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sumárioapresentação — alice ruiz s
quarenta clics em curitiba [1 97 6]
caprichos & relaxos [1 98 3]
caprichos & relaxos (saques, piques, toques & baques)polonaisesnão fosse isso e era menos não fosse tanto e era quaseideolágrimassol-tecontos semióticosinvenções
distraídos venceremos [1 98 7 ]
distraídos venceremosais ou menoskawa cauim — desarranjos florais
la vie en close [1 991 ]
o ex-estranho [1 996]
o ex-estranhoparte de am/or
winterverno [2 001 ]
poemas esparsosnota sobre leminski cancionista — josé miguel wisnik
apêndice
apresentaçãoAlice Ruiz SEste livro é antes de tudo uma vida inteira de poesia. Uma vida totalmente dedicadaao fazer poético. Curta, é verdade, mas intensa, profícua e original.
A análise crítica, melhor deixá-la aos especialistas; aqui, me compete lembrar ahistória/vida dos livros que enfim compõem este livro único.
Um dos primeiros poemas do Paulo, talvez mesmo o primeiro, foi escrito em latim,na segunda infância, nos tempos em que ele estudou no Internato Paranaense. Aconvivência precoce com o clero lhe deu ímpetos de clausura, mais pelo facilitadorecolhimento que é tão propício ao estudo dos movimentos da alma e das riquezas dapalavra do que propriamente pela fé religiosa. Não que ela não estivesse presente,mas havia também uma energia viril, aquela que nos faz querer conquistar o mundo eabsorver o que ele tem para ensinar. Assim, a clausura durou pouco, como qualquerarroubo da adolescência, mas foi suciente para deixar raízes, pois o amor peloconhecimento, uma vez despertado, não se apaga facilmente.
A primeira vez que vi o Paulo foi na entrega dos prêmios de um concurso de poesiaem Curitiba. Todos os poemas premiados eram lidos por seus autores e o dele foi oúnico que me disse algo de inovador e contundente. Uma dicção tão original deve terultrapassado a capacidade de apreciação do júri, na época, mas aquele poema deconstrução impecável não poderia passar em branco. Assim, aquele que merecia oprimeiro lugar levou apenas uma menção honrosa. O tempo haveria de corrigir esseequívoco, já que os primeiros lugares daquele concurso não estão em nenhum lugarespecial hoje, bem diferente dele.
Quatro anos depois, fui levada por amigas ao seu aniversário de 24 anos.Nosso primeiro assunto foi poesia. O último também.Passamos a maior parte da festa em seu escritório e quase fui soterrada por uma
profusão de palavras, ideias e projetos (o Catatau, por exemplo, tinha apenas oitopáginas e ainda se chamava Descartes com lentes). Falamos de autores que nós dois jáadmirávamos, e ele me apresentou os “haikaistas” e os poetas concretos, que eudesconhecia. Enquanto isso, eu, recém-chegada do Rio de Janeiro, onde vivera pordois anos, lhe apresentei o que a música popular brasileira estava produzindo demais novo (em todos os sentidos), particularmente o Tropicalismo, que ainda não otinha tocado.
Assim como o amor, a poesia e a música foram crescendo em nossa vida emcomum.
Em 1976, quando o fotógrafo Jack Pires chegou com a proposta de fazer um livroem conjunto com Paulo, espalhamos as fotos dele pelo chão e fomos procurando,entre os poemas curtos, quais conversavam ou rimavam com aquelas imagens. Foiassim que nasceu a primeira publicação de uma pequena parte de sua poesia, oQuarenta clics, editado em Curitiba.
Em 1980 foi a vez de Não fosse isso e era menos não fosse tanto e era quase, umaedição primorosa, iniciativa e presente dos amigos Dico Kremer, Márcio Santos e
Nego Miranda, donos do estúdio fotográco zap, que zeram um trabalho fotográcode ampliação da tipologia de sua Remington anos 40. A impressão foi obtida por meiode uma troca de serviços com gráficas parceiras.
A ideia de permuta, Paulo a absorveu e utilizou para fazer, no mesmo ano, seuterceiro livro “independente” de poemas: Polonaises. Uma homenagem às suas raízes,na tipologia do Solidarność (Solidariedade), movimento revolucionário/operárioliderado por Lech Valesa, que estava acontecendo na Polônia naquela época.
Um dos problemas das edições independentes era decidir o que fazer com astiragens inteiras, que cavam com os autores. Em 1983, com a casa tomada por maisde mil exemplares de cada um desses três livros, mais a edição do Catatau (tambémindependente), mais as edições de dois livros meus, e restritos ao mercado curitibano—não vendíamos, presenteávamos amigos —, soubemos que a editora Brasiliensetinha também uma livraria em São Paulo, onde era possível colocar à venda algunslivros feitos “fora do eixo”.
Enviamos um exemplar de cada livro para Luiz Schwarcz, na época braço direito doCaio Graco Prado e responsável por inovadoras coleções como Encanto Radical ePrimeiros Passos, entre outras. Luiz nos ligou, agradecendo e perguntando setínhamos inéditos, pois um material novo daria mais vida à reunião dos já existentes.Assim nasceu a primeira edição nacional de cada um.
Caprichos & relaxos foi o nome que o Paulo encontrou para reunir esses primeirospoemas, em que está presente um viés lúdico, mas sem abrir mão do rigor. Um nomedenúncia e receita, ao mesmo tempo. O livro saiu em 1983.
Em seguida veio Distraídos venceremos, em 1987. O nome remete, de certa forma, aolivro anterior, aparentemente com uma pitada de esperança, embora o teor dospoemas aponte para um maior ceticismo.
Paulo começou a selecionar a produção seguinte baseado em um novo critério, oumelhor, destacando um estilo novo que começava a se esboçar. O que ele chamava de“parnasiano chique” iria para o La vie en close e os demais, meio sem um lugardenido ainda, foram para uma pasta que ele batizou de Ex-estranho, um livro queseria pensado mais tarde. Mas não havia mais tarde, e isso já estava anunciado nostítulos escolhidos por ele. O “estranho”, que é como o poeta se sente dentro domundo prático, em breve será “ex”. E a vida que se fecha/encerra parece enm entrarem foco, destacar apenas o que é essencial: La vie en close.
Terminada a seleção, que acompanhei de perto, ele me pediu para cuidar dos seusinéditos, e me encarregou de encaminhá-los para o Caio e/ou ao Luiz, caso o Paulonão tivesse tempo suciente. Caio editou La vie en close. Samuel Leon, da editoraIluminuras, além das prosas, editou O ex-estranho e Winterverno, livro com poemascurtos do Paulo e imagens de João Virmond Suplicy Neto. E agora toda a poesia voltaàs mãos do Luiz Schwarcz, através da Companhia das Letras.
Esses livros são diferentes entre si, mas têm a mesma marca de sua escrita poética.Raízes na poesia concreta e na síntese, na experimentação e no coloquial. O mesmocompromisso com duas coisas aparentemente excludentes: a inovação e o afã de
comunicar, de dizer. Um dizer repleto da consciência da necessidade do silêncio.Talvez por essas e outras razões sua poesia continue tão atual e ainda converse com ofuturo.
E agora, enm reunida, pode oferecer uma visão total do que foi a poesia paraLeminski e do que é Leminski para a poesia.*
* Aqui, a totalidade dos versos já publicados em livro. (N. E.)
quarentaclics emcuritiba[1976]
nota do editorPublicado em 1976 pela editora Etecetera em forma de portfólio, Quarenta clics em Curitiba combinava fotos de
Jack Pires e poemas de Paulo Leminski. Conforme diz Leminski na introdução da obra, “Nenhum texto foi
escrito para uma foto. Foi buscada a relação/contradição texto/foto. Os poemas estavam prontos já”. Dado que
os poemas são anteriores às fotos, optamos por reproduzir aqui apenas os textos, sem as imagens.
Alguns poemas de Quarenta clics constam de Caprichos & relaxos e La vie en close, com pequenas modicações.
Nesses casos, optamos por mantê-los apenas nos livros posteriores, mais representativos da obra de
Leminski, em sua versão definitiva.
Compra a briga das coisasGigante em vãoContra a parede brancaPrega a palma da mão
Uma vida é curtapara mais de um sonho
Será precisoexplicar o sorrisoda Mona Lisapara que vocêacredite em mimquando digoque o tempo passa?
o critério“atitudes estranhas”não dápara condenar pessoascriaturascom entranhas
Quem me deraum mapa de tesouroque me leve a um velho baúcheio de mapas do tesouro
Fechamos o corpocomo quem fecha um livropor já sabê-lo de cor.Fechando o corpocomo quem fecha um livroem língua desconhecidae desconhecido o corpodesconhecemos tudo.
Só mesmo um velhopara descobrir,detrás de uma pedra,toda a primavera.
O tempo todo caminha.Se para,
acompanha-sede uma só linhaera uma vezera uma vezera uma vez
DomingoCanto dos passarinhosDoce que dá para pôr no café
Gente que mantémpássaros na gaiolatem bom coração.Os pássaros estão a salvode qualquer salvação.
Ruas cheias de gente.Seis horas.Comida quente.Caçarolas.
Hesitei horasantes de matar o bicho.Afinal,era um bicho como eu,com direitos,com deveres.E, sobretudo,incapaz de matar um bicho,como eu.
Pense depressa.O que veio?Quem vem?Bonito ou feio?Ninguém.
os dentes afiados da vidapreferem a carnena mais tenra infânciaquandoas mordidas doem maise deixam cicatrizes indeléveisquando
o sabor da carneainda não foi estragadopela salmoura do dia a diaé quandoainda se choraé quandoainda se revoltaé quandoainda
corpo entortadocontra o friosaco às costas — vazioestá roubando o vento?
AmigoInimigoNada tive com o marNem ele comigoFui homem de secoHoje posto a secarNeste beco
O olho da rua vêo que não vê o seu.Você, vendo os outros,pensa que sou eu?Ou tudo que teu olho vêvocê pensa que é você?
Frutas que só ficamMaduras depois de colhidasMinhas velhas conhecidas
Já não chovePessoas molham passosAs ruas pesadas
isso?aqui?já?assim?
Amando,aumenta
até duas mil vezeso tamanho.
Depois de hojea vida não vai mais ser a mesmaa menos que eu insista em me enganaraliásdepois de ontemtambém foi assimanteontemantesamanhã
isso aquiacasoé lugarpara jogar sombras?
quem é vivoaparece sempreno momento erradopara dizer presenteonde não foi chamado
o silênciose mete a maltratarme ditandoabreviaturas de mime,quem sabe,a mim mesmo me dilatando
tem quem se protejapor trásde uma barragemde bons diasboas tardesboas noitesassim não tendoque ver o que está passando
Como é que a noite vira dia?O dia vira noite?Só vendo.
Tudo que sabemos.
o tempoentre o soproe o apagar da vela
Achara porta que esqueceram de fechar.O beco com saída.A porta sem chave.A vida.
O tempo ficacada vezmais lentoe eulendolendolendovou acabarvirando lenda
Ainda vão me matar numa rua.Quando descobrirem,principalmente,que faço parte dessa genteque pensa que a ruaé a parte principal da cidade.
de repente descobrinão digo américa nem pólvoraobra de tantosconta perdidaficar na ponta dos pésalém de nobre exercícioa mais sábia medidapara subir na vida
este diaeste perverso diaque veio depois de ontem
caprichos& relaxos[1983]
nota do editorCaprichos & relaxos, lançado em 1983 pela editora Brasiliense, reúne quase toda a poesia escrita por Leminski
até aquela data. Duas das sete seções do volume já haviam sido publicadas como livros: Polonaises (1980),
produção independente, e Não fosse isso e era menos não fosse tanto e era quase (1980), edição oferecida a
Leminski como presente pelos amigos do estúdio zap de fotografia.
Os poemas da seção “Invenções” também já haviam saído nos volumes 4 (dezembro de 1964) e 5 (dezembro
de 1966) de Invenção: Revista de Arte e Vanguarda, iniciativa do grupo concretista que logo adotou Leminski:
Augusto e Haroldo de Campos e Décio Pignatari. No apêndice deste volume, reproduzimos a apresentação de
Haroldo de Campos e o texto de quarta capa de Caetano Veloso, que integram a primeira edição de Caprichos
& relaxos.
Aqui, poemas para lerem, em silêncio,o olho, o coração e a inteligência.Poemas para dizer, em voz alta.Poemas, letras, lyrics, para cantar.Quais, quais, é com você, parceiro.
caprichos & relaxos(saques, piques, toques & baques)
de comoo polaco jan korneziowskybotou a persona/fantasiade joseph conrade virou lord jim/childe harold
um dia desses quero serum grande poeta inglêsdo século passadodizeró céu ó mar ó clã ó destinolutar na índia em 1866e sumir num naufrágio clandestino
contranarcisoem mimeu vejo o outroe outroe outroenfim dezenastrens passandovagões cheios de gentecentenaso outroque há em mimé vocêvocêe vocêassim comoeu estou em vocêeu estou neleem nóse só quandoestamos em nósestamos em pazmesmo que estejamos a sós
o p queno pequeno &se escondeeu sei por qsó não seionde nem e
sobre a mesa vaziaabro a toalha limpaa mente tranquilapalavra mais lindaaqui se acabaa noite mais brabaa que não queriavirar puro diasomos um outroum deus, enfim,está conosco
cesta feiraoxalá estejam limpasas roupas brancas de sextaas roupas brancas da cestaoxalá teu dia de festacesta cheia
feito uma luatoda feita de lua cheiano branco
lindoteu amor
teu ódiotremeluzindo
se manifestatua pompatanta festatanta roupa
na cestacheia
de sextaoxalá estejam limpasas roupas brancas de sextaoxalá teu dia de festa
mesmona idadede virareu mesmoaindaconfundofelicidadecom estenervosismo
euquando olho nos olhossei quando uma pessoaestá por dentroou está por foraquem está por foranão seguraum olhar que demorade dentro do meu centro
este poema me olha
desmontando o frevodesmontandoo brinquedoeu descobrique o frevotem muito a vercom certojeito mestiço de serum jeito mistode quereristo e aquilosem nunca estar tranquilocom aquilonem com istode ser meioe meio sersem deixarde ser inteiroe nem por issodesistirde ser completomistérioeu queroser o janeiroa chegarem fevereirofazendo o frevoque eu querochegar na frenteem primeiro
avesde ramo
em ramomeu pensamento
de rimaem rima
erraaté uma
que dizte amo
das coisas
que eu fiz a metrotodos saberãoquantos quilômetrossãoaquelasem centímetrossentimentos mínimosímpetos infinitosnão?
girafasafricanascomo meus avósquem me deraver o mundotão do altoquanto vós
Quem nasce com coração?Coração tem que ser feito.Já tenho uma porçãoMe infernando o peito.Com isso ninguém nasça.Coração é coisa rara,Coisa que a gente achaE é melhor encher a cara.
não sou o silêncioque quer dizer palavrasou bater palmaspras performances do acasosou um rio de palavraspeço um minuto de silênciospausas valsas calmas penadase um pouco de esquecimentoapenas um e eu posso deixar o espaçoe estrelar este teatroque se chama tempo
minha mãe dizia— ferve, água!— frita, ovo!— pinga, pia!e tudo obedecia
alisóalisese aliceali se vissequanto alice viue não dissese aliali se dissessequanta palavraveio e não descealibem alidentro da alicesó alicecom aliceali se parece
nada tão comumque não possa chamá-lo
meunada tão meu
que não possa dizê-lonosso
nada tão moleque não possa dizê-lo
ossonada tão duro
que não possa dizerposso
parar de escreverbilhetes de felicitaçõescomo se eu fosse camõese as ilíadas dos meus diasfossem lusíadas,rosas, vieiras, sermões
Bom dia, poetas velhos.Me deixem na bocao gosto de versosmais fortes que não farei.
Dia vai vir que os saibatão bem que vos citecomo quem tê-losum tanto feito também,acredite.
enxuga aívê se enxergaessa lágrimaeu deixei cairexaminaexamina bemvê se não éágua da pedraouro da minaessa gotadáguaminhaobra-prima
o soneto a crônica o acrósticoo medo do esquecimentoo vício de achar tudo ótimoe esses diaslongos dias feito anossim pratico todosos gêneros provincianos
diaao primo pássarofoi vocêque piou pintouontempouco antesdo sol nascer?ou foitalvezum irmão tia irmãuma vozjátãolongeque hojeaté parece amanhã?
Minha cabeça cortadaJoguei na tua janelaNoite de luaJanela abertaBate na paredePerdendo dentesCai na camaPesada de pensamentosTalvez te assustesTalvez a contemplesContra a luaBuscando a cor de meus olhosTalvez a usesComo despertadorSobre o criado-mudoNão quero assustar-tePeço apenas um tratamento condignoPara essa cabeça súbitaDe minha parte
a árvore é um poemanão está alipara que valha a penaestá láao vento porque trema
ao sol porque cremaà lua porque diademaestá apenas
que me importameio-dia e dozeo tempo que toquenesses relógiosmatéria de tictacpra mim agoraé quinze pras quatroou duas e vinte e umdezenove e dezoitonãoque onze e trintasó meu coração
nada que o solnão expliquetudo que a luamais chiquenão tem chuvaque desbote essa flor
a perda do olfatoeu não lamentoafinal o olfatosó serve pra cheiraros quatro elementosvamos ao fatoo paladar eu perdimas não porque o perdessetirei da cabeçao gosto do abacaxido ouvido não olvidopois tendo desenvolvidoa guerra dos sentidosme voltei pro silêncioo som não faz sentidouma consequênciatoma conta de mimcomo se fosse um barato
existe um planetaperdido numa dobrado sistema solaraí é fácil confundirsorrir com chorardifícil é distinguiresse planeta de sonhar
objetodo meu mais desesperado desejonão seja aquilopor quem ardo e não vejoseja a estrela que me beijaoriente que me rejaazul amor belezafaça qualquer coisamas pelo amor de deusou de nós doisseja
não creioque fosse maiora dor de danteque a dorque este dentede agora em diantesentenão creioque joycevisse mais numa palavramais do que fosseque nesta pasárgadaora foi-setampouco creioque mallarmévisse maisque esse olhonesse espelhoagoranuncame vê
A vagina vaziaimaginaque a página (sem vaselina)a si mesma se preenchee se plagiaEssa língua que sempre falo(e falo sempre)e distraído escrevoembora não tão frequentementemassa falidadesmorona no papel
quando baboe acabada em textoeu acabo
business manmake as many businessas you canyou will never knowwho i amyour mothersays noyour fathersays neveryou’ll never knowhow the strawberry fieldsit will be forever
lendas vindasdas terras lindasde orientes findosme façam felizfeito esta vida não faz
uma carta uma brasa atravéspor dentro do textonuvem cheia da minha chuvacruza o deserto por mima montanha caminhao mar entre os doisuma sílaba um soluçoum sim um não um ai
sinais dizendo nósquando não estamos mais
quatro dias sem te vere não mudaste nadafalta açúcar na limonadame perdi da minha namoradanadei nadei e não dei em nadasempre o mesmo poeta de bostaperdendo tempo com a humanidade
minha amigaindecisa
lida com coisassemifusas
quando confusasmesmo as exatas
medusasse transmudam
em musas
sabendoque assim dizendo— poema —estava te matandomesmo assimte dissesabendoque assim fazendovocê estava durandofoi duromesmo assimte trouxemesmo assimte fizmesmo sabendo que iasfugazser infelizsempre infelizmesmo assimte quismesmo sabendo
que ia te quererficar querendoe pedir bis
entre a dívida externae a dúvida internameu coraçãocomercialalterna
pompa há tanto conquistacautela tão mal calculadapausa na pautaquem sabe em pio pousadame passa este meio-diaatravessa este meio-fioaplaca em luza causa desta madrugadaatiça-me a calmaem cólera e guerra floresçatoda esta falta minha almatanta valsa chama saudadetanto A tanto B tanto Ztanto mim me pareça você
não possa tanta distânciadeixar entre nós
este solque se põe
entre uma ondae outra onda
no oceano dos lençóis
sexta-feiracinzaquantas vezesvais ser treze?quantas horastêm teus meses?quantas quintasvão ser trinta?quantas segundas
nem são nunca?quantas quartasinfinitas?
você me aliceeu todo me aliciasseasastodas se alassemsobre águas cor de alfacealisimeu me aliviasse
quando eu tiver setenta anosentão vai acabar esta adolescênciavou largar da vida loucae terminar minha livre-docênciavou fazer o que meu pai quercomeçar a vida com passo perfeitovou fazer o que minha mãe desejaaproveitar as oportunidadesde virar um pilar da sociedadee terminar meu curso de direitoentão ver tudo em sã consciênciaquando acabar esta adolescência
esta ilusãonão desapareçavocê deixaque isso aconteçailusãoigual a essaeu despeçovocêda minha peça
o novonão me choca maisnada de novosob o solapenas o mesmoovo de sempre
choca o mesmo novo
pétalanão caia esse orvalhoolhonão perca essa lágrimaauras que já se foramgrato pela graçaa graça que eu achoem tudo que ficapor tudo que passa
ele eraapenas um Le ela ahela estava láà flor da pelecomo quem apenasHamar um Acomo um Lquem amará?
Desculpe, cadeira,está pisando no meu pé.Desse jeito, mais pareceesta mesa: nada mais fazque cansar minha beleza.Vocês vão ver uma coisa.Nem porque é de ferropode moer meu dedoeste prego, o martelo.Vocês não têm cabeça.Não passam de objeto.Vocês nunca vão saberquanto dói uma saudadequando perto vira longequanto longe fica perto.Desculpe, cadeira,está pisando no meu pé.Desse jeito, mais pareceesta mesa: nada mais faz
que cansar minha beleza.Quanto ao resto — até.
elas quando vêmelas quando vãoversos que nemversos que nãonem quero fazerse fazem por sicomo se em vãoelas quando vãoelas quando vêmpoesia que simparece que nem
minhas 7 quedasminha primeira quedanão abriu o paraquedasdaí passei feito uma pedrapra minha segunda quedada segunda à terceira quedafoi um pulo que é uma sedanisso uma quinta quedapega a quarta e arremedana sexta continuei caindoagora com licençamais um abismo vem vindo
quem me dera um abutrepra devorar meu coração!naco de carne cruacomida de pé no balcão!quem me dera um apachepra colher meu escalpo!que desta vez não escapenenhum disfarce!tomara que um furacãocaia sobre meu navio!que nenhum deus nem dragãopossa ser meu alívio!
em matériade tino
meninoeu tenho dezquisertenho atéum destino
a meus pés
as floressão mesmoumas ingratasa gente as colhedepois elas morremsem mais nem menoscomo se entre nós
nunca tivessehavido vênus
a história faz sentidoisso li num livro antigoque de tão ambíguofaz tempo se foi na mão dalgum amigologo chegamos à conclusãotudo não passou de um somenose voltaremosà costumeira confusão
polonaises
Polaly sie lzy me czyste, rzesiste,Na me dzienciństwo sielskie, anielskie,Na moja mlodośćgórna i durna,Na mój wiek meski, wiek kleski.Polaly sie lzy me czyste, rzesiste…
Choveram-me lágrimas limpas, ininterruptas,Na minha infância campestre, celeste,Na mocidade de alturas e loucuras,Na minha idade adulta, idade de desdita;Choveram-me lágrimas limpas, ininterruptas…
(1839)
(1979)adam mickiewicztrad do polonês:
p leminski
o velho leon e natália em coyoacándesta vez não vai ter neve como em petrogrado aquele diao céu vai estar limpo e o sol brilhandovocê dormindo e eu sonhandonem casacos nem cossacos como em petrogrado aquele diaapenas você nua e eu como nascieu dormindo e você sonhandonão vai mais ter multidões gritando como em petrogrado[aquele diasilêncio nós dois murmúrios azuiseu e você dormindo e sonhandonunca mais vai ter um dia como em petrogrado aquele dianada como um dia indo atrás do outro vindovocê e eu sonhando e dormindo
dança da chuvasenhorita chuvame concede a honradesta contradançae vamos sairpor esses camposao som desta chuvaque cai sobre o teclado
aquinesta pedraalguém sentouolhando o maro marnão paroupra ser olhadofoi marpra tudo quanto é lado
um deus também é o ventosó se vê nos seus efeitosárvores em pânicobandeiraságua trêmulanavios a zarparme ensinaa sofrer sem ser vistoa gozar em silêncioo meu próprio passarnunca duas vezesno mesmo lugara este deusque levanta a poeira dos caminhosos levando a voarconsagro este suspironele cresçaaté virar vendaval
um passarinhovolta pra árvoreque não mais existe
meu pensamentovoa até vocêsó pra ficar tristetenho andado fracolevanto a mãoé uma mão de macacotenho andado sólembrando que sou pótenho andado tantodiabo querendo ser santotenho andado cheioo copo pelo meiotenho andado sem paiyo no creo en caminospero que los hay
hayum diaa gente ia ser homeroa obra nada menos que uma ilíadadepoisa barra pesandodava pra ser aí um rimbaudum ungaretti um fernando pessoa qualquerum lorca um éluard um ginsbergpor fimacabamos o pequeno poeta de provínciaque sempre fomospor trás de tantas máscarasque o tempo tratou como a floresum poemaque não se entendeé digno de notaa dignidade supremade um navioperdendo a rotaMeu avô-macacoAquele que Darwin buscouMe olha do galho:Busca a força dos caninosO vigor dos pulsosO arfar do peitoO menear da cabeça
O trabalhoTudo se foiNada mais restaDo fulgor primataDa força de boiSaberSaber mata
espaçotemponave para alicefrag
mentosdo naufrágio
da vidajogados
na praiade uma terra desconhecida
porissonos apertar
tantonos juntartanto
juntos enfrentara noite
dos espaços interestelaresdois loucos no bairroum passa os diaschutando postes para ver se acendemo outro as noitesapagando palavrascontra um papel brancotodo bairro tem um loucoque o bairro trata bemsó falta mais um poucopra eu ser tratado tambémbate o vento eu movovolta a bater de novoa me mover eu voltosempre em volta destemeu amor ao ventonada foifeito o sonhadomas foi bem-vindofeito tudofosse lindo
para a liberdade e lutame enterrem com os trotskistasna cova comum dos idealistasonde jazem aquelesque o poder não corrompeume enterrem com meu coraçãona beira do rioonde o joelho feridotocou a pedra da paixãomeu coração de polaco voltoucoração que meu avôtrouxe de longe pra mimum coração esmagadoum coração pisoteadoum coração de poetaescura a ruaescuromeu duro desejodurofeito duraessa duna
dondeo poema
umaesp
umadoendoexplodehoje o circo está na cidadetodo mundo me telefonouhoje eu acho tudo uma preguiçaesses dias de encher linguiçaentre um triunfo e um waterloovocêque a gente chamaquando gamaquando está com medoe máguaquando está com sedee não tem água
vocêsó vocêque a gente segueaté que acabaem chequeou em chamasqualquer somqualquer umpode ser tua vozteu zum-zum-zumtodo sustosob a formade um súbito arbustoseixo soltocéu revoltopode ser teu vultoou tua voltaesperas frustrasvésperas frutasmatérias brutasquantas estrelascustas?
oração de pajéque eu seja erva raiono coração de meus amigosárvore forçana beira do riachopedra na fonteestrela
na bordado abismo
moinho de versosmovido a ventoem noites de boemiavai vir o diaquando tudo que eu digaseja poesiadiadai-mea sabedoria de caetanonunca ler jornaisa loucura de glauberter sempre uma cabeça cortada a maisa fúria de décionunca fazer versinhos normaisveré dorouviré dorteré dorperderé dorsó doernão é dordelíciade experimentadorlembrem de mimcomo de umque ouvia a chuvacomo quem assiste missacomo quem hesita, mestiça,entre a pressa e a preguiçafuro a parede branca
para que a lua entree confira com a que,frouxa no meu sonho,é maior do que a noitecomo um coto caro ao rotoincrédulo tiagotoco as chagasque me chegamdo passadomutiladotoco o nadaaquele nada que não paraaquele agora nadaque tinhaa minhacaranada nãoque nada nenhumdeclara tamanha danaçãotanta maravilhamaravilharia duraraqui neste lugaronde nada duraonde nada parapara ser venturasimeu quis a prosaessa deusasó diz besteirasfala das coisascomo se novasnão quis a prosaapenas a ideiauma ideia de prosaem esperma de trovaum gozouma gosmauma poesia porosa
não fosse isso e era menosnão fosse tanto e era quase
poema na páginamordida de criançana fruta maduraolhar paralisador no 91o olhar da cobra para
disparaparalisa o pássaro
meu olharcai de mimlaserluar
meu despertar despertarmeu amor desesperado do meu olharmeu mau olhado despertador
meu olharleitor
quem come o teu trabalho como eu como este gomo ou[dou este gole?
apagar-mediluir-medesmanchar-meaté que depoisde mimde nósde tudonão reste maisque o charmecoraçãoPRA CIMAescrito embaixoFRÁGIL
que tudo passepasse a noitepasse a pestepasse o verãopasse o invernopasse a guerrae passe a pazpasse o que nascepasse o que nempasse o que faz
passe o que faz-seque tudo passee passe muito bemsoprando esse bambusó tiroo que lhe deu o ventoféretro para uma gavetaesta a gaveta do víciorimbaud tinha umamuitas hendrixmallarmé nenhumaesta a gavetade um armário impossívelfazia poesiae a maioria saíatal a poesia que faziafazia poesiae a poesia que fazianão é essaque nos faz alma vaziafazia poesiae a poesia que faziaera outra filosofiafazia poesiae a poesia que faziatinha tamanho famíliafazia poesiae fez altoem nossa foliafazia tanta poesiaainda vai ter poesia um diaentro e saiodentroé só ensaiovia sem saídavia bemvia aquivia alémnão via o tremvia sem saídavia tudonão via a vida
via tudo que havianão via a vidaa vida haviaCURVA PSICODÉLICAa mente salta dos trilhosLÓGICA ARISTOTÉLICAnão legarei a meus filhosevaporaperfumepara o lumelá em cimao alto lumerespiraperfumesvocêse lançacumenumenévoavaga-lumesmancheteCHUTES DE POETANÃO LEVAM PERIGO À METAeu queria tantoser um poeta malditoa massa sofrendoenquanto eu profundo meditoeu queria tantoser um poeta socialrosto queimadopelo hálito das multidõesem vezolha eu aquipondo salnesta sopa ralaque mal vai dar para doisa máquinaengole páginacospe poemaengole páginacospe propagandaMAIÚSCULAS
minúsculasa máquinaengole carbonocospe cópiacospe cópiaengole poetacospe prosaMINÚSCULASmaiúsculasa noiteme pinga uma estrela no olhoe passacansei da frase polidapor anjos da cara pálidapalmeiras batendo palmasao passarem paradasagora eu quero a pedradachuva de pedras palavrasdistribuindo pauladas
acordo logo durmodurmo logo acordonem memórias nem diárioscomigo mesmo dialogodaqui até alidali até logo
já fui coisaescrita na lousahoje sem musaapenas meu nomeescrito na blusao mestre gira o globobalança a cabeça e dizo mundo é isso e assimlivros alunos aparelhossomem pelas janelasnuvem de pó de gizen la lucha de clasestodas las armas son buenaspiedrasnochespoemas
você paraa fim de vero que te esperasó uma nuvemte separadas estrelasnão discutocom o destinoo que pintareu assinoo sol escreveem tua peleo nome de outra raçaesqueceem cada uvaa história do céudo ventoe da chuvaa vida é as vacasque você põe no riopara atrair as piranhasenquanto a boiada passavocêcom quem faloe não falocentaurohomemcavalovocênão existepreciso criá-loconfiratudo que respiraconspiraana vê alicecomo se nada vissecomo se nada ali estivessecomo se ana não existissevendo anaalice descobre a análiseana vale-seda análise de alicefaz-se Ana Alice
a vida variao que valia menospassa a valer maisquando desvaria
ventoque é ventoficaparedeparedepassameu ritmobate no ventoe sedespeda
çajohny? está me ouvindo? sim sim claro tua mãe e eu perdoamosjá perdoamos eu disse perdoamos isso acontece claro acontece aqualquer um eu disse qualquer um é to anyone do you hear me yeswe forgive you i said your mother your mother forgives you yesyou do you hear me now whatever it is é claro tudo perdoado tuamãe perdoa mãe sempre perdoa tudo eu disse tudo forgives yesyour mother and i we never never pai sempre perdoa i forgive youperdoo perdoo agora vá dormir my poor johny dormir eu disse jádisse que perdoo tua mãe perdoa agora johny está me ouvindo johnyestá me ouvindo when i say do you hear me yes johny do you do you do
riso para gilteu risoreflete no teu cantorima ricaraio de solem dente de ouro“everything is gonna be alright”teu risodiz simteu risosatisfazenquanto o solque imita teu risonão saitão longe eu lhe disse até logoum pouco de tudo passou-se outra veze foi uma vez toda feita de jogosaquela outra vez que não soube ser vezpois voltou e voltou e voltousem saber que de duas umanunca são trêsquero a vitória
do time de várzeavalentecovarde
a derrotado campeão
5 X 0em seu próprio chão
circodentrodo pão
um pouco de maoem todo poema que ensinaquanto menormais do tamanho da chinade repenteme lembro do verdeda cor verdea mais verde que existea cor mais alegrea cor mais triste
o verde que vesteso verde que vestisteo dia em que eu te vio dia em que me vistede repentevendi meus filhosa uma família americanaeles têm carroeles têm granaeles têm casaa grama é bacanasó assim eles podem voltare pegar um sol em copacabana
carta ao acasoa carta do baralhogrande giletecorta sem barulhoo olho do valeteo rei a fio de espadaa água e a farinhauma só passadaa espada na rainhasoubesse que era assimnão tinha nascidoe nunca teria sabidoninguém nasce sabendoaté que eu sou meio esquecidomas disso eu sempre me lembronuvens brancaspassam
em brancas nuvensmeus amigosquando me dão a mãosempre deixamoutra coisapresençaolharlembrançacalormeus amigosquando me dãodeixam na minhaa sua mãoo pauloleminskié um cachorro loucoque deve ser mortoa pau a pedraa fogo a piquesenão é bem capazo filhadaputade fazer choverem nosso piqueniquequeima me um beijo fogueira de restos do amorqueima se podequeima a suspeita que em meu peito teimaquebra meu dia que em tanta pedra explode
queima meu nome que em fogo teu transformeessa tempestade a vida em tempo de poesiaqueima me tanto que me lembre sempreo vento que me leva para a frente ventaniadia de reis passouo ano avança a maioos reis passaramflormariatrabalhoo povo ficoumãemaioriaos povos ficaramnascemos em poemas diversosdestino quis que a gente se achassena mesma estrofe e na mesma classeno mesmo verso e na mesma fraserima à primeira vista nos vimostrocamos nossos sinônimosolhares não mais anônimosnesta altura da leituranas mesmas pistasmistas a minha a tua a nossa linhaacordei bemoltudo estava sustenidosol faziasó não fazia sentidoAmor, então,também, acaba?Não, que eu saiba.O que eu seié que se transformanuma matéria-primaque a vida se encarregade transformar em raiva.Ou em rima.parisonovayorquizomoscoviteiosem sair do barsó não levanto e vou embora
porque tem paísesque eu nem chego a madagascarmira telescópicade rifle de precisãoou janela quebradaonde uma criança se debruçapra ver as coisas que sãocenas da revolução russa?ameixasame-asou deixe-asparemeu confessosou poetacada manhã que nasceme nasceuma rosa na faceparemeu confessosou poetasó meu amor é meu deuseu sou o seu profetaQUE TAL SEFOSSE REALESSE REALCEQUE GIL SEVIU VIAJOUSE VIA GIL?o barrotoma a formaque você quiservocê nem sabeestar fazendo apenaso que o barro quergrande angular para a zapas cidades do ocidentenas planíciesna beira-mardo lado dos riosferas abatidas a tirodurante a noitede dia
um motor mantém todasvivas e acesas LUCROà noitefantasmas das coisas não ditassombras das coisas não feitasvêmpé ante pémexer em seus sonhosas cidades do ocidentegritamgritamdemônios loucospor toda a madrugadao poemana páginauma cortinana janelauma paisagemassassinaascensão apogeu e queda da vida paixão e mortedo poeta enquanto ser que chora enquantochove lá fora e alguém cantaa última esperança de chegarà estação da luz e pegar o primeiro trempara muito além das serras que azulam no horizontee o separam da aurora da sua vidainvernoprimaverapoeta équem se consideranunca quis serfreguês distintopedindo isso e aquilovinho tintoobrigadohasta la vistaqueria entrarcom os dois pésno peito dos porteirosdizendo pro espelho— cala a bocae pro relógio
— abaixo os ponteirosà pureza com que sonhao compositor popularum dia poder comporuma canção de ninar
it’s only lifebut i like it
let’s gobaby
let’s gothis is lifeit is not
rock and roll
ideolágrimas
no que eu sintasim um pouco de papelmuito de fitae um tanto de tintapego esse mundobato na cabeçaquem sabe eu esqueçaquem sabe ele enfimhaikai do mundohaikai de mima água que me chamaem mim deságuaa chama que me máguaduas folhas na sandáliao outonotambém quer andarhoje à noiteaté as estrelascheiram a flor de laranjeiraa palmeira estremecepalmas para elaque ela merecerelógio paradoo ouvido ouveo tic tac passadopity
pitythe bird
tothecitya estrela cadenteme caiu ainda quentena palma da mãonoitea vespa pica
a estrela vésperpassa e voltaa cada goleuma revoltabateu na patentebatata
tem genteaqui é altoanos não ouçoo c(h)oro dos saposverde a árvore caídavira amareloa última vez na vidanada me demoveainda vou sero pai dos irmãos karamázovpor um fio
o fio foi-seo fio da foice
no espelhode relance
a cor do sonhode ontem
beijaflorna chuvagotaalgumaderrubana ruasem resistirme chamamtorno a existirlua de outonopor tiquantos s/ sononada que eu façaaltera este fatoa folha de alfaceé a última no pratodebruçado num buracovendo o vazio
ir e vircasa com cachorro brabomeu anjo da guarda
abana o rabono chãominhas sandálias
pegadascomo pegá-las?furta a florao crepúsculo cor de frutapássaro tecnicólormilagre de invernoagora é ouroa água das laranjas
xavantemuitos xxxxx
avanteluxo saberalém destas telhasum céu de estrelasa chuva é fracacresçam com forçalínguas-de-vacasumiuo ciúmevagavazioo vaga
lumeas coisas estão pretasuma chuva de estrelasdeixa no papelesta poça de letrasriodo que não rio
rindoda criança rindo
esquentar numa fogueirao frio que sintoao contemplar estrelas?cabelos que me caemem cada ummil anos de haikaia folhas tantaso outononem sabe a quantas1o dia de aulana sala de aula
eu e a salaroupas no varaldeus seja louvadoentre as coisas lavadasa chuva vem de cimacorremcomo se viesse atrása flauta índiadiz sempre
não ainda
sol-te
contos semióticos
papajoyceatwork(Noite. Joyce começa a escrever)Madmanam eye! Light gone out!(Cai no papel)Mustmakesomething! Reverythming!(Morde os lábios e gargalha)A poorirish is a writer mehrlichtsearching, yesternighteternidades!(Troveja. Relâmpagos iluminam o quarto. Joyce prossegue)Thomasmorrows? Horriver!Nice and sweet — the speech of England, damnyou! Dont?Must destroy it, just like a destroyer would do it yourself!
[Como um verme. Yes, I no.Done to Ireland! What have they done? It will do.Beforeblacksblanco, we are even, this very evening! Think is so.My vengeance will be as big as say a country as big as say Brazil.Someday my prince will come. Our prince: Seabastião!Arrise, Lewisrockandcarroll!Waterrestrela, am I a dayer?Just a wakewriter.
o assassino era o escribaMeu professor de análise sintática era o tipo do sujeito inexistente.Um pleonasmo, o principal predicado da sua vida, regular como um paradigma da 1a
conjugação.Entre uma oração subordinada e um adjunto adverbial, ele não tinha dúvidas: sempreachava um jeito assindético de nos torturar com um aposto.Casou com uma regência.Foi infeliz.Era possessivo como um pronome.E ela era bitransitiva.Tentou ir para os eua.Não deu.Acharam um artigo indefinido em sua bagagem.A interjeição do bigode declinava partículas expletivas, conetivos e agentes da passiva,o tempo todo.Um dia, matei-o com um objeto direto na cabeça.
invenções
hai-cai: hi-fii.chovena únicaqu’houvecavalo com guizossigo com os olhose me cavalizode espantoespontânea ohespantânea
o a o o a ecor jib gat vac chu estv b é c v evoo boi tão cuo uva mesé a l é é mneg com ent ond mai smor m o e o mati ome qua vac aio mesv u n c e aviv hum nto cas que esmo m l v o m
boi end vão gua smoo b r n
ber rda estc achu mesv muva sma
a mesa
a grave advertência dos portões de bronzedas mansões senhoriais
a advertência dos portões das mansõesa advertência dos portões
a advertênciaa ânsia
materesmofotemaserfomotermosfameotremesfoomametrofasemomortemesafoamorfotemesemarometesferamosfetemfetomormesamesamorfetoefatormesommaefortosemsaotemorfemtermosefomafaseortomemmotormefasematermofesometaformose
distraídosvenceremos[1987]
nota do editorDistraídos venceremos é a última obra poética de Leminski publicada em vida, em 1987, pela editora
Brasiliense. Na abertura do livro havia um índice autoral, intitulado “Índice, ícone e símbolo”. Optamos por
não reproduzi-lo, já que há um sumário no começo deste volume e um índice de primeiros versos ao nal. A
primeira edição conta também com uma apresentação do autor, “Transmatéria contrassenso”, que foi
incluída aqui no apêndice.
Em direção a Alice,cúmplice nesse crime de lesa-vidachamado poesia.Para Antonio Cícero, Arnaldo “Titã” Antunese — sobretudo — para Itamar Assumpção.
Que flecha é aquela no calcanhar daquilo? Pelapena, é persa, pela precisão do tiro, um mestre.Ora, os mestres persas são sempre velhos. E mestre,persa e velho só pode ser Artaxerxes ou umirmão, ou um amigo, ou discípulo, ou entãosimplesmente alguém que passava e atirou por despautérionum momento gaudério de distração.
Catatau, p. 33.
distraídos venceremos
aviso aos náufragosEsta página, por exemplo,não nasceu para ser lida.Nasceu para ser pálida,um mero plágio da Ilíada,alguma coisa que cala,folha que volta pro galho,muito depois de caída.Nasceu para ser praia,quem sabe Andrômeda, Antártida,Himalaia, sílaba sentida,nasceu para ser últimaa que não nasceu ainda.Palavras trazidas de longepelas águas do Nilo,um dia, esta página, papiro,vai ter que ser traduzida,para o símbolo, para o sânscrito,para todos os dialetos da Índia,vai ter que dizer bom-diaao que só se diz ao pé do ouvido,vai ter que ser a brusca pedraonde alguém deixou cair o vidro.Não é assim que é a vida?
a lei do quãoDeve ocorrer em breveuma brisa que leveum jeito de chuvaà última branca de neve.Até lá, observe-sea mais estrita disciplina.A sombra máximapode vir da luz mínima.
minifestoave a raiva desta noitea baita lasca fúria abruptalouca besta vaca soltaruiva luz que contra o diatanto e tarde madrugastesmorra a calma desta tardemorra em ouroenfim, mais sedaa morte, essa fraude,quando prósperaviva e morra sobretudoeste dia, metal vil,surdo, cego e mudo,nele tudo foi e, se ser foi tudo,já nem tudo nem seise vai saber a primaveraou se um dia sabereique nem eu saber nem ser nem eraVim pelo caminho difícil,a linha que nunca termina,a linha bate na pedra,a palavra quebra uma esquina,mínima linha vazia,a linha, uma vida inteira,palavra, palavra minha.
adminimistérioQuando o mistério chegar,já vai me encontrar dormindo,metade dando pro sábado,outra metade, domingo.Não haja som nem silêncio,quando o mistério aumentar.Silêncio é coisa sem senso,não cesso de observar.Mistério, algo que, penso,mais tempo, menos lugar.Quando o mistério voltar,meu sono esteja tão solto,nem haja susto no mundoque possa me sustentar.Meia-noite, livro aberto.Mariposas e mosquitospousam no texto incerto.Seria o branco da folha,luz que parece objeto?Quem sabe o cheiro do preto,que cai ali como um resto?Ou seria que os insetosdescobriram parentescocom as letras do alfabeto?
distâncias mínimasum texto morcegose guia por ecosum texto texto cegoum eco anti anti anti antigoum grito na parede rede redevolta verde verde verdecom mim com com consigoouvir é ver se se se se seou se se me lhe te sigo?saudosa amnésia
a um amigo que perdeu a memóriaMemória é coisa recente.Até ontem, quem lembrava?A coisa veio antes,ou, antes, foi a palavra?Ao perder a lembrança,grande coisa não se perde.Nuvens, são sempre brancas.O mar? Continua verde.
icebergUma poesia ártica,claro, é isso que desejo.Uma prática pálida,três versos de gelo.Uma frase-superfícieonde vida-frase algumanão seja mais possível.Frase, não. Nenhuma.Uma lira nula,reduzida ao puro mínimo,um piscar do espírito,a única coisa única.Mas falo. E, ao falar, provoconuvens de equívocos(ou enxame de monólogos?).Sim, inverno, estamos vivos.
por um lindésimo de segundotudo em mimanda a miltudo assimtudo por um fiotudo feitotudo estivesse no ciotudo pisando maciotudo psiutudo em minha voltaanda às tontascomo se as coisasfossem todasafinal de contasTransar bem todas as ondasa Papai do Céu pertence,fazer as luas redondasou me nascer paranaenseA nós, gente, só foi dadaessa maldita capacidade,transformar amor em nada.passe a expressãoEsses tais artefatosque diriam minha angústia,tem umas que vêm fácil,tem muitas que me custa.Tem horas que é caco de vidro,meses que é feito um grito,tem horas que eu nem duvido,tem dias que eu acredito.Então seremos todos gêniosquando as privadas do mundovomitarem de voltatodos os papéis higiênicos.o mínimo do máximoTempo lento,espaço rápido,quanto mais penso,menos capto.Se não pego issoque me passa no íntimo,importa muito?
Rapto o ritmo.Espaçotempo ávido,lento espaçodentro,quando me aproximo,apenas o mínimoem matéria de máximo.signo ascendenteNem todo espelhoreflita este hieroglifo.Nem todo olhodecifre esse ideograma.Se tudo existepara acabar num livro,se tudo enigmaa alma de quem ama!além alma(uma grama depois)Meu coração lá de longefaz sinal que quer voltarJá no peito trago em bronze:NÃO TEM VAGA NEM LUGAR
Pra que me serve um negócioque não cessa de bater?Mais me parece um relógioque acaba de enlouquecer.Pra que é que eu quero quem chora,se estou tão bem assim,e o vazio que vai lá foracai macio dentro de mim?plena pausaLugar onde se fazo que já foi feito,branco da página,soma de todos os textos,foi-se o tempoquando, escrevendo,era precisouma folha isenta.Nenhuma páginajamais foi limpa.Mesmo a mais Saara,ártica, significa.
Nunca houve isso,uma página em branco.No fundo, todas gritam,pálidas de tanto.
merda e ouroMerda é veneno.
No entanto, não há nadaque seja mais bonitoque uma bela cagada.
Cagam ricos, cagam padres,cagam reis e cagam fadas.
Não há merda que se compareà bosta da pessoa amada.
o par que me parecePesa dentro de mim
o idioma que não fiz,aquela língua sem fim
feita de ais e de aquis.Era uma língua bonita,
música, mais que palavra,alguma coisa de hitita,
praia do mar de Java.Um idioma perfeito,
quase não tinha objeto.Pronomes do caso reto,
nunca acabavam sujeitos.Tudo era seu múltiplo,
verbo, triplo, prolixo.Gritos eram os únicos.
O resto ia pro lixo.Dois leos em cada pardo,
dois saltos em cada pulo,eu que só via a metade,
silêncio, está tudo duplo.arte do cháainda ontemconvidei um amigopara ficar em silênciocomigoele veiomeio a esmopraticamente não disse nadae ficou por isso mesmoproemaNão há verso,tudo é prosa,
passos de luznum espelho,verso, ilusãode ótica,verde,o sinal vermelho.Coisafeita de brisa,de mágoae de calmaria,dentrode um tal poema,qual poesiapousaria?Eu, hoje, acordei mais cedoe, azul, tive uma ideia clara.Só existe um segredo.Tudo está na cara.desencontráriosMandei a palavra rimar,ela não me obedeceu.Falou em mar, em céu, em rosa,em grego, em silêncio, em prosa.Parecia fora de si,a sílaba silenciosa.Mandei a frase sonhar,e ela se foi num labirinto.Fazer poesia, eu sinto, apenas isso.Dar ordens a um exército,para conquistar um império extinto.o que quer dizerpara Haroldo de Campos,translator maximusO que quer dizer, diz.Não fica fazendoo que, um dia, eu sempre fiz.Não fica só querendo, querendo,coisa que eu nunca quis.O que quer dizer, diz.Só se dizendo num outroo que, um dia, se disse,um dia, vai ser feliz.
um metro de grito(máquinas líquidas)Leiam-se índices,mil olhos de lince,entre meus filmes,leonardos da vinci.Abri-vos, arcas, arquivos,súmulas de equívocos,fechados,para que servem os livros?Livros de vidro,discos, issos, aquilos,coisas que eu vendo a metro,eles me compram aos quilos.Líquidas lâminas,linhas paralelas,quanto me dãopor minhas ideias?sorte no jogoazar no amorde que me servesorte no amorse o amor é um jogoe o jogo não é meu forte,meu amor?claro calar sobre uma cidade sem ruínas(ruinogramas)Em Brasília, admirei.Não a niemeyer lei,a vida das pessoaspenetrando nos esquemascomo a tinta sangueno mata-borrão,crescendo o vermelho gente,entre pedra e pedra,pela terra adentro.Em Brasília, admirei.O pequeno restaurante clandestino,criminoso por estarfora da quadra permitida.Sim, Brasília.Admirei o tempo
que já cobre de anostuas impecáveis matemáticas.Adeus, Cidade.O erro, claro, não a lei.Muito me admirastes,muito te admirei.Carrego o peso da lua,Três paixões mal curadas,Um saara de páginas,Essa infinita madrugada.Viver de noiteMe fez senhor do fogo.A vocês, eu deixo o sono.O sonho, não.Esse, eu mesmo carrego.nomes a menosNome mais nome igual a nome,uns nomes menos, uns nomes mais.Menos é mais ou menos,nem todos os nomes são iguais.Uma coisa é a coisa, par ou ímpar,outra coisa é o nome, par e par,retrato da coisa quando límpida,coisa que as coisas deixam ao passar.Nome de bicho, nome de mês, nome de estrela,nome dos meus amores, nomes animais,a soma de todos os nomes,nunca vai dar uma coisa, nunca mais.Cidades passam. Só os nomes vão ficar.Que coisa dói dentro do nomeque não tem nome que contenem coisa pra se contar?volta em abertoAmbígua voltaem torno da ambígua ida,quantas ambiguidadesse pode cometer na vida?Quem parte leva um jeitode quem traz a alma torta.Quem bate mais na porta?Quem parte ou quem torna?o náufrago náugrafo
a letra A afunda no Atlânticoe pacífico comtemplo a lutaentre a rápida letrae o oceanolentoassimfundo e me afundode todos os náufragosnáugrafoo náufragomaisprofundobem no fundono fundo, no fundo,bem lá no fundo,a gente gostariade ver nossos problemasresolvidos por decretoa partir desta data,aquela mágoa sem remédioé considerada nulae sobre ela — silêncio perpétuoextinto por lei todo o remorso,maldito seja quem olhar pra trás,lá pra trás não há nada,e nada maismas problemas não se resolvem,problemas têm família grande,e aos domingos saem todos passearo problema, sua senhorae outros pequenos probleminhassem budismoPoema que é bomacaba zero a zero.Acaba com.Não como eu quero.Começa sem.Com, digamos, certo verso,veneno de letra,
bolero. Ou menos.Tira daqui, bota dali,um lugar, não caminho.Prossegue de si.Seguro morreu de velho,e sozinho.o amor, esse sufoco,agora há pouco era muito,agora, apenas um soproah, troço de louco,corações trocando rosas,e socoso hóspede despercebidoDeixei alguém nesta salaque muito se distinguia&de alguém que ninguém se chamava,quando eu desaparecia.Comigo se assemelhava,mas só na superfície.Bem lá no fundo, eu, palavra,não passava de um pastiche.Uns restos, uns traços, um dia,meus tios, minhas mães e meus paisme chamarem de volta pra dentro,eu ainda não volte jamais.Mas ali, logo ali, nesse espaço,lá se vai, exemplo de mim,algo, alguém, mil pedaços,meio início, meio a meio, sem fim.aço em flor
para Koji Sakaguchi,portal amigo entre o
Japão e o BrasilQuem nunca viuque a flor, a faca e a feratanto fez como tanto faz,e a forte flor que a faca fazna fraca carne,um pouco menos, um pouco mais,quem nunca viua ternura que vaino fio da lâmina samurai,esse, nunca vai ser capaz.
a lua no cinemaA lua foi ao cinema,passava um filme engraçado,a história de uma estrelaque não tinha namorado.Não tinha porque era apenasuma estrela bem pequena,dessas que, quando apagam,ninguém vai dizer, que pena!Era uma estrela sozinha,ninguém olhava pra ela,e toda a luz que ela tinhacabia numa janela.A lua ficou tão tristecom aquela história de amor,que até hoje a lua insiste:— Amanheça, por favor!anch’io son pittorefra angélicoquando pintavauma madona col bambinose ajoelhava e rezavacomo se fosse um meninoorava diante da obracomo se fosse pecadopintar aquela senhorasem estar ajoelhadoorava como se a obrafosse de deus não do homempodem ficar com a realidadeesse baixo-astralem que tudo entra pelo canoeu quero viver de verdadeeu fico com o cinema americanolitogravuraMão de estátua.Templo. Coluna. Arco de triunfo.Mil duzentos e cinquenta.Qualquer pedra na Europaé suspeita de sermais do que aparenta.Felizes as pedras da minha terra
que nunca foram senão pedras.Pedras, a lua esfriae o sol esquenta.rimas da moda
1930 1960 1980
amor homem amador come cama
fome
eu ontem tive a impressãoque deus quis falar comigonão lhe dei ouvidosquem sou eu para falar com deus?ele que cuide dos seus assuntoseu cuido dos meus300 000 km por segundoDe que música gostamos pernilongos?De Schubert, de Wagner,de Debussy?Não gostam de nada,a julgar por este aqui.Apenas um solo de silêncio,isso sim,eu ouvi.parada cardíacaEssa minha securaessa falta de sentimentonão tem ninguém que segurevem de dentroVem da zona escuradonde vem o que sintosinto muitosentir é muito lento
como se eu fosse júlio plazaprazerda pura percepçãoos sentidossejam a críticada razãosortes e cortesa linha clara a tesoura traça na folha branca
separa a folha a folha da forma a formaum diabo habita o branco do olho da páginaclaro oculto entre as claridadeso vazio passa e deixa uma saudade
imprecisa premissa(quantas curitibas cabem numa só Curitiba?)
Cidades pequenas,como dói esse silêncio,cantilenas, ladainhas,
tudo aquilo que nem penso,esse excesso
que me faz ver todo o senso,imprecisa premissa,definitiva preguiça
com que sobe, indeciso,o mais ou menos do incenso.
Vila de Nossa Senhorada Luz dos Pinhais,
tende piedade de nós.hard feelings
(a riddle for Martha)Oceans,emotions,ships, ships,and other relationships,keep us goingthrough the fogand wandering mist.What is itthat I missed?sujeito indiretoQuem dera eu achasse um jeitode fazer tudo perfeito,feito a coisa fosse o projetoe tudo já nascesse satisfeito.Quem dera eu visse o outro lado,o lado de lá, lado meio,onde o triângulo é quadradoe o torto parece direito.Quem dera um ângulo reto.Já começo a ficar cheiode não saber quando eu falto,
de ser, mim, indireto sujeito.para que leda me leiaprecisa papel de sedaprecisa pedra e areiapara que leia me ledaprecisa lenda e certezaprecisa ser e sereiapara que apenas me vejapena que seja ledaquem quer você que me leiaEste poema já foi musicado duas vezes. Uma por Moraes Moreira, outra por Itamar Assumpção. Que tal você?
pareça e desapareçaParece que foi ontem.Tudo parecia alguma coisa.O dia parecia noite.E o vinho parecia rosas.Até parece mentira,tudo parecia alguma coisa.O tempo parecia pouco,e a gente se parecia muito.A dor, sobretudo,parecia prazer.Parecer era tudoque as coisas sabiam fazer.O próximo, eu mesmo.Tão fácil ser semelhante,quando eu tinha um espelhopra me servir de exemplo.Mas vice-versa e vide a vida.Nada se parece com nada.A fita não coincideCom a tragédia encenada.Parece que foi ontem.O resto, as próprias coisas contem.
ais ou menos
ais ou menos(oração pela descrença)
Senhor,peço poderes sobre o sono,esse sol em que me ponhoa sofrer meus ais ou menos,sombra, quem sabe, dentro de um sonho.Quero forças para o saltodo abismo onde me encontroao hiato onde me falto.Por dentro de mim, a pedra,e, aos pés da pedra,essa sombra, pedra que se esfalfa.Pedra, letra, estrela à solta,sim, quero viver sem fé,levar a vida que faltasem nunca saber quem é.voláteisAnos andando no mato,nunca vi um passarinho morto,como vi um passarinho nato.Onde acabam esses voos?Dissolvem-se no ar, na brisa, no ato?São solúveis em água ou em vinho?Quem sabe, uma doença dos olhos.Ou serão eternos os passarinhos?como pode?Soa estranho, esta manhã,tudo o que sempre foi meu, como pode?Como pode que esse som lá fora,os sons da vida, a voz de todo dia,pareça ficção científica?Como pode que esta palavra,que já vi mil vezes e mil vezes disse,não signifique mais nada,a não ser que o dia, a noite, a madrugada,a não ser que tudo não é nada disso?Pode que eu já não seja mais o mesmo.Pode a luz, pode ser, pode céu e pode quanto.Pode tudo o que puder poder.Só não pode ser tanto.Marginal é quem escreve à margem,
deixando branca a páginapara que a paisagem passee deixe tudo claro à sua passagem.Marginal, escrever na entrelinha,sem nunca saber direitoquem veio primeiro,o ovo ou a galinha.rosa rilke raimundo correiaUma pálpebra,mais uma, mais outras,enfim, dezenasde pálpebras sobre pálpebrastentando fazerdas minhas trevasalguma coisa a maisque lágrimas
três metadesMeio dia,
um dia e meio,meio dia, meio noite,metade deste poemanão sai na fotografia,
metade, metade foi-se.Mas eis que a terça metade,
aquela que é menos dosede matemática verdade
do que soco, tiro, ou coice,vai e vem como coisa
de ou, de nem, ou de quase.Como se a gente tivesse
metades que não combinam,três partes, destempestades,
três vezes ou vezes três,como se quase, existindo,
só nos faltasse o talvez.impuro espíritoraro respiroo ar que aqui tentaarquitetoum vago voo
vampiroai daqueles
que se amaram sem nenhuma brigaaqueles que deixaramque a mágoa novavirasse a chaga antigaai daqueles que se amaramsem saber que amar é pão feito em casae que a pedra só não voaporque não quernão porque não tem asao atraso pontualOntens e hojes, amores e ódio,adianta consultar o relógio?Nada poderia ter sido feito,a não ser no tempo em que foi lógico.Ninguém nunca chegou atrasado.Bênçãos e desgraçasvêm sempre no horário.Tudo o mais é plágio.Acaso é este encontroentre o tempo e o espaçomais do que um sonho que eu contoou mais um poema que eu faço?Nem tudo envelhece.O brilho púrpura,sob a água pura,ah, se eu pudesse.Nem tudo,sentir fica.Fica como fica a magnólia,magnífica.segundo constaO mundo acabando,podem ficar tranquilos.Acaba voltandotudo aquilo.Reconstruam tudosegundo a planta dos meus versos.Vento, eu disse como.Nuvem, eu disse quando.Sol, casa, rua,reinos, ruínas, anos,disse como éramos.
Amor, eu disse como.E como era mesmo?peguei as cinco estrelasdo céu uma a umaelas estrelas não vierammas na minha mãotodas elasainda me perfuma
asas e azaresVoar com asa ferida?
Abram alas quando eu falo.Que mais foi que fiz na vida?
Fiz, pequeno, quando o tempoestava todo do meu lado
e o que se chama passado,passatempo, pesadelo,só me existia nos livros.
Fiz, depois, dono de mim,quando tive que escolher
entre um abismo, o começo,e essa história sem fim.
Asa ferida, asaferida,
meu espaço, meu herói.A asa arde. Voar, isso não dói.
razão de serEscrevo. E pronto.Escrevo porque preciso,preciso porque estou tonto.Ninguém tem nada com isso.Escrevo porque amanhece,e as estrelas lá no céulembram letras no papel,quando o poema me anoitece.A aranha tece teias.O peixe beija e morde o que vê.Eu escrevo apenas.Tem que ter por quê?desaparecençaNada com nada se assemelha.Qual seria a diferençaentre o fogo do meu sangue
e esta rosa vermelha?Cada coisa com seu peso,cada quilômetro, seu quilo.De que é que adianta dizê-lo,isto, sim, é como aquilo?Tudo o mais que acontece,nunca antes sucedeu.E mesmo que sucedesse,acontece que esqueceu.Coisas não são parecidas,nenhum paralelo possível.Estamos todos sozinhos.Eu estou, tu estás, eu estive.impasseParece coisa da pedra,alguma pedra preciosa,vidro capaz de treva,névoa capaz de prosa.Pela pele, é lírio,aquela pura delícia.Mas, por ela, a vida,a mancha horrível, desliza.diversonagens suspersasMeu verso, temo, vem do berço.Não versejo porque eu quero,versejo quando conversoe converso por conversar.Pra que sirvo senão pra isto,pra ser vinte e pra ser visto,pra ser versa e pra ser vice,pra ser a supersuperfícieonde o verbo vem ser mais?Não sirvo pra observar.Verso, persevero e conservoum susto de quem se perdeno exato lugar onde está.Onde estará meu verso?Em algum lugar de um lugar,onde o avesso do inversocomeça a ver e ficar.Por mais prosas que eu perverta,não permita Deus que eu perca
meu jeito de versejar.narájowUma mosca pouse no mapae me pouse em Narájow,a aldeia donde veioo pai do meu pai,o que veio fazer a América,o que vai fazer o contrário,a Polônia na memória,o Atlântico na frente,o Vístula na veia.Que sabe a mosca da feridaque a distância faz na carne viva,quando um navio sai do portojogando a última partida?Onde andou esse mapaque só agora estende a palmapara receber essa mosca,que nele cai, matemática?pergunte ao pócresce a vidacresce o tempocresce tudoe vira sempreesse momentocresce o pontobem no meiodo amor seu centroassim comoo que a gente sentee não dizcresce dentrov, de viagemViajar me deixaa alma rasa,perto de tudo,longe de casa.Em casa, estava a vida,aquela que, na viagem,viajava, belae adormecida.A vida viajava
mas não viajava eu,que toda viagemé feita só de partida.ler pelo nãoLer pelo não, quem dera!Em cada ausência, sentir o cheiro fortedo corpo que se foi,a coisa que se espera.Ler pelo não, além da letra,ver, em cada rima vera, a prima pedra,onde a forma perdidaprocura seus etcéteras.Desler, tresler, contraler,enlear-se nos ritmos da matéria,no fora, ver o dentro e, no dentro, o fora,navegar em direção às Índiase descobrir a América.Adeus, coisas que nunca tive,dívidas externas, vaidades terrenas,lupas de detetive, adeus.Adeus, plenitudes inesperadas,sustos, ímpetos e espetáculos, adeus.Adeus, que lá se vão meus ais.Um dia, quem sabe, sejam seus,como um dia foram dos meus pais.Adeus, mamãe, adeus, papai, adeus,adeus, meus filhos, quem sabe um diatodos os filhos serão meus.Adeus, mundo cruel, fábula de papel,sopro de vento, torre de babel,adeus, coisas ao léu, adeus.último avisocaso alguma coisa me acontecer,informem a família,foi assim, assim tinha que sertinha que ser dor e doresse processo de crescertinha que vir dobradoesse medo de não sertinha que ser mistérioesse meu modo de desaparecerum poema, por exemplo,
caso alguma coisa me suceder,vá que seja um indícioquem sabe ainda não acabei de escreverdespropósito geralEsse estranho hábito,escrever obras-primas,não me veio rápido.Custou-me rimas.Umas, paguei caro,liras, vidas, preços máximos.Umas, foi fácil.Outras, nem falo.Me lembro dumaque desfiz a socos.Duas, em suma.Bati mais um pouco.Esse estranho abuso,adquiri, faz séculos.Aos outros, as músicas.Eu, senhor, sou todo ecos.m, de memóriaOs livros sabem de cormilhares de poemas.Que memória!Lembrar, assim, vale a pena.Vale a pena o desperdício,Ulisses voltou de Troia,assim como Dante disse,o céu não vale uma história.Um dia, o diabo veioseduzir um doutor Fausto.Byron era verdadeiro.Fernando, pessoa, era falso.Mallarmé era tão pálido,mais parecia uma página.Rimbaud se mandou pra África,Hemingway de miragens.Os livros sabem de tudo.Já sabem deste dilema.Só não sabem que, no fundo,ler não passa de uma lenda.
até mais
Até tu, matéria bruta,até tu, madeira, massa e músculo,
vodka, fígado e soluço,luz de vela, papel, carvão e nuvem,
pedra, carne de abacate, água de chuva,unha, montanha, ferro em brasa,
até vocês sentem saudade,queimadura de primeiro grau,
vontade de voltar pra casa?Argila, esponja, mármore, borracha,
cimento, aço, vidro, vapor, pano e cartilagem,tinta, cinza, casca de ovo, grão de areia,
primeiro dia de outono, a palavra primavera,número cinco, o tapa na cara, a rima rica,a vida nova, a idade média, a força velha,
até tu, minha cara matéria,lembra quando a gente era apenas uma ideia?
incenso fosse músicaisso de querer
ser exatamente aquiloque a gente é
ainda vainos levar alémgardênias e hortênsias
não façam nadaque me lembre
que a este mundo eu pertençadeixem-me pensar
que tudo não passade uma terrível coincidênciaÀ glória sucede
o que sucede à água:por mais água que beba,
qual lhe sacia a sede?Diverso o sucesso,
basta-lhe um versopara essa desgraça
que se chama dar certo.objeto sujeito
você nunca vai saberquanto custa uma saudade
o peso agudo no peito
de carregar uma cidadepelo lado de dentro
como fazer de um versoum objeto sujeito
como passar do presentepara o pretérito perfeito
nunca saber direitovocê nunca vai saber
o que vem depois de sábadoquem sabe um século
muito mais lindo e mais sábioquem sabe apenasmais um domingo
você nunca vai sabere isso é sabedoria
nada que valha a penaa passagem pra pasárgada
xanadu ou shangriláquem sabe a chave
de um poemae olha lá
poesia: 1970Tudo o que eu façoalguém em mim que eu desprezosempre acha o máximo.Mal rabisco,não dá mais pra mudar nada.Já é um clássico.
kawa cauimdesarranjos florais
O ideograma de kawa, “rio” em japonês, pictograma de um uxo de água corrente, sempre me pareceurepresentar (na vertical) o esquema do haikai, o sangue dos três versos escorrendo na parede da página…
haiEis que nasce completoe, ao morrer, morre germe,o desejo, analfabeto,de saber como reger-me,ah, saber como me ajeitopara que eu seja quem fui,eis o que nasce perfeitoe, ao crescer, diminui.kaiMínimo templopara um deus pequeno,aqui vos guarda,em vez da dor que peno,meu extremo anjo de vanguarda.De que máscarase gaba sua lástima,de que vagase vangloria sua história,saiba quem saiba.A mim me bastaa sombra que se deixa,o corpo que se afasta.amei em cheiomeio amei-omeio não amei-opelos caminhos que andoum dia vai sersó não sei quandomeiodia três coreseu disse ventoe caíram todas as floresabrindo um antigo cadernofoi que eu descobriantigamente eu era eternoo mar o azul o sábadoliguei pro céumas dava sempre ocupadoenfim,nu,como vimviu-me,
e passou,como um filmeera uma vezo sol nascenteme fecha os olhosaté eu virar japonêsnoite sem sonoo cachorro lateum sonho sem donorio do mistérioque seria de mimse me levassem a sério?choveuna carta que você mandouquem mandou?praias praias sinaisum olhar tão longeesse olhar ninguém olha
jamaisentre os garotos de bicicletao primeiro vaga-lumede mil novecentos e oitenta e setesombrasderrubamsombrasquando a trevaestá madurasombraso vento levasombranenhuma
duraprimeiro frio do anofui felizse não me enganoretrato de ladoretrato de frentede mim me façaficar diferentena torre da igrejao passarinho pausapousa assim feito pousasse
o efeito na causaentrea águae o chádesabrochao maracujáano novoanos buscandoum ânimo novoalvoradaalvoroçotroco minha almapor um almoçotemporalfazia tempoque eu não me sentiatão sentimentalcortinas de sedao vento entrasem pedir licençalua à vistabrilhavas assimsobre auschwitz?hoje à noitelua altafalteie ninguém sentiua minha faltatudo dito,nada feito,fito e deitotarde de ventoaté as árvoresquerem vir para dentrotudo claroainda não era o diaera apenas o raio
la vie en close[1991]
nota do editorO livro La vie en close foi publicado postumamente, em 1991, pela editora Brasiliense.Reúne textos selecionados por Leminski e Alice Ruiz S em 1988, além de algunspoemas que ele escreveu até a sua morte, em 1989, e poemas mais antigos, como “oesplêndido corcel”, que integrava o volume Não fosse isso e era menos não fosse tanto eera quase (1980). O processo de seleção é descrito em detalhe por Alice no texto queaparece nas orelhas da primeira edição, incluído aqui no apêndice.
l’être avant la lettrela vie en closec’est une autre chosec’est lui
c’est moic’est ça
c’est la vie des chosesqui n’ont pas
un autre choix
um bom poemaleva anoscinco jogando bola,mais cinco estudando sânscrito,seis carregando pedra,nove namorando a vizinha,sete levando porrada,quatro andando sozinho,três mudando de cidade,dez trocando de assunto,uma eternidade, eu e você,caminhando junto
limites ao léupoesia: “words set to music” (Dante via Pound), “uma viagem ao desconhecido”(Maiakóvski), “cernes e medulas” (Ezra Pound), “a fala do infalável” (Goethe),“linguagem voltada para a sua própria materialidade” (Jakobson), “permanentehesitação entre som e sentido” (Paul Valéry), “fundação do ser mediante a palavra”(Heidegger), “a religião original da humanidade” (Novalis), “as melhores palavras namelhor ordem” (Coleridge), “emoção relembrada na tranquilidade” (Wordsworth),“ciência e paixão” (Alfred de Vigny), “se faz com palavras, não com ideias” (Mallarmé),“música que se faz com ideias” (Ricardo Reis/Fernando Pessoa), “um ngimentodeveras” (Fernando Pessoa), “criticism of life” (Matthew Arnold), “palavra-coisa”(Sartre), “linguagem em estado de pureza selvagem” (Octavio Paz), “poetry is toinspire” (Bob Dylan), “design de linguagem” (Décio Pignatari), “lo imposible hechoposible” (García Lorca), aquilo que se perde na tradução” (Robert Frost), “a liberdadeda minha linguagem” (Paulo Leminski)…
A quem me queimae, queimando, reina,valha esta teima.Um dia, melhor me queira.
ouverture la vie en closeem latim“porta” se diz “janua”e “janela” se diz “fenestra”a palavra “fenestra”não veio para o portuguêsmas veio o diminutivo de “janua”,“januela”, “portinha”,que deu nossa “janela”“fenestra” veiomas não como esse ponto da casaque olha o mundo lá fora,de “fenestra”, veio “fresta”,o que é coisa bem diversajá em inglês“janela” se diz “window”porque por ela entrao vento (“wind”) frio do nortea menos que a fechemoscomo quem abreo grande dicionário etimológicodos espaços interiorese ver-teverde vênusdoendono beiracéué ver-nosem puro sonhoondever-te, vida,é alto veratravés de um véuestuporesse súbito não teresse estúpido quererque me leva a duvidarquando eu devia creresse sentir-se cairquando não existe lugaraonde se possa iresse pegar ou largaressa poesia vulgar
que não me deixa mentirque pode ser aquilo,lonjura, no azul, tranquila?se nuvem, por que perdura?montanha,
como vacila?curitibasConheço esta cidadecomo a palma da minha pica.Sei onde o paláciosei onde a fonte fica,Só não sei da saudadea fina flor que fabrica.Ser, eu sei. Quem sabe,esta cidade me significa.como abater uma nuvem a tirossirenes, bares em chamas,carros se chocando,a noite me chama,a coisa escrita em sanguenas paredes das danceteriase dos hospitais,os poemas incompletose o vermelho sempre verde dos sinaissintonia para pressa e presságioEscrevia no espaço.Hoje, grafo no tempo,na pele, na palma, na pétala,luz do momento.Soo na dúvida que separao silêncio de quem gritado escândalo que cala,no tempo, distância, praça,que a pausa, asa, levapara ir do percalço ao espasmo.Eis a voz, eis o deus, eis a fala,eis que a luz se acendeu na casae não cabe mais na sala.operação de vistaDe uma noite, vim.Para uma noite, vamos,uma rosa de Guimarães
nos ramos de Graciliano.Finnegans Wake à direita,un coup de dés à esquerda,que coisa pode ser feitaque não seja pura perda?sigilo de fonteQuem há de dizer das linhasque as ondas armem e não armem?Quem há de dizer das flâmulas,lágrimas acesas, tantas lâmpadas,milagres, passando rápidas?Diga você, já que se sabeque nem tudo na água é margem,nem tudo é motivo de escândalo,nem tudo me diz eu te amo,nem tudo na terra é miragem.Signos, sonhos, sombras, imagens,ninguém vai nunca saberquantas mensagens nos trazem.lá vai um homem sozinhoo que ele pensa da noiteeu não seiapenas adivinhopensa o que pensatodo mundo indoum diaeu já tive vizinhoacidente no km 19algo em mim se esvaicoisa que se escoaseria a água da vidaseria outra coisa boatão boa que não tem vidaem que esta vida não doa?hora em que a voz do amorcomo a voz do amor não ecoa?mais ou menos em pontoCondenado a ser exato,quem dera poder ser vago,fogo-fátuo sobre um lago,ludibriando igualmentequem voa, quem nada, quem mente,
mosquito, sapo, serpente.Condenado a ser exatopor um tempo escasso,um tempo sem tempocomo se fosse o espaço,exato me surpreendo,losango, metro, compasso,o que não quero, querendo.sete assuntos por segundo
Ut pictura, poesis…Horácio
Para que serve a pinturaa não ser quando apresentaprecisamente a procuradaquilo que mais aparenta,quando ministra quarentaenigmas vezes setenta?sossegue coraçãoainda não é agoraa confusão prosseguesonhos a foracalma calmalogo mais a gente gozaperto do ossoa carne é mais gostosalá fora e no altoo céu faziatodas as estrelas que podiana cozinhadebaixo da lâmpadaminha mãe escolhiafeijão e arrozandrômeda para cáaltair para lásirius para cáestrela dalva para lá(aus)simplescomo um simé simplesmentea coisa
mais simplesque existeassimplesmentede mimme dispodes(aus)enteatrasos do acasocuidadosque não quero maiso que era pra virveio tardee essa tarde não sabedo que o acaso é capazsurpresa de sertão solta e tão presaa noite dá meiavoltae volta a ser nossatoda a beleza que possamotim de mim (1968-1988)xx anos de xis,xx anos de xerox,xx anos de xadrez,não busquei o sucesso,não busquei o fracasso,busquei o acaso,esse deus que eu desfaço.sete dias na vida de uma luzdurante sete noitesuma luz transformoua dor em diauma luz que eu não sabiase vinha comigoou nascia sozinhadurante sete diasuma luz brilhouna ala dos queimadosqueimou a dor
queimou a faltaqueimou tudoque precisava ser cauterizadomilagre além do pecadoque sentido pode termais significado?
Hospital S. VicenteAla dos Queimados
Curitiba, outubro de 1987
com quantos paulospaulos paulos paulosquantos paulos são precisopara fazer um são paulo?idades idades idadesquanto dá uma almadividida por duas cidades?vez como aquelasó mesmo a primeiramal cheguei a choraruma lágrima inteiralargue uma lágrimao primeiro que viuo luar de janeiroé primeiro de abrilin honore ordinis sancti benedictià ordem de são bentoa ordem que sabeque o fogo é lentoe está aqui foraa ordem que vai dentroa ordem sabeque tudo é santoa hora a cor a águao canto o incenso o silêncioe no interior do mais pequenoabre-se profundoa flor do espaço mais imensoímpar ou ímparPouco rimo tanto com faz.Rimo logo ando com quando,mirando menos com mais.Rimo, rimas, miras, rimos,como se todos rimássemos,
como se todos nós ríssemos,se amar (rimar) fosse fácil.Vida, coisa pra ser dita,como é fita este fado que me mata.Mal o digo, já meu siso se conflitacom a cisma que, infinita, me dilata.alguém paradoé sempre suspeitode trazer como eu tragoum susto preso no peito,um prazo, um prazer, um estrago,um de qualquer jeito,sujeito a ser tragadopelo primeiro que passarparar dá azarquem sai aos seusvozes a maisvozes a menosa máquina em nósque gera provérbiosé a mesma que faz poemas,somas com vida própriaque podem mais que podemossuprassumos da quintessênciaO papel é curto.Viver é comprido.Oculto ou ambíguo,Tudo o que digotem ultrassentidoSe rio de mim,me levem a sério.Ironia estéril?Vai nesse ínterim,meu inframistério.Andar e pensar um pouco,que só sei pensar andando.Três passos, e minhas pernasjá estão pensando.Aonde vão dar estes passos?Acima, abaixo?Além? Ou acasose desfazem ao mínimo vento
sem deixar nenhum traço?você está tão longeque às vezes pensoque nem existonem fale em amorque amor é istocine luzo cine tua sinao filme FEEL ME
signemame segure firme
cine me ensinea ser sim
e a ser sendavezes sem conta tenho vontadede que nada mudemeiavoltavolvermudar é tudo que pudeeste mundo está perdidodisperso entre o escritoe o espírito ruídoentre o físico e o químicoflui o sentido, líquidoviver é grandeporque eu sinto tua faltajá que arrasto por aíesse falso aindaminha alma tortae a falta faz que vaimas voltano meio da ida e da vindaestrelas fixasAqui sentiram centenasas penas que lhes convêm.Sentindo cena por cena,alguém lembrou de um poemaque lhe lembrava de alguém.Rimas mil girem vertigens,sinto medos de existir.Estes versos existirem,já não preciso sentir.round about midnight
um vulto suspeitoe o pulo de um sustoà solta no peitono beco sem saídacaminhos a esmoo leque de abismosentre um ecoe seus mesmoserra uma veznunca cometo o mesmo erroduas vezesjá cometo duas trêsquatro cinco seisaté esse erro aprenderque só o erro tem vez
Quem dera eu fosse um músicoque só tocasse os clássicos,a plateia chorandoe eu contando os compassos.Se eu soubesse agora,como eu soube antes,a dança alegóricaentre as vogais e as consoantes!Senhor que prometestesa vida eterna aos filhos de São Bentoobrigado pelos invernos ao ventoe pelo invento do infernoainda aqui nesta terra
rumo ao sumoDisfarça, tem gente olhando.Uns, olham pro alto,cometas, luas, galáxias.Outros, olham de banda,lunetas, luares, sintaxes.De frente ou de lado,sempre tem gente olhando,olhando ou sendo olhado.Outros olham para baixo,procurando algum vestígiodo tempo que a gente acha,em busca do espaço perdido.Raros olham para dentro,
já que dentro não tem nada.Apenas um peso imenso,a alma, esse conto de fada.
transpenumbratempestade
que passassedeixando intactas as pétalas
você passou por mimas tuas asas abertas
passoumas sinto ainda uma dorno ponto exato do corpoonde tua sombra tocouque raio de dor é essaque quanto mais dói
mais sai sol?página ó página casa maternaonde encontro sempre espantoo mesmo sempre manso brancoquando penetro numa caverna
textos textos textosmalditas placas fenícias
cobertas de riscos rabiscoscomo me deixastes os olhos piscos
a mente torta de malíciasciscos
pedaço de prazerperdidonum canto do quarto escuroinferno paraísovivo ou mortote procuro
velozcomo a própria voz
elo e dueloentre eu e ela
virando e revirando nóso esplêndido corcelvê a sombra do chicotee corre, esplendores do cavaloem labirintos de crinaincentivado pelo vento
cancela espaços de quimeraconsumindo o tempopira que heróis incineratinha ímpetos de céue sofreguidão sobre o maras campinas cerúleas do poloo céu pele de onçae slides do zodíacoas campinas dolorosas do pélagoonde pascem peixese o nó dos polvos chacina o solAqui a fábula falhano enjoo do jogar das ondasfere os cascos nas estrelase picado pelos gumesdas feras do horóscopoturva-se um poucocai a vigília no sonholúcido e súbito já que mártirFica na terra, cavaloo olho cheio de estrelaso corpo palhaço das ondase o coração no peitofeito um pião dormindo!quem chega tardedeve andar devagarandar como quem partepara nenhum lugarvida que me ventasina que me brisasó te inventaquem te precisa
om/ zaúm p/ roman óssipovitch jákobson
EUO mundo desabava em tua volta,e tu buscavas a alma que se escondeno coração da sílaba SIM.Consoante? Vogal? Um trem para Oslo.Pares, contrastes, Moscous, línguas transmentais.Na noite nórdica, um rabino, viking,sonha um céu de oclusivas e bilabiais.
RO
Um mundo, o velho mundo, árvore no outono,Hitler entra em Praga, Rússia, revolútzia,até nunca mais!A lábiavelar tchecasó vai até os montes Urais.
PARoma, Rôman, romântico romã,Jak, Jákob, Jákobson, filho de Jacó,preservar as palavras dos homens.Enquanto houver um fonema,eu nunca vou estar só.as coisasnão começamcom um contonem acabam com um •donna mi priega 88se amor é trocaou entrega loucadiscutem os sábiosentre os pequenose os grandes lábiosno primeiro casoonde começa o acasoe onde acaba o propósitose tudo o que fazemosé menos que amormas ainda não é ódio?a tese segundaevapora em perguntaque entrega é tão loucaque toda espera é pouca?qual dos cinco mil sentidosestá livre de mal-entendidos?não se esqueça de parecer comigoisso não estava aqui ontemontem era um dia pobre, metade,mendigando ouroà mísera eternidadehoje é um dia ricoum mundo cheio de luz e lágrimaforça flor milagre e riscoo dia de hoje se olha no espelho
e só parece ontema mesma brisa a bruma idênticae essa neblina intensaque nos obriga a fechar os olhose ler nas entrelinhasos abismos de nós mesmoshoje, sim, é maravilha,hoje, finalmente, eu não sei
dia das mães/1988
R(anos-luz, anos-treva)
Ler, ver,e entre o V e o Lentrever aquele
Rerre
que me (rêve) reveleLer trevas. Nas letras, ler tudo o que de ler não te atrevas. Ler mais. Ler além. Além dobem. Além do mal. Além do além. Horas extras ou etcéteras, adeus, amém. Busquemoutros a velocidade da luz. Eu busco a velocidade da treva.
tout est déjà ditdans un jardin
jadisfernando uma pessoaj’ai perdu ma viepar delicatesse?ouirimbaudmoiaussiblade runner waltzEm mil novecentos e oitenta e sempre,ah, que tempos aqueles,dançamos ao luar, ao som da valsaA Perfeição do Amor Através da Dor e da Renúncia,nome, confesso, um pouco longo,mas os tempos, aquele tempo,ah, não se faz mais tempocomo antigamente.Aquilo sim é que eram horas,dias enormes, semanas anos, minutos milênios,e toda aquela fortuna em tempoa gente gastava em bobagens,amar, sonhar, dançar ao som da valsa,aquelas falsas valsas de tão imenso nome lentoque a gente dançava em algum setembrodaqueles mil novecentos e oitenta e sempre.Tudo é vago e muito vário,meu destino não tem siso,o que eu quero não tem preço,ter um preço é necessário,e nada disso é precisovoyage au bout de la nuito peito ensanguentado de verdadesrolo na rua esta cabeça calva e ceganão serve mais ao diabo que a carregaópera fantasmaNada tenho.Nada me pode ser tirado.Eu sou o ex-estranho,o que veio sem ser chamadoe, gato, se foi
sem fazer nenhum ruído.profissão de febrequando chove,eu chovo,faz sol,eu faço,de noite,anoiteço,tem deus,eu rezo,não tem,esqueço,chove de novo,de novo, chovo,assobio no vento,daqui me vejo,lá vou eu,gesto no movimentoSete e dez.Aqui jaz o sol,sombra a meus pés.Trevas.Que mais pode lerum poeta que se preza?água em águapedirem um milagrenem piscotransformo água em águae risco em riscoEsta vida de eremitaé, às vezes, bem vazia.Às vezes, tem visita.Às vezes, apenas esfria.
ao pé da penatodo sujo de tinta
o escriba volta pra casacabeça cheia de frases alheias
frases feitasletras feias
linhas lindasa pele queima
as palavras esquecidas
formas formigastodas as palavras da tribo
por elastrocou a vida
dias luzes madrugadashoje
quando volta pra casapágina em branco e em brasa
asa lá se vaidá de cara com nada
com tudo dentrosai
alvorada em alfatodo o pesocom que me meçovejo e invejoe neste largo verme largo vendoaté não mais poderdescompreendendoo que vifoi puro e longo verquem viver verásó o que vira
viráe no que ver
viraráo bicho alfabetotem vinte e três patasou quasepor onde ele passanascem palavrase frasescom frasesse fazem asaspalavraso vento leveo bicho alfabetopassafica o que não se escreveum homem com uma dor
é muito mais elegantecaminha assim de ladocomo se chegando atrasadoandasse mais adiantecarrega o peso da dorcomo se portasse medalhasuma coroa um milhão de dólaresou coisa que os valhaópios édens analgésicosnão me toquem nessa dorela é tudo que me sobrasofrer vai ser minha última obratibagipresa no tempoa lualácomo se para sempreo verdealicumprindo seu deverser verdeaté não mais poderabaixo o alémde diacéu com nuvensou céu semde noitenão tendo nuvensestrelasempre temquem me deraum céu vazioazul isentode sentimentoe de cioisso sim me assombra e deslumbracomo é que o som penetra na sombrae a pena sai da penumbra?A morte, a gente comemora.No meu peito, cai a Roma,que, caída embora,nenhum bárbaro doma.
As romãs que assim tivermose os esplendores da pessoa,a impropriedade dos termos,a quem doer, doa.o ex-estranhopassageiro solitárioo coração como alvo,sempre o mesmo, ora vário,aponta a seta, sagitário,para o centro da galáxiao que passou passou?Antigamente, se morria.1907, digamos, aquilo simé que era morrer.Morria gente todo dia,e morria com muito prazer,já que todo mundo sabiaque o Juízo, afinal, viria,e todo mundo ia renascer.Morria-se praticamente de tudo.De doença, de parto, de tosse.E ainda se morria de amor,como se amar morte fosse.Pra morrer, bastava um susto,um lenço no vento, um suspiro e pronto,lá se ia nosso defuntopara a terra dos pés juntos.Dia de anos, casamento, batizado,morrer era um tipo de festa,uma das coisas da vida,como ser ou não ser convidado.O escândalo era de praxe.Mas os danos eram pequenos.Descansou. Partiu. Deus o tenha.Sempre alguém tinha uma fraseque deixava aquilo mais ou menos.Tinha coisas que matavam na certa.Pepino com leite, vento encanado,praga de velha e amor mal curado.Tinha coisas que tem que morrer,tinha coisas que tem que matar.A honra, a terra e o sangue
mandou muita gente praquele lugar.Que mais podia um velho fazer,nos idos de 1916,a não ser pegar pneumonia,deixar tudo para os filhose virar fotografia?Ninguém vivia pra sempre.Afinal, a vida é um upa.Não deu pra ir mais além.Mas ninguém tem culpa.Quem mandou não ser devotode Santo Inácio de Acapulco,Menino Jesus de Praga?O diabo anda solto.Aqui se faz, aqui se paga.Almoçou e fez a barba,tomou banho e foi no vento.Não tem o que reclamar.Agora, vamos ao testamento.Hoje, a morte está difícil.Tem recursos, tem asilos, tem remédios.Agora, a morte tem limites.E, em caso de necessidade,a ciência da eternidadeinventou a criônica.Hoje, sim, pessoal, a vida é crônica.lápide 1epitáfio para o corpoAqui jaz um grande poeta.Nada deixou escrito.Este silêncio, acredito,são suas obras completas.lápide 2epitáfio para a almaaqui jaz um artistamestre em desastresvivercom a intensidade da artelevou-o ao infartedeus tenha penados seus disfarcesminha memória evapore
feito a águade uma lágrimaminha lembrança se vásem deixar lembrança algumaem seu devido lugarse um dia eu esquecerque você nunca me esquecerádesmantelara máquina do amorpeça por peçaonde luzia flor e flornão deixar nem promessaisso sim eu fariase pudessetransformar em pedra friaminha preceamarga máguao pobre pranto tempor que cargas-d’águachove tanto
e você não vem?minioração fúnebre para rené descartes
Bene vixit qui bene latuit*
Repousa sob a lajeo que viveu oculto.Poupem-no do ultrajedo tumulto.* “Bem viveu quem viveu oculto”, lema de Descartes. (N. A.)
a queminteressa
essealém
sem pressa?
a mimeste
aquémo
aléma
queminteressar
possapodia passara vida inteira assimolhando a luaa boca cheia de luze na cabeça nem sombrada palavra glóriaextraprecisa surpresaa brisa passa e me deixa acesaasa que não soube ser estrelacena que não reprisafala desfeita em rezarosa fervida em melsobrenoite alémflorestaaquela estrela é uma frestapor onde vejo nascer
um novo céuum dia sobre nós tambémvai cair o esquecimentocomo a chuva no telhadoe sermos esquecidosserá quase a felicidadeluto por mim mesmo
a luz se põeem cada átomo do universo
noite absolutadesse mal a gente adoece
como se cada átomo doessecomo se fosse esta a última luta
o estilo desta doré clássico
dói nos lugares certossem deixar rastos
dói longe dói pertosem deixar restos
dói nos himalaias, nos interstíciose nos países baixos
uma dor que gozacomo se doer fosse poesia
já que tudo mais é prosaFaça os gestos certos,
o destino vai ser teu aliado,ouço uma voz dizendodo fundo mais fundo do passado.Hoje, não faço nada direito,que é preciso muito mais peitopra fazer tudo de qualquer jeito.Ai do acaso,se não ficar do meu lado.travelling life
(para Bere)
é como se fosse uma guerraonde o mau cabrito brigae o bom cabrito não berraé como se fosse uma terraestrangeira até pra elacomo se fosse uma telaonde cada filme que passatoda imagem congelaé como se fosse a feraque a cada dia que roda e rolamais e mais se revelaamor bastantequando eu vi vocêtive uma ideia brilhantefoi como se eu olhassede dentro de um diamantee meu olho ganhassemil faces num só instantebasta um instantee você tem amor bastanteluz versus luzde ilusão em ilusãoaté a desilusãoé um passo sem soluçãoum abraço
um abismoum
soluçoadeus a tudo que é bomquem parece são não ée os que não parecem sãomatar, a forma mais alta de amar,
matar em nós a vontade de matar,voltar a matar a vontade,matar, sempre, matar,mesmo que, para isso,seja preciso todo o nosso amar
vezes versus revesesum flash backum flash back dentro de um flash backum flash back dentro de um flash back deum flash backum flash back dentro do terceiro flash backa memória cai dentro da memóriapedraflor na água lisatudo cansa (flash back)menos a lembrança da lembrança da lembrançada lembrança
anfíbiosa penachama
a chamavelaa penachamaa velapena
a chamatraçaa velaa traçavelaa pena
a traçavaraa partelançaa chamaparte
a lançavaraa chamatraçaa varavela
a duraditachamaa penadura
a velasuaa chamavelaa suachama
a ditaduravelaa duravara
a pena páraparaparapara
a chamapena
não espere mil agresneste meu acre ditardito só porque distomil línguas deste lugar
“Kawásu” é “sapo”, em japonês. Imagino ter relação original com “kawa”, “rio”. O batráquio é o animal
totêmico do haikai, desde aquele memorável momento em que Mestre Bashô agrou, quando um sapo
“tobikômu” (“salta-entra”) no velho tanque, o som da água.
mallarmé bashôum salto de sapojamais aboliráo velho poçocinco bares, dez conhaquesatravesso são paulodormindo dentro de um táxiesse vooao vento que mais dóieu doobeijo com gosto
de peixe-espadalá longe
a água deve estar geladaescurececresce tudoque careceo casteloque o general conquistar não pôdea sombra das árvores da tarde
podever é violentoque golpeaplicar no vento?saber é poucocomo é que a água do marentra dentro do coco?cemitério municipalreina a paz e a calmaem todo o território nacionalbrisa quentequem te precisapressenteessa estrada vai longemas se forvai fazer muita faltaque seráque tem lá embaixoque a pedra tombatão fácil?coisas do ventoa rede balança
sem ninguém dentroestrela cadente eu olhoo céu partiupara uma carreira soloquem me deraaté para a flor no vasoum dia chega a primavera
vazio agudoando meio
cheio de tudo
fruto suspensoa que sustopertenço?tudo dançahospedado numa casaem mudançadia cinzentoassim me levantoassim me sentosobressaltoesse desenho abstratominha sombra no asfaltonovas telhasà primeira chuvaa nova goteiraamar é um eloentre o azule o amarelovelhas fotosvelha e revelhauma flor de lótuslongo o caminho até o céuessa minha alma vagabundacom gosto de quarto de hotelinsularmil milhas de trevacercadas de máguapor todos os fadosmorreu o periquitoa gaiola vaziaesconde um gritoesta vida é uma viagempena eu estarsó de passagemlongo o caminhoaté uma florsó de espinhoarisco ascoa partir de ti refaçouma alma em pedaçosdia sem sensoacendo o cigarro
no incensoque faz
o cruzeiro do sultão baixo?
as luzes da minha ruaeu acho
vertigover tecomigonadando num mar de gentedeixei lá atrásmeu passo à frenteo dia é um escombroo voo das pombassobre as próprias sombras
invernoé tudo o que sinto
viveré sucinto
que dia é hoje?um dia, eu soubehoje me fogedo espanto ao esperantoatravés do ex-prantolá se vai meu por enquantonoite alta lua baixapergunte ao sapoo que ele coaxaprimavera de problemasa luz das flores grandesassombra as flores pequenaslua crescenteo escuro crescea estrela sentecompleta a obrao vento soprae o tempo sobrapôr de sol pingo de sanguea flor cheiro de mel na água cor de leiteacorda o peixe
sonho de fósforopara fazer uma teia num minuto
a aranha cobra poucoapenas um mosquitonu como um gregoouço um músico negroe me desagregomuito românticomeu ponto pacíficofica no atlânticobelieve it or notthis very ifis everything you gota noite — enormetudo dormemenos teu nomeo corvo nada em ouronem o céu estraga o voonem o voo dana o céuchove no orvalhoa chave na portacomo uma flor no galhofeliz a lesma de maioum dia de chuvacomo presente de aniversárionem vem que não temnenhum navio ou tremme leva a outrementendomas não entendoo que estou entendendo— que tudo se foda,disse ela,e se fodeu todatatami-o ou deite-ode colchão em colchãochego à conclusãomeu lar é no chãomadrugada bar abertodeve haver algum engano
por pertoantes é antigochove vinho
sobre um campo de trigo
meianoiteo silêncio tinea sombra vira cenao sonho vira cineceleumas luasonde se lê umaleiam-se duasessa a vida que eu quero,queridaencostar na minhaa tua feridaestrela sozinhade repente uma vozfalando dentro da minhatão doce, tão cedo,tão játudo de novo vira começovi vidas, vi mortes,nada vi que se medissecom o azar que tiveao ter você, minha sortede vez em quandoando ando andoa voz ecoandoquando quando quandolua limpaà beira do abismotodas as coisas são simplesFiz um trato com meu corpo.Nunca fique doente.Quando você quiser morrer,eu deixo.vida e morteamor e dúvidador e sortequem for loucoque volteacabou a farraformigas mascamrestos da cigarraacabo como começocanções de fracasso
não fazem mais sucessosão nãonão sãosão nãorogai por nóspara que nãosejamos senãominha alma breve breveo elemento mais levena tabela de mendeleievessa ideianinguém me tiramatéria é mentira
o ex-estranho[1996]
nota do editorLivro póstumo com seleção e organização de Alice Ruiz S e Áurea Leminski, O ex-estranho foi publicado pela
editora Iluminuras em 1996, em coedição com a Fundação Cultural de Curitiba. A primeira seção, homônima,
traz poemas inéditos que o poeta deixou em um envelope junto com uma breve introdução sugestiva do título
(dois poemas, apenas, não são totalmente inéditos, pois já apareceram em La vie en close, embora não fossem,
ainda, denitivos: “johnny b. good” e “Trevas.”); a segunda seção, “Parte de am/or”, compõe-se de poemas
também inéditos que ele e Alice fizeram um para o outro e guardaram em uma pasta de mesmo nome.
O processo de composição de O ex-estranho é descrito em detalhe na apresentação de Alice à primeira
edição, que foi incluída no apêndice deste volume. O texto que aparecia nas orelhas, escrito por Wilson
Bueno, também consta do apêndice.
o ex-estranho
Este livro de poemas, que ia se chamar O ex-estranho, expressa, na maior parte de seuspoemas, uma vivência de despaisamento, o desconforto do not-belonging, o mal-estardo fora de foco, os mais modernos dos sentimentos. Nisso, cifra-se, talvez, sua únicamodernidade.
p. leminski
invernáculo(3)Esta língua não é minha,qualquer um percebe.Quando o sentido caminha,a palavra permanece.Quem sabe mal digo mentiras,vai ver que só minto verdades.Assim me falo, eu, mínima,quem sabe, eu sinto, mal sabe.Esta não é minha língua.A língua que eu falo travauma canção longínqua,a voz, além, nem palavra.O dialeto que se usaà margem esquerda da frase,eis a fala que me lusa,eu, meio, eu dentro, eu, quase.Já disse de nós.Já disse de mim.Já disse do mundo.Já disse agora,eu que já disse nunca.Todo mundo sabe,eu já disse muito.Tenho a impressãoque já disse tudo.E tudo foi tão de repente.desastre de uma ideiasó o durante duraaquilo que o dia adiante adiaestranhas formas assume a vidaquando eu como tudo que me convidae coisa alguma me saciaformas estranhas assume a fomequando o dia é desordeme meu sonho dormefome da china fome da índiafome que ainda não tomou coressa fúria que quer
seja lá o que florrimo e rimos
Passarinho parnasiano,nunca rimo tanto como faz.Rimo logo ando com quando,mirando menos com mais.Rimo, rimo, miras, rimos,como se todos rimássemos,como se todos nós ríssemos,se amar fosse fácil.Perguntarem por que rimo tanto,responder que rima é coisa rara.O raro, rarefeitamente, para,como para, sem raiva, qualquer canto.Rimar é parar, parar para ver e escutarremexer lá no fundo do búzioaquele murmúrio inconcluso,Pompeia, ideia, Vesúvio,o mar que só fala do mar.Vida, coisa pra ser dita,como é dita este fado que me mata.Mal o digo e já meu dito se conflitacom toda a cisma que, maldita, me maltrata.sei lávai pela sombra, firme,o desejo desespero de voltarantes mesmo de ir-meantes de cometer o crime,me transformar em outroou em outro transformar-mequem sabe obra de arte,talvez, sei lá, falso alarme,grito caindo no poço,neste pouco poço nada vejo nem ouço,mais mais maiscada vez menospoder isso, sinto, é tudo que posso,o tão pouco tudo que podemosleite, leitura,letras, literatura,tudo o que passa,tudo o que duratudo o que duramente passatudo o que passageiramente dura
tudo, tudo, tudo,não passa de caricaturade você, minha amargurade ver que viver não tem curao barulho do serroteo barulho de quem lava roupaparecem o choro de quem chorauma vida poucaparece até que está na horade levantare ver que a vidanunca vai ser outraRedonda. Não, nunca vai ser redondaessa louca vida minhaessa minha vida quadrada,quadra, quadrinha,não, nada,essa vida não vai ser minha.Vida quebrada ao meio,você nunca disse a que veio.no instante do entantodiga minha poesiae esqueça-me se for capazsiga e depois me digaquem ganhou aquela brigaentre o quanto e o tanto fazolinda wischralpessoas deviam poder evaporarquando quisessemnão deixar por aílembranças pedaços carcaçasgotas de sangue caveiras esqueletose esses apertos no coraçãoque não me deixam dormirtake p/ berefoi tudo muito súbitotudo muito sustotudo assim como a respostafica quando chega a perguntaesse isso meio assuntoque é quando a gente está longee continua junto
feliz coincidênciaqualquer coincidênciaé mera semelhançaenquanto o quixote pensasancho coça a sancha pançatodas as coisas sejam iguaisque o vermelho seja verdeo azul seja amareloe sempre seja nunca maiseste planeta, às vezes, cansa,almas pretas com suas caras brancassuas noites de briga braba,sujas tardes de água mansa,minutos de luz e pavorcasa cheia de doce,ondas tinindo de dor,acabou-se o que era amargo,pisar este planetacomo quem esmaga uma flormisto de tédio e mistériomeio dia/meio termoincerto ver nesse invernomedo que a noite temque o dia acorde mais cedoe seja eterno o amanhecerazuis como os sorrisos das criançase pesados como os provérbios das velhasanos cultivei a ideia do poema,coisa inteira, ovo, ânsia e antena,meus poemas são ideiasontem, coisa inteira, hoje, apenas manchasmeu eu brasileiroquisera poder pensarcomo se faz no velho mundoeles me querem espelhocomo se não tivesse mistérioessa minha falta de assuntopara umas noites que andam fazendodeixe eu abrir a portaquero ver se a noite vai bemquem sabe a lua luaou nos sonhos crianças
sombras murmuram amémdeixa ver quem some antesa nuvem a estrela ou ninguémnunca sei ao certose sou um menino de dúvidasou um homem de fécertezas o vento levasó dúvidas continuam de pétamanho momentonossa senhora da luzouro do rio belémque seja eterno este diaenquanto a sombra não vema todos os que me amamou me amaram um diadeixo apenas um padre-nossomeio malpassadoe essa espécie de ave maresiahieróglifoTodas as coisas estão aípara nos iluminar.Discípulo pronto,o mestre aparece,imediatamente,sob a forma de bicho,sob a sombra de hino,sob o vulgo de gentecomo num livro, devagar.Mestre presente,a gente costuma hesitar,nem se sabe se o bicho senteo que sente a gentequando para de pensar.hexagrama 65Nenhuma dor pelo dano.Todo dano é bendito.Do ano mais maligno,nasce o dia mais bonito.1 dia,1 mês, 1ano./
dioniso ares afroditeaos deuses mais cruéisjuventude eternaeles nos dão de beberna mesma taçao vinho, o sangue e o espermade tertulia poetarumde tortura militumlibera nos dominede nocte infinitalibera nos dominede morte nocturnalibera nos domineamar: armas debaixo do altar
para frei betto e frei leonardo boff
santa é a gentequando lá fora faz frioe aqui dentro está quente— entre! Digo eu,hora de ser igual,hora de ser diferente,entre você e entresacro lavoroas mãos que escrevem istoum dia iam ser de sacerdotetransformando o pão e o vinho fortena carne e sangue de cristohoje transformam palavrasnum misto entre o óbvio e o nunca vistoO que o amanhã não sabe,o ontem não soube.Nada que não seja o hojejamais houve.datilografando este textoler se lê nos dedosnão nos olhosque olhos são mais dadosa segredosmil e uma noites até babelTorrecujo tombovirou lenda,
até hoje,a sombra,como um membro,lembra.johnny b. goodtem vezes que tenho vontadede que nada mudevou vermudar é tudo que pudemorar bemmorar longemorar lá ondemora meumais distante quandotwisted tongue(2)my earscan’t believe my eyesthe water fallsbet the fire
fliespor mais que eu andenada em mim imaginao que é que meninatão pequena está fazendonuma cidade tão grandeacordei e me olhei no espelhoainda a tempo de vermeu sonho virar pesadeloarte que te abriga arte que te habitaarte que te falta arte que te imitaarte que te modela arte que te meditaarte que te mora arte que te muraarte que te todo arte que te partearte que te torto ARTE QUE TE TURAcarne almaforma conteúdosobre nósa sombra de tudoS. O. S.não houve sim que eu dissesseque não fosse o começo
de um esse o esseremortas
eras remotasmil&umaportas
sólamenteumavezoutubrono teto passos pássarosgotas de chuvaviver é superdifícilo mais fundoestá sempre na superfícieTrevas.Que mais pode lerum poeta que se preza?lá vão elasum dia, as pirâmides do egitoainda vão chegar até as estrelasno centroo encontroentre meu silêncioe o estrondodepois de muito meditarresolvi editartudo o que o coraçãome ditar
parte de am/or
investígioolfato ou fatoum cheiro falsoa brisa trazum brilho antigobrinca comigode anos atrás
1988(na passagem da constelação alice)
a uma carta plumasó se respondecom alguma resposta nenhumaalgo assim como se a ondanão acabasse em espumaassim algo como se amarfosse mais do que brumauma coisa assim complexacomo se um dia de chuvafosse uma sombrinha abertacomo se, ai, como se,de quantos como sese faz essa históriaque se chama eu e você
1988
campo de sucatassaudade do futuro que não houveaquele que ia ser nobre e pobrecomo é que tudo aquilo pôdevirar esse presente podere esse desespero em lata?pôde sim pôde como podetudo aquilo que a gente sempre deixou podertanta surpresa pressentidamorrer presa na garganta feridaraciocínio que acabou em rezafesta que hoje a gente enterrapode sim pode sempre como toda coisa nossaque a gente apenas deixa poder que possa
1987
1987, tende piedade de nósanos ímparessão anos vítimasanos sedentos
de sangue e vingançatodo gozo será punidoe o deserto será nossa herançaanos ímparessão sarampo ínguas cataporasbocas que praticamtacos e cacos de línguaslixos onde mora a memóriamuda a regra, muda o mapa,muda toda a trajetórianum ano ímpar,só não muda a nossa história
1987jardim da minha amigatodo mundo felizaté a formiga
1978ah se pelo menoseu te amasse menostudo era mais fácilos dias mais amenosfolhas de dentro da alfacemas nãotinha que ser entre nósesse fogoesse ferroessa pedreiraextremoschamando extremos na distância
1976Amar você é coisa de minutosA morte é menos que teu beijoTão bom ser teu que souEu a teus pés derramadoPouco resta do que fuiDe ti depende ser bom ou ruimSerei o que achares convenienteSerei para ti mais que um cãoUma sombra que te aqueceUm deus que não esqueceUm servo que não diz nãoMorto teu pai serei teu irmão
Direi os versos que quiseresEsquecerei todas as mulheresSerei tanto e tudo e todosVais ter nojo de eu ser issoE estarei a teu serviçoEnquanto durar meu corpoEnquanto me correr nas veiasO rio vermelho que se inflamaAo ver teu rosto feito tochaSerei teu rei teu pão tua coisa tua rochaSim, eu estarei aqui
19681.Animais zelam pela abóbada,constelações são signos.Não há sombra de estrelas,os cometas — solenes,a lua — enigma.Corpos celestes — em contato,dura luz de sua alta hierarquia.2.— As estrelas estão indóceis,hoje, Senhor,o céu se fecha. Vozes dos patronosestão baixas.Ninguém forçará o Zodíaco.Marte cobriu-se de escudos.A lua está muito suja,deves crer em tudo,estrelas murmuram.Rebelde está Mercúrio,nada sei de Saturno.Minha arte, por hoje, cala-seCale-se tu, Senhor, a vida rolaem volta do vosso punho.Eu testemunho.
1974
winterverno[2001]
nota do editorWinterverno foi publicado em 2001 pela editora Iluminuras, na forma de um “álbum”em que dialogavam poemas de Paulo Leminski e desenhos de João Suplicy. Optamospor manter somente os poemas, sem imagens, e apenas os que ainda não haviamaparecido em livros anteriores do autor.
w (vento) (we)
inter (invento)
(interview)
vim te ver(interno)(ter) no (noite)
(terno) inverno (nervo)
(never) (inverter) (never more)
liberdadeventoonde tudocabemilagrea lágrimaparaprontoaqui estáo meu pontoentre pedra e pedranão vai ficarpedra sobre pedralá embaixovai tero que eu acholá vamos nóslendo semprea mesma voza hora do tigreum tigrequando se entigranão é florque se cheirenão é tigreque se queiraser tigredura a vida
inteiramês s/ fimvem de foraou de dentroesse cheirode jasmim?Tudo me foi dado.Nada me foi tirado.O que um dia foi meununca vai ser passadopassos na areia úmidadas aldeias — a últimaaté as putas são tímidasÉ E É
Dura o diamantedentro da pedra pura.De agora em diante,só o durante dura.ave ventocheio de graçaavetudo o que passabar das putasos dias são poucosas noites são muitasvou?onde?perguntemao bondeaquifaçoo que todo mundofazo que façotanto fazluz na noiteo escurofoi-seem cimada horatudopioraNada ficaa não ser o que for bonitoA ideia fixaé meu esporte favoritomeu desejoquanto mais olhomenos vejona mesa, súbita,o cacho de uvaescuta os passos da chuvasabe da última?a chuva lavoua minha culpafumaça qualquer
a matéria fazo que a matériaquero milho está certopróxima veza chuva
caimais perto
despertodaqui aliparece tão pertomeu problemasó dóiquando queimafalso ventonão existate inventolá dentroo que é que temque aqui foranão tem ninguém?delícia puraa onda caicomo uma fruta maduraAntes que a tarde amanheçae a noite vire diapõe poesia no cafée café na poesiao carnaval passaguardada na malaa tua meia máscara
poemasesparsos
nota do editorAo recuperarmos, para esta edição, os volumes Polonaises e Não fosse isso e era menos não fosse tanto e era quase,
notamos que nem todos os poemas constavam de Caprichos & relaxos. Os poemas faltantes, que nunca
apareceram nas obras posteriores de Leminski, entram aqui. São textos praticamente inéditos, que até hoje
caram reservados a essas edições independentes, de tiragens baixas e há muito fora de circulação. Os
quatro primeiros são de Polonaises. Os seguintes, de Não fosse isso e era menos não fosse tanto e era quase.
vão é tudoque não for prazerrepartido prazerentre parceirosvãstodas as coisas que vão
enchantagemde tanto não fazer nadaacabo de ser culpado de tudoesperanças, chegueitarde demais como uma lágrimade tanto fazer tudo
parecer perfeitovocê pode ficar loucoou para todos os efeitossuspeitode ser verbo sem sujeitopense um poucobeba bastantedepois me conte direitoque aconteça o contráriocuste o que custardesejaquem quer que sejatem calendário de tristezascelebrartanto evitar o inevitávelin vino veritasme pareceverdadeo pau na vidao vinagrevinho suavepense e te pareçasenão eu te invento por toda eternidadetãoaltaatorreatéseutomboviroulendadeusalgum
induogum
vishnuprecisada tua precetua pressapessoasó teu pulso
aceleravocê padecepadecerte restatudoum belo dia
desaparecelínguá Kuáze Shinezaessa Líng (uá) Ming
uaXing
amalditoo que não deixa cantaro canto é fracomalditoo que não deixa cantaro canto é fortemalditoo que não deixa cantaro canto gera outro cantarmalditoo que não deixa cantaro canto nunca deixa de cantareu vi o sol ao quadradoo sol de olho saltadomultiplicado pelo solacenda a lâmpada às seis horas da tardeacenda a luz dos lampiõesinflame
a chama dos salõesfogos de línguas de dragões
vaga-lumesnuma nuvem de poeira de neontudo é claro
tudo é claroa noite assim que é bom
a luz acesa na janela lá de casao fogo
o foco lá no becoe o farol
esta noite vai ter sol
osoo
uoou
osino
souo
sign
gnon
nimo
undergroundblitzkriego close-up do souveniro ersatz do harakirio marketing de pindoramaà moda maoo pinheirocresceuao lado da árvorede flor amarelaeleeu
vocêela
quem passapensa
floresdele
nãodela
aquário de água limpaolavo limpa
olavo lavaaquário de água claraolavo aclara
olavo elevana água do aquárioolavo é adão
olavo é evana água do aquárioo peixe pisca
olavo pagana água do aquárioolavo risca
o tempo apagasombras no pomar
cores no cocarsusto no lugar
do aquário para o marempatemanes de vatespenas, penatescasas de orates
por que te debates?magnos carlosmármores marcosvênus em martesnem xeque nem mateno campoem casano palácioestá nas últimasa última flor do láciocretinobeóciopalhaçodê o último adeusà última flor do lácioa fogoa laçoninguém seguraa queda da última flor do láciotai-otoshi para a kodokanpassos lentosescrevemVONTADE DE CHEGARprecisa andarcomo quem já chegouchega de chegardepressaé muito devagar
nota sobre leminski cancionistaJosé Miguel WisnikRespondendo à inevitável pergunta sobre o “m da canção”, Luiz Tatit armou, comhumor, que não só a canção não terminará nunca como, no Brasil, quase todo mundojá experimentou compor uma, nem que seja uma vez. Não seria Paulo Leminski,experimentador de todos os venenos-remédios da poesia, que iria deixar de provar dosabor e do saber da gaia ciência. Ainda mais que, descolado dos protocolos daliteratura convencional, deniu-se muitas vezes através de um jogo de rótuloscontrários, como “punk parnasiano”, “dadaísta clássico”, autor de Caprichos & relaxos(que supõem, quando juntos, a aliança da concentração com a descontração), sob oslogan paródico-utópico do Distraídos venceremos.
Não é fácil denir esse lugar, entre a erudição e o chamado desbunde, entre adisposição da informalidade existencial, no marco da contracultura dos anos de 1970,e as exigências da construção formal, que parecem polares e insolúveis. LeylaPerrone-Moisés deniu, no entanto, de modo preciso, a sua dicção poética comosendo capaz de cortar esse nó com a lâmina aada de samurai-malandro, o sacador-fazedor que estiliza a instantaneidade tendo como background um largo repertórioacumulado [ver p. 397]. O curitibano Leminski escancara a condição provinciana, quetoma estrategicamente como congênita, sem perder de vista a poesia universal daqual é íntimo, e, ao fazê-lo, comenta a crise da poesia ao mesmo tempo que cria parasi um centro decidido e esquivo, todo feito de meias-palavras inteiras.
De fato, a ambição artística do “paroquiano cósmico” assume astuciosa esabiamente, como sua, a oscilação irônica entre a grandeza e a desimportância, entreo menor e o enorme, a pretensão e o desconômetro, e adere a ela no interior daprópria obra. Esse traço de estilo está estampado, por exemplo, na capa da volumosaobra inaugural em prosa, onde o uxo do “enxame de consciência”, de que é tomadoDescartes no trópico, ostenta o nome de Catatau, aplicável tanto a um livro grandecomo a uma espada pequena, a um calhamaço como a um homem baixinho.
Não por acaso Paulo Leminski colocou-se, em boa parte por provocação, no alvo daspendengas sobre o discutido valor literário da poesia contemporânea brasileira, dedifícil canonização, como se ele fosse, dela, ao mesmo tempo o arqueiro zen e ocalcanhar de Aquiles. Mas aquele que declarou, por ocasião da morte de Drummond,“o trono está vago” foi talvez quem melhor percebeu que, a partir de então, a poesiase fazia em torno do vazio do trono, de qualquer trono, e que toda a questão seconcentrava em saber errar o alvo — como o arqueiro zen — com a máxima precisão.A consciência desse fato, motor interno da sua atividade literária, já o coloca, por sisó, para além da gangorra entre seus afetos e desafetos.
Numa avaliação rasante, de valor sintomático de época, Bruno Tolentino denunciavapela imprensa, a certa altura, a dominância, na literatura brasileira, de um embustepublicitário, caudatário da atitude deslumbrada e supercial dos tocadores de“berimbau de barbante”, que seguiam a rota supostamente furada do modernismopaulista, da poesia concreta, da poesia marginal e da música popular. Embora
genérico, o arco do diagnóstico conservador servia, melhor do que a ninguém, a PauloLeminski, que tem o mérito de abarcá-lo como um todo. A sua dicção singular, o seuperspectivismo múltiplo, miram os pontos de fuga do modernismo oswaldiano, daconsciência experimental da linguagem bebida na poesia concreta, do coloquialismoavisado da poesia marginal e do poder poético da canção. Mas, para entendê-lo, seriapreciso antes de mais nada inverter o sinal depreciativo atribuído a “berimbau debarbante”, porque, na poética leminskiana, como vimos, o grande e o pequeno, oinsight e o derrisório, connam-se intimamente como aspectos da mesma matéria,seu arco e sua lira. Nela, o “berimbau de barbante” toca música.
Esse é o momento oportuno para introduzir a questão da música popular. Não hádúvida de que Paulo Leminski viveu intensamente a tentação da canção. O autor doCatatau, esse desconcertante moto perpétuo de jingles joyceanos, de hits em altavelocidade, de uma temperatura informacional inapreensível pelo grande público,sonhava também com a cadência espraiada do refrão em massa, do reconhecimentohorizontal do sucesso, não fosse ele um catalisador de polaridades. Suas canções emparceria, mas principalmente aquelas de que fez letra e música, apontam na direçãodesse projeto, que, se não se realizou plenamente com ele, encontra oportunamentena obra de Arnaldo Antunes a sua perfeita tradução, isto é, a correspondente aliançada poesia do livro — marginal e de vanguarda, informal e formalista — com alinguagem da canção pop.
Há quem faça canções com acurado conhecimento de causa musical, nas quais otrato de melodias requintadas e de harmonias complexas, de acordes alterados e demodulações imprevistas, concilia-se com o gosto popular, como soube fazer TomJobim, “maestro soberano”, seguido nisso pelo próprio Chico Buarque. Há outros quetrabalham só com um violão do qual não dominam mais do que dois ou três acordes,limitando-se aos movimentos de tônica e dominante, variações singelas entre osmodos maior e menor, e levadas rítmicas já provadas e comprovadas. No entanto,como a canção popular é o campo fértil para as relações improváveis entre o maissosticado e o mais elementar, revertendo muitas vezes um ao outro, alimentando-sedos poderes e da ecácia deste último e revelando-lhe as riquezas, soluções muitosimples dispõem às vezes de um frescor e de uma força criativa genuína.
É o lugar por excelência de “Verdura”, canção gravada por Caetano Veloso no discoOutras palavras, e que fez certa fama:
de repenteme lembro do verdeda cor verdea mais verde que existea cor mais alegrea cor mais tristeo verde que vesteso verde que vestisteo dia em que eu te vi
o dia em que me vistede repentevendi meus filhosa uma família americanaeles têm carroeles têm granaeles têm casaa grama é bacanasó assim eles podem voltare pegar um sol em copacabana
A música é feita aqui, pode-se dizer, de dois jatos entoativos, que acompanhamintuitivamente o gesto poético da surpresa dada pelos dois repentes. No primeiromovimento o repente é o efeito brusco de uma aparição, marcada pelo excessocolorístico que salta à vista como revelação do outro, proliferando no uxo fácil derimas e aliterações, concluído por uma resolução suspensa (“o dia em que eu te vi/ odia em que me viste”). No segundo movimento o repente é a realidade que se abatecomo rendição obrigada ao valor mais alto da economia do império norte-americano,onde a “grama bacana” é o único vestígio do festival de verdes da primeira parte, e doqual a saída é a volta por cima que devolve a prole a Copacabana. Não há nexo causale linear entre as duas partes. Que ele que frouxo, aberto, é uma das forças originaisdessa mininarrativa. Temos, na verdade, duas situações mais virtuais do que realistas,glosando o privilégio da riqueza das sensações, de um lado, e as agruras da pobreza eda dependência, de outro.
“Luzes”, também música e letra de Paulo Leminski, foi gravada por Suzana Salles edepois por Arnaldo Antunes, este em vigorosa versão country. A música combina umgesto melódico ascendente e luminoso (“acenda a lâmpada”), o intervalo de quintamaior, reiterado durante toda a canção, com a luz rebaixada do modo menor, como senesse contraste ressoasse o jogo entre as luzes decididamente acesas, por um atoiluminador da vontade, e a noite afinal incendiada (“essa noite vai ter sol”):
acenda a lâmpada às seis horas da tardeacenda a luz dos lampiõesinflame
a chama dos salõesfogos de línguas de dragõesvaga-lumes
numa nuvem de poeira de neontudo é claro
tudo é claroà noite assim que é bom
a luz acesa na janela lá de casao fogo
o foco lá no beco
e o farolesta noite vai ter sol
(Um pequeno depoimento: essa canção inédita foi descoberta quando Zé CelsoMartinez Correa, apresentando As boas, de Jean Genet, em Curitiba, quis algo deLeminski para abrir o espetáculo, e Alice Ruiz a lembrou ao telefone, a capella. Eufazia a música do espetáculo, deduzi a harmonia, e assim a canção chegou, de recadoem recado, a Suzana e a Arnaldo.)
Em suma, Paulo Leminski mostra, nas canções que fez, embora não sejam muitas,aquela intuição do núcleo entoativo da palavra cantada que faz, segundo Luiz Tatit, aeficácia da canção. Como na simplesmente deliciosa “Filho de Santa Maria”:
Hoje eu saí lá foraComo se tudo já tivesse havidoJá tivesse havido a guerraA festaJá tivesse havidoE eu, e eu, e euFosse puro espíritoAqui tô eu pra te protegerDos perigos da noite, do diaSou fogo, sou terra, sou água, sou genteEu também sou filho de Santa MariaSe dona Maria soubesseQue o filho pecava e pecava tão lindoPegava o pecado e jogava de ladoE fazia da Terra uma estrelaSorrindo
Para nalizar: tenho a honra de ter musicado o antecipador poema-fragmento deAdam Mickiewicz, o vate polonês contemporâneo de Chopin, traduzido por Leminskie publicado em Polonaises, que ele me deu assinalado no livro com um círculo, numgesto de cumplicidade entre polacos brasileiros [ver p. 65].
E a letra que ele me enviou sem chegar a ouvir a música, também por telefone:SubirNo raio de uma estrelaSubir atéSumirSubir até sumirNo brilho puroSubir maisSubir alémAlém de toda a trevaDe toda a dorAlém de toda a treva
De toda a dorDeste mundo
apêndice
paulo leminski*
Haroldo de CamposFoi em 1963, na Semana Nacional de Poesia de Vanguarda, em Belo Horizonte, que oPaulo Leminski nos apareceu, dezoito ou dezenove anos, Rimbaud curitibano comfísico de judoca, escandindo versos homéricos, como se fosse um discípulo zen deBashô, o Senhor Bananeira, recém-egresso do Templo Neopitagórico do simbolistafilelênico Dario Veloso.
Noigandres, com faro poundiano, o acolheu na plataforma de lançamento deInvenção, lampiro-mais-que-vampiro de Curitiba, faiscante de poesia e de vida. Aícomeçou tudo. Caipira cabotino (como diz afetuosamente o Julinho Bressane) oupolilingue paroquiano cósmico, como eu preferiria sintetizar numa fórmulaideogrâmica de contrastes, esse caboclo polaco-paranaense soube, muitoprecocemente, deglutir o pau-brasil oswaldiano e educar-se na pedra losofal dapoesia concreta (até hoje no caminho da poesia brasileira), pedra de fundação e detoque, magneto de poetas-poetas.
Das primeiras invencionices ao Catatau, da poesia destabocada e lírica (mas sempreconstruída, sabida, de fabbro, de fazedor) ao verso verde-verdura da cançãotrovadoresco-popular, o Leminski vem chovendo no endomingado piquenique sobrea erva em que se converteu a neoacadêmica poesia brasileira de hoje, dividida entreinstitucionalizadas marginalidades plácidas e escoteiros orfeônicos, de medalhinha ebraçadeira. E é bom que chova mesmo, com pedra e pau a pique. Evoé Leminski!
São Paulo, junho de 1983
* Texto publicado na primeira edição de Caprichos & relaxos (São Paulo: Brasiliense, 1983).
caprichos & relaxos*
Caetano VelosoEste livro de poemas é uma maravilha, porque os poemas do Leminski são muitosintéticos, muito concisos, muito rápidos, muito inspirados. Ele é um sujeito gozado.É um personagem muito único, no panorama da curtição de literatura no Brasil. Euacho um barato. Leminski tem um clima/mistura de concretismo com beatnik. Que émuito legal. “Verdura” é um sonho. É genial. É um haikai da formação culturalbrasileira. Deve ser instigante para os poetas do Brasil o aparecimento desses novospoetas todos. Leminski é um dos mais incríveis que apareceram.
* Texto publicado na quarta capa da primeira edição de Caprichos & relaxos (São Paulo: Brasiliense, 1983).
Leminski, o samurai malandro*
Leyla Perrone-MoisésOlhe nos olhos dos poemas de Paulo Leminski (Caprichos & relaxos, São Paulo:Brasiliense, 1983) e você verá que ele está por dentro, no centro. Tudo o que nãointeressa cai fora, sem demora. O olho do furacão é imóvel porque ele administra asfúrias gratuitas do movimento.
Do rio de palavras, Leminski se ri, e à verborragia desatada ele pede, exigente, ummomento de silêncio. Para bom entende-dor, meia palavra raspa; e para bom gozador,uma piscada basta. Leminski já foi e já voltou, e quem não percebe a inteireza de suasmeias palavras ainda nem saiu de casa.
A forma breve não é um valor em si; o breve pode ser apenas pouco. Ter ouvido alição da poesia concreta também não é garantia de concretizar poesia. Quando o jogode palavras é só graçola, não cola. Mas Leminski não “bate palmas para asperformances do acaso”, nem tem “o vício de achar tudo ótimo”. Simplesmente nãodeixa por mais quando pode acertar no menos, e nunca se contenta com o mais oumenos. Contrariamente à maior parte da literatura brasileira atual, prosa ou poesia,que vive no complacente regime do mais ou menos, achando que qualquer obraescancarada é aberta, e que basta chutar para acertar.
Samurai e malandro, Leminski ganha a aposta do poema, ora por um golpe delâmina, ora por um jogo de cintura. Tão rápido que nos pega de surpresa; quandomenos se espera, o poema já está ali. E então o golpe ou a ginga que o produziuparece tão simples que é quase um desaforo:
acordei bemoltudo estava sustenidosol faziasó não fazia sentido
Diante de acertos como esse, por favor, sejamos sóbrios. Nada de demonstrar-desmontar com apoio em bibliograa especializada, pois qualquer metagesticulaçãocrítica ficaria ridícula, contraposta ao gesto exato do poeta.
Leminski é samurai em seus caprichos e malandro em seus relaxos. Mas entrecaprichado e caprichoso, entre relaxamento e relaxo, “entre a pressa e a preguiça”, hácomunicações e passagens.
Samurai:nuvens brancaspassam
em brancas nuvensMalandro:
não discutocom o destinoo que pintareu assino
Samurai-malandro:
a palmeira estremecepalmas para elaque ela merece
Formalista, como todo artista, Leminski não é porém um poeta de gabinete. Suasvivências de beatnik caboclo e sua losoa de malandro zen são depuradas nocadinho da linguagem até chegar à cifra certa. Amor, amizade, inquietação, raiva,estão na raiz de sua poesia, mas esses sentimentos libertam-se do anedotário pessoalpara encontrar a forma justa, que encanta e ensina:
um pouco de maoem todo poema que ensinaquanto menormais do tamanho da china
Informada e enformada pelo zen, esta poesia é busca do caminho e entrega de umadespretensiosa sabedoria:
soubesse que era assimnão tinha nascidoe nunca teria sabidoninguém nasce sabendoaté que eu sou meio esquecidomas disso eu sempre me lembro
Malandro da linguagem, Leminski não é apenas um intuitivo, um criativo, umsacador, como os 130 milhões que se dispensam de conhecer seus ofícios. Comoobserva Haroldo de Campos, sua poesia é “sempre construída, sabida, de fabbro, defazedor”. Esse autointitulado “cachorro louco” queimou pestana na poesia universal.Sabe onde está pisando e com quem, queira ou não queira, o poeta de hoje tem de seconfrontar. Diante dos faixas pretas da linguagem, Leminski não descuida do preparofísico.
E passa, honestamente, por todos os estágios do confronto. Confessa que sonhouser Homero, que se imaginou Rimbaud ou Pessoa, que desejou ser um grande poetainglês do século passado, e que acabou “um pequeno poeta de província”. E éexatamente aí que ele ganha a parada. A viagem pelos grandes textos, num primeirotempo, reduz o poeta provinciano a sua “insignicância”; mas, abrindo o seudesconômetro, permite-lhe safar-se da repetição involuntária ou degradada. Elesabe que espaços de linguagem já estão ocupados, e onde se abre lugar para sua fala.Ao assumir seu provincianismo, o poeta deixa de ser provinciano, porque provincianoé justamente aquele que nem descona. Tendo dado essa volta para “além das serrasque azulam no horizonte”, o poeta não corre mais o risco de versejar caipiramente “aaurora de sua vida”.
Internacional e provinciano, Leminski é brasileiríssimo. Mestiço, antropófago,poetiza, sem folclore, Oxalá e o frevo, pajés e xavantes. Parisa, novaiorquiza,moscoviteia, sem tirar o pé do chão. Torce pelo time de várzea, mas não cai no contodo nacional e popular:
eu queria tantoser um poeta malditoa massa sofrendoenquanto eu profundo meditoeu queria tantoser um poeta socialrosto queimadopelo hálito das multidõesem vezolha eu aquipondo salnesta sopa ralaque mal vai dar para dois
Geograa e história habitam o corpo de sua poesia, sem enrijecê-lo em militância.Irônico, ele diz que “chutes de poeta/ não levam perigo à meta”. E aí também omenos é mais e o quase é tanto. Porque conhecer o alcance de uma práxis é condiçãomínima para sua eciência, e saber os limites de um campo permite ilimitar a açãonesse campo. Chute de poeta leva, sim, perigo à meta: quando é lateral e com efeito.Na verdade, Leminski acredita muito em sua arma, a poesia, e a afia:
en la lucha de clasestodas las armas son buenaspiedrasnochespoemas
Sem demagogia, com amor e humor, talento e lucidez, Leminski vai abrindocaminhos na selva selvagem da linguagem, no repertório caótico de nossas cabeçascortadas. Destila tudo com sabedoria, e suas gotas de poesia são colírio para nossosolhos poluídos.
À guisa de conclusão:leminski, tal que em si mesmo
Sobre seu próprio desaparecimento, Mark Twain escreveu, de antemão, a seguintemanchete de jornal: “As notícias de minha morte são muito exageradas”. É o que sintocom relação ao desaparecimento de Leminski. A morte de tanta vitalidade deve sermentira.
Leminski pingou um poema em nosso olho e passou. Passou rápido, porque elemorava no olho do furacão. A vida era intensa, mas a poesia era paciente trabalho delinguagem. Leminski não caía no logro da expressividade ou da inspiração.Ostentando as insígnias da contracultura, ele era um poeta culto, que conhecia seuofício e o levava a sério, num gabinete cheio de vida e de desordem.
A forma breve, por ele cultivada, oferece grandes riscos. O breve pode ser apenaspouco, o menos obtido por subtração. O grande poema breve é concentração semperda, o máximo no mínimo. Leminski conhecia essa arte e colhia o poema com o
golpe certeiro da espada zen.Como outros poetas de nosso século, ele encontrou no haikai o humor e a imagem,
a economia verbal e a objetividade, qualidades que, segundo Octavio Paz, sãotambém os elementos centrais da poesia moderna.
Leminski era transcultural: polonês, caboclo e “japonês”, malandro e samurai,provinciano e internacional. Jogava na várzea e falava latim. Eclético e autodidata, erao mais brasileiro dos poetas, talvez o discípulo mais el deixado por Oswald deAndrade: “a palmeira estremece/ palmas para ela/ que ela merece”.
Leminski era intratável. Amor e raiva em fúrias equivalentes, uma força que podiadar em abraço ou em murro. O que garante a sua poesia aquele calor dentro do rigor,palavras habitadas por um corpo. Desconava da crítica e da universidade; quandome chamava de professora, não era um elogio.
Não fazia média com ninguém, nem com ele mesmo. “Na vida ninguém paga meia”;na poesia também não. Leminski pagou e recebeu inteira. A multiplicidade de tarefas,de línguas, de gêneros, de veículos em que ele circulava deixa, paradoxalmente, alembrança de uma inteireza: a integridade de uma vocação de poeta que ele,obstinadamente, cumpriu.
* Texto publicado em Inútil poesia e outros ensaios breves (São Paulo: Companhia das Letras, 2000), pp. 234-40.
transmatéria contrassenso*
Paulo LeminskiNas unidades de Distraídos venceremos (1983-1987), resultado do impacto da poesiade Caprichos & relaxos (1983) sobre a na e grossa cútis da minha sensibilidade lírica,calmes blocs ici-bas chus d’un désastre obscur , cadeias de Markoff em direção a umafrase absoluta, arrisco crer ter atingido um horizonte longamente almejado: aabolição (não da realidade, evidentemente) da referência, através da rarefação.
Seria demais, certamente, supor que eu não precise mais da realidade.Seria de menos, todavia, suspeitar sequer que a realidade, essa velha senhora, possa
ser a verdadeira mãe destes dizeres tão calares.É quando a vida vase.É quando como quase.Ou não, quem sabe.
Curitiba, janeiro de 1987la vie en close**
Alice Ruiz SO livro que se abre, o poema que se lê, pela primeira vez, tem o sabor às vezes de livroque se fecha, de vida que se encerra. Pode ser esse o caso de La vie en close. Mas sópara aqueles que veem na morte o ponto final.
O poeta que aqui se lê, a exemplo dos faraós, construiu uma obra capaz decontinuar falando, por si só, como as pirâmides, e transcender mesmo no deserto aaridez da mesmice da nossa finitude. E essa vida que se mostra, se despe e se despedenos deixa com gosto de mais vida e muito, muito mais poesia, de um jeito tal que,tenho certeza, ainda vai haver poesia um dia.
Em setembro de 1988 espalhamos a maior parte destes poemas no chão da sala deum apartamento em São Paulo e, pela última vez, selecionamos juntos os poemas deum livro. Poucos estão aqui que tenham sido feitos depois. E mesmo esses ele medisse, ou ao vivo ou pelo telefone, na medida em que iam sendo feitos.
O rigor naquela tarde foi o mesmo que nos prometemos, com o qual noscomprometemos, durante toda a vida juntos, na seleção dos seus livros e dos meustambém. Mas, mesmo assim, lembrei de uma outra tarde em 1986 ou 1987 quandoselecionamos os poemas de Distraídos venceremos.
Como não lembrar? Metade destes poemas já estava lá. Só não foram publicadosantes por não serem portadores daquela dicção “parnasiano chic”, como ele dizia, eque era fundamental para a unidade do livro. Mas o acaso acaba trabalhando melhordo que nós mesmos e desenhou uma outra unidade, ainda mais densa, juntando ospoemas que se preparavam para fazer companhia aos poemas que nasceram maistarde, de 1987 até sua morte. E, entre eles, um que é particularmente especial paramim, esse “esplêndido corcel” que me deslumbrou em 1968 e aqui está, enm,depois de tanta insistência minha. Um poema tão antigo, ao lado de outros de 1977,1978, 1979, ao lado de outros tão recentes, que se concentram tanto e se aprofundamtanto porque se sabem últimos.
Esses poemas, mais que quaisquer outros, estão cheios de noites e madrugadasadentro. Cheios de uma dor tão elegante que é capaz de nos fazer rir, apesar de tudo.Cheios de dias na vida de uma luz. São poemas de vitalidade, apesar do adeus. Saltamda página para o entendimento, como ele fazia, quando analisava que “agir é asabedoria suprema”, andando como quem pensa, pensando como quem anda,sempre pensando e andando. E, principalmente, sempre doando esse agir e pensar.
Esse desejo de continuidade na semelhança está explícito em muitos poemas, aquitratados como a lhos que levam juntos nossos traços. Esse desejo está aindaexplícito no seu poema-oração, que mesmo não encerrando o livro é o último dessavida que, agora, se amplia e se inicia.
são nãonão sãosão nãorogai por nóspara que nãosejamos senão
* Texto introdutório à primeira edição de Distraídos venceremos (São Paulo: Brasiliense, 1987).
** Texto publicado nas orelhas da primeira edição de La vie en close (São Paulo: Brasiliense, 1991).
uma poesia ex-estranha*
Alice Ruiz SO ex-estranho é uma seleção entre os últimos inéditos de Paulo.
Veio junto com La vie en close, mas num envelope à parte.Dentro dele, cópias ou versões de poemas já publicados, outros visivelmente
inacabados e outros prontos.Entendi esse envelope à parte como um outro volume que estava sendo preparado,
deixado para pensar mais tarde. E assim o fiz.Com a proposta da Fundação Cultural, para publicar poemas inéditos, este envelope
último voltou à tona, decidindo que o seu tempo de acontecer tinha chegado.A expressão “ex-estranho” aparece dentro do poema “Ópera fantasma” no La vie en
close.Nada tenho.
Nada me pode ser tirado.Eu sou o ex-estranho,
o que veio sem ser chamadoe, gato, se foi
sem fazer nenhum ruído.“Ex-estranho” é o título de outro poema, também publicado em La vie en close.
O ex-estranhopassageiro solitárioo coração como alvo,sempre o mesmo, ora vário,aponta a seta, sagitário,para o centro da galáxia
Ambos estavam no envelope, logo depois do pequeno pré-prefácio, feito pelo Paulo,como uma pista de um título possível para este estranho livro ex.
Entre as cento e poucas páginas fomos, eu e Áurea, fazendo nossa seleçãoseparadamente e depois as comparamos discutindo os porquês das poucas escolhasou exclusões que não coincidiam.
Nesses momentos, contamos também com a opinião da nossa poeta Estrela. Láestávamos, as três, como tantas vezes, reunidas em torno da palavra. E agora, comoantigamente, tinha também a palavra do Paulo. E sua ausência.
E a necessidade de rigor mandando a saudade car quieta para o coração poderpensar. Para nos apoiar como guia, o poema “depois de muito meditar” nos dizia:relaxe, é só seguir o coração, ele faz a escolha.
Chegamos a quarenta e poucos poemas. Podia ter mais. E tinha.Todos os poemas que zemos, um para o outro, guardávamos em uma pasta com o
título de am/or. Vários já foram publicados, outros provavelmente não serão, porserem excessivamente pessoais, mas, entre eles, encontramos alguns que, por suaqualidade, tinham que estar presentes neste último livro de poemas.
São o anexo final com o título “Parte de am/or”. Vão de 1968 a 1988.
Os poemas inéditos publicáveis acabam aqui.Ainda falta trabalhar na prosa deixada, contos, ensaios, uma novela.Tudo a seu tempo. O tempo agora é de poesia.Uma poesia que registra sua paixão pela palavra, como em “Invernáculo”, seu
compromisso com a religiosidade como em, entre outros, “Amar: armas debaixo doaltar”, poesia como um ato de fé em “Sacro lavoro” e outras tantas despedidas decoisas e pessoas que ele amou.
Não há o que dizer sobre esta poesia que ela mesma já não diga, nem estou aquipara falar dela. Minha função é reuni-la com o respeito pela qualidade que o Paulosempre exigiu e defendeu, sem permitir que treinos e exercícios venham a público,como muito já se viu acontecer depois que um artista se vai.
Aqui ca este poeta que se foi. Estranho e estrangeiro na experiência vida. Masporque é ex-estranho, quem sabe, agora, totalmente em casa. Curado da tarefa deviver, esse, para quem “viver não tem cura”.
* Texto introdutório à primeira edição de O ex-estranho (São Paulo: Iluminuras, 1996).
o ex-estranho*
Wilson BuenoEsta é provavelmente a última reunião de poemas inéditos de Paulo Leminski.
Ainda uma vez, sua maior interlocutora, a poeta Alice Ruiz S, ca com a parte maisdifícil — reandar estes caminhos, trilhar pela via da ternura, sem perder o rigorjamais, as fabricações febris deste que é um dos poetas fundamentais de umageração que nos deu, entre outros, Caetano Veloso e Antonio Risério, João Câmara eJúlio Bressane.
A Alice (e também a Áurea Leminski) devemos a garimpagem que aqui se expõe, ogosto da escolha que não me pareceu nenhuma vez arbitrária. Diálogo mudo este quese estabelece de coração para coração. Mas ainda diálogo pelo que a memória deixaposto em código na trama da vida, para além da morte, de qualquer morte.Impossível, pois, a recusa em reconhecer nesse trabalho aparentemente “menor”, asua inextricável grandeza. Tarefa duríssima, ninguém duvida, responder quantosLeminskis cabem num só Leminski.
E o que oresce nestas páginas é, ainda e sempre, o mesmo Leminski; se bem queum pouco errante, nômade, e outras tantas exilado de si mesmo, no poema como navida, o Leminski que lemos continua sendo o inventor aado dos mais nos uivosdissonantes. O ex-estranho. Aquele que se reconhece a cada verso como uma coisa ida,como uma coisa indo. Há aqui, muitas vezes, um frisson de vida esfolada vida. Mastudo é vida, ou “mágua” ao redor de um fado.
Mesmo na lírica amorosa (“Parte de am/or”), datada em tempos diversos, o poema sequer à espreita, uma aranha que asse todo o segredo da teia sem deixar de exibir, aofinal e ao cabo, o triunfo da vigília. A ciência da aranha? Uma artesania de sustos.
O ex-estranho. Em que ilha Paulo Leminski cifra esta estética de arrepios? De signosentrecortados pelo dom da surpresa, animados pelo amor ao súbito, ao lúdico e aoabismo — um sopro invariavelmente novo na sempre melancólica estância seresteiraque é, sabemos, o país.
Este, senhores, nem parece um livro póstumo tanto continua viva nele a graça cheiade graça do poeta Paulo Leminski.
* Texto publicado nas orelhas da primeira edição de O ex-estranho (São Paulo: Iluminuras, 1996).
Copyright © 2013 by herdeiros de Paulo LeminskiGrafia atualizada segundo o Acordo Ortográfico da Língua Portuguesade 1990, que entrou em vigor no Brasil em 2009.Arte dos poemas em Sol-te, seção de Caprichos e relaxosretamozo, mirandinha, solda, swain, bellenda, fui vai, tikoCapa e projeto gráficoElisa von RandowPreparaçãoJacob LebensztaynRevisãoHuendel VianaLuciane Helena GomideISBN 978-85-8086-625-4Todos os direitos desta edição reservados àeditora schwarcz s.a.
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