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PARTE INTEGRANTE DO HOJE MACAU Nº 3239. NÃO PODE SER VENDIDO SEPARADAMENTE Somos saudosistas. Sem passado não há futuro. RAEM 15 ANOS Essa palavra saudade... CARLOS MORAIS JOSÉ

Suplemento 15 anos da RAEM

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A Região Administrativa Especial de Macau completou 15 anos de existência, neste suplemento falamos da sua história.

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PARTE INTEGRANTE DO HOJE MACAU Nº 3239. NÃO PODE SER VENDIDO SEPARADAMENTE

Somos saudosistas. Sem passadonão há futuro.

RAEM 15 ANOS

Essapalavra

saudade...

CARLOS MORAIS JOSÉ

II hoje macau sábado 20.12.2014RAEM 15 AN S1 9 99 - 20 1 4

CARLOS MORAIS JOSÉ

DEIXEMO-NOS de ro-deios e de voltinhas: somos saudosistas. E so-mos saudosistas porque

somos portugueses. Não há nada a fazer, nem volta teórica a dar porque somos mesmo assim, quer queira-mos quer não. O passado enforma o futuro, envolve-o durante os dias e assombra-o à noite quando a dis-tracção se apodera de nós. Ninguém, muito menos os portugueses, sentem desejo pelo que foi, pelo que aconte-ceu, pelo que já passou. Não é isto a saudade: esta é uma energia que nos faz desejar o futuro, o reencontro com o país perdido, cuja localização se situa para além de qualquer geografia. Saboreámos, experimentámos o mel. Não sabemos quando nem onde tal aconteceu. Sabemos unicamente que aconteceu.

OS AMIGOS DE PEQUIMDurante 446 anos os portugueses estanciaram em Macau e esta pre-sença faz parte do código genético e cultural da cidade. Se alguma vez realmente detiveram o poder nesta

terra, perderam-no definitivamente a 20 de Dezembro de 1999, com a partida da última administração, liderada pelo general Rocha Vieira. Mas, passados quinze anos, sob administração chinesa das gentes de Macau, a presença portuguesa consolidou-se, na medida em que seria possível consolidar-se. Flui gente, existem mais negócios, manteve-se o intercâmbio cultural, a legislação, ainda que em mudança por natural influência da Mãe Pá-tria, mudará no contexto do Direito continental, ou seja, mantendo a sua matriz portuguesa.

Se, num primeiro momento, a comunidade se viu assaltada por algumas dúvidas, também face a algumas manifestações particulares de desagrado, naturais no contexto “descolonizador” em questão, a designação de Macau por Pequim como ponte entre a China e os Países Lusófonos fez repensar muita gente no papel que os portugueses ainda aqui podiam desempenhar, no sen-tido de ajudar a RAEM a cumprir o desiderato que lhe foi imposto pelo Governo Central.

Por outro lado, este facto implicou também um reforço do

Macau é nossoportuguês como uma das línguas oficiais de Macau, agora instru-mental e fundamental para as re-lações com a Lusofonia. Tínhamos assistido, durante os primeiros anos da RAEM, ao explanar de alguma hostilidade por parte de alguns sectores (bem identifica-dos) em relação ao português (e aos portugueses), rapidamente debelada pelas intervenções do Chefe do Executivo Edmund Ho e, definitivamente, pelo referido édito de Pequim.

Nas palavras de José Luís Sales Marques, ex-presidente da Câma-ra Municipal de Macau e actual presidente do Instituto de Estudos Europeus, “a própria China, com a opção que fez de reforçar os seus laços com os países de língua oficial portuguesa e ao centrar essa plata-forma que é económica e comercial, e se desenvolve noutros aspectos como o cultural, decidiu apostar em Macau como um centro para essa ligação e ao fazê-lo deu à presença, língua e culturas portuguesas, uma nova legitimidade, uma legitimida-de à luz já dos interesses e da política da própria China”.

Para Sales Marques, a China, em certa medida, “adoptou a língua portuguesa como uma língua qua-se sua e fez dela um instrumento para o seu relacionamento com o exterior dando-lhe um valor que, obviamente, é muito importante para a língua portuguesa e para a presença cultural de Portugal em Macau”.

De notar também que, quinze anos depois, algo inesperadamen-te, o Governo continua a empregar especialistas portugueses nas mais diversas áreas, o que demonstra uma confiança e uma facilidade de comunicação que só podem resultar, ainda que de uma forma parcialmente inconsciente, de um convívio multissecular.

MACAU SEM PORTUGAL? IMPOSSÍVEL!É indubitável que a RAEM detém ainda na sua estrutura mais íntima inúmeros traços desse código ge-nético e cultural. Algo que não se erradica por decreto, sob pena de nos depararmos com uma outra realidade. A identidade de Macau – um tema que, não por acaso, ainda assusta tanta gente – só existirá enquanto na sua constituição per-

A identidade de Macau só existirá enquantona sua constituição permanecer o paradoxode culturas, a indefinição transversal e a sedede utopia que caracteriza a presença portuguesa

hoje macau sábado 20.12.2014 III raem 15 anos

Macau é nosso

2015 Ser português em MacauTese: É possível ser-se mais português em Macaudo que em qualquer outro lugar do mundo.

Conclusão: Não existe outra terra, no estrangeiro, onde um português encontre tantas oportunidades de guardar a sua identidade e ao mesmo tempo fazer parte do tecido social, produtivo e cultural desse lugar, sem perder parte significativa de si mesmo.

manecer o paradoxo de culturas, a indefinição transversal e a sede de utopia que caracteriza a presença portuguesa e que, de algum modo, terá contagiado outros habitantes da cidade. Estes foram alguns dos elementos que a formaram e que a moldaram como uma das mais estranhas cidades do mundo. Um espaço de opacidade e translucidez, lente de e para o mundo, constante-mente polida pela História e pelos caprichos dos seus protagonistas. Lugar atravessado por altas intensi-dades que, estranhamente, sempre aqui encontraram um modo de não-confrontação e de hierarqui-zação com mínimas repercussões no plano da representação, que é como quem diz da face.

Sobre a presença portuguesa na RAEM, assim pensa Yao Jing Ming, académico na Universidade de Macau: 15 anos depois “ainda se sente fortemente Portugal”. Para o académico, poeta e tradutor para chinês de autores portugueses, a presença portuguesa “é funda-mental para manter identidade de Macau que é o que torna a cidade muito diferente de outras cidades vizinhas da China”.

“É o legado que os portugueses deixaram e Macau pode e deve aproveitar e explorar da melhor forma para que continue a ser uma cidade com as suas características próprias, com a sua identidade, com a sua diferença. Macau é diferente e essa diferença é fun-damental para Macau”, disse à agência Lusa.

Yao Jing Ming considera também que além da componente económica entre a China e os países de língua portuguesa no Fórum Macau, esta fórmula podia ser replicada para a vertente cultural, aproveitando as condições vanta-josas da cidade, nomeadamente financeiro.

Quem pensa, pensa assim. E quem ama Macau e compreende o húmus em que se enraíza a cultura desta terra, também pensa assim. A ausência da influência portuguesa deverá ser tratada como uma im-possibilidade, na medida em que tal significaria uma tamanha perda de identidade que este espaço se transformaria em qualquer outra coisa mas deixaria de ser Macau. Repare-se que nem o próprio nome da cidade resistiria...

Argumento 1: Repare-se que quando alguém emigra para um determinado país, a língua local impõe-se-lhe como condição sine qua non de sobrevivência. Tal não se passa em Macau onde, com algum inglês mal amanha-do, qualquer português vive e trabalha.

Argumento 2: Aqui existem, basicamente, todos os produtos necessários para elaborar culiná-ria portuguesa. Azeite, bacalhau, enchidos e vinhos, fazem as de-lícias de portugueses e chineses de Macau.

Argumento 3: Um canal de tele-visão e outro de rádio estatais, três jornais diários e dois semanários, em Língua Portuguesa, fazem com que o falante e o leitor de Portu-

guês tenha acesso à informação e ao entretenimento na sua língua.

Argumento 4: Sendo o Português língua oficial, praticamente todos os procedimentos legais e administra-tivos podem ser feitos na língua de Camões. Nos serviços públicos existe atendimento em Português e, sobre-tudo, o direito de exigir, por exemplo à polícia, a presença de alguém que linguareje no nosso idioma.

Argumento 5: Em certos lugares de Macau, a certas horas do dia, é fácil desenvolver a ilusão de se estar num cantinho de terra portu-guesa. Pessanha dixit e é verdade...

Argumento 6: Todos os argumen-tos não utilizados, mas certamente existentes, devem ser considerados incluídos nesta lista.

GONÇ

ALO

LOBO

PIN

HEIR

O

IV hoje macau sábado 20.12.2014RAEM 15 AN S1 9 99 - 20 1 4

ANDREIA SOFIA [email protected]

Quais os maiores desafios que sentiu na qualidade de Secretario-adjunto do Gover-nador Rocha Vieira?Os maiores desafios foram os que se prendiam com o período de transição ― as chamadas “localizações” (da língua e dos quadros da Administração públi-ca), a reforma educativa, o desen-volvimento do ensino superior, a consolidação das instituições da sociedade civil, sustentáculo indispensável do segundo siste-ma, a preparação dos serviços e demais organismos públicos para as mudanças e o acompanhamento activo do processo de transição, nas vertentes política e adminis-trativa. Já tinha sido membro do Governo de 1981 a 1986, além de ter desempenhado outros altos cargos na dependência directa dos seis últimos governadores de Macau, além dos dois últimos governadores da então Guiné Portuguesa. O período de transi-ção foi, indubitavelmente, o mais difícil e exigente. Em 1996 tive um sério problema de saúde, do foro oncológico, que me manteve hospitalizado durante cerca de três semanas e me obrigou a uma bem sucedida intervenção cirúrgica em Hong Kong. Pareceu-me ser razão bastante para deixar o cargo, num período de luta diária contra o tempo, para cumprimento tão completo quanto possível dos pro-gramas definidos para a transição. Esperava deixar o Governo nessa altura mas, na visita que o Gover-nador Rocha Vieira me fez, fiquei a saber que me estavam reservadas acrescidas responsabilidades, sobretudo relacionadas com os assuntos finais da transição.

Acabou então por ficar. Em termos pessoais, este terá sido o maior dos desafios ― o de querer superar as limitações causadas pelas sequelas resultantes daquele problema de saúde e cumprir da melhor forma as novas missões que me foram sendo entregues.

ANA MARIA PEREZ, que liderou a tutela da Saúde até 1996, quis dar os parabéns à RAEM: “Felicito a RAEM pela passagem do seu 15º aniversário, fazendo votos de que prossiga na senda do seu desenvolvimento e progresso com os olhos postos no bem estar e na qualidade de vida da sua população”, disse ao HM.

15 anos passados sobre a criação da RAEM, quisemos entrevistar o último elenco do Governador português Vasco Rocha Vieira. Contudo, apenas Jorge Silveira, Secretário-adjunto da Justiça, e Jorge Rangel, Secretário-adjunto da Administração, Educação e Juventude, responderam ao apelo. Nem todos estarão em paz...

Esteve quase para deixar o barco a meio por motivos de saúde. Com o incentivo de Rocha Vieira, Jorge Rangel continuou a liderar as areas da Educação e Administração Pública até Macau passar para os chineses. Promete um dia contar mais detalhes do processo de transição e, 15 anos depois, pede uma “reestruturação da Administração Pública no seu todo”

JORGE RANGEL, SECRETÁRIO-ADJUNTO PARA A ADMINISTRAÇÃO, EDUCAÇÃO E JUVENTUDE DE 1991 A 1999

“Não guardei boas recordações de tudo o que aconteceu”

Como caracteriza os últimos anos do Governo português em Macau?Foi um Governo apostado no cum-primento da missão que aceitou. Houve fases de maior sintonia e ou-tras de mais difícil relacionamento com os órgãos políticos nacionais, sobretudo nos últimos anos. Não guardei boas recordações de tudo o que aconteceu. Espero ainda poder, já com o necessário distanciamento e se ainda houver interesse nisso, explicar, do meu ponto de vista e pela vivência intensa do período de transição, o que nessa altura se passou e que não chegou a ser completamente do domínio públi-co. Mas o que importa é registar que o Governador Rocha Vieira liderou muito bem a sua equipa governativa e esteve sempre na linha da frente com notável sentido de Missão. Foi um privilégio ter trabalhado tão de perto com ele. Como em qualquer período de mudança histórica, esses últimos anos foram, também aqui, de grande expectativa e de muitas interrogações e incompreensões. Mas foi, para quem tinha respon-sabilidades governativas, de muita determinação e vontade de fazer o melhor.

A assinatura da Declaração Con-junta veio acelerar um conjunto de políticas que ja deveriam ter sido adoptadas anos antes, ao nível do bilinguismo e da im-plementação do português nas escolas?A Declaração Conjunta definiu o enquadramento necessário para a transição. Foi uma decisão políti-ca assumida pelos dois Estados, cabendo ao Governo de Macau executar o acordo firmado. Em 1991, quando o General Rocha Vieira assumiu as funções de

Governador, faltavam apenas oito anos e meio para se atingir o limi-te temporal fixado. O português já era e continuou a ser sempre ensinado em todas as escolas oficiais, num território onde o ensino privado, todo ele forte-mente apoiado pelo Governo, está especialmente desenvolvido. Esta situação mantém-se ao fim de 15 anos de funcionamento da RAEM. Também não se alterou, nas escolas e no sistema educa-tivo, apesar do enorme interesse que a própria República Popular

da China (RPC) tem revelado na maior difusão da língua por-tuguesa. As escolas privadas de língua chinesa usaram sempre o dialecto cantonense como língua veicular e foram, a pouco e pouco, incluindo o mandarim nos planos curriculares, ao lado do inglês, nunca merecendo o português um lugar significativo no currículo escolar.

Porque é que isso acontecia?A resistência foi até muito grande quanto às hipóteses da sua inclu-são. A própria Assembleia Legis-lativa (AL), quando aprovou, no início da década de 90, a Lei do Sistema Educativo recusou essa inclusão, pelo que foi necessário recorrer a acções extra-curriculares com esse objectivo, através de organismos como o Instituto Portu-guês do Oriente (IPOR), as escolas

O Governador Rocha Vieira liderou muito bem a sua equipa governativa e esteve sempre na linha da frente com notável sentidode Missão. Foi um privilégio ter trabalhado tão de perto com ele

hoje macau sábado 20.12.2014 V raem 15 anos

JORGE RANGEL, SECRETÁRIO-ADJUNTO PARA A ADMINISTRAÇÃO, EDUCAÇÃO E JUVENTUDE DE 1991 A 1999

“Não guardei boas recordações de tudo o que aconteceu”

de língua veicular portuguesa e o Centro de Difusão de Línguas dos Serviços de Educação e Juventude (DSEJ). Quanto ao bilinguismo, foi uma preocupação de sempre, no seio da Administração Pública. O período de transição foi tornando crescentemente relevante este desiderato.

Quais os sentimentos que se viveram nos últimos meses de governo de Rocha Vieira no seio da equipa governativa?Eu era, na altura, o único membro do Governo natural de Macau. Dezembro de 1999 foi, para mim e para a minha família, o fim de um tempo de Portugal no Oriente e o começo de uma nova reali-dade para Macau, com contexto, símbolos e futuro político dife-rentes. Além disso, também me foi confiada a tutela do Gabinete

Coordenador das Cerimónias de Transferência, bem como a liga-ção à Comissão Preparatória da RAEM. Acompanhei, pois, até ao último minuto e com enorme intensidade, todo aquele conjunto de cerimónias, bem como o seu período de preparação. Depois da meia noite e logo após a cerimó-nia das bandeiras, desloquei-me ao aeroporto para me despedir do governador, dos colegas e de outras entidades que partiram em dois aviões. Vi-os partir e mais uma vez fiquei. A seguir, ainda fui à cerimónia de posse das autoridades da RAEM. Esse longo dia foi mesmo o meu últi-mo no desempenho de funções públicas. Para mim, depois de quase 25 anos na Administração de Macau, foi também o fim de um tempo. Passei, depois dessa data, a dedicar-me só à actividade

académica e associativa. Sempre acreditei na capacidade e na ne-cessidade de uma sociedade civil forte, empenhada e diversificada. Tem sido uma vivência gratifi-cante. E passei, finalmente, a ter mais tempo para a família, para os amigos e para mim mesmo. Quanto à equipa governativa que integrei, creio que, cada um no seu lugar, procurou cumprir a missão. Houve divergências e desentendimentos? Claro que sim,

mas foram sempre superados. E quase todos souberam reconhecer no chefe dessa equipa enormes capacidades de liderança, coor-denação e orientação.

15 anos depois, como olha para o estado do ensino superior em Macau e das escolas? Quais os progressos e quais as maiores falhas?O ensino superior ganhou um notá-vel desenvolvimento na última dé-cada da Administração portuguesa. Não só foram oficialmente criados a Universidade de Macau (UM) e o Instituto Politécnico de Macau (IPM), ambos em 1991, como se estimulou e apoiou a criação do então Instituto Inter-Universitário de Macau (agora, Universidade de São José), bem como a Universi-dade Aberta Internacional da Ásia (Macau), recentemente convertida em Universidade Cidade de Ma-cau. Ainda no período de transição surgiu o Instituto do Milénio, bem como outras entidades de menor dimensão vocacionadas para o ensino superior, ao mesmo tempo que se deu ao Instituto de Gestão de Macau o estatuto de instituição de nível politécnico. A legislação reguladora do ensino superior foi aprovada no período de transição, bem como o Gabinete de Apoio ao Ensino Superior (GAES). A década de 90 foi a grande década do ensino superior. Pouco depois da transição surgiu a Universidade de Ciência e Tecnologia (MUST) e foi construído para a UM um novo campus de impressionante dimen-são, na ilha chinesa de Hengqin. Os custos, que preocupam inevi-tavelmente as autoridades, foram elevadíssimos, como serão eleva-díssimos os custos de manutenção.

Foi uma decisão política que só o tempo permitirá avaliar, em todas as suas consequências e tendo em conta o binómio custo – benefício que não pode deixar de pesar em todas as decisões no âmbito da gestão pública. Quanto ao ensino não superior, foi dada continui-dade à reforma educativa. Nessa altura foi praticamente renovado o parque escolar de Macau, com a construção de cerca de 50 novas escolas básicas e secundárias e a remodelação de muitas outras. E um esforço que a RAEM tem que-rido prosseguir. A educação deve continuar a ser uma das principais prioridades nas Linhas de Acção Governativa (LAG).

Na área da Administração, fo-ram feitos progressos em termos de desburocratização da Função Pública e na contratação de mais funcionários bilingues?Essa área foi ganhando mais im-portância à medida que nos apro-ximávamos do fim do período de transição. Muito antes dessa fase final, os meus serviços já tinham chefias todas locais e bilingues. Muitos desses quadros, de boa qualidade, mantiveram-se em funções durante muito tempo na RAEM e alguns ainda continuam. A contratação de mais funcioná-rios bilingues foi uma preocupa-ção constante e multiplicaram-se as acções de formação linguística, quer localmente, quer na RPC quer em Portugal, ao longo de todo o período de transição. No que respeita à desburocratização e ao maior uso das novas tecno-logias, os Serviços de Adminis-tração e Função Pública (SAFP) alcançaram resultados que foram reconhecidos. Avançou-se muito, por exemplo, nas práticas admi-nistrativas, no atendimento do público e nos sistemas de gestão de recursos humanos, o que é hoje ainda muito mais necessário, dado que o número de funcionários ao serviço da RAEM quase duplicou. E recomendável uma reestrutura-ção da Administração Pública no seu todo. Oxalá a nova equipa governativa possa fazê-lo.

Foi construído para a UM um novo campusde impressionante dimensão, na ilha chinesa de Hengqin. Os custos (...) foram elevadíssimos, como serão elevadíssimos os custos de manutenção. Foi uma decisão política que só o tempo permitirá avaliar

Espero ainda poder, já com o necessário distanciamento e se ainda houver interesse nisso, explicar, do meu ponto de vista e pela vivência intensa do período de transição, o que nessa altura se passou e que não chegou a ser completamente do domínio público

VI hoje macau sábado 20.12.2014RAEM 15 AN S1 9 99 - 20 1 4

JORGE SILVEIRA, SECRETÁRIO-ADJUNTO PARA A JUSTIÇA DA ENTRE 1996 E 1999

“A convivência pacífica é o maior legado”

ANDREIA SOFIA [email protected]

Deixou Macau em 1999, tendo depois regressado à Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa como docente, tendo sido também provedor-adjunto da Justiça. Como foi regressar a outras funções? O dia 20 de Dezembro representou de facto, também a nível pessoal, uma importante transição; a qual, tal como a política, correu de for-ma tranquila. Era uma transição há muito esperada e interiorizada como inevitável, e a minha vida profissional sempre se adaptou bem a transições. O regresso às aulas na Faculdade de Direito foi estimulante e permitiu-me o reencontro com o Processo Penal, que é uma disciplina apaixonante. E a transição para a Provedoria de Justiça, em 2005, foi outra agradá-vel surpresa.

Que balanço faz da sua passagem por Macau?Macau não representou para mim uma passagem. Foi bastante mais do que isso. Foi a minha segunda casa e desempenhou um papel chave na construção da minha experiência humana. Foram 11 anos de trabalho duro e variado, desde as aulas no pioneiro Curso de Direito da Universidade da Ásia Oriental, passando pelo Gabinete para os Assuntos Legislativos, con-tinuando como Assessor e Chefe do Gabinete, para terminar como Secretário-Adjunto para a Justiça. Mas foram acima de tudo 11 anos de vida, numa cidade cosmopolita e acolhedora, onde sempre me senti bem e onde pude acompanhar o crescimento dos meus filhos. Desembarcar em Macau constitui sempre a redescoberta da minha segunda casa.

Uma parte importante do Direito de Macau escreveu-se com as suas mãos, ao aprovar os cinco grandes Códigos, muitos ainda em vigor. Actualmente aposentado, o último Secretário-adjunto para a Justiça de Rocha Vieira assume que o tempo disponível para o processo de transição não foi suficiente. Sobre o “Occupy Central”, Jorge Silveira diz que o diálogo devia ter existido desde o início. Quanto a Macau, não confia na representatividade das vozes que pedem a democracia, mas defende que devem ser ouvidas

hoje macau sábado 20.12.2014 VII raem 15 anos

Se Macau não valorizar as suas especificidades, corre sérios riscos de ser “engolida” pelo frenético desenvolvimento dos seus vizinhos

Quais os maiores desafios que sentiu na qualidade de Secre-tário-adjunto do Governo de Rocha Vieira? Talvez a imple-mentação de vários Códigos adaptados ao sistema jurídico de Macau?O desafio dificilmente poderia ser mais aliciante: ser o coordenador da construção de todo um sistema jurídico adequado ao Território, respeitador das suas tradições e apto a perdurar por longos anos. O que implicou ser o maestro de uma gigantesca orquestra, que envolveu quase toda a comunidade jurídi-ca. Só assim foi possível, numa verdadeira corrida contra o tempo, com o apoio incondicional do Governador e com a colaboração construtiva do Grupo de Ligação Conjunto, chegar a 1999 com o tra-balho concluído. A aprovação dos Códigos representou, sem dúvida, a principal tarefa. Não apenas no trabalho de encontrar as soluções que melhor salvaguardassem os interesses da população, mas tam-bém na busca da melhor forma de redigir, nas duas línguas oficiais, essas mesmas soluções. A ajuda dos juristas bilingues formados na Universidade de Macau (UM) foi notável e decisiva para o êxito desta empreitada.

Como caracteriza os últimos anos do Governo de Vasco Rocha Vieira? Que sucessos destaca?Sabia-se que se iria encerrar um capítulo significativo da história de Portugal e da sua presença além-mar, e a imagem que iria pre-valecer para o futuro seria a marca do último governador do território. Vasco Rocha Vieira aceitou o de-safio e o risco, e ganhou a aposta. Soube conduzir todo o processo de transição com diplomacia, compe-tência e rigor. Criou laços de res-peito e confiança recíprocos com as autoridades chinesas. Definiu um “enquadramento estratégico de continuidade” que garantiu a Ma-cau autonomia e sustentabilidade económica e social, preservando a sua identidade política e cultural.

Que erros poderiam ter sido evitados?O principal problema que o Gover-nador Vasco Rocha Vieira enfren-tou nos últimos anos foi sem dúvida o agravamento das condições de segurança no território, em resul-tado da actividade criminosa das tríades. Poderia tal instabilidade ter sido evitada? A meu ver, só com uma colaboração empenhada das autoridades chinesas. Por factores diversos, mas alheios à acção do Governador e da sua equipa, essa colaboração tardou a concretizar--se. E só viria a intensificar-se, para bem da RAEM, após 1999.

A assinatura da Declaração Con-junta veio acelerar um conjunto de políticas que já deveriam ter sido adoptadas anos antes, nomeadamente ao nível do bi-linguismo na Administração e da dinamização do português nas escolas?Sem dúvida. Hong Kong partiu para a sua transição numa posição de clara vantagem a esse nível. Na década de 1980 o território tinha uma elite bilingue que já ocupava importantes lugares na administra-ção local. Muitos quadros locais qualificados tinham sido formados na Grã-Bretanha e na Universidade de Hong Kong, criada em 1911.

Quais os sentimentos que se viveram nos últimos meses de governo de Rocha Vieira, no seio da equipa governativa?O dia 20 de Dezembro de 1999 foi passado num Airbus da Air Macau, numa viagem interminável até Lisboa. Um dos meus filhos confidenciou-me mais tarde que à descolagem me rolou uma lágrima. O dia 19 de Dezembro, esse sim, foi um dia memorável. Não tanto pela cerimónia de transferência, mas pelo emblemático momento do último arrear da bandeira portu-guesa no Palácio da Praia Grande, ao pôr-do-sol. Esse, sim, foi para os portugueses o momento para memória futura: comovente, de lágrima no canto do olho e sensação de dever cumprido e consciência tranquila. Na área da Justiça, os últimos meses foram ainda de

intensa actividade legislativa. As negociações no Grupo de Ligação Conjunto no âmbito da localização das leis prolongaram-se até perto do final do ano. Foi trabalhar até ao lavar dos cestos.

15 anos depois, a Justiça de Macau é tida como lenta, devido à falta de magistrados e de pro-fissionais bilingues. Essas podem ser consideradas consequências do pouco tempo que houve para a preparação desses quadros entre a assinatura da Declaração Conjunta, em 1985, e 1999?A lentidão da Justiça não é um problema exclusivo de Macau. Em Portugal, a queixa é recorrente e não temos o problema do bilinguis-mo. Mas sim, claro, uma transição de Macau mais prolongada teria certamente permitido uma RAEM melhor preparada para enfrentar os seus desafios, na Justiça como nas restantes áreas de governação.

Actualmente a UM continua a liderar o ensino do Direito de Macau mas só muito recente-mente começou a disponibilizar um curso bilingue. Essa é uma falha, 15 anos depois?Sem dúvida. Com uma transição mais prolongada teríamos tido condições para que, por exemplo, todos os magistrados fossem bilingues e formados na UM, formados por professores também eles bilingues. Como certamente se recordarão, o projecto inicial do Prof. Oliveira Ascensão, em 1988, era precisamente esse: apostar num curso de Direito com professores

e alunos bilingues. Será que esse plano, se não tivesse sido abortado politicamente, teria, na época, con-dições para avançar e ter sucesso? Nunca o saberemos.

Florinda Chan sucedeu-lhe no cargo enquanto Secretária para a Administração e Justiça, estan-do de saída do Governo. Ainda que à distância, que balanço pode fazer do seu trabalho?Não posso, nem quero fazer essa avaliação. Mas saliento que em Macau continuam a trabalhar magistrados competentes dos quadros de Portugal, advogados, professores universitários e juristas competentes. Quando visito Ma-cau e contacto com muitos desses profissionais, verifico que estão genericamente satisfeitos com o seu trabalho e não antecipam um regresso a curto prazo a Portugal. E verifico igualmente que esses profissionais são respeitados pela comunidade onde trabalham, a qual deseja a sua permanência. Ora, se assim é, parece-me legítimo con-cluir que o sistema de Justiça está a funcionar e a Declaração Conjunta está a ser honrada. O que não é de somenos, tendo em conta os tristes episódios ocorridos recentemente no contexto da cooperação judi-ciária com Timor-Leste.

Macau é hoje um território com um dos maiores PIB do mundo, que recebe 30 milhões de turistas por ano. Contudo, começam a surgir problemas sociais, como a incapacidade para comprar uma casa ou a elevada inflação. Qual será o caminho que a RAEM deve seguir para além do sector do Jogo?Essa definição passa pela resposta à seguinte questão: o que é que a RAEM tem que não se encontra nem nunca se encontrará em Hong Kong nem em Zhuhai? Julgo que é essencial uma aposta forte na-quilo que pode distinguir Macau no contexto da região do Grande Delta do Rio das Pérolas. Trata-se da região mais dinâmica da China e uma das áreas com maior po-tencial de crescimento do mundo. Se Macau não valorizar as suas especificidades, corre sérios riscos de ser “engolida” pelo frenético de-senvolvimento dos seus vizinhos. Sem esquecer que o exclusivo do Jogo pode desaparecer no futuro…

Como olha para as actuais rela-ções entre Portugal e Macau e as visitas de Estado que têm sido feitas ao território e à China? Portugal voltou a dar uma aten-ção a Macau que não deu antes?As relações luso-chinesas já se tinham intensificado após a assi-natura da Declaração Conjunta. Olho para esse fortalecimento com agrado. Graças a Macau, Portugal e China aproximaram-se e encon-tram um no outro um importante parceiro e aliado. Só para dar um

O principal problema que o Governador Vasco Rocha Vieira enfrentou nos últimos anos foi sem dúvida o agravamento das condições de segurança no território, em resultado da actividade criminosa das tríades

Hong Kong partiu para a sua transição numa posição de clara vantagem a esse nível. Na década de 1980 o território tinha uma elite bilingue que já ocupava importantes lugares na administração local

exemplo prático da importância das relações luso-chinesas: a China é o país do mundo onde se aprende mais português como língua estrangeira, contribuindo extraordinariamente para a afirma-ção internacional da nossa língua.

Qual o maior legado deixado pe-los diversos governos de matriz portuguesa em Macau?Quando visito Macau, o que mais me impressiona é encontrar sem-pre uma capital do multicultura-lismo, do bom acolhimento e da tolerância. Numa sociedade com gentes de tantas raças e credos, com impressionante concentra-ção demográfica, com contrastes profundos entre classes sociais, são raras as manifestações de racismo, de ódio religioso, de xe-nofobia, de discriminação… Essa convivência pacífica é, para mim, o maior legado. Mais do que um legado dos governos, é um legado do povo português. Que me enche de orgulho.

Recentemente Vasco Rocha Vieira, em declarações à agência Xinhua, disse estar contra o mo-vimento “Occupy Central” em Hong Kong. No seu caso, como olha para este movimento?Acompanho o assunto à distân-cia. Fico com a sensação que o movimento “Occupy Central” é representativo do que pensa um importante sector da juventude da região vizinha e tem, ou pelo menos teve no seu início, um significativo apoio de toda a população. Merece, por isso, uma especial atenção por parte dos políticos. Julgo fundamental estabelecer pontes de diálogo com o movimento e procurar compromissos. Se esse clima de diálogo tivesse reinado desde a primeira hora, não se teria certamente chegado ao radicalismo nem à violência.

Macau também tem tido algu-mas vozes que também pedem o sufrágio universal para a eleição do Chefe do Executivo. Já tenho mais dúvidas quanto à representatividade das vozes que se têm ouvido em Macau. O que não significa que se negligencie o diálogo entre os principais actores políticos e a juventude macaense, ouvindo a sua voz e procurando reforçar a sua participação e cons-ciência cívicas.

Parece-me legítimo concluir que o sistema de Justiça está a funcionar e a Declaração Conjunta está a ser honrada. O que não é de somenos, tendo em conta os tristes episódios ocorridos recentemente no contexto da cooperação judiciária com Timor-Leste

VIII hoje macau sábado 20.12.2014RAEM 15 AN S1 9 99 - 20 1 4

CECÍLIA L [email protected]

“GOSTO de tirar fotos e tinha participado em várias competições antes de ser fotojorna-

lista. Contudo, só comecei seriamen-te uma carreira nos meus trinta anos. Já lá vão outros 30 e já tenho mais de 60 anos. A minha vida e a realidade de Macau mudaram muito”, disse ao HM o fotógrafo Wong Sang.

Primeiro viu um anúncio de um jornal chinês a pedir um fotojorna-lista, mas disseram-lhe na entrevista que o cargo já tinha sido ocupado. Agora já só podia ser jornalista, cobrindo os acontecimentos do quotidiano. “Achei que como já lá estava, não havia razão para perder o emprego e por isso aceitei a oferta de ser jornalista. Mas, de facto, na-quela época, quase todos jornalistas sabiam tirar fotos”. Para além da agência Lusa, trabalhou também

WONG SANG, FOTOJORNALISTA

TRINTAANOS DE IMAGENSEm 1983, Wong Sang começou a trabalhar num jornal chinês, tendo depois passado para a agência Lusa como fotojornalista, onde esteve alguns anos antes e depois da transferência de soberania. A sua objectiva registou imagens dos últimos 30 anos de Macau

para o Jornal de Macau, dirigido por João Fernandes.

JORNALISMO ONTEM E HOJEAntes de ser jornalista, Wong Sang trabalhara num restaurante, mas a comunicação social é uma causa de gosto e amor. “Uma vez jornalista, é difícil mudar a carreira.” Wong considera que dantes o ambiente do jornalismo era diferente, mais com-petitivo do que agora. “A sociedade desenvolveu-se demasiado rápido, por isso, toda a gente está a olhar para o dinheiro, tal como o sector da comunicação social. Também faço eventos comerciais, mas isso é para ganhar dinheiro. Ser jornalista é para cobrir os acontecimentos sociais.”

Wong não tem muita confiança para o futuro do sector, já não vê com-petição, porque já não há muitos que procuram as notícias novas. “Agora surgiram muitos jornais, mas já não fa-lam tanto dos acontecimentos sociais.” Porque o Governo subsidia a imprensa,

Wong Sang considera muitos só o fazem para ganhar dinheiro, em vez de promoverem o desenvolvimento social. “Isto é minha opinião, mas se calhar os outros pensam que eu é que sou inútil”, diz com um sorriso.

Olhando para as suas fotos, repara que o ZAPE e o NAPE mu-daram muito. “O desenvolvimento dos aterros é o desenvolvimento do jogo e turismo, bem como das casas de luxo.” No ano passado, quatro dos fotógrafos de Macau com mais experiências, incluindo um da Lusa e outro da TDM, fizeram uma expo-sição para mostrar o antigo Macau.

MACAU MUDA MAS NÃO PARA TODOS“Macau muda, mas os residentes mais antigos já não conseguem acompanhar o ritmo do desenvol-vimento”, disse Wong para quem, apesar do aumento dos salário, a qualidade da vida manteve-se igual ou, de certo modo, pior. “É este mau ambiente na habitação, de consumo.

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As ruas são principalmente para as lojas e outros negócios. Tudo isso é pior do que antes, acho eu”, conclui.

No entanto, o fotógrafo concorda com o desenvolvimento dos aterros. “Macau não tem mais terras. O Governo, basicamente, precisa de

proteger o ambiente quando está a desenvolver a cidade. Por exemplo, Sai Van vale a pena a reservar, mas um dia vão construir edifícios altos e isso vai destruir o ambiente. Por isso, estou totalmente contra a construção dos edifícios altos em Sai Van. Tam-

bém nos bairros antigos, por exemplo na zona de São Lourenço, também não é correcto construir casas altas. Mas o Governo já aprovou, apesar de tudo, dois edifícios altos nessa zona”, lamenta Wong Sang.

Quanto à experiência de trabalhar na imprensa portuguesa, Wong Sang lembrou que há grande diferença entre os dois mundos. “A cultura chinesa tem uma ideia de harmonia, mas na ocidental, há democracia. Ou seja, toda a gente tem a sua ideia, o ponto da vista para as notícias também é as vezes diferente. A co-munidade chinesa é mais tradicional, considera que a China está sempre ajudar o Governo da RAEM, mas a imprensa portuguesa critica mais o Governo local”, afirmou.

AS MEMÓRIAS INDELÉVEISA memória mais marcante da sua car-reira é a recente manifestação contra o regime de garantias, à porta da Assem-bleia Legislativa (AL). “Tive a honra de participar nesta manifestação, mas que não foi a maior da história de Macau. De facto, as maiores manifestações de sempre foram feitas pelos funcionários públicos e os estudantes. Já no tempo da administração portuguesa, houve várias manifestações fora da AL e até na sede do Governo. Por isso, agora o palácio já não é aberto para público. Dantes não havia a grade de ferro”, sublinhou.

O dia da transferência de sobera-nia não é o que mais impressionou o fotógrafo. “O que mais me impres-sionou foi, em 1989, quando dezenas de milhares de pessoas saíram a rua a apoiar o movimento do estudantes em Pequim. Contudo, agora, não se comenta o caso, mas antes houve muitas pessoas locais a apoiar, hoje nem se consegue imaginar”, lembrou o fotógrafo.

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AS grandes superfícies de venda e o aumento consecutivo do preço das rendas são dois

dos maiores problemas para os pequenos comerciantes que ainda continuam a pairar um pouco por toda a cidade. É entre a praça do Leal Senado, a Avenida de Almeida Ribeiro e a zona ribeirinha que se continuam a concentrar as lojas de menor dimensão de venda de lençóis de cama e edredons, por-celanas e esculturas chinesas ou mesmo azeite, farinha e bacalhau. O HM viajou no tempo até à vida no território antes da transferência

É a vontade de agradar, o contacto com a clientela e o desejo de bem fazer que continua a deixar um sorriso na cara de quem por aqui faz negócio com portugueses desde muito cedo. A transferência para a China aconteceu há 15 anos, mas alguns comerciantes continuam a encomendar produtos lusos para aqueles que por cá continuam

NEGÓCIOS LOCAIS DE PORTAS ABERTAS PARA RECEBER OS PORTUGUESES HABITUAIS

Quem cá fica sempre aparece

LEONOR SÁ [email protected]

FLORA [email protected]

de soberania e encontrou-se com Yao, a vendedora de pentes, meias e chapéus que já tem a sua tendi-nha no Senado desde 1962. Nessa altura, as estruturas – agora situa-das nas estreitas ruelas paralelas à praça – tinham lugar marcado frente à Igreja de S. Domingos, que encerrou portas durante algum tempo devido a uma infestação animal que devastou grande parte do espaço.

Por vezes, é no pouco que está o ganho e a história de Yao não é excepção. Sentada num banco, esta vendedora de avançada idade conti-nua com o mesmo sorriso que, diz, tinha há anos, quando primeiramen-te se instalou no Senado. Passaram--se agora mais de cinco décadas desde que Yao ali se estabeleceu para ter os cidadãos portugueses como clientela habitual.

Em declarações ao HM, lamen-ta que muitos tenham feito malas rumo a casa. “Os portugueses são muito simpáticos”, diz Yao, senta-da num pequeno banco. Até 1999, foram vários os portugueses que paravam na tendinha desta residen-te para comprar o que lá em casa fazia falta. “Alguns deles falavam cantonês, por isso conseguíamos comunicar bem”, diz, com um ar visivelmente satisfeito.

No entanto, as necessidades do quotidiano não passam somente por pentes e coisas que tal, o ali-mento sendo o mais essencial. O sinal dos tempos denuncia a idade da mercearia Tong Fong, mas nem isso faz com que o espaço fique va-zio. A pequenos passos apressados, os empregados de Siu, proprietária da antiga mercearia, vão aviando pedidos, deixando sacos no balcão

e notas para o troco dos fregueses. Há azeite, salsichas e até bacalhau seco nesta loja, lembrando que ali ainda se faz negócio com o povo luso.

A clientela diminuiu larga-mente, mas a farinha continua a ser dos produtos que mais sai para as cozinhas portuguesas. “Dantes, este era dos poucos sítios que tinha farinhas especiais para bolos, chocolate ao peso e outros produtos”, explica Siu. A banca de venda mais visível à porta deixa mostrar latas de azeite e outras de salsicha. O bacalhau, esse jaz inerte em sacos de plástico pen-durados em cabides.

Mesmo debaixo das arcadas do Senado estava o estabelecimento de comes e bebes conhecido como “Vaquinha” e a explicação para o nome é simples: este era o restau-

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NEGÓCIOS LOCAIS DE PORTAS ABERTAS PARA RECEBER OS PORTUGUESES HABITUAIS

Quem cá fica sempre aparecerante que está agora na Almeida Ribeiro e exibe uma vaca como símbolo. Também a vila da Taipa era poiso habitual, incluindo o res-taurante “Pinóquio”, agora menos popular entre a comunidade para passar a ser frequentados pelos turistas da China.

AS PÉROLAS DA FAMÍLIAFoi, no entanto, ao To Po que o HM foi procurar réstias de outras paragens. Assim se chama uma das mais antigas e prestigiadas ourivesarias daquilo a que muitos gostam de apelidar “o tempo dos portugueses”. Contudo, dentro deste espaço, esse não se conta. “As pérolas para colares, brincos e pulseiras são os produtos prefe-ridos das portuguesas desde sem-pre”, diz William Chui. Há mesmo quem tenha tenha já regressado a Portugal e continue a dar um salto ao To Po para arranjar colares já antigos durante as visitas à região.

“Actualmente, o número de clientes portugueses desceu para um décimo daquilo que tinha há 20 anos”, diz Chui ao HM. A es-cassez de clientes portugueses é notória, mas esse facto não causa desconforto a estes comerciantes, que para além de terem à sua porta ávidos consumistas do continente, continuam a receber de portas e braços abertos, o povo luso que mantém as rotinas de sempre.

Tal como a To Po, também Kuok abriu a sua loja no final dos anos 60. Fatos de calças, camisas e casacos para vestir os mais graúdos da cabeça aos pés. É isso mesmo que Kuok faz, numa das alfaia-tarias mais antigas e conhecidas da comunidade portuguesa. “As pessoas foram passando a palavra sobre o meu trabalho de boca em boca e ainda tenho vários clientes habituais por causa disso”, explica o alfaiate.

Entre réguas, máquinas, farra-pos e tesouras de costura, Kuok vai alinhavando casacos e calças junto do balcão. “A maioria dos clientes portugueses são fun-cionários públicos e assessores jurídicos”, começa por explicar ao HM. Atrás do balcão, está exposta uma fotografia que congelou no tempo o ex-presidente português Jorge Sampaio, junto de Kuok. Foi o alfaiate do antigo dirigente e de muitas outras personalidades.

De olhos postos na montra, o

alfaiate comenta que as rendas são difíceis de suportar e é por isso mesmo que muitas das lojas de antiguidades e mobília chinesa da Rua de S. Paulo fecharam portas. “Dantes, a Administração dava dinheiro para as pessoas terem os seus produtos expostos, mas agora não e é difícil pagar ao final do mês”.

O cheiro da madeira tipicamen-te chinesa quase se fazia sentir rua fora, mas as lojas de antigamente estão agora a ser subsituídas por espaços de design e de venda de roupa. “Hoje em dia e como estes produtos [mobiliário chinês] é mais caro, as pessoas preferem ir a sítios com peças mais simples e gastar menos”, continua Kuok, visivelmente desapontado.

FAZER CONTAS EM PORTUGUÊSNestes espaços, a comunicação entre a gerência e a clientela es-trangeira é feita em inglês, pois “é uma língua universal”, diz a pro-prietária. Ao virar costas e rumar para o mar de turismo incessante que palmilha o centro da cidade, ouvem-se dois ou três tímidos “obrigado” que apaziguam qual-quer alma que se julgue do outro lado do mundo, longe daquilo que é nosso. “Em português sei dizer 1, 2, 3 e outros números, por causa das contas”, confessa Siu.

Há, no entanto, uma tradição especial na Tong Fong: os clientes portugueses que assentem o nome

dos produtos na língua de Camões. É que não faltam dicionários nas traseiras da loja e Siu gosta de aprender coisas novas. “Baca-lhau”, “azeite” e “arroz” são das poucas palavras que domina, mas nem isso a impede de continuar a receber, pelo menos uma vez por mês, vários clientes portugueses que por cá já andam desde os anos 80.

É já raro ouvir-se falar portu-guês em Macau. Se noutros tempos os telefones do Governo eram atendidos na língua de Camões, hoje é quase impossível que tal aconteça. O cantonês dita as con-versas de todos os dias, sejam elas um simples “quanto custa?”, mas William Chui, gerente da ouriver-saria To Po também tem algumas expressões portuguesas na manga e que o capacitam de discutir preços e a qualidade dos produtos. Mais uma vez, é atirado um “obrigado” que dá saudades de um tempo em que o Jogo só tinha um rei e as ruínas de S. Paulo eram só uma fachada para fotografia de postal. E porque uma rua característica conta sempre mais história do que as outras, Kuok não surpreende quando refere saber algumas coisas em português. “Sei dizer quando chega a encomenda, discutir mo-delos, preços e cores, dizer o que fica melhor às pessoas”, adianta o alfaiate, que tem vindo a lidar com esta comunidade desde que abriu portas pela primeira vez.

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INÊS SANTINHO GONÇALVESLusa

“NA China, os estu-dantes aprendem que há muitos li-mites, não podem

saber muita coisa que para nós significa liberdade. Macau é um pouco como um país estrangeiro, as pessoas, aqui, podem pensar nas coisas que o Governo chinês não deixa”, diz Wallis Lau, de 15 anos. Venus Leong, de 17 anos, concorda: “Acho que em Macau tenho mais liberdade. Na China são obrigados a aprender sobre

“Há cada vez mais chineses do continente a vir para Macau e fica tudo cheio.Às vezes isso é mau, nem nos conseguimos mexer de tanta gente que há”HEIDI CHOW

O INDEFINÍVEL AROMA DA LIBERDADE

“Na escola disseram-me quePortugal governou Macau e sei que épor isso que se fala português e temos alguns edifícios antigos”LINDA HAN

“A China não é uma coisa positivapara nós. Sinto-me de Macau, e, aqui, não amamos a nação como os outros”DOROTHY LEUNG

Os jovens de Macau nascidos durante a passagem de administração do território de Portugalpara a China receiam que a aproximaçãodo gigante vizinho venha diluir a sua identidade. Dorothy Leung, Wallis Lau, Stephen Wong, Venus Leong, Linda Han e Heidi Chow têm entre 15 e 18 anos, são de Macau, e não transportam qualquer memória da administração portuguesa. De Portugal sabem que passou por aqui, deixou edifíciose gastronomia, calçada e placas na rua,mas pouco mais. Quando falam sobre Macau elogiam o encontro de culturas e a liberdadeque o território goza em relação à China continental

alguns assuntos políticos. Macau é mais liberal”.

SER DE MACAUMas o que significa, afinal, ‘ser de Macau’ para quem só conhece o território como ele é hoje? “É um sítio muito especial, não é China, não é Portugal. É Macau”, resume Dorothy Leung, de 18 anos.

“Ser de Macau é para mim uma coisa muito interessante. A China e Macau são muito diferentes, na cultura e principalmente na educa-ção”, explica Wallis Lau.

Já Stephen Wong, de 16 anos, e Linda Han, de 17, acreditam

que o que diferencia a cidade do resto do mundo são os casinos, principal fonte de riqueza do território.

Para Heidi Chow, 15 anos, nas-cida em Hong Kong, Macau surge por oposição ao território vizinho: uma cidade mais “relaxada”, onde os estudantes se sentem “mais confortáveis”, menos sujeitos à pressão da competitividade e com mais tempo livre.

PORTUGAL DISSEMINADOSobre a passagem dos portugue-ses por Macau, que durou mais de quatro séculos, sabem pouco.

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O INDEFINÍVEL AROMA DA LIBERDADE

“Não quero ser limitada, as pessoas devem ter o direito de lutar pelo que quereme dizerem o que querem. A liberdadeé a coisa mais importante para mim”WALLIS LAU

“Macau tem muitos problemas,é uma terra de casinos, estão em todoo lado. Isso é mau. Se um dia os casinos fecharem, Macau morre”STEPHEN WONG

“Acho que em Macau tenho mais liberdade. Na China são obrigados a aprender sobre alguns assuntos políticos. Macau é mais liberal”VENUS LEONG

“Os meus pais quase nunca falam disso”, confessa Dorothy Leung. Wallis Lau admite que sobre história não sabe muito, mas identifica em Macau “bastante da cultura portuguesa”, ainda que “não o suficiente para os cidadãos conhecerem”.

“Na escola disseram-me que Portugal governou Macau e sei que é por isso que se fala por-tuguês e temos alguns edifícios antigos”, comenta Linda Han. Tal como Heidi Chow que só ouviu falar da Administração portuguesa nas aulas. “Não sei muito sobre isso. Mas acho que o português

tem cada vez menos impacto em Macau”, diz.

OPTIMISTAS QBAo contrário dos europeus, os jovens de Macau são extremamente optimis-tas em relação ao futuro, nem sempre por acreditarem que a sua terra natal, com um dos maiores Produto Interno Bruto per capita do mundo, lhes dará as oportunidades que desejam, mas porque a prosperidade do território os impede de prever dificuldades incontornáveis.

“Acredito que, se der o meu me-lhor e criar oportunidades, o futuro vai ser bom”, diz Linda Han. “Daqui

a 10 anos haverá muitos empregos para mim”, acredita Stephen Wong.

Menos cor-de-rosa é o futuro de Macau, que acreditam vir a sofrer cada vez mais pressão da China continental, em termos demográficos e políticos.

“Neste momento, as coisas estão bem, mas não podemos receber mais da China, mais políticas, mais envol-vimento. Já estamos no máximo. A China não é uma coisa positiva para nós. Sinto-me de Macau, e, aqui, não amamos a nação como os outros”, defende Dorothy Leung.

A estudante acusa o excesso de pessoas nas ruas, numa cidade que, em 2013, recebeu 29,3 milhões de tu-

ristas. “Não se trata de receber menos pessoas da China, todos os visitantes são bem-vindos. Mas estão a invadir--nos, estão a tentar mudar Macau, não se estão a adaptar”, critica.

LIBERDADE ACIMA DE TUDOHeidi Chow vê o problema a agravar--se ainda mais. «Há cada vez mais chineses do continente a vir para Macau e fica tudo cheio. Às vezes isso é mau, quando vamos às compras nem nos conseguimos mexer de tanta gente que há”, protesta.

Já Stephen Wong preocupa-se com a sustentabilidade da economia, hoje totalmente dependente do jogo.

“Macau tem muitos problemas, é uma terra de casinos, estão em todo o lado. Isso é mau. Se um dia os casinos fecharem, Macau morre”, lamenta.

Wallis Lau acha que o futuro já se vê de Hong Kong, onde a luta pela democracia evidencia uma vontade das pessoas de se libertarem do gigante continental: “Em Hong Kong, as pessoas estão a lutar pela sua liberdade, porque a China está a tentar limitá-la. Isto preocupa-me. Não quero ser limitada, as pessoas devem ter o direito de lutar pelo que querem e dizerem o que querem. A liberdade é a coisa mais importante para mim”.

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REVER Macau, numa viagem onde mergulhado na cidade à partida, em reflexão se faz a ponte para, remodelada, encontrar a harmo-

nia do viver urbe. Os acrescentos à planta urbana fizeram mudar Macau e a cidade ainda não voltou a ser repensada pelo todo da sua unidade.

Remodelar é o que o número dos 15 anos, número simbólico da porta a deixar ver o espelho no momento, um (10) ciclo e o meio (5), Natureza de que nos fazemos e dela tiramos, o que de nós entendemos.

O globalizar só vem pelas intersecções do não poder reunir e englobar. É pelo não querer saber que nos restringimos até ao pontual denominador comum, que permite a uma liberdade viver do caos das verdades de cada um. E pelo estatutário pensar pela pró-pria cabeça, se reduz tudo ao subconsciente.

O sopro qi de Macau, que regula a cidade numa dança frenética de deslocação de ar, cresce como muralha no barroco chegar ao céu de ilha, sobre bairros antigos que em estreitos e arruinados caminhos pedonais, estão esquecidos para o turismo. Com um potencial de diversificação, mesmo para as multidões de turistas se passearem num espaço museológico, por labirintos de becos, pátios e travessas, ao longo de um caminho com História, a cruzar o antigo Bazar para o Porto Interior, no coração da cidade.

Daí a urgência de se rever a planta de Macau pelo todo da sua unidade e permitir fazer do bazar o porto de aguada, para quem anda no mar, yang espaço aberto; e tomada a água, o Regresso a crescer no yang: o yin.

Antes da partida, nada como rever a re-nascentista viagem de Trato nos 460 anos de Macau e pelo momento: após o ciclo fechado na intersecção de 445 anos de administração portuguesa em território chinês, o dia 19 para 20 de Dezembro de 1999 serve para reunir o olhar de chegada a um espaço novo, cujo pensar já não se preocupa com o que pensas mas como pensamos.

Nessa viagem, à partida, o desconhecido estar e ao andar, descobrem-se civilizações com mundos que tilintam no inconsciente, mas não reflectidos. E só despindo as memó-rias ao adulto para fazer ponte e não usando as suas projecções, chega à reflexão apenas de novo pelo estar de criança, quando atinge o ancião definido do todo, momento.

Se na viagem de ida, o espaço do mundo se abre e só nele entramos despidos da ânsia de provar as verdades que trazemos, no re-gresso, à medida que se avança para o ponto de partida, fecham-se ciclos do ir e voltar e à chegada... num novo mundo saímos.

Os desejos da materialidade com que nos pensávamos ganharam o espírito da energia pelo transporte para a outra margem.

Alto aqui! Estou desde Portugal a enviar este texto como meio, o de expressar partidas e chegadas ao momento, que ainda não deixou de o ser apesar desse espaço do pensar ter as vibrações fora da folha de papel ou do ecrã.

UM QUINZE ANOSChegados às comemorações dos quinze anos de Região Especial Administrativa de Macau perguntamos, o que fazemos aqui? Ou, em que é que poderemos ajudar?

O inconsciente do Ser é estar e aí espanto, o Universo expande-se em mundos de um ciclo na casa da decimal medida em que o zero 0 é a área abarcada e dá a direcção. Wu Ji que permite definir o espaço onde é criado o Tai Ji e roda o quadrado mágico

MOMENTO DE 15 ANOS

JOSÉ SIMÕES MORAIS

hoje macau sábado 20.12.2014 XV raem 15 anos

Sentados à mesa, crendo que seremos os últimos a levantar das cadeiras e rir ao ver o parceiro do lado a ser trinchado sobre a mesa e nesse jogo segue e... ao só restar o último, autofagicamente vai terque se comer a si mesmo

dos números. Os sentidos são os vectores de força yin-yang, que ligados no todo se englobam, complementando-se, ou, quando em competição, ocupam elasticamente os espaços, sem nunca poder tomar pelo todo, pois dentro dele, existe o outro de nós.

A ocidental mente não sai do fosso do estar adulto, com as suas projecções e pers-pectivas onde o erro está no não se precisar de estar para ser e assim, o ciclo do adulto como definidor do eu e o mundo. Já o oriente não se gasta nessa causal construção racio-nal com uma lógica aristotélica feita pelo e para o individual. No UNO, momento da filosofia do Tao, no estar pertença realiza-se a erudição de ancião. O inconsciente cal-deirão comunica ao espírito a procura pelo rito o interior e encontra o outro na festa, o englobar na celebração do reunir.

Após tal cerimónia, assistir a jovens adultos com pretensões de mudar o mundo por fora, quando o seu universo não alcançou a reorientação, fim de ciclo para criar por espelho outros ciclos e é nesse retorno que se percebe estar a linha rectilínea e uniforme dada na informação, apenas numa mesma orientação, com as suas diferentes versões. Será isto liberdade de informação? Nessa linha do hexagonal pensar, o 6 como fim de ciclo, logo querendo-se a fazer o céu, mas ... para atravessar partiu o espelho e com o 5 no fosso, do meio se fez centro.

Em vez de reflectir, projecta-se. Ultrapas-sa-se com o ser sem estar e impõe o 6 como o ponto de fuga na perspectiva focada pelos olhos para fora, a fazer céu enquanto, o que projecta são imagem de realidades mentais e só pela imposição das leis definidas pela máquina, como modelo, aí se cola o ser vivo.

Ponto de partida do Gótico, após a chegada dos livros gregos guardados pelos árabes e logo na evolução com a ânsia da altura, medir pelo Renascimento Ocidental a projecção que a ciência veio impulsionar pela perspectiva com que se lê o mundo e assim... construímos a substância por con-ceitos memorizados em imagens mentais, que materiais apenas no estar podem ser aquilatados. E por isso, o número de carros aumenta e a cidade afastada das pessoas por essas barreiras estacionadas, quando nas garagens deviam estar, que ocupam todos os espaços aos caminhos pedonais que, qual estradas livres de veículos, permitem atravessar a cidade cujo tamanho ainda é feito para andar a pé.

CHEGADA AO FIM DA VIAGEMFeita por civilizações, a riqueza das culturas das gentes envoltas nos cenários que pela sua grandeza transformam e nos envolvem num realismo fantástico ao viajar pelo interior do mundo que é a China. Só nele imbuído e intuído, se aproxima dos enquadramentos em nuances das figuras vistas por fora, quando estamos dentro deste país, que existe mesmo dentro das comunidades chinesas espalhadas no mundo. Já um historiador alemão refere que “o europeu fora do seu país sente-se estrangeiro e os chineses, fora ou dentro da China, consideram-se sempre chineses”.

Por imagem civilizacional, nas povoa-ções e cidades chinesas quando existem pes-soas, os edifícios desaparecem, tal a presença de tamanhos vultos. Tão forte que só à noite, passeando pelas ruas desertas se descobrem edifícios magníficos ensombrados pela riquíssima presença humana durante a luz do dia, que traz a casa para a rua expondo o mundo escancarado de porta aberta.

O estar em Macau reflecte nesse caldei-rão e visto pelas bordas da boca do mundo em que vivemos, tem a quinta dimensão do momento desse espelho. É ver o excelente e vibrante trabalho que em Macau foi realiza-do na área musical, tanto nos espectadores, como para os executantes.

Fazer Macau como cidade museológica para as pessoas, sendo o quotidiano dos habitantes protegido pelos Tou Teis que na soleira da porta guardam a unidade ao Temp(l)o.

Em vez de reduzir, dar mais e maiores passeios à cidade, já que são pessoas que ao atravessar uma avenida têm que ficar à espera no meio das faixas para em magote e apressadamente à luz verde para peões chegarem à outra margem, pois as máquinas tomaram conta do espaço.

Cheiro e o sabor do degustar realizam-se pelas festas para comemorar os números 1 e 5, que perfazem os quinze anos da RAEM, bandeira de esperança num pensar espaço de flor de lótus a escutar as formas de co-nhecimento feito pelas diferentes medidas do mar e como porto, aqui aterramos num momento e ao dividir estes 15 anos pelo sistema hexagonal compreende-se o To Be da questão.

Sentados à mesa, crendo que seremos os últimos a levantar das cadeiras e rir ao ver o parceiro do lado a ser trinchado sobre a mesa e nesse jogo segue e... ao só restar o último, autofagicamente vai ter que se comer a si mesmo.

Creio ser Macau uma porta para cons-ciencializar diferentes mundos que estão no presente momento e daí escutar e remode-lando, alcançar de novo a cidade o centro, que como meio englobe os habitantes no todo, que é o viver Macau. Cidade onde numa hora se tratam de todos os assuntos referentes à administração, eficiência que suaviza as multidões nos passeios, quando muitas ruas poderiam ser entregues aos peões sem a perda do escoamento do trânsito.

É para a construção dessa emoção do ser Macau que brindo aos 15 anos de Administra-ção da RAEM e um novo folgo de qi já que o dragão se deslocou da sua posição e, assim, é desejável refazer o plano urbano da cidade.