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Trabalho - o Mundo - Descartes

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UNIVERSIDADE FEDERAL DO ABC - UFABC

AMILCAR COSTA

O MUNDO OU TRATADO DA LUZ

SANTO ANDRÉ

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2014

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UNIVERSIDADE FEDERAL DO ABC - UFABC

AMILCAR COSTA

O MUNDO OU TRATADO DA LUZ

Trabalho apresentado no curso de Mestrado Nacional Profissional em Ensino de Física (MNPEF) à disciplina Marcos do Desenvolvimento da Física sob orientação do Professor Lúcio Costa.

SANTO ANDRÉ

2014

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I - Apresentação do material

Para compreender o livro escrito por René Descartes é importante conhecer alguns fatos mais relevantes de sua vida.

No início do XIV, no Ocidente começavam a germinar diversas Revoluções, o Renascimento, as Revoluções Políticas, e, claro, uma Grande Revolução Científica após o relativo silêncio científico europeu durante a Idade Média.

Em 1596 nascia Descartes, francês, filho da pequena nobreza, com ligações com a burguesia. Ainda criança, ficou órfão de mãe. Presume-se que tenha herdado de sua mãe uma constituição física fraca e esta condição se revelou vantajosa. Quando foi estudar no Colégio Jesuíta de La Fleche, Descartes pôde gozar de determinados privilégios, no qual se dedicou a inúmeras leituras e inclusive começou a questionar os dogmas que eram ensinados. Nessa época, Descartes começa a perceber que a matemática que lhe era ensinada era um conhecimento certo, enquanto as demais disciplinas resvalavam em incertezas.

Descartes estudou no método de ensino escolástico, onde não havia grande espaço para a dúvida, prevalecendo sempre o argumento de autoridade. Isso ajudou a Descartes, em sua vida adulta, a duvidar de todas as certezas que tivera.

Ao sair do Colégio dos Jesuítas, alista-se no exército de Maurício de Nassau, com a intenção de conhecer novas culturas e para poder dissecar e examinar cadáveres, prática proibida à época.

“Assim que a idade me permitiu sair da sujeição a meus preceptores, abandonei inteiramente o estudo das letras; e resolvendo não procurar outra ciência que aquela que poderia ser encontrada em mim mesmo ou no grande livro do mundo, empreguei o resto de minha juventude em viajar, em ver cortes e exércitos, conviver com pessoas de diversos temperamentos e condições.” (MADJAROF, 2014);

Retornando de suas viagens pelo Mundo, residindo em Paris, Descartes escreve a obra deste trabalho. Não é por menos que a chamaria de “O Mundo ou o Tratado da Luz”.

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O Mundo ou o Tratado da Luz

Capítulo 1 - Da diferença que há

Descartes relata inicialmente seu ponto de vista em relação à luz e ao que vemos. Existe uma duvida no que se vê e a realidade do objeto. Para ele, a visão é um sentimento onde se depende de uma sensação vivida anteriormente e para isso ele apresenta exemplos como a diferença entre uma expressão falada em forma alegre ou triste. Outro exemplo é do tato, onde ele considera como o sentido de menor chance de ser enganado. Ao passar uma pluma nos lábios de uma criança, ela sente cócegas que nada concebe a semelhança de uma pluma.

A ideia é duvidar do que se vê, ou estar disposto a ver de outra forma o que será exposto.

Capítulo 2 - Em que consiste o calor

Descartes inicia o capítulo dizendo que só existem duas fontes de luz: os astros e a chama ou o fogo.

Aqui ele fala sobre a natureza da chama como sendo

“... de pequenas partes que se removem separadamente uma das outras, num movimento demasiado violento e rápido. Movendo-se desse modo, essas partes impulsionam e removem consigo as outras partes dos corpos, aos quais elas tocam, sem que lhes seja oferecida uma grande resistência.” (DESCARTES, p. 26).

Ou seja, ele propõe que a chama é formada por partículas minúsculas em movimento extremamente rápido e violento.

Na sequencia, Descartes volta a comentar sobre o engano das sensações, pois sendo um movimento violento, deveria causar dor e na sequencia diz que o que conhecemos sobre calor poderia ser comparado com a remoção de partículas de nossa mão ou de diferentes partes do corpo que daria a mesma sensação.

Capítulo 3 - Da dureza e do líquido

O objetivo aqui é o estudo da diferença entre os corpos duros e líquidos.

Os corpos podem ser divididos em partes muito pequenas. Estas partes estando juntas precisam de uma determinada força para ser separadas, mas caso estejam em movimento e sofram colisões entre si de modo que acabam se afastando naturalmente, a força necessária para separa-las deverá ser muito pequena ou inexistente.

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Assim, a distinção dos corpos duros e líquidos ocorre pela forma com que partes dos corpos podem ser separadas mais facilmente que outras.

Os corpos duros possuem partículas que se tocam sem deixar espaço entre elas e não estão dispostas a se moverem. Já os corpos líquidos, as “pequenas partes” movem-se mais diversamente uma da outra e muito rapidamente.

Ao comparar o ar com a chama, Descartes diz que a principal diferença está no tamanho das partes. No ar, existem partes “grossas”, que se movem mais lentamente. Já na chama, as partes grossas removem-se muito mais rápido e são as que possuem potência para queimar.

Capítulo 4 - Do vazio

Descartes inicia o assunto apresentando que o ar, apesar de ser um corpo como os outros, não pode ser sentido ou pouco sentido apesar de ser feito do mesmo material dos outros corpos líquidos e duros.

Sobre o vazio, ele apresenta que se fosse possível sua existência, seria muito mais razoável pensar que existe nos corpos duros, já que as partes apresentam pouco movimento enquanto os líquidos, mais móveis, podem ocupar o espaço vazio pressionando uma contra a outra, principalmente o ar, que são mais dispostas a se organizar de todas as maneiras ocupando todo o espaço vazio.

Mas como as partes podem se mover se não existem espaços vazios entre elas?

Descartes diz:

“por meio de diversas experiências, todos os movimentos que são realizados no mundo são de algum modo circulares, isto é, quando um corpo deixa seu lugar, ele entra sempre no lugar de um outro e esse outro em um deixado por um outro e assim ocorre até o ultimo, que ocupa o lugar deixado pelo primeiro corpo. Desse modo, não há vazio entre esses corpos.” (DESCARTES, p.37).

Não se observa o movimento circular do ar, pois existe a concepção que o ar é um espaço vazio, mas pode-se observar que quando um peixe nada, não próximo à superfície, que o movimento da água não se faz em todas as partes, visto que só se moverão as partes que podem fazer melhor o movimento circular, de forma que este movimento é muito comum na natureza.

E porque não sentimos o ar? Ele encontra-se em contato com nosso corpo e isso não permite a sensação de sua existência. Quanto mais próximos de nosso corpo estão as partes, menor sensação de sua existência temos.

Capítulo 5 - Do número de elementos

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Apesar dos filósofos apresentarem quatro elementos na natureza: fogo, ar, terra e água, Descartes inicia sua abordagem dizendo que as partes do Fogo e do Ar são muito pequenas e se movem muito rapidamente, sendo o primeiro elemento, o Fogo, o mais penetrante de todos.

O segundo elemento, o Ar, sendo um líquido formado por partes redondas e extremamente unidas.

Para Descartes, existe apenas mais um elementos, a Terra, onde suas partes são grossas e suas velocidades muito reduzidas em relação ao primeiro e segundo elementos.

FOGOSuas partes são extremamente rápidas e são muito pequenas. Não requer grossura nem forma.

ARSão partes mais equilibradas e susceptíveis às mudanças visto que em qualquer colisão com outras partículas pode apresentar mudança no seu estado.

TERRA Suas partes são grossas e extremamente unidas

Descartes diz que Deus criou o mundo com todos os elementos misturados e com o tempo deixaram suas formas e assumiram um dos três elementos.

Capítulo 6 - Descrição de um novo mundo

Descartes inicia o novo capítulo convidando o leitor a segui-lo na imaginação de como o mundo foi criado.

Para ele, Deus criou o mundo de forma que a matéria, concebida como um corpo sólido, ocupando todo o espaço, não extrapolando e tão pouco sendo menor que ele.

Assim a matéria pode ser dividida em partes menores e formas diversas, porém se uma parte sai, outra entrará em seu lugar.

Capítulo 7 - Das leis da natureza

Deus criou a natureza e a conserva de modo próximo de como a criou, mas não no mesmo estado. Com o aumento da movimentação das partes, elas começaram a mudar e diversificar seus movimentos.

Assim, Descartes propõe algumas regras para entender como Deus fez agir a natureza.

Primeira regra: -

(...) “cada parte da matéria, tomada individualmente, continua no mesmo estado enquanto ela não encontrar outra parte que lhe constranja a mudar.” (DESCARTES, p. 56).

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Em outras palavras, uma parte q possui determinada grossura só se tornará menor se quando outras a dividirem ou quanto a sua forma, ou movimento.

Segunda regra: -

(...) “quando um corpo empurra outro, ele só lhe transmitira movimento caso ele perda, simultaneamente, do seu próprio movimento, assim como ele não poderá retirar movimento do outro corpo senão aumentando seu próprio movimento.” (DESCARTES, p. 59).

Terceira regra:

(...) “ainda que o movimento de um corpo faça-se mais frequentemente em linha curva e que esse corpo não possa jamais fazer nenhum movimento que não seja de algum modo circular, então cada uma de suas partes tende sempre a continuar o seu movimento em linha reta.” (DESCARTES, p.62).

Estas três regras estão de acordo com o conceito de inércia e quantidade de movimento.

Descartes novamente coloca como responsável pelo movimento, Deus:

(...) “seguindo essa regra, convém dizer que apenas Deus é o autor de todos os movimentos que ocorrem no mundo.” (DESCARTES, p. 65).

Para terminar, ele comoca uma consideração:

“E a fim de que não haja nenhuma exceção que nos impeça de avançar nossa explicação, acrescentaremos, se estiverdes de acordo, a suposição de que Deus não fará jamais nenhum milagre e os seres inteligentes ou as almas racionais não alterarão de modo nenhum o curso ordinário da natureza.” (DESCARTES, p.66)

Capítulo 8 - Da formação do Sol

Antes que Deus desse início à sua criação, a matéria era um corpo duro e o mais sólido que existia no mundo. Deus deu movimento às partes e estas sofrendo desvios apresentam movimentos curvos. Porém as partes não giram ao redor de vários e diferentes centros. Com os movimentos, as partes passam a apresentar formas muito parecidas, perdendo suas pontas e adquirindo formato esférico.

Algumas partes, por serem muito grossas, acabaram não se fragmentando e acabaram se tornando planetas e cometas.

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As partes que se fragmentaram e ficaram cada vez menores foram adquirindo maior movimento chegando a formar o primeiro elemento.

Assim, com esse primeiro elemento, temos a luz o sol e as estrelas fixas. A matéria do segundo elemento compõe os céus.

Para descartes, cada sol tem o seu céu formado por matéria do segundo elemento que giram ao seu redor.

Capítulo 9 - Da origem e do curso

Sabendo que os planetas e os cometas são parte do terceiro elemento e de alguma forma foram colocadas em movimento juntamente com as partes que formam o céu seguindo o mesmo curso.

A comparação é feita com o barco que segue o curso do rio. Os corpos maiores tendem a seguir seu movimento, enquanto que corpos mais leves tendem a seguir o movimento de onde as águas são menos rápidas.

As partes mais grossas podem passar de um céu para outro enquanto partes menores são empurradas para o centro das circunferências de seus céus.

Capítulo 10 - Dos planetas em geral

Aqui, Descartes trata sobre o movimento dos planetas. Caso ele tenha um movimento maior que a segunda matéria que o envolve, sua tendência é continuar em linha reta, podendo até mudar de céu e passar a ser um cometa. Caso ele tenha movimento menor, a segunda matéria vai empurra-lo para próximo ao centro do céu e seu movimento poderá se igualar ao da segunda matéria e assim se equilibrar. Dessa forma, pode-se esperar que os planetas possam ocupar trajetórias de raios diferentes.

Aqui, Descartes afirma que a força que empurra o planeta não depende de sua massa, mas sim de sua superfície. Uma superfície duas vezes maior recebe força duas vezes maior.

Capítulo 11 - Do peso

Como já visto, os corpos mais maciços e sólidos, em movimento, devem ser empurrados para circunferências mais afastadas, os corpos menos maciços e sólidos são empurrados pela segunda matéria para o céu centro. Descartes aqui apresenta que o céu exerce uma pressão nos corpos empurrando-os para o centro da terra e assim não aceita a interação de atração sem o contato entre os corpos.

Considerando que todas as partes tendem a escapar, mas dependem de sua grossura e de seu movimento, observa-se que se uma pedra sobe, o ar deve ocupar o seu lugar. Como as partes da pedra são maiores e mais lentas, então não terá força para subir, assim ela será empurrada para baixo. O ar é mais leve que a

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pedra, porém mais pesada do que a matéria do céu. Assim, cada parte é prensada em direção ao centro da terra.

Capítulo 12 - Do fluxo e do refluxo do mar

Devido ao posicionamento da Lua, o ar deve se movimentar mais rapidamente entre a Lua e a Terra, empurrando a terra. Como a terra é sólida, não haverá deformação, mas o ar e a água sofrem deformações de forma que ficarão menos espessos em 2 e 6 e em 4 e 8, mas mais espessos em 3 e 7 e em 1 e 5.

Figura p. 93

Capítulo 13 - Da luz

Descartes acreditava que a luz viaja instantaneamente como um impulso em todas as partículas adjacentes, como uma vara sendo empurrada contra algum corpo. Assim como a força que se faz sentir em uma extremidade da vara é imediatamente transferida na outra extremidade, assim é o impulso de luz que é enviado pelos céus e pela atmosfera de corpos luminosos para os nossos olhos.

Capítulo 14 - Das propriedades da luz

As principais propriedades da luz são:

1) que se estende em todas as direções sobre os corpos que ilumina,

2) a qualquer distância,

3) e em um instante,

4) e normalmente em linhas retas, que deve ser considerado como sendo os raios de luz;

5) e que vários desses raios vindos de diversos pontos podem se unir no mesmo ponto,

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6) ou, proveniente do mesmo ponto, pode sair em direção a diferentes pontos,

7) ou, provenientes de diversos pontos e indo para diversos pontos, pode passar através do mesmo ponto sem impedir um ao outro;

8) e que também pode impedir, por vezes, um ao outro, a saber, quando a força é muito desigual e que de alguns dos raios é muito maior do que a dos outros;

9) e, finalmente, que podem ser desviados por reflexão,

10) ou pela refração,

11) e que a sua força pode ser aumentada,

12) ou diminuído, por meio das diversas disposições ou qualidades da matéria que recebe eles.

Capítulo 15 - Face do céu desse novo mundo

É possível ver uma mesma estrela em várias posições ao mesmo tempo devido à refração da luz nos diversos céus, assim a posição de uma estrela não é realmente aonde ela é vista.

O tamanho da estrela, como é vista, depende da distância em que ela se encontra da Terra.

O planeta, como é composto pelo terceiro elemento e estes estão muito próximos, a luz não o atravessa, sofrendo reflexão e chegando até a terra.

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II – Análise do Material

Como já comentado anteriormente, Descartes viveu numa época em que ocorria uma revolução cientifica e uma desconfiança nos conhecimentos sobre a natureza. À luz destes questionamentos ele escreve, baseando-se em suas observações e já se utilizando de um método de raciocínio. A procura de certezas vem principalmente de seu estudo da matemática e por isso ele organiza de forma muito clara suas ideias.

Apesar de ser uma forma lúdica, aonde Descartes convida o leitor a sair de seus conhecimentos prévios e ir para um mundo novo onde nada existe e é ali que ele propõe a nova forma de ver o mundo, ele se baseia em observações e modelos para sua proposição sem seguir as premissas do método escolástico.

A partir de suas observações e o que ele considera correto, abre-se uma nova forma de fazer ciência. Por mais que ele possa estar errado, é um início para o novo pensar, para a revolução cientifica da época.

Pagliarini diz que em alguns materiais didáticos, existem histórias populares que romantizam um fato histórico com dramas, endeusam de forma heroica e grandiosa determinados cientistas e às vezes existem anedotas e mitos inventados. Muitos professores colocam ainda mais um toque para piorar a situação. Na leitura do livro, observa-se um homem que procura a verdade, mesmo com a falta de pleno conhecimento, mas que se questiona e não aceita todo ensinamento que por séculos é colocado como verdade absoluta. Um homem com falhas, mas que desafia o padrão. Questiona e propõe um “mundo novo”. Não existem críticas severas aos filósofos mais antigos, mas uma proposta de ver o novo de forma nova.

Ainda de acordo com Pagliarini, o texto do livro pode ser usado em sala de aula, mostrando a importância de propostas e descobertas sem a necessidade de apresentar de forma simples e básica todo o desenrolar do pensamento cientifico que chegou até nós. Assim, o objetivo pedagógico pode ser atingido, sem a visão distorcida que atualmente é apresentada sobre as descobertas e os próprios cientistas.

Basta que o professor saiba utilizar-se destes conhecimentos e colocar de forma clara e dentro do contexto de aula, fazendo com que o aluno compreenda que existe um desenvolvimento no raciocínio e que não existe um único criador de determinada lei ou principio, mas são construções de vários pensadores, cientistas que levam ao conhecimento final.

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III – Análise do livro por outros autores

Érico Andrade, tradutor do livro, diz que o Mundo traz várias compilações realizadas por Descartes entre os anos 1620 e 1630 sobre o comportamento da luz, trajetória dos astros, peso dos corpos e a formação do universo. A ciência cartesiana se mostra como uma mecânica, numa rede conceitual derivada de forma dedutiva ou hipotético-dedutiva. Abre-se, portanto, uma mudança na história do pensamento cientifico. Para Descartes, a natureza deve ser descrita através de conceitos, desvendá-la através de tratamentos mecânicos e não pelos seus sentidos.

O livro apresenta uma diferença brutal entre a mecânica cartesiana e a mecânica newtoniana. Enquanto a mecânica newtoniana utiliza-se como códigos de leitura os algoritmos matemáticos, capazes de fornecer, com precisão, a descrição matemática do comportamento dos corpos, a mecânica cartesiana não produz quase nenhum algoritmo, mas se volta para uma figuração dos fenômenos sensíveis mediante a formação de imagens que se distanciam do real tornando visível a dinâmica interior da matéria que concorre para a constituição do mundo. Essas imagens diagramam o real através da imaginação e torna mais fácil a compreensão de fenômenos no interior dos corpos e que não podem ser percebidos diretamente por nossos sentidos.

A abordagem mecânica cartesiana exige um esforço de desprendimento do mundo real, para pactuar com uma fábula, recurso usado diversas vezes por Descartes para introduzir as hipóteses e suposições científicas. Ele utiliza-se deste recurso par diminuir a resistência de leitores escolásticos fervorosos, uma vez que não contraria diretamente suas certezas. Isso não quer dizer que Descartes pretende refugiar-se numa ciência puramente especulativa. Ele pretende inicialmente modelar o mundo para adequar a natureza às exigências da ciência.

Para Souza e Elói, Descartes viveu num período de dúvida, não somente à astronomia, mas existia uma Revolução Científica e uma revisão do pensamento praticamente homogêneo que prevalecera desde Aristóteles.

Para Aristóteles, as coisas teriam em si características que lhe determinariam o movimento (potência) que seriam então transformadas em ato. Por isso, para explicar o movimento seria importante se conhecer a substância das coisas, que trariam em si sua finalidade.

Para a física aristotélica, é impossível propor regras para o comportamento de todas as coisas, simplesmente porque o movimento variará conforme a essência de cada coisa.

Mas como conhecer a substância? Como conhecer a finalidade da coisa?

Nesse viés, surge o corte epistemológico de Descartes: se não posso conhecer, não me interessa estudar. Nascido na civilização em que, durante séculos, discutiu-se com argumentos meramente teóricos os sexos dos anjos, Descartes afirma: não me importa tratar do que não pode ser demonstrado matematicamente. Como Galileu, Descartes acreditava que o mundo foi escrito na linguagem matemática. E é munido dessa linguagem e de uma crença na razão humana, que Descartes construiria o conceito de natureza.

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Em crítica aos filósofos da escolástica e dos filósofos aristotélicos, Descartes simplesmente diz: não me importo com o que era dito antes. Descartes não se preocupa com a essência da coisa, tão fundamental na filosofia aristotélica, porque a natureza da coisa não pode ser analisada, medida, quantificada.

Descartes expressou como poucos a pulsão desse século, trazendo para a ciência, a mudança que aos poucos afetará não só a ciência, mas, também a política, a economia; rompe-se com a visão coletiva anterior para colocar no centro do mundo, ele, o indivíduo: o indivíduo que escolhe sua percepção de mundo, no caso dele, a matemática.

Embora melhor construída e amadurecida em obras posteriores, já em “O Mundo ou o Tratado da Luz”, Descartes indica que o mundo deveria ser visto a partir de uma efetiva “tomada de consciência do sujeito pensante”.

A opção pela matemática decorre inclusive de uma desconfiança dos sentidos. Descartes estaria efetivamente preocupado em tirar o foco dos sentidos, das certezas prévias causadas pelos mesmos, e se focar nos objetos que causam as sensações. Ao escolher a matemática, de certo modo, faz uma aposta na razão humana. A matéria da qual foi feito o mundo é passível da compreensão humana:

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Considerações finais

A todo o tempo, o leitor de “O mundo” é remetido a um mundo imaginário traçado por Descartes, buscando evidências:

“Permitis a vosso pensamento sair por um instante desse mundo para vir ver um outro, absolutamente novo, que eu farei nascer na presença de espaços imaginários.” (DESCARTES, p. 49).

É nesse contexto teórico (valorização da matemática, busca da evidência, desconfiança dos sentimentos, mundo imaginário), que Descartes constrói seu conceito de natureza. Pressupõe que Deus não muda as regras pelas quais a natureza opera, logo, as regras pelas quais se rege a matéria, são leis da própria natureza.

Assim, para Descartes, a natureza é o sistema mecânico regido pelas leis da mecânica (ou leis da natureza).

É uma ruptura com a ciência medieval que não visava extrapolar os limites aparentes da própria natureza.

Essa construção cartesiana, embora sujeita a inúmeras críticas no mundo contemporâneo, em sua época foi uma verdadeira revolução: o indivíduo que se propõe a construir uma forma de ver o mundo, rompendo com as certezas já estabelecidas.

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Referências bibliográficas

DESCARTES, René. O Mundo ou Tratado da Luz. São Paulo: Hedra, 2008. 135 p. Tradução de Érico Andrade.

ROUX, Sophie. La Nature de La Lumiere Selon Descartes. Disponível em: <https://halshs.archives-ouvertes.fr/halshs-00808829>. Acesso em: 10 nov. 2014.

SOUZA, Pilar de; ELÓI, Paula Coutinho; SOUZA, Laura de. O Conceito Cartesiano de Natureza em “O Mundo ou o Tratado da Luz”. Uma Crítica à Ciência do Direito. Disponível em: <http://www.publicadireito.com.br/artigos/?cod=35d02fef7d9a24e2>. Acesso em: 27 out. 2014.

MADJAROF, Rosana. A Filosofia de Descartes. Disponível em: <http://www.mundodosfilosofos.com.br/descartes.htm>. Acesso em: 03 novembro 2014.

DESCARTES, René.The World or Treatise on Light. Translated by Michael S. Mahoney. Disponível em: <http://www.princeton.edu/~hos/mike/texts/descartes/world/worldfr.htm>. Acesso em: 27 out. 2014.

DUTANT, Julien. Le traité Du Monde de Descartes, réalisme naïf et réalisme scientifique. Disponível em: <http://julien.dutant.free.fr/courses/2005/L6PH003U_2005/L6PH003U_TD_2_cours.pdf>. Acesso em: 27 out. 2014.