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SUSAN ELISABETH DOMINGUES COSTA JORGE
“CORRELAÇÃO ESTRUTURA-FUNÇÃO DE
VARIANTES DA HEMOGLOBINA HUMANA”
“STRUCTURE-FUNCTION RELATIONS OF HUMAN
HEMOGLOBIN VARIANTS”
CAMPINAS
2013
ii
iii
UNIVERSIDADE ESTADUAL DE CAMPINAS
FACULDADE DE CIÊNCIAS MÉDICAS
SUSAN ELISABETH DOMINGUES COSTA JORGE
“CORRELAÇÃO ESTRUTURA-FUNÇÃO DE
VARIANTES DA HEMOGLOBINA HUMANA”
“STRUCTURE-FUNCTION RELATIONS OF HUMAN
HEMOGLOBIN VARIANTS”
ORIENTADORA: Profa. Dra. Maria de Fátima Sonati
CO-ORIENTADOR: Prof. Dr. Munir Salomão Skaf
Tese de Doutorado apresentada ao Programa de Pós-
Graduação em Ciências Médicas da Faculdade de Ciências
Médicas da Universidade Estadual de Campinas para obtenção
do título de Doutora em Ciências Médicas, área de concentração
Ciências Biomédicas.
Doctorate thesis presented to the Medical Sciences Postgraduation
Programme of the School of Medical Sciences of the University of Campinas
to obtain the Ph.D grade in Sciences.
ESTE EXEMPLAR CORRESPONDE À VERSÃO FINAL DA
DISSERTAÇÃO DEFENDIDA PELA ALUNA SUSAN
ELISABETH DOMINGUES COSTA JORGE E ORIENTADA
PELA PROFA. DRA. MARIA DE FÁTIMA SONATI.
_____________________________
Profa. Dra. Maria de Fátima Sonati CAMPINAS – SP
2013
iv
v
vi
vii
DEDICATÓRIA
Às famílias que participaram
deste trabalho... dedico não
somente este estudo, mas todo meu
esforço e respeito...
viii
ix
“Todas las teorías son legítimas y ninguna tiene importancia.
Lo que importa es lo que se hace con ellas.”
Jorge Luis Borges
x
xi
AGRADECIMENTOS As palavras com singeleza aqui colocadas são poucas e as linhas muito
curtas para expressar o sentimento de gratidão a tantas pessoas que
partilharam deste processo de formação. Pois que, muitos foram os desafios,
inúmeras foram as barreiras atravessadas.
Por isso, antes de mais nada, agradeço à vida pelas lições que me tem
ofertado, as experiências e as pessoas presentes nesta trajetória...
Agradeço à minha família, especialmente a meus pais, refugiados de
guerra fratricida que encontraram em terras brasileiras a oportunidade da
reconstrução. São meus verdadeiros exemplos de determinação, honestidade
e trabalho para enfrentar adversidades e transpor as barreiras do
conformismo, seja ele social ou de foro íntimo.
Ao hospital de clínicas, meu ambiente de trabalho, que não somente
acolheu às famílias que fizeram parte deste estudo, mas que também atendeu,
com muita competência, à dor que se avizinhou de minha própria família
durante o período desta tese.
Aos amigos queridos: aos velhos e sempre companheiros; aos novos, que
passaram ao rol de velhos e companheiros amigos.
Aos meus tutores, que me deram as ferramentas necessárias ao
pensamento científico, com propósito e proveito: minha orientadora Fátima
Sonati e meu co-orientador Munir Skaf, que agradeço pelo estímulo e
experiências divididas; aos Profs. Darío Estrin e Marcelo Martí, meus
“directores argentinos” que me fizeram enxergar sempre mais longe,
apresentando-me ao “mundo” de possibilidades; aos meus amigos e
colaboradores Ariel Petruk e Elzinha Kimura pelas discussões intermináveis
que enriqueceram o trabalho. Ao Synue querido, por simplesmente “arrancar”
uma monografia de mim!
Agradeço à Fapesp (Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São
Paulo) pelo suporte financeiro, sem o qual não seria possível a execução deste
trabalho e esta viagem rumo ao conhecimento.
xii
Aos mais céticos, aos que fecharam as portas por não acreditarem na
possibilidade de execução deste estudo, também o meu agradecimento. Por me
auxiliarem no aprimoramento e refinamento da técnica, por me fazerem
perseverar, seguir e ver mais adiante...
xiii
SUMÁRIO
RESUMO ................................................................................................................. 25
ABSTRACT .......................................................................................... 27
I. INTRODUÇÃO ...................................................................................................... 29
1.1. Estrutura da Hemoglobina ............................................................................... 31
1.2. Interação Alostérica Homotrópica: Cooperatividade heme-heme ....... 40
1.2.1. Constante de Hill ................................................................................................... 41
1.2.2. Constante de Adair ................................................................................................ 43
1.3. Modelos de ligação alostérica ........................................................................... 44
1.3.1. Modelo de Simetria - MWC ................................................................................... 44
1.3.2. Modelo Sequencial - Esquema de Adair e KNF ................................................... 46
1.3.3. Modelo Estereoquímico de Perutz ....................................................................... 47
1.4. Interação Alostérica Heterotrópica ................................................................ 49
1.4.1. 2,3-Bifosfoglicerato (2,3-BPG) ............................................................................... 50
1.4.2. Efeito Bohr ............................................................................................................. 52
1.4.3. Ânions Cloreto - Cl- ................................................................................................ 53
1.4.4. Efeito de Temperatura ........................................................................................... 54
1.4.5. Efeito do CO2 .......................................................................................................... 56
1.5. Hemoglobinopatias............................................................................................... 57
II. OBJETIVO .............................................................................................................. 63
III. MATERIAIS E MÉTODOS ............................................................................... 67
3.1. Variantes da hemoglobina humana ............................................................. 699
3.2. Estudos funcionais ............................................................................................... 71
3.2.1. Método Espetrofotométrico Tonométrico .............................................................. 71
3.2.2. Cálculos de p50 e Constante de Hill ..................................................................... 77
3.2.3. Método Automatizado - Hemox Analyzer ............................................................. 82
3.3. Stopped Flow .......................................................................................................... 84
3.3.1. Constante de dissociação Hb-O2 - Koff ................................................................. 87
3.3.1.1. Koff na presença de IHP ............................................................................................ 93
3.3.2. Constante de ligação Hb-CO - KonCO ..................................................................... 94
xiv
xv
3.4. Estudos de Polimerização .................................................................................. 95
3.5. Simulação de Dinâmica Molecular (MD) ..................................................... 96
IV. RESULTADOS E DISCUSSÃO ........................................................ 103
4.1. Variantes com substituições na Interface 12 ...................................... 105
4.1.1. Hb Coimbra [99 (G1) AspGlu] .................................................................................... 106
4.1.2. Hb Setif [94 (G1) AspTyr] ........................................................................................... 118
4.2. Variantes com alterações de afinidade ....................................................... 124
4.2.1. Hb Chelsea [38 (C3) ThrIle] .......................................................................... 124
4.2.2. Hb F-Valinhos [G46 (CD5) Gly→Ser] ............................................................................. 132
4.3. Variante com Propriedade de Polimerização ........................................... 137
4.3.1. Hb S-São Paulo [6 (A3) GluVal; 65 (E9) LysGlu] ................................... 137
4.4. Variantes Instáveis ............................................................................................ 143
4.4.1. Hb Caruaru [122 (GH 5) PheSer] .............................................................................. 144
4.4.2. Hb Olinda [22(B4) - 25(B7) Glu-Val-Gly-Gly0] ......................................................... 152
V. CONCLUSÃO ...................................................................................................... 165
VI. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS .......................................................... 171
VII. ANEXOS ................................................................................................................ 181
Hb S-São Paulo: A new sickling hemoglobin with stable polymers and decreased oxygen affinity ........ 183
xvi
xvii
LISTA DE ABREVIATURAS Hb Hemoglobina
RN Recém-Nascido
Koff Constante de Dissociação Hb-ligante
Kon Constante de Ligação Hb-ligante
R Estrutura Quaternária Relaxada (favorável à ligação com O2)
r Estrutura Terciária Relaxada (favorável à ligação com O2)
T Estrutura Quaternária Tensa (desfavorável à ligação com O2)
t Estrutura Terciária Tensa (desfavorável à ligação com O2)
MD Molecular Dynamics Simulation
Ala A Alanina
Arg R Arginina
Asn N Asparagina
Asp D Ácido Aspártico
Cys C Cisteína
Glu E Ácido Glutâmico
Gln Q Glutamina
Gly G Glicina
His H Histidina
Ile I Isoleucina
Leu L Leucina
Lys K Lisina
Met M Metionina
Phe F Fenilalanina
Pro P Prolina
Ser S Serina
Thr T Treonina
Trp W Triptofano
Tyr Y Tirosina
Val V Valina
xviii
xix
LISTA DE TABELAS Tabela 1. Dados analíticos e clínicos das variantes de hemoglobina estudadas. ..................... 69
Tabela 2. Valores de p50, Constante de Hill e Constantes de Adair da Hb Coimbra. ........... 108
Tabela 3. Valores das constantes de dissociação Hb Coimbra-O2 na ausência e presença de
IHP (Koff) e constante de ligação Hb Coimbra-CO (KonCO), por Stopped Flow....................... 112
Tabela 4. Valores de p50, Constante de Hill e Constantes de Adair da Hb Setif................... 119
Tabela 5. Valores das constantes de dissociação Hb Setif-O2 na ausência e presença de IHP
(Koff), por Stopped Flow. ............................................................................................................. 121
Tabela 6. Valores de p50, Constante de Hill e Constantes de Adair da Hb Chelsea. ............ 126
Tabela 7. Valores das constantes de dissociação Hb Chelsea-O2 na presença e ausência de
IHP (Koff), por Stopped Flow. ..................................................................................................... 130
Tabela 8. Valores de p50, Constante de Hill e Constantes de Adair da Hb F-Valinhos. ....... 133
Tabela 9. Valores das constantes de dissociação Hb F-Valinhos-O2 na presença e ausência de
IHP (Koff), por Stopped Flow. ..................................................................................................... 136
Tabela 10. Valores de p50, Constante de Hill e Constantes de Adair da Hb Caruaru. ......... 145
Tabela 11. Valores das constantes de dissociação Hb Caruaru-O2 na ausência e presença de
IHP (Koff), por Stopped Flow. ..................................................................................................... 148
Tabela 12. Valores de p50, Constante de Hill e Constantes de Adair da Hb Olinda. ............ 153
Tabela 13. Valores das constantes de dissociação Hb Olinda-O2 na ausência de de IHP, por
Stopped Flow. ............................................................................................................................... 155
xx
xxi
LISTA DE FIGURAS Figura 1. Ontogenia das cadeias globínicas. ............................................................................... 32
Figura 2. Estrutura tridimensional da hemoglobina humana .................................................. 33
Figura 3. Grupamento heme. ....................................................................................................... 34
Figura 4. Representação das posições das histidinas proximal e histidina distal ................... 35
Figura 5. Sobreposição da oxi-hemoglobina e desoxi-hemoglobina ........................................... 36
Figura 6. Representação esquemática de alterações conformacionais da Hb em decorrência
da ligação com o O2.. ...................................................................................................................... 37
Figura 7. Estrutura da T ou Desoxi-Hb (Painel A) e R Ou Oxi-Hb ........................................... 38
Figura 8. Padrão sigmoidal de ligação da hemoglobina com o oxigênio. .................................. 40
Figura 9. Gráfico de hill ............................................................................................................... 41
Figura 10. Modelo MWC para a ligação Hb-O2. ......................................................................... 45
Figura 11. Modelo sequencial simples (KNF), para a ligação Hb-O2. ....................................... 47
Figura 12. Modelo estereoquímico de Perutz. ............................................................................ 48
Figura 13. Modelo alostérico global proposto por Yonetani....................................................... 50
Figura 14. Coordenadas das cadeias da Hb com a molécula de 2,3-BPG entre elas............. 51
Figura 15. Efeito Bohr alcalino (adaptado de HORTON et al., 1996). ..................................... 52
Figura 16. Tonômetro de boro silicato ........................................................................................ 73
Figura 17. Banho agitador de Tonômetros. ................................................................................ 74
Figura 18. Densidade óptica da oxi-Hb; desoxi-Hb e estados intermediários. ......................... 76
Figura 19. Programa para cálculo de pO2. .................................................................................. 79
Figura 20. Duas formas de apresentação da curva de saturação Hb-O2 na forma sigmoidal e
forma logarítmica ........................................................................................................................... 80
Figura 21. Exemplificação do intervalo de valores para cálculo da Constante de Hill............ 81
Figura 22. Curva de saturação de oxigênio da hemoglobina..................................................... 83
Figura 23. Esquema básico de funcionamento de um equipamento de Stopped Flow. ........... 85
Figura 24. Fotografia das bombas de mescla e placa de detecção do Stopped Flow ................ 85
Figura 25. Comprimentos de onda (nanômetros - nm) versus Absorbância (Volts) em função
do Tempo (segundos). ..................................................................................................................... 87
Figura 26. Absorbância da Hb A versus Tempo em 430nm. ..................................................... 90
Figura 27. Parte da planilha de cálculos para obtenção de Koff. .............................................. 92
Figura 28. Representação esquemática dos principais componentes de um campo de força. . 96
Figura 29. Fragmento do arquivo pdb com parte das coordenadas da estrutura 2DN2,
relativa à desoxi-Hb. ...................................................................................................................... 97
Figura 30. Caixa de simulação da Hb na forma nativa. ............................................................ 99
Figura 31. Localização das interfaces 12 na Hb humana. ................................................... 105
Figura 32. Curvas de Equilíbrio com hemolisado total de Hb Coimbra não-purificado. ....... 108
Figura 33. Afinidade da Hb Coimbra na presença e ausência de IHP- Inositol Hexafosfafo,
em diferentes pHs – Efeito Bohr. ................................................................................................ 110
Figura 34. Cooperatividade heme-heme da Hb Coimbra na presença e ausência de IHP, em
relação à Hb A. ............................................................................................................................. 111
Figura 35. Representação das interações de Asp99β em relação à nuvem eletrônica de Glu99β
na interface 12 ........................................................................................................................... 113
Figura 36. Rotação das estruturas de Hb Coimbra e Hb A ao longo de 100ns de trajetória de
simulação. ..................................................................................................................................... 115
xxii
xxiii
Figura 37. Projeção da Dinâmica Molecular no modelo de transição T-R da Hb Coimbra. .. 116
Figura 38. Curvas de Equilíbrio com hemolisado total de Hb Setif não-purificado ............... 119
Figura 39. Interface 12 da Hb................................................................................................. 123
Figura 40. Curvas de Equilíbrio com hemolisado total de Hb Chelsea não-purificado ......... 125
Figura 41. Afinidade da Hb Chelsea (portadora assintomática) na ausência e presença de
IHP em diferentes pHs – Efeito Bohr. ........................................................................................ 127
Figura 42. Afinidade da Hb Chelsea 1 (portadora com policitemia)na ausência e presença de
IHP em diferentes pHs – Efeito Bohr. ........................................................................................ 127
Figura 43. Cooperatividade heme-heme da Hb Chelsea – portadora assintomática, na
ausência e presença de IHP......................................................................................................... 129
Figura 44. Cooperatividade heme-heme da Hb Chelsea – portadora com policitemia, na
ausência e presença de IHP......................................................................................................... 129
Figura 45. Curvas de Equilíbrio com hemolisado total de Hb F-Valinhos não-purificado.. .. 132
Figura 46. Afinidade da Hb F-Valinhos na ausência e presença de IHP em diferentes pHs –
Efeito Bohr. .................................................................................................................................. 134
Figura 47. Cooperatividade heme-heme da Hb F-Valinhos na ausência e presença de IHP. 135
Figura 48. Curvas de Equilíbrio com hemolisado de Hb S-São Paulo .................................... 138
Figura 49. Estudos Funcionais Tonométricos a 25ºC da Hb S-São Paulo, com hemolisado
stripped. ........................................................................................................................................ 139
Figura 50. Resultado da dupla substituição da Hb S-São Paulo. ......................................... 140
Figura 51. Cinética de polimerização e estabilidade de polímeros de Hb S (em preto) e Hb S-
São Paulo (em vermelho), monitorados ao longo do tempo (até 24hs). ..................................... 141
Figura 52. Polímero de Hb S-São Paulo .................................................................................... 142
Figura 53. Curvas de Equilíbrio com hemolisado total de Hb Caruaru não-purificado ........ 144
Figura 54. Afinidade da Hb Caruaru (portador 2 – Hb F de 5%) em função do pH, em
comparação com controle Hb A, na presença e ausência de IHP. .......................................... 146
Figura 55. Cálculos de cooperatividade heme-heme (n - constante de Hill) da Hb Caruaru
(portador com Hb F de 5%) em função do pH, em comparação com controle Hb A, na
presença e ausência de IHP......................................................................................................... 147
Figura 56. Representação das interações do resíduo 122 no interior da cadeia beta no estado
T da Hb.. ....................................................................................................................................... 149
Figura 57. Representação das interações do resíduo 122 no interior da cadeia beta no estado
R da Hb ......................................................................................................................................... 150
Figura 58. Curvas de Equilíbrio com hemolisado total de Hb Olinda não-purificado ......... 152
Figura 59. Afinidade da Hb Olinda na ausência e presença de IHP em diferentes pHs. ...... 154
Figura 60. Cooperatividade heme-heme da Hb Olinda na ausência e presença de IHP. ...... 155
Figura 61. Dinâmica do último ns (no tempo de 30ns) da trajetória de simulação das Hb A e
Hb Olinda em R. ........................................................................................................................... 157
Figura 62. Dinâmica do último ns (no tempo de 30ns) da trajetória de simulação das Hb A e
Hb Olinda em T – Histidina em Hid ........................................................................................... 160
Figura 63. Dinâmica do último ns (no tempo de 30ns) da trajetória de simulação das Hb A e
Hb Olinda em T – Histidinas distais em Hie. ............................................................................ 162
xxiv
xxv
RESUMO A hemoglobina (Hb) humana é a proteína tetramérica encontrada em elevadas
concentrações nos eritrócitos. É composta por duas cadeias globínicas do tipo
alfa e duas do tipo beta. Cada cadeia está associada a um grupo prostético
heme, cujo grupamento Fe2+, localizado na sua porção central, liga-se
reversivelmente à molécula de oxigênio, conferindo à Hb sua função primária
do transporte de oxigênio dos alvéolos pulmonares aos tecidos periféricos.
Mais de 1000 variantes estruturais da hemoglobina humana já foram
descritas, parte delas relacionadas a manifestações clínicas importantes.
Algumas apresentam afinidade modificada pelo O2 que, quando elevada,
resulta na produção compensatoriamente maior de hemácias, levando à
policitemia; e quando diminuída, resulta em cianose. Em algumas variantes,
as modificações do comportamento funcional levam também à instabilidade
estrutural e à hemólise. Deste modo, a correlação entre o comportamento
funcional de Hb variantes e aspectos estruturais é de grande importância na
compreensão dos mecanismos fisiopatológicos das hemoglobinopatias. Nesse
trabalho nos propusemos a estudar e estabelecer relações entre a estrutura e
a função alterada das variantes novas: Hb S-São Paulo (6 GluVal ; 65
LysGlu), Hb Caruaru (122 PheSer), e a variante instável Hb Olinda
[22(B4) – 25(B7)] (com deleção de 4 resíduos da -globina), bem como das
variantes raras: Hb Chelsea ( 38 ThrIle), Hb Coimbra (β99 AspGlu) e
Hb Setif (94 AspTyr). Para tanto foram utilizadas as técnicas de Estudo
Funcional por Espectrofotometria, para determinação de p50 e
cooperatividade heme-heme (medida pelas constantes de Hill e Adair), bem
como Stopped Flow, para determinação das constantes de dissociação de O2
(Koff) e ligação com CO (KonCO). Para melhor elucidar aspectos estruturais
das variantes estudos computacionais de simulação de Dinâmica Molecular
(MD) foram empregados.
xxvi
xxvii
ABSTRACT The human hemoglobin (Hb) is a tetramer found in high concentrations in
erythrocytes. It is composed by two alpha and two beta subunits, which
contains, each, one prosthetic group, the heme group, a protorporfirin IX
structure binded to Fe2+ atom, that reversibly binds to a molecule of oxygen.
That property, therefore, confers the Hb its primary function of transporting
oxygen from lungs to the peripheral tissues. Nowadays, more than 1,000
structural variants of human hemoglobin have been described, some of them
related to important clinical manifestations. Some of them presents modified
affinity for O2. When it is high, results on higher and compensatory
production red blood cells, leading to polycythemia, and when it is decreased,
results on cyanosis. Some Hb variants are also unstable, which results on
hemolysis. Therefore the relation between function and structure of Hb
variants is important to understand pathophysiological mechanisms of
hemoglobinopathies. This work proposed the study of the relation between
modified structure and function in some new variants : Hb S - São Paulo ( 6
Glu Val ; 65 LysGlu ) , Hb Caruaru ( 122 SerPhe ) , and the unstable
Hb Olinda [ 22 ( B4) - 25 ( B7) ] (with deletion of 4 residues from -globin )
as well as the rare variants: Hb Chelsea (38 IleThr) and Hb Coimbra
(β99 AspGlu) and Hb Setif ( 94 TyrAsp) . For both techniques were used
Functional Study by spectrophotometry for determination of p50, heme-heme
cooperativity (measured by Hill and Adair constants) , and Stopped Flow for
determination of O2 dissociation constants (Koff) and connection with CO
(KonCO). To further elucidate the structural variants of computational
studies of molecular dynamics simulation (MD) were used.
xxviii
29
I. INTRODUÇÃO
30
31
1.1. Estrutura da Hemoglobina
A hemoglobina (Hb) é uma heme proteína presente nos eritrócitos de
todos os vertebrados, sendo considerada o pigmento respiratório destes
organismos. Apesar da diversidade existente entre eles, a estrutura molecular
das diferentes hemoglobinas é muito semelhante, demonstrando seu elevado
grau de conservação durante a evolução (ANTONINI E BRUNONI, 1971; SHIKAMA,
2006).
As hemoglobinas humanas são proteínas tetraméricas formadas pela
combinação de duas cadeias polipeptídicas do “tipo ” ( ou ) com duas
cadeias do “tipo ” (, , G, A ou ). Cada cadeia está associada a um grupo
prostético heme, que se liga reversivelmente à molécula de oxigênio,
permitindo assim, sua função primária, que é a do transporte de oxigênio dos
pulmões aos tecidos periféricos (BUNN E FORGET, 1986).
Para que o tetrâmero funcional possa ser formado, é preciso que a
expressão dos genes de globina se dê de forma equilibrada. Assim, no estágio
embrionário, são produzidas as hemoglobinas Gower I (22), Gower II (22) e
Portland I (22) – Figura 1. No período fetal, estas são substituídas pela
hemoglobina Fetal (22), que, por sua vez, dá lugar às hemoglobinas A ou A1
(22) e A2 (22) no adulto – Figura 1. Em adultos normais, a hemoglobina A é
predominante, compondo mais de 95% do total da hemoglobina celular,
enquanto a A2 se mantém em níveis entre 2-3% e a Fetal entre 0-2% (BUNN E
FORGET, 1986; HOFFBRAND ET AL., 2000; STEINBERG ET AL., 2001;
WEATHERALL E CLEGG, 2001; WILLIAMS ET AL.,2001).
32
FIGURA 1.Ontogenia das Cadeias Globínicas.
As cadeias globínicas das diferentes hemoglobinas humanas são
estruturas alfa-hélices (nominadas de A a H), intermediadas por dobras inter-
hélices denominadas de acordo com sua posição espacial (AB, BC, etc.); além
das porções terminais NA e HC (Figura 2). Deste modo, os resíduos são
numerados de acordo com as coordenadas apresentadas na estrutura, a partir
da porção N-terminal (ANTONINI E BRUNONI, 1971; STRYER, 1996;
SHIKAMA, 2006).
33
FIGURA 2. Estrutura Tridimensional da Hemoglobina Humana visualizada no Visual Molecular Dynamics – obtida
através da estrutura cristalográfica 2DN1 depositada no Protein Data Bank.
O grupo prostético heme, por sua vez, é uma protoporfirina IX (Figura
3), em cuja porção central está acoplado um átomo de ferro na forma ferrosa
(Fe2+) que permite a ligação reversível com o O2. Quando o ferro do grupo
heme é oxidado, passando para a forma férrica (Fe3+), fica impossibilitado de
carrear este gás, dando à proteína a nominação de meta-hemoglobina
(ANTONINI E BRUNONI, 1971; SHIKAMA, 2006).
Alfa-Hélice
Região inter-
hélices
coil
2
1
1
2
34
A)
B)
FIGURA 3. Grupamento Heme (Painel A). Resíduos que interagem com o grupamento Heme na Oxi-Hb (Referente à
Hb de cavalo) (Painel B) (adaptado de ANTONINI E BRUNONI, 1971).
Conforme demonstrado na Figura 3B o grupamento heme apresenta
diversas interações que o mantém estável, tanto nas cadeias alfa quanto nas
cadeias beta. Já as histidinas proximal (E7) e distal (F8), que se ligam ao
grupamento heme, apresentam papel fundamental na estabilidade deste
grupamento, quando da ligação com oxigênio – Figura 4. Enquanto as
histidinas proximais [87 (F8) ou 92 (F8)] interagem diretamente com o ferro
da protoporfirina IX, as histidinas distais [58 (E7) ou 63 (E7)] de cada
35
cadeia globínica, que por sua vez, interagem com o oxigênio ligado ao ferro –
Figura 4 (ANTONINI e BRUNONI, 1971; BUNN e FORGET, 1986;
SHIKAMA, 2006).
A)
B)
FIGURA 4. Representação das posições das histidinas proximal (em azul royal) e histidina distal (em violeta) na
ausência de o2 (Painel A) e na presença de molécula de o2 (Painel B). É possível notar sensível alteração no plano do
heme, com distanciamento do grupamento ferroso em relação à histidina distal, na ausência do ligante o2 (painel a) e
aproximação do mesmo, em relação à histidina distal quando da presença de o2. Além disso, há maior aproximação da
histidina distal em relação ao o2 possibilitando a estabilidade da ligação e subsequente transporte do ligante.
O grupamento heme é também capaz de se ligar ao monóxido de
carbono (CO) e ao óxido nítrico (NO), com maior afinidade do que ao O2. O
primeiro caso parece não haver importância fisiológica primordial; ao
contrário, a molécula de CO apresenta elevada toxicidade ao organismo
humano. Já no caso do NO, este parece desempenhar uma importante função
vasodilatadora junto ao endotélio (WOOD E GRANGER, 2007; PINDER ET
AL, 2009; UYUKLU ET AL., 2009).
Durante a oxigenação, em que o átomo de ferro desloca-se 0,55-0,63 Ǻ
(Figura 4), há subsequente alteração nas posições dos resíduos no entorno do
36
sítio ativo heme pocket, conforme pode ser observado no esquema
apresentado na Figura 5.
FIGURA 5. Sobreposição da oxi-hemoglobina (em vermelho) e desoxi-hemoglobina (em preto), mostrando as
mudanças conformacionais induzidas pelo movimento do átomo de ferro durante o processo de oxigenação. Neste
esquema o plano do heme está fixo, sendo representado pela barra preta (STRYER, 1996).
A mudança na posição do Fe2+ em decorrência da ligação com o oxigênio
faz com que todo o restante da cadeia globínica sofra importante modificação,
tanto da estrutura terciária quanto quaternária, permitindo rotação de cerca
de 7.5º em relação ao eixo central do plano de simetria da proteína, ou cerca
de 15º da cadeia em relação ao plano central de dímeros 22 (ANTONINI e
BRUNONI, 1971; STRYER, 1996) (Figura 6).
37
FIGURA 6. Representação esquemática de alterações conformacionais da hb em decorrência da ligação com o o2. É
possível notar rotação de 7,5º em plano y em função do plano de simetria 11 / 22 da Hb. Além disso, é possível
observar que as cadeias beta (com maior e mais significativa movimentação) movimentam-se cerca de 15º (stryer,
1996).
Em decorrência de tais modificações que a molécula de hemoglobina
apresenta suas duas formas básicas: a forma tensa (T ou “desoxi-Hb”) e a
forma relaxada (R ou “oxi-Hb”) – Figura 7, descobertas por Perutz, em 1970,
através de estudos de cristalização protéica.
38
A)
B)
FIGURA 7. Estrutura da T ou Desoxi-Hb (Painel A ) e R ou Oxi-Hb (Painel B), obtidas por meio do Visual Molecular
Dynamics (VMD) a partir de coordenadas depositadas no Protein Data Bank (PDB), das estruturas cristalográficas
1GZX (Desoxi-Hb) E 2DN1 (Oxi-Hb).
A estabilidade proteica essencial do tetrâmero é conferida pelos
contatos 11 e 22, também denominados de packing contacts (os contatos de
empacotamento da proteína), e compreendem em interações mais fortes entre
as cadeias, envolvendo muitos resíduos, num total de 34 aminoácidos
(ANTONINI E BRUNONI, 1971; STRYER, 1996; SHIKAMA, 2006).
Já a interface 12 é menos extensiva e os contatos entre as cadeias são
mais fracos devido ao menor número de interações entre as subunidades,
compreendendo num total de 19 resíduos envolvidos. Tal característica
confere à interface a propriedade de câmbio T-R da hemoglobina, de forma
que ambas as formas sejam estabilizadas por diferentes conjuntos ligações de
hidrogênio de forma que haja um encaixe entre as subunidades 1 e 2
(ANTONINI E BRUNONI, 1971; SHIKAMA E MATSUOKA, 2003,
LEVANTINO ET AL., 2012).
39
Além disso, tal interface está localizada próxima aos grupos heme de
cada cadeia, de modo que mudanças conformacionais nestas regiões afetam
este sítio ativo. Reciprocamente, mudanças estruturais na região do heme
pocket também mediam as interações alostéricas na região 12. Assim,
substituições de resíduos nesta região podem resultar em diminuição da
cooperatividade heme-heme e alterações na afinidade da Hb pelo O2, enquanto
que tal evento não se passaria nas demais interfaces (ANTONINI E
BRUNONI, 1971; SHIKAMA E MATSUOKA, 2003).
40
1.2. INTERAÇÃO ALOSTÉRICA HOMOTRÓPICA:
COOPERATIVIDADE HEME-HEME
A interferência promovida pelo grupamento heme na mudança
conformacional da molécula de Hb fazendo com que haja facilitação da ligação
da subunidade subsequente com o ligante é denominada cooperatividade
heme-heme, a qual é compreendida como sendo a interação homotrópica na
proteína (ANTONINI E BRUNONI, 1971; SHIKAMA, 2006). Devido a esta
propriedade, a ligação da Hb pelo O2 pode ser representada graficamente
através de padrão sigmoidal (Figura 8) (PERUTZ, 1970; PERUTZ ET AL,
1998; STRYER, 1996; CIACCIO ET AL., 2008).
FIGURA 8. Padrão sigmoidal de ligação da hemoglobina com o oxigênio. A diminuição do pH diminui a afinidade da
proteína pelo oxigênio- efeito Bohr alcalino (STRYER, 1996).
41
1.2.1. Constante de Hill
O valor numérico para a cooperatividade heme-heme é determinado a
partir do ângulo da reta obtido do logaritmo do referido gráfico de saturação
da Hb pelo oxigênio (Figura 8), o qual é denominado de constante de Hill („n‟)
(HILL, 1910).
A angulação da reta obtida do logarítmico de %HbO2 versus pO2
(Figura 8) permite a determinação do parâmetro de Hill („n‟) que consiste na
medida da interação heme-heme, indicativo da cooperatividade entre os quatro
sítios de ligação da hemoglobina (Figura 9).
FIGURA 9. Gráfico de Hill
Para a obtenção deste gráfico é preciso considerar que o equilíbrio da
reação de ligação Hb-O2 se dá da seguinte maneira:
(1)
Deste modo obtém-se a seguinte constante de dissociação:
0,6 0,8 1,0 1,2 1,4 1,6 1,8 2,0 2,2-1,4
-1,2
-1,0
-0,8
-0,6
-0,4
-0,2
0,0
0,2
0,4
0,6
log
Y/Y
-1
log pO2
p50
Inclinação = Cooperatividade
42
(2)
que gera a Equação de Hill:
(3)
O valor de sítios ligados (Y) varia de 0 até 1.
Como a constante n é calculada em logaritmo, em função da relação dos
sítios ligados (Y) e sítios não ligados (1-Y), tem-se que:
(
)
(4)
Por fim, considerando que a saturação parcial da hemoglobina é
mensurada em 50% dos sítios heme ligados (K= (p50)n) tem-se que:
(5)
Deste modo obtém-se a forma linear, com as devidas substituições na
fórmula 5:
(
)
(6)
43
Deste modo, valores de n = 1, correspondem a curva de dissociação
hiperbólica; n > 1 a curva sigmóide, assim como interações heme-heme
positivas. Os valores de n para estudos de equilíbrio de oxigênio em
hemoglobinas de mamíferos, em condições normais é 2,8-3,0 (HILL, 1910;
ANTONINI e BRUNONI, 1971).
1.2.2. Constante de Adair
Enquanto a constante de Hill representa numericamente a cooperatividade
heme-heme global, Adair, em 1925, propôs o cálculo de quatro constantes de
equilíbrio, considerando os quatro sítios ativos da proteína e, por conseguinte,
o padrão sigmoidal de associação Hb-O2, devido à inter-relação do tetrâmero.
Deste modo propôs o seguinte cálculo:
(7)
Onde Y compreende ao grau de saturação por oxigênio e p é a pressão
parcial de oxigênio. Enquanto isso, e se referem às constantes
intrínsecas de equilíbrio de associação ao oxigênio nas fases 1, 2, 3 e 4 de
oxigenação da Hb (YONETANI & LABERGE, 2008).
44
1.3. MODELOS DE LIGAÇÃO ALOSTÉRICA
Existem dois modelos básicos de câmbio T-R em decorrência da
cooperatividade heme-heme (interação homotrópica) e interações
heterotrópicas (interferência de outros ligantes em sítios não específicos da
proteína, mas que alteram na afinidade da mesma pelo seu ligante O2 junto ao
sítio ativo heme).
1.3.1. Modelo de Simetria - MWC
O primeiro, conhecido como modelo de simetria, publicado em 1965 por
Monod, Wyman e Changeux (modelo MWC), descreve duas formas estáveis da
molécula de Hb: as formas T e R, mesmo na ausência do ligante O2.
Assim sendo, hemoglobina teria maior afinidade pelo oxigênio em sua
forma R, enquanto que a forma T teria menor afinidade ao ligante (MONOD
et al., 1965; EATON et al., 2007). Deste modo, tal modelo prevê a transição T-
R como um evento unitário, e não cadeia a cadeia (Figura 10).
45
FIGURA 10. Modelo MWC para a ligação Hb-O2.
□ = estado T;
○ = estado R;
Kt e kr= constantes de ligação (adaptado de VOET e VOET, 2004).
Nesta proposta, interações homotrópicas e heterotrópicas interfeririam
no equilíbrio de ligação Hb-O2, através das modificações conformacionais
estruturais de T a R, num evento de “tudo ou nada”. Assim sendo, a
cooperatividade estaria ligada a interações alostéricas sem que haja
necessariamente a presença do ligante (MONOD et al., 1965; ANTONINI E
BRUNONI, 1971; EATON et al., 2007; RONDA et al., 2008).
Os autores postularam, portanto, que as reações cooperativas das
enzimas poliméricas resultam de um equilíbrio entre as conformações: R
(mais reativa, ou seja, com maior afinidade pelo oxigênio) e T (menos reativa,
ou seja, com menor afinidade pelo oxigênio), equilíbrio este regulado tanto
pela presença de substrato bem como efetores alostéricos heterotrópicos
(YONETANI & LABERGE, 2008).
Apresentaram uma fórmula matemática envolvendo , e :
46
(8)
Onde Y é o grau de saturação de oxigênio, p é a pressão parcial de
oxigênio, e são as constantes de equilíbrio R (maior afinidade) e T
(menos afinidade) nos respectivos estados funcionais, enquanto que
⁄ é a constante de equilíbrio alostérico, onde e equivalem às
concentrações molares de equilíbrio das conformações T (com menor
afinidade pelo oxigênio) e R (com maior afinidade pelo oxigênio), no estado de
desoxi-Hb.
1.3.2. Modelo Sequencial – Esquema de Adair e KNF
O segundo, denominado modelo sequencial ou KNF, foi proposto por
Koshland, Nemethy e Filmer em 1966 (Figura 11), os quais se basearam nos
cálculos propostos por Adair (Equação 7). Conforme proposto por Adair, a
transição T-R se dá de forma sequencial, globina a globina, o que confere,
portanto, 4 constantes: e , relativas às 4 fases de oxigenação do
tetrâmero de Hb. Deste modo, tal modelo também prevê que as subunidades
globínicas interfiram na afinidade da subunidade subsequente, aumentando a
afinidade deste pelo ligante (KOSHLAND ET AL., 1966; EATON ET AL.,
2007; RONDA ET AL., 2008; YONETANI & LABERGE, 2008).
47
FIGURA 11. Modelo sequencial simples (KNF), para a ligação Hb-O2.
□ = Estado T;
○ = Estado R;
K = Constante de Ligação (adaptado de VOET e VOET, 2004).
1.3.3. Modelo Estereoquímico de Perutz
Baseados nos modelos MWC e KNF, outros modelos têm sido propostos
de forma a compreender melhor os estados intermediários da Hb. No
entanto, ambos as transições T-R parecem ocorrer concomitantemente
(EATON ET AL., 2007; LEVANTINO ET AL., 2012).
Foi o que propôs, por exemplo, Perutz, em 1970, que apresentou o
modelo estereoquímico para a Hb, com o objetivo de integrar estrutura e
função. (PERUTZ, 1970).
Considerado como crucial para o início e desenvolvimento da “biologia
estrutural”, tal modelo assume que a estrutura molecular é o fator
determinante na função proteica. Neste estudo, Perutz designou as estruturas
de baixa afinidade – desoxi-Hb e alta afinidade – oxi-Hb como sendo os
estados quaternários T (desoxi) e R (oxi) (Figura 12). Isso porque observou
diferenças estruturais importantes entre os estados T e R da Hb, através de
conjuntos de resíduos com pontes salinas e outras subunidades do plano do
heme na conformação T. Já a transição T-R se daria de forma sequencial
(Figura 12).
48
FIGURA 12. Modelo estereoquímico de Perutz de 1970, que unifica os modelos propostos anteriormente (adaptado de
YONETANI & LABERGE, 2008).
Tal modelo, portanto, considera as mudanças estruturais nas
subunidades globínicas durante a transição T-R. No entanto, somente as
conformações T e R seriam estáveis, que acaba por unificar os modelos
anteriores de MWC e KNF (YONETANI E LABERGE, 2008).
49
1.4. INTERAÇÃO ALOSTÉRICA HETEROTRÓPICA
A afinidade da Hb pelo oxigênio também é modulada por interações
heterotrópicas (fora do heme pocket): H+,Cl- e CO2, os quais deslocam o
equilíbrio T-R à T (para um estado funcional com menor afinidade pelo
oxigênio) ou aumentando o valor de L0 sem modificar os valores das
constantes KT e KR (Figura 13).
Fosfatos orgânicos tais como o 2,3-Bifosfoglicerato (2,3-BPG), um
intermediário da glicólise nos eritrócitos, bem como ATP e ADP, que atuam
em sítio heterotrópico também deslocando o equilíbrio em direção a T – Figura
13 (BENESCH E BENESCH, 1967; CHANUTIN E CURNISH, 1967;
ANTONINI E BRUNONI, 1971; YONETANI E LABERGE, 2008).
Outros efetores tais quais o Inositol Hexafosfato (IHP), assim como
outros compostos hidrofóbicos como Benzafibrato (BZF) e L35 também
resultam na diminuição, não somente de de KT como de KR (KISTER et al.,
1987 (a); KISTER et al., 1987 (b); MARDEN et al., 1990; LALEZARI et al.,
1990; YONETANI & LABERGE, 2008).
Na Figura 13, proposta por Yonetani e Laberge em 2008, estão
sumarizadas as interações heterotrópicas relativas à presence de H+ e outros
efetores alostéricos importantes com o 2,3-BPG, IHP, BZF e L35, nos valores
de KR , KT , L0 assim como KR / KT:
50
FIGURA 13. Modelo alostérico global proposto por yonetani, descrevendo a relação entre afinidade pelo oxigênio
mediante alosterismo homotrópico e heterotrópico. As afinidades pelo oxigênio (kt e kr) dos estados funcionais T e R
são regulados por efetores que modificam a estrutura terciária da proteína, porém sem alterações na estrutura
quaternária t/r (YONETANI E LABERGE, 2008).
1.4.1. 2,3-Bifosfoglicerato (2,3-BPG)
A presença dos fosfatos orgânicos reduz a afinidade da Hb pelo O2.
Dentre estes efetores alostéricos (que modificam a conformação da proteína) e
alteram a afinidade da Hb pelo O2, o mais importante é o 2,3-BPG, produto do
metabolismo celular, através da via glicolítica e que nos eritrócitos representa
importante papel.
51
Fisiologicamente o 2,3-BPG liga-se à Hb em sítio heterotrópico,
localizado na interface 12, eixo central do plano de simetria da Hb, que
consiste na cavidade central da proteína, conforme demonstrado na Figura
14 (ARNONE, 1972). Ante a baixa tensão de O2, nos tecidos periféricos, a Hb
tende à forma T, expondo as porções positivamente carregadas das cadeias
laterais dos resíduos Histidina 2 e 143, Lisina 82 e os grupos amino terminal
da Val1, das cadeias beta (ANTONINI & BRUNONI, 1971; CHANUTIN E
CURNISH, 1967; BENESCH E BENESCH, 1967; YONETANI E LABERGE,
2008).
FIGURA 14. Coordenadas das cadeias da Hb com a molécula de 2,3-BPG entre elas. Alguns aminoácidos em
destaque. (estrutura 1B86 depositada no Protein Data Bank).
Deste modo, o 2,3-BPG, cuja estrutura é carregada negativamente,
estabiliza a conformação espacial da proteína em sua forma T, através de sua
2,3-BPG
52
interação com os resíduos citados, possibilitando, assim a liberação do
oxigênio (CHANUTIN E CURNISH, 1967; BENESCH E BENESCH, 1967).
O 2,3-BPG, assim como os demais fosfatos orgânicos, apresentam
efeitos semelhantes aos prótons, uma vez que estão envolvidos em interações
heterotrópicas entre os sítios do oxigênio (heme pocket) de fosfatos. Deste
modo atua como efetor alostérico da hemoglobina, interferindo na afinidade
desta proteína pelo oxigênio (ANTONINI e BRUNONI, 1971; IMAI et al.,
2001).
1.4.2. Efeito Bohr
A presença de íons H+ influenciando na afinidade da hemoglobina pelo
O2 é conhecida como Efeito Bohr, o qual pode ser subdividido em alcalino e
ácido. No efeito Bohr básico, a presença de íons H+ reduziria a afinidade,
enquanto sua ausência, em pHs mais alcalinos, levaria ao efeito inverso, com
o aumento desta (Figura 15).
FIGURA 15. A diminuição do pH diminui a afinidade da proteína pelo oxigênio - efeito Bohr alcalino (adaptado de
HORTON et al., 1996).
53
Já o efeito Bohr ácido consistiria no aumento da afinidade em pHs
abaixo de 6,0, quando há elevadas concentrações de íons H+. Este evento pode
também ser chamado de Efeito Bohr reverso. Apesar de, em seres humanos,
somente ser observado o efeito Bohr alcalino em função do pH fisiológico, de
7,4, o efeito Bohr ácido também pode ocorrer com a hemoglobina humana, em
pHs inferiores à 6,5. Embora não se saiba se o Efeito Bohr tenha algum papel
fisiológico em seres humanos, ele parece estar relacionado ao processo de
degradação da hemoglobina nos lisossomos presentes no tecido hepático
(BENESCH e BENESCH, 1967; CHANUTIN e CURNISH, 1967; RIGGS,
1988; BONAVENTURA et al., 2004; YOKOYAMA et al., 2004; YONETANI e
LABERGE, 2008).
1.4.3. Ânions Cloreto – Cl-
Ânions cloreto reduzem a afinidade da hemoglobina pelo oxigênio
através da estabilização da estrutura protéica na forma Tensa (desoxi). Este
fato se deve à exposição de grupamentos positivos de resíduos polares
presentes na cavidade central da proteína, quando no estado T, como é o caso
da Arginina 141 das cadeias alfa, que apresentam papel fundamental na
interação com ânions cloreto (PERUTZ et al., 1994).
54
1.4.4. Efeito da Temperatura
A ligação da Hb-O2 é exotérmica. Tem-se, portanto, que a afinidade da
Hb por este gás é diminuída com o aumento da temperatura (BENESCH et
al., 1969). O aumento de 10ºC diminui a afinidade da hemoglobina pelo
oxigênio entre 1,5 a 2,5 vezes, dependendo das condições experimentais
(ANTONINI e BRUNONI, 1971).
Os parâmetros de termodinâmica são dados por:
(8)
considerando-se que R é a constante universal dos gases (onde R = 1,987
Kcal-1mol-1), T = temperatura (dada em Kelvin) e K é a constante de equilíbrio
termodinâmico. G é dado, portanto, em Kcal/ mol (ANTONINI e BRUNONI,
1971).
Já a energia livre, proposta por Gibbs, segue a equação:
(9)
onde H é a variação da entalpia (energia total do sistema de ligação Hb-O2
liberada) e S, a variação da entropia (energia dos sistema Hb-O2 não
55
dissipada) (ANTONINI e BRUNONI, 1971). No caso de reações gasosas os
valores de H obtidos pela mudança de pressão com a temperatura incluem o
aquecimento do gás em solução (o qual o oxigênio, em temperatura próxima a
20ºC tem H em aproximadamente – 3 Kcal/mol).
A determinação da mudança de entalpia é dada pela equação de Van´t
Hoff (equação 10), a qual é amplamente utilizada para Hb. Esta equação
implica que o valor de H seja o mesmo para todos os hemes da molécula.
(ANTONINI e BRUNONI, 1971).
(10)
A entalpia varia de acordo com o efeito Bohr, entretanto o calor
„intrínsico‟ de oxigenação da Hb de mamíferos está entre -13,5 a -14,5
Kcal/mol, o qual se corrigido para uma solução contendo oxigênio varia entre -
10,5 a -11,5 Kcal/mol, sendo que em pH 7,0 o H da hemoglobina humana é de
-9,5 Kcal/mol de oxigênio (ANTONINI e BRUNONI, 1971).
56
1.4.5. Efeito do CO2
A hemoglobina está envolvida no transporte de dióxido de carbono
(CO2) dos tecidos periféricos para os pulmões através de dois mecanismos:
Efeito Bohr: quando a oxihemoglobina perde o oxigênio e se liga aos
íons H+ presentes no meio, deslocamento do equilíbrio de ionização do ácido
carbônico, havendo com que haja o aumento do transporte de CO2, na forma
de íons bicarbonato, conforme as equações a seguir:
(11)
Anidrase
carbônica (12)
Formação de compostos carbamino: ocorre diretamente entre o CO2 e
grupos de aminoácidos não protonados (ou da proteína. Através deste
mecanismo, a constante de ligação do CO2 e a oxi-Hb e desoxi-Hb são
distintas.
O transporte de CO2 pela hemoglobina não é exclusivamente realizado
por nenhum dos mecanismos descritos anteriormente, mas provavelmente por
ambos em maior ou menor extensão. Além disso, a hemoglobina somente é
responsável por 5% do transporte desta molécula dos tecidos para os pulmões
(ANTONINI e BRUNONI, 1971).
57
1.5. HEMOGLOBINOPATIAS
Os genes responsáveis pela síntese da Hb humana podem apresentar
substituições ou deleções de bases nitrogenadas. Tais mutações que podem
originar quadros clínicos característicos. As hemoglobinopatias (Hbpatias)
hereditárias são um grupo heterogêneo de doenças genéticas causadas por
mutações que afetam esses genes e constituem hoje o maior grupo de doenças
genéticas mundialmente distribuídas (BUNN E FORGET, 1986; COTTON,
1997; HOFFBRAND et al., 2000; STEINBERG et al., 2001; WEATHERALL E
CLEGG, 2001; WILLIAMS et al.,2001).
Genericamente, podem ser classificadas em:
Alterações estruturais, nas quais ocorre a presença de hemoglobinas
estruturalmente anômalas no interior das hemácias;
Alterações no ritmo de síntese (talassemias), com a supressão parcial
ou total da produção de uma ou mais cadeias polipeptídicas;
Persistência Hereditária da Hemoglobina Fetal (PHHF), que se
caracteriza pela produção persistente de cadeias durante a vida
adulta (BUNN E FORGET, 1986; HOFFBRAND et al., 2000;
STEINBERG et al., 2001; WEATHERALL E CLEGG, 2001;
WILLIAMS et al.,2001; DACIE E LEWIS, 2006).
A natureza das alterações que afetam os genes de globinas é bastante
diversificada e inclui mutações em regiões codificantes, com substituição de
aminoácido na proteína, mutações no código de terminação, causando a
formação de cadeias alongadas e com menor ritmo de síntese, mutações nos
58
introns, resultando em cadeias truncadas ou em RNAs mensageiros instáveis,
na região promotora, com perda ou ativação da expressão gênica, ou mesmo
deleções com perda parcial ou total de um ou mais genes no complexo (BUNN
E FORGET, 1986; COTTON, 1997; HOFFBRAND et al., 2000; STEINBERG
et al., 2001; WEATHERALL E CLEGG, 2001; WILLIAMS et al.,2001).
As Hbpatias estruturais são, geralmente, causadas por mutações de
ponto, ou pequenas inserções ou deleções de bases, afetando a região
codificadora dos genes e causando a substituição de resíduos nas cadeias
protéicas. A mais importante delas é a Hb S (22 GluVal) (BUNN E
FORGET, 1986; HOFFBRAND et al., 2000; STEINBERG et al., 2001;
WEATHERALL E CLEGG, 2001; WILLIAMS et al.,2001).
Atualmente, existem mais de 1000 variantes estruturais descritas 1 ,
muitas não associadas a manifestações clínicas ou alterações hematológicas
importantes. Há, no entanto, mutações que resultam em alterações na
solubilidade da Hb, na estabilidade estrutural da molécula ou na afinidade
pelo oxigênio. Elas podem causar redução da sobrevida média das hemácias
em circulação, levando a um quadro clínico de anemia hemolítica de grau
variável, ou, no caso de alterações funcionais, levar à policitemia, quando a
afinidade pelo O2 está elevada, ou à cianose, quando está diminuída (BUNN E
FORGET, 1986; HOFFBRAND ET AL., 2000; STEINBERG ET AL., 2001;
1 http://globin.cse.psu.edu
59
WEATHERALL E CLEGG, 2001; WILLIAMS et al.,2001; DACIE E LEWIS,
2006).
A maioria das Hbpatias estruturais é detectada por seu comportamento
eletroforético ou cromatográfico anômalo, já que a substituição de aminoácidos
geralmente leva à mudança da carga elétrica da proteína. No entanto, em
algumas variantes denominadas “silenciosas”, a substituição por aminoácidos
de mesma carga leva a uma migração eletroforética ou eluição cromatográfica
semelhante à da Hb A. Deste modo, a completa caracterização de uma Hb
anômala demanda técnicas complementares, como a focalização isoelétrica,
separação das cadeias globínicas, provas de solubilidade, estabilidade e
funcionais, e análises moleculares, como o sequenciamento do DNA, para
identificação da mutação responsável pela variante (BUNN E FORGET, 1986;
COTTON, 1997; HOFFBRAND et al., 2000; STEINBERG et al., 2001;
WEATHERALL E CLEGG, 2001; WILLIAMS et al.,2001; DACIE E LEWIS,
2006).
O Laboratório de Diagnóstico das Hemoglobinopatias do Departamento
de Patologia Clínica da FCM/UNICAMP, um laboratório de referência no país,
com seus 29 anos de existência, realiza uma média de 1.500 exames
diagnósticos/ano, entre pacientes de Campinas e região, e seus respectivos
familiares, atendidos no Hospital das Clínicas da UNICAMP por suspeita
clínica de hemoglobinopatias. As alterações mais frequentemente encontradas
são a Hb S, a Talassemia e a Hb C (SONATI et al.,1996), mas diversos casos
esporádicos de outras hemoglobinopatias, incluindo variantes estruturais
60
raras, têm sido detectados, sendo a identificação realizada por análise da
proteína anômala e do DNA. Doze novas variantes foram descritas, sendo
nove do adulto Hb Rio Claro [β33 (B15) ValMet], Hb Campinas [26 (B7)
Ala Val], Hb Poços de Caldas [β61 (E5) LysGln], Hb Itapira [30 (B11)
GluVal], Hb Boa Esperança [16 (A14) LysThr], Hb Bom Jesus da Lapa
[30 (B11) GluAla], Hb Olinda [β 22(B4) – 25(B7)], o qual sofre a deleção de
12 pares de base dos códons 22 ao 25 do gene beta, removendo os aminoácidos:
Ácido Glutâmico-Valina-Glicina-Glicina, Hb Caruaru [β122 (GH5) FenSer] e
Hb Florida (β-deleção de 1pb entre os códons 140 e 141), e outras três em
recém-nascidos [HbF-Campinas [Aγ121 (GH4) GluGln], HbF-Paulínia [Gγ 80
(EF4) AspTyr] e HbF-Joanópolis [Gγ73 (E17) AspAla] (DUARTE et al.,
2003; GRIGNOLI et al., 2002; GONÇALVES et al., 1994; WENNING et al.,
1999; WENNING et al., 2000; COSTA E SONATI, 2002; KIMURA et al.,
2002; FATTORI et al., 2006; SONATI et al., 2006; WEINSTEIN et al., 2006).
Além destas, outras 51 variantes raras, sendo 8 mutações de novo, foram
descritas (KIMURA et al., 2008).
Dentre estas variantes destacam-se as Hb Olinda [22(B4) – 25(B7)] e
Hb Caruaru [122 (GH5) PheSer], detectadas em indivíduos do Estado de
Pernambuco e estudados em nosso laboratório, devido à relevância clínica,
uma vez que, instáveis, resultam em anemia hemolítica aos seus portadores.
Além destas, outras variantes também detectadas pelo laboratório
revelam apresentam grande importância serem decorrentes de substituições
em região 12, importante no equilíbrio T-R da hemoglobina. São elas as Hb
61
Coimbra [β99 (G1) Asp Glu] e Hb Setif [94 (G1) AspTyr], ambas com
substituições de resíduos na região 12 – importante no equilíbrio T-R. Em
decorrência de tais substituições a primeira apresenta afinidade aumentada
pelo oxigênio, levando à policitemia a seus portadores, enquanto que a
segunda, apesar da afinidade diminuída, talvez por se tratar de uma variante
de cadeias alfa, e por isso menos expressa quando em heterozigose (devido à
presença dos genes alfa duplicados), não resulta quadro clínico importante aos
portadores.
Em contrapartida, a Hb Chelsea [38 (C3) ThrIle], também variante
de cadeias alfa e que foi descrita como causa de hipocromia e microcitose, foi
detectada, em nosso laboratório, em paciente com policitemia.
Por fim as variantes novas: Hb S-São Paulo [6 (A3) GluVal ; 65
(E9) LysGlu], que sofre dupla substituição na mesma cadeia beta e a Hb F-
Valinhos [G46 (CD5) GlySer], resultam em anemia hemolítica aos seus
portadores, no entanto, possivelmente por processos fisiopatológicos distintos.
Desta forma, estudos estruturais e funcionais mais aprofundados
destas variantes não somente são importantes para melhor compreensão da
fisiopatologia destas hemoglobinopatias como também elucidam propriedades
estruturais e funcionais desconhecidas na estrutura nativa da Hb humana, as
quais são evidenciadas quando de alterações nos mecanismos de ligação com
oxigênio nas estruturas anômalas.
62
63
II. OBJETIVO
64
65
O presente trabalho teve como objetivo de estudar e aprofundar
aspectos estruturais e funcionais das seguintes variantes estruturais da Hb
humana, separadas de acordo com a localização da substituição de resíduos e
propriedades funcionais:
Variantes com substituições na Interface 12:
Hb Coimbra [HBB:c.300T>A or 300T>G p.99Asp>Glu]
Hb Setif [HBA2:c.283G>T p.94Asp>Tyr]
Variantes com alterações de afinidade:
Hb Chelsea [HBA2:c.116C>T p.38Thr>Ile] – afinidade aumentada
Hb F-Valinhos [HBG2:c.138G>A p.46Gly>Ser] – afinidade reduzida
Variante com propriedade de polimerização:
Hb S-São Paulo [HBB:c.20A>T p.Glu6Val; c.196A>G p.Lys65Glu]
Variantes Instáveis:
Hb Caruaru [HBB:c.368T>C p.122Phe>Ser]
Hb Olinda [HBB:c. 67_78delGAAGTTGGTGGT p.22-25Glu-Val-Gly-
Gly->0]
Deste modo, tal trabalho objetivou maior compreensão da relação
estrutura – função de variantes hemoglobina humana, para melhor
compreensão da fisiopatologia das hemoglobinopatias e dinâmica de ligação
Hb-O2.
66
67
III. MATERIAIS E MÉTODOS
68
69
3.1. VARIANTES DA HEMOGLOBINA HUMANA
As variantes da hemoglobina humana estudadas no presente trabalho estão
sumarizadas na Tabela 1. Todas as variantes foram encontradas em
heterozigose simples.
TABELA 1. Dados analíticos e clínicos das variantes de hemoglobina estudadas.
Hemoglobina
Variante
Caracterização Proteica % das Hbs em
hemolisado total
Alterações
Hematológicas
Variantes com substituições na Interface 12:
Hb Coimbra
[99(G1)AspGlu]
-Eletroforese alcalina: padrão normal;
-HPLC: alargamento na base do pico
correspondente à Hb A;
-Eletroforese ácida: normal;
-Eletroforese de cadeias: normal;
-RP-HPLC: separação da cadeia anômala
(21.74%- Coimbra)
Hb Coimbra = % Não
determinada
HbA2 = 3,8%
Hb F = 0,8%
Policitemia
Hb Setif
[94(G1) AspTyr]
-Eletroforese alcalina: banda na posição de
Hb S;
-Eletroforese ácida: banda na posição de Hb
S;
-Focalização isoelétrica: migração qual Hb S
Hb Setif = 17,4%
Hb A2 = 3,2%
Hb F = 0,6%
Anemia
hipocrômica e
microcitica
Variantes com alterações de afinidade
Hb Chelsea
[38(C3) ThrIle]
-Eletroforese alcalina: padrão normal;
-Eletroforese ácida: banda anômala entre Hb
A e Hb S;
-HPLC: 20,5% (portadora 1) e 22%
(portadora 2)
-% cadeia anômala (quantificada por HPLC
de fase reversa): aproximadamente 13%
1:Hb Chelsea=20,5%
2: Hb Chelsea = 22%
1: Policitemia
2:Índices
hematológicos
normais
(assintomática)
Hb F-Valinhos
[G46(CD5)Gly→Ser]
Instável;
-Eletroforese alcalina: compatível com recém-
nascido;
-HPLC: 69,9% (co-eluição com HbF normal);
-Eletroforese ácida: compatível com recém-
nascido;
-RP-HPLC: 4,26% / 4,93% (divisão dos picos
de G anômalos)
Hb F= 69,9%*
HbA2= 0,5%
Hb F-Valinhos = não
determinada
Anemia
hemolítica
Variante com Propriedade de Polimerização
Hb S-São Paulo
[6(A3) GluVal;
65 (E9) LysGlu]
-Eletroforese alcalina: banda anômala mais
rápida que a HbA;
-Teste de solubilidade (da HbS): fracamente
positivo;
-HPLC: eluição em janela de HbD;
-Eletroforese ácida: padrão semelhante à
HbS;
-Focalização Isoelétrica: separação da fração
normal, com pH 6,68 (35,2%);
-RP-HPLC: separação da cadeia anômala
(11.47%- S-São Paulo)
Hb S-São Paulo = 29,6%
HbA2=2,7% (dosagem
manual)
Hb F = 12,3%
Anemia
hemolítica
70
Variantes Instáveis
Hb Caruaru
[122 (GH5)
FenSer]
Instável
-Eletroforese alcalina: padrão eletroforético
indistingüível do adulto normal;
-HPLC: normal;
-Eletroforese ácida: normal;
-Eletroforese de cadeias: normal;
-Focalização isoelétrica: separação da fração
normal, com pH 6,8 (25%)
-RP-HPLC: separação da cadeia anômala
(8,78%- Caruaru)
Hb Caruaru = % Não
determinada
HbA2 = 4,1%
Hb F = 5,0%
Anemia
hemolítica
Hb Olinda
[22 (b4) –25 (b7)]
Altamente instável
-Eletroforese alcalina: banda anômala na
mesma posição de HbS;
-HPLC: eluição conjunta à HbA2;
-Eletroforese ácida: normal;
-Eletroforese de cadeias: normal;
-Focalização isso-elétrica: migração
fragmentada em dois pontos isoelétricos- pH
7,58 (3,0%) e pH 7,34 (3,3%);
-RP-HPLC: normal
Hb Olinda = 10,5%
(concomitante à HbA2)
HbA2=3,0% (dosagem
manual)
Hb F = 1,0%
Anemia
hemolítica
71
3.2. ESTUDOS FUNCIONAIS
O Estudo Funcional da Hb humana tem como objetivo analisar as
propriedades de ligação com o oxigênio através da obtenção da curva de
dissociação Hb-O2 ou curva de saturação Hb-O2 (curvas de equilíbrio).
3.2.1. Método Espectrofotométrico Tonométrico
O método espectrofotométrico tonométrico é o teste gasométrico descrito
por Rossi-Fanelli e Antonini em 1958, e que emprega medidas da oxi e da
desoxi-Hb em diferentes e apropriados comprimentos de onda, na ausência e
na presença de fosfatos orgânicos (ROSSI-FANELLI E ANTONINI, 1958;
ANTONINI E BRUNONI, 1971). É, portanto, o método original do estudo
funcional das hemoglobinas.
No presente estudo tais análises foram realizadas a partir de
hemolisado total purificado. Para tanto, amostras de sangue total, coletadas
em tubos contendo EDTA em concentração de 8% (frascos de hemograma-
Vacuette®) foram obtidas, para que, após lavagem da papa de hemácias com
solução salina 0,9%, o hemolisado fosse obtido por lise com água Milli Q.
O hemolisado total purificado (stripped), livre de contaminantes tais
como a membrana celular e os fosfatos orgânicos (a exemplo do 2,3-BPG) foi
obtido através de cromatografia em coluna de vidro (com as dimensões de 2cm
de diâmetro interno x 30cm de comprimento) com o polímero Sephadex G-25
(Sigma-Aldrich), e tampão Hepes (2-[4-(2-Hidroxietil)-1-piperazina] ácido
etanosulfônico) 50mM (Sigma-Aldrich).
72
Duas purificações foram efetuadas, a primeira em coluna com pH
alcalino (em torno de 8,2), seguida por purificação em pH ácido (em torno de
6,0) – para a exclusão de interferentes ácidos e alcalinos da amostra em
estudo. Ao final do processo o hemolisado, em pH em torno de 7,0 passa por
leitura espectrofotométrica (Espectrofotômetro DU-7, Beckman) para
determinação da concentração, por meio de coeficiente de extinção, já descrito
em literatura, que varia de acordo com o pH e a temperatura (ANTONINI e
BRUNONI, 1971).
O coeficiente de extinção da Hb A da oxi-Hb é representado pela
equivalência da medida de absorbância de 13,8 correspondendo à
concentração molar de 1mM de Hb em pH 7,0 a 20ºC (no comprimento de onda
de 541nm).
Os experimentos de dissociação de oxigênio foram realizados em
intervalo de pHs entre 6,5 e 8,5 (em tampão Hepes 50mM), com amostra de
hemolisado total stripped em concentração molar final de 70M
(17,5M/Heme), para estudo de Efeito Bohr (ANTONINI e BRUNONI, 1971).
No método tonométrico as amostras, nas condições anteriormente
mencionadas, são transferidas para um tonômetro (vidraria específica de boro
silicato empregada no estudo de equilíbrio da Hb, composta por cubeta (para
leitura óptica), corpo e torneira, conforme demonstrado na Figura 16)
(ANTONINI e BRUNONI, 1971; DACIE e LEWIS, 2006).
73
FIGURA 16. Tonômetro de boro silicato.
Espectrofotometricamente, avaliou-se o estado de oxi-hemoglobina
inicial da solução nos seguintes comprimentos de onda:
541 e 576nm - correspondentes aos picos de oxi-Hb;
560nm - referente ao pico de desoxi-Hb;
569nm - ponto isosbéstico da Hb (cuja absorbância, tanto para Hb
completamente no estado oxi-Hb quanto desoxi é a mesma, ou com
valor muito próximo). Deste modo, as absorbâncias neste comprimento
de onda servem como Fator de Correção para os posteriores cálculos de
p50;
630 e 690nm – referentes à meta-Hb, para exclusão das espécies meta-
Hb formadas durante o experimento, e assim evitar deslocamentos e
erros nos cálculos efetuados posteriormente.
cubeta
corpo
torneira
74
Após leitura de oxi inicial nos referidos comprimentos de onda a desoxi-
Hb é obtida utilizando gás nitrogênio, como gás de arraste, portanto, a fim de
remover o oxigênio ligado à Hb.
Os experimentos foram realizados à temperatura de 25,0ºC, controle
este feito em banho agitador de tonômetros (Figura 17), para homogeneização
por 10 minutos.
FIGURA 17. Banho agitador de Tonômetros.
Obtida a desoxi-Hb, esta passa por estabilização na referida
temperatura, para enfim, posterior leitura nos comprimentos de onda citados
(Figura 18). No entanto, também são efetuadas leituras nos espectros de 555 e
540nm para efetuo da seguinte relação, conforme proposto por Benesch (1967)
e que garante a efetiva desoxigenação da amostra:
75
(13)
Repetidas adições de volumes conhecidos de ar são então efetuadas aos
tonômetros, com auxílio de seringa de vidro, levando-os para sucessivas
homogeneizações no banho a 25ºC por 10 minutos. Após cada adição de ar e
consequente homogeneização e estabilização da solução a 25ºC, as soluções são
submetidas a novas leituras espectrofotométricas, nos comprimentos de onda
anteriormente citados (Figura 18), até atingir padrão de leitura
espectofotométrico aproximado à conformação da oxi-Hb. Por fim, o sistema é
aberto para completa oxigenação da amostra. Assim, a última leitura é
efetuada, garantindo a completa saturação da Hb por O2.
76
FIGURA 18. Densidade óptica da oxi-Hb (em azul); desoxi-Hb (em vermelho) e estados intermediários obtidos após
adições de ar, até oxigenação total. Gráfico em verde corresponde à estimativa para p50 (gráficos obtidos por espectro
de varredura).
Além dos estudos com amostras de Hb stripped, também foram
realizados experimentos com adição de efetor alostérico heterotrópico. Como
efetor, foi utilizado o IHP – Inositol Hexafosfato (Sigma-Aldrich), que
mimetiza a função do 2,3-BPG diminuindo a afinidade da Hb pelo oxigênio,
porém apresenta maior potencial eletronegativo e confere à hemoglobina
maior estabilidade estrutural.
Em nenhum experimento, foi feita adição de cloreto de sódio (NaCl), o
qual influencia na cooperatividade das cadeias globínicas. Deste modo, os
valores dos coeficientes de Hill (n) são menores (ANTONINI E BRUNONI,
77
1971). Em contrapartida, é possível verificar com maior sensibilidade
alterações funcionais não perceptíveis pela interferência de sais.
Os eventos de cooperatividade (n, constante de Hill) e afinidade da
proteína pelo O2 foram determinados em pHs distintos, para estudo de efeito
Bohr.
3.2.2. Cálculos de p50 e Constante de Hill
Os resultados espectrofotométricos foram então utilizados para
obtenção do gráfico de Hill, no qual considerou-se o seguinte cálculo para
obtenção de Y:
= (AbsX- AbsD) / (Abso - AbsD) (14)
Sendo que:
AbsX= absorbâncias nos comprimentos de onda de 541, 576 e 560 em
cada uma das adições de ar.
AbsD= absorbância nos comprimentos de onda de 541, 576 e 560, na
desoxi-Hb;
Abso= absorbância na oxi-Hb inicial.
Deste modo tem-se, em cada uma das adições de ar, que:
78
[(Abs541x - FCx) – (Abs541desoxi - FCdesoxi)]
[(Abs560x - FCx) – (Abs560desoxi - FCdesoxi)] +
[(Abs576x - FCx) – (Abs576desoxi - FCdesoxi)]
Y=
[(Abs541oxi - Abs690oxi) – (Abs541desoxi - FCdesoxi)]
[(Abs560oxi - Abs690oxi) – (Abs560desoxi - FCdesoxi)] +
[(Abs576oxi - Abs690oxi) – (Abs576desoxi - FCdesoxi)] (15)
O FCx é um fator de correção para cada uma das adições de ar e o
FCdesoxi é um fator de correção para forma desoxigenada da hemoglobina.
Deste modo considera-se que:
FC=Abs569(adição de ar ou desoxi-Hb) - Abs569(oxi inicial)
(16)
Os valores de pressão de oxigênio (pO2) obtidos em cada uma das
adições de ar foram convertidos à partir dos volumes conhecidos de ar, através
da seguinte equação:
(17)
79
Neste cálculo são considerados os seguintes parâmetros:
[O2] = Concentração percentual de oxigênio na atmosfera= 21%;
TB e TA = Temperatura do banho agitador de tonômetros e
Temperatura ambiente;
PBC = Pressão barométrica corrigida;
PV = Pressão de vapor de água;
UR= Umidade relativa;
VI = Volume de ar injetado no tonômetro;
VA = Volume de amostra;
VT = Volume do tonômetro.
Todos estes dados foram calculados através de programa computacional
desenvolvido pelo Prof. Dr. Gustavo O. Bonilla Rodríguez, do Departamento
de Química e Ciência Ambientais- IBILCE- UNESP- São José do Rio Preto, e
gentilmente cedido ao nosso laboratório (Figura 19) (BONILLA-RODRIGUEZ
et al., 1994):
FIGURA 19. Programa para cálculo de pO2.
80
Os valores resultam, pois, na curva sigmoide de saturação Hb-O2, para
a obtenção da p50, a qual é apresentada em logaritmo: a partir de log (pO2) x
log (Y/ 1-Y), considerando os parâmetros previamente citados (Figura 20).
FIGURA 20. Duas formas de apresentação da curva de saturação Hb-O2 na forma sigmoidal (Painel A); e forma
logarítmica (Painel B).
Deste modo, o valor de Log (p50) é obtido.
A partir do gráfico em logaritmo a Constante de Hill é obtida – através,
pois, da variação, conforme a demonstrado na equação 20 e Figura 21:
-0,6 -0,4 -0,2 0,0 0,2 0,4
-0,8
-0,6
-0,4
-0,2
0,0
0,2
0,4
0,6
0,8
log
S/I
log pO2
Hb G-Siriraj pH 7,53
Reta Média
p50
ou
p50
A
B
81
( ⁄ )
(20)
FIGURA 21. Exemplificação do intervalo de valores para cálculo da Constante de Hill.
No entanto, a equação 20, nada mais é que a aplicação das equações 3 e
6 referentes à Constante de Hill demonstradas no Capítulo Introdução.
O efeito Bohr, por sua vez, é determinado a partir dos valores de p50
encontrados em cada pH analisado (no intervalo de 6,5 a 8,5).
Todos os gráficos de Efeito Bohr e de variação do Coeficiente de
Cooperatividade (pela Constante de Hill – n) foram efetuados utilizando o
programa OriginPro 7.5 e 8.0.
82
3.2.3. Método Automatizado – Hemox Analyzer
O teste funcional utilizando o equipamento Hemox Analyzer (TCS
Medical Products, USA) baseia-se em método espectrofotométrico conjugado à
medida de oxigênio do meio através de eletrodo de Clark. Neste, conforme as
leituras de absorbâncias são efetuadas mediante a medida de oxigênio do
meio, o software que acompanha o equipamento, automaticamente efetua os
cálculos da diferença de espécies oxi e desoxi-Hb através da diferença de
espectros em 560 e 576nm em função da pressão de O2.
No entanto, os experimentos nele realizados utilizam papa de hemácias
não purificada, servindo, pois, como um método de “triagem” ao estudo
funcional tonométrico.
Os hemolisados utilizados no referido estudo eram provenientes de
eritrócitos previamente lavados e armazenados a -80ºC. O pH foi ajustado em
7,4 (±0,01) utilizando-se o Hemox-solution e temperatura controlada a 37ºC.
Neste método, a amostra é inicialmente submetida a crescente pressão
de ar comprimido até sua completa saturação (oxigenação de 100% da
amostra). Em seguida o gás nitrogênio é insuflado, como gás de arraste, a
fim de promover a completa desoxigenação da hemoglobina. Durante a
desoxigenação, eletrodo de oxigênio do tipo Clark (que possui uma membrana
de Teflon permeável ao oxigênio), determina a tensão de oxigênio (pO2) da
amostra (como coordenada x do gráfico de saturação Hb-O2). Enquanto isso, a
diferença entre as leituras de absorbância nos comprimentos de onda de 560 e
83
576 nm, são mensauradas e calculadas. Deste modo, em tempo real, a curva
de dissociação Hb-O2 é obtida, conforme demonstrado na Figura 22:
FIGURA 22. Curva de saturação de oxigênio da hemoglobina (http://tcssci.com/hemox/components/index.htm).
A partir deste gráfico, o valor de p50 da hemoglobina é calculado,
considerando, assim como no método anteriormente descrito, a pressão de
oxigênio necessária para saturação de 50% dos sítios ativos da Hb.
Em seguida, o ar comprimido é novamente insuflado (o pO2 medido por
meio do eletrodo de Clark e as densidades opticas medidas e calculadas) de
modo a obter a curva de saturação de oxigênio, a qual resulta em valores de
p50 muito próximos àqueles obtidos na primeira curva.
Finalmente, os cálculos da Constante de Hill podem ser efetuados
através da aplicação das equações 3, 6 e 21, supracitadas.
84
3.3. STOPPED FLOW
A técnica de Stopped Flow consiste em método espectrofotométrico em
que é possível efetuar varredura da densidade óptica da Hb (entre 350 e
700nm) em um intervalo de tempo determinado. Deste modo é possível
efetuar, por exemplo, mesclas da amostra de proteína com agente redutor,
capaz de promover o desligamento do oxigênio ligado à Hb e assim
determinar, através de cálculos, a constante de dissociação Hb-O2 (Koff). A
recíproca também seria verdadeira, caso houvesse possiblidade de mescla da
desoxi-Hb com solução saturada de oxigênio, sendo possível mensurar a
ligação de O2 à Hb de forma a obter Kon, ou constante de ligação Hb-O2. No
entanto, a concentração deste ligante necessária para saturação completa dos
sítios ativos de Hb seria muito alta, o que impossibilita o uso desta técnica
para Kon com O2. Em contrapartida, devido à maior afinidade que a Hb tem
pelo monóxido de carbono (CO), foi possível obter a KonCO, através de um
processo extremamente laborioso.
A Figura 23 representa o esquema básico de funcionamento de um
equipamento de Stopped Flow.
85
FIGURA 23. Esquema básico de funcionamento de um equipamento de Stopped Flow (ANTONINI E BRUNONI,
1971).
Diferentemente do esquema aqui apresentado, o equipamento utilizado
apresentava três bombas de entrada, num modelo esquemático mais
complexo, uma vez que podem ser realizadas duas mesclas (entre bomba 1 e
bomba 2, seguida por segunda homogeneização entre este produto de mescla e
o conteúdo da bomba 3 – Figura 24). No entanto, somente duas entradas
foram utilizadas (bomba 1 e 3), após diversos testes de homogeneização.
FIGURA 24. Fotografia das bombas de mescla e placa de detecção do Stopped Flow (Biokine 32, Jasco, Germany).
As absorbâncias podem ser medidas ao mesmo tempo graças à presença
de uma placa composta por arranjo de diodos bastante sensível, através da
Bomba 1
Bomba 2
Bomba 3
Lâmpada
s Placa de
detecção
86
qual a amostra é espalhada de forma que sua densidade óptica possa ser
avaliada em diferentes comprimentos de onda ao mesmo tempo. Através deste
princípio é possível também fazer medidas das absorbâncias ao longo do
tempo, por exemplo, após mescla rápida a um agente redutor (que retire
oxigênio do meio, para obtenção de Koff) ou um “agente oxidante” (que sature
os sítios ativos da Hb, para obtenção de Kon).
No laboratório de Modelado Molecular, da Universidad de Buenos Aires
foi possível padronizar e efetuar estudo de cinética de dissociação Hb-O2 e de
ligação Hb-CO, através da técnica de Stopped Flow. Isso porque o referido
laboratório também possui equipamento necessário para este gênero de
avaliação (Biokine 32, Jasco, Germany).
Os estudos de cinética representam importante interface entre os
estudos funcionais e simulação de dinâmica molecular, uma vez que
efetivamente é possível determinar as constantes de ligação (Kon) e
dissociação (Koff) de uma proteína a seu ligante.
Para os experimentos utilizou-se hemolisados stripped, previamente
preparados em nosso laboratório. Foram purificados / desalinizados por coluna
cromatográfica Sephadex 25G, utilizando água Milli-Q como fase móvel. Em
seguida foram concentrados, por centrifugação e separação por peso molecular
utilizando filtros Amicon (Millipore) com peso molecular de corte de 30KDa, à
temperatura controlada, para evitar desnaturação proteica.
87
3.3.1. Constante de dissociação Hb-O2 - Koff
Para a determinação de Koff, em uma das bombas é inserida a oxi-Hb
(bomba 1), na concentração adequada (80M/heme), enquanto que em outra
bomba é injetado o ditionito de sódio (SDS – 6mM), como agente redutor da
Hb.
Após a mescla rápida (em tempo inferior a 0,08ms) é possível
determinar o seguinte gráfico (Figura 25):
FIGURA 25. Comprimentos de onda (nanômetros - nm) versus Absorbância (Volts) em função do Tempo (segundos).
Oxi-Hb, sem qualquer mescla com agente redutor (Painel A). Mescla de oxi-Hb com agente redutor (DTS- Ditionito de
Sódio). Medidas feitas em função do tempo (Painel B).
Durante o processo de padronização foi necessário determinar:
Concentração ideal de Hb (através de inúmeros testes com a Hb nas
concentrações de 20, 40, 60, 70, 80 e 90 M/heme – quantificação feita
por espectrofotometria, usando como coeficiente de partição a densidade
óptica da proteína em 540nm). Verificou-se que a melhor concentração
para mescla, com obtenção de melhor sinal, antes e após a mescla, era a
de 80M/heme;
A B
88
Concentração ideal de DTS de modo que a Hb humana estivesse em
margem de segurança para completa desoxigenação, sem que a
proteína sofresse polimerização. Além disso, tomou-se o cuidado para
que a concentração de DTS não fosse muito alta, o que deixaria a
solução viscosa, dificultando a mescla rápida com a Hb. Os testes com
DTS foram mais complexos uma vez que este é um reagente
extremamente higroscópico, o que dificulta a sua real quantificação,
durante a pesagem. Deste modo, paralelamente, foram efetuados testes
por espectrofotometria para quantificação de DTS através da densidade
óptica. Com base nos artigos supracitados foram testadas diversas
concentrações de DTS: 60, 30, 26, 6 e 2.6 mM (HARRINGTON ET AL.,
1977; COIN E OLSON, 1979; VANDERGRIFF E OLSON, 1984;
BRITTAIN E SIMPSON, 1989). A concentração ideal, de baixa
viscosidade e melhor desempenho para redução da Hb foi a de 6 mM;
Proporção ideal de volume de mescla oxi-Hb versus DTS de modo que se
obtivesse completa desoxi-Hb. Considerando as concentrações de
de Hb e 6mM de DTS a melhor proporção foi a de 1:3, o que
corresponde às concentrações finais de 20M de Hb e 4,5mM de DTS;
Tempo ideal de exposição da mescla oxi-Hb:DTS sem que houvesse
decaimento da função gerada. Este não foi um ponto muito crítico na
padronização uma vez que as concentrações dos reagentes foram bem
estabelecidas;
89
A velocidade de fluxo de mescla, por sua vez, foi calculada pelo software
do equipamento.
As medidas de densidade óptica são efetuadas a cada 0.0016s por 3,2
segundos. Nos testes iniciais o tempo final de medida foi de 5s. No entanto,
visto que a cinética de desligamento do oxigênio da Hb observada nestas
condições foi muito rápida, o tempo máximo de medida passou a ser 3,2s –
Figura 26.
Os testes foram realizados em Tampão Fosfato 100 mM, pH 7,4, em
temperatura de 25ºC, a mesma dos estudos funcionais.
Ao final da padronização cada amostra foi submetida a 20 injeções, ou
seja, 20 mesclas e medições de varredura em função do tempo, para efetuo dos
cálculos.
Os cálculos de Koff foram efetuados a partir dos valores de absorbância
em 430nm (referente à absorbância máxima de desoxi-Hb na “região de
Soret”) em função do tempo – Figura 26.
90
FIGURA 26. Absorbância da Hb A (sinal dado em Volts; coordenada Y) versus Tempo (em segundos; coordenada x),
no comprimento de Soret para desoxi-Hb (430nm).
Não foram considerados os valores de Banda Q (referentes as
densidades óticas em 541, 560 e 576 nm) como utilizados nos estudos
funcionais, uma vez que após a mescla, os sinais gerados são baixos, e assim,
susceptíveis a ruídos e interferências. No entanto, tais absorbâncias serviram
de parâmetro qualitativo para verificação da completa obtenção de desoxi-Hb
após redução.
Os cálculos de Koff seguem equação matemática de uma ou duas
funções:
cálculo de função única:
(21)
cálculo de duas funções:
[ ] [ ]
(22)
91
Sendo:
A= amplitude
K = Koff
X = Tempo (obtido a partir do gráfico gerado no experimento)
C = Constante arbitrária, proveniente da integral gerada pela
aproximação da função gerada ao gráfico Tempo x Absorbância
(conforme Figura 27).
Y´ = F(x)
Y = Absorbância
Para tanto a ferramenta de estatística Solver foi utilizada, através da
qual os dados foram normalizados usando como valor de base (mínimo) a soma
do quadrado da diferença entre os valores de Y (Absorbância) e Y‟ (Função
gerada).
A Koff, portanto, foi determinada a partir de cálculo de aproximação da
função citada frente aos valores experimentais de absorbância versus tempo
(Figura 27). Nos referidos cálculos considerou-se também a simples diferença
entre estes valores (Y - Y‟ = resíduo), com o intuito de validar os resultados
experimentais.
A Koff obtida por uma única função foi utilizada para determinar um
valor único que satisfizesse o evento global de desligamento do O2. Enquanto
isso, duas funções foram aplicadas para verificar duas fases de desligamento
92
Hb-O2 (sendo uma fase rápida e uma lenta, seguindo o padrão sigmoidal da
curva de dissociação de O2).
FIGURA 27. Parte da planilha de cálculos para obtenção de Koff.
Ambas as funções foram aplicadas às variantes de Hb e comparadas aos
resultados obtidos com os controles.
93
3.3.1.1. Koff na presença de IHP
Foram efetuados testes de cinética de dissociação Hb-O2 na presença de
IHP.
Tal estratégia foi adotada porque estudos funcionais complementares
da Hb Coimbra sugeriram uma possível e nova influência deste efetor na
cooperatividade heme-heme, efeito este não descrito na literatura.
Deste modo, acreditava-se que as medidas de Koff poderiam indicar
alterações, o que tornaria tais medidas bastante pertinentes.
Foram utilizadas as mesmas condições analíticas das medidas de Koff
anteriormente descritas, porém, com adição de IHP em concentração final de
1mM, tal qual nos estudos funcionais tonométricos, para fins de comparação.
94
3.3.2. Constante de ligação Hb-CO – KonCO
A determinação de KonCO também segue a mesma estratégia de Koff. A
diferença, neste caso é, a presença da Hb já reduzida com DTS 6mM na
Bomba 1, enquanto a Bomba 3 é preenchida com Tampão Fosfato 100mM, pH
7,4, saturado com CO.
Para a saturação do tampão, são necessárias 1 hora de exposição deste
ao gás produzido pela mescla de ácido sulfúrico e ácido fórmico, sob baixa
temperatura.
Apesar de efetuadas diversas injeções de mescla, o rendimento deste
procedimento é bastante baixo, devido ao aumento de “ruídos” na leitura de
espectro (em decorrência da presença de CO) bem como dificuldade de mescla
em curto período.
95
3.4. ESTUDOS DE POLIMERIZAÇÃO
Devido à propriedade de polimerização apresentada por uma das
variantes em estudo, a Hb-S-São Paulo, anteriormente detectada pelo teste de
sickle ID, a formação de polímeros a 30ºC foi monitorada por 24h, por método
espectrofotométrico descrito por Adachi e Asakura em 1979.
Neste teste monitora-se a densidade ótica da Hb a 700nm (espectro de
polímeros de Hb), em intervalos aproximados de 1h. Para tanto, utiliza-se
hemolisado total stripped em concentração de 0,123g/dL em tampão fosfato
1,8M (pH 7,34). A amostra, em tubo hermeticamente fechado, para evitar a
entrada de O2 no meio, particularmente importante para o hemolisado em
estudo, uma vez que o portador também apresentava elevada porcentagem de
Hb F, o que poderia sobremaneira interferir na formação de polímeros.
Tais resultados foram comparados à amostra controle de heterozigoto
da Hb S – tal qual o probando da Hb S-São Paulo.
96
3.5. SIMULAÇÃO DE DINÂMICA MOLECULAR (MD)
A Simulação de Dinâmica Molecular (Molecular Dynamics – MD) é uma
técnica de análise computacional através da qual é possível determinar o
movimento de partículas de um sistema, cujos potenciais de interação e
equações que regem tais movimentos sejam conhecidos. Deste modo, a partir
de modelos cristalográficos, que fornecem as posições iniciais dos átomos, e
dos campos de força que regem tais ligações atômicas (exemplos na Figura
28), é possível estudar as sequencias de posições geradas decorrentes deste
movimento, por meio dos princípios fundamentais de Mecânica Estatística.
FIGURA 28. Representação esquemática dos principais componentes de um campo de força.
No caso da Hb humana é possível avaliar as ligações interatômicas, por
exemplo, entre átomos de resíduos de uma proteína, e assim, fazer
aprofundados estudos da estrutura final bem como verificar interações com o
ligante. Por meio deste método é possível compreender, do ponto de vista
molecular, a conformação estrutural de variantes da hemoglobina, além de
permitir a compreensão do mecanismo de ligação entre a hemoglobina e
97
oxigênio, fazendo, deste modo, a efetiva correlação entre a estrutura e a
função da proteína (ALDER E WAINWRIGHT, 1959; MCCAMMON ET AL.,
1977; MOUAWAD ET AL., 2002; LABERGEAND E YONETANI, 2008;
YONETANI E LABERGE, 2008).
A partir das coordenadas espaciais de estruturas cristalográficas na
conformação R e T da Hb nativa depositadas na base de dados Protein data
Bank (exemplo na Figura 29), é possível, portanto, fazer modificações
estruturais relativa às variantes em estudo e subsequente cálculos das
trajetórias de simulação a partir dos campos de força que envolvem as
interações atômicas.
FIGURA 29. Fragmento do arquivo pdb com parte das coordenadas da estrutura 2DN2, relativa à desoxi-Hb.
Para estas simulações foram utilizadas os pdbs 2HHB e 1IRD, nas
respectivas conformações T e R da Hb nativa, em lugar dos templates 2DN2 e
Identificação
(átomo)
Nº do átomo
(sequencialmente)
Átomos e classificação na
estrutura primária [ex.
Carbono (CA)]
Resíduo
Cadeia
globínica
Nº do resíduo
Coordenadas X / Y / X
Grau de Ocupância atômica nas
coordenadas determinadas (1.00 = 100%)
Fator de Vibração
Térmica
Átomos
98
2DN1, utilizados em tentativa anterior, uma vez que estas também
apresentam boa resolução e não foram encontrados os mesmos problemas
quais aqueles vivenciados durante a Modelagem por Homologia, muito
possivelmente devido à existência da substância tolueno na estrutura
cristalográfica de 2DN1. Além disso, as estruturas 2HHB e 1IRD têm sido
citadas em outros artigos como bons modelos para estudos de MD.
As caixas de simulação contendo cerca de 40.000 átomos (entre
moléculas de água e íons sódio e cloreto, para estabilização do sistema)
foram “construídas” a 10Å a partir do contorno periódico da Hb (Figura 30).
99
FIGURA 30. Caixa de simulação da Hb na forma nativa.
A
Caixa de simulação contendo molécula de oxi-Hb
nativa (1GZX) após processo de relaxação estrutural.
A) Conformação de apresentação em “Line”;
B) Conformação de apresentação em “New Cartoon”.
Íon cloreto
OBS. Foram inseridos íons cloreto e sódio, para
estabilidade do sistema
Molécula de água
B
100
Neste estudo foram utilizados os programas computacionais:
Os dados de parametrização de campos de forças inter-atômicas e
de topotologia (estrutura espacial dos átomos da proteína) foram
obtidos através do programa CHARMM (Chemistry at Harvard
Molecular Mechanics).
As simulações das estruturas mutantes foram realizadas no
programa AMBER, a partir dos parâmetros de topologia das
estruturas cristalográficas e parâmetros de campos de força. A
simulação da dinâmica molecular propriamente dita é efetuada
através deste programa;
VMD (Visual Molecular Dynamics): programa de visualização e
cálculos básicos (como distanciamento entre átomos) das
simulações de estruturas mutantes.
Foram selecionadas aquelas variantes cuja análise prévia de
visualização computacional da estrutura nativa não indicasse necessidade de
muito tempo para simulação devido ao posicionamento e interações do resíduo
substituído – os quais não sugerissem imediata correlação entre a
substituição e as alterações funcionais. A prioridade foi dada às variantes
novas da hemoglobina, para as quais não havia dados estruturais descritos na
literatura.
As simulações das variantes de Hb foram executadas com tempo
mínimo de – 30 ns. Antes, porém, relaxamento inicial das estruturas foram
101
realizados, primeiramente, com as cadeias laterais (backbones) fixas (por
tempo de 50ps), e em seguida estas também foram submetidas a relaxamento
por mais 50ps.
102
103
IV. RESULTADOS E DISCUSSÃO
104
105
4.1. VARIANTES COM SUBSTITUIÇÕES NA INTERFACE 12
Algumas regiões da hemoglobina são importantes para a estabilização
do tetrâmero funcional durante a transição T-R. A principal delas é a
interface 12 cujos contatos estabilizam ambas as conformações ligada (R) e
não ligada (T) da Hb. Além disso, está localizada próxima aos grupos heme,
interferindo e sofrendo influência de alterações conformacionais no heme
pocket.
Dentre as diversas interações na região 12 destacam-se as que
ocorrem entre Asp99 e Tyr42, bem como Asp99 e Asn97 no estado T, de
modo a estabilizar tal conformação por meio de ligações de hidrogênio (KIM et
al., 1994). Outra importante interação na conformação T se dá entre Asp94e
Trp37, formando uma espécie de dobradiça na região (LEVANTINO et al.,
2012).
As Hbs Coimbra [99 (G1) AspGlu] e Setif [2 94 (G1) AspTyr] são
variantes que sofrem substituição do ácido aspártico nas cadeias beta e alfa,
respectivamente, nesta região de interface 12 (Figura31):
FIGURA 31. Localização das interfaces 12 na Hb humana (laranja).
106
4.1.1. Hb Coimbra [99 (G1) AspGlu]
Em termos funcionais, a importância do resíduo Asp99 para afinidade
da proteína pelo oxigênio pode ser conferida por meio das sete variantes de Hb
com substituição deste resíduo: Hb Ypsilanti (Asp99Tyr), Hb Kempsey
(Asp99Asn), Hb Yakima (Asp99His), Hb Radcliffe (Asp99Ala), Hb Hotel-Dieu
(Asp99Gly) e Hb Coimbra (Asp99Glu). Isso porque, independentemente da
substituição sofrida, todas as variantes apresentam afinidade aumentada pelo
oxigênio, cooperatividade heme-heme diminuída e resultam em quadro clínico
de importante relevância (Globin Gene Server).
Os portadores destas variantes apresentam eritrocitose (também
denominada policitemia – termo grego para grande concentração de células no
sangue). A superprodução de eritrócitos estaria, portanto, relacionada à
afinidade aumentada destas variantes pelo O2. Devido a esta propriedade
funcional alterada, não distribuem adequadamente o O2 aos tecidos, gerando
hipóxia tecidual. Esta, por sua vez, resulta na produção compensatória de
eritropoietina, pelas suprarrenais, que sinaliza à medula óssea a maior
produção de células vermelhas (GORDEUK et al., 2005).
Assim como as demais variantes com substituições do resíduo Asp99, a
Hb Coimbra [HBB:c.300 T>A or T>G p.Asp99Glu] também se caracteriza pela
afinidade aumentada pelo oxigênio e resulta em policitemia aos portadores.
No entanto, diferentemente das demais é a que sofre menor alteração na
107
interface 12, uma vez que a substituição de ácido aspártico por ácido
glutâmico somente confere a inserção de um grupamento CH2 nesta região.
Assim sendo, o estudo estrutural e funcional da Hb Coimbra é de
grande relevância para a melhor compreensão do equilíbrio alostérico T-R
tanto da variante quanto da estrutura nativa, devido à mínima diferença
entre ambas.
Descrita pela primeira vez na cidade de Coimbra (TAMAGNINI et al.,
1991), foi identificada em alguns pacientes com quadro de eritrocitose
encaminhados e acompanhados pelo setor de Hematologia do Hemocentro-
Unicamp. Até o presente momento nenhuma das demais variantes de Hb com
outra substituição de Asp99 foi detectada em nosso país.
Estudos funcionais com o hemolisado total não purificado, efetuados por
método automatizado (Hemox Analyzer) em pH 7,4, a 37ºC, apontaram o
aumento da afinidade pelo O2, através da medida de p50 (Figura 31), tanto
através da curva de dissociação Hb-O2 (Painel A) quanto pela curva de ligação
Hb-O2 (Painel B):
108
A
B
FIGURA 32. Curvas de Equilíbrio com hemolisado total não-purificado. Painel A: Curva de dissociação Hb-O2. Painel
B: Curva de ligação Hb O2. Em azul escuro: hemolisado contendo majoritariamente Hb A. Em ciano: hemolisado de
recém nascido (com Hb F de aproximadamente 70%). Em vermelho: hemolisado total contendo Hb Coimbra.
As curvas de equilíbrio da Hb Coimbra indicaram maior afinidade da
variante pelo oxigênio (Figura 31), as quais estão representadas por valores
de p50 inferiores aos controles, inclusive, em relação ao hemolisado RN, com
cerca de 80% de Hb F (Tabela 2). Além disso, as constantes de Hill (n) também
indicaram diminuição da cooperatividade heme-heme(Tabela 2).
TABELA 2. Valores de p50, Cooperatividade heme-heme (Constante de Hill – n) e Constantes de Adair para os
gráficos de dissociação Hb-O2 e ligação Hb-O2 da Hb Coimbra.
Desvio p50 Hill Constantes de Adair (log)
padrão (mmHg) (n) k1 k2 k3 k4
Hb A Curva dissociação 0,003 10,74 2,22 0,12 0,08 0,001 128,9
Curva saturação 0,004 11,00 2,18 0,12 0,08 0,001 7,76
Hb F (~80%) Curva dissociação 0,009 8,88 1,44 0,36 0,07 0,08 0,13
Curva saturação 0,01 8,22 1,42 0,71 0,05 0,11 0,09
Hb Coimbra Curva dissociação 0,005 5,62 1,32 0,63 0,21 0,05 0,28
Curva saturação 0,004 5,84 1,39 0,20 0,99 5.10-6 1785
109
Os valores das constantes de Adair, por sua vez, apontaram
significativa diferença entre as 4 Ks (constantes de Adair obtidas em Log)
para cada uma das 4 fases das curvas de equilíbrio, e que representam cada
uma das 4 cadeias globínicas em dissociação (para a curva de dissociação) e
saturação com O2 (para a curva de ligação Hb-O2). Ou seja, entre as curvas de
dissociação e saturação por O2 foi observada importante diferença entre os
valores de k1, k2, k3 e k4, principalmente entre k2 e k4, onde o valor de k4
(que apresentou maior diferença entre os cálculos dos gráficos) da curva de
dissociação foi de 0,28 enquanto que para a de saturação foi de 1785. Tais
resultados apontam um possível deslocamento do equilíbrio de ligação Hb-O2
para a conformação mais estável da estrutura em R, com maior afinidade pelo
O2. Além disso, o valor de k4 para a curva de saturação da Hb Coimbra foi
bastante superior aos valores de k4 tanto da Hb A quanto de Hb F (Tabela 2).
Em contrapartida, o valor de k1 da Hb Coimbra, para a curva de dissociação,
foi superior aos valores de Hb A e Hb F, o que poderia indicar que a afinidade
alterada poderia estar vinculada a mecanismo deficitário de cooperatividade
heme-heme. No entanto, importante ressaltar que as constantes de Adair
calculadas a partir das curvas de equilíbrio são bastante susceptíveis a erros,
apesar do baixo desvio padrão, justamente pela alta sensibilidade do cálculo.
Do ponto de vista de afinidade, resultados similares foram observados
nos estudos funcionais espectrofotométricos tonométricos, através da medida
de p50 de hemolisado total purificado (stripped) no intervalo de pHs entre 6,5
110
e 8,5, temperatura de 25ºC, tanto na presença quanto ausência de IHP
(Inositol Hexafosfato) – Figura 33, cujos valores foram inferiores aos da Hb A.
Deste modo, a pressão de oxigênio necessária para saturar 50% das
ligações de Hb Coimbra seria menor que para Hb A, em todos os pHs:
FIGURA 33. Afinidade da Hb Coimbra na presença e ausência de IHP- Inositol Hexafosfafo, em diferentes pHs –
Efeito Bohr.
A diferença nos valores de p50 do hemolisado stripped de Hb Coimbra
em relação a controle Hb A, foi maior na presença de IHP que na ausência
deste efetor alostérico. Tais achados parecem acompanhar os resultados de
baixa cooperatividade heme-heme também observados pelo estudo – Figura
34:
111
FIGURA 34. Cooperatividade heme-heme da Hb Coimbra na presença e ausência de IHP, em relação à Hb A.
Cálculos da Constante de Hill (n) no intervalo de pHs de 6,5 a 8,5
apontaram ausência de cooperatividade heme-heme (em torno de 1), tanto na
presença quanto ausência de IHP. No entanto, interessante observar que os
valores encontrados na presença de IHP foram inclusive inferiores àqueles
encontrados na ausência do efetor (em torno de 0,8) o que poderia apontar à
influência deste efetor na região 12 da variante, de modo a afetar a
cooperatividade heme-heme, efeito este, ainda não descrito na literatura.
Estudos da cinética de dissociação Hb-O2, por Stopped Flow, não
apontaram diferença significativa entre os valores das constantes de
dissociação (Koff) Hb-O2 (Tabela 3). Foram encontrados, isto sim, elevadas
constantes de ligação Hb-CO (em lugar de O2), o que, realmente aponta para
desequilíbrio T-R em favor da maior estabilidade estrutural na conformação
112
R, uma vez que os valores de Kon da Hb Coimbra são bastante superiores em
relação à Hb A (tanto nos cálculos com uma ou duas funções – Tabela 3):
TABELA 3. Valores das constantes de dissociação Hb Coimbra-O2 na ausência e presença de IHP (Koff) e constante
de ligação Hb Coimbra-CO (KonCO), por Stopped Flow.
Koff Koff (IHP) KonCO
Hb A Monoexponencial 38,524 35,666 94,751 Bi-exponencial 1 0,566 1,875 0,999 Bi-exponencial 2 37,612 36,773 94,7615
Hb Coimbra Monoexponencial 38,443 25,806 160,726 Bi-exponencial 1 1,071 3,619 0,961 Bi-exponencial 2 37,823 25,796 160,711
O referido desequilíbrio entre Kon e Koff, que aponta deslocamento do
equilíbrio a R, de dá em decorrência da na maior presença de espécies na
conformação R em solução.
Já na presença de IHP a Koff de Hb Coimbra foi menor que Hb A
também podendo indicar que o desequilíbrio T-R ainda favorecendo a
conformação R, num evento que necessita maiores investigações uma vez que
não está descrito na literatura.
Tal evento não foi, no entanto, explorado nas simulações da dinâmica
molecular efetuadas neste trabalho, pois seria necessário parametrizar a
presença de IHP na cavidade do 2,3-BPG. Isso porque não há estrutura
cristalográfica da Hb com IHP, o que exigiria experimentos computacionais de
docagem da molécula no interior da proteína e subsequentes cálculos da
dinâmica do sistema.
113
Estudos de simulação de dinâmica molecular da Hb Coimbra na sua
conformação R – ligada ao oxigênio, confirmaram, mesmo após 100ns, a
estabilidade das novas de ligações de hidrogênio entre Glu99-Tyr42,
Glu99-Val96 e Glu99-Asp97, interações estas inexistentes na
conformação R da estrutura nativa (Hb A), conforme demonstrado na Figura
35.
FIGURA 35. Representação das interações de Asp99β em relação à nuvem eletrônica de Glu99β na interface 12.
Em azul: cadeia principal da globina 1da Hb A na conformação T /Em vermelho: cadeia principal da globina2 da
Hb A na conformação T; Em cinza: cadeias principais das globinas 1 e 2 da Hb A na conformação R; Átomos
coloridos unitariamente: Asp99β da estrutura nativa (junto à cadeia , em vermelho) e Tyr42α (junto à cadeia α, na
conformação T, em azul); Átomos coloridos em cinza: Asn97α da estrutura nativa (junto à cadeia na conformação R,
em cinza); Nuvem laranja na interface: Glu99 na cadeia , em vermelho (T).
Além dos estudos com a conformação R, nos quais observou- se a
formação de ligações inexistentes na forma nativa devido à inserção de um
grupamento CH2 na interface (Figura 35), as trajetórias de simulação a 100ns
na conformação T indicaram fenômeno importante neste estado – não ligado
ao oxigênio. Com o passar do tempo de simulação a T-Hb Coimbra passou da
114
forma T para a forma R, o que demonstra a instabilidade da conformação T e
maior estabilidade na conformação R.
Tais observações foram possíveis graças à propriedade que a Hb tem
durante a transição T-R. Isso porque e os dímeros da Hb rotacionam cerca de
15º, no eixo de simetria, durante a transição T-R (Figura 6, da Introdução),
quando o oxigênio se liga aos sítios ativos.
Através de cálculos da estrutura foi possível observar o trânsito T-R da
T-Hb Coimbra, mesmo sem a adição de oxigênio no sistema.
A Figura 36 representa a simulação em T de 0 a 100ns, nas seguintes
condições:
Em preto, T-Hb A (Wild Type – WT): ao longo da trajetória de 0 a 100ns
a estrutura permaneceu em T;
Em vermelho, T-Hb Coimbra: em aproximadamente 20ns a estrutura T
passou a R;
Para validar tais resultados, novas alterações foram feitas:
Em azul, T-Hb AHb Coimbra: após os 100ns de simulação (trajetória
representada na cor preta), a estrutura T-Hb A foi novamente “mutada”
à Hb Coimbra e posta a novos 100ns de trajetória. Foi possível observar
que a nova estrutura de Hb Coimbra, em menos de 10ns passou de T a
R, confirmando os resultados representados graficamente em vermelho;
115
Em verde, Hb CoimbraHb A: a estrutura final de Hb Coimbra, que
após 100ns de trajetória (representada em vermelho) estava na
conformação R, foi modificada à forma nativa (Hb A – Wild Type, WT) e
avaliadas por mais 100ns. Observou-se que mesmo após 100ns a
estrutura nativa não voltou à conformação T, o que indica a
estabilidade da conformação R, da estrutura inicial (Figura 36).
FIGURA 36. Rotação das estruturas de Hb Coimbra e Hb A ao longo de 100ns de trajetória de simulação.
Os testes supracitados apontaram, portanto, que a Hb Coimbra é mais
estável na conformação R. Deste modo, os sítios ativos estariam expostos, o
que facilitaria a ligação com o oxigênio.
Além destas, outras análises computacionais, referentes às
modificações nas cadeias globínicas durante o trânsito T-R da Hb Coimbra,
também foram realizadas (Figura 37). Nestas, foi analisado o trânsito T-R
para a estrutura terciária (t-r) das cadeias globínicas:
2) Asp99Glu
1) Wild Type (Hb A)
3) WT Asp99Glu
4) Asp99Glu WT
116
FIGURA 37. Projeção da Dinâmica Molecular no modelo de transição T-R da Hb Coimbra. As projeções foram
normalizadas considerando o valor -1 a conformação T (estrutura quaternária) e t (estrutura terciária) e 1 a
conformação R (estrutura quaternária) e r (estrutura terciária). Painel A: Em preto: transição T-R da Hb Coimbra;
Em vermelho: transição t-r da cadeia α1; Em verde: transição t-r da cadeia α2. Painel B: Em preto: transição T-R da
Hb Coimbra; Em vermelho: transição t-r da cadeia β1; Em verde: transição t-r da cadeia β2.
Os resultados apontaram menor perturbação das cadeias alfa (Figura
37, Painel A) em relação às cadeias beta (Figura 37, painel B). As cadeias alfa
parecem tender a permanecer em t (na estrutura terciária) enquanto que as
cadeias beta parecem iniciar a trajetória de simulação com certa tendência a r
(estrutura terciária).
Deste modo, a despeito da mudança conformacional da estrutura
quaternária de T a R, as cadeias parecem não sinalizar as mudanças t-r, de
modo ordenado, de modo cooperativo, como na estrutura nativa.
Tanto os estudos funcionais baseados nas curvas de equilíbrio Hb-O2 e
cálculos das Constantes de Hill e Adair, quanto análises de cinética de
dissociação Koff e KonCO, além dos estudos computacionais de Dinâmica
Molecular apontaram que a inserção do grupamento CH2 na interface 12,
na posição 99 confere maior estabilidade da conformação R. Deste modo,
117
maior número destas espécies estaria presente em solução. Tais resultados,
portanto, são mais relativos à problemas cooperatividade heme-heme que o
simples aumento de afinidade da variante pelo O2.
118
4.1.2. Hb Setif [2 94 (G1) AspTyr]
Além da Hb Coimbra, outra variante com substituição de resíduo na
região 12 também pode ser estudada neste trabalho e seus resultados
preliminares serão aqui apresentados.
É a Hb Setif [HBA2:c.283G>T p.94Asp>Tyr], com substituição do ácido
aspártico 94 da cadeia alfa, detectada no laboratório de Hemoglobinopatias da
Unicamp, em família brasileira cujo quadro hematológico de hipocromia e
microcitose apresentado por seus portadores aparentemente não está
relacionado à presença da variante.
A diferença entre as Hb Coimbra e Setif é que enquanto a primeira
sofre substituição do ácido aspártico 99 da cadeia beta, a segunda apresenta
substituição do respectivo ácido aspártico, na cadeia alfa, o qual ocupa a
posição 94 na globina.
Estudos funcionais com o hemolisado total não purificado, efetuados por
método automatizado (Hemox Analyzer) em pH 7,4, a 37ºC, não apontaram
alterações na afinidade pelo oxigênio (Figura 38) tanto através da curva de
dissociação (Figura 38, Painel A) quanto de saturação pelo O2 (Painel B):
119
A
B
FIGURA 38. Curvas de Equilíbrio com hemolisado total não-purificado. Painel A: Curva de dissociação Hb-O2. Painel
B: Curva de ligação Hb O2. Em azul escuro: hemolisado contendo majoritariamente Hb A. Em vermelho: hemolisado
total contendo Hb Setif (aproximadamente 20%).
Os valores de p50 e Constante de Hill, que avalia a cooperatividade
heme-heme, do hemolisado total contendo 17,4% da variante, não diferiram
signifcativamente dos valores de hemolisado contendo majoritariamente Hb A
(cerca de 97%), apesar da tendência à diminuição de cooperatividade
observada (Tabela 4).
TABELA 4. Valores de p50, Cooperatividade heme-heme (Constante de Hill – n) e Constantes de Adair para os
gráficos de dissociação Hb-O2 e ligação Hb-O2 da Hb Setif.
Desvio p50 Hill Constantes de Adair (log)
padrão (mmHg) (n) k1 k2 k3 k4
Hb A Curva dissociação 0,003 10,74 2,22 0,12 0,08 0,001 128,9
Curva saturação 0,004 11,00 2,18 0,12 0,08 0,001 7,76
Hb Setif Curva dissociação 0,004 9,78 1,97 0,17 0,11 5.10-5 210,4
Curva saturação 0,004 10,15 2,02 0,19 0,09 5.10-5 184,0
Apesar da condição bastante aproximativa dos cálculos das Constantes
de Adair, relativos às cooperatividades individuais das globinas em relação à
ligação ou desligamento do O2 (pelas medidas nas curvas de dissociação e
120
saturação por O2), os valores de k4 da Hb Setif apresentaram importante
diferença em relação aos valores controle, com o resultado aumentado (Tabela
4). Além disso, k4 da curva de dissociação está aumentado em relação a k4 da
curva de saturação, o que poderia indicar uma possível tendência ao estado T
da variante. No entanto, no percentual aqui estudado (17,4% de Hb Setif em
hemolisado total), os resultados de afinidade não apontaram alteração
funcional.
Estudos de equilíbrio de ligação Hb-O2 descritos na literatura, também
apontaram afinidade pelo O2 normal e menor cooperatividade heme-heme
(DEBRAY et al., 1974).
Deste modo, no presente trabalho foram realizadas medições de Koff,
na ausência e presença de IHP, bem como medidas de KonCO, por Stopped
Flow, com o intuito de avaliar se, apesar da baixa concentração em
hemolisado total, a variante apresentaria alguma alteração na cinética de
ligação pelo O2, através de cálculos mais refinados que aqueles efetuados nos
estudos de equilíbrio.
A constante Koff de Hb Setif obtida por função única foi pouco inferior à
Koff de Hb A, sem, no entanto, representar alteração significativa (Tabela 5).
Já o valor de Koff de Hb Setif da primeira função (de duas, que
representam fase lenta e fase rápida do desligamento de O2) foi maior que
Koff de Hb A. Tal resultado parece indicar que o oxigênio se desliga mais
121
rapidamente da Hb variante na primeira fase, em relação à mesma fase da Hb
A (Tabela 5).
TABELA 5. Valores das constantes de dissociação Hb Setif-O2 na ausência e presença de IHP (Koff) e constante de
ligação Hb Setif-CO (KonCO), por Stopped Flow.
Koff Koff (IHP)
Hb A Monoexponencial 38,524 35,666 Bi-exponencial 1 0,566 1,875 Bi-exponencial 2 37,612 36,773
Hb Setif Monoexponencial 35,447 38,127 Bi-exponencial 1 3,143 2,486 Bi-exponencial 2 37,201 39,347
Valores superiores de Koff também foram observados com a adição de
IHP ao hemolisado total stripped (Tabela 5), o que parece apontar a tendência
à diminuição de afinidade, principalmente no primeiro estágio (fase lenta) da
dissociação Hb-O2.
Acredita-se, pois, que valores superiores àqueles por nós encontrados,
poderiam ser obtidos com Hb Setif isolada, uma vez que, mesmo na
percentagem de 17,4%, foram observadas Koffs aumentadas.
Tais resultados, portanto, são indicativos de que esta variante, que
sofre substituição Asp94Tyr na cadeia poderia ter maior estabilidade
estrutural na conformação T, com menor afinidade pelo O2. No entanto,
estudos estruturais, por Simulação de MD, por exemplo, seriam necessários
para a efetiva conclusão. Apesar disso, a variante, descrita com diminuição da
cooperatividade heme-heme, segundo dados da literatura, apresentaria nova
ligação de hidrogênio na interface 12, o que seria responsável pela reduzida
122
cooperatividade (WAJCMAN et al., 1972). No entanto tal estudo é bastante
prospectivo e somente considera, do ponto de vista estérico, a substituição ali
sofrida necessitando, portanto, maior investigação.
No decorrer deste trabalho, outra propriedade da Hb Setif foi
observada. Após dessalinização da proteína para os referidos estudos de
cinética e sob baixas pressões de oxigênio em largo tempo, a variante parece
ter sofrido polimerização. Tal evento também foi observado por outros grupos
sem, no entanto, ter sua causa ainda bem estabelecida.
Apesar dos estudos preliminares com esta variante, já é possível traçar
um paralelo entre as Hb Setif (com alteração Asp94Tyr na cadeia alfa) e a Hb
Coimbra (com alteração Asp99Glu na cadeia beta), ambas com substituição de
Asp, na interface 12, nas cadeias alfa e beta, respectivamente, conforme
demonstrado na Figura 39:
123
FIGURA 39. Interface 12 da Hb. Painel A: em destaque, Asp99estabilizando a conformação T na estrutura
nativa. Painel B: em destaque, Asp94estabilizando a conformação R na estrutura nativa.
Através do estudo destas variantes foi possível depreender a
importância do Asp, em ambas as globinas, quanto à manutenção da
cooperatividade heme-heme, promovendo o equilíbrio da transição T-R da Hb,
para que esta cumpra seu papel funcional.
Ambas, Hb Coimbra e Hb Setif resultam em diminuição da
cooperatividade heme-heme. E ao que indicam os resultados com a Hb
Coimbra, a cooperatividade heme-heme estaria relacionada à maior
estabilização da conformação R, o que não acontece com a Hb Setif, que ao
contrário, demonstrou, por estudos de cinética, sutil tendência a T.
124
4.2. VARIANTES COM ALTERAÇÕES DE AFINIDADE
4.2.1. Hb Chelsea [38 (C3) ThrIle]
A Hb Chelsea é uma variante rara de cadeia alfa descrita como
funcionalmente normal. No entanto, tal informação, depositada no Web Site of
the International Hemoglobin Information Center, não especifica as condições
analíticas, não indicando, inclusive nenhum artigo científico para consulta e
comparação com nossos resultados.
Esta variante também foi, por nós, detectada em duas portadoras
relacionadas (mãe e filha), tendo uma delas (a filha), se apresentado com
quadro hematológico de policitemia. Por este motivo foi encaminhada ao
laboratório de Hemoglobinopatias da Unicamp para análises específicas. Sua
mãe, no entanto, possui índices hematológicos normais, sendo clinicamente
assintomática. Deste modo, a variante desta portadora somente foi detectada
em estudo familial.
A portadora com policitemia apresenta 20,5% da Hb variante, enquanto
que a mãe, assintomática, apresenta 22% da variante.
Estudos funcionais com o hemolisado total não purificado, efetuados por
método automatizado (Hemox Analyzer) em pH 7,4, a 37ºC, apontaram
aumento da afinidade pelo oxigênio (Figura 40) tanto na curva de
dissociação (Figura 40, Painel A) quanto de saturação pelo O2 (Painel B):
125
A
B
FIGURA 40. Curvas de Equilíbrio com hemolisado total não-purificado. Painel A: Curva de dissociação Hb-O2. Painel
B: Curva de ligação Hb O2. Em azul escuro: hemolisado contendo majoritariamente Hb A. Em verde: hemolisado total
contendo Hb Chelsea (portadora assintomática - 22% da Hb variante).Em vermelho: hemolisado total contendo Hb
Chelsea (portadora com policitemia – 20, 5% da Hb variante).
Deste modo, os valores de p50 decorrentes das curvas de equilíbrio do
hemolisado total (Figura 40) foram inferiores aos do hemolisado controle
(majoritariamente composto por Hb A), conforme descrito na Tabela 6. Além
dos reduzidos valores de p50, próximos àqueles obtidos pelas curvas contendo
principalmente Hb F, as constantes de Hill, que determinam a
cooperatividade heme-heme também foram menores – Tabela 6.
126
TABELA 6. Valores de p50, Cooperatividade heme-heme (Constante de Hill – n) e Constantes de Adair para os
gráficos de dissociação Hb-O2 e ligação Hb-O2 da Hb Chelsea.
Desvio p50 Hill Constantes de Adair (log)
padrão (mmHg) (n) k1 k2 k3 k4
Hb A Curva dissociação 0,003 10,74 2,22 0,12 0,08 0,001 128,9
Curva saturação 0,004 11,00 2,18 0,12 0,08 0,001 7,76
Hb F (~80%) Curva dissociação 0,009 8,88 1,44 0,36 0,07 0,08 0,13
Curva saturação 0,01 8,22 1,42 0,71 0,05 0,11 0,09
Hb Chelsea1 Curva dissociação 0,005 8,28 1,65 0,28 0,17 2.10-5 496.5
(assintomática) Curva saturação 0,004 9,25 1,81 0,27 0,12 3.10-5 312,2
Hb Chelsea2 Curva dissociação 0,004 7,11 1,48 0,37 0,20 0,02 0,66
(policitemia) Curva saturação 0,002 8,00 1,63 0,34 0,12 0,04 0,29
É possível notar que os resultados apresentados pelo hemolisado da
mãe e portadora da variante, assintomática, foram intermediários àqueles
apresentados pelo hemolisado da portadora com policitemia. Ou seja, a p50 e
Constante de Hill não foram tão reduzidas quanto do hemolisado da portadora
com policitemia – Tabela 6.
Em contrapartida, valores das Constantes de Adair, cadeia a cadeia,
foram próximos, a exceção de k3 e k4, muito discrepantes e que no caso da
portadora sintomática, se assemelham mais ao hemolisado de RN (~80% de
Hb F).
127
Estudos funcionais das amostras de hemolisado total contendo as
variantes no estado purificado (stripped), com e sem adição de IHP também
foram efetuadas, as quais apontaram resultados condizentes com aqueles
encontrados nas amostras não purificadas (Figuras 41 e 42):
FIGURA 41. Afinidade da Hb Chelsea (portadora assintomática) na ausência e presença de IHP em diferentes pHs –
Efeito Bohr.
FIGURA 42. Afinidade da Hb Chelsea 1 (portadora com policitemia)na ausência e presença de IHP em diferentes
pHs – Efeito Bohr.
Ambas as amostras, no estado stripped tiveram comportamento
funcional normal, a despeito da tendência à diminuição de afinidade
6.5 7.0 7.5 8.0 8.5
-0.5
0.0
0.5
1.0
1.5
log p
50
pH
Normal
normalIHP
HbChelsea
HbChelseaIHP
6.5 7.0 7.5 8.0 8.5
-0.5
0.0
0.5
1.0
1.5
normal
normalihp
chelsea
chelseaihp
log p
50
pH
128
apresentada pela amostra da portadora sintomática, nos meios mais alcalinos
(pH<8), o que poderia sugerir alguma alteração conformacional estrutural nas
regiões de terminação da cadeia alfa, mais especificamente na Arginina 141,
cujas modificações conformacionais estão intimamente ligadas a alterações
no efeito Bohr em pHs alcalinos. No entanto, tal hipótese somente poderia ser
confirmada mediante minucioso estudo estrutural por simulação de Dinâmica
Molecular. Isso porque a substituição se deu no resíduo 38, muito distante do
final da cadeia alfa.
Após adição de IHP, é possível notar aumento de afinidade em ambas
as amostras (Figuras 41 e 42),em acordo com os resultados encontrados com
concentrado de hemácias.
Apesar de tais resultados, relativos ao aumento da afinidade,
explicarem a clínica da paciente com policitemia, deixam sem explicação a
ausência de queixa clínica apresentada pela mãe da probanda e também
portadora da mutação. É possível, no entanto, que a diferença entre mãe e
filha seja resultante da capacidade individual de compensação e/ou adaptação
à alteração funcional da variante. Além disso, importante considerar, neste
caso, outros possíveis eventos de modulação da ligação da Hb pelo oxigênio,
como a concentração de 2,3-BPG, uma vez que variante parece ter menor
afinidade por este efetor alostérico e assim, maior afinidade pelo oxigênio.
129
Os estudos funcionais tonométricos também apontaram alterações na
cooperatividade heme-heme quando adicionado IHP, tal qual observado nos
estudos com hemolisado não purificado. Em todos os pHs foram obtidos
valores de n menores que da amostra controle de Hb A (Figura 43 e 44), para
amostras de ambas as portadoras:
FIGURA 43. Cooperatividade heme-heme da Hb Chelsea – portadora assintomática, na ausência e presença de IHP.
FIGURA 44. Cooperatividade heme-heme da Hb Chelsea – portadora com policitemia, na ausência e presença de
IHP.
6.2 6.4 6.6 6.8 7.0 7.2 7.4 7.6 7.8 8.0 8.2 8.4 8.6
1.0
1.2
1.4
1.6
1.8
2.0
2.2
2.4
normal
normal IHP
Hb Chelsea
Hb Chelsea IHP
n
pH
6.4 6.6 6.8 7.0 7.2 7.4 7.6 7.8 8.0 8.2 8.4 8.6
1.0
1.2
1.4
1.6
1.8
2.0
2.2
2.4
normal
normalihp
chelsea
chelseaihp
n
pH
130
A diminuição da cooperatividade heme-heme nestes casos pode estar
relacionada à influencia das cargas positivas (do IHP) nas cadeias alfa
alteradas, hipótese esta que necessitaria de investigação.
Os resultados de Koff, por sua vez, parecem apontar algumas diferenças
entre as amostras das portadoras. Conforme descrito na Tabela 7, a portadora
assintomática tem Koffs intermediários entre aqueles apresentados pela
portadora com quadro clínico e a média das amostras controle.
Enquanto a amostra Hb Chelsea 1 (relativa à portadora assintomática)
apresentou pequena redução de Koff em cálculo de única função, em relação à
amostra de Hb A, a Hb Chelsea 2 (da portadora com policitemia) sofreu
significativa diminuição de Koff de única equação – Tabela 7.
Já nos cálculos com 2 funções, ambas resultaram em valor de Koff
superior à Hb A na fase lenta, porém sem grandes alterações em fase rápida
de dissociação Hb-O2 (segunda equação)- Tabela 7.
TABELA 7. Valores das constantes de dissociação Hb Chelsea-O2 na presença e ausência de IHP (Koff), por Stopped
Flow.
Koff Koff (IHP)
Hb A Monoexponencial 38,524 35,666
Bi-exponencial 1 0,566 1,875 Bi-exponencial 2 37,612 36,773
Hb Chelsea 1
(assintomática)
Monoexponencial 34,098 27,173
Bi-exponencial 1 2,954 1,767 Bi-exponencial 2 38,33 29,734
Hb Chelsea 2
(policitemia)
Monoexponencial 8,176 4,687 Bi-exponencial 1 2,136 1,940 Bi-exponencial 2 34,771 34,700
131
O mesmo padrão foi observado em Koffs sob a adição de IHP, o que
parece indicar que este efetor alostérico heterotrópico. É possível que a
diminuição dos valores de Koff em funções únicas, sejam decorrentes da
redução da cooperatividade heme-heme e aumento da afinidade da variante
pelo O2, ou seja, com maior estabilidade estrutural na conformação R, com
maior afinidade pelo O2.
Novamente, apesar dos resultados de cinética concordarem com os
estudos funcionais de equilíbrio, tais achados poderiam explicar a
sintomatologia apresentada pela paciente com eritrocitose, mas ainda deixam
dúvidas em relação ao padrão intermediário apresentado pela amostra de
portadora assintomática, considerando que para os estudos de cinética e de
função (tonométrico), amostras stripped, sem interferentes, foram utilizadas.
132
4.2.2. Hb F-Valinhos [G46 (CD5) Gly→Ser]
A variante nova Hb F-Valinhos [G46 (CD5) Gly→Ser], é resultante da
substituição da Glicina na posição 46 da cadeia gama G por Serina, o que,
além de resultar em diminuição da afinidade, confere certa instabilidade do
tetrâmero funcional, conforme observado em experimentos, por nós,
realizados. Tais características podem ter sido as responsáveis pela crise
hemolítica grave que seu portador, um recém-nascido, sofreu após cirurgia
corretiva logo após o nascimento.
Além disso, foi observada a diminuição da afinidade desta variante de
Hb F pelo oxigênio, de modo a equiparar-se funcionalmente à Hb A e não à Hb
F, conforme observado na curva de equilíbrio Hb–O2 em concentrado de
hemácias não purificado (Figura 45).
A
B
FIGURA 45. Curvas de Equilíbrio com hemolisado total não-purificado. Painel A: Curva de dissociação Hb-O2. Painel
B: Curva de saturação Hb-O2. Em azul escuro: hemolisado contendo majoritariamente Hb A. Em verde: hemolisado
total de RN (~80 % Hb F). Em rosa: hemolisado 100% Hb F. Em vermelho: hemolisado contendo Hb F-Valinhos.
133
Valores de p50 decorrentes das curvas de equilíbrio do hemolisado total
(Figura 45) foram superiores aos do hemolisado controle de recém-nascido
(RN) composto por cerca de 80% de Hb F e amostra com 100% de Hb F,
conforme descrito na Tabela 8. Tais valores se aproximaram daqueles
obtidos pela curva de Hb A.
No entanto, a cooperatividade heme-heme, calculada pela Constante de
Hill, foi representada por valores superiores a todas as amostras controle
(tanto de Hb A quanto de Hb F). Deste modo, a Hb F-Valinhos apresentaria
cooperatividade heme-heme aumentada – Tabela 8.
TABELA 8. Valores de p50, Cooperatividade heme-heme (Constante de Hill – n) e Constantes de Adair para os
gráficos de dissociação Hb-O2 e ligação Hb-O2 da Hb F-Valinhos.
Desvio p50 Hill Constantes de Adair (log)
padrão (mmHg) (n) k1 k2 k3 k4
Hb A Curva dissociação 0,003 10,74 2,22 0,12 0,08 0,001 128,9
Curva saturação 0,004 11,00 2,18 0,12 0,08 0,001 7,76
Hb F (~70%) Curva dissociação 0,009 8,88 1,44 0,36 0,07 0,08 0,13
Curva saturação 0,01 8,22 1,42 0,71 0,05 0,11 0,09
PHHF Curva dissociação 0,004 6,63 1,40 0,37 0,24 0,03 0,33
(HbF =100%) Curva saturação 0,006 7,27 1,38 0,28 0,30 0,012 0,65
Hb F-Valinhos Curva dissociação 0,005 11,74 2,40 0,07 0,09 0,016 0,67
Curva saturação 0,007 12,18 2,51 0,09 0,09 1.10-4 78,59
134
Estudos funcionais tonométricos a 25ºC, com hemolisado stripped, por
sua vez, também apontaram redução da afinidade. Nos entanto, neste caso,
não somente em relação à Hb F, mas também em comparação à Hb A – Figura
46.
FIGURA 46. Afinidade da Hb F-Valinhos na ausência e presença de IHP em diferentes pHs – Efeito Bohr.
Tal evento não foi observado na presença de IHP, uma vez que os
valores de p50 foram equivalentes à Hb A, o que não seria esperado para uma
Hb Fetal, inclusive na porcentagem de aproximadamente 70% (Figura 46).
Em termos de cooperatividade heme-heme da variante stripped foi
possível observar proporcional o aumento dos valores de n em relação ao
aumento de pH. Os valores de n foram inferiores ao da Hb A em pHs abaixo
de 7,0, enquanto que superiores aos valores de coeficiente de Hill (n) da Hb
A nos pHs acima de 7,0 (Figura 47). Em contrapartida, com a adição de
IHP, a cooperatividade média foi inferior à Hb A, em todos os pHs.
6.0 6.5 7.0 7.5 8.0 8.5
-0.5
0.0
0.5
1.0
1.5
normal
normalihp
fval
fvalihp
log p
50
pH
135
FIGURA 47. Cooperatividade heme-heme da Hb F-Valinhos na ausência e presença de IHP.
Quanto aos estudos de cinética de dissociação Hb-O2, os valores de Koff
da Hb F-Valinhos, tanto na presença quanto na ausência de IHP, não parecem
diferir dos valores de Hb F de Recém Nascido (RN), a exceção da exponencial
relativa à fase rápida de desligamento, cujo valor foi inferior ao de RN,
conforme demonstrado na Tabela 9.
6.2 6.4 6.6 6.8 7.0 7.2 7.4 7.6 7.8 8.0 8.2 8.4 8.6 8.8
1.2
1.4
1.6
1.8
2.0
2.2
2.4
normal
normalihp
fval
fvalihp
n
pH
136
TABELA 9. Valores das constantes de dissociação Hb F-Valinhos-O2 na presença e ausência de IHP (Koff), por
Stopped Flow.
Koff Koff (IHP)
Hb A Monoexponencial 38,524 35,666 Bi-exponencial 1 0,566 1,875 Bi-exponencial 2 37,612 36,773
RN
(80% Hb F)
Monoexponencial 45,323 44,135 Bi-exponencial 1 3,825 3,375
Bi-exponencial 2 46,79 46,861
Hb F
(100%)
Monoexponencial 3,763 46,067
Bi-exponencial 1 2,33 3,281 Bi-exponencial 2 25,5 43,877
Hb F-
Valinhos
Monoexponencial 45,437 46,087 Bi-exponencial 1 3,635 3,266 Bi-exponencial 2 42,594 43,905
Deste modo, do ponto de vista de cinética de ligação Hb-O2 a variante
se comportaria de modo semelhante à Hb F, no entanto, com afinidade
diminuída.
137
4.3. VARIANTE COM PROPRIEDADE DE POLIMERIZAÇÃO
4.3.1. Hb S-São Paulo [6 (A3) GluVal; 65 (E9) LysGlu]
A Hb S-São Paulo (6 GluVal ; 65 LysGlu) é variante nova que,
além de sofrer substituição do ácido glutâmico por Valina na 6ª posição da
cadeia beta, também apresenta a troca de Lisina por ácido glutâmico na
posição 65 da mesma globina.
Foi observada a diminuição da afinidade desta variante pelo oxigênio,
através de estudo de função por método automatizado, conforme observado na
curva de equilíbrio Hb–O2 em concentrado de hemácias não purificado (Figura
48, Anexo 1).
138
FIGURA 48. Curvas de Equilíbrio com hemolisado total não-purificado. Painel A: Curva de dissociação Hb-O2. Painel
B: Curva de saturação Hb-O2. Para estas, em azul escuro: hemolisado contendo majoritariamente Hb A; em verde:
hemolisado 100% Hb F; azul claro: hemolisado total de RN (~80% Hb F); em vermelho: hemolisaado contendo Hb S-
São Paulo. Painel C:curva de dissociação Hb-O2 de polímero proveniente de teste de solubilidade. Painel D: curva de
saturação Hb-O2.Para estas, em azul escuro: polímero de de Hb S; em verde: polímero de HB S-São Paulo.
Estudos funcionais tonométricos apontaram que a segunda substituição
(Lys65Glu) poderia ser responsável pela diminuição da afinidade pelo
oxigênio, uma vez que a Hb S – em solução, apresenta propriedades funcionais
normais (Figura 49 e Anexo 1).
139
FIGURA 49. Estudos Funcionais Tonométricos a 25ºC, com hemolisado stripped. Painel A: curva de saturação Hb-O2
em pH 7,5. Painel B: Afinidade da Hb S-São Paulo na ausência e presença de IHP em diferentes pHs – Efeito Bohr.
Painel C: Cooperatividade heme-heme da Hb S-São Paulo na ausência e presença de IHP.
Os estudos funcionais, portanto, demonstraram a necessidade de maior
pressão de O2 para saturar os sítios de ligação da Hb S-São Paulo, ou seja,
maiores valores de p50, em relação à hemolisado contendo majoritariamente
Hb A.
Quanto aos estudos computacionais de Dinâmica Molecular foram
efetuados dois gêneros de Simulação de MD, conforme descrito no artigo “Hb
S-São Paulo: A new sickling hemoglobin with stable polymers and decreased
140
oxygen affinity”, publicado na revista Archives of Biochemistry and Biophysics
(Anexo 1).
No primeiro foram calculadas trajetórias de 20 ns da variante no estado
T e R (com as substituições referentes à variante),demonstrado na Figura 50.
FIGURA 50. Resultado da dupla substituição (em vermelho) dos resíduos nativos (em azul) da estrutura 1GZX do
Protein Data Bank (Hb S-São Paulo: 6 GluVal ; 65 LysGlu).
Através das simulações de dinâmica molecular foi possível verificar que
a substituição de lisina por ácido glutâmico na posição 65 da cadeia parece
facilitar a conformação T da Hb (forma da desoxi-Hb), uma vez que a
interação entre 65Lys (localizado na hélice E) do resíduo nativo, e 21Asp
(localizado na hélice B da mesma globina) é perdida quando da substituição
65Lys
65Glu
6Glu
6Val
141
por 65Glu. Por conseguinte há o deslocamento de hélices e movimentação da
62His (histidina distal), o que dificultaria a entrada do ligante oxigênio no
heme pocket.
Considerando que a Hb S-São Paulo também apresenta substituição de
ácido glutâmico por valina na 6ª posição da mesma cadeia e que a Hb S
apresenta maior polimerização das proteínas quando na conformação T, a Hb
S-São Paulo apresenta polímeros mais estáveis, conforme observado em
estudos proteicos de polimerização (Figura 51, Anexo 1) cuja formação e
estabilidade de polímeros foi monitorada espcetrofotometricamente em 700
nm, ao longo do tempo (24 horas), em temperatura controlada (30ºC).
FIGURA 51. Cinética de polimerização e estabilidade de polímeros de Hb S (em preto) e Hb S-São Paulo (em
vermelho), monitorados ao longo do tempo (até 24hs).
Em segunda trajetória de simulação, feita com polímero de Hb S-São
Paulo, este demonstrou ser o qual mostrou ser mais estável que polímero de
Hb S (Figura 52, Anexo 1).
142
FIGURA 52. Polímero de Hb S-São Paulo (Painel A). A substituição em 65 está localizada próxima à interface do
dímero composto pela Hb S (Painel B).O desbalanço de cargas promove interações eletrostáticas entre os resíduos
com o mutante Glu65, o que na estrutura nativa são interações repulsivas (em Lys65), sugerindo que
Glu65contribua com a estabilidade do polímero de Hb S-São Paulo.
Deste modo, considerando que a Hb S-São Paulo também apresenta
substituição de ácido glutâmico por valina na 6ª posição da mesma cadeia e
que a Hb S apresenta maior polimerização das proteínas quando na
conformação T, a Hb S-São Paulo apresenta menor afinidade pelo oxigênio e
formação de polímeros mais estáveis, o que explica o quadro de anemia
hemolítica do portador heterozigoto.
143
4.4. VARIANTES INSTÁVEIS
Interações hidrofóbicas são essenciais para a estabilização da proteína,
densamente empacotadas no interior da estrutura, formando um bolsão
hidrofóbico livre da interferência de água (VOET E VOET, 2004). Além disso,
tal estabilidade também é dada pelas interações iônicas no interior da
proteína.
Duas variantes instáveis foram, aqui, estudadas. Uma delas com
alterações no bolsão hidrofóbico da proteína (Hb Caruaru) e outra com a
remoção de quatro resíduos na hélice B – aparentemente não muito
importante do para a estabilidade do tetrâmero funcional (Hb Olinda).
144
4.4.1. Hb Caruaru [122 (GH 5) PheSer]
A Hb Caruaru [HBB:c.368T>C p.122Phe>Ser] é variante instável, a
qual foi detectada em vários membros de uma mesma família e está
relacionada a anemia hemolítica crônica.
Estudos funcionais com o hemolisado total não purificado de dois
portadores, com níveis distintos de Hb F, efetuados por método automatizado
(Hemox Analyzer) em pH 7,4, a 37ºC, apontaram o aumento da afinidade
pelo O2, através da medida de p50 (Figura 31), tanto através da curva de
dissociação Hb-O2 (Painel A) quanto pela curva de ligação Hb-O2 (Painel B):
A
B
FIGURA 53. Curvas de Equilíbrio com hemolisado total não-purificado. Painel A: Curva de dissociação Hb-O2. Painel
B: Curva de saturação Hb-O2. Em azul escuro: hemolisado contendo majoritariamente Hb A. Em rosa: hemolisado de
portador de Hb Caruaru com Hb F = 2,3%. Em vermelho: hemolisado de portador de Hb Caruaru com Hb F = 5%.
Os valores de p50 decorrentes das ambas as curvas de equilíbrio do
hemolisado total (Figura 53), de ambos os portadores (com diferentes níveis de
Hb F), foram pouco inferiores aos do hemolisado controle (majoritariamente
145
composto por Hb A), conforme descrito na Tabela 10, indicando pequeno
aumento da afinidade pelo O2.
Além dos valores de p50 pouco reduzidos, também foi observada
pequena redução dos valores de coeficiente de Hill (n), que avaliam a
cooperatividade heme-heme global. Já os valores das constantes de Adair,
mais específicas a cada um dos sítios de ligação com o O2, não indicaram
consistentes alterações, a exceção da diminuição dos valores de k3 e aumento
de k4 – Tabela 10.
TABELA 10. Valores de p50, Cooperatividade heme-heme (Constante de Hill – n) e Constantes de Adair para os
gráficos de dissociação Hb-O2 e ligação Hb-O2 da Hb Caruaru.
Desvio p50 Hill Constantes de Adair (log)
padrão (mmHg) (n) k1 k2 k3 k4
Hb A Curva dissociação 0,003 10,74 2,22 0,12 0,08 0,001 128,9
Curva saturação 0,004 11,00 2,18 0,12 0,08 0,001 7,76
Hb Caruaru Curva dissociação 0,01 8,28 1,82 0,20 0,21 2.10-5 476,9
(com HbF=2,3%) Curva saturação 0,009 9,39 1,94 0,14 0,26 3.10-5 270,2
Hb Caruaru Curva dissociação 0,006 9,59 2,13 0,16 0,09 6.10-5 227,7
(com HbF=5%) Curva saturação 0,009 10,29 1,94 0,14 0,26 3.10-5 270,2
Tais resultados são concordantes com os estudos funcionais
tonométricos, os quais também apontaram sutil o aumento da afinidade, tanto
na ausência quanto na presença de IHP - Figura 54:
146
FIGURA 54. Afinidade da Hb Caruaru (portador 2 – Hb F de 5%) em função do pH, em comparação com controle Hb
A, na presença e ausência de IHP.
Além disso, resultados alterados de cooperatividade heme-heme (Figura
55), também foram observados, indicando que as propriedades de
cooperatividade da Hb Caruaru parecem estar intrinsicamente vinculadas ao
pH:
147
FIGURA 55. Cálculos de cooperatividade heme-heme (n - constante de Hill) da Hb Caruaru (portador com Hb F de
5%) em função do pH, em comparação com controle Hb A, na presença e ausência de IHP.
Os comportamentos de cooperatividade foram diametralmente opostos,
na presença e ausência de IHP (Figura 55). Isso porque na ausência deste
efetor houve a significativa diminuição da cooperatividade, com o aumento do
pH, enquanto que na presença de IHP observou-se o aumento gradativo da
cooperatividade nos meios mais alcalinos.
Os estudos de cinética, por sua vez, efetuados com duas amostras de
portadores distintos, com diferentes níveis de Hb F (Tabela 11), indicaram um
complexo resultado.
Enquanto os valores de monoexponencial, para o portador com menor
porcentagem de Hb F, foi próximo à média dos controles normais, não
havendo, pois, diferença significativa, o valor de Koff para o portador com
maior concentração de Hb F foi significativamente menor – Tabela 11.
148
TABELA 11. Valores das constantes de dissociação Hb Caruaru-O2 na ausência e presença de IHP (Koff), por
Stopped Flow.
Koff Koff (IHP)
Hb A Monoexponencial 38,524 35,666
Bi-exponencial 1 0,566 1,875 Bi-exponencial 2 37,612 36,773
RN
(80% Hb F)
Monoexponencial 45,323 44,135 Bi-exponencial 1 3,825 3,375 Bi-exponencial 2 46,79 46,861
Hb F
(100%)
Monoexponencial 3,763 46,067
Bi-exponencial 1 2,33 3,281 Bi-exponencial 2 25,5 43,877
Hb Caruaru 1
(Hb F = 2,3%)
Monoexponencial 37,548 32,442 Bi-exponencial 1 3,97 1,780 Bi-exponencial 2 42,385 37,214
Hb Caruaru 2
(Hb F = 5%)
Monoexponencial 21,086 33,216 Bi-exponencial 1 3,295 3,052 Bi-exponencial 2 42,899 36,949
Em contrapartida, com a curva de dissociação dividida em duas
funções, ambos os valores de Koff (fase lenta e rápida) dos dois portadores foi
bastante próxima, independentemente da concentração de Hb F. Tais valores
foram mais equivalentes aos de RN, com Koff aumentado, o que poderia
apontar para um desequilíbrio para a conformação R, promovendo-se mais
facilmente o desligamento do oxigênio da Hb (Tabela 10).
Apesar do tempo de simulação de 30ns, os resultados dos estudos
computacionais da Hb Caruaru não parecem explicar, de modo conclusivo, a
instabilidade estrutural, ou menos alterações do ponto de vista de afinidade /
149
cooperatividade heme-heme, em decorrência da substituição de Fenilalanina
por Serina em bolsão hidrofóbico da proteína.
O tempo de simulação parece não ter sido suficiente para que se
verificasse a entrada de águas no tetrâmero, de modo a desestabilizar a
proteína, conforme se esperava.
Resultados preliminares de simulação de MD da Hb Caruaru no estado
oxi e desoxi pareciam demonstrar alteração significativa na conformação da
cadeia beta, onde ocorreu a substituição PheSer. Isso porque a Fenilalanina
122 está localizada num bolsão hidrofóbico responsável, inclusive, pela
estabilidade estrutural da cadeia globínica. Substituída pela Serina, muitas
das interações da estrutura nativa deixam de existir, como demonstram as
Figuras 56 e 57.
FIGURA 56. Representação das interações do resíduo 122 (em verde) no interior da cadeia beta no estado T da Hb.
Superfície da cadeia beta, em cinza. Estrutura nativa 2HHB, demonstrando as inúmeras interações feitas pela
Fenilalanina (em verde) no interior da globina (Painel A). Hb Caruaru: a substituição do resíduo nativo por
Serina (em verde) resulta na perda significativa de interações no interior da cadeia globínica (Painel B).
A B
150
Na desoxi-Hb Caruaru há uma considerável perda de interações
interatômicas (Figura 56B, representadas por pontos coloridos no entorno do
resíduo), as quais estavam presentes na Hb nativa (Figura 56A, cujos átomos
estão representados por pontos azuis claros no entorno do resíduo).
Também no estado oxigenado a variante parece demonstrar alterações
drásticas tais quais as encontradas no estado desoxi (Figura 57):
FIGURA 57. Representação das interações do resíduo 122 (em verde) no interior da cadeia beta no estado R da Hb.
Superfície da cadeia beta, em cinza. (A) Estrutura nativa 1IRD, apresentando superfície uniforme. (B) Hb Caruaru. A
superfície da globina está aparentemente deformada, com formação de cavidade (localizada acima do resíduo Serina,
conforme indicado pela seta).
De acordo com os resultados obtidos, grandes alterações
conformacionais na cadeia beta pareciam ter ocorrido, em decorrência de uma
simples substituição do resíduo nativo, no sítio hidrofíbico, por um resíduo
hidrofílico (a Serina).
No entanto, apesar de na estrutura T (da desoxi-Hb) e R (da oxi-Hb)
haver a perceptível perda de interações interatômicas no bolsão hidrofóbico
em decorrência de uma simples substituição do resíduo hidrofóbico
A B
151
(Fenilalanina) por um resíduo hidrofílico (a Serina), não foi possível em 30ns,
como esperado, visualizar a drástica instabilidade estrutural, observada nos
experimentos in vitro. Ou seja, tanto na conformação R quanto na
conformação T (com os nitrogênios das Histidinas Distais em duas orientações
diferentes – Hid e Hie) não foi observada modificação estrutural significativa
a explicar a instabilidade proteica.
Por isso, maior tempo de simulação seria necessário, uma vez que são
esperadas modificações drásticas na estrutura quaternária, mas que
demandariam mais tempo de trajetória.
152
4.4.2. Hb Olinda [22(B4) - 25(B7) Glu-Val-Gly-Gly0]
A Hb Olinda é uma variante altamente instável devido à perda de
quatro resíduos (-Glu-Val-Gly-Gly) entre as posições 22 a 25 da cadeia beta,
localizadas no início da hélice B. Tais resíduos estariam, respectivamente
espacialmente ocupando posições [-Externa-Interna-Interna(contato com
hélice E)-Externa] em relação à proteína.
Estudos funcionais com o hemolisado total não purificado pelo método
automatizado (Hemox Analyzer), em pH 7,4, a 37ºC, apontaram o aumento
da afinidade pelo O2 (Figura 58), com diminuição do valor de p50, o qual foi
intermediário aos de Hb F de RN (Tabela 12).
A
B
FIGURA 58. Curvas de Equilíbrio com hemolisado total não-purificado. Painel A: Curva de dissociação Hb-O2. Painel
B: Curva de saturação Hb-O2. Em azul escuro: hemolisado contendo majoritariamente Hb A. Em vermelho:
hemolisado contendo Hb Olinda.
Além disso, valores do coeficiente de Hill (n) também foram
intermediários aos de Hb F e Hb A, tais quais k1 e k2 de Adair (Tabela 12).
153
Interessante notar que o padrão cooperativo demonstrado por k3 e k4
de Hb Olinda são inversos para as curvas de dissociação e ligação com O2. Isso
porque, enquanto k3 da curva de saturação foi superior à de dissociação, k4 da
curva de saturação foi inferior à de dissociação, o que poderia apontar para
complexo mecanismo de cooperatividade interferindo na afinidade diminuída
e para que haja a redução da cooperatividade heme-heme global, calculada por
n – conforme demonstrado na Tabela 12.
TABELA 12. Valores de p50, Cooperatividade heme-heme (Constante de Hill – n) e Constantes de Adair para os
gráficos de dissociação Hb-O2 e ligação Hb-O2 da Hb Olinda.
Desvio p50 Hill Constantes de Adair (log)
padrão (mmHg) (n) k1 k2 k3 k4
Hb A Curva dissociação 0,003 10,74 2,22 0,12 0,08 0,001 128,9
Curva saturação 0,004 11,00 2,18 0,12 0,08 0,001 7,76
Hb F (~70%) Curva dissociação 0,009 8,88 1,44 0,36 0,07 0,08 0,13
Curva saturação 0,01 8,22 1,42 0,71 0,05 0,11 0,09
Hb Olinda Curva dissociação 0,006 9,59 1,89 0,20 0,14 4.10-5 319,8
Curva saturação 0,009 9,10 1,89 0,52 0,08 0,52 0,17
Tal complexidade no padrão afinidade e cooperatividade heme-heme
versus pH, em decorrência da instabilidade proteica também foi observada nos
estudos funcionais tonométricos, que revelaram crescente afinidade da Hb
Olinda na presença de IHP conforme o aumento do pH (Figura 59). Em todos
os pHs, no entanto, a afinidade foi aumentada em relação à Hb A.
154
FIGURA 59. Afinidade da Hb Olinda na ausência e presença de IHP em diferentes pHs.
Em contrapartida, na ausência do efetor alostérico heterotrópico, a Hb
Olinda comportou-se com menor afinidade pelo oxigênio, também sob
influência do meio mais alcalino, reduzindo ainda mais sua afinidade (Figura
59). Tais resultados, referentes à influência direta do pH na afinidade, falam
à favor de importantes alterações na região de coil da proteína, apesar da
depleção de resíduos ser na hélice B da cadeia beta.
A cooperatividade heme-heme da variante também parece estar
intrinsicamente vinculada ao pH, uma vez que é diminuída no meio ácido e
aumentada no meio alcalino, tanto na ausência quanto na presença de IHP
(Figura 60).
155
FIGURA 60. Cooperatividade heme-heme da Hb Olinda na ausência e presença de IHP.
Estudos de cinética de dissociação Hb-O2 apontaram significativa
redução de Koff da Hb Olinda em análise global (cálculo de Koff por
monoexponencial – conforme demonstrado na Tabela 13).
TABELA 13. Valores das constantes de dissociação Hb Olinda-O2 na ausência de IHP (Koff), por Stopped Flow.
Koff
Hb A Monoexponencial 38,524
Bi-exponencial 1 0,566 Bi-exponencial 2 37,612
Hb Olinda
Monoexponencial 25,756 Bi-exponencial 1 3,224 Bi-exponencial 2 43,103
Cálculo de Koff com duas funções para determinação da fase lenta e
fase rápida da dissociação Hb-O2 detectou, no entanto, efeito contrário: o
aumento significativo de Koff nas duas fases (Tabela 13).
156
Os achados, tanto de cinética quanto de simulação de dinâmica
molecular, não parecem apontar para a dimerização da proteína por conta da
instabilidade estrutural, como se acreditava anteriormente, mas parecem
indicar, isto sim, significativas alterações na dinâmica de ligação – dissociação
Hb-O2 devido a modificações de mobilidade estrutural.
Deste modo, o estudo desta variante de Hb parece representar
importante chave para melhor compreensão da dinâmica das cadeias fora no
plano do heme na influência da ligação com o oxigênio. Por isso, minuciosos
estudos estruturais tais como dicroísmo circular e espectroscopia Ramam da
estrutura poderiam auxiliar na melhor compreensão da dinâmica de ligação
com O2.
Através dos estudos de MD de 30ns ficou perceptível que as alterações
na hélice resultaram em completa desestruturação nos movimentos da hélice
B, com consequências bastante significativas na estrutura da cadeia beta.
Na conformação R – oxi-Hb Olinda, a cadeia beta tem sua orientação
modificada por conta da perda de parte da hélice B (Figura 61).
157
A) Oxi-Hb A em 1f steps (primeiro passo de
trajetória no tempo de 30ns)
B) Oxi-Hb A em 100f steps (último passo de
trajetória no tempo de 30 ns)
C) Oxi-Hb Olinda em 1f steps (primeiro
passo de trajetória no tempo de 30ns)
D) Oxi-Hb Olinda em 100f steps (último
passo de trajetória no tempo de 30ns)
FIGURA 61. Dinâmica do último ns (no tempo de 30ns) da trajetória de simulação das Hb A (A e B) e Hb Olinda (C e
D). A e C representam, respectivamente, o primeiro passo do último ns de trajetória (de 30ns de simulação), das r-
da R-HbA e r-da R-Hb Olinda. B e D representam, respectivamente, o último passo do último ns de trajetória
(completando 30ns de simulação), das r- da R-HbA e r-da R-Hb Olinda. As setas em vermelho indicam a sutil
movimentação da nova porção inter-hélice AB da cadeia beta Hb Olinda (agora mais alongada, devido à deleção dos
quatro resíduos – Painel C e D), em relação à mesma região na estrutura nativa (que permanece sem movimentos
significativos – Painel A e B). As setas em laranja apontam mudança drástica na orientação da região inter-hélice BC
da cadeia beta da Hb Olinda (Painel C e D) em relação à Hb A (Painel A e B). As setas em preto apontam a
aproximação de porção da hélice E no plano do heme (região no interior da cadeia) na Hb Olinda (Painel C e D), em
relação à Hb A (Painel A e B), a qual não sofre esta aproximação.
158
No último ns de simulação da Hb Olinda (composto por 100 passos de
1fs) é possível notar sensível envergamento do que seria o início da hélice B
(Painéis C e D, setas vermelhas), mas que na Hb Olinda não constitui em
estrutura alfa hélice e sim porção inter-hélice, com possíveis problemas de
enovelamento. Esta alteração (Painel C) parece promover modificações na
movimentação da região inter-hélice BC da cadeia beta (Painel D), em função
do tempo. Tal região parece estar bastante alterada em relação à cadeia beta
nativa (Painel A e B), tanto no início do último nano segundo de trajetória
(Painel C em relação ao Painel A) quanto no último passo de simulação
(Painel D em relação ao Painel B).
Por fim, significativa mudança conformacional na hélice E pode ser
observada desde o primeiro passo do último ns mantendo-se relativamente
“estável” até o último passo da trajetória. Indicado pela seta de cor preta, é
possível visualizar o deslocamento de parte da hélice E (Painel C e D) para o
interior da cadeia beta (região do heme pocket), o que não acontece na
estrutura nativa (Painel A e B).
Talvez esta alteração na conformação do coil seja a responsável pelo
aumento da afinidade.
Tal evento poderia afetar a ligação do oxigênio ao heme, na estrutura R,
o que poderia ser uma possível explicação para a redução da afinidade da Hb
pelo oxigênio.
159
Enquanto isso, na conformação T, com os nitrogênios das Histidinas
distais com orientação para o lado direito em relação ao plano do heme (Hid), é
possível notar outras modificações conformacionais da cadeia beta da Hb
Olinda (Figura 62):
160
A) Desoxi-Hb A (Hid) em 1f steps (primeiro
passo de trajetória no tempo de 30ns)
B) Desoxi-Hb A (Hid) em 100f steps (último
passo de trajetória no tempo de 30 ns)
C) Desoxi-Hb
Olinda (Hid) em
1f steps (primeiro
passo de
trajetória no
tempo de 30ns)
D) Desoxi-Hb
Olinda (Hid)
em 25f steps
E) Desoxi-Hb
Olinda (Hid) em
50f steps
F) Desoxi-Hb
Olinda (Hid) em
75f steps
G) Desoxi-Hb
Olinda (Hid) em
100f steps
(último passo de
trajetória no
tempo de 30ns)
FIGURA 62. Dinâmica do último ns (no tempo de 30ns) da trajetória de simulação das Hb A (A e B) e Hb Olinda (C a
G) em T – Histidina em Hid. A e B representam, respectivamente, o primeiro e último passo do último ns de
trajetória (30ns de simulação), da t- da T-HbA (em Hid). C a G representam 5 diferentes momentos do último ns de
trajetória, da t- da T-Hb Olinda (sendo eles o primeiro passo, os passos 25fs, 50fs, 75fs e último passo), em Hid. As
setas em vermelho indicam a hélice B da cadeia nativa (Painel A e B) e da - Olinda, alterada (C a G). As setas em
laranja apontam as mudanças na conformação da região inter-hélice BC da cadeia nativa (Painel A e B) e da cadeia
-Olinda (Painéis C a G) em função do tempo. É possível notar a significativa alteração na orientação da -Olinda (C
a G) em relação à nativa (A e B). As setas em preto indicam a rotação da porção final da hélice E, na estrutura
nativa (Painel A e B) e o estreitamento da mesma região na -Olinda (Painéis C a G). As setas em rosa apontam a
movimentação da região inicial da nativa (região de coil), com sutil arqueamento desta para o lado interno da
161
cadeia , enquanto que na -Olinda tal movimentação se dá de modo diverso (Painéis C a G), com esta região de coil
mais enrijecida.
As alterações observadas na Figura 62, com a T-Hb Olinda (em Hid)
são bastante significativas. A remoção de 4 resíduos na hélice B parece
interferir substancialmente na conformação final da cadeia beta. É possível,
por exemplo, notar alterações bastante importantes na região inter-hélice BC,
bem como hélice E e região de coil da globina. Além disso, as demais hélices
também parecem apresentar deslocamento, num efeito global (Figura 47,
Painéis C a G em relação aos Painéis A e B).
Alterações estruturais também foram observadas nas cadeias beta-
Olinda em simulações da proteína com a Histidina contendo o nitrogênio
voltado para o lado esquerdo no plano do heme, conforme demonstrado na
Figura 63.
162
A) Desoxi-Hb A (Hie) em 1f steps (primeiro passo
de trajetória no tempo de 30ns)
B) Desoxi-Hb A (Hie) em 100f steps
(último passo de trajetória no tempo de
30 ns)
C) Desoxi-Hb
Olinda (Hie) em 1f
steps (primeiro
passo de trajetória
no tempo de 30ns)
D) Desoxi-Hb
Olinda (Hie) em
25f steps
E) Desoxi-Hb
Olinda (Hie) em
50f steps
F) Desoxi-Hb
Olinda (Hie) em
75f steps
G) Desoxi-Hb
Olinda (Hie) em
100f steps (último
passo de trajetória
no tempo de 30ns)
FIGURA 63. Dinâmica do último ns (no tempo de 30ns) da trajetória de simulação das Hb A (A e B) e Hb Olinda (C a
G) em T – Histidinas distais em Hie. A e B representam, respectivamente, o primeiro e último passo do último ns de
trajetória (30ns de simulação), da t- da T-HbA (em Hie).C a G representam 5 diferentes momentos do último ns de
trajetória, da t- da T-Hb Olinda (sendo eles o primeiro passo, os passos 25fs, 50fs, 75fs e último passo), em Hie. As
setas em vermelho indicam a hélice B da cadeia nativa (Painel A e B) e da - Olinda, alterada (C a G). É perceptível
o enrijecimento desta região em -Olinda. As setas em laranja apontam a movimentação da região inter-hélice BC da
cadeia nativa (Painel A e B) e da cadeia -Olinda (Painéis C a G) em função do tempo. A abertura e fechamento se
são em momentos diferentes. As setas em rosa apontam a movimentação da região inicial da nativa (região de coil),
voltada para o lado contrário à cadeia nativa (Painel A e B), enquanto que na -Olinda a mesma região se volta
para a porção interna da cadeia (Painéis C a G).
163
Nos experimentos computacionais em que as histidinas foram dispostas
nesta conformação, com nitrogênio “rotacionado” para o lado oposto, foi
possível verificar mais outras alterações na conformação estrutural da cadeia
beta. A movimentação de “abre e fecha” da região inter-hélice BC se deu em
tempos diferentes (Figura 63, Painel C a G) e com menor expansão de
movimentos. Enquanto isso, alterações na região de coil também foram
bastante significativas, uma vez que ao invés de voltar-se para fora da cadeia
beta, como na estrutura nativa (Painel A e B), está voltada para a parte
interna (Painéis C a G).
Importante ressaltar que esta região de terminação fica localizada no
sítio de 2,3-BPG, o que poderia explicar alterações na afinidade da proteína
pelo efetor alostérico IHP.
Deste modo, possivelmente devido às modificações na mobilidade
estrutural apresentadas pela Hb Olinda é que esta variante parece sofrer
forte influência do pH.
164
165
V. CONCLUSÃO
166
167
Apesar de tal trabalho ser bastante específico no que concerne ao
estudo de variantes estruturais da Hb humana com alterações funcionais
importantes e implicações clínico-hematológicas, algumas conclusões gerais
podem decorrer deste aprofundamento.
Variantes com substituições na Interface 12:
Hb Coimbra [HBB:c.300T>A or 300T>G p.99Asp>Glu]
A afinidade aumenta da variante se dá em decorrência da maior
estabilidade estrutural na conformação R e assim maior número de
espécies aptas à ligação com O2 estará presente em solução. Há,
portanto, um defeito no trânsito T-R, o qual não se dá de forma
cooperativa.
O estudo desta variante traz o evento de cooperatividade
(essencial na interface 12) não qual efeito dependente da afinidade.
Contrariamente ao conhecimento antes em voga, traz a cooperatividade
também como sendo agente determinante no trânsito T-R e assim,
interferindo substancialmente na afinidade proteica.
Hb Setif [HBA2:c.283G>T p.94Asp>Tyr]
Apesar de preliminar, o estudo da Hb Setif parece confirmar os
resultados apresentados pela Hb Coimbra, uma vez que mesmo com a
cooperatividade heme-heme diminuída, parece tender à estabilidade na
conformação T.
Através destes estudos foi possível observar a importância dos dois
Asp na interface 12 por meio do desequilíbrio T-R causado pela substituição
destes nas variantes aqui analisadas.
Outro importante achado é a aparente relação desta região de contatos
com efetor alostérico heterotrópico, cuja relação não está descrita em
literatura e que quando melhor elucidada poderá incluir tal região como alvo
168
para desenho de drogas que, interferindo na cooperatividade heme-heme,
possam também alterar a afinidade e propriedades (tais quais a de
polimerização) de variantes com alterações funcionais.
Variantes com alterações de afinidade:
Hb Chelsea [HBA2:c.116C>T p.38Thr>Ile] – afinidade aumentada
Hb F-Valinhos [HBG2:c.138G>A p.46Gly>Ser] – afinidade reduzida
Apesar de muito preliminares, através do estudo de ambas as variantes
foi possível verificar que a complexidade da relação estrutura-função não se
baseia somente em fatores diretamente relacionados à modificação estrutural.
É o caso, por exemplo, da Hb Chelsea, cujas portadoras apresentam quadros
hematológicos distintos, porém comportamentos funcionais semelhantes,
sendo a portadora assintomática, uma intermediária do ponto de vista
funcional.
Outra interessante observação deve ser destacada a partir de análises
da Hb F-Valinhos, que apresenta redução da afinidade e aumento da
cooperatividade heme-heme. Isso porque, comportando-se tal qual a Hb A
(porém com cooperatividade aumentada), não teria capacidade funcional de
competir com esta pelo O2, no período fetal, o que supostamente poderia
acarretar em problemas de desenvolvimento. No entanto, não foi relatado
qualquer deficiência deste gênero.
Variante com propriedade de polimerização:
Hb S-São Paulo [HBB:c.20A>T p.Glu6Val; c.196A>G p.Lys65Glu]
O estudo desta variante dupla mutante com afinidade reduzida e
polímeros de HbS mais estáveis, representa um avanço na compreensão da
formação de polímeros de HbS. Adicional ao conhecimento bem estabelecido
de que a formação de polímeros de Hb S se dá durante a fase T da Hb, este
trabalho aponta que a estabilidade de oligômeros pode não estar relacionada à
169
redução de afinidade e sim a interações entre tetrâmeros (que na Hb S-São
Paulo são intensificadas).
Deste modo salienta-se a região do resíduo 65, a hélice E, como outro
alvo terapêutico, não somente pela influência na afinidade (já conhecida, uma
vez que o heme pocket tem aí importantes interações), como também na
formação e estabilidade de polímeros, efeito antes desconhecido.
Variantes Instáveis:
Hb Caruaru [HBB:c.368T>C p.122Phe>Ser]
Hb Olinda [HBB:c. 67_78delGAAGTTGGTGGT p.22-25Glu-Val-Gly-
Gly->0]
O estudo com variantes instáveis é bastante complexo, uma vez que a
instabilidade tem consequências bastante amplas para o tetrâmero funcional.
No entanto, através deste estudo foi possível verificar que modificações
extremas em sítio hidrofóbico (no caso da Hb Caruaru, com substituição de
resíduo apolar por polar, cujos tamanhos são também bastante distintos)
causam, conforme o esperado, instabilidade estrutural, porém em ordem de
tempo um pouco distinto àquele esperado.
Já a remoção dos 4 resíduos iniciais da hélice B, na Hb Olinda,
salientam a importância destes aminoácidos para a estabilidade do terâmero
funcional, principalmente da Glicina 24 em relação à hélice E (de contatos
extensivos com o heme pocket). Mostra também a extrema influência do pH,
não somente na estabilidade proteica, já conhecida, como também a
interferência do pH na cooperatividade heme-heme e dinâmica de ligação com
170
o O2 devido às modificações conformacionais durante a transição T-R, que na b
Olinda são bastante alteradas.
Deste modo, este trabalho pode contribuir para melhor compreensão
não somente de aspectos funcionais-estruturais específicos das variantes
estudadas como também sinalizou importantes perspectivas para estudos
futuros.
171
VI. REFERÊNCIAS
BIBLIOGRÁFICAS
172
173
ADAIR, GS. The hemoglobin system. VI. The oxygen dissociation curve of
hemoglobin. J Biol Chem. 1925; 63:529-45.
ADACHI K., ASAKURA T. Nucleation-controlled aggregation of deoxyhemoglobin S.
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