Tate Modern vs State Britain

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    DA OBRA INSTALADA AO ESPAO

    OCUPADO O CASO UNILEVER SERIES

    (TATE MODERN, LONDRES)

    por

    Fernando Jos Pereira*

    Resumo: A noo de instalao prope-se a radicalizar a ideia j experimentada pela arte moderna dequebrar a descontinuidade entre pblico e obra de arte. O caso particular da Unilever Series, a ser desenvol-vido na grande sala das turbinas da Tate Modern, em Londres, um excelente laboratrio para se entendero desenvolvimento desta forma de interveno artstica. Podemos neste caso, inclusive, falar de um shiftfundamental: a passagem da obra instalada ocupao do espao pela prpria obra.

    Palavras-chave: Instalao; espao; ocupao; installation; space; occupation.

    Abstract : The notion of installation art aims at going into more depth in the idea already tried by modernart of breaking discontinuity between art work and public The particular case of Unilever Series, which willbe carried out in the big Turbine Hall of Tate Modern in London, is an excellent laboratory to understandhow this kind of art intervention is carried out. In this case we might even speak about a fundamental shift:the installed art work changing to space occupation by the art work itself.

    Key words: ?????????; ??????????; ?????????.

    Numa entrevista recente dada por Mark Wallinger (vencedor do Turner Prize em 2007) revista americana October, a determinada altura um dos intervenientes, a propsito dainstalao The Weather Project de Olafur Eliasson, refere-se s instalaes que tm sidovistas na Tate Modern como iluso e espectculo. verdade, pelo menos para a maior partedos casos. No caso particular de Eliasson a referncia directa pois a instalao que aliapresentou baseia-se em espelhos e fumos. Afinal dois dos seus componentes essenciais.

    Sabemos hoje que a instalao se tornou na forma mais popular (no sentido da maispraticada) de exposio no mbito da arte contempornea. Da o grande interesse, quasecom se de um laboratrio se tratasse, da iniciativa que tem sido levada a cabo ao longo dosltimos anos no mbito das Unilever series e a ser desenvolvida na grande sala das turbinas

    da Tate Modern.

    * ?????????????????????????????

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    A insuspeita historiadora de arte americana Rosalind Krauss autora do clebreensaio Sculpture in an expanded field e, talvez, o contributo terico mais importante para

    a afirmao da prtica da instalao no mbito da arte contempornea j tinha lanadoum violento ataque ao que designou como prtica celebratria da instalao no sentido dasua neutralizao esttica. Refere a historiadora que a instalao, nos nossos dias, se or-ganiza, quase sempre, segundo a lgica de um agrupamento teatral de objectos numespao fechado. A autora americana considera esta prtica totalmente fraudulenta.

    No caso particular que aqui queremos tratar poderemos, porm, falar de um shiftfundamental: a passagem da obra instalada ocupao do espao pela prpria obra.

    Deveremos, contudo, antes de aprofundarmos o assunto, abordar algumas premissasfundamentais para o entendimento desta forma de interveno artstica. A noo de insta-lao propunha-se, antes de mais, a radicalizar uma ideia j experimentada por alguma arte

    moderna no sentido de tentar quebrar a descontinuidade entre pblico e obra de arte.Assim, natural o interesse que desde cedo se manifestou em torno do espao, agora,partilhado com o espectador. O espao tornou-se penetrvel, tanto para o pblico que, destaforma, potenciou todos os relacionamentos passveis e possveis de serem experimentadoscomo para os objectos que a partir dessa premissa puderam invadir literalmente o espaoexpositivo, na maior parte dos casos, de uma forma inovadora: totalmente adaptada aoespao, ou seja, site-specific. Nalguns casos o prprio quotidiano que entra no museu,como em Beuys ou, mais recentemente, em muitos artistas que exploram esta faceta deformas diversas. A grande alterao conceptual tem a ver, contudo, com uma actualizaonecessria do conceito do ready-made duchampiano que, agora, perde a sua qualidade

    potica de objecto para se transformar no agrupamento objectual que potencia a ocupaodo espao. Nicolas Bourriaud (terico e curator francs) teoriza sobre uma arte que s secorporiza atravs de um relacionamento muito prximo do espectador. Necessita da suainteraco, colocando, nos casos mais radicais, em causa a prpria ideia de mediao. D-lhe o nome de esttica relacional. A necessidade de relacionamento ntimo determina, antesde mais, um afastamento da tradicional posio crtica e negativa (no sentido adorniano dotermo) para uma exaltao de uma espcie de espectculo das formas e da sua utilizaodo espao. O deslumbramento e a simpatia como forma de amabilidade extrema.

    Algumas posies so, no entanto, distantes desta. A opo pela ocupao catica doespao ou a aproximao a uma ideia utpica de abjeco afirmam-se como exemplos de

    estticas de recusa do gosto pela convivialidade. O problema mantm-se, contudo, naespectacularidade do acto e da intrnseca relao que este mantm com uma ideia decultura que transmitida quotidianamente e que , naturalmente, absorvida. Ou seja, aproximidade mantm-se, desta feita, pela negativa, isto , pelo grau de surpresa e deestranheza que da advm. O caso de uma obra recente (Thomas Hirschhorn) prope aocupao atravs do recurso a uma anomalia disruptiva da contemporaneidade: o anti-design. Realizado, neste caso, por um ex-designer. A designificao do mundo, como lhechama Hal Foster, olhada de um outro ponto de vista. Uma arte que realizada de umaforma altamente politizada e consciente das suas limitaes e que ope ao bem compor-tado less is more da modernidade o excesso absoluto do more is more, ou seja, o espec-tculo, de novo. O papel do mal comportado tem tradio na lgica do espectculo, todoso sabemos, Hollywood ensinou-nos isso de forma perfeita. A espacialidade reduzida e aexterioridade tornada impossvel, da a impotncia da recusa. Restam as obras e a suaanlise que determinam o grau de independncia que revelam. Deixaremos, propositada-

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    mente, para o fim a anlise de uma obra em particular: a instalao State Britain de MarkWallinger exposta na tradicional Tate Britain e que, de certo modo, apesar de consciente

    de todos os problemas aqui levantados se ope fsica e conceptualmente a todas as inter-venes levadas a cabo na Tate Modern. Antes, contudo, analisemos as intervenes dasunilever series.

    A Tate Modern tem, desde a sua abertura, apresentado na sua sala de entrada insta-laes encomendadas a diversos artistas. A sala onde as peas so apresentadas tem aparticularidade de ter uma dimenso gigante. Trata-se do espao de uma antiga sala deturbinas da central trmica onde agora se situa o museu. Esta sala manteve a sua tipologiaespacial e, deste modo, possui dimenses absolutamente impares para a normal espacialidademuseolgica. O desafio da sua ocupao , assim, o principal repto com que so confron-tados os artistas que aceitam participar neste programa, espcie de work in progress at aos

    dias de hoje.A ocupao do espao e as diferentes hipteses que vm sendo trabalhadas pelos

    diversos artistas permitem, j, a existncia de uma espcie de categorizao tipolgica queagrupa os diferentes projectos segundo perspectivas comuns de ocupao espacial. Utili-zando uma perspectiva temporal diacrnica podemos estabelecer alguns grupos que, curi-osamente, ou talvez no, vo diversificando as propostas em funo das anterioresaprofundando, desta forma, a pesquisa em torno da ocupao de um mesmo espao. Talvezo desafio que a partir de determinada altura se colocou e coloca como mais interessante a continuidade e diversidade das propostas para a sua ocupao, isto , no se vislumbraum esgotamento no sentido da repetio nas instalaes dos artistas embora, como j

    anteriormente foi referido possa, desde j, construir-se uma tipologia de ocupao.Assim, comecemos pelos projectos iniciais, o primeiro de Louise Bourgeois, depoisJuan Muoz, Rachel Whiteread e finalmente, nesta primeira apreciao, Anish Kapoor.Todos eles tm em comum uma estratgia de ocupao do espao que passa, antes de maispelo seu preenchimento. Podemos, ento, designar esta forma de ocupao numa macrovisode todos os projectos como: o espao preenchido.

    Um olhar mais analtico sobre cada um dos projectos revela, desde logo, algumasdiferenas fundamentais que os vo autonomizar. O projecto apresentado por LouiseBourgeois pensa este preenchimento espacial a partir da premissa da ampliao de escalaspara os objectos a instalados. O espectador confrontado com um nmero de objectos que

    povoam o espao e que tm como caracterstica comum uma alterao de escala que, emalguns deles, se revela ameaadora. o caso da grande aranha que ocupa parte importanteda sala e que no deixa ningum indiferente. E se aqui a escala determinante, nos outrosobjectos, por exemplo, nos espelhos (como aqueles que comummente utilizamos nos quar-tos de banho), ela afirma a sua predisposio perturbadora. O espectador remetido parauma posio liliputiana que recupera, de algum modo, a matriz kantiana do imensamentegrande. impossvel no se pensar em Caspar David Friedrich e nos seus pequenos espec-tadores. A natureza no se manifesta aqui per si, mas aparece como mediada nos objectosimensamente grandes que povoam este espao reclamando uma espcie de novo sublimedistpico para a obra apresentada.

    A instalao seguinte, apresentada pelo artista espanhol Juan Muoz, remete tambmpara a ideia totalizadora do espao, neste caso estabelecendo uma clara afinidade entre aopo pela ocupao em altura e uma ideia de relacionamento de poder. Sabemos, desdeque Miguel ngelo colocou o seu David na praa central de Florena, que algumas obras

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    de arte potenciam esta relao entre espectador e obra. Se no caso do David essa relaoera estabelecida pela impossibilidade, dada a exiguidade do espao, de olhar a escultura de

    igual para igual estando sempre presente a necessidade de olhar de baixo para cima, nosanos de estabelecimento da ideia centralizadora do lder, como no caso de Napoleo emFrana, o recurso ao pedestal cada vez mais alto veio radicalizar esta ideia de poder. Pareceser claro que Muoz dialoga com esta tradio de poder na instalao que apresentou naTate. A caracterstica essencial da sua obra nos ltimos anos de vida foi a disseminaode pequenas esculturas/bonecos chineses por espaos. Na Tate o artista construiu umaestrutura em andares que, por um lado, alterou radicalmente a relao que o espectadorestabelece com a sala mas, por outro, ao colocar os bonecos sempre em posies cimeirasprivilegiou o olhar para cima voltando a colocar a imensa espacialidade em jogo. Ospequenos bonecos (sempre mais baixos que um ser humano) olham-nos de cima para baixo

    no se confundindo nunca com o espectador estando, neste caso, as plataformas construdaspelo artista transformadas em novas tipologias de pedestal e, desta forma, questionando eactualizando, de novo, toda a problemtica em que assenta a descontinuidade que o pedes-tal coloca.

    O terceiro caso em anlise, a instalao apresentada pela artista inglesa RachelWhiteread totaliza o espao de uma outra forma, mais uma: como configurao penetrvel.Uma espcie de arquitectura citadina invadiu a sala das turbinas com artrias deatravessamento que permitem um relacionamento directo e conhecido do espectador coma obra. A dimenso arrebatadora da pea, que ocupa na totalidade o espao remete, umavez mais, para o gigantismo da proposta, desta vez, pela mimetizao da relao do tran-

    seunte com a arquitectura aqui, naturalmente, metaforizada nos volumes que a artistaconstruiu. , alis, atravs dessa acumulao de volumes geomtricos que a relao coma arquitectura se impe. Nada de estranho pois este o domnio de trabalho da artista. Nocaso da instalao na Tate, Rachel Whiteread optou por dar continuidade a uma ocupaoreal do espao. S que, e a reside o fascnio deste work in progress, a abordagempessoalssima que os artistas tm feito do espao permite a sua recriao de cada vez queuma pea apresentada. A artista inglesa ao contrrio de Muoz preencheu o espaohorizontalmente e ao organizar a sua cidade de forma penetrvel est, por assim dizer,a responder aos questionamentos de poder introduzidos na instalao anterior. Aqui oespao , de algum modo, mais democratizado no sentido da sua adequao a uma reali-

    dade conhecida e experienciada. Contudo a excessiva, por nica, presena do branco natotalidade dos volumes conduz o pensamento para uma ideia utpica da arquitectura mo-dernista que potencia, de novo, a relao de poder estabelecida pela desmesurada escala emjogo. O problema no a obra da artista. A questo essencial prende-se com o tipo depercepo que tal escala produz na apreenso das obras por parte dos espectadores. Queno projecto seguinte se radicaliza e torna-se, em nossa opinio, claramente ameaadora.

    Anish Kapoor props para a sua interveno uma alterao significativa relativamen-te aos projectos anteriores. J no se trata de agrupamentos de objectos que potenciam aescala desmesurada das obras. Agora, um nico e gigantesco objecto povoa a totalidade doespao apresentando-se como corolrio de todas as intervenes at a realizadas, no sen-tido em que vimos falando da ocupao do espao, uma s forma que transforma o espaomoldando-o a seu bel prazer.

    Esta pea em forma de corneta maximaliza a relao com o espectador, impondo-sedescaradamente. , alis, na sua aparncia orgnica que corporiza o seu aspecto ameaa-

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    dor. Qual forma aliengena, espreita porta da sala e pousa em cima da passagem para opblico. Tanto num caso como no outro a sua enorme dimenso, se comparada com os

    espectadores, parece querer sugar para o seu interior. A forma proposta por Kapoor, aoimpor-se por si prpria, atinge o znite desta premissa inicial de preenchimento do espao.As questes que coloca so de ndole variado mas uma fica como determinante: o espaoda Tate demonstrou at aqui uma plasticidade surpreendente. E agora? O que fazer depoisdeste refinamento formal na ocupao do espao. Como ultrapassar o gigantismo em quese estava a transformar a srie proposta?

    A resposta no tardou a chegar com uma mudana de paradigma que permitiu, antesde mais, um refrescar de todo o processo e da aparncia da ocupao do espao. A estanova forma de ocupao designamos por espao virtual.

    A interveno que se seguiu foi realizada pelo artista islands Olafur Eliasson e teve

    como ttulo The Weather Project. A resposta deste artista brilhante pela simplicidadee pelo resultado surpreendente. Um imenso candeeiro em forma de semi-crculo e alimen-tado por 500 lmpadas duplicado e tornado virtualmente num crculo atravs do recursoa espelhos colocados no tecto. De repente o espao da sala das turbinas duplicou e aimensa fora dos objectos gigantes a povoar o espao ficou definitivamente para trs. Numtruque de magia (estamos a falar de espelhos e de fumos) a sala transforma-se numa imensapaisagem envolvida em nvoa num qualquer fim de tarde, naturalmente, longe do invernode Londres. A duplicao do espao operada nesta instalao vem colocar, uma outra veze num outro espao, a proeminncia do virtual como possibilidade contempornea porexcelncia. A virtualidade em que somos envolvidos quotidianamente , aqui, corporizada

    de forma surpreendente. Sem recurso a alta tecnologia mas com uma imensa criatividadepara fazer funcionar um truque antigo num contexto totalmente novo.A fasquia est de novo mais elevada. A ocupao por preenchimento chegou ao seu

    limite natural, por impossibilidade de expanso. Agora, esta potenciada pela utilizaoda virtualidade como recurso para dar continuidade a uma proposta que pensvamos, todos,estava estagnada.

    A proposta seguinte foi dirigida a um artista com uma larga histria no panorama daarte contempornea: Bruce Nauman. A sua proposta continuou a surpreender e a provar adinmica que um espao pode estabelecer com as propostas dos artistas sem, contudo, seesgotar transfigurando-se continuamente no sentido de se adaptar s novas espacialidades

    propostas.Nauman foi o primeiro artista a abandonar a ideia de objecto. Deu continuidade potenciao do espao virtual ao centrar totalmente a sua proposta no som. Para tal cons-truiu uma colunas de som especiais que numa surpreendente qualidade site-specific seadaptaram formalmente estrutura da sala, sendo introduzidas nas colunas metlicas quesuportam o espao e que esto disseminadas pelo espao com uma distncia entre si voltados 10 metros. O espectador entrava na sala e nada via a no ser um espao completamentevazio. Somente quando avanava no espao e cruzava um dos pares de colunas era atingidocom violncia por uma parede sonora em que vozes gritavam de um e do outro lado.Ultrapassada a coluna voltava tudo ao silncio do espao vazio.

    O que Bruce Nauman aqui conseguiu brilhante. Por um lado quebrou com a ideiade preenchimento aparentemente no lhe restavam muitas hipteses a este nvel, talvezrebentar com o telhado numa actualizao contempornea de uma merzbau e arriscou,sem receios, o vazio. A monumentalidade da sala voltava a impor-se depois do seu preen-

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    chimento absoluto, real e virtual. E a o espao voltou a ser novo. Preenchido virtualmentepelo carcter escultrico do som, apesar de apenas de forma intermitente, o espao da Tate

    foi refundado por Bruce Nauman e permitiu, assim, um refrescante comear de novo paratodas as intervenes seguintes libertas do espartilho conceptual em que se estava a tornara obsessiva ocupao totalizadora do espao.

    Outros espaos eram agora possveis e passveis de serem experimentados. Foi o queprops Carsten Holler na sua interveno. A sua proposta insere-se num questionamentodo espao que designamos por espao ldico, o espao dialgico e relacional.

    O artista alemo introduziu, qual ready-made gigante, um conjunto de escorregas,iguais aos que povoam os parques aquticos nas praias, no interior da sala das turbinas.Holler um dos mais destacados representantes da designada esttica relacional. Estacorrente tem como ponto determinante a constatao de que a obra s concluda com a

    participao activa do espectador, introduzindo, desta forma, a interactividade como ele-mento essencial do trabalho dos artistas. Esta , talvez, a constatao que determina aproposta de Holler e que, ass im, distancia a estrutura de metal e acrlico que povoa oespao da Tate da noo cannica de ready-made. Esta, para funcionar aqui est umtermo decisivo tem que ter a participao dos espectadores. Sem tal condio a peaapresenta-se em forma de escultura. Esta participao popular levanta algumas das ques-tes mais discutidas em torno destas peas: a sua qualidade ldica a condio que asautonomiza mas , tambm, a condio que as investe de uma posio complexa de sus-tentar no interior do territrio da arte. As obras apresentam-se como friendly users e estano , nunca foi, uma postura que as obras de arte reivindicassem. Da a natural reclamao

    de ruptura. Talvez seja, contudo, mais correcto falar de cumplicidade com um sistema quenecessita de adeso popular para se sustentar e transformar uma lgica reflexiva em lgicarelacional, quer dizer, neste caso, em brincadeira. O espao das turbinas transforma-seento num local de jogo, uma ampla rea de diverso que, ao potenciar a participaopopular, se afirma a si prprio como uma qualquer feira de diverses. O sucesso destaforma consideravelmente superior ao normal. Veja-se o caso desta pea que, ao contrriode qualquer uma das anteriores, j foi repetida em outros locais.

    Perante tal investimento a ocupao seguinte teria como objectivo distanciar-se destacondio. No poderia ter sido melhor a escolha que a pea apresentada por Doris Salcedo.A sua instalao formula, de forma indita, uma vez mais, uma outra faceta para a ocu-

    pao do espao da sala das turbinas. Para esta ocupao propomos a designao de espaonegativo. O negativo algo que tem j uma longa tradio no campo da arte. Aqui levados ltimas consequncias tornando-se a sua leitura, inclusive, literal.

    A proposta da artista investe tudo no cho da sala e, sobretudo, no que est escon-dido por esse mesmo cho. A pea constituda por uma longa fissura, do tipo das que soencontradas frequentemente em edifcios aps abalos ssmicos e que tem o seu incio narampa de entrada e se prolonga por grande parte do espao da sala.

    A ateno que requerida ao espectador , pela primeira vez, de sentido inverso. Oolhar deixa de ser de baixo para cima e passa a funcionar em sentido inverso. A fissuraapresenta-se, assim, como centro das atenes do pblico que, pura e simplesmente igno-rando a ampla espacialidade da sala, se concentra em descobrir as peculiaridades da falha.O que mostrado mas, tambm, aquilo que no . O interesse da pea est exactamentea pese embora as intenes polticas da artistas que, vinda da Amrica Latina, reivindicaa fissura como algo inerentemente poltico e simblico da sua condio de exterioridade.

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    A procura daquilo que normalmente se encontra oculto mas, tambm, o enorme grau desurpresa que causado em quem entra na sala afirmam-se como as componentes decisivas

    do trabalho. No que queiramos deixar em condio subalterna a sua reivindicao dopoltico. para ns evidente o relacionamento reivindicado pela artista simplesmente,como em todas as boas obras, esta uma condio que inerente e que no se apresentacomo estratgia de rotulagem e onde normalmente nada mais resta que a retrica exteriorao prprio acto de construir uma obra de arte. Resta concentrarmo-nos na imagem daampla sala totalmente vazia e, contudo, cindida, como que agredida. Uma imagem imen-samente forte, uma espcie de desenho que fica na memria, inclusive, do prprio espao.Depois de terminada a instalao, a fissura foi fechada com cimento e, todavia, l estescondendo, desta vez, na totalidade o que por baixo se encontra. De certo modo, prepa-rando as condies para a prxima interveno.

    A ltima instalao at altura da escrita deste texto a da artista francesa DominiqueGonzalez-Foerster. Uma vez mais o espao da Tate se transfigurou. Desta vez, contudo aalterao mais conceptual que operativa. o que propomos como espao da memria.Um espao que reivindica a sua condio ficcional como forma de memria mas que,simultaneamente, se prope, tambm, como espao de fico cientfica. A instalao construda numa espcie de lgica monumental, isto , olhando directamente para o pas-sado num determinado presente para se concentrar no futuro. Em traos rpidos podedescrever-se a interveno de Gonzalez-Foerster como um espao cenogrfico onde sedesenrola (desenrolou) uma determinada aco. Que conduz directamente a situaes re-conhecveis como, por exemplo, a citao dos desenhos dos refugiados londrinos nas es-

    taes de metro durante os bombardeamentos alemes na segunda guerra mundial realizadospor Henry Moore. O dilogo que a artista estabelece com outros artistas , por vezes, muitomais evidente. Como no caso da presena in loco de peas altamente conhecidas de LouiseBorgeois e de Alexander Calder respectivamente a aranha e um dos famosos stabile doartista americano. Uma outra citao, contudo, memos visvel, a ma que remete paraas esculturas de Claes Oldenburg. O espao ocupado por uma fico corporizada pelovasto nmero de objectos que povoam a sala. Uma situao ficcional de um futuro distpico(2058) que acentuado por uma enorme projeco vdeo que habita toda a sala e que, apar dos objectos permite, desta vez, um olhar diferente. Um olhar, como antes referimos,aparentemente, mais orientado para a significao do que as anteriores intervenes o que

    no quer dizer melhor ou pior, apenas diferente. Essa a tnica essencial de todo oprojecto que se apresenta, na srie de intervenes na sala das turbinas, como ponto tem-poral de contacto com o presente. A partir daqui ainda no sabemos. Uma coisa porm, jpodemos afirmar: existe um passado para onde se pode olhar e reflectir, existe toda umasucesso de experimentaes em torno do espao que rica e, como se vem provando, atver inesgotvel. Esse , por certo, o ponto mais forte desta iniciativa.

    Tal como referimos no incio deste texto, uma outra instalao num outro espao daTate a Tate Britain confrontou-se directamente com estas. Antes de mais porque nogranjeou o enorme apoio meditico das suas congneres, porque no obteve os apoiosinstitucionais e, sobretudo, porque quis deliberadamente distanciar-se das propostas deocupao realizadas na Tate Modern.

    O artista ingls Mark Wallinger realizou na Tate Britain a instalao State Britaine, tambm neste caso, a questo da ocupao do espao determinante para a sua existn-cia. Analisemos, com algum pormenor, todo o processo em torno desta instalao. Decorria

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    o ano de 2001 quando Brian Haw decidiu realizar um protesto pblico contra a intervenomilitar no Iraque (no a actual mas a primeira, realizada na dcada de 90). Chamou-lhepeace camp e consistia num acumular de imagens, cartazes e muitos outros materiais emforma de instalao/protesto em frente ao Palcio de Westminster. A se manteve at Maiode 2006 quando, j em plena interveno actual no Iraque, o parlamento ingls decidiu aproibio de manifestaes no autorizadas no interior de um raio de 1 km a contar dapraa do Parlamento. Como consequncia desta nova lei a quase totalidade dos materiaisde Haw foram retirados e banidos da zona. Uma medio literal do raio da circunfernciacom 1 km determina que tal linha de excluso bissecta a Tate Britain.

    Com este importante dado em mente, Mark Wallinger marcou uma linha no cho dasgalerias da Tate e, tomando como matriz os materiais de Haw, copiou-os um a um, trans-portando para o interior da Tate Britain uma cpia exacta da instalao/protesto. A colo-

    cou-os numa posio espacial interior da linha delimitadora. O problema espacial aqui de cariz claramente poltico: de um dos lados a possibilidade de manifestao do outroa sua impossibilidade. Ora o que o artista ingls fez de forma brilhante foi, ao realizarcpias dos materiais, transfigur-los em materiais artsticos retirando-os do universo dapropaganda poltica e, assim, introduzindo-os no interior de uma zona de excluso. Aocupao do espao , desta forma, disruptiva e intencional no sentido em que apreendea espacialidade como arma poltica e a ela responde com a fora criativa da instalao.

    Refere o artista ingls, ainda na j citada entrevista revista October, que o que semodificou foi a transformao da carreira de artista em algo vivel, com tudo o que talconstatao tem de apetecvel, e que, tal situao, determinou um afastamento em direco

    ao mainstream e ao espectculo. A sua aguda conscincia reflecte-se nos trabalhos querealiza e essa , para ns, a sua mais valia: as obras falam por si, tudo o resto puraretrica e, como tal, sem interesse real.

    As intervenes na Tate, em dois dos seus edifcios, apresentam-se como algumasdas experincias mais estimulantes ao nvel da ocupao do espao. Na sua diversidadeconcedem a possibilidade de mantermos viva a ideia de insatisfao, espcie de utopia,que, por vezes, nos nosso dias, nos aparece como que desfocada. A obra de Mark Wallinger,em especial, no desvalorizando, porm, as outras, pela sua agudeza esttica e polticaafirma-se como uma boa notcia para todos aqueles que acreditam na possibilidade daprtica da instalao poder manter-se fiel ao seu esprito inicial e, como tal, colocar-se

    numa posio decisiva perante a massificao acrtica com que hoje somos continuamenteconfrontados.Fica a incerteza de saber o que nos reserva o futuro prximo relativamente aos

    desenvolvimentos a serem observados na Tate. Mas esse , talvez, uma dos maiores fas-cnios da obra de arte. At ver.

    Janeiro de 2009

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    9Da obra instalada ao espao ocupado O caso Unilever Series(Tate Modern, Londres)

    vista da instalao de Rachel Whiteread(foto de John Cooper)

    vista da instalao de Olafur Eliasson(foto de Oliee OBrien)

    vista da instalao de Doris Salcedo(foto de artcrimes)

    Todas as imagens so apresentadas sob licena da Creative Commons License

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    vista da instalao de Mark Wallinger (foto de Chris Beckett)