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UNIVERSIDADE ESTADUAL DO MARANHÃO CENTRO DE EDUCAÇAO CIÊNCIAS EXATAS E NATURAIS CURSO DE HISTÓRIA THIAGO HENRIQUE MELO GOMES JOSUÉ MONTELLO E O DISCURSO LITERÁRIO: resistência escrava em Os Tambores de São Luís São Luís 2007

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UNIVERSIDADE ESTADUAL DO MARANHÃO

CENTRO DE EDUCAÇAO CIÊNCIAS EXATAS E NATURAIS

CURSO DE HISTÓRIA

THIAGO HENRIQUE MELO GOMES

JOSUÉ MONTELLO E O DISCURSO LITERÁRIO:

resistência escrava em Os Tambores de São Luís

São Luís

2007

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THIAGO HENRIQUE MELO GOMES

JOSUÉ MONTELLO E O DISCURSO LITERÁRIO:

resistência escrava em Os Tambores de São Luís

Monografia apresentada ao curso de História Licenciatura da Universidade Estadual do Maranhão como requisito para obtenção do grau de Licenciado em História.

Orientador: Profº Dr. Josenildo de Jesus Pereira.

São Luís

2007

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THIAGO HENRIQUE MELO GOMES

JOSUÉ MONTELLO E O DISCURSO LITERÁRIO:

resistência escrava em Os Tambores de São Luís

Monografia apresentada ao curso de História Licenciatura da Universidade Estadual do Maranhão como requisito para obtenção do grau de Licenciado em História.

Aprovada em / /

BANCA EXAMINADORA

____________________________________________ Profº Dr. Josenildo de Jesus Pereira (Orientador)

Universidade Federal do Maranhão

____________________________________________ Profº Ms. Yuri Michael Pereira Costa

Universidade Estadual do Maranhão

____________________________________________ Profº Ms. José Henrique de Paula Borralho

Universidade Estadual do Maranhão

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Aos meus pais, pelo apoio incondicional de

sempre e cuja experiência de vida não pode ser

expressa em páginas escritas.

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AGRADECIMENTOS

À minha família, pelo apoio incondicional durante toda a minha vida de estudante.

Aos professores Henrique Borralho e Marcelo Cheche, por uma prática docente de

qualidade, inspirando-nos a refletir, pensar e desenvolver uma boa vida acadêmica.

Ao professor Paulo Rios, pela sua luta cotidiana que nos inspira a sempre superar-

nos.

Ao professor Alan Kardec, que desde os saudosos tempos de Colégio Marista

Maranhense conseguiu despertar em mim o amor pela História.

Aos demais professores do Departamento de História da Universidade Estadual do

Maranhão, que de alguma forma contribuíram para minha formação.

Ao professor Marcos Muniz do Departamento de Filosofia da Universidade Federal

do Maranhão, por mostrar “a palpitação da vida” presente em cada leitura feita com prazer.

Ao professor Josenildo Pereira, do Departamento de História da Universidade Federal

do Maranhão, por me orientar neste trabalho.

Aos amigos Diego Rodolfo, Carlos Poser, Rafael Cachaça e Artêmio Esbórnia (Ó My

Gród!). Na verdade estes até atrapalharam pelos seus ininterruptos convites para beber garrafas

de vinho São Braz nas madrugadas de São Luís, mas cuja companhia sempre me foi de

inestimável importância.

À companheira Anne Caroline (Uncita), por compartilhar comigo dos bons e dos

difíceis momentos de confecção deste trabalho, pelo seu apoio e carinho de sempre, e cuja ajuda

foi essencial do início ao término dessa monografia.

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“Frouxo é o arrependimento e tenaz o pecado,

Por nossas confissões muito é o que a alma reclama,

Voltando com prazer a um caminho de lama,

Crendo lavar as manchas com pranto amaldiçoado”.

Baudelaire

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RESUMO

O presente trabalho pretende abordar a discussão sobre o discurso literário construído acerca da

escravidão na cidade de São Luís do século XIX a partir da obra de Josué Montello, Os Tambores

de São Luís. Por meio do olhar literário encontrado no referido romance, busca-se a compreensão

das representações sociais e seus significados numa sociedade escravista marcada por profundas

contradições, conflitos e tensões sociais. Assim, esta análise dedica-se a discussão sobre a

escravidão desenvolvida na cidade e no campo, e suas demais relações, isto é, as experiências dos

escravos e suas formas de resistências. Contempla-se ainda neste estudo a abordagem das

diferentes visões sobre o escravo na literatura e secundariamente na historiografia, vez que este

último aspecto possibilita a contraposição de imagens sobre o escravo em suas diferentes

dimensões enquanto discursos. Destaca-se, por fim, a demonstração do discurso literário de

Montello que configurou-se em relação ao escravo enquanto um sujeito histórico e elemento

atuante e consciente de sua condição de explorado, fato este que o motivou a empreender

diversas formas de resistências e lutas.

Palavras-chave: Literatura. Josué Montello. Resistência escrava. Escravidão.

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ABSTRACT

The present text intends to board the discussion about of the speech literary concerning the

slavery in the city of São Luís in 19th century in the book of Josué Montello, Os Tambores de

São Luís. By means of the literary look found in the referred romance, we seek the

comprehension of the social representations and your meanings in a slavery society characterized

by profound contradictions, conflicts and social tensions. This analysis, dedicates the discussion

on the slavery developed in the city and in the field, and its too much relations, we mean, the

slaves' experiences and its resistances forms. We contemplate in this study the approach of the

different visions on the slave in the literature and secondarily in the historiography, as this last

aspect bring us the images opposition on the slave in his different dimensions while speeches. We

treat, finally, about the demonstration of the literary speech of Montello, who it configured

regarding the slave while a historical subject and acting and conscious element of its condition of

explored, fact this one that motivated it to undertake resistances and fights several forms.

Keywords: Literature. Josué Montello. Slave Resistance. Slavery.

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SUMÁRIO

INTRODUÇÃO 10

1 O LUGAR SOCIAL DE JOSUÉ MONTELLO 15

1.1 Josué Montello e sua época 15

1.2 Tempo Histórico e Tempo Literário em Os Tambores de São Luís 22

1.3 Os Tambores de São Luís e a Linguagem Histórica 25

1.4 As Imagens do Escravo na Literatura

27

2 A CIDADE EM OS TAMBORES DE SÃO LUÍS 32

2.1 A Cidade de São Luís 32

2.2 As Experiências da Escravidão Urbana 35

3 O AMBIENTE CAMPESINO EM OS TAMBORES DE SÃO LUÍS 44

3.1 O Espaço Campesino 44

3.2 As Resistências Escravas na obra Os Tambores de São Luís 50

3.3 A Visão dos Escravos e de suas Resistências na Historiografia 53

3.4 O Escravo: Submisso ou Agente Social de Importância 59

CONCLUSÃO 65

REFERÊNCIAS 68

ANEXOS 71

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INTRODUÇÃO

Pesquisar um discurso sobre a escravidão – o literário – certamente não é tarefa das

mais fáceis para qualquer estudioso, vez que trata-se de um tema cujas interpretações ao longo do

tempo assumiram distintos caminhos e modos de entendimento. De rebelde, facínora ou

meramente um objeto, o escravo foi começando a ser redefinido como um agente social de

relevância na história.

Durante muito tempo na historiografia, em outras formas de discurso, nos trabalhos

acadêmicos e nas obras literárias, o escravo foi referido como um elemento social desprovido de

participação ativa na sociedade, isto é, como um elemento que não possuía uma interação que iria

além do seu trabalho forçado e imposto pelos seus senhores e pela sociedade que em sua maioria

absoluta aceitava isso como algo normal.

No intuito de estudar o discurso sobre a escravidão na literatura na São Luís do século

XIX, reflete-se um interesse particular, constituindo-se numa necessidade de dar importância a

história de um segmento social que por muito tempo ficou silenciado, isto é, os escravos. É com o

propósito de analisar, a partir do discurso literário, as relações escravistas e suas formas de

resistência, que esta reflexão parte da obra Os Tambores de São Luís de Josué Montello.

Para que seja possível a compreensão de um discurso que confere sentido à luta e à

busca pela dignidade humana feita pelos escravos e que numa maioria de discursos

historiográficos foi pincelada como um mero ato de vandalismo e de selvageria, deve-se pois

observar como o discurso literário de Josué Montello foi produzido.

Para além dessas motivações iniciais, deve-se ressaltar que a temática da escravidão é

sempre um assunto instigante e que chega a entusiasmar qualquer pesquisador que busque tratar

acerca do significado das lutas sociais e práticas de resistências travadas ao custo de muitas vidas

sacrificadas ao longo da história.

Ainda é pequeno o número de trabalhos que enfocam a temática dos discursos sobre a

escravidão em São Luís conferindo a eles a sua devida relevância, principalmente quando é

sabido da existência de vários estudos que os depreciavam. Partindo-se da perspectiva de Os

Tambores de São Luís, deseja-se indicar interpretações que compreendam o sentido das atitudes

escravas como resultado de um anseio à mobilização, autonomia e busca pela liberdade.

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É importante deixar claro que a posição adotada neste trabalho é a de que o escravo

foi sim um agente social com sua devida importância e relevância, e que assume uma

significação que carrega consigo a noção de que o mundo do escravo é conseqüência de uma

complexidade fruto das inúmeras influências que exerce e sofre simultaneamente, e que acaba

por refutar a idéia tão propagada anteriormente de que este escravo seria tão somente uma

“mercadoria”, algo desprovido de participação efetiva nos rumos tomados pela sociedade e que

não passaria de uma “coisa”, isto é, um bem pertencente ao senhor, que por sua vez disporia do

seu destino e seria responsável pelo seu enquadramento nas relações de trabalho estabelecidas na

sociedade.

O entendimento das explorações a que foram submetidas os escravos deve ser pautado

pelas contradições da própria sociedade que as forjou. Nesse sentido é imprescindível a

compreensão da noção de classes sociais1 para a compreensão da existência das relações

conflituosas na sociedade escravista do século XIX. Os homens, apesar de estarem inseridos nas

estruturas sociais desiguais, não são objetos passivos, mas sujeitos de sua própria história, e é esta

a dimensão que se deseja englobar os escravos.

Sendo assim, é mister a realização de trabalhos acadêmicos que busquem demonstrar

a importância que o escravo ocupou na História por meio de suas ações que buscavam a

superação de sua condição de vida. Busca-se então realizar uma discussão a respeito da visão que

a escravidão adquiriu no discurso literário, ou seja, aquilo que é interpretado na visão literária de

Josué Montello em sua obra intitulada Os Tambores de São Luís.

A literatura como perspectiva de compreensão da realidade histórica é considerada

importante para a investigação de representações sociais forjadas no século XIX na cidade de São

Luís. Assim, pode-se trabalhar a utilização da literatura como uma forma de linguagem que

possibilita compreender dimensões da realidade histórica. Para tanto, considera-se que História e

Literatura correspondem a maneiras distintas de se fazer essa compreensão, havendo uma relação

dialética entre ambas, embora se distingam na maneira de fazer-se. Segundo Reis (1999, p.9-10):

Quem realiza esta operação cognitiva é a História, que torna visível e dizível a experiência temporal. A História é a reconstrução narrativa, conceitual e

1 De acordo com Karl Marx, tem-se uma sociologia das classes. Segundo ele, “a história de toda a sociedade até os nossos dias é a história das lutas de classes” (Manifesto do Partido Comunista).

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documental em um presente da assimetria entre passado e futuro (...) A História é reescrita porque o conhecimento histórico muda acompanhando as mudanças. Novas fontes, novas técnicas, novos conceitos e teorias, novos pontos de vista levam à reavaliação do passado e das suas interpretações estabelecidas.

Vale ressaltar que tal perspectiva tornou-se possível a partir de mudanças na prática

do historiador. A História Nova ao ampliar o sentido de documento abriu novos campos de

pesquisa que anteriormente eram vistos com desconfiança por historiadores oriundos de tradição

positivista, baseando-se numa multiplicidade de documentos. Essa transformação metodológica

assegurou que a literatura fosse concebida como linguagem e, enquanto tal, um campo de diálogo

para a pesquisa histórica.

Sendo assim, a intenção é compreender o discurso literário sobre a escravidão na

cidade de São Luís a partir de representações construídas no romance Os Tambores de São Luís.

Em outras palavras, é analisar o olhar do autor a respeito da cidade enquanto um espaço social de

contradições em suas relações. Para tanto, é nos conceitos constitutivos da História Cultural que

este trabalho se realiza e que pretende, por sua vez, analisar como a perspectiva do discurso do

autor é formada a partir da análise das representações, isto é, de elementos constitutivos de um

universo social específico.

Nessa perspectiva, considera-se importante trabalhar com a noção de

“representações”. Segundo Roger Chartier, aponta-se conceitualmente que estas são elementos

que tentam reconstituir o imaginário de uma determinada sociedade e de sua realidade, bem como

de suas significações. Desse modo, os comportamentos sociais decorrem de um modo que as

representações são incorporadas pelo sujeito, uma vez que tratam-se de significações presentes

num sistema de idéias dos costumes de uma época. Nesse sentido, utiliza-se “representações” de

acordo com Roger Chartier, pois para este: “as representações do mundo social assim

construídas, embora aspirem à universalidade de um diagnóstico fundado na razão, são sempre

determinadas pelos interesses dos grupos que as forjam” (CHARTIER,1987,p.17) .

Esse esforço faz-se necessário na medida em que a linguagem literária reflete o

cotidiano da cidade, as relações estabelecidas entre os mais distintos segmentos sociais, bem

como no fato de se fazerem descritos costumes sociais e aspectos culturais que são elementos que

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compõe o sentido das próprias representações sociais que buscamos compreender no presente

trabalho.

A dimensão proposta por esse trabalho torna-se relevante por admitir-se que a

literatura também traduz-se em linguagem histórica capaz de dialogar com as significações de

uma sociedade ao mesmo tempo em que lança um outro olhar – o literário – a respeito da visão

da realidade que é histórica.

Este trabalho estrutura-se da seguinte forma. No primeiro capítulo, intitulado “O

Lugar Social de Josué Montello”, trataremos das questões relativas ao estudo da construção do

discurso de Montello. Nesse sentido, leva-se em consideração a inevitável influência de seu lugar

social, isto é, conceito historiográfico cuja idéia principal é indicar que todo aquele que escreve

ou desenvolve algum trabalho intelectual parte inevitavelmente de suas concepções ideológicas,

sociais, políticas e econômicas que explicam a sua forma de se expressar e a construção de seu

pensamento. Segundo Michel de Certeau (1995, p.18):

Toda pesquisa historiográfica é articulada a partir de um lugar de produção socioeconômico, político e cultural. Implica um meio de elaboração circunscrito por determinações próprias: uma profissão liberal, um posto de estudo ou de ensino, uma categoria de letrados, etc. Encontra-se, portanto, submetida a opressões, ligada a privilégios, enraizada em uma particularidade.

Ainda neste capítulo são tratadas as questões acerca do tempo histórico e do tempo

literário em Os Tambores de São Luís, e também discussões sobre as imagens do escravo na

literatura, para que seja possível a compreensão de como esta temática do tempo é flexibilizada

na construção literária do autor, bem como é ainda enfocada as diversas imagens construídas

sobre o escravo na literatura e de como se constrói uma outra imagem mais humana do escravo

em sua obra.

O segundo capítulo, cujo título é “A Cidade em Os Tambores de São Luís”, dedica-se

a discussão sobre a escravidão desenvolvida na cidade e suas demais relações, isto é, as

experiências dos escravos, suas formas de resistências e os conflitos sociais próprios das relações

citadinas. É contemplada ainda neste capítulo a compreensão das representações sobre o escravo

no sentido de perceber a organização da sociedade no sistema escravista.

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O terceiro e último capítulo, intitulado “O Ambiente Campesino em Os Tambores de

São Luís”, trata do espaço do campo também como um local de conflitos sociais assim como a

cidade. Embora o foco principal na narrativa de Montello seja a cidade de São Luís, não deixa o

autor de contemplar as experiências escravas no campo. Daí a necessidade de dedicarmos uma

discussão à parte sobre este espaço social, o campesino.

Ainda neste último capítulo, tem-se uma discussão acerca das visões sobre os escravos

e de suas resistências na historiografia. Embora não se constitua como o objeto principal dessa

monografia, isso se justifica na medida em que este trabalho não deixa de ser também uma

abordagem histórica, fazendo-se necessário apresentar de maneira breve algumas das visões

encontradas na historiografia relativas às diferentes imagens sobre os escravos e suas resistências.

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1 – O LUGAR SOCIAL DE JOSUÉ MONTELLO

Certamente não existem considerações, por mais gerais que sejam, nem leituras, por mais longe que as estendamos, capazes de apagar a particularidade do lugar de onde eu falo e do domínio por onde conduzo uma investigação. Essa marca é indelével. No discurso onde faço representar as questões gerais, essa marca terá a forma do idiotismo: meu dialeto demonstra minha ligação com um certo lugar.

Michel de Certeau

1.1 JOSUÉ MONTELLO E SUA ÉPOCA

O discurso do historiador está diretamente relacionado ao seu tempo no constante

imbricamento entre passado, presente e futuro, e não necessariamente numa visão retilínea da

história, uma vez que esta se constitui como processo. Considerando que as mudanças no

processo histórico transformam as interpretações históricas, tem-se que o presente requer a volta

do olhar do historiador para o passado, isto é, partindo-se do presente, a visão a respeito do

passado muda. Mas, longe de conceber uma sucessão temporal pronta e acabada, o trato do

historiador com o tempo também é um processo.

Sabe-se que a experiência histórico-social torna-se apreensível com a sucessão

temporal. Sendo ela visada segundo perspectivas variadas, é inevitável que as interpretações

históricas mudem. Dessa maneira, não é difícil perceber que as visões sobre o escravo, por

exemplo, adquiriram inúmeras explicações ao longo do tempo.

Assim, para a compreensão de uma possibilidade de discurso histórico, é necessário

conhecer quem o constrói: se um político ou jornalista, um padre ou militante social, ou ainda um

erudito ou homem que não esteja ligado ao universo intelectual. Desse modo, como estamos

enfocando inicialmente uma construção literária, é importante esclarecer que o autor de Os

Tambores de São Luís caracteriza-se, entre outros aspectos, por ser um membro pertencente à

intelectualidade maranhense de grande destaque nas produções literárias do século XX.

Essa perspectiva é relevante para que sejam compreendidas as especificidades e

singularidades, isto é, para que se deixe claro o caráter particular de quem escreve e interpreta a

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realidade. Ao ser referida neste trabalho a escrita de um intelectual, faz-se necessário

compreender suas influências que intervém em certa medida a sua própria forma de escrever.

Sabe-se que todo aquele que se propõe a escrever uma obra permeia sua construção de suas

influências, e não poderia ser diferente com a literatura.

No que concerne a produção literária de Josué Montello, destacam-se os romances

Cais da Sagração (1971), Os Tambores de São Luís (1975), e Noite Sobre Alcântara (1978),

embora tenha passado por inúmeros gêneros literários, como romances, ensaios, crônicas,

discursos, novelas, teatro, literatura infantil e juvenil, além de textos relativos à educação e para a

biblioteconomia. A relevância dessas produções, é que elas refletem um olhar específico do autor

que busca fazer uma análise dos processos de construção da identidade cultural e também da

constituição dos imaginários sociais sobre o Maranhão.

O autor constrói seus romances a partir dos diálogos que estabelece com o espaços e

costumes, e não deixa de lançar um olhar que descreve o espaço, os costumes e a própria

sociedade. A obra Os Tambores de São Luís aborda um conjunto de elementos significativos que

fizeram parte da formação histórico-social do Maranhão durante o século XIX, envolvendo

também aspectos culturais que fizeram parte da realidade escravagista, resgatada a partir de seus

personagens, mas sobretudo do ator central Damião, figura importante da construção desse

romance.

O personagem de Damião assume relevância no romance por meio de sua própria

história de vida permeada por lutas e ações cujo propósito era a busca pela vida digna para os

escravos, sendo esta sua motivação para superar sua condição de marginalizado na sociedade.

Entenda-se o personagem de Damião como uma espécie de metáfora construída pelo autor, para

compreender a luta pela sobrevivência de um ex-escravo e pela ânsia de reconstruir sua

identidade social.

Assim, na obra é demonstrada a sua vida, desde o momento em que, ainda criança,

foge com seus pais e irmã e dão início a mais uma expressão de resistência escrava, isto é,

formam um quilombo. Percebe-se então, por meio das características desse personagem, que o

autor busca enfocar o escravo como alguém que, através de atitudes como fugas e formação de

quilombos, como foi o caso da família do Damião, possuía em potencial a capacidade de articular

ações que visassem sua libertação.

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A partir das primeiras impressões feitas acerca do personagem principal do romance,

interessa-nos buscar o entendimento sobre as características próprias do autor que se relacionam

com a maneira que este escreve sua obra.

A pesquisa historiográfica mantém relações com o lugar de produção sócio-político-

cultural. Segundo Michel de Certeau, é necessário entender questões práticas tais quais: Como

escreve? Por que escreve? Qual o momento foi produzido? Quais são os vínculos políticos? Qual

a classe social que fala? E, portanto, onde se fundamenta este ou aquele discurso?

(CERTEAU,1995)

Sendo assim, é necessário então buscar a resposta, ainda que de forma breve, de cada

uma dessas perguntas no que se refere ao universo de onde o discurso é produzido, pois em

História, o pensamento está ligado diretamente a lugares sociais, culturais e econômicos. Desta

forma, busca-se então compreender tais questionamentos que resgatam as motivações e as

influências de Josué Montello, uma vez que por meio da articulação da História com o lugar

social se torna possível a análise de uma sociedade, ou seja, a condição para que alguma coisa

possa ser dita.

Josué Montello tem uma formação intelectual bem ampla, pois foi jornalista, professor

e literário. Participou das questões políticas e culturais de sua sociedade que impregnam sua

escrita, bem como suas demais influências, como por exemplo a de Machado de Assis.

Como Josué Montello escreve sua obra Os Tambores de São Luís?

Pode-se afirmar que se trata de uma obra permeada de aspectos históricos, onde a

trama é construída sempre interligada a acontecimentos que realmente fizeram parte da história

maranhense do século XIX. Tem-se então um romance histórico, onde o autor é responsável por

mesclar a realidade de um Maranhão que é mostrado por meio de suas práticas, costumes e

cotidiano e, em uma outra perspectiva, a fantasia que, oriunda da criatividade literária do autor,

conduz o leitor à narrativa permeada de personagens como Damião, seu pai Julião, Padre

Policarpo, a negra livre Genoveva Pia dentre tantos outros.

Assim, personagens fictícios estão relacionando-se com nomes que compuseram a

sociedade maranhense, muitos destes formadores da elite social e intelectual ludovicense, como é

demonstrado na passagem seguinte de Montello (1985,p.539) que se refere ao intelectual

Sousândrade:

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Era a primeira vez que Damião defrontava-se com o poeta. Tinha-lhe escrito uma carta, dias antes, pedindo sua atenção para o recorte de jornal que lhe enviava em anexo, e não tardara a receber a resposta polida, que o próprio Sousândrade viera entregar no Largo de Santiago, pedindo-lhe que fosse vê-lo na Quinta da Vitória. Agora, ali estava, ainda intimidado pela figura aristocrática, de mãos finas, cabelos lisos já grisalhos, um lume de candura nas pupilas azuis. Via-o freqüentemente nas ruas da cidade, sempre a pé, muito bem vestido, chapéu alto, luvas de pelica e bengala de castão de ouro, mas nunca lhe falara. Imaginava-o inacessível, metido consigo. Lembrava-se de ter cruzado com ele, mais de uma vez, na escadaria do Convento do Carmo, um entrando, o outro saindo e cada qual seguia o seu rumo no rebuliço matinal do Liceu Maranhense, como se não se quisessem conhecer.

Por meio desta perspectiva, tem-se em Os Tambores de São Luís uma obra em que

imaginação e realidade se encontram e formam um mundo social onde se pode perceber

determinadas relações de conflito existentes entre uma elite econômica opressora e os escravos na

sociedade.

Por que Josué Montello escreve esta obra? Sua escrita relaciona-se nesse sentido com

a tentativa de tratar das questões que inquietavam a sociedade em seus conflitos internos, isto é,

além de se fazer referência às suas desigualdades sociais, tem-se também uma cidade marcada

pelo desejo de se voltar para um passado de prosperidade econômica. Tal prosperidade foi

característica que se apresentou enquanto um dos requisitos que possibilitou à capital maranhense

ser considerada como a quarta cidade brasileira em importância econômica. Assim, pode-se supor

que os reflexos dessa inquietação em Montello podem ser observados na medida em que mantém

o desejo de enfocar essas aspirações e anseios que fizeram parte da sociedade ludovicense no

século XIX. Segundo Bosi (1994,p.388):

Escritores de invulgar penetração psicológica, (...) Josué Montello tem escavado os conflitos do homem em sociedade, cobrindo com seus contos e romances-de-personagens a gama de sentimentos que a vida moderna suscita no âmago da pessoa (...) Enfim, caráter próprio da melhor literatura de pós-guerra é a consciente interpenetração de planos (líricos, narrativo, dramático, crítico) na busca de uma “escritura” geral e onicompreensiva, que possa espelhar o pluralismo da vida moderna; caráter – convém lembrar – que estava implícito na revolução modernista.

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As inspirações literárias presentes no autor são resultado de uma forma específica de

escrita que privilegia tanto o romance romântico quanto o romance social, sendo os seus

personagens, imagens de atores sociais que fizeram parte da história.

Qual o momento foi produzido a obra?

Os Tambores de São Luís foi escrito no século XX, embora a sua trama principal seja

ambientada no século XIX, onde foram retratados costumes da sociedade desse momento, além

de tratar de episódios como a abolição da escravatura e a luta que fez parte desse contexto social

e político.

O recorte temporal vivido por Josué Montello caracterizou-se inicialmente, em um

plano nacional, por um momento de formação de uma nova configuração política instaurada pelo

presidente Getúlio Vargas. Tal configuração política possuiu seus devidos reflexos no Maranhão,

isto é, essa política estado-novista então implantada teve no estado a figura política de Paulo

Ramos nomeado interventor em 1936.

O momento de governo de Paulo Ramos coincidiu justamente com uma prática que

vinha acontecendo no Brasil de um modo geral, e também no Maranhão. Essa prática é

caracterizada pela presença de intelectuais no cenário político. Deste modo, tem-se uma série de

literatos que corroboravam com a política varguista. Tal apoio não se dava de maneira gratuita,

pois tinha-se como intuito a utilização da vida política como uma espécie de suporte da vida

intelectual. Segundo Miceli (2001, p.97):

Durante o regime Vargas, as proporções consideráveis a que chegou a cooptação dos intelectuais facultaram-lhe o acesso às carreiras e aos postos burocráticos em quase todas as áreas dos serviços públicos (educação, cultura, justiça, serviços de segurança).

No Maranhão a noção de que os intelectuais deveriam fazer parte da vida política do

estado assume contornos diferenciados. Através da trajetória dos intelectuais que anunciavam

uma idéia de renovação, causava-se a sensação de que o Maranhão, na medida em que nutria-se a

tendência a se perceber o estado enquanto um celeiro de poetas, literatos e homens letrados de um

modo geral, deveria ser governado por uma geração de intelectuais tais quais os que outrora

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promoveram debates acalorados acerca dos rumos das artes e das letras e que, somente através

destes intelectuais, o estado encontraria o caminho que o conduziria ao progresso.

No que diz respeito aos intelectuais que estiveram de acordo com o governo de Paulo

Ramos tem-se, entre outros, nomes como o de Nascimento de Moraes. Corresponde-se, assim,

também com a política do Estado-novo, onde tem-se no Maranhão a tendência a substituir os

oligarcas em cargos de poder pelos intelectuais que fossem de acordo com a nova configuração

política em processo de instauração.

O ex-governador do Maranhão, José Sarney, foi um dos intelectuais que corroborou

com a noção de que os letrados deveriam conduzir a vida política. Dizendo-se herdeiro das

grandes tradições do século XIX, também voltou-se para este caminho. Sendo assim, em 1965

elegeu-se para o cargo de Governo do Estado e, na equipe que compunha seu governo, empossou

em alguns cargos pessoas que faziam parte da intelectualidade do Maranhão, tanto que ao chegar

ao poder anuncia: “É A POESIA NO PODER!”. Teve-se então nomes como Bandeira Tribuzzi,

Bello Parga, Domingos Vieira Filho e Reginaldo Telles, entre outros, compondo sua equipe de

governo (BORRALHO, 2000, p.230).

Surge então a necessidade de buscar esclarecer mais um aspecto que possa evidenciar

o lugar social de Josué Montello. Quais são os seus vínculos políticos?

Pode-se perceber que se trata de um intelectual que sempre teve sua vida de acordo

com posições políticas que mantivessem consonância com o poder vigente. O apoio concedido ao

político maranhense Vitorino Freire em meados do século XX, momento em que este era figura

importante no cenário político maranhense, torna-se um exemplo dessa postura política referida.

Enquanto outros intelectuais como Neiva Moreira e Bandeira Tribuzzi mantinham o

posicionamento contrário à Vitorino e suas práticas consideradas reacionárias e sustentadas por

fraudes eleitorais, Josué Montello, por sua vez, sempre manteve apoio ao Senador e candidato ao

Governo do Maranhão. Assim, tem-se sua deliberada adesão à política reacionária vitorinista.

Segundo Rossini Corrêa (1993, p.230):

Ninguém como o escritor literário Josué Montello, residente no Rio de Janeiro e filiado ao Partido Social Trabalhista, expressou veemente e integral solidariedade política ao Senador Victorino Freire. Ao legitimar os procedimentos eleiçoreiros do político pernambucano, lançado candidato ao

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Governo do Estado, o escritor maranhense recompensava-o pela proteção aos intelectuais-partidários.

Contudo, o apoio de Montello dedicado a políticos do Maranhão não se limita

somente ao que foi destinado a Vitorino Freire. Tal tendência também se reafirmou em sua

relação com outra figura importante do cenário político maranhense a partir da década de 1960,

José Sarney. Josué Montello chega a afirmar, em relação a Sarney, que “tudo quanto anunciastes,

ao predizer um Maranhão Novo, despertado na fonte de sua riqueza, com uma perspectiva

otimista para seu futuro realmente aconteceu” (MONTELLO Apud CORRÊA,1993, p.297).

Além dessas manifestações de consonância com a política estadual, também durante

sua vida ocupou diversos cargos que mantinham influência política no estado ou mesmo em um

cenário nacional. Nesse sentido, dirigiu a Biblioteca Nacional e o Serviço Nacional de Teatro,

além de ocupar cátedras voltadas para os estudos brasileiros em universidades fora do Brasil,

entre as quais estão as de Lima (Peru), Madri (Espanha) e Lisboa (Portugal). Também ocupou o

cargo de adido cultural na embaixada brasileira em Paris (França) e embaixador junto à Unesco.

Em 1954 assume a cadeira de nº 29 da Academia Brasileira de Letras, instituição onde ocupa a

presidência entre janeiro de 1994 e dezembro de 1995.2 No Maranhão, Montello também foi

reitor da Universidade Federal do Maranhão a pedido do Ministro Jarbas Passarinho, convite

feito no momento em que ainda era membro do Conselho Federal de Cultura.(MONTELLO,

1985, p.614).

Não se trata de querer arrolar aqui todas as funções políticas e públicas exercidas pelo

literato maranhense, mas sim, a partir dos cargos e demais ocupações assumidas por ele, buscar a

compreensão da influência de sua vida social pública no seu caráter elitista que, inevitavelmente,

veio influenciar sua visão de mundo e visão literária presente em suas obras, entre as quais Os

Tambores de São Luís.

Qual a classe social que fala?

Como já foi dito, Montello foi um escritor pertencente à elite intelectual e social

ludovicense. Tal fato proporcionou-lhe ter o contato com um mundo permeado por leituras e

influências artísticas, tanto que desde o seu período de estudo no Liceu Maranhense já mantinha a

2 Dados disponíveis em http://www.jayrus.art.br/LitBrasil_Contemporanea.htm . Acesso em 10/02/2007.

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prática de escrever demonstrando suas qualidades literárias. Nesse sentido, posteriormente

colabora em jornais de circulação local, como é o caso de “O Imparcial”, “A Tribuna” e “Folha

do Povo”.

A sua vida literária e intelectual vai intensificando-se de maneira que faz parte do

grupo “Sociedade Literária Cenáculo Graça Aranha”. Pode-se então perceber mais uma vez que a

sua classe social é sempre referência para a configuração do seu modo de fazer literatura, isto é,

na medida em que se apresenta como alguém que compõe uma classe social elitista, é possível

então o entendimento de que a sua obra por sua vez também expressa os anseios da classe social

a que pertence.

Por fim, onde se fundamenta seu discurso?

Diante de todas essas características que fizeram de Josué Montello um intelectual

indiscutivelmente atrelado ao mundo da elite social local, pode-se sugerir o entendimento de que

o discurso apresentado pelo literato é caracterizado pelo seu condicionamento ao tradicionalismo

maranhense, no sentido de que todo o arcabouço que compõe o seu lugar social permitiu-lhe

esboçar no universo de Os Tambores de São Luís, além de inúmeras outras obras de sua autoria, a

condição da elite maranhense, de maneira que expusesse o desejo de corroboração com a

estrutura social e econômica vigente no Maranhão do século XIX caracterizada, entre outros

fatores, pela sua estrutura opressora e escravista.

1.2 TEMPO HISTÓRICO E TEMPO LITERÁRIO EM OS TAMBORES DE SÃO LUÍS

O termo tempo em sua forma genérica possui um sentido polissêmico, uma vez que

são vastas as maneiras de conceituá-lo, pois tem-se o tempo enquanto expressão cronológica,

psicológica, o tempo astronômico, o tempo da natureza, dentre outras formas que variam de

acordo com as diferentes organizações das sociedades.

É certo que o tempo expressa uma dimensão central da experiência dos homens, sendo

capaz de estruturar ações, hábitos e costumes. Na tentativa de descrever a sociedade ludovicense,

Josué Montello aborda um tempo onde os conflitos de classes sociais e de dominação de um

segmento por outro, principalmente entre senhores e escravos, afloraram inúmeras exaltações de

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ambos os lados. Essas relações eram muito tensas, na medida em que os escravos se rebelavam,

atemorizavam seus senhores e estes munidos de seu poder de dispor daqueles amedrontavam os

escravos com as punições e os castigos. Esses conflitos demonstram as relações tensas que advém

da dominação de um segmento por outro. Segundo Josué Montello, assim era o desespero de um

escravo preste a ser enforcado pelo crime que cometeu (1985, p.181):

As mãos vingativas, que tinham estrangulado o filho mais velho de seu senhor, estavam agora unidas, no gesto da humildade mais patética, e toda a figura vigorosa, de músculos retesados, torso de ébano, como que se desfazia e destroçava, vencida pelo medo da morte. Não obstante o vento frio que corria no largo, o preto suava, e o suor que lhe bolhava a testa e as têmporas descia-lhe pelos sulcos do rosto luzidio. Além do mais, tremia, batendo os dentes, como nas convulsões de um calafrio.

Percebe-se que esta passagem da obra de Josué Montello é fruto da sua capacidade de

criação literária. Contudo, esse exemplo de manifestação e de resistência era corriqueiro no

mundo das relações sociais escravistas no Maranhão do século XIX.

Dessa maneira, percebe-se na narrativa do autor sua liberdade de criação atrelada a

sua forma de abarcar os eventos históricos desse período, cuja construção fictícia baseia-se de

fato em acontecimentos da história do Maranhão.

Tendo como base a fronteira entre o evento e o criado, isto é, respectivamente aquilo

que se constitui como problematização que dá voz aos sujeitos históricos através da interlocução

entre pesquisador e seu objeto e, por outro lado, a noção de tipos de “estórias” próprias de uma

escrita livre, têm-se os limites entre a Literatura e a História. Inserido nessas duas formas de

representação da realidade encontra-se o tempo.

Em se tratando da obra Os Tambores de São Luís, a temática referente ao tempo

torna-se relevante por representar um elemento chave na maneira como a evolução do enredo é

construída e no modo como o próprio romance é desenvolvido. Para essa compreensão, é

necessário ter o conhecimento de que há diferentes tempos a serem levados em consideração, na

medida em que percebe-se o tempo em que se passa o romance – isto é, correspondente a uma

noite – o tempo em que é tratado o enredo do romance – um largo período da história do

Maranhão compreendido entre 1838 e 1915 – e o próprio tempo vivido pelo autor – nascido em

1917 e morto em 2006.

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Assim, Montello apesar de ter uma liberdade de criação temporal por ser a sua

narrativa literária, não deixa de considerar a temporalidade dos eventos históricos, vez que como

já assinalamos, trata em seu romance de um período compreendido entre quase um século de

duração. Essa ressalva não deve ser confundida com o ofício do historiador no seu trato com a

temporalidade, mas deve ser entendida como uma característica de uma construção que se

enquadra efetivamente como um romance histórico. Por sua vez o ofício do historiador está

relacionado com uma construção diversa da construção literária com o trato da temporalidade,

sendo esta a própria condição de existência da ciência histórica.

Admitindo-se que cada época e cada sociedade construiu o seu próprio sentido acerca

do tempo e quando é feita uma explicação histórica relacionada a determinado evento, exige-se

que sejam consideradas as devidas demarcações temporais dos processos históricos. É por isso

que o conhecimento histórico se distingue, por exemplo, da abordagem do tempo feita pela

perspectiva da literatura, vez que na História a temporalidade é um elemento essencial para

desenvolver uma narrativa objetiva que demarca ações, eventos e relações. Segundo Lana Siman

(2002, p.111).

O conhecimento histórico se distingue de outros tipos de conhecimento pela perspectiva da temporalidade que lhe é própria, o que é reiteradamente reconhecido por vários historiadores. Dentre outros, Le Goff e Pierre Nora (1974, p.12) vão nos dizer que a História “é um sistema de explicação das sociedades pelo tempo”; Marc Bloch, que a História é a ciência do homem no tempo ou o estudo das mudanças na duração; Braudel enfatizará a necessidade de entrecruzar as durações e os ritmos da história “do tempo do acontecimento, da conjuntura e estrutura” para compreendermos a complexidade dos movimentos de continuidade e rupturas na história.

O tempo histórico pode ser compreendido a partir da relação entre o momento em que

o historiador faz o seu recorte e delimita seu objeto, isto é, a partir do presente e em seguida

reporta-se a investigação do passado. Percebe-se, pois, que na História o tempo é uma categoria

científica, requisito de objetividade, enquanto que na Literatura, o tempo é uma criação livre do

autor, pensado como um elemento da narrativa e que não está condicionado a uma rigidez

objetiva.

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Essa discussão sobre o tempo aqui proposta permite que sejam compreendidas as

variadas possibilidades de visualizar as construções feitas com a temporalidade, percebidas como

construções humanas que carregam em si formas de perceber o homem em suas experiências

sociais. Desse modo, pensa-se a temporalidade a partir de quem as constrói, sempre no sentido de

observar as experiências dos indivíduos a partir de quem escreve.

1.3 – OS TAMBORES DE SÃO LUIS E A LINGUAGEM HISTÓRICA

Ao se analisar a obra Os Tambores de São Luís como uma forma de linguagem que

tem expressões históricas, algumas reflexões se tornam necessárias no que concerne à utilização

da obra literária de Montello enquanto uma possibilidade de interpretação de um dado momento

histórico. No caso específico, a escravatura no Maranhão no século XIX.

Tem-se então a necessidade de se pensar acerca da validade do uso da escrita literária

como fonte de pesquisa. Sendo assim, as narrativas de estrutura literária possuem características

que lhes levem a cumprir uma função de documento histórico?

Segundo as visões tradicionais, carregadas de preceitos positivistas, era inconcebível

articular a literatura como uma fonte histórica, vez que se faziam opostas as representações do

“real” e aquilo que era de ordem do imaginável. Nesse sentido, a História passou a ser

contraposta à ficção. Assim, a verdade histórica era uma espécie catalogada de documentos

oficiais que não se confundia sob nenhuma hipótese com o romance.

Por outro lado, a partir da Revolução da Historiografia3, presente nas gerações de

historiadores que deram uma reformulação no modo de se fazer história, a chamada História

Nova, tem-se um período de inovações nas pesquisas históricas que propiciaram uma ampliação

no que se entendia por fonte histórica até então.

A partir dessas novas concepções do método e com o sentido renovado de documento,

algumas aproximações entre a História e a Literatura tornaram-se legítimas. Isto não significa

uniformizar história e ficção. Significa entender que, embora estejam em planos epistemológicos

3 Conceito elaborado por Peter Burke na obra “A Escola dos Annales: A Revolução Francesa da Historiografia”

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diferentes, ambas são aproximações à realidade que se fazem com a utilização de meios

narrativos.

A compreensão de que a literatura é, além de um fenômeno narrativo, uma

manifestação cultural, justifica a sua utilização enquanto fonte. Portanto, a utilização de Os

Tambores de São Luís é considerada uma possibilidade, embora não sincrônica, de registro do

movimento que realiza o homem na sua historicidade, seus valores e suas visões de mundo.

Assim, nessa perspectiva, tem sido permitido ao historiador assumi-la como um instrumento

importante de pesquisa.

Em Os Tambores de São Luís, a ficção foi uma expressão da linguagem que captou

aspectos da vivência por meio do gênero literário. Isso enuncia, em certa medida e com as

devidas ressalvas que, a narrativa histórica e a ficção, se assemelham, na medida em que tratam

de fatos e ações, mas divergem no modo como captam e fazem essa representação da realidade.

Segundo Pesavento (2004,p.82-83):

A Literatura permite o acesso à sintonia fina ou ao clima de uma época, ao modo pelo qual as pessoas pensavam o mundo, a si próprias, quais os valores que guiavam seus passos, quais os preconceitos, medos e sonhos. Ela dá a ver sensibilidades, perfis, valores, ela representa o real, ela é fonte privilegiada para a leitura do imaginário. (...) Para além das disposições legais ou de códigos de etiquetas de uma sociedade, é a literatura que fornece os indícios para pensar como e porque as pessoas agiam desta e daquela forma.

Dessa maneira, a utilização feita da literatura como fonte no presente trabalho sinaliza

uma opção de diálogo entre essas duas formas de narrativas que em certa medida se

complementam, principalmente, quando o esforço empregado é o de pensar uma sociedade e seus

valores. Assim, a literatura torna-se um meio indispensável e rico em informações que auxiliam

na construção de um objeto.

Utilizando-se de uma expressão histórica de seu romance, Josué Montello descreve

imagens de um Maranhão ostentoso, vez que retrata toda a opulência vivida pela elite local ao

mesmo tempo em que descreve as formas mais cruéis do trato entre os homens do poder e seus

subordinados. Contudo, vale ressaltar que tal luxo e opulência vivido pelo Maranhão do século

XIX foi fruto da incansável exploração a que eram submetidos os africanos trazidos com a

finalidade de servirem de principal suporte econômico da província.

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Na verdade, o próprio escravo metaforizado na pessoa de Damião possuía essa

consciência de que era um instrumento de produção de riqueza. Sabia de sua importância e dos

demais escravos para a sustentação econômica que era interesse do seu senhor. Por isso sempre

questionava-se acerca de sua condição, pois vinha-lhe o pensamento de quão injusto era trabalhar

dia após dia para o proveito exclusivo de seu proprietário, vez que sabia de sua condição

degradante. Isso pode ser percebido no trecho que segue de Montello (1985,p.81):

O preto deixou cair a cabeça para o punho da rede, ainda ofegante, o dedo indicador a comprimir a ferida para estancar-lhe o sangue. E depois de um silêncio longo em que apenas se ouvia Damião mastigar: – Tou ficando cansado de ser preto, Damião. A gente trabaia, trabaia, e depois é só chicote e pancada, chicote e pancada, ou então tronco e palmatória. Até no gosto que a gente tem com as muié, é o branco que sai ganhando, com os negrinho que vão nascendo.

Por fim, feitas as devidas considerações preliminares a respeito da relação entre a

história e a literatura num esforço de compreender suas singularidades, isto é, suas influências e

seu lugar social, além de ter sido discutida relações entre tempo histórico e tempo literário, bem

como, da relevância da questão da literatura enquanto forma de linguagem histórica, partiremos

para uma breve discussão acerca da visão que foi construída sobre o escravo na literatura, a partir

da obra Os Tambores de São Luís.

1.4 – AS IMAGENS DO ESCRAVO NA LITERATURA

Para que se possa vislumbrar as imagens construídas a respeito do escravo em Os

Tambores de São Luís, considera-se indispensável que sejam apresentadas algumas das visões e

imagens criadas sobre o escravo na literatura.

A propagação da visão racista do negro fundamentada num pensamento social

consolidado cujas raízes partem de valores brancos, estruturados na propriedade fundiária e num

estado escravista encontrou-se também repetido na literatura, assim como na História. Aponta-se

essa idéia enquanto uma construção eminentemente racista que vigorou e por vezes ainda vigora.

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No mundo ficcional o imaginário dos autores romancistas estava envolto de valores,

modelos de beleza e estética, e mesmo criação de heróis que não faziam parte da realidade

brasileira que ficava desprezada em si mesma. Os heróis e heroínas tinham que seguir o modelo

branco europeu, as belezas presentes nas terras brasileiras retratadas na literatura nacional

romântica eram negadas na existência e em suas particularidades.

Portanto, entre o índio e o negro havia uma constante, isto é, a inferiorização social e

racial de um lado e a exaltação cultural e racial dos dominadores brancos. Segundo Clóvis Moura

(1988,p.26), o índio europeizado era parâmetro de inferiorização do negro:

O índio do romantismo brasileiro era, por tudo isto, uma farsa ideológica, literária e social. Era uma contrapartida fácil para se colocar o quilombola, o negro insurreto e o revolucionário negro, de um modo geral, como anti-herói dessa literatura de fuga e alienação. Esse indianismo europeizado entrava como um enclave ideológico necessário para se definir o negro como inferior numa estética que, no fundamental, colocava-o de um lado como a negação da beleza e, de outro, como anti-herói, como facínora ou como subalterno, obediente, quase que ao nível de animal conduzido por reflexos.

Essa imagem descartava o africano na sua humanidade e no seu heroísmo e colocava-

o como um elemento exótico, bestial e adestrado da nossa literatura no mesmo instante em que

ganhava vida a idealização de um índio inexistente enquanto enterrava-se o verdadeiro nativo.

Toda a primeira geração romântica da literatura estava imersa em personagens

branqueados em estruturas burocráticas do aparato ideológico e do sistema escravista. Por todas

essas razões, a literatura não podia refletir o ser cultural da forma como era concebido, tendo que

recorrer aos elementos externos fazendo uma sobreposição de expressões, isto é, configurava o

nativo brasileiro a partir de valores europeus.

Outro fator que explica a caracterização da criação literária nesta fase é a origem de

classe dos letrados e o fato de que muitos deles estudaram na Europa e acabaram por identificar-

se com o modelo externo tão diferente da realidade de onde vinham. Sabe-se que era costume

comum da classe proprietária enviar os filhos para o exterior com o intuito de estudar em

Coimbra e demais centros universitários nas faculdades de Direito em sua maioria. Assim, como

não encontravam aqui elementos que os representavam, somente para eles uma massa de pobres,

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libertos e escravos, tentaram disfarçar cada obra o que lhes parecia inferior. Segundo Clóvis

Moura (1988, p.27):

Por estas razões sociais toda a primeira geração romântica é uma geração cooptada pelo aparelho ideológico e burocrático do sistema escravista representado pelos diversos escalões do poder, terminado no imperador. Gonçalves de Magalhães, introdutor oficialmente do romantismo poético, vai ser diplomata na Itália, tendo publicado o seu primeiro volume de versos em Paris; Joaquim Manuel de Macedo será preceptor da família imperial; Gonçalves Dias vive pesquisando na Europa às expensas de D. Pedro II durante muitos anos; Manoel Antônio de Almeida com pouco mais de vinte anos é nomeado administrador da Tipografia Nacional, e José de Alencar, o mais ficcionista romântico (indianista), será Ministro da Justiça, em Gabinete do Império.

Assim, os autores de Iracema e O Guarani (ambos de José de Alencar), Os Timbiras

(Gonçalves Dias), A Moreninha (Joaquim Manuel de Macedo), dentre outros, tinham no

conteúdo de suas obras a afirmação de valores de classes, estando ausentes o índio e o negro

como seres e como agentes sociais que foram.

Não é o que acontece na Segunda Geração com Castro Alves, pois aqui o negro se

humaniza, recebe seu papel social que lhe fora destituído na Primeira Geração. Castro Alves

aborda a interioridade do escravo, dimensões de sua rebeldia, resgata o homem negro que pensa e

reivindica na luta o seu espaço.

A imagem do escravo afasta-se da imagem de anti-herói, ganha individualidade. Em

Navio Negreiro e Saudação a Palmares os valores se invertem, o negro deixa de ser um

criminoso transformando-se em herói4.

A produção cultural literária foi aos poucos modificando a sua própria criação. A

produção científica também seguiu construções e reconstruções de imagens e estereótipos, seja

em sua perspectiva social ou psicológica como nas abordagens de Nina Rodrigues, Artur Ramos

e Gilberto Freyre. Segundo Moura (1988, p.18):

Antes de Ramos, Gilberto Freyre antecipava-se na elaboração de uma interpretação social do Brasil através das categorias casa-grande e senzala, colocando a nossa escravidão como composta de senhores bondosos e escravos submissos, empaticamente harmônicos, desfazendo com isto, a possibilidade de

4 Disponíveis em http://www.culturabrasil.pro.br . Acesso em 22/08/2007

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se ver o período no qual perdurou o escravismo entre nós como cheio de contradições agudas, sendo que a primeira e mais importante e que determinava todas as outras era a que existia entre senhores e escravos.

Percebe-se que as imagens construídas acerca do escravo na literatura e mesmo na

perspectiva sociológica e histórica, se desdobram em configurações ou tipos de percepções

pautadas nos valores sociais e nas concepções exteriores, cujos ideais eram estranhos a realidade

brasileira. Em meio a essas interpretações, com o foi visto, o escravo foi assumindo diferentes

imagens.

Em Os Tambores de São Luís, romance que mostra a escravidão no Maranhão, tem-se

uma abordagem de todo um período escravista até a epopéia da libertação de uma raça que aos

poucos adquiriu uma conscientização sobre sua condição, sem prejuízo da comunhão de raças

brasileiras.

As imagens construídas nesse romance sobre o escravo retratam os constantes

conflitos que decorrem a princípio da própria imagem construída do escravo pelos seus senhores

advindos de uma ideologia da dominação que perpassa as relações existentes entre estes. Assim,

o escravo pode ser entendido como um sujeito que busca romper com essa imagem inferiorizada

que construíram acerca dele. É a partir disso que suas resistências ganham sentido, na medida em

que busca ser reconhecido enquanto indivíduo.

Exemplo disso é percebido na obra na ocasião em que o personagem Damião (que

neste momento era professor de Latim do Liceu Maranhense) tenta convencer seus alunos acerca

da sua concepção de que o cativeiro dos escravos se configurava enquanto uma abominável

prática desumana e cruel contra a liberdade destes, e que segundo ele trata-se de uma aspiração

natural da condição humana. Eis sua idéia respeito (MONTELLO, 1985, p. 351):

A liberdade não pode ser um privilégio da raça branca, porque é uma aspiração natural da condição humana. Toda restrição à liberdade constitui uma violência contra essa aspiração. Ninguém tem o direito de seqüestrar um ser humano, privando-o da dignidade essencial da sua liberdade. E é isso que se vem fazendo aqui, com os negros e os seus descendentes. Vocês são livres e são moços: não permita que haja escravos no Brasil! O cativeiro é um crime, e um crime coletivo, de que toda a Nação é responsável! Crime da Nação contra si mesma! Crime do homem contra a humanidade! À entrada dos nossos portos, poderia ser colocado este aviso: “Aqui se vendem homens, mulheres e crianças, para trabalharem a vida inteira debaixo do chicote”.

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A partir desse pensamento de Damião, estão implícitas suas concepções sobre si

mesmo e sobre a condição humana renegada aos escravos. Damião refere-se ao direito de que os

escravos devem ter de serem tratados com dignidade e que lhes sejam atribuídas suas devidas

condições de seres humanos que são, mas que não foram reconhecidas.

Na verdade, a exposição desse pensamento feita pelo personagem demonstra a própria

imagem sobre o escravo que o autor do romance deseja construir, ou seja, a do escravo enquanto

indivíduo sujeito de sua própria história, ou por outras palavras, como indivíduo que luta pelos

seus ideais.

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2 – A CIDADE EM OS TAMBORES DE SÃO LUÍS

E sempre que alguém cruzar os braços, negando-nos a sua ajuda, ou der com a língua nos dentes, murmurando de nosso esforço, também sei que, lá fora estão os fiscais de Nosso Senhor, denunciando os maus servos da Parábola dos Evangelhos: são aqueles passarinhos. Eles gritam bem-te-vi para os que murmuram, em vez de louvar; para os que malsinam, em vez de servir; para os que lastimam, em vez de trabalhar. O cônego ficou um momento sério, de sobrancelhas travadas. Depois soltou a boca. E quando pôde falar concluiu: Vossa excelência acaba de descobrir por que é que há tanto bem-te-vi neste nosso Maranhão.

Josué Montello

2.1. A CIDADE DE SÃO LUÍS

A cidade de São Luís foi o cenário escolhido por Josué Montello em grande parte de

sua obra “Os Tambores de São Luís”. Esta sociedade tinha a sua condição de capital da

província, estando situada geograficamente numa faixa de transição entre o norte e o nordeste do

Brasil.

A cidade de São Luís está localizada numa ilha que foi conhecida em seus primórdios

como Upaon-Açu. A gênese de sua história está ligada à ocupação no século XVII pelos

franceses que possuíam o intuito de fundar uma colônia nessa área. Estes não lograram êxito em

conseqüência de sua expulsão efetuada pelos portugueses no ano de 1615.

São Luís foi uma obra construída e arquitetada pelos portugueses não restam dúvidas,

muito embora, ainda exista a idéia de um mito fundador que afirme ser a cidade um modelo

cultural genuinamente francês. Em seu livro “A Fundação Francesa de São Luís e seus Mitos”, a

historiadora Maria de Lourdes Lauande Lacroix singulariza a formação cultural e arquitetônica

da cidade de São Luís como obra portuguesa.

A capital da Província superou sua fase minguada de economia e de pobreza e após a

instalação da Companhia de Comércio do Grão-Pára e Maranhão conseguiu dinamizar sua

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economia, cuja principal atividade era a exportação de algodão e secundariamente a de arroz.

Desempenhando a força motriz da aparelhagem produtiva, encontrava-se o escravo.

O crescimento econômico conseqüente do aparecimento do Maranhão no cenário

internacional propiciou o desenvolvimento e o crescimento da própria cidade de São Luís. Com a

existência de inúmeros comerciantes e fazendeiros, a cidade foi se transformando. Imponentes

construções como casarões foram erigidas para servir de moradia para as camadas mais abastadas

da sociedade ludovicense.

A intensa fase econômica pela qual passou a capital da Província modificou

consideravelmente os traços urbanísticos locais. Isso trouxe conseqüências na medida em que

tornou-se possível diferenciar a situação social dos habitantes da cidade pelas próprias

características de configuração arquitetônica dos prédios, casarões e demais construções, bem

como do próprio material das casas, pedras, azulejos, alvenaria e fachadas.

Segundo a historiadora Elizabeth Sousa Abrantes (p.18, 2002), em A Educação do

‘Bello Sexo’ em São Luís na segunda metade do século XIX era notável que o crescimento da

atividade econômica impulsionou a transformação do espaço urbano:

As casas de São Luís, em sua maioria feitas de barro e cobertas de palha, começaram a ser substituídas por casarões feitos de pedra e cal, os mais ricos sendo revestidos de azulejos vindos diretamente de Portugal. As igrejas e prédios públicos também ganharam construções mais sólidas. Essa melhoria na arquitetura urbana e no padrão de vida em muitas famílias em São Luís, refletia a opulência econômica vivida na província naqueles tempos.

Mas a cidade de São Luís não era somente beleza. São Luís também foi cenário de

diversos conflitos políticos. Sua população composta de maioria escrava, devido ao sistema de

exploração escravista, estava exposta às intranqüilidades devido a falta de coesão entre suas

camadas sociais, cuja minoria privilegiada projetou os seus ideais políticos de dominação

subsumindo as demais.

O espaço urbano passou a exigir maiores preocupações com a definição dos seus

respectivos espaços de socialização. A preocupação com a estética da cidade e com a higiene

reordenou os lugares públicos como as ruas, as praças e logradouros públicos estendendo-se tal

preocupação ao regramento dos comportamentos dos habitantes da cidade. A partir dessa urgente

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necessidade foram editados os primeiros Códigos de Postura que estabeleciam um projeto de

civilidade, efetivado por meio de disciplinamentos de condutas e atividades.

As posturas municipais listavam uma gama de responsabilidades para os habitantes da

cidade. O rigoroso Código de Postura de 1866 foi um instrumento para alterar a aparência urbana,

tendo a função de disciplinar a vivência em sociedade nos mais variados setores como as relações

no comércio, passeio, diversão e trabalho.

O melhoramento dos serviços públicos fez-se presente, mas certamente foram bem

mais usufruídos e aproveitados pela elite local. Segundo ABRANTES (2002,p.29):

As elites de São Luís, principais beneficiadas com a melhoria dos serviços de infra-estrutura urbana, possuíam também seus lugares públicos de lazer e entretenimento, como teatro, embora costumassem fazer suas recepções, saraus, bailes e demais encontros sociais em suas próprias residências.

O cuidado com a exigência de civilidade do espaço urbano produziu inovações no

espaço público e a atuação dos escravos nos serviços de reorganização do espaço foi essencial

para que o esforço civilizatório se consolidasse. Surgiram os serviços de iluminação pública (a

gás), limpeza das ruas, abastecimento de águas e transporte urbano.

Assim, a cidade começou a desenvolver sua infra-estrutura urbana. Especificamente

quanto a iluminação pública em São Luís “começou em 1825 quando foram instalados em

diversas ruas da cidade lampiões a base de azeite. Mais tarde nas décadas de 40 e 50, o azeite foi

substituído pelo álcool” (ABRANTES, 2002, p. 26).

Essas transformações promovidas pela administração pública referentes às inovações

relativas à iluminação da cidade servem de suporte para a narrativa da obra Os tambores de São

Luís de Josué Montello (1975, p.215-216):

Por um momento, sem interromper a caminhada, Damião hesitou entre seguir em frente, até o Largo dos Amores, ou dobrar à direita, para entrar adiante na Rua das Hortas. Decidiu-se por dobrar à direita, sem saber bem o por quê. E ainda não tinha alcançado a Rua das Hortas, quando viu aparecer, ao fundo da Avenida Silva Maia, um senhor sobraçando um violino. Ficou ao pé do lampião, no círculo aberto pela claridade do gás, à sua espera. (grifo nosso)

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Dessa maneira, as inovações produzidas pela atuação pública, como é o caso da

iluminação à gás, foram apreendidas por Montello e podem ser percebidas como um momento

daquela época em que o autor observava a preocupação com as melhorias da infra-estrutura da

cidade. Essas modificações estruturais foram incorporadas às narrativas do autor.

De fato as inovações mudaram o cenário urbano, mas a sua efetividade era um luxo

para poucos. Muitas ruas permaneceram sujas e mal iluminadas e muitas continuaram na mais

completa escuridão. Segundo DINIZ (2005,p. 28):

Percebe-se a carência de um sistema público regular de recolhimento dos dejetos da cidade. A remoção do lixo nas portas das habitações era um luxo destinado aos bairros centrais. Poucas eram as ruas pelas quais passavam carroças para recolher lixo. O poder público ainda mostrava-se omisso no tocante a vigilância, favorecendo a ação desmedida da população. A limpeza da cidade era deficiente, os problemas de saneamento básico muito contribuíram para que a cidade adquirisse uma feição caótica: ruas sujas, esburacadas e mal iluminadas compunham o quadro urbano.

Essas observações sobre a configuração da sociedade, os modos de socialização dos

sujeitos, a infra-estrutura, os códigos de postura, as atuações políticas permitem ao historiador

analisar as conjunturas e problemáticas de uma época, pois a organização dessa mesma sociedade

constitui-se como uma organização histórica, relativa a um lugar e um tempo determinado que o

historiador busca apreender em seus sentidos.

Desse modo, é necessário considerar como essa história demonstra seus ambientes

culturais, para que seja possível ao historiador analisar um objeto de pesquisa, seja ele, histórico,

literário ou mesmo as conexões entre ambos.

2.2 – AS EXPERIÊNCIAS DA ESCRAVIDÃO URBANA

A insurgência do escravo somente pode ser compreendida através da situação social e

política que a economia escravista produzia e que exigia do cativo muito trabalho e exploração.

Com isto, se estagnaram todas as possibilidades de harmonização em uma sociedade onde

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inexistiam mecanismos mediadores dos conflitos e tensões dos dois segmentos sociais principais:

escravos e senhores. Segundo José Honório Rodrigues (Apud MOURA,1988, p.222):

A rebeldia negra foi um problema na vida institucional brasileira, representou um sacrifício imenso, violentou o processo histórico e originou um debate historiográfico. Com relação ao sistema escravocrata, a rebeldia negra, insurreição racial, foi um processo contínuo, permanente e não-esporádico, como faz ver a historiografia oficial. (...) A versão de um quadro paternal e doce, no qual a confraternização predominou sobre a animosidade, especialmente nas relações domésticas, falsamente generalizado, subverteu a verdadeira inteligência do processo.

Assim, ao contrário da visão harmônica do convívio entre senhores e escravos, a

possível revolta destes, era a situação que estava sempre em primeiro plano quer das autoridades,

quer dos senhores e do seu aparelho repressivo que visava manter a coerção imediata sobre os

escravos.

Portanto, na impossibilidade da mediação e diante do conflito advindo de interesses

inconciliáveis, as formas de resistência escrava e as constantes lutas não chegaram ao nível de

modificação da estrutura do sistema, ou da ordenação social, mas foram, no campo e na cidade,

motivos de permanente desgaste do regime escravista. Por exemplo, o escravo fugido em

primeira instância equivalia a um patrimônio subtraído, como na condição de escravo através do

seu trabalho produzia valor, e no caso do valor não ser produzido devido a fuga ou suicídio

acarretava ônus ao senhor além de computar despesas com a captura e recompensas.

Desse modo, no caso da destruição da propriedade por parte do escravo também

produziam perdas ao senhor ao mesmo tempo em que se criava um clima de tensão e medo. O

mesmo se dá com a resistência sob a forma de formação de quilombos que despertou nos

senhores de escravos receio e pânico permanentes à medida que a rebeldia se propagava. Trata-se

da “síndrome do medo” (MOURA,1988,p.232):

A síndrome do medo das classes senhoriais tinha apoio material no grande número de escravos negros e na possibilidade permanente da sua rebeldia. Refletia uma ansiedade contínua e, com isto, a necessidade de um aparelho de controle social despótico capaz de esmagar, ao primeiro sintoma de rebeldia, a possibilidade dessa massa escrava de rebelar. Os senhores de escravos, por isto, especialmente os senhores de engenho, onde a massa negra era bem superior à

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branca e os meios de comunicação escassos, estavam sempre a pedir providências acauteladoras ao governo.

As resistências escravas tanto urbanas como rurais devem ser entendidas pelo

significado de negação do sistema por parte dos escravos resultando as fugas, suicídios, rebeldias

em insurgência social e contestação.

Formando a classe social dominada da sociedade escravista, o elemento cativo estava

envolto num universo de valores do dominador a partir de um julgamento de inferiorização do

negro que justificava inclusive a escravidão. Essa inferiorização estendia-se desde características

étnicas até práticas rituais como a religião dos africanos. Segundo Clóvis Moura (1988,p.53):

É nesse processo de choque entre as duas classes, inicialmente durante o regime escravista (senhores e escravos) e, posteriormente, entre as classes dominantes e os segmentos negros dominados, discriminados e marginalizados, que iremos encontrar explicação para essa realidade e, inclusive, para o grau de discriminação cristalizado no racismo (eufemisticamente chamado de preconceito de cor) por grandes parcelas da população brasileira que introjetaram a ideologia das classes dominantes.

Dessa forma, o aparato de dominação e o aparelho de repressão mantinham os

escravos no seu devido espaço social cujo objetivo era desarticular toda e qualquer forma de

resistência. Inúmeros são os exemplos de perseguição aos escravos fugidos no campo e na área

urbana, bem como sufocamento de motins, destruição de quilombos, aplicação de castigos e

torturas, etc.

Essa preocupação política dos senhores de escravos e das demais autoridades públicas

visavam evitar a qualquer custo manifestações de insubmissão e principalmente evitar a formação

dos quilombos, pois sua existência representava mais do que um aglomerado de escravos fugidos

e indomáveis, pois significavam uma organização política dos escravos e também social, pois

tratava-se de uma alternativa de vivência comunitária e solidária dentro do próprio sistema

hierárquico e explorador incompatível com o modelo de organização do quilombo. Em muitos

casos na província ludovicense, as próprias autoridades reconheceram o conteúdo político do

movimento.

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A partir disso, pode-se falar de um desgaste psicológico do sistema fundamentado no

receio das insurreições, do medo da rebeldia, do pânico dos ataques à lavoura e plantações e do

perigo da revolta do segmento dos escravos e principalmente do medo da desarticulação do

próprio sistema exploratório que trazia vantagens para os brancos.

O século XIX caracterizou-se inicialmente por um período de notável crescimento

para a Província maranhense. Observa-se isso pelo desenvolvimento do comércio do algodão,

que determinado por um aspecto exterior, isto é, a independência das treze colônias americanas,

ocorrida entre 1812 e 1814, encontrou neste fator mais um elemento que possibilitou o

aparecimento da importância econômica da cidade de São Luís.

Deste modo, tem-se que além da área rural, reduto de agro-exportações e cultivo do

gênero algodoeiro, lucrou também a área urbana, na medida em que lhe foi possibilitada uma

maior dinamização e diversificação do comércio.

Além da dinamização do comércio, tem-se o relevante crescimento do porto, fator que

economicamente acarretou de forma considerável o aumento dos cofres públicos da cidade. Tais

avanços têm em sua base de sustentação material assentada no trabalho escravo, sendo este um

dos pilares da economia no Maranhão.

A cidade de São Luís foi caracterizada como porto fluvial e marítimo – vez que havia

efetiva articulação entre São Luís e o mercado internacional, que principalmente durante o

período áureo da produção do algodão e do arroz, fortaleceu a exportação desses gêneros em

meados dos séculos XVIII e XIX – desempenhou por sua vez, o papel de centro agrário e

exportador de grande importância para a economia do Brasil-Colônia e Império numa fase

próspera de crescimento.

No que concerne a sociedade retratada por Montello, há o reconhecimento da

participação do escravo no desenvolvimento da cidade. São Luís desde sua constituição e

emergência como centro de atividades econômicas contou com a presença e participação dos

escravos nos mais diversificados ofícios dos quais participavam na condição de trabalhador

cativo.

Essa participação do trabalho escravo assume uma relevância no desenvolvimento da

própria cidade, é o caso da construção civil. Além disso, toda atividade econômica estava

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relacionada com o trabalho escravo como, por exemplo, os ofícios de ourives, marcenaria,

ferraria, dentre outros.

A disposição da estrutura física da cidade na época do início do século XIX era

dividida espacialmente em dois bairros. Essa constatação foi registrada por Raimundo José de

Sousa Gaioso, autor da obra Compêndio Histórico-Político dos Princípios da Lavoura do

Maranhão. O primeiro bairro era o da a Praia Grande (Freguesia da Nossa Senhora da Vitória),

que ficava próxima ao Cais da Sagração – antigo porto, e o segundo bairro era o da Freguesia de

Nossa Senhora da Conceição, que possuía ruas estreitas aladeiradas que desembocavam em becos

ou praças. Possuía ainda exuberantes sobrados muitas vezes decorados interna e externamente

com azulejos de origem européia cujos traçados eram tipicamente como as demais construções

civis portuguesas.

Em Os Tambores de São Luís é possível perceber como o autor caracteriza as ruas da

cidade, com suas ladeiras, casarões e sobrados de azulejos portugueses (MONTELLO, 1985,

p.188):

– O mais importante de São Luis tu já conheces: é a vista da cidade, do alto do campanário. Quanto ao mais, quem vê uma rua, vê as outras: todas se parecem, com casas de um lado e casas do outro (...). Mas a verdade é que, embora Damião já conhecesse a cidade pelos seus telhados e horizontes, sentia uma curiosidade mais viva para olhá-la de perto. Tinha na memória todos os seus bairros e muitos nomes de ruas, e perguntava a si mesmo, nos seus momentos de devaneio como seriam o Largo do Carmo, a Madre Deus, o Portinho, o Largo dos Amores, o Largo do Quartel, a Rua do Sol, o Largo do Santo Antônio, a Rua Formosa, a Rua de São Pantaleão, a Gamboa, a rua da Paz.

De acordo com Montello em relação ao universo social, demonstrava-se uma

convivência de pessoas livres e escravas pelas ruas da cidade, num meio urbano onde eram

exercidas atividades financeiras e comerciais e também onde a escravidão urbana se desenvolvia

cotidianamente.

No romance percebe-se que eram nas ruas, becos, praças e largos que os escravos se

socializavam em São Luís, vez que gozavam de mobilidade no espaço público. Não se tratavam

de apenas lugares de trabalho, mas eram também espaços onde aconteciam namoros, intrigas e

lazer. Em suma, pode-se visualizar por meio da narrativa do autor que tais espaços eram

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favoráveis ao desenvolvimento da integração do elemento cativo no universo social do qual

faziam parte e que ao mesmo tempo tratava-se da área onde a elite de São Luís estabelecia suas

moradias e negócios.

Assim, percebe-se por meio do Romance Os Tambores de São Luís que os escravos e

libertos estavam transitando cotidianamente nas ruas, becos, mercados, ou seja, nos mais distintos

espaços de socialização urbana ludovicense, sendo parte da configuração da própria cidade. Era

permanente a presença do elemento cativo e indiscutível a sua participação no âmbito econômico

e social.

Percebe-se assim, que para o escravo urbano, mesmo diante dos olhos vigilantes das

autoridades públicas e também sob a ameaça constante dos códigos de postura, esses locais eram

na realidade não só ambientes de convivência e sociabilidade, mas eram também nesses lugares

que por muitas vezes reproduziam sua cultura e desenvolviam os seus modos particulares de

resistência à escravidão. Trata-se de uma diferença essencial entre o escravo urbano e o rural, vez

que o primeiro desfrutava de uma visibilidade ampla de menor caracterização no cativeiro rural.

Percebe-se por meio da obra que na cidade, portanto, eram mais viáveis os modos de

resistências, que por isso eram mais bem articulados, sendo próprios da vivência urbana e

impensáveis na esfera rural, pois sob a mira do feitor e exposto a toda ordem de instabilidade e

vigilância não desfrutavam da mesma mobilidade que os escravos urbanos possuíam nos espaços

em que estes gozavam de maior “liberdade”. Segundo Montello (1985, p. 173):

Embora já lhe tivessem dito várias vezes, contando horrores, que os negros, ali em São Luís, também apanhavam, chegava a ter sobre isso dúvidas, ao vê-los andando livres nas ruas, sem um feitor a vigiá-los. Dali do alto vira também negras bem vestidas, de sandálias de cetim, pente comprido nos cabelos, xale por cima dos ombros.

No romance, esse estranhamento que parte do espanto de um escravo (Damião) que

viveu a maior parte de sua infância e juventude no meio rural e que migra para a cidade é

justificável, na medida em que a experiência escrava no campo era muito diferente da experiência

escrava na cidade, principalmente quanto ao aspecto da autonomia e mobilidade, vez que no meio

rural, o cativo ficava circunscrito ao espaço de sua atividade produtiva até o retorno a senzala,

enquanto na área urbana ele circulava pelos espaços mais desvigiadamente.

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Quanto aos trabalhos desenvolvidos pelos escravos, as atividades exercidas por eles

no ambiente urbano variavam de acordo com os ofícios citadinos, pois poderiam eles trabalhar

em atividades que exigiam força física como, por exemplo, o trabalho em obras públicas, ou

ainda desempenharem atividades domésticas.

Na cidade destacavam-se no trabalho cotidiano os escravos de ganho e de aluguel,

com o seu trabalho traziam rendas para os seus donos e algumas vezes para si próprios. Segundo

Pereira (2001, p.61)

A diferença entre o escravo de ganho e o de aluguel é que este último, por ser na maioria das vezes especializado em alguma modalidade de serviço ficava sob o controle mais direto de alguém, um fiscal de uma obra pública ou de uma senhora dona de casa, assim possuía o relativo controle sobre a sua força tal como ocorria com o escravo de ganho, o qual passava parte do seu tempo longe das vistas do seu senhor, usufruindo de uma “liberdade de movimento” na cidade.

Pode-se perceber no romance que o usufruto da moderada “liberdade” no meio

urbano, intensificava-se no período noturno, vez que a noite representava o ápice da

sociabilidade que pode ser demonstrada no momento de realização dos cultos religiosos que

representavam mais do que práticas religiosas costumeiras, mas sim um momento expressivo da

identidade cultural comum que os unia.

O período noturno também era o mais propício para as articulações de fugas entre

escravos, que aproveitando-se da obscuridade da noite tentavam de toda forma executar os planos

por eles elaborados para garantir a liberdade. Segundo o autor, ao se referir à prática mantida pela

negra livre Genoveva Pia de ajudar a fuga de dezesseis escravos para fora da cidade, afirma em

Os Tambores de São Luís (MONTELLO, 1985, p.326):

No entanto, para a Genoveva Pia, a noite era de trabalho. Refugiados na sua casa, dezesseis negros aguardavam que a velha os livrasse do cativeiro, antes que rompesse o novo dia. Protegidos pelas sombras da noite, tinham chegado até ali cosendo-se às paredes. Alguns traziam no corpo as roupas com que deveriam dançar o bumba-meu-boi. Havia entre eles dois vaqueiros, três tocadores de matracas, outro de zabumba, e ainda um preto gordo, muito barrigudo, e que trazia às costas um tambor-onça. Os demais tinham saído das casas dos seus senhores nos trajes comuns com a camisa por cima das calças, a pretexto de ir ver o boi dançar.

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Esse momento de fuga traduz-se como uma expressão de prática de resistência à

escravidão, que se configurava como um dos momentos de maior tensão vivenciado pelos

cativos. Especificamente nesse caso retratado por Josué Montello, tal ação de fuga articulada

pelos escravos tinham o apoio da negra Genoveva Pia. O fato então possuiu um desfecho trágico

e frustrante, pois teve como resultado a captura de alguns negros, bem como a morte de outros,

entre eles a negra que arquitetou todo o plano de fuga.

Contudo, o malogro do plano de fuga não foi causado por desorganização por parte

dos escravos, mas sim pelo fato de terem sido vítimas de uma emboscada tramada pela polícia

local da cidade que já vinha mantendo a prática de repressão a essas tentativas de fugas, repressão

esta que se intensificava principalmente nos dias de comemoração e festas, pois eram as datas

preferidas pelos escravos para a execução dos seus planos de fuga, tendo em vista que as atenções

da cidade estavam voltadas para os festejos.

Assim foi o caso trágico retratado pelo autor e que tem como desfecho a morte da

negra livre (MONTELLO, 1985, p.336):

E foi nesse momento que, de improviso, como se aflorassem de uma emboscada, surgiram os guardas do Cabo Machado, como este à frente empunhando uma chibata. Dir-se-ia que estavam ocultos nas moitas ou por trás das arvores. E eram muitos, talvez uns trinta, cada qual com a sua pistola e o seu chicote, aproximando-se dos negros. Genoveva Pia parou, como siderada, e foi ela a primeira a receber em cheio, por cima da cabeça, uma lapada doida, que a tonteou. Um dos pretos saltou à feição de um cabrito, para cair no meio do fosso profundo, que instantaneamente o engoliu. Três outros foram logo agarrados, e ali mesmo surrados, juntamente com as duas mulheres. Os outros seis ensaiaram fugir e então começou à vista do rio que ia rolando docemente para o mar, a caçada desigual dos negros. (...) O sangue já lhe escorria do rosto e dos braços, manchando-se a alvura do vestido, e Genoveva Pia não gemia nem reclamava. Era como se um vodum vingativo a açoitasse, e ela se curvava sobre si mesma, aceitando o novo transe sem protesto, com a consciência de que a vida se lhe esvaia na dança doida do chicote que a castigava.

Percebe-se que a linguagem de Josué Montello, embora literária, apresenta a

configuração da organização de resistência escrava, expressa o contexto político de dominação,

apresenta os instrumentos de coerção próprios do ambiente citadino como, por exemplo, as forças

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policiais, também demonstra o ambiente de insegurança propiciado pelas tentativas de fuga de

cativos. Portanto, é importante articular o romance com a vivência fática própria da história, que

por muitas vezes abrigam tanta similitude, ao ponto de parecerem confundir-se.

Assim, diante do contexto da escravidão, percebe-se que o elemento escravo, energia

consumida para produzir riqueza para a província, traçava estrategicamente planos para quebrar

os grilhões que cerceavam a sua liberdade.

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3. O AMBIENTE CAMPESINO EM OS TAMBORES DE SÃO LUÍS

Mas quando tornou a ver a casa-grande, precedida da orla de palmeiras, acima de uma rampa suave calçada de pedras, não pôde deixar de emocionar-se. Lá adiante, alongava-se a Senzala, coberta de telha, com seu beiral saliente. Entre a casa-grande e a senzala, destacava-se o telheiro que cobria o imenso tanque todo de pedra, e que um dos escravos tinha de encher, todas as manhãs, com a água trazida da lagoa.

Josué Montello

3.1 – O ESPAÇO CAMPESINO

O cenário de exploração rural remete-se ao espaço das fazendas de grandes lavouras

onde eram produzidos através do trabalho escravo o plantio de gêneros como arroz, algodão,

milho, mandioca etc. Esse espaço onde as relações sociais eram desenvolvidas também é

tipicamente caracterizado pela presença do Engenho e da Senzala.

Um traço fundamental desse ambiente rural era a definição precisa de mobilidade,

cada qual tinha o seu lugar. Os espaços de senhores e escravos estavam permanentemente

interligados, mas não se confundiam.

O ambiente campestre estava longe de ser considerado um lugar tranqüilo sendo por

muitas vezes palco das mais terríveis torturas e maus-tratos sob os quais a violência ditava as

regras a favor do mais forte.

Nas fazendas, os escravos trabalhavam nas mais diversas ocupações. No caso do

algodão, um dos principais produtos de exportação, eram inúmeras as fases de trabalho que

abrigavam tanto o preparo da terra no caso do plantio, da limpeza e manutenção dos pés de

algodão, no processo de colheita, até no transporte dos alqueires até os portos.

Como já exposto no capítulo da escravidão urbana, a estrutura social foi

caracterizada como sendo organizada à base de relações marcadas pela submissão na maioria dos

casos. Não se trata apenas da submissão econômica externa, mas também da submissão interna,

no caso da maioria escrava pela minoria de sujeitos privilegiados. Submissão presente não

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somente nas relações de trabalho como também nas familiares e domésticas, presentes tanto na

esfera urbana como também na rural.

Nesse processo de submissão no âmbito rural, nas relações de trabalho, os escravos

estavam submetidos a excessivas jornadas de trabalho sob a constante presença da violência e

também expostos ao olhar vigilante e autoritário dos feitores. Sendo assim, o dia-a-dia do escravo

no campo era caracterizado pela rigidez de suas condições de trabalho e tratamento, sendo que na

égide do império da violência legítima por parte do mais forte, os escravos chegavam algumas

vezes a morrer por meio da brutalidade e violência física a que eram expostos. Josué Montello

não deixa de abordar o tema da violência e do abuso do poder dos senhores de escravos,

principalmente em casos de fugas em massa (MONTELLO,1985, p. 36):

Só as mulheres protestavam, vociferando. – Larga do meu fio, diabo! – Vai empurrar a vaca da tua mãe, seu peste! Com a pistola na mão, o alferes louro, de passo pesado, que comandava a tropa, ia avisando: – Lugar de escravo é na senzala, debaixo das vistas de seu senhor. Todos vocês vão voltar para seus donos. Ou então morrem aqui mesmo, que eu tenho ordem de matar.

Nesse exemplo, os escravos apreendidos pelas forças policiais, perdiam

automaticamente a relativa autonomia que haviam desfrutado enquanto permaneceram no

quilombo. Não tardavam a voltar ao regime das chibatadas e do cativeiro, sendo os castigos

dispostos conforme a intensidade e o alcance das ações praticadas por eles.

Para o escravo, o troco como instrumento de violência representava um lugar de

sofrimento e humilhação. Para os donos de escravos, o tronco era percebido como um objeto de

intimidação às práticas de resistência, pois uma vez ocorrendo insubordinações, esse instrumento

de repressão era quase sempre utilizado.

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Figura 1 - Tronco - Castigo a que eram submetidos os escravos

A figura acima possibilita a visualização de como o instrumento de castigo impunha a

humilhação e o sofrimento físico àqueles que na lógica da dominação representavam ameaça ou

insatisfação.

No sentido de reagir a situação de violência permanente, a resistência dos escravos

passou a se fazer cada vez mais presente e assumiu variadas formas: fugas, suicídios,

assassinatos, passividade no trabalho, etc. O importante a ser ressalvado é que em qualquer uma

dessas formas, o escravo negava a sua condição e se contrapunha ao funcionamento e

operacionalidade do sistema como um todo.

Assim, os indícios de mobilização dos escravos podem ser vistos como uma luta

empreendida por eles para a construção de autonomia que chocava-se diretamente contra o modo

de vida precário a que eram submetidos.

A mobilidade do escravo era no meio rural restrita e isso configurava um grande

empecilho para as possibilidades de organização coletiva de formas alternativas de resistência, o

que não significa que mesmo diante dessa limitação não tenham ocorrido manifestações

organizadas coletivamente, vez que se conhece a importância dos quilombos como núcleo de

força escrava.

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A escravidão em suas múltiplas faces de exploração era remetida indistintamente a

homens, mulheres, adultos, jovens, crianças e idosos. Sendo todos os negros reduzidos a

condição de “peças”.

Desse modo, as contradições geradas pela própria escravidão sustentadas nas

diferenças sociais, de status, diferenças econômicas e raciais acabaram por dar origem aos

fundamentos das mais diferentes e por conseqüência opostas formas de luta estabelecidas por

escravos, proprietários de escravos, comerciantes e forças públicas tanto no campo quanto na

cidade. Em decorrência disso, o choque não se fez demorar. Retomando o romance Os Tambores

de São Luís a título de exemplificação da situação suscitada (MONTELO,1985, p. 44):

O braço está novamente levantado, na exaltação da cólera, embora não empunhe a chibata; mas os olhos são os mesmos, crescidos por trás das lentes, com o brilho de ódio nas pupilas castanhas. _ Eu jurei que ia botar aquele miserável no tronco! Era eu que queria acabar com ele! Como foi que deixaram o negro se atirar no rio? Hem, Seu Chico Laurentino? E onde estava você que não impediu aquele filho da puta de se matar (...) _ Quando eu dou uma ordem, tem de ser cumprida! Você sabe que fui eu quem deu dinheiro ao governo para armar a tropa que ia acabar com o quilombo daquele miserável!

Percebe-se a partir do trecho retirado do romance, que as disputas pelo poder de

mando em oposição ao poder de resistência eram faces de uma mesma moeda de luta. De um

lado encontra-se o proprietário acompanhado de seu feitor que não admite a não-captura de seu

escravo fugido e líder de um quilombo que por sua livre vontade desejava matá-lo despejando

toda sua ira. E de outro lado da relação, em patamar mais frágil, encontra-se o escravo que

através de seu poder de resistência atira-se ao rio alastrado de piranhas num ato de suicídio, única

forma de resistir diante daquela situação de iminente cárcere, cuja solução foi buscar a morte

como meio de pôr termo ao seu sofrimento. Segundo Josenildo Pereira (2001, p. 87):

Defendemos a tese que o suicídio se constituía em última instância para o escravo, em um ato político, embora com um relativo alcance coletivo por se tratar de uma atitude pessoal e muita das vezes “isolada” e silenciosa de dizer não.

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Tanto o suicídio quanto as demais formas de resistência como as fugas, as formações

de núcleos de escravos fugidos (quilombos), os incêndios das lavouras, etc, representam dentro

de um sistema de submissão e cerceamento da liberdade, uma força de combate e uma forma de

autonomia de libertar-se à seu modo. O sentido das fugas para os escravos constituía-se em uma

maneira de experimentarem a liberdade que lhes fora expropriada pela imposição da escravidão e

do cativeiro. De outra perspectiva, essa situação implicava na reação das autoridades sob as mais

diferentes formas de opressão.

Por outro lado, a fuga, do ponto de vista do proprietário de escravos significava uma

verdadeira ameaça, por ser um ato praticado pelo escravo que atemorizava e repercutia em

instabilidade para o próprio sistema. Em torno da questão da fuga eram acionadas as autoridades

públicas que estavam incumbidas da proteção pessoal, da proteção da propriedade e da proteção

do cidadão. Nesse caso, o escravo, do ponto de vista do discurso jurídico era um bem privado que

no caso de eventuais fugas deveria ser recuperado pelas autoridades conforme eram ditadas as

leis que asseguravam a tutela do direito de propriedade daqueles que sentiam-se lesados.

Portanto, tem-se que, no que diz respeito às questões em torno do escravo fugido,

estabeleceu-se uma rede de articulação entre os poderes privado e o público. É nessa articulação

formal que pode ser percebido um compromisso com o interesse exclusivo do cidadão, entenda-

se por interesse do “cidadão”, o interesse da ordem privada e escravocrata. Segundo Pereira

(2001, p.97):

Em face desse quadro desalentador, na Província foi reeditado um conjunto de leis criando um aparato policial para inibir a mobilização escrava e destruir os seus quilombos. Assim, foi criado o Corpo de Polícia Rural, o da Guarda Nacional, o da Guarda Campestre e ampliaram para toda Província a função de Capitão do Mato. Para completar esse aparato policial os particulares ainda formavam as suas expedições, as chamadas “entradas”.

Em face desse quadro afirmado e sustentado pelo discurso das autoridades e pela

satisfação dos interesses dos então considerados cidadãos, nota-se a incessante busca pela

manutenção do equilíbrio da organização social escravista e pela aquisição da ordem e segurança

públicas, pois se admitirmos que a fuga e a formação de quilombos produziam um estado de caos

é porque isso refletia-se na questão da segurança dos mais fortes abalada pela atitude política dos

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escravos do campo que quando desfrutavam de sua liberdade em mocambos assombravam a vida

de seus proprietários, incendiando fazendas e até planejando e executando homicídios. Assim, o

perigo crescia para a “paz” local e principalmente para a falta de paz para aqueles senhores que

temiam pela segurança de sua própria vida e de sua família.

Nesse sentido, pode-se sustentar que a rebelião dos escravos decorria das contradições

estruturais da sociedade escravocrata. Por essa razão, mesmo um movimento de luta no campo

cuja duração não ultrapassava algumas horas, nos casos de algumas fugas empreendidas sem

sucesso, era suficiente para espalhar o pânico e a inquietação entre as classes senhoriais.

A “rebeldia” escrava, do ponto de vista do proprietário de escravos, adquiria a

conotação de atitudes de facínoras, rebeldes sanguinolentos que promoviam a perturbação social,

portanto, nunca eram compreendidos como uma forma de negação do sistema. Era inevitável que

a situação ficava cada vez mais tensa, fazendo ressurgir a instabilidade a cada ato de

manifestação escrava.

Era notório o medo que se alastrava diante da iminente reação dos escravos. Dado

isso, evitava-se, a qualquer custo, as organizações de ações de fugas e dos atos de rebeldia às

situações de conflito.

Mas a partir do momento em que nesse embate os escravos não obtivessem sucesso,

ficavam por conseqüência sujeitos às ações violentas não só de seus proprietários, mas do próprio

Estado. No caso dos quilombos, existiam táticas de captura e armas em punho para a retaliação.

Uma das mais temidas formas de manifestação era a formação dos Quilombos, que

representavam um núcleo de solidariedade entre os próprios escravos fugidos. Do ponto de vista

das autoridades, tratavam-se de espaços que abrigavam indivíduos nocivos.

A constituição dos quilombos iniciava-se com as ações de fugas de escravos para

lugares ermos como as matas. Lá formavam-se pequenos núcleos humanos que se organizavam

no intuito de se fortificarem trazendo os demais escravos e esse número tendia a aumentar cada

vez mais, vez que a vida nas lavouras era vivenciada num regime opressivo muito grande, que

desagradava o escravo aceitar a idéia de morrer ali.

A força e o aparato do Estado buscaram na lei a possibilidade de coibir atitudes de

rebeldia e demais levantes que pudessem ameaçar o sossego da província. A saída foi a garantia

dada através do Código Criminal do Império, instrumento coercitivo que ressalvava para cada

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tipo de insubmissão um determinado castigo assegurado em lei. Embora o Código Criminal

determinasse a competência para auferir os castigos às autoridades públicas, seu alcance era

restrito e os castigos eram efetuados a mando dos próprios senhores de escravos. Segundo Pereira

(2001, p. 70):

Na província, efetivamente, a lei possuía um relativo alcance no cotidiano, principalmente nas áreas de grande lavoura onde o “mandonismo local” ainda era bastante acentuado. Por outro lado dependendo da “gravidade” do comportamento do escravo ou do liberto, preso da justiça, até os carcereiros outorgam-se o direito de aplicarem castigos quando “necessário”

Desse modo, os escravos estavam sujeitos à aplicação de castigos por particulares, por

autoridades públicas, em suma por todos aqueles que quando achavam necessário punir

outorgavam-se o direito de aplicar penas da forma que achavam discricionariamente mais

conveniente. Poderiam usar desde a palmatória, os açoites, as chibatadas até a pena de galés.

3.2 – AS RESISTÊNCIAS ESCRAVAS NA OBRA OS TAMBORES DE SÃO LUÍS

A obra Os Tambores de São Luís apresenta na sua narrativa literária, uma

sociedade aristocrática do século XIX, caracterizada por relações de opressão. Mostra o

Maranhão e seus conflitos que são expressos entre becos e ruas notórias como a Rua dos

Afogados, a Rua Grande e a Rua do Passeio, frente a grandes e opulentos casarões, praças

cemitérios, mercados e Igrejas.

A imagem referente ao negro é mostrada na sua condição constante de luta, nas suas

revoltas, e nas suas redenções, abarcando todo um longo período da experiência escrava, numa

sociedade com seus clérigos, seus escritores, seus políticos e demais camadas desfavorecidas,

cujas relações eram permanentemente tensas devido a atmosfera de animosidade sendo

permeada de seus contrastes sociais.

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Montello constrói em toda a sua obra imagens de um Maranhão ora opulento, ora

decadente que sobrevive a falências e que se reergue, mas que não deixa de apresentar-se como

uma sociedade tipicamente aristocrática.

A trama se desenvolve na obra com o fundo sonoro dos tambores e das festas vindas

da Casa das Minas demonstrando que mesmo diante de um quadro de grande submissão era

possível ao escravo manifestar-se culturalmente e religiosamente, embora existisse o Código de

Posturas que procurava controlar o caso das experiências de práticas religiosas.

As Posturas entendidas como regras sociais objetivavam demarcar os territórios de

socialização e estipular comportamentos para que a visibilidade das diferenças sociais

permanecessem contrastadas. Essas preocupações das autoridades públicas expressavam que o

que se passava na realidade é que a fronteira entre a ordem privada e pública eram muito frágeis e

suscetíveis durante a eclosão de manifestações, a comprometer o próprio sistema, se houvesse

uma explosão violenta de escravos em massa.

A perspectiva adotada pelo romancista no que concerne a abordagem das práticas de

resistência feitas pelos escravos, os colocam numa linha interpretativa que os identificava como

seres atuantes, cujas atitudes de manifestações são tipicamente heróicas. Nesse sentido, os

escravos são seres humanizados que pensam, sofrem e possuem consciência de sua situação e

ganham voz.

As resistências adquirem o sentido de atitudes organizadas e providas de conteúdo

político que inspiram a incessante busca por dignidade. A situação de estar no lado mais fraco

impulsionava a luta cotidiana por uma vida mais humana e menos animalesca. E nessa luta

muitas ações dos escravos voltavam-se contra seus donos ou então contra seus bens. Segundo

Montello referido-se a uma situação em que os escravos estavam sendo procurados pelas forças

policiais (MONTELLO,1985, p.22):

– Tem sordado do Governo te procurando – preveniu Prudêncio, que falava depressa e cantando. – Nós apanhou como bicho, e não disse onde tu tava. Até no jorná de São Luís se falou que tu fugiu, depois de tocar fogo na casa de teu sinhô. E o Balbino completou: – Quando nos sortaram, nós fugiu. Quirino jurou que foge. Também o Bastião e o Nonato. Não se aguenta mais o home. Todo dia tem gente no tronco prele

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surrar. A véia Coió, coitada, morreu apanhando. E era doutô que tava com o chicote.

A partir desse trecho retirado do romance Os Tambores de São Luís, percebe-se uma

sociedade escravocrata acostumada a ser extremamente violenta com seus escravos, fazendo

parte dos costumes naturais de muitas famílias a utilização da tortura física. Também demonstra

que o escravo não assistia à seu sofrimento passivamente e inerte. Os incêndios às lavouras eram

comuns como forma de retaliação às atitudes abusivas e violentas normalmente dirigidas aos

escravos de forma indiscriminada.

Montello, utilizando-se de uma fala do escravo Barão, antigo escravo de Donana

Jansen, apresenta ainda que não era menos violenta as ações e reações contra os quilombos e

remetendo-se a apresentar o episódio do conflito da Balaiada e da perseguição aos Balaios e

também por extensão aos negros envolvidos nesse conflito que também foram alvos de

retaliação, diz que (MONTELLO,1985,p.24):

- A força do Governo, que andava perseguindo o Balaio no sertão, acabou perseguindo também o negro Cosme, na fazenda da Lagoa Amarela, e um dia nos cercou de jeito, com muito soldado e muita munição, sem dar tempo da gente reagir. Tivemos de entregar nossas armas. Cada um vinha e atirava a arma perto do tenente, e saia dali com a mão na nuca, sem ordem de ir embora. Mas de noite, nu como Deus me fez, consegui fugir.

É constante nas falas dos personagens a referência à violência, fugas, armadilhas de

captura e atos de opressão da força do Estado sempre na iniciativa de esmagar todo e qualquer ato

de resistência praticada pelos escravos.

Montello parece estar inspirado a dar voz aos escravos, a conferir-lhes humanidade e

dignidade, pois mesmo sendo tema de discussão da própria historiografia tradicional, os escravos

tendiam a aparecer como sujeitos passivos durante todo esse processo no regime escravista.

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3.3 – A VISÃO DOS ESCRAVOS E DE SUAS RESISTÊNCIAS NA HISTORIOGRAFIA

A discussão que aqui se propõe acerca das visões sobre os escravos e de suas

resistências na historiografia poderia parecer ser deslocada, vez que o objeto de estudo deste

trabalho não são as resistências escravas a partir das perspectivas e concepções historiográficas.

Contudo, enquanto este trabalho não deixa de ser também uma abordagem histórica, faz-se

necessário apresentar de maneira secundária e breve algumas das tendências construídas na

historiografia a respeito das diferentes visões sobre os escravos e suas resistências.

Tal discussão torna-se importante na medida em que possibilita a contraposição de

olhares sobre um mesmo foco, isto é, a escravidão enquanto resistência. Quer-se dizer que

também foram construídas visões sobre este objeto das mais diferentes formas na historiografia e

por conseqüência surgiram visões de mundo que foram alicerçadas a partir desses referenciais.

Portanto, no sentido de fazer uma rápida reflexão sobre essas construções, torna-se conveniente

apresentar alguns dos significados que o tema da escravidão e das resistências adquiriram ao

longo das produções historiográficas.

O tema da escravidão está relacionado com a forma de exploração social e econômica

do homem pelo homem, e, dessa relação marcada pela violência e pelo abuso do poder surgiram

as mais variadas formas de resistência escrava.

As resistências articuladas pelos escravos foram vistas muitas vezes pela

historiografia como resultado da rebeldia dos negros, como uma espécie de atitudes desordenadas

de escravos “bárbaros” e “inferiores”. A visão legal predominante era favorável à escravidão e a

legitimava ao mesmo tempo em que previa severas punições aos ditos escravos indomados. Por

serem considerados “coisas” ou “objetos”, seus senhores podiam dispor de suas “peças”5 do

modo que desejassem.

5 O escravo africano passa a ser chamado de peça, termo em que é possível perceber como a visão que lhe é dispensada foi enquanto um objeto ao qual o seu senhor poderia dispor da maneira que lhe conviesse. Às vezes um único escravo não era suficiente para compor uma peça, sendo que, para atingir essa medida, seria necessário haver mais de um escravo. (VIVEIROS,1954,p.83)

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Segundo Jerônimo de Viveiros (1954, p.81), “não se pode com justiça acusar Portugal

por haver introduzido a escravidão negra nas suas colônias da América, porque, naqueles tempos,

tôdas as nações a consideravam instituição legal”.

Desta feita, o comércio de escravos transformou-se numa atividade essencial ao

desenvolvimento produtivo. Agrilhoado no serviço do senhor, o escravo tinha poucas

alternativas de viver dignamente, o meio de conquistar a liberdade era a fuga para os recantos da

selva, onde, agrupando-se, formava-se o que se chamou de mucambo6.

Entretanto, muito antes da formação dos mucambos, a vinda dos escravos de sua terra

de origem para o Brasil era especialmente traumática. Segundo Oliveira Martins, assim era esse

momento (Apud VIVEIROS, 1954, p.82):

Amontoada no porão, quando o navio jogava batido pelo temporal, a massa de corpos negros agitava-se como um formigueiro de homens, para beber avidamente um pouco desse ar lúgubre que se escoava pela escotilha gradada de ferro. Havia lá no seio do navio balouçado pelo mar, lutas ferozes, gritos, uivos de cólera e desespero. Os que a sorte favorecia nesse ondear de carne viva e negra, aferravam-se à luz e olhavam a estreita nesga do céu.

Assim, ao se referir a essa viagem feita pelos escravos desde a África até o Brasil,

Montello (1985, p.262) retrata em Os Tambores de São Luís que:

(...) E muitos ficaram pelo caminho, jogados ao mar, pois não tinham conta os que morriam no porão dos tumbeiros, esmagados por outros negros, que ansiavam respirar o ar das escotilhas. E eram também sem conta os que se deixavam morrer, com o sentimento de sua revolta e de seu infortúnio. Para obrigá-los a viver, um chicote estalava, e eles dançavam com o navio, que parecia cambalear nas ondas de mar alto, rijamente fustigado pelo sopro das rajadas. Só uns tantos chegavam ao fim da viagem. E tinham sido eles, os pobres pretos esqueléticos, de grandes olhos febris, as pernas bambas e chagadas, que em verdade ergueram a cidade, com seus palácios, seus sobradões de pedra e cal, suas igrejas, e sua muralha junto ao mar, sem que nem por isso lhes fosse restituída a liberdade.

6 Segundo Jerônimo de Viveiros, o mais antigo mucambo data do ano de 1702. localizou-se nos sertões do Turiaçu, tendo sido destruído pelo Governador Fernão Carrilho, que lá aprisionou cento e vinte escravos, cobrando dos seus senhores por peça a quantia de oito mil réis.

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O trabalho escravo, na perspectiva de Kátia Mattoso em sua obra Ser Escravo no

Brasil, era permeado por tensões e medos de ambas as partes, tanto pelo grupo da elite (senhores

de engenho, comerciantes e outros), quanto pelos escravos que eram extremamente vigiados e

castigados. O escravo não tinha autonomia e eram sufocados pelos mandos e desmandos dos seus

donos.

Ainda no que se refere às práticas de resistência, sugere Mattoso (1990, p.153) que as

rebeliões e as fugas eram efetivadas como forma de contestação e com o uso de muita violência.

Assim, afirma que:

Juntamente com o suicídio e assassinato, a fuga é, na verdade, a expressão violenta da revolta interior do escravo inadaptado. O escravo em fuga não escapa somente do seu senhor ou da labuta, elide os problemas de sua vida cotidiana, foge de um meio de vida, da falta de enraizamento no grupo dos escravos e no conjunto da sociedade.

Em relação aos suicídios, acrescenta a autora que eram bem freqüentes e indicavam

que por meio dessa prática de resistência o escravo não via outra saída para o seu desespero.

Entretanto, ao atingir o ápice de sua cólera, domina-o a vontade que o induz a matar seu senhor

ou seu feitor, numa lógica bem compreensível, ou seja, a repressão instiga a contestação.

Assim, as formas de repressão e violência mais utilizadas pelos senhores eram as

mutilações de escravos desobedientes que eram feitas sob marcas a ferro e fogo, esmagamento de

dedos por algemas de tarraxas, corte de orelhas, amputação parcial dos pés e chicotadas que

variavam de 50 até 400 chicotadas em vários dias para não ocorrer o perigo de matar o escravo,

mas o escravo que cometia um assassinato era sempre condenado à morte. Percebe-se que o

clima entre senhores e escravos era sempre tenso.

No mundo do trabalho forçado e do tratamento desumano, brotam rebeliões mais ou

menos organizadas, comportamentos suspeitos que se aglomeram em refúgios que é menos

precário comparado às frágeis repulsas individuais como fuga, desobediência ou suicídios. Essas

“rebeliões-refúgios” são os quilombos e insurreições.

O quilombo nasce como uma alternativa dentre as poucas opções do escravo para

integrar um outro tipo de organização social e é capaz de reunir num mesmo refúgio crioulos,

negros, escravos e homens livres que compõem o quadro de exclusão e descriminação da

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sociedade elitista. Por outro lado, a possibilidade de conseguir a alforria era de difícil alcance,

mas por vezes acontecia. Segundo Kátia Mattoso (1990, p. 167)

Na realidade, pouquíssimos escravos conseguiram finalmente sair de sua condição. Por que? Em primeiro lugar, a libertação era afeta aos senhores, outorgada, resolvida por terceiros, pela vontade do senhor. Um amo pode desejar libertar um escravo que trabalhou para ele anos a fio e remunerou suficientemente o capital investido quando de sua compra, ou ainda porque deseja realizar imediatamente seu capital: neste caso, o dinheiro da compra da liberdade é, para o proprietário de escravo, mais fácil de ganhar do que o produto de uma venda dependente das condições do mercado e do ‘estado’ em que se acha o cativo.

Embora existisse a possibilidade de aquisição da alforria, como demonstrado por meio

das observações de Kátia Mattoso, é conveniente reiterar que eram situações difíceis de

acontecerem na vida prática.

O modo de interpretação do papel social exercido pelo escravo assumiu diferentes

pontos de vista na historiografia. Tem-se, portanto, uma tendência que o observou enquanto um

agente passivo nas relações escravistas e, por outro lado, um modo de percepção que o

interpretou a partir da sua possibilidade de articulação e capacidade de formar maneiras de

resistência diante das condições de exploração, desigualdade e maus-tratos a que estavam

submetidos.

Assim, faz-se necessário a compreensão de como os estudiosos que tiveram como

temática o escravo interpretaram e assimilaram a importância deste nas relações sociais e

econômicas.

No que concerne à interpretação do escravo como um elemento submisso ou

desprovido de capacidade de articulação de resistências, tem-se o pensamento de autores como

Domingos de Magalhães, Viriato Corrêa, Ribeiro do Amaral, Gilberto Freyre e Rodrigo Otávio

Menezes.

Portadores de uma visão conservadora ao se referirem a Revolta da Balaiada, os

citados autores possuem uma interpretação negativa tanto das classes populares de um modo

geral quanto dos negros e escravos. Muitos dos julgamentos de inferioridade atribuídos aos

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revoltosos estavam associados a formas de pensar esses elementos por meio de visões

depreciativas, principalmente no que concerne a suas origens étnicas.

Segundo Mathias Assunção (1998, p. 71) quando se refere a perspectiva feita pela

corrente conservadora, “a revolta expressa a eterna cobiça do pobre, incapaz por si de alcançar

pelo trabalho os frutos da abundância de que gozam os honestos e pacíficos escravistas”. Nesta

perspectiva resgatada por Assunção sobre a linha historiográfica reacionária (1998, p. 72): “O

último, e mais obstinado expoente desta linha ultra-reacionária é Viriato Corrêa para quem a

Balaiada não teve nada, a não ser o banditismo infrene”.

Ainda no texto de Mathias Assunção intitulado Histórias do Balaio, historiografia,

memória oral e as origens da balaiada, diz o autor ainda referindo-se a visão conservadora

(1998, p. 76):

Desde novembro de 1838, os lavradores da comarca do Itapecuru reclamavam que escravos fugidos “unidos aos criminosos” “cometem mil desordens, roubos e assassinatos”. A tal ponto chegaram as ações dos quilombolas, que as autoridades da área temiam, em última instância, uma insurreição geral.

Igualmente pertencente a tendência conservadora da historiografia e também sendo

referido por Mathias Assunção assim, como os demais, Rodrigo Otávio de Menezes em sua obra:

A Balaiada 1839: depoimento de um dos heróis do cerco de Caxias sobre a Revolução dos

‘Balaios’ refere-se ao líder dos negros – Cosme, com uma depreciação a este que mais se

assemelha a ironia. Assim o autor afirma (MENEZES,2001, p.60):

Era esse preto Cosme um facínora condenado à morte e que conseguira fugir da cadeia de São Luís. Internado pelo sertão, levantara escravos das fazendas e, vivendo do saque e de depredações, tornara-se o terror de uma vasta zona de cultura. Intitulava-se imperador, tutor e defensor de todo o Brasil; e para manter o brilho do seu trono, concedia aos mais salientes de seus sequazes patentes de capitão e títulos de barão cobrando dos agraciados gordos emolumentos, que eles iam colher no roubo e no saque (...) E por essa forma irreverente e pitoresca ia o preto Cosme cercado de seus ministros e vassalos vivendo vida folgada e descuidosa.

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No que diz respeito à linha de pensamento que interpreta a atuação do escravo como

um agente social de importância fundamental para o delineamento das relações sociais e

econômicas, no Maranhão tem-se o trabalho do historiador Josenildo Pereira, que defende a idéia

de que esses escravos “longe de terem sido submissos ou simplesmente rebeldes, criaram formas

próprias de interação no mundo da escravidão, procurando espaços de autonomia e de liberdade”

(PEREIRA,2001,p.20).

Deve-se então fazer uma fazer menção a duas outras formas de abordagens que,

diferentemente da perspectiva anterior, são fragmentárias, abrindo-se espaço para uma ressalva,

pois na medida em que a discussão de como a interpretação da importância do escravo adquire

distintas configurações na historiografia, tem-se que essa análise por vezes foi tomada de maneira

que priorizasse uma determinada visão de comportamento do escravo em detrimento de outra, ou

seja, enquanto em uma visão historiográfica tem-se o ponto de vista de que o indivíduo escravo é

um elemento pacífico e que aceita sua condição de vida permeada de maus-tratos e trabalho

forçado de maneira cordial e resignada, em outra visão de escrita da História predomina a

interpretação de que esses escravos são absolutamente rebeldes e dotados de extrema consciência

de luta em grupo no intuito de buscar a superação de seu mundo social, o que leva a uma visão

idílica que tende à transformação do escravo em uma espécie de herói negro.

Ambas as tendências acabam por reduzir o universo de vida do escravo a um único

ângulo de visão. Tal redução dessa análise torna-se nefasta para o trabalho do historiador, na

medida em que impossibilita uma leitura que prime justamente por buscar a importância do

negros e escravos pela sua capacidade de articular relações com outros membros que compunham

a sociedade, sejam essas relações travadas de maneira pacífica ou por meio de comportamento os

quais as pessoas pertencentes à elite ludovicense tenderam a considerá-los enquanto atos

criminosos que configuravam-se em atitudes enxergadas por esse membros como de atentado à

boa ordem pública da cidade de São Luís.

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3.4 – O ESCRAVO: SUBMISSO OU AGENTE SOCIAL DE IMPORTÂNCIA

Este modo de ser dos africanos explora o fato de eles serem tão extraordinariamente fanatizados. O Reino do Espírito entre eles é tão pobre e o Espírito tão intenso que basta uma representação que lhes é inculcada para levá-los a não respeitar nada, a destroçar tudo (...) A África (...) não tem propriamente história. Por isso abandonamos a África para não mencioná-la mais. Não é uma parte do mundo histórico; não representa um movimento nem um desenvolvimento histórico...

Esta afirmação bem que poderia ser fruto do pensamento tradicional de interpretação

do negro que perdurou por muito tempo na produção historiográfica. Porém, trata-se de algo

proferido pelo filósofo alemão Friedrich Hegel7 do século XVIII.

Embora seja uma forma diferente de expressão de pensamento, dado o momento

distinto e o local que escreve também distinto, as palavras de Hegel podem servir para expressar

o modo como uma espécie de interpretação filosófica se assemelhava a tendência historiográfica

que percebia o africano apenas em sua essência servil, sendo ainda muito próximas as conotações

de que o africano não representava sequer um elemento digno de produção de sua própria

história.

Interpretações como essas foram muito comuns tanto na historiografia quanto em

outros ramos do conhecimento que voltavam seu objeto de estudo para a perspectiva pejorativa

do elemento negro na história, desvalorizando a sua própria existência humana, vez que pela

compreensão de muitos, não passavam de “coisas”.

Outras formas de interpretações também se fizeram presentes no debate sobre essa

temática, mas também não se fizeram muito distantes das visões tradicionais que anunciavam a

vivência harmônica de segmentos sociais, que na realidade viviam em permanente conflito e

tensão, como é o caso da análise feita por Gilberto Freyre.

Em Casa Grande e Senzala: formação da família brasileira sob o regime da

economia patriarcal publicado em 1933, tem-se um pensamento que se estrutura numa análise

verticalizada da sociedade patriarcal brasileira, isto é, na pirâmide que representava a sociedade

7 HEGEL, Friedrich. Os Pensadores. São Paulo: Ed. Nova Cultural, 2005.

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estariam as raças branca, indígena e negra dispostas conforme seu grau de superioridade e

inferioridade, conforme acreditava o autor. Ao retomar teses e pesquisas que trataram da

inferioridade de algumas raças, esboça Freyre (1997 p.294):

Diferenças interpretadas como de superioridade e inferioridade estavam ligadas a traços ou caracteres físicos. Aliás, na inferioridade ou superioridade de raças pelo critério da forma já não se acredita; e esse descrédito leva atrás de si muito do que pareceu ser científico nas pretensões de superioridade mental, inata e hereditária, dos brancos sobre os negros.

Apesar de elaborada tal consideração, ainda efervesciam os debates sobre outras teses

apontadas por Freyre que seguiam a mesma linha de raciocínio, na medida em que expunham ao

fato de que por serem negros já havia uma inferioridade, tratando-se de uma explicação

considerada por eles como científica, para apenas reduzir a qualificação do negro por uma razão

meramente racial. Assim, de acordo com Freyre (1997, p. 297) quando este se reporta a tais teses,

tem-se que:

Quanto aos testes chamados de inteligência, muitos deles de resultados tão desfavoráveis ao negro, sua técnica tem sofrido restrições sérias. Goldenweiser ridiculariza-os como método de medir qualidades de raça; deixam o negro pouco acima do macaco, escreve ele. (...) Não se negam diferenças mentais entre brancos e negros. Mas até que ponto essas diferenças representam aptidões inatas ou especializações devidas ao ambiente ou às circunstâncias econômicas de cultura é problema dificílimo de apurar.

Apesar de Gilberto Freyre fazer as devidas ressalvas em relação aos testes e debates

que depreciavam o negro, questionando-os muitas das vezes sua análise sobre as relações sociais,

raciais e sexuais na interação de portugueses, negros e nativos alcançavam apenas uma

interpretação de harmonização entre tais raças na intimidade da casa e do trabalho.

A interpretação de Gilberto Freyre admite que o trato com o escravo no Brasil se deu

de maneira branda e suave, na medida em que acredita que neste país as pessoas naturalmente

tendiam a um comportamento voltado para a passividade e possuíam um gênio mais pacífico, o

que as levariam a manter um relacionamento mais amistoso. Este raciocínio então se estenderia

para as relações escravistas travadas no país, onde, segundo o autor, escravo e senhor manteriam

então um relacionamento de complementaridade, isto é, o primeiro possuiria a deliberada

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tendência a aceitar sua condição de cativo trabalhador, enquanto conseqüentemente o segundo

não alimentaria maiores contendas e desentendimentos.

No que diz respeito à participação dos escravos na Balaiada8, que eclodiu em

dezembro de 1838, muitas foram as formas de explicação dessa participação. Nesse momento o

Maranhão vivia um contexto de definição do poder local caracterizada pelas disputas políticas

entre Bem-te-vis e os Cabanos.

A insurreição que contava com a participação dos escravos na visão de Ribeiro do

Amaral deu mais vigor e força ao movimento, mas, além disso, para este autor o escravo não

passava de um agente de perturbação social. Assim, segundo Maria Januária Santos quando se

refere a Ribeiro do Amaral (SANTOS,1983, p. 88):

Para ele, os milhares de negros radicados nas propriedades de Itapicuru (20 000) há muito tempo vinham ameaçando o “sossego público”, pois “em tempos normais”, fugiam formando quilombos nas matas, de onde voltavam para atacar as fazendas próximas. Esta resistência aumentou com o aparecimento da Balaiada. Com a fuga dos negros, os fazendeiros ficavam a mercê dos rebeldes. Quanto a Cosme, o historiador maranhense [Ribeiro do Amaral] e limitou-se a reafirmar sua imagem de bandido: que fugiu da cadeia de São Luís; que tinha fama de feiticeiro, sendo esta a razão da influência que exercia sobre os escravos; que era um famigerado bandido levando o terror às fazendas por onde passava.

Na mesma linha de pensamento no que se refere aos dados que dizem respeito ao

Negro Cosme que muito se assemelha com os apontamentos feitos por Ribeiro do Amaral, o

historiador Astolfo Serra, por outro lado, amplia o significado das lutas dos escravos, que

segundo ele já era anterior ao próprio conflito da Balaiada, reconhecendo certa consciência de

liberdade, principalmente na figura do líder Cosme. Serra, refere-se ainda ao esforço do líder dos

negros em criar uma escola de ler e escrever no quilombo da Lagoa-Amarela.

Na perspectiva de Astolfo Serra, a ação dos negros foi de colaboração com os balaios.

Reconhece este autor que o negro Cosme Bento das Chagas não foi um mero bandido, e que

8 A Balaiada caracteriza-se como uma revolta ocorrida no período da Regência. Envolveu fazendeiros de gado, vaqueiros e escravos. Contudo, configura-se como distinta das demais revoltas como a Farroupilha, a Sabinada, a Cabanagem e a Cabanada. Pode-se ressaltar dois aspectos que a distingue das demais. Primeiro, em contraposição às outras, contou com uma liderança popular desde o início. Segundo, pode-se perceber também que esboçou uma aliança, ainda que efêmera, entre camponeses livres e os escravos.

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mesmo antes da Balaiada, a revolta dos negros já se alastrava por todo o Maranhão. Na análise

feita por ele, a junção entre negros e balaios deixou as causas negras à parte, embora tenham

participado da Balaiada. Em relação a Astolfo Serra, sugere Maria Januária Santos(1983, p. 88):

Reproduz trechos de Ribeiro do Amaral quanto à importância da Zona do Itapicuru e quanto ao abandono das fazendas pelos seus proprietários e escravos, tornando-as presas fáceis para os rebeldes. Repete ainda certos dados referentes a Cosme, como fugido da cadeia da capital, guia espiritual, distribuidor de títulos a seus seguidores e arrogando-se o título de Imperador das Liberdades dos bem-te-vis.

Vale lembrar que essa prática de distribuição de títulos e cargos de nobreza de Negro

Cosme, da forma como ficou conhecido, é retratada em Os Tambores de São Luís. Segundo

Montello (1985, p.23):

Julião sorriu, depois riu mesmo, sem tirar os olhos do Barão. E ainda sorrindo: – E vosmecê é mesmo Barão? Onde se viu preto Barão? – Para Deus, que tudo pode, nada é impossível. Sou Barão é de papel passado. Por obra e graça do sempre lembrado Dom Cosme Bento das Chagas, Imperador, Tutor e Defensor das Liberdades Bem-te-vis, injustamente enforcado pelo Governo de São Luís. (...) E o Barão, muito compenetrado de sua fidalguia: “Sai hoje na ordem do dia esta nomeação do Barão Altino Celestino dos Anjos, que foi escravo de Donana Jansen, depois de seu filho Isidoro, que veio pro sertão combater os Balaios e depois se passou para a minha gente, com muito ato de bravura. Vai pagar 100$000, sendo 50$000 à vista e os outros 50$000 fiados por um ano, ao qual se fará as honras de minha imperial casa, e quem não fizer ficará desgraçado”.

Quanto a interpretação referente à participação dos negros e escravos na Balaiada na

perspectiva de Maria Januária, tem-se uma análise mais consistente no que tange as posições

políticas entre os próprios revoltosos, isto é, entre balaios e escravos. Segundo ela: “Em nenhum

momento, os líderes rebeldes preocupam-se com a sorte dos escravos ou sequer colocam em

discussão o problema do trabalho escravo” (SANTOS,1983, p. 90).

Percebe-se na visão da autora em relação às lideranças dos Balaios, que houve

efetivamente uma omissão em relação as causas dos escravos, muito embora tenham sido estes

incorporados na Balaiada. Ainda segundo Januária, esta sugere que o conflito da Balaiada deu

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uma outra expressão a resistência escrava, que segundo ela, durante o conflito, percebeu-se um

grau de organização e conscientização distintos do que costumava ser considerado resistência,.

Assim, segundo Santos (1983, p. 90):

Já evidenciamos que as fugas do escravo maranhense para a formação de quilombos datam de longo tempo, podendo ser encontrados, a partir do século XVIII, agrupamentos de quilombolas nas Margens do Turiaçu, em Viana, Pinheiro, Alcântara, Itapicuru, Alto Mearim, Maracassumé e nas matas de Codó. Circunstâncias conjunturais, eventualmente, tornavam possível a intensificação das fugas e de outras formas de resistência do escravo: a independência, a repercussão do 7 de abril de 1831 na Província e a conseqüente Setembrada. Mas, foi no período compreendido entre 1838 e 1841 – com a Balaiada – que os movimentos de escravos no Maranhão adquiriram novas performances, ultrapassando os níveis de resistência tradicionalmente utilizados (fugas, assassinatos, quilombos) e caracterizando-se pela resistência ativa com grandes mobilizações e razoável grau de organização.

Numa sociedade fechada para participação política para as camadas pobres e demais

excluídos, o conflito da Balaiada possibilitou a insurgência de expressões de resistência que

revelam de certo modo uma indicação para atitudes e movimentos de contestação de cunho

político. Essa é a visão historiográfica de Mathias Assunção que já sugere contornos positivos da

resistência, que outrora pela perspectiva conservadora e oficial era identificada em termos como

rebeldia, barbárie e revolta de bandidos.

Segundo ele, apresentava-se como uma das maiores insurreições populares, a

Balaiada, que apesar de ser caracterizada como uma revolta de caráter camponês, também

envolveu vaqueiros, fazendeiros de gado e mesmo escravos, esboçando uma aliança entre

camponeses livres e negros escravos.

Na visão de Mathias Assunção, um dos motivos que fizeram eclodir a Balaiada foi à

exclusão política e social. Segundo o autor (1998, p.72):

Mas diria que acima de tudo, a mobilização da população livre e pobre nas vésperas da Balaiada se deu por causa da exclusão política, da discriminação das pessoas “de cor” pelas autoridades e do recrutamento para o exército ou a marinha nacional.

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Assemelhando-se a visão de Mathias Assunção, tem-se a interpretação de Carlota

Carvalho, contrariamente a historiografia anterior, fala em atitudes moderadas dos rebeldes. Para

ela, as motivações dos revoltosos eram justas e que apesar das tensões e violências, conservaram

o instinto do bem e não se tratavam de bandidos e criminosos.

As apresentações dessas visões historiográficas sobre o escravo representam um

esforço de compreender as reflexões que os homens fizeram sobre os próprios homens e sua

sociedade e isso nos ajuda a entender o processo de constituição dos discursos na ciência

histórica.

A partir dessas breves apresentações de séries de imagens forjadas sobre o escravo na

historiografia, tem-se a visualização de formações de imagens diversas que variam em relação ao

escravo desde sua compreensão enquanto sujeito sem história, visão extremamente negativa, até

visões mais humanas, enquanto sujeitos sociais providos de consciência e de atitudes políticas de

relevância na sociedade.

É de assinalar, por fim, que o discurso da historiografia também possui suas próprias

versões, expressões de interpretações que foram construídas no tempo e que foram passíveis de

novas construções de sentidos.

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CONCLUSÃO

O homem nunca parou de interrogar-se sobre si mesmo. Em todas as sociedades

existiram homens que observaram homens. A reflexão dos homens em sociedades, e a elaboração

de um saber são, portanto, tão antigos quanto a própria humanidade. Tomar as interpretações

sobre os homens em suas relações sociais, históricas, culturais, políticas etc., são esforços

destinados, de certo modo a conhecermos a nós mesmos.

No esforço de pensar a obra Os Tambores de São Luís como uma forma de linguagem

que tem expressões históricas, para a partir delas compreender o próprio homem em seu tempo,

adquire sentido por ser também uma forma de pensamento do homem e de suas relações mútuas.

A linguagem literária, por vezes, revela um olhar interpretativo sobre o homem e não pode ser

desconsiderada quando a proposta é pensar o homem em sociedade.

A produção das idéias sobre uma dada sociedade e seu tempo, abarcando conflitos e

tensões sociais, na extensão de uma narrativa literária, possibilitou a compreensão da análise de

uma espécie de discurso – o literário – sobre a escravidão e suas formas de resistências

localizadas em Os Tambores de São Luís.

Essa abordagem que aproximou História e Literatura consistiu na tentativa de

relacionar campos de investigação frequentemente separados pelas fronteiras do que se entende

por ciência e por arte, para a partir de seus pontos comuns, entender as representações sobre as

relações entre os homens no tempo.

Isto posto, esclarecemos que no impulso de pensar o homem em suas constantes

influências sociais e culturais na perspectiva do discurso literário, tentou-se perceber nessa

lógica, como os homens pensavam, como eles expressavam o universo e o social de sua época, a

partir da obra de Montello.

Ocorre, porém, que para apreendermos tais aspectos por meio do discurso literário,

necessitou-se considerar as devidas influências do próprio Josué Montello e, portanto, saber onde

se fundamenta este discurso. Esse esforço é necessário para que seja compreendida a construção

de sua própria obra e de seu tema, pois existem influências que não se afastam de seu próprio

texto.

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Considerando, então, que cada formação social tem suas próprias raízes e seus

próprios significados, o que nos interessou como objeto de reflexão foi a análise de um discurso

que estava imbuído de representações específicas de quem o escreveu, isto é, perceber a obra

como um discurso que revela as impressões de um homem situado em seu tempo que atribui

significados a outros homens em outro tempo. Os Tambores de São Luís é escrito no século XX,

embora a sua trama principal seja ambientada no século XIX, onde são retratados costumes da

sociedade desse momento, além de tratar de fatos como a abolição da escravatura e a luta que fez

parte desse contexto social e político. Desse modo, a abordagem literária sobre acontecimentos

passados também reflete, de sua maneira própria, uma percepção de interpretação social, que não

é exclusividade da ciência histórica, antropológica etc.

A atribuição de uma interpretação literária sobre acontecimentos históricos, não é aqui

considerada numa escala inferior a historiográfica, mas sim, compreendida como um outro olhar

interpretativo que também possui sentido e significados, que auxiliam o historiador no seu

esforço de pensar as relações históricas dos homens em sociedade e de compreender como essa

outra interpretação é construída em suas particularidades existentes na forma de linguagem

literária.

Isso constitui para o historiador e mais precisamente para sua investigação histórica,

uma tentativa de pensar o homem em suas relações com o seu tempo aproximando os diferentes

olhares existentes sobre tais relações, contribuição esta que longe de comprometer sua análise

auxilia na medida em que entrecruza interpretações diversas sobre o homem e suas relações

sociais e culturais.

A escravidão e as resistências escravas como tema literário, revelaram a imagem

referente ao escravo mostrada na sua condição constante de luta, nas suas revoltas, e nas suas

redenções, abarcando todo um longo período da experiência escrava, numa sociedade com seus

clérigos, seus escritores, seus políticos e demais camadas desfavorecidas, cujas relações eram

permanentemente tensas devido a atmosfera de animosidade fruto das contradições sociais.

A perspectiva adotada pelo romancista no que concerne a abordagem das práticas de

resistência escravas as colocaram numa linha interpretativa que os identificava como seres

atuantes, cujas atitudes de manifestações eram tipicamente heróicas. Nesse sentido, os escravos

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eram seres humanizados que pensavam, sofriam e possuíam consciência de sua situação e por

isso ganharam voz em sua obra.

Se, portanto, queremos compreender e apreciar as representações construídas sobre os

escravos, não temos necessariamente que escolher entre esta ou aquela interpretação, não temos

que optar obrigatoriamente entre um aspecto ou outro, entre uma linguagem ou outra, vez que os

significados de todas elas concorrem para revelar as relações entre os homens em seus traços

essenciais.

Portanto, foi a conjunção de olhares, representações e sentidos que nos interessaram

para refletir sobre a sociedade escravista e sobre a imagem do escravo e de suas resistências no

século XIX a partir do discurso literário de Josué Montello em sua obra Os Tambores de São

Luís.

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ANEXOS9

Foto 1 - Josué Montello recebendo José Sarney na Academia Brasileira de Letras. Em 07/11/1980

Foto 2 - São Luís no final de século XIX - criação e arte: Rudy Pythagoras Alves - 1986

9 Todas as imagens deste anexo foram retiradas do “Espaço Josué Montello” da 1ª Feira do Livro de São Luís, ocorrida entre os dias 18 a 27 de outubro de 2007.

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Foto 3 - Rio de Janeiro, 4 de junho de 1955. Posse de Josué Montello na Academia Brasileira de Letras.

Foto 4 - Cópia dos Originais da obra Os Tambores de São Luís

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Foto 5 - Carta de Juscelino Kubitscheck sobre o livro "Anedotário da Academia", organizado por Josué

Montello.

Foto 6 - Josué Montello acompanhando Roberto Marinho e o Ministro da Educação em visita à Academia

Brasileira de Letras. (1995)

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Gomes, Thiago Henrique Melo. Josué Montello e o discurso literário: resistência escrava em Os Tambores de São Luís / Thiago Henrique Melo Gomes. – São Luís, 2007. 73. f. Orientador: Profº. Drº. Josenildo de Jesus Pereira. Monografia (Graduação) - Curso de História ¬ Universidade Estadual do Maranhão, 2007.

1. Literatura. 2. Josué Montello. 3. Resistência escrava. 4. Escravidão. I. Título. CDU: 82-311. 6:326.4(812.1)