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NATAN BATISTA
Resumo e Questões 6º Semestre
Direito Processual
Penal
DireitoFacilitado.com.br
Sumário:
Capítulo 1 – Das Ações Penais Página 1
1. Introdução Página 1
1.1. Da Titularidade da Justiça Página 1
1.2. Previsão Legal Página 1
1.3. Conceito Página 2
1.4. Características da Ação Pena Página 2
1.4.1. Caráter Público Página 2
1.4.2. Direito Subjetivo Página 3
1.4.3. Direito Autônomo Página 3
1.4.4. Direito Abstrato Página 3
1.4.5. Instrumentalidade Página 3
2. Das Espécies de Ação Pena Página 3
2.1. Introdução Página 3
2.2. Da Proposta da Ação Página 3
2.3. Da Lide Penal Página 4
2.4. Da Organização da Ação Penal Página 4
2.5. Ação Penal Pública Página 4
2.5.1. Ação Penal Pública Incondicionada Página 4
2.5.2. Ação Penal Pública Condicionada Página 5
2.5.2.1. Ação Penal Pública Condicionada à Representação do Ofendido
Página 5
2.5.2.2. Ação Penal Pública Condicionada à Requisição do Ministro da Justiça
Página 5
2.6. Ação Penal Privada Página 6
2.6.1. Ação Penal Privada Subsidiária Página 6
2.6.2. Ação Penal Privada Personalíssima Página 7
2.6.3. Ação Penal Exclusiva, Propriamente Dita ou Principal Página 7
2.7. Ação Penal Popular Página 7
2.8. Ação Penal e Crime Complexo Página 8
3. Princípio das Ações Penais Página 8
3.1. Conceito Página 8
3.2. Princípios Gerais da Ação Penal Página 8
3.2.1. Princípio do Devido Processo Legal Página 8
3.2.2. Princípio do Contraditório Página 9
3.2.3. Princípio da Ampla Defesa Página 9
3.2.4. Princípio da Presunção de Inocência Página 9
3.2.5. Princípio da favor rei ou in dubio pro reo Página 10
3.2.6. Princípio da Iniciativa da Parte ou ne procedat iudex ex officio
Página 10
3.2.7. Princípio da Oficiosidade ou do Impulso Oficial Página 10
3.2.8. Princípio da Vedação da Prova Ilícita Página 11
3.2.9. Princípio do Juiz Natural e Imparcial Página 12
3.2.10. Princípio do Promotor Natural Página 12
3.2.11. Princípio da Intranscendência Página 13
3.2.12. Princípio do ne bis in idem ou double jeopardy Página 13
3.3. Princípio da Ação Penal Pública Página 13
3.3.1. Princípio da Obrigatoriedade ou Legalidade Página 13
3.3.2. Princípio da Indisponibilidade da Ação Penal ou da Indesistibilidade
Página 15
3.3.3. Princípio da Oficiosidade Página 15
3.3.4. Princípio da Divisibilidade da Ação Penal Pública Página 15
3.4. Princípios da Ação Penal Privada Página 16
3.4.1. Princípio da Oportunidade ou Conveniência Página 16
3.4.2. Princípio da Disponibilidade da Ação Página 16
3.4.3. Princípio da Indivisibilidade da Ação Penal Privada Página 16
3.5. Esquematizado Página 17
4. Condições da Ação e Recebimento da Denúncia/ Queixa
Página 18
4.1. Da Ação Página 18
4.2. Processo Página 17
4.3. Procedimento Página 18
4.4. Pressupostos processuais ou condições de procedibilidade da ação
Página 18
4.4.1. Pressupostos processuais gerais Página 18
4.4.1.1. Legitimidade de parte Página 19
4.4.1.2. Possibilidade jurídica do pedido Página 19
4.4.1.3. Interesse de agir Página 20
4.4.1.4. Justa causa Página 21
4.4.2. Pressupostos processuais específicos Página 21
4.5. Requisitos da denúncia/queixa Página 22
4.5.1. Exposição do fato criminoso Página 22
4.5.2. Classificação do crime Página 22
4.5.3. Qualificação do acusado ou esclarecimento pelos quais se possa identificá-lo
Página 22
4.5.4. Pedido de condenação Página 23
4.5.5. Identificação do sujeito passivo Página 23
4.5.6. Assinatura Página 23
4.6. Do indeferimento da denúncia/queixa e do recurso Página 23
4.7. Denúncia/queixa alternativa Página 23
4.8. Denúncia/queixa genérica Página 23
4.9. Retificação da denúncia/queixa Página 24
4.10. Aditamento da denúncia/queixa Página 24
4.11. Recebimento da denúncia/queixa Página 24
5. Da Ação Penal Pública Página 24
5.1. Ação Penal Pública Incondicionada Página 24
5.1.1. Revisando o recebimento do inquérito policial Página 25
5.1.2. Prazo para o oferecimento Página 26
5.2. Ação Penal Pública Condicionada Página 26
5.2.1. Ação Penal Pública Condicionada à Representação do Ofendido
Página 26
5.2.1.1. Principais tipos penais Página 26
5.2.1.2. Titularidade da representação Página 26
5.2.1.3. Prazo para representação Página 27
5.2.1.4. Morte do ofendido Página 27
5.2.1.5. Duas vítimas, uma representação Página 28
5.2.1.6. Forma Página 28
5.2.1.7. Retratação do ofendido Página 29
5.2.1.8. Lei Maria da Penha e ação penal pública incondicionada
Página 29
5.2.1.9. Renúncia à representação Página 30
5.2.2. Ação Penal Pública Condicionada à Requisição do Ministro da Justiça
Página 31
5.2.2.1. Prazo Página 31
5.2.2.2. Forma Página 31
5.2.2.3. Retratação Página 31
6. Da Ação Penal Privada Página 32
6.1. Introdução, titularidade e morte do ofendido Página 32
6.2. Prazo Página 32
6.3. Crimes processados mediante ação penal privada Página 33
6.4. Espécies de ação penal privada Página 33
6.5. Atuação do Ministério Público na ação penal privada Página 33
6.6. Funcionário público e crime contra a honra no exercício de suas funções
Página 34
6.7. Ofendido abre mão do direito de queixa Página 34
6.7.1. Decadência Página 34
6.7.2. Perempção Página 35
6.7.3. Renúncia Página 36
6.7.3.1. Introdução Página 36
6.7.3.2. Titularidade Página 37
6.7.3.3. Forma Página 37
6.7.4. Perdão do ofendido Página 38
6.7.4.1. Introdução Página 38
6.7.4.2. Forma Página 38
6.7.5. Renúncia ≠ Perdão Página 39
7. Ação Civil ex delito Página 39
7.1. Conceito Página 39
7.2. Titulares Página 40
7.2.1. Titularidade ativa Página 40
7.2.2. Titularidade passiva Página 41
7.3. Sistemas de reparação Página 41
7.4. Pontos de interação Página 42
7.4.1. Efeitos da sentença penal condenatória no âmbito cível
Página 42
7.4.2. Efeitos da sentença penal absolutória no âmbito cível Página 44
7.5. Perdão judicial Página 47
Capítulo 2 – Da Competência Página 48
1. Introdução e Conceitos Página 48
2. Princípios da Jurisdição Página 49
2.1. Princípio do juiz natural Página 49
2.2. Princípio da investidura Página 49
2.3. Princípio da indeclinabilidade ou non liquet Página 49
2.4. Princípio da indelegabilidade Página 50
2.5. Princípio da inevitabilidade ou irrecusabilidade Página 50
2.6. Princípio da improrrogabilidade Página 50
2.7. Princípio da inércia ou iniciativa das partes Página 50
2.8. Princípio da unidade Página 51
3. Espécies de Competência Página 51
3.1. Competência material Página 51
3.2. Competência absoluta e relativa Página 52
3.3. Critérios adotados pelo Código de Processo Penal Página 52
3.4. Competência pelo lugar da infração Página 53
3.4.1. Introdução Página 53
3.4.2. Regra Página 54
3.4.2.1. Crimes consumados Página 55
3.4.2.2. Crimes tentados Página 55
3.4.3. Outras disposições descritas no art. 70 Página 55
3.4.3.1. Execução no Brasil e resultado no estrangeiro Página 55
3.4.3.2. Crime pratico no exterior Página 56
3.4.3.2.1. Crime praticado em território estrangeiro Página 56
3.4.3.2.2. Crime praticado em embarcações ou aeronaves nacionais
Página 56
3.4.3.3. Crime praticado em local certo cuja jurisdição é incerta
Página 57
3.4.3.4. Crime praticado em lugar incerto (divisa de comarcas)
Página 57
3.4.4. Situações específicas Página 57
3.4.4.1. Crime de estelionato por emissão de cheque sem fundo
Página 57
3.4.4.2. Crime de estelionato cometido mediante falsificação de cheque
Página 58
3.4.4.3. Crime de estelionato via saque em conta bancária, mediante uso de senha ou cartão magnético (clonagem)
Página 58
3.4.4.4. Crime de falso testemunho prestado em carta precatória
Página 58
3.4.4.5. Crimes qualificados pelo resultado Página 58
3.4.4.6. Crime de homicídio doloso Página 59
3.4.4.7. Crime de extorsão mediante sequestro Página 59
3.4.4.8. Crime de contrabando e descaminho Página 59
3.4.4.9. Crime de furto qualificado pela fraude eletrônica na internet
Página 60
3.4.4.10. Juizado especial criminal (JECrim) Página 60
3.4.4.11. Crimes falimentares Página 61
3.4.5. Competência pelo domicílio/residência do réu Página 61
3.4.6. Escolha do foro competente Página 61
3.5. Competência em razão da matéria Página 62
3.5.1. Introdução Página 62
3.5.2. Justiça Eleitoral Página 63
3.5.2.1. Introdução Página 63
3.5.2.2. Crimes eleitorais Página 63
3.5.2.3. Conexão entre crimes Página 64
3.5.2.3.1. Conexão com crimes dolosos contra a vida Página 64
3.5.2.3.2. Conexão com crimes de competência da Justiça Estadual
Página 64
3.5.2.3.3. Conexão com crimes de competência da Justiça Militar ou Federal
Página 64
3.5.3. Justiça Militar Página 65
3.5.3.1. Introdução Página 65
3.5.3.2. Crimes militares Página 65
3.5.3.3. Justiça Militar da União e Justiça Militar Estadual Página 67
3.5.3.3.1. Competência Página 67
3.5.3.3.2. Estrutura e composição Página 68
3.5.3.3.3. Outras disposições sobre competência Página 69
3.5.3.3.3.1. Crimes praticados por militares que não sejam da competência da Justiça Militar
Página 69
3.5.3.3.3.2. Crimes dolosos contra a vida praticados por militares
Página 69
3.5.3.3.3.3. Conexão e continência Página 70
3.5.4. Justiça Federal Página 70
3.5.4.1. Introdução Página 70
3.5.4.2. Composição e estrutura Página 70
3.5.4.3. Competência Página 73
3.5.4.3.1. Art. 109, IV, CF Página 74
3.5.4.3.1.1. Crime político Página 74
3.5.4.3.1.2. Crimes de terrorismo Página 74
3.5.4.3.1.3. Crimes cometidos em detrimento de bens, serviços ou interesses da União
Página 75
3.5.4.3.2. Art. 109, V, CF Página 79
3.5.4.3.3. Art. 109, VI, CF Página 80
3.5.4.3.3.1. Crimes contra a organização do trabalho Página 80
3.5.4.3.3.2. Crimes contra o sistema financeiro e a ordem econômico-financeira
Página 81
3.5.4.3.4. Art. 109, IX, CF Página 81
3.5.4.3.5. Art. 109, X, CF Página 82
3.5.4.3.6. Art. 109, XI, C Página 83
3.5.4.3.7. Incidente de deslocamento de competência para a Justiça Federal
Página 83
3.5.5. Justiça Estadual Página 84
3.5.6. Quadro comparativo Página 84
3.6. Competência em razão da função Página 84
3.6.1. Introdução Página 84
3.6.2. Foro por prerrogativa de função Página 84
3.6.3. Rito Página 85
3.6.4. Legislação Página 85
3.6.5. Tabela sinóptica Página 86
3.6.6. Julgamento do parlamentar e do momento do crime Página 89
3.6.7. Ação Penal nº 937/STF e seus reflexos Página 91
3.6.7.1. Súmula nº 704/STF e art. 78, III, CPP – crimes conexos praticados por pessoas que têm prerrogativa de função
Página 93
3.6.7.2. Investigação e indiciamento Página 94
3.6.7.3. Denúncia Página 95
3.6.7.4. Competência do Tribunal Pátina 96
3.6.7.5. Tribunal do Júri Página 96
3.6.7.6. Indivíduos sem prerrogativa de foro Página 96
3.6.7.7. Crime cometido anteriormente à posse Página 96
3.6.7.8. Crime cometido durante o exercício da função Página 97
3.6.7.9. Crime cometido durante o mandato e cessação posterior
Página 97
3.6.7.10. Crime após a cessação do mandato Página 99
3.6.7.11. Ato de improbidade Página 100
3.6.7.12. Julgamento em única instância pelo STF Página 101
3.6.7.13. Exceção da verdade nos crimes contra a honra Página 101
4. Critérios de Prevenção e Distribuição Página 102
5. Critérios de Conexão e Continência Página 103
5.1. Introdução e conceitos Página 103
5.2. Legislação Página 103
5.3. Conexão, continência e crime único Página 104
5.4. Espécies de conexão Página 104
5.4.1. Conexão intersubjetiva Página 104
5.4.1.1. Conexão intersubjetiva por simultaneidade ou ocasional
Página 104
5.4.1.2. Conexão intersubjetiva por concurso Página 105
5.4.1.3. Conexão intersubjetiva por reciprocidade Página 105
5.4.2. Conexão objetiva Página 105
5.4.2.1. Conexão objetiva teleológica Página 105
5.4.2.2. Conexão objetiva consequencial Página 105
5.4.3. Conexão probatória ou instrumental Página 106
5.5. Espécies de continência Página 106
5.5.1. Continência por cumulação subjetiva Página 107
5.5.2. Continência por cumulação objetiva Página 107
5.6. Efeitos da conexão e continência Página 107
6. Prevalência do Foro, Separação de Processos e Desclassificação
Página 108
6.1. Questões de prevalência de foro Página 108
6.1.1. Concurso de jurisdições de instâncias diversas Página 109
6.1.2. Concurso entre jurisdição comum e especial Página 109
6.1.3. Concurso entre jurisdição comum federal e estadual Página 110
6.1.4. Concurso entre tribunal do júri e jurisdição comum Página 110
6.1.5. Crime de homicídio doloso conexo a crime eleitoral Página 110
6.1.6. Concurso de jurisdição da mesma categoria Página 110
6.1.7. Conexão entre jurisdição comum e os JECRIMs Página 111
6.2. Separação de processos Página 112
6.2.1. Separação obrigatória de processos Página 112
6.2.2. Separação facultativa de processos Página 114
6.3. Desclassificação e competência Página 115
6.4. Questões específicas sobre competência Página 115
6.4.1. Um só crime Página 115
6.4.2. Conexão e continência Página 116
6.4.3. Execução penal Página 117
6.4.4. Tribunal penal internacional Página 117
6.4.5. Crime de latrocínio Página 118
6.4.6. Colegiado de juízes de primeiro grau Página 118
7. Exceção Página 119
7.1. Introdução e conceitos Página 119
7.2. Exceção de impedimento e suspeição Página 121
7.3. Exceção de incompetência Página 123
7.4. Conflito de jurisdição ou competência Página 124
7.5. Conflito de atribuições do Ministério Público Página 125
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1
Capítulo 1 – Das Ações Penais
1. Introdução 1.1. Da Titularidade da Justiça
Como bem se sabe, não cabe aos indivíduos, por si sós, a execução da Justiça. É
nesse ponto, inclusive, que se encontra tipificado em nosso Código Penal o crime de
exercício arbitrário das próprias razões (CP: art. 345), cujo teor nos apresenta que
“Fazer justiça pelas próprias mãos, para satisfazer pretensão, embora legítima, salvo
quando a lei o permite”, é passível de punição.
Interessante notar, contudo, a existência de exceções, quais sejam, as situações
em que a lei permite que o indivíduo, enquanto lesado, busque, sozinho, a execução
da Justiça. Tais casos também estão dispostos no nosso Ordenamento Jurídico,
caracterizando-se pelos elementos que seguem: (1) legítima defesa – “Entende-se em
legítima defesa quem, usando moderadamente dos meios necessários, repele injusta
agressão, atual ou iminente, a direito seu ou de outrem (CP: art. 25); (2) estado de
necessidade – “Considera-se em estado de necessidade quem pratica o fato para
salvar de perigo atual, que não provocou por sua vontade, nem podia de outro modo
evitar, direito próprio ou alheio, cujo sacrifício, nas circunstâncias, não era razoável
exigir-se” (CP: art. 24); (3) acordos encontrados nas Leis nos 9.099/95 e 12.850/13.
Perguntemo-nos, então: se não cabe aos indivíduos a busca direta pelos seus
direitos, quem é o titular do direito de punir? Por óbvio, cabe ao Estado o monopólio
da distribuição da Justiça e o direito de punir, em regra.
Nesse ponto, convém que relembremos o conceito de jurisdição, foco da
aplicação da titularidade da Justiça, sendo: poder-dever do Estado em aplicar a lei ao
caso concreto, solucionando a lide. Aqui, cabe ao Estado, enquanto preservador da paz
social, punir aqueles que cometeram infrações penais, com o objetivo de, em tese,
reeducá-los e reintroduzi-los na sociedade.
Concluindo, portanto, afirma Edilson Mougenot que “aquele que promover a
acusação, para obter guarida à sua pretensão punitiva, será obrigado a provocar a
manifestação do órgão encarregado do exercício da jurisdição (em regra, o Poder
Judiciário).”
1.2. Previsão Legal
A ação penal apresenta diversas disposições legais. Por esse motivo, convém
que as separemos para o melhor entendimento.
Em sede constitucional, a ação penal é mencionada nos seguintes dispositivos:
CF: art. 5º, XXXV: a lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão
ou ameaça a direito.
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2
CF: art. 5º, LIX: será admitida ação privada nos crimes da ação pública, se
esta não for intentada no prazo legal.
O primeiro inciso acima descrito, nos dá a definição do Princípio da
Inafastabilidade da Jurisdição. Segundo tal princípio, todas as ameaças ou efetivas
lesões aos direitos ou à integridade física dos indivíduos deverão passar pelo crivo do
Estado. Quanto ao Direito Penal, o instrumento segundo o qual a pretensão é
apresentada ao Estado-Juiz é justamente a ação penal.
O segundo dispositivo demonstrado, porém, dispõe sobre uma das espécies de
ação penal posteriormente estudada e aprofundada por nós.
No âmbito legal, convém citarmos as disposições que se encontram no Código
Penal (arts. 100 a 106) e no Código de Processo Penal (arts. 24 a 62).
Interessante destacar, ainda, a crítica tecida pela doutrina quanto à
similaridade e consequente desnecessidade da existência de disposição acerca da ação
penal em ambos os documentos jurídicos. Há, inclusive, dispositivos extremamente
semelhantes em ambos os Códigos. À título de exemplo, vide: CP: arts. 24 e 30 e CPP:
art. 100. Em decorrência disto, não se aplicará às ações penais o disposto no art. 2º do
Código de Processo Penal, o qual dispõe que “A lei processual penal aplicar-se-á desde
logo, sem prejuízo da validade dos atos realizados sob a vigência da lei anterior”, visto
a natureza híbrida de tal elemento. Aqui, aplicar-se-á o disposto no art. 5, XL, da
Constituição Federal, segundo o qual “A lei penal não retroagirá, salvo para beneficiar
o réu”.
1.3. Conceito
Antes de partirmos para o estudo aprofundado deste instituto do Direito
Processual Penal, convém que o conceituemos. Segundo Guilherme de Souza Nucci,
ação penal “é o direito do Estado-acusação ou do ofendido de ingressar em juízo
solicitando a prestação jurisdicional, representada pela aplicação das normas de
direito penal ao caso concreto”. Resumidamente, é o direito do Estado ou do ofendido,
a depender da natureza da ação, em solicitar a prestação jurisdicional, diante de uma
infração penal.
1.4. Características da Ação Penal
São cinco as principais características da ação penal, quais sejam: (1) caráter
público; (2) direito subjetivo; (3) direito autônomo; (4) direito abstrato; e (5)
instrumentalidade.
1.4.1. Caráter Público
A ação penal, ainda que de natureza privada, como veremos adiante, sempre
será exercida contra o Estado, visto que tem como objetivo, como dito anteriormente,
acionar a jurisdição do mesmo e satisfazer a pretensão de elevada relevância social
apresentada por quem a tenha requerido.
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1.4.2. Direito Subjetivo
Diante do injusto dano, é direito daquele que o sofreu e dever do Ministério
Público acionar a tutela do Poder Judiciário para a satisfação da prestação em questão.
E, como sabemos, é dever do Estado retribuir-lhe. Segundo Mougenot, “Ainda que seja
para denegar sumariamente o pedido, o ajuizamento da ação, penal ou civil, implica a
criação de um dever para o Estado de emitir uma decisão.”
1.4.3. Direito Autônomo
A existência da ação penal não é prejudicada pelo direito material pelo qual
pretende-se a provocação do Estado. Existe, portanto, por si só. Autonomamente.
1.4.4. Direito Abstrato
O direito de se propor a ação independe da existência da violação do direito
material, ou seja, não é necessário que haja, de fato, o dano para que se venha a
provocar o Poder Judiciário. Portanto, independentemente do resultado da pretensão,
seja ela procedente ou não, não há o que se falar em impedimento ao direito de ação.
1.4.5. Instrumentalidade
Por fim, tem-se a ação penal por instrumental, pois tem como objetivo servir
de meio para que seja solucionada a violação sofrida pelo direito material. Em outras
palavras, está instrumentalmente conexo a um fato concreto.
2. Das Espécies de Ação Penal 2.1. Introdução
São duas as espécies de ação penal, basicamente, quais sejam: (1) ação penal
pública e (2) ação penal privada.
Segundo disposição do art. 129, I, da Constituição Federal, é função
institucional do Ministério Público “promover, privativamente, a ação penal pública, na
forma da lei.” Por outro lado, conforme descreve o artigo 30 do Código de Processo
Penal, “ao ofendido ou a quem tenha qualidade para representá-lo caberá intentar a
ação privada.”
Perguntemo-nos: qual é o motivo para tal divisão de espécies?
O legislador, a partir de tal separação, buscou proteger a intimidade da pessoa
ofendida diante de determinados crimes. Nesses casos, segundo disposição legal,
caberá a ação penal privada, salvo quando o interesse público for superior ao interesse
do ofendido.
2.2. Da Proposta da Ação
As espécies acima destacas possuem diferentes modos de apresentação. Diante
de ação penal pública é necessário que se manifeste o titular do direito de ação
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4
através de denúncia. Por outro lado, diante de ação penal privada, convém que o
titular da ação aja por meio de queixa.
2.3. Da Lide Penal
Entende-se por lide penal a pretensão à correta aplicação da lei penal, isto é, a
lide caracteriza-se pela pretensão punitiva do Estado, ou seja, apresenta natureza
jurídica condenatória. Tal pretensão é proposta através da ação penal.
2.4. Organograma da Ação Penal
2.5. Ação Penal Pública
Em sede de resumo, ação penal pública é a provocação feita ao Poder Judiciário
pelo próprio, através do Ministério Público. Tal meio será utilizado diante dos crimes
cujo interesse social prevalece em relação ao interesse privado. É a regra, sendo
proposta através de denúncia. Nesse sentido é a redação do art. 10 do Código Penal:
“A ação penal é pública, salvo quando a lei expressamente a declara privativa do
ofendido.”
Já mencionando as suas espécies, é o teor do art. 24 do Código de Processo
Penal: “Nos crimes de ação pública, esta será promovida por denúncia do Ministério
Público, mas dependerá, quando a lei o exigir, de requisição do Ministro da Justiça, ou
de representação do ofendido ou de quem tiver qualidade para representá-lo.”
Segundo tal artigo, podemos identificar duas espécies de ação penal pública,
quais sejam: (1) incondicionada; (2) condicionada.
2.5.1. Ação Penal Pública Incondicionada
Trata-se da regra geral do Ordenamento Jurídico Brasileiro, constando nos tipos
penais que não apresentam qualquer especificação quanto a proposta da ação penal.
“No silêncio da lei, a ação penal pública será incondicionada.”
Neste caso, não há qualquer necessidade de manifestação de terceiro,
bastando que a proposta seja feita pelo Ministério Público.
Ação Penal
Ação Penal Pública
Incondicionada
Condicionada
Representação
Requisição
Ação Penal Privada
Exclusiva
Personalíssima
Subsidiária
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Além desse critério, é a disposição do art. 24, §2º, do Código de Processo Penal:
“Seja qual for o crime, quando praticado em detrimento do patrimônio ou interesse da
União, Estado e Município, a ação penal será pública.”
2.5.2. Ação Penal Pública Condicionada
Entende-se por ação penal pública condicionada a ação cuja propositura
somente poderá ocorrer diante da manifestação de terceiro, sem a qual o Ministério
Público não poderá apresentá-la.
Assim serão classificadas as ações penais quando a lei dispor expressamente ser
necessário a representação do ofendido ou mediante requisição do Ministro da Justiça.
Tais elementos representam as duas subespécies nela constante, quais sejam:
(1) condicionada à representação do ofendido e (2) condicionada à requisição do
Ministro da Justiça.
2.5.2.1. Ação Penal Pública Condicionada à Representação do Ofendido
Entende-se por representação do ofendido a mera manifestação positiva do
mesmo acerca da propositura da ação penal por parte do Ministério Público.
Quanto ao direito de representação dispõe o art. 39, caput, do Código de
Processo Penal, cujo teor é: “O direito de representação poderá ser exercido,
pessoalmente ou por procurador com poderes especiais, mediante declaração, escrita
ou oral, feita ao juiz, ao órgão do Ministério Público, ou à autoridade policial.”
À título de exemplo, condiciona o parágrafo único do art. 147 do Código Penal
(crime de ameaça): “Somente se procede mediante representação”.
Aqui convém mencionarmos a Súmula nº 714 do Supremo Tribunal Federal,
sendo o seu conteúdo: “É concorrente a legitimidade do ofendido, mediante queixa, e
do ministério público, condicionada à representação do ofendido, para ação penal por
crime contra a honra de servidor público em razão do exercício de suas funções.”
Nesse caso, portanto, cabe ao servidor público, quando do sofrimento de crime contra
a honra, propor, ele mesmo, queixa-crime (ação penal privada) ou, mediante
representação, permitir que a ação seja proposta pelo Ministério Público (ação penal
pública).
Por fim, convém mencionar que, segundo consta do art. 25 do Código de
Processo Penal, “A representação será irretratável, depois de oferecida a denúncia.”
2.5.2.2. Ação Penal Pública Condicionada à Requisição do Ministro da Justiça
Neste caso, requisição tem como sinônimo a autorização. Aqui, somente se
procederá ao inquérito policial diante da manifestação positiva de vontade do Ministro
da Justiça.
Em regra, proceder-se-á a ação penal mediante requisição do Ministro da
Justiça diante de crimes de cunho eminentemente político, segundo Edilson
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Mougenot. À título de exemplo, podemos citar o art. 141, I, do Código Penal: “As
penas cominadas neste Capítulo aumentam-se de um terço, se qualquer dos crimes é
cometido: I – contra o Presidente da República, ou contra chefe de governo
estrangeiro.”
2.6. Da Ação Penal Privada
Recapitulando, a ação penal privada é a provocação ao judiciário feita pelo
próprio ofendido, ou seja, é a pessoa contra quem supostamente foi cometida a
infração penal que ingressa com a ação penal. Tal ingresso será feito através da
queixa. Nesse sentido é a disposição do art. 30 do Código de Processo Penal, cujo teor
nos diz que “Ao ofendido ou a quem tenha qualidade para representá-lo caberá
intentar a ação privada.”
São três as ações penais privadas, conforme demonstra o organograma acima
disposto. Quais sejam: (1) subsidiária; (2) personalíssima; (3) exclusiva.
2.6.1. Ação Penal Privada Subsidiária
Segundo o art. 29 do Código de Processo Penal: “Será admitida ação privada
nos crimes de ação pública, se esta não for intentada no prazo legal, cabendo ao
Ministério Público aditar a queixa, repudiá-la e oferecer denúncia substitutiva, intervir
em todos os termos do processo, fornecer elementos de prova, interpor recurso e, a
todo tempo, no caso de negligência do querelante, retomar a ação como parte
principal.”1
Portanto, ação penal privada subsidiária da pública é a provocação feita ao
judiciário pelo ofendido (através da queixa), vez que o Ministério Público, diante de
crime de ação penal pública, não a fez em tempo hábil. Segundo Edilson Mougenot, “A
existência da ação penal privada subsidiária da pública constitui garantia constitucional
do ofendido contra possível desídia ou arbitrariedade do Estado.”
Trata-se de cláusula pétrea. Nesse sentido é o art. 5º, LIX, da Constituição
Federal: “Será admitida ação privada nos crimes de ação pública, se esta não for
intentada no prazo legal.”
O Ministério Público terá cinco (se o indiciado estiver preso) ou quinze dias (se
o indiciado estiver solto) para ingressar com a denúncia. Não o fazendo, abre-se prazo
de seis meses para que o ofendido o faça. Tal omissão é caracterizada de forma tripla,
vez que é necessário que o Ministério Público se mantenha inerte, de forma a não
requerer o arquivamento, não ajuizar a ação e não determinar a realização de novas
diligências.
Convém destacar, contudo, ser possível que o Ministério Público retome a
titularidade da ação penal, vez que não recai sobre tal elemento a decadência,
perempção, renúncia ou perdão do ofendido, como veremos (vide tópicos 6.7.3 e
1 Art. 100, §3º, do Código Penal. A ação de iniciativa privada pode intentar-se nos crimes de ação pública, se o Ministério Público não oferece denúncia no prazo legal.
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6.7.4, infra). Contudo, somente poderá retomar a titularidade e ingressar com a ação,
caso o fato não tenha prescrito.
Diante do ajuizamento por parte do ofendido, atuará o Ministério Público como
custos legis, sendo possível que retome a titularidade diante de queixa que não atenda
aos requisitos legais, bem como adite a queixa, sem que retome a titularidade, diante
de pequenas falhas. Nesse caso, é possível que recorra, requeira provas e, diante da
negligência da parte, retome a titularidade.2
2.6.2. Ação Penal Privada Personalíssima
Tal ação penal privada assim se apresenta, pois somente é possível que a
pessoa do ofendido ingresse com a ação. Não há o que se falar, portanto, na
transmissão do direito quando da morte do ofendido. Trata-se, portanto, de exceção à
regra do art. 31 do Código de Processo Penal, de que: “No caso de morte do ofendido
ou quando declarado ausente por decisão judicial, o direito de oferecer queixa ou
prosseguir na ação passará ao cônjuge, ascendente, descendente ou irmão.”
Atualmente só há um tipo penal que lhe apresenta como forma de provocação
ao judiciário, qual seja, o disposto no art. 236, parágrafo único, do Código Penal, sendo
o seu teor: “A ação penal depende de queixa do contraente enganado e não pode ser
intentada senão depois de transitar em julgado a sentença que, por motivo de erro ou
impedimento, anule o casamento.”
2.6.3. Ação Penal Exclusiva, Propriamente Dita ou Principal
Trata-se do modelo comum de ação penal privada, nela podendo ingressar o
próprio ofendido ou quem o represente legalmente. Tal ação penal ocorrerá diante da
disposição legal no sentido de se provocar o Poder Judiciário através da queixa.
Diferencia-se da anteriormente narrada, vez que quando da morte do autor é
possível que haja sucessão da titularidade ao cônjuge, ascendente, descendente ou
irmão (vide tópico 5.2.1.4, infra).
2.7. Ação Penal Popular
Aqui cabe a seguinte pergunta: é possível que qualquer indivíduo ingresse com
ação penal quando do cometimento de infração penal?
A resposta a tal pergunta apresenta divergência.
Segundo posicionamento de Ada Pellegrini Grinover, Antonio Magalhães
Gomes Filho e Antonio Scarance Fernandes, é possível sim que qualquer do povo possa
entrar com ação penal contra o autor da infração penal. Citam como exemplos o
impeachment e o habeas corpus.
2 Art. 29 do Código de Processo Penal. Será admitida ação privada nos crimes de ação pública, se esta não for intentada no prazo legal, cabendo ao Ministério Público aditar a queixa, repudiá-la e oferecer denúncia substitutiva, intervir em todos os termos do processo, fornecer elementos de prova, interpor recurso e, a todo tempo, no caso de negligência do querelante, retomar a ação com parte principal.
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Entende-se, porém, que tais ação aqui apresentadas como exemplo são ações
constitucionais, não se tratando, portanto, de ações penais.
Por outro lado, segundo Guilherme de Souza Nucci, Rogério Lauria Tucci e
Vicente Greco Filho, não é possível que qualquer pessoa venha a ingressar com a ação
penal. Este posicionamento prevalece dentre os doutrinadores.
2.8. Ação Penal e Crime Complexo
Crime complexo é o crime formado pela junção de outros dois crimes. À título
de exemplo, podemos citar a extorsão mediante sequestro (art. 159 do Código Penal),
formado pela extorsão + sequestro.
Quanto a estes crimes, observa-se o disposto no art. 101 do Código Penal:
“Quando a lei considera como elemento ou circunstâncias do tipo legal fatos que, por
si mesmos, constituem crimes, cabe ação pública em relação àquele, desde que, em
relação a qualquer destes, se deva proceder por iniciativa do Ministério Público.”
Tal redação, porém, é errônea, visto que, como já explicado anteriormente, a
ação penal pública identifica-se pela omissão do dispositivo normativo, não sendo
necessário, portanto, que este especifique a utilização de tal ação.
3. Princípios das Ações Penais 3.1. Conceito
Segundo Guilherme Nucci, princípio “É um postulado que se irradia por todo o
sistema de normas, fornecendo um padrão de interpretação, integração,
conhecimento e aplicação do direito positivo, estabelecendo uma meta maior a
seguir.”
3.2. Princípios Gerais da Ação Penal
São os princípios: (1) princípio do devido processo legal; (2) princípio do
contraditório; (3) princípio da ampla defesa; (4) princípio da presunção de inocência;
(5) princípio do favor rei ou in dubio pro reo; (6) princípio da iniciativa da parte; (7)
princípio da oficiosidade ou do impulso oficial; (8) princípio da vedação da prova
ilícita; (9) princípio do juiz natural e imparcial; (10) princípio do promotor natural;
(11) princípio da intranscendência; (12) princípio do ne bis in idem ou double
jeopardy.
3.2.1. Princípio do Devido Processo Legal
Segundo disposição do art. 5º, LIV, da Constituição Federal: “ninguém será
privado da liberdade ou de seus bens sem o devido processo legal.”
Tem como objetivo principal fazer com que todos acusados por determinado
crime passem pelo mesmo rito processual legalmente previsto, sendo-lhes dada a
sentença mais justa o possível.
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Tal princípio é conhecido como guarda-chuva, vez que engloba vários outros
que serão posteriormente estudados, como o princípio do contraditório, princípio da
ampla defesa, princípio da vedação de prova ilícita, princípio da duração razoável do
processo, princípio do juiz natural e imparcial etc.
3.2.2. Princípio do Contraditório
É o teor do art. 5º, LV, da Constituição Federal: “aos litigantes, em processo
judicial ou administrativo, e aos acusados em geral são assegurados o contraditório e
ampla defesa, com os meios e recursos a ela inerentes.”
Dá às partes o direito de apresentar manifestação contrária diante de qualquer
ato pela parte contrária praticado. Tem como objetivo, portanto, estabelecer equilíbrio
durante o processo penal.
3.2.3. Princípio da Ampla Defesa
Disposto no mesmo inciso acima transcrito, tem como objetivo garantir que às
partes seja permitido o uso de todos os meios de prova em direito admitidas, ou seja,
as partes poderão se utilizar de qualquer meio de prova, desde que lícitos.
3.2.4. Princípio da Presunção de Inocência
Afirma o art. 5º, LVII, da Constituição Federal: “ninguém será considerado
culpado até o trânsito em julgado da sentença penal condenatória.”
Aduz que somente se considerará culpado aquele que assim for considerado
por sentença penal transitada em julgado. Trata-se, nesse caso, da razão inversamente
proporcional entre a força do Princípio da Presunção de Inocência e da culpabilidade
do agente.
Convém informar, porém, que tal princípio já sofreu inúmeras alterações de
entendimento no que pese ao momento em que o indivíduo será preso para o devido
cumprimento de pena. Nesse sentido é a tabela feito por Pedro Lenza:
PRECEDENTES3 DATA DO JULGAMENTO
PLACAR É CABÍVEL A EXECUÇÃO
PROVISÓRIA DE ACÓRDÃO PENAL CONDENATÓRIO
AINDA QUE SUJEITO A REsp E
RE?
HC 68.726 – leading case
28.06.1991 8x0 SIM
HC 84.078 – viragem
jurisprudencial
05.02.2009 7X4 NÃO
3 No dia 13/04/2019 o STF vai reanalisar este princípio.
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10
HC 126.292 17.02.2016 7x44 SIM
ADCs 43 e 44 – medida cautelar
05.10.2016 6x55 SIM
ARE 964.246 10.11.2016 6x4 SIM
HC 152.752 05.04.2018 6x56 SIM
3.2.5. Princípio da favor rei ou in dubio pro reo
Tal princípio está disposto no art. 386, II, do Código de Processo Penal, sendo o
seu teor: “O juiz absolverá o réu, mencionando a causa na parte dispositiva, desde que
reconheça: [...] II – não haver prova da existência do fato.”
Este princípio tem como objetivo, portanto, fixar a ideia de que, quando da
sentença, havendo dúvida acerca da materialidade delitiva e dos indícios de autoria,
deverá ser tomada a decisão que beneficiar o réu.
3.2.6. Princípio da Iniciativa da Parte ou ne procedat iudex ex officio
Tal brocardo tem como significado: “não procederá o juiz de ofício”. Segundo o
Dicionário Jurídico Acquaviva, o “brocardo recomenda ao juiz não proceder por
iniciativa própria, mas apenas a requerimento da parte. É o chamado princípio da
demanda ou da ação, nos termos do qual a jurisdição deve ser provocada.”
Portanto, simplificadamente, tal princípio tem por condão afirmar que deverão
as partes provocar o judiciário para que, então, seja submetido o caso à jurisdição, não
devendo o Poder Judiciário, de ofício, movimentar-se.
Por esse motivo, não fora recepcionado o art. 26 do Código de Processo Penal,
cujo texto apresenta: “A ação penal, nas contravenções, será iniciada com o auto de
prisão em flagrante ou por meio de portaria expedida pela autoridade judiciário ou
policial.”
3.2.7. Princípio da Oficiosidade ou do Impulso Oficial
Continuando o raciocínio do princípio anteriormente destacado, uma vez
provocado pelas partes, deverá o Poder Judiciário movimentar a máquina pública,
exercendo sua jurisdição sobre a ação em questão, levando-a até o final do processo,
momento em que se proferirá a sentença.
4 A favor da execução da pena: Carmén Lúcia, Edson Fachin, Gilmar Mendes, Luís Roberto Barroso, Luiz Fux, Teori Zavascki (relator) e Dias Toffoli. Contra a execução da pena: Celso de Mello, Marco Aurélio Mello, Ricardo Lewandowski, Rosa Weber. 5 A favor da execução da pena: Cármen Lúcia, Edson Fachin, Gilmar Mendes, Luís Roberto Barroso, Luiz Fux, Teori Zavascki. Contra a execução da pena: Celso de Mello, Marco Aurélio Mello (relator), Ricardo Lewandowski, Rosa Weber, Dias Toffoli. 6 A favor da execução da pena: Edson Fachin, Alexandre de Moraes (substitui Teoria Zavascki), Luís Roberto Barroso, Rosa Weber, Luiz Fux, Cármen Lúcia. Contra a execução da pena: Gilmar Mendes, Dias Toffoli, Ricardo Lewandowski, Marco Aurélio Mello, Celso de Mello.
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3.2.8. Princípio da Vedação da Prova Ilícita
Afirma o art. 5º, LVI, da Constituição Federal: “São inadmissíveis, no processo,
as provas obtidas por meios ilícitos.”
Prova ilícita é a prova obtida por meio de violação de norma constitucional ou
legal, ou seja, obtidas por meio de violação de direito material. Havendo esta espécie
de prova no processo, como afirma o Código de Processo Penal, é necessário que
sejam desentranhadas do processo, desconsiderando-as o juiz na sentença:
Art. 157 do Código de Processo Penal. São inadmissíveis, devendo
ser desentranhadas do processo, as provas ilícitas, assim entendidas as
obtidas em violação a normas constitucionais ou legais.
§1º. São também inadmissíveis as provas derivadas das ilícitas, salvo
quando não evidenciado o nexo de causalidade entre umas e outras, ou
quando as derivadas puderem ser obtidas por uma fonte independente das
primeiras.
§2º. Considera-se fonte independente aquela que por si só, seguindo
os trâmites típicos e de praxe, próprios da investigação ou instrução
criminal, seria capaz de conduzir ao fato objeto da prova.
§3º. Preclusa a decisão de desentranhamento da prova declarada
inadmissível, esta será inutilizada por decisão judicial, facultando às partes
acompanhar o incidente.
§4º. (VETADO)
No que se referem os §§ 1º e 2º, convém citarmos a Teoria do the fruits of the
poisoness tree (Teoria das frutas da árvore envenenada). Neste caso, a obtenção da
prova em si não é considerada ilícita, mas, sim, a origem da coleta destas provas,
como, por exemplo, a busca a apreensão mediante mandado ilegal.
Nesta situação, a origem ilícita da produção da prova atinge a prova em si,
tornando-a igualmente ilícita.
Convém citarmos as teorias produzidas pela jurisprudência no que diz respeito
à utilização destas provas. São as teorias:
1) Legítima defesa pro reo/Legítima defesa de direitos fundamentais:
Afirma José Olindo Gil Barbosa em artigo intitulado As provas ilícitas no
processo brasileiro7:
“A prova que venha a ser obtida por meios ilícitos, em matéria penal,
quando favorável ao acusado, ou seja, pro reo, vem, sistematicamente,
sendo acolhida com calmaria não apenas junto aos doutrinadores como
também à jurisprudência, em obediência ao direito de defesa e ao princípio
do favor rei. Como se vê, essa posição suaviza, indubitavelmente, o
rigorismo da não aceitação incondicional das provas ilícitas. Nessas
7 Disponível em: <www.sisnet.aduaneiras.com.br/lex/doutrinas/arquivos/AS%20PROVAS%20IL%CDCITAS.pdf>
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hipóteses o sujeito encontrar-se-ia em circunstância de verdadeiro estado
de necessidade, que é uma das causas, como sabemos, de exclusão da
antijuridicidade, vendo-se compelido ao uso de prova ilícita em defesa da
sua liberdade.”
2) Teoria da única prova:
Essa teoria afirma que, não havendo mais meios para que se prove fato
revelado por prova ilícita, sendo este fato que exclui a culpabilidade do réu, poder-se-á
utilizar tal prova, ainda que ilícita.
Por fim, citemos uma crítica que o Ministério Público faz em relação à
incidência do Princípio da Nulidade quando da apresentação das provas ilícitas:
Ajustes nas nulidades penais
Esta medida propõe uma série de alterações no capítulo do Código
de Processo Penal que trata de nulidades, com o objetivo de que a anulação
e a exclusão de prova somente ocorram quando houver uma efetiva e real
violação de direitos do réu. Busca-se evitar que o princípio da nulidade seja
utilizado pela defesa para retardar ou comprometer o andamento do
processo.
3.2.9. Princípio do Juiz Natural e Imparcial
Segundo disposição dos incisos XXXVII e LIII do art. 5º da Constituição Federal:
“não haverá juízo ou tribunal de exceção” e “ninguém será processado nem
sentenciado senão pela autoridade competente.”
No mesmo sentido é o art. 8º do Pacto de São José da Costa Rica: “1. Toda
pessoa terá o direito de ser ouvida, com as devidas garantias e dentro de um prazo
razoável, por um juiz ou Tribunal competente, independente e imparcial, estabelecido
anteriormente por lei, na apuração de qualquer acusação penal formulada contra ela,
ou na determinação de seus direitos e obrigações de caráter civil, trabalhista, fiscal ou
de qualquer outra natureza.”
Portanto, é direito de todo e qualquer indivíduo ser julgado por um juízo
imparcial, vedada a criação de Tribunal de Exceção, bem como deverá o juiz ser
devidamente empossado e competente para tanto.
3.2.10. Princípio do Promotor Natural
É baseado no art. 5º, LIII, da Constituição Federal (acima transcrito), tendo
como fundamento o direito de qualquer indivíduo em ser acusado por órgão imparcial
designado por lei, qual seja, o Ministério Público, através da Promotoria/Procuradoria.
Diz-se imparcial o promotor que se utiliza da própria função conforme as regras
preestabelecidas, não a utilizando como meio de coação para com as partes.
Igualmente ao princípio anterior, não é possível que seja designado promotor
específico (de exceção) para determinado caso.
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3.2.11. Princípio da Intranscendência
Os efeitos da pena não transcenderão a pessoa do condenado, somente sobre
ele recaindo. Portanto, não há o que se falar em transmissão dos efeitos da sentença
para os herdeiros, cônjuges ou parentes do condenado.
3.2.12. Princípio do ne bis in idem ou double jeopardy
Bis in idem tem como tradução “duas vezes pela mesma razão”. Nesse sentido,
não é possível que determinado indivíduo seja processado duas vezes pela mesma
imputação.
Nesse sentido é o art. 8º da Convenção Americana sobre Direitos Humanos
(Decreto nº 678/92): “4. O acusado absolvido por sentença passada em julgado não
poderá ser submetido a novo processo pelos mesmos fatos.”
3.3. Princípios da Ação Penal Pública
São os princípios: (1) princípio da obrigatoriedade ou legalidade; (2) princípio
da indisponibilidade da ação penal ou da indesistibilidade; (3) princípio da
oficialidade; (4) princípio da divisibilidade da ação penal pública.
3.3.1. Princípio da Obrigatoriedade ou Legalidade
Segundo disposição do art. 24 do Código de Processo Penal: “Nos crimes de
ação pública, esta será promovida por denúncia do Ministério Público, mas dependerá,
quando a lei o exigir, da requisição do Ministro da Justiça, ou de representação do
ofendido ou de quem tiver qualidade para representá-lo.”
De acordo com este princípio, diante de elementos gerem suficientes indícios
de autoria e materialidade delitiva deverá o Ministério Público ingressar com a ação
penal.
Conforme afirma Edilson Mougenot, “tem-se entendido que, para o início da
ação penal pública, basta que a presença de indícios suficientes de autoria e prova da
materialidade delitiva. Portanto, o Ministério Público não deverá sequer adentrar o
mérito da existência de causas excludentes de ilicitude ou de culpabilidade.”
Contudo, convém informarmos que tal princípio não é absoluto, encontrando
mitigação nos seguintes elementos:
a) Lei 9.099/95:
A exceção ao Princípio da Obrigatoriedade ou Legalidade é o instituto da
transação penal.
A transação penal tem como objetivo “evitar que contra um suposto autor de
fato delituoso seja instaurada uma ação penal. Desse modo, antes de oferecida uma
queixa-crime (pelo particular) ou denúncia (pelo Ministério Público), é garantido ao
suposto infrator oportunidade de lhe ser aplicada de imediato pena não privativa de
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liberdade (art. 72 e 76, Lei n. 9.099/958), o que lhe livra de responder a uma ação
penal e, sem admitir culpa, cumpre penas alternativas, tais como prestação de serviços
à comunidade, pagamento de determinado valor para instituição de caridade, entre
outras.”9
b) Lei 7.347/85:
Nesse caso, excetua-se o TAC – Termo de Ajustamento de Conduta diante de
crimes ambientais.
Conforme designação do art. 5º, §6º, desta Lei: “Os órgãos públicos legitimados
poderão tomar dos interessados compromisso de ajustamento de sua conduta às
exigências legais, mediante cominações, que terá eficácia de título executivo
extrajudicial.”
c) Parcelamento de dívida tributária:
É a redação do art. 151 do Código Tributário Nacional: “Suspendem a
exigibilidade do crédito tributário: VI – o parcelamento.”
Sobre o parcelamento é o art. 155-A do mesmo diploma legal, o qual estipula:
“O parcelamento será concedido na forma e condição estabelecida em lei específica.”
d) Acordo de leniência:
Tratam-se de acordos feitos entre o Poder Judiciário ou Administração Pública e
as pessoas jurídicas que tenham contra si investigação criminal da categoria
econômica.
Tais acordos têm como objetivo restituir ou reparar os prejuízos causados pelos
atos ilícitos, dando às pessoas jurídicas benefícios tanto na esfera penal como
administrativa.
e) Colaboração premiada:
É o teor do art. 4º da Lei 12.850/13: “O juiz poderá, a requerimento das partes,
conceder o perdão judicial, reduzir em até 2/3 (dois terços) a pena privativa de
liberdade ou substituí-la por restritiva de direitos daquele que tenha colaborado
efetiva e voluntariamente com a investigação e com o processo criminal, desde que
dessa colaboração advenha um ou mais dos seguintes resultados: I – a identificação
dos demais coautores e partícipes da organização criminosa e das infrações penais por
8 Art. 72 da Lei dos Juizados Especiais. Na audiência preliminar, presente o representante do Ministério Público, o autor do fato e a vítima e, se possível, o responsável civil, acompanhados por seus advogados, o Juiz esclarecerá sobre a possibilidade da composição dos danos e da aceitação da proposta de aplicação imediata de pena não privativa de liberdade. [...] Art. 76, caput, da Lei dos Juizados Especiais. Havendo representação ou tratando-se de crime de ação penal pública incondicionada, não sendo caso de arquivamento, o Ministério Público poderá propor a aplicação imediata de pena restritiva de direitos ou multas, a ser especificada na proposta. 9 Texto disponível em: <https://luizantoniofp.jusbrasil.com.br/artigos/148612891/o-que-e-transacao-penal>
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eles praticadas; II - a revelação da estrutura hierárquica e da divisão de tarefas da
organização criminosa; III - a prevenção de infrações penais decorrentes das atividades
da organização criminosa; IV - a recuperação total ou parcial do produto ou do
proveito das infrações penais praticadas pela organização criminosa; V - a localização
de eventual vítima com a sua integridade física preservada.”
3.3.2. Princípio da Indisponibilidade da Ação Penal ou da Indesistibilidade
Tal princípio é previsto no art. 42 do Código de Processo Penal: “O Ministério
Público não poderá desistir da ação penal.”
Quando proposta a ação, o Ministério Público não age por si próprio, mas
representando o Estado. Nesse sentido, quando do ajuizamento da ação penal, não há
o que se falar em desistência.
Igualmente ao princípio anteriormente estudado, há uma exceção, qual seja:
“Nos crimes em que a pena mínima cominada for igual ou inferior a um ano,
abrangidas ou não por esta Lei, o Ministério Público, ao oferecer denúncia, poderá
propor a suspensão do processo, por dois a quatro anos, desde que o acusado não
esteja sendo processado ou não tenha sido condenado por outro crime, presentes os
demais requisitos que autorizam a suspensão condicional da pena.” (art. 89, caput, da
Lei dos Juizados Especiais)
3.3.3. Princípio da Oficialidade
Como bem sabemos, somente o Ministério Público poderá ingressar com a
ação penal pública, sendo o órgão representante do Estado nesse sentido, segundo
disposição legal, qual seja: “São funções institucionais do Ministério Público: I –
promover, privativamente, a ação penal pública, na forma da lei.” (Art. 129, I, da
Constituição Federal)
3.3.4. Princípio da Divisibilidade da Ação Penal Pública
Conforme dispõe o art. 48 do Código de Processo Penal, “A queixa contra
qualquer dos autores do crime obrigará ao processo de todos, e o Ministério Público
velará pela sua indivisibilidade.”
Apesar do teor do artigo acima referido, em tese o Ministério Público poderá
deixar de ingressar com ação penal em relação a algum coautor do crime.
Por conta deste artigo do Código de Processo Penal, há divergência doutrinária.
Segundo Tourinho Filho, por exemplo, não há o que se falar em divisibilidade, mas em
indivisibilidade da ação penal em decorrência do Princípio da Obrigatoriedade
(anteriormente estudado). Por outro lado, segundo a maioria da doutrina, é possível
sim que a ação penal seja dividida.
Segundo jurisprudência do STJ, porém, “o fato de o Ministério Público deixar de
oferecer denúncia contra quem não reconheceu a existência de indícios de autoria na
prática do delito não ofende o princípio da indivisibilidade da ação penal, pois o
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princípio do art. 48 do Código de Processo Penal não compreende a ação penal pública
que, não obstante, é inderrogável.”
3.4. Princípios da Ação Penal Privada
São os princípios: (1) princípio da oportunidade ou conveniência; (2) princípio
da disponibilidade da ação; (3) princípio da indivisibilidade da ação penal privada.
3.4.1. Princípio da Oportunidade ou Conveniência
É o exato oposto do Princípio da Obrigatoriedade da Ação Penal Pública, visto
que a Ação Penal Privada somente será ajuizada em momento oportuno, qual seja, (1)
quando a lei assim exigir ou (2) quando não se ingressar com a ação penal pública em
tempo hábil.
Além disso, quando cabível a ação penal privada, caberá ao ofendido ou seus
representantes entenderem conveniente tal ingresso, não sendo obrigatório que o
façam.
Segundo Mougenot, “Somente iniciará o processo, ajuizando a ação penal, se
assim o desejar, ou seja, se julgar que o ajuizamento da ação é conveniente para si.
Caso contrário, poderá evitar o strepitus iudicii, se julgá-lo inoportuno, deixando
impune a conduta criminosa.”
3.4.2. Princípio da Disponibilidade da Ação
Novamente em contraposição ao Princípio da Obrigatoriedade, diante do
ajuizamento da ação penal privada, poderá o ofendido deixar de exercer o direito de
ação, deixando que o direito decaia; poderá renunciar ao direito de ação; poderá
abandonar a ação, ainda que proposta; poderá, inclusive, perdoar o ofensor, se diante
de ação penal privada personalíssima.
3.4.3. Princípio da Indivisibilidade da Ação Penal Privada
É disposto pelo art. 48 do Código de Processo Penal: “A queixa contra qualquer
dos autores do crime obrigará ao processo de todos, e o Ministério Público velará pela
sua indivisibilidade.”
Diferentemente da Ação Penal Pública, não poderá o ofendido deixar de ajuizar
a ação contra um ou alguns dos ofensores, devendo fazê-la contra todos eles.
Portanto, ainda que tenha a faculdade de ajuizar ou não a ação, decidindo pelo
ajuizamento deverá fazê-lo contra todos aqueles que tenha agido em seu desfavor.
Em consequência disso, afirma o art. 49 do Código de Processo Penal: “A
renúncia ao exercício do direito de queixa, em relação a um dos autores do crime, a
todos se estenderá.”
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3.5. Esquematizando
É, portanto, a divisão:
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4. Condições da Ação e Recebimento da
Denúncia/Queixa
4.1. Da Ação
Segundo o Dicionário Jurídico Acquaviva, trata-se da “invocação formal de uma
pretensão, objetivamente tutelada pela lei, perante o Poder Judiciário.” Em outras
palavras, dá-se pelo direito constitucional de ingressar em juízo.
4.2. Processo
Conforme palavras do mesmo Dicionário, é “a forma pela qual se faz atuar a lei
na solução dos conflitos ou na declaração dos direitos [...]. O processo é o instrumento
da jurisdição. É o conjunto ordenado de atos processuais que visam à restauração da
paz em cada caso concreto.” Trata-se, portanto, da sucessão ordenada de atos
segundo os quais se exerce a jurisdição, dirigindo-se à sentença. Em outras palavras,
dá-se pelo instrumento da jurisdição.
4.3. Procedimento
Caracteriza-se pela forma e ritmo pelos quais se desenvolve o processo,
constituindo-se no conjunto de atos que realizam a finalidade do processo
propriamente dito. Simplificadamente.
4.4. Pressupostos processuais ou condição de procedibilidade da ação
É formado pelos requisitos necessários para que a relação processual exista e
seja válida.
Diante da não observância de tais elementos, há a extinção da ação sem a
resolução do mérito, ou seja, para que se analise o mérito, é necessário que os
pressupostos processuais estejam presentes.
Convém, portanto, que especifiquemos quais são. Nesse sentido é a redação do
art. 395 do Código de Processo Penal: “A denúncia ou queixa será rejeitada quando: I –
for manifestamente inepta; II – faltar pressuposto processual ou condição para o
exercício da ação penal; III – faltar justa causa para o exercício da ação penal.”
Diante de tal disposição, dividamos os pressupostos processuais nas seguintes
categorias: (1) pressupostos processuais gerais e (2) pressupostos processuais
específicos.
Analisemos:
4.4.1. Pressupostos processuais gerais
São três os pressupostos processuais gerais, quais sejam: (1) legitimidade de
parte; (2) possibilidade jurídica do pedido; (3) interesse de agir.
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4.4.1.1. Legitimidade de parte
Este pressuposto é dividido em dois outros elementos, quais sejam: (1)
legitimidade ativa e (2) legitimidade passiva.
Entende-se por legitimidade ativa a possibilidade de ingressar com a ação, ou
seja, trata-se da competência que garante ao ente o direito de ajuizar ação penal.
Tratando-se se ação penal pública, possui legitimidade ativa o Ministério Público. Por
outro lado, quando da ação penal privada, ostenta legitimidade ativa o ofendido ou
seu representante legal.
De antemão, dá-se por legitimidade passiva o elemento presente sobre quem
a ação penal poderá recair. Diante de tal conceito, entende-se por legítimo
passivamente qualquer indivíduo, desde que maior de 18 anos. Lembremos, não há o
que se falar em legitimidade passiva de menor de 18 anos, visto que, nesse caso, há o
cometimento de ato infracional. Nesse sentido é o teor do art. 228 da Constituição
Federal: “São penalmente inimputáveis os menores de dezoito anos, sujeitos às
normas da legislação especial” (Estatuto da Criança e do Adolescente).
Convém que façamos uma pergunta: é possível que pessoa jurídica seja ré? Sim.
Conforme dito da Constituição Federal, é possível que pessoa jurídica seja ré em
procedimento criminal ambiental. Nesse sentido é o art. 225, §3º, da Carta Magna: “As
condutas e atividades consideradas lesivas ao meio ambiente sujeitarão os infratores,
pessoas físicas ou jurídicas, a sanções penais e administrativas, independentemente da
obrigação de reparar os danos causados.”
Contudo, há divergência quanto a esse entendimento. Parte da doutrina
defende que as pessoas jurídicas não apresentam subjetividade, isto é, são incapazes
de agir com dolo ou culpa. Além disso, não há o que se falar em condenação de
pessoas jurídicas ao cumprimento de pena privativa de liberdade ou restritiva de
direitos. Por esse motivo, afirmam não ser possível que pessoa jurídica venha a figurar
como ré.
4.4.1.2. Possibilidade jurídica do pedido
Segundo a teoria trifásica do tipo penal, somente caberá ação penal diante de
fato típico, jurídico e culpável. Portanto, não há o que se falar de ajuizamento de ação
penal diante de ação atípica, não prevista em dispositivo legal e para a qual não é
possível que se atribua culpa de determinado indivíduo.
Ainda diante de fato típico, jurídico e culpável, há discussão acerca da aplicação
do Princípio da Bagatela ou Insignificância. A maioria da doutrina entende que em
determinados fatos, ainda que condizentes com os três elementos acima expostos,
não serão puníveis. Trata-se, por exemplo, dos crimes de pequena monta e relevância,
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como o furto famélico, sonegação fiscal inferior a R$ 20.000 ou descaminho que não
ultrapasse R$ 20.00010.
Por fim, convém mencionar que a existência de pendência de procedimento
administrativo não impede, em regra, o ajuizamento de ação penal.
Excepcionalmente, porém, a impedirá. É o caso da existência de crime tributário, como
a sonegação fiscal. Nesse caso, não é possível que se ajuíze ação penal durante a
pendência de procedimento administrativo, sendo necessário o seu encerramento
para que se inicie o procedimento penal. Contudo, é importante mencionar que a
maioria da doutrina defende haver a suspensão do prazo prescricional nesses casos.
Nesse sentido, por exemplo, é a redação da Súmula Vinculante nº 24: “Não se
tipifica crime contra a ordem tributária, previsto no art. 1º, Lei 8.137/90, antes do
lançamento definitivo do tributo.”
Outros exemplos são os tipos dispostos nos arts. 168-A (apropriação indébita
previdenciária) e 337-A (sonegação de contribuição previdenciária) do Código Penal.
4.4.1.3. Interesse de agir
Tal elemento é formado pelo trinômio necessidade-adequação-utilidade.
Necessidade, pois é imprescindível que a provocação ao Poder Judiciário seja a
única e última forma pela qual se resolverá a pretensão.
Adequação, visto que é necessário que o meio segundo qual se ingresse com a
ação seja o mais congruente.
Utilidade, uma vez que a proposição deve ser útil, não sendo acompanhada por
vício que possa encerrar a pretensão da ação. Ex.: prescrição iminente.
Concluindo, é cabível que apresentemos a figura da prescrição retroativa ou
virtual. Segundo Edilson Mougenot, “tal espécie seria baseada na declaração de
extinção da punibilidade por antecipação, através de uma provável pena em
perspectiva, morosidade processual e falta de interesse de agir.” Em outras palavras,
trata-se da análise da utilidade da ação através da provável pena a qual seria
condenado o agente. Nesse caso, diante de uma possível prescrição, entender-se-á a
ação como sendo inútil, isto é, não havendo interesse de agir.
Segundo a maioria da doutrina, tal prática seria permitida. Contudo, é o
entendimento do Superior Tribunal de Justiça através da Súmula nº 438: “É
inadmissível a extinção da punibilidade pela prescrição da pretensão punitiva com
fundamento em pena hipotética, independentemente da existência ou sorte do
processo penal.”
10 Art. 334, caput, do Código Penal. Iludir, no todo ou em parte, o pagamento de direito ou imposto devido pela entrada, pela saída ou pelo consumo de mercadoria. Pena – reclusão, de 1 (um) a 4 (quatro) anos.
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4.4.1.4. Justa causa
Ainda que não presente no rol comumente utilizado, cabe a nós informar que
parte da doutrina entende existir um quarto pressuposto processual: a justa causa.
Segundo tal corrente, tal elemento comportaria, ao mesmo tempo, todos os
elementos anteriormente destacados. Este entendimento é fundado, principalmente,
através da disposição dos arts. 647 e 648, I, do Código de Processo Penal, segundo os
quais: “Art. 647. Dar-se-á habeas corpus sempre que alguém sofrer ou se achar na
iminência de sofrer violência ou coação ilegal na sua liberdade de ir e vir, salvo nos
casos de punição disciplinar. Art. 648. A coação considerar-se-á ilegal: I – quando não
houver justa causa.”
Tratar-se-ia, portanto, da junção do interesse de agir e da legitimidade passiva.
4.4.2. Pressupostos processuais específicos
São quatro os pressupostos processuais específicos: (1) representação do
ofendido (somente diante de ação penal pública condicionada); (2) requisição do
Ministro da Justiça (somente diante de ação penal pública condicionada); (3) provas
novas; (4) autorização da Câmara dos Deputados para instauração de processo de
impeachment.
Quanto às provas novas, convém tecermos alguns comentários. Quando do
arquivamento da ação, é possível que se requeira o seu desarquivamento diante da
apresentação de provas novas que identifiquem materialidade delitiva e indícios de
autoria. Nesse sentido é o art. 18 do Código de Processo Penal: “Depois de ordenado o
arquivamento do inquérito policial pela autoridade judiciária, por falta de base para a
denúncia, a autoridade poderá proceder a novas pesquisas, se de outras provas tiver
notícia.”
No mesmo contexto é a Súmula nº 524 do Supremo Tribunal Federal:
“Arquivado o inquérito policial, por despacho do juiz, a requerimento do promotor de
justiça, não pode a ação penal ser iniciada, sem novas provas.”
Quanto à autorização da Câmara dos Deputados para instauração de processo
de impeachment, dispõe o art. 86, caput, primeira parte, da Constituição Federal:
“Admitida a acusação contra o Presidente da República, por dois terços da Câmara dos
Deputados, será ele submetido perante o Supremo Tribunal Federal...” No mesmo
sentido é o art. 51, I, da Carta Magna: “Compete privativamente à Câmara dos
Deputados: I – autorizar, por dois terços de seus membros, a instauração de processo
contra o Presidente e o Vice-Presidente da República e os Ministros de Estado.”
Contudo, convém esclarecer que o processo de impeachment não caracteriza
ação penal, mas procedimento administrativo.
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4.5. Requisitos da denúncia/queixa
É a disposição do art. 41 do Código de Processo Penal: “A denúncia ou queixa
conterá a exposição do fato criminoso, com todas as suas circunstâncias, a qualificação
do acusado ou esclarecimentos pelos quais se possa identificá-lo, a classificação do
crime e, quando necessário, o rol das testemunhas.”
São, portanto, os elementos constantes da denúncia/queixa: (1) exposição do
fato criminoso; (2) classificação do crime; (3) qualificação do acusado ou
esclarecimentos pelos quais se possa identificá-lo; (4) pedido de condenação; (5)
identificação do órgão do Ministério Público; (6) assinatura.
4.5.1. Exposição do fato criminoso
É necessário que a denúncia/queixa narre as circunstâncias que caracterizam o
fato típico, lícito e culpável, bem como suas agravantes, causas de aumento de pena
etc. Diante disso, o acusado se defenderá do fato criminoso a ele imputado, não da
classificação do crime constante na denúncia/queixa.
Por esse motivo, trata-se do elemento mais importante da peça, pois se
caracteriza pela transcrição dos fatos pelos quais o juiz analisará o caso. Segundo
Mougenot, tal elemento constitui a causa de pedir da denúncia/queixa.
4.5.2. Classificação do crime
Baseado nos fatos narrados, convém que o legitimado para ajuizar a ação
indique o crime pelo qual acusa o sujeito ativo. É importante frisar que o juiz não ficará
vinculado à classificação do crime apresentada pelas partes, mas à exposição do fato
criminoso.
Nesse sentido é o art. 383, caput, do Código de Processo Penal: “O juiz, sem
modificar a descrição do fato contida na denúncia ou queixa, poderá atribuir-lhe
definição jurídica diversa, ainda que, em consequência, tenha de aplicar pena mais
grave.”
4.5.3. Qualificação do acusado ou esclarecimentos pelos quais se possa
identificá-lo
Aqui, aplicar-se-á, por analogia, o disposto no art. 319, II, do Código de
Processo Civil, segundo o qual: “A petição indicará: [...] II – os nomes, os prenomes, o
estado civil, a existência de união estável, a profissão, o número de inscrição no
Cadastro de Pessoas Físicas ou no Cadastro Nacional da Pessoa Jurídica, o endereço
eletrônico, o domicílio e a residência do autor e do réu.”
Contudo, diferentemente do disposto no âmbito civil, é possível que a parte
autora inclua na descrição do acusado determinações físicas que possam facilitar a sua
identificação (ex.: altura, tatuagens, cor da pele, cabelo, trejeitos etc).
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4.5.4. Pedido de condenação
É imprescindível que o pedido de condenação seja expresso.
4.5.5. Identificação do sujeito passivo
Diante do ajuizamento da ação penal, convém que se identifique o sujeito
ativo, seja ele o Ministério Público ou o querelante.
4.5.6. Assinatura
Por fim, é necessário que haja a assinatura daquele que propôs a ação. A sua
não observância não enseja a extinção da denúncia/queixa, tratando-se de vício
sanável.
4.6. Do indeferimento da denúncia/queixa e do recurso
Como vimos anteriormente, são três os elementos que ensejam o
indeferimento da denúncia/queixa, quais sejam: (1) inépcia; (2) falta de pressuposto
processual; (3) falta de justa causa (há autores que entendem ser este terceiro
elemento atrelado ao segundo).
Pergunta-se: do indeferimento da denúncia/queixa caberá recurso? Sim. Diante
do indeferimento da denúncia/queixa é possível que se ingresse com recurso em
sentido estrito.
Nesse sentido é a disposição do art. 581 do Código de Processo Penal: “Caberá
recurso, no sentido estrito, da decisão, despacho ou sentença: I – que não receber a
denúncia ou a queixa.” Diante de infrações penais de menor potencial ofensivo,
observar-se-á o disposto no art. 82 da Lei dos Juizados Especiais (Lei 9.099/95): “Da
decisão de rejeição da denúncia ou queixa e da sentença caberá apelação, que poderá
ser julgada por turma composta de três Juízes em exercício no primeiro grau de
jurisdição, reunidos na sede do Juizado.”
4.7. Denúncia/queixa alternativa
Entende-se por denúncia/queixa alternativa aquela cuja imputação não é única,
mas plúrima, ou seja, há dubiedade quanto à imputação sobre a qual se acusa o
agente. Em outras palavras, trata-se da denúncia/queixa em que se imputa ao agente
mais de um tipo penal.
Tal espécie de denúncia/queixa não é permitida, visto prejudicar a defesa do
réu. Segundo Mougenot, “essa medida [...] atinge diametralmente o princípio da
ampla defesa, obrigando o acusado a apresentar argumentos defensivos em vários
sentidos, sem saber, no entanto, efetivamente contra qual conduta será ele
perseguido penalmente.”
4.8. Denúncia/queixa genérica
Diante de pluralidade de acusados, é necessário que o Ministério Público ou o
ofendido, quando da denúncia/queixa, indiquem, com precisão, os fatos imputados a
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cada um dos acusados, narrando especificamente as ações de cada um deles, sob pena
de rejeição do pedido, bem como aditamento da petição inicial.
4.9. Retificação da denúncia/queixa
Pergunta-se: diante da inépcia da petição inicial, poderá o juiz, de ofício,
mandar que o acusador a retifique ou somente poderá extingui-la?
Há divergência doutrinária. Enquanto uma posição entende ser possível que,
diante de meras falhas, haja a retificação da denúncia/queixa de ofício por parte do
juiz, outra corrente entende ser impossível, somente cabendo ao juiz extingui-la.
4.10. Aditamento da denúncia/queixa
Segundo disposição do art. 45 do Código de Processo Penal: “A queixa, ainda
quando a ação penal for privativa do ofendido, poderá ser aditada pelo Ministério
Público, a quem caberá intervir em todos os termos subsequentes do processo.”
Na mesma senda é o art. 384 desse diploma legal: “Encerrada a instrução
probatória, se entender cabível nova definição jurídica do fato, em consequência de
prova existente nos autos de elementos ou circunstância da infração penal não contida
na acusação, o Ministério Público deverá aditar a denúncia ou queixa, no prazo de 5
(cinco) dias, se em virtude desta houver sido instaurado o processo em crime de ação
pública, reduzindo-se a termo o aditamento, quando feito oralmente.”
Portanto, o aditamento/adição de informações à denúncia/queixa é sim
possível, somente podendo ocorrer diante de fato novo, desconhecido quando do
ajuizamento da ação.
Contudo, convém esclarecer que, segundo o Princípio da Indivisibilidade, não é
possível que haja a adição de novos indivíduos no polo passivo da ação.
4.11. Recebimento da denúncia/queixa
Atendidos os requisitos formais e pressupostos processuais, há o recebimento
da ação penal. Tal fato marca o início efetivo da ação penal e a consequente
interrupção do prazo prescricional. Nesse sentido é o art. 117, I, do Código Penal: “O
curso da prescrição interrompe-se: I – pelo recebimento da denúncia ou da queixa.”
5. Da Ação Penal Pública 5.1. Ação Penal Pública Incondicionada
Como já visto anteriormente, a ação penal pública incondicionada configura a
regra do ordenamento, estando presente sempre que não há disposição que exija a
denúncia por meio diverso. Logo, não havendo qualquer disposição diante do tipo,
estaremos diante do ajuizamento por ação penal pública incondicionada.
Nesse sentido é o teor do art. 100, caput, do Código Penal: “A ação penal é
pública, salvo quando a lei expressamente declara privativa do ofendido.”
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Continuando, dispõe o §1º: “A ação pública é promovida pelo Ministério
Público, dependendo, quando a lei o exige, de representação do ofendido ou de
requisição do Ministro da Justiça.”
Tratando-se de ação penal pública incondicionada, porém, não há o que se falar
em representação do ofendido ou de requisição do Ministro da Justiça, devendo o
Ministério Público fazê-la de ofício.
Tal função é definida pela Constituição Federal, conforme adita o art. 129, I:
“São funções institucionais do Ministério Público: I – promover, privativamente, a ação
penal pública, na forma da lei.”
5.1.1. Revisando o recebimento do inquérito policial
Revisemos quais são as manifestações do Ministério Público diante do
recebimento do inquérito policial.
Logo que o recebe poderá agir de duas formas: (1) requererá novas diligências,
especificando sua imprescindibilidade para o oferecimento da denúncia11 ou (2)
pedirá o arquivamento do inquérito policial.
Diante do pedido de arquivamento, é possível que o juiz: (1) concorde com o
Ministério Público, ordenando o efetivo arquivamento12, ou (2) discorde do Ministério
Público. Nesse caso, deverá remeter os autos ao Procurador Geral de Justiça, se diante
da esfera estadual, ou à Câmara de Coordenação e Revisão do Ministério Público
Federal13, se diante da esfera federal. Aqui, cabe ao Chefe do Ministério Público
(Procurador): (1) insistir no arquivamento, situação na qual o juiz somente poderá
arquivá-lo efetivamente, (2) recomendar a denúncia, designando outro órgão do
Ministério Público para que o faça – diante de tal situação, não é possível que esse
novo órgão recuse ingressar com a denúncia, sendo dever fazê-lo – ou (3) oferecer a
denúncia ele mesmo14.
11 Art. 13 do Código de Processo Penal. Incumbirá ainda à autoridade policial: [...] II – realizar as diligências requisitadas pelo juiz ou pelo Ministério Público. Art. 16 do Código de Processo Penal. O Ministério Público não poderá requerer a devolução do inquérito policial, senão para novas diligências, imprescindível ao oferecimento da denúncia. 12 Art. 18 do Código de Processo Penal. Depois de ordenado o arquivamento do inquérito pela autoridade judiciária, por falta de base para a denúncia, a autoridade policial poderá proceder a novas pesquisas, se de outras provas tiver notícia. 13 Art. 62 da Lei Complementar nº 25. Compete às Câmaras de Coordenação e Revisão: [...] IV – manifestar-se sobre o arquivamento de inquérito policial, inquérito parlamentar ou peças de informação, exceto nos casos de competência originária do Procurador-Geral. 14 Art. 28 do Código de Processo Penal. Se o órgão do Ministério Público, ao invés de apresentar a denúncia, requerer o arquivamento do inquérito policial ou de quaisquer peças de informação, o juiz, no caso de considerar improcedentes as razões invocadas, fará remessa do inquérito ou peças de informação ao procurador-geral, e este oferecerá a denúncia, designará outro órgão do Ministério Público para oferecê-la, ou insistirá no pedido de arquivamento, ao qual só então estará o juiz obrigado a atender.
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5.1.2. Prazo para o oferecimento
Diante do recebimento do inquérito policial, deverá o Ministério Público
oferecer a denúncia em até cinco dias, se o acusado estiver preso, ou em quinze dias,
se o acusado estiver solto.
Estando preso e não havendo o efetivo oferecimento da denúncia no prazo
destacado, haverá o relaxamento da prisão em decorrência do Princípio da
Proporcionalidade, livrando-se solto o investigado.
Com o não oferecimento da denúncia por parte do Ministério Público e não
havendo o estabelecimento de novas diligências, abre-se a possibilidade para que o
ofendido ingresse com a queixa, mediante ação penal privada subsidiária da pública.
5.2. Ação Penal Pública Condicionada
Conforme dispõe o art. 100, §1º, do Código Penal, anteriormente referido: “A
ação pública é promovida pelo Ministério Público, dependendo, quando a lei o exige,
de representação do ofendido ou de requisição do Ministro da Justiça.”
De acordo com tal artigo, chegamos à conclusão de que somente ocorrerá a
ação penal pública condicionada se a lei expressamente a exigir.
São duas as espécies de ação penal pública condicionada, quais sejam: (1) ação
penal pública condicionada à representação do ofendido e (2) ação penal pública
condicionada à requisição do Ministro da Justiça.
5.2.1. Ação Penal Pública Condicionada à Representação do Ofendido
Nesse caso, o Ministério Público somente poderá ingressar com a denúncia se o
próprio ofendido ou seu representante legal assim o permitir. Cabe informar, contudo,
que tal representação não vincula o Ministério Público ao ajuizamento da ação penal
(ou instauração do inquérito policial), somente a fazendo se assim achar cabível.
5.2.1.1. Principais tipos penais
São dois os principais tipos penais que serão processados por meio da ação
pública condicionada à representação do ofendido, quais sejam: (1) lesão corporal de
natureza leve e culposa e (2) grave ameaça.
5.2.1.2. Titularidade da representação
Pergunta-se: quem poderá oferecer representação ao Ministério Público?
São duas as opções: (1) se o ofendido for menor, deverão oferecer a
representação seus representantes legais; (2) se o ofendido for maior, deverá ele
mesmo oferecê-la.
Contudo é a disposição do art. 34 do Código de Processo Penal: “Se o ofendido
for menor de 21 e maior de 18 anos, o direito de queixa poderá ser exercido por ele ou
por seu representante legal.” Tal disposição se dá em decorrência do Código Civil
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vigente quando da criação do Código de Processo Penal. Nessa época, vigorava o
Código Civil de 1916, segundo o qual a maioria civil somente era atingida ao completar
21 anos.
No mesmo sentido é o enunciado da Súmula nº 594 do Supremo Tribunal
Federal, segundo o qual: “Os direitos de queixa e de representação podem ser
exercidos, independentemente, pelo ofendido ou por seu representante legal.”
Com o advento do Código Civil de 2002 e a redução da maioridade civil para os
18 anos, pergunta-se? Esse dispositivo foi revogado tacitamente por tal Código?
Segundo a maioria da doutrina sim, houve a revogação tácita deste dispositivo.
5.2.1.3. Prazo para representação
Conforme informa o caput do art. 38 do Código de Processo Penal: “Salvo
disposição em contrário, o ofendido, ou seu representante legal, decairá no direito de
queixa ou de representação, se não o exercer dentro do prazo de seis meses, contado
do dia em que vier a saber quem é o autor do crime, ou, no caso do art. 29, do dia em
que se esgotar o prazo para o oferecimento da denúncia.”
Portanto, o prazo para a representação é de seis meses, contados da data em
que o ofendido ou o representante legal tiverem conhecimento acerca do autor do
crime15.
Pergunta-se: caso os representantes do ofendido não ofereçam representação,
é possível que o ofendido o faça quando completar 18 anos?
Depende. Diante da ciência da autoria do crime por parte dos representantes,
não há o que se falar em renovação do prazo quando o ofendido completar 18 anos.
Nesse caso, esgotado o prazo decairá o direito. Por outro lado, se o ofendido
completar 18 anos durante o transcurso do prazo, poderá oferecer a representação
durante o período restante. Por exemplo, completando 18 anos tendo corrido cinco
meses desde o conhecimento da autoria, ainda poderá representar ao Ministério
Público em um mês.
Não havendo ciência dos representantes, o prazo começará a correr da data em
que o ofendido completar 18 anos, desde que saiba da autoria do crime. Diante do não
conhecimento da autoria do crime, ainda que tenha completado 18 anos a vítima, não
há o que se falar em início da contagem do prazo, visto que o mesmo somente ocorre
quando do conhecimento da autoria do crime.
5.2.1.4. Morte do ofendido
Afirma o §1º do art. 24 do Código de Processo Penal: “No caso de morte do
ofendido ou quando declarado ausente por decisão judicial, o direito de representação
passará ao cônjuge, ascendente, descendente ou irmão.”
15 Art. 10 do Código Penal. O dia do começo inclui-se no cômputo do prazo. Contam-se os dias, os meses e os anos pelo calendário comum.
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Há divergência doutrinária quanto à ordem e relevância do posicionamento
destes indivíduos.
Segundo parte da doutrina, o direito de representação será exercido na ordem
em que a lei os dispõem, somente alcançando os indivíduos subsequentes diante da
impossibilidade opinativa dos primeiros, ou seja, a opinião é subsidiária. Nesse caso,
diante da não representação do cônjuge não é possível que os ascendentes,
descendentes ou irmãos o façam.
Segundo outra posição, não há qualquer juízo de ordem entre tais indivíduos,
bastando que um deles aceite representar para que o Ministério Público ofereça a
denúncia.
5.2.1.5. Duas vítimas, uma representação
Havendo duas vítimas, mas somente havendo a representação de uma delas,
caberá ao Ministério Público oferecer a denúncia somente em relação àquela que o
permitiu, não havendo o que se falar em oferecimento da mesma sem que a vítima
tenha autorizado.
Da mesma forma, somente poderão ser notificados os fatos relacionados à
vítima representada, não incorporando a tais elementos juízos pertencentes à vítima
não representada.
5.2.1.6. Forma
Conforme dispõe o art. 39 do Código de Processo Penal:
Art. 39 do Código de Processo Penal. O direito de representação
poderá ser exercido, pessoalmente ou por procurador com poderes
especiais, mediante declaração, escrita ou oral, feita ao juiz, ao órgão do
Ministério Público, ou à autoridade policial.
§1º. A apresentação feita oralmente ou por escrito, sem assinatura
devidamente autenticada do ofendido, de seu representante legal ou
procurador, será reduzida a termo, perante o juiz ou autoridade policial,
presente o órgão do Ministério Público, quando a este houver sido dirigida.
§2º. A representação conterá todas as informações que possam
servir à apuração do fato e da autoria.
§3º. Oferecida ou reduzida a termo a representação, a autoridade
policial procederá a inquérito, ou, não sendo competente, remetê-lo-á à
autoridade que o for.
§4º. A representação, quando feita ao juiz ou perante este reduzida a
termo, será remetida à autoridade policial para que esta proceda a
inquérito.
§5º. O órgão do Ministério Público dispensará o inquérito, se com a
representação forem oferecidos elementos que o habilitem a promover a
ação penal, e, neste caso, oferecerá a denúncia no prazo de quinze dias.
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Resumindo, o direito de representação será exercido (1) pessoalmente ou (2)
por meio de procurador com poderes especiais. Além disso, poderá ser feita (1)
escrita ou (2) oralmente, destinando-se ao (1) juiz, (2) autoridade policial ou (3)
membro do Ministério Público.
Por fim, na representação deverão constar todas as informações que possam
servir para apuração do fato e da autoria.
5.2.1.7. Retratação do ofendido
Primeiramente, convém que esclareçamos qual o conceito de retratação. De
modo simples, retratação refere-se ao desdizer-se, isto é, retirar aquilo que fora dito.
Nesse sentido, entende-se por retratação o ato praticado pelo querelante no qual
retira a sua representação, não mais concordando com o ajuizamento da ação penal
por parte do Ministério Público.
Segundo disposição do art. 25 do Código de Processo Penal: “A representação
será irretratável, depois de oferecida a denúncia.” No mesmo sentido é o art. 102 do
Código Penal.
Analisando a contrario sensu, tem-se que a representação será retratável, antes
de oferecida a denúncia.
Pergunta-se: é possível a retratação da retração? Ou seja, uma vez ocorrida a
retratação, retirando-se a representação, é possível que o ofendido volte a oferecê-la?
Segundo a maioria da doutrina, é possível, bastando que o faça anteriormente
ao oferecimento da denúncia, desde que não tenha ocorrido a decadência do direito.
Há, contudo, uma parte da doutrina que entende o contrário (Tourinho Filho). De
acordo com esse entendimento, não seria possível a retratação da retratação.
5.2.1.8. Lei Maria da Penha e ação penal pública incondicionada
Primeiramente, convém relembrarmos que, em regra, o crime de lesão
corporal na modalidade leve ou culposa somente será processado mediante
representação do ofendido.
Nesse sentido é o art. 88 da Lei dos Juizados Especiais (Lei 9.099/95): “Além das
hipóteses do Código Penal e da legislação especial, dependerá de representação a
ação penal relativa aos crimes de lesões corporais leves e lesões culposas.”
Contudo, afirma o art. 41 da Lei Maria da Pena (Lei 11.340/06): “Aos crimes
praticados com violência doméstica e familiar contra a mulher, independentemente da
pena prevista, não se aplica a Lei nº 9.099, de 26 de setembro de 1995.”
Portanto, diante dos crimes de lesão corporal praticados no âmbito familiar ou
doméstico, ainda que de natureza leve ou culposa, proceder-se-ão mediante ação
penal pública incondicionada.
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No mesmo teor é o acórdão do STF na ADI nº 4.42416:
Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Ministros do
Supremo Tribunal Federal em julgar procedente a ação direta para, dando
interpretação conforme aos artigos 12, inciso I, e 16, ambos da Lei nº
11.340/2006, assentar a natureza incondicionada da ação penal em caso de
crime de lesão corporal, pouco importando a extensão desta, praticado
contra mulher no ambiente doméstico, nos termos do voto do relator e por
maioria, em sessão presidida pelo Ministro Cezar Peluso, na conformidade
da ata do julgamento e das respectivas notas taquigráficas.
5.2.1.9. Renúncia à representação
Em regra, o instituto da renúncia refere-se à desistência quando da
apresentação da queixa, em se tratando de crimes que se processam por meio de ação
penal privada. Seguindo a regra, não é possível que haja a renúncia à representação
diante dos crimes de ação penal pública condicionada à representação do ofendido.
Contudo, há duas exceções no ordenamento jurídico.
A primeira delas está disposta no art. 74, parágrafo único, da Lei 9.099/95, cujo
teor é: “Tratando-se de ação penal de iniciativa privada ou de ação penal pública
condicionada à representação, o acordo homologado acarreta a renúncia ao direito de
queixa ou representação.”
Cumpre mencionar, porém, que tal disposição somente será aplicada nos
crimes submetidos ao rito estabelecido nessa lei.
Lembrando, conforme já dito no tópico anterior, não se aplicarão as
disposições da Lei dos Juizados Especiais diante da Lei Maria da Penha.
A segunda das exceções está disposta na lei acima mencionada (Lei Maria da
Penha). Nesse sentido é a disposição do art. 16: “Nas ações penais públicas
condicionadas à representação da ofendida de que trata esta Lei, só será admitida a
renúncia à representação perante o juiz, em audiência especialmente designada com
tal finalidade, antes do recebimento da denúncia e ouvido o Ministério Público.”
Convém destacar, contudo, que essa disposição somente se aplicará diante do
crime de ameaça, disposto no art. 147 do Código Penal17.
Por fim, em ambos os casos, há a extinção da punibilidade, utilizando
analogicamente o aduzido no art. 107, V, do Código Penal:
Art. 107 do Código Penal. Extingue-se a punibilidade:
[...]
16 Disponível em: <http://redir.stf.jus.br/paginadorpub/paginador.jsp?docTP=TP&docID=6393143> 17 Art. 147 do Código Penal. Ameaçar alguém, por palavra, escrito ou gesto, ou qualquer outro meio simbólico, de causar-lhe mal injusto e grave: Pena – detenção, de um a seis meses, ou multa. Parágrafo único. Somente se procede mediante representação.
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V – pela renúncia do direito de queixa ou pelo perdão aceito, nos
crimes de ação privada.
5.2.2. Ação Penal Pública Condicionada à Requisição do Ministro da Justiça
De proêmio, cumpre dizer que apesar da nomenclatura diferente a requisição
possui a mesma natureza da representação anteriormente estudada. Trata-se,
portanto, da autorização dada pelo Ministro da Justiça diante de crimes contra a honra
do Presidente da República ou de Chefe de Estado estrangeiro.
Nesse sentido é a disposição do art. 145, parágrafo único, primeira parte, do
Código Penal: “Procede-se mediante requisição do Ministro da Justiça, no caso do
inciso I do caput do art. 141 deste Código18...”
Tanto é idêntico à representação que, da mesma forma, não vincula o
Ministério Público, somente ajuizando este a ação penal diante da existência de
materialidade delitiva e indícios de autoria.
5.2.2.1. Prazo
Uma vez que se trata de crime contra o Presidente da República ou contra
chefe de estado estrangeiro, não está sujeito à decadência. Poderá, portanto, ser
oferecida a qualquer tempo.
Convém destacar, contudo, que, por óbvio, não é possível o oferecimento
diante da extinção da punibilidade devido à prescrição.
5.2.2.2. Forma
Segundo Edilson Mougenot, “A requisição, como a representação, não exige
forma especial. Deve, entretanto, conter, quando possível, informações acerca do fato
e sua autoria.”
5.2.2.3. Retratação
Não há posicionamento pacífico na doutrina. Enquanto parte defende a
possibilidade de retratação, aplicando-se, por analogia, os dispositivos referentes à
retratação quando da representação (vide tópico 5.2.1.7), outra parte afirma não ser
possível que haja a retratação, por, segundo Mougenot, “inexistir expressa disposição
legal acerca da possibilidade de retratação da requisição, não havendo, no caso,
possibilidade de analogia com os dispositivos legais referentes à representação em
face da diferença essencial entre esta e a requisição, ato político de autoridade do
Estado que é o Ministro da Justiça.”
18 Art. 141, caput, do Código Penal. As penas cominadas neste Capítulo aumentam-se de um terço, se qualquer dos crimes é cometido: I – contra o Presidente da República, ou contra chefe de governo estrangeiro.
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6. Da Ação Penal Privada 6.1. Introdução, titularidade e morte do ofendido
Segundo disposições anteriores, em regra, a ação penal será ajuizada pelo
Ministério Público, detentor da titularidade segundo disposição do art. 129, I, da
Constituição Federal. Contudo, segundo Mougenot, “a própria lei reserva o exercício
da ação penal a um particular. São aqueles casos em que, por determinação legal, a
ação penal será de iniciativa privada (ou, abreviadamente, os casos de ação penal
privada). O autor será chamado de querelante e o réu, de querelado.”
Portanto, ação penal privada é aquela cuja provocação se dá por meio de
queixa intentada pelo próprio ofendido ou seu representante, desde que com poderes
especiais para tanto19 (jus accusationis). Não obstante, não há o que se falar em
transferência do direito de punir, vez que tal elemento permanece sendo de direito do
Estado (jus puniendi).
Nesse sentido é a disposição do art. 30 do Código de Processo Penal c/c art.
100, §2º, do Código Penal: “Ao ofendido ou a quem tenha qualidade para representá-
lo caberá intentar a ação privada.”
Em sendo pobre o ofendido, ser-lhe-á assegurada a justiça gratuita20,
observando-se o disposto no art. 32, caput, do Código de Processo Penal: “Nos crimes
de ação privada, o juiz, a requerimento da parte que comprovar a sua pobreza,
nomeará advogado para promover a ação penal.”
De acordo com a disposição do art. 31, “No caso de morte do ofendido ou
quando declarado ausente por decisão judicial, o direito de oferecer queixa ou
prosseguir na ação passará ao cônjuge, ascendente, descendente ou irmão.”
Quanto à discussão que paira sobre a sucessão da titularidade post mortem,
vide tópico 5.2.1.4, supra.
6.2. Prazo
O prazo para o oferecimento da queixa é de seis meses a contar da data em
que o ofendido (ou o representante, quando da incapacidade do ofendido) descobrir
acerca da autoria do crime.
Aqui, aplicar-se-á o mesmo entendimento já estabelecido no tópico 5.2.1.3,
supra.
19 Art. 44 do Código de Processo Penal. A queixa poderá ser dada por procurador com poderes especiais, devendo constar do instrumento do mandato o nome do querelante e a menção do fato criminoso, salvo quando tais esclarecimentos dependerem de diligências que devem ser previamente requeridas no juízo criminal. 20 Art. 5º, LXXIV, da Constituição Federal. O Estado prestará assistência jurídica integral e gratuita aos que comprovarem insuficiência de recursos.
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6.3. Crimes processados mediante ação penal privada
Elencaremos os crimes cujo processamento se dá mediante ação penal de
iniciativa privada:
1) Crimes contra a honra (art. 145, caput, do Código Penal);
2) Esbulho de propriedade particular (art. 161, §3º, do Código Penal);
3) Dano (arts. 163, parágrafo único, IV, e 164 do Código Penal);
4) Fraude à execução (art. 179 do Código Penal);
5) Violação a direito autoral (art. 184 do Código Penal);
6) Justiça pelas próprias mãos, sem violência (art. 345, parágrafo único, do
Código Penal);
7) Induzimento a erro essencial e ocultação de impedimento (art. 236 do Código
Penal);
8) Crimes contra a propriedade industrial (art. 199 da Lei nº 9.279/96).
6.4. Espécies de ação penal privada
Como já visto, são três as espécies de ação penal privada (vide tópico 2.6):
a) Ação penal privada subsidiária da pública (tópico 2.6.1, supra);
b) Ação penal privada personalíssima (tópico 2.6.2, supra);
c) Ação penal privada exclusiva, propriamente dita ou principal (tópico 2.6.3,
supra).
Convém fazermos uma breve diferenciação entre a segunda e terceira espécies
de ação penal privada.
Na segunda (ação penal privada personalíssima), somente o autor é titular para
ingressar com a queixa, não havendo o que se falar em transmissão do direito quando
da sua morte. Nesse caso, há a extinção da ação.
Na terceira (ação penal privada exclusiva), não obstante, ainda que seja titular
do direito de queixa o ofendido, é possível que, posteriormente à sua morte, o direito
seja transmitido ao cônjuge, ascendente, descendente e/ou irmão (vide tópico 5.2.1.4,
supra).
6.5. Atuação do Ministério Público na ação penal privada
Primeiramente, convém esclarecer que o Ministério Público somente atuará
diante de ação penal privada personalíssima e exclusiva, visto que na subsidiária da
pública perdeu a titularidade em decorrência do não ajuizamento da denúncia no
prazo legal.
Nos casos em que é cabível, caberá ao Ministério Público a função de custos
legis, isto é, deverá, segundo disposição do art. 257, II, do Código de Processo Penal,
“fiscalizar a execução da lei.”
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Além disso, conforme adita o art. 45 do mesmo diploma legal, poderá o
Ministério Público aditar a ação penal, corrigindo imperfeições formais no texto. Nesse
caso, “caberá intervir em todos os termos subsequentes do processo.”
6.6. Funcionário público e crime contra a honra no exercício de suas
funções
Como já dito no tópico 2.5.2.1, quando da explicação da Súmula nº 714 do
Supremo Tribunal Federal: “É concorrente a legitimidade do ofendido, mediante
queixa, e do ministério público, condicionada à representação do ofendido, para ação
penal por crime contra a honra de servidor público em razão do exercício de suas
funções.”
Aqui, portanto, facultar-se-á ao servidor público atingido em sua honra
enquanto no exercício de suas funções intentar mediante queixa (ação penal privada)
ou permitir que o Ministério Público o faça, oferecendo-lhe representação (ação penal
pública).
6.7. Ofendido abre mão do direito de queixa
Pergunta-se: é possível que o ofendido abra mão do direito de queixa? São
quatro os elementos que possibilitam tal ação, quais sejam: (1) decadência; (2)
perempção; (3) renúncia ou (4) perdão.
Diante de qualquer um deles, excluída estará a punibilidade, conforme aduz o
art. 107, IV, do Código Penal: “Extingue-se a punibilidade: [...] IV – pela prescrição,
decadência ou perempção.”
Analisemos cada elemento:
6.7.1. Decadência
Segundo conceito do Dicionário Jurídico Acquaviva:
Do latin cadens, de cadere (cair, decair, perecer, cessar). Da mesma
origem, e com o mesmo significado, caducidade, de caduco, que decai, que
perece com o tempo.
A decadência, também chamada caducidade, vem a ser a perda do
próprio direito material em razão do decurso do tempo. A decadência
importa o desaparecimento, a extinção de um direito pelo fato de seu titular
não exercê-lo durante um prazo estipulado na lei. Perdido o prazo, perdido
estará o direito.
Diante da ação penal privada, a decadência ocorrerá ante o transcurso do prazo
de seis meses sem que seja oferecida a queixa. Ocorrerá anteriormente ao início da
ação penal, comunicando-se a todos os autores do crime, ainda que desconhecidos
pela vítima.
Nesse sentido é o art. 103 do Código Penal c/c art. 38 do Código de Processo
Penal: “Salvo disposição em contrário, o ofendido, ou seu representante legal, decairá
no direito de queixa ou de representação, se não o exercer dentro do prazo de seis
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meses, contado do dia em que vier a saber quem é o autor do crime, ou, no caso do
art. 2921, do dia em que se esgotar o prazo para o oferecimento da denúncia.”
6.7.2. Perempção
Conforme conceitua o Dicionário Jurídico Acquaviva:
Do latim peremptione, destruição, extinção.
Extinção do direito de praticar um ato processual pela perda de um
prazo definido e definitivo. Instituto eminentemente processual, distingue-
se, portanto, da prescrição e com a decadência não se confunde, porque se
esta se refere à extinção do próprio direito material, a perempção sobrevém
com a perda do direito ao exercício de um ato processual, sem que o
processo se extinga. [...] No Direito Criminal, a perempção caracteriza a
inércia do querelante após deflagrada a ação, não se confundindo, portanto,
com a decadência.
Diante de ação penal privada, dar-se-á quando for exclusiva ou
personalíssima22. Além disso, ocorrerá posteriormente à propositura da ação,
comunicando-se a todos os autores do crime, ainda que desconhecidos pela vítima.
Para tanto, observar-se-á ao disposto no art. 60 do Código de Processo Penal,
segundo o qual:
“Nos casos em que somente se procede mediante queixa, considerar-se-á
perempta a ação penal:”
I. Quando, iniciada esta, o querelante deixar de promover o andamento do
processo durante 30 dias seguidos:
Segundo Edilson Mougenot: “Não promovendo ele [o ofendido] a
movimentação do processo, há que se determinar sua extinção. Importa ressaltar que
o prazo exibido é de 30 dias consecutivos, não autorizando a lei a soma de períodos
descontínuos em que o processo eventualmente tenha permanecido sobrestado.”
II. Quando, falecendo o querelante, ou sobrevindo sua incapacidade, não
comparecer em juízo, para prosseguir no processo, dentro do prazo de 60 (sessenta)
dias, qualquer das pessoas a quem couber fazê-lo, ressalvado o disposto no art. 3623:
Somente caberá diante de ação penal privada exclusiva.
III. Quando o querelante deixar de comparecer, sem motivo justificado, a
qualquer ato do processo a que deva estar presente, ou deixar de formular o pedido
de condenação nas alegações finais:
21 Ação penal privada subsidiária da pública. 22 Diante da ação penal privada subsidiária da pública, havendo perempção a titularidade retornará ao Ministério Público. 23 Art. 36 do Código de Processo Penal. Se comparecer mais de uma pessoa com direito de queixa, terá preferência o cônjuge, e, em seguida, o parente mais próximo na ordem de enumeração constante do art. 31, podendo, entretanto, qualquer delas prosseguir na ação, caso o querelante desista da instância ou a abandone.
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Convém fazermos uma pergunta acerca primeira parte do inciso acima
destacado: haverá perempção diante do não comparecimento em audiência de
conciliação?24 Existe divergência doutrinária.
Parte da doutrina entende que não se trata de ato processual, visto ainda não
ter ocorrido o início da ação penal. Nesse caso, não haveria o que se falar em
perempção.
Outra parte, porém, entende se tratar de ato processual, o que configuraria
perempção.
IV. Quando, sendo o querelante pessoa jurídica, extinguir-se sem deixar
sucessor:
Parte da doutrina entende que a extinção da pessoa jurídica querelante não
enseja a perempção da ação se esta for incorporada por outra empresa, a quem será
transferida a titularidade da ação penal.
Por fim, convém informar que a perempção extingue o processo, não havendo
qualquer possibilidade de novo oferecimento de queixa ou denúncia, diferentemente
do que dispõe o Código de Processo Civil25.
6.7.3. Renúncia
6.7.3.1. Introdução
Como já vimos anteriormente, a renúncia configura a desistência permanente
do oferecimento da queixa por parte do ofendido anteriormente ao ajuizamento da
ação penal, fato este que extingue a punibilidade26. Tal elemento somente é possível
devido ao Princípio da Conveniência ou Oportunidade, segundo o qual o ofendido
poderá intentar ação penal se assim entender conveniente. Caso contrário, é possível
que deixe de fazê-lo ou renuncie ao direito anteriormente ao oferecimento da queixa.
Trata-se de ação unilateral do ofendido. Segundo o Código Penal, “O direito de
queixa não pode ser exercido quando renunciado expressa ou tacitamente (art. 104).”
Por conta disso, não depende da anuência do ofensor para tanto. Da mesma forma,
oferecida a renúncia contra um dos ofensores, havendo mais de um, estender-se-á a
renúncia aos demais, de acordo com o Princípio da Indivisibilidade da Ação Penal
Privada. 27
24 Art. 520 do Código de Processo Penal. Antes de receber a queixa, o juiz oferecerá às partes oportunidade para se reconciliarem, fazendo-as comparecer em juízo e ouvindo-as, separadamente, sem a presença dos seus advogados, não se lavrando termo. 25 Art. 486, §3º, do Código de Processo Civil. Se o autor der causa, por 3 (três) vezes, a sentença fundada em abandono da causa, não poderá propor nova ação contra o réu com o mesmo objeto, ficando-lhe ressalvada, entretanto, a possibilidade de alegar em defesa o seu direito. 26 Art. 107 do Código Penal. Extingue-se a punibilidade: [...] V – pela renúncia do direito de queixa ou pelo perdão aceito, nos crimes de ação privada. 27 Art. 49 do Código de Processo Penal. A renúncia ao exercício do direito de queixa, em relação a um dos autores do crime, a todos se estenderá.”
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Convém destacar, ainda, que, tratando-se de ato unilateral, havendo mais de
uma vítima, a renúncia de uma delas não enseja a renúncia das demais, não
prejudicando, portanto, o direito de ação das outras vítimas. Aqui, aplica-se de forma
analógica o disposto no art. 106, II, CP, segundo o qual: “O perdão, no processo ou fora
dele, expresso ou tácito: [...] II – se concedido por um dos ofendidos, não prejudica o
direito dos outros.”
Importante mencionar que não será cabível a renúncia diante de ação penal
privada subsidiária da pública. Lembremos, a renúncia, em sua essência, tem como
objetivo cessar o ajuizamento da ação, demonstrando a vítima não ter mais interesse
no prosseguimento da apreciação do crime. Na ação penal privada subsidiária da
pública, ainda que haja o esgotamento do prazo para que o Ministério Público ofereça
a queixa, diante da indisponibilidade da vítima quanto à movimentação da ação,
retornar-se-á a titularidade ao Parquet, segundo o qual a ação crimine será conduzida.
Por esse motivo a renúncia é indevida nesse caso.
6.7.3.2. Titularidade
A titularidade da renúncia coincide com a titularidade para o exercício do
direito de queixa. Portanto, tem-se por titular da renúncia o próprio ofendido ou seus
representantes legais.
Por conta disso, entende-se revogado tacitamente o disposto no parágrafo
único do art. 50 do CPP, segundo o qual: “A renúncia do representante legal do menor
que houver completado 18 (dezoito) anos não privará este do direito de queixa, nem a
renúncia do último excluirá o direito do primeiro.” O entendimento é no sentido da
revogação tácita em decorrência da disposição do novo Código Civil no sentido de
igualar as maioridades civil e penal.
6.7.3.3. Forma
A renúncia poderá ser escrita ou tácita.
Se escrita, seguir-se-á o disposto no art. 50, caput, do CPP, segundo o qual:
Art. 50, caput, do Código de Processo Penal. A renúncia expressa
constará de declaração assinada pelo ofendido, por seu representante legal
ou procurador com poderes especiais.
Em sendo tácita, observar-se-á o disposto no art. 104, parágrafo único, do
Código Pena:
Art. 104, parágrafo único, do Código Penal. Importa renúncia tácita
ao direito de queixa a prática de ato incompatível com a vontade de exercê-
lo; não a implica, todavia, o fato de receber o ofendido a indenização do
dano causado pelo crime.
Importante frisar, contudo, a incompatibilidade entre o artigo acima transcrito
e o disposto no art. 74, parágrafo único, da Lei 9.099/95, segundo o qual: “Tratando-se
de ação penal de iniciativa privada ou de ação penal pública condicionada à
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representação, o acordo homologado acarreta a renúncia ao direito de queixa ou de
representação.”
Tal disposição dá a entender que nas causas cujo valor exceda 40 salários
mínimos, a realização de acordo não enseja a renúncia do direito de ação; enquanto
nas causas cujo valor não exceda 40 salários mínimo (crimes de menor potencial
ofensivo) a realização de acordo enseja, automaticamente, a renúncia do direito de
agir.
Há doutrinadores que aceitam tal disposição, entendendo que, de fato, os
crimes de menor potencial ofensivo não aceitam a realização de acordo homologado
pelo juiz, sob pena de ensejarem a renúncia ao direito de ação; enquanto os crimes
mais graves toleram a homologação de acordos. Contudo, outra parte da doutrina
entende haver violação do Princípio da ultima ratio. Explicam que o acordo feito em
âmbito diverso do penal dá a entender ter sido a lide resolvida anteriormente à
necessidade de provocação do meio penal. Nesse caso, em ambos os casos haveria a
renúncia tácita do direito de agir.
6.7.4. Perdão do ofendido
6.7.4.1. Introdução
Diferentemente da renúncia, o perdão do ofendido é a desistência da vítima
ocorrida posteriormente ao ajuizamento da ação, uma vez que não tenha ocorrido o
trânsito em julgado da sentença penal condenatória. Nesse sentido é o art. 106, §2º,
do Código Penal: “Não é admissível o perdão depois que passa em julgado a sentença
condenatória.”
Aqui, não se trata de ato unilateral, sendo necessário que o ofensor anua com o
perdão. Trata-se, portanto, de ato bilateral. Uma vez aceito pelo ofensor, há a extinção
da punibilidade.
Apesar de o perdão oferecido a um dos ofensores se estender aos demais, tal
fato somente ocorrerá em relação àqueles que o aceitarem, diferentemente do que
ocorre na renúncia. Nesse sentido é o art. 51 do CPP: “O perdão concedido a um dos
querelados aproveitará a todos, sem que produza, todavia, efeito em relação ao que o
recusar.” 28
Tal disposição nos dá a entender, ainda, que o silêncio do querelante enseja a
aceitação tácita do perdão judicial.
Por outro lado, da mesma forma que ocorre diante de renúncia, o perdão
oferecido por uma das vítimas não ensejará o perdão das demais (art. 106, II, CP).
6.7.4.2. Forma
Igualmente à renúncia, o perdão poderá ser expresso ou tácito.
28 Art. 106 do Código Penal. O perdão, no processo ou fora dele, expresso ou tácito: I – se concedido a qualquer dos querelados, a todos aproveita; [...] III – se o querelado o recusa, não produz efeito.
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Se expresso, importará observar o disposto no art. 58 do CPP: “Concedido o
perdão, mediante declaração expressa nos autos, o querelado será intimado a dizer,
dentro de três dias, se o aceita, devendo, ao mesmo tempo, ser cientificado de que o
seu silêncio importará aceitação.”
Quando expresso, poderá ser feito pessoalmente pelo ofendido ou por meio de
procurador com poderes especiais para tanto (art. 55, CPP).
Do contrário, sendo tácito, seguir-se-á o disposto no art. 57 do CPP: “A
renúncia tácita e o perdão tácito admitirão todos os meios de prova.”
Além disso, importante o que prevê o art. 106, §1º, do CP: “Perdão tácito é o
que resulta da prática de ato incompatível com a vontade de prosseguir na ação.”
Além das disposições acima destacadas, o perdão poderá ocorrer de forma
processual ou extraprocessual.
Quando processual, o réu terá três dias, como dito anteriormente, para se
manifestar acerca do perdão. Caso não o faça, presumir-se-á a aceitação.
Se extraprocessual, é necessário que a aceitação do perdão conste em
declaração assinada pelo querelado, por seu representante legal ou procurador com
poderes especiais, segundo disposição do art. 59, CPP.
6.7.5. Renúncia ≠ Perdão
Segue a tabela:
RENÚNCIA PERDÃO
Momento Ocorrerá anteriormente ao ajuizamento da ação
Ocorrerá posteriormente ao ajuizamento da ação
Princípio norteador Princípio da Facultatividade ou
Oportunidade
Princípio da Disponibilidade
Natureza do ato Unilateral Bilateral
Efeitos quanto aos ofensores
A renúncia em relação a um atinge todos
O perdão concedido a um atinge todos, mas
somente gerará efeitos sobre aqueles que o
aceitarem
7. Ação Civil ex delito 7.1. Conceito
É comum que visualizemos um determinado ato de forma isolada quanto aos
âmbitos civil e penal, ou seja, observamos as consequências de um ato apurando,
separadamente, o reflexo penal ou o reflexo civil. Contudo, é possível que um mesmo
ato reflita, simultaneamente, em ambos os segmentos do Direito, ensejando um crime
e o dever de reparação civil.
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Surge a pergunta: diante de ato que atinja ambos os âmbitos, como proceder a
ação penal? Nesse caso, oferecer-se-á a denominada ação civil ex delito.
Nesse sentido, entende-se por ação civil ex delito a ação proposta pelo
ofendido, seu representante legal ou herdeiros, no âmbito cível, com o objetivo de ter
o dano patrimonial ou moral consequentes ao ato ilícito reparados.
7.2. Titulares
7.2.1. Titularidade ativa
Como dito anteriormente, é possível que a ação civil ex delito seja proposta
pelo próprio ofendido, seu representante legal ou herdeiros.
Contudo, convém citarmos um ponto. É a redação do art. 68 do Código de
Processo Penal: “Quando o titular do direito à reparação do dano for pobre (art. 32, §§
1º e 2º), a execução da sentença condenatória (art. 63) ou a ação cível (art. 64) será
promovida, a seu requerimento, pelo Ministério Público.”
Diante disso, pergunta-se: será o Ministério Público titular para propor ação
civil ex delito? Tal artigo foi recepcionado pela Constituição Federal de 1988?
Vejamos.
Esse assunto foi objeto do RE 147.776/SP no Supremo Tribunal Federal,
sustentando a Corte pela recepção do artigo e consequente competência
extraordinária do Ministério Público para tal incumbência, uma vez que a Defensoria
Pública, órgão destinado à assistência judiciária, não apresente meios para tanto.
Portanto, além do ofendido, seus representantes e herdeiros, sendo
hipossuficiente o ofendido, é possível que o Ministério Público, a partir de sua
anuência, proponha ação cível ex delito em nome daquele.
É a ementa deste Recurso Extraordinário:
Ministério Público: legitimação para promoção, no juízo cível, do
ressarcimento do dano resultante de crime, pobre o titular do direito à
reparação: C. Pr. Pen., art. 68, ainda constitucional (cf. RE 135328):
processo de inconstitucionalização das leis.
1. A alterativa radical da jurisdição constitucional ortodoxa entre a
constitucionalidade plena e a declaração de inconstitucionalidade ou
revogação por inconstitucionalidade da lei com fulminante eficácia ex tunc
faz abstração da evidência de que a implementação de uma nova ordem
constitucional não é um fato instantâneo, mas um processo, no qual a
possibilidade de realização da norma da Constituição – ainda quando
teoricamente não se cuide de preceito de eficácia limitada – subordina-se
muitas vezes a alterações da realidade fáctica que a viabilizem.
2. No contexto da Constituição de 1988, a atribuição anteriormente
dada ao Ministério Público pelo art. 68 C. Pr. Penal – constituindo
modalidade de assistência judiciária – deve reputar-se transferida para a
Defensoria Pública: essa, porém, para esse fim, só se pode considerar
existente, onde e quando organizada, de direito e de fato, nos moldes do
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art. 134 da própria Constituição e da lei complementar por ela ordenada:
até que – na União ou em dada Estado considerado –, se implemente essa
condição de viabilização da cogitada transferência constitucional de
atribuições, o art. 68 C. Pr. Pen. será considerado ainda vigente: é o caso do
Estado de São Paulo, como decidiu o plenário no RE 135328.
7.2.2. Titularidade passiva
Segundo disposição do art. 64, caput, do Código de Processo Penal: “Sem
prejuízo do disposto no artigo anterior, a ação para ressarcimento do dano poderá ser
proposta no juízo cível, contra o autor do crime e, se for o caso, contra o responsável
civil.”
Portanto, a ação civil ex delito será intentada contra o ofensor, ou seja, aquele
que cometera o crime, ou contra o causador do dano que enseja a reparação civil.
7.3. Sistemas de reparação
Por óbvio, como já explicamos, a condenação penal e a condenada civil (à
reparação de danos) ensejarão a proposição de ações diversas, uma em cada âmbito.
Contudo, existem outros sistemas de reparação. Vejamos:
a) Sistema da livre escolha:
Nesse sistema, o ofendido tem o direito de escolher se o fato será discutido
conjuntamente em uma única pretensão, ocasião em que se decidirá tanto acerca do
crime (punição) como em relação à indenização (reparação), ou se o fará em duas,
uma em cada âmbito.
b) Sistema da confusão:
Sistema em que a pretensão punitiva e a pretensão reparatória serão
discutidas, necessariamente, em uma única ação.
c) Sistema da solidariedade:
Trata-se do sistema que se ajuíza duas ações, contudo há a apreciação em um
único juízo, ou seja, as duas ações são discutidas em um único processo do qual
insurgirá sentença única.
d) Sistema da reparação ou da independência:
É o sistema já explicado por nós e adotado pelo Ordenamento Jurídico
brasileiro, no qual são ajuizadas duas ações autônomas, sendo aquela que pretende a
punição do agente no âmbito penal, enquanto a que pretende a reparação do dano no
âmbito cível.
Cabe informar, porém, que tal modelo é adotado de forma mitigada, visto a
existência de pontos de interação entre as decisões proferidas por um ou outro juízo.
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7.4. Pontos de interação
7.4.1. Efeitos da sentença penal condenatória no âmbito cível
Nessa ocasião, a sentença penal condenatória transitada em julgado possuirá
status de título executivo judicial29.
Segundo afirma o art. 91, I, do Código Penal: “São efeitos da condenação: I –
tornar certa a obrigação de indenizar o dano causado pelo crime.”
Seguindo o raciocínio, é a disposição do art. 63 do Código de Processo Penal:
“Transitada em julgado a sentença condenatória poderão promover-lhe a execução, no
juízo cível, para o efeito da reparação do dano, o ofendido, seu representante legal ou
seus herdeiros. Parágrafo único. Transitada em julgado a sentença condenatória, a
execução poderá ser efetuada pelo valor fixado nos termos do inciso iv do caput do
art. 387 deste Código sem prejuízo da liquidação para apuração do dano efetivamente
sofrido.”
Conforme dita o referido inciso: “O juiz, ao proferir sentença condenatória: [...]
IV – fixará valor mínimo para reparação dos danos causados pela infração,
considerando os prejuízos sofridos pelo ofendido.”
Trata-se da nítida interação do âmbito penal no cível, vez que, apesar de serem
duas ações distintas, a sentença de uma gera efeitos na outra.
Importe ressaltar que a maioria da doutrina entende ser esse o caminho mais
saudável a se fazer, qual seja, ingressar primeiramente no âmbito penal, somente
vindo a ajuizar ação civil posteriormente à sentença condenatória ou absolutória.
Ora, como bem sabemos, o processo de julgamento penal engloba
procedimento cuja apuração de fatos é extremamente mais aprofundada e precisa do
que aquela utilizada em procedimentos civis. Isso ocorre em virtude da existência do
Princípio do in dubio pro reo, segundo o qual a não exatidão/precisão dos fatos que
levariam à condenação a impedem, devendo o magistrado sentenciar pela absolvição
do réu.
Por esse motivo, tem-se que os fatos tidos como verdadeiros em âmbito penal
serão sumariamente assim recepcionados diante do juízo cível. O que não ocorrerá,
por exemplo, se feito o caminho inverso.
Assim também estabelece o Ordenamento Jurídico quando, conforme
disposição do artigo 200 do Código Civil, interrompe o prazo prescricional no âmbito
cível quando o fato em questão seja apurado diante de juízo penal.
Por fim, é possível que esses efeitos sejam proferidos em segunda instância,
quando da apreciação do fato pelo Tribunal. Nesse sentido é a disposição do art. 630
do Código de Processo Penal:
29 Art. 515 do Código de Processo Civil. São títulos executivos judiciais, cujo cumprimento dar-se-á de acordo com os artigos previstos neste Título: [...] VI – a sentença penal condenatória transitada em julgado.
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Art. 630 do Código de Processo Penal. O tribunal, se o interessado o
requerer, poderá reconhecer o direito a uma justa indenização pelos
prejuízos sofridos.
§1º. Por essa indenização, que será liquidada no juízo cível,
responderá a União, se a condenação tiver sido proferida pela justiça do
Distrito Federal ou de Território, ou o Estado, se o tiver sido pela respectiva
justiça.
§2º. A indenização não será devida:
a) se o erro ou a injustiça da condenação proceder de ato ou falta
imputável ao próprio impetrante, como a confissão ou a ocultação de prova
em seu poder;
b) se a acusação houver sido meramente privada.
Nada impede, porém, que o ofendido, não querendo esperar até o final do
procedimento penal, ingresse com ação de reparação de danos no âmbito cível. Tal
situação é descrita pelo art. 64 do Código de Processo Penal: “Sem prejuízo do
disposto no artigo anterior, a ação para ressarcimento do dano poderá ser proposta no
juízo cível, contra o autor do crime e, se for o caso, contra o responsável civil.
Parágrafo único. Intentada a ação penal, o juiz da ação civil poderá suspender o curso
desta, até o julgamento definitivo daquela.”
Ainda assim, uma vez que o juízo cível tenha conhecimento da existência da
ação penal referente ao mesmo ato, poderá suspender o procedimento cível em até
um ano, segundo a maioria da doutrina. Isso se dá com o intuito de não haver
proferimento de sentenças contraditórias. É a disposição do art. 313, V, do Código de
Processo Civil:
Art. 313 do Código de Processo Civil. Suspende-se o processo:
[...]
V – quando a sentença de mérito:
a) depender do julgamento de outra causa ou da declaração de
existência ou de inexistência de relação jurídica que constitua o objeto
principal de outro processo pendente;
b) tiver de ser proferida somente após a verificação de determinado
fato ou a produção de certa prova, requisitada a outro juízo.
Resumindo o raciocínio acima descrito, serão dois os efeitos imediatos da
sentença penal no âmbito cível, quais sejam:
1) O autor do crime é obrigado a indenizar o dano causado pelo crime:
Aqui, importante mencionar Mougenot, segundo o qual: “Há de ter certa
cautela, entretanto, ao interpretar a disposição genérica da lei processual penal [art.
63, CPP]. Isso porque nem sempre a prática de conduta criminosa ensejará direito de
indenização a algum particular, seja pela circunstância de que o ilícito penal pode não
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constituir ilícito civil, seja porque a prática do crime não tenha atingido negativamente
o patrimônio jurídico de ninguém.”
2) A condenação penal transitada em julgado configura título executivo judicial:
Novamente, seguindo o raciocínio acima exposto, não haverá que se falar em
conversão da sentença penal condenatória transitada em julgado em título executivo
judicial cível quando o fato criminoso não resultar em dano ao patrimônio ou ao moral
do ofendido.
7.4.2. Efeitos da sentença penal absolutória no âmbito cível
Diante de sentença penal absolutória, é necessário que observemos o motivo
da absolvição.
Uma vez que a absolvição decorra da inexistência do fato30, da não
concorrência do réu para a infração penal31 ou da existência de qualquer das
excludentes de ilicitude32, far-se-á coisa julgada no âmbito cível, não havendo o que se
falar em possibilidade de ajuizamento de ação de reparação de danos.
Quando ao primeiro elemento, convém destacarmos o disposto no art. 66 do
Código de Processo Penal: “Não obstante a sentença absolutória no juízo criminal, a
ação civil poderá ser proposta quando não tiver sido, categoricamente, reconhecida a
inexistência material do fato.”
Contudo, há situações excepcionais em que a absolvição do réu não ensejará
tornar-se coisa julgada a pretensão reparatória no âmbito cível. São os casos:
1) Estado de necessidade agressivo:
Ocorre quando o agente, apesar de agir sob a guarda do estado de necessidade
(prática de fato para se salvar de perigo atual, que não provocou por sua vontade, nem
podia de outro modo evitar, direito próprio ou alheio, cujo sacrifício, nas
circunstâncias, não era razoável exigir-se), fá-lo de modo a atingir bens de terceiros
inocentes.
Nesse caso, tem-se por inocente o terceiro que não gerou a situação de perigo.
Aqui, ainda que acobertado pela excludente de ilicitude, deverá aquele que
agiu para se salvar de perigo atual reparar o dano que causou na esfera cível. Por esse
motivo, não há o que se falar em impossibilidade de ajuizamento de ação de reparação
de danos na esfera cível.
30 Art. 386 do Código de Processo Penal. O juiz absolverá o réu, mencionando a causa na parte dispositiva, desde que reconheça: I – estar provada a inexistência do fato. 31 [...] IV – estar provado que o réu não concorreu para a infração penal. 32 [...] VI – existirem circunstâncias que excluam o crime ou isentem o réu de pena (arts. 20, 21, 22, 23, 26 e §1º do art. 28, todos do Código Penal), ou mesmo se houver fundada dúvida sobre a existência. Art. 65 do Código de Processo Penal. Faz coisa julgada no cível a sentença penal que reconhecer ter sido o ato praticado em estado de necessidade, em legítima defesa, em estrito cumprimento de dever legal ou no exercício regular de direito.
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2) Legítima defesa putativa:
Primeiramente, entende-se estar em legítima defesa aquele que, usando
moderadamente dos meios necessários, repele injusta agressão, atual ou iminente, a
direito seu ou de outrem.
Por legítima defesa putativa, por outro lado, entende-se aquele que, apesar de
não se encontrar em perigo, acredita que assim esteja em decorrência da existência de
elementos suficientes para que assim creia estar, agindo e, por conta disso, atingindo a
terceiros ou seus bens.
O exemplo clássico é o seguinte, já exposto por nós nos resumos de Introdução
ao Estudo do Direito e Filosofia Geral e Filosofia do Direito:
Imaginemos que um militar anuncia a abordagem a um cidadão,
pedindo que o mesmo levante as mãos. Ao invés de fazer este movimento, o
indivíduo coloca uma das mãos dentro do casaco que traja. Nesta situação o
militar dispara. Esta ação foi lícita e proporcional? Como instituto do Direito,
tendo a possibilidade de o indivíduo pôr em perigo a vida do militar, sua
ação foi lícita e protegida pela legítima defesa. Caso o indivíduo, pondo a
mão no casaco, sacasse uma arma, teria o agente agido mediante a legítima
defesa em sua essência. Analisemos o seguinte: ao invés de uma arma,
como o esperado, o indivíduo tira de seu bolso uma Bíblia, porém antes que
esta fosse perceptível, o disparo é feito. Neste caso, ainda que não
comprovado o perigo, a ação do militar continua sendo lícita, porém desta
vez protegida pela chamada legítima defesa putativa, ou seja, ainda que a
Bíblia não colocasse a vida do militar em perigo, o não cumprimento da
ordem e o colocar das mãos no bolso por parte do indivíduo, fariam com
que o militar esperasse uma conduta periculosa, legitimando a sua ação, em
outras palavras, o esperar de uma conduta perigosa, mesmo não havendo a
certeza de tal ato, legitima a ação do militar, tendo agido este segundo o
Estrito Cumprimento do Dever Legal, previsto no Código Penal Brasileiro.
3) Aberratio ictus/aberratio criminis/erro quanto à pessoa:
Tem-se por erro quanto à pessoa a execução que atinge pessoa diversa da
desejada. Ocorre, por exemplo, quando João, querendo atingir Pedro, atinge, por
equívoco, Mário.
Nesse caso, ainda a pessoa desejada não tenha sido atingida, não ensejando,
portanto, o direito ao ressarcimento civil, aquele que foi atingido, mesmo sendo
terceiro inocente, poderá ajuizar ação de reparação de danos contra o ofensor.
Interessante mencionar que assim o será ainda que o ofensor tenha sido
absolvido no âmbito penal.
● ● ● ●
Por fim, convém destacarmos ocasiões que ainda que constantes não
acarretam na perda do direito de ter o prejuízo reparado, são elas:
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1) Sentença absolutória por insuficiência de provas:
É um raciocínio lógico que parte do já transcrito art. 66 do Código de Processo
Penal, segundo o qual somente ocorrerá a impossibilidade do ajuizamento de ação de
reparação de danos, uma vez que a sentença absolutória reconheça a inexistência do
fato.
Não se tratando de tal ocasião, não há o que se falar em impossibilidade.
Assim o é, pois, como já dito anteriormente, o Direito Penal é regido pelo
Princípio do in dubio pro reo, segundo o qual a configuração de provas deve ser
extremamente rígida, somente se condenando o réu diante da absoluta certeza da
autoria do fato e da materialidade delitiva. Diante de qualquer dúvida quando da
sentença, deverá o magistrado optar pela absolvição.
No âmbito civil, por outro lado, o mínimo indício de ação que corrobora para o
resultado dano já é suficiente para responsabilizar o agente, fato pelo qual a
absolvição por insuficiência de provas não impede o ajuizamento de ação de reparação
de danos, sendo totalmente plausível e não conflituosa tal situação.
Nesse sentido é a disposição do art. 935 do Código Civil, segundo o qual:
Art. 935 do Código Civil. A responsabilidade civil é independente da
criminal, não se podendo questionar mais sobre a existência do fato, ou
sobre quem seja o seu autor, quando estas questões se acharem decididas
no juízo criminal.
2) Despacho que determina o arquivamento do inquérito:
É o conteúdo do art. 67, I, do Código de Processo Penal:
Art. 67 do Código de Processo Penal. Não impedirão igualmente a
propositura da ação civil:
I – o despacho de arquivamento do inquérito ou das peças de
informação.
Segundo Edilson Mougenot: “Aquele que se sentir lesado civilmente não pode
ficar à mercê das diligências produzidas pela autoridade policial ou por quem quer que
tenha conduzido as investigações no âmbito criminal. Desejando, poderá propor a
ação civil, cujas provas poderão até mesmo embasar futuramente o prosseguimento
das investigações criminais, conforme o caso.”
3) Decisão que julgar extinta a punibilidade do agente:
Continuando o art. 67, acima mencionado, é a disposição do inc. II:
II – a decisão que julgar extinta a punibilidade.
Trata-se da decisão que não julga o mérito, somente extinguindo o feito diante
de, por exemplo, prescrição, anistia, graça ou indulto. Nesse caso, nada impede que os
fatos sejam apresentados ao juízo cível para a análise da possibilidade de reparação de
danos.
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4) Sentença que determina o fato como sendo atípico:
Finalizando o art. 67, é a disposição do inc. III:
III – a sentença absolutória que decidir que o fato imputado não
constitui crime.
Seguindo o raciocínio já criado e exposto anteriormente, são autônomos os
âmbitos civil e penal. Por esse modo, a inexistência de crime não acarreta na
automática inexistência do dever de reparação de danos.
7.5. Perdão judicial
Afirma o art. 107, IX, do Código Penal:
Art. 107 do Código Penal. Extingue-se a punibilidade:
[...]
IX – pelo perdão judicial, nos casos previstos em lei.
Tem por perdão judicial a causa extintiva da punibilidade concedida pelo
magistrado ao ofensor, uma vez que de sua ação resulte dano a si próprio, de tal modo
que esse dano já seja considerado sanção suficiente, tornando a punição estatal
desnecessária.
No que se refere à possibilidade ou não do ajuizamento da ação civil de
reparação de danos, há divergência doutrinária.
Parte da doutrina entende que tal instituto se caracteriza pelo caráter
absolutório ou declaratório da extinção da punibilidade. Para tal corrente não é cabível
a reparação de danos.
Juntamente com essa posição está a Súmula nº 18 do Superior Tribunal de
Justiça, segundo a qual: “A sentença concessiva do perdão judicial é declaratória da
extinção da punibilidade, não subsistindo qualquer efeito condenatório.”
Ainda assim, há um outro posicionamento doutrinário no sentido de considerar
o perdão judicial como sendo condenatório. Assim dizem, pois, segundo eles, somente
é possível perdoar aquele que é culpado. Nesse sentido, seria necessário algum tipo de
condenação. Segundo tal posicionamento, sendo sentença condenatória, configuraria
título executivo judicial, ensejando a existência do direito de reparação dos danos
causados.
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Capítulo 2 – Da Competência
1. Introdução e Conceitos
Competência é espécie da qual é gênero a jurisdição. Por esse motivo, convém
que analisemos primeira essa e posteriormente aquela.
Como já vimos anteriormente (vide tópico 1.1 do Capítulo 1 desse resumo), a
jurisdição compreende o poder-dever do Estado em aplicar o direito ao caso concreto
de modo a resolver a lide. Em se tratando do âmbito penal, já vimos que é titular da
jurisdição o Estado, devendo exercer o papel de pacificador social, punindo aqueles
que transgredirem ao tolerável ético, incidindo no disposto em nosso Diploma Penal.
Resumidamente, a jurisdição é o poder do Estado em aplicar a lei às
transgressões penais, punindo seus agentes (sujeitos ativos), ou seja, trata-se do poder
de julgar.
Explicada a jurisdição, passemos para a competência.
Introduz Tércio Sampaio Ferraz Jr:
Em princípio, quando a dogmática quer referir-se ao poder jurídico
conferido a pessoas físicas e jurídicas privadas, ela fala em capacidade de
ação. Quando se refere às pessoas jurídicas públicas, fala em competência.
Posta dessa maneira, a distinção é confusa. Afinal, se o diretor presidente de
uma sociedade anônima (uma pessoa jurídica privada) assina um
documento para o que não estava autorizado pela assembleia geral, diz-se
que agiu fora do âmbito de sua competência.
Na verdade, a expressão competência tem a ver com o sistema de
papeis isolados e integrados na chamada pessoa jurídica. Competência é o
poder jurídico atribuído pelo estatuto da pessoa jurídica (pública ou
privada) a seus órgãos. É, pois, um conceito típico das organizações
burocráticas.
De forma simplificada e focada no âmbito público – meio no qual se inserem os
órgãos do Poder Judiciário –, entende-se por competência, segundo dizeres de Luiz
Dellore, a “parcela, pedaço, parte ou medida da jurisdição. Todo juiz tem uma
jurisdição, mas nem todo juiz tem jurisdição para decidir todas as causas – ou seja,
cada juiz tem uma parcela de jurisdição (que é, exatamente, a competência).”
Portanto, é possível que definamos a competência como sendo o alcance da
jurisdição de cada órgão do Poder Judiciário. É o limite segundo o qual o juiz poderá
atuar e exercer a sua jurisdição.
Exemplifiquemos: imaginemos dois magistrados de mesma instância, um
empossado pelo Estado de São Paulo e outro pelo Estado do Rio de Janeiro.
Estabeleçamos uma relação entre os dois: ambos são igualmente capacitados para
julgar as causas atinentes a essa instância.
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Pergunta-se: é possível que um deles venha a julgar causas atribuídas ao outro?
Não! Ainda que igualmente capacitados, não é possível que o magistrado do Estado do
Rio de Janeiro interfira nas ações referentes ao Estado de São Paulo, bem como não
poderá o magistrado do Estado de São Paulo interferir nas causas atinentes ao
magistrado do Rio.
2. Princípios da Jurisdição
São os princípios: (1) Princípio do Juiz Natural; (2) Princípio da Investidura; (3)
Princípio da Indeclinabilidade (non liquet); (4) Princípio da Indelegabilidade; (5)
Princípio da Inevitabilidade ou Irrecusabilidade; (6) Princípio da Improrrogabilidade;
(7) Princípio da Inércia ou da Iniciativa das Partes; (8) Princípio da Unidade.
2.1. Princípio do juiz natural
Como tal princípio já fora explicado anteriormente, transcreveremos o teor da
dissertação constante do tópico 3.2.9 do Capítulo anterior:
Segundo disposição dos incisos XXXVII e LIII do art. 5º da Constituição Federal:
“não haverá juízo ou tribunal de exceção” e “ninguém será processado nem
sentenciado senão pela autoridade competente.”
No mesmo sentido é o art. 8º do Pacto de São José da Costa Rica: “1. Toda
pessoa terá o direito de ser ouvida, com as devidas garantias e dentro de um prazo
razoável, por um juiz ou Tribunal competente, independente e imparcial, estabelecido
anteriormente por lei, na apuração de qualquer acusação penal formulada contra ela,
ou na determinação de seus direitos e obrigações de caráter civil, trabalhista, fiscal ou
de qualquer outra natureza.”
Portanto, é direito de todo e qualquer indivíduo ser julgado por um juízo
imparcial, vedada a criação de Tribunal de Exceção, bem como deverá o juiz ser
devidamente empossado e competente para tanto.
2.2. Princípio da investidura
Seguindo o raciocínio exposto perante o princípio anteriormente estudado,
entende-se que a jurisdição somente pode ser exercida por magistrados assim
intitulados posteriormente à aprovação em concurso público inerente, devidamente
nomeado e consequentemente empossado.
2.3. Princípio da indeclinabilidade ou non liquet
Tal princípio está diretamente ligado ao disposto no art. 5º, XXXV, da
Constituição Federal, referente ao Princípio da Inafastabilidade da Jurisdição. É a
disposição:
Art. 5º, XXXV, da Constituição Federal. A lei não excluirá da
apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito.
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Entendamos a origem da expressão non liquet (“não clareza”). Deriva do
seguinte trecho, disposto na obra Noctes Atticar do jurista romano Aulo Gélio: iuravi
mihi non liquere, atque ita iudicatu illo solutus sum, tendo por significado que os juízes
romanos, diante da não clareza da causa apresentada ao julgamento, poderiam se
desobrigar da apreciação.
Tal princípio, no entanto, tem como objetivo justamente o contrário,
estabelecendo que é dever dos juízes a apreciação de todas as causas a que tiveram
contato, sendo vedado, portanto, a recusa.
2.4. Princípio da indelegabilidade
O princípio em comento muito se identifica com o exemplo que demos quando
da introdução deste tópico, pois determina que não é possível que a jurisdição de um
juiz seja delegada a outro.
Esse pensamento foi por mim esclarecido quando do exemplo em que
estabelecemos ser impossível que um magistrado do Rio de Janeiro venha a apreciar a
causa de um magistrado do Estado de São Paulo.
Assim se estabelece em respeito ao já explicado Princípio do Juiz Natural.
2.5. Princípio da inevitabilidade ou irrecusabilidade
Diferentemente dos princípios anteriormente estabelecidos, esse tem uma
peculiaridade, vez que se destina às partes, e não ao juiz em si.
Designa que não é possível que as partes, identificada a competência e
distribuído o processo, recusem que a apreciação do mesmo seja feita por
determinado juiz.
Este princípio, no entanto, não é absoluto, vez que encontra exceção diante dos
casos de suspeição, impedimento ou incompetência.
2.6. Princípio da improrrogabilidade
Novamente, este princípio muito se assemelha ao exemplo dado por mim
quando da introdução deste tópico, bem como relembrado acima.
Por esse motivo, convém que diferenciemos tais princípios. No já explicado
Princípio da Indelegabilidade, veda-se que a causa ainda não apreciada pelo juízo
competente seja delegada a outro juízo.
Neste, porém, uma vez que a apreciação já teve início, não é possível que outro
juízo intervenha na ação, salvo diante das ocasiões previstas em lei, como diante de
carta precatória, por exemplo.
2.7. Princípio da inércia ou iniciativa das partes
A explicação deste princípio já ocorreu anteriormente, mais precisamente no
tópico 3.2.6 do Capítulo anterior. Por esse motivo, transcreverei o que já foi dito.
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Tal brocardo [ne procedat iudex ex officio] tem como significado: “não
procederá o juiz de ofício”. Segundo o Dicionário Jurídico Acquaviva, o “brocardo
recomenda ao juiz não proceder por iniciativa própria, mas apenas a requerimento da
parte. É o chamado princípio da demanda ou da ação, nos termos do qual a jurisdição
deve ser provocada.”
Portanto, simplificadamente, tal princípio tem por condão afirmar que deverão
as partes provocar o judiciário para que, então, seja submetido o caso à jurisdição, não
devendo o Poder Judiciário, de ofício, movimentar-se.
Por esse motivo, não fora recepcionado o art. 26 do Código de Processo Penal,
cujo texto apresenta: “A ação penal, nas contravenções, será iniciada com o auto de
prisão em flagrante ou por meio de portaria expedida pela autoridade judiciário ou
policial.”
2.8. Princípio da unidade
Bem como a separação do Direito em áreas, como o Direito Penal, Direito Civil,
Direito Empresarial, Direito Econômico etc., a divisão da jurisdição é mera ficção, uma
vez que apresenta por titular o Estado, que o exerce por meio do Poder Judiciário,
atuando em todo o território nacional. Ocorre que para fins de organização e eficiência
na prestação dos serviços jurisdicionais o mesmo é segmentado em áreas de
competência de cada juízo.
3. Espécies de Competência
Para que adentremos na análise da competência correta diante dos casos
concretos, convém que identifiquemos as espécies que a formam.
Contudo, importante estabelecermos que a competência é dividida segundo
vários critérios, como veremos a seguir:
3.1. Competência material:
São três as divisões neste ponto, quais sejam: (1) ratione materiae, (2) ratione
funcionae e (3) ratione loci.
Vejamos.
a) Ratione materiae – competência em razão da matéria:
Trata-se da fixação da competência a partir da natureza da infração, ou seja, do
direito material ao qual atinge a conduta delituosa.
Segundo Mougenot: “Especificamente no que diz respeito ao direito processual
penal, a competência pode, também, ser determinada por certas características
relativas ao direito material incidente sobre os fatos apreciados. Fala-se, assim, na
determinação de competência em razão da natureza da infração.”
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b) Ratione funcionae/personae – competência em razão da função/pessoa:
Nessa ocasião, leva-se em consideração a qualidade das pessoas envolvidas no
litígio. Em se tratando de determinadas pessoas, em decorrência de suas funções ou a
ocupação de cargos específicos, por exemplo, entende-se ser a competência de
determinado tribunal.
É o critério utilizado no instituto já conhecido por nós, qual seja, a prerrogativa
de função, que com o objetivo de manter contínua a atividade exercida por aqueles
que a possui, determina tratamento diferenciado no que tange aos tribunais
competentes para julgá-los.
c) Ratione loci – competência em razão do local:
É um reflexo do já mencionado Princípio da unidade (página anterior), segundo
o qual a jurisdição é uma, sendo segmentada em competências com o único objetivo
de organizar e tornar efetiva a tutela estatal.
Nesse caso, ainda em razão da organização e efetivação da tutela estatal,
entende-se que será competente para julgar determinada conduta o foro do local em
que essa ocorreu ou que, no mínimo, mantenha relação com o fato.
3.2. Competência absoluta e relativa
Diz-se competência absoluta aquela que não admite prorrogação, isto é,
entende-se por competente tribunal específico, não existindo nenhum outro tribunal
capaz de julgar a causa em seu lugar.
Por outro lado, tem-se por competência relativa aquela que admite
prorrogação, ou seja, apresenta-se diante de causas cuja competência é demonstrada
por mais de um juízo. Nesse caso, para que haja a prorrogação, isto é, para que os
autos sejam remetidos para o juízo absolutamente competente, cabe às partes se
manifestarem nesse sentido. Não havendo qualquer manifestação, preclui o direito,
convertendo-se o juízo relativamente competente em absolutamente competente.
Nesse sentido é o comentário de Mougenot:
Os atos decisórios praticados por juízo absolutamente incompetente
serão nulos, enquanto a não arguição da incompetência no caso em que
seja ela relativa não redundará vício processual, diante da ocorrência da
prorrogação (o juízo originalmente incompetente se torna competente,
prorrogando sua competência sobre o caso concreto).
Por fim, convém mencionar que tais elementos incidirão em decorrência da
competência material adotada no caso. Em se adotando os critérios materiae e
funcionae/personae, estaremos diante da competência absoluta. Entretanto, diante da
adoção da ratione loci, observar-se-á os elementos referentes à competência relativa.
3.3. Critérios adotados pelo Código de Processo Penal
É a disposição do art. 69 do Código de Processo Penal:
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Art. 69 do Código de Processo Penal. Determinará a competência
jurisdicional:
I – o lugar da infração;
II – o domicílio ou residência do réu;
III – a natureza da infração;
IV – a distribuição;
V – a conexão ou continência;
VI – a prevenção;
VII – a prerrogativa de função.
Nota-se uma predisposição do Código em estabelecer como critério base para a
fixação do foro competente para apreciar o fato o lugar da infração, adotando,
portanto, a ratione loci.
Isso fica evidente quando analisamos os incs. I, II, IV, V e VI, os quais designam
como foro competente aqueles em que ocorreu o fato criminoso ou que tenham
alguma ligação com o fato.
Não incidindo tais elementos, observar-se-á o disposto nos incs. III e VII,
referente as duas demais espécies de competência material, quais sejam, ratione
materiae (competência em razão da natureza do crime/matéria) e ratione
funcionae/personae (competência em razão da função/pessoa).
3.4. Competência pelo lugar da infração
3.4.1. Introdução
Antes de iniciarmos o estudo específico de cada inciso acima descrito, convém
que elenquemos e expliquemos cada uma das teorias existentes quanto à designação
do foro competente em decorrência do lugar da infração.
São as teorias:
a) Teoria do resultado:
Segundo tal teoria, é local da infração aquela que o delito alcança a sua
consumação, isto é, não considera o local da ação, mas o local em que esta alcança o
seu resultado. É a teoria adotada pelo Código de Processo Penal, haja visto o disposto
no art. 70 (abaixo descrito).
b) Teoria da ubiquidade ou mista:
Entende-se por local da infração tanto onde se executa a ação, como o local em
que esta alcança o seu resultado.
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c) Teoria da ação:
Por fim, entende-se por teoria da ação aquele que considera como sendo o
local da infração o foro em que se deu a ação, não se levando em consideração a
consumação do crime.
● ● ● ●
Conforme afirma Mougenot:
A opção do legislador, ao eleger como foro competente o local da
consumação do delito, é calcada em dois motivos. O primeiro leva em conta
razões de política criminal: para que a repressão penal atinja sua finalidade
exemplificativa, é mais adequado que o julgamento da causa ocorra no lugar
em que houve a violação da norma, em que, via de regra, o delito causa
maior repercussão social. É a melhor forma de o Estado demonstrar à
população local a prevalência da ordem jurídica vigente. O segundo motivo
é de ordem instrumental, pois o lugar da infração é onde mais
provavelmente se encontrarão os vestígios e provas do crime.
Dando sequência ao artigo anteriormente citado, analisaremos o art. 70 do
Código de Processo Penal.
Para tanto, contudo, convém que o dividamos em algumas partes.
3.4.2. Regra
A regra para a designação de tal critério de estabelecimento de competência
está descrito no caput do artigo 70 do Código de Processo Penal, segundo o qual:
Art. 70 do Código de Processo Penal. A competência será, de regra,
determinada pelo lugar em que se consumar a infração, ou, no caso de
tentativa, pelo lugar em que for praticado o último ato de execução.
Antes de continuarmos, convém fazermos uma observação: o artigo acima
referido apresenta conflito em relação ao disposto no art. 6º do Código Penal? É a
disposição do art. 6º do Código Penal: “Considera-se praticado o crime no lugar em
que ocorreu a ação ou omissão, no todo ou em parte, bem como onde se produziu ou
deveria produzir-se o resultado.”
Nota-se que o acima exposto condiz com o que dissemos quando da explicação
da teoria da ubiquidade. Será que o Código Penal adota uma teoria, enquanto o
Código de Processo Penal adota outra? Não. Ocorre que a disposição do art. 6º do
Código Penal diz respeito aos crimes praticados por brasileiros fora do território
nacional, adotando-se a teoria da ubiquidade; o Código de Processo Penal, por outro
lado, disciplina a regra geral, sendo os crimes praticados em território brasileiro, onde
se adota a teoria do resultado.
Dividamos o caput do art. 70 em duas partes.
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3.4.2.1. Crimes consumados
Segundo designação do art. 70 do CPP, será competente, nesse caso, o foro do
local em que se consumou o crime.
Convém fazermos um comentário específico acerca dos (1) crimes de mera
conduta, (2) crimes formais e (3) crimes materiais, uma vez que a sua consumação
ocorre em momentos diversos.
Em se tratando de crimes de mera conduta, isto é, crimes cuja conduta do
agente, por si só, configura crime, não havendo resultado posterior, a consumação se
dará no momento em que se executar a conduta determinada.
Diante de crime formal, ou seja, diante de crimes cuja ação basta para a
configuração do crime, sendo o resultado mero exaurimento do ato, considera-se
consumado diante da ação, não sendo necessário a ocorrência do resultado
naturalístico.
Por fim, em se tratando de crimes materiais, isto é, crimes cuja consumação
somente ocorrerá diante do resultado naturalístico, ou seja, a conduta do agente, por
si só, não configura crime, sendo necessário que o resultado naturalístico ocorra. É
nesse ponto que o crime estará consumado.
3.4.2.2. Crimes tentados
Ainda de acordo com o artigo acima transcrito, em se tratando de tentativa,
competente é o foro onde ocorreu o último ato de execução.
3.4.3. Outras disposições descritas no art. 70
É o conteúdo dos demais dispositivos do artigo aqui estudado:
§1º. Se, iniciada a execução no Território Nacional, a infração se
consumar fora dele, a competência será determinada pelo lugar em que
tiver sido praticado, no Brasil, o último ato de execução.
§2º. Quando o último ato de execução for praticado fora do
Território Nacional, será competente o juiz do lugar em que o crime, embora
parcialmente, tenha produzido ou devia produzir seu resultado.
§3º. Quando incerto o limite territorial entre duas ou mais
jurisdições, ou quando incerta a jurisdição por ter sido a infração
consumada ou tentada nas dividas de duas ou mais jurisdições, a
competência firmar-se-á pela prevenção.
3.4.3.1. Execução no Brasil e resultado no estrangeiro
Tratam-se dos crimes que se iniciaram no Brasil, ou seja, tiveram os atos
executórios praticados no Brasil, somente vindo a se consumarem em território
estrangeiro. Nesse caso, será competente o foro do local em que se deu o último ato
executório
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3.4.3.2. Crime praticado no exterior
3.4.3.2.1. Crime praticado em território estrangeiro
Se o crime for praticado por brasileiro em território estrangeiro, será
competente o foro da capital do último local em que o agente residiu ou, se nunca
morou no Brasil, na capital federal.
É a disposição do art. 7º, II, b, do Código Penal e do art. 88 do Código de
Processo Penal:
Art. 7º do Código Penal. Ficam sujeitos à lei brasileira, embora
cometidos no estrangeiro:
[...]
II – os crimes:
[...]
b) praticados por brasileiro.
● ● ● ●
Art. 88 do Código de Processo Penal. No processo por crimes
praticados fora do território brasileiro, será competente o juízo da Capital
do Estado onde houver por último residido o acusado. Se este nunca tiver
residido no Brasil, será competente o juízo da Capital da República.
3.4.3.2.2. Crime praticado em embarcações ou aeronaves nacionais
É a disposição dos arts. 89 e 90 do Código de Processo Penal e 108, IX, da
Constituição Federal:
Art. 89 do Código de Processo Penal. Os crimes cometidos em
qualquer embarcação nas águas territoriais da República, ou nos rios e lagos
fronteiriços, bem como a bordo de embarcações nacionais, em alto-mar,
serão processados e julgados pela justiça do primeiro porto brasileiro em
que tocar a embarcação, após o crime, ou, quando se afastar do País, pela
do último em que houver tocado.
Art. 90 do Código de Processo Penal. Os crimes praticados a bordo
da aeronave nacional, dentro do espaço aéreo correspondente ao território
brasileiro, ou ao alto-mar, ou a bordo de aeronave estrangeira, dentro do
espaço aéreo correspondente ao território nacional, serão processados e
julgados pela justiça da comarca em cujo território se verificar o pouso após
o crime, ou pela da comarca de onde houver partido a aeronave.
● ● ● ●
Art. 108 da Constituição Federal. Compete aos Tribunais Regionais
Federais:
[...]
IX – os crimes cometidos a bordo de navios ou aeronaves, ressalvada
a competência da Justiça Militar.
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Resumindo, os crimes cometidos em embarcações nacionais, onde quer que
estejam, ou em território brasileiro, em embarcações, serão julgados pelo foro do local
do primeiro porto em que atracarem após o crime ou, se afastando do Brasil, do
último em que estiveram atracados.
Tratando-se de aeronaves, os crimes cometidos em aeronaves brasileiras ou
em aeronaves estrangeiras, desde que o crime tenha sido cometido em território
brasileiro, ainda que em alto mar, serão julgadas pelo foro do local de onde primeiro
pousar ou, não sendo este território brasileiro, do foro do local de onde partiu.
3.4.3.3. Crime praticado em local certo cuja jurisdição é incerta
Aqui, sabe-se exatamente onde houve o cometimento do crime, o que não se
sabe é a qual jurisdição aquele território pertence.
Nessa situação, serão competentes todos os foros a cuja jurisdição suspeitam
abranger tal localidade. Tornar-se-á competente, de fato, o juízo que se tornar
prevento, ou seja, julgará a causa o juízo que primeiro tiver conhecimento do fato,
proferindo despacho nos autos.
3.4.3.4. Crime praticado em lugar incerto (divisa de comarcas)
Nesse caso, não se sabe o local exato da ocorrência do crime, haja vista ter sido
praticado na divisa entre duas ou mais cidades.
Diante de tal situação, será competente qualquer uma delas, julgando o caso
aquele que primeiro se tornar prevento, isto é, será competente o juízo que primeiro
tiver conhecimento da causa, proferindo despacho nos autos.
3.4.4. Situações específicas
3.4.4.1. Crime de estelionato por emissão de cheque sem fundo
É a disposição do art. 171, §2º, VI do Código Penal:
Art. 171 do Código Penal. Obter, para si ou para outrem, vantagem
ilícita, em prejuízo alheio, induzindo ou mantendo alguém em erro,
mediante artifício, ardil, ou qualquer outro meio fraudulento.
Pena – reclusão, de um a cinco anos, e multa, de quinhentos mil réus
a dez contos de réis.
[...]
§2º. Nas mesmas penas incorre quem:
[...]
VI – emite cheque, sem suficiente provisão de fundos em poder do
sacado, ou lhe frustra o pagamento.
Pergunta-se: onde será o foro competente? Para tanto, importante verificarmos
o disposto nas Súmulas nos 244 do STJ e 521 do STF, segundo as quais,
respectivamente: “Compete ao foro do local da recusa processar e julgar o crime de
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estelionato mediante cheque sem provisão de fundos” e “O foro competente para o
processo e julgamento dos crimes de estelionato, sob a modalidade da emissão dolosa
de cheque sem provisão de fundos, é o do local onde se deu a recusa do pagamento
pelo sacado.”
3.4.4.2. Crime de estelionato cometido mediante falsificação de cheque
Trata-se do crime elencado no caput do art. 171 do Código Penal, segundo o
qual:
Art. 171, caput, do Código Penal. Obter, para si ou para outrem,
vantagem ilícita, em prejuízo alheio, induzindo ou mantendo alguém em
erro, mediante artifício, ardil, ou qualquer outro meio fraudulento.
Pena – reclusão, de um a cinco anos, e multa, de quinhentos mil réus
a dez contos de réis.
Nesse caso, é a disposição da Súmula nº 48 do STJ: “Compete ao Juízo do local
da obtenção da vantagem ilícita processar e julgar crime de estelionato cometido
mediante falsificação de cheque.”
Portanto, será competente o foro do local em que o cheque foi passado,
configurando local onde houve a obtenção da vantagem ilícita.
3.4.4.3. Crime de estelionato via saque em conta bancária, mediante uso de
senha ou cartão magnético (clonagem)
Nessa situação, competente será o foro do local em que se der o saque.
3.4.4.4. Crime de falso testemunho prestado em carta precatória
O falso testemunho está disposto no art. 342 do Código Penal, segundo o qual:
Art. 342, caput, do Código Penal. Fazer afirmação falsa, ou negar ou
calar a verdade como testemunha, perito, contador, tradutor ou intérprete
em processo judicial, ou administrativo, inquérito policial, ou em juízo
arbitral:
Pena – reclusão, de 2 (dois) a 4 (quatro) anos, e multa.
Contudo, o crime aqui tem uma especificidade, é praticado quando prestado
por meio de carta precatória ou ainda quando prestado por meio de videoconferência.
Aí é a dúvida do foro. Será aquele em que houve o depoimento de fato ou será o foro
para o qual o depoimento foi prestado?
Nesse caso, será competente o foro em que o depoimento é, de fato, prestado.
3.4.4.5. Crimes qualificados pelo resultado
São os denominados crimes preterdolosos ou preterintencionais. Revisemos:
dá-se pelos crimes em que o agente executa a ação de forma dolosa, porém não tem a
intenção de que de tal ação resulte qualquer dano à vítima ou, da mesma forma,
espera que o dano causado seja menor do que o de fato causado.
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São caracterizados, portanto, pelo dolo no antecedente e culpa no consequente.
Nesse caso, será competente o juízo do local em que o resultado ocorreu. Ex.:
diante de crime de aborto, havendo complicações que causem a morte da mulher,
competente será o foro do local em que o resultado morte ocorreu.
3.4.4.6. Crime de homicídio doloso
Segundo estipulação do art. 121, caput, do Código Penal:
Art. 121, caput, do Código Penal. Matar alguém:
Pena – reclusão, de seis a vinte anos.
Aqui há uma exceção. Como vimos anteriormente, o Código de Processo Penal
adota a teoria do resultado como critério para a adoção do foro competente para o
julgamento do fato. Nesse caso, porém, adotar-se-á a teoria da ação, ou seja, será
competente o foro do local em que se realizaram os atos executórios, ainda que o
resultado morte tenha ocorrido em local diverso.
Tal entendimento é fixado, segundo a doutrina, pois se privilegia, nesse caso, a
instrução criminal, fazendo com que, diante do júri, participem cidadãos da parcela da
sociedade que sofreu o dano.
3.4.4.7. Crime de extorsão mediante sequestro
Afirma o art. 159, caput, do Código Penal:
Art. 159, caput, do Código Penal. Sequestrar pessoa com o fim de
obter, para si ou para outrem, qualquer vantagem, como condição ou preço
do resgate:
Pena – reclusão, de oito a quinze anos.
Trata-se de crime permanente, cuja consumação se prolonga no tempo, isto é,
a cada momento em que permanece o sequestro o crime está sendo consumado.
Por esse motivo, considera-se competente o foro de qualquer das cidades em
que a vítima ficou em cativeiro. Nesse caso, será competente, de fato, o juízo
prevento, ou seja, aquele que primeiro tiver conhecimento da causa, realizando
despacho nos autos.
3.4.4.8. Crime de contrabando e descaminho
É a disposição dos arts. 334 e 334-A do Código Penal:
Descaminho
Art. 334, caput, do Código Penal. Iludir, no todo ou em parte, o
pagamento de direito ou imposto devido pela entrada, pela saída ou pelo
consumo de mercadoria:
Pena – reclusão, de 1 (um) a 4 (quatro) anos.
[...]
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Contrabando
Art. 334-A, caput, do Código Penal. Importar ou exportar mercadoria
proibida:
Pena – reclusão, de 2 (dois) a 5 (cinco) anos.
Conforme estipula a Súmula nº 151 do STJ: “A competência para o processo e
julgamento por crime de contrabando ou descaminho define-se pela prevenção do
Juízo Federal do lugar da apreensão dos bens.”
3.4.4.9. Crime de furto qualificado pela fraude eletrônica na internet
É a disposição do art. 155, §4º, II, do Código Penal:
Art. 155, §4º, do Código Penal. A pena é de reclusão de dois a oito
anos, e multa, se o crime é cometido:
[...]
II – com abuso de confiança, ou mediante fraude, escalada ou
destreza.
Aqui, a consumação se dará no local onde se localiza a agência do correntista,
diferentemente do estelionato via saque em conta bancária, mediante uso de senha
ou cartão magnético (clonagem), pois a inversão da posse ocorrerá no momento em
que o bem deixa de estar na esfera de disponibilidade da vítima.
Portanto, será competente o foro do local onde se localizar a agência do
correntista.
3.4.4.10. Juizado especial criminal (JECrim)
Segundo estipulação do art. 63 da Lei nº 9.099/95: “A competência do Juizado
será determinada pelo lugar em que foi praticada a infração penal.”
Diante de tal disposição, pergunta-se: os crimes que se enquadram no Juizado
Especial Criminal terão seus foros definidos a partir da teoria da ação? De acordo com
a redação do artigo acima destacado, dá a entender que os crimes enquadrados em tal
lei têm por critério de escolha do foro a teoria da ação, isto é, é competente o foro do
local em que se realizaram os atos executórios, não se levando em consideração o
resultado do crime.
Contudo, a maioria da doutrina não entende dessa forma. Entende, entretanto,
tratar-se da teoria da ubiquidade ou teoria mista, levando-se em consideração tanto a
teoria da ação, como a teoria do resultado. Essa corrente entende ser correto aplicar a
esse caso o disposto no art. 6º do Código penal, já transcrito por nós (vide tópico 3.4.2,
supra).
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3.4.4.11. Crimes falimentares
Dispõe o art. 183 da Lei nº 11.101/05:
Art. 183 da Lei nº 11.101/05. Compete ao juiz criminal da jurisdição
onde tenha sido decretada a falência, concedida a recuperação judicial ou
homologado o plano de recuperação extrajudicial, conhecer da ação penal
pelos crimes previstos nesta Lei.
Logo, será competente o juízo do foro em que se decretar a falência,
recuperação judicial ou seja homologado o plano de recuperação extrajudicial.
3.4.5. Competência pelo domicílio/residência do réu
Como vimos anteriormente, é possível que o foro do local do crime seja incerto
ou de difícil fixação. Há casos, ainda, cuja fixação do foro em relação ao local do
cometimento do crime seja impossível. Nessa situação, a competência será
determinada pelo local do domicílio ou residência do réu.
É possível a constatação, portanto, de que se trata de critério de fixação
subsidiário, somente sendo utilizado diante da impossibilidade de determinação do
foro do local do crime, ou seja, quando não se sabe onde o crime foi cometido.
Por conta desses elementos se diferencia do disposto no art. 70, §3º, tendo em
vista que nesse o crime é cometido no limite entre duas comarcas, sendo ambas
competentes para julgar o fato. No caso aqui estudado, porém, não se sabe onde o
crime fora praticado, ocasião na qual é definido como foro competente o do domicílio
ou residência do réu.
É a disposição do art. 72 do Código de Processo Penal:
Art. 72 do Código de Processo Penal. Não sendo conhecido o lugar
da infração, a competência regular-se-á pelo domicílio ou residência do réu.
§1º. Se o réu tiver mais de uma residência, a competência firmar-se-á
pela prevenção.
§2º. Se o réu não tiver residência certa ou for ignorado o seu
paradeiro, será competente o juiz que primeiro tomar conhecimento do
fato.
Segundo disposição dos parágrafos, havendo mais de uma residência, será
competente o foro que primeiro interagir com a causa, proferindo despacho, ou seja,
será competente definitivamente o juízo prevento.
Por outro lado, uma vez que o réu não tenha residência fixa ou esteja ausente,
será competente o juízo que primeiro tiver conhecimento do fato, ou seja, o juízo
prevento.
3.4.6. Escolha do foro competente
Por fim, é a disposição do art. 73 do CPP:
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Art. 73 do Código de Processo Penal. Nos casos de exclusiva ação
privada, o querelante poderá preferir o foro de domicílio ou da residência
do réu, ainda quando conhecido o lugar da infração.
Diante de crimes que se executem por meio de ação penal privada, poderá o
sujeito passivo da ação delituosa escolher o foro competente, seja onde o crime se
consumou, seja no foro do domicílio ou residência do réu, tendo em vista que ele
mesmo fará o oferecimento da queixa.
3.5. Competência em razão da matéria
3.5.1. Introdução
Diferentemente do primeiro critério adotado, qual seja, o do local do crime, a
competência designada em função da matéria é estabelecida em decorrência do teor
do crime, ou seja, da identificação do objeto material sobre o qual a conduta recai. Por
isso a denominação competência em razão da matéria.
Portanto, a depender do elemento atingido pelo crime, será definido como
competente uma das Justiças, quais sejam: (1) Justiça Eleitoral; (2) Justiça Militar; (3)
Justiça Federal ou (4) Justiça Estadual.
Mougenot explica: “A Constituição Federal, ao distribuir competências entre as
“justiças”, o faz primordialmente sob o aspecto da natureza das causas das quais
poderá cada um conhecer. O critério, portanto, diz respeito à natureza da relação
jurídica material que constitui o fato que se apresenta à apreciação do Poder Judiciário
(competência ratione materiae).
Alguns podem se perguntar: e a Justiça do Trabalho? Junto a tal pergunta,
convém que transcrevamos o disposto no art. 114, IV, da Constituição Federal:
Art. 114 da Constituição Federal. Compete à Justiça do Trabalho
processar e julgar:
[...]
IV – os mandados de segurança, habeas corpus e habeas data,
quando o ato questionado envolver matéria sujeita à sua jurisdição.
Não há competência para o julgamento de crimes nos quais cabem tais
recursos? Não! Segundo entendimento do STF (ADI-MC nº 3.684/DF), a redação do
artigo acima referido não deu à Justiça do Trabalho competência para julgamento de
crimes.
Por unanimidade, o Supremo Tribunal Federal (STF) concedeu
liminar, ontem, 1º de fevereiro (2007), requerida em ação direta de
inconstitucionalidade (ADI 3684), proposta pelo procurador-geral da
República, Antonio Fernando Souza. A ADI questiona os incisos I, IV e IX do
artigo 114 da Constituição Federal, com a redação dada pela Emenda
Constitucional nº 45/2002 (Reforma do Judiciário), por violação ao artigo 60,
parágrafos 2º e 4º, inciso IV, e artigo 5º, caput e inciso LIII, também da
Constituição.
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O procurador-geral da República alega ofensa ao processo legislativo.
Na aprovação da EC 45/2002, o texto aprovado na Câmara dos Deputados
foi alterado pelo Senado e não voltou à primeira casa para nova deliberação,
como prevê o processo legislativo. O texto aprovado possibilitou a
interpretação de que a Justiça do Trabalho pode julgar ações penais.
Por isso, Antonio Fernando pede, na ADI, a suspensão da eficácia do
inciso I do artigo 114 ou que seja dada interpretação conforme a
Constituição, bem como o afastamento de qualquer entendimento que
reconheça a competência penal da Justiça do Trabalho e a interpretação
conforme o texto dos incisos IV e IX do artigo 114.
Juiz natural - O ministro Cezar Peluso, em seu voto, disse que o inciso
IV do artigo 114 determina a competência da Justiça do Trabalho para julgar
habeas corpus, habeas data e mandados de segurança, quando o ato
questionado envolver matéria sujeita a sua jurisdição. E que o pedido de
habeas pode ser dado em outras ações que não as penais.
Para ele, a competência da Justiça do Trabalho para o processamento
e julgamento das ações oriundas da relação trabalhista se restringe apenas
às ações destituídas de natureza penal. Qualquer outro entendimento, diz
Peluso, violaria frontalmente o princípio do juiz natural, pois a Constituição
diz que cabe à Justiça comum (estadual ou federal), julgar e processar
matéria criminal33.
3.5.2. Justiça Eleitoral
3.5.2.1. Introdução
A Justiça Eleitoral, como sabemos, será competente para o julgamento dos
crimes cuja matéria seja eleitoral, por óbvio.
A pergunta que se faz é: o que são e onde estão fixados os crimes eleitorais?
3.5.2.2. Crimes eleitorais
Entendem-se por crimes eleitorais aqueles previstos no Código Eleitoral (Lei nº
4.737/65) e demais legislações que assim definirem seus crimes.
Diante do Código Eleitoral os crimes estão dispostos nos arts. 289 a 354-A.
Segundo disposição do art. 35, II, deste Código:
Art. 35 do Código Eleitoral. Compete aos juízes:
[...]
II – processar e julgar os crimes eleitorais e os comuns que lhe forem
conexos, ressalvada a competência originária do Tribunal Superior e dos
Tribunais Regionais.
33 Texto disponível em: http://www.mpf.mp.br/pgr/noticias-pgr/adi-3684-liminar-do-stf-diz-que-justica-do-trabalho-nao-pode-julgar-acoes-penais
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3.5.2.3. Conexão entre crimes
Contudo, convém fazermos uma ressalva, ainda que seja de competência da
Justiça Eleitoral o julgamento de crimes eleitorais e conexos a estes, é importante
esclarecermos que a motivação política não é suficiente para a configuração destes
tipos penais.
3.5.2.3.1. Conexão com crimes dolosos contra a vida
Diante de conexão entre crimes eleitorais e crimes dolosos contra a vida há
divergência doutrinária. Parte da doutrina entende que nesses casos há exceção à
competência do Tribunal do Júri, devendo a Justiça Eleitoral julgar o fato. Contudo,
outra parte entende que não há o que se falar em exceção à competência do Tribunal
do Júri, haja vista o disposto no art. 5º, XXXVIII, d, da Constituição Federal, segundo o
qual: “É reconhecida a instituição do júri, com a organização que lhe der a lei,
assegurados: [...] d) a competência para o julgamento dos crimes dolosos contra a
vida.”
3.5.2.3.2. Conexão com crimes de competência da Justiça Estadual
Quando da conexão de crimes de competência da Justiça Eleitoral e Justiça
Estadual analisar-se-á o disposto nos arts. 78, IV, do Código de Processo Penal e 25, II,
do Código Eleitoral, segundo os quais:
Art. 78 do Código de Processo Penal. Na determinação da
competência por conexão ou continência, serão observadas as seguintes
regras:
[...]
IV – no concurso entre a jurisdição comum e a especial, prevalecerá
esta.
● ● ● ●
Art. 35 do Código Eleitoral. Compete aos juízes:
[...]
II – processar e julgar os crimes eleitorais e os comuns que lhe foram
conexos, ressalvada a competência originária do Tribunal Superior e dos
Tribunais Regionais.
Portanto, vê-se que diante da conexão entre a competência da Justiça Especial,
no caso a Eleitoral, e a Justiça Comum (Estadual ou Federal), prevalecerá a
competência da Justiça Especial. Logo, diante da conexão será competente a Justiça
Eleitoral, nesse caso.
3.5.2.3.3. Conexão com crimes de competência da Justiça Militar ou Federal
Diferentemente dos casos anteriormente propostos, trata-se de conexão entre
crimes cuja competência é dividida entre as Justiças Especiais. Diante de tal situação,
cada elemento será julgado por sua respectiva Justiça competente, de acordo com o
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fixado na Constituição Federal. Ou seja, a Justiça Eleitoral somente será competente
em relação àquilo que elenca o Código Eleitoral e demais legislações que assim
determinem seus crimes.
3.5.3. Justiça Militar
3.5.3.1. Introdução
Da mesma forma que a Justiça Eleitoral, serão considerados de competência da
Justiça Militar os crimes assim determinados e definidos em lei.
3.5.3.2. Crimes militares
Por esse motivo, entendem-se como crimes militares aqueles elencados no
Código Penal Militar (Decreto-Lei nº 1.001/69), especificamente em relação aos arts.
136 a 408.
Ainda assim, define o art. 9º do Código Penal Militar quanto aos crimes em
tempo de paz:
Art. 9º do Código Penal Militar. Consideram-se crimes militares, em
tempo de paz:
I – os crimes de que trata êste Código, quando definidos de modo
diverso na lei penal comum, ou nela não previstos, qualquer que seja o
agente, salvo disposição especial;
II – os crimes previstos neste Código e os previstos na legislação
penal, quando praticados:
a) por militar em situação de atividade ou assemelhado, contra
militar na mesma situação ou assemelhado;
b) por militar em situação de atividade ou assemelhado, em lugar
sujeito à administração militar, contra militar da reserva, ou reformado, ou
assemelhado, ou civil;
c) por militar em serviço ou atuando em razão da função, em
comissão de natureza militar, ou em formatura, ainda que fora do lugar
sujeito à administração militar contra militar da reserva, ou reformado, ou
civil;
d) por militar durante o período de manobras ou exercício, contra
militar da reserva, ou reformado, ou assemelhado, ou civil;
e) por militar em situação de atividade, ou assemelhado, contra o
patrimônio sob administração militar, ou a ordem administrativa militar;
f) revogada.
III – os crimes praticados por militar da reserva, ou reformado, ou por
civil, contra as instituições militares, considerando-se como tais não só os
compreendidos no inciso I, como os do inciso II, nos seguintes casos:
a) contra o patrimônio sob a administração militar, ou contra a
ordem administrativa militar;
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b) em lugar sujeito à administração militar contra militar em situação
de atividade ou assemelhado, ou contra funcionário de Ministério militar ou
da Justiça Militar, no exercício de função inerente ao seu cargo;
c) contra militar em formatura, ou durante o período de prontidão,
vigilância, observação, exploração, exercício, acampamento, acantonamento
ou manobras;
d) ainda que fora do lugar sujeito à administração militar, contra
militar em função de natureza militar, ou no desempenho de serviços de
vigilância, garantia e preservação da ordem pública, administrativa ou
judiciária, quando legalmente requisitado para aquêle fim, ou em
obediência a determinação legal superior.
Diante de tais disposições, conveniente que estabeleçamos quem é o militar.
Militar é aquele que incorpora as Forças Armadas. Conforme estabelece o Estatuto dos
Militares (Lei nº 6.880/80) em seu art. 2º: “As Forças Armadas, essenciais à execução
da política de segurança nacional, são constituídas pela Marinha, pelo Exército e pela
Aeronáutica, e destinam-se a defender a Pátria e a garantir os poderes constituídos, a
lei e a ordem. São instituições nacionais, permanentes e regulares, organizadas com
base na hierarquia e na disciplina, sob a autoridade suprema do Presidente da
República e dentro dos limites da lei.” Além disso, também são considerados militares
os indivíduos incorporados na Polícia Federal Militar, Polícia Rodoviária Militar ou
Bombeiros.
● ● ● ●
Os crimes militares se dividem em duas categorias, quais sejam: (1) crimes
militares próprios e (2) crimes militares impróprios.
Entendem-se por crimes militares próprios aqueles dispostos na Lei Penal
Militar, não havendo qualquer semelhante ou equiparado na Lei Penal Comum.
Segundo Mougenot, “alguns autores preferem definir tais crimes como aqueles que só
podem ser praticados por militares, por constituírem violações a deveres próprias da
sua função (exemplos: motim, dormir em serviço etc).”
Por outro lado, crimes militares impróprios são aqueles previstos na Legislação
Penal Comum, contudo praticados por militares. Ex.: roubo, furto etc. Nesse caso, para
que sejam julgados pela Justiça Militar, é necessário que o militar esteja no exercício
de sua função, respeitando o disposto no art. 9º, II, a a e, do Código Penal Militar,
acima elencado.
● ● ● ●
Para que exista crime militar, portanto, são três os requisitos que deverão ser
respeitados, quais sejam: (1) praticado por militar ativo, (2) no exercício de suas
atribuições/funções e (3) havendo disposição legal condizente com a sua ação em
legislação especial, qual seja, o Código Penal Militar.
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3.5.3.3. Justiça Militar da União e Justiça Militar Estadual
3.5.3.3.1. Competência
Segundo disposição da Constituição Federal, são duas as divisões da Justiça
Militar, quais sejam: (1) Justiça Militar da União e (2) Justiça Militar Estadual.
Em que pese ambos julgarem crimes militares (art. 124, caput, da Constituição
Federal34), a Justiça Militar da União, especificamente, julga qualquer crime praticado
por civil ou militar que tenha por objetivo atingir bem jurídico tutelado pelas Forças
Armadas (âmbito federal), constantes no art. 9º, III, a, do Código Penal Militar – acima
transcrito. A Justiça Militar Estadual, por outro lado, não julgará crimes militares
praticados por civis, contudo tem a competência para o julgamento de ações judiciais
contra atos disciplinares militares, ou seja, é competente para julgar e aplicar sanções
administrativas previstas no Regulamento Disciplinar ou no Código de Ética e Disciplina
Militar. Nesse sentido é o art. 125, §§ 4º e 5º, da Constituição Federal:
Art. 125 da Constituição Federal. Os Estados organizarão sua Justiça,
observados os princípios estabelecidos nesta Constituição.
[...]
§4º. Compete à Justiça Militar estadual processar e julgar os militares
dos Estados, nos crimes militares definidos em lei e as ações judiciais contra
atos disciplinares militares, ressalvada a competência do júri quando a
vítima for civil, cabendo ao tribunal competente decidir sobre a perda do
posto e da patente dos oficiais e da graduação das praças.
§5º. Compete aos juízes de direito do juízo militar processar e julgar,
singularmente, os crimes militares cometidos contra civis e as ações judiciais
contra atos disciplinares militares, cabendo ao Conselho de Justiça, sob a
presidência de juiz de direito, processar e julgar os demais crimes militares.
Em decorrência disso, tratando-se de crimes praticados por civis contra bens
tutelados pelas instituições militares estaduais, é competente a Justiça Estadual
Comum, com base no disposto no §4º do artigo acima transcrito e na Súmula nº 53 do
Superior Tribunal de Justiça:
Súmula nº 53 do Superior Tribunal de Justiça. Compete à Justiça
Comum Estadual processar e julgar civil acusado de praticar crime contra
instituições militares estaduais.
Portanto, é a relação de competência da Justiça Militar da União e da Justiça
Militar Estadual:
1) Justiça Militar da União:
a. Crimes militares federais;
b. Crimes praticados por civis contra os bens tutelados pelas Forças
Armadas.
2) Justiça Militar Estadual:
34 Art. 124, caput, da Constituição Federal. À Justiça Militar compete processar e julgar os crimes militares definidos em lei.
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a. Crimes militares estaduais;
b. Ações judiciais contra atos disciplinares militares.
3.5.3.3.2. Estrutura e composição
A Justiça Militar tem sua estrutura regulada pela Lei nº 8.457/92.
Tratando-se da Justiça Militar Federal, é a estrutura e composição:
Primeiro grau – possui 12 circunscrições judiciárias, nas quais existem os
conselhos de justiça, compostos por três ou quatro juízes oficiais militares e um juiz de
direito (Juiz-Auditor). Tais conselhos poderão ser permanentes (não oficiais) ou
especiais (oficiais).
Grau de recurso (segundo grau) – os recursos na Justiça Militar são interpostos
no Superior Tribunal Militar, do qual cabe recurso ao Supremo Tribunal Federal. O STM
é composto por 15 membros nomeados pelo Presidente da República, sendo:
1) Três Oficiais-Generais da Marinha;
2) Quatro Oficiais-Generais do Exército;
3) Três Oficiais-Generais da Aeronáutica; e
4) Cinco civis, escolhendo-se dentre:
a. Três advogados de notório saber jurídico e conduta ilibada, com mais de
dez anos de atividade profissional;
b. Dois civis por escolha paritária, dentre juízes auditores e membros do
Ministério Público Militar.
Por outro lado, tratando-se da Justiça Militar Estadual, analisar-se-á o §3º do
art. 125 da Constituição Federal, segundo o qual
Art. 125, §3º, da Constituição Federal. A lei estadual poderá criar,
mediante proposta do Tribunal de Justiça, a Justiça Militar estadual,
constituída, em primeiro grau, pelos juízes de direito e pelos Conselhos de
Justiça e, em segundo grau, pelo próprio Tribunal de Justiça, ou por Tribunal
de Justiça Militar nos Estados em que o efetivo militar seja superior a vinte
mil integrantes.
Por esse motivo, a composição estadual da Justiça Militar deverá observar,
além do disposto na Constituição Federal, o estabelecido nas Constituições Estaduais.
É a estrutura e composição da Justiça Militar Estadual:
Primeiro grau – formado pelas Auditorias Militares, compostas por juízes de
direito, conforme especifica o parágrafo acima transcrito, e os Conselhos de Justiça,
compostos por um juiz de direito e quatro juízes militares.
Segundo grau – formado pelos Tribunais de Justiça ou Tribunais de Justiça
Militares nos Estados em que o efetivo militar (contingente) seja superior a vinte mil
integrantes.
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Grau de recurso – interessante notar que os recursos da Justiça Militar Estadual
não serão recepcionados pelo Superior Tribunal Militar, mas farão o mesmo caminho
da Justiça Comum, qual seja, grau de recurso ao Superior Tribunal de Justiça e,
posteriormente, ao Supremo Tribunal Federal.
É a tabela da Justiça Militar:
Justiça Militar Federal Justiça Militar Estadual
Competência Julga crimes militares, ainda que praticados por
civil contra bens tutelados pelas Forças Armadas
Julga crimes militares e atos disciplinares militares
Órgãos Forças Armadas: Marinha, Aeronáutica e Exército
Polícia Militar, Policia Militar Estadual e Corpo de
Bombeiros
Julgamento de civil Sim Não
Grau de recurso Superior Tribunal Militar Superior Tribunal de Justiça e Supremo Tribunal
Federal
3.5.3.3.3. Outras disposições sobre competência
3.5.3.3.3.1. Crimes praticados por militares que não sejam da competência da
Justiça Militar
Como dito quando da introdução do estudo desta Justiça Especializada, foi dito
que somente serão julgados e processados pela Justiça Militar os crimes praticados
pelos militares enquanto no exercício de suas funções, vez que sejam ativos. Tratando-
se, portanto, de militares inativos ou que não estejam no exercício de suas funções, a
competência será da Justiça Comum ou da Justiça Especializada de cujo crime seja a
matéria por ela julgada.
Por fim, convém fazermos um comentário. Há crimes cuja competência do
julgamento é destinada exclusivamente a outras Justiças. Nesses casos, não há o que
se falar em competência da Justiça Militar. Ex.: crime de abuso de autoridade contra
civil, prevista pela Lei nº 4.898/65, não está previsto no Código Penal Militar. Por esse
motivo, não será da competência da Justiça Militar. Segundo a Súmula nº 172 do
Superior Tribunal de Justiça, inclusive: “Compete a justiça comum processar e julgar
militar por crime de abuso de autoridade, ainda que praticado em serviço.”
3.5.3.3.3.2. Crimes dolosos contra a vida praticados por militares
Os crimes dolosos contra a vida praticados por militares estaduais contra civis
serão processados pela Justiça Comum. Por outro lado, os crimes dolosos contra a vida
praticados por militares das Forças Armadas serão julgados e processados pela Justiça
Militar da União, de acordo com o disposto nos §§ 1º e 2º do art. 9º do Código Penal
Militar:
Art. 9º, §1º, do Código Penal Militar. Os crimes de que trata este
artigo, quando dolosos contra a vida e cometidos por militares contra civil,
serão da competência do Tribunal do Júri.
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§2º. Os crimes de que trata este artigo, quando dolosos contra a vida
e cometidos por militares das Forças Armadas contra civil, serão da
competência da Justiça Militar da União, se praticados no contexto:
I – do cumprimento de atribuições que lhes forem estabelecidas pelo
Presidente da República ou pelo Ministro de Estado da Defesa;
II – de ação que envolva a segurança de instituição militar ou de
missão militar, mesmo que não beligerante; ou
III – de atividade de natureza militar, de operação de paz, de garantia
da lei e da ordem ou de atribuição subsidiária, realizadas em conformidade
com o disposto no art. 142 da Constituição Federal e na forma dos seguintes
diplomas legais:
a) Lei nº 7.565, de 19 de dezembro de 1986 – Código Brasileiro de
Aeronáutica;
b) Lei Complementar nº 97, de 9 de junho de 1999;
c) Decreto-Lei nº 1.002, de 12 de outubro, de 1969 – Código de
Processo Penal Militar;
d) Lei nº 4.737, de 15 de julho de 1965 – Código Eleitoral.
Por fim, em se tratando de crimes dolosos praticados por militares contra
militares, a competência será da Justiça Militar, estadual ou federal.
3.5.3.3.3.3. Conexão e continência
Conforme estabelece a Súmula nº 90 do Superior Tribunal de Justiça: “Compete
à Justiça Estadual Militar processar a julgar o policial militar pela prática de crime
militar, e à Comum pela prática do crime comum simultâneo àquele.”
No mesmo sentido é o art. 79, I, do Código de Processo Penal, segundo o qual:
“A conexão e a continência importarão unidade do processo e julgamento, salvo: I – no
concurso entre a jurisdição comum e a militar...”.
3.5.4. Justiça Federal
3.5.4.1. Introdução
Diferentemente das duas outras Justiças por nós estudadas, a Justiça Federal
não se denomina como sendo uma Justiça Especializada, mas Comum, juntamente
com a Justiça Estadual.
3.5.4.2. Composição e estrutura
A estrutura da Justiça Federal é um tanto quanto confusa. Apesar de a Justiça
Federal ser dividida em cinco regiões até hoje, aprovou-se em 2013 a Emenda à
Constituição nº 73, adicionando ao art. 27 do Ato das Disposições Constitucionais
Transitórias o §11, segundo o qual:
Art. 27, §11, do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias.
São criados, ainda, os seguintes Tribunais Regionais Federais: o da 6ª Região,
com sede em Curitiba, Estado do Paraná, e jurisdição nos Estados do Paraná,
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Santa Catarina e Mato Grosso do Sul; o da 7ª Região, com sede em Belo
Horizonte, Estado de Minas Gerais, e jurisdição no Estado de Minas Gerais; o
da 8ª Região, com sede em Salvador, Estado da Bahia, e jurisdição nos
Estados da Bahia e Sergipe; e o da 9ª Região, com sede em Manaus, Estado
do Amazonas, e jurisdição nos Estados do Amazonas, Acre, Rondônia e
Roraima.
Ainda que aprovada tal Emenda, não tem efetividade, haja vista ter o Supremo
Tribunal Federal, a partir da ADI 5.017, concedido liminar no sentido de impedir a
aplicação da Súmula em questão. Apesar disso, até hoje não houve novo
posicionamento do Supremo Tribunal Federal em relação ao caso.
Portanto, segue a atual divisão da Justiça Federal, bem como aquela proposta e
aprovada pela Emenda Constitucional nº 73:
Hoje, portanto, é a divisão:
REGIÃO SEDE JURISDIÇÃO
1ª Região Brasília – Distrito Federal Acre Amazonas Roraima
Rondônia Pará
Amapá Mato Grosso
Tocantins Maranhão
Piauí Bahia
Minas Gerais Goiás
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Distrito Federal
2ª Região Rio de Janeiro – Rio de Janeiro
Rio de Janeiro Espírito Santo
3ª Região São Paulo – São Paulo São Paulo Mato Grosso do Sul
4ª Região Porto Alegre – Rio Grande do Sul
Rio Grande do Sul Paraná
Santa Catarina
5ª Região Recife – Pernambuco Pernambuco Rio Grande do Norte
Ceará Paraíba Alagoas
● ● ● ●
Além da divisão em regiões, a Justiça Federal se divide em instâncias, como as
demais Justiças, sendo:
1ª Instância – composta pelos Juízes Federais. Aqui também se encaixam os
Juizados Especiais Federais, responsáveis por processar e julgar os feitos de
competência da Justiça Federal relativos às infrações de menor potencial ofensivo.
2ª Instância – composta pelos Tribunais Regionais Federais (TRFs).
3ª Instância (instância recursal) – Superior Tribunal de Justiça (STJ).
4ª instância (instância recursal) – Supremo Tribunal Federal (STF).
● ● ● ●
Antes de adentrarmos a competência da Justiça Federal, convém fazermos um
comentário acerca da investigação dos crimes processados por esta Justiça,
especificamente quanto a ação da Polícia Federal.
Apesar da ligação entre tais instituições, nem todos os crimes investigados pela
Polícia Federal serão de competência da Justiça Federal, tendo em vista que não há
qualquer impedimento quanto à investigação de crimes de competência da Justiça
Estadual por parte da Polícia Federal.
De maneira geral, por óbvio, os atos da Polícia Federal estão diretamente
ligados à Justiça Federal. Contudo, isso não é regra, haja vista que não existe jurisdição
quando se fala em delegados.
É a disposição do art. 144, §1º, da Constituição Federal:
Art. 144, §1º, da Constituição Federal. A polícia federal, instituída
por lei como órgão permanente, organizado e mantido pela União e
estruturado em carreira, destina-se a:
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I – apurar infrações penais contra a ordem política e social ou em
detrimento de bens, serviços e interesses da União ou de suas entidades
autárquicas e empresas públicas, assim como outras infrações cuja prática
tenha repercussão interestadual e exija repressão uniforme, segundo se
dispuser em lei;
II – prevenir e reprimir o tráfico de entorpecentes e drogas afins, o
contrabando e o descaminho, sem prejuízo da ação fazendária e de outros
órgãos públicos nas respectivas áreas de competência;
III – exercer as funções de polícia marítima, aeroportuária e de
fronteiras;
IV – exercer, com exclusividade, as funções de polícia judiciária da
União.
3.5.4.3. Competência
A competência criminal da Justiça Federal está disposta no art. 109 da
Constituição Federal, especificamente no que diz respeito os incs. IV a VI, IX a XI.
É o texto:
Art. 109 da Constituição Federal. Aos juízes federais compete
processar e julgar:
[...]
IV – os crimes políticos e as infrações penais praticadas em
detrimento de bens, serviços ou interesses da União ou de suas entidades
autárquicas ou empresas públicas, excluídas as contravenções e ressalvada a
competência da Justiça Militar e da Justiça Eleitoral;
V – os crimes previstos em tratado ou convenção internacional,
quando, iniciada a execução no País, o resultado tenha ou devesse ter
ocorrido no estrangeiro, ou reciprocamente;
V-A – as causas relativas a direitos humanos a que se refere o §5º
deste artigo;
VI – os crimes contra a organização do trabalho e, nos casos
determinados por lei, contra o sistema financeiro e a ordem econômico-
financeira;
[...]
IX – os crimes cometidos a bordo de navios ou aeronaves, ressalvada
a competência da Justiça Militar;
X – os crimes de ingresso ou permanência irregular de estrangeiro, a
execução de carta rogatória, após o “exequatur”, e de sentença estrangeira,
após a homologação, as causas referentes à nacionalidade, inclusive a
respectiva opção, e à naturalização;
XI – a disputa sobre direitos indígenas.
[...]
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§5º. Nas hipóteses de grave violação de direitos humanos, o
Procurador-Geral da República, com a finalidade de assegurar o
cumprimento de obrigações decorrentes de tratados internacionais de
direitos humanos dos quais o Brasil seja parte, poderá suscitar, perante o
Superior Tribunal de Justiça, em qualquer fase do inquérito ou processo,
incidente de deslocamento de competência para a Justiça Federal.
3.5.4.3.1. Art. 109, IV, CF
Como esboçado anteriormente, compete à Justiça Federal processar e julgar os
crimes políticos e infrações penais praticadas em detrimento de bens, serviços ou
interesse da União ou de suas entidades autárquicas ou empresas públicas.
Vamos por partes.
3.5.4.3.1.1. Crime político
Entende-se por crime político aquele previsto na Lei de Segurança Nacional (Lei
nº 7.170/83), segundo a qual:
Art. 1º da Lei de Segurança Nacional. Esta Lei prevê os crimes que
lesam ou expõem a perigo de lesão:
I – a integridade territorial e a soberania nacional;
II – o regime representativo e democrático, a Federação e o Estado
de Direito;
III – a pessoa dos Chefes dos Poderes da União.
Para tanto, contudo, é necessário que a ação tenha motivação política,
lesionando, de fato ou potencialmente, bens jurídicos tutelados por esta Lei.
3.5.4.3.1.2. Crimes de terrorismo
Apesar de não constar no rol do art. 109 da Constituição Federal, é a disposição
do art. 11 da Lei 13.260/2016:
Art. 11 da Lei 13.260/2016. Para todos os efeitos legais, considera-se
que os crimes previstos nesta Lei são praticados contra o interesse da União,
cabendo à Polícia Federal a investigação criminal, em sede de inquérito
policial, e à Justiça Federal o seu processamento e julgamento, nos termos
do inciso IV do artigo 109 da Constituição Federal.
Entende-se por crime de terrorismo a prática, por um ou mais indivíduos e por
motivos de xenofobia, discriminação ou preconceito de raça, cor, etnia e religião, que
tem por finalidade provocar terror social ou generalizado, expondo a perigo pessoa,
patrimônio, a paz pública ou a incolumidade pública (art. 2º da Lei acima transcrita).
Por fim, é importante ressalvarmos a inversão de interpretação proposta pela
Lei em comento. Como sabemos, cabe às normas infraconstitucionais se submeterem
aos preceitos constitucionais. Nota-se, nesse caso, a disposição de uma legislação
infraconstitucional que determina a interpretação e adição de um elemento ao texto
constitucional.
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Segundo Mougenot, tal disposição demonstra uma “presunção legal absoluta
de ofensa a interesse da União”, justificando a sua redação.
3.5.4.3.1.3. Crimes cometidos em detrimento de bens, serviços ou interesses
da União
Primeiramente, convém que conceituemos cada elemento:
a) Bens da União:
Os bens da União estão dispostos no art. 20 da Constituição Federal:
Art. 20 da Constituição Federal. São bens da União:
I – os que atualmente lhe pertencem e os que lhe vierem a ser
atribuídos;
II – as terras devolutas indispensáveis à defesa das fronteiras, das
fortificações e construções militares, das vias federais de comunicação e à
preservação ambiental, definidas em lei;
III – os lagos, rios e quaisquer correntes de água em terrenos de seu
domínio, ou que banhem mais de um Estado, sirvam de limites com outros
países, ou se estendam a território estrangeiro ou dele provenham, bem
como os terrenos marginais e as praias fluviais;
IV – as ilhas fluviais e lacustres nas zonas limítrofes com outros
países; as praias marítimas; as ilhas oceânicas e as costeiras, excluídas,
destas, as que contenham a sede de Municípios, exceto aquelas áreas
afetadas ao serviço público e a unidade ambiental federal, e as referidas no
art. 26, II;
V – os recursos naturais da plataforma continental e da zona
econômica exclusiva;
VI – o mar territorial;
VII – os terrenos de marinha e seus acrescidos;
VIII – os potenciais de energia hidráulica;
IX – os recursos minerais, inclusive os do subsolo;
X – as cavidades naturais subterrâneas e os sítios arqueológicos e
pré-históricos;
XI – as terras tradicionalmente ocupadas pelos índios.
b) Serviços da União:
Entende-se por serviços da União todos aqueles prestados pelo Governo
Federal ou seus entes Federados, como as autarquias e empresas públicas, conforme
estabelece o art. 109, acima descrito.
c) Interesses da União:
Tem-se por interesse da União os elementos particular, específica e
diretamente ligados a ela. Caso o elemento em questão seja de interesse indireto da
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União, a competência será da Justiça Estadual, e não da Federal. São exemplos de
interesse da União os elementos elencados no art. 21 da Constituição Federal.35
35 Art. 21 da Constituição Federal. Compete à União: I – manter relações com Estados estrangeiros e participar de organizações internacionais; II – declarar a guerra e celebrar a paz; III – assegurar a defesa nacional; IV – permitir, nos casos previstos em lei complementar, que forças estrangeiras transitem pelo território nacional ou nele permaneçam temporariamente; V – decretar o estado de sítio, o estado de defesa e a intervenção federal; VI – autorizar e fiscalizar a produção e o comércio de material bélico; VII – emitir moeda; VIII – administrar as reservas cambiais do País e fiscalizar as operações de natureza financeira, especialmente as de crédito, câmbio e capitalização, bem como as de seguros e de previdência privada; IX – elaborar e executar planos nacionais e regionais de ordenação do território e de desenvolvimento econômico e social; X – manter o serviço postal e o correio aéreo nacional; XI – explorar, diretamente ou mediante autorização, concessão ou permissão, os serviços de telecomunicações, nos termos da lei, que disporá sobre a organização dos serviços, a criação de um órgão regulador e outros aspectos institucionais; XII – explorar, diretamente ou mediante autorização, concessão ou permissão; a) os serviços de radiodifusão sonora, e de sons e imagens; b) os serviços e instalações de energia elétrica e o aproveitamento energético dos cursos de água, em articulação com os Estados onde se situam os potenciais hidroenergéticos; c) a navegação aérea, aeroespacial e a infra-estrutura aeroportuária; d) os serviços de transporte ferroviário e aquaviário entre portos brasileiros e fronteiras nacionais, ou que transponham os limites de Estado ou Território; e) os serviços de transporte rodoviário interestadual e internacional de passageiros; f) os portos marítimos, fluviais e lacustres; XIII – organizar e manter o Poder Judiciário, o Ministério Público do Distrito Federal e dos Territórios e a Defensoria Pública dos Territórios; XIV – organizar e manter a polícia civil, a política militar e o corpo de bombeiros militar do Distrito Federal, bem como prestar assistência financeira ao Distrito Federal para a execução de serviços públicos, por meio de fundo próprio; XV – organizar e manter os serviços oficiais de estatística, geografia, geologia e cartografia de âmbito nacional; XVI – exercer a classificação, para efeito indicativo, de diversões públicas e de programas de rádio e televisão; XVII – conceder anistia; XVIII – planejar e promover a defesa permanente contra as calamidades públicas, especialmente as secas e as inundações; XIX – instituir sistema nacional de gerenciamento de recursos hídricos e definir critérios de outorga de direitos de seu uso; XX – instituir diretrizes para o desenvolvimento urbano, inclusive habitação, saneamento básico e transportes urbanos; XXI – estabelecer princípios e diretrizes para o sistema nacional de viação; XXII – explorar os serviços e instalações nucleares de qualquer natureza e exercer monopólio estatal sobre a pesquisa, a lavra, o enriquecimento e reprocessamento, a industrialização e o comércio de minérios nucleares e seus derivados, atendidos os seguintes princípios e condições: a) toda atividade nuclear em território nacional somente será admitida para fins pacíficos e mediante aprovação do Congresso Nacional; b) sob regime de permissão, são autorizadas a comercialização e a utilização de radioisótopos para a pesquisa e usos médicos, agrícolas e industriais; c) sob regime de permissão, são autorizadas a produção, comercialização e utilização de radioisótopos de meia-vida igual ou inferior a duas horas; d) a responsabilidade civil por danos nucleares independe da existência de culpa.
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Para a configuração de tais crimes, frisemos, é necessário a efetiva lesão aos
bens, serviços ou interesses da União ou de suas entidades autárquicas36 e empresas
públicas37.
● ● ● ●
Antes de prosseguirmos, convém que comentemos acerca de alguns casos
especiais, são eles:
a) Contravenções penais: nesse caso, será competente para julgar a Justiça
Estadual. Nesse sentido é a Súmula nº 38 do Superior Tribunal de Justiça:
Súmula nº 38 do Superior Tribunal de Justiça. Compete à Justiça
Estadual Comum, na vigência da Constituição de 1988, o processo por
contravenção penal, ainda que praticada em detrimento de bens, serviços
ou interesse da União ou de suas entidades.
b) Competência das Justiças Especiais: serão competentes as respectivas Justiças,
quais sejam, Justiça Eleitoral e Justiça Militar;
c) Crimes contra as sociedades de economia mista: nesse sentido é a Súmula nº
42 do Superior Tribunal de Justiça e a Súmula nº 556 do Supremo Tribunal Federal:
Súmula nº 42 do Superior Tribunal de Justiça. Compete à Justiça
Comum Estadual processar e julgar as causas cíveis em que é parte
sociedade de economia mista e os crimes praticados em seu detrimento.
● ● ● ●
Súmula nº 556 do Supremo Tribunal Federal. É competente a Justiça
Comum para julgar as causas em que é parte sociedade de economia mista.
d) Crimes contra a Justiça Federal, Justiça do Trabalho ou Justiça Eleitoral: nesse
caso, configurado estará um crime contra serviços jurisdicional da União, incidindo,
portanto, no art. 109, IV, da Constituição Federal, sendo competente para o seu
julgamento a Justiça Federal.
É necessário, inclusive, que nos atentemos ao disposto na Súmula nº 165 do
Superior Tribunal de Justiça:
XXIV – organizar, manter e executar a inspeção do trabalho; XXV – estabelecer as áreas e as condições para o exercício da atividade de garimpagem, em forma associativa. 36 São exemplos de entidades autárquicas: INSS – Instituto Nacional do Seguro Social; BACEN – Banco Central; INCRA – Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária; DNIT – Departamento Nacional de Infraestrutura de Transportes; IBAMA – Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis. 37 São exemplos de empresas públicas: BNDES – Banco Nacional do Desenvolvimento; CEF – Caixa Econômica Federal; Correios.
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Súmula nº 165 do Superior Tribunal de Justiça. Compete à Justiça
Federal processar e julgar crime de falso testemunho cometido no processo
trabalhista.
Segundo Edilson Mougenot, “o entendimento se justifica, uma vez que a Justiça
do Trabalho é organizada em âmbito federal, constituindo o falso testemunho em
processo trabalhista afronta aos interesses da União.”
e) Crimes praticados contra e por funcionários públicos federais, em razão do
exercício de suas funções: é a disposição da Súmula nº 147 do Superior Tribunal de
Justiça:
Súmula nº 147 do Superior Tribunal de Justiça. Compete à Justiça
Federal processar e julgar os crimes praticados contra funcionário público
federal, quando relacionados com o exercício da função.”
Da mesma forma ocorrerá quando o funcionário público federal for o sujeito
ativo da ação (arts. 312 a 327 do Código Penal). O raciocínio aplicado aqui é o mesmo
anteriormente explicado, tendo em vista se tratar de serviço prestado pela União.
f) Tribunal do júri: é possível que haja Tribunal do Júri em âmbito federal,
contanto que se encaixe nos elementos dispostos no art. 109 da Constituição Federal.
Segundo Edilson Mougenot, é o que ocorrerá, por exemplo, diante de crime
contra a vida praticado por funcionário público federal, em razão do exercício das suas
funções.
g) Desvio de verba pública praticado por prefeito: é a redação das Súmulas nos
208 e 209 do Superior Tribunal de Justiça:
Súmula nº 208 do Superior Tribunal de Justiça. Compete à Justiça
Federal processar e julgar prefeito municipal por desvio de verba sujeita a
prestação de contas perante órgão federal.
Súmula nº 209 do Superior Tribunal de Justiça. Compete à Justiça
Estadual processar e julgar prefeito por desvio de verba transferida e
incorporada ao patrimônio municipal.
É visível, portanto, que a competência da Justiça Federal, nesse caso,
dependerá da entidade da qual a verba é desviada. Tratando-se de órgão da União,
será competente a Justiça Federal. Caso contrário, será competente a Justiça Estadual.
h) Crimes ambientais: somente serão de competência da Justiça Federal, uma vez
que tenham por objeto jurídico os bens da União, fixados no art. 20 da Constituição
Federal – acima transcrito. Ex.: extração ilegal de recursos minerais; pesca ilegal de
camarão, no mar territorial; destruição ou danificação de floresta de preservação
permanente, cometido no interior de unidade de conservação da União; Crime de
pesca proibida praticado em rio interestadual; manutenção em cativeiro de espécies
em extinção etc;
i) Crime de moeda falsa: previsto no art. 298 do Código Penal e, como visto
anteriormente, caracterizando uma das competências da União, o crime de moeda
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falsa somente será da competência da Justiça Federal, uma vez que se tratar de
imitação fiel à realidade. Portanto, diante da imitação grosseira competente será a
Justiça Estadual.
Nesse sentido é a Súmula nº 73 do Superior Tribunal de Justiça:
Súmula nº 73 do Superior Tribunal de Justiça. A utilização de papel
moeda grosseiramente falsificado configura, em tese, o crime de
estelionato, da competência da Justiça Estadual.
j) Crime de estelionato: como diz a Súmula acima transcrita, em regra, os crimes
de estelionato serão de competência da Justiça Estadual. Contudo, tratando-se de
ação contra a União competente será a Justiça Federal. Ex.: receber, indevidamente,
seguro-desemprego, bolsa-família, benefício previdenciário etc – lembrando, é
necessário o efetivo dano à União38.
k) Crime de sonegação fiscal de tributos federais, apropriação indébita
previdenciária e sonegação de contribuição previdenciária: tendo em vista a lesão
efetiva à União, serão de competência da Justiça Federal.
3.5.4.3.2. Art. 109, V, CF
Relembrando, é a disposição da Constituição Federal:
Art. 109 da Constituição Federal. Aos juízes federais compete
processar e julgar:
[...]
V – os crimes previstos em tratado ou convenção internacional,
quando, iniciada a execução no País, o resultado tenha ou devesse ter
ocorrido no estrangeiro, ou reciprocamente.
Portanto, também será da competência da Justiça Federal os crimes previstos
em tratado ou convenção internacional, uma vez que a sua execução tenha sido
iniciada no Brasil e consumada no estrangeiro ou vice-versa.
Convém que demos alguns exemplos de crimes que se encaixam nesse inciso.
Contudo, é necessário que, antes, esclareçamos que em alguns deles é necessário,
para a competência da Justiça Federal, que exista o indício de internacionalidade,
enquanto que em outros exemplos tal elemento não se faz necessário, sendo, sempre,
da competência da Justiça Federal:
a) É necessário o indício de internacionalidade:
i. Tráfico internacional de entorpecentes39: arts. 33 a 37 e 70 da Lei nº
11.343/06;
38 Súmula nº 107 do Superior Tribunal de Justiça. Compete à Justiça Comum Estadual processar e julgar crime de estelionato praticado mediante falsificação das guias de recolhimento das contribuições previdenciárias, quando não ocorre lesão à autarquia federal. 39 Súmula nº 522 do Superior Tribunal de Justiça. Salvo ocorrência de tráfico para o exterior, quando então a competência será da Justiça Federal, compete à Justiça dos Estados o processo e julgamento dos crimes relativos a entorpecentes.
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ii. Tráfico internacional de armas de fogo: art. 18 da Lei nº 10.826/03;
iii. Tráfico internacional de pessoas para fim de exploração sexual: art.
231 do Código Penal;
iv. Transferência ilegal de criança ou adolescente para o exterior: art. 239
do Estatuto da Criança e do Adolescente;
v. Pornografia infantil e pedofilia por meio de internet: art. 241 do
Estatuto da Criança e do Adolescente;
b) Não é necessário o indício de internacionalidade:
i. Descaminho: art. 334 do Código Penal;
ii. Contrabando: art. 334-A do Código Penal;
iii. Importação de produto para fins terapêuticos ou medicinais
falsificado, corrompido, adulterado ou alterado ou sem registro na
ANVISA: art. 273, §1º, do Código Penal.
3.5.4.3.3. Art. 109, VI, CF
É a redação desse inciso:
Art. 109 da Constituição Federal. Aos juízes federais compete
processar e julgar:
[...]
VI – os crimes contra a organização do trabalho e, nos casos
determinados por lei, contra o sistema financeiro e a ordem econômico-
financeira;
Portanto, será competente a Justiça Federal nos crimes contra a organização do
trabalho ou contra o sistema financeiro e a ordem econômico-financeira. Contudo,
importante esclarecermos que em relação ao primeiro (contra a organização do
trabalho) somente serão da competência da Justiça Federal, uma vez que atinjam o
âmbito coletivo. Tratando-se de crime que atinge o sujeito passivo individualmente
serão de competência da Justiça Estadual.
Por outro lado, em se tratando de crimes contra o sistema financeiro e a ordem
econômico-financeira, somente serão de competência da Justiça Federal, uma vez que
coloquem em risco a higidez do sistema financeiro nacional.
3.5.4.3.3.1. Crimes contra a organização do trabalho
Podemos citar como exemplo da exceção a falsa anotação em um ou poucas
carteiras de trabalho. Segundo disposição da Súmula nº 62 do Superior Tribunal de
Justiça: “Compete à Justiça Estadual processar e julgar o crime de falsa anotação na
Carteira de Trabalho e Previdência Social, atribuído à empresa privada.”
Contudo, convém informarmos que há casos em que ainda que a ação
criminosa seja individualizada será competente a Justiça Federal. Ex.: crime de
redução à condição análoga à de escravo. Isso se justifica, tendo em vista que a ação,
ainda que direcionada, atinge a organização do trabalho como um todo.
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Assim se entende em decorrência do acórdão proferido no RE nº 398.041-6/PA,
sendo a ementa:
EMENTA: DIREITO PENAL E PROCESSUAL PENAL. ART. 149 DO
CÓDIGO PENAL. REDUÇÃO À CONDIÇÃO ANÁLOGA À DE ESCRAVO.
TRABALHO ESCRAVO. DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA. DIREITOS
FUNDAMENTAIS. CRIME CONTRA A COLETIVIDADE DOS TRABALHADORES.
ART. 109, VI DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL. COMPETÊNCIA. JUSTIÇA FEDERAL.
RECURSO EXTRAORDINÁRIO PROVIDO.
A Constituição de 1988 traz um robusto conjunto normativo que visa
à proteção e efetivação dos direitos fundamentais do ser humano.
A existência de trabalhadores a laborar sob escolta, alguns
acorrentados, em situação de total violação da liberdade e da
autodeterminação de cada um, configura crime contra a organização do
trabalho.
Quaisquer condutas que possam ser tidas como violadoras não
somente do sistema de órgãos e instituições com atribuições para proteger
os direitos e deveres dos trabalhadores, mas também dos próprios
trabalhadores, atingindo-os em esferas que lhes são mais caras, em que a
Constituição lhes confere proteção máxima, são enquadráveis na categoria
dos crimes contra a organização do trabalho, se praticadas no contexto das
relações de trabalho.
Nesses casos, a prática do crime prevista no art. 149 do Código Penal
(Redução à condição análoga a de escravo) se caracteriza como crime contra
a organização do trabalho, de modo a atrair a competência da Justiça
federal (art. 109, VI da Constituição) para processá-los e julgá-lo.
Recurso extraordinário conhecido e provido.
3.5.4.3.3.2. Crimes contra o sistema financeiro e a ordem econômico-
financeira
São os denominados crimes de colarinho branco, os quais serão julgados por
varas especializadas em crimes contra o Sistema Financeiro Nacional:
a) Crimes contra o Sistema Financeiro Nacional: Lei nº 7.492/86;
b) Crimes de sonegação fiscal de tributo federal: Lei nº 8.137/90;
c) Crime de lavagem de dinheiro: Lei nº 9.613/98.
3.5.4.3.4. Art. 109, IX, CF
É a redação:
Art. 109 da Constituição Federal. Aos juízes federais compete
processar e julgar:
[...]
IX – os crimes cometidos a bordo de navios ou aeronaves, ressalvada
a competência da Justiça Militar.
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Portanto, serão de competência da Justiça Federal os crimes cometidos a bordo
de navios ou aeronaves, salvo quando competente a Justiça Militar (vide tópico
3.5.3.3.1).
Para tanto, convém que elenquemos o disposto nos arts. 89 e 90 do Código de
Processo Penal:
Art. 89 do Código de Processo Penal. Os crimes cometidos em
qualquer embarcação nas águas territoriais da República, ou nos rios e lagos
fronteiriços, bem como a bordo de embarcações nacionais, em alto-mar,
serão processados e julgados pela justiça do primeiro porto brasileiro em
que tocar a embarcação, após o crime, ou, quando se afastar do País, pela
do último em que houver tocado.
Art. 90 do Código de Processo Penal. Os crimes praticados a bordo
de aeronave nacional, dentro do espaço aéreo correspondente ao território
brasileiro, ou ao alto-mar, ou a bordo de aeronave estrangeira, dentro do
espaço aéreo correspondente ao território nacional, serão processados e
julgados pela justiça da comarca em cujo território se verifica o pouso após
o crime, ou pela da comarca de onde houver partido a aeronave.
Nota-se que as disposições acima transcritas somente citam, além das
aeronaves, embarcações de grande porte, destacando-se os navios, ou seja, não cita as
embarcações de pequeno porte. Nesse sentido, entende-se que os crimes praticados
em pequenas embarcações, como lanchas ou botes, competente será a Justiça
Estadual.
Da mesma forma, imprescindível que sejam embarcações ou aeronaves
nacionais em deslocamento internacional ou potencial deslocamento. Estando
atracado em porto ou aeroporto ou não havendo iminência de qualquer
deslocamento, competente será a Justiça Estadual.
Por fim, é necessário que não sejam embarcações ou aeronaves militares,
ocasião na qual será competente a Justiça Militar.
3.5.4.3.5. Art. 109, X, CF
Dispõe o inciso:
Art. 109 da Constituição Federal. Aos juízes federais compete
processar e julgar:
[...]
X – os crimes de ingresso ou permanência irregular de estrangeiro, a
execução de carta rogatória, após o “exequatur”, e de sentença estrangeira,
após a homologação, as causas referentes à nacionalidade, inclusive a
respectiva opção, e à naturalização.
Será de competência da Justiça Federal os crimes de ingresso ou permanência
irregular de estrangeiro em território nacional, uma vez que são crimes que atentam
contra a administração da justiça. Trata-se dos crimes dispostos nos arts. 232-A e 339
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do Código Penal, referentes, respectivamente, à “Promoção de migração ilegal” e
“Reingresso de estrangeiro expulso”.
3.5.4.3.6. Art. 109, XI, CF
É a disposição:
Art. 109 da Constituição Federal. Aos juízes federais compete
processar e julgar:
[...]
XI – a disputa sobre direitos indígenas.
Por fim, é competente a Justiça Federal quanto aos crimes referentes à disputa
sobre direitos indígenas. Para tanto, contudo, é necessário que seja quanto aos
direitos, não sendo competente em relação aos crimes em que os indígenas figurem
como autor ou réu.
Nesse sentido é a Súmula nº 140 do Superior Tribunal de Justiça:
Súmula nº 140 do Superior Tribunal de Justiça. Compete à Justiça
Estadual processar e julgar crime em que o indígena figure como autor ou
vítima.
Tais crimes se dão em decorrência do art. 231 da Constituição Federal, segundo
o qual: “São reconhecidos aos índios sua organização social, costumes, língua, crenças
e tradições, e os direitos originários sobre as terras que tradicionalmente ocupam,
competindo à União demarcá-las, proteger e fazer respeitar todos os seus bens.”
3.5.4.3.7. Incidente de deslocamento de competência para a Justiça Federal
Trata-se do disposto no art. 109, V-A, da Constituição Federal, segundo o qual:
Art. 109 da Constituição Federal. Aos juízes federais compete
processar e julgar:
[...]
V-A – as causas relativas a direitos humanos a que se refere o §5º
deste artigo;
[...]
§5º. Nas hipóteses de grave violação de direitos humanos, o
Procurador-Geral da República, com a finalidade de assegurar o
cumprimento de obrigações decorrentes de tratados internacionais de
direitos humanos dos quais o Brasil seja parte, poderá suscitar, perante o
Superior Tribunal de Justiça, em qualquer fase do inquérito ou processo,
incidente de deslocamento de competência para a Justiça Federal.
Portanto, é possível que, para assegurar o cumprimento de obrigações
decorrentes de tratados internacionais de direitos humanos dos quais o Brasil seja
parte, o Procurador-Geral da República provoque o Superior Tribunal de Justiça para
deslocar a competência para a Justiça Federal.
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Segundo o próprio Tribunal, são os requisitos para a ocorrência do
deslocamento:
a) Grave violação de direitos humanos;
b) Risco de responsabilização internacional decorrente do descumprimento de
obrigações jurídicas assumidas em tratados internacionais;
c) Incapacidade das instâncias e autoridades locais em oferecer respostas
efetivas.
3.5.5. Justiça Estadual
A competência da Justiça Estadual é subsidiária em relação a todas as demais,
somente ocorrência diante da não competência das Justiças Eleitoral, Militar e Federal.
3.5.6. Quadro comparativo
JUSTIÇA COMPETÊNCIA
Justiça Eleitoral Crimes eleitorais – previstos no Código Eleitoral (arts. 289 a 354-A) e demais legislações que assim definirem seus
crimes
Justiça Militar Crimes militares – previstos no Código Penal Militar (arts. 9º e 136 a 408)
Justiça Federal Crimes elencados no art. 109 da Constituição Federal e disposições
jurisprudenciais
Justiça Estadual Será competente se não competentes as demais justiças
3.6. Competência em razão da função
3.6.1. Introdução
Sendo o último critério segundo o qual se fixará o foro competente para julgar
a ação penal, passaremos a falar, agora, acerca da competência em razão da função.
Conforme explica Mougenot: “De acordo com uma qualidade (característica
circunstancial) das pessoas envolvidas no litígio, a competência pode ser de um ou
outro órgão jurisdicional.”
Nesse tópico, analisaremos a competência diante do denominado foro de
prerrogativa de função, o qual estabelece que alguns indivíduos têm direito de serem
julgados por determinado juízo, a depender da natureza da infração.
3.6.2. Foro por prerrogativa de função
Para que comecemos o estudo acerca de tal competência, é necessário que,
antes, conceituemos o foro por prerrogativa de função.
Trata-se, como dissemos, de benefício atinente a determinados cargos, o qual
fornece ao seu ocupante o direito de ter os crimes por ele cometidos processados e
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julgados por Corte específica, e não por órgãos comuns do Poder Judiciário (primeira
instância).
Sendo inerente ao cargo, portanto, não tem como função proteger a pessoa do
beneficiado, mas as funções que ele ocupa, sendo possível, com o deslocamento da
competência para julgá-lo, a continuidade das atividades exercidas por ele enquanto
no cargo que ocupa.
3.6.3. Rito
Conforme dissemos anteriormente, o foro de prerrogativa de função dá a
alguns indivíduos uma proteção especial, sendo-lhes de direito o processamento e
julgamento de determinados crimes que venham a cometer perante tribunais
específicos.
Há indivíduos, como veremos, cujo foro lhes dá o direito de serem julgados
pelos Tribunais de Justiça, Superior Tribunal de Justiça e Supremo Tribunal Federal.
Quanto às duas últimas Cortes, o rito segundo o qual se processarão os crimes
está determinado do art. 1º ao 12 da Lei nº 8.038/90.
3.6.4. Legislação
A existência da prerrogativa de foro depende da fixação na Constituição
Federal, referente aos representantes do Poderes em âmbito Federal, e, conforme o
Princípio da Simetria, nas Constituições Estaduais, referente aos representantes dos
Poderes em âmbito estadual e municipal.
Além disso, é a disposição dos arts. 84 a 87 do Código de Processo Penal:
Art. 84 do Código de Processo Penal. A competência pela
prerrogativa de função é do Supremo Tribunal Federal, do Superior Tribunal
de Justiça, dos Tribunais Regionais Federais e Tribunais de Justiça dos
Estados e do Distrito Federal, relativamente às pessoas que devam
responder perante eles por crimes comuns e de responsabilidade.
§1º. (Vide ADIN nº 2797)
§2º. (Vide ADIN nº 2797)
Art. 85 do Código de Processo Penal. Nos processos por crime contra
a honra, em que forem querelantes as pessoas que a Constituição sujeita à
jurisdição do Supremo Tribunal Federal e dos Tribunais de Apelação, àquele
ou a estes caberá o julgamento, quando oposta e admitida a exceção da
verdade.
Art. 86 do Código de Processo Penal. Ao Supremo Tribunal Federal
competirá, privativamente, processar e julgar:
I – os seus ministros, nos crimes comuns;
II – os ministros de Estado, salvo nos crimes conexos com os do
Presidente da República;
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III – o procurador-geral da República, os desembargadores dos
Tribunais de Apelação, os ministros do Tribunal de Contas e os
embaixadores e ministros diplomáticos, nos crimes comuns e de
responsabilidade.
Art. 87 do Código de Processo Penal. Competirá, originariamente,
aos Tribunais de Apelação o julgamento dos governadores ou interventores
nos Estados ou Territórios, e prefeito do Distrito Federal, seus respectivos
secretários e chefes de Polícia, juízes de instância inferior e órgãos do
Ministério Público.
3.6.5. Tabela sinóptica
Antes de adentrarmos os pontos principais da competência fixada em
decorrência do foro por prerrogativa da função, incluamos a tabela feita por Renato
Brasileiro de Lima, referente aos órgãos competentes para julgar os crimes cometidos
pelos beneficiados:
FUNÇÃO ESPÉCIE DE INFRAÇÃO ÓRGÃO JURISDICIONAL
COMPETENTE
Presidente da República Crime comum STF40
Crime de responsabilidade Senado Federal41
Vice-Presidente Crime comum STF
Crime de responsabilidade Senado Federal
Deputados Federais e Senadores
Crime comum STF
Crime de responsabilidade Casa correspondente42
Ministros do STF Crime comum STF
Crime de responsabilidade Senado Federal43
40 Art. 102 da Constituição Federal. Compete ao Supremo Tribunal Federal, precipuamente, a guarda Constituição, cabendo-lhe: I – processar e julgar, originariamente: [...] b) nas infrações penais comuns, o Presidente da República, o Vice-Presidente, os membros do Congresso Nacional, seus próprios Ministros e o Procurador-Geral da República. 41 Art. 52 da Constituição Federal. Compete privativamente ao Senado Federal: I – processar e julgar o Presidente e o Vice-Presidente da República nos crimes de responsabilidade, bem como os Ministros de Estado e os Comandantes da Marinha, do Exército e da Aeronáutica nos crimes da mesma natureza conexos com aqueles; 42 Art. 55 da Constituição Federal. Perderá o mandato o Deputado ou Senador: I – que infringir qualquer das proibições estabelecidas no artigo anterior; II – cujo procedimento for declarado incompatível com o decoro parlamentar; [...] VI – que sofrer condenação criminal em sentença transitada em julgado. [...] §2º. Nos casos dos incisos I, II e VI, a perda do mandato será decidida pela Câmara dos Deputados ou pelo Senado Federal, por maioria absoluta, mediante provocação da respectiva Mesa ou de partido político representado no Congresso Nacional, assegurada ampla defesa. 43 Art. 52 da Constituição Federal. Compete privativamente ao Senado Federal: [...] II – processar e julgar os Ministros do Supremo Tribunal Federal, os membros do Conselho Nacional de Justiça e do Conselho Nacional do Ministério Público, o Procurador-Geral da República e o Advogado-Geral da União nos crimes de responsabilidade.
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Procurador-Geral da República
Crime comum STF
Crime de responsabilidade Senado Federal
Membros do Conselho Nacional de Justiça e do Conselho Nacional do Ministério Público
Crime comum Depende do cargo de origem
Crime de responsabilidade Senado Federal
Ministros de Estado e Comandantes da Marina, do Exército e da Aeronáutica
Crime comum STF44
Crime de responsabilidade STF
Crime de responsabilidade conexo com o Presidente da República
Senado Federal
Advogado-Geral da União Crime comum STF
Crime de responsabilidade Senado Federal
Membros dos Tribunais Superiores, do Tribunal de Contas da União e os chefes de missão diplomática de caráter permanente
Crime comum/crime de responsabilidade
STF
Governador de Estado Crime comum STJ45
Crime de responsabilidade Tribunal Especial46
44 Art. 102 da Constituição Federal. Compete ao Supremo Tribunal Federal, precipuamente, a guarda Constituição, cabendo-lhe: I – processar e julgar, originariamente: [...] c) nas infrações penais comuns e nos crimes de responsabilidade, os Ministros de Estado e os Comandantes da Marinha, do Exército e da Aeronáutica, ressalvado o disposto no art. 52, I, os membros dos Tribunais Superiores, os do Tribunal de Contas da União e os chefes de missão diplomática de caráter permanente. 45 Art. 105 da Constituição Federal. Compete ao Superior Tribunal de Justiça: I – processar e julgar, originariamente: a) nos crimes comuns, os Governadores dos Estados e do Distrito Federal, e, nestes e nos de responsabilidade, os desembargadores dos Tribunais de Justiça dos Estados e do Distrito Federal, os membros dos Tribunais de Contas dos Estados e do Distrito Federal, os dos Tribunais Regionais Federais, dos Tribunais Regionais Eleitorais e do Trabalho, os membros dos Conselhos ou Tribunais de Contas dos Municípios e os do Ministério Público da União que oficiem perante tribunais. 46 Art. 78 da Lei nº 1.079/50 (Lei do Impeachment). O Governador será julgado nos crimes de responsabilidade, pela forma que determinar a Constituição do Estado e não poderá ser condenado, senão à perda do cargo, com inabilitação até cinco anos, para o exercício de qualquer função pública, sem prejuízo da ação da justiça comum. §1º. Quando o tribunal de julgamento for de jurisdição mista, serão iguais, pelo número, os representantes dos órgãos que o integrarem, excluído o Presidente, que será o Presidente do Tribunal de Justiça. §2º. Em qualquer hipótese, só poderá ser decretada a condenação pelo voto de dois terços dos membros de que se compuser o tribunal de julgamento. §3º. Nos Estados, onde as Constituições não determinarem o processo nos crimes de responsabilidade dos Governadores, aplicar-se-á o disposto nesta lei, devendo, porém, o julgamento ser proferido por um tribunal composto de cinco membros do Legislativo e de cinco desembargadores, sob a presidência do Presidente do Tribunal de Justiça local, que terá direito de voto no caso de empate. A escolha desse
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Vice-Governador de Estado
Crime comum STJ
Crime de responsabilidade Tribunal especial
Desembargadores dos Tribunais de Justiça dos Estados e do DF
Crime comum/Crime de responsabilidade
STJ
Desembargadores Federais (membros dos TRFs), membros do Tribunais Regionais Eleitorais e do Trabalho
Crime comum/Crime de responsabilidade
STJ
Membros dos Tribunais de Contas dos Estados, do Distrito Federal e dos Conselhos ou Tribunais de Contas dos Municípios
Crime comum/Crime de responsabilidade
STJ
Membros do Ministério Público da União que oficiam perante tribunais
Crime comum/Crime de responsabilidade
STJ
Deputados estaduais
Crime comum Depende da Constituição Estadual – em regra, Tribunal de Justiça
Crime de responsabilidade Assembleia Legislativa do Estado
Crime federal Tribunal Regional Federal
Crime eleitoral Tribunal Regional Eleitoral
Juízes Federais, incluídos os da Justiça Militar e da Justiça do Trabalho
Crime comum/Crime de responsabilidade
TRF47
Crime eleitoral TRE
Membros do Ministério Público da União que atuam em 1ª instância
Crime comum/Crime de responsabilidade
TRF
Crime eleitoral TRE
Tribunal será feita - a dos membros do legislativo, mediante eleição pela Assembleia: a dos desembargadores, mediante sorteio. §4º. Esses atos deverão ser executados dentro em cinco dias contados da data em que a Assembleia enviar ao Presidente do Tribunal de Justiça os autos do processo, depois de decretada a procedência da acusação. 47 Art. 108 da Constituição Federal. Compete aos Tribunais Regionais Federais: I – processar e julgar, originariamente: a) os juízes federais da área de sua jurisdição, incluídos os da Justiça Militar e da Justiça do Trabalho, nos crimes comuns e de responsabilidade, e os membros do Ministério Público da União, ressalvada a competência da Justiça Eleitoral.
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Juízes Estaduais e do Distrito Federal, inclusive juízes de Direito do Juízo Militar e membros dos Tribunais de Justiça Militar
Crime comum/Crime de responsabilidade
TJ48
Crime eleitoral TRE
Procurador-Geral de Justiça
Crime comum TJ
Crime de responsabilidade Poder Legislativo Estadual ou Distrital49
Crime de responsabilidade conexo com Governador de Estado
Tribunal Especial
Crime eleitoral TRE
Membros do Ministério Público Estadual – Promotores e Procuradores de Justiça
Crime comum/Crime de responsabilidade
TJ
Crime eleitoral TRE
Prefeitos
Crime comum TJ50
Crime de responsabilidade Câmara de Vereadores51
Crime federal TRF
Crime eleitoral TRE
3.6.6. Julgamento de parlamentar e do momento do crime
De início, convém que façamos comentários acerca do julgamento de
parlamentar em decorrência do foro por prerrogativa de função.
Tal elemento sofreu mudanças em decorrência da Emenda à Constituição nº
35/2001, responsável por alterar o texto dos §§1º e 3º do art. 53 da Constituição.
Note as alterações:
Anteriormente à emenda:
Art. 53 da Constituição Federal. [...]
48 Art. 96 da Constituição Federal. Compete privativamente: [...] III – aos Tribunais de Justiça julgar os juízes estaduais e do Distrito Federal e Territórios, bem como os membros do Ministério Público, nos crimes comuns e de responsabilidade, ressalvada a competência da Justiça Eleitoral. 49 Art. 128, §4º, da Constituição Federal. Aplica-se ao Ministério Público, no que couber, o disposto no art. 93. 50 Art. 29 da Constituição Federal. O Município reger-se-á por lei orgânica, votada em dois turnos, com o interstício mínimo de dez dias, e aprovada por dois terços dos membros da Câmara Municipal, que a promulgará, atendidos os princípios estabelecidos nesta Constituição, na Constituição do respectivo Estado e os seguintes preceitos: [...] X – julgamento do Prefeito perante o Tribunal de Justiça. 51 Art. 31, caput, da Constituição Federal. A fiscalização do Município será exercida pelo Poder Legislativo Municipal, mediante controle externo, e pelos sistemas de controle interno do Poder Executivo Municipal, na forma da lei.
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§1º. Desde a expedição do diploma, os membros do Congresso
Nacional não poderão ser presos, salvo em flagrante de crime inafiançável,
nem processados criminalmente, sem prévia licença de sua Casa.
§2º. O indeferimento do pedido de licença ou a ausência de
deliberação suspende a prescrição enquanto durar o mandato.
§3º. No caso de flagrante de crime inafiançável, os autos serão
remetidos, dentro de vinte e quatro horas, à Casa respectiva, para que, pelo
voto secreto da maioria de seus membros, resolva sobre a prisão e autorize,
ou não, a formação de culpa.
Posteriormente à emenda:
Art. 53 da Constituição Federal. [...]
§1º. Os Deputados e Senadores, desde a expedição do diploma,
serão submetidos a julgamento perante o Supremo Tribunal Federal.
§2º. Desde a expedição do diploma, os membros do Congresso
Nacional não poderão ser presos, salvo em flagrante de crime inafiançável.
Nesse caso, os autos serão remetidos dentro de vinte e quatro horas à Casa
respectiva, para que, pelo voto da maioria de seus membros, resolva sobre a
prisão.
§3º. Recebida a denúncia contra o Senador ou Deputado, por crime
ocorrido após a diplomação, o Supremo Tribunal Federal dará ciência à Casa
respectiva, que, por iniciativa de partido político nela representado e pelo
voto da maioria de seus membros, até a decisão final, sustar o andamento
da ação.
Há alguns pontos a se observar. Anteriormente à alteração feita pela Emenda
em questão, a Constituição declarava que para o processamento de qualquer
parlamentar era necessário que, antes, houvesse a prévia licença da Casa, sem a qual
não era possível o prosseguimento da ação. De acordo com a nova redação, contudo,
não mais é necessário a anuência da Casa para o início do processamento. Não
obstante, mister que os autos sejam remetidos à Casa, podendo esta, pelo voto
positivo da maioria absoluta, sustar a ação até a decisão final. No mesmo sentido,
afirma que em que pese a possibilidade da prisão, a mesma somente permanecerá
diante do voto da maioria da Casa nesse sentido. Da mesma forma, votando a Casa
pela não continuidade da prisão, não haverá a sua continuação.
Outro ponto importante a se notar é o fato de a redação anterior não
especificar o foro competente para o julgamento do parlamentar. A nova redação, pro
outro lado, é clara ao dizer que Deputados e Senadores, desde a expedição do diploma,
serão submetidos a julgamento perante o Supremo Tribunal Federal.
● ● ● ●
Interessante notar que ambas as redações limitam tais benefícios ao momento
posterior à diplomação, estendendo-se a prerrogativa até o término do mandato.
Nesse sentido, como veremos a seguir (vide tópicos 3.6.7.7 a 3.6.7.10, infra), o
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momento da infração e a sua natureza são de suma importância para a fixação do foro
competente para julgá-lo.
3.6.7. Ação Penal nº 937/STF e seus reflexos
Em que pese o atual texto Constitucional, algumas dúvidas surgiram em relação
ao foro por prerrogativa de função, como o alcance de tal benefício, além da
possibilidade de deslocamento de competência diante de possível perda/renúncia ao
mandato.
Vejamos a ementa da referida Ação:
Ementa: DIREITO CONSTITUCIONAL E PROCESSUAL PENAL. QUESTÃO
DE ORDEM EM AÇÃO PENAL. LIMITAÇÃO DO FORO POR PRERROGATIVA DE
FUNÇÃO AOS CRIMES PRATICADOS NO CARGO E EM RAZÃO DELE.
ESTABELECIMENTO DE MARCO TEMPOAL DE FIXAÇÃO DE COMPETÊNCIA.
I. Quanto ao sentido e alcance do foro por prerrogativa
1. O foro por prerrogativa de função, ou foro privilegiado, na
interpretação até aqui adotada pelo Supremo Tribunal Federal, alcança
todos os crimes de que são acusados os agentes públicos previstos no art.
102, I, b e c da Constituição, inclusive os praticados antes da investidura no
cargo e os que não guardam qualquer relação com o seu exercício.
2. Impõe-se, todavia, a alteração desta linha de entendimento, para
restringir o foro privilegiado aos crimes praticados no cargo e em razão do
cargo. É que a prática atual não realiza adequadamente princípios
constitucionais estruturantes, como igualdade e república, por impedir, em
grande número de casos, a responsabilização de agentes públicos por
crimes de naturezas diversas. Além disso, a falta de efetividade mínima do
sistema penal, nesses casos, frustra valores constitucionais importantes,
como a probidade e a moralidade administrativa.
3. Para assegurar que a prerrogativa de foro sirva ao seu papel
constitucional de garantir o livre exercício das funções – e não ao fim
ilegítimo de assegurar impunidade – é indispensável que haja relação de
causalidade entre o crime imputado e o exercício do cargo. A experiência e
as estatísticas revelam a manifesta disfuncionalidade do sistema, causando
indignação à sociedade e trazendo desprestígio para o Supremo.
4. A orientação aqui preconizada encontra-se em harmonia com
diversos precedentes do STF. De fato, o Tribunal adotou idêntica lógica ao
condicionar a imunidade parlamentar material – i.e., a que os protege por
suas opiniões, palavras e votos – à exigência de que a manifestação tivesse
relação com o exercício do mandato. Ademais, em inúmeros casos, o STF
realizou interpretação restritiva de suas competências constitucionais, para
adequá-las às suas finalidades. Precedentes.
II. Quanto ao momento da fixação definitiva da competência do STF
5. A partir do final da instrução processual, com a publicação do
despacho de intimação para apresentação de alegações finais, a
competência para processar e julgar ações penais – do STF ou de qualquer
outro órgão – não será mais afetada em razão de o agente público vir a
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ocupar outro cargo ou deixar o cargo que ocupava, qualquer que seja o
motivo. A jurisprudência desta Corte admite a possibilidade de prorrogação
de competências constitucionais quando necessária para preservar a
efetividade e a racionalidade da prestação jurisdicional. Precedentes.
III. Conclusão
6. Resolução da questão da ordem com a fixação das seguintes
teses: (i) O foro por prerrogativa de função aplica-se apenas aos crimes
cometidos durante o exercício do cargo e relacionados às funções
desempenhadas; e (ii) Após o final da instrução processual, com a publicação
do despacho de intimação para apresentação de alegações finais, a
competência para processar e julgar ações penais não será mais afetada em
razão de o agente público vir a ocupar cargo ou deixar o cargo que ocupava,
qualquer que seja o motivo”.
7. Aplicação da nova linha interpretativa aos processos em curso.
Ressalvada de todos os atos praticados e decisões proferidas pelo STF e
demais juízos com base na jurisprudência anterior.
8. Com resultado, determinação de baixa da ação penal ao Juízo da
256ª Zona Eleitoral do Rio de Janeiro, em razão de o réu ter renunciado ao
cargo de Deputado Federal e tendo em vista que a instrução processual já
havia sido finalizada perante a 1ª instância.
Comentemos, portanto, acerca de cada ponto:
Alcance do benefício. A Ação Penal nº 937 alterou o entendimento que o STF
vinha aplicando, estabelecendo que o foro por prerrogativa de função somente
abrangeria os crimes relacionados ao exercício da função, cometidos, logo, durante o
mandato. Nesse sentido, é categórico quando diz: “Para assegurar que a prerrogativa
de foro sirva ao seu papel constitucional de garantir o livre exercício das funções – e
não ao fim ilegítimo de assegurar impunidade – é indispensável que haja relação de
causalidade entre o crime imputado e o exercício do cargo.”
Logo, os crimes praticados fora do exercício do cargo ou em período cujo
mandato não vige terão o foro competente fixado segundo critérios comuns.
Alteração/renúncia quanto ao cargo. Fixou a Ação Penal acima destacada que
o fim da instrução processual (marcada pelo despacho que intima as partes para
apresentarem alegações finais) delimita o momento em que é possível o deslocamento
da competência da ação. Posteriormente a tal fato, há a prorrogação da competência
do Supremo Tribunal Federal.
Por fim, importante mencionar um segundo entendimento fixado acerca desse
ponto na Ação Penal nº 470/STF. Nessa ocasião, o acórdão foi no sentido de que a
renúncia do parlamentar com o intuito de retardar a sentença, aditando o processo,
configura fraude. Aqui, aplica-se o Princípio da perpetuatio jurisdictionis,
permanecendo a competência do Tribunal em questão.
● ● ● ●
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Pois bem, diante de tais entendimentos, surge uma pergunta: tendo em vista
que o texto Constitucional não previa tais elementos, o fato de o Supremo Tribunal
Federal assim estabelecer não configura ativismo judicial?
Mais uma pergunta surge: tendo em vista que a apreciação se deu em relação
ao art. 53, §1º, da Constituição, dispositivo referente aos parlamentares federais, a
alteração em seu entendimento se estende às demais autoridades com foro por
prerrogativa de função?
Deu pra notar que essa Ação Penal, em que pese ter fixado entendimento
aplicado atualmente, deixou algumas dúvidas estabelecidas. Por isso, convém que
analisemos alguns casos afetados pelas conclusões a que chegamos com o acórdão
proferido.
3.6.7.1. Súmula nº 704/STF e art. 78, III, CPP – crimes conexos praticados por
pessoas que têm prerrogativa de função
Primeiramente, é o teor de tais dispositivos:
Súmula nº 704 do Supremo Tribunal Federal. Não viola as garantias
do juiz natural, da ampla defesa e do devido processo legal a atração por
continência ou conexão do processo do corréu ao foro por prerrogativa de
função de um dos denunciados.
Art. 78 do Código de Processo Penal. Na determinação da
competência por conexão ou continência, serão observadas as seguintes
regras:
[...]
III – no concurso de jurisdições de diversas categorias, predominará a
de maior graduação.
Tais disposições afirmam que em infrações conexas ou continentes se fixará
como competente o Tribunal de maior graduação. Por exemplo, uma vez que
determinado indivíduo cometa um crime em conjunto com alguém que tenha foro por
prerrogativa de função, ambos deverão ser julgados no mesmo Tribunal, de maior
graduação, qual seja, aquele definido como competente em decorrência da
prerrogativa.
Diante de tais dispositivos surgiu um problema, tendo em vista que os Tribunais
competentes para julgar indivíduo que possui foro por prerrogativa de função
passaram a ser competentes para julgar uma infinidade de indivíduos que não
possuem tal benefício, porém devido à continência ou conexão de seus crimes em
relação aos beneficiados passaram a ter esse direito.
O problema é que dessa forma o foro por prerrogativa de função passou a não
mais executar o seu objetivo, qual seja, garantir o exercício das funções atreladas ao
cargo público, haja vista a especificidade e complexidade dos processos em
decorrência do exorbitante número de réus.
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Diante de tal problema, o Supremo Tribunal Federal passou a aplicar, em alguns
casos, o disposto no art. 81 do Código de Processo Penal, segundo o qual:
Art. 81 do Código de Processo Penal. Verificada a reunião dos
processos por conexão ou continência, ainda que no processo da sua
competência própria venha o juiz ou tribunal a proferir sentença absolutória
ou que desclassifique a infração para outra que não se inclua na sua
competência, continuará competente em relação aos demais processos.
Parágrafo único. Reconhecida inicialmente ao júri a competência por
conexão ou continência, o juiz, se vier a desclassificar a infração ou
impronunciar ou absolver o acusado, de maneira que exclua a competência
do júri, remeterá o processo ao juízo competente.
Ou seja, o STF começou a desmembrar os processos, mantendo-se competente
para o julgamento daqueles que possuem o foro por prerrogativa de função e
remetendo os autos dos demais indivíduos aos juízos “competentes”. Ocorre que tal
artifício somente é usado em processos com muitos réus, ocasião em que se ignora,
portanto, a aplicação da Súmula.
Vê o problema? Em alguns casos o STF se utiliza da Súmula, porém em outros a
ignora, executando o desmembramento da ação. Tal atitude gera, incontestavelmente,
insegurança jurídica.
3.6.7.2. Investigação e indiciamento
Estabeleceu o Inquérito nº 2.411/STF:
QUESTÃO DE ORDEM
1. Trata-se de questão de ordem suscitada pela defesa de Senador da
República, em sede de inquérito originário promovido pelo Ministério
Público Federal (MPF), para que o Plenário do Supremo Tribunal Federal
(STF) defina a legitimidade, ou não, da instauração do inquérito e do
indiciamento realizado diretamente pela Polícia Federal (PF).
2. Apuração do envolvimento do parlamentar quanto à ocorrência
das supostas práticas delituosas sob investigação na denominada “Operação
Sanguessuga”.
3. Antes da intimação para prestar depoimento sobre os fatos objeto
deste inquérito, o Senador foi previamente indiciado por ato da autoridade
policial encarregada do cumprimento da diligência.
4. Considerações doutrinárias e jurisprudenciais acerca do tema da
instauração de inquéritos em geral e dos inquéritos originários de
competência do STF: i) a jurisprudência do STF é pacífica no sentido de que,
nos inquéritos policiais em geral, não cabe a juiz ou a Tribunal investigar, de
ofício, o titular de prerrogativa de foro; ii) qualquer pessoa que, na condição
exclusiva de cidadão, apresente “noticia criminis”, diretamente a este
Tribunal é parte manifestamente ilegítima para a formulação de pedido de
recebimento de denúncia para a apuração de crimes de ação penal pública
incondicionada. Precedentes: INQ no 149/DF, Rel. Min. Rafael Mayer, Pleno,
DJ 27.10.1983; AgR 1.793/DF" > INQ no 1.793/DF, Rel. Min. Ellen Gracie,
Pleno, maioria, DJ 14.6.2002; ED 1.104/DF > PET - AgR (AgR) - ED no
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1.104/DF, Rel. Min. Sydney Sanches, Pleno, DJ 23.5.2003; PET no 1.954/DF,
Rel. Min. Maurício Corrêa, Pleno, maioria, DJ 1º.8.2003; PET (AgR) no
2.805/DF, Rel. Min. Nelson Jobim, Pleno, maioria, DJ 27.2.2004; PET no
3.248/DF, Rel. Min. Ellen Gracie, decisão monocrática, DJ 23.11.2004; INQ
no 2.285/DF, Rel. Min. Gilmar Mendes, decisão monocrática, DJ 13.3.2006 e
PET (AgR) no 2.998/MG, 2ª Turma, unânime, DJ 6.11.2006; iii) diferenças
entre a regra geral, o inquérito policial disciplinado no Código de Processo
Penal e o inquérito originário de competência do STF regido pelo art. 102, I,
b, da CF e pelo RI/STF. A prerrogativa de foro é uma garantia voltada não
exatamente para os interesses dos titulares de cargos relevantes, mas,
sobretudo, para a própria regularidade das instituições. Se a Constituição
estabelece que os agentes políticos respondem, por crime, comum, perante
o STF (CF, art. 102, I, b), não há razão constitucional plausível para que as
atividades diretamente relacionadas à supervisão judicial (abertura de
procedimento investigatório) sejam retiradas do controle judicial do STF. A
iniciativa do procedimento investigatório deve ser confiada ao MPF
contando com a supervisão do Ministro-Relator do STF.
5. A Polícia Federal não está autorizada a abrir de ofício inquérito
policial para apurar a conduta de parlamentares federais ou do próprio
Presidente da República (no caso do STF). No exercício de competência
penal originária do STF (CF, art. 102, I, b c/c Lei nº 8.038/1990, art. 2º e
RI/STF, arts. 230 a 234), a atividade de supervisão judicial deve ser
constitucionalmente desempenhada durante toda a tramitação das
investigações desde a abertura dos procedimentos investigatórios até o
eventual oferecimento, ou não, de denúncia pelo dominus litis.
6. Questão de ordem resolvida no sentido de anular o ato formal de
indiciamento promovido pela autoridade policial em face do parlamento
investigado.
Como visto, portanto, entendeu-se que a investigação e indiciamento de
indivíduo beneficiado por foro por prerrogativa de função não poderá ser executada
de ofício pela autoridade policial, mas realizada com a supervisão do Ministro-Relator.
Surge uma pergunta: e em relação aos crimes não ligados ao exercício do
cargo? Nesse caso, não é necessário supervisão do Ministro-Relator, situação em que a
autoridade policial poderá realizar a investigação e indiciamento de ofício.
3.6.7.3. Denúncia
Seguindo a mesma linha de raciocínio do impacto anteriormente explicado,
pergunta-se: tendo em vista que o foro por prerrogativa de função torna competente
Tribunal de alçadas maiores (TJ, Tribunais Superiores e Supremo Tribunal Federal),
quem é competente para entrar com a denúncia?
Nesse caso, observar-se-á a instância determinada pela prerrogativa, devendo
oferecer a denúncia o órgão competente do Ministério Público que atue nesta. Por
exemplo, diante de denúncia contra Deputado Federal, tal tarefa será designada ao
Procurador-Geral da República.
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3.6.7.4. Competência do Tribunal
Como dito anteriormente, o foro por prerrogativa de função é benefício dado
em função do cargo que determinado indivíduo exerce, tendo por objetivo proteger o
exercício de suas funções, dando-lhe o direito de ser julgado por Tribunal específico.
Nesse sentido, ainda que cometa o crime em Estado diverso do qual é
representante, será julgado pelo Tribunal competente e fixado pelo foro. Por exemplo,
o deputado estadual pelo Estado de São Paulo, ainda que cometa crime relacionado ao
cargo no Rio de Janeiro, deverá ser julgado pelo Tribunal de Justiça do Estado de São
Paulo.
3.6.7.5. Tribunal do júri
Aqui, importante que elenquemos dois dispositivos, quais sejam:
Súmula nº 721 do Supremo Tribunal Federal e Súmula Vinculante nº
45. A competência constitucional do Tribunal do Júri prevalece sobre o foro
por prerrogativa de função estabelecido exclusivamente pela constituição
estadual.
Impõe esclarecer que apesar da alteração de entendimento por parte do
Supremo Tribunal Federal, tais Súmulas, de igual teor, não sofreram alteração pela
Ação Penal nº 937, nem deixaram de ser aplicadas, tendo em vista que o seu texto
prevalece.
Portanto, é o entendimento: competência fixada por foro por prerrogativa de
função estabelecido na Constituição Federal prevalece sobre a competência do
Tribunal do Júri. Contudo, a competência do Tribunal do Júri prevalece sobre a
competência estabelece por foro por prerrogativa de função estabelecido em
Constituição Estadual, em decorrência do Princípio da Simetria.
Para tanto, por óbvio, o crime em questão deve ter por objeto jurídico a vida do
sujeito passivo, bem como deve ser executado em razão das funções exercidas no
cargo em que ocupa.
3.6.7.6. Indivíduos sem prerrogativa de foro
Por óbvio, aquele que não possui prerrogativa de foro prevista na Constituição
Federal ou em Constituição Estadual não será julgado, originariamente, por Tribunal,
devendo o processo ser distribuído à Justiça Comum de primeira instância.
3.6.7.7. Crime cometido anteriormente à posse
Iniciamos, aqui, os quatro tópicos mais importantes afetados pela Ação Penal
nº 937. Por isso, atenção!
Como eu disse anteriormente, o momento do crime é se suma importância
para a fixação da competência por foro por prerrogativa de função. Tanto o é que a
Constituição estabelece que o benefício em questão se inicia posteriormente à
diplomação do parlamentar (estendendo-se tal entendimento aos demais abrangidos
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pela prerrogativa), sendo, portanto, benefício inerente ao cargo, e cessa com o
término do mandato.
Além disso, deve estar intrinsecamente ligado a crimes praticados em razão das
funções que ocupa. Portanto, não há o que se falar em proteção do benefício aos
crimes não ligados ao cargo, tendo em vista que tem por objetivo garantir a execução
plena da função.
Logo, ainda que a pessoa venha a assumir cargo que possui tal prerrogativa,
tendo o crime sido praticado anteriormente à diplomação, não há o que se falar em
aplicação do benefício.
3.6.7.8. Crime cometido durante o exercício da função
Aqui cabe um pouco mais de atenção. Como dito, o benefício vige
posteriormente à diplomação e cessa com o término ou perda do mandato. Estamos
falando, aqui, dos crimes praticados nesse interregno.
O raciocínio que se mostra de imediato é de que: todos os crimes praticados
nesse período são abrangidos pelo benefício. CUIDADO! Não é esse o entendimento
aplicado. A incidência do foro por prerrogativa de função em crimes praticados
durante o mandato dependerá da natureza do delito.
Uma vez que o crime esteja ligado, de fato, ao exercício das funções do cargo
que ocupa, haverá a incidência do benefício. Contudo, tratando-se de crime comum
que não se liga ao cargo, não há o que se falar em prerrogativa de foro, devendo o
indivíduo ser processado e julgado pela Justiça Comum, em primeira instância.
3.6.7.9. Crime cometido durante o mandato e cessação posterior
Apenas relembrando raciocínio já fixado por nós anteriormente (vide tópico
3.6.7, supra), convém citarmos o segundo entendimento estabelecido pela Ação Penal
nº 937, referente à renúncia do cargo.
Uma vez processado o beneficiado, é possível que a renúncia ou perda do cargo
que ocorra até o fim da instrução criminal enseje a remessa dos autos ao juízo
competente, tendo em vista a cessação do foro por prerrogativa de função. Nesse
caso, portanto, ainda que o inquérito policial ou processo estejam em andamento, a
renuncia ou perda do cargo refletirão na remessa dos autos a outro juízo,
normalmente o juízo de primeira instância.
Fazendo o raciocínio inverso, posteriormente ao fim da instrução, isto é, após o
proferimento de despacho que intima as partes a protocolarem as alegações finais, há
a prorrogação da competência do Tribunal em questão, não havendo o que se falar em
remessa dos autos a outro juízo.
Por fim, importante relembrar que a renúncia que tem por objetivo retardar o
proferimento de sentença, denominada fuga de foro, não enseja a remessa dos autos
a outro juízo, permanecendo competente, nesse caso, o Tribunal em questão.
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● ● ● ●
O entendimento acima demonstrado é fruto de uma construção histórica do
Supremo Tribunal Federal e do Congresso Nacional. Vejamos:
Primeiramente, vigia a Súmula nº 394 do Supremo Tribunal Federal, cujo texto
dispunha:
Súmula nº 394 do Supremo Tribunal Federal. Cometido o crime
durante o exercício funcional, prevalece a competência especial por
prerrogativa de função, ainda que o inquérito ou a ação penal sejam
iniciados após a cessação daquele exercício.
Tal súmula refletia a denominada regra da contemporaneidade, isto é, afirmava
que em que pese ter ocorrido a cessação do exercício da função, deveria o indivíduo
ser julgado de acordo com a competência fixada pela prerrogativa inerente ao cargo
em que ocupava no momento do delito.
Essa súmula, no entanto, foi cancelada pela mesma Corte, aplicando-se a regra
da atualidade. Nesse sentido é o informativo nº 159 de agosto de 1999:
Súmula 394: Cancelamento
Concluindo o julgamento de questão de ordem na qual se discute o
cancelamento ou a revisão da Súmula 394 do STF (“Cometido o crime
durante o exercício funcional, prevalece a competência especial por
prerrogativa de função, ainda que o inquérito ou a ação penal sejam
iniciados após a cessação daquele exercício”) (v. Informativos 149 e 69). O
Tribunal, por unanimidade, cancelou a Súmula 394 por entender que o art.
102, I, b, da CF – que estabelece a competência do STF para processar e
julgar originariamente, nas infrações penais comuns, o Presidente da
República, o Vice-Presidente – não alcança aquelas pessoas que não mais
exercem mandato ou cargo. Após, o Tribunal, por maioria, rejeitou a
proposta do Min. Sepúlveda Pertence para a edição de nova súmula a dizer
que “cometido o crime no exercício do cargo ou a pretexto de exercê-lo,
prevalece a competência por prerrogativa de função, ainda que o inquérito
ou a ação penal sejam iniciados após a cessação daquele exercício
funcional”. Vencidos, nesse ponto, os Ministros Nelson Jobim, Ilmar Galvão
e Néri da Silveira, que o acompanhavam para acolher a proposta de edição
de nova simula. Em seguida, o Tribunal, por unanimidade, decidiu que
continuam válidos todos os atos praticados e decisões proferidas com base
na Súmula 394 do STF, é dizer, a decisão tem efeito ex nunc. Em
consequência, o Tribunal resolveu a questão de ordem dando pela
incompetência originária do STF e determinou a remessa dos autos à justiça
de 1º grau competente.
Posteriormente ao cancelamento de tal súmula e aplicação da regra da
atualidade, o Congresso Nacional editou a Lei nº 10.628/02, pela qual se alterou o
texto dos §§1º e 2º do art. 84, restabelecendo-se a regra da contemporaneidade. Era a
alteração:
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99
Art. 1º da Lei 10.628/02. O art. 84 do Decreto-Lei nº 3.689, de 3 de
outubro de 1941 – Código de Processo Penal, passa a vigorar com a seguinte
redação:
“Art. 84. A competência pela prerrogativa de função é do Supremo
Tribunal Federal, do Superior Tribunal de Justiça, dos Tribunais
Regionais Federais e Tribunais de Justiça dos Estados e do Distrito
Federal, relativamente às pessoas que devam responder perante eles
por crimes comuns e de responsabilidade.
§1º. A competência especial por prerrogativa de função, relativa a
atos administrativos do agente, prevalece ainda que o inquérito ou a
ação judicial sejam iniciados após a cessação do exercício da função
pública.
§2º. A ação de improbidade, de que trata a Lei nº 8.429, de 2 de
junho de 1992, será proposta perante o tribunal competente para
processar e julgar criminalmente o funcionário ou autoridade na
hipótese de prerrogativa de foro em razão do exercício de função
pública, observado o disposto no §1º.”
Contudo, a redação dos §§ 1º e 2º foi julgada inconstitucional pelo Supremo
Tribunal Federal diante das ADINs nº 2.979-2 e 2.860.
Hoje, portanto, aplica-se a regra da atualidade, segundo a qual em que pese o
delito ser cometido durante a vigência do mandato, cessando-se o mesmo, passa a ser
competente a justiça comum, mediante especificação do foro em primeira instância.
3.6.7.10. Crime após a cessação do mandato
Recapitulando, o foro por prerrogativa de função é benefício inerente ao cargo,
dando àquele que o ocupa o direito de ser julgado por Tribunal específico, tendo por
objetivo a manutenção do regular exercício de suas funções.
A Constituição Federal é clara quando diz que tal benefício se inicia com a
diplomação do parlamentar – estendendo-se tal entendimento aos demais
beneficiados pela prerrogativa –, cessando com o término/perda/renúncia do
mandato.
Logo, uma vez que o crime em questão venha a ocorrer posteriormente à
cessação das atividades no cargo que exercia, não há o que se falar em incidência da
prerrogativa, ocasião na qual a ação deverá ser processada e julgada perante Tribunal
de primeira instância.
Nesse sentido, é a disposição da Súmula nº 451 do Supremo Tribunal Federal:
Súmula nº 451 do Supremo Tribunal Federal. A competência
especial por prerrogativa de função não se estende ao crime cometido após
a cessação definitiva do exercício funcional.
● ● ● ●
Finalizado esses elementos (tópicos 3.6.7.7 a 3.6.7.10), convém que façamos
uma tabela:
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100
ANTES DO MANDATO
DURANTE O MANDATO
APÓS O MANDATO
Critério de fixação de competência em crimes comuns
Ratione materiae (competência em
razão da matéria) e ratione loci
(competência em razão do local do
crime)
Ratione materiae (competência em
razão da matéria) e ratione loci
(competência em razão do local do
crime)
Ratione materiae (competência em
razão da matéria) e ratione loci
(competência em razão do local do
crime)
Critério de fixação de competência em crimes relacionados ao cargo
Não há crime ligado ao cargo
anteriormente à posse
Competência fixada em razão do foro
por prerrogativa de função, salvo
diante de cessação do mandato
anteriormente ao fim da instrução
criminal
Não há crime ligado ao cargo
posteriormente à cessação do
mandato
3.6.7.11. Ato de improbidade
Relembrando, as ADINs nº 2.979-2 e 2.860 julgaram inconstitucional a
alteração do §2ª do art. 84 do Código de Processo Penal feita pela Lei nº 10.628/02
(vide tópico 3.6.7.9). Tal disposição afirmava: “A ação de improbidade, de que trata a
Lei nº 8.429, de 2 de junho de 1992, será proposta perante o tribunal competente para
processar e julgar criminalmente o funcionário ou autoridade na hipótese de
prerrogativa de foro em razão do exercício de função pública, observado o disposto no
§1º.”
Hoje, o entendimento é no sentido de que ato de improbidade, por não se
tratar de crime, não é abrangido pelo foro por prerrogativa de função.
Contudo, importante ressaltar que o Supremo Tribunal Federal, a partir da
Questão de Ordem em Petição 3.211-0/DF, entendeu ser competente para julgar seus
Ministros diante de suposto ato de improbidade cometido por qualquer um deles. É a
ementa:
EMENTA
Questão de ordem. Ação civil pública. Ato de improbidade
administrativa. Ministro do Supremo Tribunal Federal. Impossibilidade.
Competência da Corte para processar e julgar seus membros apenas nas
infrações penais comuns.
1. Compete ao Supremo Tribunal Federal julgar ação de improbidade
contra seus membros.
2. Arquivamento da ação quanto ao Ministro da Suprema Corte e
remessa dos autos aos Juízo de 1º grau de jurisdição no tocante aos demais.
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101
3.6.7.12. Julgamento em única instância pelo STF
A fixação da competência do foro por prerrogativa de função apresenta um
problema. Em que pese o direito de alguns indivíduos em serem julgados e
processados, originariamente, pelo Supremo Tribunal Federal, há posicionamento no
sentido de julgar tal fixação ocasionadora de desrespeito ao duplo grau de jurisdição,
tendo em vista que não há participação qualquer de outros Tribunais, somente do
Supremo Tribunal Federal.
Surge, portanto, um embate entre o texto Constitucional e o Pacto de São José
da Costa Rica.
Nesse diploma internacional, prevê o art. 8º, 2, h:
Art. 8º do Pacto de São José da Costa Rica. Garantias judiciais:
[...]
2. Toda pessoa acusada de um delito tem direito a que se presuma
sua inocência, enquanto não for legalmente comprovada sua culpa. Durante
o processo, toda pessoa tem direito, em plena igualdade, às seguintes
garantias mínimas:
[...]
h) direito de recorrer da sentença a juiz ou tribunal superior.
Por outro lado, os que defendem não haver prejuízo ao duplo grau de jurisdição
afirmam que cabem embargos de divergência diante do acórdão proferido pelo
Supremo Tribunal Federal, o que caracteriza nova apreciação, não havendo o que se
falar em supressão ao duplo grau de jurisdição.
3.6.7.13. Exceção da verdade nos crimes contra a honra
Em regra, os crimes contra a honra, especificamente os crimes de calúnia e
difamação, serão processados e julgados perante a Justiça Comum. Contudo,
posteriormente ao entendimento fixado pela Ação Penal nº 937, a exceção de verdade
em crimes contra a honra de funcionários públicos relativos ao exercício de suas
funções será julgada e processada pelo Tribunal competente, fixado mediante a
prerrogativa da função.
Nesse sentido, é a disposição dos arts. 138, §3º, e 139, parágrafo único do
Código Penal:
Art. 138, §3º, do Código Penal. Admite-se a prova da verdade, salvo:
I – se, constituindo o fato imputado crime de ação privada, o
ofendido não foi condenado por sentença irrecorrível;
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102
II – se o fato é imputado a qualquer das pessoas indicadas no nº I do
art. 14152;
III – se do crime imputado, embora de ação pública, o ofendido foi
absolvido por sentença irrecorrível.
[...]
Art. 139, parágrafo único, do Código Penal. A exceção da verdade
somente se admite se o ofendido é funcionário público e a ofensa é relativa
ao exercício de suas funções.
Por fim, por óbvio, não há o que se falar em competência do Tribunal fixado
pela prerrogativa de função, ainda que o crime seja cometido contra funcionário
público, uma vez que o delito em questão não esteja ligado ao exercício do cargo.
4. Critérios de Prevenção e Distribuição
Tais critérios somente serão analisados, uma vez que os três principais,
explicados anteriormente (ratione materiae, ratione loci e ratione funcionae), já
tenham sido aplicados, havendo, ainda assim, uma pluralidade de juízos competentes
para o julgamento da causa. Portanto, ocorrerá quando a competência em razão da
matéria indicarem mais de um juízo da mesma comarca.
Nesse sentido é o art. 83 do Código de Processo Penal:
Art. 83 do Código de Processo Penal. Verificar-se-á a competência
por prevenção toda vez que, concorrendo dois ou mais juízes igualmente
competentes ou com jurisdição cumulativa, um deles tiver antecedido aos
outros na prática de algum ato do processo ou de medida a este relativa,
ainda que anterior ao oferecimento da denúncia ou da queixa (arts. 70, §3º,
71, 72, §2º, e 78, II, c).
A partir daqui, convém que conceituemos cada um dos elementos:
Prevenção – conforme estabelece o Dicionário Jurídico Acquaviva, é o “critério
de determinação da competência pelo qual verifica-se esta sempre que, concorrendo
dois ou mais juízes igualmente competentes ou com jurisdição cumulativa, um deles se
antecipe aos outros na prática de algum ato do processo ou de medida a este relativa,
ainda que anterior ao oferecimento da denúncia ou queixa. O Juízo se diz, então,
prevento.”
Distribuição – de acordo com o mesmo Dicionário: “Nas comarcas dotadas de
mais de uma vara judicial, é o modo formal de repartir as ações judiciais entre as varas
judicias ou turmas dos tribunais, mediante sorteio e alternatividade. Evidentemente,
se dá em comarcas onde haja mais de um juiz; havendo um apenas, não há o que falar
em distribuição, mas em registro dos autos.” Importante dizer que a distribuição
somente ocorrerá caso não tenha ocorrido a prevenção.
52 Art. 141 do Código Penal. As penas cominadas neste Capítulo aumentam-se de um terço, se qualquer dos crimes é cometido: I – contra o Presidente da República, ou contra chefe de governo estrangeiro.
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5. Critérios de Conexão e Continência 5.1. Introdução e conceitos
Primeiramente, convém esclarecermos que os critérios de conexão e
continência não se confundem com os critérios de prevenção e distribuição. Enquanto
naqueles há uma pluralidade de juízos competentes para julgar um único ato, neste há
vários crimes, sendo os critérios de conexão e continência responsáveis por indicar um
único juízo competente para o julgamento de todos os crimes.
Vamos ao conceito:
Conexão – segundo conceitua o Dicionário Jurídico Acquaviva, “Conexão é a
dependência que os fatos guardam entre si. Ocorre a conexão de crimes quando duas
ou mais infrações estiverem entrelaçadas por um vínculo, um nexo, um liame que
aconselha a junção dos processos, propiciando, assim, ao julgador perfeita visão do
quadro probatório (TOURINHO FILHO, Fernando. Processo Penal. Bauru: Jalovi, 1979. v.
II, p. 165).”
Continência – segundo o mesmo Dicionário: “Dá-se a continência entre duas ou
mais ações sempre que há identidade quanto as partes e à causa de pedir, mas o
objeto de uma, por ser mais amplo, abrange o das outras.”
5.2. Legislação
Conexão – conforme estabelece o art. 76 do Código de Processo Penal:
Art. 76 do Código de Processo Penal. A competência será
determinada pela conexão:
I – se, ocorrendo duas ou mais infrações, houverem sido praticadas,
ao mesmo tempo, por várias pessoas reunidas, ou por várias pessoas em
concurso, embora diverso o tempo e o lugar, ou por várias pessoas, umas
contra as outras;
II – se, no mesmo caso, houverem sido umas praticadas para facilitar
ou ocultar as outras, ou para conseguir impunidade ou vantagem em
relação a qualquer delas;
III – quando a prova de uma infração ou de qualquer de suas
circunstâncias elementares influir na prova de outra infração.
Continência – dita o art. 77 do Código de Processo Penal:
Art. 77 do Código de Processo Penal. A competência será
determinada pela continência quando:
I – duas ou mais pessoas forem acusadas pela mesma infração;
II – no caso de infração cometida nas condições previstas nos arts.
51, §1º, 53, segunda parte, e 54 do Código Penal53.
53 Tendo em vista a alteração provocada na parte geral do Código Penal pela Lei nº 7.209/84, diz respeito aos seguintes artigos:
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5.3. Conexão, continência e crime único
CONEXÃO CONTINÊNCIA CRIME ÚNICO54
Ocorre quando várias condutas são responsáveis
pelo cometimento de vários crimes distintos
Ocorre quando uma única conduta é responsável pelo cometimento de
vários crimes
Ocorre quando várias condutas são responsáveis pelo cometimento de um
único crime
5.4. Espécies de conexão
São três as espécies de conexão, quais sejam: (1) conexão intersubjetiva; (2)
conexão objetiva; e (3) conexão probatória ou instrumental.
5.4.1. Conexão intersubjetiva
Está prevista no art. 76, I, do Código de Processo Penal, segundo o qual:
Art. 76 do Código de Processo Penal. A competência será
determinada pela conexão:
I – se, ocorrendo duas ou mais infrações, houverem sido praticadas,
ao mesmo tempo, por várias pessoas reunidas, ou por várias pessoas em
concurso, embora diverso o tempo e o lugar, ou por várias pessoas, umas
contra as outras.
De forma geral, entende-se por conexão intersubjetiva quando dois ou mais
agentes participam do cometimento de vários delitos interligados/conexos.
A partir da leitura do inciso, é possível que dividamos essa espécie em outras
três subespécies, quais sejam: (1) conexão intersubjetiva por simultaneidade; (2)
conexão intersubjetiva por concurso; e (3) conexão intersubjetiva por reciprocidade.
5.4.1.1. Conexão intersubjetiva por simultaneidade ou ocasional
Nesse caso, ocorrerá a conexão, tendo em vista a simultaneidade com a qual os
crimes são cometidos, ainda que não haja prévio ajuste entre os agentes. É o que
Art. 70 do Código Penal. Quando o agente, mediante uma só ação ou omissão, pratica dois ou mais crimes, idênticos ou não, aplica-se-lhe a mais grave das penas cabíveis ou, se iguais, somente uma delas, mas aumentada, em qualquer caso, de um sexto até a metade. As penas aplicam-se, entretanto, cumulativamente, se a ação ou omissão é dolosa e os crimes concorrentes resultam de desígnios autônomos, consoante o disposto no artigo anterior. Parágrafo único. Não poderá a pena exceder a que seria cabível pela regra do art. 69 deste Código. [...] Art. 73 do Código Penal. Quando, por acidente ou erro no uso dos meios de execução, o agente, ao invés de atingir a pessoa que pretendia ofender, atinge pessoa diversa, responde como se tivesse praticado o crime contra aquela, atendendo-se ao disposto no §3º do art. 20 deste Código. No caso de ser também atingida a pessoa que o agente pretendia ofender, aplica-se a regra do art. 70 deste Código. Art. 74 do Código Penal. Fora dos casos do artigo anterior, quando, por acidente ou erro na execução do crime, sobrevém resultado diverso do pretendido, o agente responde por culpa, se o fato é previsto como crime culposo; se ocorre também o resultado pretendido, aplica-se a regra do art. 70 deste Código. 54 Art. 71 do Código de Processo Penal. Tratando-se de infração continuada ou permanente, praticada em território de duas ou mais jurisdições, a competência firmar-se-á pela prevenção.
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105
ocorre, por exemplo, quando um caminhão que carrega sacas de açúcar tomba em
uma rodovia, gerando vários furtos praticados por vários indivíduos.
5.4.1.2. Conexão intersubjetiva por concurso
Aqui, diferentemente da subespécie acima explicada, há a conexão em razão do
ajuste prévio estabelecido entre as partes, ainda que os crimes não sejam cometidos
ao mesmo tempo e no mesmo local. São exemplos dessa subespécie de conexão os
crimes de associação criminosa, organização criminosa etc.
Importante frisar que para a configuração dessa conexão, é imprescindível que
o ajuste prévio seja devidamente comprovado.
5.4.1.3. Conexão intersubjetiva por reciprocidade
Trata-se da conexão intersubjetiva mais específica, tendo em vista que não se
relaciona à ocorrência ou não de ajuste prévio entre as partes. Nesse caso, ocorrerá
quando duas ou mais ações, realizadas por duas ou mais pessoas, sejam intentadas
uma contra a outra. É o que acontece diante da lesão corporal recíproca.
5.4.2. Conexão objetiva
Está disposta no art. 76, II, do Código de Processo Penal:
Art. 76 do Código de Processo Penal. A competência será
determinada pela conexão:
[...]
II – se, no mesmo caso, houverem sido umas praticadas para facilitar
ou ocultar as outras, ou para conseguir impunidade ou vantagem em
relação a qualquer delas.
Nesse caso, o vínculo entre as ações se encontra no fato de que a motivação de
uma delas está na outra.
Da mesma forma, há subespécies, sendo elas: (1) conexão objetiva teleológica e
(2) conexão objetiva consequencial.
5.4.2.1. Conexão objetiva teleológica
Entende-se por conexas, nessa situação, as ações, uma vez que uma delas vise
assegurar a execução da outra. Podemos citar como exemplo o indivíduo que mata o
segurança para sequestrar quem ele protegia.
5.4.2.2. Conexão objetiva consequencial
Por outro lado, também serão conexas as ações, uma vez que uma delas vise
ocultar, tornar impune ou auferir vantagem à outra ação. É exemplo o crime de
ocultação de cadáver ou o assassinato de testemunha de crime anterior.
Segundo Edilson Mougenot: “A conexão, nesse caso, tem por finalidade obter a
prova da existência da agravante prevista no art. 61, II, b, do Código Penal e da
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circunstância qualificadora do crime de homicídio prevista no art. 121, §2º, V, do
Código Penal55.
5.4.3. Conexão probatória ou instrumental
Está prevista no art. 76, III, do Código de Processo Penal:
Art. 76 do Código de Processo Penal. A competência será
determinada pela conexão:
[...]
III – quando a prova de uma infração ou de qualquer de suas
circunstâncias elementares influir na prova de outra infração.
Ocorrerá quando a prova de uma das ações ou qualquer de seus elementos
influírem na prova da outra ação. É o que ocorre, por exemplo, diante dos crimes de
receptação, tendo em vista que serão conexos em relação aos furtos ou roubos dos
quais foi fruto o objeto em questão.
5.5. Espécies de continência
São duas as espécies de continência, quais sejam: (1) continência por
cumulação subjetiva e (2) continência por cumulação objetiva.
55 Art. 61 do Código Penal. São circunstâncias que sempre agravam a pena, quando não constituem ou qualificam o crime: [...] II – ter o agente cometido o crime: a) por motivo fútil ou torpe; b) para facilitar ou assegurar a execução, a ocultação, a impunidade ou vantagem de outro crime; c) à traição, de emboscada, ou mediante dissimulação, ou outro recurso que dificultou ou tornou impossível a defesa do ofendido; d) com emprego de veneno, fogo, explosivo, tortura ou outro meio insidioso ou cruel, ou de que podia resultar perigo comum; e) contra ascendente, descendente, irmão ou cônjuge; f) com abuso de autoridade ou prevalecendo-se de relações domésticas, de coabitação ou de hospitalidade, ou com violência contra a mulher na forma da lei específica; g) com abuso de poder ou violação de dever inerente a cargo, ofício, ministério ou profissão; h) contra criança, maior de 60 (sessenta) anos, enfermo ou mulher grávida; i) quando o ofendido estava sob a imediata proteção da autoridade; j) em ocasião de incêndio, naufrágio, inundação ou qualquer calamidade pública, ou de desgraça particular do ofendido; l) em estado de embriaguez preordenada. [...] Art. 121, §2º, do Código Penal. Se o homicídio é cometido: I – mediante paga ou promessa de recompensa, ou por outro motivo torpe; II – por motivo fútil; III – com emprego de veneno, fogo, explosivo, asfixia, tortura ou outro meio insidioso ou cruel, ou de que possa resultar perigo comum; IV – à traição, de emboscada, ou mediante dissimulação ou outro recurso que dificulte ou torne impossível a defesa do ofendido; V – para assegurar a execução, a ocultação, a impunidade ou vantagem de outro crime: Pena – reclusão, de doze a trinta anos.
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5.5.1. Continência por cumulação subjetiva
Está previsto no art. 77, I, do Código de Processo Penal:
Art. 77 do Código de Processo Penal. A competência será
determinada pela continência quando:
I – duas ou mais pessoas forem acusadas pela mesma infração.
Trata-se da configuração do denominado concurso de agentes, especificado no
Código Penal diante dos artigos 29 a 3156.
5.5.2. Continência por cumulação objetiva
É a disposição do art. 77, II, do Código de Processo Penal:
Art. 77 do Código de Processo Penal. A competência será
determinada pela continência quando:
[...]
II – no caso de infração cometida nas condições previstas nos arts.
51, §1º, 53, segunda parte, e 54 do Código Penal57.
Ocorrerá, portanto, diante do concurso formal (art. 70 do Código Penal),
aberratio ictus ou erro na execução, quando o agente, além de atingir a pessoa
pretendida, atinge terceiro (art. 73, segunda parte, do Código Penal), ou diante de
aberratio delicti, uma vez que a conduta, além de atingir o resultado esperado, atinge
resultado diverso (art. 74, segunda parte, do Código Penal).
5.6. Efeitos da conexão e continência
São dois os efeitos da conexão e continência, quais sejam:
56 Art. 29 do Código Penal. Quem, de qualquer modo, concorre para o crime incide nas penas a estes cominadas, na medida de sua culpabilidade. §1º. Se a participação for de menor importância, a pena pode ser diminuída de um sexto a um terço. §2º. Se algum dos concorrentes quis participar de crime menos grave, ser-lhe-á aplicada a pena deste; essa pena será aumentada até metade, na hipótese de ter sido previsível o resultado mais grave. Art. 30 do Código Penal. Não se comunicam as circunstâncias e as condições de caráter pessoal, salvo quando elementares do crime. Art. 31 do Código Penal. O ajuste, a determinação ou instigação e o auxílio, salvo disposição expressa em contrário, não são puníveis, se o crime não chega, pelo menos, a ser tentado. 57 Art. 51 do Código Penal. Transitada em julgado a sentença condenatória, a multa será considerada dívida de valor, aplicando-se-lhes as normas da legislação relativa à dívida ativa da Fazenda Pública, inclusive no que concerne às causas interruptivas e suspensivas da prescrição. §1º. (Revogado) §2º. (Revogado) [...] Art. 53 do Código Penal. As penas restritivas de liberdade têm seus limites estabelecidos na sanção correspondente a cada tipo legal de crime. Art. 54 do Código Penal. As penas restritivas de direito são aplicáveis, independentemente de cominação na parte especial, em substituição à pena privativa de liberdade, fixada em quantidade inferior a 1 (um) ano, ou nos crimes culposos.
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Processo e julgamento único. Portanto, diante de crimes conexos ou
continentes, ocorrerá o processamento e julgamento em um único Juízo, salvo diante
de concurso entre justiças conflitantes ou quando for aplicado o desmembramento do
processo em vários outros.
As exceções estão previstas nos arts. 79 e 80 do Código de Processo Penal:
Art. 79 do Código de Processo Penal. A conexão e a continência
importarão unidade de processo e julgamento, salvo:
I – no concurso entre a jurisdição comum e a militar;
II – no concurso entre a jurisdição comum e a do juízo de menores.
§1º. Cessará, em qualquer caso, a unidade do processo, se, em
relação a algum co-réu, sobrevier o caso previsto no art. 152.
§2º. A unidade do processo não importará a do julgamento, se
houver co-réu foragido que não possa ser julgado à revelia, ou ocorrer a
hipótese do art. 461.
Art. 80 do Código de Processo Penal. Será facultativa a separação
dos processos quando as infrações tiverem sido praticadas em
circunstâncias de tempo ou de lugar diferentes, ou, quando pelo excessivo
número de acusados e para não lhes prolongar a prisão provisória, ou por
outro motivo relevante, o juiz reputar conveniente a separação.
Força atrativa. Se os processos já tiverem sido iniciados, é necessário que haja
a sua junção, salvo se em algum deles já tiver ocorrido proferimento de sentença
transitada em julgado.
É a disposição do art. 82 do Código de Processo Penal e da Súmula nº 235 do
Superior Tribunal de Justiça:
Art. 82 do Código de Processo Penal. Se, não obstante a conexão ou
continência, foram instaurados processos diferentes, a autoridade de
jurisdição prevalente deverá avocar os processos que ocorram perante os
outros juízes, salvo se já estiverem com sentença definitiva. Neste caso, a
unidade dos processos só se dará, ulteriormente, para o efeito de soma ou
de unificação das penas.
Súmula nº 235 do Superior Tribunal de Justiça. A conexão não
determina a reunião dos processos, se um deles já foi julgado.
6. Prevalência de Foro, Separação de Processos e
Desclassificação 6.1. Questões de prevalência de foro
Esclareçamos a prevalência de determinadas jurisdições diante da existência de
concurso em relação a algumas delas. Vejamos:
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6.1.1. Concurso de jurisdições de instâncias diversas
Diante de concurso entre instâncias diversas, prevalecerá aquela de maior
graduação. Tal situação já foi por nós explicada no tópico 3.6.7.1, quando da conexão
entre crimes cometidos por indivíduos beneficiários pelo foro por prerrogativa de
função e indivíduos que não possuam tal benefício.
Nessa situação, o foro competente para julgar o indivíduo beneficiado, em
regra, deverá julgar todos aqueles conexos a ele. Contudo, como já vimos, isso
somente ocorre diante de processos com um número reduzido de réus, ocasião em
que se observa o disposto na Súmula nº 704 do STF e no art. 78, III, do Código de
Processo Penal:
Súmula nº 704 do Supremo Tribunal Federal. Não viola as garantias
do juiz natural, da ampla defesa e do devido processo legal a atração por
continência ou conexão do processo do corréu ao foro por prerrogativa de
função de um dos denunciados.
Art. 78 do Código de Processo Penal. Na determinação da
competência por conexão ou continência, serão observadas as seguintes
regras:
[...]
III – no concurso de jurisdições de diversas categorias, predominará a
de maior graduação.
Por outro lado, diante de processos com muitos réus, o Supremo Tribunal
Federal tem utilizado o instituto do desmembramento, disposto no art. 81 do mesmo
Código:
Art. 81 do Código de Processo Penal. Verificada a reunião dos
processos por conexão ou continência, ainda que no processo da sua
competência própria venha o juiz ou tribunal a proferir sentença absolutória
ou que desclassifique a infração para outra que não se inclua na sua
competência, continuará competente em relação aos demais processos.
Parágrafo único. Reconhecida inicialmente ao júri a competência por
conexão ou continência, o juiz, se vier a desclassificar a infração ou
impronunciar ou absolver o acusado, de maneira que exclua a competência
do júri, remeterá o processo ao juízo competente.
6.1.2. Concurso entre jurisdição comum e especial
Em que pese a Justiça Especial Penal ser formada pela Justiça Militar e Justiça
Eleitoral, somente é possível o concurso entre as Justiças Comuns e a Justiça Eleitoral,
tendo em vista o disposto no art. 79, I, do Código de Processo Penal:
Art. 79 do Código de Processo Penal. A conexão e a continência
importarão unidade de processo e julgamento, salvo:
I – no concurso entre a jurisdição comum e a militar.
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Nesse caso, não há prevalência de qualquer das Justiças (comum ou militar),
pois cada uma será competente para julgar os elementos englobados em sua
jurisdição.
Por outro lado, é sim possível o concurso entre a Justiça Comum e a Justiça
Eleitoral, ocasião em que prevalecerá a competência da segunda.
6.1.3. Concurso entre jurisdição comum federal e estadual
Aqui, não há qualquer discussão, haja vista a existência da Súmula nº 122 do
STJ, segundo a qual:
Súmula nº 122 do Superior Tribunal de Justiça. Compete a Justiça
Federal o processo e julgamento unificado dos crimes conexos de
competência federal e estadual, não se aplicando a regra do art. 78, II, “a”,
do Código de Processo Penal58.
Portanto, havendo concurso entre as jurisdições federal e estadual, prevalecerá
a federal.
6.1.4. Concurso entre tribunal do júri e jurisdição comum
Havendo concurso entre o Tribunal do Júri e as Justiças Federal ou Estadual,
isto é, havendo conexão entre um determinado crime e outro que atenta contra a vida
de outrem, prevalecerá a competência do Tribunal do Júri, ainda que o crime de
competência da Justiça Comum seja mais grave.
6.1.5. Crime de homicídio doloso conexo a crime eleitoral
Aqui há divergência. Diante da conexão ou continência entre crimes de
homicídio doloso (crime contra a vida) e crime eleitoral, não haverá prevalecimento,
segundo a maioria da doutrina, devendo cada Tribunal julgar os elementos pelos quais
é competente.
Contudo, importante ressaltar que a minoria entende que, nesse caso, a
competência será da Justiça Eleitoral.
6.1.6. Concurso de jurisdição da mesma categoria
Nesse caso, observar-se-á o disposto no art. 78, II, do Código de Processo Penal,
segundo o qual:
Art. 78 do Código de Processo Penal. Na determinação entre a
competência por conexão ou continência, serão observadas as seguintes
regras:
[...]
58 Art. 78 do Código de Processo Penal. Na determinação da competência por conexão ou continência, serão observadas as seguintes regras: [...] II – no concurso de jurisdições da mesma categoria: a) preponderará a do lugar da infração, à qual for cominada a pena mais grave.
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II – no concurso de jurisdições da mesma categoria:
a) preponderará a do lugar da infração, à qual for cominada a pena
mais grave;
b) prevalecerá a do lugar em que houver ocorrido o maior número de
infrações, se as respectivas penas forem de igual gravidade;
c) firmar-se-á a competência pela prevenção, nos outros casos.
Portanto, a fixação da competência seguirá os três elementos que seguem:
a) Prevalece o foro do local onde ocorreu o crime de pena mais grave;
b) Prevalece o foro do local em que ocorreu o maior número de infrações, se as
penas forem iguais;
c) Prevalece o foro prevento, se os crimes forem de penas idênticas e em igual
número.
Quando ao primeiro item, importante relembrar que não será aplicado diante
do concurso entre as Justiças Federal e Estadual, ocasião em que prevalecerá a
competência da Justiça Federal.
6.1.7. Conexão entre jurisdição comum e os JECRIMs
Aqui, há divergência. Diante do concurso entre a competência da Justiça
Comum e do Juizado Especial Criminal, são duas as posições:
a) Prevalece a Jurisdição da Justiça Comum:
Tal posicionamento tem por base o artigo abaixo elencado:
Art. 60, parágrafo único, da Lei dos Juizados Especiais. Na reunião
de processos, perante o juízo comum ou o tribunal do júri, decorrentes da
aplicação das regras de conexão e continência, observar-se-ão os institutos
da transação penal e da composição dos danos civis.
b) Haverá a cisão dos processos, devendo cada Justiça processar e julgar a parte
a qual é competente:
Tal posição entende ser inconstitucional o disposto no parágrafo único do art.
60 da Lei dos Juizados Especiais, afirmando dever ser aplicado o que fixa o art. 98, I, da
Constituição Federal:
Art. 98 do Constituição Federal. A União, no Distrito Federal e nos
Territórios, e os Estados criarão:
I – juizados especiais, providos por juízes togados, ou togados e
leigos, competentes para a conciliação, o julgamento e a execução de causas
cíveis de menor complexidade e infrações penais de menor potencial
ofensivo, mediante os procedimentos oral e sumaríssimo, permitidos, nas
hipóteses previstas em lei, a transação e o julgamento de recursos por
turmas de juízes de primeiro grau.
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6.2. Separação de processos
Como vimos anteriormente, há situações que não admitem a conexão e
continência de processos, ocorrendo a separação dos mesmos, ocasião em que cada
Justiça deverá processar e julgar os elementos aos quais é competente.
Passaremos a analisar, portanto, os casos em que tal separação deverá ou
poderá ocorrer.
6.2.1. Separação obrigatória de processos
São as ocasiões em que a separação de processos é obrigatória:
a) Concurso entre jurisdição comum e Justiça Militar:
Art. 79 do Código de Processo Penal. A conexão e a continência
importarão unidade de processo e julgamento, salvo:
I – no concurso entre a jurisdição comum e a militar.
Conforme vimos anteriormente, havendo concurso entre crimes cuja
competência é, simultaneamente, da Justiça Comum e da Justiça Especial, somente é
possível a prevalência de competência diante do concurso com a Justiça Eleitoral,
tendo em vista que o Código é claro quando estabelece não ser possível a união de
processos em que há concurso entre Justiça Comum e Justiça Militar.
b) Concurso entre jurisdição comum e juízo de menores
Seguindo o anteriormente exposto, é a disposição do art. 79, II, do Código de
Processo Penal:
Art. 79 do Código de Processo Penal. A conexão e a continência
importarão unidade de processo e julgamento, salvo:
[...]
II – no concurso entre a jurisdição comum e a do juízo de menores.
Conforme explica Edilson Mougenot: “Os menores de 18 anos são penalmente
inimputáveis59 [...]. A Justiça Comum será absolutamente incompetente para o
julgamento dos atos infracionais por eles praticados, motivo pelo qual será impossível
a reunião dos processos. A situação dos menores infratores fica sujeita às normas da
legislação especial, conforme dispõe, também, o art. 104 da Lei n. 8.069/90 (Estatuto
da Criança e do Adolescente60).”
59 Art. 228 da Constituição Federal. São penalmente inimputáveis os menores de dezoito anos, sujeitos às normas da legislação especial. Art. 27 do Código Penal. Os menores de 18 (dezoito) anos são penalmente inimputáveis, ficando sujeitos às normas estabelecidas na legislação especial. 60 Art. 104 do Estatuto da Criança e do Adolescente. São penalmente inimputáveis os menores de dezoito anos, sujeitos às medidas previstas nesta Lei. Parágrafo único. Para os efeitos desta Lei, deve ser considerada a idade do adolescente à data do fato.
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c) Doença mental superveniente à prática delituosa:
Dispõe o art. 79, §1º, do Código de Processo Penal:
Art. 79, §1º, do Código de Processo Penal. Cessará, em qualquer
caso, a unidade do processo, se, em relação a algum co-réu, sobrevier o caso
previsto no art. 152.
[...]
Art. 152 do Código de Processo Penal. Se verificar que a doença
mental sobreveio à infração o processo continuará suspenso até que o
acusado se restabeleça, observado o §2º do art. 14961.
§1º. O juiz poderá, nesse caso, ordenar a internação do acusado em
manicômio judiciário ou em outro estabelecimento adequado.
§2º. O processo retomará o seu curso, desde que se restabeleça o
acusado, ficando-lhe assegurada a faculdade de reinquirir as testemunhas
que houverem prestado depoimento sem a sua presença.
Portanto, uma vez que haja conexão entre crimes cometidos por dois ou mais
indivíduos e um deles for acometido por doença mental superveniente ao fato
criminoso, o processo em relação a esse deverá ser cessado, continuando-se o
processamento e julgamento em relação aos outros autores.
Quanto ao indivíduo acometido por doença mental, o processo ficará suspenso
até que se restabeleça em suas faculdades mentais, sendo possível que o juiz lhe
nomeie curador especial e o interne em manicômio judicial.
Retornando o curso de seu processo, é-lhe de direito reinquirir as testemunhas
que tiverem deposto no processo dos demais autores.
d) Citação por edital de um dos corréus, seguida de seu não comparecimento e
não constituição de defensor:
É a disposição do art. 366 do Código de Processo Penal:
Art. 366 do Código de Processo Penal. Se o acusado, citado por
edital, não comparecer, nem constituir advogado, ficarão suspensos o
processo e o curso do prazo prescricional, podendo o juiz determinar a
produção antecipada de provas consideradas urgentes e, se for o caso,
decretar prisão preventiva, nos termos do disposto no art. 31262.
§1º. (Revogado)
§2º. (Revogado)
61 Art. 149, §2º, do Código de Processo Penal. O juiz nomeará curador ao acusado, quando determinar o exame, ficando suspenso o processo, se já iniciada a ação penal, salvo quanto às diligências que possam ser prejudicadas pelo adiamento. 62 Art. 312 do Código de Processo Penal. A prisão preventiva poderá ser decretada como garantia da ordem pública, da ordem econômica, por conveniência da instrução criminal, ou para assegurar a aplicação da lei penal, quando houver prova da existência do crime e indício suficiente de autoria. Parágrafo único. A prisão preventiva também poderá ser decretada em caso de descumprimento de qualquer das obrigações impostas por força de outras medidas cautelares (art. 282, §4º).
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Nesse caso, havendo mais de um réu no processo, o mesmo será suspenso em
relação ao que for citado por edital e não constituir advogado no prazo legal. Na
mesma ocasião, suspender-se-á o prazo prescricional até que seja encontrado o réu
em questão.
e) Suspensão condicional do processo em relação a um dos réus:
Dispõe a Lei dos Juizados Especiais:
Art. 89, caput, da Lei dos Juizados Especiais. Nos crimes em que a
pena mínima cominada for igual ou inferior a um ano, abrangidas ou não
por esta Lei, o Ministério Público, ao oferecer a denúncia, poderá propor a
suspensão do processo, por dois a quatro anos, desde que o acusado não
esteja sendo processado ou não tenha sido condenado por outro crime,
presentes os demais requisitos que autorizam a suspensão condicional da
pena (art. 77 do Código Penal).
Trata-se da concessão do benefício denominado sursis a um dos autores do
crime. Nesse caso, o processo ficará suspenso enquanto estiver no denominado
período de prova, que poderá se estender de dois a quatro anos. Ao final do processo
de prova sem que tenha ocorrido deslizes em relação às exigências estabelecidas pelo
juiz, é decretada a extinção da punibilidade.
Em relação aos autores não beneficiados pelo instituto da Suspensão
Condicional da Pena, contudo, haverá o prosseguimento do processo.
6.2.2. Separação facultativa de processos
São os casos em que a separação dos processos é facultativa:
a) Quando as infrações tiverem sido praticadas em circunstâncias de tempo ou
de lugar diferentes:
Nesse caso, a separação é facultativa, tendo em vista que não incidem sobre as
espécies de conexão e continência que estudamos anteriormente. Por exemplo, não
há o que se falar em ocorrência de conexão intersubjetiva, tendo em vista que para
tanto é necessário que os fatos tenham ocorrido no mesmo local e no mesmo tempo.
b) Em razão do número excessivo de réus:
É a aplicação do já explicado instituto do desmembramento, previsto no art. 81
do Código de Processo Penal:
Art. 81 do Código de Processo Penal. Verificada a reunião dos
processos por conexão ou continência, ainda que no processo da sua
competência própria venha o juiz ou tribunal a proferir sentença absolutória
ou que desclassifique a infração para outra que não se inclua na sua
competência, continuará competente em relação aos demais processos.
Parágrafo único. Reconhecida inicialmente ao júri a competência por
conexão ou continência, o juiz, se vier a desclassificar a infração ou
impronunciar ou absolver o acusado, de maneira que exclua a competência
do júri, remeterá o processo ao juízo competente.
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c) Para não prolongar a prisão provisória de qualquer dos réus:
Tendo em vista que a prisão provisória tem por objetivo garantir a ordem
pública, a ordem econômica ou assegurar a aplicação da lei penal, quando houver
materialidade delitiva e indícios de autoria. Contudo, tal prisão não apresenta natureza
executório, devendo perdurar por tempo razoável.
Nesse sentido, uma vez que o andamento do processo esteja devagar em
decorrência de determinado suposto autor, é possível que as ações sejam separadas,
evitando-se o prolongamento da prisão provisória daquele que se encontra em tal
situação.
d) Por qualquer outro motivo relevante:
Nesse sentido, há a adoção do art. 3º do Código de Processo Penal:
Art. 3º do Código de Processo Penal. A lei processual penal admitirá
interpretação extensiva e aplicação analógica, bem como o suplemento dos
princípios gerais de direito.
6.3. Desclassificação e competência
Primeiramente, convém que conceituemos a desclassificação. Trata-se de
mudança que ocorre em relação ao fato criminoso, atingindo a competência, ocasião
na qual será possível ou não a alteração quanto ao juízo.
As consequências da desclassificação dependerão do crime no qual incidem os
reflexos.
Um crime. Caso a desclassificação incida em crime único que está sendo
apurado por determinado juízo, deverá este remeter os autos do processo ao juízo
competente. É o que afirma o art. 74, §2º, do Código de Processo Penal:
Art. 74, §2º, do Código de Processo Penal. Se, iniciado o processo
perante um juiz, houver desclassificação para infração da competência de
outro, a este será remetido o processo, salvo se mais graduada for a
jurisdição do primeiro, que, em tal caso, terá sua competência prorrogada.
Conexão ou continência. Diante da conexão ou continência, como já vimos,
vigora o Princípio da perpetuatio jurisdictionis, isto é, o juízo em questão, não
reclamada a competência relativa até o final da fase instrutória, prorroga-se, tornando
competente para o julgamento da causa.
Nesse caso, entretanto, é possível que se aplique o instituto do
desmembramento (art. 81 do Código de Processo Penal), uma vez que haja
pluralidade, observando-se o Princípio da Celeridade Processual.
6.4. Questões específicas sobre competência
6.4.1. Um só crime
Aqui, dois comentários merecem ser feitos, ambos em relação ao Tribunal do
Júri.
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Uma vez que a desclassificação do delito em apuração seja feita diante do juiz
da pronúncia, os autos deverão ser remetidos ao juiz singular, devendo este observar o
direito das partes em ter reaberto o prazo para se defender e indicar testemunhas.
Por outro lado, caso a desclassificação se dê perante o próprio Tribunal, não há
o que se falar em remessa dos autos ao juízo singular, devendo, nesse caso, ser a
sentença proferida pelo próprio presidente (juiz) do Tribunal
Nesse sentido é a disposição do Código de Processo Penal:
Art. 74, §3º, do Código de Processo Penal. Se o juiz da pronúncia
desclassificar a infração para outra atribuída à competência de juiz singular,
observar-se-á o disposto no art. 410; mas, se a desclassificação for feita pelo
próprio Tribunal do Júri, a seu presidente caberá proferir a sentença.
[...]
Art. 410 do Código de Processo Penal. O juiz determinará a
inquirição das testemunhas e a realização das diligências requeridas pelas
partes, no prazo máximo de 10 (dez) dias.
[...]
Art. 419 do Código de Processo Penal. Quando o juiz se convencer,
em discordância com a acusação, da existência de crime diverso dos
referidos no §1º do art. 74 deste Código e não for competente para o
julgamento, remeterá os autos ao juiz que o seja.
Parágrafo único. Remetidos os autos do processo a outro juiz, à
disposição deste ficará o acusado preso.
[...]
Art. 492, §1º, do Código de Processo Penal. Se houver
desclassificação da infração para outra, de competência do juiz singular, ao
presidente do Tribunal do Júri caberá proferir sentença em seguida,
aplicando-se, quando o delito resultante da nova tipificação for considerado
pela lei como infração penal de menor potencial ofensivo, o disposto nos
arts. 69 e seguintes da Lei no 9.099, de 26 de setembro de 1995.
Art. 492, §2º, do Código de Processo Penal. Em caso de
desclassificação, o crime conexo que não seja doloso contra a vida será
julgado pelo juiz presidente do Tribunal do Júri, aplicando-se, no que
couber, o disposto no §1º deste artigo.
6.4.2. Conexão e continência
Diante da mesma situação, contudo se tratando de crime conexo ou
continente, serão as hipóteses:
Havendo a desclassificação do crime doloso contra a vida perante a fase de
pronúncia do Tribunal do Júri, ambos os crimes conexos deverão ser remetidos ao
juízo singular.
Contudo, sendo a desclassificação aplicada perante o próprio Tribunal,
novamente, deverá o presidente (juiz) do mesmo proferir sentença.
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Por fim, havendo absolvição do acusado em relação ao crime doloso contra a
vida, perante o Plenário do Tribunal do Júri, é possível que este, posteriormente à
apreciação do primeiro, venha a julgar o crime comum conexo ao doloso contra a vida.
6.4.3. Execução penal
É a disposição da Súmula nº 192 do Superior Tribunal de Justiça:
Súmula nº 192 do Superior Tribunal de Justiça. Compete ao Juízo das
Execuções Penais do Estado a execução das penas impostas a sentenciados
pela Justiça Federal, Militar ou Eleitoral, quando recolhidos a
estabelecimentos sujeitos a Administração Estadual.
Tal situação ficará mais clara com um exemplo. Imaginemos que um indivíduo
seja processado e julgado perante a Justiça Federal, sendo sentenciado para o
cumprimento de pena em uma penitenciária de âmbito estadual. Ainda que seu
processo tenha tramitado perante a Justiça Federal, a execução de sua pena será
incumbência da Justiça Estadual, tendo em vista o caráter do estabelecimento no qual
cumpre a pena.
6.4.4. Tribunal penal internacional
O Tribunal Penal Internacional é uma corte internacional que tem como
pretensão o julgamento de casos em que não se observou os Direitos Humanos,
havendo, logo, violação desses direitos.
Contudo, importante ressaltar que tal Tribunal somente será acionado de
forma subsidiária (competência material subsidiária), isto é, somente quando forem
esgotadas as instâncias previstas no Ordenamento Jurídico brasileiro, não sendo
suficientes para a pacificação da lide.
Nesse sentido, é o Decreto 4.388/2002 (Estatuto de Roma) e a Constituição
Federal, através do §4º do art. 5º:
Capítulo II
Competência, Admissibilidade e Direito Aplicável
Artigo 5º
Crimes da Competência do Tribunal
1. A competência do Tribunal restringir-se-á aos crimes mais graves,
que afetam a comunidade internacional em seu conjunto. Nos termos do
presente Estatuto, o Tribunal terá competência para julgar os seguintes
crimes:
a) O crime de genocídio;
b) Crimes contra a humanidade;
c) Crimes de guerra;
d) O crime de agressão.
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2. O Tribunal poderá exercer a sua competência em relação ao crime
de agressão desde que, nos termos dos artigos 121 e 123, seja aprovada
uma disposição em que se defina o crime e se enunciem as condições em
que o Tribunal terá competência relativamente a este crime. Tal disposição
deve ser compatível com as disposições pertinentes da Carta das Nações
Unidas.
Art. 5º, §4º, da Constituição Federal. O Brasil se submete à jurisdição
de Tribunal Penal Internacional a cuja criação tenha manifestado adesão.
6.4.5. Crime de latrocínio
É a disposição da Súmula nº 603 do Supremo Tribunal Federal:
Súmula nº 603 do Supremo Tribunal Federal. A competência para o
processo e julgamento de latrocínio é do juiz singular e não do tribunal do
júri.
É comum que as pessoas confundam ser o crime de latrocínio um crime contra
a vida. Contudo, não o é, tendo em vista que a morte se apresenta como uma
consequência do roubo praticado, e não vice-versa.
6.4.6. Colegiado de juízes de primeiro grau
Diante de crimes de organização criminosa, visando manter a segurança dos
juízes, criou-se o instituto do Colegiado de Juízes de Primeiro Grau. Aqui, havendo
crime de organização criminosa, poderá o juiz competente acionar o órgão de
correição, demonstrando os motivos pelo qual deverá ser instaurado o Colegiado.
Aprovado, são escolhidos outros dois juízes junto àquele competente para
julgar o crime. Dessa forma, diz-se proteger os juízes pela incerteza acerca de quem,
de fato, julga o delito.
Porém, convenhamos que tal instituto não os protege, de fato. Pelo contrário,
põe em risco outros dois juízes.
É a disposição dos §§ 1º a 7º do art. 1º da Lei 12.694/2012:
Art. 1º da Lei 12.694/2012. [...]
§1º. O juiz poderá instaurar o colegiado, indicando os motivos e as
circunstâncias que acarretam risco à sua integridade física em decisão
fundamentada, da qual será dado conhecimento ao órgão correicional.
§2º. O colegiado será formado pelo juiz do processo e por 2 (dois)
outros juízes escolhidos por sorteio eletrônico dentre aqueles de
competência criminal em exercício no primeiro grau de jurisdição.
§3º. A competência do colegiado limita-se ao ato para o qual foi
convocado.
§4º. As reuniões poderão ser sigilosas sempre que houver risco de
que a publicidade resulte em prejuízo à eficácia da decisão judicial.
§5º. A reunião do colegiado composto por juízes domiciliados em
cidades diversas poderá ser feita pela via eletrônica.
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§6º. As decisões do colegiado, devidamente fundamentadas e
firmadas, sem exceção, por todos os seus integrantes, serão publicadas sem
qualquer referência a voto divergente de qualquer membro.
§7º. Os tribunais, no âmbito de suas competências, expedirão
normas regulamentando a composição do colegiado e os procedimentos a
serem adotados para o seu funcionamento.
7. Exceção 7.1. Introdução e conceitos
Primeiramente, convém identificar de que se trata o instituto da exceção.
Conforme conceitua o Dicionário Jurídico Acquaviva, trata-se de “espécie de defesa
indireta, peculiar ao autor ou ao réu, que, não se referindo ao mérito da causa, tem
por finalidade neutralizar-lhes os efeitos.”
Conforme estabelece José Frederico Marques, “é o procedimento incidental
para o processo e julgamento da arguição de incompetência relativa, da suspeição, ou
do impedimento do juiz.”
A exceção, portanto, trata-se de arguição preliminar, podendo possuir natureza
peremptória, ensejando, se acolhida, a extinção do processo sem a resolução do
mérito, tendo em vista o caráter irreparável do vício em questão, ou dilatória, ocasião
em que somente há o sobrestamento da ação, uma vez que o vício que o caracteriza se
mostra sanável.
Importante destacarmos que o próprio Código de Processo Penal nos apresenta
quais são as exceções. Nesse sentido, estabelece o art. 95:
Art. 95 do Código de Processo Penal. Poderão ser opostas as
exceções de:
I – suspeição;
II – incompetência de juízo;
III – litispendência;
IV – ilegitimidade de parte;
V – coisa julgada.
No estudo aqui desenvolvido focaremos em três delas, quais sejam: (1)
impedimento, (2) suspeição e (3) incompetência.
Pois bem, elenquemos a conceituação de cada um desses elementos:
Impedimento – infringência grave, referente à impossibilidade de o juiz apreciar
determinada ação, causando a nulidade absoluta do processo (iure et de iure) em
decorrência da não observância do Princípio da Imparcialidade. Devido à nulidade, não
há preclusão, podendo as partes reclamá-la a qualquer momento ou grau de
jurisdição, bem como deverá ser feita de ofício pelo juiz.
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Segundo o Código, são as hipóteses de impedimento:
Art. 252 do Código de Processo Penal. O juiz não poderá exercer
jurisdição no processo em que:
I – tiver funcionado seu cônjuge ou parente, consanguíneo ou afim,
em linha reta ou colateral até o terceiro grau, inclusive, como defensor ou
advogado, órgão do Ministério Público, autoridade policial, auxiliar da
justiça ou perito;
II – ele próprio houver desempenhado qualquer dessas funções ou
servido como testemunha;
III – tiver funcionado como juiz de outra instância, pronunciando-se,
de fato ou de direito, sobre a questão;
IV – ele próprio ou seu cônjuge ou parente, consanguíneo ou afim em
linha reta ou colateral até o terceiro grau, inclusive, for parte ou
diretamente interessado no feito.
Suspeição – infringência menos grave, referente à existência de elementos que
ensejam a imparcialidade do juiz, lesionando o Princípio da Imparcialidade.
Diferentemente do impedimento, diante da suspeição há preclusão, uma vez que sua
alegação deverá ser feita em momento oportuno pelas partes. Uma vez transcorrido o
prazo para tanto, há a prorrogação da competência do juízo.
São as hipóteses de suspeição:
Art. 254 do Código de Processo Penal. O juiz dar-se-á por suspeito, e,
se não o fizer, poderá ser recusado por qualquer das partes:
I – se for amigo íntimo ou inimigo capital de qualquer deles;
II – se ele, seu cônjuge, ascendente ou descendente, estiver
respondendo a processo por fato análogo, sobre cujo caráter criminoso haja
controvérsia;
III – se ele, seu cônjuge, ou parente, consanguíneo, ou afim. Até o
terceiro grau, inclusive, sustentar demanda ou responder a processo que
tenha de ser julgado por qualquer das partes;
IV – se tiver aconselhado qualquer das partes;
V – se for credor ou devedor, tutor ou curador, de qualquer das
partes;
VI – se for sócio, acionista ou administrador de sociedade interessada
no processo.
Mister informarmos que a suspeição e o impedimento são as primeiras
preliminares analisadas, tendo em vista a análise que se faz sobre a parcialidade ou
não do magistrado. Nesse sentido, estabelece o art. 96 do Código de Processo Penal
que: “A arguição de suspeição precederá a qualquer outra, salvo quando fundada em
motivo superveniente.”
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Incompetência – “situação processual do magistrado ou tribunal proibido
legalmente de atuar em determinados processos. No caso, falta ao juiz ou tribunal
capacidade objetiva específica para julgar. A incompetência pode ser funcional,
quando referente à natureza do cargo ocupado do magistrado; subjetiva, quando
pertinente às partes envolvidas na causa; objetiva, quando concernente à natureza do
pleito ou ao valor atribuído a este, e territorial, se relativa à área física que atua o
julgador” (Dicionário Jurídico Acquaviva).
7.2. Exceção de impedimento e suspeição
Importante tecermos alguns comentários acerca da exceção de impedimento e
suspeição.
Diferenças. Como ficou notável diante da conceituação de cada um deles, o
impedimento se mostra mais grave que a suspeição, haja vista, inclusive, causar a
nulidade do processo, podendo ser arguido em qualquer tempo ou grau de jurisdição,
não incidindo sobre ele, logo, a preclusão. Por outro lado, a suspeição, se não arguida
no prazo determinado (diante da primeira manifestação das partes no processo), gera
a prorrogação do juízo, tornando-o competente.
Impedimento ou suspeição causados pelas partes. Conforme estabelece o art.
256 do Código de Processo Penal:
Art. 256 do Código de Processo Penal. A suspeição não poderá ser
declarada nem reconhecida, quando a parte injuriar o juiz ou de propósito
der motivo para criá-la.
Ou seja, não há o que se falar em reconhecimento de impedimento ou
suspeição do juiz, uma vez que tal situação seja forçada por uma das partes. Podemos
citar como exemplo a parte que injuria o juiz tentando criar uma inimizade ou a
presenteia com o intuito de indicar a imparcialidade do mesmo.
Declaração do impedimento ou suspeição. Ambas as exceções podem ser
pronunciadas, de ofício, pelo juiz. Contudo, cabe notarmos que diante da pronúncia de
tais elementos, não há o que se falar em recurso, ou seja, não poderá o juiz “voltar
atrás”. Nesse sentido é a disposição do Código de Processo Penal:
Art. 97 do Código de Processo Penal. O juiz que espontaneamente
afirmar suspeição deverá fazê-lo por escrito, declarando o motivo legal, e
remeterá imediatamente o processo ao seu substituto, intimadas as partes.
[...]
Art. 112 do Código de Processo Penal. O juiz, o órgão do Ministério
Público, os serventuários ou funcionários de justiça e os peritos ou
intérpretes abster-se-ão de servir no processo, quando houver
incompatibilidade ou impedimento legal, que declararão nos autos. Se não
se der a abstenção, a incompatibilidade ou impedimento poderá ser arguido
pelas partes, seguindo-se o processo estabelecido para a exceção de
suspeição.
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Não sendo declarado pelo juiz, como visto, poderá qualquer das partes, por
meio de petição juntada nos autos, alegá-lo em prazo determinado, tratando-se de
suspeição, ou a qualquer tempo ou grau de jurisdição, em se tratando de
impedimento.
Nesse caso, a acusação de impedimento ou suspeição será apreciada pelo juiz.
Aceitando-a, os autos serão remetidos a juízo competente. Do contrário, ou seja, não
aceitando tais alegações, deverá o Tribunal de Justiça analisar a exceção. É o disposto
no art. 100:
Art. 100 do Código de Processo Penal. Não aceitando a suspeição, o
juiz mandará autuar em apartado a petição, dará sua resposta dentro em
três dias, podendo instruí-la e oferecer testemunhas, e, em seguida,
determinará sejam os autos da exceção remetidos, dentro em 24 (vinte e
quatro) horas, ao juiz ou tribunal a quem competir o julgamento.
§1º. Reconhecida, preliminarmente, a relevância da arguição, o juiz
ou tribunal, com citação das partes, marcará dia e hora para a inquirição das
testemunhas, seguindo-se o julgamento, independentemente de mais
alegações.
§2º. Se a suspeição for de manifesta improcedência, o juiz ou relator
a rejeitará liminarmente.
Exceção oferecida contra membro do Ministério Público. As ocasiões em que o
Ministério Público não poderá atuar no processo estão elencadas no art. 258 do
Código de Processo Penal, segundo o qual:
Art. 258 do Código de Processo Penal. Os órgãos do Ministério
Público não funcionarão nos processo em que o juiz ou qualquer das partes
for seu cônjuge, ou parente, consanguíneo ou afim, em linha reta ou
colateral, até o terceiro grau, inclusive, e a eles se estendem, no que lhes for
aplicável, as prescrições relativas à suspeição e aos impedimentos dos
juízes.
Nesse caso, conforme estabelece o art. 104 do mesmo Código, deverá o juiz
ouvi-lo, dando-lhe a oportunidade de produzir provas em contrário.
Havendo a aceitação da arguição, deverá ser nomeado outro membro para
representar o Ministério Público.
Por fim, convém transcrevermos o teor da Súmula nº 234 do Superior Tribunal
de Justiça:
Súmula nº 234 do Superior Tribunal de Justiça. A participação de
membro do Ministério Público na fase investigatória criminal não acarreta o
seu impedimento ou suspeição para o oferecimento da denúncia.
Exceção oferecida contra delegado. Há uma peculiaridade diante da suspeição
ou impedimento de delegado: não é possível que as partes assim o declare, somente
podendo tal pronúncia partir do próprio delegado. É o que dispõe o art. 107 do Código:
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Art. 107 do Código de Processo Penal. Não se poderá opor suspeição
às autoridades policiais nos atos do inquérito, mas deverão eles declarar-se
suspeitas, quando ocorrer motivo legal.
Tal entendimento se dá, segundo explicação da doutrina, tendo em vista que a
exceção de impedimento e suspeição somente recai sobre as partes do processo, quais
seja, autor, réu e juiz, não atingindo, portanto, os delegados.
Exceção oferecida contra perito, intérprete e serventuário da justiça. Se
arguida, deverá o juiz da ação analisá-la:
Art. 105 do Código de Processo Penal. As partes poderão também
arguir de suspeitos os peritos, os intérpretes e os serventuários ou
funcionários de justiça, decidindo o juiz de plano e sem recurso, à vista da
matéria alegada e prova imediata.
Exceção oferecida contra jurados. Por fim, dispõe o art. 106:
Art. 106 do Código de Processo Penal. A suspeição dos jurados
deverá ser arguida oralmente, decidindo de plano do presidente do Tribunal
do Júri, que a rejeitará se, negada pelo acusado, não for imediatamente
comprovada, o que tudo constará da ata.
7.3. Exceção de incompetência
Como dito quando da introdução desse tópico, trata-se da falta de capacidade
do magistrado em apreciar o caso, seja por elemento funcional, objetivo, subjetivo ou
territorial. Refere-se, portanto, a um não atendimento aos elementos jurisdicionais
necessários para o julgamento da causa em questão, ou seja, vê-se uma não
observância aos critérios de fixação de competência, elencados nos arts. 69 a 91 do
Código de Processo Penal (vide tópico 3. Espécies de Competência, supra).
Os critérios que devem ser observados estão dispostos nos arts. 108 e 109 do
Código, sendo:
Art. 108 do Código de Processo Penal. A exceção de incompetência
do juízo poderá ser oposta, verbalmente ou por escrito, no prazo de defesa.
§1º. Se, ouvido o Ministério Público, for aceita e declinatória, o feito
será remetido ao juízo competente, onde, ratificados os atos anteriores, o
processo prosseguirá.
§2º. Recusada a incompetência, o juiz continuará no feito, fazendo
tomar por termo a declinatória, se formulada verbalmente.
Art. 109 do Código de Processo Penal. Se em qualquer fase do
processo o juiz reconhecer motivo que o torne incompetente, declará-lo-la
nos autos, haja ou não alegação da parte, prosseguindo-se na forma do
artigo anterior.
Aqui, aplica-se o mesmo raciocínio do impedimento ou suspeição quanto à
arguição de exceção de incompetência.
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Tratando-se de incompetência absoluta, poderá ser alegado em qualquer
tempo ou grau de jurisdição, tendo em vista não recair sobre o direito a preclusão.
Nesse caso, inclusive, poderá o juiz fazê-lo, de ofício, a qualquer tempo, sem que tenha
ocorrido qualquer manifestação das partes.
Por outro lado, em se tratando de incompetência relativa (relativa ao território
ou ao fato), não poderá o juiz reconhecê-la de ofício, devendo as partes argui-la
perante o prazo de defesa, sob pena da prorrogação da competência do juízo,
respeitando-se o Princípio da perpetuatio jurisdictionis.
7.4. Conflito de jurisdição ou competência
Entende-se por conflito de jurisdição ou competência quando houver mais de
um juízo competente (conflito positivo) ou incompetente (conflito negativo) para
julgar determinado fato ou quando surgir controvérsia sobre unidade de juízo, junção
ou separação de processos.
Nesse sentido é o art. 114 do Código de Processo Penal:
Art. 114 do Código de Processo Penal. Haverá conflito de jurisdição:
I – quando duas ou mais autoridades judiciárias se considerarem
competentes, ou incompetentes, para conhecer do mesmo fato criminoso;
II – quando entre elas surgir controvérsia sobre unidade de juízo,
junção ou separação de processos.
Nesse caso, é necessário que a parte interessada, o órgão do Ministério Público
ou qualquer dos juízes suscite a questão, enviando-a à apreciação do Tribunal, diante
de conflito de juízos da mesma Justiça, ou do Superior Tribunal de Justiça, quando se
tratar de conflito entre juízos de Justiças distintas.
Fixa o art. 115 do Código de Processo Penal:
Art. 155 do Código de Processo Penal. O conflito deverá ser
suscitado:
I – pela parte interessada;
II – pelos órgãos do Ministério Público junto a qualquer dos juízos em
dissídio;
III – por qualquer dos juízes ou tribunais em causa.
Tratando-se de conflito positivo, ou seja, diante de dois ou mais juízos
competentes, deverá o mesmo ser apreciado em apartado, suspendendo-se os autos
principais; por outro lado, em se tratando de conflito negativo, deverá ser suscitado
nos próprios autos do processo.
É a disposição do art. 116 do CPP:
Art. 116 do Código de Processo Penal. Os juízes e tribunais, sob a
forma de representação, e a parte interessada, sob a de requerimento,
darão parte escrita e circunstanciada do conflito, perante o tribunal
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competente, expondo os fundamentos e juntando os documentos
probatórios.
§1º. Quando negativo o conflito, os juízes e tribunais poderão
suscitá-lo nos próprios autos do processo.
§2º. Distribuído o feito, se o conflito for positivo, o relator poderá
determinar imediatamente que se suspenda o andamento do processo.
§3º. Expedida ou não a ordem de suspensão, o relator requisitará
informações às autoridades em conflito, remetendo-lhes cópia do
requerimento ou representação.
§4º. As informações serão prestadas no prazo marcado pelo relator.
§5º. Recebidas as informações, e depois de ouvido o procurador-
geral, o conflito será decidido na primeira sessão, salvo se a instrução do
feito depender de diligência.
§6º. Proferida a decisão, as cópias necessárias serão remetidas, para
a sua execução, às autoridades contra as quais tiver sido levantado o
conflito ou que o houverem suscitado.
7.5. Conflito de atribuições do Ministério Público
Por fim, entende-se por conflito de atribuições do Ministério Público a
divergência intrincada entre dois membros acerca da responsabilidade ativa para o
ajuizamento da ação penal (persecução penal).
Diante tal situação, será competente para apreciá-la:
Conflito entre MPs do mesmo Estado – Procurador-Geral de Justiça.
Conflito entre MPFs – Câmara de Coordenação e Revisão do MPF.
Conflito entre MPUs – Procurador-Geral da República.
Conflito entre MP Federal e MP Estadual – STF, tendo em vista se tratar de
conflito entre Estados e União.
Quanto à última ocasião, estabelece a Constituição Federal:
Art. 102 da Constituição Federal. Compete ao Supremo Tribunal
Federal, precipuamente, a guarda da Constituição, cabendo-lhe:
I – processar e julgar, originariamente:
[...]
f) as causas e os conflitos entre a União e os Estados, a União e o
Distrito Federal, ou entre uns e outros, inclusive as respectivas entidades da
administração indireta.