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Diego Torraca AUTORRETRATO SURREALISTA UNIVERSIDADE FEDERAL DE MATO GROSSO DO SUL DEPARTAMENTO DE COMUNICAÇÃO E ARTES CAMPO GRANDE 2011

Torraca; diego autorretrato surrealista

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Diego Torraca

AUTORRETRATO SURREALISTA

UNIVERSIDADE FEDERAL DE MATO GROSSO DO SULDEPARTAMENTO DE COMUNICAÇÃO E ARTES

CAMPO GRANDE2011

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Diego Torraca

AUTORRETRATO SURREALISTA

Trabalho de Conclusão de Curso apresentado à banca examinadora da Universidade Federal de Mato Grosso do Sul, como requisito parcial para obtenção do título de Bacharel em Artes Visuais sob a orientação do Prof. Dr. Hélio Augusto Godoy de Souza.

CAMPO GRANDE

2011

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“A linguagem foi concedida ao homem para

fazer dela o uso surrealista” (André Breton)

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RESUMO

O presente trabalho tem por objetivo analisar o Movimento Surrealista

abordando inicialmente os fatores que levaram o desenvolvimento do mesmo,

em seguida o estudo do autorretrato na história da arte e posteriormente a

abordagem da manipulação fotográfica desde seu início até a

contemporaneidade. A pesquisa acontece em três momentos: A parte teórica,

com o estudo de elementos plásticos e referências visuais de acordo com os

temas estudados, posteriormente o desenvolvimento dos conceitos visuais

como a manipulação fotográfica e por fim o desenvolvimento prático de uma

série de fotografias manipuladas digitalmente de caráter surreal, referenciando

principalmente André Breton, o idealizador do movimento, e a estética e o

conceito de Man Ray e Grete Stern.

Palavras-chave: Surrealismo; Autorretrato; Manipulação Fotográfica.

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SUMÁRIO

Resumo.............................................................................................................04

Lista de Imagens..............................................................................................07

Introdução........................................................................................................09

1. Reflexões Teóricas......................................................................................11

1.1. A Guerra..........................................................................................11

1.2. O Movimento Dadá.........................................................................12

1.3. O Movimento Surrealista...............................................................14

1.3.1. Man Ray ............................................................................17

1.3.2. Phillippe Halsman.............................................................18

1.4. Autorretrato....................................................................................20

1.4.1. Autorretrato Contemporâneo..........................................24

1.5. Manipulação Fotográfica...............................................................25

1.5.1. Herbert Bayer....................................................................27

1.5.2. Jerry Uelsmann.................................................................27

1.5.3. László Moholy-Nagy.........................................................28

1.5.4. Grete Stern........................................................................29

1.6. Os avanços tecnológicos no procedimento pós-fotográfico....30

2. Metodologia..................................................................................................32

2.1. A Escolha do Tema........................................................................32

2.2. Desenvolvimento Prático..............................................................32

2.3. Conceito..........................................................................................33

2.4. Processo de Produção..................................................................35

3. Resultados Obtidos.....................................................................................42

3.1. Apresentação do Ensaio...............................................................42

3.2. Análise das Imagens......................................................................43

3.2.1. Cadáver Esquisito I..........................................................44

3.2.2. Cadáver Esquisito II.........................................................45

3.2.3. Cadáver Esquisito III........................................................46

3.2.4. Cadáver Esquisito IV........................................................47

3.2.5. Cadáver Esquisito V.........................................................48

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3.2.6. Cadáver Esquisito VI........................................................49

4. Conclusão.....................................................................................................50

Referências Bibliográficas..............................................................................52

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Lista de Imagens

Fig. 01: Paranoiac Visage, 1935 (Salvador Dali)...............................................16

Fig. 02: Paranoiac Visage, 1935 (Salvador Dali)...............................................16

Fig. 03: Cabeça de Mulher, 1938 (Miró)............................................................16

Fig. 04: Automatic Drawning, 1924 (André Masson)……………………………..16

Fig. 05: Les Champs Délicieus 1, 1922 (Man Ray)………………………………18

Fig. 06: Max Ernst, 1935 (Man Ray)……………………………………………….18

Fig. 07: Dalí Atômico, 1948 (Phillipe Halsman )…………………………………..19

Fig. 08: Crânio de Nus de Dali, 1950. (Phillipe Halsman)..................................19

Fig. 09: Dalí de um olho só, 1954. (Phillipe Halsman).......................................19

Fig. 10: Cueva de las Manos.............................................................................20

Fig. 11: Autorretrato, 1498 (Albrecht Dürer)......................................................21

Fig. 12: Autorretrato Com Peles, 1500 (Albrecht Dürer)....................................21

Fig. 13: Autorretrato com chapéu de feltro, 1887 (Vincent Van Gogh)..............22

Fig. 14: Autorretrato, 1907 (Pablo Picasso).......................................................22

Fig. 15: Autorretrato, 1932 (Man Ray)………………………………………….....23

Fig. 16: Autorretrato, 1934 (Man Ray)………………………………………...…..23

Fig. 17: Autorretrato, 1973 (Jurgen Klauke)……………………………………….25

Fig. 18: Autorretrato, 1932. (Herbert Bayer)..................................................... 27

Fig. 19: Habitante Solitário da Grande Cidade, 1932 (Herbert Bayer)..............27

Fig. 20: Sem título,1982 (Jerry Uelsmann)........................................................28

Fig. 21: Sem título, 1969. (Jerry Uelsmann)......................................................28

Fig. 22: Behind Back of God. Between Heaven and Earth, 1925

(László Moholy-Nagy)…………………………………………………………..……29

Fig. 23: The Law of Series. (Das Gesetz der Serie), 1925

(László Moholy-Nagy)………………………………………………………..………29

Fig. 24: Sonho n. 28, 1950 (Grete Stern)..........................................................30

Fig. 25: Sonho n. 31, 1950 (Grete Stern)...........................................................30

Fig. 26: Sem Título, 2010 (Diego Torraca)........................................................32

Fig. 27: Sem Título, 2010 (Diego Torraca)........................................................32

Fig. 28: Sem Título, 2008 (Diego Torraca)........................................................33

Fig. 29: Sem Título, 2010 (Diego Torraca)........................................................33

Fig. 30: Cadavre exquis, 1938

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(André Breton, Jaqueline Lamba, Yves Tanguy)...............................................34

Fig. 31: Cadavre Exquis, 1926-27

(Man Ray, Yves Tanguy, Joan Miró, Max Morise.)…………………….…………34

Fig. 32: Esquema de iluminação........................................................................35

Fig. 33: Croqui para compor imagem................................................................36

Fig. 34: Fotografia base.....................................................................................37

Fig. 35: Fotografia base sem fundo...................................................................37

Fig. 36: Imagem redimensionada e com background........................................38

Fig. 37: Fotografia da etiqueta para compor a imagem.....................................38

Fig. 38: Imagem com o detalhe da etiqueta e cabeça sobre a bandeja com os

ajustes no cabelo...............................................................................................39

Fig. 39: Imagem com ajustes de coloração e iluminação no Corel PHOTO-

PAINT X3...........................................................................................................40

Fig. 40: Imagem com 02 layers – papel e imagem base no Photoshop............40

Fig. 41: Imagem finalizada com efeito de Blending Linear Light.......................41

Fig. 42: Cadáver Esquisito I, 2011 (Diego Torraca)...........................................42

Fig. 43: Cadáver Esquisito II, 2011 (Diego Torraca)..........................................45

Fig. 44: Cadáver Esquisito III, 2011 (Diego Torraca).........................................46

Fig. 45: Cadáver Esquisito IV, 2011 (Diego Torraca)........................................47

Fig. 46: Cadáver Esquisito V, 2011 (Diego Torraca).........................................48

Fig. 47: Cadáver Esquisito VI, 2011 (Diego Torraca)........................................49

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Introdução

Neste trabalho serão abordados assuntos que são a base da produção

proposta para o Trabalho de Conclusão de Curso em Artes Visuais da

Universidade Federal de Matogrosso do Sul. Primeiramente será abordado o

período da Primeira Guerra Mundial, considerado como o contexto histórico

que antecedeu o Movimento do Surrealismo, a fim de entender as mudanças

que ocorreram no mundo e os motivos que levaram a criação de novas formas

de representação artística. Do Dadaísmo até chegarmos ao movimento em

questão serão pinceladas as teorias do Movimento Purista, da Escola de Paris

e os anseios dos naturalistas. A estética surrealista é o ponto principal deste

trabalho, sendo um meio de expressão livre dos controles da razão, resultando

em imagens de características oníricas que são representações além da

capacidade real de existência concreta enquanto corpo físico.

Neste ponto a pesquisa aborda o pioneiro da fotografia surrealista. Man

Ray é uma das principais referências deste trabalho, tratando da fotografia

como um meio de investigação poética do mundo. Ray utilizou seus

autorretratos como forma de expressão, assim como a inserção de novos

efeitos para as imagens e a criação dos Raiogramas resultando em fotografias

sem a utilização do negativo.

Posteriormente, a estética de Phillipe Halsman, numa combinação

enérgica de fascinação e sensualidade, é abordada trazendo imagens e um

breve estudo, deste, que mesmo não sendo um genuíno surrealista, traduzia

suas idéias em imagens carregadas de significados e expressão, tendo como

principal retratado Salvador Dali, amigo de longa data.

Mais um tópico de relevância para o entendimento da temática

apresentada é o autorretrato, que será inserido neste trabalho desde a pré-

história até a contemporaneidade de forma objetiva, ilustrado com as obras de

artistas que se utilizaram deste meio de representação, como Albrecht Dürer,

Pablo Picasso, Man Ray, entre outros.

Para finalizar o embasamento teórico, o ultimo item a ser tratado é a

fotomontagem, desde o inicio com Georg Grosz e John Heartfield, passando

pelos importantes nomes desta linha de produção e que serviram de inspiração

para o presente trabalho como, Jerry Uelsmann, Philippe Halsman e Moholy-

Nagy, juntamente com uma breve biografia e imagens feitas por estes que

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tinham em comum a fotografia como base dentro do processo de montagem.

Não podendo ficar de fora os trabalhos de Herbert Bayer e Grete Stern, tão

importantes como referência visual e conceitual para este trabalho.

Chegando à contemporaneidade será abordada a produção de imagens

no processo pós-fotográfico e as facilidades encontradas pelo artista/fotógrafo

em sua produção no que diz respeito ao acesso ás maquinas e programas de

computadores.

Após o entendimento de todos esses assuntos essenciais para o

conhecimento a cerca do tema proposto, será descrita a metodologia com que

foi desenvolvida a série de imagens. A escolha do tema é o tópico inicial da

metodologia, servindo de introdução para o inicio da produção das imagens.

Como objeto fotografado, escolhi a autorrepresentação por acreditar em

uma maior fidelidade em demonstrar os sentimentos através de uma figura que

é a chave de todo o mecanismo desenvolvedor de idéias.

Com a determinação do objeto a ser fotografado é o momento de criar o

conceito e as questões de ordem teórica a serem desenvolvidas, como o título

da série e seu significado. A escolha do título, Cadáver Esquisito, faz referência

a um jogo surrealista que na sua essência era uma brincadeira de montar um

corpo humano com características surreais. Tendo por finalidade, alem do

entretenimento, ampliar o repertório imagético dos participantes.

Uma narrativa ficcional será criada como contexto para as imagens

produzidas que farão referência à condição humana de um indivíduo que

presenciou a Primeira Guerra Mundial, demonstrando o momento de fragilidade

emocional e o sentimento de um mundo novo criando assim o desejo de

libertação das idéias como forma de escapar da sistematização e do caráter

limitado e repressivo daquela época.

Todo o processo de produção será abordado, desde a idealização das

figuras, passando pelo desenho, a captação das imagens, e os procedimentos

de edição até a finalização, assim como a análise de cada uma das

reproduções com base nos estudos de psicanálise em relação ao objeto

exposto.

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1. Reflexões Teóricas

Acreditando que ao estudar um movimento de idéias não há como

ignorar o que o precedeu, tampouco abstrair a situação social e política sobre a

qual ele esteve inserido. Iniciarei o primeiro capítulo com um breve histórico do

período que antecedeu o Surrealismo para posteriormente abordar os temas

essenciais como o autorretrato, a manipulação de imagens e o estudo dos

artistas que serviram de inspiração para o desenvolvimento deste trabalho.

1.1. A Guerra

Em 1914, com a eclosão da Primeira Guerra, chegava ao fim a belle

époque (1871-1914), e começava na Europa um conflito cuja violência

destrutiva fora, até então, sem precedentes na história da humanidade:

...está claro que as ações da experiência estão em baixa, e isso numa geração que entre 1914 e 1918 viveu uma das mais terríveis experiências da história. Talvez isso não seja tão estranho quanto parece. Na época, já se podia notar que os combatentes tinham voltado silenciosos do campo de batalha. Mais pobres em experiências comunicáveis, e não mais ricos. (...) Uma geração que ainda fora à escola num bonde puxado por cavalos viu-se abandonada, sem teto, numa paisagem diferente em tudo, exceto nas nuvens, e em cujo centro, num campo de forças de correntes e explosões destruidoras, estava o frágil e minúsculo corpo humano (BENJAMIN apud NASCIMENTO, 2003, p. 61).

A arte não acadêmica do pré-guerra havia, sido completamente

abandonada em favor das formas mais tradicionais e convencionais da arte. O

grupo denominado “Escola de Paris” correspondia a versão política

conservadora e gozava de sucesso comercial ao passo que as obras da

tendência cubista alcançavam preços muito baixos. Para o crítico Louis

Vauxcelles “o trabalho desses artistas incorporava um conjunto de virtudes -

em particular o amor e o respeito pela natureza e uma abordagem intuitiva e

sensual baseada em sentimento, honestidade, franqueza e inocência”

(BATCHELOR, 1998, p.10).

Em 1920 o grupo Purista, fundado por Charles-Édouard Jeanneret e

Amédée Ozenfant, publica seu manifesto “Purismo” na revista L´Esprit

Nouveau pertencente ao grupo, pregando a lógica, a ardem e o controle.

Batchelor (1998) considera que a seção de abertura do manifesto dá ênfase

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considerável a termos como “lógica” “ordem” e “controle”. Em outra parte do

texto, descrevem, os puristas, sua pintura como “uma associação de elementos

purificados, relacionados e arquitetados”.

Os vários estilos da pintura pré e pós cubista pareciam muito

simplificados, tornando assunto rotineiro depois da guerra entre os escritores

da tendência cubista quando nesse período há uma ampla variedade de

pinturas naturalistas em Paris. Batchelor (1998) analisa, ainda, que o retorno a

estilos de pinturas mais conservadores por parte dos anteriormente fauves

Matisse, Vlaminck e Derain foi recebido por esses escritores como um

retrocesso em relação às conquistas do cubismo pré-guerra.

Pequenos grupos contrários ao naturalismo foram formados com

objetivo de fazer com que sua obra fosse uma forma de mudar o mundo. “Sem

dúvida, o propósito mais freqüente era alcançar uma posição pública

externamente e em oposição às formas convencionais de legitimação

intelectual e institucional” (BATCHELOR, 1998, p.19). Vale ressaltar que a

figura de cada um dos integrantes, desses pequenos movimentos contra os

valores naturalistas começaram a ter autonomia criativa assim como a

expressão de seus desejos de modificar a abordagem mental do produto

artístico. Entre eles Man Ray, Marcel Duchamp e Francis Picabia. Os temas

que abordavam preferências absurdas e do acaso se espalharam rapidamente

por todo mundo. Foi o caso do Movimento Dadá oficializado em Zurique, na

Suíça.

1.2. O Movimento Dadá

Surge, em oposição aos puristas, o movimento Dadá, Idealizado por

Tristan Tzara, que escreveu um ensaio intitulado “Dadá Manifesto 1918”. O

dadaísmo apresenta-se como um contra-movimento de crítica cultural mais

ampla, que abrange não somente as artes, mas modelos culturais passados e

presentes. Trata-se de um movimento radical de contestação de valores que

utiliza variados canais de expressão. Em sentido mais específico:

Todo produto repugnante capaz de tornar-se uma negação da família é dadá; um protesto com sua totalidade engajada em ação destrutiva: dadá; o conhecimento de todos os meios rejeitados até agora pelo sexo pudico do compromisso conformista e das boas maneiras: dadá, a abolição de toda a

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lógica, que é a dança dos impotentes para criar: dadá (TZARA apud BATCHELOR, 1998, p.30).

Os dadaístas criavam uma estética calcada na descontinuidade e

espontaneidade que viria a inspirar os surrealistas, numa série de exibições

burlescas e insinuantes. Para Alexandrian (1976), o dadaísmo era o desprezo

pelo mundo agitado por conflitos sangrentos, dogmas maçadores, sentimentos

convencionais, preocupações pedantes e, consequentemente, pelas obras que

se contentavam em refletir esse universo limitado.

Entre os participantes desse contra-movimento estavam André Breton,

Louis Aragon e Philippe Soupault organizando uma pequena revista

independente a Littérature, que pouco tinha a ver com as revistas dadaístas,

nascendo ali o que mais tarde se tornaria o Surrealismo:

Sem a experiência Dadá, o Surrealismo não teria existido sob a forma que lhe conhece e arriscava-se tornar-se um prolongamento do simbolismo, com um acréscimo de polêmica. Os surrealistas tiveram um treino físico e espiritual durante esses dois anos, que os fez encarar os problemas, a partir de então com um conhecimento do combate de vanguarda que não possuíam antes. Seria falso dizer que o surrealismo nasceu depois do dadá, como uma fênix renascendo das cinzas. Ele apareceu durante o dadá e tomou consciência dos seus meios no decorrer da sua ação pública. Aí adquiriu a necessidade de relacionar o delírio verbal ou gráfico com uma causa profunda, menos gratuita que a negação sistemática de tudo. No entanto certos artistas ativos no surrealismo ficaram marcados pelo dadaísmo (ALEXANDRIAN, 1976, p.49).

Em 1922 houve um conflito entre Tristan Tzara e André Breton que

criticava o caráter destrutivo e anarquista do Dadaísmo que não sugeria

alternativa além das críticas querendo apenas o escândalo pelo escândalo sem

atingir um fim.

André Breton apostava na plenitude individual valorizando sempre a

parte lúdica e irracional exaltando a “poesia, amor e revolução”. A influência da

psicanálise de Freud no que diz respeito às forças ocultas do inconsciente, da

libertação dos tabus e da sexualidade leva André Breton e seus companheiros

a recriarem todos os aspectos da existência humana e que, no domínio

artístico, compunham obras de temática erótica e o resultado técnico consistiu

no chamado “automatismo psíquico”.

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1.3. O Movimento Surrealista

Em 1922 André Breton juntamente com Soupault pesquisava a fundo o

método da “escrita automática”, que para eles funcionaria como um meio de

desviar a sistematização de normas sociais e equipar-se de material

necessário para demonstrar seu caráter limitado e repressivo. De acordo com

Alexandrian (1976) este método consistia em escrever sem emendas ou

qualquer controle da razão, e o mais rapidamente possível, o que se passa no

espírito quando nos conseguimos libertar suficientemente do mundo exterior.

Esse exercício tinha finalidade de explorar a mente independente do

pensamento, que é uma das suas manifestações.

Breton queria fazer da linguagem poética uma exploração do

inconsciente baseando-se nos trabalhos de Freud. Iniciou em sua casa o

“período dos sonos” começado sob o incitamento de René Crevel que recolhia

o depoimento de pessoas em estado de transe. Ao relatar o conteúdo destas

sessões, Breton define o que entendia por Surrealismo: “um certo automatismo

psíquico que corresponde bastante bem ao estado de sonho, estado que hoje

em dia bastante difícil de delimitar”. (ALEXANDRIAN, 1976, p.50).

Em 1924 André Breton publica “O Manifesto do Surrealismo (1924)”

iniciando numa linguagem nobre e apaixonada, entoando um hino de

entusiasmo à imaginação, fonte de eterna juventude do homem:

Só a imaginação me dá contas do que pode ser, e é bastante

para suspender por um instante a interdição terrível; é

bastante também para que eu me entregue a ela, sem receio

de me enganar (como se fosse possível enganar-se mais

ainda) (BRETON, 1924).

O Manifesto foi um termo empregado do prólogo da peça Les Mamelles

de Tirésias, de Apollinaire que criticava a realidade e a razão, opostas às

certezas da infância, da loucura e da imaginação louvando as descobertas de

Freud no domínio da psicanálise, e o enaltecimento do sonho. A definição de

Surrealismo é lançada, baseada no modelo dos verbetes de dicionários e

enciclopédias:

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Surrealismo. S. m. Automatismo psíquico puro através do qual se propõe exprimir, verbalmente ou por escrito, ou de qualquer outra maneira, o funcionamento real do pensamento. Ditado do pensamento, na ausência de qualquer controle exercido pela razão, fora de toda preocupação estética ou moral. Encicl. Filos. O Surrealismo repousa sobre a crença na realidade superior de certas formas de associação negligenciadas até ele, no sonho todo-poderoso, no jogo desinteressado do pensamento. Ele tende a arruinar definitivamente todos os outros mecanismos psíquicos, substituindo-os para resolução dos principais problemas da vida (BRETON, 1924).

O Movimento negava o mundo das aparências, porem, não só negava,

mas mostrava o mundo do inconsciente, invocando a fantasia em todos os

sentidos sem qualquer tipo de controle lógico, estético ou moral, pretendendo

que suas obras tomassem a forma de seus desejos mais secretos, influenciado

pela psicanálise de Freud, no que diz seu caráter de revelação das forças

ocultas do inconsciente, da libertação de tabus e de imposições vigentes no

domínio da sexualidade. De acordo com Alexandrian (1976), o medo, a atração

do insólito, a sorte e o amor pelo luxo são motivações que não se fará apelo

em vão.

Foi por meio da pintura que as idéias do surrealismo foram melhor

expressadas. Os artistas se utilizavam de dois elementos da psicanálise na

interpretação dos sonhos: os mecanismos de condensação e deslocamento. A

condensação é o resumo das idéias que têm pontos em comum e uma

analogia entre si, fundindo elementos que estão a um nível latente com traços

comuns num só. O deslocamento ocorre quando há uma transferência da

importância que tem uma idéia para outra completamente diferente.

O movimento se utiliza desses mecanismos para mascarar certas

“realidades” criando imagens de duplo sentido, às vezes conflitantes. Uma

coisa pode ser outra dependendo da forma como é interpretada ou visualizada,

que consiste na ação do processo de deslocamento.

A pintura surrealista dividiu-se em duas correntes. A primeira

representada principalmente por Salvador Dalí, trabalha com a distorção e

justaposição de imagens conhecidas. Os artistas da segunda corrente libertam

a mente e dão vazão ao inconsciente, sem nenhum controle da razão. Juan

Miró e Max Ernst representam esta corrente. Segundo Breton:

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Há dois métodos propriamente surrealistas: o automatismo rítmico (pelo qual se pintava seguindo o impulso gráfico) e o automatismo simbólico (a fixação das imagens oníricas ou subconscientes de maneira natural). De acordo com isso, surgiram grupos diferentes de pintores: Miró, Hans Arp e André Masson, por exemplo, representaram o surrealismo orgânico ou automatista, enquanto Dalí, Magritte, Chagall e Marx Ernst, entre outros, desenvolveram o surrealismo simbólico (Em: <http://www.portalsaofrancisco.com.br/alfa/surrealismo/surrealismo.php>. Acesso em: 16 Janeiro 2011. )

Salvador Dali utilizava muito do paradoxo em suas obras caracterizando

o caráter metafórico de suas obras.

Fig. 01: Paranoiac Visage1935 Fig. 02: Paranoiac Visage1935 Salvador Dali. Salvador Dali. Na tela intitulada Paranoiac Visage, Dali utilizou o processo de deslocamento

criando uma imagem de duplo sentido.

Page 17: Torraca; diego   autorretrato surrealista

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Fig. 03: Cabeça de Mulher. 1938 Fig. 04: Automatic Drawning. 1924. Miró. André Masson.

Miró e André Masson eram adeptos dos traços mais livres e automáticos

resultando em formas orgânicas e fluidas.

A 1ª Exposição Coletiva do surrealismo acontece em 1925, é organizada

por Breton na Galeria Pierre em Paris e nela participam Marx Ernest, Miró, Man

Ray, Arp, Chirico, Klee e Picasso.

André Breton acreditava que todas as formas de criação de imagens

eram válidas para o movimento. Nesse contexto abordarei, a partir desse

ponto, a fotografia e seus representantes que expressaram o inconsciente e a

percepção clássica dos ideais surrealistas.

1.3.1. Man Ray (EUA, Filadélfia, 1890 - França, Paris, 1976)

Pseudônimo de Emmanuel Rudnitzky, formado por duas pequenas

sílabas, que significam homem (man), e raio (ray) de luz ou de sol. Man Ray

era artista de várias mídias. Tinha gosto pela escultura, pintura, cinema e

fotografia. No principio suas obras eram de caráter estático inspiradas no

cubismo e expressionismo. Logo, com a amizade de Marcel Duchamp passa a

colocar movimento em suas obras e seu foco muda para o surrealismo. Juntos,

os dois fundaram a Sociedade de Artistas Independentes. Ray tentou criar uma

visão surrealista da forma feminina, e utilizava-se do efeito de solarização e

outras técnicas fotográficas para criar um efeito surreal em suas fotografias.

Ray foi aquele que revolucionou a fotografia, transformando-a em meio de investigação poética do mundo. Em 1921 inventou os raiogramas, fazendo aparecer “fantasmas” de objetos segundo uma fórmula que ele próprio revelou: “eis o principio sobre o qual repousa o rayograma” a que se chama por vezes, e na minha opinião impropriamente, fotograma.

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Man Ray fez fotografias de moda para Paul Poiret, retratos e reproduções de obras de vanguarda. Trabalhava num quarto de hotel, com material rudimentar; alias mostrava desprezo pelas maquinas aperfeiçoadas e, sobretudo, pela habilidade técnica. Antes queria fotografar uma idéia que uma coisa, e um sonho mais que uma idéia (ALEXANDRIAN, 1976, p. 89).

A execução dos fotogramas não requer câmera fotográfica para a sua

realização, apenas uma fonte qualquer de luz sobre formas e objetos, a sua

realização é instantânea e cada fotograma é único, pois é impresso

diretamente em papel fotográfico, não possuindo por isso película negativa.

Sua obra fotográfica conjuga de uma forma criativa de grande capacidade

plástica com enorme rigor técnico, destacando as expressões faciais, jogo de

luz/sombra.

Fig. 05: Les Champs Délicieus 1. 1922. Fig. 06: Max Ernst. 1935. Man Ray Man Ray.

Ray foi um grande retratista produzindo inúmeras imagens ao longo de

décadas de personalidades do meio artístico, artistas plásticos, escritores,

músicos, compositores, e atores.

1.3.2. Phillippe Halsman (Letônia, Riga 1906 – EUA, Nova Iorque 1979).

Apesar de não ser um genuíno surrealista, adquiriu algumas

características do movimento por estudar e trabalhar com os participantes

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deste. Halsman combinava fascinação, sexo, e energia em um retrato.

Trabalhou e foi amigo de Salvador Dalí por mais de trinta anos.

No decorrer de seus quarenta anos de profissão Halsman retratou quase

todas as personalidades de destaque na arte e na política.

Fig. 07: Dalí Atômico. 1948Phillippe Halsman.

Page 20: Torraca; diego   autorretrato surrealista

20

Fig. 08: Crânio de Nus de Dalí, 1950. Fig. 09: Dalí de um olho só, 1954. Phillipe Halsman. Phillipe Halsman.

Após estudar o Movimento Surrealista, se faz necessário entender o

autorretrato, do início das representações até modernidade, tal como as

motivações que levavam a humanidade se autorrepresentar por meio de

diversos suportes, chegando à fotografia e a ligação que esta faz com outros

assuntos que serão abordados posteriormente para o entendimento total do

objeto estudado para a conclusão da proposta prática.

1.4. Autorretrato

O conceito de autorretrato reúne várias visões, dentro da definição

canônica da história da arte. Uma delas é o simples fato de ser o retrato que o

artista faz dele mesmo podendo ser realista ou até mesmo acrescentando

elementos de outros movimentos artísticos, como o surrealismo, por exemplo.

Esse tipo de retratação esta presente desde o inicio da civilização:

Os homens da Idade da Rena, em particular em Lascaux, certamente utilizaram um procedimento empregado pelos australianos de hoje, que consiste em introduzir um pó colorido num tubo oco e soprar (BATAILLE apud DUBOIS, 1993, p. 116)

A imagem obtida através da pulverização nas mãos é literalmente um

traço do que havia ali.

Fig. 10: Cueva de las Manos

Patagônia/Argentina

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21

No Antigo Egito apenas o faraó e seus familiares podiam ser retratados,

porém somente nas dinastias IV do Antigo Império e XVIII do Império Novo

tinham a preocupação com a semelhança entre o retrato e o retratado. Na

Grécia, no período Helenístico, o retrato dos soberanos era gravado nas

moedas influenciando, com a singularidade de feições físicas e expressões, os

retratos de Roma utilizados para o culto de seus antepassados. Para Klein

(2010) o retrato tem sua função modificada com o passar do tempo. Se, antes

tinha uma função religiosa, comemorativa, funerária, entre outras, na idade

moderna ganha um valor de status social. Representava a autoridade dos

nobres e teve um papel fundamental na efetivação do poder territorial.

O retrato popularizou-se a partir do Renascimento onde pintores eram

contratados para registrar a figura das pessoas importantes e os artistas

começaram a representar também seus próprios corpos. As motivações que

levam um artista a retratar-se vão além da auto-representação narcisista. No

período Barroco, a repressão imposta pelo Estado com o aval da Igreja, cerceia

as ações do homem, cuja visão de si mesmo muda de perspectiva. Ciente de

sua impotência diante dos acontecimentos da vida, tenta voltar-se a Deus e

aos aspectos existenciais. Lopes (2008) afirma que Albrecht Dürer (1471-

1528), artista alemão do Renascimento buscava, por meio de seus

autorretratos, o reconhecimento de sua posição como artista, em detrimento ao

pensamento alemão generalizado, advindo da Idade Média, que nivelava o

artista ao artesão.

Fig. 11: Autorretrato, 1498 Fig. 12: Autorretrato Com Peles 1500.

Page 22: Torraca; diego   autorretrato surrealista

22

Albrecht Dürer Albrecht Dürer

Para Lopes (2008) a crise existencial do homem deste período

determina uma atitude dialética que se manifesta na arte por uma estética do

conflito. Os retratos, e em especial os autorretratos, tornam-se relatos

contundentes das verdades e misérias humanas.

Canton (1998) afirma que enquanto no Renascimento havia uma procura

pelo registro de pessoas e famílias de forma popularizada, no final do século 19

ocorre:

Uma liberação da busca da verossimilhança da imagem humana, e as novas pesquisas trazidas pelo pós-impressionismo e, posteriormente, pelo cubismo na primeira década de 1920, o retrato e o auto–retrato readquirem força e comportam formas e conceitos inovadores (CANTON, 1998, p.68).

Com o rompimento do naturalismo e o surgimento da fotografia a

produção de retratos e autorretratos se acentua.

Fig. 13: Autorretrato com chapéu de feltro 1887 Fig. 14: Autorretrato 1907 Vincent Van Gogh Pablo Picasso

Page 23: Torraca; diego   autorretrato surrealista

23

Fig. 15: Autorretrato 1932 Fig. 16: Autorretrato 1934

Man Ray Man Ray

A reflexão sobre os limites da representação e suas possibilidades toma

corpo no início do século XX e tem uma retomada após a 2ª Guerra Mundial.

No autorretrato o modelo e o artista/fotógrafo são a mesma pessoa:

Diferentemente do retrato, cuja função é ser fiel a uma aparência desejável pelo retratado, diante do auto-retrato, o fotógrafo geralmente lança mão de estratégias que demonstram sua intimidade com a câmera e certo desprezo pelo convencionalismo que determina a correspondência entre as imagens e os papéis sociais assumidos pelo retratado. Isso não significa que o resultado será mais ou menos fiel à sua aparência, mas sim que esta pode ser tratada apenas como um motivo desencadeador da representação de uma fantasia, da curiosidade para ver um traço repugnante ou imperfeito de uma fisionomia humana. Desafia, portanto, o valor da fotografia como documento da realidade visível para tratá-la como documento de sua existência ou de sua postura frente os valores estéticos de seu tempo. Essa fotografia, livre da expectativa do aplauso, prescinde da existência de um referente exterior. Podemos pensar que, afinal, no mundo e na fotografia, o real está muito além das aparências enquadradas em uma imagem (MARTÍNEZ. 2009 p.76)

Destes aspectos citados por Martinez (2009), é possível falar sobre a

mistura de linguagens e procedimentos artísticos diferentes que as obras

contemporâneas possuem buscando trabalhar com os códigos simbólicos e

transformá-los se for necessário.

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24

1.4.1. O autorretrato contemporâneo

Aqui se encontra uma dificuldade em conceituar o autorretrato na arte

contemporânea pelo fato de estarmos vivendo no período de estudo e este

estando em constante crescimento e desenvolvimento. A categoria

autorrepresentação permanece como forma de expressão artística na

modernidade e avança pela contemporaneidade:

Por volta de 1960, os artistas ditos como neo-expressionistas devolvem à arte as imagens reconhecíveis às correntes artísticas, fundindo a arte às emoções, às preocupações sociais, a autobiografia. Na arte pós-moderna, os artistas se deparavam com a questão da originalidade da arte e não apenas da novidade que ela carregava. O legado da arte a partir da metade do século XX é a liberdade total de expressão (OLIVEIRA & ANDRADE, 2010)

A representação em questão abrange a subjetividade. A expressão

artística ergue um obstáculo na interpretação das obras. Esse obstáculo é

entre o que se vê e o que o artista quer demonstrar. Mais que uma

representação narcisista, o auto-retrato contemporâneo está ligado a um

contexto coletivo e não somente individual.

Um artista que me chamou atenção é Jurgen Klauke que trabalha com

fotografia utilizando seu corpo como modelo. Klauke usa da provocação como

ferramenta importante para atrair o consumidor às suas obras. Realizou muitos

de seus temas em forma de vídeo, mas foi nas seqüências fotográficas que seu

trabalho fora mais reconhecido. As suas seqüências lidaram desde o inicio,

com questões de sexualidade, psique, identidade relativa ao corpo e a sua

venda, vendo o próprio corpo apenas como substituto e como exemplo.

De acordo com o Mibelbeck (1998), sobre o trabalho de Klauke, ate

mesmo comportamento político, a crença na autoridade e a obediência fazem

parte de algumas de suas seqüências. Essencial também é o humor

acrescentado a temas sérios e que acaba por sugerir desespero, como se o

riso fosse a única maneira de lidar com a incapacidade de proceder às

mudanças.

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25

Fig. 17: Autorretrato 1973Jurgen Klauke

Na arte de klauke há um tipo de comportamento caracterizado pelo

isolamento, dando a impressão de ser um rebelde na luta contra o conforto da

sociedade.

Nos autorretratos estudados ao longo da história da arte, observamos

que existe uma alteração pictórica nessas representações, seja por pinceladas

mais expressivas, como as de Van Gogh, seja nos traços angulosos de

Picasso. Na fotografia ocorre também tal fato como vimos nas obras de Man

Ray. A manipulação da fotografia já é possível desde a primeira metade do

século XIX, quando os fotógrafos mergulhados em seus escuros laboratórios

faziam correções de contraste, de manchas em pele etc. Vejamos que a

fotografia há muito deixou de ser um mero representante real da realidade.

1.5. Manipulação fotográfica

A manipulação fotográfica de acordo com o Almanaque Digital do Itaú

Cultural (2010) designa toda e qualquer interferência técnica ou criptográfica

efetuada pelo fotógrafo com finalidades expressivas. Essa expressão aplica-se,

portanto, a uma vasta gama de procedimentos, que podem ser adotados de

modo independente ou conjugados.

A fotomontagem foi uma inovação utilizada em projetos específicos a

partir de 1916 nos trabalhos de Georg Grosz e John Heartfield, que

procuravam desenvolver a fotomontagem como uma forma de representação

política e artística.

Em 1933, depois de os nacionais socialistas chegaram ao poder na Alemanha, Heartfield deslocalizada para

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26

Checoslováquia, onde ele continuou seu trabalho para a fotomontagem AIZ (que foi publicado no exílio). Fotomontagens satíricas de Hitler em publicações na Alemanha e Checoslováquia de modo a comprometer a mensagem da propaganda (SOUZA, 2009, p.03)

Há ainda importantes nomes que utilizaram da fotomontagem em seus

trabalhos como Raoul Hausmann, Hannah Höch, Max Ernst, Moholy-Nagy e

Kurt Schwitters. Eles utilizavam recortes de fotografias, revistas e objetos

sobrepondo imagens. De acordo com Souza (2009) há evidentes vínculos na

contemporaneidade disso tudo com o surgimento do movimento Dadaísta,

intimamente ligado ao Cubismo e ao Surrealismo – movimentos fundamentais

e formadores da mentalidade e da estética do século XX. Os dadaístas se

opunham à concepção de arte e criavam colagens a partir de sucata velha:

...trata-se aqui de uma prática que, sobretudo, entre os dadaístas, correspondeu aos desafios muito diversificados: das fotomontagens stricto sensu do berlinense John Heartfield, de vocação exclusiva de denúncia política, às de Raoul Hausmann, mais plásticas (...), combinações mistas e muito dominadas formalmente de um Moholy-Nagy (...). mas há sempre, alem dos objetivos particulares de cada um, uma espécie de dupla vontade global: por um lado, integrar a imagem fotográfica, com suas características próprias , numa espécie de grande amalgama de suportes, como se essa imagem devesse ser dessacralizada, trazida de volta à condição de objeto (...) e por outro, a essa mixagem de materiais , fazer corresponder jogos de combinações simbólicas (...)(DUBOIS, 1993, p. 269).

Algumas tendências importantes da arte contemporânea utilizam dessa

característica surgida no período Dadá como a da lógica da colagem de

mistura de materiais e signos.

Os artistas que utilizaram da fotomontagem como forma de

representação e serviram de inspiração para o presente trabalho são: Herbert

Bayer, Jerry Uelsmann, Philippe Halsman e Moholy-Nagy. Estes tinham como

base a fotografia, e as exibiam como “realidades” naturais, urbanas, humanas,

sociais, fantásticas, absurdas, realistas, surrealistas tornando-se base de uma

mensagem representativa da arte contemporânea. Seguimos falando um pouco

sobre suas respectivas biografias.

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27

1.5.1. Herbert Bayer (Áustria, Haag, 1900 - EUA, Montecito, 1985).

Um artista extremamente versátil. Tipógrafo, publicitário, fotógrafo, pintor

escultor etc., foi na Bauhaus quando assumiu as publicações da instituição que

começou a trabalhar com fotografia, que se tornou sua forma preferida de

expressão nos anos 30. Inspirado nas idéias do Surrealismo Bayer faz seu

autorretrato aplicando a montagem fotográfica que combinava de acordo com

Thielemann (1998) dois níveis de realidade numa só imagem traumática.

Fig. 18: Autorretrato, 1932. Fig. 19: Habitante Solitário da Grande Herbert Bayer. Cidade, 1932. Herbert Bayer. 1.5.2. JERRY UELSMANN (EUA, Detroit , 1934.)

Defende a idéia de que a fotografia não depende exclusivamente de um

único negativo, mas da composição a partir de outros passando a ganhar

caráter artístico-visual de grande poder estético.

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28

Fig. 20: Sem título,1982 Fig. 21: Sem título, 1969. Jerry Uelsmann Jerry Uelsmann

Jerry crias suas fotografias expondo diferentes áreas do papel

fotossensível e mantém certa lealdade para com a estética da paisagem

tradicional. A força simbólica e metafórica das fotografias de uelsmann é

derivada da sobreposição de elementos “costurados” criando uma nova

imagem. Toda sua carreira envereda pelos caminhos da fotografia, ora como

pesquisador, ora como professor, sendo este último sua fonte de renda, uma

vez que não produz suas fotomontagens com interesse comercial.

1.5.3. László Moholy-Nagy (Hungria, Bácsborsod, 1895 – EUA, Chicago

1946),

Moholy-Nagy não pesquisava apenas uma modalidade das artes.

Estudava as linhas da pintura, escultura, cinema, design e a fotografia como

instrumentos de investigação ao serviço da definição do espaço através da luz

e a cor, sendo a fotografia um dos modos de dar forma à luz. Grande parte de

obra fotográfica de Moholy-Nagy está baseada no principio de contraposição

oblíqua, de cima ou de baixo. Para ele, a fotografia era um meio para produzir

novas experiências sensoriais em vez de registrar algo que já tinha sido

apreendido pela percepção direta ou de representar o mundo de forma

semelhante à processada pelos sentidos.

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29

Fig. 22: Behind Back of God. Fig. 23: The Law of Series. Between Heaven and Earth – 1925. (Das Gesetz der Serie). 1925 László Moholy-Nagy. László Moholy-Nagy.

As fotografias de Moholy-Nagy combinam diferentes perspectivas , colagem de

fragmentos corporais e evoca o corpo surreal.

1.5.4. Grete Stern (Alemanha, Elberfeld, 1904 – Argentina, Buenos Aires,

1999).

Grete revela-se como artista no auge da República de Weimar, sobre

influência direta da Bauhaus, atravez de Walter Peterhans. Com o nazismo vai

para Londres e Posteriormente Buenos Aires. Realizou cerca de 150

fotomontagens para a Revista Juvenil e Feminina de 1948 a 1951 que

ilustravam o sonho das leitoras e a interpretação destes, era feito por dois

psicanalistas. As fotos remetem às vanguardas dadaísta e surrealista tendo a

figura feminina como personagem central.

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Fig. 24: Sonho n. 28, 1950. Fig. 25: Sonho n. 31, 1950. Grete Stern. Grete Stern

Grete representava a frustração de confinamento e o desejo de

independência da mulher da classe média da época que não conseguiram

concretizar suas aspirações.

Vimos, até então, os processos de manipulação de imagens a partir de

negativos e imagens pré-existentes compostas de maneira mecânica.

Partiremos para a análise dos processos digitais de criação artística.

1.6. Os avanços tecnológicos no procedimento pós-fotográfico

Com os avanços das novas tecnologias digitais de captura e tratamento

da imagem fotográfica, que se iniciam na segunda metade do século XX, com a

popularização dos computadores, gera um processo de autonomia e

autoridade ao fotógrafo no que se refere a produção, manuseio, manipulação e

reprodução das imagens. Para Souza:

A multiplicidade de apropriações de programas de mais fácil acesso, como é o caso de alguns softwares de edição e tratamento de imagem, exatamente por sua analogia com o mundo real, está longe de nos oferecer qualquer solução pacífica ou apresentar questões resolvidas. Os primeiros manuais dessas ferramentas informáticas encorajavam a descoberta do programa, exatamente por sua capacidade de

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“simular” o laboratório fotográfico ou, na representação pictórica, o ateliê do pintor. (SOUZA, 2009, p. 09)

Os softwares e os avanços tecnológicos reproduzem as técnicas

laboratoriais do passado. O conceito mais importante da tecnologia da imagem

é a manipulação através das ferramentas digitais.

Com a edição do conteúdo imagético, seja no caráter da composição ou

num simples ajuste de coloração estamos criando uma nova imagem com

características próprias. De acordo com Souza (2009) a edição é o próprio

modo de criação, de composição e realização da imagem e não apenas a mera

manipulação de ferramentas, visando uma modificação, uma alteração de

imagens como sobreposição e criação de uma imagem nova, modificada.

Podemos concluir então que o trabalho de edição de uma imagem

possui a mesma carga expressiva que o próprio original, e que os processos

analógicos são representados na atualidade pelo ambiente digital e

tecnológico.

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2. Metodologia

Este capítulo será destinado à descrição prática da proposta deste

trabalho desde a escolha do tema até a finalização do objeto impresso.

2.1. A escolha do tema

O retrato é a modalidade fotográfica que mais me agrada e

conseqüentemente as formas de manipulação do corpo humano me fascinam.

Ao analisar imagens publicitárias ficava imaginando como era possível

transformar algo simples em imagens tão complexas. Assim adquiri os

programas Adobe Photoshop e Corel Draw e amadoramente comecei a fazer

as primeiras manipulações utilizando fotografias que tinha à mão, a principio eu

era o personagem das imagens.

Com o tempo o desejo de evoluir e a necessidade de mercado de

trabalho fizeram com que eu buscasse referências nessa área. A cada

pesquisa me envolvia mais e decidi que este seria o objeto de estudo do meu

trabalho de conclusão de curso.

Após a escolha da linguagem a ser desenvolvida, fiz um primeiro ensaio,

para obtenção de nota na disciplina Oficina de Fotografia II, que serviria de

subsidio técnico/temático para o ensaio final do ano posterior.

Abaixo algumas imagens produzidas anteriormente com a temática

abordada neste trabalho.

Fig. 26. Sem Título, 2010 Fig. 27. Sem Título, 2010 Diego Torraca Diego Torraca

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33

Fig. 28. Sem Título, 2008 Fig. 29. Sem Título, 2010 Diego Torraca Diego Torraca

2.2. Desenvolvimento prático

Com o tema já definido, comecei o estudo teórico dos tópicos que

seriam desenvolvidos ou que possuíam relações com as obras de estudo.

Necessitei entender o contexto historio e suas relações com a

contemporaneidade para que não me faltasse subsídios para a execução em

questão.

Como já disse no primeiro capítulo, estudei Man Ray, genuíno

surrealista e Grete Stern com características deste período. Ressalto

novamente que a manipulação de imagens não é algo novo, tampouco fruto

das tecnologias computacionais.

2.3. Conceito

Até então abordei nesse trabalho todo contexto histórico dos

movimentos/artistas/técnicas relacionadas ao desenvolvimento desta série.

Explico agora as questões de ordem individual, ou seja, o ponto central, o

personagem. O “Eu”.

A série intitulada “Cadáver Esquisito” tem como base a representação de

imagens formadas no inconsciente do artista, que comumente chamamos de

surreais, e que o autor prefere chamar de nova realidade com base nas idéias

de Aragon (ARAGON apud ALEXANDRIAN, 1976, p. 52) que dizia que o

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34

Surrealismo não é verdadeiramente o fantástico, é uma realidade superior onde

todas as contradições que atormentam o homem são resolvidas como num

sonho.

O título desta série faz referência ao jogo surrealista utilizado por André

Breton, Benjamin Péret, Yves Tanguy, entre outros, que nada mais era:

Uma frase ou desenho composto por várias pessoas, sem que nenhuma delas pudesse ter em consideração a ou as colaborações precedentes (...). O ideal do grupo era pôr em comum o gênio sem que ninguém tivesse que abdicar de sua individualidade (...). Todos estes amigos sentiam a fraternidade das suas imaginações (ALEXANDRIAN, 1976, p. 54).

Os surrealistas utilizaram esse jogo como um fazer produtivo, como

autoexploração aumentando seu repertório de imagens e idéias. Cadáver

Esquisito foram as duas primeiras palavras a serem escritas no jogo, que

posteriormente se tornaria o nome desta brincadeira que recebeu o significado

de “Fruto do Acaso”.

Fig.30, Cadavre exquis, 1938 Fig. 31, Cadavre Exquis, 1926-27 André Breton, Jaqueline Lamba, Man Ray, Yves Tanguy, Joan Miró, Yves Tanguy. Max Morise.

Este tem em comum com o programa iconográfico a ser exposto, a

figuração do corpo, com novos formatos e/ou elementos não se preocupando

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35

com o absurdo, o irreal, mas pelo contrário, buscando exprimir o máximo o que

a mente cria traduzindo esses pensamentos em imagens. Ressalto que por

mais inconscientes sejam estas imagens há ainda uma busca por significação

e apelo interior ao que remete alguma lembrança, tradução de um pensamento

e revisão das imagens neste universo que estão inseridas, assim como

metáforas. Para elaboração destas imagens fiz um jogo de desejo e acaso,

inserindo elementos previamente pensados com os imaginados no momento

em que produzia o croqui.

Como referência estética para este trabalho, baseio-me em retratos

antigos, recriando a presença de marcas do tempo, imperfeições de

armazenamento, texturas do papel, coloração, e na utilização de plano de

fundo com motivos retrô.

Todas essas referências sintetizam de forma subjetiva o universo

particular da minha mente, que mesmo após muito treino não serei capaz de

transporta-los fielmente para o plano físico por serem algo tão complexo.

2.4. Processo de Produção

Para a realização das fotografias tive que levar em consideração alguns

aspectos, principalmente a iluminação que deveria ser igual para cada foto que

seria inserida na foto original tornando-as parte de um todo com o mesmo tipo

de luz.

Fig. 32, Esquema de iluminação.

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36

Outros aspectos de composição fotográfica foram levados em

consideração como, por exemplo, o enquadramento que foi ajustado no

processo pós-fotográfico pois a dificuldade de ajustes fica limitado quando se

fotografa a si mesmo.

Para exemplificar melhor o processo de produção das imagens mostrarei

o passo a passo de uma das obras.

O primeiro passo foi pensar em uma imagem pronta e fazer o croqui

para que fosse de melhor análise do que necessitaria fotografar, como poses e

objetos.

Fig. 33, Croqui para compor imagem.

Para esta composição, ainda sem título, verifiquei que necessitaria de

uma “fotografia base” e alguns objetos para compor a cena. A primeira seria o

autorretrato.

Com base no croqui me fotografei algumas vezes e posteriormente

escolhi a que melhor atenderia as minhas necessidades como, por exemplo, o

reflexo da faca, a posição da minha cabeça, o brilho da bandeja entre outros.

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37

Fig. 34, Fotografia base.

Após a escolha da imagem chegou o momento de editá-la. Utilizei como

programa principal o Adobe Photoshop CS4.

Com o uso da ferramenta Magic Wand Tool removi o fundo que

originalmente era um tecido branco. Depois abri um novo documento no

tamanho 30,5 x 45,6 cm que é o tamanho real da impressão.

Fig. 35, Fotografia base sem fundo.

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Após aberto o documento com as dimensões necessárias, colei a

imagem base, aumentando-a e verificando os ajustes de enquadramento. Após

a redimensão da imagem coloquei o fundo que chamarei de Background. Feito

isso com a ferramenta Eraser Tool, conhecida como borracha, apaguei o

contorno da imagem base tornando-a menos marcada e mais esfumaçada.

Fig. 36, Imagem redimensionada e com background.

O passo seguinte foi duplicar a imagem base e utilizar apenas a cabeça.

A imagem principal sofrerá uma alteração a fim de deixar o personagem sem

cabeça. Para um melhor realismo foi necessário fotografar a etiqueta de uma

camiseta para compor esta imagem.

Fig. 37, Fotografia da etiqueta para compor a imagem.

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Um dos momentos mais difíceis ocorre quando há necessidade de

apagar um cabelo enrolado e fazer com que esta imagem se pareça como uma

unidade de figura principal e fundo. Para que isso ocorresse utilizei vários

tamanhos da ferramenta Eraser Tool, necessitei ajustar a opacidade e dureza

da mesma, além de ajustes de cores brilho e saturação nas extremidades do

cabelo.

Fig. 38, Imagem com o detalhe da etiqueta e cabeça sobre a bandeja com os ajustes no cabelo.

Feito o acabamento do cabelo, e das bordas da imagem é hora de

desfocar o background para dar a impressão de profundidade.

Após vários testes de efeitos de coloração no photoshop não encontrei

ou não soube utilizar este programa a meu favor, salvei a imagem no formato

TIFF por não perder a qualidade da imagem. Em seguida abri-la no programa

Corel PHOTO-PAINT X3 e ajustei os níveis temperatura e saturação de cor

além de contraste, brilho, sombras e tons médios.

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Fig. 39, Imagem com ajustes de coloração e iluminação no Corel PHOTO-PAINT X3.

Depois dos ajustes feitos é hora de salvar a imagem e transportá-la

novamente para o Adobe Photoshop CS4.

O próximo passo é tornar essa imagem envelhecida com marcas do

tempo e imperfeições. Para isso utilizei uma nova imagem que é a fotografia de

uma folha papel sobre um novo Layer, que são as camadas que trabalhamos

no Photoshop.

Fig. 40, Imagem com 02 layers – papel e imagem base no Photoshop.

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Sobre esse layer será utilizado Blending Mode, ou o modo com que a

sobreposição ficará sobre a imagem base. Para alcançar o efeito que eu

gostaria utilizei o modo Linear Light.

Fig. 41, Imagem finalizada com efeito de Blending Linear Light.

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3. Resultados Obtidos

Concluídos os estudos que necessitava para entender o contexto de um

autorretrato surrealista, e apresentar o processo de produção de uma imagem,

mas que sintetiza o modo como foram produzidas as demais, mostrarei o

produto final que é a série “Cadáver Esquisito”.

3.1. Apresentação do Ensaio

O programa iconográfico a ser exposto não se trata apenas de uma

autorrepresentação, mas sim um produto resultante da máxima exploração de

elementos da temática proposta para este trabalho. Para servir de narrativa

para as imagens, elaborei uma história, simples e ao mesmo tempo complexa

que propõe ao espectador uma busca pelo entendimento dos elementos não

sendo apenas imagens, mas algo que possua um significado para cada

individuo de acordo com sua vivência.

A narrativa trata-se de uma pasta contendo uma serie de fotografias, que

foi encontrada no início do século XXI por alguma pessoa. Esta pode ser eu,

você, que lê este texto, algum amigo, qualquer pessoa. Intrigado com essas

imagens, o individuo que as encontrou leva então esse achado para uma

universidade, que também pode ser qualquer uma, para estudos. Chegou-se

então a algumas conclusões a cerca das imagens:

1. possuem caráter documental, por possuírem uma inscrição no canto

inferior direito.

2. estas foram produzidas durante a década de 1920, mas não se tem

uma data exata.

3. são autorretratos de um jovem artista que participou do Movimento do

Surrealismo

4. exprimem a angústia do retratista/retratado.

Com base nessas informações chegaram a conclusão que estas

imagens são uma forma de expressão muito particular, ou mesmo de uma

sociedade marcada por conflitos, trazendo em seu povo o sentimento de

revolta que acreditavam que através da poética da agressão pudessem

expressar seus sentimentos, no ato sem controle de provocar, através das

imagens, eles queriam forçar a reflexão daquele momento em que estavam

vivendo buscando um sentido para a vida. Este sentimento ainda tão em voga

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é o que faz o autor destas imagens traduzir, mesmo que através de metáforas

as efervescências da mente humana.

Para representar esses achados, utilizei dos recursos de coloração e

impressão de texturas, assim como a presença de ruídos nas imagens

buscando alcançar a semelhança entre documentos antigos e os objetos

expostos.

3.2. Análise das imagens

Levantarei algumas questões referentes à composição de cada painel,

ressaltando que qualquer individuo pode, e deve, fazer o uso de sua

experiência para interpretar como quiser cada imagem, estando ele livre de

qualquer imposição ou negativa por parte do autor.

Como referência teórica, a cerca da leitura das imagens, tomei como

base o texto Construção do Imaginário Surrealista Através do Jogo do Cadavre

Exquis de Fabiane Pianowski publicado pela revista Psikeba – Revista de

psicanálise e estudos Culturais, que aborda, entre outras questões, as relações

entre objetos representados nas imagens produzidas pelos surrealistas, e seus

significados com a psicanálise.

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3.2.1 Cadáver Esquisito I

Fig. 42, Cadáver Esquisito I, 2011.Diego Torraca

Um ser humano servindo a própria cabeça numa bandeja.

Objetos cortantes, para a psicanálise representam a libertação da

ignorância e do orgulho.

Podemos levantar discussões a cerca da tentativa de libertação da

mente e a introdução do automatismo psíquico, num ato de “entregar de

bandeja” a fonte dos pensamentos

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3.2.2. Cadáver Esquisito II

Fig. 43, Cadáver Esquisito II, 2011.Diego Torraca

Um ser humano segurando os olhos e sua face derretendo

O crânio exposto é a prova do pó, da finalização da vida, da mortalidade

e do desgaste humano. Os olhos bem abertos é a vontade de ser perpétuo, de

permanecer vivo mesmo que o corpo insista em dizer o contrário. Os olhos em

outra posição do corpo significam relações espirituais e clarividência.

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3.2.3. Cadáver Esquisito III

Fig. 44, Cadáver Esquisito III, 2011.Diego Torraca

Um tronco humano. 03 mãos ao invés da cabeça.

As mãos para a psicanálise significam a manifestação interior. A mão

direita, usada nesta foto, é o lado consciente, lógico e viril.

Podemos apontar esta imagem também como a representação o

automatismo psíquico tomando o lugar dos pensamentos, como se cada parte

do corpo possuísse uma vontade própria e independente da mente.

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3.2.4. Cadáver Esquisito IV

Fig. 45, Cadáver Esquisito IV, 2011.Diego Torraca

Um ser humano com 04 braços. Uma moldura. Uma mão em direção ao

corpo.

Cadáver Esquisito IV representa através das mãos, como já vimos

anteriormente, uma correspondência com o espiritual. Nesta imagem ela

aparece várias vezes. No corpo esta se faz presente em gesto de prece e o

seguinte par de braços aparece segurando uma moldura que representa a

janela para os olhos, o olhar para fora.

Para a psicanálise as mãos em forma de garra fazem referência ao

instinto. Aqui ela aparece no que seria o ato de buscar o corpo. De tê-lo nas

mãos. Em seu todo esta figura representa o olhar para alem da matéria e num

gesto de prece o pedido de afirmação do instinto.

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48

3.2.5. Cadáver Esquisito V

Fig. 46, Cadáver Esquisito V, 2011.Diego Torraca

Ser humano tapando a boca. Câmeras fotográficas.

Esta imagem representa o grito. Mesmo estando com a boca tapada

existe a expressão do sofrimento, angústia e da dor. As câmeras aqui

representam o claustro, a repressão e o registro de qualquer passo em falso.

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49

3.2.6. Cadáver Esquisito VI

Fig. 47, Cadáver Esquisito VI, 2011.Diego Torraca

Um ser humano segurando um quadro.

A multiplicidade de elementos é uma característica presente nas

produções surrealistas no intuito de despertar sensações e aproximar cada vez

mais a imagem real da imagem virtual.

Cadáver Esquisito VI traz a capacidade humana do pensamento infinito,

ilimitado, aqui aparece de forma fragmentada no intuito de recriar a identidade

do indivíduo, buscando sempre a liberdade poética no uso da imagem.

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Podemos analisar que essa diversidade de “eus” se encontra

enclausurada em uma moldura. Algo em nós que não é exposto, mas está

presente no íntimo.

Conclusão

Desde o surgimento da humanidade o indivíduo tenta mostrar para o

outro sua identidade. Quer seja por uma exploração da psique ou

simplesmente pelo gosto de se ver. No meu caso foi uma forma de aprimorar

os conhecimentos de manipulação de imagens através de um ser que estava

sempre a disposição. Eu.

Pude vivenciar ao longo dos meses que produzi as imagens, o quanto é

difícil para o artista, pelo menos foi pra mim, se representar de tal forma a

ponto de produzir imagens questionáveis que até então poderia ser apenas

uma figura esteticamente intrigante. Em todas as etapas eu estava preocupado

com o significado do resultado final das imagens e as diferentes interpretações

que estas pudessem levantar. Para que estas questões internas pudessem

parar de ebulir em mim, para dar continuidade às pesquisas, apoiei-me em

Antonin Artaud em uma ocasião de questionamentos sobre o movimento

Surrealista, de que não devemos abdicar da individualidade e que em certos

momentos o modo de expressar o inconsciente não passava de simples

divertimento.

Resolvidas as questões internas, pude me fixar nas idéias de como

seriam as imagens finais, realizando desenhos, pesquisando imagens e

buscando inspirações nas mais diversas fontes criativas e inimagináveis que

possa existir. Foram realizados 03 ensaios para que me contentasse com o

resultado das fotografias, pois quis resolver todas as questões fotográficas

antes de levá-las ao computador. Em outras palavras gostaria de usar os

softwares somente para as questões plásticas e não nas possíveis correções

que poderiam ocorrer com a falta de uma produção adequada.

Questões de iluminação, enquadramento, composição, objetos,

encenação corporal, vestimentas, fundo, cabelo entre outros pormenores foram

pensados para que pudesse sair tudo de acordo com o planejado. Mais de 150

fotografias foram descartadas por acreditar que estas não estariam de acordo,

assim como muitos backgrounds foram descartados, e mais de 20 efeitos

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diferentes foram testados até encontrar uma identidade que encaixasse

perfeitamente na proposta inicial.

O tempo de execução desta série foi muito além do esperado, acreditava

que seria menos complexo alcançar o tipo de iluminação, coloração e textura

para minhas imagens, porém o resultado é satisfatório tanto por parte da

produção prática que me deu muito trabalho quanto a teórica que me

enriqueceu intelectualmente proporcionando o entendimento de algumas

questões que antes não eram compreendidas.

Aqui fica o sentimento de dever cumprido.

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