sexual homoafetiva, como se estes não fizessem parte do conceito de povo.
Os grupos de cidadãos oprimidos em sua sexualidade se organizaram e ocuparam a
esfera pública. E a internet aproxima as minorias, como o movimento feminista, e a luta por
reconhecimento se fortalece. São as múltiplas identidades afrontadas, cada uma com o projeto de
redefinir sua posição social. E, à obviedade, que tendo voz na sociedade, as chamadas identidades
de projeto, a partir da recolocação social, reformam a cultura do corpo político, e até mesmo a
cultura em outros países.
Questão que não pode deixar de faltar na análise da deterioração do Estado-Nação é a
relativa à autodeterminação. Após a segunda guerra mundial a idéia de autodeterminação dos
povos é deturpada. O direito interno e internacional que vige entre os Estados nacionais na
contemporaneidade, não reconhece territórios sem Estado nacional. Os povos passam a ter
direitos reconhecidos internacionalmente, mas para exercê-los era imperiosa a organização
política nos moldes do Estado-Nação. Por isto é que se diz que a autodeterminação dos povos é a
autodeterminação dos Estados.
Isto quer dizer, o direito dos povos se limita à possibilidade de se constituir em Estado.
E uma vez constituído, a categoria “direito dos povos” se transforma em direitos
humanos, agora sob os princípios e regras estabelecidos na Carta Constitucional do
Estado por ela organizado (MARÉS, 1998, p. 68).
Segundo MARÉS (1998), apesar do Estado e do direito afirmarem, categoricamente, que
a lei nivela as relações igualando os desiguais, os povos minoritários não tiveram participação na
criação dos direitos, perdendo sua autodeterminação e aprofundando a desigualdade social. Este
autor lança mão do conto ‘Diante da Lei’, de Franz Kafka, para descrever a realidade, dentre
outros, dos camponeses.
Um camponês passa a vida inteira diante da porta da Lei esperando para entrar, sempre
há um impedimento, uma ressalva, uma proibição momentânea, uma ameaça, até que o
homem morre (MARÉS, 1998, p. 68).
A autodeterminação enquanto direito dos povos de constituírem Estados, concedido pela
comunidade internacional não afastou a exclusão social. Marés (1998) indaga se um povo pode
59
almejar sua autodeterminação sem constituir seu corpo político como Estado nacional. E conclui
que para o direito internacional, não; mas do ponto de vista dos povos, nada mais natural de
ocorrer, posto que faz parte da autodeterminação definir sua organização social. Mas a
autodeterminação para não enfraquecer ainda mais o Estado-Nação tem de seguir o padrão
imposto após a Segunda Grande Guerra. Contudo, a interação, via novas TIC, coloca os cidadãos
esquecidos na trilha da autodeterminação dos povos, literalmente. A multiplicidade de vozes na
esfera pública mitiga características do Estado-Nação quando obriga o reconhecimento de regras
que traduzam a Soberania do Povo, em detrimento à Soberania dos grupos com representação na
democracia representativa. Destarte, a distorção quanto ao local de onde emana o Poder se
resolve.
A atual relação do ser humano com a Natureza se altera. A Cultura na atualidade visa
reciclar, preservar a natureza. E é postura cultural nova considerando que num primeiro momento
a natureza dominava a cultura, o que dificultava sobrevivência da espécie humana, a mais frágil.
Com a Revolução Industrial esta relação se inverteu. Vem a dominação da cultura sobre a
natureza. (CAPRA, 2006)
Todavia, seria inocência pura, imaginar que é uniforme a nova postura diante da
natureza. Quando há mudança de paradigma, pessoas que tem interesse no paradigma anterior
continuarão pressionando para manutenção das práticas de outrora (KUHN, 1970).
A revolução das tecnologias da informação estabelece uma enorme disparidade na
economia de cidades com e sem acesso à internet, na medida em que os lugares ficam excluídos
da cidade global. “A cidade global não é um lugar, mas um processo” (CASTELLS, 2006, p.
476). Com isto, a desigualdade social se aprofunda pela não democratização da esfera pública e
da economia. A oferta de trabalho é muito maior nos espaços de lugares que estão em interface
com o espaço de fluxo, obrigando o cidadão que não faz parte deste processo, se deslocar e se
submeter a condições de trabalho que só beneficiam o acumulo de capital.
[...] como a cidade industrial não foi uma réplica mundial de Manchester, a cidade
informacional emergente não será uma cópia do Vale do Silício, muito menos de Los
Angeles. Por outro lado, como na era industrial, apesar da diversidade [....] , há algumas
características comuns fundamentais no desenvolvimento transcultural da cidade
informacional (CASTELLS, 2006, p. 488).
60
Uma destas características é que a cidade informacional não é uma forma, mas um
processo onde prevalecem as redes, estruturadas para a criação dos espaços de fluxos de
informação e relações. A infra-estrutura de outrora continua necessária, como rodovias, ferrovias,
eletrificação. Então, as desigualdades sociais e regionais podem se agravar se não for planejado e
executado obras de infra-estrutura de maneira semelhante.
Não obstante, novo espaço industrial é reconfigurado, impactando na divisão do trabalho
em âmbito internacional. A força de trabalho altamente qualificada vivendo nas proximidades dos
centros tradicionais para ter mais qualidade de vida, de um lado. E do outro, a massa de
trabalhadores não-qualificados e cada vez mais localizada nas periferias do mundo. Se não há
como controlar o valor dos produtos, controla-se dos custos da produção (WOOD, 2006), então
se busca de mão-de-obra mais barata nas periferias do mundo (CASTELLS, 2006), instalado-se a
produção fora do país. “Por isso, alguns pesquisadores, como Amis e Robins, afirmam que o
novo sistema industrial não é global nem local, mas “uma nova articulação do local com o
global” (CASTELLS, 2006, p. 481).
Mas uma vez que um local esteja integrado na rede, nada garante que permanecerá nesta
condição privilegiada. Embora haja continuidade espacial no domínio metropolitano, os
interesses do capital financeiro podem mudar o espaço preestabelecido.
Não obstante a educação ser argumento para se investir nas novas TIC, os investidores
pretendem mesmo é investir em entretenimento, uma vez que o retorno financeiro é mais certo.
Contudo, menciona também, pesquisa com os norte-americanos que aponta que os cidadãos estão
mais interessados na internet para ter acesso à questões que envolvem o convívio social
harmônico.
[...] Uma das pesquisas mais completas sobre a demanda de multimídias [...], revelou
interesse muito mais profundo pelo uso da multimídia para acesso à informação,
questões comunitárias, envolvimento político e educação que para mais opções de
programações televisivas e filmes (CASTELLS, 2006, p. 455).
As novas TIC são opção para que a produção cultural não seja massificada e abafe
culturas com menor recurso financeiro. Na França, considerou-se que as novas TIC representam a
independência de Hollywood (CASTELLS, 2006). No Capítulo 3 da presente dissertação serão
analisados Projetos de Lei que pretendem regulamentar a utilização da internet no Brasil.
Conforme se verá, a depender do conteúdo do texto final destes Projetos, promulgados e
61
publicados no Diário Oficial, o ordenamento jurídico brasileiro limitará ou não a cultura via
internet.
A multimídia é novidade, então difícil avaliar consequências (CASTELLS, 2006).
Todavia, Castells (2006) discorre sobre quatro características similares dos impactos da
Multimídia no padrão social/cultural na Europa, EUA e Ásia. a saber: segmentação dos usuários;
estratificação entre os que interagem na rede, sendo de um lado, os transmissores, e do outro, os
receptores das informações; entrelaçamento das tecnologias de cada era cultural (SANTAELLA
2003).
A interação na esfera pública virtual é uma realidade. O movimento camponês do
México conhecido como Zapatismo, é o primeiro movimento de guerrilha a utilizar as novas TIC
da Revolução Informacional. Fez uso da internet, enquanto comunicação alternativa, para
contestação política. Os Zapatistas realizaram o indesejável pelos organizadores do Mundo Novo,
utilizar a internet como forma de pressionar os governos perante a comunidade internacional ao
denunciar abusos e expor suas idéias (CASTELLS, 2006). “Na verdade, os estudantes franceses
usavam o Minitel para organizar manifestações de rua contra o Governo” (CASTELLS, 2006, p.
468, grifo do autor).
Nos últimos anos tem proliferado o uso da esfera pública virtual para a participação e
contestação política dos cidadãos. Acontecimentos atuais no Irã, Egito e Líbia demonstram o
poder que as novas TIC tem para auxiliar na sensibilização e mobilização do povo, que luta para
extirpar o regime ditatorial que persiste há mais de 30 anos naquele país (citei três países cada um
com um regime específico. Assim como no Irã, tentou-se frear os anseios do povo impedindo o
uso da internet e torpedos.
Percebe-se que as novas TIC são estratégia democratizante da esfera pública para o
combate à violência no campo, inclusive. No Brasil há um notório e reiterado processo de
violência no campo que é agravada pelo isolamento das comunidades22
. Segundo Martins (1996,
p. 149), “Entre 1968 e 1987, diferentes tribos indígenas da Amazônia sofreram pelo menos 92
ataques, organizados principalmente por grandes proprietários de terra, com a participação de
seus pistoleiros, usando armas de fogo”. Além disto, provocaram desmatamentos irresponsáveis.
22
No fim da década de 80 do século passado foi Chico Mendes. Atualmente, pode-se mencionar a missionária
Dorithy Stang (AFONSO, 2005) e o casal de seringueiros João Cláudio Ribeiro da Silva e Maria do Espírito Santo
(CANUTO, 2011), como lamentáveis exemplos de que ainda é usual homicídio de cidadãos que ficaram conhecidos
por denunciar a violência no campo.
62
A violência das últimas décadas na Amazônia é similar a violência retratada no filme Avatar, que
comoveu pessoas no mundo inteiro. A diferença é que na ficção os seres eram azuis, e não
“amarelos”. As TIC, acompanhadas de educação que viabilize sua utilização, podem ser suporte
habil para as mudanças desta realidade.
1.4- O que é a exclusão digital?
Quando os oprimidos chegam à porta da lei, encontram um obstáculo, dificuldade,
impedimento ou ameaça mas, o Estado e o Direito continuam afirmando que a porta
está aberta, que a lei faz todos os homens iguais, que as oportunidades, serviços e
possibilidades de intervenção do Estado estão sempre presentes para todos, de forma
isonômica e cega. E a sistemática, usual, crônica injustiça da sociedade é apresentada
como exceção, coincidência ou desventura.
Salienta-se que para o enfrentamento da questão posta na presente dissertação, descabe
aprofundar na distinção entre processo exclusão e processo de inclusão limitada, tendo em vista
que ambos processos tem como particularidade o aumento da desigualdade. Logo, a presente
dissertação será trabalhada a partir da idéia de exclusão no Estado Moderno, consoante
delimitado na introdução.
A conceituação do dicionário corrobora com a proposta de não distinguir exclusão de
inclusão limitada. De acordo com o dicionário Aurélio, excluir significa: “1- Ser incompatível
com: ... 2. Afastar, desviar, eliminar:... 3. Pôr de lado; abandonar, recusar... 4. Não admitir,
omitir... 5. Pôr fora; expulsar...”.
Exclusão é termo que vem da sociologia e está intimamente relacionado à desigualdade
do Estado Moderno. Isto porque a análise da sociedade a partir da exclusão tem como método
desvendar o processo de distribuição de bens necessários ao exercício da cidadania. “O conceito
de exclusão é portanto inseparável do de cidadania, que se refere aos direitos que as pessoas têm
63
de participar da sociedade e usufruir certos benefícios considerados essenciais (REIS;
SCHWARTZMAN, 2011).
Destarte, não subsiste qualquer dúvida quanto às consequências da exclusão ou inclusão
limitada serem idênticas para agravar a desigualdade social. O tratamento dispensado aos
cidadãos na distribuição de bens necessários para o exercício da cidadania deve ser na exata
medida para assegurar a semelhança de condições de cada cidadão ou grupo de cidadãos iguais
em participarem da construção permanente da sociedade, garantindo que sejam atendidos os
Direitos Fundamentais todos, ainda que muito diversificada a sociedade, como é o caso do Brasil.
Para ser mais exato, defino exclusão social como um processo pelo qual determinados
grupos e indivíduos são sistematicamente impedidos de acesso a posições que lhes
permitiriam uma existência autônoma dentro de padrões sociais determinados por
instituições e valores inseridos em um dado contexto. (CASTELLS, 2000, p. 98 grifo
do autor).
O surgimento da internet alterou profundamente a comunicação entre os cidadãos do
mundo e, consequentemente, a cultura23
e a maneira de se exercer cidadania. Mas a difusão não
foi homogênea, e o resultado da disparidade de acesso começou a ser sentido e debatido por
especialistas. A exclusão digital, de início, era entendida como falta de acesso à rede. Hoje vai
além, abrange a não utilização por falta de conhecimento (MEDEIROS, 2010). E esta exclusão
ampliaria a desigualdade social? Faz-se a seguinte reflexão: qual grupo terá mais força para
interferir no Processo Legislativo Constituído. O grupo que tem acesso a internet, enquanto
ferramenta que reconfigura a noção de espaço e tempo, e dá maior amplitude para o
funcionamento do espaço público, e reconfigura, inclusive, a definição da economia no espaço de
fluxos. Ou o grupo de cidadãos esquecidos pelas grandes corporações que dominam a
comunicação via internet e estão fora do espaço de fluxo, bem como os que tem acesso à internet
mas não tem acesso à educação e capacitação para utilizar as novas TIC.
Sem embargos, não são só maravilhas que acompanham as criação e difusão (irregular)
de acesso à internet. Esta tecnologia é manipulada pela ação do homem que, antes de privilegiar
qualquer valor que dê suporte ao interesse coletivo é impulsionado pelos valores que tem
predominado no Estado Moderno e alimentado pela ganância econômica e vontade de dominar
outros seres humanos, subjugando-os a realização de tarefas que não condizem com sua cultura.
23
“Culturas consistem em processos de comunicação. E todas as formas de comunicação, [...], são baseadas na
produção e consumo de sinais”. (CASTELLS, 2006, 459).
64
A distribuição e destinação da internet não são espontâneas. Pelo contrário, são ditadas
pela relação dos seres humanos à luz destes valores de mercado que sustentam as atividades
capitalistas globais. O primeiro argumento de Castells (2004) para tratar da desigualdade social
se refere à nova economia em rede, que pode acolher ou descartar determinada localidade, a
depender do valor do local. “O que caracteriza a lógica reticular inerente à infra-estrutura baseada
na internet é que tanto os lugares quanto as pessoas podem ser ligados e desligados. A geografia
da rede é uma geografia de inclusão e exclusão” (CASTELLS, 2004, p. 278).
É mister considerar a distribuição e destinação da internet, pensando-se na contribuição
que a utilização da internet tem para atender a multiplicidade de vozes. Se se restringir os
cidadãos com o devido acesso à internet, somente estes terão condições de se impor na relação de
troca e potencializar, dentre outros males, a expropriação do homem do campo, geradora da
questão agrária. Um dos argumentos de Castells (2004) para expor a questão da exclusão digital,
corrobora com esta assertiva.
[...] à medida que as novas tecnologias, os novos sistemas de produção, os novos
mercados globais e a nova estrutura institucional do comércio mundial eliminam a
agricultura tradicional (que continua a empregar neste momento cerca de metade da
força de trabalho mundial), produz-se um êxodo rural de gigantescas proporções [...]
(CASTELLS, 2004, p. 309).
Ademais, não basta ter acesso. A qualidade do acesso é também diferencial. Países
desenvolvidos utilizam rede específica para suportar os fluxos dos diversos bens que transitam na
rede informacional. Mas engana-se quem pensa que há distribuição e qualidade de acesso
uniforme em um país desenvolvido. A lógica de exclusão continua sendo a da sociedade de
mercado capitalista, onde há a mercantilização de todos os bens e ações humanas. Quem tem
dinheiro está no espaço de fluxos. Quem não tem capital fica preterido na esfera pública e da
economia, amplia-se a desigualdade social. É como no velho ditado, “o rio corre para o mar”, ou
seja, quem tem capital ganha mais dinheiro, quem não tem capital, sonha em ter os bens que só
podem ser comprados. O software mais propalado é o que depende do poder econômico do
adquirente. O mesmo ocorre com a qualidade da ligação, pois há tipos que não possuem
tecnologia para suportar, devidamente, o câmbio de fluxos.
A internet gera desigualdade não apenas entre espaços de lugares separados por
distâncias físicas, mas dentro do próprio lugar.
65
A disparidade entre os que têm e os que não têm Internet amplia ainda mais o hiato da
desigualdade e da exclusão social, numa complexa interacção que parece aumentar a
distância entre a promessa da Era da Informação e a crua realidade na qual está imersa
uma grande parte da população mundial (CASTELLS, 2004, p. 287).
No entendimento de Castells (2004, p. 313) para acabar com a info-exclusão mundial
“necessitamos de uma economia baseada na internet, impulsionada pela capacidade de
aprendizagem e geração de conhecimentos, capaz de operar dentro das redes globais de valor e
apoiadas por instituição políticas legítimas e eficazes”.
É ponto pacífico, ainda, a necessidade de investir em educação, não apenas para saber
utilizar a internet como meio para o exercício da cidadania, mas para possibilitar uma educação
digital que capacite o usuário a propor melhoras e a contribuir para a evolução da internet,
disponibilizando gratuitamente sua invenção. Em que pese o reconhecimento da educação para a
autonomia do cidadão, a realidade é tormentosa. As novas TIC evoluem a passos largos,
afastando-se cada vez mais da compreensão dos excluídos. Quanto mais morosa é a distribuição
desta ferramenta, mais difícil será entendê-la, desestimulando a inserção no mundo dos espaços
de fluxo e deixando à margem da economia (CASTELLS, 2004).
Castells se debruçou sobre a questão da exclusão digital ou info-exclusão. Em suas
reflexões de esclarece seu entendimento às consequências deste processo:
Além disso, o processo de exclusão social na sociedade em rede afeta tanto pessoas
como territórios. De modo que, sob determinadas condições, países, regiões, cidades e
bairros inteiros são excluídos, relegando a tal exclusão a maioria ou a totalidade de
suas populações” (...) “áreas consideradas sem valor na perspectiva do capitalismo
informacional e que não sejam objeto de interesse público significativo a qualquer tipo
de poder são ignoradas pelos fluxos de riqueza e de informação e, em última análise
privadas da tecnologia básica que nos permite comunicar, inovar, produzir, consumir
e, até mesmo, viver no mundo de hoje (Castells, 2000, p. 99).
Na obra Galáxia internet, Castells (2004, p. 287 grifo nosso) inicia do capítulo 9,
intitulado de ‘A info-exclusão: Uma perspectiva global’, dizendo que “A centralidade da internet
em muitas áreas da actividade social, econômica e política converte-se em marginalidade para
aqueles que não têm ou possuem um acesso limitado à rede, assim como para aqueles que não
são capazes de tirar partido dela”.
Por ser a internet o locus onde se formam os espaços de fluxo que dão sustentação à
propagação da informação e à economia, a desigualdade social em relação aos bens da vida
necessários ao desenvolvimento sadio e harmonioso dos seres humanos é amplificada
exponencialmente pela exclusão digital. É imperioso reforçar o premente investimento educação
66
formal e em capacitar os educadores para a educação digital, tendo em vista que esta forma de
exclusão é entendida não somente pela falta de acesso, mas pelo acesso precário e falta de cultura
digital que possibilite a internet servir de esfera pública.
A internet tem como faces da mesma moeda, o condão de aproximar regiões distantes no
espaço físico e, ao mesmo tempo, afastar as próximas. Tudo de acordo com o arranjo que cada
região assumirá no novo modelo de cidade da era informacional, a cidade global. E como a
internet é apenas um meio de comunicação, não é ela que irá gerar igualdade, fraternidade e
solidariedade de modo espontâneo. Seguirá sim, a tendência factual de ser mais uma ferramenta
de propagação de desigualdade social.
Pesquisa recente demonstra que entre metrópoles há uma diferença de acesso à internet
que exclui digitalmente os mesmos cidadãos que sofrem pelas desigualdades sociais tradicionais
(DESIGUALDADE, 2011). Se em São Paulo se desenvolveu o nó da rede no Brasil
(CASTELLS, 2004), é este o grupo dominante que escolherá as regiões que serão incorporadas à
cidade global brasileira. Fragmentando, ainda mais, a sociedade brasileira caso o poder público
não atue na promoção de acesso semelhante no vasto território do Brasil. Repita-se: se a
equiparação de acesso entre o meio rural e urbano for muito morosa, a consequência pode ser o
aprofundamento da desigualdade social a patamares irreversíveis. E a situação já é grave.
Conforme CAPRA (2005, p. 156),
No mundo inteiro, surgiu um novo segmento miserável da humanidade, que às vezes é
chamado de Quarto Mundo. Compreende ele grandes regiões do globo, entre as quais a
maior parte da África Sub-Saariana e as ares rurais pobres da Ásia a da Américo Latina.
A revolução das tecnologias da informação estabelece uma enorme disparidade na
economia de cidades com e sem acesso à internet, na medida em que os lugares ficam excluídos
da cidade global. “A cidade global não é um lugar, mas um processo” (CASTELLS, 2006, p.
476). Com isto, a desigualdade social se aprofunda pela não democratização da economia. A
oferta de trabalho é muito maior no espaço de fluxo, obrigando o cidadão que fornece mão-de-
obra não qualificada a se deslocar e se submeter a condições de trabalho que só beneficiam o
acumulo de capital.
Numa sociedade que faz parte ou pretende fazer parte da sociedade em rede, a relação
de troca é internacional, intemporal e ancorada lógica da Era Informacional. E para que não se
aumente a carência de legitimidade dos Governos por conta dos rumos da economia no cenário
67
internacional, cabe ao Estado conduzir o processo de inclusão digital onde o interesse econômico
não o fizer, e com vistas a incrementar o exercício da cidadania. Assim, o local irá se posicionar
diante do global em condições de influenciar na definição das regras da economia, que se forem
criadas ao bel prazer dos grupos dominantes perpetuarão o julgo do capital destes grupos sobre os
demais.
Capítulo 2: O Direito Constitucional Democrático como solução para a facticidade
Concluída a análise geral da contribuição da Revolução Informacional para a
reestruturação da esfera pública, passa-se à abordagem da maneira de se exercer a democracia, tal
qual consagrada na Constituição da República Federativa do Brasil em vigor. A tarefa que se
segue é ancorada na vertente da Teoria Constitucional Democrática, e contará com a
Hermenêutica Constitucional de Häberle, a teoria discursiva de Habermas, e a análise de
princípios fundamentais para corroborar a referida teoria.
A partir das vertentes anunciadas, buscar-se-á desvendar o núcleo comum do
constitucionalismo que se ajusta a todas as Constituições, enquanto elemento essencial que
permite se dizer de um ponto de unidade entre todas as Constituições. Núcleo este, legitimador
das regras de convívio social nas sociedades pluralistas por resolver o problema da facticidade.
E para que a análise desta vertente tenha pertinência com as pretensões da presente
dissertação, primeiramente será abordado o problema da legitimidade das leis a partir da crise da
representação. Após, a reflexão sobre as vertentes anunciadas será entrelaçada com a reflexão
sobre o impacto da Revolução da Informação, precipuamente, na utilização da internet para a
concretização da democracia pretendida. E qual seja: uma democracia exercida por representação
e por deliberação, simultaneamente.
68
2.1 – A crise de legitimidade
Os debates acerca de como dotar de legitimidade as leis promulgadas na sociedade,
através do Processo Legislativo Constituído, é central para o enfrentamento da questão da
desigualdade social. A concordância com as leis é pressuposto da legitimidade, mas para que haja
redução das desigualdades sociais, não basta apenas que o cidadão esteja de acordo com as leis.
Impende verificar se a concordância pode ser fruto de manipulação ou da consciência.
No primeiro caso, via de regra, argumentos ardis enganarão os membros, supostamente
iguais. E seus efeitos serão sentidos com o tempo, culminando na manutenção e até no aumento
da desigualdade. E não é difícil entender esta dinâmica. Quem manipula algo visa um proveito
que, dificilmente, o cidadão manipulado irá usufruir. Aliás, se a intenção é legislar para aferir
ganhos reais a todos os membros, partindo do pressuposto de que todxs são iguais e livremente
associados, desnecessário seria o desgaste de uma manipulação. Até mesmo porque não se
falaria, sequer, em manipulação, mas em prática discursiva que produz consenso (ROCHA,
2011).
Situação diversa sucederá quando a criação das leis for fruto do discurso baseado em
amplo acesso à informação, necessária à formação das convicções, e aberto à interpretação das
múltiplas vozes dos membros iguais e livremente associados. Vozes que ecoam numa sociedade
com a riqueza de uma diversidade cultural singular, como a brasileira. “No Brasil, um Estado
extremamente pluralista, impera a necessidade de aceitação de uma sociedade aberta de
intérpretes da Constituição” (FILHO, 2011). Assim, formam-se convicções que se confrontarão
na esfera pública plural, e servirão de suporte para a tomada de decisões.
69
No período histórico que precedeu as Revoluções Liberais as regras sociais se
justificavam, em suma, por serem obra da manifestação Divina. Ocorre que, com a indignação
diante da disparidade das funções estratificadas na sociedade, o homem resolveu conduzir seu
próprio destino. E o mecanismo que melhor serviu foi o instituto da representação política, que
causou toda sorte de abusos e distorções, conforme adiante tratado. Não conseguindo, portanto,
cumprir sua promessa igualar na arena política todo cidadão, independente da desigualdade
socioeconômica.
A partir do século XIX, tem-se discutido sobre a democracia ou, melhor dizendo, sobre a
maneira de se praticar democracia nas sociedades pluralistas. Isto por conta das leis na
democracia representativa estarem acometidas de grave crise de legitimidade entre os cidadãos.
Fenômeno que ocorreu em larga escala pelo fato do constitucionalismo liberal não ter conseguido
resolver, e até mesmo ter aumentado em demasia, a questão das desigualdades sociais específicas
do Estado Moderno. Se a sociedade tivesse se tornado mais igualitária por consequência da
organização do constitucionalismo liberal, provavelmente este modelo de democracia não seria
tão criticado a partir do século XIX, independente de haver outra forma de democracia mais
eficiente.
A questão que mais chama atenção na discussão e que vem pondo em cheque a
representação, enquanto melhor meio de igualar as condições dos cidadãos na esfera pública, é o
abismo entre representantes e representados. E isso, por conta de que, via de regra, o que sai deste
abismo são leis que desconsideram os problemas daqueles que não tem efetiva representação.
Esta insensibilidade dos representantes eleitos para ocupar os cargos dos Poderes Legislativo e
Executivo, seja em âmbito Federal, Estadual ou Municipal, é responsável por ampliar a
desigualdade social.
O distanciamento nefasto entre o cidadão e seus representantes é próprio das
características do paradigma de democracia representativa, que consagram uma democracia de
elite, já que restringe os membros que efetivamente participam das deliberações e tomadas de
decisões. Segundo Pereira (2010, p. 13), a representação conta com sistemas,
que privilegiam a redução do círculo dos que decidem, aliando, em geral, dito crédito
de legitimidade à capacidade dos agentes políticos de justificarem o uso do seu poder
decisório em virtude de critérios de eficiência governamental e de decisões por maioria.
70
A introdução de partidos políticos e a criação de sindicatos pouco adiantou para efetivar
a democracia representativa (seria deliberrativa? do Brasil. Estas tentativas teriam o condão de
resolver o hiato entre representados e representantes e reduzir desigualdades sociais, mas
falharam em seu intento.
Os partidos políticos perderam a credibilidade ante a incapacidade ou falta de interesse
aliada a falta de obrigatoriedade de cumprir seus programas quando inseridos nos Poderes
Constituídos, especificamente no Legislativo e no Executivo. No primeiro caso há motivos como
a necessidade legítima de adequarem seus programas, para que os direitos fundamentais de
nenhum cidadão ou grupo de cidadãos seja preterido. O risco de desrespeitar um direito
fundamental muitas vezes será percebido no diálogo entre cidadãos iguais. Ou pela impotência
diante da economia do capitalismo financeiro da Era da informação que é um fator de mitigação
da Soberania, conforme tratado na seção 1.3 do capítulo 1.
No segundo caso, a partir da inserção, o partido pretenderá se manter no poder, em
detrimento, inclusive, do cumprimento do programa que recebeu o voto do eleitor (PEREIRA,
2010, p. 125). Pode-se tentar “justificar” estes motivos alegando os entraves do primeiro caso.
Usados, aqui, como um engodo para não perder espaço nos Poderes Constituídos, nas eleições
seguintes.
Os sindicatos assinalaram que o laissez-faire havia falhado. Ocorre que, somente
instaurou-se outra forma de exclusão da vida pública. A criação da Consolidação das Leis
Trabalhistas (CLT) inaugurou a chamada cidadania regulada. Para se inserir indiretamente na
espera pública, fazia-se necessário trabalhar com atividade que o Estado reconhecesse como
profissão, pois, assim, teria carteira de trabalho assinada e estaria vinculado a algum sindicato
(SANTOS, 1998).
O poder público cuidava de manter íntima relação com os representantes sindicais.
Destarte, a atuação destes ficava impregnada de intenções diversas das intenções dos
representados através dos sindicatos (SANTOS, 1998).
No final do período da ditadura os movimentos sociais intensificaram as ações que
visavam conduzir o Brasil para a redemocratização. Todavia, a história não se repete em círculos,
mas numa espiral, já que o que volta, volta ressignificado pela interpretação das experiências
humanas que ocorreram entre um momento e outro. E quando a sociedade brasileira investiu na
redemocratização, demonstrou por seus atos, que não era o retorno puro e simples da democracia
71
representativa, tal qual a de outrora. Posto que a participação ativa no processo de elaboração da
Constituição inseriu valores a serem perseguidos pela sociedade na sua construção permanente.
Um destes valores é, justamente, considerar que a esfera pública deva ter abertura para a
multiplicidade de vozes que existem em uma sociedade pluralista como a do Brasil. A pressão do
povo sobre os constituintes foi insuportável e é indiscutível sua relevância para a cidadania ativa.
Segundo Cattoni (2006, p. 25),
A “comissão dos notáveis”, que já havia elaborado uma proposta de constituição,
trabalhou inutilmente, O procedimento tradicional foi atropelado pela grande força
popular já mobilizada no movimento das Diretas Já, e que diante da frustração
decorrente da não aprovação da Emenda Dante de Oliveira e da morte do presidente
eleito pelo Colégio Eleitoral como símbolo da transição para a democracia, Tancredo
Neves, exigiu a formulação de um novo procedimento iniciado com a coleta de
sugestões populares, ocasionando a abertura e a total democratização do processo
constituinte.
Como se vê, a alteração pretendida na democracia parte em primeiro lugar da ação do
cidadão. É imperiosa a postura ativa do cidadão na esfera pública através do discurso. É esta
postura que lhe dá voz e afasta decisões que, independente dos motivos, lhe são prejudiciais.
Pereira (2010) ao enfrentar o tema da crise da representação, assim elucida a questão:
Quando se fala em alteração do elo de identificação entre eleito e eleitor faz-se
referência expressa a mudanças comportamentais na esfera de ação do segundo e, por
isso, não deve ser analisada sob o manto da antiga polêmica entre mandato imperativo e
o mandato representativo. Trata-se, em verdade, da erosão do alicerce tradicional sobre
o qual se fundava a decisão política do voto. Em tempos atuais, a atenção dos eleitores
se mostra cada vez menos cativada por projetos globais de governação. ... Posicionar-se
e decidir-se politicamente implicava, em grande medida, alinhar-se ideologicamente
(PEREIRA, 2010, p. 122 grifo do autor).
A descrença nos partidos políticos, principalmente quanto capacidade de gerar justiça,
também provocou a crise da democracia representativa, bem com aflorou o anseio por maior
participação dos cidadãos eleitores, na esfera pública.
Cumpre salientar que a crise não se instala somente por problemas internos, como foi o
caso da democracia representativa acima descrita. A crise pode se instalar por questões alheias ao
funcionamento do paradigma em vigor. Para Kuhn (1970, p. 225) “Novos instrumentos como o
microscópio [...] podem ser desenvolvidas numa especificidade, enquanto a sua assimilação
provoca uma crise em outra”. Portanto, considerando-se o inigualável impacto das novas TIC nas
72
relações sociais e na esfera pública, ainda que a democracia representativa não houvesse sido tão
inoperante, possivelmente a maneira do cidadão praticar democracia não se resumiria ao
momento do voto na Era informacional.
As seções e subseções seguintes versarão sobre a Teoria Constitucional Democrática e
as possibilidades de interação social que são intrínsecas a este paradigma de organização social.
Tal abordagem será feita com o cuidado de aproximá-la às inovações que acompanham as novas
TIC.
2.2 – A Teoria Constitucional Democrática
A Teoria do Controle é suporte consistente para se dizer da existência de um movimento
Constitucionalista presente desde as Revoluções Liberais, e que perdurou com o surgimento dos
paradigmas dos constitucionalismos Social e Democrático. O controle ocupa o núcleo de toda Lei
Maior dos Estados que adotaram o Constitucionalismo, em detrimento de governos autoritários
(PEREIRA, 2010). Entretanto, antes de se dar continuidade ao estudo da relação entre controle e
Teoria Constitucional Democrática, obrigatória se faz a incursão nas visões de Sieyès e de
Lassale acerca das Constituições e na Hermenêutica Constitucional de Häberle.
Sieyès (2001), conforme abordado na Seção I.1, analisava a composição social a partir
de seu país, a França, e entendia que haviam três estados que compunham a sociedade. O
primeiro e o segundo Estados eram o clero e a nobreza, respectivamente. O Terceiro Estado era o
restante da sociedade, mas era uma nação completa. E seus membros eram como máquinas de
trabalho (SIEYÈS, 2001) para a elevação da sociedade e não dependia que os membros do
primeiro e segundo Estados, embora os membros destes dois últimos Estados que gozavam dos
frutos.
Mas para que os ideais da Revolução Francesa se justificassem, os membros dos dois
primeiros estados não poderiam ser suprimidos da esfera pública. Daí a organização do corpo
político a partir de uma Assembléia com representantes dos três estados, com a pretensão de que
73
assim, na esfera pública, todos seriam iguais. Uma vez eleitos, não defenderiam, cada um, os
interesses individuais dos membros de seu Estado, mas da nação como um todo.
Conhecemos o verdadeiro objetivo de uma assembléia nacional: não é feita para se
ocupar dos assuntos particulares dos cidadãos. Ela considera-os como uma massa, e sob
o ponto de vista do interesse comum, Tiramos daí a consequência natural: que o direito
de fazer-se representar só pertence aos cidadãos por causa das qualidades que lhes são
comuns e não devido àquela que os diferencia.
As vantagens pelas quais os cidadãos diferem estão além do caráter do cidadão. As
desigualdades de propriedade e de indústria são como as desigualdades de idade, de
sexo, de tamanho etc. não desnaturam a igualdade cívica [...]. Eu coloco a lei no centro
de um globo imenso; todos os cidadãos, sem exceção, estão à mesma distância sobre a
circunferência, e ocupam nela, lugares diferentes; todos dependem igualmente da lei,
todos lhe oferecem sua liberdade e sua propriedade para que as proteja; e é a isto que eu
chamo direitos comuns dos cidadãos, por onde todos se reúnem (SIEYÈS, 2001, p. 72).
Muito bem, pergunto eu, será que existe nalgum país — e fazendo esta pergunta os
horizontes clareiam — alguma força ativa que possa influir de tal forma em todas as
leis do mesmo, que a obrigue a ser necessariamente, até certo ponto, o que são e como
são, sem poderem ser de outro modo?
Lassale (2009, p. 22) se refere a estes atores sociais como “... fatores reais do poder que
regem uma determinada sociedade” e formam a essência da Constituição. E os que eram assim
reconhecidos por Lassale (2009) em meados do século XIX eram a nobreza, a grande burguesia,
os banqueiros, a pequena burguesia e a classe operária. Estas duas últimas, na visão de Lassale
(2009), ainda que não tivesse o reconhecimento na Lei Fundamental de seu devido espaço na
esfera pública, ainda sim, teriam legitimidade para agir na esfera pública caso sua liberdade
pessoal lhe fosse arrancada. Em momentos cruciais, para evitar o retorno de situação similares às
do Antigo Regime haveria legitimidade de ação “[...] nos casos extremos e desesperados também
o povo, nós todos, somos uma parte integrante da Constituição” (LASSALE, 2009, p. 29).
A conferência deste sociólogo, contrário ao Laissez-faire, é tida como a principal fonte
para se pensar Constituição nos dias de hoje. “Venerada como bíblia do sociologismo jurídico,
desde que veio há público em 1862, essa palestra virou texto de leitura obrigatória em todos os
quadrantes do constitucionalismo moderno” (COELHO, 2001, p. 1).
Entende que de nada adianta definir na Constituição que uma classe que irá governar
com poderes para fazer outra classe permanecer submetida às mesmas condições que causaram a
derrocada do Antigo Regime. As outras classes contestariam e se rebelariam, independente do
que estive escrito na Constituição. Embora tenha trazido à baila exemplo de situação que
demonstra passividade da classe operária quando é retirado os direitos políticos de voto sem
74
retirar imediatamente o direito de propriedade24
. Nada mais fácil de compreender, pois se vivia
numa época que predominava a sociedade de mercado capitalista.
A participação de todo o povo na esfera pública é explicitada por Lassale (2009, p. 29)
de modo cabal quando diz:
Entretanto, o poder que se apóia na Nação, meus senhores, embora seja, como de fato o é
realmente, infinitamente maior, não está organizado; a vontade do povo, e sobretudo seu
grau de acometimento, não é sempre fácil pulsá-la mesmo por aqueles que dele fazem
parte. [...] até que a população um dia, cansada de ver os assuntos nacionais tão mal
administrados e pior regidos e que tudo é feito contra sua vontade e contra os interesses
gerais da nação, se levanta contra o poder organizado, opondo-lhe sua formidável
supremacia, embora desorganizada.
O próprio movimento de adoção de Constituições escritas seria oriundo do movimento
de insatisfação dos fatores reais do poder que existiam no Antigo Regime, a ordem até então
vigente, e comandaram as mudanças que culminaram nas Revoluções Liberais a na organização
da sociedade em Estados-Nação.
Nas sociedades modernas, admitindo-se que a composição do povo é complexa por ser
pluralista, a democracia representativa é insuficiente para acolher a multiplicidade de vozes que
tem de ser considerada na esfera pública. No capítulo 1 ficou demonstrada a contribuição da
internet para redimencionar a esfera pública e oportunizar que qualquer cidadão possa influir nas
deliberações e nas tomadas de decisões.
E para dar concretude à Constituição, ou seja, fazer com que não seja apenas um pedaço
de papel, elevando-se a Lei Fundamental à categoria de Constituição Real (LASSALE, 2009), as
ações do Estado para aflorar o interesse do povo em ocupar a esfera pública devem se
materializar em educação cujo método de ensino impulsione a participação ativa dos estudantes
na construção da aprendizagem, bem como, paralelamente, em políticas públicas de inclusão
digital rural que disponibilize acesso à rede mundial. E é claro que não se trata de qualquer
acesso. É imprescindível haver simétrica paridade com o acesso no meio urbano.
A educação para a cidadania, conforme acima mencionada, e a utilização simultânea da
internet incute a consciência da prática da cidadania com o auxílio da internet, chamada de
ciberativismo. Não havendo esta abertura democrática para que os cidadãos interpretem as regras
24
Até 1848 havia sufrágio universal na Prússia. Ricos e pobres em igualdade de condições podiam participar da
administração pública. Em 1849 é editada lei das três classes, dividindo os indivíduos de acordo com o poder
econômico (LASSALE, 2009).
75
de convívio social (HÄBERLE, 1997) a Constituição pode ter sua estrutura questionada pelos
atores políticos que tencionam a esfera pública.
Os problemas constitucionais não são problemas de direito, mas do poder, a verdadeira
Constituição de um país somente tem por base os fatores reais e efetivos do poder que
naquele país regem, e as Constituições escritas não têm valor nem são duráveis a não
ser que exprimam fielmente os fatores do poder que imperam na realidade social: eis aí
os critérios fundamentais que devemos sempre lembrar (LASSALE, 2009, p. 51).
O poder constituinte originário não se sujeita às leis que vigoravam antes de sua
manifestação. Esta sujeição recai sobre o poder constituído, que deve ter a Constituição, criada
pelo poder constituinte originário, como baliza para suas decisões, sob pena de afrontar a vontade
geral.
Mas é verdade que uma representação extraordinária em nada se parece em nada com
uma legislatura ordinária. São poderes diferentes. Esta só pode se mover nas formas e
condições que lhe são impostas. A outra não está submetida a nenhuma forma em
especial: se reúne e delibera como faria a própria nação se, mesmo composta por um
número pequeno de indivíduos, quisesse dar uma constituição a seu governo (SIEYÈS,
2001, p. 34).
Se a representação tivesse alcançado este propósito, a democracia representativa não
atuaria em detrimento das forças ativas da sociedade, enquanto fatores reais de poder, sem ser
incomodada por uma virada em prol de um modo deliberativo de se exercer democracia. Quando
do exame da crise da representação, Pereira (2010, p. 121) discorre que “O apelo à participação
oferece-nos um bom referencial exemplificativo já que se configura muito mais uma
consequência da crise do que meramente sua causa”.
A Hermenêutica Constitucional de Häberle bebeu da fonte de Lassale (COELHO, 2001),
e deixou mais nítida a necessidade de abertura política para que todo cidadão, sem distinção,
tenha reconhecido o direito participar da criação e contestação da ordem vigente.
A interpretação constitucional é, em realidade, mais um elemento da sociedade aberta.
Todas as potências públicas, participantes materiais do processo social, estão nela
envolvidas, sendo ela, um só tempo, elemento resultante da sociedade aberta e um
elemento formador ou constituinte dessa sociedade [...]. Os critérios de interpretação
constitucional hão de ser tanto mais abertos quanto mais pluralista for a sociedade
(HÄBERLE, 1997, p. 13).
Mais adiante, visando esclarecer sua tese sobre a sociedade aberta de interpretes da
Constituição e qual conceito de interpretação está nela compreendida, o autor diz que a própria
conduta do cidadão diante de determinada norma exterioriza sua interpretação, “quem vive a
norma acaba por interpretá-la ou pelo menos co-interpretá-la” (HÄBERLE, 1997, p. 13).
76
O conceito originário de interpretação remete a sociedades fechadas. Mas como a
sociedade se tornou complexa pelo reconhecimento da sua diversidade, este conceito se
corrompeu. A interpretação não pode ser de estirpe que não a pluralista. É, justamente, esta gama
variada de pontos de vista que são os fatores reais de poder (Lassale, 2009), que governam
efetivamente a sociedade. E com o auxílio das novas TIC, utilizadas para efetivar a democracia
deliberativa, a atuação plural na esfera pública é indispensável e ameniza a desigualdade social,
agravada ainda mais com a globalização. “Portanto, é impensável uma interpretação da
Constituição sem o cidadão ativo e sem as potências públicas mencionadas” (HÄBERLE, 1997,
p. 14).
A falência da democracia representativa quanto ao intento de manter nivelados os
cidadãos a partir da esfera pública, reduzida à ação dos ocupantes dos Poderes Legislativo e
Executivo de todos os Entes que compõe a Federação, tem como uma de suas causas a não
redução das desigualdades sociais. E com o fim da era do império da lei, perfeita e acabada,
instaura-se a ideia de uma democracia vista como um processo inacabado e aberto à contribuição
dos cidadãos na definição de seus sentidos. Portanto, a realidade social não pode moldar a
Constituição escrita sem a ampliação do círculo de interpretes da Lei Maior.
A estrita correspondência entre vinculação (à Constituição) e legitimação para a
interpretação perde, todavia, o seu poder de expressão quando se considera os novos
conhecimentos de teoria da interpretação: interpretação é um processo aberto. Não é,
pois, um processo de passiva submissão, nem se confunde com a recepção de uma
ordem. A interpretação conhece possibilidades e alternativas. [...]. Se se reconhece que
a norma não é uma decisão prévia, simples e acabada, há de se indagar sobre os
participantes no seu desenvolvimento funcional, sobre as forças ativas da Law in public
action (personalização, pluralização da interpretação constitucional!) (HÄBERLE,
1997, p. 30-31 grifo do autor).
Häberle (1997) fundamenta seu entendimento sobre para a participação cidadã na
construção permanente da sociedade, também, à luz da Teoria Constitucional. Conforme Häberle
(1997) interpreta esta Teoria, e aqui se percebe proximidade à Lassale (2009), a Constituição se
efetiva na realidade vivida por todo e qualquer membro do corpo político que vive sob seu manto.
Portanto não deve dispor, por conseguinte, apenas sobre a organização do Estado, as liberdades
negativas e liberdades positivas do Poder Público. Em que pese a importância destas searas, o
constitucionalismo democrático valoriza a participação ativa na esfera pública, a ponto de não se
tornar realidade e ser um pedaço de papel (LASSALE, 2009), caso o exercício da cidadania se
77
limite a participação no processo eleitoral institucionalizado, pois é na riqueza de interpretações
que o sentido do texto e a realidade se aproximam.
Ocorre que, o problema chave que dificulta esta dinâmica social reside na qualidade do
ensino e práxis condizentes com sociedade aberta de interpretes. Havendo comunidades rurais ou
um grupo da sociedade, cujo isolamento contribui para serem preteridas deste procedimento
discursivo que culmina em interpretações construtoras da realidade, a desigualdade social
persistirá. Percebe-se, com isto, que a concretização das teorias democrática e da sociedade
aberta de intérpretes em sociedades que foram inseridas na sociedade em rede passa,
irremediavelmente, pelo acesso e utilização da internet para fins de incrementar a esfera pública,
com a possibilidade de intensidade semelhante entre os membros iguais de determinado corpo
político influenciarem nas tomadas decisões, bem como para interação supra nacional, e
deliberação acerca de problemas comuns de um mundo globalizado.
A interpretação de Häberle (1997) dá uma carga de maior densidade à participação do
que em Lassale (2009). Não há aquela distinção da classe operária, ativa só em casos extremos.
Para Häberle (1997, p. 33),
Uma Constituição, que estrutura não apenas o Estado em sentido estrito, mas também a
própria esfera pública (Öffentlichkeit), dispondo sobre a organização da própria
sociedade e, diretamente, sobre setores da vida privada, não pode tratar as forças sociais
e privadas como meros objetos. Ela deve integrá-las ativamente enquanto sujeitos.
Häberle (1997) também discorre sobre a aproximação entre sua Hermenêutica
Constitucional e a Teoria Democrática. Ambas dependem que as normas jurídicas tenham sentido
a partir da interpretação de seus efeitos frente às relações intersubjetivas, bem como da reflexão,
em tese, acerca da constitucionalidade das leis infraconstitucionais. Posturas ativas que podem
gerar, respectivamente, o controle difuso e o controle concentrado de constitucionalidade das leis,
adiante abordado.
Para que os cidadãos formulem, devidamente, suas interpretações para a efetivação da
Teoria Democrática, mister que se relacionem discursivamente na esfera pública. Esta postura é a
mesma que é imprescindível para a concretização da organização social aberta à interpretação
constitucional que vá além da interpretação dos Poderes Constituídos, e acolha o pluralismo de
interpretações vindas do cotidiano das pessoas, conforme a Hermenêutica Constitucional de
Häberle (1997).
78
Possibilita-se, com isso, a efetivação do valor liberdade, perseguido desde as Revoluções
Liberais e alimentado pela constante reinterpretação do cidadão na esfera pública
tradicionalmente reconhecida, bem como na esfera pública da Era Informacional, que se realiza
no espaço de fluxos. “A sociedade é livre e aberta na medida que se amplia o círculo dos
interpretes da Constituição em sentido lato” (HÄBERLE, 1997, p. 40).
Os entendimentos de Sieyès, Lassale e Häberle acerca da organização social no Estado
Moderno guardam pertinência com a teoria Discursiva de Habermas (1992a, 1992b). Nesta, o
agir argumentativo na esfera pública é a postura necessária para que os membros iguais e
livremente associados venham a contribuir com a democracia. Não a democracia de leis perfeitas
e acabadas, mas vista como um processo aberto e inacabado que deve estar em permanente
construção, através das interpretações destes.
O Estado constitucional democrático, de acordo com a idéia que o sustenta, é uma
ordem desejada pelo próprio povo e legitimada pelo livre estabelecimento da vontade
desse mesmo povo. Segundo Rousseau e Kant, os destinatários do direito também
devem entender-se como seus próprios autores.
Caso o povo, porém, que se autocompreendia autoritativamente, não tivesse se tornado
uma nação de cidadãos autoconscientes, haveria faltado força propulsora a uma
reformulação jurídico-política como essa, e também força vital à república formalmente
instituída (HABERMAS, 2002, p. 135).
Os entendimentos acima esposados convergem quanto a abertura política para a
participação dos membros iguais e livres da sociedade na esfera pública. Diferem na maneira, na
intensidade da participação. O que se pode notar é que a participação veio sendo valorizada. No
bojo da sociedade de mercado capitalista, contentava-se com a ação dos atores políticos que
representavam “todos” os membros da sociedade que experimentava o Estado nacional.
Mas não havia como conter o desejo do ser humano, principalmente diante da eficiência
do modelo de constitucionalismo liberal em fazer a sociedade se desigualar. Com isto, nos
séculos seguintes o debate no sentido de adequar a esfera pública foi incessante, e o
reconhecimento da importância de se ampliar a participação ativa dos cidadãos na esfera pública
se tornou inegável. Não havia como sustentar que os representantes, de per si, teriam como suprir
a sensibilidade dos representados e criar regras que beneficiariam a todos, com paridade.
E é nesta ascensão da cidadania participativa, que a Teoria Constitucional Democrática
encontra campo fértil para refletir se há um ponto de comum entre as Leis fundamentais, que
permita se dizer da existência de um movimento Constitucionalista mundial que, pretensamente,
norteia as ações políticas dos países organizados sob estas vestes.
79
Pereira (2010) inicia o estudo da Teoria Constitucional Democrática, atendo-se aos
aspectos do constitucionalismo, definidos pelas palavras idealidade e positividade, que não tem
consenso quanto a seus significados. São polissêmicas como a palavra constitucionalismo.
Conceitos que variam de acordo com o modelo constitucional adotado, isto é, os modelos Liberal,
Social ou Democrático. Logo, o nível de abertura para participação política tem impacto nos
conceitos em epigrafe.
A idealidade marca as ações necessárias para se transformar os fatos que não condizem
com os anseios sociais dispostos na Constituição. É o embate entre o ideal e o real eclodindo a
teoria da normativa, contrafactual, tendo em vista que a proposta é adequar a realidade que
deturpa a vontade comum, como a redução das desigualdades sociais. O que significa que por
este aspecto, o constitucionalismo “funda-se como uma teoria acerca da convivência que impõe a
racionalidade como critério essencial de justificação” (PEREIRA, 2010, p. 8).
No que concerne ao segundo aspecto, chamado de constitucionalismo positividade, há
de se dizer intimamente relacionado com o primeiro. Veja-se: para se transformar a realidade,
nada mais importante que os cidadãos se posicionarem discursivamente na esfera pública para
tornarem públicas as práticas que afrontam direitos fundamentais. E o constitucionalismo-
positividade é cunhado na certeza de que as leis não tem as características de perpetuidade e
perfeição anunciadas nos tempos áureos do império das leis. Pelo contrário,
a conclusão inevitável é a de que inexiste fórmula homogênea universalmente aplicável
independentemente de fatores históricos, geográficos, culturais etc. Neste sentido, não
há nada mais estável no constitucionalismo do que sua capacidade de adaptação
(PEREIRA, 2011, p. 9).
Não sendo perpétuas as leis e nem os anseios sociais, mister que o Poder Público esteja
aberto à possibilidade de críticas, para, assim, se adaptar à complexidade do pluralismo social. A
facticidade é superada, pois se “viabiliza um processo cíclico de legitimação e acomodação”
(PEREIRA, 2011, p. 9) que, sem ele, a manutenção da ordem social, assim como do tipo de
constitucionalismo em vigor estarão, proporcionalmente, comprometidas.
Em que pese a polissemia da palavra constitucionalismo, Pereira (2010) reconhece a
relevância de se detectar e problematizar o ponto comum entre as teorias dos modelos
constitucionais supracitados. E é no motivo que ensejou a derrocada do Antigo Regime,
precisamente a luta contra as arbitrariedades dos governantes, que nasce a função de controle dos
80
atos do Poder Público, que Pereira (2010) denomina como núcleo duro. E por ter sido uma das
causas das Revoluções Liberais, perder este instituto de vista, seria um risco de regresso das
arbitrariedades.
Retomando a noção de constitucionalismo como teoria e movimento políticos que
recriam a natureza e a função do princípio da soberania e da organização política em
virtude da proteção do indivíduo, o controle do exercício do poder através do princípio
da legalidade e do arranjo institucional tornou-se, pois, o modus operandi desse
particular modelo de Estado (PEREIRA, 2010, p. 17 grifo do autor).
Claro que o termo controle não fugiu à regra de ser alterado a depender da teoria política
que determinado corpo político exorta. E a análise desta evolução tem em vista situar o modo de
exercício do instituto do controle no constitucionalismo democrático. Analise que servirá para
verificar, conclusivamente, se há algum propósito em atrelar sua prática à difusão e utilização
equânime das novas TIC, precipuamente a internet, na concretização deste modelo de
Constituição.
Recorda-se que as Revoluções Liberais marcam uma mudança na relação do Estado com
o cidadão. Até então era uma relação entre soberano e súditos, onde o primeiro detinha o Poder.
Vem a proclamação dos Direitos Fundamentais e a situação inverte. Estes direitos impõem ao
Estado o dever de se abster de intervir nas relações privadas, que passaram a ser calcadas no
princípio da autonomia das vontades. Eram as liberdades negativas, chamadas de direitos de
primeira geração25
, que tinham o objetivo de limitar a atuação do Estado (MORAES, 2010), pois
o Poder passa a emanar, em tese, do povo que também, em tese, pretendia ter assegurado o direito
à liberdade física, contratual e a propriedade dos seus bens garantida.
O controle era entendido como um instituto que serviria para limitar o governo,
cumprindo sua função de garantia dos direitos consagrados no Parlamento, locus da esfera
pública. Percebe-se que a única função coaduna com uma sociedade de mercado capitalista, onde
a igualdade se realizava diante das leis do mercado. Portanto, não haveria sentido o controle ser
exercido para se contribuir para a legitimidade das Leis criadas estritamente pelos representantes
eleitos. Entendimento que começará a ser repensada com a aproximação do constitucionalismo
com a democracia deliberativa, tendo em vista que,
25
Mendes (2009, p. 268) entende que “Essa distinção entre gerações dos direitos fundamentais é estabelecida apenas
como propósito de situar os diferentes momentos em que esses grupos de direitos surgem como reivindicações
acolhidas pela ordem jurídica. Deve-se ter presente, entretanto, que falar em sucessões de gerações não significa
dizer que os direitos previstos num momento tenham sido suplantados por aqueles surgidos em instantes seguintes”.
81
O objetivo central, portanto, será o de reconstruir a noção de controle com base na
otimização da relação entre constituição e democracia, tanto no que tange, como será
visto, à dimensão fundante, quanto no que toca à dimensão garantia da
constitucionalidade (PEREIRA, 2010, p. 28-29).
Característica intrínseca à criação do Estado Moderno e que o acompanha desde sua
origem, portanto, é não ser permitido que haja ato dos ocupantes dos cargos dos Poderes
Constituídos que fuja a fiscalização dos cidadãos, para que as normas emanadas do povo sejam,
obrigatoriamente, observadas. Assim, a vontade geral não seria deturpada. A unidade de sentido
do movimento constitucionalista, seu núcleo duro, reside no “controle do modo pelo qual o poder
deve ser exercido” (PEREIRA, 2010, p. 16). E os princípios da legalidade e publicidade tem a
função de possibilitar que o povo exerça o controle dos atos emanados do Estado.
A crise de legitimidade das leis criadas no Processo Legislativo Constituído da
democracia representativa foi causada por fatores abordados na Seção precedente. Mas a crise em
si acabou sendo fator para a reflexão sobre suas causas, bem como motivou a busca pela
democracia deliberativa.
Em síntese, pode-se afirmar que a crise é um fator de legitimação democrática que
opera em dois níveis inter-relacionados: seja fornecendo à democracia os ingredientes
conflituais necessários para que atue como método de resolução de dissensos no interior
da sociedade, seja criando oportunidades para a reconfiguração de suas características
essenciais, ao corroer os seus componentes que se mostrarem inadequados e pouco
funcionais (PEREIRA, 2010, p. 131).
Controlar passa a abranger outra prática que não apenas limitar, qual seja, a da
autodeterminação se propõe a dirigir a tarefa de criar regras de convívio social. E isto ocorre com
a efetivação do princípio da participação. Todavia, conforme salientado na Seção I.3, a
autodeterminação dos povos foi traduzida como autodeterminação dos Estados, o que reflete
negativamente na democracia, pois a ingerência do próprio destino é causa da “crise do Estado”.
Termo que significa “a perda da capacidade estatal de regulação dos assuntos internos, cada vez
mais dependentes de conjunturas e imperativos impostos a partir de fora...” (PEREIRA, 2010, p.
110).
Para que a autodeterminação seja realmente dos povos, a primeira liberdade dos povos
deve ser a escolha da sua organização social, que até pode ser nos moldes do Estado-Nação, mas
que esta escolha seja dos povos e não uma imposição do poder econômico internacional
(MARÉS, 1998). E Pereira (2010, p. 82) se alinha a este pensamento. Entende “que todo o
82
sistema de direitos resulta diretamente do princípio da autodeterminação dos cidadãos, na medida
em que é construído argumentativamente e não definido a priori”. E não poderia ser diferente, já
que em outra passagem de sua obra, vincula a autodeterminação à origem do pluralismo,
característica intrínseca das sociedades atuais. Quanto mais com a dinâmica social proporcionada
pelo uso das novas TIC.
E para se autodeterminar, o povo tem de agir discursivamente. O procedimento
discursivo, que pode se apoiar na internet para potencializar exponencialmente a esfera pública,
legitima as leis criadas na esfera pública do Estado que acolhe o princípio da participação26
.
A teoria do discurso explica a legitimidade do direito com o auxílio de processos e
pressupostos da comunicação – que são institucionalizados juridicamente – os quais
permitem levantar a suposição de que os processos de criação e de aplicação do direito
levam a resultados racionais (HABERMAS, 1992b, p.153).
[...]
Todavia, divergindo do paradigma liberal e do Estado social, este paradigma do direito
não antecipa mais um determinado ideal de sociedade, nem uma determinada visão de
vida boa ou de uma determinada opção política. Pois ele é formal no sentido de que
apenas formula as condições necessárias segundo as quais os sujeitos do direito podem,
enquanto cidadãos, entender-se entre si para descobrir os seus problemas e o modo de
solucioná-los (HABERMAS, 1992b, p. 190).
Não obstante, a total autonomia para se autodeterminar é uma utopia. Exemplo tétrico é
a pressão que o Governo da Grécia, berço da democracia, sofreu de países da Europa, berço da
sociedade do conhecimento, para que não realizasse uma consulta pública para que os cidadãos
gregos avaliassem as condições impostas para que recebessem ajuda financeira.
A partir da ampliação do conceito de controle, amplia-se, proporcionalmente, a função
da Constituição. Assim, a Constituição Liberal, antidemocrática em sua essência (CANOTILHO,
1993), tem de dar lugar a uma ideia de Constituição entrelaçada com o regime democrático
calcado na participação dos cidadãos na esfera pública, para que as leis tenham legitimidade e se
resolva o problema da facticidade das regras de convívio social.
No entanto, a união entre constitucionalismo e democracia não é obra de outra coisa,
senão do desenrolar dos acontecimentos históricos. Conquistas como o sufrágio universal, que
abriu a vida política para uma gama de pessoas até então excluídas da possibilidade de apresentar
seus anseios; os direitos de segunda geração do Estado Social, impondo que o Estado saísse de
sua postura de abstenção para promover a igualdade de condições e reduzisse as desigualdades
26
Ver item II.3
83
sociais. E a compatibilização da autonomia privada com a autonomia pública27
, forçando a
reconfiguração da esfera pública, foram tornando a sociedade cada vez mais complexa.
Para Habermas (1992a), a compatibilização da autonomia privada com a autonomia
pública resolve a suposta incongruência entre constituição e democracia, advinda das
características de ambas. Aquela por impor limites à atuação legislativa; esta por se basear na
soberania popular. É o agir argumentativo descrito na teoria do discurso que possibilita uma
Teoria Constitucional Democrática, que tem na resignificação do conceito de controle pelo
investimento na democracia participativa, seu suporte.
O visado nexo interno entre soberania do povo e direitos humanos reside no conteúdo
normativo de um modo de exercício da autonomia pública, que é assegurado através da
formação discursiva da opinião e da vontade, não através da forma das leis gerais
(HABERMAS, 1992a, p. 137).
Pereira (2010) trata desta aproximação entre constituição e democracia, demonstrando,
dentre outras28
, a importância do povo ocupar a esfera pública. Só assim, com sua multiplicidade
de vozes ecoando na esfera pública, não deixarão a construção contínua do seu destino
unicamente sob a responsabilidade os representantes eleitos, que não tem a sensibilidade
necessária para compreender, tampouco atender os anseios de uma sociedade pluralista.
Este autor denomina a nova proposta de esfera pública como sendo a viragem social. É
esta mudança histórica estimulada sobremaneira, pelo aumento das desigualdades sociais,
provocadas pelas mazelas da representação política do Estado Liberal, “[...] aproximou
democracia e constituição na medida em que afastou do aparelho estatal o monopólio da gestão
da dimensão pública, inscrevendo-a também no seio da sociedade civil” (PEREIRA, 2010, p. 59).
Com isto, as deliberações que formam as decisões não se limitariam mais ao âmbito do
27
“A co-originalidade da autonomia privada e pública somente se mostra, quando conseguimos decifrar o modela da
autolegislação através da teoria do discurso, que ensina serem os destinatários simultaneamente os autores de seus
direitos” (HABERMAS, 1992ª, p. 139). 28
“Em linhas gerais, a atual compreensão do relacionamento necessário entre constituição e democracia resulta de
três “viragens” históricas essenciais, as quais podem ser denominadas de a) viragem eleitoral; b) viragem social; c)
viragem pública” (PEREIRA, 2010, p. 58-59 grifo do autor).
A viragem eleitoral é consequência da pressão pela ampliação da esfera pública que resultou na “adoção do sufrágio
universal” (PEREIRA, 2010, p. 59). Já a viragem social é repercussão do Estado Social de Direito. O Estado passa a
ser promotor de ações que visavam minimizar as desigualdades sociais, o que provoca maior igualdade de inserção
na esfera pública.
84
Parlamento. Buscaria daí em diante, a legitimidade das normas na participação política dos
cidadãos.
O Capital Social29
também é admitido como modo de resgate da participação, já que
integra os membros iguais e livres da sociedade a partir do momento em que alimenta o
engajamento cívico através das normas de reciprocidade e das redes associativas (PEREIRA,
2010). É competente para enaltecer a terceira geração de direitos, mediante a sofisticação de uma
cultura solidária. A internet é instrumento que dinamiza a formação do capital social. Segundo
Costa (2004), a analise das ações coletivas deve considerar a influência da rede digital, cuja
ferramenta internet é o principal suporte.
Testemunhos como os de Howard Rheingold, por exemplo, vêm comprovando que a
sinergia entre as pessoas via web, dependendo do projeto em que estejam envolvidas,
pode ser multiplicada com enorme sucesso. As diversas formas de comunidades
virtuais, a estratégia P2P, as comunidades móveis, a explosão dos blogs e wikis, a
recente febre do orkut são prova de que o ciberespaço constitui um fator crucial no
incremento do capital social e cultural disponível (COSTA 2004).
Entendimento que coaduna com a sociedade em rede tal qual exposta por Castells (2006).
A institucionalização do princípio da participação perpassa por investimentos em
educação que prepare os cidadãos a se inserirem na esfera pública para agirem deliberativamente,
prontos para tomarem decisões (FREIRE 2007), consoante a sociedade brasileira consagrou na
Lei Fundamental. Segundo Pereira (2010, p. 159) “O déficit em termos de educação é, assim, um
dos motivos centrais para a desestabilização da chamada “competência” para a cidadania [...]”.
A análise da Teoria Constitucional Democrática é bastante para se concluir que a
participação do cidadão na esfera pública é imprescindível para a redução das desigualdades
sociais. Ocorrer que, o Poder Público não tem ousado em políticas públicas de disponibilização
de instrumentos institucionalizados de participação. “[...] urge ressaltar que se tem arriscado
pouco no que se refere à introdução concreta de mecanismos de participação. [...]. O caso mais
em voga é o do orçamento participativo...” (PEREIRA, 2010, p. 169).
29
“[...] o capital social de uma comunidade pode ser entendido como a capacidade de interação dos indivíduos, seu
potencial para interagir com os que estão a sua volta, com seus parentes, amigos, colegas de trabalho, mas também
com os novos vizinhos, com alguém novo no bairro ou no trabalho etc.” (COSTA, 2004).
85
Nas seções seguintes serão abordados modos do exercício da participação mediante
controle, tanto por limitação aos atos dos ocupantes dos cargos dos Poderes Constituídos, quanto
por propostas nas deliberações na esfera pública.
2.2.1 – Os institutos jurídicos que se concretizam na participação política ativa dos
cidadãos
A sociedade tem de se posicionar publicamente no intuito de balancear as decisões
tomadas. Tarefa esta que está rodeada de interesses econômicos internacionais, sempre infligindo
enorme pressão sobre os governos para impedir que a ordem econômica seja tratada com
soberania. É a resistência local contra a famigerada procura por aumento dos lucros, em
detrimento da justiça e da dignidade da pessoa humana.
Os locais de resistência à ordem tem em comum o requisito participação como a ação
que possibilita a sociedade civil influenciar nas tomadas de decisões. Alguns meios ocorrem sem
a necessidade de interação, desde o início, com os ocupantes dos cargos dos Poderes
Constituídos, para que produza efeitos. Outros dependem de procedimentos legais desde o início,
para a produção dos efeitos almejados.
O certo é que para se exercer a democracia, reivindicada pela sociedade durante os
trabalhos da Assembléia Nacional Constituinte e disposta na CRFB/88, é imperativa a
aproximação entre a representação e a participação direta. É correto dizer, também, que cabe ao
Estado fomentar esta participação, investindo em educação e institucionalizando espaços
públicos, inclusive com abertura a participação em audiências públicas via internet.
86
“A adequação dos arranjos institucionais como condicionante privilegiado do êxito da
participação. A existência de canais e instrumentos concretos que viabilizem o
exercício razoável do direito à participação tanto no âmbito dos poderes estatais, como
em fóruns híbridos e similares têm acrescido em importância, na medida em que
aumentam paralelamente o desejo e as expectativas em torno de mais participação. [...].
Certo é que o desenvolvimento de políticas públicas pró-participação afigura-se um
requisito imprescindível”. (PEREIRA, 2010, p. 160).
Contudo, quando há quebra de um paradigma, para que o novo paradigma se solidifique
deverá superar a ação dos defensores do paradigma anterior. Isto porque a definição da
preferência por um paradigma implica na opção por uma maneira de organização diversa da
prevista no paradigma concorrente (KUNH, 1970). Mal iniciou o resgate da participação do
cidadão nas deliberações e já se ouve defensores da democracia representativa, tentando diminuir
esta prática.
“Não é novidade a existência de “atitudes de resistência” por parte do círculo de
agentes oficiais, impulsionadas por pré-compreensões desfavoráveis à posição dos
instrumentos de participação no quadro global do sistema político. O fenômeno é
observado mesmo em países de democracia avançada e com largas tradições de
democracia direta” (PEREIRA, 2010, p. 161).
Em um Estado Constitucional Democrático, o controle exercido pelos Poderes
Constituídos é indissociável da participação do povo na esfera pública. E não poderia ser
diferente. A Hermenêutica constitucional que coaduna com esta organização de Estado é bem
trabalhada por Häberle (1997), e diz da necessidade de uma sociedade aberta de interpretes da
Constituição, que significa que os cidadãos que vivem as normas, sempre as interpretam,
inclusive quando praticam ações.
Conclui-se que de acordo com a Teoria Constitucional Democrática o controle do modo
pelo qual o poder deve ser exercido parece ser o “Elo de convergência teórica que torne a
inteligibilidade do conceito de constitucionalismo possível e partilhável entre as diversas
tradições, mantendo, enfim, certa unidade mínima e estável de sentido” (PEREIRA, 2010. p.16).
A seguir serão abordados meios à disposição dos cidadãos para os introduzirem na
esfera pública, ativamente.
87
2.2.1.1 – O cidadão e o controle político. As modalidades de accountability
O Constitucionalismo do Estado Moderno inaugura a era em que o Poder é retirado do
Estado e transferido para o Povo. E para exercer, diretamente, a titularidade do Poder, o povo
contou com institutos que variaram de acordo com o paradigma de constitucionalismo adotado
nos dois últimos séculos. Esta Seção é dedicada ao controle político adequado à proposta do
Constitucionalismo Democrático.
Estou discutindo aqui apenas a accountability política, que em si tem relevância direta na
ligação entre representantes e representados. Sem dúvida, elementos que vi acima como o
constitucionalismo, ou, de forma mais geral, como o governo da lei (pública) podem ser
apresentados paralelamente à accountability legal dos representantes eleitos que, se
infringirem a lei, devem responder por e assumir a responsabilidade por seus atos. Entretanto,
esta forma de accountability não pertence ao povo, e não aproxima a distância entre
governantes e governados exceto na medida em que constitui um dos instrumentos do
constitucionalismo (ARATO, 2002).
Já se viu da evolução do controle. Sempre coincidindo com o papel do cidadão na esfera
pública. De início só limitação da atuação dos Poderes Constituídos, o que não assegurou a
igualdade socioeconômica no Estado Liberal. O controle político neste período clássico da
democracia representativa, assim como a participação política, tinha momento definido para
acontecer, bem como quem teria direito a exercê-lo, ou seja, somente os seres humanos que
gozavam de cidadania reconhecida através do direito de voto. Era no processo eleitoral que os
cidadãos exerceriam o controle político sobre os atos dos agentes políticos, especificamente no
88
momento em que se dirigiam às urnas para escolherem seus representantes que, isolados dos
cidadãos, legislariam durante todo o mandato.
Houvesse insatisfação quanto ao cumprimento da liturgia do cargo por parte de um
representante eleito no pleito anterior, o cidadão poderia penalizá-lo por sua indolência, não
votado nele, retirando-o da esfera pública, logo, retirando sua influência nas decisões que
afetariam o corpo político. Claro que para isto, a informação deve ser a base das deliberações.
“Tais redes exercem uma crescente influência simbólica na responsabilidade política
(accountability). É isso que apontam Smith, Pagnucco & Chatfield. Para esses autores, isto se
daria ‘por meio do fortalecimento da informação e contra-informação política [...]” (MACHADO,
2007, p. 269, grifo do autor).
Percebe-se que o representante político tinha ampla liberdade para cometer toda sorte de
abuso, já que no Constitucionalismo Liberal o controle político, também conhecido como
accountability regressiva, como o próprio nome indica, ocorria ao final do mandato.
accountability é uma avaliação retrospectiva, especialmente quando se trata de
representantes eleitos que não podem ser forçados a cumprir as promessas e programas
enquanto estiverem no cargo, mas que podem ser punidos por seus atos e omissões nas
eleições subseqüentes (ARATO, 2002).
A evolução para o Constitucionalismo Social nada foi acrescentado de relevante na
esfera pública, logo, a noção de controle também não evoluiu. O Poder Executivo forte do Estado
Social também despolitizava porque mantinha o cotidiano do cidadão longe da esfera pública.
Como anteriormente salientado, a ideia de democracia de leis gerais, abstratas e
perfeitas, bem como o liberalismo antidemocrático (CANOTILHO, 1993) acarretou em profunda
desigualdade social. O cidadão brasileiro, durante quase todo o século XX, teve acesso à
cidadania regulada. Dependia-se do Estado reconhecer determinada profissão para que o cidadão
que a desempenhasse, pudesse ter seus interesses levados à esfera pública, mediante a atuação
dos membros do sindicato. Ocorre o Estado aproximou-se dos líderes sindicais disponibilizando
benefícios, não para os representados, coletivamente, mas para os representantes sindicais,
individualmente (SANTOS, 1998).
Com isto, os brasileiros passaram a lutar pelo reconhecimento de suas profissão e por
lei trabalhistas que lhes assegurassem o status de cidadãos, bem como a efetiva aplicação destas
leis. Ter uma carteira de trabalho era o que afastava o homem do conceito de vadiagem
89
(SANTOS, 1998). Luta que era vencida quando a profissão era reconhecida, mas findava-se a
participação política, agora relegada ao sindicato e representantes eleitos.
Todavia, não se pode negar que a participação, ainda que interrompida, demonstra o
poder da participação ativa do cidadão na esfera pública. Exemplo cabal é que a Consolidação
das Leis Trabalhistas (CLT), Dec. Lei 5.452 de 1º de maio de 1943 tratou da relação do
trabalhador e empregador urbanos, pois organizados tinham como pressionar os Poderes
Constituídos. Deixando o desarticulado homem do campo legalmente desamparado até a
promulgação do Estatuto do Trabalhador Rural em 1963 (Lei 4.214, de 02.03.63) (SANTOS,
1998).
Segundo Marx (2007), a consciência deve ser produto das relações de troca
historicamente construídas, e não de ideais criados artificialmente por intelectuais, ou seja,
indivíduos que dentro da divisão do trabalho ocupam o lugar da classe dominante. Classe esta,
que conta também com membros que coordenam a execução do planejado pelos intelectuais. O
problema reside no fato dos intelectuais serem insensíveis às necessidades dos trabalhadores que,
por ser a classe dominada, eram encarregados da obrigação de exercer o trabalho produtivo, e que
suportavam todos os ônus da sociedade, sem gozar de suas vantagens.
“As estruturas comunicacionais da esfera pública estão muito ligadas aos domínios da
vida privada, fazendo com que a periferia, ou seja, a sociedade civil, possua uma
sensibilidade maior para os novos problemas, conseguindo captá-los e identificá-los
antes dos centros da política. Pode-se comprovar isso através dos grandes temas
surgidos nas últimas décadas” (Habermas, 1992b, p. 115).
Com o surgimento dos Movimentos Sociais30
, a participação dos cidadãos na esfera
pública se viu livre da necessidade da representação por partidos e sindicatos para oferecerem
resistência a ordem vigente, mediante controle efetivado na participação. Embora os cidadãos
tenham superado o obstáculo de se conquistar a autorização do Estado para que a profissão fosse
reconhecida, com a criminalização dos atos dos movimentos sociais, o obstáculo para ter
reconhecidas suas necessidades aumentou. “[...] os movimentos sociais eram interpretados como
eventos disruptivos e desestabilizadores da ordem jurídico-política” (PEREIRA, 2001, p. 182).
Deixaram de ser mudos para serem criminosos. As teorias clássicas dos movimentos sociais que
não os reconheciam como atores políticos legítimos.
30
Os Movimentos Sociais analisados na presente dissertação não são os movimentos de ação que Weber (1991)
descreve com meramente reativa a uma situação de massa ou imitação, mas sim, oriundos da ação social consciente e
que questiona a ordem existente.
90
Para Machado (2007, p. 251),
“As abordagens consideradas “clássicas” predominavam até os anos 60 do século XX.
Até então a maioria das correntes analíticas associava a ação dos movimentos sociais a
processos mais amplos e a transformações sociais, ligados às rápidas mudanças da
sociologia industrial”.
Importante registrar os termos usados por Gohn (2004, p. 24-25), segundo a qual:
“O sistema político era visto como uma sociedade aberta a todos. Mas os movimentos
sociais não teriam a capacidade de influenciar naquele sistema devido a suas
características espontâneas e explosivas. Somente os partidos políticos, os grupos de
interesse e alguns líderes teriam esta capacidade. [...]. Toda ação coletiva extra-
institucional, motivada por fortes crenças ideológicas, parecia ser antidemocrática e
ameaçadora para o consenso que deveria existir na sociedade civil”.
O estágio atual do Constitucionalismo, conforme se viu, é impulsionado pelo desejo do
cidadão ser ativo na esfera pública e protagonista do seu destino. É o Constitucionalismo
democrático se desenvolvendo com a aceitação de todo membro da sociedade na esfera pública,
indistintamente. Dito de outra maneira, a multiplicidade de vozes da sociedade complexa se
aproximando dos Poderes Constituídos, por intermédio da esfera pública (HABERMAS, 1992b,
p. 171).
Para o cidadão cumprir seu papel de protagonista, mister que o Estado atue visando
efetivar a democracia deliberativa. Para tanto, importante institucionalizar meios do cidadão se
inserir na esfera pública. Algumas experiências tem sido proveitosas, tais como a organização
conjunta entre os Entes da Federação de Fóruns para debate de temas que estão “na ordem do
dia”, Congressos, Audiências Públicas presenciais e virtuais.
A internet livre é ferramenta poderosíssima para dar proporções satisfatórias à esfera
pública, independente do Estado provocar e organizar a participação. No Capítulo 3 será
abordado o debate acerca da internet ser disponibilizada por software livre ou comercial.
Toda esta abertura política para a inserção de novos interpretes do ordenamento
jurídico, por conseguinte, mudou no modo de exercer controle, antes somente regressivo, agora
exercendo também, a accountability concomitante, tendo em vista que os cidadão podem praticar
o controle na esfera pública, no sentido de conduzir, protagonizar deliberações que subsidiam as
tomadas de decisões, simultaneamente ao cumprimento do mandato. O que garante que o
representante eleito possa reavaliar suas ações se alinhar com o interesse dos representados, que
91
se ficassem alheios ao processo deliberativo, não possibilitariam a mudança de postura. Ressalta-
se a influência das novas TIC nesse processo de aproximação entre representados e
representantes.
Não há como negar que nos defrontamos com tendências muito fortes de
transformação, principalmente no que se refere às formas de organização e atuação dos
movimentos sociais, Tais redes, assim como outras formas de organização conhecidas,
são caracterizadas pelo voluntariado, reciprocidade e modelos horizontais de
comunicação e intercâmbio. Nisso não há novidade, O que chama a atenção é que tais
elementos foram enormemente potencializados com o uso das tecnologias de
informação (MACHADO, 2007, p. 270, grifo do autor).
Este esclarecimento corrobora com a noção de que a internet é uma ferramenta que, de
per si, não resolverá velhos problemas causados pela desigualdade social. A redução das
desigualdades sociais somente ocorrerá se o cidadão preterido se introduzir na esfera pública e
deliberar a melhor solução expondo seu ponto de vista, argumentativamente. E se este cidadão
contar com o devido acesso à Era Informacional, as novas TIC o auxiliarão na suas pretensões.
O encaixe entre a Teoria Constitucional Democrática e a Teoria dos Novos
Movimentos Sociais não poderia ser a melhor. O local ocupado pelos movimentos sociais na
sociedade é diametralmente oposto. “Uma das principais implicações da atualização
contemporânea da teoria democrática promovida pelo impulso participativo encontra-se no
alargamento do foro tradicional da política” (PEREIRA, 2011, p. 171). O que não significa que
não há os velhos defensores do paradigma do Constitucionalismo Liberal e da visão excludente
destes movimentos da esfera pública.
Machado (2007, p. 273-277), discorre acerca das características dos novos movimentos
sociais que atuam com o auxílio das novas TIC. Resumindo, pode-se dizer que Machado (2007),
combinando sua interpretação à de outros autores, apresenta um conjunto de dez características
dos movimentos sociais que atuam com o auxílio das redes telemáticas, quais sejam:
1) Proliferação e ramificação dos coletivos sociais: A rede possibilita novas formas de alianças e
sinergias, globais, com aumento de mobilizações, participação, interação entre coletivos.
2) Horizontabilidade e flexibilidade das redes: As organizações atuam num plano horizontal,
com menos hierarquia e mais flexíveis.
3) Tendência coalizacional: corolário da primeira característica.
92
4) Existência dinâmica ou segundo objetivos e fatos: podem formar-se, alcançar objetivos e
expandir, ou se desmanchar rapidamente.
5) Minimalismo organizacional-material: os custos baixos incentivam novos movimentos sociais.
O espaço físico é prescindível.
6) Universalismo e particularismo das causas: um movimento social pode surgir visando causa
específica, mas ainda sim, inserir-se a um quadro universal de luta, com direitos humanos e
desenvolvimento sustentável.
7) Grande poder de articulação e eficiência: organizam-se protestos simultâneos em diversos
locais distintos, com capacidade de ações concretas.
8) Estratégias deslocalizadas de ideologias compartilhadas: Identidade e solidariedade
desempenham papeis fundamentais para formação das redes. São as chamadas identidades de
resistência, presentes em sociedades civis em processo de desintegração, onde a identidade seria
um elemento de “resistência comunal”, conforme entendimento de Castells.
9) Multiplicidade de identidades/circulação de militantes: um militante pode fazer parte de vários
movimentos, disseminar suas reivindicações pela conexão identitária.
10) Identidade difusa dos sujeitos sociais: Os interesses dos indivíduos ligados em rede são cada
vez mais cruzados, diversos freqüentemente tênues. Luta que se dá menos a partir do indivíduo e
mais sobre a construção de sujeitos sociais. Cita entendimento de Melucci, que vê como
conseqüência da complexidade destes movimentos, o aumento da dificuldade em especificá-los
como atores sociais, possuindo “formatos cada vez mais distintos e densidades variáveis”.
Ademais, com as novas TIC o cidadão pode se engajar sem dificuldades de outrora no
debates públicos, ainda que não esteja vinculado a nenhum partido, sindicato ou movimento
social. O controle, aqui significando participação, tem amparo na integração dos membros iguais
e livres da sociedade, criadora de solidariedade, responsabilidade com o outro.
A dimensão da integração social é retomada sem produzir as teses das privações
econômicas ou os modelos elsmeserianos de comportamento coletivo. Categorias que
ficaram por duas décadas congeladas [...], foram retomadas de forma totalmente nova,
em esquemas que privilegiam a heterogeneidade socioeconômica em detrimento da
homogeneidade econômica dada pela classe.
[...]
Mas não foi só a teoria da ação que forneceu substância teórica básica ao novo
paradigma. Ela foi fornecida também pelos Frankfurtianos – particularmente Adorno e
Habermas [...]. O deslocamento da análise para as esferas micro da vida social resgatou
uma das dimensões vitais da história do homem: a prática cotidiana, uma das dimensões
básicas da práxis humana, o fazer, o acontecer. A autonomia dos indivíduos e grupos
93
sociais será a principal categoria utilizada. Ela não é vista de forma a que os grupos e
movimentos se isolem mas, ao contrário, como a conquista ou um processo de
interação, formado à base de relações sociais novas, de caráter diferente. Por isso o
processo de construção de alianças, de formar redes sociais e culturais, será tão
enfatizado nos NMS31
(GOHN, 2004, 134-135).
A accountability política, principalmente a concomitante, necessita de um suporte de
instituições criadas pelo Estado Democrático para garantir sua efetividade caso se contrária na
esfera pública, de maneira deliberativa, a Projetos de Lei ou Programas de Governo que
aumentem a desigualdade social “[...] um sistema de accountability legal é em quase todas as
situações uma condição sine qua non para efetivar accountability política” (ARATO, 2002, grifo
do autor).
Diante da relação entrelaçada de ambos os controles, o político e dos poderes
Constituídos, passa-se à análise do papel do cidadão no controle judicial e no controle exercido
pelos Poderes Constituídos.
31
NMS significa Novos Movimentos Sociais
94
2.2.1.2 – Controle judicial
O controle judicial insere-se na dinâmica da interpretação das leis visando o controle
dos atos do Poderes Constituídos, como um direito-garantia de que o Estado não atentaria contra
os direitos fundamentais (MORAES, 2010).
Conforme THEODORO JÚNIOR (2006), historicamente a justiça visava a solução de
demandas individuais e com fulcro em leis gerais e abstratas que deviam incidir indistintamente
sobre qualquer situação, pois, conforme retro explicado, com a lógica da igualdade natural não
havia que se considerar as especificidades do caso concreto, ou seja, as desigualdades.
Características que por si só esvaziavam a deliberação mediante o contraditório instaurado na
demanda, tendo em vista que o Judiciário se limitava a aplicar a vontade da lei, criada pelos
representantes eleitos que cumpriam seus mandatos sem a interferência do povo.
No Constitucionalismo Democrático as funções de prestação jurisdicional também são
impactadas. Acredita-se que, atualmente, é a era do Poder Judiciário, já que no decorrer dos
séculos pós Revoluções Liberais, assumiu gradativamente a prerrogativa de Guardião da
Constituição. Concordando-se com Pereira (2010), entende-se ser uma superfetação equiparar a
posição do Judiciário no Constitucionalismo Democrático com Constitucionalismo Liberal onde
predomina um Legislativo forte. O exagero é presente também se houver comparação com o
destaque do Executivo no constitucionalismo social.
“A associação entre os binômios constitucionalismo liberal e predominância do Poder
Legislativo, constitucionalismo social e predominância do Poder Executivo e
constitucionalismo democrático e predominância do Poder Judiciário pode basear-se
em uma análise superficial, uma vez que é por demais abstrata para corresponder às
95
distintas experiências históricas existentes, mas, de qualquer modo, sinaliza o pano de
fundo teórico atualmente pressuposto (PEREIRA, 2010, p. 236 grifo do autor)”.
A participação ativa do cidadão na esfera pública reconfigura o funcionamento do Poder
Judiciário, assim como reconfigurou a atuação dos Poderes Legislativo e Executivo. A
multiplicidade de vozes pluralistas obriga o Magistrado a proferir decisões específicas a cada
caso concreto. O sistema de princípios altera o Poder Judiciário, na medida em que as decisões
judiciais não podem ser mais proferidas com base na aplicação da vontade concreta da lei32
,
simplesmente. Há de se considerar o caso concreto para se alcançar a igualdade dentro de um
tratamento desigual. É o sistema de princípios vigorando e dando abertura para soluções que não
estejam empacotadas em leis prévias e, pretensamente, perfeitas para qualquer situação,
indistintamente. É mister, pois, que o Juiz interprete a norma geral de acordo com a Constituição,
construindo a norma jurídica a partir da relação entre o sentido do caso concreto, o texto da lei e
as normas constitucionais (MARINONI, 2010).
O sentido do caso concreto33
é melhor percebido por quem é prejudicado por
determinada regra em vigor, pois quem vive a regra é que sente as consequências, que uma vez
sendo contrárias à Constituição, podem ensejar a alegação de inconstitucionalidade no controle
difuso, e concentrado. Neste caso, a depender do autor da ação que visa o controle, em tese, do
ordenamento jurídico, a participação do cidadão é indispensável, ainda que não seja ele,
isoladamente, o possuidor da legitimidade ativa para propor uma ação de controle de
constitucionalidade34
, necessária ao preenchimento dos requisitos das condições da ação35
.
32
Com o Liberalismo duas correntes debatiam qual seria a função da jurisdição: para Chiovenda, a jurisdição devia
atuar a vontade concreta da lei, ou seja, declarar a lei, mas sem produz regra nova, que integre o ordenamento
jurídico. Para Carneutti e Calamandrei, a função jurisdicional é a justa composição da lide. Ambas as correntes estão
submetidas ao princípio da supremacia da lei e desconsideram o sentido do caso concreto, indispensável numa
sociedade pluralista, o que as afastam dos valores do Estado Constitucional Democrático.
33
Sentido do caso concreto: o juiz não pode se afastar da realidade em que vive. O surgimento de novos fatos sociais
legitima o juiz a decidir reconstruindo o significado em face da lei.
Hoje não prevalece mais o princípio da supremacia da lei, já que não é mais vista como um produto perfeito e
acabado (MARINONI, 2010).
34
Art. 103 da CRFB/88 tem rol exaustivo de legitimados para propor a Ação Direta de Inconstitucionalidade e a
Ação Direta de Constitucionalidade (BRASIL, 2011). 35
As Condições da ação são requisitos constitutivos necessários para a existência da ação, cuja ausência leva à
“carência da ação” .
96
Na atual fase do direito processual, chamada de Processualismo Científico, instaura-se o
marco do “sistema de princípios” (ALVIN, 2007). O processo passa a ser o local onde se
estabelece uma relação jurídica processual de direitos e obrigações entre partes e Juiz, através do
diálogo. É o princípio do contraditório oportunizando que o cidadão de uma sociedade complexa
exponha sua interpretação do ordenamento jurídico, e contribua a tomada de decisões do
judiciário. Ressalta-se que o Conselho Nacional de Justiça (CNJ) tem incentivado a resolução das
demandas judiciais através do instituto da conciliação, que privilegia a construção da solução
mediante o diálogo entre as partes. Dito de outra maneira: no Constitucionalismo Democrático,
os cidadãos são ativos nas deliberações que precedem as tomadas de decisões dos Poderes
Legislativo, Executivo e Judiciário. Não há mais que se falar em uma ‘multidão de súditos'36
que
“entrega” seu destino a outrem, só em cidadãos que protagonizam seus próprios destinos.
A abertura política repercutiu não apenas na postura do litigante, agora em condições de
apresentar as especificidades do caso concreto para que o Juiz possa interpretar a lei da maneira
que alcance a justiça das decisões. Ao apreciar provas, enquadrar fatos e norma ou interpretar
textos jurídicos, o Juiz deve procurar, dentre as interpretações possíveis, a mais justa ao caso
concreto.
Registra-se que segundo o ordenamento jurídico pátrio a interpretação do Magistrado é
livre, mas desde que fundamentada na lei, criada na democracia deliberativa, em tese, com a
participação cidadã na esfera pública. E deve estar em consonância com as alegações das partes,
carreadas aos autos com a observância do contraditório.
A vinculação judicial à lei e a independência funcional dos juízes não pode escamotear
o fato de que o juiz interpreta a Constituição na esfera pública e na realidade [...]. Seria
errôneo reconhecer as influências, expectativas, as obrigações sociais a que estão
submetidos os juízes apenas sob o aspecto de uma ameaça a sua independência. Essas
influências contém também uma parte de legitimação e evitam o livre arbítrio da
interpretação judicial. A garantia da independência dos juízes só é tolerável, porque
outras funções estatais e a esfera pública pluralista [...] fornecem material para a lei
[...]” (HÄBERLE, 1997, p. 31-32).
Repercutiu, ainda, na estrutura das leis processuais. As demandas judiciais não se
restringem mais apenas à solução de problemas individuais. Nas últimas décadas o ordenamento
36
Bonavides (2003) usa o termo ‘multidão de súditos’ quando se refere às sucessivas Medidas Provisórias, pelo fato
deste meio para legislar ser contrário ao processo democrático.
97
jurídico do Brasil passou a prever a provocação do Judiciário mediante ações coletivas37
para
reconhecimento ou proteção interesses transindividuais e indivisíveis. Referidas demandas
legitimam a interpretação de movimentos sociais, até então à margem de qualquer processo
instituído. Agora, a partir da provocação do Judiciário, podem pleitear a inconstitucionalidade de
lei através do controle difuso e do concentrado. Este último a depender do legitimado que propõe
a Ação de controle em tese das leis.
A participação do povo e de qualquer Magistrado na apreciação da constitucionalidade
das leis pode ocorrer mediante o Controle Difuso ou o Controle Concentrado de
Constitucionalidade das leis.
Aquele método de controle tem o primeiro registro nos EUA em 1803, por isto é
chamado de americano. O controle difuso de constitucionalidade. Segundo Mendes (2009, p.
1058, grifo do autor),
[...] assegura a qualquer órgão jurisdicional incumbido de aplicar a lei a um caso
concreto o poder-dever de afastar a sua aplicação se a considerar incompatível com a
ordem constitucional.
[...]. A ruptura que a judicial review americana consagra com a tradição inglesa a
respeito da soberania do Parlamento vai provocar uma mudança de paradigmas.
O controle concentrado, a depender do legitimado, como é o caso das Associações de
âmbito nacional, também abre para os cidadãos um canal para intervir no processo democrático
de construção permanente da organização social.
A análise aqui desenvolvida demonstra que a interpretação constitucional não é um
“evento exclusivamente estatal”, seja do ponto de vista teórico, seja do ponto de vista
prático. A esse processo tem acesso tem acesso potencialmente todas as forças da
comunidade política. O cidadão que formula um recurso constitucional é interprete da
Constituição tal como o partido político que propõe um conflito entre órgãos
(HÄBERLE, 1997, p. 23).
No Brasil admite-se a presença do Amicus Curae38
nesta modalidade de controle,
ampliando assim, a democratização da discussão acerca da interpretação do ordenamento jurídico
(MENDES, 2009).
37
Ação Popular (Lei 4717/65); Ação Civil Pública (Lei 7347/85); Estatuto da Criança e do Adolescente (Lei
8.069/90); Código de Defesa do Consumido; Lei (7853/89), dentre outras. 38
Lei 9.868/99, art. 6° § 2°: O relator, considerando a relevância da matéria e a representatividade dos postulantes,
poderá, por despacho irrecorrível, admitir, observado o prazo fixado no parágrafo anterior, a manifestação de outros
órgãos ou entidades.
98
O Mandado de Injunção também consagra o princípio da participação, portanto, a
democracia deliberativa, já que abre a possibilidade de o cidadão interpretar o ordenamento
jurídico. Neste caso, se o cidadão entender que a omissão do legislativo no cumprimento da
função legisferante está atentando contra um direito fundamental, a ele será oportunizado propor
o Mandado de Injunção para sanar esta omissão.
Salienta-se que da promulgação da CRFB/88, em 5 (cinco) de outubro de 1988, até a
presente data, a aplicação deste remédio constitucional39
sofreu alterações positivas no que
concerne à ampliação da atuação do cidadão. No início discutia-se se este instituto era norma
constitucional de eficácia plena e aplicabilidade imediata40
. No Supremo Tribunal Federal (STF)
passou-se a admitir a propositura do Mandado de Injunção, cujo objeto fosse limitado a verificar
a omissão inconstitucional pelo Judiciário, que determinaria que o Legislativo cessasse a
omissão. Atualmente, a contribuição da interpretação do cidadão é bem mais efetiva, tendo em
vista que as decisões recentes do STF caminham no sentido de que “[...] o Supremo Tribunal
Federal aceitou a possibilidade de uma regulação provisória pelo próprio Judiciário, uma espécie
de sentença aditiva [...]” (MENDES, 2009, p. 1264). E como o judiciário deve julgar
considerando a causa de pedir próxima e remota, bem como o pedido do autor, este tem mais
abertura para influir na decisão.
39
Termo utilizados Moraes (2010), dentre outros. 40
Para melhor compreensão do termo norma constitucional de eficácia plena e aplicabilidade imediata, ver Silva
(2003).
99
2.2.1.3 – Controle exercido pelos Poderes Constituídos
A competência dos Poderes Constituídos para interpretar a Constituição é disposta,
expressamente, na CRFB/88. Nos dispositivos do Título III e nos capítulos I, II e III do Título IV
da Lei Maior há a definição da organização do Estado e dos Poderes Legislativo, Executivo e
Judiciário, respectivamente (BRASIL, 2011). Dentre as disposições, percebe-se que nas funções
típicas e atípicas, os ocupantes dos cargos dos Três Poderes devem interpretar a Constituição
quando da criação da interpretação da própria CRFB/88, da legislação infra-constitucional, e da
aplicação das normas jurídicas no caso concreto. Sempre lembrando que Juízes, Chefes dos
Executivos e Parlamentares são meros representantes do Povo, o titular do Poder41
.
No que concerne à abertura legal para interpretação dos cidadãos, de se dizer que a
CRFB/88 consagrou a maneira de exercer democracia com a interação entre democracia
representativa e deliberativa. O preâmbulo já anuncia a criação de um Estado democrático de
direito, a liberdade, solidariedade, reforçado, por exemplo, a partir da interpretação do PÚ do art.
1°; dos incisos IV, VI, XVI, XVII, XVIII e o caput do artigo 5°; do artigo 206, II; do artigo 220
§1°, todos da CRFB/88 (BRASIL, 2011). São dispositivos que colocam a interpretação dos
cidadãos como subsídio para a atuação dos Poderes estatais. Tratando-se da crise da
representação, Pereira (2010, p. 134, grifo do autor) ensina que:
[...] insiste-se, primeiro, em uma concepção complexa de democracia, subsumindo-se
nesse adjetivo, por um lado, a premência do reequilíbrio entre representação e
participação o que implica, consequentemente, detectar a esfera pública como locus da
política e, por outro, a opção por uma definição ampla dos sujeitos constitucionais
41
CRFB PÚ, art. 1º Todo Poder emana do Povo, que o exerce por meio de representantes eleitos ou diretamente, nos
termos desta Constituição (BRASIL, 2011).
100
habilitados a transitar e a postular nesse espaço democrático revitalizado, o que importa
o reconhecimento de atores coletivos não tradicionais.
Ademais, impende ressaltar que não é somente nas regras dispostas na CRFB que há
amparo para a democracia deliberativa. As Teorias da Democracia, e da Constituição
Democrática caminham no sentido de que é na participação ativa dos cidadãos na esfera pública
que o processo construção permanente da sociedade se concretiza. Tratando da democracia,
Häberle (1997) entende que não é apenas na representação oficial que o processo democrático
deve ocorrer, e diz que
Numa sociedade aberta, ela se desenvolve também, por meio de formas refinadas de
mediação do processo público e pluralista da sociedade e da práxis cotidiana,
especialmente mediante a realização dos direitos fundamentais
(Grundrechtsverwirklichung), tema muitas vezes referido sob a epígrafe do “aspecto
democrático” dos direitos fundamentais. Democracia desenvolve-se mediante a
controvérsia sobre alternativas, sobre possibilidades e sobre necessidades da realidade e
também o “concerto” científico sobre questões constitucionais, nas quais não pode
haver interrupção e nas quais nem existe nem pode existir dirigente (HÄBERLE, 1997,
p. 36-37).
A partir da abertura da esfera pública, os ocupantes de cargos nos poderes constituídos
tem acesso a pontos de vistas variados. Com isto, podem atuar no controle em consonância com a
sociedade.
101
2.2.1.4 – Mutação normativa
As mutações normativas inserem-se na análise da hermenêutica jurídica da Constituição
e Leis infraconstitucionais por imprimirem “[...] alterações do sentido dos enunciados,
conservando intacta a sua roupagem verbal, [...]”.
A mutação especifica dos dispositivos Constitucionais vem do entrelaçamento entre a
linguagem polissêmica e indeterminada da Lei Fundamental, os fatos da sociedade complexa que
necessita da esfera pública para mediar a relação dos representados e dos representantes
(HABERMAS, 1992b). Mendes (2009), em consonância com Haberma (1992b), frisa que este
entrelaçamento deve ocorrer da interação dialética que resignifica as interpretações do legislador
constituinte, e traz a baila os casos que levam à mudança de entendimento sobre uma norma:
a) do impacto de valorações novas, ou de mutações imprevistas na hierarquia dos
valores dominantes;
b) da superveniência de fatos que venham modificar para mais ou para menos os dados
da incidência normativa;
c) da intercorrência de outras normas, que não revogam propriamente uma regra em
vigor, mas interferem no seu campo ou linha de interpretação; (REALE, 1982, apud
MENDES, 2009, p. 152).
Da leitura dos motivos que operam a mutação apura-se que sem a abertura para a
interpretação constitucional, a interpretação dos sentidos das normas se manteria rígida e
conflitaria com a complexidade social, advindo a necessidade de alterações no texto das leis. E se
pensar sobre a importância da legitimidade das leis, principalmente da Lei Fundamental,
indispensável é a adequação do sentido.
102
No Constitucionalismo Democrático, o sincretismo entre controle e constituição é o que
garante que as normas jurídicas contidas na Lei Fundamental se concretizem no mundo dos fatos.
É pelo direito de controle que deve haver a publicidade dos atos dos Poderes Constituídos.
Assim, nenhuma arbitrariedade ou mesmo uma interpretação do ordenamento jurídico fica livre
de embargos dos cidadãos.
No constitucionalismo democrático a atividade de controlar é autônoma e independente.
Trata-se de cuidado necessário para que o controle nas sociedades complexas não sofra
retaliações quando um grupo minoritário, politicamente, se posiciona na esfera pública. Função
que garantiu ao controle ser alçado à categoria de princípio, portanto, espécie de norma jurídica.
O que cria obrigatoriedade na promoção das formas de controle mais eficientes possíveis. E na
Era Informacional, a forma de controle via internet é, incomparavelmente, superior se feita via
internet.
Faz sentido, portanto, o esforço de KARL-ULRICH MEYN em tentar justificar o
controle como princípio constitucional, derivando-o de outros princípios fundamentais,
tais como o da soberania popular, o democrático, o da separação de poderes e o do
Estado de Direito [...]. Ser considerado princípio significa, antes de tudo, ser dotado de
força normativa, ser portador de uma dimensão de validade e obrigação de
aplicabilidade hábil a dirigir a ação política [...] (PEREIRA, 2010, p. 203).
Os princípios, enquanto normas jurídicas, também fundamentam o alargamento da
abertura para a interpretação constitucional aos cidadãos. Diante da importância para a
compreensão do ordenamento jurídico receberão atenção específica na Seção 2.3.
103
2.3 – Princípios Fundamentais como aporte ao princípio do controle
A sociedade brasileira, durante os trabalhos da Assembléia Nacional Constituinte, que
culminou promulgação, em 05 de outubro de 1988, da Constituição da República Federativa do
Brasil (CRFB), não deixou a definição dos valores a serem perseguidos pelo povo sob a
responsabilidade de uma equipe de especialistas de notório saber. Pelo contrário, lutou para que
ficassem dispostos na CRFB/88 os valores que devem ser a base da organização social brasileira
(CATTONI, 2006). Postura que por si só definia a democracia deliberativa como um valor a ser
alcançado. De se dizer que este modo de se praticar democracia foi positivado, dentre outros, no
artigo 18742
da CRFB/88, dispositivo que é indispensável para a redução das desigualdades
sociais no meio rural, e receberá atenção especial na presente seção e na seção 3.3.1 do capítulo
3.
Promover a aproximação entre os cidadãos do meio rural e os integrantes dos Poderes
Constituídos é indispensável para a legitimidade das Leis e Políticas Públicas, inclusive as de
inclusão digital rural. A participação nas deliberações e tomadas de decisões é central para o
objeto da redução das desigualdades sociais como realização da justiça para o alcance igualdade
artificial, em detrimento da igualdade perante a lei do mercado, alcançando-se a tão almejada
harmonia social.
Antes de se debruçar na análise da legislação e das políticas públicas de inclusão digital
rural para o fortalecimento da democracia, e consequente redução das desigualdades sociais no
42
Art. 187. A política agrícola será planejada e executada na forma da lei, com a participação efetiva do setor de
produção, envolvendo produtores e trabalhadores rurais, bem como dos setores de comercialização, de
armazenamento e de transportes, levando em conta, especialmente:
104
Brasil, conforme se verá no próximo capítulo, premente se faz um estudo focado na interpretação
das normas jurídicas da categoria princípios, dispositivos na CRFB/88. A finalidade é
demonstrar, cabalmente, a obrigatoriedade de se incluir o trabalhador rural no processo de
construção permanente dos sentidos dispostos na Carta Magna e, com isto, efetivar o objetivo
fundamental de reduzir as desigualdades sociais.
A verificação da efetividade da democracia constitucional disposta na CRFB/88,
promulgada em 05 de outubro de 1998, com o intuito de concretização de direitos, tarefa que é
uma “questão umbilicalmente ligada ao Estado Democrático de Direito” (STREK, 2006, p. 1),
deve ter por base sua interpretação por meio do entrelaçamento dos princípios fundamentais,
gerais e setoriais da Constituição (BARROSO, 2003a, 2003b). E é através destes princípios que
se pretende analisar a maneira de se exercer democracia tal qual disposta na CRFB/88,
precipuamente sob a ótica do princípio do Estado de Direito, do princípio democrático e do
princípio da supremacia da Constituição, considerando suas características comuns e específicas.
Quanto às características comuns dos princípios fundamentais em epígrafe ou
estruturantes, Canotilho (1993, p. 345) ensina “possuem, em geral, duas dimensões”, a saber:
dimensão constitutiva e dimensão declarativa. A primeira atribui a função de exprimirem,
constituírem “uma compreensão global da ordem constitucional” (CANOTILHO, 1993, p. 345),
trazendo a noção de organização harmônica da sociedade, conquistada por intermédio do direito.
Guarda relação com o Princípio da Unidade da Constituição43
. A segunda dimensão é
denominada declarativa uma vez que os princípios estruturantes podem ter natureza de
superconceitos quando na sua aplicação for pressuposta a soma de outros princípios
constitucionais, subordinados àqueles.
Os princípios estruturantes possuem outras características simétricas indispensáveis para
as intenções deste estudo. São princípios concretos, dispostos na Constituição a partir de um
contexto histórico próprio. Mais adiante se verá, por exemplo, que o princípio da participação
ativa do cidadão na construção permanente da sociedade, consagrado no caput no artigo 187 da
CRFB, é integrado ao princípio da democracia na sua dimensão declarativa. E é concreto, haja
vista que a procura pela abertura política consagrada na CRFB se desenvolveu em um contexto
de atuação de cidadãos e movimentos sociais na luta contra o regime militar, que não permitia a
43
O princípio da unidade da Constituição decorre da soberania do Estado, que admite apenas um ordenamento
jurídico vigorando no seu território. “O princípio da unidade é uma especificação da interpretação sistemática, e
impõe ao interprete o dever de harmonizar as tensões e contradições entre normas” (BARROSO, 2003a, p. 196).
105
liberdade de expressão, logo não permitia a participação e contestação política. Esta participação
ativa dos movimentos sociais ocorreu inclusive no interstício temporal dos trabalhos da
Assembléia Nacional Constituinte, contribuindo para a definição do texto final da CRFB
(CATONNI, 2006).
Os princípios estruturantes tem em comum, ainda, o fato de que “actuam
imbricadamente, completando-se, limitando-se e condicionando-se de forma recíproca”
(CANOTILHO, 1993, p. 347). Isto quer significar a busca de uma interpretação que harmonize a
ordem constitucional, e não a imposição de sacrifício unilateral de um princípio estruturante
frente aos demais.
Por fim, de se dizer que os princípios estruturantes, assim como os princípios a eles
subordinados, tem força normativa, ou seja, ordenam e vinculam toda ação dos Poderes
Constituídos, bem como as ações dos cidadãos nas relações com a administração pública e com
outros concidadãos. E todos os princípios constitucionais são espécies do gênero ‘norma jurídica’
da mesma maneira que as regras constitucionais (BORGES, 2004). Este sentido é acolhido pela
melhor doutrina. “A dogmática moderna avaliza o entendimento de que as normas em geral, e as
normas constitucionais em particular, enquadram-se em duas grandes categorias diversas:
princípios e regras” (BARROSO, 2003b, p. 291).
Vencidas as considerações gerais, passa-se à discussão específica dos princípios
fundamentais, também denominados de estruturantes (CANOTILHO, 1993). O primeiro a ser
tratado é o Princípio do Estado de Direito e outros correlatos. Na seqüência se discorrerá sobre os
Princípios da democracia e o Princípio da Supremacia da Constituição. Cumpre frisar que não
estão dispostos somente nos art. 1° ao 11 da CRFB, já que se fazem presentes em outros
dispositivos, como no caso do artigo ora em análise.
O Princípio do Estado de Direito orienta a sociedade desde a Grécia Antiga. Surgiu com
o propósito de limitação dos poderes do Estado frente os cidadãos. Segundo Canotilho (1993, p.
350) “na filosofia grega a conjugação das idéias de dike (processo), themis (direito) e nomos (lei)
apontava já para a limitação racional dos poderes do Estado”. Alguns autores entendem que, “no
plano teórico, o Estado de Direito emerge como uma construção própria à segunda metade do
século XIX” (STREK, 2003, p. 86).
Claro que na Grécia Antiga não havia a noção de garantia de direitos individuais contra
abusos do Estado, que começou a se desenhar com o Imperador Constantino, recolhida no
106
Código Justiniano (SIDOU, 1998), mas veio a ser adquirida, principalmente, durante a idade
média desde as Cartas de Franquias Medievais do século 800 (NETO, 1979), passando pelo
Fuero de Leon (1188). “Quando os aragoneses elegeram rei, deram-lhe já as leis sob as quais
havia de governar” (LA RIPA, 1772 apud SIDOU, 1998, p. 66). Neste sentido contribuíram
“alguns documentos da história política inglesa, quais sejam, a “Carta Magna” (1215), a “Petition
of Rights” (1627), o “Habeas Corpus Act” (1679), o “Bill of Rights” (1688) e o “Act of
Settlement” (1701)” (NETO, 1979). Todos são documentos de definição de direitos contra abusos
do Poder por parte dos monarcas e que culminaram com as Revoluções Liberais.
Na atualidade, a ratio essendi do princípio do Estado de Direito é constituída por dois
pressupostos, sendo um formado por um elemento formal e um elemento material. Do primeiro
advém o princípio da legalidade, que impõe ao Estado atuar em conformidade com a lei. O
segundo elemento é cunhado, principalmente, dentro de um conceito político, por conta da “idéia
de realização de justiça” (CANOTILHO, 1993, p. 352). O viés filosófico Kantiano introduziu o
conceito de universalidade do direito. Kant (2003) entendia que uma vez que a lei seja universal,
inconcebível a criação de uma lei que privilegiasse um grupo de cidadãos em detrimento de outro
grupo, pois todos os efeitos da lei, independentes de restringirem ou ampliarem direitos,
recairiam sobre todos.
No início da reflexão sobre o método de interpretação da Constituição, mencionou-se
que Canotilho (1993) ensina que para se verificar a efetivação dos princípios fundamentais, aos
quais denomina de princípios estruturantes, deve-se ter o cuidado de apurar a incidência dos
princípios constitucionais gerais ou princípios-garantia, como concretizadores daqueles princípios
na dimensão declarativa.
O princípio da legalidade administrativa está na categoria dos princípios constitucionais
gerais (BARROSO, 2003a), sendo sua análise indispensável para o objetivo deste artigo.
Canotilho (1993) denominando esta categoria como princípios-garantia, ensinou que são
concretizadores do Princípio do Estado de Direito, considerada a dimensão declarativa deste.
Portanto, se o Brasil pretende ser um Estado de Direito Democrático na sua essência, mister que
realize os anseios sociais, nos termos dispostos na CRFB. E no presente caso, os Poderes
Constituídos não podem impedir o trabalhador rural de participar da construção e realização das
políticas públicas direcionadas ao campo. Ademais, tem o compromisso de possibilitar o amplo
acesso a diversas fontes de informação e fomentar a participação ativa do trabalhador rural nas
107
deliberações, devendo considerar seu posicionamento nos projetos de lei a serem submetidos ao
processo legislativo institucionalizado.
Outro ponto que merece destaque são as dimensões fundamentais do Princípio do
Estado de Direito. Canotilho (1993) apresenta três pressupostos materiais subtendidos para sua
efetivação, a saber: juridicidade, Constitucionalidade e direitos fundamentais. O primeiro
pressuposto é de viés procedimental, formal.
O direito compreende-se como um meio de ordenação racional e vinculativa de uma
comunidade organizada, e para cumprir esta função ordenadora, o direito estabelece
medidas ou regras, prescreve formas e procedimentos e cria instituições
(CANOTILHO, 1993, p. 358, grifo do autor).
Nos dizeres de Strek (2003, p. 86), “a atuação estatal é jurídica, produzindo-se através
de regras de direito”. É a submissão dos ocupantes de cargos dos Poderes Constituídos ao
ordenamento jurídico, a fim de se impedir toda e qualquer arbitrariedade do Estado contra os
cidadãos.
Todavia, o Estado de direito democrático vai além do aspecto meramente formal. Nele
há um plus que visa politizar os cidadãos. O aspecto material inserido neste regime de governo
procura superar o aspecto despolitizante do Estado de direito Liberal e do Estado de direito
social.
O Estado de direito Liberal despolitizava o cidadão por induzi-lo a deixar todas as
questões públicas para os representantes decidirem. Assim, poderiam se preocupar somente com
as questões relacionadas à vida privada. O Estado de direito social fez a sociedade permanecer
alienada às questões públicas, quando transferiu ao Chefe do Poder Executivo a responsabilidade
de propiciar uma vida com dignidade aos cidadãos, para que atenuasse o aprofundamento da
desigualdade no Estado de direito Liberal (HABERMAS, 1992a).
O Estado democrático de direito tenta mudar o quadro de apatia política dos cidadãos.
Segundo Strek (2003, p. 93, grifo do autor),
O Estado de direito democrático tem um conteúdo transformador da realidade, não
restringindo, como o Estado Social de Direito, a uma adaptação melhorada das
condições sociais de existência. Assim, o conteúdo ultrapassa o aspecto material de
concretização de uma vida digna ao homem e passa a agir simbolicamente como
fomentador da participação pública.
108
A sociedade se reestruturou; cobra-se do cidadão postura ativa com o que está por vir,
ao invés de se prender aos valores de certeza e segurança jurídica, até então vigentes. E pensar o
futuro passa a ser um compromisso de todos os membros iguais e livremente associados de uma
comunidade jurídica, na construção permanente da sociedade (HABERMAS, 1992a, 1992b). E
no meio rural, não pode ser diferente.
O pressuposto da constitucionalidade vincula os Poderes Públicos aos dispositivos da
CRFB, graças ao princípio da supremacia da Constituição. Impõe-se, na lição de Canotilho
(1993), não apenas uma limitação a atos praticados, mas o dever de afastar o descumprimento da
CRFB por omissão. Este pressuposto será aprofundado quando se tratar, especificamente, do
princípio da supremacia da Constituição. Se este pressuposto for desrespeitado, o cidadão pode
agir argumentativamente através do Mandado de Injunção.
No que concerne ao terceiro pressuposto, direitos fundamentais, Canotilho (1993) o
vincula a razões antropológicas, fundamentando seus dizeres na Constituição portuguesa,
precisamente nos artigos 1° e 2°. E ao analisar a CRFB, depara-se com estrutura equivalente,
tendo em vista que contém disposições que definem a Soberania e a dignidade da pessoa humana
como princípios fundamentais (incisos I e III, art. 1° CRFB), e as garantia dos direitos
fundamentais44
. Apura-se ser impossível possibilitar a Soberania e a Dignidade da pessoa humana
sem assegurar a participação dos diretamente afetados nas deliberações referentes às questões
agrárias. Só o exercício da cidadania possibilita que a tomada de decisões ocorra levando em
consideração a situação fática de todos envolvidos com as atividades agrárias.
No estudo em questão, atuar em conformidade com o Princípio do Estado de Direito
significa que o Estado é compelido a proporcionar condições reais para a participação política do
homem do campo, no planejamento e execução das Políticas públicas destinadas ao campo,
inclusive a inclusão digital rural e da Reforma Agrária, protegendo-se, assim, a forma de
manifestação da sociedade e a liberdade dos cidadãos como finalidade deste princípio
(CANOTILHO, 1993). Bercovici (2005, p. 78/79), compreende que,
[...] na construção do espaço público, o Estado pode não ser a única esfera, o único
representante da esfera pública, mas eu ainda acredito na centralidade do Estado na
esfera pública. É aqui que eu falo da construção do público, para implementar o que está
na Constituição. Podemos jogar o que quisermos na Constituição, se não tivermos um
Estado forte, no sentido republica, para implementar essa Constituição, para poder
garantir os direitos, para implementar as políticas públicas, de nada adianta.
44
Ver artigo 5° da Constituição da República Federativa do Brasil, promulgada em 05 de outubro de 1998.
109
Um Estado de direito que se limita, estritamente, a garantir que o Poder Público não atue
com arbitrariedade contra os cidadãos, é um Estado que preserva a ordem hegemônica dos grupos
dominantes, estabelecido sob elevado custo democrático, como se apurou no século XIX
(CANOTILHO, 1993).
Portanto, na interpretação da ordem vigente, imperioso que se considere a característica
comum, acima mencionada, que impõe a importância dos princípios estruturantes se
complementarem. E na apuração do sentido do artigo 187 da CRFB este exercício tem que ser
realizado. Até mesmo por que, no §2° do caput deste artigo, o comando legal a ser cumprido pelo
Poder Público compeliu-o a abrir o planejamento e a execução da reforma agrária aos autores
sociais elencados no caput, no mínimo. Configurando, assim, a prática de uma democracia
deliberativa, já que se refere ao princípio participativo, um dos princípios concretizadores do
princípio democrático, visto a partir da dimensão declarativa, quando, expressamente, dispõe que:
“Artigo 187. A política agrícola será planejada e executada na forma da lei, com a
participação efetiva do setor de produção, envolvendo produtores e trabalhadores
rurais...” (grifo nosso).
...
§2° Serão compatibilizadas as ações de política agrícola e de reforma agrária.
É a atividade de articular os princípios estruturantes. Segundo Canotilho (1993, p. 460)
[...] o princípio democrático e o princípio de Estado de direito contribuem ambos para a
conformação e racionalização da vida da comunidade e são ambos instrumentos contra
o abuso de poder. O princípio democrático acentuará talvez o momento dinâmico e
conformador; o princípio do Estado de direito colocará a tônica no momento de
permanência e defesa.
Quanto ao Princípio Democrático, de se dizer que os valores que o define, bem como os
princípios subalternos que contribuem para sua efetivação, reforçam o encargo do Legislativo e
do Executivo de incitarem a real participação da população rural nas deliberações e execução
reforma agrária, senão veja-se abaixo.
Em diversos dispositivos da CRFB há a consagração do princípio democrático, tais
como no caput e no PÚ do artigo 1° ou nos incisos IV, IX, XVI e XVII do artigo 5° e no caput do
artigo 187 (BRASIL, 2011), onde é nítida a necessidade de ação humana fulcrada no discurso
para a concretização da democracia numa sociedade pluralista. Para Arendt (2007, p. 11)
“Sempre que a relevância do discurso entre em jogo, a questão torna-se pública por definição,
110
pois é o discurso que faz o homem um ser político”. Memoráveis são as palavras de Kant (2003,
p. 77) ao discorrer sobre o princípio universal do direito:
Se, então, minha ação ou minha condição pode geralmente coexistir com a liberdade de
todos de acordo com uma lei universal, todo aquele que obstaculizar minha ação ou
minha condição me produz injustiça, pois este obstáculo (resistência) não pode coexistir
com a liberdade de acordo com uma lei universal.
Da simples leitura do artigo 187, caput e §2° da CRFB (BRASIL, 2011), percebe-se que
a democracia deliberativa deve ser praticada na sua essência. A interpretação, mesmo que seja
meramente literal, corrobora com o entendimento em voga. Ao dispor acerca da necessidade de
se promover a participação política ativa quando da definição da reforma agrária pretendida para
a sociedade brasileira, é incontestável que é preciso estar atento ao princípio democrático no seu
planejamento e execução, e não limitar a participação ao direito de voto da democracia
representativa, criação do Estado Liberal de democracia duvidosa, consoante descrito por
Canotilho (1993, p. 402):
Não obstante a tendencial antidemocraticidade do liberalismo e do parlamentarismo
liberal, a teoria do governo e da democracia representativa acabou por impor-se quando,
nos fins de séc. XIX e começo do séc. XX, o sufrágio passou a ser praticamente
universal.
O Princípio Democrático tal como é concebido neste artigo, ou seja, que privilegia a
participação ativa dos cidadãos enquanto membros iguais e livremente associados para a
construção permanente da sociedade, é fruto do pensamento das modernas teorias democráticas.
Uma teoria moderna de peso é a democrático-pluralista. Canotilho (1993) a define como
uma teoria ao mesmo tempo empírica e normativa. É empírica na medida em que se legitima sua
produção na realidade social, captada através do discurso de grupos que tem relação com o objeto
do debate e, no caso, é captar os anseios do homem do campo quanto à reforma agrária. É
normativa por pressupor uma idéia de construção permanente da sociedade, faceta também
reverenciada no § 2° do artigo 5° da CRFB.
Com essa dimensão normativa, compreende-se que o pluralismo – sobretudo o
pluralismo de expressão e o pluralismo de expressão e organização política – seja não
apenas uma dimensão do princípio democrático mas também um elemento constitutivo
da ordem constitucional (CANOTILHO, 1993, p. 405).
111
Outra teoria moderna de democracia, considerada crítica da teoria pluralista, é a teoria
da democracia participativa consagrada na CRFB, cuja meta é a autodeterminação que livra o
homem do julgo do homem, sendo “alternativa para o impasse do sistema representativo”
(CANOTILHO, 1993, p. 409), e caracteriza o princípio democrático como um “princípio de
organização da titularidade e exercício do poder” (CANOTILHO, 1993, p. 418). E a
autodeterminação somente é alcançada com a participação política dos cidadãos de uma maneira
geral, e não apenas com o engajamento político de uma minoria elitizada45
. “A vitalidade da
democracia não assenta na <<circulação das elites>>, mas numa <<activa publicidade>>
(Dahrendorf), traduzida na participação permanente, aberta e variada do povo na resolução dos
problemas nacionais” (CANOTILHO, 1993, p. 406).
Importante salientar que o princípio participativo disposto no artigo em epígrafe limita a
democracia representativa, tendo em vista que mitiga a liberdade absoluta dos representantes
eleitos quanto ao exercício do poder de planejamento e execução da reforma agrária. Ou seja, não
cabe aos poderes Executivo e Legislativo da União, enquanto poderes constituídos, estipularem
quem serão os envolvidos nas atividades elencadas ou mesmo simplesmente se omitirem em
fomentar a participação ativa do trabalhador rural, já que o poder constituinte que promulgou a
CRFB dispôs, expressamente, no artigo em questão, quem são os titulares.
Analisando a dimensão declarativa do princípio da democracia, o princípio da
participação ativa do cidadão na construção da sociedade, concretizador do princípio
democrático, se construiu ainda no regime militar, com a atuação de cidadãos que lutavam contra
a ordem opressora até então vigente, que não permitia a liberdade de expressão, logo não permitia
a participação e contestação política. Construção que não cessou durante os trabalhos da
Assembléia Nacional Constituinte e foi muito importante para que a definição do texto da CRFB
não ficasse ao alvedrio dos ‘notáveis’ (CATTONI, 2006).
Cumpre Ressaltar que a participação política voltada para a Reforma Agrária percorreu
quase todo o século passado, com contribuição significativa do Partido Comunista Brasileiro
(PCB), que usou o jornal impresso conhecido como Imprensa Comunista, a Tecnologia de
Informação e Comunicação da época, para mobilizar o trabalhador rural. E, sem entrar no mérito
da proposta do PCB, e apesar de todas as limitações para editar e circular o jornal impresso, bem
como transmitir as informações, em certa medida a Imprensa Comunista foi instrumento hábil
45
Outra teoria moderna da democracia é a teoria elitista da democracia (CANOTILHO, 1993).
112
para reunir o homem do campo e tirá-lo do isolamento que impede a ação pelo discurso
(MEDEIROS, 1998). Mais, criou- se uma identidade entre os cidadãos do meio rural e fortaleceu
o capital social do homem do campo.
Antes de dar prosseguimento à análise do princípio democrático e os princípios que lhes
são subalternos, indispensável algumas considerações. No entendimento de Arendt (2007), a
condição humana é formada por três atividades humanas fundamentais, a saber: labor, trabalho e
ação, tendo esta tem vínculo direto com as questões que permeiam o artigo 187 da CRFB, já que
só se realiza no discurso.
De qualquer modo, desacompanhada do discurso, a ação perderia não só o seu caráter
revelador como, e pelo mesmo motivo, o seu sujeito, por assim dizer: em lugar dos
homens que agem teríamos robôs mecânicos a realizar as coisas que seriam
humanamente incompreensíveis. Sem o discurso, a ação deixaria de ser ação, pois não
haveria ator; e o ator, o agente do ato, só é possível se for, ao mesmo tempo, o autor das
palavras. (ARENDT, 2007, p. 191).
A ação “corresponde à condição humana da pluralidade, ao fato de que homens, e não o
homem, vivem na Terra e habitam o mundo” (ARENDT, 2007, p. 15). Arendt (2007) ensina,
ainda, que a pluralidade decorre do fato de que todos os humanos são diferentes; que das
atividades elencadas, a ação é a única exclusivamente humana por ser imprescindível a presença
de outros cidadãos no discurso. Retirar do homem do campo o direito de participar do
planejamento da reforma agrária é alijá-lo da própria condição humana. Destarte, o princípio
participativo é essencial para a realização da condição humana.
A participação política contribui, portanto, para temperar a democracia representativa
brasileira, mantenedora da ordem opressora que inviabiliza, dentre outros, qualquer tentativa de
distribuição de terras, mediante a força política da bancada ruralista, notadamente, representante
dos grandes proprietários de terras. Bonavides (2003, p. 25), discorrendo a respeito da
democracia participativa, ensina esta maneira de se praticar democracia:
É, aliás, o único modelo capaz de por cobro ao ludíbrio do poder popular, sempre
objeto das alienações e descumprimento de sua vontade por outra vontade que,
ocupando e dominando as casas representativas, posto que derivadas daquela,
invariavelmente o tem negado, destroçado ou atraiçoado.
Assim, o déficit da democracia representativa, presente na falta de representatividade
universal da população do campo quando da tomada de decisões é, em tese, superado.
113
O princípio democrático para ser satisfeito, tal como disposto na CRFB, tem de
enfrentar o problema de democratização da sociedade. Tarefa que terá sucesso se as práticas
sociais pretenderem dar vida ao princípio da participação. Com sabedoria singular Canotilho
(1993, p. 426, grifo do autor) expõe que “democratizar a democracia através da participação
significa, em termos gerais, intensificar a optimização da participação dos homens no processo
de decisão”. Á obviedade esta participação deve ser ativa, e não pro forma.
Finalmente, analisando o tema em voga com amparo princípio da supremacia da
Constituição, ratificadas estão todas as anteriores alegações referentes à obrigação de se investir
em uma esfera pública aberta e acolhedora dos cidadãos do meio rural, com vistas a reduzir as
desigualdades sociais.
Barroso (2003a, p. 161), ao discorrer acerca do Princípio da supremacia da Constituição,
preleciona que,
Toda interpretação constitucional se assenta no pressuposto da supremacia jurídica da
Constituição sobre os demais atos normativos no âmbito do Estado. Por força da
supremacia constitucional, nenhum ato jurídico, nenhuma manifestação de vontade pode
subsistir validamente se for incompatível com a lei Fundamental.
A supremacia da constituição decorre da teoria do poder constituinte e do poder
constituído, formulada por Sieyès (2001). O poder constituinte é proveniente do povo, logo,
ilimitado. Não deve obediência a ordem jurídica anterior. O poder constituído é regulado pelo
direito positivo. “Assim, o corpo de representantes, a que está confiado o poder legislativo ou o
exercício da vontade comum, só existe na forma que a nação lhe quis dar” (SIEYÈS, 2003, p.
48). E, repita-se, a sociedade brasileira definiu a ação dos ocupantes do Legislativo e Executivo
no planejamento e execução das Políticas Públicas para as áreas rurais e reforma agrária, atrelada
à participação dos diretamente afetados, consoante caput e §2° do art. 187 da CRFB.
No plano dogmático e positivo, a constitucionalidade, ou princípio da supremacia da
Constituição, procede da superlegalidade material e formal. Aquela condiciona a criação do
direito à norma jurídica. Esta “identifica a Constituição como a fonte primária da produção
normativa, ditando competências e procedimentos para a elaboração dos atos normativos
inferiores” (BARROSO, 2003a, p. 164). Inclusive, o princípio da supremacia da constituição “do
ponto de vista lógico e cronológico, é o primeiro princípio a ser levado em conta no processo
intelectivo da interpretação constitucional” (BARROSO, 2003a, p. 174). Logo, a superlegalidade
material e formal do artigo 187 é fundamento para compelir o Estado a fomentar a prática
114
democrática na definição da reforma agrária, inclusive das políticas públicas de inclusão digital
rural. E a inclusão digital rural é política pública que muda exponencialmente a esfera pública, o
local onde o cidadão se aproxima dos Poderes Constituídos. Portanto, não pode ser negligenciada
ou realizada apenas pró-forma.
Cabe ao Poder Judiciário o dever de interpretar o ordenamento jurídico e proteger os
cidadãos da implementação de determinado dispositivo constitucional, quando incompatível com
a CRFB. E como o Judiciário atua mediante provocação dos cidadãos, a participação dos
cidadãos na concretização dos princípios Constitucionais é indissociável. Esclarece BARROSO
(2003a, p. 167) que,
A supremacia da Constituição e a missão atribuída ao Judiciário na sua defesa têm um
papel de destaque no sistema geral de freios e contrapesos concebido pelo
constitucionalismo moderno como forma de conter o poder. É que, através da
conjugação desses dois mecanismos, retira-se do jogo político do dia-a-dia e, pois, das
eventuais maiorias eleitorais, valores e direitos que ficam protegidos pela rigidez
constitucional e pelas limitações materiais ao poder de reforma da Constituição.
Logo, com base na supremacia da Constituição, a regulação e execução do artigo 187 da
CRFB, sem a participação efetiva dos trabalhadores rurais, pode ser combatida pelos
trabalhadores rurais, que tem direito subjetivo de provocar da prestação jurisdicional do Estado
com o escopo de se exigir a eficácia do dispositivo em voga46
. Para Barroso (2003b, p. 320), o
objetivo da eficácia dos princípios é “reconhecer àquele que seria o beneficiado da norma, ou
simplesmente àquele que deveria ser atingido pela realização de seus efeitos, direito subjetivo a
esses efeitos, de modo que seja possível obter a tutela específica da situação contemplada no
texto legal”.
Os princípios fundamentais, gerais ou setoriais, se analisados do ponto de vista de sua
finalidade, desempenham um papel prático em três momentos distintos (BARROSO, 2003a). O
primeiro é durante a constituinte, que terá poderes ilimitados se pensados em vista da relação
com a ordem anterior, como ocorreu com a derrubada do Antigo Regime pela Revolução
Francesa (SIEYÈS, 2001). E terá poderes limitados, se pensados considerando a relação com os
valores que dão sustentação à ordem jurídica que se pretende promulgar (LASSALE, 2009). Com
isto, inspiram a organização do Estado no decorrer da Constituinte. “Eles fincam os alicerces e
46
Sobre controle de constitucionalidade, ler:
MENDES, Gilmar Ferreira. Curso de Direito Constitucional / Gilmar Ferreira Mendes, Inocêncio Mártires Coelho,
Paulo Gustavo Gonet Branco. 4ª Ed rev. atual. – São Paulo: Saraiva, 2009.
115
traçam as linhas mestras das instituições, dando-lhes impulso vital inicial” (BARROSO, 2003a,
p. 156).
O segundo é quando há necessidade interpretar harmonicamente a ordem vigente se
houver conflito aparente entre normas jurídicas. Já no terceiro momento, condiciona a atuação
dos poderes constituídos enquanto dimensão operativa (BARROSO, 2003b).
Canotilho (2005, p. 21), exprimindo-se acerca das teorias procedimentalistas e
substancialistas da Constituição, apresenta a possibilidade de um princípio conter as
características peculiares a ambas as teorias. Exemplifica com o princípio da dignidade da pessoa
humana, ao fundamento de que,
[...] como limite ao próprio poder, deve estar na Constituição”...“porque implica
também uma proibição da transformação do sujeito (que é uma pessoa) em objeto” [...]
“porque ela própria é um índice de que vivemos em comunidades inclusivas.
E conclui dizendo que “Este é, pois, um problema procedimental, mas é também um
problema material” (CANOTILHO, 2005, p. 21).
Observando-se pormenorizadamente o objetivo fundamental de reduzir as desigualdades
sociais, bem como os princípios fundamentais consagrados no caput do artigo 187 da CRFB
quanto ao papel prático que desempenham, percebe-se que assim como o princípio da dignidade
da pessoa humana, tem características do procedimentalismo habermasiano, bem como da uma
Constituição substancialista, no sentido Bonavidesiano.
Parafraseando a citação acima, de Canotilho (2005, p. 21), de se dizer que o objetivo
fundamental de reduzir as desigualdades sociais e o princípio da participação funcionam como
limite à função legislativa na democracia representativa. Logo deve estar na Constituição. É uma
proibição da transformação do sujeito em súdito (BONAVIDES, 2003). E, por fim, indica que a
sociedade brasileira almeja uma sociedade inclusiva. O estudo supra, das características comuns
dos princípios, é fundamento para a apuração do caráter procedimentalistas e substancialista do
princípio participativo disposto no artigo 187 caput e §2° da CRFB.
Considerando que no Capítulo 1 foram abordadas as consequências da Revolução
Informacional na reconfiguração da esfera pública.
Considerando, ainda, a interpretação dos dispositivos Constitucionais à luz dos
princípios que consagram a democracia deliberativa, por demonstrarem ser imperiosa a inclusão
da população do campo nas deliberações afetas à reforma agrária e redução das desigualdades
sociais.
116
O Capítulo 3 será dedicado à análise das Políticas Públicas de Inclusão Digital Rural do
Governo Federal. Para tal será analisado se as referidas Políticas Públicas tem ou deveriam ter o
condão de proporcionar paridade de acesso entre os cidadãos do meio rural e urbano, bem como
de entendimento acerca da educação para a utilização das novas TIC.
O objetivo é analisar se da maneira que estão sendo disponibilizadas, estas ferramentas
serão suporte democratizante por ampliar a esfera pública e abrir espaço para a multiplicidade de
vozes. Situação que proporciona aos cidadãos preteridos na democracia representativa,
influenciar nas deliberações e tomadas de decisões, para a efetivação da redução das
desigualdades sociais. Ou se serão mais um meio dos mais afortunados se imporem e
manipularem aqueles que dependem das políticas públicas para se desenvolverem.
117
CAPÍTULO 3: O Programa Nacional de Banda Larga
O significado da difusão da internet no mundo contemporâneo capitalista ficou
sobejamente demonstrado nos capítulos anteriores. Permanecer fora da Era Informacional é estar
em posição de inferioridade no mundo globalizado e impossibilitado de contribuir para
construção contínua da sociedade.
Diante desta realidade, ao investigar a questão do acesso à rede no Brasil, pesquisas
concluem que as políticas públicas de inclusão digital das duas últimas décadas tem sido
planejadas e executadas, lentamente (INSTITUTO BRASILEIRO DE DEFESA DO
CONSUMIDOR, 2011). Segundo Medeiros (2010), “[...] os números de acesso à internet no
Brasil ainda são preocupantes, pois praticamente metade da população nunca navegou pela rede.”
A situação é ainda mais grave quando se trata da inclusão digital no meio rural. Realidade que
amplia a desigualdade social. As oportunidades de interação através da rede permanecem restritas
aos cidadãos que residem nos grandes centros, e as conexões mais rápidas concentradas nas
classes mais afortunadas.
Pesquisa domiciliar realizada em 2010 apurou que entre 2009 e 2010 a difusão da
internet na área rural foi menor que entre 2008 e 2009 (CENTRO DE ESTUDOS SOBRE AS
TECNOLOGIAS DA INFORMAÇÃO E DA COMUNICAÇÃO, 2010, p. 15) e que um dos
entraves é o alto custo e a incapacidade para usar as novas TIC.
A política pública de inclusão digital em voga na atualidade, inclusive rural, foi batizada
de Programa Nacional de Banda Larga – PNBL, e instituído pelo Decreto 7.175/2010 ainda no
Governo Lula.
Cumpre ressaltar que as políticas públicas de inclusão digital do Governo Dilma,
inclusive rural, não desconsideraram a estrutura da Administração Pública do Governo Lula.
118
Mantiveram-se em vigência os Decretos que instituíram Comitês e Programas desta seara em
âmbito Federal. Todavia, os projetos também foram acolhidos, mas com alterações. A principal
delas ocorreu com a criação do Decreto 7.512, de 30 de junho de 2011 a ser abordado na seção
3.3.1
Ante ao fato do PNBL não ser a primeira medida no sentido difundir o acesso e a
capacidade de utilização das novas TIC, a seção seguinte se dedicará ao uma breve exposição das
políticas públicas que o antecederam.
3.1 Políticas Públicas de inclusão digital antecedentes
Até meados da década de 90 do século passado, a Embratel detinha o monopólio do
provimento de acesso à internet. Fernado Henrique Cardoso - FHC, até então Presidente da
República privatizou o sistema de comunicação nacional, possibilitando que novos provedores
entrassem na competição. Todavia, sem êxito quanto a uma saudável concorrência, tendo em
vista que a infra estrutura do Brasil não suportava uma expansão sem altos investimentos,
limitando a concorrência aos grandes grupos econômicos (MEDEIROS, 2010).
O Governo Fernando Henrique Cardoso – FHC, adotou uma política liberal no que
concerne à Políticas Públicas de difusão de acesso. Suas ações focaram o governo eletrônico,
disponibilizando serviços a quem tivesse condições de ter acesso e educação com recursos
próprios para utilizar as novas TIC. Não havia uma ação voltada para a universalização do acesso
e orientação de uso, via políticas públicas (MEDEIROS, 2010).
A pesquisa do Centro de Estudos sobre as Tecnologias da Informação e da
Comunicação – CETIC apontou que o valor da conexão era dos mais elevados do mundo.
Situação que ainda persiste, já que o alto custo é apontado como uma das barreiras para os
cidadãos do meio rural, além da falta habilidade com o computador e de local para acessar, dentre
outros (CENTRO DE ESTUDOS SOBRE AS TECNOLOGIAS DA INFORMAÇÃO E DA
COMUNICAÇÃO, 2010). A insatisfação com o serviço também foi detectada pelo Instituto
Brasileiro de Defesa do Consumidor (2010) e assim descrita:
O Idec considera a banda larga um serviço essencial ao cidadão, por isso luta por sua
universalização. Porém, uma pesquisa realizada pelo Instituto constata que ela é lenta,
119
cara e restrita a uma minoria. Preços altos e um serviço insatisfatório marcam a banda
larga no País (INSTITUTO BRASILEIRO DE DEFESA DO CONSUMIDOR, 2011).
Decorrido o Governo FHC47
, inicia-se o Governo Lula, perdurando por dois Mandatos
(2003 a 2010). A grande diferença das política públicas de inclusão digital entre FHC e Lula foi
que o segundo trabalhou com o objetivo de facilitar o acesso aos cidadaos de baixa renda.
Todavia, segundo Medeiros (2010), foram preservados, com alterações, três dos programas da era
FHC, a saber: Governo Eletrônico – Serviço de atendimento ao cidadão (Gesac)48
; Programa
Nacional de Tecnologia Educacional (Proinfo)49
e o Serviço Federal de processamento de Dados
(Serpro Cidadão)50
.
A primeira medida do Governo Lula para organizar a Admistração Pública, visando a
implementação e execução das políticas públicas de inclusão digital, foi a promulgação do
Decreto nº 4.829, de 03 de setembro de 2003, que criou o Comitê Gestor da Internet – CGI.Br,
com atribuições definidas nos incisos do artigo 1°51
.
47
Para maiores detalhes sobre as políticas públicas de inclusão digital do Governo FHC, ver Medeiros (2010). 48
Visa a interação, via Web, entre Poder Executivo e cidadãos através de informações e possibilidade de contato
direto (MEDEIROS, 2010). Informações acerca do Gesac estão disponíveis mediante consulta também em
http://www.gesac.gov.br/ . Acesso em 20 de outubro de 2011.
49 Visava instalar um laboratório de informática em cada escola urbana até fim de 2010. Para as escolas rurais
visava conectar 40% das escolas no mesmo prazo (MEDIROS, 2010). Considerando que os sites do Governo federal
divulgam somente o que foi feito e deu certo, parece as metas não foram alcançadas, já que os sites do Governo nada
dizem. 50
Tem a finalidade de prestar informações e serviços disponibilizados pela internet, e está vinculado ao Ministério da
fazenda (MEDEIROS, 2010). 51
Art. 1o Fica criado o Comitê Gestor da Internet no Brasil - CGIbr, que terá as seguintes atribuições:
I - estabelecer diretrizes estratégicas relacionadas ao uso e desenvolvimento da Internet no Brasil; II - estabelecer diretrizes para a organização das relações entre o Governo e a sociedade, na execução do registro de
Nomes de Domínio, na alocação de Endereço IP (Internet Protocol) e na administração pertinente ao Domínio de
Primeiro Nível (ccTLD - country code Top Level Domain), ".br", no interesse do desenvolvimento da Internet no
País; III - propor programas de pesquisa e desenvolvimento relacionados à Internet, que permitam a manutenção do nível
de qualidade técnica e inovação no uso, bem como estimular a sua disseminação em todo o território nacional,
buscando oportunidades constantes de agregação de valor aos bens e serviços a ela vinculados; IV - promover estudos e recomendar procedimentos, normas e padrões técnicos e operacionais, para a segurança das
redes e serviços de Internet, bem assim para a sua crescente e adequada utilização pela sociedade; V - articular as ações relativas à proposição de normas e procedimentos relativos à regulamentação das atividades
inerentes à Internet; VI - ser representado nos fóruns técnicos nacionais e internacionais relativos à Internet; VII - adotar os procedimentos administrativos e operacionais necessários para que a gestão da Internet no Brasil se
dê segundo os padrões internacionais aceitos pelos órgãos de cúpula da Internet, podendo, para tanto, celebrar
acordo, convênio, ajuste ou instrumento congênere; VIII - deliberar sobre quaisquer questões a ele encaminhadas, relativamente aos serviços de Internet no País; e IX - aprovar o seu regimento interno.
120
Na composição do CGI.Br consta a sociedade civil de maneira ampla. Todavia, não há
referência específica ao trabalhador rural, o que, por si só, pode comprometer a multiplicidade de
vozes no planejamento e execução das Políticas Públicas de inclusão digital rural. Não consta,
ainda, o Ministério do Desenvolvimento Agrário e o Ministério da Agricultura, Pecuária, e
Abastecimento52
, presentes apenas no Comitê do Território da Cidadania, Programa que será à
frente abordado.
Somente em 2005 o CGI-Br, através do Cetic iniciou pesquisa anual para apurar como
estava o acesso à rede no Brasil. A disparidade entre o acesso urbano e rural é um dos resultados
da pesquisa (MEDEIROS, 2010, CETIC 2010).
O Ministério da Ciência Tecnologia e Inovação – MCTI foi incumbido do planejamento
e execução de projetos de relevância para a inclusão digital. Uma das preocupações era a
diminuição dos custos de acesso, o que fomentou o investimento na pesquisa e desenvolvimento
de um software livre. Surge assim, o SOFTEX, um programa para a promoção da excelência do
software brasileiro
(ASSOCIAÇÃO PARA A PROMOÇÃO DA EXCELÊNCIA DO
SOFTWARE BRASILEIRO, 2011).
O SOFTEX criou, dentre outros, o Programa para o Desenvolvimento na Indústria
Nacional de Software e Serviços de Tecnologia da Informação – Prosoft, que conta com três
subprojetos, a saber, Prosoft-Empresa, Prosoft-Exportação e Prosoft-Comercialização53
. O
prosoft perdura, simultaneamente ao PNBL, e tem previsão até 31 de julho de 2012.
Ainda na seara do MCTI, há o Comitê da Área da Tecnologia da Informação - CATI54
.
Ressalta-se que não há instituição do Estado de Goiás credenciada junto ao CATI para receber
incentivos previstos em lei para empresas que investem no desenvolvimento das Tecnologias da
Informação – TI.
52
Ver artigo 2° do Decreto 4.829/2003. Disponível em
<http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto/2003/d4829.htm > . Acesso dia 12 de março de 2011.
53
“a) Prosoft-Empresa - financiamento para investimentos e planos de negócios de empresas nacionais produtoras
de software e serviços correlatos, ao custo da variação da TJLP mais 1%, ou de 1,5% a 2% anuais;
b) Prosoft-Exportação - financiamento à exportação de softwares e serviços correlatos desenvolvidos no país, por
meio de operações de pré-embarque e pós-embarque, com encargos definidos pela TJLP ou LIBOR (taxa de juros do
mercado de Londres);
c) Prosoft-Comercialização - financiamento para aquisição, no mercado interno, de softwares e serviços correlatos
desenvolvidos no Brasil. Também utiliza a TJLP acrescida de 1% a 4% ao ano para correção dos encargos”.
Disponível (http://www.softex.br/linhas/_prosoft/oprograma.asp . Acesso dia 10.01.2012 54
O CATI foi criado pelo decreto 3.800/2001, art. 21. Este Decreto foi revogado pelo Dec. 5.906/2006, que no seu
art. 30 e ss, manteve o CATI em atividade e, dentre outras, a atribuição de definir os critérios, credenciar e
descredenciar as instituições de ensino e pesquisa e as incubadoras, para os fins previstos na Lei nº 8.248, de 1991.
121
Em 25 de fevereiro de 2008 publica-se o Decreto 25 (BRASIL, 2008), com previsão de
entrada em vigor para a mesma data da publicação. Por este Decreto foi instituído o Programa
Territórios da Cidadania. Trata-se de um Programa que tem um subprograma denominado
Território Digital, responsável por implantar as ‘Casas Digital’ em áreas destinadas a
assentamentos rurais e comunidades camponesas ser implementado pelo Ministério da
Comunicação em parceria com o Ministério do Desenvolvimento Agrário. “A Casa Digital é um
espaço público de exercício da cidadania” (INSTITUTO NACIONAL DE COLONIZAÇÃO E
REFORMA AGRÁRIA, 2009).
Outra medida do Governo Federal visando a inclusão digital foi a promulgação do
Decreto nº 6.948, de 25 de agosto de 2009 (BRASIL, 2009b), que instituiu o Comitê Gestor do
Programa de Inclusão Digital – CGPID.
Através do CGPID compartilhou-se a responsabilidade de difusão da internet. O artigo
3° do Dec. 6.948/2009 definiu os membros do CGPID, privilegiando a composição
interministerial, ou seja, somente com integrantes do Poder Executivo. No §3° do referido
dispositivo legal há a previsão da possibilidade de se convidar representantes de outros órgãos ou
entidades, públicas ou privadas, para participar das reuniões do colegiado. Todavia, sem direito a
voto.
Deve-se ater ao fato de que a composição do CGPID é mais restrita que a composição
do Comitê Gestor Nacional – CGN, criado pelo Dec. 25/2008 que instituiu o Programa Território
da Cidadania. Quando da definição da composição do CGPID, não foram incluídos o Ministério
do Desenvolvimento Agrário e o Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento, dentre
outros. Situação que não foi sanada com a promulgação do Dec. 7.175/2010, que instituiu o
PNBL. O artigo 8° deste Decreto regovou o artigo 3° do Dec. 6.948 (que instituiu o CGPID), e
ampliou a composição. Contudo, continuou com a lógica de fechamento do debate entre
Ministérios vinculados ao Poder Executivo Federal, apesar de se dizer que o objetivo do referido
Fórum é a abertura para a sociedade civil. Tanto é que os ciberativistas rogam por maior
participação no planejamento das políticas Públicas de inclusão digital, alegando que a
aproximação entre Governo e empresas é insufuciente (AS METAS, 2011).
O Decreto 6.991/2009 (BRASIL, 2009c) Institui o Programa Nacional de Apoio à
Inclusão Digital nas Comunidades - Telecentros.BR, cujo objetivo é atuar simultaneamente com
outros Programas de implementação e manutenção de telecentros públicos e comunitários em
122
todo o território nacional55
. Suas ações ficam restritas ao Ministério das Comunicação, Ministério
da Ciência e Tecnologia e Ministério do Planejamento, Orçamento e Gestão, consoante artigo 4°.
Em agosto de 2011, o Ministro Paulo Bernardo, e os Secretários de Inclusão Digital,
Lygia Pupatto, e de Serviços de Comunicação Eletrônica, Genildo Lins se reuniram com
representantes do Movimento dos Trabalhadores sem Terra – MTS, que reivindicavam a
implantação de quinhentas (500) Casas Digitais. Houve a promessa do Governo em licitar em
2012, “[...] a faixa de 450 MHz, espectro que será utilizado na expansão de serviços de telefonia
e internet na área rural” (COMISSÃO, 2011), bem como a capacitação de cidadãos para atuarem
nas Casas Digitais (COMISSÃO, 2011). Esta última medida já vem trabalhada, ainda que de
maneira incipiente (MiniCom, 2011)56
As políticas públicas supra mencionadas, e demais políticas públicas de inclusão digital
do período do Governo Lula foram insuficientes. Ademais, de se dizer que os debates acerca da
regulamentação do uso da internet devem estar sintonizados com os objetivos da difusão
universal do acesso, sob pena de se restringir a liberdade do cidadão no uso da internet. E sendo
assim, os resultados podem prejudicar a manifestação de vontade dos cidadãos, nesta esfera
pública de indiscutível capacidade para fortalecer a democracia deliberativa.
Antes da análise do PNBL, será abordado na seção seguinte, nas deliberações travadas
no Poderes Constituídos, principalmente no Congresso Nacional, e entre seus integrantes e a
comunidade ciberativista. Conforme se verá, de um lado há os que pretende a regulamentação via
direito penal; e de outro, os que propugnam por uma regulamentação na seara cível.
55 Decreto Art. 1o Fica instituído, no âmbito da política de inclusão digital do Governo Federal, o Programa
Nacional de Apoio à Inclusão Digital nas Comunidades - Telecentros.BR, coordenado pelos Ministérios do
Planejamento, Orçamento e Gestão, das Comunicações e da Ciência e Tecnologia.
Parágrafo único. O Programa Telecentros.BR tem como objetivo desenvolver ações que possibilitem a
implantação e a manutenção de telecentros públicos e comunitários em todo o território nacional, sem prejuízo da
continuidade e implementação de outros programas da mesma natureza. (Redação dada pelo Decreto nº 7.038, de
2009) .
56 “As iniciativas, que serão desenvolvidas por universidades e institutos federais de ensino superior em 22 Estados,
além do Distrito Federal, enfocam três linhas temáticas: Educação no Campo; Gestão e Comercialização da
Produção na Agricultura Familiar; e Comunicação Digital nas Áreas Rurais” (MiniCom, 2011). Disponível em
http://www.mc.gov.br/noticias-do-site/23908-221111-minicom-divulga-resultado-da-chamada-publica-para-
inclusao-da-juventude-rural . Acesso dia 02.01.2012
123
3.2 A sintonia entre o Constitucionalismo Democrático e o Projeto de Lei do Marco
Civil da Internet e a ameaça advinda dos Projetos de Lei dos cibercrimes
Quando a internet começou a ser disponibilizada no Brasil, dúvidas quanto aos limites
de sua utilização começaram a surgir entre os cidadãos. Com a intensificação do uso da internet
e, principalmente, com a disponibilização das conexões para comercialização, houve um aumento
de demandas interpostas no judiciário. E a ausência de lei específica causou insegurança jurídica,
principalmente diante de decisões contraditórias (BRASIL, 2011).
A busca por universalização do acesso e o desenvolvimento da internet com a definição
de quais tecnologias, padrões e formatos a serem adotados no Brasil são preponderantes para se
concluir se as políticas públicas de inclusão digital rural são capazes de democratizar o acesso à
rede, conforme previsto no inciso IV do artigo 19 do Projeto de Lei do MCIB, portanto,
constitucionais. Ou se são de cunho capitalista, garantindo os interesses das empresas que
prestam o serviço de difusão da internet, bem como da Microsoft, que teria mercado vasto para
venda de seu software.
No que concerne à difusão da internet no Brasil, a maior preocupação da Microsoft era
impedir a propagação de um software livre, denominado OpenDocument format - ODF,
abreviatura de OpenDocument Format for Office Applications - OASIS, sob a alegação de que,
dentre outros, o Brasil fazia parte de um grupo de países que pretendiam descumprir a Lei de
Patentes e adotar o padrão ODF ou outro padrão livre (SOBRE, 2011).
As consequências seriam contrárias às pretensões de lucro da Microsoft, mas com
repercussão positiva para a democratização digital, uma vez que o ODF tem um formato livre e
adapta-se a qualquer programa sem os incômodos do código binário57
e do pagamento de
royalties. O ODF foi aprovado pela ABNT em maio de 2008 e em 19 de novembro do mesmo
57
O código binário impede que software livre, limitando o acesso à informação.
124
ano é publicado o Protocolo de Brasília que, expressamente, acena para a intenção de adotar
preferencialmente o software livre (BRASIL, 2008b).
Contudo, no ano corrente, em meio a todo o movimento concretização da política de
adoção do padrão ODF, que desde 2006 já tinha sido reconhecida, veio à tona um documento
confidencial de 2007 contendo o diálogo entre a Embaixada estadunidense no Brasil e o Governo
daquele país. Neste documento a Embaixada estadunidense, dentre outras, faz as seguintes
acusações:
Levy acredita que esta questão se tornou ideológica e é uma manifestação de anti-
americanismo no Itamaraty.
O debate entre os vários padrões internacionais (GPS, telecomunicações, etc) não é
nova no Brasil, e as preocupações de Levy sobre uma ideologia anti-americana na
chancelaria brasileira não são apenas a preocupação da Microsoft (SOBRE, 2011,
tradução nossa).
Em suma, para os envolvidos nos debates sobre qual padrão a ser adotado no Brasil, há
neste documento um “pedido velado de intervenção” (SOBRE, 2011) em afronta à soberania do
Brasil. A visão estadunidense sobre a presidenta Dilma Rousseff a taxa de antiamericana por seu
posicionamento quanto à difusão da internet quando ainda era Chefe da Casa Civil no Governo
Lula. E recebeu tal tratamento por defender naquela época que o Brasil adotasse,
preferencialmente, tecnologias, padrões e formatos abertos e livres.
Atualmente, trava-se no Congresso Nacional, disputa neste sentido. De um lado há os
Projetos de Lei de cibercrimes; do outro, o Projeto de Lei conhecido como Marco Civil da
Internet – MCI.
As primeiras propostas de regulamentação da internet são de cunho penal. Começaram a
tramitar no Congresso Nacional em meados da década de 90 do século passado, justamente no
início de sua difusão. Durante os dez anos de tramitação, vários substitutivos foram incorporados
nas malsinadas propostas originais. E os substitutivos causaram grande polêmica, por prever a
obrigação de identificação prévia de qualquer pessoa em qualquer comunicação pela internet. O
até então Senador Eduardo Azeredo, hoje Deputado Federal, aglutinou e as proposta de
cibercrimes e passou a ser seu maior defensor. Afirma o parlamentar que as propostas e seus
substitutivos não ferem a privacidade do internauta. Não seriam os interesses privados de quem
ganha dinheiro com a Lei de incentivo à cultura que funciona como combustível do empenho por
aprovação da Lei dos cibercrimes, mas como dito por Azeredo, o “interesse público”
(ZMOGINSKI, 2007).
125
Para os defensores da internet livre, os Projetos de Lei n° 84/1999, n° 76/2000 e n°
137/2000, defendido pelo parlamentar Eduardo Azeredo “formam a tríade originária do atual
projeto de lei de cibercrimes” (SANTARÉM, 2010, p.38), e são contrários à característica
libertária da internet por não coadunar com o software livre, caminhando em sentido oposto ao do
fortalecimento da democracia participativa e consequente redução das desigualdades sociais e da
violência no meio rural, pois com acesso à internet fica mais fácil denunciar os abusos sofridos
pela população do campo. Atualmente, o projeto de lei n°84/1999 está em tramitação, os demais
saíram de pauta.
No entendimento de Omar Kaminski, Presidente do Instituto Brasileiro de Direito da
Informática (IBDI), esposado em Seminário na Câmara dos Deputados “os tipos de pena são
"excessivamente abertos", causando insegurança jurídica e desestímulo à inovação” (LEI, 2011).
E na intenção de privilegiar valores capitalistas está presente há vinte anos na Lei de
incentivo à cultura (FREITAS, 2011). No início do Governo Lula, houve uma tentativa de alterar
a lei de Incentivo à Cultura para acabar com a guerra fiscal, entretanto, o Deputado Eduardo
Azeredo, à época Senador, foi o principal articulador para a rejeição da proposta. Em 18.06.2003
Eduardo Azeredo discursou no Senado em prol da manutenção do status quo das Leis de
incentivo à Cultura Federal e dos Estados Membros, embora tenha reconhecido no início do
discurso que a guerra fiscal devia ser combatida. Frisou que a Lei de incentivo à cultura do
Estado de Minas Gerais foi criada enquanto era Chefe do Poder Executivo daquele Ente da
Federação.
A atuação do Deputado Azeredo na defesa do Projeto de Lei dos Cibercrimes privilegia
atividades de fomento à cultura, via Lei de incentivo à Cultura, como as da Fundação Amílcar
Martins, a qual é membro do conselho consultivo. Esta norma jurídica tem compromisso com o
mercado e não com a difusão da cultura independente. Os efeitos da Lei de incentivo à cultura já
eram alvo de manifesto em 2002, tendo em vista a exclusão do pequeno produtor e da produção
independente; a proliferação dos institutos e fundações de incentivo à cultura; concentração dos
investimentos em cultura pelas grandes empresas. O resultado é uma das maiores crises da
produção cultural independente (MANIFESTO, 2002).
Na atualidade, a lei de incentivo à cultura vem sofrendo alterações que visam
desconcentrar as verbas arrecadadas em prol da cultura, o que é essencial para a esfera pública.
Mas se não dá mais para barrar a manifestação livre mantendo intacta a Lei de incentivo à
126
cultura, por via oblíqua, com a aprovação da Lei dos cibercrimes, protege-se as pessoas que se
enriquecem com a lei de incentivo à cultura.
Como dito pelo presidente da Comissão que discute o Projeto de Lei - PL 6722/2010,
que altera a Lei de Incentivo à cultura, o Deputado Ângelo Vanhon, em entrevista à Rádio
Câmara, esta Lei concentra os recursos em basicamente três Estados, São Paulo, Rio de Janeiro e
Minas Gerais, reduto eleitoral do Deputado Eduardo Azeredo. Logo, não conseguiu atender à
diversidade cultural do Brasil (RESENDE, 2010).
A Fundação Amílcar Martins, acima referida, tem como um dos diretores, Amílcar
Viana Martins Filho, que foi Vereador pelo PSDB por duas legislaturas; Líder do PSDB na
Câmara Municipal de Belo Horizonte; Líder dos Prefeitos Pimenta da Veiga e Eduardo Azeredo
na Câmara Municipal de Belo Horizonte58
.
A postura politizada dos ciberativistas forçou a abertura de debates, tanto no Congresso
Nacional quanto na própria internet, através de sites onde o povo, titular do Poder59
, posicionou-
se contrário ao texto que previa formas de dificultar o acesso, como a certificação digital, com
intenções econômicas, bem como iniciou o debate acerca do MCI.
Um dos argumentos dos milhares de cidadãos que saíram em defesa de uma internet
livre, sem obrigação de cadastramento prévio para usar internet, sem o desrespeito aos direitos
fundamentais, como privacidade e liberdade de expressão, é de que antes de se pensar em
resolver as demandas sociais pelo direito penal, deve-se buscar uma Lei que regulamente os
direitos e os deveres de fornecedores, usuários e Poder Público, este com a incumbência de
instituir políticas públicas para difusão preferencial de software livre à comunidade,
universalmente.
Em outro sentido ao dos Projetos de Lei dos cibercrimes há o recente Projeto de Lei –
PL 2126/2011, conhecido como Marco Civil da Internet - MCI, enviado à Presidência da
República em agosto de 2011. O MCI é considerado o mais relevante Projeto de Lei para a
democratização digital. Segundo os organizadores dos debates que originaram o MCI, a
CRFB/88 e a Resolução CGI.Br/RES/2009/003/P60
deram os rumos deste Projeto de Lei, criado
após um debate amplo na sociedade, via internet, que se iniciou em outubro de 2009, findando-se
58 Informações extraídas do site < http://www.icam.org.br/diretoria/index.html > 59
Art. 1°, PÚ. Todo poder emana do povo, que o exerce por meio dos seus representantes eleitos ou diretamente, nos
termos desta Constituição. (BRASIL, 2010).
60 Disponível em < http://www.cgi.br/regulamentacao/pdf/resolucao-2009-003-pt-en-es.pdf >
127
em março de 2010. Os debates online sobre o MCI são a prova prática de que a internet é
ferramenta hábil para alterar o espaço público, positivamente.
O Marco Civil da Internet visa à regulamentação dos direitos, deveres e princípios para
o uso da internet. Vários dispositivos deste projeto reforçam que a internet é instrumento
indispensável ao exercício da cidadania. Importante mencioná-los abaixo.
No artigo 2° do PL 2126/2011 - MCI, dentre outros fundamentos para uso da internet,
há previsão dos Direito Humanos e o exercício da cidadania em meios digitais, o respeito à
pluralidade e diversidade, bem como ser a internet suporte para a livre iniciativa e a livre
concorrência. Salienta-se que há entre os estudiosos o entendimento de que a democratização
econômica passa pelo acesso à internet de todos os envolvidos numa cadeia de produção, senão
veja-se:
A democratização econômica – que implica na socialização das forças produtivas –
significa que as grandes decisões sobre a produção e a distribuição não são tomadas
pelos “mercados” ou por um politburo, mas pela própria sociedade, após um debate
democrático e pluralista, em que se oponham propostas e opções diferentes (LÖWY,
2005, p. 75).
A referência aos direitos humanos como um dos fundamentos é pertinente. A
Convenção Americana sobre Direitos Humanos de 196961
cujo Brasil é signatário reconhece no
artigo 13, o direito à liberdade de pensamento e expressão. E no item 3 do referido dispositivo faz
menção expressa ao dever dos Estados em não obstar a comunicação.
Artigo 13 - Liberdade de pensamento e de expressão
...
3. Não se pode restringir o direito de expressão por vias e meios indiretos, tais como o
abuso de controles oficiais ou particulares de papel de imprensa, de frequências
radioelétricas ou de equipamentos e aparelhos usados na difusão de informação, nem
por quaisquer outros meios destinados a obstar a comunicação e a circulação de idéias e
opiniões.
Sem comunicação não há como denunciar as muitas formas de violência nas regiões
isoladas do Brasil, tampouco promover deliberações que pretendem ter minimizada a
manipulação nas tomadas de decisões da democracia representativa que, por vezes, legitimam as
agressões de poderosos contra a população isolada do campo.
O artigo 3° do PL em voga prevê um inventário exemplificativo de princípios, sendo
que o inciso VII consagra a preservação da natureza participativa da rede. Orientação que condiz
com princípios estruturantes (CANOTILHO, 1993) dispostos na CRFB/88, tais como o Princípio
61
Disponível em http://www.pge.sp.gov.br/centrodeestudos/bibliotecavirtual/instrumentos/sanjose.htm
128
da Democracia e o Princípio da Participação. A democracia consagrada na Carta Magna deve ser
a democracia exercida de maneira representativa, mas também a exercida de maneira
participativa. Com isto, os Poderes Constituídos tem condições de apurar as necessidades de todo
o povo, inclusive os que não gozam de efetiva representatividade no Poder Legislativo. E sem
voz política a redução das desigualdades sociais não será satisfatória para os moradores de
regiões distantes dos grandes centros urbanos, pois contemplará a vontade de investidores que
não tem relação nem compromisso com as comunidades agrárias.
A promoção do acesso à internet a todos brasileiros, o acesso à informação,
conhecimento e a participação na condução dos assuntos públicos, dentre outros, são objetivos
com previsão no artigo 4° do PL do MCI. Novamente, há o reconhecimento da internet como
meio imperioso para dotar os cidadãos do meio rural e urbano de simétrica paridade na
construção permanente da democracia no Brasil. Situação que é a única que pode fazer acontecer
a concretização dos objetivos fundamentais de redução das desigualdades regionais, sociais e
demais direitos fundamentais, efetivando esta questão de direito e dando vida aos princípios
constitucionais retro mencionados. Uma das consequências é o acesso digital rural dando suporte
ao cidadão do meio rural para denunciar aos demais cidadãos brasileiros e ao Mundo, as
condições no campo.
Em que pese às críticas quanto ao legislador trazer conceitos na lei, o artigo 5° do PL
2126/2011 ao conceituar internet, expressamente, diz de uma destinação desta ferramenta para
uso público e irrestrito. Portanto, reforçam-se as intenções acima descritas. A internet deve estar
ao alcance do homem do campo, inclusive com investimentos públicos onde for necessário para
se ter o nivelamento entre as regiões mais dispares do país. O artigo 7° volta a frisar que o acesso
é essencial ao exercício da cidadania.
No capítulo IV do PL2126/10, que trata da atuação do poder público, prevista está a
adoção preferencial de tecnologias, padrões e formatos abertos e livres. E não poderia ser
diferente, já que cabe também a promoção da cidadania, e a internet potencializa sobremaneira o
espaço público (CASTELLS, 2006). Ainda, repete a necessidade de acesso universal, e o
fortalecimento da participação social na vida pública. Sendo dever da iniciativa pública, a
promoção da inclusão digital e a redução das desigualdades regionais no acesso.
Enquanto a lógica capitalista prosperar nas atividades culturais, a esfera pública estará
comprometida em termos de informação, de variedade de pontos de vista, de diversidade e de
129
redução das desigualdades regionais sociais, dentre outros. À obviedade, o setor privado está
interessado, predominantemente, no retorno financeiro do marketing. Mas o projeto 6722/10
tenta por fim a tais distorções.
Claro que para universalizar o acesso e realizar os princípios estruturantes da CRFB,
precipuamente os princípios do Estado de Direito, Democrático e da democracia participativa e
demais princípios previstos no Marco Civil da Internet, o acesso à conexão do meio rural deve ser
similar ao meio urbano, bem como deve ter uma internet com padrão livre. Ainda que este último
requisito seja preenchido, com a efetivação das orientações dispostas na Resolução
CGI.Br/RES/2009/003/P e no projeto de Lei 2126/2011, o Marco Civil da Internet.
130
3.3 O Programa Nacional de Banda Larga
O Governo Federal, consoante acima mencionado, elaborou e publicou do Decreto
7.175/2010 (BRASIL, 2010), que instituiu o PNBL. E previu no caput do artigo 1° que os
objetivos gerais do PNBL são fomentar e difundir o uso e o fornecimento de bens e serviços de
tecnologias de informação e comunicação62
. Para tal, deverá se ater a objetivos específicos,
previstos nos incisos do artigo supra.
Os objetivos são detalhados pelo Governo Federal no site oficial 63
. E analizando-os,
percebe-se que a intenção anunciada é a de viabilizar às pessoas físicas e jurídicas, acesso e
dissernimento para utilização das novas TIC para assuntos pessoais e relativos ao
desenvolvimento econômico. Serviço que seria gratuito aos cidadãos mais pobres das localidades
onde as empresas privadas não tem interesse em atuar (GROSSMANN e QUEROZ, 2011).
De acordo com o artigo 2° do Decreto em questão, ficou sob a responsabilidade do
Comitê Gestor do Programa de Inclusão Digital – CGPID64
, a implementação do PNBL. Para o
intento, ampliou-se consideravelmente a competência deste Comitê. Consoante artigo 2° do
Decreto 6.984/09, o CGPID teria maior ingerência apenas nas atividades de desenvolvimento de
software ou de prestação de serviços de tecnologia da informação para exportação, e desde que
preencham os requisitos previstos no artigo 2° da Lei 11.196/2005. Ainda, a aprovação do plano
anual de trabalho do Programa de Inclusão Digital. As demais competências, salvo elaboração do
62
Estes objetivos estão previstos no Art. 1° do Dec. 7.175/2010 e visam ao cumprimento das metas previstas nos
seus incisos, incluindo-se nos incisos I IV e VII, respectivamente, a redução das desigualdades social e regional e
promoção da capacitação da população para o uso das tecnologias de informação, essencial para o combate à
exclusão digital e massificar o acesso a serviços de conexão à Internet em banda larga (BRASIL, 2010).
Disponível em http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2007-2010/2010/Decreto/D7175.htm . Acesso dia
20.02.2011 63
Disponível em http://www4.planalto.gov.br/brasilconectado/pnbl . Acesso dia 10.03.11 64
O Decreto 6.948/09 instituiu o CGPID. Disponível em http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2007-
2010/2009/Decreto/D6948.htm . Acesso dia 20.02.2011.
131
Regimento Interno, visavam a interlocução deste Comitê com outros Comitês e Ministérios no
sentido de uma construção conjunta.
Com entrada em vigor do Decreto 7.175/2010, o CGPID recebeu poder de decisão para
se alcançar os objetivos traçados no artigo 1° deste Decreto. Destaques ficam para os incisos I e
III do artigo 3°, que prevêem, respectivamente, as atribuições de definição das ações e metas,
bem como a técnica de acesso em banda larga. O §4° do inciso IV do artigo 4° traz uma
competência que imprime ao CGPID um poder político enorme. Cabe a este Comitê definir as
localidades onde não há acesso, para que a Telecomunicações Brasileiras S.A. – TELEBRÁS
cumpra o que lhe foi determinado nos incisos do artigo 4°.
A Agência Nacional de Telecomunicações - ANATEL, consoante previsto no artigo 6°
do decreto 7.175/2010, tem a competência para a instalação das redes de telecomunicações que
suportarão a banda larga. No inciso IV, há previsão de se compartilhar a infraestrutura. O que é
assim explicado pelo Governo Federal:
As normas a serem debatidas e aprovadas pretendem determinar a instalação de redes
de telecomunicações no momento da realização de grandes obras de infraestrutura
(rodovias, ferrovias, redes de transmissão de energia elétrica, entre outras)
(PRESIDÊNCIA DA REPÚBLICA FEDERATIVA DO BRASIL, 2010).
O artigo 8° ampliou a composição do CGPID, mas sem acolher setores ligados ao
campo. Foi deixado de fora, setores da sociedade que não fazem parte da Administração Pública
do Governo Federal, assim como Ministérios e Secretarias Federais vinculadas ao campo,
conforme acima mencionado. Nesta ampliação, há representação da Administração Pública
Indireta, a partir do Terceiro Setor.
O artigo 9° também incorreu no mesmo erro. Previu a instituição de grupos temáticos,
formados por composição interministerial, mas sem a presença do Ministério do
Desenvolvimento Agrário e o Ministério da Agricultura, Pecuária, e Abastecimento, e nem de
Secretarias vinculadas ao campo. Ainda, alterou o Decreto 6.948/2009, acrescentando os artigos
5°-A e 5°-B, prevendo quorum de maioria simples para suas deliberações, possibilitando a
tomada de decisões com um grupo pequeno de membros do CGPID.
Com a publicação do Decreto 7.512/201165
, o PNBL sofreu uma alteração no Governo
Dilma contrária às pretensões originárias de fortalecer a Telecomunicações Brasileiras – Telebrás
65
Disponível em http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2011-2014/2011/Decreto/D7512.htm . Acesso dia 20 de
dezembro de 2011.
132
para que fornecesse internet de Banda Larga gratuita. O serviço da Telebrás seria destinado a
cidadãos que não tem condições financeiras de contratar com as prestadoras de serviço. A partir
deste Decreto, as prestadoras de serviço é que se beneficiarão com a cobrança pelo fornecimento
de internet ao valor de R$ 29,00 (vinte e nove), além da incidência do Imposto sobre Circulação
de Mercadoria – ICMS, que eleve o valor à média de R$ 35,00 (trinta e cinco).
A comunidade virtual se manifestou com repúdio às novas regras, impostas pelo
Governo federal sem a devida prática da democracia deliberativa com a sociedade. Não houve,
sequer, acordo interministerial, tampouco abertura para o debate direto com os cidadãos.
133
3.3.1 A inconstitucionalidade dos Comitês criados pelos Decretos n° 4.829/2003;
n°25/2008; n° 6.948/2009, à luz do artigo 187 da CRFB/88
Os trabalhos da Assembléia Nacional Constituinte se desenrolaram com a pressão dos
movimentos sociais. A postura ativa dos cidadãos visava, dentre outros, assegurarem a abertura
política para que tivessem maior ingerência sobre seus destinos, conforme descrito no capítulo 2.
E o legislador constituinte dispôs no artigo 187 da CRFB/88 que as políticas públicas destinadas
ao campo fossem planejadas e executadas com a participação do trabalhador rural, dentre outros.
A partir da última década foram criados Comitês em âmbito Federal voltados para se
pensar o planejamento e execução das políticas públicas de inclusão digital, inclusive rural.
Portanto, na análise da composição dos Comitês criados com a promulgação dos Decretos em
voga, imperioso que seja considerado o disposto no artigo 187 da CRFB/88 para se apurar a
constitucionalidade dos referidos Decretos, já abordados nas seções 3.1 e 3.2.
O CGI-Br foi instituído pelo Decreto 4.829, de 03 de setembro de 2003 (BRASIL,
2003). Sua composição é mais ampla se comparada aos demais Comitês, entretanto não há a
presença de Ministérios ou Secretarias vinculadas ao campo. Tampouco há previsão de abertura
para interação direta com os trabalhadores rurais e os ciberativistas de modo geral. Outra questão
é a presença apenas de setores considerados a Longa manus do Governo Federal. Ou seja, não há
multiplicidade de vozes, consoante dispõe o artigo 187 da CRFB/88.
O CGN do Programa Territórios da Cidadania, instituído pelo Decreto de 25 Fevereiro
2008, conta com a participação do Ministério do Desenvolvimento Agrário e o Ministério da
Agricultura, Pecuária, e Abastecimento. Se considerado à luz dos Comitês abordados nas seções
3.1, 3.3 e na presente seção, este é o que mais se aproxima do campo. Contudo, também não está
em sintonia com o disposto no artigo 187 da CRFB, pois não prevê a possibilidade de interação
direta com os cidadãos.
134
No §3° do artigo 6° deste Decreto há a previsão da possibilidade do CGN convidar a
sociedade civil para participar das reuniões com o escopo de prestar informação e emitir parecer,
dentre outros. Não sendo convidada, a sociedade civil tem o poder de exercer pressão nos moldes
tradicionais e via rede.
O Decreto de 23 de Março de 2009 (BRASIL, 2009a) foi promulgado e deu nova
redação ao artigo 6° do Decreto de 25 de Fevereiro de 2008. Ampliou a composição, mas
permaneceu a lógica de manter a composição estritamente com a longa manus do Governo
Federal. Foram incorporados três Ministérios, a saber: Ciência e Tecnologia; Comunicação e da
Fazenda.
Atualmente, o Ministério das Comunicações detém grande influência no planejamento e
execução do PNBL. E uma alteração recente (QUAL) do Ministro da referida pasta está
associada à mudança da política pública. Originariamente, pretendia-se uma Telebrás forte, capaz
de suprir a demanda da população carente, com qualidade e de graça. Atualmente, caminha no
sentido da mercantilização do acesso. Política pública nefasta à da devida inclusão digital num
país de profundas desigualdades sociais.
O CGPID tem sua composição restrita a setores do Governo. A participação de
entidades privadas fica dependendo de convite do CGPID para que deliberem, mas sem atuarem
na tomada de decisões, pois não tem direito a voto. E a possibilidade de abertura para o diálogo
direto com os cidadãos sequer é ventilada. Um retrocesso.
O Decreto 7.512, de 30 de junho de 2011, publicado no Governo Dilma altera o PNBL
ao prever no artigo 3°, inciso III que o serviço não será gratuito. Considerando que não ter como
pagar foi o motivo maior para não se ter internet no meio rural (CETIC, 2010, p. 42), não sem
razão ciberativistas foram contrários a esta alteração.
A CRFB/88 ampliou a maneira de se praticar democracia, conforme demonstrado no
capítulo 2. Porém, por via imprópria, a democracia nas políticas públicas de inclusão digital
voltou a ser apenas por representação. A inconstitucionalidade dos Comitês analisados tem
prejudicado o planejamento e execução das políticas públicas de inclusão digital. Atualmente,
ciberativistas cobram abertura nas deliberações e tomadas de decisões afetas à inclusão digital
por considerarem que os rumos do PNBL no Governo Dilma foram corrompidos sem um debate
precedente e direto com os cidadãos.
135
A Era Informacional possibilita que as deliberações e tomadas de decisões ocorram
através do diálogo direto com os cidadãos, não havendo que se limitar a representação e sem
abertura para interlocução direta com os cidadãos, conforme ocorre nos Comitês ora apreciados.
CONCLUSÃO
A Revolução da Informação é uma realidade do mundo globalizado. Principalmente
para os países capitalistas organizados sob as vestes de Estados-Nação, pois potencializa as
relações mercantis e dá suporte à abertura política e econômica. Os países que investiram na
universalização do acesso e capacidade de uso nas novas TIC saíram na frente dos demais no
cenário econômico mundial. E a relação entre os países que detém as novas TIC e os demais
depende dos valores que imperam na sociedade global. Como o valor dinheiro é o mais cultuado,
a relação continuará sendo de mando e julgo, só que com muito mais submissão. É o espaço de
fluxos que dita a relação de troca, e os países que não se inserirem na rede mundial de
computadores, formarão sociedades à margem da sociedade em rede, e com o papel de manter o
estilo de vida daqueles.
No caso do Brasil, internamente, a entrada na Era Informacional deveria ser homogênea
para por fim a tanta desigualdade social, mas não é. Não há que se discutir se as novas TIC serão
recepcionadas no Brasil, pois ao menos para os cidadãos do meio urbano que tem maior poder
econômico, a internet faz parte do cotidiano há anos. No cenário internacional a desigualdade
entre países aumentou. O mesmo efeito está acontecendo na sociedade brasileira. A partir das
pesquisas que medem a devida difusão da internet, vê-se a desigualdade de acesso à rede entre
cidadãos do meio urbano e rural como motor para o aprofundamento das desigualdades sociais.
Considerando-se devida, a inclusão que não se refere apenas ao acesso à rede, mas a capacidade
de utilização.
136
A minoria do povo brasileiro (PRECISAR) que tem acesso à internet é, via de regra, a
mesma que tem seus anseios assegurados na democracia representativa. Ao passo o restante do
povo brasileiro, historicamente excluído da democracia representativa, ficou ainda mais distante
dos representantes eleitos se comparados a quem tem acesso e condições de participar das
deliberações e tomadas de decisões. E se há menos interlocução haverá menos atenção às
necessidades dos excluídos digitais.
A difusão homogênea poderia por fim à distinção entre o meio rural e o urbano. Aquele
deixaria de ser sinônimo de atraso, de lugar ruim que não oferece condições de desenvolvimento
em similitude. Logo, deixaria de ser indesejado, o que seria bom para os grandes centros urbanos,
já que as consequências do inchaço das cidades se atenuariam.
Diante da importância da informação para o ser humano formar sua opinião e contribuir
para uma sociedade mais igualitária, o bem informação foi elevado à categoria Direitos
Humanos. A internet é a tecnologia incomparavelmente mais eficaz para que o cidadão se
informe sem ser tão manipulado, como ocorre com as tecnologias de comunicação que a
antecederam. E diante do disposto no artigo 187 da CRFB, e por ser signatário dos tratados
internacionais de Direitos Humanos, o Governo do Brasil não pode ser negligente e não acolher o
cidadão, diretamente, no planejamento e execução das políticas públicas de inclusão digital.
Não podem ser as necessidades do poder econômico a ditar os rumos do PBNL. Ao
contrário, os valores dispostos na CRFB é que devem ser norteadores da inclusão digital rural. Os
valores da dignidade da pessoa humana, da redução das desigualdades sociais, da função social
da propriedade, dentre outros, é que devem conduzir as políticas públicas de inclusão digital
rural. O software livre, independente do que diz o poder econômico internacional, precisa ser
amplamente difundido e incentivado seu uso.
O Governo Federal deve investir em capacitação para utilização da internet utilizando,
exclusivamente, o software livre, ao invés de por os cidadãos em contato com o software
comercial da Microsoft. É fundamental que criem intimidade com aquele software para difundir
seu uso e diminuir os custos do acesso à rede mundial. A internet é apenas uma ferramenta.
Portanto o uso que fará dela é determinado pela cultura da comunidade com acesso a esta
tecnologia.
O Fórum Brasil Conectado é uma ficção, não existe na prática. Por isto a comunidade
ciberativista cobra maior abertura nas deliberações sobre o planejamento e execução da inclusão
137
digital. A participação política é crucial para a implementação do controle, enquanto núcleo do
Constitucionalismo Democrático. E o fim do Fórum Brasil Conectado é um atentado aos
princípios constitucionais democráticos.
É na esfera pública virtual que o homem do campo pode deliberar questões de seu
interesse, e inclusive denunciar práticas criminosas às quais é vítima, dentre outras. Mas a
denúncia de atos de violência só irá prosperar se o cidadão do meio rural tiver acesso em seu
domicílio. Se tiver de se dirigir a um centro comunitário de acesso, como as Casas Digitais,
acabará com medo de represálias, e de até mesmo perder a vida, como ocorre com os cidadãos do
campo que usam a televisão para denunciar práticas criminosas.
Como a difusão da internet reconfigura a esfera pública nos moldes pretendidos pelo
Constitucionalismo Democrático, qualquer tentativa de veto à liberdade de expressão, via
internet, como o previsto nos Projetos de Lei dos cibercrimes, poderá ser afastada pelo Poder
Judiciário.
A composição dos Comitês criados pelos Decretos n° 4.829/2003; n°25/2008; n°
6.948/2009, por imposição constitucional disposta no artigo 187 da Carta Magna, devia ser
ampla, e não apenas interministerial. Todavia, foram criados em detrimento dos princípios do
Estado de Direito, democrático, da supremacia da Constituição e da participação, positivados,
dentre outros, no artigo 187 da CRFB. E além da composição ser muito restrita, há a situação do
atual representante do Terceiro Setor já ter sido representante da Casa Civil da Presidência da
República. Logo, não poderiam ser mais inconstitucionais.
A própria omissão dos poderes Executivo e Legislativo no sentido de não promover a
deliberação entre os cidadãos diretamente afetados pelas políticas públicas, enquanto membros
iguais e livremente associados, pode ser motivo cabal para o trabalhador rural procurar a tutela
jurisdicional com o escopo de compelir os ocupantes dos cargos dos poderes a não apenas
abrirem espaço para deliberações, mas fomentarem efetivamente a participação política dos
cidadãos na construção das políticas públicas que os afetam. E, para tanto, repita-se que uma
educação em direitos humanos é imprescindível para a construção de uma sociedade plural.
Cabe, ainda, provocar o judiciário a apreciar se as políticas públicas de inclusão digital
rural são suficientes ou se sua estrutura não será capaz de dar condições de acesso simétrico ao
cidadão do meio rural e urbano. Dito de outra maneira, os cidadãos podem provocar o judiciário a
dizer se a políticas públicas em voga são democráticas e constitucionais.
138
Acerca da visão dos otimistas e pessimistas quanto aos impactos da internet na maneira
de se exercer democracia, de se dizer que razão assiste a ambas correntes, em parte. Pretender
mudança somente com o acesso à internet sem investir em educação que vise sua utilização é um
equívoco. Assim como não perceber as potencialidades do uso das novas TICs é abrir mão de um
meio de comunicação que interage com o cidadão e possibilita que se torne público o anseio dos
que não tem a devida representação política nos poderes constituídos.
Se já houvesse boa universalização de acesso à internet, bem como uma educação em
direitos humanos privilegiando a pesquisa de informações em fontes variadas e o interesse na sua
utilização para elevar a esfera pública do homem do campo, a participação política deste teria o
potencial de chegar a um nível que seria impossível os Poderes Constituídos não considerarem
suas deliberações.
Só assim os grupos econômicos com maior influência na democracia representativa, não
poderão desconsiderar os direitos fundamentais dos trabalhadores rurais, o que aumentaria as
chances de fixação do homem do campo no seu ambiente e a solução de problemas urbanos,
como inchaço e miséria.
Cumpre salientar que uma política de inclusão digital para ser efetiva, além de
possibilitar acesso universal, deve tratar o acesso à internet sem o cunho capitalista. Dito de outra
maneira, não adianta difundir esta ferramenta e submeter a população ao julgo da Microsoft, pois,
assim, os limites econômicos imporão a exclusão digital. A tônica da legislação e das políticas
públicas caminha no sentido da adoção de softwares livres, o que já vem sendo disponibilizado
em certa medida.
Não obstante ser corrente o descumprimento das leis pelos Poderes Constituídos, pela
garantia constitucional livre acesso ao judiciário cabem aos lesados provocarem a tutela
jurisdicional, a fim de expurgarem qualquer política pública com resultado inconstitucional, ainda
que a legislação que cria as políticas públicas sejam formalmente constitucionais.
Outro ponto que compromete a constitucionalidade das Políticas Públicas de inclusão
digital rural é a proposta de vincular a disponibilização da internet quando forem realizadas obras
de grande vulto na infraestrutura do país. O custo para execução da inclusão digital se elevará
sobremaneira, podendo não sair do papel.
Pensar quais os empecilhos com deslocamento; disputa na utilização dos aparelhos...;
aparelhos que estragam e custam a ter manutenção. Ou para evitar o mais grave, que é o cidadão
139
oprimido ter de passar pelo constrangimento de acessar a internet. Pois quando recorrer a local
público para acessar a internet ficará, potencialmente, sob o olhar das pessoas que praticam as
violências, e que podem monitorar qual cidadão, após ser oprimido por ameaças, está usando uma
ferramenta de comunicação tão poderosa. Quanto mais se tomar por base o que ocorre com quem
usa a televisão para denunciar a violência rural, a vida do homem do campo que buscar um local
público de acesso à internet para denunciar os abusos sofridos estará seriamente ameaçada.
É a multiplicidade de vozes, tal qual disposto no artigo 187 da CRFB e nos princípios
acima abordados, que devem definir os rumos das Políticas Públicas de inclusão digital rural,
visando estudos indissociáveis acerca da universalização do acesso e educação digital. Portanto, é
imperiosa uma agenda de pesquisa acerca das políticas públicas de inclusão digital rural, pensada
a partir da abertura dos debates aos cidadãos, diretamente. E, claro, que as decisões sejam
executadas pelo Poder Público.
140
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