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UPIS - Língua Portuguesa - Direito TEXTO 3 Coesão e Coerência I – Coesão Textual Quando estudamos, no já remoto século XX, eram apenas analisadas as relações frasais, a gramática da frase. Com o desenvolvimento da Lingüística, compreendeu-se que esta era uma abordagem necessária, mas não suficiente para compreendermos a construção do sentido. Foram iniciados então, na segunda metade do século XX, os estudos da chamada Lingüística de Texto, que extrapola as relações frasais estudadas na gramática tradicional. Com ela surgiram os conceitos de coesão e coerência textuais, que hoje em dia entram em qualquer programa de curso e de concurso, mais como um modismo do que propriamente como conceitos teóricos entendidos e processados. A Lingüística Textual toma, pois, como objeto particular de investigação não mais a palavra ou a frase isolada, mas o texto, considerado a unidade básica de manifestação da linguagem, visto que o homem se comunica por meio de textos e que existem diversos fenômenos lingüísticos que só podem ser explicados no interior do texto. O texto é muito mais que a simples soma das frases (e palavras) que o compõem: a diferença entre frase e texto não é meramente de ordem quantitativa; é, sim, de ordem qualitativa.

TEXTO 3 Coesão e Coerência

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TEXTO 3

Coesão e Coerência

I – Coesão Textual

Quando estudamos, no já remoto século XX, eram apenas

analisadas as relações frasais, a gramática da frase. Com o

desenvolvimento da Lingüística, compreendeu-se que esta era uma

abordagem necessária, mas não suficiente para compreendermos a

construção do sentido. Foram iniciados então, na segunda metade do

século XX, os estudos da chamada Lingüística de Texto, que

extrapola as relações frasais estudadas na gramática tradicional.

Com ela surgiram os conceitos de coesão e coerência textuais, que

hoje em dia entram em qualquer programa de curso e de concurso,

mais como um modismo do que propriamente como conceitos

teóricos entendidos e processados.

A Lingüística Textual toma, pois, como objeto particular de

investigação não mais a palavra ou a frase isolada, mas o texto,

considerado a unidade básica de manifestação da linguagem, visto

que o homem se comunica por meio de textos e que existem diversos

fenômenos lingüísticos que só podem ser explicados no interior do

texto. O texto é muito mais que a simples soma das frases (e

palavras) que o compõem: a diferença entre frase e texto não é

meramente de ordem quantitativa; é, sim, de ordem qualitativa.

Assim, passou-se a pesquisar o que faz com que um texto seja um

texto, isto é, quais os elementos ou fatores responsáveis pela textualidade.

A coesão configura-se como elos entre os elementos superficiais do

texto, a forma como se relacionam, como os elementos combinam uns com

os outros. Elos que proporcionam transições suaves, adequadas. A falta de

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transição entre uma idéia e outra pode impedir que as frases se

transformem em um texto; seriam então, fragmentos sem nexos, um

amontoado de frases. Os pensamentos de um texto devem de tal forma

estar ligados que a transição seja natural. A coesão contribui para a

obtenção da coerência, mas não a garante.

Vejamos um exemplo de texto sem coesão, mas que há coerência:

O Show (escrito por um aluno de 1 grau)

O cartaz

O desejo

O pai

O dinheiro

O ingresso

O dia

A preparação

A ida

O estádio

A multidão

A expectativa

A música

A vibração

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A participação

O fim

A volta

O vazio

Apesar de o texto ser apenas uma lista de palavras sem qualquer

ligação sintática e sem a explicitação de qualquer relação entre elas, quem

lê tende a perceber nesta seqüência lingüística uma unidade de sentido

que permite estabelecer uma relação entre seus componentes, fazendo que

seja vista como um texto e não como um amontoado aleatório de palavras:

vê-se esta seqüência como a narração da ida de uma pessoa a um show.

Coesão pode ser definida como a ligação de natureza

gramatical ou lexical entre os elementos de uma frase ou de um

texto; e coerência, como o conjunto de relações que une o

significado de sentenças ao mundo exterior, muitas vezes baseado no

conhecimento partilhado entre os usuários de uma língua: é correto

gramaticalmente dizer que o açúcar é salgado, mas é incoerente.

Trazendo para a prática da escrita estas noções, observamos,

corrigindo redações e lendo muitos textos por força da profissão, que

este é o maior problema da língua escrita hoje. São comuns os textos

desconexos lingüisticamente ou desconectados da realidade, isto é,

sem coesão nem coerência. Considera-se hoje o problema maior nos

textos escolares, pois testemunha a ausência de um pensamento

lógico naquele que escreve: é mais grave do que desvio de grafia ou

de sintaxe.

Listamos abaixo, alguns advérbios ou locuções adverbiais que

proporcionam a coerência na composição quando da sua utilização.

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- Prioridade, relevância - em primeiro lugar, antes de mais nada...

- Tempo - então, enfim, logo, imediatamente, não raro...

- Semelhança, comparação - igualmente, de acordo com, segundo...

- Adição - além disso, também, e...

- Dúvida - talvez, provavelmente...

- Certeza - de certo, por certo, certamente...

- Surpresa - inesperadamente, surpreendentemente...

- Ilustração - por exemplo, quer dizer, a saber...

- Propósito - com o fim de, a fim de...

- Lugar, proximidade, distância - perto de, próximo a, além...

- Resumo - em suma, em síntese, enfim, portanto...

- Causa - daí, por conseqüência, por isso, por causa...

- Contraste ou Oposição – pelo contrário, exceto, menos, mas, porém,

entretanto, todavia, contudo, no entanto, senão

- Referência em geral - pronomes demonstrativos: este, aquele, esse;

pronomes pessoais; pronomes adjetivos: último, penúltimo; os numerais

ordinais: primeiro, segundo....

   Certamente os recursos apresentados nos possibilitarão a busca, e se

bem aplicados, o encontro da coerência em nossas composições.

II – Coerência textual

A coerência textual é o resultado da articulação das idéias de um

texto; é a estruturação lógico-semântica que faz com que numa situação

discursiva palavras e frases componham um todo significativo para os

interlocutores.

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A coerência é a adequação dos elementos textuais em busca de uma

unidade, em que as idéias se compatibilizem. Veja o exemplo:

Fui ao cinema hoje, mas estou feliz.

No exemplo citado acima, o “mas”cria uma expectativa semântica de

oposição, inadequada à idéia, por não haver relação lógica entre ir ao

cinema/oposição a estar feliz. Mais própria seria, para compreender a

enunciação, o emprego da explicativa “por isso”, relação semântica

compreensível e pertinente.

Vejamos o poema de Carlos Drummond de Andrade

E agora, José?A festa acabou, a luz apagou, o povo sumiu,a noite esfriou, e agora, José?e agora, você?você que é sem nome,que zomba dos outros,você que faz versos, que ama, protesta?e agora, José?

Está sem mulher, está sem discurso, está sem carinho, já não pode beber, já não pode fumar, cuspir já não pode, a noite esfriou, o dia não veio,o bonde não veio, o riso não veionão veio a utopiae tudo acabou e tudo fugiue tudo mofou, e agora, José?

E agora, José?Sua doce palavra,

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seu instante de febre, sua gula e jejum, sua biblioteca, sua lavra de ouro, seu terno de vidro, sua incoerência,seu ódio - e agora?

Com a chave na mãoquer abrir a porta, não existe porta; quer morrer no mar, mas o mar secou;quer ir para Minas,Minas não há mais.José, e agora?

Observe como, ao longo das estrofes, há uma sucessão lógica de

fatos que nos dão a exata idéia do processo de desagregação social do qual

José é vítima. A esse enquadramento dá-se o nome de coerência textual.

Para finalizar, vejamos os últimos exemplos de coesão e coerência:

1. Era um dia claro e animado. Todos queriam desfrutá-lo ao

lado dos pássaros e flores em festa. Eu só queria isolar-me

do mundo, fechada no escuro da decepção.

2. Era um dia claro e animado. Parecia que todos queriam

desfrutá-lo ao lado dos pássaros e flores em festa, ou

melhor, quase todos, porque eu não conseguia participar

daquele entusiasmo. Eu só queria isolar-me do mundo,

fechada no escuro da decepção.

Comparando-se os dois textos, inegável é perceber que o texto 2

possui um entrelaçamento de idéias mais vigoroso que o texto 1, pela

preocupação com a unidade textual.