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NORDESTINOS EM BLUMENAU – MIGRAÇÃO E IDENTIDADE CULTURAL Paulo Herôncio de Medeiros 1 Cristina Danna Steuck 2 Resumo: Pautando-se nos pressupostos dos descolamentos migratórios, que buscam na dinâmica sócio-econômica novas perspectivas de vida, revelou-se, neste artigo, uma investigação sobre a migração e a cultura nordestina na cidade de Blumenau – SC. Os migrantes nordestinos que aqui chegaram, criaram, nesse novo espaço geográfico, mecanismos para perpetuarem sua cultura e reconhecerem-se através de suas identidades culturais, promovendo a cultura nordestina, com a criação da Associação dos Nordestinos de Blumenau. Esta associação reúne em torno de si personagens que foram e são frutos dos processos migratórios, condensando elementos culturais que representam os valores e sentimentos de se pertencer a um grupo regional, expressando e recuperando os valores autênticos da “nordestinidade” dos que vivem em Blumenau. Palavras-chave: Identidade cultural. Migração. Associação de Nordestinos de Blumenau. 1. INTRODUÇÃO Até meados do século XX, a história tradicionalmente explicava os fatos históricos sob olhares meramente economicistas e/ou políticos, gerando assim, determinismos como únicas vertentes possíveis de explicação. Com a Escola dos Annales 3 , os fatos históricos passaram por “mutações”, surgindo novas abordagens e problematizações, tanto na dimensão do documento, quanto no aporte epistemológico. 1 Bacharel e licenciado em História pela Universidade Federal do Rio Grande do Norte. 2 Mestre em Educação pela Fundação Universidade Regional de Blumenau. 3 BURKER, Peter. A Escola dos Annales (1929-1989): a revolução francesa da historiografia, 1997.

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NORDESTINOS EM BLUMENAU – MIGRAÇÃO E IDENTIDADE CULTURAL

Paulo Herôncio de Medeiros1

Cristina Danna Steuck2

Resumo:

Pautando-se nos pressupostos dos descolamentos migratórios, que buscam na dinâmica sócio-econômica novas perspectivas de vida, revelou-se, neste artigo, uma investigação sobre a migração e a cultura nordestina na cidade de Blumenau – SC. Os migrantes nordestinos que aqui chegaram, criaram, nesse novo espaço geográfico, mecanismos para perpetuarem sua cultura e reconhecerem-se através de suas identidades culturais, promovendo a cultura nordestina, com a criação da Associação dos Nordestinos de Blumenau. Esta associação reúne em torno de si personagens que foram e são frutos dos processos migratórios, condensando elementos culturais que representam os valores e sentimentos de se pertencer a um grupo regional, expressando e recuperando os valores autênticos da “nordestinidade” dos que vivem em Blumenau.

Palavras-chave: Identidade cultural. Migração. Associação de Nordestinos de Blumenau.

1. INTRODUÇÃO

Até meados do século XX, a história tradicionalmente explicava os fatos históricos sob olhares meramente economicistas e/ou políticos, gerando assim, determinismos como únicas vertentes possíveis de explicação. Com a Escola dos Annales3, os fatos históricos passaram por “mutações”, surgindo novas abordagens e problematizações, tanto na dimensão do documento, quanto no aporte epistemológico.

A multiplicidade do enfoque sobre a ação humana no tempo possibilitou à oficina do historiador desenvolver instrumentos teóricos para trabalhar desde o mental até o conflito social. Nesse sentido, Hebe Castro (1997) ressalta a importância da História Social para a historiografia contemporânea ao favorecer diferentes enfoques metodológicos, tendo como principal objeto de estudo, a ação política coletiva e sua relação com contextos sociais singulares no tempo. A referida autora também mostra que a História Cultural se estrutura na interdisciplinaridade, ao aproximar-se da Sociologia e Antropologia, para a compreensão dos costumes, tradições, etc., produzindo outra “postura historiográfica frente à historiografia tradicional” (CASTRO, 1997, p. 45).

Nesta sistemática de novas abordagens, ângulos e objetos de pesquisa proporcionada pela revolução historiográfica dos Annales, tem-se a história cultural como um destaque de

1 Bacharel e licenciado em História pela Universidade Federal do Rio Grande do Norte. 2 Mestre em Educação pela Fundação Universidade Regional de Blumenau.3 BURKER, Peter. A Escola dos Annales (1929-1989): a revolução francesa da historiografia, 1997.

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pesquisa entre os historiadores. Esmiuçando as várias possibilidades de objetos dentro da história cultural, chegou-se ao estudo de um sistema de representação das relações entre o indivíduo e o grupo: a identidade cultural.

Segundo os ensinamentos da Sociologia e da Antropologia, a cultura é cumulativa4, ou seja, cresce por um processo de acumulação onde cada geração contribui para adicionar algo que foi socialmente herdado, e contínua. Assim, desde o surgimento do homem, após o agrupamento do mesmo e o convívio social, uma troca de experiências e reciprocidade foi estabelecida. Também o reconhecimento deste indivíduo perante os seus, quer seja pelo modo de agir, de falar, dos seus valores no seu convívio social, ou fora dele, são formas de identidade cultural, ou seja, numa linguagem mais crassa, é como se esse indivíduo fosse “rotulado” a partir dos modos específicos de sua cultura.

Dessa forma,A identidade cultural é um sistema de representação das relações entre indivíduos e grupos, que envolve o compartilhamento de patrimônios comuns como a língua, a religião, as artes, o trabalho, os esportes, as festas, entre outros. É um processo dinâmico, de construção continuada, que se alimenta de várias fontes no tempo e no espaço (SERRA, 2008, p.32).

De acordo com Serra (2008), a identidade cultural é um conjunto vivo de relações sociais e patrimônios simbólicos historicamente compartilhados que estabelece a comunhão de determinados valores entre os membros de uma sociedade. É também um processo de reconhecimento, de igualdade, de união com o semelhante que está ou foi inserido em um determinado contexto cultural diferente do seu. Assim, embora as formas de identidade cultural não estejam impressas em nossos genes, é como se elas fizessem parte da nossa natureza essencial.

Nesse sentido, este artigo científico irá problematizar uma investigação histórico-cultural pautada na emergência da Associação de Nordestinos de Blumenau5 (ANB), como uma organização que através da associação e trabalhos desenvolvidos na cidade, reúne os nordestinos que promoveram deslocamentos migratórios na busca de uma região industrializada, tentando encontrar novas e amplas perspectivas de participações econômicas em suas vidas e, nesse novo espaço geográfico, buscam principalmente a manutenção do reconhecimento identitário, como uma forma de não perderem suas raízes históricas e culturais diante de uma nova identidade espacial-cultural tipicamente germânico-colonizadora da região.

2. MIGRAÇÃO E NORDESTINOS EM BLUMENAU4 Para os sociólogos, cultura é o conjunto acumulado de símbolos, idéias e produtos materiais associados a um sistema social, seja ele uma sociedade inteira ou uma família. Juntamente com estrutura social, população e ecologia constituem um dos principais elementos de todos os sistemas sociais e é conceito fundamental na definição da perspectiva sociológica. [...] a cultura não-material inclui símbolos de palavras à notação musical – bem como as idéias que modelam e informam a vida de seres humanos em relações recíprocas e os sistemas sociais das quais participam. As mais importantes dessas idéias são as atitudes, crenças, valores e normas (JOHNSON, 1997, p. 63). 5 A Associação de Nordestinos de Blumenau foi fundada em dezembro de 2006, na Sociedade Ipiranga em Blumenau. Hoje, a associação reúne em torno de 1500 associados e, através da Lei Municipal n° 7.192, autoria da então vereadora Maria Emília de Souza, a ANB foi declarada como uma organização de utilidade pública.

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Para Freyre6, o Nordeste é um espaço geográfico de onde nasceu o Brasil, lugar esse que se constitui culturalmente e civilizatoriamente a partir da casa grande e da senzala, separando-o dessa forma do Norte, como era conhecido até meados de 1910. Concordando com as idéias de Freire, Albuquerque7 em sua obra, mostra como até meados de 1910, o Nordeste ainda não existia. Não se pensava em “Nordeste”, nem muito menos eram percebidos os “nordestinos”.

Para Albuquerque, o Nordeste emergiu aos poucos, no seio dos discursos jornalísticos, artísticos, científicos e literários, e na mídia em geral, sobretudo a partir da obra “Os Sertões” (1906) de Euclides da Cunha e dos textos regionalistas da década de 1920, sob a assinatura de autores como Gilberto Freyre.

O Nordeste é nacionalmente conhecido como uma região que, ao longo dos séculos, promove um processo migratório para as regiões mais industrializadas do país, na busca de novas perspectivas de vida na dinâmica socioeconômica. Esses deslocamentos migratórios acontecem em virtude da falta de emprego na região, da industrialização centrada na zona litorânea, dos fatores climáticos, entre outros. Segundo o último censo demográfico do IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística), a região Nordeste continua sendo a campeã em fluxo migratório8: foram 1.457.360 saídas entre 1995 e 2000 - um aumento de 7,6% em relação ao período de 1986/1991. O principal destino dos migrantes é a região Sudeste, que recebe 70,9% dos migrantes nordestinos.

Para alguns estudiosos, a partir do final da década de 1980 a absorção de mão-de-obra nordestina na região sudeste está cada vez mais comprometida, em virtude da dinâmica econômica e até mesmo do contingente populacional e da mão-de-obra excedente, ou seja, as oportunidades para os migrantes estão ficando cada vez mais raras. Segundo Jannuzzi (2000, p.88),

A década de 80 foi marcada pela perda do dinamismo da economia brasileira e em especial a paulista – em criar postos de trabalho na indústria, pelo menos no ritmo em que isto vinha se dando na década anterior. Também deixou-se de observar a continuidade do processo de “estruturação’ do mercado de trabalho paulista e nacional, com estagnação da parcela relativa da mão-de-obra contratada sob regimes formais de trabalho e engajada nos setores mais organizados e dinâmicos da economia. Na “década perdida”, ainda que o emprego urbano continuasse se ampliando, oferecendo oportunidades para quem saía do campo, para quem não fosse qualificado, para quem viessem do Nordeste, as condições oferecidas já não eram as mesmas prevalecentes no período em que a industrialização acelerada espraiava seu dinamismo criando postos de trabalho mais remunerados, com níveis crescentes de formalização das relações de trabalho nos demais setores ocupacionais urbanos. As regiões de atração que outrora garantiam oportunidades de inserção laboral para quem nela chegasse, aparentemente tornavam-se menos fluidas em termos das possibilidades de mobilidade ocupacional.

Partindo de tais prerrogativas, percebe-se que muitos nordestinos buscam encontrar, em novas regiões industrializadas, novas e amplas perspectivas de participação econômica em 6 FREYRE, Gilberto. Casa Grande & Senzala: formação da família brasileira sob o regime de economia patriarcal. Rio de Janeiro: Maia & Schmidt, 1933. 7 ALBUQUERQUE JR, Durval Muniz de. A invenção do Nordeste e outras artes. 2 ed. Recife/São Paulo: Massangana/Cortez, 1997.8 IBGE. Disponível em: <www.ibge.org.br>. Acesso em: 05 fev 2010.

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suas vidas, pois para alguns, esta seria uma nova oportunidade de mobilidade social e econômica ou até mesmo, uma estratégia inevitável de sobrevivência básica, garantindo uma posição na estrutura social. Mesmo assim, a região Sudeste ainda é a maior região em receber os migrantes nordestinos.

Com a escassez de empregos na região sudeste, começaram novos deslocamentos espaciais na tentativa de encontrar melhores condições de vida e, na região Sul do país, os migrantes nordestinos encontram essa possibilidade, em virtude de ser a segunda região mais rica do Brasil, com grande potencial industrial, produção agrícola aliada à tecnologia e amplo crescimento da construção civil. Dessa forma, a região Sul se torna um forte atrativo de absorção da mão-de-obra e mobilidade socioeconômica para os nordestinos, pois “a mobilidade geográfica (horizontal) induz à mobilidade social (vertical). Os indivíduos que vivem em um lugar diferente de onde nasceram tendem a alcançar um status ocupacional mais alto do que os indivíduos que permanecem no mesmo lugar” (PASTORE apud JANNUZZI, 2000, p. 90).

Dados tais enveredamentos e de acordo com dados migratórios levantados pelo IBGE, nota-se que no ano de 1996 a região Sul recebeu o número de 24.9149 migrantes nordestinos, tornando-se dessa forma, a terceira maior região do Brasil a receber essa mão-de-obra da região Nordeste.

Diante dessa dinâmica econômica presente na região Sul, tem-se a cidade de Blumenau, localizada no Vale do Itajaí, região nordeste do estado de Santa Catarina, como um dos municípios mais desenvolvidos do país. Hoje, a cidade conta com cerca de três mil indústrias – incluindo pequenas e médias empresas – mais de cinco mil estabelecimentos comerciais e milhares de prestadoras de serviços. O “carro chefe” da economia blumenauense é a indústria têxtil, sendo considerada como o maior pólo têxtil da América Latina. Pela sua localização, população, equipamentos e economia, Blumenau é a principal cidade da região, exercendo suas influências no vale do Itajaí-Açu, Itajaí - Mirim e Benedito. Assim, Blumenau é um dos mais interessantes destinos econômicos do estado de Santa Catarina.

Sendo assim, a cidade de Blumenau é uma ótima oportunidade para a atração de mão-de-obra de diversos lugares do país, principalmente gaúchos, paulistas, paranaenses e, também, nordestinos.

Porém, a gênese da presença nordestina em Blumenau, não é proveniente da industrialização na cidade. Pesquisando documentos no Arquivo Histórico José Ferreira da Silva, descobriu-se que o primeiro nordestino a se instalar por aqui data da segunda metade do século XIX. Esta personagem era José Bonifácio da Cunha, baiano, médico e político que assumiu por duas vezes a superintendência (prefeitura) de Blumenau, sendo a primeira de 1890 a 1892, sendo o quinto administrador da cidade e, na segunda vez, foi superintendente de 1899 a 1903. José Bonifácio da Cunha foi eleito deputado pelo estado de Santa Catarina e lutou também na Revolução Federalista. Ainda de acordo com os documentos do Arquivo Histórico, “José Bonifácio casou-se aqui e uma vez enraizado, o Dr. Cunha tornou-se blumenauense de corpo e alma. Era altruísta de ótima forma e muito estimado pela população inteira10”. A sua esposa, Lili Schmidt, era uma imigrante de origem alemã.

9 IBGE. Disponível em: < www.ibge.gov.br>. Acesso em: 05 fev. 2010. 10 Arquivo Histórico José Ferreira da Silva, Livro 01, Família A a G.

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Outro nordestino que marcou presença em Blumenau na segunda metade do século XIX foi o engenheiro e político Manuel Vitorino de Paula Ramos. Este pernambucano veio para Blumenau em 1886 como “Chefe da Comissão de Terras e Colonização”, sendo promovido à “Delegado da Inspetoria de Terras e Colonização”. Paula Ramos foi eleito deputado em seis legislaturas e promovido a tenente-coronel do exército brasileiro por ter lutado ao lado de Floriano Peixoto na Revolução Federalista. De acordo com os documentos pesquisados, Manuel Vitorino de Paula Ramos, merecia “que a sua memória fosse cultuada e que seu nome figure entre os dos grandes vultos do nosso passado11” em virtude deste nordestino ser:

Unido aos homens que dirigiam a política republicana em Blumenau e que contava com a quase unanimidade da população deste município, Paula Ramos foi, na tribuna da Câmara, como na imprensa – pois foi um jornalista vibrante também – prestou relevantes serviços a Blumenau, circunscrição eleitoral em que baseava o seu prestígio político e que nunca lhe faltou nos momentos mais difíceis de sua carreira12.

Fazendo este breve histórico, dos primeiros nordestinos que se instalaram em Blumenau, pode-se perceber que, no final da segunda metade do século XX e início do século XXI, os nordestinos continuaram fazendo seus deslocamentos migratórios em busca de novas perspectivas de vida.

Dentro dessas prerrogativas, e diante do processo migratório existente, o número de nordestinos em Blumenau foi aumentando consideravelmente. Para não esquecerem suas origens, bem como para se reconhecerem em “terras germânicas”, foi fundada a Associação de Nordestinos de Blumenau (2006), na perspectiva de perpetuar suas identidades e também, promover a divulgação da cultura nordestina na cidade.

3. ASSOCIAÇÃO DOS NORDESTINOS DE BLUMENAU: UMA QUESTÃO DE IDENTIDADE CULTURAL

Uma vez instalados nesse novo espaço geográfico, os migrantes criaram mecanismos para não perderem as suas características culturais nordestinas. O mais contundente destes, a fundação da ANB (Associação de Nordestinos de Blumenau, que integra pessoas oriundas dos nove estados da região Nordeste – Pernambuco, Paraíba, Alagoas, Ceará, Rio Grande do Norte, Maranhão, Sergipe, Piauí e Bahia), em dezembro de 2006, tendo como objetivos principais, não interromper o processo cultural desses, mesmo estando distante de suas regiões de origem, divulgar a cultura nordestina na cidade e, também, nesse espaço, promover e legitimar encontros de reconhecimentos identitários. Desta forma, a ANB promove a manutenção do regionalismo nordestino presente em suas vidas. Por outro lado, percebe-se que essa manutenção vem aproximando os blumenauenses da cultura nordestina, levando-se a crer que está em formação um processo de assimilação de culturas de diferentes origens13.

11 Arquivo Histórico José Ferreira da Silva, Livro 02, Família H a N.12 Idem, Ibidem. 13 Exemplificando um desses momentos, temos o dia 02 de setembro de 2008, dia esse que Blumenau comemorou o aniversário de 158 anos de fundação. Tradicionalmente existe o desfile festivo na rua XV de novembro, com alas estilizadas, trajes típicos, clubes de caça e tiro, escolas públicas e elementos do folclore blumenauense. De repente o público foi surpreendido com a vinda de uma nova “ala” no desfile: a da Associação

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Nessa perspectiva de divulgar a “nordestinidade” em Blumenau, a ANB vem condensando em torno de si uma série de elementos ancorados na cultura nordestina. Assim, quanto mais a ANB consegue agrupar os elementos culturais em seus eventos, mais representa os valores e sentimentos de pertencer a um grupo regional, expressando e recuperando os valores autênticos da “nordestinidade” dos que vivem em Blumenau, pois “trabalham na recuperação e na proteção de suas tradições em via de desaparecimento ou de ‘descaracterização’, e terminam por viver, eles próprios, desse trabalho identitário” (AGIER, 2001, p.18).

Analisando esses processos que estão garantindo a manutenção da cultura nordestina na cidade, é relevante concordar com os argumentos de Stuart Hall (1997), quando o mesmo analisa os impactos da globalização sobre as identidades culturais como uma desintegração diante do “pós-moderno global”.

Para Hall (1997, p. 12), “a identidade [...] costura [...] o sujeito à estrutura. Estabiliza tanto os sujeitos quanto os mundos culturais que eles habitam, tornando ambos reciprocamente mais unificados e predizíveis”. Dessa maneira, pode-se entender, hipoteticamente, que as representações culturais desenvolvidas pela ANB representam assim, uma resistência a globalização cultural, já que houve um deslocamento espacial da “cultura original” e a mesma se afirma numa cidade que expressa fortemente os valores culturais trazidos pelos primeiros imigrantes alemães. Desta forma,

Em um mundo inteiramente globalizado, no qual as identidades tendem a perder suas referencias locais, devemos nos perguntar a respeito do lugar onde toma forma a criatividade cultural. Trata-se, em suma, de pensar conjuntamente as três relações duais e problemáticas entre identidade e lugar, cultura e lugar, identidade e cultura (AGIER, 2001, p. 17).

Nesta mesma perspectiva, Jameson (2001) discute a problemática da globalização em ameaçar o desaparecimento de diversas culturas, onde essas dariam espaço para outra cultura dominante. Segundo o referido autor, esse seria o “verdadeiro cerne da globalização14”.

Assim, objetivando a manutenção da cultura nordestina dos migrantes em Blumenau, a ANB buscou legitimar o seu espaço, dando-lhe memória, importância histórica, cartografando ou redesenhando culturalmente esse novo espaço geográfico de inserção. Com a divulgação da cultura nordestina na cidade, a ANB passou a produzir um discurso que legitimasse e desse conteúdo e particularidade a esse novo espaço, tendo como premissa básica, o não desaparecimento da cultura nordestina diante de uma cultura dominante tipicamente germânica e presente no cotidiano dos blumenauenses, quer seja na arquitetura peculiar da cidade, nos pratos típicos, nos dialetos locais, nas festas culturais, etc. Além da Associação se preocupar em manter as raízes culturais do povo nordestino e, também, promover encontros identitários, ela também organizou e continua organizando eventos

dos Nordestinos de Blumenau, trazendo em sua “comissão de frente”, um casal trajado de “Lampião e Maria Bonita”, ícones tradicionais da cultura nordestina. Depois, apareceu mamulengos, tocadores de viola, dança do frevo, bandeiras dos estados nordestinos. Foi a primeira vez que uma cultura “estranha” fez parte de um desfile alegórico tipicamente blumenauense. Nesta ocasião, poderíamos citar um dos poemas de Gilberto Freire que se adequaria muito bem na situação citada: “Eu ouço as vozes, eu vejo as cores, eu sinto os passos de um outro Brasil que vem aí. (FREIRE apud ALBUQUERQUE JR, 2001, p. 13).14 JAMESON, Frederico. Globalização e estratégia política. 2001.

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típicos visando o entrosamento cultural com a comunidade blumenauense. Para tanto, desde o ano de 2007, a cidade de Blumenau vem conhecendo um pouco da cultura nordestina através de vários eventos realizados na cidade.

Assim, diante dessa nova realidade cultural, a Associação dos Nordestinos passou a divulgar a nordestinidade dos migrantes, nesse espaço geográfico, idealizando para terem reconhecida a sua própria existência na cidade de Blumenau. Para tanto, como já comentado anteriormente, foi necessário criar mecanismos para divulgar a cultura nordestino nesse novo meio urbano. Desse ponto de vista,

“Os meios urbanos podem ser fatores de encadeamento ou reforço dos processos identitários. A cidade multiplica os encontros de indivíduos que trazem consigo seus pertencimentos étnicos, suas origens regionais ou suas redes de relações familiares ou extra-familiares. Na cidade, mais que em outra parte, desenvolvem-se, na prática, os relacionamentos entre identidades, e na teoria, a dimensão relacional da identidade” (AGIER, 2001, p. 18).

Desde a fundação e posse da Diretoria Executiva15, a Associação dos Nordestinos de Blumenau criou atividades específicas para os seus integrantes e promoveu diversos eventos na cidade visando promover uma integração e reconhecimento da cultura nordestina, que foram veiculados nos mais diversos meios midiáticos locais e/ou regionais:

São João Fest (2007 a 2009) – Festa junina tipicamente nordestina, apresentada no espaço cultural “Vila Germânica”; Feijoada Nordestina (2008) – Feijoada regada de muito forró na Associação da Prefeitura de Blumenau; Desfile alegórico (2008/2009) – A Associação dos Nordestinos de Blumenau contou com uma ala carregada de ícones e tradição nordestina no desfile de aniversário de Blumenau no dia 02 de novembro; Carnaval (2008/2009) – Comemoração regada a muito axé, frevo, etc. Exposição de Literatura de Cordel16 (2009):

15 Com a declaração da ANB como uma organização de utilidade pública, ela possui um Estatuto próprio, registrada em cartório em 29 de janeiro de 2007, que rege a Associação. 16 Poesia popular impressa em folhetos e vendida em feiras ou praças -, tal como é cultivada no Brasil até hoje (vésperas do Terceiro Milênio), teve origem em Portugal, onde por volta do séc. XVII se popularizaram as folhas volantes (ou folhas soltas) que eram vendidas por cegos nas feiras, ruas, praças ou em romarias, presas a um cordel ou barbante, para facilitar sua exposição aos interessados. Nessas folhas volantes, de impressão rudimentar, se registravam fatos históricos, poesia, cenas de teatro, anedotas ou novelas tradicionais, textos que eram memorizados  e cantados pelos cegos que os vendiam. Difundidos por toda a Europa, essa forma popular de literatura, chamada “de cordel”, foi transladada para o continente americano pela ação de seus descobridores espanhóis e portugueses, na medida em que se instalavam nas terras por eles conquistadas. [...] Foi no Nordeste do Brasil que essa literatura de cordel se arraigou mais profundamente e continua como forma viva de comunicação, tornando-se uma das características diferenciadora dos costumes dessa imensa região em relação às demais regiões brasileiras. Pela interpretação do grande pesquisador que foi Câmara Cascudo, sabemos que, no Nordeste, por condições sociais e culturais peculiares, foi possível o surgimento da literatura de cordel, da maneira como se tornou hoje em dia característica da própria fisionomia cultural da região. Fatores de formação social contribuíram para isso: a organização da sociedade patriarcal, o surgimento da manifestações messiânicas, o aparecimento de bandos de cangaceiros ou bandidos, as secas periódicas provocando desequilíbrios econômico e sociais, as lutas de família deram oportunidade, entre  outros fatores, para que se verificasse o surgimento de grupos de cantadores, como instrumentos do pensamento coletivo e das manifestações de memória popular. Não foi difícil à literatura de cordel introduzir-se neste ambiente. Tornou-se o meio de comunicação, o elemento difundidor dos fatos ocorridos, servindo como que de jornal ao pôr a família ao corrente do que se passava:

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Rua XV de Novembro (julho); Feijoada Vermelha (agosto); Conferência Municipal de Cultura (setembro); 1º Seminário Internacional de Culturas e Desenvolvimento (outubro); A ANB ainda conta com o “time de futebol dos nordestinos” e com o grupo musical “forrobodó”, proporcionando entretenimento a todos os membros da associação.

Como projetos para o ano de 2010 a Associação dos Nordestinos de Blumenau visa ampliar ainda mais a divulgação das raízes nordestinas em Blumenau. Além da pretensão em desenvolver curso básico de informática, alfabetização de adultos e oficinas de teatro, capoeira e artesanato, a ANB estará veiculando numa rádio local o programa “Raízes Nordestinas”, trazendo aos ouvintes informações a respeito dos costumes, culinária, músicas e variedades do povo nordestino. “Os Cabras de Lampião”, outro projeto que está sendo desenvolvido, conta com a capacitação de vinte jovens em danças regionais nordestinas (xaxado, frevo, maracatu e boi-bumbá), sendo que algumas apresentações já foram realizadas e, o intuito maior deste, é divulgar essa cultura nas escolas públicas e particulares de Blumenau.

4. CONSIDERAÇÕES FINAIS

Além de trazer uma pesquisa inédita, esta investigação também possibilitou fazer um histórico da origem dos nordestinos na cidade, bem como a compreensão da dinâmica migratória realizada por eles. A mesma revelou a necessidade desses migrantes de se manterem unidos pelo laço cultural e, principalmente, reafirmar suas identidades construídas culturalmente através das atividades desenvolvidas pela Associação dos Nordestinos de Blumenau.

Dessa forma, a reafirmação identitária é visualizada ou externada simbolicamente nessa Associação, porém, além de se reconhecerem nesse espaço simbólico, houve a necessidade de gerar mecanismos para garantir a manutenção cultural dos mesmos e promover a cultura nordestina na cidade de Blumenau, através dos seus mais variados projetos que estão sendo desenvolvidos. Assim, foi possível fazer um mapeamento das atividades desenvolvidas por esses nordestinos desde a fundação da Associação em 2006, até os dias atuais, possibilitando a inserção destes personagens na historiografia local, tornando-se, desta maneira, mais uma fonte para a produção do conhecimento histórico.

A pesquisa desenvolvida é resultado evidenciado de um ano de estudo sobre a Associação dos Nordestinos de Blumenau, dando uma guinada subjetiva na história regional e trazendo como resultado principal a necessidade de um determinado grupo de migrantes manterem vivo esse conjunto de relações sociais e culturais em suas vidas, quer seja simbolicamente compartilhado, estabelecendo a comunhão de valores culturais diferentes, quer seja em forma de reconhecimento e auto-afirmação identitária entre os seus membros.

façanhas de cangaceiro, casos de rapto de moças, crimes, estragos da seca, efeitos das cheias, tanta coisa mais. E-Dicionário de Termos Literários. Disponível em: <www.fcsh.unl.pt/edtl>. Acesso em: 18 mar. 2010.

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Por fim, com os pressupostos da Escola dos Annales, esta pesquisa trouxe relevância para o saber acadêmico regional, já que foi problematizada uma investigação histórico-cultural pautada nos nordestinos que migraram para a cidade de Blumenau, na busca de novas perspectivas de vida, dentro da dinâmica econômica. Estes migrantes tornaram-se “micro-organismos culturais” em uma cidade de valores tipicamente germânicos e sabiamente resistiram, e continuam resistindo, a “globalização cultural” nesse novo espaço geográfico em que estão inseridos.

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REFERÊNCIAS

Arquivo Histórico José Ferreira da Silva. Livro 01, família A a G.

__________. Livro 02, família H a N.

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