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Teoria dos Grafos e Aplicações Domingos Moreira Cardoso Departamento de Matemática da Universidade de Aveiro Mestrado em Matemática - 2004/2005

TeoriadosGrafoseAplicações - Arquivo Escolar: Matemáticaarquivoescolar.org/bitstream/arquivo-e/78/1/TGA2004.pdf · Introdução A origem da teoria dos grafos é, em geral, associada

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Teoria dos Grafos e Aplicações

Domingos Moreira CardosoDepartamento de Matemática da Universidade de Aveiro

Mestrado em Matemática - 2004/2005

ii

Conteúdo

Introdução 1

1 Conceitos e Resultados Básicos 31.1 Notação e noções fundamentais . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 31.2 Resultados gerais . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 61.3 Grafos bipartidos . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 111.4 Exercícios . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 13

2 Grafos de Euler e Grafos de Hamilton 152.1 Circuitos e trajectos de Euler . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 152.2 Ciclos de Hamilton . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 172.3 Código de Gray * . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 202.4 Exercícios . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 24

3 Grafos Planares e Generalizações 253.1 Duais de grafos e digrafos planares . . . . . . . . . . . . . . . . . 253.2 Fórmula de Euler e aplicações . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 26

3.2.1 Condições necessárias para grafos planares . . . . . . . . . 273.2.2 Condições necessárias e suficientes para grafos planares * 293.2.3 Grafos platónicos . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 30

3.3 Grafos em variedades compactas orientáveis . . . . . . . . . . . . 313.3.1 Menores combinatórios e menores topológicos . . . . . . . 333.3.2 Genus de um grafo e fórmula de Euler generalizada . . . . 353.3.3 Grafos g-platónicos . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 38

3.4 Exercícios . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 39

4 Digrafos e Espaços Vectoriais Associados. 414.1 Espaço dos vértices e espaço dos arcos . . . . . . . . . . . . . . . 414.2 Variantes do lema de Farkas para grafos . . . . . . . . . . . . . . 444.3 Subespaços de circuitos e de cocircuitos . . . . . . . . . . . . . . 454.4 Exercícios . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 48

iii

iv CONTEÚDO

5 Independentes, Cliques e Colorações 495.1 Formulações analíticas para estáveis máximos . . . . . . . . . . . 495.2 Grafos com número de estabilidade quadrático convexo . . . . . . 605.3 Emparelhamentos e coberturas de arestas por vértices . . . . . . 635.4 Colorações de vértices e arestas . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 675.5 Exercícios . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 78

6 Resultados Algébricos Associados a Grafos 796.1 Polinómios cromáticos . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 796.2 Espectros de grafos . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 82

6.2.1 Algumas propriedades dos valores próprios da matriz deadjacência de um grafo . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 83

6.2.2 Algumas propriedades dos vectores próprios da matriz deadjacência de um grafo * . . . . . . . . . . . . . . . . . . 85

6.3 Grafos fortemente regulares . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 866.3.1 Resultados fundamentais . . . . . . . . . . . . . . . . . . 876.3.2 Espectros de grafos fortemente regulares . . . . . . . . . . 89

6.4 Exercícios . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 91

Bibliografia 93

Introdução

A origem da teoria dos grafos é, em geral, associada ao problema das pontesde Königsberg (cidade da Prússia que agora se designa por Kaliningrad). Partedesta cidade localizava-se em duas ilhas do rio Pregel as quais estavam ligadasàs margens e uma à outra através de 7 pontes, conforme a Figura 1 documenta.

A

B C

D

Figura 1: Pontes de Königsberg em 1736 e o respectivo "multigrafo".

Consta que os habitantes de Königsberg gostavam de dar passeios de modoa atravessar todas as pontes e que alguns andavam particularmente aborrecidospelo facto de não encontrarem um trajecto (com partida e chegada a um mesmolugar) que lhes permitisse atravessar apenas uma vez cada uma das pontes.O matemático suiço Leonhard Euler (1707-1783) ao tomar conhecimento desteproblema resolveu-o (indicando a impossibilidade da existência de um tal per-curso, numa memória que publicou em S. Petersburgo em 1736) modelando-opelo multigrafo representado na Figura 1. O problema dual do problema daspontes de Königsberg, é o de saber se um nadador poderia nadar neste mesmorio e localidade de modo a passar por baixo de todas as pontes sem repetirnenhuma.

Um problema com ingredientes semelhantes foi formulado e resolvido (em1857) pelo matemático irlandês Sir William Hamilton (1805-1865). Este pro-

1

2 CONTEÚDO

blema, que consiste em percorrer todos os vértices do dodecaedro representadona Figura 2, passando uma única vez em cada um, com partida e chegada nomesmo vértice foi designado por viagem à volta do mundo.

Figura 2: Dodecaedro (poliedro regular com 20 vértices de grau 3, 12 facespentagonais, 30 arestas e 20 vértices.

Um outro problema, também bastante antigo, relacionados com a Teoria dosGrafos, diz respeito à coloração de mapas. Com este problema, pretende-se saberqual o menor número de cores necessárias para pintar um mapa de modo quenão existam países, com fronteira comum, pintados da mesma cor. Desde muitocedo se conjecturou que 4 cores bastariam para resolver este problema. Comefeito, o cartógrafo inglês Francis Guthrie, já em 1852, reclamava a suficiênciade 4 cores para distinguir os países num mapa plano e foi precisamente nesse ano(1852) que A. de Morgan, numa carta que enviou a W. R. Hamilton, afirmou tertomado conhecimento deste problema, que designou por problema das 4 cores,através de um seu aluno, Frederick Guthrie (irmão de Francis Guthrie).

Em 1878, numa comunicação apresentada na "London Mathematical Soci-ety", Cayley referiu-se ao problema das 4 cores como sendo um problema emaberto. Desde então, muitos problemas de natureza combinatória têm sido mo-delados por grafos com abordagens que, por sua vez, têm gerado novos conceitose resultados de aplicação generalizada, transformando a teoria dos grafos numaárea da matemática contemporânea de grande produção científica.

Capítulo 1

Conceitos e ResultadosBásicos

1.1 Notação e noções fundamentaisUm grafo G é um par de conjuntos (V, E), tal que V = V (G) = {v1, . . . , vn} éo conjunto dos vértices e E = E(G) é o conjunto das arestas, a cada uma dasquais corresponde um subconjunto de V (G) de cardinalidade 2, i.e., E(G) ={e1, . . . , em}, com ek = {vki , vkj}, para k ∈ {1, . . . ,m}. Por simplicidade denotação, uma aresta entre os vértices x e y será representada por xy. Um grafodiz-se simples se não existem arestas paralelas (mais do que uma aresta entre osmesmos dois vértices) nem lacetes (arestas com ambos os extremos no mesmovértice).Neste texto, os grafos simples são designados apenas por grafos e os grafos comlacetes e/ou arestas paralelas por multigrafos.O número de vértices e arestas de um grafo designa-se, respectivamente, porordem e dimensão do grafo.Os grafos são muitas vezes representado(as) por figuras planas constituídas porlinhas e pontos, as primeiras representando arestas (arcos) e os segundos vértices.

1

2

3

6

4

5

1

2

4

3

6

5

- ¾

-

3

¾

6

?

6k

Figura 1.1: Exemplos de grafo e digrafo.

Na Figura 1.1 representa-se um grafo de ordem 6 e dimensão 7 e um digrafo

3

4 Conceitos e Resultados Básicos

3

6

4

5

Figura 1.2: Subgrafo G[{3, 4, 5, 6}] do grafo representado na Figura 1.1.

de ordem 6 e dimensão 9.Dado um grafo G (DG), uma aresta diz-se incidente no vértice v, se v é um

dos seus extremos e dois vértices, x e y, dizem-se adjacentes se

xy ∈ E(G) ({(x, y), (y, x)} ∩A(DG) 6= ∅).

Dados dois grafos G e G′, diz-se que G′ é um subgrafo de G e que G é umsupergrafo de G′ quando V (G′) ⊆ V (G) e E(G′) ⊆ E(G). Por sua vez, designa--se por subgrafo de G induzido pelo subconjunto de vértices V ′ e denota-se porG[V ′] o subgrafo obtido de G ignorando o subconjunto de vértices V (G) \ V ′ e,consequentemente, as arestas que lhe são incidentes. Por exemplo, na Figura 1.2representa-se o subgrafo do grafo G de ordem 6, representado na Figura 1.1,induzido pelo subconjunto de vértices {3, 4, 5, 6}, ou seja, G[{3, 4, 5, 6}].

Designa-se por grafo completo (nulo) de ordem n e denota-se por Kn (Nn)um grafo com n vértices dois a dois adjacentes (não adjacentes, ou seja, semqualquer aresta). Por sua vez, designa-se por grafo complementar de um grafoG e denota-se por G um grafo com o mesmo conjunto de vértices de G no qualdois vértices são adjacentes se e só se não são adjacentes em G.Denotando por Gn o conjunto de todos os grafos de ordem n e por ⊆P a relaçãobinária definida em Gn tal que G1 ⊆P G2 se e só se G1 é um subgrafo de G2,é imediato concluir que P = (Gn,⊆P ) é um conjunto parcialmente ordenado.Neste conjunto parcialmente ordenado, Kn é o único elemento maximal e Nn oúnico elemento minimal. Adicionalmente, dado G ∈ Gn \ {Nn,Kn}, é claro queG e G não são comparáveis.

Dado um grafo G e um vértice v ∈ V (G) designa-se por grau ou valência dev e denota-se por dG(v) o número de arestas de G incidentes em v. O máximograu dos vértices de G denota-se por ∆(G) e o mínimo grau por δ(G). Um grafodiz-se p-regular se todos os seus vértices têm grau p (no caso de p = 3 estesgrafos também se designam por cúbicos).

Tendo em conta que ao adicionarmos os graus de todos os vértices de umgrafo arbitrário, G, cada aresta conta duas vezes, com facilidade se conclui que

v∈V (G)

dG(v) = 2|E(G)| (1.1)

Notação e noções fundamentais 5

e, consequentemente, que∑

v∈V (G) dG(v) = 0 (mod 2). Da igualdade (1.1) de-corre ainda que

δ(G) ≤ b2|E(G)|n

c ≤ ∆(G). (1.2)

O conjunto de vértices adjacentes a um vértice v designa-se por vizinhança dev (ou conjunto de vizinhos de v) e denota-se por NG(v). Como consequência, éclaro que dG(v) = |NG(v)|.

Dados dois grafos G e H, a união de G com H denota-se por G ∪ H ecorresponde ao grafo G∪H = (V (G)∪ V (H), E(G)∪E(H)) e a intersecção deG com H denota-se por G ∩H e corresponde ao grafo

G ∩H = (V (G) ∩ V (H), E(G) ∩ E(H).

Com base nesta definição de união e intersecção, podemos afirmar que um grafoG se parte nos grafos G1 = (V1, E1), . . . , Gk = (Vk, Ek) se G =

⋃1≤j≤k Gj e

Gp ∩Gq = ∅ ∀p 6= q, onde ∅ denota o grafo definido pelo par (∅,∅).Um grafo G diz-se conexo se não admite qualquer partição para além da trivial(i.e, G = G ∪ ∅). Por sua vez, dado um grafo não conexo G, um seu subgrafodiz-se uma componente conexa (ou simplesmente componente) de G, se é umsubgrafo conexo maximal, no sentido em que sendo induzido pelo subconjuntode vértices V ′, ∀x ∈ V (G) \ V ′, o subgrafo G[V ′ ∪ {x}] não é conexo.

Designa-se por passeio num grafo G, entre os vértices x e y, toda a sequênciade vértices e arestas da forma

x = v1, v1v2, v2, . . . , vk−1, vk−1vk, vk = y,

com eventual repetição de vértices e arestas. Neste caso, os vértices x e ydesignam-se por vértices extremos do passeio (sendo x o vértice inicial e y ovértice final). Um trajecto num grafo G entre os vértices x e y é um passeioentre x e y sem arestas repetidas (podendo, no entanto, existir vértices repeti-dos). Um caminho entre os vértices x e y é um trajecto entre x e y sem vérticesrepetidos. Os trajectos fechados (onde o vértice final coincide com o inicial)designam-se por circuitos e os trajectos fechados, onde os vértices inicial e finalsão os únicos que coincidem, designam-se por ciclos. Geralmente, os caminhos,trajectos, passeios, circuitos e ciclos representam-se pela respectiva sequência devértices.Dado um caminho P (ciclo C) de um grafo G designa-se por comprimento de P(C) e denota-se por comp(P ) (comp(C)) o número de arestas que o constitui.Por exemplo, uma aresta é um caminho de comprimento 1 e um vértice umcaminho de comprimento 0. Por outro lado, um triângulo é um ciclo de compri-mento 3.Dado um grafo G de ordem n e dois vértices x, y ∈ V (G), denotando por PG(x, y)o conjunto de todos os caminhos de G entre x e y, designa-se por distância entrevértices de G a funçãodG : V (G)× V (G) 7→ {0, . . . , n− 1} ∪ {∞} (1.3)

(x, y) Ã dG(x, y) =

{min{comp(P ) : P ∈ PG(x, y)} se PG(x, y) 6= ∅,∞ se PG(x, y) = ∅.

6 Conceitos e Resultados Básicos

Embora as notações utilizadas para grau de um vértice e para distância entredois vértices sejam idênticas, é fácil distingui-las de acordo com o contexto.

A partir das definições dadas de grafo conexo e de componente conexa, po-demos concluir que um grafo é conexo se e só se tem uma única componenteou, em alternativa, se e só se existe um caminho entre quaisquer dois dos seusvértices.A maior distância entre vértices de um grafo G designa-se por diâmetro de Ge denota-se por diam(G), por sua vez, designa-se por cintura de G e denota-sepor g(G) o comprimento do ciclo de menor comprimento contido em G. QuandoG não é conexo, diz-se que tem diâmetro infinito e escreve-se diam(G) = ∞ equando é acíclico (i.e, não tem ciclos) diz-se que tem cintura infinita e escreve-seg(G) = ∞.

1.2 Resultados gerais

Theorem 1.2.1. Se o grafo G é tal que δ(G) ≥ 2, então G contém um caminhoP e um ciclo C tais que comp(P ) ≥ δ(G) e comp(C) ≥ δ(G) + 1.

Demonstração. Seja P = v0, . . . , vk um caminho de maior comprimento em G.Então todos os vizinhos de vk estão em P (caso contrário P , poderia ser estendidopara um vizinho e não teria comprimento máximo). Logo, comp(P ) = k ≥ dG(vk) ≥δ(G). Por outro lado, se vi é o vértice de menor índice em P tal que vivk ∈ E(G),então vi, vi+1, . . . , vk, vi é um ciclo de comprimento pelo menos δ(G) + 1 (dado que{vi, vi+1, . . . , vk} contém todos os vértices adjacentes a vk, cujo número é não inferiora δ(G)).

A Figura 1.3 ilustra a demonstração deste teorema.

v1 v2 vi vk−1 vk

Figura 1.3: Ilustração a demonstração de Teorema 1.2.1.

Theorem 1.2.2 (Mantel, 1907). Dado um grafo G, se |E(G)| > |V (G)|24 ,

então g(G) = 3 (ou seja, G contém um triângulo).

Demonstração.Suponha-se que |E(G)| = m, |V (G)| = n, m > n2

4e ainda que g(G) > 3. Nestas

condições, dados dois vértices adjacentes arbitrários, x, y ∈ V (G), os conjuntos dosrespectivos vizinhos têm intersecção vazia, ou seja,

∀xy ∈ E(G) NG(x) ∩NG(y) = ∅.

Resultados gerais 7

Consequentemente, qualquer que seja a aresta xy ∈ E(G), dG(x) + dG(y) ≤ n, dondevem que

ij∈E(G)

(dG(i) + dG(j)) =∑

v∈V (G)

dG(v)2 ≤ mn. (1.4)

Por outro lado, de acordo com a desigualdade de Chevishev 1

v∈V (G)

dG(v)2 ≥(∑

v∈V (G) dG(v))2

n=

4m2

n. (1.5)

Tendo em conta (1.4) e (1.5), vem que

4m2

n≤

v∈V (G)

dG(v)2 ≤ mn

e, consequentemente, que m ≤ n2

4, o que contraria a hipótese.

Theorem 1.2.3. Se o grafo G contém um ciclo, então g(G) ≤ 2diam(G) + 1.

Demonstração. Seja C um ciclo de menor comprimento em G e suponha-se queg(G) > 2diam(G) + 1, ou seja, que

g(G) = comp(C) ≥ 2diam(G) + 2.

Então ∃x, y ∈ V (C) tais que dC(x, y) ≥ diam(G) + 1. Uma vez que em G existeum caminho P , entre x e y cujo comprimento é não superior ao diâmetro, podemosconcluir que P não é um subgrafo de C. Logo em P ∪C (e, consequentemente, em G)existe um ciclo C′ tal que

comp(C′) ≤ dC(x, y) + comp(P ) < 2dC(x, y) ≤ comp(C),

o que contraria a hipótese.

Theorem 1.2.4 (*). Se o grafo G é tal que g(G) = 2diam(G) + 1, então G éregular.

1Note-se que, para p ≥ 2,

(

p−1∑

k=1

zk)2 ≤ (p− 1)

p−1∑

k=1

z2k ⇒ (

p∑

k=1

zk)2 ≤ p

p∑

k=1

z2k.

Com efeito, admitindo que a desigualdade (∑p−1

k=1 zk)2 ≤ (p− 1)∑p−1

k=1 z2k se verifica, vem que

(

p∑

k=1

zk)2 = (

p−1∑

k=1

zk)2 + z2p + 2zp(

p−1∑

k=1

zk) ≤ (p− 1)

p−1∑

k=1

z2k + z2

p +

p−1∑

k=1

2zpzk

≤ (p− 1)

p−1∑

k=1

z2k + z2

p +

p−1∑

k=1

(z2p + z2

k) = p

p∑

k=1

z2k.

Logo, dado que para p = 2, a desigualdade é satisfeita na forma de igualdade, por indução,conclui-se que ela é verdadeira para qualquer p ≥ 2.

8 Conceitos e Resultados Básicos

Demonstração. Primeiramente vamos provar que todos os vértices de um ciclo Cde comprimento g(G) têm a mesma valência e, posteriormente, prova-se que todos osvértices não pertencentes a V (C) têm a mesma valência dos vértices em C. Sejamx, y ∈ V (G) tais que dG(x, y) = diam(G) = d e seja P um caminho de comprimento dentre x e y. Seja z ∈ NG(y)\V (P ). Então d = dG(x, y) ≤ dG(x, z)+1 ⇔ d−1 ≤ dG(x, z)e, consequentemente, dG(x, z) = d (uma vez que dG(x, z) = d − 1 implica a existên-cia de um ciclo em G de comprimento não superior a 2d). Logo, qualquer que sejaz ∈ NG(y) \ V (P ) existe um único caminho entre x e z de comprimento d (caso con-trário ter-se-ia g(G) ≤ 2d). Cada caminho deste tipo utiliza diferentes vizinhos dex e, consequentemente, x tem pelo menos tantos vizinhos quantos os vizinhos de y.Analogamente se conclui que y tem pelo menos tantos vizinhos quantos os vizinhos dex. Logo, podemos concluir x e y têm exactamente o mesmo número de vizinhos. SendoC um ciclo de comprimento 2d + 1, a partir de um dado vértice v, determinando osdois vértices distintos de C à distância d de v, concluímos que ambos têm a valênciade v. Assim, todos os vértices de C têm a mesma valência. Considerando um vérticearbitrário v fora de C bem como o caminho de comprimento i entre v e u ∈ V (C),podemos concluir que existe em C um vértice w à distância d − i de u e, consequen-temente, à distância dG(v, w) ≤ d − i + i. Porém, se dG(v, w) < d então existe umciclo de comprimento inferior a 2d o que é contraditório. Logo todos os vértices têm amesma valência

Theorem 1.2.5 (*). Dado um grafo G tal que k = b g(G)−12 c, verifica-se a

desigualdade

|V (G)| ≥ 1 + δ(G)k−1∑

i=0

(δ(G)− 1)i. (1.6)

Demonstração. Primeiramente, dado x ∈ V (G), vamos provar, por indução sobrei, com 1 ≤ i ≤ k − 1, que o número de vértices à distância i de x é, pelo menos,δ(G)(δ(G)− 1)i−1, i.e, |{v ∈ V (G) : dG(x, v) = i}| ≥ δ(G)(δ(G)− 1)i−1.

• O resultado é trivialmente verdadeiro para i = 1.• Suponha-se que o resultado é verdadeiro para i = j, com 1 ≤ j < k − 1. Se

v ∈ V (G) é tal que dG(x, v) = j então (a) existe um único vizinho y de v àdistância j − 1 de x e (b) nenhum vizinho à distância j, conforme a seguir seprova.

(a) Suponha-se que existem dois vértices vizinhos de v à distância j−1. Entãoexistem dois caminhos distintos P ′ e P ′′, entre x e cada um destes vizinhos,tais que comp(P ′) = comp(P ′′) = j− 1 < k− 1, cuja união com as arestasque os ligam a v contém um ciclo C tal que

comp(C) ≤ comp(P ′)+comp(P ′′)+2 = 2j < 2k = 2bg(G)− 1

2c ≤ g(G)−1,

o que é contraditório.(b) Suponha-se que existe um vértice z adjacente a v, à distância j de x. Então,

tal como anteriormente, existem dois caminhos distintos, P ′ e P ′′, entre xe v e entre x e z, respectivamente, cuja união com a aresta vz contém umciclo C tal que

comp(C) ≤ comp(P ′)+comp(P ′′)+1 = 2j+1 < 2k = 2bg(G)− 1

2c ≤ g(G)−1,

Resultados gerais 9

o que, mais uma vez, é contraditório.

Logo, para cada vértice v à distância j de x, existem pelo menos δ(G)−1 vérticesadjacentes a v à distância j +1 de x e um único vértice adjacente a v à distânciaj − 1 de x.Analogamente se conclui que, para cada vértice y à distância j+1 de x, existe umúnico vértice adjacente a y à distância j de x (dado que por hipótese 2(j + 1) ≤2k < g(G)).Uma vez que, por hipótese de indução, existem pelo menos δ(G)(δ(G) − 1)j−1

vértices à distância j de x, conclui-se que existem, pelo menos,

δ(G)(δ(G)− 1)j−1(δ(G)− 1) = δ(G)(δ(G)− 1)j

vértices à distância j + 1. Consequentemente, tendo em conta que⋃

0≤i≤k Vi ⊆V (G), onde Vi = {v ∈ V (G) : dG(x, v) = i}, para i = 0, . . . , k, vem que

|V (G)| ≥ |V0|+ |V1|+ |V2|+ . . . + |Vk|,≥ 1 + δ(G) + δ(G)(δ(G)− 1) + . . . + δ(G)(δ(G)− 1)k−1.

= 1 + δ(G)

k−1∑j=0

(δ(G)− 1)j .

Deste teorema decorre imediatamente que se k = b g(G)−12 c e δ(G) > 2 então

|V (G)| ≥ 1 + δ(G)(δ(G)− 1)k − 1

δ(G)− 2. (1.7)

Um vértice v ∈ V (G) diz-se central em G se a maior das distâncias entre ve os restantes vértices é a menor possível. Esta distância designa-se por raio deG e denota-se por raio(G), pelo que

raio(G) = min{max{dG(v, x) : x ∈ V (G)} : v ∈ V (G)}.Com facilidade se conclui que

raio(G) ≤ diam(G) ≤ 2raio(G). (1.8)

Theorem 1.2.6 (*). Se G é um grafo tal que raio(G) ≤ r então

|V (G)| ≤ 1 + ∆(G)r−1∑

i=0

(∆(G)− 1)i.

Demonstração. Seja v ∈ V (G) um vértice central em G e seja Vi = {x ∈ V (G) :dG(v, x) = i}, para i = 0, . . . , r. Então V (G) =

⋃ri=0 Vi e Vp ∩ Vq = ∅ ∀p 6= q, pelo

que |V (G)| = ∑ri=0 |Vi|. Por outro lado, sabe-se que

|V0| = 1,

|V1| ≤ ∆(G),

|V2| ≤ ∆(G)|V1| − |V1| = |V1|(∆(G)− 1) ≤ ∆(G)(∆(G)− 1),

|V3| ≤ ∆(G)|V2| − |V2| = |V2|(∆(G)− 1) ≤ ∆(G)(∆(G)− 1)2,

......

...|Vr| ≤ ∆(G)|Vr−1| − |Vr−1| = |Vr−1|(∆(G)− 1) ≤ ∆(G)(∆(G)− 1)r−1,

10 Conceitos e Resultados Básicos

donde vem que

|V (G)| =r∑

i=0

|Vi| ≤ 1 + ∆(G)

r−1∑i=0

(∆(G)− 1)i.

Como consequência imediata deste teorema, sendo diam(G) = d e tendo emconta (1.8), conclui-se a desigualdade

|V (G)| ≤ 1 + ∆(G)d−1∑

i=0

(∆− 1)i, (1.9)

a qual, para ∆(G) > 2, pode tomar a forma:

|V (G)| ≤ 1 + ∆(G)(∆(G)− 1)d − 1

∆(G)− 2. (1.10)

Tendo em conta as desigualdades (1.7) e (1.10), se diam(G) ≤ d, k =b g(G)−1

2 c e δ(G) > 2, então

1 + δ(G)(δ(G)− 1)k

δ(G)− 2≤ |V (G)| ≤ 1 + ∆(G)

(∆(G)− 1)d

∆(G)− 2. (1.11)

Como exemplo de aplicação, considerando o grafo cúbico G representado naFigura 1.4, onde g(G) = 5 (pelo que k = b g(G)−1

2 c = 2) e diam(G) = 3, vemque

10 = 1 + 3(3− 1)2 − 1

3− 2≤ |V (G)| ≤ 1 + 3

(3− 1)3 − 13− 2

= 22.

1 4

2

3

5

6

7

8

9

101112

Figura 1.4: Grafo cúbico G tal que g(G) = 5 e diam(G) = 3.

Theorem 1.2.7 (*). Sendo G um grafo conexo com diâmetro d, a desigualdade(1.9) verifica-se na forma de igualdade se e somente se G é ∆-regular e g(G) =2d + 1.

Demonstração. Seja G um grafo conexo tal que diam(G) = d.

1.3. GRAFOS BIPARTIDOS 11

• Se G não é ∆-regular então, tendo em conta a demonstração do Teorema 1.2.6, éfácil concluir que a desigualdade (1.9) não se verifica na forma de igualdade (deveobservar-se que a escolha do diâmetro em vez do raio, na desigualdade, permiteque o vértice v do conjunto singular inicial V0 seja tal que dG(v) < ∆(G)).

• Suponha-se que G é ∆-regular e g(G) = 2d + 1. Nestas condições, fazendo k =

b g(G)−12

c, obtém-se k = d e, tendo em conta as igualdades δ(G) = ∆(G) = ∆,combinando (1.9) com (1.6), vem que

1 + ∆(G)

d−1∑i=0

(∆(G)− 1)i ≤ |V (G)| ≤ 1 + ∆(G)

d−1∑i=0

(∆− 1)i,

ou seja,

|V (G)| = 1 + ∆(G)

d−1∑i=0

(∆(G)− 1)i. (1.12)

Os grafos para os quais a desigualdade (1.9) se verifica na forma de igual-dade, designam-se por grafos de Moore. Como consequência imediata do Teo-rema 1.2.7, os grafos de Moore são grafos conexos regulares com cintura 2d + 1,onde d denota o diâmetro. Por outro lado, de acordo com os Teoremas 1.2.4 e1.2.7, todo o grafo conexo com cintura 2d + 1, onde d denota o diâmetro, é umgrafo de Moore. O grafo de representado na capa deste texto é um exemplo degrafo de Moore.

1.3 Grafos bipartidos

Um grafo G diz-se bipartido se existe uma partição do seu conjunto de vérticesem V ′ e V ′′ tal que não existem arestas entre qualquer par de vértices de V ′

nem entre qualquer par de vértices de V ′′. Um tal grafo bipartido é usualmenterepresentado por G = (V ′, V ′′, E), onde E denota o respectivo conjunto dearestas. Quando |V ′| = m, |V ′′| = n e ∀x ∈ V ′ ∀y ∈ V ′′, xy ∈ E(G) este grafodenota-se por Kmn e designa-se por grafo bipartido completo.

Theorem 1.3.1. Um grafo admite uma bipartição se e só se não tem circuitosde comprimento ímpar.

12 Conceitos e Resultados Básicos

Demonstração. Se G = (V ′, V ”, E(G)) é um grafo bipartido, então é claro quetodos os circuitos têm comprimento par. Com efeito, uma vez que tanto em V’ comoem V"não existem vértices adjacentes, partindo-se, por exemplo, de um vértice em V’,de cada vez que se passa para V", para se obter um circuito, tem de se voltar a V’na aresta seguinte, pelo que qualquer circuito tem comprimento par. Suponhamos queG não tem circuitos de comprimento ímpar. Uma vez que um grafo é bipartido ssecada uma das suas componentes constitui um subgrafo bipartido, podemos supor, semperda de generalidade, que G é conexo. Considere-se um vértice arbitrário z ∈ V (G)e seja V ′ = {w ∈ V (G) : dG(z, w) é ímpar}. Nestas condições não existem arestasque liguem vértices de V ′ (caso contrário existiriam circuitos de comprimento ímpar).Por outro lado, como todos os vértices de V (G) \ V ′ estão a uma distância par de z(em particular z está a uma distância 0 dele próprio), não existem vértices adjacentesem V (G) \ V ′ (uma vez que, por razões idênticas às anteriores, em tais condições,existiriam circuitos de comprimento ímpar). Logo, fazendo V ” = V (G) \ V ′ obtém-seuma bipartição para G, dada por G = (V ′, V ”, E(G)).

Os grafos conexos acíclicos (i.e, sem ciclos) designam-se por árvores e cons-tituem uma classe especial de grafos bipartidos. Por sua vez, designa-se porfloresta todo o grafo acíclico, pelo que uma floresta é um grafo cujas componentessão árvores.

Theorem 1.3.2. Sendo G um grafo, são equivalentes as seguintes afirmações:

1. G é uma árvore.

2. G é conexo e tem |V (G)| − 1 arestas.

3. G não tem circuitos, mas acrescentando-se uma aresta a G resulta umúnico circuito.

Demonstração. Para provar a implicação 1 ⇒ 2, dado que uma árvore é um grafoconexo, basta provar que se G = (V (G), E(G)) é uma árvore, então tem |V (G)| − 1arestas, para o que vamos utilizar indução sobre o número de arestas de grafos quedefinem árvores. Seja Gk = (V (Gk), E(Gk) uma árvore comk arestas. Para k = 1vem |V (G1)| = 2, pelo que o resultado se verifica. Suponha-se que o resultado éverdadeiro para k tal que 1 ≤ k ≤ n− 1 e considere-se a árvore Gn. Dado que Gn nãotem circuitos, existe pelo menos um vértice, v, com grau 1. Considerando o subgrafoobtido de Gn, retirando-se o vértice v (e consequentemente a aresta que lhe é incidente),determina-se Gn−1 que continua a ser uma árvore (uma vez que permanece conexo esem circuitos), logo, por hipótese de indução, E(Gn−1) = |V (Gn)− 1| − 1. Dado que|V (Gn)| = |V (Gn−1)|+ 1 concluí-se que Gn tem |V (Gn)| − 1 arestas, completando-seassim a prova da implicação 1 ⇒ 2. A prova das implicações 2 ⇒ 3 e 3 ⇒ 1, fica comoexercício.

Theorem 1.3.3. Um grafo G é uma floresta se e só se

|E(G)| − |V (G)|+ c(G) = 0,

onde c(G) denota o número de componentes de G.

Demonstração.

1.4. EXERCÍCIOS 13

⇒ A prova da condição necessária vai ser feita por indução sobre o número de ares-tas de G, tendo em conta que o resultado se verifica trivialmente para |E(G)| = 0.Suponha-se |E(G)| > 0 e que o resultado se verifica para todas as florestas commenos do que |E(G)| arestas. Seja G′ um subgrafo de G obtido por eliminaçãode uma aresta arbitrária. Logo G′ é uma floresta com |E(G)| − 1 arestas, V (G)|vértices e c(G) + 1 componentes. Por hipótese de indução, aplicada a G′,

0 = |E(G′)|−|V (G′)|+c(G′) = |E(G)|−1−|V (G)|+c(G)+1 = |E(G)|−|V (G)|+c(G).

⇐ Suponha-se que G tem p componentes, G1, . . . , Gp, pelo que |E(G)| − |V (G)|+p =

∑pj=1 (|E(Gj)| − |V (Gj)|+ 1). Então

|E(G)| − |V (G)|+ p = 0 ⇔p∑

j=1

(|E(Gj)| − |V (Gj)|+ 1) = 0

e, uma vez que ∀j ∈ {1, . . . , p} |E(Gj)| − |V (Gj)|+ 1 ≥ 0, conclui-se que

∀j ∈ {1, . . . , p} |E(Gj)| − |V (Gj)|+ 1 = 0.

Consequentemente, de acordo com o Teorema 1.3.2, todos os grafos Gj , comj ∈ {1, . . . , p}, são árvores.

Deste teorema decorre que todo o grafo G tal que |E(G)| ≥ |V (G)| contémpelo menos um circuito.

Dado um grafo conexo G, designa-se por árvore abrangente ou de suporte deG todo o subgrafo de G que é uma árvore e contém todos os vértices de G.

Theorem 1.3.4. Todo o grafo conexo admite uma árvore abrangente.

Demonstração. Seja G um grafo conexo. Se G não tem circuitos então, por definição,é uma árvore e o resultado verifica-se. Suponha-se que G tem um circuito. Entãoretirando uma aresta a esse circuito o grafo mantém-se conexo (porquê?). Repetindoeste processo, ao fim de um número finito de arestas eliminadas, obtém-se uma árvoreabrangente (uma vez que o conjunto de vértices não foi alterado).

1.4 Exercícios1.4.1. Sendo G um grafo de ordem n, com n ≥ 2, prove as seguintes afirmações:

(a) O número de vértices de grau ímpar é par.

(b) Existem dois vértices com o mesmo grau.

1.4.2. Dado um grafo H de ordem n ≥ 3, prove as seguintes afirmações:

(a) Se |E(H)| < n(n−2)4 , então g(Hc) = 3.

(b) Se n ≥ 6, então H ou o seu complementar Hc tem um triângulo.

14 Conceitos e Resultados Básicos

1.4.3. Seja G um grafo que não é uma árvore tal que diam(G) = 2.

(a) Supondo que G é bipartido e não é regular, determine g(G).

(b) Prove que se a ordem de G é 8 então g(G) 6= 5.

1.4.4. Considere o grafo H representado na Figura 1.4.

(a) Determine uma bipartição dos vértices de H em dois subconjuntosV1 e V2, de tal forma que (V1, V2, E(H)) defina um grafo bipartido.

(b) Determine uma árvore abrangente de H.

Capítulo 2

Grafos de Euler e Grafos deHamilton

2.1 Circuitos e trajectos de EulerUm trajecto designa-se por trajecto de Euler se contém todos as arestas (logotambém todos os vértices) do grafo ou multigrafo a que se refere. Por sua vez,designaŋse por circuito de Euler, todo o circuito que contenha todas as arestasdo grafo. O teorema a seguir estabelece uma condição necessária e suficientepara a existência de um circuito de Euler.

Theorem 2.1.1. Um grafo (ou multigrafo) conexo G admite um circuito deEuler se e somente se todos os seus vértices têm grau par.Demonstração. Uma vez que é imediato verificar que a condição é necessárias,vamos apenas provar que é suficientes, utilizando indução sobre o número de arestasdo grafo (ou multigrafo) G. Para um grafo (ou multigrafo) com uma única aresta oresultado é trivial (se a aresta é um lacete, ou seja, existe um único vértice com graudois, então o grafo admite um circuito de Euler). Assumaŋse que todos os vértices deG têm grau par e que todos os grafos (ou multigrafos) em tais condições com menosarestas do que as de G admitem circuitos de Euler. Escolhaŋse um vértice v ∈ V (G)e inicieŋse um trajecto segundo as arestas de G, sem se passar pela mesma arestaduas vezes, até se encontrar v novamente (noteŋse que dada a paridade dos graus estetrajecto fechado existe). Posteriormente, retirandoŋse as arestas relativas ao trajectopercorrido obtémŋse um certo número de subgrafos (ou submultigrafos) conexos quecujos vértices continuam a ter grau par. Consequentemente, (por hipótese de indução)admitem circuitos de Euler. Nestas condições, podemos criar um circuito de Euler paraG, acrescentando ao circuito inicial os circuitos de Euler de cada um dos subgrafos (ousubmultigrafos) obtidos.

Os únicos grafos não conexos, cujos vértices têm grau par, que admitemcircuitos de Euler são os que têm uma única componente com um número dearestas superior a zero (i. e, as demais componentes são constituídas por vérticesisolados). Com base neste teorema fica claro que a pretenção dos habitantes deKönigsberg era impossível de satisfazer.

15

16 Grafos de Euler e Grafos de Hamilton

A prova construtiva do Teorema 2.1.1 sugere um algoritmo recursivo paraa determinação de circuitos de Euler em grafos ou multigrafos conexos, ondetodos os vértices têm grau par. Assim, denotando por Euler(G, v1) o algoritmorecursivo para a determinação de um circuito de Euler num grafo ou multigrafo,G, a partir de um vértice v1 ∈ V (G), est tem a seguinte formalização:

• Algoritmo Euler(G, v1);Se dG(v1) = 0

– então Euler(G, v1) := v1;

– senão faz

1. construir um circuito, C = (v1, v2, . . . , vk, v1), em G;2. fazer G := (V (G), E(G) \ E(C));3. devolver (Euler(G, v1), Euler(G, v2), . . . , Euler(G, vk));

fim faz.

Fim do algoritmo.

O corolário que se segue estabelece as condições necessárias e suficientes paraa existência de um trajecto de Euler nos grafos que não admitem circuitos deEuler (uma vez que um circuito de Euler é também um trajecto de Euler).

Corolário 2.1.2. Um grafo (ou multigrafo) conexo G admite um trajecto deEuler, mas não um circuito de Euler, se e somente se tem exactamente doisvértices de grau ímpar.

Demonstração. Se G admite um trajecto de Euler que não é um circuito, então,uma vez que os vértices de partida e chegada são distintos, apenas estes têm grauímpar. Relativamente aos demais, em cada visita, foi utilizado uma aresta para atingiro vértice e outra para o abandonar, pelo que têm grau par. Suponhaŋse que em G todosos vértices têm grau par à excepção de dois. Então, pelo Teorema 2.1.1, é claro quenão existe um circuito de Euler, pelo que resta provar a existência de um trajecto deEuler. Suponhaŋse que u e v são os vértices de grau ímpar em G e considereŋse o grafo(ou multigrafo) G′, E(G′) = E(G) ∪ {uv} (note-se que no caso da aresta uv já existirem E(G), obtém-se um multigrafo, pelo que, nesse caso, E(G′) é um multiconjuntocom arestas repetidas). É claro que G′ satisfaz as hipóteses do Teorema 2.1.1, pelo queadmite um circuito de Euler. Se a este circuito retirarmos a aresta uv obtémŋse umtrajecto de Euler em G.

Os grafos (ou multigrafos) que admitem circuitos de Euler designam-se porgrafos de Euler ou eulerianos. Existem várias caracterizações de grafos (ou multi-grafos) eulerianos, alternativas ao Teorema 2.1.1, das quais apenas vamos referira que se relaciona com a partição do conjunto de arestas em ciclos.

Theorem 2.1.3 (Veblen, 1912 *). Um grafo ou multigrafo conexo G nãonulo (ou seja, com pelo menos uma aresta) é euleriano sse E(G) admite umapartição em arestas.

2.2. CICLOS DE HAMILTON 17

Demonstração. Supondo que G é euleriano, vamos provar, por indução sobre onúmero de arestas, que então G admite uma partição em ciclos, tendo em conta queo resultado é trivialmente verdadeiro para |E(G)|=1 (lacete). Com efeito, suponhaŋseque o resultado é verdadeiro para grafos ou multigrafos conexos com um número dearestas, m, tal que 1 ≤ m < |E(G)|. Uma vez para todo o vértice v ∈ V (G) dG(v) ≥ 2,é claro que G contém um ciclo C. Logo, G−E(C) = (V (G), E(G)\E(C)), é um grafo(ou multigrafo), possivelmente desconexo, cujas vértices das componentes G1, . . . , Gq

têm todos grau par. Consequentemente, cada componente é euleriana e, por hipótesede indução, cada uma delas é a união disjunta de um conjunto, possivelmente vazio (nocaso da componente ser constituída por um vértice isolado) de ciclos. Se à união destesconjuntos de ciclos (que constituem uma partição para cada uma das componentes)adicionarmos o ciclo C, obtémŋse a partição desejada para G.Reciprocamente, suponha-se que E(G) é a união disjunta dos ciclos C1, . . . , Cp. Logo,para todo o vértice v ∈ V (G), v pertence à intersecção de kv (kv ∈ N) ciclos doconjunto {C1, . . . , Cp}, donde vem que dG(v) = 2kv e, consequentemente, todos osvértices têm grau par.

Um exemplo de aplicação (lúdico) deste corolário, está relacionado com pas-satempos em jornais e revistas onde se convida o leitor a testar se uma dadafigura pode ser decalcada sem se levantar a caneta e sem se repetir qualquer dossegmentos e/ou curvas que o constituem.

2.2 Ciclos de Hamilton

Um ciclo que contém todos os vértices de um grafo, designa-se ciclo de Hamilton(ou hamiltoniano). Por sua vez, um caminho que contém todos os vértices dografo diz-se um caminho de Hamilton (ou hamiltoniano). Um grafo que admiteum ciclo de Hamilton diz-se um grafo hamiltoniano. Conforme já se referiu naintrodução, a associação do nome do matemático irlandês Hamilton 1 a estesgrafos, deve-se ao facto de ter sido ele a propor e a resolver (em 1857) umproblema que designou por viagem à volta do mundo que consiste em percorrertodos os vértices de um dodecaedro (ver Figura 2) passando uma única vez emcada um, com partida e chegada no mesmo vértice. De acordo com (Berge, 1991)Hamilton resolveu este problema observando que quando o viajante chega a umdado vértice, percorrendo uma certa aresta, tem três opções: ou (L) continuapela aresta da esquerda, ou (R) continua pela aresta da direita, (ou) (1) fica novértice (o que acontece quando percorre um ciclo). A partir desta observaçãodefiniu estes procedimentos à custa de operações com L e R, representando,por exemplo, por L2R procedimento de voltar duas vezes seguidas à esquerdae posteriormente à direita. Adicionalmente, considerou que duas sequências deoperações têm o mesmo resultado se, a partir de um mesmo vértice, ambasconduzem a esse vértice. Este produto, embora não seja comutativo (uma vez queLR 6= RL) é um produto associativo (por exemplo, (LL)R = L(LR)). Devidoao facto das faces serem pentagonais é claro que R5 = L5 = 1 e, por outro lado,

1Sir William Rowan Hamilton nasceu em Dublin na Irlanda em 1805 e faleceu em 1865.

18 Grafos de Euler e Grafos de Hamilton

com facilidade se verifica que LR3L = R2. Com base nestas conclusões vem que

1 = R5 = R2R3 = (LR3L)R3 = (LR3)2 = (L(LR3L)R)2 = (L2R3LR)2

= (L2(LR3L)RLR)3 = (L3R3LRLR)3 = LLLRRRLRLRLLLRRRLRLR.

A sequência obtida contém 20 operações e nenhuma subsequência dá resul-tado 1 (pelo que não determina subciclos), logo representa um ciclo de Hamilton.Noteŋse ainda que este ciclo se pode iniciar em qualquer dos 20 vértices do do-decaedro.

Com facilidade se conclui que também os restantes 4 poliedros convexos re-gulares, ou seja, o tetraedro, hexaedro, octaedro e icosaedro (que, conjuntamentecom o dodecaedro constituem os designados sólidos platónicos) admitem ciclosde Hamilton. Outro exemplo de grafo hamiltoniano é o que se obtém, a partirde um tabuleiro de xadrez, associando a cada um dos seus 64 quadrados umvértice de um grafo G cujas arestas ligam os vértices associados a quadradosentre as quais é possível efectuar um movimento de cavalo. Neste grafo, os ci-clos de Hamilton correspondem a movimentos sucessivos de um cavalo de formaa que todos os quadrados (brancos e pretos) são visitados uma única vez. NaFigura 2.1 representa-se um dos ciclos de Hamilton possíveis para o referidografo.

Figura 2.1: Circuito de Hamilton.

Encontrar um ciclo de Hamilton num grafo de pequena dimensão que oadmita é relativamente fácil. Porém, quando a dimensão cresce, provar que não

Ciclos de Hamilton 19

existe qualquer ciclo de Hamilton pode tornar-se muito difícil. Na tentativa deobtenção de ciclos de Hamilton deve ter-se em conta as seguintes três regrasbásicas:

1. Se um vértice tem grau 2, então ambas as arestas incidentes no vérticedevem fazer parte do ciclo.

2. Não se deve obter qualquer subciclo (ou seja, não se deve percorrer umciclo que não contém todos os vértices).

3. Uma vez que se visite um dado vértice, todas as arestas incidentes nessevértice que não foram utilizadas podem ser eliminadas.

É claro que os grafos completos são hamiltonianos, pelo que, dado um grafo Gnão hamiltoniano, adicionando arestas a G, necessariamente se obtém um grafohamiltoniano. O teorema a seguir, dá-nos uma condição suficiente para que umgrafo admita um ciclo de Hamilton.

Theorem 2.2.1 (Ore, 1960). Seja G um grafo de ordem n. Se para quaisquerdois vértices não adjacentes a soma dos respectivos graus é não inferior a n,então G é hamiltoniano.

Demonstração. Suponha-se que G é um grafo que satisfaz as hipóteses mas não éhamiltoniano. Suponha-se ainda que G é um grafo maximal (relativamente ao númerode arestas) com esta propriedade, ou seja, é tal que acrescentando uma aresta se obtémum ciclo de Hamilton2. Uma vez que G não é completo (caso contrário admitiriaum ciclo de Hamilton), existem dois vértices não adjacentes, x, y ∈ V (G), e dadoque G é maximal (não hamiltoniano), por adição da aresta xy obtém-se um ciclode Hamilton que contém xy. Logo, G contém um caminho, entre x e y, que percorretodos os restantes vértices de G, i.e., (após, eventual, reordenação dos vértices) contémo caminho (x = v1, v2, . . . , vn−1, vn = y). Seja Q(y) = {vi : vi−1 ∈ NG(y)} (uma vezque o vértice y não é adjacente a ele próprio, i.e., y /∈ NG(y), o conjunto Q(y) estábem definido e |Q(y)| = |NG(y)|).Por hipótese, |NG(x)| + |Q(y)| ≥ n e, dado que v1 = x /∈ NG(x) e v1 6∈ Q(y), então|NG(x)∪Q(y)| ≤ n−1 e, consequentemente, |NG(x)∩Q(y)| ≥ 1. Seja vi ∈ NG(x)∩Q(y)e, a partir de x = v1 , considere-se o caminho (v1, . . . , vi−1), o qual (uma vez quevi−1 ∈ NG(y)) se pode estender ao caminho P1 = (v1, . . . , vi−1, vn). A partir de y = vn,pode obter-se o caminho (vn, vn−1, . . . , vi) que, por sua vez (dado que vi ∈ NG(x)) sepode estender ao caminho P2 = (vn, vn−1, . . . , vi, v1). A partir dos caminhos P1 e P2

podemos construir um ciclo de Hamilton, o que contraria a hipótese.Note-se que qualquer grafo que satisfaça as hipóteses do Teorema 2.2.1 é um

grafo conexo. Com efeito, supondo que G é um grafo de ordem n com k compo-nentes, Gj , para j = 1, . . . , k, dados dois vértices pertencentes a componentesdistintas, x ∈ V (Gp) e y ∈ V (Gq) (com p, q ∈ {1, . . . , k}), vem que x e y nãosão adjacentes e, adicionalmente, dG(x) ≤ |V (Gp)| e dG(y) ≤ |V (Gq)|. Logo,dG(x) + dG(y) ≤ |V (Gp)|+ |V (Gq)| − 2 < |V (G)|, o que contraria a hipótese do

2Note-se que uma tal situação pode sempre ser atingida sem se alterarem as hipóteses (comefeito, ao acrescentarem-se arestas, unindo vértices previamente não adjacentes, não só nãose faz decrescer o grau de nenhum vértice, como não se criam novos pares de vértices nãoadjacentes).

20 Grafos de Euler e Grafos de Hamilton

Teorema 2.2.1.Como corolário do Teorema 2.2.1, pode concluir-se o resultado obtido por Dirac,oito anos antes do teorema de Ore ter sido provado.

Theorem 2.2.2 (Dirac, 1952). Seja G um grafo tal que |V (G)| ≥ 3. Seδ(G) ≥ |V (G)|

2 , então G é hamiltoniano.

Deve observar-se, porém, que a hipótese do teorema de Dirac não pode serrelaxada para δ(G) ≥ b |V (G)|

2 c. Com efeito, o grafo da figura a seguir satisfazesta última condição e, no entanto, não é hamiltoniano.

1

2

3

6

4

7 5

Figura 2.2: Grafo G não hamiltoniano tal que δ(G) ≥ b |V (G)|2 c.

É claro que a um circuito de Euler num grafo G corresponde um ciclo deHamilton em L(G). Consequentemente, se G é euleriano, então L(G) é hamilto-niano. Considerando como subgrafo dominante de G todo o subgrafo G′ relati-vamente ao qual não existem vértices adjacentes em V (G) \ V (G′), em (Hararyand Nash-Williams, 1965) relacionam-se os ciclos de Hamilton de L(G) com oscircuitos de Euler de G da seguinte forma:

Sendo G um grafo conexo tal que |E(G)| ≥ 3, L(G) é hamiltonianose e só se G tem um subgrafo euleriano dominante.

2.3 Código de Gray *Segue-se uma aplicação directa, muito simples, dos ciclos de Hamilton. Certosinstrumentos contadores representam números reais por sequências de dígitos decomprimento fixo (como, por exemplo, os conta-quilómetros dos automóveis).Com estes dispositivos, na maioria dos casos, os números vão variando com amodificação de um único dígito. Porém, em certas situações, a mudança do nú-mero obriga à troca de vários dígitos, como no caso da passagem de 189.999 para190.000, operação que provoca alguns problemas mecânicos de difícil resolução.Nestas passagens, qualquer avaria (mesmo que pontual) no dispositivo mecânicopode provocar erros consideráveis. Para evitar estes erros, podemos definir umasequência de números de tal forma que de um número para outro apenas setroca um dígito. Com estas sequências, uma avaria pontual (ausência atempadade resposta do dispositivo mecânico) apenas provoca o erro de uma unidade. Nocaso destas sequências se referirem a representações binárias de números, elas

Código de Gray 21

são conhecidas como códigos de Gray. Um grafo, cujos vértices são os n-uplosxn−1, xn−2, . . . , x1, x0, de zeros e uns, tais que dois vértices são adjacentes sediferem num único dígito designa-se, usualmente, por n-cubo e denota-se porQn (deve observar-se que, neste n-cubo, existem 2n vértices, cada um dos quaisassociado a um número, entre 0 e 2n−1, representado numa base binária). NaFigura 2.3 apresentam-se os k-cubos, com k = 0, 1, 2, 3.

0 1 00 01

10 11

000 001

010011

100 101

110 111

Q0 Q1 Q2 Q3

Figura 2.3: Representação dos k-cubos, com k = 0, . . . , 3.

Um código de Gray corresponde a um ciclo de Hamilton no n-cubo Qn e aexistência de um tal ciclo fica garantida pelo teorema que se segue.

Theorem 2.3.1. Se n ≥ 2, então o grafo Qn é hamiltoniano.

Demonstração. A prova será feita por indução sobre n, tendo em conta que, paran = 2, Q2 é um ciclo com 4 arestas, pelo que o resultado é verdadeiro (uma vez quese pode obter o ciclo de Hamilton (00, 01, 11, 10, 00)).Supondo que existe o ciclo de Hamilton em Qn, (v0, v1, . . . , v2n−2, v2n−1, v0), é claroque (0v0, 0v1, . . . , 0v2n−2, 0v2n−1, 1v2n−1, 1v2n − 2, . . . , 1v1, 1v0, 0v0) é um ciclo de Ha-milton em Qn+1.

Na prática, para a codificação e descodificação dos números, é necessárioconhecer a posição de cada vértice no ciclo de Hamilton que define o código deGray. Um modo fácil de o conseguir, consiste em construir o código de Gray decomprimento 2n+1, a partir do código de Gray de comprimento 2n, tal como seprocedeu na demonstração do Teorema 2.3.1, primeiro percorrendo a sequênciade vértices do caminho de Hamilton de Qn, entre 0 e 2n−1, colocando um 0 naposição mais à esquerda e, posteriormente, percorrendo o mesmo caminho pelaordem inversa, colocando 1 nessa mesma posição. O teorema a seguir indica ummodo sistemática para a obtenção das diferentes representações do código deGray com cadeias binárias de n de dígitos.

Theorem 2.3.2. Considerem-se os vértices do ciclo de Hamilton de Qn (cons-truído tal como anteriormente se indicou), etiquetados com 0, 1, 2, . . . , 2n −2, 2n − 1, segundo a ordem pela qual são visitados. Se 2k (com 0 ≤ k ≤ n − 1)é a maior potência de 2 que divide p ∈ {1, 2, . . . , 2n−1}, então no p-ésimo nú-mero binário representado, αp, o dígito que se modifica (em relação ao vérticeanterior, i.e., em relação ao vértice de ordem p − 1) é o k-ésimo a partir dadireita.

Demonstração. Esta prova vai ser feita por indução sobre n, tendo em conta quepara n = 2 se obtém a sequência representada na tabela a seguir.

22 Grafos de Euler e Grafos de Hamilton

p αp k 2k

0 001 01 0 12 11 1 23 10 0 1

Supondo que a afirmação anterior é verdadeira para 2 ≤ n ≤ N , vamos analisar ocomportamento da sequência de números binários para n = N + 1.Para os primeiros p números representados, com 0 ≤ p ≤ 2N − 1, vem que

αp = 0aN−1aN−2 . . . a1a0,

logo, por hipótese de indução, se 2k é a maior potência de 2 que divide p, então, napassagem de αp−1 para αp é o k-ésimo dígito binário (a contar da direita) que semodifica. Para p = 2N , o dígito que se modifica é o N -ésimo, pelo que a afirmaçãocontinua válida. Por sua vez, para p = 2N + τ , com 0 ≤ τ ≤ 2N − 1, verifica-se queαp coincide com αp−2τ−1 em todos os dígitos à excepção do dígito mais à esquerda(que para αp tem o valor 1 e para αp−2τ−1 tem o valor 0). Se 2k a maior potênciade 2 que divide p = 2N + τ , então p = 2k(2N−k + q), com τ = 2kq e p − 2τ − 1 =2N − τ − 1 = 2k(2N−k − q)− 1, donde se pode concluir que 2k é a maior potência de 2que divide (p − 2τ − 1) + 1 = p − 2τ . Como consequência, o k-ésimo dígito (a contarda direita) do número αp−2τ alterou-se em relação a αp−2τ−1, logo o k-ésimo dígito (acontar da direita) de αp alterou-se em relação a αp−1 (uma vez que, com excepção dodígito mais à esquerda, os dígitos de αp coincidem com os de αp−2τ−1, e os de αp−1

coincidem com os de α(p−1)−2(τ−1)−1 = αp−2τ ).A tabela a seguir dá-nos a sequência de representações binárias produzidas

pelo código de Gray, para n = 4 (com indicação, na primeira coluna, da or-dem segundo a qual o código produz cada uma das cadeias de dígitos bináriosobtidas).

p αp

0 00001 00012 00113 00104 01105 01116 01017 01008 11009 1101

10 111111 111012 101013 101114 100115 1000

Com o processo de construção anteriormente referido, podemos obter asregras de codificação e descodificação que o teorema a seguir indica.

Código de Gray 23

Theorem 2.3.3. O código de Gray obtido pelo ciclo de Hamilton que percorreo n-cubo, conforme anteriormente se referiu, admite as seguintes regras de co-dificação e descodificação:

1. Se p = bn−1 . . . b0, onde b0, . . . , bn−1 são dígitos binários, então

αp = an−1 . . . a0,

com aj = bj + bj+1 (mod 2), convencionando-se que bn = 0, para j =0, . . . , n− 1, ocupa a p-ésima posição.

2. Se αp = an−1 . . . a0, onde a0, . . . , an−1 são dígitos binários, então p =bn−1 . . . b0, com

bi =n−1∑

j=i

aj (mod 2), para i = 0, . . . , n− 1.

Demonstração. Vamos fazer a prova de 1 por indução sobre n (número de dígitosbinários das cadeias produzidas pelo código), tendo em conta que para n = 1 a regra1 é trivialmente válida.Suponha-se que a regra 1 é válida para 1 ≤ n ≤ N e que dispomos de um códigocom cadeias binárias de comprimento N + 1. Sendo αp uma dessas cadeias, se p ≤2N − 1, então (a menos do zero mais à esquerda) a representação de αp coincidecom a representação produzida pelo código de comprimento N . Logo, por hipótese deindução, a regra é válida.Suponha-se que p ≥ 2N e seja p′ = 2N+1 − 1 − p (i.e., p = 2N+1 − 1 − p′). Então,podemos concluir que a regra 1 se verifica para p′, uma vez que p′ = 2N+1 − 1− p ≤2N+1 − 1− 2N = 2N (2− 1)− 1 = 2N − 1. Porém, os dígitos binários das cadeias querepresentam αp = aN . . . a0 e α′p = a′N . . . a′0, estão relacionados da seguinte forma:

aj = a′j , para j = 0, . . . , N − 1,

aN = 1,

a′N = 0,

pelo que aN = a′N + 1. Por outro lado, tendo em conta que p + p′ = 2N+1 − 1 =11 . . . 111, sendo p = bN . . . b0 e p′ = b′N . . . b′0, vem que bi = b′i + 1 (mod 2) (ouseja, se b′i = 0, então bi = 1 e se b′i = 1, então bi = 0). Como consequência, vem queai = a′i = b′i +b′i+1 (mod 2) = bi +bi+1(mod 2), para i = 0, . . . , N−1. Adicionalmente,aN = a′N+1(mod 2) = b′N+b′N+1+1(mod 2) = bN+bN+1 (mod 2) (uma vez que b′N = 0,b′N+1 = 0, bN = 1 e bN+1 = 0). Deste modo fica completa a prova de 1.A prova de 2 obtém-se invertendo 1. Com efeito, tendo em conta a sequência de somas

24 Grafos de Euler e Grafos de Hamilton

0 = b0 + b1 (mod 2), a1 = b1 + b2 (mod 2), . . . , aN = bn + bN+1 (mod 2), vem que

ai (mod 2) = bi + bi+1 (mod 2)

⇓ai + ai+1 (mod 2) = bi + bi+1 + bi+1 + bi+2 (mod 2) = bi + bi+2 (mod 2)

⇓ai + ai+1 + ai+2 (mod 2) = bi + bi+2 + bi+2 + bi+3 (mod 2) = bi + bi+3 (mod 2)

⇓...⇓

ai + ai+1 + . . . + aN (mod 2) = bi + bN+1 (mod 2) = bi (uma vez que bN+1 = 0).

Logo vem que bi =∑N

j=1 aj (mod 2), para i = 0, . . . , N , conforme se pretendiademonstrar.

2.4 Exercícios2.4.1. Prove que se G é euleriano, então L(G) é hamiltoniano.

2.4.2. Dado um grafo G, sabendo que um conjunto S ⊆ V (G) é (k, τ)-regular seinduz um subgrafo k-regular tal que

∀v ∈ V (G) \ S |NG(v) ∩ S| = τ,

prove que G é hamiltoniano se e só se o seu grafo linha tem um conjuntode vértices (2, 4)-regular que induz um subgrafo conexo.

2.4.3. Indique os valores de p ∈ N para os quais Kp,p é hamiltoniano.

2.4.4. Um grafo sequencial é um grafo com m arestas (m ≥ 3) e1, e2, . . . , em, taisque ei e ei+1 são adjacentes, para i = 1, . . . ,m− 1 e em e e1 são tambémadjacentes. Prove que todo o grafo hamiltoniano é sequencial.

Capítulo 3

Grafos Planares eGeneralizações

Os exemplos mais naturais de grafos são os que se referem à representação demapas de estradas. Em muitos casos, na ausência de viadutos, trata-se de gra-fos que apresentam a particularidade de se poderem representar numa folha depapel sem que as arestas se cruzem, uma vez que aos cruzamentos e entronca-mentos correspondem vértices. Quando um grafo, G, admite uma representaçãonuma superfície, S, sem que existam arestas que se intersectem, diz-se que Gé realizável em S. Um grafo diz-se planar se é realizável no plano. Note-se que,apesar de um dado grafo admitir uma representação com arestas cruzadas, issonão significa que esse grafo não seja planar. Com efeito, pode existir outro modode o representar onde não ocorram arestas cruzadas.

3.1 Duais de grafos e digrafos planaresDado um grafo planar, G, designa-se por grafo dual1 de G e denota-se por G∗

o grafo (multigrafo) obtido de G por aplicação do seguinte procedimento:

1. A cada face de G faz-se corresponder um vértice de G∗.

2. A cada aresta e ∈ E(G) faz-se corresponder uma aresta e∗ ∈ E(G∗) queliga duas faces (vértices de V (G∗)) vizinhas, cruzando a aresta e.

No caso de grafos orientados,−→G , com excepção dos lacetes, cujo sentido é arbi-

trário, o sentido de cada um dos arcos, a∗ ∈ A(−→G∗), é determinado dividindo o

ciclo orientado C que limita a face correspondente ao vértice incidente v∗ em C+

e C− (consoante os arcos estejam no sentido positivo ou negativo). Se a ∈ C+,1Alguns autores designam este dual por dual geométrico para o distinguir do dual abs-

tracto, do dual algébrico e do dual combinatório, tendo sido o primeiro proposto por Whitney(Whitney, 1932) e por Lovasz (Lovasz, 1979), o segundo por Wilson (Wilson, 1972) e o terceiropor Harary (Harary, 1969).

25

26 Grafos Planares e Generalizações

então o arco de A(−→G∗) que o intersecta tem cauda em v∗, caso contrário esse

arco tem cabeça em v∗.

Theorem 3.1.1 (*). Sendo G um grafo planar e G∗ o correspondente dual,podemos concluir o seguinte:

1. G∗ é conexo;

2. se G é conexo, então (G∗)∗ = G.

Demonstração.1. Uma vez que podemos passar de uma face fi para qualquer outra face fj de G

ao longo das arestas de G∗, conclui-se que existe um caminho entre quaisquerdois vértices, v∗i e v∗j , de V (G∗).

2. Por construção de G∗, sabe-se que |V (G∗)| = |F0(G)| e |E(G∗)| = |E(G)|. Umavez que cada aresta da fronteira de cada elemento de F0(G

∗) é atravessada poruma aresta de G, é claro que cada face de G∗ contém, pelo menos, um vértice deG. Adicionalmente, tendo em conta que G é conexo, por aplicação da fórmulade Euler, pode concluir-se que |F0(G

∗)| = |V (G)|, pelo que cada elemento deF0(G

∗) contém, exactamente, um vértice de G. Consequentemente, partindo-sede G∗ e aplicando o procedimento de construção do dual de G∗, obtém-se aconstrução inicial, i.e., (G∗)∗ = G.

3.2 Fórmula de Euler e aplicaçõesDada uma representação plana de um grafo planar, a qual pode ser obtida pelaprojecção estereográfica de uma realização do grafo na esfera, para além dasregiões ou faces limitadas, existe uma região ou face exterior ao grafo (i. e, aporção de espaço que o envolve) que se designa por região ou face ilimitada.Neste texto, F0(G) denota o conjunto de faces de uma realização plana de umgrafo G.

O teorema que se segue consta (sem prova) numa carta enviada por Euler, em1750, a Goldbach. De acordo com (Beineke, 1997), as primeiras demonstraçõesda fórmula de Euler para grafos planares, foram obtidas por Legendre (em 1794),l’Huilier em (1811 e 1812) e Cauchy em (1813).

Theorem 3.2.1 (da Fórmula de Euler, 1750). Se G é um grafo conexo eplanar então, para uma sua realização plana, verifica-se a igualdade

|F0(G)| = |E(G)| − |V (G)|+ 2.

Demonstração. Vamos fazer a prova por indução sobre o número de arestas, tendoem conta que o resultado é verdadeiro para grafos conexos planares não nulos comzero (0− 1 + 2 = 1) ou uma aresta. No segundo caso se |E(G)| = 1 então |V (G)| = 2e |F0(G)| = 1 e obtém-se a igualdade 1− 2 + 2 = 1.Seja Gn um grafo obtido após a representação de n arestas. Em geral, para n > 1,o grafo Gn obtém-se a partir de Gn−1 acrescentando a E(Gn−1) uma aresta, de umadas seguintes formas:

Fórmula de Euler e aplicações 27

1. A nova aresta incide em vértices de Gn−1 (ou seja, liga dois vértices x, y ∈V (Gn−1) = V (Gn)).

2. A nova aresta liga um vértice de Gn−1 a um novo vértice (pelo que x ∈ V (Gn−1) =V (Gn) \ {y}).

Seja n > 1 e, por hipótese de indução, vamos supor que a fórmula de Euler é verdadeirapara grafos conexos planares com menos do que n arestas.Em 1, a nova arestas vai provocar o aparecimento de um novo ciclo, consequentemente,uma nova face, pelo que |F0(Gn)| = |F0(Gn−1)| + 1. Assim, dado que |E(Gn)| =|E(Gn−1)|+1 e V (Gn) = V (Gn−1), conclui-se que a fórmula de Euler continua válidapara Gn.Em 2, a nova aresta não provoca o aparecimento de nenhuma face, pelo que |F0(Gn)| =|F0(Gn−1)|. Uma vez que |E(Gn)| = |E(Gn−1)|+1 e |V (Gn)| = |V (Gn−1)|+1, conclui--se que a fórmula de Euler também se verifica para Gn.

3.2.1 Condições necessárias para grafos planaresEmbora o Teorema 3.2.1 seja válido para multigrafos, tal não acontece para ocorolário que se segue.

Corolário 3.2.2 (do teorema que estabelece a fórmula de Euler). Se Gé um grafo conexo e planar, com |E(G)| > 1, então |E(G)| ≤ 3|V (G)| − 6.

Demonstração. Defina-se o grau de uma região como sendo o número de arestas dasua fronteira considerando-se que se uma aresta ocorre duas vezes ao longo da fronteirade uma dada região (como acontece, por exemplo, com as arestas incidentes em vérticesde grau 1), então conta também duas vezes para a determinação do respectivo grau.Uma vez que cada região de um grafo planar G (com |E(G)| > 1) tem grau não inferiora 3, podemos concluir que a soma dos graus de todas as regiões r é não inferior a 3r. Poroutro lado, esta soma dos graus de todas as regiões é igual a 2|E(G)| (dado que cadaaresta conta duas vezes para esta soma). Como consequência, obtém-se a desigualdade3r ≤ 2|E(G)|. Combinando esta desigualdade com a fórmula de Euler vem que

3(|E(G)| − |V (G)|+ 2) ≤ 2|E(G)| ⇔ |E(G)| ≤ 3|V (G)| − 6.

Como consequência imediata deste corolário, podemos concluir que o grafocompleto de ordem 5 (que usualmente se denota por K5) não é um grafo planar.Com efeito, |E(K5)| = 10 > 9 = 3|V (K5)| − 6.Note-se, porém, que existem grafos não planares, G, que satisfazem a desigual-dade |E(G)| ≤ 3|V (G)| − 6, conforme a figura a seguir ilustra.

Um outro modo de utilizar o Corolário 3.2.2 para se concluir se um grafoé ou não planar, consiste em produzir alterações no grafo (as quais não devemdestruir a eventual propriedade de ser planar) e mostrar que o grafo obtido nãosatisfaz o corolário. Uma das alterações mais usuais, utiliza a contracção de umadas arestas do grafo G em estudo, a qual faz decrescer o número de aresta deuma unidade e o número 3|V (G)| − 6 de 3 unidades, pelo que a desigualdadedo Corolário 3.2.2 poderá passar a ser não satisfeita. Com o recurso a estascontracções, porém, deve ter-se o cuidado de não se produzirem lacetes nemarestas paralelas, uma vez que o corolário não é válido para multigrafos.

28 Grafos Planares e Generalizações

1

2

6

4

3 5

Figura 3.1: Exemplo de um grafo G não planar que satisfaz a desigualdade|E(G)| ≤ 3|V (G)| − 6.

O corolário a seguir vai permitir a conclusão de que o grafo bipartido com-pleto K3,3 não é planar. Tal como o Corolário 3.2.2, este corolário também só éválido para grafos.

Corolário 3.2.3 (do teorema que estabelece a fórmula de Euler). Se G éum grafo conexo bipartido planar com |E(G)| > 1, então |E(G)| ≤ 2|V (G)| − 4.Demonstração. Esta prova é idêntica à do Corolário 3.2.2, tendo em conta que,desta vez, (de acordo com o Teorema 1.3.1) qualquer circuito de um grafo bipartidotem comprimento par. Logo, cada região (ou face) de um grafo conexo bipartido planartem grau não inferior a 4. Como consequência, sendo r o número de regiões do grafoconexo bipartido planar G, vem que

4r ≤ 2|E(G)| ⇔ 4(|E(G)| − |V (G)|+ 2) ≤ 2|E(G)| ⇔ |E(G)| ≤ 2|V (G)| − 4.

Deste corolário decorre imediatamente que K3,3 é não planar. Com efeito,|E(K3,3)| = 9 > 8 = 2|V (K3,3)| − 4. Como consequência, podemos afirmar quedos Corolários 3.2.2 e 3.2.3 decorre a suficiência das condições de Kuratowskipara que um grafo não seja planar. A prova de que a condição de Kuratowski(ver Teorema 3.2.5) é também necessária para que um grafo seja planar podeser encontrada em (Diestel, 1997).

Theorem 3.2.4. Todo o grafo conexo planar tem, pelo menos, um vértice degrau não superior a 5.Demonstração. Sendo G um grafo conexo planar e ni o número de vértices de graui (com δ(G) ≤ i ≤ ∆(G)), obtêm-se as equações:

2|E(G)| =

∆(G)∑

i=δ(G)

i× n1,

|V (G)| =

∆(G)∑

i=δ(G)

ni.

Fazendo as respectivas substituições na desigualdade obtida no Corolário 3.2.2, vemque

1

2

∆(G)∑

i=δ(G)

i× n1 ≤ 3

∆(G)∑

i=δ(G)

ni − 6 ⇔ 1

2

∆(G)∑

i=δ(G)

ni(6− i) ≥ 6.

Fórmula de Euler e aplicações 29

Logo, existe pelo menos um vértice com grau inferior a 6.Particularizando o resultado anterior para os grafos bipartidos planares, com

facilidade se conclui a existência, nestes grafos, de pelo menos um vértice de graunão superior a 3 (ver Exercício 3.4.2)

3.2.2 Condições necessárias e suficientes para grafos pla-nares *

Theorem 3.2.5 (Kuratowski, 1930). Se G é um grafo, então são equivalentesas seguintes afirmações:

1. G é planar;

2. G não contém K5 nem K3,3 como menores combinatórios;

3. G não contém K5 nem K3,3 como menores topológicos.

Demonstração.(1 ⇒ 2) Se G é um grafo planar, então qualquer dos seus menores, G′, é um grafo planar

e, pelo Corolário 3.2.2, |E(G′)| ≤ 3|V (G′)| − 6. Logo, uma vez que K5 não éplanar (10 = |E(K5)| > 3|V (K5)| − 6 = 9), conclui-se que K5 não é um menorde G. Identicamente, no caso de G admitir como menor um grafo bipartido, G′,do Corolário 3.2.3 decorre a desigualdade |E(G′)| ≤ 2|V (G′)|−4 e, uma vez queK3,3 não a satisfaz (9 = |E(K3,3)| > 2|V (K3,3)| − 4 = 8), conclui-se que não éum menor de G.

(2 ⇒ 3) Dado que qualquer menor topológico de um grafo G é também um menor com-binatório, se G não admite K5 nem K3,3 como menores combinatórios, entãotambém não admite K5 nem K3,3 como menores topológicos, uma vez que estestambém são combinatórios.

(3 ⇒ 1) Esta prova pode ser consultada, por exemplo, em (Distel, 1995) ou (Parthasa-rathy, 1994).

Dado um grafo conexo G, designa-se por corte (ou cocircuito) de G todo oconjunto de arestas que desconexa G. Assim, dada uma partição de V (G) nossubconjuntos não vazios V1 e V2, o subconjunto de aresta com um extremo emV1 e outro em V2 é um corte (ou cocircuito) de G que se denota por E(V1, V2).Neste caso, usualmente, o corte E(V1, V2) também se denota por ∂(V1) ou ∂(V2)que corresponde ao conjunto de arestas de G com um único extrema em V1 oucom um único extremo em V2, consoante o caso.

Tendo em conta que G∗ é um dual algébrico de G se existe uma funçãoφ : E(G) → E(G∗) tal que C é um ciclo de G se e somente se φ(C) é umcorte (cocircuito) de G∗, Whitney introduziu a seguinte condição necessária esuficiente para um grafo ser planar:

Theorem 3.2.6 (Whitney, 1932). Um grafo é planar se e somente se admiteum dual algébrico.

Demonstração. Ver [31] e [32].

30 Grafos Planares e Generalizações

3.2.3 Grafos platónicos

Um grafo diz-se platónico se é constituído por um único vértice, ou se é um grafocom mais do que uma aresta, conexo, planar, regular, no qual todas as facestêm o mesmo grau. São grafos platónicos, o grafo constituído por um vérticeisolado (K1), os grafos cíclicos (que correspondem aos polígonos regulares), e osgrafos formados pelas arestas dos 5 poliedros convexos regulares: o tetraedro, ohexaedro (ou cubo), o octaedro, o dodecaedro e o icosaedro. Um polígono regularé uma figura poligonal fechada limitada por um número finito de segmentos(arestas) com igual comprimento e com os mesmos ângulos. Existe um númeroinfinito de polígonos regulares, aos quais correspondem grafos cíclicos.

O teorema a seguir estabelece a existência de apenas 5 poliedros regularesdistintos com mais do que duas faces (aos quais correspondem cinco grafosplatónicos).

Theorem 3.2.7. Existem somente 5 grafos platónicos distintos de K1 e dosgrafos cíclicos.

Demonstração. Seja G um grafo d-regular (i.e., qualquer que seja v ∈ V (G) dG(v) =d), onde cada face tem grau f . Uma vez que G 6= K1, podemos concluir que d > 0 e,dado que |E(G)| > 1, podemos concluir ainda que d > 1. Adicionalmente, dado que Gnão é um grafo cíclico, conclui-se que d > 2, ou seja, d ≥ 3 e é claro que f ≥ 3,

f |F0(G)| = 2|E(G)| = d|V (G)| ⇒ |E(G)| = d|V (G)|2

,

e |F0(G)| = 2|E(G)|f

. Como consequência, uma vez que G é planar, por aplicação dafórmula de Euler, vem que

2|E(G)|f

=d|V (G)|

2− |V (G)|+ 2 ⇔ d|V (G)|

f=

d|V (G)|2

− |V (G)|+ 2

⇔ |V (G)|( d

f+ 1− d

2) = 2

⇔ |V (G)|(2d + 2f − fd) = 4f (3.1)

Da igualdade (3.1) decorre a inequação

2d + 2f − fd > 0 ⇔ −2d− 2f + fd + 4 < 4 ⇔ (f − 2)(d− 2) < 4,

a qual, para f ≥ 3 e d ≥ 3, apresenta como possíveis soluções apenas os pares devalores (d, f): (3, 3), (3, 4), (3, 5), (4, 3) e (5, 3) que correspondem, respectivamente, aotetraedro, ao hexaedro, ao dodecaedro, ao octaedro e ao icosaedro.

Utilizando a igualdade (3.1), da qual se conclui que |V (G)| = 4f2f+2d−fd ,

podemos obter a tabela a seguir, onde se apresentam os graus dos vértices (d),os graus das faces (f), o número de vértices, o número de arestas e o número defaces, para cada um dos poliedros convexos regulares associados aos diferentesgrafos platónicos.

3.3. GRAFOS EM VARIEDADES COMPACTAS ORIENTÁVEIS 31

d f |V (G)| |E(G)| |F0(G)| Designação3 3 4 6 4 Tetraedro3 4 8 12 6 Hexaedro3 5 20 30 12 Dodecaedro4 3 6 12 8 Octaedro5 3 12 30 20 Icosaedro

Na Figura 3.2 representam-se os 5 grafos platónicos. Na primeira linha otetraedro, o hexaedro e o octaedro e na segunda linha o dodecaedro e o icosaedro.

Figura 3.2: Grafos platónicos.

3.3 Grafos em variedades compactas orientáveis

Uma vez que a projecção estereográfica converte figuras do planar em figurasda esfera e reciprocamente, podemos afirmar que um grafo é planar se e só se érealizável na esfera. Nesta secção, excepção feita ao planar (que não é compacto),vamos considerar unicamente realizações de grafos em variedades compactas dedimensão 2 orientáveis. Uma variedade compacta de dimensão 2 é uma superfícieS com as seguintes propriedades:

1. cada ponto de S tem uma vizinhança homeomorfa a uma bola aberta;

2. toda a cobertura de S, com bolas abertas, tem uma subcobertura finita.

Adicionalmente, dizemos que esta superfície S é orientável se é possível definirum referencial tridimensional (com dois eixos no planar tangente à superfície)que se desloque ao longo de qualquer curva fechada representada em S, semalterar o sentido dos eixos quando regressa ao ponto inicial.Mais particularmente, nesta secção, apenas vamos considerar a esfera (S0), torus(S1), duplo torus (S2), triplo torus (S3), etc., ou superfícies topologicamenteequivalentes a estas. Tais superfícies serão denotadas, genericamente, de agora

32 Grafos Planares e Generalizações

em diante, por Sg, onde g denota o genus da superfície. A realização de umgrafo G numa superfície Sg, implica que cada vértice de G corresponda a umponto de Sg e cada aresta corresponda a uma curva simples (ver definição maisadiante), ligando dois vértices e que nenhum par de curvas se intersecte emnenhum ponto com excepção dos respectivos pontos extremos (vértices). Assim,do ponto de vista topológico, um grafo G é um par (V (G), E(G)), onde E(G)denota um conjunto finito de curvas simples de Sg (que também se designam porarestas), tais que duas quaisquer delas ou têm intersecção vazia ou se intersectamnuma das suas extremidades, e V (G) denota o conjunto de vértices, os quaiscorrespondem às extremidades das curvas. Neste contexto, diz-se que um grafo,G, é conexo, se quaisquer dois vértices se podem ligar por uma curva ou porconcatenação de várias curvas (arestas) de E(G). Uma curva em E2 (espaçoeuclidiano de dimensão 2) é um subconjunto de E2, C, para o qual existe umaaplicação contínua injectiva c : [0, 1] → E2 tal que c([0, 1]) = C. Se c é apenasinjectiva em [0, 1[ e c(0) = c(1), diz-se que C é uma curva fechada de Jordan.Nestas condições, uma curva é um subconjunto de E2 homeomorfo ao intervalo[0, 1] e uma curva fechada de Jordan é um subconjunto de E2 homeomorfo àcircunferência. Qualquer destas curvas, C, se designa por curva simples e arespectiva aplicação, c, por parametrização de C.Tendo em conta que um subconjunto C de um espaço E separa esse espaço, seE \ C tem mais do que uma componente conexa, Camille Jordan (1838-1922)provou, nos anos de 1887-1893, o teorema de separação para E2 que a seguir seapresenta.

Theorem 3.3.1 (da curva fechada de Jordan). Se C é uma curva fechadade Jordan em E2, então C separa E2.

Demonstração. Ver, por exemplo, (Armstrong, 1997), pag. 112-113.Deste teorema decorre que sendo C uma curva fechada de Jordan em E2,

então E2 \ C é a união disjunta de dois conjuntos abertos, dint(C) (domíniointerior a C) e dext(C) (domínio exterior a C), tais que dint(C) é limitado,dext(C) é ilimitado e tanto dint(C) como dext(C) são conexos por caminhos2.Por outro lado, toda a curva que liga um ponto de dint(C) a um ponto dedext(C) tem pelo menos um ponto comum com C. A realização de um grafo(ou multigrafo) numa superfície Sg proporciona a partição dessa superfície nascomponentes conexas de Sg \C que se designam por regiões, algumas das quaiscelulares, no sentido em que são homeomorfas a uma bola aberta de E2.Sendo (V (G), E(G)) uma realização de um grafo em Sg, designa-se por célula ouface toda a componente conexa do complementar de E(G) em E2 homeomorfaa uma bola aberta. Uma realização diz-se celular se todas as regiões criadaspor essa realização são células ou faces. O conjunto das faces criadas por umarealização celular de G em Sg denota-se por Fg(G). Como regra prática paraa detecção de faces (ou células) de um grafo, G, realizado numa superfície Sg,pode adoptar-se a seguinte:

2Note-se que todo o espaço topológico conexo por caminhos é conexo (o recíproco, porém,em geral, não é verdadeiro).

Grafos em variedades compactas orientáveis 33

Uma região de G é uma face (ou célula) se e só se a sua fronteiraé contractível a um ponto, ou seja, se e só se é possível "reduzi-la",continuamente, até a transformar num ponto.

Note-se que de entre as representações de K4, apresentadas na Figura 3.3,apenas a primeira é uma representação celular.

Figura 3.3: Três representações de K4 no torus, onde só a primeira é celular.

3.3.1 Menores combinatórios e menores topológicosExistem algumas operações sobre grafos que é conveniente destacar nesta altura,a saber:

1. a eliminação de arestas,

2. a eliminação de vértices,

3. a contracção de arestas,

4. e a subdivisão de arestas.

Seja G um grafo, e ∈ E(G) e E′ = {e1, . . . , ek} ⊂ E(G).

1. Denota-se por G \ e a operação de eliminação da aresta e, obtendo-se ografo tal que V (G \ e) = V (G) e E(G \ e) = E(G) \ {e}. Mais geralmente,considerando o subconjunto de arestas E′, G \ E′ corresponde ao grafoobtido de G por eliminação sucessiva (independentemente da ordem) dasarestas e1, . . . , ek.

2. De um modo semelhante se define a operação de eliminação de vértices,tendo em conta que, neste caso, ao eliminar-se um vértice (ou conjunto devértices) também se eliminam (automaticamente) as arestas que lhe(s) é(são) incidente(s).

3. A operação de contracção de e em G denotaŋse por G/e e correspondeao grafo obtido pela sobreposição dos vértices extremos de e e pela eli-minação dos lacetes e arestas repetidas, eventualmente produzidas. Maisgeralmente, dado um subconjunto de arestas, E′, G/E′ corresponde aografo obtido após a contracção sucessiva (independentemente da ordem)das arestas e1, . . . , ek.

34 Grafos Planares e Generalizações

4. Designa-se por subdivisão de G a adição de um vértice de grau dois a umaaresta e. Esta operação também se designa por expansão de G.

Verifica-se que as operações de eliminação e contracção de arestas comutam, i.e, se E′ e E” são dois subconjuntos disjuntos de arestas de um grafo G, entãoverifica-se a igualdade

(G \ E′)/E” = (G/E”) \ E′.

1

3

4

2(a)

1

3

4

(b)

1

3

4

2(c)

Figura 3.4: Grafos (a) G, (b) G/23 e (c) G \ 14.

Quando um grafo H é obtido de G por sucessivas contracções de arestasdiz-se que G é contractível a H ou que H é uma contracção de G.Um grafo obtido, a partir de um subgrafo de G, por sucessivas operações deeliminação e/ou contracção de arestas diz-se um menor de G ou menor combi-natório de G. Note-se que, de acordo com esta definição, todo o subgrafo de umgrafo é também um seu menor.Se H é uma expansão de G e se H é um subgrafo de um grafo Y , então diz-seque G é um menor topológico de Y . Nestas condições, G é um menor topológicode um grafo Y se existe um subgrafo de Y que é uma expansão de G.

A figura a seguir exemplifica a subdivisão de várias arestas do grafo G daFigura 3.4, obtendo-se um grafo H que corresponde a uma expansão de G.

1

3

4

2

5

67

Figura 3.5: Expansão do grafo G da Figura 3.1 (a).

Se H é uma expansão de G e um subgrafo de um grafo Y , então diz-seque G é um menor topológico de Y (e dado que todo o grafo é subgrafo de sipróprio, G é também ummenor topológico do grafo H). De um modo equivalentediz-se que G é um menor topológico de um grafo Y se existe um subgrafo

Grafos em variedades compactas orientáveis 35

de Y que é uma expansão de G. Das definições de menor topológico e menorcombinatório decorre que todo o menor topológico de um grafo Y é também ummenor combinatório de Y . O recíproco, porém, em geral, não é verdadeiro.

Dados dois grafos X e Y , se X é um menor de Y , denota-se esse facto porX ¹ Y e com facilidade se prova que esta relação, ¹, é uma relação de ordemparcial no conjunto dos grafos.

Um critério muito utilizado na verificação se um grafo é planar ou não,consiste na utilização dos seguinte resultado de Kuratowski:

Um grafo é não planar se e só se contém pelo menos uma das confi-gurações não planas básicas, a saber, K5 e/ou K3,3, como menoresou como menores topológicos.

Mais adiante, far-se-à a prova da suficiência das condições de Kuratowski. Antes,porém, vamos introduzir a fórmula de Euler para grafos planares.

3.3.2 Genus de um grafo e fórmula de Euler generalizada

Designa-se por genus de um grafo G e denota-se por gG (não confundir com acintura de G que se denota por g(G)) o menor índice da sucessão de superfíciesS0, S1, S2, . . . , em que G é realizável e onde o índice de Sj denota o genus dasuperfície Sj . Como consequência, pode concluir-se que para os grafos planaresG, gG = 0.

Theorem 3.3.2. Todo o grafo tem genus.

Demonstração. Seja G um grafo. Se G é planar, então gG = 0. Suponha-se que G nãoé planar e, mesmo assim, desenhe-se esse grafo no planar e transfira-se, por projecçãoestereográfica, esse desenho para a esfera (superfície S0). Seguidamente, adicionem-setantas anças tubulares quantas as necessárias para que, fazendo passar as arestas queintersectam outras arestas através dessas anças tubulares (uma em cada), não existamarestas cruzadas (i.e. não existam arestas que se intersectem em pontos distintos dosvértices). Sendo p o número de anças tubulares adicionadas, é claro que p ≤ |E(G)|.Deformando, continuamente, a superfície obtida é possível produzir um torus com pburacos, Sp, onde G se realiza. Consequentemente, tendo em conta que Sp pertence àsequência S0, S1, . . . , Sp, Sp+1, . . . , conclui-se que G tem genus gG ≤ p.

Deve observar-se que uma esfera com p anças tubulares é topologicamenteequivalente (i.e., homeomorfa) a um torus com p buracos. É claro que se umgrafo, G, tem genus gG, então G pode realizar-se em qualquer superfície Sj , comj ≥ gG. No que se segue, sem perda de generalidade, assumiremos que se G éum grafo conexo de genus g, então G é realizável em Sg de tal forma que atravésde cada buraco de Sg passa pelo menos um anel, formado por vértices e arestasde G, que não é contractível em Sg. Com efeito, se G tem genus g, então G nãoadmite qualquer realização em nenhuma das superfícies S0, S1, . . . , Sg−1. Con-sequentemente, cada buraco de Sg é essencial para a realização de G. Logo, cadaburaco deve ser atravessado por, pelo menos, uma aresta de G, de tal forma queligada a outras arestas forme um anel nas condições referidas. Em alternativa,poder-se-ão obter aneis não contractíveis que contornem buracos. Esta situação,

36 Grafos Planares e Generalizações

porém, é topologicamente equivalente à anterior no sentido em que conduz aosmesmos resultados, com a metodologia a adoptar na prova do teorema a seguir,onde se estabelece a generalização da fórmula de Euler, para a um grafo, G,com realização numa superfície SgG

. Note-se que cortar uma superfície, Sg, aolongo de um anel não contractível que atravessa um buraco ou que contorna umburaco produz, em ambos os casos, uma superfície topologicamente equivalentea uma superfície esférica à qual faltam dois círculos.

Theorem 3.3.3 (l’Huilier, 1812/1813). 3 Se G é um grafo conexo com genusg, então |V (G)|+ |Fg(G)| − |E(G)| = 2(1− g).

Demonstração. Seja G um grafo conexo de genus g. Então G é realizável em Sg

de tal forma que para cada buraco de Sg existe um anel, não contractível, formadopela concatenação de arestas. Corte-se o torus ao longo de cada um desses g aneis,dupliquem-se os aneis e, consequentemente, as arestas e vértices que definem as fron-teiras das regiões circulares que se formaram e colem-se círculos, de modo a tapartodos essas regiões. Por deformação contínua da superfície deste modo obtida, podeconstruir-se uma superfície esférica, S0, que lhe é topologicamente equivalente, ondeo grafo conexo produzido, H, se realiza. Consequentemente, aplicando a fórmula deEuler a H, vem que |V (H)| + |F0(H)| − |E(H)| = 2. Tendo em conta que os novosvértices, que agora aparecem em H, V (H) \ V (G), são os que se produziram com aduplicação de ciclos provocada pelos cortes efectuados em cada um dos g aneis e tendoem conta que nos ciclos o número de arestas é igual ao número de vértices, conclui-seque |V (H)|−|V (G)| = |E(H)|−|E(G)|. Por outro lado, dado que as novas faces em Hsão as limitadas pelos 2g aneis, conclui-se que |F0(H)| = |Fg(G)|+ 2g. Logo, fazendox = |V (H)| − |V (G)| = |E(H)| − |E(G)|, vem que

|V (G)|+ |Fg(G)| − |E(G)| = (|V (H)| − x) + (|F0(H)| − 2g)− (|E(H)− x)

= |V (H)|+ |F0(H)| − |E(H)| − 2g

= 2− 2g.

A Figura 3.6 ilustra a demonstração do Teorema 3.3.3.Supondo que G é um grafo conexo tal que |V (G)| ≥ 3, então

3|FgG(G)| ≤ 2|E(G)|

e, por aplicação do Teorema 3.3.3 gG ≥ 16 |E(G)| − 1

2 (|V (G)| − 2). Consequente-mente, tendo em conta que gG é inteiro, conclui-se que

gG ≥ d16|E(G)| − 1

2(|V (G)| − 2)e. (3.2)

Theorem 3.3.4 (Heawood, 1890). Se n ≥ 3, então gKn ≥ d (n−3)(n−4)12 e.

3Embora muitas publicações designem este resultado por fórmula de Heawood ou porsegunda fórmula de Euler, de acordo com (Biggs et al, 1986), ele foi publicado pela primeiravez por l’Huilier em 1812/1813.

Grafos em variedades compactas orientáveis 37

Figura 3.6: Transformação do duplo torus numa superfície homeomorfa à super-fície esférica.

Demonstração. Uma vez que n ≥ 3 e Kn é conexo, tendo em conta a desigualdade(3.2), vem que

gKn ≥ d16|E(Kn)| − 1

2(|V (Kn)| − 2)

= dn(n− 1

12− n− 2

2e

= d (n− 3)(n− 4)

12e.

A desigualdade recíproca gKn ≤ d (n−3)(n−4)12 e e, consequentemente, a igual-

dade, embora tenha sido conjecturada por Heawood em 1890, apenas foi provadaem 1968 em (Ringel e Youngs, 1968).Como corolário do Teorema 3.3.4, tendo em conta a desigualdade (3.2) e que seH é um supergrafo de um grafo conexo G, então gH ≥ gG e ainda que, sendon = |V (G)|, Kn é um supergrafo de G, para n ≥ 4, concluem-se as desigualdades

d16|E(G)| − 1

2(n− 2)e ≤ gG ≤ d (n− 3)(n− 4)

12e.

Embora nem sempre estes minorante e majorante sejam boas aproximações paragG, existem grafos para os quais eles coincidem. Por exemplo, sendo G um grafoconexo de ordem 52 e dimensão 1.321, 1.322, 1.323, 1.324, 1.325 ou 1.326 vemque

196 = d16|E(G)| − 1

2(n− 2)e ≤ gG ≤ (n− 3)(n− 4)

12= 196.

38 Grafos Planares e Generalizações

3.3.3 Grafos g-platónicosUm grafo G diz-se g-platónico se tem genus g, é conexo, regular e na sua reali-zação em Sg, toda a aresta está na fronteira de duas faces e todas as faces têm omesmo grau. Nestas condições, os grafos platónicos são grafos 0-platónicos. De-notando por d o grau dos vértices e por f o grau das faces de um grafo G, da de-finição de grafo g-platónico vem que, se G é g-platónico, então |E(G)| = d|V (G)|

2

e |Fg(G)| = d|V (G)|f . Por outro lado, se g > 0, então d ≥ 3 e f ≥ 3.

Theorem 3.3.5. 4 Sendo d o grau dos vértices e f o grau das faces de um grafo1-platónico, verifica-se que o par (d, f) é igual a (3, 6) ou (4, 4) ou (6, 3)

Demonstração. Seja G um grafo 1-platónico, d ≥ 3, f ≥ 3, |E(G)| = d|V (G)|2

,|F1(G)| = d|V (G)|

fe |V (G)|+ |F1(G)| − |E(G)| = 2(1− g). Então,

|V (G)|+ d|V (G)|f

− d|V (G)|2

= 2(1− g) = 0 ⇔ |V (G)|(2f + 2d− df) = 0.

Uma vez que a ordem de G é positiva, conclui-se que

2f + 2d− df = 0 ⇔ df − 2d− 2f + 4 = 4 ⇔ (f − 2)(d− 2) = 4

e, consequentemente, que apenas os pares (d, f): (3, 6), (4, 4) e (6, 3) satisfazem estaigualdade, com d ≥ 3 e f ≥ 3.

Theorem 3.3.6. Se existe um grafo g-platónico, G, tal que g > 1, então|V (G)| = 4f(g−1)

d(f−2)−2f , onde d denota o grau dos vértices e f o grau das faces.

Demonstração. Seja G um grafo g-platónico, com g > 1, então

|E(G)| = d|V (G)|2

, |Fg(G)| = d|V (G)|f

e |V (G)|+ |Fg(G)| − |E(G)| = 2((1− g),

pelo que

|V (G)|+ d|V (G)|f

− d|V (G)|2

= 2(1− g) ⇔ |V (G)|(2f + 2d− df) = 4f(1− g)

⇔ |V (G)| = 4f(g − 1)

d(f − 2)− 2f.

Como corolário imediato deste teorema, conclui-se que, para cada g > 1,existe um número finito de grafos g-platónicos. Com efeito, sendo g > 1, se nãoexistem grafos g-platónicos, então o resultado é verdadeiro para g. Supondo queexiste um grafo g-platónico G, cujo grau dos vértices é d e cujo grau das facesé f , uma vez que g > 1, d ≥ 3 e f ≥ 3,

|V (G)| > 0 ⇒ 4f(g − 1)d(f − 2)− 2f

> 0 ⇔ df − 2d− 2f > 0 ⇔ df − 2d− 2f + 4 > 4,

ou seja, conclui-se que (d−2)(f−2) > 4. Como consequência, o estudo reduz-seaos seguintes casos:

4Embora só existam grafos 1-platónicos com os pares (d, f) indicados, o seu número não éfinito.

3.4. EXERCÍCIOS 39

1. Se f = 3, então (d−2)(3−2) > 4 ⇒ d ≥ 7 ⇒ |V (G)| = 12(g−1)d−6 ≤ 12(g−1).

2. Se f = 4, então (d−2)(4−2) > 4 ⇒ d ≥ 5 ⇒ |V (G)| = 16(g−1)2d−8 ≤ 8(g−1).

3. Se f = 5, então (d−2)(5−2) > 4 ⇒ d ≥ 4 ⇒ |V (G)| = 20(g−1)3d−10 ≤ 10(g−1).

4. Se f = 6, então (d−2)(6−2) > 4 ⇒ d ≥ 4 ⇒ |V (G)| = 24(g−1)4d−12 ≤ 6(g−1).

5. Se f ≥ 7, então (d− 2)(f − 2) > 4 ⇒ d ≥ 3 ⇒

|V (G)| = 4f(g − 1)d(f − 2)− 2f

≤ 4f(g − 1)3(f − 2)− 2f

≤ 4f(g − 1)f − 6

≤ 28(g − 1).

Logo, todos os grafos g-platónicos (com g > 1) têm ordem não superior a28(g − 1), pelo que o seu número é finito.

3.4 Exercícios3.4.1. Determine os duais do grafo e digrafo planar, representados na figura a

seguir.

1

2

3

6

4

5a

b

c

f

d

3-

6 s-

6

Figura 3.7: Grafo e digrafo planares.

3.4.2. Prove que se G é um grafo bipartido e planar, então δ(G) ≤ 3.

3.4.3. Considere uma circunferência representada no plano, conjuntamente comn (n ∈ N) rectas que se intersectam duas a duas num único ponto dointerior do círculo limitado pela circunferência. Supondo que não existemtrês rectas que se intersectem no mesmo ponto, determine o número deregiões definidas pelas rectas e pela circunferência.

3.4.4. Prove que se G é um grafo planar de ordem n ≥ 3 tal que g(G) < ∞,então

|E(G)| ≤ g(G)(n− 2)g(G)− 2

. (3.3)

40 Grafos Planares e Generalizações

3.4.5. Prove que o grafo de Petersen (grafo representado na capa destes aponta-mentos) não é planar.

3.4.6. Supondo que G é uma triangulação do plano (ou seja, um grafo plano(onde todas as faces têm grau 3) e sendo ni o número de vértices de graui, para i = δ(G), . . . , ∆(G), prove que

∆(G)∑

i=δ(G)

(6− i)ni = 12.

3.4.7. Prove que um grafo G de ordem n e genus g tem no máximo 3(n− 2+2g)arestas.

• Sugestão: Admita que G está representado celelularmente num g-torus e que acrescenta tantas arestas quantas as necessárias para quecada face tenha grau 3. Nestas condições aplique a fórmula de Eulergeneralizada.

Capítulo 4

Digrafos e Espaços VectoriaisAssociados.

4.1 Espaço dos vértices e espaço dos arcos

A matriz de adjacência de um grafo G tal que V (G) = {v1, . . . , vn}, é umamatriz n× n, AG, tal que

(AG)ij ={

1 se vivj ∈ E(G),0 caso contrário.

Por sua vez, a matriz de adjacência de um digrafo DG de ordem n é uma matrizn× n, ADG, tal que

(ADG)ij ={

1 se (vi, vj) ∈ A(DG),0 nos outros casos.

A matriz de incidência aresta vértice de um grafo de ordem n e dimensão m éuma matriz n×m, BG, tal que

(BG)ij ={

1 se ej = vivk, para algum vk ∈ V (G),0 caso contrário.

Por sua vez, a matriz de incidência arco vértice de um digrafo de ordem n edimensão m é uma matriz n×m, BDG, tal que

(BDG)ij =

1 se aj = (vi, vk), para algum vk ∈ V (DG),−1 se aj = (vk, vi), para algum vk ∈ V (DG),

0 se aj = (vp, vq), e vi /∈ {vp, vq}.

41

42 Digrafos e Espaços Vectoriais Associados

a

b

c

f

d

e

G

e1

e2 e3

e4 e5

e6

e7

1

2

4

3

6

5

a1 a2 a3 a4 a5

a6 a7

a8 a9

DG

- ¾

-

3

¾

6

?

6k

Figura 4.1: Grafo G e digrafo DG.

Considerando o grafo G e o digrafo DG, representados na Figura 4.1, obtém-se:

AG =

a b c d e f

a 0 1 0 0 0 1b 1 0 0 1 0 0c 0 0 0 1 0 1d 0 1 1 0 1 0e 0 0 0 1 0 1f 1 0 1 0 1 0

,

BG =

e1 e2 e3 e4 e5 e6 e7

a 1 0 0 0 0 1 0b 1 0 0 0 0 0 1c 0 1 0 1 0 0 0d 0 0 0 1 1 0 1e 0 0 1 0 1 0 0f 0 1 1 0 0 1 0

,

ADG =

1 2 3 4 5 61 0 0 0 1 0 02 1 0 1 1 0 03 0 0 0 0 0 04 0 0 1 0 0 05 0 0 1 1 0 16 0 0 0 1 0 0

,

BDG =

a1 a2 a3 a4 a5 a6 a7 a8 a9

1 −1 0 0 0 0 1 0 0 02 1 1 0 0 0 0 0 1 03 0 0 −1 0 0 0 0 −1 −14 0 −1 1 −1 0 −1 −1 0 05 0 0 0 1 1 0 0 0 16 0 0 0 0 −1 0 1 0 0

.

Dado um grafo G, designa-se por grafo linha de G e denota-se por L(G) ografo que se obtém de G, considerando como vértices as arestas de G e como

Espaço dos vértices e espaço dos arcos 43

relação de adjacência entre os seus vértices a respectiva relação de adjacênciaentre arestas. Assim, dois vértices de L(G) são adjacentes se e só se as corres-pondentes arestas em G são adjacentes (ou seja, têm um vértice comum). Comoconsequência desta definição, com facilidade se conclui que dado um grafo arbi-trário G, com n vértices,

BTGBG = 2In + AL(G),

onde In denota a matriz identidade de ordem n e que

BGBTG = DG −AG,

onde DG denota a matriz diagonal DG = diag(µ1, . . . , µn), cujos elementosdiagonais µi são os graus dos vértices vi, para i = 1, . . . , n.

Dado um digrafo DG, designa-se por espaço dos vértices de DG o espaçovectorial sobre o corpo K de todas as funções de V (DG) em K (onde K de-nota um dos conjuntos R ou C) que se denota por KV (DG). De modo aná-logo, designa-se por espaço dos arcos de DG, o espaço vectorial sobre K detodas as funções de A(DG) em K que se denota por KA(DG). Se o digrafoDG é tal que V (DG) = {v1, v2, . . . , vm} e A(DG) = {a1, a2, . . . , an}, entãodim(KV (DG)) = m e dim(KA(DG)) = n. Os elementos x ∈ KV (DG) são usual-mente escritos na forma x =

∑nj=1 αjvj . Neste somatório devemos interpretar

cada vj como sendo uma função de V (DG) em K que é nula em todo os pon-tos à excepção de vj , para o qual toma o valor 1. Nestas condições, o conjunto{v1, v2, . . . , vm} constitui uma base para KV (DG) e o somatório anterior podeinterpretar-se como uma representação de x nesta base. Analogamente, um ele-mento arbitrário y ∈ A(DG) pode representar-se por y =

∑mi=1 βiai. Designa-

mos < v1, v2, . . . , vm > e < a1, a2, . . . , an > como sendo as bases canónicas,respectivamente, de KV (DG) e KA(DG). Podemos munir estes espaços vectoriaisdo produto interno usual < u,w >=

∑pk=1 ukwk, onde p corresponde a m ou n,

consoante se trate de KV (DG) ou KA(DG). Considerando a norma induzida poreste produto interno e tendo em conta a definição usual de ortogonalidade, comfacilidade se conclui que as bases anteriormente referidas são ortonormais.

Antes de prosseguirmos convém recordar o conceito de corte (ou cocircuito),agora no contexto dos grafos orientados. Dado um grafo orientado conexo

−→G ,

designa-se por corte de−→G e denota-se por ∂(V1)o subconjunto de arcos de

−→G

com um único no subconjunto de vértices V1, onde ∅ 6= V1 6= V (−→G). Neste

caso, podemos partir ∂(V1) nos subconjuntos ∂+(V1) e ∂−(V1), onde o primeirosubconjunto corresponde aos arcos com cauda em V1 e cabeça no complementarde V1 e o segundo conjunto corresponde aos arcos com cauda no complementarde V1 e cabeça em V1. Também se diz que ∂+(V1) é o subconjunto dos arcos paraa frente e ∂−(V1) é o subconjunto dos arcos para trás do corte ∂(V1). Note-seque dado uma arco (x, y), x é a cauda e y é a cabeça.

Dados dois vértices x e y de um grafo conexo G, designa-se por x-y-corte,todo o corte ∂(V1) de G tal que x ∈ V1 e y ∈ V (G) \ V1.

44 Digrafos e Espaços Vectoriais Associados

4.2 Variantes do lema de Farkas para grafos

Theorem 4.2.1 (Lema de Farkas para grafos e multigrafos). Seja−→G um

grafo (ou multigrafo) orientado conexo e sejam x, y ∈ V (−→G). Então

1. existe um caminho orientado P entre x e y, ou seja, tal que P− = ∅, ou

2. existe um x-y-corte ∂(V1), com x ∈ V1, tal que ∂+(V1) = ∅,

mas não ambos.

Demonstração. A prova é construtiva. Vamos construindo o subconjunto V1, for-mado pelos vértices que podem ser alcançados a partir de x por um caminho orientado,por intermédio do algoritmo que se segue.

• Algoritmo

1. Iniciar V1 = {x};2. Enquanto ∂+(V1) 6= ∅ e y /∈ V1 faz

(a) escolher a = (s, t) ∈ ∂+(V1);(b) fazer V1 = V1 ∪ {t};(c) fazer predecessor(t) = s;

fim faz;

• Fim do algoritmo.

É claro que o algoritmo termina no máximo em |V (−→G)| passos. Se termina com

y ∈ V1, então existe um caminho orientado entre x e y e este caminho pode ser obtidopor intermédio da função predecessor do algoritmo. Se o algoritmo termina com y /∈ V1,então ∂(V1) = ∂−(V1) é um corte que está de acordo com 2.

Este resultado, constitui o principal teorema da dualidade no contexto dosgrafos e, apesar da sua simplicidade, tem implicações muito interessantes. Ocorolário a seguir apresenta una nova versão do lema de Farkas para grafos, naqual se estabelecem condições de existência, mutuamente exclusivas, de circuitose cortes, com determinadas características.

Corolário 4.2.2 (do Lema de Farkas para grafos ou multigrafos). Seja−→G um digrafo (ou multidigrafo) conexo. Então, para todo o arco a ∈ A(

−→G), ou

1. Existe um circuito X ⊆ E(−→G) tal que a ∈ X e X− = ∅, ou

2. Existe um corte Y ⊆ E(−→G) tal que a ∈ Y e Y + = ∅,

mas não ambos.

Demonstração. Seja a = (x, y) e aplique-se o Teorema 4.2.1 ao digrafo (ou multidi-grafo)

−→G−a. A existência de um caminho orientado entre x e y no grafo G−a garante

a existência de um circuito X em−→G que contém o arco a e para o qual se verifica

X− = ∅. Por sua vez, a não existência de um caminho orientado entre x e y implicaa existência de um x-y-corte Y , tal que a ∈ Y e Y + = ∅.

4.3. SUBESPAÇOS DE CIRCUITOS E DE COCIRCUITOS 45

4.3 Subespaços de circuitos e de cocircuitos

Seja C um circuito do digrafo−→G , o qual vamos considerar munido de uma

certa orientação. Por exemplo, supondo−→C = (v1, v2, . . . , vk, v1), dado um arco

a deste circuito, se, para um certo j, a = (vj , vj+1) então dizemos que a tem aorientação de

−→C se a = (vj+1, vj) dizemos que tem a orientação contrária. Este

circuito−→C pode definir-se à custa de um elemento de KA(

−→G , ou seja, de um

vector u, designado por vector de circuito que corresponde à seguinte aplicaçãode A(

−→G) em {0, 1,−1}:

u(a) =

1, se a ∈ A(−→C ) e tem a orientação de

−→C ;

−1, se a ∈ A(−→C ) e tem a orientação contrária à de

−→C ;

0, se a /∈ A(−→C ).

Por exemplo o vector uT = (1, 0, 0, 0,−1, 1,−1,−1, 1) ∈ K9 é o vector do cir-cuito

−→C = (1, 4, 6, 5, 3, 2, 1) do digrafo da Figura 4.1, cuja orientação tem o

sentido dos ponteiros do relógio. Nestas condições, podemos partir o conjuntoA(−→C ) nos conjuntos

−→C + = {a1, a6, a9} e

−→C− = {a5, a7, a8}, onde o primeiro

corresponde ao conjunto dos arcos positivos e o segundo corresponde ao conjuntodos arcos negativos.

O subespaço de KA(−→G) gerado pelos vectores de circuitos designa-se por

subespaço de circuitos e denota-se por Circuitos(−→G).

Por sua vez, um corte ∂(V1) de−→G , pode definir-se à custa de um elemento

de KA(−→G), ou seja, de um vector v, designado por vector de corte (ou cocircuito)

que corresponde à seguinte aplicação de A(−→G) em {0, 1,−1}:

v(a) =

1, se cauda(a) ∈ V1 e cabeca(a) ∈ V (−→G) \ V1;

−1, se cabeca(a) ∈ V1 e cauda(a) ∈ V (−→G) \ V1;

0, se a /∈ ∂(V1).

Por exemplo, o vector vT = (1, 1,−1, 1, 1, 0, 0, 0, 0) ∈ K9 é o vector do corte∂({2, 3, 5}) do digrafo da Figura 4.1, o qual se pode partir nos subconjuntos∂+({2, 3, 5}) = {a1, a2, a4, a5} e ∂−({2, 3, 5}) = {a3}.

O subespaço de KA(−→G) gerado pelos vectores de cortes designa-se por subes-

paço de cortes ou subespaço de cocircuitos e denota-se por Cortes(−→G) ou por

Circuitos(−→G).

Lema 4.3.1. Os espaços de circuitos e cocircuitos de um digrafo (ou multidi-grafo)

−→G são ortogonais.

46 Digrafos e Espaços Vectoriais Associados

Demonstração. Seja X um circuito que se parte em X+ e X− e seja Y um cocircuitoque desconexa

−→G nos subdigrafos

−→G1 e

−→G2. Suponha-se que Y + é o subconjunto de

arcos de Y com cauda em−→G1 e cabeça em

−→G2 e seja Y − o subconjunto de arcos com

cauda em−→G2 e cabeça em

−→G1. Sejam x e y os correspondentes vectores de KA(

−→G)

associados, respectivamente, a X e a Y . É fácil ver que o produto interno xT y é onúmero de vezes que vamos de

−→G1 para

−→G2 menos o número de vezes que vamos de−→

G2 para−→G1, quando se percorre o circuito X, pelo que se obtém xT y = 0. Logo, x

e y são ortogonais, o que completa a prova, uma vez que estes espaços são gerados,respectivamente, pelos vectores de circuitos e cocircuitos.

Para se provar que os espaços de circuitos e cocircuitos são complementares,teremos de investigar as respectivas dimensões.

Dado um digrafo (ou multidigrafo)−→G , um subconjunto de arcos A′ ⊆ A(

−→G)

diz-se um conjunto independente de arcos de−→G , se não contém circuitos. Um

conjunto independente maximal (no sentido d inclusão) designa-se por base de−→G . Quando um grafo é conexo, uma base coincide com uma árvore abrangente equando uma base tem várias componentes coincide com uma floresta abrangente.

Theorem 4.3.2. Seja−→G um digrafo (ou multidigrafo) com k componentes.

Então, qualquer base de−→G tem precisamente |V (

−→G)| − k elementos.

Demonstração. Suponha-se que−→G tem k componentes conexas e sejam

−→G i, para

i = 1, . . . , k, os correspondentes subdigrafos. Uma vez que em−→G i uma base é uma

árvore abrangente, vem que sendo Ei uma base para−→G i, |Ei| = |V (

−→G i)| − 1. Logo,

dado que qualquer base de−→G corresponde à união dos arcos que, em cada componente,

formam uma árvore abrangente, podemos concluir que uma base E de−→G é tal que

E =⋃k

i=1 Ei e, consequentemente,

|E| =k∑

i=1

(|V (−→G i)| − 1) =

k∑i=1

|V (−→G i)| − k = |V (

−→G)| − k.

Lema 4.3.3. Seja−→G um digrafo (ou multidigrado) com k componentes. Então

a dimensão de Circuitos(−→G) é pelo menos |A(

−→G)| − |V (

−→G)|+ k e a dimensão

de Cocircuitos(−→G) é de pelo menos |V (

−→G)| − k

Demonstração. Suponha-se que−→G é conexo, ou seja, k = 1. Seja E uma base para−→

G , pelo que |E| = |V (−→G)| − 1.

• Pela maximalidade de E, qualquer arco de A(−→G) \ E adicionado a E produz

um circuito. Para um arco arbitrário a ∈ A(−→G) \ E seja X(a) o circuito de

−→G

constituído pelo único caminho do subgrafo (V (−→G), E) que liga os dois vértices

de a mais o próprio a. Sendo x(a) ∈ KA(−→G) o respectivo vector de circuito,

obtém-se um conjunto de |A(−→G)\E| = |A(

−→G)|−|V (

−→G)|+1 vectores linearmente

independentes do espaço dos circuitos. Com efeito, note-se que para cada arcoparticular a ∈ A(

−→G) \E, x(a) tem a a-ésima componente não nula, enquanto os

restantes a têm igual a zero. Como consequência, a dimensão de Circuitos(−→G)

é não inferior a |A(−→G)| − |V (

−→G)|+ 1.

Subespaços de circuitos e de cocircuitos 47

• Vamos considerar agora os cocircuitos de−→G . Se a ∈ E, então o subdigrafo

(V (−→G), E \ {a}) é constituído por duas componentes, a saber,

−→G1(a) e

−→G2(a).

Para cada a ∈ E seja Y (a) o cocircuito de−→G constituído pelos arcos que ligam−→

G1(a) a−→G2(a) em

−→G . Todos estes cocircuitos Y (a), com a ∈ E, dão origem a

um conjunto de |E| = |V (−→G) − 1| vectores de circuitos y(a) linearmente inde-

pendentes. Com efeito, para cada a ∈ E, y(a) tem a a-ésima componente nãonula, enquanto os vectores representativos dos restantes cocircuitos a têm iguala zero. Logo, a dimensão de Circuitos(

−→G) é não inferior a |V (

−→G)| − 1.

No caso de−→G ter mais componentes, o resultado obtém-se, facilmente, escolhendo

circuitos e cocircuitos independentes em cada componente.

Theorem 4.3.4. Os subespaços de circuitos e cocircuitos de um digrafo (mul-tidigrafo)

−→G , formam um par de subespaços complementares e ortogonais de

KA(−→G), ou seja, se Circuitos(

−→G) = L, então Cocircuitos(

−→G) = L⊥.

Demonstração. A prova decorre de modo imediato, combinando o Lema 4.3.1 como Lema 4.3.3.

Lema 4.3.5. Se Ker(B−→G

) denota o subespaço nulo da matriz B−→G, então

Circuitos(−→G) ⊆ Ker(B−→

G),

Demonstração. Considere-se o caminho P = (v0, . . . , vk) e seja A(P ) = {a1, . . . , ak

o conjunto dos arcos deste caminho. Seja p ∈ KA(−→G) o vector do espaço dos arcos que

representa P , pelo que cada componente de p é igual a +1 se o arco que lhe correspondepertence a P e tem o sentido favorável ao caminho (de v0 para vk), é igual a −1 sepertence ao caminho mas tem o sentido contrário ao favorável e igual a zero se nãopertence ao caminho. Nestas condições, supondo que ua = ei − ej denota o vectorcoluna de B−→

Gassociado ao arco a = (vi, vj), vem que

B−→G

p =∑

a∈A(−→G)

paua =

k−1∑r=0

(er − er+1) = e0 − ek.

Note-se que dada a sequência de . . . , vr−1, vr, vr+1, . . ., existem quatro possibilidadespara par uar + par+1uar+1 , ou seja, par uar + par+1uar+1 =

• (+1)(evr−1 − evr ) + (+1)(evr − evr+1) = evr−1 − evr+1 , se ar = (vr−1, vr) ear+1 = (vr, vr+1);

• (−1)(evr − evr−1) + (+1)(evr − evr+1) = evr−1 − evr+1 , se ar = (vr, vr−1) ear+1 = (vr, vr+1;

• (+1)(evr−1 − evr ) + (−1)(evr − evr+1) = evr−1 − evr+1 , se ar = (vr−1, vr) ear+1 = (vr+1, vr);

• (−1)(evr − evr−1) + (−1)(evr − evr+1) = evr−1 − evr+1 , se ar = (vr, vr−1) ear+1 = (vr+1, vr).

Como consequência, pode concluir-se que se X é um circuito composto pelo caminhoP mais um arco que liga os vértices vk e v0, e q é o vector do espaço de circuitos queo representa, então B−→

Gq = 0.

48 Digrafos e Espaços Vectoriais Associados

Lema 4.3.6. Se Im(B−→G

) denota o subespaço imagem da matriz B−→G, então

Cocircuitos(−→G) ⊆ Im(BT−→

G),

Demonstração. Seja Y um cocircuito de−→G e seja V1 o subconjunto de vértices que

define partição de V (−→G) associada ao corte ∂(V1) (∅ 6= V1 6= V (

−→G)). Seja u ∈ KV (

−→G)

o vector do espaço dos vértices correspondente a V1, ou seja, a v-ésima componente deu é igual a 1 se v ∈ V1 e igual a zero no caso contrário. Logo, a a-ésima componente dovector do espaço dos arcos yT = uT B−→

Gé determinada pelo somatório das componentes

da a-ésima coluna da matriz B−→G

(que representa o arco a) associadas aos vértices deV1. Assim temos quatro casos:

• ya = (+1) + (−1) = 0, se a liga dois vértices de V1;

• ya = 0, se a liga dois vértices de V (−→G) \ V1;

• ya = 1, se a tem cauda em V1 e cabeça em V (−→G) \ V1;

• ya = −1, se a tem cabeça em V1 e cauda em V (−→G) \ V1.

Assim, vem que y é um vector do espaço dos arcos que determina o subconjunto dosarcos que ligam V1 a V (

−→G) \ V1. Logo, qualquer que seja o cocircuito de

−→G definido

pelos arcos ∂(V1), existe um vector u (vector característico de V1) tal que y = BT−→G

u éo correspondente vector de cocircuito, ou seja, y ∈ Im(BT−→

G).

Theorem 4.3.7. Se−→G é um digrafo (ou multidigrafo) então os espaços de

circuitos e cocircuitos de−→G são Ker(B−→

G) e Im(BT−→

G), respectivamente.

Demonstração. A prova é consequência imediata do Teorema 4.3.4, combinado comos Lemas 4.3.5 e 4.3.6.

4.4 Exercícios4.4.1. Prove que o menor valor próprio da matriz de adjacência de um grafo

linha é não inferior a −2.

4.4.2. Determine os espaços de circuitos e cocircuitos do digrafo representado naFigura 4.1.

Capítulo 5

Independentes, Cliques eColorações

Dado um grafo G, convém, nesta altura, introduzir os conceitos de estável,estável máximo, número de estabilidade, clique, clique máxima e número declique.

• Um subconjunto de vértices S ⊆ V (G) diz-se um estável (ou conjunto in-dependente de vértices) de G se entre quaisquer pares de vértices distintosde S não existe uma aresta. Um estável de G de cardinalidade máximadiz-se um estável máximo de G.

• A cardinalidade de um estável máximo de G designa-se por número deestabilidade de G e denota-se por α(G).

• Um subconjunto de vértices C ⊆ V (G) diz-se uma clique de G se entrequaisquer pares de vértices distintos de C existe uma aresta. Uma cliquede G de cardinalidade máxima designa-se por clique máxima.

• A cardinalidade de uma clique máxima de G designa-se por número declique de G e denota-as por ω(G).

Tendo em conta as definições de estável e clique e de número de estabilidadee número de clique, conclui-se imediatamente que se um conjunto de vértices Té um estável para um grafo G então o mesmo conjunto é uma clique para o grafocomplementar G e, adicionalmente, α(G) = ω(G). Assim sendo o problema dadeterminação de um estável máximo é equivalente ao problema da determinaçãode uma clique máxima.

5.1 Formulações analíticas para estáveis máximosA determinação de um estável máximo de um grafo G de ordem n pode formular--se pelo seguinte problema de optimização, conhecido por formulação baseada

49

50 Independentes, Cliques e Colorações

nas arestas:

maxn∑

k=1

xk (5.1)

s. a xi + xj ≤ 1, ∀ij ∈ E(G) (5.2)xi, xj ∈ {0, 1}. (5.3)

Em alternativa, o problema da determinação de um estável máximo pode ter aformulação analítica, introduzida em [28]:

maxn∑

k=1

xk (5.4)

s. a xixj = 0, ∀ij ∈ E(G) (5.5)x2

k − xk = 0, k = 1, . . . , n. (5.6)

Existem ainda outras formulações analíticas para a determinação de umestável máximo, como é o caso da formulação quadrática de Motzkin-Straus[23] orientada, na sua versão inicial, para a determinação do número de cliquede um grafo.

Theorem 5.1.1. [23] Considerando o programa quadrático

f(G) = max{12xT AGx : x ∈ ∆}, (5.7)

onde ∆ = {eT x = 1, x ≥ 0}, verifica-se que f(G) = 12 (1− 1

ω(G) ).

Demonstração. Dado um grafo G de ordem n, sem perda de generalidade, suponha--se que 1, 2, . . . , k são os vértices de uma clique máxima. Seja x∗ ∈ ∆ tal que x∗1 =x∗2 = . . . = x∗k = 1

ke x∗k+1 = x∗k+2 = . . . = x∗n = 0. Assim, vem que

1

2x∗T AGx∗ =

ij∈E(G)

x∗i x∗j =

(k

2

)1

k2=

1

2(1− 1

k),

onde ij = ji, ou seja,

f(G) ≥ 1

2(1− 1

ω(G)). (5.8)

A prova da desigualdade recíproca de (5.8) vai ser feita por indução sobre n, tendo emconta que, para n = 1, se obtém k = 1 e f(G) = 0. Supondo que a desigualdade

f(G) ≤ 1

2(1− 1

ω(G)) (5.9)

é válida para grafos com menos do que n vértices, com n > 1, fazendo F (x) = 12xT AGx,

vamos considerar dois casos:

1. Se o maxx∈∆ F (x) é atingido num ponto x∗ da fronteira do simplex ∆, então ∃jtal que x∗j = 0 e, consequentemente, f(G) = f(G− {j}). Logo, por hipótese deindução, vem que

f(G) = f(G− {j}) ≤ 1

2(1− 1

ω(G− {j}) ) ≤ 1

2(1− 1

ω(G)),

uma vez que ω(G− {j}) ≤ ω(G).

Formulações analíticas para estáveis máximos 51

2. Se o maxx∈∆ F (x) é atingido no interior relativo do simplex ∆, ou seja, numponto x∗ cujas componentes são todas positivas, então a função ϕ(x) = F (x)

(∑n

j=1 xj)2

atinge também o seu máximo no interior do ortante não negativo,1 mais par-ticularmente em x∗, pelo que ∇ϕ(x∗) = 0. Nestas condições, vamos considerardois subcasos:

(a) Suponha-se que o grafo G não é completo e considere-se a equação∇ϕ(x) = 0,a partir da qual, cada uma das derivadas parciais em ordem a xi, parai = 1, . . . , n, determina as equações

∂ϕ(x)

∂xi= 0 ⇔ (

n∑j=1

xj)2 ∂F (x)

∂xi− 2(

n∑j=1

xj)F (x) = 0 ⇔ ∂F (x)

∂xi=

2F (x)∑nj=1 xj

.

Consequentemente, vem que ∂F (x)∂xi

|x=x∗ = 2F (x∗), para i = 1, . . . , n.Suponha-se, sem perda de generalidade, que a aresta 12 não pertence aE(G). Logo, qualquer que seja a constante c,

F (x∗1−c, x∗2+c, x∗3, . . . , x∗n) = F (x∗)−c(

∂F (x)

∂x1|x=x∗−∂F (x)

∂x2|x=x∗) = F (x∗).

Em particular, para c = x∗1, F (0, x∗1 + x∗2, x∗3, . . . , x

∗n) = F (x∗), ou seja,

o máximo é também atingido na fronteira, pelo que, tal como se provouanteriormente, a desigualdade (5.9) verifica-se.

(b) Suponha-se que o grafo G é completo. Então

F (x∗) =1

2[(

n∑j=1

x∗j )2 −

n∑j=1

x∗2j ]

=1

2(1− ||x∗||2)

≤ 1

2(1− min

|x1|+···+|xn|=n||x||2)

=1

2(1− 1

n).

Tendo em conta a formulação quadrática de Motzkin-Straus, deve observar-

1Uma vez que ∀x ∈ ∆ ϕ(x) = F (x), podemos concluir que maxx∈∆ F (x) ≤ maxx≥0 ϕ(x).

Por outro lado, dado que ∀λ > 0 ϕ(λx) =F (λx)

(∑n

j=1 λxj)2=

λ2F (x)

λ2(∑n

j=1 xj)2= ϕ(x), se

maxx≥0 ϕ(x) = ϕ(x′), então existe λ′ > 0 tal que λ′x′ ∈ ∆ e

F (λ′x′) = ϕ(λ′x′) = ϕ(x′) ≥ maxx∈∆

F (x).

Consequentemente, podemos considerar, x∗ = λ′x′.

52 Independentes, Cliques e Colorações

-se que

12(1− 1

ω(G)) = max

x∈∆

12xT AGx

= maxx∈∆

ij∈E(G)

xixj

= maxx∈∆

ij∈E(Kn)

xixj −∑

rs∈E(G)

xrxs

= maxx∈∆

12[(

n∑

j=1

xj)2 − ||x||2]−∑

rs∈E(G)

xrxs

= maxx∈∆

12(1− ||x||2 − xT AGx)

=12

+ maxx∈∆

−12xT (I + AG)x

=12−min

x∈∆

12xT (I + AG)x.

Logo, vem que

minx∈∆

12xT (AG + I)x =

12ω(G)

⇔ minx∈∆

xT (AG + I)x =1

α(G)

Nesta condições, podemos concluir que a formulação quadrática de Motzkin--Straus para a determinação do número de clique do complementar G de umgrafo G é equivalente à formulação quadrática para a determinação do númerode estabilidade de G, ou seja,

1α(G)

= minx∈∆

xT (AG + I)x, (5.10)

onde ∆ = {x : eT x = 1, x ≥ 0}.No que segue, vamos abordar uma família de formulações quadráticas, re-

lativamente à qual, como veremos mais tarde, a formulação (5.10) é um casoparticular. Assim, considere-se o programa quadrático

(PG(τ)) υG(τ) = max{2eT x− xT (1τ

AG + In)x : x ≥ 0},

com τ > 0, onde e é o vector de componentes unitárias e In a matriz identidadede ordem n. Então podemos concluir o seguinte resultado.

Theorem 5.1.2. ∀τ > 0, se x∗(τ) é uma solução óptima para (PG(τ)) então

∀i ∈ V (G) [x∗(τ)]i = max{0, 1− aiGx∗

τ},

onde [x∗(τ)]i é a i-ésima componente de x∗(τ) e aiG é a i-ésima linha da matriz

AG.

Formulações analíticas para estáveis máximos 53

Demonstração. Seja x∗ uma solução óptima para (PG(τ)) e seja e, x∗ e x os sub-vectores de e, x∗ e x, respectivamente, sem a i-ésima componente. Seja ainda

fG−{i}(x) = 2eT x− xT (1

τAG−{i} + In−1)x.

Primeiramente, deve observar-se que

υG(τ) = maxx,xi≥0

fG−{i}(x) + 2xi − x2i − 2xi

aiGx

τ

= fG−{i}(x∗) + 2x∗i − x∗2i − 2x∗i

aiGx∗

τ= fG−{i}(x

∗) + ψ(x∗i )

= fG−{i}(x∗) + max

xi≥0ψ(xi),

onde ψ(xi) = 2xi−x2i −2xi

aiGx∗τ

. Dado que ddxi

ψ(xi) = 2(1−xi− aiGx∗τ

) e d2

dx2iψ(xi) =

−2, podemos concluir que ψ(xi) é estritamente côncava e atinge o seu máximo numponto crítico, ou seja, na solução da equação

d

dxiψ(xi) = 0 ⇔ xi = 1− ai

Gx∗

τ.

Logo, uma vez que ψ(x∗i ) = maxxi≥0 ψ(xi), vem que x∗i = max{0, 1− aiGx∗τ}.

Como consequência imediata deste teorema, temos os seguintes resultados.

1. Se x∗(τ) é uma solução óptima para (PG(τ)) então

∀i ∈ V (G) 0 ≤ [x∗(τ)]i ≤ 1.

2. Por outro lado, uma vez que ∀τ > 0

0 ≤ x ≤ e ⇒ 2eT x− xT (AG

τ+ In)x ≤ 2eT x− ||x||2 ≤ n

e dado que 2eT ej − eTj (AG

τ + In)ej = 1 (onde ej denota o j-ésimo vectorda base canónica de Rn), conclui-se que 1 ≤ υG(τ) ≤ n.

3. Adicionalmente, o majorante e o minorante obtidos em 2 são os maisfavoráveis para υG(τ), uma vez que υG(τ) = 1 se G é um grafo completoe υG(τ) = n se G não tem arestas.

O próximo teorema introduz as principais propriedades de υG(τ) e (PG(τ)).Antes, porém, convém lembrar que uma solução óptima x∗ de (PG(τ)) se designapor espúria, quando υG(τ) = α(G) mas x∗ não define o vector característico deum estável máximo.

Theorem 5.1.3 ([10]). Dado um grafo G, a função υG :]0, +∞[ 7→ [1, n] temas seguintes propriedades:

5.1.3.1. ∀τ > 0 α(G) ≤ υG(τ).

54 Independentes, Cliques e Colorações

5.1.3.2. 0 < τ1 < τ2 ⇒ υG(τ1) ≤ υG(τ2).

5.1.3.3. ∀τ ≥ −λmin(AG) (PG(τ)) é um programa convexo.

5.1.3.4. Supondo τ∗ > 0, as seguintes afirmações são equivalentes.

a) ∃τ ∈]0, τ∗[ tal que υG(τ) = υG(τ∗);

b) υG(τ∗) = α(G) e ∀τ ∈]0, τ∗[ (PG(τ)) não tem soluções espúrias;

c) ∀τ ∈]0, τ∗] υG(τ) = α(G).

5.1.3.5. ∀U ⊂ V (G) ∀τ > 0 υG−U (τ) ≤ υG(τ).

Demonstração.

5.1.3.1. Para qualquer vector característico, x, de um estável máximo de G, xT AGx = 0.Logo, se x, é o vector característico de um estável máximo, então

∀τ > 0 2eT x− xT (AG

τ+ In)x = 2eT x− ||x||2 = α(G) ≤ υG(τ).

5.1.3.2. Supondo 0 < τ1 < τ2, então ∀x ≥ 0

xT AGx

τ2≤ xT AGx

τ1

m2eT x− xT (

AG

τ1+ In)x ≤ 2eT x− x(

AG

τ2+ In)x.

Consequentemente,

υG(τ1) = maxx≥0

2eT x− xT (AG

τ1+ In)x ≤ max

x≥02eT x− xT (

AG

τ2+ In)x = υG(τ2).

5.1.3.3. ∀τ ≥ −λmin(AG), o menor valor próprio de AGτ

+ In não é menor do que zero e,consequentemente, a matriz Hessiana da função objectivo de (PG(τ)) é definidaseminegativa.

5.1.3.4. – Vamos provar a implicação a) ⇒ b).Assumindo que τ ∈]0, τ∗[ e x(τ) é uma solução óptima de (PG(τ)), então

υG(τ) = 2eT x(τ)− x(τ)T (AG

τ+ In)x(τ)

≤ 2eT x(τ)− x(τ)T (AG

τ∗+ In)x(τ)

≤ υG(τ∗).

Logo, υG(τ) = υG(τ∗) implica que x(τ) é uma solução óptima para (PG(τ∗))e também que

x(τ)T AGx(τ)

τ=

x(τ)T AGx(τ)

τ∗.

Uma vez que τ < τ∗, a partir da igualdade anterior, podemos concluir que

x(τ)T AGx(τ) = 0.

Formulações analíticas para estáveis máximos 55

Isto equivale a afirmar que o suporte de x(τ) (ou seja, o subconjunto deíndices {j : x(τ)j > 0}) define o vector característico de um estável de Ge, então (dado que x(τ) é uma solução óptima pata (PG(τ))) é o vectorcaracterístico de um estável máximo de G.Consequentemente, υG(τ∗) = α(G) e ∀τ ∈]0, τ∗[ (PG(τ)) não tem soluçõesespúrias.

– Vamos agora provar a implicação b) ⇒ c)Assumindo que υG(τ∗) = α(G), de acordo com 5.1.3.2,

∀τ ∈]0, τ∗] α(G) ≤ υG(τ) ≤ υG(τ∗) = α(G).

– A implicação c) ⇒ a) é óbvia.

5.1.3.5. Seja U ⊂ V (G) e x∗ uma solução óptima para (PG−U (τ)), com τ > 0. Sejax∗ ∈ Rn tal que

x∗i =

{x∗i , if i 6∈ U0, caso contrário.

Então υG−U (τ) = 2eT x∗ − x∗T (AGτ

+ In)x∗ ≤ υG(τ).

Sendo τ∗ = maxυG(τ)=α(G) τ (e, consequentemente, como veremos maistarde, τ∗ ≥ 1), podemos concluir que ∀τ ∈]0, τ∗[ (PG(τ)) não tem soluçõesóptimas espúrias e ∀τ ≤ τ∗ υG(τ) = α(G).A Figura 5.1 ilustra o gráfico da função υG(τ), para o grafo G representado naFigura 5.2.

1 1.5 2 2.5 3 3.52.9

3

3.1

3.2

3.3

3.4

3.5

3.6

3.7)(tu

G

t

1 1 . 5 2 2 . 5 3 3 . 5

2 . 9

3

3 . 1

3 . 2

3 . 3

3 . 4

3 . 5

3 . 6

3 . 7

)(tuG

t

Figura 5.1: Gráfico de υG(τ), onde G é o grafo representado na Figura 5.2.

O próximo teorema permite concluir que o programa quadrático de Motzkin--Straus [23], na sua versão (5.10), é um caso particular da família de programasquadráticos (PG(τ)).

56 Independentes, Cliques e Colorações

12

3

4

5

6

12

3

4

5

6

Figura 5.2: Grafo G, com λmin(AG) = −1.7566, para o qual υG(2) = 3 = α(G)e S = {1, 3, 6} é um único estável máximo.

Theorem 5.1.4 ([10]). Considere-se o programa quadrático

(QG(τ)) νG(τ) = min{zT (AG

τ+ In)z : eT z = 1, z ≥ 0},

com τ > 0, e sejam x∗ e z∗ soluções óptimas para PG(τ) e QG(τ), respectiva-mente. Então z∗

νG(τ) e x∗υG(τ) são soluções óptimas para PG(τ) e QG(τ), respec-

tivamente, e υG(τ) = 1νG(τ) .

Demonstração. Da optimalidade de x∗ para PG(τ), pelas condições de Karush-Khun-Tucker [26], ∃y∗ ≥ 0 tal que

AGx∗ = τ(e− x∗) + y∗, (5.11)x∗T y∗ = 0, (5.12)

Então x∗T (AGτ

+ In)x∗ = eT x∗ = υG(τ) e, consequentemente,

1

υG(τ)=

x∗T

υG(τ)(AG

τ+ In)

x∗

υG(τ).

Por outro lado, tendo em atenção que x∗υG(τ)

é admissível para (QG(τ)), da optimalidadede z∗ para (QG(τ)), vem que

z∗T (AG

τ+ In)z∗ ≤ x∗T

υG(τ)(AG

τ+ In)

x∗

υG(τ).

Logo,

υG(τ)z∗T (AG

τ+ In)υG(τ)z∗ ≤ x∗T (

AG

τ+ In)x∗

mυG(τ) = 2eT x∗− x∗T (

AG

τ+ In)x∗ ≤ 2eT (υG(τ)z∗)− (υG(τ)z∗)T (

AG

τ+ In)(υG(τ)z∗),

uma vez que eT x∗ = υG(τ) e eT z∗ = 1. Consequentemente, υG(τ)z∗ é uma soluçãoóptima para (PG(τ)) e υG(τ) = (υG(τ))2z∗T (AG

τ+In)z∗ ⇔ υG(τ) = 1

νG(τ). A partir da

Formulações analíticas para estáveis máximos 57

última igualdade, também concluímos que z∗νG(τ)

é uma solução óptima para (PG(τ)).

Por outro lado, a optimalidade de x∗ para (PG(τ)) implica

υG(τ) = 2eT x∗− x∗T (AG

τ+ In)x∗ ≥ 2eT (υG(τ)z∗)− (υG(τ)z∗)T (

AG

τ+ In)(υG(τ)z∗).

Uma vez que eT x∗ = eT (υG(τ)z∗), vem que

(υG(τ)z∗)T (AG

τ+ In)(υG(τ)z∗) ≥ x∗T (

AG

τ+ In)x∗ = υG(τ)

m

νG(τ) = z∗T (AG

τ+ In)z∗ ≥ x∗T

υG(τ)(AG

τ+ In)

x∗

υG=

1

υG(τ).

Tendo em conta a igualdade (5.10), sabe-se que

1min{zT (AG + In)z : eT z = 1, z ≥ 0} = α(G). (5.13)

Logo, combinando este resultado com o Teorema 5.1.4, obtém-se a igualdade

υG(1) =1

νG(1)= α(G).

Se x∗ é uma solução óptima para (PG(τ)), com τ ≥ 1, então

2eT x∗ − x∗T (AG + In)x∗ ≤ υG(1) = α(G) ≤ υG(τ)

e, uma vez que υG(τ) = eT x∗ e x∗T AGx∗ = τ(υG(τ)−||x||2), obtém-se tambémum minorante para o número de estabilidade de G, ou seja,

υG(τ)− τ − 1τ

x∗T AGx∗ ≤ α(G) ≤ υG(τ).

O majorante υG(τ) para o número de estabilidade de G, com τ = −λmin(AG),foi introduzido em [22], com a seguinte condição necessária e suficiente para aobtenção da igualdade.

• Supondo que G tem pelo menos uma aresta, α(G) = υG(−λmin(AG)) see somente se para um estável máximo S de G (e, consequentemente, paratodos),

−λmin(AG) ≤ min{|NG(i) ∩ S| : i 6∈ S}. (5.14)

Podemos, no entanto, considerar a seguinte generalização, a qual se podededuzir aplicando as condições de Karush-Khun-Tucker, com uma prova seme-lhante à de (5.14) apresentada em [22].

Theorem 5.1.5. Seja G uma grafo com pelo menos uma aresta. Então ∀τ ≥−λmin(AG), α(G) = υG(τ) se e somente se para um estável S ⊂ G,

τ ≤ mini/∈S

|NG(i) ∩ S|. (5.15)

58 Independentes, Cliques e Colorações

Demonstração. Seja τ ≥ −λmin(AG), pelo que (PG(τ)) é um programa convexo.

• Suponha-se que α(G) = υG(τ) pelo que, sendo S ⊂ V (G) um estável máximo deG, o seu vector característico, x∗ = x(S), é uma solução óptima para (PG(τ)).Logo, por aplicação das condições de Karush-Khun-Tucker (5.11)-(5.12), existey∗ ≥ 0 tal que x∗T y∗ = 0 e AGx∗ = τ(e− x∗) + y∗. Nestas condições, uma vezque ∀i ∈ V (G) (AGx∗)i = |NG(i) ∩ S|, vem que

|NG(i) ∩ S| = τ(1− x∗i ) + y∗i ⇔{ |NG(i) ∩ S| = 0, se i ∈ S,|NG(i) ∩ S| = τ + y∗i , se i /∈ S,

donde se conclui que τ ≤ |NG(i) ∩ S| ∀i /∈ S e, consequentemente, que

τ ≤ mini/∈S

|NG(i) ∩ S|.

• Reciprocamente, suponha-se que existe um estável S ⊂ V (G), para o qual severifica a desigualdade τ ≤ mini/∈S |NG(i)∩S|. Então, sendo x∗ = x(S) o vectorcaracterístico de S, vem que (AGx∗)i = |NG(i) ∩ S| ∀i ∈ V (G) e, consequente-mente,

AGx∗ = τ(e− x∗) + y∗,

com y∗i = 0 se i ∈ S e y∗i = |NG(i) ∩ S| − τ se i /∈ S. Nestas condições, x∗

e y∗ verificam as condições de Karush-Khun-Tucker (5.11)-(5.12), pelo que x∗

é uma solução óptima para (PG(τ)). Logo, uma vez que α(G) ≤ υG(τ) = |S|,conclui-se que S é um estável máximo para G e que α(G) = υG(τ).

Existe uma infinidade de grafos G para os quais o programa quadrático deMotzkin-Straus (QG(1)) tem soluções óptimas espúrias (conforme se prova em[25]), e então o mesmo acontece para (PG(1)). Consequentemente, de acordocom o Teorema 5.1.2, para tais grafos não existe τ > 1 tal que υG(τ) = α(G).

Dado um grafo G e τ ∈]1,−λmin(AG)[, permanece por saber se a condição(5.15), quando verificada para todo o estável máximo de G, é suficiente parase obter a igualdade υG(τ) = α(G). O grafo G representado na Figura 5.3,para o qual λmin(AG) = −2.1774, mostra que a existência de um estávelmáximo S tal que τ ≤ min{|NG(j) ∩ S| : j 6∈ S}, com τ ∈]1,−λmin(AG)[,não é suficiente para a obtenção da igualdade υG(τ) = α(G). Note-se queS = {1, 4} é um estável máximo para o grafo G representado na Figura 5.3,tal que 2 ≤ min{|NG(i) ∩ S| : i 6∈ S} e α(G) = 2 < 7

3 ≤ υG(2) (deve notar-se,porém, que existem outros estáveis máximos S′ = {2, 3} e S′′ = {5, 2}, para osquais a desigualdade (5.15), com τ = 2, não se verifica).

Tendo em atenção o Teorema 5.1.3, podemos concluir que se S é um estávelmáximo de G, λmin(AG) não é inteiro e |NG(v) ∩ S| ≥ −λmin(AG) ∀v 6∈ S(como é o caso do grafo representado na Figura 5.2), então S é o único estávelmáximo de G. Com efeito, em tal caso, para τ ≥ −λmin(AG), o programaquadrático (PG(τ)) é convexo. Consequentemente, a combinação convexa desoluções óptimas de (PG(τ)) são também soluções óptimas. Por outro lado,

Formulações analíticas para estáveis máximos 59

1

2

3

4

5

1

2

3

4

5

Figura 5.3: Grafo, G, com λmin(AG) = −2.1774, onde existe um estável máximo,S = {1, 4}, para o qual a condição (5.15) se verifica para τ = 2, mas υG(2) >α(G).

fazendo τ1 = −λmin(AG) e τ2 = d−λmin(AG)e (onde dδe denota o menor inteironão inferior a δ), uma vez que

τ1 ≤ min{|NG(v) ∩ S| : v 6∈ S} ⇒ τ2 ≤ min{|NG(v) ∩ S| : v 6∈ S},por(5.15), obtém-se υG(τ1) = α(G) = υG(τ2). Logo, assumindo que existem doisestáveis máximos em G, os correspondentes vectores característicos são soluçõesóptimas tanto para (PG(τ1)) como para (PG(τ2)), e uma qualquer combinaçãoconvexa destas duas soluções é também solução óptima para ambos os progra-mas. Consequentemente, existem soluções óptimas espúrias para (PG(τ1)), o queentra em contradição com o Teorema 5.1.3.Tendo em conta que um emparelhamento é um conjunto de arestas sem vér-tices comuns, podemos concluir que a um emparelhamento de G correspondeum conjunto independente de vértices de L(G). Adicionalmente, dado que umgrafo G para o qual L(G) não é completo, tal como se prova em [9], tem umemparelhamento perfeito (ou seja, um emparelhamento que contém todos osvértices do grafo) se e só se α(L(G)) = υL(G)(2), conclui-se ainda que se umaárvore, com mais do que uma aresta, tem um emparelhamento perfeito, entãoesse emparelhamento perfeito é único. Note-se que o menor valor próprio deuma árvore é superior a −2.

Quando τ ∈]1,−λmin(AG)[, podemos estabelecer a seguinte condição neces-sária para a igualdade υG(τ) = α(G).

Theorem 5.1.6. Dado um grafo G, se υG(τ) = α(G), então para qualquerestável máximo S

|NG(v) ∩ S| ≥ τ ∀v ∈ V (G) \ S.

Demonstração. Se υG(τ) = α(G), então o vector característico de qualquer estávelmáximo de G é uma solução óptima para (PG(τ)). Logo, sendo x o vector característico

60 Independentes, Cliques e Colorações

de um estável máximo S de G, pelas condições de Karush-Khun-Tucker [26], ∃y ≥ 0tal que yT x = 0, e AGx = τ(e − x) + y. Consequentemente, para cada vértice v 6∈ S,obtém-se a seguinte igualdade

|NG(v) ∩ S| = τ(1− xv) + yv ⇔ |NG(v) ∩ S| = τ + yv,

e então |NG(v) ∩ S| ≥ τ.

Apesar da condição (5.15) não ser suficiente para a obtenção da igualdadeυG(τ) = α(G), quando τ ∈]1,−λmin(AG)[, assumindo que certas componentesdos vectores complementares de uma solução optima de (PG(τ)) têm valor nulo,esta igualdade verifica-se.

Theorem 5.1.7. Seja x∗ uma solução óptima para (PG(τ)) e y∗ o correspon-dente vector complementer. Se existe um estável máximo S de G, tal que y∗i = 0∀i ∈ S e τ ≤ min{|NG(i) ∩ S| : i 6∈ S} então υG(τ) = α(G).

Demonstração. De acordo com a hipótese AGx∗ = τ(e − x∗) + y∗. Então, sendo xo vector característico de S, vem que

xT AGx∗ = τ(α(G)−∑j∈S

x∗j ) +∑j∈S

y∗j

m∑j∈S

x∗j +∑

j 6∈S

|NG(j) ∩ S|τ

x∗j = α(G) +1

τ

∑j∈S

y∗j .

Se∑

j∈S y∗j = 0 e |NG(j)∩S|τ

≥ 1 ∀j 6∈ S, então

υG(τ) ≤∑j∈S

x∗j +∑

j 6∈S

|NG(j) ∩ S|τ

x∗j = α(G) ≤ υ(G).

Note-se que esta prova também implica que se ∃j 6∈ S tal que |NG(j)∩S| > τ,então x∗j = 0.

Combinando os Teoremas 5.1.7 e 5.1.6, segue-se que dado um grafo arbitrárioG, ∀τ > 0, se existe uma solução óptima para (PG(τ)) que é um ponto críticopara a respectiva função objectivo, então

α(G) = υG(τ) se e somente se τ ≤ min{|NG(i) ∩ S| : i 6∈ S}.

5.2 Grafos com número de estabilidade quadrá-tico convexo

Vamos passar a designar os grafos G para os quais o número de estabilidadecoincide com o valor óptimo do programa quadrático convexo (PG(τ)), comτ = −λmin(AG), por grafos com número de estabilidade quadrático convexo edenotar o conjunto destes grafos por Q.

Grafos com número de estabilidade quadrático convexo 61

Antes de prosseguirmos, convém lembrar que dado um grafo arbitrário G,se U ⊆ V (G), então λmin(AG) ≤ λmin(AG−u). Como consequência, tendo emconta as propriedades de υG(τ), podemos concluir que

∀U ⊆ V (G) υG−U (−λmin(AG−U )) ≤ υG(−λmin(AG)), (5.16)

uma vez que υG−U (−λmin(AG−U )) ≤ υG−U (−λmin(AG)) ≤ υG(−λmin(AG)).

Theorem 5.2.1 ([9]). Se G ∈ Q e U ⊆ V (G) é tal que α(G) = α(G − U),então G− U ∈ Q.

Demonstração. Dado que U ⊆ V (G) é tal que α(G) = α(G−U), das desigualdadesα(G− U) ≤ υG−U (−λmin(AG−U )) ≤ υG(−λmin(AG)), vem que

α(G) = υG(−λmin(AG)) ⇒ α(G− U) = υG−U (−λmin(AG−U )).

Os próximos resultados permitem desenvolver uma estratégia algorítmicapara o reconhecimento de grafos com número de estabilidade quadrático con-vexo.

Theorem 5.2.2 ([9]). Dado um grafo arbitrário G, se existe v ∈ V (G) tal que

υG(−λmin(AG)) 6= max{υG−{v}(−λmin(AG−{v})), υG−NG(v)(−λmin(AG−NG(v)))}então G /∈ Q.

Demonstração. Tendo em conta a desigualdade (5.16), a hipótese do teorema implicaque se tenha

υG(−λmin(AG)) > max{υG−{v}(−λmin(AG−{v})), υG−NG(v)(−λmin(AG−NG(v)))}.Seja S ⊆ V (G) um estável máximo de G.

• Se v /∈ S, então

α(G) = α(G− {v}) ≤ υG−{v}(−λmin(AG−{v}) < υG(−λmin(AG)).

• Se v ∈ S, então

α(G) = α(G−NG(v)) ≤ υG−NG(v)(−λmin(AG−NG(v))) < υG(−λmin(AG)).

Como consequência imediata deste teorema, se G ∈ Q, então ∀v ∈ V (G),

max{υG−{v}(−λmin(AG−{v}), υG−NG(v)(−λmin(AG−NG(v)).

Theorem 5.2.3 ([9]). Suponha-se que para o grafo G e para um vértice v ∈V (G) se verifica a igualdade

υG(−λmin(AG) = max{υG−{v}(−λmin(AG−{v})), υG−NG(v)(−λmin(AG−NG(v)))}e que υG−{v}(−λmin(AG−{v})) 6= υG−NG(v)(−λmin(AG−NG(v))).

62 Independentes, Cliques e Colorações

1. Se υG(−λmin(AG) = υG−{v}(−λmin(AG−{v}) então

G ∈ Q ⇔ G− {v} ∈ Q.

2. Se υG(−λmin(AG) = υG−NG(v)(−λmin(AG−NG(v)) então

G ∈ Q ⇔ G−NG(v) ∈ Q.

Demonstração.1. Supondo G ∈ Q, dado que

α(G) = υG(−λmin(AG) > υG−NG(v)(−λmin(AG−NG(v)) ≥ α(G−NG(v)),

podemos concluir que α(G) > α(G −NG(v)). Logo, se S é um estável máximode G, então NG(v) ∩ S 6= ∅ e, consequentemente, v /∈ S. Nestas condições,

α(G−{v}) = α(G) = υG(−λmin(AG)) = υG−{v}(−λmin(AG−{v})) ⇒ G−{v} ∈ Q.

Reciprocamente, supondo G− {v} ∈ Q e tendo em conta que

α(G− {v}) ≤ α(G) ≤ υG(−λmin(AG)) = υG−{v}(−λmin(AG−{v})),

obtém-se G ∈ Q.2. Supondo G ∈ Q, tendo em conta a hipótese

α(G) = υG(−λmin(AG)) > υG−{v}(−λmin(AG−{v})) ≥ α(G− {v}),vem que α(G − {v}) < α(G). Como consequência, se S é um estável máximo,então v ∈ S, NG(v) ∩ S = ∅ e α(G−NG(v)) = α(G). Logo,

α(G) = α(G−NG(v)) ≤ υG−NG(v)(−λmin(AG−NG(v))) ≤ υG(−λmin(AG))

e a hipótese implica α(G−NG(v)) = υG−NG(v)(−λmin(AG−NG(v))).Reciprocamente, supondo G −NG(v) ∈ Q, de acordo com a hipótese, sabemosque α(G−NG(v)) ≤ α(G) ≤ υG(−λmin(AG)) = υG−NG(v)(−λmin(AG−NG(v))),donde α(G) = υG(−λmin(AG)).

Finalmente, o próximo teorema permite desenvolver uma estratégia de ra-mificação, na presença de grafos que ∀v ∈ V (G) verificam as igualdades

υG(−λmin(AG)) = υG−{v}(−λmin(AG−{v})) = υG−NG(v)(−λmin(AG−NG(v)))

que são os únicos para os quais não se pode aplicar nenhum dos resultadosanteriores.

Theorem 5.2.4 ([9]). Se ∃v ∈ V (G) tal que

υG(−λmin(AG)) = υG−{v}(−λmin(AG−{v})) = υG−NG(v)(−λmin(AG−NG(v)),

então

G ∈ Q ⇔

G−NG(v) ∈ QouG− {v} ∈ Q.

5.3. EMPARELHAMENTOS E COBERTURAS DE ARESTAS POR VÉRTICES63

Demonstração. Suponha-se que G ∈ Q e que S é um estável máximo de G. Se v ∈ Sentão α(G) = α(G − NG(v)) ≤ υG−NG(v)(−λmin(AG−NG(v))) = υG(−λmin(AG)), oque implica α(G− {v}) = υG−{v}(−λmin(AG−{v})).Reciprocamente, suponha-se G − U ∈ Q, com U = {v} ou U = NG(v). Então, umavez que

α(G− U) ≤ α(G) ≤ υG(−λmin(AG)) ≤ υG−U (−λmin(AG−U )),

podemos concluir que α(G) = υG(−λmin(AG)).Existe uma grande variedade de grafos com número de estabilidade quadrá-

tico convexo. Com efeito, tal como se prova em [9], um grafo G, para o qual L(G)não é completo, admite um emparelhamento perfeito se e só se υL(G)(2) = α(G).Como consequência, todos os grafos linha de grafos com emparelhamentos per-feitos são grafos com número de estabilidade quadrático convexo.

5.3 Emparelhamentos e coberturas de arestas porvértices

Antes de prosseguirmos convém introduzir o conceito de matriz totalmente uni-modular, bem como alguns resultados que lhe estão associados. Assim, uma ma-triz quadrada B, com entradas inteiras, designa-se por unimodular se det(B) =±1. Por sua vez, uma matriz A, com entradas inteiras, designa-se por totalmenteunimodular se toda a submatriz quadrada não singular de A é unimodular. Comoconsequência, da definição de matriz unimodular, podemos concluir que o sis-tema Bx = b, onde B é uma matriz unimodular de ordem m e b ∈ Zm, temuma solução de componentes inteiras. Com efeito, sendo B = [b1 . . . bm], onde bj

denota a j-ésima coluna de B, para j = 1, . . . m, aplicando a regra de Cramer,para se obter a solução x = B−1b, vem que

xi =det([b1 . . . bi−1 b bi+1 . . . bm])

det(B), i = 1, . . . , m. (5.17)

Logo, tendo em conta que o numerador de (5.17) é inteiro e o denominador é±1, podemos concluir que xi tem valor inteiro, para i = 1, . . . , m.

Theorem 5.3.1. Dado um politopo definido pelo conjunto S = {x ∈ Rn : Ax =b, x ≥ 0}, onde A é uma matriz totalmente unimodular, se as componentes deb são inteiras, então os vértices de S (ou seja, as soluções básicas admissíveispara S) têm componentes inteiras.

Demonstração. A prova decorre da análise anterior.

Theorem 5.3.2. Se uma matriz A, com entradas aij ∈ {0, +1,−1}, não temmais do que duas componentes não nulas em cada coluna e se se os seus índiceslinha podem partir-se em dois subconjuntos I1 e I2 tais que

1. se uma coluna tem duas componentes com o mesmo sinal, então as linhascorrespondentes têm os seus índices em subconjuntos diferentes,

64 Independentes, Cliques e Colorações

2. se uma coluna tem duas componentes de sinal diferente, então as linhascorrespondentes têm os sues índices no mesmo subconjunto,

então A é totalmente unimodular.

Demonstração. Vamos fazer a prova por indução sobre a ordem das submatrizesquadradas de A, tendo em conta que qualquer submatriz de ordem 1 é submodular.Suponha-se que o resultado é verdadeiro para matrizes quadradas de ordem inferior ak, com k > 1 e seja B uma submatriz quadrada de A de ordem k. Vamos considerartrês casos distintos.

a) Se B tem uma coluna de zeros, então é sigular.

b) Se B tem uma coluna com uma única componente não nula, então podemosexpandir o respectivo determinante ao longo dessa coluna, pelo que o resultadopretendido decorre da hipótese de indução.

c) Suponha-se que em B todas as colunas têm duas componentes não nulas. Entãoas condições (1) e (2), implicam que para qualquer índice coluna de B, j, severifica a igualdade ∑

i∈I1

aij =∑i∈I2

aij .

Logo, podemos concluir que as linhas de B são linearmente dependentes e, con-sequentemente, B é singular.

Deste teorema decorre que as matrizes de incidência arco vértice dos grafosorientados são totalmente unimodulares e, por sua vez, as matrizes de incidên-cia aresta vértice de grafos não orientados bipartidos são, também, totalmenteunimodulares.

Theorem 5.3.3. Se G é um grafo bipartido, então o invólucro convexo dosvectores característicos dos emparelhamentos de G ("matching polytope"de G)fica definido pelas seguintes desigualdades

e∈∂(v)

xe ≤ 1, ∀v ∈ V (G), (5.18)

xe ≥ 0, ∀e ∈ E(G), (5.19)

onde, para cada v ∈ V (G), ∂(v) denota o conjunto de arestas incidentes em v,ou seja, o corte definido por v.

Demonstração. Seja M(G) o conjunto dos vectores característicos representativosdos emparelhamentos de G (ou seja, M(G) = {x(M) : M é um emparelhamento de G})e seja X o subconjunto de RE(G) que verifica as restrições (5.18)-(5.19).

(i) Dado um emparelhamento M de G, é claro que o seu vector característico x(M)verifica as restrições (5.18)-(5.19) e, deste modo, podemos concluir que M(G) ⊆X.

(ii) Se às restrições (5.18) acrescentarmos as variáveis de desvio, obtém-se um sis-tema de |V (G)| equações a |E(G)|+|V (G)| variáveis, cuja matriz dos coeficientes

Emparelhamentos e coberturas de arestas por vértices 65

[A, I] verifica as hipóteses do Teorema 5.3.2. Logo, trata-se de uma matriz to-talmente unimodular, pelo que as suas submatrizes quadradas não singularestêm determinante igual a ±1. Logo, as soluções básicas admissíveis para (5.18)-(5.19) têm componentes pertencentes ao conjunto {0, 1} e, consequentemente,são vectores característicos de emparelhamentos. Assim, podemos concluir queX ⊆ M(G).

Tendo em conta (i) e (ii), vem que M(G) = X.É fácil verificar que as inequações (5.18)-(5.19) não são suficientes para ca-

racterizarem emparelhamentos em grafos não bipartidos. Por exemplo, se con-siderarmos o grafo G não bipartido da figura a seguir, vem que xT = 1

2 (1, 1, 1)é um vértice do politopo (5.18)-(5.19).

1

2

3

Figura 5.4: Grafo não bipartido.

Com efeito, a partir da figura, com facilidade se verifica que o conjunto derestrições (5.18)-(5.19) relativo ao grafo representado, corresponde ao conjuntorestrições:

x12 + x23 ≤ 1,x23 + x13 ≤ 1,

x12 + x13 ≤ 1,x12, x23, x13 ≥ 0,

para o qual xT = 12 (1, 1, 1) é admissível.

Theorem 5.3.4. Se A é uma matriz totalmente unimodular e c é um vectorde componentes inteiras, então os vértices do poliedro convexo P = {y : yT A ≥cT , y ≥ 0} têm componentes inteiras.

Demonstração. Uma vez que A é totalmente unimodular, é claro que AT é umamatriz totalmente unimodular e, consequentemente, a matriz [AT , I] também é. Logo,do Teorema 5.3.1, podemos concluir que os vértices de P têm componentes inteiras.

Como consequências dos Teoremas 5.3.1 e 5.3.4, dada uma matriz totalmenteunimodular A, um vector de inteiros b e um vector de inteiros c, podemosconcluir que a relação de dualidade

maxAx≤b,x≥0

cT x = minyT A≥cT ,y≥0

yT b,

é válida para vectores de inteiros x∗ e y∗, desde que os respectivos programaslineares tenham óptimo finito. Na verdade, basta garantir que ambos os polie-dros sejam não vazios ou que pelo menos um deles tenha óptimo finito.

66 Independentes, Cliques e Colorações

Do Teorema 5.3.1 combinado com o Teorema 5.3.3 decorre ainda que paradeterminarmos um emparelhamento de cardinalidade máxima de um grafo bi-partido G, basta resolver o programa linear (P)

max∑

e∈E(G)

xe

s. a∑

e∈∂(v)

xe ≤ 1, ∀v ∈ V (G),

xe ≥ 0, ∀e ∈ E(G),

cujo dual (D)

min∑

v∈v(G)

yv

s. a∑

v∈V (e)

yv ≥ 1, ∀e ∈ E(G),

yv ≥ 0, ∀v ∈ V (G),

permite determinar o vector característico de um conjunto de cobertura de ares-tas por vértices de G (que a seguir se define) com cardinalidade mínima.

Designa-se por conjunto de cobertura de arestas por vértices (ou, simples-mente, conjunto de cobertura) de um grafo G, todo o subconjunto de vérticesT ⊆ V (G) tal que qualquer aresta de G é incidente em pelo menos um vérticede T . Um conjunto de cobertura diz-se conjunto de cobertura mínima, se nãoexiste outro conjunto de cobertura de menor cardinalidade. A cardinalidade deum conjunto de cobertura mínima de um grafo H designa-se por número decobertura de H e denota-se por β(H). Por exemplo, o subconjunto de vérticesT = {1, 4, 5}, constitui um conjunto de cobertura mínima para o grafo G repre-sentado na Figura 5.3, pelo que β(G) = 3.

Tendo em conta que o número de cobertura de um grafo G se denota porβ(G) e denotando a cardinalidade de um emparelhamento máximo de G porτ(G), estamos agora em condições de estabelecer os seguinte teorema obtidopor König, cuja prova é consequência, imediata, das considerações anteriores.

Theorem 5.3.5 (König). Se G é um grafo bipartido, então β(G) = τ(G).

Os conceitos de conjunto independente de vértices e de conjunto de coberturade arestas por vértices aparecem em muitas aplicações. Por exemplo, suponhaque pretende armazenar várias substâncias químicas em diferentes salas. É claroque é aconselhável armazenar em salas diferentes as substâncias químicas quesão incompatíveis entre si (ou seja, aquelas que na presença umas das outraspodem provocar reacções com consequências indesejáveis). Seja G um grafo cu-jos vértices são as substâncias químicas e onde dois vértices são adjacentes see somente se as correspondentes substâncias são incompatíveis. Logo, qualquerconjunto de vértices representando substâncias compatíveis forma um conjunto

5.4. COLORAÇÕES DE VÉRTICES E ARESTAS 67

independente de vértices em G. Por outro lado, sendo H um grafo cujos vér-tices são as salas e dois vértices são adjacentes se existe um corredor entre asrespectivas salas, o qual pode ser iluminado por uma fonte de luz colocada àentrada de uma das salas, podemos concluir que um conjunto de fontes de luzque ilumine todos os corredores constitui um conjunto de cobertura.

Theorem 5.3.6. Dado um grafo G, um subconjunto de vértices S ⊆ V (G) éindependente se e somente se T = V (G) \ S é um conjunto de cobertura de G.

Demonstração. Um subconjunto S ⊆ V (G) é um independente se e somente se nãoexistem vértices adjacentes em S. Logo qualquer aresta de G é incidente num vérticede T = V (G) \ S, pelo que T é um conjunto de cobertura.

Corolário 5.3.7. Dado um grafo G, α(G) + β(G) = n.

Demonstração. Seja S um estável máximo para o grafo G. Pelo Teorema 5.3.6,V (G) \ S é um conjunto de cobertura e, consequentemente, |V (G) \ S| = n− α(G) ≥β(G). De modo semelhante se conclui que, sendo T um conjunto de cobertura mínimade arestas por vértices de G, V (G)\T é um conjunto independente de vértices de G e,consequentemente, |V (G) \ T | = n− β(G) ≤ α(G). Tendo em conta as desigualdadesobtidas, vem que n = α(G) + β(G).

5.4 Colorações de vértices e arestasUm dos mais velhos problemas relacionados com a Teoria dos Grafos diz res-peito à coloração de mapas. Com este problema, pretende-se saber qual o menornúmero de cores necessárias para pintar um mapa de modo que não existam paí-ses, com fronteira comum, pintados da mesma cor. Uma forma de modelar esteproblema (ignorando situações particulares em que os países se distribuem pordiferentes componentes conexas e ainda a possibilidade de consideração de fron-teiras pontuais) consiste na construção de um grafo com tantos vértices quantosos países do mapa a colorir e ligar (com uma aresta) todos os pares de vérticesaos quais correspondam países com fronteira comum. Nestas condições, teremosque atribuir cores aos vértices de modo que não existam vértices adjacentes coma mesma cor.

Mais geralmente, dado um grafo arbitrário, G, designaŋse por coloração dosvértices de G, a determinação de uma função

φ : V (G) → C,

onde C denota um conjunto finito de cores, sobrejectiva tal que φ(u) 6= φ(v) seuv ∈ E(G). Se |C| = k, então diz-se que G é k-colorável, ou que o seu númerocromático que se denota por χ(G) e se define como sendo

χ(G) = min{|C|, φ : V (G) → C é uma coloração de vértices em G}

é uma coloração dos vértices de G, é não superior a k, i.e., χ(G) ≤ k. Em taiscondições V (G) admite uma partição nos subconjuntos V1, . . . , Vk tal que para

68 Independentes, Cliques e Colorações

todo o i ∈ {1, . . . , k}, se x, y ∈ Vi, então xy /∈ E(G).Analogamente à coloração de vértices, definemŋse colorações de arestas e defaces, embora, no caso destas últimas, apenas para grafos planares. Sendo X oconjunto das arestas (faces) de um grafo (grafo planar), G, dizemos que doiselementos de X, x e y, são adjacentes se incidem no mesmo vértice (se asfronteiras de ambos têm uma aresta em comum). A partir deste conceito deadjacência, a função θ : X → C, onde C denota um conjunto finito de cores,dizŋse uma coloração de arestas (faces) de G, com |C| cores, se θ é sobrejectivae x, y ∈ X são duas arestas adjacentes (i.e., com um vértice comum), entãotheta(x) 6= θ(y). De um modo equivalente, podemos dizer que G admite umacoloração das arestas (faces), com k = |C| cores se, sendo X o conjunto dassuas arestas (faces), X admite uma partição nos subconjuntos X1, . . . , Xk talque para todo o i ∈ {1, . . . , k}, Xi não tem vértices adjacentes. Em tais condi-ções, diz-se que G é |C|ŋcolorável nas arestas (faces). O menor |C| para o qualG é |C|ŋcolorável nas arestas (faces) designaŋse por índice cromático (númerocromático das faces) e denotaŋse por c′(G) (c”(G)). É claro que se G é nãonulo, então c′(G) = c(L(G)), onde L(G) denota o grafo linha de G. Por outrolado, se G é planar, então c(G) = c”(G∗) e c(G∗) = c”(G), onde G∗ denota orespectivo dual. Um resultado publicado em (Vizing, 1964) estabelece limitesmuito apertados para a coloração das arestas de grafos arbitrários. Com efeito,de acordo com o teorema de Vizing, dado um grafo, G,

∆(G) ≤ χ′(G) ≤ ∆(G) + 1.

Desde muito cedo se conjecturou que 4 cores bastariam para resolver o pro-blema da coloração dos vértices de grafos planares. O cartógrafo inglês FrancisGuthrie, já em 1852, reclamava a suficiência de 4 cores para distinguir os paísesnum mapa plano e foi precisamente nesse ano (1852) que A. de Morgan, numacarta que enviou a W. R. Hamilton, afirmou ter tomado conhecimento desteproblema, que designou por problema das 4 cores, através de um seu aluno,Frederick Guthrie (irmão de Francis Guthrie). Em 1878, numa comunicaçãoapresentada na "London athematical Society", Cayley referiuŋse ao problemadas 4 cores como sendo um problema em aberto. Em 1879, Kempe propôs umapretensa solução que só em 1890 foi refutada por Heawood, no seu primeirotrabalho escrito onde provou a suficiência de cinco cores para a coloração dosvértices de grafos planares. O teorema que se segue estabelece, precisamente,o resultado obtido por Heawood, com base no método utilizado por Kempe 11anos antes.

Theorem 5.4.1 (Heawood, 1890). Todo o grafo planar admite uma coloraçãodos vértices com 5 cores.

Colorações de vértices e arestas 69

Demonstração. A prova será feita por indução sobre o número de vértices do grafo.Suponhaŋse que G é um grafo planar não nulo e que o resultado é valido para grafosplanares com menor número de vértices do que |V(G)|. Pelo Teorema 3.2.4, existev ∈ V (G) tal que dG(v) ≤ 5 e, por hipótese de indução, G[V (G) \ {v}] admite umacoloração com 5 cores. Se nem todas as 5 cores são utilizadas nos vértices adjacentesa v, então uma das que ficam livres pode ser utilizada em v e, consequentemente,G admite uma coloração de vértices com 5 cores. Suponhaŋse que todos os vérticesadjacentes a v, v1 , v2, v3, v4 e v5 têm cores distintas (as quais vamos identificarpor 1, 2, 3, 4 e 5 e supôr distribuídas segundo uma ordem contrária aos ponteiro dorelógio).Seja V1;3 o conjunto de vértices que podem ser alcançados a partir de v1 por umcaminho que utiliza unicamente vértices com as cores 1 e 3. Então, podemos trocarestas duas cores, entre si, em V1;3∪{v1}, sem que vértices adjacentes deixem de ter coresdistintas. Se v3 /∈ V1;3 então, após a troca de cores, nenhum dos vértices adjacentes av tem a cor 1, pelo que a podemos utilizar para v.Suponhaŋse que v3 ∈ V1;3 e seja (v1, u1, . . . , uk, v3) um caminho (entre v1 e v3 ) comcores, alternadamente, 1 e 3. Acrescentando v a este caminho obtémŋse um ciclo, C1;3

homeomorfo a uma curva de Jordan fechada que, consequentemente, divide o planoem duas componentes conexas por caminhos e, de acordo com esta construção, ficaclaro que v2 e v4 pertencem a componentes distintas.Seja V2;4 o conjunto dos vértices alcançados, a partir de v2, por trajectos que utilizam,unicamente, as cores 2 e 4. Então, nenhum destes trajectos cruza o ciclo C1;3, peloque V2;4 está na componente que contém v2, cuja fronteira é C1;3 e v4 /∈ V2;4. Logo,trocando as cores 2 e 4, entre si, em V2;4 ∪ {2}, a cor 2 fica livre para o vértice v.

Um grafo G diz-se k-conexo (k ∈ N ∪ {0}) se a ordem de G é superior a ke G − X é conexo para todo o X ⊂ V (G), com |X| < k. Por outras palavras,G é k-conexo se não existem dois vértices de G separáveis por menos do que koutros vértices. Todo o grafo não vazio é 0-conexo e todos os grafos conexos nãotriviais são 1-conexos. O maior inteiro k tal que G é k-conexo designa-se porconectividade de G e denota-se por k(G). Consequentemente, k(G) = 0 se e sóse G é desconexo ou G = K1. É claro que, para todo o n ∈ N k(Kn) = n − 1.Designa-se por triangulação do plano (ou planar) todo o grafo conexo planarcujas faces têm como fronteira K3 (ou seja, triângulos). Uma triangulação doplano também se designa por grafo conexo planar maximal. Esta designaçãodeve-se ao facto de um tal grafo, G, apresentar a particularidade de ter umnúmero de arestas igual a 3|V (G)|6. Com efeito, de acordo com o Corolário 3.2.2,para qualquer grafo conexo planar H, |E(H)| ≤ 3|V (H)|6 e, por outro lado, setodas as faces de H têm K3 como fronteira, então 3|F0(H)| = 2|E(H)|, peloque, tendo em conta a própria fórmula de Euler, |E(H)| = 3|V (H)|6. Verifica-seainda que qualquer triangulação planar, G, tal que |V (G)| ≥ 4, é um grafo, pelomenos, 3-conexo. Tendo em conta que um grafo cúbico é um grafo regular comvértices de grau 3, pode concluir-se que se G é um grafo 2-conexo planar, então

um grafo G é uma triangulação se e só se o seu dual, G∗, é um grafocúbico e G é um grafo cúbico planar se e só se G∗ é uma triangulação.

Para se provar o teorema das quatro cores é suficiente provar que qualquergrafo planar maximal (triangulação do plano) tem número cromático não supe-rior a 4.

70 Independentes, Cliques e Colorações

Theorem 5.4.2. Se G é um grafo cúbico que admite um ciclo de Hamilton,então G admite uma coloração das arestas com 3 cores (i.e χ′(G) ≤ 3).

Demonstração. Dado que, de acordo com a hipótese, todos o vértices têm grau3, podemos concluir que a ordem de G é par (i.e., |V (G)| = 2k). Logo, sendo C =(x1, x2, . . . , x2k, x1) um ciclo de Hamilton para G, então |V (G)| = |V (C)| = |E(C)|,pelo que |E(C)| é também par. Como consequência, atribuindo-se a cor 1 às arestasx2j−1x2j , para j = 1, . . . , k, a cor 2 à aresta x2k, x1 e às arestas x2jx2j+1, para j =1, . . . , k − 1 e a cor 3 às restantes, obtém-se uma coloração das arestas de G sem queexistam arestas incidentes no mesmo vértice com a mesma cor.

Uma outra tentativa falhada para a resolução do problema das quatro cores(a adicionar à de Kempe) foi apresentada em 1880 por Tait que, por essa altura,estava convencido que qualquer grafo cúbico 2-conexo planar admitiria um ciclode Hamilton e, consequentemente, pelo Teorema-5.4.2, admitiria uma coloraçãode arestas com três cores. Esta pretensa majoração para o índice cromático dosgrafos cúbicos planares, veio a ser refutada, em 1946, por Tutte que, então,exibiu um grafo cúbico 2-conexo planar não hamitoniano com 69 arestas, 46vértices e 25 faces), (Tutte, 1946).

Relativamente aos grafos cúbicos 2-conexos não hamiltonianos, deve observar--se ainda que já em 1891 Peterson tinha encontrado um grafo cúbico 2-conexo(o famoso grafo de Peterson2, representado na capa) com um índice cromáticosuperior a 3 (logo, não hamiltoniano). No entanto, trata-se de um grafo nãoplanar.

Ambas as tentativas de resolução do problema das quatro cores, porém,tiveram contributos positivos. Kempe introduziu o conceito, que actualmentese designa por cadeia de Kempe (que corresponde a uma componente conexainduzida pelos vértices coloridos, unicamente, com duas cores, e que é utilizadana redutibilidade de configurações a que se recorre na prova, até ao momentoobtida, para o teorema das quatro cores) e Tait mostrou (com o teorema quese segue) que o problema da coloração dos vértices de triangulações do planocom quatro cores é equivalente à coloração das arestas do correspondente grafodual com apenas com 3 cores. Note-se que colorir as arestas do grafo dual deuma triangulação do plano com três cores, é equivalente a etiquetar as arestasque constituem as fronteiras triangulares de cada face com as cores das arestasduais que as cruzam, de tal forma que cada triângulo contenha as três cores.

Theorem 5.4.3 (Tait,1878-80). Sendo G uma triangulação do plano, χ(G) ≤4 se e só se as arestas de G podem ser etiquetadas com três etiquetas distintasde tal modo que na fronteira de cada face existam as três etiquetas.

Demonstração. Suponha-se que G admite a coloração de vértices f : V (G) →{(0, 0), (1, 0), (0, 1), (1, 1)} e que, a partir dela, se define a etiquetação de arestas de-terminada pela aplicação ψ : E(G) → {(1, 0), (0, 1), (1, 1)} tal que se uv ∈ E(G) então

2O grafo de Peterson, K(5,2), é um caso particular dos grafos de Kneser, K(n,k), que sedefinem, para n ≥ 2k, pelos vértices correspondentes a subconjuntos de k elementos de umconjunto de n elementos, em que dois vértices são adjacentes sse correspondem a subconjuntosdisjuntos. Deve observarŋse ainda que o grafo de Perterson corresponde ao complementar deL(K5).

Colorações de vértices e arestas 71

f(u) = (ux, uy), f(v) = (vx, vy) e

ψ(uv) = f(u) + f(v) = (ux + vx mod 2, uy + vy mod 2).

Nestas condições ψ(uv) associa às arestas de cada triângulo, as etiquetas (1, 0), (0, 1)e (1, 1).Reciprocamente, seja ψ : E(G) → {(1, 0), (0, 1), (1, 1)} uma função de etiquetação dasarestas de G, de tal forma que cada face contenha as três etiquetas. Seja v1 um vérticearbitrário e seja f : V (G) → {(0, 0), (1, 0), (0, 1), (1, 1)} tal que

f(x) =∑

e∈Pv1x

ψ(e) mod 2,

onde Pv1x é um caminho (ou passeio) arbitrário entre v1 e x. Assim, resta provar quea função f está bem definida, ou seja, o seu valor é independente do caminho (oupasseio) escolhido entre v1 e x (o que é equivalente a afirmar que o seu valor é nulopara x = v, considerando qualquer circuito) e ainda que f(x) 6= f(y) se xy ∈ E(G).Um vez que a segunda parte é imediata, vamos provar apenas a primeira parte.

Seja C um ciclo arbitrário de G, pelo que ou é um triângulo ou o domínio internoda curva de Jordam que lhe está associada está dividido em triângulos Ti. Então,procedendo à adição módulo 2 das etiquetas das arestas que constituem os triângulos,obtémŋse (1, 0)+(0, 1)+(1, 1) = (0, 0) e, sendo T o conjunto dos triângulos do domíniointerno de C (incluindo os que têm uma aresta em C), vem que

0 =∑

e∈E(T )

ψ(e) =∑

e∈E(C)

ψ(e) +∑

e∈E(T )\E(C)

ψ(e).

Dado que as arestas de E(T ) \ E(C) estão associadas a dois triângulos (logo con-tam duas vezes), podemos concluir que

∑e∈E(T )\E(C) ψ(e) = 0 e, consequentemente,∑

e∈E(C) ψ(e) = 0.Com facilidade se conclui que se um grafo planar, G, admite um ciclo de

Hamilton, então as faces do domínio interior da curva de Jordan associada aesse ciclo podem ser coloridas, alternadamente, com as cores 1 e 2 e as facesdo domínio exterior coloridas, alternadamente, com as cores 3 e 4, pelo queχ(G) ≤ 4. Um resultado relativamente recente, publicado em (Grimberg, 1968),tornou mais fácil a construção de contraŋexemplos para a conjectura de Tait(de que todos os grafos cúbicos 2ŋconexos planares seriam hamiltonianos).

Theorem 5.4.4 (Grimberg, 1968). Seja G é um grafo planar hamiltoniano,CH um ciclo hamiltoniano para G, F int

0 (CH) e F ext0 (CH) os subconjuntos

de faces de G pertencentes, respectivamente, ao domínio interior e exterior dacurva de Jordan definida por CH. Denotando por f int

i e fexti o número de faces

de grau i existentes, respectivamente, em F int0 (CH) e F ext

0 (CH), então∑

i

(i− 2)(f inti − fext

i ) = 0,

onde o somatório é estendido a todos os graus das faces de G.

Demonstração. Suponhaŋse que o grafo G é realizado na esfera, pelo que CH separaa superfície esférica em duas componentes conexas, uma que contém as faces do subcon-junto F int

0 (CH) e outra que contém as faces do subconjunto F ext0 (CH), as quais con-

tinuaremos a designar, respectivamente, por domínio interior e exterior de CH. Sendo

72 Independentes, Cliques e Colorações

E(G) = E(CH) ∪Eint(CH) ∪Eext(CH), onde Eint e Eext(CH) denotam os subcon-juntos de arestas que não estão em E(CH) e pertencem, respectivamente, ao domíniointerior e exterior de CH (pelo que |E(G)| = |E(CH)| + |Eint(CH)| + |Eext(CH)|),com facilidade se conclui que |F int

0 | = |Eint(CH)|+1 e |F ext0 | = |Eext(CH)|+1. Logo,

vem que

|F int0 (CH)| =

∑i

f inti = |Eint(CH)|+ 1 (5.20)

|F ext0 (CH)| =

∑i

fexti = |Eint(CH)|+ 1 (5.21)

e, por outro lado,∑

i

if inti = |E(CH)|+ 2|Eint(CH)| (5.22)

∑i

if inti = |E(CH)|+ 2|Eint(CH)| (5.23)

Combinando as igualdades (5.20) e (5.22) e as igualdades (5.21) e (5.23) decorre que∑

i

(i− 2)f inti = |E(CH)| − 2 e

∑i

(i− 2)fexti = |E(CH)| − 2

e, consequentemente,∑

i (i− 2)(f inti − fext

i ) = 0.Como consequência deste teorema, Grinberg construiu vários contraŋexem-

plos, para a conjectura de Tait.Se χ(G) = k, mas χ(G′) < k, para qualquer subgrafo próprio de G (ou

seja, ⊆ G′ e |V (G′)| + |E(G′)| < |V (G)| + |E(G)| ⇒ χ(G′) < cχ(G)), então Gdizŋse kŋcríticoŋcolorável. Por outro lado, x ∈ V (G)∪E(G) diz-se um elementocrítico de G se χ(G − {x}) < χ(G). Consequentemente, G é crítico se todosos seus vértices e todas as suas arestas são elementos críticos. Os únicos grafosk-crítico-coloráveis, para k ∈ {1, 2} são os grafos completos K1 e K2 . Parecenão existir qualquer caracterização razoável para os grafos 4-crítico-coloráveis,ou equivalentemente, para os grafos 3-coloráveis, o mesmo não acontecendo,porém, relativamente aos grafos bi-coloráveis que são grafos bipartidos.

Theorem 5.4.5 (Appel e Haken, 1977). χ(S0) = 4.

Designa-se por bloco todo o grafo sem vértices de corte, pelo que, com ex-cepção do bloco trivial K2, também não tem arestas de corte. Por sua vez, de-signaŋse por bloco de um grafo G, todo o subgrafo maximal que define um bloco(i.e., sem vértices de corte). Logo, todo o bloco de um grafo G, ou é um subgrafomaximal 2-conexo, ou uma ponte ou um vértice isolado. Tendo em conta a pro-priedade de maximalidade, dois blocos diferentes de um mesmo grafo conexo, G,apenas se sobrepõem num único vértice que, em tais condições, é um vértice decorte de G. Consequentemente, pode concluir-se que cada aresta pertence a umúnico bloco e que um grafo é união dos seus blocos, podendo interpretar-se osblocos como sendo as componentes 2-conexas que constituem o grafo. Designa--se por bloco extremo todo o bloco que contém, unicamente, um vértice de cortede G.

Colorações de vértices e arestas 73

Theorem 5.4.6. Qualquer que seja o grafo G,

χ(G) ≤ max{δ(G[U ]) : U ⊆ V (G)}+ 1.

Demonstração. Suponhaŋse que G tem ordem n e seja k = max{δ(G[U ]) : U ⊆V (G)}. Seja vn um vértice de G tal que dG(vn) ≤ k e Hn−1 = G−{vn}. Por hipótese,Hn−1 tem um vértice de grau não superior a k. Seja vn−1 um desses vértices e sejaHn−2 = Hn−1 − {vn−1}, i.e, Hn−2 = G− {v1, v2}. Continuando este processo obtém--se uma sequência de vértices de G, v1, . . . , vn, tal que vj é adjacente a um máximode k vértices que o precedem. Consequentemente, para os colorir, no máximo, sãonecessárias k + 1 cores.

Se G é um grafo conexo não regular, então max{δ(G[U ]) : U ⊆ V (G)} ≤∆(G)− 1 e, consequentemente, por aplicação do Teorema 5.4.6, χ(G) ≤ ∆(G).O teorema a seguir generaliza esta desigualdade para os grafos conexos regularesque não são completos nem ciclos de comprimento ímpar.

Theorem 5.4.7 (Brooks, 1941). Sendo G um grafo conexo, se G não é com-pleto nem um ciclo de comprimento ímpar, então χ(G) ≤ ∆(G).

Demonstração. No caso de G ser não regular já se concluiu que χ(G) ≤ ∆(G), peloque vamos fazer a prova para o caso de G ser regular. Adicionalmente, sem perda degeneralidade, vamos assumir que G é pelo menos 2ŋconexo 3 e que δ(G) = ∆(G) ≥ 3,uma vez que um grafo regular tal que δ(G) = ∆(G) = 2, nas condições da hipótese, éum ciclo de comprimento par, logo com número cromático igual a 2.No caso de G ser 3ŋconexo, considere-se vn como sendo um vértice de G com doisvizinhos, v1 e v2, não adjacentes (um tal vértice existe uma vez que G não é completo).Caso G seja 3ŋconexo, considere-se vn como sendo um vértice tal que G− {vn} é umgrafo separável, pelo que tem pelo menos dois blocos e dado que G é 2ŋconexo, cadabloco extremo do subgrafo G− {vn} tem um vértice adjacente a vn, respectivamente,v1 e v2.Em qualquer dos casos os vértices v1, v2 e vn são tais que G−{v1, v2} é conexo, v1v2 /∈E(G), mas v1vn, v2vn ∈ E(G). Consideremŋse os vértices de N(vn) = NG−{v1,v2}(vn),como sendo vn1, . . . , vn−k1 , onde k1 = |NG−{v1,v2}(vn)|, seguidamente consideremŋseos vértices do conjunto

N(vn−k1) = NG−{v1,v2}(vn−1) ∪ . . . ∪NG−{v1,v2}(vn−k1) \ {vn, . . . , vn−k1}como sendo vn−k1−1, . . . , vn−k1−k2 , onde k2 = |N(vn−k1)|, e assim sucessivamente.Com o procedimento referido, obtémŋse a sequência de vértices v1, v2, . . . , vn−1, emque, com com excepção de vn, todos os vértices são adjacentes a pelo menos um dosseguintes. Uma vez que v1 e v2 têm a mesma cor, vn é adjacente a ambos e vj , comj ∈ {3, . . . , n− 1} tem no máximo ∆(G)− 1 vizinhos na subsequência v1, v2, . . . , vj−1,quando muito, serão necessárias ∆(G) cores, para colorir os vértices de G.

À primeira vista tudo indica que a existência de grafos com elevado númerocromático está directamente relacionada com a existência, nesses grafos, de sub-grafos completos de elevada cardinalidade. O teorema a seguir, porém, contrariauma tal relação, ao garantir a existência de grafos com cintura superior a 3 (i.e.,sem triângulos) e com número cromático arbitrário.

3No caso dos grafos 1ŋconexos, G, sendo G = G1 ∪ . . . ∪Gp, onde G1, . . . , Gp são os seusblocos, χ(G) = max{χ(Gj), j = 1, . . . , p}.

74 Independentes, Cliques e Colorações

Theorem 5.4.8 (Zykov, 1949). ∀k ∈ N, existe um grafo Gk tal que g(Gk) > 3e χ(Gk) = k.

Demonstração. Vamos fazer a prova por indução sobre k, assumindo que o resultadoé verdadeiro G1, . . . , Gk−1. Consideremŋse cópias disjuntas destes grafos e seja V =|V (G1)| × . . .× |V (Gk−1)| um conjunto de novos vértices definidos pelos (k− 1)-uplosde vértices obtidos pela selecção de um vértice de cada um dos grafos G1, . . . , Gk−1.Assim, Gk é obtido de G1, . . . , Gk−1 e V , ligando cada vértice de V aos k− 1 vérticesque lhe correspondem em G1, . . . , Gk−1, um em cada Gi, pelo que χ(G) ≤ k (a). Poroutro lado, em G1 existe um vértice v1 com uma certa cor c1, em G2 existe um vérticev2 com uma cor c2 6= c1 (dado que χ(G2) = 2), em G3 existe um vértice v3 comuma cor c3 /∈ {c1, c2} (dado que χ(G2) = 3), etc. Consequentemente, o vértice v ∈ Vadjacente a v1, . . . , vk1, tem de ter uma cor distinta de c1, . . . , ck−1, pelo que χ(G) ≥ k(b). Tendo em conta as desigualdades (a) e (b) concluiŋse que cχ(Gk) = k.

Segueŋse a conjectura, ainda em aberto, formulada por Hadwiger em 1943.

Conjectura 5.4.1 (Hadwiger, 1943). Dado um grafo arbitrário, G, paratodo o inteiro positivo p, χ(G) ≥ p ⇒ Kp ≤ G, onde S ≤ T denota que S é ummenor de T .

Esta conjectura está provada para p ∈ {1, 2, 3, 4, 5, 6}. Para p = 7, no en-tanto, a conjectura continua em aberto e a sua prova ou refutação constitui umdos grandes desafios da Teoria dos Grafos. A conjectura de Hadwiger (Hadwi-ger, 1943) é trivialmente verdadeira para p ∈ {1, 2}. Para p = 3, decorre daimplicação de que se G não contém K3 como menor, então G não contém ciclos(pelo que é uma floresta), logo G é bipartido e, consequentemente, é bi-colorável,i.e., χ(G) < 3. Para p = 4, a prova pode ser consultada em (Diestel, 1997) pag.181-182. Por sua vez, o teorema das 4 cores implica a conjectura de Hadwigerpara p = 5, i.e., χ(G) ≥ 5 ⇒ K5 ≤ G, podendo a respectiva demonstração serconsultada em (Parathasarathy, 1994) pag. 306-307 ou (Diestel, 1997) pag. 182-183. A prova da conjectura de Hadwiger para p = 6 decorre de um estudo sobregrafos não contractíveis a K6, desenvolvido em (Robertson, Seymour e Thomas,1993), onde, assumindo a validade do teorema das quatro cores, se conclui quetais grafos são 5-coloráveis e, consequentemente, que a conjectura de Hadwigeré verdadeira para p=6. Com facilidade se prova ainda que se a conjectura deHadwiger é verdadeira para p = q, então também é verdadeira para p < q. Comefeito, supondo que a conjectura é verdadeira para p = q e que χ(G) ≥ q − 1,então, fazendo

G⊕ v = (V (G) ∪ {v}, E(G) ∪ {xv : x ∈ V (G)})

com v /∈ V (G), vem que χ(G⊕ v) = χ(G) + 1 ≥ q e, uma vez que por hipóteseKp ≤ G ⊕ v, conclui-se que Kq−1 ≤ G. Desta última conclusão, ou seja, daimplicação

(χ(G) ≥ p ⇒ Kp ≤ G) ⇒ (χ(G) ≥ p− 1 ⇒ Kp−1 ≤ G)

decorre, ainda, que a prova da validade da conjectura de Hadwiger para p ≥ 5,

Colorações de vértices e arestas 75

implica a validade do teorema das 4 cores. Com efeito, para p = 5 + k, vem que

(χ(G) ≥ 5 + k ⇒ K5+k ≤ G) ⇒ (χ(G) ≥ 5 + k − 1 ⇒ K5+k−1 ≤ G)⇒ (χ(G) ≥ 5 + k − 2 ⇒ K5+k−2 ≤ G)...⇒ (χ(G) ≥ 5 ⇒ K5 ≤ G).

Logo, se G é plano, então G não é contractível a K5 (i.e., K5 não é um menorde G) e, da última das implicações obtidas conclui-se que χ(G) < 5.

Tendo em conta que do Teorema 3.3.4 combinado com a desigualdade gKn ≤d (n−3)(n−4)

12 e, obtida em (Ringel and Youngs, 1968), se obtém a igualdade gKn=

d (n−3)(n−4)12 e e ainda que χ(Kp) = p, pode agora concluir-se que ∀n > 0

χ(Sn) ≥ b7 +√

1 + 48n

2c.

Com efeito, sendo p = b 7+√

1+48n2 c, dado que gKp = d (n−3)(n−4)

12 e, vem que

gKp = d (b7+√

1+48n2 c − 3)(b 7+

√1+48n2 c − 4)

12e

= db7+√

1+48n2 − 3cb 7+

√1+48n2 − 4c

12e (5.24)

≤ db−1+1+48n

4 c12

e (5.25)

= n. (5.26)

Note-se que a igualdade (5.24) se obtém, tendo em conta que bxc −m = bx −mc ∀m ∈ Z e a desigualdade (5.25) decorre da desigualdade bxcbyc ≤ bxyc.Logo, podemos concluir que Kp é realizável em Sn, donde decorre que

χ(Sn) ≥ χ(Kp) = p = b7 +√

1 + 48n

2c (5.27)

Em 1890, Heawood conjecturou a identidade χ(Sn) = b 7+√

1+48n2 c ∀n > 0,

tendo apenas provado a desigualdade recíproca da desigualdade (5.27). Combi-nando estas duas desigualdades fica feita a prova da conjectura de Heawood.

Theorem 5.4.9. ∀g ≥ 0 χ(Sg) = b 7+√

1+48g2 c.

Demonstração. Uma vez que, de acordo com o teorema das quatro cores, χ(S0) = 4e, para g = 0, se obtém

b7 +√

1 + 48g

2c = b7 +

√1 + 0

2c = 4 = χ(S0),

resta fazer a prova para g > 0.Tendo em conta a desigualdade (5.27), sabe-se que χ(Sg) ≥ b 7+

√1+48g2

c, para g ≥ 1.

76 Independentes, Cliques e Colorações

Logo, para g ≥ 1, pode concluir-se que χ(Sg) ≥ 7. Seja G um grafo com genus g ≥ 1tal que χ(G) = k ≥ 7. Tendo em conta que |V (G)| ≥ 3, cada face de G é limitada por,pelo menos, 3 arestas e, consequentemente, 3|Fg(G)| ≤ 2|E(G)|. Logo, por aplicaçãoda fórmula de Euler generalizada (|V (G)|+ |Fg(G)| − |E(G)| = 2(1− g)),

|E(G)| ≤ 3|V (G)| − 6(1− g). (5.28)

Sendo G′ um subgrafo de G k-critico-colorável, então δ(G′) ≥ k−14 e, tendo em conta(5.28), δ(G′)|V (G′)| ≤ 6|V (G′)| − 12(1 − g). Consequentemente, (k − 1)|V (G′)| ≤6|V (G′)| − 12(1− g). Dado que esta última inequação é equivalente a (k− 7)|V (G′)|+12(1 − g) ≤ 0 e que 7 ≤ k ≤ |V (G′)|, conclui-se que (k − 7)k + 12(1 − g)) ≤ 0 ⇔k2 − 7k + 12(1− g) ≤ 0. Logo, vem que

k ≤ 7 +√

49− 48(1− g)

2=

7 +√

1 + 48g

2⇔ b7 +

√1 + 48g

2c.

Deve observar-se que a demonstração deste teorema vai contra a nossa in-tuição de que seria mais simples determinar χ(S0) do que χ(Sn), para n > 0.Com efeito, embora se tenham obtido ambos os resultados, as técnicas até aomomento utilizadas para se chegar à determinação do primeiro são bem maiselaboradas do que as utilizadas na determinação do segundo.

Theorem 5.4.10 (Gaddum, Nordthaus, 1960). Sendo G o grafo comple-mentar de G verifica-se que χ(G) + χ(G) ≤ |V (G)|+ 1.

Demonstração. Vamos fazer a prova por indução sobre o número de vértices, tendoem conta que o resultado é trivialmente verdadeiro para grafos de ordem 1 e 2.Suponha-se que o resultado é verdadeiro para grafos com menos vértices do que osde G e que |V (G)| ≥ 2. Sendo G′ o subgrafo obtido de G por eliminação de um vérticex, vem que

χ(G) ≤ χ(G′) + 1, (5.29)χ(G) ≤ χ(G′) + 1 (5.30)

Se a igualdade se verifica em (5.29) e em (5.30), então dG(x) ≥ χ(G′) e dG(x) ≥ χ(G′).Consequentemente,

χ(G) + χ(G) = χ(G′) + χ(G′) + 2 ≤ dG(x) + dG(x) + 2 = |V (G)|+ 1.

Suponha-se que a igualdade não se verifica em ambas a inequações (5.29) e (5.30).Então χ(G) + χ(G) ≤ χ(G′) + χ(G′) + 1 ≤ |V (G′)|+ 1 + 1 = |V (G)|+ 1.

Para se concluir que o majorante determinado no Teorema 5.4.10 é atingido,basta exibir um par de grafos complementares, para o qual se obtém a igualdade(o que não é difícil).

Corolário 5.4.11. Sendo G o grafo complementar de G, verifica-se a desigual-dade χ(G)χ(G) ≤ b (|V (G)|+1)2

2 c4Note-se que se v ∈ V (G′) é um vértice k-crítico-colorável, então χ(G′−{v}) = χ(G′)−1 ≤

dG(v) e, consequentemente, se G′ é k-crítico-colorável, então χ(G′)− 1 ≤ δ(G′).

Colorações de vértices e arestas 77

Demonstração.

4χ(G)χ(G) ≤ 4χ(G)χ(G) + (χ(G)− χ(G))2 = (χ(G) + χ(G))2 ≤ (|V (G)|+ 1)2.

Tal como anteriormente, neste caso, também se verifica que o majorante éatingido.

Theorem 5.4.12. Dado um grafo arbitrário G, verificam-se as seguintes desi-gualdades:

χ(G) + α(G)− 1 ≤ |V (G)| ≤ χ(G)α(G).

Demonstração. Seja χ(G) = k e atribuamŋse aos vértices de G as cores c1, . . . , ck.Sendo Si ⊂ V (G) o subconjunto de vértices com a cor ci, para i = 1, . . . , k, cadasubconjunto Si é um estável para G. Logo, α(G) ≥ |Si| ∀i ∈ {1, . . . , k} e

|V (G)| = |S1 ∪ . . . ∪ Sk| =k∑

i=1

|Si| ≤ kα(G) = χ(G)α(G).

Adicionalmente, supondo que aos vértices de um estável máximo, S, é atribuída umacor, então aos restantes |V (G)| − α(G) vértices poder-se-ão atribuir |V (G)| − α(G)cores, pelo que χ(G) ≤ |V (G)| − α(G) + 1 ⇔ χ(G) + α(G)− 1 ≤ |V (G)|.Theorem 5.4.13. Se G é um grafo de ordem n e dimensão m, então

χ(G) ≥ n2

n2 − 2m.

Demonstração. Seja χ(G) = k e sejam S1, . . . , Sk os conjuntos de vértices com ascores c1, . . . , ck. Ordenando os vértices convenientemente e denotando os conjuntos deíndices associados aos vértices de Si, para i = 1, . . . , k, por J(Si), verifica-se que amatriz de adjacência de G, AG, toma o seguinte aspecto:

AG =

J(S1) J(S2) · · · J(Sk)

J(S1) 0 · · · · · · · · ·J(S2) · · · 0 · · · · · ·...

......

......

J(Sk) · · · · · · · · · 0

.

Seja ni o número de vértices do conjunto Si (ni = |Si|), para i = 1, . . . , k e seja N0 eN1, respectivamente, o número de entradas nulas e entradas unitárias da matriz AG.Então, por um lado, tendo em conta a desigualdade de Chebishev,

N0 ≥k∑

i=1

n2i ≥

(∑k

i=1 ni)2

k=

n2

k

e, por outro lado, N1 = 2m, uma vez que a soma das componentes unitárias de cadalinha (ou coluna) da matriz corresponde ao grau do vértice que lhe está associado.Consequentemente, o número total de entradas da matriz AG vem dado por

n2 = N0 + N1 ≥ n2

k+ 2m ⇔ χ(G) = k ≥ n2

n2 − 2m.

78 Independentes, Cliques e Colorações

5.5 Exercícios5.5.1. Dado um grafo G de ordem n e o programa quadrático

(PQ) minx∈∆

xT AGx,

onde ∆ = {x :∑

j xj = 1, x ≥ 0}, prove que se x∗ é solução óptima parao problema de optimização

min0 6=x≥0

xT AGx

xT AKnx + ||x||2 ,

então existe λ∗ > 0 tal que λ∗x∗ é uma solução óptima para (PQ).

5.5.2. Sendo G um grafo p-regular, prove que se o programa quadrático convexo

(PG(τ)) υG(τ) = maxx≥o

2ex− xT (AG

τ+ I)x,

onde τ = −λmin(AG), atinge o seu valor óptimo num ponto crítico dafunção objectivo, então todas as soluções óptimas são pontos críticos paraa função objectivo.

5.5.3. Prove que se uma árvore tem um emparelhamento perfeito, então esseemparelhamento é único.

5.5.4. Dado um grafo bipartido G, com matriz de incidência aresta vértice BG ∈Rn×m, considere os pares de problemas primal dual:

(P ) max∑

ij∈E(G)

xij (D) min∑

v∈V (G)

yv

s. a BGx ≤ e, s. a yT BG ≥ e,

x ≥ 0, y ≥ 0,

onde e e e denotam vectores de componentes unitárias de Rn e Rm, res-pectivamente. Prove que uma solução óptima de (P) define o vector ca-racterístico de um emparelhamento máximo e uma solução óptima de (D)define o vector característico de um conjunto de cobertura mínima dearestas por vértices.

5.5.5. Dado um grafo arbitrário G de ordem n, prove a desigualdade

χ(G) ≤ (n + 1)2

2α(G).

Capítulo 6

Resultados AlgébricosAssociados a Grafos

6.1 Polinómios cromáticosBirkhoff e Lewis [6] introduziram os polinómios cromáticos, tendo como ob-jectivo a resolução do problema das quatro cores. Para um grafo G, dado umconjunto de λ cores, a função f(G;λ) define-se como sendo o número de colora-ções (adequadas, ou seja, colorações de vértices sem vértices adjacentes com amesma cor.) dos vértices que é possível realizar em G, com λ cores e designa-sepor polinómio cromático de G. Logo, se λ < χ(G), então f(G;λ) = 0 e

χ(G) = minf(G;λ)>0

λ.

É fácil concluir que f(Kn;λ) = λ(λ−1) · · · (λ−(n−1)), para λ ≥ n. Com efeito,começando por escolher um vértice arbitrário, podemos colori-lo com qualquerdas λ cores, para o segundo vértice escolhido a sua coloração pode ser feita comqualquer das λ− 1 cores que restam, etc. Por exemplo,

f(K3;λ) = λ(λ− 1)(λ− 2)f(Kc

n;λ) = λn.

No que se segue uma coloração de vértices designa uma coloração adequadade vértices.

Theorem 6.1.1. Se G é um grafo, então ∀e ∈ E(G)

f(G;λ) = f(G \ e; λ)− f(G/e;λ).

Demonstração. Seja e = uv uma aresta de G. Tendo em atenção que f(G \ e; λ)denota o número de colorações de G \ e, utilizando λ cores, podemos concluir que essenúmero é igual é soma do número de colorações de G\e, com u e v recebendo a mesmacor (o qual é igual ao número de colorações de G/e) mais o número de colorações deG \ e, com u e v recebendo cores distintas (o qual é igual ao número de colorações deG). Logo, vem que f(G \ e; λ) = f(G; λ) + f(G/e; λ).

79

80 Resultados Algébricos Associados a Grafos

É imediato concluir que dados dois grafos disjuntos G e H, denotando porG + H a sua união, vem que f(G + H; λ) = f(G; λ)f(H; λ).

Denotando por Cr um ciclo com r vértices, por Ps um caminho com s vér-tices e por kH a união de k cópias de H, como exemplo de aplicação, vamosdeterminar o polinómio cromático do grafo C4, representado na figura a se-guir, utilizando dois métodos distintos.

x

y

z

w

C4

x

y

z

w

P4 = C4 \ xy

x z

w

K3 = C4/xy

x

y

z

w

2K2 = P4 \ wz

x

y

w

P3 = P4/wz

x

y

w

K2 + K1 = P3 \ yw

Figura 6.1: Grafos C4, P4, K3, 2K2, P3 e K2 + K1.

1.

f(C4; λ) = f(G \ xy; λ)− f(G/xy; λ)= f(P4; λ)− f(K3;λ)= f(P4 \ wz; λ)− f(P4/wz)− f(K3; λ)= f(2K2;λ)− f(P3;λ)− f(K3;λ)= f(2K2;λ)− (f(P3 \ yw; λ)− f(P3/yw; λ))− f(K3; λ)= f(2K2;λ)− f(K2 + K1; λ) + f(K2; λ)− f(K3; λ)= (f(K2; λ))2 − f(K2; λ)f(K1; λ) + f(K2; λ)− f(K3;λ)= (λ(λ− 1))2 − λ(λ− 1)λ + λ(λ− 1)− λ(λ− 1)(λ− 2)= λ4 − 4λ3 + 6λ2 − 3λ.

Polinómios cromáticos 81

x

y

z

w

C4 = G \ yw

x

y

z

w

G = K4 \ xz

xy

z

P3 = G/yw

x

y

z

w

K4

x

y

w

K3 = K4/xz

x y

K2 = K3/xz

Figura 6.2: Grafos C4, K4 \ xz, P3, K4, K3 e K2.

2.

f(G \ yw; λ) = f(G; λ) + f(G/yw; λ)= f(K4 \ xz; λ) + f(P3; λ)= f(K4;λ) + f(K4/xz; λ) + f(K3 \ xz; λ)= f(K4;λ) + f(K3;λ) + f(K3; λ) + f(K3/xz; λ)= f(K4;λ) + 2f(K3;λ) + f(K2; λ)= λ4 − 4λ3 + 6λ2 − 3λ.

Note-se que a função f(C4; λ), anteriormente calculada, é um polinómiomónico com coeficientes inteiros de grau 4, no qual o coeficiente de λ3 é −m =−4, o termo constante é nulo e os coeficientes alternam em sinal. O teorema aseguir estabelece que estas características não são coincidência.

Theorem 6.1.2. Para um grafo simples G de ordem n e dimensão m, f(G;λ) éum polinómio mónico de grau n em λ com coeficientes inteiros e termo constantenulo. Adicionalmente, cada coeficiente alterna em sinal e o coeficiente de λn−1

é −m.

Demonstração. Vamos fazer a prova por indução sobre o número de arestas m, tendoem conta que para m = 0 o resultado é trivialmente verdadeiro (F (Kc

n; λ) = λn).Suponhamos que o resultado é verdadeiro para grafos com menos do que m arestas,com m ≥ 1 e seja G um grafo de ordem n, dimensão m e e ∈ E(G). Então,

f(G \ e; λ) = λn − a1λn−1 + a2λ

n−2 + · · ·+ (−1)n−1an−1λ

f(G/e; λ) = λn−1 − b1λn−1−1 + b2λ

n−1−2 + · · ·+ (−1)n−2bn−2λ

82 Resultados Algébricos Associados a Grafos

onde a1, . . . , an−1 e b1, . . . , bn−2 são inteiros não negativos cujos coeficientes alternamem sinal, a1 = m− 1 e b1 = m− 1. Dado que F (G; λ) = f(G \ e; λ)− f(G/e; λ), vemque

f(G; λ) = λn − (a1 + 1)λn−1 + (a2 + b1)λn−2 − · · ·+ (−1)n−1(an−1 + bn−2)λ.

Tendo em conta que a1 + 1 = m, podemos concluir que f(G; λ) tem todas as proprie-dades pretendidas.

Theorem 6.1.3. Um grafo G é uma árvore de ordem n se e só se f(G; λ) =λ(λ− 1)n−1.

Demonstração. Vamos fazer a prova da implicação se G é uma árvore então f(G; λ) =λ(λ− 1)n−1, por indução sobre n, tendo em conta que para n = 1 o resultado é trivi-almente verdadeiro. Suponha-se que o resultado é verdadeiro para árvores com menosdo que n vértices e que n ≥ 2. Seja G uma árvore de ordem n e seja e ∈ E(G) umaaresta pendente. Então, f(G; λ) = f(G \ e; λ)− f(G/e; λ) e G \ e é uma floresta comduas componentes, uma de ordem 1 e outra de ordem n − 1. Logo, f(G \ e; λ) =λ(λ(λ− 1)n−2) = λ2(λ− 1)n−2 e, consequentemente,

f(G; λ) = λ2(λ− 1)n−2 − λ(λ− 1)n−2

= (λ2 − λ)(λ− 1)n−2

= λ(λ− 1)n−1.

Reciprocamente, suponha-se que G é um grafo simples tal que f(G; λ) = λ(λ− 1)n−1.Então,

f(G; λ) = λn − (n− 1)λn−1 + · · ·+ (−1)n−1λ

e, consequentemente, G tem n vértices e n − 1 arestas. Adicionalmente, o últimotermo, (−1)n−1λ, assegura que G é conexo (caso contrário, o polinómio de qualquercomponente dividia f(G; λ)). Logo, G é uma árvore.

Este teorema tem como consequência imediata que existem grafos não iso-morfos com o mesmo polinómio cromático. Por exemplo, K1,3 e P4 não sãoisomorfos e têm o mesmo polinómio cromático λ(λ − 1)3 (logo, o número decolorações dos vértice, com λ cores, é igual).

6.2 Espectros de grafosQuando falamos de espectros de grafos em geral falamos de valores própriosdas matrizes de adjacência as quais, sendo simétricas com a mesma ordem ndos grafos, têm n valores próprios reais, contando eventuais repetições. Poroutro, uma vez que as entradas da diagonal principal destas matrizes são nulase, consequentemente, os respectivos traços são nulos, podemos concluir que asoma dos valores próprios é também nula. Por exemplo, dado que a matriz deadjacência de um grafo completo de ordem n, Kn, é AKn = J − I, onde J éuma matriz de ordem n, com entradas todas iguais a 1, podemos concluir queos Kn tem um valor próprio igual a n−1 e os restantes iguais a −1. Com efeito,dado que Je = ne e J(e1 − ej) = 0, para j = 2, . . . , n, concluímos o conjuntode vectores linearmente independentes {e, e1 − e2, . . . , e1 − en} é um conjunto

Espectros de grafos 83

de n vectores próprios, logo os valores próprios que lhe correspondem são ovalores próprios de J , logos subtraindo uma unidade a cada um deles obtêm-seos valores próprios de Kn.

Dado um grafo G de ordem n, uma vez que AG é simétrica, podemos concluirque AG tem n valores próprios reais. Por outro lado, dado que todas as entradasao longo da diagonal principal são nulas, o seu traço é também nulo. De agoraem diante, para um grafo G arbitrário, vamos considerar o valores próprios deG segundo a ordem

λmin(AG) = λ1 ≤ λ2 ≤ · · · ≤ λn−1 ≤ λn = λmax(AG).

6.2.1 Algumas propriedades dos valores próprios da ma-triz de adjacência de um grafo

Se G tem pelo menos uma aresta, então λmin(AG) ≤ −1, onde λmin(AG) denotao menor valor próprio de AG. Se N é um grafo nulo, isto é, sem arestas, então∀λ ∈ σ(AN ) λ = 0, onde σ(AN ) denota o espectro de AN , ou seja, o conjuntodos seus valores próprios.

Considerando o grafo completo de ordem n, Kn, e denotando o seu polinómiocaracterístico (ou seja, o polinómio característico da sua matriz de adjacência)por p(AKn , λ), vem que

p(Kn, λ) = det(AKn − λI) = det(

−λ 1 · · · 11 −λ · · · 1...

......

...1 1 . . . −λ

).

Logo, é claro que −1 ∈ σ(AKn). Por outro lado, AKn e = (n − 1)e, onde edenota o vector de componentes unitárias, pelo que n − 1 ∈ σ(AKn). Comfacilidade se conclui que os n − 1 vectores, e1 − e2, e1 − e3, . . . , e1 − en, sãovectores próprios de AKn associados ao valor próprio −1, pelo que podemosconcluir que o subespaço invariante associado ao valor próprio −1 tem dimensãon− 1 e, consequentemente, este valor próprio tem multiplicidade n− 1. Assim,podemos concluir que Kn tem apenas dois valores próprios distintos (n−1) commultiplicidade 1 e −1 com multiplicidade n− 1.

Theorem 6.2.1 (do entrelaçamento). Seja A uma matriz simétrica real comvalores próprios λ1 ≥ λ2 ≥ . . . ≥ λn e sejam µ1 ≥ µ2 ≥ . . . ≥ µn−1 os valorespróprios de uma submatriz principal de A. Então

λi ≥ µi ≥ λi+1, para i = 1, . . . , n− 1.

Como consequência imediata deste teorema, denotando por λmin(C) e λmax(C)os valores próprios mínimos e máximos da matriz C, respectivamente, podemosconcluir que, sendo H um subgrafo induzido G, vem que

λmin(AG) ≤ λmin(AH) ≤ . . . ≤ λmax(AH) ≤ λmax(AG).

84 Resultados Algébricos Associados a Grafos

Assim, supondo que G tem pelo menos uma aresta, ou seja, contém K2 comosubgrafo induzido, vem que

λmin(AG) ≤ −1 = λmin(AK2) ≤ λmax(AK2) = 1 ≤ λmax(AG).

Adicionalmente, se G contém K1,2 como subgrafo induzido, uma vez que

p(K1,2, λ) = det

−λ 1 11 −λ 01 0 −λ

= λ(−λ2 + 2)

e, consequentemente, σ(AK1,2) = {−√2, 0,√

2}, podemos concluir que

λmin(AG) ≤ −√

2 ≤√

2 ≤ λmax(AG).

Theorem 6.2.2. Dado um grafo G, supondo que existem dois vértices x, y ∈V (G) tais que NG(x) \ {y} = NG(y) \ {x}, podemos concluir o seguinte:

1. Se xy ∈ E(G), então −1 ∈ σ(AG);

2. Se xy /∈ E(G), então 0 ∈ σ(AG).

Demonstração. Suponha-se, sem perda de generalidade, que x = v1, y = v2 eNG(x) \ {y} = {v1, . . . , vk}, então

AG − λI =

v1 v2 v3 . . . vk vk+1 . . . vn

v1 −λ z 1 . . . 1 0 . . . 0v2 z −λ 1 . . . 1 0 . . . 0v3 1 1 −λ . . . . . ....

......

......

......

......

vk 1 1 −λvk+1 0 0 −λ...

......

......

......

......

vn 0 0 −λ

.

Assim, podemos tirar as seguintes conclusões:

1. Se xy ∈ E(G), então z = 1 e, consequentemente, para λ = −1, as duas primeiraslinhas de AG − λI, são iguais. Logo, det(AG + I) = 0, pelo que −1 ∈ σ(AG).

2. Se xy /∈ E(G), então z = 0 e, consequentemente, para λ = 0, as duas primeiraslinhas de AG − λI, são iguais. Logo, det(AG) = 0, pelo que 0 ∈ σ(AG).

Como corolário deste teorema, para os grafos bipartidos completos Kp,q,vem que −1 ∈ σ(AKp,q ). Por outro lado, dado um grafo G, se existem doisvértices x, y ∈ V (G) tais que NG(x) = NG(y), sendo u um vector próprio deAG, associado a um valor próprio λ, vem que

λux = (AGu)x =∑

j∈NG(x)

uj =∑

i∈NG(y)

ui = (AGu)y = λuy.

Espectros de grafos 85

Logo, λ(ux − uy) = 0, pelo que λ 6= 0 ⇒ ux = uy.Voltando aos grafos bipartidos completos, podemos concluir o resultado a

seguir.

Theorem 6.2.3. σ(AKp,q ) = {−√pq, 0,√

pq}.Demonstração. Dado que a matriz de adjacência de Kp,q tem característica 2, pode-mos concluir que existem apenas dois valores próprios não nulos de sinais contrários,λ1 e λn, tais que λ1 = −λn, com n = p + q. Adicionalmente, qualquer vector própriou, associado a um valor próprio não nulo λ, é tal que para todo o índice i, ui ∈ {y, z}.Como consequência, vem que λy = qz e λz = py, donde λ2zy = (pq)zy ⇒ λ2 = pq.

Sendo G um grafo com pelo menos uma aresta, dado um vector próprio ude norma unitária de AG, associado ao maior valor próprio λn, e sendo ui acomponente de u de maior valor absoluto, vem que

(AGu)i =∑

j∈NG(i)

uj ⇔ λnui =∑

j∈NG(i)

uj

⇔ λn =∑

j∈NG(i)

uj

ui,

logo,

λn ≤∑

j∈NG(i)

|uj

ui| ≤ |NG(i)| ≤ ∆(G).

É fácil concluir que se o grafo G tem uma componente ∆(G)-regular, entãoλmax(AG) = ∆(G) e a sua multiplicidade é igual ao número de componentes∆(G)-regulares.

6.2.2 Algumas propriedades dos vectores próprios da ma-triz de adjacência de um grafo *

Seja G um grafo e U a matriz unitária cujas colunas são os vectores própriosortonormais de AG, ordenados de forma adequada, nestas condições vem queUT AGU = Λ, onde Λ = diag(λ1, . . . , λn). Assumindo que valores próprios repe-tidos ocorrem consecutivamente ao longo da diagonal principal de Λ e denotandopor ki = dim ε(λi), para i = 1, . . . , m, onde m denota o número de valores pró-prios distintos e ε(λi) denota o subespaço invariante associado ao valor próprioλi. Logo, fazendo

UT AGU = λ1E1 + . . . + λmEm,

onde

E1 =

Ik1 0 · · · 00 0 · · · 0...

......

...0 0 · · · 0

, E2 =

0 0 · · · 00 Ik2 · · · 0...

......

...0 0 · · · 0

, . . . , Em =

0 0 · · · 00 0 · · · 0...

......

...0 0 · · · Ikm

.

86 Resultados Algébricos Associados a Grafos

Nestas condições vem que

AG = λ1UE1UT + λ2UE2 + · · ·+ λmUEmUT

= λ1P1 + λ2P2 + · · ·+ λmPm,

com Pi = UEiUT , para i = 1, . . . , m. Note-se que PiPj = 0, se i 6= j e P 2

i =Pi = PT

i e PiAG = AGPi, para cada i. Consequentemente, vem que

AkG = λk

1P1 + · · ·+ λkmPm.

Por outro lado, Pi é a projecção ortogonal de Rn no subespaço invariante ε(λi),para i = 1, . . . , m. As projecções dos vectores da base canónica ej em ε(λi),Pie1, . . . Pien, constituem o que alguns autores designam por eutatic star emε(λi).

É possível determinar uma partição do conjunto {1, . . . , n} nos subconjun-tos X1, . . . , Xm tais que os conjuntos de vectores {P ej : j ∈ Xi} constitui umabase para ε(λi). Esta partição de signa-se por partição estrela de G nas célu-las X1, . . . , Xm. Prova-se que

⋃mi=1 {Piej : j ∈ Xi} é uma base para Rn que se

designa por base estrela.

Theorem 6.2.4. As seguintes afirmações são equivalentes para cada i.

1. {Piej : j ∈ Xi} é uma base para ε(λi);

2. Rn = ε(λi)⊕ 〈ej : j /∈ Xi〉;3. |Xi| = ki e λi não é valor próprio de G \Xi.

6.3 Grafos fortemente regularesO conceito de grafo fortemente regular é um conceito relativamente recente,introduzido em 1963 por R. C. Bose em [8]. Um grafo não nulo nem completodiz-se fortemente regular com parâmetros (n, p; a, c) se tem ordem n, é p-regulare todo o par de vértices adjacentes tem a vizinhos em comum e todo o par devértices não adjacentes tem c vizinhos em comum.Uma geometria parcial pg(K,R,T) é uma estrutura de incidência de pontos erectas com as seguintes propriedades:

1. toda a recta tem K pontos e todo o ponto pertence a R rectas;

2. quaisquer dois pontos pertencem a no máximo uma recta;

3. se um ponto p não pertence a uma recta L, então existem exactamente Trectas que contêm p e encontram L.

Se dois pontos x e y pertencem a uma recta, diz-se que são colineares e escreve--se x ∼ y. O grafo dos pontos de uma geometria parcial é um grafo onde ospontos da geometria parcial são os vértices e dois vértices x e y são adjacentes

Grafos fortemente regulares 87

se e somente se x ∼ y. O grafo dos pontos de uma geometria parcial pg(K,R,T)é um grafo fortemente regular com parâmetros (n,p,a,c) tais que

n = K(1 +(K − 1)(R− 1)

T),

p = R(K − 1),a = (K − 2) + (R− 1)(T − 1),c = RT.

6.3.1 Resultados fundamentaisUm exemplo simples de um grafo fortemente regular é C5 que é um grafo forte-mente regular com parâmetros (5, 2, 0, 1).

1 2

3

4

5

Figura 6.3: Grafo fortemente regular com parâmetros (5, 2, 0, 1).

Lema 6.3.1. Se G é um grafo fortemente regular com parâmetros (n, p, a, c)onde c > 0 então diam(G) = 2.

Demonstração. Com efeito, dados dois vértices não adjacentes x, y ∈ V (G), sabe-seque |NG(x) ∩NG(y)| = c > 0 e, consequentemente, dG(x, y) = 2.

Também se mostra, facilmente, que se G é um grafo fortemente regular comparâmetros (n, p, a, c) então o seu complementar é também fortemente regularcom parâmetros (n, p, a, c) tais que

p = n− p− 1, (6.1)a = n− 2− 2p + c, (6.2)c = n− 2p + a. (6.3)

Os parâmetros dos grafos fortemente regulares não são independentes. Podemoscontar o número total de arestas entre vértices adjacentes e não adjacentes a umvértice fixo, u, de um grafo fortemente regular G de parâmetros (n, p, a, c) deduas maneiras diferentes. Cada um dos p vizinhos do vértice é adjacente a u, a avizinhos de u e, consequentemente, a p− a− 1 vértices não adjacentes a u, numtotal de p(p− a− 1) arestas. Por outro lado, cada um dos n− p− 1 vértices nãoadjacentes a u é adjacente a c vizinhos de u num total de (n− p− 1)c arestas.Consequentemente,

88 Resultados Algébricos Associados a Grafos

p(p− a− 1) = (n− p− 1)c. (6.4)

Logo, se G é um grafo fortemente regular com parâmetros (n, p, a, c), en-tão a igualdade (6.4) verifica-se. Esta igualdade é conhecida por igualdade deadmissibilidade de grafos fortemente regulares.

Um grafo fortemente regular G diz-se primitivo se tanto G como o seu com-plementar G são conexos e diz-se imprimitivo no caso contrário.

Lema 6.3.2 ([12], pag. 178). Um grafo fortemente regular com parâmetros(n, p, a, c) é imprimitivo sse c = p ou c = 0.

Demonstração. Suponha que G é um grafo fortemente regular com parâmetros(n, p, a, c). Então G é conexo sse c > 0 e G é conexo sse c > 0. Logo, basta mostrarque G é desconexo se p = c. Tendo em conta a igualdade (6.4), se p = c então

p− a− 1 = n− p− 1 ⇔ a = 2p− n.

Consequentemente, de acordo com (6.1)-(6.3), vem que c = n− 2p + (2p− n) = 0.

Na figura a seguir representam-se dois grafos fortemente regulares imprimi-tivos.

2 5

1 6

3 4

1

5

3

4

2

6

Figura 6.4: Grafos fortemente regulares com parâmetros (6, 4, 2, 4) e (6, 2, 1, 0).

Lema 6.3.3 ([12], pag. 178). Se G é um grafo fortemente regular com parâ-metros (n, p, a, c) e tal que n = q + 1, onde q é primo, então G é imprimitivo.

Demonstração. A partir de (6.4) vem que

p(p− 1− a) = (q − p)c.

Tendo em conta que 1 < p < q, vem que p e q − p são primos relativos, pelo que pdivide c. Dado que c ≤ p, tal implica c = p ou c = 0, donde G é imprimitivo.

Considere o grafo fortemente regular com parâmetros (n, p, a, c). A entradauv de A2

G corresponde ao número de passeios de comprimento 2 entre os vér-tices u e v. Em grafos fortemente regulares este número é determinado apenaspelo facto de u e v serem o mesmo vértice ou vértices distintos adjacentes ounão adjacentes. Consequentemente, obtém-se a seguinte condição necessária esuficiente:

Grafos fortemente regulares 89

Theorem 6.3.4. Um grafo não nulo nem completo G é fortemente regular comparâmetros (n, p, a, c) sse AGJ = pJ e A2

G + (c− a)AG + (c− p)I = cJ , onde Ie J , denotam, respectivamente, a matriz identidade e a matriz quadrada cujasentradas são todas unitárias.

Demonstração. A entrada ij da matriz A2G é igual ao número de passeios de com-

primento 2 entre i e j. Logo, se G é fortemente regular com parâmetros (n, p, a, c),vem que AJ = pJ e

A2G = pI + aAG + c(J − I −AG) ⇔ A2

G − (a− c)AG − (p− c)I = cJ. (6.5)

O recíproco decorre imediatamente da definição de grafo fortemente regular.

6.3.2 Espectros de grafos fortemente regularesSendo G um grafo fotemente regular com parâmetros (n, p, a, c), G é p-regulare então p é um valor próprio cujo vector próprio associado é o vector e de com-ponentes todas iguais a 1. Por outro lado, sabe-se que qualquer vector próprioassociado a um valor próprio distinto de p é ortogonal a e. Se u é um vectorpróprio associado a λ 6= p então, de acordo com (6.5),

A2Gu− (a− c)AGu− (p− c)u = cJu = 0 (6.6)

e, consequentemente,

λ2 − (a− c)λ− (p− c) = 0. (6.7)

Conclui-se assim que os valores próprios de AG distintos de p são raízes dopolinómio quadrático x2 − (a− c)x− (p− c). Fazendo ∆ = (a− c)2 + 4(p− c),obtém-se

λ =(a− c)±√∆

2. (6.8)

Os valores próprios do grafo fortemente regular G distintos de p designam-sepor valores próprios restritos e denotam-se (neste texto) por λ1 e λ2. Note-seque λ1 = λ2 implica ∆ = 0, o que, por sua vez, é equivalente a a = c e p = c.Assim, podemos concluir que se G é primitivo, então os valores próprios restritossão distintos. Adicionalmente, conclui-se, ainda, que

λ1λ2 = (c− p) (6.9)λ1 + λ2 = (a− c). (6.10)

As equações (6.9)-(6.10) decorrem directamente de (6.7). Por outro lado,tendo em conta (6.9), se c < p então λ1 e λ2 têm sinais contrários e 0 6∈ σ(AG).Por outro lado, se c = p (como acontece em certos grafos imprimitivos) entãopodemos concluir que 0 ∈ σ(AG).

90 Resultados Algébricos Associados a Grafos

As multiplicidades dos valores próprios λ1 e λ2, m(λ1) e m(λ2), tambémse podem determinar a partir dos parâmetros do grafo fortemente regular quelhes corresponde. Com efeito, tendo em conta que quando o grafo é conexo ep-regular, a multiplicidade do valor próprio p é 1, podemos concluir que, no casode grafos fortemente regulares primitivos, m(λ1) e m(λ2) satisfazem o sistemade equações:

m(λ1) + m(λ2) = n− 1 (6.11)λ1m(λ1) + λ2m(λ2) = −p. (6.12)

Admitindo λ1 6= λ2 e resolvendo o sistema (6.11)-(6.12), conclui-se que

m(λ1) =12((n− 1)− 2p + (n− 1)(a− c)

λ1 − λ2) (6.13)

m(λ2) =12((n− 1) +

2p + (n− 1)(a− c)λ1 − λ2

). (6.14)

Como exemplo, considerando o grafo fortemente regular com parâmetros(50, 7, 0, 1) obtêm-se os valores próprios λ1 = 2 e λ2 = −3 com multiplicidadesm(λ1) = 28 e m(λ2) = 21, respectivamente.

Note-se que no caso da solução do sistema (6.11)-(6.12) não ser inteira, talimplica a impossibilidade de existência de um grafo fortemente regular com osparâmetros em causa.

Lema 6.3.5. Seja G um grafo fortemente regular com parâmetros (n, p, a, c) ecom valores próprios restritos λ1 e λ2. Se m(λ1) = m(λ2), então n = 2p + 1.Demonstração. Suponha-se que m(λ1) = m(λ2). Então (c − a)(n − 1) = 2p o quesó é possível se c− a = 1 e, consequentemente, n = 2p + 1.

Os grafos fortemente regulares com valores próprios restritos λ1 e λ2 para osquais se verifica a igualdade m(λ1) = m(λ2), designam-se por conference graphs.

Lema 6.3.6 ([13], pag. 220). Se G é um grafo regular conexo com exactamentetrês valores próprios distintos, então é um grafo fortemente regular.Demonstração. Suponha-se que G é um grafo p-regular conexo com valores própriosdistintos p, λ1 e λ2. Então a matriz polinomial

M =1

(p− λ1)(p− λ2)(AG − λ1I)(AG − λ2I)

tem como valores próprios distintos 0 e 1. Por outro lado, qualquer vector própriode AG com valor próprio λ1 ou λ2 pertence ao núcleo de M . Consequentemente, acaracterística de M é igual à multiplicidade de 1 como valor próprio. Dado que G éconexo, esta multiplicidade é 1 e Me = e, o que implica que se tenha M = 1

nJ . Logo,

J é combinação linear de AG, A2G e I o que prova, de acordo com o Teorema 6.3.4,

que G é fortemente regular.É claro que o recíproco deste teorema (para grafos fortemente regulares

primitivos) também é verdadeiro. Assim, se G é um grafo fortemente regularprimitivo, então G é conexo, regular e tem três valores próprios distintos.

6.4. EXERCÍCIOS 91

6.4 Exercícios6.4.1. Prove que se G tem k componentes, então λk é um factor de f(G; λ).

6.4.2. Considere o grafo H representado na figura a seguir.

a

b

c

f

dH

(a) Determine o polinómio cromático do grafo H representado na figura.

(b) Determine o número de colorações distintas dos vértices de H que épossível realizar com 3 cores.

92 Resultados Algébricos Associados a Grafos

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