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Teologia Bíblica e Crise de Sexualidade Albert Mohler Jr. 02 de Março de 2015 - Vida Cristã A sociedade ocidental experimenta, atualmente, o que pode se chamar de fato uma revolução moral. O código moral de nossa sociedade e a avaliação ética coletiva acerca de uma questão particular sofreram não apenas pequenos ajustes, mas uma completa inversão. O que antes era condenado, agora, é celebrado; e a recusa a celebrar, agora, é condenada. O que torna a presente revolução sexual e moral tão diferente das revoluções morais anteriores é que ela está acontecendo a uma velocidade absolutamente sem precedentes. As gerações anteriores experimentaram revoluções morais ao longo de décadas, até mesmo séculos. A presente revolução está acontecendo à velocidade da luz. À medida que a igreja responde a essa revolução, devemos nos lembrar de que os atuais debates acerca da sexualidade apresentam à igreja uma crise que é irredutível e inescapavelmente teológica. A crise é equivalente ao tipo de crise teológica que o gnosticismo apresentou à igreja primitiva, ou que o pelagianismo apresentou à igreja no tempo de Agostinho. Em outras palavras, a crise da sexualidade desafia o entendimento da igreja acerca do evangelho, do pecado, da salvação e da santificação. Advogados da nova sexualidade exigem uma completa reescrita da metanarrativa da Escritura, uma completa reordenação da teologia, uma mudança fundamental em como nós pensamos o ministério da igreja. “Transgênero” está na concordância bíblica? Textos-prova são a primeira reação de protestantes conservadores em busca de uma estratégia de resistência e reafirmação teológica. Essa reação hermenêutica ocorre naturalmente com os cristãos evangélicos porque nós cremos na Bíblia como a inerrante e infalível Palavra de Deus. Nós entendemos, como B.B. Warfield disse, que “quando a Escritura fala, Deus fala”. Eu devo deixar claro que essa reação não é inteiramente errada, mas também não é inteiramente certa. Não é inteiramente errada porque certas Escrituras (isto é, “textos-prova”) falam acerca de questões específicas de um modo direto e identificável. Contudo, existem óbvias limitações a esse tipo de método teológico – o que eu gosto de chamar de “reação da concordância bíblica”. O que acontece quando você lida com uma questão

Teologia Bíblica e Crise de Sexualidade

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Teologia Bblica e Crise de Sexualidade

Albert Mohler Jr.02 de Maro de 2015 - Vida Crist

A sociedade ocidental experimenta, atualmente, o que pode se chamar de fato uma revoluo moral. O cdigo moral de nossa sociedade e a avaliao tica coletiva acerca de uma questo particular sofreram no apenas pequenos ajustes, mas uma completa inverso. O que antes era condenado, agora, celebrado; e a recusa a celebrar, agora, condenada.

O que torna a presente revoluo sexual e moral to diferente das revolues morais anteriores que ela est acontecendo a uma velocidade absolutamente sem precedentes. As geraes anteriores experimentaram revolues morais ao longo de dcadas, at mesmo sculos. A presente revoluo est acontecendo velocidade da luz.

medida que a igreja responde a essa revoluo, devemos nos lembrar de que os atuais debates acerca da sexualidade apresentam igreja uma crise que irredutvel e inescapavelmente teolgica. A crise equivalente ao tipo de crise teolgica que o gnosticismo apresentou igreja primitiva, ou que o pelagianismo apresentou igreja no tempo de Agostinho. Em outras palavras, a crise da sexualidade desafia o entendimento da igreja acerca do evangelho, do pecado, da salvao e da santificao. Advogados da nova sexualidade exigem uma completa reescrita da metanarrativa da Escritura, uma completa reordenao da teologia, uma mudana fundamental em como ns pensamos o ministrio da igreja.

Transgnero est na concordncia bblica?

Textos-prova so a primeira reao de protestantes conservadores em busca de uma estratgia de resistncia e reafirmao teolgica. Essa reao hermenutica ocorre naturalmente com os cristos evanglicos porque ns cremos na Bblia como a inerrante e infalvel Palavra de Deus. Ns entendemos, como B.B. Warfield disse, que quando a Escritura fala, Deus fala. Eu devo deixar claro que essa reao no inteiramente errada, mas tambm no inteiramente certa. No inteiramente errada porque certas Escrituras (isto , textos-prova) falam acerca de questes especficas de um modo direto e identificvel.

Contudo, existem bvias limitaes a esse tipo de mtodo teolgico o que eu gosto de chamar de reao da concordncia bblica. O que acontece quando voc lida com uma questo teolgica para a qual nenhuma palavra correspondente aparece na concordncia? Muitas das questes teolgicas mais importantes no podem ser reduzidas meramente a encontrar palavras relevantes e seus versculos correspondentes em uma concordncia bblica. Tente encontrar transgnero em sua concordncia. Que tal lsbica? Ou fertilizao in vitro? Elas certamente no esto no final da minha Bblia.

No que a Escritura seja insuficiente. O problema no uma falha da Escritura, mas uma falha de nossa abordagem da Escritura. A abordagem-concordncia da teologia produz uma Bblia rasa, sem contexto, sem aliana ou pacto, sem uma narrativa principal trs fundamentos hermenuticos essenciais para entender a Escritura corretamente.

Uma teologia bblica do corpo

A teologia bblica absolutamente indispensvel para que a igreja molde uma resposta apropriada presente crise sexual. A igreja precisa aprender a ler a Escritura de acordo com o seu contexto, envolta em sua narrativa principal e progressivamente revelada em linhas pactuais. Ns precisamos aprender a interpretar cada questo teolgica por meio da metanarrativa bblica da criao, queda, redeno e nova criao. Especificamente, os evanglicos precisam de uma teologia do corpo que esteja ancorada no prprio desvelar do drama da redeno ao longo da Bblia.

Criao

Gnesis 1.26-28 indica que Deus criou o homem diferentemente do resto da criao sua prpria imagem. Essa passagem tambm demonstra que o propsito de Deus para a humanidade era uma existncia corporal. Gnesis 2.7 tambm enfatiza esse ponto. Deus criou o homem do p da terra e, depois, soprou nele o flego de vida. Isso indica que ramos corpo antes de sermos pessoa. O corpo, como se v, no incidental nossa personalidade. Ado e Eva recebem a comisso de multiplicarem-se e sujeitarem a terra. Os seus corpos lhes permitem, pela criao de Deus e por seu plano soberano, cumprirem aquele mandato como portadores da imagem divina.

A narrativa de Gnesis tambm sugere que o corpo vem com necessidades. Ado sentiria fome, ento Deus lhe deu o fruto do jardim. Essas necessidades revelam, no bojo da ordem criada, que Ado um ser finito, dependente e derivado.

Alm disso, Ado teria a necessidade de companhia, ento Deus lhe deu uma esposa, Eva. Tanto Ado como Eva deveriam cumprir o mandato de multiplicar-se e encher a terra com portadores da imagem divina, mediante o uso apropriado das habilidades reprodutivas com as quais foram criados. Ligado a isso est o prazer corporal que ambos experimentariam ao se tornarem uma s carne isto , um s corpo.

A narrativa de Gnesis tambm demonstra que o gnero parte da bondade da criao de Deus. Gnero no meramente uma construo sociolgica imposta a seres humanos que, de outro modo, poderiam negociar um nmero indefinido de permutas.

Ao contrrio, Gnesis nos ensina que o gnero criado por Deus para o nosso bem e para a sua glria. O gnero planejado para o florescimento humano e estabelecido pela determinao do Criador assim como ele determina quando, onde e que ns devemos existir.

Em suma, Deus criou sua imagem como uma pessoa corprea. Como seres corpreos, recebemos do prprio Deus o dom e a mordomia da sexualidade. Ns somos feitos de um modo que testifica os propsitos de Deus a esse respeito.

Gnesis tambm molda toda essa discusso em uma perspectiva pactual. A reproduo humana no simplesmente para propagar a raa. Em vez disso, a reproduo enfatiza que Ado e Eva devem multiplicar-se a fim de encher a terra com a glria de Deus refletida nos portadores de sua imagem.

Queda

A queda, o segundo movimento na histria da redeno, corrompe a boa ddiva divina do corpo. A entrada do pecado traz a mortalidade ao corpo. Em termos de sexualidade, a Queda subverte os bons planos de Deus para a complementaridade sexual. O desejo de Eva de dominar o seu marido (Gnesis 3.16). A liderana de Ado ser cruel (3.17-19). Eva experimentar dor ao dar luz filhos (3.16).

As narrativas que seguem demonstram o desenvolvimento de prticas sexuais aberrantes, desde a poligamia at o estupro, as quais a Escritura aborda com notvel franqueza. Esses relatos em Gnesis so seguidos pela entrega da Lei, a qual planejada para refrear o comportamento sexual aberrante. Ela regula a sexualidade e as expresses de gnero ao fazer pronunciamentos claros acerca da moralidade sexual, travestismo[1], divrcio e uma mirade de outras questes corporais e sexuais.

O Antigo Testamento tambm associa o pecado sexual idolatria. Adorao por meio de orgias, prostituio cultual e outras horrendas distores da boa ddiva divina do corpo so todas vistas como parte da adorao idlatra. As mesmas associaes so feitas por Paulo em Romanos 1. Havendo mudado a glria do Deus incorruptvel em semelhana da imagem de homem corruptvel, bem como de aves, quadrpedes e rpteis (Romanos 1.23), e havendo mudado a verdade de Deus em mentira, adorando e servindo a criatura em lugar do Criador (Romanos 1.25), homem e mulher mudaram suas relaes naturais um com o outro (Romanos 1.26-27).

Redeno

No tocante redeno, precisamos notar que um dos mais importantes aspectos de nossa redeno que ela vem por meio de um Salvador com um corpo. E o Verbo se fez carne e habitou entre ns (Joo 1.14; cf. Filipenses 2.5-11). A redeno humana realizada pelo Filho de Deus encarnado que permanece encarnado eternamente.

Paulo indica que esta salvao inclui no meramente a nossa alma, mas tambm o nosso corpo. Romanos 6.12 fala do pecado que reina em nosso corpo mortal o que implica a esperana da futura redeno corporal. Romanos 8.23 indica que parte de nossa esperana escatolgica a redeno do nosso corpo. Mesmo agora, em nossa vida de santificao, ns somos ordenados a apresentar o nosso corpo como um sacrifcio vivo a Deus, em adorao (Romanos 12.1). Alm disso, Paulo descreve o corpo redimido como um templo do Esprito Santo (1Corntios 6.19) e, claramente, devemos entender a santificao como tendo efeitos sobre o corpo.

A tica sexual no Novo Testamento, assim como no Antigo, regula as nossas expresses de gnero e sexualidade. Porneia, a imoralidade sexual de qualquer espcie, categoricamente condenada por Jesus e os apstolos. Semelhantemente, Paulo claramente indica igreja de Corinto que os pecados sexuais pecados cometidos no corpo (1Corntios 6.18) so o que traz m reputao igreja e ao evangelho, porque proclamam ao mundo que nos observa que o evangelho no possui qualquer eficcia (1Corntios 5-6).

Nova criao

Finalmente, chegamos ao quarto e ltimo ato do drama da redeno a nova criao. Em 1Corntios 15.42-57, Paulo nos aponta no apenas a ressurreio de nosso prprio corpo na nova criao, mas tambm o fato de que a ressurreio corporal de Cristo a promessa e o poder dessa esperana futura. Nossa ressurreio ser a experincia da glria eterna, no corpo. Esse corpo ser uma continuao transformada e consumada da nossa existncia corporal presente, do mesmo modo como o corpo de Jesus o mesmo corpo que ele possua na terra, embora absolutamente glorificado.

A nova criao no ser simplesmente uma recomposio do jardim. Ser melhor do que o den. Como Calvino observou, na nova criao, ns conheceremos a Deus no apenas como Criador, mas como Redentor e essa redeno inclui nosso corpo. Reinaremos com Cristo corporalmente, assim como ele tambm est reinando corporalmente como o Senhor do cosmo.

Em termos de nossa sexualidade, embora o gnero permanea na nova criao, o mesmo no ocorrer com a atividade sexual. No que o sexo seja nulificado na ressurreio; em vez disso, ele cumprido. A ceia escatolgica de casamento do Cordeiro, para a qual o casamento e a sexualidade apontam, ter finalmente chegado. Nunca mais haver qualquer necessidade de encher a terra com portadores da imagem divina, como era o caso em Gnesis 1. Em vez disso, a terra estar cheia do conhecimento da glria de Deus, como as guas cobrem o mar.

A indispensabilidade da teologia bblica

A crise da sexualidade tem demonstrado o fracasso do mtodo teolgico adotado por muitos pastores. A reao da concordncia simplesmente no pode alcanar o tipo de pensamento teolgico rigoroso que se exige nos plpitos hoje. Pastores e igrejas devem aprender a indispensabilidade da teologia bblica e devem praticar a leitura da Escritura de acordo com a sua prpria lgica interna a lgica de uma histria que se move da criao para a nova criao. A tarefa hermenutica diante de ns imensa, mas tambm indispensvel para um fiel engajamento evanglico com a cultura.

Notas:

[1]: N.T.: Usar roupas do sexo oposto.

Traduo: Vincius Silva Pimentel

Reviso: Vincius Musselman Pimentel