9
Artigo Original TRAUMA DA VEIA CAVA INFERIOR Juarez Tavora Nem Júnior '" José Henrique Busetti ** Foram analisados, retrospectivamente, 1.133 pacientes submetidos à laparotomia exploradora, por traumatismo ab- dominal, encontrando-se 32 casos de lesão da veia cava infe- rior em 31 pacientes (0,02%). A mortalidade cirúrgica total foi de 32,2% (10/31), enquanto essa atingiu 75% (3/4) nas lesões da veia cava retrohepática. As causas dessa mortalidade foram analisadas, avaliando-se as condições pré-operatórias, tais como a pre- sença de choque, as lesões associadas (viscerais e vascula- res), relação do sítio da lesão, quanto ao tratamento e prog- nóstico e as complicações pós-operatórias. O tratamento ci- rúrgico consistiu na rafia da lesão venosa em 24 casos e na li- gadura em 5. Os resultados iniciais e tardios desse tratamento foram avaliados através da cavografia e do Doppler. Discute-se, ainda, as vias de acesso cirúrgico, as medidas para o adequado controle vascular, além dos métodos de iso- lamento do fluxo hepático (shunt intracaval). Unitermos: Veia cava Trauma vascular Trabalho realizado no Hospital Municipal Arthur Ribeiro Sabóia - SP. "'Médico Cirurgião Vascular do Hospital Arthur Ribeiro Sabóia - SP. "''''Médico Cirurgião Geral do Hospital Arthur Ribeiro Sabóia - SP. - Professor Assistente de Anatomia da Faculdade de Medi· cina do A.B. C. CIR; VASCo ANG. 5 (2) 25,33,1989 INTRODUÇÃO As lesões traumáticas da veia cava inferior (V.C.I.) são incomuns, embora, atualmente, .sejam vistas com maior freqüência nos Centros de Tratamento de Poli- traumatizados, em conseqüência da maior violência da vida civil, dos métodos mais eficientes de transporte e avanços no tratamento pré e intra-operatório. No entan- to, as lesões vasculares permanecem como a primeira causa de mortalidade após traumatismo abdominal e estima-se que 36% dos pacientes não chegam vivos ao hospital. (25, 35, 55) Nos pacientes com trauma vascular múltiplo ou ex- tenso, essa mortalidade atinge 89% e, em mais da meta- de, a morte ocorre após o controle vascular, devido a fa- tores tais como a acidose, a hipotermia e a coagulopatia. (25) Apesar dos avanços no tratamento dos pacientes po- litraumatizados, a mortalidade cirúrgica total, nas lesões da V.C.1. oscila entre 370/0 a 53% (2,21,31,52) e, quan- do consideradas as lesões da V. C.1. retro hepática, atinge até 100%. (11, 32, 37, 47, 52, 57). O objetivo do nosso estudo foi o de analisar as causas da mortalidade pré e pós-operatória, avaliando-se as condições pré-operatórias (estado de choque); as lesões associadas (viscerais e vasculares); sua relação com o sítio da lesão e as complicações pós-operatórias. Avaliou-se, também, os resultados iniciais e tardios do tratamento cirúrgico, através da cavografia e do registro Doppler de- rivado. MATERIAL E De junho de 1.983a julho de 1.988, foram analisa- dos, retrospectivamente, 1.133 pacientes submetidos à laparotomia exploradora por traumatismo abdominal, procedentes do Serviço de Emergência do Hospital Mu- nicipal Arthur Ribeiro Saboya - S.P. Durante a exploração da cavidade abdominal, encontrou-se lesões da V.C.I.· 32 lesões em 31 pa- cientes e, portanto, com uma incidência de 0,02%. As idades variaram de 14 a 60 anos (média de 27 anos), sen- do uma paciente do sexo feminino e 30 do sexo masculi- no. Também, foi analisada a presença de lesões associa- das (vasculares e viscerais), no sentido de se estabelecer a relação dessas com os resultados do tratamento cirúrgi- co. A pressão arterial sistólica na chegada do paciente, avaliada na sala de emergência, também foi analisada, levando-se em consideração os pacientes com pressão ar- terial sistólica menor ou igual a 80mmHg, associada a si- nais clínicos de choque hipovolêmico. Os resultados do tratamento cirúrgico foram valia- dos através da cavografia realizada pela punção da veia femoral comum bilateralmente, e injeção simultânea de 40 ml de contraste iodado, com tomada de filmes em po- sição póstero-anterior; além do registro Doppler deriva- do das veias femoral comum direita e esquerda e suas va- riações com a respiração após a manobra de Valsalva. Esses exames foram realizados dentro de um período de 2 semanas até quatro anos (média de 23,5 meses) pós- operatório, avaliando-se os resultados imediatos (até 30 dias) e tardios. 25

TRAUMA DA VEIA CAVA INFERIOR

  • Upload
    lamkhue

  • View
    253

  • Download
    12

Embed Size (px)

Citation preview

Page 1: TRAUMA DA VEIA CAVA INFERIOR

Artigo Original

TRAUMA DA VEIA CAVA INFERIOR

Juarez Tavora Nem Júnior '" José Henrique Busetti **

Foram analisados, retrospectivamente, 1.133 pacientes submetidos à laparotomia exploradora, por traumatismo ab­dominal, encontrando-se 32 casos de lesão da veia cava infe­rior em 31 pacientes (0,02%). A mortalidade cirúrgica total foi de 32,2% (10/31), enquanto essa atingiu 75% (3/4) nas lesões da veia cava retrohepática.

As causas dessa mortalidade foram analisadas, avaliando-se as condições pré-operatórias, tais como a pre­sença de choque, as lesões associadas (viscerais e vascula­res), relação do sítio da lesão, quanto ao tratamento e prog­nóstico e as complicações pós-operatórias. O tratamento ci­rúrgico consistiu na rafia da lesão venosa em 24 casos e na li­gadura em 5. Os resultados iniciais e tardios desse tratamento foram avaliados através da cavografia e do Doppler.

Discute-se, ainda, as vias de acesso cirúrgico, as medidas para o adequado controle vascular, além dos métodos de iso­lamento do fluxo hepático (shunt intracaval).

Unitermos: Veia cava Trauma vascular

Trabalho realizado no Hospital Municipal Arthur Ribeiro Sabóia -SP.

"'Médico Cirurgião Vascular do Hospital Arthur Ribeiro Sabóia -SP.

"''''Médico Cirurgião Geral do Hospital Arthur Ribeiro Sabóia -SP. - Professor Assistente de Anatomia da Faculdade de Medi· cina do A.B .C.

CIR; VASCo ANG. 5 (2) 25,33,1989

INTRODUÇÃO

As lesões traumáticas da veia cava inferior (V.C.I.) são incomuns, embora, atualmente, . sejam vistas com maior freqüência nos Centros de Tratamento de Poli­traumatizados, em conseqüência da maior violência da vida civil, dos métodos mais eficientes de transporte e avanços no tratamento pré e intra-operatório. No entan­to, as lesões vasculares permanecem como a primeira causa de mortalidade após traumatismo abdominal e estima-se que 36% dos pacientes não chegam vivos ao hospital. (25, 35, 55)

Nos pacientes com trauma vascular múltiplo ou ex­tenso, essa mortalidade atinge 89% e, em mais da meta­de, a morte ocorre após o controle vascular, devido a fa­tores tais como a acidose, a hipotermia e a coagulopatia. (25)

Apesar dos avanços no tratamento dos pacientes po­litraumatizados, a mortalidade cirúrgica total, nas lesões da V.C.1. oscila entre 370/0 a 53% (2,21,31,52) e, quan­do consideradas as lesões da V. C.1. retro hepática, atinge até 100%. (11, 32, 37, 47, 52, 57).

O objetivo do nosso estudo foi o de analisar as causas da mortalidade pré e pós-operatória, avaliando-se as condições pré-operatórias (estado de choque); as lesões associadas (viscerais e vasculares); sua relação com o sítio da lesão e as complicações pós-operatórias. Avaliou-se, também, os resultados iniciais e tardios do tratamento cirúrgico, através da cavografia e do registro Doppler de­rivado. MATERIAL E M~TODO

De junho de 1.983a julho de 1.988, foram analisa­dos, retrospectivamente, 1.133 pacientes submetidos à laparotomia exploradora por traumatismo abdominal , procedentes do Serviço de Emergência do Hospital Mu­nicipal Arthur Ribeiro Saboya - S.P.

Durante a exploração da cavidade abdominal, encontrou-se lesões da V.C.I.· 32 lesões em 31 pa­cientes e, portanto, com uma incidência de 0,02%. As idades variaram de 14 a 60 anos (média de 27 anos), sen­do uma paciente do sexo feminino e 30 do sexo masculi-no.

Também, foi analisada a presença de lesões associa­das (vasculares e viscerais), no sentido de se estabelecer a relação dessas com os resultados do tratamento cirúrgi-co.

A pressão arterial sistólica na chegada do paciente, avaliada na sala de emergência, também foi analisada, levando-se em consideração os pacientes com pressão ar­terial sistólica menor ou igual a 80mmHg, associada a si­nais clínicos de choque hipovolêmico.

Os resultados do tratamento cirúrgico foram valia­dos através da cavografia realizada pela punção da veia femoral comum bilateralmente, e injeção simultânea de 40 ml de contraste iodado, com tomada de filmes em po­sição póstero-anterior; além do registro Doppler deriva­do das veias femoral comum direita e esquerda e suas va­riações com a respiração após a manobra de Valsalva. Esses exames foram realizados dentro de um período de 2 semanas até quatro anos (média de 23,5 meses) pós­operatório, avaliando-se os resultados imediatos (até 30 dias) e tardios.

25

Page 2: TRAUMA DA VEIA CAVA INFERIOR

Juarez Tavora Nem Junior e cals,

RESULTADOS

Quanto ao tipo de traumatismo abdominal, as lesões penetrantes foram predominantes, sendo 29 por projétil de arma de fogo , um caso por arma branca e um por traumatismo abdominal fechado,

Na chegada dos pacientes à sala de emergência, o es­tado de choque esteve presente em 15/31 pacientes (48%), sendo que, em 20/31, requereram politransfusão intra-operatória, isto é, oito unidades ou mais de sangue total. Hemoperitonio foi encontrado em somente seis d,esses,

síTiO DA LESA0 TRATAMENTO MORTALIDADE

CIRÚRGICO N9 ( "70 )

INFRARENAL RAFlA(15) 2 (13,3) (20) LlGAD,(5) 1 (20,0)

SUPRARENAL (7)

RAFlA(7) 3 (42,0)

RETROHEP Á TICA RAFlA(1) o (4) SEM (75,0)

REPARO (3) 3

INTRAPERICARDlCA RAFlA(1) 1 (100,0) (t )

TOTAL (32) (32) 10(32,2)

TABELA 1: Distribuição das lesões da V,C,I, de acordo com o segmento envol­vido; tipo de tratamento cirúrgico realizado e mortalidade operatória relaciona­dos ao sitio de lesão,

§ Foram encontadas 32 lesões entre 31 pacientes,

DISTRIBUIÇAo DAS LESÓES ASSOCIADAS

VISCERAIS VASCULARES OUTRAS

ESÔFAGO 01 V,PORTA 04 T,C,E, 01 ESTOMAGO 09 V,RENAL 05 FRATURA DUODENO 14 V, SUPRAHEP Á TICA 01 DOFEMUR 01 JEJUNo/ íLEO 07 V,ILíACA 05 CONTUsAo COLOS 06 V,LOMBAR 02 TORÁCICA 01 FíGADO 18 V, ESPLENICA 02 LESA0 DO BAÇO 02 A,HEPÁTlCA 01 DIAFRAGMA 01 VEsíCULA 08 A PANCREATODUO-COLÉDOCO 02 DENAL 01 RINS 05 VASOS MESENTÉRI-pANCREAS 07 COS 03 URETER 01 A TRIO DIREITO 01 BEXIGA 01 PULMAo 05

TOTAL 86 25 04

TABELA 2: Distribuição das lesões associadas

§ V, (Vela); T ,C,E, (Traumatismo crAnlo-encef'lIco)

A distribuição das lesões da V,e,L, de acordo com o segmento envolvido, está resumida na Tabela 1. Um pa­ciente apresentou lesão da V,e,L intra-pericárdica, en­quanto que ela era retrohepática em quatro; supra-renal em sete, e, nos restantes 20 pacientes, a lesão era infra­renal.

26

Trauma da veia cava inferior

N a totalidade dos casos, estiveram presentes lesões associadas, sendo sua localização e freqüência expostas na Tabela 2,

Das lesões vasculares associadas, predominaram a da veia renal (5 casos), da veia porta (4 casos) e da veia ilíaca comum e externa (5 casos),

O tratamento cirúrgico foi realizado para correção das 32 lesões da V,e,L em 31 pacientes, Este consistiu , na rafia venosa, em 24 casos e, na ligadura da mesma, em cinco casos, Em três casos onde havia lesão da V,e,I. na região retrohepática, o reparo não foi realizado; pois, durante o período de ressuscitação, através de manobras de compressão manual, controle vascular do hilo hepáti­co e infusão de volume, o paciente foi a óbito intra­-operatório, sem que nenhum tratamento cirúrgico para correção da lesão pudesse ser realizado a tempo , Tabela 1.

A manobra de Pringle (controle vascular da tríade portal) foi realizada nos quatro casos de lesão da V, e.I, retrohepática, Em um desses casos, tentou-se o controle do sangramento distalmente à lesão com a passagem de uma sonda de Foley, através de uma venectomia na V,e,L infra-renal, porém, sem sucesso , Em outro desses casos, foi realizada uma toracotomia para clampeamen­to aórtico, devido à manutenção do estado de choque após a indução anestésica, Os diversos tipos de shunts atriocavais não foram utilizados em nenhum desses ca­sos. Do mesmo modo, não se realizou nenhuma recons­trução da veia cava.

Em somente um caso de lesão da V.C.L retrohepáti­ca, foi possível o reparo da lesão com rafia , realizada através da abordagem transhepática com digitocrasia, feita a partir do próprio ferimento hepático.

Dos 31 pacientes com lesão da V.e,L , dez morre­ram, resultando numa mortalidade operatória total de 32,2%, As variações dessa incidência, de acordo com o sítio da lesão, e, com o tratamento cirúrgico realizado, podem ser vistas na Tabela 1. Para as lesões da V.C.L da região retrohepática (4 casos), a mortalidade operatória atingiu 75 % .

As causas mais comuns de morte (7 casos) foram a hemorragia intra-operatória incontrolável, associada à coagulopatia de consumo provocada pela politransfusão e agravada pela hipotermia e acidose metabólica. Ainda a presença e o número de graves lesões associadas, com falência de múltiplos órgãos, contribuiu para essa morta­lidade. (Tabela 3),

Dos 15 pacientes que deram entrada em estado de choque, 10 morreram (66%), quando comparados à au­sência de mortalidade no grupo com normotensão, (Ta­bela 4).

No período pós-operatório inicial, dois pacientes fa­leceram dentro das primeiras 24 horas; um , em decor­rência de traumatismo cranioencefálico, associado à le­são da v.e.1. (na porção supra-renal, corrigida através da rafia venosa lateral), e o outro, devido à insuficiência renal aguda, acidose metabólica e encefalopatia anóxica.

Finalmente, um paciente veio a falecer, na primeira semana pós-operatória, decorrente de septicemia, coagu­lopatia (coagulação intravascular disseminada), insufi­ciência renal aguda e falência de múltiplos órgãos.

eIR. VASe. ANG, 5 (2) 25, 33,1989

Page 3: TRAUMA DA VEIA CAVA INFERIOR

Juarez Tavora Nem Junior e cols.

NV DE LESÓES ASSOCIADAS X MORTALIDADE N~ ( 070 )

o ( O) = O 10

1 ( O) = O O O

2( 4) = 8 10

3 ( 9) = 27 3 30

4 (10) = 40 2 20

5( 8)=40 3 30

TOTAL 115 10 100

TABELA 3: Distribuição da mortalidade de acordo com o número de lesões as­sociadas.

síTiO DA LESÃO

INFRARENAL (20)

SUPRARENAL (7)

RETROHEP Á TICA (4)

INTRAPERICÁRDICA (1)

TOTAL (32)

PRESENÇA DE CHOQUE

NV(% )

7 (35,0)

4 (47,0)

3 (75,0)

1 (100)

15 (48,0)

MORTALI­DADE

NV( %)

3(42,0)

3(75.0)

3 (100)

1 (100)

10(66,6)

TABELA 4: Análise da presença de choque pré-operatório. A mortalidade ope­ratória entre o grupo com choque foi de 66,6OTo comparado a zero do grupo com normotensão.

Dentre os pacientes com lesões vasculares associa­das, três dos quatro com lesão da' veia porta faleceram . Trauma renocaval ocorreu em cinco pacientes (16%). Em três desses, foi realizada a ligadura da veia renal es­querda, em um, da veia renal direita e, em outro, uma nefrectomia direita.

Dos 21 sobreviventes, 33 % (7/21) apresentaram as complicações pós-operatórias que estão resumidas na Tabela 5.

A embolia pulmonar ocorreu em um caso, após rafia e em um caso após a ligadura infra-renal, com e sem si­nais de trombose venosa profunda dos membros inferio­res, respectivamente, exigindo a heparinização sistêmi­ca. No primeiro desses casos, o paciente evoluiu com ede­ma significativo dos membros inferiores e, no segundo caso, apenas transitório e clinicamente controlado.

Os outros quatro pacientes com ligadura da V.C.!. não apresentaram edema pós-operatório dos membros inferiores.

CIR. VASCo ANG . 5 (2) 25,33 , 1989

Trauma da veia cava inferior

COMPLICAÇÓES pós OPERATÓRIA

ABCESSO SUBFRENICO HEMOTÓRAX INSUFICItNCIA RENAL AGUDA COMA FtSTULA BILIAR EMBOLIA PULMONAR EDEMA DOS MEMBROS INFERIORES PERITONITE PARESTESIA DO MEMBRO INFERIOR LEsA0 DO PLENO BRAQUIAL ESTENOSE DO COLÉDOCO A TELECT ASIA PULMONAR PNEUMONIA FtSTULA PANCREÁ TICA DEISCENCIA DA PAREDE ABDOMINAL EVISCERAÇAo TROMBOFLEBITE SUPERFICIAL TROMBOSE VENOSA PROFUNDA ARRITMIA HEMATÚRIA COMPLICAÇÓES DA COLOSTOMIA COAGULOPATIA

TOTAL

TABELA 5: Distribuição das complicações pós-operatórias.

02 02 02 02 02 02 02 01 01 01 01 01 01 01 01 01 01 02 01 01 01 07

36

Dos 21 sobreviventes, o seguimento foi possível em 11, variando desde 2 semanas até 4 anos (média de 23,5 meses). A cavografia foi realizada nos 11 casos com rafia da veia cava inferior infra-renal, demonstrando boa per­viavilidade, tanto inicial (30 dias) quanto tardia da luz cavaI. Em somente dois casos havia estenose no sítio da rafia (após 14 meses e 38 meses, respectivamente), po­rém, não significativo homodinamicamente (sem edema periférico, sem circulação colateral da parede abdominal do tipo cava inferior, com registro de Doppler normal e sem sinais de refluxo, após a manobra de Valsalva) . O registro Doppler derivado foi realizado em seis desses pa­cientes, demonstrando a ausência de sinais de trombose venosa profunda do território ileofemoral (registros com fascicidade e modulação com a respiração) e sem sinais de refluxo, na região safeno-femoral, após a manobra de Valsalva. (Figuras 5 e 6).

DISCUSSÃO

Os traumatismos penetrantes provocados por· projé­teis de arma de fogo constituem a principal causa das le­sões da V.C.!., sendo seguidos pelos ferimentos por ar­ma branca, revelando a violência crescente da vida civil. A incidência e o significado do trauma isolado da V. C.1. são bem conhecidos, incluindo o envolvimento de 1/ 300 pacientes com ferimento por arma branca e 1/50 pacien­tes com ferimento por arma de fogo. (15,50) .

Os traumas abdominais fechados e aqueles decor­rentes de força da desaceleração, em acidentes automo­tivos, apresentam incidência menor de lesão, devido à localização retroperitoneal da V.C.I., bem como da sua proteção pela coluna e vísceras abdominais.

Ê importante a localização exata do sítio da lesão em relação ao tratamento e prognóstico. Nas lesões retrohe­páticas da V.C.I., a mortalidade oscila entre 75 a 100% , enquanto nas infra-renais essa incidência varia de 33 a 40%. (6, 11,23,37,52). No nosso material, a mortalida­de total foi de 32,2%, enquanto nas lesões da V.C.1. re­trohepática foi de 75 % .

27

Page 4: TRAUMA DA VEIA CAVA INFERIOR

Juarez Tavora Nem Junior e co/s.

Quando durante a laparatomia existe tamponamen­to retroperitoneal, a mortalidade cai a 13%, porém, quando esse não é efetivo, atinge 78% (56). Esse fato foi observado entre os nossos 6 pacientes com hemoperitônio à laparatomia, que se apresentavam chocados, requeren­do politransfusão e com apenas dois sobreviventes entre esses. Da mesma forma, a mortalidade varia de acordo com o número de lesões associadas e, principalmente, com %S órgãos envolvidos . O acometimento de um úni­co órgão associou-se a 10% de mortalidade, enquanto que com o comprometimento de três ou mais órgãos, ela atingiu 30% (Tabelas 2 e 3) .

Quando coexistem lesões de órgãos tais como: fígado, duodeno, pâncreas, rins (freqüentemente acometidos), além de lesões vasculares (veia porta, veia renal, veia ilía­ca) , as complicações intra e pós-operatórias foram mais sérias, conduzindo, desta forma, a uma maior mortali­dade.

Excluindo-se as lesões retrohepáticas da V.C.I., Millikan et alii (31) citam que 58% (11/19) pacientes com lesões associadas morreram, em comparação aos so­mente 4% (1/27) dos pacientes com trauma isolado da V.C.1. Esta experiência enfatiza que fontes adicionais de hemorragia devam ser excluidas, antes do reparo da veia cava propriamente dita.

Com relação às lesões vasculares associadas, a maior freqüência foi da veia renal (5); veia ilíada (5) e veia por­ta (4). Assim, trauma renocaval ocorreu em 16% . Des­ses, três tiveram ligadura da veia renal esquerda e um da veia renal direita, além de uma nefrectomia direita em outro.

A literatura contém pouca documentação da inci­dência do trauma renocaval combinado. Graham et alii. (21) revisaram 301 casos de lesão da V.C.I., coletados durante 30 anos, incluindo 54 (15%) com coexistência de lesão renovascular. Turpin et alii. (52) também encon­traram coexistência de trauma renocaval em 15% de 34 casos relatados com lesão da V.c.1. Peterson et alii (40) relatam uma incidência de 45 % (27 / 60).

Erlik et alii (16) foram os primeiros a demonstrarem a manutenção da viabilidade renal, após a ligadura da veia renal esquerda em humanos, quando o sistema cola­teral está intacto . A verificação experimental foi seguida pela experieência clínica acumulada progressivamente. (24, 30,38).

Os resultados da ligadura da veia renal direita são bem diferentes. Caracteristicamente, a pobre circulação colateral exclui a ligadura da veia renal direita e a viabili­dade desse rim requer algum tipo de shunt. Deutcher (13) restaurou a continuidade da veia renal direita com um shunt renoportal.

A associação do trauma da V.C .1. e da veia porta é freqüente. Mattox et alli. (29) decresveram 15/22 casos de lesão da veia porta, numa revisão de 2.000 pacientes com traumatismo abdominal. O tratamento cirúrgico dessa lesão baseia-se na ligadura e/ ou métodos de deriva­ção do fluxo portal. Onze casos de ligadura da veia porta pós-traumática foram descritos na literatura, com 6 so­breviventes (36).

As críticas à ligadura da veia porta resultam das possíveis complicações (hipertensão portal com sangra­mento gastrintestinal, hipotensão fatal devida ao seqües-

28

Trauma da veia cava inferior

tro de grandes volumes na circulação esplênica, trombo­se e subseqüente infarto intestinal). A mortalidade ope­ratória da ligadura da veia porta oscila entre 50 a 70%. Observamos que, nos nossos casos onde houve lesão as­sociada da veia cava e porta (3 casos), os pacientes evo­luiram com óbito intra-operatório.

Fish et alii. (19) revisaram os diversos métodos de tratamento cirúrgico nas lesões da veia porta . Descreve­ram a venorrafia lateral; a anastomose termino-terminal; interposição de enxerto autógeno ou sintético (shunt me­sentérico cava com dacron) ; anastomose mesentérico su­perior - veia esplênica; ligadura veia porta com ou sem shunt porto sistêmico. Técnicas auxiliares podem ser úteis no tratamento desses pacientes, tais como o shunt atriocaval e a auto-transfusão .

Com relação à associação das lesões da V. C.1. e veias ilíadas, há grande risco de exsanguinação e morte por insuficiência respiratória e renal, no período pós­operatório imediato (34).

As lesões da veia ilíaca geralmente levam à maior mortalidade quando comparada com as lesões da V.C.! . infra-renal: 38 versus 22% (25) , devido à necessidade da extensa mobilização do cólon para abordagem e controle adequado.

A presença}o choque é outro fator que contribui pa­ra a mortalidade. A hemorragia incontrolável permanece como a principal causa de morte nesses pacientes . Dos 15/31 pacientes que deram entrada em estado de cho­que, 66% (10/15) morreram, comparados a nenhum do grupo com normotensão (16/ 31) .

Os vários trabalhos que relatam uma diminuição da mortalidade operatória das lesões traumáticas da V.C.1. citam uma série de fatores que contribuem para tal. En­tre eles, estão o transporte rápido, reduzindo o tempo de atendimento; a localização das lesões; a natureza da agressão; o estado hemodinâmico inicial ; as medidas efe­tivas de ressuscitação; o número de lesões associadas (vasculares, viscerais ou ambas); o número de transfu­sões; além do planejamento cirúrgico bem conduzido pa­ra o controle vascular adequado; avanços das técnicas ci­rúrgicas, bem como dos cuidados intensivos pós-operató­rios.

Finalmente, as conseqüências negativas do retardo no diagnóstico e do tratamento cirúrgico podem resultar em demora na ressuscitação e expansão de volume, pré e pós-operatórios e na falha em se antecipar ou corrigir as conseqüências da acidose, hipotermia e coagulopatia.

O tratamento desses pacientes, na sala de emergên­cia, envolve cuidados gerais dos politraumatizados com ferimento abdominal penetrante, realizado através da cateterização venosa central, com a rápida infusão de vo­lume, cuidados ventilatórios e cateterização vesical para controle da diurese.

Todos os ferimentos abdominais por projétil são ex­plorados e os ferimentos por arma branca são tratados, seletivamente, através da exploração local do ferimento e pela lavagem peritoneal. Bahmayar et alii. (4) citam que 5/ 18 pacientes de sua série foram diagnosticados por es­se método, antes da laparotomia .

O acesso cirúrgico é realizado através de uma incisão xifopúbica. Quando a pressão sistólica não pode ser mantida acima de 60mmHg, após a indução anestésica,

CIR. VASCo ANG . 5 (2) 25 , 33, 1989

Page 5: TRAUMA DA VEIA CAVA INFERIOR

Juarez Tavora Nem Junior e cols.

então uma toracotomia anterolateral, para clampeamen­to aórtico deve ser realizada, previamente, à laparmo­mia. Se a exposição da V.C.I. intrapericárdica se fizer necessária, essa toracotomia pode ser ampliada ao hem i­tórax direito. A incisão xifopúbica ainda pode ser am­pliada através de uma esternotomia mediana. Robbs e Costa (47) recomendam uma extensão subcostal direita, ao invés da esternotomia.

É fundamental que a abordagem do hematoma re­troperitoneral, informando grosseiramente sobre a lesão venosa, seja precedida de cuidadoso acesso. Isto é reali­zado através da mobilização das estruturas anatômicas relacionadas ao retroperitônio. A abordagem direita do ferimento através do hematoma, sem o reparo proximal e distaI prévios, implica em extensão da lesão cavaI, com maior perda sanguínea e maior risco de vida.

A rotação mediaI visceral fornece uma rápida e efeti­va exposição do eixo vascular. Assim, o acesso para a V.C.I. infra-renal é obtido pela mobilização do colo di­reito (manobra de Catell) e do duodeno (manobra de Ko­cher). Toda a V.C.I. infra-hepática até sua bifurcação pode ser exposta pela mobilização de flexura direita do colo, duodeno e cabeça do pâncreas. A necessidade de maior exposição anatômica requer manobras envolvendo a mobilização e isolamento hepático. McCullough e Git­tes (30) advogam a rotação hepática após secção dos liga­mentos falciforme e coronário.

Allen e Blaisdell (2) encontraram a coexistência de lesões do fígado e das veias hepáticas, na maioria dos ca­sos de lesão da V.C.I. retrohepática, e consideram que a adequada exposição requer o sacrifício deliberado do lo­bo hepático direito ou esquerdo; uma opinião não adota­da, universalmente, mas aplicada a casos selecionados.

Coln et alii (10), revisando as lesões das veias hepáti­cas e veia cava em crianças, descreveram a digitocrasia através do lobo hepático direito, d~sde o ligamento coro­nário, através da área lesada, até às veias hepática e veia cava. Em somente um, entre os quatro casos de lesão da V.c.I. retrohepática do nosso material, onde se conse­guiu o adequado controle e se realizou a rafia da lesão, a exposição necessária foi obtida através desta via, acima descrita. Kearney et alii. (26) não encontraram evidên­cias de disfunção hepática nos pacientes tratados pela secção das veias hepáticas inferiores, encorajando a liga­dura das mesmas, prevenindo, assim, a avulsão durante a mobilização hepática.

Uma falha importante a se evitar é a não detecção de uma laceração posterior adicional, devida a uma lesão transfixante: assim, o cirurgião deve sempre excluir essa possibilidade. A parede posterior é melhor abordada através da extensão da lesão na parede anterior ou pela venectomia anterior e reparo transluminal. A tentativa de rotação da V.C.I. resulta em avulsão das veias lomba­res. (15,51).

Quando há presença de hemoperitônio, uma vez identificada a área de sangramento, a hemostasia deve ser feita através da compressãocmanual da veia cava e da aorta até se obter a normalização das condições hemodi­nâmicas. A aspiração do sangramento deve ser evitada para não se exsanguinar o paciente.

N as lesões da V. C. I. infra-renal com sangramento ativo importante, a tentativa de se contornar a veia para

CIR. VASCo ANG. 5 (2) 25,33,1989

Trauma da veia cava inferior

clampeá-la, a fim de se obter o controle proximal e dis­taI, invariavelmente, leva a um agravamento da situação, motivado pela avulsão das veias lombares.

É preferível se obter esse controle através da com­pressão digital proximal e distaI à laceração. (42).

Alguns autores relatam o uso do cateter de Fogarty e, também, da sonda vesical de Foley para se obter o con­trole proximal, não sendo necessário, no entanto, na maioria dos casos. (43, 50, 52).

Nas lesões perfurantes anteriores, um clamp lateral tipo Satinski pode ser aplicado, possibilitando o controle adequado.

Quanto às lesões retrohepáticas da V.C.I., há neces­sidade do isolamento da irrigação hepática, a qual foi iniciada por Pringle (41), através da compressão atrau­mática do hilo hepático. A tolerância à isquemia hepáti­ca em condições de normotermia foi estimada em 14 se­gundos por Clayman et alii (9) e em 30 segundos por Heaney et alii (22). Com essa tolerância é pequena, a hi­potermia sistêmica e a redução do clampeamento são im­portantes para se reduzir os riscos de disfunção renal e paraplegia (22,58).

Em 1966, Hearney et alii (22) descreveram um méto­do de isolamento do fluxo hepático pelo clampeamento da veia porta e artéria hepática no hilo hepático (mano­bra de Pringle), além do clampeamento da veia cava abaixo do fígado (supra-renal) e supra-diafragmático, combinado com a oclusão aórtica acima do tronco celía­co (Figura 1). Porém, esse método teve limitado sucesso no tratamento dessa lesão.

Infelizmente, o clampeamento da V.C.I. em posição supra-hepática tem sido seguido, na maioria dos casos, de arritmia e parada cardíaca, em virtude desses pacien­tes com hipovolemia aguda não tolerarem as conseqüên­cias fisiológicas e hemodinâmicas da abrupta interrup­ção do fluxo na V.C.I. retrohepática. Embora o método ideal de tratamento dessas lesões permaneça discutível, a maior experiência tem sido com o uso do shunt atriocaval e suas variações. Scrock et alii (48) utilizaram a técnica do shunt intracaval, descrito inicialmente por Buchbert et alii (7), obtendo sucesso inicial, mas, o paciente veio a falecer no período pós-operatório (Figura 2).

Misra et alii (32), revisando a literaturaa, resumem 145 casos de lesão da V.C.I. retrohepática com ou sem lesões das veias hepáticas e incluem alguns de seus casos de lesão da V.C.I. supra-renal. O shunt intracaval foi utilizado em 81 casos e desses, 31 pacientes sobreviveram com o uso de alguma forma de shunt. O controle por compressão e/ ou múltiplos clamps foi realizado com su­cesso em 29 pacientes (12, 17, 20,55,58).

O shunt intracaval é considerado, variavelmente, ne­cessário ou prudente nas lesões da V.C.I. retrohepática ou mais seletivamente, nas situações de sangramento não controlado após esforço inicial de tamponamento. Esse procedimento requer toractomia com risco de arritmia cardíaca decorrente da manipulação cirúrgica em situa­ções de acidose e hipotermia.

Essas limitações são contornadas, parcialmente, pe­la inserção do shunt através da V.C.I. a partir da lesão venosa cavaI, reparado com torniquetes de Rummel pro­ximal e distalmente ao segmento lesado e pela introdu­ção de um cateter de Fogarty para tamponamento (Figu-

29

Page 6: TRAUMA DA VEIA CAVA INFERIOR

Juarez Tavora Nem Junior e cals.

ra 3) . Esse último método apresenta o inconveniente da necessidade de dissecção através do hematoma, mas, re­presenta uma alternativa realística. Um terceiro método foi proposto por Pilcher et alii (39), que sugerem a intro­dução do shunt pela junçào safeno femoral, com a vanta­gem de permitir o preparo do sítio para a inserção do ca­teter antes da laparotomia e, assim, limitando dissecções desnecessárias e perda de tempo, nos casos onde a abor­dagem pré-operatória é incerta ou incompleta. (31, 39) (Figura 4). Outras variaçi)es técnicas também são descri­tas (Doty e Berman (14) ; Misra et alii (32); Aaron e Mays (1)).

FIG. 1 - Uso de múltiplos clamps (Heaney). - Clapeamento do hilo hepático, veia cava supra-renal e supradiafragmática, além da aorta acima do tronco celíaco.

Apesar do uso de várias modalidades de shunt aqui descritas, a própria dificuldade na inserção do mesmo e complicações como aeroembolismo, perfuração, embolia pulmonar pelo próprio cateter, associados a uma alta mortalidade cirúrgica das lesões retrohepáticas, levaram alguns autores à pesquisa de outro método de tratamento sem o uso de shunt (10,31,39).

Coln e Pachter et alii (10, 37) relataram o tratamen­to com sucesso das lesões retrohepáticas da V.C.1. sem o uso de shunt intracaval. Esses autores recomendam algu­mas medidas que consideram essenciais para o resulta­do, tais como a compressão do sítio da lesão até que se consiga a estabilização hemodinâmica do paciente; o re­conhecimento precoce da lesão venosa retrohepática in-

30

Trauma da veia cava inferior

--- fp,R ro / / DIREITO , I

: '

20cm

VEI A CAVA INFERIOR

!,

FIG. 2 - Shunt intracaval (Strok "48" - Buchberg "7") - introduzido via atrio direito. Um dreno toráxico ou uma sonda endotraqueal n~ 36 podem ser utilizados como Shunt.

dicada pela falha da manobra de Pringle (o diagnóstico tardio leva à coagulopatia de consumo por politransfu­são); a oclusão prolongada da tríade portal, com prote­ção dos hepatócitos através de grandes doses de corticói­des e hipotermia tópica (Ringer lactato gelado) e extensa digitocrasia hepática no sítio da lesão vascular com abor­dagem da lesão, permitindo o reparo ou a ligadura pri­mária.

As várias formas de controle vascular permitem, as­sim, o isolamento, a inspecção e o reparo de V.C .I., ge­ralmente realizado pela sutura lateral, venoplastia com patch ou ligadura.

A maioria das lesões civis podem ser tratadas-com a sutura lateral. Rich et alii (43), revisando mais de 1.000 pacientes com lesão venosa no Vietnã, encontraram que a maioria dos reparos com sutura lateral da V.C.1. per­maneceram pérvios. No nosso material, dos 11 pacientes com lesão da V.C.1. infra-renal, nos quais foi realizada a cavografia pós-operatória, durante o segmento das lesões tratadas com rafia, demonstrou-se a perviabilidade na maioria, com somente dois casos de estenose no sítio da anastomose, porém, sem repercussão hemodinâmica. Esses resultados foram confirmados pelo registro Dop­pler derivado, entre 6/11 pacientes (Figura 6).

O reparo primário deve ser sempre tentado. No en­tanto, a presença de hemorragia intensa por lesões com­plicadas pode requerer a ligadura mais do que o repa­ro. Embora alguns reparos falhem e trombosem, a pro­babilidade de embolia pulmonar subseqüente é remota . Entre 24 casos de rafia da V.C.I., encontramos apenas um caso de embolia pulmonar. Foram realizadas ligadu­ras em 5 casos e entre esses ocorreu somente um caso de embolia pulmonar.

Mullins et alii (34) estudaram a história natural da ligadura venosa após traumatismos na vida civil e tenta­ram padronizar a terapêutica pós-ligadura e, também, a abordagem cirúrgica desses casos. Concluiram que, tan­to a história natural como a abordagem intra-operatória, variam de acordo com o sítio da lesão. Pacientes com le­sões da V. C.1. e veias ilíacas possuém grande risco de ex­sanguinação e morte por insuficiência respiratória e re­nal, no período pós-operatório imediato . A prioridade

CIR. VASCo ANG. 5 (2) 25,33 , 1989

Page 7: TRAUMA DA VEIA CAVA INFERIOR

Juarez Tavora Nem Junior e cols.

FIG.3 - Shunt intravacal - introdução da lesão cavai infra ou supra-renal ou através de uma sutura em bolsa, realizada na V.C.I. supra-renal. Uma sonda de Foley pode atuar como shunt.

V.Cava Inferior Supra-Hepática

#" Tubo para insu fIação do cuff

Hepáticas

do

para " infusão E. V.

FIG.4 - Shunt safeno-caval - introduzido antes da laparotomia, pela junção safeno-femoral (Pilcher "39").

CIR. V ASC. ANG. 5 (2) 25,33,1989

Trauma da veia cava inferior

FIG. 5 - Cavografia pós-operatória - Demonstração de boa perviabilidade ca­vai (lado A) e estenose no sítio da rafia (lado B).

rIG. 6 - Registro. Doppler derivado - caso B (fig. 5): estenose cavai, porém não hemodinamicamente significativo (registro normal)

principal é a hemostasia, após a qual a decisão entre o reparo ou ligadura pode ser tomada. Trabalhos prévios relatam insuficiência venosa importante, após ligadura da V.C.1. pós-traumática, enquanto, na série de Mullins et alii. (34), a ligadura evoluiu com mínimo ou moderado edema, respondendo à elevação do membro; o que tam­bém foi por nós observado.

A ligadura pós-trauma leva a edema moderado e transitório, resolvendo-se com o desenvolvimento da cir­culação colateral. A manutenção do repouso e elevação do membro devem ser feitas enquanto houver sinais de hipertensão venosa, diminundo as conseqüências da le­são valvular ou edema intersticial extenso, hemorragia e fibrose.

Wakefield e May (53) descrevem ausência de conse­qüências clinicamente significativas após a ligadura da V.C.1. infra-renal, quando a rede colateral profunda permanece pérvia. Robinson (46), injetando contraste após a ligadura da V.C.I., documentou a predominância da rede colateral do sistema ázigos, portal e vertebral co­mo drenagem alternativa. Ele descreveu um edema peri­férico transitório, durante o desenvolvimento da rede co­lateral, após ligadura da V.C.1. infra-renal; um fenôme­no também verificado por Missal et alii. (33).

Anson e Cauldweel (3) descreveram as colaterais ve-

31

Page 8: TRAUMA DA VEIA CAVA INFERIOR

Juarez Tavora Nem Junior e cals.

nos as para a veia cava supra-renal em humanos e enfati­zaram a predominância da veia renal esquerda e a com­plexidade do sistema retro-aórtico, incluindo as veias do sistema ázigos e hemiázigos esquerda. Colaterais adicio­nais, correlacionadas com a duração da interrupção da V.C.L, envolvia os vasos mesentéricos inferior e hemor­roidários, anastomoses entre a veia epigástrica e circun­flexa líaca e anastomoses entre as veias toráxica lateral e escapular (18).

Lespinasse (27) utilizou vários modelos animais para determinar se a ressecção da V.C.L era tolerada quando envolvida pr tumor. Ele demonstrou que a ligadura da V.C.L infra-renal, 7 a 14 dias antes da ressecção supra­renal, resulta em benefício significativo, como também resultou em maior sobrevida entre 41/43 cães submeti­dos à ligadura supra-renal da V.C.L, acopanhada de ne­frectomia direita. Esse resultado deveu-se ao desenvolvi­mento da circulação colateral estimulada pela liga!iura prévia e evitando-se a capacidade dominante de colatera­lização, através da realização da nefrectomia direita. Embora esses resultados fossem melhorados com essas manobras, outros autores têm demonstrado uma sobre­vida de 50% nos cães submetidos à ligadura isolada da V.C.L (28,45).

As conseqüências hemodinâmicas da ligadura em modelos caninos, incluiam uma diminuição de 60% do débito cardíaco e 20% na pressão arterial, além de insufiCiência renal transitória de 2 semanas. A insufi­ciência renal temporária, seguindo-se à interrupção da V.C.L, é relatada por vários autores (5, 8, 30). Siderys (49) recomenda a hidratação pré-operatória e a monitori­zação intra-operatória de volume e reposição, como me­didas preventivas.

Assim, conclui-se que a ligadura venosa é um proce­dimento alternativo aceitável, nos pacientes com exten­sas lesões venosas, choque prolongado, lesões de múlti­plos órgãos, prolongado tempo cirúrgico, levando a risco de vida o paciente. A ligadura venosa deve ser feita pró­xima a uma tributária de alto fluxo, tal como as veias re­nais, prevendo-se a estase suprajacente com a conse­qüente trombose e embolia. No entanto, a experiência clínica tem demonstrado a infreqüência deste conceito.

SUMMARY

A group of 1.133 patients who underwent surgery due to abdominal trauma was retrospectively analyzed. Thirty one were found inferior vena cavaI injuries in 32 patients (0,02%). The overall surgical mortality was 32,2% (10/31) while the pa­tient mortality when retrohepatic lesions were present was 75% (3/4).

The mortality causes according to preoperative condi­tions, shock, vascular and visceral associated damage, site of damage, treatment and complications were analyzed.

Surgical treatment included venous repair in 24 cases and acute surgical interruption in five. Ear/y and late results were evaluated by cavography and Doppler.

The authors discuss the surgical approaches in manage-

32

Trauma da veia cava inferior

ment, as well as an appropriated vascular control and the shunting techniques of hepatic vascular isolation and vena ca­vaI shunting (intracaval shunting) .

Uniterms: Vena cava Vascular injuries Vascular trauma

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

1. AARON WS; MA YS TE: Isolation of the retrohepatic vena cava by ballon catheter: An experimental assessment. Re­view of Surgery. 32:222, 1975.

2. ALLEN, REJr; BLAISDELL, FW: Injuries to the inferior venacava. Surg. Clin. N. Amer. 52:699,1972.

3. ANSON, BJ; CAULDWELL, EW: The pararenal vascular system. Ovart, Bull Northwest Univ. Med. SchooI. 21 :32, 1947.

4. BAHMA Y AR, B; BLAIR, WC : Injuries of inferior vena cava: An improved survival rate. Current Surgery. 42(2):107-10,1985.

5. BECK, AD: Ressection of the suprarenal inferior vena cava for retroperitoneal malignant disease. LUroI. 121 :112, 1979.

6. BRICKER, DR; WUKASCH, DC: Successful managment of an injury to the suprarenal inferior vena cava. Surg. Clin. N. Am. 50:999,1970.

7. BUCHBERG, G; ONO, G; TOCORNAL, et aI.: Hypoten­sion following revascularization of anoxic liver: factors in­fluencing its occurence and prevention. Surgery. 64:446 , 1968.

8. CAPLAN, BB; HALAZS, NA; BLOOMER, WE: Ressec­tion and ligation of the supl'arenal inferior vena cava. J. UroI. 92:25, 1964.

9. CLAYMAN, RN; GONZALES, R; FRALEY, EE: Renal cell cancer invading the inferior vena cava: clinicaI review and anatomical approach. J. UroI.123:157, 1980.

10. COLN, D; BRIGHTON, J; SCHIRN, L: Successful mana­gement of hepatic vein injury from blunt trauma in chil· dreno Amer. J. Surg. 140:858, 1980.

11. DEFORE, WW; MATTOX, KL; JORDAN, GL; BEALL, ACJR: Management of 1950 consecutives cases of liver trauma. Arch. Surg. 183:243, 1976.

12. DEPINTO, LD; MUCHA, SJ; POWER, PC: Major hepa­tic vein ligation necessitated by blunt abdominal trauma. Ann. Surg. 183:243, 1976.

13. DEUCHER, F: Cava resekton mit renoportaler Anastomo­se. Helv. Chir. Acta. 28:81, 1961.

14. DOTY, JB; BERMAN, JR: Control of hepatic venous blee­. ding by transverse ballon catheter. Surg. GynecoI. Obstet.

131:449, 1970. 15. DUKE, JHJR; JONES, RC; SHIRES , GT: Management of

injuries to the inferior vena cava. Amer. 1. Surg. 110:759, 1965.

16. ERLIK, D; BARZILAI, A; SHRAMEK, A: Renal function after left realligation. 1. UroI. 93:540, 1965.

17. FELDEMAN, EA: Injury to the hepatic vein. Am. 1. Surg. 111:244,1966.

18. FERRIS, EJ; VITTIMBERG, J; BYRNE, JJ, et aI : The in· ferior vena car after ligation and plication. A study of colla­teral rou tres. Radiology. 89: 1, 1967.

19. FISH, JC: Reconstruction of the portal vein. case reports and literature review. Am. Surto 32:472, 1966.

20. FULLEN, WD; MCDONOUGH, JJ; PEPP, MJ, et alli: Sternal splitting aproach for major hepatic or retrohepatic vena cava injury. J. Trauma. 14:903, 1974.

21. GRAHAM, JM; MATTOX, KL; BEALL, AC; DE BEA· KEY, ME: Traumatic injuries of the inferior vena cava. Arch. Surg. 113:413, 1978.

22. HEANEY, JP; STANTON, WK; HALBERT, DS ; SEI­DEL, J: An improved technique for vascular isolation of the liver: experimental study and case reports. Ann. Tho· rac. Surg. 23:539,1977.

CIR. VASCo ANG. 5 (2) 25,33 , 1989

Page 9: TRAUMA DA VEIA CAVA INFERIOR

Juarez Tavora Nem Junior e cals.

23. HALPERN, N; ALDRETE, J: Factors influencing morta­lity and morbidity of injuries to the abdominal aorta and vena cava. Am. 1. Surg. 137:384, 1979.

24. JAFFE, MS: Fate of the left kidney after portorenal shunt. Amer.1. Surg. 113:671, 1967.

25. KASHUK, JL; MOORE, EE; MILLEKAN, JS; MOORE, JB: Major abdominal vascular trauma. A unifed approach. 1. Trauma. 22:672, 1982.

26. KEARNEY, GP; WATERS, WB; KLEIN, LA et alii: Re­sults of inferior vena c'ava resection for renal cell carcino­ma. 1. Uro!. 125:769, 1981.

27. LESPINASSE, V: Ligation of the vena cava above the renal veins with or without nefhrectomy. Quart. Buli Northwest Univ. Med. School. 21:312, 1947.

28. MASSOTE, J: CARDUSI, H: Resultats experimentaux des ligatures de la veine cava audessus des surrenales. Maroc. Med. 35:130,1956.

29. MATTOX, KL; ESPADA, R; BEALL, AJR: Traumatic in­jury to the portal vein . Ann. Surg. 181:519, 1975.

30. MCCULLOUGH, DL; GITTES, RF: Ligation of the renal vein in the solitary kidney: effects on renal function. 1. Uro!. 113:295, 1975.

31. MILLIKAN, JS; MOORE, EE; COGBILL, TH; KAS­HUK, JL: Inferior vena cava injuries. A continuing chal­lange.1. Trauma. 23:207, 1983.

32. MISRA, B; WAGNER, R; BONEV AL, H: Injuries of he­patic vein and retrohepatic vena cava. T. Amer. Surgeon. 49(1):55, 1983.

33. MISSAL, ME; ROBINSON, SA; TANTUM, RW: Inferior vena cava obstruction: clinicai manifestations, diagnostic methods and related problems. Ann. Intern. Med. 62:133, 1965.

34. MULLINS, RJ; LUCAS, CE; LEDGERWOOD, AM: The natural history following venous ligation for civilian inju­ries. 1. Trauma. 20:737, 1980.

35. OSCHNER, JL; CRA WFORD, ES; DEBEAKEY, ME: In­juries of the vena cava caused by externai trauma. Surgery. 49:397, 1960.

36. PACHTER, HL; DRAGER, S; GODFREY, N et ai: Trau­matic injuries of portal vein. The role of acute ligation. An­nals of Surg. 189:383, 1979.

37. PACHTER, LH; SPENCER, FC; HOFSTETTER, SR, et ai: The management of the juxtahepatic venous injuries wi­thout an atriocaval shunt. Preliminary clinicai observa­tions. Surgery. 99:569, 1986.

38. PATHAK, IC: Survival after right nephrectomy excision of infrahepatic vena cava and ligation of renal vein. A case re­port. J. Uro!. 106:599, 1971.

39. PILCHER, DB; HARMON, PK, MOORE, EE: Retrohe­patic vena cava ballon shunt introduces via the safenofemo­raljunction. 1. Trauma. 17:837. 1977.

CIR. V ASC. ANG. 5 (2) 25, 33, 1989

Trauma da veia cava inferior

40. PATERSON, NE; MILLIKAN, JS; MOORE, EE: Combi­ned renal and vena cava trauma: A review of personal and recorded experience. 1. Ul'ology. 133:567, 1985.

41. PRINGLE, JH: Notes on the arrest of hepatic hemorrhage due trauma. Ann. Surg. 48:541 , 1908.

42. QUAST, DC; SHIRKEY, A; FITZGERALD, JB et ai: Surgical correction of injuries to the vena cava. An analysis of 61 cases. J. Trauma. 5:1, 1965.

43. RA VICUMAR, S; ST AHL, WM: Intraluminal ballon ca· theter occlusion for major vena cava injuries. 1. Trauma. 25(5):458, 1985.

44. RICH, NM; HUGHES, CW; BAUGH, IH: Management of venous injuries. Ann. Surg. 171;724, 1970.

45. RIPSTEIN, CB; SEROPIAN, D; SCHOR, G and LEVI­NE, A: Obstruction of the inferior vena cava above the re­nal veins. Surg. Forum. 3:292, 1952.

46. ROBINSON, LS: The colateral circullation following liga­tion of the inferior vena cava. Surgery. 25:329, 1949.

47. ROOBS, N; COSTA, M: Injuries to the great veins of the abdomen. South. African. J. Surg. 22(4):223, 1986.

48. SCHROCK, T; BLAISDELL, WF; MATHEWSON, C: Management of blunt trauma to the liver and hepatic veins. Arch Surg. 96:698, 1968.

49. SIDERYS, H; KTEMAN, JW: The effects of acute occlu­sion on the renal vein in d02S. SUr2ery. 159:282. 1966.

50. STARZL, TE;, KAUPP, HAJR; BEHELER, EM et ai: Pe­netranting injuries of the inferior vena cava. Surg. Clin. N. Amer. 43:387,1963.

51. THAL, ER; PERRY, MO: Peripheral and abdominal vas­cular injuries. In Rutherford, R.B ., Philadelphia, W.B. Saunders Co. pg 448, 1977.

52. TURPIN, I; STATE, D; SCHWARTZ, A: Injuries to the inferior vena cava and their management. Amer. 1. Surg. 134:25, 1977.

53. WAKE}'IELD, EG; MAY, EW: Obstruction of the vena cava distai to the renal veins. J. Missouri Med. Ass. 31:92, 1934.

54. W ALT, AJ: The mythologic of hepatic trauma - or Babel revisited. Am. J. Surg.135:12, 1978.

55. WEICHERT, RF 111: HEWITT, RL: Injuries to the infe­rior vena cava. Report of 35 cases. 1. trauma. 10:649, 1970.

56. WEICHERT, RF; HEWITT, RL; DRAPANAS, T: Blunt injury to intrahepatic vena cava and hepatic veins with sur­viva!. Am. J. Surg.121:322, 1971.

57. WELCH, CE; MALT, RA: Abdominal surgery. N. Eng!. J. Med. 308:685, 1983.

58. YELLIN, AE; CHAFFEE, CB; DONOVAN, AJ: Vascular isolation in treatment of juxtahepatic venous injuries. Arch. Surg. 102:566, 1971.

33