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  O prefácio, instância estratégica: alguns exemplos na historiograa francesa da arte  Prof. Dr. Stéphane Huchet Professor da Escola de Arquitetura / UFMG Pesquisador do CNPq Membro do CBHA A função do prefácio revela-se determinante no encaminhamento da problemática que todo livro de história da arte deveria apresentar e justicar. Uma introdução sempre tão densa quanto aquela que Panofsky escreveu para seus Studies in Iconology , em 1939 – que apresenta um método e um programa muito sólidos –, representa ainda hoje o modelo de um grande portal crítico. Porém, não falaremos aqui de exemplos historiográcos ger- mânicos, mas de algumas amostras escolhidas na historiograa francesa da arte. Selecionamos cinco prefácios, de Henri Focillon, de André Grabar, de Daniel Arasse, de Georges Didi-Huberman e de Hubert Damisch, respecti- vamente de 1934, 1979, 1987, 1990 e 1992. Quando lemos a introdução ao Piero della Francesca  de Henri Fo- cillon (1934-35), o que marca é um certo tom do texto. Tom humanista, já que, para começarmos a entrar na problemática do livro, assistimos ainda a uma articulação das dimensões geográcas, psíquicas e visuais. Trata-se de um resquício da tradicional teoria do clima. Ela permite denir alguns fun- cionamentos psicológicos e o carácter clássico e controlado da visualidade de Piero. Outra teoria convocada sem reivindicação especíca por Focillon é a teoria nacionalista: se, dentro da própria a arte italiana, Piero contrasta com outras vertentes que lhe seriam opostas, ele também representaria, no plano internacional, a tensão entre gênio italiano e carácter francês. Isto dene, diz Focillon, um amplo contexto histórico e cultural, com relação ao qual a pintura de Piero se faria entender por parte. Quando Focillon alista de maneira sucinta os problemas encontrados para entendermos e interpretarmos a arte d e Piero, ele oscila entre evitar as in- certezas cronológicas e interpretativas (“não podemos nem devemos especu- lar sobre o não-datado e o incerto” 1 ) e a garantia historicista (“devemos tentar 1 FOCILLON, Henri. Piero della Francesca . Paris: Presses Pocket, 1991. p. 11. (Col. Agora) 23 XXVICBHA Stéphane Huchet.indd185 185 05/07/2007 14:49:36

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Artigo XXVI CBHA Stéphane Huchet

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  • O prefcio, instncia estratgica: alguns exemplos na historiografia francesa da arte

    Prof. Dr. Stphane HuchetProfessor da Escola de Arquitetura / UFMG

    Pesquisador do CNPq Membro do CBHA

    A funo do prefcio revela-se determinante no encaminhamento da problemtica que todo livro de histria da arte deveria apresentar e justificar. Uma introduo sempre to densa quanto aquela que Panofsky escreveu para seus Studies in Iconology, em 1939 que apresenta um mtodo e um programa muito slidos , representa ainda hoje o modelo de um grande portal crtico. Porm, no falaremos aqui de exemplos historiogrficos ger-mnicos, mas de algumas amostras escolhidas na historiografia francesa da arte. Selecionamos cinco prefcios, de Henri Focillon, de Andr Grabar, de Daniel Arasse, de Georges Didi-Huberman e de Hubert Damisch, respecti-vamente de 1934, 1979, 1987, 1990 e 1992.

    Quando lemos a introduo ao Piero della Francesca de Henri Fo-cillon (1934-35), o que marca um certo tom do texto. Tom humanista, j que, para comearmos a entrar na problemtica do livro, assistimos ainda a uma articulao das dimenses geogrficas, psquicas e visuais. Trata-se de um resqucio da tradicional teoria do clima. Ela permite definir alguns fun-cionamentos psicolgicos e o carcter clssico e controlado da visualidade de Piero. Outra teoria convocada sem reivindicao especfica por Focillon a teoria nacionalista: se, dentro da prpria a arte italiana, Piero contrasta com outras vertentes que lhe seriam opostas, ele tambm representaria, no plano internacional, a tenso entre gnio italiano e carcter francs. Isto define, diz Focillon, um amplo contexto histrico e cultural, com relao ao qual a pintura de Piero se faria entender por parte.

    Quando Focillon alista de maneira sucinta os problemas encontrados para entendermos e interpretarmos a arte de Piero, ele oscila entre evitar as in-certezas cronolgicas e interpretativas (no podemos nem devemos especu-lar sobre o no-datado e o incerto1) e a garantia historicista (devemos tentar

    1FOCILLON, Henri. Piero della Francesca. Paris: Presses Pocket, 1991. p. 11. (Col. Agora)

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    levantar [] nos mesmos termos os problemas que o artista levantou para si mesmo.2) Antes de analisar esses aspectos, Focillon trata rapidamente da fortuna crtica de Piero na historiografia, lembra sua vida e suas obras. De toda forma, o mais interessante que o contexto e o pano de fundo geogrfico, nacional e cultural servem para melhor ressaltar a dinmica de surgimento da obra enquanto, diz ele, evento. Significa que Piero procedeu de tal maneira que sua arte conseguiu bruscar o momento3, introduzir no contexto da arte italiana uma diferena que faz jus quilo que caracteriza uma viso da din-mica histrica que podemos chamar de modernista.

    Trabalhando trinta ou quarenta anos depois sobre um material arts-tico e cultural mais antigo, a iconografia crist da Antiguidade e da Idade Mdia, Andr Grabar introduz seu livro intitulado Os caminhos da criao em iconografia crist definindo um territrio epistemolgico sobre o pano de fundo das diferenas profissionais entre o historiador, o arqueolgo e, no caso da temtica do livro, o telogo.

    Seu mtodo repousa sobre um postulado hermenutico srio que mantm em vigor a mesma idia modernista j timidamente formulada por Focillon de uma dinmica particular na histria, aqui mais nitidamen-te assumida, a da inovao como diferencial qualitativo. Para no apenas remeter toda imagem crist s Santas Escrituras e teologia como nicas fontes de interpretao, Grabar prope no somente analisar o modo de pertencimento das imagens a seu contexto mais amplo motivao clssica da iconografia mas, sobretudo, explorar o momento de surgimento de tais ou tais imagens ou da modificao que elas realizam no contexto de sua criao. Trata-se de frisar o carcter icnico inovador destas imagens, os traos inditos que as caracterizam, como elas se destacam sobre um fundo de permanncia. Grabar, em 1968-1979, investiga como a apario de fatos novos no meio de frmulas e imagens j consagradas cria um sentido novo (precisar o sentido da novidade a partir do modelo do qual ela deriva4). Adepto do paradigma lingustico, Grabar fala de vocabulrio de uma lngua, de locues novas, etc.

    O que, diz ele, precisa ser ajustado, melhorado e flexibilizado ao mesmo tempo o mtodo tradicional dos estudos iconogrficos: Procuramos mostrar a natureza exata do trao que, ao ser introduzido em uma imagem anterior, lhe confere um sentido novo, enquanto os estudos iconogrficos habituais se apli-cam s imagens constituidas que compreendem os elementos antigos e novos, e os lem como os autores queriam que o fossem. Nosso mtodo, em vez de

    2FOCILLON. op. cit.3FOCILLON, op.cit., p. 45, pargrafo introdutrio do captulo III.4GRABAR, Andr. Les voies de la cration en iconographie chrtienne. Paris: Flam-marion, 1996. p. 7. ( Col. Champs)5GRABA, op. cit., p. 7.

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    explicar os fatos iconogrficos consagrados, procura, em soma, desmont-los, para observar os mecanismos da criao em iconografia.5 O termo desmontar, obviamente, no est sem ressonncia com as grandes empreiteiras da descons-truo ativa no campo da filosofia nesses mesmos anos

    J mostramos no prefcio que escrevemos para o livro de Georges Didi-Huberman O que vemos, o que nos olha (So Paulo: Editora 34, 1998) que os anos 1960 representam uma virada na histria da arte, atravs da colocao a trabalho de ferramentas conceituais e epistemolgicas devendo notadamente muito lingstica e semiologia. Os nomes vinculados a essa virada so de Louis Marin e Hubert Damisch, por excelncia. Discpulo deste, Didi-Huber-man sintetiza bem os desafios de uma outra iconologia na prsentation de seu Fra Angelico. Dessemelhana e figurao, 1990. Lembra que a funo da histria da arte de nos ensinar a ver e, para isso fazer, aprender a ajustar as palavras s coisas do visvel e do visual e, assim, excavar as camadas estra-tificadas das palavras e das categorias que ela veicula. Da a enunciao da idia de que, a pintura, por exemplo, exige de nosso discurso uma retificao constante das categorias, no apenas interpretativas, como tambm descriti-vas, por mais que uma simples descrio, [] enforma, antes, as modalidades segundo as quais o ato interpretativo em seguida se desenvolve.6 Para poder reelaborar a economia das categorias de imitao, de figura, a economia das relaes que existem entre visualidade e teologia crist da Encarnao em cer-tas obras de Fra Angelico, preciso, diz Didi-Huberman, transformar a histria da arte em histria dos olhares. Histria como tomada de risco: preciso, portanto, imaginar [] tentando alimentar essa perigosa imaginao histrica com ferramentas conceituais pelas quais ter tido alguma chance de encontrar seu rigor, sua coerncia.7

    O mtodo imaginativo hubermaniano no deriva ou divagao sub-jetiva, mas um mtodo heurstico, um pouco como o restaurador pode ar-riscar completar as faltas de uma obra de arte danificada atravs da cultura que ele adquiriu no campo iconogrfico especfico no qual ele trabalha. A pgina dez e nove apresenta sucintamente porque outros livros dele con-sagraram questo todo seu espao o necessrio arcabouo terico para uma histria da arte que se respeita:

    No se faz histria da arte sem ferramentas tericas, implcitas ou explcitas:

    no se faz histria da arte sem suposio fenomenolgica (onde reside o ato

    do sujeito pintor? O que ela d a olhar?) e sem suposio esttica (onde est o

    6DIDI-HUBERMAN, Georges. Fra Angelico. Dissemblance et figuration. Paris: Flam-marion, 1995. p. 10. (Col. Champs)7DIDI-HUBERMAN, op. cit., p. 19.

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    ato do sujeito do olhar? O que ele d a entender?). No se faz histria da arte

    sem suposio antropolgica (em que as imagens servem aos homens? Em que

    isto concerne a eles profundamente?) e sem suposio semiolgica (de que

    maneira um toque de pintura significa?) Melhor, portanto, construir todas essas

    suposies no decorrer daquilo que o objeto impe, em vez de se submeter a

    elas pretendendo proferir nenhuma delas.8

    A mesma questo do olhar motiva Daniel Arasse em O detalhe. Por uma histria mais prxima da pintura, 1992. Aps ter dito que essa questo leva escolha de que olhar e de que valorizar, ele lembra, atravs de Ken-neth Clark, um certo tipo de relao da histria da arte com o detalhe, para melhor levantar sua problemtica. O detalhe seria ou no descarte, deslize, tropeo? Na verdade, o detalhe representa o desafio por excelncia para o discurso crtico, pois ele a potica mesma da pintura. Qual , portanto, o estatuto do detalhe se ele foi visto durante muito tempo como aquilo que toda anlise iconogrfica devia reabarcar, redimir, resgatar na sntese final da interpretao e se ele for, tambm, o todo da pintura como soma dos detalhes? A histria francesa da arte gosta daquilo que resiste apropriao imediata do discurso, para melhor trabalhar na dimenso do limite, dos con-fins e das zonas fronteirias. Arasse o sugere bem quando ao analisar em uma Anunciao de Antonello da Messina (1474) tal detalhe pictrico quase invisvel e aparentemente negligencivel, que mostra o Esprito Santo sob a forma de uma colomba branca e de uma outra, vermelha , pergunta:

    Devemos no dizer nada enquanto no tivermos encontrado uma explicao

    objetiva (um texto ou um documento) que desse conta desta singularidade

    perturbante de um duplo Esprito Santo? Isto implicaria supor que tal explicao

    existe. Seria, depois, colocar a objetividade do quadro fora do objeto mesmo

    que o quadro. Seria, enfim, fazer uma histria singular, que levaria em conta

    apenas o que lhe convem, por ela poder dar conta dele.9

    Arasse concede pesquisa iconogrfica e ao trabalho da atribuio sua importncia quando diz que o estudo do detalhe na pintura um mo-mento necessrio, mas confessa estar mais interessado no na superioridade do saber sobre o ver motivo e crtica que Didi-Huberman enuncia sem parar nos mesmos anos 1980-90 mas na capacidade de o detalhe abrir o enigma do visual, de sua produo, de sua recepo, de sua economia

    8DIDI-HUBERMAN, op. cit., p 19.9ARASSE, Daniel. Le dtail. Pour une histoire rapproche de la peinture. Paris: Flam-marion, 1996, p. 9. (Col. Champs)

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    semitica e simblica. Baseando-se na termonologia italiana que prope duas palavras para

    dizer detalhe particolare e dettaglio , Arasse diz que a dimenso biface da categoria permite abrir uma reconsiderao do conceito de imitao, articu-lando as noes de iconicidade e de picturalidade para remeter aos poderes complexos da imagem. Isto mostra que a histria da pintura, na forma de uma histria das funes particulares que o detalhe pode ter tido [] tanto no curso de sua gestao quanto no de sua percepo10, tambm uma histria dos conceitos e das categorias que essa histria veiculou:

    A questo da imitao ela mesma e da diferena, rapidamente afirmada, entre

    imitao e cpia []; portanto, tambm a questo da escolha dos detalhes, da

    bela natureza e de seus ideais (metafsicos ou polticos); tambm a da iluso e

    da verdade (inclusive cientfica) da representao pintada sem nos esquecer-

    mos do efeito anedtico, sentimental, pattico ou devoto do detalhe Uma

    histria do detalhe impossvel.11

    Quando Arasse escreve que o pintor deve especificar o aspecto desse

    duplo que ele prope vista, particulariz-lo para faz-lo ver na sua seme-lhana com o objeto real12, ele faz da histria da pintura tambm a histria de um projeto artstico ele mesmo inseparvel de um leque de questes que este projeto convoca dentro da operao artstica e nas quais esta operao se insere como no seu contexto. o que ele chama de articulaes histri-cas ou de escolhas estticas.13

    Prefcio potente, enfim, aquele que Hubert Damisch escreveu para sua Origem da perspectiva, publicada em 1987. Damisch prope reexami-nar a questo da perspectiva artificialis, sua fortuna crtica, epistemolgi-ca, cientfica e filosfica, sob uma nova luz. inclusive comovente ver como a primeira pgina, de maneira ou consciente ou no, adota um tom que lem-bra imediatamente o estilo nobre e elegante de Descartes no seu Discurso do mtodo, modelo clssico de encaminhamento filosfico do questionamento a respeito do conhecimento. Damisch diz duvidar da situao na qual a perspectiva se encontra hoje no campo crtico e historiogrfico que lhe diz respeito, mesmo depois das ocorrncias do paradigma perspectivista no texto contemporneo14 com Foucault e Lacan. Nada de srio, diz ele, foi

    10Ibidem, p.111Ibidem, p. 1312ARASSE, op. cit., p. 1313ARASSE, op. cit., p. 13. 14DAMISCH, Hubert. Origine de la perspective. Paris: Flammarion, 1994. p. 8. (Col. Champs)

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    feito depois deles para modificar notadamente o fato de a perspectiva passar por arcaica na arte, ao mesmo tempo que, como modelo de pensamento, ela continua agindo em vrios domnios do conhecimento. Com a perspecti-va, trata-se de um amplo contexto epistemolgico e cultural prprio a vrias ordens do saber ocidental.

    Damisch passa pelas derrapagens da uma certa crtica da fotografia ou do cinema que evacua manu militari a perspectiva como o diabo nas imagens, diabo datado que, segundo alguns, teria dotado a foto e o cinema de um carcter ideolgico nocivo, burgus. Ora, trata-se na fotografia de um mecanismo de criao de imagens objetivas que s podem gerar algo ide-olgico atravs do esquecimento ou da denagao de que seu dispositivo se regula, sim, sobre o cdigo perspectivista. Questo: a camara fotogrfica, se for um dispositivo ideolgico, o seria como mecanismo tcnico de captao fsica e objetiva da realidade ou porque a perspectiva como cdigo continua a regul-la? Importante, porque a perspectiva e foi a ocasio, o lugar e o instrumento de um trabalho do pensamento que no pode se contentar hoje de dot-la de um carcter histrico apenas conjuntural. Damisch lembra por exemplo que a perspectiva dos pintores viu seu campo de impacto amplia-do no campo matemtico, posteriormente, com a geometria descritiva e a geometria projetiva.

    Como diz Damisch, trata-se de pensar e fazer uma histria

    que no pretenderia fornecer a ltima palavra a propsito de tudo, que no

    saberia ser praticada enquanto tal, seno sob a condio expressa de que o ter-

    mo que d seu nome a essa disciplina [a arte] para ela fizesse problema e no

    passasse por natural, e que a questo dos diferentes usos aos quais ele [o nome

    de arte] se presta, como a de sua significao ltima, ficasse constantemente

    presente no horizonte da pesquisa, como a que constitui seu recproco: se exis-

    te histria, do que a histria? Com essa consequncia que a histria nunca

    seja melhor ela mesma que l onde ela se mede com objetos que escapam por

    parte a suas presas e impem de modular novamente seu conceito.15

    A perspectiva um paradigma que age acima do tempo evolucio-nista. No corresponde a uma formao cultural datada, mas seu impacto

    15DAMISCH, op. cit., p.14. Assinalamos aqui que, desde que integramos o Comit Brasileiro de Histria da Arte em 2002, metade de nossas intervenes durante os colquios no XXII em 2002, em Porto Alegre, no XXIV, em 2004, em Belo Hori-zonte, se procuraram contribuir a uma reflexo acerca daquilo que Hubert Damisch formula nesta citao. 16DAMISCH, op. cit., p.17

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    se fez sentir bem alm do domnio regional no qual, antes, ela se imps (o da pintura), sem hoje ter perdido do seu poder de informao, nem de sua potncia de solicitao.16 Com a perspectiva, trata-se:

    Do modo de ser, eminentemente paradoxal, de um tipo de objetos e de dispo-

    sitivos [ paradigmticos] que atravessam a histria [] pelo simples fato de

    que funcionam como tantos modelos para o pensamento que se regula a partir

    deles, que se joga deles nos mais diversos campos e que no se desmonta num

    certo momento [] porque dizem que so ultrapassados [] Destes objetos,

    destes dispositivos [] a perspectiva oferece uma amostra privilegiada17.

    Essa sentena de Damisch vai ao encontro do tema florescente hoje na historiografia francesa da arte, o de anacronismo que assinalamos no fim do nosso prefcio ao livro de Didi-Huberman acima citado, a partir da filo-sofia da histria de Walter Benjamin, vinculada ao conceito de Jetztzeit. Tra-ta-se de um conceito que se tece dentro de uma filosofia da histria, de seus ritmos, de seus intervalos, de suas visibilidades e de suas imprevisibilidades, do desaparecimento e do ressurgimento intempestivos de certos enunciados culturais. A ltima contribuio sistemtica de um historiador da arte ao questionamento das concepes crticas acerca do tempo da histria e da histria como tempo precisamente o livro de Didi-Huberman.18 O que faz o historiador da arte perante o tempo? Que atitude epistemolgica a sua? As perguntas so infindveis. Cada poca tem suas respostas.

    17Ibibem, p.15 e 1618DIDI-HUBERMAN, Georges. Devant le temps. Paris: Seuil, 2000. (Col. Critique)

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