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PERCEPÇÃO DA TRANSPARÊNCIA
DA LEGALIDADE CONCRETA
FISCAL DO DISTRITO FEDERAL E
DOS MUNICÍPIOS DA COPA
São Paulo, 2012
2
Eurico Marcos Diniz de Santi1
Isaias Coelho2
Mariana Pimentel3
Basile Georges Campos Christopoulos4
Daniel Leib Zugman5
Frederico Silva Bastos6
Guilherme Villela de Viana Bandeira7
SUMÁRIO 1 Coordenador do Núcleo de Estudos Fiscais - NEF/FGV, Professor da graduação, Pós-GVlaw Tributário e Mestrado da DireitoGV. Mestre e Doutor pela PUCSP, foi Juiz do Tribunal de Impostos e Taxas de São Paulo - TITSP (2000-5). Prêmio Livro do ano pela ABDT pela obra “Lançamento Tributário” e Prêmio Jabuti “Melhor Livro de Direito em 2008” pela obra “Curso de Direito Tributário e Finanças Públicas: do fato à norma, da realidade ao conceito jurídico, Ed. Saraiva. 2 Professor Pós-Gvlaw Tributário da DireitoGV (“Tendências na Tributação Mundial”), Pesquisador Sênior e Coordenador de Pesquisas do Núcleo de Estudos Fiscais - NEF/FGV, consultor do Fundo Monetário Internacional (FMI) e do Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID) e membro do Conselho de Altos Estudos de Finanças e Tributação da Associação Comercial de São Paulo (CAEFT). Mestre em Economia (Teoria Econômica) pela Universidade Federal da Bahia, Doutor em Economia (Comércio Internacional e Finanças Públicas) pela Universityof Rochester (EUA). Chefiou a Divisão de Política Tributária (cobertura mundo inteiro) e a Divisão de Administração Tributária (América Latina e Ásia) do Fundo Monetário Internacional (FMI) e participou, como chefe ou membro, de missões do FMI para assistência técnica em reformas tributárias de diversos países. Foi Professor Adjunto (Economia) da Universidade de Brasilia (UnB); Professor Colaborador na Universidade Federal da Bahia; e Coordenador de equipe fiscal do Ministério da Fazenda (Brasil). Fez carreira como Auditor Fiscal na Receita Federal, onde chegou ao posto de Secretário da Receita Federal Adjunto (gestão Dornelles). 3 Professora do Pós-GVlaw Tributário - DireitoGV, Pesquisadora e Coordenadora Acadêmica do Núcleo de Estudos Fiscais - NEF/FGV, Mestre pela UFPE, Doutora pela UFPE/USP, e ex-Pesquisadora do Nucleo de Estudos da Violência. 4 Pesquisador do Núcleo de Estudos Fiscais - NEF/FGV, Graduado em Direito pela Universidade Federal de Alagoas/UFAL, Mestre em Direito Aprovado com Distinção pela mesma Universidade, e Doutorando em Direito pela Universidade de São Paulo/USP, com bolsa da CAPES. 5 Pesquisador do Núcleo de Estudos Fiscais - NEF/FGV, Graduado em Direito pela Universidade Federal do Paraná /UFPR e Mestrando em Direito na Escola de Direito da Fundação Getulio Vargas de São Paulo. 6 Pesquisador do Núcleo de Estudos Fiscais - NEF/FGV, Graduado em Direito pelo Instituto Vianna Junior e Mestrando em Direito na Escola de Direito da Fundação Getulio Vargas de São Paulo. 7 Pesquisador do Núcleo de Estudos Fiscais - NEF/FGV, graduando em Filosofia na FFLCH/USP, Bacharel pela DireitoGV, onde se graduou com o Prêmio de “Primeiro Aluno da turma de 2007”.
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INTRODUÇÃO.....................................................................................................04 I. TABELA FINAL DE CRITÉRIOS......................................................................07 II. AFERIÇÃO DOS CRITÉRIOS.........................................................................08 1. Belo Horizonte...................................................................................................10 2. Cuiabá................................................................................................................12 3. Curitiba..............................................................................................................14 4. Fortaleza............................................................................................................16 5. Manaus..............................................................................................................18 6. Natal..................................................................................................................20 7. Porto Alegre.......................................................................................................22 8. Recife.................................................................................................................24 9. Rio de Janeiro...................................................................................................26 10. Salvador...........................................................................................................28 11. São Paulo.........................................................................................................30 12. Distrito Federal...............................................................................................32 III. LEI DA TRANSPARÊNCIA (LC 131/09), LEI DE ACESSO À INFORMAÇÃO (Lei 12.527/2011) E A CONSTITUIÇÃO FEDERAL DE 1988: PROPOSTA, FORMAÇÃO E FUNDAMENTAÇÃO JURÍDICA DO TRABALHO.................35 1. Fortalecer nossas instituições, incrementar segurança jurídica e induzir o exercício da cidadania fiscal pela aliança entre servidores públicos e contribuintes 1.1. Cidadania fiscal, resgate dos laços entre Direito Tributário e Direito Financeiro e os três eixos (administração tributária, contencioso tributário e despesa pública): para conhecer a legalidade real e prática em todo território nacional 1.2. Educação fiscal ativa e cidadania participativa: no processo de empoderamento da sociedade civil o dever principal do Estado é dar acesso à informação sobre sua prática de aplicação da legalidade 2. Crônica de uma morte anunciada ao “sigilo fiscal”, expressão que não existe no Código Tributário Nacional, fundamento legal da transparência e direito fundamental na Constituição de 1988: garantia Constitucional expressa à igualdade com apenas dois limites (i) sigilo imprescindível à segurança da sociedade e (ii) sigilo imprescindível à segurança do Estado 2.1. O direito fundamental à informação, transparência fiscal como regra e sigilo como exceção que exige procedimento administrativo específico, limites do “sigilo fiscal” e uso indevido da previsão do art. 198 do CTN, que deve ser recepcionado em interpretação conforme ao art. 5, XXXIII da CF88 e em harmonia do a LC 131/2009 2.2. Transparência Fiscal como regra e sigilo como exceção: os atos de concreção do direito, sejam eles normais (administração tributária) ou patológicos
4
(contencioso administrativo e judicial), interessam, não só ao servidor que aplica o direito e ao contribuinte que paga ou discute o tributo, como também a sociedade como um todo 2.3. Manipulação da "Moldura da Legalidade" no modelo centralizado do controle, o desafio kelseniano: como controlar uma “legalidade” de múltiplas cabeças? 2.4. Legalidade em Rede: Era da Informação, Sociedade em Rede, Governança Pública e Direito em Rede 2.5. A influência da transparência na livre-concorrência: garantir a isonomia e o controle social 2.6. Transparência como instrumento da realização da igualdade (caput do artigo 5º modulando seus incisos X, XII e LV) mediante a da prova da concretização da legalidade 3. Quem vigia os vigilantes? A importância da transparência para o exercício da cidadania fiscal e para o empoderamento (empowerment) de setores sociais historicamente enfraquecidos no Brasil 4. Experiências Internacionais com Transparência Fiscal e Acesso, pelos Cidadãos, das Informações Mantidas pelo Setor Público: Tendências Mundiais 4.1. Transparência e Acesso à Informação como Fontes da Boa Governança: Anseios de Responsividade Governativa nas Democracia 4.2. Acesso à Informação como Direito Fundamental: Passando do Ideal Filosófico-Político para as Prescrições dos Estatutos Democráticos e de Direitos dos Cidadãos 68 4.3. O Contínuo Progresso na Adoção dos Preceitos de Transparência e Acesso pelas Principais Nações - Como o Brasil se Posiciona no Concerto das Nações 5. Para que haja confiança, descentralização cooperativa e eficiência fiscal é preciso que todos conheçam as regras do jogo da tributação: as normas tem que ser simples e transparentes IV. EIXOS DE AFERIÇÃO DA PESQUISA.......................................................95 EIXO: DESPESA PÚBLICA E CIDADANIA EIXO: ADMINISTRAÇÃO E LEGISLAÇÃO FISCAL EIXO: CONTENCIOSO ADMINISTRATIVO FISCAL EIXO: ACESSIBILIDADE E USABILIDADE
INTRODUÇÃO
5
A vocação da Escola de Direito de São Paulo da Fundação Getulio Vargas -
DireitoGV - centrada no esforço de investigação sobre o papel do Direito no
desenvolvimento do nosso País (“Direito & Desenvolvimento”), orientou
decisivamente as premissas do trabalho. Busca-se transparência e acesso à
informação de modo a dar concretude à ideia de Estado Democrático de Direito,
tal qual anunciada no Preâmbulo8 da Constituição Federal de 1988: quer-se
transparência da legalidade, para que a legalidade seja conhecida pelo cidadão e
seja submetida ao controle de toda a sociedade brasileira para fortalecimento de
nossas instituições.
O objetivo desse estudo é colaborar para implementar maior segurança
jurídica pela via da ampla e irrestrita transparência da legalidade concreta
praticada no interior da Administração Pública e, ao mesmo tempo, incrementar
a cidadania fiscal, convocando a sociedade a atuar como protagonista em
processo aberto e participativo de controle social da legalidade dos atos ligados
ao exercício da arrecadação (administração e contencioso) e gasto público,
especialmente, em momento tão relevante e estratégico para o Brasil que é a
realização da Copa de 2014.
Destarte, a proposta desse artigo científico é fortalecer o “Estado
Democrático de Direito”, mediante aferição empírica de CRITÉRIOS DE
TRANSPARÊNCIA IDEAIS DA LEGALIDADE CONCRETA DA
ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA, portanto não necessariamente realizáveis na
prática de nenhuma Administração pública real, mas que possam servir de
paradigmas da aferição objetiva da transparência da legalidade de como a lei é
8“Nós, REPRESENTANTES DO POVO BRASILEIRO, reunidos em Assembléia Nacional Constituinte para instituir um Estado Democrático, destinado a assegurar o exercício dos direitos sociais e individuais, a liberdade, a segurança, o bem-estar, o desenvolvimento, A IGUALDADE e A JUSTIÇA como valores supremos de uma sociedade fraterna, pluralista e sem preconceitos, fundada na harmonia social e comprometida, na ordem interna e internacional, com a solução pacífica das controvérsias, promulgamos, sob a proteção de Deus, a seguinte Constituição da República Federativa do Brasil”.
6
aplicada e interpretada, na prática, pelas autoridades instituídas pelo texto da
Constituição Federal de 1988.
O objetivo desse trabalho, antes do que meramente medir, é estabelecer
um novo paradigma de como deve ser a transparência fiscal nos portais dos entes
públicos do Brasil.
Além disso, a pesquisa feita nesse trabalho resulta da percepção de
transparência das administrações públicas dos municípios da copa. Os dados
aferidos indicam aquilo que os pesquisadores do Núcleo de Estudos Fiscais
puderam encontrar nos portais desses entes, podendo revelar fragilidades e
inconsistências na medida em que poderia haver informações disponibilizadas
pelos Municípios que não tenham sido catalogadas na pesquisa. Ainda assim, a
pontuação revela a qualidade da disponibilização e a facilidade para encontrá-las
nos portais pesquisados.
No primeiro tópico, temos um quadro dos critérios que foram utilizados
na pesquisa para avaliar os portais municipais. No fim do trabalho é possível
observar um detalhamento desses critérios, explicando exatamente que
informações foram buscadas, bem como a fundamentação jurídica dessas
informações e a sua importância para a transparência fiscal.
Em seguida foi disposta a avaliação dos Municípios que sediarão jogos da
Copa do Mundo, demonstrando em cada item a pontuação auferida pelo
município. A ideia foi privilegiar a simplicidade, de forma que a todos os
chamados “critérios” foi outorgado 1 ponto, e a todos os chamados “bancos de
dados” 5 pontos, chegando ao total de 100 pontos.
O terceiro ítem é responsável pelo arcabouço teórico da pesquisa,
fundamentando a necessidade e importância da transparência fiscal,
especialmente na melhora da relação entre fisco e contribuinte, defendendo uma
nova perspectiva em relação ao sigilo das informações de que dispõem os fiscos,
e demarcando o processo internacional corrente de preocupação e incremento da
transparência.
7
No último item é possível observar o detalhamento dos critérios e bancos
de dados que serviram de base para a aferição dos Municípios, bem como a
justificação da sua importância para a transparência fiscal e a fundamentação
jurídica que dá sustentação à proposta.
É necessário ressaltar, por fim, que a escolha dos Municípios que sediarão
jogos da Copa do Mundo não se deu pelo tema específico do evento em si, mas
pela viabilidade de avaliação e pela importância que esses entes terão na
condução de políticas fiscais de transparência nos próximos anos.
I. TABELA FINAL DE CRITÉRIOS
CRITÉRIOS
Banco 01
Banco 02
Banco 03
Critério 01Consulta por Diversas
Periodicidades (1 ponto)
Critério 02 Acessibilidade Visual (1 ponto)
Critério 03Relacionamento com o Cidadão
(1 ponto)
Critério 04 Tip tool e Glossário (1 ponto)
Critério 05Portal da Transparência Unificado
(1 ponto)
Critério 06
Critério 07
Critério 08
Critério 09
Critério 10
Critério 11
Critério 12
Critério 13
Critério 14
Critério 15
Diárias de Viagem (1 ponto)
Convênios Celebrados pelo Município
Nível de Execução Orçamentária (1
ponto)
Licitações e Contratos Públicos (1 ponto)
Remuneração dos Servidores do
Executivo Remuneração dos Servidores do
Legislativo (1 ponto) Lista de Fornecedores do Município (1
ponto)
Despesa Pública/Bairro (1 ponto)
Despesa Pública/Escola Municipal
Lista de Precatórios Pagos (1 ponto)
Lista de Precatórios a serem Pagos (1
ponto)Despesas de Custeio e de Investimento
(1 ponto)
Dívida Pública (1 ponto)
Cargos Públicos (1 ponto)
DESPESA PÚBLICA E CIDADANIA
Despesa pública - empenho (5 pontos)
Despesa pública - liquidação (5 pontos)
Despesa pública - pagamento (5 pontos)
Requisições de Informação e Respectivas
Respostas (1 ponto)
Benefícios Fiscais (1 ponto)
Programas de Parcelamento e
AnistiaTransferências Obrigatórias (1
ponto)
ACESSIBILIDADE E USABILIDADE
Valores Efetivamente Arrecadados com
Autuações (1 ponto)
Informações Adicionais dos Autos de
Infração (1 ponto)
Duração do Processo Administrativo de 1ª
Instância (1 ponto)
Andamentos Processuais (1 ponto)
Pautas de Julgamento (1 ponto)
Composição dos Órgãos Julgadores de 1ª e
de 2ª Instância (1 ponto)
Arrecadação por Tipo de Receita (1
ponto) Arrecadação por Habitante (1
ponto)
Legislação Fiscal (1 ponto)
Consolidação Anual da Legislação
tributária (1 ponto)
Denúncia Fiscal do Contribuinte
Requisições de Informação e
Respectivas Respostas (1 ponto)
ADMINISTRAÇÃO E LEGISLAÇÃO FISCAL
Decisões de 2ª instância (5 pontos)
CONTENCIOSO ADMINISTRATIVO FISCAL
Instrumentos Normativos
Infralegais (5 pontos)
Consultas Tributárias (5 pontos)
Documentos Eletrônicos de
Arrecadação (5 pontos)
Autos de infração lavrados (5 pontos)
Decisões de 1ª instância (5 pontos)
Requisições de Informação e Respectivas
Respostas (1 ponto) Composição dos Autos de Infração
Lavrados (1 ponto)
Representações Penais Fiscais (1 ponto)
Acomp/o de Denúncias MPE (1 ponto)
Dados Abertos (5 pontos)
Duração do Processo Administrativo de 2ª
Instância (1 ponto) Resultados dos Julgamentos de 1ª
Instância (1 ponto) Resultados dos Julgamentos de 2ª
Instância (1 ponto)
Produtividade dos Órgãos Julgadores de 1ª
Instância (1 ponto) Produtividade dos Órgãos Julgadores de 2ª
Instância (1 ponto)
Transferências Voluntárias (1
ponto) Recursos Humanos do Fisco (1
ponto)
Dívida ativa (1 ponto)
Resultados Fiscais (1 ponto)
Arrecadação por Setor da
EconomiaArrecadação do Bairro/Tributo (1
ponto)
9
II. AFERIÇÃO DOS CRITÉRIOS
Realizada por:
Basile Georges Campos Christopoulos
Daniel Leib Zugman
Frederico Silva Bastos
10
III.
LEI DA TRANSPARÊNCIA (LC 131/09), LEI DE ACESSO À INFORMAÇÃO (Lei 12.527/2011) E A CONSTITUIÇÃO
FEDERAL DE 1988: PROPOSTA, FORMAÇÃO E FUNDAMENTAÇÃO JURÍDICA DO TRABALHO
Eurico Marcos Diniz de Santi
Mariana Pimentel Fischer Pacheco
Guilherme Villela de Viana Bandeira
Isaias Coelho
O sigilo ocupa a mesma medula do poder
(Elias Canetti)
Age de tal forma que os motivos de tuasações possam ser divulgados aos quatro ventos
(E. Kant)
A simplicidade é a maior das sofisticações
(Leonardo Da Vinci)
12
1. Fortalecer nossas instituições, incrementar segurança jurídica e induzir o exercício da cidadania fiscal pela aliança entre servidores públicos e contribuintes
“Se não sei como me comportar perante a lei, então, não sou livre”. Essa
assertiva, escrita por John Rawls - que foi professor de filosofia política na
universidade de Harvard - no clássico “Uma Teoria da Justiça”, resume o “mal
estar” de servidores públicos e dos contribuintes no esforço de interpretar e
aplicar a lei de forma correta. Não basta conhecer a lei abstrata para respeitá-la,
é preciso saber e compreender como as instituições se comportam na
interpretação e concretização da lei (isto é, dar transparência aos documentos
administrativos de aplicação do Direito): sem isso ficamos subjugados ao caos da
insegurança jurídica fantasiada de legalidade.
A referência ao “mal estar” dos servidores públicos e contribuintes diante
da omissão de informação do Estado Brasileiro remete às lições de S. Freud na
obra o “Mal estar na civilização”. Nesse trabalho de aproximação da Psicanálise
com a Teoria Social, Freud ressalta a importância de uma Lei estruturante que
deve orientar a todos, inclusive o próprio “pai”, e que é condição da possibilidade
da existência da civilização. Um governante que não respeita a Lei equivale ao pai
perverso freudiano, todo poderoso e acima da Lei, que tiraniza seus filhos
(servidores públicos e contribuintes), utilizando sua autoridade para impor seus
desejos e caprichos (ambições políticas pessoais). A proposta, à semelhança da
alegoria de Freud, é a de que servidores públicos e contribuintes unidos realizem
um “banquete totêmico” simbolicamente devorando o próprio pai para firmar
nesse ritual o contrato de que todos devem submeter-se à mesma Lei. O pai,
depois de devorado por seus filhos, transforma-se em autoridade internalizada
nos “filhos”, formando a aliança entre servidores públicos e contribuintes, agora
capazes de criar regras para si mesmos. Instaura-se, assim, o Estado Democrático
de Direito. Ou seja, a transparência pressupõe em sua lógica a rebelião dos
dominados (servidores públicos e cidadãos) em nome da instituição de uma Lei
que se coloque acima dos desejos “perversos” do pai (governante orientado por
seus interesses políticos e econômicos pessoais).
13
É esse o objetivo maior: resgatar a conexão entre segurança jurídica,
liberdade e cidadania. Rawls chama a atenção para formas de autoritarismo que
encontram guarida em leis abstratas altamente complexas e em obscuros
processos de concretização normativa: governantes, nestas circunstâncias,
podem interpretar normas como bem entendem. Em desacordo com o princípio
fundante de um Estado Democrático de Direito, que diz que tanto governantes
(“pai”) como governados devem se submeter à Lei, a falta de transparência da
aplicação da lei gera uma situação em que não há limites suficientes à ação
daqueles que estão no topo da cadeia de comando e em que apenas governados
sujeitam-se às interpretações contingentes e muitas vezes arbitrárias das normas.
O obscurecimento9 das normas (sistemas legais altamente complexos e
ocultação de atos de aplicação da lei) permite que alianças entre elites políticas e
econômicas instrumentalizem o Direito (que perde seu império e sua autonomia
em relação à política e à economia): em outras palavras, o Direito passa a ser um
mero instrumento utilizado pelos referidos grupos para alcançar interesses
privados. Nessa lógica, existe Lei apenas para governados: agentes públicos e
contribuintes ficam sujeitos aos interesses de grupos dominantes, perdem o
paradigma legalidade (Ruleof Law). Especialmente, os servidores públicos
restam desprotegidos no exercício de suas funções e prerrogativas da lógica do
Estado Democrático de Direito. Só um processo transparente e democrático da
concretização normativa pode garantir ao servidor público a garantia do exercício
de suas funções de estado, livre de pressões externas à racionalidade jurídica.
O objetivo maior é, portanto, dar visibilidade e voz ao servidor público que
aplica o Direito, reconectando-o com o contribuinte/cidadão, e ao mesmo tempo
garantindo a proteção plena do exercício de suas funções de Estado em nome da
Lei e não do arbítrio dos interesses políticos e econômicos dominantes.
9A manipulação dos critérios jurídicos gera grave problema comunicacional entre tributação e democracia, que podemos denominar ofuscação e ilusão tributária, conforme segundo Tino Sanandaji (Universityof Chicago) andBjörn Wallace (Stockholm SchoolofEconomics) no artigo Illusionand Fiscal Obfuscation: AnEmpiricalStudyofTaxPerception in Sweden.
14
Observe-se ainda que a falta de transparência dos atos dos documentos de
concreção do direito não são apenas um obstáculo à participação, são também,
de acordo com MANGABEIRA UNGER, um obstáculo à inovação.
De acordo com o autor de The Critical Legal StudiesMovement, as
sociedades mais bem sucedidas são aquelas capazes de responder a seus desafios
através da criação de novas formas de recombinar crenças e práticas
institucionalizadas10. Para ganhar a liberdade de criar alternativas originais para
a sociedade de modo racional e participativo, é preciso ter a capacidade para
imaginar novas possibilidades e conversar sobre elas. Faz-se necessário,
portanto, que os interlocutores tenham acesso àuniversalidade dos atos de
aplicação do direito, em oposição à irracional e injustificável cultura do segredo11.
A proposta de UNGER para a viabilização de um debate participativo é a criação
de um novo estilo de colaboração entre técnicos e cidadãos - no nosso caso, entre
servidores públicos e contribuintes/cidadãos12. De fato, as mais interessantes
teorias da democracia mostram que a inteligência para a solução de problemas
cresce quando todos os envolvidos podem, sem restrições e com direitos iguais,
ter acesso simétrico à informação de modo a comunicar-se e pôr em jogo novas
ideias13. Quanto mais existirem atores ativamentente interconectados e
sensibilizados aos problemas de instituições públicas, mais racionalidalidade e
capacidade de inovação terá o processo evolução institucional.
Ao contrário do que propõem aqueles que situam eficiência e democracia
em pólos opostos, contemporaneamente, os policymakers (aqueles que realizam
políticas públicas) tem conseguido ampliar a qualidade de suas decisões ao
10UNGER, R. M. What Should Legal Analysis Become.New York: Verso. P. 21 11 Conforme documento da AGU, um dos objetivos maiores da LAI é a ruptura da cultura do Segredo na Administração Pública. 12UNGER, R. M. What Should Legal Analysis Become.New York: Verso. P. 21. 13Esta tese remete a John Dewey e às origens do pragmatismo norte-americano e, atualmente, adquire diferentes versões nos trabalhos de autores como Roberto Mangabeira Unger, Richard Rorty e Axel Honneth. Cf cf. DEWEY, John “The Public and its Problems” in Later Works v.2. Standard Southern Illinois University (SIU) editions e atualmente é retomada por Roberto Mangabeira Unger Cf. UNGER, Roberto Mangabeira. WhatShould Legal AnalysisBecome. New York: Verso
15
aliarem competência técnica e virtudes políticas- como capacidade de negociação
e articulação democrática de interesses14. Sem acesso à informação, a
competência técnica e as virtudes políticas perdem-se na obscuridade do segredo.
Pesquisas recentes mostram que a coerência das decisões e a estabilidade
de políticas publicas podem ser aumentadas (e não reduzidas) em função da
existência de estruturas institucionais que demandam amplas negociações e
debate entre os diferentes atores políticos envolvidos. Ao discutirem suas
propostas com outros atores, os policymakers melhoram a compreensão dos
problemas (que passa a ser visto em sua complexidade e a partir de diferentes
pontos de vista), ampliam a capacidade de obter informações críticas e de corrigir
erros de calculo (que, na ausência desse processo, só passariam a ser percebidos
no momento da implementação).15
Tal processo é impossível sem transparência e acesso à informação das
esferas decisórias da Administração pública. Ou seja, tanto o processo de
inovação institucional como o de controle social são condicionados pela
transparência dos atos do poder público: sem informações disponíveis,
confiáveis, relevantes e oportunas não há possibilidade de que atores políticos e
sociais ativem mecanismos de responsabilização e também de que realizem um
debate criativo e de qualidade. Tão-apenas a transparência e o acesso
asinformações sobre a ação do Poder Público, garante: (i) controle social
ininterrupto16 sobre a Administração Pública e (ii) continuo aperfeiçoamento do
diálogo entre Estado e sociedade civil; propiciando (iii.) experimentalismo e
inovação das Instituições Públicas.
14 ABRÚCIO, Fernando: “Finanças públicas, democracia e accountability”. In: ARVATE, Paulo e BIDERMAN, Ciro. Economia do Setor Público no Brasil. Rio de Janeiro: Elsevier, 2004. Pp. 75-103. 15 ABRÚCIO, Fernando: “Finanças públicas, democracia e accountability”. In: ARVATE, Paulo e BIDERMAN, Ciro. Economia do Setor Público no Brasil. Rio de Janeiro: Elsevier, 2004. Pp. 75-103. 16 ABRÚCIO insiste que o controle social necessita ser “ininterrupto” e não se restringe àquele que acontece nas eleições. ABRÚCIO, Fernando: “Finanças públicas, democracia e accountability”. In: ARVATE, Paulo e BIDERMAN, Ciro. Economia do Setor Público no Brasil. Rio de Janeiro: Elsevier, 2004. Pp. 75-103.
16
1.1. Cidadania fiscal, resgate dos laços entre Direito Tributário e Direito Financeiro e os três eixos (administração tributária, contencioso tributário e despesa pública): para conhecer a legalidade real e prática em todo território nacional
A vocação da Escola de Direito de São Paulo da Fundação Getulio Vargas -
DireitoGV - centrada no esforço de investigação sobre o papel do Direito no
desenvolvimento do nosso País (“Direito & Desenvolvimento”), orientou
decisivamente as premissas do trabalho. Busca-se transparência e acesso à
informação de modo a dar concretude à ideia de Estado Democrático de Direito,
tal qual anunciada no Preâmbulo17 da Constituição Federal de 1988: quer-se
transparência da legalidade, para que a legalidade seja conhecida pelo cidadão e
seja submetida ao controle de toda a sociedade brasileira para fortalecimento de
nossas instituições.
Portanto, a missão é colaborar para implementar maior segurança jurídica
pela via da ampla e irrestrita transparência da legalidade concreta praticada no
interior da Administração Pública e, ao mesmo tempo, incrementar a cidadania
fiscal, convocando a sociedade a atuar como protagonista em processo aberto e
participativo de controle social da legalidade dos atos ligados ao exercício da
arrecadação (administração e contencioso) e gasto público.
A ideia de “Estado Democrático de Direito”, veiculada no art. 1º da
Constituição Federal de 1988, exige não apenas a aplicação da lei criada pelos
representantes do povo brasileiro, requer, ainda, informação a respeito de como
a lei é aplicada e interpretada, na prática, pelas autoridades instituídas pelo texto
constitucional.
17“Nós, REPRESENTANTES DO POVO BRASILEIRO, reunidos em Assembléia Nacional Constituinte para instituir um Estado Democrático, destinado a assegurar o exercício dos direitos sociais e individuais, a liberdade, a segurança, o bem-estar, o desenvolvimento, A IGUALDADE e A JUSTIÇA como valores supremos de uma sociedade fraterna, pluralista e sem preconceitos, fundada na harmonia social e comprometida, na ordem interna e internacional, com a solução pacífica das controvérsias, promulgamos, sob a proteção de Deus, a seguinte Constituição da República Federativa do Brasil”.
17
Ocorre que, em nosso País, há demasiados espaços privilegiados pela
inimputabilidade: é difícil punir, por sua própria natureza, a pessoa jurídica do
Estado, a pessoa jurídica das empresas é inimputável, também, em termos penais
e o Poder Político se serve da proteção das imunidades parlamentares e dos foros
privilegiados do Poder Executivo e do Poder Judiciário. Sobram as pessoas físicas
dos cidadãos - servidores públicos e contribuintes - para sofrer eventuais
responsabilizações jurídicas (aí está o grande temor do servidor público) e, ainda,
suportar a carga tributária. Estas, no entanto, permanecem excluídas do processo
político e dos debates sobre matéria fiscal em razão da sistemática falta de
informação; sobretudo, da informação de que são as pessoas físicas que
definitivamente carregam a maior parte da carga tributária indireta e imposta de
modo obscuro pela lógica perversa do Sistema Tributário Brasileiro.
Há estratégias que o sistema político utiliza para burlar os procedimentos
de legitimação de escolha democrática (a lei) e manter o público mal informado
sobre o ônus tributário, mediante a criação de obstáculos a percepção
deparâmetros fiscais importantes. Tal situação é verificada em estudos do IPEA18
que demonstram que a carga tributária recai sobre os mais pobres sem a
necessária conscientização social nem a perspectiva desses cidadãos como
contribuintes do Estado: um dos principais engodos, presentes nos sistemas de
tributação indireta, juridicizados pelo direito e causa de exclusão dos temas
tributários das pautas das eleições Municipais, Estaduais e Federais é a dualidade
“contribuinte de direito” e “contribuinte de fato”. O “contribuinte de direito” é
aquele definido pela lei tributária como responsável pelo pagamento do tributo,
mas que não paga o tributo economicamente: transfere o valor do tributo para o
contribuinte de fato. “Contribuinte de fato”, no sistema brasileiro, é aquele que
paga o tributo, mas não sabe que paga e nem é reconhecido pelo Direito como
contribuinte.
18 Segundo estudo do IPEA, "pessoas que ganhavam até dois salários mínimos em 2004 gastaram 48,8% de sua renda no pagamento de tributos. Já o peso da carga tributária para as famílias com renda superior a 30 salários mínimos correspondia a 26,3%" (em http://desafios2.ipea.gov.br/003/00301009.jsp?ttCD_CHAVE=11020)
18
A transparência e a simplicidade das informações sobre a lei e sobre seu
ato de aplicação é fundamental para a necessária reconexão entre a legalidade
abstrata e concreta (práticas da Administração Pública), servindo como poderoso
instrumento de educação e cidadania fiscal. Aplicar a lei sem a correspectiva
informação completa sobre todos os atos de concreção legal é casuísmo que se
perde na vagueza conceptual da “legalidade abstrata e geral”. Daí que não basta
dar publicidade à lei para entender a legalidade, é fundamental e, mais
importante, propiciar ampla transparência aos atos de aplicação da lei. Sem isso,
sacrifica-se o valor social fundamental da igualdade de todos perante a Lei.
Portanto, o simples conhecimento da lei abstrata não garante sua aplicação
de forma isonômica: sem informação sobre TODOS os atos de aplicação da lei,
não há qualquer certeza ou garantia do efetivo respeito ao princípio da igualdade.
É o que se pretende: conhecer a legalidade fiscal prática e real para que seja
aplicada com igualdade em todo território nacional.
Outra missão importante é reatar os laços entre as atividades estatais da
tributação e da despesa pública, resgatando o exercício da cidadania pela
compreensão de quem paga o tributo e quem recebe os benefícios do gasto
19
público. Encontramo-nos, pois, entre três regimes distintos de estrita legalidade:
(i) o gasto público; e a tributação que se biparte na (ii) administração tributária e
no (iii) contecioso fiscal. Eis a razão pela qual subdivide-se a pesquisa, no controle
da transparência da legalidade, nesses três eixos temáticos.
1.2. Educação fiscal ativa e cidadania participativa: no processo de empoderamento da sociedade civil o dever principal do Estado é dar acesso à informação sobre sua prática de aplicação da legalidade
O principal obstáculo à educação fiscal e ao exercício da cidadania é a
escassez de informações e de estudos sobre a atividade fiscal brasileira: há poucos
estudos nacionais sobre política fiscal por falta de dados completos e oficiais. No
âmbito internacional, a situação do Brasil é vexatória: a sexta maior economia
mundial desaparece das estatísticas e estudos comparativos internacionais
simplesmente por que o Brasil não disponibiliza seus dados. Para o investidor
estrangeiro o Brasil é uma incognita fiscal: fica a imagem de que se trata de um
sistema tão complexo que mesmo nossas autoridades não conseguem obter nem
se esforçam para oferecer informações. A completude exemplar e a comparação
das amplas séries históricas sobre políticas fiscais e seus efeitos dispostas no site
da OCDE, colaboram para inspirar modelos, mas não ajudam a entender e
identificar as patologias e desafios do sistema tributário nacional. Com efeito, o
país que tem o maior número de escolas de direito no mundo (Brasil, 1240;
Estados Unidos 120; e que se somadas todas as Escolas do mundo inteiro 1.100
não chega ao número de escolas existentes no Brasil)19 é o que mais se destaca
pela ausência de estudos sobre sua própria legalidade fiscal.
Decorrência imediata dessa falta de informação sobre a legalidade prática
é que os nossos TCCs “trabalhos de conclusão de curso” obrigatórios na
graduação e na pós-graduação, as dissertações de mestrado e teses de doutorado,
19 O Brasil tem mais faculdades de Direito do que todos os países no mundo juntos. Existem 1.240 cursos superiores para a formação de advogados em território nacional enquanto no resto do planeta a soma chega a 1.100 universidades. Os números foram informados por Jefferson Kravchychyn, do Conselho Nacional de Justiça (CNJ): “Temos 1.240 faculdades de direito. No restante do mundo, incluindo China, Estados Unidos, Europa e África, temos 1.100 cursos, segundo os últimos dados que tivemos acesso”, disse o conselheiro do CNJ.
20
restringem-se a analisar a Constituição Federal, o Código Tributário Nacional e
as leis abstratas: tornamos-nos uma academia autista, teórica e alijada da
realidade prática justamente pela triste combinação entre o modelo do civil law
e a falta de dados e transparência sobre a legalidade aplicada no interior da
administração pública.
Em razão disso, a opção é valorizar a divulgação dos “dados brutos” que
retratam a aplicação da legalidade: basta digitalizar todos os documentos
pertinentes aos atos administrativos concernentes à administração fiscal (dados
completos de arrecadação, consultas fiscais e atos complementares à legislação
tributária, como regimes especiais, anistias e benefícios fiscais), ao contencioso
tributário (digitalização e divulgação completa de todos os autos de infração,
decisões de primeira e segunda instância administrativa) e à despesa pública
(digitalziação de todos os documentos pertinentes à empenho, liquidação e
ordens de pagamento).
Portanto, entendemos que o tratamento e a transformação dos dados não
devem ser mais um ônus do Estado e mais uma despesa pública a ser suportada
pelo bolso dos contribuintes. Deve ficar a cargo dessas 1.240 Escolas de Direito
(Escolas de Administração Pública, Economia, Contabilidade etc), pelos milhares
de graduandos, pós-graduando, mestrandos e doutorandos que se formam no
Brasil, todos os anos, ávidos por uma base empírica e um tema relevante de para
suas monografias de conclusão de curso (TCC), dissertações e teses, propiciando
o exercício da cidadania ativa, participativa e inteligente, celebrando a
aproximação entre o Poder Público e a Universidade para desenvolver e
compreender melhor o Estado Brasileiro.
21
2. Crônica de uma morte anunciada ao “sigilo fiscal”, expressão que não existe no Código Tributário Nacional, fundamento legal da transparência e direito fundamental na Constituição de 1988: garantia Constitucional expressa à igualdade com apenas dois limites (i) sigilo imprescindível à segurança da sociedade e (ii) sigilo imprescindível à segurança do Estado
Crônica de uma morte anunciada20: o fim da lógica perversa do segredo
fiscal dos atos da Administração Pública (uma crítica ao abuso oportunista do
“sigilo fiscal”).
O Senhor “K”, servidor público e auditor fiscal de carreira exemplar,
sempre entendeu que a operação “X” não era passível de tributação pelo ICMS. A
empresa “S” que realizou nos últimos 5 anos a operação “X”, apoiada por
consultores sérios e bem intencionados, também sempre entendeu que a
operação “X” não era tributada pelo ICMS. Contudo, em face do pressuposto
“sigilo fiscal”, a empresa “S” não detinha acesso à informação sobre o os critérios
normativos do auditor “K” na aplicação do direito para as operações “X”,
realizadas por outras empresas do mesmo ramo.
Após mudança de governo, foi nomeado novo Secretário de Fazenda, cargo
de confiança do novo Governador comprometido em aumentar a arrecadação
para o Estado. Tal Secretário de Fazenda dá-se conta de que, mediante pequena
alteração do tradicional entendimento sobre a mesma legislação tributária, pode
passar a tributar as operações “X”, obtendo com essa mudança interpretativa, o
incremento de 1.000.000 de reais suficientes para a construção de 1.000 casas
populares, atendendo às promessas eleitorais do Governador em reduzir o deficit
habitacional no Estado. Atendendo ao pedido do Sr. Secretário que também o
nomeou, o Sr. Delegado regional emite mandado de procedimento fiscal para que
o agente “K” audite a empresa “S” sob suspeita de que não tem pago ICMS nas
20Crônica de uma Morte Anunciada (título original em espanhol: Crónica de una muerte anunciada) é um livro de GabrielGarcíaMárquez publicado em 1981: a obra conta, na forma de uma reconstrução jornalística, a história do assassinato de Santiago Nasar pelos dois irmãoVicario.
22
operações “X”, em conformidade com a nova interpretação jurídica proposta pelo
Sr. Secretário.
O auditor fiscal “K” tem convicção pessoal e profissional de que as
operações “X” não são tributáveis pelo ICMS, contudo reconhece que a tese
divergente é também plausível e que numa interpretação sistemática da
legislação tributária, as operações “X” poderiam sim ser tributadas pelo ICMS.
Eis o paradoxo do Sr. Auditor “K”: seguir suas convicções pessoais e sua coerência
histórica ou atender a nova interpretação plausível sobre a mesma legislação. O
Auditor “K” consultando a lei abstrata (Constituição, LC87 e RICMS) percebe que
pode fundamentar tanto a tributação como a não tributação da operação “X”.
Além disso, consulta os melhores livros e manuais sobre o tema, mas dada a
concretude e especificidade da operação “X” não encontra nenhuma solução
satisfatória. Que interpretação seguir? Eis o que denominamos na introdução
desse texto de “mal estar” do auditor fiscal: seguir sua coerência interna, firmada
em anos de experiência ou aderir a nova tese proposta pela autoridade superior
(também, bem intencionada e alinhada com o propósito maior e de “interesse
público” de conciliar a interpretação do direito à construção de 1.000 moradias
populares).
Eis o dilema do agente fiscal: (i) se não lavrar o auto de infração para os
últimos cinco anos, ocorrerá a decadência e poderá ficar sujeito a
responsabilidade funcional por omissão de receita; (ii) se lavrar o auto de
infração, estará indo contra sua histórica coerência interna sobre a não tributação
das operações “X”, alterando a legalidade prática e, de alguma forma, frustrando
a expectativa normativa da empresa “S” de não ser tributada nas operações “X”.
É para atender a esse jogo de interesses que se presta, funcionalmente, o
vago e ambíguo conceito de “sigilo fiscal”. Mas a quem de fato serve o “sigilo
fiscal”? Trata-se de conceito funcional: (i) o “sigilo fiscal” se presta a ocultar que
o entendimento histórico da fiscalização foi no sentido de não tributar a operação
“X”; (ii) o sigilo fiscal protege o agente fiscal “K” do constrangimento e da pressão
23
social de justificar seu novo entendimento sem qualquer alteração institucional
da legislação tributária; (iii) o sigilo fiscal das autuações dá mais importância,
destaque e esperança à atuação dos tribunais administrativos paritários de 2a
instância delegatários da solução do caso; (iv) o sigilo fiscal possibilita que o Sr.
Secretário de Fazenda atenda as demandas do Governador; (v) o sigilo fiscal cria
a possibilidade de nova fonte de receita tributária, sem a necessária submissão à
nova lei autorizativa a ser criada pela Assembleia Legislativa; (vi) o sigilo fiscal
permite, potencialmente, ao Sr. Governador construir 1.000 casas populares e
garantir sua reeleição sem discutir fonte de custeio nem sistema tributário; (vii)
o sigilo fiscal atende à empresa “S” que não sofre a publicidade negativa
decorrente de uma autuação que entende injusta e que espera que seja julgada
improcedente nos tribunais paritários de 2a instância; (viii) o sigilo fiscal atende
aos gestores da empresa que não se vêem responsabilizados nesse momento pelas
decisões decorrentes dessa autuação, postergando os efeitos para seus
sucessores; (ix) o sigilo fiscal atende aos sócios e acionistas que se beneficiam da
não transparência pública da autuação evitando o imediato impacto sobre a
desvalorização social da empresa “S” ou do preço de suas ações em bolsa; enfim,
(x) o sigilo fiscal exclui outros atores sociais (empresas congêneres, ONGs,
Academia e outros Estados) da discussão sobre a mudança de critério na
tributação das operações “X” e seus decorrentes efeitos na cadeia produtiva e na
carga tributária do “contribuinte de fato” que elegeu o Governador.
Ocorre que nem sigilo fiscal, nem o direito, nem o art. 198 do CTN, podem
servir como escudo da Administração Tributária para se esquivar ao controle
social dos seus atos e comprometer a segurança jurídica instaurada
historicamente pela legalidade prática sobre a tributação das operações “X”, com
base no argumento pseudo-altruísta segundo o qual o “sigilo fiscal” existe para
proteger a privacidade e a intimidade do contribuinte. ALIÁS, A EXPRESSÃO
“SIGILO FISCAL” NÃO EXISTE NO CÓDIGO TRIBUTÁRIO NACIONAL.
24
O art. 5, inciso XXXIII21, da CF88, o art. 222, inciso II, da LC 131 e o Art.
323, inciso I, da Lei de acesso a informação, determinam que a transparência é
regra e o sigilo só é admitido em casos motivados expressamente que envolvam a
segurança da sociedade e a segurança do Estado. Como o sigilo fiscal sobre as
aludidas autuações afeta a segurança da sociedade e a segurança do Estado?
Em oposição à lógica do sigilo fiscal, outros são os efeitos institucionais da
exigência constitucional e legal sobre a transparência de todos os atos
administrativos lavrados pelo agente “K” (e todos os demais agentes da
Adminstração Tributária), teríamos, então, o seguinte cenário: (i) a transparência
consolidaria social e juridicamente o entendimento histórico da fiscalização no
sentido de não tributar a operação “X”, oferecendo certeza e segurança jurídica
para o auditor “K” e para a empresa “S”; (ii) a transparência, o conhecimento e o
controle social sobre os atos de autuação do Fisco, protegeriam o agente fiscal “K”
da pressão de seus superiores hierárquicos, garantindo sustentação e apoio social
à manutenção da sua coerência histórica e legal no sentido de não tributar a
operação “X”, exigindo para alteração desse entendimento mudança institucional
discutida publicamente sobre a nova proposta de interpretação da legislação
tributária; (iii) a transparência das autuações evitaria o contencioso e reduziria a
ação e necessidade do apelo excessivo aos tribunais administrativos paritários de
2a instância, que ficariam resguardados para decidir sobre efetivas e relevantes
21"Art. 5ºXXXIII - todos têm direito a receber dos órgãos públicos informações de seu interesse particular, ou de interesse coletivo ou geral, que serão prestadas no prazo da lei, sob pena de responsabilidade, ressalvadas aquelas cujo sigilo seja imprescindível à segurança da sociedade e do Estado;" 22Art. 2oA Lei Complementar no 101, de 4 de maio de 2000, passa a vigorar acrescida dos seguintes arts. 48-A, 73-A, 73-B e 73-C: “Art. 48-A. Para os fins a que se refere o inciso II do parágrafo único do art. 48, os entes da Federação disponibilizarão a qualquer pessoa física ou jurídica o acesso a informações referentes a: (...) II – quanto à receita: o lançamento e o recebimento de toda a receita das unidades gestoras, inclusive referente a recursos extraordinários." (grifo) 23 "Art. 3oOs procedimentos previstos nesta Lei destinam-se a assegurar o direito fundamental de acesso à informação e devem ser executados em conformidade com os princípios básicos da administração pública e com as seguintes diretrizes: I - observância da publicidade como preceito geral e do sigilo como exceção"
25
divergências sobre a legislação tributária; (iv) a transparência resguarda a função
do Sr. Secretário de Fazenda, impedindo que a interpretação da legislação seja
manejada para atendimento aos caprichos e demandas políticas eleitorais do
Governador; (v) a transparência impediria a criação de nova fonte de receita
tributária sem a necessária lei e sem o respectivo processo democrático,
fortalecendo o poder político dos deputados estaduais e da Assembleia
Legislativa; (vi) a transparência exigiria que o governador submetesse à
sociedade e ao poder legislativo a ponderação sobre a tributação da operação “X”
para a construção das 1.000 casas populares, resgatando o debate sobre
tributação, também, como tema e contraponto nos debates para sua reeleição;
(vii) a transparência fiscal atende a empresa “S”, posto que a ampla publicidade
de uma autuação injusta deixaria o agente “K” sujeito ao crime de excesso de
exação, bem como exporia socialmente a arbitrariedade do ato da administração
tributária, evitando a autuação e tornando desnecessário o custo com o
contencioso tributário e a prolongada espera por uma decisão administrativa
imprevisível de 2a instância; (viii) a transparência imediata da autuação permite
a pronta responsabilização dos gestores, diretores e sócios pelas decisões
tomadas, incentivando uma governança corporativa socialmente responsável e
aberta ao diálogo com a Administração Fiscal, sem heranças malditas para seus
sucessores; (ix) a transparência fiscal atende aos sócios e acionistas que exercem
seu direito de agir em tempo hábil de modo a evitar maiores prejuízos decorrentes
da eventual autuação sobre a desvalorização social da empresa ou do preço de
suas ações em bolsa; enfim, (x) a transparência inclui outros atores sociais
(empresas congêneres, ONGs, Academia e outros Estados) na discussão sobre
eventuais mudanças nos critérios da tributação das operações X, propiciando o
debate aberto e democrático sobre as repercussões fiscais na cadeia produtiva e
na carga tributária suportada pelo cidadão e eleitor que através da transparência
26
aprende que é também contribuinte de fato e de direito, conectando sistema
tributário e sistema político24.
Enfim, o arauto legal da defesa do “sigilo fiscal” que é o art. 19825 do CTN
sequer trata, como veremos abaixo, de “sigilo fiscal” (cuida da proteção das
informações privadas que o agente fiscal tem acesso em razão do exercício de suas
funções): se tratasse, não seria recepcionado pela Constituição em face do Art. 5,
XXXIII, ou estaria expressamente afastado pela LC 131/2009, lei complementar
posterior ao CTN. É juridicamente insustentável e moralmente26 comprometedor
que a Administração Tributária oculte seus atos de aplicação da legislação
24 Sem transparência da aplicação da lei o Poder Público pode usar a legalidade abstrata como bem entender e sempre em nome do “interesse público”. Como bem adverte Nelson Saldanha: o exagero do senso privado, tornou-se, no Brasil, predomínio do personalismo - conexo a larga presença de estruturas feudais em nossa história social. Trata-se de combater o personalismo nas alianças políticas e nas adesões partidárias; nas palavras de Saldanha, “personalismo na secular tendência a confundir instituições com pessoas”. Ainda de acordo com Saldanha, as distorções do privatismo brasileiros não devem ser limitadas por um estatismo exagerado. Os limites necessitam vir do espírito público. Saldanha escreve:“ao estatismo brasileiro o que tem faltado é uma identificação maior com a realidade nacional e com as necessidades populares – raramente consultadas -, de onde lhe proviria uma maior substancial idade histórica e também uma flexibilidade mais eficiente; tem-lhe faltado ser publicismo.” Evidentemente, é preciso situar a expressão “espírito público” - utilizada por Saldanha - no contexto da Sociedade da Informação e em uma situação de hipercomplexidade. Trata-se de pensar em um déficit de força institucional aliado a carência de participação política em um contexto em que, cada vez mais, subsistemas sociais autônomos e altamente especializados necessitam encontrar limites na ação política. A tributação é um tema de interesse público por excelência. Falta, contudo, engajamento de atores sociais relevantes no debate político sobre o assunto. Estacarência de participação decorre de diversos fatores, dois deles merecem atenção especial: (i) falta de consciência do cidadão de que é, de fato, contribuinte (paga tributos) e de que necessita se posicionar de modo mais ativo (isto é, fiscalizar e exigir das instituições mais transparência) para que haja uma modificação no cenário atual de carência de equidade na tributação e falta de cuidado na gestão da coisa pública e (ii) alta complexidade das questões fiscais – fator que tende a fazer com que o debate restrinja-se a uma “conversa entre especialistas” em que poucos dominam a “linguagem competente” e estão habilitados a participar. SALDANHA, Nelson. “O Jardim e a Praça: ensaio sobre o lado “privado” e o lado “público” da vida social e histórica”. In Ciência e Trópico. Vol II, NO1. Recife: Fundaj, 1983. Disponível emhttp://periodicos.fundaj.gov.br/index.php/CIT/article/viewArticle/232. Acesso em julho de 2012. 25 O art. 198 do CTN prescreve que“sem prejuízo do disposto na legislação criminal, é vedada a divulgação, por parte da Fazenda Pública ou de seus servidores, de informação obtida em razão do ofício sobre a situação econômica ou financeira do sujeito passivo ou de terceiros e sobre a natureza e o estado de seus negócios ou atividades” (grifo). 26 "Art. 37. A administração pública direta e indireta de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios obedecerá aos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência e, também, ao seguinte: (RedaçãodadapelaEmendaConstitucionalnº 19, de 1998)" (grifo)
27
tributária (por exemplo, lançamento tributário, autos de infração e decisões de
primeira instância administrativa), esquivando-se de tornar públicos seus
próprios critérios de interpretação e concretização do direito. As consequências
do abuso do “sigilo fiscal” são: (i) difusão de insegurança jurídica sistêmica, (ii)
fomento exponencial da industria do contencioso fiscal e (iii) bloqueio e não
submissão ao controle social de seus atos e da aferição da eficiência de sua
atividade. Tudo em nome do pseudo-altruístico interesse em proteger o
contribuinte e a “livre concorrência”.
Deveras, a débil e frágil argumentação que defende o “sigilo fiscal” em
nome do interesse do contribuinte, oculta a conveniência da Administração
tributária omitir-se na revelação de sua legalidade oficial e, ao mesmo tempo, que
oferece escudo legal aparente para subtrair-se ao controle da sociedade: trata-se
de profanar a legalidade para sobrepor o uso difuso, vago, indiscriminado e
oportuno do “sigilo fiscal” para interesses estranhos ao próprio direito. Uso nesse
28
estilo do jargão “sigilo fiscal” que pretende se revestir numa espécie de
sacralização litúrgica, se auto-impondo como verdade absoluta, que não se
justifica, mas ao mesmo tempo deixa vazar claramente suas incoerências, proíbe
e pune como pecado inadmissível qualquer desalinhamento ideológico de suas
infundadas e obtusas conclusões: o “sigilo Fiscal” assim imposto parece mesmo
coisa de religião. Esse uso pragmático e conveniente do “SIGILO FISCAL” para
ocultar informações de ordem pública, imprescindíveis para o controle social dos
atos da Administração, retrata perfeitamente o que TÉRCIO SAMPAIO FERRAZ
JÚNIOR chama de abuso do “PODER DE VIOLÊNCIA SIMBÓLICA”: trata-se de
impor significações como legítimas, dissimulando as relações de força que estão
no fundamento da própria força que move o interesse que a justifica27.
2.1. O direito fundamental à informação, transparência fiscal como regra e sigilo como exceção que exige procedimento administrativo específico, limites do “sigilo fiscal” e uso indevido da previsão do art. 198 do CTN, que deve ser recepcionado em interpretação conforme ao art. 5, XXXIII da CF88 e em harmonia do a LC 131/2009
No seu recente período democrático, período aqui entendido entre 1988
com a promulgação da Constituição Federal até os dias de hoje, o Brasil passou
por importantes mudanças legislativas que imprimiram um novo estatuto
jurídico no que diz respeito ao tratamento de suas informações públicas. Por mais
que essas mudanças tenham sido realizadas pelas mais diferentes vias, de leis
complementares ou até mesmo decretos presidenciais, podemos indicar
claramente uma característica comum: o caminho cada vez mais explícito pela
transparência, que torna regra a transparência e o sigilo de informações, a
exceção.
Partamos, portanto, hierárquica e cronologicamente, pela Constituição Federal
de 1988. Seu art. 5-º, inciso XXXIII diz que “todos têm direito a receber dos
órgãos públicos informações de seu interesse particular, ou de interesse coletivo
ou geral, que serão prestadas no prazo da lei, sob pena de responsabilidade,
27 FERRAZ JR., Tércio Sampaio. Introdução ao Estudo do Direito. São Paulo: Atlas, 1994. P. 276.
29
ressalvadas aquelas cujo sigilo seja imprescindível à segurança da sociedade e do
Estado” (grifo). O que de fato nos diz este mandamento constitucional? Ora,
vemos com clareza que ele nos concede o direito de receber dos órgãos públicos
informações de interesse público ou particular, com somente duas exceções:
podem estar amparadas pelo sigilo constitucional aquelas informações que
ponham em perigo a segurança da sociedade e do Estado. Para dar aplicabilidade
a esse mandamento, a Constituição prescreve que tanto o prazo quanto a
responsabilidade por tais informações serão disciplinadas legalmente. Portanto,
a Constituição institui o pleno direito ao acesso à informação, servindo a
legislação (Lei de Transparência e Lei de Acesso à Informação) para dispor sobre
o procedimento, a forma, os prazos em que as informações deverão ser prestadas.
Regulamentando o texto constitucional, a Lei de Acesso à Informação (Lei
nº 12.527/2012) assegura, em seu art. 3º, caput, o “direito fundamental à
informação”, rege-se pela “observância da publicidade como preceito geral e do
sigilo como exceção”, mas, além disso, disciplina claramente o sigilo com
procedimentos específicos. Basta olharmos para o Capítulo IV, intitulado “Das
Restrições ao Direito à Informação” que normatiza os procedimentos para
caracterizar informações como ultrassecretas (art. 27, I), secretas (art. 27, II) ou
reservadas (art. 27, III)28, cada qual exigindo procedimentos administrativos
específicos pela correspectivas autoridades competentes para declará-las como
tais (por exemplo, em situação excepcional, o Ministro da Defesa propor
procedimento para declarar como secreta as informações sobre o contingente de
soldados nas fronteiras do País). Dessa forma, segundo a lógica tanto da lei
quanto da Constituição, toda e qualquer informação que não se submeter a estes
procedimentos de reconhecimento para classificar a informação como
ultrassecreta, secreta ou reservada, serão obrigatoriamente públicas e de
interesse geral para a sociedade.
28transcrever incisos e explicar a lei
30
Ainda assim, poderíamos nos perguntar: qual a amplitude destes
dispositivos especificamente no que diz respeito às informações fiscais? Para os
servidores públicos da área fiscal, o art. 198 do Código Tributário Nacional é a
norma que indica, de forma explícita, o tratamento que deve ser dado em relação
às informações fiscais dos contribuintes. Entretanto, antes de se analisar sua
normatividade estrita, devemos atentar para o fato de que o CTN foi introduzido
pela Lei 5.172/1966, tendo sido apenas seus dispositivos não contrários a nova
ordem constitucional recepcionados pela Constituição. Contudo, a partir da
vigência da Constituição, a alteração dos dispositivos do CTN recepcionados
exigirá a edição de lei complementar exvido Art. 146 da CF88. Ou seja, o atual
alcance e sentido do art. 198 do CTN exige: primeiro, para sua recepção,
submeter-se a delimitação da claúsula constitucional que garante o acesso à
informação (art. 5, XXXIII da CF88); segundo, que seja interpretado em
conformidade com as posteriores restrições ao sigilo, impostas pela LC 131/2009
e pela regulamentação do art. 5, XXXIII, veiculada na Lei 12.527/2012 (LAI).
O art. 198 do CTN prescreve que “sem prejuízo do disposto na legislação
criminal, é vedada a divulgação, por parte da Fazenda Pública ou de seus
servidores, de informação obtida em razão do ofício sobre a situação econômica
ou financeira do sujeito passivo ou de terceiros e sobre a natureza e o estado de
seus negócios ou atividades” (grifo). O estado de coisas que pressupõe esta norma
não poderia ser mais claro: pela natureza de sua função e atividade, o agente fiscal
passa a ter contato com informações sobre os sujeitos passivos e terceiros que, de
outra forma, não as teria. São informações relevantes, diz a lei, sobre a situação
econômica, financeira, ou de modo mais geral, sobre a natureza e o estado dos
negócios ou atividades dos contribuintes. Observe-que o art. 198 do CTN
determina que o Fisco não divulgue informações em razão do acesso privilegiado
do Fiscal, NÃO SE REFERE À OCULTAÇÃO DO ATO ADMINISTRATIVO
PÚBLICO QUE É RESULTADO DA FUNÇÃO DE ESTADO QUE EXERCE, NA
CONCRETIZAÇÃO E APLICAÇÃO DA LEGISLAÇÃO TRIBUTÁRIA: ou seja, o
sigilo do art. 198 existe para proteger as informações privadas do particular, não
31
para ocultar os atos de lançamento que decorrem do exercício da atividade
estritamente vinculada a lei e privativa do agente fiscal exvido art. 142 do CTN29.
Em verdade, o art. 198 não trata, nem se refere a sigilo fiscal. Aliás, no CTN
sequer há a menção da expressão “sigilo fiscal”. O art. 198 cuida tão-apenas da
proteção de informações não fiscais, “informações econômicas e financeiras” da
empresa, mas que o agente fiscal tem acesso em razão do exercício das suas
prerrogativas de auditoria e fiscalização, e, que, portanto, não podem ser
divulgadas nem pelo Fiscal, nem pelo Fisco.
A expressão “sigilo fiscal” não está na lei. Trata-se de simples expressão
vaga e ambigua, criada na prática do senso comum do interesse em obstacularizar
o acesso à legalidade concreta e ao efetivo controle social dos atos da
administração pública pela sociedade: uso conveniente e oportuno, é certo,
contudo, sem qualquer base legal ou fundamentação jurídica.
O art. 198 não pode se extender ao ato administrativo resultante do
exercício da atividade de lançamento que, por sua própria natureza, exige
submissão ao regime de direito público. Sob esse regime, requer-se que ato
administrativo que seja público e que decorra de atividade administrativa
plenamente vinculada. Além disso, o dispositivo constituicional expresso do art.
5., inciso XXXIII, não admitiria qualquer interpretação do art. 198 que pretenda
impedir a divulgação de informações pertinentes a atividade pública da
Administração Fiscal (não seria recepcionado).
Ao mesmo tempo, o art. 2º, II, da Lei Complementar nº 131/09, que é
posterior e formalmente tem hierarquia superior à Lei Ordinária 5.172/66 que
instituiu o art. 198 do CTN, prescreve claramente que devem ser de conhecimento
público “o lançamento e o recebimento de toda a receita das unidades gestoras,
29"Art. 142. Compete privativamente à autoridade administrativa constituir o crédito tributário pelo lançamento, assim entendido o procedimento administrativo tendente a verificar a ocorrência do fato gerador da obrigação correspondente, determinar a matéria tributável, calcular o montante do tributo devido, identificar o sujeito passivo e, sendo caso, propor a aplicação da penalidade cabível."
32
inclusive referente a recursos extraordinários” de todos os entes da Federação.
Ou seja, todos os documentos pertinentes aos atos administrativos de lançamento
e recebimento de quaisquer receitas devem ser disponibilizados na internet para
efetiva transparência e controle social desses atos administrativos30.
Não há aqui qualquer conflito normativo, pois o art. 198 do CTN determina
que “é vedada a divulgação, por parte da Fazenda Pública ou de seus servidores,
de informação obtida em razão do ofício sobre a situação econômica ou
financeirado sujeito passivo ou de terceiros e sobre a natureza e o estado de seus
negócios ou atividades”que se refiram a atividade de regime de direito privado do
contribuinte. O art. 198 do CTN não se refere a SITUAÇÃO FISCAL DO
CONTRIBUINTE: ou seja, “a situação econômica ou financeira do sujeito
passivo” só é protegida no âmbito da sua esfera privada, quando a “realização de
uma operação mercantil e seus respectivo valor” é juridicizada por ato
administrativo de lançamento tributário, essa informação deixa de pertencer a
esfera privada do particular para ingressar no mundo do direito tributário,
servindo, justamente, como motivo que justifica e fundamenta a prática do auto
de infração. O sigilo fiscal do art. 198, portanto, protege todas as informações que
o Fiscal em razão de ofício obteve para lavrar o lançamento, mas não resgarda,
nem pode juridicamente, servir de fundamento para ocultar o próprio ato
administrativo de lançamento: o art. 198 do CTN preserva as informações
exclusivamente de caráter privado do contribuinte, mas se tais informações
servirem como critérios relevantes para incidência e formalização do crédito
tributário, o art. 2º, II, da Lei Complementar nº 131 exige que tais informações
fiscais sejam publicas e divulgadas abertamente (informações sobre a atividade
administrativa de lançamento e recebimento de todas as receitas dos entes
federativos).
30 A Lei de Acesso à Informação, que se orienta pelos princípios básicos de “observância da publicidade como preceito geral e do sigilo como exceção (art. 3º, I); divulgação de informações de interesse público, independentemente de solicitações (art. 3º, II); utilização de meios de comunicação viabilizados pela tecnologia da informação (art. 3º, III)fomento ao desenvolvimento da cultura de transparência na administração pública (art. 3, IV); desenvolvimento do controle social da administração pública (art. 3, V)”.
33
Aliás, o direito à privacidade deve harmonizar-se com o direito público à
transparência e ao acesso à informação e não ser utilizado como argumento de
bloqueio para amesquinhar o controle social dos atos da administração pública.
Até mesmo os processos que correm em sigilo de justiça nas varas de família,
instruídos por provas de adultério, alegações de abuso ou indiferença sexual,
sustentam seu sigilo tão-somente até a prolação da sentença judicial que só se
torna válida juridicamente depois de publicada no cartório e enunciada no diário
oficial: ninguém nunca ousou pretender estender o sigilo do processo às
sentenças judiciais em matéria familiar para proteger a privacidade dos litigantes.
Se houvesse sigilo das decisões judiciais ficaríamos sem jurisprudência e sem
saber como nossos tribunais realizam a legalidade no Direito de Família. Da
mesma forma, é insustentável pretender impor sigilo ao ato de lançamento
tributário que diversamente da sentença da vara de família é matéria regida pelos
princípios de direito público: o sigilo do art. 198 do CTN, restringe-se ao
procedimento e aos dados econômicos e financeiros do contribuinte que instruem
a convicção do agente fiscal, não se aplica ao próprio ato administrativo que é
produto desse procedimento31.
Assim, também, são as fontes do direito: o ato administrativo (processo) produz
o ato administrativo (produto), ao passo que o ato legislativo (processo) produz a
lei (produto) e o ato judicial (processo) produz a sentença (produto).Ou seja, o
art. 198 do CTN abriga tão só a proteção de informações da ordem privada das
empresas (e não se aplica ao ato administrativo de lançamento): protege os
segredos empresariais necessários à competitividade econômica, como, por
exemplo, o uso de técnicas que outras empresas não possuem e que, se
soubessem, poderiam copiar para diminuir seus custos ou aperfeiçoar suas
31 A proteção aplica-se, portanto às informações envolvidas no processo/procedimento administrativo, não ao próprio ato/produto que deve por sua natureza ser público. Tal confusão decorre do que CARLOS SANTIAGO NINO chama de ambigüidade processo/produto e que consiste no fato de que um mesmo termo apresenta dois significados: um relativo à atividade ou ao processo e o outro, ao produto ou resultado dessa atividade ou processo. Como exemplifica o autor, “é o que ocorre com palavras como ‘trabalho’, ‘vivência’, ‘construção’, ‘pintura’. Se alguém me diz ‘encontro-me na pintura’, pode-se duvidar se o que gosta é pintar ou contemplar quadros”. Introducciónalanálisisdelderecho, p. 261.
34
técnicas de produção. Em outras palavras, não é de interesse geral que saibamos
todos os gastos de uma pessoa específica ou termos acesso indiscriminado a todas
as informações de uma pessoa jurídica. Podemos, com segurança, dizer que estas
mesmas preocupações ainda existem no ordenamento jurídico vigente. Não é por
acaso que o art. 31 da Lei de Acesso à informação diz que o“tratamento das
informações pessoais deve ser feito de forma transparente e com respeito à
intimidade, vida privada, honra e imagem das pessoas, bem como às liberdades e
garantias individuais” (grifo). A transparência hoje exigida não busca acabar com
tais princípios, sem os quais viveríamos em estado de vigilância total. Não é este
o caso.
É importante registrar que não se pretente que o acesso à informação
indiscriminado alcance todos os documentos públicos, como GARE, DIPJ,
DECLARAÇÃO DE IMPOSTO SOBRE A RENDA etc. Tais documentos
representam obrigações acessórias que devem se manter na relação estrita do
entre servidor público e contribuinte: quer-se acesso aos dados de aplicação da
legislação tributária que revelam tão somente as obrigações principais e os
respectivos pagamentos. Por outro lado, também não se pretende adentrar a
esfera íntima das pessoas físicas, resguardando e protegendo suas informações
de âmbito privado, que não diz respeito nem tem relevância pública, como, por
exemplo, a listagem pormenorizada de gastos com cartão-de-crédito dos
contribuintes etc.
Enfim, restrigimo-nos ao uso abusado e fechicista da expressão “sigilo
fiscal”: se o direito ao sigilo fiscal realmente existisse, as informações fiscais das
empresas não poderiam ser publicadas no Conselho Administrativo de Recursos
Fiscais e no Tribunal de Impostos e Taxas de São Paulo, por exemplo. Nada pode
justificar juridicamente a transparência na 2a instancia administrativa e ao
mesmo tempo o sigilo das mesmas informações na lavratura do auto de infração
ou no julgamento de 1a instância. Encontre-se um fundamento jurídico para o
sigilo fiscal no Sistema Tributário Nacional e aplique-se a regra do segredo e do
sigilo a todas as esferas do contencioso administrativo, ou admita-se que não
35
existe fundamento jurídico para o sigilo fiscal e que seu uso só se justifica
extrajuridicamente como instrumento de conveniencia que se presta a impedir o
controle social dos atos da administração tributária, pseudo-legitimando a
desigualdade e a arbitrariedade no ato de aplicação da legislação tributária pela
Administração Pública.
2.2. Transparência Fiscal como regra e sigilo como exceção: os atos de concreção do direito, sejam eles normais (administração tributária) ou patologicos (contencioso administrativo e judicial), interessam, não só ao servidor que aplica o direito e ao contribuinte que paga ou discute o tributo, como também a sociedade como um todo
Quando dizemos que a transparência fiscal é a regra, buscamos tão
somente as informações que acompanham os atos de lançamento e o recebimento
das receitas dos entes federativos, como diz o art. 2º, II, da LC nº 131. Aqui, o
interesse é sobre as informações de natureza pública que acompanham as
atividades arrecadatórias do Estado, isto é, interessa-nos saber como ele se
financia através da tributação. Dentro dessa atividade, seguindo o princípio da
legalidade, o Estado realiza, por meio de seus agentes, atos de concreção do
direito, que no jargão jurídico são chamados de atos administrativos. Para o
controle de tais atividades, a dogmática jurídica exige que os tais atos
administrativos respeitem pressupostos legais sem os quais a arrecadação do
Estado poderia se dar de forma arbitrária. É neste sentido que devemos ter a
publicidade das informações da administração pública para saber informações
juridicamente relevantes como, por exemplo, se autoridade era competente, se há
provas do motivo do ato, se o ato encontra fundamento jurídico, dentre outros
requisitos necessários para a validade dos atos administrativos.
É importante lembrar que, quando o CTN entrou em vigor, a maior
preocupação era assegurar a legalidade e a tipicidade na cobrança dos tributos.
Buscava-se segurança e uniformidade na aplicação das leis. Por isso foi tão
importante encontrar a coerência conceitual na legislação tributária,
sistematizando categorias determinadas por padrões rígidos. Por exemplo,
segurança jurídica significava saber o que era o fato gerador, o conceito objetivo
36
de prescrição, decadência, obrigação principal, obrigação acessória, hipótese de
incidência e etc. Utilizando essas categorias interpretativas criadas pela
dogmática jurídica, o Estado era controlado – pelos limites impostos pela
legislação e jurisprudência – em uma relação direta entre positivação e
interpretação, atividade legislativa e o estudo da linguagem. Como explica Marco
Aurélio Greco, tratando da importância da dogmática jurídica na década de 1970:
“Debater com a Autoridade no plano sintático e semântico e suscitar questões
ligadas à hierarquia (das normas) era um porto seguro onde o questionamento
do exercício da autoridade estatal (via tributação) podia se dar sem maiores
riscos”32.
Todas essas preocupações ainda existem e são importantes, mas temos de
reconhecer que o momento agora é outro. Hoje, não basta termos segurança em
relação aos conceitos extraídos da norma abstrata e geral e sistematizados pela
dogmática jurídica. Com a complexidade da legislação e com a automação dos
32 GRECO, Marco Aurélio. Crise do formalismo no Direito Tributário BrasileiroIn: Nas fronteiras do Formalismo. (orgs.) José Rodrigo Rodriguez, Carlos Eduardo Batalha da Silva, Samuel Rodrigues Barbosa. São Paulo, Saraiva, 2010. p. 230.
37
meios de concreção do direito, a dogmática não é mais capaz de manter-se
atualizada simplesmente pela leitura dos conceitos legais, naturalmente fluidos e
vagos pela própria limitação de nossa linguagem. Mais importante se tornou
saber como a atividade arrecadatória de fato é realizada. Ou seja, como, no dia a
dia, o Estado se financia, quais atividades são tributadas e quais não são na
prática administrativa, e com base em quais fundamentos jurídicos é exercida
essa atividade. Por isso, a transparência é a transparência do Estado e de seu
funcionamento interno, como o Estado caminha pela legalidade e se relaciona
com o contribuinte.
Só recentemente nossos juristas passaram a reconhecer a riqueza e a
complexidade do funcionamento do que é, no fundo, o objeto principal do seu
estudo: o Direito em suas mais variadas e intrincadas manifestações. O melhor
ponto de partida de qualquer investigação científica sobre o Direito é obviamente
a lei positivada, por definição norma abstrata e geral, mas é seu pior ponto de
chegada, pois simplifica, em demasia, a realidade. É completamente equivocado,
em nome da pureza teórica, ignorar o mundo à nossa volta, como se fosse
necessário uma teoria prévia para eu dizer que este mundo existe. Se a prática e
os dados empíricos não se adéquam à teoria é esta que deve ser mudada e
problematizada, não são os dados do mundo real que devem ser ignorados, como
infelizmente ocorre atualmente.
Chegou-se à constatação de que os atos de concreção do direito, sejam eles
normais (administração tributária) ou patologicos (contencioso administrativo e
judicial), interessam, não só ao servidor que aplica o direito e ao contribuinte que
paga ou discute o tributo, como também à sociedade como um todo. Tal
observação encontra claro fundamento na Lei de Acesso à Informação, que se
orienta pelos princípios básicos de “observância da publicidade como preceito
geral e do sigilo como exceção (art. 3º, I); divulgação de informações de interesse
público, independentemente de solicitações (art. 3º, II); utilização de meios de
comunicação viabilizados pela tecnologia da informação (art. 3º, III) fomento ao
38
desenvolvimento da cultura de transparência na administração pública (art. 3,
IV); desenvolvimento do controle social da administração pública (art. 3, V)”.
2.3. Manipulação da "Moldura da Legalidade" no modelo centralizado do controle, o desafio kelseniano: como controlar uma “legalidade” de múltiplas cabeças?
Importa, em primeiro lugar, desconstruir o mito de que há uma única
interpretação verdadeira da norma jurídica. A crença de que o texto da leitem um
sentido unívoco remete ao legalismo exegético do Século XIX33, mas, nos dias
atuais, ainda permanece no imaginário de muitos operadores do direito
brasileiro.
Hans Kelsen, em 1934, no célebre capítulo oitavo da “Teoria Pura do
Direito”, mostra definitivamente que não há um sentido interpretativo único
previamente fixado na lei e que pensar o direito é pensar possibilidades
interpretativas. Kelsen delineia uma teoria da interpretação tão sofisticada que
permanece, até os dias atuais, uma das principais referências para os grandes
pensadores do direito. Ciente de que a vagueza e a ambiguidade da linguagem
gera necessariamente a abertura a interpretações, Kelsen explica que há uma
relativa indeterminação no sentido da norma jurídica34. O modelo piramidal
delineado pelo pensador austríaco (inspirado em Puchta) afirma que a norma
superior é fundamento de validade da norma inferior: aquela estabelece o
33A primeiro grande marco do modo contemporâneo de pensar a lei foi a promulgação do Código Civil francês de 1804. Neste periódo, surgiu, na França, a Escola da Exegese. Acreditava-se, na época, que a lei deveria ser compreendida literalmente e que o intérprete deveria esforçar-se para encontrar a “verdadeira” vontade do legislador (expressa por meio do texto). A intenção era fazer com que os juízes não fossem “senão a boca que pronuncia as palavras da lei, seres inanimados que desta não podem moderar a força nem o rigor” – esta idealização da figura do legislador associava-se ao fato de no início do século XIX grande parte dos juizes estavam ligados ao Antigo Regime, que, acreditava-se, deveria ser superado. Ao juiz, portanto, não caberia criar direito (esta tarefa seria privativa do legislador), mas somente aplicar a lei, cujo significado, supostamente, estaria previamente determinado (o juiz apenas esclareceria o “verdadeiro” sentido da lei).Adeodato identifica a ingenuidade das teses da Escola da Exegese que, em razão do radicalismo, do alto grau de fechamento e do distanciamento dos fatos sociais (que se modificam num ritmo muito mais acelerado que as leis, provocando inadequações evidentes) entra em decadência já na passagem do século. Cf ADEODATO, João Maurício: O Problema da Legitimidade – no Rastro do Pensamento de Hannah Arendt. Rio de Janeiro: Forense Universitária,1989. P. 61 34KELSEN, Hans: Teoria Pura do Direito. São Paulo: Martins Fontes. P. 388 e s
39
processo em que esta é criada e, até certo ponto, seu conteúdo. Existem, contudo,
múltiplas possibilidades de interpretação da norma e, por isso, o direito a aplicar,
aparece para o órgão decisor (administrador público ou juiz, por exemplo) como
uma moldura dentro da qual existem várias alternativas de interpretação. Para
Kelsen, quaisquer possibilidades situadas no interior da moldura são coerentes
com a norma superior35. O órgão do Estado investido do poder de criar direito
deverá escolher uma destas possibilidades no processo de concretização da
norma e, dessa maneira, exercerá o que Kelsen chama de função voluntária (ou
política) do ato interpretativo36.
Kelsen escreve que, devido à vagueza e à ambiguidade da linguagem, todo
ato de concretização da norma realizado por órgãos estatais (judiciário ou
administrativo) é também um ato de criação normativa. Há alguma margem para
discricionariedade mesmo em atos que parecem estar totalmente adstritos a
ordens prescritas por autoridades de hierarquia superior como, por exemplo, a
execução de um mandado de prisão (o policial está vinculado a ordem da
autoridade superior, mas pode, ainda assim, tomar algumas decisões como
executar o mandado pela manhã ou à tarde, usar ou não algemas). Kelsen mostra
que há diferentes graus de discricionariedade (mas há sempre alguma liberdade)
nos diversos atos de aplicação da lei, que podem ser realizados, por exemplo, por
um Juiz, Auditor Fiscal, Secretário ou Ministro da Fazenda.
Tais constatações nos permitem formular a pergunta central que orientará
este trabalho: se órgãos estatais podem interpretar normas de diversas maneiras,
como estabelecer novas formas de responsabilização na “Sociedade da
Informação” e em um contexto de hipercomplexidade?
Daí derivam outras questões, tais como: “dada a multiplicidade de
possibilidades interpretativas, como garantir certeza jurídica (o cidadão tem
direito de saber previamente se suas ações serão consideradas ilícitas ou não)?”;
35KELSEN, Hans: Teoria Pura do Direito. São Paulo: Martins Fontes. P. 387 –391 36KELSEN, Hans: Teoria Pura do Direito. São Paulo: Martins Fontes, 1998, p. 392-399
40
“como assegurar que as decisões de servidores públicos estejam associadas a
posiconamentosinstituciona (trata-se de pôr limites ao personalismo)?”. As mais
interessantes teorias sobre Direito e Desenvolvimento pensam a transparência
como a chave para lidar com estes desafios.
Kelsen deu o primeiro passo ao nos mostrar que há múltiplas alternativas
de determinação do sentido normativo. Mas, Kelsen escreveu isto em 1934 em
um contexto social de menor complexidade, antes que pudéssemos imaginar a
revolução tecnológica que vivenciamos atualmente. Na década de 1930, fazia
sentido pensar que a resposta às referidas questões deveria vir somente de
organizações estatais rígidas e hierarquizadas (como veremos abaixo, de acordo
com o modelo de redes centralizadas).
Nos dias de hoje, no entanto, não é razoável crer que o controle do processo
de concretização da norma, que acontece de modo cada vez mais célere e difuso,
é capaz de ser eficientemente controlado por apenas um centro de poder. É
preciso pensar novas maneiras de organizar redes de responsabilização (que
precisam ser menos centralizadas e mais distribuidas).
Uma das principais consequencias da metáfora da moldura kelseniana e
da refutação da tese de que existe uma única interpretação verdadeira da norma
é a de que legalidade37 não está somente na lei abstrata. Portanto, para conhecer
a “verdadeira” legalidade é fundamental saber sobre os atos de concreção do
direito pelas autoridades públicas.
2.4. Legalidade em Rede: Era da Informação, Sociedade em Rede, Governança Pública e Direito em Rede
37 A expressão legalidade deve ser compreendida aqui em seu sentido amplo, que se aproxma do conceito kelseniano de normatividade.
41
Há, atualmente, um aumento de ações dirigidas a promover transparência
em todo o mundo. Observa-se: (i) crescimento do numero de organizações da
sociedade civil interessadas em transparência; (ii) aumento da quantidade de
normas sobre transparência fiscal; (iii) foco em reformas na Administração
Pública que promovem boa governança.
O presente desafio para o administrador público brasileiro é: como situar-
se em uma posição de liderança no referido processo. Tal movimento voltado ao
incremento da transparência acontece ao lado de profundas transformações
sócio-políticas vividas no tempo presente. Manuel Castells explica que a
introdução da tecnologia de informação tem um importante papel nestas
mudanças: provocou alterações em nossa experiência social e na forma
concebemos o espaço e o tempo38. Neste novo cenário, redes sociais ganharam a
capacidade de coordenar decisões e o trabalho de execução de modo eficiente.
Redes distribuídas passam a competir com organizações verticais sem perder
suas características (sobretudo sua flexibilidade). A internet possibilitou a
ampliação e a transformação da capacidade das redes em organizar a ação social,
a ação comunitária e também a ação que leva a uma mudança de percepção e
valores sobre o poder. Castells mostra que, através desses novos sistemas de
mobilização, ligas da sociedade civil mais orgânicas e flexíveis podem se infiltrar
e modificar a rigidez da organização do Estado[2]39.
38 BANDEIRA, Guilherme. Sociedade da Informação e Sistema Público de Escrituração Digital.WorkingPaper. Núcleo de Estudos Fiscais. 2011. 39 CASTELLS, Manuel. “Redes Sociais e Transformação da Sociedade”. In Cadernos Ruth Cardoso (1/2010). Centro Ruth Cardoso, 2010 e CASTELLS, Manuel. A Sociedade em Rede. V. 1. São Paulo: Paz e Terra. 2000.
42
De acordo com Paul Baran40, há três estruturas básicas de redes conforme
representado acima: centralizadas, descentralizadas e distribuídas. Se pensarmos
que cada conexão representa uma relação de poder, temos que esses três modelos
poderiam representar redes onde há maior e menor concentração de poder. A
rede distribuída, por definição, é a rede onde há maior igualdade na estrutura de
poder, onde os indivíduos não estão hierarquizados. Já a rede centralizada e
descentralizada representam, necessariamente, redes hierarquizadas e com
estruturas de poder bem definidas e concentradas em determinados atores.
No caso da tradição do direito, é muito claro que a legalidade que
conhecemos está ligada ao modelo de rede centralizada (ou descentralizada) em
que todos os sujeitos de direito se conectam ao mesmo centro para discutir sua
legalidade individual, mas sem acesso, informação ou controle de como a
legalidade é aplicada aos demais pontos da rede. O poder, assim, fica
convenientemente concentrado nas mãos do gerenciador central da “legalidade”
40 Paul Baran,OnDistributed Communications, 1964.
43
que pode distribuir a legalidade que quiser, “legalidade” para quem quiser ou
mesmo sequer aplicar a lei aos pontos que lhe convier. Trata-se, pois, de relação
de poder unilateral que implica relação de dominação da instituição
centralizadora sobre outros indivíduos e outras instituições, mas tudo em nome
da legalidade.
Assim, no sistema tributário atual, cada ponto discute individualmente
que paga muito tributo, mas o sistema mantém em estratégico “sigilo fiscal”, em
nome da proteção dos pontos subordinados ao controle centralizado (apenas este
centro de comando cuidaria da responsabilização), o quanto cada
qualefetivamente paga de carga tributária (quanto cada contribuinte arrecada).
No contencioso fiscal, cada ponto discute sua “legalidade abstrata” na
impugnação ao auto de infração, mas não tem noção nem informação da
legalidade concreta aplicada a todos os outros contribuintes que sofreram
autuações semelhantes, tudo e sempre, em nome da proteção ao sigilo fiscal do
contribuinte. Na despesa pública, o mesmo problema ocorre, mas em menor
proporção em decorrência dos benefícios inegáveis da Lei de Responsabilidade
Fiscal e outras normas de controle financeiro.
Essa lógica de poder, dominação e privilégios ocultos (que fala em nome
da legalidade abstrata, mas esconde a legalidade concreta e prática
oportunamente mediante a estratégia do segredo e do sigilo da informação) sofre
drástica ruptura com a Lei da Transparência, a Lei de Acesso à Informação e a
moderna tecnologia de rede (internet) que permite essa nova lógica da legalidade.
O que muda com a entrada em vigor destes dois diplomas normativos?
Cada vez mais, torna-se possível que novos atores participem da discussão sobre
alternativas de interpretação da lei e a respeito de decisões tomadas por
administradores públicos (escolhas realizadas com base na moldura da
legalidade). Mais participação implica em novas formas de responsabilização e
controle: a sociedade civil passa a atuar como protagonista de debates acerca de
44
questões de interesse público (a imagem de redes distribuídas ganha força em
detrimento de um modelo de direito pautado em redes centralizadas).
2.5. A influência da transparência na livre-concorrência: garantir a isonomia e o controle social
Não esqueçamos que direito ao acesso à informação (e decorrentecontrole
social) dos atos de aplicação da legalidade decorre diretamente das noções de
regime democrático, de República, de legalidade e de Estado de Direito: portanto,
não precisariam sequer de disposição constitucional expressa e muito menos de
lei complementar ou ordinária para se impor a todas as autoridade públicas dos
três poderes.
Mas não apenastais noções (democracia, república, legalidade e estado de
direito)foram amplamente consagradas na Constituição Federal de 1988,esta
também exige o respeito ao princípio da livre concorrência em nossa ordem
econômica em seu art. 170, inciso IV. Além disso, a proteção à “livre
concorrência” aparece expressamente na Constituição no art. 155, § 4º, IV, “b” na
fixação de alíquotas para o ICMS, bem como no art. 146-A, que determina que a
lei complementar poderá estabelecer critérios especiais de tributação, com o
objetivo de prevenir desequilíbrios da concorrência.
Ou seja, da pespectiva fiscal e econômica respeitar o princípio da livre
concorrência exige que o Estado, por meio de suas intervenções (ou omissões),
não crie obstáculos para que a iniciativa privada possa ofertar livremente seus
produtos ao mercado. Este mandamento proíbe, portanto, que haja legalidades
fiscais díspares, sem fundamento legal expresso e econômico comprovado, que
criem distorções no domínio econômico o qual, por príncipio, deve ser regido pela
igualdade dos agentes regulando-se pelo sistema de oferta e demanda. A
transparência, neste aspecto, é fundamental: especialmente porque um dos
principais componentes da formação dos preços são os tributos, se não houver
igualdade na tributação fica evidentemente comprometida a livre concorrência.
45
Portanto, só a transparência e o controle social podem garantir que não
haja distorções à livre concorrência seja na tributação, seja no gasto público.
Empresas concorrentes devem pagar cargas tributárias semelhantes e
proporcionais às suas operações. É injustificável e, no mínimo insólito, o Fisco
defender o sigilo sobre os valores arrecadados pelas empresas sob a justificativa
que o acesso simétrico à informação entre as empresas exporia publicamente as
“estratégias tributárias”: não é função do Fisco proteger e defender o segredo do
planejamento tributário das Empresas. Aliás, é paradoxal, porque na prática o
Fisco autua e coibe sistematicamente o planejamento tributário.
Ora, se uma empresa licitamente reduz a carga tributária, o princípio da
igualdade e da livre-concorrência exige que as demais empresas do mesmo setor
saibam, minimamente, dessa informação para buscar formas legítimas de
equacionar sua carga tributária. A informação sobre a carga tributaria efetiva
paga pela empresa concorrente é direito legítimo e resguardado pela constituição
para garantir a livre concorrência: nem o valor do tributo pago, nem as
engenharias jurídicas para reduzir a carga tributária podem ser protegidas em
nome do sigilo fiscal. Muito pelo contrário, a regra maior da igualdade perante a
lei não pode beneficiar interpretações criativas protegida pelo sigilo como se
fossem segredos industriais: a lei tributária deve ser aplicada de forma isonômica,
diferenças que desequilibram a livre-concorrência devem ser explicitadas e
justificadas publicamente. Considerar o exercício do planejamento tributário
lícito um direito do contribuinte é algo legítimo, pretender ocultar informações
sobre os atos de legalidade concreta em nome da proteção ao segredo do
“planejamento tributário” fere a igualdade e a livre-concorrência. Mas argumetar
que o interesse de o Fisco é defender o direito à “patente” e ao “segredo” do
planejamento tributário em nome da proteção ao contribuinte e à livre
concorrência é, para ficarmos no plano do eufemismo, paradoxal!
Portanto, só a ampla divulgação da carga tributária de todas as empresas
pode garantir o efetivo controle social da isonomia e assegurar a livre-
46
concorrência: sem isso há desvio de finalidade da legalidade para beneficiar
interesses escusos e estranhos a racionalidade e ao direito.
2.6. Transparência como instrumento da realização da igualdade (caput do artigo 5º modulando seus incisos X, XII e LV) mediante a da prova da concretização da legalidade
Ocorre que há dois planos de legalidade: (i) a legalidade geral e abstrata
que engendra a incidência conceptual (“eficácia legal” em Pontes de Miranda) e
(ii) a incidência jurídica (“efetividade” em Pontes). É esta última que Pontes de
Miranda à Hans Kelsen, define como sendo o derradeiro ato de aplicação do
direito: aquela que produz enunciados conformativos de norma individual e
concreta. Sem esta aquela não se realiza, sem aquela esta perde seu fundamento
legal.
A transparência prática da legalidade permite a prova e verificação da
aplicação dos fatos descritos hipoteticamente na lei: sem prova da realização da
aplicação da lei e do correspectivo ato administrativo compromete-se a garantia
do primado da igualdade.
GERALDO ATALIBA adverte: “A lei é o instrumento da isonomia”. E
arremata: “A captação do conteúdo jurídico da isonomia exige do intérprete
adequada consideração sistemática de inúmeros outros princípios
constitucionais, especialmente a legalidade, critério primeiro, lógica e
cronologicamente, de toda e qualquer ação estatal” (...) “Igualdade diante do
Estado, em todas as suas manifestações. Igualdade perante a Constituição,
perante a lei e perante todos os demais atos estatais. A isonomia, como quase
todos os princípios constitucionais, é a implicação lógica do magno princípio
republicano, que fecunda e lhe dá substância.” (...) “Embora tenha larguíssima
fundamentação histórica e provectas raízes culturais, o princípio da isonomia só
pode ser compreendido em toda sua dimensão e significado, juntamente com o
princípio da legalidade”.41
41República e Constituição, São Paulo, RT, 1985, p. 133.
47
Sem legalidade, não há igualdade; sem igualdade não há república: são as
poderosas lições do Guardião da República que parece haver gravado sua
influência e sabedoria no texto constitucional: há inúmeras regras constitucionais
prescrevendo, expressa e implicitamente, a realização da legalidade, nos
procedimentos e processos jurídicos, vejamos:(i) o próprio caput do artigo 5º:
“todos são iguais perante a lei”; (ii) a legalidade estrita do artigo 5º, inciso II:
“ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude
de lei”. Ou leia-se: de sua devida aplicação mediante provas previstas, também,
em lei para sua fiel aplicação (busca da verdade material); (iii) o reiterado artigo
5º, inciso XII, em que o expresso acesso a inefabilidade da comunicação
telefônica, em detrimento do sigilo de comunicação, permite a constituição de
provas para realização da legalidade; (iv) o artigo 5º, inciso LV, o devido processo
legal com os meios e recursos inerentes: pois sem a prova, que é meio, a legalidade
material não se realiza; nem a formal; (v) o artigo 37: dever de legalidade,
impessoalidade e eficiência da Administração pública; e (vi) o artigo 84, inciso
IV, que prescreve que “compete ao executivo cuidar da fiel execução da lei”: ora,
sem provas, é impossível aplicar juridicamente a lei.
DIMITRI DIMOULIS e LEONARDO MARTINS advertem para a herança
da preocupação com as garantias do princípio da legalidade, positivado pela
primeira vez na terceira Constituição francesa de 1795, retratando a prevalência
e supremacia da lei sobre as decisões dos demais Poderes e aguardando do
legislador a tutela e harmonização dos direitos fundamentais sem ulteriores
possibilidades de controle: “A máxima jurídica da qual se valiam os
constitucionalistas alemães do século XIX era a seguinte ‘não haverá
intervenção na liberdade e na propriedade sem lei (que as legitime)’
(KeinEingriff in FreheitundEigentumohneGesetz)”42 (destacamos em negrito).
Destarte, a intimidade e a vida privada já nascem limitadas pela igualdade e pela
42Teoria Geral dos Direitos Fundamentais, RT, São Paulo, 2006, p. 31.
48
legalidade que é seu derradeiro instrumento de realização; são diante desses
“termos” que os incisos X, XII e LV do art. 5º da CF devem ser interpretados.
3. Quem vigia os vigilantes? A importância da transparência para o exercício da cidadania fiscal e para o empoderamento (empowerment) de setores sociais historicamente enfraquecidos no Brasil
Manuel Castells explica que redes sociais existem desde os primeiros
agrupamentos humanos: redes de colaboração, redes de solidariedade e,
também, de redes de exclusão e de dominação. A formação de redes está ligada
ao desenvolvimento orgânico da ação social, elas são, por isso, flexíveis e
adaptáveis. Com a modernização e o aumento da complexidade social, redes
flexíveis se tornaram incapazes de administrar novos problemas emergentes.
Organizações de estrutura centralizada, hierarquia vertical e enrijecida (como
Estados, exércitos e Igreja) ganharam espaço em detrimento de redes
organânicas e flexíveis. Estas últimaspassaram a ter sua atuação limitada ao
espaço da vivência pessoal e tornaram-se quase invisíveis para o pensamento
social (de acordo com Castells, as redes tornaram-se pouco visíveis também
porque, em sua maioria, eram operadas por mulheres), convertendo-se, assim,
em objeto de estudo de antropólogos que investigavam sociedades que não
tinham passado por um processo de modernização43.
As transformações recentes, sobretudo a introdução da tecnologia da
informação,conformaram um novo cenário, no qual, redes flexíveis e distribuidas
voltaram a ganhar força: tais redes podem, hoje, manter sua flexibilidade e, ao
mesmo tempo, coordenar decisões e o trabalho de execução de modo eficiente.
Redes sociais adaptáveis e distribuidaspassaram, assim, a competir com
organizações verticais, sem perder suas características. A internet possibilitou a
ampliação e a transformação da capacidade das redes em organizar a ação social,
a ação comunitária e também a ação que leva a uma mudança de percepção e
43 CASTELLS, Manuel. “Redes Sociais e Transformação da Sociedade”. In Cadernos Ruth Cardoso (1/2010). Centro Ruth Cardoso, 2010 e CASTELLS, Manuel. A Sociedade em Rede. V. 1. São Paulo: Paz e Terra. 2000.
49
valores sobre o poder. Castells argumenta que, através desses novos sistemas de
mobilização, ligas da sociedade civil mais orgânicas e flexíveis podem se infiltrar
e modificar a rigidez da organização do Estado44.
Com base no diagnóstico de Castells, John Braithwaite discute formas de
regulação em rede capazes de por limites à concentração de poder45: investiga,
nesses termos, como se dá o embate de forças na Sociedade da Informação e que
direção deve ser dada a lutas contra novas formas de dominação.
Braithwaite procura pensar uma teoria da democracia conectada às noções
de “governaça em rede” e “regulação responsiva” (responsiveregulation) de
modo a fornecer uma resposta republicana a dilemas do tempo presente. Em
contraposição a concepções de democracia em que os vigilantes dos vigilantes,
em ultima análise, são sempre parte do Estado; trata-se de discutir formas de
responsabilização deliberativa e circular. A ideia é permitir que todos sejam
capazes de responsabilizar a todos e cada organização possa ser responsabilizada
por indivíduos que dela participam. A fórmula de Montesquieu, que buscava
limitar a dominação através da separação clara entre três poderes públicos
(executivo, legislativo e judiciário) é, para Braithwaite, insuficiente, já que não
reconhece que há virtude no entrelaçamento de atores públicos e privados: os
poderes executivo, legislativo e judiciário podem conectar-se a outros atores
através de redes de governança.
Braithwaite explica que a interpretação das regras jurídicas (ou, tal como
vimos denominando, a legalidade concreta) surge, em círculos de conversação.
44ZygmuntBauman não é tão otimista quanto Castells e escreve a respeito de perdas que sofremos em razão de um recuo da “proximidade contínua, pessoal, direta, face a face, multifacetada e multiuso". Segundo Bauman, atualmente os indivíduos utilizam novas possibilidades disponibilizadas pela tecnologia para evitar relações intimas e duradouras. Cf. CASTELLS, Manuel. “Redes Sociais e Transformação da Sociedade”. In Cadernos Ruth Cardoso (1/2010). Centro Ruth Cardoso, 2010; BAUMAN, Zygmunt. Amor Líquido – sobre a fragilidade dos laços humanos. Rio de Janeiro: Zahar. 2004 e BAUMAN, Zygmunt. Entrevista para o Fronteiras do Pensamento em 8/08/2011 (Porto Alegre) e 09/08/2011 (São Paulo). Disponível em http://www.youtube.com/watch?v=POZcBNo-D4A. Últimoacessoemnovembro/2011. 45BRAITHWAITE, John. “Responsive Regulation and Developing Economies”.World Development V. 34, n. 5.Elsevier. 2006. pp. 884-898
50
Juízes, tribunais, administradores públicos são atores relevantíssimos que fazem
parte de tais círculos; mas - Braithwaite insiste - não são os únicos atores46. A
segurança jurídica torna-se nesse contexto uma questão pragmática: isto é,
conexa um um diálogo entre diversos atores sociais fortemente marcado pela
referência a textos legais - não se refere exclusivamente a relação entre um
intérprete ( como um juiz ou um administrador público) com um texto. O
pressuposto para a constituição de tais círculos de deliberação, capazes de limitar
o abuso de poder (desmontar alianças de grupos econômicos e políticos) e a
transparência dos atos de concretização do direito.
Além de um ideal de democracia, Braithwaite argumenta que teorias sobre
democracia, governança em rede e regulação responsiva conformam um “ideal de
efetividadade” (effectivness ideal), especialmente importante para países
periféricos: ações conduzidas por redes de atores governamentais e não-
governamentais podem ajudar a superar o déficit de força de concretização
(enforcement) de normas jurídicas. São, igualmente, teorias mais úteis na medida
em que são capazes de nortear, desde já, a ação. Uma concepção de democracia
que a define como um atributo exclusivo do Estado não é capaz de fornecer um
referencial prático para a ação em situações em que lidamos com um Estado com
pouca capacidade regulatória (como Estados da América Latina). Faz parecer,
nesses casos, que a única opção que resta aos cidadãos é demandar uma resposta
estatal (que provavelmente não virá); isto os desautoriza a construírem eles
mesmos, agora, a democracia. De outro lado, pensar a democracia como um
processo conexo à vida cotidiana e que é construído por diversos atores (não
apenas o Estado) permite estabelecer um norte prático para a ação: constrói-se
democracia ao verificar como se gasta dinheiro público, ao participar de um
46“Regrassão apenas uma das coisas que emergem dos círculos de deliberação. Uma outra coisa que deles emerge é a interpretação das regras. Estas surgem de círculos de conversação nos quais juízes e tribunais podem ser especialmente influentes”. BRAITHWAITE, John. “Responsive Regulation and Developing Economies”.World Development V. 34, n. 5.Elsevier. 2006. pp. 884-898 e BRAITHWAITE, John. “Rules and Principles: A Theory of Legal Certainty” .Australian Journal of Legal Philosophy, Vol. 27. 2002. pp. 47-82. Disponívelem SSRN: http://ssrn.com/abstract=329400 or doi:10.2139/ssrn.329400
51
sindicato, ao enviar emails para amigos discordando da postura de um grupo de
empresas, ao engajar-se em manifestação pública etc47.
Responsividade (responsiveness) significa respeito pela integridade de
práticas e autonomia de grupos; isto é, sensibilidade para a textura complexa da
vida social. O desafio atual é encontrar respostas regulatórias capazes de
fortalecer instituições e, ao mesmo tempo, levar a sério novos atores, novas
demandas e expectativas.
Abusos de poder podem ser limitados de forma mais eficiente por uma
pluralidade complexa de muitos poderes separados ou “nós semi-autônomos de
governança em rede”48. Tais nós de governança pública, privada ou híbrida
necessitam, por um lado, ter autonomia suficiente para não serem dominados por
outros nós de governança e, por outro, precisam ter capacidade para pôr limites
a abusos de poder. De acordo com Breathwaite, entes estatais deveriam ser mais
sensíveis (ou “responsivos”) à forma que cidadãos e organizações se autoregulam
antes de intervir de modo mais severo.
O potencial transformador da educação fiscal e a sua conexão com a
política reside no empoderamento (empowerment) de diferentes atores que
historicamente foram enfraquecidos (tanto por um estatismo como por um
privatismo exagerado) e que devem ter direito de conhecer e discutir as normas,
tais como são concretizadas pela Administração Fiscal. Transparência na
aplicação das leis e clareza acerca do posicionamento de instituições (como a
Receita Federal do Brasil, Secretarias da Fazenda e Receitas Estaduais)é a chave
para uma participação efetiva da sociedade civil em questões referentes
tributação. Observe-se que este tema, cada vez mais, alcança posição central em
diversas disciplinas; está, por exemplo, na pauta da discussão sobre governança
47 Sobre a conexão entre democracia e vida cotidiana na tradição pragmatista merece destaque a obra de John Dewey. Cf DEWEY, J. “The Public and its Problems” in Later Works v.2.Standard Southern Illinois University (SIU) editions.BRAITHWAITE, John.“Responsive Regulation and Developing Economies” in World Development V. 34, n. 5.Elsevier. 2006. pp. 884-898. 48 BRAITHWAITE, John. “Responsive Regulation and Developing Economies” in World Development V. 34, n. 5.Elsevier. 2006. pp. 884-898
52
coorporativa, accountability, atuação de organizações não governamentais e
empresas sociais.
Braithwaite está ciente dos muitos obstáculos práticos para a realização do
ideal regulatório proposto. É certo que redes, em países periféricos, estão mais
orientadas em manter o poder de grandes corporações ou de oligarquias locais do
que em realizar avanços democráticos. Pergunta-se, então: “como atores
estatais ou organizações sociais que atuam em defesa de direitos humanos ou da
institucionalização de processos democráticos podem agir em circunstâncias em
que redes favorecem a manutenção de desigualdades econômicas e políticas?”
Braithwaite responde: agindo em rede. Atores fracos podem se fortalecer ao se
conectarem com outros atores fracos. Ainda, os interesses dos mais fortes não são
monolíticos. Os mais fracos podem utilizar o poder de um ator forte contra outro
ator forte: por exemplo, organizações sociais voltadas à proteção do meio
ambiente e dos direitos humanos podem atuar junto com a União Européia
contra os Estados Unidos ou contra grandes corporações;ou, em um caso
diferente, interesses norte-americanos podem ser mobilizados, por meio da
influencia daquelas organizações sociais, contra a União Européia.49
49BRAITHWAITE, John e AYRES, Ian. “Tripartism: Regulatory Capture and Empowerment”.inLaw & Social Inquiry, Vol. 16, No. 3. (Summer, 1991), pp. 435-496 e BRAITHWAITE, John. “Responsive Regulation and Developing Economies” in World Development V. 34, n. 5.Elsevier. 2006. pp. 884-898
53
4. Experiências Internacionais com Transparência Fiscal e Acesso, pelos Cidadãos, das Informações Mantidas pelo Setor Público: Tendências Mundiais50
Immanuel Kant, para quem a atividade política, mormente a atividade de
governo, deveria estar limitada pela moralidade. No apêndice I de Paz Perpétua
(1795) ele afirma que embora a máxima “A honestidade é a melhor política” seja
muitas vezes violada na prática, outra máxima, “A honestidade é melhor do que
qualquer política” paira acima de qualquer objeção e é condição necessária a toda
Política. Na proposição que intitula fórmula transcendental do direito
público, Kant afirma: “Todas as ações referentes ao direito de outras
pessoas são injustas, se suas bases não admitem publicidade” (tradução
livre). O princípio do acesso público à informação governamental torna-se,
assim, de alta prioridade.
50Referências bibliográficas dessa pesquisa sobre experiências internacionais: John M. Ackerman e Irma E. Sandoval, Leyes de Acceso a laInformaciónenel Mundo, Cuadernos de Transparencia núm. 7, México: IFAI, 2005. James E. Alt e David D. Lassen, “Fiscal Transparency, Political Parties, and Debt in OECD Countries,” American Journal of Political Science 50(3):530–550, 2006. Ricardo U. Berrones, “Gobernabilidad, Transparencia y Reconstruccióndel Estado”, Convergencia-Revista de CienciasSociales (México), vol. 14. n. 45, septiembre/diciembre 2007. Thomas S. Blanton, “Government Information Now Seen as a Human Right”, emJuhaMustonen (org.), The World’s First Freedom of Information Act: Anders Chydenius’ Legacy Today, Anders Chydenius Foundation, 2006. Mark Bovens, “Information Rights: Citizenship in the Information Society”, The Journal of Political Philosophy, Vol. 10, No.3, pp.317-341, 2002. Leonardo C. Cárdenas, Ley de transparencia: verdades y desafíos, Serie Documentos Electrónicos Nº 2, Santiago: Flacso Chile, agosto 2009. Corte Interamericana de Derechos Humanos, Caso Claude Reyes e otrosVx. Chile: Sentencia de 19 de septiembre de 2006, disponível em http://www.corteidh.or.cr/casos.cfm?idCaso=245. Marie José Garot, “De laadministración electrónica a una democracia digital”, Revista Direito GV, V. 2, N. 1, P. 089 - 110, janeiro-junho 2006. Immanuel Kant, Perpetual Peace: A Philosophical Essay, 1795, transl. by de M. Campbell Smith, London: Sonnenschein, 2003. George Kopits& John Craig, Transparency in Government Operations, Occasional Paper No. 158, Washington: IMF, January 1998. JuhaManninen, “Anders Chydenius and the Origins of World’s First Freedom of Information Act” in JuhaMustonen(ed.), The World’s First Freedom of Information Act: Anders Chydenius’ Legacy Today, Andes Chydenius Foundation’s Publications 2, Kokkola (Finland), 2006. Thomas H. Marshall, “Citizenship and Social Class”, University of Cambridge (U.K.) Marshall Lectures 1950, available in Jeff Manza and Michael Sauder (org.) Inequality and Society, New York: Norton, 2009. Toby Mendel (ed.), Ask Your Government: The 6 Question Campaign: A Comparative Analysis of Access to Budget Information in 80 Countries, Access Info Europe, Centre for Law and Democracy, and International Budget Partnership, September 2011. JuhaMustonen (ed.), The World’s First Freedom of Information Act: Anders Chydenius’ Legacy Today, Andes Chydenius Foundation’s Publications 2, Kokkola (Finland), 2006. Joseph Wright, Electoral Spending Cycles in Dictatorships, Department of Political Science, Pennsylvania State University, July 2011.
54
4.1 - Transparência e Acesso à Informação como Fontes da Boa Governança: Anseios de Responsividade Governativa nas Democracia
O próprio Kant esclarece que esse princípio não deve ser visto como
meramente ético, no âmbito da doutrina da virtude, mas também como jurídico,
pertinente aos direitos da pessoa humana. Das múltiplas páginas em que Kant
discorre sobre o princípio da publicidade dos atos públicos, a seguinte
citação é irresistível (p.185):
Uma máxima que não posso expressar em voz alta, que precisa permanecer secreta, sob pena de fazer fracassar meu propósito; uma máxima que não posso reconhecer publicamente sem provocar no ato a oposição de todos a meu projeto; uma máxima que, se tornada conhecida, suscitaria contra mim uma inimizade necessária e universal, e portanto cognoscível a priori; uma máxima que tem tais consequências as tem forçosamente porque encerra uma ameaça injusta ao direito dos demais.
O sigilo das informações detidas pelo Estado tem uma longa
história, que deixou hábitos arraigados, difíceis de eliminar. Segundo Norberto
Bobbio (citado em Cárdenas 2009), o “recurso ao segredo” tem sido considerado
durante séculos com a essência da arte de governar. De Maquiavel a Hegel, os
tratados políticos versavam sobre a razão de Estado com as circunstâncias e
razões do ocultamento. Segundo Bobbio, o poder tem buscado ser onipotente
através da oniciência invisível.
Esse controle através da informação unilateral (ver sem ser visto, conhecer
sem ser conhecido) pode ser ilustrado com o panópticoidealizado pelo filósofo
e cientista social inglês Jeremy Bentham. Num projeto de prisão circular, um
observador poderia ver todos os locais onde houvesse presos; alto controle com
baixo custo. A mesma ideia poderia ser aplicada em escolas e locais de trabalho.
Segundo Bentham, tratava-se de uma nova maneira de obter poder da mente
sobre amente.
Em tempos modernos, com o advento da Internet e das redes sociais, nem
sequer se necessita da arquitetura panóptica; como já advertiram diversos
55
filósofos, a Sociedade de Informação corre o risco de tornar-se numa Sociedade
de Controle. O tema foi objeto do 1984 de George Orwell, em que os súditos
eram, através de estrita vigilância, controlados pelo Grande Irmão, do qual nada
sabiam, nem seque se existia. De maneira mais contendente. O Processode
Franz Kafka demonstra essa dissociação entre ver e ser visto: no livro (como no
filme homônimo dirigido por David Jones), o personagem José K não vê o
magistrado senão em forma borrada numa janela do tribunal e nem sabe do que
é acusado. Neles, a falta de transparência (segredo e poder associado a ele) torna
agudo o medo e a alienação.
As sociedades-nações organizadas em sistemas políticos relativamente
abertos, com instituições e práticas democráticas,aspiram cada vez mais a que
seus governos pratiquem políticas públicas eficientes, eficazes, justas --
em poucas palavras, que desempenhem suas funções com um alto grau de
governança. Longe está o tempo em que o exercício democrático pelos cidadãos
se limitava ao depósito do voto, no sufrágio universal (este somente conquistado
no século XX com o reconhecimento do direito de a mulher votar e ser votada!).
Hoje, o cidadão-eleitor exige que o estado seja operoso e íntegro, que preste conta
e que mantenha os dados da atividade do setor público prontamente disponíveis
para consulta.
A evolução da cidadania tem-se caracterizado pela aquisição, ao longo da
história, de três importantes componentes: civil, político e social. Segundo o
sociólogo Thomas H. Marshall (1950), o elemento civil é constituído pelos
direitos necessários ao exercício da liberdade individual: a liberdade pessoal;a
liberdade de expressão, pensamento e fé; o direito de possuir propriedade e de
firmar contratos válidos; e o direito à justiça para defender seus direitos em
termos de igualdade com outras pessoas dentro do sistema judicial. Já o elemento
político corresponde ao direito de participar do exercício do poder político, seja
como membro de órgãos dotados de poder político ou como eleitor dos membros
de tais órgãos. Finalmente, o elemento social corresponde a um mínimo de bem-
estar econômico e ao direito de compartilhar plenamente da herança social e de
56
viver uma vida civilizada dentro dos padrões prevalecentes na sociedade – refere-
se em particular ao sistema educacional e aos serviços sociais.
Esse conceito de inserção social ficou defasado com o surgimento da
sociedade de informação, com a miríade de possibilidades abertas pela Internet.
De fato, até então, o acesso à cultura era vedado pelo analfabetismo (incapacidade
de ler e escrever), que cabia erradicar com o fim de capacitar as pessoas para a
plena cidadania inclusive na interação com os concidadãos. Em tempos de
Internet, a alfabetização tradicional (acesso à comunicação escrita) torna-se
insuficiente, pois a falta de acesso à Internet constitui verdadeiro analfabetismo
tecnológico que accorrenta o cidadão à ignorância e à falta de oportunidade ainda
mais do que o analfabetismo antigo.
Assim, os elementos de cidadania identificados por Marshall (direitos
civis, políticos e sociais) vêm, com o advento da Internet, a requererem
complementação com o direito à informação, que podemos, seguindo Bovens
(2002), considerar a quarta onda de direitos humanos. A inserção dessa nova
dimensão é consistente com a visão de Marshall (op.cit) de que, no seu início, a
cidadania era apenas um princípio de igualdade, mas que, com o
desenvolvimento do cabedal econômico social, outras dimensões puderam ser
adicionadas à cidadania. Este é certamente o caso da Internet, a da
correspondente capacidade de difusão da informação que ela permite, que não
existiam quando Marshall escreveu seu texto.
4.2 - Acesso à Informação como Direito Fundamental:Passando do Ideal Filosófico-Político para as Prescrições dos Estatutos Democráticos e de Direitos dos Cidadãos
O acesso à informação não reside apenas no âmbido da legislação
imperante em cada país. Ela é hoje reconhecida no mundo inteiro como tendo
natureza de direito humano fundamental, merecendo, portanto, ampla proteção
político-jurídico-administrativa. Documentos da mais alta importância firmados
por governos e instituições não governamentais reconhecem esse direito e
prioridade.
57
A noção de liberdade de informação foi reconhecida, inicialmente,
pela ONU. Em 1946, durante sua primeira sessão, a Assembleia Geral da ONU
adotou a Resolução 59(1) que afirma: “A liberdade de informação constitui um
direito humano fundamental e a pedra de toque de todas as liberdades a que se
dedica a ONU”.
O artigo 19 da Declaração Universal dos Direitos do Homem
(DUDH), adotada pelas Nações Unidas em 1948 traduzida para 360 línguas –o
documento mais traduzido no mundo – reza que:
Todo o indivíduo tem direito à liberdade de opinião e de expressão, o que implica o direito de não ser inquietado pelas suas opiniões e o de procurar, receber e difundir, sem consideração de fronteiras, informações e ideiaspor qualquer meio de expressão.
O texto citado tem sido considerado o berço do direito de acesso à
informação, o qual é essencial para o exercício dos demais direitos humanos. Sob
inspiração desse texto, foi criada a organização ARTICLE 19 - Campanha Global
pela Liberdade de Expressão (sítiohumanrightshouse.org) para monitorar o
progresso da liberdade de opinião e de expressão em todo o mundo.
O Pacto Internacional Sobre Direitos Civis e Políticos (PIDCP),
tratado multilateral aprovado pelas Nações Unidas em 1966 e em vigor deste 1976
(ratificado pelo Brasil em 1992), não somente esclarece o alcance do art. 19 do
DUDH como também estalece as limitações aceitáveis ao acesso. Seu artigo 19
dispõe:
1. Ninguém poderá ser molestado por suas opiniões. 2. Toda pessoa terá direito à liberdade de expressão; esse direito incluirá a liberdade de procurar, receber e difundir informações e ideias de qualquer natureza, independentemente de considerações de fronteiras, verbalmente ou por escrito, em forma impressa ou artística, ou qualquer outro meio de sua escolha. 3. O exercício do direito previsto no § 2º do presente artigo implicará deveres e responsabilidades especiais. Consequentemente, poderá estar sujeito a certas restrições, que
58
devem, entretanto, ser expressamente previstas em lei e que se façam necessárias para: a)assegurar o respeito dos direitos e da reputação das demais pessoas; b)proteger a segurança nacional, a ordem, a saúde ou a moral pública.
Note-se que o PIDCP ancora firmemente o direito de acesso à
informação na liberdade de expressão. Note-se também que a denegação
de acesso a informação deve sempre decorrer de lei, não sobrando espaço
discricionário, para o arbítrio.
No mesmo diapasão, a Convenção Americana Sobre Direitos
Humanos (CADH), também conhecida como Pacto de São José da Costa
Rica,por ter sido firmado naquela cidade em novembro de 1969, garante a
liberdade de expressão, em termos semelhantes aos instrumentos da ONU, e até
mais fortemente. Em particular o artigo 13, dedicado à liberdade de pensamento
e de expressão, dispõe que:
1. Toda pessoa tem direito à liberdade de pensamento e de expressão. Esse direito compreende a liberdade de buscar, receber e difundir informações e idéias de toda natureza, sem consideração de fronteiras, verbalmente ou por escrito, ou em forma impressa ou artística, ou por qualquer outro processo de sua escolha. 2. O exercício do direito previsto no inciso precedente não pode estar sujeito a censura prévia, mas a responsabilidades ulteriores, que devem ser expressamente fixadas pela lei a ser necessárias para assegurar: a) o respeito aos direitos ou à reputação das demais pessoas; b) a proteção da segurança nacional, da ordem pública, ou da saúde ou da moral públicas. 3. Não se pode restringir o direito de expressão por vias ou meios indiretos, tais como o abuso de controles oficiais ou particulares de papel de imprensa, de frequências radioelétricas ou de equipamentos e aparelhos usados na difusão de informação, nem por quaisquer outros meios destinados a obstar a comunicação e a circulação de ideias e opiniões. 4. A lei pode submeter os espetáculos públicos a censura prévia (...) 5. A lei deve proibir toda propaganda a favor da guerra (...)
59
Em outubro de 2000, a Comissão Interamericana de Direitos
Humanos (CIDH), órgão da OEA, emitiu a Declaração de Princípios
sobre Liberdade de Expressão, que entre outros princípios igualmente
importantes contem o seguinte:
4. O acesso à informação em poder do Estado é um direito fundamental do indivíduo. Os Estados estão obrigados a garantir o exercício desse direito. Este princípio só admite limitações excepcionais que devem estar previamente estabelecidas em lei para o caso de existência de perigo real e iminente que ameace a segurança nacional em sociedades democráticas.
Já em 1994 a Sociedade Interamericana de Imprensa (SIP), uma
organização da sociedade civil, de caráter regional, organizava a Conferência
Hemisférica sobre Liberdade de Expressão, a qual adotou a Declaração de
Chapultepec. Trata-se de um conjunto de princípios que discorre sobre a
garantia da liberdade de expressão encontrada no Artigo 13 da CADH (Mendel
2011). A Declaração reconhece, de forma explícita, o direito à informação como
direito fundamental, que inclui o direito de acesso à informação mantida por
órgãos públicos. Os três primeiros artigos da declaração rezam:
I – Não há pessoas nem sociedades livres sem liberdade de expressão e de imprensa. O exercício dessa não é uma concessão das autoridades, é um direito inalienável do povo. II – Toda pessoa tem o direito de buscar e receber informação, expressar opiniões e divulgá-las livremente. Ninguém pode restringir ou negar esses direitos. III – As autoridades devem estar legalmente obrigadas a pôr à disposição dos cidadãos, de forma oportuna e equitativa, a informação gerada pelo setor público.
A Declaração de Chapultepecnão tem estatura de direito internacional
público, sendo antes uma carta de princípios. Entretanto, em reconhecimento do
seu conteúdo, ela foi assinada por dois presidentes brasileiros: Fernando
Henrique Cardoso em 1996 e Luiz Inácio Lula da Silva em 2006.
Já a Carta Africana dos Direitos do Homem e dos Povos, adotada pelos
países membros da Organização de Unidade Africana (OUA) em 1981 e em vigor
60
desde 1986, se de um lado estabelece (artigo 9º) que “toda a pessoa tem direito à
informação”, de outro restringe a expressão e difusão das opiniões ao condicioná-
las ao “quadro das leis e dos regulamentos”. Entretanto, em outubro de 2002
conseguiu-se importante avanço quando a Comissão Africana sobre Direitos
Humanos e dos Povos, órgão da OUA, adotou uma Declaração de Princípios sobre
Liberdade de Expressão na África que, em relação à liberdade de informação,
dispõe:
Os órgãos públicos não detêm informações para si, mas atuam como guardiães do bem público, de modo que todos têm o direito de acesso a informação, sujeito somente a regras claramente definidas, estabelecidas por lei.
A Convenção Européia Sobre Direitos Humanos, como é
comumente chamada a Convenção para a Proteção dos Direitos Humanos e
Liberdades Fundamentais adotada em 1950 e emendada diversas vezes,
estabelece no artigo 10 o direito de acesso à informação (inciso 1) e estabelece os
limites desse direito (inciso 2):
1. Qualquer pessoa tem direito à liberdade de expressão. Este direito compreende a liberdade de opinião e a liberdade de receber ou de transmitir informações ou ideias sem que possa haver ingerência de quaisquer autoridades públicas e sem considerações de fronteiras. O presente artigo não impede que os Estados submetam as empresas de radiodifusão, de cinematografia ou de televisão a um regime de autorização prévia. 2. O exercício desta liberdades, porquanto implica deveres e responsabilidades, pode ser submetido a certas formalidades, condições, restrições ou sanções, previstas pela lei, que constituam providências necessárias, numa sociedade democrática, para a segurança nacional, a integridade territorial ou a segurança pública, a defesa da ordem e a prevenção do crime, a proteção da saúde ou da moral, a proteção da honra ou dos direitos de outrem, para impedir a divulgação de informações confidenciais, ou para garantir a autoridade e a imparcialidade do poder judicial.
Há também importantes documentos proclamando o direito de acesso à
informação, emitidos pelo Conselho da Europa, pela Organização dos
61
Estados Americanos (OEA), pela Convenção das Nações Unidas Contra
a Corrupção e a Organização para a Cooperação Econômica e o
Desenvolvimento (OCDE). Na sua assembleia geral de 3 de junho de 2006 a
OEA instou os Estados a que respeitem e façam respeitar o acesso à informação
pública a todas as pessoas e a que promovam a adoção de disposições legislativas
que forem necessárias para assegurar seu reconhecimento e aplicação efetiva.
As principais organizações internacionais nomeiam mandatários especiais
a cargo de assuntos de liberdade de expressão. No caso da ONU, trata-se do
Relator Especial para a Liberdade de Opinião e Expressão; na OEA, do Relator
Especial sobre Liberdade de Expressão; e na Organização para a Segurança
e Cooperação Européia (OSCE), do Representante para a Liberdade da
Mídia. Em novembro de 1999, os três mandatários especiais reuniram-se, pela
primeira vez, sob os auspícios da entidade de direitos humanos ARTIGO 19. Na
ocasião foi adotada uma Declaração Conjunta que continha a seguinte assertiva:
Implícito à liberdade de expressão está o direito das pessoas de acesso aberto a informação e a saber o que os governos estão fazendo em seu nome, sem o qual a verdade definharia e a participação do povo no governo permaneceria fragmentada. (grifo)
Referidos mandatários agora emitem uma Declaração Conjunta
anualacerca de diferentes temas ligados à liberdade de expressão. Em sua
Declaração Conjunta de 2004, eles refinaram o conceito de direito a informação,
nos seguintes termos:
O direito de acesso à informação em posse das autoridades públicas constitui um direito humano fundamental que deve ser tornado efetivo em nível nacional através de legislação abrangente (leis de liberdade de informação, por exemplo) baseada no princípio da máxima divulgação, estabelecendo a presunção de que toda informação é acessível e está sujeita somente a um sistema estrito de exceções. (grifo)
Um alento importante para a conferência de Atlanta foi importantíssimo
precedente na história do acesso à informação: o julgamento pela Corte
62
Interamericana dos Direitos Humanos (sediada na Costa Rica e
encarragada da aplicação da Convenção Interamericana dos Direitos Humanos)
do caso Claude Reyes v. Chile. A Corte decidiu em 19 de setembro de 2006 que o
artigo 13 da Convenção estabelece um direito geral de acesso à informação e que
os países têm o dever de prover um sistema para o exercício daquele direito. Foi
a primeira vez – mas certamente não a última – em que um tribunal internacional
decidiu que o acesso público à informação existente no governo é um direito
fundamental para a participação democrática e a liberdade de expressão (Blanton
2006).
Claude Reyes acionara o estado chileno na qualidade de diretor executivo
da Fundación Terram, uma organização ambiental, em razão de não ter obtido
todas as informações que solicitara em relação a um contrato celebrado entre o
Chile e uma empresa estrangeira cujo projeto de industrialização florestal
implicava sério impacto ambiental. Na decisão da Corte Interamericana (2006),
muito bem assentada no direito e clara nas conclusões, se lê:
92. La Corte observa que en una sociedad democrática esindispensable que las autoridades estatales se rijan por el principio de máxima divulgación, elcualestablecelapresunción de que toda información es accesible, sujeto a un sistema restringido de excepciones. 98. … la Corte entiende que elestablecimiento de restricciones al derecho de acceso a información bajo elcontroldel Estado a través de lapráctica de sus autoridades, sinlaobservancia de loslímitesconvencionales (supra párrs. 77 y 88 a 93), creaun campo fértil para laactuacióndiscrecional y arbitraria del Estado enlaclasificación de lainformación como secreta, reservada o confidencial, y se generainseguridad jurídica respecto al ejercicio de dichoderecho y lasfacultadesdel Estado para restringirlo. 101. … el Estado tiene que adoptar las medidas necesarias para garantizarlosderechos protegidos enlaConvención...
Finalmente, de particular importância é a decisão da Corte de que ao aderir
à Convenção Americana os estados conveniados se obrigam a adotar
legislação interna que garanta o acesso à informação:
63
103. … al no haber adoptado las medidas necesarias y compatiblesconlaConvención para hacerefectivoelderecho al acceso a lainformación bajo elcontroldel Estado, Chile incumpliólaobligación general de adoptar disposiciones de derecho interno que emana del artículo 2 de laConvención.
Outro marco importante na consolidação do direito de acesso à informação
foi a conferência convocada em 2008 pelo altamente respeitado Centro Carter,
de Atlanta. O Centro foi fundado pelo casal Jimmy e Rosalyn Carter em 1982.
Representantes de governos, organizações da sociedade civil, organismos
internacionais, fundações de assistência, imprensa, academia, em resumos 125
membros da comunidade de acesso à informação, de 40 países, firmaram a
Declaração de Atlanta com um plano de ação para a aprovação,
implementação e exercício do direito de acesso à informação.
A conferência de Atlanta reconheceu o acesso à informação como a baseda
participação cidadã, a boa governança, a eficiência do setor público, a
responsabilidade e os esforços no combate à corrupção, a inclusão social e a
realização dos outros direitos econômico-sociais e político-civis.
A conferência de Atlanta compilou os vários compromissos
internacionais e resumiu o conjunto de direitos à informação em poucas
proposições precisas:
O direito fundamental de acesso à informação é inerente em todas as culturas e sistemas de governo. É fundamental para a dignidade humana, a equidade e a paz com justiça Falta de acesso à informação prejudica desproporcionadamente mais os pobres, as mulheres e os grupos marginalizados, portanto o acesso deve ser garantido a todos os setores da economia Transparência é necessária e instrumento poderoso para promover a segurança humana e do estado As novas tecnologias oferecem grande potencial para promover o acesso à informação, mas diversos fatores tem impedido que muitos se beneficiem dele Por em vigor uma lei compreensiva é essencial, mas insuficiente para estabelecer e manter o direito de acesso a informação.
64
A Commonwealth, organização que reune 54 países, promove a livre
expressão e o acesso à informação. Em março de 1999, a Secretaria da
Commonwealth reuniu um grupo de especialistas para discutir o direito a
informação. O grupo adotou uma série de princípios e diretrizes sobre liberdade
de informação, inclusive o seguinte:
A liberdade de informação deve ser garantida como um direito legal e aplicável, que permita a todos os indivíduos obter dados e informações mantidas pelos poderes Executivo, Legislativo e Judiciário, bem como quaisquer empresas estatais e outros órgãos com funções públicas.
Esses princípios e diretrizes foram aprovados pelos ministros da Justiça da
Commonwealth em maio de 1999 em Portof Spain, Trinidad e Tobago. A
Secretaria também elaborou um Modelo de Lei de Liberdade da
Informação para uso dos países membros, a maioria dos quais têm sistema
jurídico baseado na Common Law.
As instituições financeiras internacionais (IFIs) também têm
contribuído para fomentar a transparência como base da sociedade democrática.
Em especial, o Fundo Monetário Nacional publicou em 1998 um Código de
Boas Práticas para Transparência Fiscal, o qual foi atualizado em 2007 e
complementado com um Manual de Transparência Fiscal. Enfatizando a
transparência, o Código estabelece que ao público deveriam ser providas
informações completas sobre a atividade fiscal do governo no passado, no
presente e a projetada.
As IFIS também começam a praticar o que pregam. Em julho de 2010 o
Banco Mundial estabeleceu uma política de acesso a seus dados, tornando
públicos, pela primeira vez, milhares de documentos sobre suas operações no
mundo todo. No caso em que o Banco se recuse a prover alguma informação
solicitada, recurso pode ser apresentado a um painel composto de três membros
independentes. Em 3 de agosto de 2012 o Banco Mundial iniciou uma pesquisa
65
(survey) para aferir a experiência do público com o acesso às informações da
instituição.
O Fundo Monetário Internacional (FMI) criou em 2001 um
Escritório de Avaliação Independente para realizar avaliações objetivas e
independentes sobre as políticas e operações do FMI. Desde então, o FMI tem
tornado públicos a maior parte dos seus relatórios sobre o acompanhamento das
economias dos países membros. O Banco Interamericano de
Desenvolvimento (BID) criou em 2010 o Mecanismo Independente de
Consulta e Investigação (MICI) como foro independente para ouvir reclamações
de comunidades ou indivíduos afetados adversamente por operações financiadas
pelo BID e assegurar transparência das operações do banco.
4.3 - O Contínuo Progresso na Adoção dos Preceitos de Transparência e Acesso pelas Principais Nações - Como o Brasil se Posiciona no Concerto das Nações
A primeira lei de acesso à informaçãoque aparece nos anais da história foi
adotada na Suécia e Finlândia em 1766 (na época os dois países estavam
unificados). A ley, Gracioso Decreto de Sua Majestade sobre o Liberdade
da Escrita e da Imprensa (tradução para o inglês disponível em Mustonen
2006), visava proteger a imprensa (com a eliminação da censura política) e
assegurar o amplo acesso aos documentos da administração pública. Com isso,
fomentar o controle social sobre a atividade do governo e portanto melhorar a
governança (Manninen 2006). Embora a inovação tenha sido suspendida entre
1772 e 1809, o princípio da publicidade tem permanecido vibrante nos países
nórdicos.
Fora dos países nórdicos, no entanto, a semente da transparência dos atos
governamentais demoraria cerca de dois séculos a germinar plenamente. A
adoção de nova lei de acesso aos documentos públicos na Finlândia em 1951 foi
seguida nos Estados Unidos pela Lei da Liberdade de Informação (1966) e
pela Dinamarca em 1970. Nos últimos cinco anos do século XX formou-se
66
verdadeira onda democratizadora, breve período no qual mais de 40 países do
mundo seguiram o exemplo (Ackerman e Sandoval 2005).
A decisão de 2006 da Corte Interamericana de Direitos Humanos,
mencionada acima, deu um ímpeto importante para o estabelecimento, na
legislação de cada país, do direito de acesso à informação. Leis de Acesso à
Informação (LAI) foram promulgadas em Honduras em 2006, na Nicaragua
em 2007, no Chile, na Guatemala e no Uruguai em 2008, em El Salvador e no
Brasil em 2011.
Dentre os 22 países da América Latina e Caribe que dispõem de LAI, o
Méxicoé considerado o mais avançado em termos de aplicação efetiva. Em 1999,
mesmo antes que uma LAI existira, a Suprema Corte de Justiça mexicana havia
decidido que o acesso dos cidação à informação possuída pelas autoridades
somente é limitado por razões de segurança nacional e o respeito ao direito de
terceiros (Berrones 2007). Em 2002 o México adota a Lei Federal de
Transparencia e Acesso à Informação Pública Governamental, que é
regulamentada no ano seguinte.
Constituiu-se uma instituição independente e forte, o Instituto Federal de
Acceso a la Información y Protección de Datos (IFAI) (www.ifai.org.mx), que
combina poderes judiciais com os de tribunação de recursos contra recusas de
informação por funcionários e repartições do governo. O IFAI não hesita em
revogar decisões de ministros de estado nos casos em que seus ministérios
insistam na retenção de informações. Neste mês de agosto de 2012 o IFAI está
propondo legislação atualizada e mais forte, tornando o acesso à informação uma
política de estado.
Ao todo, existem hoje no mundo 96 países com legislação
garantindo o acesso à informação controlada pelo governo e suas
repartições; são leis, decretos ou dispositivos constitucionais que asseguram o
direito de ação para compelir a autoridade a prestar a informação requerida. A
legislação mais recente é Lei do Direito ao Acesso à Informação, do Iémen, que
67
entrou em vigor em julho de 2012. Além disso, em um número não pequeno de
países, leis de acesso à informação estão em fase de elaboração.
É a seguinte a distribuição entre regiões do mundo dos países que dispõem
de legislação em vigor em julho de 2012, segundo dados compilados pela
organização Open Society / Justice Iniciative:
África 11
América Latina e Caribe 22
Europa Ocidental 18
Europa Central e Oriental 24
Ásia Central 3
Ásia e Pacífico 15
Oriente Médio 3
TOTAL 96
O Brasil introduziu em 2011 uma legislação vigorosa de acesso à
informação (Lei nº 12.527, de 18 de novembro). Numa comparação internacional
das leis de acesso à informação e avaliação, resumida na figura abaixo, o sistema
brasileiro de acesso à informação se situa se relativamente bem, mas não entre as
melhores do mundo: na faixa amarela, aquém da faixa verde das legislações
modelares.
68
69
Dissecando os dados da avaliação feita, encontramos as razões para a nota
boa, mas não excelente obtida pelo Brasil no ranking internacional. É que a lei
brasileira, enquanto assegura excelente direito de acesso e grande cobertura
(todo o setor público federal, estadual e municipal), deixa a desejar no que diz
respeito aos procedimentos de solicitação de informações, na pouco clara
delimitação das exceções, nas sanções pelo incumprimento e, sobretudo pela
quase inexistência de sistema de recursos contra denegações injustificáveis das
autoridades. O quadro abaixo compara as notas obtidas pelo Brasil em cada
quesito com o máximo de pontos obteníveis no índice:
Seção Máximo de Pontos Pontos Obtidos
1. Direito de Acesso 6 6
2. Cobertura 30 29
3. Regras de Solicitação 30 18
4. Exceções e Recusas 30 20
5. Recursos 30 8
6. Sanções e Proteções 8 3
7. Medidas Promocionais 16 10
TOTAL DE PONTOS 150 94
Fonte: Global Right to Information Rating (rti-rating.org).
Em resumo: Em pouco tempo e recentemente, o Brasil já logrou avanços
consideráveis na prestação de informações à cidadania sobre as informações de
que dispõe a administração pública e suas entidades nos três níveis de governo.
Devemos todos, membros da cidadania, juntar esforços para consolidar as
conquistas e avançar na direção que nos propomos. Pois muito resta por fazer
para nos colocarmos no primeiro pelotão de países com cultura de transparência,
respeito ao cidadão e governo participativo.
70
EIXO: DESPESA PÚBLICA E CIDADANIA
Elaborado por:
Basile Georges Campos Christopoulos
Daniel Leib Zugman
Frederico Silva Bastos
Guilherme Villela de Viana Bandeira
Roberto Tagliari Cestari
71
BANCOS DE DADOS/DOCUMENTOS
72
EIXO: DESPESA PÚBLICA E CIDADANIA Banco de Dados BANCOS: DPC01, DPC02, DPC03 - Despesa Pública
Descrição do Critério Acesso a informações referentes à despesa pública de todos os atos praticados pelas unidades gestoras no decorrer da execução da despesa, quais sejam: empenho (DPC01), liquidação (DPC02) e pagamento (DPC03). Devendo conter, sempre que possível, os seguintes elementos: bem fornecido ou ao serviço prestado; a pessoa física ou jurídica beneficiária do pagamento; o número do procedimento licitatório realizado, bem como a sua dispensa ou inexigibilidade, quando for o caso, com o número do correspondente processo; o valor do empenho, liquidação ou pagamento; a classificação orçamentária, especificando a unidade orçamentária, função, subfunção, natureza da despesa e a fonte dos recursos que financiaram o gasto;
Peso do Critério 0,5 ponto para cada ano de informação disponibilizada em cada um dos três critérios: empenho, liquidação e pagamento. Total de 15 pontos.
Frequência de atualização Diária
Série histórica mínima A partir de 2010
73
BANCOS: DPC01, DPC02, DPC03 - Fundamentação Jurídica
As informações disponibilizadas diariamente sobre a execução
orçamentária constituem um grande avanço em termos de transparência por
possibilitarem ao cidadão o acompanhamento das despesas governamentais de
forma completa.
O controle social faz parte da ideia de democracia exposta no caput
do primeiro artigo da Constituição Federal. A lei orçamentária, quando fixa a
realização das despesas públicas constitui o Estado Democrático de fato, tendo
em sua execução a demonstração de sua existência.
Dessa forma, mesmo que não houvesse lei expressa exigindo a
transparência desses dados, é uma exigência da manutenção e do
aprimoramento democrático a divulgação das informações relativas à despesa
pública, buscando também fundamento no artigo 5º, inciso XXXIII, da
Constituição Federal que dispõe:
XXXIII - todos têm direito a receber dos órgãos públicos informações de seu interesse particular, ou de interesse coletivo ou geral, que serão prestadas no prazo da lei, sob pena de responsabilidade, ressalvadas aquelas cujo sigilo seja imprescindível à segurança da sociedade e do Estado;
Além disso, passou a ser obrigatória a divulgação desse dado por
uma exigência expressa da Lei Complementar de nº 101, chamada de Lei de
Responsabilidade Fiscal no artigo 48-A, incluído pela Lei Complementar de nº
131, chamada Lei da Transparência:
Art. 48-A. Para os fins a que se refere o inciso II do parágrafo único do art. 48, os entes da Federação disponibilizarão a qualquer pessoa física ou jurídica o acesso a informações referentes a: I – quanto à despesa: todos os atos praticados pelas unidades gestoras no decorrer da execução da despesa, no momento de sua realização, com a disponibilização mínima dos dados referentes ao número do correspondente processo, ao bem fornecido ou ao serviço prestado, à pessoa física ou jurídica beneficiária do pagamento e, quando for o caso, ao procedimento licitatório realizado;
74
A Lei 12.527/11, chamada Lei de Acesso à Informação, por sua vez,
dispõe as seguintes orientações na disposição de informações:
Art. 7o O acesso à informação de que trata esta Lei compreende, entre outros, os direitos de obter: (...) II - informação contida em registros ou documentos, produzidos ou acumulados por seus órgãos ou entidades, recolhidos ou não a arquivos públicos; III - informação produzida ou custodiada por pessoa física ou entidade privada decorrente de qualquer vínculo com seus órgãos ou entidades, mesmo que esse vínculo já tenha cessado; IV - informação primária, íntegra, autêntica e atualizada;
Dessa forma, os bancos de dados sobre despesa pública representam
informação de alto grau de importância. As informações sobre os atos
praticados na execução das despesas públicas nas três modalidades –
empenho, liquidação e pagamento – não apenas satisfazem boa parte da
necessidade de dados sobre as despesas públicas, como são essenciais para as
demais informações desse campo.
75
CRITÉRIOS
76
EIXO: DESPESA PÚBLICA E CIDADANIA Número e Nome do Critério CRITÉRIO_DPC01- Requisições de informação e respectivas respostas Descrição do Critério Todos os pedidos de acesso à informação devem ser disponibilizados nos portais de transparência, assim como as respectivas respostas. Peso do Critério 1 ponto Frequência de atualização Diária Série histórica mínima A partir de 2012
77
CRITÉRIO_DPC01- Fundamentação jurídica
A Lei de Acesso à informação (Lei n.º 12.527/2011) em seu artigo
10º estabelece há a possibilidade de qualquer pessoa interessada – física ou
jurídica – requerer informações dos órgãos públicos.
Art. 10. Qualquer interessado poderá apresentar pedido de acesso a informações aos órgãos e entidades referidos no art. 1o desta Lei, por qualquer meio legítimo, devendo o pedido conter a identificação do requerente e a especificação da informação requerida.
Mais especificamente, no §2º do mesmo artigo, o acesso aos
referidos pedidos de informações adicionais devem ser viabilizados no sítio
oficial da internet.
§ 2º Os órgãos e entidades do poder público devem viabilizar alternativa de encaminhamento de pedidos de acesso por meio de seus sítios oficiais na internet.
Assim, a melhor maneira de controle à disponibilização das
informações nos sítios oficiais é o próprio interessado formular requerimento
de pedido de acesso por meio do portal de transparência. Entretanto é evidente
que a efetividade desta nova ferramenta de requerimentos poderia ser minada
caso todo o procedimento de pedido (bem como a aceitação ou recusa pelo
órgão público) fosse sigiloso. Haveria uma liberalidade muito maior por parte
da entidade governamental em recusar a prestar informações, visto que não
haveria uma efetiva prestação de contas a respeito da publicidade desses atos
de recusa.
Consequentemente, mais relevante do que a disponibilização de
informações requeridas é também a disponibilização da eventual recusa na
prestação destas informações pedidas – que, segundo a mesma lei, deve ser
fundamentada em razões de fato ou direito, ou, ainda, em razões acerca da
sigilosidade da informação. Dessa forma, a recusa da informação deve sempre
possuir natureza pública, de forma que qualquer cidadão possa aceitar ou
contestar quais informações estão sendo recusadas a serem prestadas e quais
razões relevantes para tal postura dos órgãos públicos.
78
Apesar de a publicidade nos procedimentos de pedidos de acesso à
informação não ser explícita na lei, uma interpretação do art. 3º, I, da Lei de
Acesso à Informação, que dispõe a publicidade como regra e o sigilo como
exceção, em conjunto com o caputdo art. 37 da Constituição somente pode
levar à conclusão pela publicidade absoluta desses pedidos que em verdade
possibilitam o controle social de todas as demais informações requeridas.
79
EIXO: DESPESA PÚBLICA E CIDADANIA Número e Nome do Critério CRITÉRIO_DPC02-Lista de Precatórios Pagos
Descrição do Critério Lista de precatórios pagos e requisições de pequeno valor, com nomes dos credores, datas e valores dos pagamentos já realizados.
Peso do Critério 1 ponto
Frequência de atualização Diária
Série histórica mínima A partir de 2010
80
EIXO: DESPESA PÚBLICA E CIDADANIA Número e Nome do Critério CRITÉRIO_DPC03-Lista de Precatórios a serem Pagos
Descrição do Critério Lista de precatórios a serem pagos pelo Município, com nomes dos credores, valores e data prevista do pagamento.
Peso do Critério 1 ponto
Frequência de atualização Diária
Série histórica mínima A partir de 2010
81
CRITÉRIOS: DPC02 e DPC03- Fundamentação jurídica
Precatórios são as dívidas que o Estado contrai por decisões judiciais
e o tema possui uma importância destacada pela enorme dívida que alguns
entes possuem sob essa classificação. A divulgação dessas informações dificulta
o favorecimento ilegal de credores e estimula o controle e a organização do
Estado em torno da realização desses pagamentos.
Dispõe a Constituição sobre o pagamento de precatórios:
Art. 100. Os pagamentos devidos pelas Fazendas Públicas Federal, Estaduais, Distrital e Municipais, em virtude de sentença judiciária, far-se-ão exclusivamente na ordem cronológica de apresentação dos precatórios e à conta dos créditos respectivos, proibida a designação de casos ou de pessoas nas dotações orçamentárias e nos créditos adicionais abertos para este fim.
E a Constituição Federal claramente estabelece limites e regras ao
pagamento dos precatórios, que são de inegável interesse público. Para que
ocorra o controle social desses pagamentos, é preciso que se divulguem
atualizadas não apenas a lista de credores como a lista de pagamentos para que
uma possa ser confrontada com a outra, possibilitando a identificação dos
possíveis desvios das regras constitucionais de pagamento, como a ordem
cronológica. O descumprimento de artigo constitucional não pode ser aceito
como normal em um país sério. Ainda mais porque envolve também o
descumprimento a ordem judicial.
Além disso, a lista de pagamento dos precatórios é regulada pelos
mesmos artigos que vinculam a publicação das despesas públicas, tendo em
vista que também são dispêndios realizados pelos Estados.
Dessa forma, também se aplica o artigo 8º, III, da Lei de Acesso à
informação, bem como o artigo 48-A da Lei de Responsabilidade Fiscal
incluído pela Lei da Transparência:
Art. 48-A. Para os fins a que se refere o inciso II do parágrafo único do art. 48, os entes da Federação disponibilizarão a
82
qualquer pessoa física ou jurídica o acesso a informações referentes a:
I – quanto à despesa: todos os atos praticados pelas unidades gestoras no decorrer da execução da despesa, no momento de sua realização, com a disponibilização mínima dos dados referentes ao número do correspondente processo, ao bem fornecido ou ao serviço prestado, à pessoa física ou jurídica beneficiária do pagamento e, quando for o caso, ao procedimento licitatório realizado;
As informações sobre os precatórios pagos pelo município, portanto,
possibilitam o controle social de normas constitucionais e sobre uma espécie
de despesa pública que deve ser realizada sob critérios claros e transparentes.
83
EIXO: DESPESA PÚBLICA E CIDADANIA Número e Nome do Critério CRITÉRIO_DPC04- Despesas de Custeio e de Investimento
Descrição do Critério Informações sobre as despesas de custeio, bem como das despesas de investimento em todas as funções nos poderes, além do Tribunal de Contas, quando houver.
Peso do Critério 1 ponto
Frequência de atualização Mensal
Série histórica mínima A partir de 2010
84
CRITÉRIO_DPC04- Fundamentação jurídica
As despesas de custeio, aquelas realizadas para manter a máquina
pública, aqui são consideradas em conjunto para demonstrar sua evolução ao
longo dos anos e possibilitar um controle sobre a sua variação, que pode ser
explicada por diversos fatores. A divisão por poderes, além dos órgãos com
autonomia financeira e o Tribunal de Contas se justifica pela necessidade de
perceber mais detalhadamente as evoluções das despesas de órgãos que,
embora não sejam dotados de personalidade jurídica própria, possuem grande
relevância para a Administração Pública e para sociedade como um todo.
Neste caso, a informação que se quer está relacionada diretamente à
classificação das despesas públicas disposta no parágrafo 1º do artigo 12 da Lei
4.320 de 1964, dentro do conceito de despesas correntes, em oposição às
despesas de capital, e em subclassificação nas categorias: pessoal civil, pessoal
militar, material de consumo, serviços de terceiros e encargos diversos.
As despesas de investimento são aquelas que resultam num
acréscimo patrimonial para o Estado. Demonstrada sua evolução ao longo dos
anos, possibilita um controle sobre a capacidade de investimentos do Estado
que pode ser explicada por diversos fatores.
A Lei de Responsabilidade Fiscal no artigo 48-A incluído pela Lei da
Transparência já dispõe a transparência de todos os atos praticados no decorrer
da execução.
Neste caso, a informação que se quer está relacionada diretamente à
classificação das despesas públicas disposta no parágrafo 1º do artigo 12 da Lei
4.320 de 1964, dentro do conceito de despesas de capital, em oposição às
despesas correntes, e em subclassificação nas categorias: obras públicas;
serviços em regime de programação especial; equipamento e instalações;
material permanente; participação em constituição ou aumento de capital de
empresas ou entidades industriais agrícolas.
Afirma ainda o artigo 12 da referida lei, em seu parágrafo 4º, que
podem ser classificadas como de investimentos as dotações para o
85
planejamento e a execução de obras, inclusive as destinadas à aquisição de
imóveis considerados necessários à realização destas últimas.
86
EIXO: DESPESA PÚBLICA E CIDADANIA Número e Nome do Critério CRITÉRIO_DPC05- Dívida Pública
Descrição do Critério Informações sobre dívida pública, como valores de juros e encargos, amortizações e totais realizados, com número dos respectivos contratos, e saldo da dívida nos diversos tipos, além de informações sobre o comprometimento da receita corrente líquida com dívida pública.
Peso do Critério 1 ponto
Frequência de atualização Diária
Série histórica mínima A partir de 2010
87
CRITÉRIO_DPC05- Fundamentação jurídica
A informação permite que o cidadão analise a contração de dívida
pelo município ao longo dos anos, comparando-a com outros dados sobre
evolução dos investimentos e das despesas públicas realizadas nos mesmos
períodos. Para a classificação e definição dos tipos de dívida, admitem-se as do
artigo 29 da Lei de Responsabilidade Fiscal:
29. Para os efeitos desta Lei Complementar, são adotadas as seguintes definições:
I - dívida pública consolidada ou fundada: montante total, apurado sem duplicidade, das obrigações financeiras do ente da Federação, assumidas em virtude de leis, contratos, convênios ou tratados e da realização de operações de crédito, para amortização em prazo superior a doze meses;
II - dívida pública mobiliária: dívida pública representada por títulos emitidos pela União, inclusive os do Banco Central do Brasil, Estados e Municípios;
III - operação de crédito: compromisso financeiro assumido em razão de mútuo, abertura de crédito, emissão e aceite de título, aquisição financiada de bens, recebimento antecipado de valores provenientes da venda a termo de bens e serviços, arrendamento mercantil e outras operações assemelhadas, inclusive com o uso de derivativos financeiros;
IV - concessão de garantia: compromisso de adimplência de obrigação financeira ou contratual assumida por ente da Federação ou entidade a ele vinculada;
V - refinanciamento da dívida mobiliária: emissão de títulos para pagamento do principal acrescido da atualização monetária.
A informação sobre o montante da dívida, bem como dos atos que a
amortizam, que saldam seus juros, ou que contraem novas obrigações é
essencial e rivaliza em termos de importância com os dados sobre gastos e
receitas do Estado. Nesse sentido, a gestão responsável da atividade financeira
pública, exigida pela Lei de Responsabilidade Fiscal, só é atingida com um
controle rígido sobre as obrigações contraídas sob a noção de dívida.
88
EIXO: DESPESA PÚBLICA E CIDADANIA Número e Nome do Critério CRITÉRIO_DPC06 - Cargos Públicos
Descrição do Critério Informações sobre o número de cargos efetivos, comissionados, funções e as ocupações desses na administração do município por órgão e por entidade.
Peso do Critério 1 ponto
Frequência de atualização Mensal
Série histórica mínima A partir de 2012
89
EIXO: DESPESA PÚBLICA E CIDADANIA Número e Nome do Critério CRITÉRIO_DPC07 - Remuneração de Servidores Públicos do Executivo
Descrição do Critério Informações individualizadas sobre os servidores do Poder Executivo de sua remuneração, de todos os tipos de vinculo, incluindo remuneração bruta, deduções obrigatórias, verbas indenizatórias, jetons, gratificações, quaisquer outras vantagens remuneratórias e valor líquido após descontos.
Peso do Critério 1 ponto
Frequência de atualização Mensal
Série histórica mínima A partir de 2012
90
EIXO: DESPESA PÚBLICA E CIDADANIA Número e Nome do Critério CRITÉRIO_DPC08 - Remuneração de Servidores Públicos do Legislativo
Descrição do Critério Informações individualizadas sobre os servidores do Poder Legislativo de sua remuneração, de todos os tipos de vinculo, incluindo remuneração bruta, deduções obrigatórias, verbas indenizatórias, jetons, gratificações, quaisquer outras vantagens remuneratórias e valor líquido após descontos.
Peso do Critério 1 ponto
Frequência de atualização Mensal
Série histórica mínima A partir de 2012
91
CRITÉRIOS: DPC06, DPC07 e DPC08 - Fundamentação jurídica
A primeira informação, disposta no critério (DPC06) não está
relacionada ao pagamento ou despesa pública efetuada com cargos públicos,
mas sim com um aspecto muito ligado à cidadania, que é saber quantos e quais
cargos existem e são ocupados na administração pública.
Este critério avalia a quantidade de informações sobre a forma de
recrutamento de servidores do município, bem como a informação veiculada
possibilita o controle de qualidade em termos de eficiência dessas opções
políticas do Estado.
As informações ajudam a fiscalizar o cumprimento dos princípios
que orientam a administração pública expostos no artigo 37 da Constituição
Federal, de legalidade, impessoalidade, moralidade, e, especialmente,
publicidade e eficiência.
No caso da publicidade, cabe ressaltar que a Lei de Acesso à
Informação em seu artigo 3º, I, dispôs a observância da publicidade como
preceito geral e do sigilo como exceção, de forma que só podem ser negadas as
informações quando houver robusta argumentação jurídica que a fundamente.
Quanto à remuneração dos cargos públicos, dos critérios (DPC07)
e (DPC08), as informações individualizadas dos servidores são realidade no
plano federal, que reconhece no artigo 7º, VI, do Decreto 7.724/2012, que
regulamentou a Lei de Acesso à Informação a necessidade de acordo com a
nova lei de disponibilizar tais informações, o que pode ser pensado em analogia
aos municípios, embora o referido Decreto não seja a eles vinculante. Dispõe o
decreto:
Art. 7o É dever dos órgãos e entidades promover, independente de requerimento, a divulgação em seus sítios na Internet de informações de interesse coletivo ou geral por eles produzidas ou custodiadas, observado o disposto nos arts. 7o e 8o da Lei no 12.527, de 2011. (...) VI - remuneração e subsídio recebidos por ocupante de cargo, posto, graduação, função e emprego público, incluindo auxílios, ajudas de custo, jetons e quaisquer outras vantagens pecuniárias, bem como proventos de aposentadoria e pensões daqueles que estiverem na ativa, de maneira individualizada,
92
conforme ato do Ministério do Planejamento, Orçamento e Gestão;
Nessa mesma linha, o Supremo Tribunal Federal reconheceu por
unanimidade a possibilidade de divulgação dos nomes dos servidores atrelados
às suas remunerações, no Segundo Ag. Reg. na Suspensão de Segurança 3.902,
de São Paulo quando questionada tal possibilidade:
A situação dos agravantes cai sob a regência da 1ª parte do inciso XXXIII do art. 5º da Constituição. Sua remuneração bruta, cargos e funções por eles titularizados, órgãos de sua formal lotação, tudo é constitutivo de informações de interesse coletivo ou geral. Expondo-se, portanto, a divulgação oficial. Sem que a intimidade deles, a vida privada e segurança pessoal e familiar se encaixem nas exceções de que trata a parte derradeira do mesmo dispositivo constitucional (inciso XXXIII do art. 5º), pois o fato é que não estão em jogo nem a segurança do Estado nem do conjunto da sociedade. No tema, sinta-se que não cabe sequer falar de intimidade ou de vida privada, pois os dados objeto de divulgação em causa dizem respeito a agentes públicos enquanto agentes públicos mesmos; ou, na linguagem da própria Constituição, agentes estatais agindo “nessa qualidade”.
Segue o relator, Min. Carlos Aires Britto, afirmando na decisão que:
Em suma, esta encarecida prevalência do princípio da publicidade administrativa outra coisa não é senão um dos mais altaneiros modos de concretizar a República enquanto forma de governo. Se, por um lado, há um necessário modo republicano de administrar o Estado brasileiro, de outra parte é a cidadania mesma que tem o direito de ver o seu Estado republicanamente administrado. O “como” se administra a coisa pública a preponderar sobre o “quem” administra – falaria Norberto Bobbio -, e o fato é que esse modo público de gerir a máquina estatal é elemento conceitual da nossa República. O olho e a pálpebra da nossa fisionomia constitucional republicana. Por tudo quanto posto, a negativa de prevalência do princípio da publicidade administrativa implicaria, no caso, inadimissível situação de grave lesão à ordem pública.
Dessa forma, além de ter o fundamento jurídico balizado pelo
Supremo Tribunal Federal, por unanimidade de seus Ministros presentes, a
exposição das remunerações já é realidade em diversos estados e municípios
93
brasileiros, o que demonstra a necessidade de se aferir transparência por esse
critério, que vem caminhando para se tornar uma realidade concreta e
consolidada em nosso país.
94
EIXO: DESPESA PÚBLICA E CIDADANIA Número e Nome do Critério CRITÉRIO_DPC09-Lista de Fornecedores do Município
Descrição do Critério Lista de fornecedores de bens e serviços do município, com os valores efetivamente pagos.
Peso do Critério 1 ponto
Frequência de atualização Semanal
Série histórica mínima A partir de 2010
95
CRITÉRIO_DPC09 - Fundamentação jurídica
Além da disponibilização de informações sobre os credores das
despesas realizadas pelo Estado, avaliado pelo banco de dados de despesa
pública, este critério avalia a presença de informações específicas sobre os
fornecedores do Estado, que podem ser colocados em lista ordenada com os
maiores fornecedores, e o total de valores efetivamente pagos a eles em cada
ano.
A fundamentação reside na Lei de Responsabilidade Fiscal, no
artigo 48-A incluído pela Lei da Transparência:
Art. 48-A. Para os fins a que se refere o inciso II do parágrafo único do art. 48, os entes da Federação disponibilizarão a qualquer pessoa física ou jurídica o acesso a informações referentes a:
I – quanto à despesa: todos os atos praticados pelas unidades gestoras no decorrer da execução da despesa, no momento de sua realização, com a disponibilização mínima dos dados referentes ao número do correspondente processo, ao bem fornecido ou ao serviço prestado, à pessoa física ou jurídica beneficiária do pagamento e, quando for o caso, ao procedimento licitatório realizado;
Nesse caso, apenas se exige que além de disponibilizar a pessoa
beneficiária em cada pagamento, que haja uma lista que disponibilize os
fornecedores de bens e serviços identificando o conjunto de despesas que são
realizadas em que cada um deles é credor. A exigência se dá pelo aumento da
facilidade de fiscalização que possibilita essa disponibilização.
96
EIXO: DESPESA PÚBLICA E CIDADANIA Número e Nome do Critério CRITÉRIO_DPC10 - Despesa Pública por Bairro/Região do Município
Descrição do Critério Distribuição das despesas públicas realizadas pelo Município por bairro, por região ou por subprefeituras.
Peso do Critério 1 ponto
Frequência de atualização Mensal
Série histórica mínima A partir de 2010
97
EIXO: DESPESA PÚBLICA E CIDADANIA Número e Nome do Critério CRITÉRIO_DPC11 - Despesa Pública por Escola Municipal
Descrição do Critério Distribuição das despesas públicas realizadas pelo Município por Escola, indicando a fonte dos recursos.
Peso do Critério 1 ponto
Frequência de atualização Mensal
Série histórica mínima A partir de 2010
98
CRITÉRIOS: DPC10 e DPC11 - Fundamentação jurídica
Além dos atos administrativos que realizam a despesa pública,
exigidos nos três bancos de dados, os critérios DPC10 e DPC1 exigem a
informação sobre os valores gastos por bairro, região ou subprefeitura e por
escola do Município.
A vinculação entre despesa pública e cidadania é construída
justamente pela diversidade de informações que o Estado pode fornecer. Com
o crescimento das cidades, não se pode permitir o distanciamento dos gastos
municipais da população que os financia.
Por isso, embora as leis sobre o tema não exijam que a informação
seja disposta sob os parâmetros propostos, a ideia é fortalecer o sentimento de
cidadania com as informações da despesa pública e aproximá-las aos cidadãos,
mesmo dos bairros mais carentes, que poderão usar as informações para exigir
mudanças nas realizações dos gastos e melhorias em suas regiões e escolas.
99
EIXO: DESPESA PÚBLICA E CIDADANIA Número e Nome do Critério CRITÉRIO_DPC12 - Diárias de viagem
Descrição do Critério Diárias de viagem pagas aos servidores, informando: o motivo, número de diárias pagas, valor total pago, o período de descolamento e o local de destino.
Peso do Critério 1 ponto
Frequência de atualização Diária
Série histórica mínima A partir de 2010
100
CRITÉRIO_DPC12 - Fundamentação jurídica
Mais uma informação relativa ao conteúdo das despesas públicas
realizadas pelo Estado. A sua divulgação pode coibir abuso aos pagamentos
realizados aos servidores públicos na realização de viagens com finalidades
públicas.
As despesas públicas com diárias de viagem possuem característica
especial, porque são pagas aos servidores do aparelho estatal, portanto,
possuem característica assemelhada, embora não idêntica, às despesas de
pessoal, pois não estão abarcadas pelo artigo 18 da Lei de Responsabilidade
Fiscal, nem se submetem ao procedimento licitatório que, por natureza, exerce
o controle de legalidade sobre alguns atos das demais despesas.
Além disso, as informações sobre diárias despertam grande
interesse popular, além de possibilitarem controle efetivo sobre abusos que são
cometidos em remunerações que excedem aquilo que é devido normalmente
aos servidores.
Não há dúvida, portanto, da necessidade de se publicar despesas que
são efetuadas para financiar os deslocamentos de servidores pelo interesse
público. Mesmo que o campo de procura seja o mesmo das demais, toda e
qualquer despesa, inclusive as dessa natureza, deve ser exposta aos cidadãos.
101
EIXO: DESPESA PÚBLICA E CIDADANIA Número e Nome do Critério CRITÉRIO_DPC13 - Convênios Celebrados pelo Município
Descrição do Critério Informações sobre convênios celebrados pelo Município, com: o número do convênio; órgãos relacionados ao convênio; responsáveis, concedente e convenente; data da celebração, publicação e vigência; objeto, justificativa, situação (adimplente /inadimplente /concluído); valores transferidos, da contrapartida e total pactuado.
Peso do Critério 1 ponto
Frequência de atualização Diária
Série histórica mínima A partir de 2010
102
CRITÉRIO_DPC13 - Fundamentação jurídica
Os convênios são instrumentos jurídicos de que dispõem os
Municípios para acordar ações que resultam invariavelmente no recebimento
de recursos ou realização de repasses e gastos. A transparência das informações
sobre convênios, portanto, é complementar às das despesas públicas e
possibilita um controle social mais efetivo das atividades administrativas e
financeiras do Estado.
Os convênios foram previstos no artigo 241 da Constituição Federal,
que disciplina:
Art. 241. A União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios disciplinarão por meio de lei os consórcios públicos e os convênios de cooperação entre os entes federados, autorizando a gestão associada de serviços públicos, bem como a transferência total ou parcial de encargos, serviços, pessoal e bens essenciais à continuidade dos serviços transferidos.
Os termos que fundamentam os convênios firmados pelos
Municípios, que visam prestar serviços à população, devem ser conhecidos por
todos, bem como todos os que o celebram, a situação em que se encontra o
convênio, os valores pactuados e efetivamente transferidos.
103
EIXO: DESPESA PÚBLICA E CIDADANIA Número e Nome do Critério CRITÉRIO_DPC14 - Nível de Execução Orçamentária
Descrição do Critério Execução Orçamentária da despesa e receita pública, abrangendo os seguintes itens:dotação inicial (orçamento aprovado, sem remanejamentos); dotação autorizada (orçamento atualizado, incluindo créditos adicionais); valores empenhados e valores liquidados; restos a pagar pagos (pagamentos referentes a despesas contraídas em anos anteriores) e restos a pagar a pagar (dívidas de anos anteriores e ainda não quitadas); valores pagos do orçamento atual (quando a administração pública quita o débito contraído no exercício vigente); e o total desembolsado (valor global desembolsado, incluindo os valores pagos com o orçamento do exercício, acrescidos dos restos a pagar pagos).
Peso do Critério 1 ponto
Frequência de atualização Diária
Série histórica mínima A partir de 2010
104
CRITÉRIO_DPC14 - Fundamentação jurídica
Observando apenas cada gasto individual não é possível apreender
o estado de execução do orçamento público do Estado. Tendo isso em vista, esse
critério privilegia uma visão global do orçamento público que permite verificar
qual o andamento de sua execução.
O fundamento jurídico deste dispositivo, embora não diretamente,
se dá na exigência expressa da Lei de Responsabilidade Fiscal no artigo 48-A
incluído pela Lei da Transparência:
Art. 48-A. Para os fins a que se refere o inciso II do parágrafo único do art. 48, os entes da Federação disponibilizarão a qualquer pessoa física ou jurídica o acesso a informações referentes a: I – quanto à despesa: todos os atos praticados pelas unidades gestoras no decorrer da execução da despesa, no momento de sua realização, com a disponibilização mínima dos dados referentes ao número do correspondente processo, ao bem fornecido ou ao serviço prestado, à pessoa física ou jurídica beneficiária do pagamento e, quando for o caso, ao procedimento licitatório realizado;
Outro dispositivo, agora da Lei de Acesso à Informação, dispõe a
obrigatoriedade de se publicar dados gerais sobre o acompanhamento de
programas, ações, projetos e obras dos Poderes Públicos:
Art. 8o É dever dos órgãos e entidades públicas promover, independentemente de requerimentos, a divulgação em local de fácil acesso, no âmbito de suas competências, de informações de interesse coletivo ou geral por eles produzidas ou custodiadas. § 1o Na divulgação das informações a que se refere o caput, deverão constar, no mínimo: (...) V - dados gerais para o acompanhamento de programas, ações, projetos e obras de órgãos e entidades; e
Essa forma de disponibilização das informações de execução
orçamentária facilita a visão geral que se deve ter sobre os gastos realizados
pelo Governo, e interessa a vários grupos sociais, como os próprios
105
administradores públicos, servidores e qualquer cidadão que deseje observar o
desempenho estatal na execução global do orçamento público de seu Estado.
106
EIXO: DESPESA PÚBLICA E CIDADANIA Número e Nome do Critério CRITÉRIO_DPC15 - Licitações e Contratos Públicos
Descrição do Critério Publicação de todos os atos referentes aos procedimentos licitatórios, especialmente: termo de referência ou especificação técnica, editais e convites, pareceres e justificativas das dispensas e inelegibilidades, atos de nomeação e designação de comissões, atas, relatórios e deliberações da Comissão Julgadora, atos de adjudicação do objeto da licitação e da sua homologação, nome e CPF ou CNPJ dos vencedores, demais atos necessários para a sua realização e os contratos firmados.
Peso do Critério 1 ponto
Frequência de atualização Semanal
Série histórica mínima A partir de 2010
107
CRITÉRIO_DPC15 - Fundamentação jurídica
As licitações públicas são procedimentos necessários à realização de
grande parte das despesas, e por isso o seu controle é fundamental para ter uma
melhora na qualidade da realização da despesa pública.
O artigo 3º da Lei de Licitações dispõe que:
Art. 3o A licitação destina-se a garantir a observância do princípio constitucional da isonomia, a seleção da proposta mais vantajosa para a administração e a promoção do desenvolvimento nacional sustentável e será processada e julgada em estrita conformidade com os princípios básicos da legalidade, da impessoalidade, da moralidade, da igualdade, da publicidade, da probidade administrativa, da vinculação ao instrumento convocatório, do julgamento objetivo e dos que lhes são correlatos.
A isonomia, legalidade, impessoalidade, moralidade, igualdade,
probidade, a vinculação ao instrumento convocatório e a seleção da proposta
mais vantajosa só podem ser garantidas e fiscalizadas pelo controle social
pelapublicidade, dando transparência aos atos que dão concreção à lei.
Dispõe o artigo oitavo da Lei de Acesso à Informação que:
Art. 8o É dever dos órgãos e entidades públicas promover, independentemente de requerimentos, a divulgação em local de fácil acesso, no âmbito de suas competências, de informações de interesse coletivo ou geral por eles produzidas ou custodiadas. § 1o Na divulgação das informações a que se refere o caput, deverão constar, no mínimo: IV - informações concernentes a procedimentos licitatórios, inclusive os respectivos editais e resultados, bem como a todos os contratos celebrados;
Dessa forma, além de as informações sobre despesa pública terem
como requisito a disposição do número de licitação que deu origem à despesa,
exige-se que as licitações, dispensas e inexigibilidades tenham os seus atos
publicados e oferecidos ao controle social.
108
EIXO: ADMINISTRAÇÃO E LEGISLAÇÃO FISCAL
Elaborado por:
Basile Georges Campos Christopoulos
Daniel Leib Zugman
Frederico Silva Bastos
Guilherme Villela de Viana Bandeira
Roberto Tagliari Cestari
109
BANCOS DE DADOS/DOCUMENTOS
110
EIXO: ADMINISTRAÇÃO E LEGISLAÇÃO FISCAL Banco de dados BANCO_ADM01- Consultas Tributárias Descrição do Critério Publicar as consultas tributárias dos contribuintes e as respectivas repostas. Peso do Critério 5 pontos (2 pontos para 2013 e 1 para os demais anos) Frequência de atualização Diária Série histórica mínima A partir de 2010
111
BANCO_ADM01 - Fundamentação jurídica
A publicação das consultas fiscais é mecanismo fundamental para
que se conheça a interpretação da administração fiscal acerca de questões
controvertidas e duvidosas, conferindo maior previsibilidade e segurança
jurídica no âmbito tributário.
Em âmbito federal, as consultas fiscais encontram-se devidamente
regulamentadas pela Instrução Normativa RFB n.º 740, de 2 de maio de 2007.
No que tange a publicização dos resultados das consultas, há amparo da Lei
no 9.430, de 1996, art. 48, § 4o, que dispõe: “§ 4º As soluções das consultas
serão publicadas pela imprensa oficial, na forma disposta em ato normativo
emitido pela Secretaria da Receita Federal”. Bem como o Decreto n.º 7.574, de
29 de setembro de 2011, que em seu artigo 97 ratifica:“As soluções das
consultas serão publicadas no Diário Oficial da União, na forma disposta em
ato normativo da Secretaria da Receita Federal do Brasil.”
Adicionalmente, essa conduta por parte da administração fiscal
caracteriza um poderoso instrumento para o estreitamento da relação entre
fisco e contribuinte, tornando-a mais transparente e colaborativa. Destarte,
acredita-se, assim, que não existam impedimentos para que a mesma diretriz
seja aplicada na esfera municipal.
Para que a disponibilização dessas informações atenda aos anseios
de acessibilidade e completude, estas devem ser apresentadas nos moldes das
três leis dos dados abertos governamentais apontadas pela organização W3C51:
a) Se o dado não pode ser encontrado e indexado na web, ele não existe. b) Se não estiver aberto e em formato compreensível por máquina, ele não pode ser reaproveitado. c) Se algum dispositivo legal não permitir sua reaplicação, ele não é útil.
51Disponível em: http://eaves.ca/2009/09/30/three-law-of-open-government-data/
112
Complementarmente, as informações também devem observar os oito princípios regentes dos dados abertos governamentais52:
a) Completos: Todos os dados públicos estão disponíveis. Dado público é o dado que não está sujeito a limitações válidas de privacidade, segurança ou controle de acesso. b) Primários: Os dados são apresentados tais como os coletados na fonte, com o maior nível de granularidade e sem agregação ou modificação. c) Atuais: Os dados são disponibilizados tão rapidamente quanto necessário à preservação do seu valor. d) Acessíveis: Os dados são disponibilizados para o maior alcance possível de usuários e para o maior conjunto possível de finalidades. e) Compreensíveis por máquinas: Os dados são razoavelmente estruturados de modo a possibilitar processamento automatizado. f) Não discriminatórios: Os dados são disponíveis para todos, sem exigência de requerimento ou cadastro. g) Não proprietários: Os dados são disponíveis em formato sobre o qual nenhuma entidade detenha controle exclusivo. h) Livres de licenças: Os dados não estão sujeitos a nenhuma restrição de direito autoral, patente, propriedade intelectual ou segredo industrial. Restrições sensatas relacionadas à privacidade, segurança e privilégios de acesso devem ser permitidas.
Somando-se aos argumentos expostos, encontra-se também o
amparo legal dos artigos 5º, XXXIII e 37, parágrafo 3º, inciso II, ambos da
Constituição Federal. De tudo isso, depreende-se que os municípios devem
publicar suas consultas fiscais não apenas porque deve fazê-lo, em virtude dos
diplomas legais que obrigam a publicação de todos os documentos que sejam
produzidos pelo Estado, como também pelo ganho de legitimidade que as
administrações podem ganhar, tendo em vista que os contribuintes tendem a
agir conforme o entendimento expresso e claro que os fiscos podem produzir.
52 Disponível em: http://wiki.opengovdata.org/index.php?title=OpenDataPrinciples
113
114
EIXO: ADMINISTRAÇÃO E LEGISLAÇÃO FISCAL Banco de dados BANCO_ADM02- Documentos Eletrônicos ou Digitais de Arrecadação Descrição do Critério Disponibilização dos documentos eletrônicos ou digitais de arrecadação das pessoas físicas e jurídicas de todos os tributos municipais. Cada pagamento individualizado deve ser disposto por pessoa, e com os seguintes requisitos: a) nome; b) CNPJ/CPF; c) valor pago; d) tipo de tributo e; e) período de apuração. Peso do Critério 5 pontos (0,5 por ano) Frequência de atualização Mensal Série histórica mínima A partir de 2010
115
BANCO_ADM02- Fundamentação jurídica
O objetivo do estudo, especialmente caracaterizado em seus bancos
de dados, é o de incentivar a transparência dos atos de concreção do direito.
Além disso, um dos fins desse trabalho é reestabelecer os laços entre direito
financeiro e tributário, ressaltando a importância da arrecadação para o
financiamento das despesas públicas.
O artigo segundo da Lei da Transparência incluiu o artigo 48-A na
Lei de Responsabilidade Fiscal. que é claro ao dispor que:
Art. 48-A. Para os fins a que se refere o inciso II do parágrafo único do art. 48, os entes da Federação disponibilizarão a qualquer pessoa física ou jurídica o acesso a informações referentes a: (...) II – quanto à receita: o lançamento e o recebimento de toda a receita das unidades gestoras, inclusive referente a recursos extraordinários. (grifo)
Dessa forma, toda receita auferida pelo Município deve se tornar
transparente e disponível à população, que tem o direito de saber quem
financia por meio dos tributos estaduais, as despesas públicas realizadas pelo
ente.
As informações requisitadas são sobre os valores efetivamente pagos
pelas pessoas físicas ou jurídicas relativas a todos os tributos municipais,
indicando o sujeito passivo, pelo seu nome e CPF/CNPJ, o tipo de tributo,
período de apuração e, evidentemente, o valor pago.
116
EIXO: ADMINISTRAÇÃO E LEGISLAÇÃO FISCAL
Banco de dados BANCO_ADM03- Instrumentos Normativos Infralegais Descrição do Critério Divulgação dos instrumentos normativos infralegais fiscais do Município, contendo ao menos todos os decretos, resoluções, portarias e pareceres normativos das Procuradorias dos Municípios. Peso do Critério 5 pontos (0,5 por ano) Frequência de atualização Mensal Série histórica mínima A partir de 2010
117
BANCO_ADM03- Fundamentação jurídica
A disponibilização de todos os instrumentos normativos infralegais
fiscais, além de um dever do estado, permite o exercício efetivo do direito à
informação e o aprimoramento da confiança e transparência na relação entre o
ente governamental e o cidadão, haja vista que todas as normas estarão à
disposição dos interessados, em consonância com o art. 3º da Lei de Acesso à
Informação. Especialmente seus incisos I, II e III:
Art. 3o Os procedimentos previstos nesta Lei destinam-se a assegurar o direito fundamental de acesso à informação e devem ser executados em conformidade com os princípios básicos da administração pública e com as seguintes diretrizes: I - observância da publicidade como preceito geral e do sigilo como exceção; II - divulgação de informações de interesse público, independentemente de solicitações; III - utilização de meios de comunicação viabilizados pela tecnologia da informação;
Ainda na mesma lei, em seu artigo 7º, há a garantia do direito de
obter:
II - informação contida em registros ou documentos, produzidos ou acumulados por seus órgãos ou entidades, recolhidos ou não a arquivos públicos; III - informação produzida ou custodiada por pessoa física ou entidade privada decorrente de qualquer vínculo com seus órgãos ou entidades, mesmo que esse vínculo já tenha cessado; IV - informação primária, íntegra, autêntica e atualizada;
A disposição dos instrumentos normativos está bem fundamentada
na ideia de privilegiar a legalidade concreta dos atos de aplicação da lei. Neste
caso, exige-se primeiramente conhecer que leis regem o Estado na área fiscal,
para em momento seguinte, do ponto de vista lógico, conhecer os instrumentos
infralegais que transformam a legalidade abstrata em disposições mais
específicas e que àqueles se referem, e nos quais buscam seus fundamentos de
validade.
118
Uma das atribuições das procuradorias gerais dos municípios é
emitir pareceres sobre matéria tributária, financeira e orçamentária. Trata-se
de atos de interpretação da legislação abstrata que servem para orientar
agentes fiscais e os próprios contribuintes.
Nessa medida, tais atos interpretativos direcionam a atuação da
administração pública quanto à matéria tratada nos pareceres, contribuindo
para a sedimentação e reiteração de práticas pelos gestores públicos.
Por se tratarem de documentos que veiculam a interpretação das
procuradorias sobre matéria fiscal e que, sendo assim, orientam a atuação da
administração pública em determinado sentido, sua publicidade é obrigatória.
O art. 100 do Código Tributário Nacional reforça esse entendimento:
Art. 100. São normas complementares das leis, dos tratados e das convenções internacionais e dos decretos: I - os atos normativos expedidos pelas autoridades administrativas; II - as decisões dos órgãos singulares ou coletivos de jurisdição administrativa, a que a lei atribua eficácia normativa; III - as práticas reiteradamente observadas pelas autoridades administrativas; IV - os convênios que entre si celebrem a União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios. Parágrafo único. A observância das normas referidas neste artigo exclui a imposição de penalidades, a cobrança de juros de mora e a atualização do valor monetário da base de cálculo do tributo.
Portanto, tendo em vista que os atos expedidos por autoridades
administrativas e que suas práticas reiteradamente observadas
consubstanciam normas complementares das leis, e visto que muitos desses
atos e práticas são fundamentados em pareceres, a publicidade desses últimos
é medida imperativa.
119
CRITÉRIOS
120
EIXO: ADMINISTRAÇÃO E LEGISLAÇÃO FISCAL Número e Nome do Critério CRITÉRIO_ADM01- Requisições de Informação e Respectivas Respostas Descrição do Critério Todos os pedidos de acesso à informação devem ser disponibilizados nos portais de transparência, assim como as respectivas respostas. Peso do Critério 1 ponto Frequência de atualização Diária Série histórica mínima A partir de 2012
121
CRITÉRIO_ADM01 - Fundamentação jurídica
A Lei de Acesso à informação (Lei n.º 12.527/2011) em seu artigo 10º
estabelece há a possibilidade de qualquer pessoa interessada – física ou jurídica
– requerer informações dos órgãos públicos.
Art. 10. Qualquer interessado poderá apresentar pedido de acesso a informações aos órgãos e entidades referidos no art. 1o desta Lei, por qualquer meio legítimo, devendo o pedido conter a identificação do requerente e a especificação da informação requerida.
Mais especificamente, no §2º do mesmo artigo, o acesso aos
referidos pedidos de informações adicionais devem ser viabilizados no sítio
oficial da internet.
§ 2º Os órgãos e entidades do poder público devem viabilizar alternativa de encaminhamento de pedidos de acesso por meio de seus sítios oficiais na internet.
Assim, a melhor maneira de controle à disponibilização das
informações nos sítios oficiais é o próprio interessado formular requerimento
de pedido de acesso por meio do portal de transparência. Entretanto é evidente
que a efetividade desta nova ferramenta de requerimentos poderia ser minada
caso todo o procedimento de pedido (bem como a aceitação ou recusa pelo
órgão público) fosse sigiloso. Haveria uma liberalidade muito maior por parte
da entidade governamental em recusar a prestar informações, visto que não
haveria uma efetiva prestação de contas a respeito da publicidade desses atos
de recusa.
Consequentemente, mais relevante do que a disponibilização de
informações requeridas é também a disponibilização da eventual recusa na
prestação destas informações pedidas – que, segundo a mesma lei, deve ser
fundamentada em razões de fato ou direito, ou, ainda, em razões acerca da
natureza sigilosa da informação. Dessa forma, a recusa da informação deve
sempre possuir natureza pública, de forma que qualquer cidadão possa aceitar
ou contestar quais informações estão se recusando a prestar e quais as razões
relevantes para tal postura dos órgãos públicos.
122
Apesar de a publicidade nos procedimentos de pedidos de acesso à
informação não ser explícita na lei, uma interpretação do art. 3º, I, da Lei de
Acesso à Informação, que dispõe a publicidade como regra e o sigilo como
exceção, em conjunto com o caput do art. 37 da Constituição somente pode
levar à conclusão pela publicidade absoluta desses pedidos que em verdade
possibilitam o controle social de todas as demais informações requeridas.
123
EIXO: ADMINISTRAÇÃO E LEGISLAÇÃO FISCAL Número e Nome do Critério CRITÉRIO_ADM02 - Resultados Fiscais Descrição do Critério Disponibilização dos principais dados fiscais, resultados orçamentário e primário, e dados sobre arrecadação total consolidada em cada exercício. Peso do Critério 1 ponto Frequência de atualização Anual Série histórica mínima A partir de 2010
124
EIXO: ADMINISTRAÇÃO E LEGISLAÇÃO FISCAL Número e Nome do Critério CRITÉRIO_ADM03 - Arrecadação por Setor da Economia Descrição do Critério Discriminação dos dados da arrecadação por setor da economia de acordo com a Classificação Nacional de Atividades Econômicas - CNAE. Peso do Critério 1 ponto Frequência de atualização Semestral Série histórica mínima A partir de 2010
125
EIXO: ADMINISTRAÇÃO E LEGISLAÇÃO FISCAL Número e Nome do Critério CRITÉRIO_ADM04- Arrecadação por Bairro/Região do Município Descrição do Critério Discriminação dos dados da arrecadação municipal individualizando a arrecadação de cada um dos tributos municipais por bairro, região ou subprefeituras. Peso do Critério 1 ponto Frequência de atualização Semestral Série histórica mínima A partir de 2010
126
EIXO: ADMINISTRAÇÃO E LEGISLAÇÃO FISCAL Número e Nome do Critério CRITÉRIO_ADM05 - Arrecadação por Tipo de Receita Descrição do Critério Informações sobre a arrecadação do estado tendo como foco o tipo da receita, compreendendo: Receitas Originárias, Receitas Derivadas e Receitas Transferidas. Também devem ser disponibilizadas as receitas conforme disposto no artigo 11, parágrafo quarto, da lei 4320/1964. Peso do Critério 1 ponto Frequência de atualização Semestral Série histórica mínima A partir de 2010
127
EIXO: ADMINISTRAÇÃO E LEGISLAÇÃO FISCAL Número e Nome do Critério CRITÉRIO_ADM06 - Arrecadação por Habitante Descrição do Critério Demonstrativo da arrecadação de todos os tributos municipais, das transferências recebidas, inclusive pelo Fundo de Participação dos Municípios, por habitante. Peso do Critério 1 ponto Frequência de atualização Semestral Série histórica mínima A partir de 2010
128
CRITÉRIOS: ADM02, ADM03, ADM04, ADM05, ADM06 - Fundamentação jurídica
A arrecadação é a forma pela qual o Estado se abastece de recursos
para a realização de suas políticas públicas e manutenção da máquina estatal.
Caso haja a entrada definitiva de dinheiro e bens nos cofres públicos, como
lembra Régis Fernandes de Oliveira, essa arrecadação é chamada de receita.53
Mas há diversos tipos de arrecadações e receitas e entender o seu
fluxo é fundamental para perceber a eficiência e qualidade dessa arrecadação.
No primeiro critério, ADM02, é privilegiada a apresentação dos
resultados fiscais, consolidados sobre a arrecadação total em cada exercício que
permitem à sociedade avaliar a evolução (ou involução) da arrecadação ao
longo do tempo.
Com efeito, a discriminação dos dados da arrecadação por setor da
economia ADM03, município e região do estado ADM04, tipo de receita
ADM05 e arrecadação porpor habitante ADM06 estabelecem um grande
avanço no que tange a transparência, uma vez que possibilitam ao cidadão o
acompanhamento da arrecadação e das características da composição do
erário.
Ainda que não existam dispositivos legais que demonstrem a
necessidade de informar tais dados de forma específica, é forçoso compreender
que estas informações amoldam-se ao arcabouço legislativo a respeito da
transparência das informações e das finanças públicas. Inicialmente,
encontramos no texto constitucional o acesso à informação pública como um
dos direitos e garantias fundamentais elencados no art. 5º:
XXXIII - todos têm direito a receber dos órgãos públicos informações de seu interesse particular, ou de interesse coletivo ou geral, que serão prestadas no prazo da lei, sob pena de responsabilidade, ressalvadas aquelas cujo sigilo seja imprescindível à segurança da sociedade e do Estado.
53OLIVEIRA, Régis F. Curso de Direito Financeiro. 4ª ed. São Paulo: RT, 2011. p. 128.
129
Sublinhe-se ainda, que o caput do mesmo artigo 5º dispõe sobre a
igualdade entre os cidadãos. Contudo, a forma de garantir que a legislação seja
aplicada de forma uníssona a todos os contribuintes é através da publicidade
da aplicação da legalidade, permitindo que a própria sociedade, através do
controle social, possa ser um agente fiscalizador da concretização das normas.
Vê-se, pois, que o princípio da legalidade implica não só na adequação de uma
conduta à lei, mas também na publicidade e transparência dos atos e
comportamentos da administração pública.
Nesse sentido, o artigo 37 da Constituição Federal trata das
diretrizes da gestão pública transparente, responsável, proba e eficiente. Em
consonância com o dispositivo constitucional mencionado, a Lei
Complementar n.º 131 de 2009, que alterou a Lei Complementar n.º 101 de
2000 (Lei de Responsabilidade Fiscal – LRF), para acrescentar dispositivos
relacionados à transparência fiscal, traz a redação do artigo 48-A que valoriza
a realização do controle social das despesas e das receitas públicas por qualquer
pessoa física ou jurídica.
Art. 48-A. Para os fins a que se refere o inciso II do parágrafo único do art. 48, os entes da Federação disponibilizarão a qualquer pessoa física ou jurídica o acesso a informações referentes a: (...) II – quanto à receita: o lançamento e o recebimento de toda a receita das unidades gestoras, inclusive referente a recursos extraordinários;
A partir de uma interpretação extensiva do inciso II do artigo 48-A,
é possível verificar a intenção do legislador de que as informações sobre as
receitas públicas fossem disponibilizadas a qualquer cidadão para que fosse
possível a realização do controle social nos moldes do artigo 48, parágrafo
único do mesmo diploma legal.
Por fim, regulamentando o disposto no artigo 37, parágrafo 3º,
inciso II da Constituição Federal, os princípios da publicidade foram
novamente exaltados em nossa legislação através do advento da Lei n.º 12.527
de 2011 (Lei de Acesso à Informação – LAI). Segundo esse novo aparato
130
legislativo, as administrações públicas devem estar preparadas para fornecer
informações pertinentes à administração do patrimônio público que forem
solicitadas pelos cidadãos, nos moldes do art. 7º, inciso VI da referida lei.
131
EIXO: ADMINISTRAÇÃO E LEGISLAÇÃO FISCAL Número e Nome do Critério CRITÉRIO_ADM07- Legislação Fiscal Descrição do Critério Disponibilização completa, em formado aberto e disponível para download, dos seguintes instrumentos legais: (i) LOA; (ii) LDO; (iii) PPA; (iv) Tributos Estaduais; (v) Demais leis que tratem de matéria fiscal. Devem ser disponibilizados não apenas os instrumentos legislativos vigentes, mas também aqueles revogados nos últimos 5 anos. Peso do Critério 1 ponto Frequência de atualização Diariamente Série histórica mínima A partir de 2010
132
CRITÉRIO_ADM07 - Fundamentação jurídica
A disponibilização de toda a legislação fiscal para consulta e
download do contribuinte, além de um dever do estado, permite o exercício
efetivo do direito à informação e o aprimoramento da confiança e transparência
na relação entre o ente governamental e o cidadão, haja vista que todas as
normas estarão à disposição dos interessados, em consonância com o art. 3º da
Lei de Acesso à Informação. Especialmente seus incisos I, II e III:
Art. 3o Os procedimentos previstos nesta Lei destinam-se a assegurar o direito fundamental de acesso à informação e devem ser executados em conformidade com os princípios básicos da administração pública e com as seguintes diretrizes: I - observância da publicidade como preceito geral e do sigilo como exceção; II - divulgação de informações de interesse público, independentemente de solicitações; III - utilização de meios de comunicação viabilizados pela tecnologia da informação;
Ainda na mesma lei, em seu artigo 7º, há a garantia do direito de
obter:
II - informação contida em registros ou documentos, produzidos ou acumulados por seus órgãos ou entidades, recolhidos ou não a arquivos públicos; III - informação produzida ou custodiada por pessoa física ou entidade privada decorrente de qualquer vínculo com seus órgãos ou entidades, mesmo que esse vínculo já tenha cessado; IV - informação primária, íntegra, autêntica e atualizada;
A disposição dos instrumentos normativos está bem fundamentada
na ideia de privilegiar a legalidade concreta dos atos de aplicação da lei. Neste
caso, exige-se primeiramente conhecer que leis regem o Estado na área fiscal,
para em momento seguinte, do ponto de vista lógico, conhecer os instrumentos
infralegais que transformam a legalidade abstrata em disposições mais
específicas e que àqueles se referem, e nos quais buscam seus fundamentos de
validade.
133
EIXO: ADMINISTRAÇÃO E LEGISLAÇÃO FISCAL Número e Nome do Critério CRITÉRIO_ADM08- Consolidação Anual da Legislação Tributária Descrição do Critério Consolidação anual da legislação tributária municipal disponibilizada na forma do artigo 212 do Código Tributário Nacional. Peso do Critério 1 ponto Frequência de atualização Anual Série histórica mínima A partir de 2010
134
CRITÉRIOS_ ADM08: Fundamentação jurídica
A consolidação da legislação tributária é determinação expressa do
artigo 212 do Código Tributário Nacional:
Art. 212. Os Poderes Executivos federal, estaduais e municipais expedirão, por decreto, dentro de 90 (noventa) dias da entrada em vigor desta Lei, a consolidação, em texto único, da legislação vigente, relativa a cada um dos tributos, repetindo-se esta providência até o dia 31 de janeiro de cada ano.
Além de uma obrigação legal, trata-se de instrumento que facilita a
compreensão, tanto por funcionários públicos quanto por particulares, da
complexa e volumosa legislação que regula o sistema tributário brasileiro.
Sendo assim, promove a transparência do sistema por meio da sistematização
e organização de leis e instrumentos normativos infralegais esparsos.
135
EIXO: ADMINISTRAÇÃO E LEGISLAÇÃO FISCAL Número e Nome do Critério CRITÉRIO_ADM09 - Denúncia Fiscal do Contribuinte Descrição do Critério Permitir que o contribuinte tenha acesso aos atos de apuração e ao resultado da denúncia a qual deu início. Peso do Critério 1 ponto Frequência de atualização Diária Série histórica mínima A partir de 2010
136
CRITÉRIOS_ ADM09: Fundamentação jurídica
A Constituição Federal, a Lei de Responsabilidade Fiscal, a Lei n.º
4.320/1964 e a Lei de Acesso à Informação, procuram exaltar a accountability
e a transparência na gestão pública e, também, incentivar a participação do
cidadão na gestão pública, no planejamento, na fiscalização, no monitoramento
e no controle das ações da administração pública. Sob essa ótica, o controle
social apresenta-se legitimado pela ordem jurídica nacional como uma
poderosa ferramenta no fortalecimento da cidadania.
As denúncias são a forma pela qual os cidadãos podem participar no
controle da arrecadação do Estado. E é necessário a essas denúncias que elas
possam ser acompanhadas, o que possibilita o controle social não apenas das
atividades regulares do fisco, como da própria apuração de possíveis desvios de
conduta.
Além disso, o parágrafo 2º do artigo 74 da Constituição Federal
garante que: “Qualquer cidadão, partido político, associação ou sindicato é
parte legítima para, na forma da lei, denunciar irregularidades ou ilegalidades
perante o Tribunal de Contas da União”.
Assim, a disponibilização das informações sobre o número de
denúncias oferecidas em conjunto com o número das denúncias efetivamente
apuradas, como também a possibilidade de acompanhamento e verificação do
resultado da denúncia realizada pelo contribuinte revelam-se importantes
instrumentos na estrutura de governança da administração pública.
137
EIXO: ADMINISTRAÇÃO E LEGISLAÇÃO FISCAL Número e Nome do Critério CRITÉRIO_ADM10- Benefícios Fiscais Descrição do Critério Publicação e discriminação dos atos do estado que concedem desonerações fiscais, sob o regime, por exemplo, de isenção fiscal, redução de base de cálculo, crédito presumido e regimes especiais, identificando os beneficiários, os valores, o período e a legislação incidente. Peso do Critério 1 ponto Frequência de atualização Mensal Série histórica mínima A partir de 2010
138
EIXO: ADMINISTRAÇÃO E LEGISLAÇÃO FISCAL Número e Nome do Critério CRITÉRIO_ADM11 - Programas de Parcelamento e Anistia Descrição do Critério Disponibilizar os programas de parcelamento e anistia de débitos fiscais, com a respectiva legislação que os instituiu e os valores renunciados pelo Fisco. Também deverão ser informados os valores recuperados pelo Estado com os respectivos programas de parcelamento e anistia. Peso do Critério 1 ponto Frequência de atualização Anual Série histórica mínima A partir de 2010
139
CRITÉRIOS: ADM10, ADM11 - Fundamentação jurídica
Consideram-se desonerações fiscais todas as disposições existentes
na legislação financeira, contábil e tributária que tenham o condão de reduzir
a arrecadação municipal.
Compreende-se que as desonerações fiscais muitas vezes são
concedidas com a finalidade de alcançar objetivos econômicos, ecológicos,
culturais e sociais. Assim, a sociedade deve ser informada de todas as políticas
que influenciem as finanças públicas, tendo em vista que as desonerações
constituem perda de receita para o estado. É necessário que todas as
informações e os diplomas legais que legitimam essas políticas sejam
disponibilizados para a sociedade, a fim de evitar que determinados grupos de
contribuintes sejam exclusivamente beneficiados com a concessão desses
incentivos. Ou então, para que aqueles contribuintes que receberam tais
incentivos sejam cobrados a retornar direta ou indiretamente algum benefício
para a sociedade.
A própria Lei de Responsabilidade Fiscal no art. 1º,§1º, postula:
Art. 1º - § 1o A responsabilidade na gestão fiscal pressupõe a ação planejada e transparente, em que se previnem riscos e corrigem desvios capazes de afetar o equilíbrio das contas públicas, mediante o cumprimento de metas de resultados entre receitas e despesas e a obediência a limites e condições no que tange a renúncia de receita, geração de despesas com pessoal, da seguridade social e outras, dívidas consolidada e mobiliária, operações de crédito, inclusive por antecipação de receita, concessão de garantia e inscrição em Restos a Pagar [...]
O mesmo diploma legal em seu artigo 14, também determina:
Art. 14. A concessão ou ampliação de incentivo ou benefício de natureza tributária da qual decorra renúncia de receita deverá estar acompanhada de estimativa do impacto orçamentário-financeiro no exercício em que deva iniciar sua vigência e nos dois seguintes, atender ao disposto na lei de diretrizes orçamentárias e a pelo menos uma das seguintes condições: I - demonstração pelo proponente de que a renúncia foi considerada na estimativa de receita da lei orçamentária, na forma do art. 12, e de que não afetará as metas de resultados fiscais previstas no anexo próprio da lei de diretrizes orçamentárias;
140
A informação sobre as desonerações fiscais concedidas, além de
amparadas pela ordem jurídica nacional, são fundamentais para que os
cidadãos possam exercer o controle social das atividades do fisco.
Destaca-se que em matéria veiculada no jornal Valor Econômico54,
apenas no ano de 2012, a expectativa era de que as desonerações fiscais
somassem o montante de R$ 42 bilhões de reais.
Nesse sentido, em consonância com o diploma constitucional em
seu art. 5º, XXXIII, a Lei Complementar n.º 131 de 2009, traz a redação do art.
48-A que valoriza a realização do controle social das despesas e das receitas
públicas por qualquer pessoa física ou jurídica.
Regulamentando o disposto no art. 37, parágrafo 3º, inciso II da
Constituição Federal, a Lei de Acesso à Informação dispõe que as
administrações públicas devem estar preparadas para fornecer informações
pertinentes à administração do patrimônio público que forem solicitadas pelos
cidadãos, nos moldes do art. 7º, inciso VI da referida lei, desde que não sejam
classificadas como sigilosas pelo Estado.
Além disso, a transparência ativa consiste na atuação espontânea do
Estado, sem que haja prévia solicitação do cidadão pelas informações,
especialmente as de interesse público, de forma a evitar que os pedidos
individuais venham a ser feitos. A importância das informações relativas às
desonerações fiscais demanda esse tipo de postura do Estado, que deve antever
as demandas sociais por informação.
A anistia é uma das causas de exclusão do crédito tributário, prevista
no artigo 180 e nos dois seguintes do Código Tributário Nacional. Esta medida
em favor do contribuinte dispensa o pagamento de penalidades e multas que
punem o descumprimento de alguma obrigação tributária acessória ou
principal.
54 Disponível em: http://www.valor.com.br/brasil/1135370/desoneracoes-podem-somar-r-42-bi-em-2012
141
A concessão da anistia poderá ocorrer em caráter geral (art. 181, I do
CTN) ou específico (art. 181, II do CTN), sempre mediante lei que a institui. No
caso de concessão de anistia em caráter específico, o contribuinte interessado
deverá provar à autoridade administrativa que preenche os requisitos previstos
na lei.
Art. 182. A anistia, quando não concedida em caráter geral, é efetivada, em cada caso, por despacho da autoridade administrativa, em requerimento com a qual o interessado faça prova do preenchimento das condições e do cumprimento dos requisitos previstos em lei para sua concessão.
Ressalte-se que a transparência na identificação de quais são os
beneficiários (gerais ou específicos) de algum programa de anistia é
fundamental para que haja um controle maior da população em relação às
renúncias fiscais adotadas pelo poder público. A própria Lei de
Responsabilidade Fiscal clama, em sua essência, que deverá haver um rígido
controle acerca das renúncias fiscais. De fato, conforme o artigo 1º,§1º da LRF:
Art. 1º - § 1o A responsabilidade na gestão fiscal pressupõe a ação planejada e transparente, em que se previnem riscos e corrigem desvios capazes de afetar o equilíbrio das contas públicas, mediante o cumprimento de metas de resultados entre receitas e despesas e a obediência a limites e condições no que tange a renúncia de receita, geração de despesas com pessoal, da seguridade social e outras, dívidas consolidada e mobiliária, operações de crédito, inclusive por antecipação de receita, concessão de garantia e inscrição em Restos a Pagar [...]
É importante que o estado se preocupe em apresentar as
informações relativas aos valores renunciados pelo Fisco, bem como os valores
recuperados pelo estado com os respectivos programas de parcelamento e
anistia. Entende-se que a sociedade deva ser informada de todas as políticas
que influenciem as finanças públicas, tendo em vista que os programas de
parcelamento e anistia constituem perda de receita para o estado. Com efeito,
142
a disponibilização dessas informações é fundamental para que os cidadãos
possam exercer o controle social das finanças públicas.
EIXO: ADMINISTRAÇÃO E LEGISLAÇÃO FISCAL Número e Nome do Critério CRITÉRIO_ADM12 - Transferências Obrigatórias Descrição do Critério Disponibilizar os valores recebidos da União, e recebidos do Estado, conforme os artigos 158 e 159 da Constituição Federal. Peso do Critério 1 ponto Frequência de atualização Mensal Série histórica mínima A partir de 2010
143
EIXO: ADMINISTRAÇÃO E LEGISLAÇÃO FISCAL Número e Nome do Critério CRITÉRIO_ADM13 - Transferências Voluntárias Descrição do Critério Disponibilizar os valores voluntariamente recebidos da União e do Estado, à luz do artigo 25 da Lei Complementar 101/2000. Peso do Critério 1 ponto Frequência de atualização Mensal Série histórica mínima A partir de 2010
144
CRITÉRIOS: ADM12, ADM13 - Fundamentação jurídica
As transferências de receitas públicas entre os entes públicos podem
ser obrigatórias ou voluntárias. As transferências obrigatórias são arrecadadas
pela pessoa jurídica competente, mas a ela não pertencem, devendo ser
transpassadas a outras pessoas jurídicas menores, estados e municípios devido
à repartição constitucional.
O artigo 157 e outros seguintes da Constituição Federal estabelecem
repasses ou transferências obrigatórias da União para Estados e Municípios e
dos Estados para seus Municípios. Ambas as receitas são chamadas de
transferências obrigatórias, porque não cabe ao ente que repassa impor
condições além das já estabelecidas pela Constituição.
De acordo com o disposto artigo 158, III e IV da Constituição
Federal, em âmbito estadual, cabe aos estados repassar a seus respectivos
municípios 50% do imposto sobre a propriedade de veículos automotores
(IPVA) e 25% sobre a arrecadação do imposto sobre circulação de mercadorias
e serviços (ICMS).
Ao lado das transferências obrigatórias, há também as receitas
transferidas voluntárias. Por transferências voluntárias o artigo 25 da Lei de
Responsabilidade Fiscal entende: “a entrega de recursos correntes ou de capital
a outro ente da Federação, a título de cooperação, auxílio ou assistência
financeira, que não decorra de determinação constitucional, legal ou os
destinados ao Sistema Único de Saúde”. Esse repasse voluntário decorre sem
que haja nenhuma imposiçãoconstitucional ou legal.
A disponibilização das informações relativas às transferências
obrigatórias e voluntárias dimensiona a dependência ou independência dos
municípios em relação à União e aos Estados. Nesse sentido, essas informações
também oferecem subsídios aos contribuintes para que possam pleitear
políticas públicas específicas.
Em relação às transferências obrigatórias, os contribuintes poderão
exercer o controle social fiscalizando o repasse do ente federativo responsável.
145
Já em relação às transferências voluntárias, passa a ser possível verificar a
capacidade e competência dos entes em receber verbas que muitas vezes
dependem da formulação de projetos, da formação de uma estrutura
organizacional que permita e estimule o repasse de verbas dessa natureza, bem
como permite à sociedade verificar a correta utilização dessas receitas.
A Lei Complementar n.º 131 de 2009, traz nova redação ao artigo
48-A da LRF, que valoriza a realização do controle social das despesas e das
receitas públicas por qualquer pessoa física ou jurídica.
Art. 48-A. Para os fins a que se refere o inciso II do parágrafo único do art. 48, os entes da Federação disponibilizarão a qualquer pessoa física ou jurídica o acesso a informações referentes a: II – quanto à receita: o lançamento e o recebimento de toda a receita das unidades gestoras, inclusive referente a recursos extraordinários.
Interpretando extensivamente o inciso II do artigo 48-A é possível
verificar a intenção do legislador de que as receitas públicas fossem
disponibilizadas a qualquer cidadão para que fosse possível a realização do
controle social nos moldes do artigo 48, parágrafo único do mesmo diploma
legal.
Corroborando esse entendimento, a Lei de Acesso à Informação
determina que as administrações públicas devam estar preparadas para
fornecer as informações que forem solicitadas pelos cidadãos. Especialmente
no artigo 8º dessa lei, que dispõe:
Art. 8o É dever dos órgãos e entidades públicas promover, independentemente de requerimentos, a divulgação em local de fácil acesso, no âmbito de suas competências, de informações de interesse coletivo ou geral por eles produzidas ou custodiadas. § 1o Na divulgação das informações a que se refere o caput, deverão constar, no mínimo: (...) II - registros de quaisquer repasses ou transferências de recursos financeiros;
146
Dessa forma, além da previsão expressa na Lei de Acesso à
Informação, da mudança de paradigma da transparência efetuada por essa lei
e pela Lei da Transparência, as receitas transferidas são informações
importantes e, em muitos casos, constituem parcela importante, em conjunto
com a arrecadação tributária própria, dos recursos que os entes públicos
dispõem para realizar suas políticas e projetos de desenvolvimento, social e
econômico.
147
EIXO: ADMINISTRAÇÃO E LEGISLAÇÃO FISCAL Número e Nome do Critério CRITÉRIO_ADM14 - Recursos Humanos do Fisco Descrição do Critério Números comparáveis entre os de fiscais de tributos (com os respectivos nomes e identificação), e os cadastros de contribuintes, pessoas físicas e jurídicas. Peso do Critério 1 ponto Frequência de atualização Anual Série histórica mínima A partir de 2010
148
CRITÉRIO_ADM14 - Fundamentação jurídica
A Lei de Acesso à informação (Lei n.º 12.527/2011) em seu artigo 8º
estabelece o dever de informar a estrutura organizacional dos órgãos públicos.
Nesse contexto encontram-se também as Administrações Fiscais dos
municípios, que devem informar suas respectivas estruturas.
De fato, tal informação é relevante, mas faz-se necessário cotejar a
estrutura de que dispõe cada Administração Fiscal com a realidade em que ela
está inserta. Sendo assim, comparar o número de fiscais existentes em um
estado com o número de contribuintes, sejam pessoas físicas ou jurídicas, é de
relevância cervical para se compreender se o capital humano disponível em
cada fisco é suficiente para fazer frente à necessidade de fiscalização das
atividades tributantes desenvolvidas pelos particulares.
Assim, esses dados podem oferecer critérios para avaliação da
eficiência do fisco e da administração tributária como um todo, que depende de
seus profissionais para a realização de uma efetiva fiscalização na arrecadação
de tributos.
149
EIXO: ADMINISTRAÇÃO E LEGISLAÇÃO FISCAL Número e Nome do Critério CRITÉRIO_ADM15- Dívida Ativa Descrição do Critério Disponibilizar os valores inscritos na dívida ativa com os nomes dos respectivos devedores, além do estoque de devedores já inscritos (também com os respectivos nomes e valores devidos). Peso do Critério 1 ponto Frequência de atualização Diária Série histórica mínima Não se aplica.
150
CRITÉRIO_ADM15 - Fundamentação jurídica
A dívida ativa caracteriza-se como o crédito, tributário ou não,
escriturado como receita, esgotado o prazo para pagamento, e inscrito na forma
da lei55. A Lei n.º 4.320/1964 em seu artigo 39, § 2º, 56 define dívida ativa
como:
O crédito da Fazenda Pública dessa natureza, proveniente de obrigação legal relativa a tributos e respectivos adicionais e multas, e Dívida Ativa não Tributária são os demais créditos da Fazenda Pública, tais como os provenientes de empréstimos compulsórios, contribuições estabelecidas em lei, multa de qualquer origem ou natureza, exceto as tributárias, foros, laudêmios, alugueis ou taxas de ocupação, custas processuais, preços de serviços prestados por estabelecimentos públicos, indenizações, reposições, restituições, alcances dos responsáveis definitivamente julgados, bem assim os créditos decorrentes de obrigações em moeda estrangeira, de subrogação de hipoteca, fiança, aval ou outra garantia, de contratos em geral ou de outras obrigações legais.
A administração tributária é fundamental para a consecução da
arrecadação a que visa o Estado. No curso da composição do erário, a dívida
ativa representa a fase de cobrança judicial do tributo exequível, após a
frustração da tentativa de carreá-lo para a administração pública, por meio do
lançamento que a precede.
Torna-se relevante, então, saber quanto o município inscreve
anualmente em dívida ativa e quem são os devedores desses valores, pois essa
informação permitiria avaliar os níveis de inadimplência bem como identificar
os grandes devedores ao erário municipal. A partir desse dado a sociedade
poderia exercer o controle social fiscalizando e combatendo a sonegação.
55 OLIVEIRA, Régis F. Curso de Direito Financeiro. 4ª ed. São Paulo: RT, 2011. p. 431. 56 A lei 6830/1980 em seu artigo 2º ratifica o artigo 39 da lei 4320/1964 - Art. 2º - Constitui Dívida Ativa da Fazenda Pública aquela definida como tributária ou não tributária na Lei n.º 4.320, de 17 de março de 1964, com as alterações posteriores, que estatui normas gerais de direito financeiro para elaboração e controle dos orçamentos e balanços da União, dos Estados, dos Municípios e do Distrito Federal.
151
Ainda que não existam dispositivos legais específicos, o diploma
legal n.º 12.527 de 18 de novembro de 2011, garante o acesso às informações
pertinentes à administração pública.
152
EIXO: CONTENCIOSO ADMINISTRATIVO FISCAL
Elaborado por:
Basile Georges Campos Christopoulos
Daniel Leib Zugman
Frederico Silva Bastos
Guilherme Villela de Viana Bandeira
Roberto Tagliari Cestari
153
BANCOS DE DADOS/DOCUMENTOS
154
EIXO: CONTENCIOSO ADMINISTRATIVO FISCAL Banco de Dados BANCO_CAF01 - Autos de Infração Lavrados Descrição do Critério Acesso a informações referentes a todos os documentos dos autos de infração com os respectivos termos de verificação (sem necessidade de publicar as provas e documentos do contribuinte), com, pelo menos, todas as informações exigidas por lei de acordo com o art. 10 do Decreto 70.235 de 1972. Peso do Critério 5 pontos (0,5 por ano) Frequência de atualização Diária Série histórica mínima A partir de 2010
155
BANCO_CAF01 - Fundamentação jurídica
Infelizmente a ausência de lei federal regulamentando normas
gerais para o processo administrativo tributário estadual ou municipal cria uma
absoluta descentralização destas normas. Não é demais frisar que há, no Brasil,
26 estados, 1 distrito federal e 5.564 municípios, todos interessados em normas
que dizem respeito ao processo administrativo fiscal.
Tendo em vista a ausência legislativa federal, caberá ao Estado a
competência plena para edição de normas gerais referentes ao processo
administrativo tributário.
Ora, se na esfera municipal já existem sérios óbices para a
transparência da legalidade in abstrato, o que se dirá da transparência in
concreto, isto é, no controle da legalidade dos atos individuais da
administração pública.
Um importante ato administrativo, e que por ter tal natureza deve
ser controlado, é o lançamento tributário. O melhor e mais eficaz modo de
exercer o controle sobre os atos individuais que relacionam sujeitos com a
administração pública é por meio da divulgação de toda e qualquer informação
que possa ser aberta ao domínio público. Sob esta perspectiva, em resumo, o
lançamento tributário, em qualquer de suas formas57 (inclui-se aí o lançamento
de ofício) deve, sempre que possível, ser público.
Contudo, pouca informação atualmente vem sendo divulgada a
respeito de autos de infração lavrados em âmbito municipal, principalmente
sobre os processos administrativos fiscais que se encontram em andamento em
primeiro grau. Uma vez que autos de infração são responsáveis por parte da
arrecadação municipal, bem como pela transferência de receita para os
Municípios em alguns casos, a ampla divulgação de sua composição é desejável
tanto para a prestação de conta aos cidadãos como para as administrações
municipais que recebem esses recursos.
57 Consideramos aqui as modalidades a) de ofício; b) por declaração; c) por homologação
156
O Decreto n.º 70.235, de 1972 , em seu artigo 10º, estabelece que
qualquer auto de infração deverá conter as seguintes informações mínimas:
Art. 10. O auto de infração será lavrado por servidor competente, no local da verificação da falta, e conterá obrigatoriamente: I - a qualificação do autuado; II - o local, a data e a hora da lavratura; III - a descrição do fato; IV - a disposição legal infringida e a penalidade aplicável; V - a determinação da exigência e a intimação para cumpri-la ou impugná-la no prazo de trinta dias; VI - a assinatura do autuante e a indicação de seu cargo ou função e o número de matrícula.
A necessidade de divulgação dessas informações é fundamental para
que sejam identificados possíveis vícios ou inconsistências, bem como garantir
ao autuado ampla possibilidade de defesa. Ademais, haverá um controle social
mais intenso, o que pode inibir ações impróprias realizadas pela administração
pública, como, por exemplo, autuações indevidas.
Desde que não haja desrespeito a algum direito individual, não há
como falar em sigilo. Aliás, esse é preceito estabelecido na própria Lei de Acesso
à Informação, conforme disposto em seu art. 3º, I:
Art. 3º Os procedimentos previstos nesta Lei destinam-se a assegurar o direito fundamental de acesso à informação e devem ser executados em conformidade com os princípios básicos da administração pública e com as seguintes diretrizes: I - observância da publicidade como preceito geral e do sigilo como exceção.
É cristalino que, a partir da edição da Lei de Acesso, o sigilo passou
a ser a exceção. Quer dizer, em uma primeira análise, não haveria razão ao sigilo
de atos da administração pública, mormente os autos de infração. Trazendo a
discussão ao âmbito municipal, não há razão argumentativa que sustente a
impossibilidade de liberação das informações. O próprio STF já sedimentou
157
jurisprudência que relativiza o sigilo fiscal em prol de outros princípios, como,
por exemplo, o do interesse público58.
Ademais, impossível elencar aqui as benéficas consequências de
uma ampla publicidade de informações contidas nos autos de infração. Uma
delas, por exemplo, é uma maior garantia à segurança jurídica, uma vez que o
contribuinte poderá ter, a sua disposição, informações sobre como a
Administração Pública trata determinado fato, ou de que maneira ela aplica
sanções. Isso pode ser decisivo para que se evitem futuros processos
administrativos, uma vez que permite uma maior antecipação do contribuinte
- inclusive por meio de denúncia espontânea. Segundo HUGO DE BRITO
MACHADO SEGUNDO, a publicidade viabiliza “a participação das partes, bem
como um controle, por parte da opinião pública, da função de julgar”59.
Com a disponibilização destas informações, haverá também maior
possibilidade de defesa. Como já julgou o STJ, o processo administrativo é nulo
se não há acesso aos autos (inclusive ao auto de infração), o que poderia, em
alguns casos, dificultar o exercício da ampla defesa.
58 STF - MS n.º 21.729-4/DF. 59 MACHADO SEGUNDO, Hugo de Brito. Processo Tributário. 4. ed. São Paulo: Atlas, 2009, p.25.
158
EIXO: CONTENCIOSO ADMINISTRATIVO FISCAL Banco de Dados BANCO_CAF02 - Decisões de Processos Administrativos – 1ª Instância
Descrição do Critério Disponibilização das decisões proferidas em primeira instância administrativa fiscal em formato aberto. Deve ser disponibilizada pesquisa por diversos critérios, como: nome do contribuinte (pessoa física ou jurídica), número do processo, palavra contida na ementa ou no corpo da decisão, nome do relator, órgão julgador e data do julgamento.
Peso do Critério 5 pontos (0,5 por ano)
Frequência de atualização Diária
Série histórica mínima A partir de 2010
159
EIXO: CONTENCIOSO ADMINISTRATIVO FISCAL Banco de Dados BANCO_CAF03 - Decisões de Processos Administrativos – 2ª Instância
Descrição do Critério Disponibilização das decisões proferidas em segunda instância administrativa fiscal em formato aberto. Deve ser disponibilizada pesquisa por diversos critérios, como: nome do contribuinte (pessoa física ou jurídica), número do processo, palavra contida na ementa ou no corpo da decisão, nome do relator, órgão julgador e data do julgamento.
Peso do Critério 5 pontos (0,5)
Frequência de atualização Diária
Série histórica mínima A partir de 2010
160
BANCO_CAF02, BANCO_CAF03 - Fundamentação jurídica
A finalidade do processo administrativo é a resolução do conflito por
meio de uma decisão. Como os órgãos julgadores fiscais estaduais fazem parte
da administração pública, deverá haver ampla e irrestrita divulgação de suas
atividades, como apregoa o princípio da publicidade (art. 5º LX e art. 37 da
Constituição Federal).
Além de prestar ao pleno exercício da publicidade, a divulgação das
decisões administrativas auxilia também no controle da segurança jurídica e da
não surpresa, que, em uma breve definição, são garantias prestadas às pessoas
para que possam conduzir suas relações sociais de maneira tranquila. Com o
reconhecimento das posições que são tomadas pelos órgãos julgadores fiscais
– através de decisões anteriores – o cidadão poderá empreender maior
precaução ao realizar atos sujeitos à administração tributária, de modo a
reduzir o número de possíveis infrações futuras.
A Lei de Acesso à Informação traz em seu artigo 8º, §2º a
obrigatoriedade do próprio órgão em divulgar informações por ele produzidas.
Art. 8º É dever dos órgãos e entidades públicas promover, independentemente de requerimentos, a divulgação em local de fácil acesso, no âmbito de suas competências, de informações de interesse coletivo ou geral por eles produzidas ou custodiadas. § 2º Para cumprimento do disposto no caput, os órgãos e entidades públicas deverão utilizar todos os meios e instrumentos legítimos de que dispuserem, sendo obrigatória a divulgação em sítios oficiais da rede mundial de computadores (internet).
As decisões divulgadas devem compactuar com o disposto no §3º do
mesmo artigo da Lei:
§ 3o Os sítios de que trata o § 2o deverão, na forma de regulamento, atender, entre outros, aos seguintes requisitos: I - conter ferramenta de pesquisa de conteúdo que permita o acesso à informação de forma objetiva, transparente, clara e em linguagem de fácil compreensão; II - possibilitar a gravação de relatórios em diversos formatos eletrônicos, inclusive abertos e não proprietários, tais como planilhas e texto, de modo a facilitar a análise das informações;
161
III - possibilitar o acesso automatizado por sistemas externos em formatos abertos, estruturados e legíveis por máquina; IV - divulgar em detalhes os formatos utilizados para estruturação da informação; V - garantir a autenticidade e a integridade das informações disponíveis para acesso; VI - manter atualizadas as informações disponíveis para acesso.
Não bastasse o exposto, o artigo 5º da Constituição da República em
seu inciso LX estabelece que a lei só poderá restringir a publicidade dos atos
processuais quando a defesa da intimidade ou o interesse social o exigirem.
Essa disposição é reforçada pelo artigo 93, inciso X, do texto constitucional, que
dispõe o seguinte: as decisões administrativas dos tribunais serão motivadas e
em sessão pública, sendo as disciplinares tomadas pelo voto da maioria
absoluta de seus membros.
Sendo assim, a possibilidade de consulta por todos os cidadãos às
decisões proferidas em processos administrativos fiscais, em todas as
instâncias tornam efetivas as disposições constitucionais acima colacionadas,
além dos princípios da publicidade, transparência, acesso à informação,
segurança jurídica e do devido processo legal.
Isso permitirá identificar a formação de tendências no julgamento
de processos administrativos fiscais, o que não significa dizer que eventual
“tendência” implica parcialidade dos julgadores. Inclusive, pela sua natureza
de atos administrativos, que gozam de presunção de veracidade e auto-
executoriedade, é possível os números favoráveis ao Fisco sejam maiores, sem
que por isso a imparcialidade seja questionada.
Sob outra perspectiva, um dado dessa natureza pode desestimular
os contribuintes a recorrerem ao contencioso administrativo e incentivá-los ao
recolhimento do tributo, o que é benéfico para todos. De outro lado, eventuais
números acentuadamente desproporcionais em favor dos Fiscos também
podem ser vistos de maneira negativa pela sociedade, fato que dá subsídio ao
controle social, prerrogativa legítima da sociedade.
162
Somando-se a isso o artigo 37 da Carta, que consagra, dentre outros,
os princípios da legalidade, da publicidade e da eficiência na Administração
Pública, e a Lei de Acesso à Informação, que estabelece a transparência como
regra e o sigilo como exceção, a divulgação da informação em comento é
medida que se impõe.
Afinal, a atividade “jurisdicional” exercida pelos Fiscos estaduais
nos processos administrativos fiscais é de natureza pública e interessa à
sociedade brasileira. Portanto, conhecer o seu funcionamento, seus resultados
e sua dinâmica como um todo é um direito de todos os cidadãos, assegurado
por diversos diplomas legais e pela própria Constituição Federal, conforme
supramencionado.
Ademais, comparar os números favoráveis ao Fisco com os números
favoráveis ao contribuinte permite avaliar a eficiência da Administração
Tributária no que diz respeito à atividade de autuação fiscal. Visto que o auto
de infração é ato administrativo que goza de presunção de veracidade e auto-
executoriedade, desdobramentos do princípio da legalidade, é de se pressupor
que o número de autos procedentes será maior que os demais, caso contrário
será questionado o respeito ao aludido princípio pela própria Administração
Pública, trazendo questionamentos também em relação à eficiência do Fisco na
arrecadação via autos de infração.
163
CRITÉRIOS
164
EIXO: CONTENCIOSO ADMINISTRATIVO FISCAL Número e Nome do Critério CRITÉRIO_CAF01 - Requisições de informação e respectivas respostas Descrição do Critério Todos os pedidos de acesso à informação relativos ao contencioso administrativo fiscal devem ser disponibilizados nos portais de transparência, assim como as respectivas respostas. Peso do Critério 1 ponto Frequência de atualização Diária Série histórica mínima A partir de 2012
165
CRITÉRIO_CAF01 - Fundamentação jurídica A Lei de Acesso à informação (Lei n.º 12.527/2011) em seu artigo 10º
estabelece há a possibilidade de qualquer pessoa interessada – física ou jurídica
– requerer informações dos órgãos públicos.
Art. 10. Qualquer interessado poderá apresentar pedido de acesso a informações aos órgãos e entidades referidos no art. 1o desta Lei, por qualquer meio legítimo, devendo o pedido conter a identificação do requerente e a especificação da informação requerida.
Mais especificamente, no §2º do mesmo artigo, o acesso aos
referidos pedidos de informações adicionais devem ser viabilizados no sítio
oficial da internet.
§ 2º Os órgãos e entidades do poder público devem viabilizar alternativa de encaminhamento de pedidos de acesso por meio de seus sítios oficiais na internet.
Assim, a melhor maneira de controle à disponibilização das
informações nos sítios oficiais é o próprio interessado formular requerimento
de pedido de acesso por meio do portal de transparência. Entretanto é evidente
que a efetividade desta nova ferramenta de requerimentos poderia ser minada
caso todo o procedimento de pedido (bem como a aceitação ou recusa pelo
órgão público) fosse sigiloso. Haveria uma liberalidade muito maior por parte
da entidade governamental em recusar a prestar informações, visto que não
haveria uma efetiva prestação de contas a respeito da publicidade desses atos
de recusa.
Consequentemente, mais relevante do que a disponibilização de
informações requeridas é também a disponibilização da eventual recusa na
prestação destas informações pedidas – que, segundo a mesma lei, deve ser
fundamentada em razões de fato ou direito, ou, ainda, em razões acerca da
natureza sigilosa da informação. Dessa forma, a recusa da informação deve
sempre possuir natureza pública, de forma que qualquer cidadão possa aceitar
ou contestar quais informações estão sendo recusadas a serem prestadas e
quais razões relevantes para tal postura dos órgãos públicos.
Apesar de a publicidade nos procedimentos de pedidos de acesso à
informação não ser explícita na lei, uma interpretação do art. 3º, I, da Lei de
166
Acesso à Informação, que dispõe a publicidade como regra e o sigilo como
exceção, em conjunto com o caputdo art. 37 da Constituição somente pode
levar à conclusão pela publicidade absoluta desses pedidos que em verdade
possibilitam o controle social de todas as demais informações requeridas.
167
EIXO: CONTENCIOSO ADMINISTRATIVO FISCAL Número e Nome do Critério CRITÉRIO_CAF02 - Composição dos Autos de Infração Lavrados Descrição do Critério Informar a quantidade de autos de infrações fiscais lavrados, bem como o valor dos autos somados, e segregados em: tributo, tipos de multas e juros. Peso do Critério 1 ponto Frequência de atualização Semestral Série histórica mínima A partir de 2010
168
EIXO: CONTENCIOSO ADMINISTRATIVO FISCAL Número e Nome do Critério CRITÉRIO_CAF03 - Informações Adicionais dos Autos de Infração Descrição do Critério Informar para cada auto de infração: valores autuados; valores impugnados e valores cancelados ou anulados. Peso do Critério 1 ponto Frequência de atualização Semestral Série histórica mínima A partir de 2010
169
EIXO: CONTENCIOSO ADMINISTRATIVO FISCAL Número e Nome do Critério CRITÉRIO_CAF04 - Valores efetivamente arrecadados com autuações Descrição do Critério Informar valores efetivamente arrecadados com autuações. A informação deverá ser disponibilizada segregando-se: valores arrecadados durante o prazo estipulado no auto de infração; valores arrecadados durante a impugnação administrativa; e valores arrecadados após decisão irrecorrível (ou não recorrida). Peso do Critério 1 ponto Frequência de atualização Semestral Série histórica mínima A partir de 2010
170
CRITÉRIOS: CAF02, CAF03, CAF04 - Fundamentação jurídica
O processo administrativo é muitas vezes iniciado por meio da
lavratura de um auto de infração, que nada mais é do que um ato de lançamento
de ofício, operacionalizadode forma unilateral pelo poder público. Assim, o
auto de infração cumpre a função de autorizar a administração tributária
competente a realizar a atividade de lançamento e/ou imposição de sanção. No
último caso, quando não verificado o correto cumprimento dos deveres legais
pelo sujeito passivo - como o autolançamento do tributo ou a observância de
obrigações acessórias.
É documento oficial e formal, cujas informações devem estar sempre
claras, corretas e simples. O Decreto n.º 70.235 de 1972 regulamenta os
procedimentos administrativos fiscais para créditos pertencentes à União
Federal, bem como caracteriza normas gerais para autos de infração lavrados
em âmbito federal. Não existe até o momento lei nacional que possa ser
aplicada pelos outros entes federados
Infelizmente a ausência de lei federal regulamentando normas
gerais para o processo administrativo tributário estadual ou municipal cria uma
absoluta descentralização destas normas. Não é demais frisar que há, no Brasil,
26 estados, 1 distrito federal e 5.564 municípios, todos interessados em normas
que dizem respeito ao processo administrativo fiscal.
Um importante ato administrativo, e que por ter tal natureza deve
ser controlado, é o lançamento tributário. O melhor e mais eficaz modo de
exercer o controle sobre os atos individuais que relacionam sujeitos com a
administração pública é por meio da divulgação de toda e qualquer informação
que possa ser aberta ao domínio público. Sob esta perspectiva, em resumo, o
lançamento tributário, em qualquer de suas formas60 (inclui-se aí o lançamento
de ofício) deve, sempre que possível, ser público.
Contudo, pouca informação atualmente vem sendo divulgada a
respeito de autos de infração lavrados em âmbito municipal, principalmente
60 Consideramos aqui as modalidades a) de ofício; b) por declaração; c) por homologação
171
sobre os processos administrativos fiscais que se encontram em andamento em
primeiro grau. Uma vez que autos de infração são responsáveis por parte da
arrecadação municipal, bem como pela transferência de receita para os
Municípios em alguns casos, a ampla divulgação de sua composição é desejável
tanto para a prestação de conta aos cidadãos como para as administrações
municipais que recebem esses recursos.
O Decreto n.º 70.235, de 1972 , em seu artigo 10º, estabelece que
qualquer auto de infração deverá conter as seguintes informações mínimas:
Art. 10. O auto de infração será lavrado por servidor competente, no local da verificação da falta, e conterá obrigatoriamente: I - a qualificação do autuado; II - o local, a data e a hora da lavratura; III - a descrição do fato; IV - a disposição legal infringida e a penalidade aplicável; V - a determinação da exigência e a intimação para cumpri-la ou impugná-la no prazo de trinta dias; VI - a assinatura do autuante e a indicação de seu cargo ou função e o número de matrícula.
A necessidade de divulgação dessas informações é fundamental para
que sejam identificados possíveis vícios ou inconsistências, bem como garantir
ao autuado ampla possibilidade de defesa. Ademais, haverá um controle social
mais intenso, o que pode inibir ações impróprias realizadas pela administração
pública, como, por exemplo, autuações indevidas.
Desde que não haja desrespeito a algum direito individual, não há
como falar em sigilo. Aliás, esse é preceito estabelecido na própria Lei de Acesso
à Informação, conforme disposto em seu art. 3º, I:
Art. 3º Os procedimentos previstos nesta Lei destinam-se a assegurar o direito fundamental de acesso à informação e devem ser executados em conformidade com os princípios básicos da administração pública e com as seguintes diretrizes: I - observância da publicidade como preceito geral e do sigilo como exceção.
172
É cristalino que, a partir da edição da Lei de Acesso, o sigilo passou
a ser a exceção. Quer dizer, em uma primeira análise, não haveria razão ao sigilo
de atos da administração pública, mormente os autos de infração. Trazendo a
discussão ao âmbito municipal, não há razão argumentativa que sustente a
impossibilidade de liberação das. O próprio STF já sedimentou jurisprudência
que relativiza o sigilo fiscal em prol de outros princípios, como, por exemplo, o
do interesse público61.
Ademais, impossível elencar aqui as benéficas consequências de
uma ampla publicidade de informações contidas nos autos de infração. Uma
delas, por exemplo, é uma maior garantia à segurança jurídica, uma vez que o
contribuinte poderá ter, a sua disposição, informações sobre como a
Administração Pública trata determinado fato, ou de que maneira ela aplica
sanções. Isso pode ser decisivo para que se evitem futuros processos
administrativos, uma vez que permite uma maior antecipação do contribuinte
- inclusive por meio de denúncia espontânea. Segundo HUGO DE BRITO
MACHADO SEGUNDO, a publicidade viabiliza “a participação das partes, bem
como um controle, por parte da opinião pública, da função de julgar”62.
Com a disponibilização destas informações, haverá também maior
possibilidade de defesa. Como já julgou o STJ, o processo administrativo é nulo
se não há acesso aos autos (inclusive ao auto de infração), o que poderia, em
alguns casos, dificultar o exercício da ampla defesa.
61 STF - MS n.º 21.729-4/DF. 62 MACHADO SEGUNDO, Hugo de Brito. Processo Tributário. 4. ed. São Paulo: Atlas, 2009, p.25.
173
EIXO: CONTENCIOSO ADMINISTRATIVO FISCAL Número e Nome do Critério CRITÉRIO_CAF05 - Andamentos Processuais Descrição do Critério Divulgação de todos os andamentos processuais que digam respeito tanto às atividades das partes quanto aos atos do órgão julgador, sem a utilização de siglas ou abreviações de uso interno do respectivo órgão. Peso do Critério 1 ponto Frequência de atualização Diária Série histórica mínima Não se aplica (devem constar todos os andamentos, desde o início do trâmite dos processos).
174
EIXO: CONTENCIOSO ADMINISTRATIVO FISCAL Número e Nome do Critério CRITÉRIO_CAF06 - Pautas de Julgamento Descrição do Critério Divulgação das pautas de julgamentos de processos administrativos em todas as instâncias com antecedência mínima de 7 (sete) dias úteis à data do julgamento. Peso do Critério 1 ponto Frequência de atualização Semanal Série histórica mínima 1 ano
175
EIXO: CONTENCIOSO ADMINISTRATIVO FISCAL Número e Nome do Critério CRITÉRIO_CAF07 - Composição dos Órgãos Julgadores de Primeira e Segunda Instância Descrição do Critério Divulgação dos nomes dos membros que compõem todos os órgãos de primeira instância e segunda instância que têm competência para julgar processos administrativos fiscais. Peso do Critério 1 ponto Frequência de atualização Não se aplica. Toda vez que houver alteração nos quadros. Série histórica mínima Não se aplica.
176
EIXO: CONTENCIOSO ADMINISTRATIVO FISCAL Número e Nome do Critério
CRITÉRIO_CAF08-Produtividade dos Órgãos Julgadores e dos Julgadores em Primeira Instância Descrição do Critério Divulgação da produtividade (mensal, semestral e anual) dos órgãos julgadores de primeira instância; e de cada julgador individualmente considerado. A produtividade do órgão julgador é medida a partir da relação do número de processos julgados com o número de novos processos ingressantes. Também deve ser indicada a quantidade de processos estocados pendentes de julgamento a cada mês, semestre e ano. Peso do Critério 1 ponto Frequência de atualização Mensal Série histórica mínima A partir de 2012
177
EIXO: CONTENCIOSO ADMINISTRATIVO FISCAL Número e Nome do Critério
CRITÉRIO_CAF09 - Produtividade dos Órgãos Julgadores e dos Julgadores em Segunda Instância Descrição do Critério Divulgação da produtividade (mensal, semestral e anual) dos órgãos julgadores de segunda instância; e de cada julgador individualmente considerado. A produtividade do órgão julgador é medida a partir da relação do número de processos julgados com o número de novos processos ingressantes. Também deve ser indicada a quantidade de processos estocados pendentes de julgamento a cada mês, semestre e ano. No caso de julgador de órgão colegiado, devem ser computados os processos de sua relatoria. Peso do Critério 1 ponto Frequência de atualização Mensal Série histórica mínima A partir de 2012
178
EIXO: CONTENCIOSO ADMINISTRATIVO FISCAL Número e Nome do Critério CRITÉRIO_CAF10 - Duração do Processo Administrativo em Primeira Instância Descrição do Critério Indicar o tempo médio de duração do processo administrativo fiscal até decisão recorrível de primeira instância. Peso do Critério 1 ponto Frequência de atualização Mensal Série histórica mínima A partir de 2012
179
EIXO: CONTENCIOSO ADMINISTRATIVO FISCAL Número e Nome do Critério CRITÉRIO_CAF11 - Duração do Processo Administrativo em Segunda Instância Descrição do Critério Indicar o tempo médio de duração do processo administrativo fiscal desde o recurso até decisão irrecorrível de segunda instância. Peso do Critério 1 ponto Frequência de atualização Mensal Série histórica mínima A partir de 2012
180
CRITÉRIOS: CAF05, CAF06, CAF07, CAF08, CAF09, CAF10, CAF11 - Fundamentação jurídica
Conforme SÉRGIO ANDRÉ ROCHA, o notável crescimento das
atividades atribuídas à Administração Pública no curso do século XX exigiu a
criação de mecanismos democráticos de controle da atuação estatal,
a qual, muitas vezes, interfere diretamente no exercício de direitos por parte
dos administrados63.
Nessa linha, HUGO DE BRITO MACHADO SEGUNDO explica que
o contencioso administrativo, e mais especificamente o processo
administrativo fiscal, é de inegável importância para o adequado
equacionamento das relações entre o Estado arrecadador de tributos (Fisco) e
os contribuintes e responsáveis submetidos ao seu respectivo pagamento64.
Ademais, a figura do processo administrativo fiscal decorre dos princípios da
legalidade e da moralidade, consagrados no artigo 37 da Constituição Federal.
Isso impõe a necessidade de adoção de um devido processo legal administrativo
como forma de solucionar conflitos em matéria tributária entre Estado e
cidadãos.
Desse modo, a consulta processual por meio informatizado tornou-
se essencial para que o contribuinte possa exercer sua ampla defesa – que é
constitucionalmente garantida – de maneira mais simplificada e também para
que o contraditório seja garantido. A Constituição Federal expressamente prevê
as referenciadas garantias: “LV - aos litigantes, em processo judicial ou
administrativo, e aos acusados em geral são assegurados o contraditório e
ampla defesa, com os meios e recursos a ela inerentes.”
Não deve existir, portanto, nenhuma dificuldade relevante de acesso
à informação dos atos das partes e dos órgãos julgadores em um processo
administrativo fiscal municipal.
63 ROCHA, Sérgio André. Processo Administrativo Fiscal. Controle Administrativo do Lançamento Tributário. 4. ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2010, p. 29. 64 MACHADO SEGUNDO, Hugo de Brito. Processo Tributário. 4. ed. São Paulo: Atlas, 2009, p.55.
181
A transparência, nesse ponto, cumpre seu papel tanto em relação ao
sujeito passivo, que deverá possuir todas as informações possíveis para exercer
seu direito de defesa, como em relação ao cidadão comum, que não poderá ser
obstado de encontrar informações públicas de forma simples. Quaisquer
medidas que estejam em contrariedade com a simplificação e acessibilidade
dessas informações devem ser afastadas – por exemplo, a utilização de
abreviações, siglas ou códigos internos ou a possibilidade de consulta apenas
pelas partes do processo.
Não bastasse isso, destaque-se o artigo 5º, inciso LX, da
Constituição Federal, que estabelece como obrigatória a publicidade dos atos
processuais: “LX - a lei só poderá restringir a publicidade dos atos processuais
quando a defesa da intimidade ou o interesse social o exigirem”.
Do mesmo modo, as informações relativas a pautas de julgamento e
composição dos órgãos julgadores são de fundamental importância para a
efetivação do devido processo legal administrativo. Sabe-se que no processo
administrativo a autoridade julgadora não possui a independência e a
imparcialidade que, em tese, os juízes têm. Além disso, não é requerido o
bacharelado em direito para o exercício da função de julgamento na esfera
administrativa. Mencione-se, ainda, que ao cidadão não é obrigatória
acontratação de advogado.
Nessa medida, tendo em vista as peculiaridades do processo
administrativo fiscal, as informações relativas à composição dos órgãos
julgadores e às pautas de julgamento ganham maior relevância ainda. Deve-se
ressaltar o princípio do juiz natural, albergado no art. 5º da Constituição da
República, incisos XXXVII e LIII:
XXXVII - não haverá juízo ou tribunal de exceção; LIII - ninguém será processado nem sentenciado senão pela autoridade competente.
O aludido princípio é garantia constitucional que proíbe a criação ou
designação de juízos de exceção, posteriormente à ocorrência do fato ou em
razão da pessoa, e ainda assegura que a causa deve ser julgada por um juiz
182
imparcial, competente, pré-constituído pela lei, isto é, constituído antes do
acontecimento do fato a ser julgado. A doutrina já se posicionou no sentido de
que tal garantia se estende ao processo administrativo, consoante apontamento
de ROMEU BACELLAR FILHO:
[...] juízo, termo de sentido gramatical não unívoco, que tanto pode significar ato de julgar, julgamento; quanto o foro do tribunal onde se processam e julgam os pleitos, bem como a entidade judiciária constituída pelo juiz singular ou órgão colegiado e até os órgãos do poder executivo quando investidos de funções judicantes nos assuntos de sua pertinência. [...] Se apenas o juiz fosse o responsável pelo "processamento" não haveria sentido na utilização desta expressão. Bastaria a referência a "sentenciado". Processamento significa, objetivamente, que a garantia estende-se a todas as fases do procedimento; subjetivamente, que abrange toda a autoridade a desempenhar funções de processamento, de participação no contraditório. Em conexão lógica, a Constituição refere-se à autoridade competente pelo processamento, indo além do juiz.65
Portanto, conhecer a composição dos órgãos julgadores é de
importância cervical para a concretização do princípio do juiz natural, pois
coíbe a criação de órgãos julgadores excepcionais e a escolha do julgador em
razão do administrado litigante. As pautas de julgamento, por sua vez, também
cumprem o papel de divulgar as atividades dos órgãos de julgamento, inibindo
as práticas danosas acima mencionadas, sem falar a possibilidade de controle
social da população em relação às atividades prestadas por esse tipo de órgão.
Aliás, nesse diapasão, conforme dispõe o art. 37 da Constituição da
República, a administração pública deve se pautar, dentre outros, pelos
princípios da moralidade, da publicidade e da eficiência.
Dessa forma, é de fácil percepção que a divulgação da produtividade
de órgãos de julgamento e de seus respectivos julgadores, e do tempo médio de
duração dos processos administrativos fiscais são formas de controle social das
atividades de natureza pública prestadas por tais entes e indivíduos, que
permite avaliar se os princípios supramencionados são cumpridos na prática.
65 BACELLAR FILHO, Romeu Felipe. Processo Administrativo Disciplinar. 2. ed. São Paulo: Max Limonad, 2003, p. 329.
183
Sem esse controle, registre-se, os valores consubstanciados no aludido
dispositivo constitucional não passam de palavras impressas em folha de papel,
consoante a expressão de FERDINAND LASSALE66.
Ademais, deve-se ressaltar o teor do art. 116 da Lei 8.112/1990, que
dispõe sobre o regime jurídico dos servidores públicos civis de órgãos federais.
Os incisos abaixo colacionados albergam alguns dos principais deveres do
servidor público, quais sejam:
Art. 116. São deveres do servidor: I - exercer com zelo e dedicação as atribuições do cargo; (...) IX - manter conduta compatível com a moralidade administrativa; X - ser assíduo e pontual ao serviço.
Assim sendo, a disponibilização de informações sobre a
produtividade dos órgãos de julgamento e de seus respectivos julgadores e do
tempo médio de duração do processo administrativo fiscal é uma maneira clara
e objetiva de verificar se o zelo, a dedicação, a moralidade na conduta, a
assiduidade e a pontualidade são observadas por esses servidores na prestação
de sua atividade “jurisdicional”.
É de se consignar, outrossim, que, embora o referido diploma legal
disponha sobre o regime dos servidores públicos federais, os deveres acima
indicados nada mais são do que desdobramentos naturais dos princípios
constitucionais do art. 37 da Constituição. Não bastasse isso, é preciso dizer que
praticamente todas as leis estaduais relativas aos seus respectivos servidores
públicos replicam os deveres estabelecidos em âmbito federal. Como exemplo,
cite-se a Lei nº 10.261/1968, do Estado de São Paulo, que dispõe o seguinte:
Art. 241. São deveres do funcionário: I - ser assíduo e pontual; III - desempenhar com zelo e presteza os trabalhos de que for incumbido; XIV - proceder na vida pública e privada na forma que dignifique a função pública.
66 LASSALE, Ferdinand. O que é uma Constituição? Tradução de Hiltomar Martins de Oliveira. Belo Horizonte: Cultura Jurídica, 2004.
184
Portanto, as informações sobre (a) andamentos processuais; (b)
pautas de julgamento; (c) composição dos órgãos julgadores; (d) produtividade
dos órgãos de julgamento e de seus respectivos julgadores e; (e) duração média
do tempo do processo administrativo fiscal são fundamentais para a efetivação
dos princípios do devido processo legal, contraditório, ampla defesa, juiz
natural, e para a instrumentalização do controle social da população em relação
à atividade “jurisdicional” do Poder Executivo, verificando-se o atendimento
aos princípios da moralidade, publicidade e eficiência.
Saliente-se que a disponibilização das informações
supramencionadas já era obrigatória em decorrência do princípio da
publicidade. Referido princípio foi reforçado no ordenamento jurídico pátrio
com o advento da Lei de Acesso à Informação (Lei 12.527/2011), que consagrou,
em seu art. 5º, o princípio da transparência e o direito de acesso à informação
dos cidadãos, consubstanciados no art. 5º da Lei 12.527/2011.
185
EIXO: CONTENCIOSO ADMINISTRATIVO FISCAL Número e Nome do Critério CRITÉRIO_CAF12 - Resultados dos Julgamentos em Primeira Instância Descrição do Critério Divulgar os resultados das decisões de primeira instância prolatadas em processos administrativos fiscais com a seguinte subdivisão, em números absolutos e percentuais: (i.) autos mantidos; (ii.) autos cancelados; (iii.) provimento parcial. Peso do Critério 1 ponto Frequência de atualização Mensal Série histórica mínima A partir de 2010
186
EIXO: CONTENCIOSO ADMINISTRATIVO FISCAL Número e Nome do Critério CRITÉRIO_CAF13 - Resultados dos Julgamentos em Segunda Instância Descrição do Critério Divulgar os resultados das decisões definitivas (irrecorríveis ou não recorridas) prolatadas em processos administrativos fiscais com a seguinte subdivisão, em números absolutos e percentuais: (i.) autos mantidos; (ii.) autos cancelados; (iii.) provimento parcial. Peso do Critério 1 ponto Frequência de atualização Mensal Série histórica mínima A partir de 2010
187
CRITÉRIOS: CAF12, CAF13 - Fundamentação jurídica
A finalidade do processo administrativo é a resolução do conflito por
meio de uma decisão. Como os órgãos julgadores fiscais estaduais fazem parte
da administração pública, deverá haver ampla e irrestrita divulgação de suas
atividades, como apregoa o princípio da publicidade (art. 5º LX e art. 37 da
Constituição Federal).
Além de prestar ao pleno exercício da publicidade, a divulgação das
decisões administrativas auxilia também no controle da segurança jurídica e da
não surpresa, que, em uma breve definição, são garantias prestadas às pessoas
para que possam conduzir suas relações sociais de maneira tranquila. Com o
reconhecimento das posições que são tomadas pelos órgãos julgadores fiscais
– através de decisões anteriores – o cidadão poderá empreender maior
precaução ao realizar atos sujeitos à administração tributária, de modo a
reduzir o número de possíveis infrações futuras.
A Lei de Acesso à Informação traz em seu artigo 8º, §2º a
obrigatoriedade do próprio órgão em divulgar informações por ele produzidas.
Art. 8º É dever dos órgãos e entidades públicas promover, independentemente de requerimentos, a divulgação em local de fácil acesso, no âmbito de suas competências, de informações de interesse coletivo ou geral por eles produzidas ou custodiadas. § 2º Para cumprimento do disposto no caput, os órgãos e entidades públicas deverão utilizar todos os meios e instrumentos legítimos de que dispuserem, sendo obrigatória a divulgação em sítios oficiais da rede mundial de computadores (internet).
As decisões divulgadas devem compactuar com o disposto no §3º do
mesmo artigo da Lei:
§ 3o Os sítios de que trata o § 2o deverão, na forma de regulamento, atender, entre outros, aos seguintes requisitos: I - conter ferramenta de pesquisa de conteúdo que permita o acesso à informação de forma objetiva, transparente, clara e em linguagem de fácil compreensão; II - possibilitar a gravação de relatórios em diversos formatos eletrônicos, inclusive abertos e não proprietários, tais como planilhas e texto, de modo a facilitar a análise das informações;
188
III - possibilitar o acesso automatizado por sistemas externos em formatos abertos, estruturados e legíveis por máquina; IV - divulgar em detalhes os formatos utilizados para estruturação da informação; V - garantir a autenticidade e a integridade das informações disponíveis para acesso; VI - manter atualizadas as informações disponíveis para acesso.
Não bastasse o exposto, o artigo 5º da Constituição da República em
seu inciso LX estabelece que a lei só poderá restringir a publicidade dos atos
processuais quando a defesa da intimidade ou o interesse social o exigirem.
Essa disposição é reforçada pelo artigo 93, inciso X, do texto constitucional, que
dispõe o seguinte: as decisões administrativas dos tribunais serão motivadas e
em sessão pública, sendo as disciplinares tomadas pelo voto da maioria
absoluta de seus membros.
Sendo assim, a possibilidade de consulta por todos os cidadãos às
decisões proferidas em processos administrativos fiscais, em todas as
instâncias tornam efetivas as disposições constitucionais acima colacionadas,
além dos princípios da publicidade, transparência, acesso à informação,
segurança jurídica e do devido processo legal.
O conjunto de informações permitirá identificar a formação de
tendências no julgamento de processos administrativos fiscais, o que não
significa dizer que eventual “tendência” implica parcialidade dos julgadores.
Inclusive, pela sua natureza de atos administrativos, que gozam de presunção
de veracidade e auto-executoriedade, é possível os números favoráveis ao Fisco
sejam maiores, sem que por isso a imparcialidade seja questionada.
Sob outra perspectiva, um dado dessa natureza pode desestimular
os contribuintes a recorrerem ao contencioso administrativo e incentivá-los ao
recolhimento do tributo, o que é benéfico para todos. De outro lado, eventuais
números acentuadamente desproporcionais em favor dos Fiscos também
podem ser vistos de maneira negativa pela sociedade, fato que dá subsídio ao
controle social, prerrogativa legítima da sociedade.
189
Somando-se a isso o artigo 37 da Carta, que consagra, dentre outros,
os princípios da legalidade, da publicidade e da eficiência na Administração
Pública, e a Lei de Acesso à Informação, que estabelece a transparência como
regra e o sigilo como exceção, a divulgação da informação em comento é
medida que se impõe.
Afinal, a atividade “jurisdicional” exercida pelos Fiscos estaduais
nos processos administrativos fiscais é de natureza pública e interessa à
sociedade brasileira. Portanto, conhecer o seu funcionamento, seus resultados
e sua dinâmica como um todo é um direito de todos os cidadãos, assegurado
por diversos diplomas legais e pela própria Constituição Federal, conforme
supramencionado.
Ademais, comparar os números favoráveis ao Fisco com os números
favoráveis ao contribuinte permite avaliar a eficiência da Administração
Tributária no que diz respeito à atividade de autuação fiscal. Visto que o auto
de infração é ato administrativo que goza de presunção de veracidade e auto-
executoriedade, desdobramentos do princípio da legalidade, é de se pressupor
que o número de autos procedentes será maior que os demais, caso contrário
será questionado o respeito ao aludido princípio pela própria Administração
Pública, trazendo questionamentos também em relação à eficiência do Fisco na
arrecadação via autos de infração.
190
EIXO: CONTENCIOSO ADMINISTRATIVO FISCAL Número e Nome do Critério CRITÉRIO_CAF14 - Representações Penais Fiscais Divulgar o número de representações penais para fins penais decorrentes de autuações fiscais. Peso do Critério 1 ponto Frequência de atualização Mensal Série histórica mínima A partir de 2010
191
CRITÉRIO_CAF14 - Fundamentação Jurídica
A representação fiscal para fins penais, no âmbito federal, é figura
jurídica prevista no artigo 83 e seguintes da Lei 9.430/1996. O referido diploma
é regulamentado pelo Decreto 2.730/1998, que dispõe o seguinte:
Art 1º O Auditor-Fiscal do Tesouro Nacional formalizará representação fiscal, para os fins do art. 83 da Lei nº 9.430, de 27 de dezembro de 1996, em autos separados e protocolizada na mesma data da lavratura do auto de infração, sempre que, no curso de ação fiscal de que resulte lavratura de auto de infração de exigência de crédito de tributos e contribuições administrados pela Secretaria da Receita Federal do Ministério da Fazenda ou decorrente de apreensão de bens sujeitos à pena de perdimento, constatar fato que configure, em tese; (...) Art. 2º Encerrado o processo administrativo-fiscal, os autos da representação fiscal para fins penais serão remetidos ao Ministério Público Federal, se: I - mantida a imputação de multa agravada, o crédito de tributos e contribuições, inclusive acessórios, não for extinto pelo pagamento; II - aplicada, administrativamente, a pena de perdimento de bens, estiver configurado em tese, crime de contrabando ou descaminho.
Tal instrumento é relevante porque garante a penalização daqueles
que cometem crimes contra a ordem tributária. Entretanto, tem-se pouca
notícia de condenações em razão do cometimento de crimes dessa natureza.
Sendo assim, a informação em questão é fundamental porque possibilita
conhecer quantas representações penais dessa categoria são encaminhadas ao
Ministério Público.
Mesmo que se constate que o número de representações não é
irrisório, a informação também será válida porque permitirá afirmar, por
exemplo, que a ineficácia desse ilícito criminal não reside na negligência dos
Fiscos, e sim na negligência do próprio Ministério Público em dar andamento
a essas representações.
Uma das possíveis causas aventadas para o baixo número de
representações fiscais é a falta de preparo dos fiscais para realizar esse tipo de
192
trabalho. Isso porque muitas das autoridades fiscais que lavram os autos e as
representações fiscais correlatas são leigas, ou seja, não possuem a técnica
suficiente para avaliar se um fato pode configurar crime ou não.
Sendo assim, os dados em comento trariam subsídios para a própria
Administração Pública identificar os problemas da ineficácia dos crimes contra
a ordem tributária. Ademais, trata-se de importante instrumento de controle
pela sociedade, uma vez que pode demonstrar a eficiênciados Fiscos estaduais
na condução desse tipo de atividade.
É preciso pontuar, ainda, que embora a legislação acima transcrita
seja de âmbito federal, os diversos entes federados também possuem
disposições similares. No estado de São Paulo, por exemplo, a figura da
representação é regulamentada pela Portaria CAT 5/2008.
Portanto, tendo em vista que as representações fiscais com
finalidade penal decorrentes de autos de infração configuram ato
administrativo que visa cumprir o interesse público na punição de crimes
praticados contra a ordem tributária, e considerando a transparência e o acesso
à informação como regras cogentes insertas na Lei de Acesso à Informação,
imperiosa a divulgação da informação em questão.
193
EIXO: CONTENCIOSO ADMINISTRATIVO FISCAL Número e Nome do Critério CRITÉRIO_CAF15 - Acompanhamento de Denúncias do Ministério Público na Área Fiscal Descrição do Critério Possibilidade de acompanhamento das denúncias na área fiscal feitas pelo Ministério Público nos tributos de domínio do Município. Peso do Critério 1 ponto Frequência de atualização Mensal Série histórica mínima A partir de 2010
194
CRITÉRIO_CAF15 - Fundamentação Jurídica
O Ministério Público é o órgão responsável pelas ações penais que
são intentadas em razão de crimes cometidos na área fiscal. As informações
sobre todas as denúncias oferecidas pelo Ministério Público na área fiscal são
fundamentais na medida em que incentivam o cumprimento espontâneo das
regras tributárias pelos contribuintes.
As denúncias são atos públicos, e, apesar da presunção de inocência
que protege os cidadãos até a sentença definitiva que os condene, informar
meramente a existência de denúncias nessa área não ofende a referida
presunção.
A própria Constituição em seu artigo 93 garante a publicidade de
todas as decisões judiciais, reservado o sigilo às que preservem o direito à
intimidade e desde que não prejudique o interesse público à informação:
IX - todos os julgamentos dos órgãos do Poder Judiciário serão públicos, e fundamentadas todas as decisões, sob pena de nulidade, podendo a lei limitar a presença, em determinados atos, às próprias partes e a seus advogados, ou somente a estes, em casos nos quais a preservação do direito à intimidade do interessado no sigilo não prejudique o interesse público à informação;
Em outra passagem legal, agora do Código de Processo Penal, resta
clara que a denúncia não se sujeita a limitações de publicação, mas apenas
dados, depoimentos e informações pessoais dos réus, desde que o juiz
expressamente assim as declare. Sem a declaração judicial de que determinada
informação do auto é de caráter íntimo do réu, portanto, não há de se falar em
sigilo.
Art. 203. § 6o O juiz tomará as providências necessárias à preservação da intimidade, vida privada, honra e imagem do ofendido, podendo, inclusive, determinar o segredo de justiça em relação aos dados, depoimentos e outras informações constantes dos autos a seu respeito para evitar sua exposição aos meios de comunicação.
Não há dúvida, portanto, que as denúncias feitas pelo Ministério
Público na área fiscal, mesmo sem exame dos artigos das Lei de Acesso à
195
Informação e da Lei da Transparência, como em outros critérios, é mais do que
possível, e sim necessária para a verdadeira transparência da fiscalização da
administração tributária que muitas vezes pode resultar na atuação do
Ministério Público por meio de denúncias formais, que em verdade protegem a
sociedade e desestimulam a prática de crimes na área fiscal.
196
EIXO: ACESSIBILIDADE E USABILIDADE
Elaborado por:
Basile Georges Campos Christopoulos
Daniel Leib Zugman
Frederico Silva Bastos
Guilherme Villela de Viana Bandeira
Roberto Tagliari Cestari
197
CRITÉRIOS
198
EIXO: ACESSIBILIDADE Número e Nome do Critério CRITÉRIO_ACE01 - Dados Abertos
Descrição do Critério O site deve disponibilizar, especialmente em seus bancos de dados, os dados em formato aberto, sem qualquer tipo de restrição de privacidade, segurança ou controle de acesso, nos moldes dos padrões estabelecidos pelo consórcio internacional W3C. A manipulação desses dados pelo usuário deve ser amplamente facilitada, seja pela possibilidade de copiá-los e manuseá-los, seja pela permissão de download em formato reconhecível pela maior parte das máquinas.
Peso do Critério 5 pontos.
Frequência de atualização Não se aplica
Série histórica mínima Não se aplica
199
CRITÉRIO_ACE01 - Fundamentação Jurídica
Nas últimas décadas, com a crescente utilização da informática pelas
iniciativas pública e privada, a grande maioria dos documentos (como atas,
planilhas de controle financeiro, decretos e projetos de lei, entre outros)
encontra-se armazenada eletronicamente. Graças a esse crescimento
exponencial e à relevância das informações, torna-se cada vez mais necessária
a padronização do formato utilizado para o armazenamento desses
documentos.
Tendo isso em vista, a W3C, consórcio internacional que tem a
missão de conduzir a Web, criando padrões e diretrizes que garantam sua
evolução permanente, elaborou o conceito de dados abertos governamentais,
regido por três premissas:67
I. Se o dado não pode ser encontrado e indexado na web, ele não existe. II. Se não estiver aberto e em formato compreensível por máquina, ele não pode ser reaproveitado. III. Se algum dispositivo legal não permitir sua reaplicação, ele não é útil.
Além disso, para permitir que a troca de documentos eletrônicos
(dados, textos, planilhas e apresentações) possa ser feita sem a necessidade de
que todos os envolvidos possuam o mesmo programa de computador e que as
informações contidas nesses documentos possam ser acessadas ao longo do
tempo, foi desenvolvido o formato aberto de documento, conhecido como Open
Document Format - ODF.
ODF é a sigla de Open Document Format (Formato Aberto de
Documentos), um padrão para armazenamento de documentos de escritório,
desenvolvido internacionalmente através de um processo aberto e
transparente, com a participação de diversas empresas de informática,
especialistas da comunidade acadêmica, governos e voluntários.
67 Disponível em http://eaves.ca/2009/09/30/three-law-of-open-government-data/
200
O artigo 8º, §2º, II e III, da Lei n.º 12.527 de 2012 (Lei de Acesso à
informação – LAI) estabelece que os portais de transparência
devem“possibilitar a gravação de relatórios em diversos formatos eletrônicos,
inclusive abertos e não proprietários, tais como planilhas e texto, de modo a
facilitar a análise das informações” e também “possibilitar o acesso
automatizado por sistemas externos em formatos abertos, estruturados e
legíveis por máquina”.
Portanto, a lei reconhece que dados abertos são fundamentais para o
aumento do controle social e da transparência, pois possibilita que o próprio
cidadão interprete a realidade da administração pública sem ficar preso a
gráficos e tabelas previamente elaborados. Além disso, permite que a pesquisa
acadêmica sobre a administração pública no Brasil se faça com base em dados
brutos, o que traz um enorme ganho para a imparcialidade do que for
pesquisado.
201
EIXO: ACESSIBILIDADE Número e Nome do Critério CRITÉRIO_ACE02 Possibilidade de consulta em diversas periodicidades Descrição do Critério O portal deve disponibilizar ferramentas que permitam a escolha de consultas em diferentes periodicidades (mensal, bimestral, trimestral, semestral e anual).
Peso do Critério 1 ponto
Frequência de atualização Não se aplica
Série histórica mínima Não se aplica
202
CRITÉRIO_ACE02 - Fundamentação Jurídica
Segundo o artigo 5º da Lei de Acesso à Informação, ampla e irrestrita
informação proveniente das administrações públicas deve ser divulgada para o
cidadão. Conforme abaixo transcrito:
Art. 5º É dever do Estado garantir o direito de acesso à informação, que será franqueada, mediante procedimentos objetivos e ágeis, de forma transparente, clara e em linguagem de fácil compreensão.
Ademais, na mesma lei, o art. 6º, I, também estabelece que:
Art. 6º Cabe aos órgãos e entidades do poder público, observadas as normas e procedimentos específicos aplicáveis, assegurar a: I - gestão transparente da informação, propiciando amplo acesso a ela e sua divulgação;
Ora, para operacionalizar o disposto no artigo anteriormente
transcrito, faz-se necessário que uma razoável quantidade de dados esteja
disponível. Isto é, não apenas os dados mais atualizados dos últimos períodos,
mas ao menos dados em uma série histórica que possa trazer alguma
compreensão das informações prestadas de maneira contextualizada.
Não há, na lei, disposição explícita acerca da quantidade mínima de
dados que devem estar disponíveis, tampouco se faz referência a quais períodos
estas informações devem estar relacionadas. Isto porque o mandamento legal
é de que toda informação disponível possa ser acessada, sem limitação
temporal alguma.
Outros requisitos legais também corroboram a necessidade de que
estes dados sejam disponibilizados integralmente, e que sejam relativos a uma
quantidade mínima de anos. Vide, abaixo, §3º do Art. 8º da LAI:
§ 3º Os sítios de que trata o § 2º deverão, na forma de regulamento, atender, entre outros, aos seguintes requisitos: I - conter ferramenta de pesquisa de conteúdo que permita o acesso à informação de forma objetiva, transparente, clara e em linguagem de fácil compreensão; II - possibilitar a gravação de relatórios em diversos formatos eletrônicos, inclusive abertos e não proprietários, tais como planilhas e texto, de modo a facilitar a análise das informações;
203
III - possibilitar o acesso automatizado por sistemas externos em formatos abertos, estruturados e legíveis por máquina; IV - divulgar em detalhes os formatos utilizados para estruturação da informação; V - garantir a autenticidade e a integridade das informações disponíveis para acesso; VI - manter atualizadas as informações disponíveis para acesso; VII - indicar local e instruções que permitam ao interessado comunicar-se, por via eletrônica ou telefônica, com o órgão ou entidade detentora do sítio;
Assim, a própria lei reconhece que a facilidade com que as
informações estão dispostas no portal de transparência é um aspecto
fundamental para aferir seu grau de transparência. O potencial comunicativo
de grande quantidade de dados sem que eles sejam compreensíveis ao cidadão
é praticamente nulo.
Diferentes formatos de consulta possibilitam maior interatividade
entre administração pública e cidadão. Dessa forma, este poderá gerar as
informações de maneira que melhor lhe convier. Por esses motivos a
possibilidade de pesquisar dados agrupados de acordo com diferentes períodos
de tempo é fundamental para uma efetiva transparência. Indiscutível, portanto,
a importância da disponibilização desses dados com séries históricas mínimas.
204
EIXO: ACESSIBILIDADE Número e Nome do Critério CRITÉRIO_ACE03 Acessibilidade Visual Descrição do Critério Busca avaliar se o site contém instrumentos (ferramentas digitais) que facilitem a navegação do site por pessoas com déficit de visão, como idosos, portadores de deficiência visuais, especialmente, aumento de fonte e contraste.
Peso do Critério 1 ponto
Frequência de atualização Não se aplica
Série histórica mínima Não se aplica
205
CRITÉRIO_ACE03 - Fundamentação Jurídica
A Lei de Acesso à informação prevê a acessibilidade das informações
para aqueles que são portadores de deficiência. Segundo o art. 8º, §3º, VIII,
dessa lei,
§ 3o Os sítios de que trata o § 2o deverão, na forma de regulamento, atender, entre outros, aos seguintes requisitos: VIII - adotar as medidas necessárias para garantir a acessibilidade de conteúdo para pessoas com deficiência, nos termos do art. 17 da Lei no 10.098, de 19 de dezembro de 2000, e do art. 9o da Convenção sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência, aprovada pelo Decreto Legislativo nº 186, de 9 de julho de 2008.
Desta forma, os órgãos e entidades públicas devem promover,
independentemente de requerimentos, divulgação em local de fácil acesso, no
âmbito de suas competências, de informações de interesse coletivo ou geral por
eles produzidas ou custodiadas e que, além disso, o respectivo portal deve
adotar as medidas necessárias para garantir a acessibilidade de conteúdo para
pessoas com deficiência.
Também a Lei n.º 10.098 de 2000 (Lei de Acessibilidade) dispõe a
respeito da acessibilidade do portador de deficiência aos sistemas de
comunicação. O artigo 17 estabelece:
Art. 17. O Poder Público promoverá a eliminação de barreiras na comunicação e estabelecerá mecanismos e alternativas técnicas que tornem acessíveis os sistemas de comunicação e sinalização às pessoas portadoras de deficiência sensorial e com dificuldade de comunicação, para garantir-lhes o direito de acesso à informação, à comunicação, ao trabalho, à educação, ao transporte, à cultura, ao esporte e ao lazer.
Já existem ferramentas avançadas que permitem aos cegos
utilizarem a internet de forma eficiente. A maioria delas são softwares
específicos que “leem” o sítio da internet para o deficiente visual. Ou seja, não
há necessidade de se criar website alternativo exclusivamente para cegos. Ao
contrário, os próprios portais devem cumprir a importante função de não
206
impedir a acessibilidade plena. Assim, todas as informações deveriam ser
“legíveis” pelos softwares já existentes.
Um exemplo negativo que obsta a acessibilidade é a necessidade de,
para fins de segurança, inserir um código mostrado (captchas) para se
prosseguir na realização de pesquisas ou preenchimento de formulários. Esses
códigos não são lidos pelos softwares específicos e impedem o deficiente visual
de continuar com a atividade na internet. Outro exemplo é a criação de arquivos
em formato PDF desnecessariamente, uma vez que estes arquivos muitas vezes
também não conseguem ser “lidos” pelos programas para cegos.
Em suma, não resta dúvida quanto à obrigatoriedade legal de os
portais de transparência possuir ferramentas e se adequarem para que todo
cidadão seja capaz de utilizá-los.
207
EIXO: ACESSIBILIDADE Número e Nome do Critério CRITÉRIO_ACE04 Relacionamento com o cidadão Descrição do Critério Disponibilizar alguma ferramenta comunicativa para que o cidadão requeira à administração informações outras que não estejam dispostas no portal, bem como comunicar-se com a equipe gestora, indicar deficiências e tirar dúvidas de qualquer natureza. O portal também deve oferecer uma pesquisa de satisfação dos cidadãos, bem como disponibilizar os resultados da pesquisa.
Peso do Critério 1 ponto
Frequência de atualização Não se aplica
Série histórica mínima Não se aplica
208
CRITÉRIO_ACE04 - Fundamentação Jurídica
O art. 48 da Lei Complementar n.º 101 de 2000 (Lei de
Responsabilidade Fiscal – LRF) tornou obrigatória a disponibilização de
informações da administração pública em meios eletrônicos de acesso público:
Art. 48. São instrumentos de transparência da gestão fiscal, aos quais será dada ampla divulgação, inclusive em meios eletrônicos de acesso público: os planos, orçamentos e leis de diretrizes orçamentárias; as prestações de contas e o respectivo parecer prévio; o Relatório Resumido da Execução Orçamentária e o Relatório de Gestão Fiscal; e as versões simplificadas desses documentos.
Além disso, os incisos I e II do dispositivo em comento impõem a
necessidade de se estimular a participação popular para a efetivação da
transparência, dando à sociedade pleno conhecimento dessas informações.
Em acréscimo, recentemente, a Lei de Acesso à Informação reforçou
a obrigatoriedade de divulgação de informações públicas:
Art. 3º Os procedimentos previstos nesta Lei destinam-se a assegurar o direito fundamental de acesso à informação e devem ser executados em conformidade com os princípios básicos da administração pública e com as seguintes diretrizes: I - observância da publicidade como preceito geral e do sigilo como exceção; II - divulgação de informações de interesse público, independentemente de solicitações; III - utilização de meios de comunicação viabilizados pela tecnologia da informação; IV - fomento ao desenvolvimento da cultura de transparência na administração pública; V - desenvolvimento do controle social da administração pública.
Ocorre que a simples publicação de dados e documentos relativos à
administração pública não é suficiente para que se tenha transparência
concreta. Nessa medida, a própria Lei de Acesso à Informação traz uma série
de deveres e condições a serem cumpridos pelo gestor público para que a
sociedade, de fato, possa exercer o controle social sobre a administração
pública. Um desses deveres é a orientação do cidadão pelos órgãos públicos
209
quanto à utilização dos meios de acesso à informação, albergado no art. 7º e 8º
da LAI:
Art. 7º O acesso à informação de que trata esta Lei compreende, entre outros, os direitos de obter: I - orientação sobre os procedimentos para a consecução de acesso, bem como sobre o local onde poderá ser encontrada ou obtida a informação almejada. Art. 8º É dever dos órgãos e entidades públicas promover, independentemente de requerimentos, a divulgação em local de fácil acesso, no âmbito de suas competências, de informações de interesse coletivo ou geral por eles produzidas ou custodiadas. (...) § 2ºPara cumprimento do disposto no caput, os órgãos e entidades públicas deverão utilizar todos os meios e instrumentos legítimos de que dispuserem, sendo obrigatória a divulgação em sítios oficiais da rede mundial de computadores (internet). (...) VII - indicar local e instruções que permitam ao interessado comunicar-se, por via eletrônica ou telefônica, com o órgão ou entidade detentora do sítio.
Sendo assim, a disponibilização de informações mínimas como e-
mail, telefone e endereço para contato é obrigação direta derivada do próprio
artigo 8º, além de possibilitar ao cidadão obter maiores informações sobre os
procedimentos para acesso à informação e quaisquer outras dúvidas relativas
à temática da transparência, conforme o artigo 7º.
Ademais, a pesquisa de satisfação no próprio site é ferramenta muito
útil para avaliar a qualidade do portal de transparência, sem necessariamente
passar por alguma instância intermediária que faça essa aferição. Isso também
permite verificar a utilidade do portal de transparência, vez que demonstra a
opinião do público acerca da ferramenta, dando subsídios para administração
pública modificar o portal e melhorá-lo tendo em vista as reivindicações da
sociedade.
Não bastasse o exposto, é preciso observar que a possibilidade de
requisição de outras informações além daquelas dispostas espontaneamente no
portal de transparência é de importância central para um efetivo controle social
e para a desejada eficácia da Lei de Acesso à Informação. Para uma verdadeira
210
transparência, pressupõe-se que o cidadão tenha liberdade para requerer
ainformação que desejar. O referido diploma legal, inclusive, dispõe o seguinte:
Art. 10. Qualquer interessado poderá apresentar pedido de acesso a informações aos órgãos e entidades referidos no art. 1º desta Lei, por qualquer meio legítimo, devendo o pedido conter a identificação do requerente e a especificação da informação requerida.
Por sua vez, o Decreto 7.724/2012, que regulamenta a LAI,
determina expressamente que:
Art. 8º Os sítios na Internet dos órgãos e entidades deverão, em cumprimento às normas estabelecidas pelo Ministério do Planejamento, Orçamento e Gestão, atender aos seguintes requisitos, entre outros: I - conter formulário para pedido de acesso à informação.
Portanto, a opção de requisitar informações além daquelas já
dispostas nos portais de cada Estado federado é obrigatória.
211
EIXO: ACESSIBILIDADE Número e Nome do Critério CRITÉRIO_ACE05 Tooltip e Glossário Descrição do Critério Dispor de conceitos mínimos num glossário, assim como, principalmente, apresentar o significado de palavras importantes por meio da ferramenta tooltip, com uma explicação adicional sobre aquele elemento que recebeu o ponteiro do mouse sobre ele.
Peso do Critério 1 ponto
Frequência de atualização Não se aplica
Série histórica mínima Não se aplica
212
CRITÉRIO_ACE05 - Fundamentação Jurídica
A nova Lei de Acesso à Informação garante o acesso à linguagem de
fácil compreensão conforme seu artigo 5º: “Art. 5o É dever do Estado garantir
o direito de acesso à informação, que será franqueada, mediante
procedimentos objetivos e ágeis, de forma transparente, clara e em linguagem
de fácil compreensão”.
No entanto, muitas vezes o uso de termos técnicos, que podem ser
necessários, dificulta a compreensão pelo cidadão comum, não familiarizado
com essas temáticas e expressões.
O glossário é um instrumento clássico de explicação das palavras
mais importantes e já pode ser encontrado na maioria dos portais de
transparência.
A tooltip é ferramenta ainda mais eficiente que o glossário, por
permitir a compreensão rápida e na própria tela onde consta a informação pelo
simples passar do mouse ou indicador sobre a palavra. Portanto, adequado aos
dias atuais que demandam uma informação disposta de forma mais rápida,
simples e inteligível pelo cidadão.
Sendo assim, ambas as ferramentas concretizam a referida lei em
seu artigo 5º ao facilitar a compreensão das informações dispostas, de forma
ágil e clara.
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EIXO: ACESSIBILIDADE Número e Nome do Critério CRITÉRIO_ACE06 - Portal da Transparência Unificado
Descrição do Critério O site de transparência deve conter as informações de todos os poderes e órgãos dos Municípios, com os requisitos da Lei Complementar de número 131 e da Lei de Acesso à Informação.
Peso do Critério 1 ponto
Frequência de atualização Não se aplica
Série histórica mínima Não se aplica
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CRITÉRIO_ACE06 - Fundamentação Jurídica
A nova Lei de Acesso à Informação exige a divulgação das
informações dos entes públicos nos sítios da internet seu artigo 8, §2º e 3º.
Além disso, a Lei Complementar de número 131, chamada Lei da
Transparência, introduziu o artigo 73-B na Lei de Responsabilidade Fiscal que
estabelece prazos para que as informações fiscais de todos os órgãos públicos
estejam dispostas nos sites dos entes públicos.
Os chamados portais da transparência são realidade na grande
maioria dos Municípios brasileiros, e a existência de um portal que traga todas
as informações públicas relevantes na área fiscal facilita para o cidadão o acesso
às informações, e por isso se destaca a facilidade de obter dados de todos os
órgãos e poderes do Município em um único portal.