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UNIVERSIDADE FEDERAL FLUMINENSE
INSTITUTO DE CINCIAS HUMANAS E FILOSOFIA
PROGRAMA DE PS-GRADUAO EM HISTRIA
FLAVIA FERNANDES DE SOUZA
CRIADOS, ESCRAVOS E EMPREGADOS:
O servio domstico e seus trabalhadores na construo da
modernidade brasileira (cidade do Rio de Janeiro, 1850-1920)
Niteri / RJ
2017
2
FLAVIA FERNANDES DE SOUZA
CRIADOS, ESCRAVOS E EMPREGADOS:
O servio domstico e seus trabalhadores na construo da modernidade
brasileira (cidade do Rio de Janeiro, 1850-1920)
Tese apresentada ao Programa de Ps-Graduao
em Histria do Instituto de Cincias Humanas e
Filosofia da Universidade Federal Fluminense,
como requisito parcial para a obteno do ttulo
de Doutor(a) em Histria.
rea de concentrao: Histria Social
Orientador: Prof. Dr. Marcelo Badar Mattos
Niteri / RJ
2017
3
Ficha Catalogrfica elaborada pela Biblioteca Central do Gragoat
S729 Souza, Flavia Fernandes de. Criados, escravos e empregados: o servio domstico e seus
trabalhadores na construo da modernidade brasileira (cidade do Rio de
Janeiro, 1850 1920) / Flavia Fernandes de Souza. 2017.
583 f. ; il.
Orientador: Marcelo Badar Mattos.
Tese (Doutorado em Histria) Universidade Federal Fluminense,
Instituto de Cincias Humanas e Filosofia, Departamento de Histria,
2017.
Bibliografia: f. 542-568.
1. Empregados domsticos. 2. Escravido. 3. Modernidade. 4. Rio
de Janeiro (RJ), 1850-1920. I. Mattos, Marcelo Badar.
II. Universidade Federal Fluminense. Instituto de Cincias Humanas e
Filosofia. III. Ttulo.
4
FLAVIA FERNANDES DE SOUZA
CRIADOS, ESCRAVOS E EMPREGADOS:
O servio domstico e seus trabalhadores na construo da modernidade
brasileira (cidade do Rio de Janeiro, 1850-1920)
Tese apresentada ao Programa de Ps-Graduao
em Histria do Instituto de Cincias Humanas e
Filosofia da Universidade Federal Fluminense,
como requisito parcial para a obteno do ttulo
de Doutor(a) em Histria. rea de concentrao:
Histria Social.
Aprovada em: 23/03/2017
BANCA EXAMINADORA
Prof. Dr. Marcelo Badar Mattos Universidade Federal Fluminense (UFF)
(Orientador)
Prof. Dr. Fabiane Popinigis Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro (UFRRJ)
Prof. Dr. Flvio dos Santos Gomes Universidade Federal Fluminense (UFRJ)
Prof. Dr. Rafael Maul de C. Costa Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro (UFRRJ)
Prof. Dr. Paulo Cruz Terra Universidade Federal Fluminense (UFF)
5
minha famlia.
6
AGRADECIMENTOS
O teste de toda felicidade a gratido; e eu me sentia grato.
G. K. Chesterton.
Por uma conjuno de fatores singulares, nem sempre evidentes, o perodo de
elaborao do projeto de pesquisa e de produo deste trabalho foi extremamente
desafiador e solitrio. Porm, se trabalhar nessas circunstncias foi, por vezes, muito
angustiante, ao mesmo tempo, esse processo agregou mais valor e importncia a todas
as ajudas (objetivas e subjetivas) oferecidas por todos aqueles que fizeram parte da
minha vida ou, simplesmente, cruzaram o meu caminho durante os anos de dedicao a
este estudo. Por isso, bom esclarecer, os agradecimentos so, principalmente, para
aqueles que contriburam para a construo desta tese, mas minha gratido tambm
direcionada para todos que me ajudaram a prosseguir mesmo quando no se deram
conta disso.
Portanto, agradeo:
A Marcelo Badar Mattos, meu orientador, pela sua grandeza e generosidade
intelectual e pela compreenso com meio jeito de trabalhar. Uma boa orientao s
vezes fruto da liberdade que inspira e gera autonomia e que com poucas e certeiras
conversas trata do essencial, revelando o melhor caminho a ser seguido. A ele dedico
profundo respeito e admirao pelo exemplo que , como historiador, professor,
intelectual e pessoa, alm de nutrir a honra de ter sido sua aluna e orientanda.
A Flvio dos Santos Gomes, mestre exemplar e historiador admirvel. A ele sou
grata por apadrinhar esta pesquisa, desde o incio, com muito interesse, entusiasmo e
generosidade. So inesquecveis suas objetivas orientaes e seus profundos insights
trazidos em simples e sempre agradveis conversas. Agradeo tambm pela honra de ter
sido sua aluna e por integrar a banca avaliadora deste trabalho, desde a qualificao.
professora Fabiane Popinigis, por acolher minha pesquisa com muita boa
vontade e por ser uma importante e interessada interlocutora. Agradeo tambm pelas
oportunidades de publicao, pelas fundamentais orientaes dadas na qualificao e
pela sua participao na banca avaliadora deste trabalho.
7
A Paulo Cruz Terra, inicialmente colega de grupo de pesquisa e posteriormente
professor, pelo interesse na minha pesquisa, por se apresentar sempre gentil e prestativo
e pelas valiosas conversas informais, as quais me ajudaram de diferentes maneiras. E,
agora, agradeo tambm por integrar o grupo dos professores avaliadores desta tese.
A Rafael Maul de Carvalho Costa, colega de encontros acadmicos e de grupo
de pesquisa, por aceitar, com muita gentileza e de ltima hora, participar da banca
avaliadora deste trabalho, depois de acontecimentos inesperados.
professora querida Magali Gouveia Engel, por ter acompanhado o incio da
minha trajetria no tema, ainda no mestrado, e por todos os ensinamentos dados por
meio de sua dedicao e competncia profissional. A ela agradeo tambm pelo carinho
e considerao com que sempre me tratou e pelas oportunidades oferecidas durante o
perodo em que participei do Grupo de Estudos e Pesquisas Intelectuais, Sociedade e
Poltica (GEPISP).
Aos professores que, em cursos e eventos, me auxiliaram com orientaes,
questionamentos, indicaes, crticas e elogios. Por isso, registro meu muito obrigada
a lvaro do Nascimento, Cristiana Schettini, Giovana Xavier, Henrique Espada Lima,
Luiz Felipe de Alencastro, Maria Helena Machado, Mariana Muaze, Marcelo
Magalhes, Monica Grin e Thiago Bernardon, entre outros cuja memria pode ter
falhado ao lembrar.
Ao Grupo de Pesquisa Mundos do Trabalho - UFF e a todos os colegas que o
compe, por representar para mim um espao de crescimento e de aprendizado
constante.
Ao revisor Luiz Henrique Queiroz da Silva pela esmerada orientao inicial na
formatao do trabalho e, principalmente, por sua boa vontade e gentileza.
Aos colegas de encontros acadmicos, Juara de Mello, Iamara Viana, Felipe
Ribeiro, Luciana Pucu Wollmann, Natlia Peanha, Cristiane Miyasaka, Lerice Garzoni
e Mylena Viana pelas conversas, pelas trocas de ideias, pelas informaes, pelas
indicaes de livros, pelo envio de materiais e, sobretudo, pela companhia em viagens e
eventos realizados ao longo dos ltimos anos.
Aos companheiros de caminhada no doutorado: Igor Gomes Santos, camarada
de angstias e de esperanas acadmicas, pelo carinho e por algumas conversas
iluminadoras; Miguel ngel Escobio, pelas informaes trocadas a respeito do
acompanhamento de nossas bolsas de estudo e da agenda de compromissos dos
bolsistas; Pedro Cassiano de Oliveira, pelas conversas e dvidas partilhadas em relao
8
ao andamento da tese e da vida; e Rafael Petry Trapp pela amizade, pelos incentivos,
por algumas leituras, pelos exemplos de coragem e pelas boas conversas partilhadas
entre cafs e almoos no Gragoat.
Ao amigo Kaio Csar Goulart, por ter acompanhado, ainda que distncia, a
minha trajetria no curso, e por nossas conversas ao telefone, nas quais compartilhamos,
entre os altos e baixos da vida, dvidas, certezas, alegrias, tristezas e esperanas.
s velhas amigas, mas sempre jovens amigas, Genana Teixeira, Patrcia
Monnerat, Rosane Torres e Viviane Medeiros pelos encontros e reencontros, pelas
lembranas, pelos telefonemas, pelas mensagens e por me ensinarem que o afeto e o
carinho podem sobreviver mesmo nas mais adversas circunstncias.
Ao pessoal da Coordenao e da Secretaria do PPGH-UFF, por todo o trabalho
de apoio realizado ao longo dos ltimos anos.
A todos aqueles que me atenderam ou me orientaram nos arquivos, bibliotecas e
demais espaos institucionais por onde estive pesquisando.
s instituies que financiaram esta pesquisa, por meio de bolsas de estudo a
mim concedidas, em perodos diferentes, e sem as quais este trabalho no existiria. Por
isso, registro meu agradecimento ao Conselho Nacional de Desenvolvimento Cientfico
e Tecnolgico (CNPq) e Fundao Carlos Chagas Filho de Amparo Pesquisa do
Estado do Rio de Janeiro (FAPERJ).
A Marina Fernandes e a Edvaldo Sales, tios queridos e pais de corao, pelo
carinho, pelo apoio, por me ajudarem generosamente em vrias circunstncias e de
diferentes maneiras e, tambm, por me acolherem de braos abertos desde sempre.
Aos meus primos-irmos e fiis escudeiros, Eduardo Sales e Alessandro Sales.
A eles sou grata no apenas pela amizade prestimosa e pelo companheirismo de todas as
horas, mas, sobretudo, pelas suas presenas em minha vida e por todo bem que existe
entre ns. A Alessandro, em particular, peo desculpas por quebrar minha promessa de
lhe dedicar um captulo inteiro de agradecimentos.
minha me, Marise Brando, ao meu pai, Fernando Fernandes, e minha
irm, Fernanda Fernandes, dedico gratido profunda por tudo que fizeram e fazem por
mim e por manterem toda a estrutura que me permitiu chegar at aqui. A eles agradeo,
portanto, pelo convvio, pelos incentivos, pela pacincia, pela confiana, pelas valiosas
lies dadas por meio do exemplo e pelos laos de amor que nos unem, apesar de tudo.
Finalmente, como nem s de po viver o homem... Aos Mestres Espirituais,
que sobre o caos estabelecem a Ordem e das trevas retiram a Luz.
9
Assim, o terreno intermedirio da historiografia desmorona de ambos
os lados. Fico em um veio muito estreito, olhando a mar a subir. Ou,
para ser mais explcito, aqui me sento com meu estudo, aos cinquenta
anos de idade, a escrivaninha e o cho empilhados com cinco anos de
anotaes, xeroxes, rascunhos deixados de lado, o relgio mais uma
vez marcando a madrugada, e vejo-me, num instante de lucidez, como
um anacronismo. Por que gastei esses anos tentando descobrir algo
que, em sua estrutura essencial, poderia ser conhecido sem nenhuma
investigao? [...]
Estou disposto a achar que importa; tenho um capital investido (em
cinco anos de trabalho) para achar que pode importar. Mas, para
demonstr-lo, preciso abandonar pressupostos aceitos aquele
estreito veio do terreno intermedirio tradicional e me deslocar
para um veio terico ainda mais estreito. [...]
E. P. Thompson. Senhores e Caadores: a origem da lei negra. Trad. Denise
Bottman. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1987. p. 350.
10
RESUMO
Esta tese apresenta como objeto de anlise diferentes dimenses da esfera
laboral formada pelos trabalhadores domsticos na cidade do Rio de Janeiro, ento
capital brasileira, entre os anos 1850 e 1920, aproximadamente. Trata-se de um estudo
cujo objetivo geral compreender algumas transformaes ocorridas no servio
domstico com o avano do trabalho livre e assalariado e com o declnio e o fim da
escravido no Brasil. Isso sendo realizado a partir da anlise de um conjunto variado de
fontes primrias e de um enfoque terico-metodolgico transnacional, que visa
estabelecer relaes com fenmenos e processos ocorridos na prestao de servios
domsticos em diferentes lugares do mundo, no longo perodo que se estende do sculo
XIX at as primeiras dcadas do sculo XX. Sendo assim este estudo se debrua sobre
questes relativas: composio social dos criados domsticos (que envolvia um
nmero crescente de mulheres e diferentes tipos de trabalhadores, que poderiam ser
escravizados, livres, nacionais ou estrangeiros); s variadas modalidades de arranjos de
trabalho (entre as quais se destacavam o aluguel e a locao de servios por dvida); ao
agravamento de tenses e de conflitos nas relaes de trabalho estabelecidas entre
senhores e escravos e patres e empregados, o qual foi responsvel por formar um
cenrio de crise social; e aos processos de estigmatizao e de regulamentao do
servio domstico, empreendidos por representantes municipais, autoridades policiais,
patres e intelectuais ligados imprensa. Tendo em vista essas questes, esta tese
apresenta, portanto, um amplo panorama das caractersticas da prestao de servios
domsticos na construo da chamada modernidade no Brasil.
Palavras-chave: servio domstico; trabalhadores domsticos; trabalho urbano;
domesticidade; escravido; modernidade; cidade do Rio de Janeiro; c. 1850-1920.
11
ABSTRACT
This thesis presents as object of analysis different dimensions of the labor sphere
formed by domestic workers in Rio de Janeiro city, then Brazilian D.C, between the
years 1850 and 1920, approximately. It is a study whose general objective is to
understand some transformations occurred in the domestic service with the
advancement of free and wage labor and with the decline and the end of slavery in
Brazil. This is done by analyzing a diverse set of primary sources and a transnational
theoretical-methodological approach, which aims to establish relationship with
phenomena and processes that occur in the provision of domestic services in different
parts of the world, over the long period of the 19th century until the first decades of the
20th century. Thus, this study focuses on issues related to the social composition of
domestic servants (involving an increasing number of women and different types of
workers, who could be enslaved, free, national or foreign); To the various modalities of
work arrangements (among which the rent and lease of services by debt); The
aggravation of tensions and conflicts in the labor relationship established between
masters and slaves and employers and employees, which was responsible for forming a
scenario of social crisis; And the processes of stigmatization and regulation of domestic
service, undertaken by municipal representatives, police authorities, bosses and
intellectuals linked to the press. In view of these issues, this thesis presents a broad
overview of the characteristics of the provision of domestic services in the emergence of
the so-called modernity in Brazil.
Keywords: domestic service; domestic workers; urban work; domesticity; modernity;
Rio de Janeiro city; w. 1850-1920.
12
LISTA DE ILUSTRAES
IMAGEM 1 Anncio da Companhia Locadora Previdncia Domstica........235
IMAGEM 2 Anncio da Companhia Utilidade Pblica.................................236
IMAGEM 3 Anncio do Banco Cooperativo.................................................236
IMAGEM 4 Matria sobre as agncias de emprego.......................................243
IMAGEM 5 Fotografia de agncia de locao de criados domsticos 1........244
IMAGEM 6 Fotografia de agncia de locao de criados domsticos 2........245
IMAGEM 7 Charge Experincia.................................................................345
IMAGEM 8 Charge O servio domstico 1................................................346
IMAGEM 9 Charge O servio domstico 2................................................346
IMAGEM 10 Charge Vida intensa 1 ............................................................347
IMAGEM 11 Charge Vida intensa 2.............................................................347
IMAGEM 12 Charge Irrefutvel!..................................................................348
IMAGEM 13 Charge A criada nova.............................................................348
IMAGEM 14 Charge Entre criadas...............................................................351
IMAGEM 15 Charge Criadas modernas 1....................................................351
IMAGEM 16 Charge Desculpa de criado.....................................................352
IMAGEM 17 Charge Servio domstico......................................................352
IMAGEM 18 Charge Criadas modernas 2....................................................353
IMAGEM 19 Charge Patroas........................................................................353
IMAGEM 20 Notcia sobre criado infiel 1.......................................................360
IMAGEM 21 Notcia sobre criado infiel 2.......................................................360
IMAGEM 22 Notcia sobre criada infiel..........................................................361
IMAGEM 23 Matria sobre priso de criada domstica..................................363
13
LISTA DE QUADROS
QUADRO 1 Condio civil de trabalhadores procurados ou oferecidos em
anncios, 1850-1878................................................................117
QUADRO 2 Ocupaes dos escravos na cidade do Rio de Janeiro em
1872.........................................................................................125
QUADRO 3 Condio civil dos trabalhadores do servio domstico em
1872.........................................................................................128
QUADRO 4 Populao estrangeira na cidade do Rio de Janeiro, 1872-
1920.........................................................................................155
QUADRO 5 Brasileiros e estrangeiros empregados no servio domstico em
1872.........................................................................................156
QUADRO 6 Nacionalidade e raa dos trabalhadores domsticos por
parquia em 1890.....................................................................172
QUADRO 7 Quantidade de mulheres e homens no servio domstico 1872,
1906 e 1920..............................................................................180
QUADRO 8 Anncios de aluguel de criados domsticos, 1850-
1888.........................................................................................211
QUADRO 9 Anncios de aluguel de criados domsticos, 1890-
1920.........................................................................................214
QUADRO 10 Exemplos do valor do aluguel mensal de criados domsticos
livres e libertos em atividades selecionadas a partir de anncios
do Jornal do Commercio, 1850-1890......................................220
14
LISTA DE TABELAS
TABELA 1 Ocupao dos escravos detentos (1880 e 1882).........................131
TABELA 2 Nao dos escravos detentos (1880 e 1882)...............................132
TABELA 3 Faixa etria dos detentos escravizados (1880 e 1882)...............134
TABELA 4 Cor dos escravos detentos (1880 e 1882)...................................136
TABELA 5 Detentos escravizados por ocupao e cor (1880 e 1882).........137
TABELA 6 Naturalidade dos escravos detentos (1880 e 1882)....................139
TABELA 7 Imigrantes em relao profisso e ao sexo (1885-1891).........159
TABELA 8 Nacionalidade dos imigrantes (1885-1891)...............................161
TABELA 9 Procedncia de navios com migrantes brasileiros (1885-
1891)..........................................................................................163
TABELA 10 Portos de entrada dos imigrantes e procedncia dos navios (1885-
1891)...........................................................................................164
TABELA 11 Imigrantes de acordo com a faixa etria (1885-1891)................165
TABELA 12 Nmero de imigrantes com ou sem acompanhantes (1885-
1891)..........................................................................................166
TABELA 13 Diviso dos detentos de acordo com o sexo, 1880-1888 e 1910-
1921............................................................................................183
TABELA 14 Atividades executadas pelos detentos, 1880-1888 e 1910-
1921............................................................................................184
TABELA 15 Nacionalidade dos detentos, 1880-1888 e 1910-1921...............186
15
TABELA 16 Naturalidade dos detentos brasileiros, 1880-1888 e 1910-
1921............................................................................................186
TABELA 17 Cor dos detentos, 1880-1888 e 1910-1921.................................189
TABELA 18 Faixa etria dos detentos, 1880-1888 e 1910-1921....................190
TABELA 19 Estado civil dos detentos, 1880-1888 e 1910-1921....................191
TABELA 20 Instruo dos detentos (1910-1921)...........................................191
TABELA 21 Estabelecimentos ligados ao agenciamento de trabalhadores
domsticos (1874-1900).............................................................231
TABELA 22 Nmero de escrituras de locao de servios com e sem meno
alforria........................................................................................261
TABELA 23 Sexo dos locadores em contratos associados a aes de
liberdade.....................................................................................263
TABELA 24 Escrituras associadas alforria de escravos de acordo com a
durao prevista para a locao de servios...............................263
TABELA 25 Trabalhadores domsticos detentos na Casa de Deteno (1910-
1921)...........................................................................................365
TABELA 26 Motivo das prises na Casa de Deteno (1910-1921)..............367
16
SUMRIO
INTRODUO
UM NOVO OBJETO DE ESTUDOS NA HISTRIA DO TRABALHO.....................18
As recentes produes acadmicas...................................................................26
A produo historiogrfica pioneira................................................................34
O lugar ocupado pelo presente estudo.............................................................39
CAPTULO 1
NOS DOMNIOS DE ZITA: CONSIDERAES SOBRE O SERVIO DOMSTICO
E A SUA HISTRIA NA EMERGNCIA DA MODERNIDADE...............................50
1.1 Definindo o trabalho de servir....................................................................53
1.1.1 Trabalho ou servio domstico?.....................................................55
1.1.2 Quem eram os trabalhadores domsticos?.....................................72
1.2 O servio domstico no advento da modernidade capitalista..................80
CAPTULO 2
PROLETRIOS E SUBALTERNOS: AS MLTIPLAS FACES DOS
TRABALHADORES DOMSTICOS..........................................................................107
2.1 Os escravos domsticos..............................................................................114
2.2 Imigrantes e trabalhadores domsticos...................................................142
2.3Os criados nacionais e outros aspectos da fora de trabalho
domstico...................................................................................................168
CAPTULO 3
NA DINMICA DO MERCADO: AS FORMAS DE COLOCAO DE
TRABALHADORES E OS CONTRATOS DE TRABALHO NA PRESTAO DE
SERVIOS DOMSTICOS.........................................................................................195
3.1 O aluguel de criados escravizados e livres...............................................206
3.2 O agenciamento de trabalhadores............................................................224
3.3 Os contratos de locao de servios envolvendo libertos.......................248
3.4 O engajamento de imigrantes e o trabalho livre por dvida..............273
17
CAPTULO 4
SOBRE AMOS E CRIADOS, SENHORES E ESCRAVOS E PATRES E
EMPREGADOS: AS RELAES DE TRABALHO DOMSTICO EM UM
CENRIO DE CRISE...................................................................................................283
4.1 Um conflito que se agrava dia-a-dia.....................................................297
4.2 O problema do servio domstico ou a crise dos criados...............336
4.2.1 Os discursos sobre a crise (I): a escassez de bons criados
domsticos..................................................................................340
4.2.2 Os discursos sobre a crise (II): a criadagem e suas falhas
morais...........................................................................................356
4.2.3 Os discursos sobre a crise (III): a Abolio e a Modernidade na
origem dos problemas..................................................................369
CAPTULO 5
SOB O OLHAR DAS AUTORIDADES PBLICAS: AS TENTATIVAS DE
REGULAMENTAO DO SERVIO DOMSTICO...............................................389
5.1 A urgente necessidade da regulamentao..........................................402
5.2 Os debates e as resistncias em torno dos projetos de regulamentos....420
5.2.1 Dcada de 1880: os primeiros esforos........................................427
5.2.2 Dcada de 1890: a criao da matrcula geral............................445
5.2.3 Dcadas de 1900 e 1910: o fracasso da lei e as novas
tentativas.......................................................................................476
CONSIDERAES FINAIS......................................................................................516
REFERNCIAS
FONTES........................................................................................................................527
BIBLIOGRAFIA...........................................................................................................542
APNDICE
ESTABELECIMENTOS LIGADOS AO AGENCIAMENTO DE TRABALHADORES
DOMSTICOS (1850-1921).........................................................................................569
ANEXOS
ANEXO A: DECRETO N. 284 DE 15 DE JUNHO DE 1896.................................574
ANEXO B: DECRETO N. 45 DE 24 DE OUTUBRO DE 1896.............................576
18
INTRODUO1
UM NOVO OBJETO DE ESTUDOS NA HISTRIA DO TRABALHO2
Esta tese tem como objeto de estudo o chamado servio domstico3 na cidade do
Rio de Janeiro no perodo que se estende, aproximadamente, de 1850 a 1920. Constitui-
se, ento, de uma pesquisa cujos objetivos gerais se orientaram no sentido de recuperar
e de compreender aspectos, fenmenos e processos histricos relativos a diferentes
dimenses da parcela do mundo do trabalho formada pelos trabalhadores domsticos
naquele contexto. Trata-se, como se sabe, de um objeto de pesquisa que se vincula a um
tema de extrema relevncia social, tendo em vista no apenas o carter histrico e
estruturante da prestao de servios domsticos no mercado de trabalho brasileiro,
mas, sobretudo, a sua atualidade no cenrio contemporneo.
1 Parte do contedo desta introduo encontra-se publicada em: SOUZA, Flavia Fernandes de. Trabalho
domstico: consideraes sobre um tema recente de estudos na Histria do Social do Trabalho no
Brasil. Revista Mundos do Trabalho, Florianpolis, v. 7, n. 13, p. 275-296, 2015.
2 Quando aqui se faz referncia ao que seria um novo objeto estudos na Histria do Trabalho sabe-se,
como discutido pela historiadora Silvia Petersen, que no so necessariamente os temas que definem
aquela rea do conhecimento histrico, mas muito mais as abordagens. Valendo lembrar que o que se
convencionou chamar de Histria Social do Trabalho envolve ambiguidades e diversos entendimentos
acerca dos seus objetos de estudo. Cf. PETERSEN, Silvia Regina Ferraz. A presena da histria social
do trabalho no ambiente acadmico brasileiro nas ltimas dcadas. In: XXVI SIMPSIO NACIONAL
DE HISTRIA ANPUH: 50 ANOS, I, 2011, So Paulo. Anais do XXVI Simpsio Nacional de
Histria ANPUH: 50 anos. So Paulo: ANPUH-SP, 2011, p. 1-28 (anais eletrnicos).
3 Apesar do uso corrente do termo trabalho domstico, neste estudo ser dada preferncia designao
servio domstico. Entre as razes dessa escolha encontra-se o uso disseminado do termo em
documentos do perodo estudado e em vasta produo histrica internacional sobre o assunto, alm das
dificuldades para se utilizar o conceito de trabalho domstico remunerado ou emprego domstico
em contextos de vigncia da escravido e de outras formas de compulsoriedade do trabalho. Mas, essa
opo se d, tambm, porque o termo servio domstico compreende a ideia de prestao de
servios, que se difere do trabalho executado por membros de um ncleo familiar a benefcio prprio,
que seria tpico de um trabalho domstico no remunerado. Nesse caso, a noo de servio
domstico envolve a execuo de atividades reprodutivas (como o preparo de alimentos, o cuidado de
pessoas, o asseio e a manuteno de espaos e objetos), inerentes ao funcionamento de um domiclio e
sobrevivncia de uma famlia, por parte de trabalhadores contratados para esse fim (considerando
toda a variedade de condies de arranjos de trabalho em diferentes contextos histricos) e no
necessariamente vinculados, por laos de afeto ou parentesco, ao local onde trabalham. Nesse sentido, o
termo servio domstico visa, sobretudo, caracterizar relaes de trabalho estabelecidas entre amos e
criados, senhores e escravos ou patres e empregados em variados tempos e espaos. Vale dizer que
algumas observaes a respeito desse ponto foram realizadas no primeiro captulo do presente trabalho.
https://periodicos.ufsc.br/index.php/mundosdotrabalho/article/view/39316https://periodicos.ufsc.br/index.php/mundosdotrabalho/article/view/39316https://periodicos.ufsc.br/index.php/mundosdotrabalho/article/view/3931619
No Brasil, o emprego domstico abriga uma das maiores categorias de
trabalhadores (7,2 milhes em 2009), especialmente de trabalhadoras, j que o
percentual de mulheres nesta atividade profissional ultrapassa os 93% (em 2009, eram
6,7 milhes de empregadas domsticas no pas)4. Na verdade, o contingente de
trabalhadoras(es) domsticas(os) brasileiro um dos maiores do mundo5. Sendo ainda o
emprego domstico um dos espaos laborais mais emblemticos das desigualdades
sociais existentes no Brasil, em suas clivagens de gnero, raa e classe. Isso ocorrendo
porque o trabalho domstico remunerado brasileiro compreende fenmenos como a
grande informalidade (com nmeros elevados de trabalhadoras mensalistas sem carteira
assinada e um grande contingente de trabalhadoras diaristas, que se encontra em
condies vulnerveis em termos de proteo social) e a alta concentrao de mulheres
pobres, negras, com nveis baixos de escolarizao e sem qualificao profissional6.
No entanto, para alm desse aspecto geral, parte da relevncia e da atualidade
social do tema trabalho/servio domstico na contemporaneidade resulta da recorrncia
com que questes concernentes aos trabalhadores domsticos ganharam maior
visibilidade nos ltimos anos. Isso se deu, em grande medida, em funo da elaborao
da Proposta de Emenda Constitucional ao artigo 7 da Constituio Federal (PEC
66/2012), promulgada em abril de 2013 e que alterou o regime normativo do trabalho
domstico remunerado no Brasil ao estender direitos elementares dos trabalhadores
s(aos) empregadas(os) domsticas(os). Em decorrncia desse acontecimento, o tema
ganhou grande repercusso pblica, seja na imprensa, no parlamento, em agncias
oficiais ou em organizaes sociais relacionadas a setores patronais e de trabalhadores.
Um debate que evidenciou a permanncia da ausncia de consenso por parte de alguns
segmentos sociais, principalmente entre os que abrigam boa parte dos empregadores de
4 INSTITUTO DE PESQUISA ECONMICA APLICADA (IPEA). Situao atual das trabalhadoras
domsticas no Brasil. Comunicados do IPEA, n. 90, 5 mai. 2011. p. 4. Disponvel em:
. Acesso em:
30 jan. 2017.
5 Segundo pesquisa realizada pela OIT, em 2013, o Brasil concentrava, em nmeros absolutos, a maior
populao trabalhadora empregada no setor. Cf. BRASIL TEM MAIOR NMERO DE DOMSTICAS
DO MUNDO. G1. So Paulo, 09 jan. 2013. Disponvel em: . Acesso
em: 30 jan. 2017.
6 DEPARTAMENTO INTERSINDICAL DE ESTATSTICA E ESTUDOS ECONMICOS (DIEESE).
O emprego domstico no Brasil. Estudos e Pesquisas n. 68, ago. 2013, p. 10. Disponvel em:
. Acesso: 30 jan.
2017.
20
domsticos, como o caso da classe mdia urbana, em relao ampliao de direitos
para as(os) empregadas(os) domsticas(os) e, sobretudo, sua equiparao aos demais
trabalhadores assalariados brasileiros7. De qualquer maneira, com a regulamentao da
Emenda Constitucional n. 72, ocorrida em 20158, questes relativas ao emprego e
s(aos) trabalhadoras(es) domsticas(os) permanecem em alta nos debates de interesse
pblico.
Alm disso, do ponto de vista internacional, nos ltimos anos, problemas e
especificidades em torno do trabalho domstico remunerado so, com frequncia,
apontados pela Organizao Internacional do Trabalho (OIT), tendo em vista a
vulnerabilidade, decorrente do desrespeito a direitos fundamentais de trabalho e, at
mesmo, de direitos humanos no que se refere gigantesca categoria dos domsticos em
vrios pases, sobretudo naqueles classificados como emergentes9. Em 2010 e 2011,
na 99 e 100 Conferncias Internacionais do Trabalho (CIT), ocorreu uma srie de
discusses sobre o tema trabalho decente para as/os trabalhadoras(es) domsticas(os),
visando elaborao de um instrumento internacional de proteo ao trabalho
domstico na forma de uma conveno. Esta foi definida em 2011, sob o ttulo
Conveno sobre o Trabalho Decente para as Trabalhadoras e os Trabalhadores
Domsticos, que fora acompanhada de uma recomendao da OIT, com o mesmo ttulo,
com o fim de estabelecer normas mnimas que podero orientar futuras modificaes
nas legislaes e nas polticas relacionadas aos trabalhadores domsticos remunerados
em todo o mundo10
.
A relao existente entre problemticas sociais contemporneas e o
desenvolvimento dos estudos acadmicos fizeram com que questes relativas aos
trabalhadores domsticos emergissem em pesquisas e em discusses em diferentes reas 7 ANTUNES. Ricardo. A revolta da sala de jantar. Alis. O Estado de So Paulo (Estado). 30 mar.
2013. Disponvel em: .
Acesso em: 30 jan. 2017.
8 BRASIL. Lei Complementar n. 150, de 1 de junho de 2015. Disponvel em:
. Acesso em: 30 jan. 2017.
9 Sobre o assunto ver: SANCHES, Solange. Trabalho domstico: desafios para o trabalho
decente. Revista Estudos Feministas, Santa Catarina, vol. 17, n. 3, p. 879-888, 2009.
10
ORGANIZAO INTERNACIONAL DO TRABALHO (OIT). Conveno e Recomendao sobre
Trabalho Decente para as Trabalhadoras e os Trabalhadores Domsticos, 2011. Disponvel em:
.
Acesso em: 30 jan. 2017.
21
do conhecimento e, consequentemente, nos domnios da Histria. Na realidade, nos
ltimos anos, o tema trabalho/servio domstico se tornou um objeto comum de
pesquisas e de debates sobre a histria do Brasil. Isso aconteceu especialmente no
campo da Histria Social do Trabalho, ainda que nas suas intersees e dilogos com
outras esferas historiogrficas, como a Histria das Mulheres, a Histria da Escravido e
da Ps-emancipao, a Histria Urbana e a Histria do Cotidiano. Tal emergncia do
tema verificvel em anais dos Simpsios Nacionais da Anpuh (Associao Nacional
de Histria), que so promovidos a cada dois anos e que constituem os mais importantes
eventos acadmicos de Histria no pas. Ao se analisar os anais dos simpsios ocorridos
desde o incio do sculo XXI nota-se que, da ausncia dessa temtica em trabalhos
apresentados nos encontros de 2001, 2003 e 2005, nos ltimos Simpsios Nacionais
daquela associao, ou seja, nos de 2007, 2009, 2011 e 2013, foram apresentados, em
nmero crescente, 17 textos, cujos objetos de estudo podem ser localizados no universo
da histria dos trabalhadores domsticos no Brasil11
. No Simpsio Nacional da Anpuh
11
Trata-se dos seguintes textos:
XXIV Simpsio Nacional de Histria, 2007: SILVA, Maciel Henrique. Vida domstica e patriarcalismo
no final do Imprio e no ps-escravido: as criadas na literatura pernambucana do perodo. In:
SIMPSIO NACIONAL DE HISTRIA, 24, 2007, So Leopoldo, RS. Anais do XXIV Simpsio
Nacional de Histria Histria e multidisciplinaridade: territrios e deslocamentos. So Leopoldo:
Unisinos, 2007 (CD-ROM); GRILLO, Maria ngela de Faria. Amas-secas e amas-de-leite: o trabalho
feminino no Recife (1870-1880). In: SIMPSIO NACIONAL DE HISTRIA... op. cit.
XXV Simpsio Nacional de Histria, 2009: LIMA, Tatiana Silva de. Significados do trabalho domstico
no Recife do sculo XIX. In: SIMPSIO NACIONAL DE HISTRIA, 25, 2009, Fortaleza. Anais do
XXV Simpsio Nacional de Histria Histria e tica. Fortaleza: ANPUH, 2009 (CD-ROM); SILVA,
Maciel Henrique. Trabalho, gnero e raa: escravas domsticas e outras criadas na literatura baiana e
pernambucana. In: SIMPSIO NACIONAL DE HISTRIA... op.cit.; SOUZA, Flavia Fernandes de.
Empregam-se todos os que precisam trabalhar: o servio domstico e o mundo do trabalho na cidade do
Rio de Janeiro no final do sculo XIX. In: SIMPSIO NACIONAL DE HISTRIA... op.cit.
XXVI Simpsio Nacional de Histria, 2011: COSTA, Ana Paula do Amaral. Regulamentao do
servio de criadagem: dominao, subordinao e resistncia na cidade do Rio Grande (1887-1894).
In: XXVI SIMPSIO NACIONAL DE HISTRIA ANPUH: 50 ANOS, I, 2011, So Paulo. Anais do
XXVI Simpsio Nacional de Histria ANPUH: 50 anos. So Paulo: ANPUH-SP, 2011 (anais
eletrnicos); FERLA, Lus Antnio Coelho. "Corpos estranhos na intimidade do lar: as empregadas
domsticas no Brasil da primeira metade do sculo XX. In: XXVI SIMPSIO NACIONAL DE
HISTRIA ANPUH: 50 anos... op.cit.; GARZONI, Lerice de Castro. Mnagres, governantes e
criadas: distines entre os trabalhadores domsticos no romance A Intrusa, de Jlia Lopes de
Almeida. In: XXVI SIMPSIO NACIONAL DE HISTRIA ANPUH: 50 ANOS... op. cit.;
PEANHA, Natlia Batista. Para todo servio: as empregadas domsticas em canonetas presentes
nO Rio-Nu (1898-1909). In: XXVI SIMPSIO NACIONAL DE HISTRIA ANPUH: 50 ANOS...
op. cit.; PEREIRA, Bergman de Paula. De escravas a empregadas domsticas a dimenso social e o
lugar das mulheres negras no ps-abolio In: XXVI SIMPSIO NACIONAL DE HISTRIA
ANPUH: 50 ANOS... op. cit.
XXVII Simpsio Nacional de Histria, 2013: BARBOSA, Antonio Tadeu Santos. As trabalhadoras
domsticas em Curralinho-BA: indcios da conquista de espao de autonomia e liberdade nos ltimos
anos da escravido, 1871-1888. In: XXVII SIMPSIO NACIONAL DE HISTRIA
CONHECIMENTO HISTRICO E DILOGO SOCIAL, 2013, Natal. Anais do XXVII Simpsio
Nacional de Histria (anais eletrnicos); COSTA, Ana Paula do Amaral. O regulamento de locao de
servios e a luta dos criados de servir pela liberdade de trabalho (Rio Grande/RS, fim do sculo XIX).
22
realizado em 2015, esse movimento ascendente de trabalhos culminou na constituio
de um seminrio temtico exclusivo acerca do tema12
.
Esse boom de produes acadmicas sobre o tema trabalho/servio domstico
fica mais evidente quando se observam as propostas dos seminrios temticos
organizados no interior dos simpsios nacionais, os quais congregaram os autores dos
referidos textos. Se alguns daqueles estudos foram apresentados em seminrios ligados
temtica urbana ou da escravido e do ps-abolio, boa parte foi discutida junto aos
seminrios associados ao GT Mundos do Trabalho que desde 2001 participa dos
encontros nacionais e regionais da Anpuh, reunindo pesquisadores e estudantes de
vrias instituies do pas. Assim, possvel observar que, a partir do encontro nacional
de 2009, o tema trabalho/servio domstico associado a assuntos como formas e
arranjos de trabalho, trabalho infantil, trabalho informal e precarizado, gnero e
trabalho, famlia, reproduo e domesticidade passou a compor um dos itens
comuns em ementas de seminrios do GT Mundos do Trabalho em seus simpsios
nacionais. Alis, so nas Jornadas Nacionais de Histria do Trabalho (evento tambm
bianual organizado pelo referido GT), onde, igualmente, surgem apresentaes de
papers ligados ao tema em questo13
. Seguindo a mesma tendncia dos simpsios
In: XXVII SIMPSIO NACIONAL DE HISTRIA CONHECIMENTO HISTRICO E DILOGO
SOCIAL... op. cit.; DAMASCENO, Caetana Maria. Cor e boa aparncia no mundo do trabalho
domstico: problemas de pesquisa da curta longa durao. In: XXVII SIMPSIO NACIONAL DE
HISTRIA CONHECIMENTO HISTRICO E DILOGO SOCIAL... op. cit.; LIMA, Tatiana Silva
de. Resistncias e sobrevivncias dos trabalhadores domsticos e em domiclio, Recife, 1830 1870.
In: XXVII SIMPSIO NACIONAL DE HISTRIA CONHECIMENTO HISTRICO E DILOGO
SOCIAL... op. cit.; SBRAVATI, Daniela Fernanda. Os sentidos da liberdade: as libertas e o trabalho
domstico na freguesia de Desterro de 1870 a 1920. In: XXVII SIMPSIO NACIONAL DE
HISTRIA CONHECIMENTO HISTRICO E DILOGO SOCIAL... op. cit.; SILVA, Maciel
Henrique Carneiro da. Qual queda, esta menina foi forada: solidariedades e narrativas populares entre
trabalhadoras domsticas (Salvador, 1900). In: XXVII SIMPSIO NACIONAL DE HISTRIA
CONHECIMENTO HISTRICO E DILOGO SOCIAL, 2013, Natal. Anais do XXVII Simpsio
Nacional de Histria (anais eletrnicos); SOUZA, Flavia Fernandes de. Criados ou empregados? Sobre
o trabalho domstico na cidade do Rio de Janeiro no antes e no depois da abolio da escravido. In:
XXVII SIMPSIO NACIONAL DE HISTRIA CONHECIMENTO HISTRICO E DILOGO
SOCIAL.. op. cit.
12
Trata-se do seminrio organizado pelos historiadores Maciel Henrique Carneiro da Silva e Maria
Aparecida Prazeres Sanches, intitulado Gnero, Histria e o Mundo do Trabalho Domstico, que
reuniu mais de vinte propostas de apresentaes que envolveram, direta ou indiretamente, questes
histricas relativas ao trabalho ou prestao de servio domstico. A ementa do simpsio e os resumos
dos trabalhos inscritos se encontram disponveis em:
. Acesso em: 10 jun. 2015.
13
O GT Mundos do Trabalho j realizou oito Jornadas Nacionais de Histria do Trabalho (Pelotas, 2002;
Florianpolis, 2004; Niteri, 2006; Cricima, 2008; Florianpolis, 2010; Rio de Janeiro, 2012;
Salvador, 2014; Manaus, 2016). Em suas ltimas edies, as Jornadas Nacionais foram realizadas
http://www.snh2015.anpuh.org/simposio/view?ID_SIMPOSIO=216623
nacionais da Anpuh, nas jornadas ocorridas a partir do final da dcada de 2000,
especificamente nas jornadas ocorridas em 2010 e 2012, percebe-se a existncia de
quatro textos cujo objeto de estudo o trabalho domstico, havendo, inclusive, um texto
de origem internacional e outro escrito em lngua inglesa14
. J nas jornadas de 2014 e
2016, ocorridas conjuntamente com Seminrios Internacionais Mundos do Trabalho,
foram apresentados cinco trabalhos sobre o tema15
.
Como se pode observar, os textos apresentados em tais eventos foram, em sua
maioria, produzidos por um mesmo grupo de estudiosos, que tem se dedicado s
pesquisas histricas sobre o trabalho/servio domstico em diferentes regies do Brasil.
Em geral, trata-se de apresentaes de pesquisas desenvolvidas por estudantes de ps-
graduao alguns atualmente j formados , em nvel de mestrado e de doutorado.
Contudo, a prpria existncia de uma nova gerao de historiadores interessados em
uma temtica que h pouco tempo no se constitua como um objeto de estudos no
campo da Histria j em si um elemento que desperta interesse. Isso porque esse
processo envolve tambm certa especializao de pesquisadores em um assunto da
simultaneamente com os I, II e III Seminrios Internacionais de Histria do Trabalho (2010, 2012, 2014
e 2016).
14
Os trabalhos apresentados foram:
I Seminrio Internacional Mundos do Trabalho e V Jornada Nacional de Histria do Trabalho,
2010: ALLEMANDI, Cecilia. Muchacha se ofrece: Una reconstruccin del perfil del personal de
servicio en la Ciudad de Buenos Aires a fines de siglo XIX y principios del XX; LIMA, Tatiana Silva
de. Crias da casa, domsticos e servos: Interfaces dos mundos do trabalho no Recife de 1837 a 1870.
Disponvel em: . Acesso em: 10 jun.
2015.
II Seminrio Internacional Mundos do Trabalho e VI Jornada Nacional Mundos do Trabalho,
2012: GARZONI, Lerice de Castro. A work to be learned: changes in the conception of "domestic
service" (Rio de Janeiro, early twentieth century); SOUZA, Flavia Fernandes de. Entre a escravido e a
liberdade: os criados domsticos e o mundo do trabalho na cidade do Rio de Janeiro no final do sculo
XIX. Disponvel em: . Acesso em: 10 jun. 2015.
15
So eles:
III Seminrio Internacional Mundos do Trabalho e VII Jornada Nacional de Histria do Trabalho,
2014: LIMA, Tatiana Silva de. A distribuio dos serviais nas casas do Recife entre 1830 e 1870;
PEANHA, Natlia Batista. Sirvienta extranjera, se necessita: uma anlise transnacional do servio
domstico carioca e portenho (1850-1914); SBRAVATI, Daniela. Das ruas da cidade e intimidade do
lar: trabalhadores domsticos no Brasil oitocentista; COSTA, Ana Paula do Amaral. Criados de servir:
trabalhadores do setor domstico nas cidades de Pelotas e Rio Grande / RS (fim do sculo XIX).
Disponvel em: . Acesso
em: 10 jun. 2015.
IV Seminrio Internacional Mundos do Trabalho e VIII Jornada Nacional de Histria do
Trabalho, 2016: PEANHA, Natlia Batista. Precisa-se de um homem para todo servio de casa: a
participao masculina no servio domstico carioca (1880-1920). Disponvel em:
. Acesso em: 15 dez. 2016.
http://labhstc.ufsc.br/eventos/historias-do-trabalho-no-sul-globalhttp://cpdoc.fgv.br/mundosdotrabalho/programahttp://gtmundosdotrabalho.org/sessoes-coordenadas-coordinated-sessions/24
Histria Social do Trabalho que h poucos anos sequer era reconhecido como tal no
Brasil.
Embora seja difcil determinar os fatores exatos para a emergncia do tema
trabalho/servio domstico nos domnios da Histria, pode-se dizer que, do ponto de
vista acadmico, eles certamente se relacionam com o processo de transformaes e de
renovaes ocorrido na Histria Social do Trabalho nas ltimas dcadas, no Brasil e no
mundo. Como indicam vrios historiadores sociais, em artigos de balanos
historiogrficos, desde final dos anos 1990, alm do aumento das pesquisas e,
consequentemente, das publicaes na rea, ampliaram-se os temas, as abordagens e os
enfoques nos estudos histricos do trabalho no pas16
. Apenas para citar uma das
discusses centrais desse processo pode-se aqui indicar a que envolve os entendimentos
acerca da composio da classe trabalhadora, visto que esta tende a no mais ser vista
como limitada ao operariado fabril (sobretudo, branco, de ascendncia europeia,
masculino, urbano e organizado). Cada vez mais, os historiadores do trabalho embora
com um longo caminho de pesquisas a percorrer se esforam por compreender
trabalhadores de uma maneira ampliada, de modo a romper tradicionais dicotomias de
entendimento (como industrial/pr-industrial, liberdade/escravido, urbano/rural) e a
abraar anlises que buscam contemplar problemticas como as de gnero e de raa na
histria brasileira, simultaneamente ao uso da categoria ainda central de classe social.
Tornando-se, assim, sujeitos potenciais da Histria do Trabalho um amplo e diverso
conjunto de indivduos e grupos sociais formados por homens e mulheres; crianas,
jovens, adultos e idosos; brancos, negros e indgenas; nacionais e estrangeiros; livres e
no livres; trabalhadores assalariados, contratados, sazonais e autnomos.
Considerando isso, talvez uma questo a ser pensada sobre esse aspecto
perpasse a relao existente entre a recente emergncia de estudos sobre a histria do
trabalho/servio domstico e o referido movimento de propostas de ampliaes e de
mudanas na Histria Social do Trabalho. Ou seja, as produes sobre o tema em foco
so resultantes de pesquisas produzidas em meio a uma ambincia acadmica propcia
se comparada s dcadas anteriores quando se fizeram at mesmo diagnsticos de crise
16
BATALHA, Cludio H. M. Os desafios atuais da histria do trabalho. Anos 90. Porto Alegre, v. 13,
n. 23/24, p. 87-104, jan./dez. 2006; GOMES, Flvio dos Santos; NEGRO, Antonio Luigi. Alm de
senzalas e fbricas: uma histria social do trabalho. Tempo Social, So Paulo, v. 18, n. 1, p. 217-240,
jun. 2006.
25
na Histria do Trabalho no Brasil17
. No por acaso as mltiplas formas de trabalho
domstico so mais diretamente estudadas por jovens historiadores formados ou em
formao por pesquisadores e especialistas da rea, em espaos institucionais j
voltados para a temtica do trabalho e com leituras e discusses que apontam para a
necessidade de renovaes nos domnios da histria dos trabalhadores no Brasil. Alm
das pesquisas sobre o trabalho domstico realizadas nos ltimos anos poderem
incorporar novas perspectivas conceituais e metodolgicas relativas Histria do
Trabalho, sem o abandono de referncias tericas de longa data utilizadas nas
dimenses da Histria Social18
. Tal o caso da chamada Histria Global do Trabalho,
que entre contribuies, crticas e limitaes, vem desde o incio do sculo XXI se
consolidando como uma vertente dinmica e promissora de estudos histricos sobre o
trabalho. Segundo Marcel van der Linden, um dos mais conhecidos expoentes dessa
rea de interesse, em termos de temticas, a Histria Global do Trabalho direciona-se
no s para o trabalho livre e remunerado, mas tambm para o no livre, como nas
situaes de escravido, e pelas atividades de subsistncia, dentre as quais se destaca o
trabalho domstico, em toda sua complexidade e diversidade19
.
H que se levar em conta ainda que, nos ltimos anos, em eventos
internacionais sobre Histria Social do Trabalho, o tema trabalho domstico tornou-se
com frequncia parte da pauta de chamada de papers e de debates acadmicos
internacionais20
. Nesse sentido, relevante lembrar que fenmenos de mudanas
ocorreram em campos da Histria do Trabalho em diferentes lugares do mundo. O
historiador Leon Fink afirmou, em artigo de balano acerca da historiografia norte-
americana sobre os trabalhadores, que nos Estados Unidos, por exemplo, as renovaes
ocorridas na Histria do Trabalho levaram os historiadores para as fronteiras ou reas
17
BATALHA, Claudio H. M. A histria do trabalho: um olhar sobre os anos 1990. Histria, So
Paulo, n. 21, p. 73-87, 2002.
18
Apenas para citar uma das maiores referncias e influncias de carter terico-metodolgico no que se
refere aos estudos da Histria Social do Trabalho no Brasil destaca-se aquela oriunda da obra E. P.
Thompson, em especial nos estudos sobre a escravido e o movimento operrio. Cf. MATTOS, Marcelo
Badar. E. P. Thompson e a tradio de crtica ativa do materialismo histrico. Rio de Janeiro:
UFRJ, 2012. cap. 4.
19
VAN DER LINDEN, Marcel. Histria do Trabalho: o velho, o novo e o global. Revista Mundos do
Trabalho, Florianpolis, vol. 1, n. 1, p. 11-26, jan.-jun. 2009.
20
Tal o caso da 49Th
Linz Conference, Towards a Global History of Domestic Workers and Caregivers
(International Conference of Labour and Social History), ocorrida em setembro de 2013.
26
limtrofes daquele campo de estudo. Assim, o autor indica um movimento nas pesquisas
histricas norte-americanas sobre o trabalho em termos de novos interesses espaciais
(como no caso dos estudos transnacionais) e temticos (como no que se refere busca
por pesquisas em domnios no tradicionais do trabalho assalariado). Acerca desse
ponto Fink aponta como exemplo os estudos voltados para as arenas do emprego
domstico e dos servios em geral, mais dominadas pelas mulheres e para as relaes
entre o trabalho domstico e escravido21
. Alm disso, ao que tudo indica, nos ltimos
anos ampliaram-se substancialmente as publicaes internacionais acerca da histria do
servio domstico, com a publicao de diversos livros e coletneas sobre o tema,
especialmente na Europa22
.
As recentes produes acadmicas
Alm de comunicaes e de papers apresentados e debatidos em eventos
nacionais, o que de fato vem caracterizando o crescimento dos estudos sobre a histria
do trabalho/servio domstico so as produes monogrficas resultantes de recentes
pesquisas desenvolvidas por estudantes de ps-graduao em diferentes universidades
do Brasil. Tais trabalhos so, na realidade, obras de historiadores ainda em formao ou
recentemente formados, mas que se especializaram na histria do trabalho/servio
domstico brasileiro ao realizarem estudos aprofundados sobre o assunto em forma de
dissertaes de mestrado e teses de doutorado defendidas em diferentes programas de
ps-graduao do pas. Em geral, essa produo, elaborada na primeira dcada do
sculo XXI e no incio dos anos 2010, preencheu boa parte das lacunas at ento
21
FINK, Leon. A grande fuga: como um campo sobreviveu a tempos difceis. Revista Brasileira de
Histria, So Paulo, v. 32, n 64, 2012, p. 17-19. Nessa discusso o autor faz referncia ao estudo de
Seth Rockman, sobre as conexes entre trabalho livre e escravizado, em que so feitas vrias anlises e
referncias ao trabalho domstico. Cf. ROCKMAN, Seth. Scraping by: wage labor, slavery and
survival in Early Baltimore. Baltimore, Maryland: John Hopkins University Press, 2009.
22
FAUVE-CHAMOUX, Antoinette (Ed.). Domestic service and the formation of european identity:
understanding the globalization of domestic work, 16th
21st centuries. London: Peter Lang, 2004;
STEEDMAN, Carolyn. Labours lost: domestic service and the making of modern England.
Cambridge: Cambridge University Press, 2009; DELAP, Lucy. Knowing their place: domestic service
in twentieth-century Britain. Oxford: Oxford University Press, 2011; HOERDER, Dirk; MEERKERK,
Elise van Nederveen; NEUNSINGER, Silke (org.). Towards a Global History of Domestic and
Caregiving Workers. Leiden, Boston: Brill, 2015.
27
existentes em torno do tema e, principalmente, abriu um novo universo de
possibilidades de investigaes sobre o trabalho domstico na Histria. Avaliados em
seu conjunto, trata-se de trabalhos que apresentam recortes espaciais e temporais bem
definidos e que, em sua maioria, foram estabelecidos nos limites urbanos de cidades
como Rio de Janeiro, So Paulo, Recife, Salvador, Rio Grande, Pelotas e Uberlndia
nas ltimas dcadas do sculo XIX e ao longo do sculo XX. Alm de serem estudos
resultantes de pesquisas empricas de flego, cujas anlises foram apoiadas em ampla
base documental, composta por fontes das mais diversas naturezas.
Sem a pretenso de aqui realizar um mapeamento preciso, dada a crescente
produo monogrfica na rea, foi possvel identificar, at o momento, um total de dez
dissertaes de mestrado e trs teses de doutorado, desenvolvidas nos ltimos anos, cujo
objeto de estudo pode ser definido como sendo referente histria do trabalho/servio
domstico. claro que elencar esses trabalhos como sendo estudos sobre a histria do
trabalho/servio domstico envolve certo nvel de generalizao prprio de um esforo
dessa natureza, que visa reunir estudos sobre um tema especfico, e que, portanto, parte
de pressupostos e de interesses que nem sempre estiveram nos propsitos dos autores no
trabalho de pesquisa e na redao dos textos. Mas, avaliado o contedo de tais
dissertaes e teses, possvel dizer que todas, em maior ou menor medida, se
constituem em estudos histricos que trataram da histria ou da memria dos
trabalhadores domsticos no Brasil.
Assim, entre as dissertaes, encontram-se: a de Jorgetnea da Silva Ferreira
(2000) sobre as experincias e as memrias de empregadas domsticas na cidade de
Uberlndia nas trs ltimas dcadas do sculo XX23
; o trabalho de Maciel Henrique
Carneiro da Silva (2004), cujo tema o cotidiano e as representaes de criadas e
vendeiras no Recife, entre as dcadas de 1840 e 187024
; o estudo de Francisco Antonio
Nunes Neto (2005) sobre a condio social das lavadeiras em registros literrios da
23
FERREIRA, Jorgetnea da Silva. Memria, Histria e Trabalho: Experincias de Trabalhadoras
Domsticas em Uberlndia - 1970/1999. Dissertao (Mestrado em Histria) Pontifcia Universidade
Catlica de So Paulo, So Paulo, 2000.
24
SILVA, Maciel Henrique Carneiro da. Pretas de honra: trabalho, cotidiano e representaes de
vendeiras e criadas no Recife do sculo XIX (1840-1870). Dissertao (Mestrado em Histria) Centro
de Filosofia e Cincias Humanas, Universidade Federal de Pernambuco, Recife, 2004.
28
dcada de 193025
; o estudo de Brbara Canedo Ruiz Martins (2006) acerca das amas de
leite no mercado de trabalho do Rio de Janeiro durante as dcadas de 1830 e 188026
; a
dissertao de Reginilde Rodrigues Santa Brbara (2007), que trata das sociabilidades e
conflitos entre lavadeiras em Feira de Santana (BA) nas dcadas de 1930 e 196027
; o
estudo de Rosana de Jesus dos Santos (2009), que realizou uma pesquisa sobre as
relaes de trabalho domstico e as formas de violncia contra as trabalhadoras
domsticas na cidade de Montes Claros em Minas Gerais, entre 1959 e 198328
; o
trabalho da autora deste estudo (2010), acerca das caractersticas do servio domstico e
do processo de tentativas de regulamentao das atividades dos criados domsticos na
cidade do Rio de Janeiro entre 1870 e 190029
; a dissertao de Lorena Fres da Silva
Telles (2011), tendo como objeto de estudo os contratos de trabalho domstico em So
Paulo no ltimo quartel do sculo XIX30
; o estudo de Ana Paula do Amaral Costa
(2013) sobre os criados de servir e os mecanismos de controle do servio domstico na
cidade do Rio Grande entre 1880 e 189431
; e a recente dissertao de Simone Andriani
25
NUNES NETO, Francisco Antnio. A condio social das lavadeiras em Salvador: quando a
Histria e a Literatura se encontram (1930-1939). Dissertao (Mestrado em Histria) Universidade
Federal da Bahia, Salvador, 2005.
26
MARTINS, Barbara Canedo Ruiz. Amas de leite e mercado de trabalho feminino: descortinando
prticas e sujeitos (Rio de Janeiro, 1830-1890). Dissertao (Mestrado em Histria) Instituto de
Filosofia e Cincias Sociais, Universidade Federal do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 2006.
27
SANTA BRBARA, Reginilde Rodrigues. O caminho da autonomia na conquista da dignidade:
sociabilidades e conflitos entre lavadeiras em Feira de Santana, Bahia (1929-1964). Dissertao
(Mestrado em Histria) Faculdade de Filosofia e Cincias Humanas, Universidade Federal da Bahia,
Salvador, 2007.
28
SANTOS, Rosana de Jesus dos Santos. Corpos domesticados: a violncia de gnero no cotidiano das
domsticas em Monte Claros 1959 a 1983. Dissertao (Mestrado em Histria) Universidade
Federal de Uberlndia, Uberlndia, 2009.
29
SOUZA, Flavia Fernandes de. Para casa de famlia e mais servios: o trabalho domstico na cidade
do Rio de Janeiro no final do sculo XIX. Dissertao (Mestrado em Histria) Faculdade de Formao
de Professores, Universidade do Estado do Rio de Janeiro. So Gonalo, 2010.
30
TELLES, Lorena Fres da Silva. Libertas entre sobrados: contratos de trabalho domstico em So
Paulo na derrocada da escravido. Dissertao (Mestrado em Histria) Faculdade de Filosofia, Letras
e Cincias Humanas, Universidade de So Paulo, So Paulo, 2011.
31
COSTA, Ana Paula do Amaral. Criados de servir: estratgias de sobrevivncia na cidade do Rio
Grande (1880-1894). Dissertao (Mestrado em Histria) Instituto de Cincias Humanas,
Universidade Federal de Pelotas, Pelotas, 2013.
http://www.sigma.ufrj.br/UFRJ/SIGMA/trabalhos_conclusao/consulta/relatorio.stm?app=TRABALHOS_CONCLUSAO&id_trabalho_conclusao=14169&estrutura_org_pai=2669&estrutura_org_pai=CURSOPGSS&estrutura_org_pai=Hist%f3ria%20Comparada&buscas_cruzadas=ONhttp://www.sigma.ufrj.br/UFRJ/SIGMA/trabalhos_conclusao/consulta/relatorio.stm?app=TRABALHOS_CONCLUSAO&id_trabalho_conclusao=14169&estrutura_org_pai=2669&estrutura_org_pai=CURSOPGSS&estrutura_org_pai=Hist%f3ria%20Comparada&buscas_cruzadas=ON29
dos Santos (2015) sobre identidades domsticas e relaes entre criadas e patroas, na
cidade de So Paulo, entre os anos 1875 e 192832
.
J entre as teses defendidas sobre o tema trabalho domstico nos ltimos anos
encontram-se as investigaes de autores que, em geral, deram continuidade aos estudos
desenvolvidos durante o mestrado. Assim, destaca-se: o trabalho de Jorgetnea da Silva
Ferreira (2006),33
voltado para o cotidiano do trabalho de domsticas e donas de casa no
Tringulo Mineiro na segunda metade do sculo XX; o estudo de Maria Elizabeth
Ribeiro Carneiro (2006),34
sobre as amas de leite na cidade do Rio de Janeiro entre 1850
e 1888; e a tese de Maciel Henrique Carneiro da Silva (2011)35
, construda com base em
esforo comparativo das experincias de criadas domsticas nas cidades de Recife e
Salvador entre finais do sculo XIX e incios do sculo XX36
.
No obstante, para alm da produo atual citada sobre o tema em pauta, outras
dissertaes e teses defendidas nos ltimos anos apresentaram anlises parciais sobre
aspectos do universo da prestao de servios domsticos. Ainda que os objetos de
estudos desses trabalhos fossem variados, compreendendo assuntos como controle
urbano, imprensa, escravido e ps-abolio, todos perpassaram, em alguns captulos ou
sees, aspectos e processos relativos dinmica do servio domstico em diferentes
32
SANTOS, Simoni Andriani dos. Senhoras e criadas no espao domstico, So Paulo (1875-1928).
Dissertao (Mestrado em Histria) Faculdade de Filosofia, Letras e Cincias Humanas, Universidade
de So Paulo, So Paulo, 2015.
33
SILVA, Jorgetnea Ferreira da. Trabalho em domiclio: quotidiano de trabalhadoras domsticas e
donas de casa no tringulo mineiro (1950-2005). Tese (Doutorado em Histria) Pontifcia
Universidade Catlica de So Paulo, So Paulo, 2006.
34
CARNEIRO, Maria Elizabeth Ribeiro. Procura-se preta, com muito bom leite, prendada e
carinhosa: uma cartografia das amas de leite na sociedade carioca (1850-1888). Tese (Doutorado em
Histria) Instituto de Cincias Humanas, Universidade de Braslia, Braslia, 2006.
35
SILVA, Maciel Henrique Carneiro da. Domsticas criadas entre textos e prticas sociais: Recife e
Salvador (1870-1910). Tese (Doutorado em Histria) Faculdade de Filosofia e Cincias Humanas,
Universidade Federal da Bahia, Salvador, 2011.
36
Nesse sentido, vale tambm salientar algumas pesquisas desenvolvidas em nvel de doutorado que se
encontram em andamento, como a de Tatiana Silva de Lima sobre trabalho domstico e o trabalho em
domiclio em Recife nas dcadas de 1830 e 1870; a pesquisa de Daniela Fernanda Sbravati sobre os
trabalhadores domsticos no Brasil na primeira metade do sculo XIX, tendo como uma das principais
fontes de anlise os processos judiciais de reivindicao de salrios envolvendo criados domsticos; a
investigao de Natlia Batista Peanha acerca das relaes entre o servio domstico e a imigrao na
cidade do Rio de Janeiro nas ltimas dcadas do sculo XIX e primeiras do sculo XX; bem como a
pesquisa de Ana Paula do Amaral Costa sobre os criados de servir em cidades do sul do Brasil na
segunda metade do sculo XIX; e a pesquisa de Lorena Fres da Silva Telles sobre escravido
domstica e o aleitamento materno no Brasil oitocentista.
30
localidades do Brasil. Entre esses, pode-se citar, os estudos de Walter Fraga Filho,
Lerice de Castro Garzoni, de Marlia Bueno de Arajo Ariza e de Clarissa Nunes
Maia37
. De modo geral, mesmo a princpio no tendo uma preocupao direta com o
tema trabalho/servio domstico, esses autores trouxeram contribuies relevantes em
torno de processos relativos dinmica do mercado de trabalho domstico, a
regulamentao pblica das atividades prestadas pelos criados de servir em fins do
sculo XIX e as construes ideolgicas acerca do trabalho e dos trabalhadores
domsticos na imprensa do incio do sculo XX.
Ademais, ao longo dos anos 2000, conhecidos historiadores sociais brasileiros
elaboraram artigos que incluram em suas anlises e reflexes problemas inerentes
histria do servio domstico no Brasil. Isso se deu principalmente porque em
determinados contextos histricos oitocentistas, que envolvem experincias de
trabalhadores durante a escravido e/ou a ps-emancipao, questes relativas ao
servio/trabalho domstico se tornam, por vezes, incontornveis. Assim, interessados
em dinmicas sociais e complexos processos ligados constituio e ao fim do sistema
escravista em diferentes regies do pas, vrios historiadores trouxeram algumas
renovaes de olhares e contribuies relevantes para o tema38
. Um dos primeiros
exemplos, nesse sentido, um artigo de Marcus Joaquim de Carvalho, publicado no
incio dos anos 2000, que apresenta elementos de uma anlise da escravido domstica e
aspectos do cotidiano de relaes entre as escravas e seus senhores e senhoras, em
37
MAIA, Clarissa Nunes. Policiados: controle e disciplina das classes populares na cidade do Recife,
1865-1915. Tese (Doutorado em Histria) Centro de Filosofia e Cincias Humanas, Universidade
Federal de Pernambuco, Recife, 2001; FRAGA FILHO, Walter. Encruzilhadas da liberdade: histrias
e trajetrias de escravos e libertos na Bahia, 1870-1910. Tese (Doutorado em Histria) Instituto de
Filosofia e Cincias Humanas, Universidade Estadual de Campinas. Campinas, SP, 2004; GARZONI,
Lerice de Castro. Arena de combate: gnero e direitos na imprensa diria (Rio de Janeiro, incio do
sculo XX). Tese (Doutorado em Histria) Instituto de Filosofia e Cincias Humanas, Universidade
Estadual de Campinas, Campinas, SP, 2012; ARIZA, Marlia Bueno de Arajo. O ofcio da liberdade:
contratos de locao de servios e trabalhadores libertando em So Paulo e Campinas (1830-1888).
Dissertao (Mestrado em Histria) - Faculdade de Filosofia, Letras e Cincias Humanas, Universidade
de So Paulo, So Paulo, 2012.
38
Pode-se aqui tambm fazer referncia pesquisa empreendida por Snia Roncador, acerca das
representaes das empregadas domsticas na literatura brasileira da chamada Belle poque at o fim
do sculo XX. Isso porque, mesmo sendo um trabalho oriundo do campo das Letras, a autora apresenta
uma slida anlise histrica sobre o seu objeto de estudo, constituindo uma relevante referncia para os
estudiosos da histria do trabalho domstico. RONCADOR, Snia. A domstica imaginria: literatura,
testemunhos e a inveno da empregada domstica no Brasil (1889-1999). Braslia: Universidade de
Braslia, 2008.
31
domiclios do Recife na primeira metade do sculo XIX39
. A partir do estudo de fontes
diversas (basicamente documentao oficial do municpio, processos judiciais e
peridicos locais), Carvalho privilegiou a participao feminina na escravido
domstica urbana. Assim, o autor discorreu sobre vrias experincias de vida das
criadas de servir, associando-as s condies de vida das mulheres pobres e sua insero
no mundo do trabalho como estratgia de sobrevivncia. Outro exemplo artigo de
Maria Olvia Maria G. da Cunha que trata da formao de uma conscincia moral e
pedaggica do trabalho domstico no Rio de Janeiro nas ltimas dcadas do sculo
XIX40
. O ponto de partida de anlise foi a documentao administrativa da Escola
Domstica de Nossa Senhora do Amparo, fundada em 1871, na cidade de Petrpolis.
Nesse sentido, a autora analisou como o fim da escravido colocou a questo da
preparao dos criados domsticos para o trabalho livre o que se tornou objeto de
ateno de determinados grupos sociais na abolio e na ps-emancipao. Da mesma
forma em que outro momento do seu texto, Cunha, a partir de variadas fontes, se
direcionou para algumas das tentativas pblicas de regulao e de ordenamento, por
fora da lei, da prestao do servio domstico no Rio de Janeiro entre o final do sculo
XIX e o incio do sculo XX.
Finalmente, alguns artigos do historiador Henrique Espada Lima podem ser
citados por constiturem trabalhos que trouxeram novas possibilidades de pesquisas
sobre a histria do trabalho/servio domstico no Brasil41
. Ao realizar uma pesquisa
sobre arranjos e contratos de locao de servios nas trajetrias de ex-escravos em Santa
Catarina na segunda metade do sculo XIX, o autor deparou-se com um amplo nmero
de trabalhadores domsticos, os quais foram objeto de seu interesse em investigaes
sobre o mundo do trabalho, em especial em situaes de ps-emancipao no Brasil.
Por meio de uma reflexo aprofundada acerca da noo de liberdade no mbito do
trabalho, Lima trouxe contribuies importantes para as anlises do tema, ao destacar as
39
CARVALHO, Marcus F. M. de. De portas adentro e de portas afora: trabalho domstico e escravido
no Recife, 1822-1850. Afro-sia, Salvador, n. 29/30, p. 41-78, 2003.
40
CUNHA, Olvia Maria Gomes da. Criadas para servir: domesticidade, intimidade e retribuio. In:
______; GOMES, Flvio dos Santos (Org.). Quase-Cidado: histrias e antropologias da ps-
emancipao no Brasil. Rio de Janeiro: FGV, 2007, p. 377-418.
41
LIMA, Henrique Espada. Trabalho e lei para os libertos na Ilha de Santa Catarina no sculo XIX:
arranjos e contratos entre a autonomia e a domesticidade. Cadernos AEL, Campinas, v. 14, n. 26, p.
135-177, 2009; LIMA, Henrique Espada. Sob o domnio da precariedade: escravido e os significados
da liberdade de trabalho no sculo XIX. Topoi, Rio de Janeiro, v. 6, n. 11, p. 289-326, jul.-dez. 2005.
32
caractersticas de precariedade e de vulnerabilidade presentes no cotidiano de trabalho
nos domnios da domesticidade em uma sociedade escravista. Alm de empreender um
esforo de pesquisa em torno das leis relativas ao trabalho no sculo XIX, tendo em
vista, sobretudo, a locao de servios42
.
Sendo parte de uma produo acadmica elaborada em uma ambincia
intelectual comum e contempornea, toda essa produo recente possui, apesar de suas
particularidades, vrias aproximaes, quando analisada em conjunto. De modo geral,
todas as pesquisas realizadas at o momento trataram do trabalho domstico a partir de
vivncias cotidianas de trabalhadores em cidades brasileiras na segunda metade do
sculo XIX e no decorrer de vrias dcadas do sculo XX. Com algumas excees,
como definiram os autores das dissertaes e teses apresentadas, o objetivo maior
daqueles estudos era recuperar experincias43
do mundo do trabalho domstico em
diferentes contextos histricos. Nesse quadro temtico comum, alguns autores se
voltaram para grupos especficos do servio domstico, como amas de leite ou
lavadeiras, e outros descortinaram, de uma perspectiva mais ampliada, processos
relativos s relaes entre os criados domsticos, os patres e as autoridades pblicas.
Tudo isso feito a partir de um conjunto grande e diversificado de fontes.
Contudo, como no caberia aqui uma avaliao mais pormenorizada de cada
um daqueles trabalhos no sendo este tambm o objetivo desta apresentao pode-se
dizer que, no mnimo, foram trs as grandes contribuies dos estudos citados. A
primeira delas e a mais evidente, correspondente aos domnios de alcance do objeto de
estudo, seria o fato de que, at o momento, a produo recente mencionada caracteriza-
se pela recuperao de histrias de mulheres trabalhadoras domsticas e do cotidiano
urbano no que se refere ao(s) mundo(s) do trabalho. Quase todos os autores de artigos,
dissertaes e teses produzidas nos ltimos anos, mesmo que de maneiras diferentes, se
propuseram a investigar histrias de criadas (fossem livres ou escravas) e empregadas
42
Sobre os estudos mais recentes desse autor na rea, pode-se mencionar um artigo publicado em revista
internacional sobre processos jurdicos envolvendo mulheres trabalhadoras domsticas ao longo do
Oitocentos brasileiro em lutas por questes relativas ao pagamento de salrios e soldadas. LIMA,
Henrique Espada. Wages of Intimacy: Domestic Workers Disputing Wages in the Higher Courts of
Nineteenth-Century Brazil. International Labor and Working-Class History, n. 88, p. 1129, Fall
2015.
43
O termo experincia, para o trato das vivncias de trabalhadores atuantes na prestao de servios
domsticos est presente em praticamente todos os estudos recentemente produzidos sobre o trabalho
domstico, mas em poucos casos so feitas associaes diretas obra de E. P. Thompson, um dos
historiadores que melhor desenvolveu tal noo no que se refere histria da classe trabalhadora.
33
domsticas em domiclios urbanos entre o sculo XIX e o sculo XX. Vrios autores,
inclusive, localizaram explicitamente seus estudos no campo da Histria das Mulheres
e/ou a Histria do Cotidiano. E tendo essa perspectiva o trabalho/servio domstico foi,
com frequncia, tratado por uma via dupla de anlise. Por um lado, os estudos em foco
se direcionaram para o mercado de trabalho urbano, as estratgias de sobrevivncia
material das trabalhadoras domsticas e aspectos das relaes estabelecidas entre as
criadas/empregadas e seus senhores, amos ou patres (enfatizando-se, muitas vezes, o
enfoque nas formas de violncia e de explorao nas relaes de trabalho) e autoridades
pblicas. Por outro lado, os trabalhos recentemente produzidos sobre o tema se
direcionaram para outras dimenses da vida urbana e dos trabalhadores em geral, o que
permitiu o aprofundamento de questes acerca das condies de vida, sociabilidades,
lazer, maternidade, relaes afetivas e familiares de mulheres pobres que trabalharam
como domsticas.
Uma segunda e importante contribuio, que tambm se apresenta em termos
de conhecimento trazido pelas recentes pesquisas histricas sobre o trabalho domstico,
a descoberta de processos histricos que, at ento, eram praticamente desconhecidos
pelos historiadores. Esse seria, por exemplo, o caso das generalizadas iniciativas
realizadas por autoridades municipais e policiais para a chamada regulamentao do
servio domstico. Os recentes estudos sobre o tema vm demonstrando, com
fundamentadas pesquisas empricas, que a partir dos anos 1880 uma srie de
regulamentos municipais e policiais foi discutida ou posta em execuo, em vrias
regies do pas, tendo em vista o setor de prestao de servios domsticos. Um
fenmeno que, como tem sido revelado, se relaciona com processos mais amplos e
complexos, como a consolidao do mercado de trabalho livre e as polticas de ps-
emancipao. Outro processo a este relacionado e que, igualmente, vem sendo
desvendado pelos historiadores do trabalho domstico a dinmica de construo
histrica de vises sociais em torno dos trabalhadores domsticos na histria brasileira,
particularmente no final do sculo XIX e no incio do sculo XX. Tais processos so
geralmente tratados em termos de discursos, de imagens e de representaes presentes,
por exemplo, em produes cientficas, artsticas e intelectuais ou em espaos impressos
de modo geral. Sendo todas essas contribuies que iluminaram problemas
contemporneos, uma vez que revelam processos de longa durao na histria do
trabalho/servio domstico no Brasil.
34
Em terceiro lugar, nesse esforo de sntese acerca das conquistas realizadas
pela produo acadmica em torno do tema trabalho domstico nos ltimos anos, pode-
se apontar para os avanos feitos em termos de abordagens e recursos metodolgicos.
Todos os autores, ao procurarem resgatar experincias histricas a partir do ponto de
vista dos trabalhadores domsticos, empreenderam esforos considerveis no sentido de
no apenas mapearem volumosos conjuntos de fontes primrias de natureza diversa,
mas tambm em analis-la atravs de diferentes modos de tratamento documental.
Assim, nos trabalhos mencionados possvel encontrar reflexes que se estruturam em
anlises de documentos que vo desde aqueles considerados oficiais (como censos,
documentos administrativos, legislativos, judicirios, cveis e de diferentes instituies
como academias mdicas e hospitais), passando por produes escritas e iconogrficas
(originrias da imprensa, da literatura ou de outros tipos de impressos), at alcanar
produes orais (como entrevistas) elaboradas como parte do trabalho de pesquisa.
Tudo isso feito com o auxlio de abordagens quantitativas e qualitativas, em que foram
utilizadas perspectivas analticas que se aproximaram da micro-histria, da anlise de
discursos, da histria oral, entre outras. Alm de tratar-se de estudos cujo campo de
observao dos autores voltou-se para o contexto regional, de localidades especficas, o
que permitiu o conhecimento de situaes e problemas particulares relativos ao tema em
questo.
Todas essas foram contribuies fundamentais para, em primeiro lugar, a
ampliao do campo de estudos sobre a histria do trabalho/servio domstico e, em
segundo lugar, para a renovao de olhares sobre a histria brasileira do trabalho como
um todo. E isso se deu, sobretudo, porque at ento pouco havia sido produzido na
historiografia social a respeito do tema no Brasil.
A produo historiogrfica pioneira
At o incio dos anos 2000, o trabalho/servio domstico foi alvo de poucos
estudos na historiografia nacional. Na verdade, at ento, foram raros os historiadores
35
que abordaram de forma direta, sistemtica e exclusiva o assunto44
, sendo este apenas
perpassado em pesquisas envolvendo outras temticas45
. Ao que tudo indica, at meados
da dcada de 1990 a tema foi pouco frequentado por pesquisas histricas.
Compreendendo, em grande parte, artigos acadmicos, todos os trabalhos produzidos
sobre a histria do trabalho/servio domstico no Brasil at ento apresentavam uma
perspectiva analtica muito semelhante, direcionada, sobretudo, para situaes
cotidianas e aspectos do trabalho realizado pelos domsticos em algumas cidades
brasileiras, principalmente no perodo que caracterizou as ltimas dcadas do sculo
XIX e os primeiros decnios do sculo XX.
O primeiro desses estudos o j clssico trabalho da historiadora norte-
americana Sandra Graham, produzido na dcada de 1980 e publicado no Brasil em
199246
. Com uma pesquisa sobre as criadas domsticas na cidade do Rio de Janeiro
entre os anos de 1860 e 1910, Graham realizou o primeiro trabalho de flego sobre a
histria do trabalho domstico no Brasil. Neste estudo, a partir de um numeroso e
variado conjunto de fontes primrias, a autora construiu uma anlise que integra
elementos do universo do trabalho feminino urbano (as atividades, os espaos e as
relaes de trabalho envolvidas no cotidiano dos domiclios), bem como das tenses
existentes entre as criadas, os amos e os poderes pblicos da cidade. Tudo isso feito em
um esforo analtico amplo, voltado no s para o trabalho domstico e as relaes nele
estabelecidas, mas, sobretudo, para outras dimenses da vida das trabalhadoras
domsticas, como condies de vida, sociabilidade e lazer. Alm disso, Graham fez, de
44
importante frisar que aqui o foco recaiu, unicamente, sobre as produes realizadas por historiadores.
Tais afirmaes talvez no sejam vlidas para a rea das Cincias Sociais, que de longa data trata do
tema no Brasil, a comear pelo trabalho pioneiro: SAFFIOTI, Heleieth Iara B. Emprego domstico e
capitalismo. Petrpolis: Vozes, 1978.
45
Esse especialmente o caso de pesquisas histricas que trataram da escravido e do cotidiano de
trabalho feminino em espaos urbanos, sobretudo ao longo do sculo XIX. Entre os numerosos
exemplos pode-se citar apenas: GIACOMINI, Snia Maria. Mulher e escrava: uma introduo
histrica ao estudo da mulher negra no Brasil. Petrpolis: Vozes, 1988; SOARES, Luiz Carlos. O
povo de Cam na capital do Brasil: a escravido urbana no Rio de Janeiro do sculo XIX. Rio de
Janeiro: FAPERJ/7 Letras, 2007 (tese originalmente defendida em 1988); SOIHET, Rachel. Condio
feminina e formas de violncia: mulheres pobres e ordem urbana, 1890-1920. Rio de Janeiro: Forense
Universitria, 1989; DIAS, Maria Odila Leite da Silva. Quotidiano e poder em So Paulo no sculo
XIX. 2. ed. So Paulo: Brasiliense, 1995.
46
O ttulo original do trabalho, publicado em 1988, House and Street: the domestic world of servants
and masters in nineteenth-century Rio de Janeiro. GRAHAM, Sandra Lauderdale. Proteo e
obedincia: criadas e seus patres no Rio de Janeiro, 1860-1910. Traduo Viviana Bosi. Rio de
Janeiro: Companhia das Letras, 1992.
36
certa maneira, um estudo pioneiro no que se refere ao papel representado pelo trabalho
domstico na vida das mulheres trabalhadoras e no mundo do trabalho de modo geral.
E, nesse sentido, a autora ressaltou a diversidade de perfis da fora de trabalho feminina
empregada nos servios domsticos e a presena de um compartilhamento de
experincias entre criadas das mais variadas condies sociais, especialmente no que se
refere convivncia entre trabalhadores escravizados e livres questo que, embora
fosse de longa data reivindicada pelos historiadores, somente passou a ser mais
detidamente estudada nas ltimas dcadas no Brasil.
Na verdade, essa obra, que se tornou uma leitura obrigatria no estudo do
trabalho domstico, foi a primeira tambm a desenvolver chaves explicativas sobre o
tema que foram recorrentemente retomadas nos trabalhos subsequentes sobre o assunto.
Trata-se das ideias desenvolvidas por Sandra Graham em torno dos pares analticos
casa-rua e proteo-obedincia para pensar as relaes de trabalho domstico no
sculo XIX. Segundo a autora, as imagens contrastantes da casa e da rua marcavam
todos os contextos da vida domstica, situando amos e criadas no cotidiano de trabalho
estabelecido entre os espaos do privado e do pblico. Isso porque, na viso da autora, a
casa seria considerada, do ponto de vista dos patres, o domnio seguro e estvel, mas
poderia tambm significar, para os criados, o local da injustia, punio ou trabalho
excessivo. E a rua, na perspectiva patronal, seria um lugar suspeito, imprevisvel, sujo
e perigoso e, para muitas criadas, poderia representar um espao de maior liberdade47
.
Segundo Graham, essas seriam as coordenadas que tensionavam as relaes sociais
forjadas na rotina da esfera domstica, as quais poderiam ser sintetizadas na troca de
trabalho e de obedincia das criadas domsticas por abrigo e proteo dos patres,
sendo esta ltima expressa com favores e privilgios.
Tal quadro analtico desenvolvido por Sandra Graham foi recuperado, ainda que
nem sempre de forma explcita, em quase todos os estudos recentes sobre o servio
domstico juntamente com as contribuies trazidas por dois outros artigos produzidos
tambm entre meados das dcadas de 1980 e 1990, os quais se tornaram, igualmente,
conhecidos entre os que se dedicaram aos estudos histricos do tema. O primeiro um
47
A autora afirma ter extrado a elaborao desses conceitos, adaptando-os ao sculo XIX, de: DA
MATTA, Roberto. Carnavais, malandros e heris: para uma sociologia do dilema brasileiro. 2. ed.
Rio de Janeiro: Zahar, 1981, p. 71-75. Apud. GRAHAM, Sandra Lauderdale. Proteo e obedincia:
criadas e seus patres no Rio de Janeiro, 1860-1910. Rio de Janeiro: Com