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CENTRO UNIVERSITÁRIO UNA INSTITUTO DE EDUCAÇÃO CONTINUADA, PESQUISA E EXTENSÃO MESTRADO EM GESTÃO SOCIAL, EDUCAÇÃO E DESENVOLVIMENTO LOCAL Sther Mendes Cunha SABERES E PRÁTICAS DESENVOLVIDAS PELO CONSELHEIRO TUTELAR: um estudo em Belo Horizonte -MG Belo Horizonte 2013

Sther Mendes Cunha SABERES E PRÁTICAS DESENVOLVIDAS

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Page 1: Sther Mendes Cunha SABERES E PRÁTICAS DESENVOLVIDAS

CENTRO UNIVERSITÁRIO UNA

INSTITUTO DE EDUCAÇÃO CONTINUADA, PESQUISA E EXTENSÃO

MESTRADO EM GESTÃO SOCIAL, EDUCAÇÃO E DESENVOLVIMENTO

LOCAL

Sther Mendes Cunha

SABERES E PRÁTICAS DESENVOLVIDAS PELO CONSELHEIRO

TUTELAR: um estudo em Belo Horizonte -MG

Belo Horizonte

2013

Page 2: Sther Mendes Cunha SABERES E PRÁTICAS DESENVOLVIDAS

Sther Mendes Cunha

SABERES E PRÁTICAS DESENVOLVIDAS PELO CONSELHEIRO

TUTELAR: um estudo em Belo Horizonte -MG

Dissertação apresentada ao programa de

Mestrado em Gestão Social, Educação e

Desenvolvimento Local do Centro

Universitário UNA, como requisito

parcial para obtenção do título de mestre.

Área de concentração: Inovações Sociais,

Educação e Desenvolvimento Local.

Linha de pesquisa: Processos políticos

sociais: articulações institucionais e

desenvolvimento local

Professora Orientadora: Dra. Eloisa

Helena Santos

Belo Horizonte

2013

Page 3: Sther Mendes Cunha SABERES E PRÁTICAS DESENVOLVIDAS

Para minha sobrinha Ana Cláudia, que partiu cedo demais, e para Arthur,

que ainda está por vir!

Page 4: Sther Mendes Cunha SABERES E PRÁTICAS DESENVOLVIDAS

AGRADECIMENTOS

“Nada há como começar para ver como é árduo concluir.”

Victor Hugo

A Deus pela presença, providência e proteção constante perante as fraquezas e

cansaços.

Ao meu marido, Vilmar Oliveira, companheiro de todas as horas. Sempre presente

nesta caminhada, alimentou meus ideais, compartilhou minhas angústias, compreendeu

pacientemente meu nervosismo e falta de tempo. Obrigada por sonhar comigo, pois o seu

amor, estímulo e carinho me deram a força que precisava para prosseguir. Essa conquista

também é sua! Te amarei para sempre!

A Luciana Lemos Antunes, colega de profissão, companheira e amiga-irmã de

todas as horas, faz parte da família que escolhi ter. Suas palavras de incentivo e ânimo me

fizeram, nestes quase dez anos de amizade, uma pessoa muito melhor. Nem a distância, que

nos separa fisicamente, é capaz de diminuir tamanha admiração e amor que tenho por você.

A minha família, especialmente minha mãe, Ana Maria, irmãos e sobrinhos, que

mesmo distantes estiveram tão próximos, me incentivando com palavras de apoio e com um

sorriso amoroso sempre a me encorajar, fazendo com que alcançasse o objetivo almejado.

As amigas Adriana Luppis e Grazielle Rodrigues, que desde os tempos em que

estávamos na graduação em Serviço Social, sonharam e compartilharam comigo a perspectiva

do mestrado.

Aos colegas de trabalho do curso de Serviço Social do Centro Universitário

Metodista Izabela Hendrix e da Faculdade FAMINAS/BH, que compartilharam comigo todas

as fases vividas neste mestrado, sempre me nutrindo apoio e palavras de ânimo, em especial à

Jackeline Bonifácio.

Aos alunos dos cursos de Serviço Social por onde trabalhei - Montes Claros,

Janaúba, Divinópolis e Belo Horizonte -, que nestes oito anos de docência, mesmo

inconscientemente, me incentivaram e me provocaram a adquirir mais conhecimento.

Aos colegas do mestrado, pelo conhecimento e experiências compartilhadas nas

aulas, que foram de grande valia para construção dessa dissertação e que levarei para toda

vida. O que aprendi e vivi com cada um de vocês "não tem preço"! Sentirei muitas saudades!

Em especial, a querida Narjara Garajau, pelo companheirismo e amizade.

Page 5: Sther Mendes Cunha SABERES E PRÁTICAS DESENVOLVIDAS

Aos professores deste programa de mestrado, que tanto contribuíram com o meu

conhecimento neste período. Levarei este aprendizado para toda vida! Em especial, aos

professores Drº Cláudio Magalhães, Drª Andréa Fuchs, Drª Rosalina Braga e Drª Aurea

Tomazi, pela delicadeza, competência e oportunidade de aprendizado.

A professora Drª Eloisa Helena Santos, pela preciosa contribuição na construção

dessa dissertação. Agradeço a confiança, compreensão, delicadeza e o permanente estímulo

que se tornaram decisivos na elaboração dessa dissertação.

Aos conselheiros tutelares de Belo Horizonte que participaram desta pesquisa,

pela receptividade, confiança e experiências compartilhadas.

Page 6: Sther Mendes Cunha SABERES E PRÁTICAS DESENVOLVIDAS

Apenas quando somos instruídos pela realidade é que podemos mudá-la.

Bertolt Brecht

Somos a força-motriz, a alavanca,

a massa, o braço forte do brasil.

somos o alicerce da pátria,

o piso, o teto, a parede.

Somos o gol, a vitória,

a força que levanta,

sustenta e balança a rede.

Somos a razão da luta

e a luta é nossa razão...

Somos muitos e seremos tudo

o que quisermos ser,

sobretudo se fizermos por assim ser.

Não há crise que nos resista,

porque só o trabalho pode baixar a crista

de qualquer crise, em qualquer tempo,

por mais que a crise insista.

Somos o trabalho, a produção,

a renda, o lucro, a prenda.

sem nós a riqueza fica difícil!

então, vivas pra todos nós

que somos senhores e senhoras do mundo,

a fábrica da força

capaz de manter a luz acesa,

de manter viva a esperança.

Então, viva a nossa força!

Gonzaga Medeiros, poeta do Vale do Jequitinhonha.

Page 7: Sther Mendes Cunha SABERES E PRÁTICAS DESENVOLVIDAS

RESUMO

Foram impressas, tanto na Constituição de 1988, como no Estatuto da Criança e do

Adolescente em 1990, propostas de ampliação política da sociedade civil por intermédio de

processos de descentralização político-administrativa que configuram uma nova

institucionalidade na área da infância e juventude no Brasil. Neste cenário, é que emergem os

Conselhos Tutelares, órgãos que têm a função de cuidar para que os direitos das crianças e

adolescentes não sejam violados. A presente dissertação de mestrado buscou conhecer os

saberes e práticas desenvolvidas pelo conselheiro tutelar em Belo Horizonte, pelo referencial

da Ergologia. Optou-se pela abordagem qualitativa e uma pesquisa de tipo descritiva

composta das fases bibliográfica, documental e empírica. Quatro conselhos tutelares de Belo

Horizonte constituíram o locus da pesquisa e, para explicitar o objeto de estudo, foram

selecionados oito conselheiros tutelares como sujeitos. Procurou-se conhecer os saberes e

práticas desenvolvidos por estes trabalhadores (as) como alternativa para enfrentar os desafios

postos pelas frágeis prescrições que se manifestam, principalmente, nas imprecisões contidas

no Estatuto da Criança e do Adolescente –ECA (1990) e no Regimento Interno dos Conselhos

Tutelares de BH (2009). Os resultados apontaram para a existência de um esforço cotidiano,

por parte dos conselheiros, para preencher as lacunas existentes entre o trabalho prescrito,

consubstanciado em Leis e Resoluções, bem como numa insuficiente, senão inexistente

qualificação, e o trabalho real, que os convoca a dar eficiência ao Sistema de Garantia de

Direitos - SDG do município de Belo Horizonte. A partir destes resultados, foi construída

uma proposta de intervenção com o objetivo de compor Grupos de Encontro do Trabalho -

GRTs, que sob o pressuposto do diálogo, reunirá os principais atores responsáveis pela

Política de Atendimento à Criança e ao Adolescente em BH, em particular, os conselheiros

tutelares.

Palavras-chave: Estatuto da Criança e do Adolescente. Atividade de Trabalho do

Conselheiro Tutelar. Ergologia. Saberes e Práticas do Conselheiro Tutelar.

Page 8: Sther Mendes Cunha SABERES E PRÁTICAS DESENVOLVIDAS

ABSTRACT

Proposals of broadening civil society’s political action through decentralizing political-

administrative process that configures a new institutionalization of children and teenager’s

field in Brazil were register in 1988 Constitution. Tutorial Councils emerge from this

scenario, and they are boards to prevent violations to children and teenagers rights in Brazil.

This dissertation sought to unveils knowledge and practices developed by the Belo

Horizonte’s tutorial council from the Ergology referential. It was an option of qualitative

approach and a descriptive research composed by bibliography, documental and empirical

phases. Four Belo Horizonte’s tutorial councils were chosen as research loci, and to

emphasize the study goal, eight counselors were chosen as subjects. It sought to highlight

knowledge and practices developed by these workers as alternatives to face the challenges

posed by the fragile indications from the SCT (1990) – Statute for Children and Teenagers –

and from the Tutorial Councils’ Internal Regulations (2009). The results indicated to the

existent of a daily effort, from staff workers, in order to fill up the existent gaps between the

job prescriptions, which are embodied into Laws and Resolutions, as well as onto an

insufficient, if not non-existence qualification, and to real job conditions, which ask workers

to assuring efficiency to the RGS – Rights Guaranty System – of Belo Horizonte city. From

these results an intervention by Meetings Group Work – GRTs – was proposed, that under the

premise of a dialog that could unite the main actors responsible for the Children and

Teenagers Policy Attendance in Belo Horizonte, specially, concerning the tutorial counselors.

Key words: Statute for Children and Teenagers. Tutorial Counselors Working Activity.

Ergology. Knowledge and Practices of Tutorial Counselors.

Page 9: Sther Mendes Cunha SABERES E PRÁTICAS DESENVOLVIDAS

LISTA DE ILUSTRAÇÕES

FIGURA 1 -

FIGURA 2 -

QUADRO 1 -

Mapa de Belo Horizonte - MG.................................................................. 21

Dispositivo Dinâmico e Três Polos – DD3P.............................................. 54

Sistema de Garantia de Direitos................................................................. 34

Page 10: Sther Mendes Cunha SABERES E PRÁTICAS DESENVOLVIDAS

10

LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS

ANCED Associação Nacional dos Centros de Defesa da Criança e do Adolescente

BH Belo Horizonte

CDCA Conselho dos Direitos da Criança e do Adolescente

CEDCA Conselho Estadual dos Direitos da Criança e do Adolescente

CF/88 Constituição Federal de 1988

CMDCA Conselho Municipal dos Direitos da Criança e do Adolescente

CONANDA Conselho Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente

CT

DD3P

Conselho Tutelar

Dispositivo Dinâmico a Três pólos

GRTs Grupos de encontro do trabalho

FMI Fundo Monetário Internacional

ECA Estatuto da Criança e do Adolescente

FEBEM Fundação Estadual do Bem-Estar do Menor

FUNABEM Fundação Nacional do Bem-Estar do Menor

GRANBEL Associação dos Municípios da Região Metropolitana de Belo Horizonte

ONU Organização das Nações Unidas

PNABEM Política Nacional do Bem-Estar do Menor

SAM Serviço de Assistência ao Menor

SGD Sistema de Garantia e Direitos

SIPIA Sistema de Informação para Infância e Adolescência

MOI Movimento Operário Italiano

PBH Prefeitura de Belo Horizonte

Page 11: Sther Mendes Cunha SABERES E PRÁTICAS DESENVOLVIDAS

11

SUMÁRIO

1

1.1

INTRODUÇÃO........................................................................................................

Metodologia................................................................................................................

12

19

1.1.2 Procedimentos de coleta e análise de dados.............................................................. 20

1.2 Estruturação dos capítulos......................................................................................... 24

2 REFERENCIAL TEÓRICO................................................................................... 26

2.1 Política de atendimento à criança e ao adolescente no Brasil: da situação irregular

à proteção integral .....................................................................................................

26

2.1.1 O “direito do menor” reconhecido pelo Estado nos Códigos de Menores:

fundamento nos princípios da “situação irregular”..................................................

26

2.1.2

2.1.3

2.1.4

2.1.5

2.2

2.2.1

2.2.2

2.2.3

A Constituição Federal de 1988 e a regulamentação do ECA em 1990:

fundamento nos princípios da proteção integral .......................................................

A estruturação da política de atendimento à criança e ao adolescente no Brasil a

partir do ECA: enfoque no conteúdo, no método e na gestão....................................

O lugar do Conselho Tutelar na defesa dos direitos da infância e juventude...........

A atividade de trabalho exercida pelo conselheiro tutelar........................................

Saberes e práticas desenvolvidas pelo conselheiro tutelar: perspectiva ergológica

de estudo ....................................................................................................................

A abordagem ergológica: conceito e perspectiva de análise.....................................

O reconhecimento da distância entre o trabalho prescrito e o trabalho real............

O Dispositivo Dinâmico a Três Polos - DD3P...........................................................

30

32

36

40

44

45

49

52

3 ARTIGO DE RELATO DE PESQUISA................................................................ 57

4 PRODUTO TÉCNICO............................................................................................. 92

REFERÊNCIAS........................................................................................................ 105

ANEXO A: Termo de Consentimento Livre e Esclarecido.......................................

ANEXO B : Regimento Interno dos Conselhos Tutelares de Belo Horizonte .........

111

112

APÊNDICE A: Questionário - Informações socioeducacionais do Conselheiro

Tutelar de Belo Horizonte - MG.................................................................................

116

APÊNDICE B: Entrevista semiestruturada – Saberes e Práticas Desenvolvidas

pelo Conselheiro Tutelar em Belo Horizonte - MG...................................................

121

Page 12: Sther Mendes Cunha SABERES E PRÁTICAS DESENVOLVIDAS

12

1 INTRODUÇÃO

Enxergar a evolução da demanda social e a gravidade do frequente desrespeito aos

direitos da infância e juventude no Brasil traz à mente a importância da aprovação do Estatuto

da Criança e do Adolescente - ECA (BRASIL, 1990) e a implantação dos Conselhos Tutelares–

CT (BRASIL, 2010b), órgãos autônomos e não jurisdicionais destinados a zelar para que os

preceitos dessa lei não sejam desrespeitados.

O desenvolvimento de políticas de atendimento voltadas à infância e adolescência

no Brasil, a partir dos preceitos do ECA, tem acompanhado o processo de democratização do

país. A Constituição Federal de 1988 - CF/88 (BRASIL, 1988) trouxe avanços significativos

para o sistema político-social brasileiro e, ao menos no plano jurídico-formal, consagrou o

Estado Democrático de Direito no país, depois de um regime ditatorial de mais de duas

décadas.

O processo para se chegar à aprovação e promulgação dessa Constituição,

conhecida também como Constituição Cidadã, não foi uma tarefa fácil. É uma história de

conflitos e lutas políticas travadas entre diferentes agentes sociais e organizações

representativas, tanto do Estado como da sociedade.

Acompanhando esse processo de redemocratização, a construção de uma política

de direitos voltada para a infância e juventude brasileira percorreu um caminho igualmente

árduo, foi apenas por intermédio de um movimento político, iniciado por volta de 1985,

espalhado por vários estados da federação e articulado no bojo da sociedade civil. Dentre

estes movimentos, se destacaram o Movimento Nacional dos Meninos e Meninas de Rua e a

Pastoral do Menor (ALENCAR, 1997, p. 33-52), e contribuíram para que a criança e o

adolescente fossem reconhecidos na Carta Constitucional (BRASIL, 1988), em seus artigos

227 e 228 como prioridade absoluta, sendo a família, o Estado e a sociedade os responsáveis

pela defesa dos direitos contidos nesses artigos.

A aprovação do ECA, em 1990, significou um avanço democrático de suma

importância, tendo em vista que os períodos sócio-históricos que antecederam a CF/88, como

observa Meirelles (2005, p. 85), “[...] não primaram, em nenhuma circunstância política ou

legal, o envolvimento popular no comando e ações deliberativas, diretivas e fiscalizadoras na

condução e planejamento de questões políticas, econômicas e sociais”.

Amparado nos artigos 227 e 228 da CF/88(BRASIL, 1988), o Estatuto

proporcionou mudanças no conteúdo, no método e na gestão dos programas de atendimento e

nas técnicas da política pública social destinada à infância e juventude. Isso contribuiu para

Page 13: Sther Mendes Cunha SABERES E PRÁTICAS DESENVOLVIDAS

13

que crianças e adolescentes não fossem mais tratados como objetos de intervenção disciplinar

(técnica ou jurídica) por parte da família, da sociedade e do Estado, passando a terem

fundamental importância as potencialidades e as limitações de cada fase do seu

desenvolvimento pessoal e social.

Dessa forma, foram impressas, tanto na CF/ 88 (BRASIL, 1988) como no ECA

(BRASIL, 1990), propostas de ampliação política da sociedade civil por intermédio de

processos de descentralização político-administrativa que configuram uma nova

institucionalidade na área da infância e juventude no Brasil. O que possibilitou a abertura de

espaço para participação popular no planejamento, deliberação e fiscalização das ações

estatais desenvolvidas pelas políticas públicas sociais.

Nesse cenário é que emergem os Conselhos Tutelares, previstos entre os artigos

131 e 140 do ECA, órgãos representativos da sociedade civil no âmbito municipal, e seus

membros são eleitos pelo voto não obrigatório da comunidade a que se destina seu

atendimento. Assim, este Conselho se inscreve como possibilidade de uma nova forma de

controle social, na perspectiva da transformação política e social no Brasil, já que supõe uma

cidadania participativa, além da representativa.

O ECA (BRASIL, 1990) concebe diretrizes que indicam uma mudança do

enfoque doutrinário da “situação irregular”1– prevista no Código de Menores de 1979, para a

“proteção integral”. Isso implica constatar que transformações, ao menos no plano jurídico-

formal, ocorreram na essência da política de atendimento à criança e ao adolescente no Brasil.

Esta constatação acontece em razão da ampliação da abrangência de políticas públicas sociais,

como educação, saúde e assistência social, fazendo com que os novos destinatários dessa

legislação não fossem apenas “os menores em situação irregular”, mas todas as crianças e

adolescentes do país.

Para a garantia dos direitos das crianças e adolescentes previstos nessa Lei, é

fundamental a criação dos Conselhos dos Direitos da Criança e Adolescente e dos Fundos dos

Direitos da Criança e Adolescente, por meio de uma conta aberta em banco oficial para

movimentação dos seus recursos financeiros, ambos em âmbito municipal, estadual e federal,

e ainda do Conselho Tutelar, em âmbito local.

1O termo “doutrina da situação irregular”, que advém do Instituto Interamericano Del Niño, órgão da

Organização dos Estados Americanos (OEA), teve sua formulação teórica atribuída ao jurista argentino

Ubaldino Calvento e corresponde a um estado de patologia social, entendida de forma ampla. Na “patologia

social”, se encontram os jovens em situação de risco, que necessitam ser tratados de acordo com o Código de

Menores, sem levar em consideração a situação de pobreza em que vivem e a falta de políticas públicas sociais

por parte do Estado (COSTA, 2007).

Page 14: Sther Mendes Cunha SABERES E PRÁTICAS DESENVOLVIDAS

14

Os Conselhos dos Direitos da Criança e Adolescente - CDCA devem ser

compostos por representantes do governo e da sociedade civil de forma paritária e são

responsáveis pela formulação de ações necessárias para a concretização das políticas públicas

sociais voltadas para a infância e adolescência. Ao órgão cabe ainda coordenar o processo de

escolha dos membros do Conselho Tutelar que, por sua vez, segundo o art. 132 do ECA

(BRASIL, 1990), deve ser composto por cinco membros escolhidos pela comunidade local

para mandato de três anos, sendo permitida pela lei apenas uma recondução.

Segundo a pesquisa nacional “Conhecendo a Realidade”2, realizada entre

fevereiro e novembro de 2006, já existem 4.480 Conselhos Tutelares instalados nos 5.564

municípios brasileiros, o que representa uma parcela de 88%. Essa pesquisa aponta também

que já existem Conselhos Tutelares em todos os estados da federação e no Distrito Federal.

Em Minas Gerais, segundo informações do Conselho Estadual dos Direitos da

Criança e do Adolescente - CEDCA3, somente quatro dos 853 municípios não possuem CT,

sendo que em um destes, o conselho está em fase de estruturação. Existe no Estado um total

de 876 CTs e, alguns municípios possuem mais de um Conselho, como é o caso da capital do

estado, Belo Horizonte, que possui nove, e do município de Contagem (MG), que possui

cinco, instituídos conforme configuração geográfica e administrativa dessas cidades.

Os CTs devem possuir três funções essenciais: a requisição de serviços aos órgãos

governamentais e não governamentais de atendimento, a petição ao Ministério Público e a

fiscalização de entidades de atendimento. Esta funções são preconizadas pelo ECA (BRASIL,

1990) e pela Resolução 139/2010 do Conanda (BRASIL, 2010b) – que dispõe sobre os

parâmetros para criação e funcionamento dos Conselhos Tutelares do Brasil.

Além disso, a partir da demanda apresentada ao CT, cumpre-lhe subsidiar com

fatos, dados e informações a elaboração do plano de ação do município nessa área pelo

Conselho Municipal dos Direitos da Criança e do Adolescente - CMDCA.

Pode-se concluir que o CT tem uma função de grande relevância para toda a

sociedade: a de zelar, ou seja, de cuidar para que os direitos das crianças e adolescentes no

Brasil não sejam violados.

2Pesquisa realizada pela Secretaria Especial dos Direitos Humanos da Presidência da República - SEDH/PR e

pelo Conselho Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente - Conanda, por meio do Centro de

Empreendedorismo Social e Administração em Terceiro Setor - CEATS, da Fundação Instituto de

Administração. Conforme informações obtidas na página online do Conanda,

http://www.direitoshumanos.gov.br/conselho/conanda, uma nova pesquisa “Conhecendo a Realidade” está em

andamento, com previsão de divulgação para o primeiro semestre de 2012. 3 Informe repassado verbalmente pela secretária executiva do Conselho Estadual dos Direitos da Criança e do

Adolescente de Minas Gerais em outubro de 2010.

Page 15: Sther Mendes Cunha SABERES E PRÁTICAS DESENVOLVIDAS

15

O ECA (BRASIL, 1990) indica ainda, em seu artigo 133, que qualquer pessoa

pode se candidatar a membro do Conselho Tutelar, desde que tenha reconhecida idoneidade

moral, idade superior a 21 anos e que resida no município onde pretende se candidatar.

Presume-se, nesse contexto, que para ser membro desse Conselho não seja necessária

nenhuma formação específica ou graduação.

Entende-se que a promulgação do ECA e a instituição de CT significa um avanço

democrático de suma importância, mas a sua instituição por si só não altera a realidade. Será

preciso que no cotidiano institucional dos conselheiros tutelares se efetivem ações que

materializem os princípios da “Proteção Integral” firmados nesta Lei. E ainda, para que além

de um novo paradigma jurídico-social, se tenha também um novo paradigma assistencial

baseado em ações e atividades que contribuam para que os sujeitos possam ter assegurada

uma condição de sobrevivência em sua plenitude.

Embora os CTs apresentem um grande potencial de efetivação da política de

atendimento à criança e ao adolescente, ele apresenta problemas que merecem ser

enfrentados. Apresenta-se abaixo, alguns elementos de um cenário que constituiu o problema

que deu origem a esta pesquisa.

Importantes estudos no âmbito, principalmente, das Ciências Jurídicas, das

Ciências Políticas e das Ciências Sociais Aplicadas apontam o CT como uma das principais

ou únicas referências, em nível municipal, das famílias, das escolas, dos hospitais, do poder

público, entre outras instituições. Procuram o conselho quando necessitam de orientações

referentes aos direitos, deveres e, sobretudo, em razão dos encaminhamentos que realizam –

ou deveriam realizar – quando da existência de violação de direitos de crianças e

adolescentes.

Pode-se ainda observar que a literatura especializada sugere, em vista dos

resultados de pesquisas empíricas, a necessidade, tanto por parte dos conselheiros quanto das

pessoas que o procuram, de maior clareza a respeito de suas atribuições, e muitas vezes são

adotadas de forma naturalizada, sem refletir no movimento que as produziu e nos efeitos que

produzem. Nesse contexto, observam Nascimento e Scheinvar (2007, p.154) que

São comuns casos em que a atuação do conselho visa definir: o valor de pagamento

de pensão, qual dos pais deve ficar com a guarda dos filhos, que situações de

violência sexual devem ser encaminhadas à justiça e quais serão dirimidas dentro do

conselho, o julgamento sobre o comportamento sexual dos jovens e a forma como

este deve ser. Acrescente-se que muitas vezes, além de definir essas condutas, os

conselhos apontam aos pais a possibilidade de perderem a guarda dos filhos, caso

não obedeçam aos encaminhamentos propostos, chegando a formular ‘contratos’ em

que as partes assinam um compromisso de se comportarem ‘adequadamente’.

(NASCIMENTO; SCHEINVAR, 2007, p.154).

Page 16: Sther Mendes Cunha SABERES E PRÁTICAS DESENVOLVIDAS

16

Existem alguns problemas em relação ao trabalho dos Conselheiros Tutelares que

podem estar relacionados, por exemplo, a falta de compreensão das atribuições dos conselhos,

tanto por parte de seus membros quanto por parte da sociedade em geral, dos órgãos públicos

e também do poder judiciário. Algumas pessoas e instituições confundem o CT com política

de atendimento, ou seja, como um órgão responsável pela solução de problemas como guarda,

falta de alimentação, de recursos financeiros, etc., não o entendendo na verdade como um

órgão que deve requisitar medidas que as instituições deveriam tomar e que, algumas vezes,

não tomam.

Outros ainda entendem o CT como o único órgão capaz de defender os direitos da

infância e juventude, não compreendendo que é dever de toda a sociedade, como preconiza o

ECA: “é dever da família, do Estado e da sociedade [...]”(Art. 227 da CF/884 e Art. 4° do

ECA5). Como bem aponta Souza (2002, p. 112), “[...] todos têm de saber qual o uso de cada

um. O Conselho Tutelar, o Ministério Público, o juizado e etc. O uso não é o que cada um

quer fazer, mas o que cada um deve cumprir”.

Faz-se relevante observar que a necessidade de qualificação permanente dos

Conselheiros – para melhor compreensão, interpretação e aplicação do ECA – deve ser

considerada não somente pelo fato de serem pessoas da comunidade, que não necessariamente

necessitem de qualificação profissional para ocupação do cargo, mas pelo fato de que existe

uma rotatividade dos membros desse órgão. Um mandato, segundo o ECA, equivale a quatro

anos, sendo permitida apenas uma recondução, quer dizer, mudam-se os membros, não os

problemas demandados ao CT.

E ainda, como explicitado anteriormente, o conselheiro tutelar tem a função de

zelar pelos direitos das crianças e dos adolescentes. Para que isto aconteça, é necessário que

seus membros conheçam esses direitos, ou melhor dizendo, conheçam a constituição do

Sistema de Garantia de Direitos – SGD e sua eficiência ou não em nível municipal.

Para tal conhecimento, é necessário que os conselheiros desenvolvam e

convoquem saberes não somente sobre o ECA, mas também sobre as legislações correlatas,

como a Constituição Federal de 1988, leis e resoluções que envolvam os interesses da infância

e juventude em âmbito municipal, estadual e federal, sobre Direitos Humanos, rede de

atendimento e administração pública, entre outros. Esses elementos podem ser somados às

observações de Bragaglia (2002), ao afirmar que:

4 BRASIL, 1988. 5 BRASIL, 1990.

Page 17: Sther Mendes Cunha SABERES E PRÁTICAS DESENVOLVIDAS

17

O inusitado das situações cotidianas que chegam ao Conselho Tutelar, a diversidade

das relações estabelecidas, as múltiplas habilidades que dele são exigidas e face das

situações com que ele lida cotidianamente, a diversidade de interesses dos agentes

sociais que interagem, os velozes e inusitados percursos que assumem as situações

em que atende são uns dos elementos que evidenciam a complexidade da realidade

em que se inscreve esse órgão (BRAGAGLIA, 2002, p. 158).

Considerando as atribuições especificadas em Lei (artigo 136 do ECA / BRASIL,

1990), e as lacunas existentes entre a prescrição e a realidade de trabalho do conselheiro

tutelar, o problema de pesquisa identificado a partir dessas percepções iniciais culmina na

questão central do atual projeto de pesquisa e intervenção: “Quais são os saberes e práticas

desenvolvidas pelo conselheiro tutelar capazes de responder às suas atividades cotidianas de

trabalho com vistas a zelar pelos direitos da criança e do adolescente em consonância ao

prescrito no Estatuto da Criança e do Adolescente?”.

Como objetivo geral tem-se: Compreender de que forma os Conselheiros

Tutelares em Belo Horizonte – MG têm desenvolvido saberes e práticas capazes de responder

às suas atividades cotidianas de trabalho com vistas a zelar pelos direitos da criança e do

adolescente em consonância ao prescrito no Estatuto da Criança e do Adolescente. Os

objetivos específicos foram assim definidos: construir o perfil socioeducacional dos

Conselheiros Tutelares de BH –MG; identificar as referências prescritas que orientam os

Conselheiros Tutelares no seu cotidiano de trabalho; investigar saberes e práticas

desenvolvidos pelos Conselheiros Tutelares para responder às exigências de sua atividade de

trabalho e que ainda não foram formalizados.

O Conselho Tutelar é composto por cinco conselheiros indicados pela sociedade

civil e eleitos pelo voto popular. Eles convivem diariamente com a comunidade que os elegeu

e juridicamente não são subordinados ao Poder Executivo ou Judiciário (BRASIL, 1990).

Quando dotado de condições de exercer plenamente suas atribuições, esse Conselho pode se

tornar um poderoso instrumento para a consolidação da política de atendimento à infância e

juventude em nível municipal, posto que é a partir das denúncias chegadas a ele que podem

ser identificadas as demandas que irão contribuir para a construção de políticas públicas

sociais que garantam, promovam e protejam os direitos das crianças e adolescentes.

Nesse cenário, torna-se relevante do ponto de vista social compreender de que

forma os conselheiros tutelares e, nesta pesquisa, mais especificamente, os de Belo Horizonte,

têm desenvolvido saberes e práticas capazes de responder às suas atividades cotidianas de

trabalho com vistas a zelar pelos direitos da criança e do adolescente, uma vez que existe uma

lacuna teórica no entendimento desse processo na literatura especializada.

Page 18: Sther Mendes Cunha SABERES E PRÁTICAS DESENVOLVIDAS

18

A concernente adequação do tema deste trabalho aos eixos de formação do curso,

o Mestrado Profissional em Gestão Social, Educação e Desenvolvimento Local, se constitui

por intermédio do diálogo com a realidade social, a solução de problemas, bem como a

identificação de oportunidades no campo das questões educacionais e político-sociais, a fim

de contribuir no desenvolvimento social6.

Sendo o CT um órgão que integra a rede de atendimento voltada à infância e

juventude, significa que este necessita possuir o compromisso institucional com o pleno

desenvolvimento de políticas de promoção e defesa dos direitos desse segmento social em

âmbito local. Políticas estas na área de educação, de saúde, de assistência social, dentre

outras, procurando contribuir, sobretudo, para o desenvolvimento local.

Não é recente a discussão, tanto por parte da sociedade quanto por parte da

literatura especializada acerca da importância da instituição CT em âmbito local e dos ganhos

que isso representa para a infância, para a juventude e para a sociedade brasileira. Um CT no

uso pleno de suas atribuições relaciona-se à ampliação e garantia da cidadania de toda a

sociedade.

Após revisão bibliográfica realizada pela pesquisadora no campo do

conhecimento sobre a instituição Conselho Tutelar e a atuação de seus membros, pôde-se

verificar que os estudos se propuseram, em boa parte, a tratar desse órgão no contexto da

política de atendimento, na relação que este possui com as gestões municipais, com o

judiciário, com as famílias. Também se pôde verificar que outra parcela desses estudos se

propôs a conhecer as demandas trazidas ao CT, tanto quantitativa quanto qualitativamente, e

os encaminhamentos que lhes foram dados.

Essas observações reforçam a necessidade e importância do objeto de estudo em

questão. O Mestrado em Gestão Social, Educação e Desenvolvimento Local “[...] busca

valorizar saberes da prática; incentiva a organização e a participação social a partir da

dialética local versus global [...], fomenta empreendimentos sociais e a construção de

conhecimentos em rede.” 7

O interesse em conhecer os saberes e práticas desenvolvidos pelos conselheiros

tutelares frente às suas atividades cotidianas de trabalho, aparece na trajetória da pesquisadora

no ano de 2005 quando, em seu trabalho, na qualidade de assistente social e supervisora de

campo, coordenou um projeto de extensão do Curso de Serviço Social das Faculdades Santo

Agostinho de Montes Claros (MG), intitulado “Assessoria e Consultoria em Serviço Social”.

6 Disponível em: <http://www.mestradoemgsedl.com.br/?page_id=2>. Acesso em: 20 set. 2012.

7 Disponível em: <http://www.mestradoemgsedl.com.br/?page_id=16>. Acesso em: 03 nov. 2011.

Page 19: Sther Mendes Cunha SABERES E PRÁTICAS DESENVOLVIDAS

19

Esse projeto teve como objetivo trabalhar, em parceria com as prefeituras do Norte de Minas

e Vale do Jequitinhonha, a qualificação de Conselheiros Tutelares.

Por fim, se faz importante ressaltar que esta pesquisa não objetivou apenas

explicitar e/ou explicar o problema, mas sim apresentar uma proposta de intervenção (objetivo

deste curso de mestrado), entendendo nesse processo que a produção de conhecimento só faz

sentido a partir do momento em que é utilizada para solucionar problemas da sociedade em

que vivemos.

1.1 Metodologia

Minayo (2009, p. 15) entende que a metodologia “[...] inclui concepções teóricas

de abordagem, articulando-se com a teoria, com a realidade empírica e com os pensamentos

sobre a realidade”. Portanto, é fundamental a explicitação das bases teórico-epistemológicas

que fundamentam a pesquisa ora proposta.

Optou-se pela abordagem qualitativa, por entender que a busca de um dado

qualitativamente construído, obtido, sobretudo, por um processo de conversa entre os sujeitos,

é muito mais que um dado objetivo simplesmente (DEMO, 1989). Segundo Demo (1989, p.

28), “a ideia da pesquisa qualitativa conduz ao conceito de intensidade em contraposição

dialética ao de extensão. Contudo, nessa contraposição dialética está implícito que intensidade

e extensão ou qualidade e quantidade não são categorias antagônicas, mas essenciais”.

Demo (1989, p. 148), ao buscar desenvolver um conceito sobre paradigma

qualitativo, aponta que inicialmente é necessário compreender o conceito de qualidade. Esse

conceito, segundo o autor, primeiro deve ser compreendido etimologicamente, “[...] qualitas,

do latim, significa essência”, ou ainda a parte mais relevante ou central das coisas; mas

também pode sinalizar perfectibilidade das coisas (dos seres humanos, da natureza), não no

sentido de perfeito, mas de perfectível, ou de aperfeiçoamento. O autor argumenta ainda que a

qualidade necessita ser compreendida também a partir da dimensão da intensidade, no sentido

de se “[...] apontar para o melhor, não para o maior”. Por último, sugere que qualidade

sinaliza politicidade (da vida e da natureza) ou qualidade política, no sentido da capacidade de

o sujeito fazer sua própria história ou de “se fazer” num contexto contraditório que, segundo

ele, inclui “[...] a mais abnegada solidariedade até a mais forte ditadura” (DEMO, 1989).

Nesse sentido, o cotidiano profissional dos conselheiros tutelares se relaciona com

um nível de realidade que não pode ser quantificado, já que trabalha com o universo dos

Page 20: Sther Mendes Cunha SABERES E PRÁTICAS DESENVOLVIDAS

20

valores, das crenças, das atitudes, dos anseios (MINAYO, 2009), e ainda por entender que a

profundidade da análise dos dados coletados é mais importante do que a sua quantificação.

Em concordância com Marconi (2010, p. 272), acredita-se que somente pelo

paradigma qualitativo existe a possibilidade de o pesquisador entrar em “[...] contato direto e

prolongado com o indivíduo ou grupos humanos, com o ambiente e a situação que está sendo

investigada, permitindo um contato de perto com os informantes”.

Definida a metodologia qualitativa, o tipo de pesquisa adotado foi a descritiva que

segundo Gil (2008, p. 47) “[...] visa descrever as características de determinada população ou

fenômeno ou o estabelecimento de relações entre variáveis. Envolve o uso de técnicas

padronizadas de coleta de dados”, e que serão melhor explicadas no ponto a seguir.

1.1.2 Procedimentos de coleta e análise dos dados

Segundo Minayo (2008, apud por FUCHS, 2009, p. 30) “nenhuma teoria sozinha

é capaz de explicar a realidade”. Portanto, tomando o cuidado para não cair no ecletismo,

entendemos que a cientificidade não pode ser reduzida a uma só forma de conhecer: ela pré-

contém, por assim dizer, diversas maneiras concretas e potenciais de realização. Assim, para a

compreensão e captação da realidade pesquisada, foi realizado os seguintes procedimentos e

instrumentos técnicos.

Cenário da pesquisa

Tendo por objetivo conhecer os saberes e práticas desenvolvidas pelo conselheiro

tutelar, delimitou-se a cidade de Belo Horizonte - MG, como unidade privilegiada de análise,

por ser uma metrópole, com uma grande dimensão demográfica, econômica, social e cultural

e, sobretudo, pelo fato de possuir 09 Conselhos Tutelares em funcionamento.

Segundo a Secretaria Municipal de Turismo de Belo Horizonte (BELOTUR), o

município pode ser visualizado a partir da seguinte disposição geográfica (FIG 1):

Page 21: Sther Mendes Cunha SABERES E PRÁTICAS DESENVOLVIDAS

21

Figura 1 – Mapa de Belo Horizonte

Fonte: Belotur, 2011.8

A população total de Belo Horizonte, segundo dados oficiais do IBGE (2010), é

de– 2.375.445 habitantes, é a sexta maior aglomeração urbana do Brasil –, dividida em 09

regionais política-administrativas.

Sujeitos da pesquisa

Sendo a unidade de análise empírica os CT e o objeto de pesquisa os saberes e

práticas desenvolvidos pelos conselheiros tutelares, têm-se como sujeitos da pesquisa os

conselheiros tutelares que atuam no desempenho das suas funções e que integram as regionais

político – administrativas de Belo Horizonte.

Para a realização das entrevistas foram selecionados dois conselheiros tutelares de

cada regional, perfazendo um total de 08 sujeitos. O critério de definição quantitativa se deu

pela priorização daqueles que estivessem há mais tempo em exercício no CT e, ainda, por

8 Disponível em: http:// www.turismo.mg.gov.br

Page 22: Sther Mendes Cunha SABERES E PRÁTICAS DESENVOLVIDAS

22

entender que a experiência acumulada poderia contribuir na compreensão dos saberes e

práticas desenvolvidos por eles.

Os dados para pesquisa foram coletados entre março e junho de 2013. Todos os

CT foram convidados a participar da pesquisa9, no entanto, levando em consideração o tempo

destinado à coleta de dados e a disponibilidade dos envolvidos, 04 conselhos participaram,

perfazendo um total de 08 sujeitos de pesquisa.

Tanto a aplicação do questionário, como as entrevistas, foram realizadas no CT

onde atua cada conselheiro, com duração de 30 a 70 minutos. Essas foram gravadas e

transcritas na íntegra, sem preocupar-se com correções gramaticais, e encontram-se

arquivadas junto à pesquisadora.

Por se tratar de uma pesquisa que envolve seres humanos, o projeto foi enviado ao

Comitê de Ética e Pesquisa do Centro Universitário UNA para apreciação. A realização da

pesquisa empírica foi efetivada mediante o parecer com a Aprovação do Comitê de Ética.

A coleta de dados só foi realizada mediante autorização dos presidentes dos

respectivos CT (Anexo A) e, as entrevistas, em local e horário que melhor conviesse aos

sujeitos da pesquisa, seguida de sua aceitação em dela participarem, a partir da assinatura do

Termo de Consentimento Livre Esclarecido - TCLE (Anexo B). Para posterior análise correta

e profunda foi solicitada a gravação das entrevistas, que foram em seguida transcritas por um

profissional da Biblioteconomia, assegurando o anonimato dos sujeitos que integraram a

coleta de dados.

Técnicas de pesquisa e análise dos dados

No processo de coleta de dados, foram utilizadas fontes primárias e secundárias,

procurando relacioná-las dialeticamente. Inicialmente realizou-se análise de legislação,

documentos e estudos sobre o processo histórico de constituição, implantação e

implementação da Política de Atendimento à Criança e ao Adolescente no Brasil, bem como

dos Conselhos Tutelares, a partir do processo de descentralização político-administrativo

previsto pela CF/88 (BRASIL, 1988) pelo ECA (BRASIL, 1990),conforme já explicitado na

introdução deste projeto de pesquisa.

Os dados foram obtidos por meio de análise de documentos institucionais, das

entrevistas e dos questionários para construção do perfil socioeducacional:

9 Este convite aconteceu através de contato telefônico, via e-mail e, principalmente, em visita realizada pela

pesquisadora aos CT de Belo Horizonte.

Page 23: Sther Mendes Cunha SABERES E PRÁTICAS DESENVOLVIDAS

23

Análise de documentos: além do ECA (BRASIL, 1990), documento imprescindível

para a delineamento desta pesquisa, foi analisado o regimento interno dos CT de BH

(BELO HORIZONTE, 2009) com o objetivo de verificar se este prevê ações voltadas

para a qualificação profissional dos conselheiros.

Questionário (Apêndice A): trata-se de um roteiro de perguntas enunciadas pelo

entrevistador e preenchidas pelo pesquisado individualmente, e foi delimitado como

instrumento de coleta de dados com o objetivo de levantar o perfil socioeducacional

dos conselheiros tutelares. O levantamento do perfil socioeducacional dos

conselheiros de BH justifica-se pela inexistência destas informações.

Entrevista semiestruturada (Apêndice B): combina perguntas fechadas e abertas,

em que o entrevistado discorreu sobre o tema em questão sem se prender à indagação

formulada (MINAYO, 2009). A escolha desse instrumental se deu por entender que

ele valoriza a expressão dos entrevistados no que se refere à liberdade e à

espontaneidade no momento da coleta de dados, o que trouxe elementos mais

enriquecedores para esta pesquisa. Segundo definição de Trivinos (2008), a entrevista

semiestruturada é aquela que

[...] parte de certos questionamentos básicos, apoiados em teorias e hipóteses, que

interessam à pesquisa, e que, em seguida, oferecem amplo campo de interrogativas,

fruto de novas hipóteses que vão surgindo à medida que se recebem respostas do

informante. Desta maneira, o informante, seguindo espontaneamente a linha de seu

pensamento e de suas experiências dentro do foco principal colocado pelo

investigador, começa a participar na elaboração do conteúdo da pesquisa

(TRIVINOS, 2008, p. 146).

Esta pesquisa tem seu foco de discussão e análise na atividade de trabalho

exercida pelo conselheiro tutelar, por meio do desenvolvimento dos saberes e práticas, e foi

analisada pelo viés da perspectiva ergológica, desenvolvida pelo filósofo e professor Yves

Schwartz, da Universidade de Provence, na França, e sua equipe de trabalho, a partir da

década de 1980.

A ergologia compreende o trabalho como atividade humana, espaço de criação

singular do trabalhador, onde este vivencia um processo contínuo de produção e investimento

de conhecimentos e valores na busca de soluções para os problemas que surgem

cotidianamente.

Já o tratamento dos dados coletados empiricamente ocorreu por meio do método

Análise de Conteúdo, apresentado por Bardin (2004) articulado aos pressupostos teóricos da

Page 24: Sther Mendes Cunha SABERES E PRÁTICAS DESENVOLVIDAS

24

Ergologia e à discussão a respeito das atribuições do conselheiro tutelar previstas no ECA.

Para Bardin, a análise de conteúdo pode ser compreendida como:

Um conjunto de técnicas de análise das comunicações visando obter, por

procedimentos sistemáticos e objetivos de descrição do conteúdo das mensagens,

indicadores (quantitativos ou não) que permitam a inferência de conhecimentos

relativos às condições de produção/recepção (variáveis inferidas) destas mensagens.

(BARDIN, 2004, p.41).

Assim, este método tem como objeto a análise do discurso (fala) dos pesquisados,

que representa um aspecto individual, relacionado à linguagem, e como finalidade conhecer

aquilo que está por trás das palavras sobre as quais se debruça (FRANCO, 2008, p. 11).

A análise do conteúdo proposta e utilizada neste estudo caracterizou-se como um

conjunto de técnicas de análise de comunicações, tendo como objetivo a descrição do

conteúdo das mensagens, de forma a permitir inferências sobre o seu conteúdo (BARDIN,

2004, p.38).

Neste sentido, a análise dos resultados desenvolveu-se pela identificação do

sentido das falas/discursos presentes nas comunicações dos Conselheiros tutelares

entrevistados, o que facilitou a organização das informações obtidas por meio de categorias de

análises: saberes e práticas, perfil socioeducacional, trabalho prescrito e trabalho real, saberes

constituídos e saberes investidos.

Para organização dessas categorias, o estudo obedeceu às seguintes etapas: pré-

análise, que consistiu na transcrição e leitura sistemática das entrevistas; análise do material

documental e transcrito, em que foram estabelecidas as categorias e subcategorias. Realizadas

essas etapas, passou-se à descrição e sistematização dos dados coletados nas entrevistas de

maneira a facilitar a sua interpretação, tendo em vista os pressupostos teóricos assumidos na

pesquisa.

1.2 Estruturação dos capítulos

Além desta introdução, que constitui o primeiro capítulo, onde estão apresentados

a problematização do objeto de pesquisa, o objetivo geral, os objetivos específicos, a

justificativa e a metodologia utilizada, este trabalho está estruturado em mais três capítulos.

O segundo capítulo, que se constitui no referencial teórico deste estudo, foi

desenvolvido por meio de dois subcapítulos. O primeiro, foi dedicado à contextualização

histórica da Política de Atendimento à Criança e ao Adolescente no Brasil, das condições

Page 25: Sther Mendes Cunha SABERES E PRÁTICAS DESENVOLVIDAS

25

socio-históricas que possibilitaram a criação de CTs no Brasil, bem como procurou delinear

quais atribuições estão destinadas a este órgão e mais especificamente, aos conselheiros

tutelares. Já o segundo subcapítulo, desenvolveu os pressupostos da abordagem Ergológica,

que orientou e sustentou as investigações dessa pesquisa, tendo em vista sua organização

como disciplina do pensamento filosófico, os conceitos desenvolvidos e as implicações

metodológicas para levar adiante o sentido de conhecer o trabalho para transformá-lo.

No terceiro capítulo, foi desenvolvido o artigo de relato de pesquisa, onde está

apresentado o perfil socioeducacional dos sujeitos da pesquisa, os avanços e desafios

presentes na instituição de Conselhos Tutelares, e a descrição e análise da pesquisa realizada.

Esta pesquisa possibilitou a elaboração de um produto técnico/projeto de

intervenção e está apresentado no capítulo quarto deste estudo.

Page 26: Sther Mendes Cunha SABERES E PRÁTICAS DESENVOLVIDAS

26

2 REFERENCIAL TEÓRICO

2.1 Política de atendimento à criança e ao adolescente no Brasil: da situação irregular à

proteção integral

Quando a política de atendimento à criança e ao adolescente é estudada ou

analisada no Brasil, percebe-se que a ação do Estado é recente, iniciando-se a partir do final

da década de 1920. Embora a problemática em relação às condições de vida e de trabalho de

crianças e adolescentes tenha sempre existido, seu enfrentamento ficava a cargo da Igreja e de

iniciativas particulares.

2.1.1 O “direito do menor” reconhecido pelo Estado nos Códigos de Menores: fundamento

nos princípios da “situação irregular”

É a partir dos anos 1930 que se pode observar uma preocupação pública no

enfrentamento da questão social e, consequentemente, dos problemas relativos à infância e

juventude. A criação do Código de Mello Matos em 1927, instituído pelo Decreto 17.943-A

(BRASIL, 1927), demarcou o momento em que o Estado começava a ocupar-se dos problemas

da infância e da juventude, reconhecendo-os como questão social, demandando assim uma

intervenção pública.

Esse primeiro Código de Menores, denominado ”direito do menor”, consistia em

um conjunto de Leis voltadas para a população infanto-juvenil, sendo fundamentado nos

princípios da situação irregular, apresentando uma concepção política e social de caráter

assistencialista, punitivo e de controle no trato da problemática de crianças e adolescentes das

classes subalternas. Silva (1997) aponta que essa legislação considerava ser

[...] dever da família, suprir as necessidades básicas de seus filhos, tais como:

moradia, alimentação, de maneira adequada (concepção defendida pelos que

estavam à frente do Estado, independente da situação econômica da família); caso

contrário, perderia o pátrio poder. A pobreza era o bastante para caracterizar o

menor como abandonado (SILVA, 1997, p. 154).

Também orientando-se por essas concepções, as crianças e adolescentes das

famílias abastadas não eram designadas “menores”, sendo esse termo utilizado somente para

caracterizar crianças e adolescentes carentes e/ou abandonados. Nesse contexto, a expressão

“menor” era diretamente associada à delinquência, o que justificava a adoção de medidas

repressivas contra esses “menores”, reproduzindo assim no trato com a juventude carente a

Page 27: Sther Mendes Cunha SABERES E PRÁTICAS DESENVOLVIDAS

27

relação excludente e a visão marginalizada que permeiam as ações voltadas aos segmentos

subalternos (VOLPI, 1997).

Desta forma, apesar de representar um ganho por institucionalizar o atendimento à

criança e ao adolescente, o Código de Menores trazia consigo um forte traço conservador e

repressivo, a começar pela forma de se referir às crianças e adolescentes, denominando-os

pejorativamente “menores”, o que demarca o estigma social para com a infância pauperizada

brasileira. Na verdade, conforme explicita Rizzini (2011),

Ao acrescentar a categorização de menor abandonado ou pervertido à frase “... ou

em perigo de o ser”, abria-se a possibilidade de, em nome da lei, enquadrar qualquer

um no raio de ação do Juiz. A intenção era ainda mais óbvia no concernente aos

menores caracterizados como delinquentes. Uma simples suspeita, uma certa

desconfiança, o biótipo ou a vestimenta de um jovem poderiam dar margem a que

fosse sumária e arbitrariamente apreendido (RIZZINI, 2011, p. 141-142).

Tais considerações de Rizzini (2011) demonstram com evidência o que era

considerado impróprio na sociedade brasileira da época. O problema não era a situação de

miséria e abandono das quais eram vítimas as crianças e adolescentes: o problema maior era

sua presença perambulando pelas ruas, “manchando” a paisagem das cidades. Chegava ser

considerado imoral e eticamente intolerável, sendo seu afastamento a melhor forma de

responder ao problema.

A tendência predominante na vigência do Código de Menores era a repressão e o

isolamento, assim resolvia-se um grande problema, o de não ter que conviver cotidianamente

com aquela situação que tanto “agredia” a moral daquela sociedade, que se caracterizava por

afastar os desadaptados, excluir os que não conseguiam se adequar.

É nesse espírito conservador e repressivo que se dá a criação do Serviço de

Assistência ao Menor - SAM em 1941. Este serviço tinha o objetivo de proporcionar em todo

o território nacional uma assistência social aos menores carentes e infratores da lei penal,

visando à sua “reintegração” na sociedade, utilizando para tanto uma metodologia baseada na

coerção, disciplina e maus tratos, seguindo uma lógica carcerária ao reproduzir os

mecanismos de controle social da época. Rosa (2001), descreve o SAM como:

[...] um órgão do ministério da justiça, equivalente ao sistema penitenciário para a

população ’menor de idade’. Sua finalidade era correcional-repressiva, seu sistema

de atendimento baseava-se em internamentos para os adolescentes autores de

infração penal e patronatos para menores carentes abandonados (ROSA, 2011, p.

186).

Page 28: Sther Mendes Cunha SABERES E PRÁTICAS DESENVOLVIDAS

28

A imprensa passou a denunciar as constantes violações dos direitos humanos

vivenciadas nas instituições de atendimento à criança e ao adolescente naquela época,

desvelando, frente à opinião pública, o caráter repressivo e desumanizante do SAM, que

passou a ser conhecido como “universidade do crime” e “sucursal do inferno” (ROSA, 2001).

Diante disso, o SAM passou a ser alvo de severas críticas, tanto em setores da

sociedade civil quanto dentro do próprio Estado, o que levou à sua extinção em 1964.

Também nessa época a Organização das Nações Unidas - ONU cobrava do governo brasileiro

um reordenamento da política voltada à infância e juventude, que fosse orientada pela

Declaração dos Direitos da Criança que ela mesma – ONU – havia publicado em 1959.

No mesmo ano de extinção do SAM, os militares tomaram o poder no Brasil num

golpe de Estado, e começava assim uma ditadura que se prolongou até a primeira metade da

década de 1980. Esse governo criou, no lugar deste serviço, ainda em 1964, a Fundação

Nacional de Bem-Estar do Menor - FUNABEM e a Fundação Estadual do Bem-Estar do

Menor - FEBEM, ambas encarregadas de executar a política pública destinada às crianças e

aos adolescentes. A FUNABEM herdou do SAM as péssimas condições de higiene,

instalações precárias, ensino deficiente, nenhuma orientação pedagógica, alimentação

insuficiente e muito castigo físico (ALENCAR, 1997).

De acordo com Fajardo (2002, p.46), essa nova fase significou para a política de

atendimento à infância e juventude no Brasil “[...] um sistema concreto institucional criado no

espírito da Doutrina da Segurança Nacional, que militarizou as disciplinas dentro dos

internatos que, a partir daí, já cerram definitivamente as suas portas para a sociedade”.

Assim se caracterizava o sistema de proteção à infância e à juventude existente até

a década de 1970, principalmente no que tange ao caráter repressivo e controlador, em

consonância com os princípios que orientavam todo o sistema de proteção social brasileiro,

que apresentavam características autoritárias e centralizadoras, voltadas para o controle social

por parte de um Estado autoritário e ditatorial. Nessa direção é que, em 1979, o Código de

Mello Matos é reformulado, dando origem ao 2º Código de Menores através da Lei nº 6.697 e

à uma Política Nacional do Bem-Estar do Menor – PNABEM.

De acordo com Silva (2005, p. 32), o Código de Menores de 1979 “[...] já surgiu

defasado para sua época, pois constituía o prolongamento da filosofia menorista do Código de

Mello Matos, do início do século XX”. A autora ainda observa que, apesar de em 1979 ser

comemorado o Ano Internacional da Criança no Brasil, fruto de uma mobilização mundial, o

código que acabara de nascer “[...] não correspondia aos interesses das forças políticas e da

sociedade civil e nem representava os direitos das crianças e adolescentes, os quais

Page 29: Sther Mendes Cunha SABERES E PRÁTICAS DESENVOLVIDAS

29

permaneciam confinados nas instituições totais e submetidos ao poder discricionário do Juiz

de Menores” (SILVA, 2005, p. 32).

As crianças e adolescentes em “situação irregular” eram identificadas no artigo 2º

desse Código de Menores de 1979 como àqueles:

I- Privados mesmo que eventualmente das condições essenciais à sua subsistência, à

saúde e ao ensino obrigatório, em razão de: a) Falta ou omissão dos pais ou

responsáveis: b) Impossibilidade notória dos pais ou responsáveis de lhes sustentar.

II- Vítimas de maus tratos ou punições desmedidas impostas pelos pais ou

responsáveis.

III - Em perigo moral em razão de: a) Se encontrar habitualmente em um ambiente

contrário aos costumes.

IV- Privados de representação ou assistência legal, pela ausência eventual dos pais

ou responsável.

V- Desvio de conduta devido a uma inadaptação familiar ou comunitária grave.

VI – Autor de ato infracional (BRASIL, 1979).

Como também era expresso no 1º Código de Menores, até a falta de recursos

materiais da família era caracterizada de situação irregular, o que dava ao Estado poder

absoluto de intervenção, podendo, caso assim o decidisse, afastar a criança ou adolescente do

convívio familiar. Entretanto, era desconsiderada nesta ação, a responsabilidade do próprio

Estado em proporcionar condições mínimas de sobrevivência àquela família.

No mesmo contexto temporal, segundo Alencar (1997), a problemática relativa à

situação de vida e de trabalho das crianças e adolescentes das classes populares assume

maiores proporções. Devido a isto, é confere a esse segmento maior visibilidade no cenário

social brasileiro, visto que, com o aprofundamento da crise econômica em decorrência do

esgotamento do padrão de desenvolvimento econômico adotado a partir da década de 1950,

essa crise atingiu de modo perverso as famílias trabalhadoras de baixa renda.

O número de crianças e adolescentes que fizeram das ruas seu espaço de luta pela

sobrevivência e até mesmo de moradia aumentou significativamente. Isto levou ao

questionamento e à crítica das ações tradicionais voltadas para o enfrentamento dessa refração

da questão social que até então se encontrava relegada a segundo plano.

Diante desse quadro de permanente violação dos direitos das crianças e

adolescentes, no bojo da redemocratização da sociedade brasileira iniciada na década de 1980,

surgiu entre os segmentos mais críticos da sociedade a percepção de que a política de

atendimento à criança e ao adolescente precisava ser revista. Percebeu-se a necessidade de

construírem-se alternativas para as questões referentes ao trato da problemática da infância e

juventude brasileiras, que naquele momento já se encontravam em grande número nas ruas,

lutando por sua própria sobrevivência.

Page 30: Sther Mendes Cunha SABERES E PRÁTICAS DESENVOLVIDAS

30

Observa Alencar (1997, p. 35) que, neste momento,

No cenário nacional articulava-se um amplo movimento político no seio da sociedade

civil indignada com aquela situação social das crianças e adolescentes do país. No

interior deste movimento, pode-se chamar a atenção para a atuação da política do

Movimento Nacional dos Meninos e Meninas de Rua e da Pastoral do Menor

(ALENCAR, 1997, p. 35).

Uma parcela da sociedade começava a perceber que por trás do problema

aparente, onde milhões de meninos e meninas faziam das ruas seu espaço de vida e de

trabalho, existia uma problemática ainda maior, que envolvia milhões de famílias sem

condições mínimas necessárias ao bem-estar e à produção e reprodução da vida social.

Tornou-se urgente naquele cenário pensar uma abordagem inovadora referente à

questão da infância e juventude brasileiras, possibilitando a construção de respostas que

pudessem ultrapassar a repressão proposta pelo Código de Menores. Era preciso buscar

construir alternativas que possibilitassem a melhoria na qualidade de vida daquela parcela da

população fragilizada e vítima da exclusão social.

Nesta conjuntura, o Código de Menores foi amplamente questionado, tornando-se

alvo de severas críticas por seu caráter assistencialista e correcional-repressivo, surgindo,

assim, uma ampla mobilização de setores comprometidos com a redefinição daquela política

no interior da sociedade, na luta pelo estabelecimento de uma nova Lei e, consequentemente,

de uma política de defesa dos direitos da criança e dos adolescentes, pautada sob novos

princípios (ALENCAR, 1997).

2.1.2 A Constituição Federal de 1988 e a regulamentação do ECA em 1990: fundamento nos

princípios da proteção integral

No cenário nacional, a partir da década de 1980, começa um intenso processo de

mobilização popular. Articula-se um amplo movimento político de uma parcela da sociedade

civil, indignada com a situação social e política do país, como o movimento pelo fim da

ditadura civil-militar e pelas “Diretas já”. A organização e a amplitude desses movimentos

chamavam a atenção de toda a sociedade e forjaram as condições para iniciar a luta em favor

das crianças e dos adolescentes no campo dos direitos.

A convocação de uma Assembleia Nacional Constituinte configurava um

momento de oportunidade ímpar para garantir legalmente, no “Estado democrático de

direitos” (Constituição Federal de 1988, em construção), atenção especial às crianças e

adolescentes brasileiros.

Page 31: Sther Mendes Cunha SABERES E PRÁTICAS DESENVOLVIDAS

31

Após ampla mobilização social, que contou com a participação de diversos

segmentos profissionais e com o movimento das massas populares, foram incorporados à

Carta Constitucional em 1988 os textos fundidos de duas emendas de iniciativa popular:

“Criança e Constituinte” e “Criança: Prioridade Nacional”, garantindo no plano legal o

compromisso nacional com a proteção integral à criança e ao adolescente (ALENCAR, 1997).

Esse compromisso foi expresso nos artigos 227 e 228 (BRASIL, 1988), cujo conteúdo merece

transcrição literal:

Art. 227. É dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança e ao

adolescente, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à

educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à

liberdade e à convivência familiar e comunitária, além de colocá-los a salvo de toda

forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão.

Art.228. São penalmente inimputáveis os menores de dezoito anos, sujeitos às

normas da legislação especial (BRASIL, 1988).

Depois de garantidos na Constituição Federal de 1988 os direitos das crianças e

adolescentes, era preciso elaborar uma lei ordinária que revogasse a velha legislação do

período. Nessa conjuntura, toma forma no país o Fórum Nacional Permanente de Entidades

Não Governamentais de Defesa dos Direitos da Criança e do Adolescente - “Fórum DCA”,

ainda em 1988, visando a uma articulação no âmbito nacional de entidades que atuam na área

de defesa e promoção dos direitos da infância e juventude, ao se perceber que a legislação

brasileira se mostrava omissa, repressora e discriminatória em relação àquele segmento social

(NICODEMOS, 1997).

Após vários encontros, discussões, congressos e reuniões realizados em todo país,

é elaborado o Estatuto da Criança e do Adolescente – ECA (BRASIL, 1990), que

regulamentou as conquistas constitucionais e revogou o Código de Menores e a Política

Nacional de Bem-Estar do Menor. O ECA foi aprovado pela lei nº 8069, de 13 de julho de

1990 e passou a vigorar a partir de 14 de outubro do mesmo ano.

Essa Lei regulamenta os artigos 227 e 228 da Constituição (BRASIL, 1988), que

por sua vez possui os princípios e a essência básica do que propõe a concepção das Nações

Unidas para a proteção dos direitos da infância e juventude. Articula-se com o paradigma da

“Proteção Integral”, que reconhece a criança e o adolescente como cidadãos, sujeitos de

direitos especiais pela sua condição peculiar de pessoas em desenvolvimento e com prioridade

absoluta.

Page 32: Sther Mendes Cunha SABERES E PRÁTICAS DESENVOLVIDAS

32

Sendo assim, este paradigma aponta ser a criança e o adolescente prioritários na

formulação e desenvolvimento de políticas sociais públicas e, ainda no oferecimento de

serviços públicos, como educação, saúde, habitação, entre outras.

É importante ressaltar a singularidade do ECA e seu significado como construção

coletiva do conjunto da sociedade, o que o diferencia de outras leis. O Estatuto não foi escrito

sob a ótica convencional da formação de leis em nosso país ou mesmo no mundo, pois não foi

uma lei formulada por advogados ou por juristas, e sim, como argumenta Nicodemos (1997,

p. 25) “[...] foi formulado por outras mãos [...]”. Contou com a participação efetiva de

profissionais de diversas áreas (Serviço Social, Sociologia, Pedagogia, Psicologia, Direito,

entre outras).

E, principalmente, contou com a mobilização de amplos segmentos sociais que

nesse processo tiveram papel mais importante, pois foram os movimentos das massas

populares que levaram à aglutinação dos demais protagonistas sociais em torno da luta pelos

direitos das crianças e adolescentes.

A promulgação do ECA nos anos de 1990 instituiu um novo paradigma jurídico-

institucional e ético, constituindo o eixo e o cerne das políticas para crianças e adolescentes

em situação de vulnerabilidade social, como os adolescentes em conflito com a lei, conforme

explicita o artigo 228 da Constituição Federal, que fala da inimputabilidade dos menores de

18 anos e da existência de uma legislação especial para normatização do ato infracional. A

partir desse momento, fica a cargo do ECA, e não do Código Penal, a aplicação de medidas de

caráter educativo e não simplesmente punitivo, ao adolescente infrator da lei penal.

Assim, o Estatuto, além de regulamentar as conquistas em favor das crianças e

adolescentes expressas na Constituição Federal, veio também promover um importante

conjunto de mudanças que extrapola o campo jurídico e consolida significativas

transformações no conteúdo, no método e na gestão das políticas de atendimento voltadas à

infância e juventude brasileiras.

2.1.3 A estruturação da política de atendimento à criança e ao adolescente no Brasil a partir

do ECA: enfoque no conteúdo, no método e na gestão

O ECA, como dito anteriormente, introduz inovações no campo da infância e

juventude nos níveis jurídico, institucional e social, ao afirmar que é dever da família, da

sociedade e do Estado assegurar à criança e ao adolescente, com absoluta prioridade, os

Page 33: Sther Mendes Cunha SABERES E PRÁTICAS DESENVOLVIDAS

33

direitos previstos em seu artigo 4, com vistas à estruturação e desenvolvimento de uma

política de promoção e defesa de direitos.

O SGD pode ser entendido como um “conjunto de órgãos, entidades, autoridades,

serviços e programas de atendimento a crianças, adolescentes e suas respectivas famílias, que

devem atuar de forma articulada e integrada, na busca de sua proteção integral [...]” 10

,

evidentemente a partir do que está previsto pelo ECA e pela Constituição Federal.

Para que esse Sistema se efetive, corroborando a compreensão de Costa (1994), o

Estatuto introduz mudanças, sobretudo a partir de três perspectivas: de conteúdo, de método e

de gestão.

No que diz respeito ao conteúdo, a mudança é introduzida pela Lei ao estender a

garantia de direitos a todas as crianças e adolescentes, não se limitando a uma parcela

particular desse segmento, como ocorria anteriormente quando as políticas sociais voltadas a

eles se orientavam pela Doutrina da Situação Irregular, vinculando pobreza à criminalidade.

Ao reconhecer a criança e o adolescente como sujeitos de direitos e pessoas em

desenvolvimento, o ECA prevê meios para assegurar esses direitos, entendidos como um

“Sistema de Garantia de Direitos” - SGD. Segundo Bragaglia (2002) e Costa (1994), esse

sistema pode ser entendido a partir de três grandes sistemas de garantias:

10

Prefeitura de Belo Horizonte; Conselho Municipal da Assistência Social e dos Direitos da Criança e do

Adolescente, 2012 – não publicado.

Page 34: Sther Mendes Cunha SABERES E PRÁTICAS DESENVOLVIDAS

34

QUADRO 1

Elementos que compõem o Sistema de Garantia de Direitos

EIXOS

ESTRUTURAÇÃO DA

POLÍTICA DE ATEN-

DIMENTO

OBJETIVOS

ATORES PÚBLICOS E

SOCIAIS

SISTEMA PRIMÁRIO:

PROMOÇÃO

(atendimento direto)

Políticas sociais básicas

Atendimento direto por

políticas públicas.

- Conselhos de direitos,

Conselho Tutelar;

- Unidades de

atendimento

(Educação,

Saúde, Assistência

Social, entre outras);

SISTEMA SECUNDÁ-

RIO: CONTROLE (vigi-

lância)

Políticas Assistenciais Vigilância do

cumprimento da

Constituição Federal

e do ECA.

- Sociedade civil;

- Fóruns, sindicatos;

- Entidades de classe.

SISTEMA TERCIÁRIO:

DEFESA

(responsabilidade)

Programas de proteção

Especial

Responsabilização

pelo não atendimento,

pelo atendimento

irregular ou pela

violação de direitos

- Judiciário – Ministério

Público;

- Secretaria de

Segurança;

- Secretaria de Justiça;

- Defensoria Pública;

- Conselhos Tutelares e

Centros de Defesa.

Fonte: Elaboração própria

Cabe aos Conselhos de Direitos formularem e fiscalizarem as políticas públicas

destinadas ao público em questão; dispor sobre a aplicação dos recursos para a execução

dessas políticas e ainda conduzir o processo de eleição dos CTs. Aos CTs cabe a função de

zelar pelos direitos da criança e do adolescente ao se constituir um defensor e legítimo

“cobrador” do Estado, da família e da sociedade, afim de que se cumpram os preceitos do

Estatuto.

E ao Município, ao Estado e à União compete participar dos Conselhos de

Direitos em cada nível federativo, além de formular políticas públicas específicas para o

público infanto-juvenil e, ainda garantir a infraestrutura material regular para funcionamento

dos serviços públicos, como saúde, educação, assistência social, entre outros.

Page 35: Sther Mendes Cunha SABERES E PRÁTICAS DESENVOLVIDAS

35

A partir dessa concepção do SGD, é possível visualizar que ele estabelece eixos

estratégicos para o alcance da política referente à infância e juventude em todas as suas

dimensões, identificando os atores que se articularão para a efetivação dos Direitos Humanos

fundamentais de crianças e adolescentes.

No que diz respeito às mudanças de método, a lei inova ao estabelecer que o

Estado deve substituir as práticas assistencialistas vigentes por propostas educativas, baseadas

nas noções de cidadania, além de considerar crianças e adolescentes como pessoas em

desenvolvimento.

Isso introduz mudanças na maneira de se fazer política pública voltada para esse

segmento, inexistente no Código Menorista, uma vez que ficava a cargo da caridade e

filantropia (Igrejas, Clubes de Serviço, entre outros) o suprimento das necessidades da

infância, da juventude e de suas famílias. Neste sentido, Costa (1993, p. 23) observa que “[...]

superar o assistencialismo é deixar de perceber crianças, adolescentes e famílias pobres como

feixes de necessidades, para encará-los como sujeitos e direitos exigíveis em lei”.

Quanto às mudanças de gestão, o ECA introduz uma nova divisão do trabalho

social, não só entre os três níveis de governo (União, Estado e Município), mas também entre

o Estado e a sociedade civil organizada, com a efetivação dos Conselhos de Direitos da

Criança e do Adolescentes em todos os níveis, e os Conselhos Tutelares - CTs , em nível

municipal. Assegura-se assim, ao menos no plano legal, a participação popular por meio de

suas entidades representativas, na formulação das políticas e no controle das ações em todos

os níveis.

Segundo Alencar e Sales (1997), persiste até os dias de hoje um grande

desconhecimento de boa parte da sociedade acerca do ECA, havendo também uma

compreensão limitada por parte de juízes, delegados e muitos profissionais ligados

diretamente à formulação e execução dessa política, inclusive dos Conselhos Tutelares.

Nesse contexto, já passados vinte anos da criação do Estatuto, observa-se que ele

não significou a reversão dos problemas das crianças e adolescentes deste país, visto que

desde a sua formulação até os dias de hoje o abandono, a fome e o analfabetismo ainda fazem

parte da vida de grandes contingentes da população infanto-juvenil.

Nas palavras de Volpi (1997), ainda hoje,

Observamos que as crianças e os adolescentes do Brasil representam a parcela mais

exposta às violações de direitos pela família, pelo Estado e pela sociedade,

exatamente ao contrário do que define a nossa Constituição Federal e suas leis

complementares. Os maus tratos, o abuso e a exploração sexual, a exploração do

trabalho infantil, as adoções irregulares, o tráfico internacional e os

Page 36: Sther Mendes Cunha SABERES E PRÁTICAS DESENVOLVIDAS

36

desaparecimentos, a fome, o extermínio, a tortura e as prisões arbitrárias

infelizmente ainda compõem o cenário por onde desfilam nossas crianças e

adolescentes (VOLPI, 1997, p. 8).

E ainda nas palavras de Fajardo (2002),

O Estado brasileiro é sempre ativo sujeito no processo de positivação dos Direitos

Humanos em âmbito internacional e regional, mas também é sempre reticente ou

omisso quando se trata de seus compromissos decorrentes da mesma legislação que

ajuda elaborar. Essa aparente contradição pode ser entendida como estratégia em

direção a uma eficácia simbólica dessas iniciativas (FAJARDO, 2002, p. 42).

As observações de Volpi e Fajardo apontam para uma clara necessidade: é

imprescindível a construção, por parte do Estado e com o apoio da sociedade (família,

movimentos sociais, comunidades), de bases concretas, sobretudo políticas, econômicas e

institucionais, onde o Conselho Tutelar se apoia, para a efetiva implementação do SGD

previstos no ECA. Não basta mudar ou defender a Lei, é necessário agir sobre a realidade que,

no caso brasileiro, ainda é perversa, frente à grande violação de direitos que expõe

cotidianamente crianças e adolescentes.

2.1.4 O lugar do Conselho Tutelar na defesa dos direitos da infância e juventude

A ideia da criação de um conselho na área da infância e juventude no Brasil não é

nova, sendo apontada essa necessidade desde a constituição do 1º Código de Menores em

1927 (BRASIL, 1927). Segundo esse Código, era de responsabilidade do Juiz de Menores

“[...] não somente a função judicial, mas também funções administrativas e assistenciais, além

de certo papel legislativo, não se observando a separação de poderes” (BRAGAGLIA, 2002,

p. 76).

Para desempenhar essas funções assistencialistas, percebeu-se muito cedo a

necessidade de participação da comunidade. Dizia o artigo 222 do referido Código: “É criado

no Distrito Federal o Conselho de Assistência e Proteção aos Menores”, e em seus incisos

eram previstas as atribuições de vigiar, proteger, auxiliar, fiscalizar, fundar estabelecimentos,

organizar e fomentar patronatos, promover a assistência e administrar os fundos.

Esse conselho era considerado ainda, pelo referido código, uma associação de

utilidade pública, com personalidade jurídica, cuja presidência competia ao Ministro da

Justiça (PESTANA, 2011). No entanto, a concepção do 1º Código de Menores a respeito da

criação de um conselho era apenas a de um órgão auxiliar do juiz, sem qualquer autonomia

para agir.

Page 37: Sther Mendes Cunha SABERES E PRÁTICAS DESENVOLVIDAS

37

O conselho “Tutelar”, tratado nesta pesquisa, é uma novidade jurídica. Diferencia-

se da perspectiva do Código de Menores de Mello Mattos (BRASIL, 1927) e do Código de

Menores (BRASIL, 1979), que instituíam um Conselho sem autonomia para a ação e também

um Comissariado de Menores com função de vigilância, controle e inspeção. A novidade é

que estabelece ser função da família, da comunidade, da sociedade em geral e do poder

público zelar pelos direitos da infância e juventude (Art. 4° do ECA, Art. 227 da CF de 1988).

Para Ferreira (2002, p. 127) “[...] o CT é a evolução da ideia de conselhos para

atuarem na assistência e proteção de crianças no Brasil e fundamenta-se na necessidade da

participação comunitária nessa função”. Dessa forma, o Estatuto reconhece que também cabe

à sociedade e à comunidade zelar pelos direitos desse segmento social no Brasil. A partir

desse entendimento é que o CT deve ser constituído por pessoas da comunidade, que tenham

conhecimento dos dilemas dessa mesma comunidade na qual está inserido.

Sobre a instituição de CT diz o ECA (BRASIL, 1990):

Art. 131. O Conselho Tutelar é órgão permanente e autônomo, não jurisdicional,

encarregado pela sociedade de zelar pelo cumprimento dos direitos da criança e do

adolescente, definidos nesta Lei.

Art. 132. Em cada Município haverá, no mínimo, um Conselho Tutelar composto de

cinco membros, escolhidos pela comunidade local para mandato de quatro anos11

,

permitida uma recondução (BRASIL, 1990).

A expressão “órgão permanente” quer dizer que, uma vez criado no município, o

CT não pode mais deixar de existir, mesmo modificando-se os ocupantes dos cargos públicos,

como prefeitos e vereadores. Para Kaminski (2002b, p. 97), esse conselho “[...] é uma

conquista da sociedade, não cabendo, senão em virtude da lei federal que o criou, deixá-lo de

fazer funcionar”. Sendo assim, o Estatuto reconhece que cada comunidade, levando-se em

consideração seu desenvolvimento cultural, econômico, político e social, vive uma realidade

em relação à garantia ou violação de direitos, devendo assim se organizar para resolvê-los.

Em relação à expressão “órgão autônomo”, a lei está se referindo à liberdade para

a tomada de decisões dada ao CT, desde que sejam à luz do ECA (BRASIL,1990) não

podendo ser influenciadas por qualquer interesse que não seja, em primeira instância, o da

criança ou do adolescente envolvido. Somente a autoridade judiciária poderá rever as decisões

do CT, “[...] a pedido de quem tenha legítimo interesse” (Art. 137).

11

O mandato do Conselheiro Tutelar que era de três anos passou a ser de quatro anos a partir da instituição da

Lei 12.696/Julho de 2012 que alterou os artigos. 132, 134, 135 e 139 da Lei nº 8.069, de 13 de julho de

1990 (Estatuto da Criança e do Adolescente).

Page 38: Sther Mendes Cunha SABERES E PRÁTICAS DESENVOLVIDAS

38

Para seu funcionamento, a Lei (BRASIL, 1990) preconiza ser de responsabilidade

de cada município dispor sobre local, dia e horário de funcionamento e, ainda, sobre

remuneração obrigatória de seus membros não inferior a um salário mínimo (Art. 134),

devendo constar em lei orçamentária municipal previsão de recursos necessários à sua

estruturação. Apesar disso, o órgão municipal jamais poderá interferir nas ações e decisões

dos conselheiros, que têm o dever de fiscalizar as prefeituras ou gestões municipais. Sendo

assim, devem possuir os conselheiros “autonomia” nas suas ações (Art. 131).

Em 2001, os CTs de todo o país receberam os primeiros parâmetros para a sua

criação e funcionamento pela Resolução 075 (BRASIL. 2001), expedida pelo Conselho

Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente – Conanda12

. Em 2010, foi verificado a

necessidade de se expedir e/ou reformular diretrizes para além daquelas estabelecidas em

2001 dando origem à Resolução 139.

Estas resoluções são responsáveis por estabelecerem normas para criação de CTs

a nível nacional, como número de conselhos por habitantes, previsão de lei orçamentária

municipal para, entre outras coisas, estruturação dos órgãos, remuneração e realização de

capacitação e/ou qualificação profissional para os conselheiros.

Uma das novidades dessa resolução é de que deverá ser observada,

preferencialmente, a proporção mínima de um CT para cada 100.000 habitantes.

Faz-se importante destacar que em 25 de julho de 2012 foi sancionada a Lei Nº

12.696, que altera os artigos 132, 134, 135 e 139, do Capítulo II “Das Atribuições do

Conselho Tutelar” do ECA (BRASIL, 1990). Esta modificação na lei significa um avanço

imensurável, principalmente no que diz respeito às garantias trabalhistas dos Conselheiros -

inexistentes antes desta modificação - uma vez que a remuneração não é mais opcional e sim

obrigatória e, ainda conforme o artigo 134:

I - cobertura previdenciária;

II - gozo de férias anuais remuneradas, acrescidas de 1/3 (um terço) do valor da

remuneração mensal;

III - licença-maternidade;

IV - licença-paternidade;

V - gratificação natalina (BRASIL, 1990).

A partir deste artigo, é possível destacar que o reconhecimento dos direitos

trabalhistas dos conselheiros tutelares se dá apenas vinte e três anos após a criação do ECA e,

12 Tais atribuições estão especificas na Lei de nº 8.242, de 12 de outubro de 1991 que cria o Conselho Nacional

dos Direitos da Criança e do Adolescente - Conanda e dá outras providências.

Page 39: Sther Mendes Cunha SABERES E PRÁTICAS DESENVOLVIDAS

39

respectivamente, desta atividade de trabalho. Desta forma, compreende-se que esta atividade

não era tratada em consonância com as leis trabalhistas em vigor no país, criadas a partir do

artigo 7° da Carta Constitucional de 1988 que estabelece os direitos trabalhadores urbanos e

rurais, além de outros que visem à melhoria de sua condição social.

Entretanto, mesmo que tardiamente, o reconhecimento dos direitos trabalhistas

dos conselheiros tutelares representa uma conquista para esta categoria, abrindo espaço para

maior visibilidade social e valorização pessoal e profissional.

Já as modificações propostas no artigo 139 dizem respeito à eleição e posse dos

CT, antes deliberada por cada legislativo municipal. Com as modificações da Lei, todos os

municípios deverão obedecer aos seguintes critérios:

§ 1º O processo de escolha dos membros do Conselho Tutelar ocorrerá em data

unificada em todo o território nacional a cada 4 (quatro) anos, no primeiro domingo

do mês de outubro do ano subsequente ao da eleição presidencial.

§ 2o A posse dos conselheiros tutelares ocorrerá no dia 10 de janeiro do ano

subsequente ao processo de escolha.

§ 3° No processo de escolha dos membros do Conselho Tutelar, é vedado ao

candidato doar, oferecer, prometer ou entregar ao eleitor bem ou vantagem pessoal

de qualquer natureza, inclusive brindes de pequeno valor (BRASIL, 1990).

É possível destacar que a escolha dos conselheiros tutelares será de 04 em 04 anos

em todo o território nacional e na mesma data, no primeiro domingo do mês de outubro no

ano posterior àquele das eleições presidenciais. Outra novidade também diz respeito à posse

dos conselheiros eleitos, que deverá ser no dia 10 de janeiro, também em todo território

nacional.

O artigo 136 do ECA estabelece como atribuições do CT:

I - atender as crianças e adolescentes nas hipóteses previstas nos arts. 98 e 105,

aplicando as medidas previstas no art. 101, I a VII;

II - atender e aconselhar os pais ou responsável, aplicando as medidas previstas no

art. 129, I a VII;

III - promover a execução de suas decisões, podendo para tanto:

a) requisitar serviços públicos nas áreas de saúde, educação, serviço social,

previdência, trabalho e segurança;

b) representar junto à autoridade judiciária nos casos de descumprimento

injustificado de suas deliberações.

IV - encaminhar ao Ministério Público notícia de fato que constitua infração

administrativa ou penal contra os direitos da criança ou adolescente;

V - encaminhar à autoridade judiciária os casos de sua competência;

VI - providenciar a medida estabelecida pela autoridade judiciária, dentre as

previstas no art. 101, de I a VI, para o adolescente autor de ato infracional;

VII - expedir notificações;

VIII - requisitar certidões de nascimento e de óbito de criança ou adolescente

quando necessário;

Page 40: Sther Mendes Cunha SABERES E PRÁTICAS DESENVOLVIDAS

40

IX - assessorar o Poder Executivo local na elaboração da proposta orçamentária para

planos e programas de atendimento dos direitos da criança e do adolescente;

X - representar, em nome da pessoa e da família, contra a violação dos direitos

previstos no art. 220, § 3º, inciso II, da Constituição Federal;

XI - representar ao Ministério Público para efeito das ações de perda ou suspensão

do poder familiar, após esgotadas as possibilidades de manutenção da criança ou do

adolescente junto à família natural.

Parágrafo único. Se, no exercício de suas atribuições, o Conselho Tutelar entender

necessário o afastamento do convívio familiar, comunicará incontinente o fato ao

Ministério Público, prestando-lhe informações sobre os motivos de tal entendimento

e as providências tomadas para a orientação, o apoio e a promoção social da família

(BRASIL, 1990).

Tratando-se de um conselho, isto é, “[...] uma assembleia de pessoas encarregadas

de deliberar sobre certos interesses ou julgar determinados litígios” (CAPITANT, 1979, p.

48), as decisões não podem ser tomadas na pessoa do conselheiro, mas de forma conjunta

entre todos os seus membros, a saber, em um colegiado. Por isto o Estatuto não estabelece em

seu artigo 135 “atribuições do Conselheiro”, mas sim do “Conselho Tutelar”.

Percebe-se assim, que tais prescrições dizem respeito ao trabalho a ser realizado

pelo CT como um todo, sem muitas especificações no que tange à função do conselheiro, pois

apenas aponta o que o CT deve fazer, mas não especifica a função da pessoa do conselheiro,

ou o como fazer. Apenas especifica a Lei que as medidas de caráter emergencial, que poderão

ser tomadas, por exemplo, em regime de plantão por um Conselheiro, deverão ser

comunicadas ao colegiado no primeiro dia útil subsequente, tanto para ratificação como para

retificação pelos demais membros (Art. 20/ BRASIL, 2010b).

Segundo Kaminski (2002b, p. 96), a palavra tutela, que acompanha a palavra

conselho, “[...] do latim tutela e do verbo tueri, significa um órgão que visa a proteger [...]”,

no sentido de agir, “[...] como um instrumento de proteção dos direitos de todas as crianças e

adolescentes, independente de suas situações sociais”.

2.1.5 A atividade de trabalho exercida pelo conselheiro tutelar

Os CTs devem possuir, conforme preconiza o ECA e a Resolução 139/2010 do

Conanda, três funções essenciais, sendo elas a requisição de serviços aos demais órgãos

governamentais e não governamentais de atendimento, a petição ao Ministério Público e a

fiscalização de entidades de atendimento. Além disso, a partir da demanda apresentada ao CT,

cumpre-lhe subsidiar com fatos, dados e informações a elaboração do plano de ação do

município nessa área pelo Conselho Municipal dos Direitos da Criança e do Adolescente -

CMDCA.

Entretanto, estas funções só serão possíveis de serem desenvolvidas pelo CT, se

pelo menos um de seus membros tomarem conhecimento de alguma ameaça ou violação de

Page 41: Sther Mendes Cunha SABERES E PRÁTICAS DESENVOLVIDAS

41

direitos de crianças e adolescentes, praticado tanto pela família, quanto pelo Estado ou pela

sociedade, ou ainda em razão de sua própria conduta.

Para que isso aconteça é necessário que o (s) conselheiro (s) esteja pronto a

escutar queixas, reclamações, reivindicações e solicitações. Qualquer pessoa pode realizar

uma denúncia, inclusive crianças e adolescentes que estejam sofrendo ou presenciando uma

violação de direitos, tanto por escrito, como por telefone ou ainda pessoalmente, e a

identidade do denunciante, sempre que possível, deve ser preservada.

Depois de registrada a denúncia, faz-se necessário que o (s) conselheiro (s) apure

a sua veracidade, que pode se dar a partir de uma escuta qualificada, observado o relato das

pessoas e/ou instituições envolvidas; ou ainda através de uma visita de atendimento no local

da ocorrência da ameaça ou violação de direitos que pode ser em domicílio, em escolas, em

hospitais, entidades de atendimento, entre outros (BELO HORIZONTE, 2009).

Quando a denúncia não é comprovada o caso pode ser arquivado, mas jamais

poderá deixar de ser registrado. No entanto, uma vez comprovada a ameaça ou a violação de

direitos, o conselheiro, a partir da discussão do caso em colegiado, poderá aplicar as seguintes

medidas de proteção13

, previstas no artigo 101 do ECA:

I- encaminhamento aos pais ou responsável, mediante termo de responsabilidade;

II - orientação, apoio e acompanhamento temporários;

III - matrícula e frequência obrigatórias em estabelecimento oficial de ensino

fundamental;

IV - inclusão em programa comunitário ou oficial de auxílio à família, à criança e ao

adolescente;

V - requisição de tratamento médico, psicológico ou psiquiátrico, em regime

hospitalar ou ambulatorial;

VI - inclusão em programa oficial ou comunitário de auxílio, orientação e tratamento

a alcoólatras e toxicômanos;

VII – acolhimento institucional (BRASIL, 1990).

O artigo 236 do Estatuto da Criança e do Adolescente prevê que, em casos de

desobediência injustificada de suas determinações tanto por órgão governamental ou não, o

membro do CT que estiver atuando no caso, deverá encaminhar representação à autoridade

judiciária. Nesta representação, é necessário que esteja explicitado o prejuízo ou risco que esta

falta ou omissão poderá acarretar em detrimento dos direitos da criança e do adolescente, bem

como o desamparo às suas famílias.

13 Faz-se relevante apontar que o CT não prestará diretamente os serviços necessários à efetivação dos direitos

da criança e do adolescente previstos no ECA, muito menos substituirá as funções dos programas de atendimento

à criança e ao adolescente à nível municipal, estadual e/ou federal.

Page 42: Sther Mendes Cunha SABERES E PRÁTICAS DESENVOLVIDAS

42

Outra forma de intervenção do conselheiro tutelar poderá se dar a partir do

momento em que este se encontrar informado sobre os problemas da comunidade onde atua,

podendo assim se antecipar à denúncia. Esta antecipação pode acontecer em forma de um

trabalho diferenciado como ações de prevenção, por meio de palestras e campanhas

educativas em escolas, hospitais, veículos de comunicação, entre outras.

Entretanto, os conselheiros tutelares têm dificuldades em exercer suas tarefas,

dada à complexidade que envolve a violação de direitos contra crianças e adolescentes no

Brasil, o que frequentemente faz dos CTs órgãos poucos resolutivos, “[...] deixando muitas

vezes de cumprir o seu papel e, ao mesmo tempo, não conseguindo dar conta da demanda por

atendimento, que geralmente é bastante volumosa” (MATOS e MENDES, 2009, p. 255).

Para Kozen (2008),

Em nenhum outro momento e em nenhuma outra área, o legislador federal delegou

tanta autoridade a agentes do Município como fez o Estatuto da Criança e do

Adolescente, ao criar o Conselho Tutelar, investindo os conselheiros em atribuições

e, especialmente, em prerrogativas de função até então inimagináveis a outros

órgãos ou agentes da municipalidade (KOZEN, 2008, p. 12).

No entanto, faz-se necessário esclarecer que a efetivação do ECA, ou seja, a

defesa dos direitos da infância e juventude, não é tarefa exclusiva dos conselheiros tutelares,

mas da família, do Estado e da sociedade, conforme preza a lei. O CT deve fazer parte do

SGD, a fim de fortalecê-lo e não ser o único ator desse processo,

Porque devemos perceber que da forma que o Estatuto foi elaborado, o conselho

tutelar é concebido como sendo os olhos do conselho de direitos e nós temos que

conceber o conselho de direitos como segundo braço do conselho tutelar. Por que o

segundo braço de apoio? Porque se o conselho de direitos tem a função de formular

políticas públicas, formular programas e serviços, sem uma rede de retaguarda, o

trabalho do conselho tutelar se torna inviável, então ele depende sim do conselho de

direitos. E quando falo que o conselho tutelar é os olhos do conselho de direitos é

porque ele lida com a situação diretamente, ele lida com os casos, sendo quem vai

estar se remetendo ao conselho de direitos, colocando problemas no sentido de

fornecimento de dados para melhor atuação deste (Depoimento de José Cláudio da

Costa Barros apud OLIVEIRA, 1997, p.18).

Visando à realização de diagnósticos sobre ameaça ou violação de direitos de

crianças e adolescentes atendidos pelo CT, foi criado, em 1997, pela Secretaria Nacional de

Promoção dos Direitos da Criança e do Adolescente – SNPDCA, o Sistema de Informação

para Infância e Adolescência - SIPIA, um sistema informatizado, que se baseia no

atendimento diário realizado pelos conselheiros tutelares. Este sistema foi criado com o

objetivo de fornecer aos CMDCA e às administrações municipais dados sobre a situação da

Page 43: Sther Mendes Cunha SABERES E PRÁTICAS DESENVOLVIDAS

43

infância e juventude nos municípios, a fim de subsidiar a elaboração de políticas públicas

sociais.

Segundo Matos e Mendes (2009, p. 249), o SIPIA não é uma realidade para todos

os municípios brasileiros, uma vez que “[...] sua instalação depende da existência de uma

infraestrutura que a maioria dos conselhos tutelares não dispõe”, além da falta de

qualificação/conhecimento técnico/digital para lidar com o sistema por parte dos próprios

conselheiros tutelares.

Somado ao fator “falta de qualificação” dos conselheiros tutelares e, por ser uma

inovação legal, o CT tem dado margem, desde a sua gênese, a uma série de polêmicas em

torno de seu papel e funcionamento (MENDES, 2002). Muitas vezes, este conselho teve

questionada sua autonomia, tanto pelas famílias atendidas, quanto por uma parcela da

sociedade e, ainda por alguns representantes e órgãos públicos.

O Conanda, por meio da resolução 139 (BRASIL, 2010b), estabelece que a Lei

Municipal ou Distrital que dispuser sobre a estruturação do CT, deverá, preferencialmente,

estabelecer dotação orçamentária para que, entre outras razões, promova formação continuada

para os membros desse conselho (Art. 4°) e, ainda:

Art. 48 Parágrafo único. A política referida no caput compreende o estímulo e o

fornecimento dos meios necessários para adequada formação e atualização

funcional dos membros dos Conselhos e seus suplentes, o que inclui, dentre outros,

a disponibilização de material informativo, realização de encontros com

profissionais que atuam na área da infância e juventude e patrocínio de cursos e

palestras sobre o tema (BRASIL, 2010b).

Isto quer dizer que os próprios órgãos responsáveis pela fiscalização do CT, como

o Conanda, reconhecem a fragilidade desse órgão no que diz respeito à qualificação e efetiva

atuação de seus membros.

É interessante observar que a qualificação permanente foi considerada como o

fator mais importante para o aprimoramento dos CT pelos seus próprios membros, conforme a

pesquisa nacional “Conhecendo a Realidade” (2007). Isso indica que os pesquisados

identificam a importância de se compreender melhor as atribuições destinadas a eles e a Lei

sobre a qual sua atuação está respaldada.

Entende-se que a promulgação do ECA e a instituição de CT significa um avanço

democrático de suma importância, mas a sua instituição por si só não altera a realidade. É de

se esperar que no cotidiano institucional dos conselheiros tutelares se efetivem ações que

materializem os princípios da “Proteção Integral” firmados no ECA, para que, além de um

novo paradigma jurídico-social, se tenha também um novo paradigma assistencial baseado em

Page 44: Sther Mendes Cunha SABERES E PRÁTICAS DESENVOLVIDAS

44

ações e atividades que contribuam para que os sujeitos possam ter assegurada uma condição

de sobrevivência em sua plenitude.

2.2 Saberes e práticas desenvolvidas pelo Conselheiro Tutelar: perspectiva ergológica de

estudo

O conhecimento a respeito dos saberes e práticas desenvolvidas pelo conselheiro

tutelar em Belo Horizonte será uma categoria de análise fundamental para construir a

explicação objetiva ao problema de pesquisa e intervenção delimitado neste trabalho.

Conforme apontado anteriormente, o CT, como espaço de participação da sociedade civil no

processo de gestão, fiscalização e garantia dos direitos da população infanto-juvenil é

constituído por pessoas da própria comunidade, portanto com seus valores, cultura e

percepções próprias a respeito das questões que envolvem a sua prática cotidiana.

Não sendo necessária nenhuma formação específica para o exercício desta função

(BRASIL, 1990), muitos conselheiros desenvolvem seus saberes e práticas a partir da

investidura do cargo. Isto quer dizer que, na medida em que as demandas de trabalho

aparecem, decisões são tomadas e encaminhamentos são dados sem que muitos desses

conselheiros tenham sido preparados ou formados para tal.

A proposta desta pesquisa foi debruçar-se sobre esta questão sobre o viés da

Ergologia, que analisa a trabalho por meio da atividade e entende que o trabalhador (a) é

figura central no processo de tornar realidade de trabalho o que foi prescrito, no caso do

conselheiro tutelar, por Leis e Resoluções.

Há desta forma, na perspectiva ergológica, uma lacuna entre o trabalho prescrito e

o trabalho real, e a gestão desta lacuna é chamada pela ergologia de renormalização, pois ao

realizar a atividade de trabalho, cada trabalhador (a) constrói um espaço de trabalho onde

investe saberes que lhe são singulares, não correspondendo ao prescrito, mas ultrapassando-o.

Ao realizar a renormalização, o trabalhador (a) investe saberes instituídos e

também constituídos, estes presentes em sua experiência ao longo da vida. Desta forma o

trabalho não pode ser resumido à mera execução de tarefas prescritas, mas sua compreensão

deve deslocar-se para os sujeitos em atividade.

A contribuição da perspectiva Ergológica para esta pesquisa foi avançar na

compreensão da lacuna existente entre o trabalho prescrito e o trabalho real, do processo de

normalização e renormalização que ocorre em toda a atividade humana.

Page 45: Sther Mendes Cunha SABERES E PRÁTICAS DESENVOLVIDAS

45

Desta forma, foi possível compreender os conselheiros tutelares como

protagonistas das ações realizadas nos CTs pesquisados. Protagonistas estes, que apesar de

terem pouca qualificação para investidura do cargo e frágeis prescrições para realização do

trabalho, procuram investir saberes coerentes com os parâmetros determinados pelo ECA

(BRASIL, 1990).

2.2.1 A abordagem Ergológica: conceito e perspectiva de análise

No início da década de 1980, uma notável equipe de pesquisadores franceses,

mais especificamente da Universidade de Provence, liderada por Yves Schwartz (filósofo e

professor desta instituição), dá origem aos estudos que vão se constituir na perspectiva

ergológica. Segundo Cunha (2007, p. 34), “[...] uma pequena equipe daquela universidade e

alguns parceiros do mundo do trabalho deram origem a um dispositivo de formação e

pesquisa”, inicialmente chamado Análise Pluridisciplinar de Situações de Trabalho (APST).

Para Santos e Vieira Júnior (2012), o surgimento da perspectiva Ergológica teve

três influências diretas, sendo a primeira delas os trabalhos de Ivar Oddone junto ao

Movimento Operário Italiano (MOI), na década de 1960, e que tinham por objetivo

compreender a relação entre saúde e trabalho, por conta do crescente adoecimento dos

trabalhadores, principalmente da indústria automobilística, neste período.

Esse coletivo construiu uma proposta de discussão multidisciplinar do trabalho, que

visava compreender a necessidade de interlocução entre saberes constituídos e

saberes dos trabalhadores para solucionar problemas nos locais laborais. Esse

princípio de interlocução de saberes proposto por esse movimento foi incorporado

por Schwartz (2000) como um dos pilares da abordagem ergológica para fins de

análise e transformação do trabalho (SANTOS e VIEIRA JÚNIOR, 2012, p 84).

A segunda influência vem da ergonomia de língua francesa, ancorada nos estudos

do ergonomista e médico Alan Wisner. A importância desses estudos para a perspectiva

Ergológica foi a distinção dada entre trabalho prescrito e trabalho real.

A compreensão ergonômica de Wisner sobre a lacuna existente entre trabalho

prescrito e trabalho real fora descoberta por seus estagiários Catherine Teiger e Jacques

Duraffourg, em 1972. Estes estagiários acompanharam o trabalho das operárias de uma

fábrica de televisores durante um mês e lá puderam observar que estas não executavam as

tarefas conforme prescrito no manual. Cada operária executava a tarefa de maneira singular,

objetivando a melhor forma de realização da atividade.

Page 46: Sther Mendes Cunha SABERES E PRÁTICAS DESENVOLVIDAS

46

Até a chegada desta descoberta, o trabalho era analisado pelo mundo acadêmico

por meio apenas da prescrição, não levando em consideração o sujeito em atividade. Sujeito

este que possui valores, história e normas próprias e que torna cada atividade de trabalho algo

singular (TRINQUET, 2010).

Assim, estes estudos demonstraram a relação existente entre homem e atividade

onde, por exemplo, foi possível desenvolver a percepção da variação em que o trabalho

humano está sujeito, pois disto depende a forma com que cada trabalhador concebe e exerce a

mesma função, pois são diferentes, e a exercem de modos diferentes, às vezes em busca do

mesmo resultado.

Já a terceira influencia da gênese da perspectiva Ergológica está em Georges

Canguilhem com sua filosofia das normas:

Pela teoria canguilhiana, um sujeito entraria em desequilíbrio a partir do momento

em que não conseguisse se adaptar às normas de trabalho, dessa forma adoecendo

(CANGUILHEM, 2000). É correto afirmar que, baseado na abordagem da filosofia

das normas, o trabalho configura-se com espaço de construção da saúde e fomento

de discussões sobre como os sujeitos trabalhadores podem influenciar ativamente

esse processo (SANTOS E VIEIRA JÚNIOR, 2012, p. 84).

A partir da ideia de que em toda situação social existem normas que buscam

regulação do homem em sociedade, trabalhada pela filosofia das normas de Canguilhem, a

perspectiva Ergológica introduz a ideia de normas antecedentes e o debate das normas,

presentes em toda atividade humana, como nas situações cotidianas de trabalho. Para Vieira

(2003, p. 56) “[...] as normas comportam a história do homem com o contexto social e podem

se traduzir em saberes, valores, técnicas, regras e procedimentos, que passam a ser codificadas

tanto na inteligência do homem singular quanto na experiência coletiva”.

Faz-se importante ressaltar que, além destas três grandes influências, quais sejam,

os trabalhos de Ivar Oddone, na década de 1960, da ergonomia francesa de Alain Wisner e da

filosofia das normas, de Canguilhem, a Ergologia se desenvolve ainda frente à necessidade de

se compreender as transformações do mundo do trabalho. Essas mudanças foram provocadas

pelos novos modos de gerir e organizar a produção capitalista, bem como pela introdução de

novas tecnologias, decorrentes da crise de um ciclo expansivo, que começou na década de

1940 e se estendeu até a década de 1970.

Em resposta a esta crise econômica, o mundo vivenciou, na década de 1980, um

redimensionamento das relações de poder, devido ao desmonte do Leste Europeu, à revolução

tecnológica, à intensificação e expansão do capitalismo contemporâneo e à

Page 47: Sther Mendes Cunha SABERES E PRÁTICAS DESENVOLVIDAS

47

internacionalização do capital, o que modificou as formas de produção e reprodução da vida

social.

O mundo do trabalho assistiu a uma acelerada reestruturação política e produtiva.

A reestruturação consistiu na substituição dos rígidos padrões produtivos taylorista/fordistas14

por formas produtivas flexibilizadas e desregulamentadas por via da perspectiva japonesa do

toyotismo15

, exigidas pela vinculação da produção à demanda (LAURELL, 2002). No que

tange à reestruturação política assistiu-se ao retorno da perspectiva liberal pela via neoliberal,

ou seja, um Estado forte para a economia e ao mesmo tempo fraco para o reconhecimento dos

direitos sociais.

Neste cenário, a Ergologia se caracteriza como uma nova abordagem teórica e

metodológica sobre as situações de trabalho, não se fundando somente na perspectiva

marxista do trabalho abstrato (valor de troca), mas, sobretudo, do trabalho concreto. Ao se

preocupar com o trabalho concreto, ou seja, com a da atividade humana, desloca o interesse

da tarefa para o sujeito que a realiza, entendendo que, como aponta Santos (2000),

O trabalhador não é um mero executante determinado pelo seu lugar nas relações

sociais e pelos dispositivos técnicos mas, também, um homem, sujeito vivente, com

todo o horizonte de universalidade que isto implica (SANTOS, 2000, p. 123).

A ideia trabalhada pelos pesquisadores franceses da Ergologia era de conhecer o

trabalho para transformá-lo; assim, era necessário muito mais do que saberes acadêmicos para

se conhecer o trabalho, sendo necessário conhecê-lo pela via da atividade, ou seja, pela via

dos saberes e valores colocados em ação pelos sujeitos. Esta premissa aponta que o objetivo

máximo da ergologia é conhecer o trabalho para transformá-lo na perspectiva da “atividade

humana”, que segundo Trinquet (2010, p. 94) “[...] é tomada no sentido de atividade interior.

É o que se passa na mente e no corpo da pessoa no trabalho, em diálogo com ela mesma, com

o seu meio e com os ‘outros’”.

Schwartz (2000), argumenta que a Ergologia

14

O modo de produção taylorista/fordista foi criado nos Estados Unidos pelo engenheiro F. W. Taylor no início

do século XX, com o objetivo de racionalizar o trabalho e aumentar a produtividade, separando concepção e

execução do trabalho. Cabia ao sujeito em atividade somente desenvolver as precrições para o trabalho sem

questioná-las ou propor adequações para realização das atividades. Para Tavares (2010, p. 250) “trata-se de uma

proposta diferenciada do controle do trabalho pelo capital, que transcende os limites do espaço fabril,

interpondo-se nas questões familiares, na sexualidade, na moralidade”. Este modelo foi disseminado pela

indústria automobilística Ford. Por esta razão a expressão taylorismo/fordismo. 15

O toyotismo, regime implantado inicialmente pela empresa automobilística Toyota entre 1950 e 1970 (Japão),

também conhecido como modo flexível de produção, “[...] desenvolve relações de subcontratação, pelas quais a

empresa nuclear aproveita-se dos custos salariais mais baixos das subcontratadas.” TAVARES (2009, p.251).

Este modelo de gerenciamento do trabalho se espalhou pelos demais países capitalistas a partir dos anos de 1980.

Page 48: Sther Mendes Cunha SABERES E PRÁTICAS DESENVOLVIDAS

48

[...] não é, portanto, uma disciplina no sentido de um novo domínio do saber, mas,

sobretudo uma disciplina do pensamento. Essa disciplina ergológica é própria às

atividades humana e distinta da disciplina epistêmica que, para produzir saber e

conceito no campo das ciências “experimentais” deve, ao contrário, neutralizar os

aspectos históricos (SCHWARTZ, 2000, p. 45).

Para tal compreensão, o método Ergológico propõe uma leitura multidisciplinar

sobre a atividade de trabalho por entender que nenhuma disciplina (filosofia, ergonomia,

psicologia, sociologia, entre outras) será capaz de compreendê-la em sua totalidade, uma vez

que “[...] colocando em dialética os vários saberes, descobrem-se novos achados, novos

conceitos, que abrem novas perspectivas e horizontes ao conhecimento” (TRINQUET, 2010,

p. 95).

As experiências iniciais da ergologia na década de 1980 continuaram a se

desenvolver mais tarde por intermédio de um departamento próprio, o Departamento de

Ergologia da Universidade de Provence. Na década de 1990, a experiência de estudo chamada

inicialmente de APST, passa a ser denominada Ergologia. O DD3P é uma metodologia

proposta pela Ergologia para se conhecer o trabalho e que envolve os protagonistas, ou seja,

os sujeitos em atividade. O entendimento a partir de três polos, segundo os pesquisadores,

seria uma forma de ampliar o ângulo de análise sobre a atividade humana, podendo observá-la

sobre várias dimensões.

Com isto, esta perspectiva propõe à comunidade acadêmica uma nova forma de

apreender o trabalho, tomando-o não só como algo apenas prescrito, exigido ou imposto pela

gestão do processo produtivo capitalista, como se o trabalho só interessasse às instituições e

mecanismos econômicos. A Ergologia vai para além disso, entende que o trabalho é uma

atividade que interessa a todos os trabalhadores, independente da sua função, hierarquia, seja

patrão ou empregado “[...] e, sobretudo, que permitiria ao trabalho humano encontrar sua

verdadeira razão de ser, fundamental e ontológica, que é favorecer o desenvolvimento de cada

indivíduo, tanto no plano humano quanto econômico e social” (TRINQUET, 2010, p. 96).

A atividade humana é compreendida pela Ergologia como o modo de

desenvolvimento dos homens em sociedade por meio do trabalho em todos os tempos

históricos. São práticas sociais que se modificam e se modernizam, a partir de necessidades

tanto econômicas, como sociais.

Para Schwartz (2002),

Toda atividade humana é sempre, e em todos os graus imagináveis entre o explícito

e o não formulado, entre o verbo e o corpo, entre a história coletiva e o itinerário

singular, o lugar de um debate incessante restaurado entre normas antecedentes

Page 49: Sther Mendes Cunha SABERES E PRÁTICAS DESENVOLVIDAS

49

serem definidas a cada vez em função das circunstâncias e processos parciais de

renormalizações, centrados na entidade atuante e que remetem ao que chamamos de

“lógicas a montante” (SCHWARTZ, 2002, p. 135).

Baseada nesta ideia de atividade humana, a Ergologia questiona a perspectiva

taylorista, pois esta reduz o trabalho à mera execução de tarefas, sem nenhum espaço para a

criatividade do executor da atividade. Assim, sob o viés ergológico, pode-se afirmar que

existe uma distância entre o trabalho prescrito e o trabalho real, uma vez que nem toda norma

pode ser aplicada de igual forma em todas as situações de trabalho por envolver escolhas e

decisões dos sujeitos em atividade, nem sempre passíveis de antecipação.

2.2.2 O reconhecimento da distância entre o trabalho prescrito e o trabalho real

No contexto da atividade humana, a Ergologia analisa o mundo do trabalho

considerando as normas prescritas, quer dizer, aquelas normas que estão colocadas para todos,

porém, indo além delas. As normas prescritas são de suma importância para a organização do

trabalho, porém não regem, como um todo, a atividade realizada pelo trabalhador (a), isto

porque esta prescrição é confrontada no cotidiano das situações vivenciadas pelos sujeitos ao

realizar as suas atividades, sendo assim, transformadas.

Ao realizar uma atividade de trabalho, o homem invoca saberes constituídos, que

podem estar formalizados em livros, resoluções, legislações, cursos (saberes científicos e

acadêmicos) e agregar e estes os saberes investidos, advindos da experiência de vida, dos

valores e da experiência em trabalho, ou seja, da sua subjetividade.

Estes saberes investidos, que podem ser coletivos ou individuais, são convocados

para preencher a lacuna existente entre o prescrito e o real. Durrafourg (2007, p.70) assinala

que trabalhar é “[...] sempre aplicar um protocolo, ao mesmo tempo, é sempre aplicá-lo de

uma maneira singular”.

Nesta direção, observa Schwartz (2000) que,

No contexto das situações de trabalho, os protagonistas destas atividades, portadores

destes saberes, têm necessidade destes materiais para valorizar seus saberes

específicos e transformar sua situação de trabalho. Descrições econômicas, modelos

de gestão, categorizações sociais são encontrados sem cessar em seus meios de

trabalho e é preciso tratá-los e, novamente, (re) tratá-los (SCWARTZ, 2000, p. 44).

O trabalho prescrito é aquele que rigorosamente pode ser previsto e/ou antecipado

por ordens de serviço e tarefas pré-definidas para a obtenção de resultados, também previstos.

Ainda, as condições de trabalho podem ser predeterminas pelo prescrito. Para Schwartz

Page 50: Sther Mendes Cunha SABERES E PRÁTICAS DESENVOLVIDAS

50

(2011), as normas antecedentes se originam de criações históricas da humanidade, com suas

legislações, incluindo todas as experiências coletivas que foram transformadas em modos de

trabalho organizado, tanto em seus níveis de codificação quanto de prescrição.

Já o trabalho real é aquele descoberto, adaptado, construído por cada trabalhador

(a) em particular, onde estão envolvidos os seus valores, a sua experiência de melhor

desenvolver a atividade em questão. Desta forma, o trabalho real não pode ser previsto,

antecipado por regras ou normas, ele acontece cotidianamente e sem antecipações.

Há assim, uma diferença, ou uma distância entre o trabalho prescrito e o trabalho

real, entre aquilo que foi antecipado e entre aquilo que realmente é realizado. Nas palavras de

Trinquet (2000),

Na realidade, o que caracteriza a distância entre o trabalho prescrito e o trabalho

realizado é o fato de o trabalho ser, por definição, imprevisível, isso quer dizer que

ele não é e não pode ser previsto. Tanto do ponto de vista da experiência quanto da

teoria, a única certeza confiável é que sempre existirá uma distância entre o trabalho

prescrito e o praticado, por mínima que seja (TRINQUET, 2000, p. 97-98).

Em outras palavras, o trabalho em si pode ser programável, a atividade realizada

individualmente por cada homem/mulher trabalhador (a), não. Dependendo da situação

vivenciada subjetivamente por cada um (a) desses trabalhadores (as) a atividade será realizada

de uma maneira, levando em consideração “[...] a personalidade, a individualidade, a história

sempre singular, tanto individual quanto coletiva daqueles que participam, em tempo real”

(TRINQUET, 2000, p. 98).

Pelo viés da ergologia, entende-se que cada trabalhador se apropria do trabalho que

lhe é imputado, mas não se despe de sua história, de seus valores éticos para fazê-lo.

Influencia, mas também é influenciado; ao mesmo tempo em que deve cumprir uma

série de tarefas ditadas por normas que lhe são prescritas, ele as reinventa

constantemente (SANTOS e VIEIRA JÚNIOR, 2012, p 89).

Esta distância existente entre o trabalho prescrito e o trabalho real é de suma

importância para compreensão da realidade do trabalho. Isto porque, no desenvolvimento da

atividade cotidiana de trabalho, o trabalhador (a) se depara com dificuldades na execução de

determinas tarefas, que podem ter sido motivadas e/ou determinadas pelas exigências feitas

para sua execução, ou seja, pela prescrição.

As situações de trabalho implicam em relações entre os sujeitos, num diálogo

constante com as prescrições, na efetivação do desempenho da atividade. Entretanto, Para

Schwartz (2007) sempre existe a possibilidade de “um fazer de outra forma”, da inclusão de

uma dimensão transformadora, de (re) criação permanente por parte de cada trabalhador (a).

Page 51: Sther Mendes Cunha SABERES E PRÁTICAS DESENVOLVIDAS

51

Esta dimensão transformadora vai requerer do trabalhador (a) uma adaptação ou

modificação do prescrito para que a atividade possa ser desenvolvida. Desta forma, o

desenvolvimento da atividade, que ora se encontra prescrita, poderá ser recriada. Isto não quer

dizer uma negação da norma, mas um diálogo entre a prescrição e a realidade da execução da

atividade, que leva em consideração a individualidade, valores, cultura de cada sujeito.

O trabalho real envolve, neste entendimento, contínuas escolhas do trabalhador (a)

em consequência das normas e valores adotados por este e que apoia a tomada de decisões no

cotidiano de trabalho. Uma vez que se compreende a distância existente entre trabalho

prescrito e trabalho real identifica-se um lugar de conflito incessante de saberes e de valores

que move cada contexto de trabalho. Este conflito de saberes, que atualiza a atividade de

trabalho, que faz parte do processo de renormalização, alimenta a escolha de um caminho a

ser seguido perante a imprevisibilidade da atividade.

Schwartz (2010) considera que as normas não podem antecipar todas as situações

vivenciadas no trabalho, pois as escolhas são feitas levando em consideração os valores

individuais e sociais do trabalhador, que incidem na renormalização.

Durrive e Schwartz (2008) apontam a renormalização como a

reinterpretação/transformação que o trabalhador (a) faz das normas por causa das

variabilidades inseridas no cotidiano de trabalho em resposta às lacunas das normas

antecedentes. E ainda apontam que,

O ser humano, como todo o ser vivo, está exposto a exigências ou normas, emitidas

continuamente e em quantidade pelo meio no qual se encontra. Para existir como ser

singular, vivo, e em função das lacunas das normas deste meio face às inúmeras

variabilidades da situação local, ele vai e deve tentar permanentemente reinterpretar

estas normas que lhe são propostas. Fazendo isto, ele tenta configurar o meio como

o seu próprio meio. É o processo de renormalização que está no cerne da atividade

(DURRIVE & SCHWARTZ, 2008, p. 27).

Na compreensão da abordagem ergológica da renormalização pode-se destacar o

trabalho como uma atividade criadora, fruto de um esforço individual e social, pois, na

medida em que o sujeito desenvolve a atividade de trabalho individualmente, outros sujeitos

são chamados a contribuir objetivamente ou subjetivamente nesta atividade, por meio das

relações sociais desenvolvidas no ambiente de trabalho.

Sob esta ótica, pode-se compreender que, no processo de renormalização, no

diálogo entre o trabalho prescrito e o real, os sujeitos fazem o uso de si, uma vez que

desenvolvem saberes a partir de seus valores, dos projetos de vida, de suas experiências,

buscando novas formas de desenvolver a atividade de trabalho.

Page 52: Sther Mendes Cunha SABERES E PRÁTICAS DESENVOLVIDAS

52

Faz-se importante salientar que, o uso de si pode se dar tanto por cada sujeito em

particular no momento da execução da atividade, quanto pelos outros.

O uso de si pelos outros pode ser compreendido a partir da própria organização do

trabalho, que compreende as normas e técnicas pré-estabelecidas e a gestão hierárquica com a

qual os trabalhadores convivem cotidianamente, necessitando de diálogo entre os sujeitos para

melhor desenvolvimento das tarefas exigidas. É em meio a esta organização que o uso de si

passa pelos outros.

Para Schwartz (2006, p. 460) “[...] podemos então falar que, no trabalho, o uso de

si envolve “o uso de si pelos outros” e “o uso de si por si mesmo”, e aqui a elaboração

ergológica e a elaboração filosófica vão extrapolar, generalizar, para além do trabalho

assalariado, do trabalho mercantil”. Isto acontece pelo fato de que, em toda situação de

trabalho o sujeito singular atende aos seus interesses, mas atende também, e ao mesmo tempo,

o interesse de outros. Assim, a atividade exercida por este sujeito estará em constante

movimento, numa constante dialética: o uso de si por si mesmo e o uso de si pelos outros.

Neste entendimento, a abordagem ergológica propõe, para melhor compreensão

da atividade de trabalho, do uso de si por si e pelos outros, e da distância existente entre o

trabalho prescrito e o trabalho real uma interação de saberes por meio do chamado

Dispositivo Dinâmico a Três Polos - DD3P, conforme será explicitado no ponto a seguir.

2.2.3 O Dispositivo Dinâmico a Três Polos - DD3P

O DD3P foi desenvolvido por Schwartz no início dos anos de 1990, e emerge de

uma concepção anterior chamada de Comunidade Científica Ampliada, desenvolvida por Ivar

Oddone e apresentado anteriormente. Oddone, um médico italiano, a partir dos anos de 1960

passou a fazer parte de um grupo em Turim, que reunia não só cientistas, como também

estudantes, sindicalistas operários e profissionais de diversificadas áreas.

Através do confronto entre os saberes formais dos pesquisadores e os saberes

informais dos trabalhadores estas comunidades investigam de maneira autônoma,

reivindicação do movimento sindical, o meio de trabalho apresentando propostas de

transformação. Nasce daí uma nova concepção de pesquisa e de produção de saber

sobre o trabalho (SCHWARTZ, 2000, p. 39).

Esta concepção passou a fazer parte dos estudos no interior da ergologia na

Universidade de Provence ainda na década de 1980. Os pesquisadores da Ergologia passaram

a adotar esta concepção dos saberes formais e informais para aprofundar os estudos sobre o

Page 53: Sther Mendes Cunha SABERES E PRÁTICAS DESENVOLVIDAS

53

trabalho, do ponto de vista da atividade, do uso de si por si/ pelos outros, do preenchimento da

lacuna existente entre trabalho prescrito e trabalho real. Adotando um projeto de estudos em

comum entre pesquisadores, estudantes, trabalhadores, sindicalistas e operários, os

pesquisadores esperavam uma reflexão sobre a atividade de trabalho sobre diversos ângulos,

ou sobre o ponto de vista da comunidade envolvida, para além dos muros da Universidade.

Com o desenrolar dos estudos, foi percebido pelos pesquisadores de Provence

alguns limites da concepção da Comunidade Científica Ampliada, uma vez que os saberes

universitários não deram conta do real da atividade já que os protagonistas das ações se “[...]

distribuíam diferentemente, de maneira não linear, não disciplinar, e não ancorado nas

histórias e situações concretas” (SCHWARTZ, 2000, p. 43). E ainda,

[...] trabalhar em conjunto nos leva novamente, ao termo “comunidade”, mas o que

colocar “antes” e “depois”? Paralelamente, mas além do trabalho em comum, cada

um deve prosseguir sua própria batalha. Os universitários retomam suas disciplinas,

para avançar no (re) questionamento, nas démarches, nos métodos que esta

experiência de trabalho em comum tornou necessária. Os interlocutores das

atividades sejam eles dirigentes de empresas, engenheiros ou operários, militantes

sindicais, mutualistas ou associados diretos passam a valorizar as aquisições no seu

campo (SCHWARTZ, 2000, p. 43).

No entanto, os pesquisadores da Ergologia não abandonaram a ideia original da

Comunidade Científica Ampliada, a de reunir saberes para além dos muros da universidade.

Pelo contrário, ao repensar os papéis dos atores envolvidos, como sindicalistas, estudantes e

etc., a ideia foi ampliada para a concepção de Dispositivo Dinâmico a Três Polos - DD3P.

O DD3P, segundo seu criador, Ives Schwartz (2000), parte do pressuposto de que,

para se conhecer o trabalho, é necessário o encontro de saberes oriundos de três pólos

distintos (Figura 2), mas que interagem entre si. O primeiro polo é aquele dos conceitos ou,

dos saberes acadêmicos e, o segundo polo, os saberes gerados na atividade. Já o terceiro pólo

é concebido como o das exigências éticas e epistemológicas, ou seja, posições que devem ser

tomadas de modo a conduzir o diálogo entre os outros dois pólos.

Page 54: Sther Mendes Cunha SABERES E PRÁTICAS DESENVOLVIDAS

54

Figura 2 – Dispositivo Dinâmico a Três polos

Fonte: Trinquet, 2010, p. 104

Trinquet (2010) esclarece que o polo dos saberes constituídos envolve os

conhecimentos disciplinares acadêmicos e/ou profissionais, podendo estar presente ainda em

Leis e Resoluções. São os saberes anteriores à situação de trabalho estudada e, que permitem

elaborar o trabalho prescrito.

O polo dos saberes investidos refere-se à experiência em atividade de trabalho. É

capacidade criadora dos trabalhadores (as) que irá realizar o debate das normas que, uma vez

“[...] conhecidos, jamais podem ser apreciados e controlados pelos saberes constituídos.”

(TRINQUET, 2010, p. 104). Entretanto, para a Ergologia, estes dois polos, os dos saberes

constituídos e os dos saberes investidos, devem sempre ser complementares.

Para que esta complementaridade aconteça, faz-se necessário o diálogo entre os

dois primeiros polos, quer dizer, o ponto de vista apresentado por cada polo deve ser levado

em consideração. Neste contexto, entra em cena o papel do terceiro polo, qual seja, o das

exigências éticas e epistemológicas, pois

Efetivamente, é indispensável criar um lugar onde todos os interlocutores possam

definir e elaborar as disposições e os meios para que a busca de soluções seja

possível. Senão, corre-se o risco de cair em debates acadêmicos infrutíferos. Não se

pode esquecer das diferenças e nem mesmo das oposições entre os participantes

(TRINQUET, 2010, p. 105).

A partir da concepção do DD3P, a Ergologia propõe que os pesquisadores tomem

um posicionamento, “[...] que implica admitir que os “outros”, ainda que não estejam de

acordo conosco, possuem, talvez, uma parte da verdade” (TRINQUET, 2010, p.100).

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55

Cada polo se constitui na busca do conhecimento e reconhecimento de interesses e

concepções, o que implica em reconhecer que ninguém é dono da verdade. Este

posicionamento se relaciona ao que Trinquet denomina de “desconforto intelectual”, que é

“[...] admitir e aceitar que não sabemos tudo e que nunca poderemos sabê-lo, quando se trata

de agir sobre e com os humanos; que não há verdade imutável e definitiva; que nunca há

somente uma maneira certa para fazer as coisas” (TRINQUET, 2010, p.101).

Schwartz (2000, p. 45) argumenta que “[...] entre estes três pólos não existe

começo nem fim, nem anterioridade de um sobre os outros, eles estão em relação dialética. O

conceito de atividade nasceu deste dispositivo a três pólos e, ao mesmo tempo justifica-o e o

exige”.

O autor ainda esclarece que o DD3P tem um duplo movimento:

[...] no seu centro misturam e operam culturas contraditórias, patrimônios

tendencialmente definidos pelos três pólos [filosófico (1), saberes disponíveis

organizados (2), forças de convocação e reconvocação... (3)], e mantém-se coeso por

causa de movimento interno em espiral. Mas ao mesmo tempo, como sob o efeito de

uma força centrífuga, ele remete os três parceiros de cada pólo ao exercício de suas

próprias responsabilidades profissionais (SCHWARTZ, 2004, p. 169).

Para seu idealizador, este dispositivo deveria estar presente em toda pesquisa

sobre atividade humana, pois analisar o trabalho a partir de uma situação real é apreender as

diversas ou infinitas possibilidades de transformá-lo, tal como é a complexidade das relações

sociais que o permeiam.

Desta forma, a Ergologia propõe uma metodologia inovadora, uma vez que busca

compreender o trabalho a partir de quem o realiza, do sujeito em atividade, possibilidade esta

de se pensar outras dimensões do trabalho.

As normas antecedentes não podem prever todas as situações em trabalho, mas o

debate de normas e as renormalizações realizadas pelo sujeito trabalhador (a) podem. Os

saberes formalizados não podem antecipar todas as situações vivenciadas por cada trabalhador

(a), não dão conta das várias dimensões que as compõem. Tornando-se necessário assim,

convocar e reconvocar outros saberes para atender às exigências postas a cada sujeito.

Para se chegar a esta conclusão o DD3P é muito importante, pois pressupõe um

diálogo entre os saberes constituídos e investidos, com o objetivo de recriar, transformar o

trabalho em questão.

Por esta razão, esta abordagem, que "[...] conforma o projeto de melhor conhecer

e, sobretudo, melhor intervir sobre as situações de trabalho, para transformá-las" (p. 25), vem

Page 56: Sther Mendes Cunha SABERES E PRÁTICAS DESENVOLVIDAS

56

ao encontro do objetivo de estudo desta pesquisa, a saber, conhecer os saberes e práticas

desenvolvidas pelo conselheiro tutelar em Belo Horizonte.

A compreensão do objeto de pesquisa a partir do DD3P contribuiu para a

elaboração do projeto de intervenção16

, que buscou elaborar uma proposta que melhor

contribua para o desenvolvimento da atividade de trabalho dos conselheiros tutelares de Belo

Horizonte, colocando-os como protagonistas deste processo.

16

O projeto de intervenção está descrito no capítulo quarto desta dissertação e teve como referência a

constituição do DD3P, apresentado pela Ergologia.

Page 57: Sther Mendes Cunha SABERES E PRÁTICAS DESENVOLVIDAS

57

3 ARTIGO DE RELATO DE PESQUISA

SABERES E PRÁTICAS DESENVOLVIDAS PELO CONSELHEIRO TUTELAR:

um estudo em Belo Horizonte - MG

Resumo: O presente artigo é uma síntese da pesquisa “Saberes e Práticas Desenvolvidas pelo

Conselheiro Tutelar em Belo Horizonte”, apresentada em uma dissertação de mestrado em

Gestão Social, Educação e Desenvolvimento Local do Centro Universitário UNA de Belo

Horizonte – MG. Optou-se pela abordagem qualitativa e uma pesquisa de tipo descritiva

composta das fases bibliográfica, documental e empírica. Quatro conselhos tutelares de Belo

Horizonte constituíram o locus da pesquisa e, para explicitar o objeto de estudo, foram

selecionados oito conselheiros tutelares como sujeitos. Procurou-se conhecer os saberes e

práticas desenvolvidos por estes trabalhadores (as) como alternativa para enfrentar os desafios

postos pelas frágeis prescrições que se manifestam, principalmente, nas imprecisões contidas

no Estatuto da Criança e do Adolescente –ECA (1990) e no Regimento Interno dos Conselhos

Tutelares de BH (2009). Os resultados apontaram para a existência de um esforço cotidiano,

por parte dos conselheiros, para preencher as lacunas existentes entre o trabalho prescrito,

consubstanciado em Leis e Resoluções, bem como numa insuficiente, senão inexistente

qualificação, e o trabalho real, que os convoca a dar eficiência ao Sistema de Garantia de

Direitos - SDG do município de Belo Horizonte.

Palavras-chave: Estatuto da Criança e do Adolescente. Atividade de Trabalho do

Conselheiro Tutelar. Ergologia. Saberes e Práticas do Conselheiro Tutelar.

1 INTRODUÇÃO

Enxergar a evolução da demanda social e a gravidade do frequente desrespeito aos

direitos da infância e juventude no Brasil traz à mente a importância da aprovação do Estatuto

da Criança e do Adolescente - ECA (BRASIL, 1990) e a implantação dos Conselhos Tutelares

– CT (BRASIL, 2010b), órgãos autônomos e não jurisdicionais destinados a zelar para que os

preceitos dessa Lei não sejam desrespeitados.

Sendo o CT um órgão que integra a rede de atendimento voltada à infância e

juventude, espera-se que este tenha o compromisso institucional com o pleno

desenvolvimento de uma política de promoção e defesa dos direitos desse segmento social em

âmbito local, seja na área de educação, saúde, assistência social ou outras, dessa forma

contribuindo, sobretudo, para o desenvolvimento social.

Embora os CTs apresentem um grande potencial de efetivação da política de

atendimento à criança e ao adolescente, ele apresenta problemas que merecem ser

enfrentados.

Page 58: Sther Mendes Cunha SABERES E PRÁTICAS DESENVOLVIDAS

58

Estes problemas estão relacionados, por exemplo, à falta de compreensão das

atribuições dos conselheiros tutelares, tanto por parte de seus membros quanto por parte da

sociedade em geral, dos órgãos públicos e também do poder judiciário. Algumas pessoas e

instituições confundem o CT com política de atendimento, ou seja, como um órgão

responsável pela solução de problemas como guarda, falta de alimentação, de recursos

financeiros, etc., não o entendendo na verdade como um órgão que deve requisitar medidas

que as instituições deveriam tomar e que, algumas vezes, não tomam.

Outras polêmicas envolvem a atividade de trabalho do conselheiro tutelar desde

que o CT foi instituído, como a falta e /ou inexistência de qualificação de seus membros para

exercício das atribuições e ainda a desresponsabilização do Estado no que tange à garantia e

efetividade de um Sistema de Garantia de Direitos - SDG17

conforme preconiza o ECA, o que

acarreta numa frágil estrutura de trabalho para estes trabalhadores (as).

Segundo a pesquisa nacional “Conhecendo a Realidade” 18

, realizada entre

fevereiro e novembro de 2006, já existem 4.480 CT instalados nos 5.564 municípios

brasileiros, o que representa uma parcela de 88%. Essa pesquisa aponta também que já

existem CT em todos os estados da federação e no Distrito Federal.

Tendo por objetivo conhecer os saberes e práticas desenvolvidas pelo conselheiro

tutelar capazes de responder às suas atividades cotidianas de trabalho com vistas a zelar pelos

direitos da criança e do adolescente em consonância ao prescrito no ECA, delimitou-se a

cidade de Belo Horizonte – BH, em Minas Gerais, como unidade privilegiada de análise. Por

ser uma metrópole, BH possui uma grande dimensão demográfica, econômica, social e

cultural e, sobretudo, possui nove CT em funcionamento.

Optou-se pela abordagem qualitativa e uma pesquisa de tipo descritiva composta

das fases bibliográfica, documental e empírica. Quatro CTs de Belo Horizonte constituíram o

locus da pesquisa e, para explicitar o objeto de estudo, foram selecionados oito conselheiros

tutelares como sujeitos.

17

O SGD pode ser entendido como um “conjunto de órgãos, entidades, autoridades, serviços e programas de

atendimento a crianças, adolescentes e suas respectivas famílias, que devem atuar de forma articulada e

integrada, na busca de sua proteção integral [...]”, (Prefeitura de Belo Horizonte; Conselho Municipal da Assistência Social e dos Direitos da Criança e do Adolescente, 2012 – não publicado), evidentemente a partir do

que está previsto pelo ECA e pela Constituição Federal. 18

Pesquisa realizada pela Secretaria Especial dos Direitos Humanos da Presidência da República - SEDH/PR e

pelo Conselho Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente - Conanda, por meio do Centro de

Empreendedorismo Social e Administração em Terceiro Setor - CEATS, da Fundação Instituto de

Administração. Conforme informações obtidas na página online do Conanda,

http://www.direitoshumanos.gov.br/conselho/conanda, uma nova pesquisa “Conhecendo a Realidade” está em

andamento, com previsão de divulgação para o segundo semestre de 2013.

Page 59: Sther Mendes Cunha SABERES E PRÁTICAS DESENVOLVIDAS

59

O problema de pesquisa procurou ser explicitado pelo referencial da Ergologia, de

forma a perceber a atividade exercida pelo conselheiro tutelar como experiência que necessita

de convocação de saberes para além das frágeis prescrições existentes, principalmente pelas

imprecisões contidas no Estatuto da Criança e do Adolescente –ECA (BRASIL, 1990) e no

Regimento Interno dos Conselhos Tutelares de BH (BELO HORIZONTE, 2009), enquanto

alternativas de enfrentamento aos desafios postos à atuação destes trabalhadores (as).

Para se chegar ao desenvolvimento desta ideia, se fará necessário apresentar

inicialmente as condições socio-históricas que possibilitaram a criação de CTs no Brasil, bem

como delinear quais atribuições estão destinadas a este órgão e mais especificamente, aos

conselheiros tutelares.

Os resultados apontaram para a existência de um esforço cotidiano por parte dos

conselheiros para preencher as lacunas existentes entre o trabalho prescrito, consubstanciado

em Leis e Resoluções, bem como numa insuficiente, senão inexistente qualificação, e o

trabalho real, que os convoca a dar eficiência ao Sistema de Garantia de Direitos - SDG do

município de Belo Horizonte.

2 CONDIÇÕES SOCIO-HISTÓRICAS QUE POSSIBILITARAM A CRIAÇÃO DE

CONSELHOS TUTELARES NO BRASIL

Quando a política de atendimento à criança e ao adolescente é analisada no

Brasil, percebe-se que a ação do Estado é recente, iniciando-se no final da década de 1920.

Embora a problemática em relação às condições de vida e de trabalho de crianças e

adolescentes tenha sempre existido, seu enfrentamento ficava a cargo da Igreja e de iniciativas

particulares.

É a partir dos anos 1930 que se pode observar uma preocupação pública no

enfrentamento à “questão social” e, consequentemente, aos problemas relativos à infância e

juventude. A criação do Código de Mello Matos em 1927, instituído pelo Decreto 17.943-A

(BRASIL, 1927), demarcou o momento em que o Estado começou a ocupar-se dos problemas

da infância e da juventude, reconhecendo-os como “questão social”, demandando assim uma

intervenção pública. Este Código, denominado ”direito do menor”, consistia em um conjunto

de leis voltadas para a população infanto-juvenil. Fundamentou-se nos princípios da situação

irregular, apresentando uma concepção política e social de caráter assistencialista, punitivo e

de controle no trato da problemática de crianças e adolescentes das classes subalternas. Silva

(1997) aponta que essa legislação dizia ser

Page 60: Sther Mendes Cunha SABERES E PRÁTICAS DESENVOLVIDAS

60

[...] dever da família, suprir as necessidades básicas de seus filhos, tais como:

moradia, alimentação, de maneira adequada (concepção defendida pelos que

estavam à frente do Estado, independente da situação econômica da família); caso

contrário, perderia o pátrio poder. A pobreza era o bastante para caracterizar o

menor como abandonado (SILVA, 1997, p. 154).

Esta concepção19

vigorou até a década de 1970 quando foi reformulado, dando

origem ao 2º Código de Menores (BRASIL, 1979). De acordo com Silva (2005, p. 32), ele

“[...] já surgiu defasado para sua época, pois constituía o prolongamento da filosofia

menorista do Código de Mello Matos, do início do século XX”. A autora ainda observa que,

apesar de em 1979 ser comemorado o Ano Internacional da Criança no Brasil, fruto de uma

mobilização mundial, o código que acabara de nascer,

[...] não correspondia aos interesses das forças políticas e da sociedade civil e nem

representava os direitos das crianças e adolescentes, os quais permaneciam

confinados nas instituições totais e submetidos ao poder discricionário do Juiz de

Menores (SILVA, 2005, p. 32).

Diante desse quadro de permanente violação dos direitos das crianças e

adolescentes é que, no bojo do processo de redemocratização da sociedade brasileira na

década de 1980 surgiram, entre os segmentos mais críticos da sociedade, manifestações em

defesa deste público. Este movimento estava articulado a um amplo movimento político que

lutava pelo fim da ditadura civil-militar e pelas “Diretas já”, manifestações que chamavam a

atenção de toda a sociedade e forjaram as condições para iniciar a luta em favor das crianças e

dos adolescentes no campo dos direitos.

A convocação da Assembleia Nacional Constituinte configurou-se em

oportunidade ímpar para garantir legalmente, no “Estado democrático de direitos”

(Constituição Federal de 1988, em construção), atenção especial às crianças e adolescentes

brasileiros. Esse compromisso foi expresso nos artigos 227 e 228 da CF/1988, cujo conteúdo

merece transcrição literal:

Art. 227. É dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança e ao

adolescente, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à

educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à

liberdade e à convivência familiar e comunitária, além de colocá-los a salvo de toda

forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão.

19 É nesse espírito conservador e repressivo que se dá a criação do Serviço de Assistência ao Menor (SAM) em

1941, que tinha o objetivo de proporcionar em todo o território nacional uma assistência social aos “menores

carentes e infratores da lei penal”, visando à sua “reintegração” na sociedade. Utilizava, para tanto, uma

metodologia baseada na coerção, disciplina e maus tratos, seguindo uma lógica carcerária ao reproduzir os

mecanismos de controle social da época.

Page 61: Sther Mendes Cunha SABERES E PRÁTICAS DESENVOLVIDAS

61

Art. 228. São penalmente inimputáveis os menores de dezoito anos, sujeitos às

normas da legislação especial (BRASIL, 1988).

Toma forma no país o Fórum Nacional Permanente de Entidades Não

Governamentais de Defesa dos Direitos da Criança e do Adolescente - “Fórum DCA”. Criado

em 1988, ele visava uma articulação de entidades que atuam na área de defesa e promoção

dos direitos da infância e juventude (NICODEMOS, 1997), no âmbito nacional. Após vários

encontros, discussões, congressos e reuniões realizados em todo país, é elaborado o Estatuto

da Criança e do Adolescente (ECA/ Lei nº 8069, de 13 de julho de 1990), que regulamentou

as conquistas constitucionais e revogou o Código de Menores.

É importante ressaltar a singularidade do ECA e seu significado como construção

coletiva do conjunto da sociedade, o que o diferencia de outras Leis. O Estatuto não foi

escrito sob a ótica convencional da formação de leis em nosso país ou mesmo no mundo, pois

não foi uma lei formulada por advogados ou por juristas. Como argumenta Nicodemos (1997,

p. 25), ele “[...] foi formulado por outras mãos”, já que contou com a participação efetiva de

profissionais de diversas áreas, como Serviço Social, Sociologia, Pedagogia, Psicologia,

Direito, entre outras e, principalmente, com a mobilização de amplos segmentos sociais

populares.

Propostas de ampliação política da sociedade civil foram impressas, tanto na CF/

1988, como no ECA, por intermédio de processos de descentralização político-administrativa

que configuram uma nova institucionalidade na área da infância e juventude no Brasil. Abre-

se espaço, neste momento, para a participação popular no planejamento, deliberação e

fiscalização das ações estatais desenvolvidas pelas políticas públicas sociais.

Nesse cenário é que emergem os Conselhos Tutelares, previstos entre os artigos

131 e 140 do ECA, órgãos representativos da sociedade civil no âmbito municipal, e seus

membros são eleitos pelo voto não obrigatório da comunidade a que se destina seu

atendimento. Assim, este Conselho se inscreve como possibilidade de uma nova forma de

controle social, na perspectiva da transformação política e social no Brasil, já que supõe uma

cidadania participativa, além da representativa.

3 AVANÇOS E DESAFIOS PRESENTES NA INSTITUIÇÃO DOS CONSELHOS

TUTELARES

A ideia da criação de um conselho na área da infância e juventude no Brasil não é

nova. Esta necessidade é apontada desde a constituição do 1º Código de Menores, em 1927

Page 62: Sther Mendes Cunha SABERES E PRÁTICAS DESENVOLVIDAS

62

(BRASIL, 1927). Segundo esta lei, era de responsabilidade do Juiz de Menores “[...] não

somente a função judicial, mas também funções administrativas e assistenciais, além de certo

papel legislativo, não se observando a separação de poderes” (BRAGAGLIA, 2002, p. 76).

Para desempenhar essas funções assistencialistas, percebeu-se muito cedo a

necessidade de participação da comunidade. Dizia o artigo 222 do referido Código: “É criado

no Distrito Federal o Conselho de Assistência e Proteção aos Menores”. Em seus incisos eram

previstas as atribuições de vigiar, proteger, auxiliar, fiscalizar, fundar estabelecimentos,

organizar e fomentar patronatos, promover a assistência e administrar os fundos. Este

conselho era considerado uma associação de utilidade pública, com personalidade jurídica,

cuja presidência competia ao Ministro da Justiça (PESTANA, 2011). No entanto, a concepção

do 1º Código de Menores a respeito da criação de um conselho era apenas como um órgão

auxiliar do juiz, sem qualquer autonomia para ação.

O “Conselho Tutelar” é novidade jurídica. Trata-se de uma “[...] evolução da ideia

de conselhos para atuarem na assistência e proteção de crianças no Brasil e fundamenta-se na

necessidade da participação comunitária nessa função” (FERREIRA, 2002, p. 127). Dessa

forma, o Estatuto reconhece que também cabe à sociedade e à comunidade zelar pelos direitos

desse segmento social no Brasil. A partir desse entendimento, prevê-se que o CT será

constituído por pessoas da comunidade, e que tenham conhecimento dos dilemas dessa

mesma comunidade na qual está inserido.

O ECA (BRASIL, 1990) regulamenta os Cts:

Art. 131. O Conselho Tutelar é órgão permanente e autônomo, não jurisdicional,

encarregado pela sociedade de zelar pelo cumprimento dos direitos da criança e do

adolescente, definidos nesta Lei.

Art. 132. Em cada Município haverá, no mínimo, um Conselho Tutelar composto de

cinco membros, escolhidos pela comunidade local para mandato de três anos,

permitida uma recondução (BRASIL, 1990).

A expressão “órgão permanente” quer dizer que, uma vez criado no município, o

CT não pode deixar mais de existir, mesmo modificando-se os ocupantes dos cargos públicos,

como prefeitos e vereadores. Para Kaminski (2002b, p. 97), esse conselho “[...] é uma

conquista da sociedade, não cabendo, senão em virtude da lei federal que o criou, deixá-lo de

fazer funcionar”. Sendo assim, o Estatuto reconhece que cada comunidade, levando-se em

consideração seu desenvolvimento cultural, econômico, político e social, vive uma realidade

em relação à garantia ou violação de direitos, devendo assim se organizar para resolvê-los.

A expressão “órgão autônomo” na Lei refere-se à liberdade do CT para a tomada

de decisões, desde que sejam à luz dessa mesma Lei, não podendo ser influenciadas por

Page 63: Sther Mendes Cunha SABERES E PRÁTICAS DESENVOLVIDAS

63

qualquer interesse que não seja, em primeira instância, o da criança ou do adolescente

envolvido. Segundo o ECA (BRASIL, 1990), somente a autoridade judiciária poderá rever as

decisões do CT, “[...] a pedido de quem tenha legítimo interesse” (Art. 137).

A Lei preconiza ser de responsabilidade de cada município dispor sobre local, dia

e horário de funcionamento, bem como sobre a remuneração de seus membros, além de sua

qualificação permanente (Art. 134), devendo constar em lei orçamentária municipal a

previsão de recursos necessários. Apesar disso, o órgão municipal jamais poderá interferir nas

ações e decisões dos Conselheiros, que têm o dever de fiscalizar as prefeituras ou gestões

municipais (Art. 131).

A partir de 2001, os CTs receberam parâmetros para a sua criação e

funcionamento pela Resolução 075 (BRASIL. 2001), expedida pelo Conselho Nacional dos

Direitos da Criança e do Adolescente (Conanda). Em 2010, foi verificada a necessidade de se

expedir e/ou reformular diretrizes para além daquelas estabelecidas em 2001, dando origem à

Resolução 139. Uma das novidades dessa Resolução é a observância, preferencialmente, da

proporção mínima de um CT para cada 100.000 habitantes.

Tratando-se de um conselho, isto é, “[...] uma assembleia de pessoas encarregadas

de deliberar sobre certos interesses ou julgar determinados litígios” (CAPITANT, 1979, p.

48), as decisões não podem ser tomadas na pessoa do Conselheiro, mas de forma conjunta

entre todos os seus membros, a saber, em um colegiado. Por isto o Estatuto não estabelece em

seu artigo 135 “atribuições do Conselheiro”, mas sim do “Conselho Tutelar”. As medidas de

caráter individual e emergencial, que poderão ser tomadas, por exemplo, em regime de

plantão, deverão ser comunicadas ao colegiado no primeiro dia útil subsequente, tanto para

ratificação como para retificação pelos demais membros (Art. 20/ BRASIL, 2010b).

Segundo Kaminski (2002b, p. 96), a palavra tutela, que acompanha a palavra

conselho, “[...] do latim tutela e do verbo tueri, significa um órgão que visa a proteger [...]”,

no sentido de agir, “[...] como um instrumento de proteção dos direitos de todas as crianças e

adolescentes, independente de suas situações sociais”.

No entanto, faz-se necessário esclarecer que a efetivação do ECA, ou seja, a

defesa dos direitos da infância e juventude, não é tarefa exclusiva dos conselheiros tutelares,

mas da família, do Estado e da sociedade. O CT deve fazer parte do Sistema de Garantia de

Direitos, a fim de fortalecê-lo e não ser o seu único ator.

O ECA (BRASIL, 1990) indica, ainda, em seu artigo 133 que qualquer pessoa

pode se candidatar a membro d CT, desde que tenha reconhecida idoneidade moral, idade

superior a 21 anos e que resida no município onde pretende se candidatar. Desta forma, há um

Page 64: Sther Mendes Cunha SABERES E PRÁTICAS DESENVOLVIDAS

64

indicação que para ser membro desse conselho não seja necessária nenhuma formação

específica.

O CT, entretanto, após duas décadas, ainda busca se afirmar como espaço de

participação da sociedade civil no processo de gestão, fiscalização e garantia dos direitos da

população infanto-juvenil. Constituído por pessoas da própria comunidade, “[...], portanto

com seus valores, cultura e percepções próprias” (BRAGAGLIA, 2002, p. 86), o CT tem

diante de si o desafio de se tornar um órgão de defesa dos direitos desse segmento social. Este

desafio compreende a garantia da efetividade das ações dos conselheiros, de sua qualificação

para o exercício de sua função de forma a se posicionar corretamente perante as situações de

desrespeito aos direitos da população infanto-juvenil descritas no ECA.

Entende-se que a promulgação do ECA e a instituição de CT significam um

avanço democrático de suma importância. No entanto, a sua instituição, por si só, não altera a

realidade. Para que isto aconteça, espera-se que o cotidiano institucional dos conselheiros

tutelares propicie a efetivação de ações que materializem os princípios da “Proteção Integral”

firmados no ECA. Além de um novo paradigma jurídico-social, o CT implica um novo

paradigma assistencial baseado em ações e atividades que contribuam para que os sujeitos

possam ter assegurada uma condição digna de existência.

Existem alguns problemas em relação ao trabalho dos conselheiros tutelares que

podem estar relacionados, por exemplo, a falta de compreensão das atribuições dos CTs, tanto

por parte de seus membros, quanto por parte da sociedade em geral, dos órgãos públicos e

também do poder judiciário. Algumas pessoas e instituições confundem o CT com política de

atendimento, ou seja, como um órgão solucionador de impasses como guarda, falta de

alimentação, de recursos financeiros, etc., não o entendendo na verdade como um órgão que

deve requisitar medidas que as instituições deveriam tomar e que, algumas vezes, não tomam.

Outros ainda entendem serem, os conselheiros tutelares, os únicos capazes de

defender os direitos da infância e juventude, não compreendendo que é dever de toda a

sociedade, como preconiza o ECA: “é dever da família, do Estado e da sociedade [...]”(Art.

227 da CF/88 e Art. 4° do ECA). Como bem aponta Souza (2002, p. 112), “[...] todos têm de

saber qual o uso de cada um. O Conselho Tutelar, o Ministério Público, o juizado e etc. O uso

não é o que cada um quer fazer, mas o que cada um deve cumprir”.

Faz-se relevante observar que a necessidade de qualificação permanente dos

conselheiros – para melhor compreensão, interpretação e aplicação do ECA – deve ser

considerada não somente pelo fato de serem pessoas da comunidade, que não necessariamente

necessitem de qualificação profissional para ocupação do cargo, mas pelo fato de que existe

Page 65: Sther Mendes Cunha SABERES E PRÁTICAS DESENVOLVIDAS

65

uma rotatividade dos membros desse órgão. Um mandato, segundo o ECA, equivale a quatro

anos, sendo permitida apenas uma recondução, quer dizer, mudam-se os membros, não os

problemas demandados ao CT.

E ainda, como explicitado anteriormente, o conselheiro tutelar tem a função de

zelar pelos direitos das crianças e dos adolescentes. Para que isto aconteça, devem conhecer

esses direitos, ou melhor dizendo, devem conhecer a constituição do SGD e sua eficiência ou

não em nível municipal. Para tal conhecimento, é necessário que os Conselheiros

desenvolvam saberes e práticas não somente a partir do ECA, mas também a partir das

legislações correlatas, como a Constituição Federal de 1988, leis e resoluções que envolvam

os interesses da infância e juventude em âmbito municipal, estadual e federal, sobre Direitos

Humanos, rede de atendimento e administração pública, entre outros.

O Conanda, por meio da resolução 139 (BRASIL, 2010b), estabelece que a Lei

Municipal ou Distrital que dispuser sobre a estruturação do CT, deverá preferencialmente

estabelecer dotação orçamentária para que, entre outras coisas, promova formação continuada

para os membros desse conselho (Art. 4°) e, ainda:

Art. 48 Parágrafo único. A política referida no caput compreende o estímulo e o

fornecimento dos meios necessários para adequada formação e atualização funcional

dos membros dos Conselhos e seus suplentes, o que inclui, dentre outros, a

disponibilização de material informativo, realização de encontros com profissionais

que atuam na área da infância e juventude e patrocínio de cursos e palestras sobre o

tema (BRASIL, 2010b).

Isto quer dizer que os próprios órgãos responsáveis pela fiscalização do CT, como

o Conanda, reconhecem a fragilidade desse órgão no que diz respeito à efetiva atuação de

seus membros.

Os CTs devem possuir, conforme preconiza o ECA e a Resolução 139/2010 do

Conanda, três funções essenciais, sendo elas a requisição de serviços aos demais órgãos

governamentais e não governamentais de atendimento, a petição ao Ministério Público e a

fiscalização de entidades de atendimento. Além disso, a partir da demanda apresentada ao CT,

cumpre-lhe subsidiar com fatos, dados e informações a elaboração do plano de ação do

município nessa área pelo Conselho Municipal dos Direitos da Criança e do Adolescente -

CMDCA.

Entretanto, estas funções só serão possíveis de serem desenvolvidas pelo CT, se

pelo menos um de seus membros tomarem conhecimento de alguma ameaça ou violação de

direitos de crianças e adolescentes, praticado tanto pela família, quanto pelo Estado ou pela

sociedade, ou ainda em razão de sua própria conduta.

Page 66: Sther Mendes Cunha SABERES E PRÁTICAS DESENVOLVIDAS

66

Para que isso aconteça é necessário que o (s) conselheiro (s) esteja pronto a

escutar queixas, reclamações, reivindicações e solicitações. Qualquer pessoa pode realizar

uma denúncia, inclusive crianças e adolescentes que estejam sofrendo ou presenciando uma

violação de direitos, tanto por escrito, como por telefone ou ainda pessoalmente, e a

identidade do denunciante, sempre que possível, deve ser preservada.

Depois de registrada a denúncia, faz-se necessário que o (s) conselheiro (s) apure

a sua veracidade, que pode se dar a partir de uma escuta qualificada, observado o relato das

pessoas e/ou instituições envolvidas; ou ainda através de uma visita de atendimento no local

da ocorrência da ameaça ou violação de direitos que pode ser em domicílio, em escolas, em

hospitais, entidades de atendimento, entre outros (BELO HORIZONTE, 2009).

Quando a denúncia não é comprovada o caso pode ser arquivado, mas jamais

poderá deixar de ser registrado. No entanto, uma vez comprovada a ameaça ou a violação de

direitos, o conselheiro, a partir da discussão do caso em colegiado, poderá aplicar as seguintes

medidas de proteção20

, previstas no artigo 101 do ECA:

I- encaminhamento aos pais ou responsável, mediante termo de responsabilidade;

II - orientação, apoio e acompanhamento temporários;

III - matrícula e frequência obrigatórias em estabelecimento oficial de ensino

fundamental;

IV - inclusão em programa comunitário ou oficial de auxílio à família, à criança e ao

adolescente;

V - requisição de tratamento médico, psicológico ou psiquiátrico, em regime

hospitalar ou ambulatorial;

VI - inclusão em programa oficial ou comunitário de auxílio, orientação e tratamento

a alcoólatras e toxicômanos;

VII – acolhimento institucional;

O artigo 236 do Estatuto da Criança e do Adolescente prevê que, em casos de

desobediência injustificada de suas determinações tanto por órgão governamental ou não, o

membro do CT, que estiver atuando no caso, deverá encaminhar a autoridade judiciária

explicitando o prejuízo ou risco que esta falta ou omissão poderá acarretar em detrimento dos

direitos da criança e do adolescente, bem como o desamparo as suas famílias.

Entretanto, os conselheiros tutelares têm dificuldades em exercer suas tarefas, dada

à complexidade que envolve a violação de direitos contra crianças e adolescentes no Brasil, o

que frequentemente faz dos CTs órgãos poucos resolutivos, “[...] deixando muitas vezes de

20 Faz-se relevante apontar que o CT não prestará diretamente os serviços necessários à efetivação dos direitos

da criança e do adolescente previstos no ECA, muito menos substituirá as funções dos programas de atendimento

à criança e ao adolescente à nível municipal, estadual e/ou federal.

Page 67: Sther Mendes Cunha SABERES E PRÁTICAS DESENVOLVIDAS

67

cumprir o seu papel e, ao mesmo tempo, não conseguindo dar conta da demanda por

atendimento, que geralmente é bastante volumosa” (MATOS e MENDES, 2009, p. 255).

4 SABERESE E PRÁTICAS: PERSPECTIVA ERGOLÓGICA DE ESTUDO

O conhecimento a respeito dos saberes e práticas desenvolvidas pelo conselheiro

tutelar em Belo Horizonte foi uma categoria de análise fundamental para construir a

explicação objetiva ao problema de pesquisa delimitado.

Conforme apontado anteriormente, o CT, como espaço de participação da

sociedade civil no processo de gestão, fiscalização e garantia dos direitos da população

infanto-juvenil é constituído por pessoas da própria comunidade, portanto com seus valores,

cultura e percepções próprias a respeito das questões que envolvem a sua prática cotidiana.

Não sendo necessária nenhuma formação específica para o exercício desta função

(BRASIL, 1990), muitos conselheiros desenvolvem seus saberes e práticas a partir da

investidura do cargo. Isto quer dizer que, na medida em que as demandas de trabalho

aparecem, decisões são tomadas e encaminhamentos são dados sem que muitos desses

conselheiros tenham sido preparados ou formados para tal.

A proposta deste estudo foi debruçar-se sobre esta questão sobre o viés da

Ergologia21

, que analisa a trabalho por meio da atividade e entende que o trabalhador (a) é

figura central no processo de tornar realidade de trabalho o que foi prescrito, no caso do

conselheiro tutelar, por Leis e Resoluções.

Desta forma, a perspectiva desta pesquisa está voltada para a “atividade humana”,

exercida pelo conselheiro tutelar, que segundo Trinquet (2010, p. 94) “[...] é tomada no

sentido de atividade interior. É o que se passa na mente e no corpo da pessoa no trabalho, em

diálogo com ela mesma, com o seu meio e com os ‘outros’”.

A Ergologia se caracteriza como uma nova abordagem teórica e metodológica

sobre as situações de trabalho, não se fundando somente na perspectiva marxista do trabalho

abstrato (valor de troca), mas, sobretudo, do trabalho concreto. Ao se preocupar com o

trabalho concreto, ou seja, com a da atividade humana, desloca o interesse da tarefa para o

sujeito que a realiza, entendendo que, como aponta Santos (2000, p. 43), “o trabalhador não é

um mero executante determinado pelo seu lugar nas relações sociais e pelos dispositivos

21

No início da década de 1980, uma notável equipe de pesquisadores franceses, mais especificamente da

Universidade de Provence, liderada por Yves Schwartz (filósofo e professor desta instituição), dá origem aos

estudos que vão se constituir na perspectiva Ergológica.

Page 68: Sther Mendes Cunha SABERES E PRÁTICAS DESENVOLVIDAS

68

técnicos mas, também, um homem, sujeito vivente, com todo o horizonte de universalidade

que isto implica.”

A ideia trabalhada pelos pesquisadores franceses da Ergologia é de conhecer o

trabalho para transformá-lo; assim, era necessário muito mais do que saberes acadêmicos para

se conhecer o trabalho, sendo necessário conhecê-lo pela via da atividade dos trabalhadores

(as), ou seja, pela via dos saberes e valores colocados em ação por estes.

No contexto da atividade humana, a Ergologia analisa o mundo do trabalho

considerando as normas prescritas, quer dizer, aquelas normas que estão colocadas para todos,

porém, indo além delas. As normas prescritas são de suma importância para a organização do

trabalho, porém não regem, como um todo, a atividade realizada pelo trabalhador (a), isto

porque esta prescrição é confrontada no cotidiano das situações vivenciadas pelos sujeitos ao

realizar as suas atividades, sendo assim, transformadas.

O trabalho prescrito é aquele que rigorosamente pode ser previsto e/ou antecipado

por ordens de serviço e tarefas pré-definidas para a obtenção de resultados, também previstos.

Ainda, as condições de trabalho podem ser predeterminas pelo prescrito. Para Schwartz

(2007), as normas antecedentes se originam de criações históricas da humanidade, com suas

legislações, incluindo todas as experiências coletivas que foram transformadas em modos de

trabalho organizado, tanto em seus níveis de codificação quanto de prescrição.

Já o trabalho real é aquele descoberto, adaptado, construído por cada trabalhador

(a) em particular, onde estão envolvidos os seus valores, a sua experiência de melhor

desenvolver a atividade em questão. Desta forma, o trabalho real não pode ser previsto,

antecipado por regras ou normas, ele acontece cotidianamente e sem antecipações.

Há desta forma, na perspectiva ergológica, uma lacuna entre o trabalho prescrito e

o trabalho real, e a gestão desta lacuna é chamada pela ergologia de renormalização, pois ao

realizar a atividade de trabalho, cada trabalhador (a) constrói um espaço de trabalho onde

investe saberes que lhe são singulares, não correspondendo ao prescrito, mas ultrapassando-o.

Ao realizar a renormalização, o trabalhador (a) investe saberes instituídos e

também constituídos, estes presentes em sua experiência ao longo da vida. Desta forma o

trabalho não pode ser resumido à mera execução de tarefas prescritas, mas sua compreensão

deve deslocar-se para os sujeitos em atividade.

Neste entendimento, a abordagem ergológica propõe, para melhor compreensão

da atividade de trabalho, do uso de si por si e pelos outros, e da distância existente entre o

trabalho prescrito e o trabalho real uma interação de saberes por meio do chamado

Dispositivo Dinâmico a Três Polos - DD3P.

Page 69: Sther Mendes Cunha SABERES E PRÁTICAS DESENVOLVIDAS

69

O DD3P, segundo seu criador, Ives Schwartz (2007), parte do pressuposto de que,

para se conhecer o trabalho, é necessário o encontro de saberes oriundos de três pólos

distintos, mas que interagem entre si. O primeiro polo é aquele dos conceitos ou, dos saberes

acadêmicos e, o segundo polo, os saberes gerados na atividade. Já o terceiro pólo é concebido

como o das exigências éticas e epistemológicas, ou seja, posições que devem ser tomadas de

modo a conduzir o diálogo entre os outros dois pólos.

A contribuição da perspectiva Ergológica para esta pesquisa foi avançar na

compreensão da lacuna existente entre o trabalho prescrito e o trabalho real, do processo de

normalização e renormalização que ocorre em toda a atividade humana.

Conhecer o trabalho na abordagem Ergológica significa reconhecer que o

trabalho humano está em constante evolução, tanto no sentido histórico, quanto geográfico.

Desta forma, a evolução do trabalho é uma capacidade singular do homem, que compreende o

uso de si, o que permite a este homem usar de si mesmo como lhe convier, fazendo escolhas,

adaptações, atualizações e, portanto, inovações (TRINQUET, 2010). Mas também implica no

uso de si pelos outros,

Desta forma, foi possível compreender os conselheiros tutelares como

protagonistas das ações realizadas nos CTs pesquisados. Protagonistas estes, que apesar de

terem pouca qualificação para investidura do cargo e frágeis prescrições para realização do

trabalho, procuram investir saberes coerentes com os parâmetros determinados pelo ECA

(BRASIL, 1990).

5 DESCRIÇÃO DA PESQUISA REALIZADA

5.1 Apresentação da metodologia para coleta e análise de dados

Tendo por objetivo conhecer os saberes e práticas desenvolvidas pelo conselheiro

tutelar capazes de responder às suas atividades cotidianas de trabalho com vistas a zelar pelos

direitos da criança e do adolescente em consonância ao prescrito no ECA, delimitou-se a

cidade de Belo Horizonte – BH, em Minas Gerais, como unidade privilegiada de análise. Por

ser uma metrópole, BH possui uma grande dimensão demográfica, econômica, social e

cultural e, sobretudo, possui nove CT em funcionamento.

Optou-se pela abordagem qualitativa e uma pesquisa de tipo descritiva composta

das fases bibliográfica - sobre o processo histórico de constituição, implantação e

implementação da Política de Atendimento à Criança e ao Adolescente no Brasil, bem como

Page 70: Sther Mendes Cunha SABERES E PRÁTICAS DESENVOLVIDAS

70

dos Conselhos Tutelares; documental, tendo por referência principalmente o ECA; e empírica,

onde quatro CTs de Belo Horizonte constituíram o locus da pesquisa e, para explicitar o

objeto de estudo, foram selecionados oito conselheiros tutelares como sujeitos.

Para a pesquisa empírica, realizada entre fevereiro e junho de 2013, foram

utilizados como instrumentais de coleta de dados: o questionário, com o objetivo de levantar o

perfil socioeducacional dos conselheiros tutelares e a entrevista semi - estruturada, por

entender que valoriza a expressão dos entrevistados no que se refere à liberdade e à

espontaneidade no momento da coleta, o que possivelmente trouxe elementos mais

enriquecedores para a investigação.

Os dados foram coletados entre fevereiro e junho de 2013. Todos os CT foram

convidados a participar da pesquisa, no entanto, levando em consideração o tempo destinado à

coleta de dados, 04 conselhos participaram, perfazendo um total de 08 sujeitos de pesquisa.

Os critérios de definição quantitativa aconteceu pela priorização daqueles conselheiros que

estão há mais tempo em exercício no CT e por entender que a experiência acumulada pode

contribuir na compreensão dos saberes e práticas desenvolvidos por eles.

O tratamento dos dados coletados ocorreu por meio do método Análise de

Conteúdo, desenvolvido por Bardin (2004), que tem como objeto a análise do discurso (fala)

dos pesquisados, que representa um aspecto individual, relacionado à linguagem, e como

finalidade conhecer aquilo que está por trás das palavras sobre as quais se debruça (FRANCO,

2008, p. 11).

Neste sentido, a análise dos resultados desenvolveu-se pela identificação do

sentido das falas/discursos presentes nas comunicações dos conselheiros tutelares

entrevistados, o que facilitou a organização das informações obtidas através de categorias de

análises22

: saberes e práticas, perfil socioeducacional, trabalho prescrito e trabalho real,

saberes constituídos e saberes investidos. E ainda, a análise dos conteúdos foram articuladas

os pressupostos teóricos da Ergologia e à discussão a respeito das atribuições do Conselheiro

Tutelar previstas no ECA.

22 Para organização dessas categorias, o estudo obedeceu às seguintes etapas: pré-análise, que consistiu na

transcrição e leitura sistemática das entrevistas; análise do material documental e transcrito, em que foram

estabelecidas as categorias e subcategorias. Realizada essas etapas, passou-se à descrição e sistematização dos

dados coletados nas entrevistas de maneira a facilitar a sua interpretação, tendo em vista os pressupostos teóricos

assumidos na pesquisa.

Page 71: Sther Mendes Cunha SABERES E PRÁTICAS DESENVOLVIDAS

71

5.2 Perfil socioeducacional dos Conselheiros Tutelares

O reconhecimento dos direitos trabalhistas dos conselheiros tutelares em todo o

país se dá apenas vinte e três anos após a criação do ECA (BRASIL, 1990) e,

respectivamente, desta função. Desta forma, compreende-se que esta função não era tratada

em consonância com as leis trabalhistas em vigor no país, criadas a partir do artigo 7° da

Carta Constitucional de 1988 que estabelece os direitos dos trabalhadores urbanos e rurais,

além de outros que visem à melhoria de sua condição social.

A modificação na Lei significa um avanço imensurável e, resultou, segundo os

participantes desta pesquisa, no reconhecimento de seu status de trabalhador (a), que adoece,

que necessita de férias, e que estas sejam remuneradas, ao assegurar, segundo o artigo 134 do

ECA:

I - cobertura previdenciária;

II - gozo de férias anuais remuneradas, acrescidas de 1/3 (um terço) do valor da

remuneração mensal;

III - licença-maternidade;

IV - licença-paternidade;

V - gratificação natalina (BRASIL, 1990).

Mesmo que tardiamente, o reconhecimento dos direitos trabalhistas dos

conselheiros tutelares representa uma conquista para esta categoria, abrindo espaço para

maior visibilidade social e valorização pessoal e profissional destes trabalhadores (as).

Os entrevistados possuem idade entre 24 e 54 anos e, em relação ao gênero, 50%

são do sexo feminino, e os outros 50 % do sexo masculino. Faz-se importante observar que tal

composição difere da primeira grande pesquisa sobre o perfil dos conselheiros tutelares

apresentadas em 1997 pela Associação Nacional dos Centros de Defesa da Criança e do

Adolescente - ANCED, que apontava que 36% dos conselheiros eram do sexo masculino e

64% do feminino.

Este dado pode ser interpretado como tendência à transformação dos papéis

restritos ao gênero feminino, principalmente no que tange ao cuidado e proteção à infância e

juventude, que historicamente foi delegado às mulheres.

Quanto à escolaridade mínima para investidura do cargo, a Lei Municipal

8.502/200323

e a Resolução do CMDCA (2012)24

exigem, no mínimo, o ensino fundamental

23 LEI Nº 8.502 DE 06 DE MARÇO DE 2003. Dispõe sobre a política municipal de atendimento dos direitos

da criança e do adolescente e dá outras providências. 24 RESOLUÇÃO CMDCA-BH Nº 91/2012 Regulamenta o VII Processo de Escolha e posse dos Membros dos

Conselhos Tutelares de Belo Horizonte.

Page 72: Sther Mendes Cunha SABERES E PRÁTICAS DESENVOLVIDAS

72

completo. Tem-se o seguinte quadro com os conselheiros pesquisados: 04 completaram o

ensino médio (40%), 03 possuem curso superior completo (30%) e, 02 estão cursando o

ensino superior (20%); ainda um dos entrevistados possui mestrado (10%).

Tanto a pesquisa da ANCED (1997), quanto a pesquisa “Conhecendo a

Realidade” (2007) apontam uma tendência ao aumento da escolaridade dos conselheiros, o

que vem ao encontro dos dados obtidos nesta pesquisa.

No que se refere à motivação para se candidatar ao cargo de conselheiro, todos

os entrevistados relacionaram a candidatura às experiências anteriores com atividades que

envolviam crianças e adolescentes com direitos violados:

Minha motivação, talvez, veio até de um sonho, porque quando você está num

abrigo recebendo crianças eu pensei, porque não ir mais fundo, porque não como

conselheira, eu possa evitar que uma criança vá para um abrigo (Entrevistado 02).

[...] eu trabalhei lá nessa instituição e via várias situações relativo à violação de

direitos e eu queria ser conselheira para ajudar a resolver os problemas das

famílias (Entrevistado 03).

[...] fui monitor no curso profissional no antigo CIAME, antiga FEBEM, que hoje, é

o Centro Socioeducativo para a Criança e Adolescente. A gente acha que ocupar

certos espaços é estratégico para o controle social e participativo da população

neste espaços. E uma dessas discussões era o Conselho Tutelar e as pessoas que se

dispuserem a participar no final desse processo, e eu por ser negro, acho que é por

aí mesmo, a questão da participação e do controle social (Entrevistado 04).

Um conselheiro apenas alegou ser o salário o principal motivador: “Como eu

tinha vontade de fazer uma faculdade e o meu dinheiro não dava, foi a motivação financeira

para me candidatar” (Entrevistado 01).

Todos os conselheiros disseram ser a motivação para exercer o cargo a

possibilidade de modificar uma realidade, principalmente a vivenciada por cada um em sua

comunidade. Todos ainda relataram ter envolvimento na questão dos direitos da infância e

adolescência, seja pela experiência de vida, em instituição religiosa ou político - comunitária.

Nenhum conselheiro relatou ter experiência com atendimento direto, ou seja, uma prática

instituída através do SGD, voltado ao atendimento de crianças e adolescentes com direitos

violados.

Pelas experiências relatadas, foi possível compreender porque somente 20% dos

entrevistados não conheciam a função de conselheiro tutelar antes da ocupação do cargo, pois,

de alguma maneira, a maioria necessitou requisitar os serviços do CT do município mesmo

antes de se tornar conselheiro.

Page 73: Sther Mendes Cunha SABERES E PRÁTICAS DESENVOLVIDAS

73

O ECA, entre os artigos 131 e 137, estabelece atribuições e competências dos

membros do CT, não especificando a necessidade de qualificação anterior e/ou posterior para

exercício da função. No entanto, o artigo 134, parágrafo único, estabelece que “constará da lei

orçamentária municipal previsão dos recursos necessários ao funcionamento do CT”, o que

abre precedente para que as leis municipais prevejam qualificação dos conselheiros, se estes,

junto ao CMDCA assim o entender.

Em Belo Horizonte, a Lei nº 8.502, de 06 de março de 2003, que regulamenta o

CT não prevê qualquer tipo de qualificação dos conselheiros, antes e/ou depois da investidura

do cargo.

Somente será encontrada referência à qualificação dos conselheiros no município

na Resolução n° 91/2012, que regulamentou o VII processo de escolha e posse dos membros

dos CT daquele ano25

. Definiu esta Resolução, em seu artigo 6°, que para se pleitear a

candidatura a conselheiro tutelar, a que se passar por algumas etapas, sendo uma destas o

“curso preparatório”, com exigência de 80% de frequência, sem demais especificações.

A coleta de dados permitiu verificar que 100% dos Conselheiros passaram por

este curso preparatório, oferecido pelo próprio CMDCA. Sobre este curso destacam-se os

seguintes depoimentos: “O conteúdo muitas vezes foge da prática da realidade do dia-a-dia.”

(Entrevistado 03); “Pela complexidade do cargo, a capacitação deveria ser mais completa.”

(Entrevistado 04); “Muito frágil, precisamos de pessoas mais qualificadas para as

capacitações.” (Entrevistado 08).

Diante destes fragmentos de falas, pode-se perceber a insatisfação dos

conselheiros frente ao curso preparatório. Esta insatisfação se refere tanto à fragilidade de

conhecimento dos agentes capacitadores, quanto ao conteúdo das palestras ministradas no

curso. Os entrevistados alegaram que o referido curso apenas introduziu o tema Política de

Atendimento à Criança e ao Adolescente de uma maneira em geral, sem caracterizar as

especificidades locais e/ou regionais, já que o município em questão se trata de uma

metrópole com uma considerável região metropolitana.

Para os entrevistados, outra fragilidade referente ao conteúdo do curso

preparatório refere-se à falta de discussão e aprofundamento das funções e competências do

conselheiro tutelar, conforme pode ser verificado no depoimento do entrevistado 05: “A

formação é superficial, não atende às demandas específicas do trabalho do conselheiro.”.

25 O artigo 139 do ECA diz ser responsabilidade do CMDCA, sob a fiscalização do MP, o processo para escolha

dos membros do CT. Obedecendo a esta normativa, o CMDCA de BH tem elaborado resoluções para o processo

de escolha e posse dos membros do CT, desde 1993 (ano da criação do 1° CT).

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74

Considerando a atribuição do Conanda26

de estabelecer diretrizes e normas gerais

quanto à Política de Atendimento à criança e ao adolescente no que se refere ao papel do CT,

em outubro de 2001, através da Resolução n° 75, este conselho estabelece os primeiros

parâmetros de criação e funcionamento dos CT em todo o Brasil. E considerando a

necessidade de atualização, o Conanda substituiu a resolução n°75/2001, pela resolução n°

139/2010.

Estas resoluções estabelecem normas para a criação de CTs em nível nacional,

como número de Conselhos por habitantes, previsão de Lei Orçamentária Municipal para,

entre outras coisas, possibilitar a estruturação dos órgãos, a remuneração dos conselheiros e a

realização de qualificação profissional.

Ressalta-se que a Resolução de n° 75/2001, ao citar a necessidade de orçamento

para funcionamento e estruturação dos CT, estabelece, entre as despesas, capacitação para os

conselheiros, mas não especifica a sua regularidade. Já a resolução n° 139/2010, estabelece

em seu artigo 4°, § 2°, que deve haver “formação continuada, como cursos”, ou seja, durante

todo o exercício da função.

A partir deste entendimento, foi perguntado aos conselheiros se estes recebem ou

receberam formação ou capacitação específica para o cargo, depois de terem sido eleitos.

Todos responderam afirmativamente. No entanto, afirmaram também que estas capacitações

são esporádicas, insuficientes, superficiais e que não atendem às exigências que o trabalho

necessita. Na ocasião, destacaram a necessidade de qualificação continuada.

O conselheiro tutelar tem a função de zelar pelos direitos das crianças e dos

adolescentes. Para que isto aconteça, espera-se que conheçam esses direitos, ou melhor

dizendo, que conheçam o SGD e sua eficiência ou não em nível municipal.

As prescrições contidas no ECA (BRASIL, 1990) a repeito das atribuições do CT

e da necessidade de constituição de um SGD são de suma importância para a organização do

trabalho do conselheiro, porém não regem, como um todo, a atividade realizada por ele. Para

e Ergologia, isto acontece porque esta prescrição é confrontada no cotidiano das situações

vivenciadas pelo trabalhador (a) ao realizar as suas atividades.

Para a realização de suas tarefas, é necessário que os conselheiros desenvolvam e

convoquem saberes não somente a partir das prescrições do ECA, mas também sobre as

legislações correlatas, como a Constituição Federal de 1988, Leis e Resoluções que envolvam

os interesses da infância e juventude em âmbito municipal, estadual e federal, sobre Direitos

26

Tais atribuições estão especificadas na Lei de nº 8.242, de 12 de outubro de 1991, que cria o Conselho

Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente - Conanda e dá outras providências.

Page 75: Sther Mendes Cunha SABERES E PRÁTICAS DESENVOLVIDAS

75

Humanos, rede de atendimento e administração pública, entre outros . Esses elementos podem

ser somados às observações de Bragaglia (2002), ao afirmar que:

O inusitado das situações cotidianas que chegam ao Conselho Tutelar, a diversidade

das relações estabelecidas, as múltiplas habilidades que dele são exigidas e face das

situações com que ele lida cotidianamente, a diversidade de interesses dos agentes

sociais que interagem, os velozes e inusitados percursos que assumem as situações

em que atende são uns dos elementos que evidenciam a complexidade da realidade

em que se inscreve esse órgão (BRAGAGLIA, 2002, p. 158).

As observações da autora puderam ser confirmadas a partir dos seguintes

depoimentos:

Porque, quando você entrar aqui no primeiro dia, após a eleição no dia 01 de

janeiro, os problemas vão tá tudo lá te esperando, os direitos violados, vão tá tudo

lá. [...]. Porque, quando chega aqui, pega, né? [...] você tá aqui. Como que fica? E

os direitos violados? (Entrevistado 01)

Antes de entrar para o Conselho Tutelar, eu não tinha passado por muitas situações

que a gente passa aqui. São tantas denúncias de tantas áreas e temáticas possíveis.

Eu tava acostumado ver algumas delas, mas em nível bem menor e uma

complexidade menor. Quando você chega aqui a complexidade dos casos são bem

maiores. (Entrevistado 05)

Estes depoimentos, entre outros coletados, indicam que as tarefas exercidas pelos

conselheiros são inúmeras e heterogêneas e que, para atender as demandas advindas da

violação dos direitos da criança e do adolescente em âmbito municipal, faz-se necessário

maior qualificação profissional, uma vez que se veem obrigados a dar respostas – conforme o

prescrito no ECA (1990) –, sem possuir a qualificação necessária para o desenvolvimento de

suas tarefas.

Faz-se necessário observar, que a qualificação permanente também foi

considerada para o aprimoramento dos CTs, pelos seus próprios membros, pela pesquisa

nacional “Conhecendo a Realidade” (2007), inclusive como o fator mais importante para o

melhor desenvolvimento de suas tarefas. Isso indica que não só os conselheiros tutelares de

Belo Horizonte, mas de todo o Brasil, identificaram a importância de se compreender a

função do CT e a Lei sobre a qual sua atuação está respaldada.

Entretanto, sob o viés da perspectiva Ergológica, é possível apontar que mesmo

havendo qualificação permanente, sempre existirão lacunas a serem preenchidas pelos

conselheiros para melhor desenvolverem suas funções, devido à distância entre o trabalho

prescrito e o trabalho real. E esta distância, segundo Trinquet (2010), só poderá ser gerida

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76

pelos executantes das tarefas, neste caso, os conselheiros, pois são eles que participam da

realização cotidiana do trabalho no CT.

5.3 As prescrições referentes ao trabalho do conselheiro tutelar

O método Ergológico pressupõe que, para realizar uma tarefa, os sujeitos invocam

saberes constituídos, que podem estar formalizados em livros, resoluções, legislações, cursos

(saberes científicos e acadêmicos) e agregar e estes os saberes investidos, advindos da

experiência de vida, dos valores e da experiência em trabalho, ou seja, da sua subjetividade.

Estes saberes investidos, que podem ser coletivos ou individuais, são convocados

para preencher a lacuna existente entre o trabalho prescrito e o trabalho real. Durrafourg

(2007, p.70) assinala que trabalhar é “[...] sempre aplicar um protocolo, ao mesmo tempo, é

sempre aplicá-lo de uma maneira singular”.

As prescrições sobre o trabalho a ser realizado pelos conselheiros tutelares são

conhecidas principalmente por meio do ECA, mais especificamente no capítulo II/ art. 136,

intitulado “Das atribuições do Conselho”. No entanto, esta prescrição é referenciada de forma

muito genérica, sem muitas especificações, pois apenas aponta o que o fazer, mas não o como

fazer27

.

O Regimento interno dos CT de Belo Horizonte (2009), também em consonância

com o ECA - capítulo IV “Do Atendimento”, assim especifica as atribuições dos Conselheiros

Tutelares do município28

:

Art. 6º Compete ao Conselheiro Tutelar sem prejuízo das atribuições previstas no

art. 136 do ECA:

I - fazer todas as anotações na ficha de atendimento, preenchendo todos os campos

com letra legível, proporcionando informações necessárias e identificando-se, ao

final, para que qualquer outro conselheiro que tiver acesso a ficha entenda a situação

vivenciada e o desenvolvimento do caso;

II - cumprir as escalas de trabalho previamente deliberadas pelo Colegiado do

Conselho Tutelar;

27 A exemplo desta falta de especificações está definido como atribuição do CT no art. 136: expedir notificações;

requisitar serviços públicos nas áreas de saúde, educação, serviço social, previdência, trabalho e segurança;

encaminhar ao Ministério Público notícia de fato que constitua infração administrativa ou penal contra os

direitos da criança ou adolescente (BRASIL, 1990). 28

Também é possível encontrar, principalmente via internet, várias cartilhas que especificam as atribuições dos

Conselheiros Tutelares que, via de regra, são desenvolvidas pelos MP estaduais em parceria com o CEDCA e

CMDCA. Ainda é possível encontrar cartilhas desenvolvidas por organizações não governamentais, como o

Instituto Telemig Celular e Instituto Pró-menino. No entanto, via de regra, não fogem às prescrições contidas no

ECA.

Page 77: Sther Mendes Cunha SABERES E PRÁTICAS DESENVOLVIDAS

77

III – cumprir as tarefas que lhe forem designadas pelo Colegiado do Conselho

Tutelar;

IV - consultar o colegiado do respectivo Conselho Tutelar, antes de efetivar as ações

individuais, acatando e cumprindo as deliberações do mesmo;

V - estar presente nas sessões ordinárias e extraordinárias do Colegiado, bem como,

nas reuniões com a Equipe de Assessoria Técnica ao Conselho Tutelar, salvo

justificativa registrada em ata;

VI - representar, quando designado pelo Colegiado, o Conselho Tutelar em reuniões

externas e/ou eventos;

VII - votar para a escolha do presidente e do secretário do seu Conselho Tutelar;

VIII - assinar e carimbar com identificação todo e qualquer documento que lhe foi

atribuído;

IX – submeter ao Colegiado, as decisões e medidas tomadas individualmente em

caráter de urgência (BELO HORIZONTE, 2009).

Esse Regimento prevê as atribuições do conselheiro tutelar, diferentemente do

ECA (BRASIL, 1990), que no art. 136 prevê as atribuições do órgão Conselho Tutelar. Esta

especificação se faz importante para que os conselheiros compreendam melhor as prescrições

do ECA, bem como as exigências que envolvem a realização de suas atividades ao apontar as

formas de registro das denúncias e a necessidade de participação colegiada das decisões que

ora forem tomadas individualmente em caráter de urgência .

No que se refere à forma de realização das atividades do conselheiro tutelar, a

partir do recebimento de uma denúncia sobre violação de direitos de crianças e adolescentes

do município, o regimento interno dos CT de BH (2009) prescreve:

Art. 14. Compete ao Conselheiro Tutelar receber denúncias de suspeita e/ou

confirmação de violação dos direitos da criança ou adolescente anotando os

principais dados a fim de distribuí-las segundo o fluxo de atendimento interno.

Parágrafo único. Sempre que imprescindível para a manutenção dos direitos da

criança e do adolescente, os Conselhos Tutelares garantirão o sigilo da identidade do

comunicante, somente revelando-a mediante determinação judicial e sem prejuízo

das competências do CMDCA.

Art. 15. As denúncias recebidas pelo Conselheiro Tutelar serão verificadas inclusive

através do trabalho de campo quando necessário.

Art. 16. Sempre que possível, as pessoas que procurarem o Conselho Tutelar serão

atendidas por dois Conselheiros Tutelares que acompanharão o caso até o

encaminhamento definitivo.

Parágrafo único. Preferencialmente, o Conselheiro Tutelar não deverá atender casos

que envolvam pessoas de sua convivência familiar e pessoal, resguardando assim,

sua integridade e o real interesse da Criança e do adolescente.

Art. 17. As deliberações e os encaminhamentos relativos aos casos dependerão

sempre da discussão e encaminhamento entre no mínimo 3 (três) membros titulares

do Conselho Tutelar.

Art. 18. Serão realizados registros de todos os procedimentos relacionados aos

encaminhamentos feitos e providências tomadas.

§ 1º - O Conselheiro Tutelar deverá registrar, datar e assinar todos procedimentos

adotados por ele.

Page 78: Sther Mendes Cunha SABERES E PRÁTICAS DESENVOLVIDAS

78

§ 2º - O acesso aos registros será restrito aos Conselheiros Tutelares, sendo estas

informações confidenciais. O repasse de dados somente será feito no restrito

interesse de resguardar a defesa dos direitos da criança e do adolescente e de seus

familiares (BELO HORIZONTE, 2009).

Quanto ao conhecimento e à importância atribuída às prescrições contidas no

artigo 136 do ECA e no Regimento interno dos CT de BH (2009), 90% dos conselheiros

afirmaram que há procedimentos prescritos a serem seguidos e que estes estão descritos no

ECA. Apenas um dos conselheiros entrevistados mencionou o Regimento interno dos CT de

BH como referência para a prescrição da atividade a ser realizada por ele. Desta forma,

verificou-se a falta de conhecimento ou reconhecimento, por parte de 90% dos entrevistados,

desta prescrição. É como se ela não existisse para eles, já que não foi mencionada em nenhum

momento.

A Ergologia infere que as prescrições não regem, como um todo, a atividade

realizada pelo trabalhador (a), isto porque estas prescrições são confrontadas no cotidiano das

situações vivenciadas pelos sujeitos ao realizar as suas atividades. Apesar da prescrição não

antecipar todas as situações vivenciadas pelos sujeitos em atividade, estas são de suma

importância para a organização do trabalho, como um todo. Até para serem questionadas,

transformadas, renormalizadas, estas necessitam ser conhecidas.

Além do ECA, a outra prescrição mencionada por 90% dos entrevistados foram os

formulários de encaminhamento de crianças e adolescentes aos serviços públicos requisitados

pelas famílias, e que, inicialmente foram negados pelo serviço público municipal,

caracterizando assim em uma violação de direitos29

. Estes formulários de encaminhamento

são chamados pelos conselheiros de fluxos de atendimento e, inicialmente, são utilizados para

requisição de vagas em escolas e creches, requisição de atendimento médico em postos de

saúde e hospitais, entre outras.

Na verdade, estes formulários não são prescrições para o trabalho dos conselheiros

tutelares, mas uma forma de padronização dos encaminhamentos realizados, com campos pré-

impressos onde são preenchidos os dados e as informações, permitindo a formalização do

serviço requisitado, o registro e o controle das atividades dos CT de BH.

Apenas um dos conselheiros apontou não serem estes formulários a prescrição

para o seu trabalho:

29

A violação de direitos do público infanto-juvenil, segundo o ECA (BRASIL, 1990), caracteriza-se quando a

família, o Estado ou a sociedade, por qualquer motivo, não asseguram os direitos fundamentais da criança e do

adolescente (ECA, art. 4) ou, oferecendo proteção aos direitos infanto-juvenis, o façam de forma incompleta ou

irregular.

Page 79: Sther Mendes Cunha SABERES E PRÁTICAS DESENVOLVIDAS

79

Não existe procedimentos prescritos, algo taxativo, a violação aconteceu assim, o

procedimento tem que ser assim, assado, porque cada caso tem uma especificidade,

uma peculiaridade distinta da outra. Nunca um encaminhamento é igual ao outro. A

gente nem consegue ter modelos de relatórios para encaminhamentos para nenhum

órgão. A gente só tem o cabeçalho, mas o relatório é todo diferente, porque cada

família tem uma peculiaridade, então a gente tem que estar muito atento a essas

peculiaridades para saber qual encaminhamento ser tomado (Entrevistado 05).

Ao reconhecer as peculiaridades de cada situação vivenciada no CT envolvendo

violação de direitos de crianças e adolescentes, o entrevistado 05 apontou que os

encaminhamentos que se fazem necessários não são adotados da mesma forma, ou seja, a

antecipação do trabalho por meio das prescrições contidas no ECA não garantiu a sua

realização.

Segundo a Ergologia, a incapacidade da prescrição e das normas antecedentes de

tudo prever, de tudo antecipar exige do trabalhador a criação de saberes e estratégias variadas

para cobrir a lacuna entre o prescrito e o real, o vazio de normas. Foi possível perceber, por

meio do depoimento acima, que apesar de reconhecer a prescrição, por meio principalmente

do ECA, este conselheiro procura dar soluções para as situações novas que surgem no dia-a-

dia , em seu espaço de trabalho.

Diante das prescrições de trabalho do conselheiro tutelar previstas no ECA e no

Regimento Interno dos CT de BH, houve a necessidade de saber dos entrevistados quais

atividades de trabalho são realizadas por eles, com o objetivo de identificar se estas condizem

com as prescrições e normas antecedentes.

A maioria dos Conselheiros, 90 %, se limitou a falar que realizam todas as

atividades previstas no ECA, como aplicação de medidas protetivas. Apenas um dos

entrevistados qualificou melhor as tarefas realizadas no CT:

Nós desenvolvemos atividades de atendimento às famílias, as visitas domiciliares,

reuniões de Rede, reuniões com o poder público, reuniões com o CMDCA, reuniões

com a prefeitura, reunião com toda a rede de proteção à criança e ao adolescente,

sobre alguns casos específicos, ou até mesmo, sobre alguma situação que possa tá

ocorrendo na escola, tratando essa situação como um todo e evitar o caso chegue

no Conselho Tutelar, isso como forma de medida preventiva. Esta gestão atual,

assim como a passada, que eu também participei, o foco nosso é o trabalho

preventivo e continuamos fazendo, como palestras nas escolas, sobre várias

temáticas que envolvem a criança e o adolescente, para professores, para direção,

alunos e também pais (Entrevistado 05).

É possível inferir que não consta no ECA (BRASIL, 2010) , nem tampouco no

Regimento Interno dos CTs de BH (2009), que a intervenção do conselheiro tutelar poderá se

dar por meio de trabalho preventivo, como informou o entrevistado 05. É interessante

Page 80: Sther Mendes Cunha SABERES E PRÁTICAS DESENVOLVIDAS

80

observar que ocorre um trabalho diferenciado da prescrição, uma vez que na realidade de

trabalho da atual gestão do CT, segundo o entrevistado 08, são realizadas ações de prevenção,

por meio de palestras e campanhas educativas em escolas.

Este trabalho diferenciado é chamado pela Ergologia de renormalização. Ao

realizar uma atividade de trabalho, o homem invoca saberes constituídos, que podem estar

formalizados em livros, resoluções, legislações, cursos (saberes científicos e acadêmicos) e

agregar e estes os saberes investidos, advindos da experiência de vida, dos valores e da

experiência em trabalho, ou seja, da sua subjetividade.

5.4 Saberes e práticas desenvolvidas no cotidiano de trabalho dos conselheiros: entre o

trabalho prescrito e o trabalho real

Como explicitado anteriormente, a partir da prescrição contida no Regimento

Interno dos CTs de BH (2009), o trabalho do conselheiro tutelar começa quando uma

denúncia referente a qualquer direito violado de crianças e adolescentes é feita. Recebida a

denúncia, o Conselho deve apurá-la imediatamente, destacando dois conselheiros para o

trabalho.

Entretanto, nem mesmo o Regimento Interno, que especifica mais claramente as

atribuições do conselheiro, prescreve com clareza como devem ser desenvolvidas as tarefas

delegadas a estes. Ao especificar, por exemplo, em seu artigo 16 que o conselheiro deve

apurar as denúncias recebidas, o Regimento não aponta a forma, mas se limita a colocar que

devem ser “verificadas inclusive através do trabalho de campo quando necessário” (BELO

HORIZONTE, 2009).

Mesmo tendo dificuldades em especificar as atividades realizadas no CT perante

as frágeis prescrições existentes, os entrevistados, ao serem questionados sobre quais

procedimentos são realizados após o recebimento de uma denúncia, qualificaram suas ações

com pertinência às prescritas no ECA e no regimento interno dos CT de BH e, ainda, relatam

ultrapassá-las:

Após o Conselho receber uma denúncia, a primeira providência a ser tomada é uma

visita familiar, o conselho faz essa visita para conhecer o núcleo familiar, conhecer

aquele ambiente e tentar colher algum dado que possa auxiliar ou confirmar essa

denúncia. Mas o procedimento não é só a visita. Após a visita, a família é notificada

a comparecer no Conselho Tutelar, onde nós vamos ter um espaço nosso aqui

dentro do Conselho para conversar com a família, com os pais, com o adolescente e

tentar buscar meios de confirmação daquela denúncia. Com confirmação ou não, o

Conselho vai tomar as providências, saber quais encaminhamentos a serem

tomados e vai depender dessa conversa, da notificação que vai determinar se essa

Page 81: Sther Mendes Cunha SABERES E PRÁTICAS DESENVOLVIDAS

81

denúncia é procedente ou parcialmente procedente, ou se ela não procede

(Entrevistado 5).

Diante deste depoimento, foi possível observar, pelo viés Ergológico, que a falta

de clareza das prescrições relativas ao trabalho do conselheiro tutelar foram superadas pela

atividade de trabalho deste conselheiro, uma vez que foi para além da visita de atendimento,

prescrita no art. 16 do Regimento Interno. Ao reconhecer que “o procedimento não é só a

visita”, e que é preciso conversar com os envolvidos na violação de direitos em outro espaço,

para confirmação, ou não, da denúncia realizada, o trabalho real se apresentou, foi a própria

colocação do conselheiro em ação, criando e recriando o trabalho para sua melhor gestão

(TRINQUET, 2010).

Destaca-se, neste contexto, que há uma distância entre o trabalho prescrito e o

trabalho real, entre aquilo que foi antecipado pelas prescrições e entre aquilo que realmente é

realizado. Nas palavras de Trinquet (2010, p. 97), “[...] tanto do ponto de vista da experiência

quanto da teoria, a única certeza confiável é que sempre existirá uma distância entre o

trabalho prescrito e o praticado, por mínima que seja.”

Os entrevistados relataram que a experiência adquirida no trabalho com crianças e

adolescentes antes da investidura do cargo, seja pela experiência de vida, por instituição

religiosa ou político-comunitário, ajuda e interfere nas ações realizadas por eles.

No entanto, reconheceram ser pouco utilizadas, pois o trabalho de conselheiro é bem diferente

do desenvolvido anteriormente.

Por isso, os entrevistados indicaram a necessidade de referências prescritas mais

instrumentais e metodológicas, que pudessem balizar as ações desenvolvidas no CT, para que

os atendimentos fossem mais padronizados:

Você atende de um jeito, amanhã vem outro conselheiro e atende de outro jeito [...]

Só que acaba, até notei que nas entrevistas que o atendimento são discutidos no

colegiado, acaba sendo individual e cada conselheiro tendo um procedimento

diferente, equivocado, um ponto de vista bem diferente do outro. Então não tem

universalização de procedimentos (Entrevistado 02).

Para a Ergologia sempre existirá uma lacuna entre o trabalho prescrito e o trabalho

real, pois o trabalho real ultrapassa a execução de procedimentos prescritos. Ao executar as

prescrições, o conselheiro vincula de maneira singular seus valores e conhecimentos

adquiridos da experiência na atividade de trabalho (TRINQUET, 2010), por isso ela não será

realizada da mesma maneira por todos os conselheiros, como espera o entrevistado 2.

Page 82: Sther Mendes Cunha SABERES E PRÁTICAS DESENVOLVIDAS

82

A reflexão sobre os saberes e práticas desenvolvidas pelo conselheiro tutelar

inclui a maneira como são realizadas as tarefas reconhecendo a existência de possibilidades e

variações de realização destas. Sob esta ótica, faz-se necessário que os conselheiros

reconheçam a importância do saber da sua experiência, da mobilização de saberes variados,

tanto os constituídos, aprendidos nos cursos, quanto os investidos, aqueles que eles próprios

estabelecem.

Para os conselheiros o conhecimento adquirido após a investidura do cargo é o

que mais contribuiu para o desenvolvimento das tarefas. Conhecimento que, segundo eles,

não foi adquirido por meio de qualificações, mas a partir das complexas e heterogêneas

situações de trabalho30

, de modo a desenvolvê-las melhor.

Na verdade, é porque, quando a gente entra aqui, a gente fica refém do atendimento

[...] um atendimento muito grande e muitas vezes, com pessoas despreparadas

fazendo esse atendimento. Tanto despreparada por falta de conhecimento para fazer

o atendimento e isso não só o conhecimento que você poderia adquirir, porque isso,

você pode transmitir, mas, despreparadas do ponto de vista do que é direitos

violados. O que é que vou ter que fazer, eu vou fechar os olhos e fingir que não

existe? E pegar o meu salário no final do mês? Ou vou procurar conhecer (a Lei) e

trabalhar, né? O conselheiro que tava aqui a mais tempo sempre ajudou a gente,

dizendo: o certo é encaminhar para esse lugar, é tomar tal postura, é ir por esse

caminho (Entrevistado 01).

As situações de trabalho implicam em relações entre os sujeitos, num diálogo

constante com as prescrições, na efetivação do desempenho da atividade. Entretanto, para

Schwartz (2007) sempre existe a possibilidade de “um fazer de outra forma”, da inclusão de

uma dimensão transformadora, de (re) criação permanente por parte de cada trabalhador (a).

O que pode ser comprovado no fragmento de fala do entrevistado 01.

A falta de instrumentais técnico-metodológicos, de conhecimentos teóricos e,

ainda de qualificação para melhor desenvolver suas tarefas, fez com que o entrevistado acima

procurasse preencher estas lacunas a partir da incorporação dos saberes experimentados por

um conselheiro mais antigo, como também por meio de estudo da Lei que regulamenta a sua

função, por conta própria.

Diante das imprecisões das prescrições, outras dificuldades para realização das

tarefas foram apontadas pelos conselheiros. Dentre elas destacam-se: 1) necessidade de

30

As complexas e heterogêneas situações de trabalho foram exemplificadas pelos conselheiros: falta de vaga em

escola e/ou creche; não priorização do atendimento da criança e do adolescente na rede municipal de saúde;

negligência da família pelos mais variados motivos (ausência na escola, ao tratamento médico, abandono,

trabalho infantil, exploração e/ou abuso sexual); envolvimento de adolescentes com o tráfico de drogas; abuso de

poder por parte da polícia frente a adolescentes em conflito com a lei.

Page 83: Sther Mendes Cunha SABERES E PRÁTICAS DESENVOLVIDAS

83

qualificação continuada dos conselheiros; 2) necessidade de maior desenvolvimento de

políticas públicas e envolvimento do poder público nas questões relativas à infância e

juventude no município com o objetivo de efetivar o SGD; 3) criação de mais CT no

município, obedecendo à regulamentação existente.

Eu gostaria de resolver 100% do direito que está sendo violado. Na verdade, nós

ainda não conseguimos alcançar isso em Belo Horizonte, porque, devido as

dificuldades com a Prefeitura de implantar as medidas necessárias, como creches,

profissionais qualificados na saúde, escola de qualidade, também a

responsabilização da família que o juizado não faz [...] Eu acredito que o Estado

impõe a maior violação de direitos, porque o Estado implanta esses serviços

incompletos e não tem profissionais suficientes para atender, e isso, cria um

conflito, né? Quando a gente tem que requisitar, a gente quer que o Estado cumpra,

porque é o papel dele, porque tem que ter profissional. Por exemplo, na questão da

saúde, no ECA tem o direito, o conselho tutelar, de requisitar o acompanhamento

psicológico que ele acha que é necessário. Aí, a saúde alega que não tem

profissional da saúde mental suficiente. Mas isso não é problema nosso, é problema

do Estado, porque o Estado tem que garantir profissionais suficientes para aquele

atendimento. Muitas vezes, os gerentes querem fazer com a gente uma parceria,

porque o menino precisa do psicólogo, se ele não tiver o serviço, ele vai responder

que não tem e nós vamos tomar as medidas legais dentro do ECA para garantir

aquele atendimento (Entrevistado 01).

O ECA estabelece a constituição de um SGD, ou seja, de um conjunto integrado

de ações, por meio de serviços e programas de atendimento a crianças, adolescentes e suas

respectivas famílias, que devem atuar de forma articulada e integrada, na busca de sua

proteção integral evidentemente a partir do que está previsto pelo ECA.

Todos os entrevistados afirmaram que este sistema não é efetivado em BH, o que

prejudica sobremaneira o desenvolvimento das atividades destes trabalhadores (as). Isto quer

dizer que, o reconhecimento por parte dos conselheiros, da violação de direitos a que está

submetida uma criança ou adolescente não fará que esta seja superada se não houver serviços

de atendimento na rede pública, como saúde, educação, habitação e etc.

Nesta direção, os conselheiros tutelares pesquisados apontaram ainda tendências

ao predomínio de ações pontuais e emergenciais, pois cotidianamente trabalham para

encontrar soluções rápidas em cada caso de violação de direitos denunciada, sem

necessariamente resolvê-las de fato. Isto acontece porque o CT não é um programa de

atendimento, mas deve se constituir em um veículo de fortalecimento e reivindicação destes

serviços a nível municipal.

O debate de normas é reconhecido pela perspectiva Ergológica como um processo

que envolve as escolhas dos sujeitos em atividade de trabalho, mobilizando valores pessoais e

culturais. Os trabalhadores (as) investem saberes de forma individual ou coletiva, decorrentes

Page 84: Sther Mendes Cunha SABERES E PRÁTICAS DESENVOLVIDAS

84

de suas experiências cotidianas de trabalho e que ainda não estão revestidos pelos saberes

constituídos (SCHWARTZ, 2007).

A partir desta ótica, procurou-se conhecer que saberes são desenvolvidos pelo

conselheiro tutelar em sua experiência de trabalho. Sem eles os conselheiros não são capazes

de responder às demandas cotidianas que lhes chegam com vistas a zelar pelos direitos da

criança e do adolescente em consonância com o ECA (BRASIL, 1990).

Foi possível constatar que, para cobrir a lacuna deixada pelas prescrições, os

conselheiros tutelares investem saberes que lhes permitem: trabalhar em colegiado;

reconhecer e apurar a violação de direitos presentes em cada caso apresentado; requisitar

serviços na rede municipal através do envio de ofícios e/ou reuniões junto aos gestores das

políticas públicas municipais, o que requer destes uma boa escrita e comunicação; realizar

uma representação judicial, o que vai requerer do conselheiro uma boa argumentação e

comprovação dos fatos, quando necessário; comunicar-se com as crianças e famílias

atendidas; garantir o sigilo profissional. São ações para as quais não houve uma formação

prévia nem há instrumentais metodológicos previstos. Mesmo assim os conselheiros precisam

aprender, no cotidiano do trabalho, a realizá-las:

Às vezes a gente não consegue, a gente lê a lei, senta em reunião com o colegiado,

até tentar descobri onde tá a violação de direitos. O menino tá sofrendo alguma

coisa, mas não fica específico o que é. Então um outro conselheiro, com outro

olhar, consegue ver, a gente chama a família, chama a família toda até conseguir

ver onde tá o direito violado. Porque no dia-a-dia a gente estuda as leis, o Estatuto

da Criança e do Adolescente, fica baseado só nele, mas no atendimento da Rede a

gente fica um pouco perdido, quem chega aqui no primeiro mandato não sabe nada,

para onde encaminhar, como encaminhar, como funciona burocraticamente [...]

(Entrevistado 02).

Porque, muitas vezes, os próprios violados (crianças e adolescentes), não

conseguem contar tudo que tá acontecendo. Se conseguisse, seria bem mais fácil. A

gente teria mais meios de estar atuando. A gente já tem procedimento e

encaminhamento para tomar para um acompanhamento por exemplo: psicológico,

assistência social, acompanhamento familiar, grupo de combate à violência

doméstica. Tem tantas outras maneiras de nós encaminharmos aquele núcleo

familiar para um acompanhamento e no dia a dia do acompanhamento, a gente vai

ter mais meios da confirmação da denúncia. Então eu acho que a maior dificuldade

é, realmente, você conseguir chegar ao ponto crucial da questão, que é a

confirmação da denúncia, se tá acontecendo ou não. Muitas vezes, a criança ou

adolescente fala que não está acontecendo, porque ela está sendo ameaçada, então

a gente tem que ter muito cuidado com essa situação (Entrevistado 07).

[...] a gente tem que garantir à família, principalmente, à criança e adolescente que

a gente não vai ficar por aí contando a sua história e desfazendo dela,

revitimizando a situação dela. Vamos supor que a situação de um caso de estupro

pode ser uma violência sexual. Então, do ponto de vista ético, a gente tem que

manter sigilo, enviar aos órgãos de responsabilização e de judicialização, de

medida judicial. Você tem que fazer de forma da ética ser profissional, sem sair

Page 85: Sther Mendes Cunha SABERES E PRÁTICAS DESENVOLVIDAS

85

contando o caso para todo lado, para você conquistar a confiança e o respeito da

pessoa, e essa pessoa vir a confiar no respeito nesse órgão (Entrevistado 08).

O aprendizado que decorreu da atividade de trabalho presentes nos depoimentos

acima mobilizou o uso de si por si mesmo, ao realizar sigilo sobre os casos atendidos, ouvir o

mesmo caso a partir de várias versões; bem como o uso de si pelos outros, por meio do

trabalho em colegiado, e a partir do momento que os conselheiros passaram a realizar coisas

não esperadas quando se interessaram em desenvolver a função de conselheiro.

Os saberes investidos e destacados nos depoimentos dos entrevistados 07 e 08

procuraram preencher as lacunas das prescrições com um saber próprio desses conselheiros

em atividade de trabalho no CT, e isso foi reconhecido por 90% dos entrevistados.

É uma angústia muito grande ... às vezes uma criança, uma mãe, um adolescente

está precisando de acompanhamento psicológico e a gente não consegue garantir

isso na rede de atendimento. Então agente busca parceria, com faculdades que

tenham curso de Psicologia, para realizar esses atendimentos (Entrevistado 03).

Além da busca de parceria com instituições de ensino superior, os entrevistados

destacaram desenvolver outras estratégias para atender às demandas de trabalho, como

utilização de veículo do próprio conselheiro para locomoção de famílias atendidas e

averiguação de denúncias; acolher crianças e adolescentes com direitos violados dentro do

espaço do conselho, sem possuir estrutura e financiamento previstos para esta ação.

Já aconteceu aqui no conselho de termos que providenciar, do “próprio bolso”

alimentação para alguns atendidos, almoço para uma família que aguardava um

encaminhamento, troca de fraldas de um grupo de irmãos que esperavam um

encaminhamento para o Acolhimento Institucional. A prefeitura fala que isso não é

responsabilidade dela. Aí a gente tem que se virar! Vai deixar uma criança com

fome, suja? (Entrevistado 3).

Percebe-se, por meio do relato do entrevistado 3, uma desresponsabilização da

gestão municipal, responsável pela manutenção e estruturação dos CTs e de prestação de

serviços públicos, no que tange às situações novas que aparecem para serem solucionadas

pelos conselheiros que, por vezes, não se tratam apenas de averiguação, mas de prestação de

serviços básicos, como acesso à alimentação.

Segundo o entrevistado 04,

Não existe um manual de como ser um conselheiro, existe prática. Por exemplo, se

você tá conversando como uma criança num atendimento, você conversa com ela de

uma forma, tem que ter cuidado, ela já teve o direito violado, talvez sofreu abuso

sexual, então tem que ir com jeito. Se o atendimento é com adulto, principalmente se

for o violador, você tem que ser mais firme, pra vê se ele entende que ele não pode

Page 86: Sther Mendes Cunha SABERES E PRÁTICAS DESENVOLVIDAS

86

fazer aquilo. Às vezes tá deixando a criança sozinha em casa à noite pra ir passear,

às vezes não tá levando a criança pra escola.

Para a Ergologia o saber investido é o verdadeiro saber e também complementar

do saber constituído. Trinquet (2010, p. 98) aponta que “[...] para compreender toda situação

de trabalho, essas duas formas de saberes são indispensáveis. Eles constituem os dois lados de

toda a atividade de trabalho, sua unidade dialética”. Nota-se, nas ações vivenciadas e relatadas

pelo entrevistado 04, que saberes foram investidos ao desenvolver uma estratégia para

realização dos atendimentos, que apesar de parecerem pequenas, estavam direcionadas a

atender os direitos fundamentais das crianças e adolescentes atendidos, previstos no ECA,

como o direito à educação.

De uma maneira em geral, os principais saberes desenvolvidos pelos conselheiros

pesquisados, estavam direcionados a responder aos direitos fundamentais das crianças e

adolescentes atendidos, o que condiz com as atividades a serem desenvolvidas por qualquer

conselheiro tutelar. Porém, foi possível compreender que as soluções demandadas aos

conselheiros não estão relacionadas apenas a um aprendizado prévio a ser aplicado, mas,

principalmente, aos saberes advindos da experiência. Esse aprendizado foi constituído pelo

próprio conselheiro, como protagonista de sua atividade, o que não pode ser negligenciado,

pois estes saberes ampliaram a concepção do como fazer a partir das frágeis prescrições

existentes.

Muitas vezes, as soluções demandadas aos conselheiros, acabaram por fazer com

que estes priorizassem alguns atendimentos em detrimento a outros, pelo acúmulo de casos

direcionados a cada conselheiro e destacado no depoimento do entrevistado 05:

Porque existe uma resolução do CONANDA, a 139, que determina a criação de um

conselho tutelar para cada 100 mil habitantes. Só aqui na regional, nós temos 345

mil habitantes e em BH, mais de 2 milhões e quinhentos mil habitantes. Então, nós

temos que ter em BH aproximadamente 25 Conselhos, hoje, nós temos 09

Conselhos. A realidade é que os conselhos tutelares atuais não dão conta da

demanda que tem ocorrido. O poder público, a prefeitura, que é responsável pela

criação de conselhos tutelares, não tá acompanhando essa demanda. Hoje nós

temos aqui, na minha sala, são mais de 300 casos em andamento, acompanhados

por mim. Fora os outros casos acompanhados pelos outros conselheiros que chega

mais ou menos no mesmo nível. Fora o atendimento que fazemos diariamente e fora

ainda os encaminhamentos que a Rede manda, os novos casos que são

encaminhados pelo conselho tutelar e fora as denúncias. Então, hoje, o conselho

tutelar não dá conta da demanda e isso faz com que a gente tenha que pegar dois

casos e analisar qual é mais grave e solucionar o mais grave e fazer de tudo para

atuar também no menos grave. Acaba a gente tendo que fazer isso, o que é um erro,

priorizando um em detrimento do outro. Mas, temos que atender a todos, porque

eles tem o seu direito resguardado.

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87

Sobre o número de CT a serem implantados em Belo Horizonte, o Regimento

Interno dos CTs (2009), estabelece em seu artigo 3º, que cada Conselho Tutelar terá sua sede

em área correspondente a Regional Administrativa, contrariando a Resolução 139/2010 do

Conanda, como observou o entrevistado 05, que recomenda a criação de um CT para cada 100

mil habitantes.

Já o entrevistado 04, o único a reconhecer o Regimento Interno enquanto

prescrição para seu trabalho, considera este Regimento defasado, não só por conta do alto

número de casos atendidos por cada conselheiro, mas por não corresponder às atuais

demandas de trabalho postas a eles. Desta forma, ele julgou ser necessária a revisão deste

Regimento de forma a delimitar melhor as atribuições do conselheiro tutelar em BH.

Porque a prefeitura acha que a gente tem que atender e pronto. Ela não dialoga com

agente. A rede de atendimento municipal não dialoga nem entre si, quanto mais com

agente que é conselheiro. É preciso reconhecer o nosso trabalho, escuta a gente pra

poder melhorar os serviços oferecidos (pela rede municipal de atendimento)

(Entrevistado 04).

O Regimento Interno, que deve orientar as ações realizadas pelos conselheiros em

BH, está sendo confrontada no cotidiano das situações vivenciadas e relatadas pelo

conselheiro 04, necessitando ser revisada. Para que isso aconteça é necessário que o

conselheiro tutelar tenha espaço para diálogo com a gestão municipal e com o CMDCA.

A falta de diálogo presente entre os conselheiros tutelares e a gestão municipal

aponta para a necessidade da criação de um espaço de interlocução entre estes dois órgãos, a

fim de possibilitar a efetivação do SGD no município.

De um lado se tem a prefeitura, responsável pela oferta de serviços e programas

em diversas áreas, voltados ao atendimento de crianças e adolescentes com direitos violados

ou não; de outro se tem os conselheiros tutelares, detentores de saberes e práticas

privilegiadas, desenvolvidas a partir da experiência adquirida em atividade de trabalho no CT.

Esses saberes e práticas podem auxiliar o poder público no planejamento de políticas sociais

mais eficazes, visando o fortalecimento do SGD e dos CTs do município.

Dessa maneira, o referencial Ergológico aponta para a perspectiva de

transformação do trabalho do conselheiro tutelar e na possibilidade de renormalização, por

meio dos saberes constituídos por eles. Entretanto, estes saberes necessitam ser valorizados e

reconhecidos, tanto pela gestão municipal, quanto pelo CMDCA.

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88

6 CONSIDERAÇÕES FINAIS

A trajetória da pesquisa foi dedicada a investigar os saberes e práticas

desenvolvidas pelo conselheiro tutelar, levando em consideração as prescrições existentes,

formalizados em Leis e Resoluções, e os saberes que estes convocam, criam e recriam na sua

atividade de trabalho nos CTs para responderem aos preceitos do ECA (BRASIL, 1990).

Foi possível observar que a atividade de trabalho do conselheiro tutelar de BH,

por um lado, realiza-se de acordo com a prescrição do ECA e do Regimento Interno dos CTs,

que compõem as normas antecedentes, as prescrições, os conhecimentos constituídos.

Por outro lado, sendo os conselheiros, pessoas da própria comunidade, sem

nenhuma exigência de formação específica para o exercício da função no CT (BRASIL,

1990), portanto com seus valores, cultura e percepções próprias a respeito das questões que

envolvem a sua prática cotidiana, desenvolvem seus saberes e práticas a partir da investidura

do cargo. O que pressupõe, pelo viés Ergológico, a existência de um ser humano singular,

“pois não se constitui em [...] um mero executante determinado pelo seu lugar nas relações

sociais e pelos dispositivos técnicos, mas, também, um homem, sujeito vivente, com todo o

horizonte de universalidade que isto implica.” (SANTOS, 2000. p. 43).

Tendo em vista essa compreensão, o reconhecimento da atividade de trabalho do

conselheiro tutelar em relação ao cuidado com os direitos da criança e do adolescente em BH,

só será possível de ser identificada a partir do conhecimento do próprio conselheiro sobre ela,

pois “[...] toda atividade humana é singular, e não há como compreender a situação de

trabalho sem acesso à experiência do sujeito” (VIEIRA, 2003, p.58).

Desta forma, faz-se necessário, que no cotidiano institucional dos conselheiros

tutelares se efetivem ações que valorizem os saberes mobilizados e convocados por estes

através da constituição de um espaço de diálogo com os responsáveis pela Política de

Atendimento à Criança e ao Adolescente em BH. E ainda, existe uma necessidade latente de

aproximação entre os órgãos e entidades de atendimento no município, a fim de fortalecer e

consolidar o exercício da democracia participativa e do próprio SGD, em especial a relação

entre CT, CMDCA e Gestão Municipal.

Compreende-se que, a efetivação do ECA, ou seja, a defesa dos direitos da

infância e juventude, não é tarefa exclusiva dos conselheiros tutelares, mas da família, do

Estado e da sociedade, conforme preza esta Lei. O CT deve fazer parte do SGD, a fim de

fortalecê-lo e não ser o único sujeito responsável pelo sucesso da sua efetivação.

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89

Ao finalizar estas análises, ficou claro para a pesquisadora que o trabalho do

conselheiro tutelar necessita ser compreendido não só como função atrelada especificamente

às frágeis prescrições existentes para o desenvolvimento de seu trabalho, principalmente

contidas no ECA (BRASIL, 1990), mas como atividade de um trabalhador (a) que cria e

recria as condições de realização do que foi prescrito, o que pressupõe a existência de um

sujeito singular.

Os resultados apontaram para a existência de um esforço cotidiano, por parte dos

conselheiros, para preencher as lacunas existentes entre o trabalho prescrito, consubstanciado

em Leis e Resoluções, bem como numa insuficiente, senão inexistente qualificação, e o

trabalho real, que os convoca a dar eficiência ao Sistema de Garantia de Direitos - SDG do

município de Belo Horizonte, perante a desresponsabilização do município.

A constituição de uma política pública social em nível federal, estadual e,

principalmente, municipal que garanta atendimento por meio de programas ou projetos

eficazes, seja nas áreas de saúde, educação ou nas demais áreas para crianças e adolescentes, e

ainda qualificação permanente, são imprescindíveis para que o trabalho do conselheiro tutelar

de BH se aproxime da garantia e defesa dos direitos da população infanto-juvenil.

Todavia, faz-se importante destacar, que a qualificação destes trabalhadores (as),

considerando o aporte da Ergologia, deve caminhar no sentido de se realizar atrelada à

experiência dos conselheiros, garantindo que estes sejam protagonistas na formulação do

programa de qualificação, com o objetivo de propiciar a valorização dos saberes e práticas

desenvolvidas por estes.

Pôde-se observado ainda, que os conselheiros tutelares desenvolvem ações

importantes para a superação da violação de direitos de crianças e adolescentes no município,

e que são sujeitos de referência para as famílias e comunidades atendidas.

Entretanto, o reconhecimento do trabalho dos conselheiros está sendo traduzido

em aumento de casos atendidos por cada um destes, sem que o número de CTs seja ampliado,

conforme recomendação do Conanda (Resolução 139/2010). A ampliação de CTs no

município é uma recomendação que se torna urgente, frente ao aumento de denúncias

realizadas aos conselheiros tutelares.

Após a finalização da dissertação foi observada a necessidade de continuar a

empreender esforços para uma proposta de intervenção31

, de forma a levar a construir um

31 Foi proposto, ao final deste estudo, um projeto de intervenção com o objetivo de compor Grupos de Encontro

do Trabalho - GRTs, que sob o pressuposto do diálogo, buscará reunir os principais atores responsáveis pela

Política de Atendimento à Criança e ao Adolescente em BH, em particular, os conselheiros tutelares.

Page 90: Sther Mendes Cunha SABERES E PRÁTICAS DESENVOLVIDAS

90

espaço de diálogo entre os saberes constituídos e os saberes investidos que decorrem da

atividade de trabalho do conselheiro tutelar em Belo Horizonte. Por meio desse diálogo,

espera-se dos agentes envolvidos, dar mais eficiência ao Sistema de Garantia de Direitos -

SDG do município de Belo Horizonte.

Por fim, é necessário considerar, que outras questões voltadas ao trabalho do

conselheiro tutelar em BH puderam ser observadas, mas não problematizadas, por não

fazerem parte dos objetivos da pesquisa. O que aponta para a necessidade de outras estudos

sobre esta temática.

REFERÊNCIAS

ASSOCIAÇÃO NACIONAL DE CENTROS DE DESESA (ANCED) Ministério da Justiça/

Secretaria Nacional de Direitos Humanos, Movimento Nacional de Meninos e Meninas de

Rua. Conselhos Tutelares no Brasil: perfil dos conselheiros e atuação no Sistema de Garantia

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para criação e funcionamento dos Conselhos Tutelares no Brasil, e dá outras providências.

2010b. Disponível em: <http//www.presidencia.gov.br//sedh>. Acesso: 02 jun. 2010.

BELO HORIZONTE. CMDCA . Resolução n° 67/2009. Dispõe sobre o Regimento Interno

dos Conselhos Tutelares de Belo Horizonte – MG. Disponível em:

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91

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Campinas, número especial, p. 93-113, agosto de 2010.

Page 92: Sther Mendes Cunha SABERES E PRÁTICAS DESENVOLVIDAS

92

4 PRODUTO TÉCNICO

CENTRO UNIVERSITÁRIO UNA

INSTITUTO DE EDUCAÇÃO CONTINUADA, PESQUISA E EXTENSÃO

MESTRADO EM GESTÃO SOCIAL, EDUCAÇÃO E DESENVOLVIMENTO LOCAL

STHER MENDES CUNHA

GRUPOS DE ENCONTRO DO TRABALHO: saberes e práticas desenvolvidas

pelo conselheiro tutelar analisadas sob o Dispositivo Dinâmico a Três Polos -

DD3P

Produto técnico apresentado ao programa de

Mestrado em Gestão Social, Educação e

Desenvolvimento Local do Centro

Universitário UNA, como requisito parcial para

obtenção do título de mestre.

Área de concentração: Inovações Sociais,

Educação e Desenvolvimento Local.

Linha de pesquisa: Processos políticos sociais:

articulações institucionais e desenvolvimento

local

Professora Orientadora: Dra. Eloisa Helena

Santos

Belo Horizonte

2013

Page 93: Sther Mendes Cunha SABERES E PRÁTICAS DESENVOLVIDAS

93

LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS

BH Belo Horizonte

CMDCA

Conselho Municipal dos Direitos da Criança e do Adolescente

CT

DD3P

Conselho Tutelar

Dispositivo Dinâmico a Três pólos

ECA

GRTs

Estatuto da Criança e do Adolescente

Grupos de Encontro do Trabalho

NESS Núcleo de Estágio em Serviço Social

SGD Sistema de Garantia e Direitos

Page 94: Sther Mendes Cunha SABERES E PRÁTICAS DESENVOLVIDAS

94

PROPOSTA DE INTERVENÇÃO

Apresentação

A partir das pesquisas bibliográfica e empírica, o trabalho de conclusão do Mestrado

Profissional em Gestão Social, Educação e Desenvolvimento Local, do Centro Universitário

UNA, culminou na elaboração da dissertação que proporcionou subsídios para o produto

técnico relacionado à qualificação do trabalho dos conselheiros tutelares, através de um

diálogo entre os saberes constituídos e os saberes investidos que decorrem da atividade de

trabalho destes sujeitos.

O mestrado profissional busca interagir formação teórica e prática, visando aprimorar os

conhecimentos e apontar soluções para questões que promovam o desenvolvimento local,

integrado e sustentável. Pretende-se, como produção técnica, apresentar um projeto de

intervenção nos moldes de uma Cooperação Técnica entre o Centro Universitário UNA, onde

se desenvolveu a pesquisa de mestrado, por meio do Núcleo de Estágio em Serviço Social –

NESS32

e o Conselho Municipal dos Direitos da Criança e do Adolescente – CMDCA. O

CMDCA é um órgão deliberativo e fiscalizador da Política de Atendimento à Criança e ao

Adolescente, em âmbito municipal, do qual o Conselho Tutelar faz parte.

A proposta ora apresentada decorre do processo de pesquisa sobre a os saberes e práticas

desenvolvidas pelo conselheiro tutelar em Belo Horizonte. Após a finalização da dissertação

foi observada a necessidade de continuar a empreender esforços para uma proposta de

intervenção, de forma a levar a construir um espaço de diálogo entre os saberes constituídos e

os saberes investidos que decorrem da atividade de trabalho do conselheiro tutelar em Belo

Horizonte. Por meio desse diálogo, espera-se dos agentes envolvidos, dar mais eficiência ao

Sistema de Garantia de Direitos - SDG do município de Belo Horizonte.

Para a universidade, que têm como parâmetro a indissociabilidade entre o ensino, a pesquisa e

a extensão, esta cooperação técnica poderá ser direcionada como uma atividade de extensão

do Curso de Serviço Social. O Plano Nacional de Extensão define as diretrizes para a

extensão universitária, expressadas em quatro eixos, sendo: impacto e transformação;

32 O NESS é o espaço institucional na UNA responsável pelo estágio, pesquisa e extensão em Serviço Social,

tendo por objetivo elaborar, aprimorar, e desenvolver projetos, assim como fortalecer parcerias internas e

externas à instituição.

Page 95: Sther Mendes Cunha SABERES E PRÁTICAS DESENVOLVIDAS

95

interação dialógica; interdisciplinaridade; indissociabilidade ensino – pesquisa – extensão. As

atividades aqui propostas estarão diretamente relacionadas a esses três eixos, inserindo-se

como extensão universitária.

Sendo projetada como uma atividade de extensão, poder-se-á contar com a participação de

acadêmicos extensionistas. Para o acadêmico é imprescindível sua efetiva interação com as

demandas sociais em seu processo de formação. Inserido em atividades de extensão na

universidade o acadêmico consolidará a busca de resoluções exigidas e as inovações para

atendimento às demandas sociais.

A proposta de intervenção utilizará o referencial teórico da Ergologia na perspectiva de

conceber o trabalho dos conselheiros tutelares em Belo Horizonte não somente como função

atrelada à realização do que foi prescrito no Estatuto da Criança e do Adolescente - ECA

(BRASIL, 1990) e no Regimento Interno dos Conselhos Tutelares de Belo Horizonte (2009),

mas como atividade de um trabalhador (a) que cria e recria as condições de realização das

prescrições.

Na perspectiva Ergológica, o trabalho é tomado como atividade humana, pois é a expressão

de um debate de normas para o sujeito diante da tendência que ele tem de renormalizar o que

lhe foi antecipado pelas prescrições. A atividade humana realiza-se no espaço entre o trabalho

prescrito e o trabalho real e mobiliza um constante debate de normas (ATHAYDE & BRITO,

2011, p.259).

Por esse debate é que se dá o ajuste do trabalho aos interesses singulares do sujeito, às normas

do trabalho e ao meio em que se trabalha, o que o caracteriza de forma singular

(SCHWARTZ, 2011a). A atividade é, pois, uma tensão, uma dramática, uma forma humana

de vida, ancorada no presente e em um sujeito singular (DURRIVE & SCHWARTZ, 2008, p.

25-26).

Sendo assim, a atividade de trabalho do conselheiro tutelar, por um lado, realiza-se de acordo

com a prescrição do ECA e do Regimento Interno dos CTs de BH , que compõem as normas

antecedentes, as prescrições, os conhecimentos constituídos.

Page 96: Sther Mendes Cunha SABERES E PRÁTICAS DESENVOLVIDAS

96

Por outro lado, sendo os conselheiros, pessoas da própria comunidade, não sendo exigido

destes nenhuma formação específica para o exercício da função no CT (BRASIL, 1990),

portanto com seus valores, cultura e percepções próprias a respeito das questões que

envolvem a sua prática cotidiana, muitos desenvolvem seus saberes e práticas a partir da

investidura do cargo. O que pressupõe, pelo viés Ergológico, a existência de um ser humano

singular, “pois não se constitui em [...] um mero executante determinado pelo seu lugar nas

relações sociais e pelos dispositivos técnicos, mas, também, um homem, sujeito vivente, com

todo o horizonte de universalidade que isto implica.” (SANTOS, 2000. p. 43).

Isso significa que o conselheiro tutelar irá renormalizar as normas antecedentes, as prescrições

que lhe foram ditadas. No processo de retrabalhar as normas antecedentes, os conselheiros em

atividade de trabalho, desenvolvem saberes e práticas decorrentes tanto das prescrições para o

seu trabalho, quanto de saberes constituídos. Para a Ergologia, os saberes constituídos são

aqueles próprios ao trabalhador, que decorrem de sua atividade de trabalho, que nela foi

investido, e emergem como saberes da experiência, da execução cotidiana de tarefas.

Os conselheiros tutelares devem possuir, conforme preconiza o ECA (BRASIL, 1990) e a

Resolução 139/2010 do Conanda, três funções essenciais, sendo elas a requisição de serviços

aos demais órgãos governamentais e não governamentais de atendimento, a petição ao

Ministério Público e a fiscalização de entidades de atendimento. Além disso, a partir da

demanda apresentada ao conselheiro, cumpre-lhe subsidiar com fatos, dados e informações a

elaboração do plano de ação do município nessa área pelo Conselho Municipal dos Direitos

da Criança e do Adolescente - CMDCA.

Tendo em vista essa compreensão, o reconhecimento da atividade de trabalho do conselheiro

tutelar em relação ao cuidado com os direitos da criança e do adolescente em BH, só será

possível de ser identificada a partir do conhecimento do próprio conselheiro sobre ela, pois

“[...] toda atividade humana é singular, e não há como compreender a situação de trabalho

sem acesso à experiência do sujeito.” (VIEIRA, 2003, p.58).

A partir deste entendimento, a proposta metodológica da Ergologia decorre da articulação

entre saberes constituídos e investidos no Dispositivo Dinâmico a três polos (DD3P),

mediados pelas disposições éticas e epistemológicas, e ampliar ao máximo o ângulo de

Page 97: Sther Mendes Cunha SABERES E PRÁTICAS DESENVOLVIDAS

97

análise sobre todas as dimensões da atividade humana (TRINQUET, 2010), constituída aqui

pelos saberes e práticas desenvolvidas pelo conselheiro tutelar.

O DD3P, segundo seu criador, Ives Schwartz (2000), parte do pressuposto de que, para se

conhecer o trabalho, é necessário o encontro de saberes oriundos de três pólos distintos, mas

que interagem entre si. O primeiro polo é aquele dos conceitos ou, dos saberes constituídos e,

o segundo polo, os saberes investidos, gerados na atividade. Já o terceiro pólo é concebido

como o das exigências éticas e epistemológicas, ou seja, posições que devem ser tomadas de

modo a conduzir o diálogo entre os outros dois pólos, “[...] de maneira a produzir um saber

inédito a propósito da atividade”. (DURRIVE & SCHWARTZ, 2008, p. 25).

A partir da concepção do DD3P, a Ergologia propõe ainda que os pesquisadores tomem um

posicionamento, “[...] que implica admitir que os “outros”, ainda que não estejam de acordo

conosco, possuem, talvez, uma parte da verdade [...]” e ainda, “ [...]admitir e aceitar que não

sabemos tudo e que nunca poderemos sabê-lo, nunca há somente uma maneira certa para fazer

as coisas” (TRINQUET, 2010, p.100).

Para a realização do DD3P esta proposta de intervenção comporá Grupos de Encontro do

Trabalho - GRTs, que sob o pressuposto do diálogo, reunirá os principais responsáveis pela

Política de Atendimento à Criança e ao Adolescente em BH, em particular, os conselheiros

tutelares. Pretende-se, com o desenvolvimento destes grupos, construir soluções e saberes

inéditos sobre que contribuam tanto para romper com a violação de direitos praticada contra o

público infanto-juvenil, quanto para ações de fortalecimento do SGD no município.

Justificativa

Esta proposta foi elaborada em conformidade com a Dissertação “Saberes e práticas

desenvolvidas pelo conselheiro tutelar: um estudo em Belo Horizonte” e prevê a criação de

Grupos de Encontro do Trabalho - GRTs, que sob o pressuposto do diálogo, reunirá os

principais atores responsáveis pela Política de Atendimento à Criança e ao Adolescente em

BH, em particular, os conselheiros tutelares.

Sendo o CT um órgão que integra a rede de atendimento voltada à infância e juventude,

espera-se que este tenha o compromisso institucional com o pleno desenvolvimento de uma

Page 98: Sther Mendes Cunha SABERES E PRÁTICAS DESENVOLVIDAS

98

política de promoção e defesa dos direitos desse segmento social em âmbito local, seja na área

de educação, saúde, assistência social ou outras, dessa forma contribuindo, sobretudo, para o

desenvolvimento social.

Embora os CTs apresentem um grande potencial de efetivação da política de atendimento à

criança e ao adolescente, ele apresenta problemas que merecem ser enfrentados.

Estes problemas estão relacionados, por exemplo, à falta de compreensão das atribuições dos

conselheiros tutelares, tanto por parte destes, quanto por parte da sociedade em geral, dos

órgãos públicos e também do poder judiciário. Algumas pessoas e instituições confundem o

CT com política de atendimento, ou seja, como um órgão responsável pela solução de

problemas como guarda, falta de alimentação, de recursos financeiros, etc., não o entendendo

na verdade como um órgão que deve requisitar medidas que as instituições deveriam tomar e

que, algumas vezes, não tomam.

Outras polêmicas envolvem a atividade de trabalho do conselheiro tutelar desde que o CT foi

instituído, como a falta e /ou inexistência de qualificação de seus membros para exercício das

atribuições e ainda a desresponsabilização do Estado no que tange à garantia e efetividade de

um Sistema de Garantia de Direitos - SDG33

conforme preconiza o ECA, o que acarreta numa

frágil estrutura de trabalho para estes trabalhadores (as).

Os resultados da pesquisa apontaram para a existência de um esforço cotidiano por parte dos

conselheiros para preencher as lacunas existentes entre o trabalho prescrito, consubstanciado

em Leis e Resoluções, bem como numa insuficiente, senão inexistente qualificação, e o

trabalho real, que os convoca a dar eficiência ao Sistema de Garantia de Direitos - SDG do

município de Belo Horizonte.

Pretende-se, com o desenvolvimento destes grupos, construir soluções e saberes inéditos que

contribuam tanto para romper com a violação de direitos praticada contra o público infanto-

juvenil, quanto para ações de fortalecimento do SGD no município. E ainda, a realização de

encontros com os conselheiros tutelares, é uma oportunidade de reflexão sobre a necessidade

33

O SGD pode ser entendido como um “conjunto de órgãos, entidades, autoridades, serviços e programas de

atendimento a crianças, adolescentes e suas respectivas famílias, que devem atuar de forma articulada e

integrada, na busca de sua proteção integral [...]”, (Prefeitura de Belo Horizonte; Conselho Municipal da Assistência Social e dos Direitos da Criança e do Adolescente, 2012 – não publicado), evidentemente a partir do

que está previsto pelo ECA e pela Constituição Federal.

Page 99: Sther Mendes Cunha SABERES E PRÁTICAS DESENVOLVIDAS

99

de aproximação entre os órgãos e entidades de atendimento no município, fortalecendo e

consolidando o exercício da democracia participativa e do próprio SGD, em especial a relação

entre CT, CMDCA e Gestão Municipal.

Objetivo geral

Implantar um projeto de cooperação técnica entre o NESS junto ao Conselho Municipal dos

Direitos da Criança e Adolescente, visando compor Grupos de Encontro do Trabalho - GRTs,

que sob o pressuposto do diálogo, reunirá os principais atores responsáveis pela Política de

Atendimento à Criança e ao Adolescente em BH, em particular, os conselheiros tutelares.

Objetivos específicos

Aprofundar as competências específicas do Conselho Tutelar, do Conselho Municipal dos

Direitos da Criança e do Adolescente e da Secretaria de Políticas Sociais;

Fortalecer os conhecimentos e a capacidade de atuação dos conselheiros tutelares no

atendimento dos casos, no encaminhamento das providências e na verificação de

denúncias de violações dos direitos de crianças e adolescentes;

Socializar os saberes e práticas desenvolvidas pelos conselheiros tutelares com o CMDCA

e a gestão municipal;

Subsidiar a atuação do CMDCA enquanto formuladores de políticas de atendimento e

defesa dos direitos da criança e do adolescente por meio dos saberes e práticas

desenvolvidas pelos conselheiros tutelares;

Propor qualificação continuada para os conselheiros tuteares e conselheiros do CMDCA

sobre os fundamentos da política de atendimento à criança e ao adolescente no município;

Sugerir atividades que serão desenvolvidas para a implementação de ações intersetoriais, a

partir das situações vivenciadas pelos conselheiros tutelares no espaço do CT;

Page 100: Sther Mendes Cunha SABERES E PRÁTICAS DESENVOLVIDAS

100

Fomentar o fortalecimento do diálogo entre conselheiros tutelares, CMDCA e gestão

municipal;

Desenvolver relatórios periódicos quanto à evolução do trabalho proposto.

Público Alvo

Conselheiros Tutelares de Belo Horizonte;

Conselheiros Municipais dos Direitos da Criança e do Adolescente de Belo Horizonte;

Representantes da Prefeitura Municipal de Belo Horizonte que trabalham junto a

Secretaria de Políticas Sociais.

Metodologia

A característica de uma cooperação técnica tem no trabalho afinidades em comum entre

instituições parceiras, caracteriza-se pela transferência, correlação de conhecimentos e realiza-

se com base em metodologia própria a atividade.

Metodologia - Etapas

Primeira Etapa

Apresentar o produto técnico ao Centro Universitário UNA, especificamente ao

Núcleo de Estágio em Serviço Social, e promover a sua discussão no intuito de

construir um projeto de extensão;

Apresentar e discutir a proposta junto aos conselheiros tutelares, com vistas ao

envolvimento, avaliação e reflexão da proposta dos GRTs;

Apresentar e discutir a proposta de parceria técnica junto ao CMDCA, que entre outras

funções, deve acompanhar e avaliar a atuação dos conselheiros tutelares.

Segunda Etapa

Destaca-se que, para execução deste projeto, será necessário inicialmente realizar um

diagnóstico junto aos conselheiros tutelares de BH com o objetivo de conhecer as principais

Page 101: Sther Mendes Cunha SABERES E PRÁTICAS DESENVOLVIDAS

101

demandas e dificuldades apresentadas no cotidiano de trabalho destes. Para a realização deste

diagnóstico será necessário que os componentes do projeto de extensão do NESS realizem:

Visita institucional aos nove CT de Belo Horizonte com o objetivo de refletir junto aos

conselheiros tutelares os temas a serem abordados nos GRTs. No momento das visitas, serão

realizadas reuniões com os conselheiros tutelares a fim de refletir sobre as questões

apresentadas na pesquisa e levantar as principais demandas e dificuldades de atuação dos

conselheiros. E ainda, discutir estratégias para envolvimento e participação de representantes

da Secretaria de Políticas Sociais nos grupos.

Visita institucional ao CMDCA, com o objetivo de apresentar um relatório das

principais demandas levantadas junto aos conselheiros tutelares, bem como a definição da

dinâmica e local dos encontros. E ainda, discutir estratégias para envolvimento e participação

dos gestores municipais nestes grupos.

Terceira Etapa

Seleção dos acadêmicos do curso de Serviço Social do Centro Universitário UNA para

compor o projeto de extensão na modalidade de estagiários;

Capacitação dos acadêmicos a partir da Dissertação intitulada “Saberes e práticas

desenvolvidas pelo conselheiro tutelar: um estudo em Belo Horizonte”;

Realização de seminários e encontros com a abordagem das temáticas:

Contextualização crítica da Política de Atendimento à Criança e ao Adolescente no

Brasil e em Belo Horizonte;

Sistema de Garantia de Direitos – SGD;

Prescrições norteadoras do trabalho do conselheiro tutelar;

Referencial teórico da Ergologia;

Técnicas de observação e registro para acompanhamento das atividades;

Diagnóstico das atividades a serem desenvolvidas;

Page 102: Sther Mendes Cunha SABERES E PRÁTICAS DESENVOLVIDAS

102

Elaboração de cronograma de acompanhamento;

Promoção da integração dos acadêmicos com os conselheiros tutelares e com o

CMDCA, parceiro nesta cooperação técnica.

Quarta Etapa

Definir junto com os conselheiros tutelares e com o CMDCA:

Melhor local, dia e horários para realização dos Grupos de Estudo no Trabalho.

Definir a periodicidade de encontro destes grupos;

Definir a dinâmica e temas a serem discutidos em cada grupo;

Delimitar o número de conselheiros tutelares, levando em consideração os

nove CT existentes, e do CMDCA que estarão presentes em cada GRTs.

Esta etapa será desenvolvida a partir de uma metodologia participativa e integrada,

objetivando a valorização de todos os sujeitos envolvidos neste processo.

Quinta Etapa

Reuniões periódicas, em local a ser definido pelos envolvidos, para apresentação e discussão

dos resultados dos objetivos propostos nesta parceria entre NESS, representantes dos

conselheiros tutelares, do CMDCA e da Secretaria de Políticas Sociais, com o objetivo de:

Apontar críticas e sugestões;

Apresentar indicadores para avaliação do GRTs;

Elaboração de relatório de acompanhamento;

Organização da equipe de trabalho;

Elaboração do cronograma de atividades do semestre;

Previsão de custos;

Recursos

Recursos - FISICOS

Page 103: Sther Mendes Cunha SABERES E PRÁTICAS DESENVOLVIDAS

103

Responsável Centro Universitário UNA: sala para reunião com estagiários e parceiros; bem

como disponibilização de local para a estruturação dos GRTs.

Responsável CMDCA: disponibilização de local para a estruturação dos GRTs.

Recursos - MATERIAIS

Responsável Centro Universitário UNA:

Disponibilizar arquivo para resguardar a documentação do Termo de Cooperação

Técnica, as fichas cadastrais dos extensionistas, as ficha de frequência, os relatórios, e

etc.

Mesa;

Cadeiras;

Folhas de papel A4;

Canetas;

Cadernos de registro para observação;

Data-show.

Recursos - HUMANOS

Responsável Centro Universitário UNA:

01 profissional bacharel em Serviço Social;

O9 estagiários do curso de Serviço Social do Centro Universitário UNA.

Recursos - FINANCEIROS

Responsável Centro Universitário UNA:

Como uma atividade que qualificaria como uma extensão universitária, o Centro Universitário

UNA deverá disponibilizar um técnico responsável, assistente social, preceptor no

acompanhamento dos trabalhos dos estagiários e interlocutor do público alvo deste produto

técnico.

Referências

ATHAYDE, Milton & BRITO, Jussara. Ergologia e clínica do trabalho. In:

BENDASSOLLI, P. F. & SOBOLL, L. A. P.. Clínicas do Trabalho: Novas perspectivas

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Page 111: Sther Mendes Cunha SABERES E PRÁTICAS DESENVOLVIDAS

111

ANEXO A

TERMO DE CONSENTIMENTO LIVRE E ESCLARECIDO

Pesquisa: Saberes e Práticas Desenvolvidas pelo Conselheiro Tutelar: um estudo na região metropolitana de

Belo Horizonte (RMBH).

Pesquisadora principal: Sther Mendes Cunha. Telefone: (31) 9422-1421.

Professora orientadora: Dra. Eloisa Helena Santos. Telefone (31) 8717-9342.

Você está sendo convidado a participar como voluntário da pesquisa Saberes e Práticas

Construídas pelo Conselheiro Tutelar: um estudo na Região Metropolitana de Belo Horizonte - RMBH.

A pesquisa faz parte do Programa de Mestrado em Gestão Social, Educação e Desenvolvimento

Local do Centro Universitário UNA de Belo Horizonte (MG). Tem como objetivo principal compreender de que

forma os conselheiros tutelares da Região Metropolitana de Belo Horizonte - RMBH (MG) têm convocado e

construído saberes e práticas capazes de responder às suas atividades cotidianas de trabalho com vistas a zelar

pelos direitos da criança e do adolescente em consonância com o prescrito no Estatuto da Criança e do

Adolescente.

As informações coletadas são de uso exclusivamente acadêmico e serão utilizadas para compor o

relatório final da pesquisa e construção de um projeto de intervenção a serem apresentados em defesa de

dissertação do Programa de Mestrado em Gestão Social, Educação e Desenvolvimento Local do Centro

Universitário UNA de Belo Horizonte (MG), e poderão ser publicadas em parte ou na sua totalidade em livros

e/ou periódicos de natureza científica.

Os dados da entrevista serão tratados com sigilo, responsabilidade e compromisso ético, não sendo

expostos nomes nem referências que possam identificar as fontes de pesquisa. Enfatizamos que não haverá

divulgação personalizada das informações, garantindo-se assim o anonimato das declarações obtidas.

Faz-se importante esclarecer também, que você tem liberdade de se recusar a participar e ainda se

recusar a continuar participando em qualquer fase da pesquisa, sem qualquer ônus. Sempre que quiser poderá

pedir mais informações sobre a pesquisa através do telefone da pesquisadora do projeto e, se necessário através

do telefone do Comitê de Ética em Pesquisa.

Colocamo-nos à sua inteira disposição para maiores esclarecimentos e detalhes sobre a pesquisa

em pauta. Você poderá entrar em contato com a pesquisadora principal ou com o Comitê de Ética em Pesquisa

do Centro Universitário UNA, situado na Rua Guajajaras, 175, 4° andar - Belo Horizonte (MG). Contato pelo e-

mail: [email protected], ou ainda pelo telefone 31-3508-9111.

Atenciosamente,

Sther Mendes Cunha,

Pesquisadora Principal.

Declaro que concordo em participar deste estudo. Recebi uma cópia deste termo de consentimento

livre e esclarecido e me foi dada a oportunidade de ler e esclarecer as minhas dúvidas.

Atenciosamente,

___________________________________________

Assinatura do voluntário

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112

ANEXO B

REGIMENTO INTERNO DOS CONSELHOS TUTELARES DE BELO HORIZONTE

Sexta-feira, 2 de Janeiro de 2009 Ano XV - Edição N.: 3251 Poder Executivo Secretaria Municipal de Políticas Sociais – CMDCA

RESOLUÇÃO CMDCA-BH - Nº 67 DE 2008

Dispõe sobre o Regimento Interno dos Conselhos Tutelares de Belo Horizonte – MG.

O Conselho Municipal dos Direitos da Criança e do Adolescente de Belo Horizonte, no uso de suas atribuições legais e com fulcro na Lei Federal 8.069/90, nas Leis Municipais 6.705/94 e 8.502/03 e no Decreto Municipal nº 12.537/06, RESOLVE:

CAPÍTULO I DISPOSIÇÕES INICIAIS

Art. 1º O presente Regimento Interno disciplinará o funcionamento dos Conselhos Tutelares de Belo Horizonte. Art. 2º O Conselho Tutelar é um órgão composto por 05 (cinco) membros titulares eleitos e encarregados pela sociedade de zelar pelo cumprimento dos direitos da criança e do adolescente do município. Art. 3º Cada Conselho Tutelar terá sua sede em área correspondente a Regional Administrativa, em local que possibilite o exercício adequado de suas atividades. Parágrafo único. Ao Conselho Tutelar será assegurado suporte administrativo constituído de uma secretaria que funcione em instalação e com servidores municipais, em cada unidade, e assessoria técnica. Art. 4º Cada Conselho Tutelar é um Colegiado composto por 05 (cinco) Conselheiros Tutelares podendo, excepcionalmente, reunir-se com a presença mínima de 03 (três) conselheiros. Parágrafo único. As deliberações, avaliações e encaminhamentos dos casos atendidos deverão ser efetivadas perante o Colegiado de Conselheiros Tutelares.

CAPÍTULO II DA COMPOSIÇÃO

Art. 5º Cada Conselho Tutelar elegerá entre os seus 05 (cinco) membros titulares um Presidente e um Secretário que exercerão as funções previstas no presente Regimento. § 1º - O Presidente e o Secretário serão escolhidos na primeira sessão do colegiado após a posse dos Conselheiros Tutelares eleitos, para mandato de 07 (sete) meses e 15 (quinze) dias. § 2º - Fica assegurado o direito de exercício de cada um dos cargos referidos no parágrafo anterior, alternadamente, a cada membro do Conselho Tutelar. § 3º - Em caso de renúncia expressa do direito de exercício dos cargos previstos no § 1º deste artigo, serão escolhidos entre os demais Conselheiros Tutelares, o Presidente e o Secretário de cada Conselho Tutelar. Art. 6º Compete ao Conselheiro Tutelar sem prejuízo das atribuições previstas no art. 136 do ECA:

Page 113: Sther Mendes Cunha SABERES E PRÁTICAS DESENVOLVIDAS

113

I - fazer todas as anotações na ficha de atendimento, preenchendo todos os campos com letra legível, proporcionando informações necessárias e identificando-se, ao final, para que qualquer outro conselheiro que tiver acesso a ficha entenda a situação vivenciada e o desenvolvimento do caso; II - cumprir as escalas de trabalho previamente deliberadas pelo Colegiado do Conselho Tutelar; III – cumprir as tarefas que lhe forem designadas pelo Colegiado do Conselho Tutelar; IV - consultar o colegiado do respectivo Conselho Tutelar, antes de efetivar as ações individuais, acatando e cumprindo as deliberações do mesmo; V - estar presente nas sessões ordinárias e extraordinárias do Colegiado, bem como, nas reuniões com a Equipe de Assessoria Técnica ao Conselho Tutelar, salvo justificativa registrada em ata; VI - representar, quando designado pelo Colegiado, o Conselho Tutelar em reuniões externas e/ou eventos; VII - votar para a escolha do presidente e do secretário do seu Conselho Tutelar; VIII - assinar e carimbar com identificação todo e qualquer documento que lhe foi atribuído; IX - submeter ao Colegiado, as decisões e medidas tomadas individualmente em caráter de urgência.

Art. 7º Compete ao Presidente: I - presidir e coordenar as reuniões do Conselho Tutelar de forma dinâmica e participativa; II - exercer voto de desempate nas deliberações do Colegiado de Conselheiros Tutelares; III - convocar reuniões ordinárias e extraordinárias; IV - cumprir e fazer cumprir as normas legais e regimentais, bem como as deliberações do Colegiado do Conselho Tutelar; V - comunicar de imediato à respectiva Secretaria Adjunta de Administração Regional de Serviços Sociais a prática pelos, Conselheiros Tutelares, de fato que configure infração administrativa, para adoção das medidas legais; VI - comunicar, de imediato, ao Conselho Municipal dos Direitos da Criança e do Adolescente a prática, pelos Conselheiros Tutelares, de fato que configure descumprimento de função institucional, para adoção das medidas legais; VII - encaminhar à Secretaria Adjunta de Administração Regional de Serviços Sociais o Registro Manual de Presença dos Conselheiros Tutelares informando presença, ausência, atraso, bem como suas justificativas;

VIII - assinar, com preferência, os documentos administrativos do Conselho Tutelar; IX - zelar e administrar o patrimônio da sede do Conselho Tutelar, tomando as providências necessárias para apuração dos danos a ele causados; X - comunicar à respectiva Secretaria Adjunta de Administração Regional de Serviços Sociais e ao Conselho Municipal dos Direitos da Criança e do Adolescente, nos termos da legislação vigente, o planejamento anual das férias dos Conselheiros Tutelares; XI - representar e fazer-se representar nas reuniões da CAACTs. Art. 8º Compete ao Secretário:

I - redigir ata das reuniões do Colegiado do Conselho Tutelar, preservando a identidade dos envolvidos; II - assinar com o Presidente os documentos administrativos do Conselho Tutelar; III - monitorar o recebimento e a expedição de correspondências oficiais do Conselho Tutelar, encaminhando-as em conjunto com o Presidente; IV - manter sob sua guarda e responsabilidade o arquivo de correspondência recebida e expedida, livros e outros documentos do Conselho Tutelar; V - elaborar a pauta da reunião após consultar os demais Conselheiros Tutelares; VI - zelar pelo documento de Registro Manual de Presença dos Conselheiros Tutelares; VII - substituir o Presidente em suas ausências por motivo de férias, licenças ou faltas.

CAPÍTULO III

DO COLEGIADO

Art. 9º Cada Colegiado do Conselho Tutelar reunir-se-á em sessões ordinárias e/ou extraordinárias.

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114

Art. 10. As sessões ordinárias serão realizadas semanalmente nos dias úteis e as extraordinárias a qualquer momento quando necessário. § 1º - As sessões extraordinárias poderão ser convocadas por solicitação de qualquer Conselheiro Tutelar. § 2º - É objetivo da sessão ordinária a discussão de casos para avaliação, seus encaminhamentos e o planejamento do trabalho. § 3º - Nas sessões ordinárias haverá leitura, informes, relatos dos atendimentos individuais, leitura do livro diário da ata da sessão anterior e verificação do cumprimento dos encaminhamentos. § 4º - As deliberações serão tomadas por maioria dos votos manifestados abertamente. Art. 11. Somente participarão das sessões àquelas pessoas previamente autorizadas pelo Colegiado do Conselho Tutelar, com assunto definido na pauta do dia tendo direito a voz e sem direito a voto. Art. 12. As decisões e medidas individuais tomadas em caráter de urgência pelo Conselheiro Tutelar de plantão serão apreciadas pelo Colegiado, no dia útil subsequente, nos termos da legislação vigente. Art. 13. Compete aos Colegiados dos Conselhos Tutelares:

I – escolher, entre seus membros, representante(s) junto às entidades governamentais, não governamentais ou eventos específicos, sem prejuízo da atividade regulamentar; II - eleger os substitutos do Presidente e do Secretário nos termos do art. 5º, § 3º deste Regimento Interno; III - destituir o ocupante do cargo de Presidente ou Secretário no caso de não cumprimento das respectivas atividades e eleger, imediatamente, outro Conselheiro Tutelar para a substituição, mediante voto favorável da maioria dos membros do Colegiado, observado o seguinte: a) a reunião para fins de que trata o inciso III deste artigo deverá ser convocada mediante documento escrito, especificando a finalidade da mesma, que será entregue diretamente aos membros do Conselho Tutelar; b) a reunião observará os princípios do contraditório e da ampla defesa, sendo vedada a destituição na ausência justificada do Conselheiro a ser destituído. IV - escolher o substituto do Secretário nos casos de férias, licenças ou quando este estiver substituindo o Presidente.

CAPÍTULO IV

DO ATENDIMENTO

Art. 14. Compete ao Conselheiro Tutelar receber denúncias de suspeita e/ou confirmação de violação dos direitos da criança ou adolescente anotando os principais dados a fim de distribuÍ-las segundo o fluxo de atendimento interno. Parágrafo único. Sempre que imprescindível para a manutenção dos direitos da criança e do adolescente, os Conselhos Tutelares garantirão o sigilo da identidade do comunicante, somente revelando-a mediante determinação judicial e sem prejuízo das competências do CMDCA. Art. 15. As denúncias recebidas pelo Conselheiro Tutelar serão verificadas inclusive através do trabalho de campo quando necessário. Art. 16. Sempre que possível, as pessoas que procurarem o Conselho tutelar serão atendidas por dois Conselheiros Tutelares que acompanharão o caso até o encaminhamento definitivo. Parágrafo único. Preferencialmente, o Conselheiro Tutelar não deverá atender casos que envolvam pessoas de sua convivência familiar e pessoal, resguardando assim, sua integridade e o real interesse da Criança e do adolescente. Art. 17. As deliberações e os encaminhamentos relativos aos casos dependerão sempre da discussão e encaminhamento entre no mínimo 3 (três) membros titulares do Conselho Tutelar. Art. 18. Serão realizados registros de todos os procedimentos relacionados aos encaminhamentos feitos e providências tomadas. § 1º - O Conselheiro Tutelar deverá registrar, datar e assinar todos procedimentos adotados por ele. § 2º - O acesso aos registros será restrito aos Conselheiros Tutelares, sendo estas informações confidenciais. O repasse de dados somente será feito no restrito interesse de resguardar a defesa dos direitos da criança e do adolescente e de seus familiares.

Page 115: Sther Mendes Cunha SABERES E PRÁTICAS DESENVOLVIDAS

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CAPÍTULO V DO HORÁRIO DE ATENDIMENTO

Art. 19. O horário de atendimento ao público na sede do Conselho Tutelar é das 8:00 às 18:00 horas nos dias úteis, de segunda a sexta-feira, seguindo a escala de atendimento. § 1º - Cada Conselho Tutelar fará sua escala de revezamento de atendimento entre seus membros, observando-se a legislação vigente. § 2º - Durante o horário de atendimento, o Conselho Tutelar deverá contar com a presença de pelo menos um dos Conselheiros em sua sede.

CAPÍTULO VI DO PLANTÃO

Art. 20. O regime de plantão segue as determinações da legislação vigente.

CAPÍTULO VII DISPOSIÇÕES FINAIS

Art. 21. A jurisdição dos Conselhos Tutelares de Belo Horizonte obedece o previsto na legislação vigente. Art. 22. Esta Resolução entra em vigor na data de sua publicação.

Belo Horizonte, 01 de dezembro de 2008 Lúcia Elena Santos Junqueira Rodrigues

Presidente

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APÊNDICE A

QUESTIONÁRIO– INFORMAÇÕES SOCIOEDUCACIONAIS DO CONSELHEIRO

TUTELAR DE BELO HORIZONTE - MG

Caro conselheiro, favor marcar com um X o item que mais se aproxima de sua resposta. Se

for necessário, faça suas considerações no local indicado ou no verso da folha. As

informações que você puder nos fornecer serão muito importantes para a primeira fase da

pesquisa que estamos desenvolvendo sobre “Os Saberes e Práticas desenvolvidas pelo

Conselheiro Tutelar em de Belo Horizonte”.

I INFORMAÇÕES GERAIS SOBRE O CONSELHEIRO TUTELAR

1. Sexo: 1 ( ) masculino. 2 ( ) feminino.

2. Idade: _____ anos

3. Cidade e estado onde voçê nasceu: _________________________________________________

4. Estado civil: 1 ( ) solteiro. 2 ( ) casado. 3 ( ) divorciado. 4 ( ) outro: _______________________

5. Assinale há quanto tempo voçê reside no município onde assumiu o cargo de conselheiro

tutelar.

1 ( ) Até 3 anos. 4 ( ) De 3 a 5 anos.

2 ( ) De 5 a 8 anos. 5 ( ) De 8 a 10 anos.

3 ( ) De 10 a 15 anos. 6 ( ) Mais de 15 anos.

6. Assinale a sua escolaridade - grau de instrução:

1 ( ) Ensino Fundamental (antigo 1º grau) ( ) completo ( ) incompleto

2 ( ) Ensino Médio ( ) completo ( ) incompleto

3 ( ) Ensino Superior ( ) completo ( ) incompleto. Qual? _____________________________________

4 ( ) Pós Graduação: ( ) Especialização ( ) Mestrado( ) Doutorado

( ) Completo ( ) Incompleto

7. Para assumir o cargo de conselheiro tutelar, qual foi o processo eletivo do qual participou?

1 ( ) Por eleição direta pela comunidade, onde os moradores do município participaram livremente.

2 ( ) Por eleição realizada pelas entidades de atendimento na área da infância e adolescência

registradas no CMDCA.

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3 ( ) Por indicação do executivo local (Prefeito ou gestor da área da infância e adolescência).

4 ( ) Outro. Especifique:______________________________________________________________

8. Quantas vezes voçê ocupou o cargo de conselheiro tutelar?

1 ( ) Primeira gestão – período de 3 anos.

2 ( ) Segunda gestão seguida – período de 6 anos.

3 ( ) Segunda gestão alternada – período de 6 anos alternados.

4 ( ) Outro. Especifique:______________________________________________________________

9. Qual a sua carga horária diária de trabalho no Conselho Tutelar?

1 ( ) 4 horas por dia.

2 ( ) 6 horas por dia.

3 ( ) 8 horas por dia.

4 ( ) Regime de plantões, sendo____ dias por semana.

5 ( ) Quantas horas-dia?__________

6 ( ) Outra. Especificar: _______________________________________________________________

10. Voçê conhecia a função de conselheiro tutelar antes de ocupar o cargo?

1 ( ) Sim. 2 ( ) Não.

II ASPECTOS INSTITUCIONAIS

11. Qual é o ano de criação do Conselho Tutelar de seu município? _____________________

12. O Conselho Tutelar de seu município possui regimento interno?

1 ( ) Sim. 2 ( ) Não.

13. Se sim, voçê tem conhecimento se o regimento prevê qualificação/capacitação/formação

continuada para quem estiver em exercício no cargo de conselheiro tutelar?

1 ( ) Sim, esporadicamente, por meio de palestras e/ou seminários.

2 ( ) Sim, mediante formação continuada. Especificar:_______________________________________

3 ( ) Não.

4 ( ) Outra: _________________________________________________________________________

14. Na Lei Municipal de criação do Conselho Tutelar em seu município, qual a exigência quanto

à escolarização?

1 ( ) Não consta nenhuma exigência na referida lei.

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2 ( ) A lei municipal exige apenas que seja alfabetizado.

3 ( ) A lei municipal exige o ensino fundamental concluído.

4 ( ) A lei exige o ensino médio concluído.

5 ( ) A lei exige ensino superior.

6 ( ) Não sei.

7 ( ) Outra: ________________________________________________________________________

15. Qual foi o processo de escolha do presidente do Conselho Tutelar de seu município?

1 ( ) O conselheiro tutelar mais votado no processo de eleição assume a presidência.

2 ( ) Indicação de algum gestor de política pública do município.

3 ( ) Votação realizada entre os conselheiros tutelares em reunião específica.

4 ( ) Outro: ________________________________________________________________________

16. O Conselho Tutelar de seu município realiza reuniões do colegiado, ou seja, reunião entre os

conselheiros tutelares para discussão sobre os casos de violação de direitos de crianças e

adolescentes?

1 ( )Sim. 2 ( ) Não. Por quê? __________________________________________________________

17. Se a resposta anterior for afirmativa, qual é a periodicidade das reuniões do colegiado?

1( ) Semanal. 2 ( ) Quinzenal. 3 ( ) Mensal. 4 ( ) Não há periodicidade.

18. Com respeito à estruturação para o funcionamento do Conselho Tutelar no seu município

(condições disponibilizadas),

1 ( ) existe(m) sala (s) para receber as denúncias e realizar o atendimento às crianças, adolescentes e as

famílias. Quantas?

2 ( ) existe arquivo para guardar as fichas de registros dos atendimentos ou documentação necessária.

3 ( ) possui linha telefônica fixa e ou celular.

4 ( ) possui computador.

5 ( ) possui impressora para computador.

6 ( ) possui acesso à internet.

7 ( ) possui veículo exclusivo para uso exclusivo nas ações diárias.

8 ( ) possui funcionário – auxiliar administrativo.

9 ( ) possui funcionário – auxiliar de serviços gerais.

10 ( ) possui equipe técnica que atua junto aos conselheiros tutelares? Especifique:

__________________________________________________________________________________

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III Da qualificação e formação continuada para o exercício da função de conselheiro tutelar

19. Voçê recebeu formação ou capacitação específica para exercer o cargo de conselheiro tutelar

ANTES de ter sido eleito? Em sua resposta, considere apenas formas de capacitação presencial

(palestras, cursos, seminários, oficinas, encontros ou congressos etc.) ou cursos à distância que

requeiram o cumprimento de atividades estruturadas.

1 ( ) Sim. 2 ( ) Não.

20. Caso voçê tenha recebido formação ou capacitação específica para o cargo ANTES de ter

sido eleito, indique a(s) entidade(s) responsável (is) pela formação ou capacitação. Em sua

resposta, considere apenas formas de capacitação presencial (palestras, cursos, seminários, oficinas,

encontros ou congressos etc.) ou cursos à distância que requeiram o cumprimento de atividades

estruturadas. Assinale mais de uma alternativa, se for o caso.

1 ( ) O próprio Conselho Tutelar.

2 ( ) CMDCA.

3 ( ) Universidade ou instituição de ensino superior.

4 ( ) Governo Municipal.

5 ( ) Governo Estadual.

6 ( ) Empresa que possui programa de responsabilidade social.

7 ( ) Organização não governamental que atua na área.

8 ( ) Outra instituição.Qual: ___________________________________________________________

21. Voçê recebeu formação ou capacitação específica para o cargo, DEPOIS de ter sido eleito

conselheiro? Em sua resposta, considere apenas formas de capacitação presencial (palestras, cursos,

seminários, oficinas, encontros ou congressos etc.) ou cursos à distância que requeiram o

cumprimento de atividades estruturadas.

1 ( ) Sim. 2 ( ) Não.

22. Caso voçê tenha recebido formação ou capacitação específica para o cargo DEPOIS de ter

sido eleito, indique a(s) entidade(s) responsável (is) pela formação ou capacitação. Em sua

resposta, considere apenas formas de capacitação presencial (palestras, cursos, seminários, oficinas,

encontros ou congressos etc.) ou cursos à distância que requeiram o cumprimento de atividades

estruturadas. Assinale mais de uma alternativa, se for o caso.

1 ( ) O próprio Conselho Tutelar.

2 ( ) CMDCA.

3 ( ) Universidade ou instituição de ensino superior.

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4 ( ) Governo Municipal.

5 ( ) Governo Estadual.

6 ( ) Empresa que possui programa de responsabilidade social.

7 ( ) Organização não governamental que atua na área.

8 ( ) Outra instituição.Qual: __________________________________________________________

Com qual regularidade elas acontecem?

1 ( ) Mensal

2 ( ) Trimestral

3 ( ) Esporadicamente

4 ( ) Outra . Especificar: _____________________________________________________________

23. Ainda em relação ao recebimento de formação ou capacitação específica para investidura do

cargo de Conselheito Tutelar ANTES e/ou DEPOIS de ter sido eleito, voçê considera suficiente

para lhe subsidiar em suas ações cotidianas?

1 ( ) Sim.

2 ( ) Não. Por quê? ________________________________________________________________

__________________________________________________________________________________

__________________________________________________________________________________

__________________________________________________________________________________

24. Enquanto conselheiro deste Conselheiro Tutelar voçê já fez ou faz parte de alguma

Associação ou Fórum de Conselheiros Tutelares?

1 ( ) Sim. 2 ( ) Não.

Em caso positivo, indique o nome da Associação ou Fórum:

_________________________________________________________________________________

25. Voçê já participou de algum movimento social ANTES de ser conselheiro tutelar?

1 ( ) Sim. Qual (quais): _______________________________________________________________

2 ( ) Não.

26. Voçê já participou de algum movimento social DEPOIS de ser conselheiro tutelar?

1 ( ) Sim. Qual (quais): _______________________________________________________________

( ) Não.

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APÊNDICE B

ENTREVISTA SEMIESTRUTURADA – SABERES E PRÁTICAS DESENVOLVIDAS

PELO CONSELHEIRO TUTELAR EM BELO HORIZONTE - BH

1. Fale de forma breve sobre sua trajetória profissional até ocupar o cargo de conselheiro

tutelar.

2. Qual foi sua motivação para se candidatar ao cargo de conselheiro tutelar?

3. Qual foi sua experiência direta com criança e/ou adolescente antes de se candidatar a

conselheiro tutelar de seu município?

4. Considera que sua formação lhe permite lidar com todas as situações que envolvem a

violação de direitos das crianças e adolescentes atendidos pelo Conselho Tutelar?

5. Há procedimentos prescritos a serem seguidos? Quais os procedimentos a serem

utilizados após receber uma denúncia?

6. O que não correspondeu ao procedimento prescrito?

7. O que referencia sua prática cotidiana como conselheiro tutelar?

8. Sua experiência de vida interfere em sua prática cotidiana como conselheiro tutelar?

9. Descreva, sucintamente, um dia de atividade de trabalho no Conselho e as dificuldades mais

presentes nesta atividade.

10. Que conhecimento usa com mais frequência em sua prática cotidiana de trabalho: o

adquirido na função de conselheiro ou o vivido?

11. Quais atividades desenvolve no Conselho? Descreva-as. Como são realizadas essas

atividades? Com que recursos?

12. O que é necessário fazer para que as atividades desenvolvidas por você como conselheiro

tutelar sejam desenvolvidas de maneira a atender às prescrições para o seu trabalho?

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13. Na sua avaliação, o trabalho de conselheiro tutelar desenvolvido por você tem alcançado

resultados? Que resultados obtém ou já obteve com o desenvolvimento dessas atividades?

(Descreva-os.)

14. Em sua prática como conselheiro tutelar, você trabalha com várias situações de violação

de direitos contra crianças e adolescentes. Quais são/foram os casos/problemas de

violência que você tem/teve que lidar/trabalhar no CT?

15. Como poderiam ser solucionados? E como poderiam ser evitados?

16. Quais são as dificuldades encontradas? Como são (ou podem ser) resolvidas? Por que tais

dificuldades acontecem?

17. Há uma prática ou procedimento básico/padrão para atendimento da demanda do

Conselho Tutelar de seu município?

Você gostaria de acrescentar algo?