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Título: Gestão local de políticas públicas: cooperação agrícola e exclusão social no município de São José do Cerrito (SC) Autor: Ademir Antonio Cazella Professor do Programa de Pós-graduação em Agroecossistemas (PPAGR) da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC) CPF: 551510609-10 CCA/UFSC Cx. P. 476 88040-900- Florianópolis-SC [email protected] Grupo de pesquisa 8: Instituições e Organizações na Agricultura Apresentação em sessão com debatedor

Título: Gestão local de políticas públicas: cooperação ... · seguida aborda-se o funcionamento do Conselho e a gestão do Pronaf infraestrutura para, finalmente, analisar,

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Título: Gestão local de políticas públicas: cooperação agrícola e exclusão social no município de São José do Cerrito (SC) Autor: Ademir Antonio Cazella Professor do Programa de Pós-graduação em Agroecossistemas (PPAGR) da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC) CPF: 551510609-10 CCA/UFSC Cx. P. 476 88040-900- Florianópolis-SC [email protected] de pesquisa 8: Instituições e Organizações na Agricultura Apresentação em sessão com debatedor

Gestão local de políticas públicas: cooperação agrícola e exclusão social no município de São José do Cerrito (SC)

Resumo Este artigo apresenta o estudo de caso realizado no município de São José do Cerrito (SC) referente ao projeto de pesquisa “Multifuncionalidade da agricultura: construção de um modelo de análise no âmbito local a partir de um dispositivo comparativo entre França e Brasil”. O objetivo principal dessa pesquisa consiste em analisar os principais componentes multifuncionais da agricultura na ótica dos atores locais. Para tanto buscou-se compreender a dinâmica de funcionamento do Conselho Municipal de Desenvolvimento Rural. No município estudado, esse Conselho teve dez encontros entre os anos de 2001 e 2003, período que coincide com a implementação no município da modalidade denominada “Infraestrurura e Serviços Municipais” do Programa Nacional de Fortalecimento da Agricultura Familiar. Dentre as principais conclusões destaca-se o paradoxo entre o incentivo às diversas formas de cooperação agrícola e a exclusão social de um número significativo de famílias de agricultores pobres do município. Essas famílias não são percebidas como estratégicas para o desenvolvimento local pela maioria dos conselheiros.

Palavras-chave: multifuncionalidade agrícola, política pública, cooperação

agrícola, exclusão social Apresentação Este artigo discute parte dos objetivos e questões previstos no projeto de pesquisa

intitulado “Multifuncionalidade da agricultura: construção de um modelo de análise no âmbito local a partir de um dispositivo comparativo entre França e Brasil”1, tendo por referência o estudo de caso realizado no município catarinense de São José do Cerrito. O objetivo principal desse projeto consiste em “definir um modelo de análise, no âmbito local, acerca dos principais componentes multifuncionais da agricultura”. Os aspectos metodológicos que se pretende analisar contemplam os seguintes objetivos específicos: a) analisar as produções mercantis e não mercantis relativas às diversas funções da

agricultura, bem como as expectativas sociais que as sustentam; b) identificar e caracterizar as diferentes categorias de agricultores em função das suas

práticas e das expectativas vis-à-vis dos impactos ambientais, sociais, econômicos e culturais das suas atividades;

c) compreender os jogos (alianças e oposições), bem como suas gêneses (processos históricos) que estruturam o contrato social considerando as funções da agricultura e/ou a relação de forças entre os grupos constituídos;

d) analisar os processos de concertação e negociação entre os atores sociais; e) compreender a influência da multifuncionalidade da agricultura em relação à

estruturação do território; Neste estudo de caso priorizou-se a análise dos três últimos objetivos específicos e,

em especial, o funcionamento de dois espaços de concertação e negociação política que,

1 Projeto de pesquisa vinculado ao edital “Recherches et expertises sur la multifonctionnalité de l’agriculture et des espaces ruraux” (INRA/CIRAD/CEMAGREF) e executado por uma rede de pesquisadores brasileiros e franceses.

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dentre outras coisas, influenciam a alocação e a forma de gestão de recursos destinados à promoção do desenvolvimento rural na esfera municipal: a Câmara de Vereadores (CV) e o Conselho Municipal de Desenvolvimento Rural (CMDR)2.

Para tanto, duas etapas de pesquisa de campo foram efetuadas, sendo uma no mês de dezembro de 2003 e outra no mês de fevereiro de 2004. Dos dezoito atores sociais entrevistados, treze são membros do CMDR (agricultores e representantes de instituições públicas e sindicais). Entre os entrevistados que não compõem esse Conselho encontram-se dois membros do serviço público municipal (a secretária municipal de assistência social e o assessor da presidência da CV) e três da sociedade civil (o gerente da cooperativa de crédito rural, a vice-presidente do Sindicato dos Trabalhadores Rurais –STR- e o pároco). O roteiro de entrevistas era composto de perguntas que buscavam reconstituir, inicialmente, a trajetória política e profissional do informante e, em seguida, perceber sua avaliação acerca dos papéis que a agricultura desempenha na dinâmica local de desenvolvimento e do uso dos recursos públicos alocados à agricultura. Por fim, o informante fazia sua projeção em relação às perspectivas futuras da agricultura praticada no município.

Além dessas entrevistas procedeu-se a análise das atas das reuniões do CMDR. Esse Conselho teve dez encontros entre os anos de 2001 e 2003, período que coincide com a implementação no município da modalidade denominada “Infraestrurura e Serviços Municipais” do Programa Nacional de Fortalecimento da Agricultura Familiar (Pronaf).

Na seqüência apresenta-se a configuração política da câmara municipal de vereadores e os principais temas discutidos em plenária relacionados ao meio rural e à agricultura. Nesse tópico é recuperada a gênese da orientação política adotada pelo poder público municipal de organizar os agricultores em grupos de cooperação agrícola. Em seguida aborda-se o funcionamento do Conselho e a gestão do Pronaf infraestrutura para, finalmente, analisar, a partir da ótica dos entrevistados, os papéis atuais da agricultura e sua projeção futura na dinâmica local de desenvolvimento3.

1- A Câmara Municipal de Vereadores e a política de cooperação agrícola A maior parte das informações discutidas neste tópico foi fornecida pelo assessor de

gabinete da presidência da Câmara. Trata-se de um pequeno agricultor que ocupou a presidência do STR durante doze anos (1977-1989). No final do seu quarto mandato deixou o cargo, segundo ele, ao perceber a importância política do movimento de oposição sindical. Na época, a Comissão Pastoral da Terra e o Centro Vianei de Educação Popular (Vianei)4 assessoraram a constituição desse movimento. Desde então, esse ex-sindicalista atua junto ao legislativo municipal e, dentre outras coisas, realiza as declarações de bens

2 A discussão dos dois primeiros objetivos específicos está disponível no relatório de pesquisa organizado por Maluf et al. (2003). Uma síntese dessa primeira etapa de trabalho pode ser consultada em Carneiro e Maluf (2003). 3 O autor agradece a Márcia Kuneski pelo auxílio à pesquisa de campo. 4 Trata-se da mais antiga ONG do estado dentre aquelas que atuam no meio rural. Ao longo da sua existência sempre contou com o apoio financeiro e logístico da Igreja Católica para desenvolver trabalhos de orientação técnica e sindical junto aos agricultores segundo os preceitos da “agroecologia” e da cooperação agrícola (cooperativas, grupos de máquinas, etc). O Vianei foi criado no início dos anos 1980 por ex-assessores do então prefeito do município de Lages. O governo municipal de Dirceu Carneiro (1977-1983) ficou conhecido nacionalmente por sua postura progressista e de oposição ao regime militar da época.

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dos vereadores para a receita federal. Em função disso, o entrevistado não teve dificuldades em traçar o perfil socioeconômico dos membros da CV.

Na última legislatura (2001-2004), os nove vereadores pertenciam aos seguintes partidos políticos: três do PMDB, dois do PL; dois do PFL; um do PP e outro do PPS (eleito pelo PDT). O então prefeito estava no seu segundo mandato e, por ter ocupado esse cargo em períodos não consecutivos, tinha a intenção de se re-candidatar nas eleições de 20045. Filiado ao PL se elegeu por intermédio de uma coligação que, além do seu partido, reuniu o PFL e o PMDB. Esse último partido possuía a maior bancada legislativa e o cargo de vice-prefeito, além das secretarias municipais de agricultura e de obras e planejamento. Desde o final de 2001, o vice-prefeito acumulava a função de secretário municipal de agricultura. Formado em biologia atua como professor da rede de ensino público municipal. Filho de uma família de agricultores do município, nas horas vagas dedica-se à criação de gado de corte e à apicultura no estabelecimento agrícola da família.

Apenas três vereadores ocupavam o cargo pela segunda vez. Os demais estavam no seu primeiro mandato. Em relação à ocupação profissional, a maioria (78%) tem um vínculo com o setor primário (agropecuária e serrarias). Apenas dois (22%) não desenvolviam atividades associadas à agropecuária ou à extração de madeira. Um deles é, ao mesmo tempo, fotógrafo e taxista no município e o outro exerce a profissão de advogado, mas sua família é proprietária de fazendas de gado no município.

Dois vereadores são proprietários de indústrias madeireiras e exercem de forma exclusiva essa atividade. Nos últimos anos vêm realizando reflorestamentos com pinus sp em terrenos próprios e arrendados de terceiros, como forma de suprir a escassez de matéria-prima para as serrarias. Os remanescentes de floresta atlântica existentes no município encontram-se em Áreas de Preservação Permanente (APP) e os órgãos de fiscalização ambiental têm atuado de forma sistemática na região, dificultando o corte de mata nativa.

Dentre os cincos outros vereadores, um é contabilista e possui uma "chácara" no município vizinho de Lages, onde cria gado de corte. Para os demais, a agropecuária é a atividade principal. Segundo o entrevistado, um deles é um "fazenderote" proprietário de três glebas de terras que totalizam cerca de 500 ha, dois são “agricultores médios” que possuem em torno de 50 ha, e o outro é um pequeno agricultor proprietário de 15 ha, onde cultiva milho, feijão, pinus e produz leite.

Quando questionado sobre quais são os principais temas discutidos nas plenárias da Câmara, relata que questões ligadas à agricultura ocupam a maior parte das sessões. Até há pouco tempo, a pavimentação do trecho da BR 282 que liga São José do Cerrito ao município de Lages foi o tema principal dos parlamentares. Com o compromisso assumido pelo atual Governo do Estado em concluir com recursos próprios os cerca de 20 km que faltam ser pavimentados, outros temas passaram a ser priorizados.

A melhoria e a manutenção dos cerca de 2500 km de estradas municipais têm sido o assunto principal. A preocupação com o escoamento da produção agropecuária está associada às condições das estradas vicinais do município. O segundo ponto mais corrente refere-se à emissão de nota de produtor rural no ato de comercialização da produção pelos agricultores. O aumento da arrecadação municipal depende, dentre outros fatores, do incremento do Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS). A maioria dos produtores rurais ou não recolhe esse imposto, ou o faz somente sobre uma pequena parte

5 Nas últimas eleições foi derrotado pelo candidato do PMDB que, por sua vez, já havia sido prefeito no início dos anos 1980.

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da produção comercializada, como forma de assegurar seus benefícios junto à previdência social. Por fim, destacou que a promoção da produção leiteira através de cursos técnicos e a criação de grupos de cooperação de agricultores nas comunidades rurais são assuntos que complementam as pautas das sessões plenárias.

A promoção da bovinocultura de leite está vinculada à atuação de um dos vereadores. Por ser um produtor de leite conhece as dificuldades relacionadas à sua comercialização. O principal lacticínio da região, uma empresa privada localizada no município de Lages (Lactoplasa), somente coleta o leite nas comunidades rurais do município que possuam, ao mesmo tempo, acessos rodoviários em bom estado de conservação e um volume de produção mínimo. Um pequeno agricultor isolado dificilmente consegue cumprir esse último requisito e, menos ainda, assegurar ao lacticínio que as estradas serão restauradas sempre que necessário.

Pré-requisitos dessa natureza explicam, em parte, a ênfase dada localmente à constituição de grupos de cooperação agrícola nas comunidades rurais. Trata-se da principal orientação político-organizacional adotada por um conjunto de instituições públicas que atuam no município (CV, SMA, Epagri e Vianei). No entanto, a origem dessa orientação remonta ao mandato popular do então prefeito Dirceu Carneiro junto à prefeitura municipal de Lages. Entre 1977 e 1983, esse político tornou-se uma notoriedade nacional pela inovação na sua forma de governar, criando diferentes mecanismo de participação da sociedade civil na administração pública. No meio rural, por exemplo, promoveu a constituição das chamadas Comunidades Rurais Organizadas (CRO), através da constituição de grupos de cooperação agrícola nas comunidades rurais.

Essa experiência serviu de referência para as lideranças do PMDB que venceram as eleições municipais de São José do Cerrito no início dos anos 1980. Após um continuísmo de 20 anos de governos ligados à antiga Arena e ao PDS, que iniciou com a emancipação política do município em 1962, a vitória do candidato do PMDB representou uma ruptura na forma de conduzir a política local. Para Munarim (2000), São José do Cerrito foi, dentre os municípios da região, aquele que mais se destacou em termos de democratização e organização da sociedade civil.

Os responsáveis da época pelos serviços públicos municipais ligados à agricultura passaram então a criar as CRO nas comunidades rurais de São José do Cerrito. Inicialmente, o incentivo à mobilização dos agricultores estava associado à prestação de serviços de máquinas por parte do poder público. Os agricultores organizados em grupos tinham prioridade de atendimento para a realização de obras de infra-estrutura (terraplanagem, construção de açudes e abertura de vias de acesso no interior dos estabelecimentos), além de aração e gradagem das lavouras.

Apesar dessa prioridade, passadas mais de duas décadas apenas três das trinta e oito comunidades rurais do município - Fazenda Nova, Itararé e Santo Antônio dos Pinhos- possuem associações formais de agricultores originárias das CRO. Na primeira, 24 agricultores foram beneficiados ao longo do tempo com subvenções para a aquisição de máquinas e implementos agrícolas. Recentemente encontram-se em fase de construção de uma unidade de limpeza e classificação de cebola adquiridos com recursos do Pronaf “Infra-estrutura”. A segunda comunidade (Itararé) também possui uma “patrulha de máquinas” e equipamentos agrícolas geridos de forma comunitária. A exemplo da Fazenda Nova, a associação de Itararé adquiriu um resfriador de leite através do Pronaf, que servirá de entreposto de coleta da empresa Lactoplasa. Na terceira comunidade (Santo Antonio dos Pinhos), um grupo de agricultores tem recebido orientação da equipe técnica do Vianei

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visando converter seus estabelecimentos para a agricultura orgânica. Além disso, nessa comunidade existe uma unidade de ensino supletivo de 5a a 8a série denominada Casa Familiar Rural (CFR), que conta com o apoio do Vianei e da administração municipal para a sua operacionalização. A construção de uma nova sede para a CFR foi prevista nos Planos de Trabalho (PT) do Pronaf.

Embora a maioria das comunidades rurais não tenha avançado na constituição de associações ou outras formas de cooperação agrícola, a persistência dessa orientação política no seio do poder público municipal influenciou a escolha dos representantes comunitários junto ao Conselho Municipal de Desenvolvimento Rural. Na próxima seção será analisada a composição do CMDR de São José do Cerrito e a dinâmica de concertação política estabelecida no interior desse fórum. A partir do perfil socioeconômico dos seus membros pretende-se identificar as categorias de “agricultores legitimados”6 pelas políticas públicas de desenvolvimento rural.

2- A constituição do CMDR e a gestão do Pronaf: princípios norteadores O CMDR de São José do Cerrito foi criado em março de 1997 através de decreto

municipal (n°601/67), mas permaneceu inoperante até meados de 2001. No segundo semestre desse ano, o Conselho foi rearticulado, em virtude da inclusão do município no âmbito do Pronaf infraestrutura e serviços municipais. Uma das condições instituídas nas normas dessa linha do Pronaf é a constituição de CMDRs em cada município que integra o programa. Dentre as funções desse Conselho estabelecidas nas normas do Pronaf figura a elaboração do Plano Municipal de Desenvolvimento Rural (PMDR) e dos Planos de Trabalhos anuais. Até 2002, o Pronaf “infra-estrutura” previa a liberação de quatro parcelas anuais no valor unitário de R$ 150.000,00 reais para o financiamento de projetos de investimentos em infra-estrutura rural que beneficiasse os agricultores familiares do município7.

A inoperância inicial do CMDR de São José do Cerrito está longe de ser um fato inusitado, uma vez que a ampla maioria dos municípios catarinenses encontra-se nessa mesma situação. Uma pesquisa de avaliação do Pronaf infra-estrutura e serviços municipais no estado, coordenada pelo Instituto Brasileiro de Análises Sociais e Econômicas, revelou que, na maioria dos municípios amostrados, os Conselhos foram criados ou rearticulados em função desse programa8.

No entanto, esse estudo demonstrou que essa modalidade do Pronaf serviu para desencadear, mesmo que de forma incipiente, dinâmicas de planejamento e de elaboração de PMDRs com um mínimo de discussão e participação dos agricultores em suas comunidades rurais. Mesmo que os planos de trabalho dos extensionistas da Empresa de Pesquisa Agropecuária e Extensão Rural de Santa Catarina (Epagri) tenham servido de referência para a elaboração da maioria dos PMDR, por vezes sendo reproduzidos na sua íntegra, um mínimo de discussão aconteceu nas comunidades rurais, quando da escolha dos representantes dos agricultores para compor os Conselhos.

Em São José do Cerrito, nem mesmo essa dinâmica foi executada. Embora o CMDR seja constituído por uma maioria de agricultores, os mesmos foram indicados pela

6 Para uma discussão acerca dessa categoria de análise consultar Cazella (2002). 7 O processo de constituição e implementação do Pronaf foi analisado por Schneider, Cazella e Mattei (2004). 8 Uma versão resumida dessa avaliação pode ser consultada em Mattei e Cazella (2004).

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administração municipal. Segundo o presidente do STR, o então titular da Secretaria municipal de agricultura justificou essa postura pela necessidade de constituir um Conselho com pessoas minimamente capacitadas. Na opinião do secretário, a eleição ou a escolha dos agricultores conselheiros pelos seus pares nas comunidades rurais não garantiria o nível mínimo de qualidade almejada.

Essa tomada de decisão se explica, em parte, pela fragilidade do processo conhecido no estado por “municipalização da agricultura” e, em conseqüência, pela forma de atuação da Secretaria Municipal de Agricultura. A partir do final dos anos 1980, as administrações municipais catarinenses foram incentivadas pela Secretaria de Estado da Agricultura a constituir equipes técnicas próprias e articular suas ações para o setor com aquelas empreendidas pela Epagri. Uma das principais mudanças consistiu em repassar às administrações municipais as atividades de planejamento e de execução dos planos municipais de desenvolvimento rural. Para tanto, a Epagri passou a firmar convênios com as prefeituras visando o repasse de recursos para a contratação temporária de extensionistas rurais.

A localização da sede do escritório Epagri de São José do Cerrito, até há pouco tempo separada das dependências da Secretaria Municipal de Agricultura, refletia a fragilidade desse processo no município. A Epagri reduziu seu quadro técnico local de quatro profissionais para um engenheiro agrônomo, que atuava em vários municípios da microrregião.

Após uma década de “municipalização da agricultura” persiste a disposição do governo estadual em evitar a incorporação de novos profissionais no seu quadro de pessoal. No entanto, a precariedade institucional das contratações efetuadas via convênios com os municípios tem levado a uma grande rotatividade de técnicos e, conseqüentemente, a freqüentes interrupções das atividades. Com isso, adotou-se no âmbito do programa Microbacias9, de um lado, a reposição de alguns postos via contratação pelo Estado e, de outro, o aprofundamento dos contratos temporários, dessa vez, firmados entre as recém criadas associações de microbacias.

No município, duas microbacias farão parte do programa e, para tanto, equipes de trabalho compostas por engenheiros agrônomos ou técnicos de nível médio e extensionistas domésticas rurais deverão, em breve, ser contratadas. Até então, a SMA de São José do Cerrito possuía, além do seu titular que, como vimos, acumulava o cargo de Vice-prefeito, quatro profissionais: um médico veterinário, dois técnicos agrícolas de nível médio e um agente administrativo. Desses, o veterinário dedica-se de forma prioritária à organização de duas feiras bovinas e ao acompanhamento dos estabelecimentos de grandes e médios pecuaristas do município. Além disso, esse profissional possui seu próprio estabelecimento, onde cria gado bovino e ovino.

Dessa forma, a maior parte do trabalho da SMA ficava a cargo dos técnicos agrícolas. Entrevistas com esses profissionais serviram para constatar o despreparo dos mesmos para atuar como agentes de desenvolvimento local. A inoperância desses técnicos era justificada pela escassez de recursos materiais para se deslocarem até as comunidades rurais. No entanto, a falta de entrosamento com profissionais de outras Secretarias Municipais, que atuam na zona rural do município (Educação, Saúde e Assistência Social), era notória. A secretária de assistência social, por diversas vezes, destacou a dificuldade de

9 Trata-se de um programa financiado pelo Bando Mundial, que prevê ações voltadas prioritariamente para o alívio da pobreza no meio rural e à preservação ambiental no estado de Santa Catarina.

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articular as ações que sua pasta desenvolve junto às famílias de agricultores pobres do município com aquelas empreendidas pela SMA. Em suma, o pouco da orientação técnico-agronômica fornecida localmente é direcionada para os agricultores com melhor estrutura econômica.

O processo de constituição do CMDR reflete, portanto, essa seletividade do público beneficiado pelos serviços da SMA. Ao invés dos responsáveis pelos serviços públicos voltados para meio rural optarem pela escolha de representantes do conjunto das comunidades rurais, a decisão consistiu em compor o Conselho por membros considerados os mais capacitados para planejar o desenvolvimento rural e agrícola do município.

Com isso, apenas as comunidades rurais que possuem associações ou grupos de cooperação agrícola, mais ou menos, ativos integram o CMDR. Nas palavras do secretário municipal de planejamento e obras, ex- vice- prefeito municipal, procurou-se com isso, incentivar, fortalecer e premiar aquelas comunidades que adotaram as formas de organização preconizadas pelo poder público municipal.

Dessa forma, a maioria das 38 comunidades rurais do município não está representada no interior desse fórum. Desse total, apenas nove comunidades (25%) têm um representante no interior do CMDR. Esses conselheiros fazem parte de grupos ou de associações de agricultores nas suas respectivas comunidades.

Os técnicos da secretaria municipal de agricultura tampouco promoveram reuniões nas comunidades rurais para debater com os agricultores os objetivos do programa, nem para definir os projetos a serem financiados. A maioria dos agricultores definitivamente não foi consultada em nenhuma fase do processo. A decisão sobre os financiamentos foi tomada de forma exclusiva entre técnicos, políticos locais e representantes de grupos de cooperação agrícola que, do ponto de vista socioeconômico, fazem parte de uma categoria intermediária de agricultores.

Se os proprietários de grandes e médias fazendas não foram os principais beneficiados pelo Pronaf infra-estrutura, o mesmo pode-se dizer da maioria dos agricultores empobrecidos do município. Em trabalhos anteriores chamávamos a atenção para a importância social de um número expressivo de famílias de agricultores cujos membros são obrigados a recorrer ao trabalho assalariado sazonal em reflorestamentos de pinus e colheitas diversas para assegurar sua reprodução social. Essa categoria de agricultores não foi contemplada pelos projetos elaborados pelos membros do CMDR e financiados pelo Pronaf.

Dentre os projetos aprovados, as comunidades rurais representadas no Conselho foram as mais beneficiadas em volume de recursos financeiros: resfriador de leite (Itararé), balanças para pesagem de animais (Bela Vista, Santa Catarina, Canoas, São João), Casa Familiar Rural e unidade de beneficiamento de feijão (Santo Antônio dos Pinhos), unidade de beneficiamento de cebola (Fazenda Nova).

A gestão do Pronaf infraestrutura contrasta com o fato do município ter sido palco de uma experiência piloto de planejamento participativo entre os anos de 1995-1996. Por iniciativa do Vianei, em parceria com o Centro de Estudos e Promoção da Agricultura de Grupo (CEPAGRO)10 e de lideranças municipais constituiu-se um Fórum de Desenvolvimento Local (FDL) que contava com a participação de representantes das comunidades rurais. Através da parceria entre o poder público e organizações da sociedade

10 O CEPAGRO é uma ONG criada em 1990 por técnicos interessados na promoção da agricultura de grupo.

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civil desencadeou-se um processo de “desenvolvimento local”, que se orientava pelas seguintes diretrizes de trabalho:

a) a agricultura familiar como base de um novo modelo de desenvolvimento rural; b) a cooperação e a solidariedade entre os agricultores como imprescindíveis à manutenção e ao fortalecimento da agricultura familiar; c) a melhoria da qualidade de vida das populações rurais, inclusive pela criação de infra-estrutura social; d) a criação de empregos no meio rural como forma de evitar o êxodo rural, inclusive pela introdução de novas atividades econômicas; e) a pluriatividade como forma de possibilitar a estabilidade da renda e do panorama rural; f) a participação comunitária como catalisador de todo o processo; g) o papel determinante do poder público em todo o processo; h) a conservação da qualidade ambiental como fator imprescindível na definição das diretrizes do projeto de desenvolvimento local (Turnes, 1998 apud Rover, 2000, p. 43-44).

Um Plano Estratégico e Participativo (PEP) chegou a ser elaborado, mas sua

implementação foi interrompida após as eleições de 1996 e as mudanças na administração municipal. A demora do processo de planejamento e pressões políticas por parte dos vereadores são apontadas como justificativas para a desmobilização do FDL. Para os vereadores, o Fórum representava um espaço político que concorria e, no limite, substituía as funções da câmara de vereadores.

3- Configuração sócio-política do CMDR Dos vinte e cinco membros que integram o CMDR, a maioria dos conselheiros

desenvolve alguma atividade agropecuária. Somente três (12%) não têm renda decorrente de atividades agrícolas. Nesse grupo encontravam-se o prefeito municipal da época que, além de contador, possui uma oficina mecânica; a extensionista doméstica rural da Epagri e a diretora da CFR, uma engenheira agrônoma contratada temporariamente pela prefeitura para atuar nessa unidade de ensino11. Essas duas conselheiras eram as únicas mulheres que participavam do Conselho, confirmando a regra verificada pela pesquisa sobre o Pronaf infraestrutura acima citada de que os CMDR são constituídos fundamentalmente por representantes do sexo masculino.

Vinte e dois conselheiros (88%) praticam algum tipo de produção agropecuária, dos quais dez (40%) são agricultores monoativos, ou seja, a agricultura é a única fonte de renda dos mesmos. Ressalta-se, no entanto, que não foi possível avaliar o conjunto de atividades econômicas desenvolvidas pelos demais membros das famílias dos conselheiros. Para doze conselheiros (48%), as atividades agropecuárias são compartilhadas com outras funções -políticas e econômicas- remuneradas. Nesse grupo de agricultores pluriativos encontravam-se quatro vereadores e o secretário municipal de planejamento e obras. Apesar desses cargos serem, respectivamente, de caráter eletivo e de confiança, passíveis de interrupções decorrentes de mudanças na conjuntura política, neste trabalho optou-se por considerá-los como sendo dupla atividade.

A Câmara Municipal de Vereadores possui oficialmente duas vagas no CMDR. Uma é reservada à presidência, independente da atividade econômica do vereador que a exerça, e outra é atribuída a um membro do poder legislativo que tenha a agropecuária

11 Essa profissional solicitou sua demissão após um conjunto de desavenças com a administração municipal em torno da construção da nova sede da CFR.

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como atividade econômica principal. Além dessas vagas, dois representantes de grupos de agricultores junto ao Conselho eram vereadores.

O poder executivo é representado no Conselho pelo prefeito e pelo secretário municipal de agricultura. Após um período de "vacância" do titular dessa secretaria devido à saída do município, em 2001, de um engenheiro agrônomo contratado pela prefeitura, o atual vice- prefeito assumiu a função. O secretário municipal de planejamento e obras participa do CMDR na condição de representante da agricultura orgânica. Membro de uma família de pecuarista, filho do primeiro prefeito de oposição eleito no município12 e ele próprio vice-prefeito entre 1997 e 2000, tem uma formação em técnico em agropecuária. Recentemente, participou da criação do Instituto de Permacultura Austro- Brasileiro (IPAB), junto com um professor da escola agrícola estadual existente no município. Além de promover ações na área ambiental, a exemplo de uma usina municipal de reciclagem de lixo, hortas escolares e comunitárias e unidades de captação de água da chuva, encontra-se em fase de conversão da sua propriedade com base nos preceitos da permacultura13.

O sindicalismo rural está representado no Conselho pelos presidentes do Sindicato dos Trabalhadores Rurais (STR) e do Sindicato dos Produtores Rurais (SR). O primeiro é um pequeno agricultor que participou nos anos 1980 do movimento de oposição sindical coordenado pela CPT e pelo Vianei. Encontra-se à frente do STR há mais de 15 anos, alternando as funções de presidente e vice-presidente dessa instituição.

O segundo é professor do colégio agrícola e proprietário de um estabelecimento rural, onde cria gado de corte. Até 2003, esse sindicato encontrava-se inoperante no município e sequer possuía uma sede administrativa. Com a eleição de uma nova diretoria, o SR dispõe de um espaço físico no centro da cidade e, dentre outras ações, passou a acessar os recursos financeiros do Serviço Nacional de Aprendizagem Rural (SENAR). Membro fundador do IPAB, o atual presidente do SR, tem interesse em promover cursos de formação nas comunidades rurais sobre o tema da permacultura.

Entre os integrantes do CMDR encontra-se, também, um representante da Associação dos Produtores Rurais de São José do Cerrito. Essa associação aglutina hoje cerca de 100 pecuaristas do município que, a partir de 1997, organizam duas feiras municipais de gado bovino. Os estabelecimento rurais desses pecuaristas situam-se acima da média das demais unidades agrícolas do município, seja em área, seja em infraestrutura. À frente dessa iniciativa encontra-se o médico veterinário contratado pela prefeitura municipal. Como vimos, esse profissional é pecuarista no município, tendo herdado a propriedade familiar.

Apesar da importância socioeconômica dessa Associação na dinâmica local de desenvolvimento, o fato de dispor de um profissional contratado com recursos da prefeitura evidencia, mais uma vez, o vínculo entre capacidade econômica, organização sócio-política e inclusão social. Ou seja, são os segmentos sociais com maior vínculos com os mercados (de produtos, de crédito e de informação) que se organizam em grupos de cooperação e asseguram, assim, o acesso aos recursos públicos e às políticas de desenvolvimento rural.

12 Nas eleições municipais de 2004, esse pecuarista foi reeleito para o cargo de prefeito municipal através de uma coligação que reuniu o PMDB, PT, PP, PTB e PSDB. 13 Os australianos Bili Mollison e David Holmgren foram os idealizadores da permacultura no início dos anos 1970. Em contraposição à agricultura convencional baseada em ciclos curtos, que exigem freqüentes intervenções mecânicas e químicas, eles desenvolveram um conjunto de preceitos para promover uma agricultura permanente. O termo permacultura significa cultivo permanente (Jaeger Soares, 1998).

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Além desses conselheiros, fazem parte do CMDR representantes dos apicultores, dos piscicultores e da cooperativa de crédito rural do município. Os apicultores constituíram, recentemente, uma associação composta por cerca de 40 agricultores. A apicultura é uma atividade secundária para a maioria deles, mas a região apresenta condições propícias para a atividade em função da existência de uma expressiva área com matas e campos nativos, com floradas diversificadas ao longo do ano. O presidente dessa associação é um agricultor pluriativo, cuja profissão principal é exercida junto ao colégio agrícola na condição de funcionário. No estabelecimento familiar produz principalmente para o autoconsumo, além de se dedicar à produção de mel. Nessa atividade exerce, também, o papel de atravessador, adquirindo mel e própolis dos demais produtores do município.

A vaga para os piscicultores no CMDR, também, foi prevista com a intenção de promover essa atividade no município, dada a existência de potencialidades naturais. Para representar os piscicultores, o então secretário de gabinete do prefeito, que atua, também, como advogado foi indicado para o cargo. Na propriedade agrícola dos pais, auxilia na gestão das lavouras de feijão e milho, além da implantação de uma unidade de criação de peixes. Segundo estimativas desse conselheiro, cerca de 40% dos estabelecimentos rurais do município têm açudes, mas a produção não é comercializada, sendo exclusiva para autoconsumo, ou a unidade encontra-se desativada.

A Credicarú, cooperativa de crédito rural do município, está representada no Conselho pelo seu presidente. Trata-se de um filho de agricultor da comunidade de Santo Antônio dos Pinhos, que participou de diversos cursos de formação de lideranças organizados pelo Vianei. Atualmente, ele tem se dedicado exclusivamente à administração da cooperativa. Quando questionado se ainda pode ser considerado agricultor, a resposta é afirmativa, já que mantém uma sociedade com os pais agricultores. Na realidade, a condição de agricultor é obrigatória para ser sócio da cooperativa.

Essa cooperativa de crédito rural tem facilitado o acesso ao crédito de custeio do Pronaf a agricultores que nunca haviam sido beneficiados com financiamentos públicos. A existência da modalidade de crédito denominada “Pronaf C” e a inserção de diretores da Credicarú nas comunidades rurais explicam esse quadro.

Na seqüência passamos a discutir as percepções dos membros do Conselho acerca da importância das diferentes funções da agricultura para a dinâmica de desenvolvimento do município. Para tanto, dividimos a análise em dois segmentos: a primeira aborda as funções socioeconômicas e os impactos ambientais da agricultura e a segunda discute a prospecção que os entrevistados fazem da agricultura para os próximos dez anos.

4- Papéis da agricultura local na visão dos membros do CMDR Ao serem questionados sobre os papéis que a agricultura desempenha para o

município, os entrevistados são praticamente unânimes em afirmar que esse setor é a base econômica de São José do Cerrito. Cerca de 30% ressaltam, de forma complementar, o peso das aposentadorias dos agricultores na economia local. Para o representante do IPAB no Conselho, outra característica econômica relevante do município reside no fato que boa parte das famílias que habitam na sede (cidade) desenvolve algum tipo de atividade agropecuária associada a outras ocupações profissionais. Ele próprio é um exemplo de alguém que exerce uma dupla atividade, pois, além de professor do colégio agrícola, é criador de gado de corte.

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A agricultura hoje é o fundamento da economia. Se a agricultura vai mal o reflexo é em todas as pontas; o setor público e o comércio sentem. As famílias, a cada safra ruim ou frustração, isto é um percentual de famílias que acabam saindo do município. (...) A agricultura somada a atividade rural que envolve a pecuária, o gado de corte, a importância do gado de leite, começa a voltar um novo ciclo que já foi um eixo com muita influência no município. Hoje começa retomar com iniciativas de pequenas organizações; o pessoal volta a se estimular para a produção da agricultura familiar. O gado de corte tem influência considerável hoje no mercado da comercialização. (...) Nossa parte urbana, costumo dizer, é um urbano-rural; ele se adentra; muitas pessoas que tem atividade aqui desenvolve alguma atividade na propriedade; a grande maioria, são raros os casos que aquele comerciante que tem um comércio e não tem uma atividade [agrícola]. Mas o consumo e o grande potencial de consumo dele é o agricultor e as famílias que estão no meio rural. Desde um posto de gasolina que está rendendo nessa época, e aumentando o consumo de óleo diesel, o eixo principal onde que é? É a produção, é a agricultura. (Diretor do IPAB).

Essa incontestável importância econômica que a agricultura local representa para a

maioria da população local é motivo de insatisfações face ao montante do orçamento público municipal destinado ao setor. O secretário municipal de agricultura e um dos vereadores membro do conselho afirmam não compreender a contradição entre o fato da agricultura ser o pilar da economia local e a precariedade de recursos financeiros a ela alocados. A comparação com as secretarias de educação e saúde é inevitável e assume um tom velado de denúncia de supostos desperdícios de recursos públicos. As administrações municipais são obrigadas por lei federal a destinar a esses dois setores percentuais pré-determinados do orçamento, sob pena de serem penalizadas nos repasses dos fundos de participação dos municípios.

O município na questão econômica é dependente da agricultura. Pena que não tem um orçamento próprio definido para a agricultura. Os recursos não são definidos, não se tem tanto respaldo como tem para a educação e a saúde. Hoje, aqui, é o que sobra da administração do município. Considerando um setor importantíssimo para o desenvolvimento, mas não tem uma política definida no município, estado e país; uma política agrícola mais direcionada para a agricultura (Secretário municipal de agricultor).

Olhar melhor a questão da aplicação dos recursos, pois têm muitos setores sobrando dinheiro, ou sendo obrigado a aplicar aquele dinheiro, e na agricultura não tem. Só um exemplo, na educação se tem 25%, saúde acho que são 15% e é obrigado ser gasto ali. E para a agricultura não têm dinheiro destinado para ser gasto da arrecadação um percentual que pudesse ser investido. Seria o caminho para dar uma injeção de ânimo. Outra coisa, o nosso município é muito grande, o chão do município é acidentado, um incentivo da parte do governo na malha rodoviária do município, porque hoje se o agricultor têm estrada boa é um incentivo para ele trabalhar, para conseguir seu conforto. A estrada não é porque a prefeitura não quer, mas não dá. Três passos importantes; compra de mais tratores, terminal de calcário e malha rodoviária (Vereador).

Em São José do Cerrito, a aplicação do orçamento público está subdividida entre a

câmara de vereadores, o gabinete do prefeito e as diferentes secretarias. Embora o orçamento da secretaria municipal da agricultura seja um dos mais baixos deve-se, no entanto, considerar que parte dos recursos das demais secretarias, em especial da educação, saúde e estrada e rodagem, é aplicado na zona rural do município.

A Tabela II, a seguir, apresenta a distribuição do orçamento anual da prefeitura, tendo por base o ano de 2001, entre a CV, o gabinete do prefeito e as diferentes secretarias. Nesse ano, a secretaria municipal de educação e cultura dispôs de 14% a mais de recursos

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que o mínimo de 25% exigido por lei. Além disso, nesse ano não se encontra vigente a obrigatoriedade de um percentual mínimo para a saúde, o que explica o fato da secretaria municipal de saúde e saneamento ter recebido menos de 8% do volume de recursos financeiros. Já a secretaria de agricultura teve pouco menos de R$ 200.000,00 reais, ou 5,6% do orçamento total, para custear suas despesas operacionais. Em relação às funções sociais da agricultura, o tema mais recorrente consiste em denunciar um círculo vicioso constituído pelos seguintes fatores: fragilidade das políticas agrícolas, desânimo dos agricultores, descaso para a produção de autoconsumo e, finalmente, o êxodo rural. A preocupação com o êxodo rural é, sem dúvida, o tema que mais recorrente no discurso dos entrevistados. A população do município sofreu uma redução contínua nas últimas décadas, totalizando um déficit de quase cinco mil habitantes entre os anos de 1970 e 2000. Esse déficit se deve ao êxodo populacional, pois o município não teve nenhum desmembramento territorial para a constituição de novos municípios. O contingente de 15.039 habitantes registrado pelo censo demográfico de 1970 ficou reduzido a 10.364 habitantes em 2000.

Tabela II: Base orçamentária da prefeitura de São José do Cerrito (Ano: 2001)

Especificações Total % Câmara de Vereadores 188 500,00 5,3Gabinete do Prefeito 79 200,00 2,2Secretaria Municipal de Administração 577 150,00 16,3Secretaria Municipal de Educação e Cultura 1 376 450,00 39,0Secretaria Municipal de Assistência Social 99 500,00 2,8Secretaria Municipal de Saúde e Saneamento 268 100,00 7,6Secretaria Municipal de Serviços Urbanos 139 500,00 4,0Secretaria Municipal de Estrada e Rodagem 590 500,00 16,7Secretaria Municipal de Agricultura 197 700,00 5,6Reserva de Contingência 133 000,00 0,5Total Geral 3 530 000,00 100Fonte: Setor de contabilidade da prefeitura municipal de S. J. Cerrito. In: Cazella A. A. (2002).

No município é recorrente a mencionar a existência de bairros em Lages e em municípios do Vale do Itajaí constituídos fundamentalmente por famílias originárias de São José do Cerrito. O êxodo populacional não representa uma especificidade local, pois a maior parte dos municípios do entorno de Lages enfrenta essa mesma situação. Para o representante da piscicultura no CMDR, o que mais preocupa nesse processo migratório é o aumento da taxa de envelhecimento da população rural. A maior parte dos que optam em sair da zona rural é constituída por jovens.

Quem tem saído do município é o agricultor que mora lá no interior. É normal você encontrar propriedade abandonada, casa fechada. Hoje, no interior, tem casal de idosos, que tem vários filhos que foram embora e trabalham nos pólos industriais do estado: Vale do Itajaí, região norte, Joinville, Rio Negrinho, para o Sul do estado ou outras regiões e a capital; que vão em busca de outra atividade. E fica o pai e a mãe, que são aposentados que não têm outro meio de sobreviver e ficam (Representante da piscicultura).

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Para alguns entrevistados, a falta de motivação que antecede a decisão de migrar de uma parcela de agricultores pode ser percebida pelo descaso atribuído à produção de autoconsumo. O cultivo da lavoura de feijão, principal produto agrícola do município, representa, praticamente, a única atividade de expressão desenvolvida no estabelecimento. O representante da cooperativa de crédito rural expressa da seguinte forma sua preocupação com a falta de diversificação agrícola e a conseqüente queda da produção voltada para o autoconsumo da família.

Os agricultores abandonaram a plantação de muitas culturas, passando a plantar somente feijão. Para que as pessoas vivam bem teriam que garantir em primeiro lugar seu alimento e vender o excedente, para comprar suas necessidades básicas como roupa, por exemplo. Hoje se fala muito em produção em escala de feijão e, no entanto, compra-se tudo. Em primeiro voltar no tempo, diversificar a produção, ter uma boa horta, cuidar da alimentação da família para depois começar a vender (Presidente da Credicarú).

Na visão da maioria dos entrevistados, o ideal seria, portanto, uma agricultura

diversificada, onde a venda do excedente pressupõe em primeiro lugar a satisfação da necessidade alimentar da família. Para o gerente da cooperativa de crédito rural, principal instituição financeira do município e do seu entorno (Campo Belo do Sul, Cerro Negro e Ponte Alta), a integração entre agricultura e pecuária é o modelo ideal de estabelecimento agrícola. A existência de um rebanho bovino representa para esse profissional a garantia de pagamento dos financiamentos.

Na prática, esse técnico é responsável pela aprovação ou recusa de pedidos de financiamentos (custeio do Pronaf e empréstimos pessoais) que agricultores efetuam junto à cooperativa. Além disso, a melhor situação socioeconômica de alguns agricultores locais se deve, segundo ele, à organização desses produtores em grupos ou associações de produtores. As feiras de gado bovino promovidas por uma associação de pecuaristas do município são mencionadas como exemplos de que o sucesso passa pela cooperação agrícola14.

Cerrito por ter propriedade pequena tem condições de ser bem diversificado e eu acho que tem que ser para não ter problemas. Por exemplo, teve uma época que só plantavam feijão; teve um ano que tiveram que jogar feijão no meio da rua, vinham para vender para os comerciantes e eles não queriam e o agricultor se revoltou jogou fora; perderam muito feijão. Acho que não pode ter um tipo de cultura. A hora que tiver estrada, a BR 282, vai facilitar. Aqui eu acho que pode produzir hortaliças tem bastante água no município, em qualquer terreno tem água, não é difícil para hortaliças frutas. Nunca vai ter grandes produtores de soja e milho, pois nosso terreno é dobrado, mas a pecuária é muito boa. Hoje o que salva muitos dos pequenos agricultores é aquele que tem um gado, chega a hora de pagar um custeio de feijão, vende uma ou duas cabeças de gado e vão passando com certeza. A pecuária, a gente tem visto pela feira o gado é muito bom, não existe grandes fazendas. Mas, pequenos produtores que estão bem, em grande parte estão bem organizados (Gerente da Credicarú).

Nessa mesma linha de raciocínio, o representante dos apicultores no CMDR percebe

a maior facilidade de acesso às políticas públicas da parte dos agricultores que participam de alguma forma associativa. Ele se expressa a respeito da seguinte forma.

14 Os impactos dessas feiras na economia local foram analisados por Cazella, Furlanetto e Vicenzi (2004).

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Alguns pontos onde estão associadas, as comunidades estão se desenvolvendo; nós temos exemplos de associações aqui. Mas nos locais onde não estão associadas, a comunidade pode até ser maior, mas não tem um volume de conhecimento pessoal, não tem associatividade, a dificuldade é maior. Onde as comunidades estão associadas estas estão se desenvolvendo, conseguindo recursos que é importante, não é somente do Pronaf. Qualquer projeto que eles encaminham vem recurso; eles compram trator, se equipam de verdade. Então, as comunidades devem se associar, organizarem e encaminhar projetos e procurarem a formação. Até para conseguir um curso onde estiverem organizados é melhor; vão ter um conhecimento maior (Representante da apicultura).

Outro indicador negativo da agricultura local destacado por alguns entrevistados é a

inexistência de iniciativas de agregação de valor dos produtos nas propriedades. Para o representante da piscicultura no CMDR, a receita para promover um “modelo ideal de agricultura” para o município reside no aumento do valor agregado dos produtos agropecuários.

O produtor não tem uma visão. Se produziu o milho, a partir do milho se produz o frango, pode comercializar frango, ovos e a partir daí ele pode ter um valor agregado na própria criação; o esterco agregar na lavoura. Esse ciclo ele não está conseguindo fechar. Qual é a visão: produzir o milho e vender. Ele não agrega valor aos seus produtos na propriedade. E a partir da agregação de valor seria o modelo ideal de agricultura auto sustentável (Representante da piscicultura).

Em síntese, a pobreza de muitas famílias rurais é associada, quase sempre, à falta de

“entusiasmo” ou conhecimento, seja para diversificar a produção e assegurar a produção básica de autoconsumo, seja para agregar valor aos produtos. As desigualdades econômicas e a existência de diferentes categorias sociais de agricultores, com trajetórias de vida distintas, não são percebidas na análise da situação atual da agricultura do município. Além disso, ao mesmo tempo em que se preocupam com o êxodo rural das famílias rurais mais empobrecidas, nenhum dos projetos aprovados pelos membros do CMDR no âmbito do Pronaf infra-estrutura teve uma orientação para esse tipo de agricultor.

É no discurso do presidente do STR que se percebe, embora não de forma explícita, a defesa de excluir das ações de desenvolvimento as famílias de agricultores atípicas, que não adotam ou não têm condições imediatas para adotar o modelo agrícola preconizado pelas instituições especializadas do setor. Para ele, o desenvolvimento local depende de ações voltadas para quem “realmente deseja produzir” sendo que, na sua opinião, a pobreza de muitas famílias de agricultores se deve, muitas vezes, à falta de entusiasmo da parte desses agricultores.

Quando questionados a respeito dos impactos da agricultura sobre o meio ambiente, 80% apontam como negativa. O uso intensivo de agrotóxicos é identificado como o maior agravante. Segundo eles, a grande maioria dos agricultores não tem noção do perigo ao qual se expõem ao usar de forma indiscriminada produtos químicos, que causam problemas ao ambiente e à saúde humana. O representante do IPAB destaca, ainda, que os riscos para a saúde da família são maiores nos pequenos estabelecimentos com poucos recursos técnicos, quando comparados às unidades produtivas maiores e mecanizadas.

Embora sendo pequenas propriedades, eu vejo que é um pouco pior ainda para o agricultor quanto à saúde da família. Ele fica mais exposto. Quando você tem grandes áreas, equipamentos maiores, você tem a maioria da produção em escala; você tem um empregado que vai lá e faz o trabalho. E na agricultura familiar vai o chefe de família, a esposa, os filhos e eles ficam expostos a uma situação muito mais de risco. E quanto ao meio ambiente, principalmente as águas expostas a uma situação em quantidade; muita disponibilidade por causa da topografia, mas com índices

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assustadores, tanto com contaminação orgânica com coliformes fecais e totais e, principalmente, que não é mensurável por essas análises, que é a parte química. Isso que assusta. O aumento considerável de tipos câncer, intoxicação, doenças renais (...), mas a gente sabe que isso tem aumentado (Diretor do IPAB).

Uma possível explicação para o aumento do uso de agrotóxicos, em especial de herbicidas, reside na falta de tempo para efetuar as capinas manuais. Essa situação estaria associada ao trabalho externo praticado, na maioria das vezes, pelos membros mais jovens das famílias pobres. No entanto, esse aspecto precisa ser aprofundado, pois não se tem estudos suficientes a respeito do trabalho temporário realizado por famílias de agricultores da região. Nossas pesquisas anteriores sugerem que mesmo as lideranças locais do setor agropecuário demonstram pouco conhecimento acerca dessa estratégia de reprodução social e dos vínculos mantidos com o estabelecimento agrícola da parte daqueles que recorrem ao trabalho sazonal externo. Na maioria das vezes, classificam essas saídas sazonais como sendo uma faceta do êxodo rural. Dessa forma, não só deixam de perceber a importância que o estabelecimento familiar ainda representa para quem adota esse artifício, como desconsideram esses indivíduos e suas ocupações nas ações de desenvolvimento adotadas. Da mesma forma, inexiste informações sobre o número de famílias e de pessoas implicadas nesse tipo de trabalho. Nossas investigações junto a lideranças de três comunidades rurais do município apontam uma incidência significativa de trabalho externo. Nessas comunidades, o percentual de famílias com membros que recorrem regularmente ao assalariamento temporário varia de 30% a 50% dependendo da sua localização. Todavia, essa discussão não desqualifica a preocupação dos entrevistados com a continuidade do êxodo rural que, de fato, representa uma ameaça para o futuro da agricultura do município. Os dados censitários comprovam que a população local, em especial a rural, tem decrescido de forma contínua nas últimas décadas. Tudo indica que a parte dos jovens que se aventuram em ocupações externas migram de forma definitiva quando encontram alguma ocupação com certa estabilidade e com alguma vantagem econômica.

5- O futuro da agricultura local

Quando lançada a questão referente a como será a agricultura do município daqui a dez anos, não havendo mudanças nas políticas públicas, a opinião da maioria dos entrevistados (69%) é de caráter pessimista. Os argumentos mais freqüentes para justificar o pessimismo são a queda da produtividade agrícola devido ao esgotamento da qualidade natural dos solos, a manutenção do êxodo rural, o envelhecimento da população rural e a concentração de terras por pessoas com maior poder aquisitivo, que adquirem pequenas propriedades para reflorestar com pinus. Contrapondo essa visão negativa majoritária, os argumentos mais utilizados pelos 31% dos entrevistados que têm uma perspectiva otimista em relação à agricultura para os próximos anos são as melhorias ocorridas nos preços dos produtos agrícolas; na infra-estrutura para o escoamento e comercialização da produção e no grau de organização dos agricultores. O representante da apicultura no CMDR resume suas idéias sobre o futuro da agricultura local da seguinte forma:

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A tendência da agricultura é melhorar, porque a produção de alimento é universal no mundo todo. E hoje o país que for celeiro vai ser importante; o pessoal hoje até sabe trabalhar, produzir só falta o melhoramento da qualidade, que aos poucos está entrando, até que chega uma hora desperte e vai gerar grandes rendas. Em toda a parte da agricultura, e a nossa aqui também é assim, as dificuldades vão começando a sair e o alimento vai ser uma coisa disputada no futuro (Representante da apicultura).

Com relação às mudanças que deveriam acontecer no meio rural e na agricultura local para que o cenário negativo não se concretize, a ênfase à produção para o autoconsumo familiar aparece em primeiro plano. O presidente do STR é quem mais defende esse ponto de vista, conforme revela a passagem abaixo. Já o incentivo à agricultura orgânica (sem uso de produtos químicos sintéticos) também foi lembrado por alguns membros do CMDR como alternativa futura para muitos agricultores do município. Esse tema compõe a pauta de trabalho das duas ONGs que atuam no local. No entanto, o próprio representante do IPAB analisa com prudência as potencialidades dessa forma de produção agropecuária.

Quem começar a dispensar esses caminhões que vem vender cenoura, batata, abóbora, aipim e se tiver uma horta grande, não precisa ser grande, mas tiver o que comer em casa, acho que é uma alternativa para o pessoal começar a ficar no meio rural. Muitas pessoas pensam em cooperativa de produção, mas vender para quem se não tem para quem vender. O primeiro é produzir para comer, para depois vender (Presidente do STR).

O comércio é quem manda, só vai ser produzido o que o comércio determina. Aí se perdeu um pouco da agroecologia, mudando a receita e promovendo a não diversificação. Mas a produção desses mesmos produtos, sem veneno, eu acredito que isso não é suficiente. Alguma coisa, com certeza, o meio ambiente agradece; um pouco em termos sociais. [Mas] a dependência continua a mesma, você entra naquela discussão, meu produto é sem veneno e tem que ter um melhor preço. Existe esse nicho de mercado, mas você tem que estar sabendo, que você vai produzir para concorrer direto, independente se é orgânico ou não. Você está disputando o mercado e se tudo isso é verdade, o custo no mínimo vai ser de 20% a 30% menor, que a outra produção; senão tem coisa errada (Diretor do IPAB).

A defesa de políticas públicas específicas para o meio rural é outro fator apontado como decisivo para evitar o cenário futuro negativo identificado pela maioria. Dentre as principais carências identificadas pelo secretário municipal da agricultura encontram-se dois itens –eletrificação rural e estrutura de armazenagem e comercialização15- que na maioria das demais regiões do estado de Santa Catarina já não mais ocupam a lista de reivindicações prioritárias. O número significativo de residências rurais desprovidas de energia elétrica e a ausência de empresas privadas e cooperativas agropecuárias na região contrastam com a realidade da maioria dos municípios catarinenses, onde a economia é fortemente alavancada pelo setor primário.

Se não tiver uma política definida, a tendência é cada vez mais o esvaziamento do meio rural devido aos custos para produzir. Se não tiver uma política mais definida, a previsão da agricultura, o êxodo rural vai ser cada vez maior. (...) Tem que ser priorizado e dar melhores condições para o agricultor no meio rural, com programas voltados na área de eletrificação rural, lazer,

15 Embora a referência seja à comercialização encontra-se subentendido no discurso do Secretário a inexistência de infra-estrutura de armazenagem (silos e secadores) no município, seja de empresas privadas, seja de cooperativas agropecuárias.

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comercialização, na área do setor rodoviário, que possibilite ter melhores condições no meio rural, possivelmente revertendo essa situação [de êxodo rural] (Secretário municipal de agricultura).

As críticas endereçadas às políticas públicas para o meio rural praticamente não se estendem à forma de gestão adotada no município das políticas descentralizadas pelas esferas federal e estadual. Apenas um entrevistado considerou, por exemplo, inadequados os projetos financiados com os recursos do PRONAF infra-estrutura. Na opinião do representante da piscicultura, esses projetos beneficiam as comunidades rurais e os agricultores que possuem uma melhor situação socioeconômica.

Nós temos comunidades beneficiadas pelo PRONAF que já tinham uma estrutura, que vão ser simplesmente apoiadas pela questão do PRONAF e que isso vai promover a questão do desenvolvimento. Um exemplo é a comunidade Fazenda Nova um núcleo de produtores de cebola, instalou-se ali uma classificadora de cebola. Esse equipamento está sendo instalado para eles e vem totalmente dentro do contexto deles, vem fomentar o que eles já vinham desenvolvendo. Mas esse núcleo de produtores já tinha sua condição econômica melhor. O que acontece se o PRONAF não financia esse investimento para eles, com o tempo, quase certeza, esse investimento viria do próprio grupo. Acaba-se desenvolvendo quem está mais desenvolvido; essa é a realidade. E o pequeno agricultor que estaria necessitando de ações diretas ele não tem. O próprio modelo que é imposto para distribuição e classificação não permite. Essa é uma grande questão de debate dentro do CMDR, que muitas pessoas confundiam o PRONAF infra-estrutura com o custeio (Representante da apicultura).

De acordo com os entrevistados, as instituições governamentais são as principais

responsáveis para fomentar mudanças no setor agrícola. Nesse sentido, a Secretaria Municipal da Agricultura, a Epagri e os estabelecimentos de ensino foram as mais citadas. Na área da educação, destacou-se a importância potencial da CFR e do colégio agrícola na formação dos filhos dos agricultores. É o que afirma, por exemplo, o representante da apicultura. No entanto, alguns lembraram que o colégio agrícola, apesar de dispor de uma boa infra-estrutura técnica, não tem uma tradição de intervir na realidade local. O número de alunos do município matriculados nesse colégio sempre foi insignificante e serve de parâmetro para demonstrar essa baixa inserção.

Entre as instituições da sociedade civil citadas como relevantes para alterar de forma positiva os rumos da agricultura local, o STR foi o mais lembrado pela sua abrangência e relação direta com os agricultores. Alguns sugerem que esse sindicato deveria qualificar sua intervenção, que, na atualidade, se restringiria ao encaminhamento de solicitações de aposentadorias e pensões para os associados.

A Credicarú foi, com freqüência, referida como exemplo de organização que deu certo no município. Criada em 1994, muitos a consideram o "banco do município", já que reúne a maioria dos correntistas. A agência do Banco do Estado de Santa Catarina perdeu diversos clientes para essa cooperativa e, na prática, não opera com o Pronaf. Conselheiros membros ou colaboradores do IPAB mencionaram os cursos de formação sobre o tema da “agroecologia” ministrados nas comunidades rurais por integrantes dessa ONG.

Por fim, o espaço territorial ideal para promover o desenvolvimento ou para atuar visando a melhoria das condições de vida da população, segundo a grande maioria dos entrevistados, é a comunidade rural. Ao se priorizar esses micros espaços haveria uma melhor compreensão das questões ligadas ao desenvolvimento local. Essa ênfase às comunidades rurais está invariavelmente associada à necessidade das famílias que nelas habitam se “conscientizar” para a importância da organização ou da cooperação agrícola.

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É interessante perceber que, até o momento, nenhum dos interlocutores incorporou no seu discurso, seja de forma crítica ou não, a recente ênfase adotada por diversas instituições -públicas e da sociedade civil- às ações intermunicipais de planejamento e desenvolvimento. O município de São José do Cerrito está incluído em três intervenções públicas distintas, que têm por base a promoção de intervenções dessa natureza reagrupando municípios com proximidade geográfica e relações socioeconômicas. A primeira refere-se à política de descentralização administrativa do governo estadual, que instituiu trinta Secretarias de Desenvolvimento Regionais (SDR). A segunda diz respeito à política de desenvolvimento territorial do Ministério do Desenvolvimento Agrário (MDA), que no estado está sendo implementada em seis regiões pilotos, através das Comissões de implantação das ações territoriais (Ciat). E a terceira consiste na política do Ministério de Desenvolvimento Social (MDS) de incentivo à constituição de três Consórcios de segurança alimentar e desenvolvimento local (Consad). Pode-se especular, portanto, que os atores locais concebem como prioritários e dão mais sentido aos trabalhos “micro-locais” (comunidades rurais) em detrimento de estratégias de desenvolvimento local assentadas em espaços mais amplos (intermunicipais). A operacionalização dessas políticas intermunicipais terá pela frente, dentre outras coisas, o desafio de ajustar os interesses imediatos das lideranças municipais e aqueles considerados estratégicos das ações microrregionais. Além disso, não se pode esquecer que, em matéria de desenvolvimento local, a prioridade dos governos federal e estadual consistia, até recentemente, em incentivar as administrações municipais a planejar suas ações a partir da criação de Conselhos por setores específicos (educação, saúde, agricultura, assistência social, etc).

Considerações Finais Este estudo de caso revela a opção da administração municipal em constituir o

CMDR com representantes considerados como os melhores capacitados, seja para conceber projetos de desenvolvimento, seja para servir de exemplo a agricultores de comunidades rurais desprovidas de grupos de cooperação agrícola ou associações comunitárias. Ao se privilegiar os segmentos sociais da agricultura municipal que, de certa forma, encontram-se entre os melhores estruturados do ponto de vista econômico, esse Conselho deixou de ser um espaço de discussão dos interesses do conjunto da agricultura familiar local em favor dos interesses desses segmentos.

Isso explica, em parte, a baixa incidência de conflitos no interior desse fórum. A exclusão das comunidades rurais qualificadas como “desorganizadas” facilitou o consenso sobre o uso dos recursos do Pronaf infra-estrutura. O atendimento dos interesses dos conselheiros comunitários, de forma mais ou menos eqüitativa, não seria tão evidente se as comunidades rurais “desorganizadas” tivessem assento no Conselho. Com isso, abortou-se a oportunidade de promover uma discussão de maior abrangência, em que pese, a necessidade de uma maior mediação de conflitos.

O contingente expressivo de famílias de agricultores do município, que se situa próximo ou abaixo da linha de pobreza, permanece invisível no interior desse fórum de mediação e formulação de políticas públicas de desenvolvimento rural e agrícola do município. Até o momento, os agricultores carentes do ponto de vista econômico e social têm recebido a atenção quase que exclusiva da Secretaria Municipal de Assistência Social.

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Esse quadro é, no mínimo, contraditório com a preocupação da maioria dos entrevistados relativa à continuidade do êxodo rural e à precariedade da produção para o autoconsumo de muitas famílias de agricultores. Seria de se esperar que medidas voltadas para essas duas questões fossem, pelo menos, discutidas no interior do CMDR.

O trabalho sazonal e precário da maioria dos jovens rurais nos reflorestamentos de pinus e colheitas diversas na região (alho e maçã), que para muitas lideranças representa o primeiro passo do processo de êxodo rural, não é mencionado e nem percebido como um tema passível de intervenção pública. A ênfase dada à cooperação agrícola pelos poderes públicos municipal e estadual e pelas ONGs atuantes no município (Vianei e Ipab), não dá margem para que se debata, por exemplo, a organização desses jovens em torno de uma cooperativa de trabalho ou de prestação de serviços, nem que se pense na estruturação de uma unidade de informação e de intermediação entre esses trabalhadores temporários e as empresas empregadoras.

Passa praticamente despercebida a relação entre o trabalho sazonal da mão-de-obra jovem dos estabelecimentos rurais, a precariedade da produção para o autoconsumo e o aumento, inclusive nas unidades pouco tecnificadas, do uso de herbicida nas lavouras. Como permanecem envolvidos a maior parte do ano com trabalhos externos, a dedicação dos membros mais jovens da família nas atividades do estabelecimento se reduz de forma significativa.

Dessa forma, o cultivo para o autoconsumo tem uma prioridade menor quando comparado à lavoura de feijão, que aporta uma renda monetária. Nos períodos de controle das ervas daninhas, se recorre à aplicação de herbicidas como forma de prolongar o tempo disponível nas atividades assalariadas temporárias. A redução das capinas manuais, que predominavam na região até pouco tempo, possibilita uma maior dedicação a essas atividades. Nesses casos, a renda da lavoura de feijão e a produção para o autoconsumo passam a ser atividades acessórias. A existência de rendimentos de aposentadorias ou pensões de membros da família pode aprofundar essa tendência a colocar em segundo plano as atividades agropecuárias.

Por fim, em se tratando de produção para o autoconsumo deve-se considerar, também, que a etnia cabocla da maioria dos agricultores do município não tem tradição com a manutenção de pomares e hortas domésticas. O principal da produção de autoconsumo dessas famílias está baseada na produção animal (porcos, galinhas e bovinos) em sistemas abertos, mas que exigem um acompanhamento rotineiro.

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