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Supremo Tribunal Federal
AUDIÊNCIA PÚBLICA
ARMAZENAMENTO DE PERFIS GENÉTICOS DE CONDENADOS POR
CRIMES VIOLENTOS OU HEDIONDOS
RECURSO EXTRAORDINÁRIO 973.837
MINISTRO-RELATOR GILMAR MENDES
ARMAZENAMENTO DE PERFIS GENÉTICOS DE CONDENADOS POR CRIMES VIOLENTOS OU HEDIONDOS
Sumário
1. O SENHOR DOUGLAS HARES (DEPARTAMENTO FEDERAL DE INVESTIGAÇÃO DOS ESTADOS UNIDOS) ........................................................................................................................................................................... 11
2. A SENHORA DEBBIE SMITH (HEART - HOPE EXISTS AFTER RAPE TRAUMA) ............................................. 31
3. O SENHOR INGO BASTISCH (BUNDESKRIMINALAMT -BKA, AGÊNCIA FEDERAL DE INVESTIGAÇÃO DOS GOVERNOS DA ALEMANHA E DA ÁUSTRIA) ............................................................................................. 39
4. O SENHOR JOÃO COSTA RIBEIRO NETO (ACADEMIA BRASILEIRA DE CIÊNCIAS FORENSES) .............. 55
5. O SENHOR GUILHERME JACQUES (PERITO CRIMINAL).................................................................................... 69
6. A SENHORA MEIGA MENESES (PERITA DO INSTITUTO NACIONAL DE CRIMINALÍSTICA) .................. 91
7. O SENHOR MAURO MENDONÇA MAGLIANO (PERITO CRIMINAL FEDERAL DO INSTITUTO NACIONAL DE CRIMINALÍSTICA) ......................................................................................................................... 121
8. O SENHOR RONALDO CARNEIRO DA SILVA JÚNIOR (PERITO CRIMINAL FEDERAL DO INSTITUTO NACIONAL DE CRIMINALÍSTICA) ......................................................................................................................... 143
9. A SENHORA MARIA CHRISTINA MARINA (ENGENHEIRA BIOMÉDICA) ................................................... 166
10. A SENHORA HELOÍSA HELENA KUSER (MINISTÉRIO DA JUSTIÇA) ............................................................ 192
11. O SENHOR JOZEFRAN FREIRE (ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE MEDICINA LEGAL E PERÍCIAS MÉDICAS) ...................................................................................................................................................................... 209
12. A SENHORA DENISE HAMMERSCHIMIDT (JUÍZA DE DIREITO E PESQUISADORA DA UNIVERSIDADE DE BARCELONA) - ....................................................................................................................................................... 238
13. O SENHOR RENATO BRASILEIRO LIMA (ACADEMIA BRASILEIRA DE CIÊNCIAS FORENSES) ............. 247
14. A SENHORA TAYSA SCHIOCHET (CLÍNICA DE DIREITOS HUMANOS - UFPR - BIOTECJUS)................. 259
15. O SENHOR CARLOS AFFONSO PEREIRA DE SOUZA (INSTITUTO DE TECNOLOGIA E SOCIEDADE DO RIO DE JANEIRO - ITS) ................................................................................................................................................ 272
16. O SENHOR VICTOR SIMONES (CLÍNICA DE DIREITOS HUMANOS DA UFPR - BIOTECJUS) .................. 283
17. O SENHOR GUSTAVO GRANDINETTI CASTANHO DE CARVALHO (ASSOCIAÇÃO NACIONAL DOS DEFENSORES PÚBLICOS) .......................................................................................................................................... 293
ARMAZENAMENTO DE PERFIS GENÉTICOS DE CONDENADOS POR CRIMES VIOLENTOS OU HEDIONDOS
A SENHORA MINISTRA CÁRMEN LÚCIA
(PRESIDENTE) – Bom dia a todos. Podemos nos assentar, por favor.
Bom dia a todos mais uma vez. Bom dia, Senhor Ministro
Gilmar Mendes, Relator do Recurso Extraordinário que versa sobre o tema
objeto desta Audiência Pública; Senhor Subprocurador Doutor Odim, Senhora
Secretária, Senhores Especialistas, Senhores Participantes desta Audiência.
Está aberta a 20ª Audiência realizada por este Supremo
Tribunal Federal na busca de ouvir a sociedade sobre o tema, como disse,
objeto de recurso extraordinário com repercussão geral, que poderá, por meio
das opiniões, dos ensinamentos que venham nos trazer os estudiosos da
matéria, proporcionar a este Tribunal um acervo de informações necessárias
para que haja um julgamento mais célere e mais fecundo sobre um tema da
maior gravidade, da maior seriedade, que é a Identificação e Armazenamento
de Perfis Genéticos de Condenados por crimes violentos ou hediondos.
O Supremo Tribunal, mais uma vez, abre as portas à
sociedade para ouvir exatamente aqueles que podem proporcionar essas
informações, esses dados, esses estudos, a fim de que o julgamento se faça com
base não apenas jurídica, mas com toda a multiplicidade de conhecimentos
ARMAZENAMENTO DE PERFIS GENÉTICOS DE CONDENADOS POR CRIMES VIOLENTOS OU HEDIONDOS
necessários para que se tenha, então, uma decisão coerente com o que se tem
de mais avançado e mais necessário para a prestação da Justiça.
Eu cumprimento o Ministro-Relator Gilmar Mendes pela
iniciativa. E, como disse, pela vigésima vez, o Supremo Tribunal, que agora já
tem integrada à sua providência a abertura a estas oitivas de especialistas, faz
com que assim a sociedade toda possa ser ouvida, e que nós possamos
também ter, com os dados que nos sejam apresentados, melhores condições de
um julgamento mais profundo e, principalmente, mais coerente com o que se
tem de mais avançado na Bioética, no Direito e especialmente na matéria aqui
versada, que é objeto deste recurso a ser submetido ao Plenário.
Eu não apenas cumprimento o Ministro-Relator, como
agradeço a Sua Excelência por essa iniciativa. E agradeço, em nome do
Supremo Tribunal Federal, de uma forma especial, a todos os que aqui
participam, em especial àqueles que vão se fazer ouvir e nos aportar essas
informações, esses estudos tão necessários para que os juízes possam atuar de
maneira, portanto, muito mais aprofundada na matéria.
Passo a palavra, então, ao Senhor Ministro Gilmar Mendes,
Relator do recurso extraordinário.
ARMAZENAMENTO DE PERFIS GENÉTICOS DE CONDENADOS POR CRIMES VIOLENTOS OU HEDIONDOS
O SENHOR MINISTRO GILMAR MENDES (RELATOR) –
Bom dia a todos, cara Presidente do Supremo Tribunal Federal, Ministra
Cármen Lúcia, caro Subprocurador Doutor Odim Brandão, Senhores Experts
que participarão da audiência de hoje, Senhoras e Senhores.
Os limites dos poderes do Estado de colher material
biológico de suspeitos ou condenados por crimes, de traçar o respectivo perfil
genético, de armazenar os perfis em bancos de dados e de fazer uso dessas
informações são objeto de discussão nos sistemas jurídicos dos países
democráticos.
No caso brasileiro, a Lei 12.654/2012 introduziu a coleta de
material biológico para a obtenção do perfil genético em duas situações: na
identificação criminal, artigo 5º, LVIII, da Constituição, regulamentado pela
Lei 12.037/2009, e na execução penal por crimes violentos ou por crimes
hediondos, Lei 7.210/84, artigo 9º-A.
Cada uma dessas hipóteses tem um regime diferente. Na
identificação criminal, a investigação deve ser determinada pelo juiz que
avaliará se a medida é essencial às investigações – artigo 3º, IV, combinado
com o artigo 5º, parágrafo único. Os dados poderão ser eliminados ao término
do prazo estabelecido em lei para a prescrição do delito. Os dados dos
ARMAZENAMENTO DE PERFIS GENÉTICOS DE CONDENADOS POR CRIMES VIOLENTOS OU HEDIONDOS
condenados, por outro lado, serão coletados como consequência da
condenação. Não há previsão de eliminação de perfis.
Em ambos os casos, os perfis genéticos são armazenados em
banco de dados. Os dados podem ser usados para instruir investigações
criminais, artigo 9º-A, § 2º, da Lei 7.210, e para a identificação de pessoas
desaparecidas, artigo 8º do Decreto 7.950/2013.
São instrumentos de proteção da privacidade o caráter
sigiloso dos dados e a vedação da inclusão de informações relativas aos traços
somáticos ou comportamentais, salvo quanto ao gênero.
O presente recurso extraordinário trata especificamente do
uso da técnica na execução penal por crimes violentos ou por crimes
hediondos. De um lado, o sequenciamento e armazenamento do perfil
genético busca incrementar a tutela de direitos fundamentais básicos como a
vida e a segurança, por meio de prevenção e investigação de crimes violentos.
A própria liberdade é fortalecida, visto que a comparação com vestígios
encontrados na cena do crime reduz a chance de condenação de inocentes.
Por outro lado, o sequenciamento de DNA tem o potencial
de vulnerar direitos de liberdade, como o direito de não produzir prova contra
si mesmo, o direito do identificado a não passar por identificação criminal e o
ARMAZENAMENTO DE PERFIS GENÉTICOS DE CONDENADOS POR CRIMES VIOLENTOS OU HEDIONDOS
direito à privacidade, aqui compreendido não só como direito a não passar
pela intervenção física para coleta do material, mas também de não ter
reveladas as informações sobre sua pessoa constantes de seu código genético.
Ao reconhecer a repercussão geral desta questão, o Tribunal
se dispôs a ponderar esses direitos, verificando se a decisão do legislador é
proporcional. Para cumprir essa missão, o Tribunal precisa de informações
que não estão fundamentalmente nos livros de Direito. Por isso, foi convocada
esta audiência pública. Alguns dos maiores especialistas do Brasil e do mundo
em genética forense se dispuseram a investir seu tempo e conhecimentos para
esclarecer à Corte e à sociedade como um todo sobre aspectos fáticos do
conflito.
Conforme roteiro divulgado, esta audiência pública, que,
Vossa Excelência já disse, Ministra Cármen Lúcia, é a vigésima que nós
realizamos nesses macros, atingindo não só os processos de controle abstrato
de normas, mas também os processos de controle concreto em sentido geral –
o sistema difuso também vem se beneficiando desse modelo –, será dividida
em duas etapas. Nesta quinta, ouviremos principalmente técnicos
internacionais. Na sexta-feira pela manhã, falarão especialistas brasileiros e, na
sexta à tarde, amanhã, ouviremos juristas estudiosos do tema.
ARMAZENAMENTO DE PERFIS GENÉTICOS DE CONDENADOS POR CRIMES VIOLENTOS OU HEDIONDOS
Em meu nome, e creio, Presidente, em nome de Vossa
Excelência, quer dizer, na verdade, em nome do Tribunal, nós estamos
agradecendo, desde já, aos palestrantes, aos ministros da Corte, ao
representante do Ministério Público Federal, aos advogados, a todos os que
estão presentes e aos que acompanham, pela TV ou Rádio Justiça, esta
audiência, que está sendo transmitida pela Rádio e pela TV Justiça para todo o
Brasil, como sói acontecer também em todas as audiências públicas.
Gostaria de registrar, especialmente para os Colegas que
vêm da Alemanha, que a audiência pública entre nós tem um marco teórico
nos trabalhos do Professor Peter Häberle, que é um dos defensores da ideia da
sociedade aberta dos intérpretes da Constituição em sentido geral. E ele
destaca, em seus últimos estudos, esta vivência, esta prática da Corte
Constitucional brasileira.
Eu agradeço especialmente a Vossa Excelência, Presidente,
por ter deferido minutos preciosos do seu tempo, em momentos tão difíceis,
para estar presente nesta audiência, que é extremamente importante para o
Direito Constitucional brasileiro, para o Direito brasileiro, e, ao Cerimonial,
pelo denodo na organização do evento. E, desde logo, agradeço a presença de
Vossa Excelência.
ARMAZENAMENTO DE PERFIS GENÉTICOS DE CONDENADOS POR CRIMES VIOLENTOS OU HEDIONDOS
A SENHORA MINISTRA CÁRMEN LÚCIA
(PRESIDENTE) - Vou pedir licença a todos, porque tenho outras atividades.
Agradeço, mais uma vez, como já foi dito pelo Ministro
Gilmar Mendes, aos especialistas, por terem se deslocado e se prontificado a
nos beneficiar com as lições que aqui deixarão.
Apenas para lembrar: tudo o que se passa nesta Audiência é
aportado a todos os Ministros do Supremo, que se aproveitarão, então, de
todos os ensinamentos, todas as informações, todos os dados ao preparar os
seus votos quando tiver de ir a julgamento este processo. Portanto, mesmo não
estando os onze Ministros aqui, a condução do Ministro Gilmar fará com que,
na sequência, toda a Audiência seja devidamente registrada e entregue em
cópia a cada qual dos Ministros, o que beneficiará todos os Juízes que
participarão do julgamento.
Mais uma vez agradecendo e pedindo licença ao Ministro-
Relator, agradecendo também ao Subprocurador, eu peço licença para me
retirar.
Muito obrigada! Um excelente trabalho a todos!
O SENHOR MINISTRO GILMAR MENDES (RELATOR) -
Abertos os trabalhos desta audiência pública, convido para falar, em nome da
ARMAZENAMENTO DE PERFIS GENÉTICOS DE CONDENADOS POR CRIMES VIOLENTOS OU HEDIONDOS
Procuradoria-Geral da República, o Doutor Odim Brandão, Subprocurador-
Geral da República.
O SENHOR ODIM BRANDÃO (SUBPROCURADOR-
GERAL DA REPÚBLICA) - Eminente Presidente, doutos especialistas,
senhoras e senhores, registro, em primeiro lugar, o agradecimento da
Procuradoria-Geral da República brasileira à gentileza do convite para aqui
estar. Resolve melhor um caso quem conhece melhor os fatos, e temos aqui
fatos legislativos bastante complexos. Tenho certeza de que, em razão disso,
sairei daqui com muito mais conhecimentos do que entrei.
Serei breve e, embora pegando um pouco, talvez, os
expositores de surpresa, se pudesse pedir-lhes algo, pediria que abordassem,
eventualmente, a importância dos estudos forenses examinados nesta
audiência para os casos de reincidência especificamente em relação a
criminosos com determinados perfis psicológicos.
Como disse, sairei daqui muito mais bem instruído do que
cheguei.
Agradeço muito a gentileza do convite.
Muito obrigado.
ARMAZENAMENTO DE PERFIS GENÉTICOS DE CONDENADOS POR CRIMES VIOLENTOS OU HEDIONDOS
O SENHOR MINISTRO GILMAR MENDES (RELATOR) -
Muito obrigado ao Subprocurador-Geral.
Eu passo, desde logo, a palavra ao Doutor Douglas Hares,
do Departamento Federal de Investigação dos Estados Unidos. O senhor
disporá de quarenta e cinco minutos.
O SENHOR DOUGLAS HARES (DEPARTAMENTO
FEDERAL DE INVESTIGAÇÃO DOS ESTADOS UNIDOS) Transcrição baseada
em tradução simultânea - Eu gostaria de dividir algumas experiências que nós
tivemos ao criar o nosso banco de dados nos Estados Unidos.
Eu tenho sido a pessoa que tem a custódia desse banco de
dados por onze anos. Eu estou no FBI há dezessete anos, trabalhando com
DNA. Então, as experiências que eu dividirei com o senhor são experiências
que nós tivemos nos Estados Unidos e vão ajudá-lo a tomar suas decisões.
Apenas para lhe dar uma ideia do que eu vou falar hoje, eu
gostaria de mostrar uma fundamentação para o nosso banco de dados,
algumas das leis que foram aprovadas. O programa CODIS, que é utilizado
para trocar e cruzar as informações. Vou falar um pouquinho sobre a nossa lei
federal também e alguns dos requerimentos de privacidade associados.
Alguns procedimentos operacionais, que são públicos. Vou dividir também
ARMAZENAMENTO DE PERFIS GENÉTICOS DE CONDENADOS POR CRIMES VIOLENTOS OU HEDIONDOS
algumas informações com vocês. E gostaria também de falar sobre a amplitude
da coleta de informações. E esses são alguns desafios que nós vimos nos
Estados Unidos. E, claro, existe a nossa 5ª Emenda, que fala sobre a
autoincriminação. E vou mencionar algumas estatísticas de nossos dados
nacionais.
Bom, talvez o melhor local para começar seja uma breve
linha do tempo de como chegamos dos Estados Unidos a uma base de dados.
Assim, começando no final da década de 1980, o DNA
tornou-se muito popular. E então, os estados começaram a aprovar leis nos
EUA para coleta de banco de dados no final da década de 1980. O FBI viu a
importância do DNA e pensamos que seria bom ser capaz de fazer um projeto
para ver se poderíamos fazer o intercâmbio de informações entre estados e
resolver crimes. E então fizemos esse projeto em 1990. (Inaudível) nossa
primeira lei sobre banco de dados de DNA foi chamada de Lei de Identificação
de DNA de 1994 e permitiu ao FBI estabelecer esta base de dados nacional e
também criou um conselho para criar padrões mínimos de qualidade para
nossos laboratórios forenses. Seguindo isso, temos uma lei de privacidade, por
meio da qual quando coletamos informações como esta, e devemos publicar
como manteremos informações mínimas.
ARMAZENAMENTO DE PERFIS GENÉTICOS DE CONDENADOS POR CRIMES VIOLENTOS OU HEDIONDOS
Então, nós publicamos isso em 96, chama-se "A Nota da Lei
de Privacidade", onde nós mantemos os perfis de DNA e as informações de
identificação pessoal. Nenhuma outra identificação além do perfil no banco de
dados.
Então, em 1998, nós tivemos o software desenvolvido, onde
nós colocamos todas as informações. Isso ocorreu em outubro de 98. E
começamos com apenas nove estados, na ocasião. Os estados tinham que
atender a certos requerimentos de qualidade para fazer parte do banco
nacional de dados. Em 98, começamos com nove estados e, agora, todos os
cinquenta estados participam.
Nós fomos capazes de fazer esse banco de dados, mas os
criminosos federais não foram permitidos nesse banco de dados até o ano
2000, quando eles aprovaram a Lei de Ofensas Federais. Desde então, eles
expandiram as leis de coleta.
Então, em 2004, eles adicionaram um requerimento para
credenciamento, onde todos eles têm que participar de programas de
credenciamento. Isso ocorreu em 2004. E, também, adicionaram todos os
crimes no programa.
ARMAZENAMENTO DE PERFIS GENÉTICOS DE CONDENADOS POR CRIMES VIOLENTOS OU HEDIONDOS
Em 2005, nós aumentamos o escopo para também os presos
federais, para serem incluídos nesse banco de dados. Eles também
determinaram que amostras usadas para eliminação não seriam permitidas no
banco de dados. Essa foi a primeira vez que isso foi mencionado na lei. Mas o
programa em si nós começamos em 1990 com o projeto piloto, e o FBI também
publicou as diretrizes legislativas em 91. E queríamos ter certeza de que os
estados que iniciaram seus programas de DNA se alinhavam com o que o
Governo Federal queria fazer. Então, nós publicamos essas diretrizes e, nessas
diretrizes, nós falamos sobre as informações que eram estocadas, a
privacidade, a importância da privacidade da informação, dividindo essas
informações somente com os oficias da lei. E também o controle da
propriedade, que era mantido no laboratório que tinha. Nós não tínhamos
controle do FBI, então, quem tinha controle do sistema eram os próprios
laboratórios.
E nós também criamos um sistema de checagem e equilíbrio
para que não houvesse misturas. Fizemos isso antes de liberar essa informação
sobre os casos. Então, nós criamos esse sistema de checagens e equilíbrio.
Leis estaduais começaram a ser aprovadas mesmo antes da
lei federal, mas uma das coisas que nós percebemos, inicialmente, no nosso
ARMAZENAMENTO DE PERFIS GENÉTICOS DE CONDENADOS POR CRIMES VIOLENTOS OU HEDIONDOS
banco de dados é que as leis cobriam pessoas que eram sentenciadas por
ofensas sexuais. Depois, isso foi expandido para crimes violentos. Mas isso não
parou lá. Nós continuamos expandindo as leis. Nós coletamos elas de roubos e
todos os outros crimes nos 50 estados. O chamado felony é um crime menor e
ele é sentenciado com menos de um ano em prisão. Mas também é muito
importante que, quando os estados estavam estabelecendo seus programas,
nós queríamos ter certeza de que todos seríamos capazes de dividir
informação uns com os outros. Então, nós solicitamos que eles seguissem as
leis federais o máximo possível e é exatamente isso que acabou acontecendo.
Mas as proteções de privacidade são muito importantes.
Então, essa foi uma das duas coisas que eram mais importantes para nós. Nós
utilizamos os marcadores de identificação. Isso não previne nenhuma doença
médica ou nenhum outro traço fenotípico, cor do olho ou coisa parecida. E
também nós queríamos ter certeza de que havia um acesso limitado a esses
dados, para efeitos de identificação somente.
Então, desde a criação do programa, é assim que nós temos
operado. Desde 1994, nós sempre tivemos isso em efeito. Somente quatro itens
da informação que são estocados: o perfil do DNA; a agência que é
responsável por aquele perfil; algum tipo de código numérico para esse perfil
ARMAZENAMENTO DE PERFIS GENÉTICOS DE CONDENADOS POR CRIMES VIOLENTOS OU HEDIONDOS
(um número de identificação) e, também, nós gostamos de ter o analista que é
responsável por aquele perfil. Então, essas são as quatro partes da informação
que nós estocamos, e eles têm que ser colocados no novo banco de dados. Nós
acabamos incluindo o nome das pessoas, mas não outros dados de
identificação.
Também, a lei nos determinou que tipo de requerimento de
acesso eram necessários - para ter acesso a esses dados -, e nós, todas as
agências da lei acabaram se alinhando com isso. E, assim, um pouco dessa lei
federal original diz que a primeira lei criou o comitê conselheiro. E isso
ocorreu durante cinco anos. E esse comitê foi desenhado para cientistas e
também alguns advogados, juízes e especialistas em defesa, para criar um
número de padrões mínimos de qualidade. E essa foi a responsabilidade dos
primeiros cinco anos.
Claro, como eu mencionei anteriormente, eles autorizaram
o FBI a criar esse índice nacional de DNA e também especifica o que é elegível
para a estocagem dos dados. Então, eu vou mostrar um outro slide sobre essas
categorias.
Impõe um mínimo de requerimentos para assegurar a
qualidade e começou com um teste de proficiência. Depois, acumulou também
ARMAZENAMENTO DE PERFIS GENÉTICOS DE CONDENADOS POR CRIMES VIOLENTOS OU HEDIONDOS
requerimentos de acreditação e audiência. Restringe o acesso aos dados e
também requer se a condenação foi eliminada ou foi revertida e também
requer a remoção de, no caso, uma prisão, se as queixas forem removidas,
também isso é levado em consideração.
Também para a abertura não autorizada há penalidades
previstas, se alguém libera informação quando não tem autorização para isso.
A qualidade dos padrões que mencionei anteriormente é
muito importante, e eles são mais específicos do que somente o
credenciamento. Eles são específicos para a tipificação do DNA, onde o
Governo e todos os operadores de perfis de DNA que eu mencionei na lei
anterior são mantidos pelo nosso grupo científico sobre o método de análise
de DNA, e eles recomendam qualquer mudança a esses padrões diretamente
ao Diretor do FBI.
Nesse slide, eu não vou mostrar os padrões que estão
colocados, mas só para demonstrar a qualidade do nosso sistema de DNA. E o
que isso faz? Ele realmente determina a legitimidade de procedimentos
validados, assegura o treinamento apropriado, e os analistas que trabalham
nesse caso passam por testes de proficiência.
ARMAZENAMENTO DE PERFIS GENÉTICOS DE CONDENADOS POR CRIMES VIOLENTOS OU HEDIONDOS
Na tipificação do DNA, existem diretrizes de interpretação.
Essa é uma forma mínima de dizer que, se o seu laboratório atender a esses
padrões - é necessário um certo nível de expectativa nos Estados Unidos -,
você será capaz de colocar as coisas dentro do banco de dados.
Nós também temos um Manual de Procedimentos
Operacionais e temos que seguir esses procedimentos determinados pelo FBI.
É claro, eles requerem que esses requerimentos sejam seguidos, mas vamos
um passo adiante. Esses laboratórios são auditados, com relação a esses
padrões, a cada dois anos, e eles têm que submeter as ações corretivas da
auditoria para o FBI, para podermos assegurar que eles estão aplicando os
procedimentos apropriadamente. E também listamos todos os requerimentos
para esses laboratórios, a fim de buscarmos esses registros e, quando houver
um dado encontrado, precisamos ter certeza de que temos a pessoa certa e
podemos liberar a informação, desde que seja confirmada.
Os laboratórios têm que ser uma agência de Justiça
Criminal, e a função do laboratório no sistema tem que ser credenciada. Eles
precisam obedecer aos padrões de qualidade e manter os requerimentos de
privacidade, que fazem parte da lei. E eles assinam um memorando de
ARMAZENAMENTO DE PERFIS GENÉTICOS DE CONDENADOS POR CRIMES VIOLENTOS OU HEDIONDOS
entendimento com o FBI para assegurar que seguem essas políticas,
procedimentos e leis.
Uma coisa que nós temos visto que nos ajudou muito a
sermos bem-sucedidos nos Estados Unidos com o nosso Banco de Dados
Nacional é que há uma governança dividida, partilhada. Nós trabalhamos
muito próximos da comunidade e asseguramos que todos tenham voz no
sistema. Mas, assim como construir um prédio, é muito importante ter uma
ótima fundação, uma ótima base. Se você tiver uma ótima base, pode construir
uma estrutura forte. A nossa base está na nossa lei, as leis são fortes. Os
padrões de qualidade são muito importantes também, assim como os
requerimentos de credenciamento e os memorandos de entendimento com os
laboratórios, e o software CODIS provê essa base forte para o nosso
procedimento.
Os pilares que vão segurar a cobertura da nossa estrutura
são as pessoas que nós buscamos feedback. Existe um grupo científico de
trabalho nos métodos de DNA e temos também administradores do CODIS,
são as pessoas responsáveis pelo banco de dados do estado, e nós nos
reunimos com eles duas vezes por ano.
ARMAZENAMENTO DE PERFIS GENÉTICOS DE CONDENADOS POR CRIMES VIOLENTOS OU HEDIONDOS
Nós temos também um comitê de procedimentos, que
reflete as ações das pessoas nos laboratórios e no FBI, que nós usamos para
tomar as decisões sobre as políticas.
As auditorias também são importantes. Nós geralmente
saímos da nossa unidade do CODIS e acessamos como eles estão usando o
software, por causa dos índices. E temos então a certeza de que eles estão
usando o software corretamente. E aí nós vamos para o topo. É importante ter
essa comunicação com os nossos participantes no banco de dados.
Agora, eu gostaria de falar um pouco sobre as leis, sobre a
coleta de material feita nos Estados Unidos. A primeira mostra todos os 50
estados, todos os estados em vermelho. Eles coletam o material dos
condenados por todos os crimes, então qualquer crime que seja punível com
um ano ou mais em prisão é considerado um felony. Em todos os estados
coletam essa informação.
Se nós olharmos para crimes menores ou contravenções,
contravenções são punidas com penas de menos de um ano. São ofensas
menores, mas algumas delas ainda são sérias. Então muito dos estados aqui,
nós vamos ver trinta e três estados aprovaram leis para coletar DNA de
condenados por ofensas menores, como contravenções, se eles forem
ARMAZENAMENTO DE PERFIS GENÉTICOS DE CONDENADOS POR CRIMES VIOLENTOS OU HEDIONDOS
condenados. Nós, na verdade, não determinamos quais deles serão sujeitos à
coleta. Mais isso aqui representa os presos, aqueles que aprovaram a legislação
para os presos; nós temos trinta e um estados que aprovaram leis onde uma
amostra pode ser coletada após o indiciamento, após as queixas serem
requisitadas; então isso varia de estado para estado, e as leis variam de estados
para estados. Mas nós coletamos, alguns vão coletar de todos os crimes e
outros vão coletar o material somente de alguns crimes, a tendência é sempre
para os crimes mais sérios.
Agora, eu gostaria de mostrar a vocês alguns desafios
constitucionais que nós temos nos EUA. Esta seção mostra no mapa quarenta e
dois estados, ambos desafios nacionais e estaduais que ocorrem em todos esses
estados aqui em vermelho; mas mais importante ainda é que a maior dos
desafios que nós temos são relacionados a 4ª Emenda que é busca e apreensão;
e também a da 5ª Emenda sobre autoincriminação. Cada um desses desafios é
possível de ser mantido no nosso banco de dados, mais de duzentos e vinte
cinco casos demonstraram isso, representando quarenta e dois estados.
Eu quero apontar o terceiro ponto lá: todo os treze, todas as
cortes de recursos federais, todas elas nos Estados Unidos já tiveram esse
banco de dados de condenados como constitucional. E nós não tivemos
ARMAZENAMENTO DE PERFIS GENÉTICOS DE CONDENADOS POR CRIMES VIOLENTOS OU HEDIONDOS
nenhum caso sendo submetido ao Supremo Tribunal norte-americano, talvez
possa haver uma razão para isso, porque todas as treze Cortes Federais já
concordaram que é constitucional e talvez nós não saibamos, mas, nesse
ponto, nós ainda não vimos nenhum caso sendo enviado ao Supremo, eles
sempre negaram ouvir o caso.
Então, um dos casos que eu gostaria de dividir com vocês
hoje, desses duzentos e vinte e cinco, é o Estados Unidos contra o Kincade, isso
em 2004. Foi um caso onde o desafio era o perpetrador que gostaria de ter suas
amostras removidas do banco de dados. E, por uma questão de segurança
pública ou considerações de privacidade, nos Estados Unidos, um condenado
tem o direito à privacidade, porque ele foi sentenciado. Então, esse equilíbrio
foi considerado e uma decisão foi de que era constitucional manter os dados
no banco de dados mesmo depois deles terem sido liberados da prisão
preventiva.
Neste caso, isso chegou até o Supremo, mas era o caso
Maryland contra o King, talvez vocês já tenham ouvido este caso, se a lei
federal permite ou não a coleta de material de sentenciados, e a decisão foi
bem próxima, foi uma decisão de quatro contra cinco votos, mas eles
concordaram que era constitucional coletar os dados do preso. Podemos ver
ARMAZENAMENTO DE PERFIS GENÉTICOS DE CONDENADOS POR CRIMES VIOLENTOS OU HEDIONDOS
aqui, em negrito, que "a Corte conclui que a identificação de DNA dos presos é
uma busca razoável que pode ser considerada parte do procedimento
rotineiro." E nós comparamos isso com a fotografia ou com a coleta de
impressões digitais para o perfil.
O último caso que eu gostaria de dividir com vocês é um
caso que desafiou a 5ª Emenda, de autoincriminação, que é o Wilson versus
Collins, em 2008. Este foi um caso no Estado de Ohio; e tanto a 4ª quanto a 5ª
Emenda foram consideradas. Mas, com relação ao desafio da 5ª Emenda, o
DNA foi testemunhal, porque ele revelava informação pessoal; e o Tribunal
determinou que a 5ª Emenda não estava sendo violada e que a coleta do DNA
não era autoincriminatória. Esse caso ocorreu na 6ª Vara. Tem aqui em negrito
que "a extração do DNA não implica o privilégio contra a autoincriminação,
porque essas amostras do DNA são evidências físicas, e não evidência
testemunhal".
Nós temos um caso ali que é um caso que até chegou ao
Supremo, que não era para DNA, mas para toxicologia - foi para álcool ou
conteúdo de álcool no sangue. A questão era se a 5ª Emenda considerava
autoincriminação, ou não, no caso de um exame de bafômetro. Apesar de não
ser um caso de DNA, a referência, neste caso, foi considerada na decisão. E,
ARMAZENAMENTO DE PERFIS GENÉTICOS DE CONDENADOS POR CRIMES VIOLENTOS OU HEDIONDOS
por último, a sentença reconheceu que as amostras eram exatamente iguais a
uma fotografia ou impressão digital e que não fugiam ao escopo da proteção
da 5ª Emenda.
Eu gostaria de finalizar com algumas estatísticas sobre o
nosso banco de dados e quão bem-sucedido ele tem sido nos Estados Unidos.
Nós temos quase duzentos laboratórios que alimentam dados no nosso
sistema. Eles são colocados em três diferentes níveis. Nós temos laboratórios
criminais, nas grandes cidades americanas, que servem às cidades e às áreas
metropolitanas. Eles usam o sistema para comparar cena de crime contra a
cena de crime nas suas jurisdições. Esses dados são levados até o nível
estadual e, em um nível estadual, eles são comparados com dados de outras
cidades, para que eles possam comparar crimes em cidades diferentes, mas
também para incriminar os ofensores de crimes maiores. Nós vamos ver dados
que ocorrem em um estado sendo comparados com dados de crimes que
ocorrem em outros estados. E isso é levado a um nível nacional, onde nós
comparamos todos os perfis de um estado com os outros estados, para que nós
possamos “linkar” cenas de crime num estado com ofensores em outro estado
e resolver crimes; mas também podemos ligar cenas de crime em um estado
ARMAZENAMENTO DE PERFIS GENÉTICOS DE CONDENADOS POR CRIMES VIOLENTOS OU HEDIONDOS
com cenas de crime em outro estado para ver ofensas seriais. É muito bom
poder ter esses três níveis diferentes.
Nós vemos 85% dos nossos acertos ocorrendo em um nível
estadual - para que o crime de um estado seja comparado entre estados. Nós
vemos que 15% dos casos é exatamente isso que ocorre.
Como eu falei mais cedo, nós operamos o nosso banco de
dados autorizados e nós usamos uma série de índices: nível de ofensa, índice
de ofensor - nós fomos autorizados a fazer isso com os presos, com os detidos
e com espécies legais definidas pela lei estadual -, temos as nossas categorias
forenses, que são divididas em três; perfil forense que é dividido
diferentemente; e, por último, as pessoas desaparecidas, onde nós podemos
identificar os vestígios de pessoas ou restos de indivíduos que estavam
desaparecidos.
Esse slide aqui realmente mostra o poder do banco de
dados. Eu quero mostrar algumas coisas. Se vocês olharem lá para cima, são
12.753.664 perfis. Nós temos quase 3 milhões de perfis de presos e mais de 770
mil perfis forenses. Mas o número para o qual eu quero chamar a sua atenção
está na parte de cima, à direita: as investigações auxiliadas. Significa que o
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software CODIS auxiliou na investigação. Isso ocorreu 358 mil vezes nos
Estados Unidos. É um número impressionante.
Eu gostaria de focar um pouco mais na parte de baixo, na
caixinha de baixo do slide, porque isso nós vemos todos os anos. Esses são
números acumulativos ao longo de 20 anos, mas, cada ano, nós vemos quase
600 mil perfis sendo adicionados ao banco de dados. Nós vemos 375 mil perfis
de presos, sendo alimentados também no mesmo bancos de dados, e em torno
de 75 mil perfis forenses. Mas o número que nós estamos buscando são as 40
mil investigações criminais auxiliadas pelo nosso banco de dados. São 3 mil
investigações por mês. Isso é muito importante: olhar para a eficácia desse
banco de dados.
Nós também somos bastante transparentes. Nós temos um
website - eu coloquei um link aqui - que contém informação sobre os padrões
de qualidade mencionados, o manual de procedimentos operacionais e
perguntas feitas frequentemente. Tem muita informação ali e esse é um website
público. Vocês podem olhar para esse site para obter qualquer informação
adicional que vocês queiram.
E isso é tudo que eu tenho para falar com vocês hoje. Eu
ficarei feliz de responder qualquer pergunta, caso haja.
ARMAZENAMENTO DE PERFIS GENÉTICOS DE CONDENADOS POR CRIMES VIOLENTOS OU HEDIONDOS
O SENHOR ODIM BRANDÃO (SUBPROCURADOR-
GERAL DA REPÚBLICA) - Eu gostaria, por favor, que abordasse a questão da
importância desse tipo de investigação quando se trata de reincidência, ou
seja, pessoas que cometem diversas vezes o mesmo delito, especialmente a
importância disso quando o delinquente, o criminoso tem certos perfis
psicológicos que, em princípio, talvez, tenderiam a se repetir. Muito obrigado.
O SENHOR DOUGLAS HARES (DEPARTAMENTO
FEDERAL DE INVESTIGAÇÃO DOS ESTADOS UNIDOS) Transcrição baseada
em tradução simultânea - Bom, nós vimos algumas coisas acontecerem nos
Estados Unidos. Uma coisa que nós notamos, e especialmente com roubo e
com invasão domiciliar: eles repetem esse crime várias vezes. E o que nós
vemos aqui é que eles ficam mais sérios uma vez que eles repetem esses
crimes. Então, se nós pudermos interrompê-los antes, nós podemos impedir
esses futuros crimes. E é por isso que nós fazemos a coleta de perfis desses
criminosos que comente roubos, para poder utilizar esses dados e identificar
quem são esses criminosos em série, para não deixar que eles aconteçam
novamente. E esse crime acontece com frequência nos Estados Unidos.
Estupro é outro crime grave nos EUA. E nós vemos isso
também. Um caso que me vem à memória toda vez que penso sobre estupro é
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um caso que, de fato, aconteceu na década de 1970. Mas eles foram capazes de
voltar e encontrar algumas evidências desse caso e testá-lo. Havia uma série de
estupros graves e todos tinham o mesmo perfil. Finalmente, essa pessoa
realmente tentou comprar uma arma na década de 1990, e temos muitas
verificações de antecedentes pessoais quando você compra uma arma. E eles
descobriram que ele um foragido desde a década de 1970. Quando eles
analisaram sua amostra na base de dados, indicou 31 vezes. Foram 31 crimes
que não foram resolvidos, todos estupros, todos não resolvidos, em 8 estados
diferentes. Essa amostra ligou todos os casos. Sabemos que nos EUA temos
criminosos em série e, ao ter seu perfil no banco de dados, somos capazes de
resolver crimes do futuro e do passe, porque muitas vezes o crime pode ter
acontecido antes da tecnologia de DNA estar disponível, como esse caso que,
originalmente, começou na década de 70, e os EUA começou a usar a
identificação por DNA mesmo no início dos anos 90. Então, nós temos
conseguido resolver tanto crimes do passado como crimes futuros também.
O SENHOR ODIM BRANDÃO (SUBPROCURADOR-
GERAL DA REPÚBLICA) - Gostaria que esclarecesse um pouco mais quais
são os mecanismos de proteção do cidadão para que ele não tenha,
ilicitamente, vasculhados os seus dados genéticos. Quais são as medidas que o
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sistema tem para evitar que o cidadão seja alvo de uma prática ilegal.
Obrigado.
O SENHOR DOUGLAS HARES (DEPARTAMENTO
FEDERAL DE INVESTIGAÇÃO DOS ESTADOS UNIDOS) Transcrição baseada
em tradução simultânea - Bom, duas coisas. O nosso sistema, o nosso banco de
dados está ligado a um reforço da lei. Então, não é aberto para qualquer
pessoa fora dessa network que possa acessar esses dados. Então, nós temos
muito cuidado em nossos procedimentos para saber quem são os elegíveis
para o banco de dados. Quando entramos, por exemplo, com uma amostra de
um crime, tem que ser da cena do crime. Não vamos observar uma amostra
que não esteja na cena do crime, elas não são as evidências que nós estamos
procurando. Nós estamos procurando pela arma ou talvez um chapéu
descartado, alguma coisa que tenha o perfil da pessoa que, de fato, cometeu o
crime, não aquilo que está em volta da cena do crime.
Então, depois, temos as proteções dos cidadãos também e
isso está na lei federal e na Constituição. Então, não podemos informar um
perfil que não esteja numa cena do crime e não podemos compartilhar essas
informações com o público também. Esse é o tipo de proteção ou de
privacidade, porque as pessoas podem pedir informações e se uma pessoa for
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julgada, mas outras pessoas que não estejam no crime não podem ser
perfiladas e colocadas… Elas são protegidas pela lei.
O SENHOR ODIM BRANDÃO FERREIRA
(SUBPROCURADOR-GERAL DA REPÚBLICA) - Quando se captura alguém e
tem a indicação de que as amostras são compatíveis, é comum realizar uma
nova amostra se ao menos o acusado aceitar? Ou se confia cegamente nos dois
dados de arquivo, o coletado na cena do crime e o arquivado no sistema?
O SENHOR DOUGLAS HARES (DEPARTAMENTO
FEDERAL DE INVESTIGAÇÃO DOS ESTADOS UNIDOS) Transcrição baseada
em tradução simultânea - Uma excelente pergunta. Parte do nosso procedimento
de confirmação, no qual não entrei em detalhes, é que, quando achamos as
compatibilidades, aquela informação é apenas uma pista para conseguir uma
outra amostra, porque nós queremos uma amostra coletada diretamente da
pessoa e comparar com a cena do crime mais uma vez, para o processo
judicial. Esse é parte do nosso procedimento de confirmação que garante que
não temos amostras misturadas. Nós solicitamos uma nova amostra. Nos
Estado Unidos, o banco de dados não é levado para o julgamento porque
mostraria que se condenou previamente ou algo assim. Não queremos que
haja um erro de julgamento porque se trouxeram crimes passados. Na maior
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parte do tempo, não podemos fazer isso nos Estados Unidos. Essa segunda
amostra permite prevenir que isso aconteça. Diretamente da pessoa é
comparada com a amostra da cena do crime, não com o banco de dados.
Obrigado.
O SENHOR MINISTRO GILMAR MENDES (RELATOR) –
Passo a palavra agora à senhora Debbie Smith.
A SENHORA DEBBIE SMITH (HEART - HOPE EXISTS
AFTER RAPE TRAUMA) Transcrição baseada em tradução simultânea - Muito
obrigada, senhoras e senhores, por me permitir estar aqui neste país
maravilhoso e me dar a oportunidade de falar com vocês hoje. Eu sou dos
Estados Unido, mas hoje eu não vou representar o meu país. Eu estou
representando as vítimas de crime sexual. Eu me beneficiei de todas as coisas
que o Senhor Hares apresentou para vocês hoje.
A minha experiência pessoal como vítima de estupro me
permitiu entender a devastação causada por esse tipo de crime. Então, com o
entendimento creio que vem o conhecimento e eu acredito que com qualquer
conhecimento vem a responsabilidade. E eu posso dizer que o entendimento
desse tipo de conhecimento e a responsabilidade mudou a minha vida para
sempre, e é essa a razão de eu estar aqui no momento para falar com vocês.
ARMAZENAMENTO DE PERFIS GENÉTICOS DE CONDENADOS POR CRIMES VIOLENTOS OU HEDIONDOS
Faz parte da minha missão de vida compartilhar esse
conhecimento com os outros, na esperança de fazê-los poder entender melhor
e poder ajudar essas vítimas de estupro e suas famílias, porque isso é um
crime que não só afeta a vítima primária, mas também todas as vidas que
fazem parte da sua vida, especialmente os seus familiares mais próximos.
Bom, eu respeitosamente peço para que saiam um pouco de
suas posições de Juízes da Suprema Corte e entrem no papel de pai, marido e
filho ou uma mãe, uma filha e uma esposa, porque a minha história é muito
pessoal, é uma história familiar.
De fato, eu acreditei que no dia 3 de março de 1985 seria o
último dia que eu iria sentir o amor do meu marido ou que ouviria a voz dos
meus filhos falando "mãe, eu te amo". Porque foi naquela tarde que um
estranho entrou na minha casa e ameaçou matar-me se eu gritasse. Ele entrou
pela porta dos fundos que ficou destrancada por cinco minutos. Ele me
sequestrou, colocou-me uma venda nos olhos, levou-me para um matagal
atrás de minha casa onde ele me roubou e repetidamente me estuprou.
No dia em que fui estuprada também foi o dia que esta
cesta entrou na minha vida. Essa é a "cesta nº 6", e ela não havia guardado
nada de muita importância até aquele momento, nela não havia nada de
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valioso, tampouco de valor monetário. Havia um par de tênis Reebok dentro
dela. Nada demais, exceto por ser o meu primeiro par de tênis de marca,
porque, depois de comprar os calçados das crianças, parecia que não haveria
muito dinheiro para comprar os meus próprios. Havia também uma bolsa e
uma carteira dentro dela. Não havia muito dinheiro no interior delas; mas
eram presentes de natal do meu marido, que trabalhou bastante para poder
dar-me esses presentes. Essa "cesta nº 6" ainda tinha um par de calças jeans,
que também não eram muito caras. Para mim, no entanto, elas ficavam tão
bem em minha cintura que eram extremamente importantes para mim. E nela,
ainda, tinha envelopes com pelos pubianos e par de roupas íntimas manchada
de sêmen. Definitivamente nada de muito valor. Todas essas coisas estavam
guardadas nesta simples cesta de arame. Nenhum desses itens comuns tinham
valor a não ser pelo fato de que pertenciam a mim.
Depois de ser estuprada, eu tive muitos problemas em lidar
com esse episódio. Fiquei seis anos e meio sentindo o cheiro desse homem,
com aquela saliva ao redor do meu pescoço, aquela imagem de suas botas de
borracha e o som de sua voz no meu ouvido, falando "lembre-se que eu sei
onde você mora e, se falar para qualquer pessoa, vou voltar aqui e matar você
e sua família". Todas essas coisas ficaram na minha mente, sem poder serem
ARMAZENAMENTO DE PERFIS GENÉTICOS DE CONDENADOS POR CRIMES VIOLENTOS OU HEDIONDOS
descartadas. Eu precisava de paz e desesperadamente me sentir normal
novamente.
Eu posso dizer a vocês que eu não tinha nenhuma
esperança naquele período e achava que nunca conseguiria o alívio que eu
precisava. Eu tinha um destino pior do que a morte: viver com essa memória,
com esse medo de que aquele homem iria realmente cumprir sua promessa de
voltar e me matar. Desculpem-me, mas o pior de tudo era pensar que ele
poderia se vingar em meu marido e minhas duas crianças.
Eu somente existia durante seis anos e meio, com um medo
que já fazia parte do meu coração e da minha alma e não me deixava ser feliz
novamente. Eu até passei a ter pensamentos suicidas, tentando conseguir a
paz e ficar livre dessas memórias.
Essa "cesta nº 6" sempre estava cheia de itens
insignificantes; mas ela mesma estava com o kit de evidências do meu estupro,
o que me deixaria ter paz no futuro, permitindo-me viver novamente. Nela
havia fragmentos de uma vida vivida, uma resposta para as minhas
perguntas, soluções para os meus medos e paz para a minha alma. Todas essas
resoluções faziam parte de uma cesta de 11x12, com as evidências do meu
estupro.
ARMAZENAMENTO DE PERFIS GENÉTICOS DE CONDENADOS POR CRIMES VIOLENTOS OU HEDIONDOS
Em 26 de julho de 1995, recebemos a notícia de que o código
de DNA tinha revelado o nome de meu estuprador. Eu era a quarta pessoa a
receber essa resposta. Nós descobrimos que ele fora preso, e o tormento
finalmente acabou para mim. Eu sabia onde ele estava. E, finalmente, todos
sabiam que estava dizendo a verdade, ele não podia machucar mais ninguém.
E a "cesta nº 6" finalmente poderia falar. A "cesta nº 6" agora fica na minha
estante, na minha casa e não guarda mais nada de muito valor, mas no meu
coração ela guarda a memória do dia que foi extremamente horrível, o dia que
eu achava que nunca mais conseguiria superar. Mas, antes de voltar para
minha casa, essa "cesta nº 6" estava atrás de uma porta, como outras parecidas,
guardadas em prateleiras, em um quarto escuro, fazendo exatamente aquilo
para que elas foram criadas: estava separando diferentes itens. A "cesta nº 6"
está vazia de seus itens originais e agora está no meu escritório como um
lembrete permanente de centenas de milhares outras cestas, caixas e sacolas
que guardam os pedaços da vida de alguém. E é para elas que falo hoje. Eu
não quero que elas passem pelo mesmo exame terrível que fazem para coletar
evidências de uma vítima de estupro.
Quando uma vítima passa por esse exame, ela fez tudo o
que o que ela pensa ser o correto a fazer, ela fez o que a sociedade pediu que
ARMAZENAMENTO DE PERFIS GENÉTICOS DE CONDENADOS POR CRIMES VIOLENTOS OU HEDIONDOS
ela fizesse sabe que ela precisa levar essas evidências, ela apresentou o seu
corpo como evidência. É uma pena deixar essa evidência sem que se permita
que ela fale, porque a pessoa acredita que esses itens insignificantes que estão
dentro de uma cesta já trouxeram à vida toda essa verdade e que essa verdade
eventualmente faz justiça.
Por causa de alguém que continuou a fazer o seu trabalho, a
"cesta nº 6" ficou vazia, um estuprador foi identificado, a justiça foi feita e suas
futuras vítimas foram poupadas.
Nos Estados Unidos, em média, um criminoso cometerá
estupros oito a doze vezes antes de ser preso. E esses homens devem ser
identificados o mais rápido para não fazerem tanto estrago. Eu sou uma
sobrevivente por causa do DNA e por causa de um banco de dados, uma
sobrevivente que descobriu uma nova felicidade, uma família que foi
restaurada, e a uma comunidade que reunimos. Todas as vítimas
representadas por essas cestas, caixas e sacolas com evidência viáveis merecem
ter voz, e a evidência de DNA pode ser a suas vozes.
Agora eu peço para vocês se colocarem de volta os seus
papéis de juízes da Corte Suprema, porque isso dá o poder a vocês de fazerem
ARMAZENAMENTO DE PERFIS GENÉTICOS DE CONDENADOS POR CRIMES VIOLENTOS OU HEDIONDOS
a diferença na vida de vítimas, não somente de pessoas que passaram por
estupro, mas de outros crimes também com um todo.
Eu queria que vocês entendessem uma coisa. Porque
mesmo quando uma vítima de agressão sexual vê justiça e mesmo quando o
agressor recebe as sentenças máximas, ele ainda não pode devolver à vítima o
que ele (ininteligível). Como você consegue devolver dignidade, sua inocência
e sua paz de espírito? Como você pode remover essas imagens que vêm à sua
cabeça sem aviso? Eu estou aqui para dizer que não se pode fazer isso. Uma
vítima de estupro não consegue ter de volta a sua vida como era
anteriormente, porque ela sempre será mudada. E, agora, terá que viver com
esse conhecimento do mal que ela viveu e que não conhecia antes.
Por justiça, que preço a se pagar. O DNA estruturalmente
liberta. Esse maravilhoso pedaço da ciência quebra as correntes da prisão
emocional sentida por muitas vítimas e se torna uma prisão para aqueles que
violaram cidadãos inocentes. E o DNA não tem a perda de memória, não fica
confuso e não vai ser intimidado. O DNA dá vida e administra a justiça,
oferece paz e validação, liberta o inocente. E eu acredito que é a melhor
ferramenta de prevenção que nós temos no momento. Assim como as
impressões digitais, o DNA não é sobre incriminar, é para ajudar a identificar.
ARMAZENAMENTO DE PERFIS GENÉTICOS DE CONDENADOS POR CRIMES VIOLENTOS OU HEDIONDOS
A identificação pelo DNA realmente revela a verdade. E essa verdade é muitas
vezes incriminadora para o criminoso. E esse sistema deveria fazer sempre
isso: encontrar a verdade. Todas as vítimas de crime merecem esse presente
que eu recebi por meio de um banco de dados: a vida nova. E eu sei que o
DNA pode oferecer esse presente para muitos, que é dar justiça às vítimas.
Estou muito feliz e honrada de representar as vítimas de
estupro e outras vítimas de crime. E eu espero que eu esteja representando a
esperança de uma justiça prometida.
Eu agradeço e estou disposta a responder qualquer
pergunta.
O SENHOR ODIM BRANDÃO (SUBPROCURADOR-
GERAL DA REPÚBLICA) - Nenhuma questão, apenas a minha mais profunda
admiração pela sua coragem pessoal e civil.
A SENHORA DEBBIE SMITH (HEART - HOPE EXISTS
AFTER RAPE TRAUMA) - Muito obrigada.
O SENHOR MINISTRO GILMAR MENDES (RELATOR) -
Todos nós quedamos extremamente, vivamente, impressionados com o
depoimento da senhora Debbie Smith, que demonstrou a importância desse
ARMAZENAMENTO DE PERFIS GENÉTICOS DE CONDENADOS POR CRIMES VIOLENTOS OU HEDIONDOS
trabalho e dessa técnica de investigação para o combate a esses tipos de crimes
e de outros crimes.
Passo a palavra agora ao Doutor Ingo Bastisch,
Bundeskriminalamt (BKA), Agência Federal de Investigação dos Governos da
Alemanha e da Áustria.
O senhor tem quarenta e cinco minutos.
O SENHOR INGO BASTISCH (BUNDESKRIMINALAMT -
BKA, AGÊNCIA FEDERAL DE INVESTIGAÇÃO DOS GOVERNOS DA
ALEMANHA E DA ÁUSTRIA) Transcrição baseada em tradução simultânea -
Senhor Ministro, muito obrigado por me apresentar.
Eu tenho que fazer uma pequena correção. Eu estou falando
apenas em nome do Governo alemão, e não do Governo austríaco, mas
estendo minha palavra aqui a toda a situação europeia.
Gostaria de começar com algumas observações gerais com
relação à análise do DNA na Alemanha e em outros países. O uso da
tecnologia de DNA é parte do nosso trabalho diário, da Polícia e do Sistema
Judicial, e é muito aceito em todos os países europeus. Esse método nos
permite a investigação de crimes e o processo de um número de crimes que,
sem o uso do DNA, não poderiam ser investigados e resolvidos. Também é
ARMAZENAMENTO DE PERFIS GENÉTICOS DE CONDENADOS POR CRIMES VIOLENTOS OU HEDIONDOS
mostrado que o DNA não é só utilizado com a capacidade de resolver crimes,
mas tem sido mostrado nas comunidades que o uso mais extenso do DNA
pode também prevenir crimes.
Então, se vocês olharem para a legislação europeia com
relação aos tipos de crimes que se permitem incluir no banco de dados, a
legislação varia muito de país para país. Isso é parte da história, parte das
Constituições diferentes, que são parte da história, e é parte do processo de
discussão na sociedade, mas nós podemos ver que, nos Estados Unidos e na
Europa, quando a análise de DNA começou, sempre nos crimes de menor
potencial ofensivo, foi uma história bem-sucedida e permitiu a inclusão de
outros tipos de crime, porque não somente os crimes mais sérios fazem parte
do trabalho policial ou do papel do sistema judiciário e do sistema policial.
Até mesmo no nível da União Europeia, foi reconhecido
que o uso da tecnologia de DNA é tão bem-sucedido. Quando a Europa abriu
as suas fronteiras, foi também antecipado que isso não somente leva a pessoas
normais que viajam de um país para o outro mais facilmente, mas o crime
também se move de um país para o outro mais dificilmente. Isso cria a
possibilidade de troca de dados, que é o que eu vou apresentar no final da
minha apresentação.
ARMAZENAMENTO DE PERFIS GENÉTICOS DE CONDENADOS POR CRIMES VIOLENTOS OU HEDIONDOS
Eu gostaria de apresentar a Alemanha e a legislação alemã
como um exemplo do que é similar em muitos outros países europeus, com
algumas diferenças, é claro, mas a Alemanha é o país onde eu trabalho agora.
Eu tenho que dizer que eu não sou um especialista em lei;
eu tenho que lidar com a lei e com a aplicação da lei no meu trabalho. Eu sou
um biólogo, eu trabalho num laboratório desde 1990 e o meu trabalho foi
criado como resultado da implementação do banco de dados de DNA. Eu
trabalho lado a lado com o desenvolvimento do banco de dados de DNA.
Já em 1990, a Suprema Corte determinou que fazer a análise
de DNA somente na parte não codificada do genoma humano é baseado nos
processos admissíveis geralmente e só pode ser usado para procedimentos nos
tribunais. Esse foi um primeiro passo relativo ao uso da tecnologia de DNA.
Cinco anos depois, o Tribunal Constitucional Federal
determinou que essa análise não violava os direitos humanos e, por isso,
estava de acordo com a Constituição, mas era restrita somente à parte não
codificada do genoma. Mas, quando você interfere nos direitos humanos, você
tem que aprovar uma lei, e esse foi um requerimento, isso foi feito pelos
legisladores na ocasião.
ARMAZENAMENTO DE PERFIS GENÉTICOS DE CONDENADOS POR CRIMES VIOLENTOS OU HEDIONDOS
Então, a legislação do DNA faz parte do nosso Código de
Procedimentos Criminais, que foi mudado no ano de 97, e introduziu a análise
do DNA de acordo com o Adendo nº 81, que já coletava amostras de pessoas.
Então, houve uma base legal para a primeira lei para que a análise de DNA
fosse usada apenas para propósitos de identificação, e excluiu o uso de
informação genética codificada, utilizando genes que permitissem a previsão
de qualquer comportamento médico ou aparência.
E uma terceira restrição foi que a análise de DNA só
poderia ser desempenhada quando fosse ordenada por um juiz. Naquela
ocasião, a ordem de juiz era também necessária para amostras de evidências
coletadas nas cenas de crimes. Isso também foi mudado e eu vou mencionar
isso. Então, houve algumas questões organizacionais para salvaguardar os
dados.
Primeiro, nós temos que dizer que o banco de dados de
DNA é considerado uma ferramenta de investigação. E é uma regra geral que
o conhecimento forense e a investigação devem ser separados para que o
conhecimento forense não fosse enviesado, para que o especialista fosse relatar
isso no tribunal e que não fosse mencionado por uma outra pessoa que não
fosse um especialista.
ARMAZENAMENTO DE PERFIS GENÉTICOS DE CONDENADOS POR CRIMES VIOLENTOS OU HEDIONDOS
E, para ser menos enviesado ainda, as amostras que nós
recebemos são pseudonominadas, você não pode dizer o nome, somente as
iniciais e o ano de nascimento.
Nós temos alguns requerimentos, que eu vou mencionar
mais tarde, mas esses requerimentos têm um limite de acordo com o tipo de
crime e não são válidos para as investigações correntes, somente para o uso do
banco de dados para propósitos de investigação, quando você requer o banco
de dados. Então, em qualquer investigação criminal, o uso da evidência de
DNA é geralmente permitido.
Em 1997 e 1998, houve alguns casos de crimes sexuais de
alto perfil, onde jovens garotas, em torno de dez a onze anos de idade - não
tenho certeza -, foram severamente estupradas e mortas. E este caso atraiu
muita atenção pública e da mídia. Houve um desejo geral da mídia e da
população de que agora essa tecnologia de DNA fosse disponibilizada, e por
que o país não fazia mais para prevenir os crimes. Se não havia um criminoso,
o perfil estava lá, e, se isso tivesse sido visto antes, as pessoas poderiam ter
tirado um potencial criminoso das ruas, prevenir um segundo crime.
Então, o que aconteceu foi que o Governo criou uma lei
para determinação de um perfil. E o Ministro do Interior, na cidade onde eu
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moro, implementou esse banco de dados como geral, e o principal foi a ideia
da prevenção ou da resolução de crimes futuros. E isso incluía também a
possibilidade de incluir as amostras de DNA e dos perfis de DNA de
ofensores já previamente condenados. Então, havia um requerimento legal
para a estocagem do perfil de DNA de uma pessoa e, na ocasião, tinha que ser
para um crime de significação substancial. Mas isso, na verdade, era deixado
para que o juiz decidisse qual era o procedimento a ser adotado.
Para estar no banco de dados, você tem que atender a
outros requerimentos, o que significa que o indivíduo que deveria estar no
banco de dados tem algum histórico criminal que permite a perspectiva de que
essa pessoa poderia cometer novos crimes no futuro. Então, isso tem de ser
levado em consideração, mas não é que uma pessoa simplesmente cometa um
crime e tem que haver mais informação sobre essa pessoa, tipo uma avaliação
de risco, e, aí, a pessoa pode ser colocada no banco de dados. Também está
conectado com o histórico policial da pessoa, por exemplo: quando o histórico
policial de uma pessoa é apagado, isso apaga automaticamente o perfil de
DNA da pessoa no nosso banco de dados.
Alguns anos depois, em 2000/2001, houve uma decisão pelo
Tribunal Constitucional Federal, mais uma vez confirmando que a análise do
ARMAZENAMENTO DE PERFIS GENÉTICOS DE CONDENADOS POR CRIMES VIOLENTOS OU HEDIONDOS
DNA era constitucional. Mas eles também disseram, especialmente a respeito
do prognóstico futuro, das possibilidades futuras de um novo crime que, aí, os
juízes precisariam fazer uma avaliação melhor e decidir que as pessoas
deveriam ser incluídas no banco de dados.
Em 2002, a Corte Constitucional Federal também deixou
claro que o perfil de DNA não era um perfil da personalidade. Era apenas...,
porque existe um código onde a individualização tem o conteúdo comparado
com uma impressão digital, e isso evitava qualquer outra questão futura.
Mais tarde, devido ao sucesso, o Código de Crimes Sexuais
foi emendado novamente, e o que aconteceu foi que isso facilitou a inclusão de
todos os times, de todos os tipos de ofensores criminais no banco de dados,
mais uma vez com prognóstico, e incluindo a possibilidade do marcador
sexual e do marcador de gênero, que não eram regulados pela lei anterior.
Em novembro de 2005, uma nova emenda aconteceu, e foi a
inclusão de voluntários no banco de dados, o que tem sido aplicado em alguns
dos nossos estados federais, mas não foi regulamentado por lei. Essa foi uma
área meio cinzenta ainda, onde os legisladores deixaram bem claro que teria
que haver uma permissão escrita, incluída no banco de dados sem a ordem de
um juiz.
ARMAZENAMENTO DE PERFIS GENÉTICOS DE CONDENADOS POR CRIMES VIOLENTOS OU HEDIONDOS
E também o limite do nível do crime foi baixado um
pouquinho, eles disseram: "Ok, não tem que ser um crime de significação
substanciosa, mas pode ser um número maior de pequenos crimes que todos
juntos sejam comparáveis, ou seja, comparável a um crime de significação
mais substanciosa. E, naquela ocasião, houve um estudo da BKA onde
histórico dos ofensores sexuais revelavam ou dos estupradores, revelando que
uma média de pessoas que já tinham um histórico criminal, incluindo cinco
cenários diferentes de crimes. Então, não era só que pessoas que estavam lá e
que foram estupradores num dia, que tinham um histórico criminal
desconhecido da polícia, eram considerados crimes regulares, e, aí, as suas
amostras teriam que ser coletadas também. E, nesta parte da lei, foi incluída a
possibilidade de uma triagem de massa ou uma triagem inteligente.
Isso aí é relativo a um número muito pequeno de crimes
considerados, só os crimes mais violentos, onde o juiz requer ou faz a ordem
de uma análise de DNA, e você tem que restringir o número de pessoas que
são solicitadas a doar amostras, porque esse trabalho seria teoricamente
voluntário e as pessoas têm que dar uma permissão escrita.
De qualquer forma, apesar desses voluntários, essa triagem
de massa tem uma boa taxa de sucesso. Há muitos anos atrás, nós fizemos um
ARMAZENAMENTO DE PERFIS GENÉTICOS DE CONDENADOS POR CRIMES VIOLENTOS OU HEDIONDOS
levantamento e, até onde me lembro, 60% ou 70% dessas triagens levaram ao
criminoso verdadeiro.
O conteúdo do banco de dados que temos no nosso país
inclui as pessoas acusadas, os ofensores já condenados e material de evidência
coletado nas cenas dos crimes. E também temos pessoas desaparecidas, mas
num banco de dados separado, sem conexão com o banco de dados dos
criminosos. O que faz o sucesso aqui é que nós tentamos ter um banco de
dados com criminosos ativos.
Os dados - pelo fato de se referir ao escritório onde
trabalho, o da BKA - seguem as leis aplicadas e são checados, se ainda devem
ser estocados por dez anos, para adultos, e, para crianças, por cinco anos. Isso
não significa que os dados são apagados após esse prazo, mas eles irão checar
se essa pessoa ainda está ativa criminalmente, e se o registro policial está lá,
senão o dado terá que ser apagado.
Agora chegamos à base legal, quando mostramos as seções
diferentes da nossa lei. Para o exame físico, vocês veem em azul que se retira o
material oral, que deve ser coletado pela polícia. Não é necessário um doutor,
na verdade, eles são instruídos sobre como fazer isso, e, aí, podem fazer. Mas,
se as pessoas se negam a dar a amostra, não há nenhum problema; se um juiz
ARMAZENAMENTO DE PERFIS GENÉTICOS DE CONDENADOS POR CRIMES VIOLENTOS OU HEDIONDOS
ordenar, a pessoa é levada a um médico para tirar uma amostra sanguínea
sem a autorização ou sem a permissão escrita.
O que também diz é que, uma vez a amostra seja coletada e
usada, ela tem que ser destruída. Ainda existe a possibilidade de tirar
amostras de vítimas ou de testemunhas, mesmo se elas não derem a
permissão, mas, pelo que sei, isso normalmente não acontece, porque as
vítimas e as testemunhas geralmente são bastante colaboradoras e permitem
fazer isso.
A Seção E-81 determina que a análise genética, que o
material retirado na Seção 81-E possa ser usado para exames moleculares por
duas razões: primeiro, para determinar a descendência e, segundo, para ter
certeza se os traços encontrados na cena do crime são originados dele. E isso
tem que expressar explicitamente que nenhum outro achado deve ser feito.
Isso também é aplicável para traços que o juiz determina serem analisados, e,
aí, não é mais necessário.
Então, a ordem e a condução dos exames genéticos
moleculares, como eu disse antes, com a permissão ou com a autorização de
um juiz, e o especialista tem que ser nomeado publicamente, ou um oficial do
Governo especialista na área, e tem que haver, também foi mencionado, uma
ARMAZENAMENTO DE PERFIS GENÉTICOS DE CONDENADOS POR CRIMES VIOLENTOS OU HEDIONDOS
separação, pelo menos de forma organizacional, entre uma investigação e um
exame. E a amostra seria transferida, como vocês veem aqui, seria o IB 1965,
este foi o ano em que nós recebemos as amostras.
Então, com relação as análises, a análise é para
procedimentos criminais futuros, se a ofensa for um crime violento, ou se for
uma autodeterminação contra uma autodeterminação (ininteligível), ou
ofensas menores, ou os prognósticos que eu mencionei antes, e é requerido
que o material seja destruído por autorização ou por ordem judicial; a mesma
coisa para com os ofensores. E os dados são lidados de acordo com a lei
federal pela polícia e para a avaliação de massa, que eu mencionei.
Então, o conteúdo do nosso banco de dados de DNA, como
você vê, começou em 98, foi a data de início; cresceu agora para um milhão de
perfis, incluindo pouco mais de oitocentos e cinquenta mil pessoas e amostras
de trezentos e cinco mil locais de crimes, cena de crime. No total nós temos
duzentos e quarenta mil combinações, que o doutor mencionou anteriormente,
de investigações auxiliadas. Na sua maioria, uma combinação entre a
evidência coletada na cena do crime e da pessoa que teve a amostra coletada,
mas a polícia tem um outro passo para seguir na investigação, pelo menos tem
que haver uma razão para esse perfil ter sido encontrado na cena do crime.
ARMAZENAMENTO DE PERFIS GENÉTICOS DE CONDENADOS POR CRIMES VIOLENTOS OU HEDIONDOS
Isso significa que cada terceira amostra que nós
recolocamos no banco de dados se combina com uma pessoa. E essa é uma
taxa de sucesso excelente.
Há apenas duas semanas atrás, eu conversei com um colega
que estava investigando um carro com produtos roubados, e eles encontraram,
nas evidências, dentro do carro, seis combinações. Há um banco de dados para
seis ofensores diferentes.
Então, é muito difícil ler isso, eu entendo, mas isso mostra o
uso do DNA em países europeus diferentes. E o que vocês podem ver é que
esses são os países de onde nós temos informação, isso foi tirado de um
levantamento feito pelo King's College, em Londres, onde cada país que
tivesse informação disponível sobre o DNA do suspeito fosse tirada. E você vê
algum X, essas são as informações que não eram explícitas, mas eu concluo
que, do contexto, esses, os ofensores estavam lá, e a pergunta, o sinal de
interrogação é onde não havia informação. Mas, em quase todos os países
europeus, essas amostras são colocadas no banco de dados.
O último país que entrou no grupo foi, após um longo
histórico de discussões legais, a Itália, que agora estava coletando as amostras
de ofensores condenados. Quatro semanas atrás quando encontrei esse colega
ARMAZENAMENTO DE PERFIS GENÉTICOS DE CONDENADOS POR CRIMES VIOLENTOS OU HEDIONDOS
italiano, ele disse: "Nós agora temos quinhentos perfis no nosso banco de
dados." Então, esse foi um dos grandes passos que nós tivemos no nosso
cenário europeu.
Bom, eu mencionei no meu primeiro slide que a troca de
dados na Europa também foi favorecida, e que havia um Tratado de Prüm,
que foi muito famoso no mundo da ciência forense, mas isso ocorreu para
auxiliar a investigação criminal para a troca de dados de DNA e outros dados.
E, assim, o sucesso começou com os primeiros testes entre a Áustria e a
Alemanha, onde nós tivemos mais de mil combinações. O que vocês podem
ver aqui é que a Alemanha tem, como outros países europeus, e mostra o
potencial que o banco de dados dá para a solução de crimes, que é incrível.
Então, eu gostaria de concluir, com esses últimos slides aqui,
com uma visão geral do uso do uso do DNA, da análise de DNA em todo o
mundo. O que vocês vêm aqui nesse slide é um levantamento internacional de
países que estavam usando o DNA para investigações, onde os países que
estão em branco não significam que não fazem, mas significa que eles não
participaram do levantamento. Olhando para o uso do banco de dados, vocês
podem ver esses países que nós vemos, algo que é globalmente aceito, e assim
eu gostaria de finalizar a minha apresentação.
ARMAZENAMENTO DE PERFIS GENÉTICOS DE CONDENADOS POR CRIMES VIOLENTOS OU HEDIONDOS
Agradeço pela oportunidade de falar aqui.
O SENHOR MINISTRO GILMAR MENDES (RELATOR) -
Muito obrigado.
O SENHOR ODIM BRANDÃO (SUBPROCURADOR-
GERAL DA REPÚBLICA) - Inicialmente, eu teria duas perguntas. Eu faço uma
a uma. Gostaria que o senhor nos esclarecesse a mesma questão que fiz ao
colega americano. A Polícia alemã e a austríaca confiam cegamente nos seus
arquivos ou, havendo a comparação e um resultado positivo, ela retoma a
amostra daquele que seria suspeitamente criminoso para fazer nova
comparação?
O SENHOR INGO BASTISCH (BUNDESKRIMINALAMT -
BKA, AGÊNCIA FEDERAL DE INVESTIGAÇÃO DOS GOVERNOS DA
ALEMANHA E DA ÁUSTRIA) Transcrição baseada em tradução simultânea - Eu
posso explicar o nosso procedimento um pouquinho mais.
O que acontece quando nós temos uma combinação no
banco de dados é que, inicialmente, a combinação volta para o laboratório ou
laboratórios que criaram o perfil e eles checam os arquivos e checam se não
houve, por exemplo, uma mistura, uma contaminação, no caminho entre o
ARMAZENAMENTO DE PERFIS GENÉTICOS DE CONDENADOS POR CRIMES VIOLENTOS OU HEDIONDOS
laboratório até o banco de dados. Eles checam se o dado é consistente e se
existe alguma contradição. E, aí, a informação é depois dada à investigação.
A coleta de uma segunda amostra não é obrigatória. Os
advogados podem solicitar, se necessário, mas isso acontece muito raramente.
Existem alguns Estados onde o promotor quer ter isso de forma geral, mas
essa é uma prática que é determinada pelos Estados federativos, não é
determinada pela lei. Mas há a possibilidade de fazer o teste de novo, se for
necessário, mas não é um procedimento regular, é só em caso de exceção.
O SENHOR ODIM BRANDÃO (SUBPROCURADOR-
GERAL DA REPÚBLICA) - A segunda pergunta é ainda mais técnica. Eu vi
que, pela lei alemã, só se armazena a parte não codificada do DNA. O senhor
poderia explicar os motivos disso, qual a diferença entre a parte codificada e a
não codificada e os motivos pelos quais só se armazena essa parte? Isso tem a
ver com a privacidade do cidadão?
O SENHOR INGO BASTISCH (BUNDESKRIMINALAMT -
BKA, AGÊNCIA FEDERAL DE INVESTIGAÇÃO DOS GOVERNOS DA
ALEMANHA E DA ÁUSTRIA) Transcrição baseada em tradução simultânea - Sim,
isso tem a ver com a privacidade do cidadão e tem a ver com uma das
primeiras decisões da nossa Constituição, do nosso Tribunal Constitucional,
ARMAZENAMENTO DE PERFIS GENÉTICOS DE CONDENADOS POR CRIMES VIOLENTOS OU HEDIONDOS
porque eles disseram que é constitucional, se for a parte não codificada. O que
eu não disse é que eles disseram que, se, em tempo futuro, alguém quiser
chegar até a parte codificada, terá que coletar de novo. Eles não permitem isso
normalmente. Mas disseram: "Se você não usar a parte codificada, é
permitido." Então, é claro que a razão é a privacidade.
Se você olhar para os genes, é muito difícil dizer, sob uma
perspectiva biológica, quais os genes que realmente significariam. Um gene
pode sempre significar uma característica física e psicológica, e você tem que
olhar de forma mais cuidadosa sobre o que você pode ou não pode fazer. E o
propósito da lei é a identificação. E, para a identificação, você não precisa
entrar nos genes. É até mesmo não entrar nos genes, porque os genes mostram
mais similaridades entre os indivíduos na parte não codificada.
Muito obrigado!
O SENHOR MINISTRO GILMAR MENDES (RELATOR) -
Muito obrigado!
Agradecemos a ilustrativa exposição do Doutor Ingo
Bastisch, do Bundeskriminalamt, e passamos em seguida a palavra ao Doutor
João Costa Ribeiro Neto, pela Academia Brasileira de Ciências Forenses.
ARMAZENAMENTO DE PERFIS GENÉTICOS DE CONDENADOS POR CRIMES VIOLENTOS OU HEDIONDOS
O SENHOR JOÃO COSTA RIBEIRO NETO (ACADEMIA
BRASILEIRA DE CIÊNCIAS FORENSES) - Excelentíssimo Senhor Ministro-
Relator, Excelentíssimo Senhor Subprocurador-Geral da República, em suma,
a questão fulcral que se coloca é: o banco nacional de perfis genéticos é ou não
constitucional? É constitucional a coleta de DNA de condenados por crimes
violentos ou hediondos? E de investigados? Estou convencido de que a Lei é
constitucional.
Em primeiro lugar, pode-se indagar: a Lei viola o direito de
não produzir prova contra si mesmo? A mim me parece óbvio que não.
Conforme o STF, o direito de não produzir prova contra si mesmo veda
apenas duas coisas: em primeiro lugar, que o acusado seja obrigado a
colaborar por meio de comportamentos ativos à produção de provas; e, em
segundo lugar, meios de extração de provas invasivos. Não se pode exigir, por
exemplo, que o réu participe da reconstituição do crime, porque isso exigiria
uma colaboração ativa do acusado contra seus próprios interesses. Também
não se pode extrair sangue do acusado coercitivamente, já que a extração é
considerada invasiva e diz respeito diretamente à integridade corporal do
acusado.
ARMAZENAMENTO DE PERFIS GENÉTICOS DE CONDENADOS POR CRIMES VIOLENTOS OU HEDIONDOS
Mas a extração de DNA pelo chamado swab bucal não é
nem invasiva, nem demanda comportamento ativo por parte do acusado.
Logo, não fere o direito à não autoincriminação. Da mesma forma que se pode
obrigar um acusado a participar de um reconhecimento de pessoas, pode-se
também obrigar o acusado a permitir que um cotonete seja levemente passado
no céu da sua boca. É só isto que o swab bucal envolve: passar um cotonete no
céu da boca de uma pessoa. Diferentemente da extração de sangue, o cotonete
não penetra no corpo do acusado. A colheita de provas é totalmente
superficial. Com efeito, não se trata de meio invasivo.
Em segundo lugar, pode-se indagar: mas o que acontece,
afinal de contas, se o acusado se recusar a permitir a colheita do material
genético? Os críticos do banco nacional de perfis genéticos afirmam que não se
pode obrigar o acusado a permitir que seu material seja colhido. Afirma-se que
isso seria degradante e que violaria a dignidade da pessoa humana. Esse
argumento, a meu ver, não procede e merece uma análise aprofundada.
Caso o acusado, ou o condenado, se recuse a permitir a
coleta de seu material genético, surgem três alternativas. Primeira alternativa:
colheita compulsória do material genético. A primeira parte do interrogatório
do réu é de resposta obrigatória. Essa primeira parte do interrogatório compõe
ARMAZENAMENTO DE PERFIS GENÉTICOS DE CONDENADOS POR CRIMES VIOLENTOS OU HEDIONDOS
o dever de identificar-se e, portanto, não admite a invocação do direito à não
autoincriminação. Assim como o acusado não pode usar documento falso, sob
pena de responder por crime, também não pode recusar-se a responder às
perguntas do interrogatório referentes à sua identificação civil. O acusado
pode, inclusive, ser conduzido coercitivamente ao interrogatório para
responder a essa primeira parte, conforme os artigos 187, § 1º, e 260, ambos do
CPP. A jurisprudência nunca entendeu que esses dispositivos violariam o
direito ao silêncio. Muito ao contrário, existem diversos precedentes que
admitem a condução coercitiva, seja como cautelar pessoal atípica, seja como
meio de obrigar o condenado a comparecer ao próprio interrogatório.
Nada disso fere direito de o acusado permanecer em
silêncio, porque esse direito não dá ao acusado, conforme entendem, tanto o
STF quanto o STJ, o direito de furtar-se a sua identificação criminal. O
acusado, como nós sabemos, tem direito a ampla defesa, a par de sua defesa
técnica; ele pode oferecer a sua versão dos fatos, direito de audiência; pode
ajudar seus advogados na inquirição de testemunhas, direito à confrontação; e
pode até mesmo recorrer autonomamente do decreto condenatório, tendo
capacidade postulatória autônoma.
ARMAZENAMENTO DE PERFIS GENÉTICOS DE CONDENADOS POR CRIMES VIOLENTOS OU HEDIONDOS
Nenhum desses direitos, entretanto, impede que o acusado
seja obrigado a comparecer a um reconhecimento de pessoas. A jurisprudência
é pacífica ao admitir que o acusado seja coercitivamente enfileirado, junto de
outras pessoas, para que a vítima ou uma testemunha possa indicar se, dentre
os presentes, está aquele que teria cometido o crime. A jurisprudência sempre
entendeu que o reconhecimento do réu é um comportamento passivo. Não
está protegido, pois, pelo direito a não autoincriminação.
O mesmo vale para colheita de DNA. O DNA não é prova
invasiva, ao contrário da seleção forçada de sangue, e não exige
comportamento ativo parte do acusado. Logo, a colheita de material genético é
constitucional, e o acusado pode ser compelido a fornecer seu material
genético. Da mesma forma que sempre se entendeu que o acusado pode ser
obrigado a comparecer a seu reconhecimento pela vítima, deve-se entender
que o acusado pode ter recolhido seu material genético à força. Essa solução,
como não poderia deixar de ser, parece excessiva a muitos. Mas, se é assim,
precisamos alterar a jurisprudência consolidada a décadas nos Tribunais
superiores.
ARMAZENAMENTO DE PERFIS GENÉTICOS DE CONDENADOS POR CRIMES VIOLENTOS OU HEDIONDOS
Existe, entretanto, uma alternativa à colheita forçada, que é
mais amena, é bastante factível e é também compatível com a jurisprudência
do STF.
Passo, então, à segunda alternativa. Obtenção do material
genético por outros meios. Sabe-se que o réu não é obrigado a oferecer
material para exame grafotécnico ou para espectrograma de voz, já que isso
exigiria comportamento ativo da sua parte. Entretanto, diante da recusa do
réu, pode o juiz determinar a busca e apreensão de utensílios pessoais, como
cadernos, escritos e gravações de voz do acusado. Se o acusado não fornece
um documento escrito por si voluntariamente, serão recolhidos documentos
que estejam em sua casa ou mesmo em poder de terceiros. O STF já admitiu
esse tipo de conduta nos casos "Pedrinho" e "Gloria Trevi".
No caso do DNA, o juiz poderia, portanto, determinar a
busca e a apreensão de bens pessoais, como escova de dentes, roupas de cama
e restos orgânicos, a fim de que seja recolhido o perfil genético do condenado,
ou investigado. Essa é uma solução simples e também aceita pela
jurisprudência dominante do STF e do STJ. Além de assegurar a integral
constitucionalidade da Lei nº 12.654, não envolve o uso de força contra o
acusado.
ARMAZENAMENTO DE PERFIS GENÉTICOS DE CONDENADOS POR CRIMES VIOLENTOS OU HEDIONDOS
Passo então à terceira possibilidade, caso o acusado ou o
investigado se recuse. Aplicação de sanção por infração média ou leve dos...,
no caso, apenas dos que cumprem pena com base na Lei de Execuções Penais,
na LEP, e em lei específica.
A competência para legislar sobre Direito Penitenciário é
concorrente. Portanto, além da União, Estados e Municípios também legislam
sobre a matéria. Nada impede, portanto, que sejam editadas leis estaduais
para sancionar administrativamente, por infração média ou leve, o condenado
que se recusa a cumprir a determinação legal de permitir a colheita de seu
material genético. As infrações graves estão previstas nos artigos 50 e 51 da
LEP, mas o próprio artigo 49 da LEP autoriza a legislação local a especificar as
infrações leves e médias, bem assim as respectivas sanções.
Existem, portanto, três alternativas à recusa do acusado em
síntese.
Em primeiro lugar, é possível colher a amostra à força, o
que se compatibiliza com a jurisprudência do STJ e do STF, porque a colheita
não exige comportamento ativo do investigado e não configura prova
invasiva.
ARMAZENAMENTO DE PERFIS GENÉTICOS DE CONDENADOS POR CRIMES VIOLENTOS OU HEDIONDOS
Em segundo lugar, é possível também aceitar que o acusado
não pode ser compelido a fornecer o material, admitindo-se, entretanto, que
sejam apreendidos objetos pessoais seus para a colheita do material genético.
E, com uma terceira hipótese, pode-se permitir que os
Estados fixem que a recusa - no caso de condenado - configurará falta média
ou leve com base em lei específica.
Em terceiro lugar, pode-se indagar: a colheita de material
genético de investigado - este é um problema neste caso - afronta à
Constituição? A resposta é não. No caso do condenado, a colheita do material
genético configura verdadeiro efeito extrapenal genérico da condenação. Se o
Estado pode tomar a liberdade e a propriedade do condenado por crime, se
pode impedi-lo de dirigir e impedi-lo de exercer sua profissão, então, é certo
que o Estado também pode obrigar o condenado a fornecer material genético
em nome de interesses coletivos cogentes. Mas e no caso do investigado? No
caso do investigado, a colheita do material genético, que se submete à reserva
de jurisdição, o famoso Richtervorbehalt do Direito alemão, é uma verdadeira
medida cautelar probatória. Se o juiz, após pedido do MP, pode determinar a
apreensão de escritos do acusado para realizar o futuro exame grafotécnico,
também pode determinar, de maneira circunstanciada e com base na
ARMAZENAMENTO DE PERFIS GENÉTICOS DE CONDENADOS POR CRIMES VIOLENTOS OU HEDIONDOS
gravidade concreta do crime, que seja recolhido o material genético do
acusado, seja na investigação, seja no processo penal.
A essa altura, é comum que os opositores da lei invoquem o
caso "S. and Marper v. the United Kingdom". Neste célebre caso, o Tribunal
Europeu de Direitos Humanos entendeu inconvencional a conduta do Reino
Unido de armazenar o material genético de todo e qualquer acusado que já
tenha sido investigado naquele país. O Tribunal Europeu entendeu que, no
caso do investigado, a colheita de material genético não pode ser
indiscriminada e genérica. Isso porque o investigado, diferentemente do
condenado, não pode ser tratado como culpado. Trata-se de decorrência da
própria regra de tratamento do princípio da presunção de inocência.
Impõe-se notar, todavia, o óbvio: a Lei brasileira não padece
dos vícios da legislação do Reino Unido. No Brasil, aquele que ainda não foi
condenado só poderá ter o material genético recolhido se o juiz, em decisão
adequadamente fundamentada, entender que esse material é importante para
a investigação ou para o processo penal em curso. Não se trata de recolher
material genético de forma indiscriminada. A reserva de jurisdição oferece
uma garantia ao réu, que poderá, inclusive, impugnar a decisão nas instâncias
superiores, se o juiz agir de forma arbitrária.
ARMAZENAMENTO DE PERFIS GENÉTICOS DE CONDENADOS POR CRIMES VIOLENTOS OU HEDIONDOS
Na investigação e no processo penal, a colheita de DNA
ostenta natureza jurídica de verdadeira medida cautelar probatória. Se uma
testemunha está prestes a morrer, admite-se a sua oitiva antecipada, para que
não desapareça o que ela sabe sobre o suposto crime. Ora, desde que
preenchidos os requisitos, o juiz pode determinar a prisão do acusado, pode
antecipar a oitiva de testemunhas e pode outras tantas coisas. Faria sentido
impedir que o juiz autorize o recolhimento de DNA em casos excepcionais
após circunstanciada decisão judicial, fundada em uma necessidade concreta e
passível de impugnação nas instâncias superiores? Parece-me que não.
Também se cita o caso "R. v. R.C.". Neste caso, a Suprema
Corte do Canadá decidiu que a retenção de amostras de DNA de um menor
infrator contraria a Charter of Rights and Freedoms do Canadá. Entendeu-se que
a retenção desses dados estigmatizaria o menor infrator e que não havia
interesse significativo por parte do Estado que o autorizasse a reter dados tão
pessoais como os contidos em uma amostra de DNA. Note-se que o DNA,
nesse caso, era de um menor infrator. No Brasil, a Lei nº 12.654 aplica-se
apenas a adultos e não a menores - até porque cometem ato infracional, e não
crime. No Brasil - é importante chamar também a atenção para isso -, a
prevenção de crimes é um interesse mais do que suficiente para autorizar a
ARMAZENAMENTO DE PERFIS GENÉTICOS DE CONDENADOS POR CRIMES VIOLENTOS OU HEDIONDOS
colheita de DNA. Logo, o argumento da Suprema Corte do Canadá não se
aplica ao caso brasileiro.
O STF já decidiu várias vezes, inspirado no Tribunal
Constitucional Federal Alemão, que a máxima da proporcionalidade inclui o
princípio da proibição de proteção insuficiente, o famoso "Untermassverbot".
Isso significa que cabe ao Estado desincumbir-se do seu dever de proteção, e
esse dever de proteger a população obriga o Estado a instituir mandamentos
de criminalização, a combater o crime e a efetivar todos os meios ao seu
alcance que permitam o esclarecimento de infrações penais, a exoneração de
inocentes acusados injustamente e também a condenação dos culpados.
A Lei nº 12.654 não é apenas constitucional, ela é uma
exigência da própria Constituição. O Estado tem o dever de usar a tecnologia
para punir criminosos e proteger inocentes injustamente acusados.
Gostaria, Excelências, de compartilhar alguns casos
concretos já solucionados, graças ao banco de dados. O banco de dados ainda
está em um estágio de incipiente. A verdade é que há muita dificuldade de se
implementarem as suas disposições, seja pelo ceticismo de operadores do
Direito, seja pela falta de estrutura do Estado, mas já há casos de sucesso.
ARMAZENAMENTO DE PERFIS GENÉTICOS DE CONDENADOS POR CRIMES VIOLENTOS OU HEDIONDOS
Relato, então, dois casos do perito criminal de Polícia Civil do DF, Samuel
Ferreira.
No dia 1º de janeiro de 2007, uma mulher de vinte e quatro
anos, com uma filha de apenas sete meses, foi estuprada e roubada. A mulher
estava sozinha em um ponto de ônibus quando foi abordada por um
desconhecido que utilizava uma faca. Não havia testemunhas. Ainda naquele
ano, a delegacia de polícia responsável pelo caso indicou dois suspeitos do
crime, ambos foram inocentados após exames de DNA. Durante oito anos, não
houve mais suspeitos para o caso. Em 2015, nove anos depois, portanto, foram
coletadas amostras genéticas de setenta condenados que cumpriam pena, em
regime semiaberto no Centro de Progressão Penitenciária, aqui no DF. A partir
da inserção das informações coletadas dos condenados no Banco Nacional,
houve um match, uma coincidência entre o perfil genético masculino e a
amostra coletada na vítima em 2007. Identificou-se, então, o autor dos crimes
de estupro e roubo, depois de nove anos, graças ao Banco Nacional de Perfis
Genéticos. Descobriu-se também que o condenado havia aproveitado a saída
temporária de Natal e Ano Novo de 2006/2007 para cometer os crimes.
O Banco Nacional de Perfis Genéticos permite que a
tecnologia seja utilizada para combater o crime, facilita, por exemplo, a
ARMAZENAMENTO DE PERFIS GENÉTICOS DE CONDENADOS POR CRIMES VIOLENTOS OU HEDIONDOS
coordenação das diferentes polícias brasileiras, e, assim, torna-se mais fácil
identificar criminosos que cometem crimes em diferentes Estados. Dou-lhes
um exemplo. Entre setembro e outubro de 2014, em um intervalo de dezenove
dias apenas, foram praticados três estupros em Brasília. Todos ocorreram entre
seis e meia e sete e meia da manhã. Nos três casos, o estuprador abordava as
vítimas de carro e usava uma faca. Ainda em 2004, as três delegacias que
investigaram esses três diferentes estupros enviaram as respectivas amostras
genéticas colhidas nas vítimas para a perícia. Com base nas amostras, dois
suspeitos deixaram de ser injustamente acusados e foram liberados ainda
naquele ano. A perícia detectou que as três amostras coincidiam entre si, o que
demonstrava que os três crimes foram praticados por um estuprador em série.
Em 2015, mais um suspeito foi inocentado e havia sido injustamente acusado,
e, graças ao DNA, foi liberado. Finalmente, em 2016, a Polícia Civil de Minas
Gerais incluiu, no Banco Nacional, o perfil de um investigado que fora preso
em flagrante em julho de 2015. Percebeu-se, então, que o estuprador preso em
Minas Gerais era também autor dos três estupros praticados em Brasília. Esse
fato foi ainda corroborado pelos modus operandi e pelas características do
acusado. São três estupros que só foram solucionados, porque, no caso
concreto, o juiz de direito de Belo Horizonte entendeu, em decisão
ARMAZENAMENTO DE PERFIS GENÉTICOS DE CONDENADOS POR CRIMES VIOLENTOS OU HEDIONDOS
circunstanciada e fundamentada à luz do caso concreto, que o perfil genético
desse investigado deveria ser recolhido. Em março de 2017, ele foi, inclusive,
transferido para Brasília. O sucesso trazido pelo DNA, que só não é maior,
porque ainda há muita resistência à aplicação da Lei, não se limita ao DF.
Na Paraíba, por exemplo, a equipe liderada pelo Perito
Criminal Sérgio Lucena identificou, com base no Banco Nacional, que um
mesmo criminoso em série praticou, com certeza, mais de cinco estupros e
possivelmente trinta estupros em apenas quatro meses. Se não fosse o DNA,
esses crimes ou jamais teriam sido solucionados, ou teriam sido imputados a
algum inocente.
Em Goiás foram 23 casos de sucesso, em São Paulo, 39 e, no
Paraná, 27. Só na Polícia Federal são 67 casos.
Por outro lado, nunca houve esse tipo de match, de
coincidência, de achado em Estados como Amazonas, Ceará, Pernambuco e
Rio de Janeiro, que têm índices altos de violência e que não se utilizam de
forma adequada, ainda, dessa tecnologia.
O uso de DNA para solucionar crimes não é só permitido
pela Constituição; é imposto por ela. Se existem recursos tecnológicos aptos a
solucionar crimes graves, o Estado tem o dever de usá-los para proteger as
ARMAZENAMENTO DE PERFIS GENÉTICOS DE CONDENADOS POR CRIMES VIOLENTOS OU HEDIONDOS
vítimas e a sociedade em geral. O DNA permitirá que o atraso tecnológico da
investigação no Brasil seja, em parte, remediado. E permitirá também que
inocentes não sejam colocados injustamente na cadeia e que não sejam
processados e condenados.
Declarar inconstitucional a Lei nº 12.654 significaria rever
cem anos de jurisprudência do STF e revogar o Código de Processo Penal. Não
há nada na Lei que seja incompatível com a Constituição Federal. A Lei não
viola o que se tem chamado no exterior de privacidade informativa,
informational privacy, ou mesmo a autodeterminação informativa, a
informationelle Selbstbestimmung, do Direito alemão.
Não é segredo que o Brasil padece de um grave atraso
civilisatório. Fala-se muito mal do Congresso Nacional, sobretudo, na
atualidade.
O SENHOR MINISTRO GILMAR MENDES (RELATOR) -
Pediria que encerrasse.
O SENHOR JOÃO COSTA RIBEIRO NETO (ACADEMIA
BRASILEIRA DE CIÊNCIAS FORENSES) - Concluindo, Excelência.
Mas a Lei nº 12.654, que é impecável tecnicamente, foi fruto
de debate de alto nível tratado no Congresso. A utilização de técnicas como o
ARMAZENAMENTO DE PERFIS GENÉTICOS DE CONDENADOS POR CRIMES VIOLENTOS OU HEDIONDOS
DNA tem o potencial de promover uma revolução na forma como entendemos
a investigação criminal. Todos os holofotes se voltam, portanto, para o
Supremo, que vem, nós vimos, em curtíssimo intervalo de tempo, enfrentando
o ceticismo de vários juízes. Crimes terríveis já foram solucionados graças ao
Banco Nacional de Perfis Genéticos.
Cabe agora, então, ao STF decidir se condena o Brasil ao
anacronismo investigativo e tecnológico. Espera-se que isso não ocorra. O
Congresso deu um passo à frente, espera-se, então, que o STF não dê dois
passos atrás.
Muito obrigado. Fico à disposição para eventuais
perguntas.
O SENHOR MINISTRO GILMAR MENDES (RELATOR) -
Obrigado, Doutor João. Passamos agora a palavra ao Doutor Guilherme
Jacques, Perito Criminal Federal.
O SENHOR GUILHERME JACQUES (PERITO CRIMINAL)
- Bom dia.
Meu primeiro slide traz justamente uma questão levantada
pelo Doutor Subprocurador-Geral da República, que pergunta exatamente
isso, sobre por que são armazenados dados não codificantes. Essa pergunta é
ARMAZENAMENTO DE PERFIS GENÉTICOS DE CONDENADOS POR CRIMES VIOLENTOS OU HEDIONDOS
relevante, e se faz bastante confusão entre esses temas. É por isso, então, que
meu primeiro slide busca exatamente esclarecer, pontuar, definir isso, para
deixar muito claro e para que não haja esse tipo de confusão na Suprema Corte
deste país.
Então, o primeiro conceito é material biológico. Material
biológico é aquilo que é obtido a partir das células. Então, quando eu encosto
aqui nesta mesa eu deixo meu material biológico. Quando eu doo sangue, eu
deixo meu material biológico. Hoje, quando vocês voltarem para casa e
tirarem seus óculos, tirarem suas roupas, vocês vão deixar nelas seu material
biológico que contém as células e contém, além do DNA, outras coisas, contém
gorduras, contém proteínas. Mas é verdade que todo esse material biológico
tem uma molécula muito especial que é o ácido desoxirribonucleico, que
contém muitas informações. São cerca de três bilhões de letras que essa
molécula tem, e ela diz muitas coisas. Versa sobre como se faz um ser humano,
versa sobre como são codificadas as proteínas e assim por diante. Mas
também, no meio desses três bilhões de letras, existem informações que não
estão relacionadas com características físicas ou de saúde. São regiões
altamente variáveis. E, como o Dr. Ingo Bastisch explicou muito bem, elas são
utilizadas em todo o mundo para identificação humana por dois motivos
ARMAZENAMENTO DE PERFIS GENÉTICOS DE CONDENADOS POR CRIMES VIOLENTOS OU HEDIONDOS
principais. O primeiro deles é que essas regiões são variáveis e elas permitem
que nós façamos o discernimento, a identificação de pessoas, e, em segundo
lugar, porque, também por serem muito variáveis, essas regiões não estão
associadas a características físicas ou de saúde.
E por que o Brasil, então, chegou a esse resultado? Por que
o Brasil armazena os perfis genéticos? Por que nós somos melhores e nós
somos inovadores? Não! Porque o Brasil entrou muito tardiamente nisso, o
Brasil entrou nisso em 2012, e nós temos as lições aprendidas em todo o
mundo, como Estados Unidos, como Alemanha, como toda a comunidade
internacional, como as convenções internacionais que regem esse assunto e
falam sobre a proteção de dados genéticos e também a lei brasileira, que está
perfeitamente adequada a esse entendimento. Então, o que existe no Brasil, o
que existe nos Estados Unidos, o que existe na Alemanha, não é um banco de
dados de DNA nem um banco de dados de material biológico, é um banco de
dados de perfis genéticos. É isso que existe na esfera nacional; é isso que é
armazenado no banco de dados.
Cabe citar que, aqui nesta audiência, está presente, na
primeira fileira, o Interpol DNA MEG - Interpol DNA Monitoring Expert Group.
A Dra. Susan Hitchin é chefe da unidade de DNA de Lyon, a sede da Interpol,
ARMAZENAMENTO DE PERFIS GENÉTICOS DE CONDENADOS POR CRIMES VIOLENTOS OU HEDIONDOS
e ela é responsável por essa pesquisa que mostra todos os países do mundo
que utilizam banco de dados de DNA, mas nós temos representantes da África
do Sul, dos Emirados Árabes, do Marrocos, de Cingapura, da Áustria, e todos
procedem da mesma forma. Eu tenho orgulho de fazer parte desse grupo
representando o Brasil.
Nas segunda, terceira e quarta fileiras, estão os
administradores dos bancos de DNA estaduais, porque são eles os
responsáveis pela análise dos casos de estupros, de homicídios, junto a suas
instâncias estaduais, uma vez que a segurança pública, no Brasil, é em grande
parte responsabilidade estadual. E são eles, em última análise, que têm essa
responsabilidade, são eles os guardiões e só submetem ao Banco Nacional de
Perfis Genéticos esses perfis genéticos que não estão associados a nenhuma
característica física ou de saúde.
Quando essa técnica foi inventada, em 1985, ela foi batizada
de DNA fingerprinting - impressão digital de DNA - e a imagem à direita, essa
imagem branca com discos pretos, mostra justamente isto: que se fazia uma
análise visual, assim como se faz com impressão digital. Em vez de ser nas
impressões digitais daqueles círculos, no DNA, quando foi descoberto,
analisavam-se esses padrões de bandas. Então, visualmente, você observa que
ARMAZENAMENTO DE PERFIS GENÉTICOS DE CONDENADOS POR CRIMES VIOLENTOS OU HEDIONDOS
o perfil genético, que a impressão digital de DNA do local de crime, à
esquerda, é exatamente igual ao do suspeito nº 2 nesse caso aqui, que é aquele
perfil do meio.
Mas a tecnologia evoluiu muito, de forma que nós podemos
hoje saber exatamente qual é a região do DNA que foi analisada; saber em que
posição do DNA ela está. Esses marcadores genéticos são avaliados, são
estudados, são estudados não apenas no Brasil, mas em todo o mundo, e se
verifica que eles não estão associados a essas características físicas ou de
saúde. Então, por isso, eles são usados e é por isso que hoje nós podemos
representá-los com esses números e nós podemos facilmente alimentar banco
de dados com esses números.
Para vocês terem uma ideia, aquele perfil genético
15169.32832.2 é o meu perfil genético. Eu o estou expondo aqui publicamente
perante o Supremo, em uma audiência pública, para demonstrar que a
exposição de um perfil genético não me expõe de nenhuma forma, que eu
esteja contrário a isso. Vocês não vão encontrar, aqui nesta minha
apresentação, o número do meu telefone celular nem o meu CPF, que eu não
estou disposto a compartilhar, mas o meu perfil genético eu compartilho sem
problema nenhum, porque ele simplesmente diz quem sou eu; ele
ARMAZENAMENTO DE PERFIS GENÉTICOS DE CONDENADOS POR CRIMES VIOLENTOS OU HEDIONDOS
simplesmente é um identificador, é como se fosse um código de barras que
pertence a mim e não pertence a nenhuma outra pessoa nesta plateia. Seria
mais ou menos como se eu estivesse expondo aqui a minha impressão digital
ou a minha fotografia.
Como que o perfil genético é usado? Simplesmente de
forma comparativa. Compara-se o perfil genético de um vestígio encontrado
no local de crime com o perfil genético do suspeito. Então, nesse exemplo que
está no slide, existem dois suspeitos com perfis genéticos diferentes. O
suspeito nº 1 tem o perfil genético idêntico ao do vestígio do local de crime. O
suspeito nº 2, não, tem um perfil genético diferente. Então, isso me permite
afirmar que o suspeito nº 1 foi quem deixou o vestígio no local de crime, e não
o suspeito nº 2.
Ao mesmo tempo em que se identifica corretamente quem
foi a pessoa, também se mostra que a outra pessoa não deixou. Inclusive, o
primeiro exame de DNA, no mundo, foi usado - num caso criminal -, foi usado
justamente para demonstrar a inocência de um réu confesso. A pessoa
confessou o crime, o DNA dele foi recolhido, levado para o laboratório que
desenvolveu essa técnica, e o Alec Jeffreys, o inventor do exame de DNA,
ARMAZENAMENTO DE PERFIS GENÉTICOS DE CONDENADOS POR CRIMES VIOLENTOS OU HEDIONDOS
voltou para a polícia com o seguinte resultado: não foi ele, não foi ele que
cometeu esse crime. E ele já tinha confessado.
Então, quando existem suspeitos, essa comparação é muito
direta. Essas fotos são fotos da internet, que ilustram, por exemplo, esse
recente assalto que aconteceu, esse mega-assalto que aconteceu no Paraguai, e
diversas pessoas foram presas. Então, é possível fazer uma comparação direta
entre os presos e os locais de crime em questão.
Mas o grande problema é quando não há suspeito. E esse
problema é muito sério para o Brasil. A criminalidade no Brasil está
diretamente associada a isso. Porque vocês sabem, melhor que eu, que oitenta
por cento dos inquéritos de homicídios são arquivados. E eles são arquivados
porque não tem prova, não tem autoria. É simplesmente uma descrição que
um corpo foi encontrado e não se sabe nada sobre aquilo.
Então, a não existência de suspeitos é um problema que... O
DNA só tem uma forma de auxiliar: usando o banco de dados. E os bancos de
dados são utilizados dessa forma, construindo-se um banco de dados de
vestígios, onde são cadastrados perfis genéticos de diferentes locais. A
comparação entre esses locais permite a detecção de criminosos seriais. Mas a
funcionalidade máxima desse banco de dados ocorre quando é alimentado um
ARMAZENAMENTO DE PERFIS GENÉTICOS DE CONDENADOS POR CRIMES VIOLENTOS OU HEDIONDOS
banco de padrões, um banco com as referências, um banco de dados de
pessoas identificadas. E esse, sim, é que objeto dessa discussão.
Para ilustrar o funcionamento de banco de dados, eu
gostaria de trazer um caso que aconteceu aqui, no nosso País, que foi a
primeira vez que o Estado do Rio Grande do Sul usou o Sistema CODIS, esse
sistema que foi desenvolvido pelo FBI, nos anos 90, que o Brasil usa também.
Nós trouxemos para o Brasil e o Instituto Geral de Perícias do Rio Grande do
Sul instalou e inseriu nesse sistema - e aqui eu me baseio em informações
públicas que estão na imprensa -, o que o Estado do Rio Grande do Sul fez foi
alimentar esse banco de dados com cento e oitenta e sete perfis genéticos
relacionados a agressões sexuais. Fez isso. E vejam que esses dados estavam
disponíveis no laboratório. Simplesmente foi colocado num sistema. Uma
pessoa, olhando esses cento e oitenta e sete laudos, teria chegado à mesma
conclusão. Mas é difícil. E o sistema faz isso de forma automatizada.
Identificou que três desses casos tinham exatamente o mesmo perfil genético,
mostrando imediatamente que provavelmente aquelas três agressões têm o
mesmo autor. Mas vejam que, nesse momento, não se sabia nada.
Simplesmente esses três. É o caso número mil seiscentos e dois, caso número
dois mil e não sei quanto, ponto. É só isso que está no Sistema CODIS. Depois
ARMAZENAMENTO DE PERFIS GENÉTICOS DE CONDENADOS POR CRIMES VIOLENTOS OU HEDIONDOS
que o CODIS te diz isso, você tem que voltar para a papelada, voltar para a
solicitação de exame e ver, ali, o que era cada uma dessas ocorrências. O que
os peritos concluíram, imediatamente, foi que essas três ocorrências
aconteceram na mesma região, na região de Lajeado, no interior do Rio
Grande do Sul. Viram que, no primeiro caso, havia um suspeito. Esse suspeito
havia sido excluído pelo exame de DNA. Ou seja, não era compatível o
vestígio com o perfil genético do suspeito. No segundo caso, havia uma
compatibilidade entre o perfil genético do crime e o perfil genético do
suspeito. Só que o suspeito, nesse caso, que se chamava Jackson, ele admitiu
ter mantido relação sexual com essa vítima, de forma que o DNA não trazia
nenhuma informação nova para esse caso. O DNA, ele diz que aquele sêmen
pertence àquela pessoa, mas ele não diz se aquilo foi uma relação consentida
ou não.
No terceiro caso, o suspeito chamava-se Israel e ele,
também, assim como no primeiro caso, havia sido excluído pelo DNA - o
perfil genético dele era diferente. Diante dessa informação, dessa ligação dos
casos, o que se conclui? O perfil genético, nesses três casos, é do Jackson. Fica
claro, fica evidente. Talvez a relação, no segundo caso, tenha sido uma relação
ARMAZENAMENTO DE PERFIS GENÉTICOS DE CONDENADOS POR CRIMES VIOLENTOS OU HEDIONDOS
consentida? Talvez. Mas a hipótese de se tratar de um estuprador serial,
obviamente, ganha bastante relevância neste caso.
Então, o Instituto Geral de Perícias chamou a Polícia Civil,
passou esses resultados a eles e a Polícia Civil, num primeiro momento,
adorou, mas, num segundo momento, voltou dizendo que tinha um problema.
O Israel, que havia sido excluído pelo exame de DNA, foi reconhecido pela
vítima e condenado a treze anos de prisão. Está aqui uma foto do Israel. Como
é possível isso? Como é possível o exame de DNA estar dizendo que não foi
aquela pessoa e a vítima ter reconhecido? Bom, é preciso se dizer que o
reconhecimento equivocado é a principal causa de condenações equivocadas
em todo o mundo. Isso se sabe há muitos anos. Essa foto, por exemplo, que eu
trago aqui, é do Vinícius Romão, um ator da Globo, que passou dezesseis dias
preso e só saiu da prisão porque os amigos e a repercussão na mídia foram
bastante grandes. Sabe-se lá o que teria acontecido com ele se ele não fosse
uma pessoa com bastante suporte, uma pessoa conhecida. Dias depois, a
polícia apresentou como verdadeiro responsável por aquela ocorrência o
senhor Dione Mariano.
Caso mais dramático, muito mais dramático - e aqui,
também, eu me baseio em informações da imprensa -, aconteceu em relação ao
ARMAZENAMENTO DE PERFIS GENÉTICOS DE CONDENADOS POR CRIMES VIOLENTOS OU HEDIONDOS
maníaco do Anchieta. Uma série de crimes sexuais seriais acontecidos nesse
bairro de Belo Horizonte, o bairro do Anchieta e região, que aconteceu,
principalmente, nos anos 90. A partir dos relatos das vítimas, a polícia chegou
a um retrato falado, esse retrato falado que consta no meio da imagem, e, a
partir desse retrato falado, então, a polícia localizou, inicialmente, um porteiro
chamado Paulo Antônio Souza. Esse porteiro foi condenado a 30 anos de
prisão, ficou mais de cinco anos em regime fechado. Só que os crimes
continuaram acontecendo. O que foi feito então? Paulo Antônio Souza foi
solto? Não. A polícia, de posse do mesmo retrato falado, voltou às ruas e
encontrou um artista plástico chamado Eugênio Fiúza, que tinha
características físicas semelhantes, sobrancelhas grossas, bigode, barba. Ele foi
preso e foi condenado também, baseado no mesmo retrato falado.
Recentemente, uma das vítimas estava andando na rua e
olhou para o rosto de um homem e de forma, aí sim, acredita ela, de forma
inequívoca, olhou para o olhar desse homem e bateu aquela certeza nela. E ela
olhava para esse homem, o Pedro Méier. E aí ela teve a convicção de que
aquele sim era o agressor dela e nenhum dos outros dois. Então, vejam, que se
acredita que, no Brasil, uma série de crimes sexuais tenha levado à condenação
de duas pessoas que, hoje, acredita-se que não cometerem esses crimes.
ARMAZENAMENTO DE PERFIS GENÉTICOS DE CONDENADOS POR CRIMES VIOLENTOS OU HEDIONDOS
Infelizmente, esses casos aconteceram numa época em que os exames de DNA
não eram feitos com tanta frequência de forma que, isso é o que se acredita, eu
não tenho como dizer 100%, mas é o que tudo indica.
Em relação à legislação que é necessária para que se decida
quais são as pessoas que serão cadastradas pelo banco de dados de DNA, é
importante, também, que se diga que o projeto legislativo que se tornou
exitoso no Congresso Nacional não foi o primeiro. A primeira proposta data
de 1999 e ela previa, justamente, o cadastramento de condenados por crimes
hediondos. Esse projeto de lei foi arquivado. O projeto de 2003 foi arquivado
também. Apenas o de 2011 é que foi para a frente e acabou sendo aprovado.
Por quê? O que aconteceu no Brasil, entre 99 e 2011, que fez com que os
legisladores mudassem a sua conduta em relação a isso?
E um dos casos mais importantes, que teve essa repercussão
junto ao Congresso Nacional, foi o do Maníaco de Contagem, que envolveu
uma série de vítimas, a primeira delas chamada Adna Feitor Porto, que
desapareceu em 16 de janeiro de 2009 e foi encontrada, alguns dias depois,
sem vida, com marcas de estrangulamento e de violência sexual. A segunda
vítima, Ana Carolina Menezes Assunção, tinha 26 anos, características físicas
semelhantes, cabelo preto, pele clara, foi encontrada sem vida dentro do carro,
ARMAZENAMENTO DE PERFIS GENÉTICOS DE CONDENADOS POR CRIMES VIOLENTOS OU HEDIONDOS
com as mesmas marcas de agressão sexual e de estrangulamento. Mas, no caso
da Ana Carolina, a situação era mais dramática ainda, porque o filho dela, com
poucos meses de idade, foi encontrado com vida. Esse caso provocou uma
grande comoção. Mas continuaram acontecendo e, ao longo de todo o ano de
2009, pelo menos cinco vítimas foram mortas, violentadas e estranguladas pelo
mesmo agressor. Apenas após o quinto, ele foi identificado e preso, e, quando
ele chegou à delegacia, foi rapidamente reconhecido como Marcos Antunes
Trigueiro, uma pessoa que já tinha passagem pela polícia e já tinha sido
condenada por latrocínio, um crime hediondo.
Diante dessa informação - todas as vítimas já morreram -, os
familiares das vítimas se deram conta de que, se aquela lei de 1999 tivesse sido
aprovada, o que teria acontecido? Como acontece nos Estados Unidos, na
Alemanha ou em qualquer dos países civilizados que usam essa tecnologia? A
primeira vítima não teria como se evitar, a Adna, mas, uma vez que o corpo
dela é encontrado, vai para o IML, é feita a perícia, o material biológico vai
para o laboratório de DNA e, confrontando com o banco de dados, identifica-
se Marcos Antunes Trigueiro. Prenda-se.
Com a simples utilização de uma lei, as vidas da Ana
Carolina, da Maria Helena, da Natália e da Edna poderiam ter sido salvas.
ARMAZENAMENTO DE PERFIS GENÉTICOS DE CONDENADOS POR CRIMES VIOLENTOS OU HEDIONDOS
Então vejam que nós estamos tratando, aqui, exatamente do direito à vida. A
aprovação dessa lei estava diretamente relacionada à possibilidade de se
salvar a vida dessas quatro mulheres. Foi por isso que os familiares das
vítimas do maníaco de Contagem foram ao Congresso Nacional, contaram as
suas histórias, histórias tão dramáticas quanto a que a Debbie contou aqui,
histórias que impactam não apenas as vítimas, mas todas as suas famílias. Eu
não teria condições de descrever todos os detalhes nem de transmitir toda a
emoção desses casos, mas essa Audiência Pública aconteceu no Congresso
Nacional e fez com que o Congresso tivesse o compromisso de aprovar essa
lei.
Essa lei então inovou bastante a possibilidade de utilização
de exames de DNA no Brasil, a possibilidade de se criar o Banco Nacional de
Perfis Genéticos, mas, ao se comparar com as leis de outros países, ainda pode
ser considerada uma lei bastante restritiva, bastante, digamos assim, limitada,
não no mal sentido, mas um caráter bastante conciso. Por quê? Porque, para
identificação criminal de suspeitos, de investigados, sempre é necessário um
crivo do Judiciário, e, nos casos dos condenados, são apenas condenados por
crimes hediondos e crimes violentos contra a pessoa. Por exemplo, nos Estados
Unidos, qualquer crime que tenha mais de um ano de prisão leva ao
ARMAZENAMENTO DE PERFIS GENÉTICOS DE CONDENADOS POR CRIMES VIOLENTOS OU HEDIONDOS
cadastramento da pessoa, em todos os Estados americanos, é um consenso.
Então, comparativamente com outros países, a lei brasileira é bastante
limitada.
Mas ela não pode ser olhada exclusivamente. Ela foi
regulamentada por um decreto que criou o Banco Nacional de Perfis
Genéticos, criou a Rede Integrada de Bancos de Perfis Genéticos e criou um
comitê gestor, justamente para entrar nos detalhes técnicos necessários para
que todos esses direitos sejam observados. E esse comitê gestor não apenas é
composto por especialistas, mas por representantes da OAB, da Defensoria
Pública, do Ministério Público, da Comissão Nacional de Ética em Pesquisas.
Então é um comitê multidisciplinar que foi concebido justamente para que
todos os olhares fossem observados, inclusive um representante da Secretaria
de Direitos Humanos.
Esse comitê trabalha por meio de resoluções, o Manual de
Procedimentos desse comitê é totalmente público, e está tudo disponível na
internet, no site do Ministério da Justiça, está aqui o endereço, todas as
resoluções podem ser vistas. E de forma a dar transparência são publicados
relatórios semestrais com todos os dados que compõem essa rede.
ARMAZENAMENTO DE PERFIS GENÉTICOS DE CONDENADOS POR CRIMES VIOLENTOS OU HEDIONDOS
Então, como eu havia dito antes, aqui está uma figura da
rede nacional de Bancos de Perfis Genéticos. O banco nacional apenas recebe
perfis genéticos, e é nos laboratórios, em cada laboratório, que é feito o exame
de DNA. No âmbito nacional, não se faz nenhum exame de DNA, apenas se
recebe o perfil genético destes Estados. Então, em relação a essa discussão que
se traz ao Supremo Tribunal Federal, o que nós temos para dizer é que, sim,
todos esses aspectos são observados, eles estão constantes na nossa lei.
Aqui, tem uma foto do Tony Blair, primeiro ministro
britânico, fornecendo seu material biológico, mostrando que isso não é
nenhuma afronta à dignidade.
A nossa lei, ela traz, ela diz, expressamente, que as
informações não poderão revelar traços somáticos ou comportamentais, ou
seja, não podem estar associadas a nenhuma característica física ou
comportamental das pessoas. E ela ainda coloca como crime qualquer uso
indevido desse banco de dados ou dessas informações. A gente tem que
lembrar também que a identificação criminal é feita rotineiramente pelo
processo de impressão digital e de fotografia e que o DNA é apenas mais uma
forma de identificação.
ARMAZENAMENTO DE PERFIS GENÉTICOS DE CONDENADOS POR CRIMES VIOLENTOS OU HEDIONDOS
Mas, por fim, eu gostaria de salientar o seguinte: não bastar
olhar, nesta questão, apenas o direito à dignidade, privacidade e intimidade. É
necessário também levar-se em consideração o direito à vida, o direito à
segurança e à proteção de inocentes. Não existe pior atentado que um Estado
que se diga democrático e de Direito possa cometer do que a condenação
equivocada de pessoas que são inocentes. Isso, sim, é um problema sério! E se
nós retrocedermos nesse sentido, o que tem gente que não está vendo é que,
no momento em que você desvaloriza a prova pericial, desvaloriza a prova
científica, o que você vai estar valorizando? As confissões, que nós sabemos
que são irmãs de condutas do tipo tortura - tortura física, tortura psicológica -,
ou então favorecendo o reconhecimento, que nós sabemos que é a principal
forma de condenações equivocadas. Nós vamos continuar trabalhando com
retratos falados e duas pessoas sendo condenadas baseadas no mesmo retrato
falado, ou nós vamos avançar nesse sentido? E é preciso que se diga também
que, embora estejamos falando de casos concretos para ilustrar nesta Corte,
isso já foi estudado, essa utilização de banco de dados de DNA é uma
tecnologia extremamente eficiente para o combate à criminalidade.
Uma economista chamada Jennifer Doyle comparou
quanto custa evitar crimes usando essa tecnologia com técnicas tradicionais,
ARMAZENAMENTO DE PERFIS GENÉTICOS DE CONDENADOS POR CRIMES VIOLENTOS OU HEDIONDOS
quanto ao aumento de pena ou quanto ao aumento de policiamento. E ela
demonstrou que é muito mais barato você alimentar banco de dados de perfis
genéticos do que você usar essas outras abordagens. Além disso, ela
demonstrou algo muito impressionante que é o seguinte: se a gente perguntar
para as pessoas, na rua, o que deve ser feito para modificar a criminalidade no
Brasil, todo mundo vai dizer que tem que ser aumentada a pena, tem que
aumentar a pena disso, as pessoas têm que ficar cinquenta anos presas, todo
mundo diz isso, que tem que aumentar a pena. E ela conclui que isso é algo
extremamente ineficiente para o combate à criminalidade. O criminoso, no
momento em que ele vai cometer o crime, ele não está preocupado se ele vai
pegar vinte ou trinta anos de prisão! Não é isso que vai impedi-lo de cometer o
crime. Agora, ele olhar para os lados e ver que todos os vizinhos dele, que
mataram, nenhum deles foi condenado, isso sim é problemático!
Então, o exame de DNA e o banco de dados de DNA têm
um efeito dissuasor, ele tem um efeito de inibir a pessoa de cometer o crime.
No momento em que a pessoa sabe que ela está cadastrada no banco de dados
de DNA, ela vai pensar duas vezes antes de voltar a matar e a estuprar,
porque ela sabe que ela está cadastrada e ela sabe que a probabilidade de ela
ser pega é muito grande.
ARMAZENAMENTO DE PERFIS GENÉTICOS DE CONDENADOS POR CRIMES VIOLENTOS OU HEDIONDOS
Então, vejam que essa tecnologia ela tem uma capacidade
de agir diretamente na impunidade e diretamente no efeito inibitório da
criminalidade. E isso sim é que é uma política criminal correta, adequada. É
tentar agir no efeito inibitório, para que os crimes diminuam no nosso País.
Então, permito-me uma breve observação em relação a algo
que consta nos autos: um pedido de ingresso de amicus curie - mais de um, na
verdade. Existem informações que eu acredito que cabem a mim esclarecer,
porque elas não são informações verídicas. A primeira, eu trago aqui um
exemplo, é a seguinte: não representa qualquer avanço científico na seara da
segurança pública. Bem, acabamos de ver a apresentação do Dr. Douglas
Hares, mostrando mais de 350 mil investigações auxiliadas, nos Estados
Unidos. No Reino Unido, 62,5% de todos os vestígios coletados e confrontados
com o banco são imediatamente identificados. Mais de 578 mil matches já
foram localizados no Reino Unido. A economista Jennifer Doyler mostrou isso
de forma sistemática, mostrando que não apenas é eficiente do ponto de vista
de resultados, mas também do ponto de vista de custo-benefício. É uma
ferramenta extremamente interessante para o combate à criminalidade. E a
gente acabou de escutar aqui o relato da Debbie Smith, em relação ao caso
concreto, o caso dela, onde o criminoso foi encontrado e isso trouxe paz à vida
ARMAZENAMENTO DE PERFIS GENÉTICOS DE CONDENADOS POR CRIMES VIOLENTOS OU HEDIONDOS
dela, uma vez que ela morria de medo de o criminoso voltar, porque ele a
tinha ameaçado nesse sentido. Então dizer que isso não é um avanço para a
segurança pública, eu sinto muito, não corresponde à verdade.
Em segundo lugar, essas afirmações têm dito também que
esse tipo de tecnologia faz remissão ao nefasto positivismo criminológico, que
fala de higienização social, fala de Lombroso, esse tipo de argumento. É
preciso que eu destaque, mais uma vez, que a nossa própria lei já impede o
uso de qualquer região do DNA. Ela prevê a criminalização de qualquer
conduta indevida e mais que isso: Lombroso, criminoso nato, higiene social,
positivismo criminológico, todo esse tipo de pensamento ultrapassado tentava
prever o futuro. Ele tentava olhar para uma pessoa e dizer: "Ah, essa pessoa,
no futuro, de repente, vai cometer um crime". Então, há de haver alguma
estigmatização nesse sentido. Isso obviamente é condenável. Eu perguntei
para os meus colegas do grupo da Interpol se eles já ouviram falar em Cesare
Lombroso, a maioria deles nem ouviu falar em Cesare Lombroso.
O que essa técnica faz é identificar quem deixou vestígio
biológico no local de crime, no passado. No passado: ontem, anteontem,
semana passada. O que vai ser feito é a identificação desse vestígio. É isso.
Não é nenhuma estigmatização, não é nada disso. O que é higiene social é o
ARMAZENAMENTO DE PERFIS GENÉTICOS DE CONDENADOS POR CRIMES VIOLENTOS OU HEDIONDOS
que é feito hoje. É reconhecer equivocadamente uma pessoa, porque ela é
trazida aqui, e se diz: "Ah, olha, esse cara tem passado, antecedentes criminais,
esse cara aqui já foi reconhecido por outras". Isso é higiene social. Higiene
social é o que se faz com a violência no País. Estão os relatórios aí sobre a
violência, mostrando que quem são as vítimas de homicídios e de crimes com
armas de fogo são os pobres, são os negros. O que está acontecendo, no País,
essa criminalidade solta e desenfreada, sim, é higiene social. Agora, a
implantação de uma tecnologia correta vai justamente impedir condenações
equivocadas, vai indicar a autoria correta.
O que essa Suprema Corte, no meu ponto de vista, deveria
fazer nesse cenário é o contrário: é cobrar a aplicação dessa lei. Cobrar. Cobrar
do Executivo, cobrar dos Estados, e, se não for competência dessa Corte, que
se converse com o CNJ, para que se cobre, para que essa lei seja integralmente
cumprida, porque é isso o que o nosso País precisa.
O SENHOR MINISTRO GILMAR MENDES (RELATOR) -
Eu gostaria de agradecer a presença de todos os experts e também da doutora
Debbie Smith e dizer que as informações aqui trazidas foram extremamente
importantes para a análise, tanto por parte das partes envolvidas aqui –
Ministério Público e os recorrentes. É um processo com repercussão geral.
ARMAZENAMENTO DE PERFIS GENÉTICOS DE CONDENADOS POR CRIMES VIOLENTOS OU HEDIONDOS
Portanto, certamente, teremos muitos amici curiae. Portanto, é uma decisão que
terá efeito sobre outros casos que estão em tramitação no Brasil. E, certamente,
todas as contribuições serão de muito valor para a avaliação que o Tribunal
fará, criteriosamente, sobre a questão em julgamento.
Agradecendo a presença de todos e as manifestações aqui
trazidas, declaro encerrados os trabalhos desta audiência para o dia de hoje.
Bom dia a todos. Boa tarde. Obrigado.
DIA 26/05/2017 - MANHÃ
O SENHOR MINISTRO GILMAR MENDES (RELATOR) -
Bom dia a todos!
Declaro abertos os trabalhos do segundo dia desta vigésima
Audiência Pública - Identificação e Armazenamento de Perfis Genéticos de
Condenados por Crimes Hediondos ou Violentos – RE 973.837.
E hoje nós começamos os trabalhos ouvindo a Doutora
Meiga Áurea Mendes Menezes, perita criminal do Instituto Nacional de
Criminalística, que disporá de 40 minutos para sua exposição.
ARMAZENAMENTO DE PERFIS GENÉTICOS DE CONDENADOS POR CRIMES VIOLENTOS OU HEDIONDOS
A SENHORA MEIGA MENESES (PERITA DO INSTITUTO
NACIONAL DE CRIMINALÍSTICA) - Primeiramente, bom dia a todos.
Gostaria de agradecer a oportunidade de participar da audiência pública,
contribuindo para o esclarecimento do funcionamento da Rede Integrada de
Banco de Perfis Genéticos. Meu nome é Meiga Áurea, sou perita criminal
federal. Eu exerço a função de administradora do Banco Nacional de Perfis
Genéticos, e, também, exerço a função de coordenadora do Comitê Gestor da
Rede Integrada de Banco de Perfis Genéticos.
Eu vou dividir a minha exposição em quatro partes, sendo a
primeira a história e criação da Rede, de que nós conhecemos hoje; o
funcionamento atual dela; os principais resultados e a importância da lei no
funcionamento dessa rede.
Os primeiros diplomas legais em relação à Rede em
funcionamento dos bancos de dados do Brasil surgiram com a Lei de 2012, Lei
2.654, e, posteriormente, regulamentada pelo Decreto 7.950/2013. Quando nós
olhamos essas datas, nós temos talvez uma falsa sensação de que isso é uma
inovação recente no país, uma ferramenta que foi inserida há pouco anos no
Brasil. Entretanto, essa história precede alguns anos de esforços e inovações,
ARMAZENAMENTO DE PERFIS GENÉTICOS DE CONDENADOS POR CRIMES VIOLENTOS OU HEDIONDOS
no sistema técnico-científico no país, que trouxe a ferramenta de exame de
DNA para o sistema brasileiro.
Eu não posso me furtar a passar rapidamente pela história
do exame de DNA. Como nós vimos ontem em algumas exposições nesse
sentido, essa tecnologia surge em 1984 no meio acadêmico, onde foi descoberta
a potencialidade de regiões do DNA não codificantes em individualizar
pessoas. O descobridor é o Alec Jeffreys, e essa tecnologia não surgiu em um
ambiente de segurança pública. Ela surge dentro do ambiente científico,
acadêmico.
Dado o impacto dessa descoberta, foi solicitado que ele
usasse pela primeira vez em um caso forense, embora não criminal, de
esclarecimento de um caso de imigração, um caso de vínculo materno, onde se
queria confirmar um vínculo entre mãe e filho. Esse caso acabou sendo tão
impactante que, durante essa época, também tinham ocorrido dois crimes no
Reino Unido e, dada a eficácia do exame no DNA nesse caso de maternidade,
foi pensado, pela primeira vez, se esse exame de DNA não seria útil também
em casos criminais, em casos de identificação por meio do exame de DNA.
Então, em 1983, duas meninas foram mortas no Reino
Unido, estupradas e assassinadas em Leicester, na Inglaterra. É um caso bem
ARMAZENAMENTO DE PERFIS GENÉTICOS DE CONDENADOS POR CRIMES VIOLENTOS OU HEDIONDOS
complexo, eu vou tentar resumir aqui. Naquela época, não existia o exame de
DNA na área de segurança pública, e existia um suspeito cujo sangue - na
época se usava o tipo sanguíneo apenas - era compatível com o sangue
encontrado nas duas cenas de crime, sendo que ele só confessava um dos
crimes, ele não confessava ser o autor dos dois. A polícia tinha evidências de
que se tratava de um mesmo modus operandi, o mesmo autor, e estava confiante
de que tinha encontrado a pessoa certa, sendo que ele não confessava os dois
crimes. Então a polícia chegou a um certo impasse nessa situação. O detetive,
na época - foi bastante reverberada a inovação do exame de DNA no Reino
Unido -, fez contato com o Alec Jeffreys e pediu que ele atuasse nesse caso pela
primeira vez.
Eu trouxe esse caso agora justamente para a gente ver o
simbolismo do primeiro uso criminal do exame de DNA, que é justamente a
capacidade de o DNA inocentar pessoas. Muitas vezes se confunde a
identificação por meio do DNA com incriminação. E, por uma característica
desse caso, fica bastante evidenciado que, na primeira vez que esse exame é
usado no mundo, a tecnologia de comparação do perfil genético desse possível
suspeito com o material que foi encontrado nas duas cenas de crime excluiu,
confirmando o que a polícia já sabia. O que eles evidenciaram foi que os dois
ARMAZENAMENTO DE PERFIS GENÉTICOS DE CONDENADOS POR CRIMES VIOLENTOS OU HEDIONDOS
materiais das duas cenas de crime pertenciam, sim, à mesma pessoa, o que
corroborava a tese da polícia. Não só foi possível inocentar o suspeito, que em
uma outra situação poderia ser imputado pelo menos no crime que ele
confessara, mas também se chegou à autoria do verdadeiro culpado.
Então, mostra um simbolismo muito importante que o
DNA é capaz de inocentar falsos acusados como também identificar os
verdadeiros autores e tirá-los do seio da sociedade, a fim de evitar novas
mortes, novos crimes.
E no Brasil? Nós estamos falando dos anos 80, quase os
anos 90, sendo que o Brasil era muito tímido nessa área. Essa tecnologia acaba
se espalhando, esse caso foi bem conhecido - ontem tivemos a exposição da
Alemanha, do Reino Unido -, e nós vemos que, mais ou menos na época dos
anos 90, essas tecnologias já existiam, inclusive os bancos de DNA já existiam
nesses países. Mas, no Brasil, isso ganha mais força nos anos 2000, ou seja,
praticamente 15 anos depois, com os programas do Ratinho, com o caso
Pedrinho, caso Glória Trevi, onde o próprio STF atuou, autorizando a retirada
do material da placenta para comparação. E esse exame de DNA acaba vindo
com muita força no inconsciente da sociedade, sendo bastante publicitado.
ARMAZENAMENTO DE PERFIS GENÉTICOS DE CONDENADOS POR CRIMES VIOLENTOS OU HEDIONDOS
Nessa época, em 2003 também, em relação à atuação dos
exames de DNA na segurança pública, também existiam muitos poucos
laboratórios. Esse aqui é um retrato da época, no Brasil. Existiam apenas seis
laboratórios oficiais de genética forense em funcionamento, que faziam apenas
casos fechados, o que nós chamamos de casos... O DNA, ele é comparativo,
então, ele precisa de um suspeito. Então, esses laboratórios, eles não tinham
bancos de DNA, em que pese vários países já terem esses bancos; eles não
intercambiavam perfis genéticos entre os Estados, o que impedia o
esclarecimento de crimes interestaduais; e havia uma atuação bem limitada em
relação a essa tecnologia no país. Sendo que os casos de sucesso,
principalmente internacionais, eram tantos e era tão importante, e os
profissionais de segurança pública, os gestores de segurança pública já tinham
consciência disso, que trouxeram, em 2002 e 2003, pela primeira vez, uma
política de implantação de bancos de DNA no país. Então, nós estamos
falando aí de praticamente quinze anos, que o país vem discutindo a aplicação
dessa ferramenta no nosso cotidiano.
O que é um banco de perfis genéticos? Eu comento
bastante, então, eu gostaria de só esclarecer que o banco de perfis genéticos -
nós falamos agora do exame, que é comparativo -, e o banco de perfis
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genéticos nada mais é que um gerenciador de perfis genéticos, que tem uma
busca automatizada desses perfis. Como o meu colega explicou ontem, ao
invés de você sentar e comparar manualmente os perfis, o que seria impossível
pelo ponto de vista inclusive do tempo, existem mecanismos de software e de
buscas automatizadas que permitem essa comparação automática. Então, para
isso, você precisa de dois repositórios. Um, o banco de vestígios, que é o banco
de material coletado em cena de crime, por peritos, e o banco de referência, o
banco de padrões, onde você tem pessoas que estão ali cadastradas para fins
de comparação.
Então, do que o Brasil precisava? A gente estava falando aí
de 2003, já se sabia bastante da eficiência da tecnologia, e o Brasil resolveu
pensar numa política pública, uma política nacional de genética forense em
todos os Estados. E começou-se a investir em três engrenagens principais:
massa crítica, nessa época existiam muito poucos peritos capacitados, peritos
oficiais capacitados nos laboratórios; a infraestrutura, o parque tecnológico
também era muito tímido, muitos Estados sequer tinham laboratórios; e
também na parte legislativa. Não adiantaria investir pesadamente no aumento
da capacidade operativa dos laboratórios, se não se olhasse também a parte
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dos bancos de referência, o banco de padrão com os quais os vestígios
precisam ser comparados.
O primeiro passo começou nos anos 2003, 2004, por meio do
Ministério da Justiça, através da Secretária de Segurança Pública, que, nessa
época, tinha uma aplicação, um projeto de implantação dos bancos e da
expansão desses laboratórios. Então, foram feitos vários convênios, vários
acordos de cooperação com os Estados, com universidades, para a capacitação
dos peritos e para implantação dos laboratórios. Então, isso é o embrião do
que nós conhecemos hoje como a rede integrada de bancos de perfis genéticos.
Então, já mostra um caminho longo, de pelo menos treze anos de trabalho do
Brasil nessa temática.
A primeira padronização, esse grupo, já tinham vários
laboratórios sendo criados e vários peritos reunidos, pensando já no futuro,
como que o Brasil iria estruturar sua rede. O primeiro passo, é importante aqui
esse marco, que a preocupação da perícia, na época, e dos profissionais de
segurança pública já era padronizar a tecnologia no país. Para quê? Para que
no futuro próximo se pudesse intercambiar os perfis, como se fosse uma
mesma linguagem. Não adiantaria cada laboratório ter a sua técnica, a sua
linguagem se o que se pretendia com esses esforços era justamente a criação de
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bancos e o intercâmbio e o compartilhamento de perfis genéticos em todo o
país. Isso aqui é uma foto do site da Senasp, do Ministério da Justiça, está
disponível até hoje a padronização.
Nessa época, o Brasil já tinha uma previsão sobre a
qualificação técnico-científico dos peritos, já tinha uma padronização de como
seriam feitas essas coletas, sobre o uso das regiões não codificantes, sobre as
quais conversarmos bastante ontem - a diferença entre perfil genético e DNA -,
sobre os exames de proficiência, já estimulando que os laboratórios
participassem de exames internacionais como se fossem, basicamente, exames
cegos em que você não sabe o resultado. Então, uma agência que promove
esses exames distribui esses exames sem ninguém saber o resultado, e os
resultados são mandados para ela, que compara se o laboratório tem a
proficiência ou não de acordo com o resultado apresentado. E também já foi
previsto, nessa época, como seriam as apresentações de resultado. Então, todo
um esforço para todos os laboratórios já conversarem e já falarem a mesma
linguagem.
Isso aqui são duas fotos da época, em 2007, que era a Rede
de Genética Forense, era um nome informal que nós tínhamos. E esse é o
grupo de profissionais na época. Aqui tem foto de professores, peritos, oficiais
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que já se reuniam em debates, se aproximavam de atores da persecução penal,
para justamente dizer o seguinte: "Bom, estamos nos estruturando para trazer
o exame de DNA para a segurança pública, para os laboratórios; precisamos
também discutir a importância de bancos para a comparação desses perfis
genéticos".
Em 2009, esse grupo decide usar a tecnologia de banco de
DNA que é oferecida pelo FBI, que é conhecida também como CODIS, por
meio de um letter of agreement entre o FBI e a Polícia Federal. O CODIS hoje é
distribuído gratuitamente. Hoje, 60 países utilizam essa tecnologia que o Brasil
utiliza.
Essas aqui são duas fotos da época. Em 2010, foi o primeiro
treinamento. Especialistas do FBI vieram a Brasília, treinaram já nessa época.
De 6 laboratórios que eu citei anteriormente, em 2003; em 2010, com todos os
esforços de política pública de genética forense, nós já tínhamos 15
laboratórios - praticamente o dobro - e também o laboratório da Polícia
Federal, fazendo o total de 16. Então, 16 peritos oficiais de cada um desses
laboratórios vieram a Brasília e tiveram treinamento para o gerenciamento
desse software conhecido como CODIS.
ARMAZENAMENTO DE PERFIS GENÉTICOS DE CONDENADOS POR CRIMES VIOLENTOS OU HEDIONDOS
Paralelamente, vários esforços citados ontem, sobre o
começo da Lei nº 12.654, eram feitos no Legislativo para a sensibilização de
que era importante não só andar com a parte de vestígio, a parte de local de
crime e o software, mas também na parte legislativa, para poder alimentar os
bancos de referência. Então isso aqui é o marco da lei em 2012.
Eu já contei um pouco da história e dei uma noção maior de
que não foi a partir de 2012 e 2013 que o Brasil começou a investir, começou a
pensar nessa tecnologia, começou a entender como algo importantíssimo.
Vários países utilizam essa tecnologia, como pudemos ver ontem, há muitos
anos. O Brasil, na verdade, começa muito tardiamente a implantação dessa
rede no país.
Então, na segunda parte da apresentação, eu começarei a
falar sobre o funcionamento atual da RIBPG.
A lei prevê que os perfis genéticos serão armazenados em
banco de dados conforme regulamento a ser expedido pelo Poder Executivo. E
foi justamente isso que o Decreto 7.950, que eu já citei anteriormente, dispõe,
regulariza. Ele formaliza a Rede, batiza o nome formal dessa Rede, que
começa, como falei, lá nos anos de 2004, 2005, como Rede Integrada de Bancos
de Perfis Genéticos - RIBPG, ele cria o Banco Nacional de Perfis Genéticos, que
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é um banco vinculado ao Ministério da Justiça, e institui um Comitê Gestor da
RIBPG, para regulação dessa Rede.
Esse é um panorama geral de como é a estrutura, a
arquitetura dessa Rede no Brasil. Existe um Banco Nacional, que é um
repositório de todos os bancos locais, hoje são dezoito laboratórios oficiais de
genética forense e o laboratório da Polícia Federal. São dezoito peritos
criminais também, administradores, em cada um desses bancos abaixo. Existe
um administrador, são bancos que têm autonomia, que têm um gerenciamento
local pelo Estado ou, no caso da Polícia Federal, pela Polícia Federal. E todos
esses perfis genéticos que não são solucionados nesse banco são colocados no
Banco Nacional, para verificar se esses crimes são interestaduais.
Como é que os Estados entram nessa Rede? É só inaugurar
um laboratório? Não. Como eu disse anteriormente, a Rede sempre esteve
muito atenta a requisitos de qualidade, a requisitos técnicos para o
compartilhamento desses perfis. Então são firmados acordos de cooperação
técnica entre os laboratórios interessados, os Estados, a Polícia Federal e o
Ministério da Justiça para a implantação desses novos laboratórios. Este ano
nós temos a perspectiva de entrarem mais três laboratórios: Rondônia,
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Maranhão e Alagoas. Acho que, até o final do ano, estaremos com vinte e dois
laboratórios na Rede.
E o Comitê Gestor? Ontem também falamos um pouco
sobre isso, nesta Audiência. O Comitê Gestor é justamente um colegiado que
foi normatizado no Decreto, mas ele já era uma comissão, um comitê
colegiado, desde a criação da Rede. Nós tínhamos a participação de várias
opiniões, sempre tentamos abrir as discussões para vários parceiros da
segurança pública ou envolvidos, de alguma forma, com essa ferramenta.
Hoje, o Decreto prevê a participação de cinco membros do
Ministério da Justiça, dentre eles alguns gestores da Senasp, peritos criminais,
peritos criminais federais, cinco membros das perícias estaduais, um por
região geográfica, um membro da Secretaria dos Direitos Humanos - já
denotando a preocupação de se dar maior transparência, a maior participação
possível dentro do Comitê, com um olhar direto dos direitos humanos no
gerenciamento desse Comitê -, e também convidados, como a própria OAB, a
Defensoria Pública, o Ministério Público Federal e o Conselho de Ética em
Pesquisa. Então um Comitê bem robusto, com uma participação bastante rica e
multidisciplinar, com vários pontos de vista, justamente para o gerenciamento
desse Banco não passar por nenhuma dúvida de transparência, com intenção
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de isso obedecer toda a constitucionalidade, todo o Estado Democrático que
nós vivemos.
O Decreto também pormenoriza as competências do
Comitê, que são, basicamente, promover a padronização, a definição de
medidas e padrões, medidas de segurança - uma preocupação muito premente
hoje em dia, inclusive em várias outras áreas, sempre a segurança dos dados.
A padronização, como falei anteriormente, é sempre uma preocupação desde
o início, embrionária, da Rede, e a definição de requisitos técnicos de
auditoria, de qualidade desses perfis, para que tudo que esteja dentro do
Banco tenha a maior eficiência possível.
A intenção não é popular o banco de amostras que não
tenham eficiência nenhuma no esclarecimento de crimes, ou vão resultar em
provas muito frágeis. A ideia é justamente fazer o aporte de material oriundo
de cena de crime, dentro de uma legislação, dentro da constitucionalidade,
para não se questionar o que vier de resultado desse banco, posteriormente.
O comitê gestor atua desde de 2013 em reuniões bimensais.
A cada dois anos, seus participantes são renovados, o que dá também um
caráter rotativo, participativo, com oportunidade de várias pessoas
participarem disso. Até hoje, esse comitê publicou seis resoluções - eu vou
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aqui falar rapidamente do tema dessas resoluções, que é o Regimento Interno
dele, o funcionamento, o manual de procedimentos operacionais, que atinge
todos os laboratórios, a coleta compulsória. O comitê pormenoriza o que a lei
prevê, como que isso vai se dar, o formulário de preenchimento, o que vai ser
solicitado do condenado, como vai ser organizada essa coleta que a Lei 12.654
prevê. Os requisitos de realização de auditoria dentro dos bancos, a
recomendação de pessoas desaparecidas, que é uma outra área dos bancos de
DNA, que a gente não vai explorar aqui, mas que é muito utilizada, não só no
Brasil, inclusive a primeira vez que nós usamos foi no caso da Air France, o
caso da tragédia do voo 447, em 2009 - hoje não é o nosso foco, mas vale
registrar que o banco também serve para identificação de pessoas
desaparecidas - e a Resolução nº 6, que também é uma versão do próprio
manual da Resolução nº 1.
Aqui eu vou destacar os temas que esse manual versa só
para mostrar a riqueza e todo o espectro de atuação do manual. Ele fala,
basicamente, dos critérios de admissibilidade, quais são as amostras que
podem entrar, os requisitos técnicos dos laboratórios, a formação dos peritos, a
apresentação de resultados, os tipos de classificação das amostras dentro
banco, as coincidências, os cruzamentos de dados de perfis genéticos e
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também um fluxograma, que é bastante importante aqui ressaltar, que é um
fluxograma que mostra claramente que o que entra no banco hoje só pode ser
oriundo de cena de crime.
Não há dúvida de que todos os laboratórios recolhem
materiais, os vestígios são coletados, de cena de crime e que possam pertencer
aos autores, pela dinâmica da perícia de local. Então, aqui ele mostra muito
claramente, didaticamente, o que entra e o que não entra no banco de perfis
genéticos.
Todas essas padronizações, essas mesmas do manual, são
corroboradas por todos os componentes do comitê, que, como eu citei
anteriormente, tem representante dos direitos humanos, tem representante da
Defensoria, tem representante do Ministério, da OAB, da perícia, de vários
atores. Como eu citei anteriormente, eles corroboram e, se houver alguma
pessoa que seja contra algum texto, alguma estratégia de utilização, isso não é
colocado como uma resolução do comitê. O comitê precisa dos votos de todos
os presentes, de todos os participantes.
Além disso, além de já ter um olhar crítico de toda a
regulação que é feita pelo próprio comitê multidisciplinar, as publicações,
todas, não são lançadas a bel prazer no site, distribuídas para os laboratórios
ARMAZENAMENTO DE PERFIS GENÉTICOS DE CONDENADOS POR CRIMES VIOLENTOS OU HEDIONDOS
sem uma oficialidade; pelo contrário, todas elas passam pela Advocacia-Geral
da União, através da Conjur, do Ministério da Justiça, que faz um parecer
jurídico, olha, à luz da constitucionalidade, do arcabouço jurídico, se há
alguma resolução do comitê que fira o Estado Democrático de Direito e nos
entrega esse parecer. Nós, às vezes, adaptamos uma coisa ou outra. E nós,
depois de aprovados, todas essas resoluções, todos os manuais são publicados
em Diário Oficial da União. Então, a eles é dada a maior publicidade, o maior
filtro possível dentro de um Estado Democrático.
Além disso, para facilitar as buscas e o acesso, em que pese
estarem em Diário Oficial da União, nós colocamos todas essas resoluções no
nosso repositório oficial - qualquer um dos presentes pode acessar agora esse
site no próprio celular. E nós temos um portal do Ministério da Justiça em que
temos um hotsite da RIBPG, da Rede, onde estão todas as resoluções, todos os
manuais e também os nossos relatórios semestrais. A cada seis meses, todos os
dezenove laboratórios param, registram os resultados de seus bancos locais e
consolidam isso tudo em um relatório semestral, que é divulgado também
nesse site.
Com base nesses resultados dos relatórios, eu vou passar à
terceira parte da apresentação. Aqui é um gráfico, bem simples, para mostrar a
ARMAZENAMENTO DE PERFIS GENÉTICOS DE CONDENADOS POR CRIMES VIOLENTOS OU HEDIONDOS
evolução dos perfis genéticos dentro do banco nacional. Esse aqui é um retrato
de todos os perfis genéticos presentes, oriundos de todos os laboratórios do
País, que estão dentro do banco nacional. Nós podemos ver que é uma curva
ascendente, uma reta que está crescendo a cada ano. A cada seis meses, nós
verificamos que ela tem crescido, mas de uma maneira muito tímida ainda.
Nós vimos ontem, aqui, o FBI falar em 12 milhões de perfis genéticos. A
Alemanha, com uma população bem menor que o Brasil, milhões de perfis
genéticos. O Brasil, hoje, em que pese esse ser o último relatório de 2016 -
mesmo nesse de 2017 -, não vai passar de dez mil. Nós estamos muito tímidos
na utilização dessa ferramenta.
Esse aqui é um gráfico, também de pizza, onde cada cor
pertence a um laboratório membro da RIBPG, que mostra, entre parêntesis,
após a sigla do Estado e da Polícia Federal, a quantidade de perfis genéticos
dentro do banco. Percebam que os últimos colocados têm grande dificuldade
no aporte de perfis genéticos, por vários fatores, e ainda não participam
ativamente. Mesmo os que estão participando, ainda participam com números
muito tímidos, perto do número de casos criminais, do impacto de violência
que nós sabemos que existe no País. Era para esse banco estar muito mais
alimentado do que está hoje.
ARMAZENAMENTO DE PERFIS GENÉTICOS DE CONDENADOS POR CRIMES VIOLENTOS OU HEDIONDOS
Em que pese ele estar com oito mil amostras, que é
realmente um número bem baixo, nós já temos resultados bem otimistas, bem
animadores. Aqui é uma tabela de resultados: coincidências confirmadas é o
que a gente chama de match. Então a gente coloca um perfil genético de uma
cena de crime, um outro laboratório coloca o seu perfil genético de uma cena
de crime, e quando o CODIS faz uma busca, ele pode chegar à conclusão de
que esses dois perfis têm a mesma fonte, o que nós chamamos de match, ou
também - o que não é muito comum no caso brasileiro e eu vou explicar o
porquê -, se você tiver um cadastrado criminalmente ou um condenado, esse
vestígio pode dar coincidência com essa pessoa que está cadastrada no banco,
o que também é um match, um ofender hit, que nós chamamos em inglês.
Até hoje, esses relatórios também apontam que mais de 190
matches foram encontrados dentro do banco - e eu vou falar um pouco da
natureza desses matches -, cerca de trezentas investigações auxiliadas, ou seja,
bem grosseiramente explicando, um match, você tem dois perfis no banco.
Duas cenas de crime, tempos diferentes, modi operandi muitas vezes diferentes,
deu match. Dois inquéritos ou dois processos podem estar correndo, ligados a
esses casos. Cada match que é encontrado no banco impacta a duas
investigações e é isso que nós contabilizamos nesse relatório. Até hoje, o Brasil
ARMAZENAMENTO DE PERFIS GENÉTICOS DE CONDENADOS POR CRIMES VIOLENTOS OU HEDIONDOS
conseguiu impactar 350 investigações auxiliadas, com o uso dos bancos
ligados à RIBPG. A maioria desses casos envolve crimes sexuais e patrimônio.
A primeira coincidência confirmada foi já em 2014, logo
depois que nós implantamos a rede, o banco nacional, ligando dois crimes
totalmente diferentes. Havia um crime, um vestígio de cena de crime de 2010,
oriundo de um assalto à um avião pagador, em Caruaru/PE, e os peritos da
Polícia Federal coletaram vestígios desses criminosos. Esses vestígios foram
alimentados dentro do banco da Polícia Federal e ficaram ali. Eles não deram
coincidência com nenhum vestígio ali existente. Em 2014, foi verificada uma
coincidência com outro vestígio oriundo de cena de crime, de 2012, da Polícia
Técnica e Científica de São Paulo, oriundo de um caso de crime à residência,
de crime a patrimônio, de um roubo à residência, onde um dos meliantes
havia deixado um iogurte para trás, onde ele havia bebido, aberto a geladeira,
e deixado ali no local. A Polícia Técnica e Científica coletou aquela evidência,
alimentou no banco, e, em 2014, dois anos depois, no caso de São Paulo,
quatro anos depois, no caso da Polícia Federal, foi dada a coincidência destes
perfis. O que aponta que a mesma pessoa atuou nesse crime, que é totalmente
diferente a dinâmica, o modus operandi - um é assalto a residência, o outro é
assalto a avião pagador - a quase 2.500 km de distância. Esses crimes jamais
ARMAZENAMENTO DE PERFIS GENÉTICOS DE CONDENADOS POR CRIMES VIOLENTOS OU HEDIONDOS
seriam relacionados entre si pelos investigadores. Tanto pelo fato de não
serem ligados pelo modus operandi, mas também pela distância, porque muitos
dos nossos dados de segurança pública não são integrados. Então, a rede
integrada, o nome é bem justo, porque, realmente, ele integra as informações
de todo o Brasil, de todos os participantes.
O primeiro caso no banco nacional envolvendo estupro
também resultou, inclusive, numa matéria no fantástico, foi uma situação bem
parecida com a que eu descrevi, sendo que, desta vez, se trata de crime de
estupro. Dois casos totalmente separados, 2.000 km de distância, um caso de
Belém, um caso de Luziânia, dois casos de estupro, sendo que, no caso de
Luziânia, por sorte, a polícia tinha chegado à autoria. Havia um suspeito
ligado a essa cena de crime, o que beneficiou a investigação de Belém. Caso o
banco não tivesse ligado esses dois crimes, jamais o investigador e a equipe
investigadora de Belém teriam ciência de que o autor se tratava da mesma
pessoa. Para quem quiser, também, eu botei o link aqui do programa que
detalha bastante esse caso no Fantástico.
Ontem, também foi falado do primeiro caso que nós
detectamos, de uma não compatibilidade com uma pessoa que havia sido
condenada por ser responsável por um estupro e esse caso foi bastante
ARMAZENAMENTO DE PERFIS GENÉTICOS DE CONDENADOS POR CRIMES VIOLENTOS OU HEDIONDOS
debatido ontem. Da incongruência de uma pessoa, que o DNA conseguiu
excluir, que os bancos de DNA viram que não estão relacionados a ela, estar
respondendo por um dos crimes, se eu não me engano, até hoje, nesse caso.
Outro dado importante ressaltar aqui, o primeiro caso de
estuprador serial. Nós falamos agora de um crime de dois estupros, mas está
sendo cada vez mais comum vermos, no banco nacional, matches seriais,
matches múltiplos, matches que ligam três, quatro, cinco casos de estupro. Esse
caso aqui também deu origem a um artigo, que eu tirei uma foto, que é um
estuprador serial. Ele estava respondendo por um estupro em Rondônia, mas
ele foi vinculado a mais oito estupros de Mato Grosso e Manaus. Uma atuação,
praticamente, em todo o território nacional. Há uma suspeita, inclusive, que
ele passou por mais de treze estados e que ele tem mais de cinquenta estupros.
Então, ele não só hoje está imputado com o crime de Rondônia, mas mais
crimes que ele cometeu no banco. E, quiçá, se nós continuarmos a alimentar,
ao longo do tempo, esse banco com mais vestígios, podem mais crimes que ele
cometeu no passado serem esclarecidos.
E eu passo à quarta parte agora sobre a importância da Lei
nº 12.654 para a rede, para o funcionamento da rede. Como eu falei
anteriormente, o banco existe por um propósito, que é a comparação
ARMAZENAMENTO DE PERFIS GENÉTICOS DE CONDENADOS POR CRIMES VIOLENTOS OU HEDIONDOS
automática de vestígios de perfis genéticos, de vestígios de cena de crime e de
referências que estão ali aportadas à luz da lei. O nosso retrato hoje é um
banco que ainda está muito vazio e um banco que, basicamente, é de vestígios.
Há muito poucos perfis genéticos oriundos de suspeitos e de condenados, o
que dá uma ajuda entendermos este gráfico. Este gráfico aqui é um
acompanhamento dos matches que existem no banco nacional. Os matches
interestaduais, os matches ou entre os estados, ou entre eles e a Polícia Federal.
Nós podemos ver que a evolução dos bancos mostra um grande número de
matches, coincidências entre crimes contra o patrimônio e crimes sexuais. E a
identificação desses crimes ainda segue em aberto, com a exceção dos crimes
que eu citei aqui, em que existe já uma pessoa suspeita por aquele crime e ele é
correlacionado aos demais. Mas, na realidade brasileira, nós sabemos que a
maioria dos crimes não apresenta suspeitos, então muitos desses crimes
apresentam só o impacto para as investigações, que não chegam a nenhuma
pessoa e não conseguem tirar essa pessoa do seio da sociedade.
Esses casos têm relacionados - eu fiz um levantamento geral
de 2006 a 2016 - crimes antigos e crimes recentes, sendo que vários laboratórios
já foram beneficiados desses resultados. Cerca de 13 laboratórios, de 19, já têm
match, já tem coincidências no banco nacional.
ARMAZENAMENTO DE PERFIS GENÉTICOS DE CONDENADOS POR CRIMES VIOLENTOS OU HEDIONDOS
Aqui também é um retrato do tipo de coincidências que nós
temos no banco nacional. Ontem, o Doutor Ingo, da Alemanha, mostrou um
gráfico bem parecido com esse, onde se mostra justamente o contrário do
Brasil. Mais de 80% de um gráfico-pizza que ele mostrou, ele mostra que o
banco alemão tem matches, coincidências, entre pessoas condenadas ou
indiciadas e identificadas e cenas de crime, o que é o mais natural em um
banco. O Brasil, entretanto, tem um desenho bem diferente. Como eu falei
antes, como nós não estamos usando a lei em sua totalidade, nós temos um
déficit muito grande de identificados. Então, os resultados que estamos
obtendo hoje são apenas entre cenas de crime: patrimônio-patrimônio,
patrimônio-sexual. Os outros são um caso ou outro de crime contra o
patrimônio, que deu coincidência com crime sexual, ou identificado, que são
muito poucos. Isso nada mais é do que uma previsão do que está acontecendo
no país.
A Lei 12.654, se nós olharmos, ela prevê a entrada de perfis
genéticos de condenados pela Lei de Crime Hediondos. Se nós olharmos o
último relatório do DEPEM, que mostra 700 mil presos no sistema carcerário
brasileiro, e os dados da bibliografia de que 10% desses criminosos são
responsáveis por crimes hediondos, só em uma matemática básica, nós
ARMAZENAMENTO DE PERFIS GENÉTICOS DE CONDENADOS POR CRIMES VIOLENTOS OU HEDIONDOS
deveríamos ter hoje, no Brasil, 70 mil presos cadastrados em toda a estrutura
do banco, sendo que, na totalidade, temos hoje tímidos 1.300 perfis oriundos
da coleta da Lei 12.654.
Nós tivemos uma reunião de todos esses administradores
de bancos de dados do Brasil durante o Interforensics. Eu pedi para a
administradora do Pará se ela poderia nos ceder, para apresentar aqui na
audiência, um dado bem otimista da eficácia da coleta de condenados no
sistema carcerário com a comparação com os perfis genéticos que estão
presentes no banco. Então, isso aqui são duas fotos - o crédito é da perita
Elzemar, que nos cedeu esses slides -, isso aqui é uma foto da coleta no
presídio, que mostra também o que falamos ontem sobre a coleta indolor,
coleta rápida, que é prevista na lei, não invasiva, de um swab bucal de 240
presos no Sistema Penitenciário do Pará.
O que eles viram? Dos 248 condenados que eles colocaram
recentemente no banco, eles já viram agora, no mês de abril, duas
coincidências, dois esclarecimentos de casos de estupro, mostrando dois
resultados promissores em relação a esse pequeno aporte de 240 presos, já
esclarecendo 2 casos de estupro, de pessoas reincidentes.
ARMAZENAMENTO DE PERFIS GENÉTICOS DE CONDENADOS POR CRIMES VIOLENTOS OU HEDIONDOS
Eu farei o fechamento com esse slide mostrando o que foi
falado ontem: o Brasil segue com uma grande taxa de impunidade, uma boa
parte dos casos ainda sem suspeito - daí a importância da identificação
criminal -, vários inquéritos que seguem sem prova material, arquivados,
porque não têm uma prova contundente, um grande número de backlogs,
amostras não processadas no banco. Estimam-se hoje 30 mil amostras em mais
de 10 estados, que estão paradas esperando processamento. Há o grande
investimento agora do Ministério da Justiça na expansão do DNA no plano
nacional.
Dado o meu tempo ter expirado, agora eu só vou agradecer
a oportunidade e passar a palavra ao próximo.
Coloco-me à disposição para as perguntas.
O SENHOR ODIM BRANDÃO (SUBPROCURADOR-
GERAL DA REPÚBLICA) - Eu tenho uma pergunta bem técnica. Nós
sabemos, e sempre se alardeia, o grau de certeza dos exames de DNA: 99,999 -
isso na fase laboratorial. Mas há um problema que interfere aí, salvo engano -
e daí eu gostaria do seu esclarecimento, por gentileza -, que é a coleta do
material na cena do crime.
ARMAZENAMENTO DE PERFIS GENÉTICOS DE CONDENADOS POR CRIMES VIOLENTOS OU HEDIONDOS
Daí a minha pergunta: Uma coleta material culposamente
malfeita - com imperícia, imprudência e negligência - pode gerar um resultado
adverso ao réu; ou, inequivocamente, ela sempre gerará um resultado
inconclusivo e, portanto, na melhor das hipóteses, anódino ao réu e nunca
prejudicial a ele?
A SENHORA MEIGA MENESES (PERITA DO INSTITUTO
NACIONAL DE CRIMINALÍSTICA) - Só um esclarecimento: o senhor poderia
dar um exemplo de amostra mal coletada?
O SENHOR ODIM BRANDÃO (SUBPROCURADOR-
GERAL DA REPÚBLICA) - Não sei, misturada com o próprio DNA do coletor,
misturada de terceiros circunstantes alheios à condição do delito e assim por
diante. Obrigado.
A SENHORA MEIGA MENESES (PERITA DO INSTITUTO
NACIONAL DE CRIMINALÍSTICA) - Perfeito. É bem interessante essa
pergunta. Realmente o caso de misturas é bastante debatido dentro da
comunidade de genética forense, não só do Brasil, mas do mundo inteiro.
Ontem, inclusive, eu estava com um pessoal do FBI, e esse é um dos temas
mais debatidos até hoje lá, sobre a exceção e a interpretação de misturas.
ARMAZENAMENTO DE PERFIS GENÉTICOS DE CONDENADOS POR CRIMES VIOLENTOS OU HEDIONDOS
O SENHOR ODIM BRANDÃO (SUBPROCURADOR-
GERAL DA REPÚBLICA) - Se me permite um complemento, não apenas a
mistura. Ontem eu conversava com o Professor Scheithauer, que foi o
especialista da Comunidade Europeia, depois de terminada a Audiência, e ele
me explicou: por exemplo, é praxe no serviço austríaco de coleta de dados,
similar a esse, que cada perito se ocupe em uma mesa com um único caso. Ele
não pode ter sobre sua mesa nada que diga respeito, por exemplo, a um
segundo ou terceiro caso. Ele não acumula papéis, de sorte a trocar perfis -
vamos dizer - em papel, já processada a informação.
Então, a pergunta que faço é nesse aspecto pré-laboratorial
e pós-laboratorial, por assim dizer. Isso é que eu queria saber: se isso pode
gerar danos ao réu ou não.
A SENHORA MEIGA MENESES (PERITA DO INSTITUTO
NACIONAL DE CRIMINALÍSTICA) - Existe todo um cuidado, dada a
sensibilidade. E todos nós temos materiais biológicos; os investigadores, os
outros presentes na cena de crime também. O DNA já nasce com essa
preocupação. Então, eu falei que, em 2005, nós já tínhamos a primeira
padronização de como seria feita a coleta; já se recomendava o uso de luvas.
Não é uma coleta tão simples. Tanto é que, no começo, quando se implanta nas
ARMAZENAMENTO DE PERFIS GENÉTICOS DE CONDENADOS POR CRIMES VIOLENTOS OU HEDIONDOS
cenas de crime, nas equipes locais, as padronizações de DNA, há uma grande
resistência. Porque o DNA detalha bastante como que esse vestígio pode ser
coletado, justamente para evitar ao máximo a contaminação ou a coleta
equivocada.
Dentro dos laboratórios, também há um grande cuidado.
Inclusive, o da Polícia Federal tem uma certificação ISO 17025, justamente
porque há uma grande preocupação de que esses laboratórios tenham a maior
higidez, a maior preocupação possível, os melhores protocolos, os melhores
mecanismos de rastreamento, para que justamente, se houver alguma dúvida,
possa se chegar à origem dela. Mas, grosso modo, o que eu posso explicar para
o senhor é que toda essa coleta, todo esse procedimento - tanto antes do
laboratório, como depois, dentro dele - estão previstos em todos os nossos
protocolos, dentro da rede.
O SENHOR MINISTRO GILMAR MENDES (RELATOR) –
O defensor teria alguma pergunta?
O SENHOR FLÁVIO LELLIS (DEFENSOR PÚBLICO) - Eu
gostaria de insistir nessa questão do ilustre Procurador, em relação ao
momento da coleta. Porque nós temos casos como o de Luques Anderson, que
foi atendido pela equipe médica antes; e posteriormente essa mesma equipe
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foi para a cena do crime e o perfil genético dele é que foi identificado. Então,
dentro do laboratório, é uma coisa; mas nossa preocupação é essa. Se, no
momento da coleta, é possível outros casos, como esse que encontramos
narrados na doutrina.
A SENHORA MEIGA MENESES (PERITA DO INSTITUTO
NACIONAL DE CRIMINALÍSTICA) - Sim. Foi como disse anteriormente, há
um grande esforço, e isso não é desde o surgimento da lei, nem da rede, mas
desde a entrada do exame de DNA. Da segurança pública, há um grande
esforço e cuidado para o treinamento dessas equipes de locais de crime,
justamente para evitar essa coleta com contaminação, equivocada. Mas
lembrando uma coisa também, muitas vezes esses perfis são inseridos no
banco e só vão dar a matches... Por exemplo, uma pessoa que não tenha relação
nenhuma como o crime, dificilmente será imputado alguma coisa a ela se não
cometeu algum crime. O cadastramento, a inserção de perfis genéticos - não
sei se estou certa na sua pergunta, só para esclarecer -, por exemplo, o meu
perfil genético está no banco hoje, o perfil da minha equipe, inclusive para ver
casos de contaminação, está cadastrado. Nós temos todos os cadastros dos
nossos perfis dentro do banco, e, em nenhum momento, isso quer dizer a
minha incriminação dentro banco.
ARMAZENAMENTO DE PERFIS GENÉTICOS DE CONDENADOS POR CRIMES VIOLENTOS OU HEDIONDOS
O SENHOR FLÁVIO LELLIS (DEFENSOR PÚBLICO
FEDERAL) - A senhora ou a sua equipe já participou de alguma coleta de
pessoa presa?
A SENHORA MEIGA MENESES (PERITA DO INSTITUTO
NACIONAL DE CRIMINALÍSTICA) - De pessoa presa? A minha equipe sim.
Hoje, sou destacada pelo Ministro da Justiça para exercer a função de
administradora do Banco Nacional e coordenação do comitê. Mas sou oriunda
do laboratório da Polícia Federal de Brasília, do INC, e nós participamos da
coleta em Catanduvas. E eu, particularmente, não fui, mas dois colegas foram.
O SENHOR FLÁVIO LELLIS (DEFENSOR PÚBLICO
FEDERAL) - Nesse momento da coleta, faz-se um esclarecimento do motivo
daquele ato?
A SENHORA MEIGA MENESES (PERITA DO INSTITUTO
NACIONAL DE CRIMINALÍSTICA) - Sim. Como falei, eu não participei
pessoalmente, mas sim.
O SENHOR FLÁVIO LELLIS (DEFENSOR PÚBLICO
FEDERAL) - Para identificação de perfis genéticos.
A SENHORA MEIGA MENESES (PERITA DO INSTITUTO
NACIONAL DE CRIMINALÍSTICA) - A coleta geralmente, do que sabemos
ARMAZENAMENTO DE PERFIS GENÉTICOS DE CONDENADOS POR CRIMES VIOLENTOS OU HEDIONDOS
dos presídios, inclusive dos Estados, é uma coleta em que a VEP atua - no caso
de Catanduvas, foi o Juiz Sérgio Moro, na época, era Corregedor de
Catanduvas -, já se organiza toda a seleção dos presos e se esclarece isso, para
que possamos entrar lá apenas para coletar.
O SENHOR FLÁVIO LELLIS (DEFENSOR PÚBLICO
FEDERAL) - Estou satisfeito, Excelência.
O SENHOR MINISTRO GILMAR MENDES (RELATOR) -
Obrigada, Doutora.
Ouviremos o Doutor Mauro Mendonça Mariano, Perito
Criminal Federal do Instituto Nacional de Criminalística, que também disporá
de 40 minutos.
O SENHOR MAURO MENDONÇA MAGLIANO (PERITO
CRIMINAL FEDERAL DO INSTITUTO NACIONAL DE CRIMINALÍSTICA) -
Excelentíssimo Senhor Ministro Gilmar Mendes, Excelentíssimo Senhor Odim
Brandão, representante do Ministério Público, Excelentíssimo Senhor Flávio
Lellis, representante da Defensoria Pública. Muito obrigado pelo convite para
participar dessa audiência pública e tentar apresentar o ponto de vista da
criminalística da Polícia Federal e também o ponto de vista da Polícia Federal
ARMAZENAMENTO DE PERFIS GENÉTICOS DE CONDENADOS POR CRIMES VIOLENTOS OU HEDIONDOS
e da Segurança Pública quanto ao aspecto da criação e da formação e do uso
da rede do Banco de Perfis Genéticos.
O Banco de Perfis Genéticos tem uma importância muito
grande por ser mais uma ferramenta de segurança pública. E o Instituto
Nacional de Criminalística é o responsável pela coordenação do trabalho de
perícia criminal de toda a Polícia Federal e tem auxiliado também perícias
estaduais em diversos treinamentos e atuações. A Polícia Federal também tem
sido chamada para trabalhar em casos de grande repercussão, mesmo quando
a atribuição formal é de outras polícias. Então, o Instituto Nacional de
Criminalística tem esse papel e trata de diversas áreas das ciências. A
criminalística é a aplicação de ciência no esclarecimento da justiça, na
produção de justiça, usando a ciência. A área de genética forense nos encanta
muito - aproveito para dizer que não sou especialista em DNA, não é minha
área de formação -, e, como gestor desse sistema nacional de criminalística,
percebo a grande paixão dos profissionais que trabalham com essa questão,
porque são cientistas e eles se movem pelos resultados que conseguem
confirmar pela aplicação da ciência. Então, como os resultados do DNA
produzem dados e produzem informações muito valiosas para a solução de
crimes, esses profissionais se apaixonam por isso. A Genética, não só a
ARMAZENAMENTO DE PERFIS GENÉTICOS DE CONDENADOS POR CRIMES VIOLENTOS OU HEDIONDOS
Genética Forense, é apaixonante, porque nos mostra a nossa origem, explica
uma série de coisas, mas na Genética Forense encontro, como gestor,
profissionais extremamente dedicados e que conferiram ao nosso Instituto a
Certificação ISO 17025, que é uma acreditação internacional do nosso trabalho.
Vamos avançar um pouco para falar de investigação
criminal no aspecto restrito à questão da investigação técnico-científica,
porque um crime, ao ser estudado, ao ser apurado, deixando vestígios, ele
passa necessariamente pela questão da produção de prova material, trazer
ciência para a explicação. Então, na investigação técnico-científica nós temos
essa questão.
Em termos de bancos de dados, nós podemos perceber que
toda a estratégia de Inteligência de segurança pública é feita a partir de bancos
de dados. Por exemplo, se nós tomarmos uma apreensão de cocaína com um
usuário, teremos lá uma análise feita por um laboratório de química, e essa
análise vai determinar o grau de pureza dessa cocaína. Ao determinar esse
grau de pureza, percebe-se que uma parte é cocaína e uma parte não é cocaína,
uma parte são adulterantes. Se nós estudarmos os adulterantes dessa cocaína,
a gente começa a perceber o rastro de formação daquela droga, daquele
produto. Então, a partir de um dado, que é um dado contaminante, nós temos
ARMAZENAMENTO DE PERFIS GENÉTICOS DE CONDENADOS POR CRIMES VIOLENTOS OU HEDIONDOS
uma informação, essa informação gera um conhecimento, que eu posso
perceber quais são os fornecedores de adulterantes, eu posso perceber quais
são as indústrias formais, indústrias legais que fornecem, que estão de alguma
maneira fornecendo material para essa quadrilha de tráfico de drogas, e vamos
ter um conhecimento, por exemplo, de como é que funciona o processo de
lavagem de dinheiro com a droga. Então, a partir de um dado, a gente pode
chegar a um conhecimento, a uma inteligência e é um trabalho integrado. A
Polícia Federal tem feito e trabalhado nisso. Ela não trabalha no dado mais
primário. Ela trabalha com a inteligência e trabalha com a formação de
compreensão dos crimes e atua diretamente na cabeça do crime muitas vezes.
Esses bancos de dados geram estatísticas que são muito
úteis para nós. Nós temos o Sistema Nacional de Estatística e de Segurança
Pública e Justiça Criminal, SINESPJC. Ele mostra algumas ocorrências
policiais. Eu trouxe aqui alguns números para nós refletirmos sobre a
gravidade da situação do país.
Nós temos, entre 2011 e 2014, 185 mil casos de homicídio
doloso, que gera um número mais ou menos de 50 mil homicídios em média
por ano. Latrocínio, 6.700; lesão corporal seguida de morte, 4 mil; estupros, 181
ARMAZENAMENTO DE PERFIS GENÉTICOS DE CONDENADOS POR CRIMES VIOLENTOS OU HEDIONDOS
mil nos últimos cinco anos; roubo de veículos, 800 mil; furto de veículos, 900
mil, gerando 2 milhões de ocorrências de crimes.
Esses são números de apenas seis tipos de crimes. Temos
todo o resto do Código Penal não computado. Não temos informações. Se nós
pensarmos isso por hora, porque em quatro anos fica meio fluido, nós, desde
que começou essa Audiência Pública, já tivemos cinco estupros, cinco casos os
que a Debbie Smith mostrou ontem aqui nesta Audiência. Cinco casos, cinco
histórias, cinco vidas modificadas. Então, nós temos aí essa situação: a cada
doze minutos, um estupro ocorre no Brasil - registrado, porque um dos crimes
mais subnotificados é o estupro por toda a condição que ocorre pós-situação.
Muitas mulheres preferem não falar. Nós também, acostumados que estamos
com o furto de veículo, muitos de nós não vamos mais registrar uma
ocorrência numa delegacia. Portanto, estes números não são muito válidos
como números absolutos. Eles são amostras da verdade. Então, não há dados
sistematizados a nível nacional para todos os demais tipos de crime.
Por exemplo, o tráfico de drogas, que não está naquela lista,
e é o maior participante das prisões, responde hoje por 32% de todas as prisões
no país segundo levantamento independente feito pelo G1, porque, como não
tem dado, eles correram atrás desses dados, e temos, então, 182 mil pessoas
ARMAZENAMENTO DE PERFIS GENÉTICOS DE CONDENADOS POR CRIMES VIOLENTOS OU HEDIONDOS
presas por tráfico de drogas, mais de um terço da população carcerária.
Portanto, temos, sim, muitos crimes que podem ser auxiliados pelas técnicas
de investigação criminal e pela produção de prova técnico-científica. Então, é
muito importante que nós lancemos mão e utilizemos todas as provas
científicas, tudo o que a ciência pode nos oferecer para a solução desses
crimes, porque o País não pode conviver com tantos crimes. A questão
criminal é tão disseminada no nosso País que a própria Corte Constitucional,
esta Casa, tem-se ocupado, muito mais do que deveria, com a solução de
crimes. E nós, na perícia, contribuindo com o esclarecimento desses crimes em
tudo aquilo para o qual fomos requisitados.
Um fato importante, que também não temos boas
estatísticas, é a questão da reincidência. Isso é muito importante para a
questão dos bancos de dados em geral e, particularmente, para o banco de
dados dos perfis genéticos.
A resistência criminal é um conceito, há vários conceitos e,
por isso, não temos números muito bons. A resistência criminal é quando mais
de um crime, uma pessoa comete mais de um crime e tem a condenação em,
pelo menos, dois deles, independente do prazo legal de cinco anos, que se fala
em reincidência.
ARMAZENAMENTO DE PERFIS GENÉTICOS DE CONDENADOS POR CRIMES VIOLENTOS OU HEDIONDOS
A reincidência penitenciária é o reingresso da pessoa no
sistema penitenciário para cumprir pena ou medida de segurança, ou seja,
alguém que é preso provisoriamente vai a um presídio e volta, ele é registrado
como reincidente, mesmo que não haja prova suficiente para condená-lo. A
reincidência penal é quando há uma nova condenação, mas não
necessariamente para o cumprimento de pena de prisão. Ele é condenado
novamente pelo mesmo crime, mas, por algum atenuante, ele não vai a prisão
- se for muito idoso, ou alguma coisa nesse sentido. E a reincidência
penitenciária, considerando presos condenados provisórios com passagem
anterior pelo sistema prisional.
A partir daí, desses diversos conceitos, o CNJ encomendou
uma pesquisa ao IPEA, Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada, e, nessa
pesquisa, mostrou que 24,4% das pessoas que cometem crimes reincidem
naqueles crimes. Isso é o número da resistência criminal, ou seja, com
condenação.
Considerando o número de ocorrências policiais com
prisão, mas não necessariamente com condenação, esse número pode chegar a
70%, que é a reincidência penitenciária. Então, são números que nos convidam
a pensar: "Bom, se uma pessoa comete um crime e tem 70% de chances de ela
ARMAZENAMENTO DE PERFIS GENÉTICOS DE CONDENADOS POR CRIMES VIOLENTOS OU HEDIONDOS
voltar a cometê-lo, é bom eu monitorar essa pessoa, é bom eu ter atenção a
isso, porque a impunidade é um grande problema." Nos lugares, onde a
certeza da punição é grande, as pessoas cometem menos crimes. No Brasil, a
impunidade é um fato que incomoda muito o País, e a gente vê, nas próprias
operações policiais recentes, que as pessoas continuam cometendo crimes, os
mesmos crimes dos quais já estão sendo investigadas.
Então, a reincidência é um ponto importante para que nós
pensemos sobre a manutenção, a criação e a utilização de bancos de dados,
porque já tem o perfil da pessoa, já tem os dados daquela pessoa e, se ela
reincidir, e ela tende a reincidir - é o que mostram os dados, em alguns crimes
particularmente -, se ela tende a reincidir, fica mais fácil de nós apurarmos os
crimes e reduzirmos a impunidade.
A reincidência não será conhecida se ela não for
investigada, ou seja, um traficante de drogas, um jovem, uma criança que, aos
12 anos, começa a traficar drogas, ele faz isso hoje, faz isso amanhã, faz isso no
mês que vem, daqui a dois anos, até o dia em que ela vai presa. Então, o crime
por tráfico de drogas, ela não fez por um estado de necessidade daquele dia,
passa a ser uma prática, passa a ser um meio de vida. Então, nós não
consideramos reincidência quando a pessoa comete aquilo reiteradamente.
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Para um contrabandista, por exemplo, é o meio de vida dele. A reincidência
tem de ser vista num ponto de vista mais amplo, embora existam os conceitos
de crime continuado e crimes permanentes, eu não saberia dizer sobre eles,
mas é preciso investigar essa reincidência.
A falta de provas materiais contribui para que ocorrências
policiais não se convertam em condenações. Como nós não apuramos
apropriadamente os crimes - a perita, amiga, apresentou um dado, 6% dos
homicídios são investigados; e 80% desses 6% são arquivados, salvo engano -,
nós temos muito pouco, uma amostragem muito baixa de quem são os
criminosos e da falta de reincidência. E a falta de prova material, de pesquisa
do local de crime, de investigação, de coleta de dados e informações, e registro
disso em banco de dados, compromete ainda mais essa questão. Então, a
perícia criminal pode identificar a reincidência mesmo não ocorrendo a prisão,
ou mesmo não ocorrendo a condenação.
Naqueles quatro tipos de reincidência, aquelas que não
foram nunca investigadas, ou cadastradas, podem ser percebidas e registradas
pela perícia criminal, por quê? Porque as pessoas que cometem crime deixam
vestígios. Todo contato deixa vestígio, deixa marcas. E a perícia criminal pode
registrar reincidências de uma pessoa que nunca foi lembrada, nunca foi
ARMAZENAMENTO DE PERFIS GENÉTICOS DE CONDENADOS POR CRIMES VIOLENTOS OU HEDIONDOS
acionada pelo sistema de justiça criminal. Então, essa é a importância da
perícia na produção de prova e na redução da impunidade.
A perícia aplica método científico para demonstrar a
materialidade do crime, visando a evitar controvérsia sobre a verdade dos
fatos. Tudo o que a Justiça não quer é ter controvérsia. Ela quer esclarecer, ela
quer resolver uma controvérsia. Então, a perícia traz, com o método científico,
demonstrações da materialidade do crime, tentando evitar a controvérsia. E
contribui também na identificação biométrica de autoria. Por que eu preciso
da tipicidade, da autoria e da materialidade. A perícia pode contribuir com a
materialidade, sim, sempre. E a autoria em muitos casos. Então, quando nós
identificamos biometricamente o autor, mesmo que não tenha ainda nome -
porque a identificação, nós identificamos por nome, por imagem, por várias
maneiras -, mas ainda que não tenhamos o nome, temos um autor registrado
num banco de dados de perfis genéticos, por exemplo. E essa identificação tem
que ser inequívoca, sob pena de se condenar inocentes ou trazer insegurança à
Justiça. Nós já vimos alguns exemplos aqui, nessa Audiência Pública.
Bom, e como é que a perícia, então, mede ou usa a
biometria? Nós temos pelo menos uns seis tipos de biometria, que nós
utilizamos para chegar à autoria de crimes. A primeira feição que nos
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identifica é a nossa face. Em geral, nos conhecemos pela face que temos.
Podemos nos conhecer também e registrar isso em impressão digital. Podemos
ter isso na antropologia. Ou seja, mesmo depois de falecidos, nós ainda temos
uma identidade a ser recuperada. Em muitos casos, é assim que se faz. A
assinatura também é uma outra forma de nós nos identificarmos. O nosso
perfil de voz também é uma forma de identificar. E o DNA a forma mais
precisa, sem dúvida, de identificação de pessoas.
E como é que a gente utiliza isso na solução de casos
criminais? Nós, de alguma maneira, registramos e deixamos guardadas as
nossas identificações. Ao chegar aqui, até chegar aqui, a esta Casa, esta sessão,
eu devo ter sido filmado diversas vezes, porque todo o complexo do Supremo
Tribunal Federal é filmado naturalmente, por questão de segurança. Então,
minha face foi registrada em banco de dados diversas vezes. Ao tocar esse
púlpito, deixo aqui minha impressão digital e deixo também DNA,
especialmente se eu arrastar minha mão aqui.
A questão da minha voz também pode ser gravada. E se
alguém contestar se a voz é minha ou não, há parâmetros matemáticos para
determinar se há alguém com a voz igual a minha. Ou se essa voz é realmente
minha, se eu tiver o padrão de comparação. A assinatura também. Há exames
ARMAZENAMENTO DE PERFIS GENÉTICOS DE CONDENADOS POR CRIMES VIOLENTOS OU HEDIONDOS
grafoscópicos que levam à comparação de pessoas. A gente registra a nossa
assinatura em diversas situações. Nossos celulares, hoje em dia, nos
reconhecem pelo rosto, pela íris, nos reconhece pela impressão digital. Então,
estamos guardando identificações em diversas situações. E a perícia usa - no
esclarecimento de um crime -, todos os meios disponíveis para chegar à
autoria, porque o contato deixa marca, deixa vestígios.
Os dados que são analisados não são dados que falam sobre
nós. Eu poderia dizer aos senhores, não é verdade, mas poderia dizer que
essas marcas, essas minúcias papiloscópicas são minhas. Eu não conheço as
minhas minúcias papiloscópicas. Eu não sei. Se eu olhar para as fotos delas, eu
não reconheço. Não é algo que me identifique diretamente. Só a comparação
desse dado com o banco de dados é que é possível identificar.
Então, muitas vezes, nós temos a preocupação da
privacidade num mundo em que é todo filmado, todo registrado, cheio de
logs, de informações e, às vezes, não percebemos que a nossa informação está
circulando. Eu não sou reconhecido, não há nenhuma privacidade na minha
impressão digital, porque nem eu mesmo a conheço. Eu não conheço o meu
perfil genético. Aquele DNA profile, aquele perfil genético, ele poderia ser
meu, eu não conheço meu perfil genético. E se eu olhar para ele duas vezes
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seguidas, não vou reconhece-lo. Então, não há privacidade nisso. Mas
deixamos nossas marcas em diversas situações.
Então, o que a perícia analisa são as minúcias
papiloscópicas de impressão digital. Quantos pontos de encontro, quantas
deltas, quantas curvas. É isso que a gente está contando. Se houver dezessete
coincidências, pelo menos, há uma garantia bastante forte de que é a mesma
pessoa que tem a mesma marca digital. E o perfil genético é muito mais
preciso que isso, chegando acima de noventa e nove por cento de precisão,
como os senhores já viram.
Então, o que o perito faz é tentar tirar marcas. Num punho
de uma arma, por exemplo, eu vou tirar material genético aqui; aqui eu vou
coletar impressão digital; e vão ser analisados os dados que não são
efetivamente identificadores das pessoas, apenas em bancos de dados.
Bom, já deve ter sido comentado o caso Pedrinho, muito
famoso em Brasília e também no Brasil, que, em 2003, tivemos aí a situação de
que uma pessoa subtraiu um menor, no hospital - e não era a primeira vez, era
reincidente também -, então, ela subtraiu um menor em 1979 e em 1986. O
Pedrinho foi de 1986. E, a partir de uma suspeita, de uma investigação
genética, a perícia conseguiu demonstrar que aquela pessoa que a ré dizia ser
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sua filha, não era sua filha; que ela também havia subtraído a filha sobre a qual
não tinha nenhuma suspeita. Mas que o Pedrinho também não era filho dela,
foi de fato subtraído. Então, a perícia contribui na investigação criminal; e os
resultados de exame de DNA são extremamente esclarecedores e
contundentes. Não é nada perfeito; não há nenhum sistema perfeito, mas é
muito próximo; é de uma precisão muito grande essa questão.
Eu queria até fazer um aparte, tentando complementar a
resposta da Meiga em relação aos locais de crime. Quando um perito criminal
se aproxima de um local de crime, como princípio, nós desejamos que esse
local de crime esteja isolado; que a autoridade policial isole essa área para que
ninguém mais tenha contato com a cena do crime e não deixe outras marcas,
porque todo contato deixa marcar. Claro que, eventualmente, uma equipe
socorrista pode ter tido contato com a vítima; um policial pode ter tentado
verificar se havia vida ou não; e pode ter tido contato, sim, com a vítima,
deixando ali marcas, deixando ali DNA.
O que acontece quanto à pergunta específica do senhor, é
claro que mais marcas na cena do crime podem confundir, podem colocar
mais pessoas naquela cena do crime. O que nós percebemos, com toda a
biometria que nós podemos medir, é quem esteve próximo ou quem teve
ARMAZENAMENTO DE PERFIS GENÉTICOS DE CONDENADOS POR CRIMES VIOLENTOS OU HEDIONDOS
contato com a cena do crime. A presença de mais DNA só pode beneficiar o
réu, nunca o comprometer mais, porque ele vai ter mais pessoas suspeitas.
Então, ele sempre vai beneficiar o réu, porque tem mais suspeitos.
Uma vez que o perito coletou adequadamente o vestígio
certo, ele provavelmente vai ter contato; ele vai ter extraído ali o DNA do
suspeito. Mas se ele coletar outro DNA, ele está, na verdade, salvaguardando
o autor do crime e nunca prejudicando ele. O que há é, por exemplo, a suspeita
de que pode haver o material genético do socorrista. E havendo assim,
naturalmente que... bom, se é um socorrista, que tem o registro de onde estava
a ambulância em cada data e hora, não é possível ele tenha estado antes ali
para matar a pessoa. Os nossos peritos, todos eles que lidam com DNA - e
muitos daqueles que lidam com local de crime - eles todos têm o perfil
genético no bando de dados para eventuais exclusões, ou seja, olha: apareceu
aqui o dado de um perito criminal, que, no caso de Roraima, o perito nunca foi
a Roraima e apareceu o DNA dele. Pode haver uma contaminação e, na
possibilidade remota de haver isso, já existe o registro do perfil genético,
inclusive das pessoas que limpam o laboratório, todas as pessoas têm perfil
genético cadastrados no banco, deve ter sido falado já, senão o perito Ronaldo
vai comentar também.
ARMAZENAMENTO DE PERFIS GENÉTICOS DE CONDENADOS POR CRIMES VIOLENTOS OU HEDIONDOS
Então, na solução de crimes, o registro da identidade de
cada um de nós, ou de cada suspeito, é feito por diversas formas de biometria.
Hoje, a impressão digital é a mais conhecida, mais utilizada. Os bancos de
dados, nós temos então, na segurança pública, acho que a Meiga já mostrou
esse quadro, e eu queria destacar, então, a participação da Polícia Federal, por
quem eu respondo na perícia criminal: em 63 coincidências confirmadas, nós
auxiliamos 143 investigações, ou seja, mais de duas investigações, em média,
para cada amostra confirmada. Isso relaciona crimes, como a perita Meiga
comentou, relaciona crimes absolutamente improváveis de estarem
relacionados.
Num cenário absolutamente subnotificado de dois milhões
de crimes nos últimos cinco anos, de um estupro a cada doze minutos, esse
tipo de coisa não tem condição de nós, a Polícia Federal e as polícias estaduais
e as perícias estaduais apurarem tudo. É preciso investir na redução da
impunidade; é preciso investir em meios para desincentivar quem comete
crimes ou tem o crime como meio de vida. Isso é muito importante.
Então, as coincidências vinculam diferentes crimes,
relacionando seus autores e viabilizando a adequada responsabilização.
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Nós já temos então, na segurança pública, diversos bancos
de dados de biometria; e temos então vinte e sete sistemas diferentes de
registro geral de identidade onde tem fotografias e impressões digitais. Isso
tudo vai ser reunido, agora, no projeto que o Tribunal Superior Eleitoral está
coordenando da identificação civil nacional, na Lei 13.444, promulgada na
semana passada, e cuja biometria vai ser definida por um conselho.
O AFIS, sistema de impressões digitais e cadastro de
eleitores, também está sendo usado; o Sinpa, sistema de passaporte com
fotografias; tudo isso está sendo usado. E nós temos outros sistemas, por
exemplo, o Sistema de Movimentação Internacional, a Polícia Federal
monitora, quem passa o passaporte fica registrado no sistema. Então a
biometria é registrada em diversos sistemas e é com ela que fazemos a
investigação criminal. E, sempre que há dúvida sobre a questão da
identificação, a perícia vai usar esses bancos de dados. O INFOPEN também é
um sistema de informações penais, registra preso com fotografia, impressão
digital, tatuagens e diversos aspectos físicos, cor dos olhos, cor da pele, para
ter uma garantia de que quem está preso é quem deveria estar preso.
Esses são os pontos que a criminalística tem a contribuir na
questão da formação e da utilização de banco de dados. O Banco de Dados de
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Perfis Genéticos auxilia a identificação inequívoca, em busca da verdade,
contribuindo para a redução da impunidade e para a proteção dos direitos
humanos.
O Brasil tem uma demanda muito importante em relação à
segurança pública. Hoje, ao lado da saúde pública, que também está um tanto
quanto caótica, a principal preocupação dos cidadãos brasileiros é quanto à
segurança pública. As pessoas têm medo de sair de casa, as pessoas têm medo
de parar o carro, as pessoas têm medo de tantas coisas, de sequestros, de
crimes cibernéticos, de pedofilia, de tantos crimes que não são apurados
adequadamente.
Não podemos abrir mão desse meio de prova, que é um dos
mais precisos que nós temos, sujeito a diversas confirmações e conferências. O
exame de DNA não é uma condenação, porque o perito no local do crime não
coleta apenas DNA, ele coleta diversos aspectos, coleta filmagem de câmaras
de circuito fechado de TV, coleta dados da arma que produziu o crime, coleta
uma série de dados, e o próprio DNA não é condenação. Então, ter mais um
meio de provas é essencial num país que carece tanto de justiça e de segurança
pública.
ARMAZENAMENTO DE PERFIS GENÉTICOS DE CONDENADOS POR CRIMES VIOLENTOS OU HEDIONDOS
Essa é a nossa contribuição, reduzida, em função até da
minha pouca especialidade no tema Genética Forense, mas, como gestor da
área de criminalística, é uma defesa, sem dúvida, da utilização de mais bancos
de dados para a perícia criminal.
Obrigado.
O SENHOR MINISTRO GILMAR MENDES (RELATOR) -
Obrigado, Doutor Mauro. Senhor defensor.
O SENHOR FLÁVIO LELLIS (DEFENSOR PÚBLICO) - Eu
gostaria de saber a opinião da perícia, no Brasil, sobre qual modelo seria o
ideal para nós adotarmos aqui: o modelo alemão, onde há uma separação do
policial para o cientista; ou o modelo americano, que é o próprio FBI que tem a
investigação e também a parte da perícia.
O SENHOR MAURO MENDONÇA MAGLIANO (PERITO
CRIMINAL FEDERAL DO INSTITUTO NACIONAL DE CRIMINALÍSTICA) -
Eu acredito que cada país deva ter boas razões para ter separado, ou não, a
investigação da produção de prova. O Brasil tem um histórico de - pelo menos
posso falar pela Polícia Federal - atuação conjunta e de isenção que nos dá a
certeza de que isso só traz benefícios para o país, porque, com a burocracia que
temos hoje, se eu tivesse que mandar de um órgão para o outro, transferir
ARMAZENAMENTO DE PERFIS GENÉTICOS DE CONDENADOS POR CRIMES VIOLENTOS OU HEDIONDOS
amostra, imagine o risco que é transferir amostras biológicas de um órgão para
o outro em quantidades absurdas, porque são volumes muito grandes. A
Polícia Federal, hoje, produz cinquenta mil laudos por ano. Então imagina que
todo esse material, e praticamente todos os laudos têm materiais a serem
transportados, vestígios a serem transportados, o número de vestígios é muito
mais de cinquenta mil, porque uma cena de crime é muito grande. Então o
modelo, no Brasil, ainda, apesar de haver alguns Estados que começam um
trabalho de distinção, o modelo federal certamente é mais adequado com a
investigação próxima da perícia, ou seja, a perícia tem uma agilidade e uma
integração com a equipe que nos autoriza a ter certeza de que isso é o melhor
para o Brasil, na esfera federal.
O SENHOR FLÁVIO LELLIS (DEFENSOR PÚBLICO) - Em
relação àquela exposição inicial do senhor, a respeito da paixão pela perícia, e
que deu um exemplo aqui da investigação da cocaína, da droga, o tanto que se
pode avançar a partir de um material, chegando inclusive em evasão de
divisas. Nós não corremos o risco de, por conta dessa paixão, no momento do
acesso ao material genético, o perito invadir para área que não poderia ser
analisada? Desculpe-me, eu não tenho conhecimento técnico, mas o que pude
perceber ontem, aqui, foi isto, que há uma parte que é preservada, não se entra
ARMAZENAMENTO DE PERFIS GENÉTICOS DE CONDENADOS POR CRIMES VIOLENTOS OU HEDIONDOS
nela. Como é que se poderia limitar isso? Essa legislação que nós estamos
questionando tem elementos para isso?
O SENHOR MAURO MENDONÇA MAGLIANO (PERITO
CRIMINAL FEDERAL DO INSTITUTO NACIONAL DE CRIMINALÍSTICA) -
Eu acredito que a forma de trabalho hoje na Polícia Federal - e acho que, na
maioria dos estados, também é assim -, os peritos de genética forense, pela sua
especialidade - e são raros, são poucos peritos que têm essa formação -,
raramente -acho que nenhum caso, provavelmente, até porque o comitê gestor
solicita e, praticamente, exige que as pessoas tenham dedicação exclusiva
àquela atividade, pelos menos quatro peritos têm dedicação exclusiva ao
laboratório de genética forense -, esses peritos não são os peritos que coletam
informação no local de crime. Esse material é coletado. O perito de local de
crime, geralmente, nos lugares onde há mais ocorrências, eles são especialistas
naquilo, eles coletam evidências e mandam, para a balística, o projétil,
mandam o corpo, naturalmente, para o IML, mandam roupas ou outros
materiais que tenham uma análise de caracterização física para outro
laboratório. Então, ele é apenas um coletor de informação e ele manda para
laboratórios distintos. Todas as polícias do mundo têm um coletor, alguém
que se responsabilize por coletar esses vestígios, e esses são policiais sempre.
ARMAZENAMENTO DE PERFIS GENÉTICOS DE CONDENADOS POR CRIMES VIOLENTOS OU HEDIONDOS
Se os laboratórios são ou não vinculados, é outra questão,
mas acredito que não tenha nenhum vínculo, a paixão pela ciência - porque a
paixão é pela ciência -, com a questão de achar culpados ou inocentes. Para a
perícia, a gente quer saber qual resultado que o equipamento vai dar, qual a
interpretação da estatística do dado de genética. Pouco importa quem é, se é
culpado ou não. É o que eu percebo do trabalho. A gente não fica triste porque
não deu uma coincidência, a gente simplesmente atua com um dado.
O SENHOR FLÁVIO LELLIS (DEFENSOR PÚBLICO) -
Talvez, eu não me fiz entender bem, eu digo, no momento em que está sendo
feita a análise, não da coleta, mas do material genético, há um limite. Até onde
que esse perfil genético pode, o que pode ser identificado? Nós não podemos
ultrapassar esse limite. O que garantiria que não se ultrapassaria esse limite?
O SENHOR MAURO MENDONÇA MAGLIANO (PERITO
CRIMINAL FEDERAL DO INSTITUTO NACIONAL DE CRIMINALÍSTICA) -
Nossos laboratórios, por serem acreditados, eles têm todos os procedimentos
operacionais padrão publicados e registrados. E esses procedimentos
determinam, inclusive, as técnicas de análise, ou seja, a partir de qual
momento eu vou considerar - desculpa eu não sou especialista - uma mistura,
em que não é conclusivo, e vou dizer no laudo que não é conclusivo, porque é
ARMAZENAMENTO DE PERFIS GENÉTICOS DE CONDENADOS POR CRIMES VIOLENTOS OU HEDIONDOS
mistura, e a partir de que momento a gente vai ter no laudo um critério
positivo. Isso está tudo registrado em procedimentos operacionais padrão que
se baseiam na literatura científica disponível. Então, não há, não vejo um
limite, assim, onde o perito pode forçar a conclusão de um dado. É como uma
perícia de laboratório: o equipamento vai dar o resultado. Antigamente, era
com pipetas e vias úmidas, mas hoje em dia são equipamentos calibrados, e
nós temos que calibrar os equipamentos e os auditores externos fazem essa
verificação. E isso pode dar errado? Pode, mas mantemos contraprovas e isso
pode ser feito por nós mesmos, novamente, ou ser enviado para outro
laboratório. E nós temos teste de proficiência, em que nós medimos a
proficiência de cada laboratório, de cada perito, e verificamos se há uma
necessidade de capacitação ou algum erro. Essa é a nossa forma de trabalhar.
O SENHOR MINISTRO GILMAR MENDES (RELATOR) -
Obrigado. Agora, chamarei o Doutor Ronaldo Carneiro da Silva Júnior, Perito
Criminal Federal do Instituto Nacional de Criminalística. Também disporá de
40 minutos.
O SENHOR RONALDO CARNEIRO DA SILVA JÚNIOR
(PERITO CRIMINAL FEDERAL DO INSTITUTO NACIONAL DE
CRIMINALÍSTICA) – Bom dia a todos, senhoras e senhores, excelentíssimos!
ARMAZENAMENTO DE PERFIS GENÉTICOS DE CONDENADOS POR CRIMES VIOLENTOS OU HEDIONDOS
Agradeço a oportunidade de apresentar um pouco do trabalho do nosso
laboratório, Laboratório de DNA da Polícia Federal. Espero complementar as
informações já passadas aqui, que foram de grande valor, sanando algumas
dúvidas que, eventualmente, ainda persistam.
Bom, fazendo uma rápida introdução - sendo da área
técnica, não poderia me furtar a isso -, o DNA é uma molécula que contém
informações genéticas e está presente na maioria das células.
O DNA de cada pessoa - isso daí já são dados conhecidos -
é único, à exceção de gêmeos idênticos, e cada pessoa recebe metade do seu
material genético do seu pai e a outra metade da sua mãe. Esses são alguns
dados científicos, que baseiam toda a técnica que realizamos no laboratório.
O DNA humano é composto de 23 pares de cromossomos, o
que equivale a 3.2 bilhões de pares de base. É uma quantidade enorme de
informação que, a princípio, poderia estar ali codificada. O conjunto de
características de DNA que individualizam uma pessoa é chamado de perfil
genético ou perfil de DNA. O processo em que se obtém esse perfil genético e
a comparação é chamado de exame de DNA. Esse nome, exame de DNA se
tornou muito popular, apesar de que o que de fato analisamos no laboratório é
ARMAZENAMENTO DE PERFIS GENÉTICOS DE CONDENADOS POR CRIMES VIOLENTOS OU HEDIONDOS
um perfil genético. E daí eu começo a explicar um pouco a diferença entre
esses dois termos.
Perfil genético é utilizado na investigação criminal para
relacionar suspeitos a vestígios - é uma forma de identificação, como diversos
já colocaram aqui. Podemos identificar alguém por antropologia, por
biometria, por impressão digital e por perfil genético. Pode ser utilizado tanto
para condenar quanto para inocentar. Já foram apresentados também casos de
ambos os tipos aqui, e eu vou apresentar alguns também, claro. Também serve
para identificar vítimas e restos mortais por meio da comparação com o perfil
genético de seus familiares. Foi o caso do voo Air France, por exemplo, 447,
onde a Polícia Federal atuou e foi feita toda a identificação dos corpos. Aqui
vai fazer falta um pouco o gráfico que não está aparecendo, mas eu posso
explicar. O genoma humano, como eu mostrei, é composto de 23 pares de
cromossomos. Dentro de todo esse DNA, existe uma parte codificante e uma
parte não codificante. O que isso significa? A parte codificante é aquela que
está relacionada à produção de alguma característica, não necessariamente
característica física, mas a composição do próprio corpo humano. Sabemos que
um elevadíssimo percentual do DNA, mesmo o codificante, é comum a todos
nós, porque nosso corpo funciona da mesma forma, nossos órgãos são os
ARMAZENAMENTO DE PERFIS GENÉTICOS DE CONDENADOS POR CRIMES VIOLENTOS OU HEDIONDOS
mesmos. A forma de funcionamento do corpo é igual. Um pequeno percentual
é o que nos diferencia. Seria a cor dos olhos, a cor da pele, a altura, o formato
do rosto. Mas o que nos interessa quando a gente fala de perfil genético não
tem nada a ver com isso, porque o que nos interessa são as regiões não
codificantes. Por quê? Uma região codificante tem que ser mais ou menos
igual, senão nós seríamos muito diferentes em termos de sistema, em termos
de funcionamento. A região não codificante que, na verdade, não influencia
nas características físicas e comportamentais das pessoas, ela sim tem interesse
científico, porque ela varia muito de pessoa para pessoa, sem, contudo, variar
o funcionamento do nosso corpo. Como está ali no gráfico, o que a gente
analisa de todo o DNA, separado em vários grupos, é uma pequena parcela
chamada de microssatélites ou STRs. O que são os STRs? São repetições em
tandem, repetições de uma dada sequência genética de um DNA não
codificante. Esse gráfico mostra como pode ser. Ali a gente tem, no primeiro
círculo, uma repetição em tandem, cada quadradinho seria uma repetição. Você
a tem em sequência. Uma pessoa com esse perfil teria em algum marcador o
número 4, quer dizer que aquele perfil repetiu quatro vezes. Já, no segundo
círculo, você tem dispersos, que não significa nada para gente em termos de
perfilagem, em termos de perfis genéticos. Sendo ainda mais específico, por
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exemplo, uma pessoa que tem dois alelos, um que veio do pai e um que veio
da mãe. Ela tem um alelo 1, onde tem sete repetições da sequência ATCG. Um
alelo 2, que tem oito repetições da mesma sequência. Então, para aquele
marcador, a pessoa vai ser uma pessoa 7-8. Infelizmente, não está aparecendo
a imagem, mas isso significaria que a pessoa tem, em determinados
marcadores, uma sequência que se repete. Então, também, quando a gente fala
que a pessoa é 7-8, ou 9-10, ou 8-8, isso nem ao menos significa a sequência
genética de que estamos falando: se ela é ATCG, se é CTGA, se é AAAA. A
gente não está falando nem da sequência genética que a pessoa possui.
Simplesmente, que ela se repete. Então, mostrando aí uma pessoa, num
determinado marcador, é 7-8. E isso daí a gente faz para vários marcadores. Os
kits, atualmente, mais utilizados utilizam mais de vinte marcadores. Então,
quando você tem mais de vinte marcadores e vai calcular a estatística, qual a
probabilidade de uma pessoa ser 7-8? É uma. Se é 7-8 e 8-8 no outro marcador,
vai crescer a probabilidade de ser aquela pessoa. Quando você faz isso vinte
vezes para cada um dos marcadores, a estatística fica tão alta que seria
praticamente impossível não ser aquela pessoa. Por isso que se diz que exame
de DNA, ele dá um resultado tão confiável. Então, hoje em dia, a gente
trabalha, no nosso laboratório, com estatísticas que chegam à ordem de
ARMAZENAMENTO DE PERFIS GENÉTICOS DE CONDENADOS POR CRIMES VIOLENTOS OU HEDIONDOS
octilhões, nonilhões de ver de ser mais provável que aquela pessoa é
relacionada ao vestígio do que ser qualquer outra pessoa da população
mundial.
Então, no final, o que temos na nossa perfilagem, na nossa
análise é um perfil genético. Esse é o gráfico que o aparelho nos apresenta. É
um gráfico onde mostra uns picos e esses picos são os alelos. Abaixo dos picos,
vocês podem ver que tem um número, esse número é, então, convertido numa
sequência numérica. Então, ali, essa pessoa XY é um homem, tem uma
sequência ali dos marcadores 7-8, 15-17, 23-27, que não diz absolutamente
nada sobre essa pessoa. Mesmo eu sendo um cientista, eu também não consigo
decifrar o que isso quer dizer. Por quê? Porque esse código, como eu disse, só
diz a quantidade de repetições que tem em cada marcador. Mesmo sabendo a
quantidade e qual fosse a sequência que está se repetindo, mesmo assim eu
estou falando de um DNA não codificante, que não me diz absolutamente
nada sobre essa pessoa.
Então, por fim, resumindo, quando a gente fala de perfil
genético, estamos falando de uma quantidade de 5 mil a 20 mil pares de base
de regiões não codificantes que estão sendo analisadas. É isso que eu analiso
ARMAZENAMENTO DE PERFIS GENÉTICOS DE CONDENADOS POR CRIMES VIOLENTOS OU HEDIONDOS
no laboratório. Eu não estou analisando todo o DNA daquela pessoa. Eu estou
analisando uma pequena parte.
Já quando a gente fala de DNA, no meio científico, a gente
está falando de todo o genoma. São 3.2 bilhões de pares de base. Em resumo,
quando faço uma perfilagem, eu analiso só 0,0007% do perfil genético dele em
regiões que não dizem absolutamente nada sobre aquela pessoa.
Como que é feito o nosso trabalho na Polícia Federal? Todo
trabalho começa na coleta. Eu vi a preocupação dos senhores com relação ao
procedimento de coleta. Os Colegas já adiantaram alguma coisa, mas eu acho
que cabe a mim, sim, explicar, porque cada laboratório tem seus
procedimentos, suas instruções e lá nós temos a nossa instrução técnica, que
fala da coleta de material biológico. Então, nós temos a Instrução Técnica nº
29/2016 - essa daí já é uma nova edição. Então, sempre quando tem alguma
atualização, nós publicamos internamente uma nova instrução técnica - essa
não é, de longe, a primeira - e essa instrução técnica dispõe sobre
padronização de procedimentos de coleta, identificação, preservação e envio
de material biológico para exame de genética forense. Então, ela tenta abarcar
toda a atividade do perito de local de crime, desde a coleta no local até os
procedimentos que ele terá que realizar para enviar esse material para o nosso
ARMAZENAMENTO DE PERFIS GENÉTICOS DE CONDENADOS POR CRIMES VIOLENTOS OU HEDIONDOS
laboratório. Com isso a gente tenta fechar uma boa cadeia de custódia e nós só
vamos processar e inserir em qualquer banco que seja esse perfil genético se a
cadeia de custódia foi bem realizada dentro dos procedimentos que nós
mesmos normatizamos e, claro, procedimentos esses que estão de acordo com
a rede de integrada de banco de perfis genéticos.
Então isso aqui é uma parte da nossa IT - como chamamos -,
Instrução Técnica nº 29, ela fala exclusivamente da coleta de materiais de
referência. Aqui já fala os diversos tipos de amostras de referências que
podemos ter, inclusive os tipos para fins de identificação genética previstos na
Lei nº 12.037/2009 e na Lei nº 7.210/1984, que foram as legislações modificadas
pela Lei nº 12.654.
E já colocamos, logo de início, nos primeiros artigos que a
coleta do material biológico de referência deve ser realizada ou orientada por
um Perito Criminal Federal - no nosso caso Perito Criminal Federal. Ou seja,
para que essa coleta seja feita dentro dos melhores procedimentos possíveis já
normatizados pela nossa área e de acordo com a rede.
Em seguida, no art. 20, a gente diz que: A coleta
compulsória de material biológico deve ser realizada com técnica adequada,
indolor - como já foi dito aqui por outros palestrantes -, e não deve,
ARMAZENAMENTO DE PERFIS GENÉTICOS DE CONDENADOS POR CRIMES VIOLENTOS OU HEDIONDOS
determinantemente não deve ser realizada a técnica de coleta de sangue.
Então, para a Polícia Federal, nós só trabalhamos com swab oral, no caso.
A coleta compulsória de material biológico para fins de
identificação criminal, ela deve ser realizada mediante despacho da
autoridade Judiciária, em conformidade com o disposto no inciso IV do art. 3º
da Lei nº 12.037/2009.
Então, qualquer caso de investigação onde você tem um
suspeito para ser inserido esse perfil genético, além de todos os cuidados que a
gente tem com a técnica, para ser esse perfil ainda ser inserido, a autoridade
judicial tem que dar despacho favorável.
No art. 23, nós dizemos que, antes da realização da coleta
do material biológico, a pessoa a ser submetido ao procedimento deve ser
informada sobre sua fundamentação legal, na presença de, pelo menos, uma
testemunha, além do responsável pela coleta. E essa informação não é só oral;
essa informação é feita através também de um termo onde a pessoa vai
assinar, vai estar tudo descrito. O que o perito vai fazer então? É simplesmente
ler e esclarecer qualquer dúvida que ainda reste daquela pessoa que está
identificada e a pessoa, então, estando de acordo, assina. A gente tem o termo
ARMAZENAMENTO DE PERFIS GENÉTICOS DE CONDENADOS POR CRIMES VIOLENTOS OU HEDIONDOS
para coleta compulsória onde a pessoa também vai tomar conhecimento de
todos os aspectos legais que estão envolvidos ali.
Então a gente padronizou um termo, de modo que, em todo
Brasil, nas Unidades de Criminalística da Polícia Federal, todos os peritos vão
utilizar o mesmo procedimento.
Então, no art. 25, nós dizemos que, em caso de recusa, o
procedimento de coleta de material biológico não deve ser realizado, e o fato
deve ser consignado em termo lavrado no momento da coleta, assinado pela
testemunha e pelo responsável pela coleta. E parágrafo único: o responsável
pela coleta deve comunicar a recusa à autoridade competente.
Então, até a recusa, nós também fizemos uma previsão para
que também fosse padronizado o procedimento a ser realizado. De modo
nenhum, vai se obrigar a coleta; apenas vai se fazer constar aquela situação, e a
autoridade competência vai ser informada sobre a situação para que, aí, ela,
sim, tome as medidas consideradas cabíveis. Para perícia o trabalho finalizou
naquele momento.
A coleta de material biológico - então padronizada em
nosso laboratório, em toda a Polícia Federal - é a coleta por meio de swab que
nada mais é do que um cotonete grande, estéril - que passa por um
ARMAZENAMENTO DE PERFIS GENÉTICOS DE CONDENADOS POR CRIMES VIOLENTOS OU HEDIONDOS
procedimento de esterilização -, e que é vendido por empresas especializadas
da área.
Agora, eu vou precisar da imagem. Há um pequeno vídeo
aqui que demonstra a coleta de material biológico e a simplicidade dela.
Acho que não há problema, porque eu também trouxe um
material para fazer isso. Talvez seja até mais esclarecedor. Posso colocar o
vídeo? Então, vocês podem escolher se querem ver o vídeo ou ao vivo.
Então, nós temos o porta-swab, que também é padronizado
para toda a Polícia Federal. Ele é muito simples e é feito para, inclusive, evitar
eventuais contaminações. Se você pega um swab sem cuidado, ele pode ser
contaminado no transporte. Para isso, nós tomamos esse cuidado.
Toda a coleta é feita com um paramento adequado. No caso
aqui, eu trouxe apenas uma luva, porque é uma demonstração. Mas vocês
viram pelas fotos ali da Perita do Pará, que a Doutora Meiga colocou, que se
toma um cuidado extremo com a pessoa que está sendo coletada e com o
próprio coletor. Então, nós pegamos o swab, que é estéril. Nós temos uma
ponta onde vai haver o algodão e a outra extremidade onde está a ponta
plástica. Rasgamos, retiramos e fazemos a coleta.
ARMAZENAMENTO DE PERFIS GENÉTICOS DE CONDENADOS POR CRIMES VIOLENTOS OU HEDIONDOS
Então, nesses poucos segundos, eu já tenho o material
necessário para um exame de DNA, na verdade, um exame de perfilagem
genética. Nós, depois, colocamos no porta-swab, com todo cuidado, e aqui está
um material pronto para ser encaminhado para o nosso laboratório.
Isso é feito para cada pessoa. No caso, por exemplo, de uma
coleta em presídio, cada pessoa teria um kit desse aqui. Todo material é
descartado depois; ou seja, nós utilizamos só materiais descartáveis. A única
coisa que vai permanecer da coleta é o swab e o porta-swab, que será
identificado com todas as informações e encaminhado juntamente com toda a
documentação daquele condenado ou até do suspeito, no caso de uma
investigação em curso, quando temos uma autorização judicial para realizar a
coleta. Espero que tenha sido ilustrativo.
Então, continuando, como é o processamento em nosso
laboratório? Esse swab vai ser aberto e retirado desse porta-swab, para
fazermos o que chamamos de "amostragem", que simplesmente é pegar a
parte que interessa do swab. Aquela haste plástica não é necessária. Nós
pegamos, então, um microtubo e colocamos só a parte do algodão.
ARMAZENAMENTO DE PERFIS GENÉTICOS DE CONDENADOS POR CRIMES VIOLENTOS OU HEDIONDOS
Vamos aproveitar enquanto o gráfico está na tela. Nós
temos esse gráfico onde a amostragem está ilustrada. Uma pessoa colocando a
ponta do swab dentro do tubo e vai deixar só a parte do algodão lá dentro.
A próxima etapa é extração. Nós pegamos aquele tubo e
passamos esse tubo por alguns procedimentos químicos. Há kits vendidos por
empresas também acreditadas e mundialmente reconhecidas - não são muitas,
poderia até citá-las, mas não faria sentido -, que inclusive têm essa
preocupação de que sejam materiais isentos de qualquer contaminação. Assim,
essa extração é realizada com esses kits.
Em um terceiro momento, nós temos uma técnica chamada
amplificação, para a qual, no meio acadêmico, utilizamos a sigla PCR, que é a
reação em cadeia de polimerase, no qual você pega aquela pequena
quantidade de DNA - não podemos imaginar que tem muito DNA naquele
swab. Tem pouco DNA; mas a técnica chamada amplificação permite que você
faça centenas de milhares de cópias daquele DNA. O mais importante: ela só
vai amplificar aquelas regiões não codificantes que eu citei lá no início.
Então, quando amplifico, não estou criando milhares de
réplicas do genoma inteiro daquela pessoa, mas simplesmente replicando a
parte que me interessa, só vou ler a parte que me interessa, que é uma região
ARMAZENAMENTO DE PERFIS GENÉTICOS DE CONDENADOS POR CRIMES VIOLENTOS OU HEDIONDOS
não codificante e que não trará nenhuma informação a mais sobre aquela
pessoa.
E, por fim, a análise que nada mais é a do eletroferograma,
aquele gráfico que já apresentei, onde aqueles picos que vêm com o número
que diz qual o número de cópias daquela sequência que a pessoa teria naquele
marcador.
E, com relação ao armazenamento, também é uma
preocupação. Como produto desse trabalho, temos o produto biológico, o
DNA da pessoa, e temos um resultado que também é um produto. Na
verdade, aquele resultado que servirá para a investigação ou processo em
curso. Então, o que fazemos? Aquele DNA que foi doado, o que sobrou será
guardado como contraprova em nosso laboratório, sob refrigeração, por quê?
Porque é necessário, para qualquer laboratório - o CPP já diz isso -, para
qualquer perícia de laboratório é necessário que haja a guarda de
contraprovas. Então, nós fazemos isso. E o processamento daquele dado, que é
gerado pela a análise do perfil genético, nada mais será do que pegar o gráfico,
chamado de eletroferograma, que sai do equipamento e, automaticamente,
gerar um arquivo, com uma sequência numérica, que resume o dado do
eletroferograma, e, por fim, a inserção disso em bancos de dados. O software
ARMAZENAMENTO DE PERFIS GENÉTICOS DE CONDENADOS POR CRIMES VIOLENTOS OU HEDIONDOS
que utilizamos como banco de dados, na Polícia Federal, é o CODE, que é
software utilizado no Brasil inteiro e em todos os laboratórios da rede. E, a
partir desse software, a partir do nosso banco interno, então nós temos um
banco interno, que é o Banco Federal de Perfis Genéticos, são encaminhados os
perfis genéticos que estão dentro daquelas regras da rede integrada de banco
dos perfis genéticos. Somente aqueles que estão dentro das regras permitidas
são encaminhados para o Banco Nacional e, através do Banco Nacional, é feito
o confronto com todos os perfis genéticos dos demais laboratórios que
pertencem à rede. Então, vejam que são vários processos, várias etapas onde se
tenta tomar todos os cuidados e regrar-se todas as atividades que estão sendo
realizadas.
Então, tenho alguns dados do Banco Federal de Perfis
Genéticos, vou narrá-los para vocês. Em 2014, nós tivemos um número de 222
perfis genéticos inseridos no total. Isso ocorreu quando estávamos iniciando o
nosso trabalho. Em 2015, tivemos 306; em 2016, 269; e, em 2017, já
conseguimos inserir 69 perfis genéticos. No total, sem dúvida, no caso da
Polícia Federal, o trabalho maior é com os crimes contra o patrimônio.
Colocarei alguns exemplos ao final da apresentação. E já se mostram
cadastradas no BFPG - Banco Federal de Perfis Genéticos - um total, em todos
ARMAZENAMENTO DE PERFIS GENÉTICOS DE CONDENADOS POR CRIMES VIOLENTOS OU HEDIONDOS
esses anos de trabalho, 1.516 amostras cadastradas no Banco Federal de Perfis
Genéticos, o que nos resultou, até o momento, 96 matches, 96 confrontos
positivos, sejam vestígio/vestígio, vestígio/suspeito. Agora, apresentarei
alguns casos de repercussão. O primeiro caso de repercussão que gostaria de
citar é um caso recente - peguei um recente exatamente por estar na memória
de todos -, aquele ocorrido na fronteira de Foz do Iguaçu, no Paraguai, na
Cidade Del Leste. A explosão de uma central da Prosegur, empresa de valores,
onde foram roubados o equivalente a 120 milhões de reais, um pouco mais de
quarenta milhões de dólares. Esse caso resultou numa operação conjunta na
fronteira, porque a investigação já apontou que a quadrilha vinha do lado
brasileiro. Então foi necessário um trabalho conjunto. E, muito rapidamente, os
peritos de Foz do Iguaçu realizaram diversas diligência para analisar os locais
de crime. Um dos locais de crime foi a residência que foi utilizada pelos
criminosos como quartel-general. Então, era um local de crime muito
importante para a investigação, porque, teoricamente, senão todos, mas quase
todos os envolvidos poderiam ter passado por aquele quartel-general, era a
base deles.
ARMAZENAMENTO DE PERFIS GENÉTICOS DE CONDENADOS POR CRIMES VIOLENTOS OU HEDIONDOS
Além disso também foram arrecadados alguns veículos,
veículos abandonados, veículos que poderiam estar relacionados com o caso,
veículos em fuga, e todos esses materiais foram coletados.
Então, ao todo, foram mais de 300 vestígios biológicos.
Além de todos os vestígios encontrados em local que poderia ter outra relação,
vestígios balísticos, vestígios vários, só de vestígios biológicos, nesse único
caso, foram mais de 300. Então, que outra técnica poderia ajudar a fazer uma
análise de 300 vestígios e de uma forma rápida? No caso, a aposta foi o DNA.
Em dez dias de trabalho contínuo - ainda continua o trabalho -, mas, em dez
dias, já conseguimos confirmar seis suspeitos. Foi o trabalho realizado até
semana passada. Já temos seis suspeitos confirmados, pessoas que já estavam
presas provisoriamente e que agora o juiz tem mais confiança em mantê-las
presas.
Além do mais, o mais importante, o diferencial do banco de
dados, através do banco de dados e da inserção dos perfis oriundos dos
materiais biológicos, nós já conseguimos fazer uma correlação desse caso com
outro caso, também no âmbito da Polícia Federal, demonstrando que a gente
pode, dessa forma, desarticular uma grande quadrilha. Eu não estou falando
ARMAZENAMENTO DE PERFIS GENÉTICOS DE CONDENADOS POR CRIMES VIOLENTOS OU HEDIONDOS
de um único criminoso. A gente está falando de uma quadrilha de crime
organizado que tem um potencial muito grande de dano para a sociedade.
Também citando, lá em Foz do Iguaçu, eles estão com um
problema muito grande com relação ao PCC. Por exemplo, ano passado,
também teve uma outra investigação ajudada nesse âmbito que, inclusive,
culminou com a morte de um agente penitenciário na mesma cidade. Isso
ocorreu provavelmente entre outubro e novembro do ano passado.
Novamente a perícia em genética ajudou a correlacionar suspeitos daquele
caso.
Por fim, um último caso que eu gostaria de apresentar é um
caso demonstrando como o DNA também inocenta. Foi um caso um pouco
mais antigo, um caso de estupro ocorrido em Tocantins, com a Senhora Isabel
Barbosa Pereira, um estupro seguido de homicídio. Isabel tinha 34 anos à
época e foi assassinada com sinais de violência sexual. O corpo foi encontrado
no dia 28 de junho de 2009 num terreno baldio, na cidade de Xambioá, cidade
onde ela morava no Tocantins. Nós recebemos no nosso laboratório alguns
materiais. Na verdade, boa parte deles eram as vestes da própria vítima, a
blusa, a saia e a peça íntima que ela utilizava naquela data. Para o caso,
existiam cinco suspeitos que a investigação apontava como prováveis ou
ARMAZENAMENTO DE PERFIS GENÉTICOS DE CONDENADOS POR CRIMES VIOLENTOS OU HEDIONDOS
possíveis agentes desse crime. Fizemos, então, a perfilagem, fizemos a análise
de perfil genético do material encaminhado e encontramos na peça íntima
material compatível com um perfil masculino. Fizemos a correlação confronto
com os perfis obtidos daqueles cinco suspeitos. O que foi concluído? Nenhum
dos cinco suspeitos era de fato o agente, ou pelo menos agente do estupro.
Poderiam estar até relacionados de qualquer outra forma, mas não com o
estupro. O estupro era uma outra pessoa que não estava até o momento
identificada.
Esse caso levou muitos anos para ser elucidado. Era um
caso muito complexo. Depois, verificou-se que havia diversas frentes aí. Na
verdade, ela foi assassinada como queima de arquivo num processo de eleição
municipal. Foi um crime planejado pelo próprio marido, Sérgio Mendes da
Silva - isso é público, retirei de algumas reportagens. Foi executado por
Anderson de Araújo Souza e Roseli Francisco Alves da Silva - foram as
pessoas contratadas pelo próprio marido para assassiná-la. E a motivação foi
queima de arquivo. Então, Sérgio havia recebido 40 mil reais para depor em
processo de compra de votos contra o Prefeito da cidade, e a Isabel teria
ameaçado revelar todo o esquema planejado pelo marido. Por conta disso, ela
foi assassinada.
ARMAZENAMENTO DE PERFIS GENÉTICOS DE CONDENADOS POR CRIMES VIOLENTOS OU HEDIONDOS
Concluo a minha apresentação trazendo alguns dizeres da
Doutora Jennifer Doleac, economista americana, que fez, em 2016, um
apanhado, um estudo sobre os efeitos dos bancos de dados de DNA no crime,
na investigação criminal. E, nos Estados Unidos, segundo o estudo dela, houve
um aumento equivalente a 10% no banco de dados, um aumento equivalente a
10%; a inserção de dados nesses bancos de dados leva a uma redução de 5.2%
dos homicídios 5.5% dos estupros. Então, a cada 10% de amostras biológicas
que se processa e envia os perfis genéticos, tem-se essa redução efetiva.
O custo para evitar um crime hediondo nos Estados
Unidos, aumentando o policiamento, seria de vinte e seis mil dólares para
cada crime violento; aumentando as penas, seria um custo de,
aproximadamente, sete mil e seiscentos dólares; e, alimentando o banco de
DNA, ter-se-ia um custo de seiscentos dólares por crime violento elucidado.
E, por fim, ela também disse que há um efeito dissuasor; ela
observou que diminui a reincidência. Como o Mauro Magliano trouxe bem
aqui, a taxa de reincidência no Brasil é altíssima. Fazendo um paralelo, nos
Estados Unidos, ela conseguiu observar que há esse efeito dissuasor e diminui
a reincidência e aumenta a taxa de detecção do reincidente. Então, quando há
reincidência, também há uma maior probabilidade de identificar esse
ARMAZENAMENTO DE PERFIS GENÉTICOS DE CONDENADOS POR CRIMES VIOLENTOS OU HEDIONDOS
reincidente, porque os seus dados já estão disponíveis num potencial
confronto.
Por fim, gostaria de agradecer, em nome do nosso
laboratório, a oportunidade mais uma vez e de me colocar à disposição para
sanar eventuais dúvidas.
O SENHOR FLÁVIO LÉLLIS (DEFENSOR PÚBLICO
FEDERAL) - Gostaria de saber qual a empresa que fornece esse material, se é
uma empresa nacional.
O SENHOR RONALDO CARNEIRO DA SILVA JÚNIOR
(PERITO CRIMINAL DO INSTITUTO NACIONAL DE CRIMINALÍSTICA) -
Não, são empresas multinacionais.
O SENHOR FLÁVIO LÉLLIS (DEFENSOR PÚBLICO
FEDERAL) - Sabe o custo, mais ou menos, do kit?
O SENHOR RONALDO CARNEIRO DA SILVA JÚNIOR
(PERITO CRIMINAL DO INSTITUTO NACIONAL DE CRIMINALÍSTICA) -
O custo dos kits?
O SENHOR FLÁVIO LÉLLIS (DEFENSOR PÚBLICO
FEDERAL) - Isso.
ARMAZENAMENTO DE PERFIS GENÉTICOS DE CONDENADOS POR CRIMES VIOLENTOS OU HEDIONDOS
O SENHOR RONALDO CARNEIRO DA SILVA JÚNIOR
(PERITO CRIMINAL DO INSTITUTO NACIONAL DE CRIMINALÍSTICA) -
Na verdade, hoje em dia, a gente não trabalha com custo de kit, a gente
trabalha com custo de amostra, porque o exame de DNA, como foi visto ali,
tem diversas etapas. Então, um kit, existem kits, por exemplo, o kit mais
utilizado hoje em dia, de amplificação, é um kit que vem quatrocentas reações,
ou seja, a princípio, você conseguiria fazer quatrocentas amplificações. O custo
de um exame de DNA, hoje em dia, está chegando em torno de cem dólares.
Então, tem-se um perfil chegando a este valor de cem dólares. Está ficando,
cada vez mais, acessível também.
No nosso laboratório, a gente trabalha no sistema de placas,
então, não se trabalha apenas com uma amostra, faz-se sequencialmente várias
amostras, reduzindo ainda mais o custo, e fazemos isso de forma
automatizada; adquirimos já, desde 2015, um robô que faz toda essa parte de
pipetagem, amostragem e criação das placas. É um robô calibrado, está dentro
do nosso sistema de qualidade. É mais um ponto que fortalece o nosso exame,
tendo em vista que afastamos um potencial erro humano dentro do
laboratório, utilizando essas novas tecnologias.
ARMAZENAMENTO DE PERFIS GENÉTICOS DE CONDENADOS POR CRIMES VIOLENTOS OU HEDIONDOS
Então, no exame de DNA, principalmente, o avanço da
tecnologia, o acompanhamento desse avanço é muito importante porque traz
ainda mais segurança à informação que a gente está transmitindo para os
senhores.
O SENHOR FLÁVIO LÉLLIS (DEFENSOR PÚBLICO
FEDERAL) - Só para encerrar, Senhor Presidente, falou-se muito da
reincidência e, pelo que pude perceber, a maior preocupação de vocês é com o
serial killer. Se entende que o serial killer, no estupro, que só pratica o estupro,
ou que, depois, mata as vítimas, que ele se desmotivaria em relação à
existência desse banco de dados?
O SENHOR RONALDO CARNEIRO DA SILVA JÚNIOR
(PERITO CRIMINAL DO INSTITUTO NACIONAL DE CRIMINALÍSTICA) -
Qual seria o efeito? Ele saberia, por exemplo, se ele já tivesse sido condenado,
ou sido um suspeito daquele crime de estupro, por exemplo, se a autoridade
judicial nos permite inseri-lo no Banco, ou se ele já foi condenado, e,
compulsoriamente, o perfil dele foi para o Banco, ele sabendo que o perfil dele
está no Banco, ele sabe da chance, aliás altíssima no caso de estupro, porque
quase que inevitavelmente você tem o sêmen ou até outros materiais
biológicos oriundos do estuprador, então, ele, ao menos, saberia que o perfil
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genético dele está disponível, e que, a menos que ele sumisse com a vítima,
mas, havendo ali o corpo da vítima, seria quase que inevitável a gente chegar à
conclusão de que ele seria o agressor. Então, nesse ponto, sim, agora, a mente
humana tem diversas formas de pensar e não há como você garantir. Agora,
que isso daí tem um efeito dissuasor, o estudo dos Estados Unidos apresentou.
O SENHOR FLÁVIO LÉLLIS (DEFENSOR PÚBLICO
FEDERAL) - Muito obrigado.
O SENHOR RONALDO CARNEIRO DA SILVA JÚNIOR
(PERITO CRIMINAL DO INSTITUTO NACIONAL DE CRIMINALÍSTICA) -
De nada.
O SENHOR MINISTRO GILMAR MENDES (RELATOR) -
Passo agora a palavra à Doutora Maria Christina Marina, perito criminal,
também pelo prazo de 40 minutos.
A SENHORA MARIA CHRISTINA MARINA
(ENGENHEIRA BIOMÉDICA) - Bom dia a todos. Meu nome é Cristina, eu sou
perita criminal do Estado do Paraná e eu estou deslocada para o Ministério da
Justiça como colaboradora para assuntos de DNA. Eu vim para tentar ajudar
os Estados que têm mais necessidade a comprar material de DNA, a se
equipar e entrar no banco de dados, na RIBPG
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A minha apresentação talvez se prejudique um pouco para
vocês, porque eu precisaria de imagens para vocês entenderem o que eu vou
falar. Mas, assim mesmo, eu vou tentar fazer com que vocês entendam e que
não seja enfadonho para ninguém.
Eu vou dividir a minha apresentação em dois assuntos bem
distintos. Eu vou falar um pouco do Plano Nacional de Segurança Pública,
porque eu estou representando o MJ, aqui. E não sei se é do conhecimento de
todos que, a partir de fevereiro, março, foi instituído um Plano Nacional de
Segurança Pública, onde pessoas sentaram e tentaram levantar necessidades
para toda a nossa nação.
Os objetivos principais seriam a redução de homicídios
dolosos, o feminicídio, violência contra a mulher.
Se eu falasse só desse objetivo, já encerraria a minha
apresentação em relação a importância do DNA no Plano Nacional de
Segurança Pública, pois o que que a gente viu até agora, de ontem para hoje?
Nós vimos tentativa de reduzir homicídio através do levantamento de perfis
genéticos, feminicídios e a violência contra a mulher, que é o nosso principal
mote nesse caso.
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Então, se a minha apresentação se encerrasse nisso, em
relação ao Plano Nacional, eu já estaria satisfeita.
Outro objetivo é a racionalização, modernização do sistema
penitenciário, combate à integração. Eu só coloquei outros objetivos para
ilustrar, para também não puxar só para o nosso lado essa explanação.
Eles dividiram em três ações principais: capacitação,
inteligência e atuação conjunta. Dentro da capacitação, eles decidiram chamar
vários diretores de academia, com o objetivo de formular matrizes, de tentar
estipular princípios para a formação policial; elaboração de estatísticas de
mensuração de eficácia de atividade da polícia judiciária, entre outros tantos
objetivos. Está no site da Justiça isso, qualquer pessoa pode acessar.
Dentro do que eles chamaram de inteligência, eles
resolveram que o mais importante seria compartilhamento de informações
georeferenciadas de câmaras nos estados todos. Se nós tivéssemos essas
câmaras no Estado do Paraná, na minha cidade, em Curitiba, hoje estaria
elucidado aquele crime da menina da mala. Não sei se todos recordam da
Raquel, que nós já levantamos o perfil genético de mais de 140 suspeitos. Uma
menina que foi violentada, foi deixada numa mala na rodoviária em Curitiba.
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Então, se a gente tivesse já esse georeferenciamento, hoje nós estaríamos com
esse crime parcialmente elucidado.
E entre as eficiências de inteligência, o compartilhamento de
dados decorrentes de operações conjuntas. Como o senhor perguntou, eu
acredito que a gente tenha que trabalhar conjuntamente com todas as polícias.
Nós, dentro da nossa investigação, e a polícia judiciária com a investigação
deles. Eles nos solicitam e a gente faz o exame que eles nos solicitarem.
Dentro do que eles chamam de atuação conjunta, além de
outras tantas coisas, existe o que eles chamaram de DNA das armas, que não
tem nada a ver com o nosso DNA. É o DNA do objeto arma de fogo, para que
esse objeto seja conhecido dentro de um banco de dados, para que possa ser
rastreado.
Outra ação que nos faz importante, para nós
particularmente, é a instalação de laboratórios centrais de perícia criminal,
para apoio dos estados. Isso já está sendo orçado. Nós estamos numa ação
conjunta. A doutora Claudine, que trabalha comigo, está ajudando nisso
também. A gente está fazendo um orçamento para que a gente consiga instalar
laboratórios centrais para ajuda de todos os estados.
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E, por fim, que é o do nosso interesse, ampliação da
inserção dos perfis genéticos no banco de dados de DNA. Ou seja, o Plano
Nacional de Segurança Pública, estipulado por pessoas conhecedoras, que
sentaram e "vamos estipular as necessidades de segurança pública para a
nossa nação", chegaram à conclusão que um dos pontos principais na atuação
conjunta deste plano seria ampliação da inserção dos perfis genéticos no banco
de DNA. Pronto. Eu estou satisfeita em relação a isso. É o que nós precisamos,
é o que nos dá voz na palavra dos nossos dirigentes. Para mim, é o que eu
preciso que eles me digam: vocês estão certos, vamos ajudar, vamos investir
em vocês.
Até o momento, doze estados já assinaram um pacto
federativo de participação do Plano Nacional. A ideia é que, até o final do ano,
vinte e seis estados e o Distrito Federal estejam incluídos. Vamos pedir em
Deus que isso aconteça.
As metas desse plano são: a redução em 7% de homicídios
nos municípios abrangidos pelo plano, que não são todos, a princípio; e, até
2017, em todas as capitais. Ou seja, como eu às vezes digo nas nossas reuniões,
não é um plano feito por um espasmo do planificador: "Ah, vamos fazer
alguma coisa!" Não, é um plano que está sendo jogado para o ano que vem,
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para o outro ano, com metas que podem ser alcançadas. E, dentro da violência
doméstica, aumento da celeridade das investigações, processos em 20% dos
municípios.
Então, em relação ao Plano Nacional de Segurança Pública,
eu gostaria até que vocês pesquisassem na internet, ele está todo descrito no
site da Justiça, é bem interessante, e o Banco de Perfis Genéticos nos coloca em
evidência.
Eu vou falar um pouco sobre identificação humana, que é o
meu mote, o meu conhecimento um pouco maior, porque a gente nunca sabe
nada, só vai aprendendo ao longo do tempo. E gostaria muito que
aparecessem as imagens, porque ilustraria bastante o que vou falar.
A identificação humana não se faz em um objeto, ela se faz
num processo de identificação, ela se faz em várias etapas de identificação. A
identificação é uma soma de caracteres que individualizam uma pessoa.
Talvez eu seja um pouco acadêmica, é uma aula que dou no mestrado, mas é
bem ilustrativa.
O processo de identificação vai determinar a identificação
ou a não identificação, como nós já vimos aqui, os nossos colegas falaram da
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não identificação da pessoa, ou seja, aquela pessoa não é quem nós estamos
procurando. Então são alguns processos.
Dentre os processos de identificação, existem as
identificações conclusivas e as não conclusivas. As conclusivas são as
absolutas. A impressão digital é conclusiva, como o nosso colega disse, eu
estou deixando a minha impressão digital em tudo, vocês também. A arcada
dentária - e uma das minhas formações é em odontologia, sou odontóloga
legal também - é um processo de identificação maravilhoso que pode ser
utilizado. O desenho do palato é como uma impressão digital, nós nascemos
com o desenho do palato e morremos com esse desenho. Desenhos dos seios
faciais, eu posso utilizar a radiografia dos seios faciais para fazer um
confronto. As impressões labiais também são únicas, e o nosso DNA.
As não conclusivas. Tipagem sanguínea, porque é comum a
várias pessoas, eu posso ter a mesma tipagem sanguínea que qualquer um de
vocês. Marcas e tatuagens, que também podem ser comuns a várias pessoas. A
identificação visual e as medidas antropométricas, a antropometria. A
identificação visual, como nós vimos aqui ontem, dois casos foram resolvidos
com um mesmo retrato falado, visualmente, não teve mais nenhum tipo de
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ajuda nisso. É uma identificação não conclusiva. Existem duas pessoas presas
por esse tipo de identificação.
Uma coisa importante são os requisitos técnicos para uma
identificação ser válida. Um dos requisitos é a imutabilidade. O que você usa
para identificar uma pessoa tem que ser imutável. Os meus olhos são
castanhos, eles não vão mudar ao longo da minha vida, mas vão mudar depois
que eu morrer, então não é uma característica imutável. O que eu uso tem que
ser perene, tem que nascer comigo, morrer comigo e continuar depois da
minha morte. E precisa ter praticabilidade, ou seja, eu tenho que ter uma
possibilidade de utilizar: custo, facilidade de obtenção, etc.
Classificabilidade. Como eu falei, a odontologia legal é
perfeita, só que não posso ter um armário com todos os modelos de todas as
pessoas que eu precisar identificar. Não é classificável, você pode identificar,
mas não é prático.
Então os métodos e os processos de identificação são estes
quatro: a antropometria - que cabe a antropologia e a biometria -, a
papiloscopia, a odontologia legal e o DNA. Eu vou tentar falar rapidamente
sobre todos eles que já está complicando aqui.
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A antropometria, a gente usa de características
morfológicas, de características cromáticas, implantação de sobrancelha,
medidas do corpo, medida da envergadura, medidas de membros. É o que vai
fazer com que eu diferencie a mim de uma outra pessoa qualquer, ou o senhor
de uma outra pessoa qualquer que esteja aqui dentro. Eu olho e digo: a
implantação da sua sobrancelha é diferente, a cor da sua pele é diferente. Isso
que vai me dar a antropometria.
É uma pena agora que vocês não tenham acesso às imagens,
porque seria bastante interessante que vocês vissem essas imagens que eu vou
colocar aqui para a frente.
Eu tirei umas imagens do General Douglas Macarthur e de
um ator de filmes - se vocês tiverem a oportunidade de procurar na internet é
muito interessante. O General Douglas Marcarthur é idêntico ao Bruce Willis!
Eles são extremamente parecidos, e é uma coisa que a gente poderia olhar e
confundi-los.
Existe um psiquiatra alemão, Hermann Rorschach, que
inventou aquela técnica das manchas - que é você olhar a mancha, e ele
identificar que tipo de personalidade você tem, isso em 1800. Ele é idêntico ao
Brad Pitt! Então, se você olhar para um e para o outro, você pode confundi-los,
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como aconteceu nos casos que nós verificamos aqui. Isso seria muito
interessante vocês verem.
Um retrato falado. Eu tenho uma imagem de 1650, do Rei
Filipe IV, é uma imagem, uma pintura - não existia fotografia aquela época,
era uma pintura-, ele é absolutamente idêntico - se eu fizer o retrato dele - ao
Mark Zuckerberg, que inventou o Facebook. Eles são idênticos! Então, eu
poderia confundi-los perfeitamente numa imagem escrita.
Eu coloquei aqui também aquela imagem do rapaz que foi
confundido. Uma mulher foi assaltada e reconheceu aquele ator, como se fosse
o seu agressor. Ele ficou dezesseis dias preso. Ela dizia, no depoimento, que
ele era negro, tinha o cabelo black power e estava vestindo roupa preta. É
aquele? É aquele. Ele ficou preso dezesseis dias!
Eu me lembro dessa reportagem. Ele saiu careca da
penitenciária. Em dezesseis dias, ele emagreceu uns nove ou dez quilos dentro
da penitenciária. Uma pessoa de bem, uma pessoa honesta que, se ficasse mais
tempo na cadeia, como que ele ia sair? Honesto ainda? De bem? Ou teria
aprendido alguma técnica nova que nós desconhecemos? Por sorte, a pessoa se
retratou, ele ficou só dezesseis dias preso.
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Tem um outro caso de um rapaz do Mato Grosso que ficou
dois anos preso injustamente. Ele foi confundido com o irmão. O irmão dele
tomou a moto dele para passear e assaltou várias pessoas. Uma das pessoas, a
primeira pessoa, reconheceu que era ele. A segunda reconheceu que se
enganou. E a terceira não tinha certeza. O reconhecimento foi só visualmente,
só antropometricamente que ela teve acesso a isso. Esse rapaz ficou dois anos
na cadeia, dois anos na cadeia! Um menino que tinha família, que tinha
emprego e ficou injustamente dois anos na cadeia. E o irmão dele quieto,
enfim.
Também é uma pena que não apareçam as imagens!
Tem um caso - nessa busca que a gente quer convencer ou
mostrar a importância de outros métodos de identificação - de 1901, numa
penitenciária do Kansas. Existia uma forma antropométrica de se identificar as
pessoas que entravam na penitenciária. Isso é muito emblemático, porque era
a forma como era usada. A pessoa, quando entrava numa penitenciária, era
identificada como? Por fotografias, medidas de envergadura, altura e
membros e por implantações. Faziam várias medidas e faziam fotografias. Aí o
arquivista dessa penitenciária foi fazer a medição de uma pessoa que estava
entrando e falou assim: não, você já esteve aqui. Ele falou: não, eu nunca estive
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preso. Não, você já esteve preso, as medidas são muito semelhantes e a
fotografia é muito semelhante. Ele falou: não, eu nunca estive. Foram procurar
nos arquivos, era uma outra pessoa, muito parecida, por coincidência, negro,
alto, forte e pobre. E era outra pessoa que já estava internada, ou seja, poderia
ser confundida. A partir desse momento emblemático, começou-se a usar mais
a impressão digital.
Foi pela impressão digital que viram que esse menino não
era esse menino, era o outro. Eram pessoas diferentes - é uma pena, a imagem
é bem interessante. Aí começou-se a usar a papiloscopia. A papiloscopia,
ótimo, resolveu nosso problema, para que que a gente vai perder tempo com
DNA? Vamos para casa. A papiloscopia resolve todos os nossos problemas. A
gente pode tirar a impressão digital, que é tirada hoje. Quando um condenado
entra na penitenciária, é tirada a sua fotografia dele e a impressão digital.
Pronto. Nós não precisamos de mais nada.
Só que a gente vai se deparar com um caso que - eu vou ser
repetitiva, é uma pena, porque a imagem é muito interessante - eu atendi, em
Curitiba, numa época em que eu fazia local de morte, onde foi encontrado um
homem decomposto, em que, antropometricamente e biometricamente, não se
poderia ver quem ele era e ele estava com as mãos decepadas. Cadê a nossa
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papiloscopia tão valente e tão eficaz? Acabou-se aí. Eu tenho um corpo inteiro,
cheio de DNA, eu não preciso das mãos dele, mas, enfim, é o que temos para
hoje.
Outro problema - que também a imagem é muito
interessante - são as amputações. Eu tenho uma imagem aqui, com uma mão
com três pedaços de dedo. Tenho outra mão com dois dedos e outras mãos,
que nós conhecemos, que têm um pouco mais de dedos, o que também
dificulta a papiloscopia. Existem relatos de presos ou de suspeitos que chegam
a destruir as suas próprias cristas papilares, para que não sejam identificados
papiloscopicamente. Existe uma síndrome, chamada Síndrome de Nagali, em
que a pessoa nasce sem as cristas papilares. Existem produtos químicos que
fazem com que você perca as cristas papilares. A minha crista papilar é muito
difícil, porque eu tive contato com consultório odontológico por muitos anos.
E eu usei luva talcada. O talco fez com que as minhas papilas fossem
apagadas, elas são rasas, então eu sempre tenho dificuldade para ser
identificada assim.
Eu gostaria que vocês vissem - só para falar da odontologia
legal, que é um dos processos de identificação - a imagem de um carbonizado -
é uma imagem do Dr. Maltus, que trabalha aqui no DF. É um corpo
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carbonizado em um DVI, disaster victim identification, onde eu, como dentista,
consigo ver que, em uma arcada carbonizada, tem vários implantes e que, se
eu tiver uma radiografia da família - em casos de DVI a família traz
fotografias, sorriso, radiografias -, eu poderia identificar essa pessoa. Eu tenho
uma imagem da radiografia que a família trouxe e do corpo, e os implantes
são na mesma posição. O dentista que tem o seu arquivamento bem feito vai
ter o número desse implante, que vai estar no implante colocado na pessoa. Já
está identificado, mas, como eu disse, não é classificável, não é armazenável
isso. Só para falar da odontologia legal.
Tem uns outros casos de uma moça que morreu e que foi
identificada através de um sorriso. A única coisa que a pessoa tinha na época
era uma fotografia com um sorriso bem amplo dela, e foi feito o desenho dos
defeitos dos dentes que ela tinha, que todos nós temos - uma fratura, um
desgaste por abrasão - e ela foi identificada só por uma fotografia, porque na
época não tinha o DNA também. Foi encontrado o corpo dela depois, depois
de muito tempo, decomposto; e ela foi identificada apenas pelo sorriso.
Eu tenho um caso aqui bastante chocante de violência
doméstica, de uma criança que chegou ao IML de Curitiba com marcas de
mordida pelo corpo inteiro. É bem chocante as fotos que eu tenho. Nós
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fizemos a medição dessas marcas, nós fizemos a moldagem dessas marcas com
um material que moldagem que, provavelmente, todos vocês já passaram por
isso no dentista. E aí se chegou à conclusão, pela profundidade dessas marcas
e pela extensão das marcas, que a pessoa usava aparelho. E foi identificado
que o pai usava aparelho, mas, no corpo dessa criança, onde ela tem a
bochecha com uma sucção muito grande, tem marcas de cigarro, tudo isso
aparece aí, nessa sucção ficou o DNA do agressor. Então, nós identificamos, a
princípio, a gente afunilou essa investigação para pessoas que usavam
aparelho e chegamos no pai dessa criança, que era o pai, mas não era presente.
Aí, dentro da odontologia legal, coisas que a gente poderia
falar. O que que a odontologia legal vai ajudar em identificação humana?
Ajuda em marcas de mordida e identificação em DVI. Bom, e daí eu falei tudo
isso para quê? O último processo de identificação é o DNA. O que que fala o
DNA? O DNA me coloca uma célula do meu pai e uma célula da minha mãe,
que vão entrar em contato. Essa célula do meu pai tem metade do DNA e da
minha mãe tem metade do DNA, porque a multiplicação é diferente: é mitose,
não é meiose. Essa célula, o espermatozoide, entrou em contato com o ovócito
da minha mãe. É metade e metade. Formou-se um DNA, que metade é da
minha mãe, metade é do meu pai. A partir do zigoto, que é essa primeira
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célula que vocês veem ali, a partir desse momento, eu já tenho um DNA. É
meu, único, imutável, perene. Todas as outras células que vocês estão vendo
ali, das divisões, são todas idênticas, não vão mudar. A partir do meu zigoto,
que é a primeira célula, até a minha esqueletização. Lógico, tudo se acaba no
tempo. Mas vai demorar um tempo bastante razoável. E nós temos técnicas
hoje para fazer com que a gente consiga, de um fragmento muito pequeno de
DNA, a gente vai conseguir tirar um DNA que identifique aquele fragmento
de osso, aquele fragmento de pó que alguém ache que possa ser um osso.
Então, o DNA da minha primeira célula até a minha completa esqueletização
vai ser o meu DNA. Ele não vai mudar, ninguém vai poder amputar isso,
cortar pela metade, ou deteriorar a ponto de a gente não conseguir isso. A
gente tem estudos de DNA com carbono, de séculos, e as tecnologias vão
melhorar.
O doutor Ronaldo já mostrou como é feita a coleta bucal. É
feita com aquilo que a gente chama de bolt, ou um swab, é feito em coleta, um
armazenamento, a discrição disso tudo já foi feito, e aqui está o DNA. Isso aqui
é o eletroferograma, que infelizmente na apresentação do Dr. Ronaldo não
apareceu. Quando a gente joga isso num sequenciador, depois de todas as
etapas, é isso que nós temos: uma sequência de números. A única coisa que
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identifica que isso é um perfil de uma mulher, porque é XX. O primeiro pico
diz que eu sou uma mulher, porque esse é o meu DNA também. Vocês podem
fazer o que vocês quiserem com ele; ele está no banco de dados, porque, como
a Debbie falou ontem com muita propriedade, é uma coisa emocionante o que
ela falou, mas se você extrair coisas pequenas do que ele falou, ela disse que o
DNA, o meu perfil genético não me incrimina, ele me identifica. Eu posso
pegar esse DNA e colocar num banner e levar a uma manifestação. É só a
minha identificação; é o meu nome genético; não está me incriminado; não
está me ligando a crime nenhum; só está dizendo que eu sou filha do meu pai
e da minha mãe e que eu sou eu; e esse perfil é único, é meu e não vai acabar
mesmo depois da minha esqueletização.
E como se falou ontem, também com bastante propriedade,
o DNA é como uma impressão digital, só que não deteriora e não envelhece
como a gente infelizmente. A gente podia ser (ininteligível)
Mas, enfim, o nosso DNA, foi bastante coincidente essas
duas falas, tanto da Debbie quanto do Doutor Ingo, porque era uma coisa que
eu iria dizer: o meu DNA, assim como de todos os meus colegas, está no banco
de dados; está lá o meu perfil, porque nós fazemos parte de um staff que
trabalha com isso. O senhor havia perguntado o que que a gente faz para as
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misturas, ou para não contaminar. Já houve casos, há dezenas de anos atrás,
talvez não tantas dezenas, que houve a contaminação de uma impressão
digital de uma pessoa, de um perito, há muito tempo atrás. Então, erros, como
o Doutor Mariano falou, existe, existem erros. Má intenção? Eu acredito que
todo mundo está trabalhando como eu: com boa intenção. Assim como eu
acredito nas instituições desse nosso país. Eu acredito aonde estou pisando; eu
acredito na Defensoria; eu acredito na Procuradoria; eu acredito na Justiça.
Todo mundo está trabalhando para que dê certo, não para que dê errado. Os
meus colegas estão fazendo tudo, como já falado por outros colegas aqui, os
colegas que trabalham no local, eles estão fazendo tudo dentro de um
protocolo, e dentro de um padrão; e o DNA deles está tipado e foi jogado no
também CODIS também, no bando de dados também. Se acontece algum
problema, que nunca aconteceu, graças a Deus, a gente sabe que houve um
problema e vamos refazer, porque, como falou o Doutor Ronaldo, nós
mantemos a contraprova que a gente pode repetir o material.
Um dos protocolos de quando a gente tem uma exclusão é
repetir o material, porque pode ter sido contaminado. Excluiu, não é o pai,
vamos refazer, eu posso ter contaminado. E como o Doutor Ronaldo falou que
nós estamos chegando a um número de oito, nove octilhões de vezes mais
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provável que aquele DNA que estou levantando é daquela pessoa e não de
outra qualquer do mundo, significa mais ou menos assim: somo quantos? Sete
bilhões no mundo todo? Sete octilhões é a passagem como se eu tipasse todo
mundo, várias e várias vezes, e dissesse: realmente, entre todos os sete bilhões,
várias vezes, faça uma conta de 7 bilhões dividido por sete octilhões, eu passei
várias vezes no mundo inteiro e é esse o DNA dessa pessoa; não existe
possibilidade de ser de outro; pode ser que seja de um alienígena.
Então, desculpem a minha forma enfática de falar, era mais
ou menos o que eu tinha que falar.
E em relação às tecnologias, só para ilustrar, não sei se eu
ainda tenho um pouco de tempo. O que são as tecnologias? "Ah, a gente não
precisa de tecnologia, temos a impressão digital, a visualização!"
Eu li um artigo uma vez sobre tecnologia que falava que, no
manual do Ford "bigode" de 1929, a última frase era "conserve este manual,
pois a tecnologia nunca vai conseguir superá-lo". Portanto, a tecnologia vai
avançar sempre. Já temos notícias - temos um perito no Paraná que está
fazendo doutorado nisso - de que existem equipamentos e formas de levantar
o DNA que, de um fragmento muito pequeno dele, nós conseguimos
identificar uma pessoa.
ARMAZENAMENTO DE PERFIS GENÉTICOS DE CONDENADOS POR CRIMES VIOLENTOS OU HEDIONDOS
Então, é a defesa que eu faço do meu trabalho emocionado
por relatos como o que a Debbie fez, sobre o qual falei para ela "você é a voz
de muitas meninas". Há duas semana - e faz dois meses que estou no Distrito
Federal -, duas meninas foram estupradas aqui, e não tiveram a voz que teve a
Debbie. É um drama para a mulher. Como o doutor (ininteligível) falou "é só
sexo!" Mas não é só sexo! É uma violência para a mulher. É uma violência
pensar que alguém possa fazer isso. E nós estamos trabalhando para que isso
seja minimizado. Acabar não vai, porque a raça humana de boa não tem
grande coisa, e nós sabemos disso. Nós não somos bons. Mas nós podemos
tentar minimizar com nosso trabalho, com as tecnologias que estão crescendo.
Eu respeito muito o meu trabalho e o de todo mundo que está aqui que lida
com isso.
Obrigada!
O SENHOR ODIM BRANDÃO (SUBPROCURADOR-
GERAL DA REPÚBLICA) - Por favor, eu gostaria de fazer umas perguntas
breves.
Do ponto de vista jurídico - talvez o Ministro Gilmar por
ora não possa se manifestar -, acho que a classificabilidade das informações é
ARMAZENAMENTO DE PERFIS GENÉTICOS DE CONDENADOS POR CRIMES VIOLENTOS OU HEDIONDOS
muito relevante para nós, da perspectiva da necessidade na
proporcionalidade.
Eu queria que a senhora fizesse uma explanação, e não
precisa ser muito complexa, para explicar por que é preferível e factível
classificar - ou seja, guardar, ter amostras de DNA -, guardá-las e as ter em
milhões; e não o é os outros métodos, não só quanto ao armazenamento, mas à
busca. Queria, por favor, essa informação.
A SENHORA MARIA CHRISTINA MARINA
(ENGENHEIRA BIOMÉDICA) - Nós temos casos, por exemplo, de locais que
têm uma pegada, uma impressão plantar. Eu me lembro que, quando eu entrei
no instituto de criminalística, nós tínhamos essa pegada em um molde de
gesso. Por muitos anos, ela ficou lá. O senhor imagine se nós tivéssemos que
guardar todas as pegadas em um armário, ou se nós fizéssemos um modelo
com a minha envergadura, o meu tamanho, a minha máscara facial, mortuária,
como existem pessoas que as fazem. Em vez de guardar isso em um armário,
eu guardo em um pen drive. Esse perfil genético que vocês estão vendo sou eu
e não outra pessoa - não existe essa possibilidade. Isso vocês guardam em um
pen drive, em um mínimo armazenamento.
ARMAZENAMENTO DE PERFIS GENÉTICOS DE CONDENADOS POR CRIMES VIOLENTOS OU HEDIONDOS
Então, eu acho que a classificabilidade entra nisso. É
classificável e absoluto, já que muitas pessoas têm 1,72 m como eu tenho - isso
não é classificável.
Não sei se fui clara, desculpe.
O SENHOR ODIM BRANDÃO (SUBPROCURADOR-
GERAL DA REPÚBLICA) - Foi bem clara.
Então, eu posso fazer afirmação de que, de todas as
informações de precisão absoluta, o DNA é aquela de maior classificabilidade?
A SENHORA MARIA CHRISTINA MARINA
(ENGENHEIRA BIOMÉDICA) - Até hoje - lembre-se do Ford 1929 -, sim. É a
forma de mais fácil armazenamento, classificabilidade, imutabilidade,
perenidade que nós podemos ter.
Mesmo quanto à impressão digital, há muito tempo - hoje
também se pode digitalizar isso -, tínhamos aqueles arquivos decadáctilos, que
ocupavam salas e salas com os nossos dez dedos ali.
O SENHOR ODIM BRANDÃO (SUBPROCURADOR-
GERAL DA REPÚBLICA) - A pesquisa, a recuperação do dado do DNA é
mais eficaz, mais rápido que todos os outros métodos também?
ARMAZENAMENTO DE PERFIS GENÉTICOS DE CONDENADOS POR CRIMES VIOLENTOS OU HEDIONDOS
A SENHORA MARIA CHRISTINA MARINA
(ENGENHEIRA BIOMÉDICA) - A pesquisa que o senhor diz é do começo ao
fim?
O SENHOR ODIM BRANDÃO (SUBPROCURADOR-
GERAL DA REPÚBLICA) - Uma vez tendo duas amostras. Não, não, a
comparação de amostras.
A SENHORA MARIA CHRISTINA MARINA
(ENGENHEIRA BIOMÉDICA) - Sim, é muito visual. Porque, quando eu faço...
O SENHOR ODIM BRANDÃO (SUBPROCURADOR-
GERAL DA REPÚBLICA) - Não. Perdão, eu digo velocidade. Quando eu
precisar informaticamente, rapidamente, saber se essa amostra do local do
crime corresponde a um suspeito, é a de todas a mais rápida? Por exemplo, se
eu tiver que fazer uma pesquisa, uma varredura no catálogo inteiro.
A SENHORA MARIA CHRISTINA MARINA
(ENGENHEIRA BIOMÉDICA) - Sim. Se tiver no banco de dados, ainda é mais
rápida, como o Doutor Jaques falou, porque ele vai buscar o match para nós.
O SENHOR ODIM BRANDÃO (SUBPROCURADOR-
GERAL DA REPÚBLICA) - E há alguma coisa que, estando satisfeita essa
condição, dê a mesma velocidade ou ainda estará aquém?
ARMAZENAMENTO DE PERFIS GENÉTICOS DE CONDENADOS POR CRIMES VIOLENTOS OU HEDIONDOS
A SENHORA MARIA CHRISTINA MARINA
(ENGENHEIRA BIOMÉDICA) - Se houver algum método, e Deus permita que
tenha, está além.
O SENHOR ODIM BRANDÃO (SUBPROCURADOR-
GERAL DA REPÚBLICA) - Não, eu digo dos existentes. Dos existentes, esse é
o mais rápido?
A SENHORA MARIA CHRISTINA MARINA
(ENGENHEIRA BIOMÉDICA) - É o mais rápido e o mais eficaz. Porque,
quando fazemos a comparação, para se ter uma ideia, há uns quatro ou cinco
meses atrás, nós tivemos um caso de DVI no Paraná - DVI, como falei, Desaster
Victim Verification -, um ônibus, onde vários senhores e senhoras estavam indo
para uma outra cidade fazer a verificação da cirurgia para catarata. Eram
todos homens e mulheres com mais de setenta e oito, setenta e nove anos, cada
um com seu filho ou sua filha. O ônibus bateu e vinte corpos foram
absolutamente carbonizados. Foram todos os corpos para o meu laboratório.
Nós fizemos uma ação de guerra praticamente. Esse processo não é bonitinho,
é complicado. Nós temos que pegar a cabeça do fêmur, uma caixa que o
criador colocou ali para dizer que assim: essa caixa terá muito DNA para vocês
utilizarem, hoje ou quando ele se deteriorar. Quando cortamos ele ao meio, ele
ARMAZENAMENTO DE PERFIS GENÉTICOS DE CONDENADOS POR CRIMES VIOLENTOS OU HEDIONDOS
mantém o material biológico muito farto. Foram todas as cabeças de fêmures
para nós. Vinte pessoas mortas e ninguém sabia quem era quem. Nós picamos
aquele osso, pulverizamos aquele osso, extraímos o DNA. Foi uma ação de
duas, três semanas. Nós sentamos, entre quatro peritos: "Fulano, filho de
fulano. Pronto, faz o laudo". "Fulano, filho de fulano". Foi uma tarde para
identificarmos vinte corpos. Foi uma vitória para nós conseguirmos
identificar, inclusive os filhos estavam lá dentro. Quando vamos fazer uma
comparação, colocamos, em cada cor - vocês estão vendo ali -, o objeto e a
referência e vai vendo se batem os alelos, aquele 3, 4, 14, 15, 16 e 17. Então, é
muito rápido.
O SENHOR ODIM BRANDÃO (SUBPROCURADOR-
GERAL DA REPÚBLICA) - Muito obrigado.
A SENHORA MARIA CHRISTINA MARINA
(ENGENHEIRA BIOMÉDICA) - Desculpe se não fui clara.
O SENHOR ODIM BRANDÃO (SUBPROCURADOR-
GERAL DA REPÚBLICA) - Foi precisa, é o que eu queria saber. Muito
obrigado.
A SENHORA MARIA CHRISTINA MARINA
(ENGENHEIRA BIOMÉDICA) - Ótimo. Muito obrigada. Mais alguma coisa?
ARMAZENAMENTO DE PERFIS GENÉTICOS DE CONDENADOS POR CRIMES VIOLENTOS OU HEDIONDOS
O SENHOR FLÁVIO LELLIS (DEFENSOR PÚBLICO
FEDERAL) - A senhora disse a respeito de aumentar essa base de dados. Eu
queria saber se poderia nos explicar no que consiste essa técnica de pesquisas
familiares?
A SENHORA MARIA CHRISTINA MARINA
(ENGENHEIRA BIOMÉDICA) - Quem falou em aumentar a base de dados,
acho, foi a Doutora Meiga. Ela falou que nós temos poucas amostras,
precisamos aumentar, que estamos muito aquém em relação a outros países,
inserir mais dados no Banco de Dados. Mas, enfim, vou tentar ser clara. O
senhor me interrompa se não for isso que esteja querendo saber.
Existe uma seção no nosso banco de dados que fala sobre
paternidades. Não sei se é isso que está querendo saber.
O SENHOR FLÁVIO LELLIS (DEFENSOR PÚBLICO
FEDERAL) - É sobre um artigo que li. A partir de uma identificação de um pai,
posso chegar no filho, que foi quem praticou o crime.
A SENHORA MARIA CHRISTINA MARINA
(ENGENHEIRA BIOMÉDICA) - Sim. Podemos fazer uma pesquisa, mas
fazemos isso nos nossos laboratórios. Nós não temos ainda esse tipo de coisa
no CODIS. Mas a gente pode fazer, sim, através do pai, identificar. Se tiver a
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mãe, muito melhor. A gente elimina um e outro e consegue chegar ao DNA do
filho, sim, sem dúvida.
O SENHOR FLÁVIO LELLIS (DEFENSOR PÚBLICO) -
Obrigado.
A SENHORA MARIA CHRISTINA MARINA
(ENGENHEIRA BIOMÉDICA) - Mais alguma pergunta? Eu agradeço
imensamente a oportunidade e espero que tenha sido claro para todo mundo.
Obrigada.
O SENHOR MINISTRO GILMAR MENDES - Agora,
ouviremos a Doutora Heloísa Helena Kuser.
A SENHORA HELOÍSA HELENA KUSER (MINISTÉRIO
DA JUSTIÇA) - Bem, meu bom-dia a todos.
Eu estou aqui representando o Ministério da Justiça,
especificamente um departamento dentro do Ministério da Justiça e dentro da
Secretaria Nacional, que é o Departamento da Força Nacional.
Eu vou dar um contextualizada para entender o porquê da
minha representação. Eu sou perita criminal do Rio Grande do Sul. Estou
cedida para SENASP - Secretaria Nacional de Segurança Pública -, assim como
a minha colega do Paraná. Nós trabalhamos em departamentos diferentes,
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mas nós temos uma grande ligação nas nossas atividades e em busca dessa
qualificação de profissionais de perícia pela Senasp.
A ideia de a Força Nacional estar aqui hoje, apresentando o
trabalho dela a vocês, é porque o Ministério da Justiça entende que a validação
desse comitê, a validação desses trabalhos, toda a participação do Ministério
da Justiça pode, inclusive, na atuação em relação a uma força tarefa ou
atividades, inserindo esse quantitativo de dados dentro de um banco de perfis
genéticos.
Bom, vamos fazer entender.
Em 2001 - contarei uma historiazinha aqui -, foi implantada
a Política Nacional de Segurança Pública, com o objetivo central de reforma
das instituições de segurança. A política também estabelecia como meta a
redução da violência e da criminalidade e deveria fomentar ações integradas e
articuladas entre as esferas distintas governamentais.
Lá em 2001, então, o País buscava, dentro daquela época e
naquela política de segurança, controlar a violência que afetava a preservação
de ordem pública-social. Porém, considerando um diagnóstico daquela época,
havia uma grande dificuldade para o controle de crise, por uma capacidade
técnica insuficiente das forças estaduais. Então, como exemplo, até vem dentro
ARMAZENAMENTO DE PERFIS GENÉTICOS DE CONDENADOS POR CRIMES VIOLENTOS OU HEDIONDOS
do histórico da Força Nacional, o que aconteceu em Rondônia, a crise do
Presídio Estadual Urso Branco, em Porto Velho, que se destacava no cenário
nacional.
Essa crise fez o Brasil reconhecer e publicizar, junto à Corte
Interamericana de Direitos Humanos, da OEA, que no presídio ocorriam
práticas de vedação de direitos humanos. E, desde 2012, o Brasil respondia ao
processo, na própria OEA, por desrespeito às normas internacionais de
direitos humanos lá em Urso Branco, evidenciado por massacre de presos,
superlotação carcerária, instalações deficientes, entre outros.
Por essa razão, lá em Rondônia, as autoridades locais se
dispuseram a pedir apoio às forças de segurança de São Paulo e do Rio Grande
do Sul, porque eles tinham mais expertise em ações de presídios. Porém, não
tinha nenhum dispositivo constitucional que permitia que aquelas forças do
Sul atuassem fora dos seus estados de origem.
E, nesse contexto, foi reforçada uma ideia de uma criação de
uma cooperação que pudesse atuar em apoio a outros estados em situação de
crise.
Assim, foi concebida a Força Nacional, no âmbito de
aprimorar a capacidade de cooperação entre os entes federados com a União.
ARMAZENAMENTO DE PERFIS GENÉTICOS DE CONDENADOS POR CRIMES VIOLENTOS OU HEDIONDOS
Ou seja, ela traduziu uma estratégia de operacionalização da cooperação de
campo da segurança pública. A sua criação foi impulsionada, portanto, pela
necessidade de os estados contarem com um apoio imediato, qualificado e
experiente para a atuação específica de polícia.
O foco inicial da Força Nacional foi um efetivo altamente
qualificado, com representantes de diversos entes federados e com base em
Brasília, estando prontos para um pronto atendimento.
Bom, eu estou falando de uma Força Nacional inicial de
policiais militares. Inclusive, a minha participação aqui é para demonstrar que,
na Força Nacional, não existem somente policiais militares. Nós temos grupos
de peritos criminais, policiais civis, bombeiros; e nós trabalhamos - e o Senhor
Defensor até aqui questionou antes - de uma forma muito integrada, até hoje.
Voltando lá para a criação da Força Nacional, a inspiração
foram as Forças de Paz da ONU, em que a proposta de atuação e cooperação
de distintos países inspirou a conciliação de modelos de cooperação entre os
estados brasileiros, coordenados pelo Governo Federal, para auxiliar esses
estados, então, em uma situação que se faça necessário.
Ela foi criada, então, em 2004, como um programa de
cooperação federativa mediante um convênio, que compreende as operações
ARMAZENAMENTO DE PERFIS GENÉTICOS DE CONDENADOS POR CRIMES VIOLENTOS OU HEDIONDOS
conjuntas de segurança pública. Ou seja, o efetivo da Força Nacional vai ao
estado e trabalha em apoio e conjuntamente com o efetivo do estado.
A transferência de recursos: o efetivo dos estados vem para
a Força Nacional, pelo acordo de cooperação, é qualificado e, ao retornar para
seus estados, ele leva equipamentos. É o legado, a contribuição do Governo
Federal em relação ao estado. Esses equipamentos são ou da Polícia Militar, ou
Polícia Civil, Judiciária, conforme suas atuações, é o que mesmo usa.
Desenvolvimento de atividades de capacitação e
qualificação dos profissionais em segurança pública. Ao meu ver e ao ver de
todos que estão na Força Nacional, é o maior legado. O legado da convivência,
da troca de experiência, da troca de conhecimento, em que, no momento da
capacitação, são chamados instrutores mais qualificados, dentre todas as áreas
da segurança. Então, o legado de conhecimento e o retorno para os seus
estados são muito importantes.
Em 2008, já foram celebrados formalmente os primeiros
acordos de cooperação entre a federação e a unidades federativas. Nesse
primeiro momento, o recrutamento era voltado somente a policiais militares,
unidades especiais e bombeiros. Mas a demanda entre os estados foi variando.
Com o sucesso que a Força Nacional ia fazendo ao chegar no estado, auxiliar
ARMAZENAMENTO DE PERFIS GENÉTICOS DE CONDENADOS POR CRIMES VIOLENTOS OU HEDIONDOS
em uma situação de crise, ampliou-se para diferentes grupos de policiais
militares, de ações mais comunitárias, de bombeiros. Teve a Operação
Labrador em Santa Catarina, onde os bombeiros atuaram. Entrou a Polícia
Judiciária em uma demanda de solicitação de apoio à resolução de inquéritos,
principalmente em Alagoas. E quando a Polícia Judiciária entra para auxiliar
na resolução dos inquéritos, é preciso a prova pericial. Para não sobrecarregar
o próprio estado onde a própria Força está indo auxiliar, entra a equipe de
peritos criminais. Então, o primeiro grupo na Força Nacional são de peritos
criminais que auxiliam na balística forense. Eram especialistas, foram
solicitadas as suas vindas, a capacitação, a qualificação de peritos em balística
forense, para auxiliar nos inquéritos não resolvidos em Alagoas.
Então, o decreto de 2004 que cria o programa é alterado
com o decreto de 2010, quando regulamenta a participação da Polícia
Judiciária e da perícia.
E entre as ações da perícia - porque agora eu estou focando
no grupo de peritos que ingressam na Força Nacional -, acrescenta-se como
atividade competente a esses peritos: realização de atividades periciais e
identificação civil e criminal destinada a colher e resguardar indícios ou
provas ocorrentes de fatos ou infração penal. Portanto, peritos da Força
ARMAZENAMENTO DE PERFIS GENÉTICOS DE CONDENADOS POR CRIMES VIOLENTOS OU HEDIONDOS
Nacional - o caminho que eu estou fazendo - são habilitados, por portaria e
por decreto, a trabalhar também com a identificação criminal.
Quando o profissional passa a compor temporariamente e
voluntariamente a Força Nacional, o Ministério da Justiça oficia ao estado que
há vagas e uma necessidade de demanda para deixar um corpo pronto e
qualificado, assim como as Forças de Paz da ONU, para uma situação de
necessidade dos estados.
Nós temos um banco de dados, em que, no geral, temos
mais de 10 mil profissionais já capacitados, disponíveis e prontos para
entrarem em atividade. Quando um profissional, qualquer um que seja,
ingressa na Força Nacional, depois de passar por uma seleção e indicação do
seu estado, ele aqui é capacitado e treinado. E, como eu comentei, ele vai
receber uma instrução de nivelamento de conhecimento, porque nós temos
que pensar que são pessoas com formações diferentes, com histórias,
experiências diferentes, que vão trabalhar em uma outra unidade da
Federação, que tem uma rotina diferente.
Então, nós precisamos trazer esses profissionais para uma
padronização de procedimentos, em que atuarão juntos e respeitando muito a
diversidade profissional e individual.
ARMAZENAMENTO DE PERFIS GENÉTICOS DE CONDENADOS POR CRIMES VIOLENTOS OU HEDIONDOS
Bom, passando por essa instrução de nivelamento e sendo
aprovados, eles passam a compor o grupo de profissionais da Força Nacional,
ou em banco de dados, retornando a seus estados, ou sendo mobilizados,
movimentados para as operações que, ora, estão em curso.
Com relação à perícia, desde 2010, foram realizadas nove
instruções de nivelamento de conhecimento. Nós temos quase trezentos
profissionais de perícias, que passaram pelo nosso departamento da Força,
entre eles, papiloscopistas, médicos legistas e uma diversidade de peritos
criminais.
Por ora, até então nós temos, as especialidades em que há
demanda para as operações da Força Nacional são aquelas voltadas à redução
de homicídios, entendendo que nós estamos respondendo aos planos
nacionais de segurança pública. E, neles, as metas são: redução de inquéritos,
que estão represados, para resolução de crimes de homicídio.
Porém, isso não nos impede de, numa solicitação de
demanda dos estados, para inserção no banco de dados, para profissionais
qualificados e que recebam aqui a capacitação, recebam as informações da
padronização de procedimentos do banco de perfis genéticos, eles vão
trabalhar nessa área de ação.
ARMAZENAMENTO DE PERFIS GENÉTICOS DE CONDENADOS POR CRIMES VIOLENTOS OU HEDIONDOS
Desde o início do banco, do comitê, a Força Nacional, com
os seus peritos, esteve presente. Porque nós estamos dentro do Ministério da
Justiça e pretendemos trabalhar de uma forma integrada, assim como
trabalhamos com o departamento que faz aquisições. E dessa forma, nós
participamos, desde o início, com a normatização, com o Comitê Gestor, na
elaboração de suas regras e normas e procedimentos padronizados.
Quando uma unidade da Federação faz uma solicitação,
através do Governo Federal ao Ministro da Justiça, existe uma análise, ocorre
uma análise técnica da viabilidade de mandar pessoal especializado para
aquela unidade da Federação.
Antes de mandar essa unidade - e agora estou falando no
nosso trabalho de perícias criminais -, nós precisamos fazer um diagnóstico da
situação, porque nós não podemos mandar dez peritos criminais com
especialidade em genética para atuar lá, se o laboratório não comporta, se não
há equipamentos, se não há implementos.
Então, o primeiro passo para qualquer ação, é nós
entendermos tecnicamente a viabilidade dessa ação junto ao Estado. É
importante. E com isso, eu quero falar que o Ministério da Justiça se preocupa
sempre em ter um panorama e um diagnóstico de qual a situação desses
ARMAZENAMENTO DE PERFIS GENÉTICOS DE CONDENADOS POR CRIMES VIOLENTOS OU HEDIONDOS
laboratórios, no momento de apoio, onde está o apoio para que todas as
atividades possam ocorrer em sequência.
Existindo a viabilidade, a Força Nacional, então, atua de
forma a cumprir uma meta, e provisoriamente, por um período onde o estado
possa se recompor.
Um exemplo que nós temos dessa atividade - em especial,
entre as dez operações da perícia, na Força Nacional - nós temos uma, em
especial, que atuou na identificação de vítimas, que foi na região serrana, no
Rio de Janeiro, em 2011.
Então, em 2011, durante uma noite, nós tivemos a maior
catástrofe climática no mundo, onde morreram mais de mil pessoas. Há
centenas de desaparecidos e treze mil desabrigados, até hoje, não é?
Quando aconteceu, numa noite, pela madrugada, aquela
catástrofe, à noite a Força Nacional já estava chegando lá.
Por que nós fomos chamados? Porque a catástrofe foi
tamanha, que os próprios peritos da região não teriam condições de
acompanhar a identificação das vítimas.
ARMAZENAMENTO DE PERFIS GENÉTICOS DE CONDENADOS POR CRIMES VIOLENTOS OU HEDIONDOS
Quando nós chegamos, havia uma sala muito grande, onde
os corpos chegavam sem parar, e as pessoas faziam o reconhecimento para
liberação e para sepultamento dos seus parentes.
Havia um problema. As pessoas faziam o reconhecimento
de pessoas que tinham passado por uma enchente, estavam sujas de lama, era
à noite, as vestes delas eram roupas de dormir; não eram as famílias, algumas,
todos os familiares estavam ali, nas nossas mesas, para identificação; o
reconhecimento era feito pelos familiares, parentes, vizinhos, alguém que
passava, porque precisava-se liberar o espaço, pois a chegada de corpos era
constante.
Então, por um primeiro momento, o reconhecimento visual
foi danoso. As pessoas foram sepultadas às pressas. E nós precisamos depois
de muito tempo, estou falando trinta dias - nós trabalhamos quarenta cinco
dias em Teresópolis -, nós fizemos uma série de exumações. Porque à medida
que as pessoas saiam dos hospitais e vinham buscar seus familiares, buscar
reconhecer, os corpos não estavam mais ali, porque foram reconhecidos
visualmente. Então, o reconhecimento aconteceu, e depois teve que ser
recuperado para uma identificação.
ARMAZENAMENTO DE PERFIS GENÉTICOS DE CONDENADOS POR CRIMES VIOLENTOS OU HEDIONDOS
A identificação pela equipe da Força foi feita por
papiloscopistas, quando conseguiam resgatar a impressão digital pela
necropapiloscopia, com algumas técnicas muito específicas. Só que, naquela
época, no calor e na situação que estava, a decomposição ela é muito, a
velocidade da decomposição é muito grade, e os corpos estavam muito
enterrados. Então, a forma que nós tínhamos para preservar a identificação
futura, porque aquele não era o momento, era com material genético - era a
coleta de material genético -, a qual foi feita por médicos legistas, que também
compõem a nossa equipe, retirando material dentro do joelho; então, fazem-se
incisões, dentro do joelho, e retirada da cartilagem - era o lugar que não havia
sido contaminado pelo ambiente, pela decomposição -, para futura
identificação dessas vítimas.
Todo esse material foi enviado para o laboratório no Rio de
Janeiro. E lá, à medida que as investigações avançavam, que as famílias
buscavam desaparecidos - fez-se um banco de dados de familiares -, então,
foram identificadas as vítimas e, assim, foram enterrados com seus familiares.
As exumações também fizemos, recolhemos material, para
identificação dos que já haviam sido enterrados, e também foi entregue ao
laboratório para futuras identificações.
ARMAZENAMENTO DE PERFIS GENÉTICOS DE CONDENADOS POR CRIMES VIOLENTOS OU HEDIONDOS
Nós tivemos então, sob nossa contabilidade, nos trabalhos
da Força Nacional, 918 mortos, 90 desaparecidos, 35 mil pessoas foram
desalojadas. E é importante trazer que, naquela época, a forma que nós
trabalhamos integradamente com a Polícia Militar, que fazia a segurança da
cidade, com os Bombeiros, que faziam o resgate de corpos, e com a perícia
criminal, que fazia a identificação, e a Polícia Judiciária, que atuou auxiliando
na liberação dos corpos, foi um ciclo completo de polícia que a gente
trabalhou, em que, neste momento, a liderança situacional, que também é um
fator do trabalho da Força, era da perícia. Então - trabalhávamos -, a
prioridade era a liderança da perícia para identificação dos corpos.
A identificação das vítimas. Nós passamos também - eu não
comentei porque a Doutora Cristina falou - pela antropologia, em que eram
trazidas fotografias. Trabalhávamos com a identificação. A identidade por que
não acontecia em Teresópolis? Porque as carteiras de identidades, documentos
das vítimas e as fotografias, todas elas foram por água abaixo: foram sete
cidades que sofreram uma enxurrada e passaram por essa grande catástrofe.
Bom, até hoje, nós tivemos 130 pessoas identificadas pelo
DNA que ficou guardado daquela época.
ARMAZENAMENTO DE PERFIS GENÉTICOS DE CONDENADOS POR CRIMES VIOLENTOS OU HEDIONDOS
Bem, então, estou trazendo a vocês que, uma vez deliberada
a constitucionalidade da Lei nº 12.654, o Ministério da Justiça tem plenas
condições de providenciar, pela Força Nacional, recursos humanos para
viabilizar a inserção de material genético em bancos de perfiz genéticos, em
apoio aos Estados com essa demanda reprimida. Lembrando os 7 mil presos
condenados, de que a Doutora Meiga falou, e as 28 mil amostras sem
processamento do backlog como foi contado no quarto relatório do Comitê
Gestor.
Dessa forma, a Força Nacional tem meios para prover
treinamentos, pela sua atividade, para qualificação de peritos criminais de
todas as unidades da Federação, juntamente com a Polícia Federal; promover a
integração entre os profissionais de diversas formações e experiências
embasadas, não só na matriz curricular, que também já foi citada aqui; e
oportunizar também uma ampla divulgação, assim como em todos os
procedimentos operacionais padronizados específicos da genética forense.
Esse momento em que juntamos profissionais, fizemos uma
grande integração e troca de experiência, é a capacidade que eles têm de
retornar aos seus estados e ampliar esse conhecimento.
ARMAZENAMENTO DE PERFIS GENÉTICOS DE CONDENADOS POR CRIMES VIOLENTOS OU HEDIONDOS
Para que ocorra ações conjuntas consolidadas em pareceres
técnicos, devemos ter, previamente, diagnóstico - com já falei - e a participação
de profissionais, representando diferentes unidades da Federação, que catalisa
muito o fluxo das informações. Ao chegarmos, se o profissional veio a Brasília,
veio à Força, teve uma experiência de contato, quando nós precisamos chegar
ao estado, essa comunicação já está construída. Então, a velocidade do
trabalho é muito maior.
E a integração dos diversos profissionais promove uma
melhor avaliação das necessidades de equipamentos e de implementos.
Muitas vezes, fornecidas pela Senasp, um outro departamento com o qual
trabalhamos, com implementos.
Portanto, há necessidade de atuação para agilizar, há
necessidade de aquisições de equipamentos, implementados pelo próprio MJ -
onde nós estamos.
As ações de perícia forense são muito reconhecidas no
Ministério da Justiça, tanto que foi elaborada uma proposta, este ano, de
partição da Força Nacional, em que teríamos uma parte dirigida por um gestor
Policial Militar - que é o coronel, hoje -, de polícias militares e bombeiros, e
ARMAZENAMENTO DE PERFIS GENÉTICOS DE CONDENADOS POR CRIMES VIOLENTOS OU HEDIONDOS
outra porção de peritos e Polícia Judiciária. É uma proposta que hoje está no
Ministério do Planejamento.
Com isso, pela experiência que temos na Força e pela
proposta de trabalho da Força, eu tenho a dizer a todos, assim, que Forças de
Paz da ONU, a Força Nacional, a Rede Integrada de Bancos de Perfis
Genéticos, elas têm muito em comum, quando promovem a integração, a
qualificação, a valorização de profissionais, uma maior resposta da
informação, auxiliando os estados irmãos, em prol da Justiça, um grande
exercício de cidadania de cada um dos profissionais envolvidos.
Era só esse o meu recado. Obrigada!
O SENHOR MINISTRO GILMAR MENDES (RELATOR) -
Obrigado!
A SENHORA HELOÍSA HELENA KUSER (MINISTÉRIO
DA JUSTIÇA) - Alguma questão?
O SENHOR MINISTRO GILMAR MENDES (RELATOR) -
Alguma questão?
O SENHOR ODIM BRANDÃO (SUBPROCURADOR-
GERAL DA REPÚBLICA) - Uma única questão: Qual é, aproximadamente, o
valor de que a União se dispõe a aportar ao sistema, na melhora da perícia?
ARMAZENAMENTO DE PERFIS GENÉTICOS DE CONDENADOS POR CRIMES VIOLENTOS OU HEDIONDOS
A SENHORA HELOÍSA HELENA KUSER (MINISTÉRIO
DA JUSTIÇA) - Em equipamentos ou profissionais?
O SENHOR ODIM BRANDÃO (SUBPROCURADOR-
GERAL DA REPÚBLICA) - No DNA, especificamente, para formulação ou
aumento do Banco.
A SENHORA HELOÍSA HELENA KUSER (MINISTÉRIO
DA JUSTIÇA) - Olha, deixa-me ver se compreendi - eu estou falando pela
Força Nacional, não é?
O SENHOR ODIM BRANDÃO (SUBPROCURADOR-
GERAL DA REPÚBLICA) - Sim.
A SENHORA HELOÍSA HELENA KUSER (MINISTÉRIO
DA JUSTIÇA) - É que nós chamamos ao profissional, aqui ele é qualificado
teoricamente - teórica e praticamente -, mas, quando ele vai trabalhar no
estado, é com o recurso do Estado e o que ele leva do Ministério da Justiça. É
essa a pergunta?
O SENHOR ODIM BRANDÃO (SUBPROCURADOR-
GERAL DA REPÚBLICA) - Não. A União tem um plano de aportar recursos
para os estados?
ARMAZENAMENTO DE PERFIS GENÉTICOS DE CONDENADOS POR CRIMES VIOLENTOS OU HEDIONDOS
A SENHORA HELOÍSA HELENA KUSER (MINISTÉRIO
DA JUSTIÇA) - Sim, sim. Tem um planejamento de recursos em relação a
implementos. Esse trabalho é do departamento da minha colega, não da Força
Nacional, é Departamento de Projetos da Secretaria Nacional de Segurança. Eu
não tenho o valor, mas existem, sim, orçamentos semestrais, anuais sobre isso.
O SENHOR ODIM BRANDÃO (SUBPROCURADOR-
GERAL DA REPÚBLICA) - Muito obrigado!
O SENHOR MINISTRO GILMAR MENDES (RELATOR) -
Doutor Jozefran, médico legista, que também disporá de 40 minutos.
O SENHOR JOZEFRAN FREIRE (ASSOCIAÇÃO
BRASILEIRA DE MEDICINA LEGAL E PERÍCIAS MÉDICAS) - De início,
agradeço ao Supremo Tribunal Federal, na pessoa do Senhor Ministro Gilmar
Mendes, a nossa presença aqui; ao Subprocurador da República, Doutor
Odim, e ao Senhor Defensor Público, Doutor Flávio Lellis.
Aqui represento a Associação Brasileira de Medicina Legal
e Perícias Médicas, entidade nacional que congrega a categoria dos médicos
legistas e dos médicos peritos desde uma fusão da nossa antiga Associação
Brasileira de Medicina Legal com a Sociedade Brasileira de Perícias Médicas,
em 2011. Reunimos tudo isso num corpo só para dar maior consistência, tanto
ARMAZENAMENTO DE PERFIS GENÉTICOS DE CONDENADOS POR CRIMES VIOLENTOS OU HEDIONDOS
doutrinária quanto metodológica, aos atos periciais, atribuir maior
cientificidade àquilo que fazemos e deixar, na nossa área científica, essa janela
plenamente aberta às novas tecnologias, àquilo que se pode usar para trazer à
sociedade e à cidadania o que temos de melhor em termos de ciência, já que a
busca - nós vimos isso aqui ontem, estamos vendo agora de manhã e, muito
provavelmente, à tarde - é de se demonstrar a necessidade cada vez mais
premente da prova científica, no caso, em detrimento das outras. Essa busca
da prova científica é algo que permeia a história da Medicina Legal desde,
pelo menos, 1641, com aquela primeira publicação de um texto, de setecentos e
noventa e cinco páginas, do Paolo Zachias, chamado Quaestiones Medico-
Legales.
Então, nós temos uma história, diversas vezes centenária,
em que se mostra que a Medicina Legal é a especialidade médica mais antiga.
Nós tínhamos médico, à época de Paolo Zachias, a época de Fortunato Fedele,
o médico, que era o clínico; o cirurgião, que podia fazer coisas, inclusive, ser o
açougueiro e cortar cabelo; e tinha o médico legisla. Então, eram essas as três
áreas do conhecimento.
Tudo aquilo que a gente fala hoje de perícia, tudo aquilo
que a gente fala hoje de subdivisões de todo esse arcabouço doutrinário,
ARMAZENAMENTO DE PERFIS GENÉTICOS DE CONDENADOS POR CRIMES VIOLENTOS OU HEDIONDOS
começa lá atrás com este nome, em 1.641, antecedido por alguns historiadores
de um edito da (ininteligível) de Napoli, antecedido por outros, como as
decretais do Papa Gregório IX. Se quiser, leva-se até a morte de Júlio Cesar,
faz-se a regressão que se queira, porém, do ponto de vista da denominação, a
Medicina Legal tem, pelo menos, cinco séculos.
Então, a nossa busca é fundada em algo extremamente
fecundo de produção científica. Para termos ideia, só na Universidade de
Paris, no século XIX, foram cento e cinquenta e três doutorados só sobre
infanticídios, apenas na Universidade de Paris.
Então, nós temos um longo arcabouço de pesquisas
científicas, de fundamentos científicos, de doutrina específica para cada tipo
de coisa, inclusive e principalmente, na questão da identidade humana. E, por
falarmos da identidade humana, nós vamos, necessariamente, chegar à
questão da identidade humana através do ADN - ácido desoxirribonucleico.
Vamos chegar, necessariamente, lá!
Antes disso, eu pediria vênia aos Senhores Ministros,
Senhor Procurador, Senhores Advogados, para fazer referência aos meus dois
colegas, do Estado de São Paulo, o Doutor Luiz Frederico Hoppe e o Doutor
ARMAZENAMENTO DE PERFIS GENÉTICOS DE CONDENADOS POR CRIMES VIOLENTOS OU HEDIONDOS
João Batista Oba, que são médicos legistas e que estão conosco. E também
pertencem a nossa associação.
Essa busca do estudo da identidade a gente comemora a
longo tempo, desde aquela necessidade que existe na tribo, na família, nos
agrupamentos sociais, nas nações, nos povos, de saber quem são os seus. Essa
é a necessidade que se instala quando se quer identificar algo. Identificar uma
pessoa! Queremos saber quem é! Então, há uma necessidade social em relação
à questão da identidade.
O que se discute, aqui, é uma questão ligada a uma lei que
cria um banco de dados de perfis genéticos e as questões constitucionais e
legais que aí se instalam. Sendo médico legista, e de formação anterior à
Medicina Legal, cirurgião, eu ouso a tocar, muito rapidamente, essa questão
da lei. A gente sabe que, em ciência também, princípios não subsumem outros,
eles se amoldam, na ciência também é assim.
A gente não pode achar que o princípio que determinou,
por Isaac Newton, a lei da gravidade foi plenamente negado pelo princípio da
incerteza, estabelecido por Werner Heisenberg quando estudou as partículas.
Pelo contrário, são coisas que se adequaram. Daí a dificuldade que se tem,
hoje, em ciência, de dizer que a gente quebrou o que Thomas Kuhn - um
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filósofo alemão, radicado no Estados Unidos - chama de quebrar paradigmas.
Não há algo mais complexo do que se quebrar um paradigma. Você pode
associar a ele coisas, você pode levar ele aonde se queira, numa plena
adaptação dos conhecimentos anteriores, coisas que estão acontecendo agora e
com as possibilidades de conhecimentos futuros.
A Medicina Legal se preocupa o tempo inteiro com esse
tipo de postura chamada científica. A ciência exige, para existir, duas coisas
básicas: ela tem que ter doutrina e tem que ter método próprio. Se uma ciência
não tem doutrina nem método próprio não pode ser chamada de ciência. E
isso é um conhecimento tão antigo quanto os Segundos Analíticos, de
Aristóteles. Então a gente precisa ter muito claro na nossa cabeça, ao
formularmos propostas, proposições, postulados e princípios, exatamente
aonde a gente quer chegar com aquelas doutrinas, para cada tipo de situação
específica, e com que métodos. O que a gente tem que trabalhar muito é o que
se faz enquanto ciência. Nós estamos em uma Casa que julga as questões
constitucionais, o fundamento do próprio Estado de Direito, que é a
Constituição. Nós estamos discutindo se uma lei que cria um banco de dados,
se essa lei fere algum outro princípio constitucional. Em ciência, não ousando
cair no campo do Direito, um princípio chega a ser, no seu extremo,
ARMAZENAMENTO DE PERFIS GENÉTICOS DE CONDENADOS POR CRIMES VIOLENTOS OU HEDIONDOS
indemonstrável, porque, se ele precisar de demonstração, ele deixa de ser
princípio e passa a ser regra. Então nós temos que saber conduzir essas
questões para que a gente possa depois apresentar à sociedade aquilo que
interessa a ela, mesmo que a gente caia na tentação de usar um pouco do
utilitarismo do Bentham e, com isso, a gente não faça ciência.
A aplicação de métodos científicos é só uma aplicação de
métodos científicos, não é uma ciência. A preocupação da Medicina Legal, o
tempo inteiro, é qual ciência nós temos. Porque a ciência é um bem social. A
gente pode aqui, parafraseando John Rawls, autor de alguns livros, mas um
interessante, A Teoria da Justiça, ele diz que a ciência está em busca da verdade
e a verdade é o maior bem da sociedade. Aliás, a Justiça é o maior bem, assim
como a verdade o é para o pensar. Então que verdade que a gente vai
trabalhar, enquanto ciência, na Medicina Legal? A gente vai trabalhar com a
verdade enquanto a conformação do pensamento com a realidade. É nesse
aspecto que a gente vai trabalhar. E em quais vias? Nós temos, pelo menos,
duas grandes vias dessa verdade científica, que é a verdade na fundamentação
grega da aletheia, que trata do presente, cujo antônimo é o pseudo, e, na
verdade, na vertente latina, do Veritas, cujo antônimo é o mentiri ou a mentira.
O perito transita da constatação da verdade, na vertente grega, no momento
ARMAZENAMENTO DE PERFIS GENÉTICOS DE CONDENADOS POR CRIMES VIOLENTOS OU HEDIONDOS
do exame, e faz um relato, depois, disso, na vertente latina, e isso numa
organização cerebral que permite com que você misture conceitos, organize
seus conceitos. Os conceitos em ciência vão exigir da gente - cada vez que a
gente vai abordar um tema que mexe com ciência e tecnologia - qual é o
fundamento que a gente tem para que se possa, de verdade, fazer a aplicação
adequada de qualquer técnica científica, com os cuidados para com aquilo que
ela pode gerar à frente, com o uso que se pode fazer dela e assim por diante.
Então, o que é que nós temos? Primeiro, o identificar algo é
a partir de um fenômeno biológico, e o fenômeno é a unidade mais elementar
da consciência. Ele tem que ser objetivado dentro da cabeça da gente para que
se produza, a partir daí, a ação. Então, se a gente olha o fenômeno biológico,
na sua complexidade, e, com essas duas grandes vertentes, o que é que ela
tem, Waddington, em um livro chamado Para uma Biologia Teórica, ele prega
que a gente saiu daquela ciência do eterno, e do que é sempre, e viemos para a
ciência do hipotético e do probabilístico, cuja matemática é a estatística. A
gente não está conseguindo chegar a uma axiomatização adequada da ciência
enquanto fenômeno biológico. No máximo, chegará a uma formalização nos
próximos anos. Se chegar à formalização, a gente vai ter que comemorar
muito. Então, para que a gente possa trabalhar cada vez mais essa ciência, a
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gente tem que entregar ao Poder Judiciário coisas como certeza. E certeza,
muitas vezes, adjetivada pelo absoluto, que é algo de um extremo risco
científico de se fazer, porque certeza, sendo uma afirmação positiva sem o
receio do erro, já põe um limite enorme em qualquer técnica, porque qualquer
técnica, por mais específica que seja, sempre há a possibilidade do erro. Mais
sábios são os advogados que, depois de um texto de 200 linhas, 200 laudas, mil
laudas, ele termina com três pontos: s.m.j. - salvo melhor juízo. E aí ele conclui.
Por que a gente, no âmbito da ciência, com essa busca que a gente tem focada,
com a metodologia da ciência pelos diversos autores - eu gosto muito de Karl
Popper, não gosto muito do Bacon -, mas, por qualquer um deles, a gente vai
chegar a quê? À aproximação da certeza e jamais se chegará à certeza com essa
definição de sem receio do erro.
Então, o que a gente vai trabalhar o tempo todo é eurexis, a
curva de tendência, uma equação da reta, algo desse tipo, que mostra que
aquilo pode ser usado com os devidos cuidados e, em sendo usado com
aqueles cuidados, isso pode, evidentemente, ser usado na sociedade, se
protegido pela lei e, em consequência, a gente poder trabalhar melhor.
Há algo que fica na cabeça de quem mexe com ciência, que
é uma dúvida metódica. Sempre algo pode ser melhorado, sempre algo pode
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ser questionado e é por aí que a ciência cresce. Nós temos que saber como
fazer isso sem que a gente faça um debate do ponto de vista ideológico. Não
ideológico no que se tem de senso comum, mas é um debate sobre a
objetividade do caráter científico de qualquer ato nosso. Em cima dessas
reflexões rápidas que fiz aqui com vocês, e me perdoando por repetir coisas
que todos vocês já sabem, é que a gente vai colocar como é que a Medicina
Legal, a Associação Brasileira de Medicina Legal, enxerga a questão da lei, do
Decreto nº 7.950, e da criação desse banco de dados de perfis genéticos aqui,
ou fora daqui.
Óbvio que há dissensões. Há escolas que falam que isso
invade a privacidade do indivíduo. Ela fica exteriorizada no seu ponto mais
íntimo, que é a nossa organização gênica - fica exposta, assim - e, em quanto
isso é prejudicial ou não a cada um. Há uma discussão a ser tratada sobre o
assunto com certeza, e essa é uma função do Tribunal resolver.
Para nós, o que tem que estar claro é que essas coisas têm
que ficar muito abertas para a sociedade, que todo processo de identificação é
invasivo. Ele nos revela. Não tem como não ser invasivo se ele nos revela.
Agora, é ruim ficar revelado? É outra questão. Estou fazendo juízo de valor.
Então, o que a gente precisa ter muito claro é que a Medicina Legal, enquanto
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nossa associação, por declaração oficial, a gente já comemorou o sistema de
Bertillon, o sistema de Tamassia, já comemoramos a datiloscopia no sistema
Galton e no sistema de Vucetich, já comemoramos o retrato falado
sistematizado do Hugh MacDonald, já comemoramos tudo isso e
comemoramos efusivamente o DNA desde a década de 50, quando Watson e
Crick mostraram a molécula de DNA. Embora ele seja de 1.869, (ininteligível)
Miescher, um bioquímico alemão que o identificou pela primeira vez, nós
comemoramos isso, porque a gente quer discutir, do ponto de vista da
Medicina Legal, é a questão da individualidade do ser humano; queremos
discutir também a questão da segurança pública, da comunidade e também de
cada ser humano; queremos saber como que a gente vai organizar isto para
que a gente não faça nenhum tipo de coisa que depois a gente se arrependa à
frente. O entusiasmo com a técnica é das coisas que a gente faz com
consciência, entusiasmo com a técnica é algo que move a nossa alma no
sentido de continuar pesquisando.
O meu mestrado, muitos anos atrás, foi feito em
antropologia forense. Eu estava com um sonho, na época, de criar um padrão
nacional para que se pudesse fazer medir a estatura dos ossos do ser humano,
a partir da medida dos ossos longos, com referencial científico adequado. À
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época, eu estava tão focado naquilo que achava que a antropometria ia
resolver o mundo. Tinha lido toda a obra de Ruan Coma, sabia tudo aquilo
muito na minha cabeça; aquilo era um foco de animação de alma. Quem mexe
com a genética humana; quem mexe com a estrutura do RNA, do DNA; quem
já foi até prêmio Nobel, lidou com aquele RNA primevo, aquele RNA
autocatálico, ele mesmo mensageiro, ele mesmo que guarda a informação, que
se diz ter existido há cerca de 3 ou 4 bilhões de anos; quem vai para essa
paliogenética, encontra lá elementos enormes de encantamento. Só que, do
ponto de vista pragmático, nós temos que saber da aplicação de toda essa
tecnologia; os benefícios que isso trará ao conjunto da sociedade e a cada um
de nós em particular. Nós temos que ter isso muito claro.
Então essas coisas todas nos levam a algumas questões. No
momento da coleta - foi objeto de perguntas aqui -, a gente discutiu se havia
risco de se ter acesso ao DNA codificante. Naquela coleta, claro que ele está lá.
Não está lá só o não codificante, está todo! Está todo ele lá. A escolha de
amplificação é que cabe aos órgãos, com a credibilidade dada pelo Estado, da
escolha do que se vai usar daquele material. E é obvio que pode ter mau uso.
O ser humano erra; o ser humano até urde melhor na visão entrópica de
mundo do que na visão entálpica de mundo. Porém, a gente tem que dizer isso
ARMAZENAMENTO DE PERFIS GENÉTICOS DE CONDENADOS POR CRIMES VIOLENTOS OU HEDIONDOS
bem claro: claro que é um método invasivo sim! Ele mexe com o mais fundo
da nossa identidade. A colega que me antecedeu, a que faz odontologia legal -
meus cumprimentos pelo trabalho -, mostrou aqui ela tem um perfil só dela, e
não na proporção da digital, que é 1 para 70 bilhões de margem de erro, mas
muitas vezes isso. Plena identificação, diz que ela é! Aquela categoria básica
do pensar que diz: aquilo é! Se pode afirmar: este é!
Claro que ela invade. Agora, essa invasão por parte do
Estado é algo ruim? É uma questão de juízo de valor. Como é que a gente
tecnicamente vai trabalhar. Nós queremos, como técnicos, usar instrumento
que me possa trazer soluções para essa coisa da dor intensa que é uma pessoa
violada; de uma criança que é violada todos os dias por membro de família!
Nós temos crimes assim, no nosso país - enquanto legista eu vi isso -, não uma
vez só, nem dez vezes, de meninas e meninos violados, todo dia! Não uma vez
na vida, todo dia era violado! De crianças que são violadas em instituições,
instituições inclusive religiosas e vai por aí, a gente sabe disso. E são crimes
tão duros de serem vistos que a gente fala assim: é normal ser o ser humano
depois de ver uma miséria dessa? Até nem trouxe foto! Perdão até aos meus
colegas. Eu disse "não vou trazer fotos da Medicina Legal, porque não há
imagens mais dantescas do que estas", que revelam a miséria humana.
ARMAZENAMENTO DE PERFIS GENÉTICOS DE CONDENADOS POR CRIMES VIOLENTOS OU HEDIONDOS
O que nós queremos, enquanto peritos, é ter o método mais
sofisticado, que nos permita trabalhar melhor e atingir nossos objetivos.
Agora, temos que reconhecer: cada método desse, dentro da sua
complexidade, da sua invasividade, traz outros problemas de princípio que
devem ser contemplados.
Que há problema, há! Esse problema invalida o método?
Não! Esse problema vai me dizer que o DNA é uma coisa ruim? Pelo contrário,
o conhecimento do DNA é algo excelente que permitiu tanta coisa boa da
metade do século XX para cá que nós só temos que comemorar. O que nós
temos é que ver como nós vamos construir os mecanismos adequados para o
seu devido controle.
O que nós temos de coisas práticas? Ainda bem que o
Ronaldo - acho que é esse seu nome - falou aqui sobre a questão da obrigação
de coleta. No Estado de São Paulo, há um regulamento, de 1999, que diz: "Só
quem pode coletar material biológico é o médico legista"; o que, se mantido
isso e aplicado ao país inteiro, inviabilizaria a criação de um banco de dados,
porque não há legistas suficientes para entrar em todos os presídios e em
todos os locais de crime para coletar material, de swab bucal. Então, havia na
cabeça de quem fez a regra em São Paulo aquela ideia de que, ao se exigir que
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seja um médico, coloca-se no cenário um profissional com décadas de
treinamento capaz de poder julgar melhor. Pode até ser que tenha sido essa a
intenção, porém ela é não prática. Ela inviabiliza qualquer coisa desse tipo.
Então, o que temos que trabalhar? Eu posso responder
alguma questão da mesa, do Senhor Ministro, do Senhor Procurador, do
senhor advogado sobre: quanto ao que eu faço, eu crio certezas? Não! O perito
busca essa certeza. Muito provavelmente nós passamos da vida, e o outro que
virá também não conseguirá; porque nós não definimos, e toda ciência é
construída como um discurso. Essa é uma tese especial de Gilles-Gaston
Granger, na Universidade de Paris, quando ele fez um tratado enorme sobre a
filosofia e a linguagem, no qual ele define isso muito claramente. O que nós
temos que saber é que normas nós vamos criar, que mecanismos temos à mão
para minimizar o erro, cada vez mais. Se chegarmos em um erro com dez
zeros e um, ótimo! Quanto mais aperfeiçoarmos, melhor.
Eu e a nossa associação entendemos que esse banco de
dados precisa ser criado, gerido, fiscalizado, e que a sociedade civil, ou pelo
menos a científica, o acompanhe, porque estamos lidando com o ser humano.
Eu não quero ser aqui pessimista, como Hobbes foi - para quem leu Leviatã;
não quero ser utilitarista, como John Stuart Mill; nada disso. Eu quero é que,
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como associação, tenhamos propostas a deixar para vocês e ao Supremo
Tribunal Federal, à Procuradoria-Geral da República e ao Senhor Advogado
da União.
Primeiro, nós entendemos que a criação do banco de dados
é um instrumento, caso contrário não vale a pena todo esse trabalho de se
qualificar pessoas que saibam lidar com a tecnologia, com os contratos de
fornecimento de material, para usar o ADN. Se não houver um banco de
dados de referência, não serve para nada. É a mesma coisa que a digital sem
um banco de dados no instituto de identificação: não serve para nada, se não
há como comparar. O método, por enquanto, que se usa nesta ciência do lado
biológico não é o axiomático, não é matematizado, ele é um método
comparativo, sempre por registro anterior. Portanto, na definição específica do
identificar, que é sempre reconhecer algo. Então, há de se ter um registro
anterior. No caso específico do ponto de vista prático, é um banco de dados
gerido, avaliado, verificado, fiscalizado pela comunidade. Portanto, esse
controle externo pelo menos deveria ter entre ele as nossas universidades,
fonte do local onde estudamos, aprendemos, elas deveriam estar nesse cenário
que algo provi na composição da comissão do comitê gestor - aliás, no comitê,
tenho um amigo pessoal, Doutor Samuel Ferreira, a quem admiro e respeito
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muito; tenho cinco representantes do Ministério da Justiça, das perícias dos
Estados e, depois, algumas representações da OAB, da sociedade civil, do
Ministério Público Federal e assim por diante.
Entendo que precisamos ter um controle externo dessa
ferramenta fundamental, porque não dá para compararmos realmente a
tecnologia, a especificidade do uso do ADN em relação às demais
metodologias. A distância é muito grande. O que se tem de efetividade é
muito diferente, ou seja, o ADN permite por revelar a nossa identidade última
- no caso, esse último se confunde com a primeira -, ele é fundamental. Agora,
toda essa tecnologia sem um referencial é trabalho perdido, é discussão
acadêmica, a aplicação de algo que fica no mundo das ideias e escapa da
realidade.
Há necessidade, além desse controle externo como
proposição da Associação Brasileira de Medicina Legal e Perícias Médicas, de
revisões periódicas desses dados para ver se nada escapou dele, tipo o mau
uso do DNA, o qual não deveria estar lá. Ah, (ininteligível). É bom revisar. E,
por último, que a legislação também seja adequada ao avanço da
modernidade, da ciência e da tecnologia, porque senão ficamos com regras
legais. Como a lei sempre se refere ao que já passou, deveremos ter como
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fundamento que as regras legais deverão estar prontas para renovar esse
processo e, assim, termos algo extremamente consistente e benéfico à
sociedade.
Esse Banco de Dados de DNA - Lei 12.654/12 e o Decreto
que a regulou 7.950/13 - é o início de um desafio. Os nossos números de dados
são poucos. Com relação aos que estão presos, é quase nada, não chega a dez
por cento de elementos guardados nesse banco. Em relação ao conjunto da
sociedade, nem se fala. Vamos evoluir, depois, para um controle de DNA
assim que a criança nasça? Isso pode ser entendido, como já foi feito antes, que
colocar o dedinho na digital era desonroso. Nós já sabemos disso, já vivemos
essa experiência. Ser identificado pelo Sistema de Vucetich, no Brasil,
significava, na época, tocar piano na delegacia. Era uma coisa que
desmoralizava o indivíduo. Temos de saber como evoluir com isso, pois, nós
que buscamos a ciência, sabemos que é uma área de limite entre aquilo que é o
desenho legal, constitucional de uma sociedade, e o extremo da questão da
pesquisa científica que deve ser olhada por esse lado.
A noção de átomo, por exemplo, de Leucipo e Demócrito, é
do Século VII antes de Cristo. O primeiro tratado de ética que nos chegou e
que conhecemos mais profundamente é do Século V antes de Cristo, duzentos
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anos depois. Então, os gregos sabiam o que era átomo, com a definição que se
usa hoje, e sabiam o cuidar, do ponto de vista ético. Eles criaram os
mecanismos para isso.
Em nosso País, estamos com o desafio de se implementar
um banco de dados, uma legislação, alterar, se for o caso, de gerar os
mecanismos de controle externo, de tal maneira que a gente possa ter, de
verdade, algo que seja consistente, bom para a sociedade e cientificamente
bem estruturado. E estrutura - aqui uma ligeiríssima reflexão - contempla
algumas coisas. A estrutura contempla a totalidade, a estrutura contempla a
transformação e a estrutura contempla a autorregulação. Sem a gente observar
isto com toda a assertividade, nós podemos estar errando. Eu, como perito,
como gente que gosta de Ciência, tudo que eu não quero ver é a Ciência mau
usada, e ela já foi mal-usada diversas vezes. A Ciência que não dá o
fundamento para que a sociedade possa ser melhor administrada, de novo, é
ruim. A Ciência, como base para aquilo que a gente está discutindo hoje, que é
a da prova científica, que é aquela que dispensa a questão da tortura e da
coerção e apresenta as provas que mostram a realidade dos fatos, portanto,
respeita, inclusive, o pensar do ser humano.
ARMAZENAMENTO DE PERFIS GENÉTICOS DE CONDENADOS POR CRIMES VIOLENTOS OU HEDIONDOS
Em nome da Associação Brasileira de Medicina Legal e
Perícias Médicas, eu agradeço a oportunidade e desculpem pela rapidez no
falar. É que eu comecei a contar o tempo e achei que eu estava começando a
chegar fora dele.
Muito obrigado.
O SENHOR MINISTRO GILMAR MENDES (RELATOR) -
Obrigado, Doutor Jozefran Freire. Agradecemos as contribuições valiosas. As
perguntas.
O SENHOR ODIM BRANDÃO (SUBPROCURADOR-
GERAL DA REPÚBLICA) - Por favor, nós cuidamos primeiro da primeira
ponta do exame do DNA, que é o local do delito. Esse parece que já está
resolvido. Ontem, eu conversei com o Professor (ininteligível), que me ajudou
muito informalmente, mas eu preciso, então, fazer com que as coisas se fixem
documentalmente e oficialmente aqui e agora. Ele me disse que os problemas
relativos a uma troca de identificação de um suspeito, um arguido, talvez se
resolvam, ele diz, até com muita certeza, pela repetição do exame para se aferir
se a amostra com a qual se comparou a do local do delito é a verdadeira. O
senhor confirma essa ideia?
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O SENHOR JOZEFRAN FREIRE (ASSOCIAÇÃO
BRASILEIRA DE MEDICINA LEGAL E PERÍCIAS MÉDICAS) - Confirmo,
porque isso é um dos fundamentos do pensamento científico. Todo
pensamento científico tem que ser demonstrado. Como é que você demonstra
isso? Pela primeira exposição? Muitas vezes não. Então, o material para a
contraprova é essencial, porque você precisa, de verdade, de ter como
demonstrar mais uma vez e mais outras vezes a quem precisar saber. Então,
com certeza, se a gente pode repetir exame, se confere segurança àquele tipo
de propositura.
O SENHOR ODIM BRANDÃO (SUBPROCURADOR-
GERAL DA REPÚBLICA) - Uma segunda pergunta, por favor. O senhor disse
que, de uma amostra razoável, se pode reconstituir o perfil integral de uma
pessoa e que, na verdade, o banco de dados aqui só se determina pela lei que
se colham ou se utilizem partes para identificar.
O SENHOR JOZEFRAN FREIRE (ASSOCIAÇÃO
BRASILEIRA DE MEDICINA LEGAL E PERÍCIAS MÉDICAS) - Sim.
O SENHOR ODIM BRANDÃO (SUBPROCURADOR-
GERAL DA REPÚBLICA) - Ou seja, eu poderia, isso também é um produto da
conversa do Professor ontem, que também gostaria até de registrar isso para
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não abusar do direito autoral dele. A pedido de um juiz, eu poderia, então,
com a determinação de um juiz, reconstituir, de qualquer dessas moléculas
usadas no perfil, o perfil completo da pessoa.
O SENHOR JOZEFRAN FREIRE (ASSOCIAÇÃO
BRASILEIRA DE MEDICINA LEGAL E PERÍCIAS MÉDICAS) - Sim.
O SENHOR ODIM BRANDÃO (SUBPROCURADOR-
GERAL DA REPÚBLICA) - Seria vantajoso - e aí a minha dúvida? Ele disse
que estatisticamente seria uma loucura montar um banco de dados enorme,
monumental para chegar à conclusão, por exemplo, de que, na população
brasileira, o delinquente tem olhos pretos.
O SENHOR JOZEFRAN FREIRE (ASSOCIAÇÃO
BRASILEIRA DE MEDICINA LEGAL E PERÍCIAS MÉDICAS) - Beirando
Cesare Lombroso.
O SENHOR ODIM BRANDÃO (SUBPROCURADOR-
GERAL DA REPÚBLICA) - Não, o que eu digo é que o perfil daquela pessoa,
vou chegar à conclusão de que, o homem a gente já sabe, porque o perfil é
identificado, mas que além disso ele tem olhos negros. Não estou falando
genericamente não. Daquela pessoa que é o arguido ou o suspeito. Chego à
conclusão de que ele tem olhos negros. Bom, 50% da população tem olhos
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negros. Ele me disse que estatisticamente isso é relevante. Então, esse banco de
dados composto com isso, em princípio, posso dizer que essas informações
seriam de pesquisa inútil, ou de armazenamento? Ele me diz: "Um trabalho
muito grande para colher um resultado muito pequeno".
O SENHOR JOZEFRAN FREIRE (ASSOCIAÇÃO
BRASILEIRA DE MEDICINA LEGAL E PERÍCIAS MÉDICAS) - Veja, o que
está muito claro é que o banco de dados, naquilo que foi proposto, naquilo que
é proposto por ele, é um banco de dados só da área não codificante, que é para
só fazer identificação. É obvio que, no momento da coleta, você coleta todo o
material. Não há como não coletar ou coletar só uma parte dele. Isso não é
real. Agora, quem confere a credibilidade para que esse material não seja
utilizado para outras coisas é o Estado na hora que coloca o perito, que tem a
credibilidade de Estado para trabalhar. Então, essa é a questão.
Agora, a gente sabe que já tem tecnologia para clone. A
gente sabe que tem. Não tem essa história de dizer que não tem. Essa coisa já
existe. Já foram criados, e a gente não tem notícia. Podem ser criados? Podem
sim. Então, a discussão técnica, científica, ética e legal, especialmente, passa
por essas questões. O que fazer com a técnica para que ela não se volte contra
a gente? Agora, o arcabouço para o banco de dados que estamos propondo,
ARMAZENAMENTO DE PERFIS GENÉTICOS DE CONDENADOS POR CRIMES VIOLENTOS OU HEDIONDOS
que foi criado aqui, que está nesse trabalho de ser implantado e o qual a gente
reverencia, evidencia que ele vai trabalhar com um determinado espaço do
DNA que não permite que você faça replicações outras. Porém, sabemos que
quem confere isso é o Estado quando ele dá a credibilidade a cada perito para
que ele assim o faça. E, é claro, a índole de cada ser humano, como cada ser
humano enxerga, a eticidade de cada ser humano, isso tudo tem que ser
ponderado. Agora, é uma ferramenta belíssima, é uma ferramenta de encantar
a alma do pesquisador, é uma ferramenta que chega ao âmago da identificação
do ser humano e é uma ferramenta que precisa ser bem acompanhada para
que se minimize a possibilidade de problemas à frente, quando se dirá
"porque abriu-se o banco de dados". Não é isso não, gente. Nós não queremos
assim, não é assim que se vê. A nossa instituição enxerga que isso é essencial
para aquilo que é o trabalho de identificação de alguém, porém, sem esses
acompanhamentos que a gente propôs e sem essa abertura, a gente pode, sim,
lá na frente correr o risco. Há necessidade de controle externo. Pelo menos é
assim que nos posicionamos nas nossas reflexões sobre a matéria de hoje.
O SENHOR ODIM BRANDÃO (SUBPROCURADOR-
GERAL DA REPÚBLICA) - Uma última pergunta.
ARMAZENAMENTO DE PERFIS GENÉTICOS DE CONDENADOS POR CRIMES VIOLENTOS OU HEDIONDOS
Essa coisa de que eu poderia usar a amostra colhida pelo
Estado, isso me parece bastante claro. Mas, seguindo esse raciocínio do clone,
eu também poderia extrair isso, por exemplo, de um copo que se usa...
O SENHOR JOZEFRAN FREIRE (ASSOCIAÇÃO
BRASILEIRA DE MEDICINA LEGAL E PERÍCIAS MÉDICAS) – Posso. De
uma ponta de cigarro. Aliás, isso se faz no mundo inteiro. Naquelas séries
americanas, eles pegam de qualquer lugar: passou a mão em um canto,
coletou-se e se faz. Então, esse risco tem. Permanentemente o risco existe. Não
há possibilidade de não existir esse risco. Se a gente entende que a noção de
Estado é algo fundamental para a civilização, é esse Estado quem vai conferir a
credibilidade suficiente para que o ato pericial permaneça dentro daquilo que
são os limites da sua ação, especialmente dentro dos limites da eticidade. Não
há como fazer diferente. Então, há riscos sim, mas onde é que não tem riscos
na sociedade humana? E o que precisa é que uma ferramenta dessas seja
implantada alargando-se o arco de controle dela, porque, aí, trabalharemos no
sentido de minimizar cada vez mais o possível, dentre a teoria das
probabilidades, mau uso da técnica.
O SENHOR ODIM BRANDÃO (SUBPROCURADOR-
GERAL DA REPÚBLICA) - Só para encerrar, porque minha pergunta ficou um
ARMAZENAMENTO DE PERFIS GENÉTICOS DE CONDENADOS POR CRIMES VIOLENTOS OU HEDIONDOS
pouco encambulhada com outras. Então eu posso dizer que, do ponto de vista
pelo menos pragmático, não haveria sentido em se montar um grande banco
de dados além daquilo que a lei designa como perfil? Ou seja, com a
informação completa seria, vamos dizer, do ponto de vista prático, inútil?
O SENHOR JOZEFRAN FREIRE (ASSOCIAÇÃO
BRASILEIRA DE MEDICINA LEGAL E PERÍCIAS MÉDICAS) - Veja, para
fazer um banco de dados com todos os dados de cada ser humano, você fazer
um genoma de cada um ao nascer...
O SENHOR ODIM BRANDÃO (SUBPROCURADOR-
GERAL DA REPÚBLICA) - Não, perdão. Eu diria dos condenados, porque a
lei limita a eles.
O SENHOR JOZEFRAN FREIRE (ASSOCIAÇÃO
BRASILEIRA DE MEDICINA LEGAL E PERÍCIAS MÉDICAS) - Ah, bom. Eu
acho que não, porque esse banco de dados é algo relevante, algo que deve ser
implementado. Ele não seria inútil. Pelo contrário, ele seria útil. Sem esse
banco de dados, toda a tecnologia não tem sentido.
O SENHOR ODIM BRANDÃO (SUBPROCURADOR-
GERAL DA REPÚBLICA) - Não, eu digo de dados do perfil completo de
pessoas, não só a identificação.
ARMAZENAMENTO DE PERFIS GENÉTICOS DE CONDENADOS POR CRIMES VIOLENTOS OU HEDIONDOS
O SENHOR JOZEFRAN FREIRE (ASSOCIAÇÃO
BRASILEIRA DE MEDICINA LEGAL E PERÍCIAS MÉDICAS) - Aí a gente vai
entrar em uma questão complicada do ponto de vista ético, pelo seguinte: Eu
preciso definir que o indivíduo vai ter uma diabete tipo dois aos setenta anos
de idade? Eu preciso definir se ele vai ter uma miocardiopatia dilatada aos
oitenta anos ou cinquenta anos? Então, só para pensar na doença, sem pensar
nos outros perfis do indivíduo inteiro.
Então, esse histórico todo em um banco de dados
gigantesco, que seria, no caso que o senhor está dizendo, plenamente inútil
para o fim específico que se está buscando, que é a da identificação do agente
criminal. Seria totalmente inútil. Não serviria para nada, a não ser para a gente
fazer brilhantes teses acadêmicas e influenciar a ciência no futuro. Se um dia
vai ter, a gente acha que é provável, que o ser humano vai chegar aí. Vai
querer controlar a gente. E, aí, o meu medo pessoal - não é o medo da
Associação - de um controle absoluto da vida de cada um, a partir do seu
código genético, de ponto de se dizer cada coisa. É difícil. Aí, a gente tem que
refletir muito mais, pensar eticamente muito mais, pensar legalmente muito
mais, para chegar a uma conclusão.
ARMAZENAMENTO DE PERFIS GENÉTICOS DE CONDENADOS POR CRIMES VIOLENTOS OU HEDIONDOS
Do ponto de vista daquilo que é o foco de hoje, esse banco
de dados da área não codificante do ADN é essencial para se chegar ao banco.
Agora, os dados gerais, mesmo só da população carcerária, já seria um
investimento sem sentido do Estado.
O SENHOR ODIM BRANDÃO (SUBPROCURADOR-
GERAL DA REPÚBLICA) - Muito obrigado pela gentileza.
O SENHOR FLÁVIO LELLIS (DEFENSOR PÚBLICO) -
Doutor Jozefran, por gentileza. Permita-me fazer uma breve consideração. A
questão última aqui que se discute, na eventualidade dessa lei ser reconhecida
como constitucional, é que vai se poder submeter os condenados por crimes
graves, que é inclusive uma má definição da lei, forçadamente a retirar deles
esse material genético.
Como é que o senhor avalia, pelo conhecimento que o
senhor tem, pela experiência que o senhor mostrou para nós, que seria esse
procedimento dentro de uma cadeia?
O SENHOR JOZEFRAN FREIRE (ASSOCIAÇÃO
BRASILEIRA DE MEDICINA LEGAL E PERÍCIAS MÉDICAS) - Nós temos
um problema, enquanto legista, seriíssimo. A Resolução 1.931, do CRM,
Conselho Federal de Medicina, nos impede de fazer isso.
ARMAZENAMENTO DE PERFIS GENÉTICOS DE CONDENADOS POR CRIMES VIOLENTOS OU HEDIONDOS
Isso não diz que a lei me impeça, mas a Resolução do
Conselho Federal me impede. Eu sou, antes de tudo, médico. Eu não posso
fazer esse tipo de manobra diante de presídio.
O SENHOR FLÁVIO LÉLLIS (DEFENSOR PÚBLICO) -
Qual o fundamento?
O SENHOR JOZEFRAN FREIRE (ASSOCIAÇÃO
BRASILEIRA DE MEDICINA LEGAL E PERÍCIAS MÉDICAS) - O
fundamento é assim, o fundamento é humanístico. Ao médico não cabe
participar de nada que faça com que a pessoa saiba que ele vai levar a
constrangimento tanto físico quanto psíquico de ninguém.
Então, não nos é permitida qualquer atitude, atividade
nessa linha. É uma questão que nos remonta às reflexões sobre a ética da
atividade médica, até aquilo que foi estabelecido no léxico hipocrático e foi,
depois, tratado por Aristóteles - nada menos do que ele - na Ética Nicômaco,
no segundo capítulo dela, quando ele fala do que é o médico. Porque, eu tenho
um vínculo com ele, grande, em nome de ciência. Aristóteles, primeiro,
estudou medicina, com o pai. Então, há algo que a gente tem que avaliar. Ao
médico, a gente vai ter essa dificuldade do ponto de vista de resoluções do
nosso Conselho, em relação a isso.
ARMAZENAMENTO DE PERFIS GENÉTICOS DE CONDENADOS POR CRIMES VIOLENTOS OU HEDIONDOS
Então, para se trabalhar isso, o que é que faz? A resolução o
que diz? Você teria que mobilizar esse pessoal todo e levar ao local adequado
de exame. Com toda a logística disso, eu sei que do ponto de vista de logística
militar, de segurança pública, de segurança do policial, de segurança
econômica, torna inviável. Torna inviável, a gente sabe disso. Mas há as
limitações que a gente tem para fazer esse tipo de coisa. Assim como eu dizer
para o indivíduo: "Você é obrigado a coletar". Eu tenho aqui uma ordem
judicial que diz: "Você coleta de fulano de tal". Ele não abre a boca. Eu vou
fazer o que com ele para ele abrir a boca? Não vou poder fazer. Eu não vou
forçá-lo a nada, porque isso nos é impedido também.
Então, o que é que fica? Teria que assinar um termo de
consentimento livre, esclarecido, explicar para ele, pedir a colaboração para ele
poder deixar coletar.
O SENHOR FLÁVIO LÉLLIS (DEFENSOR PÚBLICO) - E
ele vai falar "não".
O SENHOR JOZEFRAN FREIRE (ASSOCIAÇÃO
BRASILEIRA DE MEDICINA LEGAL E PERÍCIAS MÉDICAS) - Pois é, se ele
fala "não", o médico simplesmente não vai coletar, porque ele não vai
ARMAZENAMENTO DE PERFIS GENÉTICOS DE CONDENADOS POR CRIMES VIOLENTOS OU HEDIONDOS
perpetrar o ato de forçar. Não vai fazer. Isso é uma posição da gente. Nós não
teremos essa condição de fazer isto. Certo?
O SENHOR FLÁVIO LÉLLIS (DEFENSOR PÚBLICO) -
Muito obrigado.
O SENHOR MINISTRO GILMAR MENDES (RELATOR) -
Obrigado.
Bem, vamos dar por encerrada a sessão pela parte da
manhã. Retomamos às 2h30.
DIA 26/06/2017 - TARDE
O SENHOR MINISTRO GILMAR MENDES (RELATOR) -
Declaro reabertos os nossos trabalhos para dar continuidade à vigésima
Audiência Pública – Identificação e Armazenamento de Perfis Genéticos de
Condenados por Crimes Hediondos ou Violentos – RE 973.837.
Dando sequência, convido, para fazer a sua exposição, a
Doutora Denise Hammerschimidt, Juíza de Direito e Pesquisadora da
Universidade de Barcelona, que disporá de 15 minutos.
A SENHORA DENISE HAMMERSCHIMIDT (JUÍZA DE
DIREITO E PESQUISADORA DA UNIVERSIDADE DE BARCELONA) -
Excelentíssimo Senhor Ministro Gilmar Mendes, Relator da Repercussão Geral
ARMAZENAMENTO DE PERFIS GENÉTICOS DE CONDENADOS POR CRIMES VIOLENTOS OU HEDIONDOS
no Recurso Extraordinário nº 973.837, de Minas Gerais, perante o Supremo
Tribunal Federal, e também Presidente desta Audiência Pública,
Excelentíssimo Senhor Procurador-Geral da República, Doutor Odim Brandão,
Excelentíssimo Senhor Flávio Lellis, Defensor Público, doutores, doutoras,
senhores, senhoras, familiares e amigos aqui presentes.
Comparecendo nesta Audiência Pública, honrada por
minha admissão nesta egrégia Corte, a respeito do debate compreendido na
repercussão em epígrafe, tomo a liberdade, como pesquisadora de há muito
tempo no assunto, na magistratura e na academia, de manifestar meu
pensamento, ciente que, diante de sua complexidade e de suas implicações
multidisciplinares, inclusive no campo ético, ele não se encerrará ou se
exaurirá no âmbito de um julgamento, ainda que da dimensão, importância e
influência do Supremo Tribunal Federal.
O tema a ser tratado é a eventual inconstitucionalidade do
artigo 9º-A da Lei de Execução Penal, por violação de direitos da
personalidade e direitos fundamentais.
Pois bem, cada célula do ser humano - olhos, boca, sangue,
saliva, fígado, coração - tem o mesmo DNA, esse DNA é único e irrepetível,
salvo os gêmeos monozigotos ou os gêmeos idênticos.
ARMAZENAMENTO DE PERFIS GENÉTICOS DE CONDENADOS POR CRIMES VIOLENTOS OU HEDIONDOS
Desse modo, da mesma amostra biológica, da saliva, por
exemplo, eu posso extrair dois tipos de DNA, um chamado DNA codificante e
outro chamado DNA não codificante, ou DNA lixo, ou perfil genético. A nossa
lei optou por chamar o DNA não codificante o DNA lixo ou basura de perfil
genético.
O DNA codificante, por outro lado, que não é o perfil
genético, possui informação genética do indivíduo e de sua família. São
considerados dados sensíveis e estruturantes, pois revelam predisposições de
doenças comportamentais do indivíduo e também de sua família biológica. O
perfil genético não transmite informação genética, a não ser o sexo.
O artigo 9º da Lei de Execução nos fala que, naqueles
delitos, os condenados por crimes dolosos em que haja violência e/ou em
crimes hediondos serão obrigados à extração do DNA, de forma técnica e
indolor.
Pois bem, alega-se a inconstitucionalidade do referido
dispositivo por violação aos direitos da personalidade, pelo princípio da
dignidade humana, pelo princípio da não incriminação, direito a não produzir
prova contra si mesmo e presunção de inocência.
ARMAZENAMENTO DE PERFIS GENÉTICOS DE CONDENADOS POR CRIMES VIOLENTOS OU HEDIONDOS
Com relação aos direitos da personalidade, poder-se-ia
elencar o direito à intimidade genética, integridade física e mental e o direito à
saúde. Segundo a Enciclopédia de Biodireito e Bioética, coordenada pelo
Professor Carlos Romeo Maria Casabona, o direito à intimidade genética
refere-se ao direito de determinar as condições de acesso à informação, seja em
forma de dados, informação ou qualquer elemento orgânico do qual possa
inferir-se essa, excluindo a ingerência de terceiros no conhecimento respectivo
e proibindo-se a sua difusão.
Ora, a intimidade genética não é devassada no caso do
artigo 9º-A e no caso do perfil genético, pois não codifica nada. Não é possível,
através do perfil genético, ter acesso à intimidade genética do indivíduo e da
sua família.
Ademais, a Lei nº 12.654, de 2002, prevê outras medidas no
intuito de auxiliar a intimidade. Uma delas proibiu que, nos bancos de perfis
genéticos, sejam revelados traços somáticos ou comportamentais das pessoas;
previu também que esses dados terão caráter sigiloso, respondendo cível,
penal e administrativamente aquele que permitir ou promover a sua utilização
para fins diversos dos previstos na lei.
ARMAZENAMENTO DE PERFIS GENÉTICOS DE CONDENADOS POR CRIMES VIOLENTOS OU HEDIONDOS
E ainda previu que somente será possível ter acesso a esse
banco de dados se tivermos autorização judicial. O que é, certamente,
suficiente para garantir qualquer tipo de ofensa à intimidade do indivíduo.
Somente a título de esclarecimento, ao tratar a doutrina
espanhol, ao falar sobre o Tribunal Constitucional espanhol e também sobre o
Tribunal europeu de Direitos Humanos, os autores (ininteligível) Victor
Gomes e Fernando Osmus (ininteligível) consideram quatro requisitos para a
obtenção da prova por meio de extração de DNA, qual seja, no trabalho
efetuado por ambos em 2009, após ter saído a Lei espanhola sob perfis de
dados genéticos em 2007.
Assim, menciono os quatro requisitos: primeiro, que
tenham uma finalidade constitucionalmente legítima; interesse próprio da
investigação penal; que se trate de uma prática prevista em lei; que seja através
de um ato judicial motivado; que respeite o princípio da proporcionalidade,
em sentido amplo, em especial, nos três requisitos; idoneidade, que a medida
seja idônea quando útil para consecução do objetivo que se pretende alcançar;
necessidade é necessário quando o objetivo não pode ser obtido por outro
meio menos oneroso para o indivíduo; proporcionalidade em sentido estrito
obriga a realizar uma ponderação entre os interesses em jogo.
ARMAZENAMENTO DE PERFIS GENÉTICOS DE CONDENADOS POR CRIMES VIOLENTOS OU HEDIONDOS
Pois bem, analisando todos esses critérios, a doutrinadora
Kyra (ininteligível), sobre o direito a integridade física e moral e o direito à
saúde, nos ensina que, com relação a extração de mostras biológicas para
análise de DNA, deve reconhecer que a afetação a esses direitos é inexiste ou
mínima, podendo sobrepor, segundo os critérios da proporcionalidade, os
limites toleráveis.
Ademais, como referido pela mesma autora, segundo a
jurisprudência da Suprema Corte espanhola, a obtenção de mostras biológicas
para a a realização de provas de DNA tem sido qualificada como intervenção
corporal leve ou levíssima, não apresentando relevante afetação ao bem-estar
do indivíduo nem tampouco a sua saúde.
Portanto, a extração de tais mostras a partir, por exemplo,
de uma simples saliva não representa lesão alguma para a saúde do indivíduo.
Desse modo, respeitado in tontum o princípio da proporcionalidade em
sentido amplo.
Já no que tange a dignidade da pessoa humana, este
princípio deve ser ponderado com o dever de punir do Estado, conjuntamente
com o dever de segurança, art. 144 da Constituição Federal. De tal forma, que
o Estado opta por realizar mais um tipo de identificação do sujeito - assim
ARMAZENAMENTO DE PERFIS GENÉTICOS DE CONDENADOS POR CRIMES VIOLENTOS OU HEDIONDOS
como tantas outras -, o que garante a oportunidade de apuração de crimes,
reduzindo as chances de processamento de indivíduos inocentes, ou seja, o
erro judiciário.
Ademais, a identificação não representa nenhum
tratamento indigno ou cruel, até porque a lei prevê que o procedimento a ser
adotado deverá ser indolor e por técnica adequada. Nessa linha de raciocínio,
o princípio da dignidade não resta vulnerado quando a extração da mostra
biológica se faz conforme a lex artis e por pessoal qualificado. Nesse sentido, a
Resolução nº 3, de 25 de março de 2014, do Comitê Gestor da Rede Integrada
de Bancos de Perfis Genéticos, apresenta protocolo no sentido de garantir que
a extração do DNA seja feita por técnica adequada e indolor e que a
metodologia seja prescrita em procedimento operacional padrão de colheita de
células de mucosa oral, proibindo-se a utilização de coleta de sangue. Conclui-
se, portanto, que a extração do DNA não se trata de meio indigno ou cruel, ao
se colocar um simples cotonete, de forma passiva, na boca do apenado.
Nas hipóteses de condenações criminais, Senhor Ministro,
Senhores e Senhoras, não se vislumbra também qualquer ofensa ao princípio
da presunção de inocência e ao princípio da não autoincriminação. Por que a
análise deve partir de uma premissa básica? Houve a condenação e essa
ARMAZENAMENTO DE PERFIS GENÉTICOS DE CONDENADOS POR CRIMES VIOLENTOS OU HEDIONDOS
transitou em julgado. Oh - muitos vão falar -, mas não está escrito no art. 9º
que só deverá ser extraído de condenados, mas não de condenados por
trânsito em julgado. Mas vejam a lógica do raciocínio. Nós não temos,
efetivamente, disposto, no art. 9º, trânsito em julgado, mas nós temos duas
premissas aqui. Primeiro, a própria lei, ao colocar o art. 9º-A no Capítulo que
trata da classificação do condenado e do internado, dentro da Lei de Execução,
pressupõe que sua condenação já tenha transitado em julgado, ora. É
justamente na classificação do condenado e do internado que o condenado
deve ser classificado em face de seus antecedentes e personalidades. O exame
de personalidade e os antecedentes criminais do condenado permitirão não só
que se separe os primários dos reincidentes, mas também que se restabeleça a
terapêutica penal devida ao objetivo principal traçado no art. 1º da Lei de
Execução Penal. Então pergunta-se: resta dúvida de que a sentença não
transitou em julgado com a correta inserção do disposto no art. 9º da Lei de
Execução Penal, dentro do Capítulo de classificação? Claro que a sentença
transitou em julgado. Além disso, nós temos a Resolução de 2014, para que
ficasse mais clara a situação da lisura dos membros e dos profissionais que
trabalham nessa área do Comitê Gestor da Rede Integrada de Bancos de Perfis
Genéticos, ao dispor que, na Resolução nº 3, para cumprir o art. 9º-A, deverá
ARMAZENAMENTO DE PERFIS GENÉTICOS DE CONDENADOS POR CRIMES VIOLENTOS OU HEDIONDOS
ser apresentada sentença condenatória e guia de recolhimento do apenado.
Quem trabalha com execução, quem já foi juiz de execução, sabe que a guia só
se extrai se já há uma condenação em trânsito em julgado. Com base nesses
dois pressupostos, nesses dois ingredientes, tenho certeza absoluta de que a lei
não viola nem o princípio da presunção de inocência, muito menos o princípio
da não autoincriminação. Por fim, essa Resolução nº 3, do Comitê Gestor,
visando à liberdade do sujeito que será objeto de extração de perfis genéticos,
no caso de recusa, não se tira o DNA à força. Eles vão lavrar um termo
circunstanciado, com testemunha, e encaminharão ao juiz competente, seja da
LEP, da Vara de Execuções Penais, ou outro que seja competente, para que
assim o decida, e o condenado, com certeza, entrará com agravo à execução
penal e, enfim, será decidido qual o desiderato.
O SENHOR MINISTRO GILMAR MENDES (RELATOR) -
Eu pediria que encerrasse.
A SENHORA DENISE HAMMERSCHIMIDT (JUÍZA DE
DIREITO E PESQUISADORA DA UNIVERSIDADE DE BARCELONA) - De
todo impositivo, a criação de um tipo penal - até estou mostrando, Senhor
Ministro - que coíba as distorções na utilização dos dados genéticos, em
especial porque as mostras biológicas geram perfis genéticos e também DNA
ARMAZENAMENTO DE PERFIS GENÉTICOS DE CONDENADOS POR CRIMES VIOLENTOS OU HEDIONDOS
codificantes. De proposta de lege ferenda seria um tipo penal referente aos
crimes contra inviolabilidade de segredos:
Art.153-A. Utilizar ou divulgar indevidamente conteúdo sigiloso do banco de dados de perfis genéticos.
Pena - Reclusão de 1 a 4 anos e multa. § 1º - Nas mesmas penas incorre quem permite ou
facilita, por qualquer meio, o acesso de pessoas não autorizadas às informações contidas no banco de dados de perfis genéticos.
§ 2º - Se da ação ou omissão resultar dano: Pena - Reclusão de 6 a 6 anos e multa. § 3º - Aumenta-se a pena de um terço se o fato for
cometido por funcionário público. Encerrando, entendo pela plena constitucionalidade do
referido dispositivo legal por sua compatibilidade com o sistema de garantias
de direitos fundamentais da pessoa humana, sem olvidar a defesa social.
Obrigada, Senhor Ministro.
O SENHOR MINISTRO GILMAR MENDES (RELATOR) -
Obrigado.
Doutor Renato Brasileiro Lima, com a palavra para falar
pela Academia Brasileira de Ciências Forenses, também disporá de 15
minutos.
O SENHOR RENATO BRASILEIRO LIMA (ACADEMIA
BRASILEIRA DE CIÊNCIAS FORENSES) - Excelentíssimo Senhor Ministro
ARMAZENAMENTO DE PERFIS GENÉTICOS DE CONDENADOS POR CRIMES VIOLENTOS OU HEDIONDOS
Gilmar Mendes, cumprimento todos os Integrantes da Mesa, Doutor Flávio
Teles, Doutor Odim, nossos Colegas de bancada.
Excelência, aqui estou não como Promotor de Justiça
Militar, nem como ex-Defensor Público da União, falo, na verdade, mais como
um simples autor de processo penal, tentando trazer, modestamente, uma
contribuição para este debate.
Excelências, o ser humano é muito resistente a toda e
qualquer mudança, sobretudo no processo penal. O processo penal representa
o último limite que temos contra e a pretensão punitiva do Estado. E daí esse
ceticismo quanto às novidades. Nosso tempo é muito curto, mas, se formos
listar aqui as várias leis ao longo dos anos, sempre no começo há uma
resistência quanto a elas. Eu lembrava, por exemplo, sobre a Lei dos Juizados,
à época. Quando entrou em vigor em 95, havia quem questionasse como é que
pode se admitir o consenso no processo penal. Hoje é algo muito simples.
Vamos tomar o exemplo da Lei nº 12.850, a Lei das Organizações Criminosas.
Quando ela entrou em vigor, os primeiros comentários quanto a ela, sempre
no sentido da constitucionalidade. Com erros ou acertos, o fato é que o
processo penal hoje é um processo penal completamente diferenciado depois
da Lei nº 12.850. Não há como se imaginar o avanço do processo penal
ARMAZENAMENTO DE PERFIS GENÉTICOS DE CONDENADOS POR CRIMES VIOLENTOS OU HEDIONDOS
brasileiro sem instrumentos investigatórios, como a colaboração premiada, a
ação controlada, infiltração policial.
E esse ceticismo, senhores, recai hoje sobre a Lei nº 12.654.
Ontem não pude participar, mas hoje, pela manhã, pude acompanhar o
altíssimo nível dos debates aqui e o quanto que a contribuição trazida pelos
peritos é importante para nós operadores do Direito, porque é tudo muito
novo. O que vai ser feito com isso? Qual que é o acesso? O que é DNA
codificante? O que não é DNA codificante? Vamos fazer um clone? Não vamos
fazer o clone? São questionamentos que, inevitavelmente, vão surgir. E o cerne
da questão, senhores, Lei nº 12.654.
A Lei produz duas alterações, e, se me permite, Ministro,
vou comentar não apenas quanto à Lei de Execução Penal, mas também
quanto à Lei nº 12.037, porque acho que uma coisa está diretamente ligada à
outra.
Sem dúvida alguma, a Lei nº 12.654 altera a identificação do
perfil, a questão da identificação criminal, e passa a prever a possibilidade de
coleta do material biológico para fins de identificação do perfil genético. Não
adianta negar, e nesse ponto aqui o Doutor Grandinetti foi muito feliz em sua
peça escrita, na verdade a Lei altera a LEP e altera também a Lei nº 12.037 com
ARMAZENAMENTO DE PERFIS GENÉTICOS DE CONDENADOS POR CRIMES VIOLENTOS OU HEDIONDOS
um objetivo muito óbvio, não adianta negar, é para fins de utilização de prova.
Foram citados aqui, pelos Colegas da Polícia Federal, do Ministério da Justiça,
vários exemplos do perfil genético sendo usado como prova. E talvez seja esse
o cerne da constitucionalidade ou não dessa mudança. Será que eu posso usar
esse material para fins de prova no processo penal? A questão passa
inevitavelmente, senhores, pela análise do princípio nemo tenetur se detegere e
pela análise da própria Constituição que diz que: o civilmente identificado não
será submetido à identificação criminal, salvo nas hipóteses previstas em lei.
Quanto à questão da identificação do perfil genético, parece
que não haver nenhuma controvérsia, nada mais é do que uma nova forma de
identificação. Como muito bem exposto pelos peritos aqui presente pela
manhã, aquela ideia da imutabilidade, da ideia da perenidade, da ideia da
própria classificabilidade, aí, muito bem dita pelo doutrinador Mário Sérgio
Sobrinho, quer dizer, eu preciso ter dados que me permitam a identificação
mais precisa do indivíduo, sobretudo no processo penal. Num tempo,
usávamos a identificação fotográfica, péssimo metido de identificação, porque
eu não tenho como fazer essa classificabilidade; há muitos anos, identificação
datiloscópica. E, hoje, temos, com os graus de avanço tecnológico, a
identificação do perfil genético.
ARMAZENAMENTO DE PERFIS GENÉTICOS DE CONDENADOS POR CRIMES VIOLENTOS OU HEDIONDOS
Então, quanto a essa questão, facilmente podemos concluir
que a identificação do perfil genético nada mais é do que uma espécie de
identificação criminal que se revela com muita precisão.
Mas o cerne da questão - infelizmente o nosso tempo é
curto -, sobretudo o princípio que veda a autoincriminação. Princípio
constante da Constituição Federal, Convenção Americana sobre Direitos
Humanos, o preso será informado de seus direitos, entre os quais de
permanecer em silêncio. Doutor Flávio colocou muito bem, aqui, pela manhã,
a preocupação, o indivíduo condenado recebe essa informação? É obvio que
ele tem que receber. Na verdade, sabemos o famoso "Aviso de Miranda", quer
dizer, o cidadão não apenas tem o direito de não produzir provas contra si
mesmo, mas ele tem o direito de ser advertido quanto a esse direito. Então, é
importante, esse julgamento é histórico, exatamente para que essas premissas
sejam fixadas.
Eu não posso admitir a coleta de material biológico de
maneira clandestina, sem que o indivíduo tenha ciência. E, como bem colocou
o Doutor Grandinetti, eu não posso dizer que o indivíduo está sendo coletado,
vou negar isso vai ser usado como prova. Vai sim ser usado como prova;
sejamos honestos! Essa é a finalidade da coleta. Pode ser usado, como bem
ARMAZENAMENTO DE PERFIS GENÉTICOS DE CONDENADOS POR CRIMES VIOLENTOS OU HEDIONDOS
disseram os peritos, à questão de pessoas desaparecidas, é verdade, mas o
cerne aqui da Lei nº 12.654 é exatamente a questão da utilização como prova. E
aí vem o direito ao silêncio, e aí vem o princípio nemo tenetur se detegere.
Senhores, princípio fundamental do processo penal: o
acusado já não mais pode ser tratado como o objeto de investigação; ele é um
sujeito de direitos. Sabemos que, por força desse princípio, em vários julgados,
esta Corte já afirmou isso, o cidadão está protegido pelo direito ao silêncio, ele
não é obrigado a confessar.
Discute-se quanto à mentira, por exemplo. Há
doutrinadores que dizem que o cidadão teria o direito à mentira.
Particularmente, eu vejo num sentido um pouco distinto, eu acho que não
posso dizer que alguém tenha direito de praticar uma conduta antiética e
imoral. Na verdade, talvez, não que a mentira seja um direito; na verdade, é
inexigível a verdade, já que, no Brasil, ao contrário de outros países, não existe
o crime de perjúrio.
Além disso - aí vem o cerne da questão -, por força do nemo
tenetur, a doutrina Rocksim fala sobre isso; caso da Suprema Corte Norte-
americana também, o cidadão não é obrigado a praticar nenhum
comportamento ativo que possa incriminá-lo. E isso é sempre muito bem
ARMAZENAMENTO DE PERFIS GENÉTICOS DE CONDENADOS POR CRIMES VIOLENTOS OU HEDIONDOS
trabalhado. A Suprema Corte Norte-americana caso Chimeper v. Califórnia; o
próprio Rocksim fala sobre o assunto. E, aí, é sempre importante
diferenciarmos a questão do comportamento ativo do comportamento passivo.
O cidadão não é obrigado a praticar nenhum comportamento ativo que possa
incriminá-lo. Por isso que eu não posso obrigar ninguém a participar de uma
reconstituição; por isso eu não posso obrigar ninguém a fornecer seu padrão
de voz para se sujeitar a um espectograma da voz; por isso que eu não posso
obrigar ninguém a rascunhar no papel para fazer um exame grafotécnico.
Agora, será que isso significa dizer que eu não posso fazer
um grafotécnico? Que eu não posso fazer outro meio de prova? É obvio que
sim. Aliás, Excelentíssimo Ministro Gilmar Mendes, há julgados de Vossa
Excelência: o Habeas Corpus nº 99.245 que fala exatamente sobre a questão do
grafotécnico. Quer dizer, eu não posso obrigar ninguém a fornecer material de
seu pulso escritor, mas eu posso determinar a apreensão desses materiais.
Então, se amanhã eu estou sendo investigado num caso de interceptação
telefônica, eu posso me negar a fornecer meu material, minha voz, não vou
gravar. Só como professor que sou há quase quinze anos, facilmente qualquer
aí canal do Youtube, você vai localizar a minha voz, pode apreender isso e
fazer essa comparação sem problema nenhum.
ARMAZENAMENTO DE PERFIS GENÉTICOS DE CONDENADOS POR CRIMES VIOLENTOS OU HEDIONDOS
E aí chegamos, senhores, à questão da coleta do material
biológico, o famoso swab. Aliás, a exposição aqui do Doutor foi muito feliz.
Tivemos problemas. Inclusive, até havia preparado os slides, mas nem vou usá-
los, porque sempre dá problema. Então, é melhor prosseguirmos aqui na
disposição.
Mas, quanto à questão do grau de invasividade do swab,
quer dizer, você pega um cotonete - e eu sempre me perguntava sobre como
era feita essa coleta - e esfrega no céu da boca do indivíduo. Temos aí
claramente, senhores, as chamadas intervenções corporais. A doutrina
conceitua essas intervenções como:
Medidas de investigação realizadas sobre o corpo das pessoas, sem a necessidade do consentimento destas, e por meio de coação direta, se for preciso, com a finalidade de descobrir circunstâncias fáticas relevantes para o processo.
Essa é exatamente a doutrina de Nicolas Serrano.
Então, o questionamento é: eu posso obrigar alguém a se
sujeitar a essas intervenções corporais? O cerne da questão é exatamente se
essa intervenção corporal é invasiva ou não.
Fui convidado pelo Doutor João Costa, meu querido amigo,
para esta exposição, pela Academia Brasileira de Ciências Forenses, porque
ARMAZENAMENTO DE PERFIS GENÉTICOS DE CONDENADOS POR CRIMES VIOLENTOS OU HEDIONDOS
falo sobre isso no meu livro. Na verdade, digo o seguinte: depende de como
esse material biológico é coletado. A doutrina e a jurisprudência sempre
analisam isso. Essas intervenções corporais podem ser invasivas ou não. O que
é uma intervenção invasiva? É uma intervenção que implica na penetração no
organismo humano com fins de retirada de alguma parte do organismo.
Então, por exemplo, um exame de reto, da cavidade vaginal e assim por
diante, essas seriam provas invasivas, não podendo ser feita contra a vontade
do indivíduo. Agora, o que é uma prova não invasiva? Como o próprio nome
já diz, é uma inspeção, uma verificação corporal no qual não vai haver
nenhum tipo de penetração no organismo humano.
Nesta Casa, temos vários precedentes nesse sentido; já
foram citados e trabalhados aqui. É óbvio que eu não posso obrigar ninguém a
doar sangue, a me entregar um fio de cabelo. Mas, se esse material é
apreendido, voluntária ou involuntariamente, descartado pelo cidadão, é
óbvio que ele pode ser objeto de apreensão. Como exemplo, um precedente
desta Casa: o caso da Glória Trevi. O caso Pedrinho também é importante. A
partir do momento em que o cidadão descarta uma guimba de um cigarro, não
há falar em proteção à intimidade nem à vida privada. Houve uma renúncia.
Fosse aquilo objeto de proteção, certamente não seria descartado.
ARMAZENAMENTO DE PERFIS GENÉTICOS DE CONDENADOS POR CRIMES VIOLENTOS OU HEDIONDOS
Então, aos olhos da melhor doutrina, o ideal é concluir
exatamente no sentido de que a coleta desse material biológico há de se revelar
constitucional, desde que feita de maneira não invasiva.
São extremamente importantes, Ministro, os
questionamentos feitos por Vossa Excelência sobre essa coleta. Vossa
Excelência encaminhou um ofício para a Polícia Federal, que o respondeu no
Parecer nº 1, subscrito pelo Doutor Ronaldo Carneiro da Silva Júnior. Acho
que a grande questão, a pergunta mais interessante, é a de número três;
porque podemos fazer uma interpretação conforme a Lei nº 12.694, à luz do
princípio do nemo tenetur. O indivíduo, Doutor Flávio, tem que ser advertido:
"Você tem o direito ao silêncio e não é obrigado a produzir prova contra si
mesmo; você deseja fazer o exame de maneira espontânea?" "Sim" ou "não". Se
ele não quer fazer o exame de maneira espontânea - acho até que foi objeto de
questionamento ao último expositor da manhã -, eu vou amarrá-lo em uma
cadeira e abrir sua boca à força? Penso que não! Eu, sinceramente, não consigo
visualizar esse tipo de conduta sendo praticado. Seria algo absurdo no Estado
Democrático de Direito em que vivemos.
Agora, dizer que eu não posso fazer o exame? Eu penso que
pode. E, aliás, nesses quesitos que foram encaminhados à Polícia Federal, foi
ARMAZENAMENTO DE PERFIS GENÉTICOS DE CONDENADOS POR CRIMES VIOLENTOS OU HEDIONDOS
feita exatamente essa pergunta, o quesito de número três: tecnicamente, é
possível a extração do material biológico em caso de resistência? Sim foi a
resposta, tecnicamente é possível. Cita-se aqui primeiro: a coleta desse
material em eventuais exames médicos, de saúde - é o caso da Glória Trevi. E o
outro exemplo, dizendo que, em recusa, é perfeitamente possível a apreensão
de garrafas de água, escova de dentes, talheres. É óbvio que haveria a
necessidade de uma cautela maior para preservar a integridade do material, a
própria cadeia de custódia, mas esse indivíduo poderia ser colocado num
ambiente, sem contato com outros presos, para que esse material fosse
coletado. É evidente que talvez houvesse questionamentos quanto à
idoneidade desse material. Agora, fato é que sempre estará aberta a ele a
possibilidade de se fazer um contraprova. Quer dizer, o indivíduo sabe que,
diante de sua recusa, esse material poderá ser coletado, por meio de uma
busca e apreensão. Diante de sua recusa, faço essa coleta. Se ele quiser
questionar o resultado do laudo pericial, que, voluntariamente, nos forneça o
material para o exame de DNA.
Meu tempo, Ministro, é muito curto. Sinceramente havia me
preparada para falar sobre privacidade e proporcionalidade. Agora, fato é que
precisamos nos perguntar qual é o processo penal que desejamos, se o da
ARMAZENAMENTO DE PERFIS GENÉTICOS DE CONDENADOS POR CRIMES VIOLENTOS OU HEDIONDOS
década de quarenta do nosso Código. Quem faz audiência, Doutor Flávio sabe
disso, audiências criminais, quantos estupradores não são condenados com
base no reconhecimento. Não é possível que continuemos olhando para o
Código de Processo Penal da década de quarenta e ficar usando esses meios de
prova. São válidos? Sim. A prova pericial é uma prova irrefutável? Não. Mas é
um conjunto. Nós vamos aprimorar; precisamos beber dessa fonte, da
evolução dos métodos científicos, porque é saudável para o processo penal.
Aquele filme famoso "A Condenação", o cidadão permaneceu preso durante
dezoito anos injustamente, até que o exame de DNA revelou a sua inocência.
A Lei 12.654, é bom frisar, não é para condenar exclusivamente pessoas, mas
também servirá, sem dúvida alguma, para inocentar. E o que espera a Polícia
Federal - o Ministério da Justiça está aqui - é exatamente a chancela desta
Corte quanto à constitucionalidade, para que mais e mais materiais sejam
coletados, enriquecendo o banco de dados. Há de se buscar, nas palavras do
querido professor Antônio Scarance Fernandes, um grau maior de eficiência
no Processo Penal brasileiro. Eficiência, diga-se, não como sinônimo de
condenações. Às vezes, falamos em eficiência, parecendo que queremos mais e
mais condenações. Não! O que se busca é uma eficiência para preservar
direitos e garantias fundamentais do condenado e do acusado, conquistadas
ARMAZENAMENTO DE PERFIS GENÉTICOS DE CONDENADOS POR CRIMES VIOLENTOS OU HEDIONDOS
ao longo de anos, mas, também, através de um sistema que permita aos órgãos
persecutórios agirem para se desincumbir do seu mister que é a pretensão
punitiva.
Agradeço a atenção de Vossas Excelências.
O SENHOR MINISTRO GILMAR MENDES (RELATOR) -
Obrigado, Doutor Renato Brasileiro de Lima.
Agora, vamos ouvir a advogada Doutora Taysa Schiochet,
para falar pela Clínica de Direitos Humanos da Universidade Federal do
Paraná, BIOTECJUS, também disporá de 15 minutos.
A SENHORA TAYSA SCHIOCHET (CLÍNICA DE
DIREITOS HUMANOS - UFPR - BIOTECJUS) – Boa tarde a todos. E
cumprimento na pessoa do ilustríssimo Ministro Gilmar Mendes.
Gostaria de iniciar a minha intervenção, dizendo que será
estruturada em três pontos. O primeiro deles: os pressupostos
interdisciplinares para o debate constitucional; o segundo, quais os problemas
enfrentados pelo STF na análise da constitucionalidade; e, finalmente, o
terceiro ponto, soluções possíveis à constitucionalidade da Lei nº 12.654.
A questão que me parece relevante aqui não é perguntar se
se é constitucional ou não, mas em que condições seria possível a
ARMAZENAMENTO DE PERFIS GENÉTICOS DE CONDENADOS POR CRIMES VIOLENTOS OU HEDIONDOS
constitucionalidade da Lei que existe hoje. É preciso registrar, como
pesquisadora da Universidade, que acompanhou, desde o processo legislativo
desse projeto de lei, a discussão muito lacônica - eu diria - e sem a participação
efetiva da sociedade e de juristas, o que gera a Lei na situação em que ela se
encontra; e, aí, o Supremo Tribunal com a incumbência, nesse momento, de
fazer um controle de constitucionalidade em relação a essas questões.
O Ministro Gilmar Mendes estabelecerá os limites, muitos
claros e precisos, desta Audiência Pública ou dessa temática, a qual trata dos
limites dos poderes do Estado:
1- Colher o material biológico de suspeitos ou condenados
por crimes;
2 - Traçar o respectivo perfil genético, de armazenar os
perfis em bancos de dados e de fazer usos dessas informações, dizendo que
são objetos de discussão nos diversos sistemas, elencando tantos direitos da
personalidade quanto a prerrogativa de não se autoincriminar, como as
questões que, de alguma maneira, então, orientam essa nossa discussão.
Partindo disso, eu gostaria de situar a intervenção nesse
eixo de análise, ou seja, a discussão aqui não se daria, no nosso entendimento,
sobre segurança pública versus não autoincriminação, o direito ao silêncio. Ela
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não se restringe a esse conflito ou eventual dilema. A discussão se dá no que se
refere a tutela judicial efetiva. É punição de delitos, e não tanto prevenção de
delitos.
E, aí, por outro lado, no âmbito da esfera privada dos
direitos da personalidade, justamente o que nós temos, mais uma vez, não é
apenas não autoincriminação, não é só não autoincriminação no campo do
Direito Penal, mas de ter uma série de direitos, como a autonomia,
autodeterminação corporal e informacional, privacidade e intimidade que
refletem diretamente na dignidade, no seu sentido de liberdade e igualdade.
Então, pensar a flexibilização ou suspensão de direitos pode
ser, desde que justificada, proporcional e controlada. Não há direitos
absolutos, não há princípios absolutos, não há prerrogativas absolutas, mas
existem critérios para que isso seja feito de maneira controlada, que, no nosso
entendimento, a priori, a lei não atende.
Além disso, é preciso observar nesse padrão de controle, de
justificativa e de proporcionalidade alguns elementos fundamentais.
Primeiro, o DNA é prova. Ele pode ser, do ponto de vista
pericial, identificação, mas, do ponto de vista jurídico, ele tem uma dupla
função. Ele é identificação e ele tem conteúdo probatório. Uma vez que eu
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considero isso, não tem como eu negar todas as garantias, proteções, direitos,
ou todas as dinâmicas relativas à prova no processo penal. Isso implica em
dois elementos que eu preciso observar em relação a isso durante toda a cadeia
de custódia, ou seja, desde o momento em que eu coleto aquele material na
cena do crime ou de uma pessoa, seja vestígio ou referência, então,
credibilidade científica nesse momento, nessa cadeia de custódia, e licitude do
DNA, até ela chegar no processo penal. Aí os doutrinadores, sobretudo da
União Europeia, vão dividir isso, em geral, em quatro fases, que são
justamente as fases que foram mencionadas pelo Ministro no momento de
sintetizar as principais questões que estão em discussão. E eu vou voltar a
essas quatro fases que são coleta, análise do perfil, armazenamento - em algum
momento, é preciso se dar conta de que esse dado vai ser armazenado, não
simplesmente usado num processo. Existe o armazenamento num banco de
dados. Isso implica outras reflexões para além do Direito Penal - e, por fim, a
fase de valoração dessa prova no processo penal. O que significa ter um perfil
genético num processo penal? O que significa o percentual 99,9 em termos de
probabilidade? O que significa isso na cena do crime? Se essas questões não
forem observadas, eu tenho a nulidade da prova ou a irrefutabilidade da
ARMAZENAMENTO DE PERFIS GENÉTICOS DE CONDENADOS POR CRIMES VIOLENTOS OU HEDIONDOS
prova, o que me parece difícil levar por esse caminho da irrefutabilidade.
Quais são, então, os pressupostos interdisciplinares para esse debate?
Estamos diante do uso forense da bioinformação. Existem
relatórios, principalmente do Reino Unido, tratando disso. A gente tem, no
STF, o tratamento dessa matéria justamente no âmbito do Direito de Família. E
agora vem a questão do uso forense do DNA no âmbito da política criminal. A
tecnologia não é neutra. A gente parte desse pressuposto. Ela depende dos
usos que eu dou a essa tecnologia. Então, o DNA, a tecnologia, os laboratórios,
o que se produz não é algo neutro em si. Vai depender do uso que eu dou e
das proteções que carregam com ela. Nesse sentido, por exemplo, eu tenho
que estar sempre ciente dos avanços em genética. Foi comentado antes que o
perfil genético não traz informações fenotípicas, que o perfil genético não traz
informações sobre a pessoa. Pois bem. Existem, sim, pesquisas com os
chamados snips que trazem características físicas das pessoas. Existem várias
pesquisas. O evento que teve aqui em Brasília inclusive muitos pesquisadores
peritos estão apresentando os resultados dessas pesquisas, ou seja, eu posso
saber cor de pele, olho, cabelo, quer dizer, se tem covinha ou não. Isso, a priori,
é preciso registrar, está impedido pela lei, porque a lei diz que não podem
apresentar traços somáticos, mas isso é importante frisar, está no perfil
ARMAZENAMENTO DE PERFIS GENÉTICOS DE CONDENADOS POR CRIMES VIOLENTOS OU HEDIONDOS
genético. Então essa questão técnica é importante também, porque é muito
provável, senhoras e senhores, que a ciência vai avançar e, em algum
momento, isso vai, de alguma forma, ser incorporado ao processo.
Particularmente tenho essa convicção.
Pois bem. Diante desses avanços tecnológicos, é importante
ter uma postura não tecnófila, apaixonada pela tecnologia, e nem tecnófoba,
ou seja, resistente a qualquer forma, e, sim, dar o seu devido enquadramento,
o seu devido dimensionamento, quais são as reais possibilidades e quais são
os reais riscos.
Em relação ao DNA, eles são, portanto, dados pessoais
sensíveis, porque dizem respeito as pessoas, inclusive, aos seus familiares,
como há, em alguns países, a questão das pesquisas familiares, que não estão
proibidas na nossa legislação, mas que são proibidas em diversas legislações.
Isso também é um tema a ser enfrentado.
O principal tema em relação ao DNA, parece-me, é o mito
da infalibilidade. Isso aparece em vários trechos do processo, do recurso
extraordinário, uma crença, eu diria, bastante ingênua, romântica, na ideia da
infalibilidade do DNA, de que o DNA resolveria todos os problemas de erros
no Judiciário, quando, na verdade, sabemos que existem erros - isso foi,
ARMAZENAMENTO DE PERFIS GENÉTICOS DE CONDENADOS POR CRIMES VIOLENTOS OU HEDIONDOS
inclusive, comentado. Não significa que os peritos não estejam de boa-fé, que
não sejam qualificados, muito pelo contrário, são doutores, têm uma formação
específica nisso, estão trabalhando para ter a ciência na melhor situação. Mas
existem erros, tanto que, nos Estados Unidos, existem eventos periciais
tratando do gerenciamento de erros. E existem vários casos - elenco, eu não
vou comentar os erros aqui - de erros, como o da Amanda Kiosk - há,
inclusive, um documentário sobre isso -, da mulher sem face na Alemanha,
que ficou dezesseis anos achando que era uma assassina, porque ela aparecia
em vários contextos, em várias cenas de crime. Depois, descobriu-se que, na
verdade, era, de fato, uma contaminação de uma mulher que trabalhava na
empresa, que produzia o swabs - isso, na Alemanha.
Então, há uma série de situações que demonstra os casos de
erros. Aqui não é para diminuir o trabalho da perícia, mas é para que,
simplesmente, quando a gente vai tomar uma decisão jurídica, a gente tenha a
real noção dos limites e possibilidades, dos problemas, inclusive, que há em
relação ao DNA.
Vários casos foram reexaminados nos Estados Unidos,
casos, inclusive, tendo pena de morte, onde o próprio FBI admitiu falhas na
ARMAZENAMENTO DE PERFIS GENÉTICOS DE CONDENADOS POR CRIMES VIOLENTOS OU HEDIONDOS
análise do DNA. Dos trinta e dois casos que teriam de ser reabertos, quatorze
já tinham executadas as sentenças de pena morte.
Então, é preciso levar em consideração que, sim, há
possibilidade de erro. Isso não é um limite, uma contingência da técnica
propriamente, pode ser eventualmente, mas também humano.
Trago aqui algumas outras notícias que foram amplamente
divulgadas sobre erros periciais, sobre a discussão que tem no próprio
Judiciário norte-americano em relação aos erros de genética forense e os
cuidados que, enfim, como superar essas questões.
E aqui quais são os tipos de erros. Existem vários tipos de
erros. Pode ser um erro relacionado a perito; pode ser um erro intencional, na
realidade, uma fraude; pode ser um erro em relação ao método; podem ser
erros em relação aos limites da tecnologia. Hoje a gente bem sabe que o CODIS
mudou os seus marcadores de treze para vinte, para que ele seja mais seguro.
Então, isso é algo positivo, mas isso demonstra que, justamente, a ciência está
em evolução.
Para evitar esse efeito (ininteligível) de uma crença à crítica
na infalibilidade do DNA, é preciso ter em conta esses casos reais, esses
ARMAZENAMENTO DE PERFIS GENÉTICOS DE CONDENADOS POR CRIMES VIOLENTOS OU HEDIONDOS
problemas, para saber os verdadeiros limites em que é preciso colocar isso.
Que experiências a gente teria dos países europeus, dos Estados Unidos?
Criar um banco de DNA requer investimentos legislativos
também. Isso, uma jurista britânica vai dizer: "Se eu não invisto
legislativamente, eu vou ter um banco ineficaz, com longas e caras batalhas
judiciais e com resultados confusos".
Um outro elemento importante, e aqui eu gostaria de frisar,
porque, na regulamentação do nosso banco, existem muitas resoluções que
tratam de temas de matéria penal e de processual penal, o que, de alguma
maneira, não estaria no âmbito da competência de comitê gestor para regular
sobre essa matéria e temas dessa natureza, o que é muito comum no sistema
da common law. Mas nós, ainda que nos comuniquemos com o sistema da
common law, estamos no sistema da civil law e, portanto, é preciso que essas
garantias, esses direitos estejam previstos em lei, e não numa resolução do
comitê gestor, que traz nenhuma segurança jurídica, o que muito frágil do
ponto de vista normativo.
Ainda em relação ao Direito europeu, sempre que gente
cita, houve vários casos de países, e a maioria dos países da Europa, de fato,
permite, tem os bancos de DNA, mas é preciso lembrar que eles partem de um
ARMAZENAMENTO DE PERFIS GENÉTICOS DE CONDENADOS POR CRIMES VIOLENTOS OU HEDIONDOS
pressuposto: uma rigorosa normativa de proteção de dados pessoais. A
Europa tem regulamentação nesse sentido. Então, todos os bancos de todos os
países já têm isso como um pressuposto: DNA é dado pessoal sensível, seja ele
codificante ou não codificante. O que piora ou agrava essa situação, que coloca
a questão de risco de acesso a esses dados? Bioinformática associada a
armazenamento em bancos. Ou seja, eu tenho uma maior vulneração de
dados, portanto eu preciso de uma lei que traga maior proteção a esses dados
que estão armazenados. Porque lembramos, hoje, no Brasil, a gente tem todo o
DNA armazenado nos bancos de dados. Eles não são, atualmente, hoje, só
banco de perfis. A lei silencia sobre isso. Na prática, a gente tem, na verdade,
verdadeiros biobancos, que foram criados e legitimados pela Lei nº 12.654.
Pois bem, além disso, eu gostaria de citar três impactos
sociais que foram amplamente divulgados nesses dias, nessas sessões de
audiência.
Um deles é o Projeto Inocência, o Innocence Project. O que os
países que já possuem o uso Innocence Project demonstram é que há uma parca
utilização comparada às condenações, isso, no Reino Unido e nos Estados
Unidos, ou seja, existe esse projeto, ele é utilizado, mas comparativamente às
condenações, por óbvio, ele é muito menor. Não há investimento. Em geral,
ARMAZENAMENTO DE PERFIS GENÉTICOS DE CONDENADOS POR CRIMES VIOLENTOS OU HEDIONDOS
isso fica a cargo das Clínicas de Direitos Humanos para tentar inocentar essas
pessoas.
Em relação aos crimes sexuais, que, em geral, são os crimes
utilizados para legitimar o uso de bancos nesse sentido e que são, de fato, os
crimes para os quais o banco teria maior utilidade, é preciso lembrar que, no
Brasil, a maioria dos crimes cometidos contra mulheres são cometidos por
pessoas conhecidas, ou seja, basicamente, aproximadamente setenta por cento,
segundo o mapa da violência, vai dizer que os agressores são conhecidos da
vítima. Portanto, não há relevância do DNA nesses casos.
Em relação, por último, a impunidade ou criminalidade,
que é um dos argumentos para se legitimar também essa legislação, é preciso
lembrar que prevenção delitiva é um fator muito difícil de ser diagnosticado,
porque é multifatorial. Criminalidade é multifatorial.
Então, não há pesquisas conclusivas sobre a eficiência do
banco de dados. Hoje, esse é o tema que vem sendo discutido, por exemplo, no
Reino Unido e nos Estados Unidos. Qual é de fato, quais são as pesquisas que
demonstram em que grau há eficiência dos bancos de dados? Qual é o
percentual, como eu analiso isso? Os bancos hoje estão buscando esse valor,
ARMAZENAMENTO DE PERFIS GENÉTICOS DE CONDENADOS POR CRIMES VIOLENTOS OU HEDIONDOS
esse coeficiente, isso vem sendo revisado, inclusive por autores do direito
europeu, da sociologia na Europa.
Finalmente, o problema da estigmatização e que, no caso
britânico, que é o maior banco que se tem, demonstrou que isso, sim, é
possível de acontecer. A gente tem o dobro de negros inseridos no banco de
perfis em relação aos brancos.
Quais seriam os problemas, então, a serem enfrentados pelo
STF em relação a essa questão?
A primeira questão, a não autoincriminação, poderia se
configurar como hard case? Caberia ao STF, portanto, estabelecer o sentido e
extensão do direito de não se autoincriminar, porque ele não está posto na
legislação nem na Constituição.
Do ponto de vista normativo, ele teria que ser avaliado
como um Direito Fundamental, cláusula pétrea e seus reflexos processuais, o
que teria que ser enfrentado, nesse sentido também, os precedentes do próprio
STF, em vários habeas corpus, que estabelecem a ideia de uma imunidade
corporal. E, mesmo em relação a provas menos invasivas, como o bafômetro,
padrões gráficos, se considera que haveria, então, um comportamento ativo.
ARMAZENAMENTO DE PERFIS GENÉTICOS DE CONDENADOS POR CRIMES VIOLENTOS OU HEDIONDOS
Pergunto qual seria a grande diferença entre soprar um bafômetro e abrir a
boca para um swab?
A questão aqui também não é só a invasão física, não é a
intimidade física, autodeterminação puramente corporal.
Por fim, questões do aspecto social da nossa realidade;
análise da taxatividade da lei; análise da proporcionalidade, como já foi
mencionada aqui; a questão da integridade física e ampla defesa, que
carregaria, com essa prova, no processo, uma série de garantias que estão hoje
só previstas nessa Resolução nº 3, do Comitê Gestor, que entendemos
inconstitucional por incompetência; e, finalmente, as soluções possíveis, elas
estariam no campo da proteção de dados pessoais, que os próximos Colegas
da Clínica de Direitos Humanos vão mencionar e o ITS.
Então, eu dou por encerrada, no entendimento de que os
Colegas poderão dar continuidade para análise não só da não
autoincriminação, mas os direitos da personalidade na proteção dos dados
pessoais sensíveis, como é o caso do DNA.
O SENHOR MINISTRO GILMAR MENDES (RELATOR) -
Obrigado, Doutora Taysa Schiocchet.
ARMAZENAMENTO DE PERFIS GENÉTICOS DE CONDENADOS POR CRIMES VIOLENTOS OU HEDIONDOS
Vamos agora ouvir o Doutor Carlos Affonso Pereira de
Souza, que falará pelo Instituto de Tecnologia e Sociedade do Rio de Janeiro
(ITS).
O SENHOR CARLOS AFFONSO PEREIRA DE SOUZA
(INSTITUTO DE TECNOLOGIA E SOCIEDADE DO RIO DE JANEIRO - ITS)
– Boa tarde a todos! É um prazer poder fazer parte desta Audiência Pública.
De início, gostaria de dar os agradecimentos e boa-tarde ao
Excelentíssimo Ministro Gilmar Mendes, do Supremo Tribunal Federal; ao
Subprocurador-Geral da República, Doutor Odim Brandão; ao Doutor Flávio
Léllis, Defensor Público; à Doutora Ravena Siqueira, Secretária desta
Audiência.
A minha contribuição hoje aqui vem do Instituto de
Tecnologia e Sociedade. O ITS é uma organização criada há quatro anos, mas
fruto de um trabalho, já há quase quinze anos, dos Diretores que fazem parte
deste Instituto, que trabalha bastante com a discussão sobre direitos e
tecnologia. A equipe do ITS trabalhou bastante nos mais de nove anos de
trabalho envolvendo a criação do chamado Marco Civil da Internet, que é a Lei
nº 12.965/2014. Mais recentemente, o ITS esteve envolvido no lançamento do
aplicativo MUDAMOS, que permite a assinatura de anteprojetos de leis por
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meio do celular, ou seja, com uma expertise que aqui procura, de forma
interdisciplinar, trazer discussões jurídicas para dentro de um cenário de
desenvolvimento tecnológico.
A minha fala de hoje, a minha contribuição para esta
Audiência Pública, num slide levemente desformatado, seria, de início,
mencionar, como a Professora Taysa estava fazendo, algumas discussões que
levam à discussão, ao debate sobre a infalibilidade do DNA para fins de
prova.
A partir disso, falaremos um pouquinho sobre a expansão
dos bancos de dados de perfis genéticos. Analisaremos, então, a legislação
contestada. E, por fim, falaremos um pouquinho sobre o futuro do que essa
decisão representa para a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal.
Então, começando, trabalhando com a questão de
fragilidades, disso que parece uma prova perfeita. E aqui é bom deixar claro,
desde o início, para que não haja qualquer engano, para que não haja qualquer
má interpretação, que isso não é um crítica ao trabalho de perícia, não é uma
crítica ao trabalho, enfim, de cientistas forenses, mas é importante perceber,
muito pelo contrário, que, quando trabalhamos com a questão dos perfis
genéticos, da criação de base de dados, temos dois lados da moeda: assim
ARMAZENAMENTO DE PERFIS GENÉTICOS DE CONDENADOS POR CRIMES VIOLENTOS OU HEDIONDOS
como temos o DNA solucionando uma série de casos, temos situações em que,
pelos mais diversos motivos - como a Professora Taysa mencionou -, podem
levar a situações como a deste Senhor David Butler, um taxista de Liverpool,
que foi incriminado e que passou mais de oito meses na cadeia, porque se
imaginava, através do exame pericial feito sobre o DNA, que ele seria o
assassino de uma situação, de um homicídio ocorrido nessa cidade, quando,
depois, veio a se descobrir que, na verdade, ele era inocente. Ele passou esse
tempo todo na cadeia, porque, ao que parece ser, sendo portador de uma
doença em que faz com que ele acabe deixando rastros que podem levar à
identificação do DNA de forma mais fácil, ele acabou - o que se imagina,
talvez, como é taxista - entregando uma nota de dinheiro para um passageiro,
e esse passageiro, efetivamente, foi aquele que cometeu o assassinato, aquele
que cometeu o crime. É muito interessante esse caso - se vocês buscarem na
internet, é fácil conseguir várias informações sobre ele. O depoimento que dá
esse cidadão dizendo que esse foi, obviamente, o pior período da sua vida; a
solidão do tempo que ele passou na prisão. Mas, talvez, um outro lado, que
acho que diz muito aqui as falas que foram colocadas, brilhantemente, pelos
Colegas nesta Audiência, que é a busca pelo culpado, porque, na medida em
que esse senhor foi absolvido, a família da mãe que foi assassinada se colocou
ARMAZENAMENTO DE PERFIS GENÉTICOS DE CONDENADOS POR CRIMES VIOLENTOS OU HEDIONDOS
numa situação de desespero, porque o que se achava que existia, que ali estava
o assassino, descobre-se que não estava. E essa confusão se deu por equívocos
que podem ocorrer no processamento do DNA na criação de bancos de perfis
genéticos e da sua manipulação.
Isso em diversos outros casos - e aqui eu deixo a
apresentação depois para a consulta de todos - envolvendo situações que
levam a conclusões, que nos levam a questionar, em última instância, talvez,
até mesmo, de forma geral, como se dá aplicação da perícia envolvendo o
exame de perfis genéticos para a solução de casos concretos. Essa matéria do
The Telegraph chega até a dizer que existe quase que uma nova corrente
especializada em questionar os exames que levam à apresentação de dados
genéticos em situações de julgamentos. E aqui se fala sobre diversas questões,
como erro, contaminação, acidentes, levando a essa percepção de que o
sistema não é infalível.
Essa ideia de que o sistema não é infalível aparece também
na fala de um dos maiores especialistas na área, que é o Professor David Kaye,
da Universidade de Penn State. Ele é o autor deste importante livro,
especialmente no que diz respeito ao regime probatório, que é "The Double
Helix and the Law of Evidence" - A Dupla Hélice e o Direito Probatório -, em que
ARMAZENAMENTO DE PERFIS GENÉTICOS DE CONDENADOS POR CRIMES VIOLENTOS OU HEDIONDOS
ele diz justamente que existe uma expectativa de que o DNA resolverá todos
os problemas, de que o DNA levará a uma prova concreta, certeira e infalível.
É importante compreender o contexto, entender como o
DNA pode ser uma das provas mais importantes, mas ele precisa ser
conjugado com todo um contexto probatório, ou seja, evitar aqui a ideia de
que o DNA sozinho - como a Senhora Taysa mencionou, muito ligado a séries
norte-americanas -, um pesquisador isolado, fazendo o exame do DNA,
rapidamente chegará ao match e, com isso, caso encerrado. Então é
imprescindível entender esses problemas, e aqui seguem só algumas matérias
que detalham isso.
O segundo ponto da minha fala é a expansão dos bancos de
dados de perfis genéticos. E aqui a Forensic Genetics Policy Initiative, uma
organização que busca traçar diretrizes sobre a formação de bancos de dados
genéticos compatíveis com direitos humanos, alerta que a expansão desses
bancos de dados se dá especialmente por estes três fatores, que seriam:
barateamento da tecnologia de identificação genética, interesses econômicos
no desenvolvimento de laboratórios e, por fim, essa crença que estamos
falando, na fase atual do combate da criminalidade, de que o DNA vai
substituir qualquer subjetividade por uma pretensa objetividade.
ARMAZENAMENTO DE PERFIS GENÉTICOS DE CONDENADOS POR CRIMES VIOLENTOS OU HEDIONDOS
Vale dizer, um paralelo rapidamente feito com o último
relatório do relator especial da ONU para a privacidade, que é o relator
(ininteligível). Em seu último relatório, ele chama atenção para a grande
expansão dos bancos de dados genéticos e alerta, de forma bastante
contundente, dizendo ser claro que essas bases de dados podem desempenhar
um papel importante em solucionar crimes, mas também trazem preocupações
no que diz respeito aos direitos humanos, incluindo o potencial mau uso
dessas bases para vigilantismo e monitoramento por parte do governo, o risco
de julgamentos equivocados. E mais, essas bases seriam utilizadas, cada vez
mais, para cartões de identidade e para fins de imigração.
E aqui há uma relação que, é claro, não é o primeiro assunto
que vem à mente quando se pensa no Brasil, mas, em diversos países, a
expansão de bases de dados de perfis genéticos está diretamente relacionada à
questão da imigração, com a situação de refugiados e de tentativas de pessoas
ingressarem ilegalmente naquele país, e se tentar fazer, através do exame de
DNA, uma aferição se essa pessoa tem, de alguma forma, ancestral, se tem
alguma situação na sua própria família que o ligue a esse território, ou, de
outra forma, criar uma verdadeira base de dados de perfis genéticos de
refugiados, de imigrantes.
ARMAZENAMENTO DE PERFIS GENÉTICOS DE CONDENADOS POR CRIMES VIOLENTOS OU HEDIONDOS
Isso tem aparecido bastante no debate americano através do
trabalho da Electronic Frontier Foundation, com a discussão envolvendo o rapids
DNA.
Partindo para o final da minha exposição, eu queria
comentar alguns pontos sobre a legislação aqui contestada. Eu não terei tempo
de avançar sobre todos esses pontos, mas queria deixar algumas
recomendações, algumas sugestões de análise.
Como já comentado por alguns dos meus Colegas, e acho
importante repetir esse ponto, o Brasil não possui uma lei geral de dados
pessoais. O Brasil, diferente do que acontece com os países europeus, que
inspiram grande parte dos nossos debates aqui, infelizmente não possui a
proteção da privacidade, da proteção de dados com uma lei geral. Nós temos a
proteção constitucional, é claro, só o artigo 5º da Constituição, em quatro
momentos, trata da proteção da privacidade. No artigo 5º, inciso X fala da
inviolabilidade da privacidade; o XI, do domicílio; o XII, de dados, enfim,
ligados à comunicação; e, por fim, o LXXII, do habeas data. Mas é claro que a
tutela constitucional não esgota toda a série de problemas que envolvem a
tutela dos dados pessoais.
ARMAZENAMENTO DE PERFIS GENÉTICOS DE CONDENADOS POR CRIMES VIOLENTOS OU HEDIONDOS
Para só ficar em um ponto muito curto, imaginem, senhores
e senhoras, que uma lei geral de proteção de dados deveria trabalhar com
temas tão importantes como transferências internacionais de dados,
vazamentos de dados.
É importante lembrar que o Brasil, hoje, vive uma situação
em que há diversos casos de vazamentos de dados na imprensa. E as empresas
que são alvo desses vazamentos não sabem o que fazer, porque não existe uma
legislação específica que trace as regras. Devo comunicar aos titulares os dados
pessoais vazados? Devo comunicar à autoridade? Que autoridade é essa?
Nada disso está na legislação.
E isso mostra a falta de uma rede de proteção que,
infelizmente, a Lei nº 12.654, o decreto que regulamenta e as resoluções do
comitê gestor não cumprem, já que grande parte desta proteção deveria
constar da lei e, infelizmente, assim não ocorre.
Eu separaria apenas, rapidamente, um comentário sobre a
lei, dividindo em pontos que me parecem de especial relevo. O primeiro diz
respeito à coleta. E, fazendo menção ao trabalho Forensic Genetics Policy
Initiative, ela traz algumas recomendações sobre coleta, fazendo uma restrição
de categorias de crimes para os quais o DNA pode ser coletado, exigir uma
ARMAZENAMENTO DE PERFIS GENÉTICOS DE CONDENADOS POR CRIMES VIOLENTOS OU HEDIONDOS
suspeita embasada e exigir a remoção automática da base de dados quando
você tiver a situação de absolvição ou exclusão de um determinado processo.
Os slides a seguir tratam um pouquinho mais
detalhadamente sobre a questão da coleta - que não me parece estar bem
regulamentada, bem disposta na lei em si, especialmente sobre a questão do
armazenamento.
Gostaria de fazer dois comentários. O primeiro diz respeito
à anonimização: é muito importante, e esse é o coração de leis gerais de
proteção de dados, que exista uma forma de se criar uma anonimização clara,
segura, que evite a reidentificação simples, fácil, desses dados. Infelizmente, a
lei não trata de anonimização da forma mais segura, da forma mais correta e,
nesse ponto, ela falha em proteger um aspecto fundamental da privacidade, da
proteção de dados dos titulares de dados genéticos que lhe são tratados.
E ainda no armazenamento, sobre a questão do prazo, acho
que vale lembrar - peço desculpas por passar rapidinho os slides, mas só para
ficar dentro do meu tempo -, no que diz respeito ao artigo 9º-A, que aqui
comentamos, enfim, vale dizer que, no caso de pessoas condenadas e
submetidas à coleta de material biológico nos termos do 9º-A, se quiser é
previsto em lei um prazo para a exclusão desses dados. Esse prazo vai
ARMAZENAMENTO DE PERFIS GENÉTICOS DE CONDENADOS POR CRIMES VIOLENTOS OU HEDIONDOS
aparecer no decreto - e isso não me parece a melhor salvaguarda para a
exclusão desses dados. Então, isso com relação à coleta, armazenamento.
E, por fim, é bom esclarecer que também existe uma
questão importante com relação ao descarte. A lei, infelizmente, não avança
sobre proteção no que diz respeito ao descarte do material que não se presta
para a identificação criminal, gerando a possibilidade de que este dado venha
a ser utilizado para as mais diferentes funções. Vamos dizer, tudo bem, a lei
proíbe e a lei restringe. Mas qual é a responsabilidade decorrente disso? Qual é
a garantia de que isso vai se dar da forma correta, da forma devida?
Infelizmente, a parte do descarte é um outro problema que encontramos na
legislação, porque não há qualquer disposição a respeito da destinação de
amostra biológicas do identificado criminalmente, enfim, ou do condenado
após a extração do perfil genético.
E, aí, gostaria apenas de concluir dizendo que, pensando no
futuro da jurisprudência do Supremo Tribunal Federal, sabemos que, desde de
lá atrás, enfim, no HC nº 71.373, existe um debate grande sobre a questão da
integridade física, da tutela, da dignidade da pessoa humana, com a discussão
dos exames de reconhecimento de paternidade e sua a recusa lá atrás.
ARMAZENAMENTO DE PERFIS GENÉTICOS DE CONDENADOS POR CRIMES VIOLENTOS OU HEDIONDOS
O debate havido, à época, entre diversos Ministros, no
habeas corpus, é conhecido por todo. Na oportunidade, afirmou -se a
impossibilidade de se obrigar, de se conduzir debaixo de vara, a coleta de um
DNA para reconhecimento de paternidade.
Esse tema volta frequentemente à pauta do Supremo
Tribunal Federal - voltou, como no caso já citado da Glória Trevi. Mas é
importante dizer que a jurisprudência do HC e a jurisprudência que chega ao
caso Glória Trevi são casos de coletas feitas fora do corpo da pessoa. Quando
discutimos a Lei nº 12.654, discutimos a coleta de material genético no corpo
da pessoa. Essa realmente é uma inovação, sobre a qual é importante que se
reflita e se pense, porque ela representaria uma mudança na jurisprudência do
Supremo Tribunal Federal, que foi consolidada a partir do final dos anos 90 -
repetida, respeitada e consolidada nos Tribunais de Justiça dos Estados.
Agora, com a Lei nº 12.654, chega-se em uma situação em que esse
entendimento poderia ser revisto. É importante que se reflita se esse é,
efetivamente, o momento, levando em consideração todas as questões ligadas
à proteção e à privacidade e aos dados pessoais aqui colocados.
ARMAZENAMENTO DE PERFIS GENÉTICOS DE CONDENADOS POR CRIMES VIOLENTOS OU HEDIONDOS
Encerro, então, colocando essas questões e fazendo eco a
preocupações ligadas à privacidade e à proteção dos dados envolvendo a
aplicação da Lei nº 12.654.
Agradeço pela atenção e fico à disposição para comentários
e dúvidas, e que possamos continuar esse frutífero debate. Obrigado.
O SENHOR MINISTRO GILMAR MENDES (RELATOR) -
Obrigado, Doutor Carlos Affonso Pereira de Souza.
Passo agora a palavra ao Doutor Victor Simones, que fará a
exposição pela Clínica de Direitos Humanos da Universidade Federal do
Paraná - BIOTECJUS.
O SENHOR VICTOR SIMONES (CLÍNICA DE DIREITOS
HUMANOS DA UFPR - BIOTECJUS) – Boa tarde! Gostaria, primeiramente, de
agradecer a oportunidade de me dirigir a esta Casa, responsável por
resguardar e promover a nossa Constituição, de me dirigir ao Excelentíssimo
Ministro Gilmar Mendes, à Mesa presente e aos demais senhoras e senhores e
também à sociedade brasileira que pode estar me acompanhando pela
televisão.
Em segundo ponto, eu gostaria de situar a minha fala a
partir da minha formação, que é de Cientista Social e Antropólogo
ARMAZENAMENTO DE PERFIS GENÉTICOS DE CONDENADOS POR CRIMES VIOLENTOS OU HEDIONDOS
especializado em Antropologia da Ciência. A Antropologia da Ciência vem-se
dedicando a pesquisas no campo dos Estudos Sociais e da Ciência e
Tecnologia - campo ainda incipiente no Brasil, mas que, desde a segunda
metade dos anos 80, se tem consolidado internacionalmente.
Gostaria de situar, nesses dois campos de conhecimento, a
pesquisa à qual eu me dediquei nos últimos quatro anos, para a obtenção do
meu doutoramento, sobre o Processo de Introdução da Biotecnologia dos
Bancos de Perfis Genéticos para fins de investigação criminal.
O campo dos Estudos Sociais e da Ciência e Tecnologia tem
a particularidade de ser um campo multidisciplinar, que tem como objetivo
principal entender como os fatos científicos são produzidos na prática
cotidiana e como eles circulam para além dos laboratórios das Universidades.
Um dos principais modos ou um dos principais pontos de análise que permite
tentar entender esses fenômenos é a noção de controvérsia, especialmente as
controvérsias técnico-científicas. As controvérsias são momentos de particular
interesse para a análise da Ciência e da Tecnologia e da sociedade porque são
momentos de flexibilidade interpretativa. São os momentos onde os fatos
estão em disputa; as posições são colocadas; artefatos, metodologias, formas
de obtenção e análise de dados são colocados em disputa.
ARMAZENAMENTO DE PERFIS GENÉTICOS DE CONDENADOS POR CRIMES VIOLENTOS OU HEDIONDOS
Nestes momentos, a gente consegue entender como, dessa
disputa, os fatos começam a ficar mais duros, mais estáveis e permitem
aprender sobre as práticas de produção da Ciência e da Tecnologia e como elas
circulam, como esses fatos circulam nas interações sociais com o Direito, com a
Economia, com o mercado, com a ética, enfim, com aquilo que costuma estar
situado no polo da sociedade. Isso permite afirmarmos que não há a
possibilidade de separar a ciência da sociedade e da política.
Feita essa breve introdução, eu gostaria de me dirigir a
algumas controvérsias que fazem parte da história da biotecnologia - que está
em debate aqui. Eu vou ter que ser muito breve, eu vou passar muito
rapidamente por elas para chegar na que eu quero discutir, que é a mais
eminente, a mais recente. Mas, desde 1989, no caso Joseph Castro, três anos
após os primeiros usos da identificação genética, controvérsias sobre os
laboratórios, sobre o uso de desvios-padrões e de populações de referência já
começaram a surgir.
Num célebre caso, os geneticistas Lewontin e Hartl
conseguiram desafiar, no processo de Joseph Castro, a relevância da
população de referência usada pelos cálculos estatísticos naquele momento.
Esse momento foi importante porque, no final da década de 80, os laboratórios
ARMAZENAMENTO DE PERFIS GENÉTICOS DE CONDENADOS POR CRIMES VIOLENTOS OU HEDIONDOS
responsáveis pela produção dos perfis genéticos eram empresas da Cellmark e
da Lifecode. Foi nesse momento, para tentar resolver essa questão, que o FBI
tomou responsabilidade pelos laboratórios e começou um processo de
multiplicação dos laboratórios pelos Estados Unidos e isso foi seguido em
outros países também.
E, em 94, o caso O. J. Simpson foi um marco da emergência
de uma outra controvérsia sobre a cadeia de custódia, que é um dos principais
debates acerca da credibilidade da prova de DNA, a partir do qual a prova
pode ser contestada por causa da falta de cuidado com a administração e o
circuito que as amostras biológicas fizeram, naquele caso, até o laboratório.
Então, acho que, depois daquele momento, foi publicado esse importante
artigo no qual buscava estabelecer um consenso desses dois tipos de críticas.
Eu estou mencionando essas duas controvérsias para situar
a importância que elas tiveram para o desenvolvimento dessa tecnologia e
como certas controvérsias, nesse período, são superadas, para chegar no ponto
de que estamos num contexto onde há uma proliferação de controvérsias
acerca do uso do banco de dados de perfis genéticos. Temos controvérsias
sobre os critérios de inclusão e a expansão dos bancos de dados. Apesar de
muitos países já terem feito isso, esses debates continuam e continuam
ARMAZENAMENTO DE PERFIS GENÉTICOS DE CONDENADOS POR CRIMES VIOLENTOS OU HEDIONDOS
transformando a tecnologia. O tempo de permanência do perfil nos bancos; a
ameaça a princípios bioéticos promovidos em outros contextos do uso da
genética. Como alguns autores como o Peter Chow-White e o Troy Duster se
referem a um digital divide, no qual os bancos destinados para pesquisas
médicas e científicas, bancos genéticos destinados para a pesquisa médica e
científica, são compostos por pessoas europeias, brancas, caucasianas, que vão
ser os sujeitos da pesquisa e que contam com diversas proteções amparadas
nos principais princípios da bioética; enquanto os bancos de dados forenses
são povoados pelas minorias, sejam elas como forem definidas em diferentes
países, e onde princípios da bioética e de proteção e direitos que são mais do
que incentivados no outro contexto parecem não chegar da mesma forma.
No entanto, a controvérsia que é muito recente, mas que é
importante - finalmente, se chegou nesse debate, cerca de vinte anos depois
dos primeiros bancos de dados -, é sobre a eficiência dos bancos de dados no
combate ao crime, na redução das taxas, da detecção dos crimes.
Num relatório divulgado o ano passado pela administração
do Banco Britânico, constava esse pequeno trecho, no qual a gente pode ler na
primeira linha, onde diz que "o número de agressores condenados com a ajuda
do DNA, com a ajuda da evidência do DNA, não é registrado". Essa pequena
ARMAZENAMENTO DE PERFIS GENÉTICOS DE CONDENADOS POR CRIMES VIOLENTOS OU HEDIONDOS
frase tem gerado diversas discussões e também o fato da eficiência dos bancos
de dados estarem amparando e justificando diversas mudanças legislativas ao
redor do mundo; essa pequena frase tem gerado muitos debates acadêmicos.
Esse pequeno parágrafo, no entanto, no relatório deste ano, publicado em
fevereiro, ele não aparece mais. Aparece esse quadro, no qual a administração
do Banco Britânico está tentando dar conta de como tentar computar, contar,
avaliar o impacto dos bancos de DNA na resolução de crimes.
É uma tentativa inicial que eles estão chamando de tentar
identificar os autcomes dos matches, mas que ainda é incipiente, mas que fala
sobre a importância e o esforço que está sendo feito em tentar quantificar e
avaliar essa questão.
Um artigo que foi já citado, aqui, muitas vezes, e é um dos
principais mencionados neste debate é o artigo da Doutora Jennifer Doleac,
economista da Universidade da Virgínia, que circula desde de 2011, a versão
que eu tenho é de 2012, no qual ela afirma, como o Doutor Rodolfo, se não me
engano, já mencionou, que a cada 10%, com o acréscimo de 10% de perfiz
genéticos no banco de dados, há esse tipo de impacto na redução de certos
crimes.
ARMAZENAMENTO DE PERFIS GENÉTICOS DE CONDENADOS POR CRIMES VIOLENTOS OU HEDIONDOS
No entanto, a minha contribuição, aqui, dos Estudos Sociais
da Ciência e Tecnologia, é chamar a atenção de que isso não é um consenso. O
texto da Doutor Jennifer Doleac é importante, mas ele está situado num debate
científico um pouco mais amplo.
Este texto do Doutor Avinash Bhati e da Doutora Caterina
G. Roman, da Temple University na Filadélfia, se propuseram a avaliar e
quantificar especificamente o efeito de dissuasão que um bando de dados
pode ter. Os resultados que os pesquisadores chegaram são misturados. Eles
observaram realmente a diminuição para certos crimes, especialmente no furto
e no roubo, uma redução de 3% na reincidência das pessoas que tinham sido
condenadas por esses crimes e que estavam no banco de dados. No entanto, na
terceira conclusão para crimes mais graves, eles observaram um aumento no
índice de reincidência. Só que obviamente ninguém afirmaria que banco de
dados faz alguém reincidir; é mais uma questão do modelo matemático usado
que mostra que não houve uma redução, não houve um impacto, não houve
um efeito de dissuasão àquelas pessoas que estavam no banco de dados.
Em Portugal, tem uma pesquisa, então só para situar isto,
obviamente que as metodologias usadas nesses artigos têm que ser
ARMAZENAMENTO DE PERFIS GENÉTICOS DE CONDENADOS POR CRIMES VIOLENTOS OU HEDIONDOS
escrutinadas e comparadas, talvez elas não possam ser comparadas
diretamente.
A questão que eu gostaria de chamar atenção é que há uma
controvérsia sobre isso. Os cientistas estão com dificuldade de conseguir isolar
o efeito de um banco de DNA. Como saber que um indivíduo que foi
condenado e que tem seu perfil no banco de dados não cometeu um outro
crime por estar no banco de dados? Ele pode não ter cometido outro crime,
porque a pena funcionou, pressões familiares, pressões de grupos. O que essa
literatura tem mostrado é que é difícil isolar o efeito do banco de dados no
comportamento de um reincidente.
Isso não quer dizer que não seja possível em algum
momento. A questão é que agora isso não é um consenso; é uma controvérsia
cientifica nesse campo.
Um outro tipo de controvérsia e de tentativa de análise e do
efeito das consequências dos bancos de dados é deste grupo de pesquisadores
da Universidade de Coimbra no qual eles analisam os bancos europeus a
partir de um coeficiente de performance, que é definida a partir de um cálculo
matemático, a partir da quantidade de perfiz e dividido pela quantidade de
match e a quantidade de indivíduos presentes nesses bancos.
ARMAZENAMENTO DE PERFIS GENÉTICOS DE CONDENADOS POR CRIMES VIOLENTOS OU HEDIONDOS
O quadro dos dados desse artigo mostra que, por exemplo,
um banco muito pequeno como o da Suécia tem um coeficiente de
performance muito semelhante ao maior e mais célebre banco de DNA do
mundo que é do Reino Unido.
Então, dependendo como se conta isso, como se tenta isolar
o efeito do banco de DNA, você tem resultados diferentes. Não há um
consenso sobre isso. Todos esses artigos clamam por mais pesquisas na
tentativa de isolar esse efeito.
Então, a conclusão desse artigo da equipe de pesquisa da
Universidade de Coimbra é que, apesar de o esforço de maximizar
teoricamente o número dos indivíduos incluídos em um banco de DNA
forense parecer uma estratégia efetiva para aumentar o seu valor e sua
utilidade, quanto à comparação entre pessoa e amostra na cena do crime, no
seu contexto, esse artigo não indica que a expansão dos bancos de dados
necessariamente implica uma maior eficiência e efetividade desse banco.
Eu tenho muito pouco tempo, então vou encerrar. Só para
tentar mais uma vez situar a contribuição que as controvérsias técnico-
científicas podem ter para este debate, eu acho que a invisibilização dessas
controvérsias tem como efeito a minimização dos problemas e desafios que
ARMAZENAMENTO DE PERFIS GENÉTICOS DE CONDENADOS POR CRIMES VIOLENTOS OU HEDIONDOS
envolvem o uso dessa biotecnologia, ao mesmo tempo em que produz um
efeito de maximização de suas promessas, estabelecendo o risco de uma
avaliação incompleta, quando se vai decidir sobre a balança entre direitos e
garantias constitucionais e a segurança pública.
Então, eu acho que a minha tentativa de contribuição para o
debate hoje é que nós tenhamos mais atenção para essa controvérsia técnico-
científica, para termos consciência de que, na hora que a gente vai decidir
sobre essa balança - que é sempre a discussão e o argumento -, a gente tenha
claro que isso está sendo colocado em discussão apenas agora e que, ao
mesmo tempo, olhar para esse tipo de controvérsia nos ajuda a entender que
tipo de fato está sendo produzido e como essa tecnologia circula dos
laboratórios das universidades, das instituições forenses até a sociedade.
Agradeço mais uma vez a oportunidade.
O SENHOR MINISTRO GILMAR MENDES (RELATOR) -
Obrigado, Doutor Victor Simones.
Chamamos, agora, o Doutor Gustavo Grandinetti Castanho
de Carvalho para fazer a sua exposição pela Associação Nacional dos
Defensores Públicos, também disporá de 15 minutos.
ARMAZENAMENTO DE PERFIS GENÉTICOS DE CONDENADOS POR CRIMES VIOLENTOS OU HEDIONDOS
O SENHOR GUSTAVO GRANDINETTI CASTANHO DE
CARVALHO (ASSOCIAÇÃO NACIONAL DOS DEFENSORES PÚBLICOS) -
Excelentíssimo Senhor Ministro Gilmar Mendes; Excelentíssimo Senhor
Subprocurador-Geral Odim Brandão; Excelentíssimo Senhor Flávio Léllis,
representando a Defensoria Pública; Excelentíssimos Senhores Professores
componentes da Mesa; senhoras e senhores.
A minha exposição será limitada efetivamente aos quinze
minutos e, portanto, estará restrita ao texto da Lei nº 12.654. Pretendo
desenvolver essa exposição em três blocos bem breves e curtos: o primeiro
sobre a coleta de perfil genético de condenados; o segundo sobre a coleta de
perfil genético no curso de processo ou de investigação; e o terceiro - e último -
bloco sobre a retenção do material genético em bancos de dados até o término
da prescrição.
Voltando aos termos da Lei nº 12.654, se nós apenas
lêssemos o preâmbulo da lei, nós iríamos ser levados a concluir que se trata de
uma lei inofensiva. Diz lá:
“(...) prever a coleta de perfil genético como forma de identificação criminal."
ARMAZENAMENTO DE PERFIS GENÉTICOS DE CONDENADOS POR CRIMES VIOLENTOS OU HEDIONDOS
Parece uma lei que só vai tratar de identificação, como a
impressão digital, a identificação papiloscópica, ou a fotografia do preso ou do
condenado. Na verdade, ela é - e isso foi dito aqui antes - muito mais
importante e muito mais agressiva ao sistema processual e constitucional
brasileiro do que o preâmbulo transmite para um incauto leitor. Ela também
não vai simplesmente possibilitar a apreensão e a perícia em uma amostra
genética encontrada na cena de um crime, como o sêmen, por exemplo, em
caso de estupro. Não irá se limitar só a isso. Essa lei, na verdade, irá romper o
pilar sobre o qual está constituído o sistema probatório brasileiro, romperá o
princípio geral desse edifício que está assentado no princípio que proíbe a não
autoincriminação. Esse princípio, que é acolhido nesta Casa, no Supremo
Tribunal Federal, já foi acolhido em inúmeros vezes, como nas decisões que
não permitiram a colheita coercitiva de padrão vocal, ou a colheita coercitiva
do padrão grafotécnico, ou a coleta de padrão genético; princípio que está
sendo prestigiado, no STJ, em decisões como aquela que não permite a coleta
da exalação do ar para a finalidade bafômetro, que é jurisprudência do STJ.
De modo que essa legislação rompe com todo o sistema
processual brasileiro e é inconstitucional, porque é inadequada, desnecessária
e desproporcional. Inadequada porque, se o propósito da lei for a identificação
ARMAZENAMENTO DE PERFIS GENÉTICOS DE CONDENADOS POR CRIMES VIOLENTOS OU HEDIONDOS
criminal, como se justifica um condenado não ter identificação criminal até
depois do trânsito em julgado da condenação? Isso é inconcebível. Daí a
inadequação dessa lei para esse fim proposto. Se o fim for outro, for a
aquisição de elementos probatórios, também é inadequada, porque não prevê
a existência de um outro caso penal ou de uma outra investigação para a qual
aquele padrão do condenado possa ser usado para descobrir aquele outro
crime. A lei não prevê a necessidade da existência de um outro processo.
Portanto, o padrão genético será extraído e ficará mantido no banco de dados
até quando for necessário. Logo, a medida também, aqui, é inadequada. Além
do mais, a lei é inadequada porque permite a extração coercitiva de padrão
genético em crimes que não têm a natureza própria desses crimes que
precisam da prova genética. Por exemplo, alguns crimes hediondos, como a
epidemia com resultado morte, ou a falsificação de produtos terapêuticos ou
medicinais. Condenados por esses crimes, por serem crimes hediondos, terão
seus padrões genéticos extraídos, colhidos e mantidos em bancos de dados?
Por quê? Qual o objetivo? Qual a finalidade? Por isso, nesse aspecto, a lei é
inadequada.
Também é desnecessária porque não prevê uma
necessidade objetiva, concreta, específica. Ela é genérica. Uma medida
ARMAZENAMENTO DE PERFIS GENÉTICOS DE CONDENADOS POR CRIMES VIOLENTOS OU HEDIONDOS
absolutamente genérica, porque atinge boa parte dos condenados deste País
sem uma finalidade concreta. Por isso ela é desnecessária, não há uma
necessidade imediata, não há uma aplicação prática para essa coleta
generalizada em quase todo o sistema penitenciário brasileiro. E é
desnecessária porque não exige a demonstração da inviabilidade de outros
meios de investigação e também outros meios menos invasivos. A lei não
cuida disso, não exige isso, por isso é desnecessária.
E também, concluindo, é desproporcional porque o grau de
lesividade na intimidade é muito maior do que o proveito, o resultado que se
possa auferir por tal medida invasiva.
Mas, se nenhum desses argumentos bastarem, a lei ainda é
inconstitucional pela ausência de parâmetros definidos para a extração do
material genético, para a manutenção temporal em bancos de dados,
ofendendo, portanto, o princípio da legalidade. E também a lei tem mais um
motivo de ser inconstitucional, porque o artigo 2º, que altera o artigo 5º, § 1º,
da Lei nº 12.037, diz que: (...) "não poderão revelar traços somáticos ou
comportamentais das pessoas."
Isso quer dizer que a Lei só permite a manutenção, a
extração do chamado DNA não codificante. Mas os peritos ouvidos, não
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propriamente nesta assentada, consultados sobre o assunto, atestam que não é
possível chegar ao DNA não codificante sem passar pelo DNA codificante.
Portanto, ao se extrair o DNA não codificante, se terá acesso ao DNA
codificante. O grau de invasão na privacidade das pessoas submetidas a este
teste pericial é muito maior do que o proveito da medida.
Passando ao segundo bloco, que diz respeito à coleta do
perfil no curso de um processo ou de uma investigação e que incorpora todos
os argumentos que eu já mencionei até aqui, há mais um caso de
inconstitucionalidade.
O artigo 1º da Lei nº 12.654 remete ao artigo 3º, IV, da Lei nº
12.037, de modo que permite também aqui que a coleta do perfil genético
possa ser feita de ofício pelo magistrado, o que viola o sistema acusatório,
viola o artigo 129, I, da Constituição, o que já foi proclamado por este Supremo
Tribunal Federal na Ação Direita de Inconstitucionalidade nº 1.570, relatada
pelo Ministro Maurício Corrêa.
Terceiro bloco diz respeito à retenção do material genético
em bancos de dados até o término do prazo prescricional, o que está previsto
no artigo 7º-A.
ARMAZENAMENTO DE PERFIS GENÉTICOS DE CONDENADOS POR CRIMES VIOLENTOS OU HEDIONDOS
Para início da análise, é preciso voltar ao assunto que foi
tratado aqui hoje na parte da tarde de que a lei não exige o trânsito em
julgado. Portanto, um condenado sem trânsito em julgado terá o seu perfil
genético extraído e mantido em banco de dados. Basta aplicar a jurisprudência
recente do Supremo Tribunal Federal que permite a prisão quando a
condenação é proferida no segundo grau de jurisdição. Então, vejam os
Senhores, um condenado em duas instâncias, condenado pela segunda
instância, ainda sem o trânsito em julgado, este condenado, quando o processo
baixar para a execução que o Supremo passou a admitir, o juiz vai expedir a
guia de recolhimento, ele será recolhido e terá coletado o seu padrão genético,
e o padrão será inserido no banco de dados. Daí mais uma
inconstitucionalidade que aflora nesta legislação.
Além disso é preciso verificar a possibilidade de extração
do perfil genético ainda no primeiro grau, em fase de ação penal ou de
inquérito, posterior absolvição, e este padrão genético constará do banco de
dados até o término do prazo prescricional. Ou seja, pela legislação, os
absolvidos, mas cujos perfis genéticos foram colhidos e mantidos em banco de
dados, terão os seus perfis genéticos armazenados em banco de dados até o
ARMAZENAMENTO DE PERFIS GENÉTICOS DE CONDENADOS POR CRIMES VIOLENTOS OU HEDIONDOS
término do prazo prescricional, violando frontalmente os direitos da
personalidade.
Havendo tantas lacunas e tantas violações nesta lei, o que se
propõe é que esta Corte, o Supremo Tribunal Federal, aja como a Corte
Constitucional da Itália, que, diante do mesmo problema, considerou
inconstitucional o art. 224, § 2º, do Código de Processo Penal italiano, que
permitia, de maneira genérica, as medidas que se fizessem necessárias para
submeter o indiciado ou réu a um exame pericial, ou seja, diante da lacuna da
legislação italiana, o Supremo declarou a inconstitucionalidade - Sentença nº
238, de 27 de julho de 1996.
E também o que se espera é que esta Corte observe o
julgamento feito pelo Tribunal Europeu de Direitos Humanos em Peruzzo e
Martens contra a Alemanha, em que aquele Tribunal erigiu, como requisito de
constitucionalidade de lei violadora da privacidade, que seja preenchido o
requisito da qualidade da lei. A lei tem que ter qualidade, tem que ser precisa,
não pode ser uma lei genérica, uma lei vaga, como é a lei que estamos
estudando no dia de hoje.
Assim, cabe concluir afirmando-se que a Lei nº 12.654 viola
o princípio da suficiência da identificação civil previsto no art. 5º da nossa
ARMAZENAMENTO DE PERFIS GENÉTICOS DE CONDENADOS POR CRIMES VIOLENTOS OU HEDIONDOS
Constituição, viola o princípio da proporcionalidade, viola o direito à
privacidade, viola o direito à não autoincriminação e viola o sistema
acusatório.
Muito obrigado pela oportunidade concedida!
O SENHOR MINISTRO GILMAR MENDES (RELATOR) -
Obrigado, Doutor Grandinetti.
Agradeço as falas dos Doutores Flávio Léllis e Odim e
gostaria de agradecer também a presença da Defensoria Pública de Minas
Gerais e do Ministério Público Federal e a efetiva contribuição que deram ao
debate, colocando questões que direcionaram a participação de todos aqueles
que trouxeram suas ideias e reflexões sobre o tema.
Como todos sabem, o Brasil tem níveis alarmantes de
violência. Vivemos no País com maior número de homicídios no mundo. Vinte
e nove homicídios para cada cem mil habitantes. Mais de dez por cento dos
homicídios do mundo ocorrem aqui. Menos de dez por cento deles são
desvendados e punidos. Isso foi, inclusive, confirmado na palestra da manhã.
A senhora perita chamou a atenção para essa cifra negra que constrange a
todos. A quantidade de inquéritos arquivados sem identificação de autoria
também é alarmante, isso sem falar em condenações injustas baseadas em
ARMAZENAMENTO DE PERFIS GENÉTICOS DE CONDENADOS POR CRIMES VIOLENTOS OU HEDIONDOS
provas colhidas sem maior cuidado. Aqui, todos nós que temos
responsabilidade nessa questão temos que refletir inclusive sobre a
necessidade de uma melhoria intensa – eu diria que o sistema jurídico penal
brasileiro precisa melhorar muito para ficar ruim, porque, de fato, nós
vivemos um quadro de calamidade.
Eu vou lhes contar um episódio que vivenciei na condição
de Presidente do CNJ. Visitei Alagoas em 2008/2009, acompanhando aquele
quadro de violência que graça naquele pequeno e bonito Estado, belo Estado.
Nós verificamos a existência – estava lá catalogado – de cinco mil homicídios
sem inquérito aberto. Portanto, não é por acaso que o Estado se torna o paraíso
do crime de mando. É o colapso do próprio sistema. Mas esses dados da
impotência do sistema diante da criminalidade certamente contribuem para
que nós vivamos esse estado de coisas.
Lançamos, ainda no final da gestão no CNJ, a Estratégia
Nacional de Segurança Pública – muitas das medidas ainda continuam sendo
mantidas –, que era a ideia de concluir inquéritos que estavam inconclusos,
oferecer denúncias naqueles casos em que havia já a conclusão, mas não havia
a denúncia oferecida, fazer com que os processos tivessem o devido
andamento.
ARMAZENAMENTO DE PERFIS GENÉTICOS DE CONDENADOS POR CRIMES VIOLENTOS OU HEDIONDOS
Um dado constrangedor, Doutor Grandinetti, é que, no
Brasil, prescrevem crimes de Júri, em grande escala. Homicídios e tentativas
de homicídios dolosos.
Eu estive em Jaboatão dos Guararapes e, lá, naquele
momento – é uma coisa vergonhosa –, estavam mil casos para serem
prescritos. Tem que se organizar mutirão.
Então, nós temos um colapso do sistema. E hoje, mais do
que ontem, nós temos esses órgãos que permitem uma centralização de
informação, o CNJ e CNMP. Eles poderiam ter uma performance, talvez, mais
ativa no sentido da melhoria do sistema.
Evidente que o sistema tem que ser melhorado, no que diz
respeito à qualidade das provas, é evidente. Mas é inegável que nós temos
falhas básicas em toda a estrutura. Por isso, ainda ontem, o Ministro Celso me
mostrava um caso de alguém preso provisoriamente há onze anos. Uma
decisão – já cumpriu a pena – seja ela qual for. São casos que nos constrangem.
E o que nós estamos fazendo em relação a isso, todos nós?
A quantidade de inquéritos arquivados sem identificação
de autoria, também, como eu dizia, é alarmante. Isso, sem falar em
condenações injustas, baseadas em provas colhidas sem maior cuidado.
ARMAZENAMENTO DE PERFIS GENÉTICOS DE CONDENADOS POR CRIMES VIOLENTOS OU HEDIONDOS
Como uma ferramenta de prevenção e investigação, a Lei
passou a prever a identificação do perfil genético de condenados por crimes
violentos e hediondos e seu armazenamento em bancos de dados.
A compatibilidade desta Lei com os direitos fundamentais
do condenado está em julgamento.
Nesta audiência pública, ouvimos profícuas contribuições
sobre o sequenciamento de DNA e os perfis de bancos genéticos.
Conceitos como material genético, DNA, perfil genético,
swab bucal, DNA não codificante, bancos de dados, vestígios, matches, offender
hits, forensic hits, dentre outros, foram esclarecidos à Corte.
Foi-nos demonstrado o método de colheita do material
biológico dos condenados, o swab bucal, e explanada a preocupação em traçar
o perfil em trechos que não revelam características da pessoa, a partir do DNA
não codificante, e as cautelas com o tratamento dado ao perfil genético, pelos
laboratórios e pelo Banco Nacional de Perfis Genéticos e pela Rede Integrada
de Bancos de Perfis Genéticos, para que não haja nenhuma espécie de
exposição indevida das informações.
ARMAZENAMENTO DE PERFIS GENÉTICOS DE CONDENADOS POR CRIMES VIOLENTOS OU HEDIONDOS
Tivemos importantes explanações sobre o processamento
do material colhido para identificação do perfil genético, o código numérico
inserido no banco de dados.
Portanto, tivemos realmente importantes informações,
colhemos importantes informações nesses dois dias de trabalho.
Fomos informados sobre como os perfis de DNA auxiliam
nas investigações, tanto para identificar suspeitos quanto para exonerar
inocentes.
Muito relevante também foi o esclarecimento sobre o
impacto diferente para a investigação da testagem do perfil genético de
suspeitos identificados, com a formação de um banco de dados de perfis.
Vimos como os bancos de dados podem permitir a imediata identificação de
pessoas que, de outra forma, não estariam ligadas ao crime.
Por outro lado, recebemos dados relevantes sobre os
potenciais impactos que a identificação do DNA pode ter com relação ao
direito à não autoincriminação e ao direito à privacidade; inclusive, agora.
Nesses dois dias de trabalhos, tivemos a grata oportunidade
de ouvir especialistas internacionais e locais, ativistas e membros da
comunidade jurídica.
ARMAZENAMENTO DE PERFIS GENÉTICOS DE CONDENADOS POR CRIMES VIOLENTOS OU HEDIONDOS
Estou certo de que, ao ter acesso a essa pluralidade de
visões em permanente diálogo, o Supremo Tribunal Federal passa a contar
com os benefícios decorrentes dos subsídios técnicos, implicações sociais e
elementos de repercussão jurídica apresentados por verdadeiros "amigos da
Corte". Aqueles que de fato vêm para contribuir para uma melhor e adequada
reflexão.
Essa inovação institucional, além de contribuir para a
quantidade da prestação jurisdicional, garante novas possibilidades de
legitimação dos julgamentos do Tribunal no âmbito de sua tarefa precípua de
guarda da Constituição e também no exercício de sua competência de proteção
do interesse público e uniformização das decisões judiciais. Evidente, assim,
que essa fórmula procedimental constitui um excelente instrumento de
informação para a Corte. É claro que – estamos na vigésima audiência –
estamos aprimorando esse instrumento, mas esse é um resultado importante:
poder dialogar com experts, tanto jurídicos como nas suas diversas áreas
interdisciplinares, e catalogar essas informações, compartilhá-las com a Corte,
para que nós tenhamos de fato um julgamento informado.
Eu tenho muito orgulho de ter sido aquele que propôs, pela
primeira vez, a positivação dessa fórmula no Direito pátrio, inspirando-me,
como já disse na abertura destes trabalhos, nas lições do meu queridíssimo
amigo e professor Peter Häberle.
ARMAZENAMENTO DE PERFIS GENÉTICOS DE CONDENADOS POR CRIMES VIOLENTOS OU HEDIONDOS
Os proveitosos esclarecimentos prestados pela sociedade e
esta audiência pública serão fundamentais no julgamento dos processos sobre
o tema. Nós devemos fazer isto com grande responsabilidade, como se
destacou aqui.
Senhoras e senhores, com estas considerações finais, declaro
encerrada esta audiência pública, agradecendo penhoradamente a todos
aqueles que para ela contribuíram. Muito obrigado!
Declaro encerrada a sessão
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Degravação realizada e revisada pelos servidores lotados na Seção de
Transcrição e Revisão de Julgamento.
Brasília, 23 de maio de 2017.
Ângelo Marcelo Costa Caexeta – Matrícula: 1862
Chefe da Seção de Transcrição e Revisão de Julgamento