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1 STRECK, FONSECA COSTA, KAHNEMAN E TVERSKY: todos contra o ativismo judicial probatório de Michele Taruffo 1 - 2 STRECK, FONSECA COSTA, KAHNEMAN E TVERSKY: all against Michele Taruffo’s thesis os judges collecting evidence Lúcio Delfino Ziel Ferreira Lopes ∗∗ SUMÁRIO 1. Introdução; 2. O “juiz cientista” de Taruffo e a crítica hermenêutica de Lenio Luiz Streck; 3. A tese lógico-processual de Eduardo José da Fonseca Costa; 4. A contribuição da psicologia cognitiva de Daniel Kahneman e Amos Tversky; 5. Considerações finais. RESUMO Enfrenta-se a temática dos poderes instrutórios do juiz com a finalidade de sublinhar seus prejuízos ao dever de imparcialidade dos juízes. De início, são expostos argumentos de Michelle Taruffo em defesa dos poderes instrutórios judiciais, juntamente com a crítica filosófica que lhes faz Lenio Streck. Na sequência, a tese desenvolvida pelo processualista Eduardo José da Fonseca Costa é anunciada a fim de também reforçar a incompatibilidade entre iniciativa probatória judicial e devido processo constitucional. Por fim, trabalha-se com a psicologia cognitiva de Kahneman e Tversky, sempre pontuando, ao longo de todo o texto, convergências entre aquilo que defendem com a processualistica de Fonseca Costa e com a Crítica Hermenêutica do Direito de Lenio Streck. Procurou-se demonstrar, enfim, a incoerência dogmática, a má apropriação científica e a deficiência na fundamentação filosófica do instituto, que seria expressão do ativismo judicial no campo probatório. 1 Este texto foi elaborado em coautoria com a finalidade de ser utilizado como base para palestra ministrada por um dos autores (Lúcio Delfino) no Congresso Pernambucano de Direito Processual Civil, realizado pela OAB-PE, entre os dias 08 e 10 de julho de 2015, na cidade de Recife, coordenado cientificamente pelo professor Roberto Campos Gouvêia Filho. A versão final do trabalho sofreu aprimoramentos substanciais. 2 Originalmente publicado: DELFINO, Lúcio; LOPES, Ziel Ferreira. Streck, Fonseca Costa, Kahneman e Tversky: todos contra o ativismo judicial probatório de Michele Taruffo. Revista de Processo (RePro), 255, maio 2016. Pós-doutor em Direito Pública pela Universidade do Vale do Rio dos Sinos (UNISINOS). Doutor em Direito Processual Civil pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP). Membro fundador da Associação Brasileira de Direito Processual (ABDPro). Membro do Instituto dos Advogados Brasileiros (IAB). Membro do Instituto dos Advogados de Minas Gerais (IAMG). Diretor da Revista Brasileira de Direito Processual (RBDPro). Advogado. E-mail: [email protected] ∗∗ Bacharel em Ciências Jurídicas e Sociais pela Universidade do Estado da Bahia (UNEB). Mestrando em Direito Público pela Universidade do Vale do Rio dos Sinos (UNISINOS), sob a orientação do Prof. Lenio Luiz Streck. Membro do DASEIN – Núcleo de Estudos Hermenêuticos e do grupo de pesquisa Hermenêutica Jurídica (CNPq). Bolsista CAPES-PROEX. E-mail: [email protected]

STRECK, FONSECA COSTA, KAHNEMAN E TVERSKY: todos … · psicologia cognitiva de Kahneman e Tversky, sempre pontuando, ao longo de todo o texto, convergências entre aquilo que defendem

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STRECK,FONSECACOSTA,KAHNEMANETVERSKY:todoscontraoativismojudicialprobatóriodeMichele

Taruffo1-2

STRECK,FONSECACOSTA,KAHNEMANETVERSKY:allagainstMicheleTaruffo’s

thesisosjudgescollectingevidence

LúcioDelfino∗ZielFerreiraLopes∗∗

SUMÁRIO1.Introdução;2.O“juizcientista”deTaruffoeacríticahermenêuticade Lenio Luiz Streck; 3. A tese lógico-processual de Eduardo José da FonsecaCosta; 4. A contribuição da psicologia cognitiva de Daniel Kahneman e AmosTversky;5.Consideraçõesfinais.RESUMO Enfrenta-se a temática dos poderes instrutórios do juiz com afinalidadede sublinhar seusprejuízosaodeverde imparcialidadedos juízes.Deinício, são expostos argumentos de Michelle Taruffo em defesa dos poderesinstrutóriosjudiciais,juntamentecomacríticafilosóficaquelhesfazLenioStreck.Nasequência,a tesedesenvolvidapeloprocessualistaEduardoJosédaFonsecaCostaéanunciadaafimdetambémreforçaraincompatibilidadeentreiniciativaprobatória judicial e devido processo constitucional. Por fim, trabalha-se comapsicologia cognitiva de Kahneman e Tversky, sempre pontuando, ao longo detodootexto,convergênciasentreaquiloquedefendemcomaprocessualisticadeFonseca Costa e com a Crítica Hermenêutica do Direito de Lenio Streck.Procurou-se demonstrar, enfim, a incoerência dogmática, a má apropriaçãocientífica e a deficiência na fundamentação filosófica do instituto, que seriaexpressãodoativismojudicialnocampoprobatório.

1Este texto foi elaborado em coautoria coma finalidadede ser utilizado comobase para palestraministradaporumdosautores(LúcioDelfino)noCongressoPernambucanodeDireitoProcessualCivil,realizado pela OAB-PE, entre os dias 08 e 10 de julho de 2015, na cidade de Recife, coordenadocientificamente pelo professor Roberto Campos Gouvêia Filho. A versão final do trabalho sofreuaprimoramentossubstanciais.2Originalmentepublicado:DELFINO,Lúcio;LOPES,ZielFerreira.Streck,FonsecaCosta,Kahnemane Tversky: todos contra o ativismo judicial probatório de Michele Taruffo. Revista de Processo(RePro),255,maio2016.∗Pós-doutoremDireitoPúblicapelaUniversidadedoValedoRiodosSinos(UNISINOS).DoutoremDireito Processual Civil pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP). Membrofundador da Associação Brasileira de Direito Processual (ABDPro). Membro do Instituto dosAdvogadosBrasileiros(IAB).MembrodoInstitutodosAdvogadosdeMinasGerais(IAMG).DiretordaRevistaBrasileiradeDireitoProcessual(RBDPro).Advogado.E-mail:[email protected]∗∗BacharelemCiênciasJurídicaseSociaispelaUniversidadedoEstadodaBahia(UNEB).MestrandoemDireitoPúblicopelaUniversidadedoValedoRiodosSinos(UNISINOS),sobaorientaçãodoProf.LenioLuizStreck.MembrodoDASEIN–NúcleodeEstudosHermenêuticosedogrupodepesquisaHermenêuticaJurídica(CNPq).BolsistaCAPES-PROEX.E-mail:[email protected]

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Palavras-chave: poderes instrutórios do juiz; ativismo judicial; verdade;confirmationbias.

ABSTRACTThispaperisaboutthepowersofthejudgetocollectevidence.Ourpurposeistodiscussitsdamagetothedutyof impartiality.First,weexposetheargumentsbyMicheleTaruffo,whodefends jugde’spowers tocollectevidence,andthecriticsthatLenioStreckmaketohisfilosoficalbasis.Then,thethesisbytheproceduralist JoséEduardodaFonsecaCosta isannouncedtoalso reinforcetheincompatibilityofjudicialevidentiaryinitiativeanddueconstitutionalprocess.Finally,weworkwiththecognitivepsychologyofKahnemanandTversky,alwaysclarifying, throughout the text, the convergences betweenwhat they advocatewith theproceduralist of FonsecaCosta and theHermeneuticalCritiqueof LawLenio Streck.We tried to demonstrate, finally, the dogmatic inconsistency, thescientific misappropriation and the problems in philosophical grounding of theinstitute,whichwouldbeanexpressionofjudicialactivisminthefieldofproof.Keywords:judicialcollectofevidence;judicialativism;truth;confirmationbias.

1.Introdução

A processualística brasileira entende, de modo geral e com gradaçõesvariadas, que o juiz contemporâneo tem por papel tornar realidade os chamadosescopos da jurisdição (político, social e jurídico), se preciso for superandodesigualdades técnicas e econômicas das partes e dos seus representantes. Nãoseriaojuizum“convidadodepedra”3nopalcoprocessual,porestarcompromissadoemasseguraraigualdadedecondiçõesentreoslitigantes,participandoativamenteeinfluindonodesenvolvimentodoprocessoenaformaçãodoconjuntoprobatório.4

A legislação processual brasileira segue tal orientação, como se constatapela leituradoart. 130doCPC-1973, comando legal intensificadoporoutrosmaisespecíficos e com igual propósito (CPC-1973, arts. 342, 355, 382, 399, 416, caput,418,II,437e440).OnovoCódigodeProcessoCivilpersistenesserumo(CPC-2015,art.370).Oquesetem,enfim,éumativismojudicialprobatóriosistemáticoenãoexcepcional: o legislador atribuiu não só às partes, senão ao próprio juiz papeldestacadonaproduçãoprobatória.

3A expressão é de José Carlos Barbosa Moreira, em artigo já clássico: MOREIRA, José CarlosBarbosa.TemasdeDireitoProcessual:nonasérie.SãoPaulo:Saraiva,20017.p.54.Esseotrechoaserdestacado: “(...)paraquemnãosimpatize (...) coma ideiade reduziropapeldo juizaodeum‘convidado de pedra’, o que se impõe é estimular o exercício dos mencionados poderes,proporcionando ao magistrado condições de trabalho capazes de permitir-lhe atuar com maiorintensidadenoparticular,eacimade tudopromovendoumcâmbiodementalidade:o juiz temdeconvencer-sedequepodemosedevemos,semprequenecessário,cobrar-lhemaiorcontribuiçãonaaveriguaçãodosfatos.”4Portodos,osensinamentosde:BEDAQUE,JoséRobertodosSantos.PoderesInstrutóriosdoJuiz.5a.ed.SãoPaulo:RevistadosTribunais,2011.

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Há entendimentos divergentes,mas nada capaz de afetarminimamente ocotidiano forense. De todo modo, aqueles que se opõem ao entendimentomajoritário procuram demonstrar que a postura ativa do juiz com relação àprodução probatória afeta a sua imparcialidade5e, por conseguinte, comprometeuma das substâncias do modelo constitucional do processo, a saber, o direitofundamental ao juiz natural. 6 Em contrapartida, os defensores da iniciativaprobatóriaoficiosatrabalhamcomumraciocíniobastantesedutoreque,acadadia,conquista mais adeptos: o juiz é incapaz de profetizar o resultado da provadeterminadaporsuaprópriavontadee,portanto,desaberaquemelafavorecerá,razões pelas quais não seria correto falar em adulteração da cláusula deimparcialidade.7

No atual momento histórico em que se situa o Estado Democrático deDireito, tendo-se em vista todo patrimônio teórico que se acumula contra oativismo judicial, questiona-se mais seriamente, e com argumentos novos, aconstitucionalidade de dispositivos legais que conferem ao juiz poderes paradeterminar, de ofício, a produção probatória. Mais ainda, trata-se de situar aquestão dos poderes instrutórios em todo um estado da arte: desde umareavaliação de sua própria coerência dogmática, passando pela correção noconteúdo e no uso das premissas empíricas assumidas, articulando tudo isso emumaautocompreensãoparadigmática.

Para tanto, parte-se da emblemática tese de Michele Taruffo a favor dospoderes instrutóriosdo juizeacríticahermenêuticaque lhefazLenioLuizStreck.No plano da fundamentação filosófica, quer-se ressaltar a não superação doesquema sujeito-objeto pela linha doutrinária que epistemologiza (num sentido5SegundopontuaFonsecaCosta,a“[i]mparcialidadeéatributoessencialdeumjuiz,nãoacidental.Trata-sedeelemento integradoaoconceitomesmode jurisdição.Grossomodo,o legisladorcriaodireito; o juiz aplica o direito como um terceiro revestido de garantias de imparcialidade; oadministradoraplica-ocomoparteoucomoumterceironãorevestidodessasgarantias.Daíporqueo juiz deliberadamente parcial não é juiz. É administrador travestido em juiz. É assistente socialfantasiado com toga. É insurgente, que aprisiona o processo civil nos cárceres do direitoadministrativo. Como se não bastasse, “parcialidade positiva em favor do autor” equivalelogicamentea“parcialidadenegativaemdesfavordoréu”.Noentanto,inúmerostextosnormativosnacionaise internacionaisgarantemaoréuumjuiz imparcial(...).Seassimé,o“juizpositivamenteparcial” não passa de fonte inexaurível de nulidades.” (FONSECACOSTA, Eduardo José. Algumasconsideraçõessobreasiniciativasjudiciaisprobatórias.RevistaBrasileiradeDireitoProcessual,90(RBDPro90).BeloHorizonte:EditoraFórum,2015.p.153-173).6Comosenãobastasseofatodequeadoutrinageralmenteextraiacláusulada imparcialidadedodireito fundamental ao juiz natural, lembre-se que o sistema constitucional brasileiro ématerialmente aberto e, por isso, compõe-se também de direitos e garantias não previstasexpressamenteemseutexto.Éoqueseverificadaleituradoparágrafo2o.doart.5o.daConstituiçãoFederal.FiquemosapenascomoPactodeSanJosédaCostaRica,segundooqualtodapessoapossuio direito de ser ouvida, com as devidas garantias e dentro de um prazo razoável, por um juiz outribunalcompetente, independentee imparcial,estabelecidoanteriormenteporlei,naapuraçãodequalqueracusaçãopenalformuladacontraela,ounadeterminaçãodeseusdireitoseobrigaçõesdecarátercivil,trabalhista,fiscaloudequalqueroutranatureza(art.8o.).7SANTOSBEDAQUE, JoséRoberto dos.Poderes instrutórios do juiz. 5a. ed. São Paulo: EditoraRevistadosTribunais,2009.p.117.

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forte8)oprocesso judicial.A fimdeengrossarocaldodoutrinárioenvolvidonessedebate,articula-seàcríticahermenêuticadoisargumentosderegistrosdistintos:ii)noplanodadogmáticajurídica,ateselógico-processualrecentementeapresentadapor Eduardo José da Fonseca Costa; iii) numa interlocução com outras áreas deconhecimento científico, a reafirmação do “confirmation bias” pela psicologiacognitivadeDanielKahnemaneAmosTversky.2.O“juizcientista”deTaruffoeacríticahermenêuticadeLenioLuizStreck

Emseulivro“Umasimplesverdade”9MicheleTaruffodesenvolveorealismocríticonodireito,pormeiodoqualse reabilitariaaconcepçãocorrespondentistadaverdade. Para o mestre italiano, processo justo é aquele orientadosistematicamenteparafazercomqueseestabeleçaaverdadedosfatosrelevantesàtomadadadecisão.Evaialém,sugerindoespéciedeequiparaçãoentreprocessoemodelodepesquisacientífica,porentenderqueaatividade jurisdicionaldeveestarepistemologicamentecompromissadacomadescobertadosfatosdacausa.

Éemrazãodessasuaperspectivaqueapostano juiz,agentepessoalmentedesinteressado a quem competiria a função epistêmica fundamental na atividadejurisdicional. Assim, faria jus a amplos poderes instrutórios a fim de otimizar aapuraçãodosfatos,nãoseadmitindo,deoutrolado,queaspartessejamalçadasaopapel de atores institucionais mais relevantes no processo, haja vista que seapresentam pessoalmente interessadas no seu resultado.10A passividade do juizterminaria por desenvolver um papel contra-epistêmico: o palco processual seriadominado pelas partes que, namaioria das vezes, são indiferentes, e atémesmohostis, em relação à verdade. Taruffo antecipa algumas defesas dessa proposta,entreasquais: i)negaqueospoderesjudiciais instrutóriosentrememcontradiçãocomoprincípiodispositivo,poisaspartesaindapoderiamproduzircontraprovasaojuiz11;eii)minimizaatesedacontaminaçãojudicialpelaprovaquemandouproduzir(“confirmationbias”)12.

Esse status epistemológico conferido ao processo judicial, e à ode queTaruffo elabora em homenagem a um tipo de “juiz-cientista”, foram combatidos

8Moderno,metodológico.9TARUFFO, Michele.Uma simples verdade: o juiz e a construção dos fatos. São Paulo: MarcialPons,2012.10TARUFFO,Michele.Uma simples verdade: o juiz e a construção dos fatos. São Paulo:MarcialPons,2012.p.201.11TARUFFO,Michele.Uma simples verdade: o juiz e a construção dos fatos. São Paulo:MarcialPons,2012.p.207.12TARUFFO,Michele.Uma simples verdade: o juiz e a construção dos fatos. São Paulo:MarcialPons,2012.p.204-205.

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por Lenio Luiz Streck, em artigo intitulado “Processo judicial como espelho darealidade?NotashermenêuticasàteoriadaverdadeemMicheleTaruffo”.13

Emsuma:o fundadordaCríticaHermenêuticadoDireito (CHD) contrapõeque os fatos não interessam ao processo segundo os mesmos critérios daverificabilidade empírica das Ciências Exatas. A pesquisa científica não é oprocedimento ideal para o processo judicial. Direito e ciência exata não sãocoincidentes. O processo não pode ser espelho da realidade, correlação forçosaentreumsupostodefatoeumtipo legal,porquetratadoacontecerdanormanocasoconcreto,emqueváriosfatosedireitos jáestão implicados. Eventualmente,determinado tipo legal não se seguirá de seu supostode fato, sendo atravessadoporoutroselementosdeumarranjonormativocomplexo(v.g.:renúncia,prescrição,perda do objeto, ônus da prova e etc.).Mas isto não precisa sermenos verdade,menoscontrolávelintersubjetivamenteeetc.

De sua parte, ainda que Taruffo fale em controle intersubjetivo, nessainvestigaçãodoquerealmenteocorreu,emque,curiosamente,ojuizseriaoúnicocognitivamente qualificado, há uma mixagem insustentável de objetivismo esubjetivismo. Superando este esquema, Streck assinala a solução civilizada deconflitos que, inexoravelmente, abaliza-se por um “mínimo é” condicionante datutela jurisdicional. Assim, não se trata de procedimentalização do direito numsentidoestrito,poisnãohárenúnciaaosaspectosconteudísdicosdecorreção;emúltimaanálise,trata-sedasubstancializaçãodoprocesso.14

Naarticulaçãoentre teoriadoconhecimentoepolítica, é insustentável,noEstado Democrático de Direito, a obstinação em cultivar as bases teóricas doinstrumentalismo processual, ideologicamente atreladas ao movimento desocialização do processo,15sobretudo porque divorciadas da preocupação com oestabelecimentodascondiçõesdelegitimaçãodoprovimentojurisdicional.16

13STRECK,LenioLuiz.Processojudicialcomoespelhodarealidade?NotashermenêuticasàteoriadaverdadeemMicheleTaruffo.RevistaSequência–estudospolíticosejurídicos,noprelo201514Trata-sedequestãodasmaiscomplexasdaTeoriadoDireitocontemporâneo.Paraomomento,basta deixar claro que o substancialismo aqui defendido não é anti-procedimental, pois afirma oprocedimentocomo“condiçãonecessária”dasRespostasCorretas;onegaapenascomo“condiçãosuficiente”. Aprofundando essa discussão, ao contrastar as categorias rawlsianas de justiçaprocedimental (pura, perfeita e imperfeita) com uma visão hermenêutica do constitucionalismobrasileiro: HOMMERDING, Adalberto Narciso. Procedimentalismo versus substancialismo: unavueltadetuerca.In:BERTASO,JoãoMartins;GAGLIETTI,Mauro.(Org.).Diálogoeentendimento.v.3,2012,p.257-268.15Por todos:NUNES,Dierle José Coelho.Processo jurisdicional democrático: uma análise críticadasreformasprocessuais.Curitiba:EditoraJuruá,2008.16Cf. CARVALHO DIAS, Ronaldo Brêtas de. Processo constitucional e Estado Democrático deDireito.2a.ed.BeloHorizonte:EditoraDelRey,2012.Ainda,ver interessanteestudodeFranciscoJoséBorgesMottaeAdalbertoNarcisoHommerdingemquedemonstraramexistirharmoniaentreoprocedimentalismo (de corte habermasiano, na leitura feita pela Escola Mineira de Processo –Ronaldo Brêtas, Aroldo Plínio Gonçalves, Dierle Nunes, André Leal, Marcelo Cattoni) e a posturasubstancialista (elaborada com base nas lições de Ronald Dworkin e Lenio Streck). Segundoesclareceram,aquestãocentraldodireito contemporâneoestánoestabelecimentodas condiçõesde legitimação democrática do direito, em especial na problematização das condições de

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Perceba-se que muitas das tais restrições “contra-epistêmicas” de queTaruffofazalusãosãocondiçõesdepossibilidadeparaaprópriaatuaçãolegítimadaatividade jurisdicional, sendo impossível separar cirurgicamente cada qual delas,inerentesounãoaoprocedimento(orespeitoaodevidoprocessoconstitucional;apermissibilidadedeumainstruçãoprobatóriaadequadaparaqueaspartestenhamcondiçõesdeconfirmaremasafirmaçõessobreosfatosquealegaram;areverênciaà legalidadeconstitucionalizada;umaadequada interpretação jurídicadirecionadaaoalcancedeumarespostacorretaàConstituição),afimdesealcançara“justiça"da decisão,17como se tudo ocorresse em lances distintos e incomunicáveis. Aliás,

validade/legitimidade do provimento jurisdicional. E tal preocupação não se encontra presente noplano da teoria bulowiana da relação jurídica, que serve de aporte teórico ao instrumentalismoprocessual.Conferir:BORGESMOTTA,FranciscoJosé;HOMMERDING,AdalbertoNarciso.Oqueéummodelo democrático de processo?Revista do Ministério Público do Rio Grande do Sul, 73.PortoAlegre:AMP/RS,2013.p.183-206.17Sobreaproblemáticaquestãoda“justiça”,ésempreprudentetrazeràmemóriaaadvertênciadeEugenio Bulygin: “Now even if we admit that all legal authorities (kings, emperors, dictators,presidents, legislators, judges, etc.) necessarily make the claim that the norms issued by them aremorally correct or just, what guarantee do we have that all of them understand the same thing by‘moral correctness’ or ‘justice’?” (BULYGIN, Eugenio. Alexy’s Thesis of the Necessary Connectionbetween Law and Morality. In: Ratio Juris, 13. Junho 2000. Bologna: Carla Farralli. p. 133-137).Também sobre o sentido da “justiça”, conferir interessante ensaio de Atahualpa Fernandez:FERNANDEZ,Atahualpa.Justiçae igualdade:Deondesurgeosentidodoqueéjustonoshumanos(Parte1).Disponívelem:<www.emproiododireito.com.br>.Acessado:17/07/2015.Namesmalinha,Georges Abboud e Guilherme Lunelli abordaram a temática da “justiça” atrelando-a ao ativismojudicial: “(...) a grande discussão é saber, mormente em sociedades plurais como a brasileira ounorte-americana,comoequemdevedefiniroqueéjusto,certoouerrado.Isto,pois,nãopareceserpossível relegaroproblemaa umameraquestãode escolhaoude convicçãopessoal do julgador,como se este fosse uma espécie de ‘senhor dos sentidos’, legitimado a, de forma individual esolipsista, impor à toda coletividadeo seu sensode justiça.NosEUA,o ativismo judicial é alvodeconstantes críticas exatamenteporque,naquelepaís, já fora compreendidoqueposturas ativistas,emúltimamedida,permitemqueamagistratura,semqualqueraccountabilityeleitoraloufidelidadeaos textos legais, imponha suas preferencias políticas à sociedade.O ativismo, então, é estudadoenquantoumproblemade legitimidadedemocrática.NoBrasil,entretanto, longedediscutirmosaquestão,presenciamosumaconstanteaposta(inclusivedaprópriadoutrina)noprotagonismoenoativismo judicial.” (ABBOUD,Georges; LUNELLI,Guilherme.Ativismo judicial e instrumentalidadedoprocesso.Diálogosentrediscricionariedadeedemocracia.RevistadeProcesso,242(RePro242).São Paulo: Revista dos Tribunais, 2015. p. 19-45). Consultar ainda a excelente obra de ClarissaTassinari:“Umaposturaativistaderiva(...)dejulgamentosrealizadosapartirdeumatodevontadedoaplicador,nãocondicionados(...)aelementosjurídicos,embora,porvezes,possuamaparênciadejuridicidade.Estanoçãodeaplicaçãododireitomedianteumatodevontadepodeserencontradanaobra deHansKelsen (‘Teoria Pura doDireito’), assim como a caracterização do ativismo por esteenfoquepodeserextraídadaobradeAntoineGarapon(quetrataadecisãoativistacomomovidapordesejos) como do posicionamento do autor norte-americano Christopher Wolfe (para quem, nosmomentosmaisintensosdeinterferênciadaSupremaCorte,abandonou-seocritériodejulgamento,eadecisãojudicialpassouaserumaquestãodevontade).Apartirdisso,afirma-sedoisimportantesaspectos:primeiro,queoativismo judicialaparececomoumproblemacriadoexclusivamentepeloâmbito jurídico, isto é, cuja origem, à diferença da judicialização, não está condicionada aacontecimentosexternosaoDireito;e,segundo,que,nofundo,oproblemadoativismojudicialédecunho interpretativo, de observar se a intervenção do Judiciário ocorreu dentro dos limitesconstitucionais, questionando sua legitimidade a partir de critérios igualmente jurídicos”.(TASSINARI, Clarissa. Jurisdição e ativismo judicial – Limites da atuação do Judiciário (versãoeletrônica).PortoAlegre:LivrariadoAdvogado,2013.p.185).

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dirimindoqualquerparadoxoaparente,FranciscoMottamostrainexistircisãoentreas dimensões interpretativa da decisão jurídica e procedural, pois ambas seapresentam conjugadas, demaneira que a interpretação construtiva e legitimada“operasobreasquestõesprocedimentais,explicitando-asetornandoconcretasassuasexigências”.18

Taruffoperdedevistaqueoprocesso,enfim,nãosimplesmenteatendeaoEstadoparaserusadonapráticadeumadassuasfunções.Trata-segenuinamentedegarantiaconstitucionaldocidadãocujaprestezaestánãopropriamenteemservirde instrumentoparaodesenrolarda jurisdição:seumisterécontrolar, legitimarecoadjuvar na formação das próprias razões do provimento jurisdicional, impondolimites aos poderes judiciais e reclamando seja assegurada a participação efetivadosinteressadosporintermédiodeumaestruturainstitucionaledepensamento19.

Qualquer cidadão brasileiro possui o direito fundamental a um processodevido.Estálá,noroldosdireitosfundamentaiselencadosnaConstituiçãoFederal,que “ninguém será privado da liberdade ou de seus bens sem o devido processolegal”(CF/88,art.5o.,LIV).20Éporintermédiodesseambienteprocedimentalmenteconstitucionalizado (e constitucionalmente processualizado), demarcado pelas“restrições epistemológicas” oriundas do sistema jurídico como um todo,21que averdadeseráconstruídaedesveladaemcontraditório.Para tanto,é indispensáveldeferência para os aportes probatórios levados aos autos “unicamente pelas

18 MOTTA, Francisco José Borges. Ronald Dworkin e a construção de uma teoriahermeneuticamente adequada da decisão jurídica democrática.Tese (doutorado).UniversidadedoValedoRiodosSinos,SãoLeopoldo,2014,p.260-261.19FERREIRA LOPES, Ziel. Constitucionalização do processo (e processualização da Constituição):aproximaçãohermenêuticaàestruturadonovoCódigodeProcessoCivilsoboparadigmadoEstadoDemocrático deDireito. In: LúcioGrassi deGouveia; CelsoHiroshi Iocohama. Eloy Pereira LemosJunior.(Orgs.).Processo e jurisdição III.1ed.Florianópolis:CONPEDI,2014,p.191.Disponívelem:<http://publicadireito.com.br/artigos/?cod=63168d42036e611d>.Acessoem:07/08/2015.20Nuncaédemaislembrar,arespeitodisso,aselucidativasliçõesdeCalmondePassos,paraquemodevidoprocessoconstitucionalnãoésinônimodeformalismo,tampoucocultodaformapelaforma,e sim complexo de garantiasmínimas contra o subjetivismo e o arbítrio dos que têm o poder dedecidir. Dispensar ou restringir qualquer dessas garantias não é simplificar ou agilizar oprocedimento privilegiando a efetividade da tutela, mas favorecer o arbítrio em benefício dodesafogo de juízos e tribunais. É apadrinhar o poder, não os cidadãos, dilatando o espaço dosgovernanteserestringindoodosgovernados,circunstânciaqueseafiguraamaisescancaradaanti-democraciaquesepodeimaginar.(CALMONDEPASSOS,J.J.Direito,poder, justiçaeprocesso–julgandoosquenosjulgam.RiodeJaneiro:EditoraForense,1999.p.69-70).21As“restriçõesepistemológicas”queseverificamnoprocessonãose limitamàquelasdecorrentesdiretamente do conjunto de direitos processuais fundamentais que dão conteúdo ao modeloconstitucionaldoprocesso.Équeháregrasprocessuaisoutras,cujopropósitoseatrelaàtuteladodireitomaterial,equeinexoravelmentecriamempecilhosparaodesvelamentodosfatosenvolvidosnacausa.Algunsexemplos:i)efeitomaterialdarevelia(presunçãodeveracidadedosfatosalegadospelo autor); ii) presunção de veracidade dos fatos que, por meio da coisa ou do documento nãoexibidopelorequerido,orequerentepretendiaprovar; iii) julgamentocombaseempresunções; iv)previsão legal liberando determinadas testemunhas de deporem em juízo (CPC-2015, art. 448); v)confissãoficta;v)preclusõesdetodasorteemmatériadeprova;vi)proibiçãodeprovasilícitas;vii)odecurso do prazo decadencial de dois anos para rescindir sentença fundada em perícia outestemunhofalso;entreoutros.

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próprias partes: o juiz não deve descer à realidade apesar das partes; é sim arealidadeque temdedialeticamenteascender ao juizmedianteodebate travadoentreelas”.22

A tese favorávelaospoderes instrutóriosdo juizsofreuma impugnaçãodecunho paradigmático. O processo, como garantia democrática e republicana, éavessoaposturasvoluntaristas intencionadasa tornaro juizoperativoemproldaobsessão pelo acesso direto às coisas (verdade objetiva) conduzida pelo culto aocientista.23

Ainda,sãoexpressamentecitadososargumentosdependentes,queseguemrumo à possibilidade de contraprova e minimizam o “confirmation bias” comorestriçãoaoativismoprobatório.Alémdequestionadosemsuaprópriasolidez,sãorefutadosporumcontra-argumentodeprincípio.

Parece, assim, que as partes são subestimadas, não podendoassumir as vantagens e desvantagens da condução dos própriosinteresses (disponíveis!) em juízo, senão sob tutela de um juizsupostamente imparcialnapersecuçãodaverdade.Suaverdade,buscadaeconstituídaa seucritério.Depoisaspartespoderãosemanifestarsobreestaeproduzircontraprovas,sabe-selácomqueefeitoperanteumjuiz“biased”.Hátodaumadiscussãosobreseojuiz fica ou não condicionado a confirmar uma predisposição, afavorecerumadasparteseetc.Mas,muitoantes,háumaquestãodeprincípio:porquedevemosdependerdo juiznisso?Porquenãoconfiar na defesa técnica e na autonomia moral das partes aoescolherem seus representantes em juízo (afinal, “o réu tambémtemqueseajudar”)?EmcasosespeciaisháaDefensoriaPúblicae,

22FONSECACOSTA,EduardoJosé.Algumasconsideraçõessobreasiniciativasjudiciaisprobatórias.RevistaBrasileira deDireito Processual,90(RBDPro90).BeloHorizonte:EditoraFórum,2015.p.153-173.23LenioStrecktambémtraz,noartigojáreferido,umasériedeargumentoscontráriosaoativismojudicialprobatório:i)àfaltadecientistas,edentrodaspossibilidadesinstitucionais,contenta-secomumjuizdotadodeamplospoderesprobatórios,oquenãoébomparaademocracia,tampoucoparaaemancipaçãodocidadão;ii)acidadaniarelaxasobatuteladatecnocraciaestatal,porquantoumavisão epistemológica do processo segue subestimando as partes, que não podem assumir asvantagens e desvantagens da condução dos próprios interesses (disponíveis) em juízo, já queobrigadasamanter-sesobatuteladeumjuizsupostamenteimparcialnapersecuçãodaverdade;iii)oprocedimentojudicialnãoprecisaestarestruturadoparaadescobertada“verdadedosfatos;temque estar democraticamente estruturado para fornecer aos litigantes a “resposta adequada àConstituição”;iv)seaspartesconduzemmalseusinteressesemjuízo,devemarcarcomaperdadeumdireito,damesmaformaqueestãoautorizadasadispensardireitosquepossuemforadojuízo;v)ocontrole intersubjetivodasdecisõesnãodevese fundarnumaobjetividadedarealidadeexterior,nemnumaepistemologiavirtuosadeumsujeito“nãoenvolvido”.Funda-se, istosim,naquiloquea“com-unidade” já compartilha, e que não se pode alcançar em sua total radicalidade: aindisponibilidade histórica dos sentidos. Não se justifica, por isso, o apego à verificação empíricacomo estruturante do procedimento,muitomenos o empoderamento dos juízes. (STRECK, LenioLuiz. Processo judicial como espelho da realidade? Notas hermenêuticas à teoria da verdade emMicheleTaruffo.RevistaSequência–estudospolíticosejurídicos,noprelo2015).

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no limite, o Ministério Público como fiscal da lei. Para quesobrepor-lhesafunçãocomumjuizinquisidor?24

Aderindo à crítica de base que Streck faz a Taruffo, tenta-se continuar a

impugnação da coerência dogmática e correção empírica deste último,aproveitando argumentos de outros registros (Teoria do Processo e CiênciasCognitivas)semperderdevistaoparadigmahermenêuticoantesassumido.

3.Ateselógico-processualdeEduardoJosédaFonsecaCosta

Recentemente, Eduardo José da Fonseca Costa publicou, na RevistaBrasileira de Direito Processual 90 (RBDPro 90), artigo, intitulado “Algumasconsideraçõessobreasiniciativasjudiciaisprobatórias”25,pormeiodoqualatacaafundação teórica utilizada pela doutrina publicista para defender que o ativismojudicialprobatórionãocomprometeaimparcialidadedojulgador.Chegaàseguinteconclusão: longe de prestigiar a máxima igualdade efetiva entre as partes, ainiciativa do juiz no terreno probatório é a explícita consagração da própriadesigualdadeefetiva.26

Esclarece o processualista que, quando o juiz ordena oficiosamente umaprovaparaafastarseuestadodedúvida,podeserque:i)jásaibaqueelafavoreceráoautor;ii)jásaibaqueelafavoreceráoréu;eiii)nãosaibaquemelafavorecerá.

Seojuizsabequeaprovadeterminadaporelefavoreceráautorouréu(itens“i”e “ïi”),épatenteaquebrade imparcialidade.Estará trabalhandoparaumadaspartes. O juiz já haverá escolhido quem será seu favorecido, sem contudo poderbeneficiá-lo naquele momento em razão da ausência de respaldo para tanto noquadro probatório. Decide, por isso, abandonar a equidistância e abraçarprecipitadamenteacausadeumadaspartes.Atuacoadjuvando-a.Empenha-seemassegurarumavitóriaque,emboraalmejada,atéentãonãovingou.Aassimetriadeforçaséinequívoca:deumlado,umapartecontaconsigoecomojuiz;deoutro,tãoapenasconsigo.

Adoutrinaativista,porém,seafeiçoaespecialmenteàsituação“iii”e,comojá adiantado, abusa do chavão de que a iniciativa probatória judiciosa é legítima

24STRECK,LenioLuiz.Processo judicial comoespelhoda realidade?Notashermenêuticasà teoriadaverdadeemMicheleTaruffo.RevistaSequência–estudospolíticosejurídicos,noprelo2015.25FONSECACOSTA,EduardoJosé.Algumasconsideraçõessobreasiniciativasjudiciaisprobatórias.RevistaBrasileira deDireito Processual,90(RBDPro90).BeloHorizonte:EditoraFórum,2015.p.153-173.26FONSECACOSTA,EduardoJosé.Algumasconsideraçõessobreasiniciativasjudiciaisprobatórias.RevistaBrasileira deDireito Processual,90(RBDPro90).BeloHorizonte:EditoraFórum,2015.p.153-173. Toda essa parte do artigo foi elaborada tendo por alicerce o texto de Eduardo José daFonsecaCosta,muitasvezesviareproduçãointegraldesuasprópriaspalavras.Esteregistrojustificaaopçãopelonãouso(excessivo)denotasderodapé.

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porqueo juiznãoécapazdevaticinaro resultadodaprova, tampoucodeanteverquemdelasebeneficiará.Porsinal,Taruffotambémseapoianisso27.

Ocorre que, apesar de festejado, o raciocínio não é de todo verdadeiro.Perceba-se:quandoo juizordenaumaprovaàmínguade requerimentodaparte,somentecincoresultadosseapresentampossíveis:1)provadefatoconstitutivododireitodoautor; 2) provade fato impeditivododireitodoautor; 3) provade fatoextintivododireitodoautor;4)provadefatomodificativododireitodoautor;e5)provadenada.

É importante a constatação de que os resultados (2), (3), (4) e (5) revelamumadilaçãoprobatóriainútilnamedidaemqueseprestaráafavoreceroréu,quejáestava,nomomentoemqueaprovafoideterminada,emposiçãodesuperioridade.Naturalmentequeseojuizutilizadepoderesinstrutóriosofazporqueseencontraem estado de dúvida e, em tal circunstância, não houvesse dilação probatória, aconsequência seria a improcedência por ausência de provas. Sem provas, aimprocedênciaporfaltadeprovas;comprovas,tambémaimprocedência,masporabundância de provas. Nada muda com relação à tutela jurisdicional (afinal, oresultadoésempreaimprocedência),anãosernoquetangeaotempoparaasuaconcretização, já que, no segundo caso, haverá alongamento desnecessário dajurisdição, emmanifesto atentado ao direito fundamental à duração razoável doprocesso.

DaíoarremateperemptóriodeFonsecaCosta:é indiferenteseo juizsabiaounãoqual seriao resultadodaprovaporque,dianteda incerteza sobreos fatosenvolvidos,adeterminaçãooficiosadeprovassóserámesmocapazdefavoreceroautor.Aobuscaraverdade,ojuizémesmoincapazdepreveroresultadodaprovapor ele determinada, mas compreende perfeitamente a quem a atividadeprobatória quer (e pode) beneficiar. Concluída a instrução probatória, epermanecendo o estado de incerteza, eventual ativismo probatório estáirremediavelmenteaserviçodaprocedência.

Anossover,a teseoramencionadamerecesutilajuste,oquedecertonãoafeta em nada sua base conclusiva. É que casos há em que a iniciativa judicialprobatória funcionaráemprolda improcedência.Emoutros termos:o juiz vezououtra não sabe de antemão a quem favorecerá a prova por ele determinada deofício,mastemciênciadequeoresultadodareferidaprovasomentetempotencialparabeneficiaroréu.Nãoraroojuizestarátrabalhando,deformaconsciente,emfavor da improcedência, quando a atividade probatória, desempenhada paraeliminarseuestadodedúvida,sónãoterásido inútilsebeneficiaroréu.Nãoserácapazdevaticinaroresultadodaprovaquedeterminouporiniciativaprópria,mas

27TARUFFO,Michele.Uma simples verdade: o juiz e a construção dos fatos. São Paulo:MarcialPons,2012.p.204-205.

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sabe que ela somente atende a improcedência.28Duas hipóteses que elucidam oqueorasedefende: i)quandooréuconfirmafatoconstitutivododireitodoautor,porém alega fato impeditivo, modificativo ou extintivo;29e ii) inversão do ônusprobatório, quando a prova de fato constitutivo do direito do autor é transferidaparaoréu. Daí a pequena adaptação por nós proposta: o juiz que exerce iniciativaprobatória,independentementedassuasintenções,atuacomosepartefosse,semimparcialidade objetiva (impartialidade, terceiridade), determinando provas cujoresultadotemaptidãoexclusivadesemprebeneficiaraquelequetemsobresuascostasoônusdaprova.

Registre-se que nem toda a sofisticada obra de Eduardo Fonseca seriacompatível com a CHD, como elemesmo adianta30, por trabalhar sob referencialpragmatista. Compartilha algumas referências com Taruffo, mas, pelo poucocitado, vê-se como lhes dão encaminhamentos diferentes. Em todo caso, aapropriação desse argumento específico (em nível lógico-processual) 31 não

28Atesereferidafoitestadanogrupodedebate“Os300doprocesso”,ativoviaaplicativoTelegram.Naocasião,LucasBurill,RaviPeixotoeLeonardoCarneirodaCunhalançaramumasériededúvidas.Fonseca Costa procurou rebatê-las pontualmente. Depois, em viagem à Belo Horizonte, LúcioDelfinoeFernandoRossitravaramdiálogosobreatese,aproveitandoosaportesdodebateocorridonogrupoacimaaludido.EaconclusãoaquechegaramestápostanesteartigoefoientregueparaFonsecaCostaparaofimdeverificarsuacoerênciae,secasofor,ajustarsuaproposta.29Umexemploqueabalizanossahipótese:"A"promoveuaçãodecobrançacontra"B"afirmandoquelhe fez empréstimo verbal. "B" se defendeu, de um lado confirmando o empréstimo, de outrodizendo que nada deve pois já realizou o pagamento (fato extintivo). “B”, em sua contestação, adespeitodeterconfirmadoofatoconstitutivododireitode“A”(empréstimo),alegoufatonovo,comissoalternadoeampliandoocontextofáticodesenhadopelapetiçãoinicialeoscontornosdacausadepedir.Valeu-se,pois,dedefesamaterialindireta.Tendo-seemvistaaconfirmaçãodatesede“A”por “B”, a relação obrigacional (empréstimo) tornou-se incontroversa depois da contestação.Portanto,cabea"B"(réu)provarofatoextintivo.Ainstruçãoocorremas"B"nãosedesincumbedeseuônus.Nãoobstante,umadastestemunhasouvidasdeixaojuizemestadodedúvida:elanadaviu,masesclareceuqueumterceirosabedosfatosepoderiaconfirmarsehouveounãoopagamento.Então, o juiz, sem provocação das partes, determinou fosse essa pessoa intimada para prestartestemunho em outra audiência, designada por ele já de imediato. Possibilidades: i) a prova épositiva (o pagamento é provado) e o juiz julga o pedido improcedente; ii) a prova é negativa (opagamentonãoéprovado)eojuizjulgaprocedenteopedido,razãopelaqualaatividadeprobatóriamostrou-se inútil porque ter-se-ia aprocedênciamesmoantesdadeterminaçãooficiosadaprova.Resultado: a iniciativa probatória aqui se deu unicamente a serviço da improcedência. O juizcoadjuvou“B”(réu)etinhaplenascondiçõesdesabê-lo!30FONSECACOSTA,EduardoJoséda.O “direito vivo” das liminares.SãoPaulo:EditoraSaraiva,2011.31Frise-sequeFonsecaCostavaialémdessasuapropostalógico-processualeabordaumavariedadede questões tormentosas atinentes à iniciativa probatória judicial. Adiante alguns exemplos dasconclusões a que chegou: i) é uma falácia a afirmação de que os poderes instrutórios judiciais sóimplicariamaquebradeparcialidadeseexercidos“demaneiraparcial” (coma intençãodeauxiliarumadaspartes),porquantoéimpossíveldevassaromundointrapsíquicodojuizparaperquirirassuasreaisintençõeseverificarseeleobjetivafavorecerumadaspartesoudescobriraverdade;ii)émeroapegoaopanprincipiologismo, umdos subprodutosdoneoconstitucionalismoàbrasileira, adefesade uma relativização da imparcialidade judicial, a uma porque a imparcialidade é regra e nãoprincípio,aduasporqueumarelativizaçãodetalcarizeliminariaonúcleododireitofundamentalqueestá por detrás da imparcialidade, e a três porque a imparcialidade integra o próprio conceito de

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apresenta dificuldades pela hermenêutica, pois sua crítica ao dogmatismo nãodispensa a dogmática32. Este ponto não deve ser mal-compreendido: falar emrevolvimento do chão linguístico é recuperar uma dimensão estruturante aodiscurso jurídico,quenãooperanovácuo,nãopodeseauto-fundar.Contudo, issonão exime os juristas de estabilizar conceitos e guardar coerência na sua inter-relação33.

jurisdição e, só por isso, inadmite flexibilizações; iii) há estudos empíricos (Kahneman e Tversky)realizadosporgrandescentrosdepesquisadepsicologiacomportamentalcognitivaqueidentificaminúmeras propensões cognitivas a influenciar juízes em suas decisões; iv) contraditório efundamentaçãosãoincapazesdeconterenviesamentosporpartedosjulgadores;v)háalternativasquepossibilitamaproteçãodovulnerávelsemanecessidadedequebradaimparcialidadejudicial;vi)o juiz que julga pedido improcedente por falta de provas não atua com parcialidade (não existe“parcialidadeporomissão”),mascomaconvicção fictadequeapretensãoalegadapeloautornãoexiste;vii)abuscada“verdadereal”éummito,jáqueaoseinvestigaropassadooquesepercebeéum“conjuntodesignificantes”,ouseja,umamálgamaporosodefragmentosvestigiais;viii)otermoconfirmação é superior ao termo prova, pois o segundo está castiçamente vinculado à ideia de“demonstraçãodaverdade”(aprovanoforotemsentidopragmáticonamedidaemquejamaisvaialém da reafirmação da probabilidade de uma afirmação); ix) o processo civil não é métodoinvestigativo, mas método pacífico de debate, isto é, não possui dimensão epistêmica massimplesmente compositiva (provar no processo civil é algo assemelhado à composição de umamelodia a partir de ecos ambíguos, e não voltado à reconstrução, assentada e resoluta, de umquebra-cabeças); x) o processo civil, inquestionavelmente, transige vez ou outra com equívocos ementiras, razãopela qual a verdadeé umdos seusmuitos objetivos, cuja conquista émeramenteacidental; xi) a aplicaçãodiretadovalor “justiça”aoprocesso, como formadeadvogara iniciativaprobatóriajudicial,énadamaisqueumatentativamaldisfarçadadepermitiraojuizfazeroquebemquiser, ou seja, uma maneira de infundir no âmbito processual o “reino do altruísmo judicial”,afastando assim o valor “segurança”. (FONSECA COSTA, Eduardo José. Algumas consideraçõessobreasiniciativasjudiciaisprobatórias.RevistaBrasileira deDireitoProcessual,90(RBDPro90).BeloHorizonte:EditoraFórum,2015.p.153-173).32 STRECK, Lenio Luiz. Hermenêutica Jurídica e(m) crise: uma exploração hermenêutica daconstruçãodoDireito,ed11.PortoAlegre:LivrariadoAdvogado,2013,p.48-49.33“ApartirdeHeidegger,ahermenêuticateráraízesexistenciaisporquesedirigeparacompreensãodo ser-dos-entes. Se nos paradigmas anteriores vigia a crença de que primeiro interpretamos –através de ummétodo – para depois compreender, Heidegger nos mostra, a partir da descriçãofenomenológica realizada pela analítica existencial em Ser e Tempo, que compreendemos parainterpretar.Ainterpretaçãoésemprederivadadacompreensãoquetemosdoser-dos-entes.Ouseja,originariamenteoSer-aícompreendeoenteemseu sere,deuma formaderivada, tornaexplícitaessacompreensãoatravésdainterpretação.Nainterpretação,procuramosmanifestaronticamenteaquiloquefoiresultadodeumacompreensãoontológica.Ainterpretaçãoéomomentodiscursivo-argumentativoemque falamosdosentes (processo,Direitoetc.)pelacompreensãoque temosdeseuser”(STRECK,LenioLuiz.Hermenêutica Jurídica e(m) crise:umaexploraçãohermenêuticadaconstruçãodoDireito,ed11.PortoAlegre:LivrariadoAdvogado,2013,p.273).Antesdadimensãológico-explicativa, há uma dimensão compreensiva-estruturante que a sustenta. Esse chãohermenêuticoécondiçãodepossibilidadedodiscurso (quenãosesustentaautonomamente),mastambém não o desonera de manter sua própria coerência interna. Tratando especificamente dodiscurso jurídico, observa-se um duplo aspecto: (i) crítica ao dogmaticismo, que autonomiza odiscursojurídicoereduzseusproblemasàmeradisputaconceitual;e(ii)restauraçãodadogmática,poisseguehavendonecessidadedeestabilizaçãoconceitual,desdequeseresguardemossentidosque estão em jogo nesses conceitos, sentidos historicizados dos quais os juristas não dispõemlivremente.STRECK,LenioLuiz.Hermenêutica Jurídica e(m) crise:umaexploraçãohermenêuticadaconstruçãodoDireito,ed11.PortoAlegre:LivrariadoAdvogado,2013,p.48-49.

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4.AcontribuiçãodapsicologiacognitivadeDanielKahnemaneAmosTversky

Emseulivro“Rápidoedevagar:duasformasdepensar”,34DanielKahneman,PrêmioNobeldeEconomia(2002)eumdosmaisimportantespensadoresdoséculoXXI, apresenta resultados de estudos, conduzidos por ele e Amos Tversky, queimpactaram diversos campos e áreas de conhecimento (diagnósticos médicos,análisesjudiciais,serviçosdeinteligênciaeespionagem,estratégiamilitar,finanças,estatísticas,economia,psicologia,filosofia,medicina,política,direito).

Não há espaço para tratar das minudências que envolvem todo opensamento de Kahneman e Tversky. Mas é preciso enfatizar que os aportesteóricos por eles desenvolvidos corroboraram para a fragilização da crençadesenfreada na racionalidade moderna, em especial naquilo que diz respeito àtomadadedecisões.

Contrariamente ao que acreditavam cientistas sociais da década de 1970,suas pesquisas concluíram que o ser humano, em muitas de suas decisões, agepautadoem instintoseemoções,enãoancoradopela razão.É incorretaacrençasegundoaqualohomemestariasempreaptoaavaliardemodoobjetivoeracionaltodafortunadequestõesquelheésubmetida,julgandoeoperandocomclarezaemseu caminhar pelo cotidiano da vida. Conquanto seja corriqueiro supor que aspessoaspossuemdiscernimento sobreo que se passa em suasmentes, amaioriadasimpressõesepensamentossurgeali,naexperiênciaconscientedelas,semquetenham a mínima noção de como foram parar lá. O trabalho mental, que geraimpressões,intuiçõesefomentaaadoçãodeinumeráveisdecisões,ocorredemodosilenciosonamentedecadaserhumano.Issosignificaque,emborasemperceber,ohomemreiteradamenteguia-seemseudiaadiaporimpressõesesentimentos.

Não há que moralizar precipitadamente essa questão. Trata-se de algoinerenteànaturezadoserhumano,oriundodoseupensamentomaisprimitivo,quefacilitaa lidadiária,semcontarqueaconfiançanutridaemcrençasepreferênciasintuitivasé,demaneirageral,justificada.Nãoobstante,nemsempreassimocorre,nem todas as intuições surgem de uma especialização genuína, e é precisamentenestepontoqueresideaameaçadeprejuízosoriundosdedecisõesruins,sobretudoemcamposnosquaisaracionalidadedeveserumaconstante.

Émesmorelevanteo fatodequeaperícia intuitivaestejaemaçãonavidahumanae contribua, sejaparaaassimilaçãodoconhecimento, seja tambémparafacilitar a tomadadedecisões, àsquais, como tempo, tornam-semaisoumenosautomáticas.35Entretanto, alguns problemas se apresentam mais difíceis, semsolução segura à vista, e a intuição, por ser quase maquinal, entra em34KAHNEMAN, Daniel. Rápido e Devagar: Duas Formas de Pensar. Rio de Janeiro: EditoraObjetiva,2012.Essecapítulo4dotextofoitodoelaboradocomaportesextraídosdareferidaobra.35ROSA,AlexandreMoraisda;TOBLER,GiseliCaroline.TeoriadaDecisãoRápidaeDevagar,comKahneman. Disponível em: <www.emporio-do-direito.jusbrasil.com.br/noticias/182398340/teoria-da-decisao-rapida-e-devagar-com-kahneman>.Acessado:02/07/2015.

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funcionamento e prevê de imediato uma saída nem sempre adequada para odilema: há uma tendência do mapa mental em substituir uma questão maiscomplexa por uma mais fácil (heurística).36 Ao sermos confrontados por umaquestãodifícil,muitasvezesarespostaquenosocorrerelaciona-seaumamaisfácil,o que é feito sem que se perceba a substituição. Em outros termos: ainda queconfiantesde si, não rarodecidimose atuamosde formadesacertada,porquantovítimas de tendenciosidades, preconceitos, propensões ou inclinações. Julgamosamiúde sob incertezas, já que afetados por heurísticas e vieses não facilmenteidentificáveis.37 Para resumir, sabe-se hoje que o homem: i) possui aversão ao esforçomental e, por isso, está inclinado a não pensar suficientemente, aceitando arespostamaisagradáveloufamiliar;ii)solucionaproblemassemteracessoatodasasalternativaspossíveis,apegando-seapenasemexperiênciaspassadas;iii)sujeita-se a alterações comportamentais pela exposição a qualquer coisa influenciável(palavras,objetos,ambiente);iv)nãoéimparcialouneutroeatodomomentobuscaumacausalidadepornãoconseguiraceitar fatos semqueestejamacompanhadosde uma história; v) tem a tendência de aceitar uma informação inicial como severdadeirafosse(efeitohalo).38Ouseja,émerailusãoacrençadequeoserhumanoé racional e consciente acerca de todas as decisões que toma ao longo da suaexistência,39emespecialporqueocérebroostenta,entreosseussegredos,desvioscognitivosqueafetamnegativamenteaqualidadedadecisão.4036ROSA,AlexandreMoraisda;TOBLER,GiseliCaroline.TeoriadaDecisãoRápidaeDevagar,comKahneman. Disponível em: <www.emporio-do-direito.jusbrasil.com.br/noticias/182398340/teoria-da-decisao-rapida-e-devagar-com-kahneman>.Acessado:02/07/2015.37EssaúltimafraseéatraduçãodotítulodeimportanteestudopublicadoporKahnemaneTversky,em1982,naRevistaScience,transcritoparaoportuguêsnolivro“RápidoeDevagar:DuasFormasdePensar”. Nele os autores descreveram os atalhos simplificadores do pensamento intuitivo eexplicaram cerca de vinte vieses. Originalmente publicado em: KAHNEMAN, D.; TVERSKY, A.JudgementUnderUncertainty:Heuristics andBiases. In, The Simulation Heuristic. P.SloviceA.Tversky(Orgs).NovaYork:CambridgeUniversityPress.p.201-208.38ROSA,AlexandreMoraisda;TOBLER,GiseliCaroline.TeoriadaDecisãoRápidaeDevagar, comKahneman. Disponível em: <www.emporio-do-direito.jusbrasil.com.br/noticias/182398340/teoria-da-decisao-rapida-e-devagar-com-kahneman>. Acessado: 02/07/2015. Na mesma linha, JuarezFreitas:“Opontonodal,desconsideradoporabordagensreducionistas,éodequedainterpretaçãojurídicaparticipamregiõesancestraisque tantopodemauxiliarcomocomprometeracongruência,fomentando a aversão à perda e outros enviesamentos, que colocam em cheque o julgamentoracional(...).”(FREITAS,Juarez.AHermenêuticaJurídicaeaCiênciadoCérebro:ComoLidarcomosAutomatismosMentais.Revista Ajuris,130.PortoAlegre:AssociaçãodosJuízesdoRioGrandedoSul,2013.p.223-244).39Kahnemanesclarecequehádoismodosdepensamento:Sistemas1e2(S1eS2).Eletrabalhaumaespécie de psicodrama entre esses dois “personagens”. Segundo informa, o S1 funcionaautomaticamenteeoS2estáquasesempreemumconfortávelmodo“depoucoesforço”,aenvolverapenasumafraçãodasuacapacidade.OS1geracontinuamentesugestõesparaoS2: impressões,intenções e sentimentos. Se endossadas pelo S2, impressões e intuições se tornam crenças, eimpulsossetornamaçõesvoluntárias.Quandotudofuncionasuavemente,oqueacontecenamaiorparte do tempo, o S2 adota as sugestões doS1 compouca ou nenhumamodificação.As pessoasgeralmenteacreditamemsuasimpressõeseagemsegundoseusdesejos.QuandooS1funcionacomdificuldade, ele recorre ao S2 para fornecer um processamento mais detalhado e específico que

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Nãoporoutrarazão,foiapartirdaspesquisasdeKahnemaneTverskyqueos grandes centros de pesquisa de psicologia comportamental cognitivaidentificarammaisdequarentapropensõesouvieses cognitivos (cognitivebiases).Nocampoespecificamentejudicial–eaquisetomadeempréstimoosestudosdeFonseca Costa,41Juarez Freitas,42Chris Guthrie, Jeffrey J. Rachlinski, Andrew J.Wistrich43eMuñoz Aranguren44– as descobertas foram incríveis e demonstraramquetantojuradoscomojuízessoçobramperanteautomatismosmentais:

i)Ojuizdaliminartendeaconfirmá-laemsuasentença:ojulgadorestásujeitoaumapredisposição automática (confirmation bias) que o leva a, inconscientemente,sobrelevarprovaseargumentosqueconfirmemsuaposiçãoinicial.Eleéconduzidoaignorar (ou anão valorar) provas e argumentos contrários àmesmaposição inicial.Quandoenviesado,o intérprete,mesmodeboa-fé,estápropensoaconfirmar suascrenças preliminares (que podem estar equivocadas), optando por dados einformaçõesqueasabonem,eassimsedásemocrivoapuradodosistemareflexivo:seucérebro,aopretenderconfirmaratodocusto,funcionarápidodemaisesefechaaopçõesdistintas.45

talvezsolucioneoproblemadomomento.OS2émobilizadoquandosurgeumaquestãoparaaqualo S1 não oferece resposta. O S2 é ativado quando se detecta um evento que viola omodelo domundomantidopeloS1.Pararesumir,amaiorpartedoqueaspessoaspensamefazemorigina-sedoS1,masoS2assumeocontrolequandoascoisasficamdifíceis,enormalmenteeletemaúltimapalavra.Emais:adivisãodetrabalhoentreS1eS2éaltamenteeficiente,eissominimizaoesforçoeotimizaodesempenho.Umarranjoque,namaioriadasvezes, funcionabemporqueoS1émuitobomnoque faz, valedizer, seusmodelosde situações familiares sãopreciosos, suasprevisõesdecurto prazo são em geral igualmente precisas e suas reações iniciais e desafios são rápidas enormalmenteapropriadas.ComooS1operaautomaticamenteenãopodeserdesligadosegundoobel-prazerdousuário,errosdopensamentointuitivosãodifíceisdeprevenir.Osvieses,enfim,nemsemprepodemserevitados,poisoS2talveznãoofereçapistaalgumasobreoerro.Mesmoquandodicas para prováveis erros estão disponíveis, estes só podem ser prevenidos por meio domonitoramentoacentuadoedaatividadediligentedoS2.(KAHNEMAN,Daniel.RápidoeDevagar:DuasFormasdePensar.RiodeJaneiro:EditoraObjetiva,2012).40 FREITAS, Juarez. A Hermenêutica Jurídica e a Ciência do Cérebro: Como Lidar com osAutomatismosMentais.Revista Ajuris,130.PortoAlegre:AssociaçãodosJuízesdoRioGrandedoSul,2013.p.223-244.41FONSECACOSTA,EduardoJosé.Algumasconsideraçõessobreasiniciativasjudiciaisprobatórias.RevistaBrasileira deDireito Processual,90(RBDPro90).BeloHorizonte:EditoraFórum,2015.p.159.42 FREITAS, Juarez. A Hermenêutica Jurídica e a Ciência do Cérebro: Como Lidar com osAutomatismosMentais.Revista Ajuris,130.PortoAlegre:AssociaçãodosJuízesdoRioGrandedoSul,2013.p.223-244.43GUTHRIE,Chris,J.;RACHLINSKIJeffreyJ.;WISTRICH,AndrewJ.InsidetheJudicialMind.CornellLaw Review, vol.86, n.4. 2001. Disponível:<http://scholarship.law.cornell.edu/cgi/viewcontent.cgi?article=1734&context=facpub>.44 ARANGUREN, Arturo Muñoz. La influencia de los sesgos cognitivos en las decisionesjurisdiccionales:elfatorhumano.Unaaproximación.RevistaparaelAnálisisdelDerecho (InDret)2. Barcelona: Universitat Pompeu Fabra abril, 2011. Disponível em:<www.dialnet.unirioja.es/ejemplar/278664>.45O dever constitucional de fundamentação se presta também como garantia contra o viés daconfirmação,poisimpõeaosjuízesaexteriorizaçãodasrazõespelasquaisdesdenharamumououtro

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ii)Ojuizdainstruçãotendeasentenciarcontaminadopelaprovaoralquediantedelefoiproduzida:denominadoderepresentativenessbias,aquiojulgadoracabainfluenciadopelos gestos, atitudes, entonação de voz e trejeitos de todos aqueles, partes etestemunhas, ouvidos na audiência de instrução e julgamento, decidindo de formaarbitrária porque pautado em sentimentos e impressões impossíveis de seremcontroladaspeloslitiganteseseusadvogados.Estar-se-ádiantedeumviéscujaforçacolocaemquestãoalegitimidadedochamado“princípiodaidentidadefísicadojuiz”.iii)Ojuiztendeacrerqueosdanospresenteseramprevisíveisnopassado:ohind-sightbias é um mecanismo mental que pode levar o julgador a considerar, a partir doconhecimento das consequências de uma ação qualquer, que elas mesmas eramperfeitamenteprevisíveisdesdeoprincípio.Suaperspectivaéalteradaumavezquejá se tem conhecimento do resultado que no passado era desconhecido. Estudosdemonstram ser muito difícil realizar juízos sobre o acontecido, abstraindo-secompletamentedeum resultado conhecido.ACorteSupremadosEstadosUnidos,no caso Graham v. John Deere Co., de 1966, aplicando o direito sobre patentes,proclamou que os tribunais devem estar atentos para não cair nessa armadilhacognitiva,reconhecendoatendênciahumanadepercebercomoobviedadealgoàluzdas consequências conhecidas, mas que à época nem de longe era evidente oufacilmenteperceptíveldeformaprévia.iv) O juiz tem dificuldade de ignorar as provas ilícitas: há um procedimentomental(anchoring-and-adjustment bias) que conduz o intérprete a resultados decisóriosdiferentesadependerdavaloraçãoquefazacercadeumelementodeprovainicial,cujainfluênciaindevidaprovocaerroscomumentedesapercebidos.v)Ojuiztemdificuldadedeignorarimpressõesrecebidasemrazãodoconhecimentodepropostasdeacordorealizadaspelaspartes:tambémaquiseverificaoanchoring-and-adjustmentbias.Oproblemapodeserilustradocombasenaleideprocedimentocivilinglesa,queproíbeojuizdetercontato,anteseduranteoprocesso,compropostasde acordos elaboradas pelas partes. 46 Segundo assinalou a Suprema Corte daInglaterra (casoGarret v. Saxby, em 2004), em tendo o julgador contato com umadessaspropostas,porumerronatramitaçãodoprocedimento,éseudeverabster-seautomaticamentedejulgar.

elemento de prova, funcionando de maneira a evitar que decisões judiciais sejam frutos de pré-conceitosouseconvertamemumapriori.46ÉinteressanteverificarqueoNovoCPCtrazdispositivosquefuncionamcomogarantiacontraoanchoring-and-adjustmentbias,poisadota,comoprincípiodaautocomposição,aconfidencialidade.Em termos diretos, o conciliador e o mediador, assim como os membros de suas equipes, nãoestarãoautorizadosadivulgaroudeporacercadefatosouelementosoriundosdaconciliaçãooudamediação(art.166eparágrafos).Significaissoque,casonãoobtidaaautocomposição,nemmesmoojuizteráconhecimentodoquesepassounasseçõesdemediaçãoouconciliação.

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vi)Ojuiztendeasupervalorizarlaudosproduzidosporperitosoficiais:o ingroupbiaséuma propensão cuja tônica está em fazer com que o julgador valore, de formainjustificadamente homogênea, as atitudes, atos e opiniões das pessoas quepertencem ao mesmo grupo, pela só razão de pertencerem a esse grupo. O serhumanotematendênciadeseguiravozdaquelesquepertencemaoseugrupo.

Naquiloqueinteressamaisdepertoaotemacentraloraabordado,acredita-

se,nãoobstanteainexistênciadeestudooficial,quenainiciativaprobatóriaoficialojuiztendeasuperestimaraprovaqueangariou,invalidandoinconscientementeascontraprovas (egocentric or self-serving bias) pela simples razão de que ele, comotodo e qualquer ser humano, inclina-se a potencializar suas próprias habilidades.Aliás,essaéumasuspeitaregistradahádécadasporparceladadoutrina(entreosquaisFrancescoCarneluttieCordónMoreno),aindicarquemagistradospropendemaconferirmaiscréditoàsprovasporelesdeterminadasdoqueàquelastrazidasaosautospelaspartes.47

É interessante notar que, embora reconheça o fenômeno do “confirmationbias”, Taruffo minimiza a crítica aos poderes instrutórios do juiz a partir dele. Apreservaçãodasualinhaderaciocíniojustificaalongatranscrição:

[...]umapremissaque,soboviésepistemológico,parecebastantecuriosa,segundoaqualojuiz,determinandodeofícioaproduçãodeummeiodeprova,manifestariaaparcialidadeemfavordeumaparte, mesmo porque não estariamais em condições de valorarobjetivamente e de modo neutro o resultado daquela prova? Se issofosse verdade, e a não ser que se tratasse o juiz como uma espécie deminus habens, necessário seria sustentar que um historiador quedecidisse estudar certos documentos, ou umbiólogo que decidisse fazercertoexperimento,perderiajustamenteporessarazãoopróprioequilíbriomental, não estando mais em condições de valorar objetivamente osresultadosdesuaspesquisas.Seassimnãofor,comopareceevidente,nãosevêrazãoparaqueumjuizquedetermineaexibiçãodeumdocumento,ou o exame de uma testemunha, por essa razão não tenha maiscondiçõesdeinterpretarcorretamenteoconteúdodaqueledocumentoou de valorar racionalmente a credibilidade daquela testemunha. Essaconcepção funda-se em noções psicológicas no mínimo «ingênuas» esobretudocarentesdefundamento,segundoasquaisquembuscacolherinformaçõessobreumfatoperdeimediatamenteacapacidadedevalorarcorretamente o conteúdo e a confiabilidade das informações obtidas.Essa ideia não sóé extremamente superficial, como tambémnão levaminimamente em conta os estudos que há tempos vêm sendo

47FONSECACOSTA,EduardoJosé.Algumasconsideraçõessobreasiniciativasjudiciaisprobatórias.RevistaBrasileira deDireito Processual,90(RBDPro90).BeloHorizonte:EditoraFórum,2015.p.159.

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desenvolvidossobreapsicologiadadecisãoesobreoscritériosemodelosqueajudamaracionalizarasescolhas -e,portanto,deverificaroserros,tambémdevidosavaloraçõesparciais,quequemdecidepoderiacometer.É verdade que existe o confirmation bias, e todos corremos o risco detender a confirmar aquilo sobre o que estamos convencidos, mas oremédionãoconsistecertamenteemimpedirquesebusquemelementosou informações ulteriores para se estabelecer racionalmente o que éverdadeiro e o que é falso. No caso do juiz, por outro lado, pode-seobservarquenomomentoemqueeledeterminadeofícioaproduçãodeumadeterminadaprova elepodenãoestar convencidode coisa alguma:podequeele[sic]tenhadescobertoqueaquelemeiodeprovapoderiaserútilparaaapuraçãodosfatos.Issonãoimplicacertamentequeaovaloraroêxitodaprovaeledevaserparcialemfavordeumaoudeoutraparte48.

Contra isso, pode-se conjugar a crítica de base feita por Streck às

informações aportadas: juiz e cientista estão pessoalmente sujeitos ao mesmofenômeno,masnãosetratadelidarprofissionalmentecomeledemaneiraidêntica,poisosprocedimentosjurídicoecientíficonãoseequivalemepistemologicamente.Odireitotemsuasespecificidades:aspartespodeminstruiroprocessoedevemseresponsabilizar por isso, questão estranha ao procedimento científico masconstitutivadoprocedimentojudicial.Emúltimaanálise:ocontraditórionãoéumaexternalidadeàdecisãojudicial,ésimmecanismoquelheéestruturante.

ÉperceptívelaconvergênciaentreessesestudoscognitivosealinhateóricadefendidaporStreck,poisosprimeirosdemonstramaquiloqueasegundadesdehámuito advoga: tornou-se indispensável uma Teoria da Decisão que sabote osolipsismo judicial reinante no país, fenômeno que reduz o direito meramenteàquilo-que-dizem-os-juízes-e-os-tribunais. 49 Com base em inúmeras pesquisasempíricas,apsicologiacognitivacomportamentalratificaoposicionamentosegundoo qual, sem uma teoria a impor critérios de decidir, capaz de controlarepistemologicamente a subjetividade hoje irascível e da qual o jurisdicionado emgeraltornou-serefém,ademocraciapermanecerávitimadaporumairracionalidadequeinvadeasdecisõesjudiciaispelosimplesfatodequejuízessãosereshumanose,portalmotivo,sujeitam-seaimperceptíveiserroscognitivos.

Daídizer-sequeumaTeoriadaDecisão(comcriteriologiaespecífica)servirátambém para socorrer julgadores, mantendo-os alertas no momento em querealizam a atividade judicante, atentos à responsabilidade política inerente à suafunção, auxiliando-os na criaçãodehábitos reflexivos distintos daqueles advindosdo seu pensamento primitivo, ajudando-os, enfim, a impedir eventuais desvios

48TARUFFO,Michele.Uma simples verdade: o juiz e a construção dos fatos. São Paulo:MarcialPons,2012.p.204-205.49Sobreotema:STRECK,LenioLuiz.VerdadeeConsenso.5a.ed.SãoPaulo:Saraiva,2014.

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cognitivos50. Em terminologia streckiana51, dir-se-ia: i) suspensão dos pré-juízos,escapando aos ilegítimos sem perder, de resto, a positividade que já sustentaqualquer compreensão (que se antecipa, retifica e legitima na virtuosidade docírculohermenêutico);ii)vigiaraeclosãodesentidosnaaberturaorigináriaemquesedesvelaaverdade;iii)recuperaradialéticadaperguntaeresposta;eiv)manteraberturaaodiálogocomosoutros(àfusãodehorizontes)ecomatradição,emquese guarda um apriori compartilhado. Sob essa prevenção, é possível umaapropriação hermenêutica do argumento de Kahneman e Tversky: não sob odescréditodaracionalidadeemqueporvezessepsicologizamasdecisõesjudiciais,mas pela denuncia dos limites de uma dada forma de racionalidade,epistemologicista, “viciada-em-si-mesma” (na etimologia da palavra alemã parasolipsismo:“selbstsüchtiger”).

Enfim, sem essas preocupações ter-se-á sempre “mais do mesmo”, comresultadosdetodosjáconhecidos:ausênciadetransparência,atropeloaoprincípioda participação (contraditório) e a outros direitos fundamentais, dificuldade decontroleefetivodosatosdecisórios,esquizofreniajurisprudencial,enfraquecimentodaautonomiadodireitoe,sobretudo,arbitrariedade.4.Consideraçõesfinais

Atesetaruffianaemdefesadospoderesinstrutóriosdojuizsefundamentana adoção do modelo de pesquisa científica como sendo ideal ao procedimentojurídico.Dentreváriosargumentosdependentes,destacou-seaqui:i)anegaçãodeque a iniciativa probatória judicial entre em rota de colisão com o princípiodispositivo, pois as partes sempre podem produzir contra-provas; e ii) aminimização da tese da contaminação judicial pela prova que mandou produziroficiosamente(“confirmationbias”).

Partiu-sedacríticadebase feitaporLenioStreck: fatosnão interessamaoprocesso segundo os mesmos critérios da verificabilidade empírica da Ciências50 Como bem lembra Juarez Freitas, “a primeira providencia para não enveredar em desvioscognitivosconsisteemconhecê-los.”Continuaesclarecendoque:“(...)aproporçãoqueaspesquisasdecifram,apoucoepouco,osintrincadossegredosdocérebro,caemporterramitos,palavrórioseingenuidades históricas. A hermenêutica jurídica resulta, nesse contexto, profundamenteenriquecidapelacompreensãodosviesese,nasequência,pelacriaçãodehábitosalternativos,quefuncionem como anteparos contra as predisposições comprometedoras do julgamento.” Por fim,pontuaque“quandoointérpretedesconheceoprocessoformativodehábitoseasbasesneuraisdosjuízos , converte-se em verdadeira marionete de atalhos mentais, levado a julgamentosinconscientes, facciosos e auto destrutivos. À guisa de síntese: quando alguém pensa de modoenviesado,opensamentosetornararefeito,quasenulo.”(FREITAS,Juarez.AHermenêuticaJurídicae a Ciência do Cérebro: Como Lidar com os Automatismos Mentais. Revista Ajuris, 130. PortoAlegre:AssociaçãodosJuízesdoRioGrandedoSul,2013.p.223-244).51No amplo leque bibliográfico em que aporta a linhagem heideggeriana-gadameriana para odireito, valendo referir como representativa das fundações dessa matriz teórica a obra: STRECK,Lenio Luiz. Hermenêutica Jurídica e(m) crise: uma exploração hermenêutica da construção doDireito,ed11.PortoAlegre:LivrariadoAdvogado,2013.Suaprimeiraediçãodatade1999.

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Exatas, sem que isto precise implicar em menos verdade, menos controleintersubjetivosobo“mínimoé”indisponíveldossentidos.Aepistemologizaçãodoprocesso judicial fica presa no esquema sujeito-objeto, e até em uma mixageminsustentável de objetivismo e subjetivismo. E mais: juiz e cientista estãopessoalmente sujeitos ao mesmo fenômeno, mas não se trata de lidarprofissionalmente com ele de maneira idêntica, porquanto os procedimentosjurídico e científico não se equivalem epistemologicamente. O direito tem suasespecificidades:aspartespodeminstruiroprocessoedevemseresponsabilizarporisso, questão estranha ao procedimento científico mas constitutiva doprocedimentojudicial.

A essa crítica paradigmática se articularam dois argumentos de registrosdistintos: i)noplanodogmático,oargumentológico-processualdeFonsecaCostano sentido de que o juiz do ativismo probatório, independentemente de suasintenções, atua como se parte fosse, por determinar instrução de ofício cujoresultado tem aptidão exclusiva de beneficiar o autor – e às vezes aptidão debeneficiaroréu,adependerdoônusprobatório,conformeoajustequepropomosàteoria.AapropriaçãodessepontoespecíficopelaCHDnãoapresentadificuldades;eii) num plano científico, aportou-se a psicologia cognitivo-comportamental deKahneman e Tversky. Restaram constatados os riscos de confirmation bias,sublinhando-seanecessidadedehábitosreflexivosedeumacriteriologiadecisóriaparaevitarautomatismos.

Nesse estado da arte, verifica-se a insustentabilidade dos poderesinstrutóriosdo juiz,por comprometeremodeverde imparcialidadeque seesperadoprocessojudicialdemocrático.

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REFERÊNCIAS

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