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filosofia
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1 UNIVERSIDADE DO ESTADO DO RIO GRANDE DO NORTE UERN Campus Avanado do Serid - Governadora Wilma Maria de Faria Faculdade de Filosofia Curso: Licenciatura em Filosofia Prof. Galileu Galilei Medeiros de Souza Histria da Filosofia Contempornea I
Prof. Galileu Galilei Medeiros de Souza1
O SENTIDO DA VIDA HUMANA SEGUNDO A FILOSOFIA DA AO
1. BLONDEL E A FILOSOFIA DA AO
A existncia possui um sentido? A esta pergunta irremediavelmente somos
levados ao submeter crtica o nihilismo. Abundantemente, como j tivemos
oportunidade de observar no captulo anterior, Schopenhauer e o prprio Nietzsche pr-
la-se-o. No entanto, todos os dois filsofos alemes, sem justificativas crticas
suficientemente fundadas, so vtimas claramente de um pressuposto cultural em
relao a um tema encontrado necessariamente no centro de uma tal questo , que se
expressa no seu atesmo ou na assuno a-priorstica pela negativa pergunta: a
existncia possui um sentido?
O nosso presente texto, como anteriormente j precisamos, assumir a produo
filosfica blondeliana, seja por suas caractersticas crticas, seja por sua atualidade em
relao ao dilogo com o mbito cultural contemporneo, especialmente com o
nihilismo. Ainda uma vez, nunca desnecessrio afirmar a complexidade de tais
assuntos. Complexa se mostra uma anlise satisfatria do nihilismo e complexa mostra-
se um estudo profundo da filosofia de Maurice Blondel.
Reconhecidas estas observaes se nos justifica as limitaes tericas que
fizemos em relao ao nihilismo e se nos apresentam como necessrias algumas outras
limitaes. Fundamentalmente, no estudo ao qual nos devemos empenhar, limitar-nos-
emos especialmente obra central do blondelianismo, a LAction, especialmente em seu
famoso ltimo captulo: Le lien de la connaissance et de Laction dans ltre.
1 O Prof. Galileu Galilei Medeiros de Souza mestre em filosofia pela Pontifcia
Universidade Gregoriana de Roma, mestre em biotica pela Universidade Pontifcia
Regina Apostolorum de Roma e professor da Universidade do Estado do Rio Grande do
Norte.
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Naturalmente, tal no excluir o recurso a outros captulos de tal obra, em especial sua
introduo e aos captulo que formam a sua segunda parte, dentre os quais
Schopenhauer ser um autor central. Ademais, nos ateremos ao estudo do ensaio
blondeliniano de 1900: Princpio elementar de uma lgica da vida moral, o qual se
mostra em perfeita continuidade com a LAction e com os debates contemporneos
sobre o nihilismo.
De fato, a crtica reconhece o desconhecimento ou ao menos a desateno
de Blondel quando da produo da LAction da obra filosfica de Nietzsche,2 no
entanto, essencialmente por via de Schopenhauer que a atualidade da LAction se
estender toda a teorizao nihilista. O elo de ligao entre estes trs autores se deve
sobretudo pergunta fundamental, com a qual introduzimos este presente captulo, que
estes identificaram como sendo o centro de toda a filosofia. Blondel e Nietzsche no
concordaro com a resposta pessimista de Schopenhauer. Ademais, o mtodo
empregado ao fim do qual se chegaria a uma resposta, mostra-se, como veremos,
radicalmente diverso nos trs casos.
Procurando a partir de agora o enquadramento do estudo do ltimo captulo da
LAction, para por em ressalto a sua atualidade contempornea, devemos inicialmente
justificar a fora da crtica filosfica blondeliniana e para tanto nos empenhamos em
uma essencial exposio de seus pontos centrais.
1.1 POR UMA CRTICA DA VIDA E UMA CINCIA DA PRTICA
2 Blondel somente tratar explicitamente de Nietzsche alguns anos depois da publicao
da LAction: 1. em um curso proposto para o ano letivo de 1915-1916, cujo ttulo parafraseia a terceira inatual nietzscheana: Nietzsche educador de toda uma gerao: a
vontade de potncia; 2. em uma carta datada de 1936 e direcionada Sociedade dos
estudos filosficos de Aix-Masseille; 3. por fim, nas obras da maturidade, por meio de
numerosos acenos, entretanto, de forma episdicas. (Cf. D. DALESSIO, Ecce Homo. Il dramma dellumanesimo cristiano, 339).
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Blondel viveu e pensou sua filosofia ininterruptamente submetendo-se
dinmica do rigor crtico, sabendo que tal tenso seria a garantia da receptividade de sua
obra, paradoxalmente atacada pelo pensamento laico e pelo pensamento religioso de
ento, em uma poca em que a religio enfrentava um profundo processo de convulso,
em especial ao interno do catolicismo.
Blondel assumira desde os primeiros anos de seus estudos o desafio de alcanar
claridade em relao aos problemas fundamentais da existncia. Deveria existir um
meio de fundar um discurso que pudesse ser irremediavelmente necessrio,
incontestvel para todo e qualquer homem, seguindo de perto, neste ponto particular, as
pretenses da modernidade.
O subttulo da LAction Ensaio de uma crtica da vida e de uma cincia da
prtica testemunha o carter e a amplitude do projeto que tal obra se props a
realizar: desvelar o que ao mesmo tempo necessariamente e voluntariamente implcito
na sucesso de atos que compe a vida de todo homem, para a constituio de uma
cincia da prtica, por meio de uma crtica implacvel. Todo o contedo de tal obra
ser o desenvolvimento de tal projeto, presente aqui como uma semente que anseia por
iniciar o seu crescimento.
No desprezando a herana do lgos ocidental, em especial por meio da
valorizao do patrimnio filosfico moderno, o filsofo de Aix-en-Provence procura
atingir o ncleo central do esforo que marca toda existncia humana, concentrando sua
busca em torno pergunta inicial da ao: a vida humana possui um sentido? Uma tal
questo, ao menos aparentemente, mostra-se como iniludvel.
Em verdade, como nos diz Blondel na introduo a LAction, todo homem
obrigado a afront-la e resolv-la implicitamente por meio de seus atos. A vida, a
locomotiva da sucesso de nossos atos no para nunca. Somos necessariamente
condenados a agir e na ao condenados a escolher o caminho concreto que esta deve
seguir, porquanto se deixar levar pela corrente, ao invs de agir livremente, na maior
parte dos casos agir contra si mesmo. Optar por uma via renunciar s outras; mesmo
escolher no agir, mesmo o suicdio j uma ao.
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Entretanto, as nossas escolhas, segundo Blondel, no sero nunca realizadas e
atuadas sob plena luz, dada a limitao de nosso pensar finito. Nem mesmo poderemos
ser totalmente senhores de nossos atos, como nos mostra a nossa experincia
quotidiana, seja porquanto somos sujeitos a determinismos vrios que s vezes contra
toda inteno diversa usurpam o nosso domnio, seja porquanto dos nossos atos
resultam conseqncias exteriores que nos se mostram como indomveis (Cf. M.
BLONDEL, LAction, VI-X).
Na prtica, nada se esquiva ao problema da prtica; e no somente cada um o
pe, mas cada um, a seu modo, o resolve inevitavelmente (M. Blondel, LAction, X).
Na prtica o problema da ao universal a todo homem. Esta constitui a via direta na
qual o mtodo de soluo o da ao de acordo com a conscincia moral. Todavia, no
homem surgem outras exigncias: a busca do tentar entender o sentido daquilo que faz e
daquilo que deve fazer. Esta segunda via, indireta, no somente ajudaria na iluminao
da conscincia interior, como tambm permitiria comunicar a soluo encontrada
pessoalmente, no obstante as limitaes aqui presentes, indicando a universalidade da
soluo (Cf. M. Leclerc, Il destino, 134-135)
Daqui deriva a importncia do estudo da ao (M. BLONDEL, LAction, XVII):
ento uma cincia da ao que necessrio constituir; uma
cincia, que no ser tal seno na medida em que ser total,
porque toda maneira de pensar e de viver deliberadamente
implica uma soluo completa do problema da existncia; uma
cincia que no ser tal seno na medida em que determinar
para todos uma soluo nica e excludente de todas as outras.
Porque no deve suceder que minhas razes, se estas so
cientficas, possuam mais valor para mim que para os demais,
nem que deixem lugar a outras concluses distintas das minhas.
Desta forma, Blondel se prope a assuno, ao estilo de Agostinho e de
Descartes, de um mtodo de dvida que no aceite seno aquilo que no pode ser
negado. Inspirando-se a J.S. Mill, o filsofo francs procura a aplicao de uma crtica
radical que no se submeta a nenhuma das suas hipteses, seno diante do que
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impossvel de se duvidar (mtodo dos resduos). Nada pode ser previamente dado por
bvio, nem em nvel de fatos, nem em nvel de princpios ou de deveres (M. BLONDEL,
LAction, XXI).
Na via indireta diferentemente da via direta na qual somos necessariamente
obrigados a agir e a agir escolhendo tudo deve metodologicamente ser posto sob
dvida, no pelo simples duvidar, mas em vista de assumir somente certezas
absolutamente fundadas. Mesmo o problema da real existncia de um problema, ou o
ponto de partida inicial no existe nada so postos sob crtica:
A fora de toda a investigao deve ser fornecida pela
investigao mesma; e o movimento do pensamento se
sustentar por si mesmo sem nenhum artifcio exterior.
(M. BLONDEL, LAction, XXII)
Que se abandone qualquer prejuzo ou desconfiana, justamente
porque no tomamos nenhum partido de antemo, nem pedimos
nenhum voto de confiana. Mesmo este ponto de partida no h nada no se poderia admitir, porque seria ainda um dado exterior e como que uma concesso arbitrria e escravizante. A
operao de desobstruo completa.
(M. BLONDEL, LAction, XXV)
Como se v, a atualidade de um tal mtodo em confronto com as exigncias da
crtica filosfica, e em especial da crtica nietzscheana, mostra desde j a sua relevncia.
Devemos agora acompanhar o processo vital da rvore crtica blondeliniana, uma vez
que le dblaiement est complet.
No obstante as delimitaes a que nos devemos submeter neste presente escrito,
mostra-se essencial a compreenso do suco central do caminho de seu crescimento.
1.1.1 Existncia da pergunta3
3 Tema correspondente primeira parte da LAction.
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verdadeiramente imprescindvel para o homem a pergunta sobre o sentido da
vida? Tal constitui uma questo qual Nietzsche e Schopenhauer, como vimos,
responderam afirmativamente, no obstante as suas interpretaes sobre o real valor de
um tal problema sejam diversas uma da outra. Em verdade, nem mesmo o critrio
adotado por Nietzsche, ou seja, do ultrapassamento e do primado da diferena, deixam
espao para a negao da pergunta, embora a sinceridade intelectual pretendida por
Nietzsche deve organizar hierarquicamente a qualidade das respostas dadas.
Uma tal negao , no entanto, uma assuno terica, baseada sobre a
inexistncia de uma qualquer razo para se justificar uma escolha. Tal seria o ponto de
vista do estado esttico kierkegaardiano. Ou ainda, do diletantismo de E. Renan e o
sagismo de M. Barrs, aos quais Blondel se dirige implicitamente na primeira parte da
ao.
De fato o estetismo, considerando a vida como um jogo, afirma teoricamente a
sabedoria do no fixar-se a nenhuma certeza ou modo de vida, felicitando-se a
experimentao de todas as mais diversas experincias. A verdadeira liberdade
consistiria em um no se aliar a nada definitivamente, fugindo s cadeias de todo tipo de
escravido, qual seria a fidelidade a deveres morais etc (M. BLONDEL, LAction, p. 11).
pergunta sobre a existncia humana, o esteta responde com o decreto de seu
esvaziamento, proclamando-se como amante do no querer nada, ao mesmo tempo
que tudo experimenta.
Fazendo emprego de sua crtica, Blondel descobre a insensatez e a debilidade de
uma tal doutrina, que excluindo todos os sistemas estveis, torna-se pelo mesmo
movimento um sistema. Todavia, um sistema ilusrio, ao passo que incapaz de
experimentar a vaidade de tudo, porquanto incapaz de experimentar totalmente tudo (M.
BLONDEL, LAction, 13). Ademais, o esteta consciente de no querer nada
deliberadamente, no quer querer (nolo velle). Mas, esta j uma vontade de algo
(Cf. M. LECLERC, Il destino, 142). E um algo que no indiferente, porque exclui uma
enorme gama de possibilidades, ou seja, aquelas que se apresentam como exclusivas.
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Mas em fim, qual o contedo implcito do querer do esteta? O esteta quer a si
mesmo, e dominado pelo medo de perder-se. Entretanto, por meio de um amor tanto
disforme que procurando sacrificar todas as suas experincias a si, em uma autolatria,
ao fim sacrifica a si mesmo aos objetos que se lhe apresentam, perdendo-se nas coisas
exteriores (Cf. M. LECLERC, Il destino, 144).
A concluso a que o filsofo de Aix-en-Provence chega ao fim de tal percurso
especulativo de que o problema da ao existe, a escolha, o compromisso
obrigatrio. O homem no um indeterminado, mas uma existncia que quer algo,
mesmo se este algo ainda ignorado (M. BLONDEL, LAction, 21):
No querer nada , ento, ao mesmo tempo: admitir o ser,
buscando nele esta infinita virtuosidade que sempre escapa; afirmar o nada, colocando nele a esperana vaga de um refgio;
limitar-se aos fenmenos e se encantar pela comdia universal, para gozar do ser dentro da seguridade do nada.
abusar de tudo.
Uma vez eliminada esta primeira problemtica a ao humana se apresenta em
seu curso como uma busca: o homem quer e quer algo. A indeterminao deste algo
abre possibilidades diversas. Blondel as analisa em trs hipteses: 1. a hiptese do nada;
2. a hiptese dos fenmenos; 3. a hiptese da transcendncia.
1.1.2 A estrada do nada4
O algo ao qual se dirige o problema da ao, dado a impossibilidade de saci-lo
completamente e a nusea que deriva de uma saciedade fenomnica, no poderia ser
solucionado pela identificao do nada, tal qual vimos ser a hiptese do pessimismo de
4 Quanto a este tema, acompanhamos sobretudo o estudo da crtica de Schopenhauer na
LAction proposto por C. TROISFONTAINES, La critique de Schopenhauer dans LAction, RPL, 91(1993), 603-619. Tal tema dentro a LAction corresponder a sua segunda parte.
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Schopenhauer? O nada no seria a concluso da experincia comum, da cincia e da
metafsica, diante da irremedivel morte que acompanha todo o cosmo? Do fato de que
a nossa liberdade independente diante do mecanismo determinstico do mundo
fenomnico que nos leva irreparavelmente morte, a nica via de soluo ao problema
da ao no seria o romper a iluso da imortalidade, alcanando a nica liberdade
possvel, ou seja, o apagamento de todo desejo de ser, por meio da sua substituio pela
vontade do nada? Porque a idia do pessimismo schopenhaueriano se embater
frontalmente com o projeto blondeliniano, o seu confronto dentro LAction fora
inevitvel. De fato, para Schopenhauer todo mal humano proveria da vontade de viver.
A ao seria o lugar de perdio do homem, e a nica estrada de salvao seria o
aniquilamento da vontade, pela vontade do nada.
Blondel enfrentar o confronto com trs formas do pessimismo propagado por
Schopenhauer.
A primeira destas aparece mediante a constatao emprica da universal vaidade
das coisas, de seu inevitvel encaminhamento para a degradao, inclusive da prpria
vida: a estrada da experincia direta. Entretanto, tal no sucederia somente porque
pediramos da vida mais do que esta nos poderia dar? No seria suficiente renunciar a
encontrar a satisfao dentro aos nossos atos para esperar uma bem-aventurada
indiferena?
A segunda, de forma mais elaborada que aquela da experincia direta, parte do
fim das iluses de imortalidade que nos comunicado pelas cincias. A cincia, por
mais que procure solucionar os problemas de contingncia da vida humana e do
universo, ao fim constata somente o encaminhar-se de todas as coisas extino:
degradao de todos os sistemas.5 Tal, por sua vez, no seria, ainda, somente a
constatao de que pedimos do mundo muito mais do que este nos poderia dar? Ao
5 Em especial com as constataes da termo-dinmica tais observaes so levadas
luz. De fato, um de suas leis aquela que afirma o encaminhamento de todo sistema
isolado em si morte termo-dinmica, ou seja, ao estado de mxima entropia e mnima
energia.
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invs de proclamar o falimento da cincia, no seria mais justificvel se apoiar sobre ela
e reconhecer que o nada o fim da vida humana?
Por ltimo, a terceira forma de pessimismo mostra-se como sendo a mais
radical, configurando-se como uma crtica metafsica. Segundo ela seriam inteis o
suicdio do pensamento e da sensibilidade, caso a vontade no conseguisse livrar-se do
erro da vontade de viver, do erro do ser (M. BLONDEL, LAction, 30). De fato, tal
pessimismo embora, em um primeiro momento, constate a existncia de uma vontade
de viver, em um segundo momento declara a impossibilidade de sua realizao, pela sua
dissoluo dentro ao determinismo universal (M. BLONDEL, LAction, 29):
E assim j que a vontade de ser no logra a ser, a se encontra a
dor suprema; j que a vontade de no ser, ao entrar na verdade,
provoca um infinito consolo nas almas, aquilo que preciso
demolir em si no o ser que no , mas a vontade quimrica de
ser, consentir ao no-ser da pessoa humana, arrancar at as
ltimas razes o desejo e todo amor a vida: desmascarar a
astcia de todo instinto de conservao e de sobrevivncia
procurar humanidade e ao mundo a sade dentro do nada, este
nada que se deve definir como ausncia de querer.
As respostas a tais objees do pessimismo no sero difceis de serem
formuladas. Quanto ao primeiro tipo, Blondel faz notar que algumas experincias
humanas poderiam ser aproximadas quela do nada, sendo que a nica absoluta
experincia de um tal nada hipottico seria aquela da morte. No entanto, as dificuldades
na comunicao de tal experincia so bvias: quem dos pessimistas j a viveu para
document-la? Ademais, poder-se-ia falar de uma experincia aproximada: aquela de
uma vida mortificada, mediante a ascese, como previa j Schopenhauer. Entretanto, os
ascetas que a viveram geralmente possuem toda outra opinio em relao quela do
pessimismo.
Os dois tipos de pessimismos seguintes se mostram estreitamente coligados.
Quanto a aquele de cunho cientfico, este no seria seno uma derivao ou uma espcie
de cientificismo, que afirmaria como nica realidade existente a dos fenmenos
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objetivos das cincias positivas, os quais, entretanto, so reconhecidamente incapazes
de satisfazer as aspiraes humanas. A crtica metafsica schopenhaueriana os
identificaria com o horizonte do nada, encontrando como via de soluo somente aquela
do nosso j estudado aniquilamento da vontade de viver.
No entanto, em obra, em tal modo de pensar, uma retoro: negando
explicitamente o ser, devido inconsistncia dos fenmenos, o pessimista imposta
implicitamente a sua infinidade. De tal modo, observa-se um erro lgico interno em seu
comportamento, no encontrando a satisfao infinita que buscava nos seres finitos, ele
hipotetiza fundamental inconsistncia do ser, ao invs de procurar a soluo em um
lugar diverso daquele dos fenmenos. Querendo o aniquilamento de toda vontade de
ser, o pessimista afirma implicitamente um dplice querer contraditrio: o querer
profundamente o ser, que os fenmenos no chegam a satisfazer, e o querer superficial
dos fenmenos o qual o pessimista no consegue superar (M. BLONDEL, LAction, 35):
Querer assim o nada, com palavras com as quais um se engana,
com efeito render testemunho tanto da vaidade do que se d
como alimento ao, como da grandeza daquilo que quer com
toda a fora, com toda a sinceridade do primeiro e ntimo
desejo: mentira, porque se abusa de um equvoco; no se quer,
no se pode negar de uma s fez o fenmeno e o ser; e,
entretanto, segundo as necessidades se os nega, uma vez ou
outra, como se se aniquilasse os dois de um s golpe, sem se dar
conta que por esta mesma alternativa eles so igualmente
afirmados.
Para Blondel, a oposio que o pessimismo institui entre ser e fenmeno possui
a sua origem no criticismo kantiano e na sua separao entre as esferas da razo pura e
da razo prtica. De fato, o formalismo da pura inteno desvinculando o imperativo
moral do mundo fenomnico, no intuito de garantir a sua universalidade, acabou por
erigir uma separao entre atos postos pelo interesse sensvel e atos postos pelo
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entendimento.6 De tal modo, abriu-se a estrada das concluses Schopenhauerianas sobre
a inexorvel alienao da vontade para o filsofo alemo radicalmente estranha ao
fenmeno, porquanto coisa em si que se objetiva nos corpos.
Mas seria justa a afirmao segundo a qual toda exteriorizao da vontade no
mundo fenomnico seria uma perda para esta? A resposta de tal questo nos ser
sugerida por Blondel, em seguida, na terceira parte da LAction.
1.1.3 Estrada dos fenmenos7
A pergunta a ser colocada a esta altura no aquela sobre a capacidade dos
fenmenos em satisfazer completamente a nossa mais profunda vontade, o que j fora
descartado pela crtica ao pessimismo. O que se pretende estudar agora se caso o
engano no nosso, ou seja, em tentar buscar o infinito, quando deveramos nos
contentar com a positividade, limitada, claro, mas real dos fenmenos (Cf. M. Leclerc,
Il destino, 156).
Este algo que nossa vontade anseia no seria somente reduzvel aos fatos
objetivos, estudados pelas cincias positivas? A filosofia no seria v, caso procurasse
andar alm dos limites estabelecidos pelas cincias positivas?
O complexo desenvolvimento da crtica blondeliniana ao positivismo,
profundamente devedora de E. Boutroux, foge aos limites aos quais nos prefixamos na
redao do presente trabalho. Procuraremos nos concentrar em seus aspectos mais
relevantes e em suas concluses.
Fundamentalmente, as incoerncias do positivismo derivam da sua ereo como
nico critrio de verdade. De fato, as cincias no podem bastar a si mesmas,
dependendo da ao humana para se concretizarem, dependendo de escolhas e de
hipteses de interpretao. A cincia moderna, filha do matrimnio entre as cincias
exatas e as cincias experimentais, mostra-se como dependente da ao humana para a
6 Como veremos em seguida, entre motivos e moventes da ao.
7 Correspondente terceira parte da LAction.
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constituio de suas concluses. O pretender se declarar como nico lugar da verdade
no pode ser positivisticamente fundado. Resta sempre insatisfeito um resduo, que
deriva da impossibilidade de reduo da vida e da qualidade, teoria e quantidade.8
De tal resduo as cincias dependem radicalmente (M. LECLERC, Il destino, 161).
Existe ento em nossa ao e em nosso querer um resduo positivo, irredutvel
s cincias positivas. Como se aproximar deste? A razo que interroga a ao
humana, a este ponto, deve se fazer inteiramente filosfica. Blondel falar aqui de uma
cincia da ao ou do sujeito que somos ns mesmos. O olhar filosfico, uma vez
resolvidos os problemas do diletantismo, do pessimismo e do positivismo, orientado
para a clarificao do dinamismo interno ao.
Deveremos ento proceder ao estudo do nascimento e acompanhar o
desenvolvimento da ao. Neste mbito, logo se assiste a um confronto que deve ser
solucionado: entre determinismo e liberdade.9 De fato, a proclamao de um
determinismo absoluto condena a liberdade categoria de simples iluso,10
como vimos
ser o parecer de Schopenhauer. Mas tal pretenso justificvel?
Uma certeza incontestvel: o fato da no existncia de uma liberdade absoluta,
porquanto somos condicionados de diversos modos: enquanto possumos um corpo,
encontramos-nos submetidos s leis que regem o mundo dentro do qual agimos;
psicologicamente recebemos a influncia de nossa educao, de nossa lngua, de nossa
cultura etc. Entretanto, do fato mesmo da nossa conscincia de tais determinismos,
somos capazes de tomar as distncias necessrias para relativiz-los. O monoidesmo h
como pressuposto a inconscincia, ou seja, a supresso da liberdade. A conscincia, por
8 As reflexes blondelinianas mostram-se mais uma vez como de grande atualidade.
Basta-nos fazer referncia s ltimas concluses da crtica cientfica (Cf. o primeiro
captulo de nossa redao atual). 9 Sobre tal respeito no poderamos deixar de citar M. RENAULT, Dterminisme et
liberte dans LAction de Maurice Blondel. 10
Como veremos em seguida, na apresentao do Princpio elementar de uma lgica da
vida moral, tais interpretaes filosficas sero prenhas de conseqncias.
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sua vez, como veremos em seguida,11
supe sempre a diferenciao entre estados
contrastantes.
Uma ao humana voluntria, ou seja, livre, no nunca indiferente. O nosso
querer, ademais, condiciona-se sempre em funo de diversos moventes que nos levam
a operar de uma ou outra maneira, de acordo com finalidades ou motivos por ns
mesmos, ao menos implicitamente, fixados. Por movente Blondel entende as
conseqncias em ns dos determinismos que precedem ao, os quais nunca se daro
isoladamente o que conduziria mais uma vez ao monoidesmo. Agir livremente
significa sempre comparar os diversos moventes que nos estimulam a orientar a nossa
ao em diversos sentidos. A nossa reflexo, ento, procedendo por meio de uma
inibio do poder dos diversos moventes, os transformam em motivos possveis (Cf. M.
Leclerc, Il destino, 166-167).
Tal processo no um simples resultado matemtico do jogo de foras, mas sob
o impulso da idia do infinito, produzida dentro do sistema dos moventes, em acordo
com nossa aspirao pelo infinito, responsvel por uma nova organizao que da
idia do infinito recebe a fora de uma potncia infinita que suspende temporariamente
a fora de todos os moventes, transformando-os, assim, em motivos, que por sua vez se
refletem em novos moventes e assim continuadamente. A nova ordem que se estabelece
dentro de nosso interior exige porm uma sua atuao, sendo impossvel permanecer na
eterna reflexo, porquanto tal seria um suicdio metafsico, seno de fato. E ainda, uma
vez atuada, a ao far parte desta imensa engrenagem, provocando novos
condicionamentos.
Uma vez conscientes, no podemos no agir livremente. Somos como que
obrigados ao livre, no obstante ns mesmos. Entretanto, o sentido o qual
imprimimos nossa liberdade a ns imposto como uma escolha. A liberdade para
ns, ao mesmo tempo, necessria e voluntria. Encontra-se, assim, posta sob o crivo de
dois determinismos: um determinismo antecedente, do qual deve ratificar as condies e
11
Cf. nesta nossa presente redao as consideraes sobre o Princpio elementar.
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sobre o qual exerce o seu poder; e um determinismo conseqente, porquanto a liberdade
ao ratificar as suas condies por meio da ao concreta, aciona uma imensa cadeia de
conseqncias, as quais, no de raro, fogem ao seu prprio controle. Em concluso, no
podemos querer um ato, sem querer o que o torna possvel e suas conseqncias.
Em fim, este aliquid que necessariamente desejamos positivamente, a partir de
tais constataes, descobrimos quer-lo livremente. O problema moral , assim,
necessariamente e voluntariamente posto (Cf. M. LECLERC, Il destino,169). A infinidade
de nosso querer, manifestada pelo nosso infinito poder de resistncia em relao a todas
as presses dos determinismos exercitados sobre ns, caracteriza aquilo que Blondel
chamar vontade que quer. Entretanto, ainda que fundando o imenso poder de nossa
liberdade e mostrando a amplitude infinita do nosso querer, nunca apagado pela
possesso de nenhum objeto finito, o movimento de nossa vontade necessariamente se
exercita por meio de escolhas precisas, fins parciais e atos concretos. esta vontade
concreta, ao objeto do nosso querer Blondel chamar vontade querida. A tenso
existente entre a vontade que quer e a vontade querida, a inquietude fundamental,
constituir o motor de todo o desenvolvimento da ao.
Identificada a qualidade da semente e o dinamismo que possibilitar o seu
crescimento, o filsofo francs passa ao estudo da ao em seu ciclo vital, que como
veremos, apresentar-se- em ondas concntricas.
Sinteticamente, procurando seguir o movimento da ao desvelado por Blondel,
nos deparamos em um primeiro momento com o nosso prprio corpo. Instrumento
privilegiado de expresso da vontade querida, por meio da assegurao de sua
colaborao o corpo um meio indispensvel para a resoluo da equao da vontade.
De tal modo, a ao em seu dinamismo constitui o elo de ligao entre o corpo e a alma
(nossa vontade profunda), formando o indivduo humano, ou seja, a unidade dinmica
entre os diversos elementos e tendncias esparsas que pouco a pouco se vo integrando
em uma ao comum, denominada por Blondel de sinergia interna. A ao para o
filsofo de Aix-en-Provence ser o verdadeiro vinculo substancial, que a filosofia
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moderna em Leibniz e Descartes j procurara identificar (Cf. M. LECLERC, Il
destino,172).
Esta, embora se realiza por meio do corpo, no encontra neste o seu trmino
ultimo, deve prosseguir. E tal prosseguimento se embate com diversos outros mbitos.
O primeiro destes constitudo pelo mundo fsico. Pelo corpo, encontramos-nos
irremediavelmente sujeitados a suas leis, mas tambm somos capazes de agir sobre ele.
Assim, pouco a pouco, a ao procurar associar o cosmo a seus fins, mas
irremediavelmente no conseguir resolver a equao de sua vontade.
A minha ao pessoal em sua dinmica encontrar ainda outras liberdades, que
podero com esta colaborar ou, ao contrrio, prejudic-la. Naturalmente, a ao somente
ser beneficiada e poder prosseguir por meio da colaborao, que se caracterizar por
ser uma colaborao de liberdades e, assim, se transformar em coao: ao de
diversos sujeitos, unidos em vista de um mesmo fim. O segundo ciclo, o circulo social,
possui o seu incio aqui, no princpio primeiro da amizade. A ao se mostra, desta
forma, como sendo mais uma vez o seu vnculo, desta vez vnculo social. O movimento
da ao se expandir ao interno do social, em diversos mbitos, a partir de uma ao
particular que lanar seus fundamentos: a unio conjugal, alargada naturalmente em
unio familiar. A famlia no bastar para realizar os fins da ao, pressupondo toda
uma organizao social que se alargar da cidade constituio de uma nao e de um
estado, e das diversas naes a uma ordem mundial, nas quais a colaborao das
liberdades se potenciar cada vez mais fortemente (Cf. M. LECLERC, Il destino,172-
174).
Mesmo que a ordem social pudesse alcanar um estado satisfatrio, resta a
pergunta se a aspirao profunda da vontade se completaria. Como vimos quando do
estudo da filosofia de Schopenhauer, no plano emprico, ao homem no resta que o
movimento do desejo ao tdio.
Impulsionada por seu querer infinito a ao procurar uma transcendncia.
Assim, far-se- primeiramente ao cultural ou artstica, tendo em vista uma qualquer
superao da morte e permanncia na histria. No completa, far-se- em seguida ao
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moral, procurando viver e esclarecer o significado do imperativo da conscincia.
Entretanto, a vida moral ser sempre um meio, nobre claro; no entanto, somente um
instrumento que aponta para um fim ltimo que no este mesmo. Nem mesmo aqui a
equao da vontade encontra sua soluo.
Esgotados todos os recursos do gnio humano; esgotados todos os recursos da
via dos fenmenos, a tenso entre a vontade que quer e a vontade querida no se
resolve, restando duas solues: 1. ou a capitulao do dinamismo infinito, pela
assuno da hiptese de seu absurdo, fazendo da ao supersticiosa, ou seja, procurando
atribuir arbitrariamente a um dos elementos encontrados durante o desenvolvimento da
ao o valor infinito que sabemos estes no possuir, constituindo assim a idolatria ou a
auto-idolatria; 2. ou continuar o movimento da ao e buscar o aliquid de nossa vontade
na nica hiptese que resta por examinar, a do nico necessrio.
1.1.4 O ser necessrio da ao12
Como vemos, a resoluo da equao da vontade ao mesmo tempo necessria
e irrealizvel, a no ser que a ltima hiptese possa reger. Em sntese, salvo a existncia
do nico necessrio, do sentido implcito, em resgate do Deus morto por Zaratustra.
Esta existncia necessariamente implicada no movimento de nossa vontade, que do
primeiro momento a exige e por isto se reconhece como incompleta. na busca da
adequao perfeita ou de uma vontade infinita realizada, a qual no conseguimos nunca
atingir, que se funda toda nossa ao verdadeiramente livre. Tal, todavia, no significar
um absoluto otimismo, o qual poderia ser teorizado como uma possvel resposta ao
pessimismo de Schopenhauer, anteriormente analisado.
Longe de poder ser considerado um otimista ingnuo, Blondel no decurso desta
quarta parte se esfora em mostrar os limites inerentes da vida, do desenvolvimento da
12
Correspondente quarta parte da LAction.
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ao humana. De fato, segundo ele, somos sujeitos morte, ao sofrimento, a decepes
e a tantos outros infortnios (Cf. M. BLONDEL, LAction, 328-329).
De fato, somos constantemente sufocados pelos dinamismos do determinismo e
nossos atos constantemente se voltam contra ns mesmos, mudando-nos a ponto de no
nos podermos mudar a ns mesmos (Cf. M. BLONDEL, LAction, 331). A impotncia de
nossa ao nos parece total: antes, durante, aps os nossos atos, existe dependncia,
coao, fraqueza (M. BLONDEL, LAction, 331).
No entanto, o reconhecimento das deficincias da vida atual no seria possvel
seno como um contraste: Admitir a insuficincia de todo objeto oferto vontade,
sentir a enfermidade da condio humana, conhecer a morte, portanto descobrir uma
referncia superior (M. BLONDEL, LAction, 334).
Conscientemente ou no, o nico necessrio encontra-se por ns implicado em
nossos atos. Diante dele, somos colocados de frente escolha, a que j nos referimos,
que agora nos se revela em toda a sua necessidade. Acolher a hiptese da ajuda que nos
pode dar o nico necessrio para o alcance de nossa plenitude o que no uma mera
questo de teoria, mas envolve todo o dinamismo da vida constitui a vida da ao,
que se abre possibilidade ltima da realizao de seu movimento, tendo como suprema
hiptese a do dom sobrenatural. Ao contrrio, o rejeitar tal abertura fechando-nos
em ns mesmos, em nossa auto-suficincia constituir a morte da ao, pela renncia
da continuao de seu movimento natural.
Percorrido todo o desenvolvimento da ao apresentado na obra central
blondeliniana, resta-nos ainda analisar o fundamental aprofundamento crtico que
Blondel propor no ltimo captulo de sua LAction: Le lien de la connaissance et de
laction dans ltre.13
13
Este ltimo captulo ser o terceiro da quinta parte da LAction. Nos dois primeiros, Blondel analisar a hiptese da estrada religiosa, especularmente em contraste com a
primeira parte da obra, na qual se tratava a questo do diletantismo. De tal forma se por
em discusso o problema da possibilidade de uma revelao, que como um dom de
graa poderia realizar a ao, pretendendo mostrar a razoabilidade filosfica da prtica
religiosa catlica. Este ltimo captulo, ao qual dedicaremos a nossa presente ateno,
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1.1.5. O vnculo da ao e do conhecimento no ser
A implicao do nico necessrio em todos os atos humanos, com a fundao
neste da conscincia e da liberdade, e, assim, de todo o movimento da ao em vista da
resoluo da equao da vontade, provoca a inverso do caminho comumente
empreendido pela crtica filosfica para a constituio de suas certezas o qual fora
criticamente analisado por Blondel neste ltimo captulo.14
Todos os ciclos concntricos, passo a passo, percorridos pela dinmica da
vontade mostraram-se de grande homogeneidade: unidos dentro a esta pela referncia
implcita, desde o princpio, ao nico necessrio. De igual modo, porm, tal
encadeamento revela toda a sua heterogeneidade: de fato, cada momento pode se
revelar como um absoluto, no qual a vontade pode pretender igualar a si mesma. Cada
momento se apresenta como uma novidade, novas snteses irredutveis s suas
condies antecedentes das quais, no obstante dependem , e, todavia, reunidas
em um sistema.
no fora apresentado como parte da tese doutoral Sorbona. Em verdade, embora j
delineado, o texto inicial de tal captulo fora suprimido pelo prprio Blondel, que o
considerou ainda imaturo. Somente aps a apresentao da tese e depois de substanciais
modificaes, tal seria unido ao texto da LAction, correspondente a aquele de sua edio pblica. Entretanto, tal texto constitui como que um captulo parte, na qual se
expem uma especial metafsica, a qual antecipa as futuras pesquisas de sua Trilogia.
Blondel a definir uma metafsica de segunda potncia (Cf. LAction, 464), para distingui-la das idias metafsicas descritas como fenmenos na terceira parte (Cf.
P. HENRICI. Maurice Blondel e la filosofia dellAzione, 609). 14
Trataremos em seguida de esclarecer tal questo, que na LAction nasce em resposta s observaes dirigidas a Blondel por seu diretor de tese E. Boutroux e por seu amigo
V. Delbos. Aps a leitura dos manuscritos que antecipam a confeco final da LAction, Boutroux e Delbos haviam sentido a necessidade de: uma maior significao filosfica
em especial pela clarificao de algumas questes religiosas que surgissem propsito
da tese, sem, porm, fazer realmente parte desta (Cf. M. BLONDEL E. BOUTROUX, Lettres philosophiques de M. Blondel, 28 de julho de 1892); algumas correes que
precisassem o estatuto da metafsica, permitindo-lhe no s de preparar e erigir a ao,
mas tambm de justific-la em seu pleno valor (Cf. M. BLONDEL V. DELBOS, Lettres philosophiques de M. Blondel, 27 de julho de 1892).
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Assim, as snteses da ao, seus moventes e motivos, aparecero ao mesmo
tempo como uma srie de causas eficientes e um sistema de causas finais. Blondel a
definir como unidade do vnculo causal (Cf. M. BLONDEL, LAction, 434). Dentro
desta, observe-se que o posto central ocupado pelo nico necessrio concede a
possibilidade de toda existncia, ou seja, dependente dele, a ao se constituir como
movimento que de escalo em escalo fundar a todos: o sistema a condio sine qua
non da srie.
Como causas eficientes e causas finais os objetos da ao so na verdade seus
fenmenos, ou melhor, representaes que o esprito se faz dos diversos setores de sua
existncia. Curiosamente, em referncia ao percurso realizado na terceira etapa da
LAction, Blondel criticamente concluir, assim, pelo carter meramente ideal ou mental
de todo o complexo fenomenolgico estabelecido: Com efeito, at agora, e ainda que
hbitos mentais contrrios tenham podido convencer o leitor, somente se trataram de
meios subordinados ao. Em nenhum caso se tratou de transformar ditas condies
prticas em verdades reais. (M. BLONDEL, LAction, 425)
No entanto, a partir daqui se faz necessria anlise crtica a identificao do
valor ontolgico de tais condies. O determinismo contnuo que desenvolve a cincia
da ao requer um supremo passo do pensamento, para exprimir todas as exigncias
do determinismo prtico: a sua prova ontolgica.15
Tal no significar a sada do
determinismo fenomnico que se impe obrigatoriamente a ns com seu cetro de
ferro , mas a necessidade cientfica que para ns, pelo fato de pensarmos e
15
La ncessit pratique de poser le problme ontologique nous amne ncessairement
la solution ontologique du problme pratique. [] Ce qui exprimait simplement les besoins de notre volont doit acqurir, devant lentendement mme, une vrit absolue. Ce qui ntait encore que ncessit de fait sera fond en raison. Ce qui navait t pos, en face de la pens, que comme moyens immanents au vouloir va tre pos, hors de la
volont, comme fins immanentes la pense. Et, tandis que laction avait paru premire, et ltre, driv, cest la vrit, cest ltre qui vont paratre premiers, mais sans que leur subsistance et leur nature mme cessent dtre dtermines par laction qui y trouve sa rgle en mme temps que sa sanction (M. BLONDEL, LAction, 425)
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atuarmos, comportarmos-nos como se a ordem universal fosse real e as obrigaes
prticas, fundadas. (M. BLONDEL, LAction, 427)
Segundo Blondel, de uma parte, para se resolver cientificamente o problema do
conhecimento e do ser exigido um rigor crtico tal para o qual impossvel no
determinar com exatido e de antemo todo o sistema das relaes intercaladas entre
estes dois extremos. De outra parte, uma vez abarcadas pelo pensamento todo o
complexo das operaes transitivas, este necessita que toda a srie de seus objetos
participe da realidade de seu trmino, implicado desde o princpio, sob a pena de
banalizao de todo o sistema (M. BLONDEL, LAction, 427).
De acordo com as exigncias cientficas, que nos obrigam ao rigor, pelo fato do
determinismo da ao nos levar obrigatoriamente identificao de um tal trmino,
resulta que possumos um conhecimento certo do ser, do qual no nos podemos eximir.
No entanto, para alcanarmos um tal trmino no poderemos nos subtrair alternativa
no resolver o problema prtico, que se nos apresenta como vida ou morte da ao. O
conhecimento cientfico do ser se apresenta assim como necessrio e ao mesmo tempo
voluntrio. Subsiste uma presena necessria da realidade no pensamento, sem que a
realidade esteja necessariamente presente no pensamento (Cf. M. BLONDEL, LAction,
420). O modo como tal presena se encontrar em ns, depender, segundo Blondel, da
opo suprema. O ser e o conhecimento so, assim, radicalmente heterogneos e, no
obstante, idnticos. (Cf. M. BLONDEL, LAction, 429)
Para compreender tais observaes Blondel se empenhar em responder: 1.
como o pensamento concebe inevitavelmente a realidade de todos os seus objetos? 2. O
que pode ser rechaado da inevitvel concepo do ser e o que resta desta necessria
realidade no pensamento que a exclui e na vontade que dela se subtrai? 3. A adeso
prtica e o livre reconhecimento, o que acrescem ao ser necessariamente concebido e a
verdade forosamente reconhecida? Em fim, estas perguntas se reagrupam em uma
final: como a ao perfeita pode consumar tudo o que serviu para constitu-la?
Seguiremos agora o percurso por ele empreendido.
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1.1.5.1 A idia de objetividade16
Por que a continuao do determinismo prtico em toda a sua srie reveste o
carter de uma verdade real? Como j observamos, o determinismo da ao nos pe
diante da srie, apresentando-a como um complexo de meios pelos quais a vontade
procura resolver a sua equao de modo voluntrio. Precisamente porque cada objeto da
vontade se apresenta necessariamente como devendo ser querido voluntariamente, mas
podendo no s-lo, onde se funda a idia de uma existncia objetiva, ou seja,
independente de nossa vontade.
Todos os objetos que se apresentam vontade, agrupados no sistema, como
dissemos, fazem referncia opo suprema, que se constitui em um momento da srie,
e da qual cada opo particular ser revestida, de tal forma que o seu Objeto, Deus, as
transcender todas. E tal somente possvel porque a srie eficiente encontra-se
inseparavelmente unida ao sistema final, de tal forma que cada singular sntese porta em
si a presena do nico necessrio.
Cada movimento da vontade querida testemunha a sua incapacidade de igualar-
se no seu engajamento fenomenal vontade que quer, fundando a necessidade do
sistema. No entanto, a realidade do todo sistemtico, da qual participa cada anel da
cadeia, no passa ainda de uma abstrao, de uma necessidade interna. A vontade que
quer exige uma sua objetivao, o seu engajamento, a vontade querida, de tal forma
que: Para que a noo de existncia objetiva esteja na conscincia, necessrio que
esta noo abstrata se realize em objetos concretos (Cf. M. BLONDEL, LAction, 433).
O j citado vnculo causal encontra assim sua explicao: no se trata de uma
necessidade inteligvel e analtica, nem de uma simples justaposio de termos
empiricamente independentes, mas de uma concepo que integra estas duas ltimas
dentro lei necessria que exprime idealmente ao pensar o encadeamento real das
16
No desenvolvimento dos pontos do ltimo captulo da ao seguiremos o esquema
proposto por Paul Gilbert no artigo Le phnomne, la mdiation et la mtaphysique.
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necessidades prticas cujas exigncias ratifica a vontade mesma (Cf. M. BLONDEL,
LAction, 434).
Nesta ratificao ou objetivao, a cada escalo, a vontade joga o tudo por tudo,
tendo diante de si constantemente a possibilidade da idolatria. E ainda, porque o sistema
transcendente a cada um de seus anis, porque o nico necessrio implcito em cada
ponto da srie, a opo suprema, positiva ou negativa, determinar o sentido do sistema
concreto e sua realidade ontolgica, como a de cada um de seus elementos.
No texto que seguir procuraremos, seguindo Blondel, esclarecer tais
observaes, por meio da explicitao do conhecimento privativo e do conhecimento
possessivo do ser.
1.1.5.2 O conhecimento privativo do ser
No segundo ponto do ltimo captulo da LAction, Blondel trata de precisar
alguns questionamentos que se mostraro essenciais: 1. de que forma tudo o que a viso
do esprito oferece como objetivo pode ser excludo. 2. Tal excluso suprimir a
possesso, mas no a necessidade e o conhecimento da realidade. 3. De que modo este
conhecimento privativo postula do ser excludo a mesma confirmao daquela do ato
que o rejeita.
A verdade real dos objetos, segundo Blondel, no residir na irremedivel
representao que possumos destes, em virtude das exigncias prticas de nossa ao,
mas sim no fato que depende de ns o querer e o no querer em relao a estes. Para que
estes objetos sejam em ns, devemos querer que sejam para ns o que so em si
mesmos. Mas como?
Segundo Blondel, aceitar ou regeitar as exigncias prticas, significa acolher em
si ou eliminar de si a realidade da que derivam estas mesmas necessidades. Rejeitar a
dinmica da ao que transcende toda a srie, pela resposta negativa diante da suprema
opo em relao ao nico necessrio, ser eliminar de ns a possesso dos outros
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seres, porquanto privamos a experincia daquilo que a reflexo descobriu ao corao de
todo conhecimento possvel.
Entretanto, tal no significar a supresso da necessidade e do conhecimento da
realidade. A realidade e seu conhecimento, embora co-extensivos, podem ser
radicalmente distintos (Cf. M. BLONDEL, LAction, 438-439). Blondel falar da
existncia de um conhecimento subjetivo, idntico opo, negativa ou positiva, a favor
do ou contra o nico necessrio. De acordo com esta opo, o conhecimento,
anteriormente abstrato, amplia-se, traduzindo em nosso pensamento a soluo prtica do
problema ontolgico. (Cf. M. BLONDEL, LAction, 438)
Caso a opo seja negativa, caso se suspenda o movimento natural do
conhecimento e da vontade em vista do nico necessrio, restar somente um
conhecimento intelectual da verdade dos fenmenos, uma imensa representao sem
nenhum fundo ontolgico (Cf. P. GILBERT. Le phnomne, la mdiation et la
mtaphysique, 116). O conhecimento, ao limitar-se ao que j era, ser ento
privativo, dirigindo-se ao ser para esvaziar a si mesmo daquela realidade que, todavia,
requer por fora de uma necessidade; a vontade permanecer incapaz de proceder
resoluo de sua equao: o infinito que necessitamos, ele [o conhecimento] afirma de
fronte a quem o negou, mas para recusar ao negador tudo aquilo que ele [o
conhecimento] lhe afirma (M. BLONDEL, LAction, 439).
1.5.1.3 O conhecimento possessivo do ser
O tema da mediao, cujo termo proposto por Blondel j desde o primeiro
ponto do presente captulo da LAction, no terceiro ponto, recebe uma considerao
absolutamente central. A opo positiva em relao ao nico necessrio, segundo
Blondel, com a conseqente aceitao de tudo o que o movimento da ao nos
apresenta como necessariamente requerido para seu cumprimento, nos abre a via da
possesso real dos seres. Todo o demais, somente em virtude deste mediador do
nico necessrio se nos comunica (M. BLONDEL, LAction, 441-442). E, igualmente,
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no se poderia realizar a opo verdadeiramente positiva no seu confronto, sem a
soluo prtica do existir para ele, sacrificando a ele tudo o demais: o sacrifcio a
soluo do problema metafsico pelo mtodo experimental. Justifica-se, assim, o papel
central da ascese quanto a tal possesso. No entanto, uma ascese que recebe toda uma
outra significao daquela proposta por Schopenhauer.
Mas de tal modo, no se acabaria por subordinar o conhecimento a um ato
voluntrio? O conhecimento da verdade, de tal forma, no pareceria ser um resultado da
vontade, de uma vontade criadora, anloga quela de potncia nietzscheana?
Blondel responde claramente: a realidade no subsiste em si porque um ato de
nossa vontade a erige em ns. Ao contrrio, quando queremos a realidade, a ordem
universal, a fazemos ser em ns como e porque em si mesma. Mesmo o
conhecimento necessrio, que precede opo, constitui-se em uma regra inflexvel,
no podendo ser diferente do que . impossvel que um decreto de nossa vontade
possa modificar a ordem cientfica. No entanto, diante da suprema opo, ao querer
livremente o que poderia ser no querido,17
o conhecimento se beneficia da possesso
do objeto, levando realmente em si o que antes era somente uma idia, uma
representao (M. BLONDEL, LAction, 440).
A este ponto do seu escrito, o filsofo de Aix-en-Provence, por meio de um
discurso rico de antecipaes existencialistas, procura esclarecer o sentido do
conhecimento possessivo. Ao centro deste, como seu rgo, Blondel identificar a
caridade, ou o amor, sem o qual nada se conhece.
Por um lado, a caridade se configura em uma paixo ativa. Por outro, na medida
em que as coisas so, atuam e nos fazem padecer; de tal forma que o ser amor:
Aceitar esta paixo, receb-la ativamente, ser em ns aquilo que elas [as coisas] so
em si (M. BLONDEL, LAction, 443).
17
A opo apresenta-se, recordamos, como um momento da srie dos fenmenos,
entretanto um momento decisivo para todos os outros: a encruzilhada necessria para
se atingir a soluo da equao da ao.
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A pureza do desprendimento interior, e o sacrifcio de si mesmo ao nico
necessrio sem o qual impossvel chegar a qualquer outro ser e a ns mesmos, ou
seja: a caridade asctica constitui a verdadeira filosofia analogicamente ao que
afirmou Schopenhauer, mas em todo outro sentido. Somente pela caridade se resolveria
o problema das aparncias, porquanto nela se encontra o privilgio do poder aproximar-
se de tudo o que os seres possuem de vida e de ao, sem violentar ou despojar nenhum
do que lhe pertence, por meio da simples participao com a inteno do bem dos
demais. Tambm em relao s outras liberdades humanas, a caridade permite a
identificao em absoluto.18
Esta, segundo Blondel, no poder nunca ser
verdadeiramente cientfica se no se realiza na obra individual, na relao caritativa
com o outro homem. O crculo social, exige, assim, a resoluo prtica, a possesso, a
caridade, como cada um dos demais anis da cadeia dos fenmenos. Sem o dinamismo
da caridade entre os membros da humanidade no pode existir Deus para o homem; nem
to pouco, sem Deus, homem para o homem, porquanto o caminho de acesso ao ser
estaria definitivamente obstrudo.
De fato, por um lado, tudo se sustenta dentro ao amor ao nico necessrio,
porquanto Deus o nico que se pode amar por tudo e por todos. E, todavia, a Deus se
ama por meio do particular.
A heterogeneidade dos fenmenos, das aparncias, depois da opo a favor do
nico necessrio se funde na homogeneidade e na solidez do vnculo real. De um tal
modo, ao fim da opo positiva, realizar-se- a unio universal (M. BLONDEL, LAction,
443):
Mas tambm [adeus] a palavra da verdadeira e nica unio, a que consagra a mesma ausncia, porque ela revela, pela
supresso dos laos aparentes, a solidez do vnculo real. Se no
18
Analogamente a E. Lvinas, Blondel no considera o conhecimento abstrato como
capaz de promover a unio entre duas liberdades. No entanto, diferentemente de
Lvinas, e em conformidade com S. Agostino Blondel afirma tal possibilidade por meio
da Caritas.
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se chega a Deus que pela oblao de tudo o que no ele, nele
se reencontra a verdadeira realidade de tudo o que no Deus.
No entanto, afirma o nosso autor, tal no significa a supresso do princpio da
individuao. A comunho universal, longe de ser causa de confuso, constitui-se no
nico meio de possesso e distino perfeita. O ser real a unidade da mltipla
aparncia e a diversidade simultnea dos fenmenos universalmente solidrios: a
verdade de cada fenmeno da srie obrigatoriamente fundada, para que todo o demais
o seja.
Nenhuma ordem de fenmenos, por sua vez, poderia ser fundada por meio de
uma outra: em virtude da sua heterogeneidade, cada ordem de fenmenos exige uma
crtica irredutvel s demais, nem mesmo ao entendimento; todavia, exigido para a
sustentao do determinismo da ao que seja elevado ao que implica de ser e de
absoluto cada elemento relativo, cada aparncia de fenmeno (M. BLONDEL, LAction,
449-450).
A cincia da ao nos testemunha a absoluta necessidade do determinismo da
vontade, que exige para se completar, a opo positiva e tal opo nos previne
antecipadamente contra os perigos do aniquilamento ou melhor, do nihilismo e do
pantesmo da absoro de todo ser distinto na imensidade divina.19
Nos correspondentes quarto e quinto pontos deste ltimo captulo Blondel
procurar aprofundar estas ltimas observaes, a partir do estudo dos fenmenos, em
vista de atingir a existncia objetiva.
1.1.5.4 O problema da existncia objetiva
19
Cf. M. BLONDEL, LAction, 448. Esclarecedoras se mostram as palavras de P. Henrici comentando tais passagens: Blondel dimostra () la necessit di una scelta riguardo al concetto dellessere, proprio partendo dal fatto che lessere esiste solo in una correlazione totale di tutti i fenomeni e che la sua realt dipende dalla realt dellUnico Necessario. La decisione a favore del possesso dellessere dunque da intendere come esplicazione delle implicazioni ontologiche della decisione riguardi dellUnico Necessario (P. HENRICI, Maurice Blondel e la filosofia dellAzione, 610).
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a) Ser e fenmeno
Antes de tudo, Blondel procura focalizar criticamente algumas suposies
filosoficamente infundadas, que originaram um pseudo-problema, ao qual a
modernidade buscou em vo uma soluo: onde se encontra a realidade ou a verdade
do ser que se nos exprime nos fenmenos?.
De fato, para Blondel analogamente a Nietzsche , o ser no pode ser
buscado em uma realidade posta atrs ou alm dos fenmenos. Do fato de que o sistema
total do mundo dos fenmenos deve ser real, conclui-se que os dados sensoriais dos
quais este se compe, devem ser igualmente reais. Ademais, o nmeno kantiano, no
passaria, segundo Blondel, de um outro fenmeno: de idias da metafsica primeira
potncia. Em senso pleno, o ser deve ser atribudo aos fenmenos enquanto tais (Cf. P.
Henrici, Maurice Blondel e la filosofia dellAzione, 610).
Entretanto, todos os fenmenos como tais so essencialmente relativos a um
sujeito. Seria possvel, ento, que o que por ns, seja sem ns e apesar de ns? Seria
possvel a afirmao de uma relatividade absoluta?
b) O vnculo do conhecimento
Blondel encontrar uma possvel resposta a partir da hiptese leibniziana do
vnculo substancial,20
ao qual o nosso autor dedicou a sua famosa tese latina.21
De
20
Em relao a tal estudo, conferir o comentrio introdutrio de C. TROIFONTAINES in
M. BLONDEL, Le lien substantiel et la substance compose daprs Leibniz, 3-141. 21
Em uma srie de cartas trocadas com o jesuta Des Bosses, Leibniz havia concebido a
hiptese de um vnculo substancial, ou seja, de uma realidade que serviria de elo de
ligao das mnadas entre si e que realizaria a unio dos fenmenos compostos tais
quais os percebemos, para tentar desta forma justificar a doutrina catlica da
transubstanciao eucarstica em desconformidade com a concepo da substncia fsica
composta, extensa, pretendida pela teoria leibniziana. No de forma muito clara,
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acordo com Blondel, como toda experincia humana leva em si um qu de atividade e
de passividade, assim cada fenmeno mostraria especularmente as mesmas duas partes
(Cf. M. BLONDEL, LAction, 456). O ser dos fenmenos deve ser buscado precisamente
no elo desta unio, que se mostrar indissolvel. Por ela, atuamos em e sobre as coisas;
elas atuam em e sobre ns: o conhecimento ativo e passivo que temos destas o duplo
fundamento do fenmeno, sensvel e real.
A cincia humana especulativamente distingue no real por um lado a imensa
inteligibilidade dos fenmenos (razo), por outro, a originalidade de cada sntese
diretamente percebida (sensibilidade), que se mostra irredutvel ao conhecimento que
destas possumos. Ambos estes aspectos na realidade, mesmo que irredutveis um ao
outro, mostram-se vinculados na indissolvel unidade sinttica do dplice vnculo do
conhecimento racional e sensvel. A ambigidade do fenmeno constitui, assim, a sua
verdade real (M. BLONDEL, LAction, 454):
As coisas so porque os sensos e a razo as vem, e as vem em
comum sem que este dplice olhar, com que cada um parece
penetr-las inteiramente, confunda-se nelas. [...] aquilo que a
abstrao distingue na realidade sensvel deve permanecer
indissoluvelmente unido: pode-se mostrar os aspectos
irredutveis, mas no se pode separar suas faces solidrias. E,
precisamente, porque impossvel separ-las e reuni-las, entre
estas duas aparncias conhecidas subsiste o que constitui o
apoio do vnculo, o que faz a verdade consistente.
c) Entendimento e Reflexo
Leibniz atribui tal vnculo a um ato da vontade divina, que torna existente e ordenada a
unidade como tal, anteriormente somente possvel.
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Observemos ainda que se as coisas apresentam-se como ativas em relao a ns
e as outras coisas mediatamente o conhecimento e a percepo que possumos destas
porquanto no podem se perceber diretamente, sendo que o seu ser consiste em ser
ativas e passivas em um e mediatamente, em si , da mesma forma, o conhecimento
depende das coisas para ser, porquanto pelas coisas realiza a sua atividade e sua paixo.
O conhecimento assim tambm ele um elemento da srie (M. BLONDEL, LAction,
456).
Diferentemente de um realismo exacerbado que se inclina a afirmar a existncia
de um ser diverso do que nos aparece fenomenicamente; diferentemente de um
idealismo disforme para o qual o ser existiria porque ns o faramos existir; Blondel
afirma que as coisas que so conhecidas so conhecidas tais quais so (M. BLONDEL,
LAction, 457). Como entender tais afirmaes?
O conhecimento um elemento da srie e, portanto, no pode conhecer sem
implicar a srie em sua totalidade e em todas as suas exigncias. No entanto, chegar a
tais afirmaes encontrar-se dentro a um novo tipo de conhecimento que transcende o
fenmeno do conhecimento, conhecendo seus limites, conhecendo seu ato, e, assim,
conhecendo a necessidade voluntria de sua encarnao na possesso do ser: uma
metafsica de segunda potncia, que une tudo (M. BLONDEL, LAction, 465).
Estabelece-se, assim, a distino entre duas instncias do conhecimento, o entendimento
e a reflexo, ou seguindo a prpria nomenclatura blondeliniana, entre cognitio per
notionem e cognitio per connaturalitatem, per habitum, per unionem (Cf. P. GILBERT,
Le phnomne, la mdiation et la mtaphysique, 304-305).
Tais duas formas de conhecimento para Blondel no se opem, gozando de uma
imanncia recproca, embora sem nenhuma confuso: o conhecimento objetivo e
abstrato no a reflexo objetiva e concreta. O vnculo substancial que nasce aqui se
estabelece por meio de um ato, da ao completamente fiel a suas exigncias, e no por
meio de um qualquer novo conhecimento, a partir do qual a reflexo consideraria a srie
fenomenal (Cf. P. GILBERT, Le phnomne, la mdiation et la mtaphysique, 306).
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A reflexo consciente, assim, da incapacidade de auto-fundao no real-
concreto do conhecimento nocional separadamente considerado, ou de cada elemento da
srie, em razo da insuficincia do relativo. A atividade e a passividade dos fenmenos
se podem definir somente a partir de um sujeito que conhece, que opera ou que sofre.
Mas, retomando a pergunta j feita, possvel uma relatividade absoluta?
d) O Panchristismus e os limites da filosofia
Para se fundar uma relatividade absoluta, ou seja, a absoluta atividade e
passividade dos fenmenos, Blondel faz recurso busca de um sujeito tambm ele
absoluto e aqui nos adentramos nos limites da filosofia.
Se o ser das coisas do mundo consiste no seu poder ser passivas e ativas, no
bastar, para se constituir o fundamento ltimo do ser mundano, a referncia da
passividade das coisas em relao ao ato criador de Deus. Seria conveniente, assim,
tambm uma paixo absoluta, na qual as coisas pudessem exprimir a sua atividade. A
fundamental hiptese blondeliniana do panchristismus assume aqui suas justificativas:
na hiptese crist, na vida divino-humana de Cristo, se configura o vnculo substancial
que sustenta o conjunto das coisas mundanas como seres reais no seu dplice modo de
manifestar-se (Cf. P. Henrici, Maurice Blondel e la filosofia dellAzione, 611).
Fazendo-se homem, em Cristo Deus percebe o mundo com os olhos da criatura e em
sua paixo, Cristo realiza o sofrimento absoluto. Assim, nele se estabeleceria o perfeito
vnculo entre o relativo e o absoluto (M. BLONDEL, LAction, 460-461):
A realidade do fenmeno e, com ela, o sistema total e o
conjunto mesmo dos espritos se desvaneceria sem este dplice
vnculo do relativo com o absoluto e do absoluto com o relativo.
No que o relativo seja minimamente necessrio; ele no real
que na medida em que recebe do absoluto o dom de ser causa no
mbito do absoluto mesmo: necessidade condicional que no
toca em nada a independncia soberana da causa primeira, mas
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que manifesta simplesmente a que condescendncia, por sua
parte, subordinada a existncia das causas segundas.
Claro, Blondel consciente da impossibilidade filosfico-especulativa de provar
a verdade desta extrema hiptese. No entanto, o papel da filosofia o de demonstrar a
sua extrema coerncia com a nossa mais profunda exigncia. Como a cpula do
Pantheon de Agripa, a razo se mostra incompleta e aberta ao infinito. Mas existiria
uma via para se realizar uma tal prova? Dir Blondel: Fac et videbis (M. BLONDEL,
LAction, 403). Ao fim do percurso a via indireta encontrar novamente a via direta (M.
BLONDEL, LAction, 463):
Que no se pretenda jamais de encontrar em uma teoria, por
mais perfeita que esta seja, um equivalente enganoso. No se
resolve o problema da vida sem viver; e jamais dizer ou provar
dispensa o fazer e o ser. Eis ento absolutamente justificado,
pela cincia mesma, o papel da ao: a cincia da prtica
estabelece que no se pode suprir prtica.
A filosofia de Blondel, em sua via indireta, depara-se, ao fim, aberta a grandes
hipteses. Uma desconfiana logo nos invade: a crtica no deveria proteger a reflexo
justamente de tais admisses hipotticas, quais sejam as do tipo da opo em relao ao
nico necessrio? No incluiriam estas a necessidade de um a-priori, mostrando as
mesmas caractersticas pelas quais se ps sob suspeito o nihilismo?
2. POSSVEL AINDA UM SENTIDO?
s perguntas anteriores respondemos: absolutamente! A implicao do nico
necessrio no se mostra crtica como sendo um a-priori, um fundamento sobre o qual
se construiria todo o edifcio das afirmaes posteriores. Ao contrrio, na fidelidade ao
mtodo da LAction, tudo o que afirmado, o porquanto necessariamente deve s-lo.
As hipteses devem ser necessariamente comprovadas. No percurso crtico, algumas
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delas no se sustentam e cedem, algumas se mostram necessrias, outras exigiro o
recurso da prtica para serem comprovadas.
E a hiptese nihilista? No aquela de Schopenhauer, j vencida pela crtica, mas
aquela que se inspira em Nietzsche que a seu modo, tenta responder ao pessimismo
nihilista por meio da assuno do paradoxal otimismo do bermensch diante do
absurdo da imanncia, no ultrapassamento e conseqente primado da diferena esta
se sustenta crtica?
Certamente o a-priori que estimulara Nietzsche a levar a frente sua produo
filosfica nihilista no pode ser considerado como um argumento vlido. Ademais, a
vontade de potncia demonstrar todas as suas contradies quando sujeita cincia da
ao: em verdade, o movimento da vontade nunca atingir a resoluo de sua equao
em meio imanncia. A vontade de potncia ser, conscientemente ou no, posta em
xeque-mate pela reflexo blondeliniana, que mostrar sim a impotncia do movimento
da vontade de bastar-se a si mesmo. No entanto, recordemos que o falimento de uma
argumentao usada para se sustentar uma dada tese no significa necessariamente o
falimento da tese de fundo.
A deriva nihilista, fundamentalmente erigida sobre os pressupostos da crtica
nietzscheana metafsica e moral os quais, por sua vez, segundo a nossa
interpretao histrica, radicam-se no falimento do projeto moderno de cientificidade
, apresenta-se para grande parte da cultura atual como sendo uma alternativa possvel.
Em verdade, para muitos, erroneamente, como a nica. De fato, muitas dentre as
filosofias que apostam nesta estrada como um acontecimento irrefrevel e
irrenuncivel, fundam suas pretenses na paradoxal necessidade crtica da assuno das
respostas nihilistas.
Todavia, os dissensos em relao interpretao do significado da anomalia
paradigmtica mesmo dentro ao quadro dos explcitos expoentes do nihilismo
ao mesmo tempo em que abrandaram as afirmaes nihilistas-nietzscheanas mais
categricas constituindo as bases do pensamento fraco deixaram a descoberto a
sua fragilidade, o seu carter hipottico (Cf. F. DAGOSTINI, Logica del nichilismo, 370-
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384). At este ponto nada mais conforme ao nihilismo: paradoxo, fragilidade e
hipoteticidade constituem a sua fora.
O nihilismo, pressupondo a necessidade da assuno de uma determinada lgica,
a clssica, como pr-requisito essencial para toda filosofia que pretenda contra este uma
crtica e constatada a falsificao em se afirmar esta mesma lgica como a nica
possvel, aparece aos olhos da filosofia como um blindado impenetrvel e ao mesmo
tempo como uma arma de alta penetrao, sob o nome de pensamento fraco.
Em um artigo denominado A prospectiva metafsica entre analticos e
hermenuticos, Enrico Berti observa que no pensar contemporneo o adjetivo fraco
passa a gozar de uma grande fora desde quando fora usado para denominar a especial
forma de pensar que renuncia a categorias fortes (bem e mal, justo e injusto etc.), para
assumir posies mais esfumadas, menos categricas. Tal se daria porque, segundo ele,
lgica e epistemologia seriam dois pontos de vista inversamente proporcionais: as
teorias mais fortes do ponto de vista epistemolgico, ou seja, as mais ricas de
informaes, so as mais fracas do ponto de vista lgico, ou melhor, da argumentao,
porque facilssimo refut-las (E. BERTI, La prospettiva metafisica tra analitici ed
ermeneutica, 2). E vice-versa, de acordo com o mesmo autor, as teorias
epistemologicamente mais dbeis gozariam de uma fora lgica maior pela dificuldade
de sua confutao. Daqui a fora das teorias epistemologicamente fracas, ou
melhor, daquelas teorias epistemolgicas que admitem uma pluralidade de
possibilidades na determinao de uma coisa (E. BERTI, La prospettiva metafisica tra
analitici ed ermeneutica, 2).
O mais importante a se notar que Berti faz valer tais afirmaes tambm para o
campo da metafsica, chegando a individuar uma metafsica epistemologicamente
fraca como compatvel com as filosofias contemporneas hoje dominantes, analtica e
hermenutica (E. BERTI, La prospettiva metafisica tra analitici ed ermeneutica, 2):
Uma metafsica forte, como era por exemplo aquela de
Parmnides, segundo a qual (simplificando muito) todas as
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coisas so imveis [...] facilssima de se confutar [...] Ao invs, uma metafsica fraca [...] seria muito mais dificilmente
confutvel, e portanto deveria ser considerada como
logicamente muito forte. [...] Por isto creio que uma metafsica
fraca, o de qualquer forma no excessivamente sobre-determinada, seja em realidade difcil de refutar e seja em fundo
compatvel com muitas correntes filosficas de hoje. [] Neste sentido, o carter obsoleto da metafsica poderia ser somente
aparente.
A agudez intelectual de Blondel em relao a tal problemtica, que em verdade
se configura em torno da busca de fora e de resistncia crtica na assuno de uma
teoria epistemolgica, mostrar-se- impressionante. J a LAction, como anteriormente
destacamos, dominada pelo desejo de um forte rigor crtico, o qual paulatinamente faz
ver o carter novo da lgica blondeliana; posteriormente mais especificamente
formulado quando da apresentao do escrito Principe lmentaire dune logique de la
vie morale, em ocasio do congresso internacional de filosofia de ano 1900, realizado
em Paris.
A tal escrito dedicaremos agora a nossa ateno, procurando destacar o seu
carter lgico e epistemolgico, e a diversidade deste da lgica e epistemologia das
filosofias de inspirao nihilista.
2.1 PRINCPIO ELEMENTAR DE UMA LGICA DA VIDA MORAL22
Fundamentalmente, com palavras do prprio Blondel, assim se podem descrever
as preocupaes que o orientavam (M. BLONDEL, Principio elementare, 12-13):
Eu direi, transcrevendo termos precisos de Aristteles, que a
toda a lgica constituda do ponto de vista da e da , necessrio prepor uma lgica metodicamente constituda do ponto de vista da .
22
Faremos uso de sua traduo italiana realizada por E. Castelli.
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De fato, sob o ponto de vista da filosofia at ento vigente, o pensamento e a
moral humanos, apresentavam-se como inconciliveis. Embora constitussem
dimenses do prprio homem, estes mostravam-se contraditrios, ou melhor dizendo,
um excluiria categoricamente o outro: o pensamento exigia um inflexvel determinismo
para ser absolutamente fundado; a moral, exigia a liberdade, ou melhor, a iseno de
todo determinismo, mesmo lgico (M. BLONDEL, Principio elementare, 15-16).
Somando-se a esta constatao, o filsofo francs alude ainda a duas outras (M.
BLONDEL, Principio elementare, 13-15). Em primeiro lugar, a natureza ambgua do
fato moral, ou seja, o seu carter ao mesmo tempo coligado inteno, sendo assim
autnomo em relao ao mundo, e, por sua necessidade de concretizar-se em uma ao,
coligado aos estados orgnicos anteriores, concomitantes e posteriores, ou seja,
engrenagem das foras fsicas e psicolgicas. Todavia, em segundo lugar, nunca a
contraditria dada de fato, sendo impossvel que o seja. Segundo Blondel, duas
alternativas nos restam: ou salvar a moral e permitir que a lgica sucumba diante da
evidncia na realidade das oposies radicais; ou salvar a lgica, a partir da
pressuposio de que os fatos enquanto tais ignoram as leis de contradio e a norma
ideal ou formal do pensamento.
A primeira opo nos levaria a uma espcie de nihilismo especulativo
misturado com um toque de fidesmo moral. A segunda opo nos levaria suposio
de que a lei moral seria completamente formal, exigindo uma total indiferena em
relao matria dos atos; seno, uma postura ainda mais radical na qual se termina por
suprimir toda vida individual, todo desejo, todo ato particular quietismo ou
budismo.23
Ao incio do mesmo escrito, Blondel afirmara (M. BLONDEL, Principio
elementare, 12):
Sem dvida o pensamento filosfico realizou um imenso e feliz
esforo, seja para mitigar e alargar os horizontes da sua dialtica
23
A estas duas opes se podem somar as concluses de Nietzsche, ou seja, a
possibilidade de uma terceira opo: condenar seja a lgica, seja a moral.
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abstrata, que este iguala sempre mais inexaurvel riqueza do
esprito e das coisas, seja por preservar a parte original, e
sempre renovada da evoluo das formas viventes ou da
inveno criadora das idias, seja por reivindicar a
independncia ou defender a supremacia da vida moral contra a
tirania das palavras e a usurpao dos conceitos. Mas em fim
nos limitamos ou a subordinar, o mais possvel, o real ao
racional e a vida ou a mesma histria dialtica idealista, ou,
invs, a opor a ordem prtica e moral, com o seu prprio gnero
de certeza e as suas leis autnomas, ordem especulativa ou
cientfica e s normas do pensamento.
Individuando sob tais vestes o problema central da lgica ocidental, Blondel se
prope em seguida (M. BLONDEL, Principio elementare, 12):
Seria necessrio ento, colocando-nos a este ponto de
interferncia (ao passo que, em fim, para ns, viver realizar a
unidade do pensamento e da ao), desvincular o princpio
elementar que preside aos desenvolvimentos, tanto orgnicos
quanto originais da idia e das aes, na integridade de uma
dialtica que domina, sem sacrificar um ao outro, os dois
aspectos da vida moral.
Segundo o filsofo de Aix-en-Provence uma tal lgica moral, criticamente
fundada, no somente possuiria um princpio especfico e simples, que solucionaria o
problema dos aparentemente contraditrios elementos da ao, determinismo e
liberdade, mas tambm daria acesso chave de uma lgica geral, impensvel caso no
se pudesse reconstruir tais problemas que como fizeram Aristteles ou Kant, os quais se
mantiveram dentro lgica constituda segundo o ponto de vista da e
da (Cf. M. BLONDEL, Principio elementare, 12).
Para entender as observaes blondelianas a tal respeito, devemos-nos remontar
ao modo como Blondel procede a interpretao do princpio bsico de tais lgicas, o
princpio de no-contradio.
Segundo o Filsofo da ao, o princpio de no-contradio como tambm
aquele de identidade, no existem nos fatos: os fatos no podem nem produzi-lo, nem
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sugeri-lo, e nem mesmo ser a ocasio direta ou indireta de sua apario na conscincia
(M. BLONDEL, Principio elementare, 16). De onde, ento, proviriam as noes lgicas
contraditrio, contrrio, relativo, diverso etc. que encontram-se luz de todo
conhecimento, sendo condies da conscincia distinta, a qual , explicitamente ou no,
sempre conscincia de uma descriminao, de uma relao e de uma oposio?
Tais noes surgiriam em ns porque espontaneamente nos cremos capazes de
modificar as coisas. Tal modificao se caracteriza, por um lado, pela iniciativa de
nosso automatismo psicolgico sempre inserido na engrenagem dos fatos; por outro,
pela advertncia que recebemos por parte das resistncias empricas e das lutas uterinas
entre os nossos desejos co-existentes de nossa capacidade de mudar os fenmenos,
adaptando-os mais ou menos s exigncias da nossa atividade, determinada e
determinante (Cf.