“Tornar-se mãe” Maternidades contemporâneas no País Basco

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  • 7/24/2019 Tornar-se me Maternidades contemporneas no Pas Basco

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    Civitas, Porto Alegre, v. 15, n. 2, p. 342-349, abr.-jun. 2015

    Exceto onde especicado diferentemente, a matria publicada neste peridico licenciada sob forma de uma licena Creative Commons - Atribuio 4.0 Internacional.http://creativecommons.org/licenses/by/4.0/

    Resenha

    :http://dx.doi.org/10.15448/1984-7289.2015.2.17957

    Tornar-se meMaternidades contemporneas no Pas Basco

    Becoming mother

    Contemporary maternities in the Basque Country

    Heloisa Regina Souza*

    Resenha de:

    IMAZ MARTNEZ, Elixabete. Convertirse en madre: etnografadel tiempo de la gestacin. Madrid: Ediciones Ctedra, 2010.

    Convertirse en madre: etnografa del tiempo de la gestacin, da

    antroploga Elixabete Imaz Martnez, aborda a maternidade contempornea

    atravs de uma densa etnograa do perodo da gestao, realizada com

    mulheres gestantes do Pas Basco que estavam em processo de se tornarem

    mes pela primeira vez. Atravs da anlise e da interpretao de diferentes

    dimenses afetivas, corporais, de relacionamento, de trabalho e emocionais

    das mulheres entrevistadas, a autora busca aceder ao complexo, contraditrio

    e, muitas vezes, conitivo lugar que o exerccio da maternidade constitui para

    as mulheres bascas contemporneas.

    Nesse sentido, a proposta geral do livro abordar o tornar-se me

    como um processo atravs do qual se gesta, simultaneamente, um novo ser

    humano e uma me, isto , as mulheres do estudo de Imaz no apenas gestam,

    mas so tambm, elas mesmas, mes em gestao. O livro resultado da

    pesquisa de doutorado que Elixabete Imaz Martnez realizou em Antropologia

    Social na Universidad del Pas Vasco, cuja concluso se deu em 2008, sob a

    orientao de Tereza Del Valle, uma das pioneiras da antropologia feminista

    na Espanha. A obra tem 420 pginas e est dividida em seis captulos, mais

    * Doutoranda em Antropologia Social pela Universidade Federal de Santa Catarina (Ufsc,Florianpolis, SC, Brasil) .

    http://civit%20v15n2%20-%2001.pdf/http://creativecommons.org/licenses/by/4.0/http://civit%20v15n2%20-%2001.pdf/http://creativecommons.org/licenses/by/4.0/http://dx.doi.org/10.15448/1984-7289.2015.2.17957http://dx.doi.org/10.15448/1984-7289.2015.2.17957http://localhost/var/www/apps/conversion/tmp/scratch_2/[email protected]://localhost/var/www/apps/conversion/tmp/scratch_2/[email protected]://dx.doi.org/10.15448/1984-7289.2015.2.17957http://creativecommons.org/licenses/by/4.0/http://civit%20v15n2%20-%2001.pdf/
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    um apndice metodolgico que contm o perl das mulheres entrevistadas e

    o roteiro das entrevistas.

    Considerando que a maternidade uma das representaes maisfortes da cultura ocidental, cujos sentidos desdobram-se num emaranhado

    de imagens e valores associados ao feminino normativo, a autora busca

    aprofundar a compreenso acerca de como essas imagens e valores se realizam

    em maternidades nicas e singulares de mulheres concretas. Seu intuito

    mostrar como as mulheres bascas contemporneas enfrentam e agenciam

    essas representaes historicamente construdas, as quais elas mesmas tm

    incorporadas em sua identidade e socializao, mas que atualmente entram

    em disputa e conito com outras denies que elas tm de si mesmas. Imazconsidera que o momento mais oportuno para apreender essas tenses o

    perodo em que se adquire a conscincia de ser me pela primeira vez, isto

    , durante a gestao e o nascimento do primeiro lho ou lha. Assim, em

    sua pesquisa entrevistou 17 mulheres, a maioria entre 28 e 31 anos de idade,

    dentre as quais haviam casadas, solteiras, lsbicas, heterossexuais, urbanas e

    interioranas, todas elas grvidas pela primeira vez.

    Imaz tambm chama a ateno para uma ausncia de investigaes

    antropolgicas acerca das metforas e imagens atravs das quais se interpreta a

    procriao no Ocidente, e arma que isso se deve ao fato de que as consideramos

    como autoevidentes. Assim, mesmo considerando que existem diversas formas

    de se viver e signicar a maternidade na contemporaneidade, Imaz optou por

    dedicar sua investigao precisamente ao modelo normal de maternidade

    ocidental: aquela que resulta do parto, e na qual convergem o siolgico, o

    gentico, o social e o jurdico sendo o normal aqui entendido na dupla

    acepo do termo, como estatisticamente majoritrio e como mais prximo

    do normativo. O desao metodolgico que permeia todo o livro , ento, o

    de desentranhar processos sociais prprios da sociedade de pertencimento da

    autora a partir de uma perspectiva de estranhamento de situaes cotidianas

    e prximas.

    Para realizar sua investigao, Elixabete Imaz Martnez valeu-se de

    instrumentos clssicos da antropologia, tanto no trabalho de campo recorrendo

    perspectiva biogrca por meio de entrevistas (organizadas em sesses antes

    e depois do parto) e observao participante (aproximando-se tanto do que as

    mes dizem quanto do que elas fazem); quanto na elaborao de referncias

    tericas, recorrendo teoria da ddiva e dos ritos de passagem; alm de servir-se do corpus terico mais recente relacionado antropologia do gnero.

    Para adentrar no tema a autora recorre, nos captulos iniciais, s

    contribuies tanto da historiograa quanto da crtica feminista. O decorrer

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    do livro, contudo, ampara-se abundantemente e, sobretudo, na experincia

    concreta das mulheres e no dilogo com as teorias antropolgicas. Assim, no

    captulo 1 - Una historia de la maternidad y de su ejercicio, Imaz procede a umadesconstruo da maternalizao da mulher mostrando como, de meados

    do sculo 18 a meados do sculo 20, a maternidade vai se transformando

    no centro da identidade feminina, ao mesmo tempo em que tomada como

    algo que deve ser melhorado, instrudo e tutelado pelo estado, passando a ser

    alvo de discursos mdicos, loscos, polticos e religiosos que constroem

    uma imagem de me cujos elementos constituem at hoje os referentes da

    boa me: amor incondicional reiteradamente expresso; individualizao dos

    cuidados com as crianas, que antes eram compartilhados; a exclusividadeda dedicao feminina aos trabalhos maternos e a moralizao das prticas

    de criao e cuidado tudo isso em um contexto marcado pela excluso das

    mulheres da vida pblica e da participao poltica, concomitante inveno

    da infncia e do instinto materno.

    No captulo 2 Lecturas feministas de la maternidad, Imaz apresenta

    o interesse feminista pela maternidade, detendo-se principalmente em trs

    autoras da segunda onda do feminismo Simone de Beauvoir, Sulamith

    Firestone e Adrienne Rich as quais converteram as questes reprodutivas

    em seu principal campo de batalha produzindo importantes reexes sobre a

    sujeio das mulheres, a maternidade e o lugar que esta ocupa ou pode ocupar

    na emancipao feminina. Imaz destaca a inuncia de Beauvoir no feminismo

    francs, em autoras como Marie-Blanche Tahon, Franoise Hritier e Nicole

    Mathieu, que localizam no controle masculino sobre a capacidade reprodutiva

    feminina a origem da sujeio universal das mulheres. Imaz tambm contrasta

    o feminismo radical de Firestone com o feminismo maternalista de Adrienne

    Rich, mostrando que, enquanto a primeira props o m da maternidade

    biolgica por meio da reproduo tecnolgica como condio para a liberao

    das mulheres, a segunda inaugurou uma linha de pensamento oposta que v

    na maternidade uma fonte de prazer, conhecimento e poder especicamente

    femininos. A autora tambm discute hipteses feministas que postulam a

    maternidade como origem da dominao masculina, em autoras como Sherry

    Ortner, Nancy Chodorow e Michele Rosaldo, e conclui, fazendo uma crtica

    naturalizao da maternidadenos discursos das cincias sociais, mostrando

    que procriao, vnculo materno-infantil e cuidados com os lhos no podem

    ser tomados como dados unicamente biolgicos.No captulo 3 Sobre el deseo de convertirse en madre,a autora inicia

    sua indagao a respeito dos signicados atribudos descendncia e

    maternidade pelas mulheres bascas contemporneas e sobre as motivaes

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    que as levam a querer ter lhos. Imaz vai mostrando que o tornar-se me,

    longe de ser a atualizao de uma essncia feminina latente ou oculta, um

    processo complexo de aprendizagem e negociao de signicados. Atravs daanlise de depoimentos, ela mostra como o desejo de ter lhos um desejo

    difuso, no objeticado, varivel, vinculado a valores e imaginrios diversos, e

    que nem sempre busca a sua realizao. A autora analisa tambm o sentido que

    a maternidade adquire dentro das trajetrias de vida das mulheres, mostrando

    que, com o desfazimento do encadeamento noivado-matrimnio-maternidade,

    o tornar-se me que se transformou em um ponto de inexo no itinerrio

    feminino, como uma marca que rearticula toda a biograa da mulher. Nesse

    sentido tambm que atravs do ingresso na maternidade (e tambm napaternidade) se d o abandono da juventude e ingresso na vida adulta para as

    mulheres estudadas.

    O captulo 4 El proceso de convertirse en madreapresenta um dos

    principais argumentos da autora. Longe de considerar o vnculo materno-lial

    como espontneo, evidente ou como algo que se d imediatamente ao parto,

    Imaz o apresenta como um processo complexo. Segundo a autora, durante a

    gestao, ou at mesmo antes, a mulher vai transitando por uma srie de etapas

    que a conduzem a reconhecer-se e a ser reconhecida pelos demais como me

    de um lho ou lha. O processo de incorporao de uma nova categoria social

    se estende no tempo e culmina com o reconhecimento de si mesma como me

    de uma criana que ela reconhece como sua. A concluso do captulo culmina,

    ento, com a ideia de que todo lho ou lha, independente de suas origens

    biolgicas, adotado, ou seja, no processo de tornar-se me existe um trabalho

    intenso de identicao e aceitao de um beb concreto como lho ou lha.

    Um dos pontos fundamentais que ela apresenta nesse captulo a

    centralidade, para as mulheres entrevistadas, da ideia da maternidade como

    um direito de escolha. Aqui o mandato individualista moderno impregna

    o discurso: considera-se legtimo que as pessoas escolham se querem ou

    no ter lhos, o momento de faz-lo, a quantidade etc. Em contrapartida, a

    maternidade se agura como parte do planejamento da vida, de modo que

    a maternidade boa aquela que planejada. A estabilidade econmica e

    laboral aparece como um pr-requisito fundamental para a deciso de ser

    me, pois se considera fundamental poder garantir um entorno estvel que

    proporcione suporte afetivo e material para os lhos. Problemas nesse aspecto

    levam, em geral, a um adiamento consciente da deciso de ter lhos. Almdisso, Imaz mostra que a busca deliberada pela gravidez sempre se d em

    meio a dvidas, medos e incertezas. A conrmao da gravidez atravs de

    exames apenas uma das etapas pelas quais a gestante passa, sendo reiterada

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    aos poucos atravs de marcos sucessivos que vo dando materialidade ao

    projeto de maternidade: compras de roupinhas de beb, o receber presentes, o

    comunicar aos parentes e amigos, os primeiros movimentos do feto, ecograase exames mdicos em geral e cursos para gestantes etc.

    No captulo 5 La vivencia del cuerpo, a autora analisa algumas

    interpretaes acerca do corpo grvido atravs de trs diferentes metforas

    do corpo materno e seus correlatos a respeito do feto: a gravidez como

    fuso (a simbiose me-lho), a gravidez como invaso (o feto parasita) e a

    gravidez como corpo dividido (o feto-indivduo). Cada uma delas funciona

    como metfora para a relao me-lho inclusive depois do nascimento.

    Elixabete Imaz Martnez mostra que, embora o modelo do corpo divididoseja o dominante na atualidade, essas imagens se sobrepem e se combinam

    no imaginrio, sendo que por trs delas est a concepo do corpo materno

    como corpo-para-o-outro: aquele que existe graas a, se perde por culpa

    de, ouse dilui mediante um Outro, que o feto. A autora aponta tambm a

    desorientao e a vulnerabilidade que as mulheres sentem diante do sistema

    mdico, o que as leva a acatar a maior parte das decises e indicaes feitas

    pelos mdicos, sendo que um medo profundo da dor do parto aparece como

    algo que as acompanha desde a infncia.

    No sexto e ltimo captulo, intitulado Efectos de la maternidad en

    los diferentes mbitos vitales, Imaz trata das transformaes na vida das

    mulheres bascas contemporneas em decorrncia do nascimento da criana:

    as mudanas nas redes de sociabilidade, o novo protagonismo da famlia

    extensa, as mudanas na relao do casal, os dilemas da amamentao e as

    diculdades de retorno e conciliao da maternidade com o trabalho. A autora

    mostra que o protagonismo das mulheres na deciso de ter um lho acaba

    conduzindo-as a se sentirem mais responsveis em garantir os cuidados e o

    bem-estar da criana. Contudo, essa disponibilidade adquire um carter de

    satisfao na medida em que considerada no como algo imposto, mas sim

    decidido, mesmo que resulte em prejuzo em outras reas. O abandono do

    trabalho ou sua reduo ou adiamento, por exemplo, so percebidos menos

    como sacrifcio e mais como um exerccio de autonomia pessoal. Por outro

    lado, as mulheres mencionam que o nascimento da criana e os cuidados

    dispensados a ela implicam em maior aproximao e envolvimento da mulher

    com a esfera domstica, ou seja, elas acabam assumindo o cuidar do beb e o

    cuidar da casa como tarefas contguas.Por m, o livro conclui detendo-se na progressiva divergncia entre o

    modelo normativo de maternidade e as expectativas vitais que as mulheres

    colocam para si mesmas. A sensvel etnograa de Imaz revela que as mulheres

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    bascas contemporneas falam da maternidade a partir de uma concepo

    altamente exigente que ainda coincide grandemente com o modelo de

    maternidade intensiva, recebido das geraes anteriores: disponibilidadeabsoluta, a me como responsvel prioritria do bem-estar presente e futuro da

    criana e a centralidade da criana em detrimento de qualquer outra dimenso

    vital. Contudo, ao mesmo tempo em que esse modelo de maternidade

    percebido como o mais adequado para a criana, ele tido como impossvel

    de cumprir e como frustrante para o desenvolvimento pessoal feminino o

    que resulta em ambivalncia, culpabilidade e sensaes contraditrias por

    parte das mulheres.

    Apesar da persistncia desse modelo de cuidado intensivo, Imaz insisteem mostrar que a maternidade est mudando e que as mulheres se sentem

    protagonistas dessas mudanas. Assim, diferena das geraes anteriores, a

    maternidade no aparece como o nico destino possvel para as mulheres. Muito

    embora elas no cheguem a romper com todos os clichs e papis tradicionais,

    elas consideram que renunciar maternidade devido s limitaes que esta

    impe uma opo possvel para as mulheres contemporneas. Elas referem-

    se tambm s transformaes na paternidade, percebendo seus companheiros

    mais presentes no s na vida dos lhos, mas tambm na gravidez e no parto

    e trazem tona reexes sobre o cuidado e sobre a dupla jornada de trabalho

    feminino, na qual as mulheres assumiram responsabilidades de trabalho sem

    liberar-se das tradicionais responsabilidades domsticas. Elas mostram-se

    tambm abertas a novas formas familiares que esto surgindo no cenrio

    atual, como aquelas articuladas com a reproduo assistida, a adoo, casais

    homossexuais ou a maternidade independente.

    Vale assinalar que a reexividade e a introspeco que a perspectiva

    biogrca impe ao estudo rompem com os clichs da maternidade como

    experincia no comunicvel, ntima, individual. De modo eloquente e

    perspicaz, Imaz enfatiza que as mulheres que se convertem em mes no

    podem ser consideradas passivas ou submissas diante dos modelos e estruturas

    sociais, mas devem ser consideradas como atrizes que desenvolvem tticas e

    estratgias a partir de circunstncias pessoais e sociais. Com isso, ela arma

    que a maternidade no apenas um elemento construdo historicamente,

    mas est em histria e faz histria. O livro uma importante contribuio

    no s para os estudos de gnero e para os estudos acerca das maternidades

    contemporneas, mas cumpre o importante papel de tirar o tema do silncioe da privacidade, convertendo-a em debate e reexo social. Talvez resida a

    o amplo interesse que seu trabalho tem despertado no contexto espanhol, no

    s nos crculos acadmicos, mas tambm na mdia e na sociedade em geral.

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    Para as/os estudantes e pesquisadoras/es brasileiras/os o livro de

    Elixabete Imaz Martnez , sem dvida, um rico subsdio para a elaborao

    de estudos comparativos. Considerando as maternidades brasileiras a partir dasexperincias de mulheres de camadas mdias urbanas sendo, estas ltimas,

    objeto de minha pesquisa de doutorado pode-se perceber que, de modo geral,

    h muitas semelhanas com relao s mulheres bascas do estudo de Imaz. Um

    dos aspectos da anlise da autora que considero muito frutfero para pensarmos

    o caso brasileiro que aqui tambm possvel perceber as maternidades

    contemporneas se constituindo como pontos de inexo que rearticulam as

    biograas femininas. Esses pontos de inexo se tornaram mais prontamente

    perceptveis atravs da emergente blogosfera maternaque cotidianamenteregistra os movimentos e dilemas que compem esses intensos processos de

    subjetivao que Imaz chamou, muito acertadamente, de converter-se em

    me. Nesse sentido, as mulheres brasileiras tambm tm se posicionado cada

    vez mais como sujeitos ativos de suas prprias histrias.

    Contudo, cabe ressaltar que no Brasil, embora tambm haja muita

    desorientao e vulnerabilidade diante do sistema mdico, v-se emergir aqui,

    justamente em torno do parto e nascimento, um vigoroso ativismo materno

    articulado principalmente a partir das redes sociais digitais, mas tambm pela

    composio de diversos espaos de discusso e debates em rodas de gestantes

    e diversos grupos de militncia engajados com a transformao de realidades

    locais, que inclui. Tais debates tm includo no apenas os temas clssicos da

    gravidez, parto, ps-parto imediato e amamentao, mas tambm a criao

    dos lhos ao longo da vida, a participao do(a) companheiro(a) nessa

    criao, a ampliao das licenas-maternidade e paternidade, as articulaes

    da maternidade com a carreira prossional, o aborto e os direitos sexuais

    e reprodutivos, a judicializao das violncias institucionais no parto e um

    crescente envolvimento com polticas pblicas de sade materna e perinatal,

    dentre outras tantas pautas de reivindicao que evidenciam uma crescente

    (re)politizao da maternidade conduzida pelas prprias mulheres. Uma

    (re)politizao que tende a aproximar e embaralhar, cada vez mais, certos dom-

    nios que o pensamento ocidental moderno historicamente manteve separados:

    a ao poltica e a vida pessoal, o pblico e o privado, a maternidade e a pater-

    nidade, a natureza e a cultura. Uma nova forma de militncia que, semelhana

    dos novos movimentos sociais que vm surgindo no mundo todo, no separa a

    vida das suas formas, mas que se constitui enquanto forma de vida.Descrever e analisar essas maternidades emergentes no mundo

    contemporneo constitui um grande desao para aqueles/as que se dedicam

    a acompanh-las e apreend-las. Acostumados que estamos a abordar o

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    tema da maternidade pelo vis do maternalismo de estado, da puericultura

    medicalizadora ou da denncia da maternidade como locusde opresso das

    mulheres, precisamos, urgentemente, renovar nosso vocabulrio tericopara melhor apreender as transformaes em esto em curso. Nesse sentido,

    tornar-se me uma poderosa metfora elaborada por Imaz que muito

    contribuir para compreendermos a maternidade enquanto processo, captando

    seus movimentos, devires e novas conguraes.

    Recebido em: 2 jul. 2014Aprovado em: 12 jan. 2015

    Autora correspondente:Heloisa Regina SouzaUniversidade Federal de Santa CatarinaPrograma de ps-graduao em Antropologia SocialCentro de Filosoa e Cincias Humanas (CFH)Campus Reitor Joo David Ferreira Lima Bloco D, salas 116-116ACaixa Postal 476 Trindade88040-900 Florianpolis, SC